Entradas e Bandeiras
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O Luiza Rios Ricci Volpato 6º EDIÇÃO, 2000 Diretor Editorial JEFFERSON L. ALVES Gerente de Produção FLÁVIO SAMUEL Capa ANDRÉA

VILELA

Supervisão gráfica NADIA BASSO Revisão

ÁLICE À, DUARTE VERA DE S. LIMA SILVIO N. FERREIRA

Níiuza M. GONÇALVES Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

VB96e

Volpato, Luiza Rios Ricci. Entradas e bandeiras / Luiza Rios Ricci Volpato. = 6º ed. - São Paulo : Global, 2000.

(História popular;

|)

Bibliografia.

ISBN 85-260-0030-6 1. Brasil — História — Entradas e bandeiras, 1634-

1728

1. Titulo.

85-0640

CDD-981.022

Índices para catálogo sistemático: 1. Bandeirantes : Brasil : História 981.022 1. Bandeiras e bandeirantes : Brasil : História 981.022 1. Entradas e bandeiras : Brasil : História 981.022

Direitos Reservados

Rua Pirapitingúi, 111 — Liberdade CEP 01508-020 — São Paulo — SP Tel.: (11) 3277-7999 — Fax: (11) 3277-8141 E mail: globalQdialdata.com.br Colabore com a produção científica e cultural. Proibida a reprodução total ou parcial desta obr a sem a autorização do editor.

|

BIBLIOTECA Pe.

Nº DE CATÁLOGO: 1525 POBLICA MUNICIPAL

ARL!N

Agradeço a Alcir Lenharo Elizabeth M. de Siqueira Fernando A. Novais Jaime Pinsky Kátia M. Abbud Luiz Volpato Neto Dedico

à memória

de

Diva de Freita Rios Jorgina Carmelita Ricci Alves Acreditaram. Lutaram. Venceram? Me amaram.

BIBLIOTECA

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SUMÁRIO

SOBRE

10

O AUTOR

CONVERSA

COM

11

O AUTOR

1ie

INTRODUÇÃO | - SÃO

17

VICENTE:

O LITORAL

|! - A MARCHA PARA E AUMENTO DO

23

E O PLANALTO

O SERTÃO, REINO

PELA

GLÓRIA

H - A POLÍTICA COLONIAL PORTUGUESA BANDEIRAS PAULISTAS

DE DEUS

E AS

45

IV - À BANDEIRA

V- A VIDA

Vi-

DO

27 BANDEIRANTE:

PORTUGUESES

PROCESSO DIONAL

O COTIDIANO

E ESPANHÓIS

DE OCUPAÇÃO

NO

SERTÃO

EM CONFRONTO

DA AMÉRICA MERI-

ANEXO:

DE RAPOSO

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BIBLIOGRAFIA VOCÊ ENTENDEU O TEXTO?

CRONOLOGIA

89 99

FINAIS

A BANDEIRA

65

NO

Vil - O OURO: GLÓRIA E DECADÊNCIA DO BANDEIRISMO CONSIDERAÇÕES

33

TAVARES

(Fontes)

DE 1628/29

103 111 113

115 117

Luiza Rios Ricci Volpato nasceu em Minas Gerais.É licenciada em

História pela Faculdade de Filosofia de Campo Grande — Rio de Janeiro

— e Mestre em História pela Universidade de São Paulo. É professora adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso, onde trabalha des de 1975, tendo participado das equipes de implantação do Dep artamento de História, do Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional e do Curso de História. Foi Chefe do Departame nto de História daquela Universidade no biênio 1981/1983. A autora considera seu maior mérito o esfo rço cotidiano na tentativa de conciliar suas atividades profissionais com sua vida de mulher, esposa e mãe de quatro filhos (nascidos entre 1976 e 1981).

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COM O AUTOR

CONVERSA

1 - Entradas e Bandeiras é considerado um dos grandes temas da

ram responsáveis pela transformação do bandeirante numa figura

cífico de uma série de estudos e está presente em quase todos os trabalhos de síntese da História do Brasil. Por que Entradas e Bandeiras têm merecido essa atenção?

tado de São Paulo, “carro chefe do nosso desenvolvimento”, ora com a própria Nação.

O bandeirante, na quase totalidade dos estudos feitos sobre ele, tem sido apresentado como um forte, como um homem dotado de bravura suficiente para enfrentar os perigos da guerra, da selva, capaz de enfrentar perigos sem fim e, além disso, arrogante e independente o bastante para desafiar o rei. Mesmo nos textos escritos pelos jesultas, Os quais, muitas vezes, tinham o

O estudo do bandeirismo é fundamental para a compreensão da

História do Brasil. É objeto espe-

objetivo de denegrir a imagem

bandeirante,

é reforçada

do

a idéia

de que ele era forte e arrogante. Essas qualidades têm sido importantes na transformação do bandeirante em herói e em simbolo. Na introdução deste livro, analisamos os momentos de apogeu da produção de estudos sobre o bandeirismo e como esses estudos fo-

mítica, identificada, ora com o Es-

2 - Nesse caso, é realmente impor-

tante estudar o movimento bandeirantista?

história de São Paulo, bem como de

vários aspectos da História do Brasil. Como procuramos deixar claro neste livro, as bandeiras surgiram a partir das condições sociais de vida no Planalto de Piratininga e se tornaram sua principal atividade, consumindo seus melhores recursos materiais e humanos. A vida das vilas do interior da Capitania de São Vicente era regulada pela organização, partida e chegada de bandeiras. A concentração dos esforços da população no movimento bandeirantista imprimiu características específicas à sociedade, entre elas a desproporção entre as populações masculina e feminina, em função das constantes sangrias

1

causadas sertão.

pelas

marchas

para

o

Por outro lado, é importante ressaltar que o estudo do período colonial (com algumas exceções) tem se prendido ao estudo da atuação da colonização portuguesa sobre seus domínios na América; pouca atenção sendo dada ao real vivido pelos colonos, e como a ação destes alterava ou definia O processo de colonização.

Estudar o bandeirismo é estudar a história de uma região da Colônia, que por suas condições específicas não se inseriu no projeto da colonização portuguesa para a América.

E, portanto, o estudo de como

não

existia.

Na

bandeira

o

poder era distribuído de forma rígida e em função do capital investido na expedição ou do número de indios flecheiros que um indivíduo colocava a serviço do empreendimento.

Os bandeirantes não acreditavam na igualdade entre os homens. Ao contrário, tinham como princípio que tinham como certa a superiori-

a

|

O estudo das bandeiras também é importante para desfazer a idéia de que a história do Brasil é asséptica e incruenta, uma vez que ele evidencia as inúmeras crueldades que foram praticadas no processo de devassamento do sertão, que foi também o processo de destruição das populações indígenas que o habitavam. A análise do movimento bandeirantista, fora da ótica do herói, a partir do estudo das condições sociais de vida, evidencia o alto nivel de violências perpetradas contra os silvicolas e desperta a critica para o processo de espoliação “dos índios, o qual se perpetua até nossos dias. 3 - Alguns autores que estudaram as bandeiras apresentam-nas

12

Não,

básico a desigualdade, tanto assim

ação de homens comuns em busca de soluções para seus problemas de sobrevivência forjaram a sua his-

tória.

como empreendimento democrático. Existia realmente democracia na bandeira?

| dade dos brancos sobre negros, índios e mestiços. Para nos certifi“Carmos

disso,

composição

basta

analisarmos

da bandeira:

a

algumas

dezenas de brancos e centenas de

índios, negros e mestiços; o poder O comando, porém, sempre estava nas mãos dos brancos, que invaria-

velmente eram a minoria.

.

Cassiano Ricardo busca, em sua obra, evidenciar de várias formas o caráter democrático da bandeira, em contraposição ao engenho, aristocrático e feudal. Para tanto, argumenta que qualquer um podia participar de uma bandeira. De fato, podia, desde que dispusesse de recursos suficientes para se aviare se colocasse sob o comando absoluto

do seu chefe. Além disso, a força de trabalho básica da bandeira era a. indígena, conseguida através da violência e da força, quando indivíduos eram arrancados de suas fa milias e aldeias para serem transf or-mados em escravos.

A miscigenação é sempre apontada como prova de democracia e

igualdade.

É importante

ressaltar

que os mestiços eram fruto de concubinato ou, mais claramente, da exploração sexual das índias, que, na maioria das vezes, eram submetidas à força à condição de concubinas. Os mestiços eram considerados filhos bastardos, inferiores aos filhos legítimos nascidos de casamentos legítimos realizados entre

brancos.

Esses

mamelucos,

na

maior parte das vezes, eram mantidos escravos até.a morte de seus

pais que, temendo o Inferno, os re-

conheciam em testamento. Cabe salientar que sempre que um bastardo era reconhecido como filho, não eram reconhecidos os seus direitos, ou seja, ele era tido como filho por piedade de seu paie não por direito seu. A historiografia tem se preocupado em mostrar a diferença de comportamento entre os filhos legitimos-brancos e os bastardos-mestiços, sem se preocupar, porém, em evidenciar a diferença de tratamentos a eles dispensada. Os mamelucos são apresentados como indignos da consideração de seus pais. O caso mais flagrante e o mais divulgado é o que envolve Fernão Dias Pais e seus filhos: José, o bastardomestiço, participou de um motim contra seu pai, traindo-o como chefe e como pai; Garcia Rodrigues

Pais, O legitimo-branco, foi exem-

plo do mais profundo amor filial, trazendo os restos mortais de seu pai do sertão até São Paulo, para ser sepultado conforme seu desejo.

Esse episódio é explorado à exaustão, para salientar o prejuizo

do pai branco em confiar no filho mameluco e a dedicação extrema do filho branco. O que ostextos não se preocupam em ressaltar é a distinção flagrante de direitos e de tratamento que separa dois homens (José e Garcia) dos quais se cobra lealdade igual. Outro exemplo muito utilizado para demonstrar a democracia presente na bandeira é a eleição do Guarda-Mor Regente, por ocasião da descoberta das Minas do Cuiaba. Esse acontecimento é várias vezes citado por Cassiano Ricardo para demonstrar o espírito democrático bandeirantista. Essa eleição foi feita, porém, entre pares, isto é, o conjunto da expedição não participou da escolha, só tiveram direito a voz e voto aqueles que haviam contribuido economicamente para a mon-

tagem da bandeira. Índios e escra-

vos ficaram marginalizados de qualquer discussão. O resultado da escolha foi garantir ao chefe da expedição sua autoridade sobre as minas

recém-descobertas.

4 - As bandeiras prearam e trouxeram do sertão uma grande quantidade de índios. Foram eles absorvidos pela Capitania de São Vicente ou foram distribuídos para outras regiões da Colônia?

O número de índios preados pelos paulistas foi realmente muito grande. Uma comissão mista, composta por portugueses e espanhóis, nomeada por Felipe IV em 1638 para apurar as denúncias feitas contra os bandeirantes, acusa-os de terem 13

preado ou matado cerca de 300.000 indios. Não se sabe ao certo, no entanto, a quantidade de silvícolas arrancados das matas e missões jesuíticas

pelos paulistas. Grande parte desse contingente se perdia nas longas caminhadas a pé desde o local de apresamento até São Paulo.

As presas eram distribuídas entre os membros aviados da expedição. Eram absorvidos como mão-

de-obra dos engenhose lavouras de

cana do litoral da Capitania de São Vicente, nas lavouras de subsistência do Planalto de Piratininga e vilas interioranas e como índios flecheiros de novas expedições. Não existem ainda estudos sobre a comercialização desses índios. Muitos autores afirmam, porém, que grande parte deles foi vendida aos engenhos do Nordeste. Essa afirmação é assumida por Taunay e Alfredo Ellis Júnior, entre outros, e baseia-se em depoimentos de jesuítas espanhóis, que teriam identificado na Bahia índios catequizados por eles e escravizados pelos paulistas nas Missões do Guairá.

5 - Neste livro, você procura mos-

trar o bandeirante como um homem comum e para isso procura recuperar alguns aspectos de seu universo mental. Como os bandeirantes conseguiam compatibilizar o seu cristianismo com as atrocidades que cometiam?

O bandeirante vivia numa sociedade de alto nível de violência. As

14

atrocidades cometidas contra os negros não eram menores que as perpetradas contra os silvícolas. Quando estava preocupado em solucionar seus problemas de mãode-obra, da mesma forma que o senhor de escravos e o traficante de africanos, era um homem preocupado em resolver problema vital para si. Cobrado, principalmente pelos jesuítas, e muitas vezes pelos representantes da Coroa, lançava mão de uma série de mecanismos para aplacar a consciência, entre eles a justificava da evangelização ou a polêmica sobre o grau de humanidade dos índios e negros. As contradições se agudizavam quando o bandeirante se sentia ameaçado de morte. Ele acreditava numa vida após a morte, a qual seria prêmio ou castigo, conforme houvesse transcorrido sua vida terrena.

Nesse momento, ele invocava o au-

xílio de todos os Santos. Para merecê-lo ele precisava ter sido um bom cristão e aí a preocupação com as falhas cometidas em vida e a ânsia em redimi-las. Quando o bandeirante invocava a piedade do Pai misericordioso, lembrava-se de sua falta de misericórdia para com seus filhos havidos com as índias e mantidos como escravos e se apressava em reconhecê-los e a concederlhes liberdade. 6 - À história das bandeiras é de certa forma a história da escravização de índios. O estudo das bandeiras sintetiza o estudo da escravidão vermelha no Bra sil?

O estudo das bandeira s de certa forma se confunde re almente com o

estudo da escravização dos silvicolas. Durante mais de um século

os bandeirantes foram essencialmente preadores de índios, mesmo depois de descobertas as minas de ouro, os paulistas continuaram preando e escravizando índios. No entanto, reduzir a questão da escravidão vermelha no Brasil apenas ao periodo das bandeiras seria reduzir demais uma questão muito mais ampla.

A apropriação do trabalho do índio, a destruição de suas aldeias e e desconsideração dos mesmos enantecede quanto seres humanos o movimento bandeirantista e sobrevive a ele, chegando até nossos dias. Para subjugar os índiose usurpar-lhes suas terras, todos os meios foram considerados lícitos. O ata-

responsáveis pelas dimensões territoriais do Brasil? Responsabilizar apenas o bandeirismo pelas dimensões territoriais do Brasil seria reduzir demais um processo muito mais amplo e mais longo. Não restam dúvidas de que os paulistas devassaram o sertão. Em meados do século XVIl eram os melhores

conhecedores

do inte-

rior de que a Colônia dispunha. Nesse período, porém, a partir das condições históricas de Portugal e do Brasil, desencadeia-se um processo de interiorização do povoamento. Essa interiorização seguiu as trilhas abertas pelos bandeirantes, mas foi efetivada pelas mais di-

que e destruição das aldeias perpe-

versas categorias (mineradores, tropeiros, monçoeiros, criadores de gado, agricultores) que, penetrando pelo interior, garantiram mesmo “que esparsamente a ocupação de

f - Em busca da solução de seus problemas, os bandeirantes devassaram o sertão, conquistaram áreas, destruíram quilombos, descobriram riquezas. São eles

configuração do Brasil. Foi a partir dessa ocupação, que permitiu inclusive a criação de núcleos de governos coloniais no interior, que a diplomacia portuguesa reclamou seus direitos sobre a área, os quais foram reconhecidos, em 1750, pelo Tratado de Madri.

trado pelas bandeiras é apenas uma faceta desse genocídio que tem se prolongado através dos séculos.

uma .área correspondente

à atual

15

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ESSE

INTRODUÇÃO

O tema

entradas e bandeiras tem

sempre um espaço garantido nos livros didáticos de História do Brasil. Nos capitulos referentesã expansão territorial, o bandeirante é apresentado, na grande maioria das vezes, como herói responsável pelas dimensões continentais do país. As ilustrações do texto apresentam,. quase sempre a figura de um sertanista de botas de cano alto, chapéu de aba larga, gibão acolchoado, com uma escopeta ou um bacamar-

te na mão.

No texto é passada a

visão heróica do bravo que, vencendo dificuldades sem fim, conquistou áreas imensas para a Colônia e descobriu riquezas no interior do Brasil.

Os livros didáticos, na verdade, reproduzem uma visão mítica do bandeirante, elaborada! cuidadosamente pela historiografia do bandeirismo. Essa versão mítica está tão amplamente divulgada e tão profundamente enraizada, que faz parte do senso comum e é tida e aceita como concreta e definitiva. Ela permeia praticamente toda a literatura sobre o assunto e dificulta a busca de uma interpretação crítica do fenômeno bandeirantista.

A transformação do homem comum do Planalto de Piratininga em herói tem sido possível em função das caracteristicas da sociedade aí engendrada, baseada na agricultura de subsistêncir., na utilização do trabalho indigena e com vinculação tênue com a economia

de mercado.

Marginalizada no projeto de colonização elaborado pela política colonial portuguesa para os domínios lusos na América, a sociedade planaltina ficou relegada a segundo plano. Assim seus habitantes tiveram de buscar por si mesmos a solução para seus problemas básicos de abastecimento e defesa, sendo obrigados a se valerem dos recursos da terra. Se por um lado tal situação condicionou o Planalto de Piratininga a uma relativa pobreza, por outro, conferiu-lhe maior autonomia em relação ao restante da Colônia, tornando a sociedade planaltina muito atrativa em todos os momentos em que a Nação necessitou de simbolos, mitos e heróis. O fenômeno bandeirantista possui elementos que trabalhados permitiram a elaboração do mito da nacionalidade. Um desses elementos é a miscigenação. Na Capitania de

17

São Vicente, como no restante da Colônia, a ligação entre os sexos se fazia basicamente através do concubinato ou simplesmente da subjugação das mulheres negras e índias. Essa situação foi amplamente denunciada pelas autoridades religiosas e era comum em toda a Colônia. O fruto dessas ligações, evidentemente,

era o mestiço.

A historiografia do banderismo se apropriou desse elemento, apresentando-o com cores novas: não mais como o resultado de ligações legitimas, não mais como fruto da deteriorização dos costumes, como era apresentado nas denúncias dos padres e bispos do período colonial,

mas como um homem novo, nem europeu nem índio e sim a mistura de ambos — o mameluco. Este é

pinçado da categoria de escória da sociedade, onde jazia até então, e alçado à condição de heroi. O mameluco, segundo a versão mítica das bandeiras, era dotado de qualidades especiais.De um lado, herdeiro das habilidades do índios

sintetizadas na sua capacidade de

sobreviver nas selvas e empreender longas caminhadas etc. e, de outro, continuador das quelidades

do

branco,

principalmente

a inte-

ligência, a iniciativa, o comando. Ao

resgatar o mameluco e trans-:

formá-lo num ser de características excepcionais, membro da “raça de

gigantes”, a historiografia do ban-

deirismo resgatava grande parte da população brasileira, composta de vários tipos de mestiços. Além disso, resolvia um impasse que

18

havia

atormentado

a

intelectuali-

dade brasileira do século XIX, que

era: como tornar desenvolvido um pais povoado por mestiços e que havia sido colonizado por degredados? À miscigenação era transformada de entrave em vantagem. O mestiço, visto até então como fator de degenerescência, passava a ser apresentado como aprimoramento racial. Enfim, era do cadinho das raças, do qual o bandeirante era um exemplo, que surgia o povo brasileiro. Outro elemento

presente na ban-

deira e trabalhado pela literatura bandeirantista foi a sua capacidade bélica. Na busca de solução para seus problemas, os habitantes do Planalto de Piratininga transformaram a bandeira em sua atividade principal.

Caçando índios para escravizar, lutaram contra os espanhois. Lutaram contra índios, no Nordeste, participaquilombos, destruíram ram da expulsão de invasores. Essas

lutas

foram

pintadas

com

cores novas e transformadas em guerras de conquista. Dessa forma, a historiografia do |bandeirismo pôde apresentar o sertanista planaltino como responsável pelas dimensões do Brasil. Realizador de grandes travessias

terrestres e fluviais (como é périplo "de Raposo Tavares), o bandeirante teria garantido abertas as comuni-

cações entre os diversos núcleos da Colônia.

Descobridor

de

levado o povoamento Continente.

riquezas,

teria

ao centro do

A partir desses elementos, foi possível elaborar a versão mítica do bandeirante-herói, simbolo da nacionalidade brasileira. O interesse pelo estudo do tema das bandeiras surge no final do século XIX e toma corpo no inicio da centúria seguinte. Esse é o período em que os cafeicultores paulistas, por um surto de impulsionados

desenvolvimento

que

o Governo

não tinha como atender e premidos por exigências, ascenderam ao poder através da proclamação da República. Imperial

instalados no poder, os grupos que dirigiam a empresa cafeeira colocaram a maquinaria políticoadministrativa a serviço de seus objetivos. A subordinação do instrumento político aos interesses de um grupo econômico precisava ser traoalhada

de

maneira

que

o inte-

resse de alguns se confundisse com

O interesse de todos.

' Foi a ideologia da nação veiculada pela visão mítica do bandeirante que possibilitou a identificação dos ' interesses dos cafeicultores paulis-

tas com

os interesses

nacionais.

Assim, os paulistas, descendentes dos bandeirantes, deveriam assumir o destino que lhes estava reservado e, a exemplo de seus ancestrais, tomar.a liderança do pais. Aos paulistas os brasileiros deviam as conquistas e as riquezas do. passado; aos paulistas os brasileiros deviam o desenvolvimento do presente. Sua liderança não deveria

ser questionada, própria.

porque

lhes era

Durante a década de 20 0 governo estadual paulista estimulou e financiou projetos de pesquisa sobre o tema das bandeiras. Ao mesmotempo,publicoudocumentos sobre o assunto, como a obra Nobiliarquia paulistana, histórica e genealógica de Pedro Taques de Almeida Paes Leme (escrita no século XVIII, com o objetivo de enaltecer os feitos bandeirantistas) e OS inventários dos bandeirantes. Estes estímulos surtiram efeito e foram editados diversos trabalhos sobre o bandeirismo, entre eles a mais volumosa obra sobre o assunto, História geral das bandeiras paulistas de Afonso d'E. Taunay. Foi a partir daí que o bandeirante ganhou status de herói, eo avanço dos cafezais para Oeste foi identificado com a marchasertanista,eos ideais paulistas identificados com o ideal da Nação.

Derrubada a República Velha,o

mito bandeirante da nacionalidade ressurge na obra de Cassiano Ricardo como simbolo da ditadura nacionalista do Estado Novo. Na elaboração de sua versão heróica sobre o bandeirante, Ricardo apresenta a bandeira em contraponto com o engenho. Este, baseado na grande propriedade, vinculado ao mercado externo “acumpliciado do capitalismo europeu”.

Aquela, originária da pequena propriedade, da policultura, voltada

para ointerior, “em marcha para Oeste”. Para o Autora pequena pro-:

priedade

e

a

policultura

teriam

garantido a caracteristica democrática presente na expedição.

19

Ricardo reedita elementos já presentes nas versões anteriores sobre a bandeira, como a valorização da miscigenação e a apresentação do bandeirante como elemento fundamental no processo da formação da nacionalidade, porém, com maior ênfase e dentro de um novo contexto.

Como símbolo ideológico da ditadura nacionalista do Estado Novo, a bandeira deveria ser capaz de se identificar também com o governo forte. Para isso Ricardo confere ao brasileiro o gosto pelo governo forte, o qual seria proveniente da admiração pelo chefe bandeirante. “Ninguémcomoochefe dabandeira encarna tão bem a concepção de governo forte”. No entanto, a transformação do

enfrentou herói em bandeirante como entrave a dificuldade de explicar a destruição das populações

espanholas, bem'como inúmeras outras atrocidades cometidas no

exercício de bandeirar. A solução encontrada foi conferir à bandeira de caça ao indio o

status de guerrade conquista,

e a

apresentação dos espanhois e seus guaranis como invasores em potencialque,se náotivessem sido destruídos, teriam investido contra o núcleo português. A versão de que as atrocidades cometidas seriam o preço pago pelos feitos dos bandeirantes ou o reverso da medalha encontra eco

ainda hoje (Davidorff, 1982).

Cassiano Ricardo resolve a questão eliminando a caça ao índio do movimento bandeirantista. Seria

20

simplesmente o interregno entre a busca de riquezas no século XVl.e sua descoberta no final da centúria seguinte. O bandeirante era um caçador de mitos e riquezas e não de bugres, em sua versão. O conteudo dessas explicações ideológicas sobre o movimento bandeirantista foi reproduzido de varias formas em vários tipos detrabalhos e discursos de maneira tal

que está presente, oficial,

como

tanto na fala

no senso

comum.

A elaboração desse livro é um esforço no sentido de investir contra essa verdade aceita, com o objetivo de recuperar o bandeirante como um homem comum de seu tempo. Para tanto, procuraremos no primeiro capitulo levantar algumas questões sobre o início da colonização na Capitania de São Vicente, principalmente na região do Planalto de Piratininga. No segundo capítulo, buscamos apresentar uma proposta explicativa para o aparecimento do movimento bandeirantista.

Para a elaboração desses capitulos foi fundamental o estudo dos cronistas do século XVIII, principalmente Pedro Taques. A leitura, no entanto, foi feita no sentido de

pinçar informações sem recuperar dados Assim, lendo textos valorizar o épico,

que permitissobre o social. que procuram único, O

ordinário, procuramos tirar informações que nos possibilitassem visualizar o comum, o social, a sociedade da Capitania de São Vicen-

te do período em questãoe seu cotidiano.

A partir dessas discussões, procuramos no capítulo terceiro ana-

lisar a inserção do movimento bandeirantista no conjunto da colonização portuguesa na América. Nos capítulos quarto e quinto, o esforço foi feito no sentido de recu-

perar o cotidiano da bandeira, seja nos trabalhos de sua montagem e organização, seja durante sua per-

manência no sertão. Para tanto, foram fundamentais os trabalhos de

Sérgio Buarque de Holanda e Alcântara Machado.

Em seu livro Caminhos e Frontelras, Sérgio Buarque recupera o viver na Capitania de São Vicente, na época das bandeiras. O texto se preocupa em apresentar as técnicas de sobrevivência utilizadas pela população vicentina, tanto as apro-. priadas dos índios, como as apropriadas dos europeus. Analisando o cotidiano do homem comum,discute como ele enfrentava as dificuldades do sertão e da vida nas vilas. Indo a minúcias, Sérgio Buarque discute detalhes da vida em São Paulo, no período em questão. Discutindo as condições de vida da Capitania, os hábitos e costumes de seus habitantes, a religiosidade e as crendices dos mesmos, o Autor reconstrói o viver em São Paulo no período bandeirantista. O livro de Alcântara Machado tem como fonte básica os testamentos dos bandeirantes. A partir do estudo de centenas desses documentos, o Autor recupera informações sobre a vida material da bandeira e aspectos do universo mental do bandeirante.

No capítulo sexto, analisamos o avanço das expedições paulistas para o Sule para Oeste, no entanto, o capítulo é aberto com a discussão do início da colonização espanhola na Bacia do Prata. Assim, nos preocupamos em apresentar uma outra sociedade formada no interior do Continente e cuja população empreendeu grandes marchas para o interior durante o século XVI. A análise da ocupação da Bacia do Prata pelos espanhóis apesar de feita de

forma bastante sucinta teve por objetivo questionar o mito da raça de gigantes. A análise de uma outra sociedade engendrada no interior do Continente, baseada na econo-

mia de subsistência, na utilização de técnicas indigenas e ligada por laços tênues à economia de mercado, tira da sociedade planaltina a característica que lhe é conferida, de extraordinária e fruto dotrabalho de heróis. A grande mobilidade das

bandeiras não pode ser explicada a partir de condições físicas especiais dos paulistas, mas sim das condições específicas de vida da Capitania de São Vicente, no período em questão. O ultimo capitulo se prende a análise da descoberta do ouro pelos

bandeirantes,

a fixação

do povoa-

mento no interior da Colônia bandeiras do século XVIII.

e as

Apesar das pequenas dimensões deste trabalho e de sua elaboração a partir principalmente do estudo da bibliografia existente, ele se propõe apresentar algumas discussões novas sobre este velho tema.

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I SÃO VICENTE: O LITORAL E O PLANALTO

A colonização do Brasil teve inicio por volta de 1532, quando Martim Afonso de Sousa fundou a Vila de São Vicente. A fundação dessa Vila é considerada como o marco, inicial da colonização do Brasil, processo que não pode ser analisado sem que seja levada em conta

a relação existente entre Portugal e seu império ultramarino.

Durante mais de um século, Portugal havia concentrado o melhor de seus esforços na conquista do oceano e principalmente na busca de novo caminho que ligasse a Europa aos riquissimos empórios comerciais do Oriente. Para isso os portugueses aprimoraram as técnicas de navegação e investiram seus recursos humanos e materiais na fabricação e equipagem de navios que lançaram ao mar em busca de riquezas.

O objetivo luso foiatingido no crepúsculo do século XV, quando, em 1498, Vasco da Gama chegou a. Calicute, nas Índias.

Conseguido esse grande feito, o

Rei de Portugal e a burguesia comercial portuguesa, que haviam

financiado

esse

esforço secular,

prepararam-se para usufruir todo o lucro que o grande comércio deveria propiciar.

A concentração maciça de esforços na empreitada ultramarina, porém, relegara a segundo plano a busca de solução para problemas cruciais da população, tais como a produção de gêneros essenciais para a sobrevivência. Por outro lado, ao atingir o importante entreposto de Calicute, Portugal não dispunha de produtos comercializáveis, os quais çados

pudesse trocar pelos produtos orientais.

cobi-

Assim, o tão almejado Oriente não trouxe para os portugueses os lucros imensos pelos quais gerações haviam lutado. A exploração do comércio do Oriente, durante as duas primeiras décadas do século

XVI, deixou claro que ele não seria suficiente para recompensar o pais de todos os recursos humanos e

materiais que haviam sido investidos na sua conquista. Dessa forma, a

alternativa

foi

olhar

com

olhos

inquiridores para as grandes áreas atingidas no processo de busca do Oriente. Terras essas que na ocasião da sua descoberta tiveram como maior importância salientar

23

que mais um obstáculo para chegar as Índias estava vencido . Entre essas terras estava a grande área descoberta além do Atlântico, na América, a qual tivera como maior importância, à época do seu descobrimento, servir de ponto de apoio à navegação do Atlântico e fornecer portos de abastecimento e aguada às naus portuguesas em demanda do Oriente.

Ao final do primeiro quartel do século XVI, Coroa e burguesia portuguesas constataram que as grandes areas conquistadas na America

e na África deveriam também

ser

exploradas. Esses domínios deveriam compensar os esforços da empreitada ultramarina fornecendo riquezas para El-Rei e para os comerciantes.

O Brasil fora descoberto no momento da euforia da conquista do

caminho marítimo para as Índias. A expedição de Pedro Álvares Cabral, a maior de todas ate então, monta-

da pela Coroa portuguesa, partiu de

Lisboa, em 1500, com o fim declarado de estabelecer relações diplomáticas e mercantis com o porto de Calicute. O descobrimento do Brasil foi, portanto, uma etapa entre a descoberta da rota maritima para o Oriente e sua consolidação. Mesmo assim, foram enviadas à nova terra expedições exploradoras, participando de uma delas um dos mais destacados exploradores da Europa, naquela época, Américo Vespúcio. O diagnóstico por ele apresentado sobre a área nada tinha de lisonjeiro — a terra não oferecia possibilidades de enriquecimento

24

para seu possuidor. Povoada por aborigines, com os quais não era possivel estabelecer relações mercantis, também não oferecia produtos de considerável importância: para o comércio. Essas primeiras expedições promoveram também a prospecção de metais e pedras preciosas. Sem se afastarem do litoral, seus componentes, em contato com os índios,

investiram um pouco mais mata adentro, em busca de riquezas. Nada conseguiram. Atestaram a inexistência de minas de metais ou pedras preciosas nas proximidades da costa Atlântica.

Diante dessa realidade, os financiadores das descobertas e explorações se viram diante da necessidade de buscar novas alternativas de exploração da terra, para que ela gerasse riquezas.

Por essa época, a Europa consumia gulosamente todo o açúcar que chegasse a seus mercados, fosse ele procedente do Oriente ou das Ilhas Atlânticas. O açúcar era então considerado uma das especiarias do Oriente, embora os portugueses já houvessem dominado as técnicas, tanto de plantio da cana, como da fabricação do açúcar, produzindo-o nas Ilhas Atlânticas. Quanto

ao Brasil, embora

as in-

formações fornecidas a seu respeito fossem negativas em relação à existência de ouro e prata, eram positivas quanto às suas possibilidades de produção de açúcar. Assim, a Coroa e a burguesia portuguesas

decidiram assumir esta nova empreitada: explorar açúcar no Brasil. Isto posto, é importante salientar

que foi o século XVI a centúria da partilha ultramarina. Durante um século, Portugal cruzou os oceanos tranquilo

sem

sofrer concorrência;

no final do período, porém, a Espanha enviou navios em busca do Ori-. ente sob o comando de Cristóvão

Colombo, que descobriu a América,

em 1492. No século seguinte, França e Inglaterra, conscientes de que faziam a investida ultramarina com atraso em relação aos países ibêricos, lançaram-se com sofreguidão sobre as terras que, embora já descobertas, não estavam ocupadas. A

partir desse quadro, Portugal em relação ao Brasil via-se diante da seguinte realidade: possuia uma extensa área a oeste do Atlântico, a qual não possuía produtos de efetivo interesse para o comércio, nem uma população que pudesse se tornar mercado consumidor de produtos europeus ou orientais, e nem mesmo possuía riquezas minerais, mesmo assim, corria o risco de ser usurpada por representantes de outras Coroas. Era indispensável, portanto, garantir-lhe a posse. Tal garantia, porém, deveria ser buscada de forma que a terra passasse a gerar riquezas para Portugal. À alternativa que se apresentava era a colonização.

Para dar início a essa empreitada foi enviada ao Brasil a expedição de Martim Afonso de Sousa, que além disso deveria patrulhar o litoral da terra e avançar na pesquisa explora-

tória, com atenção maior (é claro!) para a existência de metais e pedras preciosas. A expedição de Martim Afonso de Sousa foi cuidadosa-

mente organizada, tendo-se em vista os três objetivos a que se destinava. Na sua montagem e aparelhamento, atenção especial foi confe-

rida à questão do povoamento. Para efetivar o início do povoamento, Martim Afonso trouxe consigo para a nova terra vários homens e mulheres que se dispunham a abandonar o Reino, para tentar uma outra vida. A Vila de São Vicente foi fundada com a participação de algumas famílias e alguns homens solteiros que haviam assumido o propósito

de se passarem para a nova terra a fim de dar início ao povoamento.

A grande maioria dos livros de História do Brasil não analisa ou nem mesmo se refere a presença de mulheres européias nos primeiros tempos da colonização do Brasil. No entanto, a obra de Pedro Taques de Almeida Paes Leme cita um número significativo delas que pasBrasil acompanhando saram ao seus pais ou maridos na grande aventura que assumiam. A presença de mulheres brancas na fundação da Vila de São Vicente lhe dá um caráter bem diverso daquele que lhe é impingido quando se discute apenas a presença de um bando de aventureiros acompanhados de delinquentes degredados que viviam amasiados com as índias, na ânsia louca do rápido enriquecimento para retornar o mais

breve possível ao Reino. A presença de

familias

confere

L A P I C I N U M A C I L L BIBLIOTEC A PO Pe. ARLINDO MARCON

ao

início

da

25

colonização

a caracteristica

da

sedentariedade e perpetuação. Os portugueses que vieram com suas famílias iniciar o povoamento estavam dispostos a se perpetuar na

terra e a criar condições de vida para sie para os seus descendentes. O desejo de enriquecer estava presente também nesses homens que trouxeram suas famílias, no entanto, se punham em risco não só asi próprios, mas também aos seus, é porque vinham em busca de compensações maiores do que apenas o rápido enriquecimento.

Coube

Martim

ao chefe

Afonso

da expedição

convidar

aqueles

que vieram em sua companhia. O recrutamento desses primeiros povoadores, porém, foi feito com o

apoio do Rei, que lhes concedeu o

foro de fidalgos da Casa Real. Logo no início do 'povoamento foram fundados dois engenhos: o de São Jorge, estabelecido por Martim Afonso, e o de Madre de Deus, estabelecido por Luiz de Goes e sua mulher, D. Catarina. Além da Vila de São Vicente, foi fundada na ilha do mesmo nome, a apenas duas léguas de distância, a Vila de Santos, eregida por Brás Cubas. O povoamento do litoral, portanto, teve seu início dentro dos pressupostos estabelecidos pela política colonial portuguesa, ou seja, buscando adaptar as terras americanas às necessidades do mercado europeu. Outro pressuposto da política colonial portuguesa foi sem-

pre utilizar o mais possível os recur-

sos particulares, aliviando com isso 26

os constantemente escassos fundos do Erário Régio. Assim, àqueles

que se dispunham a vir iniciar o povoamento do Brasil eram conferidos títulos e outras graças, porém, eles deveriam arcar com as despesas que se fizessem necessárias tanto para ocupar a terra, dar início

a plantação, como para erigir engenhos ou outros estabelecimentos. Os

portugueses

desenvolveram

suas técnicas de colonização no processo da transformação das Ilhas Atlânticas de desertas em produtivas. A ocupação do Brasil, porém, exigiria dos colonizadores um esforço consideravelmente superior, mesmo levando-se em conta apenas o povoamento do litoral. Problemas novos se apresentavam, tais como a distância da Metrópole, a vastidão das áreas e a oposição do gentio. Ao chegar ao Brasil, o primeiro donatário da Capitania de São Vicente vinha devidamente informado sobre a existência de índios

naquela região. A terra teria de ser conquistada ao silvíc que ol entãa o a povoava. Na tarefa de expulsar os índios das terras que ocupavam,

para que em seu lugar surgissem plantações, canaviais e engenhos, Martim Afonso contou com a ajuda de João Ramalho. Ao chegar a São Vicente, o donatário aí encontrou esse português que vivia com o gentio havia anos e os induziu a colaborar

com

os

portugueses.

Essa não foi, porém, a tônica do relacionamento estabelecido entre europeus e ameríndios. Os portu-

gueses desembarcaram dispostos a

ocupar a terra a qualquer custo e o custo foi, entre outros, um número incalculável de vidas de brancos e, principalmente, de índios, nos con-

frontos armados que ocorreram a partir do século XVI, tendo por móvel a ocupação da terra e a apropriação da mão-de-obra. As vilas de São Vicente e de Santos se firmaram como baluartes da ocupação lusa ao sul da extensa costa do Atlântico que cabia a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas. O cultivo da cana se fez de maneira satisfatória e a produção de açucar se tornou intensa o suficiente para que o porto de Santos tivesse movimentado comércio. O povoamento não se alargou mais, porém, do que uma estreita faixa no litoral. Durante duas décadas a ocupação portuguesa na Capitania de São Vicente não foi além de uma estreita nesga deterra fértilincrustada entre o Oceano e a Serra do Mar. Um número significativo de autores já discutiu a ação da montanha, que a pouca distância do litoral se coloca como defensora do interior. Desde os relatos dos cronistas que ainda no século XVI escreveram sobre a região, a serra é apresenta-

da

como

um

transponível.

obstáculo

Íngreme,

quase

cheia

in-

de

despenhadeiros, de acesso tão dificil que os caminhantes tinham de marchar agarrando-se aos arbustos, a montanha impunha-se quase como uma “muralha” a impedir a penetração pelo interior. Apesar das grandes dificuldades, a serra foi galgada pelos conquistadores e, a 8 de setembro de 1553, Antonio de Oliveira, lugar-tenente.

de Martim Afonso de Sousa, fundou no Planalto a Vila de Santo André da Borda do Campo, auxiliado por Brás Cubas que era a essa época Provedor da Fazenda Real e Alcaide-Mor da Capitania de São Vicente. Fundada a vila, para lá se transferiu Antonio de Oliveira e sua mulher D. Genebra Leitão. Os principais cargos foram preenchidos por João Pires (Juiz Ordinário),

Paulo

Proença

(Vereador),

Álvaro

Martins (Procurador do Conselho) e Gaspar Nogueira (Tabelião-Escrivão da Câmara).

Marco decisivo para a ocupação do planalto vicentino foi a fundação do Colégio de São Paulo, a 25 de janeiro de 1554, pelo Padre Manuel da Nóbrega e o Irmão José de Anchieta, pertencentes à Companhia de Jesus. O colégio atuou como elemerto aglutinador do povoamento no Planalto de Piratininga. Sua ação não pode ser compreendida se levarmos em conta o colégio apenas como um estabelecimento de ensino capaz de fornecer conhecimentos aos filhos dos colonos. À interação entre o estabelecimento religioso e a colonização é muito mais profunda. Durante os Tempos Modernos, a europeização do mundo. era, em muitos momentos, confundida com a evangelização. A expansão ultramarina e a colonização eram vistas também como uma possibilidade de se levar a fé de Cristo aos mais distantes pontos do mundo. A catequização dos povos pagãos era a justificativa ideológica dos europeus para a conquista de outras terras e outros povos.

27

A religiosidade e o misticismo faziam parte do cotidiano do homem dos Tempos Modernos para o qual o bem supremo seria alcançar o Céu; para isso era necessário morrer em paz com Deus. A paz com Deus era obtida através dos Sacramentos ministrados pelos ministros da Igreja. À preocupação com a salvação da alma fazia parte da vida na Idade Moderna. Expedições não deixavam os portos sem levar seu capelão;ia colonização só era realmente legitima quando pudesse contar com a participação dos padres. Assim, o Colégio de São Paulo atuou como elemento aglutinador do povoamento no Planalto de Piratininga, na medida em que oferecia para os colonos e suas familias o conforto da possibilidade de uma vida cristã, através da presença dos Sacramentos, garantia de salvação; significava a ação evangelizadora da colonização, uma vez que através do batismo, os padres podiam transformar índios selvagens em humildes cristãos; e representava, ainda, um baluarte da civilização, na fronteira do sertão. Os primeiros representantes da

Companhia de Jesus chegaram ao Brasil, em 1549, com Oo primeiro Governador Geral Thomé de Sousa.

Vinham: sob o comando do Padre Manuel da Nóbrega, quese tornou o primeiro provincial da Ordem no Brasil. Nóbrega considerava a penetração pelo interior fundamental ao processo de colonização. Dentro desse propósito foi que fundou o Colégio de São Paulo no Planalto de Piratininga.

28

A ocupação da região serrana se. deu de forma bem diversa da ocupação do litoral. Esta se caracterizou por uma economia monocultora vinculada ao comércio mundial, aquela se firmou a uma economia de subsistência, voltada para a produção de gêneros de primeira ne-' cessidade e com relações infimas com o comércio mundial. Na região planaltina formaram-se fazendas de policultura, as quais produziam desde gêneros cultivados pelos indios, como milhoe mandioca, até os gêneros nitidamente europeus, como o trigo e a uva. A diversidade econômica registrada entre o litoral e o planalto propiciou a formação de sociedades de características diversas, marcando a especificidade de cada uma. A economia do litoral — monocultora, voltada para o mercado externo, preocupada em produzir aquilojquea Europa estivesse interessada em consumir — gerou uma sociedade específica com caracteristicas próprias de organização, dominação e apropriação do traba-

lho. A medida que exportava o açúcar, o porto de Santos criava para si condições de barganha. A exportação possibilitava a importa-

ção

de

produtos

manufaturados

europeus ou orientais e escravos. Os navios atracavam carregados desses produtos e pretendiam retornar à Europa com sua carga trocada pelos produtos da terra: madeira, aves exóticas e principalmente açúcar. Comisso os proprietários dos engenhos tinham a possibili-

dade de pagar suas importações em

especie, ou

seja, com o próprio

açúcar. Assim, ficavam garantidas

isto as condições de troca do litoral, . é, sua capacidade de importação Apresentando as características

x-e ro ag ia om on ec a um de as ri óp pr de portadora, o litoral da Capitania

tiro ad qu no a ri se in se e nt ce Vi são a.. pico da colonização mercantilist rCom isso, assumiu também as fo o mas de dominação e apropriaçã do trabalho inerentes a este tipo de sociedade. Assim, O porto de Santos se tornou importador de escravos africanos, um dos principais produtos comercializados pelos navios europeus. O doce açúcar era trocado, portanto, pelos artigos de luxo que seus senhores iam consumir, bem como pelo desesperado negro que ia garantir canaviais e engenhos em funcionamento. Arrancado violentamente

de sua o negro era

terra e de sua família, trazido para trabalhar na produção

de açúcar e, à medida que cumpria

sua tarefa, para fugir. aos açoites e outros castigos, contribuia para que

outros negros viessem a fazer parte daquele inferno que era a vida do

escravo. Bastante diversa era a vida no Planalto. A produção de gêneros de subsistência mantinha a região serrana quase que marginalizada do

comércio

mundial. À medida que

não exportava em escala significativa, sua capacidade de importação também era irrisória. A produção de gêneros de subsistência garantia a sobrevivência, mas encarecia a obtenção de produtos importados, uma vez que os mesmos não poderiam ser pagos com aquilo que à

região produzia. Não podendo trocar os artigos importados por espécies, eles teriam de ser pagos em numerário, o que dificultava ainda mais sua obtenção. Assim, os planaltinos cedo tiveram de aprender a prescindir dos artigos de luxo que chegavam ao porto de Santos. O luxo foi relegado

e os produtos de necessidade oriun-

dos de além-mar foram paulatinamente substituídos por congêneres produzidos na terra. O planalto produzia seu vinho, seu trigo, seu tecido e, mais importante, resolveu por si mesmo a questão do produto mais caro importado pela Colônia: a mão-de-obra. Desde o início da colonização do

Brasil, a questão da mão-de-obra foi um impasse. Na Europa, os trabalhos da terra e os chamados oficios mecânicos eram desenvolvidos por servos e eram considerados atividade desqualificativa. O trabalho era considerado degradante! Apenas a guerra era atividade digna de um senhor, de um fidalgo. Considerando-se que um dos fatores que estimulavam os portugueses à passarem para a Colônia era a possibilidade de enobrecimento através do foro de fidalgo da Casa Real concedido pelo Rei, não iriam eles se degradarem a ponto de exercerem trabalhos com a terra ou ofícios mecânicos: Os colonos chegavam ao Brasil com a intenção de ascender econômica e socialmente. Mesmo aqueles que desembarcavam desprovidos de recursos se negavam a se colocar a serviço de outros. A grande disponibilidade de terra fazia com que cada euro-. 29

e

condições de ser ocupada preponderante na utilizatrabalho compulsório no de colonização da Améri-

A primeira alternativa buscada para solucionar o. problema foi a utilização da mão-de-obra disponível, ou seja, Os indios. No entanto, desde o século XV, Portugal havia

conquistado a costa oeste, da Áfri-

ca, de onde passou a retirar ouro, marfim e escravos. A Europa não aceitou bem esse novo produto. Escravos foram importados pelos europeus, porém, em quantidade reduzida. A montagem de economias agro-exportadoras na América oferecia aos negociantes de escravos um imenso mercado consumidor que passou a ser explorado desde seus primeiros momentos. O problema era convencer os colonos a, embora tendo os índios à mão, comprar os negros africanos. Ainda nessa questão foi de fundamental importância a ação da ideologia propiciada pela justificação da fé. A escravização dos negros era vista como a sua evangelização. Por outro lado, a Companhia de Jesus e a Coroa se colocaram em defesa dos ameríndios. Ninguém se colocou, porém, em defesa dos negros, cujo comércio propiciou lucros imensos à burguesia mercantil européia.

30

às necessidades específicas de uma sociedade, garantindo as características de diversidade que teve a colonização no Brasil.

O trabalho do índio foi utilizado desde os tempos do descobrimento e continuou sendo utilizado pelos séculos afora, até chegar aos nossos dias. Sua utilização não foi especifica de uma região, ela existiu em toda a Colônia; o que difere uma região da outra é a proporção entre a escravidão negra e vermelha, durante um determinado período. Essa diversidade na utilização da mão-de-obra e no tipo de mão-deobra se firmou, desde cedo, entre o litoral e o interior da Capitania de

São Vicente. À medida que não tinham condições de importar negros africanos, os colonos do planalto abasteceram-se de nativos

para atender a demanda de força de trabalho. No entanto, é importante salientar que a capacidade de importação de escravos do litoral da Capitania de São Vicente não se mante-

ve sempre a mesma. A formação de um parque produtor de açúcar no Nordeste do Brasil estabeleceu uma concorrência na comercialização do produto, a qual foi bastante one-

o

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terra em foi fator ção do processo | ca.

A apropriação da mão-de-obra negra se tornou a tônica da colonização portuguesa na América. Isso não significa, no entanto, que não tenha ocorrido a escravidão vermelha ou que a utilização do trabalho do índio seja a negação das reflex6es que buscam explicar a escravidão negra. Ambas coexistiram e se completaram cada qual atendendo

——

peu buscasse se tornar ele próprio uma um proprietário, ocupando área, fosse por doação ou por simples ocupação. A abundância de

rosa para a Capitania do Sul. Situada a maior distância da Europa do que as Capitanias do Norte, São Vicente viu-se parcialmente marginalizada da rota comercial. Sua pro-

dução açucareira entrou em deca-

Assim, as características específi-

cas do povoamento do Planalto de Piratininga, bem como as condições próprias da produção de açúcar em São Vicente foram responsáveis pelo engendramento do movimento bandeirantista, fenômeno que será estudado neste trabalho.

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dência, diminuindo consideravelmente sua capacidade de importação. Assim, os produtores de açúcar do litoral tiveram de diminuir a importação do mais caro produto que vinha de além-mar, à mão-deobra, e a alternativa que lhes pare-

ceu a mais razoável foi, a exemplo dos colonos do Planalto, utilizarem de mão-de-obra indígena.

31

II - A MARCHA PARA O SERTÃO,PELA GLÓRIA DE DEUS E AUMENTO DO REINO

O desejo de encontrar metais e pedras preciosas no Brasil sempre esteve presente naqueles que cruzavam o oceano para tentar encontrar prestígio e riqueza na América. Ainda no primeiro quartel do século XVI, as expedições exploradoras que vieram devassar o litoral tenta-

ram encontrar minas a pouca distância da costa. Durante a permanência dessas expedições nos portos da nova terra, seus comandantes organizaram entradas que marcharam poucas léguas interior adentro, à procura de vestígios de metais e pedras preciosas. Apesar dos esforços, todas essas pesquisas foram infrutíferas, o que acentuou o desinteresse europeu pela terra, que caracterizou O periodo imediato após sua descoberta.

A idéia acalentada da possibilidade de se encontrarem metais preci-

osos no Brasil foi consideravelmente reforçada com as conquistas espanholas. Em 1519, Fernando Cortês dominou os astecas no México,

obtendo para a Espanha todo ouro que possuíam, como também suas minas. Buscando a mesma sorte,

Francisco Pizarro, em 1534, venceu os quichuas, dominou o Império Inca e toda a sua prata.

A Espanha recebeu mais ouro e prata do que todo aquele existente na Europa, até então, provocando o maior processo inflacionário até aquele período. O sucesso espanhol aguçou a cobiça dos outros países, que desejavam ter a mesma sorte. Portugal, com um imenso dominio na America, confinante com as riquissimas terras do Peru, acalentava a esperança de obter o mesmo sucesso. Metais e pedras preciosas, decidi-

damente, povoavam as terras ame-

ricanas; para encontrá-los, bastava procurar. Disseminando essa crença, os colonizadores portugueses começaram a investir algumas leguas além do litoral na esperança de encontrar ouro. Iniciado o povoamento com Martim Afonso de Sousa e ampliado com a criação das Capitanias Here-

ditárias e sua implantação, a prospecção de riquezas se intensificou. Os donatários vinham para o Brasil objetivando dar início à montagem de um complexo agro-exporta-

33

dor, para a produção de açúcar. No entanto, traziam dentro desia esperança de encontrar metais e pedras preciosas. Assim, vários foram os donatários que em busca de riquezas organizaram entradas pelo sertão. Essas primeiras marchas para o interior, que ocorreram durante o século XVI e que partiram de vários pontos do litoral, desde o Nordeste até São Vicente, tiveram como resultado mais sólido a formação de versões míticas sobre a existência de metais e pedras preciosas à flor da terra. Os sertanistas retornavam na idéia de que haviam passado perto de grandes riquezas, que numa nova investida seriam alcançadas. Talvez o reflexo do sol sobre alguma-rocha ou alguma informação mal compreendida dada pelos indios, juntados a um desejo louco de encontrar

procuravam,

con-

a idéia de terem

visto

o que

corriam para que se firmassem nesses

homens

até mesmo uma Serra de Prata. As histórias contadas pelos que retornavam do sertão serviam para aguçar a cobiça dos homens e fortalecer a crença de que tudo estava muito perto e que fortunas incalculaveis seriam logo atingidas. Estabelecido o Governo Geral, no Brasil, novas investidas foram feitas na prospecção aurífera. Vinham os governadores com instruções de ElRei para promoverem entradas pelo sertão. Assim, a Bahia, sede do Governo

Geral,

se

tornou

no

século:

XVI pólo de irradiação de expedições sertanistas. A ação dos Governadores Gerais não se restringiu, porém, à Bahia. Na cidade de Salvador concentra-

34

vam-se os melhores esforços da colonização portuguesa na América, nesse período. E aí foram organiza-

das as mais bem equipadas expedições para o sertão. No entanto, os governadores procuraram promo-

ver marchas para o interior a partir de outros pontos da costa. Assim, desde esse período, a Capitania de

São Vicente serviu de palco de or-

ganização de entradas. Em 1560, o terceiro Governador Geral do Brasil ordenou a Brás Cubas que partisse para o interior à procura de ouro. Outras expedições partiram de São Vicente em demanda do sertão, a procura de riquezas. Todas elas,

porém, foram montadas sob inspiração de representantes da Coroa

portuguesa e a maioria sob seu patrocínio. Entre essas expedições destacam-se a de Luís Martins, que partiu de Santos (1561/1562), marchou algumas léguas e retornou com ouro e pedras verdes sem valor econômico. No final do século XVI (1598), Afonso Sardinha, “O moço”, encontrou ouro de aluvião na Serra da Mantiqueira, Guarulhos, no Jaraguá e São Roque. A descoberta desse ouro de alu-

vião sediment a cerou teza de que jazidas mais ricas e de exploração viável seriam encontradas. No intuito

de dinamizar essas buscas dirigiu-

se ao sul da Colônia o Governador

Geral D. Francisco de Sousa. Novas expedições foram montadas, porém sem sucesso expressivo. Até a última década do século XVI, as expedições que demandavam o sertão guardavam as mesmas

características: tinham por objetivo

encontrar riquezas, eram organizações não muito numerosas que penetravam algumas léguas além da orla maritima e tinham como patrocinadores os donatários ou seus representantes ou representantes da Coroa. O inexpressivo sucesso dessas

expedições fez que elas fossem ar-

refecendo nas regiões onde o açucar florescia. Mais vantajosa do que a possibilidade da riqueza fácil era a certeza de lucro garantido no plantio da cana e na produção do concentrou O Nordeste açúcar. seus esforços na sua lucrativa e bem sucedida atividade e deixou o sertão para aqueles que não dispusessem de para iniciar

cabedais a onerosa

suficientes exploração

do açúcar. Situação bem diversa foi a vivida

pelo Planalto Paulista, voltado para sua economia de subsistência, preocupado em sobreviver.

A luta pela sobrevivência, no início da colonização do Brasil, era uma pesada realidade vivida por todos e cada um. A distância da Metrópole, a carência de gêneros importados e principalmente a ameaça sempre presente de ataques de corsários e de índios tornavam a insegurança social elemento do cotidiano. A vida que se formara no Planalto nos arredores do Colégio de São Paulo enfrentava como podia o ônus dessa realidade. A terra foi conquistada ao índio, que, sendo derrotado, teve de entregá-la. A luta, porém, foi árdua e os brancos venceram usando de to-

das as suas armas, que iam desde artimanhas montadas para enganar

os aborigines até a superioridade bélica que as armas de fogo lhes conferiam. Mesmo após o estabelecimento da Vila, o confronto entre ameríndios e europeus era constan-

te. O medo do extermínio rondava sempre o povoamento. A guerra se impôs como uma atividade rotineira, necessária para a sobrevivência. A vitória sobre o inimigo oferecia ao conquistador vantagens que iam

além da apropriação da terra. Os in-

dios deixavam mortos, feridos e derrotados sobre os campos de batalha e todos eles eram utilizados

pelo vencedor. Os mortos e féridos

serviam para caracterizar a superio-

ridade bélica dos brancos e com isso aquietar outros grupos ansiosos por se livrarem dos intrusos. Os que caíam prisioneiros eram transformados em mão-de-obra para as lavouras dos conquistadores.

Durante a segunda metade do século XVI, o confronto entre brancos e índios pela posse do território

foi suficiente para abastecer a economia planaltina da maior parte da mão-de-obra de quenecessitava. Durante quatro décadas, os paulistas viram-se sempre ameaçados

pelos

grupos

indígenas

vizinhos,

mas quando se livraram deles passaram a enfrentar outro problema, a escassez de mão-de-obra. Enquanto perduraram as guerras, os paulistas tiveram o abastecimento de mão-de-obra garantido pelos índios

da região, que foram atacados, dominados, domesticados e dizimados.

Na virada do século XVI, os paulistas já haviam se imposto sobre à região. Por essa época, os planaltinos já haviam conseguido se livrar da ameaça representada pelos indios vizinhos. A superioridade bélica garantiu-lhes a conquista da região, porém afugentou para longe os indios. A vitória trouxe a paz, e a paz privou os paulistas de um importante prêmio de guerra — os vencidos, que seriam transformados em força de trabalho. Assim ao findar o século do descobrimento, os

paulistas se viram diante da necessidade de organizar expedições para O sertão, em busca de mão-deobra que antes existia fartamente ao redor.

A superação dos problemas de confronto com os silvicolas, obtida pela conquista da terra pelos planaltinos, coincidiu com o periodo de decadência da produção açucareira no litoral da Capitania. No final do século XVI, as Capitanias do Nordeste já haviam conseguido estabelecer um parque produtor de açúcar, superior ao existente no litoral vicentino. Dispondo de solo fértil e propício ao cultivo de cana-de-açúcar e situado bem mais próximo da Europa( o que diminuia os gastos de transporte, tanto do produto a ser exportado, como dos gêneros cuja importação era essencial para a manutenção do sistema produtivo, como é o caso por exemplo do ferro, ferramentas e escravos), o Nordeste usufruía sérias vantagens sobre a Capitania de São Vicente. ; Para

litoral

36

a

economia

vicentino,

a

decadente

utilização

do

da

mão-de-obra

indígena era uma das

alternativas passíveis de serem adotadas. Assim, o litoral da Capitania também enfrentava o problema da carência da mão-de-obra e, da mesma forma que o Planalto, via-se premido a resolver essa questão a partir de soluções geradas na própria

Colônia. Tanto o Planalto como o li-

toral viam no aprisionamento de indios a solução para o seu problema mais premente: o abastecimento de mão-de-obra.

A marcha para osertão em busca de indios para escravizar, trouxe consigo, porém, características bem diversas da luta no próprio ter-

ritório. Enquanto os paulistas guerreavam com os índios da região,

suas consciências estavam aplacadas. A luta ao redor da vila, mesmo quando eram os brancos que atacavam, era justificada pela idéia de defesa. A reação a um ataque era antes de tudo um dever, e oataquea grupos ameaçadores era a antecilpação da defesa. Não havia o que discutir, todos aqueles que participavam dessas contendas tinham a certeza de estarem contribuindo para o bem da comunidade, lutando pela sua preservação e pelo aumento do Reino, garantindo a sobrevivência de um baluarte luso às portas do sertão.

Alcançada a vitória, os paulistas

aprisionavam

os vencidos e coloca-

vam-nos a seus serviços. O aprisio-

namento e escravização desses indios não gerava conflitos de consciência nos colonos, em primeiro lugar havia a premência da necessi-: dade e em seguida vinham os as-

nde o; tã es qu da s co gi ló eo id os pect uma is ma a nd ai ia sa es br so , es el tre vez a justificativa pela fé. A escravização dos índios (como também

a

do negro) era camuflada pelo compromisso da evangelização. Colocados

sob o domínio

do branco, O

índio era cristianizado, assim, salvo do Inferno. Para os colonos a salvação era uma compensação razoável.

A marcha para o sertão distante, porém, não poderia ser justificada como defesa do pequeno núcleo do Planalto. A conquista de grupos indígenas e sua escravização eram perfeitamente explicadas a nível econômico: os paulistas precisavam de braços para o trabalho, não dispunham de recursos para comprar escravos africanos, uma vez que sua economia pouco vinculada ao mercado não lhes possibili-

tava a aquisição de numerário para o pagamento da compra, nem a tro-

ca de escravos por produtos exportáveis (como era o caso do Nordeste, que trocava negros por açúcar); assim, restava-lhes a alternativa de penetrar os sertões em busca de índios para escravizar. No entanto,

esses homens, além dos estimulos econômicos, necessitavam também de outros que os induzissem a investirem pelo interior enfrentando todos os perigos decorrentes dessa empreitada,

para obter braços para

o trabalho. Um dos principais estimulos para a marcha para o sertão era a esperança,

sempre

de encontrar metais ciosas. À caminhada tinha como um dos atrativos a crença de

presente,

e pedras prepara o interior seus maiores que as densas;

matas escondiam riquezas incalculáveis. A descoberta de minas no Brasil, era insistentemente incentivada pela política colonial portuquesa. Prêmios, honras e mercês eram oferecidos aqueles que se dispusessem a enfrentar os riscos e

conseguissem atingir o tão almejado objetivo. Entre estes prêmios estava a obteção de hábito da Ordem de Cristo e outros títulos, além do recebimento de terras e pensões oferecidas pela Coroa. Por outro lado, a marcha para O sertão significava aumentar os domínios portugueses na América, uma vez que novas áreas seriam devassadas e incorporadas à Colônia. Assim, guiados pela necessidade de mão-de-obra, estimulados, pela

difusão dos mitos e pela promessa de prêmios oferecidos pela Coroa e com a consciência apaziguada pela

justificativa da fé, os paulistas mar-

charam para o sertão, pela glória de Deus e enriquecimento do Reino. Em 1596, partiu de São Paulo a

bandeira de João Pereira de Sousa

Botafogo. Marchando para o norte chegou ao Vale do Paraíba, passou aos sertões dos rios Verdes e Sapu-

caí e atacou

restos de tribos ta-

moias. Esta é considerada como das primeiras bandeiras a uma partir para o sertão mais distante, em busca de índios. O sucesso das primeiras investidas, que retornaram a São Paulo carregadas de sua carga humana, animou a organização de inúmeras outras entradas. A marcha para o sertão em busca de índios foi se firmando como atividade lucrativa, fa-

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zendo com que a organização de expedições ao interior se tornasse cada vez mais intensa. A grande lavoura agro-exportadora era uma consumidora insaciável de mão-de-obra. Todas as atividades que compunham esse complexo agromanufatureiro absorviam um número significativo de trabalhadores. A utilização da mão-deobra até sua exaustão, as péssimas condições de vida a que eram submetidos os escravos faziam com que sua vida útil fosse muito curta e, consequentemente, sua reposição, uma preocupação constante. Com isso, os senhores de engenho ou os simples plantadores de cana estavam sempre preocupados com a importação dos africanos e seus altos preços. À grande lavoura e OS engenhos eram, portanto, um mercado consumidor certo para a mãode-obra. agromanufatucomplexos Os reiros situados próximos à Vila de São Paulo cedo passaram a consumir os índios preados pelos planaltinos.

Quanto aos engenhos do Nordeste, é bem possível que eles também tenham sido mercado consumidor dos indígenas preados pelos paulistas. A importação de escravos africanos estava vinculada a questões de política internacional, que fugiam completamente ao controle dos senhores-de-engenho. No entanto, a demanda de mão-deobra pelos engenhos era uma constante e sua reposição uma necessidade a ser cotidianamente satisfeita. Assim, no período em que o

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fluxo de abastecimento de escravos africanos esteve prejudicado ou até mesmo bloqueado por questões internacionais é bem possivel e até mesmo provável que os senho-

res-de-engenho tenham lançado mão de soluções práticas para atendimento da demanda de mãode-obra, e uma dessas soluções era a utilização do trabalho do índio. Alguns autores, como por exemplo Afonso d'E. Taunay, afirmam que o Nordeste foi mercado consumidor de silvícolas aprisionados pelos paulistas. Esta afirmação de

Taunay se baseia no depoimento de identificado que teriam jesuítas entre os escravos de engenhos da Bahia alguns índios por eles catequizados e preados

pelos paulistas

na região do Guairá. Porém, a comercialização da mão-de-obra preada na própria Colônia é tema até agora ainda não estudado. Cabe, no entanto, ressaltar que,

mesmo absorvendo o trabalho indigena, os engenhos sempre mantiveram a predominância do trabalho negro. A mão-de-obra indigena era vista como uma alternativa, e sua

utilização, imposta pela necessidade. Da mesma forma, a comercialização do índio se dava através de canais que corriam paralelos ao utilizado pela mercantilização do negro, do interesse da política colonial mercantilista. Para a recuperação do movimento bandeirantista, no entanto, é fundamental salientar que o apogeu do processo de caça ao indio sedeuno período de União Ibérica (1580-

1640), ou seja, no periodo em que

Portugal e Espanha estiveram unidos sob a Coroa de um mesmo Rei. As duas monarquias ibéricas sempre se mantiveram unidas por laços de parentesco, mantidos por casamentos consecutivos. A partir de 1578, Portugal passou a enfrentar sérios problemas dinásticos com a morte de D. Sebastião, na batalha

linha de bastardia) da Espanha.

substituído por seu tio-avô D. Hen-

acordo com a nobreza e, ameaçan-

de

Alcácer-Quibir,

na África.

Foi

rique, que por ser cardeal da Igreja

Católica estava preso a votos de celibato e portanto não tinha descendentes; além disso, contava nessa época 78 anos de idade. Estabelecido esse impasse, vários foram os pretendentes que se apresentaram ao trono português. Entre eles, os mais importantes eram D. Catarina, Duquesa de Bragança, D. Antonio, Prior do Crato

(herdeiro

do trono

português

por

e Filipe

Il, Rei

D. Henrique morreu em 1580 sem nomear seu herdeiro. Assim, ficou aberta a disputa entre os três candi-

datos. A superioridade de Filipe || era flagrante, sua ascensão ao trono, porém, só seria possivel com o prejuízo da independência portuguesa. Mesmo assim, Filipe firmou do invadir a fronteira com as tropas espanholas, conseguiu ser aclamado Rei de Portugal. Dessa forma se estabelecia a União das Coroas Ibéricas, que perdurou até 1640, quando D. João, Duque de Bragança, liderou um movimento armado pela independência de Potugal, a Restauração.

Durante os sessenta anos que €steve sob o domínio espanhol, Portugal e todos os seus domínios estiveram envolvidos na política belicosa

da Casa de Habsburgo. Durante O século XVI, essa casa reinante ampliou consideravelmente os seus domínios que compreendiam o Sacro Império Romano-Germânico e seus domínios, os Países Baixos, a Espanha e todo o seu império ultramarino e finalmente Portugal e todos os seus domínios de além-mar. Defensora ferrenha da Igreja Ca-

tólica, a Casa D'Áustria envolveu-se

efetivamente nas guerras de religião que assolaram a Europa, nos séculos XVI e XVII. Além disso, a grande extensão dos domínios de uma só dinastia apresentava-se como ameaça para as demais casas reinantes européias. Seu grande poderio contou sempre como desa-

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fio da França e Inglaterra, que sem condições para um confronto direto

promoviam ataques piratas e corsários aos galeões espanhóis que cruzavam os mares carregados das riquezas extraídas da América.

A Áustria de maneira geral ea Es-

panha em particular ganharam um novo inimigo quando em 1572 parte dos Países Baixos tornou-se independente, formando a Republica das Sete Províncias Unidas, mais tarde, Reino da Holanda. Os holandeses mantinham relações comerciais com Portugal e do comérusufruíam as vantagens' cio do açúcar, uma vez que eram os responsáveis pela distribuição do produto na Europa. A União Ibérica quebrou o intercâmbio mercantil existente entre Portugal e Holanda, tornando o reino luso parte de um império em guerra com sua antiga aliada. A autonomia holandesa foi conquistada através de uma guerra arduamente mantida com a Espanha. Esta para enfraquecer a adversária proibiu-lhe qualquer tipo de comércio com os seus domínios. Com isso, a partir de 1580, a Holanda viuse privada de uma de suas importantes fontes de lucro, a exploração do comércio do açúcar do Nordeste do Brasil. Preocupada

com

o

grande

pre-

juízo que a Espanha lhe impunha e

interessada em transferir o palco de guerra, a Holanda invadiu o Nordeste do Brasil, atacando vitoriosamente a cidade de Salvador, em 1624. Para expulsar os batavos, foi organizada uma importante frota que os obrigou a deixar o Brasil em 1626.

40

Em 1630, os holandeses fizeram nova investida, atacando Pernambuco. Desta vez conseguiram sedimentar a conquista de tal forma que só foram expulsos em 1654. Dominando o Nordeste, osholan-

deses procuraram usufruir a exploração do açucar. Parte dos enge-

nhos e canaviais, no entanto, estava destruida ou danificada com as

guerras pela posse do Nordeste. Um dos problemas para o funcionamento dos engenhos era a obtenção da mão-de-obra. Portugal desde o século XV domi-

nava a costa oeste da África de onde

extraia negros com os quais abastecia suas colônias. O Nordeste do Brasil ficou fora dessa rota de abastecimento, quando foi dominado pelos holandeses. A reposição da mão-de-obra, no entanto, era fator de fundamental importância para os engenhos. Cientes disso, os holandeses conquistaram os portos por-

tugueses

na

África,

responsáveis

pelo fornecimento de escravos ao Brasil. Essa conquista dos batavos quebrou o fluxo de abastecimento de escravos ao Brasil. Com isso o produto se tornou mais escasso e mais caro. Tal situação alargou as possibilidades de mercantilização do indio, preado pelos paulistas. Desde o início do século XVII, o Nordeste consumia os silvicolas que os paulistas preavam. Esse comércio corria paralelo à importação de africanos e enfrentando grandes dificuldades. Entre elas sobressaíase o transporte dos índios cativos, que marchavam a pé, desde o local

a d e i r p o r p a él at o t n e m a de aprision

a aos bande de quem os comprav da a a h n i m a c a g n o l a s s E s. te an deir neira os a m e r b o a s v a t s a g s e d os rr fe os ind e rt pa a m u s a n e p a s; cativo da a t i e v o r p a s a o er d a r t s e u q e dios s cer a p a m , u o h l a b a r t de a rç fo o m o c la considerável morria, antes mes mo de chegar a São Paulo. Não dispondo dos mesmos meios de comercialização que os traficantes de negros, os bandeirantes am pliavam com dificuldade seu mercado consumidor. Mesmo assim, aproveitaram como puderam as novas possibilidades criadas pela quebra do fluxo de fornecimento de escravos ao Brasil. Este fluxo, porém, não tardou a ser restabelecido com a reconquista, por parte dos luso-espanhóis, dos portos africanos fornecedores de escravos.

A ampliação do mercado consu-

midor

intensificou

organização

os trabalhos de

de bandeiras que pe-

retornavam os sertões netrando com índios escravizados.

Assim, o século XVII foi o periodo áureo desse comércio, quando expedições imensas foram envia-

das a regiões cada vez mais distantes em busca dos silvicolas Colônia consumia.

que a

A quebra do fluxo de fornecimen-

to de escravos africanos aos engenhos do Nordeste, provocada pelas constantes guerras em que Portugal se viuj envolvido durante/o periodo de União Ibérica, principalmente aquelas que diziam respeito diretamente ao controle do comércio de negros, foi um importante fa-

tor no processo de ampliação do mercado consumidor da mão-deobra obtida pelos paulistas. A obtenção do controle do tráfico negreiro pelos holandeses teve intensa repercussão no Nordeste do Brasil, o qual se viu, durante determinado período, marginalizado da rota de fornecimento de escravos africanos. Tal situação, porém, não diminuiu a demanda de mão-de-obra dos engenhos, que se viram consequentemente obrigados a buscar outra fonte de fornecimento, ampliando consideravelmente as possibilidades de comercialização dos índios preados pelos paulistas. O sucesso obtido na caça ao índio fez que os paulistas, ao terminar a primeira centúria de fundação da Vila, concentrassem o melhor de seus esforços nos trabalhos de montagem e realização de bandeiras. Com isso a produção de gêneros de subsistência deixou de ser a atividade econômica básica dos paulistas, posição assumida pela caça e comércio de índios. O uso da

terra continuou sendo feito em busca dos mesmos produtos, no entanto, deixou de consumir omelhordos recursos materiais e humanos da Vi-

la que passaram a se destinar à atividade mais lucrativa que era a bandeira. A agricultura e a pecuária passaram

a ser desenvolvidas

em

função das expedições que deman-

davam o sertão. Os fazendeiros se tornaram sertanistas, cabos-de-tropas. Suas propriedades passaram à ser organizadas e ad ministradas em função das bandeiras. Assim, as fazendas deveriam produzir aquilo de que as bandeiras fossem precisar e

41

tudo deveria estar pronto no momento da partida. Além disso, as fa-

zendas

deveriam

estar em

condi-

ções de enviarisuprimentos para as bandeiras, quando estas enviassem

emissários para buscá-los.

A ascensão da caça ao índio a atividade principal do Planalto de Piratininga e a exploração das fazendas em funçãoldas bandeiras provocou na sociedade planaltina uma nova organização social do trabalho. A preparação e efetivação da marcha para o interior passaram a absorver o trabalho masculino. Recrutar, treinar o contingente, fiscalizar a preparação de provisões de arma e de boca eram atividades| masculinas. Lavoura e pecuária passaram a ser atividades femininas. Cabia às mulheres do Planalto administrar as fazendas para que estas estivessem preparadas para suprir as necessidades das bandeiras. As funções femirinas se acentuavam quando as expedições partiam para o sertão

levando consigo a grande maioria dos homens do Planalto. A cargo das mulheres ficavam famílias, fa-

zendas, vilas e escravos. " O sucesso das bandeiras

e a ne-

cessidade de alguns produtos importados fizeram que as relações do Planalto piratiningano com o mercado internacional se aprofundassem, à medida que aumentaram suas importações de pólvora, ferro e ferramentas, mas não foram muito além disso. Os produtos de luxo permaneciam proibitivos para os paulistas. O lucro obtido com a caça ao índio sempre foi restrito. O investimento feito na montagem de uma

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bandeira

era

muito

grande.

Eram

milhares de homens que se deslocavam para o sertão, consumindo víveres, munições, roupas, remédios etc. As bandeiras permaneciam até mesmo anos no sertão e sua sobrevivência dependia principalmente de sua capacidade bélica.

Esse aparelhamento militar de expe-

dição dispendia vultosas quantias. Por fim, a bandeira era, ela mesma, o maior consumidor de seu produto. A expedição marchava para o interior composta por dezenas de brancos, centenas de mestiços e milhares de índios. Se vitoriosa, retornava ao Planalto com alguns milhares de cativos, dos quais grande parte seria utilizada na reposição dos índios flecheiros da bandeira que haviam morrido na marcha ou nas lutas. Outro tanto era preparado para aumentar a força bélica da bandeira, consequentemente, sua capacidade de aprisionamento. Uma terceira parcela se destinava à produção da subsistência dos bandeirantes, e o restante é que era vendido. Assim, para sobreviver, a bandei-. ra de caça ao índio consumia grande parte de sua carga. A Vila de São Paulo foi sempre o principal núcleo de irradiação de bandeiras. No entanto, outras vilas

da Capitania de São Vicente também se tornaram palco de organização de expedições sertanistas, como Taubaté, Itu, Sorocaba e outras; todas, porém, situadas no interior, fora da orla marítima. A alternativa buscada pelos paulistas para enfrentar sua dificuldade de obtenção de mão-de-obra,

tez que

o sertão

fosse

devassa-

O do to o, di ín ao ça ca da s do. Atravé à território

que

corresponde

hoje

ado. ss va de i fo il as Br do l Su região aram corn to se s ta ro e os nh Cami

o em que mp te o m s e m ao , os id ec nh neral nesmi ão cç pe os pr a a it fe foi sas áreas. vale as ol ic lv si de de da ti an A qu odo rí pe e ss ne o ul Pa o Sã ra pa s do

isparece ter sido imensa. Os cron

ditas relatam a montagem de expe ns ções nas quais participaram algu

se retornavam milhares de índieoqu número trazendo prisioneiros um semelhante. O poderio dos homens

do Planalto piratiningano passou à ser considerado a partir do número

de índios flecheiros existentes sob seu domínio. A bandeira de caça ao índio imprime características próprias a

sociedade

do Planalto,

entre

as

divisão uma quais salientava-se social do trabalho peculiar. Nessa sociedade a mulher branca desem-

penhava função importante no pro-

cesso produtivo. O relacionamento

entre o senhor e seus escravos era direto e não através de feitores.

Além disso, o senhor trabalhava junto com seus agregados e escra-

vos, uma vez que o trabalho era a bandeira. Em busca dos índios, os paulistas expulsaram as missões jesuíticas da região que corresponde ao território dos Estado do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Não sofrendo limitações por parte dos representantes da Coroa Espanhola até 1640, contribuiram para o despovoamento de uma área que, um século mais tarde, Portuga! reclamaria como sua. Desenvolveram técnicas de penetração e sobrevivência no sertão que possibilitaram a busca de riquezas na segunda metade do século XVII. de fato, atingir Conseguiram, seus objetivos ideológicos — conquistaram áreas e riquezas para O aumento do Reino e promoveram O batismo de centenas de milhares de índios, para a glória de Deus.

[7

EFE

HI - A POLÍTICA COLONIAL PORTUGUESA E AS BANDEIRAS PAULISTAS

A maioria dos livros de História do Brasil e mesmo aqueles que analisam especificamente O fenômeno das bandeiras têm apresentado esse movimento como uma contradição dentro do sistema colonial. No entanto, a busca de uma visão globalizante da questão pode mostrar como o movimento bandeirantista estava inserido no processo de colonização do Brasil. Porque foi um movimento espontâneo, nasci-. do das necessidades sociais especificas dos habitantes do Planalto de Piratininga, trazia em si alguns aspectos que nitidamente contrariavam os interesses da colonização mercantilista portuguesa. No esforço, porém, de solucionar problemas sociais que lhe eram peculiares, os bandeirantes ampliaram consideravelmente seu raio de ação, a ponto de desenvolverem uma série considerável de atividades que não só contribuíram para a: ampliação territorial da Colônia,

mas garantiram até mesmo a sobrevivência do povoamento de várias

de suas áreas vitais. O movimento bandeirantista sur-

giu da necessidade de mão-de-obra 'dos habitantes do Planalto pirati-

ningano. Sem condições de importar Os escravos africanos que O COcolocava-lhes a mércio europeu disposição nos portos coloniais, utilizavam a força de trabalho indigena. As condições específicas da sociedade do Planalto não lhes permitiam consumir um dos mais caros e mais absorvidos produtos, mercantilizado pela exploração do comércio colonial — o escravo africano. Se os bandeirantes contrariavam os interesses metropolitanos em relação ao Brasil por desprezarem um de seus mais importantes produtos e por oferecerem aos colonos o si-' milar da terra, ou seja, O escravo índio, por outro lado, atenderam a outros interesses metropolitanos, também de real importância. Entre eles destaca-se o devassamento do sertão. Como já foi colocado anteriormente, era uma grande preocupação da política colonial portuguesa descobrir o que existia no interior temdo Brasil. Desde os primeiros a pos após O descobrimento ess preocupação já se manifestava, am orientando as medidas que for terra. tomadas em relação à nova

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tom o intuito de desvendar o que existia no interior da Colônia, foram organizadas expedições exploradoras que percorreram a costa do Brasil. Essas expedições logo que em se preocupavam aportavam levantar informações sobre o interior e organizaram marchas que afastaram-se algumas léguas além do litoral à procura de riquezas. Apesar dos esforços empreendit-

dos, tanto pela Coroa como por particulares, no primeiro século do

descobrimento o sertão permanecia como que uma incógnita. Seu devassamento eietivo só teve início a partir dos últimos anos do século XVI, quando os paulistas começaram a organizar expedições para O interior em busca de índios.

Durante a primeira metade do século XVII, os paulistas organizaram uma infinidade de marchas para

o

interior.

Abriram

trilhas,

percorreram rios, transpuseram distâncias inacreditáveis, devassaram o sertão. Na busca do silvícola, desvirginaram a mata, descobriram e divulgaram os seus mistérios. O anseio de encontrar riquezas sempre esteve presente naqueles que demandavam o sertão. Assim, prear em preocupados mesmo índios, os bandeirantes promoviam a prospecção de riquezas no interior. Marchavam atentos aos vestígios indicativos da possibilidade de existência de metais e pedras preciosas. As expedições mais ousadas chegaram até os domínios do Vice-Reino do Peru, sobejamente de abundância pela conhecido riquezas, notadamente a prata.

46

Assim, desenvolvendo uma atividade contrária aos interesses me-

tropolitanos,

os bandeirantes

pro-

moveram outra que era de sua preocupação direta, o devassamento do sertão. A penetração do interior da Colô-

nia era uma atividade rude e exigia homens rudes. À simples marcha já perigos imensos — encerrava fomes, doenças, ataque de feras e índios, perda do rumo etc —. Para se atingir o objetivo final — o apresamento do gentio — os perigos se avolumavam. O apresamento dos indígenas só era possível através de ataques e lutas. Especializando-se cada Vez mais na faina da preação, os paulistas assumiram hábitos e técnicas indígenas, tanto de marcha como de luta. Os confrontos entre brancos e índios eram duras batalhas, onde sobreviviam os mais adestrados e melhor equipados. A participação constante dos paulistas nesses combates fez que

seu

adestramento

se tornasse

cada vez mais primoroso. As bandeiras foram evoluindo para expedições de caráter nitidamente militar, tanto no que se refere a sua organização como na distribuição de poder. Os bandeirantes mantinham sob seu domínio grande numero de índios adestrados no uso de armas e técnicas de ataque. Os próprios paulistas utilizavam com a mesma desenvoltura, tanto as armas fabricadas por seus indigenas como as importadas de além-mar. O exercício das investidas ao sertão, dos ataques constantes a grupos indígenas, tanto àqueles que viviam em suas aldeias. como

aqueles que já haviam

sido reduzi-

dos pelos missionários espanhóis,

fez que massem

guerra.

as bandeiras se transforem importante força de

Assim,

essas

expedições

passaram a compor uma importante força paramilitar cuja existência foi de grande valia para o processo de colonização do Brasil. Elas tiveram um grande desempenho na defesa dos núcleos de colonização, durante o transcurso do século sua primeira notadamente XVII, metade. As condições de defesa da colonização no Brasil sempre foram precárias. A distância da Metrópole, a grande extensão da costa, o grande custo da manutenção de um aparelhamento militar condinzente na Colônia eram fatores que dificultavam a melhoria das condições da defesa do Brasil, no primeiro século do descobrimento. A situação se

agravou no período de União Ibéri-

ca. A extensão dos domínios espanhóis era imensa, e manter as condições de defesa desse império era uma tarefa sobre-humana, praticamente irrealizável. A preocupação maior estava voltada para as áreas produtoras de metais nobres,

obrigando os demais núcleos coloniais a assumirem o compromisso de sua própria defesa. Além disso, as nações européias

inimigas

da

Espanha,

sem condi-

ções de um ataque frontal, tentavam

minar sua resistência através

de investidas contra seus domínios coloniais. Essa política oferecia a nações como França, Holanda e Inglaterra várias vantagens — ataca-

vam portos coloniais de defesa normalmente precária (em caso de vitória levavam para a Europa os resultados do saque que geralmente eram feitos aos armazéns e navios, conseguindo dessa forma obter os cobiçados produtos colonais). Assim, além de minar as forças espanholas, os corsários desses países conseguiam minimizar os efeitos da marginalização sofrida na partilha ultramarina.

Além dos ataques dos corsários e piratas, o império ultramarino espanhol recebeu também investidas mais sérias, como foi o caso das duas invasões holandesas ao Nordeste do Brasil (1624, Bahia e 1650,

Pernambuco).

Os

ataques

piratas

aos portos, porém, ocorriam com frequência, causavam séria insegurança social à população litorânea, sempre temerosa de que eles ocorressem. Na maioria das vezes, eram ataques de surpresa, contra os quais eram pequenas as condições de defesa dos portos, sempre carentes de armas e destacamentos militares. Foi, portanto, de grande efeito a existência de uma força paramilitar representada pelas bandeiras, próximo a portos constantemente atacados, como era o caso de Santos, São Vicente e Rio de Janeiro. Inumeras vezes os paulistas foram solicitados a rechaçarem esses ataques. Essas solicitações não se restringiram ao litoral vicentino. Os portos da região açucareira, alvo piratas, investidas de constante também recorreram à capacidade bélica dos paulistas para rechaçar OS inimigos.

47

“Assim, os bandeirantes lutaram contra corsários europeus, tanto no litoral vicentino como no Nordeste. Atendendo a pedidos de socorro de autoridades do Nordeste, várias vezes os paulistas colocaram suas bandeiras em marcha, não para O sertão, mas para o litoral, usando de técnicas aprendidas dos indios para rechaçarem invasores europeus. A capacidade bélica dos paulistas era conhecida em toda a Colônia. na Corte portuguesa. e também Eram considerados quase tãoferozes como os índios que eles atacavam, venciam, domesticavam e colocavam a seu serviço. As outras regiões recorriam a esses rudes guerreiros sempre que fortemente ameaçadas. As ameaças aos núcleos de povoamento nascente faziam parte do cotidiano na Colônia. Os núcleos litorâneos viviam constantemente ameaçados pelos ataques de piratas e corsários. E, à medida que o povoamento investia para o interior, áreas povoadas sobre avançava pelos indígenas e entrava em choque com os mesmos na disputa pela posse

da terra.

A ocupação da terra no Brasil se fez e ainda é feita com extrema violência. O avanço do povoamento do litoral para o interior sempre se fez (e ainda se faz) sobre a destruição de outra forma de vida, sobre a expulsão do gentio. A expansão do povoamento do

Nordeste também ocorreu sobre o rastro do índio dizimado e posto em fuga. A ocupação das áreas nordestinas baseou-se na economia de mer-

cado

48

pela sede de lucros. A produ-

ção do açúcar expandia-se sobre

uma grande extensão de terra. Para obter mais lucro era preciso mais terra. Para se conseguir a terra era preciso expulsar os índios. E expulsá-los para bem longe, dizimá-los, enfraquecê-los. Assim, eles deixariam de disputar as terras com os canaviais e deixariam de ser uma ameaça aos engenhos e núcleos de povoamento. Desde que desembarcaram no Brasil, os colonos que se estabeleceram no Nordeste lutaram contra os índios. A luta foi árdua e prolongada. Ora os índios conseguiam: várias vitórias sucessivas e expulsavam os brancos de suas terras, ora os colonos conseguiam impor empurrae ica sua superioridade bél vam os indigenas para o interior. Sabedores da destreza obtida pelos paulistas na luta contra o gentio, Os colonos e as autoridades sediados no Nordeste esforçaram-se para conseguir que eles viessem em seu auxílio. Cartas foram enviadas à Câmara de São Paulo, solicitando o apoio dos sertanistas na luta contra os indios. Várias vantagens foram oferecidas para aqueles que seguissem com suas bandeiras para o Nordeste e conseguissem expulsar o gentio das terras ambicionadas pelos colonos.

Atendendo

a essas

solicitações,

vários bandeirantes renomados, cabos-de-tropa, de prestígio conseguido na guerra do sertão, partiram para a Bahia e participaram dessa guerra de conquista durante

anos a fio. O objetivo foi alcançado com

a conquista das Capitanias da

paraiba, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte. Os índios dessas regiões foram destroçados e dominados, e os domínios portugueses na Amé| rica, ampliados. Alguns dos bandeirantes que partiram em socorro do Nordeste nunca mais voltaram, passaram-se a la-

tifundiários, mudando de atividade e de vida. De forma geral, porém, não foram recompensados por esse feito conforme as promessas rece-

bidas antes da partida. Vários foram os bandeirantes paulistas que, após a conquista de extensas áreas no Nordeste, se viram envolvidos durante anos em demandas judiciais, tentando obter das autoridades coloniais os prêmios que lhes haviam sido prometidas quando seu trabalho fora solicitado. Outros bandeirantes, no entanto,

finda a guerra ao gentio, receberam

grandes extensões de terra no inte-

rior nordestino. pelos paulistas, calizavam-se na mento, na orla

As terras recebidas invariavelmente, lofronteira do povoado sertão, no limite

entre a colonização e o interior. É o caso, por exemplo, das doações recebidas por Domingos Jorge Velho, após a conquista do Piauí. Além dos índios, outra ameaça aos colonos se abrigava na selva, obrigando-os a conter os avanços indígenas, caso viessem a ocorrer. Eram os quilombos, formados por

negros que conseguiam fugir de seus senhores e que através de

uma vida comunitária tentavam sobreviver e resistir à perseguição de | seus antigos donos.

A simples existência de um qui-

lombo

nas

imediações



repre-

sentava um risco para as fazendas da região. A proximidade do aldeamento de negros trazia para os se-

nhores-de-escravos o medo de que

seus cativos se sublevassem e fugissem para aquela comunidade. Além disso, existia sempre o temor de que os aquilombados atacassem roças em busca de provisões e engenhos e canaviais para libertarem os companheiros. O quilombo significava insegurança para os brancos.

Inúmeros foram os quilombos que se formaram e que foram destruídos enquanto existiu a escravidão. Também contra eles foi utilizada a destreza dos paulistas. Os bandeirantes lutaram contra os negros

fugitivos, não só da Capitania de São Vicente, mas também

de outras

regiões da Colônia. O mais famoso quilombo do período colonial, o Quilombo dos Palmares, situado na Capitania de Pernambuco, foi destruído pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, em 1674. "* A atuação dos paulistas no Nordeste inclui ainda a participação dos bandeirantes na Insurreição Pernambucana. Quando os colonos nordestinos se armaram para lutar contra a dominação holandesa, solicitaram

e receberam

apoio

dos bandeirantes paulistas. À fren-

te de seus índios, cabos-de-tropa do Planalto participaram da guerra que resultou na expulsão dos holandeses do Nordeste, em 1654. Todas as vezes que os bandeirantes paulistas seguiram para o Nordeste e lutaram a favor dos interesses da política colonial portuguesa, fizeram-no atendendo a solicita-

49

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ridades to au e s no lo co s do ções pronordestinas € estimulados pela

messa de prêmios e vantagens. As vantagens significavam, na maioria s exde an gr de ta er of a s, ze ve das das tensões de terras. Isto é, parte nra ei nd ba os ri óp pr os e qu as terr tes,

se

vitoriosos,

conquistariam

para a colonização. Os prêmios eram, quase sempre, títulos ou cargos. Explicar, no entanto, a participação dos bandeirantes nas lutas do Nordeste apenas pela obtenção de prêmios e vantagens é simplificar

demais a questão. A terra era um item abundante na Colônia, o que possibilitava que qualquer colono se tornasse um proprietário. Não se fazendo necessário, portanto, que o bandeirante se envolvesse em campanhas no Nordeste pela sua obtenção. Os títulos eram mais atrativos. Significavam ascensão social. Os cargos, além de prestígio, significavam muitas vezes tambémo recebimento de pensões. Mas, além do desejo de ascensão econômica e social, os bandeiran-

tes eram induzidos a partir em defesa de outros núcleos de povoamento pelo complexo

modo

de pensar

do homem da Colônia durante O século XVII. Os colonos se consimodo súditos tão deravam

como aqueles português, narca nascidos e residentes na Metrópole.

A política colonial portuguesa con-

seguia que interesses da Coroaeda coletividade se confundissem. Os indivíduos interiorizavam em si O intecompromisso de defesa dos de real resses do Rei. Para tanto, era

importância a ação da ideologia do Antigo Regime- estrutura social, política e ecônomica que dominava o mundo ocidental neste período -. À forma politica do Antigo Regime era o Absolutismo, que significava o poder absoluto do reie cujo poderera explicado de maneira extra-social. Isto é, o poder do rei não era explicado como oriundo da sociedade por ele governada, era considerado como uma dádiva divina. Durante os Tempos Modernos, a questão da fé era de grande repercussão. A força da religião era muito grande. A explicação extra-social do direito divino dos reis, confunde religião e política e leva a questão de fidelidade ao monarca a uma exagerada conotação de valor. Assim, uma infidelidade ao rei, ou crime de lesa-majestade, além de sua conotação política e jurídica de crime, assumia feições religiosas e era considerado sacrilégio. Por outro lado, subserviência e lealdade ao rei eram obrigações, não só do cidadão, mas do cristão. Os maiores compromissos do indivíduo eram para com O seu Deus e a seguir para com o seu rei. A partir dessas reflexões, se torna mo osintereser mais fácil entendco ses da Coroa da coletividade podiam se confundir. A Colônia era domínio do monarca e defendê-la era prova de fidelidade a ele. Assim, as questões de defesa dos domínios coloniais não podem ser analisadas apenas como uma necessidade. ou dever do indivíduo para com a coletividade, devem ser vistas também como demonstração de fidelidade ao rei, cu-

jos domínios eram defendidos.

91

ram

os

bandeirantes

merecedores

dessas honrarias, que além da conotação ideológica significavam ascensão social.

Além da questão da defesa, recebeu atenção especial da política de estimulos promovida pela Coroa a prospecção de riquezas minerais.

Desde o século XVI, eram ofereci-

dos titulos, tenças, pensões etc., a quem encontrasse metais ou pedras preciosas no Brasil. A idéia da descoberta de riquezas por si so já era estimulante pela possibilidade de enriquecimento'que lhe era intrinseca. Além disso, através dos prêmios oferecidos, ela se apresentava também como a viabilidade de ascensão social. Durante a primeira centúria do descobrimento, inúmeras foram as tentativas de se encontrar ouro no Brasil, porém sem se obterem resultados sólidos. Apesar do fracasso das buscas, não foram retiradas as promessas de prêmios; porém o insucesso das investidas desanimara

52

comprometeu

seriamente

a

inde-

pendência econômica portuguesa. Essa diplomacia de concessões teve início quase que simultaneamente a Restauração, quando Portugal se defrontou com uma Europa envolvida por guerras sucessivas em busca do utópico “equilíbrio europeu”. Sem condições militares ou navais para enfrentar sequer sua guerra de independência contra a Espanha, Portugal necessitava de aliados fortes que o apoiassem nessas contendas. Dentro desse quadro de sérias dificuldades econômicas e políticas, a descoberta de riquezas no Brasil se apresentou como uma das poucas alternativas viáveis para Portu-

E

rantindo a sobrevivência de núcleos de povoamento, recebiam cargos, patentes ou cartas do rei. Vários fo-

E

tacavam, expulsando invasores, ga-

a montagem de expedições unicamente de prospecção de riquezas. Durante o periodo de União Ibérica houve um arrefecimento da politica de estímulos à busca de riquezas, afinal a Espanha usufruia os tesouros oriundos do México e do Peru. Foi, no entanto, um período de grandes penetrações pelo interior, quando áreas imensas foram devassadas. Esse processo, porém, se deu muito mais em função das condições sociais da Colônia do que por estímulos da Coroa. Bem diferente, porém, era a situação de Portugal restaurado. A Dinastia de Bragança assumiu otrono de uma nação enfraquecida cuja , preocupação basica era a manutenção da própria independência. Para garant a auto mia política de Portuir gal, a Casa de Bragança desenvolveu, em relação à Europa, uma políeconômicas tica de concessões que, através de tratados sucessivos,

re

O compromisso do individuo para com a Coroa era garantido, portanto, por um bem-estruturado aparato ideológico. Era reforçado, porém, por mecanismos de estimulo e repressão desenvolvidos na Colônia. Esses mecanismos compreendiam a distribuição de prêmios e castigos, feita em nome do rei. Entre os feitos mais premiados estavam aqueles que diziam respeito a defesa. Os colonos que se des-

gal. Assim, toda a política colonial passou

à dar atenção a essa ques-

tão, que se as medidas incluem-se aurífera no

tornou primordial. Entre tomadas nesse sentido, o estímulo à prospecção Brasile a procura e con-

tratação, na Europa, de técnicos em

mineração. Os representantes da Coroa relembraram todas as mercês que seriam conferidas aqueles que encontrassem ouro no Brasil. Os habitantes da Capitania de São Vicente, porém, levavam consideráveis vantagens sobre os demais: eram os melhores conhecedores do sertão de que a Colônia dispunha. Era importante para a política colonial portuguesa fazer uso desse conhecimento para atingir seu objetivo imediato, que era encontrar riquezas no Brasil. Mecanismos foram buscados no sentido de estimular os bandeirantes a marcharem para o sertão, em busca de riquezas. Portanto, além dos estimulos endereçados a toda a população colonial, os paulistas mereceram atenção especial. A medida tomada foi uma ação direta e pessoal. O monarca português enviou aos bandeirantes mais notáveis cartas diretas, solicitando-lhes que pelo aumento do Reino e serviço do rei marchassem para o sertão em busca de riquezas. Foram merecedores dessa honra,

qual seja, de receber cartas do monarca, os sertanistas mais experi-

mentados nas lides do sertão e os bem-sucedidos, aqueles que com recursos próprios fossem capazes

de organizar marchas para o interior em busca do ouro e esmeraldas.

Para aqueles que aceitassem a Incumbência, eram oferecidos cargos e titulos, além disso, eram colocados à disposição os recursos da Fazenda Real para colaborar nas despesas da empreitada. Vários foram os sertanistas que receberam solicitações diretas do rei Afonso VI para que seguissem para o sertão em busca de riquezas. Essa política foi mantida também pelo Príncipe Regente D. Pedro que escreveu diretamente a alguns bandeirantes e de forma geral à Câmara da Vila de São Paulo. Muitos bandeirantes atenderam a essas solici-

tações; nenhum, porém, de manei-

ra tão obstinada como Fernão Dias Paes que, em busca de esmeraldas, permaneceu quase oito anos no sertão. A preocupação de Fernão Dias

r solicitações da Coroa em atendeàs

e sua persistência na busca das esmeraldas só pode ser analisada levando-se em conta, entre) outros aspectos, as considerações feitas anteriormente sobre as relações entre os monarcase seus súditos no regime absolutista. A fidelidade ao soberano era o supremo compromisso do indivíduo, só suplantado pela subserviência que ele devia a Deus. A partir dessas reflexões é que se pode buscar avaliar o efeito causado na Vila de São Paulo quando seus moradores receberam solicitações pessoais do rei para que partissem para o sertão à procura de riquezas. Além da bandeira de Fernão Dias, outras no mesmo periodo partiram para o interior a fim de pesquisar à minerais. existência de . riquezas

53

Isso não significa que as bandeiras mudaram imediatamente. de caráter. O que aconteceu foi que um anseio mantido camuflado na bandeira aflorou. Bandeiras foram organi-

zadas com o objetivo declarado de promover a prospecção auriífera. Por outro lado, é importante sa-

lientar que essa ação da política colonial portuguesa, incentivando a busca

de

riquezas,

ocorreu

após

praticamente um século de devastação dos núcleos indigenas. Por essa época, os bandeirantes já haviam atacado e destruído grande parte de seus alvos preferidos - as reduções jesuíticas espanholas. Ainda na pri-

meira metade do século XVII, os jesuitas perceberam que a maior ameaça à sua ação missioneira eram os ataques paulistas. E, à medida que não conseguiam apoio, nem dos representantes da Coroa espanhola, nem dos colonos espanhóis para se defenderem dos agressores, optaram pelo abandono da área ocupada, em busca de outra mais distante e melhor protegida.

É importante salientar que, após a

Restauração portuguesa, OS jesultas espanhóis receberam de seu soberano autorização para armaremse e aos índios com armas de fogo. Com isso os jesuitas e seus guara-

nis puderam rechaçar ataques dos

paulistas e seus tupis. Dessa forma, as solicitações do monarca aos bandeirantes para que buscassem metais e pedras preciosas não se chocaram com os interesses paulistas.

Por outro lado, cabe relevar que a

pesquisa de riquezas não eliminou a caça ao índio. Mesmo depois que 54

o ouro foi encontrado, os silvícolas continuaram sendo perseguidos e apresados.

Avançando

a discussão, porém,

na vertente bandeirante-política colonial portuguesa, existe ainda a questão do direito sobre a jazida encontrada. Isto é, os bandeirantes foram estimulados de várias maneiras a utilizarem seu

conhecimento

do

sertão, de técnicas de penetração pelo interior e de sobrevivência na

selva, para encontrar riquezas. Esses estímulos iam desde a questão de fidelidade ao rei, promessa de titulos e prêmios até medidas mais práticas, como auxílio da Fazenda Real na montagem da bandeira e a possibilidade de enriquecimento,

caso fossem bem sucedidos.

Encontradas as jazidas, os paulistas tentaram obter da Coroa a exclusividade de exploração. Esse intento não foi alcançado. O que interessava a Portugal era que o máximo de ouro fosse explorado, e tal objetivo não seria conseguido restringindo-se a exploração apenas aos paulistas. Além disso, escapou totalmente à capacidade das autoridades coloniais o controle do fluxo migratório para a região das minas. De todos os cantos da Colônia e do Reino chegaram levas de aventureiros sedentos de encontrar riquezas. O rápido povoamento, a formação de núcleos populacionais densos e heterogêneos concorreram para que o controle da Coroa sobre a zona de mineração fosse limitado. A chegada de um novo contingente de exploradores provocou choque entre estes e os que já se concentravam na região. Mesmo assim, a Co-

dos roa não se colocou em defesa obrisc de s ta is ul pa s do es ss re te in ter dores do ouro. Todos deveriam o direito à exploração, desde que tie para tanto vessem condições

cumprissem fielmente a legislação específica de zona de mineração. Para defender os direitos que

acreditavam ter, os paulistas armaram-se e enfrentaram os concorrentes na exploração das jazidas, recém-chegados da Metrópole. Foram vencidos. Tiveram de optar entre conviver com os novos exploradores ou abandonar as minas. Uns permaneceram, outros regressaram

ao Planalto. Alguns retomaram o ofício de preadores de índios. Novas expedições foram montadas, seguiram outros rumos, encontraram Oou-

tros indígenas, jazidas.

descobriram

novas

Essas expedições compõem as bandeiras do século XVIII, menos volumosas e menos militarizadas do que as do século XVII. Seguindo novos rumos, ainda na primeira metade dos setecentos, levaram o povoamento português até o sertão dos Parecis, no vale do rio Guaporé.

A diplomacia portuguesa foi suficientemente astuta para garantir o direito luso sobre as áreas devassadas e ocupadas pelos colonos. Ainda na primeira metade do século. XVIII, Portugal e Espanha traçaram Os novos limites entre seus dominios na América. A argumentação

de Alexandre de Gusmão, principal

advogado dos interesses portugueses, baseava-se na ação dos bandeirantes. Gusmão conseguiu fazer prevalecer o “ uti possidetis” sobre

o “status quo” e legitimou o avanço das bandeiras paulistas sobre terras espanholas, com a assinatura do tratado de Madri, que conferiu ao Brasil quase a mesma configuração geográfica atual. A importância das bandeiras para a Coroa cresceu após a Restauração. Enfraquecida e envolvida em guerras, foi de grande valia poder contar com uma força paramilitar, montada e treinada, em condições

de ser posta em uso e, além disso, sem ônus para a debilitada Fazenda Real.

Durante o período de União Ibéri-

ca, garantiram a comunicação entre dois pólos distantes do Império Ultramarino Espanhol na América do Sul — Assunção e São Paulo. Os bandeirantes eram parte integrante do Império Português. Prestaram inúmeros favores a Coroa e foram agraciados com títulos e mercês. Alguns receberam cargos na administração portuguesa ou patentes militares. Exerceram o poder político e militar em sua Capitania. Ocuparam todos os cargos disponiíveis, exceto aqueles reservados a militares e burocratas de carreira, quase

sempre

portugueses.

Assim, o movimento bandeirantista, mesmo tendo nascido da necessidade social específica dos habitantes do Planalto de Piratininga, estava inserido na política colonial portuguesa mantida para o Brasil. Agindo na busca de solução de seus problemas sociais, os paulistascriaram possibilidades de que interesses da Coroa também fossem atingidos.

53

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IV - A BANDEIRA

violentas. Eram montadas por homens rudes que, armados até os dentes, enfrentavam toda a hosstilidade da floresta e iam arrancar, pela força; o gentio de sua vida para submetê-lo à escravidão. Conscientes dos perigos que os aguardavam, os bandeirantes se o sertão. r preparavam para enfrenta No entanto, de todas as ameaças contidas no interior da mata (feras, doenças, fome etc.) a mais temida era a ameaça de derrota diante dos indios. Assim, a expedição era equipada para enfrentar todos os perigos contidos no sertão, principalmente a guerra ao gentio. Os homens que partiam para o in-

As bandeiras eram empreendimentos de caráter particular e tinham por objetivo a busca de solução para problemas sociais da Vila de São Paulo. Surgiram como prolongamento das guerras mantidas núcleo português pelo pequeno contra os índios que ameaçavam sua sobrevivência. Durante as três primeiras décadas de sua existência, a Vila de São Paulo da Borda do Campo de Piratininga esteve ameaçada de sucumbir ante os ataques das tribos vizinhas. No entanto, quando os colonos conseguiram impor sua superioridade bélica aos indios, defrontaram-se com um novo problema: a carência de mão-deobra. O fim dos conflitos privou os paulistas da posse dos prisioneiros obtidos em cada batalha. Tiveram então de marchar para o interior em busca de gentio. Essas foram as expedições que predominaram desde o fim do século XVI até o fim da centúria seguinte. Tinham o ob-

terior eram

da rude. Mesmo ainda no crepúsculo do século XVI, muitos desses homens eram nascidos na Colônia e só conheciam a vida dura de um povoameénto nascente. Vida carregada de insegurança social propiciada pela proximidade da mata, ameaça de índios, doenças e feras, ausência de conforto e de recursos para enfrentar a agressividade do meio. Insegurança causada ainda pela distância existente entre o núcleo de

jetivo de prear índios e para esse fim

eram

organizadas.

A subjugação do índio e sua es-

cravização só seriam obtidas pela força; assim, as bandeiras de preação

eram

agressivas e

expedições

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povoamento é o centro de decisão de todas as questões e fonte de todos os recursos, o Reino. O viver em colônia era carregado: de violência, onde o homem se via a cada momento obrigado a provar que era mais forte que o melo, que as necessidades, que as distâncias. Dentro deste contexto, a atividade bandeirantista, carregada de inu, cia assumeras formas de violênera mida como um elemento cotidiano da vida da Vila de São Paulo. Os homens que se engajavam nas bandeiras eram adestrados no uso das armas, sabiam manejar tanto as armas de fogo e demais apetrechos bélicos oriundos da Europa, como também os equipamentos de guerra usados pelos índios. A mata também não era estranha aos primeiros bandeirantes. Durante as três primeiras décadas de existência da Vila de São Paulo de Piratininga, os colonos aprenderam a conviver com a floresta, a dominá-la e a destruí-la. Nesses primeiros anos, ao lutar pela sobrevivência, conquistaram a terra, a destreza bélica e os índios que, vencidos nas guerras ao redor da Vila, tornaramse mão-de-obra dos colonos. Forneceram-lhes, além de seu trabalho, técnica de vida na mata, de uso e fabricação de armas aborigines e contingentes humanos que foram usados nas penetrações pelo sertão. As bandeiras que partiram de São Paulo, ainda no século XVI, já contavam

com

58

contra

Seu

sucesso dependia, por

conseguinte, do número de seus componentes, de sua capacidade bélica e do aparelhamento da expedição em armas e munição. A montagem de uma bandeira era, consequentemente, um empreendimento que demandava investimento de capital. Esse capital pode ser considerado irrisório, insignificante, se comparado ao grande volume dispendido no Nordeste da Colônia para a montagem do parque produtor de açúcar. Pequeno, também, em comparação ao capital investido no litoral da própria Capitania de São Vicente na montagem de engenhos

e lavouras de cana-de-açúcar. No entanto, levando-se em conta as condições específicas do Planalto de Piratininga no final do século XVI e início do século XVII, o capital necessário para a montagem de uma bandeira não era tão insignificante

assim, e era muitas vezes levantado entre os seus próprios componentes. Existia também o caso de bandeiras serem armadas por indivíduos que não participavam efetivamente da expedição, mas apenas de sua montagem e de seus lucros. Estes eram os armadores das bandeiras, aqueles que investiam o ca-

pital para a armação da expedição

e que estabeleciam contratos com outros, que participavam efetivamente da empreitada mas não dispunham de recursos para se arma-

rem às suas próprias custas.

um corpo de índios.

A bandeira era, portanto, uma expedição agressiva, destinada a marchar sertão adentro em busca de índios,

guerra.

os

quais

efetivava

a

A armação de uma bandeira constituia-se basicamente de escravos,

correntes, armas e munição de guerra.

Nos primeiros tempos, as expedições eram armadas por seus prOprios componentes, mas à medida que elas se tornaram a atividade mais dinâmica do Planalto, cresceu o número dos armadores. Estes poderiam ser possuidores de capital, desinteressados de enfrentar a vida dura do sertão, mas interessados em participar de seus lucros, COr mo também pessoas que por sua condição de idade ou sexo se viam marginalizadas do empreendimento.

A relação entre o armador e O bandeirante era feita através de contrato no qual ficava estabelecida a porcentagem na divisão dos lucros, bem como o procedimento no caso de prejuízos. O mais comum, no enempreendido marginalizadas i ) mento. . “Dei de armação para o sertão dois negros e uma escopeta € seis libras de pólvora e doze de munihá ção e o mais necessário que mister, com partido de que, trazendo remédio, partir a metade

comigo.”

(Apud Alcântara

Ma-

chado, 1929). Os acertos não deixavam de pre-

ver a hipótese de o bandeirante na-

da conseguir. Nesse caso ficava eS tabelecida uma dívida entre o sertaa nista e seu armador, a qual deveri ser saldada, conforme os acertos feitos em contrato. “Antônio Pais recebe de Manuel da Fonseca Osório todo o necessário para seu aviamento de pól-

vora, chumbo, espingardas e ou-

tras coisas no valor total de 1078

-o 984, sob condição de, trazendo nhor Deus do sertão e ao dito se

59

seu filho. entregar-me a terça das peças que Deus for servido darlhe com suas famílias e, sendo caso que não traga peças, pagar O

débito depois da chegada a um

atraídos pela cobiça, desejavam incorporar-se a uma bandeira, mas

não dispunham de recursos para se aviarem. Neste caso, um bandeirante assumia o compromisso de levar e trazer um desses indivíduos, recebendo a paga no retorno. “Digo eu Martim do Prado que me concerto com Filipe de Vereso levar nesta entrada adonde vai Lázaro da Costa, o qual me obrigo a levar por ida e vinda, dando-me Nosso Senhor vida e saúde, por preço e quantia de dez mil réis em dinheiro, de contato ou em fazenda.” (Apud Alcântara Machado, 1929) A bandeira era a atividade econô-

mica mais dinâmica do Planalto e grande era o interesse em participar dela. Nem mesmo os religiosos estavam interessados em manteremse à parte do movimento. Muitos aderiram efetivamente, participando como capelães da bandeira. Estes eram principalmente os padres

60

O O O

e e o

Esses contratos foram comuns durante todo o período de vigência do movimento bandeirantista, principalmente durante o século XVI. Não se prendiam exclusivamente a acertos entre armadores e bandeirantes. Muitas vezes, eram os próprios sertanistas que se aviavam uns aos outros, mediante contratos. Outras tantas, eram os homens que,

em

mes sem a isso por dúvida alguma.” (Apud Alcântara Machado, 1929).

s não a s o i g i l e r s n e d r o seculares. As de a d i l i c a f a m s e m liberavam com à nhae p m e Se a r a p os seus filiados deiras. n a b s a n e t n e m a v i rem efet lire s n e d r o s a d o t n e m O envolvi o e ã ç a m | r a da s vé ra at va da giosas Se r O s a D . s a r i e d n a b aviamento das no: , o l u a P o ã S m e s e t dens existen s pado a i fo o, tã es qu em período destase is ma e qu a as it el rm dres ca bandeiras. de o ã ç a r a p e r p na u co la pe o t n e m i d e c o r p u se a av Justific onvento c do os rs cu re de ia nc sê au di pe ex ã v a m r a e qu do ão nç em fu rtão se no ar sc bu m a i r e v e d e qu es çõ ades. o remédio para suas dificuld O aviamento e a armação de uma

bandeira estavam vinculados ao ob-. jetivo da mesma. As entradas destinadas à caça ao índio eram volumosas. Deixavam O. Planalto com um grande contingente de homens, armas e munição, de-

vidamente equipados para fazerem a guerra no sertão. Em meados do século XVII é que foram armadas as as expedições, mais volumosas

quais contavam com algumas centenas de brancos e mamelucos e alguns milhares de indios. O grosso do aparelhamento dessas bandeiras e o maior dispêndio

de capital investido estavam ligados à aquisição de armas e munição. Entre as armas de fogo, as mais utilizadas eram as escopetas e os bacamartes, também as carabinase as pistolas. Atenção especial era dada às armas de fogo. Isso porque eram elas que garantiam a superioridade bélica aos paulistas. Para isso era

fundamental

que estivessem

bem

conservadas e que O abastecimen-

to de munição fosse suficiente para toda a jornada. Além das armas de fogo, as bandeiras de caça ao índio eram bastante providas de arcos e flechas, como também de outras armas indi-

genas. À medida que o movimento

se expandiu, a presença de aborigenes se tornou maior e conseO volumoso mais quentemente número de suas armas. O corpo de índios flecheiros era uma peça da composição na importante bandeira. para enfrentar a No entanto, agressividade da jornada, a expedição deveria estar equipada não só para fazer a guerra, mas também para enfrentar a mata. Constituíam o grosso da bagagem as cunhas calçadas, os machados grandes de fal quear, as enxós, as foices, com os quais eram abertas às picadas nas florestas, feitas as clareiras para as roças e os acampamentos. Faziam também parte do equipamento das entradas as redes de pescar, linhas e anzóis. Preparação diferente recebiam dias bandeiras de minerar. Às expe ções preparadas com O objetivo de extrair metais preciosos não eram s tão agressivas como às bandeira de caça ao índio.Como não se destinavam a atacar grupos indígenas, As seu contingente era muito maior. bandeiras de minerar normalmente pessoas. a cem não chegavam Menos providas de armas, levavam

os petrechos de minerar, principalmente os almocrafes e as bateias. Quanto à sua organização, tanto a bandeira de caça ao índio comoa

61

de minerar tinham em suas linhas

mestras a organização militar. Na sua forma mais simples, a expedição era composta pelo chefe, também chamado capitão-do-arraial, um ou mais lugar-tenentes e o grosso datropa, composto em sua maioria por índios mansos. Durante o século XVII, o Planalto

Paulista foi palco da organização dos mais diversos tipos de marchas para o sertão. Essas expedições variavam, desde um pequeno grupo de escravos, chefiados por um índio domesticado, que embrenhavam-se pelo sertão aviados por seu dono, em busca de outros índios para a escravidão, até grandes contingenpor milhares de tes compostos homens, entre brancos, indios e mestiços. Em todas essas expedi-

ções,

o poder

era

distribuído

de

forma rígida. Aqueles que tinham o direito ao comando eram obedecidos cegamente. O poder do chefe era absoluto. A forma rígida de distribuição do poder e o poder absoluto do chefe estão ligados a questões de sobrevivência e à própria organização militar.

Por outro lado, a vida na Colônia

nos séculos de vigência do bandeirantismo coloca o Planalto piratiningano como parte integrante do Português. A forma de Império governo predominante na Europa seiscentista era a monarquia absolutista. Chefia e comando estavam vinculados a uma visão rigida de distribuição de poder. Ao chefe, também chamado cafazer que a cabia bo-de-tropa, entrada atingisse o seu objetivo

62

Para garantir o sucesso da empreitada, eram da sua responsabilidade a definição do roteiro da expedição, a garantia da disciplina e o comando das operações militares. O poder do cabo-de-tropa era garantido pela força, o que significava o numero

fiéis e sob o rantia junto

de homens

que lhe eram

o numero de indios flecheiros seu comando, o que lhe gacondições de dominar o conda bandeira.

Apesar de dispor de poder absoluto sobre a bandeira, não foram poucos os chefes que tiveram seu contestado. Entre eles comando inclui-se até mesmo Fernão Dias Paes que, após vários anos no sertão, teve de enfrentar a deserção de vários de seus homens, inclusive alguns cabos-de-tropa e um motim. Dominado o levante, no entanto, o castigo aos amotinados deveria ser exemplar e na quase totalidade

dos casos a pena para o motim foi a morte.

No comando de sua expedição, O cabo-de-tropa também se investia

de funções judiciais, tanto cível como do crime.

As bandeiras mais numerosas tinham outros cargos além do de chefe, sem contudo diluir o poder

absoluto do comando. Esses cargos

eram o de alferes-mor, o ronda-mor, o repartidor, responsável pela partilha dos indios apresados, o escrivão do arraial, o capelão.

O preenchimento dos cargos era definido pela participação do sertanista na expedição, seja pela quantidade de homens sob seu comando,

seja pelo volume de seu aviamento.

r O principalelemento definidode

era poder no Planalto de Piratininga que o número de índios flecheiros

r ca lo co a ui eg ns co m me ho um e qu

desse sob seu serviço. Embora se pu é consegui-los pela compra (como Seo caso de Guilherme Pompeu, gundo Pedro Taques, homem mais srico da região, no seu tempo) a po se de índios significava O sucesso iem expedições pelo sertão. Signif cava que seu proprietário era um bandeirante experiente, homem de prestígio e poder. Para atingir esse “status” muitos jovens começaram cedo a participar das entradas. Antônio Pires de Campos e Bartolomeu Bueno da quatorze Silva (Filho) contavam anos quando acompanharam seus pais pelo sertão, e Francisco Dias da Silva tinha dezesseis anos quando participou da bandeira de seu tio.

A marcha para o sertão fazia parte do cotidiano das comunidades planaltinas. As entradas seguiam regularmente na direção do interior. Umas chegavam, outras partiam. Toda a comunidade delas participava. Alguns de forma efetiva, outros como armadores, outros como fornecedores dos petrechos necessários para os seus aparelhamentos, outros ainda como consumidores dos seus pro-

dutos. A preparação, a partida e o retor-

no de uma bandeira eram acontecimentos que emocionavam a rotineira vida das vilas. Não eram, no entanto, acontecimentos extraordinários, nem para a comunidade, nem para o indivíduo (Manuel de Campos Bicudo, por exemplo, embrenhou-se no sertão vinte e quatro vezes).

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V- A VIDA DO BANDEIRANTE: O COTIDIANO NO SERTÃO

meiras bandeiras, o silvícola já esteve presente como guia ou como executor das tarefas mais baixas.

l século XVI, quando os Ao finado paulistas começaram efetivamente a penetrar os sertões em busca do gentio para escravizar, já haviam desenvolvido em sua vila algumas técnicas de sobrevivência em terra

As

A vida no Planalto de Piratininga havia se apresentado como uma luta a ser vencida a cada dia, por aqueles que assumiram deixar o lltoral, enfrentar as agruras da Serra

do Mar e se estabelecerem na montanha. A luta contra os índios, a

ver os seus

problemas.

Assim, desde logo passou a adquirir do índio vencido e aprisionado técnicas de defesa e de sobrevivência.

Com o desenvolvimento do ban-

deirantismo, a interação dos paulistas com os indios foi se aprofunpridando cada vez mais. Desde as

E

distância do porto e consequentemente dos navios e do intercâmbio

tribuiram para que o homem do Planalto buscasse por si mesmo resol-

permaneciam

meses e muitas vezes anos no sertão. Para amenizar a sede, a fome e o cansaço, o bandeirante inumeras vezes teve de observar a maneira de proceder dos índios. Como passar dos anos a bandeira foiincorporando cada vez mais os hábitos indigenas.

hostil.

com o além-mar, a economia voltada para a subsistência e, por conseguinte, o pouco relacionamento com o comércio internacional con-

expedições

A marcha era feita a pé, seguindo muitas vezes trilhas que já eram utilizadas pelos silvícolas. Camtlnhavam em fila indiana, abrindo picadas na mata. Essas picadas eram abertas quase que a cada passagem, pois que, estreitas, logo O mato se incumbia de fechá-las.

Os índios, no entanto, conheciam na maioria das vezes o percurso que deveriam seguir, indicando velhas trilhas indígenas que, abertas e trilhadas, novamente se fechavam. A sobrevivência estava intimamente ligada ao senso de observação e fazia que O índio tivesse os sentidos muito mais despertos para inúmeros detalhes que poderiam,

65

parecer

desnecessários

ao homem

branco.

pequena

que

havia

margem

passado

de erro o tempo depois

que

na-

Os indios caminhavam com destreza, orientando-se à noite pelas estrelas e durante o dia pela sombra que o polegar deixa na mão. Habilidade que logo transmitiram aos

quele sítio estivera alguma tropa. Outra habilidade indígena de grande valia para as bandeiras era sua capacidade de memorizar infor-

O uso de sinalizar os caminhos também era bastante difundido entre o gentio e incorporado pelo bandeirante. Os sinais, no entanto, eram quase que insignificantes e apenas um espírito de observação permanentemente desperto poderia perceber. Um desses sinais poderia ser simplesmente um galho quebrado, uma forquilha fincada no chão ou um corte feito em uma árvore. Outra técnica bastante desenvolvida pelo gentio e aprendida pelos bandeirantes era a de seguir rastros. O aprimoramento dos índios nessa técnica chegava a níveis de sofisticação. Os bandeirantes também chegaram a ser exímios seguidores de rastros, bem como se aprimoraram na técnica de analisar resquícios deixados por animais e outros homens.

irregularidades de curso acidentes geográficos.

sertanistas.

Em

1736,

Manuel

Dias

da

Silva,

no sertão oeste da colônia, analisando rastros deixados. no barranco, conseguiu averiguar que ali tinham estado castelhanos e, entre os quais, personagens de alta patente, como também determinar com precisão quanto tempo antes haviam deixado o lugar, o número

de animais que levavam e o rumo to-

mado. Pela figura dos ranchos, pela análise das cinzas do fogão, os sertanistas chegavam a precisar com

66

mações e representar graficamente cursos de rios com seus afluentes e

e outros

Até mesmo na forma de caminhar os bandeirantes foram pouco a pouco assumindo hábitos indígenas. Caminhando com as pontas dos pés voltados para frente e com os dedos dos pés voltados para baixo os índios conseguem uma distribuição mais uniforme do peso do corpo sobre as juntas dos pés e com isso conseguem evitar O cansaço precoce e alongar mais as caminhadas diárias. Estas transcorriam entre a madrugada e o entardecer. Os bandeirantes iniciavam sua marcha com os primeiros raios de sol, caminhavam a maior parte do dia, parando apenas ao entardecer. Um dos problemas mais sérios enfrentados pela bandeira no sertão era o abastecimento de alimentação e água. A expedição partia levando um provisionamento suficiente apenas para os primeiros tempos da caminhada. Objetivando passar meses e às vezes até anos no sertão, a bandeira não tinha condições de levar suprimento necessário para todo o tempo que permanecia ausente. Além do peso, os alimentos em sua grande maioria eram perecíveis, o que dificultava sua embalagem etransporte. Assim, faziam parte da bagagem das ban-

s OU i e v í c e r e p o ã n s o t n e m i deiras al al obtici pe es o t n e m a t a r t s ó p a e qu cao a Er . e d a d i l i b a r u d r nham maio cam e o d a g e r r a c a er e qu so do sal, nha de ri fa à e , s a ç a b a c ou s nudo

n a m de a nh ri fa à a er ta Es guerra.

cozida a er m e g a i v à ra pa e qu dioca, do enn e s , a t c a p m o c ar rn to se até . Dessa tão embrulhada em folhas umià te en st si e re s a v a n r o t a m r fo mesdade, durando meses OU até ne t n a m , is ma o c u o p ou o an m u mo do o seu gosto peculiar. O grosso da alimentação, porém, era obtido durante a jornada. Constituía-se basicamente da caça, pesca e coleta de frutos. Mais uma vez a bandeira se valeu da habilidade e destreza do natural da terra. Em sua existência nativa, obter a sobrevivência da selva era elemento do seu cotidiano. A mata era seu mundo e com ela sabia conviver. Os índios orientavam os sertanis-

tas na arte da caça, a partir de suas técnicas específicas. Eram utiliza-

das as armadilhas, como tocaia, juçana, jirau, juquiá, arapuca, etc. e

também as armas indígenas. Estas ofereciam a vantagem de poderem ser fabricadas quase que a qual-

quer momento e não necessitavam de munição, elemento dispendioso no armamento de uma bandeira. Além disso, as armas brancas ofere-

ciam a vantagem de não espantar à presa, rulho.

uma

vez que

não fazem

ba-

Com o tempo, os próprios ban-

ros no deirantes se tornaram dest o as nt ta en no , ha ec fl e co ar uso do

bandeiras dos séculos XVl e AVI contavam, invariavelmente, com a presença de um corpo de índios flecheiros, cuja habilidade era utilizada no ataque a seus semelhantes, contra animais também como ferozes ou presas das caçadas.

Era na pesca que as técnicas européias se sobressaíam. O anzol substituiu com vantagens o uso de espinho e era elemento constante no aviamento das bandeiras. Também eram bastante apreciadas as redes de pescar. A conservação do peixe, no entanto, se tornava difícil, uma vez que o sal era produto sujeito a monopólio, portanto caro e muitas vezes de difícil obtenção.

As bandeiras também obtinham peixes através da intoxicação dos mesmos com plantas tóxicas, cujos efeitos não prejudicavam quem os consumisse. Esse hábito era utilizado pelo índios através de plantas como o tirigui e o timbó e pelos portugueses que, no Reino, faziam uso para o mesmo fim do barbasco, trovisco, da cal, etc.

Apesar de bastante difundido, esse hábito era combatido, uma vez que o número dos peixes que morriam era quase sempre superior ao número consumido. Como a conservação era difícil, os peixes apodreciam, propagando doenças e febres.

O medo da fome fez também que os sertanistas acompanhassem o gentio no consumo de frutas silvestres até então por eles desconhecidas. Entre as plantas silvestres

67

acampamentos

que duravam alguns meses, quando então faziam roças, plantavam e Não era extraordinário colhiam. roça uma bandeira usufruir uma feita por expedição anterior. Alimento bastante apreciado nessas jornadas era o mel obtido na própria mata. Os índios eram hábeis

em encontrar colmeias, eram capa-

zes inclusive de seguir com o olhar uma abelha em seu vôo e indicar O ponto onde havia pousado. Aqueles que se destacavam na tarefa de obter mel eram chamados meleiros. ': Foi a dois índios meleiros que Miguel Sutil deveu a descoberta de sua

lavra de ouro em 1721, no morro do Rosário em Cuiabá.

Apesar dessa diversidade de formas de obtenção de alimentos na

selva, muitas vezes a fome ameaçava as expedições; nesse caso, OS bandeirantes eram obrigados a In-

gerir alimentos que em outras circunstâncias seriam consideradas

repugnantes. À falta de outros alimentos

que

recompusessem

suas

forças, muitas vezes os sertanistas deixaram seus escrúpulos de lado e saciaram a fome ingerindo cobras, sapos, ratos, raízes de guaribá, grelos de samambaia, etc. Alguns alimentos, no entanto, apesar de causar certa estranheza à

68.

dos jacarés e lagartos, que se tornaram caça apreciada entre a gente do Planalto de Piratininga. Também de uso corrente na dieta paulistana era a içá torrada. Essas formigas eram uma praga para a lavoura; nos meses de setembro e outubro saíam em bando de seus buracos formando como que uma nuvem negra a encobriro sol. Eram então caçadas com sofreguidão; nos centros urbanos, principalmente pelas crianças; no sertão, pelos índios. Afirmam alguns cronistas que a formiga saúva depois de convenientemente torrada ao fogo forna época manteiga, uma nece quase tão apreciada como à manteiga de Flandres. Também foram incorporados à dieta das bandeiras, e posteriormente das populações do interior, o com A fome bicho-de-taquara. certeza era o maior estímulo para OS brancos vencerem os escrúpulos iniciais e experimentarem aquela iguaria estranha. Habituados, porém, passavam a elogiar as vantagens alimentares do bicho-detaquara, comparados por uns ao miolo de boi, por outros à banha de porco. Já no século XIX, Saint-Hilaire chegou a afirmar que o seu sabor lembrava o dos mais delicados cremes.

Assim, tentando aproveitar ao máximo o que a própria mata oferecia, as bandeiras criaram uma dieta peculiar, onde se misturavam hábi-

SS "00.0...

montavam

própria Vila de São Paulo. E o caso

so ses ss6oo Doo SSD

vezes

primeira vista, passaram a fazer parte da dieta das bandeiras e chegaram a ser difundidos na

a

mais apreciadas estavam o pinhão e o palmito. Constituiam ainda fonte de abastecimento para as bandeiras as roças dos índios que elas atacavam. Vencidos seus donos, eram feitas razias das plantações. Além disso, as bandeiras muitas

tos europeus preocupação

sobrevivência

€ indígenas,

básica

dos

onde

era garantir

sertanistas.

a

dessedentar-se

a

suco

O

pies o e e t s e r g a da vi a m u hábito de ambém t m a í u l c n i a r u t n e v a rito de

meaçã a a te an s e r a t n e m i l a s o t i háb

de fome. a das m , u o ã ç a t n e m i l a da m é l A entradas preocupações básicas das ua. g á o de t n e m i c e t s a b a u se era o valor Também nesse aspecto foi de istas n a t r e s OS ra o i pa r á n i d r o a r ext as pelos as habilidades desenvolvid ua, indios em descobrir olhos d'ág s minas d'água ou mesmo córrego e algumas vertentes. Desde cedo os r silvícolas aprendiam a descobri a

existência

da água

pela configu-

ração e coloração do terreno, pela temperatura do vento e por outros sinais só perceptíveis aqueles que tinham uma vida toda passada no sertão, onde o exercício da percepção de tais sinais era a garantia da é sentido, Neste sobrevivência. interessante o depoimento de um viajante que afirma: “Para nós, europeus, é coisa abO inconcebível solutamente senso topográfico dessa gente, que num

terreno uniforme e sem

a menor indicação, sabe achar logo o rumo exato para o olho dágua mais próximo”. (Apud Holanda, 1975) O percurso das bandeiras, no entanto, enveredava-se muitas vezes por ermos que não dispunham de água potável. Nestes casos, OS sertanistas eram obrigados a saciar à sede das mais diversas formas. Uma car à das medidas extremas era apla anis do ue ng sa o o nd be be de se mais.

Mas

os bandeirantes

usavam

das

frutas,

das

também seiva

das

ingerindo folhas e

raizes.

O contínuo andar pelo sertão, a observação da mata e o exemplo dos silvícolas fizeram que os bandeirantes fossem adquirindo maior habilidade em encontrar água e aplacar a sede. Entre os meios encontrados para livrar O sertanista da tortura da falta d'água destaca-se à árvore-fonte, árvore-rio, samaritana do sertão. Estes eram

os nomes

que recebia uma

árvore natural dos sertões goianos e baianos que, muito grande e cOopada, tinha nos ramos buracos cheios d'água. Estas árvores davam

exatamente

nos

terrenos

secos, onde, num raio de quatro lêguas, dificilmente se encontraria água. Os viajantes utilizando-se de pequenas varas de taquara matavam sua sede. Consumida a água, pouco tempo depois o buraco voltava à se encher, permitindo que outro sedento se saciasse. Outra planta de providencial importância e que permitia aos viajantes alongar os seus percursos era à raiz do umbuzeiro. Essa árvore produz umas batatas que, colocadas na boca, desmancham-se facilmente. Para alguns cronistas eram de uma “doçura que parece do açúcar. Além dessas, os paulistas acostumaram-se ao uso de outras plantas naturais das florestas densas, eram vários tipos de cipós. Estes, cortados e colocados em posição vertical, forneciam um líquido fresco, que servia para prorrogar a sede. A desvantagem era que se não

69

curar

os

paulistas

bre; já os seus dentes serviam para combater a pestilência do ar.

—õ— um mo —e— —

das inúmeras serventias que iam desde curar os males dos rins, inclusive provocando a expulsão de cálculos renais, até aliviar as dores do parto e garantir que a parturiente tivesse leite. Nessa farmacopéia, destacavamse ainda as virtudes das unhas do tamanduá e do bicho-preguiça. Já as cabeças e caudas das cobras eram utilizadas para combater sua própria picadura. Nas caminhadas pelo sertão, as picadas de cobra salientavam-se como uma ameaça; o espírito de observação, porém, permitia, muitas

em

À cauda do gambá eram atribuií-

TO

z

=

=

das “doenças” causadas por armas inimigas e ataque de feras. A medicina praticada nas bandeiras era uma mistura de crendices,

para estancar os sangramentos e os bezoares. Estes eram pedras encontradas no estômago ou orelhas de alguns animais. Os bezoares mais apreciados em São Paulo no período das bandeiras eram a pedra-porco-espinho, de veados e de antas. A inúmeros outros animais eram também atribuídas faculdades curativas. Dependendo do animal, a faculdade curativa estava concentrada em uma região do seu corpo e destinava-se ao combate de mal ou males específicos. Assim, as pedras encontradas na cabeça do jacaré eram remédio infalível contra a fe-

o

para

eram a lanceta, utilizada para sangrar as feridas, a pedra-ume,

———

utilizados

parte da bagagem do os mais conhecidos

[OO

de ameaças e perigos do sertão. Entre as ameaças da jornada, não estavam apenas o medo de perdera rota, a sede, a fome, o ataque de feras e a derrota ante o inimigo. Estava ainda presente o medo de doenças. O percurso por regiões insalubres, a ingestão de qualquer coisa que aliviasse a sede e a fome colocavam os sertanistas à mercê de pestes e doenças. Para enfrentalas eram utilizados elementos da flora e da fauna, alguns produtos químicos e muita superstição. Esses mesmos elementos eram

que faziam sertanista,

TT

ele deveria enfrentar todos os tipos

orações católicas e hábitos de cura utilizados por brancos, índios e negros. Entre os instrumentos de cura

2

consumido rapidamente, o liquido perdia seu aspecto cristalino, tornando-se turvo. Outra fonte de água era o taquaraçu; entre seus nós, principalmente nas hastes mais tenras, era encontrado esse líquido. Nas regiões rochosas o socorro para a sede era encontrado nos caraguatás, cujas folhas formam uma espécie de vaso que armazena a àgua da chuva. O domínio dessas técnicas de sobrevivência e o desenvolvimento de habilidades para enfrentar o sertão conferiam maior segurança ao bandeirante experiente. Experiente era o bandeirante capaz de conhecer a mata o suficiente para garantir que sua bandeira atingisse seu objetivo, fosse ele prear índios, encontrar ouro, destruir quilombos, expulsar invasores, etc. Para Isso,

esse, eb rc pe a te an aj vi O e qu vezes, acado. outras tantas, era por ela at

os Contra esse mal existiam inúmer

o remédios, muitos deles fazendo us

do próprio animal.

Na medicina das bandeiras, eram es muito valorizadas as propriedad en em cr es s do e a in ur da s va ti ra cu tos. Além disso, a pólvora, o fumo e a aguardente eram remédios para inúmeros males. Aguardente e sal curavam

picada

de

cobra,

urina

quente e fumo combatiam inflama-

ções e tumores, a pólvora e O enxofre eram largamente usados nos cataplasmas e para fechar feridas. Nessa medicina também era dada atenção às faculdades preventivas de alguns objetos. A cauda de cascavel prevenia contra a picada dessa cobra. Neste setor, porém, de grande valor eram as orações e OS patuás trazidos pelos bandeirantes. Entre as orações, de grande prestigio eram as de São Marcos e Santa Clara. Essas orações eram copiadas etrazidas constantemente

de si por quem

junto

queria usufruir de

sua proteção. No entanto, tal prática só teria validade caso existisse crença cega no valor do amuleto. Assim, sempre que o feito preven-

tivo não surtisse efeito, a responsabilidade era da falta de fé do usuá-

rio. A vida dedicada a peregrinações sem fim pelo sertão fez que o bandeirante, além das técnicas de sobrevivência, buscasse adequar sua indumentária a esse tipo de

vida. Nesse sentido, a bagagem que carregava consigo era bem reduzida. Seus pertences eram acomoo, dados em cestos de couro curtid

também chamados baú-de-boi ou cesto encourado. Pouca coisa era colocada nesses cestos. A preocupação era em não a bagagem; assim, aumentar demais os sertanistas carregavam apenas o estritamente necessário. Como a idéia do que seja estritamente necessário variava de um para outro bandeirante, a sua bagagem também era diferente. Na maioria das vezes, a bagagem contida no cesto era constituída por uma rede de dormir, a almofadinha com sua fronha,

o cobertor e umas toalhas. Às vezes

o bandeirante era mais exigente, como é o caso de Afonso Dias que levou para o sertão seis camisas, bombachas duas ceroulas, três de algodão, duas toalhas de rosto, duas toalhas de mão, três gibões, um lençol de dois panos, uma um almofadinha, uma coberta, cabeção de estamenha, um capote, um chapéu e uma carapuça. Tal bagagem era, porém, extraordinária no cotidiano da bandeira. Na grande maioria das vezes, o cesto de couro curtido só complementava aquilo que o bandeirante levava no corpo. A indumentária ou farda do bandeirante

constituia-se

simples-

mente de chapéu pardo roçado, ou ou lenço e pano de carapuça, cabeça; meias de cabrestilho ou cabresto; sapatos de vaca, veado, carneiro, ceroulas

roupeta picote. Traço deirante algodão, e ao que

e

cordovão e camisa

calções

ou de

de

vaqueta; algodão,

baeta

ou

característico do traje banera o gibão acolchoado de também chamado escupil,

tudo indica de uso difun-

71

que O castelhanos, pelos dido conheceram nas guerras de conquista do México. O uso do escupil já era comum na Vila de São Paulo desde o século XVI. Em 1590, o governador da Capitania de São Vicente, Jerônimo Leitão, ordenou aos paulistas que usassem “armas dallgodão” a fim de melhor se defenderem na guerra contra os Tupiniquins. A presença de escupil nas bandeiras é registrada desde 1597. Muito difundido em São Paulo, O uso dessa vestimenta também estava presente em outras regiões da Colônia, sendo registrada sua presença na Bahia, ainda em 1587. Os gibões usados pelos paulistas eram pespontados em quadrados. Podiam ser de dois tipos: descendo até os joelhos e cobrindo parte dos braços ou apenas protegendo ventre e peito. Este modelo mais longo destinava-se a ser usado em regiões onde havia o risco de flechas ervadas. A opção do bandeirante pelo escupil, em detrimento da couraça, se prende ao fato de que aquele segurava as flechas presas em si, esta repelia as setas enquanto criando a possibilidade de-.que elas viessem a atingir os companheiros. Além disso, os gibões, na hora do repouso, eram utilizados como colchões. Ao

que

parece,

no

entanto,

as

vantagens do escupil ficavam seriamente prejudicadas em ocasião de mau tempo, pois molhado deixava

as flechas passarem. Algumas vezes essa proteção era utilizada também para a cabeça.

72

Apesar dessa preferência pelo algodão, as peças de couro também eram utilizadas na composição das armaduras dos bandeirantes. Com este material fabricavam as adargas e os paveses. As primeiras eram escudos redondos e os segundos eram grandes anteparos quadrados que protegiam todo o corpo do arcabuzeiro, quando este se ocupava em carregar sua arma.

Para a fabricação desses escudos era bastante apreciado o couro de anta que, curtido, adquiria grande rigidez. O couro de anta era muito utilzado na fabricação de botas, que também poderiam ser produzidas com couro de vaca, veado ou porco. Para a conservação desses objetos de couro era muito apreciadaa banha do bicho-de-taquara.

Apesar do grande prestígio proporcionado pelo uso de botas ou outro tipo de calçado, não se pode descartar a possibilidade de que os bandeirantes marchassem descalços pelo sertão. Sobre este aspecto, existem esparsas referências em documentos castelhanos que informam que os paulistas caminhavam a pé e descalços. Assim, utilizando-se dos elementos que a Colônia fornecia, juntando técnicas trazidas da Europa OU aprendida dos índios, os paulistas embrenhavam-se pelo interior. À faina no sertão era dura e pouco espaço existia para os hábitos de lazer. Raríssimas são as referências a objetos que poderiam distrair O sertanista nas horas de repouso no sertão.

Entre esses

raros exem-

|

Ná , e u q o t e r P l e u n a M plos estã O de jesuitas, dos| s o t i f ó e n os O conquista livros. s i o d e ” e p i a N levou um xistia e o p m e t o c u o , p e d a d r Na ve

s a d ' a r u d a d i v e a d n a d i para à ocios r O i u g e s r . e s P a t s i n a t marchas ser a, i c n ê v i v e r b o r s à e v objetivo, promo

s perii a m e d € s a r e e f s e d r e defend uten-' n a m a r e v o m o r p , ta ma gos da O ir nt ra ga , s o t n e m a m r ção dos a ap u c o o ã ç i n u m de o t n e m i abastec Para e. nt ra ei nd ba do o p m e t o vam dezas atenuar de alguma forma as ru

“da vida na mata valiam-se do traba-

guns lho de seus índios mansos. Al atuavam como pajens de seus Se nhores, fornecendo-lhes um mini mo de conforto. A agressividade dos propósitos e a rudeza da vida caracterizavam à expedição uma como bandeira carregada de violência, à qual se projetava em vários sentidos. As normas estabelecidas na bandeira eram rígidas e não permitiam O menor deslize, o qual era drasticamente punido. Essa violência se na relação manifestava também homem/mulher presente nas expedições. Qualquer que fosse o obje-

tivo das bandeiras, a exploração do índio estava sempre presente. Os homens eram expoliados pelo trabalho, enquanto a exploração das mulheres indígenas era principal-

mente a nível sexual. A exploração das índias, pelos brancos e mamelucos, era uma sconstante em toda a Colônia. De huconsideradas na sua condição iamana, eram violentadas e apropr Essa . as rm fo as rs ve di is ma das das mais situação se agudizava ainda

nas bandeiras, permissividade.

onde grassava a Longe de suas fa-

mílias, distantes dos núcleos urbanos,a regra para o bandeiranteeraa consecução de seus objetivos. Ilicita era qualquer atitude que colocasse a bandeira em risco, à distanciasse de seus propósitos, que questionasse a sua ordem estabelecida. A norma dentro da bandeira não passava pelos códigos de moral: certo era lutar pelo sucesso do empreendimento, errado era pôr em risco o bom desempenho da expedição, erro que poderia ser pago com a vida. A partir daí qualquer procedimento do sertanista era legítimo. Era comum ao homem do sertão o uso das índias como concubinas. da Esse concubinato era ao nível a exploração, numa relação na qual índia era aviltada, tanto pela sua condição de mulher, como por sua Inúcondição de raça dominada. nasmeros são os filhos bastardos cidos dessas relações. As referências a eles ocorrem de forma maciça bannos testamentos feitos pelos da aça ame da nte Dia . tes ran dei morte, o sertanista preocupava-se em em reparar as faltas cometidas ervida e dessa forma assumia a pat se nidade dos filhos mestiços. Mas atenção era dada aos Seus descenher dentes, não se lembrava da mul que, submetida pela força, havia À gerado e criado O filho do branco. apropriação da mulher se dava

como negras da terra. Aprisiona-

das, eram distribuídas entre oscomponentes da bandeira, sem se levar

nem conta suas vontades e seus se timentos. Usadas, na maioria das

73

vezes eram esquecidas, entregues à própria sorte. São raras as crônicas sobre as atrocidades cometidas nessas violências sexuais, mas as que existem são suficientes para ilustrar a situação. Uma dessas crônicas diz respeito ao sertanista João Leme, O qual participou de forma significativa no processo de ocupação das minas do Cuiabá. Sabedor de que a índia que mantinha como concubina era amante de um indio, man-

dou prender os dois, fez que cas-

trassem o rival e, depois de perpetrar outras torturas, executou-os. Esse tipo de violência não era privilégio dos bandeirantes ou da Vila de São Paulo. A existência da escravidão, o desrespeito à condição humana de uma parcela representativa da sociedade, já era por Si só um ato de extrema violência. Além

disso, O viver em

Colônia e a

generalizada social insegurança evidenciavam que o indivíduo valia pelo seu poder e sua força. Os homens da Colônia lutavam desesperadamente para obter prestígio social e poder econômico e para tanto todos os caminhos eram válidos. Sobre as suas cabeças, pairavam, no entanto, dois tipos de justiça, a do rei e a de Deus. Como já foi discutido anteriormente, os paulistas se preocupavam em ser súditos fiéis de Sua Majestade, atendendo prontamente às suas solicitações. No entanto, altamente zelozos de seus interesses, não titubeavam em expulsar de suas

terras o representante da Coroa que teimasse em prejudicar os seus interesses.

74

Relação semelhante mantinham com as leis da Igreja e com seus e Cumpriam-nas representantes. obedeciam-lhes desde que seus interesses não fossem postos em risco. No entanto, o homem dos Tempos Modernos era profundamente religioso. Seu aparato ideológico o mantinha muito vinculado a justificativas religiosas, sua vida estava profundamente vinculada a crenças e dogmas. Sua religiosi-

dade, porém, trazia em si muitas das

características presentes no cotidiano. A religião estava entranhada com a insegurança social presente a todo momento. Tanto poderia ser elemento de defesa, como fonte de ameaça. A religiosidade era dirigida a um Deus que, embora piedoso invocado, humildemente quando abatia-se com toda a sua ira contra aqueles que ousassem desafiá-lo. As demonstrações da revolta divina poderiam manifestar-se de inúmeras formas, que iam desde a ação naturais até Os dos fenômenos ataques de feras. No entanto, de todas as ameaças de castigo divino, a mais horrenda e a mais temida era a ameaça do fogo do Inferno. Se durante a vida o sertanista despreocupava-se do cumprimento dos Mandamentos, cometia crimes,

tinha uma vida irregular, procurava

remir-se de tudo isso, caso sentisse a morte se aproximando ou sentisse sua vida seriamente ameaçada.

A maior desgraça que poderia cair sobre a cabeça de um cristão da Idade Moderna era morrer sem O consolo dos Santos Sacramentos. Isso porque, mesmo queo indivíduo,

uma

tivesse

vida

Deus

devassa,

Céu o ra pa o h n i m a c O apbria-lhe s úlno , o t n e m i d n e p e r r a através do São al qu l Ta . da vi da s e t n a timos inst m Ladrão crucificado

Dimas, o Bo s o d o t , o i r á v l a C no to is Cr ao lado de eber O cristãos esperavam rec os

de seus

perdão

na hora

erros

da

morte. O perdão em nome de Deus,

pelos o d a d r se a i r e d o p só , m é por los seus seus ministros, OU seja, pe , m i s s A . s o m i t í g e l s e t n a t n represe tre fazia parte do ritual da morte en dre os cristãos a presença de um pa tes instituído de poderes suficien para ouvir e perdoar, em nome de do e Deus, os pecados do moribun ão, ministrar-lhe a extrema-unç que seria o perdão dos pecados cometidos pelos cinco sentidos, mesmo aqueles que o indivíduo não se lembrasse de citar. A extremaunção

representava,

portanto,

um

parte

seu

salvo-conduto para o Céu. Como um homem de seu tempo, essas vivenciava o bandeirante crenças,

dia-a-dia. porém: a tante nas Assim, tropa, ao se

que

faziam

do

agravante, uma Com morte era presença consentradas para o sertão. era natural que o chefe da organizar uma expedição,

preocupasse

como

uma

das

questões vitais em recrutar um páãdre, para ser o capelão do arraial. Por outro lado, o sertanista estaria menos interessado em se engajar numa entrada sem condições de

oferecer conforto na hora da morte ençã aos seus componentes. A pres

exs a na i r ó t a g i r b o a er o ã l e p a c do pedições de vulto. dor ce re me r se ra pa o, nt ta en No e do vr li r ve se e no vi di ão rd do pe

fogo do Inferno, o sertanista lançava mão de outro expediente, que era tentar corrigir os erros feitos em vida. Essa atitude era tomada na elaboração de um testemunho, muitas vezes em “causa mortis”. Nesse documento, o bandeirante, na grande maioria das vezes, assumia a pa-

ternidade

de filhos ilegítimos, em

grande parte mantidos como escravos até a data da morte do pai, alforriados por desejo expresso no eram vezes Outras testamento. assumidas culpas de delitos cometidos e era solicitado aos herdeiros que fizessem os reparos necessários. Ainda para a conquista do Céu, os bandeirantes legavam parte de seus bens a obras de caridade e recoque por sua alma mendavam fossem rezadas missas. A preocupação com o seu destino após a morte era muito forte nesses homens. A preocupação em garantir a salvação da alma era imensa, e aqueles que dispunham de recurso lançavam mão de todos

os meios tidos como possíveis. Ê o

caso do guarda-mor João Leite da Silva Ortiz que para sufrágio de sua alma “oncomenda um milhar de missas, repartidas por todos os Sacerdotes que houver, assim hábito de São Pedro como relt-

giosos, de tal sorte que sendo possivel se digam em três ou quatro dias ou em os que puder ser com toda a brevidade”. (Apud. Alcântara Machado, 1929) Mesmo vivendo de maneira rude, a agressividade do. enfrentando

er a

75

meio, praticando e sendo vitima de violências e atrocidades, o bandeirante não deixava de ser um homem religioso e preocupado com seu destino após a morte. levando A bandeira marchava consigo uma forma de vida própria, cheia de riscos. Riscos dos quais O sertanista tinha consciência, a qual era expressa nos contratos redigidos antes da partida, em que se lê com frequência a alusão à possibilidade da morte no sertão: “Sob a condição de trazendo-o Deus do sertão" (referência presente no contrato firmado entre o Capitão Antônio Pais e Manuel da Fonseca Osório). Outros traziam a alusão mais clara “faleça da vida presente”, deixando explícito que, tanto o bandeirante, como quem o financiava eram conscientes dos riscos da vida

plorava

a compaixão

de seus her-

deiros para que praticassem obras pias pelo bem de sua alma e invo-

cava a piedade de todos os Santos para que junto a Deus conseguissem o perdão de seus pecados, a remissão de suas faltas e a sua entrada no Céu.

'do sertão. O bandeirante usava de todos os meios que estivessem ao seu alcance para preservar sua vida. A habi-

lidade de sobreviver na selva, desenvolvida pelo índio, as armas mais mortíferas trazidas da Europa pelo branco, o uso da medicina da

selva, O uso de rezas e patuás. Mas

quando tudo redundava em fracas-

sua habilidade na so, quando guerra, suas orações, seus escravos de nada valiam, quando apesar de

todos os esforços o bandeirante via chegar

a hora

da

sua

morte,

Dbus-

cava, então, todos os meios para ganhar o Céu. Confessava ao capelão do arraial todos os erros passados e através de elaboração de um testamento em “causa mortis”, procurava .redimir-se dos seus deslizes, ou até mesmo crimes, im-

76

ctrOmasO

SIDES

çíííÇíÇSESEsSs

VI - PORTUGUESES E ESPANHÓIS EM CONFRONTO NO PROCESSO

DE OCUPAÇÃO DA AMÉRICA MERIDIONAL

No processo de ocupação da América tiveram importância significativa a formulação e difusão de versões míticas sobre a existência de imensos tesouros no interior do continente. Isto porque, em alguns casos, elas direcionaram o rumo das penetrações européias, bem como estimularam a organização de expedições e facilitaram o recrutamento de indivíduos para essas empreitadas.

Algumas regiões foram mais atingidas pela difusão desses mitos e tiveram

seu

processo

de

ocupação

vinculado de maneira mais estreita a narrativas fantásticas sobre ri-

quezas incalculáveis. Entre essas regiões, destaca-se o território ocupado pela bacia platina, cuja colonização, durante o século XVI, esteve intimamente ligada à difusão do mito da Serra de Prata ou do Reino do “Paytiti”. A elaboração desse mito se deu a partir de notícias esparsas que

chegavam ao litoral atlântico sobre

a existência de um reino rico em prata, no interior do Continente. O trânsito de navios: europeus pela Costa Ocidental do Atlântico,

bem

como

o estabelecimento

de

feitorias no litoral do Brasil, concorreram para que já nas primeiras décadas do século XVI existissem homens brancos habitando a América do Sul. Vivendo em contato com os índios, esses europeus colhiam notícias esparsas sobre a existência de um rei, cujo reino, odo “Paytiti”, no interior do Continente, era grande produtor de prata. Essas notícias eram provenientes da existência do Império Inca no interior da América do Sul. A expansão desse império, que estendia-se por uma vasta região andina, colocava-o em contato com várias populações indígenas. A realização de trocas entre essas populações indígenas e os habitantes do Império Inca possibilitava aos primeiros a obtenção de alguns objetos e adornos de prata. Esses objetos acabavam chegando ao litoral, onde os brancos tomavam contato com eles e com as histórias explicativas de suas origens. Esses objetos de prata, as versões sobre a procedência dos mesmos, mais o desejo louco de obter riquezas presente nos europeus, possibitaram a formulação do mito da Serra de Prata. Segundo 77

esse mito, existia no interior do Continente um reino de riquezas incalculáveis, com volume equivalente a uma serra. Sobre essesitesouros fabulosos imperava um rei branco. Para os europeus, um reino como esse só poderia existir sob O dominio de um soberano branco. Esse era o reino do “Paytiti”. A difusão do mito da Serra de

Prata cruzou o oceano e atingiu a

Europa, causando grande alvoroço. A agitação maior, como não poderia deixar de ser, se deu nas cortes ibericas, senhoras dos territórios que segundo o mito abrigavam o reino do “Paytiti”. Penetrar o interior do Continente e atingir a Serra de Prata passou a ser sua ambição para portugueses e espanhóis e para suas respectivas Coroas. Ainda no início do século XVI várias expedições iniciaram a exploração do estuário do Prata (João Dias de Solis - 1515; Aleixo Garcia - 1522; Sebastião Caboto 1525; Pero Lopes de Sousa - 1531). Como resultado ficou reforçada a crença na existência da Serra de Prata, que estaria localizada ao norte do paralelo de 25 graus.

A conquista do Império Inca rea-

lizada por Francisco Pizarro em. 1534 deu novo impulso à busca da Serra do Prata. O grande sucesso de Pizarro estimulava seus conter-

1535

a tentar a mesma

foi

organizada

sorte. Em.

uma

grande

expedição para efetivar a conquista do Reino do “Paytiti”, composta por quatorze navios e 1500 homens sob o comando de Pedro de Mendonça. Esta expedição espanhola deu início ao processo de coloni-

ção espanhola na região. À fixação dos espanhóis na bacia platina foi grandemente facilitada pela aliança estabelecida entre eles

e os indios cariós.

|

O núcleo de povoamento que se formou em Assunção forjou aí uma sociedade baseada na economia de subsistência e na prestação de serviços entre índios e espanhois. Situada no interior do Continente, Assunção era um ponto avançado espanhol na bacia platina. Foi o ponto de irradiação de um processo expansionista em direção ao Norte e ao Leste, o qual chocou-se inumeras vezes com o expansionismo português que tinha São Paulo como ponto de partida e que se dirigia para o Sul e para o Oeste. A expansão assuncenha visava à obtenção de terras e de índios. A aliança entre os espanhois e os cariós havia se deteriorado em processo de dominação e os índios eram a mão-de-obra utilizada pelos europeus em seu processo de colonização. A exploração das minas de prata em Potosi (hoje Bolívia) pelos espanhóis bloqueou a expansão assuncenha para o Norte, uma vez que as autoridades metropolitanas temiam que o relacionamento entre esses dois pólos de colonização possibilitasse o descaminho da prata. Os assuncenhos então direcionaram-

se para o Sul e o Leste, visando à E

78

mais importante núcleo de ocupa-

0

o

RR

e

râneos

zação e ocupação efetiva da bacia platina pelos europeus. Um dos resultados dessa empreitada foi a fundação do Forte de Nossa Senhora de Assunção, o qual se tornaria o

às o id nt co ão aç de io ra u se ampliar nção. su As de s ça an nh zi vi un circ nilo co a er nd te es a er vo ti je ob O do ão gi re a é at a ol nh pa es zação ameaa r e já o mp te te es a e qu Guairá adas tr en de s õe rs cu in r po da ça terde a st ui nq co da ém Al s. ta paulis ras e índios,

OS

espanhóis

preten-

r. diam garantir uma saída para o ma

nizalo co à e qu a rm fo a m s e m Da es o çã za ni lo co à , sa ue ug rt po o çã panhola contava com O apoio da

Igreja Católica. Também para os espanhóis, colonização e evangeliza-

ção do mundo eram conceitos muito próximos. As primeiras ordens religiosas que acompanharam OS

espanhóis foram a de São Francisco, São Jerônimo e Nossa Senhora das Mercês. A ação missioneira em Assunção crescia paralela à colonização, contando principalmente com religiosos franciscanos que exerciam a missão ambulante, peregrinando em terras de seus neófitos.

A congregação religiosa de maior

importância

para colonização es-

panhola na América do Sul foi, no

entanto, a Companhia de Jesus, cu-

jos membros só chegaram à bacia platina em 1588. Os primeiros jesuitas a atuarem em Assunção foram O espanhol Salomino, o português Ortega e o escocês Tom Filds. O trabalho desenvolvido por esses padres era semelhante àquele feito pelos membros dessa congregação no Brasil, ou seja, cuidar da educação dos filhos dos colonos € promover a catequização dos indios. A ação missionária dos jesuisunAs em da za ri lo va o it mu a er tas sua ção, principalmente porque

atuação junto aos índios das circunvizinhanças mantinham-nos apaziguados, impedindo com isso que eles atacassem o núcleo espanhol.

Os desentendimentos entre jesuítas e colonos tiveram início quando os padres começaram a pregar abertamente contra os 'serviços pessoais” que os índios prestavam aos espanhóis. O nível de atrito entre uns e outros se agudizou de

tal forma, que os colonos deixaram de fornecer esmolas aos padres, retiraram-se de sua igreja e de seu colégio. Hostilizados pela população assuncenha, os jesuítas foram estimulados por autoridades coloniais espanholas a se estabelecerem em missões isoladas no Guairá, onde formariam um “Estado Tampão” na fronteira do Brasil. Atuando em mis'sões isoladas, os jesuítas estariam afastados dos núcleos coloniais, O que amenizaria seus atritos com OS colonos; o mais importante, porém, é que bloqueariam as investidas dos paulistas que, embrenhando-se pelos sertões, à procura de índios, já havia algum tempo percorriam a região do Guairá. Para atender a essas solicitações e se estabelecerem na fronteira da colonização espanhola com a porturguesa, Os jesuítas fizeram uma

exigência:

que

a Coroa

cesse os direitos da Companhia de Jesus sobre os índios do Guairá. Essa exigência foi atendida pelo decreto de 11 de outubro de 1611, no qual Felipe Ill declarava que “esses indios não devem ser entregues em sujeição a ninguém”.

L A P I C I N U M A IC BL PÚ CA TE BIBLIO Pe. ARLINDO MARCON -“ARLOS BARZOSA — R$ S

em

reconhe-

79

Depois de terem garantidos pelas autoridades coloniais “amplos poderes para reunirem todos os cristãos em para os governarem

povoados, sem qual-

quer dependência das cidades e fortalezas vizinhas dos lugares onde se estabelecessem, para constituírem igrejas em todas as localidades e parase oporem, em nome do rei a quem quisessem sujeitar os novos cristãos ao ser-

viço pessoal dos espanhóis, sob

qualquer que fosse o pretexto (Gadelha, 1975), os padres Simon Maceta e José Cataldino fundaram a primeira missão jesuítica no Guairá — Nossa Senhora do Loreto — em julho de 1610. Paralelamente, teve início a criação de missões no território pertencente hoje ao Estado do Paraná, com a fundação da Missão de Santo Inácio - Guazu pelo Padre Corenzana, entre 1611 e 1612. O apoio que os jesuitas estavam recebendo da Coroa e o estímulo das autoridades coloniais espanholas justificavam-se pelo grande projeto colonizador que os inacianos deveriam implantar. O projeto pre-

via a fundação de três reduções. A

primeira, no Guairá, deveria impedir a fuga dos índios que se negassem a prestar o “serviço pessoal”. À segunda

redução,

situada entre os

responsável índios paraná, seria pela garantia da livre navegação da Bacia do Prata, o que franquearia ao Paraguai melhores condições de comércio e uma saída para o mar. À terceira destinava-se a reduzir e aldear os índios guaicurus que bloqueavam o caminho entre Assun-

80

ção e o Peru, O aldeamento desses indios deveria viabilizar o trânsito por esses caminhos e livrar o Paraguai de seu isolamento. Apesar da relevância do projeto dos jesuítas, ele não impediu que inacianos e colonos entrassem em choque. Isso porque os indios foram a principal mão-de-obra utilizada pelos espanhois no processo de colonização da América. Os colonos consideravam, portanto, que a função dos padres era apaziguar o gentio para que ele pudesse ser apropriado pelo trabalho. Os padres, por sua vez, lutavam pelo direito de desenvolver uma catequese fora das pressões coloniais. A luta pelo exercício de uma catequese independente não era característica dos jesuítas espanhóis, mas sim da Companhia de Jesus. Essa postura fez que os inacia“nos entrassem em choque com os “colonos, tanto

nos dominios

panha

como

nos

de

Brasil,

foram

inúmeros

de Es-

Portugal. esses

No con-

frontos. Em São Paulo, os padres do

Colégio dos Jesuítas e os bandeirantes chegaram a níveis tão agudos de desavença, que os paulistas expulsaram os inacianos de sua vila, em 1640. A relação entre os assuncenhos e e os jesuítas não foi diferente e inú-, meras vezes houve confronto entre eles, sempre tendo por móvel a disputa pelos índios. A ação da Companhia de Jesus era parte integrante do processo de colonização espanhola na América, responsável pela continuidade do movimento expansiônista assunce-: nho que, intenso no século XVI, fora

inte. gu se ia úr nt ce na o ploquead íticas su je es çõ du re às o, Além diss stidas ve in às l ra u m e t n a de serviriam bandelas su m o c e qu s, dos paulista

pá” OS ra pa e qu as rr te ras invadiram a. Por nh pa Es à am ci en rt pe os ragual

uaig az ap m a i r e t n a m es fim, os padr as a Asnh zi vi un rc ci os ib tr as das atacassunção, impedindo que elas nhóis. sem os povoamentos espa a Porém, a postura da Companhi antede Jesus, negando-se termin mente a aceitar a prestação do serviço pessoal do índio ao colono, fez que contra ela se formasse uma onda de hostilidade. Os espanhóis cobiçavam os índios que ela mantinha sob seu poder e não aceitavam que os padres esbravejassem contra a utilização do trabalho indigena e cada vez mais aumentassem

o contingente mantido

sob seu do-

mínio. Tais reflexões são importantes para que se possa analisar a atitude: dos colonos paraguaios e das autoridades coloniais espanholas, quando os bandeirantes paulistas ataca-

ram e destruíram grande parte das missões jesuíticas espanholas. As crônicas dos padres referentes a este período não poupam críticas aos assuncenhos que se mantiveram passivos ante a destruição das mis-. sões. Alguns relatos são mais incisivos e acusam

tanto os assuncenhos

como as autoridades espanholas de facilitarem a ação dos paulistas em

troca de parte do fruto dos ataques.

Cabe relevar que os ataques paulistas às missões jesuíticas ocorreriam principalmente no período de União Ibérica, quando São Paulo e

Assunção

estavam

sob O domínio

do mesmo rei, o de Espanha. Durante essa época foi intensa a imtgração espanhola para a Vila de São

Paulo e, apesar das proibições, o trânsito entre um e outro núcleo colonial se intensificou. Muitos espanhóis que tinham como destino o Paraguai chegavam de navio até O litoral do Brasil, seguindo o restante do percurso por terra, estabelecendo, durante a longa viagem, contatos com os portugueses. Esse é O caso do governador do Paraguai, Luís Cespedes de Xeria, que durante sua permanência no Rio de Janeiro casou-se com uma jovem da família Sá e Benevides, tornando-se através do casamento proprietário de engenhos no litoral fluminense. Esse governador foi seriamente

acusado pelos jesuítas de facilitar O

ataque dos paulistas, que em troca forneceriam escravos guaranis para os seus engenhos e para as propriedades da família de sua mulher. As acusações, no entanto, eram mútuas, Os espanhóis seguidamente acusavam os padres de se apropriarem do trabalho dos índios. Os colonos acreditavam que através da utilização da mão-de-obra indígena os padres haviam conseguido acumular bens e patrimônios. O grande desentendimento entre colonos e jesuítas era, sem dúvida, a disputa pela mão-de-obra indígena. A omissão dos paraguaios e autoridades coloniais quando as missões foram atacadas e destruídas pelos paulistas está, em grande parte, ligada a essa questão. Entre os diversos ataques sofridos pelas missões jesuíticas, destacam-se pela sua ação destruidora

81

aqueles efetivados pela bandeira de Manuel Preto, organizada em 1628. Esta expedição era composta de quatro companhias das quais participaram 900 brancos e 2.200 índios. A preparação dessa entrada mobilizou toda a Vila de São Paulo; de forma direta ou indireta quase toda a população estava envolvida nos seus preparativos. Segundo relato dos jesuítas Mansilla e Mazzeta, ficaram excluídos de partir com a expedição apenas os velhos e as crianças e que dos homens válidos apenas 25 permaneceram em São Paulo. Além de seu chefe, essa bandeira contava com a participação de outros sertanistas experimentados em marchas e ataques a indios, entre os quais destaca-se a presença de Antonio Raposo Tavares, lugar-tenente de Manuel Preto. A bandeira se manteve durante alguns meses preando índios nãoaldeados da região do Guairá. Em janeiro de 1629 as diversas companhias atacaram as várias missões jesuíticas, conseguindo obter numerosos prisioneiros que foram levados para São Paulo. Dois padres jesuítas, revoltados com a ação dos paulistas e empenhados em obter das autoridades coloniais espanholas a libertação de seus índios, acompanharam a bandeira em seu retorno. Eram os padres Mansilla e Mazzeta, que no relatório que fizeram de sua peregrinação afirmam que o número de prisioneiros que saíram do Guairá era de oito a nove mil e que apenas 1.500 chegaram a São Paulo.

B2 O

DD

Provavelmente há exagero nestes números, mas não restam dúvidas sobre a grande perda de prisioneiros pelo caminho. Apesar de seus esforços, os padres nada conseguiram de efetivo e retornaram ao Guaira. As investidas dos paulistas destruíram onze das treze missões do Guairá, restando apenas Nossa Se-

nhora do Loreto e Santo Inácio. Em ataques consecutivos de diferentes bandeiras, os paulistas arrasaram grande parte da obra pacientemente construída pelos jesuítas.

Inúmeras foram as súplicas e denúncias que os inacianos endereçaram às autoridades coloniais e à Coroa, em todas elas descreviam com ênfase a ferocidade dos paulistas. Em seus ataques, os bandeirantes investiam contra tudo, invadindo casas, profanando templos, preocupados apenas em prear o maior número de índios possível. Os padres e seus catecúmenos defendiam-se como podiam, porém, em grande desvantagem. Os paulistas atacavam de surpresa e eram favorecidos pelo uso das armas de fogo, cuja utilização era proibida

aos jesuítas. Além disso, a ação dos padres induzia os índios à passividade e durante os ataques a maioria

deles ficava perdida, sem iniciativa própria, à espera de comando.

Os bandeirantes avançavam movendo razias, ateando fogo, tivando uma ação destruidora. Ignorados pelas autoridades loniais, tanto espanholas como

proefe-

copor-

tuguesas, desfalcados, inseguros e ameaçados de novos ataques, OS padres decidiram abandonar a re-

gião

Os

com

seus

catecumenos.

Sob o comando do padre Montoya,

camia im ss si no pe m a r e d n e e r p em as marr ce le be ta es se do in a, nhad | . ri be be Ta o ri gens do O êxodo dos inacianos deixou as erob sc de a as ol nh pa es s õe aç povo esto. Não tardou que elas perceb sem a importância exercida até então pelas missões jesuíticas na defesa dos núcleos espanhóis. Vencidos os jesuítas, os paulistas investiram contra Vila Rica e Ciudad Real, que foram abandonadas. Ainda no início da década de

1630, os paulistas haviam expulsado todos os habitantes brancos da região dos rios Paranapanema,

Tibagi, Paraná e Iguaçu. O avanço dos paulistas sobre terras consideradas espanholas foi suficiente para colocar na defensiva o Vice-Rei

do Peru,

Conde

de Chin-

chou. Em carta ao Rei Felipe IV, ele afirmava que parecia irreprimível o avanço dos paulistas para Oeste e

para o Sul.

O Vice-Rei sugeria ao Reiinúmeras medidas que segundo ele garan-

tiriam a defesa das terras espanholas. Apesar de serem todos súditos do mesmo rei, as autoridades coloniais espanholas temiam que os paulistas prosseguissem em sua marcha sobre terras espanholas, cruzando o rio Paraná e conquistando a Província do Paraguai. Os temores do Vice-Rei não eram

infundados; entre 1632 e 1633, os paulistas destruíram a cidade de Santiago de Xerez, situada em território pertencente hoje ao Estado de Mato Grosso do Sul, ampliando seu

avanço para Oeste. Para paulistas 'endereçaram ques contra as missões região hoje pertencente do Rio Grande do Sul.

o Sul, os seus atado Tape, ao Estado

Várias foram as expedições que atacaram as reduções do Tape, algumas comandadas por bandeirantes famosos como Antônio Raposo Tavares, André Fernandes e Fernão Dias Pais.

Os paulistas estavam em condições de bloquear as comunicações entre o Paraguaieo Peru e além disso tinham conseguido tornar livre o seu caminho até Potosi, principal região produtora de prata da Espanha. Diante de uma ameaça tão concreta, as autoridades coloniais espanholas passaram a engrossar as reivindicações jesuíticas que já havia algum tempo solicitavam uma ação mais decisiva da Coroa em defesa dos interesses de Espanha na América

do Sul.

Preocupados em tornar mais efetivas suas reivindicações, Os jesuítas enviaramdoisemissários à Europa, o padre Montoya seguiu para Madri e o padre Dias Tanho partiu para Roma para, de viva voz, apresentar suas súplicas ao Papa. A medida tomada por Felipe IV foi a nomeação de uma comissão composta por três espanhóis e três portugueses para apurar os fatos. Nomeada a 30 de julho de 1638, apresentou o seu parecer ao Rei a 29 de março de 1639. Nesse documento, a comissão acusou os paulistas de terem destruído três cidades espanholas, preado. 300.000 indios, dos

83

quais apenas 20.000 teriam chegado ao litoral brasileiro. Apontavam os paulistas como profanadores de igrejas e destruidores de imagens e acusavam os padres que participavam das bandeiras como capelães de serem “clérigos transviados”. O parecer da comissão não só fez veementes acusações aos paulistas como propôs ao Rei uma série de medidas para conter o avanço dos bandeirantes. Quase todas as medidas propostas foram adotadas pela foram porém. espanhola, Coroa medidas que cairam no vazio. Tratava-se mais uma vez de proibir otrânsito entre o litoral do Brasil e as terras espanholas, ordenar que os indios cativos fossem postos em liberdade e outras tantas que nunca foram cumpridas. Muito maior efeito causou à Vila de São Paulo as derrotas sofridas pela bandeira de Pascoal Leite Pais em Caasapaguaçu (1639) e pela bandeira de Jerônimo Pedroso de Barros em Mbororé (1641). A vitória dos jesuitase seus guaranis sobre os paulistas se deu praticamente no mesmo período em que Portugal levantava-se contra O jugo da Espanha, lutando pela Restauração de sua independência proclamada a 1.º de dezembro de 1040. A Restauração portuguesa deu outra conotação aos confrontos entre paulistas e jesuítas espanhóis, na América do Sul. A luta deixou de ser a disputa entre súditos do mesmo rei pela posse de mão-deobra, passando a ser vista como confronto entre súditos de duas nações em guerra. Essa nova conota-

84

ção das campanhas do Sul foi institucionalizada pela cédula de 7 de abril de 1643, pela qual Felipe IV

premiava

os indios

proibindo que

lhes fossem cobrados tributos ou que eles fossem encomendados por terem garantido a vitória da Coroa espanhola sobre os súditos de “el tirano de Bragança”. A nova situação política definida na Península Ibérica e seus dominios ultramarinos após a Restauração portuguesa trouxe um novo impasse para as antigas disputas entre colonos e jesuítas espanhóis, no vale do Paraguai. As recentes vitórias dos padrese seus índios sobre os paulistas reforçava a idéia de que as reduções tinham condições de funcionar como um anteparo à expansão portuguesa para o Sul e para Oeste. Estas constatações fizeram que tanto o próprio Rei como outras autoridades coloniais espanholas reconhecessem publicamente, através de concessões feitas as missões, a ação defensiva dos padres e seus catecúmenos. Além de elogios públicos liberação de tributos fiscais pelo período de dez anos, os padres receberam do Vice-Rei do Peru autorização para adquirirem armas de fogo, para

aparelharem-se e aos seus guaranis contra possíveis ataques paulistas. O prestígio concedido aos mem-

bros da Companhia de Jesus, econ-

sequentemente o reconhecimento de seu poder sobre os índios, mais uma vez levantou os ânimos dos colonos contra os inacianos. O medo de que os jesuítas se tornassem fortes e poderosos sempre esteve pre-

espas o n o l o c s o d o t i r í p sente No es | nhóis. inaclaos ra nt co e nt va le O novo de o sp bi O z vo art po mo co nos teve

aus ac as ri sé z fe al qu o , ão nç su As

granções aos padres, criando-lhes

da des problemas. Porém, O ataque bandeira de Antônio Raposo Tava es res e André Fernandes às reduçõ do Itatim fez que tanto a população como as autoridades reconhecessem a importância dos jesuítas considerados “escudo e muralha para poner freno a las invaciones de los ma-

malucos de San'Pablo ralee da

gente que niantes dela rebelion de 1640 ni depues tube temor de Dios ni obediencia

al rei nuestro

senôr”. (Apud Taunay, 1975) Grande pavor causou aos habirantes da região platina a aproximação da bandeira de Domingos Barbosa Calheiros que pretendia nada menos do que atacar Buenos Aires (1651), sendo, porém, derrotada.

A ação das bandeiras paulistas teve, no entanto, um recuo consideravel entre 1650 e 1660, quando a Vila de São Paulo foi assolada por disputas pessoais entre as famílias Pires e Camargo, as quais transformaram-se em luta sangrenta que atingiuquasetoda aVilae principal-

mente os principais cabos-de-tropa. O enfraquecimento da ameaça

representada pelos paulistas mais uma vez levou os colonos a se in-

disporem com os jesuítas. As cons-

tantes reclamações dos colonos, que temiam um levante de padres e índios fez que novas cédulas fossem publicadas, ordenando que

as armas de fogo da Companhia de Jesus

fossem

recolhidas

aos

arse-

nais régios (1668).

Da mesma forma que os colonos, a Coroa Espanhola não via com bons olhos crescer o prestígio e o poder da Companhia de Jesus em seu território. A presença dos missionários era importante para manter os índios apaziguados e para conter o avanço dos paulistas, este, porém, deveria ser o limite de sua ação. Durante a década de 1660, inúmeras bandeiras penetraram os sertões, porém, tiveram como alvo O gentio livre das regiões da Serra da Mantiqueira ou áreas que correspondem hoje aos Estados de Mato Grosso e Goiás. Em 1675, São Paulo foi mais uma vez palco da organização de uma bandeira cujo destino eram pequenas povoações espanholas. Copor Francisco Pedroso mandada

Xavier, em fevereiro de 1676 atacou as missões de São Pedro de Terecane, São Francisco de Ibira, Paraiara

e Candelária.

Esses

pueblos

não

ofereceram resistência, e Pedroso Xavier invadiu Vila Rica. A bandeira

enfrentou as forças do ex-governador do Paraguai, mestre-de-campo Juan Diez de Andino, mas, vitoriosa, retornou a São Paulo com o fruto de sua razia. Mais uma vez os padres temeram ataques às suas reduções. Solicitaram e receberam autorização para ter de volta suas armas de fogo. Mais uma vez Os jesuitas e seus catecúmenos foram considerados fundamentais para a defesa

85

dos domínios espanhóis na América do Sul. Ao iniciar o último quartel do século XVII, a política colonial portuguesa sentiu-se em condições de usufruir de forma mais concreta Os êxitos obtidos pela ação dos paulistas. Organizou duas expedições que partiram de São Paulo rumo ao Sul com o objetivo definido de estabelecer um núcleo português no estuário do Prata.

“As

duas

expedições

comanda-

das por representantes da Coroa portuguesa contaram com o apoio efetivo dos bandeirantes. A primeira, comandada pelo Tenente-General Jorge Soares Macedo, angariou a adesão dos serta-

nistas Brás de Arzão e Francisco Dias Velho, além de receber volumoso auxílio da Câmara de São Paulo. A expedição partiu do porto de Santos em 1579 em sete sumacas, mas, enfrentando sérias tempestades, teve de arribar em Santa Catarina, seguindo o restante do percurso por terra. A segunda, sob o comando de D.

Manuel Lobo, Governador do Rio de Janeiro, obteve apoio dos paulistas e, em janeiro de 1680, fundou a Colônia de Sacramento. A fragilidade do povoamento era grande e Lobo pediu socorro a Soares de Macedo. Este mais uma vez sofreu re-

veses no mar, naufragou e foi aprisionado por jesuítas espanhóis.

Manuel Lobo não resistiu ao ata-

que Aires to de vênio

86

do Governador de Buenos e teve de capitular, em agos1680. Mesmo assim, pelo confirmado entre Portugal e Es-

panha em 7 de maio de 1681, esta

última

reconhecia o direito luso sobre a margem direita do Prata e devolvia a Colônia à Casa de Bragança.

O convênio de 1681 legitimava a ação dos bandeirantes paulistas que, através de incursões constantes à região que corresponde hoje ao território dos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, impediram o avanço da colonização Leste.

espanhola

para

o

Dessa forma, Portugal realizavao seu antigo sonho, qual seja, levar o limite sul de sua Colônia até o es-

tuário do Prata.

No entanto, o confronto entre paulistas e colonos espanhóis não se resolveu aí. Os bandeirantes tiveram uma ação decisiva ao Sul de sua Capitania, impedindo a fixação da colonização espanhola, mas O raio de ação de suas bandeiras foi consideravelmente mais amplo. A caça ao Indio e a prospecção aurifera levaram as bandeiras também para o Oeste, onde novamente se confrontaram com os paraguaios e peruanos. Entre 1672 e 1673, Manuel Dias da Silva invadiu a província do Paraguai, chegando até a cidade de Santa Fé, de onde retornou com grande quantidade de prata. Ainda no final do século XVII, foi devassada a região denominada O sertão de Vacaria, atual Mato Gros-

so do Sul. A presença tas.no

sertão

de paulis-

de Vacaria

causava

; z ve a um , os | ai gu ra pa s ao o apreensã ria se es lh , ão gi re a a d a n i m o d que

patrius se m o c o ã ç a c i n u m o c fácil a nto. e m a r c a S do a i n ô l o C na cios

Os

das

bandeirantes

ruínas

de

utilizaram-se

Santiago

de

Xerez,

iru st de es el r po a l o h n a p s e cidade sve in s na o oi ap de o nt po mo co da, tidas na região. Algumas das bandeiras desse período chegaram a ameaçar Santa Cruz de La Sierra em terras hoje bolivianas. Na virada do século, os paulistas já haviam devassado todo o sertão de Vacaria

e, utilizando-se da difícil navegação dos rios Tietê, Paraguai, Taquari, Coxim, São Lourençoe Cuiaba, estavam preando índios na região mais interiorana do Continente.

A fixação do povoamento português na região do Cuiabá se deu a partir de 1719, com a descoberta de jazidas de ouro às margens do rio Coxipó pela bandeira de Pascoal Moreira Cabral e com a descoberta de novas jazidas em 1721 por Miguel Sutil.

A ocupação de Cuiabá coincidiu com novas lutas entre jesuítas e

colonos no Paraguai, as Comancheiras, contribuindo para que os espanhóis não hostilizassem os

Portugueses, que vinham explorar Ouro tão perto das minas de prata de

Espanha.

Cuiabá serviu de novo ponto de apoio para entradas pelo sertão à caça dos indios e de novas jazidas.

Em 1731, os irmãos Fernando e Artur Pais de Barros, bandeirantes

Paulistas,

encontraram

ouro

nas

margens do rio Guaporé a trinta lé-

guas de distância de Santa Cruz de

la Sierra. A descoberta do ouro promoveu Oo surgimento de novo núcleo de povoamento português, o qual foi um dos pontos avançados na expansão para Oeste e atuou como baluarte na defesa dos interesses

lusos

no século

XVII.

Desde o final da primeira centuria do descobrimento, as bandeiras paulistas embrenharam-se pelo sertão em busca de índios e riquezas. Para atingir seus interesses, confrontaram com espanhóis, destruíram reduções jesuítas, despovoaram regiões imensas. Mesmo durante o periodo em que Portugal e Espanha estiveram unidos sob a mesma Coroa, paulistas e assuncenhos tiveram interesses conflitantes e se defrontaram em função deles. Tanto São Paulo como Assunção foram núcleos de povoamentos surgidos no interior do Continente com subsistência de economia uma baseada no trabalho e na tecnologia indígena.O núcleo paraguaio cedo teve sua mobilidade reprimida pela descoberta de metais preciosos. Encontrada a prata de Potosi, o importante para a Espanha era defen-

dê-la, e todo o empenho da política colonial foi endereçado nesse sentido.

Os paulistas em marchas continuas pelo sertão foram adquirindo mobilidade cada vez maior. Devassando o sertão, preocupados em resolver seus problemas sociais, os bandeirantes promoveram o desde áreas ocupadas povoamento pelos espanhóis. A ação agressiva

dos paulistas coincidiu com política de retração imposta

uma pela

87

Espanha aos paraguaios, o que de certa forma facilitou a atuação das bandeiras. Os espanhóis não avancaram para atacar seus agressores. Mesmo nos inumeros combates de que os espanhóis sairam vitoriosos, a luta se deu nas proximidades dos povoamentos hispano-americanos.

Os paulistas fizeram uso da mobiem avançando adquirida lidade

áreas cada vez mais distantes Planalto de Piratininga.

do

A Coroa de Bragança apressouse em legitimar a ação de seus

súditos. Ainda na primeira metade do século XVIII, tiveram início as discussões das novas fronteiras

entre Portugal e Espanha na América e, através do Tratado de Madri,

assinado em 1750, Portugal garantiu para si a posse de todas as áreas palmilhadas pelos bandeirantes.

Ds

ooo

VII- O OURO: O D A I C N Ê D A C E D E GLÓRIA BANDEIRISMO

Quando teve início o período de União Ibérica, Portugal ainda usufruía as vantagens ' obtidas pela primazia na expansão ultramarina. O comércio do Oriente, embora não satisfizesse a expectativa de um século de investimentos, proporcionava lucros significativos. Além disso, o Nordeste do Brasil, com seu parque produtor de açúcar, era a região de maior renda “per capita” da América. No final do século XVI, as nações ibéricas eram as principais potências européias, e Portugal, em constante disputa com sua vizinha, levava desvantagens pela grande produção de metais nobres da América espanhola, bem como pelo grande poderio da Casa da Habsburgo, no trono da Espanha desde a ascensão de Carlos | (Carlos V, Imperador da Áustria e da Alemanha). Situação bem diversa era a vivida pelo país quando foi desencadeado O movimento que restaurou a Independência de Portugal em 1640. Nessa época, restava do grande império ultramarino portugês apenas

Em meados do século XVII, a hegemonia européia era disputada pela França, Holanda e Inglaterra. Portugal e Espanha haviam se tornado potências de segunda cate-goria. A Restauração exigiu do pais a. sua reordenação econômica e a busca de um novo espaço na politica internacional. As sérias dificuldades vividas por Portugal, bem como a preservação apenas do Brasil como colônia de vulto, fizeram que uma nova politica colonial fosse definida de ime-

fornecedores de escravos.

e mais produtiva do Brasil, ou seja, O

o Brasil e alguns portos na África,

diato.

Em

1642 foi criado o Con-

selho Ultramarino, órgão responsável pela centralização da administração colonial, a qual passou a ser mais rígida e de caráter mais fiscal. O Brasil se impunha para a metrópole como a alternativa mais viável: na expedição da colônia americana, estaria a solução para os proble— mas econômicos de Portugal. No

entanto,

mesmo

a

exploração

do

Brasil apresentava dificuldades bas-

tante sérias. Em 1640, quando ocorreu a Restauração, a parte mais rica

89

Nordeste, estava sob o domínio as Capitanias holandês. Quando nordestinas foram recuperadas em 1654, o seu parque produtor de açucar estava seriamente danificado, com grande parte dos engenhos e os durante destruídos canaviais combates da Insurreição Pernambucana. Diante desse quadro, a politica colonial portuguesa via na descoberta de metais preciosos no Brasil a alternativa mais viável para a economia portuguesa.

Durante o século XVI, algumas jazidas foram descobertas na Capltania de São Vicente. Eram as jazidas do Jaraguá, próximas da Vila de São Paulo, Ibituruna, na Vila de Parnaíba, e as jazidas de Curitiba e Paranaguá. Apesar da grande dificuldade encontrada para a sua exploração, estas duas últimas chegaram a produzir algumas arrobas de ouro.

Nenhuma destas descobertas chegou, no entanto, a ter uma produção significativa. Em meados do século XVII, a existência dessas minas importava mais como prova de presença de ouro no Brasil do que pela sua produção. Era necessário que novas e ricas jazidas fossem descobertas o mais depressa possivel. Definida a prospecção aurifera como uma das alternativas a serem buscadas pela política colonial portuguesa, o tema de discussão passou a ser a definição da estratégia mais eficiente para a obtenção do Sucesso. Por essa época já era conhecida na Corte de Lisboa a capacidade

90

dos paulistas de embrenharem-se pelo sertão. Os habitantes da Capitania de São Vicente eram considerados os melhores conhecedores do interior da Colônia, capazes de organizar expedições para longas marchas por áreas agrestes. Tanto no Brasil, como em Portugal, era fato conhecido que os paulistas em quase um século de peregrinação pelo sertão já tinham devassado grande parte do interior da Colônia. ' Assim, a política colonial portuquesa passou a buscar mecanismos que garantissem a participação dos paulistas caçadores de índios nos trabalhos de prospecção aurifera.

A fama dos paulistas era de serem homens duros, preparados para a

guerra, independentes e soberbos,

pouco afeitos a acatar a autoridade dos delegados reais.

A Vila de São Paulo e as demais vilas do interior da Capitania de São Vicente eram consideradas como dotadas de grande autonomia, e seus habitantes como muito ciosos de sua independência. Essa fama dos vicentinos era proveniente da sua atuação no prear

índios. Para mantera prea do gentio como sua principal atividade, Os paulistas e seus vizinhos enfrenta-

ram os padres da Companhia de Jesus, contrariaram as determinações régias que garantiam (pelo menos no papel) a liberdade do silvícola, desrespeitando o antigo li-

mite

entre

as colônias

de Portu-

gal e Espanha na América,e destruíram inúmeras missões jesuítas em território espanhol.

os Para garantir a posse dos indi iço, rv se u se a s do ca lo co € preados ntra co am er us sp di in Se s ta is ul pa os e os representantes da Coroa qu de questionaram os Seus direitos . manter o gentio em escravidão as proibições eram Inúmeras reais em

busca

de silvícolas e sem

tazer caso delas. os paulistas que vetaram a penetração nos sertões continuamente “desciam a buscar O remédio do sertão”. Contribuíam muito para a idéia que se fazia dos paulistas nas cortes européias, principalmente Lisboa e Madri, as várias denúncias feitas contra eles pelos jesuítas espanhóis. Nos documentos enviados ao Rei pelos inacianos, e nas denúncias feitas a viva voz, os paulistas eram chamados de homens sem reie sem Deus.

Dessa forma, embora os conselheiros do monarca considerassem

de grande valor contar com a experiência dos paulistas nos trabalhos de prospecção mineral, não se man-

tiveram insensíveis ao juízo que se fazia

deles

e

aconselhavam

pru-

dência em relação à soberba e independência desses homens. Assim, era fundamental queo Rei colocasse esses vassalos a seu serVIÇO, a fim de que eles se utilizassem

de seu conhecimento do interior do

Brasil e de sua técnica de penetração pelo sertão para: descobrir riquezas. Para atingir esse intento, o monarca era aconselhado a usar determinadas estratégias: para os paulistas mais

que riquezas.

valiam

honrarias do

O Reiera aconselha-

do a oferecer, em troca das pere-

grinações,

títulos

e mercês.

Para

conseguir-lhes a adesão era impor-

tante estimular-lhes a vaidade. Com este intuito, o rei D. Afonso VI escreveu cartas de próprio punho aos bandeirantes mais famosos, pedindo apoio nos trabalhos de pesquisa de riquezas. Desse teor era a carta recebida por Fernão Dias Pais em 1664, na qual D. Afonso VI solicitava-lhe que “tudo envidasse em favor do bom êxito da empresa de Agostinho Barbalho Bezerra. Atitude semelhante tomou o Principe Regente D. Pedro, que em 1668, em carta enviada à Câmara da Vila de São Paulo, solicitou apoio de inúmeros bandeirantes.

Em 1671, o Visconde de Barbacena, Governador da Capitania de São Vicente, em nome do Regente, solicitou pessoalmente a Fernão

Dias Pais que organizasse uma expedição para promover a descoberta de esmeraldas e das jazidas de prata de Sabarabuçu.

Apesar da avançada idade (63 anos), Fernão Dias aceitou a incumbência. Para montara bandeira dispendeu a vultosa quantia de 6 mil cruzados, obtida através da venda de todo o seu gado, o ouro e a prata de sua casa. Fernão Dias recebeu ainda pequena ajuda da Fazenda Real e da Câmara de São Paulo.

A expedição deixou a Vila a 21 de

junho de 1674. Dela participaram os sertanistas mais famosos de seu tempo — Manuel da Borba Gato, Matias Cardoso de Almeida, Francisco Pires Ribeiro, Garcia Rodrigues Pais e outros.

91

A bandeira de Fernão grinou quase oito anos enfrentando toda sorte dades: falta de recursos,

Dias pereno sertão, de dificulabandono

da jornada por alguns cabos-de-tro-

pa, perda de parte do contingente em combates com o gentio ou por doença e até mesmo a existência de um motim do qual participou o filho bastardo de Fernão Dias, o qual, juntamente com os demais amotinados, foi executado. Já bastante desfalcada, a bandeira chegou aos cerros de Iltacambira, onde encontrou pedras verdes em grande quantidade. Porém, acometido de impaludismo, o velho bandeirante veio a falecer em meados de 1681, possivelmente perto da barranca do Rio das Velhas. Seu filho Garcia Rodrigues Pais apresentou as pedras verdes aos delegados régios e foi constatado

tratarem-se de turmalinas e não de esmeraldas.

Os burocratas palacianos de Lisboa consideravam que apenas o devassamento do sertão não era suficiente para que fosse descoberto ouro no Brasil. Para isso tentaram aliar o conhecimento do interior com técnicas de mineração. Com este intuito foi montada uma comissão chefiada pelo espanhol D. Rodrigo de Castel Branco com o O titulo de Administrador-Geral, qual era considerado técnico em mineração. Para respaldar a ação

de Castel

Branco, o Príncipe Regente solicitou aos paulistas que lhe dessem todo o apoio possível. Inclusive “Fernão Dias, que encontrava-se no

92

sertão,

recebeu

carta do Regente

solicitando-lhe auxílio nistrador-Geral.

ao

Admi-

O técnico em mineração chegou

ao Rio de Janeiro provavelmente em abril de 1678. Enquanto tentava obter auxílio dos paulistas, visitou as faisqueiras, já em funcionamento em Iguape, Cananéia, Paranaguá, Jaraquá e Vuturuna. Os paulistas receberam o espa-

nhol com muita resistência e desconfiança. Deram-lhe homens, armas e munições em função das determinações do Regente. Foi com grande dificuldade que Castel Branco conseguiu montar sua expedição, a qual deixou a Vila de São Paulo entre março e abril de 1681. Pretendia reunir-se a Fernão

Dias no interior. Mesmo depois de

receber a notícia da morte do velho bandeirante, Castel Branco permaneceu no sertão, sem, contudo, obter nenhum resultado positivo de seus trabalhos. Sua missão foi encerrada drasticamente com o seu assassinato em 1682, no qual esteve envolvido o bandeirante Manuel da Borba Gato. Entre as infrutíferas jornadas de Fernão Dias e de Castel Branco e a descoberta das minas de Cataguás, passaram-se mais de dez anos. Existem várias controvérsias sobre as primeiras descobertas de ouro na região de Minas Gerais. Bento Fernandes Furtado de Mendonça, contemporâneo dos acontecimentos, relata em seu trabalho, Notícias dos primeiros descobrimentos das primeiras minas de ouro pertencentes a estas Minas Gerais, que a primazia dos achados cabe a

antônio chando

bandeira

Roiz de Arzão que, mar pelos sertões com uma de

cinquenta

encontrou ouro em 1693.

homens,

O mestre-de-campo José Rebelo oPerdigão, secretário do Capitã General Artur de Sá e Meneses, que a de ni ta pi Ca à a av rn ve go a oc ép na ento são Vicente, em seu depoim tos n e m i r b o c s e d s ro ei im pr os e Sobr ma das Minas Gerais do Ouro, afir que o primeiro descobridor foi Duarte Lopes, antigo e obscuro soldado da bandeira de Fernão Dias, que teria realizado o seu achado num ribeirão, afluente do Guarapiranga, também em 1693. Para: Antonil, tambem contemporâneo dos acontecimentos, o ouro teria sido descoberto no ribeirão mais tarde chamado de Ouro Preto, por um mulato que tinha estado nas minas de Paranaguá e Curitiba. Para Pedro Taques, que escreveu

no século XVIII, a primazia do des-

cobrimento das Minas Gerais seria de Garcia Rodrigues Pais que teria descoberto ouro em 1695, nosertão de Sabarabuçu. Independente de quem tenha sido realmente o primeiro a encontrar ouro no sertão dos Cataguases e qual o ano exato deste acontecimento, rapidamente a notícia do Eldorado se espalhou pela Colônia e chegou à Europa. Inúmeros foram Os que na esperança do rápido en-

“Individuos tão alucinados havia que vindos de distâncias de 30 a 40 dias de jornada partiam sem provimento algum. Assim, pelo caminho muitos acabaram de irremediável inanição. E houve quem matasse o companheiro para lhe tomar uma pipoca de milho”. (Antoni!)

O afluxo de um número considerável de pessoas em curto espaço de tempo para a região das minas trouxe uma série de problemas, entre eles destacam-se a formação na região das minas de um aglomerado de alto índice de violência e deflagração de surtos de fome no sertão dos Cataguases pela carência e carestia dos gêneros de abastecimento. Relatando a situação das minas, no início do século XVIII, Antonil faz a seguinte descrição.

“Cada ano, vêm nas frotas quan-

tidade de portugueses e de estrangeiros, para passarem às minas. Das cidades, vilas recôncavas e sertões do Brasil, vão Drancos, pardos e pretos, e muitos índios, de que os paulistas se servem. A mistura é de toda a condição de pessoas: homens e mu-

lheres, moços e velhos, pobres e plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Bra-

casas,

sil convento nem casa.” (Antonil)

zona de mineração. O que interessava era chegar o mais depressa possível à região da exploração aurifera, obter uma data para a procura do metal.

A administração colonial teve dificuldades em acompanhar a formação de núcleos populacionais que surgiam na região das minas. Assim mesmo, a preocupação da Coroa

rigquecimento

abandonaram

famílias e roças e seguiram para a

93

era muito maior em relação a questões fiscais do que a questões de

ordem pública. Tal atitude concor-

ria para que fosse imposta na região a lei do mais forte. A alucinação pelo ouro fez que a preocupação com a subsistência fosse relegada a segundo plano. A preocupação das pessoas era encontrar o ouro. Além disso, a área onde foi encontrado ouro não era anteriormente povoada e não contava com uma estrutura já estabelecida para promover o seu abastecimento. Assim, sem estar preparada para promover o seu abastecimento e com a mão-de-obra e os recursos econômicos concentrados naextração mineral, logo a região conheceu a carência de víveres, os quais atingiam altíssimos preços, chegando a gerar surtos de fome.

A carência de gêneros de abastecimento nas Minas Gerais possibilitou a expansão de um comércio extorsivo, o qual permitiu o enriquecimento de negociantes. Levar boiadas para o sertão dos Cataguases se tornou atividade altamente lucrativa. Gado foi transportado dos sertões da Bahia para a região das minas e vendido a preços extorsivos. Um boi de corte que em São Paulo custava dois mil réis, nas minas era vendido por cento e vinte mil réis.

A alta dos preços na região aurí-

fera atraiu não só o comércio de gêneros de abastecimento, mas também um comércio mais diversificado de artigos de luxo. Dos portos do litoral eram enviados para as minas os mais diversos artigos, vendidos sempre a preços extorsivos.

94

Algumas pessoas conseguiram enriquecer vendendo garapa, aguardente e guloseimas para os escravos, que as pagavam com o ouro que conseguiam esconder. A demanda do mercado mineiro concorreu para que a carência de gêneros se estendesse para outras regiões da Colônia. Entre os produtos mais consumidos pela zona de mineração estava a mão-de-obra. O trabalho continuo sob péssimas condições de higiene, alimentação deficiente etc. desgastava rapidamente a mão-deobra. O consumo de escravos nas minas era muito grande. A

prea

continuou

sendo

uma

forma de abastecimento de mão-de-

obra utilizada pelos paulistas. No entanto, os altos lucros no comércio na zona de mineração

estimula-

ram os traficantes de negros africanos a abocanhar essa importante fatia do mercado consumidor de escravos no Brasil. A ação desses traficantes ficou bastante facilitada quando, pelo alvará de 24 de março de 1709, D. João V franqueou a entrada de africanos nas minas. Tal

dades

situação

apavorou

de outras

as autori-

Capitanias,

cujos

escravos estavam sendo vendidos para os serviços de minerar. Tentando equilibrar a situação, a Coroa, em 1711, proibiu a venda, para o Rio de Janeiro, de escravos empregados em engenhos e mais fábricas.

Entre os inúmeros gêneros que foram objetos de comércio na zona de mineração, figuram as próprias lavras.

Feita a distribuição, as datas eram vendidas conforme o interesse daqueles que as haviam recebinarra o fato de um indià Antonil o do. t i a e h r i n d i t r o d i r b o O desc víduo ter vendido uma data por a e r do ri ob sc de o m o c m oira data pouco mais de mil oitavas e o comte in gu se A o. ir ne mi o m o c segunda Guardaprador ter extraído dela sete arroao a tf ou a e i Re ao a bi ca buidas bas de ouro. ri st di am er is ma de as Mor, das minas transregião na vida A o | por sorte. corria num clima de grande insegu“Para ser admitido à repartição rança. Extorsões, assassinatos, por sortes, é necessário fazer peroubos eram fatos do cotidiano da tição ao superintendente das dizona de mineração. A disputa pelas tas repartições, ao qual se dá jazidas eram acirradas e a forma pelo despacho da petição uma mais fácil de fazer valer seus direioitava de ouro e outra ao escritos era por meio da força, meio larvão e às vezes acontece oferecerem-se quinhentas petições e legamente difundido. varem o repartidor e o escrivão O sucesso do primeiro decênio mil oitavas e não tirarem todos os de exploração concorria para que mineiros juntos outro tanto de o número de forasteiros que chetais datas...” (Antonil) gavam às minas se mantivesse semEram chamadas datas inteiras . pre grande. O transcurso de dez aquelas que mediam trinta braças anos de contínuas explorações em quadra (a do Rei, a do descofazia, porém, que o ouro à flor da bridor e a do Guarda-Mor). As outerra já estivesse diminuindo. tras tinham a extensão proporcioA disputa pelas jazidas tornou-se ainda mais acirrada, agudizando os nal ao número de escravos ou indios de posse do requerente, na antagonistas entre os grupos que proporção de duas braças em qua-' disputavam o direito de exploração dra por escravo. Quem tivesse quin-' dos achados. Os paulistas, respalZe escravos obteria uma data inteidados na responsabilidade da desra. Assim, a distribuição das lavras das minas, reclamavam coberta reforçava uma situação anterior de para si direitos à exploração do estratificação social, à medida que ouro. Direitos que não eram aceitos , esta era da zi ja a m u a rt be esco TE E ida em datas, e as datas distridivid a . e t r o s r o p puídas pri-

O

pré-requisito

para

participar da

extração do ouro, através da obten-

ção de lavras, era possuir escravos. Foram asseguradas, portanto, as condições para que o senhor de

escravos se tornasse nhor de lavras.

também

se-

A data do Rei era imediatamente

leiloada, sendo entregue desse mais por ela.

a quem

por exploradores provenientes de outras regiões do Brasil, e do Reino,

nem pelas autoridades coloniais. Assim, estabeleceu-se uma disputa entre paulistas e reinóis, na qual

cada grupo acusava o outro de auferir vantagens na distribuição e exploração das minas. Os paulistas acusavam os portugueses de se valerem de suas relações com seus

95

contemporâneos, tanto na obtenção de créditos com os comerciantes do litoral, como na obtenção de favores dos funcionários da administração pública. Os reinois, por sua vez, acusavam os paulistas de hostilizarem os forasteiros e de serem protegidos em seus interesses por Manuel da Borba Gato, antigo bandeirante, principal autoridade na região das minas. As disputas evoluíram para oconcomo fronto armado conhecido no qual Guerra dos Emboabas, paulistas e reinóis tentaram através das armas obter privilégios na exploração do ouro.

Estas

agitações

que

tomaram

corpo nas minas causaram preocu-. pação tanto no Rio de Janeiro como

em Lisboa. As lutas prejudicavam a exploração das jazidas, ameaçando de prejuízo os comerciantes do litoral que haviam fornecido artigos a crédito aos mineradores. Também

preocupava a Coroa, temerosa de vera arrecadação dos quintos declinar. A pacificação das minas precisava ser feita de forma rápida e eficiente. Dominadas as disputas, a 3 de novembro de 1709 foi criada a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro. Com essa medida a Coroa investia fundo no sentido de impor sua autoridade na região das minas.

“A preocupação maior da política

colonial portuguesa em relação à mineração era conseguir o máximo de ouro através da arrecadação dos quintos. Assim, apesar da presença

mais forte da administração portuguesa na área, as disputas, as mani-

96

festações da violência, os surtos de

fome continuaram se sucedendo. O mais sério conflito ocorrido na

região foi o de 1720, quando houve

um

levante contra os rigores do fis-

co, o qual foi drasticamente sufocado, e Felipe dos Santos, considerado

um dos cabeças do movimen-

to, foi atado à cauda de cavalos bravios, arrastado pelas ruas e esquartejado. Ainda em 1720, foi criada a Capitania de Minas Gerais, separada da Capitania de São Paulo, consolidando a autoridade real sobre a conturbada zona de mineração. Por essa época, porém, os paulistas marchavam por outros sertões, em busca de novas riquezas. A descoberta de ouro no interior do Brasil não extinguiu a caça ao índio: grande parte dos recursos, até tanto materiais como humanos, então concentrados na prea do silvícola, não resta dúvida, passaram para prospecção e exploração aurifera. Muitos cabos-de-tropa se tornaram mineradores, outros assumiram cargos burocráticos na administração das minas e outros assumiram várias outras atividades lucrativas que surgiram com a exploração das jazidas. As minas eram, porém, um grande sorvedouro de mão-de-obra; as péssimas condições de trabalho impostas aos escravos faziam que o seu tempo de vida útil fosse bastante curto. E à medida que a exploração das minas estava sendo bem-sucedida, a demanda de mão-deobra aumentava, tornando ainda mais cara e difícil a obtenção do

escravo.

Grande

parte

dessa

de-

os que i d n í m o c a d i d n e t a i man da fo am trazendo r a u n i t n o c s os paulista

deo ã m de a i c n ê r a c do sertão. A ráfico t o o v i t a r c u l s i a m obra tornava nee u q s e l e u aq a r a p o t humano, tan icanos, r f a s o v a r c s e m o c m gociava m a v a i c o g e n e u q s le e u omo para aq

c

com índios. Assim, outras

regiões do interior

por cas da ha il lm pa m ra fo il as Br do eram çadores de índios, os quais rior. te in no is ma z ve da ca os ad busc Essas bandeiras não eram, no en

tanto, as grandes expedições guerreiras do século anterior. Eram expedições que embrenhavam-se pelo sertão distante em busca de índios para escravizar, mas alertas para qualquer indício de existência de ouro. Assim,

Pascoal

em

1719,

a

de,

bandeira

Moreira Cabral, entrando

por um afluente do rio Cuiabá em busca de prisioneiros, foi derrotada pelos índios coxiponés. A análise mais atenta das margens do rio Caxipó mostrou serem as mesmas ricas em ouro. Pouco tempo

nova ta na nista ram

mais

(1721)

tarde

e mais rica jazida foi descoberregião, da qual, segundo o croBarbosa de Sá, em um mês foextraídas seis toneladas de

ouro. Foi também chefiando uma pequena bandeira de preação que OS irmãos Artur e Fernando Pais de Barros descobriram as minas de Mato Grosso, no vale do rio Guaporé, em

1731.

Este não foi, porém, o único tipo

de bandeira armada durante o sécu-

lo XVIII; nessa época também foram jeob O m co es çõ di pe ex s da pa equi

tico declarado de pesquisar riquezas. Entre estas estã a entrada organizada por Bartolomeu Bueno da Silva com o fim determinado de buscar a terra dos índios goiá, onde estivera ainda muito jovem, em companhia de seu pai e onde sabia existir ouro. Para participar dessa bandeira, o genro do Anhangúera, João Leite da Silva Ortiz, deixou as lavras que possuía em Curral d'ElRey, na região das Gerais, e Bortolomeu Pais de Abreu com o mesmo fim abandonou a carreira militar, onde ocupava o posto de capitão de infantaria. A expedição partiu de São Paulo em 1772e, depois de vagartrês anos pelo sertão enfrentando fome, doenças, deserções e as hostilidades dos caiapós, retornou a 21 de outubro de 1725, trazendo 8.000 oitavos de ouro. A descoberta do ouro em Cuiabá, Mato Grosso e Goiás levou O povoamento para a região mais central do Continente. Esses núcleos populacionais atuaram como pólos de irradiação de pequenas expedições que penetravam pelos sertões em busca de índios e de novas jazidas. Ainda na primeira metade do

já esséculo XVIII, o termo bandeira tava bastante difundido para designar qualquer tipo de entrada para O sertão. Bandeira, por exemplo, foi como o Senado da Câmara de Cuiabá designou a expedição comandada por Antônio Pinho de Azevedo, que, montada com os recursos da Vila, deveria abrir o caminho terrestre de Cuiabá a Vila Boa, (Goiás), em 1730. Também foi cha-

mada bandeira a expedição organti-

97 =

a

1

É

e

%

=

os

its

zada pela Câmara de Cuiabá com o auxílio da Fazenda Real, com o ob-

jetivo

de

destroçar

o gentio

paia-

interior da Capitania de São Vicen-

te,

mais

Paulo.

tarde

Imensas

Capitania

expedições

de

São

guer-

guá, em 1732. O termo se generalizou e perdurou pelo século XIX. Em 1807 o governo da Capitania de Mato Grosso organizou uma expedição punitiva contra os bororós, a qual foi chamada de bandeira. “Finalm º auxiliara V.M.