Fundamentos de Toxicologia [4 ed.] 8574541079, 9788574541075

O livro, inicialmente dedicado aos estudantes dos cursos de farmácia, traz agora toda a atualização científica necessári

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Créditos
COLABORADORES
AGRADECIMENTOS
PREFÁCIO À QUARTA EDIÇÃO
PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO
SUMÁRIO
PARTE 1. BASES DA TOXICOLOGIA
1.1 INTRODUÇÃO À TOXICOLOGIA
1.2 TOXICOCINÉTICA
1.3 TOXICODINÂMICA
1.4 AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE
1.5 AVALIAÇÃO DO RISCO
1.6 TOXICOLOGIA IN VITRO
1.7 RADICAIS LIVRES E ANTIOXIDANTES
1.8 MUTAGÊNESE E CARCINOGÊNESE
1.9 TOXICOLOGIA DA REPRODUÇÃO
1.10 CONTROLE TERAPÊUTICO
1.11 EPIDEMIOLOGIA APLICADA À TOXICOLOGIA
1.12 IMUNOTOXICOLOGIA
1.13 METABOLÔMICA APLICADA À TOXICOLOGIA
PARTE 2. TOXICOLOGIA AMBIENTAL
2.1 ECOTOXICOLOGIA
2.2 POLUENTES DA ATMOSFERA
2.3 QUALIDADE DO AR EM AMBIENTES INTERNOS
2.4 MATERIAIS RADIOATIVOS E RADIAÇÃO IONIZANTE
2.5 DOMISSANITÁRIOS E PLANTAS ORNAMENTAIS
2.6 CONTAMINANTES DA ÁGUA E DO SOLO
2.7 CONTAMINANTES EMERGENTES DA ÁGUA
2.8 CIANOBACTÉRIAS E MICROALGAS TÓXICAS EM AMBIENTES AQUÁTICOS
2.9 TOXINAS DE ANIMAIS PEÇONHENTOS
PARTE 3. TOXICOLOGIA OCUPACIONAL
3.1 MONITORAMENTO AMBIENTAL E BIOLÓGICO
3.2 AGENTES METEMOGLOBINIZANTES
3.3 SOLVENTES ORGÂNICOS
3.4 PRAGUICIDAS
PARTE 4. TOXICOLOGIA SOCIAL E MEDICAMENTOS
4.1 DROGAS DE ABUSO
4.2 OPIÁCEOS E OPIOIDES
4.3 ESTIMULANTES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
4.4 BARBITÚRICOS
4.5 BENZODIAZEPÍNICOS
4.6 ETANOL
4.7 INALANTES
4.8 TABACO
4.9 CANNABIS
4.10 ALUCINÓGENOS
4.11 DROGAS SINTÉTICAS
4.12 ANTI-INFLAMATÓRIOS
4.13 FITOTERÁPICOS
4.14 TOXICOLOGIA OCULAR
4.15 ANÁLISES TOXICOLÓGICAS DE EMERGÊNCIA
PARTE 5. TOXICOLOGIA DE ALIMENTOS
5.1 METAIS EM ALIMENTOS
5.2 MICOTOXINAS EM ALIMENTOS
PARTE 6. DOPAGEM
6.1 DOPAGEM NO ESPORTE
6.2 ESTEROIDES ANABÓLICOS ANDROGÊNICOS
6.3 DOPAGEM NOS ESPORTES POR DIURÉTICOS
6.4 DOPAGEM NOS ESPORTES POR CAFEÍNA
6.5 DOPAGEM EM ANIMAIS DE COMPETIÇÃO
PARTE 7. TOXICOLOGIA CLíNICA
7.1 FUNDAMENTOS DE TOXICOLOGIA ClÍNICA
PARTE 8. TOXICOLOGIA FORENSE
8.1 TOXICOLOGIA FORENSE
8.2 TOXICOLOGIA POST MORTEM
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 8574541079, 9788574541075

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Fundamentos de

TOXICOLOGIA Quarta edição

EDITORES

Seizi Oga Professor Titular de Toxicologia do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da

Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo.

Márcia Maria de Almeida Camargo Mestre em Toxicologia pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo.

José Antonio de Oliveira Batistuzzo Farmacêutico~Bioquímico

pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo.

EDITORA ATHENEU

SãoPaulo -

RuajesuínoPascoa/,30 Td:(/1)2858-8750 f'ax:(/1)2858-8766 E-rnail:[email protected]

Rio de janeiro -

RuaBambina, 74 Te/.:(21)3094-1295 f'ax:(21)3094-1284 E-rnail:[email protected]

BeloHorizonre - RuaDomingos Vieira,319 - conj.l./04

Sem autorização escrita, nenhuma pane do livro poderá, de forma alguma, ser reproduzida (seja por fotocópia, microfilme ou outro método), nem ser adaptada, reproduzida ou distribuída mediante aplicação de sistemas eletrônicos,estandooinfratorsujeitoàspenalidadesprevistasnoCódigoPenal.asaber:redusãodeumaquatroanos. Desenvolvimento editorial e gráfico: Know-How Editorial Capa: Know-How Editorial

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Zõllti..n.i--~Ç;,o : IUôO r~ de! ~ttllõ­

viri.t. cu.Loill:lult".wo:r:.. . Bi..hl..iograti. . ~~,.--~..._a Medição direta da dose potencial de contato (barreira externa do organismo), realizada enquanto ocorre a exposição, mensurando e, posteriormente, integrando esta dose com o tempo de exposição. Pode ser realizada por técnicas de monitoramento individual. Exemplo: Dosimetria passiva para avaliar a exposição ocupacional aos praguicidas. I>) Medição da concentração do agente químico no meio, onde ocorre o contato (exposição), realizada por mensurações ambientais em função do tempo de exposição. Essas mensurações se dão nos cenários de exposição e são conhecidas como medidas indiretas da exposição. Exemplo: Monitoramento ambiental do ambiente de trabalho. •> Estimativa de dose potencial, determinada pelos indicadores internos (biomarcadores de efeito e dose interna) após a exposição ter ocorrido. Essa medida indireta pode ser obt ida por estudos de biomonitoramento. Exemplo: Mon itorização biológica da exposição ocupacional (indicadores de dose interna e de efeito). Essas três fo rmas de qua ntificação da exposição ou da dose potencial são independentes, uma vez que são baseadas em dados ou estudos distintos. 1:. importante ressaltar que todas essas formas têm limitações, todavia a credibilidade da avaliação de exposição e do risco pode ser mel horada pela utilização concomitante de uma delas. Dados qualitativos obtidos por meio de questionários e de modelos de dispersão também são freq uentemente uti lizados. A avaliação da exposição pode requerer a determinação das emissões, dos meios, das vias de movimentação e da biodegradação da substância, de for ma a estimar a concentração à qual pode estar exposta a população humana e/ou os compartimentos ambientais, como água, solo e ar. Dependendo do propósito da avaliação, a estimativa da exposição pode resultar em uma frequência ou, então, em dados numéricos, que representem a intensidade, a taxa e a duração da exposição. A dose de contato obtida ou calculada é expressa geralmente em mg/kg de peso corpóreo/dia, para facilitar a comparação com os dados obtidos na caracterização do perigo. A aval iação da exposição é uma etapa fundame ntal do processo de avaliação do risco, uma vez que, se não houver exposição, até mesmo uma substância altamente tóxica não representa uma ameaça.

·····flfMI 5.

Parte 1

BASES DA TOXICOLOGIA

CA RACTERIZAÇÃO E MAN EJO DO R ISCO

A caracterização do risco é a etapa final desta avaliação e en volve a predição da frequência e da severidade dos efeitos adversos numa população exposta. A caracterização do risco integra os dados obtidos com identificação do perigo,

caracterização do perigo e da exposição, gerando evidências sobre o risco da exposição a um agente químico, sob determinadas condições, para a tomada de decisões fu tu ras.

De fo rma geral, na caracterização do risco compara-se o nível de dose selecionado dos estudos de toxicidade com a dose média d iária de exposição calculada, levando em consideração os fatores de incerteza adotados. Por exemplo, a caracterização do risco da população exposta aos resíduos de praguicidas por meio da dieta pode ser obtida comparando-se a exposição diária estimada a este produto (dieta), com a IDA. Esta é calculada pela divisão do valor de Noael escolhido, conforme descrição na seleção de endpoints, pelos fatores de incerteza. Para demonstrar segurança, a exposição por meio da die ta nunca deve exceder a IDA. No caso da caracterização do risco ocupacional, pode-se calcular a margem de exposição (MoE) por meio da divisão do valor do Noael de escolha pelo valor estimado de Exposição Diária Total (calculado na etapa de avaliação da exposição). Para ser considerada como aceitável, a margem de exposição deve ser no mínimo igual ou maior que o valor considerado na adoção dos fatores de incerteza. Geralmente, considera-se o valor mínimo de lOO (MoE capacidade maior ou menor de absorver fá rmacos por me canismos que exigem a presença de transportadores (influxoeefluxo);

4-8 mg/L 10-20 mg/ L Vancomicina

•> capacidade de distribuir o fármaco relacionado à sua maior

10-20 mg/L {vale) 35-70 mg/l{pico/dose-dependente)

ou menor afinidade às proteínas plasmáticas ouligantes no tecido(intraeextracelulares); menor de biotransformar o fármaco por meio da oxidação, redução ou hidrólise (reações de fase I) e da conjugação (reações de fase 2) e promover a sua excreção urinária ou biliar; presença de estado de doença e alteração fisiológica relacionada aos extremos de idade (recém -nascidos e idosos) e à gestação;

•> capacidade maior ou De forma complementar, a modelagem farmacocinética -farmacodinâmica (PK/PD) correlaciona as características cinéticas do fármaco ao efeito farmacológico; a janela te rapêutica definida a partir da aplicação da modelagem PK/ PD modelo temporal farmacodinãmico log linear evidenciou correlação linear entre a transformação logarítmica das concentrações

•>

Co111role Terapéutiw

•> interação entre fármacos ao nível de absorção, de distribuição, de biotransformação e de excreção urinária ou biliar. Considera-se que a concentração plasmática mínima (C" min) ou concentração de vale seja o melhor parâmetro para estimativa do acúmulo do fármaco resultante da farmacoterapia de doses múltiplas. Esse parâmetro pode variar muito ou pouco em função da maior ou menor variabilidade disposicional desse fármaco para um mesmo regime de dose, considerando-se, ainda, a mesma prescrição a uma população constituída por grande número de pacientes, adultos, por exemplo. Assim, para um fármaco, a alta variabilidade interindivíduos resulta da grande diferença registrada para as concentrações plasmáticas no decurso do tempo, a partir da prescrição de um mesmo regime posológico. Essa variabilidade é primeiramente atribuída a fatores que inOuenciam o sistema LADME (liberação, absorção, distribuição, metabolização e excreção), mas out ros fatores podem ainda estar relacionados a estados de doença como alterações de perfusão, insuficiência cardíaca, disfunção hepática ou insuficiência renal, que podem comprometer substancialmente a distribuição ou a eliminação de fármacos ou ambos. Outras condições, como obesidade, gestação, extremos de idade (recém-nascidos de termo ou de pré-termo e idade avançada) e hábitos, também podem alterar esses processos e devem ser considerados na individualização dos regimes de dose constantes na posologia e na bula do fabricante. Assim, o controle terapêutico de um fármaco contribui para a manutenção de concentrações (plasmáticas, séricas ou sanguíneas) dentro da janela terapêutica, garantindo maximização da eficácia e a minimização de eventos adversos pela farmacoterapia dose ajustada. Entretanto, os resultados laboratoriais por si só não contribuem de forma definitiva e devem ser sempre interpretados em relação ao estado clínico do paciente e ao atendimento à prescrição médica. Por sua vez, o controle terapêutico não é indicado no ajuste de dose para fármacos cuja eficácia pode ser rapidamente avaliada pela simples medida, por exemplo, da pressão arterial durante a terapia anti-hipertensiva, ou pela glicemia/fita dextro no controle da farmacoterapia hipoglicemiante, ou ainda no monitoramento da farmacoterapia anticoagulante com a varfarina por meio do tempo de protrombina (TP) e do tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA) para a heparina. O controle terapêutico deve ser ponderado, pois representa um ônus a mais no tratamento; portanto, deve estar reservado apenas para o ajuste de dose de fármacos de baixo índ ice terapêutico. Dessa forma, sua realização requer a utilização de ensaios laboratoriais e operacionais de simples a mais complexos para a determinação da concentração do fármaco, de forma geral, no plasma ou soro do paciente. A interpretação dos resultados se faz pela comparação entre o dado obtido pelo regime de dose prescrito e a faixa de referência (janela terapêutica defi nida entre C" min e C"m.J A alteração da prescrição de regime posológico com base no suporte laboratorial envolve o processo de tomada de decisão da equipe médica que assiste o paciente. Consequentemente, a maior vantagem do controle terapêutico é o fornecimento de suporte laboratorial ao clinico, alteração do regime de dose, atingindo o sucesso terapêutico, pela farmacoterapia eficaz e segura. Considerando-se ainda as características farmacocinéticas, alguns fármacos mostram boa correlação entre as concentra-

ME:t.J····

ções plasmáticas e a resposta farmacológica, como ilustrado anteriormente nas Figuras 5 e 6, e, com relação aos fármacos de baixo índice exemplificados na Tabela I, o controle terapêutico está indicado nas situações referidas a seguir •> há boa correlação entre resposta farmacológica e concentração plasmática, permitindo predizer os efeitos farmacológi cos com base na alteração das concentrações plasmáticas no intervalo entre a administração de doses consecutivas; •> registra-se alta variabilidade interindivid uos para as concentrações plasmáticas do fármaco após a mesma dose ou regime de dose; •> o fármaco possui baixa margem de segurança, isto é, as concentrações efetivas estão muito próximas das concentrações em que se registram eventos adversos importantes; •> o fármaco possui janela terapêutica estreita para o regime de dose usual contido na prescrição médica; os efeitos farmacológicos desejados não podem ser obtidos rápida e facilmente como ocorre para os anti-hipertensivos, hipoglicemiantes e anticoagulantes. O controle terapêutico, contudo, está limitado nas seguintes situações: janela terapêutica não está bem defi nida; •> formação de metabólitos ativos dificulta o ajuste de dose; presença de efeitos tóxicos tanto para baixas quanto para altas concentrações sanguíneas do fármaco. O controle terapêutico também será de grande aplicabilidade quando as concentrações do fármaco no pico e no vale podem estar relacionadas a alterações da fa rmacocinética. Assim, a farmacoterapia dose ajustada demandará de conhecimento adicional e da estimativa de alguns parâmetros, como a meia-vida biológica, a área sob a curva, a depuração plasmática e o volume aparente de distribuição. Os conceitos fundamen tais desses parâmetros e as respectivas unidades bem como equações para sua estimativa se encontram referidos no Apêndice deste Capitulo. Adicionalmente, o fármaco é administrado na forma de medicamento e obedece a um regime de dose ou posologia contido na prescrição médica; a du ração do tratamento e oregime de dose dependem do alvo terapêutico, do seguimento do tratamento e do desfecho clínico, com o objetivo de cura ou do controle da doença. Dada a complexidade do gerenciamento terapêutico do paciente, devem-se considerar os fatores relacionados à administração do medicamento, ao regime de dose contido na posologia (dose e o respectivo intervalo entre doses), às transferências do fârmaco no organismo, incluindo a perda por eliminação, e ao efeito farmacológi co, ressaltando-se a necessidade de um balanço desses elementos para a manutenção eficaz e segura da farmacoterapia

•>

•> •>

2.

CO N T RO L E TER APÉ"UTICO P ELA C OLET A DE AM O ST RAS SANGU IN EAS

O monitoramento das concentrações plasmáticas prevê a coleta de amostras sanguíneas em momentos estratégicos; verifica -se que o período requerido para atingir o estado de equilíbrio na farmacoterapia de doses múltiplas é da ordem de sete meias-vidas (Tabela 2). Entretanto, considera-se aceitável a coleta de

•••••m•fli

Parte 1

BASES DA TOXICOLOGIA

(1)

sangue para o controle terapêutico e o ajuste de dose a partir do intervalo de tempo compreendido entre 4 e 6 meias-vidas biológicas, que já representa a quase totalidade do estado de equilíbrio atingido.

Na prática, exige-se o tempo de tratamento de no mínimo cinco meias -vidas biológicas para se proceder a coleta de sangue do paciente que necessita de terapia dose ajustada por meio do controle terapêutico, considerando-se estreita faixa e baixo índice terapêutico para o fármaco a ser monitorado. Excetuam-se aqueles casos específicos de suspeita de intoxicação pelo medicamento, quando a amostra pode ser colhida em qualquer ho-

rário do intervalo de dose Na Tabela 2, a percentagem do estado de equilíbrio atingido se encontra relacionado ao número de meias-vidas biológi cas ou tempo requerido na farmacoterapia de doses múltiplas com vistas a se atingir o estado de equilíbrio

Tabela 2. Porcentagem do estado do equilíbrio atingido em função do tempo de duração da farmacoterapia de doses múl tiplas expresso pela meia-vida biológica do fármaco. Numero deme1as v1das b1ol6g1cas

0,5

Porcentagem do estado de equllllmoatmg1do

29 50

75 88 94 97

98 99

O estado de equilíbrio é atingido pela administração de doses múltiplas, sendo que administração da dose subsequente do tratamento deverá apenas repor a fração da dose anterior perdida naquele intervalo entre doses consecutivas; dessa forma, os picos e os vales se sobrepõem no intervalo de doses e o equilíbrio é atingido. No controle terapêutico de forma geral, prevê-se a coleta de amostras sanguíneas no pico (concentração máxima após administração da medicação) e no vale (concentração mínima após administração da medicação ou imediatamente antes da dose subsequente). O pico de concentração do fármaco é proporcional a dose administrada, enquanto que o vale é proporcional ao seu acúmulo no organismo. O vale depende fundamentalmente do intervalo entre doses e da constante de velocidade de eliminação que varia de forma inversa ã meia-vida biológica. Contudo, o gerenciamento terapêutico do paciente pelo clínico pode ser realizado com base no resultado do controle terapêutico anterior para fármacos que obedece à far macocinética linear. Assim, conhecendo-se os parâmetros cinéticos (volume aparente de distribuição e a constante de velo cidade de eliminação), estimados anteriormente para esse paciente, e o novo regime posológico (dose e intervalo entre doses), podem -se estimar o pico e o vale em função da nova dose administrada por meio das Equações I e 2, considerando-se sempre o mesmo paciente, nas mesmas condições clinicas em que foi realizado o controle anterior.

121 Onde: D é a dose; C é a concentração no pico ou no vale; V é o volume aparente de distribuição; Kel é a constante de velocidade de eliminação; e t é o intervalo entre duas doses consecutivas. Na prática clínica, o controle terapêutico é realizado no laboratório pela quantificação das concentrações plasmáticas do fármaco, utilizando-se de métodos previamente desenvolvidos e validados. Destacam-se para fins de atendimento a demanda de solicitações de exames laboratoriais de determinação de fármacos em matrizes biológicas, sendo economicamente viáveis no laboratório de rotina, os métodos cromatográficos e os não cromatogrâficos com aplicação da espectrofluorimetria, da espectrometria de absorção e emissão atômica e de imunoensaios utilizando anticorpos polidonal e monodonal especifico. A escolha do método analítico pela equipe de gerenciamento e supervisão do laboratório dependerá da urgência maior ou menor do médico na obtenção do resultado para a tomada de decisão com relação ao segu imento da farmacoterapia. De for ma geral, nas unidades hospitala res, o monitoramento sanguíneo do fármaco é realizado no laboratório central por meio dos kits de imunoensaios, pela facilidade de processamento das análises, instrumento de automação que pode operacionalizar as demais dosagens bioquímicas realizadas de rotina. Os métodos que utilizam a cromatografia líquida de alta eficiência com detectores ultravioleta, visível e de fluorescência são preferidos no monitoramento plasmático pela seletividade, sensibilidade e versatilidade, ao passo que os métodos não cromatográficos de imunoensaio, apesar da limitação relacionada à seletividade, são os escolhidos pela rapidez, facilidade técni co-operacional, custeio de reagentes e de manutenção facilitados pelo tipo de cont rato em comodato estabelecido entre a instituição e a empresa autorizada pela venda dos kits comerciais e prestação de serviços especializados para a instrumentação analítica dc automação destinada aos grandes laboratórios clínicos. Com relação ao monitoramento do lítio plasmático para o controle de pacientes psiquiátricos portadores de síndrome maníaco-depressiva na (armacoterapia a longo prazo, destaca-se ainda a necessidade de aplicação da técnica de espectrometria de absorção atômica, altamente especifica e de alta sensibil idade. No caso dos métodos cromatográficos, deve-se desenvolver o método c validar previamente o procedimento pela determinação de parâmetros exigidos na legislação nacional e internacional, para a quantificação de fármacos em matrizes biológicas: •> especificidade; •> linearidade (7-10 calibradores, equação de regressão e coeficientedecorrelaçãolinear); •> curva de calibração diária será utilizada pela aceitação dos controles internos de qualidade realizada na mesma corridaanalitica;

•> limites de quantificação e detecção; •> precisão e exatidão (intra e interdias); lf) recuperação da extração (absoluta e relativa);

Co111role Terapéutico

•> estudos de robustez (variações nas condições analíticas). Adicionalmente, é fundamental ainda a determinação da estabilidade do fármaco por meio de estudos de curta, média e longa duração: •> estabilidade das soluções-padrão; estabilidade pós-processamento; •> ciclos de congelamento/descongelamento da matriz biológica; •> estudos do fármaco adicionado às matrizes biológicas de curta (4 a 24 horas) e longa duração (I até 18 meses). Destacam-se, ainda, alguns fatores de erro na determinação das concentrações plasmáticas relacionados às seguintes situações: •> coleta das amostras sa nguíneas (engano do horário da dose ou anticoagulantes ou estabilizantes); •> erro de medicação (tomada); •> diferente biodisponibilidade de formulações (paciente recebia a referência e, pela falta desta, passou a receber um genérico ou similar); •> cronofarmacocinêtica (alterações da disposição cinética nos períodos dia/noite); •> método analítico não validado (desvio de protocolo); •> armazename nto inadequado de matrizes biológicas (desvio de protocolo); •> variáveis relacionadas ao paciente com alteração importante (perfusão cardíaca, renal, hepática);

•>

•> variáveis relacionadas à formulação farmacêutica (diferença na velocidade de absorção com consequência cinética na absorção e na elimi nação para as formulações de liberação prolongada). O controle terapêutico realizado por meio da cromatografia líquida, pela alta versatilidade, possibilita a análise simultânea de uma série de fármacos e, ainda, a análise simultânea do fár maco inalterado e de seus produtos de biotransformação na mesma matriz biológica em uma única corrida analítica. Além disso, essa técnica representa 95% da demanda relativa ao monitoramento plasmático de fármacos, ao passo que o imunoensaio é aplicado a cerca de 4% dos casos pela limitação de kits comerdais no mercado. O controle terapêutico possibilita a individualização de dose, a melhoria da aderência ao tratamento, a diferenciação entre refratariedade e ineficácia, e o controle da toxicidade, bem como contribui no estabelecimento de esquema terapêutico não convencional para pacientes de risco, garantindo terapia dose ajustada, com a maximização dos efeitos terapêuticos e minimização de eventos adversos e toxicidade. Os fatores que contribuem para a baixa aderência do paciente ao tratamento são o grande número de doses/dia, sabor ou odor desagradável, tamanho ou forma inadequada, falsa sensação de cura, presença de eventos adversos, polifarmácia, falta de colaboração do paciente e tratamento irregular. Os resultados obtidos por meio do controle terapêutico são emitidos em laudo de exame, devendo ser sempre interpretados com as condições clínicas do paciente e as características farmacocinéticas e farmacodinám icas do fármaco e do regime posológico empregado, bem como deve-se conhecer toda medicação associada. Finalmente, os requisitos básicos que justificam e viabilizam o controle terapêutico de fármacos podem ser sumariza-

MIIEN····

dos por: avaliação difícil da resposta clínica, quando existe ótima correlação entre eficácia e as concentrações plasmáticas do fármaco; os sinais de toxicidade do fármaco são muito semelhantes aos da doença; presença de alta variabilidade interindividual; o fármaco possui baixa margem de segurança e estreita janela terapêutica; permite avaliação de aderência; mostra rapidez na obtenção dos resultados; e tem custo instrumental e operacional aceitáveis.

3.

LI GAÇÃO DE FÃRMACOS ÀS PROTEINAS PLASMÁTICAS

O controle terapêutico, de maneira geral, é realizado com dados da concentração plasmática do fármaco total (fração livre + fração ligada às proteínas plasmáticas). No entanto, na ocorrência de alterações na ligação do fármaco às proteínas plasmáticas, a concentração do fármaco total não mais reflete a concentração livre ou farmacologicamente ativa no plasma. Os fármacos de ligação à proteína plasmática inferior a 80% não são candidatos para o controle da concentração livre no plasma, considerando que a variação na ligação do fármaco à proteína plasmática não resulta em alteração clinicamente significativa na concentração livre do fármaco. Adicionalmente, a importância da fração livre está relacionada, ainda, à natureza do ligante plasmático. O cont role da concentração do fár maco livre no plasma é recomendado para a fenitoína, o ácido valproico e a carbamazepina em pacientes urêmicos ou com doença hepática crônica, nos portadores de hipoalbuminemia (pacientes com queimaduras, idosos, gestantes) e naqueles tratados concomitantemente com fármacos conhecida mente competidores (salicilatos, ibuprofeno, naproxeno, ácido mefenâmico, fcnoprofeno c varfarina), que podem atuar como agentes deslocadores dos anticonvulsivantes dos sítios de ligação do fármaco às proteínas plasmáticas. O controle terapêutico da fração livre de agentes imunossupressores (ciclosporina A, tacrolimus, sirolimus, ácido micofenólico) e de inibidores da protease também aprese nta relevância clínica; no entanto, devido à dificuldade técnica e indisponibilidade no mercado de kits comerciais, o monitoramento da fração livre desses agentes se encontra ainda em fase de pesquisa. Adicionalmente, a determinação da fração livre plasmática da lidocaí na e da quinídina é importante para os pacientes com insufi ciência renal ou após infarto do miocárdio, uma vez que outros ligantes podem estar disponíveis nessas sit uações.

Tabela 3. Proteinas plasmáticas ligantes para fármacos de alta extensão de ligação na circu lação sistêmica. Concenlraçao

Protema

no plasma mz%

Albumina

3,5-4,5

~.Giicoproteina

ácida i upoproteína

Tipo de

l1gaçao Aniõn ica Catiõn ica

Farmaco Fenitoina

0,04-0.10

Catiõnica

Lidocaína

Variável

Lipofílica

CiclosporinaA

•••••m•ijli

Parte 1

BASES DA TOXICOLOGIA

A individual ização da dose de fenitoína com base nas con centrações plasmáticas representa um processo complexo em razão da alta ligação às proteínas plasmáticas e da farmacoci nética não linear que ocorrem nas doses terapêuticas. A ligação da fenitoína às proteínas plasmáticas se encontra reduzida

nos pacientes com hipoalbuminemia, situação em que ocorre redução da concentração plasmática total, uma vez que a fra ção livre se torna disponível para distribuição, metabolismo e eli minação. As possíveis consequências clínicas são apenas transitórias, no entanto o conhecimento de que a concentração plasmática de fe nitoina total se e ncont ra reduzida na hipoalbuminemia contribui para a redução do risco em decisões terapêuticas inapropriadas.

A ligação da fenitoína à albumina plasmática é de 90%, nas situações em que o paciente apresenta albuminemia dentro dos valores de normalidade; entretanto, nos casos de redução da albumina, ligante proteico principal do fármaco plasmático, recomenda-se a utilização da normalização dos resultados obtidos para a concentração plasmática da fenitoina do paciente com hipoalbuminemia por meio das Equações 3 e 4, a partir da razão entre a albuminemia do paciente e a albuminemia de 4,4 gldL (valor de normalidade tomado como referência).

C,

(1-fu) [P '/ P, ] + fu

lim ite inferior da janela terapêutica eq. 10 mg/L = 10 mg/ L x (0,9 x 0,48) [P' I PN] + 0,1

(7)

Limite superior da janela terapêutica eq. 20 mgiL = 20 mgi L x (0,9 x 0,48) [P' I PN] +0,1

(8)

Adicionalmente, a fenitoína sofre ainda deslocamento do sítio de ligação proteico por outros fármacos antico nvulsivantes como no caso do ácido valproico, cuja janela terapêutica estabelecida varia de 50 a 100 mgi L. Em concentrações plasmáticas abaixo de 30 mg/ L, esse fármaco não atua como agente deslo cador; entretanto, em concentrações acima de 70 mg/ L, desloca em 60% a fen itoína dos sítios de ligação às proteínas plasmáticas, aumentando a fração livre de feni toína em mais de duas vezes; então, por meio da Equação 9, é possível estimar a concentração de fenitoína com ligação plasmática normalizada pela ocorrência de deslocamento desse fármaco dos sítios de ligação da albumi na pelo ácido valproico que ocorre em altas concentrações na circulação sistêmica. Nesse caso, considera-se que a concentração plasmática de ambos os fármacos estão sendo medidas pela coleta de sangue no mesmo período.

c, [o.o9s

(3)

+

(o.ool)(c,..)] (c.,,,.)

(9}

O, I

Onde: CN é a concentração do fármaco após a correção da al bumina plasmática; CDPH é a concentração obtida no laboratório para a fenitoina (paciente com hipoalbuminemia); fu é a fração livre do fármaco (valor tabelado 0,1 para albuminemia normal); P': albuminemia do paciente em g/dL; PN: 4,4 g/dL valor de referência para albumina plasmática. Substituindo fu na equação tem -se a equação da fenitoína plasmática no paciente normalizada com albuminemia reduzida (Equação 4): (4)

Nos casos de maior complexidade de pacientes com hipoalbuminemia e insuficiência renal grave (clearance da creatinina > 25 mL!min), utiliza-se a correção da janela terapêutica recomendada entre \0 e 20 mg/L, como referido nas Equações 5 e 6, considerando-se a normalização da albuminemia. Limite inferior da janela terapêutica eq. 10 mgi L "' 10 mgiL x (0,9) [P' I PN] + 0,1

(5)

Limite superior da janela terapêutica eq. 20 mg/ L "' 20 mg/mL x (0,9) [P' I PNI + 0, 1

(6)

Onde: Ct-~ é a concentração da fenitoína corrigida para ligação ao !igante plasmático; CDPH é a concentração obtida no laboratório para a fenitoina (paciente com interação VPA sobre a DPH ); 0,1: fu é a fração livre do fármaco (valor tabelado 0,1 para albuminemia normal). Contudo, a situação se torna ainda mais complexa uma vez que o ácido valproico atua como inibidor do metabolismo da fenitoína com consequente redução de seu clearance intrínseco. Assim, após o processo de redistribuição, a concentração livre de fenitoina não retoma aos valores basais e permanece aumentada. A magnitude do aumento da concentração plasmática livre de fenitoína é variável e depende das concentrações plasmáticas de ácido valproico. A concentração plasmática total de fenitoína pode estar inalterada, reduzida ou até aumentada na situação de interação com o ácido valproico. Conhecer a concentração plasmática total de fenitoina pode ser útil na farmacoterapia dose ajustada para os pacientes com coadministração de ácido valproico, no entanto o aumento da fração livre de fenitoina não pode ser desconsiderado.

4.

Nos pacientes com hipoalbuminemia e hemodiálise (clearance da creatinina CIM

Antimicrobianos

ji-lactâmicos carbapenêmicos linezol ida eritromicina claritromicina lincosamida

3M#i!IMMMMM

3.iit#4MMMDMi4iJW&,ilf

fluoroquinolonas aminoglicosfdeos metronidazol telitromicina daptomicina

fluoroquinolonas aminoglicosideos azitrom icina tetraciclina vancomicina tigeciclina anfotericinaB fluconazol

Antifúngicos

Abreviaturas:j%T > CJM: período de tempo em que a concentração plasmática (medida irt vivo) permanece acima da concentração in ibitória mínima (medida in vitro); C"m..fCIM: razão concentração plasmática máxima (medida in vivo) e concentração inibitória mínima (medida in vitro); ASC" 0.u,/CIM: razão da Área Sob a Curva de concentração plasmática versus tempo de Oa 24 horas (medida in vivo) e a concentração inibitória mínima (medida in vitro).

Variabilidadefarmacocinét ica genética. estado de doença, alterações fisiológicas e interações

Ressalta-se ainda que o alvo farmacodinãmico baseado na farmacoterapia se encontra no patógeno com todas as suas características individuais, de agressividade e capacidade de adaptação e sobrevivência no organismo do hospedeiro em função do desenvolvimento de mecanismos de defesa e resistência em curto período cont ra o agente anti-infeccioso.

Variabilidadefarmacod inãmica Hospedeiro

Eventos adversos Toxicidade Interações

Figura 9. Diagrama com as características de variabilidade farmacocinética e farmacodinãmica pela administração sistêmica de agentes anti-infecciosos ao hospedeiro e variabilidade farmacodinãmica no patógeno. Alvos: controle da infecção no paciente e morte do patógeno. Apesar de atualmente se poder contar com essas fer ramentas que permitem a alteração segura da prescrição para os agentes anti-infecciosos, o dilema do médico se inicia na UTI quando há suspeita de infecção no paciente critico internado (p. ex., sepse); então, com base na evolução clínica do paciente, parte-se em busca do foco da infecção pela coleta dos possíveis Ou idos e secreções do paciente, além de investigação criteriosa dos cateteres, sondas e tubos destinados a ventilação. Assim, o intensivista opta pelo agente de amplo espectro mais apropriado à situação clínica do paciente e prescreve o antimicrobiano no regime de dose inicial recomendado no manual da CC IH. Se o problema persistir, o próximo alvo será encontrar o foco

da infecção pelo isolamento do patógeno durante o seguimento do paciente na UT I. Os dados in vitro são obtidos na microbiologia clínica pela realização de testes de suscetibilidade do patógeno isolado aos agentes anti-infecciosos indicados e disponíveis no hospital; os dados in vivo são fornecidos pela unidade de controle terapêutico e de investigação farmacocinética que realizará o tratamento dos dados obtidos (i11 vivo e in vitro) pela modelagem PK/PD e aplicação dos índices de predição de eficácia que possibilitará a interpretação dos resultados pela equipe clínica e alteração de conduta, se for o caso. Quando se faz o ajuste do regime de dose, deve ser sempre acompanhado pelas culturas e

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Parte 1

BASES DA TOXICOLOGIA

antibiogramas até o controle completo da infecção. Se o alvo PK/PD não foi atingido, a dose diária será aumentada por meio de regime de dose mais adequado ao paciente, de forma a garantir maximização de eficácia. Contudo, se o parâmetro PK/ PK excedeu o alvo requerido em decorrência de alterações volêmlcas e de perfusão tecidual, ou na vigência de disfunção renal, a dose diária será reduzida e o regi me de dose ajustado até o restabelecimento das funções alteradas, de forma a minimizar eventos adversos relacionados à neurotoxicidade ou à nefrotoxicidade do antimicrobiano ou antifúngico. O monitoramento plasmático de agentes anti-infecciosos é importante no controle da infecção, uma vez que, durante todo o seguimento da farmacoterapia na UTI, prevê-se o ajuste de dose para mais ou para menos em função de: I>) capacidade do agente anti-infeccioso chegar ao foco da infecção; I>) situação clínica do paciente durante a permanência na UTI; I>) agente infeccioso isolado com o perfil de sensibilidade definido numericamente por meio da CIM; I>) regime de dose inicial é empírico e segundo a CCIH; I>) a farmacoci nética dos agentes anti-infecciosos é variável e imprevisível. Com relação à farmacoterapia anti-infecciosa em UTls, é reportado que pacientes críticos apresentam alteração da cinética dos anti-infecciosos e, até o momento, a escolha do antimicrobiano é empírica, com base no perfil de sensibilidade dos agentes infecciosos de cada hospital; a farmacoterapia antimicrobiana inicial também é empírica e o regime de dose inicial segue a recomendação da CCIH. Então, a alteração do regime de dose ou mesmo a substituição doantimicrobiano está baseada na evolução clínica e no seguimento farmacoterapêutico do paciente crítico. Assim, para se realiza r o ajuste de dose dos agentes anti-infecciosos com base na ferramenta PK/PD, é necessário fazer-se o controle terapêutico desses age ntes, porestimativa dos parâmetros farmacocinéticos e determinação da concentração inibitória mínima do agente anti-infeccioso.

6.

APi"'NDICE Defin ições

Vale: concentração plasmática mínima {C" min ou C" v. 1.). Pico: concentração plasmática máx ima (C" Mu ou C" pl) Tm.. : tempo para atingir o pico de concentração. I>) I>)

I>) I>) I>)

I>) I>) I>)

I>)

Flutuação (C" ..,..-C" m.n). Acúmulo: 1/(1 -e·k se RR~ I, o risco em expostos é o mesmo encontrado para não expostos, logo não há associação entre a exposição e a ocorrência da doença; •> se RR>l, o risco em expostos é maior que o encontrado para não expostos, logo há uma associação posítiva, possivelmente causal entre a exposição e a doença; •> se RR

·····llijJ

Parte 1

BASES DA TOXICOLOGIA

tuações experimentais, nas quais, muitas vezes, as concentrações de xe nobióticos diferem em concentração, forma e tempo de exposição, mas nos diferentes contextos cult u rais e sociais nos quais as populações estão expostas.

7.

BIBLIOGR AFIA

ADAMI, H.O.; BERRY, C.L.; BRECKENRIDGE, C.B.; SMIT H, L. L.; SWENBERG, /.A.; TRICHOPOULOS, D.; WEISS, N.S.; PASTOOR, T.P. Toxicology and Epidemiology: Jmprovi ng the Scicnce with a Framework for Combining Toxicologica l and Epidemiological Evidence to Establish Causal Jnfe rence. Toxicological Scien ces,v.l22,n.2,p.223-234 , 2011.

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1.12. IMUNOTOXICOLOGIA Carine Cristiane Drewes Sandra Helena P. Farsky

CONTEÚDO DESTE CAPITULO L Introdução 2. O sistema imune 2.1. lmunidadeinata 2. 1.1. Componentes celulares e moleculares da resposta imune inata 2.2. Imunidade adquirida ou adaptativa 2.2.1. Componentes celulares da resposta adaptativa 2.2.2. Imunidade humoral e celular

1.

INTRODUÇÃO

Imunidade é uma condição de homeostasia, na qual o hospe~ deiro mantém a proteção contra as agressões de diferentes

origens, entre as quais as infecções. Diferentes tipos celulares possuem mecanismos complexos que permitem um indivíduo distinguir um componente endógeno "próprio" de um agente "estranho" e neutralizá-lo e/ou eliminá-lo. A imunidade é caracterizada por um repertório especifico de efetores altamente especializados e regulados pela capacidade de células e proteínas trafegarem pelos diferentes compartimentos do organismo.

3. Alterações do sistema imune por xenobióticos 3.1. lmunossupressâo 3.2. Jmunoestimulação 3.3. Reações de hipersensibilidade 3.4. Autoimunidade 4. Biomarcadores da imunotoxiddade 5. Modelos experimentais utilizados na lmunotoxico!ogia 6. Considerações finais 7. Bibliografia

A importância do sistema imune pode ser percebida em diferentes condições, como nas infecções por organismos potencialmente patogênicos, em condições de imunodcficiências, como a determinada geneticamente, na síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) ou, ainda, na identificação e rejeição de tumores (vigilância tu moral). O sistema imune desempenha papel central na manutenção da saúde dos indivíduos e a interação de xenobióticos com os diferentes componentes desse sistema tem sido uma área de estudos intensos. Essa interação é complexa e, em muitos casos, o comprometimento do sistema imune ocorre antes mesmo ou na ausência da manifestação de toxicidade em outros sistemas

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Parte 1

BASES DA TOXICOLOGIA

orgânicos. As alterações no sistema imune podem ser observadas pela diminuição no número e nas funções celulares, levando à diminuição na resistência do hospedeiro e na alteração da especificidade das respostas. Devido aos efeitos dos xenobióticos poderem ser potencialmente graves no delicado balanço do sistema imune, a compreensão dos mecanismos moleculares, bioquimicos e celulares das ações dos xenobióticos é primordial para avaliação do risco e para a implementação de medidas profiláticas e terapêuticas. Dessa forma, os componentes do sistema imune compreendem matrizes biológicas importantes para compreensão dos mecanismos da toxicidade.

2.

O S ISTEMA IMUNE

O sistema imune é uma complexa rede de órgãos, células e moléculas que compartilham um objetivo comum: detectar o próprio (selj) do não próprio (non-se/f) para defender a integridade do corpo. A função primária desse sistema, crucial para a sobrevivência, é proteger o organismo contra invasão de patógenos microbianos, como bactérias, vírus, fungos, leveduras e contra doenças parasitárias ou células cancerosas. A medula óssea é o local de origem de células-tronco pluripotentes, das quais todas as células hematopoiéticas são derivadas (Figuras l e 2). Durante a gestação, essas células, são formadas no saco vitelino embrionário e no fígado fetal e, posteriormente, migram para a medula óssea, onde se diferenciam para as linhagens linfoides ou mieloides. As células da linhagem linfoide se diferenciam em célulasT ou B. Devido ao seu papel crucial na iniciação e regulação de

respostas imunes, os precursores das células T são programados para migrarem da medula óssea para o ti mo, onde apren dem a identificar o próprio do não próprio, completando, as-

sim, o seu desenvolvimento. A medula óssea e o limo são considerados órgãos linfáticos primários. Os linfócitos maduros virgens ou nai·ve (células Te B que ainda não passaram por estimulação antigênica) ent ram, primeiramente, em contato com antígenos exógenos no microambiente altamente organizado do baço ou dos nódulos linfáticos, conhecidos como órgãos linfáticos secundários. Esses órgãos são considerados como ~pe n eiras~ biológicas, pois no baço são removidos antígenos estranhos, células mortas circulantes e debris celulares, e os nódulos linfáticos são parte da rede de vasos linfáticos que drenam antígenos presentes nos fluidos teciduais. Nos órgãos linfáticos secundários, ocorrem eventos como a expansão dona! de células antígeno-específicas, o reconhecimento de antígenos específicos de moléculas da classe li do major histocompatibility complex (MHC) e a diferenciação de linfócitos antígeno-estimulados em efetoras ou células de memória. Os tecidos linfoides associados com a pele, lâmina própria da mucosa, superfícies de revestimento intestinais, bronquíolos e cavidade nasal são classificados como tecidos linfoides terciários. Esses sítios são basicamente locais efetores primários, nos quais as células efetoras e de memória exercem suas funções imunogênicas e imunorregulatórias. A resposta do sistema imune aos diferentes agentes pode ser classificada em resposta inata ou inespecífica, e em adquirida ou específica ou adaptativa. Geralmente, os dois tipos de resposta ocorrem em conjunto para eliminar os patógenos. A imunidade inata é uma resposta de defesa imediata, inespeciflca e não associada com a memória imunológica. A resposta imune inata para um organismo estranho é a mesma tanto na exposição primária quanto nas exposições subsequentes. Por outro lado, a imunidade adquirida é caracterizada por especificidade antigênica e formação de memória, resu ltando em uma resposta mais intensa e efetiva em uma exposição secundária.

Fiiura 1. Componentes celulares do sistema imune (adaptado de Burns-Naas et a/., 2001).

ltmmotoxicologia

lllli@I!J · ••••

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Nóduloslinfáticos,baçoesangueperiférico Precursorlinfoide

Célula-Tronco Pluripotente

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lnicio?orearranjo gên1codelg

Pró- 8

Figura 2.

Pré-8

ÓrgMs linfoides secundários

81maturo

8Maduro

8 Maduro

lgM na superfície

lgM & lgDna superfície

lgM & lgD na superfície

Desenvolvimento e diferenciação de células Te B (adaptado de Bums-Naas et a/., 2001).

2.1. Imunidade inata A imunidade inata atua como a primeira linha de defesa contra agentes infecciosos, eliminando a maioria dos patógenos potenciais antes que uma infecção significativa ocorra. Ela é caracterizada por não ser específica e inclui barreiras físicas e bioquímicas, ambas internas e externas ao organ ismo, bem como células designadas para respostas inespecificas. A pele funciona como uma barreira física efetiva, pois muitos organismos não podem penet rar na pele intacta, assim, a maioria dos agentes infecciosos entra no organismo pelo sistema respi ratório, pelo intestino e pelo trato geniturinário. A defesa inata inclui secreção de muco pela nasofaringe, presença de lisozima na maioria das secreções, revesti mento ciliar na traqueia e nos brônquios. Adicionalmente, fazem parte da imunidade inata os renexos como tosse, espirro e a elevação da temperatura corporal. Os patógenos que entram no corpo pelo sistema digestório entram em contato com diferentes valores de pH (ácido) e com va riada nora microbiana intestinal.

2.1.1. Componentes celulares e moleculares da resposta imune inata Na respos ta imune inata, dois principais tipos de células estão envolvidos na defesa do hospedeiro: as células natural Killers (natural killer - NK e natural killer T - NKT) e os fagócitos profissionais (polimorfonucleares - PMN, e macrófagos). As células NK são derivadas de células-tronco da medula óssea e têm, como principal característica, o reconhecimento

de células infectadas por vírus, de células com alterações malignas na superfície e de células-alvo recobertas com anticorpos. Assim, este último tipo de reconhecimento é utilizado na imunidade mediada por células, sendo que as células NK medeiam a citotoxicidade celular dependente de anticorpos. Esse mecanismo depende da expressão de receptores de superfície nas células NK, e da ligação destes receptores a mediadores de morte expressos na superficie das célu.las-alvo, levando a liberação de grânulos citolíticos e, consequente, indução de apoptose nas células-alvo. As células NKT apresentam na sua superfície marcadores característicos de células NK e de células T. As células NKT são importantes para a respos ta imune inata devido a sua ativação precoce e sua não formação de memória. Quanto a sua função, as células N KT, assim como as células NK, produzem citocinas e medeiam a citólise de células-alvo. As células polimorfonucleares, em especial os neutrófilos, e os monócitos/macrófagos, todos originários de células-tronco pluripotentes na medula óssea são considerados os principais fagócitos da resposta inata (Figura 1). Adicionalmente, as células dendríticas também participam desse processo. Os PMN representam a primeira lin ha de defesa celular contra agentes infecciosos, pois são capazes de atravessar vasos sanguíneos, induzir resposta inflamatória e são excelentes célu las fagocíticas, capazes de eliminar os microrganismos devido à produção de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio, além de liberar agentes líticos dos grànulos intracelulares. Os macrófagos são monócitos diferenciados, pois após os monóci-

• • • •ff%}•!11 Parte 1 BASES DA TOXICOLOGIA

tos alcançarem a circulação sanguínea e se distribuírem nos tecidos, diferenciam-se em macrófagos. Os mac rófagos podem ser encontrados em todos os tecidos e podem apresentar características distintas em cada microambiente, com variação de receptores de superfície, metabolismo oxidativo e expressão de moléculas da classe 11 do complexo de histocompatibilidade maior (MHC). Além das funções fagodticas e microbicidas, os macrófagos atuam corno células apresentadoras de antígenos. As células dendríticas são encontradas no sangue e em diferentes tecidos onde realizam fagocitose, processam antígenos e atuam como células apresentadoras de antígenos profissionais. A resposta imune inata conta com a part icipação de proteínas do sistema complemento e de fase aguda. O sistema complemento é re presentado por cerca de 30 proteínas com função inicial de destruição de membranas de agentes infecciosos e de promoção da resposta inflamatória. A ativação das proteínas do complemento ocorre em cascata, e algumas destas podem ligar-se especificamente à membrana da célula-alvo, rompen do a sua integridade, sem afetar as células vizinhas; outras proteínas ativas ligam-se a receptores de membrana dos leucócitos, facilitando seu recrutamento para os focos de inflamação. As proteínas de fase aguda são representadas pelas proteínas amiloide sérica A, amiloide sérica P e proteína C reativa e estão aumentadas, pri ncipalmente, na resposta de fase aguda em infecções bacterianas. Nestes casos, proteínas de fase aguda podem ligar-se às bactérias pelo processo de opsonizaçâo, facilitando a ligação de proteínas ativas do sistema complemento e, consequentemente, facilitando a captura da bactéria pelo macrófago. Adicionalmente, no processo de resposta inata, as células envolvidas no processo secretam mediadores químicos, como citocinas, interleucinas I e 6 {I L-I e IL-6), fator de necrose tumoral (TNF-a), interferon do tipo I a e~ {INF-1) e quimiocinas para a progressão da reação. Em conjunto, a resposta inata é constituída de barreiras extrínsecas e intrínsecas do organismo, sendo que esta última é dependente de ações de leucócitos, mediados pela ativação de proteínas circulantes e pela secreção de mediadores inflamatórios.

2.2. Imunidade adquirida ou adaptativa Se as defesas primárias {imunidade inata) contra infecções são insuficientes, a divisão adaptativa do sistema imune é ativada e produz uma resposta imune especifica para cada agente infeccioso que, se eficiente e na ausência de presença crônica doestímulo, é capaz de eliminar a infecção. Como já salientado, duas características são chaves para a imunidade adqu irida: a especificidade e a memória. Dessa forma, após a sensibilização a um antígeno, a segunda resposta ao mesmo agente agressor está montada. O reconhecimento do antígeno e a geração de anticorpos contra ele são eventos fundamentais no desenvolvimento da especificidade imunológica. Um antígeno {imunógeno ou alérgeno) é definido essencialmente como uma substância estranha que pode desencadear a produção de anticorpos específi cos (imunogenicidade) e ligar-se de forma específica a estes anticorpos {antigenicidade). Os antígenos geralmente são moléculas biológicas, com cerca de 10 k Da ou mais, que podem ser quebradas e rearranjadas para apresentação. Adicionalmente,

os antígenos podem ser proteínas, lipídios, carboidratos bacterianos, ácidos nucleicos, ou provenientes do meio externo, provenientes de fontes antropogênicas ou não. Pequenas moléculas, chamadas de haptenos, devem ser conjugadas previamente a moléculas e/ou células carreadoras para que possam induzir a sensibilização. Contudo, em uma segunda exposição à haptenos, a resposta imune ocorre independentemente da presença decarreadores. Anticorpos, proteínas classificadas como imunoglobulinas (lgs), são produzidos por linfócitos B diferenciados (plasmócitos) e, também, são definidos funcionalmente pelo antígeno com o qual interagem {por exemplo, lgM anti-hemácias de carneiro). Há cinco tipos de lg que são relacionadas estruturalmente: lgM, lgG {e subtipos), lgE, lgD e lgA. Todas as lgs são constituídas de cadeias pesadas (H - heavy) e de cadeias leves {L - light) e de regiões, uma constante (Fc) e duas variáveis {Fab). São as regiões variáveis que interagem com o antígeno ( Fab - antigen binding), enquanto a região Fc medeia funções efetoras, tais como fixação do complemento e ligação a fagócitos via receptores Fc. Os anticorpos também podem ter outras funções na imunidade adquirida, como se ligarem a células estranhas e auxiliarem a opsonização, iniciarem a cascata do complemento e levarem alise da célula-alvo, ligarem-se a partículas virais ou a antígenos em células-alvo auxiliando as células NK e linfócitos T citotóxicos (CTL) a destruí-las Durante uma resposta imune, todas as células do sistema imune se comunicam coordenada mente durante o reconhecimento e a elimi nação de um ant ígeno estranho. A coordenação da resposta ocorre devido à ação de uma vasta rede de mediadores solúveis, as citocinas e quimiocinas, que são secretadas pelas células imunes e atuam de maneira autócri na, parácrina ouexócrina.

2.2.1. Componentes celulares da resposta adaptativa Para estimular a resposta imune contra um antígeno específico, este antígeno deve ser capturado e processado por células apresentadoras de antígeno (APCs), que apresentam o peptídeo antigênico processado para os linfócitos. Elas compreendem as célu las dendríticas foliculares, as células dendríticas de Langerhans, os macrófagos, que são as principais células apresentadoras, e as células B, que, embora tenham mais habilidade na produção de Igs, também podem servir como APCs A interação das APCs com os linfócitos é crucial para o desenvolvimento de uma resposta imune. As APCs internalizam o antígeno pela fagocitose, pinocitose ou endocitose mediada por receptor, processam-no até fragmentos (peptídeos) e, então, apresentam-nos aos linfócitos em associação a moléculas do MHC de classe li na membrana celular. Os linfócitos B, além de servirem como células APCs, são também células efetoras da imunidade humoral, produzindo os isotipos de lgs com variadas especificidades e afinidades. As células B maduras, que expressam em sua superfície IgM e lgD, são ativadas pela ligação do antígeno às lgsde supe rfície (BRC== receptor de antígeno de célula B) e, em seguida, proliferam e sofrem diferenciação, tornando-se células de memória ou células formadoras de anticorpos (plasmócitos), que secretam ati vamente os anticorpos antígeno-específicos.

ltmmotoxicologia

As células T sofrem um complexo processo de maturação no limo, no qual sobrevivem apenas as células que não reconhecem moléculas próprias e que expressa m um receptor capaz de reconhecer o MHC de classe 11 ligado a antígenos das APCs. Essas células se tornam linfócitos T helper (linfócitos T auxiliadores), que expressam em sua superfície celular moléculas CD4 • e facilitam a resposta de linfócitos B, ou linfócitos T-citotóxicos, que expressam na superfície celular moléculas CDS+ e medeiam a citotoxicidade celular (Figura 2).

2.2.2. Imunidade humoral e celular A imunidade adquirida pode ser classificada em imunidade humoral e imunidade mediada por células (CMI). A imunidade humoral é diretamente dependente da produção de anticorpos específicos para antígenos por células B, que, como já descrito anteriormente, envolvem a interação coordenada de células apresentadoras de antígenos, células T e células B. A imunidade mediada por células é mais ampla, incluindo toda a atividade imunológica na qual os anticorpos desempenham um papel mínimo A ativação de células T antígeno-especificas inicia-se com a interação do receptor de antígeno na célula T {TCR) com o peptídeo associado ao MHC classe 11 na A PC. Essa interação e a presença de !L-I secretada pelas APCs induzem a célula Ta produzir fator de crescimento para a célula Te IL-2, bem como receptores para essas moléculas. As células Tem proliferação secretam numerosas linfocinas (citocinas secretadas por linfócitos), que influenciam muitos aspectos da resposta imune, como na intensidade da resposta imune, no isotipo dos anticorpos secretados por plasmócitos, na ativação de células envolvidas na imunidade mediada por células e na modulação da atividade de células imunes e não imunes. A próxima fase na geração da resposta imune humoral é a interação das células T ativadas com as células B, diretamente entre Te B (antígeno-especifico) ou, indiretamente, por linfocinas que induzem proliferação e diferenciação de células Bem plasmócitos ou em células de memória.

3.

A LTERAÇÓ ES DO S IS T EMA IM U N E POR X ENOBIÓTICOS

Os xenobióticos podem te r efeitos significativos no sistema imune, uma vez que este está presente no sangue circulante e em muitos tecidos e órgãos. Assim, há uma grande probabilidade de um xenobiótico entrar em contato com células do sistema imune, independentemente da via de exposição. De modo geral, a ação de xenobióticos pode ocasionar imunossupressão, imunoestimulação, hipersensibilidade e autoimunidade. Os efeitos diretos de xenobióticos no sistema imune podem ser decorrentes de modificações nas funções imunes, em alterações estruturais nos órgãos linfoides ou nas membra nas celulares, ou em variações de composição em órgãos linfoides ou no soro circulante. Os xenobióticos também podem exercer efeitos indiretos no sistema imune, atuando em órgãos ou tecidos associados, como o fígado, que produz uma variedade de proteínas efetivas da imunidade.

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3.1. lmunossupressão O termo imunossupressão se refere ao prejuízo de qualquer componente/função do sistema imune. As causas das falhas imunes estão associadas aos mecanismos de defesa não específicos (imu nidade inata), mecanismos de defesa específicos (imunidade adaptativa) ou de ambos. A imunossupressâo por xenobióticos é complexa, pois pode ser decorrente de ações isoladas ou associadas nos mecanismos de produção, proliferação e/ou diferenciação dos leucócitos, na distribuição destes entre os diferentes compartimentos e nas funções dos leucócitos, que embora sejam específicas, são inúmeras. Assim, os indicadores de imunossupressão incluem os parâmetros da mielossupressâo, como pancitopenia, leucopenia, linfopenia ou discrasias sanguíneas; alterações de peso e histologia de órgãos do sistema imune, como ti mo, baço, nódu~ los linfát icos e medula óssea; diminuição dos níveis séricos de globulinas; secreção de citocinas e fatores de crescimentos, entre outros. Dentre os efeitos decorrentes das ações tóxicas, pode-se mensurar a incidência de infecções e o aumento na incidência de tumores. Têm sido descritos na literatura que xenobióticos, provenientes de exposições ocupacionais e ambientais, podem causar imunossupressão. Alguns exemplos são as bifenilas, os metais pesados, os pesticidas, compostos fenólicos oxidativos, solventes orgânicos e até mesmo a luz UV {Tabela 1). Ainda, a terapêutica com imunossupressores, indicada em casos de transplantes de órgãos, de inflamações sistêmicas crônicas e até mesmo de alguns tipos de câncer, pode levar ao desenvolvimento do câncer secundário, sendo que os mais comuns são leucemias agudas, linfomas não Hodgkins, carcinomas de pele, pulmão, mama, cólon e pâncreas.

3.2. lmunoestimulação A imunoestimulação é caracterizada pelo aumento da atividade de células e/ou órgãos imunes que podem resultar em resposta inata ou adquirida exagerada. A estimulação do sistema imune é comum e, na maioria das vezes, é um procedimento benéfico, como nos casos devacinas, que são utilizadas para aumentar e prolongar a resposta imune e aperfeiçoar a resposta a antígenos fracamente antigênicos. Contudo, uma falha no controle da intensidade ou da duração da resposta imune, como consequência de defeitos hereditários, presença de doença, ou exposição química, pode causar dano tecidual do hospedeiro. Efeitos adversos associados à estimulação do sistema imune por xenobióticos, ou seja, de forma não intencional, incluem estimulação inapropriada ou al teração de uma resposta imune protetora, alergenicidade di reta do xenobiótico, indução ou agravamento de doença autoimune, e inflamação inespecífica. A estimulação inapropriada da resposta aos agentes infecciosos, que são normalmente protetoras, pode causar aumento na inflamação, resultando em excesso de dano tecidual ou na exposição de antígenos próprios do hospedeiro que normalmente estão ocultos, podendo desencadear doenças autoimunes. A Tabela I apresenta alguns exemplos de xenobióticos que induzem estimulação do sistema imune.

• • • •ffJfli

Parte 1

BASES DA TOXICOLOGIA

3.3. Reações de hipersensibilidade As reações de hipersensibilidade resultam da resposta imune

específica inapropriada ou exagerada aos xenobióticos que le· vam ao dano tecidual. Todos os tipos de reações de hipersensibilidadc requerem prévia exposição ao antígeno, que desencadeia a reação em um contato subsequente. Embora não seja completamente entendido, a regulação da produção de imunoglobulinas é dependente, pelo menos em parte, das características do antígeno, da genética individual e de fatores ambientais.

As reações de hipersensibilidade foram subdivididas por Coombs e Gell em quatro tipos. Esta separação não é somente conveniente para entender os mecanismos individuais de cada tipo de resposta que levam ao dano tecidual, mas, importante para compreender a gênese de doenças que podem ser resultatlles da combinação desses mecanismos.

Tipo I - Hipersensibilidade imediata ou anafilática A sensibilização ocorre como resultado da exposição a determinados antígenos pelo trato respiratório, pela via intradérmica ou pelo trato gastrintestinal. Depois de os epítopos desses antígenos serem apresentados por APCs a linfócitos Th2, estes passam a produzir citodnas que estimulam os linfócitos Base diferenciarem em plasmócitos e a produzirem lgE específicos. Os lgE ligam-se a receptores de mastócitos c basófilos, sensibilizando o organismo. A reexposição do indivíduo ao antígeno resulta em dcgranulação de mastócitos com a liberação de mediadores pré-formados e citodnas que promovem vasodilatação, broncoconstrição e inflamação dos tecidos. Os sinais clínicos podem variar de reações de urticária cutânea a sinais de febre do feno, incluindo rinite e conjuntivite, a doenças mais sérias, como asma e anafilaxia fatal. São exemplos de substâncias que causam reações de hipersensibilidade do tipo I pesticidas, partículas de baixo peso molecular, anidridos ácidos e enzimas como a subtilina e a papaína. Tipo 11 - Citotoxicidade mediada por anticorpos

A

hipersensibilidade tipo li é mediada por IgG especifica contra um antígeno associado a um tecido próprio. O dano tecidual pode ser resultante da ligação de antígenos estranhos à superfície de células normais, com posterior ligação de anticorpos específicos (lgG) direcionados a estes antígenos e ligação de células citotóxicas na porção Fc da IgG, estimulando a liberação de grânulos citotóxicos que lisam as duas cêlulas envolvidas no processo. Ainda, o dano tecidual pode ser decorrente, após a ligação de anticorpos específicos (lgG) direcionados aos antígenos, da ligação de proteínas do complemento aos seus receptores presentes na membrana da célu la-alvo, induzindo alise celu lar. Este tipo de reação de hiperscnsibilidade ocorre após a exposição do indivíduo a anidridos ácidos e a penicilina, que desencadeia a anemia hemolítica imunomediada.

Tipo 111 - Hipersensibilidade mediada por imunocomplexos A hipersensibilidade tipo 111 também envolve lgG, contra antígenos solúveis no soro. A ligação de IgG aos antígenos forma imunocomplexos que podem se depositar em vários tecidos, causando danos teciduais. As localizações mais comuns são o endotélio vascular do pulmão, as articulações c os rins. Adicionalmente pode haver ativação do sistema complemento, além da atração de macrófagos, neutrófilos e plaquetas

para o local do depósito dos complexos, contribuindo ainda mais para as lesões teciduais. Este tipo de reação de hipersensibilidade ocorre após a exposição do indivíduo a anidridos ácidos e ao mercúrio

Tipo IV- Hipersensibilidade mediada por células

A

hipersensibilidade tipo IV é uma resposta do tipo tardio e pode ser chamada de delayed typc hipersensitivity (DT H). A hipersensibilidade por contato inicia-se pela exposição tópica e consiste em duas fases: sensibilização c desencadeamento. A sensibilização resulta no desenvolvimento de células T ativadas e de memória, como o oposto à produção de anticorpos. Quando haptenos penetram na epiderme e formam complexos com uma proteína carrcadora, as APCs fagocitam e processam este material, apresentando-o aos linfócitos auxiliadores (Th) nos linfonodos locais. Em contato posterior, células dendríticas apresentadoras de antígeno apresentam o hapteno processado c ligado a carreadores aos linfócitos T de memória. Estas células ativadas secretam, então, citocinas que induzem proliferação adicional das células Te facilitam a movimentação de células inflamatórias para dentro da pele, resultando em eritema com formação de pápulas e vesículas, chamado de dermatite de contato. Dentre os xenobióticos que induzem reação do tipo IV, estão os metais e substâncias metálicas, pesticidas, látex, produtos cosméticos e de higiene pessoal que contenham fenóis, formaldeído, entre outros.

3.4. Autoimunidade A autoimunidade é um processo no qual o sistema imune responde aos antígenos próprios (se/f), perdendo a tolerância a antígenos próprios (tolerância imunológica). Vários xenobióticos induzem autoimunidade, ou por causarem modificações de células ou tecidos, expondo regiões que serão reconhecidas como antígeno, ou por ativarem as células imunes, ou por funcionarem como um antigeno/hapteno. Assim, independente da causa, os mecanismos de reconhecimento do se/f são inativados, e lgs e TCRs reagem com antígenos se/f, resultando em lesão tecidual e doença. Três tipos de moléculas estão envolvidos no reconhecimento do se/f, as imunoglobulinas (Igs), os receptores de células T {TC Rs) e produtos do complexo de histocompatibilidade maior {MHC). As lgs e TCRs são expressos c\onalmente em células B e T, respectivamente, enquanto moléculas do MHC estão presentes em todas as células nuc\eadas. As células T autorreativas sofrem um processo de seleção negativa no limo, o que é fundamental para manutenção da tolerância imunológica. As células T que expressam receptores que se ligam a antígenos se/f sofrem apoptose (seleção negativa), enquanto aquelas que não reconhecem antígenos se/f proliferam no limo (seleção positiva) c migram para os órgãos linfoidcs periféricos. Algumas células que reconhecem moléculas J;e/f não são eliminadas, mas sofrem anergia, ou seja, permanecem na circulação do organismo, mas são inativas, pois até são capazes de se ligarem a antígenos, mas não proliferam devido à falta de uma sinalização secundâria. Diversos mecanismos podem romper a autotolerância, ocasionando a autoimunidade. Primeiro, se a exposição ao antígeno

1.12.

não ocorrer no ti mo durante o desenvolvimento embrionário, como a exposição à mielina que é produzida tardiamente durante o desenvolvimento, as células reativas para estes antígenos não estão sujeitas a seleção negativa e podem induzir autoimunidade. A quebra da autotolerância a estes antígenos pode ser induzida pela exposição a adjuvantes, substâncias químicas usadas para aumentar a imunogenicidade, ou a outra proteína relacionada quimicamente com a molécula self Segundo, a anergia de células T pode ser superada pela estimulação crôn ica de linfócitos. Terceiro, interferências com a imunorregulaçâo dos linfócitos rcos+supressores podem criar um ambiente favorável para o desenvolvimento da autoimunidade. À semelhança do que ocorre nas reações de hipersensibilidade, a doença autoimune costuma ser resultado de mais de um mecanismo adicional. Portanto, a doença pode resultar de citotoxicidade dependente de anticorpos, lise celular mediada por anticorpos dependentes de complemento ou efeitos diretos ou indiretos de células T citotóxicas. Tabela 1.

ltmmotoxicologia

Agentes associados com imunotoxicidade.

A~r;ente

AlvotEfeJtO

ClaSSiflcaçãodoefeltO

Hidrocarbonetos aromáticos halogenados (TCDD, PCBs, PCDDsl.

Atrofiadeórgãoslinfoides, pancitopenia, caquexia.diminuiçãodaresistênciado hospedeiro

lmunossupressão. imunoestimulação, autoimunidade.

Hidrocarbonelosaromálicospolicíclicos (DMBA, BaP)

lmunidadehumoral, imunidade mediada por células, diminuição da resistência do hospedeiro,carcinogên icoemutagênico.

lmunossupressão

lmunidadehumoral, imunidade mediada por células.

lmunossupressão.

lmunidadehumoral, imunidade mediada por células,alrofiallmica,númerodecélulasdo sistema imune.

lmunossupressão, imunoestimulação, autoimunidade,hipersensibilidade.

Imunidade humoral e imunidade mediada porcélulas,sistemasenzimâticos, membranaseorganelascelulares,produçi!o delgEespecífica.

lmunossupressão, imunoestimulação, autoimunidade.hipersensibilidade.

lmunidadehumoral, imunidade mediada por células

lmunossupressão.autoimunidade.

lmunidadehumoralemediadaporcélulas, imunocomplexosemvasosdapele.

lmunossupressão.autoimunidade.

lmunidademediadaporcélulas,reduçãoda resistência do hospedeiro.

lmunossupressão, imunoeslimulação, hipersensibilidade

lmunidadehumoralemediadaporcélulas, anemia,linfocitopenia,mielotoxicidade, síntesedeproteínasanormaisnofígado

lmunossupressão, imunoestimulação, hipersensibilidade,autoimunidade.

lnibiçãodaprol iferaçãocélulasT,proteínas microssomaisdofígado,mieloperoxidase, imunidadehumoralemediadaporcélulas.

lmunossupressão, imunoestimulação, autoimunidade

lmunidadehumoralemediadaporcélulas, diminuiçãodaresistenciadohospedeiro, diminu içãodaproduçãodeanlicorpos, reduçãodasfunçõesdosmacrófagose células NK.

lmunossupressão. imunoestimulação. hipersensibilidade,autoimunidade.

Micoloxinas(aflaloxinas, ocraloxina,vomiloxina,lricotecenos).

Depleçãode órgãos linfoides, alteração de funçãolinfocilária.

lmunossupressão

Radiação UV

Supressão de células Tou homingdo hospedeiro.

lmunossupressão.

Sílica

MEf!!JI···

As reaçôes autoimunes podem ser causadas por agentes químicos, entre os quais medicamentos, como a metildopa (anti-hipertensivo) que reage com o antígeno Rh (rhesus) causando anemia hemolítica; a hidralazina (vasodilatador) e a isoniazida (antibacteriano) que reage com a enzima mieloperox idase, causando a síndome LES-Iike (síndrome semelhante à doença autoimune hi.pus critematoso sistêmico); e o halotano (anestésico) que reage com proteínas microssômicas do fígado, induzindo hepatite autoimune. As reaçôes autoimunes também podem ser relacionadas com a exposição de indivíduos aos agentes químicos não medicamentosos. Alguns exemplos são o cloreto de vinil (tipo de plástico) que induz a síntese anormal de proteínas pelo fígado causando a sindrome semelhante à esclerodcrmia; o mercúrio, que altera proteínas de membrana basal glomcrular induzindo a nefropatia glomerular; e a sílica, que atua como adjuvante, induzindo a esderodermia (Tabela 1).

• • • •ffZ@Ii 4.

Parte 1

BASES DA TOXICOLOGIA

BI O MA RCA D O RES DA IM UNO T OXIC IDADE

Os biomarcadores são ferramentas essenciais para avaliação da exposição a xenobióticos, para determina r a magnitude das respostas tóxicas e/ou prever a probabilidade desta resposta. Três categorias de biomarcadores podem ser definidas, a saber: biomarcadores de exposição, biomarcadores de efeito e bio marcadores de suscetibilidade. Os biomarcadores podem ser simples ou complexos, específicos para mamíferos ou outras espécies. Inicialmente imunologistas clínicos desenvolve ram en saios para auxiliar o diagnós tico laboratorial de doenças imunes em pacientes com imunodeficiências primárias ou secun dárias, histórico de reações de hipersensibilidade ou de doença autoimune. Mas, devido a muitos endpoints terem sido propos· tos, e muitos destes terem sido desenvolvidos, não há um con senso em relação aos endpoints relevantes em cada caso. Aliado a este fato, há a variabilidade nos valores de refe rência para os parâmetros imunológicos. A variabilidade nos parâmetros de referência é dependente de características do hospedeiro, como idade, sexo, etnia, localização geográfica, nu trição, dos fatores de exposição (produtos químicos, bioaerossóis, estação do ano,

Tabela 2.

tabagismo, álcool), do estágio das doenças (leucemia, asma, in · fecções) além da variabilidade dos ensaios. O desenvolvimento de biomarcadores em l munotoxicologia está relacionado à identificação adequada de biomarcadores relevantes para as doenças decorrentes de exposição de interesse; com a solidez dos resultados obtidos com base no conhecimento dos mecanismos moleculares ou bases bioquím icas da fisiopatologia da doença; com a sensibilidade e especificidade do tratamento ou da doe nça; com a reprodutibilidade, precisão, exatidão e robustez dos ensaios; com a praticidade de coleta da amostra, de preferência nâo invasiva; com a simplicidade no uso e aplicação dos resultados obtidos. A literatu ra descreve que os biomarcadores imunológicos em hu manos sejam os componentes-chave da imunidade inata e adaptat iva, por exemplo, ativação do sistema complemento, concentração de imunoglobulinas e respostas de funcionalida de e ativação celular (Tabela 2). Dessa forma, é evidente que estudos experimentais que possuam potencial translacional, associados aos epidemiológicos, são necessários para a obtenção de biomarcado res confiáveis para detectar eventos imunotóxicos e, final mente, predi zer o possível risco à saúde que pode estar associado à exposição de agentes químicos que modulam o sistema imu ne.

Biomarcadores utilizados para investigar imunotoxicidade em estudos em humanos

(adaptado de Duramad & Holland, 2012). Marcatlores lmunolólf:ICOS

Exemplos tle endpomts

Amostra biOIÓif:ICa

Fenótípoimunológico:marcadoresdeativaçl!o

CD3, CD4, CDB, CDllc, CD19, CD25, CD56, CD14, basófilos.neutrófilos Marcadores de ativação: CD69, CD45RO, CD45RA.

Sangue total, urina.

Anticorpos.

lgM, lgD, lgG. lgA, lgE.

Plasma, leite ma terno.

Citocinas.

IL-2, IL-4. IL-5, IL-10. IL-13, IFN-y, TNF-o:, GM -CSF.

Soro, plasma, sangue periférico, urina, saliva

Quimiocinas

RANTES, IP-10, MIP-lo:, MIP-lfi, MDC, TARC

Soro, plasma.

Testes de proliferação

Estimuladores de mitose (PHA, concanavalina A. antigenosespeclficos).

Sangue periférico.

5.

MODELOS E XPERI M ENTAI S U T ILIZ ADOS N A IM UNOTOXI CO L OGIA

A integridade do sistema im une frente a diferentes xenobióti · cos pode ser avaliada para predizer a toxicidade ou investigar os mecan ismos de ação moleculares, celulares ou bioquímicas destes xenobióticos. O Programa Nacional de Tox icologia utiliza uma triagem dividida em etapas para avaliar a possível imunotoxicidade de diferentes agentes. As etapas consistem em (I) avaliação da to· xicidade geral aliada aos ensaios funcionais; e (11) estudos adicionais para a confirmação da imunotoxicidade Na primeira etapa de avaliação da toxicidade geral e de en saios funcionais, são avaliados a hematologia, o peso corpóreo, o peso de órgãos como ti mo, baço, ri ns e fígado, celularidade de órgãos, como baço e medula óssea, imunopatologia, resposta proliferativa, res posta de anticorpos (PFC) e a resposta de célu lasN K.

Na segunda etapa de avaliação da toxicidade, são realizadas análises de marcadores de superfície, resposta secundária de anticorpos - PFC secundário (JgG), imunidade mediada por células - linfócitos T citotóxicos (CLT), resposta de hipersensi bilidade tardia (DHR), contagem das populações leucocitárias especificas e modelos de resistência do hospedeiro. Os efeitos de um xenobiótico na resposta imune podem ser avaliados utiliza ndo diferentes estratégias in vivo e in vitro. In vivo, apesar de atualmente ocorrer uma conscientização para a redução da utilização de animais para testes toxicológicos, dive rsos modelos são empregados, sendo que os animais de escolha têm sido ratos e camundongos. Essa escolha se deve ao amplo conhecimento do sistema imune destes animais, devido ao reduzido custo de manutenção, à d isponibilidade de uma ampla variedade de anticorpos e citocinas e à possibilidade da criação de camundongos transgênicos ou deficientes para genes específicos ligados à resposta imune. Mais recentemente o modelo de Zebra fislt, um peixe tropical de água doce da família Cyprinidae, tem sido empregado em diferentes estudos toxicológicos devido a di-

ltmmotoxicologia

fercntes características, como fácil reprodução, baixo custo c fácil manutenção (pequeno 3 a 4 em), possui genoma sequenciado e homologia com os mamíferos, e os resultados são reprodutiveis. A presença de componentes da imunidade inata e da adaptativa tem favorecido os estudos de imunotoxicidade. Reforçando essa afirmação, o Zebraflsll responde a infecções por bactérias gram-negativas e gram- positivas, protozoários, vírus, fungos e microbactérias. As té características físico -químicas do poluente; •> comportamento ambiental, ou seja, as interações do poluente com o ambiente, como degradação, mobilidade, sorçãoetc.; •> toxicidade do poluente em organismos-modelo; •> genotoxicidade, embriofetotoxicidade, carcinogenicidade, entre outros ensaios que se aplicam a animais superiores. Diferentes organismos podem ser afetados por poluentes, cujos efeitos são consequência não somente de sua toxicidadc c exposição, como tambêm da via de administração. Essa toxicidade está diretamente relacionada com o seu tempo de vida no ambiente, sendo que substâncias que são facilmente degradadas não representam perigo significativo se seu produto de degradação não apresentar a mesma atividade. Para avaliar a toxicidade de determinada substância no ambiente, frequentemente são realizados testes com organismos vivos, avaliando-se parâmetros como mudanças bioquímicas, fisiológicas, reprodutivas ou comporta mentais. Porém, o fato de esses poluentes poderem atuar por diferentes mecanismos de ação torna difícil a extrapolaçâo entre espécies. Mesmo assim, por razões práticas e éticas, esses testes são realizados em número limitado de espécies, sendo que os órgãos regulatórios decidem sobre as quantidades mínimas que podem ser encontradas no ecossistema, com base nesses resultados. Quando os mecanismos de toxkidade são conhecidos, torna-se mais fácil a extrapolação, ou até o desenvolvimento de métodos in vitro para predizer a toxicidade. Todavia, esses valores em Ecotoxicologia nunca são

·····~~·fli

Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

absolutos, nem mesmo os testes são rotineiros, podendo sofrer alterações de acordo com novos estudos. Atualmente, a comunidade científica tem se esforçado para padronizar métodos confiáveis, a fim de avaliar e classificar a toxicidade de poluentes no meio ambiente e predizer os efeitos sobre os ecossistemas, possibilitando a diminuição do impacto ambiental. Ensaios de biotoxicidade são ferramentas úteis para determinar a viabilidade relacionada aos poluentes metálicos e orgânicos; e são importantes para avaliar o impacto do poluente nos diferentes ecossistemas, vislumbrando medidas políticas de prevenção com relação a danos à biota. Os testes de toxicidade podem ser realizados em espécies isoladas em laboratório, no próprio ambiente, ou em sistemas controlados que simulam as condições do ambiente, denominados mesocosmos. Em geral, esses testes consistem em submeter o organismo-teste a diferentes concentrações do poluente estudado, por um período de tempo preestabelecido, podendo ser avaliados efeitos agudos, crônicos, ou ainda subletais. Alguns desses testes estimam uma dose (ou concentração) que pode causar resposta tóxica a determinada porcentagem da população. Dessa maneira, termos como CL50 e CE50 são comumente empregados, representando, respectivamente, a concentração mínima para causar morte em 50% da população estudada, ou a concentração mínima para causar uma resposta em 50% da população estudada. Alguns organismos, especificamente, vêm sendo utilizados nesses testes de ecotoxicidade. A sua escolha, ent retanto, baseia-se em inúmeros parâmetros, como sua representatividade no ecossistema a ser avaliado, sensibilidade, facilidade de cultivo c conhecimento científico da espécie. Um exemplo de organismo amplamente utilizado para avaliar a toxicidade em ambientes aquáticos é o microcrustáceo Daplznia magtw (Crustacea, Cladocera), que compõe o zooplãncton. Seu uso em testes para avaliação de efeitos agudos está normatizado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) na NBR 12.713. Outro crustáceo também utilizado para avaliar o efeito de poluentes aquáticos é a Ceriodaphnia ssp. (Crustacea, Cladocera), cujos testes visando os estudos de toxicidade crônica estão descritos na NBR 13.373. Também para análise de ambientes aquáticos, são utilizados algas e peixes, que atuam como bioconcentradores de determinadas substâncias presentes em concentrações muito reduzidas na água. Para avaliação dos efeitos de poluentes no solo, é comum o uso de bactérias heterotróficas ou das espécies de minhocas Eiseniafetida (Sav.) e Lumbriws terrestris L. No caso dos estudos para análise dos poluentes no ar, algumas plantas têm sido utilizadas. Porém, os resultados encontrados nos testes para avaliar a poluição atmosférica em campo não podem ser exclusivamente relacionados aos poluentes do ar, pois a composição do solo também pode exercer influência. Esses testes com organismos vivos permitem, além da detecção de concentrações muito baixas de poluentes (que não seriam detectadas em análises químicas), a avaliação dos efeitos que podem causar de forma integrada a todos os fatores perturbadores. Dessa maneira, os bioensaios representam ferramentas fundamentais na conclusão do risco dos poluentes para o meio ambiente.

6.

BIOMARCADORES DE AMBIENTES POLUÍDOS

Nos últimos anos, o uso de biomarcadores para a avaliação do potencial efeito tóxico de compostos químicos no meio ambiente vem ganhando bastante interesse. Nesse sentido, cada vez mais biomarcadores têm sido desenvolvidos, a fim de fornecer dados mais confiáveis para a estimativa de efeitos, principalmente de exposição subletal a poluentes, sobre espécies relevantes. Biomarcadores são definidos como uma resposta biológica a um ou vários compostos químicos que fornecem dados sobre exposição e, algumas vezes, sobre efeitos tóxicos em nível de suborganismos ou organismos. A escolha de um potencial bio marcador para o monitoramento de ambientes poluídos deve considerar alguns fatores, como o organismo a ser utilizado, a correlação das respostas em função da concentração dos poluentes, a facilidade de medida e a especificidade das respostas, entre outros. Quanto ao organismo a ser selecionado, em ambientes aquáticos, por exemplo, moluscos bivalves são boas opções de espécies, porque são sésseis, sedentários, amplamente distribuídos em diferentes habitais, além de excelentes filtradores, o que favorece a bioacumulação de compostos tóxicos. Em termos de especificidade, um biomarcador pode ser classificado desde altamente especifico a não especifico. Biomarcadores altamente específicos são excelentes alternativas na detecção da exposição e do possível efeito adverso de um determinado componente químico, embora não forneçam informações sobre quaisquer outros poluentes presentes no meio. Como exemplo, pode-se citar a enzima ácido delta-aminolevulínico desidratase (ALA-D), que participa na via de biossíntese do grupo heme e cuja inibição ocorre exclusivamente por chumbo. O uso desse biomarcador permite quantificar os danos causados por chumbo, exclusivamente, em um ambiente poluído, não sendo viável obter informações acerca de outros possíveis poluentes. já os biomarcadores não específicos mostram que o ambiente em questão foi exposto a poluentes, sem, entretanto, identificar os compostos responsáveis. A indução de mono-oxigcnases, por exemplo, é causada por uma variedade enorme de compostos químicos e é fre quentemente empregada como uma indicação da presença de poluentes em geral. Estudos de biomarcadores em pássaros e em outras espécies terrestres vêm sendo menos explorados quando comparados aos realizados em espécies aquáticas (Tabela 2). Nas espécies terrestres, as respostas mais frequentemente utilizadas são a inibição de esterases por inseticidas organofosforados e carbamatos, a indução hepática do citocromo P-450 por vários poluentes, a inibição da ALA-O por chumbo, entre outras. Em plantas, biomarcadores específicos vêm sendo identificados em espécies sensíveis e encontram-se em fase de estudos. Por exemplo, algumas espécies sintetizam fitoquelatinas em resposta à exposição a diferentes metais livres e alguns ensaios em laboratório já mostraram relações dose-resposta para os metais cádmio, cobre e zinco. A atividade de peroxidases tem sido empregada como biomarcador no monitoramento de poluentes atmosféricos como o dióxido de enxofre (SOz)·

2.1.

Tabela 2.

Alguns biomarcadores utilizados em ambientes

aquáticos. Btomarcador

Ore:amsmo

Inibição da AChE

Praguicidas Peixes. moluscos organofosforadose e crustáceos carbamatos

Poluente

Indução de metalotioninas

Peixes

MetaiscomoZn, Cu, Cd, Hg

Indução da EROD ou CYP·450 IA

Peixes

PAH, PCB planares, dioxinas

Inibição da ALA-O Indução de vitelogenina Formação de adutosde DNA

Peixes Peixes jovens e machos Peixes, moluscos

Chumbo Substâncias estrogênicas PAHs, praguicidas aminotriazinas

AChE: acelilcolincslerase; EROD: elox iresorufina 0 -desclila se

O uso de biomarcadores em programas de biomonitoramento ê uma técnica moderna na avaliação de danos ecológicos sofridos por ambientes poluídos e pode ser empregado por órgãos governamentais na composição de regulamentos que venham a ser aplicados no intuito de evitar danos ambientais Embora algumas respostas bioquímicas não forneçam informações diretas dos efeitos de poluentes em níveis mais altos da organização biológica, podem antecipar prováveis impactos biológicos e fornecer uma resposta ampla e integrada da exposição da espécie estudada a uma grande quantidade de compostos químicos. Apesar das vantagens do uso de biomarcadores, um problema corrente é encontrar uma relação entre a resposta e o possível efeito ecológico ao longo do tempo, sendo importante sa lientar que as propriedades de um ecossistema não correspondem à soma dos efeitos sobre cada espécie. Entretanto, esse fato não invalida o uso do biomarcadores, uma vez que é possível solucionar o problema pela coleta de um grande número de dados de diferentes populações, que podem então ser ut ilizados para avaliar variações naturais que não estão relacionadas à exposição a um poluente, mas sim às condições fi siológicas e ambientais.

7.

GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS TÓXICOS

Os resíduos tóxicos podem ser considerados como um subgrupo de resíduos perigosos. Segundo a ABNT, os resíduos são analisados quanto aos seus riscos potenciais à saúde pública e ao meio ambiente, para que possam ser gerenciados adequadamente. São classificados em dois grupos: perigosos e não perigosos, sendo este último subdividido em não inerte e inerte. Essa classificação se dá de acordo com sua origem e características, como inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade, incluindo ensaios de lixiviação e solubilização A classificação de um resíduo como tóxico, segundo a norma ABNT NBR 10.004, dá-se em função de parâmetros como: •> ensaios de lixiviação;

Ecotoxicologia

IIDif!JI···

•> natureza e concentração do constituinte tóxico; •> potencial de migração para o meio ambiente;

•> persistência e potencial de degradação para constituintes não perigosos;

•> potencial de bioacumulação do constituinte ou do produto de degradação; •> efeitos nocivos pela presença de agente teratogênico, mutagênico, carcinogênico ou ecotóxico; e •> parãmetros de dose e/ou concentrações letais (DL50 e/ou CL50 ) em cobaias. Alguns compostos tóxicos de interesse especial para o gerenciamento, presentes no solo e/ou na água subterrânea em muitas áreas consideradas contaminadas, encontram -se descritos abaixo.

Inseticida s organoclorados São amplamente utilizados devido a propriedades como estabilidade contra decomposição ou degradação ambiental, baixa solubilidade em água e alta toxiddade para os insetos. Em geral, esses compostos têm probabil idade muito maior de encontrarem-se ligados à superfície do material particulado orgânico em suspensão na água, bem como aos sedimentos nas regiões mais profundas, do que dissolvidos na água. Os organoclorados podem ser introduzidos em organismos vivos (como peixes) por meio de processos de bioacumulação, e estes podem apresentar concentrações milhões de vezes maiores do que a da água poluída. Como resultado de uma sequência de etapas de bioacumulaçào, podem, ainda, sofrer biomagnificação ao longo da cadeia alimentar, podendo alcançar níveis perigosos. A quantidade de organoclorados ingerida por um ser humano ao alimentar-se de um simples peixe da região dos Grandes Lagos, por exemplo, é geralmente maior que o teor total de organodorados contido na ingestão de água dos mesmos Grandes Lagos consumida durante toda a sua vida. Muitos dos compostos organoclorados são reconhecidos como poluentes orgâ nicos persistentes, apresentando propriedades tóxicas, resistência à degradação, possibilidade de bioacumulação, possibilidade de transporte pelo ar, pela água e pelas espécies migratórias através das fronteiras internacionais e possibilidade de serem depositados em locais distantes de sua liberação original, podendo se acumular em ecossistemas terrestres e aquáticos. Dessa forma, foram adotadas medidas internaciona is para a eliminação da produção, utilização e comércio de compostos como aldrin, clordano, dieldrin, endrin, heptacloro, hexaclorobenzeno, mirex e toxafeno, além de restrição para a produção e utilização de compostos como o DDT. Por essa razão, uma ampla classe de inseticidas modernos é baseada em estruturas de organofosforados e carbamatos. Em geral, esses compostos diminuem o problema de persistência e bioacumulação associado aos organoclorados, porém com aumento significativo na toxicidade aguda para seres humanos e mamíferos. Bifenilas policloradas (PCB) Sâo compostos aromáticos formados de tal maneira que os átomos de hidrogênio da molécula de bifenila (dois anéis de benzeno unidos por uma ligação simples carbono -carbono) possam ser substituídos por até lO átomos de cloro·

·····~~·ijli

Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

~

Cl

Cl

PCB

PCB são atrativos por serem líquidos, quimicamente inertes, difíceis de queimar, possuírem baixas pressões de vapor e baixo custo de produção. Além disso, são excelentes isolantes elétricos, praticamente insolúveis em água e solúveis em meios hidrofóbicos. Esses compostos, amplamente usados, no passado, como nuidos refrigerantes em transformadores e conden sadores elétricos, são extremamente resistentes à decomposição por agentes químicos e biológicos, indicando que quantidades mínimas são volatilizadas e redepositadas constantemente na superfície terrestre. O aquecimento de PCB produz pequenas quantidades de benzofuranos, compostos de estrutura similar às dioxinas. Os benwfuranos polidorados e dioxinas policloradas são conhecidos como PCDF e PCDD, respectivamente. São compostos aromáticos triddicos, formados por dois anéis de benzeno ligados por dois átomos de oxigênio nas dibenzo-p-dioxinas polidoradas c por um átomo de oxigênio e uma ligação carbono-carbono nos dibenzofuranos policlorados e cujos átomos de hidrogênio possam ser substituídos por atê 8 átomos de cloro:

N °D

C~l PCOF

Q:O Yl Cl

0

~1

PCDD

Devido à sua persistência e hidrofobicidade, os PCB apresentam bioacumulação e biomagnificação nas cadeias alimentares e são reconhecidos como poluentes orgânicos persisten tes, tendo sido adotadas medidas internacionais para a eliminação de sua produção, utilização e comércio. Entretanto, os PCB, assim como os PCDD, PCDF e hexadorobenzeno (HCB), são formados não intencionalmente e liberados a partir de processos térmicos envolvendo matéria orgânica e cloro como resultado de combustão incompleta ou reações químicas. As seguintes categorias de fontes industriais têm potencial de formação e liberação comparativamente altas dessas substãncias químicas no meio ambiente: I. incineradores de resíduos, incluindo coincineradores de resíduos urbanos perigosos ou dos serviços de saúde ou de lodo de esgoto; 2. queima de resíduos perigosos em fornos de cimento; 3. produção de celulose com utilização de cloro elementar, ou de substâncias químicas que gerem cloro elementar, em processos de branqueamento; 4. processos térmicos na indústria metalúrgica. Essas substâncias podem também ser formadas e liberadas não intencionalmente a partir de processos de combustão de fontes residenciais e instalações baseadas na queima de combustível fóssil e de biomassa, incluindo queima de lixo a céu aberto, queima em aterros sanitários, crematórios, processos de tingimento têxtil e de couro e processamento de óleo usado.

Hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (PAH) São compostos formados por combustão incompleta, especial mcn -

te de madeira e carvão, sendo também emitidos para o ambiente pelos depósitos de lixo de plantas industriais que convertem carvão em combustível gasoso, pelas refinarias de petróleo e xisto. Além disso, são gerados em quantidade substancial na produção de derivados do alcatrão de hulha, o creosoto (um preservante de madeira), e introduzidos também a partir de numerosas fontes, como motores de combustão a gasolina e diesel, alcatrão da fumaça de cigarro, superfície de alimentos chamuscados ou queimados, fumaça da queima de madeira ou carvão e outros processos de combustão. Os PAH possuem estrutura de anéis benzênicos condensados, grande estabilidade e geometria planar. As estruturas de alguns PAH estão apresentadas abaixo:

antraceno

fenantreno

pireno

benzo(a]pireno

Em contraste com seus análogos menores, os PAH com mais de quatro anéis benzênicos não permanecem no ar durante um longo tempo como moléculas gasosas. Devido à baixa pressão de vapor, condensam-se e são adsorvidos às superfícies de partículas de fuligem e cinzas, sendo uma das vias de contato partículas respiráveis de tamanho submicrométrico. Em razão da presença dos PAH em derivados de petróleo, são poluentes da água em função de derramamentos de óleo e combustíveis. Em rios e lagos, encontram-se principalmente li· gados a sedimentos. Muitos PAH são conhecidos carcinógenos, como o benzo[a]pireno e o benzo[a]antraceno, sendo que PAH com alguns átomos de H substituídos por outros grupamentos {como - N01 e - CH)) são carcinógenos ainda mais potentes

Metais pesados Diferenciam-se dos compostos orgânicos tóxicos por serem absolutamente não degradáveis. A toxicidade dos elementos Hg, Pb, Cd e As (semi meta l) depende, especialmente, da forma química do elemento, isto é, de sua especiação. A toxicidade dos elementos difere substancialmente, dependendo de se encontrarem em suas formas metálica, catiônica ou ligados covalentemente a cadeias carbônicas. Bioquímicamente, o mecanismo de sua ação tóxica deriva da forte afinidade dos cátions pelo enxofre presente nos grupamentos sulfidrila (-SH) de enzimas, por exemplo. O destino dos diferentes tipos de resíduos lançados no ambiente por atividades urbanas e/ou industriais varia muito em função de sua composição, podendo ser enviados a diferentes tipos de aterros, incinerados, reciclados, submetidos a tratamentos térmicos, entre outros. Os aterros de resíduos sólidos são diferenciados em aterros para resíduos perigosos, inertes e não inertes, com projetos de construção e instalação normatizados pela ABNT. Os aterros sanitários também são os principais pontos para armazenamento do lixo sólido municipal (LSM). Enquanto os resíduos municipais se decompõem, a água das chuvas e o líquido proveniente do próprio lixo podem percolar através dele, produzindo um líquido chamado chor ume. O chorume comumente contém ácidos orgânicos voláteis, como ácido acético e vários ácidos graxos, bactérias, metais pesados e sais de íons inorgã-

2. 1.

nicos comuns, como Caz.. Entre os micropolucntcs presentes no chorumc do LSM, incluem-se alguns compostos orgânicos voláteis, como tolucno c dicloromctano. O dióxido de carbono, gerado pela decomposição da matéria orgânica, pode tornar o chorumc ácido, aumentando ainda mais sua capacidade de lixiviar metais presentes no próprio LSM. Dado, ainda, que geralmente o chorumc de um aterro tem alta demanda de oxigênio c concentrações altas de metais pesados, seu controle é de importância prioritária, pela possibilidade de contaminação de águas subterrâneas e superficiais por percolação através do solo ou vazamentos do aterro A decomposição anaeróbica em aterros produz ácidos carboxilicos e ésteres voláteis. O cheiro doce e enjoativo que emana dos aterros é provavelmente dev ido a esses ésteres e a tioésteres. Além disso, são liberadas para a atmosfera quantidades significativas de gás metano e dióxido de carbono à medida que os ácidos são decompostos. Em alguns aterros, o gás metano é queimado à medida que é liberado para os respiros do aterro, o que é desejável em virtude do potencial efeito estufa desse gás, podendo o calor dessa combustão ser usado para geração de energia. Outro destino possível para os diferentes tipos de resíduos é a sua incineração, que possui como principal vantagem aredução substancial de volume dos resíduos. No caso de resíduos tóxicos ou perigosos, o objetivo é a eliminação do perigo tóxico. Os produtos resultantes dos incincradores são gases e resíduos de sólidos. Os resíduos de sólidos se dividem em cinzas de fundo (material não combustível coletado no fundo do incincrador) e cinzas volantes (matéria sólida finamcnte dividida, correspondente a constituintes inorgânicos). Em alguns casos, esses resíduos demandam tratamento posterior, para a dctoxificação ou imobilização dos componentes perigosos. A lixiviação de metais pesados contidos nas cinzas dispostas inadequadamente constitui um exemplo de preocupação ambientaL Os controles típicos dos sistemas de incineração são constituídos por filtros (para retenção de cinzas), lavadores (pararetenção de cinzas e gases), utilização de chamas muito quentes, com oxigênio suficiente na zona de combustão, e retenção dos compostos residuais pelo tempo necessário na zona de combustão, para a garantia da máxima eficiência na destruição e remoção dos resíduos. O risco de possíveis emissões de substâncias tóxicas é uma preocupação constante nas unidades incineradoras, uma vez que compostos orgânicos de combustão incompleta e produtos orgânicos persistentes têm sido encontrados adsorvidos sobre partículas e nos gases emitidos pelos incineradores. Entre os produtos perigosos possivelmente fo rmados nos incineradores, encontram-se metano, benzeno, PA H, dioxinas, fura nos e produtos orgânicos persistentes, como os PC B, PCDD, PCDF e HCB. Os incineradores apresentam uma preocupação adicional com o aumento de emissões durante a finalização de suas atividades, acidentes ou fal has de energia, quando temperaturas mais baixas produzem quantidades muito maiores de substâncias tóxicas. Outro possível dest ino para alguns tipos de resíduos é a sua reciclagem, que colabora para a diminuição do lixo gerado, reduzindo, assim, o impacto ambiental. Os materiais mais cole-

Ecowxicotogia

+BCSII····

lados para reciclagem são papel, alum ínio, aço e vidro, entre outros. Resíduos orgânicos também podem ser recidados pela compostagem, um processo biológico que transforma esse material para a utilização na agricu ltura. A disposição inadequada de resíduos domésticos e industriais, principalmente resíduos perigosos, implica na contaminação do solo, do ar e dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, sendo necessárias, assim, medidas de remediação na tentativa de minimizar o efeito dos contaminantes ao meio ambiente e à saúde humana. As tecnologias de remediação de áreas contaminadas atualmente pertencem a três categorias: retenção e imobilização, mobilização e destruição. Em geral, essas tecnologias podem ser aplicadas in situ, ou seja, no lugar da contaminação, ou ex si tu, removendo a matéria contaminada para outro local. Entre as técnicas associadas com retenção in si tu, cstâ a cobertura do local contaminado, especialmente com argila, e/ou a colocação de muros de retenção de baixa permeabilidade que impeçam o espalhamento dos contaminantes. Um exemplo da retenção ex situ seria a colocação do solo escavado em um aterro especial. As técnicas de imobilização incluem solidificação e estabilização, especialmente úteis para resíduos inorgânicos. Resíduos concentrados podem ser solidificados por reações com cimento ou por vitrificação, diminuindo, dessa forma, a solubilidade e a mobilidade dos contaminantes. As técnicas de mobilização são em geral efetuadas in situe incluem lavagem do solo e extração de vapores contaminantcs dele, no caso em que sejam insolúveis em água c de alta volatilidadc, como é a gasolina. O aquecimento do solo com o objetivo de aumentar a taxa de evaporação e a abertura de poços para a injeção de ar são, às vezes, empregados em conjunto na extração de vapor do solo. A lavagem de solo in silu é efetuada pela injeção de fluidos por cavidades situadas no subsolo, sendo coletado em outros pontos. As técnicas de retenção, imobilização e mobilização não promovem a eliminação dos contaminantes. Por essa razão, de maneira geral, procuram-se processos que permitam não somente a remoção das substâncias contaminantes, mas sua completa mincralização, ou seja, a degradação da matéria orgânica até dióxido de carbono e água. A destruição de poluentes pode ser obtida por meio de tratamentos químicos ou biológicos (biorremediação), nos quais os contaminantcs são transformados por vias qu ímicas ou bioquímicas, respectivamente. A presença de poluentes no meio ambiente levou ao desenvolvimento de várias técnicas físicas, químicas e biológicas para sua remoção. Entre elas, em virtude da potencial eficiência na remediação de áreas contaminadas, a atenuação natural apresenta-se como uma ótima alternativa de tratamento. Entre os processos de atenuação natural, que incluem biorremediação, diluição, dispersão, adsorção c volatilização, o primeiro é o único que resulta na degradação dos compostos, com cansequente redução de sua massa. Além do baixo custo, as vantagens relacionadas à biorremediação incluem, ainda, a possibilidade de tratamento in situ, reduzindo assim os riscos de contaminação de outras áreas, e a degradação permanente do resíduo (ou, pelo menos, a sua transformação em produtos de menor toxicidade). A biorremediação pode ser definida como a degradação biológica natural ou controlada de poluição ambiental. t: nor-

·····~~·ijJ

Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

malmente realizada por microrganismos naturalmente encontrados no local afetado, capazes de detoxificar ou degradar poluentes orgânicos até níveis indetectáveis ou abaixo dos limites de tolerância estipulados pelas agências regulatórias. Essa tecnologia utiliza o potencial fisiológico de bactérias e/ou fungos, que transformam o poluente em biomassa, água, dióxido de car-

bono e outros compostos. Além disso, os produtos do metabolismo de um microrganismo podem ser substrato para outros. Esse sinergismo metabólico entre microrganismos, praticamente ausente nos organismos mais complexos, é de fundamental importância na biodegradação de xenobióticos. A eficâcia dessa técnica é testada em laboratório, entre outros fatores, pela determinação das taxas de degradação do composto. O maior projeto de biorremediaçào da história foi o tratamento do pet róleo derramado pelo navio Exxon Valdez no Alasca em 1999. Esse tratamento consistiu na adição de fertilizantes contendo nitrogênio no litoral afetado, estimulando, assim, o c rescimento de microrganismos nativos, inclusive os capazes de degradar hidrocarbonetos. Alguns exemplos de microrganismos utilizados de acordo com a substância poluidora estão descritos na Tabela 3. Tabela 3. Exemplo de gêneros utilizados como biorremediadores, em função do contaminante. Contammante

Gênerosdemtcrorgantsmosuttltzados

Anéis aromáticos

Pseudomonas, Achromobacter, Bacillus, Arthrobacter, Penicillum, Aspergillus, Fusarium, Phanerocheate

Câdmio

Staphylococcus, Bacillus, Pseudomonas, Cilrobacter, Klebsiella, Rhodococcus

Cobre

Escherichia, Pseudomonas

Cromo

Alcaligenes, Pseudomonas

Enxofre

Thiobacillus

Petróleo

Pseudomonas, Proteus, Bacillus, Penicillum, Cunninghamella

A maioria das biodegradações é constituída de processos que utilizam microrganismos aeróbios, sendo mais rápidas e completas. Entretanto, existem muitos resíduos que podem ser degradados por microrganismos anaeróbios. Uma das vantagens da biodegradação anaeróbia é a produção de sulfeto de hidrogênio, que precipita in si tu íons de metais pesados na forma de sulfetos. Além dos microrga nismos, as plantas também podem ser utilizadas na descontaminação in sil11 de solos e sedimentos, em um processo denominado fitorremediação. Os vegetais podem remediar poluentes por meio de três mecanismos:

•> absorção direta dos contaminantes e acúmulo no tecido da planta (fitoextração);

•> liberação, no solo, de oxigênio e substâncias que estimulam a biodegradação de poluentes;

•> intensificação da degradação por fungos e bactérias localizados na interface raiz-solo. Exemplos de fitorremediação incluem plantas hiperacumuladoras de metais (sendo posteriormente cortadas e incineradas, e suas cinzas tratadas para a extração dos metais); plan-

tas que abso rvem substâncias orgânicas moderadamente hidrofóbicas {que incluem compostos como BTEX - benzeno, tolueno, et ilbenzeno e xileno) e plantas que liberam no solo compostos, como enzimas e/ou quelantes, que diminuem a to .xicidade ou degradam contaminantes. Processos biológicos, no entanto, apresentam algumas limitações, por não serem uma solução imediata il remediação do local impactado e por exigirem que o local suporte a ação dos microrganismos. Além disso, cada tipo de contami nante requer diferentes organismos, sendo que algumas substâncias, denominadas recalcitrantes ou bioimrmes, são resistentes à biodegradação. Outras substâncias são parcialmente biodegradadas, podendo ser transformadas em compostos bioimunes ou compostos mais lóx.icos que os originais, como a conversão do solvente l,l,l-tricloroetano, mediante etapas abióticas e microbianas, no carcinógeno cloreto de vinila.

8.

B IBLIOGRAFIA

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS T~CNICAS (ABNT}. NBR 10.004: Resíduos sólidos - Classificação. Rio de Janeiro, 2004, 63p ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TéCNICAS (ABNT). NBR 10.005: Procedimento para obtenção de extrato lixiviado de resíduos sólidos. Rio de Janeiro, 2004, l6p. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS T~CNICAS (ABNT). NBR 10.006: Procedimento para obtenção de extrato solubilizado de resíduos sólidos. Riode}aneiro,2004,3p. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS T~CNICAS (ABNT}. NBR 10.007: Amostragem de resíduos sólidos. Rio de Janeiro, 2004, 21p. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TECNICAS (ABNT). NBR 12.713: Ecotoxicologia aqmitica - Toxicidade aguda - Método de ensaio com Daphnia spp. (Cladocera, Crustacea). Rio de janeiro, 2009,23p. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS T~CNICAS (ABNT). NBR 13.373: Ecotoxicologia aquática - Toxicidade crônica - Método de ensaio com Ccriodaplmia spp. (Crustacea, Cladocera). Rio de janeiro,2010,18p. ALEXANDER, M. Biodegradation and bioremcdialion. 2.ed. New York:AcademicPress, 1999. 424p. ANDERSSON, T.; FORLIN, L. Regulation of the Cytochrome-P450 enzyme-system in fish. Aqrwt. Toxicol., v.24, n.l-2, p.l-19, 1992. BAIRD, C. Quinrica ambierltal. 2.ed. Porto Alegre: Bookman, 2002. 622p. CHAPMAN, P.M.; WANG, F.Y.; JANSSEN, C.; PERSOONE, G.; ALLEN, H.E. Ecotox.icology ofmetals in aquatic sediments: binding and release,bioavailability, riskassessment,andremediation.Can./.fish Aquat.Sci.,v.SS,n.!O,p.222I -2243,1998. Decreto n. 5.472, de 20 de junho de 2005. Promulga o texto da Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, adotada, naquela cidade, em 22 de maio de 2001. Disponível em: a sobrevivência da espécie humana depende do bem-estar dos outros organismos e da disponibilidade de ar, água e alimentos de qualidade; •> tanto os agentes tóxicos de fontes antropogênicas como os de origem natural podem causar danos aos organismos. Considerando o estilo de vida moderno e as tecnologias atuais, é utópico imaginar um mundo livre de substâncias químicas. Dessa forma, o objetivo da Toxicologia Ambiental é estudar os agentes tóxicos ambientais para que um controle eficaz possa ser realizado, visando prevenir ou minimizar danos às populações expostas aos poluentes ambientais. A poluição ambiental abrange uma série de aspectos, que vão desde a contaminação do ar, da água e do solo até a desfiguração da paisagem, erosão de monumentos e edificações, além da contaminação de alimentos. f: importante destacar que os compartimentos ambientais são intimamente relacionados entre si; assim, dependendo de suas características físico-químicas, uma substância lançada na atmosfera pode, por exemplo, sedimentar-se no solo e ser lixiviada para um corpo d'água ou atingir um aquífero. Ou pode, ainda, ser transportada por longas distâncias através dos ventos. De forma análoga, compostos químicos presentes em efluentcs industriais lançados em um rio podem volatilizar e contaminar a atmosfera ou depositar-se nos sedimentos. Outro dado importante é que as substâncias químicas são lançadas sob a forma de misturas complexas e, ao atingirem o meio ambiente, podem sofrer diversos processos de transformação, formando inúmeros produtos, que podem ser mais ou menos tóxicos do que os originais. Estudos têm mostrado que os produtos de transformação são mais comumente encontrados no ambiente do que seus originais. Assim, as populações estão expostas a incontáveis compostos, muitos deles com estrutura química e efeitos desconhecidos. Nesse contexto, a contaminação atmosférica se difere dos outros tipos de poluição, pois, além dos problemas citados, ainda afeta todos os segmentos de uma população. Por exemplo, quando uma fonte de água está contaminada é possível buscar água de outra fonte ou, ainda, tratar a contaminação, porém, no caso da poluição atmosférica, isso não é possível

1.1 . Principais fontes de contaminação ambiental As fontes de poluição ambiental podem ser de origem natural ou antropogênica:

a) Naturais - provenientes de fenômenos da natureza· •> atividade vulcânica; •> incêndios florestais, não causados pelo homem; •> maré vermelha. b) Antropogênicas - decorrentes das atividades humanas: doméstica e urbana: esgoto doméstico, lixo doméstico, veículos automotores; ~ industrial: efluente industrial, lixo industrial, queima de combustível; •> agropecuária: queimadas, fertilizantes, praguicidas.

•>

2.

POLUIÇÃO ATMOSFÉR ICA

Uma fina camada de gases chamada atmosfera envolve o nosso planeta e permanece em contato com a superfície da Terra por gravidade. Essa camada é dividida em troposfera, estratosfera, mesosfera, termosfera, ionosfera e exosfera. A troposfera é responsável pelo clima e na qual o efeito estufa ocorre. Representa a maior parte da massa da atmosfera e se estende por 20 km a partir do solo. Nessa camada, o ar é mais denso do que nas demais, sendo formado por nitrogênio (78,08%), oxigênio (20,95%), argônio (0,93%), dióxido de carbono (0,035%) e outros gases, como neônio, hélio, metano e monóxido de carbono. O vapor de água também é um dos constituintes do ar, mas sua concentração varia muito (O a 4%), dependendo da localidade e da hora do dia. Porém, devido a fenômenos naturais ou processos antropogênicos, os níveis desses gases no ar estão sendo constantemente alterados, pela liberação de 50 2 , H2S, CO c outros. Essa alteração qualitativa ou quantitativa na composição dos gases da troposfcra é conhecida como poluição atmosférica. De acordo com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), "poluente atmosférico é toda for ma de matéria ou energia com intensidade e em quantidade, concentração, tempo ou características, em desacordo com os níveis estabelecidos em legislação, e que tornem ou possam tornar o ar impróprio, nocivo ou ofensivo à saúde, inconveniente ao bem-estar público, danoso aos materiais, à fauna e à flora ou prejudicial à segurança, ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade". Ao longo dos anos, diversos episódios agudos de poluição atmosférica foram relatados, sendo um dos mais dramáticos em Londres, em 1952. As temperaturas baixas, associadas à emissão dos veículos movidos a diesel, à queima de carvão nas lareiras domésticas e às condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão da poluição, fizeram com que a cidade ficasse envolta por uma densa nuvem de fumaça. Como consequência, as concentrações de sol e material particulado atingiram níveis elevados, chegando a até 10 vezes acima dos limites máximos usualmente detectados na época, o que levou a um aumento de cerca de 3.500 óbitos em relação ao número médio registrado. Além desses casos relacionados à exposição aguda, estimou-se que cerca de 12.000 pessoas morreram em decorrência de agravos à saúde relacionados ao episódio de 1952. Outros casos semelhantes, porém menos graves, ocorreram no Vale Meuse, na Bélgica, em 1930, e em Donora, Pensilvânia, Estados Unidos, em 1948. Esses eventos claramente evidenciam a relação entre os níveis de poluentes atmosféricos e os efeitos deletérios causados nas populações expostas. Tais efeitos podem induzir tanto à mortalidade quanto à morbidade, como doenças cardiovasculares e respiratórias. Atualmente, diversos estudos vêm usando

2.2.

o número de internações hospitalares como um indicador dos efeitos da poluição na saúde da população. No Brasil, devido aos registros de episódios agudos de poluição do ar no Estado de São Paulo que desencadearam não só pânico, como também efeitos agudos na população, na década de \960 foi criada a Comissão Intermunicipal de Controle da Poluição das Águas e do Ar (CICPAA), que abrangia os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Mauâ. As atividades da CJCPAA, no início da década de 1970, foram incorporadas pela Superintendência de Sanea-

Tabela 1.

PoluemesdaAtmosjera

MII!M····

mento Ambiental (Susam), vinculada à Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e, em 1975, a atribuição do controle da poluição foi transferida à Cetesb.

2.1. Classi fi cação dos poluentes do ar O nível de poluição do ar é medido pela quantidade de substâncias poluentes existentes na troposfera. A variedade de substâncias que podem alterar a qualidade do ar é enorme, por isso os poluentes foram agrupados de acordo com o grupo quimico que os originou, como pode ser observado na Tabela\:

Principais poluentes da atmosfera agrupados de acordo com o grupo químico de origem (Cetesb, 2013).

Compostos deenxofre

Compostos dentlf!Jilêmo

Compostosorgântcos

Monóxtdo decarbono

Compostos halo2enados

Matenal parttculado

so,

NO

hidrocarbonetos

co

HCI

mistura de compostos no estado sólido ou liquido

N~2

álcoois

HF

NH,

aldeídos

cloretos

mercaptanas

HN03

cetonas

fl uoretos

sulfatos

nitratos

ácidos orgânicos

~ ~

Ozomo

o, formaldeido acroleína

PAN"

"PAN=nitratosdeperoxiacila

Além da divisão citada, os poluentes da atmosfera podem ser classificados em primários e sewndários: poluentes primârios: lançados d iretamente da fonte de emissão. São responsáveis por mais de 98% da poluição do ar dos principais centros urbanos do mundo. Como exemplos, podem ser citados: monóxido de carbono; óxidos de enxofre (SO,); hidrocarbonetos (HC); material particulado (MP); e óxidos de nitrogênio (NO,). O CO é lançado em maior quantidade, seguido doSO, e do HC. Porém, em termos de risco, o CO representa apenas 1,2% (considerando-se a probabilidade de ocasionar um efeito nocivo); sendo o SOx o mais nocivo, com risco estimado de 34,6% em relação aos outros poluentes primários, seguido por MP, NO, e HC e, depois, CO (nas concentrações que ele consegue atingir no meio ambiente); •> poluentes secundários: aqueles formados na atmosfera pela reação química entre poluentes primários e componentes naturais da atmosfera, como o ozônio, presente em baixas altitudes, ácido sulfúrico, nitratos de peroxiacila (PAN) etc.

•>

2.2. Fontes emissoras A maior parte da poluição do ar nos grandes centros urbanos é produzida pelas indústrias e pelos veículos automotores. As fontes emissoras dividem -se em e5facionárias (fixas), como as indústrias, e móveis, como os veículos automotores. As fontes estacionárias contribuem com o lançamento, em maior porcentagem, de SO, e MP, e as móveis, com a maior emissão de CO,HCeNO, . Com relação il poluição do ar, a região metropolitana de São Paulo merece especial destaque, pois ocupa aproximadamente 0,1% do território brasileiro e é o terceiro maior conglomerado urbano do mundo, responsâve\ por 1!6 do PIB nacional. A deterioração na qual idade do ar dessa região é devida a emissões atmosféricas de cerca de 2.000 indústrias de alto potencial poluidor e por uma frota registrada de aproximada-

mente 6,7 milhões que representa cerca de 1/5 do total nacional. Segundo o Relatório da Qualidade do Ar da Cetesb de 2012, publicado em 2013, as fontes móveis e fixas são responsáveis pela emissão de 138 mil t/ano de monóxido de carbono (CO), 35 mil t/ano de hidrocarbonetos (HC), 77 mil l/ano de óxidos de nitrogênio (NO,), 5 mil t/ano de material partículado total (MP) e 9 mil t/ano de óxidos de enxofre (SO,). Os veículos são responsáveis por 97% das emissões de CO, 77% de HC, 80% NO,, 40% de MP e 37% de SO,das emissões citadas. Considerando os combustíveis utilizados nos veículos, o diesel é o de maior potencial poluidor, seguido da gasolina. O etano\ é o menos danoso ao meio ambiente, pois os veículos que utilizam esse combustível emitem 3 a 4 vezes menos CO, HC e NO,, além de não emitirem SO, e MP. A redução na taxa de emissão de NO, é também importante para a diminuição dos níveis de ozônio em baixas altitudes, pois esses compostos de nitrogênio são os principais precursores de 0 3 , como será discutido mais adiante neste capitulo. Vale lembrar que o Brasil é o único país no mundo que conta com uma frota veicular que uti liza etano! em larga escala como combustível. Se, por um lado, o aumento do uso de etano\ como combustível é importante para a redução da emissão veicular de compostos tóxicos, por outro, estimula o aumento no plantio da cana-de-açúcar. Como consequência , ocorre um aumento na intensidade da queima da palha da cana que, da mesma forma que outros tipos de queima de biomassa, lança na atmosfera altas concentrações de MP, aldeídos, CO, HC e hidrocarbonetos policíclicos aromâticos (HPA). O Estado de São Paulo concentra a maior produção de cana-de-açúcar do país, com ârea plantada de aproximadamente 2.500.000 hectares, representando cerca de 50% da área plantada no Brasil. Na época da colheita da cana-de-açúcar, é comum a queima da palha por motivos de produtividade, como: redução do esforço físico despendido pelo trabalhador braçal; aumento da capacidade diâria de corte; redução no número de acidentes ocupacionais de-

•••••lilfli

Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

correntes do uso de facão, bem como redução de acidentes com animais peçonhentos; diminuição significativa da quantidade de matéria estranha (fol has, pontas, ervas daninhas); aumento da densidade de transporte de matéria-prima; entre outros. Para reduzir os impactos ambientais relacionados à produção de etano!, ações de entidades ambientais deram origem à Lei da Queima da Cana (Lei n. 11.241 /2002), que estabelece a queima controlada da palha da cana-de-açúcar, além da eliminação gradual dessa atividade até a total eliminação em 2021 em áreas mecanizadas e em 2031 nas não mecanizadas. No entanto, visando colabora r com as ações relacionadas a mudanças climáticas (discutidas mais adiante neste capítulo), foi estabelecido o Protocolo Agroambiental do setorCanavieiro Paulista. De acordo com o protocolo, após a adesão voluntária, os produtores de cana-de-açúcar se comprometem a antecipar a eliminação total da prática da queima de 2021 para 2014 e 2031 para 2017, em áreas mecanizadas e não mecanizadas, respectivamente.

2.3. Efeitos tóxicos causados pelos poluentes do ar A qualidade do ar é um dos principais determinantes da saúde humana. Recentes estimativas indicam que anualmente dezenas de milhares de mortes prematuras podem estar relacionadas à exposição a poluentes atmosféricos. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o ar limpo um importante requisito para a manutenção da saúde humana. Concentrações elevadas de poluentes atmosféricos podem também causar degradação da flora e da fauna e deterioração de monumentos históricos e construções modernas. Os efeitos nocivos para o homem causados pelos contaminantes do ar são difíceis de ser estabelecidos, pois as condições de exposição c as respostas individuais são muito variadas. Podem ocorrer episódios de intoxicação aguda em casos acidentais ou em situações desfavoráveis ã dispersão dos poluentes, como a inversão térmica. Mas, geralmente, os efeitos observados são decorrentes da exposição por longos períodos. Os principais tipos de efeitos tó:dcos apresentados pela população exposta são: •> agudos: lacrimejamento, dificuldade de respiração e diminuição da capacidade física; •> crônicos: alteração da acuidade visual, alteração da ventilação pulmonar, asma, bronquite, doenças cardiovasculares, enfisema pulmonar e câncer pulmonar. O grupo de maior risco, entre a população, é aquele mais suscetível a ação dos poluentes, como os idosos, as crianças, as gestantes e os portadores de deficiência respiratória ou cardíaca. Muitos estudos mostram uma associação positiva entre mortalidade e morbidade por problemas respiratórios em crianças. A poluição atmosférica tem sido associada a decréscimo na função pulmonar, faltas à escola, redução da capacidade respiratória em crianças normais e aumento no uso de medicamentos por crianças ou adultos com asma; além disso, já foram relatadas alterações no sistema imunológico em não fumantes, com redução do c/earance mucociliar. Em relação aos idosos, os maiores índices de doenças, relacionadas à poluição do ar, são cardiovasculares. No caso de gestantes, estudos epidemiológicos realizados em vários países relacionam elevados níveis de poluentes a efeitos sobre a gestação e sobre os neonatos, como nascimento prematuro, baixo peso ao nascer e retardo intrauterino.

2.4. Avaliação da poluição do ar A qualidade do ar tem sido um tema extensivamente pesquisado nas últimas décadas e caracteriza-se como um fator de grande importância na busca da preservação do meio ambiente e na implementação de um modelo de desenvolvimento sustentável, pois seus efeitos afetam de diversas formas a saúde humana, os ecossistemas e os materiais. Os efeitos deletérios da poluição atmosférica para os organismos podem ser estudados por diversos métodos, incluindo os epidemiológicos, os de avaliação da exposição c os de avaliação de toxicidade, como os testes com animais e ensaios in vitro. A poluição atmosférica constitui um problema de saúde que acompanha o homem desde a Antiguidade, quando a queima de madeira era utilizada como fonte de energia para várias atividades domésticas. A partir do século XVIII, as cidades ini ciaram a utilização de grandes quantidades de carvão vegetal, o que lançava grande volume de fumaça na atmosfera. Nessa época, iniciou-se o desenvolvimento de legislações para redu ção da emissão de poluentes. Porém, a monitorização da qualidade ambiental é relativa mente recente, iniciada na década de 1970, com a criação das agências de controle ambiental, como a Environmental Protection Agency (EPA), dos Estados Unidos, eaCetesb. A avaliação da qualidade do ar pode ser realizada em nível local, regional, nacional e internacional por meio de estimativas das emissões de poluentes, do uso de modelos matemáticos e de medidas das concentrações ambientais dos principais poluentes. A monitorização ambiental das concentrações de poluentes é um dos procedimentos utilizados para o controle da qualidade do ar. Ao se determinar a concentração de um poluente nesse compartimento, estima-se o grau de exposição de receptores, como o homem. Contudo, o resultado dessas medidas não permite conclusões imediatas sobre os impactos das concentrações atuais de poluentes em seres vivos. Na verdade, os possíveis efeitos dependem não somente da toxicidade, da concentração e da duração da exposição ao poluente, como também de outros fatores, como o clima, o estado nutricional, a predisposição de certos grupos, a idade e a exposição simultânea à mistura complexa de poluentes. Normas nacionais e internacionais definem padrões de qualidade do ar e estabelecem valores-limite para concentrações de poluentes considerados prioritários, visando evitar ou minimizar os efeitos tóxicos e os prejuízos ambientais e econômicos desses agentes dispersos na atmosfera. No Brasil, em 1976, foram regulamentados alguns parâmetros de qualidade do ar por meio do Decreto Estadual n. 8.468, do Governo de São Paulo. Esses parâmetros foram ampliados em âmbito nacional e transformados na Resolução n. 003 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, Conama, em 28 de junho de 1990. Essa legislação estabelece os padrões primários e secundários para partículas totais em suspensão (PTS), fumaça, partículas inaláveis (MP 10), dióxido de enxofre (SOl), monóxido de carbono (CO), ozônio {0_.) e dióxido de nitrogênio {N0 2). Os padrões primários e secundários dos poluentes legislados no Brasil são apresentados na Tabela 2. Complementando a Legislação Federal, o Estado de São Paulo publicou recentemente o Decreto n. 59.113, de 23 de abril de 2013, no qual foram incluídos os padrões para o material particulado fino, com diâmetro aero dinâmico equivalente a 2,5 11m, e para o chumbo, que deverá ser aplicado apenas no monitoramento de áreas específicas, definidas a critério da Cetesb.

2.2.

Segundo a Resolução Conama n. 003/90, são padrões primários de qualidade do ar as concentrações de poluentes que, se ultrapassadas, poderão afetar a saúde da população. Esses padrões podem ser entendidos como níveis máximos toleráveis de concentração de poluentes atmosféricos, constituindo-se em metas de curto e médio prazo. Padrões secundários são as concentrações de poluentes atmosféricos abaixo das quais se prevê o mínimo efeito adverso sobre o bem -estar da população, assim como o mínimo dano à fauna e à flora, aos materiais e ao

Poluemes da Atmosfera

lll!fj!JI···

meio ambiente em geral. Esses padrões podem ser entendidos como níveis desejados de concentrações de poluentes, const ituindo -se em meta de longo prazo. O objetivo do estabelecimento dos padrões secundários é criar uma base para políticas de prevenção da degradação da qualidade do ar, devendo ser aplicados às áreas de preservação, como parques nacionais, e não, pelo menos a curto prazo, a áreas de desenvolvimento, onde devem ser aplicados os padrões primários.

Tabela 2. Padrões nacionais primários e secundários de qualidade do ar e métodos ana líticos de medição estabelecidos pela Resolução Conama n. 003 de 28/06/1990

Poluente

Tempo !I e amostragem

PTS

Padrao pr1már1o

(~gfml)

Padrao secundário l~Kfml)

24horas* MGA"*

240 80

150 60

24

Meto!los de análise amostradordegrandes volumes•

MAA~**

150 50

150 50

separaç1'ioinercial /f iltraçao·

Fumaça

24 horas* MAA*"*

150 60

100 40

refletancia •

so,

24horas• MAA*"•

365 80

100 40

pararosani!ina•

NO,

lhora• MAA" **

320 100

190 100

quimiluminescência'

co

lhora* 8 horas•

40.000; 35 ppm 10.000; 9 ppm

o,

lhora*

160

MP lo

horas~

40.000; 35 ppm 10.000; 9 ppm

infravermelho não dispersivo·

160

quimiluminescência·

• Nac deve ser exce dida mais que uma vez ao an o. " Média geométrica anuaL " ' Média aritméti ca anual. ·Ou método equivalente

A Resolução Conama n. 003/90 estabelece também critérios para episódios agudos de poluição do ar. Esses critérios são os níveis de atenção, alerta e emergência que devem ser observados para elaboração do Plano de Emergência para Episódios Críticos de Poluição do Ar (Tabela 3). Segundo a Conama n. 003, os níveis de atenção, alerta e emergência serão declarados quando, prevendo-se a manutenção das emissões e das condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão dos poluentes nas 24 horas subsequentes, um ou mais parâmetros descritos na Tabela 3 forem ultrapassados. Cabe aos Estados a competência para indicar as autoridades responsáveis pela declaração desses níveis e, durante a permanência dos níveis, as fontes poluidoras do ar ficarão sujeitas às restrições previamente estabelecidas pelo órgão ambiental. Tabela 3. Critérios para episódios agudos de poluição do ar estabelecidos pe la Resolução Conama n. 003 de 28/06/1990.

Parametro

Atençao

Alerta

Emergência

PTS (1Jg/m 3 -24 h)

375

625

875

MP 10 (1Jglml-=_34 h)

250

420

500

Fumaça (IJg/ml - 24 h)

250

420

500

S0 2 ()Jgfml - 24 hl so~_x PTS (1-Jglml - 24 hl

N02_{1Jgfml - 1 hl CO (ppm - 8 h) 0 3 (1Jgfml - 1 h)

800

1.600

2.100

65.000

261.000

393.000

1.130

2.260

3.000

15

30

40

400

800

1.000

Em 2005, a OMS publicou a atualização dos valores orientadores de qualidade do ar com o objetivo de reduzi r os impactos causados pela poluição do ar sobre a saúde humana. Essa atualização foi motivada por evidências epidemiológicas que indicaram a possibilidade de efeitos adversos à saúde de poluentes (MP, O,, NOl e SOl ) mesmo quando os valores orientadores não foram atingidos. A Tabela 4 apresenta os novos valores orientadores propostos pela OMS. Tabela 4. Valores orientadores para M P, 0 3, N02 e 50 2 propostos pela OMS em 2005 (WHO, 2005).

Poluente

Med1aporpenodo

Valoresonentadores !lequalldade!loar l01Jg/m3 251Jg/m 3

MP1p

1ano 24 horas

MP,_ 5

1ano 24 horas

20 1Jg/m3 50 1-1g/m3

8 horas

100 1-1g/m3

1ano 1hora

401Jg/m3 200 IJ&/m 3

24horas 10 minutos

20 1Jglm3 5001J g/m3

~ NO, so,

Há diversos fatores que dificultam o estabelecimento desses padrões de qualidade, sendo os principais: suscetibilidades individuais; heterogeneidade da população; dificuldade em reproduzir condições ambientais em experimentos laboratoriais

•••••m111

Parte 2 TOXICOLOG IA AMBIENTAL

com animais; c avaliação da toxicidade após exposição a múltipios agentes químicos. Em geral, cada pais estabelece na legislação os padrões de qualidade do ar para os difere ntes poluentes.

drões finais passam a valer a partir do final do prazo de duração do Ml3.

O monitoramento da qualidade do ar, segundo a Resolução Conama n. 003/90, é atribuição dos Estados e seus principais objctivos são: a) avaliar a qualidade do ar em relação aos limites legais, visando garantir a saúde e o bem-estar das populações; b) fornecer subsídios para ações de controle, durante períodos em que os níveis de poluentes na atmosfera possam representar riscos a saúde pública; c) fornecer informações que possam indicar impactos sobre a fauna, a flora e o meio ambiente; d) acompanhar as alterações e as tendências da qualidade do ar no decorrer do tempo; e) auxiliar no planejamento de ações de controle da poluição; e f) manter a população, os órgãos públicos e a sociedade informados sobre os níveis da contaminação do ar.

Tabela 5. Padrões de qualidade do ar válidos no território do Estado de São Pau lo, estabelecidos no Decreto n. 59.113/2013 (adaptado de Cetesb, 2013).

2.4.1. Padrões de qualidade do ar utilizados no Estado de São Paulo A Cetesb é o órgão de controle ambiental do Estado de São Paulo, sendo o mais ativo no Brasil no que diz respeito ao controle da poluição. Por esse motivo, neste capitulo será dada maior ênfase aos padrões de qualidade adotados nesse Estado. Com base na atualização de 2005 dos valores-guia para poluentes atmosféricos da OMS, o Estado de São Paulo publicou em 2013 seus novos padrões de qualidade do ar (Tabela 5). O Decreto Estadual n. 59.113/2013 estabelece que a administração da qualidade do ar no território do Estado de São Paulo será efetuada observando os critérios a seguir.

Padrões Finais (PF} Padrões determinados pelo melhor conhecimento científico para que a saúde da população seja preservada ao máximo em relação aos danos causados pela poluição atmosférica. As metas intermediárias devem implementadas em três etapas: Meta Intermediária 1 (Mil)

Valores de concentração de poluentes atmosféricos que devem ser respeitados a partir de 24/04/2013.

Meta Intermediária 2 (MI2)

Valores de concentração de poluentes atmosféricos que devem ser respeitados subsequentemente à Mil, que entrará em vigor após avaliações realizadas na Etapa I, reveladas por estudos técnicos apresentados pelo órgão ambiental estadual, convalidados pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema);

Meta Intermediária 3 (MI3)

Valores de concentração de poluentes atmosféricos que devem ser respeitados nos anos subsequcntes à Ml2, sendo que o início de sua vigência e seu prazo de duração serão definidos pelo Consema, com base nas avaliações realizadas na Etapa2. Os padrões finais (PF) são aplicados sem etapas intermediárias quando não forem estabelecidas metas intermediárias, como no caso do monóxido de carbono, das partículas totais em suspensão e do chumbo. Para os demais poluentes, os pa-

Mil

Ml2

MIJ

PF

(~i/m 3 )

(~&1m 3 )

(~&fm3)

(~&fm3)

Partículas inaláveis (MP 10)

24 horas MAN

120 40

100 35

75 30

50 20

Part!culas inaláveis finas(MP 2.5 )

24 horas MAN

60 20

50 17

37 15

25 10

Dióxido de enxofre{S0 2)

24 horas MAA 1

60 40

40 30

30 20

20

!hora MAA 1

260 60

240 50

220 45

200 40

8 horas

140

130

Dióxido de nitrogênio {N0 2) ~ (03)

Monóxido de carbono(COJ Fumaça~

(FMCJ Partículas totais em suspensao~

100

8 horas 24 horas MAA 1

9ppm 120 40

100 35

75 30

50 20

24 horas MGA 2

CPTS)

Metas Intermediárias (MI)

Estabelecidas como valores a serem cumpridos em etapas, visando a melhoria gradativa da qualidade do ar no Estado de São Paulo, com base na busca pela redução das emissões de fontes fixas c móveis, em linha com os princípios do desenvolvimento sustentável.

Tempode amostraa:em

Poluente

Chumbo~•

(Pbl

MAA 1

2 - Médiage falhas na acuidade visual; •> alterações nas funções motoras. Alteraçõescardiovasculares.

•> 2-5%

>

5%

4.1.4. Dióxido de nitrogênio (NOJ e outros

compostos de nitrogênio (NO) O dióxido de nitrogênio (NO,) é um gás marrom-avermelhado, com forte odor e muito ir~itante. Os óxidos de nitrogênio (NO) são formados por reações de oxidação atmosféricas do nitrogênio durante a combustão. Suas principais fontes estão relacionadas a processos de combustão envolvendo veículos automotores, processos industriais, usinas térmicas a base de óleo ou gás, incineração e também pela oxidação de fertilizan tes a base de nitrogênio. Como fontes naturais, merecem destaque certas bactérias que emitem grande quantidade de óxido nítrico na atmosfera. A maior parte dos compostos de nitrogênio é emitida na forma não tóxica de óxido nítrico (NO) que, na sequência, sofre oxidação na atmosfera, formando o real poluente NOZ" A presença do N0 2 na atmosfera pode levar à formação de ácido nítrico, nitratos (os quais contribuem para o aumento das partículas inaláveis na atmosfera), ozônio (OJ) e outros compostos orgânicos tóxicos e genotóxicos (p. ex., 3-nitrobenzantrona). Suas emissões podem ser reduzidas por meio da otimização dos processos de combustão ou pelo uso de conversorescatalíticosdeemissões. O NO, quando inalado, atinge porções periféricas dos pulmões devido ao seu caráter lipofílico, e seus efeitos tóxicos estão relacionados ao seu poder oxidante. Os principais efeitos tóxicos do N0 2 são irritação das vias aéreas, enfisema pulmonar a longo prazo e, em intoxicações agudas, edema pulmonar. Está relacionado às infecções respiratórias (principalmente causadas por vírus), ao aumento da sensibilidade à asma e à bronquite, e à formação de nitrosaminas carcinogênicas nos pulmões. f: capaz de oxidar componentes teciduais (p. ex., proteínas, lipídios) e de suprimir sistemas antioxidantes, protetores dos organismos. Os efeitos tóxicos são mais acentuados em crianças, nas quais o N0 2 prolonga as queixas respiratórias e prejudica a função pulmonar. A exposição materna durante a gravidez pode aumentar o risco de complicações gestacionais por danos celulares causados por peroxidação lipídica ou por diminuição materna das reservas de antioxidantes. Asmáticos têm resposta aumentada â histamina, à metilcolina e aos alérgenos após a inalação de N01 . O N0 2 pode ser transformado em ácido nítrico (HN0 3), que também ê irritante e um dos componentes da chuva ácida responsável por danos à vegetação e às colheitas.

4.1.5. Ozônio lO) A molécula de ozônio (03 ) contém três átomos de ox igênio, diferentemen te das moléculas usuais de oxigênio (0 2). ~um gás

•••••mfi•!li

Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

incolor e inodoro nas concentrações identificadas ambientalmente e se encontra em duas camadas distintas da atmosfera: na estratosfera, naturalmente presente devido à fotólise do 0 2 , onde protege os organismos vivos por meio da absorção da radiação ultravioleta emitida pelo sol; e na troposfera, presente devido às atividades humanas principalmente em áreas urbanas, onde possui potencial tóxico reconhecido. O OJ presente na troposfera é um poluente secundário formado por uma série de reações catalisadas pela radiação ultravioleta, envolvendo principalmente os óx idos de nitrogênio (NO.) e os compostos orgânicos voláteis (COV). Outras fontes de emissão de 0 3 são os purificadores de ar e fotocop iadoras. Como o MP, o 0 3 pode viajar por milhares de quilômetros. Os seus níveis são maiores no verão, elevam-se no período da manhã, têm o seu pico durante a tarde e decaem durante o início da noite, devido às variações da intensidade da luz UV. Seu tempo de meia-vida atmosferica e de I a 2 semanas durante o verão e I a 2 meses no inverno. !?: um potente agente oxidante e citotóxico, que pode afetar a saúde da população, irritando os olhos e o sistema respiratório, levando à perda da função pulmonar. Torna as pessoas mais suscetíveis a infecções respiratórias e agrava doenças preexistentes como a asma. Devido a sua baixa solubilidade em água, o 0 3 costuma atingir facilmente os alvéolos, produzindo seus efeitos tóxicos nessa região com mudanças irreversíveis na estrutura dos pulmões e levando a doenças crônicas como enfisema e bronquite. A reação inflamatória provocada pelo 0 3 em idosos e em outros grupos sensíveis torna-os mais suscetíveis aos efeitos adversos de outros poluentes como o MP. Os picos nas concentrações de 0 3 estão relacionados ao aumento no número de mortes em várias cidades. Com relação aos impactos ambientais, o 0 3 causa danos à vegetação natural e à agricultu ra, pois age como inibidor da fotossíntese, produzindo também lesões nas folhas das plantas. Contribui para o aquecimento global e, devido ao seu poderoxidantc, é capaz de danificar materiais como borracha c couro.

4.2. Poluentes não legislados pela Resolução Conama n. 003/90 4.2.1. Chumbo (Pb) Embora o chumbo (Pb) não esteja presente na Resolução Conama n. 003, em 2013 o Estado de São Paulo incluiu esse poluente no Decreto n. 59.113, conforme o qual o chumbo no material particulado deverá ser monitorado apenas em áreas específicas determinadas pela Cetesb, sendo estabelecido como padrão final, para concentrações médias aritméticas anuais, de0,5~-tglm 3 • O Pb é lançado na atmosfera principalmente na forma de MP por inúmeras fontes industriais, como siderurgias, incineradores (p. ex., queima de lixo doméstico), produção de energia (p. ex., usinas termoeh~tricas a carvão) e operações de fabricação e reciclagem de materiais metálicos, e naturais, destacando-se as erupções vulcânicas. A exemplo do Brasil, nos países que diminuíram ou eliminaram o chumbo tetraetila, usado como aditivo antidetonante na gasolina, seus níveis atmosféricos diminuíram significativamente. Como consequência direta da retirada do Pb da gasolina, observou-se a diminuição dos níveis sanguíneos desse metal na população em geral, contudo níveis sanguíneos de Pb relati-

vamente elevados ainda são observados em populações queresidem nas proximidades de incineradores e áreas industrializadas quando comparados àquelas de áreas isoladas, refletindo o impacto da poluição ambiental desse metal. Recentes estudos em diversos países têm associado a exposição ambiental ao Pb a efeitos adversos em diferentes sistemas do organismo, incluindo alte rações nos sistemas neurológico, hematológico, metabólico, reprodutivo e cardiovascular. Esses estudos demonstram que os efeitos adversos ocorrem em níveis de exposição antes considerados seguros. Depois de absorvido pelo organismo, o Pb tende a ser transportado por diversas vias, dependendo da fonte e da extensão da exposição, e da sua biodisponibilidade. A fração do Pb absorvida depende principalmente das propriedades físico -químicas, como a solubilidade da forma a qual os organismos estão em contato, a exposição atmosferica e o tamanho das partículas contendo esse metal. Crianças e gestantes são particularmente vulneráveis ao Pb porque o sistema nervoso em desenvolvimento e um dos principais alvos da toxicidad e desse metal. Entre os efeitos tóxicos do Pb, estão as alterações hematoló gicas (decréscimo na síntese do lume e aumento na destruição dos eritrócitos); endócrinas (alterações na tireoide e na produção d o hormônio do crescimento); neurológicas (encefalopatias, déficit de inteligência e distúrbios no aprendizado); reprodutivas (infertilidade masculina e maior probabilidade de abortos e natimortos); e imunológicas. Nas intoxicações, são observados efeitos cardiovasculares, renais e gastrintestinais. O Pb inorgânico é classificado como provável carcinógeno para humanos (grupo 2B) pela lnternational Agency for Research on Cancer (IARC).

4.2.2. Compostos orgânicos voláteis (COV) Os compostos orgânicos volá teis (COV) constituem uma classe de contaminantes com ca racterísticas diferenciadas dos demais poluentes atmosféricos e incluem uma longa lista de compostos químicos de uso industrial, bem como aqueles emitidos por veículos motorizados. Entre as classes que compõem os COV, estão os hidrocarbonetos alifáticos e aromáticos, hidrocarbonetos halogenados, alguns álcoois, ésteres e aldeídos. Esses compostos estão presentes na atmosfera devido a sua volatilização ou a seu processo de combustão incompleta. Suas principais fontes são as refinarias de petróleo, indústrias petro químicas, exaustões veiculares, produção e distribuição de gás natural, praguicidas, processos de combustão e emissões florestais. Por definição, COV são substâncias com pressão de vapor a 20°C inferior à pressão at mosférica normal (1,013 X JOS Pa) e maior que 130 Pa. O número de espécies orgânicas na atmosfera é muito elevado e as pressões de vapor de muitas delas fazem com que a transição entre as fases gasosa e particulada seja fre quente. Assim, muitos desses COV estão presentes na atmosfe ra simultaneamente como vapores e MP. Frequentemente, o termo COV e aplicado aos poluentes semivoláteis e engloba não apenas os hidrocarbonetos, como também moléculas que contêm átomos de oxigênio, enxofre, cloro, entre outros. Em geral, essa classe de poluentes é estudada separadamente do metano Os COV desempenham um papel relevante na química atmosférica por atuarem como percussores do smog fotoquímico

2.2.

PoluemesdaAtmosjera

*Eb····

por meio da formação de radicais orgânicos que levam à produção de 0 1 e à modificação da capacidade oxidante da própria atmosfera, onde podem ser transportados por distâncias relativamente grandes. Muitos compostos dessa classe de poluentes são tóxicos para humanos, contribuem para o aquecimento global, e os clorofluorcarbonos (CFC) destroem a camada de ozônio. A presença de compostos mutagênicos e carcinogênicos entre os COV tem despertado grande interesse sobre esses poluentes. COV comuns produzidos por motores a diesel incluem benzeno, tolueno, formaldeído e 1,3-butadieno, sendo o benzeno e o butadieno carci nógenos humanos bem conhecidos. O formaldeído é um potente irritante das vias aéreas e é um provável carcinógeno. Outros COV estão associados a problemas reprodutivos, asma e problemas neurológicos.

observou maior incidência de câncer em limpadores de chaminés. Muitos anos de pois, essa atividade carcinogênica foi atribuída à presença de benzo[a[pireno (BaP) nas amostras. Posteriormente, fo i comprovado experimentalmente que a presença do Ba P, por si só, não justificava toda a atividade carcinogênica observada nessas amostras, sendo esse "excesso de carcinogenicidade" atribuído à presença conjunta de outros membros da família dos HPA e de alguns de seus derivados, principalmente nitroderivados. Porém, muitos trabalhos reconhecem que, apesar da presença de HPA carcinogênicos no ar, esses compostos podem não ser os maiores responsáveis pela atividade mutagênica detectada. Já foram identificados mais de 500 compostos mutagênicos de diversas classes químicas em extratos orgânicos obtidos de material particulado do ar.

4 .2.3. Hidrocarbonetos po/icíc/icos aromáticos (HPAJ

5.

Os hidrocarbonetos policícl icos aromáticos (HPA) formam uma classe de poluentes ubiquitários caracterizados por possuírem dois ou mais anéis aromáticos condensados em suas moléculas. Essas substâncias, bem como seus derivados nitrados e oxigenados, formadas na atmosfera têm ampla distribuição e são encontradas como constituintes de misturas complexas em todos os compartimentos a mbientais. De maneira geral, tanto os HPA quanto seus derivados estão associados ao aumento da incidência de diversos tipos de câncer no homem Esses compostos são gerados tanto por fontes naturais como antrópicas, sendo as atividades antrópicas as principais res ponsáveis pela presença dos HPA nos compartimentos ambientais. Os HPA são gerados por meio de síntese por bactérias, plantas e fungos ou durante a queima incompleta de matéria orgân ica, naturalmente presente no meio ambiente (p. ex., incêndios florestais naturais) ou relacionados a uma série de atividades humanas, destacando-se a produção de carvão coque e gás, indústrias petroquímicas, produção e derramamentos de óleos combustíveis e emissões veiculares. Embora os HPA sejam emitidos na atmosfera principalmente na forma gasosa, uma porção significativa, principalmente os HPA mais pesados e mais mutagênicos, está associada principalmente às partículas finas Com relação à toxicidade, aqueles de menor massa molecular apresentam maior toxicidade aguda, ao passo que os com maior massa são mais genotóxicos, tanto para o homem como para outros organismos. Esses compostos somente se tornam genotóxicos após sua biotransformação, quando são produzidos intermediários reativos que se ligam covalentemente ao DNA. Os mecanismos das ações tóxicas não carcinogên icas desses compostos têm sido menos estudados, porém há trabalhos que demonstram a capacidade em causar estresse oxidativo, efeitos sobre o sistema imunológico, alterações na regulação endócrina e alterações no desenvolvimento de espécies aquáticas. Outro mecanismo de toxicidade dos HPA e dos compostos heterodclicos é a fototoxicidade. Estudos com organismos aquáticos indicam que a exposição à radiação ultravioleta (UV) ou aos raios solares pode aumentar drasticamente a toxicidade dos HPA. O primeiro indício de carcinogenicidade química de produtos de combustão orgânica foi publicado em 1775, quando se

FEN ÓMEN OS ATMOSFÉRICOS E A POLUIÇÃO DO A R

Além de os problemas decorrentes da poluição terem uma importância localizada, principalmente em centros urbanos industrializados, a poluição assume um significado global quando se observam efeitos como: destruição da camada de ozônio; deposição ácida; efeito estufa; além do próprio transporte dos poluentes por grandes distâncias.

5.1. Chuva ácida O termo chuva ácida foi empregado pela primeira vez por Robert Angus Smith, químico e climatologista inglês, que usou a expressão para descrever a precipitação ácida que ocorreu sobre a cidade de Manchester no início da Revolução Industrial. Atividades como a queima de carvão e de combustíveis fósseis, além de outras atividades industriais, lançam dióxido de enxofre e de nitrogênio na atmosfera. Como citado neste capítulo, ao se combina rem com moléculas de água presentes na atmosfera sob a forma de vapor, esses gases formam ácido sulfúrico ou ácido nítrico, tendo como resultado as chuvas ácidas. As águas da chuva, assim como a geada, neve e neblina carregadas de ácidos, ao caírem na superfície, alteram a composição química do solo e das águas, atingem as cadeias alimentares, destroem tlorestas e lavouras, atacam estruturas metálicas, monumentos e edificações. Essas precipitações ácidas apresentam valores de pH entre 4 e 5, mas podem atingir valores menores, em alguns casos até pH ao redor de 2 importante salientar que as precipitações ácidas podem ser carregadas pelo vento e se precipitarem em locais bem distantes do ponto de emissão dos gases. Por exemplo, emissões na cidade de Londres podem acabar se precipitando nas flores tas da Escandinávia, resultando em problemas internacionais. Essa deposição ácida diminui o pH de lagos, de rios e do solo e tem um efeito acentuado em animais e plantas. Em pH 5,9, a população de animais aquáticos decresce e alguns deles desaparecem. Em pH 5,4, os peixes não se reproduzem. Segundo o Fundo Mundial para a Natureza (WWF, do inglês World Wide Fund for Nature), cerca de 35% dos ecossistemas europeus já estão seriamente alterados e cerca de 50% das florestas da Alemanha e da Holanda estão destruídas pela acidez da chuva. Na costa do Atlântico Norte, a água do mar está entre 10 e 30% ma is ácida do que nos últimos vinte anos. Nos Estados Unidos, onde as usinas termoelétricas são responsáveis

e

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TOXICOLOG IA AMBIENTAL

por quase 65% do dióxido de enxofre lançado na atmosfera, o solo dos Montes Apalaches também está alterado, apresentaodo uma acidez dez vezes maior que a das áreas vizinhas, de menor altitude, e cem vezes maior que a das regiões onde não há esse tipo de poluição. já foi observado que monumentos históricos de grande importância para a humanidade também estão sendo corroídos, como a Acrópole (Atenas), o Coliseu (Roma), o Taj Mahal (fndia), as catedrais de Notre-Dame (Paris) e de Colônia (Alemanha). No Brasil, podemos citar como exemplo a cidade de Cubatão (SP), onde as chuvas ácidas contribuem para a destruição da Mata Atlântica e desabamentos de encostas. Ainda, a usina termoelétrica de Candiota, em Bagé, no Rio Grande do Sul, tem provocado a formação de chuvas ácidas no Uruguai. Os efeitos nocivos diretos sobre o homem ainda não estão totalmente elucidados. Aparentemente, a chuva ácida pode causar irritação do trato respiratório e das membranas mucosas, além de liberar metais tóxicos que estavam adsorvidos ao solo, podendo contaminar rios e plantações.

Nesse caso, o ar abaixo dessa camada fica mais frio, portanto, mais denso, dificultando a dispersão de poluentes (Figura 2).

10

-15

+15

5.2. Inversão térmica Nos primeiros 10 km da atmosfera, o ar vai se resfriando com o aumento da altitude (Figura 1). Dessa forma, o ar nas camadas inferiores da atmosfera é mais quente e, portanto, menos denso e tende a subir para as camadas mais elevadas. Assim, ocorre um movimento ascendente do ar quente e descendente do ar frio, que é mais denso (correntes de convecção). Esses movimentos ocorrem normalmente na troposfera e, graças a essa mobilidade, os poluentes podem subir juntamente com o ar e dispersar-se nas camadas superiores.

lO

-15

Figura 2.

Camada de inversão térmica (Cetesb, 2013).

Esse fenômeno ocorre durante praticamente todo o ano e em diferentes altitudes. No inverno, a formação de camadas de inversão térmica em baixas altitudes é mais comum, principalmente em cidades com grandes aglomerados de indústrias e alta circulação de veículos. Nesse caso, a terra, estando mais fria, resfria o ar próximo ao solo, ficando a camada de ar quente acima, impedindo o movimento de convecção, formando uma camada de inversão térmica, denominada inversão por radiação. Além da inversão por radiação, pode ocorrer a inversão térmica por subsidência, que leva à formação de camadas de inversão a altitudes mais elevadas, pela entrada de um sistema com alta pressão, que comprime a camada de ar logo abaixo, aquecendo-a e impedindo a movimentação do ar. Porém, do ponto de vista da poluição, só interessam as camadas de inversão térmica que se formam até 1.000 m de altitude, que são aquelas que interferem na dispersão dos poluentes. f: importante salientar que a inversão térmica é um fenômeno natural que não causa poluição, ou seja, não causa problemas, mas, quando ocorre na presença de poluentes, estes não se dispersam c se acumulam, dando origem à paisagem característica de grandes centros urbanos em dias secos de inverno. Durante esses dias, segundo a Cctcsb, ocorre aumento sensível nos atendimentos e internações hospitalares, além do número de mortes causadas por agravamento de doenças preexistentes.

+15

5.3_ Smog Figura 1.

Redução da temperatura da superfície da Terra em função do aumento da altitude (Cetesb, 2013).

A inversão térmica é uma condição meteorológica que ocorre quando uma camada de ar quente se sobrepõe a uma camada de ar frio, impedindo o movimento ascendente do ar.

O termo smog, sem tradução para o português, surgiu da associação das palavras inglesas smoke (fumaça)+ fog (neblina). O fenômeno significa um acúmulo de poluentes no ar, causado por inversão térmica, por condições topográficas, ou por persistência de sistemas atmosféricos de alta pressão. Os poluentes do ar, na forma de partículas líquidas ou sólidas, servem como

2.2.

núcleo para a formação de neblina, principalmente durante o inverno, causando o smog Há dois tipos característicos de smog, o redutor e o oxidante. Esses fenômenos ap resentam características distintas, mostradas na Tabela 10. O smog oxidante, também denom inado smog tipo Los Angeles ou fotoquímico, é rico em óxidos de nitrogênio, aldeídos, ozônio e PAN, resultantes da ação da luz sobre o N0 2. Cidades com tráfego pesado, clima seco e ensolarado, são mais suscetíveis à formação do smog fotoquímico. O fenômeno recebeu o nome de smog tipo Los Angeles por ser comum na cidade, onde apresenta todas as características necessárias para a sua formação . O smog redutor, também denominado smog tipo Londres, é rico em óxidos de enxofre c fuligem, provenientes principal mente da queima de carvão. O nome smog tipo Londres foi dado em função do já citado episódio de poluição aguda ocorrido em Londres, em 1952, ocasionado por uma forte inversão térmica e elevada concent ração de poluentes. Tabela 10.

Principais características de smog tipo Londres e tipo Los Angeles.

Caractensttcas

Intensidade má~ima

Smogrertutor Lon!lres

Pela manhã

c- s•cJ

Temperatura

Fria

Umidade relativa

Alta(comneblinal

SmoglotoqUimltO (los Angeles)

Ao meio-dia Quente(- 25°C) Baixa{secaequentel

Tipo de inversão térmica

ao solo)

Componentes

SO,, MP

0 3 , PAN. aldeídos, NO,

Tipo de atmosfera

Redutora

Oxidanle

F0111t:

Radiação(pró~ima

Subsidência

A/bert, 1985 (modificado).

Os efeitos nocivos do smog oxidante no homem são semelhantes aos causados pelas substâncias oxidantes, anteriormente descritos. Os efeitos tóxicos do smog redutor são semelhantes aos doSO, em associação com materia l particulado.

5.4. Efeito estufa e o aquecimento global A troposfe ra permite a passagem das radiações solares que chegam a Terra, no entanto impede a saída da radiação refletida, conservando parte da energia recebida. Esse fenômeno natural, conhecido como efeito estufa ou efeitogreenhouse, mantém a atmosfera cerca de 30°C mais aquecida em relação à sua ausência, possibilitando, com isso, a existência de vida no planeta. O vapor de água, o dióxido de carbono (C0 2), o metano (CH4 ), o ozônio (0 3 ) e o óxido nitroso (Np) retêm parte dos ra ios infravermelhos irradiados da terra. Assim, a concentração desses gases, principalmente o col. está estreitamente relacionada com o clima da Terra. Para se ter uma ideia do papel do C0 2 na temperatura, estudos na superfície de Vênus demonstram que sua tempe ratura é superior a 400°C, em virtu-

Poluentes da Atmosfera

MEij····

de da alta concentração de gás carbôn ico existente em sua at mosfera. A produção industrial, a produção de energia e o trans porte, atividades humanas fundamentais para a existência da vida em sociedade, são as maiores fontes de liberação de C0 2 na atmosfera terrestre, contribui ndo para o fenômeno do aquecime nto global. Os gases de efeito estufa são emitidos principalmente pela queima de carvão e derivados de petróleo, entre outras formas de emissão oriundas do sistema de produção no qual se baseiam as sociedades modernas. O seu aumento exponencial nos últimos 200 anos deveu-se, em grande parte, ao crescimento da população e ao processo de industrialização e urbanização. A continuidade desse fenômeno poderá provocar sérios impactos para o meio ambiente e para a sociedade. Entre as consequências possíveis, estão o aumento na temperatura média da superfície da Terra e mudanças nos padrões climáticos mundiais, como aumento na ocorrência de furacões, tu fões e ciclones, pois o aumento da tempe ratura faz com que ocorra maior evaporação das águas dos oceanos, potencializando esses tipos de catástrofes climáticas. Ainda, são previstas alterações dos padrões de chuva, o desaparecimento de ilhas tropicais e cidades litorâneas, derretimento de geleiras, aumento nas ocorrências de inundações, secas e eventos climáticos extremos. Além disso, ecossistemas completos poderão sofrer alterações irreparáveis, ao passo que a produtividade agrícola poderá diminuir. A preocupação da comunidade científica e dos governantes com o aquecimento global gerou acordos internacionais para a redução da emissão de poluentes, principalmente de COr A Convenção-Quadro das Nações Unidas para a Mudança do Clima, assinada em 1992 no Rio de janeiro durante a EC0-92, por 175 países mais a União Europeia, entrou em vigor em março de 1994. Nesse documento, os países signatários demonstram a preocupação com o aquecimento global e estabelecem o compromisso de reduzir os gases de efeito estufa, reconhecendo a muda nça do clima como "uma preocupação comum da humanidade". Du rante a EC0-92, foi estabelecido um processo contínuo de avaliação das informações, possibilitando a adoção de compromissos com base nos resu ltados científicos publicados ao longo do tempo. Nesse contexto, a primeira revisão ocorreu na I• Sessão da Conferência das Partes (COPI), realizada em Berlim em 1995, quando foi sugerida a criação de um protocolo que seria apresentado em 1997 durante a COP3, realizada em Quioto (Japão). Assim, o Protocolo de Q uioto foi aberto para assinaturas em 16 de março de 1998 e ratificado em 15 de março de 1999. Oficialmente, entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005, sem as assinaturas dos EUA e da Austrália, depois que a Rússia o ratificou em novembro de 2004. Inicialmente, foi proposto um calendário pelo qual os países desenvolvidos signatários ti nham a obrigação de reduzir a quantidade de gases poluentes em, pelo menos, 5,2% até 2012, em relação aos níveis de 1990. Porém, durante a 18• COP realizada em dezembro de 2012 em Doha (Qatar), o Protocolo de Quioto foi estendido até 2020. Infelizmente, Japão, Rússia, Canadá e Nova Zelândia não assinaram essa nova etapa do Protocolo e os EUA nunca chegaram a assinar. Assim, atualmente o grupo de pa íses signatários do Protocolo de Quioto possui 36 países: Austrália, Noruega, Suíça, Ucrân ia e todos os países da

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TOXICOLOG IA AMBIENTAL

Comun idade Europeia. juntos, esse grupo é responsável por apenas 15% do total de em issão de gases do efeito est ufa no

mundo.

Essas reações ocorrem em cadeia, de modo que uma moléc ula do CFC destrói muitas moléculas de 0 3 . Os voos supersônicos q ue liberam tonelad as d e NO em grandes altitudes também são responsáveis pela destruição da camada de 0 3 da estratosfera, de acordo com as seguintes reações:

Em 1988, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP, do inglês United Nations Environment Programme) e a Orga nização Mundial de Meteorologia (WMO, do inglês World Meteorological Organization) constituíram o Intergovernmental Pane! on Climate Change (IPCC), encarregado de apoiar com trabalhos científicos as negociações da Organização das Nações Unidas (ONU). Em fevereiro de 2007, o IPCC publicou o quarto rela tório sobre as mudanças climáticas no mundo. De acordo com o documento, as concentrações de C0 2 , metano e óxido nitroso aumentaram notavel mente como resultado das atividades humanas desde 1750, e agora excedem, em muito, os valores anteriores. O aumento dessas concentrações se deve, sobretud o, ao uso de combustíveis fósseis e mudanças no manejo da terra, ao passo q ue o de metano e óxido nitroso se deve primordialmente à agricult ura. De acordo com o relatório, se não forem implementadas políticas es pecíficas para a redução de emissões, até o fim deste século, a tempera t ura da Terra pode te r uma elevação e ntre 1,8°C e 4°C, em relação à média atual, ao passo que o aumen to observado no século XIX foi entre 0,3 e 0,6°C. O quinto relatório do lPCC está em fase de preparação e está previsto para ser publicado em 2014, durante a 40• Sessão do IPCC, que será realizada em Copen hagen (Dinamarca).

Essas reações também ocorrem em cadeia O CIO e o Cl pod em ser inativados pela reação com o N0 2 e o metano, respectivamente. Um enorme e crescente buraco na camada de ozônio sobre a An tártica foi descoberto na década de 1980, e medidas urgentes devem ser tomadas para tentar solucionar esse problema. A EPA estima que a redução de lO% da camada de ozônio, prevista para a metade deste século, causaria cerca de 2 m ilhões de casos de câncer de pele a mais do que o esperado por ano. Além disso, haveria prejuízos na ag ricultura e na vida aquática. Um encontro realizado em Montreal, em outubro de 1986, resultou em um tratado que reduz a produção e o uso de CFC. Trinta c seis países, em 1989, ratificaram o acordo, entre eles o Brasil. Hoje, já existem alguns substitutos do CFC para alguns usos, como no caso dos propelentes de aerossóis.

5.5. Redução da camada de ozônio

6.

O ozônio (O,) é uma espécie de oxigênio altamente reativa que compõe uma camada que envolve a Terra. Essa camada está localizada de 15 a 30 km de altitude, possui cerca de 20 km de espessura e concentração de 0 3 relativamente constante. Protege a Terra contra a radiação ultravioleta entre 220 e 320 nm, pois o 0 3 tem capacidade d e absorção da radiação, de aco rd o coma reação·

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03

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o+a 3 -

a. + o 20 2

Em 1974, Molina e Bowland, pela primeira vez, previram que compostos como clorofluorcarbonos (CFC) podem causar diminuição do o, da estratosfera. A partir da década de 1930, esses compostos começaram a ser utilizados em diversas aplicações industriais, como propelentes de aerossóis, gases de refrigeração, fluidos de ar-condicionado, fabricação de embalagens de isopor etc. Os CFC são altamente estáveis, pouco reativos, não inflamáveis e não tóxicos, que, ao serem liberados na troposfera, atingem a estratosfera muito lentamente. O fréon C FC1 3 (F-l i) e o C FlClz (F-12) permanecem na atmosfera por 75 e li anos, res pectivamente. Esses compostos sofrem a ação da radiação ultraviole ta e liberam cloro altamente reativo, que reage com o 0 3 presente na estratosfera, segundo as reações:

NO N02

~ N0 2 ~ NO+Q

2

B IB LI O GR A F IA

2.2.

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•>

•••••m:iJ 7.

Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

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Persistente

Dioxinas policloradas

6,8

3.000- 10.000

2,3,7,8-congêneres especialmente tóxicos Persistente

Furanospoliclorados

2,7

10.000 - 30.000

2,3,7,8-congêneres especialmente tóxicos Persistente

Fenantreno

4,55

4,4

2,5 - 4 .400

Mineralização

Fluoran treno

4,9

4,6

2,5 - 4.400

Persistente

Benzo(a)pireno

6,1

6,6

1.368-13.000

Persistente

Pers1stenc1a/ hum1f1cação

Fotlle:modiflw~~ entre 2.100 )lg. kg- 1 de p.c., após injeção IP em camundongos. Para 7-epi-CYN, é de 200 flg. kg- 1 de p.c. Na Austrália, em 1979, 140 crianças e 10 adultos receberam tratamento hospitalar por terem adquirido uma gastrenterite rara, após beberem água de um reservatório com floração de C. rasciborsckii. As modificações celulares dessas vitimas foram muito semelhantes às obtidas nos estudos com animais de laboratório intoxicados por CYN. O segundo caso documentado de toxicidade de CYN em humanos aconteceu no Brasil em 1996, a já comentada «Sindrome de Caruaru".

3.2. Neurotoxinas As anatoxinas são o primeiro grupo de neurotoxinas alcaloídicas produzidas por cianobactérias descritas na literatura.

3.2.1. Anatoxina-a e homoanatoxina-a A anatoxina-a (ANA-a), um alcaloide de baixo peso molecular (165 Da), apresenta um anel hetcrocíclico nitrogenado (2-acctil-9-azabiciclo[4.2.l] non-2-eno), pk, de 9,4 e estrutura química semelhante a da cocaína. Essa toxina se decompõe em condições alcalinas e na presença de bactérias do gênero Pseudomonas sp., sendo sua destruição acelerada pela luz solar. O seu homólogo (179 Da), homoanatoxina-a (homoANA-a), tem um grupo propionil na cadeia lateral no lugar do grupo acctil da anatoxina-a, mas a toxicidade de ambas é similar (DL50 da ANA-a c homoANA-a 200 - 250 f.lg.kg- 1).

····~~~Ujli

Parte 2

Anatoxina-a

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

Homoanatoxina-a

Anatoxina- a(S)

ANA-a{S). Com relação a sua estabilidade, durante o armazenamento {a 3°C ou até mesmo a -20°C), e especialmente em solução alcalina (meia-vida de aproximadamente uma ho ra em pH > 8,5), a ANA-a{S) perde facilmente o grupo monometilfosfato assim como quando é submetida a temperaturas acima de 40°C. Portanto, a ANA-a(S) é mais estável em condições neutras e ácidas. As cianobactérias do gênero A1wbaena sp. (A . Jlos-

-aquae, A. lemmermannii, Anabaena spiroides e Anabaena

A primeira ocorrência documentada da anatoxina-a foi na década de 1950 nos Estados Unidos. A ANA-a é produzida principalmente pelas cianobactérias dos gêneros Anabaena sp. (A.flos -aquae, A. spiroides, A. drcinalis, A. planktonica),Aplranizomenon sp., Cylindrospermum sp., Microcystis sp., Planktotlrrix sp., Raphidiopsis sp. e Oscil/atoria sp. Já a homoANA-a, pelas cianobactérias Anabaena sp., Planktot!Jrix formosa, Raphidiopsis mediterrânea, Osciilatoria sp. e Plwrmidium sp. A produção concomitante de ambas as toxinas por uma mesma cepa também já fo i reportada. A ANA-a e a homoANA-a são agentes bloqueadores neuromuscu lares. Ambas são agonistas nicotínicos, pois se ligam irreversivelmente ao receptor nicotínico da acetilcolina na mem brana pós-sináptica da junção ne uromuscular, resultando em um influxo de Na' e produzindo despolarização local suficien te para abrir canais de Na' e Ca 2' . Como resultado dessa despolarização prolongada, o neurônio entra em um estado de esgotamento que produz bloqueio da transmissão elétrica. Estudos referentes à afinidade da ANA -a pelos receptores coli nérgicos demonstraram que ela possui uma afinidade 100 vezes maior pelo receptor nicotínico do que pelo receptor muscarínico. Assim, doses altas de ANA-a podem levar à paralisia muscular e, no caso dos músculos respiratórios serem comprometidos, há possibilidade de asfixia, pois o abastecimento de oxigênio é interrompido e as funções cerebrais são afetadas, causando, principalmente, convulsões seguidas de sufocação. O tempo de a ANA-ti causar a morte varia de minutos a poucas horas, depe ndendo da espécie, da quantidade de toxina ingerida e da quantidade de alimento no estômago. Por esse motivo, antes de ser isolada e caracterizada, a ANA-a era chamada de "Fator de Morte Muito Rápida" (VFDF, do inglês Very Fast Death Factor). Alguns autores comprova ram em animais que a ANA-a é absorvida VOe atravessa rapidamen te a barreira hematoencefálica, o que contribuiria para o seu rá pido efeito letal. Os sinais clínicos de intoxicação por ANA-a seguem uma progressão de fasciculações musculares, movimentos diminuídos, cianose, convulsões e morte por parada respi ratória. Como outras cianotoxinas, a ANA-a também demonstrou ter capacidade de promover estresse oxidativo em diversos organismos.

crassa) são as principais produtoras de ANA-a($). Das três a natoxinas, a ANA-a(S) é a ti.n ica já reportada no Brasil, nos Estados de Pernambuco e do Rio Grande do Sul. A ANA-a(S) é o ti.nico inibidor irreversível de acetilcoli nesterase conhecido, produzido por cianobactérias. O seu me canismo de toxicidade é igual ao dos inseticidas organofosfo rados c a sua capacidade inibitória é comparável à do paraóxon. A inibição da colinesterase impede a hidrólise da acetilcolina, induzindo excessiva estimulação na sinapse colinérgica até p rovocar a exaustão do mti.sculo. A ANA-a(S) demonstrou inibir somente as colinesterases periféricas (plasmática, eritrocitária e diafragmática), mas não a acetilcolinesterase cerebral, concluindo-se, portanto, que essa cianotoxina não atravessa a barreira hematoencefálica, além de apresentar baixas bioacumulação e permanência em células adiposas e membran as celu lares. A DLSO da ANA-a(S) via IP em camundongos é de20 !Jg.kg- 1• O "S" do nome da ANA-a(S) deriva da excessiva salivação viscosa observada em camundongos estudados com essa cianotoxina. Os sinais clínicos após intoxicação aguda com ANA-a{S) são os característicos de uma síndrome coli nérgica devida ao excesso de acetilcolina na junção neuromuscular. Entre os sinais clínicos, estão: lacrimejamento; incontinência urinária; d iarreia; tremores; fraqueza muscula r; fascicu lação; dificuldade para respirar (dispneia); e convulsões antes da morte, que geralmente acontece por pa rada respiratória. A ANA-a(S) demo nstrou não produzir nenhuma lesão tecidual em camundongos sacrificados após 24 horas de tratamento com a toxina c ser não mutagênica pelo teste de Ames. Um fato muito importante do ponto de vista clínico é que a inibição da acetilcolinesterase produzida pela ANA-a(S) não pode ser revertida por ox imas. Contudo, embora alguns autores sugiram o uso de atropi na como parte do tratamento, ela ainda não é aceita. Recentemente, a capacidade da ANA-a(S) de promover estresse oxidativo em camundongos foi comprovada. Semelhante aos inseticidas organofosforados, a ANA-a(S) teria uma atividade cíclica redox ocasionando a geração de radicais livres, o que promoveria mudanças na homeostase do sistema antioxidante. Como para outras cianotoxinas, uma das principais limitações para a realização de estudos de toxicocinética e toxicodinâmica com a ANA-a(S) é a indisponibilidade de quantidades suficientes de toxina e a inexistência de padrão comercial.

3.2.2. Anatoxina-a(S)

3.2.3. Saxitoxina

A anatoxina-a(S) (ANA-a(S)), química e fisiologicamente diferente das anatoxinas descritas, é um éster meti Ifosfato de uma N-hidroxiguanid ina cíclica (Figura 2), de massa molecular de 252 Da . Ainda não foram encontradas variações estruturais da

A saxitoxina (STX) e seus análogos (Figura 3), tctraidropurinas hidrossolúveis, são um grupo de toxinas alcaloidicas, divi didas em quatro grupos: (i) carbamato (STX, neoSTX e gon iautoxinas (GNTXI -4)); (ii) N-sulfocarbamoil (GNTXS -6, C l-4);

Fia:ura 2. Estruturas químicas das toxinas: anatoxina-a, homoanatoxina-a e anatoxina -a(S).

CiauobactiriaseMicroalgas TóxiwsemAmbieutesAquáticos

(iii) decarbamoil (de-) (dcSTX, dcneoSTX, dcGNTXI-4); e (iv) deoxicarbamoil (do-) (doSTX, doneoSTX, doGNTXI -4). O grupo cetona diidróxi ou hidratado no anel5 é essencial para a toxicidade dessas toxinas, a qual pode ser eliminada por uma

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Figura 3.

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redução catalítica desse grupo com hidrogênio, formando um grupo mono-hidróxi. Com exceção dos componentes do N-sulfocarbamoil, essas toxinas são termoestáveis em pH ácido, mas instáveis e facilmente oxidadas em pH alcalino.

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dcGTX 2 dcGTX 3 dcNEO dcGTX 1 dcGTX,

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Estrutura qu ímica da saxitoxina e de seus análogos.

A STX e seus análogos, em ambiente de água doce, são produzidos principalmente pelas cianobactérias Aphanizomenon flos-aquae, Anabaena circinalis, Lyngbya wollei e Cylindrospermopsisraciborskii. Essas toxinas apresentam o mesmo mecanismo de ação da tetrodotoxina (produzida pelo peixe-balão ou baiacu) e se ligam seletiva mente e com alta afinidade ao sítio I dos canais de sódio voltagem-dependente de muitas membranas excitáveis e, consequentemente, bloqueiam a geração e propagação de potenciais de ação em neurônios e fibras dos músculos esquelético c cardíaco. Esse bloqueio da transmissão nervosa induz paralisia muscular. Nos bivalves, podem ser encont rados vários tipos de toxinas, dependendo da espécie de alga ingerida por esses moluscos. O grupo carbamato é o que apresenta toxicidade mais elevada, sendo a STX a toxina mais potente (a dose oral fatal para humanos é de I a4 mg), seguido pelo grupodecarbamoil co grupo N-sulfocarbamoil. As toxinas pertencentes a esse último grupo, que apresentam baixa toxicidade, são largamente convertidas em carbamatos por biotransformaçôes que os bivalves realizam. A STX e seus análogos são responsáveis pela intoxicação paralisante por consumo de mariscos (PSP, do inglês Paralytic She//fislr Poisoning). Os sintomas iniciais dessa intoxicação usualmente ocorrem de 30 minutos a 3 horas após ingestão de alimentos contaminados e se caracterizam por dormência nos lábios, gengivas e língua. Depois, os mesmos sintomas ocorrem também nas extremidades dos dedos das mãos e dos pés. Em intoxicações mais severas, há fraqueza muscular pela progressão da dormência para os braços, as pernas e o pescoço, além de dificuldade respiratória acentuada. Pode ocorrer morte por paralisia respiratória em poucos minutos ou até em algumas horas. Portanto, para ser efetivo, o tratamento de intoxicação aguda tem que ser rápido (a meia-vida dessas toxinas é curta; cerca de 90 minutos), com hospitalização e suporte ventilatório. Além dos sintomas neurológicos, algumas vitimas também têm náuseas, vômitos e diarreia. Em 1987, na Guatemala, ocorreram \87 casos de PSP e 26 mortes após consumo de sopa de mariscos (Amphichaena kindermani). O número de óbitos foi maior entre crianças (50%)

do que entre adultos (7%). Essas toxinas também já foram isoladas de peixes de água doce (tilápia).

4.

TOXINAS FREQUENTES EM ÁGUA MARINHA

4.1 . Saxitoxina e seus análogos Devido à sua incidência em todo o mundo, as STX e seus análogos representam uma séria ameaça para a saúde pública e causam um incomensurável dano econômico. Os principais organismos produtores de STX e seus análogos em água marinha são os dinoftagelados Alexandrium catenella, A. cohorticula, A. fundyense, A. Jraterculus, A. Icei, A. minutum, A. tamarense, Gymnodinium catenatum e Pyrodinium bahamense var. compressum. A estrutura química (Figura 3), as propriedades, o mecanismo de ação e os estudos toxicológicos dessas toxinas foram descritos anteriormente.

4.2. Oinofisistoxinas As dinofisistoxinas (DTXs) são poliéteres lipofílicos (Figura 4), com peso molecular de 818,5 para DTXI e 804,5 para DTX2. Possuem estrutura química semelhante ao do ácido ocadaico (AO), uma toxina isolada das esponjas marinhas Halichondria okadai e H. me/anodocia. A DTXI é a 35(S)-mctil AO.

Dinofi sistoxina( DTX1) Figura 4.

Estrutura qui mica da dinofisistoxina (DTXll.

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Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

As DTXs são produzidas pelas espécies de dinoflagelados Dinophysisawta, D. acuminata, D. caudata, D.fortii, D. norvegica, D. mitra, D. rotrmdata, D. sacculus e Prorocentrum lima. O AO e as DTXs causam diarreia por ativarem a contração do músculo liso, pela inibição das PPI e PP2A- duas das ma io· res proteínas (fosfatases) presentes no citosol de células de mamíferos que desfosforilizam resíduos de serina e t reonina. Como consequência, a hiperfosforilação das proteínas que controlam a secreção de sódio por células intestinais e do citoesqueleto ou partes juncionaisque regulam a permeabilidade do soluto é favorecida, causando liberação de sódio e subsequente perda passiva de fluidos, responsável pelo episódio de diarreia. Sabe-se que o grupo carboxila livre da molécula dessas toxinas é essencial para essa atividade; assim, ésteres de metila e de dióis não inibem PP. Essas toxinas são responsáveis pela intoxicação diarreica por consumo de mariscos (DSP, do inglês Diarrhetic Shellfish Poisoning). O primeiro surto de intoxicações ocorreu em 1976, quando foi afastada definitivamente a hipótese de contaminação bacteriana nos mariscos consumidos. A Europa é uma das regiões mundialmente mais afetadas pela DSP, sendo o AO a principal toxina implicada, seguida da DTXI e da DTX2. O AO e as DTX são acumuladas em tecido adiposo de moluscos bivalves, principalmente no hepatopâncreas. A dose letal (L0 50 ) de toxinas causadoras de DSP após IP em camundongos é de 200 mg/kg p.c. Em intoxicações agudas, os sintomas gast rintestinais (diarreia, náusea, vômitos e dor abdominal) podem su rgir entre 30 minutos e 3 horas até as 24 horas seguintes à ingestão de alimentos contaminados com as toxinas, e a frequência pode ser de 10 a 20 vezes por dia nos casos graves. Os sintomas cessam ao fim de três dias. A dose mínima estimada para causar diarreia em adultos é de 40 vg para AO e 36 !-lg para DTX I . Existem evidências de que animais e humanos expostos cronicamente a toxinas causadoras de DSP podem desenvolver câncer, pois essas toxinas são potentes agentes causadores de tumor.

4.3. Ácido domoico Ácido domoico (AO) é um ácido tricarboxílico (Figura 5) cristalino solúvel em água, com peso molecular de 311,14 Da. Embora o AO seja o principal congênere presente na natureza, há também o S'epi-AD e três isômeros geométricos (ácidos isodomoicos O, E e F).

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O

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Ácido Domoico

Fii ura 5. Estrutura química do ácido domoico.

O AO e seus congêneres são produzidos pelas espécies de diatomácea Pseudo-nitzschia austmlis, P. delicatissima, P. multiseries, P. pseudodelicatissima, P. pungeus e P. sericata. AO é produzido também por algumas macroalgas vermelhas, como a Chondria ar mata. Essa toxina é um neurotransmissor excitatório que potencia!iza o efeito de aminoácidos excitatórios naturais, como o glutamato. O AO age no sistema nervoso central por possuir alta afinidade aos receptores do glutamato, causando despolarização de membrana pós-sináptica de células neuronais, por abrir canais de membranas permeáveis ao Na+ e levar ao inOuxo desse íon, com subsequentes rupturas celulares. O AO é responsável pela intoxicação amnésica por consumo de mariscos (ASP, do inglêsAmllesic She//fish Poisoning). O primeiro incidente humano de ASP ocorreu em 1987, qua ndo no mínimo 107 pessoas foram intoxicadas após consumirem mariscos oriundos da costa nordeste do Canadá, tendo sido registrada a morte de três idosos. Em intoxicação aguda, as vítimas de ASP, 15 minutos após o consumo de mariscos contaminados com AO, apresentam sintomas GTJ (náuseas, vômitos, cólicas abdominais e diarreia) e neurológicos (perda de memória temporária, da qual advém o nome dessa intoxicação). Em casos de intoxicações severas, é descrita a ocorrência de confusão, mudez, disfunção autonômica, perda de respostas a estímulos de dor e choro descontrolado ou agressividade; às vezes, levando ao coma e à morte, como mostrado por casos com pacientes idosos. Em 1991 , na Califórnia, pelicanos e cormorões foram mortos pela ingestão de peixes herbívoros contaminados por essa toxina, como a anchova, que, aparentemente, não foram afetados pelo AO

4.4. Brevetoxinas Brevetoxinas (BTXs) são poliésteres cíclicos metilados (Figura 6), formados por 10 ou 11 anéis poliésteres, com peso molecular médio de 900 Da. Há dois tipos de BTX: tipo A (PbTx-1), formado por uma cadeia Oexível de 10 anéis fundidos (de cinco a nove ligações cada); e tipo B ( PbTx-2), formada por uma cadeia rígida de li anéis fundidos (oito anéis hexaméricos, dois heptaméricos e um octamérico). A PbTx-2 é a BTX mais prevalente na natureza. Todos os outros análogos conhecidos sào baseados em alterações de cadeia lateral, epoxidação pela ligação dupla no H do anel de PbTx-2 ou derivação na hidroxila do C-37 em PbTx-2 As BTXs são produzidas por espécies do di noOagelado Karenia (antigamente conhecido como Ptychodiscus e Gymnodinium): Karenia brevis, K. papilionacea, K. selliformis e K. bicuneiformisbrevis. Essas toxinas são neurotóxicas por ativarem persistentemente canais de sódio voltagem-dependente, originando uma descarga elétrica contínua. As BTX mantêm esses canais abertos, levando a um influxo permanente de íons Na+ pela membrana celular e causando despolarização prolongada. A série de eventos tipicamente registrados em animais sofrendo envenenamento por BTX inclui hipcrexcitabilidade de tecidos excitáveis, seguida por convulsões, paralisias e morte. As BTXs, responsáveis pela intoxicação neurotóxica por consumo de mariscos (NSP, do inglês Neurotoxic Shel/fish Poisoning), são conhecidas desde o início dos anos 1990 no sudeste

Ciauobacti riaseMicroa/gas TóxiwsemAmbieu/esAquáticos

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Gambierol

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Ciguatoxina (CTX-1)

Figura 6.

Brevetoxina (PbTx-2)

Estruturas químicas da brevetoxina (PbTx-2), da ciguatoxina (CTX-1) e do gambierol.

dos EUA e oeste do México. Houve também evidências de eventos similares na Nova Zelândia. O surto de NSP envolve moluscos bivalves contaminados com BTXs bioacumuladas

aerossóis de água do mar, as BTXs provocam tosse, corrimento nasal, irritação ocu lar e espirros. Raramente é fatal.

durante eventos de maré vermelha. Os sintomas de intoxicação

4.5. Ciguatoxinas, gambierol e maitotoxina

aguda são muito semelhantes aos da PSP, exceto pelo fato de não ocorrer a paralisia. Esses sintomas ocorrem cerca de 3 horas após a ingestão e incluem dor abdominal e de cabeça, náuseas, vômitos, diarrcia, bradicardia, percepção calor/frio invertida, dilatação da pupila, vertigens, mialgia e ataxia. Em

As toxinas lipossolúveis ciguatoxinas (CTXs, peso molécula de 1.112 Da) e gambicrol (peso molecular de 756 Da) e as hidrossolúveis maitotoxina§. (MTXs, peso molécu la de 3.422 Da) são poliéteres e termoestáveis (Figuras 6 e 7). Essas toxinas são produzidas pelo di nofl agelado Gambierdiscus toxicus.

Maitotoxina

Fiaura 7.

Estrutura química da mait otoxina.

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Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

As CTXs e o gambierol são agentes neurotóxicos por ativarem persistentemente os canais de sódio, isto é, possuem o mesmo alvo molecular das BTX. O mecanismo de ação das CTX envolve a ativação de canais de Na' voltagem-dependente. Os efeitos cardiovasculares das CTX são resultados de um efeito inotrópico positivo no miocárdio. As CTX agem no mesmo sítio do receptor de canais de Na' que as BT X, mas a afinidade da CfX-1 pelos canais de Na' voltagem-dependente é em torno de 30 vezes mais alta do que a das BTX. Já o gambierol possui afinidade de ligação significativamente menor do que BTX e CTX. A MTX causa problemas GTI, neurológicos e cardiovasculares, por ativar os canais de cálcio voltagem-dependente, aumentando as concentrações de Ca>+ e todos os eventos subsequentes. As toxinas CTXs, o gambierol e a MT X, responsáveis pela intoxicação por ingestão de peixes contaminados (CFP, do inglês Ciguatera Fish Poisoning), possuem baixa toxicidade, porém são oxidadas à medida que são transferidas ao longo da cadeia alimentar, adquirindo maior toxicidade. Assim, além da bioacumulação, existe um fenômeno de bioamplificação da toxicidade, o que aumenta o risco. As CTXs contaminam grande dive rsidade de peixes de recifes de coral geralmente confinados a regiões do Oceano Pacifico, Oceano fndico ocidental e Mar do Caribe. Essas toxinas são transferidas da cadeia alimentar dos recifes de coral para peixes maiores. Os peixes mais asso· ciados à CFP são garoupa (Cepha/opho/is argus), barracuda (Sphyraena barrawda), pargo-de-mancha (Lutjmws bohar) e cangulo-real (Balistes vetula). Quando capturado, o peixe apresenta aparência saudável e sabor normal A MTX é a mais potente (LD 50 de 0,05 mg/kg p.c., via IP, para camundongos) e maior toxina marinha não pcptidica já isolada (peso molecular 3.422 Da), sendo ma is tóxica, via IP, do

que a CTX. Porém, VO, a MTX possui toxicidade 100 vezes menor do que pela rota I P, o que a torna menos tóxica do que as CTXs, já que estas são equipotentes. A CTX-1, a toxina mais encontrada em peixes carnívoros, contribui aproximadamente por 90% da letalidadc total e possui um risco à saúde em concentrações maiores do que O,! ppb (~g .kg- 1 ). As MTXs também se bioacumu lam nas vísce ras de peixes herbívoros, mas não em doses suficientemente altas em peixes carnívoros a ponto de causar problemas no consumo humano. A CFP é caracterizada clinicamente por efeitos GTI (diarreia, vômitos, náuseas e dores abdominais), que se iniciam entre 30 minutos e 24 a 48 horas após ingestão do peixe contaminado, duram alguns dias e podem ser acompanhados ou seguidos por efeitos neurológicos (dormência nos lábios, nas mãos e nos pés; percepção inversa da temperatura; prurido generalizado na pele; fadiga; dores musculares e nas articulações) e, ocasionalmente, por sintomas ca rdiovasculares. Os sintomas neurológicos são mais característicos e podem persistir por várias semanas. A administração intravenosa de manitol alivia os sintomas. Raramente ocorrem casos fatais.

4 .6. Azaspirácidos Azaspirácidos (AZAs) são poliéteres ácidos contendo um anel azáspiro incomum, do qual deriva o seu nome (Figura 8). Des· sas toxinas, a AZA1 é a principal encontrada no plâncton, seguida pelos seus análogos (AZA2 e AZA3) c formas hidroxiladas dos três (AZA4 a AZA 11), as quais, provavelmente, surgem pela biotransformação nos bivalves. Essas toxinas são produzidas pelo dinoflagelado Protoceratumcrassipes.

HO

Azaspirãcido

lessotoxina

Figura 8 .

Estruturas químicas da lingbiatoxina-a, da aplisiatoxina, da pectenotoxina (PTX-2), da iessotoxina e do azaspi rácido

Ainda não se conhece o mecanismo de ação exato dos AZA, mas sabe-se que essas toxinas se diferenciam das DTXs por não alterarem o potencial de membrana celular (não sendo neurotó-

xicas) e não inibirem PP, como o AO. Vários estudos sugerem o envolvimento dos AZAs na regulação de microfilamentos do citoesqueleto, por alterarem a concentração de F-actina.

Ciauobactirias e Microalgas Tóxiws em Ambieu/es Aquáticos

Em 1995, na Holanda, ocorreu o primeiro episódio de intoxicação por azaspirácidos (AZP, do inglês Azaspiracid Poisoning), e, em 1997, os AZAs foram isolados de mariscos provenientes da Irlanda. Em AZP agudas, os sintomas aparecem de 3 a 18 horas após ingestão de mariscos contaminados com AZA (náuseas, vômitos, diarreia abundante e dores abdominais), sendo que a recuperação completa ocorre de 2 a 5 dias.

4.7. Lingbiatoxinas As lingbiatoxinas, alcaloides indólicos lipofílicos (Figura 8), são produzidas pela cianobactêria Lyngbya majuscula. Lingbiatoxina-a, uma dermatotoxina, possui estrutura química idêntica ada teleocidina A encontrada no micélio de várias espêcies de Streptomyces. As lingbiatoxinas-b e -c ligam -se fracamente aos receptores de forbol êsteres, portanto são promotoras de tumor menos potentes do que a lingbiatoxina-a. Foram relatados efeitos tóxicos em humanos, como dermatite e severa inflamação GTI. Lingbiatoxina-a foi identificada como a causa da intoxicação fatal de homens que se alimentaram de carne da tartaruga marinha Chelonia mydas que estava contaminada por Lyngbya.

4.8. Aplisiatoxinas Aplisiatoxina ( Figura 8) e debromoaplisiatoxina são bilactonas fenólicas, produzidas pelas cianobactérias Lyngbya rnajusw/a, Schizotrix calcicola e O. uigroviridis. Essas toxinas são potentes promotoras de tumor e ativadoras da proteína quinase C. Uma mistura de aplisiatoxina e debromoaplisiatoxina foi encontrada em amostras de L. majuscula provenientes do Japão, que foi implicada em casos de brotoejas e bolhas na pele de pessoas expostas a essa cianobactêria.

4.9. Pectenotoxinas As pectenotoxinas (PTX) são poliéteres lipofílicos hepatotóxicos (Figura 8). Somente a PTX-2 êencontrada em algumas espécies do dinoflagelado Dinophysis. Acredita-se que as outras PTX são formadas por oxidação no hepatopâncreas de mariscos e ostras. Não há relatos de intoxicação humana atribuída aPTX, embora muitas sejam mais tóxicas a camundongos via IP do que VO. Estudos toxicológicos precisam ser realizados com as PTX, porêm há dificuldade na obtenção dessas toxinas, já que não são produzidas em culturas de microalga em laboratório

4 .10. lessotoxinas A iessotoxina (YTX), um poliéter dissulfatado hepatotóxico (Figura 8), e seu análogo, a 45 -hidroxiiessotoxina (OH-YTX), um composto cardiotóx ico, são produzidas pelo dinoflagelado Protoceratium retiwlatum. O mecanismo de ação das toxinas YTX e OH-YTX não está completamente claro, mas sabe-se que inibem PP. Comparando com a inibição do AO, este reduz quatro vezes mais a atividade da PP2A. Nenhum episódio de intoxicação humana com essas toxinas foi registrado.

5.

REGULAÇÕES E MONITORAMENTO

Embora existam outras vias de exposição, como inalação, contato com a pele e hemodiálise, a forma de exposição mais comum é pelo consumo de água e de alimentos contaminados.

II!J€!J····

Por essa razão, há grande interesse na regulamentação dessas toxinas na água e em alimentos para o consumo humano Algumas toxinas produzidas por cianobactêrias não são fa cilmente removidas por processos convencionais de tratamento de água. No Brasil, por meio da Portaria n. 2.9 14 (12/ 12/2011), o Ministério da Saúde (MS) dispõe sobre os procedimentos de controle e vigilância da qualidade de água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, instituindo como a água potável deve estar em conformidade com o padrão de substâncias que representam risco à saúde, obrigando o monitoramento de cianobactérias e cianotoxinas. Para minimizar os riscos de contaminação da água para consumo humano com cianotoxinas, são exigidas análises de amostras de água bruta coletadas no ponto de captação do manancial superficial, com frequência mensal quando a densidade de cianobactérias for menor ou igual a 10.000 células/mL e semanalmente se for maior do que 10.000 cêlulas/mL. Em complementação, recomenda-se a análise de clorofila-a no manancial como indicador de potencial aumento da densidade de cianobactérias, o que permite maior agilidade no controle da qualidade da água captada. Se a concentração de clorofila-a em duas semanas consecutivas tiver seu valor duplicado ou mais, deve-se proceder nova coleta de amostra para quantificação de cianobactêrias no ponto de captação do manancial, para reavaliação da frequência de amostragem de cianobactérias. Quando a densidade de cianobactêrias exceder 20.000 cêlulas/mL, deve-se realizar análise de cianotoxinas na água do manancial, no ponto de captação, semanalmente. A análise de cianotoxinas na saída do tratamento será dispensada quando as concentrações dessas toxinas no manancial forem menores do que seus respectivos valores máximos permitidos (VMPs) para água tratada (Tabela 1). Há a obrigatoriedade da avaliação de MCs no Brasil, desde 2004, por meio da Portaria n. 518 (25/03/2004) do MS, sendo o VMP em água potável de 1,0 1-1g/L. A partir da publicação da Portaria n. 2.914 (12/ 12/2011), houve a inclusão da obrigatoriedade da avaliação de SAX (VMP = 3,0 j.ig/ L) e também da recomendação das análises de CYNs e ANA-a(s), quando for detectada a presença de gêneros de cianobactérias potencialmente produtores dessas cianotoxinas no monitoramento do ponto de captação, sendo o valor máximo aceitável para CYNs de 1,0 f.lg/L.

Tabela 1.

Valores máximos permitidos para toxinas de cianobactériasem água potável. Toxmas

Valor maXImopermtttdo

Microcistinas

l1JgiL*•

Saxitoxinas

3\lgequivalell\eSTX!L*_ _

Cilindrospermopsillas

I).Jgfl'*

•valormâximo permit idoeslabelecidopelaPortarian.2.914(12/l2/20ll)do MSparapadrào depotabitidade da águapa raconsumohumano. .. Hâapenasumarecomendaç11opetaPortarian.2.914(12/l2/20ll)paraa determi naç~odecilindrospermopsinas , observandoovalor-limite

• Ovalorrepresentaasomatóriadasconcentraçõesdetodasasvariantesde microcistmas

Outra fonte de exposição a toxinas produzidas por danobactérias e microalgas é a ingestão de alimentos contamina-

• • • •JilijJ

Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

dos. Muitos animais aquáticos são resistentes à presença desses compostos e podem acumulá-los em seus corpos, como os moluscos, os crustáceos e os peixes, sendo uma reserva de toxinas para animais superiores na cadeia trófica, incluindo os humanos. Além disso, plantas irrigadas com água contaminada também podem acumular cianotoxinas, aumentando os riscos de exposição Para proteger consumidores de efeitos adversos de toxinas marinhas e dukícolas acumuladas em moluscos bivalves, crustáceos e peixes, quando ocorrem florações de microalgas e cianobactérias tóxicas onde esses animais estejam tradicionalmente reunidos ou sendo cultivados, é imprescindível o monitoramento dessas toxinas na água e nos produtos de aquicultura. Alguns países implantaram programas de monitorização de água do mar e moluscos bivalves, de acordo com legislações especificas estabelecidas e como ferramentas preventivas primárias. No Brasil, apesar de pesquisas cientificas mostrarem que há acumulação de toxinas em moluscos e peixes cultivados no pais, ainda não há legislação para controle e vigilância da qualidade de alimentos em relação ãs toxinas produzidas por cianobactérias e microalgas. A Tabela 2 mostra os limites máximos permitidos de toxinas marinhas na carne de mariscos pelo programa de monilorização da Nova Zelândia e da Comissão Europeia Tabela 2. Valores da concentração máxima permitida de toxinas marinhas na carne de mariscos pelo programa de monitorização da Nova Zelândia e (*)da Comissão Europeia.

Saxitoxinaeseusanálogos

80 1-1g STX eq./100 g de carne

Acidodomoico

2 mgllOOgdecarne

Brevetoxina

80)Jg/100gdecarne

Dinofisistoxina-1

20 )JgllOOgdecarne

lessotoxina

1 mg YTX eq./100 g de carne

Azaspirácido

*161Jg/100gde carne

6.

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Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

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2.9. TOXINAS DE ANIMAIS PEÇONHENTOS Ísis Machado Hueza

CONTEÚDO DESTE CAPÍTULO I Introdução 2. Acidentes ofídicos 2.1 Acidente botrópico 2.1.1. Peçonha 2. 1.2. Patogenia 2.1.3. Sinaisdínicos 2.1.4. Exames laboratoriais 2.1.5. Tratamento 2.1.6. Prognóstico 2.2. Acidentecrotálico 2.2.1. Peçonha 2.2.2. Patogenia 2.2.3. Sinaisdínicos 2.2.4. Exames laboratoriais 2.2.5. Tratamento 2.2.6. Prognóstico 2.3. Acidente laquético 2.3.1. Peçonha 2.3.2. Patogenia 2.3.3. Sinaisdínicos 2.3.4. Exames laboratoriais 2.3.5. Tratamento 2.3.6. Prognóstico 2.4. Acidente elapidico 2.4.1. A peçonha e sua patogenia

2.4.2. Sinaisdinicos 2.4.3. Exames laboratoriais 2.4.4. Tratamento

2.4.5. Prognóstico 3. Escorpionismo 3.1. A peçon ha e sua patogenia 3.2. Sinais clínicos e tratamento 3.3. Prognóstico 4. Araneismo 4.1. GéneroPiwneutria 4.1.1. A peçonha e sua patogenia 4.1.2. Sinais clínicos e tratamento 4.1.3. Prognóstico 4.2. Gênero Loxosceles 4.2.1. A peçonha e sua patogenia 4.2.2. Sinais clínicos e tratamento 4.2.3. Prognóstico 4.3. Gênero Lactrodectus 4.3.1. Apeço nha 4.3.2. Sinais clínicos e tratamento 4.3.3. Prognóstico 5. Erucismo 5.1. A peçonha 5.2. Sinaisclinicosetratamento 6. Bibliografia

••••&m.Uili 1.

Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

INTROD U ÇÃO

A Toxinologia é por definição a ciência que estuda as toxinas, que por sua vez são aquelas substâncias produzidas por seres vivos e que causam efeitos nocivos ou tóxicos sobre outros seres vivos. Dessa forma, são toxi nas aqueles princípios ativos presentes em plantas com atividade tóxica, metabólitos produzidos por microrganismos, como a toxina botulinica e também aquelas substâncias produzidas de forma especializada por in setos e animais superiores, como as aranhas e as serpentes. Ainda, outro ponto a ser considerado quanto às definições de termos que serão aqui extensivamente utilizados está relacionado à diferença existente entre vene no e peçonha. t:: muito comum encontrarmos na literatura, inclusive aquela científica, o uso do termo ~animais venenosos~ para serpentes e aranhas, em detri mento do uso correto de "animais peçonhentos~. En quanto a peçon ha é a toxina produzida por órgãos glandulares especializados, o veneno é aquele existente de fo rma constitutiva no tecido animal, como a tetrodotoxina existente em peixes da classe Tetraodontiformes, como o baiacu , que no Japão é consum ido com o nome de "Fugu" e, segundo o Tokyo Bureau ofSocial Welfare and Public Health, vitima entre 30 e 60 apreciadores de seu sushi ao ano. Isso posto, o presente capítulo atentará apenas aos efeitos tóx icos de peçonhas produzidas por animais, uma vez que outros capitulos deste livro abrangerão as toxinas presentes em plantas de importância na saúde humana e também aquelas produzidas por microrganismos, como as micotoxinas e outras toxinas que podem estar presentes de fo rma indesejada nos alimentos.

2.

A CI DENTES O FÍDICOS

Acidentes ocasionados por cobras e serpentes são comuns em todo o mundo. Com exceção de poucas ilhas e regiões muito fr ias e de grandes altitudes, esses répteis se encontram distribuídos nos mais diversos e adversos tipos de ambientes, como norestas, desertos c inclusive oceanos. Dessa forma, nâo é de se estranhar que os acidentes ofídicos ocorram praticamente em todo o mundo. Estudos indicam que existem no mundo aproximadamente 3.000 espécies de serpentes, sendo que aquelas peçonhentas perfazem cerca de 400 espécies apenas. No Brasil, estão classificadas 256 espécies de serpentes, sendo apenas 62 delas sabidamente perigosas aos seres humanos e aos animais. Ainda, destas 62 espécies, 32 são do gênero 8othrops (jararacas,jararacuçus, cotiaras e urutus), 6 do gênero Crotalru (cascavel, cascavel de quatro ventas, boicinunga, boiquira, maracá), 22 do gênero Micrurus (coral verdadeira) e 2 do gênero Lachesis (surucucu, pico-de-jaca). Acredita-se que no mundo ocorram 421.000 acidentes ofídicos com serpentes peçonhentas, com cerca de 20.000 mortes ao ano. No entanto, este número pode ser ainda maior, pois não é em todos os países e regiões do mundo que a notificação dos acidentes aos órgãos nacionais competentes em vigilância san itá ria seja obrigatória ou ocorra de forma eficiente. No Brasil, a obrigatoriedade para a notificação de acidentes por animais peçonhentos só foi instaurada depois de portaria do Mi nistério da Saúde em 1986, e desde então o número de ocorrências desses tipos de acidentes só au mentou, apresentan -

do um decréscimo de incidência de 13,8 casos por 100.000 habitantes a partir de 2008 (Figura 1). Com as notificações compulsórias, alguns aspectos quanto ás ocorrências de acidentes ofídicos puderam ser confirmados. Sabe-se que répteis são seres pecilotérmicos, logo, sâo mais ativos em períodos de calor. No Brasil, os períodos de calor estão associados àqueles das chuvas, possibilitando condições perfei tas para plantio e colheita, e, consequentemente, maior oferta de ali mentos para ani mais furtivos como os roedores, que estão na cadeia alimentar das serpentes. Assim, os dados epidemiológicos confirmaram que os períodos em que os acidentes ofídicos são mais frequentes, independente da região do país, concentram -se entre o final de outubro e inicio de abril, coinciden temente, os períodos em que há mais atividade humana nos campos. Como dito anteriormente, as principais serpentes de importância cl ínica do Brasil são aquelas dos gêneros Bothrops, cujos acidentes notificados no país chegam a 73,5% dos casos; Crotalus, com 7,5% de incidência; Lachesis, que soma 3% das notificações e finalmente as serpentes do gênero Micrurus, com a menor das incidências: 0,7% dos acidentes.

2.1. Acidente botrópico Sem sombras de dúvidas, as principais serpentes peçonhentas do Brasil são do gênero 8othrops. Pertencem à família Viparidae, possuem fosseta loreal e são portadoras de presas solenóglifas. Até o presente momento, são classificadas cerca de 60 espécies deste gênero no território nacional, sendo algumas de suas representantes a 8. altenwt1H, que habita desde o Rio Grande do Sul até o sul de Minas Gerais, as 8 . jararacuçu e 8. jararaca, as mais comuns da região Sudeste e também encontradas no Paraná e Santa Catarina, 8. moojeni e 8. neuwiedi, que habitam a região central e todo o Brasil, com exceção da região amazônica, respectivamente, e a 8. atrox, que habita a região amazônica.

Figura 1. Acidentes ofídicos ocorridos no Brasil entre 1997 e 2008. De forma geral, este gênero de serpente possui hábito no turno e tem preferência por ambientes úmidos e sombreados, como norestas primárias, capoeiras, mata ciliar, e também no interior de tulhas e celeiros, onde, além de abrigo, podem também encontrar suas presas, roedores principalmente. uma

e.

Toxinasde A11imais Peçonlumtos

serpente de comportamento agressivo quando se sente ameaçada e geralmente, em humanos, as picadas ocorrem nas regiões distais dos membros, como pés, tornozelos, pernas, mãos e região de antebraço. Há casos de acidentes em regiões mais craniais, como cabeça e pescoço, já que algumas espécies de Bothrops têm o hábito de ficar em galhos para caçar pássaros. Em animais domésticos, os acidentes ocorrem geralmente na região de face, no caso de cães devido ao comportamento de farejar e equinos, bovi nos e outros ruminantes, devido ao pastejo para se alimentar.

2.1 .1. Peçonha A peçonha da Bothrops é constituida por uma mistura complexa de proteínas com atividade proteolítica, podendo perfazer, dependendo da espécie, até 95% de seu peso seco. Ainda, possui como constituintes: aminoácidos livres, peptideos, carboidratos, lipídios, aminas biogênicas e também alguns componentes inorgânicos. Dentre essas proteínas, tem-se:

Fatores hemorrágicos Metaloproteinases ácidas e metaloendopeptidases com atividade lítica sobre colágeno, principalmente aquele presente nas membranas basais dos tecidos, inclusive dos endotélios, permitindo assim, maior absorção e distribuição sistêmica da peçonha, favorecendo também pro cessos hemorrágicos. Proteases Botropasina, uma metaloproteina ácida com atividade lítica sobre casei na e outros substratos; hemotoxina, ativa sobre eritrócitos e com atividade hemolítica; outras proteases com atividade pró-inflamatória e necrótica. Hialuronidases Enzimas com atividade lítica sobre ácido hialurônico presente no colágeno. Enzimas com atividade coagulante A peçonha da Bothrops, dependendo da espécie, pode apresentar 4 tipos de atividade sobre a coagulação sanguínea: a) conversão da protrombina em trombina na presença do fator V da coagulação (ativação indireta) e b) sem a presença deste fator de coagulação (ação direta); c) indução da conversão do fator X em sua forma ativa; d) atividade tipo trombina com a conversão do fibrinogê nio em fibrina (botrojararacina, botrombina e jararagina C). Todos esses mecanismos levam à coagulação disseminada e esgotamento dos fatores de coagulação sistêmico, o que resulta em processos hemorrágicos. Fosfolipases e esterases Enzimas indutoras de processo infla matório via ácido araquidônico e consequentemente liberação de aminas vasoativas mastocitárias, a histam ina, a serotonina e a bradicinina

2.1.2. Patogenia Tendo sido expostos os constituintes da peçonha da Bothrops, fica de melhor entend imento a patogenia do acidente botrópico. Após a inoculação da peçonha, esta promove atividade lítica sobre as proteínas e sobre os vasos sanguíneos presentes na área, com liberação maciça de fatores pró-inflamatórios e consequente inflamação e necrose. Gera, no local da picada, dor intensa e processo edematoso exacerbado, o que pode ocasionar isquemia de vasos e fe ixes nervosos próximos, agravando a irrigação de tecidos adjacentes ao local da picada e intensifi-

+e§l••••

cando o processo necrótico e inflamatório, o que é clinicamente denominado síndrome comparti mental. Concomitantemente, a presença de lesão tecidual facilita a absorção da peçonha permitindo que seus fatores coagulantes atuem, levando à coagulação intravascular disseminada (CID). Os !rombos formados podem provocar isquemia de outros órgãos, inclusive podendo ocasionar nefropatia. Há relatos de que a peçonha promove nefrotoxicidade direta decorrente de necrose tubular e endotelial, levando à insuficiência renal aguda (IRA). O consumo dos fatores de coagulação tem como principal consequência a indução de processos hemorrágicos, tanto no local da picada quanto à d istância, manifestada por equimoses e, também, epistaxes e gengivorragias. Outro ponto que deve ser ressaltado na patogenia do acidente botrópico é a liberação maciça de metabólitos de ácido araquidônico e de TNF-a., o que promove hipotensão ag ravada pela hemorragia decorrente da CID (hipovolemia). Essas ocorrências podem resultar em choque e morte do indivíduo, caso não seja tratado.

2.1.3. Sinais clínicos Alguns fatores influenciam na gravidade do acidente botrópico e também das outras serpentes ou mesmo de outros animais peçonhentos, como aranhas e escorpiões que serão aqui descritos como a quantidade de peçonha injetada, a qual só pode ser estimada no decorrer das manifestações clinicas. A idade da vítima ou ainda a relação peso corpóreo e a quantidade de peçonha injetada é de grande relevância. Por esse fato, acidentes ofídicos com crianças são sempre de grande apreensão méd ica. A idade da serpente pode interferir na patogenia, pois há estudos com filhotes de Bothrops, com comprimentos de até 35 em, em que a peçonha é constituída principalmente por fatores coagulantes, logo as manifestações clássicas de dor e edema na região da picada podem não ser evidenciadas; no entanto, exames laboratoriais, principalmente o do tempo de coagulação (TC), podem se mostrar alterados. Sem dúvidas, o local da picada, bem como o tempo transcorrido entre o acidente e os primeiros socorros com soroterapia são determinantes para a evolução do quadro clinico. Assim, segundo a Secretaria da Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, as manifestações clínicas podem ser classificadas como:

leve Dor local, edema, equimoses, manifestações hemorrágicas discretas ou ausentes com aumento no TC. Moderado Dor intensa, edema e equimoses que podem ultrapassar a área afetada. Hemorragias locais ou sistêmicas com gengivorragia, epistaxe, hematúria e aumento no TC. Grave Dor, edema endurado de outros segmentos, presença de equimoses e bolhas, isquemia e compressão de feixes vasculonervosos. Manifestações sistêmicas, como hipotensão arterial, oligúria (IRA), hemorragia e choque.

2.1.4. Exames laboratoriais Tão logo seja descrito o histórico de acidente botrópico, realiza-se a punção venosa para a realização dos seguintes exames laboratoriais: hemograma completo com contagem de plaque-

• • • •@11-fli

Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

tas, atividade de protrombina, tempo de tromboplastina parcial (PTT), função renal (ureia e creatinina) e urina tipo I.

As principais alterações observadas são: redução no número de eritrócitos decorrente da perda sanguínea, leucocitose com desvio à esquerda (inflamação), plaquctopenia (coagulação disseminada), aumento no tempo de protrombina e do PTT, alteração na função renal, a qual pode vir acompanhada de proteinúria, glicosúria e hematúria, evidenciando a lesão renal que pode evoluir para IRA.

2.1 .5. Tratamento A soroterapia com antiofídicoé o tratamento indicado. Quando a serpente é identificada, é possível fazer o uso de soroantiofídico específico que é o antibotrópico (SAB). No entanto, nem sempre a serpente é identificada, como ocorre nos casos em que crianças se acidentam e não sabem descrever o animal agressor, ou ainda, qua ndo a serpente é morta e muitas vezes com a destruição da cabeça, tornando muitas vezes difícil a identificação da espécie, e para estes casos é possível fazer uso de soros com anticorpos contra a peçonha de Bothrop5 associados com anticorpos antilaquético (SABL) ou anticrotálico (SABC). A quantidade de ampolas a ser administrada está relacionada ao grau de gravidade da exposição à peçonha. Geralmente, quando o quadro é classificado como leve, empregam-se de 2 a 4 ampolas de soro por via intravenosa (IV). Quando se tem um quadro moderado, utilizam-se pela mesma via, de4 a 8 ampolas c finalmente em casos graves, até 12 ampolas por via IV.

Outras medidas realizadas são a hidratação IV, drenagem postura[ do segmento, tratamento sintomático dependendo do grau da dor, com analgésicos como dipirona, tramado! c outros. Antibioticotcrapia pode ser necessária tendo em vista que serpentes possuem em sua cavidade oral microbiota patogênica ao ser humano. E quando da ocorrência da síndrome compartimental, que é raro, procede-se a fasciotomia e debridamento das áreas necrosadas.

2.1.6. Prognóstico Quando a hospitalização e o tratamento especifico ocorrem de for ma satisfatória, os riscos referentes às sequelas da atividade da peçonha são amplamente minimizados. Estudos têm revelado que nos casos graves, mesmo sob terapia adequada, resultam em insucesso, ou seja, no óbito do paciente, 0,3% dos casos.

2.2. Acidente crotálico Serpentes do gênero Crotalus, pertencentes à família Viperidae e subfamília Crotalidae, são de ampla distribuição nas Américas, habitando desde o sudoeste do Canadá até a região central da Argentina. Esta serpente possui 6 subespécies que são encontradas em território nacional, a Crotalt1s durissus terrificus,

Crotalus durissus marajoensis, Crotalus durissus ruruima, Cro talt1s durissus cascavel/a, Crotalus durissus collilineatus e Cro talus durissus trigonicus. Diferentes das serpentes do gênero Bothrops, as popularmente denominadas cascavéis apreciam regiões secas ou semiáridas, com terrenos rochosos. As regiões de cerrado são também habitat para essas serpentes Elas têm como característica marcante, além da fosseta loreal e presas solenóglifas, a presença de um acessório córneo na ponta da cauda, que se acumula nas mudas de pele, cujo som é

muito parecido com um chocalho ou guizo quando agitado. As cascavéis não possuem comportamento agressivo, no entanto, quando se sentem ameaçadas, se enrolam em torno de si próprias, elevando a cabeça c agitando o guizo em sua cauda como forma de alerta.

2.2.1 . Peçonha A peçonha da cascavel é constituída por componentes inorgânicos, como alguns íons (M~ 2 , Ca•2 , Cu' 2 ) que funcionam como cofatores de uma série de enzimas presentes na peçonha. Também são encontrados carboidratos, toxinas e proteínas com atividade enzimática. As proteínas perfazem 90% do peso seco da peçonha. As proteínas com atividade enzimática são várias e muitas delas coincidentes com aquelas presentes em peçonhas do gênero Bothrops, como a fosfolipase A2 e esterases, enzimas proteolíticas, como endopeptidases, colagenases, elastases e hialuronidases, entre outras. No entanto, diferente da Bothrops, a peçonha das cascavéis possuem toxinas com importante atividade biológica, que são:

Crotoxina

Principal toxina da peçonha, que compõe 50% das proteínas presentes. Essa toxina é na verdade constituída por duas frações, a crotoxina A, também conhecida como crotapotina ou fração ácida, a qual sozinha não possui qualquer atividade enzimática, e a crotoxina B ou fração básica, que sozinha possui atividade hidrolítica semelhante à fosfoli pase A2. No entanto, a crotoxina como um todo possui importante ação neurotóxica, impedindo a liberação pré-sináptica de acetilcolina. A crotoxina também parece participar no efeito tóxico sobre a musculatura esquelética.

Crotamina

Polipeptídio constituído por 42 aminoácidos e com 5 kDa, que possui uma ampla variedade de efeitos biológicos, como a fácil penetração em diferentes tipos celulares, citotoxicidade sobre linhagens celulares tumorais. Como constituinte tóxico da peçonha crotálica, possui ação despolarizante de fibras musculares, levando à contração e paralisia da musculatura esquelética. Ainda, sugere-se que possui atividade miotóxica juntamente com a crotoxina, induzindo necrose de fibras musculares esqueléticas, caracterizada por dilatação do retículo sarcoplasmático, perda de fun ção e morte celular necrótica.

Convulxina

Como o próprio nome sugere, esta proteína promove alterações neurológicas que levam a perda do equilíbrio, alterações visuais e convulsões.

Giroxina

Enzima tipo trombina com atividade sobre fibrinogênio e formação de fibrina.

2.2.2. Patogenia Diferentemente de acidente botrópico, a picada pela cascavel não é referida pelas vítimas como muito dolorosa, muitas vezes o local da picada apresenta apenas as perfurações das presas da serpente com critcma c pequeno edema circunvizinho. A parestesia também é uma queixa comum As manifestações clinicas da peçonha se iniciam dentro de 3 a 6 horas após o acidente e um dos primeiros sinais que se observa está relacionado à ação da crotoxina sobre a atividade colinérgica, pri ncipalmente da região da face, onde a inibição

Toxinas de A11imais Peçon/Jentos

na liberação da acetilcolina na sinapse das junções neuromusculares promove paralisia flácida, o que dá ao paciente um aspecto de sonolência, o qual é denominado de fâcies miastênica caracterizada por ptose palpebral, que pode ser bilateral ou não, flacidez da musculatura da face, inclusive para manter a boca fechada. Ainda é relatada pelos pacientes a ocorrência de visão turva e diplopia. Em casos graves, pode ser observada fraqueza muscular e dificuldade em respirar, devido à paralisia da musculatura respiratória: diafragma e músculos intercostais. já a ação conjunta da crotoxina e da crotamina sobre a musculatura esquelética inicia sua manifestação tóxica depois de 12 ho ras do acidente, com o surgimento de urina de cor vermelho-escura e queixa do paciente de dores musculares (mialgia) por todo o corpo. Antes de 1980, acreditava-se que esta coloração da urina era devido à presença de hemoglobina decorrente de hematúria, sendo que, na verdade, é resultante da mioglobina liberada pelas fibras musculares em necrose, caracterizando assim a miotoxicidade ou rabdomiólise provocada pela peçonha da Crotalus. Deve-se salientar neste momento que mioglobina possui atividade tóxica sobre os rins, e sua presença maciça na circulação pode levar ao desenvolvimento da insuficiência renal aguda (IRA), a qual é a maior preocupação clínica dos acidentes crotálicos e a principal causa dos óbitos. Apesar da presença de proteínas tipo trombina, a ocorrência de coagulação sistêmica e de quadros hemorrágicos se dá apenas em 40% dos casos e com menor gravidade, diferente daquele observado no acidente botrópico.

2.2.3. Sinais clínicos Como di to anteriormente, os sinais clínicos do acidente crotálico estão relacionados à atividade anticolinérgica da peçonha, com presença de fácies miastênica, a qual pode permanecer por até 4 dias após o início do tratamento especifico; mioglobinúria, dores musculares, aumento no tempo de coagulação (TC) e dificuldade respiratória também podem ocorrer. Os sinais clínicos são classificados em:

leve Fácies m iastênica e a visão turva podem estar ausentes ou aparecer tardiamente, não ocorre m ialgia, não há presença de mioglobinúria e tão pouco oligúria ou anúria. Moderado

Fácies miastênica discreta ou evidente, presença de visão turva, discreta mialgia, mioglobinúria pouco evidente ou discreta sem ocasionar oligúria ou anúria.

Grave

Fácics miastênica c visão turva bem evidente, relato de mialgia, mioglobinúria e a oligúria/anúria que podem estar presentes ou não.

2.2.4. Exames laboratoriais Após o relato e identificação do acidente crotálico, procede-se a realização de hemograma completo, atividade de protrombina e TPP, bioquímica sérica para função renal, função hepática e eletrólitos (Ca• 2 e K+), pesquisa para creatinina quinase (CK), gasometria, eletrocardiograma e urina tipo I. As alterações sanguíneas observadas são: ocorrência de leucocitose com desvio à esquerda e aumento no TC. O aumento de fosfatase alcalina, o de aspartato aminotransferase (AST) e o de lactato desidrogenase (LDH), que em conjunto com os altos valores de CK, direcio nam o diagnóstico para lesão mus-

ME#f!JI···

cu lar; ainda, presença de hipocakemia e de hipercalemia, prejuízo da função renal com aumento da ureia; mioglobinúria e, em algumas situações, é possível ver miocardiotoxicidade com alterações na onda ST do eletrocardiograma.

2.2.5. Tratamento Feito o diagnóstico do acidente crotálico, o tratamento específico e imediato com soro anticrotálico (SAC) é imprescindível, uma vez que a precocidade no tratamento resulta em mel hor prognóstico de cura. A quantidade de ampolas a serem administradas por via IV dependerá da evolução da sintomatologia. Utilizam-se nos casos de sintomatologia leve cinco ampolas, nos casos moderados lO am polas e nos casos graves até 20 ampolas. Ainda, devido à possível ocorrência da IRA decorrente da ação nefrotóxica da mioglobina, a hidratação do paciente é fun damental. Em muitos casos em que a mioglobinúria é evidente, é comum fazer uso de bicarbonato de sódio via IV com o objetivo de manter o pH urinário em torno de 8,0, impedindo dessa forma a deposição tubular da mioglobina e a evolução para IRA. No entanto, deve-se tomar cuidado quanto aos parâmetros clínicos que podem se mostrar alterados quando do uso dessa estratégia terapêutica, como a alcalemia e a consequente hipocalemia, que podem provocar pHs sanguíneos superiores a 7,0. Apesar de raros os casos em que ocorre a paralisia da mus~ culatura respiratória diafragmática e intercostal, a presença de suporte ventilatório artificial é sempre desejável.

2.2.6. Prognóstico Segundo a Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (SVS/MS), a letal idade ocasionada pelo acidente crotálico, quando as vítimas não são submetidas ao tratamento adequado, pode alcançar índices superiores a 70% com essas ser~ pentes, enquanto complicações decorrentes da evolução da intoxicação e suscetibilidade do indivíduo, mesmo quando tratado de forma correta, podem levar a um índice de letalidade de quase 2% dos casos notificados.

2.3. Acidente laquético As serpentes do gênero Lachesis têm como particularidade possuir apenas uma espécie, a L. muta e 4 subespécies, a L. m. melmwcepha/a, presente na Costa Rica, a L. m. steuophryis, também da Costa Rica e Panamá, e a L. m. rhombeata e L m. muta, presentes no Brasil, em regiões de noresta a mazônica, de mata atlântica e zona da mata, que se estende desde o norte do Rio de janeiro até a região do Nordeste do Brasil (L m. rhombeata), sendo também encontradas na Colômbia, no Peru, nas Guianas e na Bolívia. As represe ntantes deste gênero no Brasil são popularmente denominadas de surucucu, pico-de-jaca, surucutinga e malha-de-fogo. Estas serpentes são as maiores da família Vi peridae existente na América Latina, podendo alcançar até 3,0 metros de comprimento. São habitantes de regiões úmidas e de florestas com baixa densidade populacional. Ainda, em 1989, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Jbama), listou a L. m. rhombeata como vulnerável à extinção. São serpentes de hábitos noturnos, e, por existirem em regiões de mata fechada, os acidentes com essas serpentes são raros; porém, são de gravidade e devem ser

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Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

encarados como urgência médica, uma vez que, por serem avantajadas em seu porte, podem promover o bote e injetar grande quantidade de peçonha.

2.3.1. Peçonha A peço nha da Lachesís nwta spp apresenta características muito semelhantes àquelas da peçonha do gênero Bothrops, apresentando efeito proteolítico, pró-inflamatório, necrótico, coagulaote e hemorrágico. No entanto, apresenta uma característica diferenciada daquelas da Bothrops, que é o efeito neurotóxico, com sintomatologia vagai.

Serinoproteases Enzima isolada da peçonha da L. muta com estrutura c atividade muito semelhante à giroxina encon trada na peçonha do gênero Crotalus

No entanto, a hipotensão desencadeada pelos constitu intes ncurotóxicos da peçonha é a maio r preocupação, uma vez que a liberação massiva de aminas vasoativas e a inibição da conversão da angiotensina I em angiotensina 11 podem levar a víti ma a desenvolver uma hipotensão bastante preocupante, que, se não tratada de forma adequada, pode levar o indivíduo a óbito devido ao choque. O efeito anticoagulante desencadeado pelas enzi mas ante riormente cltadas pode promover hemorragias e equimoses apenas no membro afetado ou, em alguns casos, é possível averiguar gengivorragias e epistaxes.

2.3.3. Sinais clínicos

l -aminoácido oxidases Flavoenzimas entre 50 e 70 kDa de massa molecular. Estudos sugerem que essas enzimas atuem induzindo a apoptose de uma série de tipos celulares, inclusive endoteliais.

Os sinais clín icos são muito semelhantes àqueles mani festados por pacientes vítimas de acidente botrópico. No entanto, a manifestação do tipo vagai, o que pode inferir em algum componente parassimpatomimético da peçonha, cha ma bastante atenção, sendo este si nal clín ico muitas vezes suficiente para fechar o diagnóstico diferencial para acidente laquético em detrimento do botrópico, principal mente em regiões onde ambas as espécies podem ser encontradas. Estes sinais clínicos são: hipotensão arteria l franca, bradicardia, sudorese, aumento do peristahismo gástrico e relaxamento de esfíncteres, com manifestações de cólica abdominal, vômitos e diarreia. O Ministério daSaúdeclassificaossinaisem :

Serinoproteases

Leve

Fosfolipase A2 (lmTX-1) Esta enzima isolada da peçonha da L muta mostrou potente ação inibitória sobre plaquetas (antitrombótica) e atividade an ticoagulante. Sugere-se que essa enzi ma possua efeito miotóxico significante e seja responsável pela neurotoxicidade da peçonha.

Caracterizadas por possuírem ação catalítica sobre resíduos reativos de serina. Seu principal efeito está no envolvimento de desordens coagulativas, são ativadoras da proteína C, e consequentemente ocorre a inibição dos fatores V e VIII e das vias intrínsecas e comuns da cascata de coagulação.

Alte rações neuroparalíticas discretas sem mialgia, escurecimento da urina ou oligúria

Moderado Quadro local presente, pode haver sangramentos, sem manifestações vagais Grave

Quadro local intenso, hemorragia intensa, com manifestações vagais.

Metaloproteinases dependentes de Zn+ 2 (LHF-1e LHF· 11) Enzimas que fis iologicamente participam no remodelamento cicatricial, mas, como constitui ntes da peçonha, contribuem para o processo hemorrágico (por esta razão são denominadas de hemorraginas) e maior absorção da peçon ha, uma vez que lesionam células endotcliais e cont ribuem para a ocorrência da mionecrose, dermonecrose e formação de bolhas.

Peptídeos potenciadores da bradicinina Oligopeptídeos com ação inibitória sobre a metabolização da bradicinina e principalmente sobre a conversão da angiotensina I em 11. Cininogenases

Atuam sobre o cininogênio liberando pep tídeos vasoativos, como a bradicinina e as calicreínas, participantes da queda da pressão arterial.

2.3.2. Patogenia A quantidade de peçonha injetada, sua rápida absorção decorrente da ação lítica sobre os tecidos e o endotélio próximos ao local da picada podem determinar o grau de severidade da patogenia do envenenamento com a peçonha da L. muta . Verifica-se um rápido desenvolvimento do processo in flamató rio com dor e edema nas primeiras horas após o aciden te; esses efeitos inflamatórios e necróticos e a possível evolução para a síndrome compartimental já fo ra m citados anteriormente.

2 .3.4. Exames laboratoriais Os exames laboratoriais complementares são semelhantes aqueles aplicados para o acidente botrópico, com testes de coa gulação sanguínea, hemograma, funções hepáticas e renais c a gasometria arterial.

2 .3.5. Tratamento O tratamento específico é o de eleição, com soro antilaquético (SAL) em doses intravenosas de 5, lOe 20 ampolas, para manifestações leves, moderadas e graves da intoxicação, respectivamente. !: desc rito na literatura que, em alguns casos, quando da ausência de SAL, fazer uso de SAB. Ainda, para os efeitos colinérgicos, o sulfato de atropina pode ser administrado para reverter a bradicardia e outros sinais vagais.

2 .3.6. Prognóstico Geralmente, quando o tratamento é realizado de forma adequada e em tempo hábil, o prognóstico é bom. No entanto, em muitos locais, o socorro e o trata mento específico ficam prejudicados, já que muitos dos acidentes notificados ocorrem principalme nte na região amazônica. Acredita-se, ainda, que mui tos desses acidentes nessas regiões de difícil acesso não são notificados. O índice de letalidade do acidente laquético está em to rno de 0,9% daqueles oficialmente notificados.

Toxinasde A11imais Peçon/Jentos

2.4. Acidente elapídico As cobras-corais, também denominadas de ibiboca ou boicorá são pertencentes ao gênero Micrurus da família Elapidae. São serpentes de porte médio, alcançando até 1,20 m, havendo em nosso território 18 espécies, sendo as corais-verdadeiras mais comuns a M. coral/i nus, encontrada nas regiões sul e sudeste; a M. frontalis, também encontrada nas regiões sul, sudeste e na região centro-oeste, e a M. /emnisca/us, mais encontrada nas regiões centro-oeste, nordeste e norte do país. Possuem coloração bastante característica, constituída de anéis circulares em torno do corpo de cores preta, vermelha e branca e/ou amarela, que, dependendo da espécie, dispõem-se das mais diferentes formas, sendo difícil identificá-las por este único parâmetro, inclusive, se são ou não peçonhentas (falsas-corais). Diferentes das outras serpentes peçonhentas do Brasil, as do gênero Micrurus não possuem fosseta loreal, as pupilas são redondas e as presas são do tipo proteróglifas (dispostas mais caudalmente na arcada dentária), e a cauda se afina de forma proporcional até sua porção terminal, e não de forma abrupta como as serpentes peçonhentas de outros gêneros.

2.4.1. A peçonha e sua patogenia Diferente do que se sabe de outras toxinas produzidas por serpentes da família Viperidae, poucos estudos bioquímicos fo ram realizados até o momento para investigar de forma mais verticalizada os efeitos biológicos e farmacológicos dos constituintes da peçonha elapídica. No entanto, devido à neurotoxicidade observada nas vítimas pelo acidente elapídico, os estudos concentraram-se de forma mais acentuada sobre esta. Existem dois tipos de neurotoxinas (NTXs) presentes na peçonha das corais, que dependendo da espécie envolvida atuam com mecanismos de ação diferenciados para promover a paralisia muscular resultante.

NTXs pré-sinápticas Peso molecular entre 12 e 60 kDa, atividade fosfolipásica, atuam sobre o influxo de Ca+1 para o interior da terminação axonal pré-sináptica colinérgica presente nas junções neuromusculares, impedindo que ocorra a migração das vesículas contendo acetilcolina para a terminação axonal e sua liberação na fenda simiptica, não ocorrendo a estimulação para a contração muscular. Esse efeito foi encontrado, até o momento, apenas na peçonha produzida por serpentes da espécie M. cora /Iinus. NTXs pós-sinápticas

Encontradas na peçonha das M fronlalis eM. lemniscatus, são proteínas de baixo peso molecular (até 14 kDa) que atuam como antagonistas competitivos colinérgicos sobre receptores nicotínicos pós-sinápticos da jun ção neuromuscular. Outros efeitos como a necrose de fibras musculares e hemorragia foram descritos apenas em estudos experimenta is, sendo relatadas alterações no sarcolema das miofibrilas e hemorragias viscerais em ratos. Vale ressaltar que, apesar da ineficiência para injetar a peçonha, devido às suas presas serem proteróglifas e à menor quantidade de peçonha inoculada, o acidente é sempre de urgência para socorro e tratamento específico, pois sua peçonha é a de maior atividade tóxica para o ser humano.

IB§SIJ····

Após a picada, a absorção da peçonha ocorre rapidamente, e os sintomas aparecem minutos ou até poucas horas após o acidente. A ação das NTXs, tanto as pré quanto as pós-sinápticas, causará paralisia aguda do tipo miastênica no sentido crânio-caudal, com Oacidez e paralisia da musculatura da face, de músculos orofaríngeos, intercostais e diafragmático.

2.4.2. Sinais clínicos

a

relatada dor discreta no local da picada com a parestesia surgindo logo nos primeiros minutos após o acidente. Não há ocorrência de edema exacerbado nem processos hemorrágicos. Náuseas e vômitos podem ocorrer seguidos de fraqueza muscular progressiva, oftalmoplegia com visão turva e de difícil acomodação, ptose palpebral (fácies miastênica), paralisia da musculatura velopalatina e mandibular, resultando em dificuldade em deglutir e seguida de dificuldade respiratória que, se não assistida, pode levar a parada respiratória e morte.

2.4.3. Exames laboratoriais Não existem exames laboratoriais específicos para o acidente elapídico; no entanto, devido à dificuldade respiratória, a gasometria arterial é sempre necessária para a avaliação do grau de oxigenação sanguínea e possível acidose metabólica.

2.4.4. Tratamento Como foi dito anteriormente, todo acidente elapídico é considerado de gravidade, assim o uso de soroterapia especifica com soro antielapídico (SAE) é necessário, sendo utilizadas lO ampolas por via I V. Ainda, é possível fazer uso de neostígmina, um anticolinesterásico, que, ao inibir reversivelmente a enzima acet ilcolinesterase, faz com que haja aumento da acetilcolina na fenda simpática, aumentando assim a competição com as NTXs pós-sinápticas pelo sítio de ligação nos receptores nicotinicos da junção neuromuscular. A fisostigmina não é fármaco de escolha para o tratamento, pois pode desencadear per se efeitos centrais, já que passa a barreira hematoencefálica. Ainda, ao fazer uso da neostigmina, preceder com a administração IV de 0,6 mg de sulfato de atropina para reverter os efeitos muscarínicos causados por esse anticolinesterásico.

2.4.5. Prognóstico De maneira geral, quando o atendimento médico é realizado em tempo satisfatório e sem intervenções ~case i ras", com uso de torniquete, cortes circunvizinhos à picada e outras metodologias folclóricas, o prognóstico é geralmente bom. Os aciden~ tes com as corais são raros e a taxa de mortalidade daqueles indivíduos sob tratamento é de 0,4% dos acidentes notificados ao Ministério da Saúde.

3.

ESCORPIONISMO

Dentre os acidentes com animais peçonhentos, aqueles envolvendo escorpiões são os que mais vêm crescendo no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, entre os anos de 2003 e 2009, o aumento de acidentes com escorpiões foi de quase 87% em todo o território nacional, com o registro de 24.486 casos em

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Parte 2

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2003 e 45.721 em 2009 (Tabela 1). Em 2011, o Nordeste foi a região que mais concentrou o número de acidentes com escorpiões no país, com 30.282 casos, enqua nto só na Bahia foram registrados 13.428casos. Entre os motivos apontados pelo Ministério da Saúde para o aumento dos casos de escorpionismo, estão o desequilíbrio ecológico, a falta de saneamento básico próximo às residências localizadas nas periferias de grandes centros urbanos, o que atrai insetos - principais presas de escorpiões, e, principalmente, a presença de grande quantidade de entulhos que oferecem a estes animais o ambiente perfeito para se alojarem. Escorpiões pertencem ao filo Arthropoda, classe Arachnidae e ordem Scorpiones. No Brasil, as principais espécies de

escorpiões pertencem à família Buthidae, sendo as espécies do gênero Tityus aquelas de importância médica, a saber: T. serruJatus, T. bahieusis, T. stigmurus, T. trivitatus, T. cambridgei e T. metueudus. Anatomicamente o corpo do escorpião é constituído por uma ca rapaça (prossoma) onde estão inseridos: as quelíceras {aparelho bucal triturador), os pedipalpos caracterizados pelo formato de pinça para a apreensão de insetos e ainda, longitudinalmente à carapaça, os quatro pares de patas. O abdome (opistossoma) é formado pelo tronco (mesossoma) e pela cauda {metassoma), a qual é segmentada e possui na sua porção final o télson ou vesícula de onde se eleva o aguilhão ou ponta do ferrão.

Tabela 1. Casos de acidentes com escorpiões (2003 a 2009).

Norte

1.917

2.047

2.110

2.485

Nordeste

10.478

13.132

16.143

19.063

19.415

18 .161

21.238

Sudeste

11.276

13.546

15.836

14.418

13.884

16.138

19.184

s,,

Centro-oeste

~

1.380

1.603

2.013

479

540

677

768

985

996

964

873

1.245

1.366

1.355

1.134

1.451

1.850

24.486

30.066

35.939

37.651

37.431

38.856

45.721

SVSIMS.

3.1. A peçonha e sua patogenia A peçonha dos escorpiões da espécie Tityus (tityustoxina) é constituída por um complexo de substâncias com atividade biológica, sendo muitas delas com propriedades farmacológi cas bastante complexas e heterogêneas. Além da presença de fosfolipases, hialuronidases e outras proteínas com atividade inflamatória, as neurotoxinas são de grande importância na manifestação sintomática desenvolvida pelas vítimas. Apesar de haver diferenças na constituição das peçonhas entre as difere ntes espécies de Tityus, as neurotoxinas atuam principalmente sobre canais iônicos presentes nas membranas de células excitáveis. Estudos evidenciam que as neurotoxinas dos escorpiões podem atuar de forma seletiva sobre canais de potássio, cloreto e cálcio. No entanto, sua ação sobre os canais de sódio é a de maior destaque para a patogenia do acidente escorpiônico. A ação da peçonha sobre os canais de sódio promove no indivíduo a despolarização das membranas excitáveis e, consequentemente, a liberação maciça de neurotransmissores pós-ganglionares, como catecolaminas e acetilcolina, e decorrente estimulação simpática e parassimpática, levando ao desenvolvimento de sintomatologia complexa. Essa complexidade de sinais se deve aos efeitos farmaco lógicos das neurotoxinas sobre os diferentes sistemas, como alterações gástricas decorrentes da maior contratilidade gastrintestinal com cólicas, dor abdominal, vômitos, sialorreia e eventualmente diarreia. Tem efeito cardiotóxico, caracterizado por ação direta das toxinas sobre o tecido cardíaco levan do a um cronotropismo positivo, com alteração da contratilidade cardíaca, o que pode resultar, de forma somatória aos efeitos das catecolaminas, em arritmias e extrassistoles, taquicardias e alterações nos traçados Te ST do tipo isquêmicas. Ainda, a hipertensão arterial, que somada aos efeitos cardíacos, pode levar ao desenvolvimento de edema agudo de

pulmão, a principal causa mortis do acidente com escorpiões. A ação parassimpática promove, sobre o sistema respiratório, taquipneia e hiperpneia espaçadas com periodo de apneia (respiração de Cheyu e-Stokes), a qual pode ser agravada pelo aumento das secreções brônquicas e pulmonares. Os efeitos da peçonha sobre o sistema nervoso central leva à ocorrência de tremores, espasmos musculares e mioclonias. Agitação, confusão mental, prostração, cefaleia e convulsões também podem se desenvolver.

3.2. Sinais clínicos e tratamento A dor imediata no local da picada é referenciada como intensa em 100% dos casos. O tratamento será instaurado de acordo com a classificação do grau de severidade do acidente escorpiõn1co.

leve

Principalmente dor com parestesia local. Vômitos ocasionais, ansiedade e agitação, que muitas vezes é decorrente do estresse do acidente, podem surgir. Geralmente nesses casos o tratamento é sintomático, com uso de analgésicos e anestésicos locais (sem uso de vasoconstrictor). J:: aconselhado que o paciente permaneça no hospital por pelo menos 6 horas para prevenir a evolução de uma sintomatologia com maior gravidade.

Moderada Além dos sintomas já citados anteriormente, podem ocorrer sialorreia discreta, sudorese, náuseas e vômitos. A agitação, com aumento da pressão arterial, taquicardia e taquipneia também são frequentes. Frente a esse quadro sintomático, o uso de soro específico é mandatório, mediante apli cação JV de 2 a 3 ampolas de soro antiescorpiõnico {SAEsc) ou soro antiaracnídeo (SAA). Grave

Nas intoxicações graves, os sintomas já citados são acrescidos de vômitos profusos e frequentes, sialorreia, sudore-

ToxinasdeA11imais Peçon/Jentos

se intensa, hipotermia, taqui e bradicardia com presença de arritmias, aumento da pressão arterial, ocorrência de tremores e espasmos musculares intensos cuja evolução pode levar à insuficiência cardíaca e edema agudo de pulmão. Nesses casos, o tratamento se faz com 4 a 6 ampolas de SAEsc ou SAA por via IV. O paciente deve ser monitorado de fo rma intensiva para observação da evolução do quadro. Quando as alterações cardíacas surgem, com bradicardia e diminuição do débito cardíaco com bloqueio AV, o uso de atropina 0,01 a 0,02 mg/kg tem sido preconizado. Nos casos de hipertensão com ou sem edema pulmonar, a nifepidina (bloqueador dos canais de Ca' 1 ) , 0,5 mg/kg, por via sublingual pode ser de escolha. A maioria dos acidentes (95 a 97% dos casos) é classificada como leve, no entanto casos envolvendo crianças são sempre de maior preocupação, pois a tendência do quadro sintomático é evoluir para moderado ou grave, sendo essas vítimas as mais propensas ao óbito por acidentes escorpiõnicos.

3.3. Prognóstico O prognóstico da intoxicação por escorpiões é influenciado por alguns fatores, principalmente aquele relacionado à idade da viti ma. Crianças menores de 8 anos são muito mais sensíveis em desenvolver as formas mais graves do escorpionismo que um indivíduo adulto. Alguns relatos ainda indicam que o tamanho do escorpião possa estar diretamente associado à evolução da sintomatologia, pois quanto maior o animal maior é a quantidade de peçonha injetada. Ainda, o transcorrer do tempo entre o acidente e o tratamento especifico também é fator que contribuirá para o êxito do tratamento.

4.

ARANEÍSMO

As aranhas pertencem ao filo dos Arthropoda, subfilo Chelicerata, classe Arachnida, ordem Araneae. São descritas no mundo aproximadamente 40.000 espécies de aranhas, e há muitas ainda a serem identificadas e classificadas. Morfologicamente as aran has possuem corpo dividido em cefalotórax e abdome, 4 pares de patas inseridas na porção cefalotorácica, quelíceras - que podem se projetar à frente enquanto as presas se insinuam para baixo (aranhas migalomorfas) ou podem ser posicionadas de forma vertical em paralelo às presas que se movem lateralmente como pinça (aranhas araneomorfas) -, pedipalpos, até 8 olhos na porção cranial superior, e a fiandeira, aparelho especializado na confecção da seda. As aranhas são encontradas em praticamente todo o mundo, com exceção da Antártida, nos mais diversificados habitais, inclusive a água. Geralmente, as aranhas abrigam-se em árvores ou locais altos onde podem tecer suas teias (teias geométricas ou irregulares), em tocas e buracos no solo, nas fenda s de árvores e reentrâncias de plantas - como nas bromélias ou nas bananeiras -, sob pedras e entulhos, e em locais peridomiciliares e domiciliares, de preferência aqueles com poucos cuidados, já que são nesses locais que as aranhas encontram suas presas, como borboletas, gafanhotos, baratas entre outros. Os principais gêneros de aranha responsáveis em causar lesões de importância médica segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) são Phoneutria (aranha-armadeira, aranha-

+E§f····

-das-bananas), Loxosceles (aranha-marrom), Lactrodectus (viúva-negra) e Atrax (aranha-teia-de-funil), sendo esta última encontrada na Austrália. No Brasil, segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan/MS), em 2011 foram notificados 26.143 casos envolvendo aranhas em um total de 136.000 not ificações de acidentes por animais peçonhentos, perfazendo aproximadamente 20% desse tipo de acidente. A região Sul registra o maior número de acidentes com aranhas do pais, com 18.052 casos, sendo que somente o estado do Paraná colaborou com o registro de 9.326 casos de acidente com aranhas. Geralmente o acidente com aranhas não causa óbito, mas dependendo da gravidade, pode promover morbidade severa e trazer sequelas importantes à vítima. Mais uma vez, deve-se ressaltar que a relação peso corpóreo e a quantidade de peçonha injetada é de grande relevância, principalmente quando os acidentes envolvem crianças.

4.1. Gênero Phoneutria As aranhas do gênero Phoneutria, da família Ctenidae, são aranhas com corpo de dimensões de até 3 em, e com envergadura de suas patas alcançando até 15 em. Possuem comportamento agressivo quando se sentem ameaçadas, colocando-se em posição de ataque, apoiam-se nos dois pares de patas posteriores e erguem as anteriores, exibindo suas presas na tentativa de picar ou "armando o bote", daí a origem de seu nome, "aranha-armadeira" Não fazem teia e possuem hábitos noturnos, buscando, no período diurno, locais escuros, como reentrâncias de plantas, buracos, e também em domicílios, como em sapatos, entre roupas, dentro de móveis etc. Os acidentes com a Phoneutria ocorrem principalmente entre os meses de abril e maio, período de acasalamento. No interior das residências, os acidentes ocorrem mais durante o manuseio de objetos em locais ermos, limpeza da residência, nas fruteiras e ao calçar sapatos. Já no campo, os acidentes ocorrem durante a colheita de frutas e verduras. Dessa forma, os principais locais onde ocorre o acidente são nas extremidades dos membros.

4.1.1. A peçonha e sua patogenia A peçonha da Phoneutria é constituída de frações neurotóxicas (PhTx l, PhTx2 e PhTxJ). Estudos têm revelado que a PhTx3 interfere em canais de Ca•1 , enquanto as duas primeiras possuem atividade sobre canais de Na' 2 agindo de diferentes formas sobre o tecido neuronal. Mas de forma geral, essas neurotoxinas promovem ativação nos canais de Na'z, induzindo a despolarização de fibras nervosas e terminações neuromusculares e autonômicas. Interferem também na liberação de catecolaminas ao interferir nesses canais de Na' 1 , promovendo cronotropismo e inotropismo positivo que podem evoluir para taquicardias e arritmias, podendo também ser consideradas, dessa forma, como cardiotóxicas.

4.1.2. Sinais clínicos e tratamento As alterações locais são mais comuns do que as sistêmicas, perfazendo 90 a 95% dos casos. Cuidado sempre deve ser tomado com crianças acidentadas. Os sinais locais iniciam-se logo e sào caraterizados por dor intensa, edema e eritema circunvizinho ao local da picada, eventualmente alguma agitação pode

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ser observada; esses sinais são classificados como sintomatologia leve, instaurando-se apenas tratamento sintomático. Quando a dor é muito intensa, com inicio das alterações gástricas, como náuseas e vômito, sialorreia, dor abdom inal, sudorcsc e alterações cardiovasculares manifestadas por hipertensão e taquicardia, essa sintomatologia é classificada como moderada já sendo indicado o uso de soro antiaracnídeo (SAA) de 2 a 4 ampolas (IV). No quadro classificado como grave, os sinais indicativos são, além desses descritos acima, vômitos profusos, priapismo, arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca e cansequente edema pulmonar agudo, sendo necessário o uso de 5 a 10 ampolas de SAA.

4.1.3. Prognóstico Geralmente o prognóstico é bom e, mes mo ciente de que os óbitos são raros, deve-se sempre assistir com preocupação acidentes com crianças, pessoas de baixo peso corpóreo e idosos.

4.2. Gênero Loxosceles Aranhas do gênero Loxosceles são encontradas principalmente nas regiões sul e sudeste do Brasil, sendo caracterizadas pela presença de pelos no corpo, dimensões pequenas (medem entre I e 3 em de comprimento total) e cor mar rom, daí a origem de seu nome, "aranha- marrom~. São aranhas que constroem teias irregulares e são de hábitos noturnos. São encontradas em terrenos não muito úmidos nem muito secos, escondendo-se entre plantas, fendas, sob entul hos, junto a árvores e suas folhas e flores. Habitam também terrenos peridomiciliares e intradomiciliares, em cantos de armários e gaveteiros. Não possuem comportamento agressivo e somente causam acidente quando são pressionadas contra o corpo ao manipular utensílios ou vestimentas onde elas se encontram abrigadas. Por isso, em regiões onde essas aranhas são prevalecentes (sul e sudeste), é sempre aconsel hável verificar roupas, toalhas e outras vestimentas antes de sua utilização.

4.2.1 . A peçonha e sua patogenia Essa aranha produz uma peçonha constituída de uma série de peptídeos e proteínas com atividade enzimática caracterizada pela sua ação proteolítica, hemolítica e coagulante, que resulta em dermonecrose no local da picada e eventualmente hemólise intravascular. Sua peçonha é constituída por proteases, hidrolases, peptidases, hialuronidases, colagenases e também por um componente de atividade em destaque, a enzima denominada de esfingomielinase-0, a qual atua sobre constituintes das membranas celulares e matriz extracelular. Consequente à cascata de seu efeito proteolítico, a peçonha acaba desencadeando a ativação do sistema complemento e, consequentemente, a migração de neutrófilos. A atividade lítica dessas en zimas e ainda as atividades citotóxicas de leucócitos ativados pelo complemento sobre tecidos adjacentes à lesão, com liberação de quimiocinas e indução da agregação plaquetária, promovem isquemia local que resulta em necrose seca, característica da peçonha loxoscélica. Há estudos que evidenciam que o acesso da peçonha à corrente sanguínea pode levar à formação de !rombos em vênu las de órgãos nobres, como pulmões, fígado e rins. Ainda, devido à ativação do sistema do complemento pela via alternativa, esta pode levar à lise de eritrócitos, cuja hemoglobina liberada pode vir a ocasionar lesão tubular renal.

4.2.2. Sinais clínicos e tratamento Os acidentes \oxoscélicos são geralmente indolores nas primeiras horas após a picada, cuja evolução pode se manifestar de duas formas, a fo rma cutânea e a forma cutâneo-visceral.

o paciente geralmente não se queixa de dor no local do acidente; porém após 4 a 6 horas surgem edema e eritema circunvizinho ao local. Entre 8 e 12 horas após o acidente, aparece a dor no local, com sensação de queimação. No local da picada, a área eritematosa se expande e apresenta uma característica de mesclas pálidas ao redor do tecido eritematoso, denominada de "placa marmórea". Entre 36 e 48 horas após a picada, é possível observar no local da inserção das presas a presença de conteúdo sero-hemorrágico e o início do processo necrótico, que avança pelo espaço circunvizinho (fasceíte necrosante). Aos 7 dias do acidente, a placa ne crótica se limita e pode se desprender do tecido, exibindo abaixo, lesão ulcerativa com aspecto muito semelhante a da leishmaniose cutânea. A cicatrização completa dependerá da extensão da lesão e da presença ou ausência de infecções secundárias na área acometida. Cerca de 98% dos casos de acidente com a aranha marrom evoluem para a forma cutânea.

Loxoscelismo cutâneo

Loxoscelismo cutâneo-visceral

Esta forma de evolução do acidente loxoscélico é pouco frequente e é considerada a mais grave. Sua sintomatologia já se inicia após 24 horas do acidente, havendo, além das alterações já citadas anteriormente, alterações sistêm icas sugestivas de hemólise, surgindo anemia, icterícia e hemoglobinúria que pode evoluir pa ra IRA. Devido ao surgimento sempre tardio da notificação do acidente por Loxosceles, o tratamento específico com soro antiaracnídeo acaba sendo ineficaz, sendo instaurado, geralmente, o tratamento sintomático. No entanto, quando verificados os sintomas moderados caracterizados pela dor intensa e inicio de sintomas sistêmicos, com febre, mal-estar, exantema e surgimento de petéquias, faz-se o uso de soro antiaracnídeo ou antiloxoscélico, empregando-se cinco ampolas do soro, por via IV, e, ainda, uso de anti-inflamatórios esteroides (prednisona) e analgésicos. A sintomatologia da forma cutâneo-visceral é referenciada como, além das acima destacadas, ocorrência de oligúria que pode evoluir para anúria (IRA), icterícia c alterações indicativas de hemólise. Nestes casos, considerados os mais graves do loxoscelismo, recomenda-se, além do uso de soroterapia específica (10 ampolas por via IV), anti-inflamatórios esteroidcs e, sobretudo, hidratação parenteral com correção de possíveis distúrbios eletroliticos

4.2.3. Prognóstico O prognóstico da forma cutâ nea é geralmente bom, podendo, muitas vezes, conforme o local e a extensão da área necrótica, haver comprometimento funcio nal. Já no caso da forma cutâneo-víscera\, caso a evolução da sintomatologia se agrave para hemólise intravascular e IRA, o prognóstico é sempre reservado.

4.3. Gênero Lactrodectus Aranhas do gênero Lactrodectus são popularmente conhecidas por viúvas-negras e, no caso das L. curacaviemis, por serem de

Toxinas de Animais Peçonlu:ntos

cor preta e vermelha, também são denominadas de "flamenguinhas", enquanto as aranhas das espécies L. geometricus são chamadas de "viúvas-marrons" São aranhas pequenas, sendo as fêmeas muito maiores que os machos e as principais responsáveis pelos acidentes que raramente ocorrem no Brasil. Alcançam cerca de I a 1,5 em e têm como característica da espécie o desenho de uma ampulheta na face ventral do abdome. Encontram-se distribuídas em todo o território nacional, principalmente nas faixas litorâneas do pais.

4.3.1. A peçonha A peçonha da Lactrodcctus é constituída por uma série de proteínas e peptídeos com atividade biológica, como hialuronidases, fosfodiesterases entre outras, sendo a a -latradoxina a porção mais tóxica da peçonha dessa aranha. Esta toxina possui atividade neurotóxica bastante potente, caracteri zada por atuar nas fibras sensitivas próximas ao local da picada e também em fibras pré-sinápticas, levando a um aumento do Ca' 1 intracelular na terminação nervosa e à liberação de neurotransmissores adrenérgicos e colinérgicos e também promovendo alterações nos canais de sódio e potássio.

4.3.2. Sinais clínicos e tratamento A dor é característica do acidente lactrodéctico, surgindo logo nos primeiros minutos após a picada. Os sintomas são: sudorese, dores musculares, hipertermia, abdome agudo, opistótono, ptose e edema palpebral, trismo dos masseteres e contratura facial, priapismo, hipertensão arterial, arritmias e taquicardias decorrentes das alterações nos níveis de sódio e potássio. O tratamento é sintomático conforme a classificação:

leve

Dor intensa no local da picada com edema circunvizinho, sudorese e parestesia de membros. O tratamento é feito com analgésicos e observação para possível evolução grave dos sintomas.

Moderado Além dos sintomas anteriores, dor abdominal, dores musculares, dificuldade em locomover-se e febre. O tratamento é especifico com soro antilatrodéctico (uma ampola por via intramuscular) e analgésicos. Grave

Todos os sintomas relatados anteriormente, adicionados das alterações cardíacas e hipertensivas, priapismo, contratura facial e trismo. O tratamento é feito com uso de soroterapia específica (I a 2 ampolas por via intramuscular) e ainda analgésicos e sedativos.

4.3.3. Prognóstico O prognóstico é geralmente bom, sendo raros os relatos de sintomatologia grave.

5.

ERUCISMO

Erucismo é o termo utilizado para acidentes causados por lagartas, que nada mais são do que a forma larva] de insetos da ordem Lepidoptera, ou seja, as borboletas e mariposas. Os principais gêneros de importãncia médica são a Premolis e a Lonomia, sendo os relatos de acidentes com estas últimas mais frequentes, principalmente no estado de Minas Gerais.

IB§ki:J·• • • •

Dependendo da região onde se encontram, as lagartas são popularmente conhecidas como: taturana, mandrová, orunga, ruga, lagarta-de-fogo entre outros nomes. As lagartas do gênero Louomia são caracterizadas por serem de coloração marrom-esverdeada, com listras longitudinais de tom marrom-escuro e amarelo-ocre, com cabeça de cor âmbar e espinhos ramificados e pontiagudos no formato de "pinheirinhos". São encontradas principalmente nas regiões sul e sudeste do pais, e os casos de intoxicação se acumulam nos períodos quen~ tes do ano, quando há abundância de vegetação decorrente do período das águas. As lagartas do gênero Louomia se alimentam de folhas e têm como hábito se agregar, ou seja, as lagartas quando em repouso, aglomeram-se umas às outras, fazendo com que ocorra a superexposição à peçonha quando do contato com estes animais. A peçonha é inoculada na pele da pessoa por meio dessas cerdas, podendo, dependendo da gravidade, causar alterações sistêmicas ou apenas efeitos locais.

5.1. A peçonha Os constituintes farmacológicos presentes na peçonha da Lonomia ainda não são totalmente conhecidos, no entanto estudos com a espécie Lonomia acheloJIS da Venezuela revelaram que o contato com a peçonha promove intensa ação fibrinoliti ca e, consequentemente, eventos de coagulação intravascular disseminada e quadros hemorrágicos decorrentes do esgotamento do fibrinogênio. Bioquimicamente, verificou-se que essa espécie de Lonomia apresentava peçonha com atividade tipo uroquinase, fator Xa -like, ativadora de plasminogênio.

5.2. Sinais clínicos e tratamento As manifestações clínicas podem ser apenas locais, sendo relatadas dor local, ~queimação" e a ocorrência de eritema e edema com formações de bolhas (raro); podem vir acompanhadas de prurido loca! ou não. Dependendo da extensão do contato, esses sintomas podem regredir no intervalo de 24 horas. Quanto às manifestações sistémicas, além da referida dor, o paciente queixa -se de cefaleia, apresenta mal-estar, náuseas e dor abdominal. As manifestações hemorrágicas estão presentes, sendo geralmente observadas gengivorragias, equimoses espontâneas ou por traumas, epistaxe; pode ocorrer hematúria, hematémese e hemoptise, que pode levar a um quadro de IRA, principal complicação por acidentes com Lonomia. Ainda, relata-se que alguns óbitos foram resultantes de hemorragias intracranianas. O tratamento é instaurado conforme quadro sintomático, sendo:

Leve Apenas manifestação dolorosa local, sendo realizados nestes casos a higienização do local, o uso de compressas frias ou geladas, a analgesia ou anestesia local e também o uso de anti-histamínicos devido ao prurido. Moderado Diagnosticados o acidente, o su rgimento de distúrbio na coagulação e as alterações no TC, com presença de sangramentos (gengivorragia), empregam-se 5 ampolas de soro específico antilonômico (SALon). Grave Ocorrendo complicações decorrentes das alterações de coagulação, alterações no TC, com sangramentos em vísceras (sinais clínicos), utilizar SALon, 10 ampolas, e tratamento sintomático e de suporte para evitar a evolução para IRA

••••+!il1•ili 6.

Parte 2

TOXICOLOG IA AMBIENTAL

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PARTE 3 TOXICOLOGIA OCUPACIONAL

3.1. MONITORAMENTO AMBIENTAL E BIOLÓGICO Henrique V Della Rosa Isarita Martins Maria Elisa Pereira Bastos de Siqueira Sérgio Colacioppo

CONTEÚDO DESTE CAPITULO I Introdução 2. Monitoramento ambiental 2.1. Introdução 2.2. A origem da doença provocada por um agente 2.3. 2.4. 2.5. 2.6. 2.7. 2.8. 2.9. 2.10.

2.11.

químico Limites de exposição ocupacional Níveldeaçâo

fndice de exposição Substâncias com efeitos aditivos A fixação de um Limite de Exposição Ocupacional (LEO) e adaptação a situações particulares A extrapolação de valores para a população brasileira Cronotoxicologia e ritmicidade biológica Hábito de fumar e limites de exposição ocupacional Frequência da monitorização

2.12. Comparação entre a avaliação ambiental e a avaliação biológica Monitoramento biológico 3.1. Aspectosgerais 3.2. Vantagens do MB 3.3. Desvantagens do MB 3.4. Vigilânciadasaúde 3.5. Indicadores biológicos 3.5.1. Indicadores biológicos de dose interna 3.5.2. Indicadores biológicos de efeito 3.5.3. Indicadores biológicos de suscetibilidade 3.6. Interpretação dos resultados do M B 3.6.1. limites biológicos de exposição 3.6.2. Valoresdereferência 3.7. Fatores independentes da exposição ocupacional que podem influenciar os indicadores biológicos 4. Bibliografia

3

••••+!ilfli 1.

Parte 3

TOXICOLOG IA OCUPACIONAL

INTRODUÇÃO

As alterações do estado de saúde relacionadas com o trabalho e o ambiente podem ser prevenidas por meio de medidas que incluem a subst ituição da substância nociva responsável pelo efeito tóxico. Entretanto, nem sempre é possível remover por completo a causa potencialmente responsável pelas alterações do estado de saúde. fundamental que se monitorizc a exposição mediante monitoramento ambiental (MA) e monitoramento biológico (MB). A utilização deste é particularmente recomendada para o controle de fatores de risco para os quais existem conhecimentos fundamentados em valores-limite e níveis de ação. Vale recordar nos conceitos os seguintes termos: •> Monitoramento - atividade sistemática, contínua ou repeti· tiva relacionada com o estado de saúde, finalizando, quando necessário, com a adoção de medidas corretivas; •> Monitorame11to ambiental - determinação, habitualmente ao nível da atmosfera do ambiente de trabalho, dos agentes presentes para avaliar o risco à saúde, comparando-se os resultados obtidos com as referências apropriadas; •> Monitoramento biológico - determinação dos agentes presentes no ambiente de trabalho e/ou dos seus metabólitos nos tecidos, nas secreções, no ar expirado dos indivíduos expostos, para avaliar a exposição e o risco à saúde, comparando-se os resultados obtidos com as referências apropriadas. Os parâmetros utilizados nesses estudos são definidos como "indicadores biológicos, bioindicadores ou, ainda, biomarcadores".

e

2.

MONIT ORAMENTO AMBIENTAL

2.1. Introdução A Higiene Ocupacional, ciência e arte, é devotada ao reconhecimento, à avaliação e ao controle dos riscos ocupacionais e do estresse, originados no local de trabalho, que podem causar doença, comprometimento da saúde e do bem-estar, ou significante desconforto entre os trabalhadores ou membros de uma comunidade. Por tal definição, observa-se que a Higiene Ocupacional é uma ciência muito ampla, quando se considera que temos uma grande dive rsidade de riscos presentes em um local de trabalho. Os agentes químicos representam a maioria dos riscos usualmente encontrados, tanto pela frequência de uso quanto pela diversidade de substâncias. Hoje, conhecemos mais de 70 milhões de substâncias químicas diferentes, das quais cerca de 300.000 possuem utilização industrial. Além dos agentes químicos, a Higiene Ocupacional lida com os agentes físicos, como o ruído que afeta grande número de trabalhadores, calor, radiações ionizantes, além de outros agentes, como os mecânicos (p. ex., esforço físico) e os biológicos (p. ex., microrganismos). A Higiene Ocupacional lida ainda com os efeitos combinados de diferentes estressores, como exposição simultânea a solventes, ruído ou o trabalho em turnos em diferentes horas do dia e da noite. Entre as diversas atividades da Higiene Ocupacional, há um importante capítulo de íntimo relacionamento com a Toxicologia Ocupacional que trata das substâncias químicas, agentes químicos ou simplesmente xenobióticos presentes em um processo pro· dutivo e que podem oferecer risco à saúde do trabalhador.

O monitoramento da exposição ocupacional é parte integrante e fundamental dos programas destinados à prevenção dos riscos à saúde do trabalhador, sendo preconizada c exigida pela Norma Regulamentadora n. 9, do Ministério do Trabalho, que estabelece os princípios básicos para a avaliação e o moni toramento da exposição ocupacional a agentes químicos, físi cos e biológicos. Não se trata de uma atividade isolada e deve estar adequadamente articulada com as outras formas de monitoramento, conforme o esquema abaixo:

Monitoramento ambiental

[ ooseinlerna ]~[

Moniloramentobiológico

l}

~~ Moniloramenlobiológicoedeefeilos O monitoramento da exposição ocupacional a agentes químicos, denominado simplesmente monitoramento ambie ntal {MA), diferencia-se do biológico por ocupar-se do xenobiótico fora do organismo. Não deve, contudo, ser confundido com o monitoramento do ambiente geral, como o ar de uma comunidade. No presente capítulo, trata-se da exposição ocupacional, ou seja, decorrente de uma atividade profissional. O monitoramento biológico pode avaliar todos os trabalhadores expostos, uma vez que o efeito ou mesmo a doença não ~desaparece" rapidamente. No entanto, a exposição que originou os efeitos ou a doença não mais existe no momento em que se detecta alguma alteração no monitoramento biológico. Assim, o monitoramento ambiental deve ser realizado sistematicamente, ao longo do tempo. Pode-se desejar ter o registro de todas as exposições passadas. Contudo, isso significa avaliar a exposição de todos ostrabalhadores, durante toda a jornada de trabalho, enquanto a empresa existir. Além da impossibilidade prática e econõmica de tais medidas, a enorme quantidade de dados assim gerados teria um valor discutível, pois haveria com certeza uma repetição enfadonha de valores semelhantes Da mesma forma que em uma fábrica de fósforos não se testam todos os palitos, mas apenas uma alíquota baseada em critérios estatísticos de amostragem, procedimentos semelhantes são aplicados à Higiene Ocupacional. Nela, avaliam-se apenas alguns trabalhadores durante o tempo suficiente para que se estime a exposição com uma confiança predeterminada. Uma vez que o MA se baseia em amostragem obtida no tempo e no espaço, não é absoluto e, embora seja possível fazer uma estimativa bastante próxima da realidade, é impossível afirmar que todos os trabalhadores estão nas mesmas condições de exposição durante todo o tempo. Assim, o monitoramento biológico e a vigilância da saúde, realizados em todos os trabalhadores, são fundame ntais para a mais completa proteção da saúde.

2.2. A origem da doença provocada por um agente químico Uma doença ocupacional provocada por um agente químico pode ter início a partir do momento em que há aproximação ou

Motritorametrto Ambiemal e Biológico

contato do trabalhador com o agente. Contudo, apenas isso não é suficiente, deve haver também a possibilidade de agressão à pele ou de penetração, absorção e chegada aos sítios de ação na qualidade, quantidade e tempo suficientes para que se produza o efeito. Tão importante quanto a toxicidade de uma substãncia química é o risco por ela oferecido. Toxicidade é a capacidade de uma substãncia produzir um efeito quando no sítio de ação. Risco é a capacidade, ou probabilidade, de a substãncia sair de onde se encontra, penetrar no organismo e atingir o sítio de ação numa concentração suficiente para produzir um efeito. Mesmo tratando-se de uma substância de elevada toxicidade, pode apresentar pequeno risco, como no caso do ozônio, que é instáveL Contudo, uma substância de toxicidadc moderada pode oferecer risco elevado, como no caso do gás cianidrico, que atinge, com facilidade, os sítios de ação em quantidades muito superiores às doses minimas e frequentemente leva ao óbito. Exposição ocupacional a um agente químico é a situação decorrente de uma atividade profissional em que o trabalhador tem contato com um agente químico de forma tal que há possibilidade de produção de efeitos sobre a superfície do organismo (pele e mucosas). Desse contato, pode resultar uma ação tóxica local, ou de penetração e absorção, com a produção de efeitos sistêmicos de curto, médio ou longo prazo A forma de manuseio da substância c as condições de trabalho e ambientais são determinantes da exposição ocupacionaL Assim, devem-se considerar todos os fatores intervenientes quando da avaliação ou monitoramento ambiental, como: •> atividades, tarefas ou funções exercidas pelos trabalhadores; I? área ou local de trabalho; •> número de trabalhadores presentes c possivelmente expostos; •> movimentação dos trabalhadores pelo(s) local{is) de trabalho; •> movimentação dos materiais (fontes de gases, vapores, poeiras etc.); •> condições de ventilação ou movimentação do ar, da temperatura e da pressão atmosférica; •> ritmo de produção; •> outros agentes químicos ou físicos possivelmente presentes que possam interferir nas avaliações ou na exposição. Com as informações citadas, passa-se à fase seguinte, na qual se estabelece a estratégia de amostragem, definindo: equipamentos a serem utilizados na coleta e análise da substância. Podem-se utilizar equipamentos de coleta de curta ou longa duração, um método qualitativo simples como a gravimetria ou análises laboratoriais qualitativas e quantitativas muito sensíveis, mas complexas e caras; •> pessoal para coleta e acompanhamento. f fundamental o acompanhamento para interpretar adequadamente os resultados; •> critérios estatísticos para dividir grupos homogêneos em relação ao risco, amostrando número adequado de trabalhadores; I? número de amostras a serem coletadas em cada trabalhador ou ponto fixo e tempo de coleta de cada uma. O tempo de coleta depende do método analítico, da substância, da toxicidade, do tipo de limite de exposição ocupacional existente c do processo produtivo, entre outros fatores.

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Tanto os fatores intervenientes na exposição ocupacional quanto a estratégia de amostragem devem ser adequadamente estudados c registrados de forma a haver possibilidade de reproduzir as avaliações no futuro, pois, de acordo com os preceitos de monitoramento, deve-se criar uma série histórica de dados que reflita a exposição ocupacional dos trabalhadores durante todo o período de existência de uma empresa e os dados devem ser comparáveis ao longo do tempo e dentro de um programa de MA. Uma vez coletadas e analisadas as amostras, os resultados devem ser comparados com os Limites de Exposição Ocupacional. Para tanto, deve-se conhecer um pouco desse importante tema que envolve a Higiene e a Toxicologia Ocupacionais.

2.3. Limites de exposição ocupacional A legislação brasileira preconiza os Limites de Tolerância, que constam da Portaria Ministerial 3.214, do Ministério do Trabalho e Previdência, de dezembro de 1978. A Norma Regulamentadora n. 15 (NR-15), anexo 11, fixa as substâncias cuja insalubridade é caracterizada por Limites de Tolerância e fornece uma tabela de valores que, se ultrapassados, caracterizam a insalubridade, um adicional ao salário do trabalhador exposto e correspondente a 10, 20 ou 40% do salário-mínimo. Esse adicional não visa necessariamente proteger sua saúde, embora a norma, em seu início, cita que o Limite de Tolerância refere-se à proteção da saóde do trabalhador durante sua vida laboral. A NR-15 basicamente utilizou os limites da American Conferencc of Governmental Industrial Hygienists (ACGIH) dos Estados Unidos, de 1977, com uma discutível redução proporcional de todos os valores a 78% como forma de adaptação de 40 para 48 horas semanais de exposição. Desde sua criação em 1978, pouquíssimas atualizações foram feitas, apresentando, assim, pouco valor do ponto de vista técnico. Entre as referências est rangeiras mais atualizadas, atualmente a melhor alternativa são os Threshold Limit Values (TLV), editados anualmente pela ACGIH, uma entidade que congrega especialistas em Higiene e Toxicologia Ocupacionais. Não sendo um órgão do governo, sofre menos com as pressões político-sociais e publica anualmente sua lista de T LV para agentes químicos e físicos, considerando as melhores informações científicas disponíveis mundialmente. A Associação Brasileira de Higienistas Ocupacionais (ABHO) traduz e edita anualmente o livreto dos TLV e distribui pelo Brasil e por outros países de língua portuguesa. Para os agentes químicos, os TLV referem-se a concentrações de substâncias químicas dispersas no ar e representam condições sob as quais se supõe que quase todos os trabalhadores possam estar expostos dia após dia sem efeitos adversos à saúde. Observa-se que os TLV: •> referem-se a substâncias dispersas no ar, e não a líquidos ou sólidos; •> nào há garantia absoluta, pois se supõe; •> trata-se de quase todos os trabalhadores. Os mais sensíveis ou hipersuscctiveis não estão protegidos; referem.se a trabalhadores, ou seja, indivíduos adultos e com condição de saúde compatível com o trabalho, excluindo-se, portanto, idosos, crianças, doentes, entre outros;

•>

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Parte 3 TOXICOLOG IA OCUPACIONAL

•> embora se possa cogitar alguma possível diferença de sen sibilidade ou resistência entre homens e mulheres, os TLV não fazem distinção quanto ao gênero; •> no caso da mulher grávida, são aplicados à mulhe r, e não à criança ou ao feto, que não estão "protegidosn pelos TLV. Dependendo do tipo de efeito e da toxicidade da substância, os TLV podem ser:

TLV-TWA (Time Weighted Average- Média Ponderada pelo Tempo) Aplicado às substâncias que produzem efeito a médio e longo prazo, a maioria, podendo a exposição ser ligeiramente acima do TLV por um curto período, com o correspondente período abaixo, e, na média, o limite deve ser obedecido. Curtos períodos um pouco acima do limite não oferecem risco de aparecimento de efeitos, como no exemplo: TLV-TWA do benzeno = 0,5 ppm; TLV-TWA do chumbo = 0,05 mg/m 3•

TLV-STEL (Short Term Exposure Limit- Limites de Exposição de Curto Período) Referem-se a concentrações a que os trabalhadores podem estar expostos continuamente por um curto período, sem sofrerem: I) irritação; 2) lesão tecidual crônica ou irreversível; 3) narcose que comprometa a segurança. Complemento do TLV-TWA, não o substitui e não deve ser ultrapassado. Pode ser atingido por 15 minutos, 4 vezes ao dia, com intervalos de 60 minutos. Para algumas substâncias, existem TLV-STEL específicos e indicados na tabela na coluna respectiva. Grande número de substâncias, porém, não possuem T LV-STEL definido na tabela. Para estas, utiliza-se uma regra geral de variação de até 3 vezes o TLV-TWA. Por exemplo: benzeno= 2,5 ppm (valor indicado na tabela); chumbo = 0,15 mg/m 3 (não possui TLV-STEL definido, portanto utiliza-se o TLV-TWA de 0,05 multiplicado por 3).

TLV-C {Ceiling - Teto)

No caso específico de operações de solda, constata-se que o nível de ação é de 0,15, ou seja, são considerados expostos todos os soldadores com resultados acima de 15% do LEO, pois há grande variabilidade nas exposições.

2.5. lndice de exposição Para cada substância, existem um LEO específico e centenas de substâncias presentes nos locais de trabalho, sendo difícil, apenas observando os valores encontrados, avaliar se a concentração encontrada é excessiva ou não. Por exemplo, em um ambiente, encontram-se dois éteres com concentrações diferentes, éter etílico= 180 ppm e éter fenílico = 5 ppm. Aparentemente, o éter fení lico encontra-se em concentração mais baixa, oferecendo, portanto, menor risco. Porém, ao se considerar os respectivos Li mites de Ex posição Ocupacional, a situação torna-se inversa, pois o limite para o primeiro é de 400 ppm e para o segundo, de apenas I ppm. Para melhor entendimento e apresentação dos resultados, é frequente a utilização do fndice de Exposição (I E). Na avaliação de um agente qui mico isolado, o !E é definido como a razão entre o resultado obtido e o correspondente LEO. Assim, o índice de exposição facilita a interpretação dos resultados quando não se tem em mente todos os limites envolvidos e, na prática, representa a porcentagem que determinado resultado está em relação ao respectivo limite de exposição. No exemplo apresentado: !E para o éter etílico= 180/400 = 0,45, abaixo do NA (metade do limite). !E para o éter fenílico = 5/ I = 5 (5 vezes o limite).

2 .6. Substâncias com efeitos aditivos Diversas substâncias têm seus respectivos limites estabelecidos em função dos mesmos efeitos sobre o organismo que podem ser adicionados, por exemplo:

Substâncias de elevada toxicidade ou risco que produzam efeitos a curto prazo, possuem teto-limite, ou seja, a concentração não pode ser ultrapassada em momento algum da jornada de trabalho. Por exemplo: TLV-C do acetaldeído = 25 ppm; T LV-C da acroleína = O, I ppm.

•> irritantes do tipo ácidos e aldeídos, dióxido de enxofre e

2.4. Nível de ação

•> febre dos fumos - óxido de diversos metais e de plásticos; •> depressores do sistema nervoso central - hidrocarbonetos

cloro;

•> ação sobre os pulmões - fumos metálicos de ferro, manganês e cobre originados em operações de solda;

O nível de ação (NA), do ponto de vista técnico e conforme definido na legislação brasileira, deve ser considerado o nível de concentração ambiental, representativo da zona respiratória de um trabalhador, a partir do qual é identificado exposto ao agente químico em questão. No NA, ações de Monitoramento do Ambiente de Trabalho, Monitoramento Biológico e de Vigilância da Saúde devem ser iniciadas, conforme a legislação brasileira(NR9e7). De forma geral, esse nível é, por convenção, 50% do Limite de Exposição Ocupacional (LEO). Porém, em trabalhos mais aprofundados, a partir de avaliações ambie ntais completas, pode ser calculado experimentalmente e é função do desvio-padrão geométrico das concentrações, ou seja, quanto mais variável for a exposição ambiental, menor será o NA Ao se encontrar um valor acima do NA em uma avaliação, há probabilidade de, pelo menos, 5% dos valores reais estarem acima do próprio LEO em um dia não avaliado.

aromáticos, álcoois, éteres e diversos outros solventes orgânicos. Embora a presença de substâncias com efeitos aditivos seja comum, este fato não é considerado na legislação brasileira. Contudo, não é tecnicamente correta a simples comparação direta da concentração de cada substância apenas com o respectivo limite de exposição. Nesses casos, deve-se considerar a exposição de forma global a todos os componentes, que pode ser estimada por intermédio do !E calculado como somatório dos índices de exposição de cada substância, a partir da seguinte fórmula: !E = CII LI+ C2/ L2 + ... + Cn I Ln Onde: !E= índice de exposição C = concentração medida do componente L= limite de exposição do componente

MotritoramentoAmbielllaieBiológico

Quando o índice de exposição (individual ou somatório) for superior a 0,5, tem-se uma exposição acima do nível de ação e consideram-se os trabalhadores expostos, conforme indicado anteriormente. Se superior a I, há exposição excessiva etc.

2.7. A fixação de um Limite de Exposição Ocupacional (LEO) e ada ptação a sit uações particula res Os LEO têm sido estabelecidos como guias de orientação, com base nas estimativas de exposições ocupacionais. Tanto a fixação dos limites quanto as estimativas da exposição em que estes têm se baseado são estimativas que, na maioria das vezes, não permitem estabelecer uma correlação dose-efeito e dose-resposta adequada. Isso equivale a dizer que os limites têm sido estabelecidos segundo um critério mais especulativo e político-social do que técnico e científico, conforme afirmou Torkelson em 1983, mas, até hoje, poucas alterações ocorreram. Esse fato nos leva a admitir que, por exemplo, um LEO de 100 ppm não significa exatamente 100 ppm, mas algo entre 90 e 110 ppm ou mesmo um intervalo ainda maior. Assim, 100 seria o valor central de uma faixa da qual não se sabe exatamente a amplitude. Essa linha de pensamento induz a crença de que os valores estimados como LEO possuem uma faixa de variação suficientemente ampla para englobar pequenas variações que podem ser observadas no organismo humano, como gênero, raça e idade, ou ainda fatores relativos ao ambiente ou à ocupação, como clima, organização do trabalho, turnos de trabalho e duração das jornadas, ou seja, essas variações podem ser relativamente pequenas c mascaradas pelas incertezas que se têm na fixação do LEO. Com o avanço das pesquisas, a Higiene Ocupacional, cada vez mais técnica e científica, gradualmente pode fornecer estimativas mais precisas da exposição real dos trabalhadores. Essa situação tem se modificado ao longo dos anos e os LEO têm se atualizado sistematicamente, com base em observações de alterações da saúde cada vez mais precoces, com tendência geral de redução dos valores e raras exceções de aumento. Embora lentamente, caminha-se para uma d iminuição da amplitude de va riação ou da faixa de variação do LEO, aumentando gradativamente sua precisão e exatidão, não chegando a uma concentração única, precisa e exata, mas tendendo a isso. Assim, as incertezas oriundas de avaliações inadequadas ou incompletas vão desaparecendo e o LEO se aproximando mais de um valor exato e preciso. Paralelamente, com o desenvolvimento do conhecimento da cronotoxicologia e as modificações nas jornadas de trabalho que originam exposições não usuais, ou seja, diferentes das 8 horas diárias e 40 horas semanais, cada vez mais se observa a influência desses fatores no efeito observado em exposições a concentrações próximas ao LEO. A adaptação dos LEO às jornadas não usuais tem sido estudada há algum tempo, sendo o trabalho clássico de Brief e Scala em 1975 um dos primeiros a considerar a extensão da jornada de trabalho como determinante para a redução proporcional do LEO, com uma fórmula relativamente simples para cálculo do fator de redução f:

f = fj_ h

X

IElfi!J····

24 -h 16

Onde: h é o número de horas da jornada e poderia ser aplicado a um LEO média ponderada pelo tempo ou teto, com exceção dos agentes que produzem irritação apenas. Na Portaria Ministerial n. 3.214, de 1978, em sua Norma Regulamentadora n. 15, anexo li, tem-se uma ed ição reduzida e simplificada dos TLV de 1977, apresentando Limites de Tolerância apenas para substâncias que na época possuíam tubos indicadores (colorimétricos) para avaliação instantânea e redução dos valores com um fator de 0,78, que teria sido calculado em virtude da diferença na Jornada de 40 para 48 horas semanais. A partir desse estudo pioneiro de Brief eScala, diversos outros trabalhos tém sido realizados no sentido de completar ou melhorar a adaptação, introduzindo conceitos como a meia-vida biológica da substância envolvida. Um aprofundamento nesse assunto e considerações mais detalhadas sobre a proteção oferecida pelos TLV atuais podem ser observados em diversos trabalhos.

2.8. A extrapolação de valores para a população brasileira Além das dificuldades das pesquisas em laboratório com an imais, na expectativa de reproduzir todas as condições enfrentadas por um trabalhador, a extrapolação dos resultados para o homem, mesmo com auxílio da epidemiologia c da estatística, ainda é bastante difícil. Pode haver variações em função das condições de vida, levando a crer na necessidade de criação de LEO genuinamente brasilei ros e, ainda mais, regionais, pois seria lícito aceitar que um valor único não possa ser aplicado da mesma forma no norte e no sul do país. Contudo, a realidade brasileira é rica em contrastes, pois é possível encontrar um trabalhador que execute trabalho braçal, possivelmente classificado como um dos mais agressivos à saúde ou até como escravo, bem como trabalhadores extremamente qualificados, atuando em indústrias sofisticadas com características de primeiro mundo, com salários e nível socioeconômico bastante elevados. Assim, para os trabalhadores do primeiro grupo, a Higiene Ocupacional ou mesmo a Segurança do Trabalho é menos prioritária, pois assuntos como alimentação, segurança pública ou saneamento básico se tornam fundamentais para que a sobrevivência e a continuação do trabalho. Para esse grupo, apenas uma atuação básica da equipe de Saúde do Trabalhador e ações de Higiene e Toxicologia Ocupacional que aproximem a exposição ocupacional dos LEO já serão de grande valia. Para os trabalhadores do segundo grupo, a adaptação do LEOa uma condição de trabalho nào usual e o conhecimento da cronotoxicologia são fatores importantíssimos para reduzir o risco do aparecimento de uma doença ocupacional

2.9. Cronotoxicologia e ritm icidade biológica O conceito de homeostase que prevalece em Biologia infere que as funções fisiológicas e bioquímicas sejam relativamente constantes ao longo das 24 horas do dia ou mesmo em outros

••••+1!1411

Parte 3

TOXICOLOG IA OCUPACIONAL

períodos, como mês ou ano. Essa definição derivou de pesquisa realizada por Claude Bernard, na França, e \Valter Cannon, nos Estados Unidos, no final do século XIX e início do século XX. Porém, naquela época, a pesquisa humana era conduzida num simples horário do dia, geralmente durante o dia, e não à noite, e raramente os estudos eram feitos em horários adicionais durante as 24 horas ou, intencionalmente, durante vários horários diferen tes, com o intuito de acessar as possíveis variações temporais em organismos vivos. Os métodos de pesquisa utilizados na época também eram precários. Por exemplo, eram necessárias grandes quantidades de sangue para a realização de análises laboratoriais, como nas de glicose no soro, para as quais era preciso aproximadamente um litro de sangue. Além disso, não existia tecnologia para avaliar funções biológicas selecionadas, em animais de laboratório ou em humanos, continuadamente por 24 horas ou mais, bem como computadores e softwares que fizessem sofisticadas análises estatísticas de séries temporais e de ritmos. Hoje, a situação é muito diferente. A tecnologia atual permite a coleta de dados com grande número de variáveis biológicas em animais de laboratórios e seres humanos durante 24 horas, e os modernos métodos analíticos requerem somente quantidades diminutas de sangue, urina, saliva ou tecidos. Os resultados de numerosas, na realidade milhares, investigações cronobiológicas (do ritmo biológico) revelam que o conceito de homeostase está incompleto. Os mecanismos homeostáticos são responsáveis pela regulação de distürbios momentâneos nas funções biológicas, ao passo que os ritmos e relógios biológicos que nos di rigem preparam o organismo previamente para a realização das necessi dades previsíveis no tempo, relativas ao ambiente externo. Entre essas, o padrão de 24 horas, que influencia as atividades e o trabalho durante o dia e o sono à noite; a reprodução, com referência ao ciclo menstrual de mulheres jovens; c as mudanças climáticas durante as estações do ano que interferem na nutrição ao longo do ano. Atualmente, os cientistas estão cientes de que as funções biológicas têm uma organização temporal definida - isto é, uma estrutura no tempo - que influencia cada aspecto da vida, inclu indo a resposta das pessoas às substâncias potencialmente nocivas encontradas no ambiente de trabalho, um assunto fun damental para a Higiene e a Toxicologia Ocupacionais. A importância dos ritmos na Medicina Clínica está sendo cada vez mais considerada. Os ritmos circadianos frequentemente determinam quando os sintomas de uma condição patológica emergem e a resposta dos pacientes aos testes de diagnóstico e às med icações, de acordo com a hora do d ia, o período do ciclo menstrual e a época do ano A estrutura do tempo biológico do organismo afeta a capacidade de trabalhadores em turnos de se adaptarem ao horário noturno e pode ter um papel importante na suscetibilidade e resistência dos trabalhadores a contaminantes potencialmente nocivos no ambiente de trabalho. Essa é uma questão importante e que geralmente não é muito considerada quando se estabelecem padrões de exposição do ambiente de trabalho. Em muitas indústrias, o tradicional turno de 8 horas tem sido substituído por turnos estendidos com duração de 10 ou 12 horas e, em alguns casos, até de 24 horas.

Uma vez que os Limites de Exposição Ocupacional do ponto de vista técnico e legal são usados pela Higiene e pela Toxicologia Ocupacionais para assegurar segurança na exposição a agentes químicos, os horários de turnos de trabalho estendidos deveriam também ser considerados. Entretanto, o ajustamento desses valores com base somente no aumento da duração da jornada de trabalho além das 8 horas pode não ser suficientemente protetor. O aumento da duração da jornada de trabalho assim como o trabalho noturno possibilitam exposições a substâncias potencialmente perigosas em horários do ciclo circadiano diferentes do usual, quando a capacidade de biotrans formação e de excreção de um xenobiótico pode estar reduzida, aumentando a possibilidade de aparecimento de efeito. A ritmicidade biológica influencia a resposta dos trabalhadores aos vários tipos de substâncias químicas em função do tempo biológico em que ocorrem as exposições. Uma revisão desse assunto e as caracte rísticas dos ritmos e relógios biológicos e da estrutura do tempo biológico, bem como os conceitos de cronofarmacologia (ritmo-dependência da cinética e dos efeitos de medicação e outras substâncias químicas), cronoto· xicidade (ritmo-dependência da suscetibilidade e resistência a agentes químicos, físicos e biológicos) e o relacionamento com a prática da Higiene e da Toxicologia Ocupacionais, podem ser encontrados em Colacioppo e Smolensky, 2003.

2 ,10. Hábito de fumar e limites de exposição ocupacional O tabagismo é também um problema de Higiene e Toxicologia Ocupacionais, pois, apesar de proibido em locais de trabalho, é possível ainda haver "fumante passivo» ou, ainda, o próprio fumante reclamar de alguma contaminação química de seu local de trabalho. Tabela 1. Concentrações em ppm encontradas em fumaça de cigarro e os limites de exposição ocupacional da ACGIH e da NR-15. Substanc1a

co,

Fumaça de um c1a;arro

TLV

NR 15

92.000

5.000

3.900

42.000

25

31.000

18%02

30

0,3C

3.200 150

25C 200

1.100

200

300

25

250

0,2

1.600

78

c

0,1

700

40

39

~ 1~

10 4,7

c

Umit Values; NR-15, Norma Regulamentadora n. 15; C. Ceiling; T, Teto.

Como se observa pela enorme diferença dos valores, é fácil concluir que o trabalhador simplesmente ~apaga" todos os es-

Motritoramento Ambiemal e Biológico

forços do monitoramento ambiental e biológico da equipe de saúde quando acende um cigarro.

2.11. Frequência da monitorização De acordo com os resultados obtidos na avaliação ambiental e dentro de um Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), são recomendadas novas avaliações com periodicidade bienal em todos os setores ou atividades com valores abaixo do nível de ação. Quando há concentrações entre o nível de ação e o LEO, recomenda-se uma frcquência semestral ou anual, dependendo da toxicidade do agente químico envolvido e da variabilidade encontrada nos resultados. Dessa forma, pode-se ter uma série histórica de dados da exposição ocupacional, que permitirá introduzir medidas de controle sempre que necessárias e, no futuro, estabelecer ou refutar o nexo causal entre trabalho e agravos à saúde dos trabalhadores Nas situações com resultados acima do nível de ação e principalmente sobre o LEO, recomenda-se uma reavaliação somente após a implantação de medidas de controle. Esses resultados fornecerão dados para estimar a periodicidade ideal, a fi m de se obter um controle ambiental adequado desses locais de trabalho. As frequê ncias de avaliação anteriormente descritas podem variar, ainda, de acordo com a toxicidade de uma substância e das condições de trabalho. Por exemplo, o cloro liquefeito em uma estação de tratamento de água, deve ter avaliação instantânea e contínua, 24 horas por dia, pois um pequeno vazamento pode significar a morte de um operador, não havendo tempo para coleta de amostras, análises ou cálculos. Em outro exemplo, num local de trabalho confinado com um sistema de ventilação não muito confiável, a avaliação deve ser mais frequente do que em outro, usando os mesmos processos e substâncias, porém mais aberto e com ventilação mais confiável. Independentemente do controle periódico, novas avaliações devem ser realizadas sempre que surja algum fator interveniente na exposição, como mudança de processo, rotina de trabalho, matéria-prima, fornecedores, equipamentos, entre outros.

2.12. Comparação entre a avaliação ambiental e a avaliação biológica Concluída a avaliação ambiental, os resultados devem ser discutidos e, antes de divulgados, é conveniente compará-los com a avaliação biológica. Deve-se observar que não se trata de estabelecer uma correlação dose-efeito ou dose-resposta, já que isso é feito em institutos de pesquisa c se sabe que, para uma dada substância, ao se aumentar a exposição ocupacional, elevam -se os efeitos individuais e a resposta da população. Na prática, deve-se verificar se há casos de aumento de sinais e sintomas ou dos níveis dos indicadores e procurar explicá-los pela avaliação ambiental, da exposição via cutânea, do modo de operação característico de um dado trabalhador ou mesmo da exposição extraprofissional. A avaliação ambiental e a biológica podem ser contemporâneas, não havendo, porém, necessidade de serem simultâneas, ou

+Efilll···

seja, realizadas no mesmo dia. Se a avaliação ambiental é feita de forma correta, representará qualquer dia ou semana do ano, inclusive nos dias em que a avaliação biológica tenha sido feita A avaliação ambiental é realizada por amostragem, necessitando da avaliação biológica para complementar a vigilância da saúde do trabalhador, pois alguma particularidade em seu trabalho que possa aumentar ou diminuir sua exposição pode não ser detectada na avaliação ambiental Deve-se considerar ainda que a avaliação biológica refere-se à exposição pretérita, horas, dias ou semanas, dependendo do agente, e a ambiental, basicamente à exposição ocupacional no dia em que foi feita, podendo ser extrapolada para os demais dias de exposição dependendo de se ter contornado todos os fatores intervenientes na exposição, indicados no Item 2.2. Outro fato a ser considerado é que a avaliação ambiental limita-se à penetração da substância via respiratória e, como se sabe, é possível haver penetração por outras vias para algumas substâ ncias. Finalmente, têm-se as diferenças individuais quanto ao metabolismo, à fisiologia ou mesmo a algum estado patológico particular do trabalhador. Essas variáveis somente podem ser avaliadas e contornadas com um exame médico periódico sem amostragem, ou seja, de todos os expostos.

3.

MONITORAMENTO BIOLÚGICO

3.1. Aspectos gerais A Toxicologia Ocupacional estuda os efeitos nocivos, sobre o homem, das substâncias químicas utilizadas ou produzidas em processos industriais. Seu principal objetivo é a prevenção das alterações da saúde dos trabalhadores expostos a essas substâncias, o qual nào pode ser atingido se os níveis de exposição são mantidos em valores que possam constituir-se em risco inaceitável para a saúde ou a vida. Pa ra assumir que um risco seja aceitável, deve-se identificá-lo, quantificá-lo. Assim, a presença de substâncias potencial mente tóxicas no ambiente de trabalho impõe que a exposição à qual os trabalhadores estão sujeitos seja sistematicamente avaliada. As alterações do estado de saúde que podem originar formas clinicamente muito importantes das doenças relacionadas ao trabalho reconhecem causas precisas da sua etiologia. Tais alterações podem ser prevenidas por medidas que incluem a substituição da substância nociva responsável pelo efeito tóxico. Todavia, nem sempre é possível remover a causa potencialmente responsável pelas alterações e, dessa maneira, é necessário reduzir a exposição à substância. Ao mesmo tempo, é fundamental que se avalie a exposição por meio do monitoramento biológico, além do monitoramento ambiental. A correlação entre a exposição e a resposta apresentada pelos trabalhadores expostos aos toxicantes, no ambiente de trabalho é demo nstrada na Figura I. Há ainda que se considerar a relação concentração-resposta hormética, cuja ocorrência tem sido documentada por vârios modelos biológicos e para diversos tipos de exposição, entre elas a ocupacional. Os efeitos em múltiplos pontos de uma curva podem ser interpretados como maléficos ou benéficos, dependendo do contexto biológico em que ocorram. A hormese parece ser um fenômeno relativamente comum, mas ainda não foi incorporado em práticas regulatórias.

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Parte 3 TOXICOLOG IA OCUPACIONAL

Intensidade da

resposta

I 11 Adequada Aceitável

111

IV

Excessiva

Perirosa

Letal

IBMP lT

Figura 1.

Intensidade da exposição

Correlação exposição/absorção/efeito nocivo.

O Monitoramento Biológico (MB) consiste na determinação dos agentes presentes no ambiente de trabalho e/ou seus produtos de biotransformação nos tecidos, nas secreções, no ar expirado dos indivíduos expostos. Tais determinações são definidas como indicadores biológicos ou bioindicadores c visam avaliar a exposição e o risco à saúde dos trabalhadores, compa-

nação da concentração ambiental conduzirá a uma subestimação da exposição, mais corretamente avaliada através da determinação nos fluidos biológicos; (ii) a determinação do chumbo no ar do ambiente de trabalho constitui uma subestimação da real exposição toda vez que não se leva em consideração que este metal pode contami nar a mão dos trabalhadores, podendo ser inalado com o fumo do cigarro. Contudo, toda vez que existe uma correlação entre níveis ambientais de uma substância e a quantidade dessa substâ ncia absorvida por qualquer via de absorção possível, a única determinação da concentração ambiental da substância pode não expressar a exposição Dessa forma, depende não apenas dos diversos comportamentos pessoais dos indivíduos, como também de sua higiene pessoal e das diferenças que cada um pode apresentar quanto à capacidade de absorção, das variações ligadas à atividade física e daquelas ligadas ao sexo, à idade e às características genéticas. Em razão da capacidade de exprimir a absorção, indepen dentemente da via através da qual se verifica, o MB oferece a vantagem de poder explorar a eficiência das medidas de proteção pessoa l, como máscaras c luvas. Finalmente, o MB leva em conta a exposição total ao xenobiótico, que pode se encontrar no ambiente de trabalho ou de vida, além de ser a expressão dos hábitos pessoais e alimentares. O que não é possível exprimir por meio ape nas da determinação dos níveis ambientais da substância.

rando-se os resultados obtidos com referências apropriadas que, no Brasil, são definidos como Valor de Referência (VR) e fndice Biológico Máximo Permitido (IBMP). O MB é uma ferramenta fundamental na avaliação do risco na exposição ocupacional às substâncias químicas. A vigilância da saúde do trabalhador deve ser considerada separadamente do biomonitoramento, uma vez que seu objeti vo é identificar alterações do estado de saúde na fase pré-clínica, e não as alterações biológicas precoces. O monitoramento ambiental e biológico, bem como a vigilância da saúde, são atividades complementares destinadas a um único objetivo: a prevenção de doenças produzidas pela exposição ocupacional a agentes químicos. Pela aplicação regular desses procedimentos, podem-se conseguir informações acercadasseguintesrelações: •> entre a exposição externa e a concentração da substância nas amostras biológicas; •> entre a concentração da substância nas amostras biológicas e os efeitos, com as alterações do estado de saúde.

3.2. Vantagens do MB A prática do MB oferece diversas vantagens em relação ao MA na avaliação da dose e do risco à saúde. A principal vantagem consiste no fato de que os parâmetros medidos, os indicadores biológicos, estão mais diretamente associados com os efeitos nocivos à saúde e oferecem melhor estimativa do risco para a saúde em relação aos parâmetros estudados por meio da prática do monitoramento ambiental. O MB considera a quantidade do xenobiótico absorvida não apenas pela via respiratória, mas também pela pele e via gastrintestinal. Por exemplo: (i) a dimetilformamida é absorvida principalmente através da pele - dessa forma, a determi-

3.3. Desvantagens do MB São diversos os fatores que limitam a prática do MB. Um deles é re presentado pela existência de um número relativamente limitado de indicadores disponíveis frente ao número sempre crescente na utilização do processo produtivo. O conhecimento necessário para o emprego corrente de um indicador consi dera múltiplos aspectos relativos, sobretudo, às características toxicocinéticas e toxicodinâmicas do xenobiótico que ainda são escassas para elevado número de substâncias de uso indus trial comum. Além disso, não são notadas, se não de forma limitada, possíveis interferências na biotransformaçâo de algumas substâncias presentes, ao mesmo tempo, no ambiente de trabalho. Normalmente, não é possível realizar o MB de substâncias dotadas de efeito irritante ao nível do sitio de absorção ou que demonstrem pequena possibilidade de absorção. Nesse caso, a dose interna não pode expressar o risco para a saúde e a única relação quantitativa utilizável é aquela entre os níveis ambientais c a intensidade de manifestações locais. Igualmente problemática é a utilização dos indicadores na vigência da exposição às substâncias com ação sensibilizante, mutagênica e carcinogênica devido ao insuficiente conhecimento da relação dose-efeito. O melhoramento progressivo das condições do ambiente de trabalho determina uma progressiva diminuição dos níveis de exposição. Como consequência, há necessidade de se dispor de técnicas e in strumentos de análise sempre mais sensíveis para a determinação de concentrações decrescentes que, em alguns casos, podem se somar ou se confundir com os níveis de poluição ambiental presentes no ambiente doméstico ou nos assentamentos urbanos.

MotritoramentoAmbiemaleBiológico

3.4. Vigi lância da saúde A manutenção do estado de saúde dos trabalhadores expostos a substâncias químicas- e, de forma ainda mais abrangente, na população exposta a substâncias de natureza variada e estra~ nhas ao organismo - requer uma abordagem multidisciplinar aplicada para prevenir qualquer alteração biológica que possa ser decorrente de uma exposição excessiva a tais substâncias. O conceito de vigilância da saúde (health surveillance) pode assumir vários significados de acordo com as diferentes situações na qual ela atua. No âmbito do seminário Assessmeut of Toxic Agents at the Workplace, organizado pela Commission of thc Europcan Communities, pelo US National Institute forOccupational Safety and Health (NJOS H) e pela Occupational Safety and Health Administration (OSHA), realizado em 1980 em Luxemburgo, a vigilância da saúde foi conceituada como: realização de exames médicos- fisiológicos- periódicos dos trabalhadores expostos, efetuados com a intenção de proteger a saúde e prevenir a doença ligada com a atividade de trabalho, ao passo que a patologia ocupacional está fora do escopo dessa definição. Em outras palavras, o conceito de vigilância da saúde (vigilância médica) assume validade diferente desde que realizada com a finalidade de prevenir, individualizar e intervir sobre a moléstia ocupacional e, dessa forma, incluir o diagnóstico da moléstia. Assim, a vigilância da saúde pode ser conceituada como uma atividade sanitária desenvolvida pelo médico do tra balho com o objetivo de evidenciar precocemente as alterações do estado da saúde que podem ser consequência da exposição a uma substância química e que podem contraindicara exposição a essa substância.

IElfii!J·• • • •

Enquanto o MB planeja individualizar condições de exposição inseguras para a saúde (exposição excessiva), a vigilância da saúde tem como escopo avaliar o estado de saúde e identificar os indivíduos que apresentam alterações precoces dela. Por esse motivo, é necessá rio conhecer os resultados de exames de outros parâmetros que poderão levar à descoberta de efeitos pré-clínicos e de alterações funcionais, que necessitam de intervenções prevent ivas apropriadas. A vigilância da saúde deve ser, portanto, distinguida do diagnóstico da doença que ocorre habitualmente pela inadequação das medidas preventivas. A Organização Internacional do Trabalho (OJT, em inglês lnternational Labour Office) publicou o Teclmica/ and Ethical Gttide/ines for Worker's Heaith Surveillance, no qual se verifica um conceito articulado com o objetivo da vigilância da saúde, especificando que os programas deverão ser utilizados com fi nalidades preventivas e com os seguintes objetivos: •> descrever as condições de saúde da população de trabalhadores e dos grupos socioeconômlcos por meio da estimativa da ocorrência de doenças e infortú nios;

•> estimular os estudos de epidemiologia ocupacional com o objetivo de identificar os fatores de risco relativos;

•> prever a ocorrência de infortúnios e doenças com o objetivo de focalizar intervenções preventivas específicas;

•> predispor pesquisas que permitam finalizar com a eliminação das causas de infortúnio e doença e melhorar o prognóstico por meio da cura e da reabilitação;

•> avalia r a eficiência das medidas preventivas planejadas

d E

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~·~~liiiilii---lllllil'!!!ll~---

Monitoramentobiológico-

- vigi lãnciadesaúde --~

-

Diagnóstico -

clínico

Figura 2.

Campos de aplicação do monitoramento biológico. Extraído de Franco G, Alessio L. li monitoraggio biologico: concetti generali. In: Advances in occupational medicine, v.l, p.l-15, 2000 (com autorização dos autores).

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Parte 3

TOXICOLOG IA OCUPACIONAL

No monitoramento biológico, é importante notar que, uma vez implantado, não deverá ser interrompido, mas sim aprimorado em função dos novos conhecimentos científicos adquiridos. Assim, para essa implantação, serão necessârios e importantes: •> conhecer detalhada mente o metabolismo da substância tóxica no organismo humano e as alterações que causam no órgão crítico; •> a existência de indicadores biológicos e de métodos de análises adequados; a possibilidade de se obter prontamente o material biológico mais adequado; •> o conhecimento da relação dose-efeito e dose-resposta. Não se dispõe dos requisitos enumerados para numerosos agentes químicos em uso; além disso, não se pode aplicar o monitoramento para a prevenção dos efeitos de substâncias carcinogênicas, mutagênicas e alergênicas por não se conhecerem as doses para as quais não se observam esses efeitos. Nesses casos, só se pode avaliar a exposição. Por meio do monitoramento biológico, é possível avaliar a exposição relativa a um período prolongado, como resultado da movimentação do trabalhador no ambiente de trabalho e da absorção de uma substância através de várias vias, e não somente pelo trato respiratório, e em função dos dive rsos fatores de exposição, como carga física de trabalho, fatores climáticos etc. Demonstra, ainda, a exposição global decorrente de exposição profissional e extraprofissional. t importante ressaltar que a quantidade da substância absorvida pelo trabalhador pode variar em decorrência dos fatores individuais que innuenciam a toxicocinética do agente químico no organismo. Esses fatores dependem, por exemplo, da idade, do sexo, das características genéticas e das condições de funcionalidade dos órgãos envolvidos com a biotransformação e a excreção dos agentes tóxicos, entre outros. Vários são os parâmetros biológicos que podem estar alterados como conscquência da interação entre o agente químico e o organismo. Esses parâmetros são conhecidos como indicadores biológicos da exposição, ou seja, relacionam-se proporcionalmente à intensidade da exposição e/ou à intensidade de efeitos.

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3.5. Indicadores biológicos O indicador biológico constitui um parâmetro que permite explorar a evolução de eventos e o comportamento da substãncia no organismo, em relação à exposição ao toxicante. Há três tipos de indicadores biológicos: de exposição; de efeito; c de suscetibilidade, de acordo com o os conceitos do National Research Council em 1987. Um mesmo indicador pode ser classificado em 2 tipos, como exemplo a carboxiemoglobina em relação à exposição ao monóxido de carbono, um indicador tanto de exposição quanto de efeito. Por sua vez, um bioindicador pode ser útil na detecção precoce da doença, uma vez que seus níveis vão aumentando proporcionalmente à intensidade da exposição e, porconsequência, pode haver a ocorrência do efeito tóxico. Todavia, isoladamente, o indicador não deve ser usado para fins de diagnóstico de intoxicação, que só deve ser feito pelo médico do trabalho, a partir dos dados do bioindicador e dos si nais e sintomas apresentados pelo indivíduo.

O "ensaio do cometa" e a avaliação de troca de cromátides -irmãs são testes que têm sido utilizados, no monitoramento biológico, para avaliar o risco decorrente da exposição às substâncias químicas genotóxicas e podem ser ferramentas Uteis na aplicação de medidas preventivas contra o risco carcinogênico no ambiente de trabalho.

3.5.1. Indicadores biológicos de dose interna Em Toxicologia Ocupacional, a dose refere-se à concent ração de determinada substância ao nível dos sítios do organismo onde ocorre o efeito. Como não se pode medir a dose diretamente, esta será medida indiretamente, por meio dos indicadores de dose interna, que podem ser expressão de uma simples exposição a uma substância química, do seu acUmulo ou da dose interna "real" Todavia, a maioria dos bioindicadores renete a quantidade de xenobiótico absorvida pelo organismo. Esses bioindicadores não se correlacionam com a intensidade dos efeitos biológicos observados nos indivíduos expostos, o que, possivelmente, se deve à impossibilidade de se realizarem análises em matrizes biológicas em que os bioindicadores reneti riam melhor os efeitos, como vísceras, tecidos, entre outros. O bioindicador de dose interna correlaciona-se com a concentração da substância química presente no ambiente de trabalho, como o ácido fenil mercaptúrico na urina, um dos produtos de biotransformação do benzeno. Para a proposição e aplicação de indicadores dessa categoria, é necessário conhecer previamente a toxicocinética da substância, uma vez que muitos desses indicadores são os produtos de biotransformação excretados na urina dos trabalhadores expostos. Assim, muitos deles não são seletivos, isto é, não representam apenas a exposição a determinada substância, o que torna complexa a interpretação dos resultados. Para tanto, visando a especificidade, tem sido recomendada a avaliação da exposição utilizando-se a substância química inalterada. De acordo com seu significado, é possível distinguir três subtipos de bioindicadores de dose interna. 11) h1dicador de dose usual- correladona-se com a concentração da substância química no ambiente de trabalho, como o cádmio na urina 11) Indicador de exposição acumulativa - representa o acúmulo progressivo do xenobiótico no organismo, como as bifenilas policloradas (PCB), que se acumulam em tecido adiposo. Todavia, esses bioindicadores não são comumente utilizados para o monitoramento biológico pela dificuldade na obtenção de amostras, como tecido adiposo e tecido ósseo, não havendo, até o presente momento, técnicas não invasivas disponíveis para as práticas rotineiras de biomonitoramento. Indicador de dose interna "real"- permite avaliar a concentração do xenobiótico biologicamente ativa, como o chumbo plasmático, na forma livre, que é difusível e está em equilíbrio com a quantidade do metal absorvido, eliminado e acumulado nos tecidos. Por limitações de ordem analítica, esse chumbo plasmático livre não é determinado rotineiramente.

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3.5.2. Indicadores biológicos de efeito Outro aspecto do monitoramento biológico está baseado no conhecimento dos efeitos biológicos precoces que se instalam

MotritorameutoAmbielllai e Biológico

em decorrência da exposição a um agente tóxico. Nesse caso, o monitoramento de efeitos pode ser considerado como um instrumento utilizado na avaliação de risco ao estado de saúde do trabalhador. Para serem utilizados na prevenção de intoxicações, advindas da exposição ocupacional, esses tipos de bioindicadores devem servir para mostrar efeitos ainda considerados não nocivos, ou seja, não associados a alterações funcionais das células. A proposição e a utilização são feitas com base no conhecimento de toxicodinãmica, isto é, do mecanismo de ação tóxica do xenobiótico no órgão crítico, frequentemente incerto, razão do número limitado desses bioindicadores. De acordo com seu significado, é possível distinguir dois subtipos de bioindicadores de efeito. •> Indicadores de efeito critico - demonstram as alterações que se instalam no órgão crítico, onde se atinge a concentração crítica do toxicante, isto é, a concentração na qual as células mais sensíveis do órgão sofrem alterações reversíveis ou irreversíveis. A determinação da atividade enzimática da colinesterase eritrocitária (colinesterase "verdadeira") na avaliação da exposição aos praguicidas organofosforados seria um tipo deste bioindicador. •> Indicadores de efeito pré-clít1ico - permitem identificar as alterações no órgão-alvo, geralmente ainda reversíveis e que precedem o aparecimento do quadro clínico. Determinam proteínas de baixo peso molecular, como a proteína ligada ao retino\ (RBP, do inglês retino/ binding protei11) e a ~.-microglobulina, que expressam alteração nos túbulos renais, principalmente nos proxima is, decorrente da exposição ao cádmio.

3.5.3. Indicadores biológicos de suscetibilidade O termo bioindicador de suscetibilidade exprime uma condição congênita ou adquirida. Essa categoria pode evidenciar alterações na absorção, na distribuição e nas interações com macromoléculas, assim como a capacidade de produzir modificações no organismo. Permite, assim, identificar previamente ostrabalhadores que sejam suscetíveis à substância química. A de terminação da capacidade de acetilação de moléculas, como os metabólitos de algumas a minas aromáticas (4 -aminobifenilas), que resulta na probabilidade do desenvolvimento de câncer de bexiga, é um exemplo desse indicador. Outros exemplos são a determinação da atividade de glicose 6-fosfato desidrogenase no sangue (na avaliação de suscetibilidade aos agentes metemoglobinizantes) e a determinação da a 1-antitripsina sérica (na avaliação de suscetibilidade aos gases e vapores irritantes). Apesar de promissores na prevenção de intoxicações ocupacionais, o uso desses bioindicadores em exames pré-admissionais poderia limitar o direito ao trabalho e sua implicação quanto à conduta ética do médico responsável.

3.6. Interpretação dos resultados do MB Os indicadores de exposição podem ser utilizados com vários escopos, como: •> controle periódico individual de trabalhadores; •> avaliação da exposição de grupos de trabalhadores; •> avaliação epidemiológica. O controle periódico individual de trabalhadores se impõe quando os níveis da substância tóxica no ambiente de trabalho

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estão próximos do limite de exposição. Em condições ideais, deve-se controlar, ao mesmo tempo, um indicador de exposição e um de efeito. Os dados obtidos devem ser confrontados com os valores-limite fixados para essa substância. A interpretação dos resultados do programa de biomonitoramento pode ser feita com base individual quando os bioindicadores são suficientemente específicos c seus níveis apresentam baixa variabilidade individual. A interpretação com base de grupo é mais usual e, geralmente, expressa resultados mais fidedignos. Nesse caso, se todos os trabalhadores do grupo apresentam valores abaixo dos valores-limite, a situação de exposição é aceitável. Todavia, se a maioria dos resultados estiver acima dos valores-limite, há necessidade de intervenção e melhoria das condições de exposição, permitindo a individualização dos trabalhadores que exercem uma atividade com maior exposição ou absorvem maior quantidade do toxicante. Por meio da análise de grupo de trabalhadores, será possível também estimar as condições de higiene do ambiente de trabalho. Para que a avaliação do grupo possa fornecer resultados úteis, é necessário que ele seja suficientemente numeroso e homogêneo em relação à exposição, ao sexo e para um dado agente tóxico. As informações serão mais efetivas quando os níveis de exposição são mais constantes no tempo. Valores pouco significativos poderão ocorrer nas avaliações em locais onde os trabalhadores mudam frequentemente de cargo e seção. Para uma correta avaliação de grupo, não será suficiente exprimir os dados só como valores médios ou faixas, mas deve-se considerar também a distribuição de frequência dos valores do indicador biológico A análise de grupo de trabalhadores com enfoque epidemiológico torna-se essencial quando se utilizam indicadores biológicos cujos resultados podem ser influenciados por fato res não ligados à exposição, como os alimentares, concentração ou diluição da urina, entre outros, e para os quais existe ampla faixa dos valores de normalidade.

3.6.1 . Limites biológicos de exposição Os limites biológicos de exposição consideram as concentrações do indicador biológico que não representam risco à saúde da maioria dos trabalhadores. Esses limites devem ser vistos como níveis de advertência, propostos com base no conhecimento da relação dose-resposta, portanto, com correlação direta aos limites do agente químico no ambiente de trabalho. Não são valores que separam exposição segura de exposição de risco, ou seja, não garantem que cada trabalhador que apresente periodicamente valores do bioindicador abaixo do limite venha a ter alterações em seu estado de saúde. Esses limites podem ser derivados matematicamente dos limites de exposição ambiental, por verificação da concentração do agente quím ico, ou seu produto de biotransformação, na matriz biológica do trabalhador, após 8 horas de exposição média ponderada pelo tempo ao nível do limite ambiental da substância química. A proteção para a saúde representada por esses limites depende da adequação dos limites ambientais e da possibilidade de se estimarem correlações entre os dois. Tais valores são estabelecidos com base na relação entre os níveis de exposição ao age nte químico e o teor do bioindicador, ou naquela entre a concentração do bioindicador e os efeitos biológicos.

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Parte 3

TOXICOLOG IA OCUPACIONAL

Os limites podem, também, ser estabelecidos com base em estudos epidemiológicos, clínicos e toxicológicos, ou seja, na relação entre a concentração de uma substância química nos nuidos biológicos e as consequências para a saúde. São idealmente derivados do estudo do acompanhamento, por um prazo longo, dos trabalhadores expostos 8 horas por dia, 5 dias na semana, por toda a vida profissional, abaixo dos quais não se observa nenhum efeito adverso à saúde. Esses valores são difíceis de serem obtidos com con fiança Para alguns agentes químicos absorvidos exclusivamente pela pele, a única maneira de se fixar limites biológicos é pela determinação da concentração de agentes químicos, ou de seus produtos de biotransformação, em trabalhadores expostos em condições adequadas de trabalho, chamadas "boas prâticas". Na maioria dos países, os limites biológicos de exposição constituem recomendações que devem ser utilizadas por profissionais capacitados para a tomada de decisões relativas à proteção à saúde dos trabalhadores. No Brasil, o limite biológico de exposição é chamado lndice Biológico Máximo Permitido {IBM P) e consta da Norma Regulamentadora n. 7, do Ministério do Trabalho e Emprego, atualizada em 201 I (http://portal.mte.gov.br/data/ files/8A7C8120308E21660130E0819FCJ02ED/nr_07.pdf). No Quadro I dessa norma, atualizado em 1994, podem ser observados os parâmetros para o monitoramento biológico de 26 substâncias químicas, entre tantas outras a que os trabalhadores estão ocupacional mente expostos. Para cada agente químico, consta nesse quadro o bioindicador que deve ser usado, o IBMP, o método analítico recomendado para sua determinação e os dados para sua interpretação

3.6.2. Valores de referência Os valores de referência {VR) são quesitos indispensâveis ao monitoramento biológico de substâncias químicas cujo bioindicador estâ presente no material biológico independentemente da exposição ocupacionaL Os níveis nos indivíduos expostos que permitem o estabelecimento de estratégias de controle devem ser confrontados com os níveis desse mesmo bioindicador, determinados em uma população de indivíduos saudâveis, semelhante à exposta, cuja característica principal é a de não estar exposta, ocupacional ou ambientalmcnte, por nenhuma situação particular, à substância química considerada. Idealmente, os VR devem ser determinados em populações que não difiram daquelas expostas ocupacionalmcntc em características que afetam o indicador biológico. As características da população de referência devem ser bem definidas, por meio de aplicação de question:irio, exames bioquímicos, hematológicos, que permitam reconhecer os fatores ambientais, fisiológicos, patológicos, h:ibitos pessoais, alimentares, entre outros, que possam influenciar os VR dos bioindicadores. O número de indivíduos deve ser suficiente para representar a população de determinada região c proporcionar a obtenção de valores fidedignos. Esses estudos devem ser refeitos periodicamente, uma vez que as condições ambientais podem sofrer variações

3.7. Fatores independentes da exposição ocupacional que podem influenciar os indicadores biológicos O monitoramento biológico pode ser realizado para um número reduzido de substâncias quimicas, por falta de bioindicadores

adequados. Além disso, para a implementação do biomonitoramento, são quesitos indispens:iveis a presença do bioindicador em material biológico adequado, sendo o sangue, a urina e o ar expirado as amostras utilizadas com maior frequência. A urina, considerada amostra não invasiva, quando colhida em um período de 24 horas, fornece dados bastante compatíveis com a exposiçãoaotoxicante. Além disso, ao analisar os resultados do monitoramento biológico, é necessário levar em conta o fato de que numerosos fatores fisiológicos, patológicos e h:ibitos individuais podem influenciar os níveis dos indicadores, independentemente da exposição ocupacional. Entre esses fatores, destacam-se dieta, sexo, idade, h:ibito de fumar, consumo de bebidas alcoólicas e uso de fármacos. Por exemplo, a alimentação e o consumo de fármacos podem influenciar de maneira notável os teores de ácido hipúrico urinário, produto de biotransformação do tolueno cujos teores, na urina de indivíduos não ocupacionalmente expostos ao solvente, podem ser tão elevados que não permitam avaliar de forma adequada a exposição, individual ou em grupo. O comportamento dos indicadores biológicos pode também diferir entre homens e mulheres. Como exemplo, na determinação de protoporfirina eritrocitária em trabalhadores expostos ao chumbo inorgânico, mulheres, submetidas à mesma exposição dos homens, apresentam valores de protoporfirina mais elevados. Entre os hâbitos individuais que podem interferir nos níveis dos indicadores, destacam-se, sem dúvida, o tabagismo e o consumo de bebidas alcoólicas. Nos fumantes, os níveis de c:idmio no sangue e na urina, e de carboxiemoglobina e de benzeno no ar exalado, são mais elevados em relação aos identificados em indivíduos não fumantes, dada a introdução direta no organismo dessas substâncias oriundas da combustão do tabaco. O álcool, por um mecanismo direto, pode inibir a enzima ô-aminolevulínico desidratase (ALA-D) independentemente de exposição ao chumbo. Acrescente-se que o âlcool pode interferir no metabolismo dos solventes, alterando o significado dos correspondentes indicadores biológicos. Verificou-se em volunt:irios que a ingestão de :ilcool altera notavelmente o metabolismo do xileno, determinando um aumento de sua concentração no sangue e uma redução nos níveis de ácido mctil-hipúrico na urina. Em indivíduos expostos ao tridoretileno, a ingestão de álcool, mesmo que em pequenas quantidades, provoca um aumento de eliminação do solvente com o ar expirado. Alguns fatores patológicos também podem levar a falsas interpretações no biomonitoramento. Como exemplo, elevada protoporfirina eritrocit:iria em indivíduos sideropênicos sem exposição ao chumbo. Alterações renais e do aparelho respiratório podem influenciar os valores dos indicadores determina· dos, respectivamente, na urina e no ar expirado. 4

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3.2. AGENTES METEMOGLOBINIZANTES José Salvador Lepera Natália Valadares de Moraes

CONTEÚDO DESTE CAPITULO I Introdução 2. Mecanismos de redução da metemoglobina

Dimetilanilina

2.2. Sistema redutase NADPH -dependente

2.3. Mecanismos indiretos de proteção

6.7. MOCA [4,4 -Mctileno BIS (2-Cloroani lina)]

3. Metemoglobinemias 4. Síndrome tóxica S. Metemoglobina como indicador biológico na exposição ocupacional 6. Agentes metemoglobinizantes 6. 1. Anilina

6.2. Nitrobenzeno

1.

6.3

6.4. Dinitrobenzeno 6.5. Dinitrotolueno {DNT) 6.6 2,4,6-Trinitrotolueno (TNT)

2.1. Sistema redutase NA OH-dependente

INTRODUÇÃO

Agentes metemoglobinizantes são substâncias capazes de induzir a oxidação de um dos átomos de ferro da do grupamento heme presente na hemoglobina, do estado ferroso {Fe .. ) para o férrico (Fe .. •), o que resulta em um pigmento chamado metemoglobina (MHb). A MHb não consegue se ligar ao oxigênio,

6.8. Medicamentos 6.8.1. Prilocaina 6.8.2. Benzocaína 6.8.3. Primaquina 6.8.4 Dapsona (DOS, Diaminodifenilsulfona) 6.9. Nitrito e nitrato 7. Bibliografia

ao gás carbôn ico ou ao monóxido de carbono devido à carga positiva do ferro, porém tem grande afinidade por ânions como fluoreto, cloreto e cianeto, e liga-se também à hidroxila em meio alcalino e com a água em meio ácido. A presença de MHb em um tetrâmero de hemoglobina apresenta efeito alostérico com aumento da afinidade da oxiemoglobina pelo oxigênio, diminuindo o transporte de oxigênio para os tecidos. A

• • • •J!ilfijJ

Parte 3

TOXICOLOG IA OCUPACIONAL

carga positiva do ferro altera também a absorção espectral das hemoproteinas, além de permitir a separação eletroforética entre hemoglobina e MHb. A metemoglobinemia é produúda mais frequentemente por agentes químicos oxidantes, mas pode ter etiologia genética, alimentar e idiopática Entre os agentes químicos metemoglobinizantes, embora alguns sejam específicos em reagir com a hemoglobina, a maioria oxida também outros componentes celulares, danificando enzimas e organelas. Por essa razão, a metemoglobinemia é normalmente acompanhada de algum grau de hemólise. Os eritrócitos têm risco aumentado de estresse oxidativo, e isso ocorre por várias razões a) os eritrócitos carregam oxigênio em alta concentração e estão continuamente expostos a radicais livres; b) a hemoglobina é suscetível a autoxidação e pode funcionar como oxidase e como peroxidase; c) o sangue transporta todos os xenobióticos oxidantes que o organismo absorve. Os eritrócitos são também mais suscetíveis aos agentes oxidantes por serem incapazes de reparar os danos por ressíntese e por terem a membrana mais vulnerável a peroxidação, devido a presença de cadeias laterais de ácidos graxos poli-insaturados e de grupos aminoacil. A ligação do oxigênio a hemoglobina, que se dá em ambiente altamente hidrofóbico, envolve uma substancial transferência de carga do ferro hêmico ao 0 2, formando efetivamente um ânion superóxido. Usualmente, o elétron deslocado retoma ao ferro quando o 0 2 é liberado. A cornplexação do ferro às cadeias laterais irnidazólicas do l1eme estabiliza a forma funcional da hemoglobina e diminui a tendência do fe rro de sofrer autoxidação. Além disso, a histidina distai protege o Fe ' 2 por agir como um coletor de prótons, evitando a oxidação que estes poderiam catalisar. Quando há um distúrbio na região hidrofóbica, ligeiras modificações do heme podem permitir o acesso de pequenos ânions ou de água, com a consequente oxidação do ferro, formando MHb e liberando um radical superóxido. No eritrócito, há um equilíbrio entre a produção espontânea de MHb e ânions supcróxido resultantes da oxidação da hemoglobina e a restauração da hemoglobina ao seu estado funcional normal, controlado pelas defesas antioxidantes. Qualquer situação patológica que influencie esse equilíbrio, quer aumentando o estresse oxidativo, quer impedindo as defesas antioxidantes, aumentará a produção de M Hb e a geração de espécies ativas de oxigênio.

2.

MECANISMOS DE REDUÇÃO DA METEMOGLOBINA

O eritrócito dispõe de sistemas redutores capazes de restaurar eficientemente a função da hemoglobina, mantendo os níveis de MHb ao redor de 1%. A forma predominante de redução endógena é realizada pelo sistema bienzimático citocromo-b5/ citocromo-b5 redutase (cit-b5/cit-b5 redutase). Pequenas quan tidades podem ser reduzidas também pelo ácido ascórbico e pela glutationa. Outros agentes redutores endógenos incluem a flavina reduzida, a cisteamina e a cistina reduzida nas moléculas proteicas. Embora essas moléculas tenham papel secundário na redução, indivíduos com completa deficiência congênita

de cit-b5 redutase são capazes de manter os níveis de MHb até menores que 10%. Isso indica que essas vias secu ndárias po dem reduzir apreciáveis quantidades de MHb quando a via cit- bS redutase está comprometida.

2.1. Sistema redutase NADH-dependente A capacidade dos sistemas redutores intraeritrocitários foi primeiramente demonstrada em 1891, e estudos posteriores verifi ca ram que os elétrons necessários à redução derivam do NADH gerado durante a glicólise. Subsequentemente, foi isolada a metemoglobina redu tase NA OH-dependente (cit-b5 redutase), também chamada diaforase I. A redução da MHb é mediada pelo citocromo b5, que é reduzido pela citocromo-b5 redutase e, em sua forma ferrosa, reduz a MHb (Figura 1).

Glicose

,.----------._ 1! piru~atO+ATP

glicose-6-los)fato

Ri~-5-fos,

\NADPH

NADP+

; ~MN a pressão parcial (concentração) do solvente no ar alveolar e sangue;

•> a solubilidade do composto no sangue. A pressão parcial do solvente no ar alveolar e no sangue determina a direção da difusão entre esses dois meios. Assim, se a pressão parcial de um dado solvente X emaior no ar alveolar do que no sangue, a tendência é ocorrer a absorção. Se ao contrário a pressão parcial de X for maior no sangue do que no ar alveolar, deverá ocorrer a eliminação. Rclembrando a composição mista do sangue (3/4 de água e 1/4 decompostos orgânicos) é fácil deduzir que os xenobióticos, para aprese ntarem boa absorção pulmonar, mais do que a elevada lipossolubilidade ou hidrossolubilidade, deverão apresentar boa solubilidade no sangue. Esta característica pode ser avaliada pelo coeficiente de distribuição ou de partição ar alveolar/ sangue (K). Quanto me nor este coeficiente, maior a solubilidade do composto no sangue. Assim, os solventes que possuem K baixo poderão ser facilmente absorvidos, terão sua concentração sanguínea rapidamente aumentada e o equilíbrio entre esta concentração e a tecidual será lentamente obtido. Em contrapartida, os solventes poucos solúveis no sangue (K alto) apresentarão características opostas. ~ importante lembrar que, caso a relação de partição analisada seja a distribuição sangue/ ar alveolar, a interpretação da solubilidade e do comportamento dos solventes que não se ligam quimicamente ao sangue deverão ser analisados de maneira inversa a descrita acima. A maior ou menor solubilidade no sangue é essencial, quando se analisa a influência de fa tores fisiológicos, tais como frequência cardíaca e frequência respiratória sobre a absorção pulmonar dos solventes que não se ligam quimicamente ao sangue. Esses fatores são importantes para a Toxicologia Ocupacional, posto que algumas atividades desenvolvidas pelo trabalhador possam resultar na alteração desses parâmetros fis iológicos. Assim, nos casos de exposição a solventes que não se ligam quimicamente ao sangue, o aumento da frequência respiratória terá uma maior influência na absorção dos compostos muito solúveis no sangue (K baixo), enquanto a frequência cardíaca terá maior influencia na absorção dos solventes pouco solúveis no sangue (K elevado).

Absorção cutânea Muito embora a pele humana represente uma barreira efetiva contra a penetração de xenobióticos, é sabido que os solventes orgânicos têm capacidade de penetrar através dela. Essa capacidade de transpor as células da epiderme é dependente de uma série de fatores, tais como: a espessura da camada exposta, o gradiente de concentração dos solventes nos dois lados da camada epidérmica, a constante de difusão, o coeficiente de partição óleo/água e a constante de permeabilidade. A presença de folículos pilosos na área exposta pode facilitar a absorção cutânea dos solventes. Outro fator a considerar é o conteúdo hídrico do extrato córneo. Uma maior hidratação desse extrato pode aumentar a permeabilidade da pele e, con sequentemente, a difusão de substâncias químicas através dela. De maneira geral, a intensidade da absorção cutânea, quan do ocorre pelo processo de difusão passiva, é diretamente proporcional ao coeficiente de partição óleo/água e inversamente proporcional ao peso molecular dos compostos. Os solventes hidrossolúveis e de pequeno peso molecular podem penetrar pela pele integra por meio do processo de filtração. Aqueles que têm a capacidade de lesar a camada epidérmica da pele, removendo lipides dela, causam irritação, hiperplasia celular e dilatação dos poros. Essas lesões cutâneas perm itirão uma

maior absorção dos próprios solventes e de outras substâncias químicas que entrem em contato com a pele lesada. Estudos experimentais demonstram que a absorção cutânea dos solventes pode seguir um dos três padrões abaixo: a) pico de concentração plasmática alcançado em 60, ou menos, minutos após a exposição, seguido de um rápido declínio dos níveis sanguíneos no período restante da exposição. Esse padrão é característico de solventes que apresentam maior lipossolubilidade; b) pico de concentração plasmática obtido em 60, ou menos, minutos, permanecendo em equilíbrio durante algumas horasseguintesãexposiçâo; c) a concentração plasmática aumenta ao longo do período de exposição.~ o caso dos solventes mais hidrossolúveis.

Fatores que interferem na absorção e distribuição dos sol· ventes orgânicos Além dos fatores jâ citados anteriormente, podem alterar esses processos os fatores ambientais, por exemplo, a temperatura e os fatores individuais, como dieta e ingestão de bebidas alcoólicas. O aumento da temperatura am biental tende a aumentar a taxa de respiração do indivíduo, sua frequência cardíaca e o fluxo sanguíneo para os tecidos. Essas alterações orgânicas podem modificar os níveis da absorção e da distribuição dos solventes pelo organismo. A dieta alimen tar do indivíduo influencia a distribuição dos solventes orgânicos ao aumentar o conteúdo lipídico do soro e o fluxo sanguíneo hepático.

2 ,2.2. Biotransformação e excreção A toxicidade de vários solventes orgânicos está diretamente relacionada à sua biotransformação. A ação mielotóxica do benzeno, a neurotoxicidade do n-hexano e a nefrotoxicidade do etilenoglicol têm sido atribuídas aos produtos ativos formados pela biotransformação desses solventes, como será visto posteriormente. Os solventes são, na grande maioria, biotransformados no fígado, embora possam ocorrer transformações em outros locais como pulmões, rins, medula óssea e outros. O p rincipal sistema enzimático envolvido na biotransformaçâo dos solventes é o sistema citocromo P-450 (Cit P-450 ou CYP), já estudado em detalhes nos capítulos iniciais desse livro. Os solventes podem ser excretados pela urina, na forma inalterada (geralmente em pequenas proporções), ou como metabólitos que podem estar, ou não, conjugados com compostos endógenos como ácido glicurõnico, sulfato, aminoácidos, entre outros. A maior parte dos solventes inalterados é excretada pelo ar expirado. Vários fatores podem alterar os processos metabólicos constituintes da fase toxicocinética influenciando, assim, a toxicidade dos solve ntes. Os principais são:

Fatores ambientais

A temperatura ambiente elevada ten de a aumentar a sudorese do individuo e, consequentemente, diminuir o fluxo urinário normal, o que pode resulta r em menor excreção de metabólitos dos solventes por essa via. Por outro lado, alguns medicamentos podem modificar a disponibilidade dos produtos de biotransformaçâo desses compostos. Por exemplo, a administração de salicilatos e sulfonamidas, que apresentam elevada porcentagem de ligação à albumina plasmática pode influenciar a eliminação do ácido tricloroacético {TCA), um dos metabólitos uriná rios do tricloretileno. Este metabólito, que está normalmente ligado à albumina, na pre-

3.3.

sença dos medicamentos acima citados apresentará menor ligação proteica aumentando, assim, sua disponibilidade à excreção renal. Medicamentos como fenobarbital e propranolol que apresentam, respectivamente, ação indutora e inibidora de enzimas se mostraram, em estudos experimentais, efetivos na alteração do metabolismo de solventes orgânicos. Doses não tóxicas de bromobenzeno, por exemplo, desenvolvem, em animais pré-tratados com fenobarbital, efeitos adversos graves como a necrose hepática maciça. Do ponto de vista prático, no entanto, a ação indutora e/ou inibidora exercida pelos medicamentos não é observada de maneira significativa em indivíduos expostos ocupacionalmente aos solventes orgânicos, exceto quando a quantidade deles inalada é elevada.

Fatores individuais A dieta alimentar pode alterar a atividade do sistema enzimático microssõmico, especialmente o CYP. Por exemplo, as proteínas participam da síntese de enzimas, assim, dietas proteicas pobres diminuem a atividade enzimática e, consequentemente, as reações de biotransformação. Essa ação poderá aumentar a toxicidade dos solventes, salvo naqueles casos em que a biotransformação é efetivada por meio do mecanismo de ativação. Os componentes da dieta que têm papel importante na biotransformação de solventes são teor proteico, minerais e as vitaminas. Dietas deficientes em minerais, especialmente aqueles que funcionam como cofatores de enzimas (ferro, zinco, cobre etc.), podem provocar uma menor biotransformação dos solventes, em função da inativaçâo ou diminuição da atividade enzimática. A deficiência em vitaminas, especialmente as do complexo B, vitamina C e A, pode reduzir a energia celular e dificultar a fase de conjugação da biotransformação. Uma dieta rica em lípides tenderá a diminuir a biotransformação dos xenobióticos em geral e dos solventes em particular. O excesso lipídico pode aumentar a suscetibilidade à peroxidação lipídica que, estendendo-se aos lípides das membranas biológicas, alte rar-lhes-á a permeabilidade, provocando o extravasamento e a destruição de sistemas enzimáticos intracelulares, levando ao aumento da toxicidade das substâncias. A composição do cigarro é bastante variada e contêm uma série de produtos tóxicos, como os hidrocarbonetos pol iddicos aromáticos e outros, que podem induzir sistemas enzimáticos principais ou induzir vias metabólicas secundárias. Isso sugere que o hábito de fu mar pode levar a um aumento na capacidade dos fumantes em biotransformar os solventes orgânicos, c estudos experimentais confirmam tal possibilidade. O consumo de bebidas alcoólicas pode ser o fator de maior importância dentre aqueles que alteram a biotransformação dos solventes orgânicos. Isso porque o etano! é geralmente consumido, em concentração e frequência significativas, pelos trabalhadores no meio ocupacional. Dependendo de algumas condições, o álcool et ílico pode desenvolver uma ação de indução ou inibição enzimática e assim alterar de maneira distinta a biotransformação dos diferentes solventes. O tempo decorrido entre a ingestão alcoólica c a exposição ao solvente é um dos fatores determinantes no tipo de ação a ser desenvolvida pelo etano] sobre as enzimas. Quando a ingestão da bebida ocorre durante, ou logo após a exposição, ou seja, quando a concentração alcoólica sanguínea é elevada, a ação predominante é a inibição. O álcool, em elevadas concentrações, inibe não só o sistema CYP, mas também outras enzimas, tais como a álcool e a aldeído desidrogenase. Já estão comprovadas as ações inibitórias do etano! sobre o metabolismo do tricloretileno, tolueno,

SolvemesOrgáuicos

11!1:i····

xi lenos, estireno e metiletilcetona. Se, porém, a exposição ocupacional ocorrer muito antes ou muito após a ingestão alcoólica, implicando em baixos teores sanguíneos de etano!, a ação predominante é a indução enzimática. A isoenzima mai s sensível à indução etanólica é a CYP2E I, mas a ação indutora do etano] é menos pronunciada do que a inibitória na biotransformação de solventes orgânicos.

Interação entre solventes Indivíduos que trabalham expostos a um solvente orgânico são, frequentemente , expostos de maneira simultânea ou sequencial aos vapores de outros solventes orgânicos. Essa exposição mista pode resultar em inibição ou indução de etapas da biotransformação deles. As inibições resultantes de exposições mistas a solventes são mais frequentes quando os compostos são biotransformados por um mesmo sistema enzimático. Como as enzimas, em geral, e as oxidases de função mista, em particular, possuem pequena especificidade, não é surpreendente que um solvente possa competir com outro pelo sítio de biotransformação disponível e, até mesmo, que ocorra saturação enzimática. Um exemplo de inibição decorrente de exposição mista é obtido pela associação do tolueno e benzeno. Nesse caso, é observada inibição competitiva no nível da biotransformação de ambos os solventes, sendo a intensidade dessa inibição dependente da concentração absorvida dos compostos. Quanto maior a concentração do benzeno menor será a biotransformação do tolueno e vice-versa. A exposição conjunta ao m-xileno e ao etilbenzeno também resulta em inibição competitiva das biotransfomações, enquanto exposição à metiletilcetona e ao m-xileno tende a inibi r somente a biotransforma~âo do primeiro solvente. Fatores genéticos Em decorrência de alterações genéticas, alguns indivíduos podem apresentar deficiências enzimáticas importantes para a biotransformação dos solventes. Esses indivíduos terão maior ou menor resposta biológica a um dado solvente, dependendo do tipo de mecanismo desenvolvido na biotransformaçâo, se de ativação ou desativação. Um exemplo clássico dessa influência genética é a biotransformação do etano!. Alguns indivíduos possuem menor capacidade de biotransformar o acetaldeído proveniente da oxidação etanólica, devido à deficiência genética na concentração da acetaldeído desidrogenase. Nesses casos, os indivíduos poderão apresentar efeitos tóxicos decorrentes do acúmulo desse aldeído após a exposição ao álcool etílico Fatores fisiopatológicos Fatores como idade, peso, estado hormonal, estado patológico e gênero desempenham papel importante na biotransformaçâo dos xenobióticos. No caso dos solventes orgânicos, destacam-se os dois últimos. A insuficiência hepática é, geralmente, acompanhada pela diminuição na capacidade do organismo em biotransformar xenobióticos. O hipertireoidismo est imula a atividade de enzimas microssômicas e, consequentemente, a biotransformação de solventes que necessitam dessas enzimas durante o processo de sua eliminação química. As diferenças observadas na biotransformação de xenobióticos, de acordo com o gênero, são bastante marcantes em animais de laboratório e existem alguns estudos que indicam, também, diferença na biotransformaçâo entre homens e mulheres. Esses estudos relatam uma meia-vida biológica (t 112) do benzeno mais longa nas mulheres do que nos homens, indicando uma menor capacidade de mulheres em biotransformar esse solvente. O gênero pode influenciar também as vias preferenciais de biotransformação de alguns sol-

• • • •J!il;fli

Parte 3

TOXICOLOG IA OCUPACIONAL

ventes. Por exemplo, os homens quando expostos ao dinitrotolueno ou a seus isômeros excretariam, proporcionalmente, mais ácido nitrobenzoico e menos conjugado glicurônico do ácido dinitrobenzílico do que as mulheres

3.

ASPECTOS TOXICOLOGICOS

3.1. Benzeno O benzeno é um líquido incolor, volátil, inflamável, menos denso do que a água, de elevada lipossolubilidade e ponto de ebulição igual a 80,1°C. E: praticamente insolúvel em água e solúvel em vários solventes orgânicos como éter, clorofórmio, álcool, bissulfeto de carbono, entre outros. Tem sido utilizado, há muitos anos, em diversos processos ocupacionais, mas seu emprego no Brasil vem diminuindo progressivamente, em virtude da proibição do seu uso como solvente industrial estabelecido na Portaria n. 3 do Ministério de Trabalho, publicada em março de 1982. Apesar disso, o hidrocarboneto ainda pode representar risco ocupacional para milhares de indivíduos. As prin cipais fontes de exposição ocupacionais ao benzeno são: a) Indústria petroquímica utiliza atualmente a ma ior parte da produção brasileira de benzeno. Durante a produção e transformação pet roquímica os trabalhadores se expõem, principalmente, nas etapas de transferência e estocagem dos produtos, amostragem para o cont role de qualidade e paradas para manutenção das unidades de refinaria.~ utilizado como matéria-prima para a produção de etilbenzeno, estireno, poliestireno, polipropileno, prolactanas, náilon, cumeno, entre outros. b} Siderurgias que utilizam carvão mineral. c) Transporte, estocagem, manuseio da gasolina. No Brasil, o teor máximo de benzeno na gasolina, permitido na Resolução ANP n. 57/201 1 é de 1% v/ve 1,5% v/v (gasoli na comum e Premium, respectivamente). A partir de 2014, a concentração máxima de benzeno em qualquer tipo de gasolina deverá ser igual a 1%, conforme deliberação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

maior parte da fração absorvida, portanto, aproximadamente 84 a 89%, é biotransformada no fígado e, em menor proporção, na medula óssea dos indivíduos expostos. Embora bastante estudada, uma vez que a ação tóxica benzênica é resultante da ação de seus metabólitos, a biotransformação desse composto ainda não é totalmente esclarecida. O principal metabólito benzênico, do ponto de vista quantitativo, é o fenol. Segundo alguns autores, a formação fenólica resultaria de um rearranjo, não enzimático, do benzeno epóxido formado pela ação do citocromo P-4502El (CYP2EI) e que se encontra em equilíbrio com outra forma instável do composto, o benzeno oxepina. Uma segunda hipótese para a formação do feno] seria a hidroxilação do anel aromático por um radical hidroxila, formado a partir do peróxido de hidrogênio gerado pela ação do CYP2EI e NADPH no organismo. Existe, ainda, a possibilidade de o feno] ser formado por meio dos dois mecanismos. Estudos recentes têm mostrado que o CYP2EL, responsável pela formação do epóxido, é capaz de funcionar como uma oxidase dependente de NADPH, produzindo H 2 0 2 e, consequentemente, radicais hidroxilas. Após a formação do complexo instável benzeno epóxido/ benzeno oxepina e do feno!, várias reações metabólicas são mencionadas nos trabalhos publicados sobre o assunto. Uma cuidadosa revisão da literatura referente à biotransformação benzênica foi realizada por Paula em 2001, cuja compilação é apresentada a seguir. • Hidroxilação do feno! a hidroquinona e catecol. A hidroquinona pode ser oxidada à p-benzoquinona, precursora do ácido 2,5-di-hidroxi-fenilmercaptúrico e o catecol a 1,2,4-tri-hidroxibenzeno. Os metabólitos hidroxilados são excretados livres ou conjugados com glicuronídeos ou sulfatos na urina. Alternativamente, a p-benzoquinona pode se ligar covalentemente às bases guanina, adenina e citosina do DNA. Hidrólise do complexo instável benzeno epóxido/benzeno oxepina, por ação da enzima epóxido hidrolase, gerando benzeno di-hidrodiol, também chamado benzeno glicol, que pode ser enzimaticamente desidrogenado a catecol ou sofrer abertura do anel para formar o trans, tmns-muconaldeído. O tram, trans-muconaldeído poderia ser formado, também, diretamente, pela reação do benzeno inalterado com radicais hidroxila, com subsequente peroxidação e abertura do anel, ou a partir do benzeno dioxetano, pela reação do benzeno com oxigênio simples. Estudos sugerem que espécies de oxigênio reativas podem exercer importante função na abertura do anel benzênico, reação que, provavelmente, ocorre no fígado. Esse aldeído mucônico pode ser reduzido a álcoois, pela ação da enzima álcool desidrogenase, ou oxidado, pela ação da aldeído desidrogenase a ácidos carboxílicos dentre os quais o ácido trans, trans-mucõnico (ATTM), principal metabólito de cadeia aberta do benzeno. O benzeno epóxido pode ser conjugado com a glutationa produzindo o metabólito urinário ácido fenil mercaptúrico (AFM). Em outra revisão publicada pela ATSDR em 2007, são esclarecidas algumas etapas da biotransformação do benzeno. Assim, o metabólito fenólico hidroquinona será transformado em p-benzoquinona pela ação da mieloperoxidase (MPO), e esse último poderá ser revertido novamente a hidroquinona pela ação da NA(P)H quinona oxidorredutase (NQOI). A exemplo da oxidação do benzeno ao benzeno epóxido, também as etapas de formação da hidroquinona, catecol e 1,2,4 tri-hidroxibenzeno são catalisadas pela CYP2EJ.

•>

3.1.1. Toxicocinética

•>

O benzeno pode ser absorvido pelas vias cutânea, pulmonar e oral. Pela via pulmonar, o benzeno é rapidamente absorvido sendo que cerca de 50 a 90 % do benzeno inalado poderá ser absorvido por essa via. A absorção é maior nos primeiros minutos após exposição (70 a 80% da concentração inalada) diminuindo gradativamente com o passar do tempo (I hora após a exposição, a quantidade de benzeno absorvida decai para cerca de 50%). A absorção cutânea do benzeno é pequena e a significância dessa absorção nas intoxicações ocupacionais ainda é discutida. Estudos têm demonstrado que mais de 95% do benzeno que entra em contato com a pele pode ser volatilizado. É importante ressaltar, entretanto, que nos casos de exposição cutânea a elevadas concentrações do solvente em sua forma líquida, essa via de absorção pode ganhar importância substancial aumentando o risco de intoxicação. A absorção pelo trato gastrintestinal, nos casos de ingestão do solvente, é elevada, especialmente se o benzeno estiver veiculado com água. Sua concentração sanguínea atinge um pico máximo em alguns minutos, mas decai com a saída rápida do composto para os tecidos ricos em lipides. Apenas cerca de 12% do benzeno absorvido é eliminado inalterado pelo ar expirado e somente 0,1 a 0,2% pela urina. A

•>

HOO~COOH Acidotrans, transmucônico HO H

oo ~~ o ~

v

D1femla

o:

NH-CO-CH

S-CH,-CH~H

'

G

OH

ST

l

a

@

p

::::::.... _

o ~ ------

Benzeno epóxido

S-CH 2 -CH-COOH

oa I

.--: o

~

CHO

Aldeído trans, trans mucõnico / o : OH

- -EH -

·~

7

OH Benzeno di-hidrodiol

HOOC~CH 2 0H

Acido6-hidroxitrans,lrans 2,4-hexadienoico

~

ALO /

ALC' \ ,

/

OHC~CH20H

6-Hidroxi-trans, trans-2,4-hexadienal ALCJ

~ O~YP El ~OH

cYP2Ê1

CYP2Elt

OHC~

-

/

2

~QH----:o~OH

Fenol ·.,

(urina) conjugado com c'lcidoglicurônicoesulfato

Acido6-oxotrans, trans 2,4-hexadienoico

~

-

Oxepina

l

[ ' Y OH

Ácidolenilmercaptúrico

I

D1oxetano

t CYP2El

~H-==

/

HS

cs R

l O, , NADPH (i) Cit P-450

-{ -

0

[ s=c=s~ J

1"··rJcoori' S NH

1

"c

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(i i)

Oitiocar:bamatos\

é5,

HzD

~

Acido4-carboxílico-2-tio-tiazolidina

CH-CH-COOH

Solvemes Orgáuicos IIJII@I!J·• • • •

casos em que a absorção tenha ocorrido pelo trato pulmonar, cerca de 10 a 30% do solvente inalterado poderão ser eliminados também pelos pulmões. Essa porcentagem de eliminação dimi nui para cerca de 3%, quando a absorção ocorre por via cutânea. A excreção do CS 2 inalterado pela urina é mínima (cerca de 1%). Pode ocorrer, ainda, eliminação do metabólito C0 2 pelo ar expirado.

0= 1 f"'S CH z- NH 2-tio-5-tiazol idinona

S

,,,,; \ ''' 1

Tiocarbamida (Tioureia)

so.

I I

S

NH

\ I

n

~ GSH

Acido4-carboxílico-2~oxotiaz:lid~ f -- Ciclo da Ureia

H,O

H2 N-C-NH 2 Tioureia

reação(il:emanimais

Figura 16.

reações(ii)a(vl: invitro

reações(vila(xl:homenseanimais

Principais vias de biotransformação do CS 2 (extraído de ATSDR, 1996, com adaptações).

3.10.2. Toxicodinâmica

o csl pode provocar alterações endócrinas, cardiovasculares, gastrintestinais e renais, mas sua principal ação tóxica é exercida sobre o sistema nervoso central e periférico. No SNC, o CS 2 produz danos cerebrais geralmente caracterizados por encefalopatia com uma degeneração neuronal caracterizada por perda de células e vacuolização celular difusa. A neuropatia periférica causada pelo solvente é do tipo axônica distai centro-periférica. Observa-se diminuição na velocidade de condução das fibras nervosas motoras lentas e rápidas. Há, também, redução na velocidade de condução sensorial nas mãos e braços. Essas al terações são lentamente reversíveis, mas podem, até mesmo, permanecer como sequelas irreversíveis. A exposição ao solvente tem revelado, em alguns indivíduos expostos, o aparecimento de danos nos capilares da retina, alterações na mobilidade ocular, na sensibilidade da córnea e conjuntiva, distúrbios na visão de cores e na adaptação ao ambiente escuro, além da d iminuição na acuidade visual. Essa ação do CS 2 sobre o sistema óptico, entretanto, não é ainda to-

tal men te aceita, em função da grande variação de suscetibil idade encontrada entre os indivíduos expostos. O sistema ótico também pode ser afetado pelo solvente, com dimi nuição na capacidade de distinguir intensidades de sons (1,5 a 3,0 d B) e de escutar sons de alta frequência. Embora alguns autores tendam a não associar esses defeitos auditivos à toxicidade do CS 2, pesquisas realizadas no início dos anos 2000 confirmaram a existência de correlação entre perda de audição e concentração do solvente em exposições crônicas. Nesses estudos, fatores interferentes como ruídos externos próprios de algumas atividades ocupacionais, a faixa etária dos expostos, o uso de álcool e o tabagismo foram controlados. Existem controvérsias também com relação à toxicidade car~ diovascu!ar do C$ 2, embora estudos epidemiológicos te nham demons trado ser a exposição crônica ao solvente um fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiocoronarianas. A possibilidade de o CS 2 apresentar ação tóxica sobre a fu nção reprodutora masculina e femini na vem sendo estudada há anos. Algumas pesquisas relatam o gradual declínio na libido e

• • • •flféjli

Parte 3

TOXICOLOG IA OCUPACIONAL

na capacidade sexual masculina, mas nenhuma diferença no número e forma dos espermatozoides foi encontrada quando se compara o sêmen de indivíduos expostos e não expostos. A possível ação do solvente sobre a reprodução feminina, embora bastante estudada, ainda é muito discutida, existindo pesquisas conflitantes com relação aos relatos de anormalidade no ciclo menstrual.

•>

O lnstitute for Heahh and Consumer Protection (IHCP) classifica o CS 2 como um agente que apresenta possíveis riscos de comprometer a fertilidade (Risk Phrase R62) e também possíveis riscos durante a gravidez com efeitos adversos na descendêucia (Risk Phrase R63).

Os mecanismos propostos para explicar o espectro de ação tóxica do solvente não estão totalmente esclarecidos. Dentre os mecanismos propostos podem ser citados: •> Ação quelante apresentada pelos produtos de biotransformaçâo do CS2. Os metabólitos 2-tio-4-tiazolidinona e ditiocarbamato, formados durante a biotransformaçâo do solvente, por possuírem radicais sulfidrilas em suas estruturas químicas, apresentariam a capacidade de inibir a atividade enzimática ao quelar metais que funcionam como cofatores, tais como magnésio, cobre c zinco. Um exemplo disso é a inibição da enzima dopam i na 13-hidroxilase, cobre-dependente, provocada pelo solvente no sistema dopaminérgico. o csl pode inibir, também, a atividade da monoamino·Oxidase (MAO) levando ao acúmulo de dopamina (DA) no organismo e diminuição da excreção urinária dos ácidos homovanilico e vanilmandélico, metabólitos deste neurotransmissor. A inibição da MAO resultará, também, na di· minuiçào do metabolismo da scrotonina (SE), e o acúmulo desses dois neurotransmissores com consequcnte aumento nos níveis de DA e SE. Esse fato pode explicar o surto psicótico observado em exposições agudas ao solvente. •> Ação do solvente e/ou seus metabólitos sobre o metabolismo da vitami na 8 6 quando na forma de piridoxamina. Esses compostos, reagindo com a vitamina, dariam origem ao ácido ditiocarbâmico de piridoxamina, e, em decorrência, as enzimas que utilizam piridoxam ina como cofator ficariam inibidas. Entre estas, destacam-se as transaminases envolvidas no metabolismo do triptofano, aminoácido metabolizado por duas vias principais, que levam, respectivamente, à formação da serotonina e da quinurenina. As enzimas envolvidasem ambas as vias são vitamina-5 6 -dependentes e, consequentemcnte, estariam inibidas pela ação do CS 2 • Esse mecanismo proposto tem sido contestado por estudos realizados em exposições crônicas ao solvente que não encontraram alteração no conteúdo tecidual de vitamina 8 6 •> Ação do CS2 sobre o metabolismo lipídico. Nos indivíduos expostos ao solvente, pode ser observado um aumento na taxa das 13-lipoproteínas, dos ácidos graxos livres, do colesterol sanguíneo, dos triglicérides e de fosfolipídios, embora esses aumentos não sejam sempre constantes. Segundo algu ns estudos, essas alterações lipídicas diminuiriam o suprimento de energia essencial para o coração, além de resultarem no aparecimento de arteriosclerose e aumento do risco de doenças isquêmicascoronarianas. Outro mecanismo proposto para a ação tóxica do csl no sistema cardiovascular é o estresse oxidativo. Dados indicam que na exposição crônica ao solvente pode ocorrer diminuição dos mecanismos de defesa antioxidante do organismo. São relatados, entre outros,

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o decréscimo plasmático dos níveis da a-tocofcrol e da atividade de enzimas oxidantes, como a catalase e a glutationa peroxidasc, levando ao estresse oxidativo plasmático. Nesse quadro, podem ocorrer aumento da oxidação de lipoproteínas plasmáticas, aparecimento de arteriosclerose e aumento do risco de doenças cardiovasculares. Provável interação do CS2 com o sistema enzimático Cít P-450. Esse solvente, devido à possível dessulfuração oxidativa, que libera enxofre altamente reativo, poderia se ligar covalentemente às enzimas microssômicas, inibindo-as. Em contrapartida, outros estudos experimentais, utilizando elevadas concentrações do solvente, revelam uma indução na síntese protcica microssômica, com conscqucntc efeito indutor na atividade do Cit P-450. Interferência com diferentes hormôn ios. Há estudos que demonstram uma diminuição nas concentrações de testosterona, cetoesteroides, hidroxicorticosteroides, hormônios tireoidianos, hormônio folículo-estimulante (FSH), hormônio luteinizante (LH) e prolactina (PR L).

3 .10.3. Sintomatologia Exposições menos severas ao CS< podem desencadear o aparecimento de parestesias, emagrecimento, excitação psíquico-maníaca, polineurites, dermatites, degeneração hepática e frigidez ou impotência. Os sintomas decorrentes da neuropatia periférica desenvolvida pelo solvente progridem de cãimbras nas pernas até dores musculares, parestesias e fraqueza muscular nas extremidades. Alguns estudos clínicos em pacientes intoxicados mencionam a ocorrência de sinais e sintomas gastrintestinais como anorexia, dor estomacal e gastrite. Têm sido relatados hepatomegalia, aumento das transaminases e perda de peso. Exposições prolongadas a elevadas concent rações do solvente podem desenvolver encefalopatias severas com sintomas como cefaleia, distúrbios do sono, fadiga generalizada, cianose, vertigens, hipotensão arterial, labilidade emocional, irritabilidade, alucinações, diminuição da memória recen te e perda da libido. Pode ocorrer uma sindrome semelhante ao Parkinsonismo, caracterizada por imobilidade facial, alteração da fala e tremores acentuados quando o individuo está em repouso. Indivíduos expostos cronicamente ao solvente podem apresentar ainda aumento na concentração sérica de colesterol HDL c plasmática de triglicérides, desenvolvimento de arteriosclerose e do risco de doenças coronarianas. Há estudos que mostram também alterações neurocomportamentais em trabalhadores expostos a concentrações não superiores a 8 ppm de CS 2, ou seja, concentração igual à metade do LT adotado no Brasil. Esses indivíduos têm apresentado, entre outros sintomas, diminuição e dificuldade perceptiva, desatenção e abstração.

3 ,10.4, Monitorização da exposição ocupacional

Monitorização ambiental - concentrações permitidas O LT estabelecido no Anexo li da NR- 15 do MTE/Br é de 16 ppm (47 mgfml). A ACGIH vem, ao longo dos anos, reduzindo gradativamente a concentração permitida desse com posto no ar. Em 2013, esse comitê americano adota como TLV-TWA um valor igual a I ppm.

3.3.

Monitorização biológica Estudos objetivando avaliar a determinação do metabólito urinário, ácido 4-carboxílico-tio·tiazolidina (TTCA) e do composto inalterado na urina têm sido realizado nos últimos anos. No Brasil, a partir de 1994, quando da reedição da NR-7, a determinação urinária do TTCA (denominado apenas como ácido 2-tio-tiazolidina) passou a ser o biomarcador de exposição indicado para a realização da monitorização biológica da exposição ocupacional ao CS 2• O ácido 4-carboxilico-2-tio-tiazolidina urinário (TTCA-u) apresenta boa correlação com a exposição ocupacional ao bissulfeto de carbono, revelando-se, assim, um bom biomarcador de exposição ao CS.,. A desvantagem desse biomarcador é a sua pequena meia-vida-biológica, determinando a rápida excreção urinária do TTCA. A urina deverá ser coletada ao final da jornada de trabalho, evitando coletar amostra no primeiro dia de trabalho semanal. Se o envio da amostra ao laboratório não puder ser imediato, deve-se manter a urina em temperatura de 4°C e enviá-la, no máximo, três dias após a coleta. Esse biomarcador é definido na legislação brasileira como sendo capaz de indicar uma exposição ambiental acima do limite de tolerância, mas que niio possui, isoladamente, significado clinico ou toxicológico próprio, ou seja, não indica doença, nem estâ associado a um efeito ou disfunção de qualquer sistema biológico. O TTCA é um biomarcador não especifico uma vez que na exposição a outros compostos, como ao fungicida Captam® e ao dissulfiram, também ocorrerão formação e excreção urinária desse composto. A NR-7 brasileira não indica um valor de referência para o TTCA, muito embora exista a possibilidade de esse metabólito ser excretado na urina de indivíduos não expostos ao CS 2 como na ingestão de vegetais da família Brassicaceae, entre eles o repolho. Valor de referência: não estabelecido (Quadro I, Anexo I, NR-7, MTE/Br). IBMP: 5 mg/g de creatinina (Quadro I, Anexo I, NR-7, MTE/ Br). A determinação do TTCA em urina coletada ao final da exposição é, também, o biomarcador indicado pela ACGIH em 2013. O BEl estabelecido é de O,Smg/g de creatinina. Em revisão realizada pela ASTDR, em 2012, é indicada ainda, como possível biomarcador de exposição ao a determinação do composto inalterado na urina, coletada durante a jornada de trabalho. Os autores indicam que esse biomarcador teria uma boa correlação com o solvente no ambiente de trabalho, quando presente em concentração tão baixa quanto 31 mg/m 3. Embora ainda não existam biomarcadores de efeito estabelecidos para o a determinação de enzimas e produtos envolvidos no processo de estresse oxidativo têm sido estudados como possíveis indicadores de vigilância da saúde. A determinação da enzima cobre-zinco-superóxido dismutase e a do malonildialdeído no soro vêm se mostrando úteis na determinação dos estágios iniciais da diminuição da defesa antioxidante do organismo provocada pelo solvente.

csl'

cs2.

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Parte 4

TOXICOLOG IA SOCIAL E MEDICAMENTOS

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EslinwlautesdoSistema NcrvosoCct1tral

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No intuito de obter ou prolongar a chamada fase rush, nome dado às sensações referidas como extremamente prazerosas obtidas após a injeção de fármacos de abuso, usuários crõnicos chegam a utilizar doses repetidas de anfetamina ou metanfetamina que atingem l g por episódio ou 5 a 15 g por dia. A DL 50 da anfetamina gira em torno de 20 a 25 mg/kg e estudos com animais sugerem que doses de 5 mg/ kg podem causar a morte, sendo a menor dose letal relatada de I ,5 mg/ kg. Os derivados anfetamínicos orais que são prescritos nos programas de redução de peso têm eficácia curta devido ao desenvolvimento de tolerância. Apenas uma porcentagem pequena dos pacientes expostos a esses supressores de apetite desenvolve mais tarde um aumento progressivo da dose ou comportamento de busca da droga com vários médicos. Esses pacientes podem preencher os critérios para os diagnósticos de abuso ou dependência. Observa-se que pouca pesquisa formal tem sido conduzida para aval iar a eficácia de qualquer regime farmacotera pêutico a ser utilizado na síndrome de abstinência de anfetamínicos. Muitas das condutas provêm da prática e da observação clínica de pacientes que se apresentam em salas de emergência ou ambulatórios de dependência química com quadro de fadiga, humor depressivo e pensamentos negativos ou pessimistas. Na grande maioria dos casos, os sintomas sâo resolvidos em curto período de tempo, sendo necessárias apenas medidas de suporte, como um ambiente calmo, alimentação, hidratação e descanso. Com relação ao metilfenidato, vale ressaltar que as áreas cerebrais envolvidas nos efeitos clínicos desse fármaco são as mesmas nas quais outras substâncias geram os diferentes mecanismos de dependência química. O aumento nos níveis de dopamina em áreas do sistema limbico é semelhante aos obt idos em efeitos reforçadores gerados por outras substâncias de abuso. Portanto, é necessário cautela na utilização de fármacos que atuam nessas áreas cerebrais. Não existem tratamentos específicos para a sindrome de abstinência por anfetamínicos, pois em geral os sintomas são autolimitados e normalmente não necessitam de internação. O uso de antipsicóticos é reservado para os quadros de psicose, agitação ou delírio, onde o haloperidol é comumente utilizado. A tioridazina é outro antipsicótico que pode ser útil em casos de agitação e ansiedade, na dose média de 300 a 600 mg/ dia, fracionada de 2 a 4 vezes. Pacientes com problemas hepáticos, renais e com baixo peso devem receber doses diárias A o\anzapina em comprimidos orodispersíveis ou na forma injetável via intramuscular, em doses habituais, é suficiente para estabilizar o quadro. Utiliza-se em torno de 10 mg intramuscular, repetindo a dose em I ou 2 horas. Na for ma orodispersível, existem comprimidos de 5 e lO mg. Os benzodiazepínicos de meia-vida curta podem ser utilizados para diminuir a sintomatologia durante a síndrome de abstinência. O lorazepam ou diazepam podem ser adm in istrados para agitação e ansiedade. Na década de 1970, os antidepressivos triddicos, em especial a imipramina e a desipramina, foram uti lizados com base na observação clínica. Os efeitos positivos sobre a anergia e psicoastenia são observados nas primeiras semanas

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Parte 4

TOXICOLOG IA SOCIAL E MEDICAMENTOS

Casos com sintomas mais graves podem necessitar de internação, principalmente pacientes que evoluem com ideação suicida. Devido aos frequentes pensamentos relacionados ao suicídio em indivíduos que apresentam síndrome de abstinência, evitar esse ato torna-se a meta mais importante nessa fase.

3.6. Efeitos tóxicos decorrentes do uso abusivo A toxicidade da anfetamina ocorre principalmente nos siste-

mas cardiovascular e neuropsíquico. Conforme já citado, os anfetamínicos aumentam seletivamente a liberação de dopamina c norepinefrina e bloqueiam a recaptação destas catecolaminas nas sinapses, resultando em hiperestimulação dos receptores dopaminérgicos e adrenérgicos. Como consequência fisiopatológica , tem-se, respectivamente, uma intensa estimulação central e da atividade física. A intoxicação aguda produzida pelos anfetaminicos produz sintomatologia clínica similar àquela decorrente do uso de cocaína. Primeiramente, ocorre acentuação dos efeitos farmacológicos no SNC e cardiovascular. Podem surgir hipertermia, edema cerebral, hemorragia intracraniana difusa ou colapso cardiovascular, sendo esta a principal causa da morte. Ocorre sudorese abundante com consequente taquipneia e taquicardia e pode advir falência renal como decorrência do colapso circulatório. As principais manifestações clínicas relacionadas à severidade da síndrome aguda estão relacionadas na Tabela 3. Tabela 3. Classificação da severidade da intoxicação por anfetaminas. Mamfestação clln1ca

Sevendade

Agitaç1io. irrilabil idade, insônia, tremor, hiper·rellexia,sudorese,midríase,rubor. Hiperalividade, confus1io, hipertensão, taquipneia, laquicardia,extrassístoles,febrefraca,sudorese Delírio, mania, autoescoriações, hipertensão _Eronunciada, taqu icardia, arritmia. Delírio, mania, autoescoriações, hipertens1io pronunciada,taquicardia,arritmia,hiperpirexia, acidemia,falênciarenal,convulsãooucoma, colapso circulatório ou morte. Os anfetamínicos, à semelhança dos demais estimulantes, induzem à melhora da autoestima e do estado de vigília, ao aumento das atividades física e mental e euforia. À medida que se instaura a tolerância e há o aumento da dose, sobrevêm ansiedade, disforia, confusão mental, depressão, náuseas, cefaleia e fadiga. O usuário mostra-se agi tado, trêmulo, eloquente, desconfiado e ansioso, sendo que alguns se tornam hostis e agressivos. Embora a memória, a orientação e o discernimento estejam, em geral, preservados, altas doses ou uso muito frequente podem levar o individuo ao suicídio ou ao desenvolvimento de ideias homicidas. Talvez em função do rápido aparecimento de tolerãncia, as fatalidades não são muito comuns e ocorrem, em geral, com usuários novatos. Com o uso de grandes doses de anfetamina, ocorre comportamento estereotipado. Em roedores, observam-se ações repetitivas, como lamber, roer, levantar as patas traseiras e movimentos repetidos da cabeça e dos membros. Estas atividades

são geralmente impróprias para o ambiente e com doses aumentadas de anfetamina elas prejudicam ma is e mais o comportamento do animal. Estes efeitos comporta mentais são evidentemente produzidos pela liberação de catecolaminas no cérebro, pois o pré-tratamento com 6-hidroxidopamina, que depleta o cérebro de noradrenalina e dopamina, abole o efeito daanfetamina. Alguns estudos demonstram que usuários crônicos de metanfetamina podem apresentar uma redução neuronal nos transportadores de dopam i na, gerando um acúmulo deste no neurônio pré-sináptico, podendo causar falhas cognitivas e motoras, aumentando a possibilidade, inclusive, do surgimento de sintomas parkinsonianos em idades mais avançadas. Usuários crônicos de metanfetamina apresentam alterações metabólicas cerebrais tanto em regiões associadas à transmissão dopaminérgica quanto naquelas não associadas. Além dos sistemas já citados, podem-se observar também alterações no sistema serotoninérgico. Várias doses de metanfetamina podem ocasionar uma diminuição da atividade da triptofano hidroxilase em nervos serotoninérgicos de cérebro de ratos, com consequente diminuição de serotonina. Recentes estudos têm associado o uso de metanfetamina e a presença de cardiomiopatias em indivíduos com idade igual ou inferior a 45 anos, onde 40% dos indivíduos que apresentavam tais alterações cardíacas eram usuários de metanfetamina. As alterações incluem hipertensão, taquicardia, vasoespasmo, infarto do miocárdio e hipertensão pulmonar. Alucinações, ideias paranoicas e comportamento bizarro podem advi r do uso crônico. Doses relativamente baixas, como 50 mg por 5 dias, podem desencadear paranoia. A psicose oriunda dos anfetamínicos se configu ra , tipicamente, por comportamento agressivo, hostil, estereotipado, hiperatividade física e ansiedade. Ocorrem alucinações tácteis e à semelhança do que se observa com a cocaína, há desenvolvimento de escoriações dérmicas decorrentes das tentativas de retirada do parasita imaginário. Ainda poderão ocorrer estados de desnutrição e complicações como infarto agudo do miocárdio, ce gueira cortical transitória, cardiopatias irreversíveis, vasoespasmos sistêmicos e edema pulmonar agudo. Além dos distúrbios neuropsíquicos, há ainda aqueles pertinentes aos padrões de uso. Assim como usuários de outras substâncias injetáveis, os usuários crônicos de anfetamina por via intravenosa estão sujeitos a adquirir hepatite, endocardite bacteriana, cor pu/mona/e, resultantes de granuloma de corpo estranho, angeíte necrosante e imunodeficiência adquirida (Aids).

4.

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4.4. BARBITÚRICOS Maria das Graças Almeida Gabriel Araújo da Silva

CONTEÚDO DESTE CAPÍTULO Introdução 1.1. Relação estrutura-atividade e classificação dos barbitúricos 2. Toxicocinética 2.1. Absorção e distribuição 2.2. Biotransformação e excreção I.

1.

INTRODU ÇÃO

Os sedativos hipnóticos são fármacos comumente prescritos para o tratamento da insônia, da ansiedade, da crise de epilepsia e também utilizados de forma i licita pelos seus efeitos sedativo e eufórico, bem como na te ntativa de suicídio. O ácido barbitúrico (2,4,6 -trioxo-hexaidropirimidina) é formado pela condensação do ácido ma Iônico com a urcia (Figura 1). Descoberto em 1864, por Adolfvon Baeyer, por ser clinicamente desprovido de ação depressora sobre o sistema nervoso central (SNC), despe rtou pouco interesse. Entretanto, a presença de substituintes alquil ou aril no carbono 5 conferem diferentes atividades sedativo-hipnóticas ou anticonvulsivantes. O primeiro barbitúrico introduzido no arsenal terapêutico, em 1903, foi o ácido dietilbarbitúrico (barbital). Poucos anos depois,

3. Toxicidade 3.1. Toxicidade neonatal 4. Dependência 5. Tratamento 6. Bibliografia

surgiu o fenobarbital, com atividadeanticonvulsivante, utilizado até os dias atuais. O amobarbital foi usado por via intravenosa como anestésico geral em 1928, sendo substituído pelo hexobarbital e, a seguir, pelos derivados tiobarbitúricos. No início dos anos de 1970, as intoxicações letais por superdose de derivados barbitúricos chegaram a ser a maior causa de morte induzida por fármacos. Na década de 1950, começaram a surgir os hipnóticos não barbitúricos, como glutetimida e metaqualona, que não mostrara m nenhuma vantagem frente aos barbitúricos e, à semelhança destes, apresentavam a propriedade de causar dependência. Em 1961, foi lançado o clordiazepóxido, iniciando-se uma nova fase da história dos sedativo-hipnóticos. Dezenas de benzodiazepinicos foram sintetizados e testados e, hoje, comprovadamente, são tidos como hipnóticos com grande margem de

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Parte 4 TOXICOLOG IA SOC IAL E MEDICAMENTOS

segurança, apesar de causarem dependência. O reconhecimen to dos problemas de superdose, devido à estreita janela terapêutica, alem do seu potencial de abuso, fez com que os barbitúricos fossem substituídos pelos benzodiazepínicos, mais eficientes e seguros. Isso resultou em redução de mais de 50% nos óbitos induzidos por barbitúricos, e a mortalidade é menor do que 2%, na maioria dos casos de pacientes hospitalizados por ingestão de doses excessivas de barbitúricos, quando mo-

terapêutico, quando comparados aos benzodiazepin icos e ao grande número de interações medicamentosas. Mesmo com elevada toxicidade, as indicações terapêuticas como an ticonvulsivantes e sedativo-hipnóticos são importantes. Atualmente, três barbitúricos são comercializados no Brasil. O pentobarbital e o tiopental são utilizados em apresentações intravenosas de uso restrito aos hospitais, principalmente cent ros de terapia intensiva, como anestésicos, tanto de indução quanto de ma nute nção, e como sedativo-hipnóticos. O fenobarbital, com meia-vida de 80 a 120 horas, é indicado como anticonvu lsivante oral, sendo o barbitúrico mais utilizado e, também, o agen te causador da maioria das intoxicações por barbitúricos.

nitorizados adeq uadamente. No entanto, os barbitüricos constituem ainda um dos grupos de fármacos com maior incidência de intoxicação, devido à falta de especificidade de efeitos no SNC e a seu baixo índice

o

o HN J (

HOJ (

O=::: Kreteks ou cigarro de cravo: cigarros com aroma de cravo (podem ter outros sabores exóticos) e eugcnol, que, pelo seu efeito anestésico, podem levar a aspirações mais profundas e prejudiciais. •> Charuto: preparado com folhas de tabaco curadas ao ar c fermentadas, envoltas em folha seca de tabaco. ~produzido em diversas formas c tamanhos c recebe diferentes nomes, como cl1eroot e chuta, na lndia, e khi yo muan e tra kai, em regiões da Tailândia. Os processos de envelhecimento e fermentação produzem altas concentrações de produtos cardiogênicos liberados na combustão; também possui concentrações de toxinas e irritantes maiores que as do cigarro normal. Em alguns países, pode ser fumado de maneira reversa, colocando-se a ponta acesa dentro da boca e aspirando a fumaça. •> Bidi (beedi, biri): consiste de pequenas porções de tabaco compactado, envoltas manualmente em folha seca de tendu ou temburni (plantas nativas da Ásia) e amarradas com uma linha. Apesar de pequeno, o bidi tende a liberar mais alcatrão e monóxido de carbono porque o usuário tem que as pirar com mais força para mantê-lo aceso. •> Cachimbo: dispositivo mais antigo que se conhece para fumar. ~feito de madeira, argila, ardósia ou outras substâncias. O tabaco é colocado em um fornilho, onde se deposita o tabaco e, por um tubo, se aspira a fumaça •> Narguilé (cachimbo de água, sl1iSI1a, l10okan): opera por filtração da água e aquecimento indireto. O tabaco aromatizado é queimado em um fornilho coberto com lâmina e carvão. O fumo é refrigerado por filtração por meio de um recipiente com água e consumido por uma mangueira e um bocal.

•> Cigarro:

Tabaco não fumado

•> Rapé: tabaco seco reduzido a pó fino que se inala ou tabaco úmido e grosso que se retém na boca. mascar: produto do tabaco colocado na boca, sendo mastigado ou chupado. Dependendo da região, o tabaco para mascar vai acompanhado por outros materiais como cal apagada, mentol, cravo e canela. O usuário geralmente cospe o tabaco acumulado c a saliva.

•> Tabaco de

•> Produtos dissolvivcis de tabaco: dissolvem-se na boca facilmente, contêm tabaco e outros produtos com a finalidade de liberar nicotina para ser absorvida pela mucosa oral. São produzidos por marcas famosas de cigarro, como alternativas para o fumante usar em ocasiões que não pode ou não quer fumar. O cigarro é a principal forma de uso do tabaco em todo o mundo. Porém, em alguns países, predominam ainda hoje outros usos tradicionais, sobretudo nas comunidades rurais e afastadas dos grandes centros. O cigarro começou a ser industrializado por volta de 1840. Inicialmente, era enrolado à mão e, em 1850, essa operação tornou-se mecanizada. Dccouflé, na França, em 1880, aperfeiçoou uma máquina de elevada produção. As máquinas em uso hoje chegam a produzir 16 mil cigarros por minuto. Os cigarros são classificados de diversas maneiras, de acordo com o conteúdo de alcatrão e nicotina, aroma, cor, procedência do tabaco, comprimento da coluna e se dispõe de filtro ou não. As características do cigarro, incluindo mecanismos de ventilação, filtros, porosidade do papel e tipo de tabaco, influenciam significativamente nos niveis de toxinas e produtos carcinogênicos na fumaça inalada.

5.

NICOTINA

5.1. Farmacocinética Absorção e distribuição A nicotina é destilada a partir da queima do tabaco e inalada com gotículas de alcatrão. Como é uma base fraca (pK. = 8,0), sua absorção através das membranas mucosas é pH-depcndente. Por esse motivo, é explicado o porquê de os fumantes de cachimbos e charutos não precisarem tragar, pois a fumaça do tabaco usado nesses produtos é menos acíclica (pH 6,5 ou maior) e a nicotina se encontra consideravelmente na forma não ionizada, que é melhor absorvida na mucosa bucal. De maneira inversa, pelo fato de o pH da fumaça do tabaco encontrado na maioria dos cigarros ser acíclico (pH 5,5 a 6,0), há pouca absorção bucal, pois a nicotina está primariamente na forma ionizada. Quando a fumaça alcança as vias aéreas inferiores e os alvéolos, a nicotina é rapidamente absorvida, devida à extensa superfície de contato dessas regiões. Os niveis plasmáticos de nicotina aumentam rapidamente, atingindo uma concentração máxima dentro de 10 minutos. O tabaco de mascar, o rapé e as várias formulações utilizadas na terapia de substituição de nicotina, como chiclete de nicotina, adesivo transdérmico (patch), comprimidos sublinguais ou pastilhas, são tamponados para um pH alcalino para facilitar a absorção da nicotina através das membranas. Mesmo assim, a absorção de nicotina a partir de todas essas formas é mais lenta e o aumento da concentração plasmática é mais gradual do que a via pulmonar. Portanto, o fumo de um cigarro é a forma mais eficiente de administração da nicotina, pois o fármaco inalado escapa da extensa biotransformaçâo hepática decorrente da primeira passagem pelo fígado, atingindo as mais altas concentrações no cérebro em questão de segundos, comparáveis às atingidas após administração intravenosa. Apesar de o fumante inalar apenas 20 a 25% da quantidade total de nicotina por meio da corrente primária - a porção restante é destruída pela pirólise ou perdida na corrente secundá-

Tabaco

ria - praticamente tudo, ou seja, de 80 a 90% da nicotina inalada e absorvida, o que corresponde a cerca de I a 1,5 mg. A rapidez com que ocorre o aumento dos níveis plasmáticos de nicotina permite ao fumante dosar, ou titular, a concentração de nicotina no sangue com os efeitos relacionados durante o fumo. O fuma nte pode manipu lar a dose de nicotina e os níveis cerebrais alcançados a cada tragada , uma vez que a absorção ocorrida durante o fumo de pende, entre outros fato res, do volume e da quantidade de tragadas e da profundidade de inalação. A nicotina é pouco ligada às proteínas plasmáticas, menos que 5%, sendo rápida c amplamente distribuída aos órgãos e tecidos do orga nismo, com um volume de d istribuição de 2,6 Llkg. Baseado em amostras de autó psias de fumantes humanos, o fígado eo órgão que apresenta maior afinidade por nicoti na, seguido pelos rins, pelo baço e pelos pu lmões, ao passo que o tecido adiposo é o que apresenta a menor afinidade. Atravessa facilmente a barreira placentária e há evidência de que as concentrações de nicotina no soro fetal e no fluido amniótico são levemente maiores que a materna.

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(8-10%)

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NICOTINA

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UGT: uri dina-dilosfato-glicuronos iltransferase: FM0 3: f lavina mono-oxigenase-3

Figura 1.

Principais vias de biotransformação da nicoti na e proporções estimadas dos metabólitos excretados na urina.

Fo11te:adap ta dade H11 kkanen eta/. 2005.

il·i !jfi····

Biotransformação e excreção A nicotina e rápida e extensivamente biotransformada pelo fi gado, dando origem a vários metabólitos. A principal via de biotransformação é a catalisada principalmente pela CYP2A6 e, em uma menor extensão, pela CYP2B6 e CYP2EI, onde 70 a 80% da nicotina, em humanos, é convertida a cot inina. Posteriormente, a cotinina é biotransformada a lnms-3'-hidroxicotinina (3HC) quase exclusivamente pela CYP2A6. Por esse mot ivo, a razão 3HC/cotinina pode ser usada como um marcador fenotípico da atividade da CYP2A6 como também para est imar a taxa de metabolismo da nicotina. A nicotina-1'-N-óxido é outro metabólito da nicot ina, sendo que apenas 4 a 7% da nicotina é convertida por essa via, que envolve a flavina mono-oxigenase-3 (FM03). Outros metabólitos encontrados em menores quantidades são a nornicotina (0,4 a 0,8%) e a nicotina íon isometón io (0,4- 1,0%). A n icotina também pode sofrer glicuronidação, catalisada pela uridina-di fosfato-glicuronosiltransferase (UGT) IA4, IA9 e 28\0 (Figura 1). Apesar de a glicuronidaçâo ser geralmente uma via de menor importância, pode ser determinante para a depuração da nicotina no caso de pessoas com baixa atividade de CYP2A6.

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Parte 4

TOXICOLOG IA SOCIAL E MEDICAMENTOS

Embora 70 a 80% da nicotina absorvida pelos fumantes seja biotransformada a cotinina, somente 10 a 15% aparece na urina como cotinina inalterada. E que, por sua vez, a cotinina também é bastante biotransformada e vários metabólitos Já foram identificados na urina. Sem dúvida, parece que a maioria dos metabólitos urinários da nicotina reportados é derivada da cotinina. A lrans-3'-hidroxicotinina é o principal metabólito da nicotina detectado na urina de fumantes (33 a 40%), seguido da cotinina glicuronideo (12 a 17%) e também da /rans-3'-hidroxicotinina glicuronídeo (7 a 9%) (Figura 1). A conversão de cotinina a lrans-3'-hidroxicotinina em humanos é altamente estereosseletiva para o isômero trans, uma vez que menos de 5% é detectado como cis-3'-hidroxicotinina. A nicotina é excretada pelos rins por filtração glomerular e secreção tubular, com reabsorção variável, dependendo do pH urinário. Com pH da urina normal, a depuração renal é cerca de 35-90 mL.min·1, o que representa a eliminação de cerca de 5% do total da depuração. Em urina ácida (pH urinário 4,4), a nicotina está principalmente na forma ionizada, e a reabsorção tubular é minimizada; a depuração renal pode ser tão elevada quanto 600 mL.min·1 dependendo da taxa de fluxo urinário. Na urina alcalina (pH da urina 7.0), uma fração maior de nicotina está na forma não ionizada, permitindo a reabsorção tubularcom a depuração renal tão baixo como 17 mL.min· 1• Experimentos mostram que o aumento da taxa de eliminação na nicotina, por acidificação da urina, pode aumentar o consumo de cigarros de tabaco em seres humanos. A cotinina é menos influenciada pelo pH urinário do que a nicotina porque é menos básica e, portanto, está principalmente na forma não ionizada no pH fisiológico. A meia-vida da nicotina é de cerca de 2 horas, ao passo que a da cotinina é por volta de \6 horas. Por essa razão, a coti nina é amplamente usada como um marcador quantitativo da exposição à nicotina, podendo ser detectada em vários fluidos biológicos. Um considerável polimorfismo genético na atividade da CYP2A6 e UGT está associado com uma ampla variabilidade individual e diferenças raciais na velocidade de metabolismo da nicotina. Os asiáticos e africanos americanos metabolizam a nicotina, em média, mais lentamente do que os brancos ou hispânicos.

5.2. Farmacodinâmica Quando uma pessoa fuma um cigarro de tabaco, a nicotina é absorvida rapidamente e alcança o cérebro dentro de 10 a 20 segundos, onde se liga a receptores nicotínicos colinérgicos (nAChRs). Esses receptores são oligômeros transmembranares constituídos por diferentes combinaçôes de 5 subunidades, presentes nos gânglios autonômicos, na junção neuromuscular e no sistema nervoso central (SNC). As várias combinaçôes de subunidades dos nAChRs diferem nas suas propriedades farmacológicas e cinéticas. Os nAChRs presentes nos músculos são heteropcntãmeros constituídos por subunidades a, p, y, ó e e, ao passo que os receptores do cérebro são formados por 9 subunidades a (a2 a aiO) e 3 subunidades p (p2 a P4l. As subu nidades mais abundantes, em humanos, são a4P2, a3p4, e a7 (homomérico). A presença da subunidade ~2 é crítica para a liberação da dopam ina e para os efeitos comportamentais da nicotina, incluindo a autoadministração. A subunidade a4 é um importante

determinante da sensibilidade à nicotina. O subtipo a3p4 parece mediar os efeitos cardiovasculares da nicotina, ao passo que os receptores a-7 homomérico medeiam a rápida transmissão sináptica e podem desempenhar um papel na aprendizagem Os nAChRs pertencem à família dos receptores ligados aos canais iônicos, também chamados de ionotrópicos. Quando a nicotina se liga a esses receptores, eles se ativam e adquirem a conformação de canal aberto, permitindo o influxo de cátions, incluindo sódio e cálcio (Na' e Ca 1 ' ). No SNC, a nicotina exerce seus efeitos interagindo com nAChRs pré-sinápticos localizados nos terminais dos axônios. A estimulação desses receptores resulta no aumento da liberação de vários neurotransmissores. A liberação de dopam i na é crítica para os efeitos reforçadores da nicotina e outras drogas de abuso. A liberação de outros neurotransmissores, como norepinefrina, acetilcolina, glutamato, serotonina, endorfinas e GABA, também medeia vários comportamentos observados em fumantes. A relação dose-resposta da nicotina é complexa, seguindo uma curva em forma de «U" invertido, ou seja, em baixas concentraçôes, a nicotina tem pouca influência na autoadministração, mas produz uma estimulação do sistema nervoso central e periférico, com aumento do estado de alerta, frequência cardíaca ou pressão sanguínea. Com a elevação da dose, é ativado o centro de recompensa, causando um aumento de sensaçôes agradáveis. No entanto, em doses mais elevadas, a nicotina produz um efeito aversivo, com bloqueio ganglionar resultando em bradicardia, hipotensão e uma diminuição do estado mental. Por esse motivo, fumantes titulam, isto é, dosam a quantidade de nicotina capaz de manter os níveis plasmáticos correspondentes às experiências gratificantes.

5.2.1. Tolerância Uma exposição crônica à nicotina resulta em uma neuroadap tação, ou seja, o desenvolvimento da tolerância farmacodinãmica, que pode influenciar diversos circuitos e vias de sinalização. A neuroadaptação mais bem estudada é aquela associada com o aumento do número de nAChRs cerebrais, conhecida como up-regulation. Vários mecanismos moleculares têm sido propostos para explicar a up-regulation dos receptores, que pode ser visto como uma adaptação homeostática. Em condiçôes fisiológicas normais, após a abertura docanal pela ligação à acetilcolina, os receptores ficam transitoriamente refratários ou dessensibilizados. Porém, na ausência do agonista, devido à degradação pela acetilcolinesterase, os receptores retornam ao estado de repouso em que os canais voltam a se fechar, mas com a possibilidade de serem novamente ativados. No entanto, ao contrário da acetilcolina, a nicotina não é hidrolisada pela acetilcolinesterase e, assim, a exposição prolongada à nicotina favorece a dessensibilização dos nAChRs e os receptores permanecem inativos. A resposta homeostática aos receptores dessensibilizados é a up-regulation. A tolerância se desenvolve rapidamente para disforia, náuseas e vômitos, que geralmente ocorrem quando se fuma pela primeira vez. Para muitos fumantes, à medida que vão fumando no decorrer de um dia, desenvolve-se uma tolerância para os efeitos subjetivos e uma tolerância parcial para a aceleração do ritmo cardíaco. A tolerância se desenvolve em diferentes graus para várias respostas à nicotina, de acordo com as diferentes taxas de inativação dos subtipos de receptores colinérgi-

4.8.

cos nicotínicos. Mas os efeitos primários, como a euforia, tendem a diminuir ao longo do dia. No entanto, a abstinência durante a noite permite uma considerável ressensibilização para as ações da nicotina, ou seja, a tolerância é perdida e os receptores se tornam ativos novamente. Assim, o primeiro cigarro do dia produz uma resposta cardiovascular e subjetiva maior do que os subsequentes. À medida que os cigarros são fumados ao longo do dia, as recompensas positivas vão progressivamente diminuindo, pois o acúmulo de nicotina resulta em um maior grau de tolerância, e os sintomas de abstinência se tornam mais pronunciados entre os sucessivos cigarros. Assim, no final do dia, a motivação de fumar se dá primariamente pelo alívio dos sintomas de abstinência. Devido âs características de dose-resposta c de tolerância, a maioria dos fumantes tende a absorver a mesma quantidade de nicotina no dia a dia para alcançar os efeitos desejados do cigarro. Os fumantes ajustam o seu comportamento de fumar para compensar alterações na disponibilidade de nicotina ou na taxa de sua eliminação, a fim de regular os níveis de nicotina. Dessa forma, cigarros "light» ou com "baixos teores de nicotina e alcatrão» dão apenas a ilusão ao fumante de que trazem menor risco à saúde. Ao fumar esses cigarros, o fumante precisa dar tragadas mais profundas, aumentar o número de tragadas por cigarro ou, ainda, aumentar a quantidade de cigarros fumados para evitar o declínio da concentração plasmática de nicotina. Como consequência, os fumantes ficam expostos a uma maior quantidade de monóxido de carbono do que anteriormente

5.2.2. Dependência A liberação de dopamina é critica para os efeitos reforçadores tanto da nicotina como de outras drogas de abuso. A nicotina libera dopamina na área mesolímbica, corpo estriado e córtex pré-frontaL De especial importância sâo os neurônios dopaminérgicos da área tegmental ventral do mesencéfalo e a liberação de dopam i na no núcleo accumbens, já que esta via parece ser crítica para a recompensa induzida pelas drogas de abuso, uma vez que sinaliza urna experiência agradável. A ativação de neurônios dopaminérgicos na área tegmental ventral é aumentada pelos neurônios glutarnatérgicos excitatórios e inibida por projeções GABAérgicas, também estimulados pela nicotina. Assim, o efeito global da nicotina sobre a liberação de dopam ina é dependente da interação de efeitos diretos da nicotina e da modulação do glutamato e GABA. Em modelos animais usados para testar a recompensa, a nicotina reduz acentuadamente o limiar para autoadministração, o que é consistente com uma maJOr recompensa. O receptor do subtipo a4~2' (asterisco indica uma possível presença de outras subunidades no receptor) é predominante no cérebro humano e acredita-se que seja o principal receptor que medeia a dependência da nicotina. Em camundongos que não expressam o gene da subunidade ~2. os efeitos comporta mentais da nicotina são eliminados de tal modo que não há liberação de dopamina no cérebro ou a autoadministração não é mantida. Além da nicotina, outros constituintes da fumaça do cigarro contribuem para a dependência. Produtos formados da con densação do acetaldeído (presente na fumaça do cigarro) com aminas biogênicas inibem a atividade da MAO-A e da MAO-B; há evidências de que a inibição da MAO contribui para o aumento dos efeitos reforçadores da nicotina devido à maior disponibilidade da dopamina.

Tabaco il·ifJfii:J·• • • •

A dependência ao tabaco é multi fatorial, incluindo o desejo das ações farmacológicas diretas da nicotina, como prazer, excitação e aumento do desempenho, bem como o alívio da sindrome de abstinência e o comportamento condicionado. Os fu mantes associam estados de humor específicos, situações ou fatores ambientais (as chamadas pistas ambientais) com os efeitos de recompensa da nicotina. O desejo de fumar é mantido, em parte, por tais condicionamentos. Por exemplo, geralmente se fuma após uma refeição, com uma xícara de café ou uma bebida alcoólica, ou com amigos que fumam. Quando tais situações são repetidas várias vezes, podem se tornar uma poderosa pista para desencadear o desejo de fumar. Aspectos ligados ao próprio ato de fu mar, como a manipulação do cigarro, o gosto, o cheiro ou a sensação de fumaça na garganta, també m se associam com os efeitos agradáveis de fumar. Até mesmo experiências desagradáveis podem se tornar pistas condicionadas para querer fumar. Assim, um fumante pode aprender que ficar sem um cigarro provoca irritabilidade e que o fumo proporciona um alívio. Depois de repetidas experiências como esta, quando um fumante se sentir irritado por qualquer outro motivo, pode ter desejo de fumar. As pistas associadas à droga desencadeiam recaída, que constituem um problema clínico importante, pois contribuem para a persistência da dependência Estudos de neuroimagem funcional indicam que a exposição às pistas associadas à droga ativa regiões corticais do cérebro, incluindo a ínsula. Fumantes que sofrem danos na insula (p. ex., devido a trauma cerebral) são mais propensos a parar de fumar logo após a lesão e permanecer abstinentes comparados com aqueles que tiveram lesão cerebral sem afetar a insula. O risco de dependência aumenta quando mais jovem se começa a fumar, assim como é maior a dificuldade para largar de fumar. Estatísticas mostram que 80% dos fumantes começaram a fumar com idade inferior a 18 anos. Estudos conduzidos em cérebro em desenvolvimento, em animais, sugerem que a nicotina pode induzir alterações permanentes que levam à dependência. Ratos adolescentes expostos à nicotina apresentam maiores alterações cerebrais e maiores taxas de autoadministração de nicotina, quando comparados com ratos adultos, o que é consistente com a ideia de que a exposição precoce à nicotina aumenta a gravidade da dependência. Outras populações vulneráveis para a dependê ncia de nicotina incluem pessoas com doenças psiquiátricas, como esquizofrenia, depressão e outros transtornos de humor e ansiedade, bem como em usuários de drogas, incluindo o álcool. As taxas de tabagismo em indivíduos com esquizofrenia são extraordinariamente altas(;::: 80%). Como a nicotina é metabolizada em cotinina, principalmente pelas enzimas hepáticas CYP2A6, as pessoas com uma base genética para o metabolismo lento fumam menos cigarros por dia do que aquelas com um metabolismo mais rápido. Na medida em que os fumantes regulam a absorção de nicotina para manter determinados níveis plasmáticos, aqueles que metabolizam nicotina rapidamente fumam mais cigarros por dia do que aqueles que metabolizam mais lentamente. Estudos têm sugerido que os metabolizadores rápidos são mais propensos a se tornar dependentes, apresentar sintomas de abstinência mais intensos e ter maior dificuldade em deixar de fumar do que os metabolizadores lentos O comportamento de fumar em mulheres é mais fortemen te influenciado por estímulos condicionados, ao passo que os

·····I!FU!Ii

Parte 4

TOXICOLOG IA SOC IAL E MEDICAMENTOS

homens são mais propensos a fumar em resposta a estímulos farmacológicos, regulando sua absorção de nicotina mais precisamente do que a mulher. Em média, as mu lheres metabolizam a nicotina mais rapidamente do que os homens, o que pode con tribuir para a sua maior suscetibilidade à dependência à nicotina e pode ajudar a explicar por que, entre os fumantes, é mais difícil para as mulheres deixar de fumar. Além do mais, as mulheres têm uma maior prevalência de transtorno depressivo do que os homens. Dada a forte ligação entre a dependência de nicotina e de pressão, esta pode ser outra base para as diferenças de sexo relativas ao nível de dependência à nicotina. Estudos em gêmeos têm demonstrado que a tendência a fu mar pode ser herdada; mais de 50% do risco de se tornar dependente da nicotina pode ser atribuído a fatores genéticos. Uma pesquisa recente mostrou que modelos animais com uma variação genética que inibe o gene que codifica a subunidade aS do receptor nicotínico, aumenta a vulnerabilidade à dependência à nicotina e à propensão a desenvolver doenças associadas ao fumo (câncer de pulmão e doença pulmonar obstrutiva crônica - DPOC). Esse efeito pode ser revertido com o aumento da expressão da mesma subunidade. Os autores sugerem que a nicotina ativa os receptores nicotínicos contendo a subunidade a S no trato habenulo-interpeduncular, desencadeando uma resposta que atua para diminuir o desejo de consumir mais nicotina

5.2.3. Síndrome de abstinência A síndrome de abstinência ocorre quando a ausência abrupta da nicotina desequilibra a homeostase mantida na presença crônica de nicotina. Dessa forma, a retirada da nicotina resulta em uma liberação subnormal de dopamina e outros neurotransmissores. Consequentemente, há uma deficiência na resposta da dopam i na a estímulos novos em geral e um estado de mal-estar e incapacidade de sentir prazer. Os mais proeminen tes sintomas de abstinência são sintomas de irritabilidade, im paciência, ansiedade, distúrbios do sono, dificuldades de con centração, aumento do apetite com consequente elevação de peso. Outras manifestações incluem problemas de convivência com amigos e familiares, bradicardia, constipação e compul são de fumar. Muitos desses sintomas são comun s a out ras drogas de abuso, mas o ganho de peso e a diminuição da fre quência cardíaca parecem ser mais específicos após a retirada da nicotina. Os sintomas de abstinência da nicotina geralmente atin gem um pico durante a primeira semana de interrupção do uso e desaparecem durante as próximas 3 a 4 semanas. No entanto, alguns relatos indicam que os sintomas podem desaparecer dentro de lO dias, e outros que os sintomas da retirada podem persistir nos últimos 31 dias. O estado de mal-estar e incapacidade de sentir prazer associada à retirada da nicotina tem sido chamado de "desregulação hedônica", que pode explicar a fissura em voltar a fumar novamente. A rápida reversão após readministração de nicotina pode explicar porque mesmo um único cigarro pode facilmente resultar em um retorno compulsivo ao uso do tabaco. Outro fato que pode contribuir para os sinais e sintomas da abstinência é a hiperexcitaçâo das vias colinérgicas, como con sequência da recuperação do estado ativo dos receptores que voltaram a ser responsivos à acetilcolina após a queda ace ntuada da concentração de nicotina.

A abstinência da nicotina também está associada com a desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) e com a cascata de eventos que envolvem o aumento dos níveis do fator liberador de corticotropina extra-hipotalâmica (CRF) e sua ligação com receptores no cérebro (CRFI), que medeia a resposta ao estresse. Nesse sentido, diversos autores admitem que a dificuldade para o fumante abandonar o hábito de fumar deve-se aos efeitos experimentados pela abstinência.

6.

PRINCIPAIS EFEITOS TÓXICOS DO TABAGISMO

O primeiro estudo a demonstrar uma clara relação entre o hábito de fumar e a incidência de câncer de pulmão data da década de 1950. Na época, as taxas de mortalidade por câncer de pulmão no Reino Unido cresciam e a etiologia da doença não era definida, tendo como causas possíveis a poluição atmosférica ou o tabagismo. Os autores enviaram quest ionários sobre os hábitos de fumar para todos os médicos do país, e após três anos verificaram a ocorrência de mortes e suas causas entre os fumantes e não fumantes, sendo observada maior mo rtalidade por todas as causas investigadas entre os fumantes. O tabagismo produz danos em todos os órgãos do corpo, causando muitas doenças e reduzindo a qualidade de vida do fu mante. Parar de fumar leva a benefícios a curto e longo prazo, reduzindo riscos de doenças tabaco-relacionadas e melhorando a saúde em geral. Por exemplo, pacientes tabagistas com doença coronariana, ao cessarem o hábito de fumar, reduzem o risco de mortalidade em 36%, além de prevenirem infarto não fatal em 32%, quando comparados com pacientes que continuaram a fu mar. O risco de acidente vascular cerebral é aproximadamente 1,5 vezes maior em fumantes, igualando-se ao de não fumantes em aproximadamente cinco anos após parar de fumar.

6.1. Intoxicação aguda A intoxicação aguda por tabaco, cujo princípio ativo tóxico mais importante é a nicotina, ocorre principalmente em crianças que ingeriram acidentalmente cigarros e outros produtos contendo tabaco. Também pode ser proveniente da exposição dérmica a folha s da planta, comum em pessoas que trabalham na colheita do tabaco, também conhecida como doença do tabaco verde. A nicotina é o princípio ativo que causa intoxicação nessas situações. Nas intoxicações leves ou moderadas, podem -se observar desconforto gastrintestinal, náusea, vômitos, tontura, cefaleia, tremor, palidez, diaforese e hipertensão. As intoxicações graves são mais raras e podem ser acompanhadas de convulsões, confusão, fraqueza, bradicardia, hipotensão e paralisia dos músculos respiratórios.

6.2. Doenças cardiovasculares As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo e o tabagismo é sua principal causa prevenível, sendo responsável por 10% das mortes. Alguns componentes da fumaça do cigarro afetam proces sos fisiopatológicos no sangue circulante e na parede interna arterial. Seus efeitos produzem mudança substancial no balan-

4.8.

ço hemostático no endotélio, levando a aterosclerose e trombose. Também diminuem a capacidade de oxigenação do sangue e aumentam as demandas do miocárdio. Os mecanismos pelos quais o fumo acelera a aterosclerose e precipita eventos coronarianos agudos são complexos. Os principais constituintes responsáveis são produtos da combustão, incluindo oxidantes químicos, acroleína, butadieno, metais, hidrocarbonetos aromáticos policídicos, material particulado e monóxido de carbono. Os oxidantes aumentam radicais livres, peroxidação de lipídios e contribuem com vários mecanismos de doença card iovascular, incluindo innamação, disfunção endotelial, oxidação da lipoproteína de baixa densidade (LDL) e ativação plaquetária. A nicotina causa aumento sign ificat ivo das concentrações de epinefrina, norepinefrina, elevação da frequência cardíaca, da pressão arterial e vasoconstrição, especialmente dos capilares. A nicotina aumenta o débito cardíaco, a frequência cardíaca e a pressão arterial, mas não está claro o seu papel na aterosclerose. Cronicamente, o tabagismo induz enrijecimento arterial. Com cada cigarro, a pressão arterial aumenta transitoriamente, sendo mais proeminente no primeiro cigarro do dia. Há também interação entre fumar e consumir café, o que contribui para elevação da pressão sistólica durante o dia. Foi observado que alguns fumantes habituais têm pressão arterial menor que não fumantes, que pode ser relacionada a menor peso corporal e ao efeito vasodilatador da cot inina, o principal metabólito da nicotina. O monóxido de carbono inalado na fumaça do cigarro se liga mais avidamente à hemoglobina do que o oxigênio, reduzindo a quantidade de hemoglobina disponível para oxigenação. O nível de carboxiemoglobina em fumantes é de 5 a 10% maior do que nos não fumantes, cujo nível normal é abaixo de 1%.

6.3. Doenças respiratórias Os componentes da fumaça do tabaco prejudicam o sistema respiratório por vários mecanismos que envolvem estresse oxi dativo, ataque ao sistema de defesa, toxicidade aos movimentos cil iares e irritação da mucosa. Vários produtos da fumaça do tabaco causam esses danos diretamente, sendo alvo de maior regulação, como o dióxido de nitrogênio, monóxido de carbono, acroleína, formaldeído, cádmio, cianeto de hidrogênio A principal morbidade respiratória não maligna causada pelo fumo do tabaco é a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e seus subtipos (enfisema, bronquite crônica e asma crônica obstrutiva). A DPOC caracteriza-se por limitação no fluxo de ar que é geralmente progressiva e associada com resposta inflamatória crônica aumentada das vias aéreas e dos pulmões a partículas ou gases nocivos. Por ser uma doença crônica e comum, a DPOC causa elevados gastos com saúde, como consultas médicas frequentes, hospitalização e tratamento medicamentoso. Os pacientes com DPOC apresentam principalmente dispneia, tosse crônica e expectoração, podendo também exibir sibilos e aperto no peito. Parar de fumar é uma estratégia efetiva para o tratamento e controle dessas doenças pulmonares.

6.4. Câncer O tabagismo é a principal causa decâncerquepode ser prevenido, contabilizando mais de 20% das mortes de câncer do mundo.

Tabaco

*I·!F'····

O tabaco é classificado como carcinogênico pela lARC {grupo I), sendo fator de risco comprovado para vários tipos de câncer Os componentes químicos do tabaco causam transformações nas células, mutações ou outros danos genéticos que desencadeiam o câncer. As células somáticas dos fumantes contêm mais danos nos cromossomos de que as de não fumantes. As evidências atuais, provenientes de estudos de coorte e caso-controle, comprovam a existência de risco aumentado devido ao consumo de tabaco e aos seguintes cânceres: trato digestivo superior; cavidade oral; far inge; esôfago; estômago; fi gado; pâncreas; sinos nasais; nasofaringe; laringe; pulmão; cérvix uterina; rins; e trato urinário inferior. Os usuários de tabaco mascado também têm risco aumentado para neoplasias, em especial o câncer de boca, de esôfago e de pâncreas. Mais recentemente, há evidências de que o tabagismo é fa tor de risco para câncer de mama, câncer de pele (carcinoma de células escamosas) e alguns subtipos de câncer de ovário. Os dados sobre o hábito de fumar e a incidência de câncer do tipo melanoma são incertos, sendo apontado como fator de proteção para os homens, mas não para mulheres. Há informações contraditórias sobre o tabagismo e o risco de desenvolver leucemia mieloide. Segundo a monografia sobre tabaco da IARC e o relatório do Departamento Americano de Saúde e Serviços Humanos (USDHHS, do inglês United States Department of Heahh and Human Services), esse câncer pode ser causado pelo hábito de fumar. Tais relatórios baseiam-se na descrição individual de cada estudo, sem apresentar uma medida de risco sumarizando o efeito. A revisão sistemática com metaná\ise disponível no assunto, entretanto, não encontrou significância estatística nessa associação. Alguns aspectos merecem ser enfatizados: primeiro, o tabaco tem ação carcinogênica sob qualquer forma de utilização, aspirado, mascado ou tragado; segundo, o tabaco e os produtos da sua combustão e resultantes da biotransformação exercem ação carcinogênica em outros órgãos, além do pulmão.

6.5. Efeitos nocivos na gravidez Fumar durante a gravidez é o principal fator de risco prevenivel associado com complicações no parto e gestação, sendo associado com 5% das mortes infantis, 10% dos partos prematuros e 30% dos casos de baixo peso para a idade gestacional. O fumo ativo ou passivo durante a gravidez aumenta os riscos de descolamcnto da placenta, ruptura prematura de membranas e placenta prévia. Menor oxigenação para o feto causada pela formação de carboxiemoglobina e diminuição da per fusão do espaço interviloso, por vasoespasmo causado pela nicotina, são os principais mecanismos da toxicidade do tabagismo na gestação. Estudos apontam que a nicotina pode prejudicar o desenvolvimento dos pulmões do feto, diminuir o movimento de respiração fetal e aumentar a frequência cardíaca . O tabagismo também pode causar dano ao material genético do feto, sendo este efeito ainda não completamente esclarecido. Apesar de haver amplo conhecimento que fumar durante a gravidez pode prejudicar o bebê, a prevalência desse hábito ainda é alta. No último levantamento feito nos Estados Unidos, observou-se que 14% das gestantes eram fumantes.

·····DFfli

Parte 4

TOXICOLOG IA SOCIAL E MEDICAMENTOS

6.6. Outros efeitos nocivos à saúde O tabaco influencia na mortalidade por todas as causas c diminui a expectativa de vida dos fumantes; apesar de não causar diretamente algumas doenças, o tabagismo piora o tratamento c a recuperação de diversas situações clínicas O tabagismo é associado com o aumento do risco de vários tipos de infecções, incluindo tuberculose, pneumonia pneumocócica, doença dos legionários, doença mcningocócica, gripe e resfriados. O hábito de fumar aumenta o risco de desenvolver diabetes tipo 2, o que pode ser devido ao efeito da nicotina na sensibilidade à insulina. O tabagismo acelera a perda óssea e aumenta significativamente o risco de osteoporose e fratu ra óssea em homens e mulheres. O tabaco pode causar disfunção erét il, menopausa prematura c problemas de fertilidade em homens c mulheres. úlceras gástricas e duodenais têm maior incidência e demoram mais para cicatrizar em fumantes do que em não fumantes. O fumo do cigarro está associado a maior risco de gengivite e periodontites, causando manchas nos dentes; prejudica a fixação de implantes dentários; c causa perda de dentes. Usuários de tabaco mascado podem desenvolver leucoplasia (queratose da bolsa de tabaco), caracterizada por hiperqueratose e ulceração na parte interna da bochecha. O tabagismo aumenta o risco de complicações perioperatórias, retardo na união de fraturas, infecção, complicações na cicatrização de tecidos moles e complicações pulmonares. Parar de fumar antes ou durante o período pré-operatório pode prevenir tais complicações. Os hidrocarbonetos aromáticos policídicos podem causar indução do citocromo P-450, isoenzimas CYPIAI, CYPIA2 e CYP2El, envolvidas no metabolismo de medicamentos no fígado c em outros órgãos. Alguns medicamentos, como teofilina, cafeína, imipramina, haloperidol, propranolol e estradiol, podem ser mais rapidamente biotransformados, tendo possível impacto no tratamento clinico. A eliminação de heparina também é maior, possivelmente pela ativação de trombose pelo tabagismo. A vasoconstrição cutânea devido á nicotina pode diminuir a absorção de insulina subcutânea e há pior controle da hipertensão e frequência cardíaca pelo tratamento com betabloqueadores. Observa-se menor efeito sedativo de benzodiazepínicos e menos analgesia com opioides, refletindo o efeito estimulante da nicotina. O uso de contraceptivos com o hábito de fumar representa um sério risco de desenvolver trombose, devendo ser evitado. O risco é maior entre as mais jovens e nas fumantes de mais de 20 cigarros por dia. Fumar acelera o envelhecimento da pele pela formação de radicais livres e patologias relacionadas. O tabagismo pode exaurir os mecanismos de defesa celular e reparação, resultando em acumulação do dano devido a mutações e mau funcionamento de proteínas. Também leva à alteração da matriz extracelular da pele e desequ ilíbrio entre biossíntese e degradação das proteínas do tecido conectivo da derme; diminui a síntese de colágeno; e aumenta sua degradação. Tais mecanismos estão envolvidos no aparecimento de rugas que conferem o aspecto envelhecido da pele dos fumantes.

Apesar de popularmente reconhecido por afetar a voz, poucos estudos estão disponíveis sobre o efeito do tabagismo na voz. Um estudo comparou esse efeito em 68 fumantes e 66 não fumantes e observou várias alterações na voz de fumantes quando comparados aos não fumantes, provavelmente por mudanças histopatológicas causadas pelo tabaco. As principais diferenças observadas nos parâmetros analisados foram: aumento da frequência de perturbação; diminuição da frequê ncia fundamental; e aumento dos parâmetros de tremor vocal; esses efeitos significam que há queda na qualidade vocal, além de a voz ficar mais grave c de haver maior tremor vocal. O número de cigarros fumados por dia influencia nos resultados.

7.

EXPOSIÇÃO INVOL UNTÃRIA Ã FUMAÇA DO TABACO

O tabagismo também oferece risco aos não fumantes expostos passivamente ã fumaça do tabaco. O tabagismo involuntário, também conhecido como tabagismo passivo ou inalação da fu maça de tabaco ambiental, é comprovadamente nocivo à saúde. A fumaça do tabaco ambiente é composta de corrente principal inalada (e depois exalada) pelo tabagista e corrente secun dária, que é aquela que se exala da ponta de ignição do cigarro para a atmosfera. A corrente secundária tem maiores concentrações de vários agentes tóxicos do que a corrente principal. O tabagismo passivo comprovadamente causa câncer de pulmão, doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crônicas, diabetes, e aumenta a mortalidade por outras causas. Nas crianças, o espectro dos efeitos é maior, causando sindrome da morte súbita, doenças respiratórias (incluindo asma) e do trato respiratório inferior (alteração do desenvolvimento e crescimento pulmonar), disfunção endotelial, otite média, cáries, diminuição da função renal e doença coronariana.

7.1. Tabagismo no ambiente de trabalho Com o aumento do conhecimento público sobre os efeitos nocivos do tabagismo, esse hábito antigamente aceito no local de trabalho, atualmente vem sendo banido da maior parte desses ambientes. Nos bares, restaurantes, boates e cassinos, o fumo é ainda permitido em alguns países, representando risco maior para os garçons c demais trabalhadores desses ambientes, que fi cam expostos durante toda a jornada de trabalho ao tabagismo passivo

8.

CONCLUSOES

O tabagismo está direta e indiretamente ligado ao desenvolvimento de várias doenças graves, sem apresentar nenhum benefício comprovado. Esforços devem ser concentrados na prevenção do hábito de fumar, por meio de medidas educativas, restritivas e regulatórias, a fim de evitar a difusão do tabagismo. A oferta de alternativas terapêuticas para os fumantes é igualmente importante para auxiliar no desafio de parar de fumar. 9.

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Após consumo oral, a absorção do 6 9 -THC é lenta e irregular, geralmente alcançando uma concentração plasmática máxima, após I a 2 ho ras. Apesarde90a 95% do69 -THC serem absorvidos na porção superior do intestino delgado, a biodisponibili dade oral é muito baixa, variando de 4 a 12%, pelos seguintes fatores: •> extensa biotransformação hepática decorrente da primeira passagem pelo fígado; •> degradação do 6 9 -THC devido ao meio ácido do estômago e aos microrganismos normalmente presentes no trato gastrintestinal. Ao contrário da via pulmonar, cujo pico dos efeitos subjeti vos e fisiológicos ocorre minutos após a inalação da fumaça, a resposta após a ingestão de maconha tem um inicio mais demorado (30 a 60 minutos), maior variabilidade de respostas e efeitos máximos ocorrendo 2,5 a 3,5 horas mais tarde, persistindo por 4 a 6 horas (Tabela 2).

Tabela 2. Diferenças na velocidade de absorção, biodisponibilidade e no tempo de efe ito subjetivo entre as vias oral e pulmonar da Cannabis . V1a de adminiStração

Veloc1dadede absorção

BIOd1spon1b11ldade S1stem1ca

IniCIO

EfeltosubJe\lvo max1mo

Duração

oral

lenta e irregular

4-12%

30-60 min

2,5-3,5 ho ras

4-6 horas

pu lmonar

muito rápida

8-24%

minutos

8-15 min

l-3horas

4.2. Distribuição O 6 9 -T HC é ligado às proteínas plasmáticas em cerca de 97 a 99%, principalmente às lipoproteinas e, em menor proporção, à albumina. Essa alta afinidade proteica é consequência de sua alta lipossolubilidade. ~ uma resina praticamente insolúvel em água, com o valor de pKa : 10,6 e coeficiente de partição octanollágua em pH neutro da ordem de 6.000.

Após a absorção, devido às suas propriedades fisico-quimicas, o 6 9 -T HC é rapidamente distribuído para os tecidos altamente vascularizados como cérebro, fígado, coração, rins e pulmões, resultando em um decrésci mo significativo na concentração plasmática. A seguir, ocorre uma redistribuição desse fármaco, com um acúmulo intensivo em tecidos menos vascularizados e no tecido adiposo, local de depósito onde a concentração de 6 9 -THC pode ser cerca de 1.000 vezes maior que a plasmática.

4.9.

Os canabinoides cruzam a barreira placentária e são secretados no leite materno.

4.3. Biot ransformação e excreção O 8 9 -THC é quase inteiramente biotransformado, principalmente pelo complexo enzimático do sistema microssômico do Cit P-450 (CYP), com maior expressão da subfamília de isoenzimas da CYP2C. Além do fígado, outros tecidos como coração e pulmões também são capazes de biotransformar os canabi noides; porém, em uma extensão muito menor. Envolve oxidação alílica, epoxidação, oxidação alifática, desca rboxilação e conjugação, com mais de 20 compostos já identificados na urinaefezeshumanas.

8- Hidroxi-â~-THC

Firura 3.

Camrabis

II·!F§!J · ••••

Os principais produtos de biotransformação são os compostos mono-hidroxilados, especialmente o I 1-hidrox i-(OH) -89-T HC e o 8-beta-hidroxi-(OH)-8 9 -THC. São compostos ativos, sendo que o primeiro exibe atividade e disposição similar ao .6.9-THC, enquanto o segundo é menos potente. Entretanto, como a concentração plasmática de 11 -0 H-6.9 -THC é tipicamente menor que 10%, quando comparada à concentração do 6.9 -THC, após absorção pulmona r, é provável não haver uma contribuição significativa do composto nos efeitos psicoativos do 6.9 -T HC. Posteriormente, o 11 -0H -8 9 -THC é oxidado a ácido 1!-nor-9-carboxi-6.9 -THC, também conhecido como THC-COOH, que é um composto polar e inativo. Esse produto de biotransformação é conjugado com ácido glicurônico e excretado em quantidades significativas na urina (Figura 3).

8,11-Di-hidroxi-d~-THC

Principais vias de biotransformação do 6. 9 -THC.

Aproximadamente 70% de uma dose total de 6.9 -THC é excretada dentro de 72 horas, sendo 30% na urina e 40% nas fe zes. Ocorre recirculação entero-hepática dos produtos de biotransformação do 6 9 -THC, pois uma quantidade significativa desses compostos é excretada nas fezes. Esse fato também contribui para uma lenta eliminação do 6.9 -THC. Uma quantidade muito pequena de 6 9 -THC inalterado é encontrada na urina, e somente 2% de uma dose é excretada como 11-0H-6.9 -THC. Portanto, o THC-COOH é o principal produto de biotransformação urinário e um biomarcador de exposição à Cannabis. Entretanto, estudos mostra m que há uma grande variação interindividua! no teor e tempo de excreção desse composto na urina. Em média, a janela de detecção (tempo em que é possível ser detectado após a exposição) do THC-COOH urinário para fumantes eventuais de Cannabis, é de 2 a 4 dias, considerando um cutoff(valor de referência acima do qual é considerado positivo) de 15 ng/mL. já para fumantes frequentes, a janela de detecção é cerca de um mês c, em casos excepcionais, pode atingir três meses. Considerando a via oral e um cutoff de 20 ng/mL, a janela de detecção é de 5,9 dias após o consumo de dois brownies contendo 2,8% de 6 9 -THC.

5.

S ISTEMA ENDOCANABINOIDE

A descoberta do sistema endocanabinoide e o desenvolvimento de agonistas canabinoides sintéticos, potentes e seletivos, assim como antagon istas seletivos, desempenharam um papel importante nos recentes avanços da farmacologia dos canabinoides. Os receptores canabinoides, os endocanabinoides e as enzimas que catalisam sua biossíntese e degradação constituem o sistema endocanabinoide.

5.1. Receptores canabinoides Em 1990, foi clonado em laboratório o primeiro receptor canabi noide, conhecido com CBt e logo a seguir, em 1993, o receptor CB2. Pertencem à superfamília de receptores acoplados à proteína G, com 7 domínios transmembrãnicos, contendo uma porção N-terminal extracelular e uma porção C-terminal intracelular. A similaridade entre os dois receptores é cerca de 40%, sendo o receptor CBI maior do que o CB2. Os rece ptores CB\ são os mais abundantes receptores acoplados às proteínas G no sistema nervoso central (SNC), sendo expressos, sobretudo, nos terminais pré-sinápticos. São ampla-

·····lfUil

Parte 4

TOXICOLOG IA SOC IAL E MEDICAMENTOS

mente distribuídos, expressos em densidades si milares aos receptores GABAérgicos e glutamatérgicos, com níveis especialmente altos em áreas do cérebro que regulam o controle dos movimentos do corpo (gânglios basais), coordenação motora

(cerebelo), aprendizagem c memória (hipocampo), funções cognitivas superiores (córtex cerebral, especialmente as regiões cingulada, frontal e parietal) e prazer (núcleo acwmbens). Também existem receptores CBJ expressos no tronco cerebral e medula espinal, que controlam as funções fisiológicas vitais e sensações periféricas, incluindo dor. Essa distribuição é consistente com os efeitos fisiológicos e psicotrópicos produzidos pelo uso da Cannabis por meio da interação do 6.9 -T HC com receptoresCBI. Apesar de os receptores CBI serem expressos principalmente no SNC, também podem ser encontrados, em menores quantidades, em uma variedade de órgãos e tecidos periféricos tais como o tecido adiposo, trato gastrintestinal, tes tículo, placenta, fígado, músculo c endotélio vascular Quanto aos receptores CB2, ao contrário dos receptores CBI, são expressos principalmente nas células imunes periféricas; as maiores concentrações são encontradas no baço, tonsilas (amídalas) e limo. Dessa forma, os receptores C B2 estão envolvidos na modulação do sistema imune. Entretanto, cmbo-

ra normalmente ausentes no SNC, durante estados de neuroinflamação, podem ser encontrados macrófagos residentes em algumas áreas do cérebro como na micróglia. Importante ressaltar que agonistas seletivos de receptores CB2 não produzem efeitos psicoativos, e sim suprimem a função imune.

5.2. Endocanabinoides A descoberta dos receptores canabinoidcs revolucionou o estudo da biologia dessas substâncias, pois foi levantada a possibilidade da existência de canabinoidcs sintetizados pelo próprio organismo, os chamados canabinoidcs endógenos ou endocanabinoides. A partir de então, desencadeou uma intensa busca pelos ligantes endógenos. O primeiro a ser descoberto, em 1992, foi a N-araquidonil-etanolamina ou anandamida, palavra derivada do sânscrito anm1da, que significa felicidade, seguido pelo 2-araquidonil-glicerol (2-AG). Posteriormente, no início dos anos 2000, também foram identificados, em ordem cronológica, o 2-araquidonil-éter-glicerol (noladina), a N-araquidonil-dopamina (NADA) e a 0-araquidonil-etanolamina (virodamina). Ao contrário do que era de se supor, os endocanabinoides são estruturalmente distintos do 6.9 -THC, sendo todos eles derivados de ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa, especialmente do ácido araquidônico (Figura 4).

o

~r Ô'/OH ~NH N-araquidonil-etanolamina {anarod,amcoi00 dac_l_ _ _ _,.-----, 0-araquidonil-etanolamina {virodam ina) 0 O

~{::

~OH -

A~oaraquidOnico ~o{::

2-araquidonil-glicerol 12-AGl

OH

~~OH

2-araquidonil-éter-glicerol (noladina)

N-araquidonil-dopamina (NADA)

Fia:ura 4. Ácido araquidônico e endocanabinoides. Os endocanabinoides apresentam seletividade variada para os dois receptores canabi noides. A anandamida é mais seletiva para o receptor CBI, enquanto o 2-AG ativa ambos os receptores CBI e CB2. A noladina liga-se a receptores CB I e muito fra camente aos CB2. A virodamina é um antagonista de CB I e um agonista parcial de CB2. A anandamida e a NADA também podem estimular levemente os receptores vaniloides VRI, que são receptores associados à dor (nociceptorcs). Apesar da descoberta desses novos compostos, a anandamida e o 2-AG permaneceram os mais intensamente investigados. Portanto, eles ainda são referidos como os principais endocanabinoides.

5.2.1. Biossíntese e degradação dos endocanabinoides Os endocanabinoides derivam de precursores fosfolipídicos membranares, sendo sintetizados conforme a demanda, ou seja, quando necessários. Não são armazenados em vesículas

sinápticas e difundem-se para o meio ext racelular tão logo são produzidos. Dessa forma, o passo limitante para o início da ação dos endocanabinoides é a própria síntese, e não a libera ção vesicular. Seus níveis não são constantes e a cinética de sua degradação é o principal fator de sua atividade. A ananda mida pode ser produzida em duas etapas. Primei ramente, a enzima N-aci l-transfcrase (NAT) catalisa a transferência do araquidonato de um fosfolipídio, para o grupo amina da fosfatidil -etanolamina (PE), por um mecanismo dependente de cálcio, para formar a N-araquidonil-fosfatidil -etanolamina (NArPE). A seguir, a NArPE é divada pela N-acil-fosfatidil-etanolamina (NAPE) fosfolipase D especifica (NAPE-PLD), que libera a anandamida das membranas lipídicas. A anandamida é inativada principalmente pela hidrolase de amida de ácido graxo fatty acid amide hydro/me (FAA H), encontrada, sobretudo, nos compartimentos intracelulares (retículo endoplasmático, mitocôndrias) de neurônios pós-sinápticos (Figura 5).

Camrabis

HC-0~ g

o 11

H 2 ~-0-C- R 1

R 1y--o-[H 2-

O

21

w

+

R3- g-OI

Fosfolipidio(l-0 -araquidonil)

N-acil-transfer~~~· (N AT) Â

1

p

H·I H

7w

-go-

H,C-0-t-0-CH,-CH,-N~

R3

cH

1

H2c-o-

0

N-araquidonii- PE (NArPEl

N-acii - PE-fosfollpaseO (NAPE PLO)

~R,-C-:tO~-R, g HJ-cJ~-0H Ác•dofosfat•d•co

0

1 11

HO-C H,-CH,-~

R r- o- x o·

Lisofosfolipfdio

b H

R o·

Fosfatidil -etanolamina(PEJ

21

H

H 2 C-O-~-O-X

H2 - O- r_-o- CH2- CH2- NH2

H C- 0- C- R

R~-~~ H

11-~h····

Hld,lm d• •mld• d•ãddog""(FAAH)

H~ Acidoaraquidõnico

+

HO- CH 2- CH 2- NH 2

N-araquidonil-etanolamina (Anandamida )

Figura

5.

Etanolamina

Biossíntese e degradação da anandamida {N -araquidonil-etanolamina).

A mais provável via de síntese do 2-AG envolve a ativação da fosfotipase C ligada il membrana (PLC), que cata lisa a hidrólise da ligação fosfodiéster do fosfatidilinositol-4,5 -bifosfato (PIP 2 ), liberando para o meio intracelular dois segundos mensageiros: o inositol 1,4,5-trifosfato (IP 3) e o

sn -1,2-diacilglicerol (DAG). A seguir, o DAG é convertido a 2-AG pela sn -1- DAG lipase seletiva (DAG L). Após sua liberação, o 2-AG é transportado para o compartimento intracelular onde é inativado pela monoacilglicerol-lipase (MAG L) (Figura6).

o {0-~-R Fosf~~r;lse C O { ~ o ---+ ~o O

OCOR

0-~-0X



Fosfatidilinositol-4,5-bifosfato(PIP 2l X=inositol4,5bifosfato

OH

DAG lipase

2-araquidonil glicerol

sn-1-acil-2 -araquidonilglicerol (DAG - Diacilglicerol)

(2-AG)

OH HO {

OH

Glicerol

Figura 6 .

Biossíntese e degradação do 2-AG (2-araquidonilglicerol)

O

OH

~ ~o { OH

+ Ácidoaraquidônico

·····ltfli

Parte 4

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5.2.2. Neurotransmíssão retrógada dos endocanabínoides x neurotransmissão convencional dos neurotransmíssores clássicos Quando comparada aos neurotransmissores clássicos {como a acetilcol ina, o gluta mato, o GABA, a dopam i na e a serotonina), a neurotransmissão dos endocanabinoides (anandamida e o 2-AG) é atípica, ou seja, não convencional (Figura 7)

Os endocanabinoides não são armazenados em vesículas sináptlcas; são sintetizados nos neurônios pós-sinápticos, "sob demanda", após influxo de cálcio e a subsequente ativação das fos -

Como os receptores CBI são predominantemente expressos em neurônios pré-sinápticos, a ação do â 9 -THC c dos ligan tes endógenos nessas vias de sinalização sugere que os canabinoides tenham um papel importante como moduladores da liberação de uma ampla gama de neurotransmissores, incluindo glutamato, GABA, dopamina, scrotonina c acetilcolina. Nesse sentido, o sistema endocanabinoide te m um papel homeostático no controle da excitação ou inibição excessiva, principalmente em processos como ansiedade, depressão, cognição, dependência, função motora, comportamento alimentar e dor, regulando a neurotransmissão sináptica.

folipases (fosfolipase O no caso da anandamida e diacilglicerol

lipase no caso da 2-AG), que convertem os fosfolipídio s em cndocanabinoides. Uma vez sintetizados, são imediatamente liberados para a fenda sináptica e agem como mensageiros rctrógados, pois vão se ligar aos receptores CBJ pré-sinápticos. Geram um efeito rápido c são transportados at ravés das membranas para serem inati vados por enzimas hidrolíticas intracelulares. A atividade farmacológica do â 9 -T HC e do ligante cndógcno anandamida é similar; a diferença é que, com relação à anandamida, o início de ação é muito mai s rápido e a duração muito menor quando comparado com o â~-T H C devido à hidrólise enzimática. Como consequência, a afinidade da anan damida por receptores canabinoides é somente~ a Y.t da afinidade apresentada pelo tr,9 -THC.

5.3. Interação dos agonistas canabinoides com receptores CBl Quando o â 9 -THC, a anandamida ou 2-AG interagem com os rece ptores canabinoides, as proteínas G são ativadas e é desencadeada uma variedade de eventos intracelulares caracteristicos ( Figura8).

Neurotransmissão convencional I. A transmissão do potencial de ação leva a uma despolarização, que causa abertura dos canais de cálcio no neurônio pré-sináptico. 2. Com a entrada de íons Ca 2', os neurotransmissores clássicos sintetizados em terminais pré-sinápticos e armazenados em vesículas são liberados na fenda sináptica. 3. Os neurotransmissores se ligam aos receptores pós-sinápticos. Neurotransmissão retrógrada I. A transmissão do potencial de ação ao longo do axônio aos terminais nervosos causa despolarização dos neurônios pós-sinápticos com entrada de íons Ca 2' . 2. Os endocanabinoides são produzidos sob demanda nos neurônios pós-sinápticos pelo estímulo resultante da elevação dos níveis intracelulares de CaZ+, que ativam enzimas como a DAGL ou NAPE-PLD; 3. Os endocanabinoides sintetizados difundem para a fenda sináptica c de maneira retrógrada se ligam aos receptores CBI nos neurônios pré-sinápticos.

Fia:ura 8.

Eventos intracelulares da ativação da proteína G decorrentes da interação entre agonistas canabinoides e receptores CBl.

Fia:ura 7. Comparação entre a neurotransmissão convencional (neurotransmissores clássicos) e a neurotransmissão retrógrada (endocanabinoides).

I A atividade da adenilatocicl aseé in ibida;comocon sequéncia.aconcent ra· çllointracelula r de AM Pcére duzida. levan doau ma diminuiçllodasproteinas quinase s; 2Est imulaç11odasprotelnasqu inases ativad as pormi tógeno mitogen-activatedprotein lrinases(M APK }; 3ocasoes peclf icodosreceptores C8l.ocorreuma inibição decanais de Ca 2•dependen tesdevoltagemdotipo N e P/Qeuma estimul açiiodecanaisreti ficadoresdeentrada de K•( Ki r},o que re su lta em uma diminuiçiio do influxo de cll lcio e um aumento de etluxo depotâssio,torn andoo neurôniopré·sinápticohiperpola rizado; 4C omo consequência,Mumdecréscimodal ibe raçllode neurot ransmissoreseda transmissiiod o imputso nerii(ISO.

4.9.

6.

EFEITOS TÓXICOS DA CANNABIS

6.1. A curto prazo A toxicidadc aguda da Cmmabis é muito baixa; não há relato na literatura que afirme que a Cmmabis cause morte por excesso de consumo, a chamada overdose. A dose fatal em humanos é estimada entre 15 e 70 g, que é uma dose muitas vezes maior do que a inalada normalmente por usuários habituais. A dose letal média (DLsJ por via oral em ratos é extremamente alta, variando de 800 a 1.900 mg/kg, conforme o sexo e a linhagem. Há uma grande variação interindividual relativa aos efeitos produzidos pela Cannabis, pois de pendem das condições psicomentais do usuário, experiência prévia, expectativas com relação ao uso, estado de humor e o contexto social. Além do mais, os efeitos dependem da dose absorvida e da via de administração. Em geral, doses mais baixas de Camrabis (2 a 10 mg de l:J.9 • -THC inalado) produzem os seguintes efeitos: euforia ('"'alto"): tem sido descrito como uma sensação de bem-estar e felicidade . Quando usada em um contexto social, pode produzir risos contagiantes e loquacidade; •> relaxamento, diminuição da ansiedade e sedação; •> altemçào da percepçào sensorial, com intensificaçào das smsações e dos sentidos: há uma intensificação de experiências sensoriais comuns, como comer, assistir filmes e ouvir música. Todos os sentidos são intensificados, especialmente no que diz respeito a estímulos visuais; •> perda da memória recente; •> déficits cognitivos: dificuldade de atenção, concentração e tomada de decisões. Há um aumento do fluxo das ideias, com o pensamento mais rápido que a capacidade de falar, dificultando a comunicação oral, a concentração, o aprendizado e o desenvolvimento intelectual. A atenção, percepção, capacidade de julgamento, lógica, continuidade e dareza do pensamento são prejudicadas; •> perda da discriminaçào de tempo e de espaço: o tempo passa mais lentamente (um minuto pode parecer uma hora ou mais) e as distâncias calculadas são muito maiores do que realmente são (um túnel com lO metros de comprimento, por exemplo, pode parecer ter 50 ou 100 metros); •> coordenação motora tliminuída: há uma perda do equilíbrio e estabilidade postura!, efeitos estes mais evidentes quando os olhos estão fechados. Também ocorre uma diminuição da força musc ular e firmeza das mãos. Um estudo recente, publicado em 2012, com base na revisão de dados de nove pesquisas, em que participaram quase 50 mil pessoas, concluiu que fumar maconha, até 3 horas antes de dirigir, dobra o risco de o condutor causar acidentes, sobretudo colisões fatais, em relação àqueles que não consumiram qualquer tipo de droga nesse mesmo período. Doses mais altas inaladas (lO a 20 mg de 6 9 -THC) podem levar a uma intensificação das respostas emocionais e reatividade, alterações mais proeminentes na percepção e experiências alucinatórias transitórias. Efeitos adversos mais graves podem ocorrer quando doses aci ma de 20 mg de 6~-THC sâo inaladas, apesar de algumas pessoas também sentirem tais efeitos em doses menores devido à alta variabilidade interindividual. A mais frequente é a reação aguda de pânico, mas também têm sido observados casos de despersonalização e sintomas psicóticos. Após doses extremamente altas, tem sido observado

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Camrabis

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delírio tóxico, que é manifestado por distúrbios da função da memória, orientação e consciência. Quanto aos efeitos físicos produzidos pela Cannabis, podem -se relacionar os seguintes· •> taquicardia: o 6 9 -THC produz uma taquicardia dose-dependente e reversível, com aumento do trabalho cardíaco e demanda de oxigênio. O consumo da Cannabis pode aumentar o ritmo cardíaco de 20 a \00% da linha de base nos primeiros 10 a 20 minutos após o uso e durar até 3 horas, caso a via pulmonar tenha sido utilizada ou até 5 horas no casodaviaoral; •> pressão sanguínea: varia conforme a posição da pessoa: caso esteja sentada, a pressão aumenta; se está em pé, diminui (hipotensão ortostática). Em geral, esses efeitos cardiovasculares não têm tanto significado clinico, uma vez que a maioria dos usuários de Cannabis é jovem, saudável e desenvolvem tolerância a esses efeitos. Entretanto, essas alterações podem apresentar sérios problemas para indivíduos mais velhos, particularmente aqueles com doenças cardíacas preexistentes; •> hipcremia tias conjuntivas (olhos vermelhos): devido à dilatação dos vasos sanguíneos da conjuntiva, com consequente diminuição da pressão intraocular; •> hiposalivaçào e boca seca: o 6 9 -THC tem um efeito colinérglco sobre as glândulas salivares, mediado pelos receptores CBI eCB2; 19 aumento do apetite, a chamada "larica H

6.2. A longo prazo Sistema respiratório Uma vez que os constituintes da fase particulada e gasosa da fu maça da Cannabis são bastante similares aos do tabaco, com exceção de seus respectivos princípios ativos (canabinoides e nicotina), seria razoável supor que tanto a Catmabis quanto o tabaco apresentassem efeitos adversos semelhantes no sistema respiratório. Além do mais, comparativamente ao tabaco, a Cannabis é fumada com um maior volume de tragada, inalação mais profunda e maior tempo de retenção da fumaça, o que acarreta em um substancial depósito de alcatrão nos pulmões. De fato, muitos estudos confirmaram que o fumo da Cau nabis está associado com danos à mucosa e inflamação das vias aéreas, com um aumento de sintomas respiratórios tais como tosse, catarro, espirros e sinusite, similares aos encontrados em fumantes de tabaco. No entanto, em relação aos danos à função pulmonar, caracterizados pela obstrução das vias aéreas, como na doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) que inclui bronquite crônica e e nfisema, os vários estudos realizados têm mostrado resultados incondusivos. Porém, uma pesquisa recente, realizada por Pletcher e colaboradores (2012), baseada em um estudo epidemiológico chamado The Coronary Artery Risk Development in Young Adults (CAROlA) trouxe resultados mais contundentes, pelo número expressivo de dados obtidos e duração do estudo. Os autores acompanharam mais de 5.000 fumantes, seja de maconha ou tabaco, de etnia branca ou negra, durante 20 anos e coletou medidas espirométricas da função pulmonar realizadas no primeiro ano de estudo e depois em 2, 5, 10 e 20 anos. Os autores concluíram que o uso ocasional de maconha ou mesmo um uso considerado moderado (um cigarro por dia) não está associado a efeitos adversos sobre a função pulmonar, ao contrário do ta-

·····lhli

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baco. Porém, com o uso mais intenso de maconha, é bem provável que ocorra um declínio acelerado na função pulmonar. Sistema cardiovascular Comparativamente ao cigarro de tabaco, o cigarro de maconha é menos densamente empacotado, o que gera menos monóxido de carbono (CO) devido à combustão ser mais completa. No entanto, a inalação ma is profunda e, em particular, o tempo de retenção da fumaça, muitas vezes maior, contribuem para uma maior absorção do CO pela microcirculação pulmonar por meio de uma difusão passiva. A consequência fisiológica é uma menor eficiência na transferência de oxigênio aos pulmões, redução na capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue e falha na liberação do oxigênio da hemoglobina aos tecidos. Além disso, o t..9-THC provoca aumento da velocidade cardía· ca de uma maneira dose-dependente, com aumento do trabalho cardíaco e demanda de oxigênio. Como a maioria dos usuários de Cmmabis é jovem, saudável e logo desenvolve tolerância à taquicardia, essas alterações podem não representar um significado clínico de importância. Entretanto, para indivíduos mais velhos, particularmente aqueles com doenças cardiovasculares preexistentes, como isquemia, angina, hipertensão e acidente vascular cerebral, podem representar sérios problemas. Um estudo envolvendo 3.882 pacientes que já tinham sofrido infarto do miocárdio mostrou que o uso de Cannabis pode aumentar 4,8 vezes o risco de um infarto durante a primeira hora de uso comparado com não usuários Mukamal el ai. {2008) conduziram um estudo de coorte abrangendo 1913 adultos hospitalizados com infarto do miocárdio, em 45 hospitais americanos, entre 1989 e 1994. Concluíram que o uso de maconha, no ano precedente, estava associado a uma mortalidade média 3 vezes maior após o infarto. Esse aumento de risco variava de 2,5 a 4,2 vezes conforme um aumento da frequência de uso semanal dessa droga. Portanto, o uso de Cannabis pode representar um sério risco para indivíduos suscetíveis com doença coronariana Psicopatologias Evidências a partir de vá rios estudos longitudinais publicados no início dos anos 2000 mostraram que o uso da Cannabis prevê um aumento do risco de desenvolvimento de esquizofrenia ou de sintomas psicóticos tanto em pessoas que não têm essa patologia como em indivíduos predispostos. Um resultado mais específico foi mostrado por um estudo de metanálise que concluiu que aqueles que já tinham usado Cmmabis eram 40% mais propensos a experimentar estados psicót icos do que os não usuários, sendo que o uso regular aumentou cerca de 2 a 3 vezes essa tendência. Outra pesquisa mostrou que aqueles que começaram a usar Cannabis por volta dos 15 anos tinham um risco maior de desenvolver um transtorno tipo esquizofrênico aos 26 anos do que aqueles que começaram aos 18 anos, o que sugere que o consumo precoce de Cannabis pode proporcionar risco maior de transtornos psicóticos. Funções cognitivas O uso de Camwbis tem demonstrado prejudicar as funções cognitivas em vários níveis, desde a coordenação motora bási-

ca até tarefas de funções executivas mais complexas, tais como a capacidade de planejar, organizar, resolver problemas, tomar decisões, lembrar-se (memória recente) e controlar as emoções e comportamentos (i nibição e impulsividade). Alguns desses efeitos regridem completamente após a ação da droga, enquanto outros podem permanecer por muito mais tempo, e até mesmo se tornarem irreversíveis. Uma revisão de Crean e col. (2011) mostrou que déficits de atenção e memória, bastante evidenciados de Oa 6 horas após o uso de Cannabis, regridem após um mês ou mais de abstinência. Por outro lado, déficits na capacidade de tomada de decisões, formação de conceitos e planejamento, são mais duradouros e detectáveis, persistindo mesmo após três semanas de abstinência. Os efeitos da Cmmabis na função executiva são mais claramente demonstrados em usuários crônicos que usam doses elevadas, uma vez que esses efeitos persistem por mais tempo. Nesse sentido, o decréscimo na fluência verbal e comportamento de risco, que não são necessariamente evidentes imediatamente depois de fumar, podem surgir e não regredirem mais, mesmo após um longo prazo de abstinência. No entanto, até mesmo o uso ocasional de maconha pode prejudicar gravemente a atenção, concentração, tomada de decisão, a inibição, impulsividade e memória re Amanita mriSCClria - alucinógeno mais antigo usado pelo homem; •> Botelus manicus - relacionado à "loucura dos fungos"; •> Cotwcybe siligineoides - fungo alucinógeno sagrado do México (não se isolou a psilocibina); •> Conocybe cyanopus - encontrado nos EUA, contém psilocibina; •> Copelandia cyanencens - cultivado sobre o esterco de vaca. Apresenta mais de 1,2% de psilocina e 0,6% de psilocibina; Hei mie/la angrieformis - não se conhece sua constituição química; •> Panaeolus sphinctrinus- fungo sagrado utilizado para adivinhação, que cresce sobre esterco de vaca; •> Psilocybe caerulescens - fungo alucinógeno sagrado do México; •> Russula agglutina - relacionado à ~loucura dos fungos", apresenta ácido esteárico em sua composição. •> Stropharia cubensis - "Teonanácatl", usado por Xamãs, possui psilocibina.

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U SO PRO L ON G A D O DOS A LUC INOG ENOS

Embora o uso frequente de alucinógenos possa induzir a mudanças químicas que afetam o estado mental, isso não causa qua lquer alteração anatômica irreversível no cérebro. Como qualquer droga, o uso e o abuso de alucinógenos devem ser avaliados como resultantes de efeitos psicológicos, biológicos e sociais. O abuso, a longo prazo, parece estar relacionado às mudanças de comportamento, mas não há desenvolvimento de uso compulsivo (dependência psicológica). Raramente, podem ocorrer episódios psicóticos seguidos da ingestão de altas doses de aluci nógenos em pessoas suscetiveis. Essas perturbações mentais podem ser classificadas em: a. estado confuso, onirico, transitório, com duração média inferiora48horas; b. estados paranoicos agudos sem confusão. Episódios mais prolongados; c. reações esquizofrênicas. Muitas vezes, são casos de esquizofrênicos autênticos ou de casos-limite. Nesses usos, o alucinógeno pode precipitar psicose; d reação paranoica . Delírios de perseguição ou estados megalomaníacos; e. alucinose persistente. Reaparecimento de fenômenos idênticos aos que surgem durante a intoxicação com LSD, sem o uso da substância; f. depressão psicótica, associada a um estado de agitação e de ansiedade, observando-se reações de ansiedade crônica, estados agudos de pânico e dissociações do comportamento. Observam -se, também, reações neurológicas, especialmente crises convulsivas e coma, devido a doses excessivas ou a associações com medicamentos.

AGU D A S

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9.

10. TR ATAM ENTO DAS INTO XI C A Ç0 ES

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com cogumelo que contém psilocibina (apenas 2% tinham experiência com LSD). Em função da grande quantidade de fungos alucinógenos e do elevado consumo em determinados países, os problemas de identificação dos fungos em intoxicações agudas têm se agravado. A intoxicação com psilocibina pode ser confundida com pânico, ansiedade ou euforia em pessoas com midríase e outros sintomas simpatomiméticos. A falta de identificação do agente responsável por essa intoxicação pode levar a dive rsas dificuldades na recuperação do paciente.

CH 3

H,C Psiloc ibina

Um questionário para investigar o extenso consumo de cogumelos aluci nógenos foi aplicado a estudantes da Dinamarca. Das 333 pessoas que responderam ao questionário, 3% de nível colegial e 9% da faculdade de jornalismo tinham experiência

As manifestações clínicas que requerem intervenção médica são hiperexcitabilidade, desco ntrole, ataxia, hipertensão ou hi potensão, convulsões, coma e estados psicóticos prolongados. Além desses efeitos, os alucinógenos causam midriase, tremor, reflexos exagerados, febre, transtornos psicopáticos da perso nalidade, aumento no risco de suicídio ou homiddio e disso ciação mental prolongada O tratamento consiste em administrar diazepam, 0,1 mglkg, via oral, para o controle da excitação, quando acontecer. Em casos de coma devido à interação com outras substâncias, deve-se manter as vias respiratórias adequadas, efetua r a intubação do

4.10.

paciente e eliminar as secreções mucosas da traqueia mediante aspiração (o tratamento de coma segue a mesma orientação do tratamento em casos de intoxicação barbitúrica). É preciso provocar diurese ácida a fim de facilitar a eliminação através da urina. São também indicados os seguintes procedimentos· •> isolar o usuário dos estímulos sensoriais; •> proporcionar um ambiente calmo; •> conversar calma e tranquilamente (talki11g-dow11). Portanto, o uso de alucinógenos merece uma atenção especial, principalmente considerando-se a finalidade de uso. A cada ano, novas substâncias vão surgindo, sempre em busca de um prazer maior, por parte dos usuários, e na tentativa de atingir uma população cada vez mais numerosa, por parte de traficantes. O que os jovens de hoje procuram poderia ser comparado com as finalidades e objetivos dos povos indígenas? A massificação de cultos religiosos, nos quais são utilizados alucinógenos, não turva a finalidade ritual dessas seitas? Essas são algumas questões que não podem ficar sem resposta. Também com relação a essa classe de substâncias, não se pode deixar de enfatizar a característica biopsicossocial na abordagem do consumo abusivo. No entanto, ainda fa lta conhecimento sobre essas substâncias que afetam a mente do ser humano de modo tão surpreendente.

11 . USO NO TRATAMENTO DE DEPENDê:NCIAS DE OUTRAS DROGAS Uma nova geração tem buscado o uso de alucinógenos não para recreação, mas para o tratamento de dependências e outras doenças. Embora a maioria dessas substâncias seja legal, existe grande polêmica e preconceito quanto ao seu uso terapêutico. As experiências psicodélicas produzidas pelos alucinógenos parecem produzir mudanças positivas de atitude, humor e comportamento, que, muitas vezes, são assimiladas de maneira mística, transformando as ações e o pensamento dos usuários. Frente a essa ação, ressurge a proposta de uso terapêutico de alucinógenos. A psilocibina, por exemplo, está sendo utilizada para tratar cefaleias, ansiedade diante da morte, transtorno obsessivo-compulsivo, depressão e tabagismo. A ayahuasca é hoje uma das plantas mais difundidas para tratamentos de dependência de álcool, outras drogas e de traumas vividos pelas pessoas, as quais buscam algum tipo de alívio para suas aflições. Seu uso é feito geralmente em um contexto ritual, e não médico. Porém, há necessidade de realização de um uso controlado e terapêutico visando o tratamento e a obtenção de um estado mental de equilíbrio. A experiência de estados alterados de realidade deve ser feita de forma controlada, certificando-se de que a pessoa esteja bem, segura e confortável. A ibogaína tem sido usada com êxito no tratamento de de pendência de heroína e cocaína. Ao contrário da metadona, que substitui o efeito dos opiáceos e também pode ser considerada indutora de dependência, a ibogaína apenas interrompe o fenômeno da compu \são, sem causar dependência, dor provocada pela sindrome de abstinência ou a frustração que se sente durante o tratamento. Ainda assim, são muitos os obstáculos para aprovação de seu uso terapêutico, pois, como outros aluci-

A/,ciuógetlos

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nógenos, há necessidade de um controle em sua aplicação. Além disso, ocorreram algumas mortes em pacientes que se submeteram ao tratamento com ibogaína, por motivos ainda não conhecidos. Atualmente, há estudos usando o LSD em humanos em diversos países, como Suíça e Reino Unido. Albert Hofmann defendeu o uso de LSD como medicamento até os últimos dias antes de sua morte. Em setembro de 2008, a Food and Drug Admi nistration (FDA) abriu as portas novamente para pesqu isas clínicas com pacientes terminais usando LSD. Isso pode sinalizar um interesse renovado em outros usos terapêuticos dos alucinógenos.

12. BIBLIOGRAFIA BURR IS, K.D.; BREEDING, M.; SANDERS-BUSH, E.(+) Lysergic acid diethylamide, but not its nonhallucinogenic congeners, is a potent serotonin SHTIC receptor agonist.}. Plwrmaco/. Exp. Tl1er., v.258,n.J,p.891-96, 1991. CASARETT & DOULL'S. Toxicology. The basic science of poi sons. 7• ed., New York: McMillan Publishing Company, 2007. CAZENAVE, S.O.S. Banisteriopsis caapi: ação alucinógena e uso ritual. Revista de Psiquilltria Clinica , v.27, n.l, p.32-35, São Paulo, 2000. COLE, j.C.; BAILEY, M.; SUMNALL, H.R.; WAGSTAFF, G.F.; KING, L.A. The content of ecstasy tablets: implications for the study of their long-tcrm effects. Addiction, v.97, n.l2, p.ISJI -6, 2002. COSTA, M.C.M.; FIGUEIREDO, M.C.; CAZENAVE, S.O.S. Ayahuasca: uma abordagem toxicológica do uso ritualistico. Rev. Psiquia triaC/ínica,v.32,n.8,p.310-318,2005 EDWARDS, G.; ARI F, A.; HODGSON, R. Nomenclature and clas sification of drug and alcohol-relatcd problems: a WHO Memorandum. Buli. World Health Org., v. 59, n.2, p.225 -42, 1981. FERIGOLO, M.; MEDEIROS, F.B.; BARROS, H.M.T. "l::xtase": revisão farmacológica. Rev. Sa!Íde Pública, v.32, n.S, 1998. GLENNON, R. A. et a/. Evidence for the 5~HT2 involvement in the mechanism of action of hallucinogenic agents. Life Science, v.35, p.2.505-IJ,J984. GROB, C.S.; McKENNA, D.J.; CALLAWAY, j.C. et ai. Human psychopharmacology of hoasca, a plant hallucinogen used in a ritual context in Brazil. /. Nerv. Me11t. Ois., v.\84, n.2, p.86-94, 1996. HIRAMATSU, M.; DISTEFANO, E.; CHANG, A.S.; CHO, A.K. A phannacokineticanalysisof3,4-methylenedioxymethamphetamine effects on monoamineconcentrations in brain dialysates. E1~ropea11 fourna/ ofPharmacology, v.204, p.IJS-40, 1991 HOFMANN, A. LSD - My Problem Child. McGraw-Hill, 1980. Disponível em: . Acesso em: 12set. 2013 KAYE, S. Handbook of emergency Toxicology. 4.• ed., Springfield, CharlesC.Thomas,p.l54, 1980 McKENNA, D.j. et ai. Human pharmacology of hoasca, a plant hallucinogen used in a ritual context in Brasil. f Nerv Men/ Dis, v.t84,n.2,p.86-94, 1996. McKENNA, D.j. et ai. Chronic treatment with (+) DOI, a psychotomimctic 5-HT2 agonist, downregulates 5-HT2 receptors in rat brain. Neuropsyckopharmacology, v.2, p.8 1-7, 1989. MOFFAT, A.C.; OSSELTON, M.D.; WIODOP, B.; GALICHET, L.Y. Clarke's Analysis of Drugs and Poisons i11 plwrmaceutica/s, body fluids and postmortem material. London: Pharmaccutical Press,2004

·····liáli

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TOXICOLOG IA SOCIAL E MEDICAMENTOS

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4.11. DROGAS SINTÉTICAS José Luiz da Costa Rafael Lanaro Silvia de Oliveira Santos Cazenave

CONTEÚDO DESTE CAPÍTULO I. Introdução 2. Derivados da a nfetamina

2.1. Ecstasy (3,4-metilenodioximetanfetamina, MDMA) 2. 1. 1. Toxicocinética

2.1.2. Toxicodinâmica 2.1.3. Sinais e sintomas da intoxicação 2.1.4 Relatos de intoxicações causadas pela

MDMA 2.2. Brolanfetamina (2,5-dimetoxi-4bromoanfetamina, DOB) 2.3. Dimetoxianfetamina (2,5-dimetoxi-4metilanfetamina, DOM, STP)

3. Piperazinas 3.1 Benzilpiperazina 3.1.1. Toxicocinética 3.1.2. Toxicodinãmica 3.1.3. Efeitos tóxicos decorrentes do uso abusivo

3.1.4. Relatos de intoxicações causadas pela benzilpiperazina 3.2 Metadorofenilpiperazina (mCPP) 3.2.1. Toxicocinética 3.2.2. Toxicodinãmica 3.2.3. Efeitos tóxicos decorrentes do uso abusivo 3.2.4 Relatos de intoxicações causadas pela mCPP 4. Catinonassintéticas 4.1. Mefedrona 4.1.1. Relatos de intoxicações causadas pela mefedrona 4.2. 3,4-mctilenodioxipirovalerona (MDPV) 4.2.1. Relato de intoxicação causada pela MDPV 5 Substânciasdaclasse25C 5.1. Relatos de intoxicações causadas por substâncias daclasse25C 6. Bibliografia

· · · ··!il fi!•li 1.

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TOXICOLOG IA SOC IAL E MEDICAMENTOS

INTROD U ÇÃO

As drogas de abuso sintéticas, conhecidas mundialmente como designer drugs, são substâncias ou misturas de substâncias psicoativas produzidas em laboratórios clandestinos, por síntese

química a partir de substâncias precursoras encontradas ou não na natureza. Podem ser sintetizadas ainda por pequenas modificações na estrutura de moléculas que possuam atividade biológica conhecida. Essa "indústria de drogas sintéticas acompanha as legislações vigentes em países da Europa e nos Estados Unidos e, a cada proibição de determinada droga, várias modificações moleculares são feitas nessas substâncias, dando origem a novas drogas sintéticas com efeitos psicoativos semelhantes ou até mesmo mais intensos que o composto original, mas com odestaque de ser uma "droga legalizada" ou legal high. O abuso em escala global das drogas sintéticas data de meados da década de 1980 e vem au mentando ano após ano. Representa hoje um dos maiores desafios para as forças de repressão ao tráfico de drogas e para os centros de diagnóstico (clínico e laboratorial) e tratamento das intoxicações. A ampla busca ativa pelos usuários de drogas sintéticas está relacionada principalmente: •> com sua fáci l aquisição, pela internet ou em clubes, danceterias,festasraves; H

•> seus efeitos psicoat ivos de ação rápida e durado ura; •> efeitos específicos, como a capacidade aumentada da comunicabilidade, empatia e autoconhecimento, além de efeitos como euforia, agitação, desinibição e alucinações. A principal representante dessa classe de drogas é a 3,4 -meti lenodioximetanfetami na (MDMA, ecstasy). Segundo a Organização das Nações Unidas {ONU), os estimulantes do grupo anfetamínico {amplretamin e-type stimulants) estão em segun do lugar na lista de drogas de abuso mais consumidas no mun do, sendo superados apenas pela maconha. Novas classes de drogas sintéticas foram surgindo em todo o mundo a fim de oferecer substâncias "legalizadas", com menos efeitos desagradáveis e efeitos psicoativos mais intensos. O uso abusivo dos derivados anfetamínicos surgiu na década de 1980, seguido pelos derivados da triptamina nos anos 1990 e os da piperazina nos anos 2000. No fim da primeira década do século XX I, os canabinoides sintéticos e derivados sintéticos da catinona ganharam destaque no grupo das drogas de abuso sintéticas e representam atualmente um dos maiores desafios para toxicologistas em todo o mundo.

2.

DERIVAD OS DA A NFETAM INA

2.1. Ecstasy{3,4-metilenodioximetanfetamina, MDMA) O tráfico internacional de ecstasy aumentou significativamen te durante a década de 1990. Estima-se que cerca de 0,2% da população global com idade acima de 15 anos consumiu ecstasy ao menos uma vez na vida. Vá rias vias de síntese podem ser utilizadas para produção da MDMA, todas apresentam em comum o fato de que o com posto inicial deve possuir o anel metilenodioxi. A primeira sín tese e descrição da MDMA ocorreu na Alemanha em 1912, realizadas pelo laboratório Merck a partir do safrol (a substância e

sua via de síntese foram patenteadas em 1914). A MDMA também pode ser sintetizada a partir da MOA (3,4-metilenodioxianfetamina), por reação com etilcloroformato seguida por redução. Existem ainda dois processos de síntese por meio da aminação redutiva da piperonil acetona, substância disponível comercialmente. No Brasil, como em outras partes de mundo, essa droga é comercializada principalmente na forma de comprimidos, que possuem grande variedade de cores, formas, tamanhos e logotipos. Pode também ser vendida na forma de cápsulas ou em pó. A substância ativa presente nesses comprimidos é a 3,4 -metilenodioximetanfctamina (MDMA), contudo, à semelhança de outras drogas vendidas no mercado ilícito, o teor e a pureza desses comprimidos podem variar muito. Atualmente, a MDMA vem sendo substituída nos comprimidos por outras substâncias ilícitas (como a metanfetamina) ou, ai nda, psicoativas lícitas (como a cetamina e a cafeína), em uma tentativa clara do traficante de burlar a legislação vigente. Estudo recente realizado pela Superintendência da Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo mostrou que apenas 45% dos comprimidos de ecstasy apreendidos pela polícia paulista entre 20! I e 2013 apresentaram MDMA como princípio ativo. Outras substâncias psicoativas identificadas foram 2,5-dimetoxi-4-bromofeniletilamina (2C-B), anfetamina, anfepramona, benzocaína, cafeína, cetamina, clobenzorex, efedrina, fempro porex, fencididina, fenobarbital , lidocaínaesibutramina. Foram identificadas ainda as substâncias ilícitas dimetoxianfetamina (DMA), dorofenilpiperazina {CPP), cocaína, metanfetamina, pirovalerona e trinuorometilfenilpiperazina (TFMPP). Do ponto de vista toxicológico, é evidente que a incerteza na composição qu ímica aumenta muito o risco no uso da droga. O uso desse tipo de droga de abuso ocorre principalmente nos fi ns de semana e está associado a eventos sociais como festas raves c discotecas. A dose usual por noite é de ! a 2 comprimidos, o que corresponderia a uma concentração de MDMA entre 50 e 300 mg por noite. A quantidade ingerida costuma ser maior por indivíduos que usam frequentemente a droga. Peculiaridades como a facilidade de uso {via oral) e sua dis creta forma de apresentação (pequenos comprimidos) acabam por facilitar o tráfico e a difusão dessas drogas entre os usuários. Isso acontece porque outras substâncias ilegais geralmen te exigem local reservado e acessórios para seu uso e o ecstasy não requer preparação alguma, podendo ser consumido com muita discrição em qualquer lugar. Além disso, as quantidades relacionadas ao uso individual minimizam o risco de o produto ser identificado e apreendido pela polícia.

2.1.1 , Toxicocinética A via de administração do ecstasy é quase exclusivamente a oral. Existem raros relatos sobre a administração da droga por outras vias, como a intravenosa e a intranasal. A MDMA é prontamente absorvida no trato intestinal e atinge pico de concentração plasmática aproximadamente duas horas após a administração. Doses de 50 mg, 75 mge 125 mg administradas a voluntários sadios produziram concentrações plasmáticas máximas de 106 ng/mL, 131 ng/mL e 236 ng/ mL, respectivamente. Essas concentrações são consideravelmente baixas, posto que a substância passa rapidamente para

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os tecidos c liga-se a seus constituintes. A MDMA e seus análogos apresentam baixa taxa de ligação a proteínas plasmáticas (aproximadamente 20%). A biotransformação da MDMA é fundamentalmente hepática, sendo que a principal via é oxidativa, envolve desmetilação, levando a catecóis reativos posteriormente convertidos por metilação e conjugados com ácido glicurônico ou com radical sulfato antes de serem eliminados. Nessas reações, a MDMA sofre 0 -desalquilação, originando a 3,4-di-hidroximetanfetamina (HHMA) e a 3,4-di-hidroxianfetamina (H HA), e 0-metilação, originando a 4-hidroxi-3-metoximetanfetamina (HMMA) e a 4-hidroxi-3-metoxianfetamina (HMA). A cadeia alifática lateral é degradada por N-desalqui lação, levando inicialmente à correspondente amina primária (MOA), que também possui ação biológica. Essas transformações são mediadas por enzimas do Cit P-450, em particular pela CYP2D6. Outras enzimas estão envolvidas nesses processos de degradação, sendo que algumas delas sofrem saturação em concentrações baixas da MDMA, contribuindo para o comportamento farmacocinético não linear. Em estudos com voluntários, observou-se que a taxa de eliminação da MDMA diminui com o aumento da dose. Estudos in vitro sugerem que produtos de biotransformação da substância ligam e inativam a enzima CYP2D6, além de saturar rapidamente enzimas de alta afinidade envolvidas nessa biotransformação. Como resultado disso, maiores doses de MDMA podem inativar/saturar mais enzimas, diminuindo a quantidade disponível para biotransformar a substância, resultando em toxicocinética não linear. Consequentemente, quando a dose é aumentada, ocorre um aumento desproporcional das concentrações sanguíneas e cerebrais da MDMA. Por essa razão, pequeno aumento na dose oral desse fármaco pode produzir considerável elevação nos níveis plasmáticos da fração circulante, o que possibilita explicar alguns dos efeitos tóxicos observados na superdose, como quando usuários ingerem outro comprimido antes da depuração da primeira dose. Variações genéticas determinam diferenças na atividade da enzima CYP206, o que pode ter efeito sobre a toxicidade da MDMA. A atividade dessa enzima é geneticamente determinada, sendo que mais de 10% da população caucasiana apresenta deficiência para ela. Dessa forma, indivíduos podem apresentar metabolismo mais rápido ou lento para compostos biotransformados pela CYP206, possuindo, portanto, suscetibilidade diferente à droga, o que explica a extensa faixa de concentração relacionada à intoxicação aguda e aos efeitos neurotóxicos das metilenodioxianfetaminas. A eliminação da MDMA é relativamente lenta, com meia-vida plasmática da ordem de 8 horas. De acordo com o postulado de que o tempo médio para eliminação de 95% de um fármaco do organismo é da ordem de cinco meias-vidas (aproximadamente 40 horas para a MDMA), pode-se justificar, por sua cinética de eliminação, alguns dos efeitos adversos que podem ocorrer até dois dias após o uso. Alguns produtos de biotransformação da MDMA possuem atividade farmacológica, em especial a MOA, razão pela qual alguns efeitos do ecstasy podem durar mai s do que o tempo de permanência da MDMA no organismo. Aproximadamente 50% da MDMA é eliminada inalterada na urina nas primeiras 24 horas após o uso, independentemente da dose administrada,

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outro indicativo do comportamento toxicodnética não linear dessa substância. Outra peculiaridade da MDMA é seu comportamento toxicocinético enantio-dependente. As mctilenodioxianfetaminas possuem um carbono quiral, por isso existem na forma de dois isômeros ópticos R(-) e S(+). Durante sua produção clandestina, é obtida a mistura racêmica, vendida quando a MDMA é comercializada como droga de rua. Nào existe diferença no c/earance renal dos dois enantiômeros de MDMA, indicando que o c/earance não renal (metabólico) é um processo estereoespecífico. Em estudos com voluntários, Fallon e colaboradores administraram 40 mg de mistura racêmica de MDMA a oito voluntários não usuários e mediram as concentrações sanguíneas e urinárias dos estereoisômeros S(+)-MDMA, R(-)-MDMA, S(+)-MDA, R(-)- MDA em intervalos de tempo regulares, observando que a concentração plasmática máxima (Cmáx) dos dois enantiômeros da MDMA foi atingida 4 horas após a administração, ainda que o valor da Cmáx do enantiômero R(-)·M DMA foi significativamente maior que a da S(+)-MDMA e a área sob a curva das concentrações plasmáticas foi de duas a quatro vezes maior para o enantiômero-R do que para o enantiômero-S após a administração. Além disso, a meia-vida de eliminação da S(+)-MDMA foi significativamente menor que a da R(-)- MDMA. Outro estudo relata que, após a administração de 1,5 mg/kg, a concentração plasmática da formaS(+) retoma para aproximadamente zero após 24 horas, ao passo que a forma R(-) apresenta valores quantificáveis até 36 horas após a administração. Análises quantitativas revelaram um acúm ulo aproximadamente três vezes maior da forma R(-) na circulação comparado com a formaS(+), c que a forma R(-) é eliminada do plasma cerca de 35% mais lentamente que aS(+). Esses resultados mostram que a forma R(-) pode sofrer acúmulo com administrações sucessivas. Moore et ai. (1996) observaram níveis maiores do enantiômero-R da MDMA em amostras de sangue, fígado, humor vítreo e bile de indivíduos que morreram logo após a ingestão de ecstasy.

2.1. 2. Toxicodinâmica A MDMA possui estrutura química similar à de catecolaminas endógenas e atua no cérebro, aumentando a atividade de, pelo menos, três neurotransmissores: serotonina; dopamina; e noradrenalina. Como outras anfetaminas, a MDMA aumenta a liberação desses neurotransmissores nas fendas sinápticas, elevando a atividade cerebral. Possui maior atuação sobre a serotonina , principal neurotransmissor responsável pela regulação do humor, sono, dor, emoções, apetite e comportamentos. A MDMA atua na transmissão serotoninérgica bloqueando o transportador de recaptura, impedindo assim que o neurotransm issor seja retirado da fenda sináptica. Além disso, a MDMA pode agir ainda fazendo com que o transportador de serotonina atue de modo reverso, transportando-a do interior do neurônio pré-sináptico para a fenda sináptica . Pela liberação de grande quantidade de serotonina, inibição da sua recaptação e também por interferir em sua síntese, a MDMA leva ao comprometimento da quantidade desse neurotransmissor e, como resultado, é preciso mais tempo para a restauração dos estoques necessários para realização de importantes funções fisiológicas e psicológicas. Dessa forma, o uso crônico dessa substância leva à depleção de serotonina, poden-

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do causar danos, às vezes irreversíveis, aos neurônios respon sáveis pela liberação desse neurotransmissor. O isômero S(+) -MDMA é mais potente do que o R(- )-MD MA na produção dos efeitos subjetivos característicos do ecstasy. Alguns estudos sugerem que o isômero R(-) está mais relacionado com efeitos semelhantes aos da mescalina e do LSD (dietilamida do ácido lisérgico) e que, portanto, estariam relacionados às alterações sensoriais reportadas pelos usuários, ao passo que o isômero S(+) estaria mais associado com os efeitos estimulantes, semelhantes à aos da anfetamina. Os enantiômeros diferem também quanto a intensidade dos efeitos provocados, sendo que o isômero S(+) apresenta maior potência do que o isômeros R(-). Nesse aspecto, a MDMA dife re de outras anfetaminas alucinógenas, como a 2,5-dimetoxi-4· metilanfetamina (DOM), as quais invariavelmente são mais ativas na forma R(-). De acordo com a Ame rican Psychiatric Association (APA), o ecstmy causa dependência por preencher quatro criterios de diagnóstico: é utilizado mesmo com conhecimento dos seus efeitos adversos; e consumido em doses maiores que as planejadas; induz tolerância; e causa ~ressaca", caracterizada por cansaço, insônia e depressão.

2.1.3. Sinais e sintomas da intoxicação Mesmo tendo reputação de droga segura, os efeitos agudos causados pelo uso do ecstasy (hipertermia, complicações cardiovasculares, falênci a renal e hepática) podem levar à morte De modo geral, os efeitos desejados por muitos usuários são aqueles produzidos por baixas doses usadas esporadicamente. A MDMA produz aumento na vivacidade, paciência e sensação de energia, despertar sexual e adiamento da fadiga e do sono. Os efeitos fisiológicos observados são descritos como um aumento da euforia, bem-estar, percepção sensorial aguçada, melhora na sociabilidade, extroversão, aumento na sensação de intimidade e proximidade com outras pessoas, maior tolerância à opinião e sentimentos alheios. Durante a década de 1980, a MDMA foi utilizada como adjuvante em sessões de psicoterapia, por facilitar a comunicabilidade do paciente com o terapeuta. Como outras anfetaminas, a MDMA também possui efeitos adversos demonstrados em muitas funções fís icas, mesmo quando utilizada em doses moderadas com finalidade recreacional. Como a ação básica das anfetaminas envolve o aumento do despertar e da vigília, usualmente ocorre também aumento da tensão muscular, manifestada por contratura da mandíbula, bruxismo e movimentos constantes das pernas. O aumento da atividade muscular, somado à ação direta da MDMA no sistema termorregulador do cérebro, leva a um aumento na temperatura corpórea. Rigidez e dor nos membros inferiores e na região inferior das costas são queixas frequentes dura nte os primeiros 2 a 3 dias após o uso de MDMA. Dor de cabeça, náuseas, diminuição do apetite, visão turva, boca seca e insônia são outros sintomas físicos relatados após a experiência do uso de ecstasy. Os efeitos psicológicos indesejados resultantes da intoxicação aguda por MDMA representam uma resposta exagerada dos efeitos buscados pelo usuário. Como exemplo, o aumento da vigília, que, se em excesso, e convertido em hiperatividade, confusão e insônia. Outras queixas relacionadas ao uso de MDMA incluem alucinação leve, despersonificação, ansie-

dade, agitação, comportamentos bizarros e repetitivos. Ocasionalmente, esses sintomas podem levar a ataques de pânico, delírio ou até episódios curtos de psicose (pouco frequentes). O quadro clinico mais associado à intoxicação ag uda por ecstasy é caracterizado por lesão hepática grave (podendo ocorrer necrose do tecido hepático), hipertermia associada ou não à rabdomiólise, coagulação intravascular disseminada e falência renal. Out ras complicações relatadas incluem h iponatremia, estupor catatônico, hemorragia intracerebral, hemorragia subaracnoide ou isquemia cerebral. Problemas cardiovasculares relatados incluem arritmias cardíacas e hipertensão. Interação com outras drogas ou adulterantes presentes nos comprimidos pode interferir no metabolismo e nos efeitos tóxicos da MDMA. Finalmente, a toxicocinética não linear aumenta a possibilidade de pequenos aumentos na dose de MDMA administrada resultarem em aumento desproporcional das concentrações sanguíneas, posto que, como citado anteriormente, a eliminação não é dose-dependente, o que aumenta o risco de intoxicações. A MDMA apresenta significativos efeitos no sistema cardiovascular, principal mente devido à sua ação sobre a liberação de noradrenalina e por agi r como agonista a-2-adrenérgico. Por esse mecanismo, provoca aumento da frequência cardíaca e da pressão sanguínea, dose-dependen te. A hipertensão induzida pelo ecstasy pode causar danos a vários órgãos, o que geralmente ocorre quando a pressão diastólica excede 130 mmHg. Essa hipertensão pode estar relacionada com outras patologias induzidas por esse tipo de fármaco, como falência renal aguda, distensão aórtica, infarto do miocárdio e hemorragiacerebral. Outra ação da MDMA ocorre sobre a liberação hormonal, em que a substância leva a um aumento dose-dependente da concentração de cortisol, prolactina e do hormônio adrenocorticotrófico, ao passo que as concentrações de hormônio do crescimento permanecem inalteradas mesmo após a admi nis tração de 125 mg de MDMA. Baixas doses podem induzir secreção de hormônio antidiuretico (vasopressina) em humanos, levando, dessa forma, a alterações, como aumento na retenção de fluidos, o que pode contribuir para a instalação do quadro dehiponatremia. Algumas mortes associadas ao uso de MDMA envolvem aumento da temperatura corpórea (síndrome hipe rtérmica), devido à atuação dessa substância sobre as vias dopaminérgicas e seroton inérgicas que regulam a temperatura corporal. Os casos de hipertermia induzida pelo ecstasy são provavelmente o resultado da soma de vários fatores: a ação do fármaco sobre o sistema termorregulador do cérebro e a vasoconstrição periférica induzida por este, diminuindo a perda de calor corpóreo. As atividades físicas intensas, reposição inadequada de eletrólitos e líquidos e as altas temperaturas muitas vezes encontradas nas festas raves aumentam de modo significativo os riscos de hipertermia, cujas principais manifestações clínicas são edema cerebral, hipotensão e hipóx ia tecid ual com enfraquecimento da contratibilidade muscular. O tratamento da hipertermia requer atendimento médico imediato e pode levar a rabdomiólise e lesões renais. Na presença de distúrbios neurológicos, como delírio, estupor ou convulsões, a hipertermia significa alto risco de morbidade e mortalidade que depende da temperatura máxima atingida, da duração da hipertermia e do estado de saúde e consciência do indivíduo.

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Rabdomiólise é uma síndrome resultante da degeneração muscular e liberação de proteínas musculares para a região extracelular. Em usuários de ecstasy, a degeneração muscular ocorre, na maioria das vezes, em virtude da hipertermia prolon gada, do excesso de esforço físico ou, ainda, durante as crises convulsivas que podem ser desencadeadas pelos efeitos da droga no sistema nervoso central (SNC). Possíveis fatores de risco para o desenvolvimento dessa síndrome muscular são, além da hipertermia, desnutrição, desidratação, esforço físico excessivo, tabagismo e alcoolismo. O conteúdo das células musculares lesadas pode desencadear falência renal aguda e coagulação intravascular disseminada. Os sintomas da rabdomiólise incluem dor muscular, fraqueza e urina de coloração marrom. A coagulação intravascular disseminada é uma patologia relacionada com a formação de fibrina e ao consumo de fatores de coagulação e plaquetas no interior dos vasos sanguíneos. Quando esses fatores se esgotam, a coagu lação não é mais possível e hemorragia generalizada pode ocorrer. Nos quadros de intoxicações causadas pelo uso de ecstasy, a coagulação intravascular disseminada pode se dar devido a uma combinação de fatores como necrose hepática, lesões de células endoteliais e termoinativação de fatores de coagulação, plaquetas e megacariócitos. Com o prejuízo desses fatores, pode haver sangramento nasal e da gengiva, febre, dificuldade para respirar, taquicardia e hipotensão. Essa síndrome é capaz de levar ainda a problemas mais graves, como hemorragia e infarto cerebral. A hiponatremia é outro efeito adverso associado ao uso de MDMA que não se manifesta durante a utilização de outras anfetaminas, e pode estar associado com a sindrome da secreção inapropriada de hormõnio antidiurético (ADH), uma vez que a MDMA é um agonista serotoninérgico e existem evidências de que a liberação de ADH seja mediada por esse neurotransmissor. Os sintomas iniciais da hiponatremia aguda surgem quando os níveis séricos de sódio caem até valores me nores do que 120 mEq/L e podem incluir náuseas, võmitos e cãimbras musculares. Posteriormente, pode ocorrer a instalação de quadro de edema cerebral, estado em que os efeitos neurológicos são predominantes e incluem cefaleia, letargia, confusão, estupor, crises convulsivas e coma. O consumo de ecstasy foi relatado como a segunda causa mais frequente de hepatotoxicidade na Espanha entre jovens de até 25 anos. A MDMA pode causar alterações hepáticas graves, manifestadas principalmente por icterícia, hepatomegalia, necrose centrolobular, he patite, anorexia, náusea, võm ito e urina com coloração escura. Este último efeito está relacionado ao aumento na quantidade de urobilinogênio presente na urina, causada pela elevada formação e excreção de bilirrubina decorrente da hemólise provocada por hipertermia e coagulação int ravascular disseminada. Os danos hepáticos são causados em parte devido ao efeito da temperatura corpórea, e em outra parte devido à ação da MDMA e de seus produtos de biotransformação sobre o fígado . Estudos in vitro, conduzidos em condições experimentais que simulavam a hipertermia com hepatócitos de camundongo, mostraram que a MDMA aumenta a peroxidação lipídica e dimin ui a viabi lidade das células hepáticas. A MDMA pode ter ação ainda sobre o sistema renal, no qual falência renal aguda pode ocorrer quando coágulos de fi brina/plaquetas ou de mioglobina, liberados das células musculares lesadas, precipitam e bloqueiam os túbulos renais. A

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desidratação facilita o desenvolvimento desse tipo de problema renal e pode levar ao acúmulo de substâncias que deveriam ser depuradas e eliminadas do sangue, possibilitando danos secundários a outros tecidos ou órgãos. Uma característica observada a respeito dos efeitos da MDMA no SNC é que induz alterações significantes na liberação e recaptação de serotonina pelos neurônios, as quais podem persistir por longos períodos mesmo após o fármaco ter sido biotransformado e eliminado. Experimentos com ratos mostram que a MDMA dispara uma rápida liberação de serotoni na no cérebro seguida por significativa di m inuição nos níveis de serotonina que persistem por pelo menos sete dias após a administração. As reduções mais significativas de serotonina ocorrem no córtex pré-frontal, córtex estriado e hipocampo, com menor redução no hipotálamo e nos núcleos da base do cérebro. O uso crônico pode levar ao desenvolvimento de neurotoxicidadc, especialmente dos ne urônios serotoninérgicos, como foi observado em estudos in vitro com animais de experimentação. Devido a limitações metodológicas e éticas, os efeitos do uso crõnico de meti!enodioxianfetaminas ainda são restritos a exames por imagem e aplicação de questionários. Em humanos, o uso de MDMA é associado à depressão, debilidade da atuação cognitiva e atuação anormal dos neurônios serotoninérgicos quando analisados por tomografia de emissão de pósitrons (PET). Estudos realizados no líquido cefalorraquidiano de usuários de MDMA de monstraram uma redução nos níveis de 5-HIAA {ácido 5-hidroxi-indolacético), produto de degradação da scrotonina, achado que confirma a neurotoxicidade dessa substância Uma hipótese para explicar a neurotoxicidade causada pela M DMA no sistema serotoninérgico é que induz tanto estresse oxidativo quanto metabólico nesses neurônios, que, como consequência, sofrem redução de sua capacidade de produzir serotonina. O suporte pa ra essa hipótese vem de uma variedade de estudos, incluindo aqueles mostrando que a MDMA provoca alterações na atividade de várias enzimas antioxidantes, como superóxido dismutase, catalase e glutationa peroxidase, e que o aumento artificial (induzido em experimentos) dos níveis dessas enzimas diminui os efeitos do fármaco sobre os neurônios serotoninérgicos. Em estudos que empregaram animais de experimentação, a injeção d ireta de MDMA no cérebro não reproduziu os efeitos neurotóxicos, observados após a administração periférica. Esse fato sugere uma possível correlação entre produtos de biotransformaçâo da MDMA e o desenvolv ime nto de neurotoxicidade. Produtos como a 3,4-di-hidroximetanfetarnina (HH MA), principal produto de biotransformação da MDMA em ratos e preparações microssômicas de fígado humano, podem estar relacionados com esse tipo de efeito pela for mação de adutos com glutationa e outros compostos endógenos que contenham radicais tióis.

2.1.4. Relatos de intoxicações causadas pela MDMA Mikula e colaboradores relataram um caso de hepatite aguda com inflamação da vesícu la biliar em uma mulher com 17 anos que deu entrada no serviço de emergência relatando forte dor abdominal (arco costal direito), com icterícia, febre e vômitos. Reportou que há três meses consumia ecstasy regula rmente, em quantidades que variavam entre 5 c 8 comprimidos por sessão de uso. Admitiu ainda consumo regular de etano! (cer-

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veja, vodka) e tabaco nos dois anos anteriores. Na admissão, os parâmetros bioquímicas de função hepática estavam consideravelmente alterados (bilirrubina= 121 mmol/L, alanina aminotransferase = 2.700 UI/L, asparagina aminotransferase = 1.215 UI/L). A ultrassonografia abdominal revelou fígado, baço e rins sem alteração de tamanho, in mação da vesícula biliar com diâmetro de parede sobre 8 mm, sem cálculos biliares e linfonodos na parte superior do abdome (12 mm de diâmetro). Os sintomas clínicos desapareceram após cinco dias de tratamento e seus parâmetros bioquimicos normalizaram-se depois de 8 semanas. Em outro episódio de intoxicação causada pela MDMA, um homem, de 19 anos, foi encaminhado por amigos ao serviço de emergência apresentando convulsões e hipertermia (temperatura de 42,5°C). Os amigos relataram que o paciente havia ingerido etano] c três comprimidos de ecstasy duas horas antes da admissão no hospital. O exame físico mostrou midríase bi lateral, mioclõnia, sopro sistólico, frequência cardíaca de 95 bpm e pressão arterial de 125/45 mmHg. Os resultados dos exames laboratoriais indicaram hipercalemia, rabdomiólise e danos no miocárdio. Após intubação e administração de propofol e rocurônio, a hipertcrmia foi tratada com medidas de resfriamento ativo e sedação com midazolam. Além disso, foi realizado tratamento para diminuir a concentração plasmática de potássio, incluindo a administração intravenosa de gluconato de cálcio (1.000 mg), bicarbonato de sódio (45 mEq) e glicose (50 mLde uma solução a 40%) com insulina (lO unidades). O paciente foi transferido para unidade de terapia intensiva (UTl) com quadro de edema pulmonar maciço e ausência de atividade elétrica alternando com bradicardia sinusal (30 bpm). O ecocardiograma não mostrou nenhuma atividade cardíaca e, apesar da ressucitação cardiopulmonar por mais de 2 horas, incluindo a estimulação ventricular intravenosa temporária e o tratamento intensivo para hipercalemia, o paciente foi a óbito. A causa da morte foi atribuída a hipercalemia, que evoluiu rapidamente devido à rabdomiólise.

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2.2. Brolanfetamina (2,5-dimetoxi-4-bromoanfetamina, DOB) A 2,5-dimetoxi-4-bromoanfetamina (DOB) é um derivado anfetam inico dotado de poderosa ação agonista sobre os receptores de serotonina, atuando principalmente nos receptores 5-HT2 e causando alucinações intensas, com potencial para causar tolerância em usuários crônicos. Foi sintetizada pela primeira vez por Alexander Shulgin, tendocomo precursora a 2,5-dimetoxianfetamina (2,5-DMA). Possui características físico -químicas similares às da 2,5-dimetoxi-4-bromofeniletilamina (2C-B), contudo a DOB é capaz de produzir efeitos alucinógenos mais duradouros que o análogo. f comumente comercializada impregnada em selos de papel (como o LSD) ou na forma de cápsulas ou comprimidos, sendo que a quantidade de princípio ativo pode variar entre 0,75 mge 2 mg. Como a quantidade de substância ativa presente nas cápsulas de DOB é ínfima, apresentando apenas resquícios de pó branco em seu interior, essa droga recebeu no Brasil o nome de "cápsula do vento", em analogia a aparente ausência de material. A dose usual é de um selo ou cápsula por noite (entre 0,75 e 2 mg), adm inistrada VO. Os efeitos experimentados pelos usuários incluem sensação de bem-estar, aumento da vigília, da ali-

vidade auditiva e visual, com elevação na percepção de cores e texturas. Doses de 2,8 mg podem levar ao aparecimento de efeitos indesejados, como câimbras com dores musculares e episódios de alucinação. As situações de overdose são esperadas em doses de 3,5 mg ou mais. que podem leva r a quadro de perda de memória, comportamento irracional e violento Duas peculiaridades importantes ajudam a entender as into xicações agudas causadas pela DOB: primeiro, a dose efetiva (geralmente uma cápsula) e a dose tóxica (aproximadamente duas cápsulas) são muito próximas; e o segundo fator importante é o espaço de tempo relativamente grande entre o uso da droga e o aparecimento dos primeiros efeitos pelo usuário - para a maioria dos indivíduos que experimentam a droga, os primeiros efeitos podem demorar até três horas para ser percebidos, o que pode levá-los a acreditar que a dose administrada não foi sufi ciente para causar o efeito buscado, conduzindo-os à ingestão de uma segunda dose, o que pode resultar em situações de overdose. Os principais sintomas da intoxicação aguda são convulsão, espasmos vasculares, vômito, diarreia, tremores, agitação e psicose com alucinações visuais intensas. Os efeitos da DOB são prolongados, podendo durar de 8 a 24 horas dependendo de característicasdo indivíduo e da dose administrada. Como acontece com a maioria da fenilalquilaminas que atuam sobre o SNC, os isômeros ópticos da DOB possuem atividades distintas, em que o isômero R( - ) possui maior atividade do que o isômero S(+). Em estudos com animais, observou-se que os picos de con centração plasmática da DOB ocorrem de 2 a 3 horas após a administração. A concentração máxima da substância no figa do ocorre de 0,5 a 1,5 hora; já no cérebro, o pico de concentração da DOB só ocorre de 3 a 6 horas após a administração, o que ajuda a explicar o grande intervalo de tempo existente entre a ingestão e o aparecimento dos efeitos no usuário. Estudos com animais (ratos) demonstraram que sua biotranformação se dá principalmente por 0 -desmetilação e por desaminação oxidativa. A excreção ocorre principalmente através da urina, na qual é possível identificar a presença da substância inalterada, bem como seus produtos de biotransformação conjugados a grupos sulfato e glicuronatos.

2.3. Dimetoxianfetamina (2,5-dimetoxi-4-metilanfetamina, DOM, STP) A DOM é outro derivado da anfetamina dotado de ação alucinógena. Seu nome de rua faz alusão à marca de aditivo de gasolina STP (do inglês, Special/y Treated Petro/eum), que, posteriormente, foi interpretada como "Serenidade, Tranquilidade e Paz~. Foi sintetizada em 1963 e em 1967 surgiu nos EUA, comercializada em forma de comprimidos de 10 mg. Como alucinógeno, é 100 vezes mais potente do que a mescalina e cerca de 30 vezes menos potente que o LSD. Os primeiros efeitos surgem cerca de 90 minutos após administração e se intensificam gradativamente, atingindo o pico após 3 a 4 horas. Doses de 10 a 20 mg VO perduram por 16 a 24 horas. Os sintomas se caracterizam por náuseas, vômito, sudorese, tremores, midríase, hipertensão arte rial, taquicardia e hipertermia, alterações do senso-percepção como imagens múltiplas, borradas, vibrantes e distorcidas. Muitas vezes, ocorre uma bad trip, ou seja, alucinações ruins, seguidas de um sentimento de medo e pânico incontroláveis. Em consequência desses senti-

4.11.

mentos, muitas vezes os indivíduos são levados a cometer atos insanos, podendo incorrerem incidentes até fatais.

3.

PIPERAZINAS

Os derivados da pipcrazina representam uma ampla classe de substâncias químicas que apresentam estrutura molecular cíclica de seis átomos, sendo dois de nitrogênio em posições opostas. O anel piperazínico em sua estrutura molecular é muito semelhante à piperidina existente na pimenta negra (Piper nigrum L.), porém as piperazinas não são compostos de origem natural, mas produzidos em laboratórios, o que pode explicar o fato de serem confundidas com drogas naturais, chamadas de herba/ ecstasy. Ganharam destaque como designer drugs nos anos 2000, devido a seus efeitos serem semelhantes aos do ecstasy (MDMA) e também pelo fato de não serem substâncias de uso proscrito em vários países. Desde a década de 1950 até meados da década de 1990, seu uso era amplo em pesquisas e em terapias farmacológicas tanto em medicina humana como veterinária. As aplicações desses derivados piperazínicos eram feitas principalmente em terapias antifúngica, antiviral c antiparasitária. Também foi pesquisado um potencial efeito vasodilatador e como inibidor de crescimento de tumores cancerígenos. Atualmente, são encontrados compostos piperazínicos que incluem agentes antipsicóticos (olanzapina, clozapina), antidepressivos (trazodona, nefazodona) e fármacos para tratamento de disfunção erétil (sildenafil, vardenafil).

Tabela t

DrogasSi.rtéticas

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Os primeiros relatos do uso abusivo dos derivados da piperazina ocorreram no final da década de 1990, nos Estados Unidos, com a benzilpiperazina (BZP). Em 2004, um novo derivado da piperazina, a 1-(3-clorofenil) piperazina (mCPP) fo i identificado sendo vendido como ecstasy (na forma de comprimidos) nas ruas da Suécia e da Holanda, disseminado para toda a União Europeia (UE). Na Holanda, foram encontrados os primeiros comprimidos de mC PP em combinação com o MDMA. Na Nova Zelândia, no Japão e no Brasil, também foi detectada a presença de vários derivados da piperazina, como BZP, mC PP, 1-(3-trinuormetilfenil) piperazina (TFMPP) e associações como mCPP e cocaína e mCPP, anfetamina, cafeína e lidocaína em um mesmo comprimido. Atualmente, a BZP e mCPP estão sob controle na UE, nos EUA e na Nova Zelândia. No Brasil, a BZP, a mCPP e a TFMPP foram adicionadas em 2008 à lista F2, da Portaria n. 344 -98, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a qual elenca as substâncias psicotrópicas de uso proscrito no Brasil e em que se encontram substâncias como a MDMA e o tetraidrocanabinol, princípio ativo da maconha. Em competições esportivas, a utilização dessas substâncias é proibida pela Agência Mundial Antidoping (WADA, do inglês World Anti-Doping Agcncy). Os derivados da piperazina podem ser divididos em duas classes: •> as benzilpiperazinas, como a 1-benzilpiperazina (BZP) e seu análogo l·benzil ·4-metilpiperazina (MBZP); •> as fenilpiperazinas, como 1-(3-dorofenil) piperazina (mCPP), 1-(3 -trinuorometilfenil) piperazina (T FMPP), entre outras descritas na Tabela I.

Principais derivados da piperazina utilizados como designer drugs.

1-{3-Ciorofenill-4-{3-cloropropillpiperazina {mCPCPP) 1-{3·Ciorofenillpiperazina{mCPPJ 1-{4-Ciorofenil)piperazina{pCPPJ

CI

CH 2 CH 2 ·CHp

CI

H

CI

1-{4-Fiuorofenil)piperazina{pFPPJ H2·Meto~ifenillpiperazina

{oMeOPP)

H4·Melo~ifenillpiperazina

{pMeOPPJ

M•O

1-{4-Metilfenil)piperazina {pMPPJ

H

M•D

l -{3-Metilfenil)piperazina{mMPP)

Metil MetiI

1-Benzilpiperazina{BZPJ l -Benzil-4-metilpiperazina {MBZP) 1-{3-Trifluorometilfenil)piperazina{TFMPP) 1.4-Dibenzilpiperazina{DBZPJ

3, 1. Benzilpiperazina A benzilpiperazina, também conhecida como BZP, é uma diamina sem estereoisômeros, facilmente sintetizada a partir do cloridrato de piperazina e do cloreto de benzila, insumos facil mente adquiridos no mercado. Essa síntese é mais fáci l de ser realizada quando comparada com a da anfetamina e do ecstasy. Esse processo de síntese acaba resultando também a dibcnzi!pipcrazina (DBZP) como impureza Foi sintetizada pela primeira vez em 1944 e teve uso pretendido como um agente anti-helmíntico para o gado. No entanto,

Metil

CF, C8 H6 -CH 2

por causa da sua falta de eficácia em comparação com a piperazina e dos efeitos colaterais (convulsões em mamíferos), nunca foi usada para esse fim. Mais tarde, na década de 1970, foi avaliada como um potencial agente antidepressivo, dev ido à sua capacidade para inverter os efeitos sedativos da tetrabenazina em ratos e camundongos. No entanto, nunca foi comercializada como antidepressivo, possivelmente devido à semelhança com as anfetaminas, ou seja, apresentou, nos estudos com an imais, efeitos como hiperatividade, comportamento estereotipado e potencial de abuso elevado.

· · · ··lillfiJI

Parte 4 TOXICOLOG IA SOCIAL E MEDICAMENTOS

Como designcrdrug, é conhecida popularmente como legal X, lrerbal ecstasy, legal E, rapture e A2. f comercializada clandestina mente na forma de comprimidos, cápsulas e soluções, que podem conter em média entre 50 e 200 mg de BZP. Atualmente, os comprimidos encontrados dificilmente contêm apenas a BZP, apresentando ta mbém outras piperazinas, principalmente mCPP, TFMPP e oMeOPP. Além disso, constituem esses comprimidos cafeína, extratos herbais, aminoácidos, mistura de eletrólitos, entre outros

-BZP, seguido de uma metilação (mediada pela catecol-0 · metil- transferase, COMT), gerando 4-hidroxi-3-metoxi-BZP. Também em reações de fase I, a BZP sofre reações de desalquilação, formando piperazina, benzilamina e N-benziletilenodiamina (Cit P-450). Os compostos hidroxilados podem entrar em reação de fase 11 , originando compostos que serão excretados na forma de conjugados com sulfatos e ácido glicurõnico(Figura 1). O único estudo com humanos mostra que após a ingestão de 200 mg de BZP, a concentração plasmática de 3-hid roxi-BZP é maior que a de 4-hidroxi- BZP, mostrando que a hidroxi lação aromática é a maior via metabólica em humanos. A concentração plasmática máxima de BZP foi de 262,7 ng/m l , sendo detectada até 24 horas após a exposição (LOD = 5 ng/ ml). O t 112 foi de 5,5 horas e o clearance de 99 L/h Análises urinárias mostraram que 6% da dose total de BZP foi eliminada na forma conjugada (sendo os conjugados 0-sulfa to-BZP e N-sulfato -BZP presentes em maior quantidade) e 0,11% da dose total, na forma não conjugada. Quando o pro cesso foi submetido a uma hidrólise enzimática, a quantidade de 3-hidroxi-BZP e 4-hidroxi- BZP aumentou consideravelmente, calculando-se, então, que o 0 -sulfato- BZP representa SI% e N-sulfato-BZP 30% da excreção de BZP. Ta mbém foi constatado, após hidrólise enzimática, que a excreção de BZP inalterado em humanos é de 12,2% da dose total ingerida, fato que pode ser relacionado a uma baixa biodisponibilidade oral ou a uma alta ligação com proteínas plasmáticas e até mesmo ã

Todas essas associações são feitas com o propósito de aumentar os efeitos psicoativos e diminuir os efeitos tóxicos da d roga. Existem, ainda, relatos da associação da BZP com drogas de outras classes, como anfetaminas, MDMA, cocaína e cetamina, com a finalidade de aumentar os efeitos estimulanteseeuforizantes.

3.1.1. Toxicocínética A toxicocinética da BZP ainda não está totalmente elucidada, existindo poucos dados sobre sua absorção e distribuição em animais e também em seres humanos. O metabolismo da BZP foi estudado em ratos Wistar machos após a administração oral de 50 mg/kg da droga de rua contendo BZP. Os metabólitos identificados nos ratos também foram encontrados em urina humana após admin ist ração oral da droga. A BZP não é metabolizada totalmente, sendo excretada principalmente na forma inalterada. Em reação de fase I, a BZP sofre reações de hidroxilação aromática (mediada pelo Cit P-450) forma ndo 4-hidroxi-BZP e 3-hidroxi-

existência de outra via de excreção.

Hidroxilaçaoaromática

r0r"Nl HO

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~NH

(2)

HO~N~

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(3)

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CYP -450

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Desalquilaçao

CYP -450

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o H,C'~Ní

HO~

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(4 )

Figura 1. Biotransformação da BZP em ratos e humanos. (1) BZP; (2) 4-hidroxi-BZP; (3) 3-hidroxi-BZP; (4) 4-hidroxi-3-metoxi·BZP; (5) piperazina; (6) benzitamina; (7) N-benziletilenodiamina. Adt~pladadeMonleiroetal.,20/3

4.11.

3 .1.2 . Toxicodinâmica Semelhante ao que ocorre com outras drogas de abuso, estudos in vitro e in vivo demonstram que a BZP interfere na neurotransmissão monoaminérgica, causando tanto a inibição da recaptação quanto a estimulação da liberação de dopamina, noradrcnalina e serotonina (5-HT), predominando os efeitos sobre a neurotransmissão dopaminérgica. A intensidade do bloqueio na recaptação de dopam i na e noradrenalina ê maior quando comparada com o bloqueio na recaptação de serotonina. Nos receptores 5-HT, a BZP exerce efeitos agonistas nos receptores do tipo 5-HTJ, responsáveis pela ação serotoninêrgica central, não existindo ação alguma nos receptores do tipo 5-HT2. Alguns estudos sugeri ram que a BZP também apresenta propriedades antagonistas em receptores 5-HT, devido à sua capacidade em diminuir as contrações de fundo de estômago de ratos induzida pela serotonina. Também exerce ação como agonista parcial, pois foi observado que a hipertermia induzida em ratos teve seu efeito revertido com o uso de ciproeptadina, que é um antagonista de 5-HT. Em resumo, os principais achados experiementais em animais foram: •> efeito estimulante psicornotor semelhante ao doS(+) MDMA; •> ausência de efeitos alucinógenos; •> aumento de dopamina e 5-HT em células cerebrais; •> hiperlocomoção e perfil estereotipado; •> reforço nos efeitos de preferência condicionado a lugar; •> sensibilização cruzada com mctanfctamina; •> níveis elevados de ansiedade em ratos jovens; •> efeitos de reforço em macacos Rhesus. Após estudo randomizado, duplo-cego, controlado com placebo, os efeitos fisiológicos e subjetivos provocados pela administração oral de BZP (200 mg) em 27 pacientes foram: aumento da pressão arterial (sistólica e diastólica) e da frequência cardíaca; estimulação do SNC; euforia; disforia (efeito rebote); sociabilidade; sudorese; rubo r facial; dilatação pupilar. Também foi observada uma leve diminuição na temperatura corporal, quando comparado com o placebo. Os efeitos cardiovascu lares da BZP têm sido atribuídos à ação simpatomimética periférica, ao passo que os estimulantes e subjetivos são relacionados com a estimulação da neurotransmissão dopaminérgica e serotoninérgica no SNC.

3 .1.3. Efeitos tóxicos decorrentes do uso abusivo Apesar de vários usuários e pesquisadores considerarem a BZP uma droga relativamente segura, existe uma série de evidências clínicas que aponta sua toxicidade em condições de uso abusivo, fato já sabido desde a década de 1970, em que estudos comprovaram a semelhança de efeitos da BZP com os de compostos anfetaminicos. A Nova Zelândia é o país que mais tem relatado os efeitos tóxicos das designer drugs derivadas da piperazina, possivelmente devido ao seu mercado expressivo em comparação com outros países. Segundo seus pesquisadores, os efeitos mais relatados pelos jovens consumidores de BZP são: náuseas, tonturas, dores de cabeça, insônia, alterações de humor, agitação, confusão, tremores, diaforese, desidratação, retenção urinária, xerostomia, taquicardia, hipertensão, bruxismo e trismo, mi-

DrogasSi.rtéticas

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dríase, perda de apetite e cansaço, muitos dos quais parecem persistir por mais de 24 horas após a ingestão. Efeitos mais graves também foram relatados, como acidose metabólica e respiratória, hiponatremia, convulsões, psicose paranoica aguda, estado dissociativo (quando associado com a TFMPP), hipertermia, exacerbação de doenças mentais, rabdomiólise, coagulação intravascular disseminada, lesão renal aguda e falê ncia de múltiplos órgãos. Deve ser levado em consideração o ambiente da festa rave (calor, aumento da atividade física, a falta de sono, desidratação, ingestão excessiva de líquidos e ingestão concomitante de outras substâncias psicoativas) na potencialização dos efeitos apresentados. De modo geral, os sintomas da intoxicação por BZP são de uma toxíndrome simpatomimética, muito semelhante aos das anfetaminas c de outros compostos simpatomiméticos. Porém, sua confirmação diagnóstica tem sido subestimada, principalmente pelo não conhecimento da existência dessa substância por parte dos médicos e demais profissionais, pela ausência de métodos laboratoriais de rotina que detectem com exatidão esses compostos, pela associação com outras drogas e pela ampla variedade individual devido aos poli morfismos genéticos. Existem poucos estudos a respeito da toxicidade a longo prazo da BZP, considerando o potencial de indução de dependência, a tolerância e as sequelas, que se mostram inconclusivos. Não existe tratamento especifico ou antídoto para os intoxicados por BZP. O tratamento consiste na estabilização do paciente, com medidas de suporte e sintomáticas. Dependendo dos sintomas apresentados, deve-se corrigir a hiponatremia, hipertermia, taquicardia, desidratação, hipertensão c disturbios ácido-base. Deve-se monitorar principalmente as funções renal, hepática e cardíaca. Em caso de convulsões e quadro psicótico, é preciso utilizar benzodiazepínicos e antipsicóticos

3.1.4. Relatos de intoxicações causadas

pela benzi/piperazina Homem de 23 anos participou de uma festa e ingeriu quatro comprimidos chamados "rapture ~. Doze horas após a ingestão, apresentou: episódio psicótico agudo associado com intensas crenças delirantes persecutórias e auditivas, com alucinações visuais. Os sintomas desapareceram completamente dentro de 48 horas, controlados apenas com benzodiazcpínicos. Foi detectado BZP (qualitativo) na urina por cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas (CG/MS). Um caso de nefrotoxicidade foi relatado em um homem de 17 anos, que ingeriu cinco comprimidos contendo BZP e uma pequena quantidade de etano!. Depois de algumas horas, ele começou a ter dor bilateral, que gradualmente aumentou no dia seguinte, sendo internado 36 horas depois. Evoluiu para insuficiência renal [creatinina sérica de 220 mol/L, aumentando até 778 moi/ L nos dias seguintes (valor de referência da creatinina sérica no homem: 80-115 mol!L)]. O paciente foi dialisado uma vez e, três semanas depois da admissão, sua creatinina sérica tinha voltado a 92 mol!L. Três homens entre 18 e !9 anos ingeriram quatro comprimidos vendidos como ecstasy (MDMA). Deram entrada no hospital apresentando estado dissociativo, agitação intensa, bruxismo, náuseas e sinais de uma toxíndrome simpatomimética (taquicardia e pupilas dilatadas). Análise toxicológica rca-

·····!iláli

Parte 4

TOXICOLOG IA SOC IAL E MEDICAMENTOS

lizada em urina e sangue detectou a presença de BZP eTFMPP, e nenhuma outra droga foi dete o diagnóstico preciso de uma intoxicação ou sua exclusão, possibilitando ao clínico uma reavaliação do paciente;

•> a identificação do agente tóxico que auxiliará o clínico no



•>

uso de terapêutica mais específica e adequada ao paciente, por exemplo, a possibilidade de uso de antídotos, agonistas, hemodiálise etc; a monitorização das intoxicações graves, como nas intoxicações por ferro, metano\ etc.; o estabelecimento de um prognóstico mais previsível, como nas intoxicações por paracetamol, paraquat, inibidores da colinesteraseetc.;

•> um seguimento mais adequado, como na intoxicação por antidepressivos triciclicos, dapsona etc. Finalizando, a ATS deve permitir a detecção dos agentes tóxicos presentes importantes, identificá-los e excluir a presença de outros toxicantes igualmente importantes É relevante o papel de um analista toxicologista, pois, com sua experiência, deve estar apto para realizar qualquer tipo de análise de emergência, além de saber interpretar seus resultados. Por outro lado, o estreito relacionamento entre o clinico e o analista é de fundamental importância. A descoberta de qualquer dado novo referente a um paciente, durante a espera do resultado analítico, deve ser comunicado pelo clínico ao analista, que poderá mudar o curso das análises para proporcionar um diagnóstico mais preciso.

6.

FALTA DE CORREL AÇAO ENTRE OS RESULTADOS ANALíTICOS E A SUSPEITA DE INTOXICAÇAO

Vários fatores determinam a falta de correlação entre os resultados analíticos e a suspeita da intoxicação:

Anamnese incompleta Há muita dificuldade em obter informações corretas em relação ao paciente intoxicado. Por exemplo, se um adulto for levado para a emergência por abuso de álcool e cocaína, com certeza ele ou quem o acompanha admitirá o uso do álcool, mas não da cocaína. Mães costumam negar a ingestão de medicamentos pelos seus filhos, com medo de consequências. Material biológico inadequado Por exemplo, se for determinar a concentração plasmática de paracetamol duas horas

Análises Toxicológicas de Emcrgéncia

após a ingestão, o valor encontrado não será real, pois o pico plasmático do paracetamol ocorrerá depois de cerca de 4 horas.

Material biológico mal acondicionado Para um bom resultado analítico, as condições técnicas do material enviado ao laboratório são primordiais. Ainda é comum dosagens alcoólicas virem sem refrigeração ou sem vedação adequada. Não se pode esquecer que a amostra, nos casos de urgência, é única, ou seja, a biotransformação no organismo não para e, portanto, em diferentes horários têm-se diferentes resultados analíticos. O que se procura é aquele que traduz, o mais próximo possível, a realidade do paciente intoxicado. f: diferente de outras patologias em que, uma vez instaladas, é geralmente indiferente o horário da coleta de material para diagnosticá-las. É sempre recomendado que seja solicitada ao analista orientação de como deverão ser colhidas e as condições em que deverão ser transportadas as amostras. O ideal seria que a amostra fosse controlada pelo laboratório desde a coleta até a emissão do resultado. Entretanto, não é possível dadas as condições em que ocorrem as intoxicações e a realização dos atendimentos em diversos prontos-socorros, diferentes locais que, mesmo recebendo orientações quanto à coleta, nem sempre as obedecem. Envolvimento de vários agentes tóxicos É comum nas tentativas de suicídio e no uso de drogas de abuso. O usuário de cocaína, por exemplo, em geral abusa também do álcool, proporcionando desse modo a formação do cocaetileno, produto ativo e mais tóxico que a própria cocaína, podendo também usar outros depressores do sistema nervoso central para atenuar o desconforto da excitabilidade. Presença de outras patologias Um epilético urêmico que toma fenitoina e ácido acetilsalicílico, por exemplo, terá efeito de ambos os fármacos, mas há um deslocamento maior de fenitoína, pois os dois fármacos competem pelos mesmos sítios proteicos. O aumento do maior número de moléculas livres de fenitoina poderá possibilitar a manifestação de sua toxicidade. Síndrome de abstinência As síndromes de abstinências são, às vezes, confundidas com intoxicações, principalmente por profissionais menos experientes. Na sínd romede abstinência alcoólica, o paciente apresenta alucinações, tremores, convulsões e estado hipermetabólico, que poderão ser confundidas com o uso de alucinógenos ou estimulantes do sistema ne rvoso central. Portanto, verifica-se que a análise toxicológica de urgência é mi generis e para alcançar o seu objetivo, que é dar um tratamento adequado ao paciente, dependerá de um entrosamento bom entre o clínico e o analista. Do bom trabalho do analista, dos equipamentos disponíveis no laboratório e, com certeza, de uma história precisa da intoxicação depende o resultado de uma análise toxicológica de urgência. Ungerleinder et ai. fizeram um levantamento comparando as histórias das intoxicações com os resultados analíticos e observaram que houve correlação em 20% dos casos entre a suspeita do toxicante e o resultado dos testes analíticos, sendo que em li% as histórias eram incorretas e em 69% parcialmente corretas. A chave do sucesso de uma análise toxicológica de emergência é sem dúvida o domínio da equipe do laboratório sobre a metodologia aplicada, quer seja a cromatografia em camada

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delgada, a cromatografia gasosa e outras, que só se adquire com a repetição e com a confiança adquirida no decorrer do exercício.

7.

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• • • •illijJ

Parte 4

TOXICOLOG IA SOCIAL E MEDICAMENTOS

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ÍTr

PARTE 5 TOXICOLOGIA DE ALIMENTOS

5.1. METAIS EM ALIMENTOS Paulo Eduardo de Toledo Salgado

CONTEÚDO DESTE CAPITUL O L Introdução 2. Arsênio 2.1. Fontes de exposição 2.2 . Toxicocinética 2.3. Efeitos tóxicos 2.4 Interações com outras substâncias químicas 2.5. Prevenção 3. Cádmio 3.1. Fontes de exposição 3.2. Toxicocinética 3.3. Efeitostóxicos 3.4. Relações dose· resposta e prevenção 3.5. Interações com out ras substâncias químicas

1.

INTRODUÇÃO

A Agency for Toxic Substances & Disease Registry (ATSDR) atualizou em 2011 a lista prioritária de substâncias perigosas, baseada na combinação de frequê ncia de ocorrências de toxicidade em potencial aos humanos, e des tacaram -se entre elas os metais arsênio, chumbo, mercúrio e cádmio.

4

Chumbo 4.1. Fontes de exposição 4.2. Toxicocinética 4.3. Efeitos tóxicos 4.4. Interações co m outras substâncias químicas 4.5 Prevenção 5 Mercúrio 5.1. Fontes de exposição 5.2. Toxicocinétíca 5.3. Efeitos tóxicos 5.4. Relações dose-resposta e prevenção 5.5. Interações com outras substâncias químicas 6. Outras informações 7. Bibliografia

A presença qualitativa e quantitativa de metais nos alimentos depende da localização geográfica e das condições em que se encontram o solo e a água. Os níveis desses metais podem ser controlados limitando o uso de produtos agrícolas que contenham metais, impedindo o uso de água contaminada, ou ainda, proibindo a produção de ali mentos em solos contaminados.

• • • •illi:Ji

Parte 5

TOXICOLOG IA DE ALIMENTOS

Entre os elementos mais conhecidos, cerca de 50 são encontrados em concentrações mensuráveis nos sistemas biológicos; destes, l i podem ser classificados como elementos de traço. Esses elementos, essenciais ao organismo, são encontrados em quantidades m uito limitadas no organismo humano. Observa-se que 8 desses li elementos estão classificados no período quatro da tabela periódica, sugerindo uma ótima relação entre o tamanho do núcleo e a disponibilidade de elétrons para interagirem com as moléculas orgânicas presentes nos sistemas biológicos. São eles: vanádio (V), cromo (Cr), manganês (M n), fe r ro (Fe), cobalto (Co), cobre (Cu), zinco (Zn), molibdênio (Mo), além dos não metais selên io (Se), flúor (F) e iodo (1). Os elementos de traço são componentes essenciais de estruturas biológicas, todavia, quando estão presentes em concentrações superiores àquelas ne ±-+H o~ " CH 20H Nivalenol: R= OH,

Deso~inivalenol:

R= H

Fia:ura 7. Tricotecenos tipo 8.

7.2. Ocorrência A ocorrência de tricotecenos como contaminante é conhecida mundialmente no trigo, arroz, milho, aveia, cevada e centeio. Essas micotoxinas podem afetar tan to homens quanto an imais. A presença de tricotecenos é relatada na Ásia, África, América do Sul e do Norte e Europa. A ocorrência desses contaminantes depende de diversos fato res, tais como cepas e sua toxigenicidade e condições climáticas, incluindo a innuência da umidade. Ocorre principalmente quando a colheita é realizada sob muita chuva e baixas temperaturas. No sul do Brasil, os tricotecenos apresentam maior incidência em cereais cult ivados no inverno, período em que os fungos encont ram temperatura e umidade adequadas para o seu desenvolvimento. ~possível haver contaminação concomitante por tricotecenos e outras toxinas de Fusarium como fumon isinas. Geralmente, combinações de micotoxinas de Fusarium resultam em adição de efeitos, mas o sinergismo ou a potencialização de interações têm sido observadas e são de interesse para a saúde c produtividade de animais

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Parte 5

TOXICOLOG IA DE ALIMENTOS

7.3. Efeitos tóxicos Os tricotecenos inibem a síntese de proteínas, DNA e RNA e acarretam efeitos imunossupressores e hemorrágicos. O efeito tóxico dos tricotecenos se deve principalmente ao anel cpóxido, pois sua destruição resulta em perda total da toxicidade. No entanto, há evidências que indicam a influência dos grupamentos substituintes da ligação dupla entre o carbono 9-10 nesta característica, segundo Garda et a/. Os tricotecenos são, entre as micotoxinas conhecidas, as que afetam o maior número de funções em animais como no

sistema nervoso, aparelho digestivo, regiões produtoras de componentes sanguíneos e pele. A intoxicação e caracterizada porêmese, inflamação, hemorragia, recusa alimentar, diarreia, aborto, mudanças hematológicas, angina necrótica, desordens nervosas e destruição da medula óssea Intoxicações em animais e no homem, atribuídas ao consu· mo de produtos contaminados com Fusarium, são relatadas desde 1913, particularmente no Japão, Coreia, Rússia e EUA. Dentre esses incidentes, o mais conhecido foi a aleucia tóxica alimentar (ATA), que ocorreu na Rússia na época da Segunda Guerra Mundial. A ATA é caracterizada por quatro estágios evolutivos: lesões no trato digestivo superior, danos hematopoié· ticos, alterações no sistema nervoso e no sistema endócrino. Mirocha, em 1983, relatou que tricotecenos foram utiliza· dos como arma química no sudoeste da Ásia. Análises da ~c hu · va amarela", realizadas pelo pesquisador revelaram a presença de toxina T-2, DAS e zearalenona.

8

FUMONISINAS

8.2 . Efeitos biológicos As fumonísinas são os agentes causadores de leucoencefaloma lácia em equinos (LEME) e edema pulmonar em suínos (EPS). A Fumonisina B1 foi classificada pela IARC como carcinógeno B2. Há grande incidência de câncer esofágico em regiões onde o milho é a base da dieta e os níveis de contaminação por Fusa· rium e/ou fumonisinas são altos, como na República do Transkei, Sul da África, bem como na Itália e na China.

8.3. Mecanismo de ação As fumonisinas são potentes inibidores da terceira enzima na via biossintética dos esfingolipídios, a di ·hidroceramida sintase, que cata li sa a conversão da acetilcoenzima A e da esfinganina para di-hidroceramida; esta enzima cata lisa também a conversão de esfingosina para ceramida. Esse mecanismo pode implicar em numerosos efeitos no metabolismo dos esfíngoli· pidios, importantes mensageiros moleculares do sistema imu · ne e fundamentais para integridade da membrana celula r e da comunicação intracelular.

9.

8.1. Fungos produtores e características físico-químicas As fumonisinas são compostos tóxicos isolados em 1988 por Gelderblom et a/; caracterizadas quimicamente por Bezuide· nhout et a/, em 1988. I:. o grupo de micotoxinas estruturalmen· te relacionadas mais pesquisado nos últimos anos, produzidas por espécies do gênero Fusarium, principalmente F verticillioides (= F.moniliforme) e F. prolifera/um, fungos amplamente distribuídos na natureza c isolados do milho c rações.

O

Existem outras espécies de Fusarium produtoras de fumo nisinas, e a mais recente descoberta foi que Aspergillus 11iger é capaz de produzir FB 2 e FB~ . Nesse grupo de micotoxinas, as fumonisinas B1, B2 e B3 são as mais comuns. A fumonisina B1 é considerada a mais importante, devido a sua maior toxicidade e por representar 70% do total de fumonisinas produzidas em milho naturalmente contaminado, seguida pela fumonisina Bl e BJ"

PATULINA

9 .1. Fungos produtores e características gerais Patulina é uma toxina produzida por certas espécies de Peni· cillium, Aspergillus e Byssocl!lamys que podem contaminar principalmente frutas e alguns vegetais, cereais e outros alimentos. As maiores fontes de contaminação são maçãs e pro · dutos à base de maçã (Sabino, 2008). Originalmente, foi isolada em face de suas propriedades antibióticas, mostrando posteriormente ser tóxica para animai s e plantas.

!COOH J

~!COOHl

0~

~CH, CH,

,::;;0:~1

Fumonisina Fumonisina Fumonisina Fumonisina

Figura 8.

B1: B2 : B3 : B, :

Rl RI RI RI

= OH, R2 =OH, R3 "' OH = OH, R2 = OH, R3"' H = H, R2 = OH, R3 = OH = H, R2 = OH, R3 = H

Fórmula estrutural das fumonisinas.

'

~ o ;=

figura 9.

0

Estrutura química da patulina.

A patulina é imunossupressora, e há evidência limitada de carcinogenicidade em animais de experimentação. É uma lac· tona heterodclica insaturada que não é destruída com o aquecimento, e sua quantidade é reduzida por estocagem prolongada, ação de su lfito e alta temperatura, adição de ácido ascórbico, fermentação alcoólica e tratamento com carvão ativo.

5.2.

10. LEGISLAÇÃO A Legislação Brasileira para Micotoxinas, até 2011, tinha limites máximos tolerados (LMT) somente para aflatoxinas (B 1+Bz+G 1+Gz) em amendoim, milho e seus produtos, e leite (AFM 1) estabelecidos pelo Mercosul. Em 2011, a Anvisa/MS aprovou Regulamento Técnico sobre os LMT para outras micotoxinas e outros alimentos, mediante Resolução RDC n. 07/2011, com o objetivo de proteger a saúde do consumidor. O novo regulamento contempla, além das aflatoxinas, a ocratoxina A, desoxinivalenol (DON), patulina, zearalenona e fumonisinas B1e Br Os limites foram estabelecidos levando em consideração os dados disponíveis da ocorrência e do impacto desses limites na ingestão dos contami nantes, além dos parâmetros toxicológicos. As categorias de alimentos às quais foram estabelecidos limitessão VIl. alimentos infantis à base de cereais; VIl L alimentos infantis à base de milho; IX. cafésohivel; X. cafétorrado; XI. XII . XII I. XIV. XV. XVI.

cereais e produtos à base de cereais; condimentos e especiarias; farinha de milho; farinha de trigo; frutas secas c desidratadas; milho não processado;

XVII. nozes, frutas desidratadas e secas e sementes oleaginosas; XVIII. produtos à base de milho; XIX. produtos derivados de trigo, exceto farinha; produtos de cacau e chocolate; XX. XX I. suco de maçã; e XXII . vinho. Excluem-se desse regulamento os alimentos do tipo leite, milho e derivados, e amendoim e derivados. Os LMT deaflatoxinas foram estabelecidos no Mercosul e incorporados no novo reg ulamento com esses LMT. A Comissão Europeia tem LMT implementados para aflatoxinas e outras micotoxi nas.

11 . B IB LI OGR A FIA AP PLEBAUM, R.S.; BRACK ET, R.E.; WISEMAN, D.W.; MARTH, E. H. Resonses of dairy cows to dietary atlatoxin: feed intake and yield, toxin content, and quality of Milk of cows treated with pure andimpureaflatoxin.f.DairySci.,v.65,p.l503- l508, 1982. BENFOR D, D. et a/. Ochratoxin A. In: WHO Food Additives Series 47 - FAO Food aud Nutrtiou Paper, v.74, p.281-415, 2001. BEZUIDENHOUT, C.S. e/ a/. Structure elucidation of fumoni sins, mycotoxins from Fusnriwn moniliform . }ou mal ofChemical Society, Chemical Communications Articles, p.743 -45, 1988 CASTEGNARO, M.; BARTXCH, H.; CHERNOZEMSKY, I. Endemic nephropathy and urinary tract tumors in the Balkans. CancerResearch,v.47,p.3608-3609,1987. CASTEGNARO, M.; PLESTINA, R.; DIRHEIMER, R.; CHE RNOZEMSKY, I.N.; BARTSCH, H. Mycotoxim, Eudemic nephropatlly aud urinary Tmc/Tumors. IARC Scientific Publications n. 115. Lyon, France: World Health Organizationllnternational Agency forResearchonCancer, 1991.

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• • • •j:J·fli

Parte 5 TOXICOLOG IA DE ALIMENTOS

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PARTE 6 DO PAGEM

6.1. DOPAGEM NO ESPORTE Mauricio Yonamine Rafael Menck de Almeida

CONTEÚDO DESTE CAPITULO L Introdução 2. Regulamentos do controle da dopagem 3. Substâncias químicas utilizadas na dopagcm 3.1. Substâncias não aprovadas 3.2. Agentes anabólicos 3.2.1. Esteroides anabólicos androgénicos 3.2.2. Outros agentes anabólicos 3.3. Hormônios como agentes de dopagcm 3.3.1. Eritropoietina (EPO) 3.3.2. Hormônio do crescimento (GH) 3.3.3. Gonadotrofinas 3.3.4. Insulina 3.3.5. Corticotrofina {ACTH) 3.4. Agonistas beta-2 3.5. Agentes com atividade antiestrogênica 3.5.1. lnibidores de aromatase 3.5.2. Moduladores seletivos de receptores estrogênicos (MSRE) 3.5.3. Outras substâncias com atividade antiestrogênica

4.

5

6. 7. 8.

3.6. Diuréticos 3.7. Agentesmascarantes 3.8. Estimulantes 3.8.1. Simpatomiméticos 3.8.2. Cocaína 3.9. Narcoanalgésicos 3.10. Canabinoides 3.11. Glicocorticoides Substâncias proibidas em determinados esportes 4.1. Etano\ 4.2. Bloqueadores beta-adrenérgicos Métodos de dopagem 5.1. Manipulaçâo de sangue e seus componentes 5.2. Manipulações química e física 5.3. Dopagem genética Aspectos analíticos no controle da dopagem Prevalência da dopagcm Bibliografia

• • • •j:l·fli 1.

Parte 6

DOPAGEM

INTRODUÇÃO

O mundo é competitivo. Nele, há uma busca incansável e, muitas vezes inconsequente, por substâncias ou métodos para tentar melhorar o desempenho em atividades físicas ou intelectuais, principalmente no meio esportivo. Essa busca tem sido descrita como doping. Utiliza-se o termo dopagem (doping) quando o individuo usa substâncias químicas ou métodos para obter vantagens sobre os outros em determinada competição. Apesar de ser conhecida no meio esportivo, a dopagem nào é restrita a esse ambiente; outros indivíduos, de diversos segmentos da sociedade, utilizam-se dessa prática - estudantes, militares, artistas, intele os beta-2 agonistas (salbutamol, formoterol, sameterol e terbutalina) podem ser utilizados pela via respiratória (inalação) para prevenção ou tratamento da asma induzida por exercício. No entanto, em competições oficiais, o atleta que necessite dessas substâncias deverá, obrigatoriamente, dirigir-se à autoridade médica competente, para, antes da com~ petição, notificar por escrito, por meio de especialista ou médico da delegação ou da equipe, a indicação de que o atleta tem asma ou asma induzida pelo exercício; •> os estimulantes de estrutura imidazólica são permitidos para uso tópico; •> a adrenalina associada com anestésico local ou em administração local (nasal, oftalmológica) não é proibida; •> entre os narcoanalgésicos, o uso de codeína, hidrocodona (di-hidrocodeína), tapentadol e tramado! não é proibido; mas é monitorada a relação morfina/codcína;

• • • •,l!.ljJ

Parte 6

DOPAGEM

•> bupropiona, cafeína, nicotina, fenilefrina, fcnilpropanolamina, pipradol, pseudoefedrina ( preparações

tópicas de corticosteroides utilizadas nas vias

dérmica, auricular, nasal, oftalmológica, bucal, gengiva] e pcrianal são permitidas e dispensadas de notificação médica.

3.

SUBSTÂNCIAS QUiMICAS UTILIZADAS NA DOPAGEM

No meio esportivo, os fármacos são mais empregados com a finalidade de aumentar a força, a massa muscular e a resistên-

cia física. Invariavelmente, as doses utilizadas são acima das empregadas na terapêutica. O atleta poderia obter mais força, massa muscular e resistência com o uso de substâncias químicas; contudo, se a coordenação olhos-mãos não for apropriada à modalidade esportiva praticada (p. ex., tênis), os resultados permanecerão estáveis. Normalmente, a escolha da substância a ser utilizada pelo atleta está diretamente relacionada com a modalidade esportiva. Entre os recursos mais utilizados pelos atletas para a dopagem, as substâncias químicas estão em primeiro lugar. Porém, os resultados obtidos em numerosos estudos sobre o assunto são contraditórios c não muito convincentes, uma vez que demonstram a dificuldade em definir se o uso de substâncias com finalidade de doping é realmente efetivo e, ao mesmo tempo, contrapõem-se com a ambição do atleta em melhorar seu desempenho atlético a qualquer custo. Um relevante fator de risco à saúde do atleta é o uso e a aplicação dos fármacos por pessoas sem formação técnica, desconsiderando interações medicamentosas c dose terapêutica, caracterizando a dopagem pelo uso não medicinal de fármacos; grande parcela das substâncias utilizadas como agentes de dopagem necessita de prescrição médica, mesmo quando em uso terapêutico, devido aos efeitos adversos que essas substân cias podem ocasionar. Esse uso indevido pode aumentar a possibilidade de efeitos adversos e a ocorrência de intoxicações, repercutindo, também, no desenvolvimento de tolerância c dependênciaacertassubstâncias. Na literatura especializada, são relatados numerosos casos de intoxicações agudas e morte de atletas devido à dopagem química. O uso de fármacos como dopagem apresenta, ainda, um risco adicional para os atletas, pois os produtos podem ser provenientes de produção e comercialização clandestinas, não apresentando segurança para o seu usuário.

3.1. Substâncias não aprovadas Quaisquer substâncias com atividade farmacológica que não estejam referenciadas por nenhuma das seções subsequentes da lista oficial da AMA e não tenham aprovação em curso por autoridade governamental regulamentadora da saúde para uso terapêutico em humanos (p. ex., drogas em desenvolvimento pré-clínico ou clinico ou descontinuadas, drogas de desenho, substâncias aprovadas apenas para uso veterinário) são proibidas em qualquer tempo.

3 .2. Agentes anabólicos 3.2.1. EsterOJdes anabó/icos androgênicos O efeito androgênico da testosterona é o desenvolvimento das características sexuais primárias nos homens; já os efeitos anabólicos são a promoção da síntese de proteínas e o crescimento muscular - e, consequentemente, a estimulação ou a inibição do crescimento esquelético em jovens. Os efeitos dos esteroides anabólicos androgênicos no aumento do desempenho, no esporte, são conhecidos e aplicados desde a década de 1950. Em 1970, o seu uso foi aprimorado e conhecido mais profundamente; no entanto, até hoje, o emprego dessas substâncias representa grande problema no meio esportivo. Entre os esteroides anabólicos, a testosterona, por ser de mais difícil detecção, tem sido a substância escolhida pelos atletas; porém, outros esteroides sintéticos, como a boldenona, a nandrolona, a metenolona e o estanozolol, também são vastamente utilizadas. Esteroides anabolizantes, quando administrados por longo período, podem aumentar a massa muscular e a força do atleta, além de, provavelmente, melhorar o desempenho em modalidades esportivas que demandem essas características. Uma série de efeitos adversos pode ser observada em usuários de esteroides anabólicos; informações detalhadas sobre os efeitos adversos desencadeados por esteroides anabolizantes serão apresentadas em capitulo especifico.

3 .2.2. Outros agentes anabólicos Substâncias anabolizantes que não apresentam estrutura química ou mecanismo de ação similar aos esteroides são agrupadas na classe de outros anabólicos, como é o caso de dembuterol, tibolona, zeranol e zilpaterol. O clembuterol é uma substância simpatomimética que age principalmente nos receptores beta-adrenérgicos. Experimentos em animais, tratados oralmente com clembuterol, resultaram em aumento da massa muscular em numerosas espécies. Em humanos, algumas pesquisas demonstram que o uso sistêmico e a ação nos receptores beta-2-agonistas a longo prazo podem aumentar a massa muscular de certos tipos de fibras. A tibolona é um fármaco que, ao ser biotransformado no organismo humano, produz três metabólitos; um deles, a 84-tibolona, possui ação progestagênica e levemente androgênica. Acredita-se que o mecanismo androgênico desse metabólito se dê pela diminuição da globulina de ligação ao hormônio sexual, o que resulta no aumento de testosterona livre. Promotores de crescimento utilizados em animais de corte, como o zeranol e o zilpaterol, são outro grupo de substâncias proibidas pela AMA

3 .3. Hormônios como agentes de dopagem 3.3.1 . Eritropoietina IEPO) A EPO é um hormônio sintetizado e secretado pelos rins que estimula a medula óssea a produzir eritrócitos. A epoietina, também conhecida como eritropoietina humana recombinan te (rHuEPO), é um derivado de eritropoietina, preparado com técnicas da Engenharia Genética, para tratamento de anemia proveniente da falência renal crônica. Desde 200l, uma forma modificada da eritropoietina é comercializada, a darbepoeti-

Dopagem

na, com potência 10 vezes superior e tempo de meia-vida mais longo do que o hormônio endógeno. Essas substâncias têm sido utilizadas por atletas na tentativa de estimu lar a produção de eritrócitos e, consequentemente, aumentar a capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue, fato que poderia melhorar o desempenho em esportes de resistência. Os pacientes sob o tratamento da anemia com EPO necessitam de monitoramento frequente do hematócrito e da pressão sanguínea, para que a dose terapêutica possa ser ajustada, de modo a evitar o aparecimento de reações adversas. Da mesma maneira que a EPO melhora a resistência, também pôe em risco a saúde do usuário. O Council on Scientific Affairs of American Medicai Association afirma que o hematócrito acima de 55% está associado com o risco de reaçôcs tóxicas, como encefalopatias, distensão vascular, diminuição do Ouxo sanguíneo c hipóxia. Ao se elevar o hcmatócrito, a viscosidade do sangue é aumentada. Quando essa substância é utilizada por atletas de provas de resistência (ciclismo, maratona etc.}, eles perdem fluidos corpóreos durante a competição, pelo suor, o que também acarreta no aumento da viscosidade sanguínea e em risco ainda maior de trombose e ataque cardíaco. Nessas condições, o hematócrito pode aumentar em 1% ou mais durante uma corrida de maratona. Após o uso da eritropoietina, a produção de hemácias continua por 5 a 10 dias, podendo atingir níveis perigosos. Embora os níveis do hormônio administrado diminuam bastante após uma semana, os efeitos biológicos persistem por muito tempo, pois os eritrócitos produzidos permanecem pelo período de 3 a 4 meses no sangue. A epoietina, geralmente, é adquirida no mercado ilegal e é autoadministrada, aumentando o risco para seus usuários.

3.3.2. Hormônio de crescimento (GH) O GH apresenta efeitos anabólicos importantes, sendo responsável pelo estímulo do crescimento de quase todos os tecidos do corpo, promovendo, assim, o aumento do tamanho das células e do número de mitoses, além da diferenciação de certos tipos celulares, como as células do crescimento ósseo e as células musculares primitivas. O GH estimula a liberação hepática do fator de crescimento tipo insulina (IGF-1). A atividade dessas duas substâncias (GH e JGF-1) no músculo e no metabolismo é similar, variando na intensidade do efeito. O fator decrescimento mecano é um tipo muscular da IGF-1 produzido na célula muscular em resposta ao estímulo mecânico. Esse fator é responsável por iniciar a hipertrofia, reparar o dano muscular localizado e ativar as células musculares precursoras No meio esportivo, os atletas o utilizam com a finalidade de aumentar o tecido muscular. O GH acentua a quantidade de proteína corporal, utiliza as reservas de gordura e conserva carboidratos. Devido a esses efeitos de crescimento, desde o inicio do século XXI, o hormônio de crescimento tem sido uma das substâncias de maior procura entre os atletas. Porém, esse efeito de crescimento não é observado apenas nos tecidos musculares; pode haver crescimento desmedido das mãos e dos pés e alongamento da mandíbula, além do crescimento de órgãos internos, principalmente do coração, uma das principais causas de morte entre os usuários que abusam do GH. Alterações bioquímicas também podem ocorrer, como a regulação da gli-

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Esporte

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cose, a dislipidemia e a resistência à insulina, o que contribui para o aparecimento de diabetes. O GH é utilizado por praticantes de fisicultu risrno, que acred itam que seu uso ajudaria na formação da aparência "esculpida", promovendo incorporação de aminoácidos em proteínas musculares e interferindo no metabolismo de lipídios. São relatados casos de atletas que utilizam doses 20 vezes maiores do que a recomendada na terapêutica, com sérios riscos de aparecimento de efeitos adversos a longo prazo, como a acromegalia. O GH é de alto custo e a dificuldade em se encontrar uma formu lação que seja pura (e não uma fals ificação) acarreta na procura pelos atletas por substâncias do tipo clonidina, propranolol, levodopa e gama-hidroxibutírico (GHB}, que est imulariam a secreção do GH endógeno.

3.3.3. Gonadotrofinas A gonadotrofina coriõnica humana (hCG) é uma glicoproteina produzida em grande quantidade durante a gravidez. A concentração máxima no sangue c na urina é observada entre a s• e a 10• semanas, seguida de decl ínio gradual até a 17• ou a 20• semana. I:. secretada em pequenas quantidades no homem e nas mulheres não grávidas. A hCG tem seu uso proibido somente para atletas do sexo masculino, devido as suas propriedades em estimular as células de Leydig dos testículos para a produção endógena de tcstosterona. Na clínica, é utilizada no tratamento para estimular a ovulação, em mulheres hipogonadotróficas, e a espermatogênese, nos homens. Atletas têm usado especialidades farmacêuticas que contêm a hCG para estimular a produção de testosterona antes de competições e/ou para prevenir a atrofia testicular verificada durante ou após o uso prolongado de substâncias androgên icas. Seu uso é proibido pelo CO! desde 1987. O uso abusivo e continuo de hCG pode provocar, em homens adultos sadios, a ginecomastia, provavelmente como resultado do aumento da secreção de estrógenos. Em mulheres não grávidas, não há por que se acreditar na obtenção de melhora no rendimento atlético pelo uso de hCG. O hormônio luteinizante (LH) é outra gonadotrofina que estimula a produção testicular de esperma e a síntese e a secreção de testosterona em homens, o que contribui para o seu consumo. Em mulheres, o LH tem como principal função regular o ciclo menstrual, pouco influenciando no desempenho atlético.

3.3.4 . Insulina A insulina também é utilizada como dopagem no esporte, tendo sido adicionada à lista de substâncias proibidas em 1998, pois fora empregada pelos atletas associada ao uso intravenoso de glicose e/ou aminoácidos, com o objetivo de estimular a glicogênese e a síntese proteica. A insulina atua no metabolismo dos carboidratos, das proteínas e dos lipídios, exercendo também ação conjunta com outros hormônios, como o GH. O uso de insulina em indivíduos saudáveis pode causar hipoglicemia letal, principalmente pela sensibilidade aumentada em atletas em atividades físicas. Acredita-se que 25% dos fisiculturistas, que fazem uso abusivo de esteroides anabolizantes, utilizem concomitantemente a insulina para melhorar os efeitos desses esteroides. O uso de insulina no meio esportivo só é lícito em atletas diabéticos; nesses casos, o endocrinologista ou o médi-

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Parte 6

DOPAGEM

co responsável pelo atleta deve apresentar notificação informando a existência dessa doença.

3.3.5. Corticotrofina (ACTH! A corticotrofina é utilizada por atletas para gerar o aumento de corticosteroides endógenos, pela estimulação das células do córtex adrenal. Ac red ita-se que, devido a potente ação anti-inOamatória dos corticosteroides, estes auxiliem no aumento do limiar da fadiga e na recuperação das lesões físicas e, assim, promovam o retorno do atleta mais rapidamente às competições. As administrações na for ma oral, intramuscularou intravenosa de ACTH são proibidas no esporte. O uso por períodos longos pode proporcionar efeito contrário ao desejado, como a diminuição da síntese proteica, resu ltando, assim, em perda de massa muscular. Hipertensão arterial, amenorreia, osteoporose, fraqueza muscular e sindrome psiquiátrica são alguns dos sinais de efeitos adversos causados pelo abuso de ACTH. A corticotroflna pode ser utilizada como agente de dopagem para aumenta r os níveis decorticosteroides endógenos no sangue, com a intenção de obter efeitos euforizantes. Pode ainda exercer ação sobre o sistema hematopoiético.

3.4. Agonistas beta-2 A classe dos ago nistas beta-2 é representada por salbutamol, clembuterol, terbutalina, fenoterol e salmoterol, fármacos com atividade broncodilatadora utilizados via inalatória para o tratamento da asma. O uso oral de fármacos dessa classe aumenta a resistência c diminui a fadiga muscu lar. A dose, para alcançar esse efeito, necessita ser 10 a 20 vezes superior à usada na inalação. Na forma inalatória, esses fârmacos não alteram o desempenho do atleta não asmático e não geram efeito anabólico mas é digno de nota o aumento da função pul monar observado em vários estudos. Aparentemente, o uso desses fármacos induz algum grau de broncodilataçâo em at letas saudáveis, mas isso pouco contribui no desempenho de atletas em treinamen to. Todos os agonistas beta-2 são proibidos pela AMA em sua forma oral; porém, o salbutamol e o salmeterol são permitidos em sua forma inalatória, mediante apresentação de declaração te rapêutica de uso, sendo que a concentração u rinária não pode exceder 1.000 ng/mL

3.5. Agentes com at ividade antiestrogênica 3.5.1. lnibidores de aromatase Originalmente, os inibidores de aromatase foram desenvolvidos para ser empregados em mulheres, principalmente na prevenção e no tratamento adjuvante em cânceres de mama dependente de estrogênio. Essa classe de medicamento será tratada no Capítulo 6.2 . Esteroides Anabólicos Androgênicos.

3.5.2. Modufadores seletivos de receptores estrogênicos (MSRE) Moduladores seletivos de receptores estrogênicos (MSRE) são substâncias agonistas e antagonistas de receptores estrogênicos, que variam de acordo com o tipo de receptor presente em cada tecido. São exemplos de MS RE: raloxifeno; tamoxifeno; e toremifeno. Essa classe de medicamento também será tratada no Capítulo 6.2. Esteroides Anabólicos Androgênicos.

3 .5.3. Outras substâncias com atividade antiestrogênica Fulvestrant e clomifeno são antagonistas de receptores estrogênicos; diferentemente dos MSR E, não apresentam atividade estrogênica, porém a aplicação no esporte é similar a dos MSRE, pois contribuem para o aumento da concentração de testosterona plasmática. Os atletas os utilizam junto com os esteroides anabolizantes, no intuito de diminuir a ginecomastia e a retenção de ág ua pelo organismo; contudo, essas informações não são confirmadas por estudos científicos.

3 .6. Diuréticos Os diuréticos são classificados de acordo com seu principal mecanismo de ação ou sua estrutura química, como inibidores da anidrase carbônica, diuréticos da alça, tiazidicos, poupado res de potássio e antagonistas da aldosterona. São fármacos que aumentam a formação e a eliminação de fluidos do corpo, em várias situações clínicas, incluindo hipertensão, insuficiência cardíaca, insuficiência re nal e síndrome nefrótica. Devido à eliminação de liquido pelo organismo e, consequentemente, à diminuição de peso corpóreo, esses fármacos são utilizados no esporte para auxiliar na redução de peso {boxe, judô, halterofilismo e outros), para se chegar ao peso da categoria ou até mesmo para passar para uma categoria infe rior - essa prática pode ser importante em usuários de esteroidesanabolizantes. Deve-se levar em consideração o fato de que os diurét icos podem mascarar o consumo de outros agentes dopantes, reduzindo, assim, a sua concent ração na urina. Os efeitos adversos do uso de diuréticos são: desidratação; cãimbra muscular; diminuição do volume sanguíneo; doenças renais; hipotensão ortostática; alterações do ritmo cardíaco; e perda acentuada de sais minerais. Demais aspectos do uso de diuréticos no esporte são discutidos em outro capítulo.

3 .7. Agentes mascarantes A lista de substâncias proibidas no esporte inclui um grupo de agentes mascarantes, que são proibidos dentro e fora das competições. Esse grupo é constituído por uma série de compostos com ampla diferença em suas estruturas químicas e atividades farmacológicas. Eles não são considerados substâncias dopantes, porém são utilizados no esporte com o objetivo de mascarar o emprego de agentes dopantes. Além do uso de diuréticos na te ntativa de evitar a detecção de agentes de dopagem, outras substâncias são usadas com esses fins, como: probenicida; epitestosterolm; expansores de plasma; e in ibidores de 5-alfarredutase. A probenicida, um agente uricosúrico, é empregada no tratamento da gota crônica c como adjuvante para a terapêutica com penicilinas e outros antibióticos. A probenecida é um inibidor competitivo do transporte ativo de ácidos orgânicos no túbulo re naL O uso da probenecida no esporte é proibido, devido ao efeito da redução da excreção de esteroides androgênicos, como testostcrona, epitestosterona e androsterona. Como esses compostos são excretados principalmente pelas vias urinárias, na forma conjugada com o ácido glicurônico, a ação produzida pela probenecida se dá provavelmente por seu efeito inibitório sobre o tra nsporte ativo de ácidos orgânicos.

6.1.

Para tentar burlar o exame c assim mascarar o uso de testosterona no esporte, os atletas administram a epitestosterona. O exame laboratorial utilizado para identificar o uso indevido de testosterona consiste em medir a relação entre a testosterona (T) e a epitestosterona (E) na urina; quando essa razão for maior do que 4, é levantada a suspeita do abuso de esteroides anabólicos. t sabido que a epitestosterona é um produto de biotransformação de esteroides, mas, em humanos, não é proveniente da testosterona; sua concentração não é aumentada com a utilização de testosterona exógena. A albumina e o dextran são expansores de plasma e foram desenvolvidos como substitutos do plasma no tratamento de hemorragia c choque hipovolêmico. Quando os atletas utilizam a dopagem sanguínea e/ou a eritropoietina, para diluir o sangue e assim burlar o exame do hematócrito, eles lançam mão dos expansores de plasma. O exame de hematócrito é empregado na triagem para detecção de dopagcm.

3.8. Estimulantes Os estimulantes são a classe mais antiga de agentes de dopagem no esporte, com a finalidade de aumentar o estado de alerta, reduzir a fadiga e aumentar a competitividade. Avanços na síntese de substâncias químicas promoveram a industrialização de grande variedade de compostos estimulantes, em particular aqueles usados como inibidorcs de apetite. A AMA define estimulante como um agente químico capaz de aumentar ou acelerar temporariamente uma atividade fisiológica. Pertencem a essa categoria fármacos que agem no sistema nervoso central (SNC), promovendo aumento do estado de alerta e diminuindo a sensação de fadiga, como a cafeína. Eventualmente, os estimulantes poderiam aumentar o desempenho, podendo ocasionar, contudo, a perda da capacidade de julgamento, levando à ocorrência de acidentes em determinadas modalidades esportivas. O uso de estimulantes é o maior problema de doping nos esportes de elite; assim, periodicamente, a AMA divulga uma lista de substâncias estimulantes proibidas. Na sua última lista, divulgada em 2013, foram relacionados 64 compostos c todos os seus isômeros ópticos, quando pertinente, incluindo anfctaminas, cocaína e efedrinas. Algumas substâncias possuem indicação terapêutica e outras são somente encontradas no mercado ilícito. Os efeitos nocivos que os estimulantes podem provocar são numerosos, entre eles: alteração no controle da temperatura corporal; hipertensão; taquicardia; arritmia; vasoconstrição cutânea; midríase; excitação nervosa; ansiedade; e crises convulsivas. Alguns estimulantes apresentam acentuado reforço positivo para seu uso, pois sua ação, nos centros de recompensa do cérebro, produz efeitos farmacológicos agradáveis, que podem levar a sua autoadministração contínua.

3.8. 1. Simpatomiméticos Entre os estimulantes, os simpatomiméticos sâo amplamente usados como agentes de dopagem. Quando consumidos em doses terapêuticas, provocam sensação de maior energia e capacidade de concentração. Os efeitos subjetivos são dependentes da dose, da via de administração e do padrão de uso. Os efeitos colaterais incluem taquicardia, anorexia, insônia, irritabilidade, hipertensão, cefaleia, ansiedade e tremor. Em doses

DopagemtloEsporte

fi,~'QI:J·• • • •

elevadas, atuam como estimulantes da atividade mental e aumentam o fluxo sanguíneo. As anfetaminas, por muito tempo, foram as substâncias de maior prevalência de uso entre os atletas, devido aos seus efeitos simpatomiméticos característicos. Elas atuam principalmente por meio do aumento da atividade cerebral de noradrenalina e dopamina, intensificando sensações psicológicas de atenção, autoconfiança e concentração. O início do uso abusivo em grande escala de anfetaminas ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, época em que foram realizadas pesquisas para sintetizar substâncias que pudessem retardar o aparecimento de fadiga nos soldados. O Pervitin® (metanfetamina) foi desenvolvido na Alemanha e amplamente usado por pilotos em voos noturnos e por soldados durante as longas marchas realizadas- o emprego desse fármaco aumentava o tempo para atingir o estado de exaustão e soldados continuavam marchando apesar de formação de vesículas ("bolhasH) nos pés. Durante as décadas de 1950 e 1960, alguns casos de atletas que utilizavam anfetaminas foram descritos na literatura. Mesmo em doses consideradas normais, o uso de anfetaminas tem causado a morte de atletas quando em condições de atividade física máxima. Distúrbios nos centros de regulação da temperatura corporal, com fatores externos, como a temperatura elevada do meio ambiente, podem contribuir para a ocorrência dessas mortes. Na intoxicação letal, a morte vem após convulsão, coma e hemorragia cerebral. A incidência de uso ainda é grande. jogadores de futebol americano e beisebol usam anfetaminas para aumentar o estado de alerta e a concentração; corredores e nadadores podem utilizá-las para aumentar a energia e a resistência, ao passo que jóqueis, para suprimir o apetite e evitar aumento do peso corporal. Um estudo realizado para verificar o uso desses fármacos por jogadores profissionais de futebol americano demonstrou que os indivíduos que atuam em posições que requerem grande concentração tendem a usar doses mais baixas (5 a 10 mg), mas jogadores de defesa e ataque, que necessitam de força e agressividade, usam até 150 mg antes de cada jogo. A afirmação de que a dextroanfetamina e a metanfetamina (5 a 15 mg/70 kg) aumentariam a velocidade, a força, a resistência e a concentração é contestada por estudiosos do assunto. O aumento no desempenho seria explicado pela propriedade das anfetaminas de mascarar os sintomas de fadiga, fato que levaria o atleta a continuar competindo acima de seus limites de segurança e resistência. As contradições encontradas podem ser explicadas, em parte, pela população estudada, geralmente constituída por atletas do meio universitário. Ainda não foi totalmente definido se os estimulantes podem ou não aumentar o desempenho de atletas considerados de alto nível e altamente treinados. A maioria dos efeitos adversos observados na conduta é resultante do excesso de estímulo do SNC e inclui: agitação; ansiedade; vertigem; tremor; irritação; renexos hiperativos; aumento da libido; insônia; delírio; paranoia; conduta estereotipada; e alucinações. Geralmente, esses efeitos são reversíveis com a interrupção do uso. São observados, também, efeitos cardiovasculares, como palpitações, angina, arritmias, hiper ou hipotensâo, bradicardia ou taquicardia e colapso cardiovascular. Após uso de doses elevadas, pode ocorrer a "sindrome abrupta", caracterizada por crise depressiva acompanhada por fadiga crônica, letargia c hiperfagia.

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Parte 6

DOPAGEM

Associações extemporâneas de especialidades farmacêuticas podem apresentar considerável toxicidade, uma vez que são usadas sem nenhum critério científico. Um exemplo é o uso concomitante de anfetaminas e agentes alcalinizantes. Esses agentes podem levar à alcalose sistêmica, que influirá substancialmente na excreção de aminas. Além disso, as anfetaminas apresentam forte reforço positivo para seu uso, podendo levar ao uso crônico abusivo e à dependência. Recentemente, o uso de metanfetamina voltou a ser motivo de preocupação devido ao seu consumo por via respiratória. Usuá rios da droga verificaram que a metanfetamina poderia ser "fumada", como ocorre com a cocaína na forma básica (crack), com a "vantagem" do tempo de duração dos efeitos ser muito mais prolongado. Nessa forma, a metanfetamina é conhecida como ice. Outra substância que despertou interesse dos atletas é a efedrina. Os alcaloides provenientes da planta Ephedra são usados no tratamento da asma e da alergia na China há mais de 5.000 anos. Nos últimos anos, há relatos de numerosos casos de dopagem com essa substância, inclusive no Brasil, em modalidades esportivas que exigem massa muscular desenvolvida e vigor físico acentuado. A efedrina tem recebido grande atenção por parte dos praticantes dessas modalidades. Vários estudos sugerem que o efeito produzido pela efedrina no desempenho psicomotor é dependente da dose. Os efeitos fi siológicos e de comportamento produzidos por efedri na, anfetamina e metilfenidato foram comparados. Em doses de 75 a 150 mg/70 kg, a efedrina produz efeitos similares aos da anfetamina (em doses 15 a 30 mg/70 kg). Em doses terapêuticas (25 mg/70 kg), a efedrina produz efeitos periféricos, mas pode atravessar a barreira hematoencefálica para produzir efeitos no SNC em doses acima de 75 mg/70 kg. Doses de 24 mg, ministradas a indivíduos sadios, não produzem diferenças na força, na resistência, no tempo de reação e na coordenação olhos-mãos. Os simpatomiméticos (como a efedrina e a pseudoefedrina) são normalmente encontrados em formulações de especialidades farmacêuticas, utilizadas nos casos de resfriados, gripes e alergias. Dessa forma, é necessário que os atletas recebam orientação para não utilizarem esses medicamentos quando em competição, mesmo que concentrações urinárias abaixo de lO IJg/mL, de efedrina, e 150 tJ.g/mL, de pseudoefedrina, sejam toleradas pela AMA. A fencanfamina, um estimulante do SNC, foi bastante consumida no Brasil, até sua produção e sua comercialização serem proibidas no país. Duas especialidades farmacêuticas, uma na forma injetável e outra como drágea, eram de venda livre. Foram constatados alguns casos de dopagem entre jogadores de futebol no Estado de São Paulo. O padrão de uso era de aplicação intravenosa de duas ampolas do medicamento, antes da competição. O perfil farmacológico é semelhante ao da anfetamina, não sendo relatada propensão ao uso compulsivo.

3.8.2. Cocaína A utilização da cocaína no meio esportivo não está bem definida; não se sabe, portanto, se os atletas a usam para melhorar o desempenho e/ou de forma recreacional. De qualquer maneira, existem casos positivos para o uso de cocaína entre atletas consagrados, tanto no Brasil quanto no exterior. A falta de maior esclarecimento torna os atletas bastante vulneráveis ao abuso

dessa droga. Entre 1980 e 1990, a cocaína era a droga de abuso mais utilizada pelos jogadores da Associação de Jogadores da Liga Nacional de Futebol Americano dos Estados Unidos, sendo que diversas mortes foram relatadas devido ao consumo dessa droga pelos atletas, principalmente pela combinação com estimulantes e agentes anabolizantes. A cocaína, quando utilizada em doses baixas, pode produzir a melhora no desempenho atlético; os efeitos esperados são similares aos desencadeados pelas anfetaminas. Experiências conduzidas com usuários de estimulantes mostram que eles não são capazes de distinguir os efeitos produzidos por essas substâncias. Porém, em provas de longa duração, os atletas preferem o uso da anfetamina, devido a sua meia-vida ser longa (entre 7 e 14 horas). Assim, levando-se em consideração a ne cessidade de se consumir uma substância que tenha efeito prolongado, a cocaína não seria muito efetiva para uma prova de longa duração (tempo de meia-vida+ ou - 85 minutos). Atletas que fizeram uso de cocaína antes da atividade esportiva relataram prejuízo no julgamento e desorientação em relação ao tempo, que podem interferir no desempenho atlético. O potencial de abuso (reforço) da cocaína é bem maior quando comparado ao dos anfetamínicos; dessa maneira, o indivíduo necessita aumentar a dose utilizada mais rapidamente para obter os mesmos efeitos. Esse uso abusivo pode levar ao desenvolvimento de ansiedade, paranoia, alucinações, distúrbios na memória, agressividade e depressão.

3.9. Narcoanalgésicos Narcóticos analgésicos agem no sistema nervoso para reduzir a sensação de dor em uma doença ou em um fer imento. O uso de analgésicos potentes pode permitir que o atleta desempenhe atividade além do seu limiar normal de dor. Narcóticos analgésicos são substâncias de uso controlado e têm alto potencial de ocasionar dependência. Os principais narcoanalgésicos utilizados na dopagem são: buprenorfina; dextromoramida; diamorfina {heroína); fentanil e seus derivados; hidromorfina; metadona; morfina; oxicodona; oximorfona; pentazocina; e petidina. A utilização de narcóticos por atletas apresenta grande risco, uma vez que, ao se rea lizar atividades esportivas na presença de lesão, existe a possibilidade de piora do estado físico do atleta ou de lesão permanente. Também é necessário considerar os efeitos adversos apresentados por essas substâncias: depressão respiratória e cardiovascular; confusão mental; diminuição da testosterona; e alterações gastrintestinais. Os narcoanalgésicos permitidos em competições são codeína, hidrocodona (di-hidrocodeína), tapentadol e tramado!; porém, devido à codeína scr biotransformada em morfina, essa relação deve ser monitorada. Existem também substâncias, sem propriedades narcóticas, que podem ser empregadas como analgésicos anti-inOamatórios e antipiréticos no tratamento de lesões provocadas pela prática desportiva. Anti-inOamatórios derivados do ácido fenilalcanoico (p. ex., diclofenaco) não são de uso proibido.

3.10. Canabinoides Canabinoides são compostos químicos encontrados na planta Camwbis sativa (macon ha). Além do uso da maconha como droga social, muitos dos compostos nela encontrados já são

6.1.

produzidos sinteticamente e utilizados para fins terapêuticos, de modo que os canabinoides são proibidos no esporte na sua forma natural (p. ex., maconha, haxixe, skunk) ou na forma sintética do deha-9-tetraidrocanabinol (THC) e canabimiméticos (p. ex., "Spice", JWH0\8, JWH073, HU -210). No esporte, a proibição da Cannabis é bastante controversa; alguns afirmam que seu consumo não melhora o desempenho de atletas e, portanto, deveria continuar a ser uma questão social; opostamente, outros dizem que a Cannabis promove benefícios no desempenho do atleta, além de ser uma substância ilegal na maioria dos países e que, pelo fato de os atletas serem modelos na sociedade moderna, os canabinoides deveriam ser proibidos em todos os momentos - antes ou durante uma competição. A Cmmabis pode melhorar, de forma indireta, o desempenho do atleta. O efeito eufórico, a redução da ansiedade e o aumento da sociabilidade podem colaborar no desempenho em uma prova quando o atleta encontra-se nervoso. Pode proporcionar também efeito relaxante ou permitir que o atleta durma mais facilmente antes da competição. Outros estudos demonstram que o uso da Cannabi$, de forma aguda, reduz o desempenho máximo em exercícios de resistência, como o ciclismo, e diminui o estado de alerta e o tempo de reação nos esportes, como no automobilismo. Se a Cannabis for consumida rotineiramente, o risco de prejuízo no desempenho e na motivação é elevado.

3.11. Glicocorticoides As propriedades fisiológicas dos glicocorticoides sugerem a possível melhora no desempenho dos atletas, uma vez que seu uso é generalizado no mundo esportivo. Os efeitos esperados com o uso e/ou o abuso dos glicocorticoides são muitos, por exemplo: efeitos neuroestimulatórios nos receptores cerebra is, que poderiam atenuar sensações de fadiga; ou efeitos anti-inflamatórios e analgésicos, que poderiam impedir a sensação de dor muscular em esforço e, assim, aumentar o limiar de fadiga. Seu uso promove diversos efeitos adversos, especialmente em doses mais elevadas e durante períodos prolongados, como a osteoporose, a resistência il insulina e as doenças cardiovasculares (hipertensão e aterosclerose). O uso de glicocorticoides na medicina esportiva é indicado para o tratamento das lesões, principalmente do sistema musculoesquelético. Segundo a AMA, o uso de glicocorticoides é proibido em competições quando administrados pelas vias oral, reta!, intravenosa e intramuscular. O uso tópico de glicocorticoides (auricular, oftálmico, dermatológico) é permitido. Sérios efeitos tóxicos podem ocorrer se o uso de corticosteroides for prolongado. Um dos mais graves é a síndrome de Cushing, caracterizada por obesidade de tronco, estrias, cicatrização ineficiente de feridas e até osteoporose.

4.

SUBSTÂNCIAS PROIBI DAS EM D ET ERMINADOS ESPORT ES

4.1. Etanol O consumo de álcool (etano[) pela sociedade em geral é bastante comum e, no ambiente esportivo, tem sido continuamente

DopagemtloEsporte

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relatado nos meios de comunicação e na literatura. O efeito depressor desencadeado pelo álcool no SNC é explorado no esporte principalmente como ansiolitico, com a intenção de aumentar a autoconfiança e melhorar a resposta psicomotora. A intensidade dos efeitos observados após o consumo do etano! é bastante variável entre os consumidores. O etano] tem seu uso proibido durante uma compet ição e em determinadas modalidades esportivas. A detecção de sua concentração em atletas é feita por meio da análise de sangue e/ ou do ar exalado. A dopagem ocorre quando é encontrada concentração de etano! acima de O,IOg/ L de sangue. Na maioria dos esportes, o etano! causa diminuição no rendimento, pois o tempo de reação, a coordenação motora, a precisão e o equilíbrio são alterados negativamente. Dessa for ma, o etano! faz parte da classe de substâncias proibidas em determinados esportes, como arco e flecha, aviação, automobilismo, caratê, motociclismo e corrida de barcos (powerboating). Os efeitos nocivos do álcool sobre a fisiologia humana têm sido bem documentados, influenciando negativamente a fu nção neural (coordenação motora, aumento do tempo de reação, confusão mental), o metabolismo proteico, a fisiologia cardiovascular e a termorregulação, além de provocar miopatia do músculo esquelético. Depois de uma noite de consumo moderado de álcool, o desempenho anaeróbico pode diminuir até25%. O consumo de álcool no esporte é controlado somente quando existe solicitação específica das Federações; porém, sendo considerado uma droga, seu controle deveria ser realizado de maneira rotineira, e nâo esporádica.

4.2. Bloqueadores beta-adrenérgicos Os bloqueadores beta-adrenérgicos são utilizados na terapêutica para o tratamento de doe nças cardiovasculares, como insuficiência cardíaca, angina e hipertensão. No esporte, o principal efeito ergogênico dos bloqueadores beta-adrenérgicos se relaciona com sua capacidade de diminuir a frequência cardíaca (taquicardia emocional), a pressão sanguínea, o suor palmar e o tremor das mãos; além de propiciar situação vantajosa em esportes que exigem firmeza e precisão (p. ex., tiro com arco). Ademais, suas ações para aliviar os sintomas de ansiedade, que se manifestam como taquicardia e tremor muscular esquelético, podem melhorar a performance em alguns esportes. Esses possíveis efeitos ergogênicos levaram à proibição dos bloqueadores beta-adrenérgicos durante a competição de alguns esportes: arco e flecha (dentro e fora das competições); automobilismo; jogos de bilhar; dardos; golfe; esportes de ti ro (dentro e fora das competições); e esqui/snowboarding (na modalidade de salto, estilo livre; esqui aéreo vertical; e snowboarding verticalem rampas gigantes). Devido às diferenças químicas existentes entre os betabloqueado res, ocorre grande variedade de efeitos no SNC (tontura, letargia, sonolência, distúrbios visuais, insônia e depressão). Têm sido observadas a presença de fadiga e a redução do desempenho, devido à limitação cardiovascular ou por efeito no SNC. As modalidades de boliche (9 e 10 pinos), jogos de cartas e bocha não constam mais na lista da AMA de 2013 como esportes proibidos pa ra o uso de betabloqueadores.

••••+lilfli 5.

Parte 6

DOPAGEM

MÉTODOS DE DOPAGEM

5.1. Manipulação de sangue e seus componentes Modalidades esportivas que necessitem mais da energia proveniente da via aeróbica têm seu desempenho prejudicado pela diminuição do transporte de oxigênio, que é liberado e utilizado pela atividade muscular. A hemoglobina presente nos eritródtos é responsável pelo transporte de oxigênio às células; consequentemente, o aumento na massa total dessas células possibilita melhora no transporte de oxigênio no organ ismo, além de aumentar a capacidade de manter o pH muscular e auxiliar no controle da temperatura corpórea. Essas variáveis fisiológicas podem aumentar a resistência do indivíduo. A transfusão sanguínea, também conhecida como dopagem sanguínea, foi o primeiro método a ser utilizado com o objetivo de melhorar o desempenho atlético e é realizada basicamente pelo emprego do sangue de um doador específico ou do próprio atleta. O sangue é coletado e armazenado por 4 a 5 semanas e os eritrócitos são, posteriormente, reinfundidos no atleta alguns dias antes da competição. Uma transfusão sanguínea pode apresentar sérios riscos para o indivíduo, como trombose venosa, flebite, septicemia e desenvolvimento de reações alérgicas ou hemofilicas. Ademais, o sangue proveniente de outros doadores pode transmitir doenças infecciosas. A utilização de transportadores artificiais de oxigênio é basicamente a administração de soluções úteis na terapêutica quando da necessidade de substituir ou de repor fluidos de sangue humano em casos de absoluta exigência. As principais classes são os perfluorocarbonos e os carreadores de hemoglobina oxigenada. Os perfluorocarbonos são substâncias sintéticas que podem dissolver amplo volume de oxigênio e outros gases respiratórios na corrente circulatória. Já os carreadores de hemoglobina oxigenada são moléculas de hemoglobina microencapsuladas ou ligadas entre si, de rivadas de variadas fontes. Por conta disso, está proibida a administração ou a reintrodução de qualquer quantidade de autólogos {autotransfusão), homólogos ou heterólogos de sangue ou produtos de células vermelhas do sangue de qualquer origem no sistema circu latório do atleta. Não é permitido o incremento artificial de captação, transporte ou liberação de oxigênio, incluindo, mas não se limitando, pcrfluoroquímicos, efaproxiral (RSRI3) e produtos de hemoglobina modificada {p. ex., substitutos do sangue baseados em hemoglobina, produtos de hemoglobina microencapsuladas), excluindo oxigênio suplementar. Também está proibida qualquer forma de manipulação intravascular de san gue ou componentes por meios físicos ou químicos.

5.2. Manipulações química e física Trata-se da ut il ização de substâncias e/ou métodos para alterar uma amostra de urina do atleta, ou seja, a integridade e a validade de amostras recolhidas durante controles da dopagcm. As modalidades mais comuns utilizadas para manipular as amostras são o cateterismo e a substituição de urina e/ou a adulteração. Existem metodologias para identificar se a amostra é realmente do atleta que a forneceu, as quais podem ser a genotipagem ou o perfil metabólico. Casos de manipulação de amostras já foram constatados pelos laboratórios de antidopagcm credenciados pela AMA.

Em 2003, três amostras provenientes de três atletas diferentes foram encaminhadas para análise e, posteriormente, constatou-se que todas apresentavam o mesmo DNA - que diferia do DNA dos atletas.

5 .3. Dopagem genética A terapia gênica ou a manipulação genética em humanos consiste na transferência de DNA (RNA) por meio de vetores virais, lipossomas ou mesmo pela introdução direta. Enquanto a terapia gênica tem como objetivo corrigir desordens genéticas {como no tratamento de câncer, de infecções e de doenças degenerativas) para um benefício terapêutico; no esporte, empregam-se os mesmos conceitos, porém para conceder vantagens para os atletas sobre seus concorrentes. Dessa maneira, qualquer gene que possa desempenhar papel no desenvolvimento muscular, no transporte de oxigênio, na coordenação neuromuscular ou mesmo no controle da dor é considerado um sério candidato para a utilização no esporte. Apesar dos avanços científicos e tecnológicos, existem muitas dúvidas sobre os possíveis efeitos colaterais da terapia gênica. A utilização de organismos geneticamente modificados pode provocar respostas inflamatórias importantes no paciente; além disso, incluem-se os efeitos menos conhecidos sobre a expressão a longo prazo dos genes introduzidos no atleta, bem como a falta de controle da expressão desses genes A AMA introduziu o doping genét ico em sua lista em 2003, sendo classificado como um método de dopagem, o qual secaracteriza pela transferência de elementos genéticos e pelo uso de agentes far macológicos ou biológicos capazes de alterar a expressão gênica e, consequentemente, melhorar o desempenho esportivo. Portanto, estão proibidas no esporte a transferência de polímeros de ácidos nucleicos ou análogos de ácido nucleico e a utilização de células normais ou geneticamente modificadas. Genes relevantes para o doping podem ser: agonistas do receptor gama ativado por proliferadores peroxissoma is {PPAR 6) {p. ex. GWIS\6); fator de crescimento tipo insulina (lGF- 1); eritropoietina; bloqueadores da miostatina (folistatina e outros); fator de crescimento do endotélio vascular {VEFG); leptina; endorfinas; e encefa\inas. Na área médica, em novembro de 2012, foi aprovado, pela Agência Europeia de Medicamentos, o uso de Glybera~ para o tratamento genético da deficiência de lipoproteína lipase {LPL), a qual está relacionada com o metabolismo de gordura em seres humanos. Os sintomas típicos dessa doença geralmente se apresentam na infância c são caracterizados por hipertrigliccridemia, pancreatite aguda, xantoma cutâneo eruptivo e hepatoesplenomegalia. Até o presente momento, não há registro de nenhum caso de atleta que tenha feito uso de manipulação genética como método de dopagem. De fato, a terapia gênica é uma modalidade terapêutica médica imatura; por essa ra zão, acredita-se que nenhum atleta fez uso dela como doping.

6.

ASPECTOS ANALITICOS NO CONTROLE DA DOPAGEM

A urina é a amostra biológica mais utilizada nas análises por ser uma coleta não invasiva e, na maioria das vezes, estar disponível

6.1.

em quantidades suficientes para se realizar os testes. A desvantagem é que a droga inalterada algumas vezes não está presente c/ ou a análise deve ser feita em seus produtos de biotransformação ou até mesmo nas suas formas conjugadas. A grande dificuldade é tentar correlacionar a concentração urinária com a sanguínea. Porém, em se tratando de amostras de urina, existe a evidente possibilidade de se trocar/substituir a amostra, principalmente durante o período de espera da coleta; portanto, deve-se estar atento no momento do procedimento de coleta de amostra. Há relatos de ciclistas que têm carregado uma bexiga de borracha, cheia de urina negativa na axila, conectada a um tubo de borracha que vai até o ponto de descarga adequado. A amostra de sangue tem a vantagem de ser mais difícil de ser adulterada, pois normalmente a coleta é realizada por pessoas capacitadas. Além disso, as concentrações de drogas em sangue podem ser mais facilmente interpretadas quando comparadas com as da urina. Deve-se levar em consideração também que algumas drogas não são excretadas na urina em quantidades significativas {p. ex., hormônio do crescimento), mas podem ser detectadas em amostras de sangue. Desde os Jogos Olímpicos de Sidney (2000), o sangue tem sido coletado por algumas federações (União Internacional de Ciclismo) para exames de rotina. Nesse caso, o competidor que apresentar hematócrito acima de 50% estará proibido de competir. As amostras de sangue também podem ser utilizadas para testes mais sofisticados, como para indicar o uso de EPO. Porém, mesmo assim, existem casos de administração de pequenas doses de EPO (as chamadas microdoses) para reduzir a possibilidade de detecção e, assim, burlar os testes. Até o presente, a maneira mais eficaz de minimizar a dopagem nos esportes tem sido seu controle sistemático, pela realização de análises toxicológicas em material fornecido pelo atleta. Esse controle tem sido feito no período das competições ou durante os treinamentos. Embora, às vezes, exista oposição à sua realização, o controle reduz drasticamente a frequência da dopagem em todos os tipos de competições. A análise não é quantitativa, pois o significado do valor de concentração urinária proveniente de uma coleta única é limitado. A concentração encontrada varia de acordo com o tempo decorrido entre a utilização do fárma co e a coleta da amostra, a variação do fluxo e o pH urinário. Entretanto, para algumas substâncias em especial, existem valores de referência que definem quando um resultado deve ser considerado normal ou anormal; ou seja, acima dessas concentrações, o resultado é considerado positivo (Tabela 1). Outro fato r que torna complexa a interpretação dos resultados é o fenômeno da biotransformação que as substâncias sofrem no organismo. Um exemplo que ilustra o problema são os simpatomiméticos. A anfetamina encontrada na urina pode ser originária de metanfetamina ou dos anorexígenos femproporex c clobenzorex (Figura 1). A morfina encontrada na urina de um atleta pode ser proveniente do uso da heroína (proibida no esporte) ou mesmo da codeína, que não possui restrição de uso(Figura2). Para intensificar a fiscalização e coibir o uso de substâncias e métodos de dopagem, a União Internacional dos Ciclistas (UCI, do francês Union Cycliste Intcrnationale) instituiu o «passaporte biológico~, em 2008, que visa manter um histórico dos resultados dos exames antidopagem e traz também o perfil

DopagemtloEsporte

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hematológico e esteroidal do atleta. Com a implantação desse passaporte biológico, a UCl consegue monitorar mais efetivamente os seus competidores. Tabe la 1. Substâncias proibidas e respectivos valores de referência de concentração urinária, acima dos quais o resultado é considerado positivo (resultado analítico adverso). Substancta

Valordereferencta

Acido 11-nor-delta-9-tetraidrocanabinol-9carboxílico

150 nanogramasfml

Catina

Smicrogramasfml

Efedrina ~osterona

Formoterol Metilefedrina

i Morfina 19-norandrosterona Pseudoefedrina

10 microgramaslml 200 nanogramaslml 40 nanogramaslml 10 microgramas/ml 1 micrograma/ml 2nanogramasfml 150 microgramalml

Salbutamol

1 microgramalml*

Testosterona/epitesloslerona

Relaçao4/l

•A concentraçao de satbutamol na urina ma1or do que I microgramalmL é definidacomoviolaçãododoping.Asconcentraçõesmaioresdoque lOOngl ml devemserconsideradasresuttadoadversoanallticoparaousode beta-2-agonista

Diversas técnicas são empregadas para detecção de fármacos e/ou seus produtos de biotransformação em amostras biológicas no controle antidopagem. Em geral, as análises toxicológicas são divididas em duas categorias: triagem e confirmação. As técnicas de triagem são necessárias para ajudar a eliminar as amostras que apontem resultados negativos. Aquelas que apresentarem resultados positivos para os testes de triagem devem ser submetidas às análises confirmatórias, que, por sua vez, são realizadas com técnicas mais elaboradas e especificas. Uma técnica de triagem ideal deve apresentar as seguintes características: fornecer resultados rapidamente ser específica; proporcionar alta sensibilidade; ser de fácil execução e de baixo custo; e abranger o maior número de substâncias de interesse. Devido a não existência de uma única técnica de triagem capaz de analisar todas as substâncias, na prática, duas ou mais técnicas são empregadas para estender a análise de triagem e conseguir analisar a maior quantidade de substâncias proibidas. No controle da dopagem, as técnicas mais empregadas como triagem são as cromatográficas (cromatografia em fase gasosa-CG e cromatografia líquida de alta eficiência-HPLC) e os imunoensaios. Amostras de sangue e urina podem ser analisadas por essas técnicas. As amostras que apresentarem resultado positivo devem ser confirmadas; a técnica de escolha para o teste confirmatório é a espectrometria de massas, associada à cromatografia em fase gasosa (CG-MS) ou à cromatografia líquida (LC-MS). Na espectromctria de massas, essas técnicas variam conforme o seu modo de ionização (eletrônica, química etc.) ou o tipo de analisador de massas (quadrupolo, triplo quadrupolo, tempo de voo etc.). Essas técnicas fornecem um espectro de massa,

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Parte 6

DOPAGEM

que é único para cada composto químico. Portanto, as técnicas de CG -MS e LC-MS são consideradas inequívocas para a identificação de substâncias em análises toxicológicas. Todas as substâncias exógenas de uso proibido no esporte podem ser identificadas por meio desse esquema analítico,

incluindo os estimulantes, os narcóticos analgésicos, os agentes anabólicos sintéticos e os diuréticos. Ent retanto, a carac terização da dopagem pelo uso de compostos endógenos apresenta dificuldade maior devido à presença normal desses

~~--­

H

~ " ---

v

ll)l

I~

Efedrina

~

Met'"fet•mio.

Dietilpropiona

Clobenzorex

Figura 1.

Biotransformação de simpatomiméticos.

I

r0H,

\

ro:< O Codelna

OH

~ ~~/ Heroína

j/ H~~H::y: O O ~" 1 ano

Obedece ao comando Localiza a dor

Localiza a dor

Flexão normal

Flexão normal

Flexão anormal

Flexão ano rmal

Edensão

Extensão

Nenhuma

Nenhuma

Escore total "Escore total: 14(nãoobedeceaocomando) (AdapradadeA1atsunoA.K.,2012.)

Responde a comandos ve rbais Reflexossuperficiaiseprofundospresentes Semalteraçàohemodinâmicaourespiratória

(Adaptada de Reed; Driggs; Foore, 1952.)

15

Ex iste uma tendência entre profissio nais da saúde para subestimar as intoxicações por BDZ, mas os doentes podem se apresentar em coma e evolu ir com depressão respira tória, como os BBT do passado, o que depende do fá r maco e da dose administrada. O diazepam fo i o principal BDZ envolvido nas

• • • •,llf:Ji

Parte 7

TOXICOLOG IA CLINICA

intoxicações no Brasil por muito tempo, sendo dificilmente associado â. intoxicação grave (Amaral, Hcrnandez e Barcia, 2008). Nos últimos anos, ainda tem sido um agente importante em TS, mas foi superado pelo donazepam; os dois fármacos estão envolvidos no maior número de exposições tóxicas por medicamentos, no entanto o alprazolam tem aumentado mais sua incidência entre todos os BDZ (Nicolella et a/., 2011; Nicolella e/a/.,2012). Os tratamentos de ansiedade e transtorno do pânico com alprazolam têm sido relacionados com aumento na incidência de intoxicações graves. De 2003 a 2009 na Flórida (EUA), a taxa de óbitos por medicamentos prescritos aumentou em 84%; por BDZ o aumento foi de 168%, enquanto por opioides cresceu em 86%. Os óbitos por alprazolam aumentaram em 234%, 1,7 vez mais que três opioides juntos (140%) - metadona, hidroxicodona e morfina (CDC, 2011). Em estudo comparativo sobre a gravidade das intoxicações por BDZ, o a/prazolam foi o mais tóxico entre os fármacos do grupo quando utilizados em overdose, sendo significativamente maiores quatro dos cinco desfechos analisados: duração da internação, admissão em UTI, uso de flumazenil e necessidade de ventilação mecânica; apenas não foi diferente significativamente a variável coma-Glasgow