Estrutura e perversões


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estrutura e perversões

FICHA CATALOGRÁFICA 0693e Dor, Joel Estrutura e perversões / Joel Dor; trad. Patrícia C. Ramos. - Porto Alegre : Artes Médicas, 1991. 199p. 1. Perversões sexuais 2. Sexo (Psicologia) 3. Psicanálise 1. Ramos, Patrícia C. li. Título

e.o.o. c.o.u.

151.1

616.8583 155.3 616.8917 616.89-008.442.3 159.922.1 159.964.2

Índices Alfabéticos para o Catálogo Sistemático Perversões sexuais Psicologia sexual Psicanálise

616.89-008.442.3 159.922.1 159.964.2

(Bibliotecária Responsável: Marta Gravlno - CRB 10/567)

JOEL DOR

estrutura e perversões

Tradução:

PATRÍCIA CHITIONI RAMOS Supervlaão Técnica da Tradução

ALDUÍZIO M. DE SOUZA

ARTES !VÉDICAS

PORTO ALEGRE/ 1991

Obrà originalmente publicada em francês ,, sob o título Structure et Peruersions

por Éditions Denoel Paris Copyright (1987) by Éditions Denoel Capa:

Mário Rõhnelt Supervisão editorial:

Delmar Paulsen

Composição, Arte Final e Filmes:

GRAFLINE - Assessoria Gráfica e Editorial Ltda.

Reservados todos os gireitos de publicação em língua portuguesa à EDITORA ARTES MEDICAS SUL LTDA. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Fones 30-3444 e 31-8244 Fax (055) 30-2378 - 90040 Porto Alegre, RS, Brasil LOJA-CENTRO Rua General Vitorino, 277 - Fone 25-8143 90020 Porto Alegre, RS, Brasil IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL

aM.D.

Meus agradecimentos a Françoise Bétourné pela assistência dada durante toda a redação desta obra e por seu precioso concurso em sua correção.

Sumário

Introdução ..................... ...... ................... .................................

11

Primeira Parte

ESTRUTURA. TRAÇOS ESTRUTURAIS. AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA Capítulo 1 - A NOÇ_ÃO DE "AVALIAÇÃO DIAGN ÓSTICA" NA CLINICA PSICANALITICA .......................

17

Capítulo 2 - SINTOMA E DIAGNÓSTICO ..........................

25

Capítulo 3 - SINTOMAS E TRAÇOS ESTRUTURAIS Ilustração de sua diferenciação em um caso clínico de histeria ........................ ... .........................

32

1. Entrevistas preliminares ............ .............. 2. Relato do tratamento ....... ...... . ................

32 38

Capítulo 4 - A NOÇÃO DE ESTRUTURA EM PSICOPATOLOGIA ........................................

50

Capítulo 5 - ESTRUTURAS PSÍQUICAS E FUNÇÃO FÁLICA

56

Segunda Parte LÓGICA ESTRUTURAL DO PROCESSO PERVERSO

Capítulo 6 - A CONCEPÇÃO CLÁSSICA DAS PERVERSÕES . ..... ... ......... ... .... .. ... .... .. ... ...... . .. .

65

Capítulo 7 - A NOÇÃO DE PULSÃO NO PROCESSO PERVERSO ... ... ..... ... ..... .. . .. .... .... . . .. .... ..... .... .

74

Capítulo 8 - RECUSA DA REALIDADE, RECUSA DA CASTRAÇÃO E CLIVAGEM DO EU ....... ... . ...

83

Capítulo 9 - IDENTIFICAÇÃO FÁLICA E IDENTIFICAÇÃO PERVERSA ......... ..... .... .... ... ...... ... .. .... .. ..... . .. .

93

Capítulo 10 - PONTO DE AN_CORAGEM DAS PERVERSÕES E ATUALIZAÇAO DO PROCESSO PERVERSO

99

Capítulo 11 - O HORROR DA CASTRAÇÃO E A RELAÇÃO COM AS MULHERES. O DESAFIO E A TRANSGRESSÃO .... ......... . . ............ .... .. .... . 106 Capítulo 12 - A AMBIGÜIDADE PARENTAL INDUTORA DO PROCESSO PERVERSO E O HORROR DA CASTRAÇÃO - Fragmento clínico .. .. . . .. .. 113 Capítulo 13 - A RELAÇÃO COM AS MULHEFES. O DESAFIO. A TRANSGRESSAO - Elementos de diagnóstico diferencial entre as perversões, a neurose obsessiva e a histeria ..... ..................... 121 1. A relação com as mulheres ........... . ........ . 121 2. O desafio. A transgressão ... ... .. ... ........ ... . 129 Capítulo 14 - O ,GOZO PERVERSO E O TERCEIRO CUMPLICE - O SEGREDO E O AGIR ........... 134

Terceira Parte

NAS FRONTEIRAS DAS PERVERSÕES

Capítulo 15 - PROXIMIDADE E�TRUTURAL DAS PSICOSES E DAS PERVERSOES . .......... ...... .......... ... . ..... 145 Capítulo 16 - SEXUAÇÃO - IDENTipADI;; SEXUAL E AVATARES DA ATRIBUIÇAO FALICA ............ ... .. 152 1. O processo da sexuação segundo Lacan . 2. A identidade sexual e os avatares da atribuição fálica ...........................................

154 160

Capítulo 17 - TRANSEXUALISMO E SEXO DOS ANJOS.....

166

1. Transexualismo masculino .................... .. 2. Transexualismo feminino ........................

167 177

Conclusão: PERVERSÃO E MULHERES PERVERSAS............

183

Bibliografia ....... ....... ..... . .... ... ...... ............... . . ..... . .... . ........... .. ..

189

Índice onomástico ......... ................................ .. .......... ...............

192

Índice terminológico . ......... ........................... ..... . ... ........... ......

194

Introdução

Normalmente "desencaminhada" pela informação ordinária da mídia, a noção de perversão comprometeu-se, há muito tempo, em um uso ilegítimo. O seu charme é, no máximo, o de lembrar ao espíri­ to algumas subordinações ideologicamente consagradas sob os auspí­ cios da depravação dos costumes, sem os quais ela não poderia conti­ nuar a exercer o poder de atração, até mesmo de fascínio, que lhe é comumente atribuído. Esta insolente sedução não parece todavia acompanhar o compor­ tamento perverso senão na estrita condição de que o desenvolvimen­ to deste permanece relegado à questão dos outros. Ora, não há insul­ to mais ingênuo do que esta defesa imaginária do observador ou do comentarista anônimo que goza o desvio perverso do outro. De fato, queiramos sabê-lo ou não, a perversão diz respeito a cada um, ao me­ nos em nome da dinâmica do desejo que aí se expressa e ao qual nin­ guém escapa: "Da questão perversa não poderemos jamais dizer que ela não nos diz respeito, certos de que estamos de que ela, de qual­ quer maneira, nós diz respeito. "(1)* 1 - P. Aulagnier, "Remarques sur la féminité et ses avatars", ln Le Déslr et la Per­

version, obra coletiva, Paris, Seuil, 1967, p. 79.

11

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Isto quer dizer que cada um aí se uê implicado da mesma forma que o próprio perverso? Certamente não, por pouco que tenhamos o cuidado de definir rigorosamente a especificidade da perversão pa­ ra além do amálgama ideológico que a cerca. Mas essa determinação - se é salutar - supõe, em contrapartida, que tenhamos a medida exa­ ta do "núcleo perverso" que coexiste na própria dimensão de todo desejo. Somente este esclarecimento é suscetível de dar ao processo per­ verso um espaço coerente de inteligibilidade ao mesmo tempo teóri­ co e clínico: o campo psicossexual. Neste caso, não parecem existir perversões senão perversões sexuais propriamente ditas; exceção que encontra sua justificativa mais legítima pelo único fato de que a gêne­ se das perversões deve ser inscrita no próprio seio da "sexualidade dita normal" (Freud). Circunscrever a compreensão do processo perverso à luz dessa inscrição, é conferir às perversões uma identidade de estrutura que ultrapassa a simples ocorrência da hipótese psicopatológica. Prova disso, a comiseração etiopatogênica que adere ainda com facilidade à indulgência da avaliação psiquiátrica quando se compraz sempre a consagrar uma entidaqe tão mítica quanto as "perversões constitucio­ nais". Subtrair as perversões às influências persistentes de tal reducio­ nismo psicopatológico exige que já esteja claramente elucidado o pro­ blema da estrutura psíquica e traços estruturais em perspectiva da ava­ liação diagnóstica, tais como são oferecidos à experiência da clínica psicanalítica. Dar conta da lógica estrutural do processo perverso impõe tam­ bém reexaminá-lo no próprio início da reflexão freudiana. De um la­ do, muito geralmente, nos arcanos metapsicológicos que governam o processo pulsional do desenvolvimento psíquico, até esse vencimen­ to quando se resolve, para todo sujeito, o enigma da diferença dos se­ xos. De outro, de modo mais preciso, na intricação edipiana dos anta­ gonismos do desejo, onde pode se determinar um ponto de ancoragem das perversões, sob a influência de elementos indutores inerentes ao jogo fálico que regula necessariamente o curso dessa dialética. No limite de uma investigação tão aprofundada, torna-se possí­ vel isolar alguns traços estruturais que fixam incontestavelmente, com "' O texto em francês é: "De la question perverse nous ne pourrons jamais dire qu 'elle ne nous regarde pas, surs que nous somes qu'elle, de toute façon, nous regar­ de." Como o verbo regarder pode significar tanto olhar como dizer respeito a, há aí um jogo de palavras que não pôde ser transposto sem perda da intenção do au­ tor. (N. da T.)

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13

o maior rigor, a especificidade da estrutura perversa. Em conseqüên­ cia, uma discriminação diferencial radical pode assim ser estabelecida face a outras manifestações sintomáticas suscetíveis de se prestar ao equívoco diagnóstico no campo da prática. No plano clínico, se a elucidação metapsicológica do processo perverso torna, por outro lado, compreensível a proximidade estrutu­ ral de certas organizações psicopatológicas (psicoses e transsexualis­ mo), nem por isso deixa de definir a linha divisória que confirma a au­ tonomia das perversões em relação a estas. Indiretamente, o proble­ ma colocado pela existência hipotética das perversões femininas encon­ tra-se igualmente esclarecido. Em lugar de pretender a uma certa originalidade teórico-clínica, importava mais, nesta retomada da questão das perversões, reunir uma pluralidade de materiais freqüentemente esparsos na própria obra freudiana, a fortlori disseminados em seus sucessores. A lógica desta apresentação deveria ao menos permitir a indução de uma certa coerência na abordagem dessa organização psíquica, que não deixa jamais de mergulhar o clínico na confusão, tanto pela com­ plexidade de seus princípios quanto pelo caráter desconcertante de suas atualizações.

Santa Lucia dl Tallano.

"La perverslon a mauvaise presse. Ce qu'on évoque d'emblée, c'est la conduite aberrante, déviée, la manifestalion indéfendable d'intentlons mauvaises, l'égarement criminel qui mEme à la perdition. Qu'il y ait dans la matiere sonore du mot un "Vers le pere", qul se­ ra l'essentlel de cet exposé, est le plus souvent voilé par cette aura de scandale qul l'accompagne."*

RENÉ TOSTAIN**

• O autor faz aqui um jogo de palavras visto que se encontra foneticamente inseri­ do em perverslon (per) a palavra pere (pai). "A perversão tem má reputação. O que se evoca, de saída, é a conduta aberrante, desviada, a manifestação indefensável de más intenções, o desvio criminoso que le­ va à perdição. Que haja na matéria sonora da palavra um "A seu pai", que será o essencial desta exposição, é o mais freqüentemente oculto por esta aura de escânda­ lo que a acompanha. " (N. da T.) •• René Tostain: "Essai apologétlque de la structure perverse" in La Sexuallté dans les Instltultlons, obra coletiva, Paris, Payot, 1978, p. 33.

PRIMEIRA PARTE

ESTRUTURA.TRAÇOS ESTRUTURAIS. ,,.,, ., AVALIAÇAO DIAGNOSTICA

1 A noção de ''avaliação diagnóstica'' na clínica psicanalítica A problemática do "diagnóstico" no campo psicopatológico mere­ ce ser introduzida por uma incursão canônica, isto é, um retorno a cer­ tas concepções clássicas lançadas por Freud já em 1895. Muito cedo, para não dizer desde o surgimento da psicanálise, Freud interrogava a questão do diagnóstico nos seguintes termos: "Quando tentei aplicar a um grande número de histéricos hipnotizados, o método terapêutico de Breuer por detecção e ab­ reação, choquei-me com duas dificuldades que me levaram, para resolvê-las, a modificar tanto minha técnica quanto minhas con­ cepções: 1) Nem todos os sujeitos incontestavelmente histéricos e muito provavelmente submetidos aos mesmos mecanismos são hipnotizáveis. 2) Foi-me necessário determinar o que caracterizava essen­ cialmente a histeria e o que a diferenciava das outras neuroses(!)." E Freud prossegue: 1 - Freud, J. Breuer: Studien über Hysterle (1985). G. W., I, 77/312. S.E., li. Trad. A. Bennan Études sur l'hystérle, Paris, P.U;F., 1967, p. 206. 17

JO�L DOR

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"É muito difícil formar uma opinião exasta de um caso de neurose antes de tê-lo submetido a uma análise aprofundada (... ) Entretanto, é antes mesmo de conhecer o caso detalhadamente, que nos vemos obrigados a estabelecer um diagnóstico e deter­ minar o tratamento(2)." Quer dizer que, desde o início de sua obra, Freud desemboscara a ambigüidade em torno da qual se colocava o problema do diagnós­ tico no campo da clínica psicanalítica. De um lado, observa ele, pare­ ce oportuno poder estabelecer precocemente um diagnóstico para de­ terminar o tratamento - o que hoje em dia denominaríamos mais sim­ plesmente: a conduta da cura. De outro, não deixa de precisar que a pertinência de tal diagnóstico não pode jamais encontrar confirmação senão após uma análise aprofundada. Toda a especificidade desse diagnóstico vê-se então na situação de um paradoxo manifesto. Nestas condições, como associar o cará­ ter operatório do diagnóstico à sua determinação relativa de impreci­ são? Uma olhada no domínio da clínica médica propriamente dita já pode permitir a elucidação de alguns aspectos dos problemas ineren­ tes ao diagnóstico. Na clínica médica, o diagnóstico é, antes de tudo, um ato que obedece a duas funções. Trata-se, em primeiro lugar, de efetuar uma discriminação baseada na observação de certos slfiais-especfficos (se­ niiologia). Em segundo, trata-se de pôr em perspectiva o estado pato­ fõ'gtco assim especificado, em relação a uma classificação devidamente çodificada (nosografia).. Um d�griôstico médico parece portanto sem­ pre subordinado à ordem de uma referência etiológica (diagnóstico ·etiológico) e à ordem de uma referência diferencial (diagnóstico dife­ rencial). Por outro lado, um diagnóstico médico permite, na maioria das vezes, avaliar não somente o prognóstico vital ou funcional da enfer­ midade, mas ainda a escolha do tratamento mais apropriado. Para is­ to, o médico dispõe de um arsenal de investigação que se desdobra simultaneamente em duas orientações complementares: uma investiga­ ção anamnésica destinada a recolher os fatos comemorativos da enfer­ midade; uma investigação "montada" centrada sobre o exame direto do paciente por meio de mediadores instrumentais, técnicos, biológi­ cos, etc. Essa dupla investigação colige o conjunto das informações necessárias para definir o perfil especificamente isolável da afecção patológica. 2 - S. Freud, lbld., p. 206 (sublinhado por mim).

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No campo da clínica psicanalítica, tal modo de diferenciação é de_ infc:io inv�lidado. A impossibilidade é de fato nesse sentido justifica­ pela próprià estrutura-do sujeito. o analista' dispõe apenas de uma únicí;l técni_Çé:l _de investigação: ,a escuta, o que torna ultrapassada toda idéia de investigação montada. Como o material clínico trazido pelo paciente é um materia��ssen�Lalmente verbal, o campo de investiga­ ção clfnica fica então. circunscrito de saída à dimensão de um dizer e de um dito radicalmente submetidos aos a:vatares do imaginário e da ''mentira'"'. Imaginário, visto qu� é_gr.aç_c;!�_élo disq..1rso que vem articu­ lar-se subrepticiamente o desenvolvipi.ento fantasmático. Mentira, já que é através da fala que o sujeito testemunha da melhor maneira a cegueira que lhe é própria quanto à verdade de seu desejo. Daí o mal­ entendido que sustenta o sintoma na consistência de seu travestimento. Subtraído ao registro dos dados empíricos objetivamente controlá­ veis, tal diagnóstico não parece dever resultar senão de uma avaliação essencialmente subjetiva que apenas pode se ordenar apoiando-se no discurso do paciente e na subjetividade do analista à escuta. Quer dizer, com isso, que nesse campo intersubjetivo, não existe nenhum ponto de referência estável? Somos obrigados, por esta razão, a um espaço de inter-ações puramente empáticas? Se tal fosse o caso, o domínio de investigação psicanalítica não seria outro senão um cam­ po de influências e de estratégias sugestivas. Ora, bem sabemos que a psicanálise somente conseguiu definir sua especificidade porque Freud soube extrair a intelecção dos processos psíquicos no domínio da su­ gestão. Tudo leva então a supor que uma certa topografia das afec­ ções psicopatológicas pode ser legitimamente posta em evidência. O substrato de uma semelhante topografia baseia-se na possibili­ dade de uma orientação que só pode se estabelecer em relação à cau­ salidade psíquica e ao cortejo dos processos imprevisíveis que engen­ dra sob o domínio do inconsciente. Antes de tudo, a relação que exis­ te entre um diagnóstico e a escolha de um tratamento não parece po­ der então depender de uma relação causal habitual, no sentido em que esse modo de implicação lógica é justamente comum na clínica médica. Relembremos as pródigas reservas de Freud em seu estudo, So­ bre o Início do tratamento:

da

"A extrema diversidade das constelações psíquicas, a plastici­ dade de todos os processos desta ordem, o número significativo dos fatores determinantes, opõem-se a uma mecanização da técni­ ca e fazem com que um procedimento normalmente vantajoso

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J O!L DOR possa às vezes tornar-se inoperante, enquanto que um método geralmente defeituoso dá o resultado desejado(3)." No entanto, Freud não pode deixar de precisar o ponto seguinte: "Contudo, essas circunstâncias não devem nos impedir de estabelecer ( . . . ) uma linha de conduta geralmente bem apropria­ da(4) ."

Tanto face à elaboração do diagnóstico quanto do ponto de vis­ ta da direção do tratamento que dele depende, o analista supostamen­ te pode apoiar-se em elementos estáveis, apesar da dimensão intersub­ jetiva do espaço onde se efetua essa avaliação. Todavia, a determina­ ção desses elementos estáveis requer a maior vigilância. Se a orienta­ ção do tratamento depende disso, seu sucesso terapêutico encontra­ se aí igualmente suspenso. De onde o perigo da psicanó/fse selvagem firmemente desacreditada por Freud. Em um pequeno estudo consa­ grado a esse propósito(S), Freud evoca, através de uma brilhante ilus­ tração, não somente a prudência requerida para o estabelecimento do diagnóstico, mas também o perigo de qualquer intervenção que - se apóie em um diagnóstico objetivamente causalista instituído como um diagnóstico médico. Este fragmento clínico lembra o caso de uma senhora de mais ou menos cinqüenta anos que consulta um jovem médico por causa da persistência de estados ansiosos. Parece-lhe que suas crises de an­ siedade apareceram sobretudo após seu divórcio. O jovem médico que tinha conhecimentos superficiais de psicanálise, indica-lhe imedia­ tamente a causa através de uma explicação, por assim dizer, abrupta. A ansiedade de sua paciente não seria nada além de uma conseqüên­ cia direta de sua privação de toda relação sexual com homens. A tera­ pêutica que lhe propõe, então, vem inscrever-se em um a relação de implicação lógica com a causa da afecção. Para restabelecer-se, formu­ la-lhe três prescrições possíveis: "Volte para seu marido"; "Consiga um amante"; ou "Masturbe-se!". Como é normal, a prescrição tera­ pêutica imprudente produz o efeito esperado: o estado ansioso da se­ nhora piora! Ela decide então consultar Freud. 3 - S. Freud, Zur Einleitung des Behandlung (1913). G.W., VIII, 454/478. S.E., XII, 121/144. Trad. A Berman: "Le début du trlatement", ln La Technlque Psychanalytl­ que, Paris. P.U.F., 1975, pp. 80-81. 4 - lbld., p. 81. 5 - S. Freud, Uber "wilde" Psychanalyse (1910). G.W., VIII, 118/125. S.E., XI, 219/227. Trad. A Berman, A propos de la psychanalyse dite "sauvage", ln La Tech­ nlque psychanalytlque, op. cit., pp. 35-42.

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Por mais caricatural que seja, esse pequeno exemplo é totalmen­ te instrutivo. Especifica, com efeito, de modo muito nítido, a diferen­ ça que existe entre o diagnóstico médico e o diagnóstico tal como po­ de ser elaborado na clínica psicanalítica. Igualmente permite apreen­ der a singularidade da articulação que se impõe entre o diagnóstico e a escolha do tratamento. Nesse exemplo relatado por Freud, o erro de diagnóstico é notório. O problema é menos de saber se esse jovem médico conhecia suficientemente ou não os princípios da psicanálise, do que examinar segundo que tipo de procedimento organizou-se seu ato diagnóstico. Freud observa imediatamente que o médico cometeu, sem o sa­ ber, dois erros. Por sua prescrição brutal, antecipou, primeiramente, uma das dimensões essenciais que contribuem para o prognóstico tera­ pêutico: a transferéncia, fator preponderante na dinâmica de uma in­ tervenção analítica. Em vez de fazer dela uma aliada, o médico explo­ rou a transferência no sentido de um instrumento de resistência tera­ pêutica. Como, insurge-se Freud, "o médico pôde crer que uma mu­ lher de mais de quarenta anos ignora que é possível ter um amante, ou então ele superestimou sua própria influência a ponto de acreditar que ela não se decidiria nunca, sem a aprovação médica, a dar um tal passo(6)"? O segundo erro cometido por esse médico, concerne diretamente o processo que preside o estabelecimento do diagnóstico como tal. Seu caráter é exemplar no sentido em que ilustra exatamente a condu­ ta que não se deve ter jamais na clínica psicanalítica: o procedimento hipotético-dedutivo. Essa conduta, que permanece sempre governada pela relação lógica de causa e efeito, não pode encontrar, na psicanáli­ se, a aplicação que lhe é habitualmente dada nas ciências exatas. No exemplo citado, o jovem terapeuta inexperiente estabelece de saída uma relação direta de causa e efeito entre a angústia e a problemáti­ ca sexual. Em si, uma tal relação não é inadequada, já que sabemos, com Freud, que algumas manifestações neuróticas como a angústia po­ dem justamente depender do "fator somático da sexualidade". Mani­ festamente, é baseado em uma semelhante relação que esse médico conclui de modo precipitado seu diagnóstico e sugere uma terapêuti­ ca que corresponde a essa relação de causa e efeito. E "em semelhan­ te caso - indica Freud � o médico naturalmente vai aplicar uma tera­ pêutica atual mo�éando a atividade física de ordem sexual e tem ra­ zão de agir a�im se seu diagnóstico for exato(7)". 6 - S. Freud, A propos de la psychanalyse dite "sauvage", op. cit. pp. 38-39. 7 - S. Freud, ibid., p. 39.

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Toda a questão é interrogar precisamente, aqui, o valor do diag­ nóstico. Neste caso, o erro repousa em uma precipitação do julgamen­ to causalista. Mais geralmente, a interpretação "selvagem" apóia-se, continuamente, em psicanálise, nesta racionalização causalista precipi­ tada. Sobre este ponto, o comentário freudiano é de uma grande limpidez: "A senhora, ao consultar o jovem prático, queixara-se sobre­ tudo de estados ansiosos. Ele concluiu provavelmente por isso que ela sofria de uma neurose de angústia e acreditou estar cer­ to ao lhe recomendar um tratamento somático. E eis, mais uma vez, um conveniente equívoco! Uma pessoa que sofre de ansieda­ de não sofre forçosamente de uma neurose de angústia. O diag; nóstico não deve ser estabelecido sobre uma denominação. E preciso conhecer as manifestações de uma neurose de angústia e saber distinguf-las de outros estados patológicos onde também surge a angústia. A senhora em questão sofria, em minha opi­ nião, de uma histeria de angústia e tudo que valoriza essas distin­ ções nosográficas, o que as justifica, repousa sobre o fato de que atraem nossa atenção sobre uma outra etiologia e uma outra tera­ p�utlca. Aquele que tivesse considerado a possibilidade de uma histeria de angústia não correria mais o risco de negligenciar os fatores psíquicos, como o fez nosso médico colocando sua pacien­ te diante de três possibilidades(8) ". Se os problemas da ambigüidade e da prudência diagnósticas são claramente formulados por Freud, não é menos claro que ele igual­ mente insiste sobre a relação direta que liga a avaliação diagnóstica à escolha de uma conduta do tratamento. O ato psicanalítico não pode apoiar-se ex abrupto na identifica­ ção diagnóstica pois não se constitui jamais, em sua aplicação, como sua pura e simples conseqüência lógica. Bem sabemos que se este fos­ se o caso, disporíamos, a exemplo de todas as disciplinas médicas, de tratados o u obras de terapêutica analítica. No exemplo evocado por Freud, o erro "técnico" principal con­ siste, antes de tudo, em supor o ato analítico como um ato médico. A propósito desta confusão, as reservas enunciadas por Freud são, novamente, muito preciosas: "Há muito tempo deixamos de crer, como as aparências su­ perficiais haviam-nos sugerido, que o paciente sofria de uma espécie 8 - S. Freud, A propos de la psychanalyse dite "sauvage", op. clt., p. 39 (grifado por mim).

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de ignorância e que se viéssemos a dissipá-la falando-lhe das rela­ ções causais entre sua enfermidade e sua existência, dos aconteci­ mentos de sua infância, etc., seu restabelecimento seria certo. Ora, não é a ignorância em si que constitui o fator patológico, essa ig­ norância tem seu fundamento nas resistências interiores que a pro­ vocaram primeiramente e que continuam a mantê-la (... ) Se o co­ nhecimento do inconsciente fosse tão necessário ao paciente quan­ to o supõe o psicanalista inexperiente, bastaria fazê-lo ouvir con­ ferências ou ler alguns livros. Mas medidas semelhantes têm sobre os sintomas neuróticos tanta ação quanto teria, por exemplo, em período de fome, uma distribuição de menus aos famintos. ( .. .) Toda ação psicanalítica pressupõe portanto um contato prolonga­ do com o paciente(9)". Reservas idênticas são reiteradas aproximadamente da mesma maneira por Freud em seu estudo Sobre o início do tratamento(lO). Agora, estamos em condições de extrair alguns ensinamentos pre­ liminares sobre essa noção de diagnóstico na clínica analítica. O pri­ meiro deles diz respeito ao caráter potencial do diagnóstico, seja um

ato deliberadamente posto em suspenso e destinado a uma mudança.

Reencontramos essa singularidade paradoxal cujos aspectos antagôni­ cos já foram assinalados: por um lado, a quase-impossibilidade de de­ terminar uma avaliação diagnóstica com segurança, sem se servir de um certo tempo do desenrolar do tratamento; por outro, a necessida­ de de circunscrever a mínima esse diagnóstico para decidir sobre a orientação a dar a esse tratamento. A potencialidade diagnóstica, fada­ da à mudança de uma confirmação, suspende então por um tempo to­ da atualização de intervenção de valor terapêutico. Esse é um segun­ do ensinamento do qual devemos tirar partido. Um terceiro - resulta­ do dos dois anteriores - fornece-nos a importância do tempo necessá­ rio a observar, no início de toda decisão ou proposição de tratamento. Esse tempo é aquele que é habitualmente concedido ao que Freud de­ signava inicialmente como tratamento de ensaio, o qual é hoje consa­ grado pelo uso sob a denominação de entrevistas preliminares. Não escapou a Freud que um tal tempo preliminar apresentava "a vanta­ gem de facilitar o diagnóstico(l l)". Mas ainda que esse tempo seja um tempo de observação, n'}m por isto deve estar inscrito, desde o iní­ cio, no dispositivo analítico. E nesta única medida que ele pode contribuir 9 - S. Freud, A propos de la psychanalyse dite "sauvage", op. cit., pp. 40-41. 10 - S. Freud, Le début du traitement, op. cit., p. 100. 11 - S. Freud, Le début du traitement, op. clt., pp. 81-82.

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favoravelmente para a avaliação diagnóstica e para a escolha da orien­ tação do tratamento. Mais uma vez mencionemos que Freud não deixou de ressaltar a necessidade desse dispositivo analítico desde as entrevistas preliminares: "Essa tentativa preliminar já constitui entretanto o início de uma análise e deve se conformar às regras que a regem; a única diferença pode ser que o psicanalista deixa sobretudo o paciente falar sem fazer comentários, apenas o que for absoluta­ mente necessário à continuação de sua narrativa(l2)" . A avaliação diagnóstica parece então prioritariamente sujeita à ordem do dizer, sobretudo porque não parece dever relacionar-se ao registro do dito e a seus conteúdos. Neste sentido, a mobilização impe­ rativa do dispositivo analítico confere à escuta a aptidão primordial de um instrumento diagnóstico que deve prevalecer sobre o saber no­ sogr6fico e as racionalizações causalistas. Esses diferentes ensinamentos que podem ser extraídos do cor­ pus freudiano, encontram uma ilustração pertinente em um dos traba­ lhos( 13) de Maud Mannoni que não deixa de insistir sobre essa mobi­ lização imediata da escuta. Ela lembra que "a primeira entrevista com o psicanalista é mais reveladora nas distorções do discurso que em seu próprio conteúdo"( l4). Por outro lado, a pluralidade de exemplos dados no corpo da obra constitui uma excelente introdução à proble­ mática da avaliação diagnóstica no campo da clínica psicanalítica.

12 - lbld. , p. 81

1 3 - M. Mannoni, Le premier rendez-vous avec le psychanalyste, Paris, DenoeVGon­ thier, 1 965. 14 - lbid. , p. 164.

2 Sintoma e diagnóstico Em toda prática clínica, é comum estabelecer correlações entre a especificidade dos sintomas e a identificação de um diagnóstico. Feliz­ mente, tais correlações das quais depende o sucesso de uma iniciativa terapêutica, existem muitas vezes. Todavia, um dispositivo causalista só é eficaz porque o campo responde, de uma certa maneira, a um pro­ cesso de funcionamento regulado ele também segundo determinações que obedecem ao mesmo princípio. Assim, quanto mais o conhecimen­ to desse determinismo for aprofundado, mais se multiplica o número das correlações entre as causas e os efeitos. Em compensação, a espe­ cificação dos diagnósticos igualmente acura-se. Se esse princípio é uniformemente aceitável em todos os horizon­ tes da clínica médica, é cruelmente enganoso na clínica analítica. Es­ sa defecção fica por conta do determinismo singular que grassa ao ní­ vel dos processos psíquicos sob o nome de causalidade psíquica. A causalidade psíquica procede por outras vias que não as cadeias habituais de interações de causas e efeitos, tais como as identificamos, por exemplo, ao nível das ciências biológicas. O sucesso da terapêuti­ ca médica permanece suspenso, em grande parte, à regularidade e à fixidez dessas ocorrências causais que intervêm ao nível do corpo. Em contrapartida, tanto quanto haja determinismo através da causalidade psíquica, não parece possível apreender semelhantes linhas de regula­ ridade. Em outras palavras, nenhuma organização estável entre a natu­ reza das causas e a dos efeitos pode ser rigorosamente notada. Torna-se 25

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então impossível estabelecer perfis de previsões idênticas àqueles que observamos nas disciplinas biológicas e, mais geralmente, médicas. No campo científico, uma previsão tem sentido apenas porque se baseia em uma lei, isto é, em uma explicação objetiva e universali­ zável que justifica uma articulação estável entre causas e efeitos. A causalidade psíquica não é objeto de tais leis, ao menos no que con­ cerne às exigências empíricas e formais que podem definí-las nas ciên­ cias exatas. N estas condições, a ausência de legalidade entre as cau­ sas e os efeitos, e a impossibilidade subseqüente de determinações previsíveis estáveis, impõem-nos o reconhecimento de que a pslcanóli­ se não é uma ciência no sentido estrito e habitualmente dado a esse termo(l) . Consideremos esta primeira constatação, inerente à determina­ ção diagnóstica na clínica psicanalítica: não existe Inferência estóvel entre as causas psíquicas e os efeitos sintomóticos. Esse invariante merece que aí nos detenhamos pelo menos porque inscreve-se de en­ contro ao funcionamento habitual de nossos processos mentais. Quei­ ramos sabê-lo ou não, pensamos até mesmo consideramos nós pró­ prios - em uma ordem de racionalidade cartesiana. Somos assim es­ pontaneamente levados a estruturar nossas explicações segundo or­ dens de pensamentos lógicos que não profundamente causalistas no sentido do discurso da ciência. Recusar essa ordem de pensamentos por implicações lógicas, constitui sempre um esforço particular a pro­ duzir no início do trabalho psicanalítico. Sob pretexto de que é necessário poder se desprender da racio­ nalidade lógica, o trabalho psicanalítico não é por isso abandonado ao sabor das fantasias de cada um. Nem tudo nele é possível e seu sucesso permanece sujeito a certas exigências do rigor, ao menos aque­ las que nos impõem seguir o fio do dizer daquele que se escuta, se queremos infalivelmente apreender algo da estrutura do sujeito sobre o quê apoiar a avaliação diagnóstica. Supondo que possamos validar uma hipótese diagnóstica a par­ tir da ocorrência concreta dos sintomas, admitimos implicitamente a atualização d e uma relação de causa e efeito irredutível. Veremos que isso equivale a fazer a economia radical de toda a dinâmica própria ao inconsciente. A prática clínica ensina-nos que a relação que une o sintoma à etiologia da afecção que o produz, é intermediada pelo 1 - As razões que Invalidam a psicanálise no ramo das disciplinas científicas, são apenas conseqüências lógicas derivadas de um princípio epistemológico intrínseco ao próprio objeto da psicanálise. Levanto essa questão em uma obra a ser publica­ da: L'a-scientificité de la psychanalyse*. * A a-científicidade da psicanálise: a ser publicado brevemente pela Editora Artes Médicas.

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conjunto dos processos inconscientes. A correlação entre um sintoma e a identificação de um diagnóstico supõe, a mínima, a atualização de uma cadeia de processos intrapsíquicos cuja dinâmica não se movimen­ ta no sentido de determinismo causal comum. Qualquer mecanismo do processo primário dá-nos uma prova in­ contestável dessa lógica desconcertante dos processos inconscientes. Examinemos, a título de exemplo, o destino particular do processo pul­ sional que Freud designa retorno sobre a própria pessoa e o qual justi­ fica da seguinte maneira na Metapsicologla: "O retorno sobre a própria pessoa deixa-se apreender me­ lhor quando se considera que o masoquismo é precisamente um sadismo voltado para o Eu-próprio e que o exibicionismo inclui o fato de olhar seu próprio corpo. A observação analítica não dei­ xa nenhuma dúvida neste ponto: o masoquista goza, ele também, o furor dirigido contra sua própria pessoa, o exibicionista partilha o gozo daquele que o olha desnudar-se(2)". Se uma atividade sintomática como o sadismo supõe essa lógica contraditória do retorno sobre a própria pessoa, a própria natureza desse processo descrito por Freud invalida de fato a idéia de uma rela­ ção causal direta entre um sintoma e um diagnóstico. Esse primeiro argumento exige ser desenvolvido ainda mais. Supo­ nhamos que essa lógica contraditória seja uma lógica estável ao nível dos processos inconscientes; neste caso, poderíamos considerar os pa­ res de opostos: sadismo/masoquismo e exibicionismo/voyeurismo co­ mo equivalências fixas. Mesmo graças a essa hipótese, não estamos sempre em condições de inferir um diagnóstico seguro a partir dos sin­ tomas. Admitamos que a atividade sintomática voyeurista implica logica­ mente o exibicionismo. Dito de outro modo, suponhamos como acei­ ta a transformação no seu contrário como uma "lei fixa". Podemos, por esta razão, deduzir logicamente um diagnóstico de perversão a par­ tir de um sintoma como o exibicionismo? Uma vez mais, os dados da experiência clínica cotidiana não confirmam uma tal possibilidade de inferência imediata. O componente exibicionista revela-se, por exem­ plo, particularmente presente na histeria da maneira algumas vezes es­ petacular do "dar a ver" dos histéricos. 2 - S. Freud, Triebe und Triebschicksale (1915) . G. W. , X, 210/232 S.E., XIV, 109/140. Trad. J. Laplanche e J. 8. Pontalis, "Pulsions et destins des pulsions", in Métapsycho­ logie, Paris, Gallimard, 1968, p. 26.

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Chegamos a reservas análogas com um outro caso típico: a ativi­ dade sintomática da ordem e da arrumação. Em alguns sujeitos, esse sintoma adquire proporções suficientemente inquietantes para tornar­ se uma verdadeira enfermidade do agir. Tradicionalmente, nas investi­ gações freudianas, essa particularidade de caráter que facilmente atin­ ge a dimensão sintomática, fica por conta do componente erótico anal que é uma disposição constitutiva da neurose obessessiva(3). Ba­ seando-nos nessas indicações, podemos concluir pelo diagnóstico de neurose obsessiva apoiando-nos unicamente na identificação desse sintoma? Não o podemos mais do que anteriormente, na simples medida em que esse sintoma é igualmente identificável sob urna forma muito ativa na histeria. Encontro, com efeito, um particular desenvolvimen­ to em algumas mulheres histéricas no registro da administração do­ méstica. O mais das vezes, trata-se aliás de um sintoma de emprésti­ mo "conjugal". Em sua disposição à identificar-se com o desejo do outro, a histérica apropria-se freqüentemente com facilidade do sinto­ ma de seu parceiro obsessivo. Esse exemplo novamente confirma a inexistência de urna solução de continuidade direta entre urna cartografia dos sintomas e urna clas­ sificação diagnóstica. Semelhante descontinuidade entre a observação do sintoma e a avaliação diagnóstica impõe-nos a recentralização do problema à luz dos processos inconscientes que jamais são objeto de uma observação direta. Essa falta de observação direta apela precisamente para a parti­ cipação ativa do paciente que é sempre, no campo psicanalítico, uma participação de palavras. Reencontramos assim a prescrição freudia­ na que figura no frontispício do edifício analítico. Se essa prescrição lembra-nos que "o sonho é a via régia que leva ao inconsciente", ti­ ra, na verdade, toda sua efetividade do único fato de que o sujeito é levado a fazer um discurso sobre seu sonho. Propriamente falando, 3 - S. Freud, cf. a) Character und Analeorlk (1908) G. W., VII, 203/209. S.E., IX, 167/175. Trad. D. Berger, P. Bruno, D. Guérineau, F. Oppenot: Caractere et érotismo anal, in Psycho­ se, Névrose et Perversion, Paris, PUF, 1973, pp. 143/148. b) Die Disposition zur Zwangneurose (1913), G. W., VIII, 442/452. S.E., XII, 311/326. Trad. D. Berger, P. Bruno, D. Guérineau, F. Oppenot: La disposition à la névro­ se obssessionnelle, in Psychose, Névrose et Perversion, Paris, PUF, 1973, pp. 189-197. e) Uber Triebumsetzungen, insbesondere der Analerotik (1917) G. W. , X, 402/410. S.E., XVII, 125/133. Trad. D. Berger: Sur la transformation des pulsions particulier­ ment dans l'érotisme anal, in La Vie Sexuelle, Paris, PUF, 1969, pp. 106-112.

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a "via régia" é portanto o discurso como tal. As atualizações do incons­ ciente não podem ser decodificadas no arsenal da racionalidade expli­ cativa das deduções de caráter pseudocientífico, mas exclusivamente nas associações do discurso. Em sua perspectiva do "retorno a Freud", Lacan não deixou de insistir sobre a dimensão princeps do discurso na psicanálise, como tes­ temunham, por exemplo, alguns desses pensamentos formulados em: "A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud": "Como até mesmo um psicanalista de hoje não se sentiria tocado pela fala, quando sua experiência recebe seu instrumento, seu quadro, seu material e até o ruído de fundo de suas incertezas? Nosso título faz entender que além dessa fala, é toda a estru­ tura da linguagem que a experiência psicanalítica descobre no in­ consciente(4)". Encontramos essa mesma insistência de Lacan em promover a in­ cidência da fala na experiência do inconsciente, durante uma outra ar­ gumentação desenvolvida em: "Situação da Psicanálise em 1956": "Para saber o que se passa na análise, é preciso saber de onde vem a fala para saber o que é a resistência, é preciso saber o que impede o acesso da fala ( ... ) "Por que encobrir as questões que o inconsciente provoca? "Se a associação dita livre dá-nos acesso a ele, é por uma li­ beração que se compara às dos automatismos neurológicos? "Se as pulsões af descobertas são do nível diencefálico, até mesmo do rinencéfalo, como conceber que se estruturam em ter­ mos de linguagem? "Pois, se desde a origem, é na linguagem que se fazem co­ nhecer seus efeitos, seus artifícios que apreendemos depois a co­ nhecer, não denotam menos, em sua trivialid�de como em suas sutilezas, um procedimento linguageiro(5)". Para atingir mais diretamente a problemática do sintoma, relem­ bremos igualmente esta pequena fórmula do Discurso de Roma.

4 - J. Lacan, "L' lnstance de la lettre dans l'inconscient ou la raison depuis Freud" (1957), in Écrlts, Paris, Seuil, 1966; pp. 494-495. 5 - J. Lacan, "Situation de la Psychanalyse en 1956", ln Écrlts, Paris, Seuii 1966, pp. 461 e 466.

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"O sintoma resolve-se por inteiro em uma análise da lingua­ gem, porque ele próprio é estruturado como uma linguagem, que é a linguagem da qual a fala deve ser liberada(6)" . Se o sintoma encontra-se n a mesma situação d a fala e da lingua­ gem, parece evidente que o diagnóstico não possa mais subtrair-se a isso. Em conseqüência, o que devemos chamar de traços diagnósticos estruturais devem ser extraídos deste registro da fala. Todavia, somen­ te constituir-se-ão em elementos confiáveis na avaliação diagnóstica com a condição de se despreenderem da identificação dos sintomas. A identidade do sintoma reduz-se, o mais das vezes, a uma entidade clínica de trompel'oeil* um artefato que fica por conta dos efeitos do inconsciente dos quais Lacan, após Freud, lembra-nos com razão os ardis e as facécias. A investigação diagnóstica exige o apoio em um aquém do sinto­ ma, isto é, este espaço intersubjetivo em que Freud esforçava-se pa­ ra estabelecer a comunicação de inconsciente para inconsciente, atra­ vés de sua célebre metáfora telefônica. "O inconsciente de analista deve se comportar, em relação ao inconsciente emergente do paciente, como o receptor telefôni­ co em relação à resposta mecânica. Assim como o receptor re­ transforma em ondas sonoras as vibrações telefônicas que ema­ nam ondas sonoras, do mesmo modo o inconsciente do médico consegue, com o auxílio dos derivados do inconsciente do pacien­ te que chegam até ele, reconstituir esse inconsciente de onde emanam as associações fornecidas(? ) " . Os traços diagnósticos estruturais surgem n o desdobramento do dizer, como passagens significativas do desejo que se esboçam naque­ le que fala. Esses sinais aparecem acima como os índices que balizam o funcionamento da própria estrutura psíquica. Representam, de al­ gum modo, os indicadores de sinalização impostos pela dinâmica do desejo. Como veremos mais adiante, a especificidade da estrutura de um sujeito é predeterminada pela economia de seu desejo. Ora, seme6 - J. Lacan, Fonetlon et champ e la paroleet du langage en psychanalyse" (1953), ln Écrlts, Paris, Seuil, p. 269. • Termo técnico da pintura, já consagrado na língua portuguesa. Significa um efei­ to de pintura em que o espectador é levado a hesitar diante da imagem pintada. (N. da T.) 7 - S. Freud, Ratschlãge für den Arztbei der-psychoanalytischen Behandlung, (1912). G.W., VIII, 364/374. S.E. , XII, 109/120. Trad. A Berman: "Conseils aux médecins sur 1e traitement psychanalytique", ln La Technlque psychanalytlque, op. clt., p. 66.

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lhante economia é governada por orientações, por trajetórias estereoti­ padas, portanto, por certos princípios de circulação - para permane­ cer nas metáforas condutoras. Se concordarmos em chamar de traços estruturais tais trajetórias estabilizadas, os traços diagnósticos estrutu­ rais constituem marcas codificadas por esses traços da estrutura teste­ munhas da economia do desejo. A fim de melhor precisar o caráter operatório do diagnóstico, é então oportuno evidenciar claramente não apenas a noção de estrutu­ ra, mas também a distinção que existe entre sintomas e traços estruturais.

3 Sintomas e traços estruturais Ilustração de sua diferenciação em um caso clín ico de h isteria

1 - ENTREVI STAS PRELI MINARES A utilização pertinente do diagnóstico no campo da clínica psica­ nalítica, supõe que uma discriminação rigorosa seja continuamente estabelecida entre a identidade do sintoma e a Identidade dos traços estruturais. Fora dessa vigilância constante, o clínico expõe-se a im­ pressionantes confusões diagnósticas que comprometem gravemente o prognóstico terapêutico. A exposição do caso clínico que se seguirá é tanto mais exem­ plar porque foi precisamente objeto de uma tal confusão( l ) . Desde as primeiras entrevistas, uma demarcação radical será pos­ ta em evidência entre a especificação de alguns traços estruturais e a identidade marcante do sintoma.

1 - Os elementos anamnésicos aqui apresentados foram isolados de um contexto psicopatológico complexo. A história dessa mulher - acidentalmente falecida desde então - não será restituída além de algumas evocações necessárias à exposição de uma ilustração "técnica" .

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Primeira entrevista A Srta . X., mulher de cerca de trinta anos, foi a mim recomenda­ da por um especialista de medicina interna, ao sair de uma hospitaliza­ ção. No decorrer da primeira entrevista, essa hospitalização é, aliás, a informação princeps que me passa abruptamente sem, todavia, indicar­ me as razões. Mas do mesmo modo que nada me tenha sido imediata­ mente dito, tudo me será, em contrapartida, diretamente dado a ver durante a entrevista, por meio de uma estratégia que acusa a própria expressão de um traço de estrutura - neste caso, um traço característi­ co da estrutura histérica. Durante a entrevista, essa jovem mulher queixa-se de um "mal-es­ tar" difuso, mas muito generalizado, sem que lhe pareça possível asso­ ciar suas manifestações a situações particulares. Nada parece ter sido oculto: tanto sua vida cotidiana e particular quanto o quadro de sua atividade profissional. Em algumas palavras, essa mulher deixa claro que não tem mais gosto por qualquer coisa que seja, quer se trate de planos, quer se trate de suas relações com os outros, próximos ou não. Tanto as pessoas como as coisas aborrecem-na profundamente e são rapidamente desinvestidas. Sobre esse fundo de abatimento neurastêni­ co, desespera-se por passar a quase-totalidade de seu tempo nada fa­ zendo, exceto entregar-se sem grande prazer a algumas ruminações di ur­ nas. Entretanto, entre esses devaneios confusos, um tema fantasmáti­ co reaparece freqüentemente de um modo compulsivo e obsessivo. Nesta cena imaginária que convoca com regularidade, um amigo vem visitá-la uma noite de improviso. Essa visita imprevista deixa-a sempre perturbada mas agradavelmente surpresa. Surpreendida em um certo abandono, instala seu amigo confortavelmente e retira-se por alguns instantes para o banheiro com a intenção de mostrar-se a ele sob uma aparência mais agradável. A cena fantasmática prossegue então, inva­ riavelmente, da seguinte maneira. Trancada no banheiro, compraz-se a imaginar, com um j úbilo inexplicável, o que seu amigo pode pensar que está fazendo ali . Ora, muito curiosamente, o desenrolar do fantas­ ma, precisa ela, suspende-se sempre aí, em seu prejuízo apesar dos es­ forços repetidos para assegurar sua continuidade. Ao final dessa evocação fantasmática, intervenho para perguntar­ lhe: "Em que você pensava atrás da porta de seu consultório, na sala de espera?" Minha intervenção suscita imediatamente uma reação per­ feitamente característica do funcionamento histérico: um recalcamen­ to diretamente associado a um deslocamento. Então ela queixa-se de sentir muito calor, tira o saco e descobre antebraços mutilados com tra­ ços cicatriciais alguns dos quais, bem recentes, estão ainda pincelados

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com álcool iodado. Com esses ferimentos a mim mostrados, interrom­ po a sessão. Por mais sucintos que sejam, os poucos materiais revelados no decorrer dessa primeira entrevista, já deixam entrever algumas indica­ ções preciosas face à discriminação para estabelecer entre traços estru­ turais e sintomas. Primeiramente, essa paciente que se apresenta sobre um fundo neurastênico, evidencia um elemento essencial que advém como mar­ ca diagnóstica estrutural em eco a um traço da estrutura histérica. Após me ter imediatamente informado que saíra do hospital, essa mu­ lher nada mais me diz e continua seu discurso com outro assunto. É como se tudo estivesse implicitamente significado nessa informação lacônica, enquanto que nada é aí expressamente designado. Dito de outro modo, dá-me algo a entender do modo de ter eu mesmo que adivinhá-lo e perguntá-lo. Esse tipo de funcionamento intersubjetivo supõe uma estratégia do desejo característica da estrutura histérica: ou seja, desejar alguma coisa da maneira de ter de fazê-lo desejar pe­ lo outro. De um certo modo, seu desejo tende portanto a ser o obje­ to de minha própria demanda. Se o histérico está sempre presente sem a( estar realmente - o que designamos comumente como o falso-semblante dos histéricos é em razão desse traço notável da estrutura histérica que observamos quando o desejo do sujeito está sempre presente mas sob reserva de se fazer representar onde não está, delegando-se através do desejo do outro.

A diferença entre um traço de estrutura e a identidade de um sin­ toma depende da observação de índices semelhantes. Além da plasti­ cidade e da diversidade dos sintomas, o traço de estrutura impõe-se como um elemento estável que anuncia uma estratégia do desejo. Do mesmo modo, podemos salientar esse traço característico da estrutura histérica através do processo de recalcamento/deslocamen­ to tal como se elabora na contextura da cena fantasmática, e tal co­ mo se atualiza após minha intervenção. Se o fantasma não é jamais senão uma mlse-en-scéne do desejo, devemos poder identificar um perfil análogo de estratégia do desejo. O fantasma presente coloca em cena um homem. Todavia essa elaboração imaginária não o convoca de qualquer maneira. Esse ho­ mem surge supostamente sempre de improviso. Vem apenas para mo­ bilizar o desejo dessa mulher de um modo imprevisível. De resto, o desenrolar do fantasma mostra que uma semelhante mobilização do desejo fica suspensa à interrogação: "O que ele espera de mim?" Co­ mo a m lse-en-scéne permanece totalmente particular, expressa assim apenas o modo de eleição da economia do desejo próprio ao sujeito,

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a qual opeJa, ainda af, sobre o aspecto de uma delegação no desejo do outro. E exatamente porque "o outro" do fantasma supostamente deseja alguma coisa em seu lugar, que essa mulher põe-se ela mesma em situação de desejar. A continuação da cena constitui uma resposta significativa a essa mobilização do desejo. Ela se eclipsa no banheiro sob o pretexto de se tornar mais apresentável. Reencontramos aí um estereótipo funda­ mental da histeria: a função da m6scara. Com a máscara, trata-se sem­ pre, para o histérico, de se colocar à distância de si mesmo, portanto de seu desejo, a fim de continuar a nada querer saber dele. O encade­ amento lógico do fantasma desenrola-se: entrincheirada no banheiro, compraz-se em calcular o que o outro imagina que faz lá. Apreende­ mos aqui uma estratégia do desejo idêntica: interrogar o desejo do ou­ tro com o único objetivo de saber onde est6 o seu; seja esse mesmo caso típico de alienação do desejo do sujeito através do desejo do outro. O final abrupto da cena fantasmática conhece igualmente sua ex­ plicação legítima na expressão desse traço de estrutura. O fantasma in­ terrompe-se sempre sobre esse ponto de alienação atualizando assim a suspensão do desejo característica de posição histérica. A essa suspensão correspondem, em compensação, alguns estereó­ tipos sintomáticos cuja expressão privilegiada insinua-se em fórmulas standard como: "Não desejo nada", "Nada me interessa", "Tudo me é indiferente" .... Não se poderia avaliar melhor o hiato que existe en­ tre o traço de estrutura e o sintoma. O sintoma é um produto de elabo­ ração psíquica, um produto de estrutura cuja identidade não oferece nenhuma garantia diagnóstica particular. Pode mesmo aparecer algu­ mas vezes como um índice perturbador na verificação dos traços estruturais. Retornemos à análise dessa entrevista no ponto de minha interven­ ção. Essa intervenção que pontua a evocação da cena fantasmática, contribui para recentralizar a questão do desejo nessa paciente no úni­ co lugar onde se apresenta: nela mesma e não no desejo do outro. Se a situação de espera atrás da porta de meu consultório metafo­ riza manifestamente a estrutura de seu fantasma favorito, minha inter­ venção não teve outro objetivo senão inverter seu modo. Ao contrário da cena fantasmática onde se interroga sobre o desejo do outro, é ago­ ra o outro que lhe pergunta em que ela pensava enquanto esperava. Tal intervenção somente recentraliza o lugar de aparecimento do dese­ jo desarmando pontualmente sua dinâmica histérica porque sobrevém como uma intrusão equivalente à questão: "De onde você deseja?" Não é preciso mais para que a resposta que recebo confirme da me­ lhor maneira essa dinâmica histérica. Primeiramente, o recalcamento: "Está quente aqui", diz ela, tirando seu casaco. Em seguida, o desloca-

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mento sobre o "corpo-sintoma" que revela antebraços machucados e feridos. À minha intervenção metafórica: "De onde você deseja", essa paciente só pode responder em uma lógica neurótica cega, dando­ m e a ver alguma coisa de seu corpo, exibido como o fragmento sinto­ ma onde seu desejo está efetivamente cativo . Deseja em seu corpo ao nível dos antebraços mutilados que me mostra, confirmando esta via de assunção favorita do desejo histérico que elege uma parte do corpo sofredor. Em compensação, para remeter a questão do desejo lá onde ele está e não lá onde se aliena, renuncio a ver e convido-a a se recobrir encerrando a entrevista.

Segunda entrevista A entrevista seguinte começa de um modo insólito: "Não vou apertar sua mão, estou em tratamento e não gostaria de contaminá-lo!" Além dessa cautela poder ser entendida como uma denegação radical, seu i nteresse essencial visa sobretudo o encetamento de uma estratégia de intriga própria a metaforizar, mais uma vez, a atualiza­ ção do corpo-sintoma. Enquanto minha atenção pode se encontrar mobilizada ao nível de um fragmento do corpo privilegiado (a mão), é precisamente em um outro lugar do corpo, totalmente diferente, que o véu é, de certa maneira, levantado. Por meio de uma roupa bem curta conj ugada a um jogo de pernas, essa mulher mostra-me, ao sentar-se, a parte supe­ rior de suas pernas que apresenta traços cicatriciais de m utilação idên­ ticos àqueles de seus antebraços - antebraços nesse dia completamen­ te cobertos. Essa cena reitera a expressão do mesmo traço de estrutura ante­ riormente verificado: despertar a atenção do outro para pô-lo na situa­ ção de desejar perguntar-lhe o que ela mesma deseja fazer-lhe saber. I ntervenho, então, mais uma vez, de um modo totalmente diferen­ te, perguntando-lhe se conhece a seguinte história judia: "Dois j udeus encontram-se em um trem, numa estação da G alícia. "Onde vais?", diz um . "À Cracóvia", diz o outro. "Que mentiroso tu és!", exclama então o outro, "Dizes que vais à Cra-

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cóvia para que eu acredite que vais a Lemberg, mas sei muito bem que vais mesmo é à Cracóvia. Então, por que mentir?" (2) A intervenção inesperada dessa narrativa na entrevista produz uma reação perfeitamente característica. Imediatamente, a jovem mu­ lher interrompe a exibição de suas pernas, que pretendia inocente, e associa em seguida sobre um fragmento de discurso durante o qual ve­ rifico que, em presença de um outro, ela experimenta freqüentemente o sentimento de ser banal, insípida e de não ter j amais algo de interes­ sante a dizer. Esse improviso dá-me ocasião de observar-lhe que é exa­ tamente essa a razão que a leva fazer seu corpo falar por ela. Obtenho assim uma narrativa substancial sobre esse corpo mutila­ do, muito além do que me mostrara. Fico sabendo que além dos bra­ ços e das pernas, o ventre e o seio são obj etos de mutilações idênticas. Sou igualmente informado sobre sua estada no hospital onde acaba de ser tratada de uma infecção generalizada consecutiva a suas automu­ tilações repetidas. É, aliás, a sexta hospitalização do gênero. Com efei­ to, desde a idade de dezessete anos, não deixou de se mutilar sem com­ preender as razões desse impulso mórbido que surge sempre de um modo irreprimível e segundo uma cena estereotipada . O sintoma de automutilação surgiu inauguralmente após um inci­ dente que permaneceu perfeitamente incompreensível e sem nenhum elo lógico perceptível com ele. Quando tinha dezessete anos e assistia a uma aula, na escola, sentiu-se bruscamente muito angustiada. I nca­ paz de dizer uma palavra, não pôde impedir-se de urinar e desfaleceu imediatamente após. O mal-estar durou alguns minutos e tudo voltou, parece, ao normal. Voltando para casa, algumas horas mais tarde, pre­ cipitou-se para o banheiro e, após se ter desnudado completamente, cortou o seio direito com uma lâmina de barbear. Totalmente fora de si, não sentiu nenhuma dor. Em compensação, quando o sangue come­ çou a correr, experimentou uma sensação de bem-estar inabitual que se prolongou até o final dessa mini-hemorragia. Totalmente esgotada, tomou um banho e deitou-se em seguida para dormir durante longas horas. Desde então, o sintoma repete-se segundo um cenário sempre idên­ tico, alguns dias várias vezes, mas em pontos diferentes do corpo. Além das hospitalizações em conseqüência das síndromes infeccio­ sas graves, essa paciente salienta-me igualmente algumas estadas em 2 - S. Freud, "Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten" (1905) G. W., VII, 31/125. S.E., VIII, Trad. M. Bonaparte/M. Nathan, Le mot d'esprit et ses rapports avec /'inconscient, Paria, Gallimard, 1 930, pp. 188-189.

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"casa de repouso". Confiar-me-á, mais tarde, que as "casas de repou­ so" eram, na verdade, clínicas psiquiátricas onde estivera hospitaliza­ da diversas vezes com um diagnóstico de esquizofrenia. Se duas entrevistas foram necessárias para que esse sintoma se encarnasse em uma história, articulando seu surgimento e sua repeti­ ção, será preciso mais de um ano de tratamento para que ele caduque, liberando assim sua significação sobredeterminada por uma surpreen­ dente dinâmica histérica. Alguns meses mais bastarão para elucidar a "escolha" de sua organização privilegiada sobre o modo de automu­ tilação.

2 - RELATO DA CURA A evocação do minucioso trabalho analítico efetuado por essa paciente durante seu tratamento não apresentaria muito interesse, se não estivesse destinada a evidenciar a sinergia dos processos que in­ tervieram eletivamente na construção do sintoma, de um modo surpre­ endente. Ora, é precisamente esta dinâmica intrapsíquica - fosse ela simplesmente restituída em um relato - que permite ilustrar da me­ lhor maneira, no presente caso, a disparidade entre a consistência do sintoma e a prevalência dos traços estruturais. Essa ilustração é tanto mais exemplar porque não é, aliás, tão freqüente observar nos tratamentos como o paciente consegue com tanta nitidez e rigor, res­ gatar todos os lineamentos anamnésicos que presidiram efetivamente a elaboração de seu sintoma. No contexto dessa ilustração clínica, relatarei evidentemente ape­ nas os materiais que se revelaram, só depois, a posteriori, decisivos no processo de elaboração do sintoma de automutilação. Esses dife­ rentes materiais são ou construções fantasmáticas, ou recordações, algumas das quais, recalcadas, reapareceram na dinâmica do tratamento. O primeiro desses elementos decisivos é uma lembrança comple­ tamente esquecida que voltou rapidamente, desde o início do trata­ mento. Trata-se de uma cena bem insólita da qual essa mulher foi es­ pectadora acidentalmente quando tinha cerca de quinze anos. A cena passa-se por ocasião de um estágio de esqui que fazia com adolescentes de sua idade. Uma noite, sai de seu quarto e vai até a recepção do hotel para telefonar. Não há ninguém lá mas, em contra­ partida, surpreende risos e gritos que escapam da copa. Não pode deixar de olhar pelo buraco da fechadura e torna-se assim testemu­ nha de um jogo singular organizado entre uma monitora e vários mo-

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nitores de esqui . A monitora, de macacão de esqui, tem os olhos venda­ dos. Cada um por sua vez, os monitores rodeiam-na e jogam creme chantilly em seu corpo com uma bomba que passam de mão em mão; receosa de ser surpreendida em uma observação indiscreta, volta rapi­ damente para o quarto. Curiosamente, a jovem adolescente reterá dessa cena apenas um único detalhe perturbador: o macacão vermelho da monitora, bem j us­ to, onde escorre o creme chantilly. Ao menos aparentemente, a conota­ ção eminentemente sexual do jogo escapa-lhe por inteiro. Reencontramos aqui um dos traços característicos da estrutura h is­ térica j á assinalado: o processo conj unto de recalcamento e de desloca­ mento. Manifestamente onde essa jovem adolescente é mobilizada pe­ la metáfora sexual do jogo, ela recalca de saída a conotação sexual em benefício de uma fixação sobre um traço que se revelará mais tar­ de como um traço identificatório. Não se pode encontrar melhor exem­ plo do processo identificatório descrito por Freud sob o termo identifi­ cação a um traço unário(3 ), ou identificação ao traço unário, para reto­ mar a denominação de Lacan. Mencionemos que essa identificação ao traço unário é um processo identificatório privilegiado na histeria. A volta dessa lembrança no tratamento vai precipitar a associação de várias outras evocações determinantes em relação a esse estágio da esqui. Três acontecimentos aparentemente "inocentes" e sem elos lógicos entre si reaparecerão assim. De um lado, lembra-se do prazer inabitual que sentiu, durante es­ sa estadia, em tomar inúmeras duchas durante as quais deixava a água correr lentamente sobre seu corpo. Por outro, rememora a inexplicável simpatia que sentiu por essa monitora durante todo o tempo de seu estágio de esqui . É claro que se trata aqui de um fenômeno identificatório inconsciente que se mani­ festa como um traço estrutural notório. A evocação da terceira lembrança que surgirá mais tarde, distin­ gue-se das duas anteriores por sua conotação diretamente sexual. Uma manhã, ao despertar, surpreende a estagiária com quem divide o quar­ to acariciando os seios diante de um espelho com um prazer manifes­ to. Um pouco surpresa pela audácia de sua companheira, finge dormir esperando que ela pare. Será necessário o espaço do tratamento e a dinâmica da transfe­ rência para que esses diversos elementos, esquecidos como aconteci3 - S. Freud, Massenpsychologie und lch-Analyse (1921). G. W., Xlll, 13/61. S.E. , XVIII, 65/143. Trad. Jankelevitch/Hesnard: "Psychologie des foules et analyse du moi", in Essa is de Psychanalyse, cf. cap. "identification", Paris, Payot, 1970, pp. 85/175.

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mentos sem importância, reencontrem o exato papel que lhes cabe em sua participação ativa no processo sintomático. Posteriormente, uma outra lembrança reaparecerá durante uma sessão. A cena acontece em sua casa, uma noite. Enquanto assiste a um programa na televisão, é tomada por um acesso de riso de tal mo­ do irreprimível, que se lembra com clareza de não ter podido domi­ nar uma emissão de urina. Muito singularmente, será somente algu­ mas sessões mais tarde que poderá dar um conteúdo a essa evocação rememorando a seqüência da televisão. Tratava-se de um prestigita­ dor que imitava o ritual eucarístico da missa . O "cômico" derramava um frasco de vinho em um cálice, engolia-o, fingia sufocar e, em uma eructação espetacular, tirava um termômetro da boca. A restituição de uma outra lembrança importante efetuar-se-á alguns meses depois, entre duas sessões. Tinha em torno de dezesseis anos. Enquanto punha roupa de banho no vestiário da piscina, lem­ brou-se de ter ouvido a voz de um homem que a interpelava através da porta, nestes termos : "Se você quer fazer amor, venha à portaria!" Abrindo a porta alguns segundos depois, não viu ninguém. A situação era de tal forma surpreendente que supôs, por um instante, ter aluci­ nado essa voz. Um pouco mais tarde, ao sair da piscina, sentiu-se muito tranqüilizada ao constatar que uma mulher loira ocupava a por­ taria. Em seguida, por diversas vezes durante suas idas à piscina, ima­ ginou a mesma cena. Mas o j úbito complacente que abrigava nesse fantasma terminava sempre por um pouco de decepção na medida em que sua realização não acontecia. Após um ano de tratamento, mais ou menos, a evocação de uma nova lembrança vai orientar o trabalho analítico de uma maneira de­ cisiva . Tudo se passou como se a série de acontecimentos com os quais se relacionava, parecesse ter cristalizado, em uma lógica signifi­ cante inconsciente, o conj unto dos materiais já sobredeterminados das lembranças anteriores. Essa lembrança remetida a uma cena da qual fora protagonista algum tempo antes do surgimento do sistoma de automutilação. Sem tê-lo propriamente esquecido, a lembrança q ue tinha dele era de um acontecimento reconstruído. Foi preciso várias sessões para que con­ seguisse reformulá-lo com uma certa exatidão. Em um primeiro momento, evocou o acontecimento da seguinte maneira: a cena passa-se na casa de uma de suas amigas, de cerca de vinte anos, por ocasião de uma festa. D urante a noite, após ter dançado, vai ao banheiro para retocar a maquiagem e o penteado. A porta está fechada, mas pressente uma atmosfera de disputa na pe­ ça fechada onde um homem e uma mulher parecem discutir acalorada­ mente. Ela acredita, porém, identificar a voz de sua amiga. Pega de

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surpresa por esse acontecimento inesperado, fica confusa, sem ouvir nada e pregada no chão, tomada de espasmos abdominais . Ao final de alguns segundos, passado o mal-estar, pôde se afastar. Em um segundo momento, a evocação dessa lembrança enrique­ ce-se com alguns detalhes extras. Não somente a mulher que ela ouvi­ ra, devia agora chorar ou gemer, mas também o homem que a acompa­ nhava intimava-a vivamente para que se calasse: Não tão forte ou não tão forte assim . Tais são as palavras surpreendidas que parecem ter suscitado seu mal-estar e seus espasmos abdominais. Mas tanto pôde pensar fugidiamente que esse casal fazia amor, quanto convenceu-se imediatamente que se tratava apenas de uma disputa. Quanto aos es­ pasmos abdominais, entendeu, só depois, que tivera provavelmente ali seu primeiro orgasmo do qual parece que não tinha, na época, nenhu­ ma experiência. Esse momento do tratamento foi decisivo. Minuciosas investiga­ ções associativas puderam evidenciar como alguns significantes tinham sido seletivamente trabalhados pelo inconsciente em uma combinatória de substituições metafóricas e metonímicas sucessivas, induzindo a cris­ talização patológica do sintoma de automutilação. No exemplo presente, uma tal atividade obscura do inconsciente ilustra da melhor maneira, como iremos ver, a diferença entre um tra­ ço de estrutura e um sintoma. Se o sintoma, em seu "estar-aí" é, por natureza, puramente contin­ gente, há sempre uma certa necessidade na elaboração inconsciente que trabalha em sua produção. Dizer que a natureza do sintoma é rela­ tivamente cega, é reconhecer que não existe necessidade lógica entre sua identidade e a expressão do desejo que aí se encontra alienada. Em compensação, as estratégias utilizadas pelo sujeito, sem saber, na construção sintomática, não são jamais estratégias cegas. Essas estraté­ gias obedecem a uma estrutura. Mais precisamente os traços da estrutu­ ra podem ser identificados a partir desse trabalho estratégico . Sabemos que o sintoma é antes de tudo uma forma de realização de desejo. Como a especificidade da estrutura utiliza então alguns ma­ teriais significantes, para servir uma realização de desejo inconsciente? Nesse caso clínico, a realização do desejo induzira duas formações do inconsciente notáveis: um fantasma obsessivo, um sintoma de a uto­ mutilação. Além dessas formações do inconsciente, é possível cir.c unscrever, a partir do material significante, os diversos traços de estrutura que pre­ sidiram a mobilização de certas estratégias características desse caso de histeria.

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Os dois primeiros materiais significantes que parecem ter intervin­ do seletivamente na construção do sintoma são os seguintes: de um lado, o macacão de esqu i vermelho e m u ito justo; de outro, o creme chantilly lançado por homens sobre o corpo de uma mulher. A cena onde esses dois elementos aparecem foi imediatamente vivida como uma metáfora de prazer sexual. Por esta razão, foi em seguida recalca­ da em s ua conotação sexual. Subsistirá, no máximo, o caráter lúdico e incongruente do acontecimento: homens divertindo-se ao brincar com uma m ulher de macacão de esqui em uma cozinha. Nesse processo, identificamos uma característica de funcionamen­ to da estrutura histérica: a neutralização do afeto sexual sobre o mo­ do do recalcamento e do deslocamento. A maior parte do tempo, é em proveito do irrisório que se efetua esse deslocamento. Por outro lado, encontramos em execução um outro componente da problemáti­ ca histérica: o processo de inversão dos afetos sexuais. Tanto o sujei­ to histérico tende a reduzir ao desdém a inscrição de uma situação a utenticamente sexual, como pode furiosamente erotizar uma situação que não é de início sexual. Essa alternativa, quase inevitável na econo­ mia dessa estrutura, explica-se antes de tudo pelo modo de inscrição específica do histérico em relação à função fálica. Em conseqüência, podemos determinar nesse processo, além de todo sintoma, a identifi­ cação notável de um traço estrutural. Aqui , o acontecimento da cozi­ nha é radicalmente deserotizado, mas a carga do afeto erótico nem por isso deixa de subsistir inconscientemente ligada a certos elemen­ tos significantes. O macacão de esqui bem j usto constitui-se assim co­ mo o significante da revelação do corpo nu encenado diante dos ho­ mens e oferecido ao suporte metafórico do esperma, significado pelo creme chantilly. A cena i nscreve-se em sua conotação sexual inconsciente em tor­ no desses significantes. Como tal, poderá continuar a mobilizar a ex­ citação sexual recalcada do suj eito. Não é p ortanto muito surpreendente, a seguir, constatar que o suj eito surpreende-se gozando um prazer até o momento desconheci­ do. Ela deixa a água correr lentamente sobre seu corpo durante as duchas . Reencontramos, aqui, o segundo aspecto do traço histérico anteriormente evocado: o processo de deslocamento. Contudo, esse deslocamento merece ser precisado, a fim de ser apreendido seu com­ ponente tipicamente histérico. Por i ntermédio desse deslocamento, é a partir de agora o sujei­ to que goza em fazer escorrer alguma coisa sobre seu corpo nu. Isto supõe a operacionalização de uma identificação inconsciente - aqui, identificação i nconsciente com a monitora q ue parecia, ela própria, sentir grande prazer em sua brincadeira com os homens. No caso em

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questão, o deslocamento é veiculado por um traço identificatório sobre o fundo de uma identificação ao traço unório. Por esta razão, e por es­ ta razão somente, o recalcamento/deslocamento revela incontestavel­ mente um traço da estrutura. Em outras estruturas, o mecanismo de re­ calcamento/deslocamento não é necessariamente dialetizado por um processo identificatório. Conseqüentemente, a monitora torna-se-lhe presentemente simpática sem que possa explicá-lo: a monitora é incons­ cientemente ela que goza sexualmente. Neste nível, já apreendemos como certos significantes seleciona­ dos associam-se entre si e constituem uma cadeia que inaugura, sem o conhecimento do sujeito, uma significação original. A associação do "macacão/corpo nu" e do "creme chantilly/esperma" contribui para transformar o derramamento sobre o corpo em um produto de conden­ sação significante do coito com um homem . O significante "banheiro/toalete" vai igualmente intervir de uma maneira preponderante nessa associação significante. Torna-se o signi­ ficante do lugar onde essa mulher pode a partir de agora gozar metafo­ ricamente com um homem tomando duchas. Em uma das outras cenas anteriormente evocadas, podemos pros­ seguir do mesmo modo a determinação dos significantes . Quando sur­ preende sua colega de quarto acariciando os seios, uma nova inscrição inconsciente constitui-se. A partir do momento em que uma mulher go­ za sozinha supondo a outra adormecida, o significante selo vem emba­ ter a cadeia dos significantes anteriores. O seio inscreve-se não apenas como significante de um gozo possível, mas também de um gozo que uma mulher pode se conceder sem um homem. Por outro lado, ele se associa igualmente à conotação particular desse gozo que consiste em gozar sem ser vista. Pode-se então supor, a partir desse acontecimen­ to, que se operou uma seleção significante para vir inscrever o limite da intimidade do gozo . O sono intervém aqui como um anteparo que dissimula o prazer de uma em relação a outra. Retroativamente, esse significante antepa­ ro* pode então repercutir com o conteúdo das cenas anteriores. Encon­ tramo-lo presente tanto com a porta atrás da qual a monitora goza em companhia dos homens, quanto com a porta do banheiro atrás da qual ela própria se abriga para procurar atingir metaforicamente o mes­ mo objetivo. Na cena seguinte - a seqüência da televisão - vários outros signi­ ficantes vêm ainda associar-se inconscientemente de um modo determi­ nante. A seqüência da televisão desdobra-se em três momentos: l) o • Signifiant écran, tem o mesmo sentido tradutivo que souvenir-écian, recordação en­ cobridora, um conceito fundamental em Freud.

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vinho da m issa é bebido; 2) o prestigitador sufoca-se; 3 ) ele vomita um termômetro. Nessa encenação de comiquetroupier** , é primeira­ mente o s ignificante "vermelho" (a cor do vinho da missa, tinto) que é selecionado. A este associa-se por condensação o significante do pê­ n is em ereção metaforizado pelo termômetro que surge da boca. A constituição da cadeia dos significantes inconscientes comple­ ta-se então da seguinte maneira: se o significante da ereção é desde já associado ao significante "vermelho", faz metonimicamente eco ao significante do corpo da mulher que goza de macacão vermelho. Gozar com um homem torna-se então inconscientemente metaforiza­ do pelo significante "vermelho" que se associa, por sua vez, ao derra­ mamento sobre o corpo. Quanto ao acesso de riso irreprimível, é a matéria significante do desejo e da chegada do orgasmo que encontra seu auge nesta outra metáfora significante da micção incontrolada. Mais uma vez, identificamos nesse mecanismo o exercício do recalca­ mento/deslocamento já encontrado. A cena da piscina é também ocasião de um certo número de con­ densações significantes inconscientes da mesma ordem . O aconteci­ mento desenrola-se em um vestiório, isto é, em um local fechado on­ de ela se encontra ao abrigo do homem que lhe propõe gozar. O sig­ n ificante anteparo é novamente mobilizado em torno do prazer se­ xual, exceto que é a partir de agora explicitamente ligado ao de fazer amor com um homem. Esses três significantes serão eletivamente asso­ ciados entre si pelo afeto que pontua o fim da cena. Por que essa pa­ ciente sente-se tão tranqüila por ver uma m ulher na portaria, ao sair da piscina? Ela encontra motivos para se tranqüilizar porque, duran­ te um instante, identificou-se inconscientemente com a mulher da por­ taria, loira como ela. Neste sentido, tudo se passa então como se ela j á estivesse onde o homem convidara-a para fazer amor. Identificamos, novamente, este processo de identificação ao tra­ ço unório - aqui a cor dos cabelos - que apóia uma metaforização sexual inconsciente. Examinemos agora a última lembrança que parece ter dirigido o conj unto dos significantes inconscientes para a precipitação do siste­ ma. Nesta seqüência - a cena de amor de sua amiga no banheiro o significante não tão forte ou não tão forte assim catalisou o mate­ rial significante em uma metaforização última do ato sexual com um homem . Um outro elemento igualmente interveio de modo determi­ nante. Enquanto permanecia testemunha auditiva de algo que não via, essa situação deixara-á sem ouvir nada. Esse "sem ouvir nada" apare"'* Gênero cômico grosseiro. (N. da T.)

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cerá depois, como o testemunho de sua identificação triconsciente com a outra mulher que supostamente goza. Totalmente identificada com sua amiga nesse momento, deseja não poder ser ouvida do exterior em situação semelhante. Sob a influência desse significante anteparo efetua-se assim um deslocamento entre os dois termos de uma oscila­ ção significante: o "sem ouvir nada" transforma-se em seu contrário, em "sem ser ouvida", o qual faz eco metonimicamente ao "sem ser vista" das seqüências anteriores. No decorrer dessa cena, outras séries significantes são igualmente convocadas por identidade ou proximida­ de metonímica. Além do significante banheiro/toalete, encontramos tam­ bém a referência significante à voz de um homem atrás de uma porta. De resto, é porque esse significante já estava inconscientemente asso­ ciado ao ato sexual que o primeiro pensamento que lhe ocorre - por mais fugidio que seja - é exatamente este, mesmo ao preço de recu­ sá-lo em um segundo momento, em proveito de um fantasma de disputa. Um índice marcante deve ser também salientado no desenrolar dessa cena: pela primeira vez surge o significante da dor e do sofrimen­ to. A seleção de um tal significante revelar-se-á essencial na estrutura­ ção do sintoma. O ato sexual com um homem, por mais que seja recal­ cado, não deixa de ser associado ao contexto de uma situação fantas­ mática não somente violenta, mas também dolorosa. O final dessa se­ qüência testemunha, incontestavelmente, essa associação inconscien­ te entre o prazer sexual e o sofrimento físico. De fato, seu primeiro or­ gasmo não encontrará outra identidade aceitável a seus olhos senão através da metáfora dos espasmos abdominais inscritos sobre o fundo de uma dor no corpo. Assim isola-se progressivamente uma comunidade de significantes que convocam, eles próprios, pelo jogo das ligações metafóricas e/ou metonímicas, a seleção de outros significantes. Todavia, se essa cadeia constitui-se de uma pluralidade de significantes heterogêneos, em com­ pensação, sua combinação recíproca efetua-se sempre de acordo com processos homogêneos. Por esta razão, esses processos podem ser de­ terminados como traços marcantes da estrutura histórica. Por mais que seja incoerente, essa cadeia do significantes recalca­ dos não deixa de metaforizar uma realização de desejo. Ainda é preciso que esses elementos significantes recalcados so­ fram um último remanejamento para irromper na consciência do sujei­ to de tal maneira que a realização de desejo aí se exponha sob um perfil totalmente irreconhecível. Em outras palavras, essa organização significante deve poder se travestir em uma forma de expressão sintéti­ ca que será, no presente caso, uma formação do inconsciente cristaliza­ da na estruturação de um sintoma de automutilação.

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Para chegar a isto, o material inconsciente vai sofrer uma últi­ ma elaboração por i ntermédio de um acontecimento determinante. Esse acontecimento intervém um pouco com o um catalisador favore­ cendo a reação química de vários corpos presentes, mas sem nada acrescentar, propriamente falando, à composição do novo corpo quí­ mico proveniente da reação. Neste caso, a composição do novo cor­ po quím ico é o surgimento do sintoma. Q uanto ao catalisador, é o acontecimento seguinte. Foi preciso um certo tempo para que essa mulher conseguisse re­ memorar este episódio escolar com o qual caducará definitivamente seu s i ntoma. Por ocasião de uma aula de física-química, um professor comenta o d esenrolar de uma experiência q ue efetua diante de seus alunos. Ela se lembra de um tubo de ensaio cheio de um líquido de cor vermelha que o experimentador derrama com precaução em um cristalizador onde ferve um precipitado . Ainda que o desenrolar da experiência sej a pontuado de comentários técnicos apropriados, o pro­ fessor compraz-se em dizer, por diversas vezes com um sadismo mani­ festo, que derramando o líquido de uma maneira forte demais, tudo pode explodir. Essa experiência foi vivida pela paciente como uma verdadeira metáfora sexual que reativou todos os significantes sexuais anteriores recalcados. Trata-se exatamente, com efeito, de um autêntico ato se­ xual i nconsciente sustentado do início ao fim por uma pontuação sig­ nificante característica: o vermelho do líquido do tubo de ensaio; o próprio tubo de ensaio que metaforiza o pênis em ereção; o recipien­ te fantasmado inconscientemente como o aparelho genital feminino; a ebulição do líquido do que simboliza a ch egada do orgasmo; enfim o significante forte demais associado a tudo pode explodir que reite­ ra a explosão dos espasmos abdominais orgásticos. O embate progressivo de todos esses significantes manifesta-se por um aumento insidioso da angústia à m edida que a experiência desenrola-se, tal a metáfora do a umento do prazer. Enfim o significan­ te forte demais provoca a micção involuntária, isto é, o orgasmo in­ consciente, a:gós o desfalecimento que lhe s ucede. Resta um último elemento enigmático a precisar para que se ex­ plique, finalmente, a cristalização do sintoma, isto é, o elemento cata­ lisador que faz advir a metáfora inconsciente de um ato sexual, sobre o modo consciente da automutilação. Trata-se de um elemento signifi­ cante que vai ordenar a cadeia de todos os outros na via desta violên­ cia narcísica do corpo. A descoberta desse último elemento exigirá um trabalho extra de i nvestigação, para que o desejo, cativo na mutilação, faça advir sua significação que exorcizará o sintoma. O elemento em questão foi

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escolhido entre os objetos que figuravam sobre a mesa dos trabalhos práticos onde se realizava a experiência. Perto do recipiente, um esto­ jo de dissecção estava aberto. Entre outros instrumentos, nele alinha­ vam-se um bisturi e uma lâmina. Essa ocorrência evidencia ainda, de uma maneira marcante, o efei­ to de recalcamento e de deslocamento metonímico dos significantes próprios à estrutura histérica. Enquanto essa mulher está em plena ce­ na de amor inconsciente, um último significante herda o afeto erótico recalcado que se desloca sobre um instrumento de incisão. O amor e o prazer sexual que o acompanham, tornar-se-ão a partir de agora inci­ sivos no pleno sentido do termo, visto que esse significante terá polari­ zado a organização de todos os outros sob o aspecto sintomático do protocolo de mutilação. Desde então, basta que um elemento dessa combinatória significante inconsciente seja bruscamente associado a um significante da realidade para que o ritual do sintoma se desencadeie. A primeira ocorrência do sintoma manifestou-se pela mutilação de um seio. Estando o seio inscrito como um dos significantes do pra­ zer sexual, sua incisão com a lâmina de barbear metaforiza a atualiza­ ção do coito. O sangue que corre e jorra sobre o corpo traduz, por sua vez, a ressonância erótica associada ao macacão vermelho da monito­ ra. O ritual da mutilação é, por outro lado, sempre precedido de um desnudamento completo que não deixa de evocar os significantes fixa­ dos nas cenas da ducha e da piscina. As seqüências de mutilações que se desenrolam sempre em toaletes ou banheiros, restituem a permanên­ cia eletiva desse significante presente em várias das lembranças evoca­ das. O isolamento nesses lugares lembra igualmente a inscrição do sig­ nificante anteparo que separa o gozo do corpo do olhar ou da presen­ ça do outro. Um último detalhe do protocolo sintomático carrega diretamente o traço dos últimos significantes constitutivos da cadeia inconsciente. O sintoma apenas cessa após a coagulação completa do sangue, na medida em que o declínio do orgasmo induz sempre a esta irreprimível vontade de dormir que ela sente depois de cada uma das sessões de mutilação. Trata-se aí de uma reencenação homogênea {no sentido do sintoma) do significante do desfalecimento associado à micção invo­ luntária e incontrolada. Não é surpreendente encontrar uma série significante da mesma ordem no fantasma obsessivo evocado durante a primeira entrevista. O homem que surge de improviso para visitá-la, constitui uma figura genérica do homem da piscina que a interpela inopinadamente atrás da porta do vestiário. Assim como ela não viu esse homem na realida­ de, o homem do fantasma é anônimo, já que não pode jamais descre-

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vê-lo. A retirada para o banheiro é, afinal, a restituição de um signifi­ cante comum a a lgumas das cenas evocadas. Um outro detalhe i mpor­ tante do fantasma chama igualmente à lembrança a cena de amor de s ua amiga em um banheiro onde se encontrava precisamente pa­ ra se pentear e remaquiar. Sob alguns aspectos, o cenário do fantas­ ma expressa uma intenção análoga: tornar-se apresentável para seu visitante imprevisto. Por outro lado, em seu devaneio, identificamos uma série significante inconsciente encenando, sob uma forma inverti­ da, algumas situações em que ela mesma se encontrou. "O que faz o homem atrás da porta do banheiro com sua amiga? Amor? Trata-se de uma disputa?" Essa interrogação encontra seu correspondente, es­ pecular, no fantasma, quando se pergunta o que seu visitante, atrás da porta, i magina que ela própria está fazendo ali. Enfim, esse fantas­ ma ratifica o caráter sempre potencialmente dissimulado do gozo ao abrigo do olhar ou da presença do outro, em conformidade com as cenas que reaparecem na análise. Sobre a base deste documento clínico, podemos concluir que um diagnóstico não se apóia nunca, sem algum perigo, sobre a úni­ ca ocorrência de identificação de um sintoma. Esse exemplo, por frag­ mentário que seja, permite contudo determinar a diferença radical que existe entre o sintoma e os traços estruturais. Um sintoma é sempre o produto de uma elaboração psíquica so­ bredeterminada, como Freud inauguralmente desvendou desde seus Estudos sobre a h isteria. A sobredeterminação das formações do in­ consciente permanece, por s ua vez, relacionada ao exercício do pro­ cesso primário. Essa ilustração clínica mostra a que ponto os mecanis­ mos de con densação metafórica e de deslocamento metonímico(4) dos signifi cantes são ativos na estruturação do sintoma. Neste sentido, o sintoma, enquanto tal, não é jamais senão uma metáfora, isto é, uma substituição sign ificante(5) , já que sua sobrede­ terminação deve-se essencialmente ao fato de que seu substrato signi­ ficante manifesto substituiu-se ao significante latente do desej o que se encontra a í cativo. Nestas condições, a natureza do sintoma reveste um valor signifi­ cativo tão a leatório quanto i mprevisível. Se o sintoma estrutura-se por estratificações significantes sucessivas, nessa estratificação a sele­ ção dos significantes não obedece a nenhum princípio de escolha estável. 4 - A explicação teórica dessas no ções é desenvolvida em minha obra: Introduction à la /ectura do Lacan, tomo 1, Paris, Denoel, 1985.

5 - lbid.

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Em outras palavras, os ingredientes significantes constitutivos do sinto­ ma permanecem diretamente tributários das fantasias do inconsciente que operam sua seleção sob a ação conj unta dos processos metafóri­ cos e metonímicos. Em contrapartida, em relação à indeterminação relativa da esco­ lha dos significantes constitutivos das formações do inconsciente, exis­ te uma determ inação incontornável. Trata-se de uma determi nação na administração do material significante, a qual se efetua, mais freqüente­ mente, sem o sujeito sabê-lo. Essa administração característica da eco­ nomia e do perfil da estrutura é específica de um certo modo da gestão do desejo. E então sempre na determinação dessa administração que é preciso se ater na perspectiva de uma avaliação diagnóstica. Somen­ te ela põe em jogo traços específicos e estáveis. O problema do diagnóstico levanta portanto indiretamente a ques­ tão da constância dos traços estruturais. Ora, se essa constância existe, somente pode deixar supor por seu turno uma certa estabilidade na or­ ganização da estrutura psíquica.

4 A noção de estrutura em psicopatologia

A noção d e estrutura, tal como intervém no campo psicanalítico, e mais geralmente no campo psicopatológico, ultrapassa em muito o registro das considerações semiológicas e nosográficas. A uti lização abusiva do termo "estrutura" no universo das espe­ culações contemporâneas, não mais permite, por vezes, circunscrever o rigor e os limites de seu campo de aplicação. Formalmente, nada é melhor definido do que uma estrutura. Epistemologicamente, uma es­ trutura é, antes de tudo, um modelo abstrato, no caso: a) um conjun­ to de elementos; b) /eis de composição internas aplicadas a esses ele­ mentos . Essa formulação não é talvez m uito explícita em si . Oferece ao menos a vantagem de definir, ao nível mais geral, todas as catego­ rias de estruturas, as quais distinguem-se então umas das outras segun­ do a diferença recaia sobre a natureza dos elementos ou sobre a esco­ lha das leis que lhes são aplicadas. A aplicação da estrutura a um campo de pesquisa apresenta um i nteresse essencialmente heurístico . Trata-se de um instrumento opera­ tório estrategicamente favorável à descoberta, já que faz advir certas relações aparentemente dissimuladas entre os elementos de um domí­ nio dado. O modelo estrutural somente obtém, com efeito, sua fecun­ didade além de um certo modo de relação com os objetos; principal­ mente, além do registro de abordagem habitual das descrições, das diferenciações e das classificações dos objetos e de suas propriedades específicas. Se o caráter operatório do modelo estrutural supõe sem50

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pre que esses tipos de abordagens tenham sido elaborados, impõe, o mais das vezes, qu� sejam colocados entre parênteses, até mesmo que se renuncie a eles. E somente nesta condição que uma concepção estru­ tural pode fazer advir essas relações dissimuladas entre os objetos ou entre seus elementos. Sob reserva de que existe uma certa coerência ao nível dos objetos considerados - ou porque dependem de uma mes­ ma designação, ou porque pertencem a um mesmo reagrupamento tais relações podem surgir. São então de início investidas de um estatu­ to de leis que evidenciam propriedades até então despercebidas. Corre­ lativamente, essas propriedades específicas determinam , por sua vez, uma estrutura particular ao conj unto dos objetos ou dos elementos aos quais essas leis se aplicam. Examinemos o caráter heurístico da concepção estrutural sobre um exemplo tão clássico quanto exemplar: a generalização arquitetôni­ ca do campo geométrico. A geometria euclidiana que comporta, como toda estrutura, ele­ mentos e leis que governam o uso recíproco desses elementos entre si no interior do sistema . O conj unto dos elementos é evidentemente, aqui , o conj unto dos objetos geométricos e/ementares: o ponto, a reta, o plano. Quanto às leis, são de dois tipos: por um lado, os axiomas, is­ to é, propriedades gerais aceitas como verdadeiras sem poderem ser demonstradas (na apresentação euclidiana, esses axiomas eram desig­ nados como "postulados" ou "princípios"); por outro, leis de composi­ ções internas (leis associativas, distributivas, etc . ) . Toda a geometria euclidiana pode desenvolver-se assim como esses objetos elementares e algumas leis. Na geometria euclidiana, o 5? Postulado (chamado "Postulado das Paralelas") sempre foi considerado como um princípio problemáti­ co porque não possuía a evidência direta e simples dos outros- postula: dos, de modo que se assemelhava mais a um "teorema" do que a uma suposição liminar. Da Antigüidade ao século XIX, os matemáticos não descansaram em procurar eliminá-lo mostrando que podia ser deduzi­ do sobre a base de procedimentos demonstrativos. Sem retomar a exposição dessa longa história especulativa, rete­ nhamos o nome de algumas celebridade matemáticas que se dedicaram a essas tentativas de demonstração: Proclo e Ptolomeu no período ime­ diatamente após Euclides; John Wallis no século XVII I ; Lambert, Le­ gendre e Gauss no século XIX. Mas os três nomes decisivos a reter são os dois matemáticos que vão respectivamente trazer uma solução origi­ nal a esse problema em um período contemporâneo: Lobatchewsky em 1826; Bolyai: em 183 1 ; Riemann em 1854. Esses três matemáticos retomam a hipótese da demonstração de Saccheri. O princípio dessa hipótese era muito j udicioso e podemos

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apenas lamentar que Saccheri se tenha perdido em alguns erros de raciocínio. O princípio dessa demonstração é o seguinte. Consiste em tentar estabelecer a verdade do "5? Postulado" provando que resulta de sua própria negação. Trata-se portanto de mostrar, neste caso, que o fal­ so i mplica o verdadeiro procedimento de demonstração relativamen­ te corrente nos raciocínios matemáticos. O primeiro momento dessa demonstração apóia-se sobre a construção de um quadrilátero ABCD.

e .---------....

Dois lados opostos AC e BD são portanto s upostamente iguais e perpendiculares a AB . A demonstração equivale então a sustentar que se o "5? Postulado" é verdadeiro, é preciso admitir que os ângu­ los C e D são ângulos retos . A verdade do "5? Postulado" consiste assim em descartar uma d upla possibi lidade: a) ou esses dois ângulos são superiores ao 90?, isto é, ângulos obtusos; b) ou são inferiores a 90? e trata-se de ângulos agudos . Saccheri vai procurar explorar essas duas possibilidades introdu­ zindo-as s ucessivamente no sistema euclidiano. Ora, tanto em um ca­ so como no o utro, Saccheri jamais chegou a demonstrar a absurdida­ de dos sistemas geométricos novos que construíra sobre a base respec­ tiva dessas d uas suposições originais. É cometendo erros de raciocínio que chega a concluir por esse absurdo. Em 1 826, Lobatchwsky retoma esse tipo de demonstração desen­ volvendo a h ipótese do ângulo agudo. C hega assim à construção de uma geometria hiperbólica onde por um ponto tomado fora de uma reta podemos levar várias paralelas a essa reta. Bolyai' estabelece o mesmo tipo de geometria em 1 83 1 . Em 1 854, Riemann consegue explicitar, sem contradições, a hipó­ tese do ângulo obtuso. Constrói então uma geometria elíptica na qual por um ponto tomado fora de uma reta não se pode levar nenhuma paralela a essa reta.

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O interesse dessas diferentes geometrias não euclidianas foi de uma grande fecundidade na ordenação da axiomática moderna na ma­ temática e face aos problemas de formalização. Um outro interesse epistemológico pode ser evidenciado, em um nível mais geral: · o do caráter rigorosamente operatório da noção de estrutura. Visto que no espaço geométrico riemanniano não se pode levar nenhuma pralela a uma reta, é preciso portanto admitir a noção de um espaço de curvatura positiva tal como  + + e > 1 80° .

ê

Nestas condições, quanto menos a curvatura for acentuada, mais nos aproximaremos do espaço euclidiano. Portanto, quando o raio da curvatura é infinito reencontramos o sistema geométrico euclidiano. In­ versamente.d. a geometria de Lobatchewsky é uma geometria negativa: Â + + e < 180º .

ê

Podemos então, também aí, sustentar o mesmo raciocínio em rela­ ção à geometria de Euclides. A geometria euclidiana aparece assim como um caso particular das geometrias não euclidianas; caso particular onde: Â + � + C = 1 80° .

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Neste sentido, a geometria de Riemann é portanto uma estrutu­ ra mais geral q ue a geometria euclidiana. O mesmo vale para a geo­

metria de Lobatchewsky. A geometria euclidiana, conseqüentemente) é uma estrutura limite no campo das geometrias não euclidianas. E uma subestrutura. O espaço euclidiano não é senão um espaço possí­ vel entre todos os espaços geometricamente inteligíveis e consistentes. Com a estrutura das meta-geometrias, passa-se a um plano de inteligi­ bilidade s uperior ao da geometria de Euclides . Se a geometria eucli­ diana é uma estrutura coerente, a de Riemann é uma outra que com­ preende a a nterior. Houve portanto elaboração de uma estrutura mais geral q ue dá conta de uma quantidade de informações maior que a que compreende na qualidade de caso particular. Esta hierar­ quia na generalização das estruturas constitui a prova mais manifesta do caráter fundamentalmente heurístico do procedimento . No campo psicopatológico, mesmo se não encontramos jamais um rigor de aplicação à do campo das especulações formais, a utiliza­ ção de um i nstrumento como a estrutura não deixa de manifestar vir­ tudes operatórias de uma grande fecundidade. Já permite ultrapassar a abordagem semiológica e nosográfica situando, de início, a investi­ gação além das considerações puramente qualitativas ou diferenciais. Freud não se enganara nisto. I ntroduzindo o princípio da causali­ dade psíquica no campo psicopatológico de sua época, já aderia à idéia de uma abordagem estrutural. A concepção estrutural em psicopatologia é, de fato, portadora de uma promoção de inteligibilidade. Poder-se-ia quase antecipar, no presente caso, a concepção bachelardiana de ruptura epistemológica. Comparemos,a título de ilustração, a obra de um psicopatólogo como Havelok-Ellis e a de Freud. A diferença acusada no desenvolvi­ mento dessas d uas obras é considerável . No primeiro caso, temos o testemunho de uma prodigiosa informação coletada sobre o tema da psicopatologia sexual. Deste ponto de vista, a obra é preciosa pela riqueza e caráter exaustivo das descrições e das classificações dos nu-

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merosos quadros clínicos. Mas evidencia bem depressa que seu interes­ se clínico para a compreensão dos processos psicopatológicos não ultra­ passa muito o de um guia de restaurantes relativamente à arte culinária. Em contrapartida, q uando consultamos a obra de Freud, qualquer que seja seu fragmento, somos continuamente introduzidos em uma ou­ tra concepção de abordagem psicopatológica . Não mais nos situamos no registro de um catálogo de dados semiológicos, mas em uma dinâ­ mica estrutural, não fosse senão porque a argumentação desenvolve­ se sempre em relação direta ou indireta com a metapsicologia. A metap­ sicologia não é uma pura recensão de especulações teóricas. Lança ra­ ízes continuamente nestas três dimensões fundamentais que constituem os pontos de vista tópico, dinâm ico e econôm ico. Ora, esses três registros circunscrevem precisamente o substrato que inscreve o conj unto das pesquisas freudianas em uma concepção estrutural. Uma outra coisa seria examinar se uma concepção estrutural é sem­ pre adequada ao objeto ao qual se aplica . Essa articulação não é em qualquer circunstância plenamente explícita na obra freudiana, mas a reflexão de seus sucessores menos deixou de interrogar e esclarecer es­ sa adequação. Tal abordagem permite, desde agora, definir o modelo de uma potencialidade de estruturação psíquica fundamental a partir da qual efeitos de regulação interna vão indicar perfis estruturais diversos dos quais se determinará a estabilidade sobre a base de certos traços específicos.

5 Estruturas psíquicas e função fálica

Para todo sujeito, a estruturação de uma organização psíquica atualiza-se sob a égide dos amores edipianos, isto é, no desenvolvi­ mento efervescente da relação que o suj eito mantém na função fálica. Se essa relação é vetara de ordem na medida em que é induto­ ra de uma organização, também é, por essa mesma razão, fator de desordem j á que a estruturação psíquica apresenta esta particularida­ de essencial de ser irreversivelmente determinada. Como compreender que um fator de ordem possa ser diretamen­ te fator de desordem? Essa paradoxalidade fundamental permite apre­ ender ao mesmo tempo como a estruturação psíquica constitui uma etapa decisiva na economia psíquica e, simultaneamente, como essa economia pode ser o principal agente i ndutor das desordens psicopa­ tológicas. Para explicitar esse problema, podemos utilizar uma analogia q ue, mesmo sendo metafórica, não deixa de representar uma ilustra­ ção suscetível de esclarecer o funcionamento paradoxal dessa econo­ mia psíquica . Tomemos emprestado o argumento dos dados contem­ porâneos da biologia molecular referentes à questão da autoconserva­ ção das estruturas biológicas. Sem entrar no desenvolvimento propria­ mente bioquímico do problema, basear-nos-emos, pelo menos, em seu princípio( l ) . 1 - A Lwoff, L 'Ordre biologique, Paris, Marabout Éditeur, 1970.

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O organismo pode ser considerado como uma máquina comple­ xa na medida em que comporta limiares de complexificação crescentes. Como toda máquina estruturada, necessita ser alimentada com energia. Mas a analogia do organismo e da máquina não poderia ir além. Os organismos possuem, com efeito, uma propriedade fundamental parti­ cular que não encontramos nunca nas máquinas, por mais complexas que sejam. A estrutura de uma máquina permanece idêntica a si pró­ pria quando está parada. No ser vivo, não ocorre o mesmo. A equação que traduz o estado do organismo em repouso desenvolve-se da seguin­ te maneira: Organismo

+ Alimentos -+ Organismos + Destritos + Calor

Essa equação significa que um organismo somente pode subsistir estruturado como tal se é alimentado com energia . Mesmo se não de­ ve fornecer nenhum trabalho, o organismo requer sempre um certo ca­ pital energético para persistir em suas estruturas. Várias conclusões deduzem-se dessa observação. Por um lado, a ordem biológica requer energia que deve ser gasta para se manter. Por outro, na ausência de energia a gastar, o organismo é submetido a uma lei biológica de crescimento de desordem durante o qual toda estrutura ordenada é desorganizada etapa por etapa, e isto até um es­ tado de desordem máxima: a morte. Esse crescimento de desordem é designado por uma medida abs­ trata: a entropia biológica. De um modo geral, a lei de entropia é ex­ pressa em física pelo Segundo princípio da termodinâmica ou Princípio de Carnot-Clauslus. Nenhum fenômeno vivo ou inerte foge a esse prin­ cípio já que nenhum escapa à degradação de energia que é irreversí­ vel. A mudança entrópica que intervém nesse movimento irreversível mede-se portanto por uma probabilidade de desordem cada vez maior. A medida de desordem que constitui a entropia é dada pela seguinte fórmula, Entropia = K log. D na qual K representa a Constante de Boltzmann e D a medida de desordem. Como a entropia é uma medida de desordem, é fácil obt�r uma medida de ordem por uma fórmula inversa que designa a entropia ne­ gativa ou neg-entropia: N = K log.

1 D

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Em virtude do princípio de Carnot-Clausius, todo organismo pri­ vado de energia tende a um crescimento de entropia, isto é, um cres­ cimento de desordem. I nversamente, um organismo que mantém a ordem em s uas estruturas diminui ininterruptamente sua entropia. Metaforicarnente, podemos dizer que se alimenta de entropia negativa. No princípio de seu funcionamento, o organismo é então o lugar de urna certa economia paradoxal. De um lado, nada é mais manifes­ to que ele sofre urna degradação irreversível que o encaminha para a morte. De outro, nada é mais evidente que um tal organismo conte­ nha e reproduza uma entropia negativa de estrutura que mantém uma economia de ordem nessa desordem irreversível. Em outras palavras, para que o crescimento da entropia perdure o maior tempo possível até seu estado máximo, é preciso que o organismo retire continuamen­ te entropia negativa. Assim, quanto mais o organi§IllO consome ordem, mais faz d urar o crescimento de sua desordem . E nessa situação que se encontra a economia paradoxal do funcionamento da estrutura bio­ lógica. Sob reserva de urna comparação puramente metafórica, é possí­ vel ressaltar urna mesma economia paradoxal ao nível das estruturas

ps(qujcas.

A semelhança das estruturas biológicas, precisamos admitir que o funcionamento psíquico tende a uma probabilidade de desordem máxima, isto é, um crescimento de entropia irreversível se o aparelho psíquico não se nutrir constantemente de entropia. Essa relação cons­ tante com a entropia negativa mantém assim a estrutura psíquica em um certo tipo de ordem que assegura a sua estabilidade. Se prosseguirmos com a analogia, podemos considerar o cresci­ mento de entropia psíquica como um processo diretamente proporcio­ nal à medida de crescimento do gozo . O gozo é portanto a medida mais provável da desordem psíquica. Isto supõe, evidentemente, que levamos em conta a distinção radical levantada por Lacan entre o go­ zo e o prazer. A desordem, para ele, é tanto mais irreversível quanto for submetida à força constante do desejo . Corno para as estruturas biológicas, se o aparelho psíquico não pode "consumir" energia, a organização psíquica degrada-se até uma desordem máxima que se manifesta por um certo estado de "morte psíquica". Corno o aparelho psíquico mantém urna relação com a entropia negativa para sustentar sua estrutura? O primeiro ponto a esclarecer é j á tentar determinar o que é pos­ sível classificar sob este termo metafórico de "entropia negativa" fa­ ce ao aparelho psíquico. Se o gozo constitui o próprio índice da per­ manência de um crescimento de desordem , isto equivale a supor a

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castração como o que introduz uma medida de ordem na economia da estrutura psíquica. Neste sentido, a entropia negativa mede-se pela or­ dem da castração. Conseqüentemente, a ordem da estrutura é instituí­

da pela ordem fólica.

Para manter sua ordem, a estrutura psíquica deve "gastar" ou "me­ tabolizar" energia. A única energia degradável nessa analogia metafóri­ ca é a do desejo de outro. A neg-entropia psíquica pode ser tomada assim como a degradação da energia do desejo do outro. Todavia, es­ sa metabolização de energia do desejo de outro só é indutora de ordem na medida em que é governada por um certo tipo de relação simbóli­ ca com o falo. Fora dessa mediação simbólica da função fálica, a rela­ ção com o desejo do outro tende a se constituir de um modo cego de gozo entrópico. Nestas condições, a relação do desejo do sujeito com o desejo do outro segue o caminho irreversível de um puro crescimen­ to de desordem. Em que nos baseamos para sustentar a analogia entre a irredutibi­ lidade da entropia biológica e da entropia psíquica? Essa analogia, com efeito, apenas se sustenta se podemos fazer aparecer face às estruturas psíquicas, o mesmo tipo de economia paradoxal encontrada ao nível das estruturas biológicas. Esse modo de economia impõe que aceitemos a necessidade de manter cada vez mais ordem para que o crescimento de desordem não se precipite, mas, em contrapartida, dure o maior tempo possível. No caso da estrutura psíquica, isto equivale a reconhecer que o desejo do sujeito deve permanecer continuamente submetido à função fálica para que se economize a irreversibilidade do gozo. Desenvolve­ se o gozo verdadeiramente segundo um crescimento entrópico? Pare­ ce difícil negar que toda a patologia psíquica não deixa de confirmar esse crescimento de desordem. É à essência mesma do desejo que deve­ mos esse desenvolvimento entrópico. Do ponto de vista de seu desejo, o sujeito tende a constituir-se ini­ cialmente como só e único objeto do desejo do outro. O gozo encontra aliás sua exata medida nesse dispositivo dinâmico do desejo e somen­ te pode desenvolver-se em direção a um crescimento mortífero se na­ da vier limitá-lo, dito de outro modo, se o desejo do sujeito não chega a aceitar a dimensão da falta. Ora, cabe justamente à função fálica pro­ mover essa subscrição. De fato, o desejo do sujeito apenas encontra a mediação simbólica que o inscreve na falta na relação que mantém com o falo. Nestas condições, a analogia sustenta-se sem ambigüidade desde que tomem a falta como a neg-entropia psíquica. A estrutura .psíquica mantém-se em uma certa ordem se o desejo do sujeito sustenta-se no desejo de outro, nele encontrando a falta. Inversamente, porque a es-

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trutura ordena-se à preempção da falta, o desejo renasce continua­ mente idêntico a si mesmo como uma aspiração à reiteração do go­ zo que se esforça para satisfazê-lo. A estrutura psíquica é então sub­ metida a uma economia paradoxal na qual reside sua própria estabilidade. U ma coisa é circunscrever a seu nível m ais fundamental o cará­ ter singular d a economia que regulamenta o curso das estruturas psí­ quicas; outra é apreender em torno do que essa economia do desejo pode induzir, só a égide da função fálica, tipos diferentes de estrutu­ ras. A respeito dessa discriminação, a memória dos amores edipianos adquire todo seu sentido j á que é em suas vicissitudes que se negocia, para o sujeito, sua relação com o falo, portanto sua adesão à sinergia do desej o e da falta. Sem retomar o desenvolvimento preciso desta epopéia edipia­ na(2), relembremos o melhor possível que esta dinâmica desenvolve­ se na dialética do ser e do ter, em outras palavras, em um movimen­ to de elaboração psíquica que conduz o sujeito de uma posição em que está identificado como falo da mãe, a uma segunda posição em que, renunciando a essa identificação', isto é, aceitando a castração simbólica, tende a identificar-se ou com aquele que supostamente tem o falo, ou, ao contrário, com aquele que supostamente não o tem. Es­ sa operação, assim decisiva, atualiza-se em um processo de simboliza­ ção inaugural designado por Lacan: metáfora do Nome-do-Pai. I mporta sobretudo salientar alguns momentos dessa dialética edi­ piana; momentos cruciais para o sujeito quando os empreendimentos do desejo mobilizados na relação com o falo revelam-se particularmen­ te favoráveis à precipitação de organizações estruturais específicas. Acontece assim com a estrutura perversa como com as outras es­ truturas (obsessiva, histérica e psicótica) cuj a organização pode ser discriminada a partir de elementos indutores característicos. É no lu­ gar de uma estruturação ps(quica fundamental que esses elementos in­ tervêm e que nos são dadas, na triangulação dos desejos recíprocos da m ãe, do pai e da criança em relação ao empreendimento fálico, suas relações internas. Mas qualquer que seja a natureza desses ele­ mentos indutores que participam eletivamente na determinação irre­ versível da estrutura, todos permanecem fundamentalmente sujeitos ao s ubstrato do significante que os lastra . Neste sentido, podemos dizer que, em psicanálise, não há moral porque a estrutura não muda. A fórmula em nada depende de um enun­ ciado sibilino, como também não se propõe como declaração de prin­ cípio totalitário ou ecumênico . No máximo, trata-se de aperceber que 2 - Cf. J. Dor, Introduction à la lecture De Lacan, tomo !, Paris, Denoel, 1985, cap. 12.

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somos, como sujeitos estruturados psiquicamente, simples efeitos do significante. Se é na organização desses efeitos que trabalha a estrutu­ ra, nem por isso somos senhores algum dia. Podemos imaginariamen­ te aderir à idéia de que temos algo a dizer neste domínio colocando nosso fantasma na situação de alguns projetos axiológicos. Mas qual­ quer que sej a a escolha dessa axiologia: religiosa, social, política, fami­ liar, educativa, não movimentaremos nada . Afinal temos sempre algo a dizer escolhendo este ou aquele caminho favorável à cristalização das virtudes, mas não mudaremos senão para dizer isto, desmentire­ mos continuamente no próprio momento em que o articularmos. O adágio freudiano: "O eu não é senhor em sua própria casa" , portanto somente tem alcance canônico pelas conseqüências que su­ põe. Em compensação: é em razão dessas implicações que identifica­ mos um campo propriamente psicanalítico e um local de discurso que lhe é específico. Se ninguém é obrigado a aderir a isso necessariamen­ te, não deixa de se perfilar, a partir da descoberta freudiana, uma ver­ dade que adere precisamente à estrutura daquele que a enuncia. Não fosse j amais senão "meio-dita", como se comprazia a formular Lacan, é tanto mais insistente quanto chama à ordem da estrutura e do dese­ jo que tenta aí encontrar seu caminho. Como o expressa Charles Melman: "O que incriminar, contra quem lutar?" "Lacan denomina Outro o sistema da linguagem cuja ordenação regulamenta assim nossas alienações, elas que se abstêm de qualquer legislador; mas se seu poder apenas se deve a seu lugar, pode-se com­ bater um lugar?(3)" Quer dizer a dimensão incontestável do simbólico como a ordem que permanece, no final, determinante na eleição da estrutura psíquica. Todo ensinamento freudiano, tal como Lacan esforçou-se para lem­ brar e elucidar, incita a se tomar a exata medida desta função princi­ pal do simbólico no curso do destino psíquico. Como um exame aprofundado da estrutura perversa, é portanto essencial retornar previamente às incursões freudianas que colocam os mais fundamentais traços metapsicológicos e clínicos próprios a es­ se modo de economia psíquica.

3 - C. Melman, Nouvel/es Études sur /'hystéric, Paris, Joseph Clims Éditeur, 1984, p. 10.

SEGUNDA PARTE

LÓGICA ESTRUTURAL DO PROCESSO PERVERSO

6 A concepção clássica das perversões

A abordagem do universo das perversões necessita sempre muita prudência, tanto é verdade que ainda são encontradas sob essa catego­ ria considerações freqüentemente estranhas ao campo psicopatológi­ co propriamente. Seria um erro pensar que o referencial psicanalítico subverteu, de uma vez por todas, as concepções etiológicas clássicas referentes ao processo perverso. Algumas dentre elas subsistem com insistência abstraindo os desenvolvimentos freudianos. Na melhor das possibilida­ des, quando o referencial freudiano é introduzido na compreensão do processo perverso, é com freqüência expurgado de suas implicações mais originais, na medida em que está integrado em um cortejo de te­ orias psicopatológicas, que neutralizam toda sua incidência. Prova dis­ so é a persistência, não somente de considerações etiológicas totalmen­ te ecléticas, mas ainda de observações clínicas muito inconseqüentes em obras perfeitamente atuais. Vejamos, como ilustração, a argumentação proposta no Manuel alphabétlque de psychiatrle(l), onde avizinham-se, a propósito das perversões, amálgamas teóricos e clínicos totalmente sem consistência.

1 - Sob a direção de A. Porot, Manuel alphabétlque de psychlatrie. Paris, PUF, 5� ed. 1975. Artgos "Perversité" e "Perversion" de Ch. Bardenat.

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Detendo-se aí durante um certo tempo, tem-se a ocasião de si­ tuar a contribuição extraordinariamente fecunda da psicanálise na com­ preensão do modo estrutural como se organiza e se desenvolve o pro­ cesso perverso . Em primeiro lugar, de saída encontramos exposta nesse estudo, a distinção tão standard quanto gratuita entre perversão e perversida­ de. A perversidade referir-se-ia a um tipo de malignidade em opera­ ção, no indivíduo, em alguns de seus atos e de suas condutas. Somos portanto convocados, sob essa apelação, ao local das apreciações mo­ rais do comportamento. Daí a dificuldade subseqüente quando se tra­ ta de distinguir a perversidade da perversão, visto que então dispo­ mos apenas de um único termo: perverso, como observa o autor com bom senso. "Não dispomos infelizmente senão de uma única palavra, perverso, para designar indistintamente os sujeitos marcados pe­ la perversidade e aqueles que sofrem de perversão dos instintos elementares. "Aliás, o uso confunde abusivamente essas duas categorias de anormais entre os quais existem sem dúvida obscuras e freqüen­ tes associações. A linguagem corrente acentua no entanto mais estritamente a noção de perversidade na acepção do vocábulo perverso(2 ) . " E m tais condições, o que se entende por perversidade? Tratar­ se-ia, segundo Henri Ey, de uma escolha imoral nas regras normati­ vas do comportamento: ' 'O perverso não se abandona somente ao mal, mas o dese­ ja(3 ) . " Esse desaj uste desenvolvido relativamente às normas explicar-se­ ia essencialmente por intermédio de uma imaturidade da pessoa "que permanece imobilizada em um estágio de desenvolvimento cuja estru­ tura afetiva tornou-se a lei de sua existência(4)" . Por s i só, esta última evocação mobiliza uma grande ambigüida­ de. De fato, levantar a questão de uma fixação em um estágio da evo­ lução psíquica suscetível de induzir uma estrutura permanente do fun2 - Porot/Ch. Bardenat, op. cit., p. 497. 3 - Citado por Ch. Bardenat, ibid.

4 - lbid.

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cionamento afetivo, já é deslizar para um outro campo que o da apre­ ciação normativa para avançar um argumento metapsicológico em fa­ vor da estrutura das perversões. Nesta circunstância, não se compreen­ de mais a necessidade de distinguir uma disposição como a perversidade. Entretanto, conforme o comentarista, tudo se passa como se, por oposição às perversões, a perversidade supostamente resultasse de uma orientação episódica do comportamento, limitada, mas identificá­ vel nos indivíduos mesmo "normais". Por exemplo, seria o caso de al­ guns atos de crueldade física e/ou moral cometidos sob a influência das paixões (ciúmes, ódio, exaltação política ou mística) . Mais banal­ mente, seria o caso de atos de vandalismo diversos. Tais atos de per­ versidade poderiam de resto dissimular-se por detrás do gosto pela sub­ versão, pela provocação, pelo escândalo, etc. De uma maneira geral, é preciso que admitamos, portanto, que a perversidade permanece sub­ metida a uma discriminação que se baseia exclusivamente em critérios sociais ou médico-legais. Em um de seus Estudos Psych iatriques(5) , Henri Ey vai ai nda mais longe, já que recentra diretamente o problema da perversidade sobre a questão da liberdade, levantando o embaraçoso dilema da in­ tencionalidade deliberada ou não do ato perverso correlativa ao objeti­ vo premeditado ou não de prej udicar, no sentido de uma "liberação voluntária das tendências malévolas da natureza(6) " . Sob uma forma mais "técnica", encontramos uma modalidade de apreciação idêntica a partir do momento em que se procura exami­ nar se o ato perverso procede ou não de uma deterioração patológica da personalidade. Todavia, com a incursão de fator "patológico", dei­ xamos insidiosamente o terreno da perversidade para abordar uma dis­ posição que participa da "perversão propriamente dita" . Com -efeito, uma distinção desta natureza tende a circunscrever o domínio das per­ versões a um campo de aptidões patológicas permanentes do ser, isto é, a "um desvio das tendências normais", para retomar aqui a expres­ são habitualmente consagrada . É neste sentido que somos remetidos "a esta vertente do inconsciente que se convencionou chamar instin­ to(7) " , o porquê da definição genérica das "perversões instintivas" . Mas, assim que o campo das perversões é associado aos proces­ sos de desvios dos instintos, surge o problema de circunscrever sua na­ tureza:

5 - H. Ey, Études psychiatriques, Paris, Descléa de Brouwer, 1950, n? 13, pp. 238-246. 6 - lbid. 7 - Op. cit.

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"Os estudos, em função dos instintos dos quais constituiriam uma visitação, levam à m ultiplicação alusiva das modalidades dos i nstintos. ( . . . ) "Os fatos considerados são, na verdade, complexos e i ntrica­ dos. A ganância, por exemplo, deriva do instinto de conservação, ( nas suas i ncidências no plano social assemelham-se ao altruís­ mo. O p roxenetismo é uma perversão do instinto de associação, mas utiliza uma depravação sexual. Por outro lado, os compro­ missos necessários entre os instintos fazem da preguiça uma per­ versão no plano da vida coletiva, ao passo que, no p lano da con­ servação, ela responda à lei biológica da economia de esforço. "Não se pode mais pensar em classificar as perversões se­ gundo s uas seqüências e a conduta do perverso. O orgulhoso ou o pródigo não prej udicam fatalmente outrem ou eles próprios. Contrariamente, é certo que todo ato nocivo pode estar sob a dependência direta de uma perversão de seu a utor(8) . " Esta perspectiva mostra a que ponto é quase impossível delimi­ tar a problemática das perversões com um mínimo de rigor. Para sub­ trair as perversões a este universo de considerações pseudo-éticas, é preciso necessariamente modificar seu ângulo de abordagem, isto é, abandonar este terreno de apreensão fenomenológica que os comenta­ ristas sugerem examinar através do projeto de uma "análise da perso­ nalidade do p erverso" . Mesmo que admitamos, a exemplo do autor, que "o substrato orgânico da p erversão instintiva é geralmente impossível de elucidar pelos métodos anatômico-clínicos atuais", esta hipótese parecer-lhe­ ia no entanto sugerida por algumas considerações etiológicas basea­ das em "fatos de hereditariedade" , tanto quanto pela prova experi­ mental das "perversões adquiridas". A título de testemunho, mencio­ nemos, por exemplo, algumas conclusões extraídas de observações baseadas em efeitos relacionados às encefalites, encefalopatias, intoxi­ cações acidentais, até mesmo intoxicações crônicas, denominadas "de luxo", tal como o alcoolismo. Por outro lado, enquanto anomalias psí­ quicas, as perversões combinar-se-íam também o mais das vezes com deficiências intelectuais do tipo: estados de retardamento, ou com de­ sequilíbrios constitucionais ( hiperatividade, i nstabi lidade) . Da mesma maneira, as perversões poderiam assim exteriorizar-se por meio de psicoses intercorrentes. 8 - Op. cit., p. 498.

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O comportamento social do perverso também pareceria depender de seu nível intelectual; seu grau de adaptação social variaria em fun­ ção de seu caráter. Uma série de outros componentes patológicos po­ deria interferir favoravelmente no sentido das perversões. Seria tanto o caso das epilepsias que agravariam perigosamente as reações perver­ sas, quanto a histeria que constituiria um importante catalisador em ra­ zão da anomalia dos instintos e das crises que lhe são específicas. Além disso, o processo perverso seria muito cedo descoberto na evolução da personalidade, considerando a presença de sinais prenun­ ciadores, tais como: a malignidade, a crueldade, a violência de caráter, a indisciplina, a dissimulação e a mentira . . . . tantos defeitos que a famí­ lia e .os educadores seriam importantes para circunscrever. Baseando-nos em semelhantes fatos de observações referentes às anomalias da personalidade, podemos então montar o "retrato fala­ do" do perverso: "O perverso regra sua conduta sobre a realização de seus desejos, de seus apetites, sem consideração pelo que se pode cha­ mar de sentimento da dignidade individual e de respeito a outrem , ou por carência destes elementos moderadores habituais. "Ele cai assim no uso abusivo dos tóxicos, na paixão pelo jo­ go e seu corolário freqüente, a trapaça, a vagabundagem e a de­ serção, o roubo e suas múltiplas variantes, a pilhagem e a desnu­ trição, o incêndio voluntário, a prostituição, etc. "O perverso encontra muito freqüentemente no bando de malfeitores, a ajuda e a emulação que estendam seu campo de ação e exaltam sua nocividade. ( . . . ) "De fato, o 'senso moral' não existe certamente como tal. O indivíduo adapta-se mais ou menos bem à vida social, está mais ou menos apto a conhecer e a compreender as restrições que ela lhe impõe, dá mais ou menos consentimento às suas restrições. Este é o critério que lhe permite determinar a responsabilidade dos perversos quando contravêm às leis(9) . " Por um deslisamento sub-reptício, a perversão é assim apreendi­ da sobre um registro idêntico ao da delinqüência. Neste sentido, depen­ de portanto do mesmo tipo de "cuidados " : "Alguns meses de prisão não moralizam mais estes reinciden­ tes do que alguns anos de hospitalização.

9 - Op. cit., p. 499.

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"A criação de estabelecimentos especiais com um regime médico-j udiciário apropriado, deveria permitir a seu respeito uma segregação salutar( lO) . " Não se poderia melhor provar a s i ndigências sucessivas que vêm, aqui , parasitar o campo psicopatológico, o qual - se existe permanece totalmente sancionado por normas normais e ideológicas que i nvalidam, de antemão, toda compreensão clínica. Porém, subsiste um aspecto das perversões que ainda não foi abordado: as perv�rsões sexuais, sutilmente dissociadas das "perver­ sões instintivas". E verdade que historicamente elas foram mantidas à parte. Para certos autores, parecem permanecer sempre assim. Co­ mo são definidas? "Uma definição geral pode qualificar de perversão sexual em um i ndivíduo toda a tendência a procurar a satisfação sexual fora do relacionamento fisiológico com um sujeito de mesma es­ pécie e. de sexo oposto( 1 1 ) . " U m bom exemplo deste ponto de vista, ainda atual, já fora da­ do pelo alienista francês Bali, no século XIX, em sua obra: La Folie érotique( l2) Em relação a uma tal definição, as perversões sexuais são, então, classicamente ordenadas em dois tipos : 1 ) As perversões em relação a seu objeto: homossexualidade, pedofilia, necrofi lia e bestialidade. 2) As perversões em relação a seu meio: fetichismo, sadismo, masoquismo. Uma última categoria de perversos é constituída de sujeitos que obtêm sua satisfação sexual "completa" , em atos preliminares à rela­ ção sexual, onde encontramos de maneira i nesperada: os voyeurs, os exibicionistas e os fornicadores. Apesar de algumas sobrevivências "organicistas" em relação à etiologia das perversões sexuais, a maioria dos autores parece concor­ dar sobre a hipótese de uma etiologia psicogenética. Não é menos verdade q ue uma tal hipótese tem ainda pontos de vista bem ambí10 -

lbid.

1 1 - Op. cit. , p. 500.

12 - B. Bali, La Folie érotique, J.-8. Bailliere, Paris, 1888.

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guos. De fato, essas explicações etiológicas que extraem seus argumen­ tos da psicanálise fazem, quase sempre, a economia das implicações lógicas relacionadas ao funcionamento dos processos inconscientes. O princípio explicativo seguinte dá uma idéia perfeitamente representa­ tiva desses acordos: "É preciso salientar a importância mais recentemente revela­ da das influências exteriores suscetíveis de produzir 'malforma­ ções da inibição' desviando o desenvolvimento da sexualidade, que a escola psicanalítica contribuiu para estudar, ou fixando-as parcialmente a estágios intermediários. Em particular em uma das etapas mais importantes de seu curso, a da maturação púbere, o sujeito, sofrendo uma ativação maciça da pulsão instintiva sexual, pode não atingir sua orientação normal pela lembrança de experi­ ências infantis que associam os elementos mais variados a uma emoção fundamentalmente ligada à sexualidade até então poli­ morfa, incerta ou inconsistente(13) " . Estando colocado este protocolo de explicação etiológica, as per­ versões sexuais são, então, acompanhadas de apreciações ideológicas que contradizem o caráter de causalidade psíquica inconsciente do pro­ cesso: "A perversão é por vezes aceita sem luta interior pelo sujei­ to que então é apenas um depravado e que se organiza para satis­ fazê-la, concedendo mais ou menos às regras morais e às leis. "Ela é, mais freqüentemente, sentida como uma condição dolorosa, como uma obsessão. Essas duas atitudes do sujeito, que dependem da situação, separam os doentes (os escrupulosos, os obsecados delirantes ou não), dos simples depravados( 14) " . Por mais contemporânea que seja, essa concepção das perver­ sões constitui uma ilustração bem exemplar da incoerência semiológi­ ca e da inconsistência clínica que acompanham com freqüência não somente a abordagem do processo perverso, mas também sua compre­ ensão. Além do caróter puramente diferencial e comparativo da abor­ dagem cuj a discriminação está, por outro lado, sujeita exclusivamente a critérios ideológicos, essa análise das perversões faz, do início ao fim, uma confusão evidente entre traços perversos e manifestações per­ versas. Semelhantes ambigüidades contribuem para dar ao processo per13 - Op. cit., p. 500. 14 - lbid.

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verso a consistência de uma disposição relativamente atípica sem es­ pecificidade estrutural. Esta colusão de fatos de comportamentos e de apreciações normativas não deixa prever em nada a perspectiva de uma investigação conseqüente sobre a etiologia psicogenética das perversões. Em particular, não identificamos nenhum sinal que evo­ casse a descrição de um conjunto de processos metapsicológicos susce­ tíveis de obj etivar, a mínima, a notável singularidade de um tipo de funcionamento psíquico. Se a causalidade psíquica supostamente dá conta do advento das perversões, ao mesmo tempo é implicitamente recusada pela carência de referências justificativas adequadas. Fora da presença de critérios etiológicos rigorosos, as perversões não po­ dem ser apreendidas de outro modo senão em referência a um univer­ so de norm as. Essa fraqueza clínica demonstra, finalmente, o desco­ nhecimento evidente do único local de inteligibilidade onde podem estar circunscritas as perversões: o campo psicossexual. Em seu Vocabulário da Psicanálise, Laplanche e Pontalis não dei­ xam de lembrar que só se pode falar de perversão em relação à sexua­ lidade{ 15). Mesmo se Freud distingue um certo número de pulsões, é contudo sempre em relação às pulsões sexuais que evoca a dinâmica do processo perverso. Se outros comportamentos que não o comporta­ mento sexual aparecem "desviados" em um sujeito, o recurso à per­ versão não se impõe necessariamente, tanto que a clínica psicanalíti­ ca pode evidenciar a existência freqüente de correlações entre esses comportamentos desviados e a sexualidade. Neste sentido, a concep­ ção psicanalítica das perversões revela-se mais econômica e mais rigo­ rosa por seu caráter operatório e instrumental. A abordagem das per­ versões encontra-se, então, esclarecida tanto no plano da inteligibilida­ de clínica quanto ao nível da eficácia terapêutica. A teoria analítica das perversões fundamenta-se em uma organi­ zação de conceitos que remetem, em larga medida, a elaborações me­ tapsicológicas. Mesmo se a metapsicologia merece com freqüência ser interrogada face às conseqüências que engaja na explicação de seus processos, todavia proporciona uma possibilidade de reflexão realmen­ te clínica e teórica. Em contrapartida, a intrusão de considerações ide­ ológicas satura, de antemão, essa possibilidade de interpelação. To­ da abertura terapêutica é ocultada na medida em que o campo de in­ teligibilidade está ele mesmo parasitado, sobredeterminado, pela pre­ valência de normas que pressupõem a existência implícita de uma in­ terdição. 15 - J. Laplanche/J. Pontalis, Vocabulaire de la psychanalyse, Paris, PUF, 1973, 4'.' ed., cf. artigo " Perversion", pp. 306-309.

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A clínica psicanalítica não se substrai aliás sempre a -esse tipo de interferências. Uma das i lustrações mais exemplares dessa sobredeter­ minação é dada pela questão da homossexualidade. Como se coloca a problemática homossexual no campo da clínica psicanalítica? Como definir o objetivo da cura? Por trivial que sej a a questão, não deixa de ser constantemente mobilizada na prática corrente. O que acontece quando alguns analis­ tas submetem o objetivo da cura ao desaparecimento da problemáti­ ca homossexual do paciente? Sozinho, um argumento ideológico i mpli­ citamente baseado em normas sexuais pode sustentar tal objetivo tera­ pêutico. Ora, com a intrusão das normas, deixamos propriamente falan­ do o registro estritamente analítico. As únicas normas que existem na clínica analítica são as que ordenam o espaço da cura. Trata-se, no máximo, de algumas regras fundamentais que engajam, concomitante­ mente, o analista e seu paciente selando um contrato necessário ao desenvolvimento de trabalho analítico. Se o princípio da cura exige algumas regras, prescreve em compensação qualquer outra norma. Nestas condições, a saída heterossexual pode advir como uma sa­ ída possfvel, ao termo do tratamento de um paciente homossexual. Não pode, em nada, ser definida como uma saída necessória que pres­ suporia então que a cura analítica está solapada por considerações normativas. Ora, tais objetivos são totalmente anulados com o caráter imprevisível das produções inconscientes. Esse breve exemplo mostra bem a que ponto não lucramos nada em alienar a problemática das perversões a um universo de normas. Mas, ao inverso, lembra igualmente quanto devemos ser rigorosos na abordagem clínica dessas afecções cujas manifestações psicopatológi­ cas i,nterpelam sem cessar tanto a normatividade quanto a normalida­ de. E por esta razão que esta vigilância deve realizar-se prioritariamen­ te no nível de uma base metapsicológica suscetível de elucidar os f un­ damentos da estrutura das perversões.

7 A noção de pulsão no processo perverso

A noção d e pulsão, central na metapsicologia freudiana, é um elemento pivô da economia psíquica característica das perversões: de um lado, porque a pulsão é uma peça chave constitutiva da evolu­ ção da sexualidade infantil; por outro, porque é o vetor psíquico que vai atualizar o processo perverso. O conceito de pulsão aparece explicitamente na obra de Freud em seu estudo de 1905: Tr�s ensaios sobre a teoria da sexualidade: ' 'Para explicar as necessidades naturais do homem e do ani­ mal, serve-se em biologia da hipótese de que existem uma pulsão sexual; da mesma maneira que para explicar a fome, serve-se da pulsão de nutrição(l). É com essa introdução do conceito de pulsão que Ereud aborda seu primeiro ensaio sobre a teoria da sexualidade. Esse ensaio, intitu­ lado "As aberrações sexuais", recobre da melhor maneira possível o campo psicopatológico das perversões tal como é circunscrito nos au­ tores clássicos. A noção de pulsão vai permitir a Freud definir especi1 - S. Freud, Orei Abhandlungen sur Sexualtheorie (1905) . G. W., V, 29/145. S. E., VII, 123/243 . Trad. Reverchon revista por J. Laplànche e J. B. Pontalis: Trois essais sur la théorie de la sexualité, Paris, Gallimard, 1968, p. 17.

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ficamente o lugar das "aberrações sexuais" de acordo comum a dupla determinação: seja como um desvio relativo ao objeto da pulsão se­ xual seja como um desvio relativo a seu objetivo. A este respeito, a es­ trutura desse ensaio é rica de ensinamentos: I. Desvios que se relacionam com o objeto sexual. A) A inversão. B) Pré-púberes e animais tomados como objetos sexuais. II. Transgressões anatômicas. A) Transgressões anatômicas. B) Fixações de objetivos sexuais preliminares. III. Generalidades sobre as perversões. IV. A pulsão sexual nos neuróticos. V. Pulsões parciais e somas erógenas. VI. Explicação da aparente predominância da sexualidade per­ versa nas psiconeuroses. VII. Primeiras observações sobre o caráter infantil da sexualidade. Por si só, a organização desse ensaio dá uma idéia singular da maneira como Freud esforça-se para abordar as perversões. Três ob­ servações gerais podem ser extraídas dessa abordagem. Em primeiro lugar, Freud retoma por conta própria, sob a intitula­ ção de "aberrações sexuais", uma perspectiva de abordagem totalmen­ te clássica. Reencontramos evocada, por exemplo, a discriminação es­ tereotipada de Krafft-Ebing: "As perversões dividem-se em dois grandes grupos: primeira­ mente, aquelas em que o objetivo da ação é perverso e é preciso colocar aqui o sadismo, o masoquismo, o fetichismo e o exibicio­ nismo; em seguida, aquelas em que o objeto é perverso, sendo a ação mais freqüentemente uma conseqüência: é o grupo da ho­ mossexualidade, da pedofilia, da gerentofilia, da zoofilia e do au­ to-erotismo(2)". Além dessa referência aos autores clássicos, a originalidade freu­ diana reside todavia no fato de que as aberrações sexuais são, desde o início, relacionadas ao conceito da pulsão. Em segundo lugar, a introdução da noção de pulsão não aparece imediatamente na classificação retida por Freud. Enquanto que a opo­ sição clássica inversão/perversão parece corresponder ao par desvio 2 - Krafft-Ebing, Psychopatia Sexualis, 1869. Citado na tradução da 16�/l 7� ed. , Paris, Payot, 1931, p. 86.

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em relação ao objeto/desvio em relação ao objetivo, o termo perver­

são somente é i ntroduzido por Freud no capítulo dos desvios que se relacionam a o objetivo sexual : "O que s e considera como o objetivo sexual normal é a união das partes genitais no coito, levando à resolução da tensão sexual e, por um tempo, à extinção da pulsão. ( . . . ) "Entretanto, já se encontra no processo sexual mais normal os germes cujo desenvolvimento levará a desvios que se descre­ ve sob o nome de perversões. ( . . . ) "As perversões consistem em fenômenos de duas ordens: a ) transgressões anatômicas quanto às partes destinadas a reali­ zar a união sexual; b) paradas em certas relações intermediárias que, normalmente, devem ser transpostas rapidamente para atin­ gir o objetivo sexual final( 3 ) " . A perversão aparece portanto para Freud, não somente como um processo q ue se manifesta por um desvio do objetivo da pulsão, mas também como uma inflação do processo sexual normal. Se Freud parece romper assim com a d istribuição clássica das perversões (des­ vio quanto a o objetivo e desvio quanto ao obj eto) , é que ele já pres­ sente o estatuto m uito particular do objeto das pulsões sexuais do qual acabará por anunciar q ue não tem necessariamente especificida­ de. Por outro lado, evocando explicitamente a familiaridade do pro­ cesso sexual perverso com o processo sexual normal, Freud distancia­ se de modo decisivo de todas as concepções clássicas das perversões tomadas como desvios em relação às normas. Com Freud a perversão i nscreve-se de saída na própria norma: "Os primeiros médicos que estudaram as perversões em al­ guns casos confirmados, e em condições particulares, foram leva­ das m uito naturalmente a considerá-las como sintomas de doen­ ça ou de degenerescência, assim como acontecera com a i nver­ são. Contudo, é mais fácil ainda demonstrar a fraqueza deste ponto d e vista nos casos de perversão. A experiência nos mos­ trou que a maioria destes desvios, ao menos quando se trata dos casos menos graves, estão raramente a usentes da vida sexual dos s uj eitos normais, que os vêm simplesmente como particulari­ dades d e sua vida íntima. O nde as circunstâncias forem favorá3 - S . Freud, Trois Essais sur la théorie de la sexualité, op. clt., pp. 34-35 (grifado por mim).

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veis, poderá acontecer que um ser normal, durante um tempo, substitua esta ou aquela perversão ao objetivo sexual normal, ou lhe abra espaço ao lado deste. Pode-se dizer que, em nenhum in­ divíduo normal, falta um elemento que se pode designar como perverso, acrescentando-se ao objetivo sexual normal(4) " . Uma terceira e última observação pode ser feita a propósito da apresentação desse primeiro ensaio sobre as "aberrações sexuais" . A partir do capítulo "Generalidades sobre as perversões", o texto freu­ diano inclina-se para considerações cada vez mais gerais referentes à sexualidade. É realmente um acaso que uma tal extensão efetue-se pre­ cisamente a partir do campo das perversões? A perversão não deixa de ressaltar uma certa plasticidade do pro­ cesso da pulsão sexual. Além disso, como Freud o demonstrou, essa modificação no objetivo do processo pulsional encontra um lugar qua­ se legítimo na vida sexual normal dos sujeitos. Em contrapartida, é portanto todo o processo sexual que se encontra na mesma situação dessas flutuações pulsionais. A argumentação de Freud procede por etapas. Analisa primeiramente essas flutuações pulsionais em "sujeitos bem próximos do normal(5)" . Em seguida, efetua um relacionamento direto entre neurose e perversão: " (A psicanálise) nos mostra que os sintomas mórbidos não se desenvolvem em detrimento da pulsão sexual normal (ao me­ nos exclusivamente ou de uma forma preponderante) , mas repre­ sentam uma conversão de pulsões sexuais que deveriam ser deno­ minadas perversas (no sentido amplo da palavra), se pudessem sem ser descartadas da consciência, encontrar uma expressão em atos imaginários ou reais. Os sintomas formam-se então em parte às expensas da sexualidade anormal; a neurose é por assim dizer o negativo da perversão. "A pulsão sexual dos neuróticos conhece todos os desvios que estudamos como variações de uma vida sexual normal e ma­ nifestações de uma vida sexual mórbida(6) . " Assim, Freud portanto confirma, sobre o modo d e uma generaliza­ ção, uma conclusão que previamente tirara quanto à natureza do pro-

4 - S. Freud, Trois Essais sur la théorie de la sexualité, op. cit., p. 47. 5 - lbid., p. 50. 6 - S. Freud, op. cit. , pp. 53-54.

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cesso p ulsional em operação nas perversões, a saber o caráter comple­ xo da p u lsão sexual: " Observamos a seguir q ue um certo número de perversões estadas até aqui não podem ser comparadas senão supondo a ação conexa de vários fatores ( . . . ) I sto nos levaria a pensar que a p ulsão sexual, em si, não é um lado simples, mas que é forma­ da por diversos componentes, os q uais dissociam-se no caso das perversões ( 7 ) " . O estudo das perversões leva assim Freud à idéia d e pulsão par­ cial à q ual ele consagra todo um desenvolvimento após o confronto neurose/perversão. Como conseqüência lógica, não é surpreendente constatar q ue os dois últimos capítulos do ensaio insistem em recentra­ lizar a predominância do processo perverso nos neuróticos, e, mais geralmente, na própria base da sexualidade infanti l. Nos neuróticos, como na criança, as pulsões parciais dialetizam o conj unto da dinâmi­ ca sexual. É porque a sexualidade perversa está sujeita à influência das p ulsões parciais que a famosa perversidade polimorfa é instituí­ da diretamente no centro da organização sexual infantil. Freud pode então conceber que esses componentes pulsionais da sexualidade, primeiramente autônomos, organizar-se-ão secundaria­ mente, no momento da puberdade, em torno de primado da zona ge­ nital. Por causa do funcionamento de seus componentes parciais, a sexualidade da criança é necessariamente perversa j á que o jogo das "atividades sexuais parcelares (8)" impõe outros objetos e outros obje­ tivos q ue não o objeto e o obj etivo sexual "normal" . Essas pulsões parciais podem todavia persistir como tendências perversas no ato se­ xual normal sob a forma do "prazer preliminar" . A organização das perversões no adulto encontra então sua explicação legítima na reapa­ rição de um ou vários componentes da sexualidade infantil. Em ou­ tras palavras, as perversões resultam de uma regressão a um estágio anterior da evolução libidinal onde o sujeito permaneceria eletivamen­ te fixada. N a perspectiva freudiana, a sexualidade perversa é, portanto, menos uma m arginalização do processo sexual, que no próprio funda­ mento da sexualidade normal como disposição inevitável no desenvol­ vimento psicossexual de todo suj eito. A perversão substrai-se assim. às apreciações ideológicas na medida em que não é mais considera­ da como um desvio ou uma aberração desse p rocesso sexual. Posteriormente, Freud fará um certo número de precisões metap­ sicológicas s uplementares a essa primeira abordagem das perversões.

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Em 1915, em seu estudo "Pulsões e destinos das pulsões" (9), ele defi­ ne muito rigorosamente o objetivo e o objeto da pulsão. Estas novas considerações permitem uma melhor compreensão das manifestações perversas da sexualidade, notadamente do ponto de vista da elasticida­ de dos modos de satisfação pulsionais: "O objetivo de uma pulsão é sempre a satisfação que só po­ de ser obtida suprimindo o estado de excitação à fonte da pulsão. Mas ainda que esse objetivo final permaneça invariável para ca­ da pulsão, diversos caminhos podem levar ao mesmo obj etivo fi­ nal, de modo que diferentes objetivos mais próximos ou interme­ diários podem oferecer-se para uma pulsão; esses objetivos combi­ nam-se ou permutam-se uns pelos outros . A experiência autoriza­ nos desta maneira a falar de pulsões inibidas quanto ao objetivo, nos casos de processos para os quais uma certa progressão na via da satisfação pulsional é tolerada, mas que, em seguida, sofrem uma inibição ou uma derivação. Pode-se supor que mesmo tais processos não acontecem sem satisfação parcial( l O)". Uma outra precisão fundamental será i ntroduzida por Freud a pro­ pósito do objeto da pulsão sexual. Tal objeto é totalmente variável e não é, portanto, eleito como objeto da satisfação possível senão em função da história do sujeito: "O objeto da pulsão � aquilo em que ou pelo que a pulsão pode atingir seu objetivo. E o que há de mais variável na pulsão. Não está originariamente ligado a ela : mas é somente por causa de sua aptidão particular para tornar possível a satisfação que ele é associado. Não é necessariamente um objeto externo, mas aliás uma parte do próprio corpo. Pode ser substituído à vontade duran­ te todos os destinos que conhece a pulsão; é a este deslocamento da pulsão que cabe o papel mais importante. Pode acontecer que o mesmo objeto sirva sim ultaneamente à satisfação de várias pul­ sões ( . . . ) Quando a ligação da pulsão ao objeto é particularmen­ te íntima, distinguimo-la pelo termo de fixação. Ela realiza-se fre­ qüentemente nos períodos bem iniciais de desenvolvimento da pulsão e põe fim à mobilidade desta resistindo intensamente a to­ da dissolução( l l ). " 9 - S. Freud, Triebe und Triebschicksale (1915). G. W. , X, 210/232. S.E., XIV, 109/140. Trad. J. Laplanche e J.B., Pontalis: Pulsões e destinos das pulsões", in Métapsycholo­ gie, Paris, Gallimard, 1968, pp. 1 1 -44. 10 - S. Freud, op. cit., pp. 16-19. 11 - lbid., p. 24.

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De fato, tanto o estudo das perversões contradiz a idéia de um objetivo e de um objeto sexual predeterminados e ligados ao funciona­ mento genital, quanto o estudo da sexualidade infantil fornece a pro­ va da ausência de uma semelhante especificidade em benefício de uma pluralidade de objetos e de objetivos. Freud imediatamente tira partido das conseqüências provenien­ tes da mobilidade dos objetivos e dos objetos pulsionais na sexualidade: "No tocante à característica geral das pulsões sexuais, eis o que se pode dizer: são numerosas, vindas de fontes orgânicas múltiplas, primeiro manifestam-se independentemente umas das outras e apenas são reunidas em uma síntese mais ou menos com­ pletas tardiamente. O objetivo que cada uma delas persegue é a obtenção de prazer de órgão; somente a síntese uma vez realiza­ da é que elas entram a serviço da função da reprodução, e é as­ sim que se fazem conhecer geralmente como pulsões sexuais. Em sua primeira aparição, apóiam-se primeiramente nas pulsões de conservação das quais não se desligam senão progressivamen­ te e seguem também, na descoberta do objeto, os caminhos que lhes indicam as pulsões do ego. Uma parte delas permanece asso­ ciada às pulsões do ego durante toda a vida e dota-as de compo­ nentes libidlnafs que, no funcionamento normal, escapam facil­ mente ao olhar e só são desvendadas pela doença. O que as dis­ tingue é sua possibilidade, em uma larga medida, de se substituir uma pela outra, de modo vicariante e de trocar facilmente seus objetos( 12) . " Freud isola quatro tipos de destinos pulsionais: o recalcamento e a sublimação, de um lado; de outro, a transformação no seu contrá­ rio e o retorno sobre a própria pessoa que constituem duas vicissitu­ des pulsionais diretamente em operação nas perversões. Este novo complemento metapsicológico permite a Freud resol­ ver um problema que ficara em suspense nos Tr�s ensaios sobre a te­ oria da sexualidade. Nas aberrações sexuais, Freud distinguia, de fa­ to, os desvios que se relacionam com o objeto dos desvios que se rela­ cionam com o objetivo . Concretamente, essa distinção traduzia-se pe­ la ·diferença entre inversões sexuais e perversões sexuais. As noções de "transformação em seu contrário" e "retorno so­ bre a própria pessoa" do processo pulsional vão atenuar radicalmente essa distinção. Freud assinala dois mecanismos diferentes na transfor12 - lbid., p. 24.

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mação em seu contrário. De um lado, a possibilidade de um retorno da pulsão da atividade à passividade. De outro, a transformação do próprio conteúdo do processo pulsional. Os exemplos que Freud convo­ ca para ilustrar esse primeiro tipo de mecanismo são tomadas do do­ mínio das perversões: primeiramente, o par sadismo/masoquismo; em seguida, o par voyeurismo/exibicionismo. Tanto em um caso como no outro o retorno concerne apenas os objetivos pulsionais. "O objetivo ativo: atormentar, olhar é substituído pelo objetivo passivo: ser ator­ mentado, ser olhado(l3)". Quanto à "transformação do conteúdo", ele encontra sua melhor ilustração na transformação do amor em ódio. A propósito do retorno sobre a própria pessoa, Freud baseia-se mais uma vez no exemplo das perversões, apenas com a diferença de que, no presente caso, o essencial do processo deve-se a uma mudan­ ça do objeto enquanto que o objetivo permanece idêntico: "O retorno sobre a própria pessoa é melhor compreendido quando se considera que o masoquismo é precisamente um sadis­ mo voltado para o eu-próprio e que o exibicionismo inclui o fato de olhar seu próprio corpo. A observação analítica não deixa ne­ nhuma dúvida sobre este ponto: o masoquista goza, ele também, o furor dirigido para sua própria pessoa, o exibicionista partilha o gozo daquele que o olha desnudar-se(l4)". A elaboração conceituai da noção de pulsão está na origem de uma pluralidade de elucidações fundamentais no campo das perver­ sões. As perversões a partir daqui parecem intrinsecamente ligadas a uma série de processos psicossexuais que têm pontos de inserção na evolução da organização sexual propriamente dita. Todo o conjunto das concepções ideológicas e normalizadoras associadas às perversões encontra-se arruinado. Apesar deste avanço capital na compreensão do processo perverso, ainda permanecemos, entretanto, distantes de uma abordagem estrutural das perversões. Não fosse em razão da inte­ ração colocada por Freud entre as perversões e as psiconeuroses(l5), nada deixa ainda supor a real autonomia de uma estrutura perversa. Nesta fase das elaborações freudianas, as perversões não são especifi­ cadas senão na medida em que aparecem como a "contraparte das neuroses(l6)". Esse relacionamento deixa entender que as perversões 13 14 15 16

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S. Freud, "Pulsões e destinos das pulsões", in op. clt., p. 26. S, Freud, op. cit., p. 26. Cf. "La névrese est pour ainsi dire le négatif de la perversion". S. Freud, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, op. cit., p. 56.

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atualizam, na realidade, modos de satisfações sexuais bastante idênti­

cos àqueles que estão em operação ou todas as psiconeuroses. Nas psiconeuroses, os componentes perversos da sexualidade não teriam saídas atuais. Recusadas como atualizações imediatamente possíveis, nem por isso permaneceriam menos presentes nas formas travestidas. É neste sentido que Freud formulava: "Os sintomas, portanto, formam­ se em parte em detrimento da sexualidade anormal(17) ". Sobre este ponto, um m al entendido foi amplamente desenvolvido em torno da idéia de que ao inverso do neurótico, o perverso não recalcaria, já que agiria diretamente na realidade, o que o neurótico rejeita em pro­ veito da formação substitutiva dos sintomas mórbidos. Tais acordos explicativos não resistem a uma investigação metapsicológica aprofun­ dada.A primeira decriptação do processo perverso baseada no princí­ pio das pulsões revela-se, de fato, bem depressa insuficiente. Diversas vezes, Freud retornará à problemática das perversões ao longo de sua obra. Outras noções metapsicológicas capitais, tais como a recusa da realidade, a recusa da castração e a clivagem do eu, vão desempe­ nhar um papel princeps na elucidação do processo perverso. Estas novas investigações teórico-clínicas, essencialmente conduzidas a par­ tir da análise do fetichismo, são tanto mais decisivas quanto intervie­ rem muito proximamente com a patologia das psicoses. Por esta ra­ zão, permitem determinar, como veremos adiante, não somente a pro­ ximidade estrutural das perversões e das psicoses, mas também a sin­ gularidade da patologia transexual.

17 - S. Freud, op. cit., pp. 53-54.

8 Recusa da real idade, recusa da castração e clivagem do eu

Não é, propriamente falando, o estudo das perversões que leva Freud a elaboração do conceito de recusa. A problemática da recusa é inicialmente associada ao princípio de um mecanismo de defesa que aparece na metapsicologia freudiana a partir de 1923. Até o final de seus trabalhos, Freud não deixará de fazer referência a ela. Em um primeiro momento, introduz a noção de recusa em relação direta com a castração. Já suspeitamos de seu traço explícito no esta­ do de 1 923: "A organização genital infantil" : "No decorrer desta procura, a criança chega à descoberta de que o pênis não é um bem comum a todos os seres que se pa­ recem com ela. A visão fortuita dos órgãos genitais de uma irmã­ zinha ou de uma companheira de brincadeiras fornece-lhe a oca­ sião para isso ( . . . ) Sabe-se como elas reagem às primeiras impres­ sões provocadas pela falta de pênis. Negam essa falta e acreditam

ver apesar de tudo um membro; lançam um véu sobre a contradi­ ção entre observação e o juízo anterior, achando que ele é ainda

pequeno e que logo crescerá, e elas chegam lentamente a esta conclusão de um grande alcance afetivo: em todo o caso, anterior­ mente ele estava exatamente lá e, após, foi retirado. A falta de pênis é concebida como o resultado de uma castração e a crian83

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ça encontra-se agora na obrigação de confrontar a relação da castração com sua própria pessoa ( ! ) " . Esse extrato supõe explicitamente que a "negação " ("Elas negam essa falta . . . ) é aqui apresentada como um processo de defesa para com a castração . Por outro lado, a contradição assinalada por Freud entre a observação e o j uízo anterior ( "elas lançam um véu" . . . ) pro­ põe-se exatamente como sinal prenunciador da noção de recusa que aparecerá posteriormente em um estudo de 1 925: "Algumas conse­ qüências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos": "É o processo que gostaria de descrever como recusa que entra em cena; não parece nem raro nem perigoso para a vida mental da criança, mas nos adultos introduziria uma psicose. A meni na recusa-se a aceitar o fato de s ua castração, obstina-se em sua convicção de que possui um pênis e é obrigada em segui­ da a se comportar como se fosse um homem(2)." Observamos imediatamente que a noção de "recusa " é introdu­ por Freud a propósito da vivência sexual da menina, que ele evo­ zida ca neste estudo como um "complexo de masculinidade da mulher(3 ) " . Todavia, nesse mesmo texto, o processo d e recusa é igualmente des­ crito face ao comportamento sexual do menino. "Quando o menino percebe pela primeira vez a região geni­ tal da menina, conduz-se de maneira irresoluta, pouco interessa­ do antes de tudo; não vê nada ou então, por uma recusa, atenua sua percepção, procura informações que permitam conciliá-la ao q ue ele espera (4) . " Por o utro lado, Freud estabelece uma i nterrelação entre a recu­ e sa a psicose. Esse mecanismo de defesa s upostamente Introduz a psicose de modo efetivo. Essa hipótese faz referência direta a um dos 1 - S. Freud, "Die infantile genitalorganisation (1923). G. W. Xlll, 1.293/298. S.E., XIX, 139/145. Trad. J. Laplanche: "L'organisation génitale infantile", in La vie se­ xuelle, Paris, PUF, 1969, p. 1 1 5 (sublinhado por mim). 2 - S. Freud, "Einige psychische Folgen das anatomischen Geschlet unterschieds" (1925) . G. W., XIV, 19/30. S. E. , 241/258. Trad. D. Berger: "quelques conséquen­ ces psychiques de la différence anatomique entre les sexes" in La vie sexuel/e, Paris, PUF, 1969, p. 127 (sublinhado por mim) . 3 - S. Freud, "quelques e conséquences ... ", op. cit., p. 127. 4 - S. Freud, op. cit., p. 127.

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temas que Freud começa a explorar sistematicamente a parfü de 1 924' . e do qual encontramos os primeiros argumentos em "A perda da realidade na neurose e na psicose". Nesse estudo, a recusa baseia-se na realidade exterior, e não mais diretamente na realidade da ausência de pênis na mãe, na menina, na mulher, como testemunha o exemplo clínico seguinte: "Reportar-me-ei, para dar um exemplo, a um caso analisa­ do há alguns anos: uma jovem apaixonada por seu cunhado é atin­ gida, diante do leito de morte de sua irmã, pela seguinte idéia: agora, ele está livre e pode te esposar. Essa cena é imediatamen­ te esquecida e de uma só vez introduz o processo de repressão que leva às dores histéricas. Mas, aqui, é justamente iQ.�trutivo ver em que caminho a neurose tenta regrar o conflito. Ela dl!svalo­ riza a modificação real recalcando a reivindicação pulsional em questão, a saber o amor pelo cunhado. A reação psicótica teria sido negar o fato da morte da irmã (S) . " Nesse texto, Freud adianta alguns argumentos metapsicológicos essenciais. A recusa é posta em paralelo com o recalcamento: se o re­ calcamento aparece como mecanismo indutor das neuroses, a recusa é descrita, quanto a ela, como um processo indutor das psicoses. Esta oposição "recusa/recalcamento" recobre contudo uma distinção signifi­ cativa na dinâmica intrapsíquica. O recalcamento fundamenta-se eleti­ vamente em formações psíquicas que se apresentam como exigências do Isso, enquanto que a recusa é uma rejeição de certos aspectos da realidade. Nesta época, Freud interessa-se regularmente pela distinção dos mecanismos indutores nas neuroses e nas psicoses. Em particular, es­ força-se para determinar, face às psicoses, um processo análogo ao do recalcamento tal como se opera nas neuroses. Nesta perspectiva, a recusa da realidade parece-lhe, por um tempo, o processo procura­ do. Todavia, não escapa a Freud que a recusa como tal não constitui um critério discriminatório suficiente. De fato, Freud ressaltou m uito justamente sua incidência em todos os sujeitos, fosse apenas sob a for­ ma da recusa da castração. Em contrapartida, o que é discriminatório entre neuroses e psicoses é aquilo sobre o que baseia-se a recusa: I

5 - S. Freud, "Dar Realitãtsverlustybei Neurose uns Psychose" (1924) . G . W. , XIII, 363/368. S.E., XIX, 1 81/187. Trad. D. G uérineau: "La perte de la réalité dans la né­ vrose et dans la psychose", in Névrose, Psychose et Perversion, Paria, PUF, 1973, p. 300.

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"Neurose e psicose distinguem-se bem mais entre si na pri­ meira reação (a rebelião do Isso contra o m undo exterior) que as i ntroduz do que na tentativa de reparação que a segue. "A diferença i nicial expressa-se no resultado final: na neuro­ se, um fragmento da realidade é evitado do modo da fuga, na psicose, ele é reconstruído. Ou: na psicose, a fuga inicial é segui­ da de uma fase ativa, a da reconstrução, na neurose, a obediên­ cia inicial é seguida, só depois, de uma tentativa de fuga. Ou ain­ da: a neurose não recusa a realidade, ela somente não quer sa­ ber nada dela; a psicose recusa-a e procura substituí-la(6) " . Por meio desta investigação entre as neuroses e as psicoses, Freud é levado desta maneira a melhor delimitar a problemática da recusa. U ma nova incursão nas perversões permitir-lhe-á assegurar sua elabo­ ração de um modo notável. Sua análise sobre "O Fetichismo" ( 7) em 1 927 é, com efeito, a ocasião de pôr à prova algumas conceituações metapsicológicas decisivas sobre a questão das perversões . Esse estu­ do i nscreve-se logicamente na continuiàaàe direta àos trabalhos àe 1 924: "A perda da realidade na neurose e na psicose" (8) e "Neuro­ se e Psicose " (9) . Freud reporta-se a alguns dos argumentos adianta­ dos nesses trabalhos sobre a recusa da realidade. Contrariamente as que primeiramente acreditara, a recusa da realidade não é específica das manifestações psicóticas, j á que se encontra ilustrada de uma maneira exemplar em uma perversão como o fetichismo. Freud vai associar a recusa da realidade a um outro processo metapsicológico: a clivagem do eu, que o remeterá, mais uma vez, à problemática psicótica . No caso de fetichismo, a recusa da realidade baseia-se eletiva­ mente na ausência de pênis na mãe (na mulher ) . Em relação a isso, somos portanto remetidos à questão geral da recusa da castração tal como Freud pressentira-a no nível das teorias sexuais infantis. Nesta perversão, é a persistência desta atitude infanti l que grassa . Semelhan­ te idéia vem assim confortar a hipótese da persistência do funciona­ mento das pulsões parciais, tal como ele explicara-a anteriormente(lO), 6 - Freud, "La perte de la réalité dans la névrose e dans la psychose", in op. cit. , p. 301 (sublinhado por mim). 7 - S. Freud, "Fetichismus" ( 1 927). G. W., XIV, 3 1 1/317. S. E., XVI, 147/157. Trad. D. Berger: "Le Fétichisme", in La Vie sexuelle, Paris, PUF, 1969, pp. 1 33-138. 8 - S. Freud, ibid. 9 - S. Freud, "Neurose und Psychose" (1924) . G. W., XIII, 387/391. S. E. , XIX, 1 47/1 53. Trad. D. Guérineau: "Nevrose et Psychose", in Néurose, Psychose et Per­ uersion, Paris, PUF, 1973, pp. 283-286. 10 - S. Freud, cf. supra, cap. VII: "La notion de pulsion dans le processus petvers" .

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em proveito de uma regressão e de uma fixação a um estágio da evolu­ ção sexual infantil. Em uma perversão como o fetichismo, Freud recoloca esse proces­ so no primeiro plano da economia psíquica : "Eu diria mais claramente que o fetiche é o substituto do fa­ lo da mulher no qual acreditou a criança e ao qual sabemos por­ que ela não quer renunciar( l l ) . " E m outras palavras, Freud apresenta um mecanismo de defesa desenvolvido em relação a uma realidade percebida, como um proces­ so constitutivo da organização perversa, suscetível de conj urar a angús­ tia da castração diretamente ligada à percepção dessa realidade: "Portanto, o processo era este: a criança se recusara a to­ mar conhecimento da realidade de sua percepção: a mulher não tem pênis. Não, não pode ser verdade, pois se a mulher é castra­ da, uma ameaça pesa sobre a posse de seu próprio pênis, contra o quê se indispõe este fragmento de narcisismo com o qual a natu­ reza previdente j ustamente dotou esse órgão(12) " . Nesta ocasião Freud consegue precisar, ao mesmo tempo que dis­ tinguir, o elo de parentesco da recusa com o recalcamento: "A mais antiga peça de nossa terminologia psicanalítica, a palavra "recalcamento" já se relaciona a este processo patológi­ co. Se quisermos nele separar mais nitidamente o destino da re­ presentação do destino do afeto e reservar a expressão "recalca­ mento" para o afeto, seria j usto dizer (Verleugn ung) recusa para o destino da representação ( 1 3 ) . " . O processo pulsional então é convocado em primeiro lugar no pro­ cesso da recusa. Uma pulsão não pode nunca ser conhecida do sujei­ to senão na medida em que se sustenta em uma representação. Já que o representante da pulsão é uma dupla entidade: o representante-re­ presentação associado a um quantum de afeto, no caso de fetichismo, é preciso portanto convir que a recusa baseia-se eletivamente no repre­ sentante-representação. Neste caso, trata-se de uma moção representa11 - S . Freud, "Le Fétichisme", in op. cit., p. 134. 12 - S. Freud, ibid., p. 134. 13 - S. Freud, lbid., p. 134.

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tiva que recusa a falta de pênis na mãe/mulher. Mas, ao mesmo tem­ po, encontra-se mantida uma representação radicalmente inconciliá­ vel com a a nterior, a que leva essa falta em consideração com a an­ gústia que lhe está relacionada em relação à castração. A recusa, espe­ cificamente centrada sobre a realidade da castração no fetichismo, inau­ gura assim uma atitude contraditória com aquela que dá conta da re­ alidade. Conseqüentemente, a elaboração do objeto-fetiche é a formação de compromisso que intervém entre duas forças psíquicas conflituais: "No conflito entre o peso da percepção não desejada e a força do contra-desejo, chega-se a um compromisso como só é possível sob as leis do pensamento inconsciente - os processos primários. No psiquismo deste sujeito, a m ulher certamente tem um pênis, mas esse pênis não é mais o que era antes. Alguma outra coisa tomou seu lugar, foi designada por assim dizer como um substituto e tornou-se o herdeiro do interesse que lhe fora dedicado anteriormente( 14) . ' ' N o esboço da psicanálise, Freud propõe uma formulação ainda mais explícita dessa função da recusa no fetichismo: "Esta anomalia que se pode colocar entre as perversões ba­ seia-se, sabe-se, no fato de que o paciente trata-se quase sempre de um homem - recusa-se a crer na falta de pênis na mulher, sendo p ara ele essa falta m uito penosa porque prova a possibili­ dade de sua própria castração. E por isso que ele recusa-se a ad­ mitir, apesar do que sua própria percepção sensorial permitiu-lhe constatar, que a mulher seja desprovida de pênis e se entrega à convicção oposta . Mas a percepção, ainda que negada, não dei­ xou de agir e o sujeito, apesar de tudo, não ousa pretender que viu realmente um pênis. O que ele vai fazer? Ele escolhe algu­ ma outra coisa, uma parte do corpo, um objeto ao qual atribui o papel desses pênis do qual pode não se abster. Em geral, tra­ ta-se de algum que o fetichista vi u no momento em que olhava os órgãos genitais femininos ou de um objeto suscetível de subs­ tituir simbolicamente o pênis ( . . . ) Trata-se aí de um compromis­ so estabelecido com o auxílio de um deslocamento análogo àque­ les que o sonho nos familiarizou. Mas nossas observações não param por aí. O sujeito criou para si um fetiche a fim de destruir 14 - S. Freud, "Le Fétichisme", in op. cit. , p. 1 35:

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toda e qualquer prova de uma possibilidade de castração, e para assim escapar ao medo dessa castração. Se, como outras criatu­ ras vivas, a mulher tem um pênis, não há mais razão para temer que seu próprio pênis lhe sej a tirado ( 15)" . Nesta mesma obra, Freud salienta um outro aspecto metapsicoló­ gico extremamente importante a propósito do fetichismo: a clivagem psíquica do sujeito. Desde seu estudo sobre o fetichismo, colocara-se no caminho dessa clivagem em razão da existência, no aparelho psí­ quico, de duas representações inconciliáveis entre si: "Retornando à descrição do fetichismo, devo dizer que há numerosos argumentos, e argumentos de peso, em favor da posi­ ção de clivagem do fetichista quanto à castração da mulher(16) . " Uma vez mais, é igualmente em relação às neuroses e à s psicoses que Freud aprofunda essa hipótese de uma clivagem psíquica. Para ele, essa clivagem não é mais um processo em operação apenas no fetichis­ mo. Consegue a prova incontestável disso nos psicóticos e também nos neuróticos . Semelhante hipótese somente confirmar-se-á no decor­ rer de suas pesquisas posteriores, de modo que encontramos sua mais completa informação no esboço da psicanálise. Em relação direta com a recusa da realidade, Freud introduz esta dimensão da clivagem na descrição metapsicológica dos estados psicóticos : "Em vez de uma atitude psíquica, há duas; uma, a normal, dá conta da realidade enquanto que a outra, sob a influência das pulsões, libera o eu desta última ( l 7 ) " . Neste sentido, a clivagem psíquica torna-se então clivagem do eu, j á que se trata, no seio do eu, da coexistência de duas atitudes psí­ quicas opostas em relação à realidade exterior. Freud pode assim lo­ go generalizar esta propriedade ao nível do funcionamento psíquico: "Queremos dizer portanto que em toda psicose existe uma clivagem do eu, e se fazemos questão deste postulado, é porque se encontra confirmado em outros estados mais próximos das neu15 Trad. 16 17 -

S. Freud, "Abriss der Psychoanalyse". G. W. , XVII, 67/138. S. E. XXIII, 139/207. A Berman: Abrégé de Psychanalyse, Paris, PUF, 1967, pp. 80-81. S. Freud, "Le Fétichisme", in op. cit. , p. 137. S. Freud, Abrégé de psychanalyse, op. cit., p. 80.

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roses e finalmente também nestas últimas . Eu próprio convenci­ me disso no que se refere aos casos de fetichismo(18)." Tal como s ua incidência é deste modo estendida, essa noção de clivagem permitiu a alguns comentadores de Freud pressentir, nessa nova elaboração metapsicológica, o início de uma terceira, tópica do aparelho psíq u ico. A clivagem psíquica requer ainda uma última observação que vai relacionar a questão ao próprio cerne das perversões. A recusa da realidade da castração no fetichista evidencia de maneira irrecusá­ vel que "duas atitudes persistem ao longo da vida sem i nfluenciar-se mutuamente ( 1 9 ) . " Mas Freud não deixa de assinalar que a coexistên­ cia dessa atitude dupla a respeito da castração também existe em su­ jeitos não fetichistas. Ainda que não precise explicitamente quais po­ dem ser tais sujeitos, temos razões para crer que se trata mais geral­ mente dos perversos. Isto esclarece um ponto anteriormente aborda­ do. Se a perversão é uma persistência de um ou vários traços da per­ versão polimorfa da criança, não impede de modo algum que o pro­ cesso sexual possa, por outro lado, encontrar soluções de satisfação ao nível do "comportamento normal" . A perversão não se explicita somente por meio de uma fixação da evolução sexual em um estágio infantil. Podemos aceitar a idéia de que essa evolução sexual tenha também ati ngido o termo descrito por Freud sob o nome de "fase ge­ nital" onde se integram as diferentes p ulsões parciais . No Esboço da psicanálise, Freud adianta, a partir da noção de clivagem do eu, alguns argumentos suplementares nesta direção. Isto permite compreender, em particular, porque o fetichismo é, a maior parte do tempo, parcialmente desenvolvido, isto é, para retomar a ex­ pressão de Freud, "não determina inteiramente a escolha objetal, mas autoriza, em uma medida mais ou menos ampla, :.im comporta­ mento sexual normal(20) . " Esta persistência do "comportamento se­ xual normal" paralela ao comportamento perverso é explicada total­ mente pela cl ivagem do eu. Dizer que coexistem dois conteúdos psí­ quicos sem influência recíproca é admitir q u e o perverso não conse­ gue liberar totalmente seu eu da realidade exterior. A representação que reconhece a falta de pênis na mulher é um fator psíquico promotor de uma evolução sexual para uma fase geni­ tal, como no neurótico. Isto também permite, em compensação, com­ preender a presença ativa de traços perversos nos neuróticos. Mais ge1 8 - S. Freud, ibid., p. 80. 19 - S. Freud, ibid. , p. 81 . 20 - S. Freud, ibid. , p. 81 .

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ralmente ainda, isto confirma indiretamente a inscrição do processo perverso na evolução "normal" da sexualidade. Disso encontramos tes­ temunhos decisivos no Esboço da psicanálise: "Os fatos de clivagem do eu tais como acabamos de descre­ vê-los não são nem tão novos nem tão estranhos quanto poderiam parecer à primeira vista. O fato de que uma pessoa possa adotar, em relação a um comportamento dado, duas atitudes psíquicas diferentes, opostas, independentes uma da outra, é j ustamente o que caracteriza as neuroses, mas convém dizer que em tal caso uma das atitudes é o fato do eu, enquanto que a atitude oposta, aquela que é recalcada, emana do Isso . A diferença entre os dois caso é essencialmente de ordem tópica ou estrutural, e não é sem­ pre fácil decidir de qual das duas eventualidades trata-se em ca­ da caso particular(2 l ) " . É muito interessante ver a que ponto Freud insiste, nesse texto, sobre o fato de que a distinção radical entre as perversões e as neuro­ ses supõe uma diferença de ordem tópico e estrutural. Além de isto confirmar, de uma certa forma, os lineamentos de uma concepção estrutural nas investigações freudianas, essa precisão vem j udiciosamente levantar a ambigüidade alimentada por uma fórmu­ la como: "A neurose é o negativo da perversão" . A partir do momento em que Freud nos conduz à idéia de uma diferença tópica, não pode se tratar senão de uma tópica a do apare­ lho psíquico, ou seja, uma tópica ao mesmo tempo intrasistêm ica e inter­ sistêmica. Na neurose, estamos no seio de uma tópica intersistêmica, já que as representações inconciliáveis situam-se entre o Eu e o Isso. Com o fetichismo, e mais geralmente as perversões, situamo-nos em uma tópica intrasistêmica, já que as representações inconciliáveis co­ habitam no interior de um mesmo sistema . No primeiro caso, o proces­ so de defesa em operação é portanto o recalcamento. No segundo, tra­ ta-se da recusa. Tanto em um caso como no outro, somos levados à estratégia do "Eu sei . . . mas assim mesmo", tão sutilmente analisada por Octave Mannoni em Chaves para o imaginário ou a Outra Cena: "Eu sei que . . . mas assim mesmo . . . Uma tal fórmula não é em­ pregada pelo fetichista, é claro, no que concerne à sua perver­ são: ele bem sabe que as mulheres não têm falo, mas não pode 21 - S. Freud , Abrégé de psychanalyse, op. cit. , p. 82 (sublinhado por mim).

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aí acrescentar nenhum "mas assim mesmo", porque para ele, o "mas assim mesmo", é o fetiche. O neurótico passa seu tempo a articulá-lo, mas também ele não pode enunciar sobre a questão da existência do falo, que as m ulheres assim mesmo têm um: pas­ sa seu tempo a dizê-lo de outra forma. Mas como todo mundo, por uma espécie de deslocamento, utilizará o mecanismo da Ver­ leugnung (a recusa) a propósito de outras crenças, como se a Verleugnung do falo materno desenhasse o primeiro modelo de todos os repúdios da realidade, e constituisse a origem de todas as crenças que sobrevivem em contradição à experiência ( . . . ) "Percebe-se que somente há mas assim mesmo por causa do eu sei. Por exemplo, não há fetiche senão porque o fetichis­ ta bem sabe que as mulheres não têm falo(22) . " D a recusa da realidade, da castração, à clivagem do eu, tudo se passa então como se, nas perversões, os sujeitos mantivessem este paradoxo psíquico que consiste em saber alguma coisa da castração, querendo ao mesmo tempo nada saber. Neste sentido, as perversões introduzem-nos não somente nas teorias sexuais infantis, mas ainda mais geralmente, na questão da diferença dos sexos que colocam. A recusa da castração sustentada pela clivagem do eu que lhe é associada, inscreve diretamente a organização de processo perverso na problemática fálica. E neste nível que parece oportuno interrogar as perversões para tentar circunscrever os elementos fundamentais suscetíveis de determ inar a trama de uma estrutura. Ponto crucial, já que se trata de elucidar, através dos avatares da aposta fálica, a ques­ tão da identificação perv ersa que constitui, propriamente falando, o ponto de ancoragem da estrutura das perversões.

22 - O. Mannini, C/efspour /'imaginaire ou l'Autre Scene, Paris, Seuil, 1969, pp. 1 1 -13.

9 Identificação fálica e identificação perversa

O problema levantado pelo "ponto de ancoragem da escolha per­ versa" só pode ser apreendido no contexto da lógica fálica ativamen­ te atualizada no terreno da dialética edipiana( 1 ) . Esse "ponto de anco­ ragem", como iremos ver, testemunha uma adesão singular à dimen­ são do desejo e da castração, de onde o caráter de "estratégia limite" que o perverso desenvolve em relação à Lei e à simbolização. Esta lógica fálica não é outra senão aquela da atribuição do signi­ ficante fálico na economia do desejo do sujeito. Para circunscrever o mecanismo metapsicológico que subtende a instituição do processo perverso, devemos esforçar-nos para apreender seu ponto de origem no contexto do que é habitualmente designado: identificação pré-genital. A identificação pré-genital é, antes de tudo, identificação fálica na medida em que é identificação ao falo materno . Trata-se, aqui , de uma vivência identificatória pré-edipiana da criança, onde a dinâmica de seu desej o leva-a a instituir-se como único objeto possível do dese­ jo da mãe. Isto supõe que inscrevamos essa dinâmica em relação às primeiras experiências de satisfação, onde a criança é o objeto de uma sujeição essencial. De fato, a criança é dependente do universo semân­ tico da mãe, isto é, submetida à ordem dos significantes maternos que 1 - Para detalhes dessa dialética edipiana, ver J. Dor: lntroduction à la lecture de Lacan, tomo I, op. cit., cap. 12 e 13.

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constituem a própria expressão de seu desejo. Em conseqüência, a criança torna-se imaginariamente cativa de uma sujeição à onipotên­ cia materna. A mãe já é onipotente no sentido em que garante a satis­ fação das necessidades da criança. Mas o é sobretudo na medida em que assegura à criança um capital de gozo além da satisfação de suas necessidades propriamente ditas. Sob esta dupla ocorrência, a mãe vem também ocupar, para a criança, o lugar do Outro, não somente como o referente simbólico, no sentido em que Lacan precisa ser o "companheiro da linguagem" ou " o tesouro dos significantes"; mas também na qualidade de uma instigadora de gozo que surge, originariamente para a criança, de um modo imediato, isto é, sem tê-la solicitado, sem nem mesmo tê-la procurado e ainda menos esperado. Essa dupla vivência psíquica que atribui à mãe o lugar do Outro, instrui a criança, por outro lado, a apreender a instância do desejo materno como principal suporte de sua própria dimensão identificatória. O desejo da criança far-se-á as­ sim facilmente desejo do desejo do Outro vivido primeiramente co­ mo um Outro onipotente e, em seguida, como um Outro faltante. É aliás na medida em que o Outro apresenta-se como faltante, que a criança pode colocar seu desejo nas mesmas condições de uma dialéti­ ca onde ela própria identifica-se a objeto suscetível de preencher a falta no Outro. O fundamento da identificação pré-edipiana enquan­ to é identificação fálica é portanto identificação com o objeto que sa­ tisfaz o desejo do Outro. Enquanto a mãe encarna o Outro na dinâmica do desejo da crian­ ça, esta permanece cativa de sua identificação fálica e fica assim ima­ ginariamente protegida do que poderia questionar a onipotência que cegamente atribuiu à mãe. Neste sentido, continua a aderir plenamen­ te à idéia 'de que a auto-suficiência materna é a única dimensão que legisla a ordem do desejo. A questão da diferença dos sexos é recusa­ da por um tempo(2) . A ilusão dessa auto-suficiência não pode resistir entretanto à re­ alidade desta diferença que acaba por deixá-la pressentir que o obje­ to d o desejo materno não está exclusivamente circunscrito à sua pró­ pria pessoa. Apesar disso, a criança é convocada à presença de um desejo materno que se manifesta como desejo outro que o que nutre junto a ele. A imaginação da criança leva-a então espontaneamente a negar esta ocorrência do desejo outro da mãe, isto é, a negar que a mãe seja faltante, na exata medida em que, pressentindo a falta no 2 - Cf. P. Aulagnier, "La perversion comme structure", in L 'Inconscient, n? 2, 1967, Paris, PUF, p. 17.

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a criança inscreve-se na convicção ilusória de ser ela mesma o objeto que pode preencher essa falta. A certeza imaginária da identificação fálica da criança vê-se por­ tanto inevitavelmente confrontada com uma ordem de realidade que não deixará de questioná-la. Esta interrogação é induzida pela intrusão da figura paterna cuja encarnação tem por objeto desvendar um uni­ verso de gozo novo. Não somente a criança descobre-o como um uni­ verso de gozo que lhe é estritamente estranho, mas também- como um universo de gozo proibido, na medida em que imagina estar radi­ calmente excluída dele. A vacilação de sua certeza originária é, para ela, o ponto de partida de um novo saber sobre o desejo do Outro, portanto de um novo saber sobre o seu. A criança então é introduzi­ da nos empreendimentos mobilizados pela diferença dos sexos e, con­ seqüentemente, no registro da castração. Toda a dinâmica edipiana desenvolve-se assim em torno da assunção dessa diferença sob a égi­ de da figura paterna que intervém prioritariamente como instância me­ Outro,

diadora do desejo.

Reconhecer à função paterna o papel preponderante de mediação, é conceder-lhe implicitamente a incidência de um certo modo de veto­ rização na economia do desejo da criança em relação à função fálica. Todavia, a função paterna somente é operatória com a condição expressa de ser investida do estatuto de instância simbólica mediado­ ra. Ela não se sustenta apenas no pai enquanto ele está presente, mas sobretudo no pai promovido à dignidade de pai simbólico. Essa promo­ ção supõe que esteja claramente distinta a trilogia paterna introduzi­ da por Lacan: pai real, pai imaginório e pai simbólico . O pai real é o pai na realidade de seu ser. Genitor ou não, não deixa de ser um pai no hic et nunc de sua história. Não é jamais nes­ ta dimensão contingente do aqui e agora que ele intervém no seio da dinâmica edipiana. O único modo de atualidade em que se int,erpõe nessa dinâmica junto à criança é sob a figura do pai imaginório. E aliás com essa dimensão do pai imaginário que o termo imago introduzido por Jung(3) e retomado por Freud adquire todo seu sentido. O pai não é, com efeito, jamais apreendido psíquicamente pela criança de outro modo que sob a forma dessa imagem paterna, isto é, tal como a crian­ ça interessa-se em vê-lo na economia de seu desejo e através do dis­ curso que a mãe pode manter. Ele é simultaneamente pólo das proje­ ções significantes da mãe e pólo das projeções pessoais da criança. Por esta razão, a presença do pai para a criança é sempre mais presen3 - Cf. K. G. Jung, "Wandlungen und Symbole der Libido" (191 1 ) , Métamorphoses et Symboles de la Libido, trad. L. de Vos, Paris, Aubier-Montaigne, 1931 .

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ça do pai imaginário do que do pai real. Assim , é com essa consistên­ cia de ilusão que o pai faz sua i ntrusão na dinâmica edipiana. Por seu lado, o pai simbólico, enquanto intervém de modo estruturante no com­ plexo de Édipo, não é outro senão um pai cuj a consistência é provi­ da de uma i nvestidura puramente significante face à atribuição fálica. Abordar a q uestão do pai no complexo de Édipo exige que se possa assim determinar sempre a problemática do desej o da criança -;egundo mobi lize-se em relação ao pai imaginário ou ao pai simbóli­ co. E nquanto conseqüências, isto basta para i nscrever o início do Édi­ po e o desenvolvimento de seus empreendimentos fora do campo da realidade; a trajetória imposta que a criança aí persegue em torno da questão da diferença dos sexos permanece imaginária, ao menos até o termo que para ela representa a simbolização da castração e da lei . Uma conseqüência significativa no plano clínico procede direta­ mente desse estado de fato da realidade psíq ui ca . Efetivamente, o pai real tende a aparecer como uma instância secundária no curso do Edi­ po, isto para situar a natureza da ambigüidade mantida por expres­ sões como: presença paterna ou carência paterna. Em relação ao pai real, esses atributos são inconseqüentes na medida em que o que im­ porta antes de tudo ocorre em torno da presença ou da carência do pai imaginário e, a /ortiori, do pai simbólico . A clínica fornece-nos co­ tidianamente o testemunho de evoluções edipianas perfeitamente es­ truturantes fora da presença do pai real - sej a ele ausente ou morto. Em compensação em tal caso específico, isto supõe que o pai imaginá­ rio e o pai simbólico sejam continuamente tornados presentes pelas forças de uma exigência significante que confronta autenticamente a criança à função paterna. Considerando tais condições, somente o dis­ curso materno é suscetível de realizar esta missão j unto à criança, na medida em que essa exigência significante constitui não somente o s uporte indispensável à constituição de um pai fantasmado, mas tam­ bém, em um momento oportuno, à sua consagração como pai simbó­ lico . Em outras palavras, o pai não intervém como figura estruturan­ te senão na medida estrita em que sua fala vê-se significada no discur­ so da mãe enquanto instância terceira, mediadora do desejo do Outro, como nisso i nsiste Lacan: "Na ligação estreita deste retorno da mãe a uma lei que não é a sua, com o fato de que na realidade o objeto de seu desej o é possuído 'soberanamente' por esse mesmo 'outro' à lei do qual ela remete, tem-se a chave da relação do Édipo e do que faz o caráter tão essencial, tão decisivo, dessa relação da mãe

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enquanto que peço-lhes para isolá-la como relação não com o pai mas com a palavra do pai(4)." E Lacan prossegue em outro texto: "O que queremos insistir é que não é unicamente do modo como a mãe aceita a pessoa do pai, que conviria se ocupar, mas da importância que ela dá à sua fala, ainda à sua palavra, à sua autorldade(S) ." Fora de uma vigilância mantida constantemente nesta determina­ ção do pai real, do pai simbólico e do pai imaginário, a dimensão do Edipo permanece, em grande parte ininteligível, e revela-se refratária ao sentido e ao alcance de toda intervenção terapêutica. É portanto essencialmente sob a figura do pai imaginário que a criança encontra-o como elemento perturbador capaz de fazer vacilar a segurança de sua identificação fálica. Está claro que semelhante vaci­ lação não é somente uma vacilação de fato. Apenas intervém como ele­ mento indutor de um questionamento porque a criança pressente no discurso da mãe que ela aí se expressa, ela própria, como objeto poten­ cial do desejo do pai. Contudo, esta conjectura é o objeto de uma rein­ terpretação significante imediata da criança que tende a ocultar, ao menos por um momento, que é a mãe que deseja o pai. No terreno imaginário de uma luta de prestígio, a criança facilmente desenvolve a convicção de um pai a partir de agora investido do status de objeto do desejo da mãe, isto é, do status de falo rival dele mesmo j unto a ela: be

"Neste nível, a questão que se coloca é: ser ou não ser, or not to be o falo(6) . "

to

Podemos então considerar a rivalidade fálica tanto como o que inicia quanto o que entre a vacilação da identificação fálica. Daí a im­ portância das mensagens significantes neste momento decisivo. Com efeito, é através dos significantes que a criança espera e percebe as re­ ferências que lhe permitirão vetorizar seu desejo em uma direção apta a promover seu desenvolvimento em direção a um outro horizonte ou, 4 - J. Lacan, "Les formations de l'inconscient", seminário inédito 1957-1958, ln Sé­ minaire de 22 de janeiro de 1958 (sublinhado por mim) . 5 - J. Lacan, "D'une question préliminaire à tout traitement possible de la psycho­ se" (1957), in Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 579 (sublinhado por mim). 6 - J. Lacan, "Les formations de l'inconscient", op. cit., seminário de 22 de janeiro de 1958 (sublinhado por mim).

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afinal, em uma direção que se obstrui, que se fecha, por falta de signi­ ficantes conseqüentes para remeter para mais adiante a questão da diferença dos sexos que a interroga. A função estruturante dos significantes reveste melhor do que nunca neste momento do Édipo, um papel dinamizante e, ao mesmo tempo, catalisante. De uma certa maneira, é porque o discurso signifi­ cante materno deixa em suspenso o questionamento da criança sobre o objeto do desejo da mãe, que essa questão reaparece e incita a crian­ ça a levar sua interrogação para além do lugar em que sua identifica­ ção fálica encontra uma suspensão. O discurso da mãe impele assim a criança a um "segundo fôlego" que lhe assegura um ponto de apoio permitindo-lhe projetar, para um horizonte ainda mais enigmático, o que ela já pressente, sem o saber, da ordem da castração e da lei. Es­ ta "tomada de fôlego" dada pelos significantes maternos mobiliza en­ tão a criança para um outro lugar que a liberta do empreendimento do desejo imediato que negocia com a mãe em concorrência com o pai. A partir do momento em que essa "tomada de fôlego" encontra o menor substrato para se suspender, a dinâmica tende a um estado onde a entropia vence este esforço psíquico que a criança deve produ­ zir para combatê-la. A suspensão induzida em torno da vacilação da identificação fálica é deste modo capaz de enquistar um modo particu­ lar de economia do desejo que encontra seu fundamento por meio de uma identificação perversa oferecida à assunção posterior da estru­ tura perversa propriamente dita. A identificação perversa e a organização estrutural que convoca cristalizam-se em torno de um certo número de índices testemunhas do empreendimento do desejo que aí encontra suas vias de expressão, as quais aparecerão posteriormente como traços característicos da es­ trutura. Convém ainda que sejam claramente precisadas algumas arti­ culações meta psicológicas inerentes à atualização do processo perverso.

10 Ponto de ancoragem das perversões e atualização do processo perverso

Freud determina o início do processo constitutivo das perversões em torno da problemática da atribuição f6lica da mãe tal como inter­ vém no curso do Édipo. A atribuição do falo à mãe é uma das respos­ tas_ que a criança elabora face ao enigma da diferença dos sexos. Co­ mo tal, esta resposta depende de uma construção fantasmática que pertence ao registro das teorias sexuais infantis. Freud introduz este tema da atribuição fálica muito rigorosamen­ te em uma passagem esclarecedora de "A organização genital infantil" que já vimos ( l ) . A atribuição fálica propriamente dita resulta da concepção de que alguma coisa que deveria estar lá e que é vivida como faltante. É nes­ te sentido que a atribuição fálica institui de ofício um tal objeto fálico como um objeto estritamente imagin6rio, e de uma só vez, a castração como irredutivelmente ligada à dimensão imagin6ria do falo e não à presença ou à ausência do órgão: o pênis. A criança não renuncia facilmente à representação da mãe fálica. Renunciar a essa representação seria, com efeito, para ela, ser abrupta­ mente confrontada com o real da diferença dos sexos. Ora, a criança não tem nenhum interesse psíquico em acolher esse real como tal, que lhe imporia aceitar uma conseqüência insuportável: libertar-se ela mes1 - Ver supra, nota 1, Cap. 8, p. 83.

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ma de sua identificação fálica imaginária e assim renunciar a seu esta­ tuto de único objeto do desej o da mãe. A vetorização do seu desej o em relação ao desejo do Outro mo­ biliza uma proteção fantasmática que se apóia na elaboração imaginá­ ria de um objeto que supostamente falta. Conseqüentemente, esta cons­ trução imaginária leva-a a um modo de i ntelecção da diferença dos sexos que se ordena na alternativa: ser castrado ou não ser castrado. Freud precisa,com j usta razão, que é por esta causa fantasmática que o confronto com a castração não pode deixar de ser angustiante pa­ ra a criança, e assim autorizar a crença na ameaça de castração. A criança bem poderia ser castrada ou tê-lo sido, tal como a própria mãe talvez tenha sido. A emergência da angústia de castração pode, nestas condições, favorecer na criança algumas reações defensivas destinadas a neutrali­ zá-la. Essas construções psíquicas defensivas, além de testemunharem uma recusa em aceitar a diferença dos sexos, atestam portanto, de resto, trabalho psfquico posto em operação precocemente para con­ tornar a i ncidência da castração . Tais processos defensivos, se persis­ tem , predeterminam e orientam o curso da economia psíquica em vias de realização estereotipadas estruturalmente. De uma maneira sintética, lembremos que Freud distingue esque­ maticamente três possibilidades de saída diante da angústia de castra­ ção. U m tipo de saída onde o sujeito aceitará quer queira ou não o ditame da castração e da lei submetendo-se a ele, mas com o risco de desenvolver, sem mais cessar, uma inesgotável nostalgia sintomáti­ ca diante da perda sofrida . Este é o destino comum dos neuróticos (histéricos e obsessivos) . Dois outros tipos de saídas são igualmente oferecidos aos sujeitos que só aceitarão a incidência da castração sob reserva de transgredi-la continuamente. É próprio do processo perver­ so engaj ar-se neste caminho desconfortável. Do ponto de vista freudiano, a organização perversa enraiza-se assim na a ng ústia de castração e na mobilização permanente de dispo­ sitivos defensivos destinados a contorná-la . Por esta razão, Freud salien­ ta dois processos de defesa característicos: a fixação ( associada à re­ gressão) e a recusa da realidade que parecem intervir respectivamen­ te de modo preponderante na organização destes dois casos específi­ cos de perversão: a homossexualidade e o fetichismo. A homossexualidade resultaria essencialmente de uma reação de defesa narcísica diante da castração, durante a qual a criança fixa­ ria eletivamente a representação de uma m ulher provida de um pênis. Essa representação persistiria então no i nconsciente de uma maneira ativamente presente, o influenciaria todo o dinamismo libidinal poste­ rior e:

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"Se esta representação da mulher com pênis se "fixa" na criança, resiste a todas as influências posieriores da vida e torna o homem incapaz de renunciar ao pênis em seu objeto sexual, en­ tão um tal indivíduo, com uma vida sexual normal por outro lado, tornar-se-á um homossexual e procurará seus objetos sexuais en­ tre os homens que, por outros caracteres somáticos e psíquicos, lembram-lhe a mulher. A mulher real, tal como será conhecida mais tarde, torna-se para ele impossível como objeto sexual, pois lhe falta o excitante sexual essencial e, até mesmo, em relação com uma outra impressão da infância, pode tornar-se para ele objeto de aversão ( . . . ) Quando mais tarde as partes genitais da mulher são percebidas e concebidas como mutiladas, evocam essa amea­ ça (de castração) e, por esta razão, provocam no homossexual horror em lugar de prazer(2) . " O caso específico de fetichismo supõe a intervenção de um proces­ so defensivo mais complexo que na homossexualidade. Fundamenta­ se essencialmente na recusa da realidade pela qual o sujeito recusa-se a reconhecer a existência efetiva de uma percepção traumatizante: a ausência de pênis na mãe e na m ulher(3) . No fetichismo, essa estraté­ gia de defesa é associada a um mecanismo correlativo: a elaboração de uma formação substitutiva. Esta estratégia inicia-se primeiramente pela mobilização da recu­ sa da realidade que mantém uma atitude estritamente infantil diante da ausência de pênis feminino. Esta ausência, ainda que percebida, é recusada pelo sujeito. Mas, diferentemente da estratégia homossexual, a fixação da representação da mãe fálica sendo mais lábil autoriza uma situação de compromisso. Não tendo a mulher o pênis na realidade, o fetichista vai encarnar o objeto que supostamente lhe falta substituin­ do-o por um outro objeto da realidade. É neste sentido que o objeto fetiche torna-se "o substituto do falo da mulher (da mãe) no qual acre­ ditou a criança(4) " . O objeto fetiche assim instituído contribui, por sua mediação, para confortar vários dispositivos de defesa. De um lado, permite não renunciar ao falo. De outro, conjura de modo eficaz a an­ gústia de castração. Enfim, permite ao sujeito escolher uma mulher 2 - S. Freud, "Uber infantile Sexualtheorien" (1908), G. W., VII, 171/188 S. E., IX, 205/206. Trad. J. B. Pontalis: "Les théories sexualles infantiles", in La Vie sexuelle, op. cit., p. 20. 3 - Cf. supra, Cap. 8, p. 113 e seguinte. 4 - S. Freud, "Le Fétichisme", op. cit., p. 134. Cf. também Abrégé de psychanalyse, op. cit. , pp. 80-81.

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como objeto sexual possível a partir do momento em que ela suposta­ mente tem o falo. Finalmente, essa estratégia defensiva contorna tan­ to q uanto evita o engaj amento libidinal na via da homossexualidade. A partir do fetichismo, Freud é progressivamente levado a preci­ sar"'1lm último elemento cuja função revela-se capital na compreensão do processo perverso: a clivagem do eu(5) . O funcionamento do feti­ chista evidencia de fato o paradoxo seguinte: ele faz coexistir, no ní­ vel i ntrapsíquico, dois componentes psíquicos inconciliáveis à primei­ ra vista: o reconhecimento da ausência de pênis na mulher e a recu­ sa da realidade desse reconhecimento. Em outras palavras, a realida­ de é recusada pelo sujeito sobre um fundo de ausência enquanto que a i nstauração do objeto fetiche constitui a própria prova do reconhe­ cimento permanente dessa ausência . Freud não deixa de observar, diante desses dois conteúdos psíquicos contraditórios, que eles não deixam por isso de coexistir n o aparelho psíqu ico sem jamais influen­ ciar-se reciprocamente. O porquê de sua hipótese de uma clivagem psíq uica que não deixará, aliás, de se confirmar como uma instância intrínseca à estrutura do sujeito. Essa lembrança lapidar da elucidação freudiana do processo per­ verso pode ser a partir de agora recentralizada à luz da dialética do desejo da criança suspensa no ponto da vacilação de sua identificação fálica inaugural, induzida pela intrusão da figura do pai imaginário fantasmado pela criança como objeto rival dela mesma j unto à mãe. Descobrindo, através da figura paterna, um concorrente fálico, a crian­ ça percebe, correlativamente, duas ordens de realidades que vão des­ de j á interrogar o curso de seu desejo. Em primeiro lugar, percebe que o objeto do desejo materno não é exclusivamente dependente de sua própria pessoa. Em segundo, descobre sua mãe como uma mãe faltante, em nada satisfeita pela própria criança identificada ao falo, sej a ao objeto de seu desejo. Essa dupla ocorrência, que não dei­ xa de inscrever o pai no registro da rivalidade fálica Imaginária, está na origem da i nstituição de dois traços de estrutura estereotipados: o desafio acompanhado de seu complemento inseparável, a transgres­ são, aos quais retornaremos mais adiante. Atrás da figura paterna per­ fila-se assim, como vimos, o universo de um novo gozo, tão estranho quanto proibido já que a criança não pode senão sentir-se dele excluído. Este pressentimento, através do qual a criança adivinha a ordem irredutível da castração, constitui o i nício de um novo saber sobre a questão do d esej o do O utro próprio a vetorizar a inclinação potencial de seu desej o e de seus empreendimentos de gozo que se encontram 5 - Cf. supra, Cap. 8, p. 86 e seguintes.

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aí relacionados. Se, no curso evol utivo da situação edipiana,esta estag­ nação do desejo é inevitável, ele não deixa de apresentar uma incidên­ cia decisiva já que é nesta condição que o perverso desempenha preci­ samente o empreendimento de sua estrutura. Ficando cativa dessa estagnação do desejo, a criança abre-se, com o risco de aí fixar-se, a um modo de inserção definitivo face à função fálica. Com efeito, este momento capital oferece-se a ela como um bás­ culo que a precipitará, ou não, para uma etapa posterior favorável à promoção da economia de seu desejo: a assunção da castração. Ora, é essa assunção da castração que o perverso não deixa de assediar sem jamais poder dela fazer parte, dito de outro modo, sem jamais poder a( assumir esta parte perdedora da qual se pode precisamente dizer que é negócio perdido. Somente este movimento dinâmico tem a fa­ culdade de propulsar o sujeito para o reconhecimento do real da dife­ rença dos sexos subentendida pela falta do desejo, e de levá-lo a assu­ mir essa diferença na via de alguma coisa de simbolizável ao invés do modo do tudo ou nada. O perverso subtrai-se a essa oscilação encerrando-se na represen­ tação de uma falta não simboliz6vel que o aliena e o condena, por is­ so mesmo, ao trabalho de Sfsifo de uma contestação psíquica inesgotá­ vel sob os auspícios da negação da castração da mãe. Deste modo obs­ trui-se, para o futuro perverso, a possibilidade de aceitar facilmente a castração simbólica que não tem outra função senão fazer advir o re­ al da diferença dos sexos como causa do desejo para o sujeito. A fal­ ta expressa pela intrusão paterna não tem outra missão senão susten­ tar o desejo para a possibilidade de uma nova propensão. Além do empreendimento perverso propriamente dito, essa oscila­ ção inaugura sempre o que vai fazer significante da falta no Outro. A sensibilização da criança à dimensão do pai simbólico apóia-se, com efeito, em um "pré-sentimento" psíquico com o qual a criança deverá se confrontar para abdicar de sua representação do pai imaginário. Ora, o pai não pode ser despojado de sua investidura de rival fálico sem a intercessão desse significante da falta no Outro que incita a crian­ ça a abandonar o registro do ser (ser o falo) em benefício do registro do ter (ter o falo) . A passagem do ser ao ter portanto apenas se efetua na medida em que o pai aparece à criança como aquele que suposta­ mente detém o falo que a mãe deseja. Esta atribuição fálica, que i nves­ te o pai na posição de pai simbólico, confere-lhe a autoridade de repre­ sentante da lei . Por esta razão exclusiva, a mediação da interdição do incesto institui uma função estruturante para a criança. Sob alguns aspectos, o alcance do pai simbólico permanece preci­ samente esta instância mediadora da qual o perverso nada quer saber, na medida em que ela impõe ter que reconhecer alguma coisa da ar-

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dem da falta no Outro. Por esta reiterada negação da falta, o perverso propõe-se, de fato, ao projeto de uma conjuração impossível subs­ crevendo à convicção contraditória que conhecemos. Na medida em que a intrusão paterna convoca a criança à idéia de que a mãe faltan­ te não deseja o pai senão porque ele não deixa de ter o falo, basta então provê-lo imaginariamente e manter esta atribuição, para que sejam neutralizados a diferença dos sexos e a falta que ela atualiza. A coexistência desses dois conteúdos psíquicos relativos ao em­ preendimento fálico impõe mais uma vez um perfil particular à econo­ mia do desejo. Perenizar a negação da diferença dos sexos pelo viés de tal procedimento é, de algum modo, postular uma unissexualida­ de. Mas, inversamente, postular uma unissexualidade semelhante é contestar sempre, ao mesmo tempo reconhecendo-a, a lei do pai co­ mo instância decisiva que legisla a dinâmica do desejo. A confusão paradoxal na qual instala-se facilmente a problemática perversa ten­ de a se impor como única função possível de regulamentação do dese­ jo. A ausência do pênis feminino (e materno) ratifica a própria mar­ ca do perigo do desejo. Testemunha, de fato, fantasmaticamente, o horror da atualização da castração supostamente realizada pelo pai junto à mãe. Pondo em risco a promoção do desejo do sujeito para um outro estágio, esse fantasma faz então com que renuncie à assun­ ção dsa seu próprio desejo, além da castração. E preciso reconhecer que essa cegueira fantasmática mantém o sujeito em uma confusão significativa. Efetivamente ele confunde: re­ nunciar ao desejo e renunciar ao objeto primordial de seu desejo. O que encerra a assunção do desejo perverso é, antes de tudo, o dispo­ sitivo de defesa que o torna inapto a uma descoberta que deveria fa­ zer. Só a renúncia ao objeto primordial do desejo é a condição que salvaguarda a possibilidade do próprio desejo, dando-lhe justamente um novo estatuto induzido pela mediação da função paterna: novo estatuto que_ autoriza o díreito ao desejo(6) como desejo do desejo do outro. Por causa de sua dinâmica psíquica particular, o perverso é então cativo de uma economia desejante insustentável, pois que o substrai a esse direito ao desejo.Assim, ele se esgota para negociá-la, tentando demonstrar regularmente que a única lei que lhe reconhece é a lei imperativa de seu próprio desejo, e não a lei do desejo do ou­ tro.Todos os prejuízos do processo perverso estão na mesma condição desta pôr à prova.

6 - Cf. P. Aulagnier - Spairani. "La perversion comme structure" in L 'inconscient, n? 2, abril-jun, 1967, "La perversion", PUF, pp. 11-41 .

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Baseando-se a negação essencialmente na questão do desejo da mãe pelo pai, dito de outro modo, na questão da diferença dos sexos como tal, o perverso, mais que qualquer outro, condena-se a suportar as aflições do horror da castração. Nestas condições, não pode manter senão uma relação sintomaticamente estereotipada com a mãe, além disso, com as mulheres. Porém, essa negação não poderia sustentar­ se sem que o perverso reconhecesse, por outro lado, esse desejo da mãe pelo pai, pelo menos para disso fazer o objeto de sua negação. Sob alguns aspectos, ele sabe alguma coisa da diferença dos sexos cu­ jo essencial de sua energia emprega contudo para recusar sua implica­ ção principal que institui precisamente essa diferença como a causa sig­ nificante do desejo. Esforçando-se para manter continuamente o em­ preendimento de uma possibilidade de gozo que se libertaria dessa cau­ sa significante, o perverso não tem então outra saída senão subscrever ao desafio da lei e à sua transgressão. Esses são alguns dos traços mais fundamentais da estrutura perversa que vamos agora examinar.

11 O horror da castração e a relação com as mulheres. O desafio e a transgressão

O reconhecimento do pai simbólico, pela criança, é diretamente tributário da atribuição fálicã dã qual ela é objeto. Todavia, não é porque a criança sabe que o pai é o pai provido de um pênis que lhe atribuirá necessariamente a detenção do falo. Além do atributo anatô­ mico, a criança só pode supor essa detenção fálica se descobrir, co­ mo formula Lacan, "que o pai soybe se fazer preferir pela mãe" tor­ nando-se o objeto de seu desejo. E na medida deste investimento libi­ dinal do pai que a criança descobre que o lugar do gozo materno não mais se situa junto a ela. Mas, aliás, a vetorização do desejo da mãe em relação ao pai mostra à criança que o que o pai deseja junto à mãe, é a diferença que ela encarna em comparação com aquela. A diferença dos sexos somente torna-se significante a este preço. Ora, este significante do desejo nada mais é senão o suporte indispensável à simbolização da falta. O perverso encerra-se na impossibilidade de assumir simbolica­ mente essa falta mantendo a coexistência simultânea de uma atitude que leva em consideração a diferença dos sexos e de uma outra que a recusa. Mais exatamente, ao lado do reconhecimento dessa diferen­ ça, ele mantém a recusa de suas implicações. Ora, além do fato de que a mãe não tem o pênis, a implicação essencial que se impõe é so­ bretudo a de não ter o objeto do desejo. Ela não é, então, investida como lugar da onipotência do desejo senão na própria medida em 106

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que o pai tem algo para lhe fazer desejar. Tal é a implicação lógica da diferença dos sexos como causa significante do desejo. A respeito dessa implicação, o perverso comporta-se como se, iden­ tificando todo seu alcance, ele preferisse aderir ao empreendimento de uma possibilidade de gozo que poderia aí se subtrair. Ora, tal gozo não é concebível senão por intermédio de uma construção fantasmáti­ ca elaborada em torno de um certo número de materiais provenientes das teorias sexuais infantis, construção que perpetua o horror ampla­ mente mantido diante da realidade da diferença dos sexos. Tal elabora­ ção imaginária infantil constitui um elemento particularmente persisten­ te na problemática fantasmática do horror da castração, tanto mais ati­ va em todos os perversos, quanto se sustenta no fantasma de uma cas­ tração real. O drama do horror da castração do perverso restaura-se perma­ nentemente nas forças de uma dialética complexa que faz intervir duas séries de produções psíquicas imaginárias onde concomitantemente in­ terpõem-se elementos referentes à castração da mãe (e das mulheres), estreitamente intricados na problemática do desejo da mãe pelo pai, até mesmo mais geralmente do desejo da mãe tomado enquanto tal. Essa intricação traduz-se, no perverso, por uma oscilação constante en­ tre duas potencialidades que neutralizam a dinâmica de seu próprio desejo. Em primeiro lugar, o perverso é levado espontaneamente a alimen­ tar a convicção de que a mãe não tem pênis porque foi castrada pelo pai. Neste sentido, o pai é, portanto, responsável pelo horror de uma castração supostamente real. Em segundo, o pai é investido como o agente responsável que obrigou a mãe a se comprometer na falta do desejo impondo-lhe esta lei iníqua que faz com que o desejo de um es­ teja sempre submetido à lei do desejo do outro. Seria assim que a mãe encontrar-se-ia destituída do domínio que presumivelmente tinha face à onipotência do desejo(l). Mas de resto, um outro elemento fantasmático entra em questão na construção perversa, o qual consiste em imputar à mãe a falta de estar ela própria comprometida com o pai desejando seu desejo. Nes­ te sentido, a acusação projetada contra a mãe permite ao perverso manter a crença de sua cumplicidade implícita na castração. O horror da castração não existiria se a mãe não estivesse deliberadamente com­ prometida com o pai na falta de seu desejo. Em contrapartida, o per­ verso pode entreter-se, então, com o fantasma de um pai eventualmen­ te não castrável, portanto, com a possibilidade de uma ausência de cas­ tração para ele mesmo(2). 1 - Cf. P. Aulagnier, "La perversion comme structure", op. cit., p. 22. 2 - lbid., p. 22.

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O horror da castração sustentado por essa dupla opção fantasmá­ tica, sem cessar apelando para a ordem da falta, concorre para que o perverso não possa encontrar nenhuma saída possível para o gozo, exceto sob a forma de um compromisso. Em reação a esse horror, o perverso não pode se opor senão esta outra construção fantasmática que consiste em instituir a mãe onipotente ao reinado do desejo. So­ mente a adesão incondicional ao fantasma de uma mãe não faltante neutraliza a incidência de um pai, não admitindo mais nele o que a mãe deseja. Desde então, o perverso pode continuar a se comportar ele mesmo como único e exclusivo objeto de desejo que a faz gozar. É fácil compreender em que esse compromisso ao qual o perver­ so agarra-se predeterminará inevitavelmente alguns traços de funcio­ namento psíquico cuja gestão encontrará um terreno de expressão particularmente estereotipado, não somente na relação que o perver­ so mantém com a lei, mas também mais geralmente na interpelação de seu desejo pelas mulheres e homens. Subsiste a questão de saber o que leva a criança precocemente a se encouraçar nesse fantasma que a substrai a assumir mais econo­ micamente a castração que lhe provoca horror? A observação clínica não deixa de trazer a esta questão elucidações muito penetrantes. Ainda que se possa falar de um "ponto de ancoragem" do pro­ cesso perverso, esta hipótese supõe a intervenção de alguns fatores fndutores decisivos no decorrer deste momento crucial em que a crian­ ça interroga a certeza de sua identificação fálica. Retomando a ambigüidade evocada anteriormente(3), podemos nos convencer que é exatamente sobre a natureza de um tal equívo­ co conjuntamente alimentado pela mãe e pelo pai a re�peito deste questionamento, que é induzida a ruptura da identificação fálica em proveito da identificação perversa. A essência dessa ambigüidade pode sinteticamente circunscrever­ se aos limites de dois fatores favoráveis cuja sinergia captura a crian­ ça na fronteira da dialética do ser e do ter. Trata-se, de um lado, da cumplicidade libidinal da mãe; de outro, da complacência silenciosa dopai. Em primeiro lugar, a cumplicidade libidinal da mãe de;ienvolve antes de tudo sua aptidão no terreno imediato da sedução. E preciso compreender que essa sedução é autenticamente mantida pela mãe na realidade e não resulta somente dos extravasamentos fantasmáti­ cos da criança. A maior parte do tempo, identifica-se clinicamente um verdadeiro apelo libidinal da mãe às solicitações eróticas de seu 3 - Cf. Cap. 9, p. 97-98.

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filho. Em contrapartida, a criança não pode, portanto, acolher as res­ postas da mãe senão como sendo testemunhos de reconhecimento e encorajamento às atividades eróticas que ela nutre a seu respeito(4). Este apelo sedutor da mãe, que se organiza tanto nos registros do dar a ver quanto do çiar a entender e a tocar, traduz-se então, nes­ te momento crucial do Edipo, em um verdadeiro convite ao tormento para a criança. De fato, por mais que a criança nele perceba uma au­ têntica incitação ao gozo, a mãe não deixa, na maioria das vezes, de emudecer sobre o sentido da intrusão paterna e da questão do desejo que ela supõe. Na cumplicidaCe erótica que a mãe partilha com a crian­ ça, ela pode iludir-se sobre a ausência de mediação paterna face ao desejo da mãe. Entretanto, o pai não deixa de aparecer como um intru­ so, e o permanece, tanto mais que a mãe, em nada confirmando o en­ gajamento de seu desejo por ele, também não confirma sua eventuali­ dade junto à criança. O lugar do pai não pode revelar-se então de ou­ tro modo senão perturbador e enigmático. A suspensão significante da questão do desejo da mãe contribui para sustentar a ambigüidade que atiça a atividade libidinal da criança. De resto, ela se esforçará, em compensação, para seduzir cada vez mais o objeto de seu gozo, na esperança de dissipar alguma dúvida sobre o sentido da instância paterna, confiando nessa incitação materna que a convida a menospre­ zá-la. O desafio, traço característico da estrutura perversa, encontrará nesse apelo ao menosprezo seu mais essencial ardor. , De resto, esse menosprezo recebe, a maior parte do tempo, suas melhores promessas de encorajamento através do silêncio implícito que a mãe lhe concede. Ainda que ela se refira a essa instância pater­ na como instância mediadora de seu desejo para neutralizar o investi­ mento erótico que a criança cultiva a seu respeito, a mesma nunca dei­ xa de perceber a inconsistência e a mentira que a própria mãe abriga nisso, prodigalizando-lhe suas reservas do modo de uma ameaça ou de uma falsa defesa. Permanece assim a criança duplamente cativa da sedução materna e da interdição inconseqüente que ela lhe expres­ sa no fingimento. Não é preciso mais para que a criança compreenda nisso a prescrição de um verdadeiro apelo à transgressão. Semelhante ambigüidade materna não tem contudo incidência de­ terminante senão na medida em que recebe, em eco, um certo refor­ ço do lado da complacência tácita de um pai; complacência tácita e se deixar facilmente desprover de suas prerrogativas simbólicas dele­ gando sua própria fala à da mãe com todo o equívoco que essa delega­ ção supõe. Isto não quer dizer que ela não faz caso nenhum da fala 4 - Cf. Piera Aulagnier, ibid., p. 24.

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do pai, como observamos em algumas constelações familiares psicoti­ zantes. Neste contexto, a criança não está submetida a uma lei mater­ na que não se referisse à lei do pai. A mãe do perverso não "manda no pai" e não pode ser inscrita nas mães psicotizantes "fora da lei", segundo a expressão de Lacan. A criança permanece bem confronta­ da à dimensão de um desejo referido em Nome-do-Pai, isto é, subme­ tido à lei do desejo do outro. Trata-se, no máximo, de mostrar que a significação que recebe não é mais essencialmente trazida pela pala­ vra do pai à qual submete-se a mãe. É por esta razão que a compla­ cência silenciosa paterna concorre para reforçar o equívoco autorizan­ do o discurso materno a se fazer o embaixador da interdição. Mas é também por causa dessa delegação que a criança é apesar de tudo re­ metida a uma interdição reportada à lei do pai - fosse ela enunciada pela mãe - que a substrai assim à saída psicotizante. Não é menos verdade que o princípio complacente dessa delega­ tem por efeito confundir a criança no seio de uma ambigüidade ção que a captura nas redes de uma alternativa intratável. Alternativa en­ tre a mãe ameaçadora e interditora, intermediária da fala simbólica do pai e uma mãe sedutora encorajando a criança a fazê-la gozar, que menospreza a significação estruturante da lei do pai. O reverso dessa delegação tácita traduz-se freqüentemente, nes­ ses pais complacentes, pelo desenvolvimento generoso de um rigoris­ mo estereotipado em relação às regras. Por falta de vetorizar a dialéti­ ca edipiana expressando sem equívoco o lugar e a causa do gozo ma­ terno, o pai facilmente convoca a criança, por deslocamento, aos im­ perativos das regras. Evidentemente, quanto mais esse rigorismo for totalitário, mais a criança recebe a prova da inconsistência e da fragi­ lidade simbólica do pai. Como é devido, é principalmente no registro do que poderíamos designar o "lugar educativo fálico" que as virtudes rigorosas desses pais são administradas em grande escala. As recomendações pedagó­ gicas abundam para que crianças e adolescentes aprendam a tornar­ se "homens". A maioria das vezes, esses preceitos educativos exaltam tanto mais as estereotipias imaginárias da virilidade quanto são justa­ mente destinados a mascarar, nesses pais, sua própria ambivalência fálica face à castração. A alienação da criança à intriga da sedução materna e à incúria simbólica paterna tem por conseqüência essencial incitar a criança a confortar o fantasma de uma mãe onipotente que propriamente falan­ do é a mãe fálica à qual ela não renunciará. A imagem dessa mãe fáli­ ca acompanha-la-á sem descanso a partir de agora, em cada vez que

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fomentar uma estratégia desejante a respeito das mulheres: mulheres às quais não mais renunciará, com o risco de procurar algumas vezes encontrá-las, apesar de todos os obstáculos, na pessoa de outros homens. Dominado pelo fantasma da mãe fálica, o perverso condena-se, de antemão, a manter uma economia desejante, senão impossível, pe­ lo menos torturante, com as mulheres. Sua encarnação permanece, de fato, constantemente parasitada por uma representação de duas faces da feminilidade, traindo por isso mesmo a relação estruturalmente am­ bígua do desejo perverso com o desejo do outro. Toda representação da mulher necessariamente reatualiza no per­ verso uma série de estigmas inconscientemente inscritos como os vestí­ gios de sua submissão à dupla fantasmatização da mãe não faltante ou castrada. Por mais que ele não tenha descanso em procurar na rea­ lidade seus espécimes mais apropriados, a mulher aparece-lhe alterna­ damente, ou como uma virgem com odor de santidade, ou como uma puta repulsiva. É na condição dessas duas representações incompatí­ veis que o desejo do perverso encontra continuamente, sem o saber, um terreno favorável à sua expressão. De um lado, a mulher pode encarnar a mãe fálica completamente Idealizada. Tal idealização não tem então outra função senão conti­ nuar, através da mulher, a proteger o perverso da mãe como objeto de desejo. Desde que essa idealização é um processo de defesa, a mu­ lher é não somente onipotente mas também virgem de todo desejo. Objeto puro e perfeito, a magnitude de suas perfeições situa-a no lu­ gar de um objeto fora de alcance tão proibido quanto imposs(vel. Ela encarna deste modo o modelo do ideal feminino. Sempre presente e idêntica a si própria, o perverso não tem jama_is outro privilégio senão o de dela recolher, no melhor dos casos, benevolência e proteção. De outro, a mulher pode de resto metaforizar a mãe repulsiva e abjeta; mãe sexuada tanto mais repugnante, quanto é, por esta razão, desejante e desejável em relação ao pai. Essa mulher/ mãe não tem ou­ tra saída, para o perverso, senão ser quase relegada à condição de pu­ ta, isto é, como objeto imundo oferecido ao desejo de todos, assim que ela não for mais exclusivamente reservada às mediações de seu próprio desejo. Tal é a encarnação feminina que invoca ipso facto o perverso ao próprio horror da castração. Esta repulsa, ele a experimenta sucessi­ vamente em relação à abjeção do sexo feminino castrado, fantasmado como uma ferida aberta e repulsiva, mas igualmente ameaçadora por­ que capaz de mutilar seu próprio pênis, se ele ceder ao desejo. Em to­ dos os casos, a mulher desejável e desejante é uma figura perigosa pa­ ra o perverso. Representa ou uma criatura da qual ele foge porque ela pode condená-lo a uma impotência inconscientemente mantida por es-

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se fantasma castrador alegórico da "vagina dentada"(S), ou então, uma criatura que ele sadiza como um objeto infame, tanto mais desti­ nado aos maus tratos, quanto é possível gozar com seu caráter repugnante.

5 - Um excelente estudo sobre esse tema foi apresentado por Robert Gessain: "Va­ gina Dentada na clínica e na mitologia", ln La Psychanalyse, tomo 3, PUF, 1957, pp. 247-294.

12 A ambigüidade parental indutora do processo perverso e o horror da castração

FRAGMENTO CLÍNICO Apesar de sua expressão deliberadamente lacônica(l), o fragmen­ to clínico que se seguirá constitui uma ilustração exemplar da sinergia fantasmática anteriormente exposta, tanto sobre o aspecto da ambigüi­ dade parental indutora do processo perverso, quanto sobre o do hor­ ror da castração sintomaticamente posta à prova no investimento eró­ tico das mulheres. Tão desejado quanto seu nascimento fora longamente esperado, este homem, filho único durante os cinco primeiros anos de sua vida, foi objeto de uma adoração materna tão precoce quanto inextingüível. Também ele não suportava ser separado de sua mãe, dispendendo ela própria rios de energia para que uma tão funesta eventualidade nun­ ca acontecesse. Presente em todos os momentos de sua existência, con­ seguiu a proeza de cair nas boas graças de um médico, para retardar por dois anos a entrada de seu filho na escola em nome de algumas alegações patológicas tão obscuras quanto complacentes.

1 - Estes poucos elementos clínicos, severamente expurgados de todas conotações anamnésicas demasiado pessoais, são publicados com o consentimento do interessado.

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O pai, muito ocupado em atividades profissionais monopolizado­ ras, não tinha muitas ocasiões para perturbar este idílio materno idóla­ tra. De resto, além da amnésia infantil, este homem não conservara dessa época nenhuma outra lembrança de seu pai senão a de sua as­ sídua ausência. Em contrapartida, lembrava-se com muita clareza das numerosas trocas corporais que mantinha com sua mãe nessa época. Não somen­ te ela nunca tomava banho sem convidá-lo para partilhar de suas ablu­ ções, mas ainda toda ocasião parecia propícia para que se desnudas­ se em sua presença. Os cuidados corporais que lhe prodigalizava lon­ gamente, com uma generosidade sem reservas, freqüentemente beira­ vam a indecência. Em nome do amor, carícias e toques recíprocos eram o destino cotidiano dessa criança cuja mãe, -em semelhantes oca­ siões, não deixava de dizer-lhe que ela mostrava-se muito sensível a isso. Com a idade de seis anos, dois acontecimentos vieram perturbar esta perfeita união: de um lado, o nascimento de uma outra criança; de outro, uma experiência sexual que se revelará só depois traumática. O nascimento próximo do segundo filho - que será um irmãozi­ nho - foi-lhe bem cedo anunciado por sua mãe, um pouco sob o mo­ do de uma traição culpável. Para reparar o problema a partir de en­ tão introduzido em sua ligação, ela não parou, em compensação, de tranqüilizá-lo prometendo amá-lo ainda mais quando não estivesse mais sozinho com ela. Foi a partir deste momento que ela começou a chamá-lo de "seu homenzinho". E deste então, não se passou um dia sem que exibisse seu ventre, convidando "seu homenzinho" a aca­ riciá-lo longamente. Ele crê aliás lembrar-se de que ela aproveitava a ocasião para também ela acariciar-se. A significação dessas carícias no mínimo enigmáticas não se esclarecerá senão após o segundo acon­ tecimento. O segundo episódio aconteceu quando da chegada de uma em­ pregada na casa. Contratada pela mãe para ajudá-la durante sua gra­ videz, foi apresentada à criança como um substituto materno que ela dedicava a todas suas exigências para se fazer perdoar por lhe impor a intrusão próxima de um irmãozinho. A empregada, entregue a esta função, logo entregou-se ao jogo além de todos os limites. Durante uma ausência de sua mãe, levou-o para seu quarto, tirou sua roupa, desnudou-se completamente por sua vez e acariciou-se diante da criança, perturbada por esse espetáculo. Após tê-lo convidado, durante explorações minuciosas, a informar-se sobre o conteúdo de seu gozo, a cena terminou por uma masturbação do menino, acompanhada de algumas carícias orais. Ela impôs-lhe, então, segredo absoluto, sob reserva, se a traísse, de jamais voltar a fazer.

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As trocas multiplicaram-se assim todos os dias durante algumas se­ manas. Muito depressa, a criança foi iniciada a uma amostragem de técnicas eróticas tão sutis quanto variadas, que a deixavam sempre em um estado confuso de júbilo e de inquietude mesclados. Uma das sessões de subornação angustiou-o todavia mais que o normal, o dia em que ela uniu-se verdadeiramente a ele, cavalgando-o. Aparentemente o segredo foi bem guardado. Porém pareceu-lhe impossível que sua mãe nada tenha sabido, por tê-lo surpreendido pelo menos uma vez inteiramente nu no quarto da empregada enquanto que ela própria encontrava-se seminua. Seja como for, a mãe nunca disse nada sobre isso. Tudo levava, portanto, a crer que os jogos amorosos poderiam durar muito tempo, se a empregada não tivesse sido despedida após um roubo insignificante. Após sua partida, a criança não parou de solicitar sua mãe, assi­ duamente mas com prudência, para tentar reencontrar com ela algu­ mas das emoções que lhe dispensava tão generosamente a emprega-· da. Contudo, soube mostrar-se muito prudente em seus ardores, pois alguma coisa fora-lhe perfidamente significada pela instigadora de seus prazeres. Impondo-lhe segredo, introduzira-a, com efeito, na descober­ ta do gozo, mas iniciando-o sobre o modo de um gozo proibido. A partir de então, essa proibição tornou-o não somente extraordi­ nariamente prudente em suas solicitações libidinais maternas, mas tam­ bém, muito curiosamente, cada vez mais atento à presença de seu pai que ele não tardou a descobrir como importuno. Muito sintomaticamen­ te, todas suas lembranças relacionadas à presença de seu pai não pare­ cem ter sido inscritas senão a contar desse momento. Por outro lado o que não é sintomático-, essa presença paterna começou a parecer­ lhe sob o aspecto de uma figura cada dia mais furiosa e ameaçadora. De fato, esse pai era terrivelmente violento e brutal com sua mulher. Mas ele sempre o fora. A criança simplesmente o tinha recalcado de modo enérgico, tanto quanto partilhava um amor idílico com sua mãe. Na realidade, em cada uma de suas episódiccis aparições em casa, o pai atinha-se regularmente a qualquer pretexto para bater em sua mulher e injuriá-la copiosamente. Neste mar de injúrias, uma delas, a todo momento vociferada por esse pai furioso: "Vá tomar no cu!", brus­ camente intrigou a criança por sua evocação compulsivamente reitera­ da que obcecava o curso de seu pensamento. Ainda que essa expres­ são fosse para ela especialmente ininteligível no momento, é provável que acusasse uma certa ressonância inconsciente graças às hábeis aten­ ções da empregada. Algum tempo mais tarde, essa questão devia, aliás, retornar-lhe de um modo inevitável.

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A partir dessa época, lembra-se de ter aproveitado todas as au­ sências de seu pai para consolar sua mãe das sevícias que lhe eram infligidas. Mais de uma vez, não foi desencorajado por essa mãe em semelhante circunstância. Essas intermináveis sessões de consolo cons­ tituiam ocasiões favoráveis às trocas de carícias e às confidências res­ pectivas de prazer. Ainda que essas sessões de "corpo a corpo" ja­ mais tenham atingido a luxúria de seus jogos anteriores, guardava contudo a lembrança de instantes fugidios ocupados em investigações sexuais recíprocas. O nascimento do irmão logo vai transtornar essa quietude libidi­ nal. Vivenciou a partida de sua mãe para a maternidade como um abandono quase conjugal. Confiante de seus direitos, fez-lhe, em seu retorno, indescritíveis cenas de ciúmes que se prolongaram por vários meses. Neste infedno passional, acontecia que o pai às vezes intervies­ se, separando os protagonistas, que não deixavam de exasperá-lo com suas reivindicações queixosas de infidelidades adúlteras imaginárias. Como de hábito, esses mini mal-entendidos "conjugais" entre a mãe e "seu homenzinho" culminavam com algumas brutalidades físicas e verbais. Aterrorizado pela violência ambiente, o filho rendia-se sob o pe­ so dos sarcasmos paternos que o atingiam no fundo de seu ser marte­ lando-lhe: "Que ele tinha medo de tudo!.. .. que ele chorava e se quei­ xava como uma menininha . . . que ele jamais seria um homem!" Resignado, teve que se conformar que, a partir daquele momen­ to, não estava mais sozinho para partilhar a presença e as intimida­ des de sua mãe. De resto, desde o nascimento de seu irmão, sua mãe começava a expressar-lhe certas reservas corporais, que não deixavam de ser ambíguas. Após se ter deixado acariciar com um volúpia mani­ festa, intimava-o freqüentemente para não mais continuar: "seu pai opor-se-ia a isso. Ele agora era grande demais". A lei do pai, dificilmente ausente na rusticidade paterna habitual, era deste modo timidamente convocada pelo discurso materno, mas com uma ambivalência das mais suspeitas. Se a evocação da proibi­ ção intervinha sempre após trocas corporais furtivas, não acontecia antes senão muito excepcionalmente. Apesar dessa captura sob a autoridade ambivalente de uma mãe avidamente sedutora e insignificativamente interditara, a criança foi gradualmente obrigada, no decorrer dos meses e dos anos, a sublimar a atividade erótica que desenvolvia junto a ela, em comportamentos de ternura, de atenção e de solicitude face aos quais sua mãe mostrou­ se sempre grata. Em contrapartida, na imaginação da criança, o pai fortaleceu sua imagem de brutamontes malévolo. A criança pouco a pouco persuadiu-se de que sua mãe submetia-se a ele sem defesa,

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mas que não o desejava. Assim, permaneceu intimamente convencido de que era sempre seu objeto de amor privilegiado. Todavia, algumas mudanças começaram a modificar a relação que mantinha com ela. Por seu lado, a mãe jamais se desmobilizava real­ mente nos múltiplos empreendimentos de sedução com os quais gratifi­ cava seu filho. Em particular, todas as ocasiões lhe pareciam oportu­ nas para se apresentar nua diante dele ou, ainda melhor, vestida de modo suficientemente sugestivo para lhe dissimular apenas o objeto de suas cobiças. No entanto, reagiu ao ardor das solicitações maternas evitando-a cada vez mais. O corpo de sua mãe tornou-se, para ele, pou­ co a pouco um objeto de repulsa. Seu sexo inspirou-lhe um desgosto crescente. Ele o fantasmava em representações orgânicas folclóricas mas de preferência repulsivas. . Por volta de doze anos, em conseqüência de um ato falho de sua mãe, foi involuntariamente testemunha visual de uma cena sexual vio­ lentamente sádica entre seus pais. Lembra-se de ter ficado desconcerta­ do sobretudo pelo ávido prazer expresso nos encorajamentos de sua mãe em relação a seu pai; bem mais que pela incongruência das inicia­ tivas que seu pai a estava submetendo. O espetáculo acidental dessa cena primitiva valeu-lhe, em compen­ sação, uma surra tão memorável quanto incompreendida, administra­ da a golpes de cinta por um pai furioso e ferozmente grosseiro. Total­ mente prostrado pela lembrança dessa exibição sexual parental, que permanecia incoerente para ele, profundamente ferido pela inj ustiça das represálias que ela convocara, seu estado de torpor conheceu, al­ guns dias mais tarde, sua queda previsível em um traumatismo sexual aviltante determinando para sempre o curso futuro de seus investimen­ tos libidinais. Quando voltava da escola, foi interpretado por um desconhecido de cerca de vinte anos. Deixou-se seduzir, indiferente, por esse homem que o levou para sua casa e violou-o sem nenhuma formalidade. Com­ pletamente desconcertado pelo caráter imprevisto dessa experiência se­ xual, lembra-se de ter voltado para casa com o sentimento degradante de ter sido desonrado e, ao mesmo tempo, maculado por ter-se presta­ do assim passivamente, mas não sem algum prazer, a dolorosas brutali­ dades para satisfazer o gozo de um outro. Solenemente, prometeu-se então guardar para sempre a vergonhosa lembrança dessa experiência sexual. Pouco tempo depois, começou uma verdadeira existência de calvá­ rio. Muito rapidamente, surpreendeu-se por nutrir um ódio inexplicá­ vel pelas mulheres. Primeiramente de um modo ambivalente parecen­ do-lhe as mulheres criaturas obscuramente estranhas nas quais não com­ preendia realmente o que os homens procuravam. Em seguida, de uma

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maneira resolutamente declarada, na medida em que todas as mulhe­ res distinguiam-se como seres detestáveis e ameaçadores que convi­ nha evitar. Concomitantemente, seu gosto pela relação com os ho­ mens afirmava-se. As primeiras experiências homossexuais começaram aos dezoito anos. Ainda que se repetissem com uma certa freqüência, eram sempre vividas de modo difícil, sem grande atração nem prazer, fracassando a maior parte do tempo nas soluções bem sórdidas das estereotipias sadomasoquistas mais indigentes. Em seguida, sobreveio um aumento de interesse paradoxal pelas mulheres que não deixavam, entretanto, de inspirar-lhe o mais profun­ do desprezo sexual. Esse desprezo pelo sexo das mulheres era acom­ panhado do fantasma persistente de uma dúvida quanto à existência da vagina. Essa incerteza quase obsessiva mobilizou-o regularmente em laboriosas investigações destinadas a invalidar sua convicção ima­ ginária. Nem a assídua visita às prostitutas que pagava exclusivamen­ te para assegurar-se de uisu da existência da vagina, nem a freqüên­ cia incessante às projeções pornográficas conseguiram neutralizar re­ almente essa dúvida que se mostrava recalcitrante aos mais assegura­ dos produtos de suas percepções. É claro que a persistência dessa atitude dubitativa a respeito das mulheres era um dos vestígios provenientes da problemática fantasmá­ tica mantida em torno da mãe fálica, a ausência da vagina da mulher testemunhando, com efeito, da melhor maneira nesse homem, um des­ locamento da questão da ausência do pênis. Se, fantasmaticamente, o que está deploravelmente ausente na mãe/mulher é o pênis e não a vagina, importa, antes de tudo, na realidade, que a ausência seja cristalizada em torno da vagina. Pois somente a dúvida constante mo­ bilizada por essa ausência é capaz de obrigar permanentemente o su­ jeito a disso se dissuadir com o apoio da realidade. Para ele, a função das prostitutas e dos filmes pornográficos não tinha outra razão de ser senão reiterar a prova disto. Mas"- em contrapartida, essa verifica­ ção repetitiva outorgava ao sujeito a possibilidade de explorar imagi­ nariamente todas essas provas como sendo testemunhas que fortale­ ciam a atribuição fálica. A vagina não é jamais senão um pênis inua­ ginado. Portanto, a mulher o tem. Para quem dúvida, basta ir ver e rever. A prova mais irrecusável desse fantasma fálico foi-lhe dada du­ rante a análise quando o avanço do trabalho terapêutico permitiu-lhe manter várias ligações seguidas com mulheres; ligações freqüentemen­ te difíceis, onde suas experiências sexuais permaneceram· muito tem­ po marcadas por episódios ansiosos e estases decepcionantes. Uma das causas obscuras desses processos ansiogênicos acabará por des­ vendar seu sentido: o temor fantasmático de perder seu pênis. Fantas­ ma banal da Vagina dentada, tão freqüentemente na clínica masculi-

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na,mas que sempre adquire uma ressonância particular no perverso já que ele é o ressurgimento do fantasma da mãe responsável pelo horror da castração. Na mesma época ou quase, desenvolveu-se igualmente todo um discurso estereotipado em torno da questão do pai. Primeiramente en­ carnado sob os traços de um brutamontes violento, pouco a pouco apa­ receu diferentemente, à medida que as mulheres tornavam-se cada vez mais possíveis para esse homem. O pai foi então investido, por meio de uma identificação inconsciente, como um homem impotente para suportar a dimensão de horror mobilizada pelo desejo das mulheres. A violência e a brutalidade do pai transformaram-se desta maneira, gra­ dualmente, em reações de legítima defesa. Neste sentido, o pai tornou­ se vítima em lugar da mãe. Ele não era mais o importuno que impunha sua lei iníqua à mulher (mãe) mas, ao contrário, aquele que agora so­ fria a lei das mulheres. Mais uma vez, podemos identificar nesta inversão de perspectiva um dos componentes imaginários favoritos do fantasma perverso: a sa­ ber a idéia de um pai potencialmente incastrável por pouco que a mãe, responsável pelo horror da castração, o tenha conduzido na falta origi­ nária do desejo. De resto, era todo o cenário que se invertia progressi­ vamente, já que era agora ao pai que convinha proteger da ignomínia da mãe. Esta solidariedade identificatória pai/filho permaneceu, evidente­ mente, tão problemática quanto seu componente antagônico. Ela se permitia no máximo prolongar, sobre a outra face do fantasma perver­ so, a impossibilidade factual em que se encontrava esse homem para assumir sua própria castração. Como é normal, esse acordo imaginário não durou. A alegria vitimária do pai apenas podia conduzí-lo subrepti­ ciamente da melhor maneira ao mais vivo da expectativa inicial convo­ cada pela questão do desejo da mãe. Ou seja, este empreendimento crucial em torno do qual se estrutura, precisamente, toda a dinâmica originária do processo perverso. Houve então o que acontece freqüentemente quando o encaminha­ mento analítico acaba por convocar, sem rodeios, o paciente perverso ao cerne de sua interrogação: ele interrompeu seu tratamento. A maio­ ria das vezes, este tipo de ruptura toma uma forma de acordo com as estratégias intrapsíquicas que animam a lógica de sua estrutura: o desa­ fio e a transgressão. No presente caso, o empreendimento mobilizado por essa interro­ gação, travestido primeiramente por meio de um deslocamento oportu­ no, imediatamente recentralizou-se nas condições do desenvolvimento do tratamento. Esse homem começou a questionar a seqüência de suas sessões semanais, desafiando-me assim a lhe impor seu ritmo habitual.

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Em um segundo momento, a mesma cena repetiu-se quanto ao horário das sessões, que esperava modificar ao saber de sua vontade. A resoluta firmeza que opus tanto em relação a seus desafios quan­ to a suas fantasias caprichosas não podia ser acolhida, nem mesmo entendida de outro modo senão um apelo encorajador à transgressão. Durante uma última sessão, recém tinha entrado em meu consul­ tório, e precipitou-se para sentar-se em minha própria poltrona cla­ mando alto e forte que tinha uma declaração capital para me fazer. Alegando que eu ficara sintomaticamente surdo às suas recentes súpli­ cas, disse-me primeiramente que, pelo menos por um tempo, era obri­ gado a salutarmente inverter os papéis. Totalmente escorado na mi­ nha poltrona, ordenou em seguida que eu escutasse atentamente o que tinha a me dizer, avisando-me novamente que mesmo que eu não quisesse saber nada disto, meu inconsciente apreenderia de qualquer modo alguma coisa: Tendo decidido não responder às suas últimas solicitações, era preciso que eu soubesse que eu não estava lá, portan­ to, para ajudá-lo em suas dificuldades, como, parecia, enga­ jara-me. Segundo: Eu tinha igualmente que me assegurar que a psicanálise era apenas um empreendimento mentiroso, se o psicanalis­ ta recusava-se, sem justificativa válida, a prestar serviços aos pacientes que sofriam dessas dificuldades. Enfim, eu tinha que considerar que, em conseqüência des­ Tércio: sa traição, despedia-me imediatamente em proveito de um colega do qual recebera, até o momento, a garantia de que saberia se mostrar mais compreensivo face às suas solicitações.

Primo:

Ao final dessas "considerações", sugeri compensá-lo por alguns subsídios para honrar o brio magistral com o qual ele conduzira "mi­ nha" sessão de análise. Uma vasta gargalhada bastou em seguida pa­ ra pôr fim ao último ato dessa farsa, na saída da qual confirmei-lhe sua hora para "sua" próxima sessão. Evidentemente, nunca mais voltou.

13 A relação com as mulheres O desafio. A transgressão Elementos de diagnóstico diferencial entre as perversões, a neurose obsessiva e a histeria

A RELAÇÃO COM AS MULHERES Conforme a "política" da "negação" que gera o curso ordinário de sua economia psíquica, o perverso, como vimos, permanece cativo de um conflito antinômico no investimento de seus objetos femininos que não deixam de obrigá-lo a ceder às forças caudinas da castração. Para libertar-se do horror que disso resulta, não há então outra saída para ele senão adular a mulher como virgem ou, ao contrário, maltra­ tá-la como puta. De resto, é freqüentemente a observação dessa relação de investi­ mentos antinômicos com a mulher como mulher idealizada ou como mulher repulsiva, que traz um certo número de indícios clínicos precio­ sos que permitem fundamentar a identificação diagnóstica de uma es­ trutura perversa sobre a base de traços característicos perfeitamente isoláveis. Contudo, essa singularidade de investimento dos objetos femini­ nos não é na verdade clinicamente pertinente a respeito das perver­ sões, senão com a condição de que sejam claramente precisados al­ guns pontos de diagnóstico diferencial face a organizações neuróticas tais como a estrutura obsessiva e a estrutura histérica. Na neurose obsessiva, a economia do desej o própria a essa estru­ tura pode perfeitamente induzir, em alguns sujeitos, uma problemática 1 21

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de comportamentos estereotipados face às mulheres, que não deixa de evocar, por vezes, a atitude característica dos perversos com seus objetos femininos. Por exemplo, o culto reverencioso que alguns obsessivos desen­ volvem em suas relações com as mulheres parece sustentar-se, como nas perversões, em um certo modo de idealização radical da mulher. O dédalo de precauções oratórias e materiais nas quais envolvem­ se de tão bom grado alguns obsessivos para cortejar as mulheres que desej am, adquire rapidamente o aspecto de uma verdadeira venera­ ção . À primeira vista, essa veneração evoca o culto da mulher ideali­ zada intocável tal como o perverso, por sua própria conta, rende-lhe homenagem. Na clínica obsessiva, essa veneração depende de uma outra lógi­ ca. Traduz, especialmente, a própria expressão da lógica do desejo próprio à estrutura obsessiva, que se manifesta sistematicamente no distanciamento; distanciamento que o obsessivo esforça-se para to­ mar continuamente face a seu desejo para nada saber. Se a mulher desej ada é intocável para o obsessivo, é essencialmente porque ele não quer se dar a permissão de reconhecer que a deseja. Contudo, a mulher desejada não é posta à distância como uma mulher p ura de todo desejo. Nada disso, a mulher está fora de alcan­ ce porque ela é impossível. Se aparece proibida, também não é para fortalecer o fantasma da mulher fálica onipotente do qual é preciso manter a representação imaginária. Para o obsessivo, a mulher pode ser posta à distância como uma mulher proibida, na simples medida em que é o próprio sujeito que deve se proibir de saber que deseja sob pena de se sentir comprometido. Existe igualmente um outro componente da lógica obsessiva que pode deixar pressentir alguma confusão face à mulher colocada co­ mo um objeto idealizado. Trata-se desta tendência desenvolvida por certos obsessivos, que consiste em pôr a mulher de seu desejo "nos arquivos". A mulher é posta assim numa "redoma" , tal como um ob­ jeto precioso de coleção que deve ser mantido fora de todo alcance. Nestas condições, a mulher é rebaixada à condição de objeto de pos­ se, até mesmo, acidentalmente de consumo. Assim, a mulher é venera­ da de um modo quase intocável, na própria medida em que algumas vezes acontece de o obsessivo decidir não mais tocá-la concretamen­ te, sendo essencial para ele que ela esteja lá, sempre lá, eternamente lá. Encontra-se nesse modo de idealização da mulher, bastante fre­ qüente nos obsessivos, o ressurgimento de um componente arcaico do despotismo infantil. Trata-se, em particular, desta face do despotis­ mo i nfantil q ue dá livre curso à pulsão de autoridade, à pulsão de do­ mínio do objeto. De um certo modo, se o objeto feminino é conduzi-

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do à dimensão de objeto nem desejante nem desejável, o obsessivo en­ contra nisso motivos para tranqüilizar a preocupação que tem com sua possessão. Em outras palavras, é na asfixia do desejo do outro que o obsessivo consegue sustentar a lógica própria de seu desejo. Investida inconscientemente como substituto materno, a mulher deve ficar inteira e completamente satisfeita pela presença do sujeito obsessivo, ele próprio inconscientemente identificado a seu falo. Nes­ ta "conservação" do objeto feminino, o obsessivo consegue assim man­ ter o compromisso que regulamenta seu desejo. Essa "conservação" adquire aliás com freqüência o perfil de uma ordenação, até mesmo de um encaminhamento, cujo principal interesse é velar para que o ob­ jeto permaneça, de preferência, quase inanimado, isto é, não desejante. Para chegar a isto, o obsessivo está prestes a entregar-se, genero­ samente, a um verdadeiro culto ao objeto de seu desejo assim esteriliza­ do. O empreendimento toma então rapidamente o aspecto de uma ide­ alização que se desenvolve sobre um fundo de idolatria. Ora, essa vene­ ração é provavelmente um dos piores cultos que podem ser prestados a uma mulher, já que tendem a neutralizar, de antemão, toda a veloci­ dade desejante nela. Essa veneração encontra seu sustento mais favorá­ vel no fantasma que o obsessivo desenvolve de tudo fazer por ela, de tudo lhe dar para que nada lhe falte. No objetivo de conseguir isso, es­ tá disposto, aliás, a grandes sacrifícios. A coisa não tem preço, contan­ to que ela não mais se movimente, não reivindique e nada peça. Sob todos os aspectos, a mulher idealizada assim venerada é pre­ sa no torno desta lóg�ca implacável: "um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar". E deste modo que o obsessivo presta homenagem ao objeto de seu desejo e ama-o da melhor maneira. Dito de outro mo­ do, quando a dinâmica do desejo do outro está quase morta, é neste momento, e somente neste momento, que o obsessivo pode gozar; pre­ cisamente, gozar silenciosamente o infortúnio de seu desejo. Evidentemente, a mulher deste modo idealizada jamais está com­ pletamente assim, isto é, "morta". Cedo ou tarde, o obsessivo vê-se, portanto, condenado aos tormentos da desordem. Aliás a desordem co­ meça assim que o objeto de culto venerado, intocável (e intocado) e imobilizado em seu lugar, põe-se a mexer-se, isto é, põe-se a desejar e a expressar-se como desejável sob o olhar do outro. Não é preciso mais para que o universo supostamente inamovível do obsessivo come­ ce a vacilar. A partir desse vacilamento, o objeto de culto parece-lhe brusca­ mente um objeto que não tem mais nada a ver com um objeto idealiza­ do. Ele não parece por isto, como para o perverso, um objeto de per­ dição, isto é, um objeto de repulsa infame e repugnante. Ao contrário, para o obsessivo, tudo se passa como se brutalmente ele assimilasse a

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medida exata da atração de seu objeto. Percebe-o como um objeto que pode fugir, que escapa a seu domfnio, portanto, pode perdê-lo. Eis o porquê das deploráveis empreitadas de reconquista do objeto perdido. Ao contrário do perverso que abandona ou maltrata seu objeto repulsivo, o obsessivo não sabe mais para que santo (seio)* se voltar para ser perdoado. Facilmente instituiu-se então mártir abatido e cul­ pado, pronto a sacrificar tudo para reconquistar os privilégios que acre­ ditava definitivamente adquiridos junto ao objeto do desejo mumifica­ do. A fim de que o objeto volte para ele e não lhe escape mais, o ob­ sessivo está disposto a se fazer mais histérico que um verdadeiro histé­ rico. Dispõe-se a tudo pagar, a tudo se submeter para que as coisas retomem seu lugar inicial na mortífera ordem em que se encontravam. Importa, antes de tudo, que a falta seja novamente neutralizada e que o objeto feminino reintegre seu lugar de objeto inerte sob sua "redo­ ma" benevolente que asfixia inexoravelmente seu desejo. Somente nessa condição ele pode ser novamente adulado como objeto ideal. A experiência tende a mostrar que os melhores sacrifícios e os mais medíocres remorsos não servem de nada. A falha introduzida pelo surgimento do desejo do outro - enquanto que pode ser deseja­ do mas também desejável - convoca inevitavelmente o obsessivo à · ordem da perda; mais exatamente, à ordem da castração e da perda que ela supõe. Aí está, aliás, a diferença crucial que agita o obsessivo ao contrá­ rio do perverso. O obsessivo de modo algum dispõe do "estepe" do perverso. De fato, ele não poderia se confortar com a negação da cas­ tração pela qual o perverso readquire forças para alimentar o motor de seu gozo. A mulher idealizada do obsessivo não o é jamais senão sob a garantia da fantasmagoria mágica que a torna assim. Ora, tal fantasmagoria é uma proteção que jamais é inabalável. O primeiro alerta do desejo do outro basta algumas vezes para abalar seriamen­ te a muralha deste campo entrincheirado, e obrigar o obsessivo a sair do conforto sintomático onde sua neurose o instalara. Ela o obriga no mínimo a sair fugidiamente, para lembrá-lo da castração e da fal­ ta no outro. Naquilo em que o perverso não deixa de falar na ilusão do Ideal feminino do qual é o principal artesão, o obsessivo esgota-se para re­ mendar esse ideal que não é jamais, para ele, senão urh vestígio nos­ tálgico da pré-história edipiana. * Jogo de palavras com os vocábulos saint (santo) SE e sein (seio) SE que são ho­ mófonos. (N. da T.)

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Neste sentido, podemos dizer que os obsessivos comportam-se fa­ ce à mulher idealizada como romdnticos do ser, nostálgicos que são da identificação fálica que tiveram que trocar pelo desconforto do "ter" imposto pela lei do pai. De uma maneira análoga, podemos determinar alguns elementos diferenciais entre a problemática da histeria masculina e a das perver­ sões face à questão da relação com as mulheres. Como a efervescência histérica ocasiona manifestações mais ricas e mais exageradas que as estereotipias obsessivas,a discriminação diag­ nóstica com alguns traços estruturais das perversões é mais delicada de estabelecer. Por outro lado, a ambigüidade é freqüentemente admis­ sível sempre que o histérico apresentar uma inclinação mais ou menos favorável à expressão de manifestações perversas. A relação que mantém o homem histérico com o outro feminino é, de antemão, alienada em um certo tipo de representação por cau­ sa de sua própria estrutura. A maioria das vezes, essa representação é precisamente a de uma mulher Idealizada colocada em um pedestal inacess(vel. Não se trata por isto de uma mulher erigida como virgem intocável e pura de todo desejo tal como é cultivado o fantasma do perverso. Também não se trata de mulher idealizada venerada pelo obsessivo como um objeto asseptizado de todo desejo. Ao contrário, o objeto feminino idealizado do homem histérico é uma mulher desejável, a mais desejável possível, posta em um pedes­ tal como um objeto precioso para valorizar. A mulher deve ser impe­ diosamente sedutora, disponível, oferecida sempre ao olhar do outro fascinado e ávido. O que importa antes de tudo, para o homem histéri­ co, é que seu objeto, santificado como esse ideal feminino, não trans­ grida jamais sua função de objeto a ser valorizado. Quando este é o caso, a mulher é então imediatamente desprovi­ da de seus enfeites e outros atrativos sedutores. Torna-se objeto ame­ açador, objeto a destruir. Objeto odioso de repulsa, deve, de um mo­ do ou de outro, expiar por ter caído do pedestal onde a economia libi­ dinal do histérico que a instalara tinha-se acomodado da melhor maneira. Na problemática histérica, existe toda uma dialética sutil a apreen­ der em torno desta oscilação entre a mulher idealizada sob o modo da valorização e a mulher rebaixada, odiosa � bruscamente responsá­ vel por todos os males da terra. Este jogo sutil só encontra explicação na relação ambivalente que o histérico mantém com o falo. Para o histérico, a mulher é o objeto por excelência que lhe per­ mite orientar-se, ele mesmo, em relação à posse do objeto fálico. O histérico é dramaticamente cativo da problemática do falo sob este modo exclusivo de "não tê-lo". Não se sentindo investido do atributo

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fálico, o histérico facilmente responde então ao desejo de uma mu­ lher da maneira: "eu não tenho o pênis" ( impotência), ou ainda "eu não o tenho realmente" (ejaculação precoce) . Sem adentrar mais no desenvolvimento desta dialética pênis/fa­ lo no homem histérico( l ) , convenhamos que é a partir dessa confusão sintomática e do empreendimento fálico que supõe que se pode com­ preender a natureza da reviravolta radical que nele se produz na re­ presentação da mulher. Enquanto a mulher for um objeto sedutor, ob­ jeto brilhante para valorizar, essa m ulher deste modo idealizada situa­ se fantasmaticamente para o homem histérico na posição de objeto de admiração fálica oferecido ao olhar de todos. O histérico compor­ ta-se desta maneira, na economia sintomática que é a sua, a fim de não ter que se encontrar em situação de saber se tem o falo ou não. O falo, ele o tem de uma certa maneira. Ele está aqui, no caso dessa mulher idealizada, sempre à sua disposição e no esplendor de seu fausto. Isto permite compreender porque essa mulher, promovida a es­ sa função fálica, é um objeto de posse ciosamente guardado. Mas, de resto, isto permite apreender porque o histérico faz tanta questão de oferecê-lo, sem limites e sem consideração, à admiração dos ou­ tros . Q uanto mais o objeto for oferecido à cobiça de outrem, mais o histérico recebe inconscientemente a confirmação de que se cobiça o falo através dele. Neste sentido, se o objeto feminino é um objeto de propriedade i nalienável, a posse fálica lhe é garantida. Essa elaboração fálica permanece todavia uma construção frágil. Supõe, com efeito,a mínima, que a mulher assim idealizada nessa fun­ ção de atributo fálico, se deve ser muito desejável, não deve, por outro lado, ser desejante demais. Quando este é o caso, as questões ideais complicam-se mais. As contrariedades começam por menos que o ob­ j eto feminino idealizado se ponha a desejar seu mais fiel admirador, isto é, seu parceiro histérico. O desej o da mulher remete ipso facto à questão da posse do objeto fálico. Se essa mulher põe-se a desejar, esta é a própria prova de que lhe falta alguma coisa. A fortiori, o pró­ prio desej ante, ela o convoca à ordem de supostamente ter o que lhe falta. Ora, esta é j ustamente toda a questão que agita o histérico masculino. Muito rapidamente, o objeto feminino torna-se, nestas condições, um objeto preocupante, para não dizer perseguidor, que condena im­ piedosamente o pôr à prova a atribuição fálica. Em uma tal perspecti1 - Sobre esta questão, pode-se consultar: L. Israel, L 'Hystérique, /e Sexe et /e Médecin, Paris, Masson, 1976, p. 63 e pp. 119-128. F. Perrier, "Structure hystérique et dialogue analytique", in La Chaussé d'Antin, to­ mo II, Paris, 10/18, 1978, pp. 74-78.

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va, o universo do conforto da fascinação oscila completamente no his­ térico. É a ocasião, para ele, de ser confrontado ao cortejo dos sinto­ mas que habitualmente acompanham as trocas sexuais. Ainda que não se trate senão de um aspecto suportável dos aborrecimentos, o infer­ no começa, propriamente falando, quando o objeto feminino manifes­ ta-se não somente como falante, mas põe-se a reivindicar imperativa­ mente sobre o modo do desejo, a saber de um desejo que conduz ca­ da um inevitavelmente a correr atrás do objeto a, objeto do desejo. O homem histérico sente-se desqualificado de ofício em uma tal corrida. De fato, ele próprio se desacredita, de antemão e sem sabê-lo, por cau­ sa da posição sintomática que é a sua face ao falo. Em relação a uma tal dialética, o objeto feminino apenas pode cair da posição de pedestal onde é idealizado a uma posição em que se torna detestável. E parecerá mais odioso quanto se manifestar co­ mo um objeto que se corre o risco de perder. Em outras palavras, pa­ ra o histérico, é todo o imaginário da propriedade que vacila nessa queda já que a encarnação idealizada do objeto fálico dissipa-se. E é por esta razão que o histérico inquieta-se violentamente. Nestas condições, os maus tratos infligidos ao objeto feminino destronado justificam-se. Maltratar e destruir o objeto, para o histéri­ co, é anular inconscientemente a falta da falta no objeto feminino. Por essa última manobra, torna-se eventualmente possível reconquistar in­ conscientemente a domínio possessivo do objeto. Aliás, é muito carac­ terístico que por ocasião destes momentos de prostração em que o his­ térico é confrontado com o significante da falta no outro feminino, ele próprio oscile em uma atitude arnbivalente. Ambivalência que nada mais é senão a que ele nutre permanentemente a respeito do falo. Po­ de portanto optar, sucessivamente, por urna atitude hostil, ou ao con­ trário, por urna conduta expiatória, o essencial permanecendo de qual­ quer maneira, assegurando novamente para si o domínio do objeto. Todavia, no registro da hostilidade ostentatória que às vezes desenvol­ ve para este fim, o histérico muito rapidamente encontra-se invadido por sua própria ação de destruição. A maior parte do tempo, é essa invasão que está na origem de urna meia volta do lado do remorso. A reviravolta expiatória adquire a aparência de um comportamento quase mágico, quando é destina­ do a assegurar, novamente, as boas graças do objeto feminino maltra­ tado. Para este fim, o histérico é capaz de dar o melhor de si. Tiran­ do grandemente partido da lógica própria à sua estrutura, muito facil­ mente aliena seu desejo em benefício do desejo do outro, deste outro feminino que ele se esforça para restaurar sobre o pedestal de onde caiu, a qualquer preço. Em situação expiatória onde o perdão não ad­ mite nenhum compromisso, o histérico oferece-se, preferencialmente,

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como vítima imperdoável, pronto a tudo imolar sobre o altar de seu objeto idealizado. Como os benefícios da humilhação são supostamen­ te tão desejados quanto esperados, a expiação não tem limite para santificar - inconscientemente - a ferida narcísica intolerável. O histé­ rico apresenta-se como o objeto indigno por excelência, diante do de­ sastre fantasmático ocasionado pelo desaparecimento do objeto fáli­ co. Essa indignidade é tanto mais preciosa quanto deve vir testemu­ nhar, de visu, a miséria de não tê-lo aos olhos daquela que pode sepa­ rar esta carência. O sacrifício deve então ser levado ao extremo em relação ao objeto amado. De qualquer maneira, trata-se, na problemática do homem histé­ rico, de uma confusão trágica entre o amor e o desejo. Tudo se pas­ sa como se a dimensão do amor pelo objeto feminino devesse se ofe­ recer como garantia exclusiva do desejo. Em conseqüência, o histéri­ co aí se subscreve tanto mais quanto seu objetivo é principalmente destinado a paralisar o desejo do outro. Quanto mais o histérico ama seu objeto idealizado, mais se precavém de seu desejo. Por isso o inte­ resse de expressar também um amor sem limites, pois quanto mais ele se desenvolver, mais será ocultado o lugar da falta no outro. O histérico procura, assim, apresentar-se como um herói sacrifica­ do no terreno de seu amor pelo outro feminino. Esforça-se para pare­ cer deste modo, como aqueles que pode tudo oferecer, reparando des­ te modo inconscientemente o que não pode dar por não tê-lo. Esta dimensão sacrificial do amor transforma-o eventualmente em trova­ dor campeão da corte amorosa, ou de acordo com o caso, em velho combatente queixoso e desconhecido, isto é, não recompensado por todos os sacrifícios sofridos e os serviços prestados em honra da da­ ma. O histérico dá assim sua última cartada para reconquistar seu ob­ jeto feminino idealizado. Em tal situação, o sacrifício amoroso do histérico produz, o mais freqüentemente, um efeito inverso ao objetivo que persegue. Quanto mais o amor entra em cena sob o modo sacrificial, mais confirma no outro feminino a neutralização de seu desejo. Neste mal entendido confuso do desejo e do amor, o histérico não paga, na verdade, senão o tributo de sua inscrição própria à fun­ ção fálica. Quanto mais cara for a dívida expiatória, mais a lógica his­ térica do desej o encontra uma solução de expressão adequada à insa­ tisfação. De fato, a dimensão do mal entendido cresce em progressão geométrica à medida que o amor passe à frente do desejo. Quanto à dimensão do desejo no objeto feminino, decresce na mesma propor­ ção à medida que a irrupção do amor esforça-se para aterrar a dinâ­ mica viva do desejo. Se, por diferentes aspectos, o investimento erótico da mulher po­ de ocasionar, no homem histérico, estereotipias de comportamentos

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que evocam a perversão, no entanto subsiste uma diferença absoluta na função preenchida pela idealização ou pela destruição do objeto fe­ minino, segundo a lógica fálica respectiva dos histéricos e dos perversos. Lá onde o objeto feminino, no perverso, é destinado a recusar a castração e manter sua conjuração, em contrapartida, a mulher erotica­ mente investida constitui para o histérico o testemunho mais seguro da viscosidade de sua adesão à castração cuja melhor prova de reco­ nhecimento permanece ainda a falência sintomática de sua atribuição fálica.

O DESAFIO - A TRANSGRESSÃO Reconhecer que a negação do perverso baseia-se essencialmente na questão do desejo da mãe pelo pai, é enunciar implicitamente que esta recusa é fundamentalmente aquela da diferença dos sexos. Porém , como Freud muito j udiciosamente observara, essa negação não pode nunca se fundamentar como tal senão porque o perverso sabe, de um certo modo, o que supõe o engajamento do desejo da mãe junto ao pai. Outra maneira de dizer que, no mesmo tempo que reconhece o re­ al da diferença dos sexos, sob alguns aspectos, o perverso aplica-se a recusar suas implicações cuja principal consiste em considerar a diferen­ ça dos sexos como causa significante do desejo. Daí sua necessidade de tentar manter permanentemente o empreendimento de uma possibi­ lidade de gozo que poderia fazer a economia dessa causa significante. Para conseguir isto, não existe outra saída, quanto a ele, senão provo­ car a lei, desafiá-la* .

Mas, de resto, é nessa provocação incessante da lei que ele se as­ segura - até mesmo se ressegura - de que a lei realmente existe, que pode encontrá-la e procurar nela experimentar a economia de seu go­ zo. É neste sentido que a transgressão é o correlato inevitável do desa­ fio. Não há meio mais oportuno de assegurar-se da existência da Lei do que se esforçando para transgredir as interdições, e as leis que as instituem simbolicamente. Aliás, o perverso sempre encontra a sanção que procura neste deslocamento metonímico da transgressão das inter­ dições já que essa sanção é o limite que remete, ela própria metonimi­ camente, ao limite da interdição do incesto. * Em resumo, quanto mais o perverso desafia e transgride os limites, mais procurará se assegurar de que a lei se origina para cada um na diferença dos sexos e na interdi­ ção do incesto.

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Esta lógica requer no entanto que sejamos vigilantes face a cer­ tos casos específicos capazes de provocar confusões diagnósticas in­ conseqüentes, em particular, no terreno da neurose obsessiva e da histeria. Não é excepcional identificar, em certos momentos fecundos da dinâm ica obsessiva, processos de transgressão. Neste caso, esses fenô­ menos de transgressão estão diretamente ligados ao avanço dos obses­ sivos em relação a seu desejo. Acontece que, algumas vezes, o dese­ j o anda mais depressa que o obsessivo que dele nada quer saber. Nes­ tas circunstâncias, o sujeito é ultrapassado pela atualização de seu de­ sejo que, aliás, sofre de um modo passivo a maior parte do tempo. O obsessivo é portanto de certo modo raptado por seu próprio dese­ jo. É no seio deste contexto favorável que a atualização encontra seu caminho de expressão em um agir transgressivo . Ainda q ue se trate, no maior número de casos, de uma transgres­ são i nsignificante ou desprezível, não deixa de ser sempre vivida pe­ lo suj eito na dramatização. O caráter por vezes espetacular da trans­ gressão é precisamente relacionado a essa dramatização que a acom­ panha e lhe dá, por esta razão, a consistência de uma transgressão perversa. O acting out torna-se freqüentemente o elemento motor que cata­ lisa essa dramatização. Efetivamente é neste registro que o obsessivo autoriza-se a agir por seu desejo e precipita-se apesar de si no gozo da transgressão. É fácil apreender, nesse contexto particular da transgressão ob­ sessiva, que um elemento decisivo dificilmente está ausente. Trata-se j ustamente deste caráter que acusa toda a diferença com uma autênti­ ca transgressão perversa: a saber, o desafio, pelo menos na acepção muito precisa que toma no terreno das perversões. Não podemos negar que alguns comportamentos de desafio es­ tão manifestamente presentes na problemática obsessiva . Lembremos, por exemplo, a compulsão dos obsessivos a engajar-se nas competi­ ções de autoridade. Essas competições sempre permanecem subtendi­ das p�lo componente de uma adversidade (real ou imaginária) a desa­ fiar. E principalmente neste terreno que a dimensão do desafio está presente nos obsessivos. Contudo, assim que o desafio entra em jo­ go na estratégia obsessiva, a possibilidade de transgressão é neutraliza­ da. Neste clima de "mobilização geral" onde o obsessivo empreende o desafio da adversidade, jamais pode desafiá-la de outro modo senão seguindo a perspectiva de um "combate regular". Neste sentido, to­ da transgressão torna-se quase impossível. De resto, bem sabemos que é precisamente por esta razão que o obsessivo desgosta-se tão fa-

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cilmente diante d a menor falta à regra. Do mesmo modo, é o que faz pensar que o obsessivo faz esforços desesperados (sem sabê-lo) para ser perverso sem Jamais consegui-lo. Na realidade, quanto mais torna­ se campeão da legalidade, mais luta - sem o saber freqüentemente contra seu desejo de transgressão. O que o obsessivo ignora ou não quer saber sobre a questão do desafio é que ele é, a maior parte do tempo, o único protagonista inte­ ressado. Para engajar-se no desafio, é necessário que se crie uma situa­ ção imaginária de adversidade, que lhe permita desconhecer que é qua­ se sempre ele mesmo que lança desafios para si. Em conseqüência, é com grande alarde, em um grande reforço de atividades e de demons­ tração de energia, que finge resolvê-los. No campo da h isteria, um outro tipo de confusão diagnóstica ne­ cessita ser esclarecida. A histeria alimenta muito freqüentemente uma tendência favorável para a transgressão. A dinâmica específica da eco­ nomia do desejo histérico com freqüência mobiliza o sujeito para situa­ ções perversas. A transgressão é subtendida por um agudo questiona­ mento referente à dimensão da identificação, a qual é chamada pelo empreendimento fálico e seu corolário: a identidade sexual. A ambigüidade fundamentalmente alimentada pelo histérico face à sua identidade sexual impõe muitas vezes a seu desejo que tome cer­ tas vias de expressão que facilmente acusam o perfil perverso. Para mencionar apenas dois casos específicos tão freqüentes quanto caracte­ rísticos, mencionemos primeiramente a ambigüidade perversa atualiza­ da pela mlse en scene homossexual dos histéricos; lembremos igualmen­ te o gozo perverso dos h istéricos em fazer aparecer a verdade, ou se­ ja, esta posição assinalada por Lacan sob o termo de bela alma. Por detrás desse empréstimo hegeliano, trata-se de determinar esta disposi­ ção favorável do histérico que consiste em fazer a verdade aparecer ide­ almente, ao preço de desvendar diante de um terceiro, o empreendi­ mento do desejo do outro. Para ficar somente nesses exemplos - existem outros -, deve-se convir que a dimensão da transgressão nesse contexto histérico estó en­ fraquecida pelo que constitui seu domínio tipicamente perverso. E aí ressurge, muito evidentemente, o problema da consistência do desafio. Certamente, existe uma expressão do desafio no histérico, mas ela jamais questiona, como no perverso, a lei do pai referida à lógica fáli­ ca e ao significante da castração. Na histeria, o significante da castra­ ção é especialmente integrado e é precisamente o preço da perda a pagar por esta simbolização que se manifesta sob esta forma preferen­ cial da reivindicação fálica. Assim como pude escrever que os obsessi­ vos eram nostólgicos do ser, podemos dizer dos sujeitos histéricos que são militantes do ter.

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Convém ser muito circunspecto sobre a natureza dos empreendi­ mentos intrapsíquicos que levam o histérico ao desafio. Na maioria das vezes, no histérico, o componente do desafio é correlativo da di­ mensão do semblante e não da dimensão da transgressão como é de regra no perverso. O desafio que o histérico sustenta sobre o aspec­ to do semblante inscreve-se e m uma estratégia de reivindicação fálica. Lembremos o clássico exemplo da identificação fantasmática da mulher histérica com a prostituta. É sempre em um formidável desafio fálico que a histérica obstina-se em palmilhar as calçadas ou ficar no carro em um lugar estratégico. Mas o gozo da histérica através desse desafio caduda imediatamente depois de lhe ser dada a ocasião de re­ vidar ao "consumidor" imprudente: "Você está enganado. Não sou quem você pensa!" Um outro terreno favorável à manifestação do desafio histérico feminino é o do "pôr à prova" no registro da contestação fálica, diri­ gido contra um parceiro masculino. Uma das expressões favoritas des­ se pôr à prova atualiza-se pela invectiva clássica: "Sem mim, não se­ rias nada!" Fórmula canônica que tem sua mais extra tradução nestes termos: "Eu te desafio a me provar que tens mesmo o que suposta­ mente tens." Como sabemos, por menos que o parceiro imprudente engaje-se em uma tal demonstração, a histérica não pára portanto de sobrelançar o desafio. Na vertente da histeria masculina, o desafio é, ele também, colo­ cado na situação da atribuição fálica, mas de um outro modo. Tudo se passa como se o histérico masculino não se investisse, com efeito, na estratégia do desafio senão com a condição de ser a ela convoca­ do pelo desejo do outro feminino. É no contexto desta dialética do desejo que o homem histérico facilmente lança-se a si m esm o um de­ safio insustentável, já que resulta de uma conversão inconsciente en­ tre desejo e virilidade. Parn o histérico masculino, "ser desejado" ou "ser desejável" não pode se explicar de outro modo senão em relação à virilidade. Tal confusão implica logicamente que não pode desejar uma mulher sem administrar-lhe a prova de sua virilidade. O histéri­ co prende-se ele próprio nesse desafio, tão implacável quanto piedo­ so, de só poder desejar uma mulher se tiver a certeza (fantasmática) de que ela sucumbirá à demonstração dessa virilidade. Em outras pala­ vras, o gozo da mulher é investido pelo histérico masculino como o indício de sua capitulação diante da onipotência fálica. Pego na arma­ dilha de um desafio tão insustentável quanto imaginário, o histérico não tem geralmente outra saída senão responder a isso do modo da enfermidade sexual sintomática que lhe é familiar: a ejaculação preco­ ce ou a impotência.

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Tanto na vertente feminina quanto na masculina, a dimensão do desafio no histérico tem pouca comparação com a do perverso. Como para o obsessivo, o desafio face à posse do objeto fólico situa-se essen­ cialmente na alternativa de tê-lo ou não tê-lo. No perverso, a problemática do desafio organiza-se de modo to­ talmente diferente. O que é fundamentalmente desafiado é a lei do pai. Seu desafio situa-se portanto, quanto a ele, essencialmente no registro da dialética do ser. Aliás, encontramos a confirmação mais significati­ va disto através do caráter imperativo com o qual o perverso faz inter­ vir a lei do seu desejo. Tende a impô-la como a única lei do desejo que reconhece e não como a expressão de um 9esejo que se encontraria fundamentado pela lei do desejo do outro. E porque essa lei do dese­ jo do outro é inauguralmente a lei do pai, que se pode dizer, deste pon­ to de vista, que é o pai que faz a lei para a mãe e para a criança. Es­ sa lei do pai, com tudo que impõe de uma falta a simbolizar através da castração, constitui o objetivo fundamental que o perverso dedicar­ se-á permanentemente a desafiar. Desafiando essa lei, desafia portan­ to, por isso mesmo, a regra que exige que a lei de seu desejo seja sub­ metida à lei do desejo do outro .

14 O gozo perverso e o terceiro cúmplice: o segredo e o agir

Se o perverso não ignora a Lei , não fosse pelo luxo exclusivo de apenas ter de encontrá-la senão através do desafio, a atualização desta provocação toma algumas vezes as vias de resolução mais ines­ peradas . Como a consistência do desafio comporta em si mesma uma as­ piração que não é estranha às estratégias de subversão, não é surpre­ endente que se possa insinuar em reviravoltas impressionantes. Preocupados que estão em procurar estabelecer os fundamentos de todas as leis - a começar pela própria lei de seu desejo -, os per­ versos têm inclinações favoráveis pela metamorfose da ordem dos va­ lores mais fundantes, dos quais esforçam-se para assegurar e desen­ volver cada vez mais a legislação inaugural: Como m uito justamente observa Jean Clavreul: "Não se poderia falar de perversões hoje sem levar em con­ ta esta m uito significativa corrente que leva à desalienação dos perversos, e que se acentua,à medida que se discerne que não há suj eito considerado normal que fosse inacessível à atração da perversão. (1 )" 1 - J. Clavreul, "Perversions", in Encyclo .. paedia. Universalis, tomo 14, Paris, 1985,

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Por esta razão, alguns dentre eles podem tornar-se grãndes mora­ listas. Outros preferirão exercer seus talentos nos arcanos da iniciação, da reforma especulativa, da educação, até mesmo da reeducação, tra­ balhando assim para a promoção de ordens de valores originais dos quais não descansarão nunca em melhor fundamentar as regras e as leis. Ainda que alguns distinguam-se em exorcizar nestes terrenos espi­ rituais a lógica implacável do desafio e da transgressão que os susten­ ta, longe está que essa propensão provocadora encontre sempre sua principal via de assunção a se pôr a serviço de produções valorizadas socialmente. Talvez seja esse mesmo, no perverso, todo o caminho que separa a subversão da subordinação. Em grande parte, o teor des­ se caminho a superar parece depender do destino que é dado ao go­ zo perverso e à aptidão de sua sublimação. O perverso jamais tem o hábito de mostrar-se avaro em relação a esse gozo, por menos que lhe seja oferecida uma ocasião oportuna para enganar o aliado favorável a seu desenvolvimento: a mediação do terceiro cúmplice. Evidentemente, o lugar do gozo perverso vem se colocar neste es­ paço em que o perverso finge experimentar o empreendimento psíqui­ co que constitui sua espinha dorsal: de um lado, a prevalência da l�i de seu desejo como única lei possível do desejo; de outro, o reconheci­ mento do desejo do outro como instância que vem mediar o desejo de cada um. Em relação a essas duas opções, o gozo perverso resulta de uma estratégia de conciliação impossível cujo interesse essencial é despertar a convicção junto a um terceiro de que ela talvez não o seja e, de uma só vez, aí capturá-la. O perverso é assim levado a colocar, primeira­ mente, a lei do pai (e a castração) como um limite existente, a fim de melhor demonstrar em seguida que ela t,alvez não seja, já que se po­ de sempre aceitar o risco de transpô-la. E na estratégia dessa transpo­ sição que o perverso oferece o benefício de seu gozo. Todavia, a volú­ pia da estratégia não poderia ser adquirida sem a cumplicidade - ima­ ginária ou real - de uma testemunha que assiste, petrificada, 'a esca­ moteação fantasmática na qual se encerra o perverso face à castração. A convocação desse terceiro cúmplice, necessária para sustentar a assunção do gozo perverso, não é jamais senão a reiteração metoní­ mica deste terceiro inaugural que a fez nascer tanto quanto sustentou-a, a saber, a mãe. É neste sentido que o agir perverso somente pode asse­ gurar-se de seu prêmio de gozo por meio de um terceiro cúmplice cu, ja presença e olhar lhe são indispensáveis. Em um brilhante estudo consagrado às perversões, Jean Clavreul desenvolve de maneira muito elucidativa a necessidade desse terceiro olhar no ato perverso:

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"Está claro que é enquanto portador de um olhar que o Ou­ tro será o parceiro, isto é, antes de tudo cúmplice do ato perver­ so. C hegamos aqui ao que distingue radicalmente aipr6ticaper­ versa onde o olhar do Outro é indispensável porque é necessário à cumplicidade sem o quê não existiria o campo de ilusão, e __o fantas m aperverso que, não somente contenta-se muito bem com a ausência do olhar do Outro, mas solicita, para concluir, para satisfazer�se na solidão do ato masturbatório. Se o ato perverso distingue-se sem equívoco do fantasma atuado, é então nesta li­ nha em que se inscreve o olhar do outro que discernimos sua fron­ teira, olhar cuja cumplicidade é necessária para o perverso en­ q uanto q ue é denunciador para o normal ou o neurótico{2) . " Muito evidentemente, é na medida dessa cumplicidade implícita do outro que o perverso pode brandir o desafio corno modo de aces­ so ao gozo. De modo que a estratégia perversa permanece surpreen­ dentemente fixa em seu princípio, mesmo se estas execuções ocasio­ nam a efervescência que conhecemos. Essa estratégia consiste princi­ palmente, corno assinala-a Clavreul, em desviar o outro em relação às balizas e aos limites que o inscrevem em relação à lei {ou à regra) : "O que permanece mais importante para o perverso é o fa­ to de q ue o Outro esteja suficientemente engajado, inscrito em balizas comuns, notadarnente de respeitabilidade, para que ca­ da nova experiência passe por devassidão, isto é, para que o Ou­ tro encontre-se fora de seu sistema, e para que aceda a um go­ zo do q ual o perverso tem confiança de ter, seja como for, o do­ rnínio. { 3 ) " Corno é normal, devemos confiar que o perverso, no agir neces­ sário ao desenvolvimento de seu gozo, arme-se com suas armas favo­ ritas: a transgressão e o desafio. Um dos terrenos mais privilegiados ao desenvolvimento do agir perverso permanece ainda o do segredo, o qual constitui, por essên­ cia, um pólo de atração fascinante para a transgressão. Trata-se de determinar b em as causas da estratégia atualizada em torno desta ques­ tão. Uma rápida olhada na neurose obsessiva permite esclarecer, por comparação, a especificidade da transgressão do segredo no perverso. 2 - J. Clavreul, "Le couple pervers", in Le Désir et la Peruersion, obra coletiva, Paris, Seuil, 1 967, pp. 108-109. 3 - J. Clavreul, "Le couple pervers", op. cit. , pp. 109-110.

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Não há situação comum da vida sem que o obsessivo acabe por se encontrar ou menos tomado pela questão do segredo. Na maioria das vezes, encontra-se a ele relacionado do modo de uma apreensão na qual ele mesmo se encerrou. Todo o irrisório desta apreensão de­ ve-se principalmente ao fato de que o segredo do obsessivo é um "se­ gredo de polichinelo"*. Enquanto que o segredo transpira seu conteú­ do a quem quiser saber, somente o obsessivo desenvolve a ilusão de partilhá-lo com ele próprio. Essa estratégia que consiste em manter se­ creta, quanto a si, uma coisa que ele não cessa de significar a todos apesar dele mesmo, deve-se essencialmente aos mecanismos que a es­ truturam: a anulação e o isola m ento. É comum que a natureza de um tal segredo seja circunscrita a al­ go que concerne ao desenvolvimento do desejo que o sujeito aplica­ se desesperadamente para pôr à distância de si mesmo procurando deslocá-lo. Quando seus esforços, totalmente esgotados em manter es­ sa distância, não mais conseguem, sua última defesa sintomática con­ siste em transformá-la em segredo. Esse segredo, o obsessivo não vai deixar de venerá-lo, de saboreá­ lo e de amá-lo silenciosamente. É objeto de longas e incessantes rumi­ nações. E quanto mais o obsessivo rumina, mais a coisa lhe parece se­ creta. O gozo desta laboriosa e inesgotável arenga interior é alimenta­ do por um fantasma persistente: a antecipação do efeito produzido no dia em que desvendar o segredo. A surpresa que pressente à idéia dessa revelação sustenta-se em um florescimento de conjecturas fantas­ máticas nas quais se encontra, aliás, o essencial do sadismo do obsessivo. Neste sentido, ele apenas pode imaginar a revelação desse segre­ do como um processo de explosão, uma revolução inevitável que vai aniquilar o outro pela violência de seu caráter inesperado. Em um tal dispositivo imaginário, seu gozo cresce em proporção direta aos desen­ volvimentos de sua ruminação estratégica. Quando o obsessivo está enfim pronto a revelar seu segredo, pa­ ra isto prepara-se sabiamente. Apura sutilmente seu plano de ataque e, em um impulso heróico e valoroso, passa às confissões. Mas quando a verdade advém, contrariamente à toda expectati­ va, não tem jamais outra consistência senão a de uma miserável con­ versa fiada. De fato, a estratégia guerreira suspensa na revelação do segredo equivale sempre a apunhalar um cadáver. Ninguém realmen­ te se enganara com ela, exceto o próprio estrategista que se decepcio-

* Falso segredo rapidamente conhecido por todos; expressão originária da comédia italiana "Polichinello". (N. da T.)

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na ao observar que consegue no máximo alguns respingos onde acre­ ditava provocar um maremoto. Essa estratégia, completamente estereotipada no obsessivo, opõe­ se traço a traço na manipulação do segredo no perverso. O perverso conhece o empreendimento autêntico de um segredo. Ao contrário do obsessivo, sabe marcar a diferença entre um "segredo de polichi­ nelo" e um verdadeiro segredo proibido em relação ao dizer e ao fa­ zer. Um autêntico segredo apresenta portanto este interesse potencial de poder ser continuamente desafiado. Confiante em sua aptidão a provocar a lei, isto é, a proibição, o perverso ocupa-se a dar a prova implícita de que um segredo sempre pode ser revelado. Para que o perverso assegure-se do prêmio de gozo que coroa­ rá seus esforços, é preciso porém que essa revelação efetue-se em cer­ tas condições. A operação deve, com efeito, passar-se de tal modo que o perverso testemunhe que um segredo pode ser transgredido in­ diretamente, mesmo sem se contribuir para isso. De onde a necessida­ de de um terceiro cuja mediação oportuna consiste em se deixar pren­ der em uma cumplicidade tácita em relação a um outro. Um segredo pressupõe, no mínimo, dois protagonistas: um que conhece e um outro que desconhece, ligados entre si de um modo de dependência implícita. Para que a dimensão do segredo adquira sua real consistência, é preciso que um dos protagonistas saiba que o outro é detentor de alguma coisa da qual nada pode dizer. Por es­ ta razão, a complacência não se mantém senão em lugar da ignorân­ cia oficial do outro. A estratégia perversa consiste, em um primeiro momento, em as­ segurar que um supõe o outro detentor de um segredo que o concer­ ne. A este respeito, o perverso rivaliza em habilidade na arte da alu­ são e da subordinação retórica para despertar como lhe convém esse modo de suspeita. Assim que conseguiu seus objetivos, a manipulação é suficiente para que possa transgredir o segredo por procuração. Mas se essa p rocuração precisa da presença de um terceiro, ainda é necessário que esse terceiro seja ele próprio "condicionado" em rela­ ção ao segredo e à sua eventual revelação . Nestas condições, não h á outra saída senão encerrar o terceiro numa alternativa cúmplice. De um lado, é preciso conseguir excitar sua cobiça sobre o fato de que existe um outro que gostaria muito de conhecer o segredo que o perverso detém sobre ele. De outro, con­ vém de resto fazê-lo compreender que a revelação de tal segredo não deixaria de p rejudicá-lo; daí a necessidade de calá-lo. Evidentemente, é pela prescrição do silêncio que o perverso sub­ verte a curiosidade do terceiro e o prende na cumplicidade de um se­ gredo supostamente salutar em relação ao outro. Basta, no máximo,

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insistir habilmente sobre o caráter imperativo e salvador desse silêncio, para que o terceiro esteja radicalmente cativo da estratégia perversa. De fato, o caráter maquiavélico da operação consiste em instituir um clima de confiança tácita com o terceiro para poder, no momento opor­ tuno, revelar o segredo, o essencial sendo revelar seu conteúdo acom­ panhado de um reforço de prescrições éticas destinadas a condenar o terceiro a uma obrigação de reserva. Chegando neste ponto crucial, a estratégia perversa está realizada. O perverso pode então recolher to­ dos os frutos do gozo esperado. O terceiro foi apreendido na posse cúmplice de um segredo, sem perceber que o que sela a partir de agora essa cumplicidade não é a confiança, mas a culpabilidade. O perverso, tendo conseguido tornar o terceiro culpado de deter um segredo capaz de prejudicar o outro, sabe que essa culpabilidade é o principal veículo que vai servir à trans­ gressão. O terceiro encontra-se, desta maneira, preso entre dois termos de uma alternativa insustentável: ou calar sobre o segredo, e sente-se culpado por ser o depositário de uma verdade sobre o outro que ele não pode revelar-lhe; ou trair o segredo e se culpa tanto mais, em rela­ ção ao outro, por ser o agente de uma ameaça sobre a qual o perver­ so advertira-o. Prisioneiro e sofrendo a detenção de um dizer inconfessável, iden­ tifica-se com o outro que imagina igualmente sofrendo por ser priva­ do de uma verdade que lhe diz respeito. Acaba portanto por confessar­ lhe. Mas não pode fazer essa confissão senão apresentando essa verda­ de como cativa do segredo, isto é, como uma verdade que ele próprio não tinha que conhecer. Inversamente, essa revelação impõe ao outro o silêncio, desde que, ele também, foi engajado na confiança do segre­ do. O outro detém uma verdade sobre ele que é obrigado a calar para não prej udicar, em compensação, o terceiro benfeitor que ele trairia em relação ao perverso, por J11enos que fizesse caso dessa revelação. A culpabilidade inverteu-se. E agora o principal interessado que está aprendido por uma verdade da qual não pode mais nada divulgar. Neste limite, o gozo do perverso está totalmente garantido não so­ mente em razão da transitividade do dizer, mas ainda da transitivida­ de ligada ao próprio segredo. O perverso sabe que o outro sabe, estan­ do ao mesmo tempo seguro de que esse outro também sabe que deve fazer como se o ignorasse. O extremo júbilo do perverso será então de organizar um encontro com o outro, para saborear a transgressão da proibição que se consumou de tal maneira que nenhum dos protago­ nistas possa confessar não importante o que quer que seja. De um cer­ to modo, tudo se passa como se não houvera nem proibição nem trans­ gressão, já que nesse encontro tudo é implicitamente sabido segundo um modo em que não se pode mais transmitir a maneira como a coi­ sa foi conhecida.

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Existe um certo número de situações perfeitamente favoráveis, isto é, particularmente expostas à atualização deste agir perverso. Pa­ ra citar apenas um exemplo, lembrarei a desventura ocorrida com um analista estrangeiro vítima de uma maquiavélica intriga perversa(l). Esse analista recebe um dia em seu consultório um homem de cerca de quarenta anos que se apresenta, imediatamente, como um formidável perverso. O tratamento engaja-se de maneira difícil e esca­ brosa e, várias vezes por semana, o analista torna-se assim a testemu­ nha particular das mil e uma torpezas de seu paciente. Este leva, com efeito, uma existência totalmente dissoluta e submetida às excentrici­ dades perversas mais inquietantes e escandalosas. Ao final de algum tempo de tratamento, o analista, que era um homem de idade avançada e de uma expeiiência incontestável, aca­ bou por determinar elementos repetitivos intrigantes. Como os perver­ sos são habitualmente muito sensíveis à arte da manipulação, certo de que estava de excitar vivamente a curiosidade de seu analista, o paciente engaja-se no decorrer das sessões em uma narrativa cada vez mais detalhada sobre sua existência. Especialmente, durante vá­ rios meses, relata seqüências de sua vida passada e atual que não omitiam atividades ilegais, mentiras, escândalos, onde os protagonis­ tas sucedem-se em situações cada uma mais inconfessável que a outra. Essencialmente trata-se de uma existência absolutamente frenética de orgias delituosas onde o folclore sexual parece não ter nenhum limite. O analista torna-se assim a testemunha auditiva das transgres­ sões mais impressionantes realizadas sobre o fundo de roubos, frau­ des, tráficos, violações, que são algumas vezes a primeira página dos jornais. É evidente que é com essa cumplicidade obrigatoriamente se­ creta que se iniciou, para esse paciente, um espaço prodigioso de go­ zo no próprio lugar de seu tratamento; esse gozo estando tanto mais assegurado quanto encontrava-se garantido pelo silêncio do analista. Vários acting out chegam mesmo a tornar o analista juridicamente cúmplice de situações tão ilegais quanto inextricáveis. O tratamento prossegue apesar de tudo por causa da firmeza olím­ pica do analista continuamente posto à prova sob o modo do desafio. Precisamente porque permanecia inamovível em seu lugar de analis­ ta, esse paciente vai jogar suas "últimas cartas" como se pode dizer que queima os últimos cartuchos. Ora, acontece freqüentemente que, nas estratégias perversas, os últimos cartuchos são j ustamente cartu­ chos decisivos no sentido em que sempre alcançam seu objetivo. E isto 1 - Este testemunho foi-me relatado no mais estrito anonimato no quadro de um grupo de trabalho que eu conduzia no exterior sobre as perversões.

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na própria medida em que o essencial da manobra perversa consiste em aj ustar o alvo tanto tempo quanto é necessário para acertar a mos­ ca no momento oportuno. Sem esperar, o curso da análise tema um novo rumo. O paciente torna-se a cada sessão mais prolixo quanto à narrativa de seus amores perversos. Uma descrição minuciosa das cenas sexuais invade o curso das entrevistas, no limite do insuportável. Nessas cenas reaparecem sempre os mesmos protagonistas que se entregam a excessos acrobáti­ cos apenas concebíveis e, no mínimo, muito perigosos. Tudo se passa como se fosse preciso, permanentemente, desafiar este limite irreversí­ vel que se chama a morte. O analista acaba por identificar em seu paciente um mal-estar cres­ cente e sobretudo a ameaça de um perigo iminente se nada fizer parar este transbordamento de gozo. Este momento de arrebatamento do gozo, que intervém um pouco como uma súplica dirigida ao analista pelo paciente, é um processo freqüente no tratamento dos perversos, que deve ser apreendido como o sinal precursor de um momento de ruptura . No melhor dos casos, é o próprio paciente que interrompe seu tratamento. Acontece entretanto que a ruptura seja consumada em razão de uma passagem ao ato trágico do paciente. Nesse tratamento, tudo parece ter se passado como se o analista se tivesse sentido cada vez mais interpelado pela torrente das insupor­ táveis narrativas que lhe fazia regularmente seu paciente. Invadido por uma crescente inquietude, o analista gradualmente vai deslizar do lugar em que se mantivera até o momento, tornando-se pouco a pou­ co diretivo. Deslizamento fatal, já que era este o sinal tão esperado por seu paciente para aplicar as últimas invectivas em seu empreendi­ mento perverso. O paciente progressivamente mostra-se sob um aspecto totalmen­ te medonho aos olhos do analista à medida que revela sutilmente a iden­ tidade autêntica de seus protagonistas. Pouco a pouco vem assim des­ mascarar-se uma corte de personagens, entre os quais algumas perso­ nalidades eminentes dos meios intelectuais locais. Não menos que um ano e meio de tratamento foi necessário a es­ se paciente para que realizasse com estratégia sua perniciosa missão e desaparecesse logo após. Não importa ao perverso o preço a pagar desde que o desafio e a transgressão sejam mantidos até seus mais fu­ nestos extremos. Presumindo o analista "maduro" para ser arruinado por uma últi­ ma revelação, ele revela a identidade de uma de suas parceiras sexuais mais depravadas e mais lúbricas: não era outra senão uma das filhas do analista.

TERCEI RA PARTE

NAS FRONTEIRAS DAS PERVERSÕES

15 Proximidade estrutural das psicoses e das perversões

O engajamento do processo perverso, como já vimos, é diretamen­ te tributário das mensagens significantes através das quais a mãe e o pai transmitem ao sujeito algo sobre a posição de seus desejos recíprocos. Isto não quer dizer que o sujeito é a vítima implacável desta conjun­ ção respectiva dos desejos da mãe e do pai . A criança não é um ser inocente, irredutivelmente submetida às implicações lógicas do desejo do outro. Como tal, é protagonista neste empreendimento porque ela própria é ser de desejo, ser desejante. Deste ponto de vista, sua posi­ ção é absolutamente totalitária na medida em que é agente de uma força de inércia desejante considerável. Existe, de fato, uma disposição ditatorial do desejo da criança que não pode deixar de interferir na dinâmica desejante do Outro. Essa inér­ cia desejante que a leva, apesar de tudo, a se oferecer como objeto que preenche a falta no Outro (seu falo), constitui um potencial de in­ duções que podem modificar consideravelmente a euritmia fálica do cenáculo familiar. Para citar apenas um exemplo, evoquemos o caso específico de eclosão de processos psicóticos em apenas uma criança de uma mesma família. Ou seja, o quanto a inércia desejante da crian­ ça é capaz, em certos momentos, de interpelar de modo cataclísmico a sinergia desejante dos pais. A função fálica inscreve-se em uma estrutura de quatro termos: a mãe, o pai, a criança e o falo. A combinatória desses elementos é ca­ paz de ocasionar uma potencialidade de interações diferentes. Mas 145

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somente podemos determinar a lógica dessas · interações na medida em q ue apreendemos o sentido dessa combinatória como a dos três primeiros termos entre si em relação ao quarto: o elemento fálico sig­ n ificante da castração e da lei. Nestas condições, torna-se possível cir­ cunscrever um certo número de implicações estruturais características, algumas das quais parece, todavia, manter entre si potencialidades de interações limítrofes. Este é o destino reservado ao S ign ificante da lei que permite si­ multaneamente compreender a proximidade dessas organizações estru­ turais, mas também a linha divisória que, separando-as, confere-lhes ""uma autonomia radical. Tal parece ser o caso das psicoses e das per­ versões, o que certamente explica a freqüência observada na clínica - das manifestações perversas em certos psicóticos. Recorrer ao significante da lei como agente discriminador na ins­ tituição dos processos perversos e psicóticos, é antes de tudo insistir na determ inação do lugar em que esse significante fará significação para o sujeito . De fato, existe uma diferença entre significante da lei e significação da lei. É exatamente em torno dessa diferença que se pode dizer q ue o perverso "escapa" à psicose. No perverso essa dis­ tinção é mantida, seja ela de um modo radicalmente marginal. O sig­ nificante da lei permanece relacionado à única instância que lhe ga­ rante seu caráter obrigatório: a instância paterna. A atribuição do fa­ lo à mãe não é possível, para o perverso, senão nesta extrema condi­ ção. Tendo percebido que a mãe_não tinha pênis, não deixa de acon­ tecer que o registro desta falta só faz sentido, para ele, em referência àquele que o tem . A atribuição fálica paterna é então convocada ao horizonte da interrogação fantasmática do perverso sobre a diferen­ ça dos sexos. Mesmo deste modo lim ite, a atribuição fálica paterna permanece presente ao preço de coexistir com a atribuição contraditó­ ria do falo à mãe. No psicótico, em contrapartida, a confusão entre significante da lei e sign ificante fálico é completa. Aliás, é por esta razão que a instân­ cia da identificação fálica da criança continua a predominar. A significação não advém jamais senão porque um significante é associado a um sig9ificado. Como tal, o significante não induz ne­ nhuma significação. E pura e simples "imagem acústica", para reto­ mar, aqui, a referência saussuriana. Ora, o caráter fundamentalmen­ te estruturante da metáfora do Nome-do-Pai está ligado ao fato de que esta operação simbólica produz significação. O significante No­ me-do-Pai apenas tem eficiência porque não permanece puro signifi­ cante, associando-se ao significado do desej o da mãe - pelo menos metaforicamente. Essa operação marca toda a diferença que existe entre a sim bolização da lei e a forclusão do significante Nome-do-Pai.

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A forclusão do Nome-do-Pai(l) traduz a impossibilidade para es­ se significante de ter podido entrar em um processo de significação, portanto a impossibilidade de se associar a um significado para simbo­ lizar a atribuição fálica paterna. Contudo, sustentar com Lacan que a forclusão do Nome-do-Pai constitui "o defeito que dá à psicose sua condição essencial com a es­ trutura que a separa das neuroses"(2) precisa de alguns esclarecimen­ tos. Trata-se, principalmente, de precisar o tipo de relação que existe entre a forclusão e o problema da castração. Enunciar que a forclusão do Nome-do-Pai implica que o significante "Nome-do-Pai" "jamais surgiu do simbólico" (Lacan), provoca uma certa ambigüidade. Podería­ mos compreender, com efeito, que com a forclusão do Nome-do-Pai, é o próprio simbólico que não advém como tal, já que tudo se passa como se fosse esta referência paterna que o fizesse existir para o sujei­ to . Esta hipótese crítica formulada por Alain Jurainville(3) supõe que se o símbolo não existe para o sujeito, é todo o conhecimento que lhe falta. Portanto, ele não tem nenhum conhecimento da castração. Mas como compreender que ele evita ou forclui (Verwerfung) algo do qual não possui nenhum conhecimento? Evidentemente, o Nome-do-Pai está forcluído por causa do que evoca, ou do que significa. Não há então outra saída senão imaginar o psicótico como tendo uma certa experiência da castração, mesmo se essa castração não tem, para ele, nenhuma inserção simbólica no senti­ do em que ele não a simboliza. De resto, Lacan não deixa de dar expli­ cações sobre este ponto em seu Seminário: As Psicoses(4). Por esta ra­ zão, a forclusão refere-se a alguma coisa que, de uma certa maneira, já tomou o sentido da castração. É preciso, porém, trazer alguns esclarecimentos suplementares pa­ ra que a hipótese formulada por Lacan quanto ao desencadeamento da psicose não seja demasiado enigmática. Em seu estudo: "Uma ques­ tão preliminar a todo tratamento possível da psicose", Lacan explica­ se deste modo:

1 - A explicação dos processos da metáfora do Nome-do-Pai e da forclusão do No­ me-do-Pai encontra-se em detalhe na minha obra: Introduction à la lecture de Lacan, tomo I, op. cit., cap. 13/14. 2 - J. Lacan, "D'une question préliminaire à tout traitement possible de la psycho­ se" (1966), ln Écrlts, Paris, Seuil, PUF, 1984, p. 575. 3 - A Jurainville, Lacan et la phi/isophie, Paris, PUF, 1984, pp. 274-275. 4 - J. Lacan, Les Psychoses (1955-1956), Paris Seui� 1981, p. 21.

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"É preciso q ue o Nome-do-Pai forclufdo, isto é, jamais vin­ do no lugar do Outro, aí seja evocado em oposição simbólica ao suj eito(S) . " É principalmente e m torno de uma fórmula como esta: "jamais vindo no lugar do Outro" , que se poderia objetar alguma contradição à explicação lacaniana da forclusão. Esse "jamais vindo" não parece querer remeter a uma defecção radical da referência paterna enquan­ to referência significante. Se este fosse o caso, novamente confrontar­ nos-íamos com a objeção evocada anteriormente. A forclusão do No­ me-do-Pai não pode ser colocada como forclusão da castração senão com a única condição de que se supõe que o psicótico tem um certo conhecimento da castração. Mas trata-se de um conhecimento que o psicótico refuta, para ele mesmo, a ser seu sujeito. Como formula La­ can, em seu comentário "O Homem dos Lobos": "Ainda que ele tenha rejeitado todo acesso da castração, entretanto aparente em sua conduta, no registro da função simbó­ lica, toda assunção da castração por um Eu tornou-se imposs(vel para ele(6) . " Por esta razão, a forclusão do Nome-do-Pai depende, sem equívo­ cos, da ordem de um "eu não quero saber nada disso", que permite ao psicótico _ manter sua identificação imaginória com o falo, negando a existência da falta . A este respeito, pode-se convir como muito bem formula Alain Jurainville, que no psicótico "o conhecimento da castra­ ção permanece, como o conhecimento do Outro, mas ele não quer seu s uj eito ( 7 ) " . Resulta disso que o Outro é subtraído do circuito da falta, de tal modo que uma verdadeira fala de sujeito está excluída no psicótico . Em relação a esse significante Nome-do-Pai, torna-se possível então delimitar um fator de distinção essencial entre as perversões e as psicoses. No caso das perversões, a estrutura cede ao processo de simbolização da lei . O elemento Nome-do-Pai veio exatamente como elemento de substituição ao significante do desejo da mãe. A forclu­ são é neutralizada em benefício do processo de recalcamento originá­ rio. Todavia, o significante fálico somente se presta a essa substitui-

5 se", 6 7 -

J. Lacan, "D'une question prélimlnaire à tout traitement possible de la psycho­ op. cit., p. 577. J. Lacan, Les Psychoses, op. cit., p. 21 (grifado por mim). A. Jurainville, Lacan et la philosophie, op. cit., p. 276.

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ção metafórica com algumas reservas, particularmente a de um "cur­ to-circuito" que intervém no nível da atribuição desse significante. Se, nas perversões, o significante fálico é referido em lugar de uma atribui­ ção paterna, não deixa de acontecer que esta atribu ição permaneça no estado de suposição, considerando que o pai não soube dar provas disso. Essa ausência de prova induz uma trajetória de "curto-circuito" que confere ao significante fálico uma referência ambígua. Ainda que relacionado ao pai no discurso da mãe, esse significante retorna contu­ do à instância materna que se torna, como já vimos, potencialmente depositária da atribuição fálica delegada pela complacência paterna. Esse "curto-circuito" na localização do significante fálico mobiliza um processo de funcionamento interno específico. Não mais se trata, co­ mo para o psicótico, da forclusão, mas da recusa da castração. Assim, por falta de uma inscrição estável ao nível da referência paterna, o sig­ nificante vai se manter em um entremeio simbólico, induzindo deste modo um dos efeitos mais específicos do funcionamento da estrutura perversa, a saber, esta precipitação em uma dinâmica contraditória em relação à castração. Neste caso, o perverso é continuamente proje­ tado para um além da castração que ele acaba sempre por descobrir como um lugar que permanece fundamentalmente aquém da castração. Um "aquém da castração" onde se aliena precisamente o psicótico do modo capturador da identificação fálica. Por outro lado, há necessidade de que seja desenvolvida igualmen­ te de modo mais explícito uma outra distinção que já vislumbramos: a diferença entre a mãe fálica e a mãe fora da lei. A "mãe fálica" , em nenhum caso, pode ser considerada como uma "mãe fora da lei" , no sentido em que Lacan faz referência. A "mãe fálica" encarna a lei jun­ to à criança na medida em que é sua embaixatriz. Ela própria a "repre­ senta" junto à criança na estrita medida em que se operou, em seu proveito, uma transferência do lugar simbólico de onde a referência à lei está expressa. A função paterna existe enquanto função simbólica, ainda que com pouca diferença, estando delegada junto à mãe, disso resultando um certo equívoco para o perverso. De fato, intermediada deste modo pelo viés da instância materna, a lei tem a marca de uma certa desnaturação em sua ressonância simbólica. A lei não se inscre­ ve para ele como uma lei que submete o desejo de um à lei do desejo do outro, mas como uma lei inícua que ordena ao perverso para trans­ gredí-la e se esforçar para sustentá-la ao seu modo. Expressar: "Não há lei" , em outras palavras, imaginar que a mãe (ou a mulher) tem necessariamente um falo, já é transgredir a lei. Isto permite compreender a saída perversa do gozo. Fazer a lei é ordenar efetivamente o gozo ao encontro da cena. A lei à qual obedece o per­ verso, lei à qual de boa vontade submete-se, é a lei do gozo, do pon-

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to de vista e m que Lacan explicita isso em seu magistral estudo: "Kant avec Sade( 8) ". Para o perverso, o Outro existe. Ele não está "fora da lei" j á que não ignora a lei do Outro. Mas, como sustenta Lacan, ainda que o Outro exista, o perverso jamais refere-se a isso de outro modo que na "vontade de gozo". U ma outra maneira de salientar que ele "se faz o instrumento do gozo do Outro(9)", propondo-se co­ mo próprio lugar da realização da transgressão. Essa transgressão tem por missão primordial tentar encarnar na realidade o significante fáli­ co procurando desviar o alcance essencial da significação da castra­ ção. De fato, esta "desencarna" por essência toda possibilidade de objetivação do significante fálico e, ao contrário, impõe ao falo de ja­ mais se inscrever na realidade, senão como significante da falta. A ilus­ tração mais exemplar dessa resistência do perverso à ausência de to­ da objetivação real do falo, encontra-se consagrada pela investidura do objeto fetiche, substituído ao falo e à falta que ele supõe. Como observa Piera Aulagnier em um estudo muito notável(lO), tanto a "mãe fálica" compreendeu o sentido da lei para representá­ la ela própria, quanto a "mãe fora-da-lei" parece não ter assimilado radicalmente nada desta significação, por não ter podido, na maioria das vezes, simbolizá-la quanto a ela própria. Esta é a razão pela qual a mãe psicotizante representa a lei aos olhos da criança. Assim, trata­ se de uma lei perfeitamente pessoal, que em nada se refere ao signifi­ cante fálico e à castração. E Piera Aulagnier insiste muito justamente sobre o caráter de conveniência individual da lei(l l). Portanto, a crian­ ça não pode senão permanecer sujeita à onipotência materna. Quanto ao perverso, ele investe a mãe como onipotente, na me­ dida em que desenvolve o fantasma assíduo de sua atribuição fálica. Mas, em contrapartida, no contexto das psicoses, é a própria mãe que se investe j unto à criança como onipotente. Não mais se trata de uma onipotência que se encontra referida, de uma maneira ou de outra, na instância paterna. Nestas condições, sendo a função paterna com­ pletamente negada pela mãe em relação à criança, no significante fá­ lico mantido pelo Nome-do-Pai está a forclusão. Conseqüentemente, a criança não é nem reconhecida nem designada, no discurso mater­ no, como inscrita em uma filiação. Jamais é investida e significada co-

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8 - J. Lacan, "Kant avec Sade" (1962), in Écrits, op. cit. , pp. 765-790. 9 - J. Lacan, "Subversion du sujet et dialectique du désir dans l'inconscient freu­ dien", (1960), in Écrits, op. cit., p. 823. 10 - P. Aulagnier, "Remarques sur la structure psychotique", ln La Psychanalyse, n? 8, Paris, PUF, 1964. 1 1 - P. Aulagnier, lbid.

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mo filha ou filho de um pai. Como a mãe psicotizante não submete seu desejo à lei do desejo do outro, renega a referência paterna, isto é, a referência à castração. Cativa, porque destinada a identificar-se ao falo imaginário da mãe, a criança está condenada a prosseguir in­ terminavelmente sua procura face a uma resposta sobre a questão do desejo materno. Somente o significante Nome-do-Pai, instituindo a única resposta possível para este enigma, abre, de uma só vez, o espa­ ço de um conhecimento cujo acesso está proibido. Ora, a função de tal saber é o único limite capaz de estancar a incessante procura face à questão do desejo materno. Esta ausência de limite inicia um univer­ so de hiância no seio do qual a criança se destrói consumindo-se ao tentar satisfazer o desejo materno do qual, para ela, nada pode impe­ dir sua significação. Tudo isso situa o lugar fundamental de proximidade e, ao mes­ mo tempo, de divergência das estruturas perversas e psicóticas, como sendo o de um entremeio 'simbólico decisivo. Por causa dessa proximidade ligada essencialmente à interação do significante fálico na lógica da função paterna, aigumas trajetórias de fuga parecem abertas. Trajetórias de fuga onde o destino do signifi­ cante fálico parece dever conhecer uma saída limite singular. Tudo se passa como se essa saída limite fosse aquela que é posta à prova do modo mais radical em lugar da epopéia transexual. No transexualis­ mo, o significante fálico é, de fato, extirpado do registro imaginário sem que, por isso, venha se in.screver no do simbólico. Essa extirpação do imaginário consagrada pela identificação fálica parece enviscar-se no real, por falta de poder aceder ao único estatuto que é o seu: o es­ tatuto simbólico da diferença dos sexos. Deste ponto de vista, no tran­ sexualismo, como iremos ver, o significante fálico é proposto na mu­ dança de um destino assintótico, já que se oferece indefinidamente a dar lastro ao suporte de uma identidade sexual impossível, esforçan­ do-se para se manter em lugar de uma identificação ao significante da própria diferença dos sexos. Se tal identidade sexual revela-se im­ possível, não o é jamais senão em relação dos avatares da atribuição fálica que regulamentam o curso ordinário da identidade sexual em vir­ tude das exigências prescritas pelos imperativos da sexuação.

16 Sexuação, identidade sexual e avatares da at;r ibuição fálica

Reconhecer que a criança é levada ao jogo das identificações por causa da metáfora paterna, é considerar que a possibilidade que lhe é dada para se situar como homem ou mulher está diretamente li­ gada à simbolização da lei e da castração. A problemática da identida­ de sexual é portanto totalmente dependente da relação que cada um mantém com o problema da atribuição fálica. A falta do significante Nome-do-Pai pode engendrar por esta ra­ zão perturbações ao nível da identidade sexual. Como prova bastaria o exemplo canônico dos tormentos sofridos pelo presidente Schreber quanto à sua virilidade, sucessivamente expressos em produções deli­ rantes de evisceração e de emasculação. Sua identificação radical com o falo leva-o à vivência delirante de sua feminização no sentido, co­ mo observa Lacan, de que "não é para estar forcluído do pênis, mas para dever ser o falo que o paciente destinar-se-á a tornar-se uma mulher(l)". E Lacan prossegue: "Sem dúvida, a adivinhação do inconsciente advertiu o su­ jeito, bem cedo, de que por falta de poder ser o falo que falta à mãe, resta-lhe a solução de ser a mulher que falta aos homens(2). " 1 - J. Lacan, "D'une question prélirninaire à tout traiternent possible da la psycho­ se", op. cit., p. 565. 2 - J. Lacan, ibid., p. 566.

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Com o imaginário delirante de feminização do psicótico, somos confrontados com o terreno /imite do transexualismo que parece se manifestar como uma "disposição patológica entre-dois", a meio cami­ nho entre as psicoses e as perversões. Esse "entre-dois" requer que exploremos mais explicitamente a questão da identidade sexual além do corpus estritamente freudiano, isto é, através dos desenvolvimentos e comentários explicativos acres­ centados por Lacan em torno da função da sexuação . O contexto das elaborações freudianas, corroboradas pela experi­ ência mais comum da experiência analítica, conduz-nos inevitavelmen­ te a considerar este estado de fato. Se a assunção de nossa identida­ de sexual enquanto sujeito falante está fundamentalmente sujeita à fun­ ção fálica, devemos nos curvar à evidência do caróter necessariamen­ te secundório da especificação anatômica dos sexos na segurança que temos de nos sentir mulher ou homem, de acordo com o caso. Mas uma segurança é uma certeza; a única certeza que não temos nunca é precisamente a da especificação anatômica de nosso sexo. Do ponto de vista de nossa identidade sexual, não podemos falar de certeza, mas, no máximo, do sentimento de pertencer sexualmente a um gênero seja feminino, sej a masculino. Isto faz supor que temos que distinguir dois planos na problemática da identidade sexual. De um lado, um primeiro nível: o real de nossa anatomia sexual; de outro, um segundo nível que constitui justamente nossa identidade sexual, a qual resulta de uma elaboração psíquica a partir deste real. A media­ ção inevitável de semelhante elaboração psíquica destina a identida­ de sexual do sujeito falante a uma potencialidade de avatares diversos. Todavia, determiná-los como eventualidades diferentes não deve nos fazer perder de vista que essas vias de realização permanecem progra­ madas pela relação do sujeito com o falo. O que é essa relação? E antes de tudo relação com o real da dife­ rença dos sexos, isto é, real que suscita a vinda do próprio objeto fáli­ co. A identidade sexual conquista-se ao termo de uma manobra que tem suas raízes, desde a origem, no terreno de uma cartografia imagi­ nária; o que já permite apreender a inadequação possível entre a se­ xuação anatômica e a identidade sexual do sujeito. Por outro lado, con­ vocar o objeto fálico ao epicentro do processo da identidade sexual, é salientar a questão da atribuição fólica e a dinâmica da circulação do falo. Fora dessas duas referências, parece muito difícil situar rigoro­ samente o empreendimento que subentende a identidade sexual mui­ to singular dos transexuais. Mas, por outro lado, situar este empreendi­ mento extravagante, mantido pela tentativa de identidade transexual, supõe que tenhamos claramente no espírito o princípio que rege a bi­ partição sexual dos sujeitos falantes em relação à função fálica. Os de-

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senvolvimentos consagrados por Lacan sobre a vetorização dessa bi­ partição do p rocesso da sexuação(3) são de um grande auxílio na elu­ cidação do fundamento da identidade transexual cuja ocorrência, vere­ mos, revela-se estruturalmente impossível. Isto supõe igualmente que determinemos a dimensão das flutuações da identidade sexual em fun­ ção dos avatares da atribuição fálica.

O PROCESSO DA SEXUAÇÃO SEGUNDO LACAN* Se nossa identidade sexual de sujeitos falantes permanece depen­ dente dos efeitos do inconsciente, isto implica que não é jamais o se­ xo anatômico exibido ou percebido que nos dá a indicação mais cer­ ta de nossa identidade sexual. Essa ambigüidade de nossa identifica­ ção sexual encontra uma solução de elucidação coerente por pouco q ue a relacionemos às fórmulas da sexuação expressas por Lacan da seguinte maneira:

CD

3 x X

0

V x X

-

3 x X

-

Vx cf> x

® ®

3 - O desenvolvimento da problemática da sexuação elaborada por Lacan desdo­ bra-se sucessivamente em vários elementos de sua obra que são cronologicamente os seguintes: 1 ) L 'Enuers de la psychanalyse (1969-1 970), seminário inédito onde inicia-se, propriamente falando, a questão; 2) Un discours qui ne serait pas du sem­ blant (1970-1 9 7 1 , inédito); 3) Ou pire (1971-1972, inédito) conjuntamente levado com uma série de exposições reunidas sob o título: Le Sauoir du psychanalyste (1971-1972, inédito); 4) Uma formulação magistral, mas de difícil acesso, retoma sob uma forma tão alusiva quanto condensada a maioria das elaborações desenvol­ vidas até então sobre esta questão em L 'Étourdit (1972), in Scilicet, n� 4, Paris, Seuil, 1973, pp. 5-52; 5) Enfim uma exposição mais explícita é proposta no seminá­ rio Encore (1972-1973), Paris, Seuil, 1975. * Esta exposição lapidar e didática da problemática da sexuação, segundo Lacan, foi objeto de um seminário dado em Buenos Aires, em 30. 10.86, no Auditório Sig­ mund Freud, a convite da psicanalista Teresa Zavalia, sob o título: No hay relación sexual y LA m ujer no existe ".

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Esse quadro comporta quatro fórmulas lógicas que representam os quatro casos que expressam a função fálica. Mas essas fórmulas ape­ nas têm sentido quando agrupadas duas a duas, considerando que enun­ ciam a bipartição dos sujeitos falantes do ponto de vista de sua identi­ dade sexual, em homens e em mulheres. A identidade sexual dos homens está representada pelas fórmulas 1 e 4. A das mulheres pelas outras duas: 2 e 3. Isto faz supor que to­ dos os sujeitos falantes organizar-se-ão de um lado ou de outro confor­ me encontram seu próprio modo de inscrição na função fálica. Sendo a questão da identidade sexual dos homens e das mulheres tributária do objeto fálico, poder-se-ia espontaneamente pensar que a repartição dos sexos ordena-se logicamente em torno da problemáti­ ca do ter: ter ou não ter o falo. Se este fosse o caso, bastaria se repor­ tar apenas a dois casos específicos da função fálica expressos por duas proposições lógicas. De um lado, teríamos a proposição universal afir­ mativa:

Fórmula: "Para todo x, a propriedade aplica-se a x", que se traduzi­ ria por: "Todos os homens satisfazem a função fálica . " Em outros termos: "Todos os homens têm o falo. " Teríamos, por outro lado, a proposição universal negativa:

Expressão a ser traduzida: "Para todo x, a propriedade não se aplica a nenhum x", que se traduziria: "Nenhuma mulher tem o falo". Essa simplificação da escritura lógica é impossível porque baseia­ se em um fantasma totalmente inc9nseqüente por causa da existência da castração e do Pai Simbólico. E neste sentido que Lacan, não so­ mente introduz outras fórmulas lógicas, mas sugere modificar a escritu­ ra forma1(4) , de tal maneira que elas considerem a incidência da fun­ ção fálica. Essas modificações introduzidas nas fórmulas 2 e 3 represen4 - De fato, na lógica simbólica matemática contemporânea, as fórmulas 2 e 3 são totalmente ilegítimas.

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tam para ele o que chama O conhecimento autêntico do psicanalista(5). É este "conhecimento autêntico" do psicanalista que leva Lacan a avançar estas duas fórmulas tão legítimas quanto provocadoras. "Não há relação sexual" e "1/,.. mulher não existe" Explicitar o sentido e o alcance dessas duas proposições espetacu­ lares é elucidar as implicações mais lógicas da bipartição das identida­ des sexuais. Retomemos o quadro que apresenta as quatro fórmulas lógicas. Como disse a nteriormente, para dar conta da diferença dos sexos, es­ sas proposições não são compreensíveis senão duas a duas. Para isto, é oportuno dar uma rápida olhada na questão da Igual­ dade dos sexos, pelo menos para desmascarar o logro imaginário gros­ seiro que sustenta a idéia disso. Do ponto de vista dos sexos, é radi­ calmente impossível imaginar uma igualdade, j6 que não existe senão diferença. Em contrapartida, podemos falar legitimamente de uma le­ galidade dos sexos. Aliás é porque há diferença que uma tal legalida­ de não somente é concebível como se impõe. Inversamente, é j usta­ mente essa legalidade dos sexos que impede a existência de toda igual­ dade. Mais ainda, somente torna perceptível a compreensão da sexua­ ção das mulh eres a partir da dos homens. Não se trata de modo algum de uma adesão a uma posição falocrática, mas de uma simples conse­ q üência da lógica fálica. Somente a identidade sexual dos homens pode instituir uma lega­ lidade dos sexos, justificando aliás a universalidade dessa diferença legal. Reflitamos sobre as ocorrências de algumas expressões cotidia­ nas . Por exemplo, pensemos em fórmulas como estas: "Falemos de homem para homem" ou ainda, "falamos de igual para igual" . Essas são expressões tipicamente masculinas das quais não encontramos ne­ nhum equivalente no discurso feminino. As m ulheres não dizem ' "de igual para igual", nem mesmo "de mulher para mulher". Dizem, de preferência "entre mulheres" . Isto é produto de um acaso? Nada dis­ so. A solidariedade na igualdade masculina não se explica senão fa­ ce à função fálica, que induz a possibilidade de um gozo masculino igualitário. As coisas se passam diferentemente nas mulheres. O que faz com que um homeJil sinta-se legalmente constituído como o igual de um outro homem? E a lógica fálica. Por essa lógica fá5 - J. Lacan, Le Sauoir du psychanalyse, seminário 1971 -1972, inédito.

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lica, todo homem é obrigado a existir no q uadro de uma certa univer­ Em Compensação, nem todas as mulheres podem, segundo o aforismo lacaniano, estar inscritas nessa universalidade. Analisemos as quatro fórmulas dos quadros acima. A identidade sexual dos homens está representada pelas fórmulas 1 e 4. A fórmula 4, a proposição universal afirmativa:

salidade.

Vx q> x Significa, portanto, que todos os homens estão submetidos à fun­ em outras palavras, à castração. Ora, isto é uma conseqüên­ cia da existência do pai Simbólico, aquele de quem Freud nos diz, em Totem e Tabu, que tinha todas as mulheres, enquanto pai da "horda primitiva"(6). Como tal, era o homem não submetido à castração, já que a proibição do incesto não estava instituída. Observando a evolu­ ção do mito freudiano, resulta que foi porque esse déspota possuía to­ das as mulheres, que os filhos, revoltados, mataram-no e consumiram­ no em uma refeição canibalesca. Tomados de remorsos, promulgaram em seguida a Lei da "proibição do incesto" , que não somente instala­ va o tirano no lugar de pai Simbólico (a saber, o pai morto), mas de uma só vez instituía a filiação dos filhos de um pai. Assim , rendendo homenagem ao pai simbolicamente fazia da castração o correlativo da lei. Neste sentido, se todos os homens estão submetidos à castração ('r;/ x x), é porque existia ao menos um que dela estava excluído: o pai simbólico da horda primitiva do mito freudiano. A proposição universal afirmativa (V x x) está portanto basea­ da na proposição particular negativa: ção fálica,

Significa: existe ao menos um homem que não obedece à função exceção à castração.

fálica já que é

6 - S. Freud, Totem und Tabu (1912-1913) G. kellevittch: Totem et Tabou, Paris, Payot, 1973.

W. ,

IX. S.

E. ,

XIII, 1/161 . Trad. Jan­

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É esse "x" subtraído à função fálica que impõe a todos os outros serem confrontados com a castração. Reencontramos assim o valor princeps da Junção paterna como suporte da Lei. Algumas conclusões se impõem. Por um lado, podemos falar de uma universalidade a propósito dos homens. Constituem um conjun­ to: o conjunto universal de todos aqueles que sem exceção estão sub­ metidos à castração. Por causa desse conjunto universal, estamos legi­ timamente autorizados a utilizar uma expressão geral como "O ho­ mem". Por outro lado, a existência do homem que se subtrai à função fálica, isto é, o pai Simbólico, institui o fantasma de um gozo absolu­ to, não submetido à castração. Mas esse gozo de um só impõe em con­ trapartida a todos os outros um lugar de gozo inacessível e proibido. Essas são as prescrições fálicas que determinam a sexuação do homem, isto é, sua identidade sexual. Analisemos agora as fórmulas 2 e 3 que expressam o modo de inscrição das mulheres na função fálica. Uma particularidade se im­ põe com evidência: nenhuma delas expressa a universalidade:

3 x (px Vx cp x

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Isto faz supor que nem-todas as mulheres são submetidas à fun­ ção fálica, portanto, nem todas submetidas à castração e à lei. De fato, na fórmula 3, a negação baseia-se no símbolo (para to­ do/qualquer que seja) . Essa proposição traduz-se da seguinte manei­ ra: "Não é para todo x que x obedece à função fálica". Também observamos uma outra particularidade na fórmula 2. Essa fórmula indica que não existe um x que não seja exceção à fun­ ção fálica, que não seja exceção à castração. Não se pode dizer, co­ mo para os homens: "Existe ao menos um que se subtrai à função fá­ lica" (3 x x ) . O ao menos um sujeito mulher que escape à castra­ ção faz falta. Todavia, é preciso relacionar o sentido dessa proposição 2 em relação à proposição 3. A proposição 3 não quer dizer que as mulhe­ res não têm relação com a função fálica. Significa simplesmente que para as mulheres, a função fálica não é limitada como para os ho­ mens, pela exceção de um sujeito que se substrairia à castração.

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Várias conseqüências significativas resultam dessa particularidade. De um lado, para as mulheres, nada vem limitar o lugar de seu gozo como um gozo absoluto e proibido. A proibição do incesto não se ins­ creve, portanto, logicamente da mesma maneira para as mulheres e para os homens. De outro, a ausência deste "ao menos uma" mulher que faz exceção à castração torna impossível toda universalização. Con­ trariamente aos homens, as mulheres não constituem um conjunto uni­ versal do ponto de vista da função fálica. Não existe logicamente expres­ são geral legítima para designar as mulheres. Neste sentido, uma expres­ são universal como: "a mulher" é inadmissível. O porquê desta conclu­ são de Lacan:

"/J. mulher não existe". Ele inscreve essa impossibilidade colocando uma barra sobre o "A" de mulher. Ela não existe toda a título de uma universalidade, o que traduz a fórmula 3. Mas ainda que as mulheres não sejam todas submetidas à função fálica, isto em nada significa que elas não estejam submetidas de todo a ela. Isso simplesmente quer insistir sobre o fato de que não se pode encontrar um "x" que seja exceção a essa função. Portanto, para as mulheres, há contingência e não universalidade; contingência (não to­ do) que supõe o impossível Uá que nenhum x é exceção à função ). As mulheres mantêm uma relação com o gozo necessariamente diferente da dos homens. Como formula Lacan, trata-se de uma rela­ ção outra com o gozo, pois que não existe, como para os homens, um gozo absoluto, ao mesmo tempo inacessível e proibido. Para os ho­ mens, um gozo fálico sempre tem uma relação com o gozo do Outro, que é gozo proibido. Enquanto que o outro gozo das mulheres mantém uma relação diferente com o gozo do Outro. Como para os homens, esse gozo do Outro lhes é impossível, mas esse impossível não funcio­ na para elas como uma proibição. Por esta razão, uma possibilidade de gozo suplementar é aberta para as mulheres. É o que Lacan desig­ na como o mais de gozar, para salientar essa relação particular das mulheres com o "gozo do Outro" . Dizer que mulher não existe", sempre evoca alguma coisa des­ sa relação particular com o gozo fálico. Para que "A mulher exista", seria preciso supor o mito de ao menos uma mulher (como "um" Pai Simbólico), que indicaria a todas as mulheres um lugar de gozo equiva­ lente ao do pai da horda primitiva: a saber, um gozo impossível e proi­ bido, portanto, um lugar que escaparia à castração. Assim teríamos, como para os homens, um limite do ponto de vista da função fálica pa­ ra todas as outras mulheres. Uma universalidade seria possível. Esse "A

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mulher" seria equivalente ao Nome-do-Pai. Ora, esse significante No­ me-do-Pai, enquanto sign ificante fálico, é necessariamente único . Em conseqüência, se mulher não existe", não há relação se­ xual. Para que haja relação com o sexo entre um homem e uma mu­ lher, seria preciso que o h omem enquanto elemento de uma universa­ lidade entrasse em relação com a mulher, ela própria elemento de uma universalidade. Somente sob esta condição uma relação poderia ser instituída no sentido lógico . De fato, no contexto da lógica, uma

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relação é necessariamente um modo de atribuição. Se tal atribuição fosse logicamente possível, poderíamos falar das seguintes relações: "O homem é o x da mulher" e "a mulher é o x do homem". Mas a mulher não sendo toda, não há relação sexual. Sendo o gozo fálico dos homens e das mulheres necessariamente outro, seu encontro no ato sexual sempre produz falta que constitui a prova mais evidente do imaginário da relação sexual e da complementariedade dos gozos. Contudo, essa falta é um convite permanente à reiteração do ato sexual que visa sempre imaginariamente a possibilidade de uma autên­ tica relação de gozos. Portanto, é vão imaginar uma igualdade dos sexos. Mesmo se muitos se dedicam a deplorá-lo, até mesmo a reivindicá-lo, não exis­ te diferença radical entre o todo e o não-todo. Em compensação, es­ sa diferença é o que faz com que possamos gozar no ato sexual, e re­ petir esse gozo tantas vezes quantas quisermos. Assim, todos os males vêm para o bem!

A IDENTIDADE SEXUAL E OS AVATARES DA ATRIBUI ÇÃO FÁLICA Não deve haver engano sobre a significação da expressão: atri­ Em primeiro lugar, a atribuição fálica somente adquire sentido nos arcanos do empreendimento edipiano; dialética imaginá­ ria por assim dizer, em que a criança se esforça para simbolizar a dife­ rença dos sexos. Ora, todas as sinuosidades edipianas concorrem ine­ vitavelmente para essa fase imposta que constitui a atribuição do fa­ lo, ou seja, esta convocação imperativa em se apresentar diante das forças caudianas do ter. A introdução da metáfora das "forças caudia­ nas" é, aliás, conveniente, visto que se trata, como diz Lacan, "de uma travessia" que aparece, retrospectivamente, como um "ponto sem retorno" na conquista da identidade sexual. E Lacan relembra­ nos a que nível essa incidência é decisiva, sabendo que: buição fálica.

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"Para tê-lo, é preciso primeiramente que tenha sido coloca­ do que não se pode tê-lo; que esta possibilidade de ser castrado é essencial, na assunção do fato de ter o falo. É aí que está esta travessia. E aí que deve intervir em algum momento eficazmente, realmente, efetivamente o pai(7)". Quer dizer a insistência que é dada ao fato de que, do ponto de vista da atribuição fálica, o pai não deixa de tê-lo sob a estrita condi­ ção de que saiba dar a prova do que lhe é atribuído. Essa condição é a única que permite à criança simbolizar a castração. Pode, então, ace­ der aos processos de identificações que estão respectivamente sujeitos à dimensão do ter. Assim se conquistam a identidade sexual feminina e masculina, à medida da atribuição fálica e da castração. Tal bipolarização da identidade sexual gera a troca heterossexual em uma lógica adequada à dinâmica do desejo. Com efeito, ainda que uma mulher suponha para ele o atributo fálico, o homem não deixa de ser castrado como ela. Ele não o tem por ele próprio ter tido que renunciar a isso. Na troca heterossexual, o homem não dáportanto a uma mulher senão o que não tem. Mas dando o que não tem, poupa a uma mulher de confundir o pênis com o objeto dessa doação, que é o falo. É isto que sela a continuidade da troca amorosa mantendo a falta e a acuidade do desejo. Deste ponto de vista, a dialética da tro­ ca heterossexual é uma dialética da doação fálica. A possibilidade de circulação do falo testemunha assim a identida­ de sexual feminina e masculina. Mas uma tal possibilidade recíproca de identidade sexual repousa exclusivamente sobre esta dupla condi­ ção: de um lado, a atribuição fálica da qual o pai soube dar a prova; de outro, a castração que resulta para aquele que é confrontado a es­ sa prova. Como lembram muito justamente François Perrier e Wladi­ mir Granoff em um estudo consagrado à perversão feminina: "O homem não pode dar o que não perdeu, e só pode per­ der aquilo ao qual não renunciou, não pagando a dívida da castra­ ção(8). " Ora, é precisamente em torno desse empreendimento dialético que podem se organizar potencialidades de identidade sexual outras que não as identidades feminina e masculina que encontram sua confir­ mação recíproca na heterossexualidade. 7 - J. Lacan, Les Formations de l'inconscient (inédit), op. cit., seminário de 20.01.1958. 8 - S. Perrier/W. Granoff, "Le probleme de la perversion chez la femme et les idéaux féminins", in Le Désir et /e Féminin, Paris 1979, Aubier Montaigne, p. 83.

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Ainda q ue a identidade sexual proceda, de uma certa maneira, dessa atribuição fálica e dessa "travessia" em que o pai é levado a ter que dar sua prova, alguns casos evidenciam de modo característi­ co a progressão de uma ambigüidade crescente em relação a essa iden­ tidade. Não é inútil percorrer o desenvolvimento dessa ambigüidade - quer sej a de modo lapidar - se queremos compreender em que a identidade sexual do transexual se sustenta seguramente em uma pro­ blemática fantasmática onde essa ambigüidade culmina no mais alto nível quanto à atribuição fálica. Neste caso, examinemos rapidamente os seguintes casos: a histe­ ria, a homossexualidade, o fetichismo e o travestismo, que parecem ratificar em uma progressão crescente, essa ambigüidade conseqüen­ te face ao questionamento da atribuição fálica do pai . Para nos situar na dimensão mais comum da histeria feminina, a experiência não deixa de confirmar que a histérica facilmente entra na contestação fálica sobre o modo do desafio, notadamente do desa­ fio lançado a um homem de ter que provar que é mesmo um. Isto só se compreende sob o modo de uma ressurgência metonímica do desa­ fio lançado ao pai de ter que provar sua virilidade. Como assinala com muita j ustiça Lucien Israel: "As faltas paternas que a histérica tenta preencher pela esco­ lha de seu parceiro são faltas imaginárias. Bastam, contudo, pa­ ra precisar o lugar ocupado por esse parceiro: ele é aquele a q uem se atribui o que faltava ao pai(9) . " E m s ua reivindicação fálica, a histérica está freqüentemente dis­ posta a mostrar ao pai, e mais geralmente aos homens, o que deveria ser um "verdadeiro" homem: "Em nome de sua posição fálica, ela não se refere a um ide­ al do eu masculino senão para constatar a carência deste em seu genitor( 10) . " Mas seja como for, como observa Lacan d e modo muito pertinente: "Somente de uma mulher, afinal, diz-se que é viril ( . . . ) O viril diz respeito à mulher, é a única a crer nisto( l l ) . " 9 - L . Israel, "L'hystérique, le sexe e t le médecin", op. cit., pp. 82-83. 10 - P. Terrier, "Structure hystérique et dialogue analytique", op. cit. , p. 66. 11 - J. Lacan, Le sauoir du psychanalyse, seminário inédito de 01 .06. 1972.

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A demonstração da histérica procede, a maior parte do tempo, sempre do mesmo modo. Trata-se de mostrar a um homem que não basta ter o órgão, isto é, o pênis, para sê-lo realmente, quer dizer, pa­ ra ser viril. E de fato, se a virilidade pode justamente dispensar o ór­ gão, é porque ela depende da atribuição fálica. Toda a demonstração histérica consiste em acusar a diferença entre o pênis e o falo, a pon­ to de até mesmo opô-los. Muito geralmente , essa histérica reprova seu parceiro masculino por não ser um homem à altura, não porque não a faz gozar com seu pênis, mas porque ele seria, por exemplo, in­ capaz de defendê-la em caso de perigo. Nestas condições, ainda que tenha o pênis, ele não tem o falo. Resulta que alguns homens se pres­ tam para manter essa demonstração por causa de uma insuficiência que supõem de si. Então, "colaboram ativamente para sua condena­ ção(12)". O que quer que resulte deste pôr à prova lançado pela histé­ rica; o que quer que sobrevenha da esgotante corrida de seu parceiro nesta competição fálica, falo e órgão não deixam de ser sempre distin­ guidos. E é neste sentido que a identidade feminina e masculina dos protagonistas respectivos permanecem sempre inscritos em relação ao dom fálico. Se deixamos agora o campo das neuroses, veremos em seguida em que a mulher homossexual vai um pouquinho mais longe nesta mesma rejeição da atribuição fálica. Retomarei aqui as idéias gerais da argumentação desenvolvida por François Perrier e Wladimir Gra­ noff( 13). A mulher homossexual não pode renunciar a "ter" o falo que ela "não tem". Certamente, o mesmo acontece com a histérica. Existe, no entanto, uma diferença que se traduz precisamente por um outro perfil de identidade sexual. De fato, contrariamente à histérica, a ho­ mossexualidade subtrai-se de saída à dialética do dom fálico. Ela não pode esperar receber o "dom" do falo, visto que não participa da tro­ ca que se institui na dimensão heterossexual. Mas, de uma certa for­ ma, exatamente como a histérica, ela sabe onde se encontra esse falo que não tem: naquele que não deixa de tê-lo, isto é, o pai. Mas mesmo sabendo disso, ela também sabe que se trata de um pai que jamais soube provar realmente que o tinha. Encontramos es­ sa carência expressa em um dos fantasmas favoritos da homossexual em que o pai é um homem que não soube amar a mãe como deveria.

12 - F. Perrier, "Structure hystérique et dialogue analytique", op. cit. , p. 64. 13 - Cf. F. Perrier/W. Granoff, "Le probleme de la perversion chez la femme et les idéaux féminins", in Le Désir et le Féminin, op. cit., pp. 175-187.

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À sua maneira, a homossexual igualmente lança um desafio ao pai - e aos homens - em relação à atribuição fálica. Na identidade sexual que é a sua, sustenta, melhor do que ninguém, o desafio, já que não o tendo nunca, dá-lo-á tanto melhor. Se o que importa antes de tudo é poder dar o falo a uma mulher, a mulher homossexual es­ força-se para demonstrar a um homem que é capaz de realizar aqui­ lo que nenhum deles supostamente pode fazer, visto que sendo todo homem castrado, não oferece a uma mulher senão aquilo que não tem. Para chegar a essa demonstração, a mulher homossexual "identi­ fica-se às insígnias do outro(14), isto é, às marcas da atribuição fáli­ ca da qual pode, contudo, determinar a presença junto ao pai. Nestas condições, tanto quanto um homem, até mesmo melhor que um ho­ mem já que ela não precisa de pênis, fará gozar uma mulher e goza­ rá com ela. A homossexual apresenta-se, portanto, de um certo mo­ do, como aquela que pode preencher a falta de uma outra mulher; o porquê de sua superioridade amorosa a valorizar em relação aos ho­ mens, pois que ela própria não tem o que supostamente é o objeto que preenche essa falta. Evidentemente, isto implica que a homossexual tenha ficado um pouco mais aquém da castração que a histérica. Não o tendo, se ela se esforça todavia para demonstrar aos homens sua superioridade jun­ to às mulheres, é porque permanece cativa desta posição em que ela própria representa o falo para uma mulher. Não é menos verdade que essa identidade sexual apenas pode se manter e m referência ao terceiro masculino do qual a homosse­ xual precisa sempre presumir alguma coisa da ordem de um conheci­ mento sobre o que o especifica como tal, ou seja, o falo: "A presença do terceiro masculino se faz sentir não somen­ te no cuidado que esta mulher dará ao gozo de sua parceira do qual sentirá orgulho e glória, negligenciando em alguns casos sistematicamente a procura de seu prazer de agente da relação sexual - mas ainda na associação mais banal ou no sonho, on­ de raramente deixará de surgir o terceiro masculino, ou um obje­ to qualquer que o expresse(15)." Com a homossexualidade, devemos convir que a distinção falo /órgão já é um pouco mais obscura que com a histeria.

1 4 .- F. Perrier/W. G ranoff, ibid., p. 84. 15 - F. Perrier/W. G ranoff, ibid., p. 84.

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Demos agora mais um passo na recusa da castração e na rejeição da atribuição fálica. Esse passo é aquele que separa o fetichista e o tra­ vesti da homossexualidade. Se o fetichista, como já vimos, recusa a atribuição fálica do pai, a ponto de manter a atribuição do falo à mãe e à mulher por intermé­ dio do objeto fetiche, o travesti vai ainda mais longe na rejeição des­ sa atribuição fálica. Ele próprio se institui como uma representação fantasmática daquilo que a mãe - e a mulher - deve ter. Como obser­ vam F. Perrier e W. Granoff, o travesti não está, propriamente falan­ do, identificado com a mãe ou com a mulher, contrariamente ao que muitos espontaneamente pensam; o travesti coloca em cena o véu atrás do qual tende a ele próprio designar-se, não como uma mulher, mas como o falo que ela deveria ter. E aliás em torno da problemática des­ ta revelação que se resolve para ele a questão do gozo já que é o pró­ prio elemento de sua excitação sexual que ele assume com o órgão anatômico que é o seu. Em nenhum caso, poderia renunciar à presen­ ça desse órgão cuja revelação assegura precisamente todo seu gozo. Ainda aí, a identidade sexual do travesti somente se sustenta com o olhar do outro, convocado como terceiro abonador da atribuição fá­ lica. Essa atribuição fálica - mesmo recusada em seus últimos limites ao preço da hipocrisia e da fraude - não deixa de ser necessária co­ mo substrato da identidade sexual que o travesti dedica-se a manter. Quer se trate da histérica, quer se trate tanto da homossexual, quanto do fetichista ou do travesti, cada um desses sujeitos, na sua res­ pectiva identidade sexual, conserva um ponto de ancoragem face à fun­ ção da atribuição fálica. Todos esses casos situam-se, mais ou menos, face à castração, portanto em relação à problem6tica do ter. Até mesmo ao preço de vias muito indiretas, esses sujeitos acedem à dialética do dom fálico. Assim, por exemplo, mesmo subtraindo-se a isto de saída, a mulher no mínimo esforça-se para dar o falo a uma outra mulher, persuadida que está de jamais recebê-lo de um homem. A atribuição f6lica e a circulação do falo permanecem inscritas no hori­ zonte da identidade sexual, nisso incluído sob esta forma limite da recu­ sa que reveste nas perversões. Isto somente poderia se manter por causa da persistência de uma discriminação entre o órgão e o falo, mesmo que confusa algumas ve­ zes. Em contrapartida, assim que essa distinção desaparece, o sujeito é então confrontado com uma identidade sexual aberrante, porque "im­ possível" propriamente falando. É nessa impossibilidade que se aprisio­ na o transexual.

17 Transexualismo e sexo dos anjos*

Tanto a i ncidência da atribuição fálica revela-se diretamente deter­ minante no advento da identidade sexual do sujeito, em função da ambigüidade fantasmática que ele nutre em torno da confusão órgão/ falo, quanto essa ambigüidade, culminando em seu mais alto nível no transexualismo ( l ) vai engendrar uma identidade sexual totalmente quimérica . Considerando a marca da atribuição fálica em relação à questão da identidade sexual, somos tentados a situar a problemática transe­ xual neste entremeio que assinala a linha divisória das perversões e das psicoses . Ainda que esta seja uma hipótese coerente com as idéias das dinâmicas respectivas que geram o destino da lógica fálica nos psicóticos e nos perversos, sua confirmação já provoca algumas dificulda* As grandes linhas do tema desenvolvido neste capítulo foram objeto de uma pu­ blicação sintética com o título: "Identidade sexual e transexualismo" na revista Es­ quisses psychanalytiques, n? 6, outono de 1986, pp. 69-79. 1 - Não abordarei aqui certos aspectos do transexualismo, principalmente os aspec­ tos médico-legais, jurídicos, os aspectos propriamente semiológicos e algumas consi­ derações etiopatogênicas e terapêuticas. Um balanço bem sistemático sobre essas diferentes questões foi realizado recentemente no relatório de medicina legal apresen­ tado no Congresso de Psiqulatrill e de Neurologia de língua francesa (24/28 junho de 1985): "O transexualismo, estudo nosográfico e médico-legal" (Jacques Breton, Charles Frowirth e Serge Pottiez, Paris, Masson, 1985). Uma bibliografia bastante completa acompanha esse estudo sobre o transexualismo.

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des em se tratando do transexualismo masculino ou feminino. Em tal perspectiva de determinação, a observação clínica levar-nos-ia, na pri­ meira avaliação, a situar o transexual masculino (o homem que se trans­ forma em mulher} mais na vertente dos processos psicóticos, enquan­ to que a transformação do transexual feminino assemelhar-se-ia mais facilmente à hipótese de alguns processos perversos. Esta não é, evidentemente, uma discriminação nosográfica, e ain­ menos estrutural. Trata-se, no máximo, de uma suposição que en­ da contra alguns elementos de consolidação por meio do que apreende­ mos do empreendimento fálico respectivamente em operação no cam­ po das psicoses e no das perversões.

TRANSEXUALISMO MASCULINO Semelhante hipótese, ainda que possa se basear em alguns argu­ mentos teórico-clínicos consistentes, exige que sejam esclarecidas algu­ mas das teses ortodoxas que se dedicam a dar conta dessa patologia transexual. Incontestavelmente, essas teses ortodoxas são mais rica e ampla­ mente desenvolvidas em R. J. Stoller, que consagrou grande parte de sua obra ao estudo do transexualismo(2 } . Sem retomar a detalhada argumentação d e R. J. Stoller sobre a questão da identidade sexual tal como é incontornavelmente interroga­ da pelo transexualismo, podemos estabelecer as idéias gerais dessa im­ ponente explicitação clínica na formulação das seguintes idéias mestras(3}. Parece que as preocupações iniciais de Stoller foram a tentativa de definir uma determinação estrutural do transexualismo em relação a identidades sexuais bem próximas dos transexuais: os homossexuais e os travestis. 2 - O essencial dessas investigações consta de sua obra: Sex and Genre (New York, 1975, 2 vol.) traduzido sob o título: Recherches sur /'identité sexuaelle, Paris, G alli­ mard, 1978. 3 - Retomo aqui os principais argumentos gerais expostos de modo brilhante e sinté­ tico por: a) N. Kress-Rosen, "lntroduction à la question du transsexualisme", in Le Discours psychanalytique, n? 3, abril de 1982, pp. 13-1 7. b) C. Millot, Horsexe. Essal sur /e transsexualisme, Paris, Point Hors ligne, 1983, prin­ cipalmente no capítulo IV.

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Uma primeira discriminação entre os transexuais e os homosse­ xuais (travestis ou não) parece apoiar-se no critério do sentimento de identidade. Tantos os homossexuais e os travestis "bancariam as mulheres", conservando ao mesmo tempo o sentimento de permane­ cerem homens, quanto, para os transexuais, não seria nada disso. Um segundo elemento de distinção significativo parece ser a rela­ ção que esses diferentes sujeitos mantêm com o pênis. Os homosse­ xuais e os travestis gozam de maneira evidente com seu órgão, ao con­ trário dos transexuais que vivem a presença de seu pênis com o maior horror. De fato, os transexuais sentem-se m ulheres e vivem co m o mu­ lheres.

Isto explica porque o transexual não se sente jamais em uma po­ sição homossexual quando mantém relações com homens. Os homens agradam-no enquanto que ele próprio investe-se como um parceiro feminino. Também não se considera um travesti quando se veste de mulher. Além desse sentimento de identidade feminina, existe um outro traço característico da identidade transexual, a saber a ligação bastan­ te específica que eles mantiveram com sua mãe durante sua infância. Ainda que tenham sido "crianças a quem o sexo masculino foi atribuí­ do sem equívoco desde o nascimento e jamais tenha sido colocado em dúvida(4), apresentam desde a mais tenra idade um comportamen­ to feminino. De modo que tudo se passa realmente como se, assim como assinala Catherine Millot, "a essência do transexual é sua mãe(S)". Um dos primeiros estereótipos da relação mãe/filho é a perma­ nência de uma relação próxima ao nível do corpo, que rapidamente adquire o perfil de um "corpo a corpo" incessante. A criança e a mãe não se deixam nunca, nem para dormir. A criança, sempre próxima do corpo materno, tem necessidade de voltar a ele sem cessar para ser tocada. Qualquer separação corporal é quase impossível. Essa pro­ ximidade é amplamente favorecida pela inconseqüência do pai, qua­ se inexistente tanto para um quanto para outro, que permanece radi­ calmente extrínseco a esta simbiose mãe/filho. Assim, mãe e filho partilham um amor recíproco em nada amea­ çado:,a criança é tudo para a mãe e a mãe é tudo para a criança. E interessante comparecer esse tipo de relação mãe/filho a ou­ tros casos aparentemente similares e lembrar, em particular, a diferen­ ça que Stoller salienta no que diz respeito à relação das crianças, futu­ ros homossexuais, com suas mães. Se a mãe dos homossexuais man4 - N. Kress-Roses, ibid., p. 13. 5 - C. Millot, ibid., p. 48.

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tém um tipo de relação próxima análoga com seu filho, não é menos verdade que no quadro das perversões a mãe sempre captura seu filho em uma ambigüidade fundamental. Ambigüidade que consistem em manter a criança em uma dependência de sedução erótica, ao mesmo tempo que lhe faz a ameaça de castração de um lugar simbólico que ela própria usurpou. Em contrapartida, a mãe do transexual ama seu filho fora de q uai­ quer sedução e ambivalência. Estando a instância paterna radicalmen­ te inexistente, nada é considerado no registro do ter. A mãe não se apresenta como possuidora do atributo fálico: ela simplesmente é seu falo. Neste sentido, sentir-nos-íamos tentados a evocar o caso de uma relação mãe/filho psicotizante. Stoller recusa totalmente semelhante sa­ ída: "Esta relação que Stoller qualifica de simbiótica é, entretanto, se­ gundo, distinta daquela que une a mãe do esquizofrênico e seu filho, já que nesta não existe nenhuma fonte de sofrimento, nenhum double bind(6) " . Por outro lado, "a psicose é, de saída, descartada por Stol­ ler, pelo fato de que as capacidades de integração social desses pacien­ tes permanecem intactas(7 ) " . Além de esses poucos argumentos clínicos avançados por Stoller serem bastante insignificantes, o desenvolvimento de sua teoria da iden­ tificação sexual apenas aumenta essa dificuldade. Stoller resolve admitir que o único e autêntico transexualismo é o transexualismo masculino. Esta é a tese maior de seus desenvolvi­ mentos teóricos. Baseada em alguns dados biológicos contemporâne­ os, ela concorda com o princípio da existência de uma femin ilidade primordial que seria o suporte de todas as identidades. Deste ponto de vista, a identidade masculina resultaria de um processo de masculi­ nização psíquica que interviria em um segundo momento. A questão coloca-se desta maneira: como é possível tornar-se ho­ mem a partir deste estado simbiótico em que a criança está inscrita em uma identificação feminina? O transexual seria precisamente aquele que não conseguiria ultra­ passar a feminilidade primordial. Essa teoria supõe que a identidade do gênero sexual constituir-se-ia de várias etapas. A primeira etapa diz respeito precisamente à da feminilidade primordial qualquer que seja o sexo da criança, tão assegurada quanto mantida pela relação simbió­ tica que existe necessariamente entre a mãe e a criança nos primeiros meses de sua vida. A criança não pode, portanto, deixar de se identifi­ car com sua mãe, que dela se ocupa assegurando-lhe a satisfação de suas necessidades. 6 - N. Kress-Roses, ibid. , p. 13. 7 - Ibid. , p. 14.

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A segunda etapa é a que leva, segundo Stoller, ao núcleo da iden­ tidade de gênero. Constituir-se-ia por causa das interferências do meio sobre a criança q ue contribuem para designar a criança como menino ou m en ina. Seria neste estágio que se iniciaria a masculiniza­

ção psíquica da criança desfazendo progressivamente a relação fusio­ nal da criança com sua mãe. Esse núcleo de identidade de gênero cons­ tituiria " um fundo inalterável que perdurará através de todas as vicis­ situdes das identificações posteriores(8) " . Seria portanto em relação a esse núcleo q ue a criança situar-se-ia infalivelmente como homem ou como m u lher. Quanto à terceira etapa, seria, propriamente falando, o momen­ to edlpiano q ue se distinguiria radicalmente dos anteriores pela intru­ são da dimensão do conflito desenvolvido pela criança em relação à mãe e ao pai . Todavia, apenas confirmaria, ainda que a paralisando, a identidade de gênero adquirida no estágio anterior. T udo ist o faz supor de modo explícito que somente a segunda etapa constitui um momento crucial face à identidade sexual. A origem do processo transexual resulta, então, de uma persistên­ cia da relação simbiótica mãe/filho que apesar de tudo se prolongaria sem que nada viesse, no decorrer das etapas seguintes, questionar es­ ta identificação originária com a mãe; em outras palavras, sem que nada venha i nduzir e expressar de um modo determinante um núcleo de identidade de gênero masculino . Essa teoria da identidade sexual presta-se a inúmeras críticas fun­ damentais m a ntidas por um grande número de elementos de observa­ ções e de conclusões clínicas. Uma primeira série de críticas é feita por Nicolle Kress-Roses a propósito da oposição "feminilidade/masculinidade(9) " . Stoller pare­ ce cativo de clichês fenomenológicos e comportamentais ideológicos. Para ele, observa Nicolle Kress-Roses: "É mulher um sujeito que se comporta de maneira femini­ na, que gosta de se enfeitar, ocupar-se da casa e cuidar dos fi­ lhos, e, ao contrário, é masculino todo sujeito que se interessa por uma profissão, por bricolagem e prática de esportes violen­ tos ( l ü) . "

8 - A. C. Millot, ibid., p . 53. 9 - N. Kress-Rosen, ibid. p. 1 4. 1 0 - lbid., p. 1 4.

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Tudo isto encontra-se implicitamente convocado nestas referên­ cias culturais que fortalecem a idéia da farsa ideológica e do falso-sem­ blante de que Stoller é vítima para fundamentar suas concepções da feminilidade e da masculinidade. Um segundo argumento crítico( l l ) parece igualmente inscrever­ se de encontro a um certo número de elementos de observação apre­ sentados pelo próprio Stoller. Se aceitamos que os futuros transexuais supostamente identificam-se intensamente com a feminilidade de sua mãe, podemos compreender por que essas crianças muito cedo apre­ sentam uma exacerbação dos comportamentos e das aparências femi­ ninas estereotipadas. Mas como apreender este mimetismo identificató­ rio precoce, quando a maior parte dessas mães distinguem-se precisa­ mente na maioria das vezes por uma grande sobriedade deste mesmo ponto de vista? É difícil explicar como menininhos procuram compor­ tar-se precocemente como meninas modelos enquanto que suas mães distinguem-se por uma atitude contrária . Uma segunda linha de argumentação mais essencial refere-se à questão do falo e da castração no contexto etiopatogênico da concep­ ção stolleriana do transexualismo( 12) . Por mais que Stoller isole esta estrutura das estruturas psicóticas, diferenciando-as ao mesmo tempo, essa discriminação não intervém em nada na problemática da atribui­ ção fálica e da castração. Se, como menciona Stoller, a criança é trata­ da por sua mãe em uma relação em que ela parece o prolongamento de seu próprio corpo, ele é incontestavelmente seu falo. Mas ainda que assim o conceba - e formule - e inscreva essa problemática fálica na gênese do transexualismo, não retira daí a conseqüência essencial: a necessidade que então haveria para a criança de se situar no campo do desejo materno em relação a este terceiro termo que é o objeto fálico. Aliás, Catherine Millot desenvolve uma argumentação crítica com­ plementar(13) . A noção de simbiose desenvolvida por Stoller é conce­ bida como uma simbiose quase biológica . Ora, com muita proprieda­ de, Catherine Millot observa que a relação mãe/recém-nascido é de uma outra ordem : "A unidade com a mãe é um fantasma que se cons­ trói retroativamente, sobre, o fundo de uma perda, de uma separação sempre já efetuada( 14)". E preciso supor falta e castração referindo­ se ao desejo da mãe para que a criança seja investida pela mãe como sendo seu falo e devendo ser mantida como tal. A própria concepção dessa problemática rejeita a idéia de uma simbiose. 11 12 13 14

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lbid., p. 14.

N. Kress-Roses, ibid., pp. 14-15. C. Millot, ibid., pp. 54-56. C. Millot, ibid., p. 54.

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Por outro lado, toda identificação com o falo supõe o Outro ao qual a criança dirige suas solicitações. Neste procedimento ela encon­ tra inevitavelmente a dimensão da falta. A mãe não pode deixar de aparecer originariamente como este Outro, introduzindo por isso mes­ mo a criança na alteridade que ela não deixará de recusar elaboran­ do o fantasma da onipotência materna. Ora, a identificação originária da criança como identificação fálica é sempre identificação com essa onipotência. Em todo caso, a introdução stolleriana da noção de falo exige uma determinação bem mais rigorosa dessa lógica fálica na dinâmica transexual. Uma outra observação clínica referente à noção stolleriana de sentimento de identidade deve ser introduzida. Contrariamente ao que enuncia Stoller, os transexuais não estão de modo algum persua­ didos de que são mulheres em corpos de homens. Desde seus primei­ ros trabalhos escritos em 1956, em sua tese de medicina, J.-M. Alby se tinha convencido de que os transexuais sentiam-se incontestavel­ mente homens porque tinham um pênis( l5). Como relembra também muito propriamente Marcel Czermak, nestas observações: "É diante do fracasso, da insuficiência de uma identificação imaginária que eles reclamam uma sanção real, visto que são so­ licitados a seu lugar de homem( l6)". Ainda que o transexual aspire a adotar o aspecto da feminilida­ de, sempre há nisso algo da ordem da aparência e da farsa. Como sa­ lienta M . Czermak, o transexual "tende a se reduzir a essa farsa. Ele é essa farsa, isto é, invólucro e exigência de transformação corporal(l 7)". Em outras palavras, para o transexual, trata-se menos de ser uma mulher que a mulher. É o que Nicolle Kress-Roses confirma na expressão "idealização enlouquecida de feminilidade(18)". Essa idealização não tem lim ite já que deve se inscrever sobre o corpo com a preocupação de perfeição extrema que deve manter uma aparência sempre sujeita a estas normas de pureza moral. De resto, é um fato estabelecido que um bom número de transexuais recusam 15 - J.-M. Alby, Contribution à l'étude du transsexualisme, Tese de medicina, Pa­ ris, p. 344 (1956). 16 - M. Czermak, "Précisions cliniques sur !e transsexualisme", in Le Discours psycha­ nalytique, n? 3, 1 982, p. 19. 17 - lbid., p. 19. 18 - N. Kress-Roses, op. cit., p. 15.

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qualquer relação sexual enquanto não tiverem se transformado em mu­ lher: nem relações com mulheres quando são casados, nem relações homossexuais com homens. As observações clínicas de Marcel Czermak confirmam a preocu­ pação de pureza moral ligada ao ideal da feminilidade. Ele relata o ca­ so de um transexual que lhe exigia um certificado de virgindade anal. Outra observação clínica muito significativa dessa idealização femini­ na expurgada de toda impureza moral: muitos transexuais operados rejeitam as neoplasias vaginais para não serem jamais comprometidos pelo caráter insuportável e degradante da vida sexual(l9). A única coi­ sa que parece importar é antes de tudo a aparência de ser mulher, a mulher ideal com a qual eles sonham, a isso acrescentando a exigência do ser sem sexo. Não há fantasmatização mais bem realizada do que procurar encarnar a posição angélica, isto é, dA Mulher capaz de asse­ melhar-se a um Nome-do-Pai, como já vimos anteriormente(20). Contrariamente às teses de Stoller, parece manifesto que o trans­ sexual não se encontra portanto de modo algum subtraído aos impera­ tivos da castração e da problemática fálica. Mostra-se todavia mais pró­ ximo disto sobre o modo da psicose que sobre o da neurose. Enquan­ to que, por exemplo, o histérico esgota-se em sua interrogação incons­ ciente: "Sou eu um homem/Sou eu uma mulher?", em nome de sua reivindicação fálica, o transexual, em compensação, não chega de mo­ do algum a uma pergunta como esta: "O que é uma mulher?" Para ele, não poderia haver dúvidas a esse respeito. De antemão conhece a res­ posta: é aquilo que ele quer ser! Se os neuróticos e os perversos perdem-se em conjecturas tão imaginárias quanto sintomáticas sobre a questão de sua identidade se­ xual, sabemos que somente a castração simbólica é capaz de proporcio­ nar alguma calma a esse tormento fantasmático. O transexual subtrai-se de saída a essa oscilação imaginária, por estar cativo do real de sua anatomia sexual. De modo que a única cas­ tração à qual ele parece ter acesso é a castração cirúrgica que se ba­ seia na supressão do órgão. Nestas condições, como compreender sua relação com o signifi­ cante fálico? Se não se vê desenrolar-se para ele a problemática fáli­ ca tal como governa a relação com o sexo e a identidade sexual que disso resulta para o sujeito, é porque não tendo o transexual acesso ao significante fálico, a questão de sua identidade sexual permanece im­ perativamente ligada ao plano da anatomia. Ele é portanto cativo da dimensão do ser, de onde esta proximidade com os processos psicóticos. 19 - M. Czermak, ibid., p. 19.

20 - Cf. Supra, cap. XVI, p. 226.

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Essa proximidade dos transexuais masculinos com as psicoses não deixa d e se aparentar ao que Lacan designava "o empuxo à mu­ lher" na psicose. A observação clínica não deixa aliás de corroborar esse caráter de feminilização que se identifica em um certo número de quadros psicóticos. A posição do transexual masculino poderia muito bem e ncontrar alguns elementos sólidos de confirmação a par­ tir desse ponto. A este propósito, como deixar de evocar, a exemplo de Nicolle Kress-Rosen, a ligação com um dos fantasmas favoritos do Presiden­ te Schreber: "Se, para ele, ser uma mulher é algo singularmente be­ lo, é porque se trata da mulher de Deus(21)". A esse respeito, as teses de Lacan permitem talvez elucidar um pouco mais este parentesco do transexualismo masculino com as psico­ ses. Catherine Millot propõe uma hipótese que merece nossa atenção, seja sob a forma de uma lembrança lapidar(22). Se tomamos o Outro enquanto não castrado (o ao-menos-um que tinha todas as mulheres), ele pode encontrar-se identificado com o pai da horda primitiva, portanto com o pai simbólico(23). Por menos que A mulher exista, ela funcionaria como este No­ me-do-Pai, referente de um gozo tão absoluto quanto proibido, e po­ deríamos enunciar a este respeito:

Por outro lado, sabemos que a identificação a um tal Outro oni­ potente constitui precisamente a identificação fálica arcaica da crian­ ça; se nada vier intermediá-la, permanece disso cativa, vítima do me­ canismo próprio à indução dos processos psicóticos. Nestas condições, como essa captura na identificação fálica po­ de levar um sujeito a querer tornar-se mulher - com faz o homosse­ xual - mais do que induzir sua entrada na psicose? Algumas teses de Lacan permitem pôr à prova essa questão, pelo menos para autorizar a formulação de uma hipótese explicativa em relação ao transexualismo masculino. 21 - N. Kress-Rosen, ibid., p. 15. 22 - C. Millot, ibid., cap. Ili, pp. 29-56. 23 - Cf. supra, cap. XVI, pp. 223 e seguintes.

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Catherine Millot, em vista disso, coloca que, no transexualismo, algo viria contudo limitar o gozo do Outro, no sentido em que o sign ifi­ cante A mulher poderia funcionar como o significante Nome-do-Pai. Para sustentar essa hipótese, ela se apóia na aplicação do algarit­ mo metafórico do nó borromiano lacaniano. O nó borromiano é uma figura composta de três anéis entrelaça­ dos de tal modo que se um se partir, os outros dois estão livres. Lacan utilizou-o para tentar metaforizar como no inconsciente encontram-se ligados pelo sujeito o Simbólico, o Real e o I maginário. A proprieda­ de do nó borromiano pode, com efeito, ser estendida a um número in­ definido de anéis sem perder seu caráter fundamental: a quebra de um libera todos os outr9s. Assim, Lacan utiliza um nó de quatro anéis para mostrar como no Edipo o anel Nome-do-Pai prende os três regis­ tros precitados: Simbólico, Imaginário e Real. Nestas condições, se o anel Nome-do-Pai chega a faltar, o entrelaçamento Simbólico, Real e Imaginário não pode ter consistência. Catherine Millot sugere a justificação da posição transexual atra­ vés de uma explicação análoga. A carência do Nome-do-Pai seria subs­ tituída por um significante que manteria contudo a estrutura introduzin­ do um limite, neste caso, do A mulher impossível. Todavia, esse quarto elemento A mulher jamais conseguiria senão manter o Imaginário e o Simbólico: o Real permaneceria livre. É por esta razão que o pedido de correção cirúrgica no transexual homem viria como uma interven­ ção que permitisse ajustar o Real do sexo ao Imaginário e ao Simbóli­ co. Por essa correção e essa substituição, a psicose seria evitada. Sobre esse último ponto - a saber o evitar da psicose - Marcel Czermak prefere tomar uma posição clínica mais detalhada que a de Catherine Millot. Ele se explica da seguinte maneira neste extrato: "Esta mulher que o transexual quer se tornar, este qualificati­ vo mulher que atribui ao que é dotado da beleza, da unidade, da completude, genitora universal, tudo em um, essa mulher apresen­ ta-se como A mulher, ou seja, um dos Nomes-do-Pai, o que aca­ baria por me convencer do caráter de excelência psicótica daquilo com que nos ocupamos(24)". De fato, segundo Marcel Czermak, no campo paranóico das psico­ ses, há uma vertente de femin ilização. A virtualidade transexual existi­ ria em toda psicose sob a forma do que habitualmente se chama a ho-

24 - M. Czermak, op. cit., p. 22.

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mossexualidade psicótica. O transexualismo seria assim uma das for­ mas de cristalização da psicose: "Esta virtualidade transexual, é o que me parece presente em toda psicose sob a vaga forma daquilo que se costuma cha­ mar de homossexualidade psicótica. Do mesmo modo que o delí­ rio interpretativo é uma das formas de cristalização da psicose, o transexualismo é uma outra, cujos termos estão presentes na própria margem de toda psicose(25) " . Permanecendo, é claro, a questão aberta, essa hipótese todavia resultaria em um esclarecimento ético à questão da intervenção retifi­ cadora. De fato, tal intervenção é, de um certo modo, apenas a "rea­ lização de uma idéia delirante" de acordo com Alby. Todo o proble­ ma é saber se essa retificação cirúrgica tem ou não virtudes terapêuti­ cas tranqüilizadoras. Se alguns transexuais operados afirma que vão melhor, a observação clínica tende a mostrar o contrário. A maioria deles declara viver uma existência de inferno marcada por uma insa­ tisfação que os leva freqüentemente à toxicomania e ao suicídio. A correção cirúrgica não se mostra muitas vezes como benfaze­ ja nos transexuais senão na medida em que dissipa o temor de serem desmascarados como mulheres . Ela não resolve a questão do gozo mortífero que continua a atormentá-los. No majs das vezes, até mes­ mo catalisa a descompensação desses sujeitos. E uma intervenção cu­ ja perspectiva terapêutica limita-se, de fato, a satisfazer a reivindica­ ção delirante de um sujeito. Eticamente, o problema aumenta com toda a questão jurídica da troca legal de identidade. O mínimo que podemos dizer, é que a situação jurídica dos tran­ sexuais é completamente ambígua. Seria certamente desejável uma medida j urídica consistente para neutralizar a atividade descontrola­ da dos cirurgiões. Toda a questão resume-se em se decidir por quais medidas j urídicas. Ou reprimir a intervenção e proibir por medida ju­ rídica a troca de sexo, ou autorizá-la. Parece que a tendência atual mais para a segunda solução; isto por causa do caráter supostamen­ te terapêutico da intervenção retificadora . A opinião dos j uristas per­ manece suspensa, de um certo modo, a essa apreciação terapêutica plena de conseqüências. Tanto mais plena quanto tudo se passa co­ mo se, a longo prazo, não houvesse diferença real entre os transe­ xuais operados e os outros. 25 - M. Czermak, ibid. .

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Em outros termos, a cirurgia aparece como uma medida no máxi­ mo paliativa, mas não curativa de um problema que é essencialmente de ordem psicopatológica.

TRANSEXUALISMO FEMININO Do ponto de vista stolleriano, a etiologia da transexualidade femi­ nina é tão problemática quanto a da transexualidade masculina. Também repousa sobre aquela tese fundadora de uma feminilida­ de primordial que resultaria da simbiose primitiva da criança com sua mãe. Salvo que, no presente caso, é preciso justificar a origem de um processo de identificação masculina. Isto supõe portanto, sempre na lógica stolleriana, que uma influência paterna preponderante deva vir neutralizar precocemente a feminilidade primordial. A idéia stolleriana é de os transexuais femininos não tiveram uma existência simbiótica satisfatória por ser muito cedo neutralizada. Stol­ ler descreve, por exemplo, mães deprimidas e doentes que não teriam podido cuidar de seu bebê. Sua indisponibilidade teria favorecido uma pregnância paterna inibitual. Ora, essa pregnância induziria precoce­ mente um modelo identificatório masculino substituindo-se à vivência da feminilidade primordial e à identificação com a mãe que a sustenta. A menina, identificada a um modelo masculino, teria suas primei­ ras emoções sexuais em função dessa identidade, isto é, com outras meninas, ela própria vendo-se como um menino. Conseqüentemente, encontrar-se-ia a mesma disposição em relação à homossexualidade: identificado com um ser masculino, a futura transexual não se sentiria de modo algum homossexual. As estereotipias de correções morfológicas, cirúrgicas e endocríni­ cas são convocadas desde o aparecimento das características sexuais pós-pubescentes que a transexual tragicamente vive: "A puberdade, o aparecimento das regras são dramaticamen­ te vividos. Ela enfaixa o peito, tanto para impedir seus seios de crescerem quanto para diminuir seu relevo sob a camisa. De fato, o mais freqüentemente possível, elas se vestem como se sentem, de homem, e se fazem passar por tal junto às jovens que procu­ ram conquistar. Fazem regularmente, com trapos ou borracha, o priapo que fará sob a calça a saliência conveniente e que será às vezes bem feito o bastante para ter um uso funcional(26). " 2 6 - C. Millot, ibid., p . 1 02.

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Essas diversas modificações permitem com que se insiram social­ mente como homens (com muito mais facilidade aliás que seus congê­ neres masculinos). Obtendo por vezes a mudança de seu estado civil, algumas delas casam-se com mulheres com as quais têm filhos por meio de inseminações artificiais. A hipótese que Stoller desenvolve a respeito do transexualismo feminino repousa portanto essencialmente na idéia da prevaMncia de um a si m biose co m o pai e na importância dos efeitos do condicio­ na m ento que encorajariam precocemente a criança na via das estere­ otipias da m asculinidade. Neste sentido, as teses de Stoller sobre a etiopatogenia do transe­ xualismo feminino sofrem das mesmas fraquezas e invocam uma série de críticas análogas às que puderam ser apresentadas a propósito da transexualidade masculina. Em contrapartida, a especificidade da posição transexual femini­ na requer que sejam claramente precisados ao mesmo tempo a proxi­ m idade e o distancia m ento que pode m existir com estes dois casos de perversões que são os travestis e as ho m ossexuais. Como observa com propriedades Catherine Millot em sua obra, existe uma característica própria ao travestism o que define precisa­ mente um dos componentes do gozopróprio a esta perversão: é o ele­ mento da excitação sexual induzido pela iniciativa de vestir roupas do sexo oposto. Percebemos aí, evidentemente, a presença de um ele­ mento crucial do processo perverso : o gozo relacionado à presença do olhar do Outro diante da revelação da fraude. Deste ponto de vis­ ta, o travestismo é um caso de perversão autêntico e exclusiva m ente m asculino. Manifestamente, esse gozo dos travestis vestidos de mulheres não acontece nas mulheres vestidas de homens. Além disto levantar uma questão muito séria sobre a existência de uma estrutura perversa nas mulheres, quer dizer, com isto, como precocemente conclui Stoller, que toda mulher que se veste permanentemente de homem é uma tran­ sexual? Uma coisa é considerar a inexistência provável de um transexua­ lism o fe m inino co m o perversão, outra coisa é decidir que na ausência de elemento de excitação sexual, toda mulher regularmente vestida de homem é transexual. É verdade que essa ausência de elemento de excitação sexual é um fato de observação corrente nessas mulheres. Isto levanta toda a questão da discri m inação que convé m fazer entre o transexualis m o fe­ m inino e a ho m ossexualidade fe m inina. A homossexual vestida de ho­ mem não experimenta manifestamente nenhum gozo particular em sua escolha indumentária. Nem por isso parece transexual.

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Para tentar apreender essa diferença, já devemos considerar um traço de distinção marcante entre o transexualismo masculino e o tran­ sexualismo feminino. O transexual masculino coloca à frente de sua "convicção delirante" (Alby) o fato de parecer mulher, de ser A mu­ lher, mas de modo algum desejar como uma mulher. De resto, vimos que essa dimensão desejante está freqüentemente ausente nos transe­ xuais masculinos que manifestam a maior parte do tempo um verdadei­ ro horror a respeito das relações sexuais. Em compensação, nas mulhe­ res transexuais, o objeto sexual feminino é muitas vezes a ocasião de um investimento libidinal tão constante quanto precoce. Deste ponto de vista, há portanto um traço de identidade que atribui ao transexua­ lismo femin ino uma auMntica proximidade com a homossexualidade fe­ minina. Alguns clínicos aproveitaram essa identidade para explicar o transexualismo feminino como uma recusa da homossexualidade, isto é, uma defesa. Esse ponto de vista permanece contudo muito difícil de aceitar. Tanto é verdade que existe uma cisura entre o transexualismo masculi­ no e o transexualismo feminino, quanto esses dois casos têm em co­ mum ao menos este traço de identificação com o falo. Ora, em ambos os lados, essa identificação fálica é destinada a neutralizar o significan­ te da diferença dos sexos. O porquê desta comum adesão dos transe­ xuais masculinos e das mulheres transexuais para apagar as marcas des­ sa diferença sobre seu próprio corpo. O transexual masculino deixa-se emascular. A mulher transexual propõe-se à ablação dos seios, dos ová­ rios e do útero; ou seja, para cada um, a supressão dos sinais concre­ tos dessa diferença sexual que os remete à sua incompletude contrarian­ do sua identificação fálica. Mas, a propósito dessa identificação fálica, não deixa de subsistir o problema de ter que compreender porque a identificação com o falo leva sempre ao advento de um caso transexual. Consideremos, por exemplo, o transexualismo feminino e a ho­ mossexualidade feminina. Sob alguns aspectos, a problemática transe­ xual das mulheres mobiliza-se em torno de um empreendimento que encontramos tanto na histérica quanto na homossexual: o questiona­ mento da atribuição fálica do pai através do desafio que lançam à sua virilidade. Assim como o homossexual e a histérica, a mulher transexual es­ força-se para demonstrar para o pai o que é um homem autêntico. To­ davia, essa demonstração não se efetua da mesma maneira de acordo com cada uma delas. Como já vimos, a histérica, que sabe distinguir perfeitamente o fa­ lo do órgão, dedica-se muitas vezes a colocá-los em oposição para mos­ trar, justamente, que a virilidade pode se abster do órgão.

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Por sua vez, a homossexual tenta demonstrar a um homem co­ mo convém amar uma mulher dando aquilo que não se tem a uma parceira que também não o tem. Não basta portanto dar o que se tem (o pênis) . A homossexual prova assim que um homem é incapaz de dar a uma m ulher o que niio tem. Mas, tanto em um caso como no outro, estamos certos de que essas estratégias fantasmáticas somente se sustentariam na medida em que falo e órgão permanecessem sempre fundamentalmente distin­ guidos, o que deixaria uma via de acesso aberta à dialética do dom fálico. Tudo se passa como se, ao contrário, a mulher transexual não pudesse precisamente aceder a essa dialética do ser fálico por causa da confusão q ue faz entre o órgão e o falo enquanto significante da diferença dos sexos. Neste sentido, a transexual parece aderir ao mes­ mo logro que seu congênere masculino, que consiste em "reduzir" esse sign ificante fálico ao próprio órgão. Assim, tanto o transexual masculino esforça-se para ser identifica­ do a A m ulher, quanto a m ulher transexual procura identificar-se com Um homem . Tanto de um lado como do outro, sempre se trata de lan­ çar o desafio de uma identificação imposs{vel. E é essa Impossibilida­ de que eles tentam neutralizar precisamente através de uma mudan­ ça de sexo na realidade. Apesar dessa correção intervir no real anatô­ mico dos sexos, esses sujeitos não deixam de ser atribuídos a ocupar uma posição "fora-de-sexo", como formulava Lacan. De fato, o falo é o significante da diferença dos sexos. Tentar iden­ tificar-se ao s ignificante fálico equivale portanto a tentar encarnar es­ te entremeio que é a própria diferença. Ora, é justamente esse "entre­ meio", enquanto diferença, que determina de ambos os lados do sig­ nificante fálico duas sexuações. A encarnação do falo enquanto supor­ te de uma identidade sexual possível, porque necessariamente "fora­ de-sexo", consiste então em tentar encarnar o fantasma dos sexo dos anjos. Como observa Lacan, os transexuais são vítimas de um engano q ue consiste em confundir o órgão e o significante; confusão quase delirante que os leva a alimentar a convicção de que se desembaraçan­ do do órgão, rejeitarão o significante. Entretanto, sej a a título de uma adesão comum a essa convicção delirante, contudo subsiste uma dissimetria radical entre o transexua­ lismo masculino e o transexualismo femin ino. Essa dissimetria é, se­ não oculta, pelo menos delicada de salientar, por causa desta propen­ são obsessiva que os transexuais dos dois sexos partilham com a mes­ ma avidez obnubilante. O que importa, com efeito, é, apesar de tudo, parecer de acordo com a encarnação do sexo que elegeram respectiva­ mente como cânone de sua identidade sexual. A miragem constante-

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mente mantida que sustentam para exacerbar essa aparência permane­ ce escrava de uma falta de apoio simbólico, o qual, como ressalta Ca­ therine Millot, "produz um rebatimento sobre o imaginário e a inflação correlativa dos ideais(27)." Ao esculpir a imagem de seu ideal corpó­ reo ao sabor das retificações cirúrgicas, estes párias da aparência esgo­ tam-se aperfeiçoando o pertencer imaginário a uma identidade sexual impossível, o que não faz senão acusar o tributo inextinguível que têm que pagar por conta do significante fálico. Ora, é a respeito desta dívida que os transexuais masculinos e fe­ mininos não parecem estar na mesma situação. Cativos de sua identificação fálica arcaica, os transexuais masculi­ nos enquistam-se neste domínio do ser, ao preço da emasculação real que ordenam, cujos estigmas irreversíveis registram seu ponto sem re­ torno face à castração simbólica e à assunção da diferença dos sexos que a governa. Essa atribuição irreversível condena-os, mais ou menos, a assumir uma imigração quase inevitável no gueto das psicoses. A ambivalência da mulher histérica, referente à sua própria identi­ dade sexual, conhece sua expressão mais habitual em sua interrogação sobre a feminilidade que não a abandona nunca. Esse questionamen­ to lancinante pode, por deslocamento, encontrar soluções de apazigua­ mento transitórias no fantasma da retificação corporal que "ajustaria sua imagem a seu ideal(28)". Este é o destino mais comum dos ingê­ nuos que se oferecem às virtudes freqüentemente calamitosas da cirur­ gia estética. Semelhante pregnância do imaginário não deixa de ser acompanhada da dinâmica correlativa que a mantém obscuramente: a Identificação inconsciente com o homem que transpira através da reivin­ dicação fálica ou do protesto viril (Adler) dos histéricos. A passagem à homossexualidade feminina assegura a essa reivin­ dicação viril uma promoção evidentemente mais querelante, na medi­ da em que a homossexualidade aí se realizará pela via do desafio e so­ bre este fundo de recusa da castração própria à perversão. Assim, as mulheres transexuais parecem ter que se inscrever no encadeamento desses diferentes casos, onde a reivindicação fálica en­ contra sua progressão lógica na medida da inflação de uma busca ima­ ginária que se afunda cada vez mais no registro do ter. Procurando se conformar da melhor maneira à imagem do homem que nela habita, a transexual não faz nada senão h ipostasiar essa reivindicação viril até suas mais extremas conseqüências, encarnando "sobre" e "no" real de seu corpo. Muito propriamente, Nicolle Kress-Rosen insiste na afini­ dade das transexuais a essa adesão ao domínio do ter: 27 - C. Millot, lbid. , p. 1 14. 28 - C. Millot, lbid.

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"Quando elas se travestem de homens, querem ser reconhe­ cidas como tais e levam a farsa a ponto de querer receber enxer­ tos ao preço de numerosas intervenções dolorosas, o que sempre permanece uma prótese; permanecem n9 domínio do ter, precisa­ mente perdendo o que as fazia fálicas. E portanto sempre no re­ gistro da inveja do pênis que elas se movem, entretanto com es­ ta inquietante intrusão do real em sua reivindicação, que faz pen­ sar assim mesmo que a passagem das posições de reivindicação viril ao transexualismo, até mesmo da homossexualidade ativa, conforme as quais parecem se situar, não se produz senão em casos muito graves(29)'. Neste sentido, tudo se passa como se, ao contrário dos transe­ xuais masculinos, alienados em uma exigência fálica do ser quase psi­ cótico, as mulheres transexuais parecem situar-se mais do lado da ne­ cessidade fálica do ter comumente em operação nas perversões. Convém ainda esclarecer a ambigüidade levantada pelo proble­ ma da própria perversão feminina!

29 - N. Kress-Rosen. ibid. , p. 16.

CONCLUSÃO

Perversão e mulheres perversas

Além da hpmossexualidade em que pode se engajar a sexualida­ de feminina, parece arriscado, para não dizer inconseqüente, falar de perversões sexuais na mulher. Isto não exclui - este é um fato de ob­ servação corrente - que as mulheres possam manter um certo modo de relação com a perversão. Porém, podemos, por isto, além dessas afinidades às relações perversas, evidenciar na mulher uma dinâmica do desejo capaz de responder aos critérios que permitem isolar-um per­ fil de estrutura correspondente ao do que define sua especificidade no homem? Partamos do caso exemplar que constitui a homossexualidade fe­ minina. Além da dinâmica do empreendimento fálico que aí se atuali­ za tal como já vimos(l), detenhamo-nos na função da referência ao terceiro masculino na relação homossexual. Essa referência - implíci­ ta ou explícita - é constantemente convocada apenas na medida em que o terceiro masculino é sempre supostamente investido dos emble­ mas fálicos. De resto, F. Perrier e W. Granoff assinalam, com razão, a preocupação desta conotação fálica na relação amorosa que a homos­ sexual mantém com sua parceira. Nomeadamente através da preocupa­ ção que ela tem de lhe assegurar o gozo, tal como imagina que um ho1 - Cf. supra, cap. 16, "L'identité sexuelle et les avatars de l'attribution phallique", pp. 231-233. 183

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mem é capaz de proporcionar a uma mulher por causa de seus atribu­ tos fálicos(2). Essa referência ao "terceiro masculino", testemunha incontorná­ vel do desafio que a homossexual lança a todo homem enquanto cas­ trado, apenas apresenta mais interesse. De fato, é através dessa me­ diação masculina terceira que vem indiretamente se colocar a questão referente à própria essência da feminilidade que percorre fundamen­ talmente toda a problemática enigmática da perversão feminina. Em um estudo notável, Piera Aulagnier(3) arrazoa a origem da questão da feminilidade ao próprio ponto em que se constitui a inter­ rogação trágica do perverso diante da descoberta da ausência do pê­ nis materno. Determinando assim a castração como a dimensão da falta que faz surgir no primeiro plano o objeto do desejo, Piera Aulg­ nier circunscreve em torno desse objeto faltante o ponto de surgimen­ to da feminilidade, a qual seria "o nome dado, pelo sujeito do dese­ jo, ao objeto lá onde não pode ser nomeado porque faltante(4)". Essa determinação, inteiramente baseada neste "momento fecun­ do" designado por Freud em seu estudo sobre a feminilidade, tem co­ mo conseqüência imediata sujeitar o campo da feminilidade ao reco­ nhecimento do outro. Somente o outro pode trazer deste modo a uma mulher alguma segurança sobre a questão da feminilidade. Em outras palavras, uma mulher jamais recebe a investidura de sua feminilida­ de senão do consentimento de um homem, cujo único desejo basta para lhe expressar se ela a possui ou não. E Piera Aulagnier fortale­ ce esse argumento a contrario, relembrando a aguda vigilância que toda mulher manifesta em relação ao menor sinal de virilidade em seu próprio corpo. Em compensação, o modo de assunção dessa feminilidade é obje­ to de uma invariável rivalidade de toda mulher face a uma outra, for­ talecendo desta maneira a consistência do termo inveja com o qual Freud especifica a conotação como uma constante típica da estrutura feminina. Piera Aulgnier formula muito pertinentemente: "A feminili­ dade, desde seu surgimento, partilha, com o pênis, o privilégio de ser por excelência o objeto da inveja(S)." Com o registro da inveja, retornamos, pelo viés da feminilidade, à problemática da homossexualidade feminina e da perversão. De fa­ to, a inveja do pênis, metonímicamente traduzida através da reivindica2 - F. Perrier/W. Granoff, ibid., p. 84. 3 - P. Aulagnier,"Remarques sur la féminité et ses avatars", ln Le Déslr et la Per­ version, op. cit., pp. 55-89. 4 - P. Aulagnier, ibid., p. 69. 5 - P. Aulagnier, lbid. , p. 70.

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ção fálica, não deixa de ser, para a homosssexual, a expressão parado­ xal de sua Inveja da feminilidade que venera precisamente j unto a sua parceira. A qual reforça tanto mais o objeto dessa cobiça homosse­ xual que ela se apresenta, enquanto tal, como objeto potencial de atra­ ção, oferecida ao desejo de um homem. Isto apenas confirma indiretamente a incidência de uma dialética desejante da ambigüidade como substrato indutor específico dos pro­ cessos perversos. Da onde paradoxo levantado por F. Perrier e W. Gra­ noff quanto ao investimento libidinal arcaico da homossexual(6). A mulher homossexual parece, em primeiro lugar, ter amado demais seu pai. Porém tinha, anteriormente, amado demais sua mãe e não supor­ tou a frustração desse amor. Por ocasião da mudança de objeto de amor pré-edipiano, o pai herda a "transferência de amor" e torna-se o suporte de uma identificação masculina possível. De fato, o objeto de amor paterno não desaparece como tal, senão porque a criança in­ trojeta-o apropriando-se neste momento de suas insígnias fálicas. Em­ blemas fálicos, em vista dos quais o discurso da mãe não deixa de des­ tilar, por outro lado, que o pai nunca soube explorar seus privilégios junto a ela. Expressando-se deste modo como faltante junto a sua filha, a mãe não deixa de revelar a dimensão de impostura do pai que su­ postamente o tem que não soube "fazer a lei " . A ambigüidade revela­ se então freqüentemente suficiente para que a menina identifique-se com o objeto dessa falta. Daí esta observação do F. Perrier e W. Granoff. "Quando um sujeito se adorna das insígnias daquilo com que está identificado, transforma-se e torna-se o significante dessas in­ sígnias(7) . " Não acontece diferentemente na mulher homossexual. Propondo­ se como objeto capaz de preencher a falta da outra, ela reata de um certo modo com seus primeiros amores reencontrando inconsciente­ mente na outra a mãe faltante. Chega a isso tanto melhor quanto ela própria representa o objeto dessa falta, que ela não tem, mas que po­ de contudo dar ao outro feminino. Essa é a proeza que a homossexual se esforça para realizar em relação ao que nenhum homem (nenhum pai) poderia fazer. Por mais que a homossexualidade se apresente como uma via se­ xual em que a mulher se engaja, trata-se contudo de perversão? Tudo 6 - F. Perrier/W. Granoff, ibid., pp. 85-86. 7 - F. Perrier/W. Granoff, ibid., p. 85.

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se passa preferencialmente como se a mulher atualizasse seu investi­ mento libidinal do modo perverso sem jamais ter nada para perverter. Se é verdade que o problema da perversão, do ponto de vista d a especificação de uma estrutura, só tem sentido em relação às per­ versões sexuais, podemos concluir, no máximo, que mulheres atuali­ zam singularidades que se instrumentam favoravelmente com as per­ versões sexuais masculinas. Simplesmente considerando a recusa da castração como o traço mais fundamental que subentende a dinâmi­ ca da estrutura perversa, devemos admitir que esse traço específico é completamente recessivo na economia do desejo da mulher. Se a cas­ tração refere-se tanto à mulher quanto ao homem, ela não a interpe­ la, em primeiro lugar, senão enquanto ameaça e marca a outra que ela deseja. Este é, como ressaltam F. Perrier e W. Granoff, um dos "privilégios da menina em relação à lei(8). " Como outros privilégios perfila-se a aptidão da mulher, não a ela própria se perverter, mas mais a "perverter sua libido(9)" : ou do modo do narcisismo, ou da maternagem. Assim, por falta de ser fetichista, a mulher pode sempre se cons­ tituir com fetichicizada. Estaria aí um dos casos mais exemplares da perversão do narcisismo. A mulher torna-se para ela mesma seu pró­ prio fetiche oferecendo seu corpo ao gozo sexual de um homem. Con­ tudo, a erotização do corpo fetiche só é satisfatória na única condição em que esse corpo é entregue a um homem, destituído de sua atribui­ ção fálica e da referência à lei que ela supõe; isto é, reduzido, neste momento, a uma pura e simples função instrumental. Deste modo se explica, em algumas mulheres, a aptidão para manter relações sexuais não somente com uma multiplicidade inconseqüente de parceiros mas­ culinos, m as ainda com parceiros de uma disparidade incompreensí­ vel. O mais das vezes, o ecletismo dessas experiências, constantemen­ te renovadas e percebidas sobre o modo da performance ninfomanía­ ca, não deixa de suscitar, nas congêneres femininas, um assombro in­ quieto que as deixa estupefatas. Essa reação é melhor compreendida quando o aspecto espetacular da fetichização do corpo oferecido ao comum mortal, constitui a maior parte do tempo uma sólida defesa contra a homossexualidade. Quanto à maternagem, F. Perrier e W. G ranoff insistem sobre o caráter propriamente pervertizante da relação que uma mãe pode ins­ tituir com seu filho(lO). 8 - F. Perrier "W. Granoff, lbid., p. 92. 9 - lbid, p. 90. 1 0 - F. Perrier/W. Granoff, lbid., p. 94 e seguintes.

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Por causa da relação naturalmente privilegiada que ã mãe mantém com a criança, a relação mãe/filho subentendida pelo amor materno, engaja-se por vezes em uma tendência perversa, se não encontra maté­ ria para se sublimar. Neste caso, trata-se de uma verdadeira erotoma­ nia que encontra suas vias de realizações favoráveis ao acesso ao cor­ po da criança inevitavelmente chamado pela satisfação de suas neces­ sidades. A criança não deixa de encontrar, nesta disposição perversa materna, o eco mais favorável à dinâmica de seu desejo que a leva a se constituir, ela mesma, como objeto que preenche a falta do Outro. Por menos que a mediação paterna falte do modo de uma complacên­ cia silenciosa, a mãe captura seu filho nas redes de uma sedução da qual evocamos, anteriormente, a incidência. Em seu estudo sobre a femi nilidade, Piera Aulagnier(l 1) desen­ volve um outro caso que se inscreve, sem nenhuma dúvida, na catego­ ria da perversão da libido. Apoiando-se no fato de que a mulher alimenta freqüentemente o fantasma de se tornar para o outro amado, objeto de sua paixão, Pie­ ra Aulagnier aproveita esse argumento para mostrar que "esta atração particular que a paixão exerce sobre a mulher, é o que pode lhe servir de porta de entrada no registro da perversão(12)" É em nome deste objetivo ideal através do qual a mulher quer se supor a única a ser desejada, ou seja, a única a tornar-se "exigência vital" para o desejo do outro, que se pervertiria a dinâm ica fem inina do desejo. Piera Aulagnier ilustra essa disposição potencial através de um exemplo canônico do masoquismo feminino: o fantasma da prosti­ tuição. O fascínio exercido pela prostituição dever-se-ia, antes de tudo, à interação recíproca da transgressão e da submissão. Quanto mais o objeto feminino é maltratado e rejeitado, mais é investido como obje­ to distribuidor de gozo. Deste ponto de vista, o personagem da prosti­ tuta aparece infalivelmente como aquele que chega a fazer coincidir a posição masoquista feminina com o objeto, por excelência, do gozo. De fato, a prostituta tende a ocupar o lugar de objeto da falta com o qual se goza e expressa, como tal, que a mulher encarna a própria pro­ va de uma vitória sobre a castração. Instituída em uma total submissão a todas as exigências do parceiro, ela lhe garante fantasmaticamente que nada lhe falta. Torna-se, deste modo, a única e exclusiva a satisfa­ zer o desejo do outro. 1 1 - P. Aulagnier: "Remarques sur la féminité et ses avatars", in Le Désir et la Per­ version, op. cit. , pp. 76-79. 12 - P. Aulagnier, ibid., p. 62.

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É através dessa representação masoquista da prostituição fantas­ mada por uma mulher, que o desejo como tal se pervertiria tornando­ se paixão. Q ualquer que seja a ef!orescência dessas manifestações perver­ sas femininas, nada leva a concluir por processos perversos organiza­ dos ao nível de uma estrutura. Trata-se, no máximo, de identificar :-.essas atualizações perversas, a expressão de vestígios daperversida­ depolimorfa da criança, que permitem com que uma mulher se faça facilmente, num dado momento, o instrumento adequado para servir à perversão de um homem. Com efeito, por causa da relação que a mulher mantém necessa­ riamente com o real da ausência fálica, as manifestações perversas da mulher podem dificilmente ser atribuídas a uma perversão sexual propriamente dita, por mais que associemos a esse termo a conotação estrutural especifica que Freud e seus sucessores dedicaram-se a defi­ nir. Deste ponto de vista, parece difícil não aderir às conseqüências que essa noção de estrutura impõe, forçando-nos a admitir "que fora da homossexualidade, via particular em que se engaja a sexualidade feminina melhor do que não se perverter aí ( . . . ) não há na mulher, propriamente falando, perversões sexuais(l 3) . "

1 3 - F . Perrier/W . Granoff, lbid. , p. 89.

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ESTRUTURA E PERVERSÕES

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== .

lodice onomástico

A ALBY Jean-Marie, 172, 1 76-77, 1 78-79. AULAGNIER Piera, 11, 104, 107, 108-09, 150-51, 1 84, 187-89.

E EUCLIDE, 51 -52, 53-54. EY Henri, 66-67. F

B BALL Benjamin, 70- 7 1 . BARDENAT Charles, 66, 67-68, 69, 70, 71. BOLYAI János, 51-52, 53. BRETON Jacques, 166. BREUER Joseph, 1 7 .

FREUD Sigmund, 17, 18, 19-20, 21, 22, 23, 24, 26-27, 28, 30, 36-37, 38-39, 48, 54-55, 74-75, 76, 77-78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88-89, 90, 91, 99, 100, 101, 102, 157, 1 84, 188. FROTWIRTH Charles, 166.

c

G

CLAUSIUS Rudolph, 57. CLAVREUL Jean, 134, 1 35-36, 137. CZERMAK Marcel, 1 72, 1 73, 1 75-76. D DOR Joel, 48, 60, 93, 1 46-47, 1 54-55. 1 92

GAUSS Carl Friedrich, 51-52. GESSAIN Robert, 1 1 1 -1 12. G RANOFF Wladimir, 161, 163-64, 165, 1 83, 184, 185, 186, 187, 188. H HAVELOCK-ELLIS, 54-55.

ESTRUTURA E PERVERSÕES ISRAEL Lucien, 126, 161-62.

J JUNG Carl Gustav, 95-96. JURAINVILLE Alain, 146-47, 1 48-49 . K KRAFFT-EBING Richard von, 75. KRESS-ROSEN Nicolle, 1 66-67, 168-69, 1 70-7 1 , 1 72, 1 73-74, 181-82 .

L LACAN Jacques, 28-29, 30, 38-39, 58-59, 61 , 96-97, 98 , 1 46-47, 148, 149-50, 151, 153-54, 155-56, 1 60-64, 162-63, 1 73, 1 74, 1 75, 180-8 1 . LAMBERT Jean-Henri, 5 1 -52. LAPLANCHE Jean, 71-72, 78. LEGENDRE Adrien-Marie, 51-52. LOBATCHEWSKY Nicolai lvanovictch, 51 -52, 52-53, 53-54.

M MANNONI Maud, 23-24. MANNONI Octave, 9 1-98. MELMAN Charles, 6 1 .

193 MILLOT Catherine, 168, 169, 1 7 1 -72, 1 73-74, 1 75, 1 76, 177, 1 78, 1 80-81, 181. p PERRIER François, 126, 161, 162-63, 163, 164, 165, 183, 184-85, 186, 188 . PONTALIS Jean-B . , 75, 78. POROT Antoine, 65-66. POTTIEZ Serge, 173. PROCLO, 51 -52. PTOLOMEU, 51-52.

R RIEMANN Bernhard, 51 -52, 52-53.

s SACCHERI Giovanni Girolamo, 51 -53. SADI-CARNOT Nicolas Léonard, 57. STOLLER Robert-J . , 166-67, 168-69 , 1 70-71, 171 -72, 1 73, 1 7 7, 178, 1 79. T

TOSTAIN René, 15.

w WALLIS John, 51 -52.

lodice term inológico

A -

Aberrações s exuais: 74, 75, 76. Ausência de pênis (ver Falta de pênis). Ato psicanalítico: 22-23. Acting out: 1 30 . Afeto: 42, 46-47, 87. Alienação do desejo (ver Desej o). Angústia: 21 -22, 46-4 7. Angústia de castração: 87, 88, 100,

-

Anulação: 1 36-37. Apelo sedutor (ver Sedução) . Associações (inconscientes) : 44-45. Associações livres: 29-30. Ao-menos-um: 157, 158-59, 1 60. Auto-erotismo: 75. Axioma: 51. Avaliação diagnóstica (ver Diagnóstico)

101 -102.

B - Bela-alma: 1 31 -32. - Bestialidade: 70- 71.

194

c - Castração: 58-59, 83, 84, 88, 88-89,

90-91, 92, 93, 94-95, 100, 102-103, 104, 1 07, 108, 110, l l l, 112, 124, 133, 135, 146, 147, 148-49, 150, 1 5 1 , 1 55-56, 157, 1 58, 159, 1 59-60, 161, 163-64, 164-65, 1 71 -72, 1 73, 184, 1 85-86. - castração simbólica: 60, 103, 173, 181. - horror da castração 1 04-105, 107, 1 08, 1 1 1, 11� 119, 121. - Causalidade psíquica: 25, 26, 54-55.

- Cena fantasmática (ver Fantasma). - Cadeia significante (ver Significante). - Clivagem do eu: 82, 86-87, 88-89,

89-90, 90-91, 101-102.

- Complacência silenciosa (do pai):

108-109, 1 09-1 10, 1 10, 148-49, 186-87.

- Complexo de Édipo (ver Édipo). - Cúmplice (terceiro) : 135, 135-36,

137-38, 139, 140.

- Cumplicidade libidinal (da mãe):

108-109, 109-110.

- Condensação metafórica (ver Metáfo­ ra).

ESTRUTURA E PERVERSÕES - Condensação significante: 43. - Culpabilidade: 139. - Cura. - conduta da cura: 18, 10. - orientação da cura: 23, 23-24. D

- Desafio: 102-103, 104-105, 109-1 10, 1 19-20, 129-30, 131, 132, 133, 134, 140-4 1 , 161 -62, 163-64, 1 79-80, 181, 184. - Deslocamento: 3-5, 34, 35-36, 38-39, 42, 43-44, 46-47. - Deslocamento metonímico (ver Meto­ nímia). - Desejo: - realização de desejo: 41-42, 45-46. - alienação do desejo: 35-36, 41-42. - direito ao desejo: 104. - economia do desejo: 35-36, 60, 104, 1 11 . - lei do desejo: 134, 135, 149-50. - estratégia do desejo: 34. - Desordem: 57-58, 58-59, 60. - Desordem biológica: 57. - Desvio relativo ao objetivo (ver Pulsão). - Desvio relativo ao objeto (ver Pulsão). - Diagnóstico: 1 7, 18, 19, 19-20, 20-21, 21-22, 22-23, 23, 23-24, 25, 26-27, 27-28, 28-29, 30, 32-33, 35, 37-39, 48, 48-49. - diagnóstico diferencial: 18. - diagnóstico etiológico: 18. - avaliação diagnóstica: 12, 22-23, 26-27, 28-29, 48-49. - Dialética do Ser e do Ter {ver Ser e Ter). - Dialética edipiana (ver Edipo) . - Diferença dos sexos: 12, 84, 92, 94-95, 95-96, 97-98, 99, 100, 103, 104, 104-105, 106, 107, 129, 146, 151, 156, 160-161, 1 78-179, 180-181, 181. - Dizer: 19, 23-24. - Dito: 19, 23-24. - Double bind: 168-169. E - Escuta: 19, 23-24. - Ejaculação precoce: 126, 132-133. - Elementos indutores: 60, 107-108, 1 13, 184-185. - Empuxo à mulher: 173-1 74.

195

- Entrevistas preliminares: 23, 23-24. - Entropia: 57, 57-58, 58-59, 59-60. - entropia negativa (ver Neg-entropia). - entropia psíquica: 57-59, 59-60. - Erotomania: 186-187. - Esquizofrenia: 37-38. - Estratégia do desej o (ver Desejo). - Estrutura: 43, 48-49,' 50, 51, 53-54, 54-55, 55, 57-58, 58-59, 60, 71-72, 92, 98, 148-149. - estrutura histérica (ver Histeria). - estrutura perversa: 11, 55, 61, 73, 81-82, 92, 98, 102-103, 109-1 10, 121, 148-149, 151, 178-1 79, 183, 185-186, 188. - estrutura psíquica: 12, 30-31, 48-49, 55. - Exibicionismo: 26-27, 27-28, 70-71, 75, 80-81, 81 -82. F - Fatores indutores (ver Elementos indu­ tores). - Falo-Fálico: 58, 59-60, 87, 92, 97�98, 99, 101-102, 102-103, 104, 106, 110-1 18, 125, 126, 127, 127-129, 1 3 1 - 1 32, 1 32- 133, 1 45, 1 46, 148-49, 149-50, 150-51, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 160-161, 162, 163, 164, 165, 168-69, 171 -72, 1 79-180, 180-81, 181, 182, 188. - atribuição fálica: 93, 95-96, 99, 103, 106, 125, 126, 126-27, 132-33, 146, 146-47, 148-49, 150-51, 151, 152, 153, 160-61, 161, 162, 163, 164, 1 65, 166, 168-169, 171-72, 1 79-80, 184, 185-86, 186-87. - circulação do falo: 153-54, 161, 165. - doação fálica: 161, 162-63, 163-64, 165, 1 79-80. - aposta fálica: 60, 92, 104, 126. - mulher fálica: 100-101, 121, 122. - função fálica: 42, 56, 58-59, 59-60, 94-95, 97-98, 128-29, 145, 1 53, 153-54, 154, 155, 155-56, 157, 158, 158-1 59, 159-60, 166, 1 73, 1 73-74. - identificação fálica: 60, 94, 94-95, 97-98, 98, 99, 102-103, 107-108, 124-25, 146, 148-49, 151, 152, 171-72, 1 74-75, 181 .

JO�L DOR

1 96

-

-

-

- mãe fálica: 99, 101-1 02, 1 10, 1 1 1 , 146, 149-50, 150-5 1 . - reivindicação fálica: 131-132, 1 6 1-162, 163-64, 164-65, 1 73 , 181-82. - rivalidade fálica: 97-98, 1 02-103, 103, 162-63, 163-64. Falta: 59-60, 1 03, 107-108, 126-27, 133, 146, 150-5 1 , 159-60, 161, 164-65, 1 7 1-72, 184, 1 87-88. - falta no Outro (ver Outro) . - falta de pênis: 83, 84-85, 86-87, 88, 88-89, 90-91, 100- 1 0 1 , 101 -102, 104, 106, 1 0 7 , 146, 184, 1 88. - simbolização da falta: 106. Fantasmas: 33, 34, 35, 35-36, 38, 41-42, 44-45, 100, 107, 107-108, 164-65, 1 71 -72. Falso-semblante: 34, 1 70-7 1 , . Feminilidade : 1 84, 184-85, 187-88. - feminilidade primordial: 168-169, 1 77 . Fetichismo: 70-71, 75, 82, 86-87, 88, 88-89, 90-91 , 9 1 , 92, 100-101, 101 -102, 161-162, 164-165, 165, 185-186, 1 86-87. Fixação: 78, 90-91, 1 00, 101-102, 102-103. Função paterna (ver Paterno) . Função fálica (ver Falo). Fora-de-sexo: 180-181. Formação do inconsciente: 38-39, 45-46, 48, 48-49. Formação substitutiva: 81-82, 100-101. Forclusão do Nome-do-Pai: 1 46-147, 147-148, 148-149, 150-151. "Frôleurs" : 70-71 . G

-

Geometria elíptica: 52-53. Geometria hiperbólica: 52-53. Gerontofilia: 75. G ozo: 58-59, 59-60, 94, 94-95, 102-1 03, 1 04-105, 106, 1 0 7 , 107-108, 1 08-109, 1 10, 1 1 1-1 12, 1 14-1 1 5, 1 24-125, 129, 1 30 , 131-132, 1 35, 1 35-36, 136-137, 1 3 7 - 1 38 , 1 39, 140, 1 40-141, 149-150, 1 56 , 158, 1 5 8 - 1 59 ,

163-164, 164-165, 165, 1 73-174, 1 74-75, 1 76-177, 1 77-178, 183, 186-87, 187-88. - gozo do Outro/outro gozo: 145. - gozo fálico: 158, 158-159, 159-160. - gozo suplementar (ver Mais-gozar) H - Heterossexualidade : 72-73, 1 6 1 , 161 -62, 163-64. - Homossexualidade: 70-71, 72-73, 75, 1 0 0 - 1 0 1 , 1 0 1 -102, 1 1 7 - 1 1 8, 1 3 0 -3 1 , 1 6 1 - 1 62, 163- 164, 164- 1 65, 165, 166-167, 168, 1 6 8 - 1 69, 1 72, 1 75-1 76, 17 7, 1 77 - 1 78, 1 78-179, 1 79-180, 181, 1 8 1 - 182, 183, 184, 184-185, 185-186, 186-187, 188. - H orda primitiva : 1 5 7 , 1 59-160, 1 73 - 1 74. - Horror da castração (ver castração). - Histeria/Histérico: 1 7, 27-28, 28-29, 35-36, 38, 38-39, 41 -42, 42, 48, 100, 123-124, 124-125, 125, 126, 126-127, 127-128, 128-129, 130, 1 30 - 1 3 1 , 1 3 1 - 1 32, 1 32 - 133, 1 6 1 - 1 62, 162 - 1 6 3 , 163- 164, 164-165, 165, 1 73, 1 79, 180, 181. - histeria de angústia: 22-255. - estrutura histérica: 33, 34, 35, 38-39, 42, 46-47, 47, 60, 121 .

- Identidade sexual: 130, 131, 151, 152, 153, 153-154, 154-155, 156, 157, 160-161, 161, 161-162, 163-64, 164-165, 165, 165-166, 166-167, 1 68-169, 1 73-174, 180-181, 181. - identidade de gênero sexual: 1 69-1 70, 1 70-17 1 . - Identificação: 38-39, 39-40, 130-131, 1 52, 161. - identificação inconsciente: 39, 40, 42, 43-44. - identificação perversa: 92, 98, 1 08-109. - identificação fálica (ver Falo). - identificação pré-genital: 93, 94.

ESTRUTURA E PERVERSÕES

-

- identificação pré-edipiana (ver iden­ tificação pré-genital - identificação ao traço único/unária: 38-39, 43, 44-45. - traço identificatório: 38-39, 43, 44-45. Imaginário: 180-18 1 . Imago: 95-96. Impotência: 126-127. Interdição do Incesto: 129, 1 57, 158-159. Inveja do pênis: 184. Inversão: 75-76, 76-77, 80-8 1 . Isolação: 136-137.

1 97

- condensação metafórica: 48. - substituição metafórica: 41 -42 148-149. - Metonímia: 43-44, 44-45, 45-46, 46-47, 48-49. - deslocamento metonímico: 46-4 7, 48, 129. - substituição metonímica: 41 -42. - Modelo abstrato: 50. - Mulher. - A mulher: 158-159, 159-160, 1 73, 1 73-174, 1 74-1 75, 1 75-1 76, 180-181 . - mulher fálica (ver falo) .

L - Lei: 93, 96-97, 98, 100, 107-108, 129, 134, 135-136, 137-138, 149-50, 150-151 , 151, 156, 157, 158, 185-186. - lei do desejo (ver Desejo). - lei do pai (ver Função paterna). - representante da lei: 103. - significante da lei: 146. - simbolização da lei: 95-96, 146-14 7, 148-149, 150- 151, 152. - Lei de composição interna: 50, 51 .

N -

M - Mais-de-gozar: 159, 160. - Marcas diagnósticas estruturais: 30-3 1, 34. - Masoquismo: 26-27, 70-71, 75, 80-81, 1 1 7-118. - Maternagem: 185-186, 186-187. - Mediação paterna (ver Pai-Paterno). - Mãe: - mãe castrada: 1 1 1 . - mãe fora-da-lei: 109-110, 149-150, 150-151. - mãe faltante: 102-103, 104, 152, 184-185. - mãe não faltante (ver Mãe fálica) - mãe fálica (ver Falo) . - mãe onipotente (ver Onipotência) - Metáfora: 41, 42-43, 43, 43-44, 44-45, 45-46, 46-4 7, 48-49. - metáfora do Nome-do-Pai: 60, 146-147, 152.

-

Não-todo: 157, 158, 158-159, 160-161. Narcisismo: 185-186. Necrofilia: 70-71. Negação (ver Recusa da realidade e da castração) Neg-entropia: 1 7 - neg-entropia psíquica: 58-59, 59-60. Neoplastia vaginal: 1 73. Neurose de angústia: 22-23. Neurose obsessiva: 27-28, 28-29, 60, 100, 1 2 1 , 1 2 1 - 122, 122-123, 123-124, 124-125, 130, 130-131, 132-133, 136-137, 137-138. Nó borromiano: 1 74-175. Nome-do-Pai (ver Pai-Paterno) . - forclusão do Nome-do-Pai (ver Forclusão) . Nosografia: 18. Ninfomania: 186-187.

o - Objeto fetiche: 88, 88-89, 91, 101, 102, 150-151, 164-165. - Onipotência materna: 94, 106, 107-108, 110, 150-151 , 171-172. - Ordem: 57, 57-58, 59-60. - ordem biológica: 57. - Outro: 61, 94, 96, 97, 100, 135-136, 136-137, 145, 147-148, 148-149, 149- 1 50, 1 50 - 1 5 1 , 1 7 1 - 1 72 ,

JO�L DOR

1 98 1 73 - 1 74, 1 74 - 1 75, 1 77, 1 78, 1 86-187, 1 87-188. - falta no Outro: 94, 94-95, 1 03, 145.

p - Paterno - incidência paterna: 94-95. - instância paterna: 1 09-1 10, 146, 150-151, 168-169. - função paterna: 94-95, 96-97, 1 09 - 1 1 0, 1 1 0, 1 1 6-1 1 7 , 1 24-125, 132-133, 133, 135, 150-151, 158, 184-185. - forclusão do Nome-do-Pai (ver For­ clusão) . - mediação paterna: 109-110. - Pedofilia: 70-71 , 75. - Pai. - Pai imaginário: 94-95, 95-96, 97-98, 102-103, 1 03. - pai morto: 157. - pai Real: 94-95, 95-96, 96-97. - pai Simbólico: 94-95, 95-96, 96-97, 97-98, 1 03, 106, 1 10, 155-156, 157, 1 59-60, 173-174. - Nome-do-Pai: 109-1 10, 146-14 7, 1 47-148, 148-149, 150-1 5 1 , 151, 1 59-160, 1 73, 173-1 74, 1 74-75. - palavra d o pai: 109- 1 1 0, 1 10. - Perversão: - perversões adquiridas: 68-69. - perversões instintivas: 67-68, 68-69. - perversão feminina: 181 -182, 183, 1 84, 1 85 - 1 8 6 , 186-187, 1 87-188, 188. - perversões sexuais: 1 2, 95, 97, 1 1 1 , 153. - fantasma perverso: 193. - manifestação perversa: 97, 193, 260. - prática perversa: 193. - ponto de ancoragem das perversões: 12, 128, 131, 153. - processo perverso: 89, 93, 97, 108, 1 12, 1 13, 128, 1 37, 141, 142, 1 44, 1 45, 148, 153, 168, 205, 236, 249, 263. - estrutura perversa: (ver Estrutura) - traços perversos: 97, 126, 1 78, 260. - Perversidade: 89, 90, 9 1 .

- Perversidade polimorfa; perversão polimorfa: 108, 126, 263. - Prazer preliminar: 108. - Postulado: 68, 69. - Processo primário: 33, 63, 123. - Prostituição (fantasma de): 262. - Protesto viril: 253, 254. - Psicanálise selvagem : 22, 23, 24, 25, 26. - Psicoses: 1 3, 82, 1 13, 1 16, 1 19, 120, 121, 124, 1 55, 156, 205, 206, 207, 208, 209, 210, 21 1 , 2 12, 216, 235, 236, 238, 241 , 243, 244, 245, 246, 253, 254. - Psicossexual: 97, 1 12. - Pulsão: 33, 36, 96, 103, 104, 105, 106, 1 07, 108, 109, 1 10, 1 1 1 , 112, 122, 125, 1 75. - pulsão do eu: 1 10. - pulsão parcial: 107, 108, 121. - objetivo da pulsão: 109, 1 1 0, 111. - objeto da pulsão: 1 09, 1 10. - fonte da pulsão: 109. - desvio relativo ao objetivo: 104, 105. - desvio relativo ao objeto: 104, 105. - Puta: 157, 179.

R - Recusa da realidade e da castração: 1 13, 1 1 7, 1 18, 1 19, 120, 121 , 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 143, 144, 146, 1 48, 173, 183, 209, 230, 231 , 253, 260. - Relação sexual: 219, 224. - Real: 245, 246. - Recalcamento: 42, 43, 45, 52, 56, 57, 58, 61, 1 1 1 , 1 12, 11 9, 120, 122, 127. - recalcamento originário: 209. - Regressão : 1 08, 142. - Retorno sobre a própria pessoa: 33, 111.

s - Sadismo: 34, 95, 104, 1 1 1, 158, 166, 195. - Segredo: 1 94, 195, 1 96, 197. - Sedução: 154, 155, 156, 157, 238.

ESTRUTURA E PERVERSÕES - apelo sedutor: 154, 163, 165. - Semblante: 186. - Semiologia: 20. - Sentimento de identidade: 237, 242. - sentimento de identidade masculina: 239, 242, 248, 249. - sentimento de identidade feminina: 237. - Ser: 82, 146, 1 47, 154, 1 77, 186, 187, 238, 244, 253, 254. - Sexo: - ato sexual: 224, 225. - sexo anatômico: 216, 217. - igualdade dos sexos: 220, 224. - identidade sexual (ver Identidade). - legalidade dos sexos: 220. - relação sexual (ver Relação). - Sexualidade normal: 105, 106, 107, 108, 126. - Sexuação: 212, 216, 217, 218, 220, 222, 252. - Significante: 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 82, 83, 129, 130, 136, 137. - significante da lei (ver Lei). - cadeia significante: 57, 58, 60, 61. - substituição significante: 63. - Só-depois: 51. - Sublimação: 1 1 1 , 192. - Substituição metafórica: metonímica (ver Metáfora/Metonímia). - Suicídio: 247. - Simbiose - relação simbiótica: 237, 239, 241, 248, 249.

199 - Simbólico: 83, 207, 208, 209, 210, 212, 245, 246. simbolização da Lei (ver Lei). - simbolização da falta (ver Falta). - Sintoma: 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 41, 43, 44, 45, 47, 51, 55, 59, 60, 61, 62, 63, 1 12, 1 13. T - Ter (o falo) : 82, 146, 154, 1 77, 1 79, 182, 186, 187, 219, 225, 226, 228, 229, 230, 231, 248, 251, 254, 259, 260. - Toxicomania: 247. - Traço identificatório (ver Identificação) . - Traço de estrutura: 12, 38, 40, 43, 44, 52, 53, 56, 57, 63, 64, 73, 145, 148, 1 78, 260. - Transferência: 23. - Transformação em seu contrário : 1 1 1 . - Transgressão: 145, 148, 155, 169, 183, 184, 185, 186, 194, 196, 197, 198, 200, 210, 211, 262. - Transgressão anatômica: 105. - Transexualismo: 13, 212, 216, 217, 227, 231, 235, 252. - transexualismo feminino: 235, 248, 249, 251, 252, 253, 254. - transexualismo masculino: 235, 236, 237, 238, 239, 240, 241 , 242, 243, 244, 245, 246, 247, 248, 249.

51:RIE DISCURSO PSICANALfTICO DIREÇÃO: ALDUiSIO MOREIRA DE SOUZA

O tema: Saibamos ou não, a perversão é uma questão que diz respeito a cada um de nós, pelo menos a título de desejo, já que um "núcleo perverso" coexiste na própria dimensão de qualquer desejo. Quer dizer, pois , que não há perversões que não sejam se­ xuais e que a gênese das perver­ sões deve ser inscrita no seio mes­ mo da sexualidade dita normal (Freud) . Isso leva a crer que se possa conferir às perversões a identida­ de de uma estrutura cuja lógica se decifra no terreno da metapsi­ cologia freudiana e lacaniana. Um ponto de ancoragem das per­ versões pode então se definir sob a influência de elementos induto­ res ligados à problemática do fa­ lo na dialética edipiana. No campo clínico, a evidencia­ ção da estrutura perversa funda­ menta assim a possibilidade de uma radical discriminação diag­ nóstica diferencial . De fato, tor­ na compreensível a proximidade estrutural de algumas organiza­ ções psicopatológicas, tais como as psicoses e o transexualismo. A hipotética perversão feminina encontra-se, deste modo, igual­ mente esclarecida.

SÉRIE DISCURSO PSICANAL[TICO Esta análise da questão das perversões reúne uma pluralidade de argumentos fundamentais, que se desenvolvem em uma progressão lógica cuja coerência dá a esse estudo um caráter de rigor sem precedentes na abordagem de uma problemát ica psíquica tão complexa em seus princípios quanto desconcertante em suas atuali1ações . O autor, Joel Dor, é Psicanalista. Sua formação pluridisciplinar orienta algum de seus trabalhos para pesquisas epistemológicas sobre a psicanálise, à qual dá continuidade em concomitância com out ras numerosas investigações teóricas e clínicas . Doutor cm psicanálise , é professor-pesquisador na Universidade Paris V I I , onde dirige seminários de clínica psicanalítica . H á vários anos, uma parte de seus ensinamentos é consagrada a uma Introdução à obra de lacan, títu lo t ambém do seu l ivro mais consagrado, editado em língua portuguesa pela Artes Médicas .