Dívida: os primeiros 5.000 anos [1 ed.] 9788568493144

Estrondoso sucesso nos Estados Unidos e nos vários países onde foi traduzido, Dívida: os primeiros 5.000 anos é não apen

203 76 19MB

Portuguese Pages 702 [706] Year 2016

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Sumário
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10. Idade Média
11.
12.
Posfácio
Notas
Bibliografia
índice remissivo
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Dívida: os primeiros 5.000 anos [1 ed.]
 9788568493144

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‘ Divida é um longo balanço do estada de nossa ruína econômica e moral." The New York Times “Além de instigante, o fivro de Graeher é extremamente oportuna" Financial Times Estrondoso sucesso nos Estados Unidos c nos vários países onde foi traduzido. Dívida: os primeiros 5 0 0 0 anos é nào apenas um dos mais importantes livros de história c antropologia econô­ m icas dos últimos tempos, m as também uma obra fundamental para entender o atual estágio do capitalismo. Nele. o antropólogo americano David Graeber - professor da London Sehool of Econom ics. ativista político e um dos gurus do movimento Occtipy Wall Street - apresenta em nova perspectiva a história da divida c do crédito, bem como da origem do dinheiro. A análise abrangente de Graeber põe em xeque alguns mitos do s estudos económicos, com o o de que o dinheiro teria sido in­ ventado para substituir o escambo. O antropólogo demonstra que. antes mesmo da criação da moeda, existiram civilizações que lidaram com elaborados sistemas de endividamento e comércio. O aparecimento do dinheiro trouxe consequências violentas para as sociedades, e a divida, antes ligada à reciprocidade e à troca de favores, tom ou-se um instrumento de escravização, dom inação e guerra - com o continua a ser. ainda hoje. Uma fascinante e inédita história da civilização emerge neste I ív t o .

que enfatiza a dim ensão social das relações econômicas e

faz uma critica radical ao modo como o capitalismo, por meio do endividam ento, produz controle e destruição.

assim que penou para arrumar um emprego na universidade Graoboi é por vezes controverso, mas ensina coisas que economistas preferem norar sobre relações sociais, que m\o são reguladas apenas pelo interesse próprio e pelo cálculo da máxima satisfação. Ele não ensina a adminis trar o mundo como ele é, mas suas lições dão o que pensar sobre o fim cionamento concreto da sociedade e as possibilidades de transformá-la. Vinicius Torres Freire Jornalista, colunista da F o lh a d e S .P a u lo c com entarista econômico da TV Gazeta

David Graeber (1961) é professor de antropologia na London School o f Econom ics. Doutorou-se pela Universidade de Chicago e foi pro­ fessor na U niversidade Yale. Em 2 0 11, teve participação destacada no movimento Occupy Wall Street e foi eleito uma das personalidades do ano pela revista Time. É autor de Toward an Anthropological Theory of Value (2001), Lost People: Magic and the Legacy o f Slavery in M adagas­ car (2007) e The Utopia o f Rules: On Technology, Stupidity, and the Secret Joys o f Bureaucracy (2015), entre ou­ tros livros.

Na crise econômica de 2008, gran­ des bancos e seus credores foram salvos por empréstimos graciosos e doações dos governos dos Estados Unidos e de países europeus. Por mais incom petentes ou mesmo fraudulentos que tenham sido os investimentos, deixar a finança ir à bancarrota causaria ruína ainda maior aos países. Portanto, dívidas e pecados foram perdoados. Os devedores sem poder, talvez nem tão ineptos quanto os financis­ tas, não tiveram, porém, tal sorte, fos­ sem eles os cidadãos que perderam casa ou aposentadoria na Grande Recessão, fossem os governos falidos de países periféricos e seu povo esfo­ lado no arrocho imposto para o pal’.imento da dívida. O pragmatismo econômico que fez a sociedade ban­ car o sinistro da finança poderia ter atenuado outros desastres. Mas per­ does e castigos de credores e devedo­ res são tão mal distribuídos quanto o poder político - uma história antiga, de quase cinco milênios, que David í.iaeber reconstitui de maneira tão vívida como um drama. Neste livro erudito e de humor ra(lical, o autor volta a lembrar que troca nao é mera relação econômica. Ex­ plica o que são moeda e crédito para .ilem das simplificações necessárias de modelos econômicos; trata de vá­ rios lugares e tempos para reavivar a Ideia de que hierarquias, símbolos, domliiaçAoe cooperação definem eco iiomlaN. r.m suma, ele repõe em pers peei Iva soelal, política eantropolóulcn MNIllMtlt ulÇÕCN econômica« que o espl i lio •In teu li tn olnta como naimalN.

David Graeber

Dívida Os primeiros 5.000 anos

I R a d u ç ã o Rogério Bettoni

- J I RÊS ^

ESTRELAS

Copyright © 2011,2014 David Graeber, publicado originalmente como l)ebt: Thefirst 5.000 Yfjrv por Mclvillc Housc Publishing, EUA. Copyright da tradução © 2016 Três Estrelas - selo editorial da Empresa Folha da Manha S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio sem a permissão expressa e por escrito da Publifolha Editora Ltda., detentora do selo editorial Três Estrelas. e d it o r

Alcino Leite Neto

ED ITO R-A SSISTEN TE p r o d u ç ã o g r á f ic a capa

Bruno Zeni Íris Polachini

ThiagoLacaz

p r o j e t o g r á f i c o d o m io l o e d i t o r a ç ã o e l e t r ô n ic a preparação r e v is ã o

Mayumi Okuyama

Jussara Fino

Beatriz de Freitas Moreira

Cacilda Guerra, Isabel Jorge Cury e Carmen T. S. Costa Rafael Oliva

r e v is ã o t é c n ic a d e e c o n o m ia

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( c ip ) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Graeber, David

,

Dívida: os primeiros 5.000 anos/ David Graeber; tradução Rogério Bettoni. São Paulo: Três Estrelas, 2016. Título original: Debt: thefirst 5.0 00 years. ISBN 978-85-68493-14-4

1. Crises financeiras - História 2. Dinheiro - História 3. Dívida - História I. Título. 15-10990



CDD-332

índices para catálogo sistemático: 1. Dívidas: Economia financeira: História

332

Este livro segue as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde ie de janeiro de 2009.

Al. Barão de Limeira, 401, 6a andar 01202-900, São Paulo. SP Tel.: (11) 3224-2186/2187/2197 [email protected] www.edi tora 3estrelas.c0m .br cep

Sumário

i

S o b re a e x p e riê n c ia d a c o n fu s ã o m o ra l 6

). () m ito d o e sc a m b o 32 \

I )ív id a s p rim o rd ia is 58

I ( ru eld ad e e re d e n ç ã o 96

s

llreve tratad o so b re o s fu n d a m e n to s m o ra is d as rela ç õ e s

e c o n ô m ic a s 116 t!stru id a^ A() contrário: durante os cinquenta anos se­ guintes, o exército c a polícia da França assassinaram muitos m algaxes que se opunham fortemente ao sistema (100 mil, segundo alguns relatos, durante uma revolta em 1947)- É com o se Madagascar tivesse causado à França algum dano semelhante, o que não é o caso. A pesar disso, desde o com eço da c o ­ lonização dizia-se que os habitantes da ilha deviam dinheiro à França, e até hoje eles estão presos a essa dívida, e o restante do m undo considera justo esse esquema. Em geral, a “com unidade internacional” só nota que existe aí uma questão moral quando percebe que o governo de M adagascar está de­ morando para pagar as suas dívidas. Entretanto, a dívida não é apenas um item da justiça do conquistador; ela também pnHp spr uma das m anpirn^j^jM inir os vencedores que não de­ viam ter vencido. O exem plo mais espetacular disso é a história da R epú­ blica do Haiti - o prim eiro país pobre a ser posto em perm anente servidão j> o r dívida._Q Haiti^foi u m _p a k fu ndado por antipos escravos que tiveram _ a ousadia não só de organ izar um a rebelião, acom panhada de grandiosas declarações de direitõseliberdad es universais, mas tam bém de derrotar os exércitos de Napoleàcienviados_para rendê-lose fazFTõs retornar á sêrvídioT . A França Imediatamente afirm ou que a recém -criada república lhe devia 150 1n ilhòes de francos em danos pelas plantações expropriadas, além dos custos de aprovisionam ento das expedições militares fracassadas, e todos os outros p a íses,j

nc|i íindo os Fstados Unidos, concordaram em im por u m em Eargoao

I laiti até que essa dívida fosse paga. Ajvoma era intencionalm ente impossível tie ser paga (o equivalente a cerca de 18 bilhões de dólares ) ^ o em bargo asse­ gurou que desde então o nom e “ Haiti” passasse a ser usado com o sinônim o de dívida, pobreza e m iséria.2 Algum as vezes, porém , a dívida parece significar exatamente o o p o s ta L

FsfaHns Unidos, que insistiam, em termos rigorosos, que o Terceiro Mundo

Iiuh a dp p a w ir su a s d ív id a s a m n iuTãFánTTarrtas-a p a r t i r é a d c c a d a d c 1 9 8 0

. - alimentadas p elos gasto s militares - que rapidamente ultrapassaram a quanJ ia

devida por todos os países do Terceiro Mundo ju n tos. A dívida externa dos

13

Estados Unidos, contudo, assume a forma de títulos do Tesouro mantidos por investidores institucionais em países que, na maioria dos casos, são pratica-, menl^protetorados militares dos Estados Unidos - Alemanha. Coreia do Sul, Japão, Tailândia, Taiaanje-paíse&4 g Golfg ^ , quase todos^rotegidosporBases norte-americanas carregadas de armas e equipamentos pagos com aquele v mesmo déficit público. Isso mudou um pouco depois que a China entrou no jogo (esse país é um caso especial, por razões que serão explicadas mais adiante), mas não muito - até mesmo a China acha que possuir tantos títulos do Tesouro norte-americano faz o país estar comprometido, até certo ponto, com os interesses dos Estados Unidos, e não o contrário. Desse modo, qual é a situação de todo esse dinheiro que é continua­ mente canalizado ^ãra o Tesouro dos Estados Unidos? São ^empréstimos?Ou tributos? No passado, as potências militares que mantinham centenas de bases militares fora dopróprio território eram comumente chamadas de “impérios”, e os impérios regularmente exigiam tributos de seus súditos. O governo dos Estados Unidos, é claro, afirma que não é um império - mas é fácil defender o argumento de que o país insiste em tratar esses pagamentos como “empréstimos”, e não como “tributos”, com o único objetivo de negar a realidade do que está acontecendo. Ora, é verdade que, ao longo da história, certos tipos de dívidas, e certos tipos de devedores, sempreforam tratados de maneira diferente. Nos anos 1720, uma das descobertas que mais escandalizaram o povo britânico, quando as condições das prisões em que se encarceravam os devedores foram expos­ tas na imprensa popular, foi o fato de essas prisões serem divididas em dois setores. Os presos aristocratas, que muitas vezes consideravam a última moda passar uma curta estada nas prisões de Fleet ou Marshalsea, tinham jantares regados a vinho, servidos por criados uniformizados, e podiam receber visitas frequentes de prostitutas. No “setor comum”, devedores pobres eram agri­ lhoados juntos em celas minúsculas, “cobertos de sujeira e bichos”, como nos diz um relato, “e sofriam impiedosamente até morrer de fome e febre tifóide”.3 De certo modo, podemos imaginar os acordos econômicos mundiais da atualidade como uma versão muito ampliada da mesma situação: nesse caso, os Estados Unidos são os devedores aristocráticos e Madagascar é o pobre

faminto na tela an lado

c os criados dos devedores aristocráticos lhes ensi­

nam como seus problemas foram causados por sua própria Irresponsabilidade.

Porém, há algo mais fundamental em jogo, uma qucstào filosófica que precisamos contemplar. Qual a diferença entre um gângster que aponta a arma para você e exige o pagamento de mil dólares de “taxa de proteção” e um que, com a arma apontada para você, exige que você lhe faça um “em­ préstimo” de mil dólares? Na maior parte dos casos, obviamente, nenhuma. Mas em outros há uma diferença. Como no caso da dívida dos Estados Uni­ dos com a Coreia ou o Japão: se o equilíbrio de poder mudasse em algum ponto, se os Estados Unidos perdessem sua supremacia militar, se o gângster perdesse seus escudeiros, aquele “empréstimo” começaria a ser tratado de maneira bem diferente. Ele se transformaria em uma obrigação genuína. Mas o elemento crucial continuaria sendo a arma. Há uma antiga piada de vaudeville que diz a mesma coisa de maneira mais elegante - vejamos a cena, melhorada pelas palavras do comediante Steven Wright: Certo dia eu caminhava com um amigo, quando, de repente, pulou diante de nós, vindo de uma rua transversal, um sujeito com uma arma que gritou: “Passa a grana!”. Enquanto eu alcançava a carteira, pensei: “Até que o prejuízo não será tào grande”. Peguei o dinheiro, me virei para o meu amigo e disse: “Ei, Fred, toma aqui aqueles cinquenta paus que eu estava te devendo”. O ladrão ficou tão injuriado que arrancou uma nota de cem do bolso e, com a arma apontada para o Fred, obrigou-o a pegar o dinheiro e a me emprestar, para depois resgatar tudo de volta. Em última instância, o sujeito armado não tem de fazer nada que não ijueira, fazer. No entanto, a fim de ser capaz de controlar até mesmo um

le^ime baseado na violência, é preciso estabelecer um conjunto de regras. \ re g ra s podem ser completamente arbitrárias. De certo modo, na verdade nem importa quais são essas regras. Ou, pelo menos, isso não importa a

pi Iik ípio. O problema é que, quando se começa a enquadrar as coisas em

15

termos de dívida, as pessoas inevitavelmente começam a perguntar quem de fato deve o que a quem. Discussões sobre a dívida existem há pelo menos 5 mil anos. Durante a maior parte da história humana - pelo menos da história dos Estados e de impérios -, a maioria dos seres humanos recebeu a informação de que é devedora.4 Os historiadores, em especial os historiadores das ideias, estra­ nhamente têm relutado em considerar as consequências humanas dessa situação, tanto mais quando se leva em conta que ela - mais do que qual­ quer outra - tem causado indignação e ressentimento. E improvável que as pessoas fiquem satisfeitas se dissermos a elas que são inferiores, mas muito raramente isso as levará a uma rebelião armada. Contudo, é bastante prová­ vel que inspiremos manifestações de fúria nas pessoas se dissermos que elas são iguais em seu fracasso, que por isso não merecem nem mesmo aquilo que têm, ou seja, o que têm não é seu por direito. E isso que a história parece nos ensinar. Durante milhares de anos,a 4 u£a entre ricos e pobres assumiu de modxxgeral-a forma de conflitos entre credores e devedores - de argumen­ tos sobre o que é certo e o que é errado em relação a pagamento de juros, servidão por dívida, anistia, reintegração de posse, restituição, sequestro de ovelhas, apreensão de vinhas e venda de filhos dos devedores como escravos. Nessa mesma lógica, nos últimos 5 mil anos, com uma regularidade impres­ sionante, as insurreições populares começaram da mesma maneira: com a destruição ritual dos registros de dívidas - fossem eles tabuletas, papiros, placas ou qualquer outra forma existente em dada época e local. (Depois disso, os rebeldes geralmente foram atrás dos registros de posse de terra e apuração fiscal.) Como o grande helenista Moses Finley gostava de dizer, _no mundo anngojudos os movimentos revolucionários tinham um único plano: “Anular as dívidas e redistribuir a terra”.5 Nossa tendência a ignorar isso é ainda mais estranha quando pensamos em tudo que nossa linguagem moral e religiosa contemporânea deve, originali«€«tera-es5€s-mesnios conflitos. Termos como “perdão” e “remissão” são apenas os mais óbvios., pois foram tirados diretamente da linguagem das an­ tigas finanças^Em sentido jnais amplo, podemos dizer o mesmo de palavras v como “cultia”, “liberdade”, “perdão” e até “pecado”. Discussões sobfi quem 16

realmente deve o que a quem tiveram papel central no nosso vocabulário t

básico para nomear o que é certo e o que é errado. O fato de grande parte dessa linguagem ter se originado de debates sobre .1 dívida torna o conceito estranhamente incoerente. Afinal de contas, para debater com o rei era preciso usar a linguagem do rei, quer as premissas inii mis fizessem sentido, quer não. Se analisarmos a história da dívida, então, o que descobrimos em pri­ meiro lugar é uma profunda confusão moral. Sua manifestação mais óbvia e que, praticamente em todos os lugares, a maioria dos seres humanos susieiiia ao mesmo tempo que: 1) pagar o dinheiro que se tomou emprestado é uma obrigação moral, e 2) toda e qualquer pessoa que tenha o costume de emprestar dinheiro é má. E verdade que as opiniões sobre esse último ponto variam considera­ velmente. Um exemplo extremo poderia ser a situação que o antropólogo 11.meès fean-rlflude Galey encontrou na região leste do Himalaia, onde, ainda

ii.i década de 1970, as castas inferiores - chamadas de “derrotados”, pois se icreditava que essas pessoas fossem descendentes de uma população conquisi.ida muitos séculos antes pela casta dos donos das terras - viviam em uma Mi uação de permanente dependência financeira. Sem terras e sem dinheiro, elas eram obrigadas a solicitar empréstimos aos proprietários simplesmente

I ia 1a ter o que comer - não pelo dinheiro, pois as quantias eram insignificanirs, mas porque os pobres devedores tinham de pagar os juros na forma de II abalho, o que significava que, quando muito, eles tinham comida e abrigo enquanto limpavam as dependências dos credores e arrumavam o telhado de suas choupanas. Para os “derrotados” - assim como para a maior parte da população, na verdade-as despesas mais importantes da vida eram com ca­ bimentos e funerais. Para isso era preciso boa quantia de dinheiro, que sempre 1inlia de ser tomada emprestada. Nesses casos era prática comum, explica Galev, que os agiotas exigissem uma das filhas do tomador do empréstimo como garantia. Assim, muitas vezes, quando um homem pobre precisava fazer um empréstimo para o casamento da filha, a garantia era a própria noiva. Ela tinha de aparecer na casa do emprestador depois da noite de núpcias, passar alguns meses lá como concubina e mais tarde, quando ele ja se entediara, era enviada 17

para algum campo de extração de madeira da região para trabalhar durante um^rcrdois anos como prostituta, pagando assim a dívida do pai. Uma vez paga a dívida, ela voltava para-o marido e começava a sua vida de casada.6 Isso parece chocante, talvez até ultrajante, mas Galey não relata nenhum sentimento de injustiça generalizado na população. Todos pareciam achar que era assim mesmo que as coisas funcionavam. Tampouco havia muita preocu­ pação entre os brâmanes locais, que eram os árbitros supremos em questões de moralidade - o que não surpreende muito, uma vez que os agiotas mais proeminentes muitas vezes eram os próprios brâmanes. Mesmo nesse caso, é claro, torna-se difícil saber o que as pessoas diziam entre quatro paredes. Se um grupo de rebeldes maoistas estivesse prestes a tomar de repente o controle da região (alguns atuavam nessa parte da índia rural) e capturassem usurários locais para serem julgados, nós ouviríamos todo tipo de opiniões. Ainda assim, o que Galey descreve, como eu disse, representa um extremo dessa possibilidade: o extremo em que os próprios usurários são as autorida­ des morais supremas. Compare isso, digamos, com a França medieval, onde o status moral dos agiotas estava seriamente em questão. A Igreja Católica sempre proibiu a prática de emprestar dinheiro a juros, mas as regras muitas vezes caíam em desuso, levando a hierarquia da Igreja a autorizar campanhas de pregação, a mandar frades mendicantes de cidade em cidade para alertar os usurários de que, se não se arrependessem e restituíssem plenamente to­ dos os juros cobrados das vítimas, eles certamente iriam para o inferno. Esses sermões, muitos dos quais sobreviveram, são cheios de histórias de horror sobre o julgamento de Deus reservado aos emprestadores impeni­ tentes: casos de homens ricos acometidos pela loucura ou por doenças terrí­ veis, assombrados no leito de morte por pesadelos com cobras ou demônios que logo lacerariam ou comeriam sua carne. No século

x ii,

quando essas

campanhas chegaram ao auge, começaram a ser empregadas sanções mais diretas. O papado expediu ordens aos párocos locais para que todos os usu­ rários conhecidos fossem excomungados: estavam proibidos de receber os sacramentos e sob nenhuma circunstância seus corpos seriam enterrados em solo sagrado. Um cardeal francês, Jacques de Vitry, registrou por voltado 1210 18

.( Itislória de um agiota particularm ente influente cujos am igos tentaram I'i « v .m>nar o pároco para que fizesse vista grossa e perm itisse seu enterro no i em ltério local:

C o m o os amigos do usurário morto foram muito insistentes, o padre cedeu

ii pressão e disse: “Vamos colocar o corpo em cima de um asno e observar qu.il é a vontade de Deus e o que Ele fará com o corpo. Para onde quer que 0 asno o leve, seja uma igreja, campo-santo ou alhures, lá eu o enterrarei”. () corpo foi colocado sobre um asno que seguiu em linha reta, sem desviar 1 >.u.1 ,i direita ou para a esquerda, até sair da cidade e chegar a um local onde liavia

um patíbulo em que ladrões eram enforcados. O asno então deu um pi-

11«»ir e lançou o corpo sobre um monte de excrementos embaixo do patíbulo."

A«» exam in arm os a literatura m undial, é quase im possível encontrar Um« Única representação favorável a algum agiota - ou, seja com o for, a um um. .i.» profissional, que, p or definição, é aquele que cobra juros. N ão sei se • iiMt outra profissão (a de algoz?) com um a im agem ruim tão consagrada. 11ata sr de algo especialm ente notável quando pensam os que, ao contrário tln*. al^o/es. os usurários geralm ente estão entre os mais ricos e poderosos •li m as i »uminidades. Contudo, o próprio nome, “usurário”, evoca imagens de hImiI icv

dinheiro sujo, cobranças abusivas, com ércio de almas e, por trás disso

luilo ii demônio, muitas vezes representado com o uma espécie de usurário, um i nuiadoi m aligno com livros e registros, ou com o uma figura que paira a « . i »sta*, do usurário, esperando o m om ento de tom ar posse da alma de um \ il.h. 111li , t m razão de seu ofício, obviam ente fez um pacto com o inferno. I in In mos históricos, houve apenas duas maneiras eficazes de um emprestadni it ui.ii luglr de seu opróbrio: ou jogando a responsabilidade em um ter............... .iIm n iando que o tomador do empréstimo é ainda pior. Na Europa me­ di* \,il poi exemplo, os fidalgos incorriam na primeira categoria, empregando ( m i l um i u i

no

suis

sub rogados. Muitos falavam inclusive em “nossos” judeus

mi m|íi judeus sob sua proteção pessoal - e m b o r a na prática isso geralmente «iitnllit .iisr que eles, em prim eiro lugar, negariam aos judeus que viviam em >ih»i li 11 li« »1 los quaisquer meios de arcar com a própria sobrevivência, exceto a 19

usura (assegurando-se de que fossem m uito odiados), e depois se voltariam contra esses judeus, afirm ando serem criaturas detestáveis e tomando para si o dinheiro deles. A segunda categoria é mais com um - mas costum a levar à conclusão de que am bas as partes envolvidas no empréstim o são igualmente culpadas; de que a situação com o um todo é desprezível e de que, muito prova­ velmente, as duas partes são malditas. . Outras tradições religiosas têm perspectivas diferentes. Nos códigos de leis hindus medievais, além de os em préstim os a juros serem admissíveis (a única condição era que os juros não excedessem o principal), era com um di­ zer que Q^devedQF-que n ão pagasse renasceria com o escravo da residência de seu credor - ou, em códigos posteriores, renasceria com o seu cavalo ou boi. A mesm a atitude tolerante para com os em prestadores, e alertas de vingança cárm ica contra os tom adores de empréstimo, reaparece em muitas correntes do budism o. Todavia, no m om ento em que se supunha que os usurários es­ tavam indo longe demais, com eçava a aparçcer exatam ente o m esm o tipo de histórias encontradas na Europa. Um escritor japonês medieval conta uma delas - insistindo tratar-se de uma história verdadeira -,sobre-e-tem vel tlesIjn o de HiromushimeJ_esposa de um abastado governante distrital, por volta de 776 a.C. Por ser um a m ulher excepcionalm ente gananciosa,

ela acrescentava água à aguardente de arroz que vendia e lucrava bastante com esse saquê diluído. No dia em que emprestava algo para alguém, ela usava um medidor pequeno, mas no dia da coleta, usava um medidor grande. Quando emprestava arroz, sua escala registrava porções pequenas, mas quando recebia o pagamento, era em grandes quantidades. O lucro que ela obtinha de maneira forçada era enorme - geralmente dez ou até cem ve­ zes mais que a quantidade do empréstimo original. Ela era rígida ao cobrar as dívidas, e não demonstrava nenhuma compaixão. Por causa disso, muitas pessoas ficaram angustiadas; abandonaram sua residência para se afastarem dela, peregrinando para outras províncias.8

Depois que ela m orreu, m onges rezaram sobre seu caixão durante sete dias. No sétimo, m isteriosam ente ela voltou à vida: 20

Nijmles (jiii* (. hegavam para vê-la deparavam com um fedor indescritível. I »,i i Intura para cima, ela já havia se transformado em um boi com chifres dr li» / 1 entímetros na testa. As duas màos tinham virado cascos, e as unhas t si.ivam rachadas, lembrando agora a frente do casco de um boi. Da cintura I*.ii .1 baixo, porém, o corpo ainda era humano. Ela já nào gostava de arroz • pirleria se alimentar de grama. Não comia, ruminava. Nua, deitava sobre o próprio excremento.9 ( ui insos ihegavam de todo canto. Sentindo culpa e vergonha, a famíl l i i l í i i i « mi

desesperadam ente com prar o perdão: saldou todas as dívidas que

ilnli.i * • »in .is pessoas e doou grande parte de sua riqueza para instituições ti hjíiMs.r. l*oi fnu. com passivam ente, o m onstro m orreu. () .minr, um monge, sentia que essa história representava um claro exemI*1* • »1« n n u arnaçào prem atura - a m ulher estava sendo punida, de acordo i m u i .1 li i doc.irm a, por violações que cometera contra “o que é tanto razoável i|t h! i i l o t oi

id o ". O problem a era que as escrituras budistas, no que diz res-

tn I ra Ia mento que davam explicitam ente à questão, não forneciam um 1111 ( i il ri i l i

I in geral, eram os devedores que supostam ente reencarnariam

i mm • I*i »iv li.lo os credores. Sendo assim , no m om ento de explicar a moral d.i l i i . n >i i,i.

o íiulor deu um esclarecim ento muito confuso:

Av i i i n . li /

um suira: "Quando não restituímos aquilo que tomamos empres-

iitili. nosso pagamento será renascer na forma de boi ou cavalo”. “O devedor • . ttiiiu um «-si r.ivo, o credor é como um mestre.” Ou, repetindo: “O devetltn ( mu l.ns.io, seu credor, um falcão”. Se sua situação fora de quem conce-

•It ii um empréstimo, nào pressione excessivamente o devedor para que lhe Si .issim o fizer, você renascerá como cavalo ou boi e terá de trabalhar

I» u i mu deveilm e pagar muito mais do que lhe é devido.10

< mu

i Hiii i lii ,i. entílo? Os dois nào podem acabar com o animais instalados

i m i »d um do outro. Intl.is ,is grandes tradições religiosas parecem martelar nesse dilema, de

«h u m li »1 i i i i i

nu de outra. Pm um lado, uma ve/, que todas as relações humanas 21

envolvem a dívida, todos estão moralmente comprometidos. É provável que as duas partes sejam culpadas de algo tão somente por entrarem em relação; na melhor das hipóteses, correm um grande risco de se tornarem culpadas se o pagamento for atrasado. Por outro lado, quando dizemos que uma pes­ soa age “como se não devesse nada a ninguém”, dificilmente estamos descre­ vendo alguém como um modelo de virtude. No mundo secular, a moralidade consiste basicamente em cumprir nossas obrigações para com os outros, e temos uma persistente tendência a imaginar essas obrigações como dívidas. Os monges talvez possam evitar o dilema isolando-se totalmente do mundo secular, mas o restante de nós parecemos condenados a viver em um universo que não faz muito sentido.

A história de Hiromushime é o exemplo perfeito do impulso de devolver a acusação para o acusador - assim como na história do usurário morto e o asno, a ênfase dada ao excremento, aos animais e à humilhação claramente tem um sentido de justiça poética, que força o credor a experimentar as mes­ mas sensações de desgraça e degradação que os devedores sempre são obriga­ dos a sentir. Há um modo muito mais intenso e visceral de colocar a mesma questão: “Quem realmente deve o que a quem?”. Ela também é um exemplo perfeito de como, no momento em que al­ guém se faz a pergunta “quem deve o que a quem?”, essa pessoa já começou a adotar a linguagem do credor - da mesma forma que, se não pagarmos as nossas dívidas, “nosso pagamento será renascer como cavalo ou boi”, tam­ bém se você for um credor injusto terá que “pagar de volta”. Até mesmo a justiça cármica pode ser reduzida à linguagem dos negócios. Chegamos^âssim, às questões centrais deste livro: o que significa dizer exatamente que nosso senso de moral e justiça é reduzido à linguagem de . um acordo comercial? O que significa reduzirmos as obrigações morais a dívidas? O que muda quando uma se transforma na outra? E como falar sobre elas se a nossa linguagem tem sido de tal forma moldada pelo mercado? Até certo ponto, a diferença entre obrigação e dívida é simples e óbvia. A dívida é a obrigação de pagar certa quantia de dinheiro. Disso resulta que .1 dívida, 22

ilifemiieti 11*111 (’ de qualquer outra form a de obrigação, pode ser quantificada um I lo Isso permite que as dívidas sejam tomadas com o algum a coisa llniplt s Im.i < impessoal - o que, por sua vez, permite que sejam transferíveis. • • H 111. li i se

deve um favor, ou a própria vida, a outro ser hum ano, trata-se de

ultl" ilr\ ulo

apenas àquela pessoa. Mas quando são devidos 40 mil dólares a

1 TN, de ( mos . 11,1 verdade não im porta quem é o credor; tam pouco im porta, «< qu.ilqiiei uma das partes, pensar no que a outra precisa, deseja ou é capaz ile (d/ri

1 01110

ocorreria pensar se o que se deve é um favor, respeito ou gra-

11«la« 1 N.io é prec iso calcular os efeitos hum anos; só é preciso calcular o prin• I|mI

o

s.ildo.i pagar, as multas e as taxas de juros. Se você tiver de abandonar

•1 um »iis.i e m udar para outras províncias, se sua filha for para um garim po • "iii. • prostituta. tudo bem, será uma desgraça, m as isso é secundário para ..

I )inhciro é dinheiro, e trato é trato.

I >ess.i perspectiva, o fator crucial, e o assunto que será explorado detalhail.inu nit nestas páginas, é a capacidade que tem o dinheiro de transform ar a iiu »1 .ilid.idc em uma questão de aritmética impessoal - e , ao fazer isso^xiejustifi■ 11 111 iu< 1 »cs que. de outra maneira, pareceriam ultrajantes ou obscenas. O fator .|ii» i ria .1 diferença entre uma “dívida” e uma simples obrigação moral n àoé • I*i. scnça ou a ausência de homens armados que podem fazer com que a obrie.f. .11»sc*)a cumprida tomando as posses do devedor ou ameaçando quebrar as mi.r. pernas, mas é simplesmente o fato de o credor ter os meios de especificar, em lei mos numéricos, exatamente quanto o devedor lhe deve. No entanto, à luz de uma análise mais profunda, descobrim os que esses •I. us elementos

a violência e a quantificação - estão intim amente ligados.

N.i verdade, é quase im possível encontrarm os um sem o outro. Os usurários li.un eses tinham am igos e m andantes poderosos, capazes de intim idar até m esm o .is autoridades da Igreja. De que outra m aneira eles conseguiriam • oln.ir dívidas que eram tecnicamente ilegais? Hirom ushim e era totalmente Inllexívcl com seus devedores

"11.10dem onstrava nenhuma m isericórdia” - ,

111.n, por outro lado. seu m arido era o governante. Fia não tinha de dem onsii.it m isericórdia. Quem nâo dispõe de um exército arm ado atrás de si nào leni i oiuliçòes de sei Mo seveio. 23

O

m odo com o a violência, ou a am eaça de violência, transforma as rela­

ções hum anas em m atem ática vai aparecer m uitas outras vezes no decorrer deste livro. Trata-se da m aior fonte de con fu são m oral que parece rodear tudo o que diz respeito ao tema da dívida. Os dilem as resultantes parecem ser tão antigos quanto a própria civilização. Podemos observar o processo nos prim eiros docum entos da antiga M esopotâm ia; sua expressão filosó­ fica inicial aparece nos Vedas, reaparece em infindáveis form as ao longo da história escrita e ainda serve de base para a estrutura essencial de nossas instituições atuais - Estado e m ercado, nossas concepções mais básicas de natureza e liberdade, m oralidade, sociabilidade - , todas elas m oldadas por histórias de guerra, conquista e escravidão de um a tal m aneira que já não som os capazes de perceber isso porque já não con seguim os im aginar as coisas de outra form a.

Por m otivos óbvios, este é um m om ento particularm ente im portante para reexam inar a história da dívida. Em setem bro de 2008 viu-se o início de uma crise financeira que quase levou a econom ia mundial à repentina estagnação. Em m uitos aspectos, isso de fato ocorreu: m uitos navios pararam de cruzar os oceanos e outros m ilhares foram abandonados ou até destruídos e m an­ dados para o ferro-velh o.11 Guindastes de construção foram desm ontados, pois não havia o que construir. Os bancos pararam de fazer em préstim os. A fú ria e a p erp lexid ad e das p esso as não foram a ún ica con seq u ên cia da crise: com eçou tam bém um debate público efetivo sobre a natureza da dívida, do dinheiro e das instituições financeiras, um debate que poderia m udar o destino dos países. Mas foi apenas um m om en to. O debate nunca chegou a acon tecer realm ente. Havia um a razão para as pessoas ao m enos estarem prontas para essa conversa: a história que todas elas tinham ouvido nos dez ou mais anos an­ teriores se revelou um a mentira colossal. Não há uma maneira mais palatável de dizer isso. Durante anos, todos nós ou vim os falar de um a penca de inovações financeiras ultrassofisticadas: derivativos de crédito c m m adoria, 24

dei ivativos de títulos garantidos por hipoteca, títulos híbridos, conversões da dívida etc. Esses novos m ercados de derivativos eram tão inacreditavel­ mente sofisticados que - de acordo com um a história que se ouvia à época uma fam osa em presa de investim entos teve de em pregar astrofísicos para • »perar program as de com pra e venda tão com plexos que nem os financistas i on.seguiam entender. A m ensagem era clara: deixe isso para os profissionais. você provavelm ente não conseguirá entender nada. M esm o que você ii.to goste m uito dos investidores financeiros (e poucos parecem dispostos a dclender que eles tenham algo de agradável), trata-se de um pessoal muito • .ipacitado; na verdade, tão excepcionalm ente capacitado que a fiscalização democrática dos m ercados financeiros nem sequer era cogitada. (Até m esm o diversos acadêm icos se deixaram levar por isso. Eu bem me lem bro de ir a • 11.. 1. m •. kisit .is levantadas em 2008. As manifestações logo conseguiIMMi. I111n.il a atenção para si e, em seguida, foram alvo de uma repressão VI0I1 ni. 1 . d.i reprovação da imprensa. Tudo isso apesar de a economia lliitndi.il entai mergulhando inexoravelmente em uma nova catástrofe fi•mm. Hi a 1 a unk a pergunta verdadeira é quanto tempo ela vai durar. CheIftimoN a., p. nito em que ale mesmo algumas das principais instituições são §Htl|)M«la.....idmllli. ainda quede maneira tácita, que essa catástrofe está >lt I hik «i apiosiniaudo I 111 meados de 2012, o Banco Centrai americano

t>>>1*1. im >|.l.iHo de »lívlo il.is hipotei .is. plano que a classe po­ li..... .. .................... M.i».|>ms Ievai em consideraçAo. Durante um tempo, »>11 10!» a dlteçAo de I >omlnlque Strauss Kalin, começou a tentar se 27

rep osicion ar com o a con sciên cia do capitalism o global, em itindo alertas de que, se a econom ia continuasse no cu rso atual, algum tipo de crise seria inevitável e provavelm ente não haveria outro resgate financeiro: as pessoas sim plesm ente não ap oiariam isso, e, p or fim , tudo iria desm oronar,

“ fmi

alerta que segun do resgate financeiro seria um a ‘am eaça à d em o cracia’”, dizia um a manchete à ép o ca .16 (É claro que por “dem ocracia” eles entendem “capitalism o”.) Certamente isso significa que, m esm o aquelas pessoas que se sentem responsáveis por m anter o funcionam ento do sistem a econôm ico global atual, pessoas que há apenas alguns anos agiam com o se pudessem ad ivin har que o sistem a em vigo r existiria para sem pre, agora veem por todo lado a im inência do apocalipse.

Nesse caso, o

fm i

tem razão. E nós temos todos os motivos para acreditar que

estam os no limiar de transform ações extrem am ente im portantes. Sabe-se que a tendência com um é im aginar tudo o que nos cerca com o absolutam ente novo. E isso é tão mais verdadeiro com relação ao dinheiro. Q uantas e quantas vezes não nos disseram que o aparecim ento da m oeda virtu al - ou seja, a tran sfo rm ação do dinheiro em plástico e das cédulas em inform ação eletrônica - está nos levando a um m undo financeiro novo, nunca visto? A suposição de que já vivíam os nesse território inexplorado, é claro, foi um dos fatores que ajudaram gru p os com o Goldm an Sachs e

aig

a convencer as pessoas com tanta facilidade de que provavelmente ninguém entenderia seus novos e fascinantes instrum entos financeiros. Q uando anaJisam oíLa-questão-enrum a escahrhrêtÓFiea-ampla, no entanto, a primeira^ coisa que aprendem os é que não há novidade nenhum a na m oeda virtual. Na verdade, essa era a form a original de m oeda. Sistemas de crédito, contas a pagar, até m esm o contabilidade de despesas, tudo isso já existia muito antes do dinheiro vivo. Essas coisas são tão antigas quanto a própria civilização. Tam bém descobrim os que a história tende a alternar períodos dom inados p o r lingotes - em que o ouro e a prata são considerados m oeda - e períodos em que am o èd a é tida com o uma abstração, uma unidade virtual de conta­ bilidade- No entanto, cm term os históricos, a moeda virtual, ou dinheiro de 28

ni |»ï 111K‘iro, e o que testem unham os hoje é um retorno de supoll^O ri 1111*" 1er iam sido consideradas obvias e de senso com um , digam os, na Mi.Ii.i

li l. nl*

ou aie m esm o na antiga M esopotâm ia.

........H. a história nos dá pistas fascinantes do que podem os esperar. Por Mi Miplo no passado, os periodos de m oeda virtual, ou dinheiro de crédito, iMiplit aiam invariavelmente a criaçào de instituições feitas para evitar um ilt -M..mu île i cimplcto - para evitar que os em prestadores se juntassem aos PtlMii laias e políticos e esvaziassem o bolso das pessoas, com o parecem fazer H|f*Ma I %•.* •. pei nulos sào acom panhados pela criação de instituições destinat!

a

|»i • *i«

i os devedores. A nova era do dinheiro de crédito cm que estamos

|Mi • * i I* i m mu iado de m aneira invertida. Ela com eçou com a criaçào de lobais com o o

fm í,

destinadas a proteger não os devedores, mas

P I i h «Ion ■■ Ao mesmo tem po, dentro da escala histórica que em pregam os uma tlei ada ou duas não é nada. Não temos ideia do que esperar.

I nu l|\ i " , |nu I a ut o, é uma história da dívida, mas tam bém recorre a essa l l h i o i ia a 111u de la/cr perguntas fundam entais sobre o que são os seres huHtMMo* * a mm l e da d e hum ana, ou sobre o que eles poderiam s e r - s o b r e o i|tii m a l uu uie d e v e m o s uns aos outros e até o que significa fazer essa per­ A ' . U m o l iv r o tenta, de início, destruir um a série de m itos - não só

cutia

li m ito do i •,* am bo, que é discutido no p ró xim o capítulo, m as tam bém Htlln« i h ais -.**l»ie dividas prim ordiais para com os deuses, ou para com o

NmiI**

m i t o s que. de uma form a ou de outra, são a base das suposições

l l M i l a * |mlo •.» u s o com um sobre a natureza da econom ia e da sociedade.

I* i do .. uso com um , listado e M ercado se destacam acim a de tudo m in*' |mIim l|mo‘iictarias. ele deveria se limitar a garantir a estabilidade da moeda.

|'i*» • ui dei oi i cncia dessa tese que Adam Smith conseguiu afirm ar que a ecoH l" u i 11 |*oi si só um cam po da investigação humana com princípios e leis

|mi.|li. uicuos antes de 1776, ano em que o livro A riqueza das nações, de Adam ittuili lol publicado.

Nii verdade, o elemento que falta é exatamente o que Adam Smith ten|(M'» 1ulmnlimar: o papel da política governamental. Na Inglaterra, na época Hinlth, tornara-se possível ver o mercado, o mundo dos açougueiros, 0 fVH'i||> lios e pequenos comerciantes, como uma esfera própria e indepen-

tltiiti 1'tilre as atividades humanas, pois o governo britânico o encorajava |^(v»uiii ute. Esse encorajamento exigiu leis e polícia, mas também políticas i lfM i' taiias específicas defendidas (de maneira bem-sucedida) por liberais I HiiiH Smith.s Foi preciso também atrelar o valor da moeda à prata, mas ao IHmmio Irmpo aumentando bastante a oferta monetária e principalmente a HtMutldadc de troco miúdo em circulação. Isso, por sua vez, não só exigiu 61

uma quantidade enorme de estanho c cobre, como também a regula«,Ao c ui­ dadosa dos bancos, que, naquela época, eram a única fonte dc papel-moeda. O século anterior à publicação de A riqueza das nações foi palco de pelo me­ nos duas tentativas de criar bancos centrais sustentados pelo Estado, na França e na Suécia, iniciativas que resultaram em fracassos gigantescos. Em cada caso, o pretenso banco central emitiu notas baseadas em grande parte na especulação que ruiu no momento em que os investidores perderam a confiança. Smitliapoiava o uso do papel-moeda, mas, assim como Locke antes dele, Smith também acreditava que o sucesso relativo do Banco da Inglaterra e do Banco da Escócia se deveu à política de atrelar firmemente o papel-moeda aos metais preciosos. Esta se tornou a visão econômica predominante, tanto que as teorias alternativas do dinheiro como crédito - como a defendida por Mitchell Innes - foram rapidamente postas de lado, seus proponentes foram descartados como excêntricos e passaram a ser consideradas um tipo de pen­ samento que leva aos bad banks [bancos ruins] e às bolhas especulativas. Sendo assim, pode ser útil considerar quais foram essas teorias alternativas.

T E O R IA ESTATAL DA MOEDA E T E O R IA DO D IN H E IR O CO M O C R É D IT O

O inglês Mitchell Innes foi o expoente do que chamamos de teoria do dinheiro como crédito, uma corrente de pensamento que, no decorrer do século xix, teve seus defensores mais entusiasmados não na Grã-Bretanha, mas sim nas duas potências rivais em ascensão na época - Estados Unidos e Alemanha. Os teóricos dessa corrente insistiam que o dinheiro não é uma mercadoria, mas uma ferramenta de contabilidade. Em outras palavras, ele não é “uma coisa”. Assim como não pode se tocar uma hora ou um centímetro cúbico, não podemos tocar um dólar ou um marco alemão. Unidades monetárias não passam de unidades abstratas de medida, e, como também notaram esses teóricos, historicamente os sistemas contábeis abstratos surgiram antes do uso de qualquer meio simbólico particular de troca.9 A próxima pergunta óbvia é a seguinte: se o dinheiro é apenas um padrão de medida, o que ele mede? A resposta é simples: a dívida. Uma moeda de metal,

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Mit verdade, é apenas iun valt\* Enquanto o pensamento convem ion.il sustenta

i|tic uma nota de dinheiro é, ou deveria ser, uma promessa para o pagamento de «n ia quantia em "dinheiro real" (ouro, prata, ou o que quer que isso signifique),

i »•»adeptos da teoria do dinheiro como crédito argumentavam que uma nota de dinheiro é apenas a promessa para o pagamento de alguma coisa do mesmo valor

que uma onça de ouro. O dinheiro é exatamente isso. Não há diferença fundanu iii.il nesse aspecto entre umciólar de prata, uma moeda de dólar cunhada t mui .1 imagem de Susan B. Anthony em liga de cuproníquel feita para lemagamente o ouro, um pedaço verde de papel com a imagem de George lundum ou um sinal luminoso na tela do computador do banco. ConceiiMtflmcnte, a ideia de que um pedaço de ouro não passa de um vale é sempre

mun «lilk il de entender, mas ela tem de ser verdade porque, mesmo quando se IHMtVriin moedas de ouro e prata, elas quase nunca circulavam com seu valor real.
que .is pessoas continuem acreditando em Henry. Na verdade, se passar tlin In mi lempo, as pessoas podem se esquecer totalmente do emissor. Coisas ■M m tf» oniecem. O antropólogo Keith Hart contou-me uma história sobre flfci H iiijiii.il,

lou (abreviação de “I owe you”, “eu lhe devo”). Trata-se de um documento

H'"l 'I'"' «lesta a existência de uma dívida e não é negociável. De modo geral, um iou « n i h •« a d o por um produto ou serviço específicos, e não por moeda corrente, e quase H t e f * iin |h oprio estabelecimento que o emitiu, [n.t.]

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seu irmão, que serviu como soldado brltAnlco em I long Kong na dei ada de

1950. Os soldados costumavam pagar suas contas de bar passando cheques de bancos da Inglaterra. Os comerciantes locais muitas vezes apenas os endos­ savam entre si e os faziam circular como moeda corrente. Uma vez ele viu um de seus cheques, preenchido seis meses antes, no balcão de um vendedor local, coberto com cerca de quarenta diferentes inscrições minúsculas em chinês. Adeptos da teoria do dinheiro como crédito como Mitchell Innes argu­ mentavam que, mesmo se Henry desse uma moeda de ouro para Joshua em vez de um pedaço de papel, a situação seria essencialmente a mesma. Uma moeda de ouro é uma promessa de pagamento de alguma outra coisa de valor equiva­ lente a uma moeda de ouro. Afinal de contas, uma moeda de ouro não é útil em . si. Nós só a aceitamos porque presumimos que os outros também a aceitarão. Nesse sentido, o valor de uma unidade monetária não é a medida do valor de um objeto, mas a medida da confiança de uma pessoa em outros seres humanos. Esse elemento de confiança, é claro, torna tudo mais complicado. As pri­ meiras cédulas circularam de um modo praticamente igual ao que acabei de descrever, exceto que, como ocorreu com os comerciantes chineses, cada re­ ceptor acrescentava sua assinatura para garantir a legitimidade da dívida. Mas, . de modageral, a dificuldade da explicação cartalista - como foi chamada, a partir do latim charta (folha de papel, ou papiro, carta, lâmina de metal) - é defi­ nir por que as pessoas continuariam confiando em um pedaço de papel. Afinal, por que as pessoas não podiam simplesmente assinar o vale com o nome de Henry? Sim, esse tipo de sistema baseado em símbolos da dívida poderia fun­ cionar se limitado a um pequeno vilarejo onde todos se conhecessem, ou até mesmo em uma comunidade mais dispersa como a dos mercadores italianos do século xvi ou chineses do século xx, em que as pessoas não perdiam de vista umas às outras. Mas sistemas assim não podem criar um sistema monetário completo, e não há evidências de que já tenham criado algum. Para fornecer uma quantidade suficiente de vales para garantir que cada pessoa, mesmo em uma cidade de porte médio, seja capaz de realizar uma parcela significativa de suas transações diárias nessa moeda seria necessário dispor de milhões desses vales.11 Para garantir todos eles, Henry teria de ser inacreditavelmente rico.

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No entanto, tudo isso não seria problema se I ienry >ss1 outro lado, se simplesmente fossem entregues moedas para os soldados • losse exigido que cada família do reino devolvesse quantidade equivalente .li moedas como pagamento, toda a economia nacional seria transformada, de iiiu.i só vez, em uma máquina gigantesca de provisão de soldados, uma vez que, assim, cada família, para conseguir moedas, teria de encontrar alguma iiMiieira de contribuir para o esforço geral de fornecer aos soldados aquilo de que necessitam. Os mercados começam a existir como efeito colateral. Trata-se de uma versão meio caricaturada, mas ela deixa bem claro que • 1nercados apareceram ao redor de antigos exércitos; basta olharmos para n Arthasãstra, de Kautilya, para o “círculo da soberania” sassânida ou para os I Mscursos de sal e ferro” chineses para descobrir que a maioria dos goveriMiites antigos passava grande parte do tempo pensando na relação entre

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minas, soldados, impostos o comida. A maioria concluiu que .111 iaçâo dc mercados assim era não apenas conveniente para alimentar os soldados, mas também útil em diversos aspectos, pois significava que os oficiais não teriam mais de recorrer ao populacho para obter todos os bens de que precisas­ sem, ou descobrir um modo de produzi-los nas propriedades e oficinas reais. Em outras palavras, apesar da tenaz suposição liberal - vale ressaltar, oriunda do legado de Adam Smith - de que Estados e mercados de certa maneira se opõem, as fontes históricas indicam exatamente o contrário. Sociedades sem Estado tendem também a não ter mercados. -Xomo se pode imaginar, as teorias estatais da moeda sempre foram um anátema para os economistas ortodoxos, que trabalham na tradição de Adam Smith. Na verdade, o cartalismo tendia a ser visto como um submundo po­ pulista da teoria econômica, defendida principalmente por excêntricos.19 O curioso é que esses economistas ortodoxos muitas vezes trabalhavam para - os governos e os aconselhavam a buscar políticas muito parecidas com as descritas pelos cartalistas - ou seja, políticas fiscais feitas para criar merca­ dos onde eles não existiam -, apesar do fato de estarem, em teoria, compro­ metidos com a tese de Adam Smith de que os mercados se desenvolvem de /naneira espontânea. . Isso é particularmente válido para o mundo colonial. Retornando a Madagascar: já mencionei que uma das primeiras coisas que o general fran­ cês Gallieni fez ao assumir o controle da ilha por completo em 1901 foi im­ por um imposto por cabeça. Além de ser muito alto, o imposto só podia ser pago em francos matgaxes emitidos recentemente. Em outras palavras, Gallieni emitia o dinheiro e depois exigia que todos no país lhe devolvessem o mesmo dinheiro. Mais surpreendente, no entanto, era a linguagem usada para descrever ^ o tributo, chamado de impôt moralisateur - imposto “moralizante” ou “educa­ cional”. Em outras palavras, seu objetivo - adotando a linguagem da época - era ensinar aos nativos o valor do trabalho. Como o “imposto moralizador” era cobrado logo depois da época de colheita, a maneira mais fácil de os agricultores o pagarem era vendendo uma parte do que colheram em ar­ roz para os mercadores chineses ou indianos que logo se estabeleceram nas

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| mqurnas cidades dc» país inteiro. No entanto, .1 colheita acontecia quando o

prtV>de mercado do arroz, por razões óbvias, estava em baixa; se a pessoa Vriulcssc uma qu.mtidade muito grande do que colheu, isso significava que rl.i 11,to teria o suficiente para alimentar sua família durante o restante do Ati« >, c assim seria forçada a comprar de volta o próprio arroz, a crédito, dos lltesmos mercadores, quando os preços estivessem muito mais elevados. Anstm, os agricultores se endividavam rápida e irremediavelmente (os mer-

t .iilnres também agiam como agiotas). A maneira mais fácil de pagar a dí­ vida era realizar algum tipo de cultivo comercial - como começar a plantar

»nfc 011 abacaxi - ou então mandar os filhos trabalharem por salário nas 1idades ou em uma das plantações que os colonos franceses estavam eslabrlecendo em toda a ilha. Todo o projeto formava um esquema cínico

|Mia extorquir o trabalho barato do campesinato, mas não só isso. O gov•1110 colonial era bem explícito (pelo menos em seus documentos de polílli .1 interna) sobre a necessidade de garantir que os camponeses tivessem |»rli»menos algum dinheiro guardado e que se acostumassem aos pequenos

lu ms

guarda-sóis, batons, biscoitos - disponíveis nas lojas chinesas. Era

•nu ial que eles desenvolvessem novos gostos, hábitos e expectativas; que lançassem a base de uma demanda de consumo que perduraria muito tempo ijr|uus que os conquistadores tivessem ido embora, mantendo Madagascar jurso a França para sempre. A maioria das pessoas não é boba, e a maioria dos malgaxes entendia exa-

1.mu nte o que os conquistadores tentavam fazer. Alguns estavam decididos •I u sistir. Mais de sessenta anos depois da invasão, um antropólogo francês,

;avam todo o dinheiro restante para os mais velhos de suas famílias, que I’«»is o usariam para comprar gado e sacrificá-lo em nome dos ancestrais.20 Muitos diziam abertamente que estavam evitando uma armadilha. Apesar disso, raramente dura para sempre esse tipo de resistência. Pouco • |»ih k ;o

os

m e rca d o s to m a ra m form a, m e sm o naquelas partes da ilh a em

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que antes não havia ninguém. C om os meu acios surgiu a inevitável rede de pequenas lojas. E quando cheguei lá, em 1990, uma geração depois de o im­ posto por cabeça finalmente ter sido abolido por um governo revolucionário, a lógica do mercado era aceita de maneira tão automática que até mesmo os médiuns repetiam frases que poderiam muito bem ter saído da pena de Adam Smith. Esses exemplos poderiam ser multiplicados indefinidamente. Algo pare­ cido aconteceu praticamente em todas as partes do mundo conquistadas por exércitos europeus onde ainda não havia mercados. Em vez de descobrirem o escambo, eles deram corpo ao mercado usando as mesmas técnicas que as economias dominantes rejeitaram.

EM B U S C A DE U M M IT O

Os antropólogos vêm reclamando do mito do escambo há quase um século. — De vez em quando os economistas afirmam, com uma leve irritação, que eles xontinuam contando a mesma história, apesar de todas as evidências em con­ trário, por uma razão muito simples: os antropólogos nunca conseguiram elaborar uma história melhor.21 Essa objeção é compreensível, mas há uma resposta simples para ela. Os antropólogos não são capazes de elaborar um relato simples e convincente para a origem do dinheiro porque não há razão para acreditar que isso seja possível. O dinheiro foi tão “inventado” quanto a música, a matemática ou a joalheria. O que chamamos de “dinheiro” não é uma “coisa”; é um modo de compararas coisas matematicamente, como proporçõesLde dizer que 1 de x é equivalente a 6 de Y.^Çomo tal, ele é tão antigo quanto o próprio pensamento humano. No momento em que tentamos ser mais específicos, descobrimos que há uma infinidade de hábitos e práticas diferentes que convergiram para o que hoje chamamos “dinheiro”, e é jus­ tamente por isso que economistas, historiadores e outros acham tão difícil elaborar uma única definição. Os teóricos do dinheiro como crédito enfrentam dificuldades há muito tempo pela falta de uma narrativa igualmente atraente. Isso não quer dizer que

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imlns os partic ipantes dos debates monetários ocorridos entre iXso e 1950 nào

tivessem o hábito de recorrer à artilharia mitológica. Ialvez isso tenha sido verdadeiro principalmente em relação aos listados Unidos. Em 1894, os green-

I»ai krrs, que fizeram pressão para o dólar ser totalmente desatrelado do ouro a hm de permitir que o governo gastasse livremente em campanhas de criação ile emprego, inventaram a ideia da Marcha sobre Washington - ideia que teria rrssonància sem fim na história dos Estados Unidos. O livro O mágico de Oz,

1li I I rank Baum, publicado em 1900, costuma ser visto como uma parábola 1I.11 ampanha populista de William Jennings Bryan, que concorreu duas vezes 1 Presidência pela plataforma eleitoral Free Silver- prometendo substituir o |i,uli ào-ouro por um sistema bimetálico que permitiria a livre criação de di­ nheiro de prata junto com o de ouro.22Como no caso dos greenbackers, um dos melhores eleitorados para o movimento era o dos devedores: em particular, Iuinílias fazendeiras do Centro-Oeste como a de Dorothy, de O mágico de Oz, que enfrentaram uma onda maciça de execuções de hipoteca durante a severa

in essão dos anos 1890. De acordo com a leitura populista, as Bruxas Más do I este e do Oeste representam os banqueiros da Costa Leste e Oeste (que promiiviam e patrocinavam a oferta monetária restrita), o Espantalho simboliza os l.i rendeiros (que não tinham inteligência para evitar a armadilha da dívida), o I li unem de Lata é o proletariado industrial (que não tinha coração para agir em milidariedade com os fazendeiros), e o Leão Covarde representa a classe política ique não tinha coragem de intervir). A estrada de tijolos amarelos, os sapati-

nIn >s de prata, a cidade de esmeraldas e o Mágico desafortunado supostamente lülam por si mesmos.23 “Oz”, obviamente, é a abreviação-padrão de “onça”.24 ( 1uno tentativa de criar um novo mito, a história de Baum foi notavelmente efi•.1/. Mas não o foi como propaganda política. William Jennings Bryan fracassou

em três tentativas de chegar à Presidência, o padrão-prata nunca foi adotado e |n xic os hoje em dia sabem do que supostamente tratava O mágico de Oz.25 Para os adeptos da Teoria Estatal da Moeda, em particular, isso foi um l»ioblema. Relatos sobre governantes que recorrem aos impostos para criar mei eados em territórios conquistados ou para pagar a soldados e outras fun­ gues

estatais não são particularmente inspiradores. E as ideias alemãs sobre o

«linheiro como encarnação da vontade nacional não se propagaram muito bem.

No entanto, toda vez que houve um grande colapso econômico, a econo­ mia ortodoxa do laissez-Jaire foi afetada. As campanhas de Bryan foram criadas como uma reação ao Pânico de 1893. Na época da Grande Depressão da década de 1930, a própria ideia de que o mercado podia regular a si mesmo, desde que o governo garantisse que o dinheiro estivesse seguramente atrelado aos metais preciosos, foi completamente desacreditada. Mais ou menos de 1933 a 1979, cada um dos principais governos capitalistas reverteu o curso e adotou alguma ver­ são do keynesianismo. A ortodoxia keynesiana começou com a suposição de que os mercados capitalistas só funcionariam de fato se os governos capitalistas estivessem dispostos a efetivamente dar uma de babá: de maneira mais notável, assumindo déficits gigantescos que estimulassem a economia em períodos de baixa. Embora Margaret Thatcher na Grã-Bretanha e Ronald Reagan nos Esta­ dos Unidos tenham dado um grande espetáculo, na década de 1980, ao rejeitar tudo isso, não se sabe de fato até que ponto se deu essa rejeição.26 Em todo caso, eles atuavam na esteira de um golpe ainda maior à ortodoxia monetária anterior: a decisão de Richard Nixon, em 1971, de desatrelar totalmente o dólar dos metais preciosos, eliminar o padrão-ouro internacional e introduzir o sistema de regimes de câmbio flutuante que passou a dominar a economia mun­ dial desde então. Isso significou que todas as moedas nacionais dali em diante passaram^.ser, como gostavam de dizer os economistas neoclássicos, moeda fiduciária, ou Jiat-money, endossada apenas pelo voto de confiança. Ora, o próprio John Maynard Keynes era muito mais aberto ao que gos­ tava de chamar de “tradição alternativa” das teorias estatal da moeda e do dinheiro como crédito do que qualquer economista da sua estatura antes ou a partir dele (e Keynes continua sendo o pensador econômico mais impor­ tante do século xx). Em determinados momentos, ele mergulhou nela: passou diversos anos na década de 1920 estudando os registros bancários cuneiformes da Mesopotâmia para tentar determinar as origens do dinheiro - foi sua “loucura babilónica”, como diria algum tempo depois.27 Sua conclusão, que ele apresenta no início de Tratado sobre a moeda, foi mais ou menos a única a que se poderia chegar caso se partisse não dos princípios fundamentais, mas de um exame cuidadoso da fonte histórica: a conclusão de que a minoria lunática estava essencialmente correta. Quaisquer que sejam suas origens

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nuls remotas, tios últimos 4 mil unos o dinheiro havia sido efetivamente umu rdial insistem que essas duas formas de política sempre foram a mesma •1ii .1 Os governos usam impostos para criar dinheiro e conseguem fazer Imo porque se tornaram os guardiães da dívida que todos os cidadãos têm uns mm os outros. Essa dívida é a essência da própria sociedade. Ela existe multo antes do dinheiro e dos mercados, e o dinheiro e os mercados em si

iitit *p.issam de modos de dividi-la em pedacinhos. A princípio, seguindo essa linha argumentativa, esse sentido da dívida t iii t xpresso não pelo Estado, mas pela religião. Para defender essa ideia, Aflirtta e Orléan se concentraram em determinadas obras da antiga literatura 11 liy;iosa escrita em sânscrito: hinos, orações e poesia coletados nos Vedas e tu f. Itrãmanas - comentários sacerdotais compostos durante os séculos que st -.t iniram

textos que hoje são considerados a base do pensamento hindu.

A 1 scolha não é tão estranha quanto parece. Esses textos constituem as rellt Kòes históricas mais antigas que conhecemos sobre a natureza da dívida. Na verdade, até mesmo os primeiros poemas védicos que existem, 1*'inpostos entre 1500 a.C. e 1200 a.C., evidenciam uma preocupação consi.inte com a dívida - que é tratada como sinônimo de culpa e pecado.33 I Ustem diversas orações implorando aos deuses que libertem o adorador •los grilhões ou correntes da dívida. Muitas vezes elas parecem se referir à ilivula no sentido literal - no Rig Veda, 10.34, por exemplo, há uma longa

ilrsi l ição da triste condição de apostadores que “vagam sem teto, sentindo

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um medo constante, endividados e em busi .1 de dinheiro", hm outros tex­

tos, em sentido claramente metafórico. Nesses hinos, Yama, deus da morte, aparece de maneira destacada. Estai endividado era ter um peso nas costas pela Morte. Não cumprir uma obriga ção ou promessa, fosse em relação aos deuses ou aos homens, significava vi­ ver à sombra da Morte. Muitas vezes, inclusive nos primeiros textos, a dívida parece assumir um sentido mais amplo de sofrimento interior, que leva o ser humano a implorar aos deuses - principalmente Agni, que representa o fogo do sacrifício - pela libertação. Foi somente com os Brâmanas que os comen­ tadores começaram a elaborar tudo isso em uma filosofia mais abrangente. A conclusão: a existência humana é, em si, uma forma de dívida. “O homem, ao nascer, endivida-se; ele nasce por si só para a Morte, e apenas no sacrifício é que se redime da Morte.”34 O

sacrifício (e esses primeiros comentadores eram, eles mesmos, sacer­

dotes sacrificiais), portanto, é chamado de “tributo pago à Morte”. Ou era essa a maneira de falar. Na realidade, como os sacerdotes sabiam melhor do que ninguém, o sacrifício era dirigido a todos os deuses, não só à Morte - a Morte era apenas o intermediário. Enquadrar as coisas assim, contudo, suscitou imediatamente aquele problema que sempre surge quando se concebe a vida humana de tal maneira. Se nossa vida é emprestada, quem se disporia a pagar a dívida? Viver em dívida é viver em culpa, ser incompleto. Mas a completude só pode significar aniquilação. Dessa maneira, o “tributo” do sacrifício podia ser visto como um tipo de pagamento de juros, e a vida do animal sacrificado substituía temporariamente o que era de fato devido, ou seja, nós mesmos um mero adiamento do inevitável.35 Os comentadores sacerdotais propuseram diferentes maneiras de sair desse dilema. Alguns brâmanes ambiciosos começaram a dizer para seus clientes que o ritual de sacrifício, se feito de maneira correta, continha a promessa de romper totalmente com a condição humana e atingir a eter­ nidade (uma vez que, em face da eternidade, todas as dívidas são insigni­ ficantes).36 Outra saída era ampliar a noção de dívida, de modo que todas as responsabilidades sociais se tornassem dívidas de um tipo ou de outro. Desse modo, duas passagens famosas nos Brâmanas insistem que nascemos

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i nino uma dívida não só para com os deuses, a ser paga em sacrifício, mas mmiI mu i para com os Sábios criadores da sabedoria védica, a ser paga com o fnimln. para com nossos ancestrais (“os Pais”), a ser paga com nossa prole; e Mim fim "para com os homens” -aparentemente significando a humanidade liiiiio u m todo a ser paga oferecendo hospitalidade a estranhos.3" Assim, *111.11111ii*r pessoa que leve uma vida decente está constantemente pagando lllvld.is existenciais de um tipo ou de outro; mas, ao mesmo tempo, como Mnoç.io de dívida incorre em um sentido simples de obrigação social, ela «t t»'i na algo muito menos aterrorizante do que a ideia de que a própria milslciicia é um empréstimo feito com a Morte.38Sobretudo porque as obri­ g a re s sociais são sempre uma faca de dois gumes. Afinal, quando se tem fillins. os pais se tornam tanto devedores como credores. ( )s teóricos da dívida primordial propuseram que as ideias codificadas M»'v.cs textos védicos não são peculiares a certa tradição intelectual dos prihicih »s especialistas em ritos da Idade do Ferro

no vale do Ganges, mas essen-

•lais .1 própria natureza e história do pensamento humano. Consideremos, pi Mexemplo, essa declaração que consta de um ensaio do economista francês Mi uno Théret, com o título nada inspirador “The Socio-Cultural Dimensions ui flu* Currency: Implications for the Transition to the Euro” [As dimensões «th 1«h ulturais da moeda: implicações para a transição ao euro], publicado ui •lniirnal o f Consumer Policy, em 1999: Na origem do dinheiro temos uma “relação de representação” da morte i omo um mundo invisível, antes e depois da vida - uma representação que é produto da função simbólica própria da espécie humana e que concebe o nascimento como uma dívida original herdada por todos os homens, uma divida devida aos poderes cósmicos dos quais surgiu a humanidade. O

pagamento dessa dívida, que, no entanto, jamais pode ser liquidada na

Terra - porque seu reembolso total é inatingível

toma a forma de sacrifícios

que, ao restabelecer o crédito dos seres humanos, possibilitam prolongar a vida e até, em certos casos, alcançar a eternidade, juntando-se aos deuses. Mas essa afirmação de crença também está associada ao surgimento das lorças soberanas cuja legitimidade reside em sua capacidade de representar

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todo o Cosmos original, li sAo es.ia.s forças que inventaram o dinheiro como meio de sanar as dívidas - um meio cuja abstração torna possível resolver o paradoxo sacrificial pelo qual levar um ser à morte se torna o modo perma­ nente de proteger a vida. Por intermédio dessa instituição, a crença é, por sua vez, transferida para uma moeda cunhada com a efígie do soberano - um dinheiro posto em circulação, mas cujo retorno é organizado por essa outra instituição que é o tributo e a liquidação da dívida de vida. Desse modo, o dinheiro também assume a função de meio de pagamento.39 Isso fornece no mínimo uma ilustração nítida de como o padrão do debate na Europa é diferente do que há no mundo anglo-americano. E im­ possível imaginar um economista norte-americano de qualquer tipo escre­ vendo algo parecido. Todavia, o autor está realizando uma síntese brilhante. A natureza humana não nos conduz à “troca e ao escambo”. Antes, ela ga­ rante que estejamos sempre criando símbolos - como o próprio dinheiro. E assim que nos vemos em um Cosmos cercado por forças invisíveis: em dívida com o Universo. A atitude ingênua, naturalmente, é devolver tudo isso à teoria estatal da moeda - uma vez que por “forças soberanas” Théret na verdade quer dizer “Estado”. Os primeiros reis eram reis sagrados - ou eram deuses por legítimo direito ou mediadores privilegiados entre os seres humanos e as forças su­ premas que governavam o Cosmos. Isso nos encaminha à percepção gradual de que nossa dívida para com os deuses sempre foi, de fato, uma dívida para com a sociedade que fez de nós aquilo que somos. A “dívida primordial”, escreve o sociólogo britânico Geoffrey Ingham, “é aquela dos vivos no tocante à continuidade e durabilidade da sociedade que garante a existência individual deles”.40 Nesse sentido, não são só os crimi­ nosos que têm uma “dívida para com a sociedade” - em certo sentido, todos nós somos culpados, até mesmo criminosos. Por exemplo, Ingham observa que, embora não haja nenhuma prova ver­ dadeira de que o dinheiro surgiu dessa maneira, “há evidências etimológicas indiretas consideráveis”:

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I ui algumas línguas indo europeias, as palavras usadas para "dívida" s.lo sinônimas daquelas usadas para "pecado" ou “culpa". ilustrando o elo exis­ tente entre religião, pagamento e mediação dos campos sagrado e profano pelo "dinheiro". Por exemplo, há uma conexão entre dinheiro (alemão Geld), claro, culpa (inglês£uilt).41 Ou, usando outra conexão curiosa: por que o gado era usado como di-

itlit Iro com tanta frequência? O historiador alemão Bernard Laum afirmou li.i uitiiic) tempo que^xrtLhíomero, quando as pessoas mediam o valor de um i i.i vio ou de uma armadura, essa medição era sempre feita em cabeças de boi mesmo que nunca pagassem em bois quando as trocas fossem realizadas. I difícil fugir da conclusão de que isso acontecesse porque o boi era o animal ••Irrec ido aos deuses como sacrifício. Daí esses animais representarem o va­ li ti absoluto. Da Suméria à Grécia antiga, prata e ouro eram entregues como

-ileiendas nos templos. Em todos os lugares, o dinheiro parece ter surgido da •«ils.i mais apropriada a ser dada aos deuses.42 Se o rei simplesmente assumiu o controle dessa dívida primordial que Iodos temos para com a sociedade por ela nos ter criado, isso explica, de maitelra bem justa, o motivo que leva o governo a achar que tem direito de nos

. nlwar impostos. Os impostos são apenas uma medida de nossa dívida para m ina sociedade que nos criou. Mas isso realmente não explica como esse tipo de dívida absoluta com relação à vida pode ser convertida em dinheiro, que é, por definição, um meio de medir e comparar o valor de coisas diferentes.

I '.sa questão é um problema tanto para os teóricos do dinheiro como crédito quanto para os economistas neoclássicos, ainda que, em cada grupo, ela seja

•uquadrada de maneira diferente. Se partirmos da teoria monetária baseada ui »escambo, temos de resolver o problema de como e por que escolheríamos uma mercadoria para medir com exatidão quanto queremos de todas as ou-

II as, Se partirmos da teoria do dinheiro como crédito, permaneceremos com ••problema que descrevi no primeiro parágrafo: como transformar uma obrign^ao moral em uma quantia específica de dinheiro, como o mero sentimento •le dever um favor a alguém pode ser transformado em um sistema de contas a

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partir do qual é possível calcular exatamente quantas ovelhas, quantos peixes ou pedaços de prata seriam necessários para pagar a dívida? Ou, nesse caso, como passamos daquela dívida absoluta que temos para com Deus para as dívidas específicas que temos para com nossos primos ou o dono do bar? A resposta dada pelos teóricos da dívida primordial é, vale ressaltar, ingênua. Se os impostos representam nossa dívida absoluta para com a so­ ciedade que nos criou, então o primeiro passo na criação do dinheiro real é dado quando começamos a calcular dívidas muito mais específicas para com a sociedade, os sistemas de multa, as taxas e penalidades, ou ainda dívidas que temos com indivíduos específicos, por termos de alguma maneira agido errado, e assim nos colocando numa posição de “pecador” ou “culpado”. Isso na verdade é muito menos implausível do que poderia parecer. Um dos problemas em relação a todas as teorias sobre as origens do dinheiro de quetemosialadoaté agora é que elas ignoram quase completamente os dados da antropologia. Os antropólogos têm bastante conhecimento de como real­ mente funcionavam as economias nas sociedades sem Estado - de como ainda funcionam em lugares onde os Estados e os mercados foram incapazes de romper completamente com os modos tradicionais de fazer as coisas. Há inúmeros estudos, por exemplo, sobre o uso do gado como dinheiro no leste ou no sul da África, da moeda-concha nas Américas (o wampum talvez seja o exemplo mais famoso), ou, na Papua-Nova Guiné, do dinheiro de contas, de penas, do uso de anéis de ferrewcauris e outros tipos de concha, varetas de latão ou escalpos de pica-pau.4’ O motivo que faz com que essa literatura geralmente seja ignorada pelos economistas é simples: “moedas primitivas” desse tipo raramente são usadas para comprar e vender coisas, e mesmo quando o são nunca é para negociar itens de uso cotidiano como galinhas, ovos, sapatos ou batatas. Em vez de serem empregadas para adquirir coisas, elas são usadas principalmente para reorganizar as relações entre as pessoas. Sobretudo para arranjar casamentos e estabelecer disputas, especialmente aquelas que surgem de assassinatos ou de injúria pessoal. Temos todos os motivos para acreditar que o nosso dinheiro começou da mesma maneira. Até mesmo o verbo topay (pagar), em inglês, é originalmente derivado de uma palavra que significa “pacificar, apaziguar” - como quando

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v«n t «l.i algo precioso a outra pessoa, por exemplo, para expressar como se trith mal por ter matado o irmão dela depois de terem partido para a briga, M udos, e como você realmente gostaria de evitar que isso desencadeasse niiM vendeta.44 ( )s teóricos da dívida preocupam-se especialmente com essa última postlluhdade, sobretudo porque tendem a ignorar a literatura antropológica^ mialisai os primeirosxódigos de lei - inspirando-se aqui no trabalho inovador ili um ilos maiores numismatas do século xx, Philip Grierson, o primeiro a ir, na década de 1970, que o dinheiro deve ter surgido das primeiras prá-

11«as legais. Grierson era especializado na Idade Média europeia e ficou fasciii»t«1«>pelo que passou a ser conhecido como “códigos de leis bárbaras” [Leges Hinltiirorum, em latim], estabelecidos por muitos povos germânicos depois da

«1«m1uição do Império Romano nos anos 600 e 700 - godos, frísios, francos «Mi

. logo sucedidos por códigos similares publicados em todos os lugares,

I • Uússia à Irlanda. Certamente esses documentos são fascinantes. Por um Utlo, eles deixam bem claro que os relatos convencionais de que a Europa ui ia "retornado ao escambo” estão errados. Quase todos os códigos legais ||vl m in ir n c u sa m n

dinheiro romano para calcular tributações; penalidades

111•! loubo, por exemplo, são quase sempre seguidas da exigência de que o lailt .10 não só devolva o bem roubado como também pague o aluguel (ou, no 1um 1de dinheiro roubado, juros) devido pelo tempo que o bem esteve em seu podei Poiuoutro4adQ1_essasJeis logo foram substituídas por outras criadas

I*. >i povos que viviam^nLterritórios que não haviam sido controlados pelos ii »manos - Irlanda. País de Gales, países nórdicoSj R ú ssia ^ e elas sãoLno m1I1ilmo,

muito mais reveladoras, até mesmo notavelmente criativas no que

si relcre tanto ao que poderia ser usado como meio dejpagamento cjuanlo iii»detalhamento preciso de lesões e ofensas que exigiam uma compensação; A compensação nas leis_galesas é calculada principalmente em gado, e nas leis irlandesas em gado ou servas (cumaís). com o uso considerável de me1ais preciosos em ambas. Nos códig^sjermâmços^ela-éxalculada princi­

palmente em metais preciosos. [...]. Nos códigos russos, em prata e peles, hierarquizadas, em ordem ^ rresrente. da pele de marta até à de esquilo.

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Os detalhes desses códigos sio impressionantes, nào só quanto à previsào de danos pessoais - compensações específicas pela perda de braço, mào, dedo indicador, unha, por alguma explosão na cabeça que resulte na expo­ sição do cérebro ou de algum osso -, mas também quanto à cobertura que alguns deles davam aos bens de cada família. O Título II da Lei Sálica trata do roubo de porcos, o Título m de gado, o Título iv de ovelhas, o Título v de cabras, o Título vi de cães, e em cada um há uma divisão elaborada dife­ renciando animais de diferentes idades e sexos.45 Isso nào faz tanto sentido em termos psicológicos. Já falei anteriormente da dificuldade que é imaginar como um sistema de equivalências precisas uma vaca leiteira jovem e saudável equivale a exatamente36 galinhas - pode­ ria surgir dasmuilâS forrnasTie^económiâ da dádiva. Se Henry dá a Joshua um porco e sente qüé recebeu em troca algo inadequado, ele pode fazer troçajie loshua chamando-o de muquirana, mas teria pouca chance de elaborar uma fórmula matemática para expressar quanto joshua foi mesquinho. Por outro lado, se o porco de Joshua destruir o jardim de Henry, e principalmente se isso levou a uma briga na qual Henry perdeu um dedo do pé. e aTamííia deHenrv leva loshua para ser julgado diante da assembleia do vilarejo - teremos aqui justamente o contexto em que as pessoas estarão mais inclinadas â-exercer sua mesquinhez, tomar^sêTggaligTãs^ê^expressar sua raiva caso achem que receberam uma moeda a menos do que era seu de direito. Isso implica especi­ ficidade matemática exata: por exemplo, a capacidade de medir o valor exato de uma porca de dois anos, prenha. Além disso, a arrecadação de penalida­ des devia exigir constantemente o cálculo de equivalências. Digamos que a multa seja em peles de marta, mas a tribo do acusado não tenha martas. Qual será a quantidade equivalente em peles de esquilo? Ou em joias de prata? Problemas desse tipo devem ter surgido o tempo todo e levado pelo menos a um conjunto rudimentar de regras práticas a respeito de que tipos de bem equivaliam a outros Jsso ajudaria a explicar por que, por exemplo, os códigos de lei galeses da Idade Média podem conter divisões detalhadas não só do va­ lor das vacas leiteiras de diferentes idades e condições, mas também do valor monetário de cadaj^bjete-que-pjQderia ser encontrado em uma propriedade

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nu || comum, i hej*ando .ii( ao c usto de c ada pedalo de madeira

.ipc s.it ilo

liitodc na< »li.ivri i.i/o cs para ac reditai que* .1 maior parte desses itens pudesse, |M rpm a, ser comprada no mere ado aberto.u

I la algo de muito atraente nisso tudo. Para começar, a premissa faz muito sen­ tido, do ponto de vista da intuição. Afinal de contas, devemos tudo que somos Aon

outros. Trata-se de uma verdade, simplesmente. A língua que falamos e

nu qual pensamos, nossos hábitos e opiniões, o tipo de comida de que gos­ tamos, o conhecimento que permite funcionarem as lâmpadas e a descarga 111is banheiros, até mesmo o jeito como executamos nossos gestos de defesa e II beliSo contra as convenções sociais-tudo isso nós aprendemos com outras pessoas, muitas delas já mortas há algum tempo. Se pensássemos no que de­

vi 1nos a elas em termos de dívida, esta certamente seria infinita. A pergunta la/, realmente sentido pensar nisso como uma dívida? Afinal, uma dívida é, III »1 definição, algo que poderíamos ao menos pensar em pagar. É bem estra­ nho querer compensar nossos pais - isso implica que não gostaríamos mais •Ir pensar neles como pais. Será que realmente gostaríamos de saldar a dívida i um ioda a humanidade? O que isso significaria? E esse desejo é mesmo uma 1tf1ac terística fundamental de todo o pensamento humano? Outra maneira de colocar a questão seria esta: os teóricos da dívida pri1111mdial estão descrevendo um mito - ou seja, eles descobriram uma verdade ptolunda a respeito da condição humana, uma verdade que sempre existiu imii todas as sociedades e é esclarecida principalmente em determinados tex­ tos antigos da índ ia-o u estão inventando um mito próprio? Obviamente, a segunda conclusão deve ser a mais apropriada. Eles estão Inventando um mito. A escolha do material védico é significativa. O fato é que conhecemos muito pouco sobre as pessoas que compuseram esses textos, e muito pouco

nobre a sociedade que os criou.47 Nós nem sequer sabemos se empréstimos .1 |ur< )s existiam na índia védica - o que obviamente influencia na questão de on sacerdotes verem ou não o sacrifício como pagamento de juros por um empréstimo que devemos à Morte.48Assim, essas fontes podem servir como

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uma espécie dc tela va/.ia, ou uma tela coberta com hieróglifos tm ritos cm uma língua desconhecida, na qual podemos projetar quase tudo que quere­ mos. Se olhamos para outras civilizações antigas sobre as quais conhecemos alguma coisa em um plano contextuai mais amplo, descobrimos que essa ideia de sacrifício como pagamento não é digna de nota.49 Se examinamos a obra de teólogos antigos, descobrimos que a maioria conhecia a ideia de que o sacrifício era um modo de os seres humanos estabelecerem relações comerciais com os deuses, mas que o consideravam evidentemente ridículo: se os deuses já tinham tudo o que queriam, o que os seres humanos tinham exatamente para barganhar?50Vimos no capítulo anterior como é difícil pre­ sentear os reis. Com os deuses (sem falar de Deus), o problema é ampliado ao infinito. A troca implica igualdade. Ao lidar com as forças cósmicas, assumia-se desde o princípio que a troca é algo impossível. A ideia de que as dívidas aos deuses foram apropriadas pelo Estado, e assim se tornaram a base dos sistemas tributários, também não se sustenta. O problema é que, nojnundojmtigo, cidadãos livres não costumavam pagar impostos^ Grosso modo, o s tributos eram coletados apenas nas populações conquistadas. Tal fato já era uma verdade na Mesopotâmia antiga, onde ós habitantes de cidades independentes geralmente não tinham de pagar impostos diretos. De maneira semelhante, como registra Moses Finley, “os gregos da época clássica consideravam os impostos diretos uma tirania, e os evitavam sempre que possível”.51 Cte atenienses não pagavam impostos diretos de^efthunrtipo, embora a cidade distribuísse dinheiro de vez em quando aos seus cidadãos como um tipo de tributação reversa - tanto de forma direta, no caso da arrecadação das minas de prata de Laurium, como de forma indireta, no caso de gratificações generosas pela participação em um júri ou assembleia. As cidades dominadas, no entanto, tinham de pagar impostos. Mesmo no Império Persa, os cidadãos não tinham de pagar tributos ao Grandg-Rel mas os habitantes das províncias conquistadas, sim.52 O mesmo aconteaia^m-Roma, onde, durante muito tempo, os romanos não só não pagavam impostos como também tinham o direito a uma parcela dos tributos recebidos de outras pessoas, na forma de subsídio - a parte do “pão” do famoso “pão e circo”.53

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I in ouirAl palavras, Henjamin Frunklln estava errado quando disse que n.id.i uesu; inundo é certo, exceto a morte e os impostos. Assim fica ainda nhir. dilu il sustentar a ideia de que a dívida que se tem com a morte é apenas Uma v.ii iação da dívida que se tem com os impostos. Nada disso, no entanto, tli Irii 11111>lpe mortal na teoria estatal da moeda, uma vez que aqueles Es■sque não exigem o pagamento de impostos cobram multas, penalidades, lai II.is e taxas de um ou outro tipo. Mas é muito difícil se conformar com ijualqucr teoria que afirme que os Estados foram concebidos originalmente no guardiães de algum tipo de dívida cósmica primordial. I c nrioso que os teóricos da dívida primordial nunca tenham muito a du»*t sobre-a-Suméria ou a Babilônia,, apesar do fato de a Mesopotâmia ser o In^.it onde foi inventado o empréstimo de dinheiro a juros, provavelmente i nui anos antes de os Vedas serem escritos - e apesar de também ter sido

|mIi (i dos primeiros Estados do mundo. Mas, se analisarmos a história da Me»opoümia, a surpresa diminui bastante. Mais uma vez, o que encontramos •, rui muitos aspectos, o exato oposto do que esses teóricos teriam previsto. Q leitor sfdpmhraráttestp ponto de que as cidades-Estado da Mesopotâi i i i .i

eram dominadas por vastos templos: instituições industriais complexas .'àntèscas. muitas vezes~com uma equipe de milhares de pessoas - de

p.c.lores a remadores, passando por fiandeiros e tecelões até dançarinas e JKrctáríõ r ã d i^

2700 a.C., pelo menos, soberanos ambicio-

J^_£ome$aram a copiá-las, criando complexos de palácios organizados de maneira semelhante - com a diferença de que os templos tinham em seu cen­ tro i ámaras sagradas de um deus ou deusa, representados por uma imagem 1,tarada que era alimentada, vestida e entretida por servos clericais como __ M- losse uma^pessoa viva. Os palácios tinham no centro câmaras de um rei vivo. Os sohgfattQSjmmérias raramente chegavam ao ponto de se declara1«'tu deuses, mas muitas vezes se aproximavam bastante disso. No entanto, quando interferiam na vida de seus súditos na qualidade de soberanos cósintt s, não o faziam impondo o pagamento de dívidas, mas sim anulando •is dívidas privadas.54 Nós não sabemos com precisão quando e como os empréstimos a juros se originaram, pois parecejjue-precedem a escrita. E bem provável

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que os administradores dos templos tenham tido .1 ideia a lun de finan­ ciar o comércio de caravana. hs.se loiueicio era crucial porque, apesai de o vale da Mesopotâmia antiga ser extraordinariamente fértil e produzir urna quantidade imensa.de grãos e outrosprodutos alimentícios, além de abrigar uma quantidade enoxniede^ado^mie por sua vez subsidiava uma ampla indústria de lã e couro, ele carecia praticamente de-todas as outras coisas. Pedras, madeira, metal, até mesmo a prata usada como moeda - tudo tinha de ser importado. Desde épocas remotas, portanto, os administradores dos templos desenvolveram o hábito de fazer adiantamentos de produtosaos mercadores locais - alguns privados, outros funcionários dos templos

que

depois vendiam as mercadoriasj io exterÍQn_Os juros eram apenas a maneira de os templos reaverem sua parte nos lucros obtidos.55 No entanto, uma vez jiSlabeleeid^-e^prmcípio parece ter se espalhado rapidamente. Em pouco tempo^encontramos não só os empréstimos comerciais, mas também os empréstimos ao consumidor - a usura, no sentido clássico do termo. Por volta de 2400 a.C., já parecia ser prática comum por parte de autoridades locais, ou mercadores ricos, conceder empréstimos mediante garantia aos xamponeses que passavam por dificuldadesfinanceiras e começar a se apro­ priar de seus bens caso não conseguissem pagar. Geralmente começava com grãos, ovelhas, cabras e móveis, depois passava para terras e casas, ou, como alternativa ou último recurso, membros da família. Os criados, se houvesse algum, eram os primeirosaser-negociados, se^idospelas-eriaiiças* esposas, ^ e^em situações extremas^o,práprio tomadordefiripréstimo. Essas pessoas eram reduzidas a servos por dívida: não exatamente escravos, mas quase isso, forçados ao trabalho perpétuo na propriedade do emprestador- ou, muitas vezes, nos próprios templos e palácios. Em teoria, é claro, qualquer um podia ser redimido quando o tomador de empréstimo pagasse o que devia, mas, por razões óbvias, quanto mais os recursos de um camponês fossem arrancados dele, mais difícil se tornava pagar as dívidas. Os efeitos disso eram tão grandes que a sociedade muitas vezes corria o risco de ser destroçada. Se, por alguma razão, a colheita era ruim, uma grande parte do campesinato incorria na servidão por dívida; as famílias eram dis­ solvidas. Em pouco tempo, as terras começavam a ser abandonadas por

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mi i» iiltorc.s endividados que fugiam de suas casas por medo de serem expropi itiilos e se juntavam .1 bandos seminômades nos confins da civilização • MI >in.i Confrontados pela possibilidade de um completo colapso social, os ^f f In M i Mt c i ms. c depois uji babilônios, periodit amente anunciavam anistias iis uma "tábula rasa", como afirma o historiador econômico Michael J^ludíUlL-l-sses decretos em geral declaravam o cancelamento e a anulação «1« todas as dívidas em aberto dos consumidores (as dívidas comerciais não t i.un afetadas), a devolução de todas as terras aos proprietários originais e 11 n h u no às famílias de todos os servos por dívida. Não demorou muito para i|ti< r',sj declaração se tornasse um hábito mais ou menos regular dos reis tu 1.1 .sumir o cornandn^ e muitos eram forçados a repeti-la periodicamente nu decorrer do reinado. Na Suméria, elas eram chamadas “declarações de liberdade” - e vale trisultar que a palavra suméria amargi, primeira palavra registrada para “li!>• idade” em todas as línguas conhecidas, significa literalmente “retorno à m.ir" uma vez que esta era a permissão finalmente concedida aos servos pot dívida.56

Michael Hudson argumenta que os reis mesopotâmicos só tinham con­ dições de fazerisso por causa de suas pretensões cósmicas: ao assumirem o . 1 hler, eles se viam literalmente como recriadores da sociedade humana, e | m11 isso tinham^ondições de passar umaBorracha em todas as obrigações morais anteriores. Ainda assim, isso continua muito longe daquilo que os Irói icos da dívida primordial tinham em mente.57

I .ilvez o maior problema em todo esse corpo literário seja a suposição inicial: ,1 de que começamos com uma dívida infinita para com a “sociedade”. É essa 1lívida para com a sociedade que nós projetamos nos deuses. Essa mesma dívlila, então, é tomada pelos reis e pelos governos nacionais. O

que faz do conceito de sociedade algo tão enganoso é o fato de as­

sumirmos o mundoxomo organizado emuma.série de unidades compact.is e modulares chamadas “sociedades”, e que todas as pessoas sabem em qual delas estãxünscridtre. Enrrei nius-ítbtÓFicQs esse é raramente o caso.

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Imagine que eu seja uni mercador cristão armênio vivendo no reinado de Gengis Khan. O que é "sociedade" para mim? H a cidade onde fui criado? A sociedade de mercadores internacionais (com os seus próprios códigos de conduta) na qual realizo minhas tarefas diárias? Outros falantes da língua armênia? A cristandade (ou talvez apenas a cristandade ortodoxa)? Ou os habitantes do próprio império mongol, que se estende do Mediterrâneo até a Coreia? Historicamente, reinos e impérios raramente têm sido os pontos de referência mais importantes para a vida das pessoas. Reinados ascendem e decaem; também se fortalecem e enfraquecenros governos tornam conhe~~dda^CãTpresença na vida das pessoas de forma bastante esporádica, e muitas -ddasjiaJústói^T-nen^sequer sabiam com certeza sob que governo viviam. Até bem recentemente, muita^gentej i o m undotodo não sabia com certeza de que país eram cidadãs, ou por que isso teria importância. Minha mãe, que nasceu judia na Polônia, uma vez me contou uma piada de sua infância: Havia uma pequena aldeia localizada na fronteira entre a Rússia e a Polônia; ninguém tinha certeza a que país ela pertencia. Um dia, um tratado oficial foi assinado e, pouco tempo depois, chegaram pesquisadores à cidade para delimitar a divisa. Quando preparavam seus equipamentos, em uma colina, alguns habitantes se aproximaram. — E então, onde estamos? Na Rússia ou na Polônia? — De acordo com nossos cálculos, o início fica na Polônia e começa a exatamente 37 metros da fronteira. Alegres, os aldeões começaram a dançar na mesma hora. — Por quê? — perguntaram os pesquisadores. — Que diferença isso faz? — Faz muita diferença — responderam eles. — Isso quer dizer que nunca mais vamos ter que passar por um daqueles tenebrosos invernos russos! Contudo, se nascemos com uma dívida infinita para com as pessoas que possibilitaram a nossa existência, mas não existe uma unidade natural chamada “sociedade” - então a quem ou a que exatamente se refere a nossa dívida? A todos? A tudo? A algumas pessoas ou coisas mais do que a outras? E como pagamos uma dívida a algo tão difuso? Ou, para ser mais preciso,

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|n< tn exatamente pcnlç se jjtibar de ter autoridade pura nos dizer como de­ vi mos pagar a nossa dívida1e com base cm quer1 Se enquadrarmos u problema dessa maneira, podemos dizer que os auto.■ dos Hramau.isolereceram uma reflexão bem sofisticadasobreumaquéstãcT iihim I a

5, antes ou depois.

( iimo já disse, não sabemos muita coisa sobre as condições em que esses textos I*m.11u compostos, mas as informações que temos sugerem que os documentos pi nu Ipais datam de 500 a.C. a 400 a.C .-ou seja, mais ou menos na época de |t'u 1.iies

período que na índia parece ter sido justamente o do aparecimento,

11.1 vida cotidiana, da economia comercial e de instituições como o dinheiro . unhado e os empréstimos a juros. As classes intelectuais da época, mais ou 1111 tu>s como acontecia na Grécia e na China, estavam debruçadas sobre essas ■|i 11 '.iões. No caso da índia, vale a pena perguntarmos: o que significa imaginar IIONsas responsabilidades como dívidas? A quem devemos nossa existência? fc significativo que as respostas não façam nenhuma menção a “societlíide" ou Estados (embora reis e governos certamente existissem na índia .1111i^.i ). Em vez disso, elas relacionavam as dívidas aos deuses, aos sábios, tuis pais e aos “homens”. Não seria muito difícil traduzir suas formulações p.iiii uma linguagem mais contemporânea. Poderíamos colocar da seguinte m.iiicira - devemos nossa existência sobretudo: • Ao Universo, às forças cósmicas, ou, como diríamos hoje, à Natureza. C) fundamento de nossa existência. Essa dívida deve ser paga por meio do r itual,

que é um ato de respeito e reconhecimento a tudo que nos faz ter

consciência da nossa estatura reduzida em comparação ao todo.58 • Aqueles que criaram o conhecimento e as realizações culturais que mais valorizamos, que dão forma à nossa existência atribuindo-lhe um signifi­ cado, mas também moldando-a. Aqui devemos incluir não só os filósofos e cientistas que criaram nossa tradição intelectual, mas todas as pessoas - de William Shakespeare àquela mulher há muito esquecida, em algum lugar no Oriente Médio, que criou o pão fermentado. Nós pagamos nossas dívidas para com essas pessoas nos tornando cultos e contribuindo para a cultura e o conhecimento humanos.

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• Aos nossos pais c aos pais de nossos p.iis

nossos ancestrais, I ss.« dívida

é paga quando nos tornamos ancestrais.

• À humanidade como um todo. Essa dívida é paga quando somos genero­ sos com desconhecidos, mantendo o fundamento comunitário básico da sociabilidade que torna possível as relações humanas e, assim, a vida. Colocado dessa maneira, no entanto, o argumento começa a solapar a própria premissa. Essas dívidas não são como as dívidas comerciais. Afinal, podemos pagar a nossos pais ao termos filhos, mas não podemos pensar que pagamos a nossos credores se emprestamos dinheiro para outras pessoas.59 Então eu me pergunto: não será justamente essa a questão? Talvez os autores dos Brâmanas estivessem demonstrando de fato que, em última aná­ lise, nossa relação com o Cosmos não se parece em nada com uma transação comercial, e nem poderia parecer. Isso porque as transações comerciais im­ plicam tanto igualdade como separação. Todos esses exemplos tratam de su­ perar a separação: você está isento da dívida para com seus ancestrais quando se torna um ancestral; está isento da dívida para com os sábios quando se torna um sábio; está isento da dívida para com a humanidade quando age com humanidade. Ainda mais quando falamos do Universo. Se não podemos barganhar com os deuses porque eles já têm tudo, então certamente não po­ demos barganhar com o Universo porque o Universo é tudo - e esse tudo ne­ cessariamente inclui nós mesmos. Na verdade, podemos interpretar essa lista como um modo sutil de dizer que a única maneira de “se libertar” da dívida não era literalmente pagando essas dívidas, mas sim mostrando que elas não existem, porque, para começar, ninguém existe separadamente, e por isso a própria ideia de anular a dívida e atingir uma existência autônoma e separada era ridícula desde o princípio. Ou ainda que a própria presunção de se jul­ gar separado da humanidade ou do Cosmos, de modo que se possa negociar com ele de igual para igual, é em si o crime que só pode ser solucionado pela morte. Nossa culpa não se deve ao fato de não podermos pagar nossa dívida para com o Universo. Nossa culpa é a presunção de nos considerarmos de alguma maneira equivalentes a Tudo o que Existe ou Já Existiu, de modo que somos capazes de conceber uma dívida desse tipo.60

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( hi observemos o outro lado da equaçAo. Mesmo que seja possível nos Imaginarmos em uma posição de dívida absoluta com o Cosmos, ou com a humanidade, sur^e .1 próxima questão: quem exatamente tem o direito de Mui pelo Cosmos, ou pela humanidade, para nos dizer como essa dívida ilrvc ser paga? Mais disparatado do que proclamar-se separado do Universo Inirlro e enxergar-se cm condição de negociar com ele é autorizar-se a falar •111 nome dele. Se tivéssemos de procurar o éthos para uma sociedade individualista »01110 a nossa, uma das maneiras de fazê-lo seria afirmar que todos temos uma dívida infinita para com a humanidade, a sociedade, a natureza ou o Cos­ mos (como preferir), mas provavelmente ninguém pode nos dizer como

iui;.i-la. Pelo menos isso seria intelectualmente consistente. Se esse fosse

01 aso, na verdade seria possível encarar quase todos os sistemas de autorid.ule estabelecida - religião, moral, política, economia e o sistema judiciário

1 orno diferentes maneiras fraudulentas de calcular o que não pode ser calt ui.ido, de reivindicar autoridade para nos dizer como algum aspecto daquela divida ilimitada deve ser pago. A liberdade humana, desse modo, seria nossa

terminante sentimento de troca, contrato, débito [Schuíd], direito, obriga-

ç.lo, compensação, foi transposto para os mais toscos e incipientes complexos

sociais (em sua relação com complexos semelhantes), simultaneamente ao hábito de comparar, medir, calcular um poder e outro.7 Vale lembrar também que Adam Smith via as origens da linguagem - e poi i ,mto do pensamento humano - na nossa propensão de “trocar uma coisa | ml.i outra”, o que também teria dado origem ao mercado.8O ímpeto de tro-

».it, de comparar valores, é a mesma coisa que faz de nós seres inteligentes e uns diferencia dos outros animais. A sociedade vem depois - o que significa •jiir nossas ideias sobre responsabilidades para com os outros tomam forma

lbre natureza humana significa que devemos necessariamente chegar Irtl^n parei ido com a teoria da dívida primordial. Por um lado, é por causa do HiMsn sentimento de dívida para com nossos antepassados que obedecemos tf li l» ancestrais: é por isso que sentimos que a comunidade tem o direito t)i migii “como um credor furioso” e nos punir por nossas transgressões lAutfiidn desrespeitamos essas leis. Em sentido mais amplo, nós desenvolve«id •*. um sentimento arrepiante de que jamais conseguiremos de fato pagar lo» nossos ancestrais, que nenhum sacrifício (nem mesmo o sacrifício de

•mV.«»pi iinogênito) vai nos redimir verdadeiramente. Temospavor de^nossos^ gtHrpass.iilos, e quanto mais forte epoderosa umacomunidade se torna, mais Éptlrrosos eles parecem ser, até queTpor fim, “o ancestral termina necessa-

lltfiiu nle transfigurado em deus”. À medida que as comunidades crescem e tr iianslormam em reinos, e os reinos em impérios universais, os próprios _ ilnmi-s mineçam a parecer mais unive.r.sai,s^a_ssumem pretensões maiores. i m.ils rnsirpcas. governam os.céus-SQlram raios c trovões - cujminando y i I >t os cristão que, como deidade máximar “trouxe também ao mundo o IMitulmo de sentimento de culpa”. Até mesmo Adão, nosso ancestral, não ||(i(iri e mais como credor, mas como transgressor, e portanto devedor, que |mn*m para nós o fardo do pecado original: h >i fim, com a impossibilidade de pagar a dívida, se concebe também a im­ iti »ssibilidade da penitência, a ideia de que não se pode realizá-la (o “castigo i In no”) [...] até que subitamente nos achamos ante o expediente paradoxal e horrível no qual a humanidade atormentada encontrou um alívio momen­ tâneo, aquele golpe de gênio do cristianismo: o próprio Deus se sacrificando pela culpa dos homens, o próprio Deus pagando a si mesmo, Deus como o único que pode redimir o homem daquilo que para o próprio homem

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se tornou irredimível - o credor se s.u rlíii .indo por seu devedor, por amor (é de se dar crédito?), por amor a seu devedor!w

Tudo faz sentido se partirmos da premissa inicial de Nietzsche. O pro blema é que a premissa é uma insanidade. Também temos todas as razões para acreditar que Nietzsche sabia que a premissa era insana; na verdade, que a intenção era toda essa. Ele parte das ^SuposjLÇÕesjiabituais e desenso comum sobrea natureza dos sergsjmmanas que prevaWiamna sua épor.a (e que ainda prevalecem em grande medida) \

Jsto é, que somos máquinas racionais de calcular, que o interesse comercial próprin rnm pn antgsj^ o cie d a d e jju e jy^rópria “sociedade” é apenas um

tsLv^-modo de colocar um tipode cobertura temporária no conflito resultante. Ou seja, ele parte das suposições burguesas comuns e as conduz a um lugar em que não teriam como não chocar o público burguês. E um jogo valioso e ninguém jamais o jogou melhor; mas é um jogo feito totalmente dentro dos limites do pensamento burguês. Não significa nada para alguém que esteja fora desse terreno. A melhor resposta para quem qui­ ser levar a sério as fantasias de Nietzsche sobre caçadores selvagens que arran­ cam pedaços do corpo dos outros por não conseguirem perdoar uma dívida são as palavras de um caçador-coletor de verdade - um inuíte da GroenjJjv dia^uÍTicõírfamoso_por

i«^a Hp um Iivro_do^escritor dinamarquês Peter

Freuchen. Book o f theEskimos. Fceuchen conta que um dia, ao voltar para casa ,iafflinto-dcpois de um«uexpedição fracassada de caça à morsa, ele viu um dos caçadores bem-sucedidos distribuindo centenas de quilos de carne. Ele agradeceu imensamente ao homem, que retrucou, indignado^No nosso país, nós somos humanos! E como somos humanos, ajudamos uns aos outros. ^~lNáo gostamos de o u virn íngüém agradecendo por isso. O que tenho hoie '^yocê pode ter amanhã. Aqui dizemos que com dádivas se criam escravos e com chicotes se criam cães”.13 A última frase é um clássico da antropologia, e declarações semelhantes sobre a recusa de calcular créditos e débitos são encontradas em toda a lite­ ratura antropológica sobre sociedades igualitárias baseadas na caça. Em vez de se ver como ser humano em decoi^êiicia^da capacidade de fazer cálculos

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-i onftmicosju LJ^aüur insistiu que ser verdadeiramente humano significa ^ H u i ar-se a fazer contas desse tipoTrecusar-se a medir ou lembrar quem deu |>.ti ,i quem, pela razão prática de que fazer isso criaria inevitavelmente mu mundo oinlr. começaríamos a “comparar, medir, calcular um poder e imtio” e nos reduziríamos a escravos nu cães por meio da dívida. Isso não quer dizer que ele, como uma quantidade incontável de seme|h.mtes espíritos igualitários em toda a história, não soubesse que os seres ll 11ma nos têm a prnppncão ao cálculo. Se el? não soubesse disso, não teria tlilo o que disse. É claro que temos uma propensão ao rálniln Terrins_rr>rlr>s ll* IIpos dej~)ropensões_Em-^«alq«^&ituação da vida real, temos propensòes i|in nos conduzem em várias direções, diferentes e contraditórias, ao mesmo lt uipo. NenhumaTm ais reafque a outra. A verdadeira questão é aquilo quÇ , romo.fnndai2Tpnm de nossa humanidade.e, desse modo, tornaiii. »•*a base de nossa civilização. Se a análise da dívida feita por Nietzsche tiver («l^uina serventia para nós, será porque ela revela que quando partimos da niposição de que o pensamento humano é essencialmente uma questão de i .ti« tilo comercial, que a compra e a venda são a base da sociedade humana .»I, sim, ao começarmos a pensar sobre nossa relação com o Cosmos, nós a .... . eberemos necessariamente em termos de dívida.

A* i edito que Nietzsche também pode nos ser útil de outra maneira: para •ui. nder o conceito de redenção. A sua explicação sobre “os primórdios” (•mie ser absurda, mas em sua descrição do cristianismo-de como um sen­ timento de dívida é transformado em sentimento de culpa permanente, e a •iilpa em autodepreciação, e a autodepreciação em autotortura - tudo soa Mii ui o verdadeiro. Por gucjx>r,cxem pla^nós nos referimos a Cristo como o “redentor”? I »».tonificado QriginajjdeJYedencão’^ c o m p ra r algo de volta^ resgatar algo qtii !• »i dado como garantia-porum empréstimo: adquirir algo ao pagar uma 11h1111,ivH bastantenotáyel pensar que op rópriò rructecTda mensagem cristã, a |*inpi ia salvação^o sacrifício do filho de Deus para resgatar a humanidade da iltiii.ii,ao eterna, seria enquadrado na linguagem de uma transação-financ^íra.

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L _

JWictzsche deve ter adotado Jocosamente as mesmas suposiçocs que Adam Smith, mas os primeiros cristãos jcrla m ente nào. As raízes desse pensamento*sâo mais profundas que as de Adam Smith, com sua visão dos comerciantes. Os autores dos Brâmanas não estavam sozinhos quando to­ maram emprestada a linguagem mercadológica como maneira de pensar .1

condição humana. Na verdade, até certo ponto, todas as principais religiões --------------do mundo fizeramissíL. O motivo é que-todas-elas^ do j^Qfnastnsrpn an idamismo - surgir j TOmeio de intensos debates sobre o papel do dinheiro e do mercado na vida

4 iumanaLprincipalmente sobre o que essas instituições significavam para questões fundamentais a respeito do que os seres humanos deviam uns aos outros. A questão da dívida e as discussões sobre a dívida permeavam to­ dos os aspectos da vida política da época. Esses debates eram travados entre revoltas, pptirõps p m ^m pq to sjeform istas. Alguns desses movimentos ganharam aliados nos templos e palácios. Outros foram brutalmente supri ..jjiidos^A maioria dos termos, slogans e questões específicas em debate^no entanto, se perdeu na história. Simplesmente não sabemos como deve ter sido uma discussão política em uma taberna síria em 750 a.C., por exemplo. Assim, passamos centenas de anos contemplando textos sagrados cheios_de „ alusões políticas que teriam sido reconhecidas instantaneamente por qualquer leitor na época em que foram escritos, mas cujo significado, hojeuiós .só podemos adivinharj4 Um dos aspectos incomuns da Bíblia é o fato de ela preservar partes desse contexto mais amplo. Voltando à noção de redenção: as palavras he­ braicas padah egoal, ambas equivalentes a “redenção”, podiam ser usadas para resgatar algo que havia sido vendido para outra pessoa, principalmente terras ancestrais, ou para recuperar algum objeto deixado com os credores como penhor.15 O exemplo que se destaca na mente dos profetas e teólogos pa­ rece ser o segundo: a redenção de penhores e, especialmente, de membros da família mantidos como escravos por dívida. Parecia que a economia dos reinos hebreus, na época dos profetas, já começava a desenvolver o mesmo tipo de crises de dívida que havia muito tempo eram comuns na Mesopotâmia: principalmente nos anos de colheitas ruins, os pobres, à medida que

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i» i ndlvldavam com vizinhos ricos ou com agiotas abastados nas cidades, l omcsHvam a perder o direito às terras e se tornavam arrendatários do que •tnii eram suas propriedades, e seus filhos e filhas eram levados para servir |hmo 11 iados na casa dos credores, ou eram vendidos como escravos no exteMmi primeiros profetas aludem a essas crises,17 mas o livro de Neemias, IMh i lio em tempos persas, é o mais explícito: ( hitros diziam: “Temos de empenhar nossos campos, vinhas e casas para re»rhermos trigo durante a penúria”. Outros ainda diziam: “Tivemos de tomar dinheiro emprestado penhorando nossos campos e vinhas para pagarmos o 11llmto do rei; ora, temos a mesma carne que nossos irmãos, e nossos filhos nAo como os deles: no entanto, temos de entregar à escravidão nossos filhos e lilh.is; e há entre nossas filhas algumas que já são escravas! Não podemos Inzer nada, porque nossos campos e nossas vinhas já pertencem a outros”. Ilquei muito irritado quando ouvi suas lamúrias e essas palavras. Tendo ilrliberado comigo mesmo, repreendi os nobres e os magistrados nestes ter­ mos: "Que fardo cada um de vós impõe a seu irmão!”. E convoquei contra i les uma grande assembleia.18 Neemias era judeu nascido na Babilônia, ex-escanção do imperador |ti i i.i Km 444 a.C., ele conseguiu convencer o Grande Rei a apontá-lo como Miivn nudor de sua nativa judeia. Também obteve permissão para reconstruir m

li mplo em Jerusalém que havia sido destruído por Nabucodonosor mais

I* duzentos anos antes. Durante a reconstrução, textos sagrados foram des«mI mi tos e restaurados: de certa forma, esse foi o momento da criação do que bo|c e considerado o judaísmo. Porém, assim que Neemias voltou para casa, viu-se confrontado com •ii11.1111se social. Por toda parte, camponeses empobrecidos não conseguiam | m >mi os impostos; credores levavam embora as crianças dos pobres. Sua | mlim ira reação foi expedir um edito de “tábula rasa”, em clássico estilo ba(illniiico - tendo nascido na Babilônia, ele estava muito bem familiarizado i mi11 o princípio geral. Todas as dívidas não comerciais seriam perdoadas. In ia*, máximas de juros foram estabelecidas. Ao mesmo tempo, no entanto,

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N

ç

^ . , _Neemias conseguiu localizar, revisai v rc*insliluir leis judaifius muito mais

r

^antigas, hoje preservadas nos livros fexodo, Deuteronômio e Levítico, que de certa maneira iam ainda além ao institucionalizar o princípio.19 A mais famosa delas é a I ei-do Jubilnr estipulava que todas as dívidas fossem aiin«

—^

maticamente anuladas “no ano sabático" (ou _s_ejarjdepois de sete anos), e que ^todas as pessoas que haviam passado para a condicão de servos por caus.i dessas dívidas seriam libertadas.20 Na Bíblia, e também na Me^opotâmia, “liberdade” passou a se referir, acima de tudo^à-liberíaçlo dos efeitos da dívida. Com o tempo, a história do próprio povo judeu passou a ser interpretada sob essa luz: libertar os escravos no Egito foi o primeiro ato paradigmático de redenção executado porJDeus; as atribulaçõesTilgTorícãs^õslu^ieus^dèrrõtarcõnquista, exílio) eram vistas r çomoumadesgraça quelévária à redenção final com a chegada do M essias - essa chegflda, no entanto, só aconteceria, como alertavam profetas como Jeremias, depois que o povo judeu se arrependesse verdadeiramente de^seus pecados (escravizar uns^ãõ^butros^dolatrar falsos deuses, violar os manda­ mentos).21 Nessa linha de raciocínio', a adoção do termo_pelos cristãos não é nada surpreendente. A redenção era uma libertação do fardo do pecado e da culpa, e o fim da historlãTreprésentava aquele momento em que todas os •^esefavos seriamiihgrados e todas as dívidas, finalmente anuladas^quando o toque das trombetas angelicais anunciasse o lubileu final. Nesse caso, a “redenção” não diz mais respeito ao resgate de alguma coisa. Ela tem mais a ver com a destruição de todo o sistema de contabili­ dade. Em muitas cidades do Oriente Médio, essa destruição era literalmente verdadeira: um dos atos comuns durante o cancelamento das dívidas era a destruição cerimonial das tabuletas em que se mantinham os registros finan­ ceiros, um ato a ser repetido, de maneira muito menos oficial, em cada uma das principais revoltas camponesas da história.22 Isso leva a outro problema: o que é possível nesse ínterim, antes da che­ gada da redenção final? Em uma de suas parábolas mais perturbadoras, a do Devedor Implacável, Jesus parecia tratar explicitamente desse problema:

()»oi ic t om o Reino dos Céus o mesmo que .1 um rei que resolveu acertar . 1mi.is com os seus servos. Ao começai o acerto, trouxeram-lhe um que ilrvi.i 10 mil talentos. Náo tendo este com que pagar, o senhor ordenou companheiro, caindo aos seus pés, rogava-lhe: “Dá-me um prazo e eu te pagarei". Mas ele não quis ouvi-lo; antes, retirou-se e mandou lançá-lo na pi isAo até que pagasse o que devia. Vendo os seus companheiros de servi•la*>o que acontecera, ficaram muito penalizados e, procurando o senhor, •ntaram-lhe todo o acontecido. Então o senhor mandou chamar aquele m i vo

e lhe disse: “Servo mau, eu te perdoei toda a tua dívida, porque me

tocaste. Não devias, também tu, ter compaixão do teu companheiro, como «11 tive compaixão de ti?”. Assim, encolerizado, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que pagasse toda a sua dívida.2Í

Mm texto extraordinário: em um nível, uma piada; em outro, não podeH 1uri mais sério.
«uuprsinato, e os camponeses livres é que eram recrutados para os antigos pM K iit»s que lutariam nas guerras/' Os governantes, portanto, tinham um ■Hfrrssc particular em manter as bases de recrutamento. Sem dúvida esse foi lim l.itoi. claramente, não foi o único. Não há razões para acreditarmos que llfrmi.iN. por exemplo, em sua fúria contra os usurários, estivesse primeiptliriite preocupado com sua capacidade de formar tropas para o rei persa. I fltlu »1« ser algo mais profundo. () que torna a dívida diferente é o fato de ser estabelecida como premissa Kti uin.i suposição de igualdade. Ser escravo, ou de uma casta mais baixa, é ser intrinsecamente inferior, fim «« se de relações de pura hierarquia. No caso da dívida, estamos falando iIi ii\ indivíduos que começam como partes iguais de um contrato. Le­ galmente, pelo menos no que se refere ao contrato, as duas partes são a mmittlii coisa. 1'odemos acrescentar que, no mundo antigo, quando as pessoas que JM \i idade eram mais ou menos iguais em termos sociais emprestavam diH!ii 'Iio umas às outras, os termos parecem ter sido bem generosos. Muitas %nAo havia cobrança de juros, e, quando havia, eram bem baixos. “E na., me i obre juros”, escreveu um cananeu a outro, em uma tabuleta datada ti"* .mos 1200 a.C., “afinal, somos cavalheiros.”30 Entre parentes próximos, ■tllllos "empréstimos” deviam ser, como o são até hoje, apenas presentes, e flltittunn esperava seriamente receber de volta. Já o empréstimo entre ricos R Moines era outra coisa. () problema era que, a despeito das distinções de status como castas ou i

iivklílo, a linha divisória entre ricos e pobres nunca era delineada com

Ittt«ha» >. 1'odemos imaginar a reação de um fazendeiro que tomava um emI mím Imo com um primo rico, convicto de que “os seres humanos ajudam uns ilM* i ml n >s”, e um ou dois anos depois tinha seu vinhedo confiscado e seus fiII li*" r lillias levados como servos. Tal comportamento poderia ser justificado, tu* t* i m< >s legais, insistindo que o empréstimo não foi realizado como ajuda HHiiii.i, mas como relação comercial - contrato é contrato. (Isso também llltii.i i erto acesso confiável às instâncias superiores.) Mas também daria a

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sensação de ser uma traição terrível. Alem disso, enquadrar essa situa^.io como quebra de contrato significava dizer que, na verdade, essa era uma ques tão moral: as duas partes envolvidas deviam ser iguais, mas uma delas nào honrou o acordo. Psicologicamente, isso só tornava ainda mais dolorosa .1 vergonha da condição do devedor, uma vez que era possível dizer que su.i torpeza selou o destino de sua filha. Mas isso só deixava a situação aind.i mais propensa a calúnias morais: “Temos a mesma carne que nossos irmãos, e nossos filhos são como os deles”. Somos todos o mesmo povo. Temos .1 responsabilidade de levar em consideração as necessidades e os interesses uns dos outros. Então, como meu irmão pôde fazer isso comigo? No caso do Antigo Testamento, os devedores eram capazes de prepa­ rar um argumento moral particularmente poderoso - como os autores do Deuteronômio lembravam o tempo todo a seus leitores, os judeus não eram escravos no Egito e todos eles não foram redimidos por Deus? Era correto, depois que todos receberam a terra prometida, alguns tomarem essa mesma terra dos outros? Era correto uma população de escravos libertos escravizar os filhos dos outros?31 Mas argumentos análogos foram dados em situações semelhantes praticamente em todos os lugares no mundo antigo: em Atenas, Roma e, a propósito, na China, onde, segundo a lenda, a própria cunhagem foi inventada por um imperador para resgatar as crianças de famílias forçadas a vendê-las depois de uma série de enchentes devastadoras. _Durante quase toda a história, quando o conflito político entre as classes Ylnhaà7ònàTgTi3 S^ m ia a fonfía-deapelos pelo cancelamento de dívidas-a libertação dos servos e, geralmente, uma redistribuição máis_Justa dãTerrã. O que vemos na Bíblia e em outras traaiçoes religiosas sao traço^dos argu­ mentos morais com os quais essas reivindicações eram justificadas, em geral sujeitos a todo tipo de imaginativas reviravoltas, mas inevitavelmente incor­ porando, até certo ponto, a linguagem do próprio mercado.

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5-

Breve tratado sobre os fundamentos morais das relações econômicas

I'," . t ontara história da dívida, é necessário reconstruir como a linguagem •lt t m m ado passou a permear cada aspecto da vida humana - chegando I | fui nci cr a terminologia para expressões morais e religiosas contrárias a \ >1« |.i vimos como os ensinamentos védicos, assim como os cristãos, acaH t f n tljindo o mesmo passo curioso: primeiro descrevem toda a moral como is, cada um à sua maneira, demonstram que a moral na e ser reduzida à dívida, pois deve ser fundamentada em Mas fundamentada em quê? As tradições religiosas preferem respostas i ntiiHilógicas amplas: a alternativa à moralidade da dívida consiste no recoii I h t iinento da integração com

o Universo, na vida à espera da iminente ani-

Mtilltfvlo do Cosmos, na absoluta subordinação à deidade ou na passagem }, pelo menos sempre existe essa possibilidade. Mas, ao mesmo tempo, há a sen sação de que os dois lados estão prestando contas e, a despeito do que acontei e no comunismo, que sempre partilha certa noção de eternidade, a relação pode ser anuladaecada parte pode dar um fim a ela a qualquer momento. \ Esse elemento de competição pode Tuncíõnar de maneiras completa mente diferentes. Nos casos de escarnbo ou troca comercial, quando as duas partes envolvidas na transação estão apenas interessadas no valor dos bens negociados, elas podem muito bem - como insistem os economistas - teu tar obter o máximo de vantagem material. Por outro lado, como há muito tempo apontam os antropólogos, quando a troca é de presentes - ou seja, os objetos trocados são considerados particularmente interessantes no modo que refletem e reorganizam as relações entre as pessoas que realizam a tran sação, então se houver competição ela provavelmente funcionará da maneira inversa - ela se tornará uma disputa de generosidades, de pessoas que querem mostrar quem dá mais. j Abordemos uma coisa de cada vez. O que caracteriza a troca comercial é o fatodp spr “impe

a pess

que nosvende ãlgõ õu compra algo de nós deve ser, em princípio, totalmente irrelevante. Estamos apenas comparando o valor de dois objetos. Como qual­ quer outro princípio, trata-se de algo raramente válido najprática. É preciso que haja um elemento mínimo de segurança para que uma transação seja realizada até o fim e, a menos que se esteja lidando com uma máquina de

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V*n*l i automática, isso geralmente exige uma demonstrado visível desociaplldade, Até mesmo nas lojas ou supermercados mais impessoais espera•i 111h os atendentes pelo menos finjam alguma cordialidade, paciência e fhiiM ■qualidades reconfortantes; em um bazar no Oriente Médio talvez se piilia de passar por um elaborado processo de estabelecer uma amizade sipitliula, compartilhar um chá, um alimento qualquer ou tabaco, antes de se ptvi ilver em uma negociação igualmente elaborada - um ritual interessante || im mu início estabelecendo-se a sociabilidade pelo comunismo de base -, f i mu muar com uma batalha simulada em relação aos preços. Tudo é feito piirado na suposição de que comprador e vendedor são, pelo menos por |)Hi momento, amigos (e por isso no direito de se sentirem indignados e reV»ilt ,nlos com as exigências irracionais do outro), mas tudo não passa de um |»‘iti i unho. Quando o objeto muda de mãos, não se espera mais que as duas fMMrs lenham alguma coisa a ver uma com a outra.26 Na maioria das vezes, esse tipo de barganha - em Madagascar, o termo llMilo significa literalmente “lutar por uma venda” (miady varotra) - pode ser Pm i uma fonte de prazer. A primeira vez que visitei o Analakely, o grande mercado de roupas na i M|i|tal de Madagascar, estava acompanhado de uma amiga que queria com|ii iii um suéter. Todo o processo durou cerca de quatro horas e aconteceu mais nu menos assim: minha amiga via um suéter que lhe interessava pendurado »•ui alyjuma tenda, perguntava o preço e depois começava uma verdadeira luta Inielei tual com o vendedor, demonstrando sempre de forma dramática ter flilo afetada por algum insulto ou se sentir indignada. Muitas vezes parecia ijiir yo% da discussão era gasta para conseguir uma diferença minúscula de til^uns ariary - literalmente, centavos -, uma diferença que parecia uma quesMn imensa de princípios por parte dos dois lados, uma vez que o fracasso ili u dinheiro. — Espere aí! — disse eu. — Você pode fazer isso?

— Mas é claro — disse ela. — Por que não? Então contei a ela o que tinha acontecido com a outra amiga. — Ah, sim — disse ela. — Algumas pessoas adoram esse tipo de coisa A troca nos permite anular as nossas dívidas. Ela é uma das maneiras de ficarmos quites e, portanto, terminarmos com uma relação. Com os ven dedores, apenas fingimos ter uma relação. Com os vizinhos, justamente poi essa razão, podemos preferir não pagar as nossas dívidas. Laura Bohannan escreve sobre a chegada a uma comunidade tiv na Nigéria rural: os vizinhos imediatamente começam a aparecer com pequenos presentes, oferecendo-lhes “duas espigas de milho, uma abobrinha, uma galinha, cinco tomates, um punhado de amendoins”.27 Sem fazer ideia do que esperavam dela, ela agradeceu e escreveu o nome de todos em um caderno e o que haviam lhe dado. Por fim, duas mulheres a adotaram e explicaram que todos os pre sentes tinham de ser devolvidos. Seria totalmente inapropriado aceitar três ovos de uma vizinha e jamais dar algo em troca. Não era preciso devolver os mesmos ovos, mas sim alguma coisa de valor aproximado. Podia até ser dinheiro - não havia nada de inadequado nisso - desde que entregue em um intervalo de tempo razoável e, sobretudo, que o valor não fosse exata­ mente igual ao dos ovos: tinha de ser um pouco mais ou um pouco menos. Não devolver nada seria o mesmo que se mostrar como explorador ou para­ sita. Devolver a quantidade exata seria sugerir que não se quer ter mais nada com aquela pessoa. Ela ficou sabendo que as mulheres tivs poderiam passar boa parte do dia caminhando quilômetros até aldeias distantes para devolver um punhado de quiabo ou um troco miúdo, formando “um circuito infinito de dádivas em que ninguém entregava o valor preciso do objeto recebido por último” - ao fazerem isso, elas criavam continuamente sua sociedade. Cer­ tamente havia um traço de comunismo nisso tudo - vizinhos que mantêm boas relações podem ser pessoas confiáveis em momentos de emergência mas, a despeito das relações comunistas, que supostamente são perma­ nentes, esse tipo de cordialidade tinha de ser o tempo todo criado e mantido, pois os vínculos podem ser rompidos a qualquer momento.

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I li» vuriAWÔcs inlindáveis dessa troca de dádivas em exiilo (*»»» quase) •••»na la.da iá". A rnai*t*jnhecida ca Iroca dcpresentes: eu pa^o uma cerveja ji*»» alguém

c da próxima vez ele me paga de volla. A equivaléiu ia perfeita |M«pll. a Igualdade. Mas conskK u mn exemplojevemente mais compIjraHn-_ u m .111»ij> senhor tia região. Os habitante* que se divertiam a vê-lo lutar com cães, ofei et eram-se para alimentá-lo. I J»n dia, o animal morreu, mas o senhor continuou a exigir a entrega dos pães Em outras palavras, é provável que qualquer oferta a um superior feud.il “principalmente se repetida três ou quatro vezes”, seria tratada como um pre cedente e acrescentada à teia de costumes. Em razão disso, quem fazia ofert.is a superiores em geral insistia em receber uma “declaração de não prejuízo", estipulando legalmente que aquela oferta não seria exigida de novo no futuro Ainda que seja incomum formalizar as coisas dessa maneira, não há dúviil.i de que qualquer relação social tida desde o início como desigual começará .1 funcionar em uma lógica análoga - tanto mais que, uma vez que se considei e que as relações são baseadas em “costumes”, a única maneira de demonstr.11 a necessidade de um dever ou uma obrigação é indicando que aquilo já foi feito antes. Muitas vezes, esse tipo de acordo pode se transformar em lógica das cas tas: certos clãs são responsáveis por preparar as vestimentas cerimoniais, 011 por arrumar os peixes para os banquetes reais, ou por cortar o cabelo do rei. Assim, passam a ser conhecidos como tecelões, pescadores ou barbeiros.'" Nunca é demais enfatizar a importância desse último argumento porque cl< esclarece outra verdade quase sempre ignorada: que, sempre e em qualquei lugar, a lógica da identidade está entrelaçada à lógica da hierarquia. Somente quando certas pessoas são situadas acima de outras, ou quando todos são hic rarquizados em relação ao rei, ao sumo sacerdote ou aos pais fundadores, é que se começa a falar de pessoas ligadas entre si por sua natureza essencial: sobre tipos fundamentalmente diferentes de seres humanos. Ideologias de casta ou raça são apenas exemplos extremos. Isso acontece sempre que um grupo £ visto como aquele que sobressai em relação aos outros, ou que se posiciona abaixo dos outros, de tal modo que os padrões habituais de transações justas não mais se aplicam. Com efeito, algo parecido acontece em pequena escala mesmo nas nos sas relações sociais mais íntimas. No momento em que reconhecemos al­ guém como um tipo diferente de pessoa, situando-o acima ou abaixo de nós,

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d» h u n is com uns de reciprocidade silo modific adas ou deixadas de lado. Se HMt am igo

('

excepcionalm ente generoso um a vez, e provável que tenham os

tMHti.ide de retribuir. Se ele age dessa m aneira repetidas vezes, concluím os

.|»h ele é um a pessoa generosa, e p o rtan to

é m enos provável que tenham os

H'iiliidc de retribuir .42 l'o d em o s descrever aqui uma fórmula simples: determinada ação,

piMiulo repetida, torna-se costumeira: como resultado, ela passa a definir a Itatim / .i essencial do ator. Ou, de outro ponto de vista, a natureza de uma Bptfci m pode ser definida pela forma como os outros agiram com ela no pasBtyl" Sei aristocrata é insistirem ampla medida que, no passado, os outros como aristocrata (uma vez que os aristocratas não fazem nada em MHili ul.ir: a maioria passa a vida apenas existindo em um tipo de estado I4I1.Unente superior) e por isso devem continuar assim. A arte de ser uma MM'" ' i issim consiste em tratar o outro como gostaríamos que o outro nos pilittM - no caso de reis verdadeiros, cobrir-se de ouro para sugerir que os

■Mine, laçam a mesma coisa. No outro extremo da escala, essa também é a Mmh. ii .1 de legitimar abusos. Sarah Stillman, ex-aluna minha, afirmou certa M il nos l.stados Unidos, se uma garota de classe média, de treze anos de Miile, e sequestrada, estuprada e morta, esse fato é considerado uma crise tta' • >la/er de conta que poderíamos reduzir o comportamento humano, eco■Ititli i h ui não, a uma fórmula matemática qualquer. Todavia, isso significa p i? podemos detectar algum grau de reciprocidade como potencialmente ftfiki nir em qualquer situação; desse modo, um observador determinado Mtipie encontra uma desculpa para dizer que ela existe. Além disso, certos Itliii tpins parecem ter uma tendência inerente de se atrelar a outros. Por ||H ii|ilii. diversas relações extremamente hierárquicas podem funcionar A troca encoraja um modo particular de conceber as relações huiiti*) l-.so porque ela implica igualdade, mas também implica separação. ÉtyHrtmrnte quando o dinheiro passa de uma mão para outra, quando a Mu e quitada, que a igualdade é restabelecida e as duas partes podem seguir mii sem ter mais nada a ver uma com a outra. A divida é o que acontece no meio: quando as duas partes ainda não li ni M distanciar porque ainda não são iguais. Mas ela é consumada na lin i da lutura igualdade. No entanto, como atingir essa igualdade destrói Mtf•I o ia razão de ter uma relação, quase tudo de interessante acontece no "jM*' Na verdade, quase tudo o que é humano acontece no meio - mesmo !•'.< i signifique que todas as relações humanas carregam consigo pelo mep)t mu elemento mínimo de criminalidade, culpa ou vergonha. hii a as mulheres tivs que mencionei neste capítulo, isso não era um proii.i Ao garantirem que todos sempre estivessem levemente endividados

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uns com os outros, elas de fato criavam .1 somrrciais é o ambiente por excelência da classe média, mas, ou no topo ou o.i base do sistema, no mundo dos financistas ou dos gângsteres, os ne­ go* lus costumam ser fechados de maneiras não muito diferentes daquelas gunwinggus ou dos nambiquaras - pelo menos quando sexo, drogas, Mimi l i .». exibições exuberantes de comida e violência em potencial estão *o| jogo. ( onsideremos o caso de Neil Bush (irmão de George W. Bush), que, dummii

o processo de divórcio de sua esposa, admitiu tê-la traído diversas vezes

looi mulheres que, segundo ele, apareciam misteriosamente na porta do seu i|ii.o to de hotel depois de importantes reuniões de negócios na Tailândia ou ftu I long Kong. O

senhor deve admitir que é algo bastante extraordinário — observou

nm dos advogados da esposa — um homem abrir a porta do seu quarto em um hotel, se deparar com uma mulher na sua frente e fazer sexo com ela. — Era muito raro — respondeu Bush, admitindo, no entanto, que pas­ sara por aquela situação diversas vezes.

Elas eram prostitutas? - Nào sei.1 Na verdade, essas coisas parecem ser bem comuns quando quanltftl exorbitantes de dinheiro estão em jogo. Nessa linha de raciocínio, a insistência dos economistas de que .1 vitld econômica começa com o escambo, com a troca inocente de flechas pnfl armações de tenda, sem que ninguém esteja a postos para estuprar, hutill lhar ou torturar ninguém, e que ela prossegue dessa maneira, é comovcntlI mente utópica. Uma consequência disso, porém, é que os relatos são cheios de In cunas, e as mulheres dessas histórias parecem surgir do nada, sem expll cação, como as mulheres tailandesas que apareciam na porta de Busli Recordemos a passagem citada no capítulo 3, do numismata Philip Grici son, sobre o dinheiro nos códigos de leis bárbaras: “A compensação njis leis galesas é calculada principalmente em gado, e nas leis irlandesas em gado ou servas [bondmaids] com o uso considerável de metais preciosos nas duas. Nos códigos germânicos, ela é calculada principalmente em metais preciosos. [...]”.2 Como é possível ler essa passagem sem parar imediatamente no meio? “Servas” [bondmaids ]? Não é o mesmo que “escravas” [síaves]? (Sim, é.) Na antiga Irlanda, as escravas eram tão abundantes e importantes que passaram a funcionar como moeda corrente. Como isso aconteceu? Se estamos ten­ tando entender as origens do dinheiro, o fato de pessoas usarem umas às ou­ tras como moeda corrente não é extremamente importante ou significativo?’ No entanto, nenhuma das explicações sobre o surgimento do dinheiro trata disso com precisão. Parece que, na época dos códigos de leis, jovens escra­ vas não eram de fato negociadas, mas sim usadas como unidades de conta. Mesmo assim, elas devem ter sido negociadas em algum momento. Quem eram elas? Como eram escravizadas? Eram capturadas em guerra, vendidas pelos pais ou reduzidas à escravidão por dívida? Eram elas um item de troca indispensável? A resposta a todas essas perguntas poderia ser “sim”, mas é difícil ir além disso, pois faltam fontes históricas.4 l 166

H« mniemos à parábola do servo ingrato. "Nào tendo este com que paj^ir, ‘Sm tmimou cjiic* o vendessem, juntamente com .1 mulher e com os filhos jlil •••. seus bens, para o pagamento da dívida." Como isso aconteceu? 1

•11M* nem sequer estamos falando do serviço da dívida aqui (ele já é

I* mu i redor), mas sim de uma completa escravidão. De que modo a i' •is filhos de um homem passam a ser considerados iguais às suas oveli mm,,is de barro - como propriedades a serem liquidadas por causa de adOii|ilnu i.i? Era normal que um homem, na Palestina do século 1, vendesse ■ l t»*|uiN«? (Não, não era.)5 Se ele não era o seu dono, por que outra pessoa Jplix inllreito de vendê-la caso ele não conseguisse pagar suas dívidas? ISidemos fazer o mesmo tipo de pergunta ao lera história de Neemias. I ilili« ll uflo nos identificarmos com o sofrimento de um pai que vê a filha f li lt vtida por estranhos. Por outro lado, também podemos perguntar: por p if

i redores não levavam 0 pai ? A filha não tomou dinheiro nenhum

f|ll|'H sl.ulo. NAo é que nas sociedades tradicionais seja comum os pais venderem seus tllli.ii, I ssa é uma prática com uma história bem específica: ela aparece nas |Hiiili's civilizações agrárias, da Suméria a Roma e China, bem na época em tftii 1.imbém começamos a ver indícios de dinheiro, mercados e empréstimos I |un»s; depois, de maneira mais gradual, ela também aparece nas regiões tyiii Mipriam essas civilizações com escravos.6 Além disso, se examinarmos tit iliulos históricos, parece haver boas razões para acreditar que a própria Wttessilo com a honra patriarcal que tanto define a “tradição- no Oriente M. «lio e no mundo mediterrâneo surgiu junto com o poder do pai de alienar ui hlhos - como uma reação ao que era visto como os perigos morais do Mim .ido. Tudo isso é tratado como exterior, de alguma maneira, aos limites tl.i história económica. Nào levar tudo isso em conta é desonesto não só porque equivale a ex. li nr os principais motivos que levaram o dinheiro a ser utilizado no passado, nus também porque não nos dá uma visão clara do presente. Afinal de conlii v quem eram aquelas tailandesas que apareciam tão misteriosamente no quarto de hotel de Neil Bush? É quase certo que elas tenham sido crianças .li pais endividados. Provavelmente, elas também eram escravas por dívida.

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Concentrar a atenção na indústria d«> sexo também seria enganouij Tanto antes quanto agora, a maioria das mulheres cni servidão por divlmli oca por uma mulher é outra mulher. Obviamente, mesmo que cada família tivesse a mesma quantidade de limrtos e irmãs, isso não funcionaria de maneira tão impecável. Digamos Htie eu me case com sua irmã, mas você não queira se casar com a minha (i iiI vez por não gostar dela, ou porque ela só tem cinco anos de idade). Nesse i .isn, você se torna “guardião” dela, ou seja, pode reivindicar o direito de •ui regá-la em casamento para outra pessoa - por exemplo, para o irmão .1* uma moça com quem você realmente queira se casar. Esse sistema logo ii 11ansformou em uma série de acordos complexos em que muitos homens importantes se tornaram guardiães de várias mulheres sob tutela, muitas Ve/es espalhadas por uma extensa área; eles as trocavam e as negociavam 9, nesse processo, acumulavam diversas esposas para si próprios, enquanto os homens menos afortunados só conseguiam se casar muito tarde, ou ii.io conseguiam.12 Havia ainda outro recurso. Os tivs, naquela época, usavam feixes de vare­ las de latão como a mais prestigiosa forma de moeda. Só os homens tinham

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as varetas e elas nunca eram usadas paia comprai coisas nos mercados (qiir eram dominados pelas mulheres); em ve/, disso, as varetas eram trocada* apenas por algo que os homens consideravam de extrema importância: gado, cavalos, marfim, títulos rituais, tratamento médico, simpatias. Era possível, como explica um etnógrafo tiv, Akiga Sai, adquirir uma esposa com varelas de latào, mas era preciso muitas varetas. Para se candidatar como preten dente, você precisaria entregar dois ou três feixes de varetas para os pais da moça; depois, quando finalmente fugisse com ela (esses casamentos eram interpretados, a princípio, como fugas), teria de dar mais alguns feixes para tranquilizar a mãe quando ela aparecesse furiosa querendo saber o que es­ tava acontecendo. Normalmente seria preciso entregar mais cinco feixes ao guardião dela para que ele aceitasse a situação, pelo menos temporariamente, e mais outros para os pais quando ela desse à luz, se você tivesse algum.i chance de eles o aceitarem como pai da criança. Com isso os pais dela sairiam do seu pé, mas você teria de pagar para sempre ao guardião, porque jamais poderia usar dinheiro para adquirir direitos sobre uma mulher. Todos sabiam que somente era passível dar, em troca de uma mulher, outra mulher. Nesse caso, todos tinham de aceitar a desculpa de que, um dia, uma mulher estaria disponível. Nesse meio-tempo, como registra de forma sucinta o etnógrafo, “a dívida jamais pode ser totalmente paga”.B Segundo Rospabé, os tivs estão apenas explicitando a lógica subjacente da “riqueza da noiva” de qualquer lugar. O pretendente que oferece a “riqueza da noiva” nunca está pagando pela mulher, nem pelos direitos de reivindicar os filhos dela. Isso implicaria que varetas de latào, dentes de baleia, búzios ou até mesmo gado fossem, de alguma maneira, o equivalente a um ser humano, o que, pela lógica da economia humana, é obviamente absurdo. Apenas um ser humano poderia ser considerado equivalente a outro ser humano. Tanto mais que estamos falando, no caso de um casamento, de algo ainda mais valioso do que uma vida humana: estamos falando de uma vida humana que também tem a capacidade de gerar novas vidas. Certamente muitos daqueles que pagam a riqueza da noiva, como os tivs, são bastante claros em relação a essas coisas. O dinheiro da riqueza da noiva é oferecido não para sanar uma dívida, mas como um tipo de reconhecimento

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4* »«inihh la île uma dívida que ndo pode ser sanada pelo dlnhclro. Amlûtlr on ■mi- lados sustentarão pelo menos a ficção educada de que, algum dia, haver/i piit>t mmompensa equivalente: que a tribo do pretendente acabará cedendo ■ftM «l;iao montanhosa perto do rio Cassai, no Congo Belga, e era considerado m im

povo rude e provinciano por seus vizinhos mais ricos e cosmopolitas,

1»•, kubas e os bushongs. As mulheres leles plantavam milho e mándioca; os I h»mens se julgavam bravos caçadores, mas passavam a maior parte do tempo tecendo e cosendo ráfia. A região era realmente conhecida por esse tecido, que, além de ser usado em todos os tipos de roupa, era exportado: os leles se •ousideravam os tecelões da região, e negociavam o que produziam com os I *«ivos vizinhos para adquirir artigos de luxo. Internamente, o tecido funciouava como um tipo de moeda. No entanto, não era usado nos mercados (não 'i

4*

havia mercados) e, como descobriu Mary Douglas, para seu aborrecimento, uào podia ser usado nas vilas para adquirir comida, ferramentas, utensílios de mesa ou qualquer outro item.2} Era, essencialmente, uma moeda social:

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Presentes informais de tecido tlc r.ili.i l.u llilmn nulas as relações sociais: m.i rido com esposa, filho com màe, filho com pai. Resolvem casos de tensito, como ofertas de paz; podem funcionar como presentes de despedid.t ou transmitir congratulações. Mas também há presentes formais de ráfia que, quando negligenciados, apresentam o risco de romper os laços sociais envol vidos. Ao atingirem a vida adulta, os homens devem dar vinte peças de teciil» i ao pai. Do contrário, teriam vergonha de pedir ajuda do pai para arcar com suas despesas matrimoniais. Os homens deveriam dar vinte peças de tecid« • para sua esposa a cada vez que ela parisse uma criança [...].24 O

tecido também era usado para multas e tarifas, e para pagar curandei

ros. Assim, por exemplo, se a esposa de um homem denunciasse um suposto sedutor, era costume recompensá-la com vinte peças por sua fidelidade (não era obrigatório, mas nào recompensá-la era algo definitivamente impru­ dente); se um adúltero fosse pego, ele deveria pagar cinquenta ou cem peças para o marido da mulher; se o marido e o amante perturbassem a paz da aldeia com uma briga antes de a questão ser resolvida, cada um teria de pagar duas taxas como compensação, e assim por diante. A tendência era que o fluxo de presentes fosse ascendente, dos mais novos para os mais velhos. Como sinal de respeito, jovens estavam sempre dando peque­ nos presentes de tecidos a pais, mães, tios etc., e esses presentes tinham natureza hierárquica, ou seja, quem os recebia jamais pensava em retribuí-los de alguma maneira. Assim, as pessoas mais velhas, principalmente os homens, sempre ti­ nham algumas peças sobrando, e os homens mais jovens, que nunca conseguiam tecer o bastante para suprir suas necessidades, precisavam recorrer aos mais ve­ lhos sempre que era necessário fazer algum pagamento maior: por exemplo, se tivessem de pagar uma multa alta, precisassem contratar um médico para assistir a esposa no parto ou quisessem se juntar a uma seita religiosa. Desse modo, eles mantinham sempre uma dívida pequena, ou pelo menos uma leve obrigação, para com os mais velhos. Mas todos tinham também uma gama ampla de amigos e parentes a quem haviam ajudado e podiam recorrer para pedir ajuda.25 O

casamentó era particularmente caro, uma vez que para conseguir

a mão de uma noiva era preciso muitas barras de sândalo africano [Baphia

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Ne otecido de ráfia era o troco miúdo tia vida jux lal.o sandalo ali u ano ■ HiHilelra rara importada, usada na fabricação de cosméticos era a moeda fttfo ui«* de maior valor. Cem peças de ráfia equivaliam a três a cinco barras ■p «Amlaln. Poucos indivíduos tinham tantas barras de sândalo, o mais colltniii ri a que tivessem alguns pedaços que seriam triturados para uso próprio. A tii iii ii parte era mantida no tesouro coletivo das aldeias. Imo nào quer dizer que o sândalo fosse empregado para qualquer coisa, fim to constituir a riqueza da noiva - em vez disso, ele era usado em negoI iiii ima matrimoniais, em que todos os tipos de presentes eram trocados. Na h

nl.ule, nào havia riqueza da noiva. Os homens nào podiam usar dinheiro

|t*iii adquirir mulheres; tampouco para reivindicar quaisquer direitos sobre «t 11 lanças. Os leles eram matrilineares. As crianças pertenciam nào ao clã tio |>al, mas ao da mãe. No entanto, os homens conseguiam controlaras mulheres de outra maiii ii .1 '*pelo sistema de dívidas de sangue. li entendimento comum entre muitos povos africanos tradicionais que os UffH humanos nào morrem sem que haja algum motivo. Se alguém morre é IMiique alguém deve tê-lo matado. Acreditava-se, por exemplo, que as mulheres lt li i que morriam no parto haviam cometido adultério. O adúltero, portanto, n a i rsponsável pela morte. Muitas vezes ela confessava no leito de morte, outras vr/ cs os fatos tinham de ser descobertos pela divinação. O mesmo era válido se II liebê morresse. Quando alguém ficava doente, ou dormia enquanto escalava unia

árvore e caía, o parente mais próximo investigava para saber se a pessoa *

linha se envolvido em alguma disputa que pudesse ter causado a fatalidade. Se nada fosse descoberto, podiam ser usados meios mágicos para identificar o feiiii ciro. Quando a aldeia se convencia de ter identificado um culpado, a pessoa 11ml raia uma dívida de sangue, ou seja, devia uma vida humana ao parente mais próximo da vítima. O culpado, desse modo, teria de entregar uma jovem da Ioopria família, fosse irmã ou filha, para ser a tutelada da vítima, ou “peoa”. Assim como ocorreu com os tivs, o sistema rapidamente tornou-se muito •omplexo. A “peonagem” era herdada. Se uma mulher era “peoa” de alguém, seus filhos também o seriam, bem como seus netos. Isso quer dizer que a

maioria dos meninos também eram considerados homens de outra pessoa.

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No entanto, ninguém aceitava um "peflo" loino pagamento de dívidas de sau gue: o objetivo era se apoderar de uma mulher jovem, que continuaria gerands ou aparecer na companhia do pairot inador quando elo prei Isai fa liu hoa impressão-nada mais. Ainda assim, tecnicamente, ele é dono dos |)|,, .lu casal e “pode recuperar a esposa que forneceu caso os servos nào ■HfnpHim com suas obrigações”.82 ( )nvimos histórias semelhantes às da África em outros lugares - cam|Hmi1111(1.1 em momentos difíceis, um teto, uma esposa. Nitidamente, isso não •m escravidão” no sentido comum, a menos que o patrocinador decidisse -li spaihar alguns de seus dependentes para credores em alguma cidade disIuiil(' como Majapahit ou Ternate, onde trabalhariam pesado na cozinha ou na pl.uitação de pimenta de algum nobre, como qualquer outro escravo. li importante destacar isso porque um dos efeitos do tráfico de escravos • l.i/er com que as pessoas que não vivem de fato na África fiquem com ii impressão de que o continente é um lugar irremediavelmente violento e *i Ivagem - uma imagem que tem efeitos desastrosos para quem vive lá. Vale ii pena, portanto, considerar a história de um lugar que costuma ser repreni.ido como o polo oposto: Bali, a famosa “terra dos io mil templos” - uma 1111.1 geralmente retratada nos textos antropológicos e guias turísticos como v fi >sse habitada exclusivamente por artistas plácidos e sonhadores, que pas■oimos dias fazendo arranjos de flores e praticando danças sincronizadas. Nos séculos xvii e xvm, Bali ainda não tinha essa reputação. Na época, i Ilha ainda era dividida em uma dúzia de reinos minúsculos e agressivos, em rsiado de guerra quase constante. Na verdade, a reputação da ilha entre os mer. .idores e oficiais holandeses assentados na vizinha )ava era quase o oposto 11.1 reputação atual. Os balineses eram considerados um povo rude e violento,

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governado por nobres decadentes e vii lados cm ópio, cuja riqueza se baseava quase exclusivamente na propensão para vendei seus súditos como esc ravo* para estrangeiros. Na época em que os holandeses assumiram o controle com pleto em Java, quase toda a ilha de Bali se transformou em um reservatoi l o para a exportação de seres humanos-as jovens balinesas, em particular, eram muito procuradas em cidades da região para servir como prostitutas e cone ti binas.84Quando a ilha se envolveu no tráfico de escravos, quase todo o seu sh < tema social e político foi transformado em um aparato para a obtenção forçad.i de mulheres. Mesmo nas aldeias, os casamentos comuns tomavam a forma dr “casamento por captura” - às vezes com fugas encenadas, outras com rapto* forçados verdadeiros, depois dos quais os raptores pagariam à família da noiv.i para que se esquecessem do ocorrido.85Se uma mulher fosse capturada por um homem verdadeiramente importante, no entanto, não seria oferecida nenhuma forma de compensação. Ainda na década de 1960, anciãos se lembravam de como mulheres jovens e atraentes costumavam ser escondidas pelos pais: Proibidas de carregar oferendas muito imponentes nos festivais do templo, temendo que algum vigia real as estivesse espiando, e elas fossem levadas para um dos quartos do palácio, protegidos com rigor, onde os olhos dos visitantes eram restritos ao nível dos pés. Pois havia pouquíssima chance de uma garota se tornar legítima esposa de casta inferior (penaxving) do rajá [...J, O mais provável era que, depois de proporcionar alguns anos de satisfação libertina, ela se degradasse até um estado de servidão escravista.86 Ou, caso ascendesse a uma posição em que as esposas das castas mais altas começassem a encará-la como rival, ela poderia ser envenenada ou despachada para além-mar, para servir soldados em algum bordel dirigido por chineses em Yogyakarta, ou limpar urinóis na casa de algum colono francês na ilha da Reu­ nião, no oceano Indico.87 Enquanto isso, os códigos de lei reais eram reescritos de todas as maneiras habituais, com a exceção de que a força da lei se dirigia, ex­ plicitamente e acima de tudo, contra as mulheres. Não só os criminosos e deve­ dores eram escravizados e deportados, mas qualquer homem casado ganhava o poder de renunciar à própria mulher, transformando-a automaticamente

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nu propriedade do governante loc al, que disporia dela como bem quisesse Mi -tini».is mulheres cujos maridos morressem antes de elas terem dado a lu/ Ii IImis homens eram entregues ao palácio para ser vendidas ao exterior.*'' ( orno explica Adrian Vickers, até as famosas rinhas de Bali - tão coitlu •Idas de qualquer estudante de antropologia - eram promovidas origi­ nalmente pelas cortes reais como maneira de renovar o comércio humano: ( )s reis, inclusive, ajudavam a endividar as pessoas promovendo rinhas gran­ diosas nas capitais. A paixão e a extravagância encorajadas por esse esporte provocador levavam muitos camponeses a apostar mais do que podiam. ( orno ocorre com qualquer jogo de azar, a esperança de obter riquezas e o drama da competição alimentavam ambições com as quais poucos podiam arcar, e, no final, quando a última espora fincava no peito do último galo, mui­ tos camponeses já não tinham casa e família para as quais pudessem voltar. Junto com suas esposas e filhos, eles eram então vendidos para Java.89

H I 1 l . E XÕE S S O B R E A V I O L Ê N C I A

rte o bastante para ter vida relativamente confortável e segura nas cidatli * modernas tendem a agir como se a violência não existisse ou, quando se lt mbiam dela, tendem a subestimar, no vasto mundo “lá fora”, o que ele tem tlt In rível e brutal, sem que se possa fazer muita coisa. Ou então o instinto tu leva a não pensar até que ponto nossa existência diária é definida pela vioIr t H

ia, ou pelo menos pela ameaça da violência (como já observei algumas

Vi / rs, pense no que aconteceria se você insistisse em seu direito de entrar na lilhlloteca deuma universidade sem um documento de identidade válido), e a Ülhrstimar a importância de guerras, terrorismo e crimes violentos - ou pelo iiicitos a frequência com que ocorrem. O papel da força em fornecer a estrutura |Mia as relações humanas é simplesmente mais explícito no que chamamos •l< sociedades tradicionais” - ainda que em muitas delas o ataque físico real ili um ser humano a outro ser humano ocorra com menos frequência do que H»i nossa sociedade. Leiamos um relato do reino Bunyoro, na África oriental: Certa vez um homem se mudou para uma nova aldeia. Ele queria descobrir como eram seus próximos; então, no meio da noite, ele fingiu que batia severamente em sua esposa para ver se os vizinhos viriam reclamar. Mas ele não bateu nela; em vez disso, bateu no couro de uma cabra, enquanto sua esposa chorava e gritava que ele a estava matando. Ninguém apareceu. No dia seguinte, ele e a esposa juntaram seus pertences e saíram daquela aldeia para encontrar outro lugar para viver.91

(

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A mensagem é óbvia. Em uma aldeia respeitável, os vizinhos correriam, segurariam o homem e exigiriam saber o que .1 mulher provavelmente Ir/ para merecer aquele tratamento. A discussão se tornaria uma preocupaç.h • coletiva que se transformaria em algum tipo de resolução coletiva. É assim que as pessoas deveriam viver. Nenhum ser humano racional gostaria de vi ver em um lugar em que os vizinhos não cuidam uns dos outros. Trata-se de uma história reveladora à sua maneira, talvez até encanta dora, mas devemos perguntar: como uma comunidade-até mesmo uma que o homem da história consideraria respeitável - teria reagido se pensassem que a m ulher estava batendo nele?92 Acho que todos nós sabemos a resposi.i O primeiro caso seria motivo de preocupação: o segundo teria levado uo ridículo. Na Europa, nos séculos xvi e xvii, aldeões jovens costumavam us.11 saias a fim de ridicularizar os maridos que apanhavam das esposas, às vezes até desfilavam pela cidade com eles, montados nas costas de um jumento, para serem zombados por todos.93 Nenhuma sociedade africana, pelo que cu saiba, chegou a esse ponto. (Também nenhuma sociedade africana queimou tantas bruxas - a Europa ocidental naqueles séculos era um lugar particular mente selvagem.) Contudo, como na maior parte do mundo, a suposição de que um tipo de brutalidade era pelo menos potencialmente legítimo e outro, não, era o esquema em que se baseavam as relações entre os sexos.94 O

que quero destacar aqui é a existência de uma relação direta entre esse

fato e a possibilidade de trocar uma vida pela outra. Os antropólogos adoram fazer diagramas para representar padrões de preferência matrimonial. Muitas vezes, esses diagramas podem ser bem bonitos:95

PADRÃO IDEAL DE CASAMENTO ENTRE PRIMOS CRUZADOS BILATERAIS

t )iiir.is vezes, eles tôm apenas um a sim plicidade elegunte, com o neste .iiti.i sobre um caso de troca de irm à entre os tivs:'"’

KUNAV

I--------MBAGBERA

• D

MBADUKU

▲B

▲A

M

AN

( )s seres humanos, quando precisam seguir seus desejos, raramente se ui ^tni/.am em padrões simétricos. O preço pago por essa simetria tende a ser Iflirbroso. No caso dos tivs, Akiga a descreve com muita disposição: Sob o sistema antigo, um ancião que tivesse uma mulher sob sua tu­ tela podia sempre se casar com uma jovem, por mais senil que ele fosse, e mesmo se fosse um leproso sem mãos e pés; nenhuma moça ousaria recusá-lo. Se outro homem se sentisse atraído pela mulher sob a tutela do ancião, esse homem a tomaria para si e entregaria à força sua própria tutelada, realizando uma troca. A moça teria de ficar com o velho, car­ regando com pesar a bolsa de pele de cabra dele. Se ela fugisse de volta para casa, seu ex-dono bateria nela, a amarraria e a levaria de volta para o ancião, que, por sua vez, agradeceria e abriria um sorriso até mostrar os molares enegrecidos. “Não importa para onde vá”, diria, “você será sem­ pre trazida de volta para mim; pare de se preocupar e seja minha esposa.” A moça se martirizava, desejando que a terra a engolisse. Algumas mulheres apunhalavam-se até a morte quando eram entregues a um velho contra a sua vontade: mas, apesar disso tudo, os tivs não se importavam.97 A última frase resume tudo. Citá-la pode parecer injusto (os tivs, evidenirinente, se importaram, a ponto de eleger Akiga como seu primeiro repreMiitante parlamentar, sabendo que ele apoiava a legislação que proibia essas

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prátii as), mas sim v c muito Ik-iu para destai .11 .1 questão 1t aI: que irt los lipol de violência eram considerados moralmente aceitáveis.'"* Nenhum viz í i i I h i se prontificaria a intervir se um guardião batesse em uma tutelada fugitlvit, Ou, se interviessem, seria para sugerir que usasse meios mais gentis |>.im devolvê-la ao seu marido por direito. E é exatamente por isso, pelo fato de .11 mulheres saberem que os vizinhos, e até parentes, reagiriam dessa forma, que o “casamento trocado” era possível. E disso que falo quando me refiro a pessoas “arrancadas de seus cou textos”.

Os leles tiveram sorte suficiente para escapar, em ampla medida, das devas tações do tráfico de escravos; os tivs estavam praticamente nos dentes do tubarão e tiveram de realizar esforços heroicos para conter a ameaça. Nau obstante, nos dois casos havia mecanismos para remover mulheres de sua* casas de maneira forçada, e era exatamente isso que as tornava trocáveis embora também nos dois casos um princípio estipulasse que uma mulhei só poderia ser trocada por outra. As poucas exceções, quando as mulhe res podiam ser trocadas por outras coisas, surgiram diretamente da guerra e da escravidão - ou seja, quando o nível de violência havia se intensificado significativamente. O

tráfico de escravos, é claro, representava a violência em uma escala

exponencialmente diferente. Estamos falando aqui de destruição em pro­ porções genocidas, em termos históricos e mundiais, comparável apenas a eventos como a destruição das civilizações do Novo Mundo ou ao Holo­ causto. Também não pretendo, de modo nenhum, culpar as vítimas; basta apenas imaginar o que provavelmente aconteceria na nossa sociedade se um grupo de extraterrestres aparecesse de repente: dotados de tecnologia mili­ tar imbatível, riqueza infinita e nenhuma moral reconhecível, eles anunciam que querem pagar 1 milhão de dólares, cada um deles, por trabalhadores hu­ manos, sem questionamento. Haveria pelo menos um punhado de pessoas inescrupulosas qile tirariam vantagem dessa situação - e um punhado é tudo de que se necessita.

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s antigos estavam bem cientes disso - principalmente no que se referia | r «ii tavidão por dívida. ^ I )e certo modo, o argumento de Al-Wahid é apenas uma longa defesa do fM|» I da escravidão no Islã - muito criticada, pois a lei islâmica nunca elimiM"ii a escravidão, mesmo depois de a instituição ter desaparecido em grande |Mi le do mundo medieval. É verdade que, argumenta ele, Maomé não proibia a / 111ii 111a. mas mesmo assim o antigo califado foi o primeiro governo conhecido [ realmente conseguir eliminar todas essas práticas (abuso judicial, sequestros, I Vimida de prole) reconhecidas como problemas sociais durante milhares de .«nos, e a limitar a escravidão estritamente a prisioneiros de guerra. () que todas essas circunstâncias têm em comum? Essa pergunta se mrnou a contribuição mais duradoura do livro. A resposta de Al-Wahid

é surpreendente em sua simplk idade al^uem tot na se um escravo em *11 çòes em que poderia ter morrido. Isso e obvio n« >i aso da guet ra ........ antigo, o vencedor supostamente tinha poder total sobre o vencido, Iih In sobre as mulheres e crianças; todos podiam simplesmente ser massa» ni» De maneira semelhante, argumenta ele, os criminosos eram cond» iiadi(Í escravidão apenas por crimes capitais, e aqueles que vendiam a si mettf ou aos próprios filhos em geral estavam passando fome.7 No entanto, isso não equivale a dizer que o escravo devia a própria \ i»h« seu dono, pois, caso contrário, estaria morto.8Talvez isso fosse verdadeimi momento da escravização. Mas, depois disso, o escravo não podia ter divlil; porque, em quase todos os aspectos, ele estava morto. No direito romano, lu era explícito. Se um soldado romano fosse capturado e perdesse a libei iU esperava-se que sua família lesse seu testamento e dispusesse de seus bem algum dia ele readquirisse a liberdade, teria de começar tudo de novo, im linl casando-se outra vez com a mulher que até então era considerada sua viúvftJ Na África ocidental, de acordo com um antropólogo francês, o mcMtHfl princípio se aplicava: Ao ser finalmente capturado e removido de seu ambiente, o escravo considerado socialmente morto, como se tivesse desaparecido ou caído etH combate. Entre os antigos mandês, quando os prisioneiros de guerra cmih levados até os vencedores, ofereciam-lhes o dege (mingau de milho e leite) porque não se devia morrer de barriga vazia - e depois apresentavam-llir* suas armas, para que se matassem. Aquele que recusasse era esbofeteai lu por seu raptor e mantido como cativo: ele aceitara o desprezo que o privavi de sua personalidade.10 As histórias de terror dos tivs, sobre homens que morreram e não sabem, ou que são trazidos de volta dos túmulos para servir a seus assassinos, e as histórias de zumbis haitianas servem para explorar esse horror essencial dn escravidão: o fato de ser um tipo de morte em vida. Em um livrd* chamado Slavery and Social Death [Escravidão e morte so­ cial] - certamente o estudo comparativo mais profundo já escrito sobre ji

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ui' )• o,is em ervilhas. Pagava-se uma vaca para cada um deles.22 De maneira 1«mrlhante, se um sujeito roubasse, digamos, um broche ou um porco, teria •I» jhigar três broches ou três porcos mais o preço da honra por ter violado a |«i i »priedade da vítima. Atacar um camponês sob proteção de um senhor era o nu

sino que estuprar a esposa ou filha de alguém, uma violação não da honra

•In vítima, mas do homem que deveria ser capaz de protegê-las. Por fim, era preciso pagar o preço da honra em caso de ofensa a uma pestiui Importante: digamos, por expulsar alguém de um banquete, inventar um r»jHlido particularmente constrangedor (pelo menos se o apelido se espalhasse) mu humilhar a pessoa recorrendo à sátira.2’ O escárnio era uma arte refinada na

hl.inda medieval, e os poetas eram considerados quase mágicos: dizia-se que um satirista talentoso era capaz de provocar a morte de ratos com a rima, ou tu»mínimo fazer pústulas aparecerem no rosto das vítimas. Qualquer homem

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escarnecido em púhlico 11.10 tri 1.1 c m o|Im rxi cio defendei .1 sua liom.i, r, II Irlanda medieval, o valor dessa honra cra definido com precisão. Devo notar que embora 21 vai as talw/. nao pareça 11111 valor muito eleVÉT quando lidamos com reis, havia na Irlanda, na época, aproximadamente is< >t«i«t A maioria tinha apenas cerca de 2 mil súditos, apesar de também havei 1114 provinciais de altíssima posição, para os quais o preço da honra era o dtli bro.25 Além disso, como o sistema legal era totalmente separado do nisIciim político, os juristas, em teoria, tinham o direito de rebaixar todo aquele l|M clusive reis - que cometesse um ato desonroso. Se um nobre expulsasse um homem digno de sua casa ou seu banquete, abrigasse um fugitivo ou c o i i i c m # carne de uma vaca evidentemente roubada, ou caso se deixasse satiri/.m i* não levasse o poeta ofensor à corte, seu preço poderia ser rebaixado pnr.i 11 de um plebeu. Mas o mesmo era válido para um rei que fugia de uma batalha, abusava de seus poderes, era visto trabalhando nos campos ou se envolvi# em tarefas abaixo de sua dignidade. Um rei que fizesse algo totalmente ultr.i jante - como assassinar um parente, por exemplo - poderia perder todo ú preço de sua honra, o que significava não que as pessoas poderiam dizer o que quisessem sobre o rei sem medo de terem de recompensá-lo, mas que el» não poderia ser fiador ou testemunha na corte, uma vez que o juramento v a posição legal da pessoa também eram determinados pelo preço da honr.i Isso não acontecia com frequência, mas acontecia, e a sabedoria legal fa/.i.i sempre questão de lembrar que a lei valia para todos: a lista, contida em um texto jurídico famoso, dos “sete reis que perderam seu preço da honra” foi feita para garantir que ninguém se esquecesse de que não importa quão s.i grada e poderosa fosse a pessoa, todos podiam cair. Incomum sobre os códigos de lei irlandeses é o fato de explicarem tudo com muita clareza. Isso se deve em parte a eles serem obra de uma classe de especialistas legais que parece ter transformado a atividade quase em um.i forma de entretenimento, dedicando horas e horas à elaboração de cada ra­ mificação possível dos princípios existentes, independentemente de haver ou não alguma possibilidade real de o caso ir parar nos tribunais. Algumas cláu­ sulas são tão excêntricas (“se ferroado pela abelha de outro homem, pode-se calcular a extensão do ferimento, mas, se a abelha foi esmagada no processo,

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•I* *.» Nuhtrair o valor de reposição da abelha") que podemo* prcumpni

t» ii.io passam de simples piadas. Todavia, o resultado é que .1 lógU .1 moral p •ii.i por trás de todo o código de honra formal é exposta aqui com uma p i »1 idude espantosa. E quanto às mulheres? Uma mulher livre tinha como M ^ in l.i honra exatamente 50% do preço de seu parente homem mais próB flti (do pai, se vivo; se órfã de pai, do marido). Se ela fosse desonrada, seu H ^ o n a pago ao parente. Quer dizer, exceto se ela fosse uma proprietária de ItyH i independente. Nesse caso, seu preço da honra era o mesmo que de um pttiinn, No entanto, se ela fosse uma mulher de costumes fáceis, seu preço da p iin .1 seria zero, pois ela não teria honra que pudesse ser insultada. E quanto p t i tis.uncnto? O pretendente pagava o preço da honra da esposa para o pai

f

tl.i • se tornava assim seu guardião. E quanto aos servos? O mesmo prin, ||iio sc aplicava: quando um soberano adquiria um servo, ele comprava o

Mn v >cia honra daquele sujeito, presenteando-o com o equivalente em vacas. |Mi|uele momento em diante, se alguém insultasse ou ofendesse o servo, o fll" cru visto como uma afronta à honra do soberano, e cabia a ele coletar a

lANti tio criado. Enquanto isso, o preço da honra do soberano subia como 1»Miltado da acumulação de mais um dependente: em outras palavras, ele llln.ilinente absorvia a honra de seu novo vassalo.26 Ilido isso, por sua vez, nos possibilita entender tanto algo da natureza da In m u .1 quanto a razão de as meninas escravas serem mantidas como unidade tli .iv.iliaçào de dívidas de honra mesmo em uma época em que - sem dú»iil.i devido à influência da Igreja - elas não mais passavam de mão em mão. A |*r nneira vista parece estranho que a honra de um nobre ou de um rei fosse llicdida em escravos, uma vez que escravos eram seres humanos cuja honra 11*10tinha valor. Mas, se a honra for fundamentada na capacidade de extrair a In >nra dos outros, faz todo sentido. O valor de um escravo é o valor da honra ijiic lhe foi extraída. Algumas vezes, nos deparamos com um único detalhe acidental que 1ui rega todo o jogo. Nesse caso, o detalhe não vem da Irlanda, mas do Cótlivjo Dimetiano em Gales, escrito algum tempo depois, mas que mantinha ijii.ise os mesmos princípios. Em determinado ponto, depois de listar as hon1.is devidas a instituições que se equiparavam a “sete santas sés” do reino de

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Dyfed, cujos bispos e abades ei.im .is 11 i. il m a s m.iis elevadas e sagnidiitfl reino, o texto especifica que “aquele que tirar sangue de um abade de mi .1 heróica - de certa forma, era a sua essência. Os gregos da época de I li .mero não parecem ter sido diferentes. Não é mera coincidência que a luta ■filie Agamenon e Aquiles, episódio de abertura da Ilíada, geralmente con«lili uula a primeira grande obra da literatura ocidental, seja uma disputa de ||i miui entre dois guerreiros heroicos pela disposição de uma jovem escrava.66 M nm cnon e Aquiles também sabiam que bastaria uma reviravolta infeliz Hn lutalha, ou talvez um naufrágio, para que os dois se tornassem escravos. I lillxseu quase não conseguiu escapar de ser escravizado em diversas ocasiões Itn ( )disseia. No século m d.C., Valeriano, imperador romano de 253 d.C. a f Ai1d.C'., derrotado na batalha de Edessa, foi capturado e passou seus últimos WtoN de vida como o escabelo que o imperador sassânida Shapur 1costumava 111.11 para montar no cavalo. Eram esses os perigos da guerra. Tudo isso era

fMcncial para a natureza da honra marcial. A honra de um guerreiro é sua illiposição para arriscar tudo no jogo. Sua grandeza é diretamente proporI |i mal ao tamanho da queda. Podemos então afirmar que o advento do dinheiro comercial desordelli ui as hierarquias tradicionais? Os aristocratas gregos costumam dizer que «liil, mas as queixas não parecem ser sinceras. Decerto foi o dinheiro que, iiiiies de tudo, permitiu a existência dessa aristocracia refinada.67 Mais exaliimente, o que parecia realmente incomodá-los em relação ao dinheiro era II ülmples fato de eles o desejarem demais.'Como o dinheiro podia ser usado (nua comprar quase tudo, todo mundo o queria. Ou seja: ele era desejável jmríjue era indiscriminado. Percebemos aqui como a metáfora da porné parece I>#rticularmente apropriada. Uma mulher “comum para o povo” - como disse II poeta Arquíloco - está disponível para todos. Em princípio, não deveríamos 1li is sentir atraídos por uma criatura tão indiscriminada. Mas o fato é que nos «rttiimos.68 E nada era tão indiscriminado e tão desejável quanto o dinheiro. I claro, embora os aristocratas gregos insistissem que não se sentiam atraídos por essas criaturas, e que as cortesãs, flautistas, acrobatas e os belos rapazes

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que frequentavam os simpósios tie l.iio tt.lo sc prostituíam (apes.ii *1« ,il||f mas vezes admitirem que sim), eles i.unhem lutavam com o lato de que i | É ocupações imbuídas de altos ideais, como corridas de bigas, abastei inu'iM de barcos para a marinha e o patrocínio de tragédias, exigiam as me*iit(É moedas usadas para comprar perfumes baratos e tortas para as espo.su * dn| pescadores - a única diferença real era o fato de suas ocupações tendei la Mediterrâneo e regiões adjacentes. (O relato também é, devo notar, uma

|*l liu adeira com o fato de que, em muitas línguas mediterrâneas, inclusive o ■rr^o. a palavra usada para “juros” significa literalmente “prole”.) ( erto dia, o vizinho de Nasrudin, famoso por sua avareza, apareceu dizendo i|ue daria uma festa para alguns convidados. Será que Nasrudin poderia lhe emprestar algumas tigelas? Nasrudin não tinha muitas, mas disse que ficaria feliz em emprestar o que tivesse. No dia seguinte o avarento voltou, devol­ vendo as três tigelas emprestadas de Nasrudin e mais uma adicional. - O que é isso? - perguntou Nasrudin. - Ah, é a prole das tigelas. Elas se reproduziram enquanto estavam comigo. Nasrudin deu de ombros e as aceitou de volta, e o avarento foi embora fe­ liz por ter estabelecido um princípio de juros. Um mês depois Nasrudin deu uma festa e resolveu pedir doze peças emprestadas da louça muito mais lu­ xuosa do vizinho. O avarento emprestou. Esperou um dia. E depois outro... No terceiro dia, o avarento apareceu na casa de Nasrudin e perguntou o que tinha acontecido com as peças de louça.

247

Com a s peças de louça? rctruinu N*srudln, cnlristccid«*. tragédia terrível. Elas morreram.“' —

I *i

Em um sistema heroico, são somente as dívidas de honra - a nec essn l.u de retribuir dádivas, de exigir vingança, de resgatar ou redim ir amigt ih i parentes feitos prisioneiros - que funcionam totalmente na lógica d.i lio« “toma lá, dá cá”. Honra é o mesmo que crédito; é a capacidade de cumpi promessas, mas também, no caso de um erro, de “acertar as contas". ( mill dá a entender a última expressão, tratava-se de uma lógica monetárin.

hm

o dinheiro, ou qualquer relação que se parecesse com a que envolve dinhelii restringe-se a isso. De maneira gradual e sutil, sem que ninguém entende* completamente todas as implicações do que acontecia, o que era a essOii* cia das relações morais se transformou nos meios para todo tipo de esllula gema desonesto. Sabemos um pouco sobre isso por causa dos discursos em julgamcnim, muitos dos quais chegaram até nós. Leiamos um do século iv, provavelmente de 365 a.C. Apolodoro era um cidadão próspero, mas de origem humlld* (seu pai, banqueiro, começara a vida como escravo), que, como muitos 1«• valheiros, havia adquirido uma propriedade rural. Lá ele se tornara ami^o de seu vizinho mais próximo, Nicostrato, homem de origem aristocrat ii d, mas agora com menos recursos que no passado. Eles se comportavam comi 1 era de praxe entre vizinhos, dando e recebendo de volta pequenas quantuv emprestando animais ou escravos, cuidando da propriedade um do outro quando um deles se ausentava. Até que um dia Nicostrato foi vítima de um grande azar. Enquanto tentava localizar alguns escravos fugitivos, foi captii rado por piratas e aprisionado à espera de resgate no mercado de escravo» da ilha de Egina. Seus parentes conseguiram juntar apenas parte do resgate, e ele foi obrigado a tomar o restante emprestado de desconhecidos no mer­ cado. Estes eram, ao que parece, profissionais especializados nesse tipo de empréstimos, cujas condições eram notoriamente rígidas: se o pagamento não fosse realizado em trinta dias, a dívida dobrava; se não fosse paga de modo nenhum, o devedor se tornava escravo do homem que providenciar,1 o dinheiro da redenção.

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Apavorado, Nicostrato apelou ao vizinho. Iodas as

sn.is

posses liavlani

li •penhoradas por um ou outro credor; ele sabia que Apolodoro não devia 11tinto dinheiro vivo, mas será que seu querido amigo poderia aplicar alllti bom próprio como garantia? Apolodoro ficou comovido. Ele perdoaria kiin alegria todas as dívidas que Nicostrato já tinha com ele, mas o restante MHlti difícil. Mesmo assim, faria o que pudesse. Por fim, ele conseguiu um ntipréstimo com um conhecido, Arcesas, dando como garantia sua casa m l»lilade, a uma taxa de 16% de juros anuais, para satisfazer os credores de Nii osirato, enquanto ele arranjava um empréstimo eranos, isto é, amigável f Hm cobrança de juros, com algum parente. Pouco tempo depois, porém, A| >que com ela poderia matar alguém.) Está claro que não pode ser correto «1mar um lunático, quaisquer que sejam as circunstâncias.87 O amigo ignora 11 pmblema e sai para cum prir algum ritual, deixando o filho em seu lugar nu discussão. C) filho, Polemarco, muda inesperadamente o argumento: é claro que seu | imI nlo quis dizer “dívida” no sentido literal de devolver o que se tomou empn itado. Ele se referia mais ao sentido de dar às pessoas o que lhes é devido; irt ribuir o bem com o bem e o mal com o mal; ajudar os amigos e prejudicar o» inimigos. (Quer dizer que a justiça não serve para determinar quais são iii issos amigos e inimigos? Um homem que concluísse não ter amigos e tenliisse ferir todos os outros seria justo? E mesmo que tivéssemos a maneira 1ei ta de dizer que determinado inimigo é intrinsecamente mau e merece ser prejudicado, ao prejudicá-lo não estaríamos tornando-o pior? Transformar pessoas ruins em pessoas piores pode realmente ser um exemplo de justiça?) I »estruir esse argumento demora um pouco mais, mas por fim ele é derruInido. Nesse momento, Trasímaco, um sofista, entra na discussão e acusa Iodos os debatedores de serem tíbios idealistas. Na verdade, diz ele, todo o discurso sobre “justiça” não passa de um pretexto político para justificar os

interesses dos poderosos. E assim deveria ser, pois uma vez que existe a

lusiiça, ela é simplesmente isto: o interesse dos poderosos. Os governantes s.ío

como pastores. Gostamos de concebê-los como pessoas benevolentes

t|ue cuidam de seus rebanhos, mas o que um pastor, em última instância,

251

fa z

com seus carneiros;' M.il.i os e come s, ou vende a carne por dlnhrlfB

Sócrates responde dizendo que Trasímaco eslá confundindo a arte de i onUf de carneiros com a arte de lucrar com eles. A arte da medicina visa mclhnrM a saúde, sejam os médicos pagos ou não por praticá-la. A arte do pasi i visa garantir o bem-estar do rebanho, seja o pastor (ou seu empregadi >i) mil negociante que sabe como extrair lucro dos animais ou não. O mesnu >.u o i|t tece com a arte de governar. Se essa arte existe, ela deve ter seu objetivo iniiltl1)1 mesmo tempo introduzindo a ideia de que as classes nobres eram realm» ni«t descendentes dos conquistadores germânicos e que o povo comum cirt IH* trinsecamente servil. Ainda assim, mesmo nesse novo mundo medieval, o antigo com rll»| romano de liberdade permaneceu. Liberdade significava nada mais i|MÍ poder. Quando os pensadores políticos medievais falavam em “liberdade normalmente se referiam ao direito do senhor de fazer o que quisesse ciM seus domínios. Mais uma vez, supunha-se que esse direito não era origin«! mente estabelecido por um acordo, mas sim por uma conquista: uma famtt*| lenda inglesa diz que quando, por volta de 1290, o rei Eduardo 1 pediu t|iia seus fidalgos preparassem documentos para provar por quais direitos *

nhores tinham de manter o próprio local privado de execução. Quando 11 direito romano começou a ser recuperado e modernizado no século xil, il termo dom inium suscitou um problema em particular, uma vez que no l.illnt clerical da época a palavra passou a ser usada para se referir igualmente a "w* nhoria” e “propriedade privada”. Os juristas medievais levaram muito tempo tentando estabelecer uma diferença entre as duas. Tratava-se de um problem

(miiii ularmente espinhoso porque, sc os direitos de propriedade rralmrnltp i Min, como registrado no Digesto, uma forma de poder absoluto, seria multo

•liih il entender como todos poderiam tê-lo exceto o rei - ou até mesmo, para JtyMtm juristas, Deus.118 NAo pretendo discutir neste livro os argumentos que sobrevieram, mas pirdlto ser importante encerrar o assunto porque assim, de certa forma, fei liitirmos o ciclo e poderemos entender com mais precisão a visão de mundo llt liberais como Adam Smith - uma tradição que assume a liberdade, em ia, como o direito de fazermos o que quisermos com a nossa proprieiUdr Na verdade, além de tornar a propriedade um direito, trata os próprios «theitos como uma forma de propriedade. Em certo sentido, esse é o maior Mmindoxo de todos. Estamos tão acostumados com a ideia de “ter” direitos iiii irja, a ideia de que os direitos podem ser possuídos - que raramente penIm ii ii

is sobre o que isso realmente significa. Na realidade (como bem sabiam

|m juristas medievais), o direito de um é simplesmente a obrigação de outro. M i m direito

à liberdade de expressão é a obrigação do outro de não me punir

|i"i talar; meu direito de ser julgado por um júri formado por meus pares é | responsabilidade dos outros de manter um serviço de júri. O problema é o HiiMiio que o dos direitos de propriedade: é difícil pensar nisso quando falaWlus cm compromissos assumidos por pessoas em todo o mundo. E muito lltdls fácil falar em “ter” direitos e liberdades. Mesmo assim, se a liberdade é Pl»k amente o nosso direito de possuir as coisas ou de tratar as coisas como «i as possuíssemos, então o que significa “possuir” uma liberdade? Significa ■tir nosso direito à propriedade é em si uma forma de propriedade? Trata-se lir uma ideia desnecessariamente confusa. Que motivos teríamos para seguir 11>messa definição?119 I listoricamente, há uma resposta simples - talvez perturbadora - para |**ii. Aqueles que defendem que somos detentores naturais de nossos direitos 9 lllierdades querem dizer basicamente que deveríamos ser livres para abrir IMiii

i deles, ou até mesmo vendê-los. As ideias modernas de direitos e liberdades são derivadas do que conhe-

tnnos como “teoria dos direitos naturais” - da época em que Jean Gerson, Mltor da Universidade de Paris, começou a difundi-las por volta de 1400,

263

baseando-se cm conceitos do direito romano, t omo há muito o b scrvi» Richard Tuck, principal historiador dessas ideias, o fato de se tratar de itni corpo teórico adotado não pelos progressistas da cpoca, mas pelos con»i*N vadores, constitui uma das maiores ironias da história. “Para os gersonhmi •», liberdade era propriedade e podia ser trocada da mesma maneira, e sob o» mesmos termos, que qualquer outra propriedade” - vendida, trocada, rniprestada ou entregue voluntariamente.120 Como consequência, não podM haver nada de intrinsecamente errado com a servidão por dívida, por cxrm pio, ou mesmo a escravidão. E é justamente isso que os teóricos dos direito» naturais passaram a dizer: na verdade, nos séculos posteriores, essas idcUi» foram desenvolvidas sobretudo em Antuérpia e em Lisboa, cidades no ccnl i : havia uma quantidade enorme de taxas e uma distribuição contínua 1I1 |ii irções de terra, salários e pagamentos do Estado. A li também o dinheiro Iludiu claramente como meio de conta. A unidade básica era o deben ou “meillilii"

referindo-se originalmente a medidas de grãos e, depois, de cobre e

|Miil.1, Alguns registros deixam nítida a natureza de luta livre da maioria das iMiisações: No 15oano de Ramsés 11 [c. 1275 a.C.], um mercador ofereceu à egípcia Erenofre uma escrava síria cujo preço, sem dúvida depois de uma barganha, foi fixado em 4 deben e 1 kite [cerca de 373 gramas] de prata. Erenofre juntou iiljjumas peças de roupa e cobertores no valor de 2 deben e 2X kite - os deta­ lhes estão descritos no registro - e pegou emprestada uma miscelânea de objetos com os vizinhos - vasos de bronze, um pote de mel, dez blusas, dez deben de lingotes de cobre -

até atingir o preço da escrava.16

A maioria dos mercadores era itinerante, composta ou de estrangeiros nu de agentes comerciais que trabalhavam para os grandes proprietários de ln 1,1. No entanto, não há muitos indícios de créditos comerciais; os emprésti­ mos 110 Egito muito provavelmente ainda assumiam a forma de ajuda mútua mire próximos.17 Colocando em termos mais simples: na Mesopotâmia, os empréstimos ii |iiros feitos por autoridades dos templos e palácios substituía a falta dç um kl11ema abrangente de tributação. No Egito isso não era necessário. F.mpréstimos substanciais e legalmente executáveis, daqueles que poilcin levar à perda de terras ou familiares, são documentados, mas parecem

279

ser raros

e muito menos nocivos, pois nflo eram a juros. I)e iinuu l

semelhante, é comum ouvirmos (alar de servos por dívida, ou escravo1»|u dívida, mas parece ter sido um fenômeno raro e nada sugere que tenht» .0 Itl« gído proporções críticas, como acontecia com frequência na Mesopoi.lmH e no Levante.18 Na verdade, nos primeiros milênios, parece que estamos em um m i m d t f i um tanto diferente, onde a dívida era de fato uma questão de “culpa" e tr.ii > id * muitas vezes como questão penal: Quando um devedor não pagava a tempo o que devia, o credor podia levá lit aos tribunais, onde seria exigido que o devedor prometesse pagar a divliU completa em uma data específica. Como parte da promessa - feita sob jii ramento - o devedor também se comprometia a levar cem bordoadas pagar o dobro do empréstimo original se não conseguisse quitar a dívida na data especificada.19 E importante considerar o “e/ou”. Não havia distinção formal entre um.i multa e uma surra. Na verdade, o propósito do juramento (como o costum» cretense de o tomador de empréstimo fingir apanhar o dinheiro do bolso das, T.«ng Itiiiihiiu a moeda”.31 A história é um tanto extravagante (datam de pelo menos mil anos tli pois as origens verdadeiras da moeda cunhada), e é muito difícil saber ÿtimo interpretá-la. Será que reflete a memória de crianças levadas como Hitilça de dívida? À primeira vista, tem-se a sensação de que são pessoas Mnnliilas vendendo definitivamente os filhos - prática que depois se tornaI lit lo in u m em certos períodos da história chinesa.32 Mas a justaposição de tMiipréstimos e venda de crianças é sugestiva, principalmente se considerarIhDN o que acontecia no outro lado da Ásia exatamente na mesma época. I I h iiíin zi depois explica que esses mesmos governantes instituíram o cos­ tume de guardar 30% da colheita em celeiros públicos para redistribuição em Klliergências, garantindo assim que ninguém passasse de novo por dificuldadi 1extremas. Em outras palavras, eles começaram a montar o mesmo tipo di 111mazéns burocráticos que, em lugares como Egito e Mesopotâmia, foram fvuponsáveis pela criação do dinheiro como unidade de conta.

283

9.

Idade Axial (800 a.C. - 600

Designemos esse período como “Idade Axial”, um período repleto de eventos extraordinários. Na China viveram Confúcio e Lao-tsé, e ali surgiram todas as tendências da filosofia chinesa [...]. Na índia foi a época dos Upanixades e de Buda; como na China, desenvolveram-se todas as tendências filosóficas, in­ cluindo o ceticismo e o materialismo, a sofística e o niilismo. K A R L JASPERS, W A Y T O W ISD O M

A expressão “Idade A xial” foi cunhada pelo filósofo alemão existencialista Kiii I Jaspers.1 Ao escrever uma história da filosofia, Jaspers admirou-se do l.do de figuras como Pitágoras (570 a.C-495 a.C.), Buda (563 a.C-483 a.C.) e ( itiifúcio (551 a.C-479 a.C.) terem sido contemporâneas, e também de que, nesse mesmo período, na Grécia, na índia e na China houvesse um súbito flolescer de discussões entre escolas intelectuais rivais e de que, aparentemente, 1ida um dos grupos não soubesse da existência do outro. Assim como a invenção da cunhagem na mesma época, o motivo desse acontecimento 1ontinua sendo um mistério. O próprio Jaspers não tinha uma explicação para isso. Até certo ponto, sugeriu ele, pode ter sido um efeito de condições históricas semelhantes. Para a maioria das grandes civilizações urbanas da opoca, o início da Idade do Ferro foi uma espécie de pausa entre impérios, uma época em que os cenários políticos se decompuseram em um tabuleiro, em sua maior parte, composto de reinos e cidades-Estado diminutos, em guerra quase constante com outros cenários e encerrados em um çonstante ebate político. Em cada caso, testemunhou-se o desenvolvimento de algo semelhante a uma cultura marginal, com devotos e sábios se retirando da vida

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social ou perambulando de cidade em i idade em busca de conhci luti nitljl muitas vezes, também eram absorvidos pela ordem política como um inHIH tipo de elite intelectual ou espiritual, como no caso dos sofistas grego«, pltM fetas judeus, sábios chineses ou gurus indianos. Jaspers argumenta que, independentemente das razões, o resultado ln| t| primeiro período na história em que os seres humanos aplicaram priiu ípli 14f | investigação racional a grandes questões da existência humana. Ele notou 1111gravadas com algum tipo de símbolo oficial.6A maior parte dos exemplos ■li icobertos pelos arqueólogos inclui diversas incisões complementares, feitas posteriormente, acrescentadas da mesma maneira que se endossa um cheque 1mi outro instrumento de crédito antes de transferi-lo. Isso sugere fortemente i|tie as barras estavam sendo usadas por pessoas acostumadas com instrumen­ tos de crédito mais abstratos.7 Boa parte da antiga cunhagem chinesa também purree ter se desenvolvido a partir das moedas sociais: algumas eram forjadas rni bronze na forma de búzios, embora outras tivessem a forma de minúsculas Iflminas, discos ou espadas. Em todas as três regiões, os governos locais rapida­ mente entraram no negócio - talvez no intervalo de uma geração.8No entanto, i (imo em cada uma das três áreas havia uma quantidade de pequenos Estados, liso significa que cada uma delas teve ampla variedade de sistemas monetários. Cor exemplo, por volta de 700 a.C., o norte da índia ainda era dividido em janapadas ou “territórios tribais”, alguns eram monarquias e outros repúblicas, e no

I «éc ulo vi ainda havia pelo menos dezesseis reinos. Na China, esse foi o período c*mque o antigo Império Zhou se dissolveu em principados rivais (o Período das Primaveras e Outonos, 722 a.C-481 a.C.), depois se fragmentou, em uma 287

siI w.IVIO I .loiii .1, dur.mtc I I IU I unliuli is Krnu>s ( ■imlulcutcs ( | ", .1 < ; )\ i| I ) 1 Assim como as c. idades I si.ulo gregas. Iodos i >s icim is «|iu se ( 01 isi 11111.1111, müH 1

ffl 1

importa quão diminutos, almejavam cmitii a própria morda corrente 0I11 l,il Estudos recentes ajudaram a lançar luz sobre como isso oconru. ( »mu, H f l prata e bronze - materiais de que as moedas eram feitas - foram o melii d# troca do comércio internacional durante muito tempo; mas, ale enlrtii, k iiil mente os ricos tinham grandes quantidades desses metais. Um (a/.nidiMitf sumeriano típico talvez jamais tivesse oportunidade de segurar nas m.)u« mil 1 pedaço significativo de prata, exceto talvez em seu casamento. Os metal* utiilt preciosos eram transformados em adereços femininos e cálices tradk Iuim U ofertados pelos reis aos seus dependentes, ou simplesmente estocado» mu templos, em forma de lingotes, como garantia de empréstimos. I )c al^iim* I maneira, durante a Idade Axial, tudo isso começou a mudar. Grandes quaii tidades de prata, de ouro e de cobre deixaram de ser “entesouradas”, iiin iii gostam de dizer os historiadores da economia; os metais foram retirad«>s dm ] templos e das casas dos ricos e postos nas màos de pessoas comuns, divldidin em pedaços menores, e começaram a ser usados nas transações cotidiana», Como? O helenista israelense David Schaps apresenta a sugestão ni.il« plausível: a maioria foi roubada. Foi um período de guerra generalizada, t>I da natureza da guerra o assalto às mais preciosas propriedades. Os soldados começam os saques primeiro à procura de mulheres, bebida« alcoólicas e comida, mas também procuram materiais de valor que posamii ser carregados com facilidade. Exércitos permanentes tendem a acumtiU muitas coisas valiosas e portáteis - e os itens mais valiosos e portáteis são .11 tefatos de metal e pedras preciosas. As prolongadas guerras entre Estados 11 vais nessas áreas podem muito bem ter gerado pela primeira vez uma grandt população detentora de metais preciosos e uma necessidade premente di bens essenciais ao dia a dia [...]. Onde há pessoas interessadas em comprar haverá pessoas interessadan em vender, como apontam inúmeros tratados sobre mercados negros, tráfim de drogas e prostituição [...]. O constante estado de guerra da Grécia antiga das janapadas na índia e dos Reinos Combatentes na China foi um ímpoln j

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r

Inrtc para o desenvolvimento do comércio, e em particular para oioinér» lt> baseado na troca de metais, geralmente em pequenas quantidades. Sc os duques colocaram metais preciosos nas mãos dos soldados, o mercado os viria a espalhar nas mãos da população.9 ( )ra, podemos conjecturar que a guerra e a pilhagem não eram novidade.

A* epopeias homéricas, por exemplo, mostram um interesse quase obsessivo pi l,i divisão de espólios. É verdade, mas a Idade Axial também via nascer i< pilo, tanto na China como na índia e no Egeu - um novo tipo de exército, l i «I i ipi isto não

de guerreiros aristocratas e seus serviçais, mas de profissionais

(trinados para o combate. O período em que os gregos começaram a usar a I linhagem, por exemplo, também foi o período em que desenvolveram suas faKtnsas táticas de falange, que exigiam a formação e o treinamento constante de luldados hoplitas. Os resultados foram tão extraordinariamente eficazes que nu mercenários gregos começaram a ser requisitados em diversos lugares, do

I t(llo à Crimeia. Mas, a despeito dos serviçais da época de Homero, que podiam »Implesmente ser ignorados, um exército de mercenários treinados precisa ser h>i i impensado de alguma maneira significativa. Era possível retribuir-lhes com ||itdo, mas gado é mercadoria difícil de transportar; ou com notas promissórias, mus elas seriam inúteis em um lugar habitado por mercenários. Dar, a cada um, U niii

pequena parte da pilhagem parece ter sido a solução óbvia. Esses novos exércitos estavam, direta ou indiretamente, sob o controle

•Ir governos, e cabia aos governantes transformar esses pedaços de metal em Mlocda corrente genuína. A principal razão disso é a escala: criar moedas em numero suficiente para as pessoas começarem a usar nas transações diárias mlgia uma produção em uma escala que excedia em muito a capacidade dos lei reiros ou mercadores locais.10É claro, já vimos por que os governos podem lei lido algum incentivo para isso: a existência de mercados era extremamente II inveniente para os governos, e não só porque facilitava a provisão de grandes Wércitos permanentes. Ao afirmar que aceitavam apenas as próprias moedas Ik i i . i

o pagamento de multas, taxas ou impostos, esses governos conseguiram

ocar as moedas sociais existentes nas regiões interiores, estabelecendo assim algo parecido com mercados nacionais uniformes.

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De fato, dc acordo com certa teoria, as primeiras moedas d.i l.iditi Imim criadas com a intenção manifesta dc pagar a mercenários." Talvez isso ii|ntlM 4 explicar por que os gregos, que abasteciam a maioria dos mercenários, sem 11*111 j maram tão rapidamente ao uso das moedas, e por que o uso da cunhagem se i'N|hH lhou tão rapidamente no mundo helenístico, de modo que em 480 a.C. já exMMM pelo menos cem casas de cunhagem funcionando em diferentes cidades ^tc^ilU mesmo que, na época, nenhuma das grandes nações comerciais do Meditei iflitlNl tivesse demonstrado o mínimo interesse por elas. Os fenícios, por exemple >, erftfl I considerados os maiores mercadores e banqueiros da Antiguidade.12Eles t.imlitfifl 1 foram grandes inventores, os primeiros a desenvolver o alfabeto e o ábac< >. (1 iH*I tudo, durante séculos depois da invenção da cunhagem, eles preferiam cont iniim fazendo negócios da maneira habitual, com lingotes brutos e notas promlMÉÍl rias.13 As cidades fenícias foram utilizar moedas apenas em 165 a.C., e cmbuia I Cartago, a grande colônia fenícia no norte da África que dominou o coméri 1«1IM| I Mediterrâneo ocidental, tenha começado a usá-las um pouco antes, foi “obrl^iU a usá-las para pagar a mercenários sicilianos; além disso, suas inscrições eram gravadas em idioma púnico, ‘para o exército em campanha’”.14 Por outro lado, no ambiente de extraordinária violência da Idade Axial, «*i uma “grande nação comercial” (em vez de, digamos, uma potência militar agrcs*IV|l como Pérsia, Atenas ou Roma) não era, em última instância, um negócio atmenir O destino das cidades fenícias é instrutivo. Sídon, a mais rica, foi destruída prlu imperador persa Artaxerxes ui após uma revolta ocorrida em 351 a.C. Acreditu m> que 40 mil habitantes tenham cometido suicídio em massa em vez de se renderem Dezenove anos mais tarde, Tiro foi destruída depois de um cerco prolongado dc Air xandre: 10 mil morreram em batalha, e 30 mil sobreviventes foram vendidos como escravos. Cartago durou mais tempo, mas, quando os exércitos romanos finalninilr atacaram a cidade, em 146 a.C., estima-se que centenas de milhares de cartaginew» tenham sido violentados e assassinados, e 50 mil prisioneiros tenham sido levani m, não tinha nada de novo. Fazendeiros e comerciantes sumerianos já num perfeitamente capazes de fazer cálculos desse tipo em 3500 a.C., mas 111 iilium deles, pelo que sabemos, se impressionou tanto a ponto de concluir, liiitio Pitágoras, que o pensamento matemático era a chave para o entendiliirnto da natureza do Universo e do movimento dos astros, e que no fundo (i «las as coisas eram formadas por números - e eles certamente não forma­ tam sociedades secretas baseadas na troca desse conhecimento e em debate, 1111expurgo e na excomunhão uns dos outros.52 Para entendermos o que mudou, temos de examinar, mais uma vez, o ll/io específico de mercado que surgiu no início da Idade Axial: mercados Impessoais, nascidos da guerra, em que era possível tratar vizinhos como se Imsom desconhecidos. Nas economias humanas, as motivações são presumivelmente com­ plexas. Quando um soberano dá um presente a um criado, não há razões para duvidar que a dádiva seja inspirada pelo desejo genuíno de beneficiar n i riado, mesmo que seja também um movimento estratégico para garantir lealdade, além de um ato de magnificência com o intuito de reafirmar a sua grandiosidade e a pequenez do criado. Não há contradição nenhuma nisso. I >e maneira semelhante, dádivas entre iguais costumam ser acompanhadas de amor, inveja, orgulho, rancor, solidariedade ou uma série de outras coisas. I specular sobre essas questões é uma das principais formas de passatempo. I alta, no entanto, a ideia de que a verdadeira motivação é necessariamente .1 mais “egoísta”: quem especula sobre as motivações ocultas imagina da mesma maneira que quem tenta em segredo ajudar um amigo ou prejudicar um inimigo também está obtendo alguma vantagem para si próprio.53Além disso, nada parece ter mudado com o surgimento dos primeiros mercados de i rédito, quando o valor de um vale dependia tanto da avaliação do caráter do

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emissor como de sua renda disponível, «•motivações de amor, Inveja, orgullm etc. jamais podiam ser totalmente descartadas.

As transações em dinheiro vivo entre estranhos eram diferentes, a iiu l| mais quando o comércio acontece tendo a guerra como pano de fiiiulo 0 surge do descarte de pilhagens e da provisão de soldados, quando é mrlhttf não perguntar a origem dos objetos comercializados, e quando não li.i nlil guém muito interessado em estabelecer relações pessoais contínuas. Ncnnm casos, as transações de fato se tornam nada mais que a descoberta do quantn de X equivale a quanto de Y, de calcular proporções, estimar a qualidade *' tentar obter o melhor acordo para si próprio. O resultado, durante a kl.ul« Axial, foi uma nova forma de pensar sobre a motivação humana, uma sim plificação radical que possibilitou o surgimento de conceitos como “lucri >" e “vantagem” - e perm itir imaginar que isso é o que as pessoas realmente bui cam, em todos os aspectos da existência, como se a violência da guerra ou tf impessoalidade do mercado tivessem lhes dado a oportunidade de deixai tli fingir que alguma vez se importavam com alguma coisa. Isso, por sua ve/,, permitiu que a vida humana parecesse passível de ser reduzida a uma que» tão de cálculo de um meio para atingir um fim, e por isso algo que podei Itf ser examinado com os mesmos recursos usados para estudar a atração e a repulsão dos corpos celestes.54Não é coincidência que essa premissa básli a lembre bastante as premissas dos economistas contemporâneos - mas c força motriz na vida humana. O termo correto era li, palavra usada primeira

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mu ui' para se referirá quantidade de grãos colhidos quando cm quantldadi ftiulio superior à que havia sido plantada (o pictograma representa um leixi d » li i^o junto de uma faca).” Posteriormente, li passou a ser usada pura dcslg

M fo lucro comercial, e depois se transformou no termo geral para "hcnrll t In ou "reembolso”. A história a seguir, que apresenta a reação de 1.11 Muwcl, .... ide um mercador, ao saber que um príncipe exilado estava morando nas

M mde/.as, ilustra bem essa progressão: Ao voltar para casa, ele perguntou ao pai: — Que lucro se pode esperar obter ao investir no arado? — Dez vezes o investimento — respondeu o pai. — E o retorno ao investir em pérolas e jades? — Cem vezes mais. — E o retorno ao investir na constituição de um governante e na segu­ rança do Estado? — Seria incalculável.56 I.ü adotou a causa do príncipe e por fim conseguiu fazê-lo rei de Qin. E o |i »vem, por sua vez, tornou-se primeiro-ministro do filho do rei, Qin Shi Huang, l|lldando-o a derrotar os outros Reinos Combatentes para se tornar o primeiro Imperador da China. Ainda temos um compêndio de saberes políticos com que I il presenteou o imperador contendo conselhos militares como o seguinte: Como princípio geral, os exércitos inimigos sempre procuram o lucro quando se aproximam. No entanto, quando chegam e encontram a possibi­ lidade da morte, acreditam ser a fuga a ação mais lucrativa. Quando todos os inimigos consideram a fuga a ação mais lucrativa, quer dizer que as espadas não serão usadas. Esse é o ponto essencial das questões militares.57 Em um mundo assim, fatores considerados heroicos como honra e glória, votos aos deuses ou desejo de vingança eram, na melhor das h i­ póteses, fraquezas a ser exploradas. Nos diversos manuais sobre a arte de

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governar produzidos na época, tudo sr subordinava à lógica dc rcconlii’*Of o interesse e a vantagem, calcular o equilíbrio entre o que é lucrativo |>>t14 o governante e o que é lucrativo para a população, determinar quando ttfl interesses do governante são os mesmos que os do povo e quando sil< >»«i(M traditórios.58 Os termos técnicos oriundos da política, da economia r

d.»

estratégia m ilitar (“retorno sobre investimento”, “vantagem estratéglt d*) misturavam-se e sobrepunham-se. A escola de pensamento político predominante nos Reinos CombulmlM era a dos legalistas, que afirmava que, nas questões da arte de govern.11, ••« interesses do governante estavam acima de tudo, mesmo que os governaiili« fossem insensatos a ponto de reconhecer esse fato. Mesmo assim, o |>ovt» podia ser facilmente manipulado porque todos tinham as mesmas mollvii ções: a busca das pessoas por lucro, escreveu o senhor Shang, é indefet 1ivi I “assim como a tendência da água de correr montanha abaixo”.59 Shan^ cr* mais rigoroso que a maioria de seus colegas legalistas, pois acreditava qur >1 prosperidade generalizada prejudicaria a capacidade do governante de nu >1*1 lizar o povo para a guerra, e por isso pensava que o terror era o instrumoiltt de governo mais eficaz. No entanto, até mesmo ele insistiu que o regime .11m rentasse um regime de lei e justiça. Onde quer que o complexo de cunhagem m ilitar escravista tenha m meçado a se consolidar, encontramos teóricos políticos propondo ideias se­ melhantes. Kautilya não foi diferente: o título de seu livro, Arthasãstra , cuja tradução costuma ser “manual de estadismo”, consiste em conselhos para xstuma ser o caso, intelectuais de oposição se viram diante de duas escolhas: i ui adotar os termos dominantes do debate ou tentar criar uma formulação antagônica. Mozi, fundador do moísmo, tomou o primeiro caminho. Transli irmou o conceito de li, lucro, em algo mais parecido com “utilidade social”, e depois tentou demonstrar que a guerra em si, por definição, não é uma aiividade lucrativa. Ele escreveu, por exemplo, que as campanhas militares só podiam ser realizadas na primavera e no outono, e que cada uma tinha efeitos igualmente prejudiciais: Se na primavera, as pessoas perdem a semeadura e o plantio; se no outono, perdem a ceifa e a colheita. Mesmo que percam uma só estação, a quanti­ dade de pessoas que morrerão de frio e fome é incalculável. Agora calcule­ mos o equipamento do exército - flechas, estandartes, tendas, armaduras, escudos e empunhaduras de espada -, a quantidade de coisas que serão per­ didas e não mais usadas. [...] O mesmo vale para bois e cavalos [...].63

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As conclusões dele foram que se pudéssemos estimar o custo lolul de sões em vidas humanas, vidas animais e danos materiais, seriamos ohi concluir que eles nunca compensariam os benefícios mesmo para a pai le v llfl riosa. Na verdade, Mozi levou essa lógica tão longe que argumentou que a uiiii * maneira de melhorar o lucro geral da humanidade seria abandonar totulmi III# a busca do lucro privado e adotar o princípio do que chamou de "amor milvw* i sal” - disse essencialmente que, quando se leva o princípio de troca comei i liil A | sua contrapartida lógica, o único resultado possível é um tipo de comunUnitii Os confucionistas adotaram a abordagem oposta, rejeitando a premi»«# inicial. Um bom exemplo seria parte do início da famosa conversa de MOtii Iti com o rei Hui: — Venerável senhor — cumprimentou-o o rei — , como não te importo«!« em percorrer tantos quilômetros para chegar até aqui, suponho que tenliii* trazido contigo algo que possa dar lucro para meu reino. Mêncio respondeu: — Por que Vossa Majestade usa a palavra “lucro”? O que tenho se rosuin*

11

Todavia, o ponto final era basicamente o mesmo. O ideal confucionlMn do ren, ou benevolência compassiva, era praticamente uma inversão da ati tude calculista de busca do lucro mais completa que a do amor universal de Mozi; a principal diferença é que os confucionistas acrescentaram certa aversão ao cálculo em si, preferindo o que quase poderia ser chamado dr arte da decência. Os taoistas, posteriormente, levariam isso ainda mais lonjje ao adotar a intuição e a espontaneidade. Todas foram tentativas de fornecei uma imagem espelhada da lógica de mercado. No entanto, uma imagem es pelhada, em última análise, é exatamente a mesma coisa, mas em posição invertida. Não demora muito para chegarmos a uma série de opostos re lacionados - egoísmo versus altruísmo, lucro versus caridade, materialismo versus idealismo, cálculo versus espontaneidade -, e nenhuma dessas oposições poderia nem sequer ter sido imaginada, a não ser por alguém familiarizado com transações de mercado, essencialmente calculistas e egoístas.65

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MA I I Kl Al IS M O II: S U B S T Â N C I A

Como diante da presença da morte, despreze a pobre maioria esse refugo de sangue e ossos, essa sua teia de nervos c veias e artérias. MARCO AURÉLIO, MEDITAÇÕES 2.2

Compadecido pelo lobo faminto, Wenshuang anunciou: “Não cobiço esta imunda sacola de carne. Entrego-a a ti para que rapidamente eu adquira um corpo de força mais duradoura. Esta doação será um benefício para nós dois. DISCURSO SOBRE A TERRA PURA 21.12

í nmo já observei, a situação da China era incomum porque lá a filosofia i omeçou com debates sobre ética e só depois se voltou para especulações «obre a natureza do Cosmos. Tanto na Grécia como na índia, a investiga­ d o cosmológica veio primeiro. Além disso, tanto no caso grego como no Indiano as questões sobre a natureza do universo físico rapidamente deram lu^ar a conjecturas sobre a mente, a verdade, a consciência, o significado, a linguagem, a ilusão, o espírito do mundo, a inteligência cósmica e o destino da alma humana. Esse labirinto de espelhos é tão complexo e atordoante que é extrema­ mente difícil identificar o ponto de partida - ou seja, exatamente o que está •.ondo refletido de um lado para o outro. Nesse sentido, a antropologia pode ser útil, pois os antropólogos têm a vantagem única de conseguir observar i omo pessoas que não conhecem esse debate reagem quando expostas pela primeira vez aos conceitos da Idade Axial. De vez em quando, nós também nos deparamos com momentos de excepcional clareza, que revelam que a essência de nosso pensamento é quase oposta ao que pensávamos que seria. Maurice Leenhardt, missionário católico que passara muitos anos ensi­ nando o Evangelho em Nova Caledónia, passou por algo assim na década de n;20, quando perguntou a um de seus alunos, um escultor idoso chamado Boesoou, como ele se sentia depois de conhecer as teorias sobre o espírito:

Uma vez, esperando para avaliar o progrrMo mental dos canacas para • |t •• mi ensinei durante anos, aventurei-me a la/cr a seguinte pergunta: "Km MiHltlj conseguimos introduzir na sua forma de pensamento a noção de cspli iin r Um deles objetou: —

Espírito? Ah! Você não nos apresentou o espírito. Nós já sahlaunn

de sua existência. Sempre agimos de acordo com o espírito. O que vot e ntt« apresentou foi o corpo.66 A ideia de que os seres humanos têm alma parecia evidente para Ui m soou. A ideia de que havia um corpo, separado da alma, uma mera rcunlAo material de nervos e tecidos - sem falar no corpo como prisão da alma, ou do suplício do corpo como um meio para a glorificação e libertação da alma , é que o impressionou como algo totalmente novo e exótico. A espiritualidade na Idade Axial, então, apoia-se em um sólido leltn materialista. Este é seu segredo. Poderíamos até dizer: é aquilo que não cn seguimos mais enxergar.67 Mas quando examinamos os primórdios da In vestigação filosófica na Grécia e na índia - o ponto em que ainda não havia diferença entre o que hoje chamaríamos de “filosofia” e o que hoje chamaria mos de “ciência”

é exatamente isso que encontramos. A “teoria”, se pode

mos chamá-la assim, começa com as seguintes questões: “De que substânc la é feito o mundo?”, “qual é o material subjacente às formas físicas dos objeto» no mundo?”, “todas as coisas são feitas de combinações variáveis de certos elementos básicos (terra, ar, água, fogo, pedra, movimento, mente, número...), ou esses elementos básicos são apenas as formas assumidas por alguma suhs tância ainda mais elementar (por exemplo, como propôs Nyaya e depois I )e mócrito, partículas atômicas...)?”.68 Praticamente em todos os casos houve também o surgimento de alguma noção de Deus, Mente, Espírito, algum princípio organizador que dá forma às coisas e que, em si, não é material, Mas esse era o tipo de espírito que, como o Deus de Leenhardt, surge apenas na relação com a matéria inerte.69 Talvez pareça um exagero conectar esse impulso filosófico com a in­ venção da moeda, mas, pelo menos no que se refere ao mundo clássico, tem surgido uma literatura acadêmica - prim eiro com o crítico literário Marc

310

Mii'11, de I larvard, e mais recentemente com o helenl.sta hrltâiili «> RU li11 «tingindo grande parte da metade ocidental du hiropa, aumente , tom o advento do Islã. Ela chegou de fato à Europa upenus quatro ........ . mais tarde. Desse modo, comecemos nossa história na Índia.

M A

M I I D I E V A L (A F U G A P A R A A H I E R A R Q U I A )

li'l rm suspenso minhas observações sobre a índia com a descrição de tn o luidismo foi adotado por parte de Asoka, mas registrei que, em lliiit Instância, seu projeto fracassou. Nem sua opção religiosa nem seu pf i lo perduraram. No entanto, demorou bastante tempo para esse fra««•i «i ontecer. ( ls máurios representavam um ponto alto do império. Durante quinhen>iiHis vários reinados se sucederam, e a maioria deles apoiava fortemente ii Imtllftmo. Estupas e mosteiros se espalharam por todos os lugares, mas os |alriilos que os bancavam foram ficando cada vez mais enfraquecidos. Os Mi n itos centralizados se dissolveram; os soldados, como os oficiais, pas­ quim a ser pagos com terras em vez de salários. Consequentemente, houve léin declínio gradual da quantidade de moedas em circulação.3 A Alta Idade Média assistiu a um declínio dramático das cidades: enquanto o embaixador •rrgo Megástenes descreveu Patna, capital de Asoka, como a maior cidade do mundo naquela época, viajantes árabes e chineses medievais descreviam ii India como terra de vilarejos infinitamente minúsculos. Assim, historiadores vieram a escrever, como também na Europa, sobre 111 olapso da economia monetária, o comércio que “retornava ao escambo”, liso também não parece ser verdade na índia. O que desapareceu foram os meios militares de extrair recursos dos camponeses. Na verdade, os tratados jurídicos hindus escritos na época mostram uma atenção crescente aos acor­ dos de crédito, com uma linguagem sofisticada de fianças, garantias, hipo­ tecas, notas promissórias e juros compostos.4 Basta considerar como foram I undadas as instituições budistas que proliferaram em toda a índia durante esses séculos. Embora os primeiros monges fossem pedintes errantes, pos­ suindo pouco mais que suas tigelas para mendicância, os primeiros mosteiros

323

medievais costumavam sei lotais ma^nilu enles.iom vastos tesourou 4 assim, em princípio, suas operações eram quase totalmente Imani la.la» f meio de um sistema de crédito. A principal inovação foi a criação do que se chamava de "d< Mçoin pétuas” ou “tesouros inesgotáveis”. Digamos que uma pessoa leljj» dar uma contribuição ao mosteiro local. Em vez de se oferecer para li >i H velas para um ritual específico, ou servos para trabalhar na manutrusl“ r jardins monásticos, ela daria determinada quantia em dinheiro ou alp >r valesse uma boa quantia em dinheiro -, que então seria emprestada em no»; do mosteiro à taxa-padrão de 15% de juros anuais. Os juros do cmpirttllP' seriam então destinados àquele propósito específico.5Uma inscrição tipo de produtos cujas taxas de juros eram estipuladas com tanto zelo n•. códigos de lei da época. Ainda assim, grandes quantias de ouro iam parar nos cofres monásticos. Afinal de contas, quando as moedas saem de circulação, o metal não desaparece simplesmente. Na Idade Média - e isso parece sei verdade em toda a Eurásia - , grande parte desse ouro ficava em estabeleci mentos religiosos, igrejas, mosteiros e templos, fosse armazenado em reser vas e tesouros, fosse como adorno ou matéria-prima de altares, santuários

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iim rnlos sagrados. Acima dc tudo, cie assumia a forma e modo geral, portanto, o ouro continuou sacrossanto, armazenado em

hiyairs sagrados - embora na índia, com o tempo, esses lugares tenham pasiHi li 1a ser hindus, não budistas. O que hoje vemos como uma índia de vilarejos Itlndtis tradicionais parece ter sido principalmente uma criação da Alta Idade Mi iha. Não sabemos exatamente como isso aconteceu. A medida que os reinos Miiillnuaram a prosperar e decair, o mundo dos reis, príncipes e princesas se illmanciou cada vez mais das questões cotidianas da maioria das pessoas. Du­ rante a maior parte do período imediatamente posterior ao colapso do Império M.iuria, por exemplo, grande parte da índia foi governada por estrangeiros.10 Aparentemente, essa distância social cada vez maior permitiu que os brâmanes li k ais começassem a remodelar a nova sociedade - progressivamente rural pinto com os princípios estritamente hierárquicos. Essa reformulação foi feita, acima de tudo, assumindo o controle da aplicação da lei. O Dharmasastra, código de leis produzido por estudiosos lirâmanes entre 200 a.C. e 400 d.C., nos dá uma boa ideia da nova visão da sociedade. Nesses textos, as antigas ideias como a concepção védica de uma divida para com os deuses, sábios e ancestrais foram ressuscitadas - mas, agora, aplicavam-se única e exclusivamente aos brâmanes, cujo dever e privi­ légio era representar a humanidade diante de todas as forças que controlavam

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o Universo." I.onge dc serem ohi igados .1 atlugli o conhei imenio, n« |M brosdas classes inferiores eram proibidos de faze-lo: o Código de Moiitt, || exemplo, estabelece que chumbo derretido deveria ser despejado 110 •ittvffl de todo sudra (casta mais baixa, dedicada à agricultura e à produçrio m a itilfl que pelo menos escutasse o ensinamento da lei ou dos textos sa)|rmlo4i m caso de recorrência, eles teriam a língua extirpada.12 Ao mesmo li mpo, (f l brâmanes, por mais que mantivessem suas prerrogativas de mancloi li itiU também adotaram algumas ideias budistas ejainistas, outrora r a d i c o >o itfl carma, reencarnação e ahimsa. Os brâmanes deviam se abster de todo 11| it 1 « violência física e se tornar vegetarianos. Em uma aliança com os repi c a tes da antiga casta de guerreiros, eles também conseguiram controlai 1:1 iml» parte do território dos antigos vilarejos. Os artesãos e artífices que luuMIfl do declínio ou destruição das cidades geralmente se tornavam refligladt^ mendicantes e, aos poucos, clientes das castas inferiores. O resultado lol mt complexo cada vez maior de sistemas de patronagem local nas áreas rui ali sistemas jajm ani, como ficaram conhecidos

onde os refugiados prestavam

serviços para as castas dos proprietários de terra, que assumiam muitos 1I0« papéis antes mantidos pelo Estado, garantindo proteção e justiça, coletando impostos trabalhistas e assim por diante, mas também protegendo as cottUM nidades locais dos representantes da aristocracia.13 Essa última função era crucial. Visitantes estrangeiros ficariam im piri sionados com a autossuficiência dos vilarejos indianos tradicionais, com seu sistema complexo de castas proprietárias, fazendeiros e “castas de servido", como barbeiros, ferreiros, curtidores, tocadores de tambor e lavadeiros, toiUn organizadas em ordem hierárquica, cada qual com uma contribuição únii a i< necessária para sua pequena sociedade, que funcionava quase totalmente scitt o uso de moedas de metal. As pessoas reduzidas à condição de sudras e into cáveis só conseguiam aceitar sua posição inferior porque o nível de extors.ti 1 dos senhores de terra locais não era, vale lembrar, em nada parecido com o nível de extorsão dos governos antigos - sob os quais as pessoas tinham de sustentar cidades de mais de 1 milhão de habitantes - e porque os povoados se tornaram um mèio eficaz de evitar, pelo menos em parte, a interferência do Estado e de seus representantes.

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Nilo conhecemos os mecanismos que forjaram esse mundo, mano papel iliv iil.i i erlamente foi significativo. Somente a criação de milhares de tem lundus deve ter envolvido milhares, talve/. milhões de empréstimos .1 afinal, se os brâmanes eram proibidos de tomar empréstimos a juros, tumplos não estavam incluídos nessa proibição. Já no Código de Manu, o ,nil ígo dos novos conjuntos de leis, vemos como as autoridades locais ■Hav.uti para reconciliar antigos costumes, como a servidão por dívida e a ■in iviil.lo tradicional, com o desejo de estabelecer um sistema hierárquico «ln políticos, nunca é um* bou ideio dizer Anpessoa* que elus sAo •

ilepols humilhá-las c degradá-las. Presume-se que seja por I s n o qur as

n 1«.i ms de camponeses, de Chiapas ao Japão, tenham por objetivo regu nii iic abar com as dívidas, em vez de se concentrarem em questões mais lin .Ui, como sistemas de castas ou até a escravidão.20Com resultados iHivrls, a índia britânica descobriu isso quando empregou a servidão por Ih s n no a Instituir um programa de reformas dramáticas. Uma das primei •l«id11 l«t| Seria impossível imaginar uma imagem como essa em um romance 11.uh M medieval, por exemplo. A veneração ao mercador era equiparada ao que só pode ser i h.mudtt de primeira ideologia popular do livre mercado. É claro que precisamos tumar cuidado para não confundir ideais com realidade. Os mercados sempu» foram totalmente independentes do governo. Os regimes islâmicos ernpu garam todas as estratégias comuns de manipulação da política fiscal |>.u•« encorajar o crescimento dos mercados, e tentaram periodicamente inlet vii no direito comercial.81 Todavia, existia uma forte opinião popular contr.it l>i a essas atitudes dos regimes islâmicos. Uma vez libertos dos antigos flageli m da dívida e da escravidão, muitos bazares locais se tornaram não um lugai de perigo moral, mas sim o oposto: a mais alta expressão da liberdade humana e da solidariedade coletiva, e por isso deveriam ser protegidos constante mente da intrusão estatal. Havia uma hostilidade particular em relação a tudo o que se parecia com controle de preços. Uma história muito difundida diz que o Profeta se recusou a obrigar os mercadores a baixar os preços durante um período de escassez, na cidade de Medina, sob a alegação de que seria um sacrilégio,

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»>iii uma situação dc livre mercado, “os preços depeiulem da vontade ♦ar " A maioria dos estudiosos acredita que a decisão de Maomé slg a ijue toda interferência do governo nos mecanismos dc mercado seria «iili i ada um sacrilégio semelhante, pois Deus designou que os mercados pulassem sozinhos.83 A turtável semelhança dessas ideias com a “mão invisível” do mercado Atiam Smith (que também era a mão da divina providência) não é uma «|m i.lentia completa. Na verdade, muitos dos argumentos e exemplos h i lln os usados por Smith parecem remontar diretamente aos tratados kiitõm icos escritos na Pérsia medieval. Por exemplo, sua afirmação de que ■(foi a é uma consequência natural da racionalidade humana e da fala já apaH» e tanto em Ghazali (1058 d .C .-iiii d.C.) como em Tusi (1201 d.C-1274 d.C.); M* dois pensadores usam exatamente o mesmo exemplo: ninguém nunca «In dois cães trocando ossos.84 De maneira ainda mais dramática, o mais Imni i\( •exemplo de Smith sobre a divisão do trabalho, a fábrica de alfinetes, Hmi|iial ele identifica dezoito diferentes operações para produzir um alfinete, |A aparece em Ihya, de Ghazali, em que ele descreve uma fábrica de agulhas e identifica 25 operações para produzir uma única agulha.85 As diferenças, no entanto, são tão significativas quanto as semelhanças. Um exemplo marcante: assim como Smith, Tusi começa seu tratado sobre n nnomia discutindo a divisão do trabalho: mas enquanto para Smith a div I n.U)

do trabalho é uma consequência da nossa “propensão natural a inter-

1ambiar e permutar” em busca de vantagens pessoais, para Tusi ela é uma rxtensão da ajuda mútua: Suponha que cada indivíduo tivesse de se ocupar do próprio sustento, de vestuário, habitação e armas, primeiro adquirindo as ferramentas de carpin­ taria, depois aprendendo o ofício do ferreiro, preparando desse modo ferra­ mentas e implementos para plantio e colheita, moagem e mistura, fiação e tecelagem. [...] Obviamente, ele não seria capaz de fazer justiça a nada disso. Mas quando os homens ajudam uns aos outros, cada um realizando uma dessas tarefas importantes que se encontram além do limite da própria ca­ pacidade, e observando a lei nas transações dando em grandes quantidades

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e recebendo em troe .1, graças ao li.di.dho dos outros, ent.lo 0« ih #M subsistência são definidos, e a sucessdo do indivíduo e a snhicvivM M espécie estão garantidas.86 Por isso, argumenta ele, a providência divina fez com que Hvr«MN| diferentes capacidades, desejos e inclinações. O mercado é apenas uma tf nifestação desse princípio mais geral da ajuda mútua, da correspi mdriit* de capacidades (oferta) e necessidades (procura) - ou, pondo nos tei nu 1«• f intestino dos judeus, acredito, para entender como, em O mercador ilr \ 1ti. h» de Shakespeare, se exige “uma libra de carne humana”.117 Embora priunHM gem imaginário, tudo parece ter sido uma projeção culposa dos terre >1ei qu# os judeus nunca chegaram a infligir aos cristãos, mas aos quais eram su I mii» tidos, bem ao contrário. O

terror infligido pelos reis carregava consigo um elemento partU ••

lar de identificação: as perseguições e apropriações eram uma extensa« •d.t lógica segundo a qual os reis efetivamente tratavam as somas devida».....» judeus como devidas, em última instância, a si próprios, criando incluMvf um ramo do Departamento do Tesouro (o “Erário dos Judeus”) para cuidiu delas.118 Essa ideia estava em consonância com a impressão que o povo m glês tinha dos reis como um bando estrangeiro, formado por norma ndt 11 trapaceiros. Mas esse terror também dava aos reis a oportunidade de fa/et o jogo populista, ofendendo e humilhando dramaticamente os financ isi.it judeus ou fazendo vista grossa para pogroms, e muitas vezes encorajando-t 1». Esses pogrom s eram promovidos pelos habitantes das cidades que interpi e tavam literalmente a “Exceção de Santo Am brósio” e tratavam os agiotas como inimigos de Cristo que podiam ser assassinados a sangue-frio.

M as

sacres particularmente violentos ocorreram em Norwich em 1144 d.C. e em Blois, França, em 1T71. Pouco tempo depois, como afirma Norman Cohn, “o que antes fora uma florescente cultura judaica se transformou em uma

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Miiltludc aterrorizada, enredada cni uma guerra pnpélmi mm .1 nu Ir (11m*a circundava”.119

Nilo devemos exagerar o papel dos judeus na atividade dc emprestar di Ito A maioria dos judeus não tinha nada a ver com esse negócio, e os tinham eram meros figurantes, fazendo empréstimos de baixo valor em ii1, Gawain, Percival etc. - tornaram-se conhecidos de todos, e ainda o são. Esse ideal cortês do cavaleiro nobre e corajoso, a busca, os torneios e competições (como a justa), o romance e a aventura continuam centrais para a imagem que temos da Idade Média.136

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() i urioso é que essa ideia nflo tem relação nenhuma tom a realidade mu a existiu, nem mesmo remotamente, um “cavaleiro a n d a n te "( «va h< .originalmente, era um termo usado para se referir a guerreiros autôno t*. esc olhidos entre os mais jovens ou, muitas vezes, filhos bastardos da peu na nobreza, incapazes de herdar, muitos eram obrigados a se agrupar na |*mi .1 por fortuna que empreendiam. A maioria se tornava nada mais que um thMiili i de ladrões errantes numa busca infinita de pilhagem - precisamente o HM) de gente que tornava a vida dos mercadores tão perigosa. Culminando ftii nci ulo xii, houve um esforço conjunto para deixar essa perigosa populatftn sob controle das autoridades civis, não por meio de regras de cavalaria, i m,is I ambém com o torneio e as justas - mais que tudo, formas de manter os i «valeiros sob controle, por assim dizer, em parte por lançá-los uns contra os initros, em parte por enquadrar a existência deles em uma espécie de ritual i Mlli/.ado.137 Por outro lado, o ideal do solitário cavaleiro andante, em busca ili alguma aventura insigne, parece ter surgido do nada. Isso é importante porque contribui para a imagem consagrada que temos •la Idade Média - e a explicação, acredito, é reveladora. Temos de nos lembrar tlc (|ue, nessa época, os mercadores começaram a conquistar um poder social ptilé político sem precedentes, mas também que, em um contraste radical com 0 Islã, em que figuras como Simbá - o bem-sucedido aventureiro-mercador podiam servir como exemplos ficcionais da vida perfeita, os mercadores, iliferentemente dos guerreiros, jamais eram vistos como modelos. Talvez não seja coincidência que Chrétien vivesse em Troyes, bem no cen1to das feiras de Champagne, que haviam se tornado, por sua vez, o núcleo ••(tnercial da Europa ocidental.138Embora ele pareça ter criado sua visão de Camelot baseado na elaborada vida da corte que floresceu sob os auspícios de I lenrique, o Liberal (1152-81), conde de Champagne, e sua esposa, Maria, filha de Leonor da Aquitânia, a corte de fato era formada por humildes commerçants, que serviam como policiais nas feiras - deixando a maioria dos cavaleiros reais t umprindo o papel de observadores, guardas ou - nos torneios - animadores. Isso não quer dizer que os torneios não se tornaram uma espécie de ati­ vidade econômica em si mesmos. É o que diz Amy Kelly, uma medievalista especializada no século xn:

373

C) biógrafo de Guillaume le Marée bal dá uma ideia de t mm i mi de routiers se divertia nas arenas de justas na Kuropu

ch

Idenld

torneios, que ocorriam duas vezes no período de clima anu no | Pentecostes e a véspera de São João, afluíam os Jovens, multa» vfl grupos de 3 mil, tomando de assalto a cidade mais próxima l'iim M( bém afluíam vendedores de cavalos da Lombardia e da I sp.mlia, dit | nia e dos Países Baixos, bem como armeiros, roupeiros com ,11 homens e animais, agiotas, mímicos e contadores de historia, at f*|| nigromantes, além de cavalheiros vindos de outros lugares, aiemt« 1 pos e estradas. Animadores de todos os tipos conseguiam met main | Havia banquetes nas altas-rodas, e as forjas tiniam nas oficina» a toda. Rixas com incidentes radicais - crânios quebrados, olhos .11 i.mt 1 - ocorriam à medida que as apostas progrediam e os dados eram la m, h Para torcerem pelos campeões nas arenas vinham moças de boa repull e outras de pouca reputação. Os desafios, os concursos, os prêmios preparavam os homens pai4 { ritmo da guerra. As apostas eram vultosas, pois o vitorioso mantinha 1 prêmio - homem e caválo - até que este fosse resgatado por dinheirc >. I pi esses resgates até feudos eram dados como garantia, do contrário ,1 vlllii infeliz ia parar nas mãos de agiotas, deixando seus homens, e, em situa^C extremas, ela mesma, na situação de reféns. Fortunas eram obtidas e pndl das em duelos e muitos filhos não voltavam para suas mães.139 Desse modo, as feiras não aconteciam tão somente porque os merc adi 1 res forneciam os produtos. Como os cavaleiros derrotados deviam a própt M vida aos vitoriosos, os mercadores, por seu poder de agiotas, faziam boitl negócios liquidando suas posses. Como alternativa, um cavaleiro podia lo mar emprestadas grandes quantias de dinheiro para se cobrir de adornos, na esperança de impressionar, com seu aspecto vitorioso, alguma jovem de bi >a reputação (e de dote generoso); outros usavam o dinheiro para participar das rodas de prostituição e jogos de azar que sempre cercavam esses eventos. ()» perdedores em gefal tinham de vender armamentos e cavalos, o que levava ac» risco de voltarem a ser ladrões de estrada, de incitar pogrom s (se seus credores

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i iiulnis), ou, sc tivessem terras, de criar novos demandas li\( ais sobre tili Mlunados que viviam nelas, t iiiiins se voltavam para a guerra, que por si só tendia a impulsionar .1 o .li novos mercados.1*0 Em um dos mais dramáticos desses inciden111 ui rido em novembro de 1199, vários cavaleiros participantes de um ln 110 castelo de Ecry, em Champagne, patrocinado por Teobaldo, filho 1**111Ique, foram tomados por um grande fervor religioso, abandonaram »jjo n

i

c fizeram um juramento para recuperar a Terra Santa. Esse exército

ui lo, então, contratou a frota veneziana para transportá-lo em troca da

liirssa de receberem 50% de todos os lucros resultantes. Por fim, em vez Ipyulrem até a Terra Santa, eles saquearam a cidade cristã (ortodoxa, muito I* m a) de Constantinopla depois de um cerco prolongado e sangrento. II

tonde flamengo chamado Balduíno foi nomeado “Imperador Latino de

iiisiíintinopla”, mas a tentativa de governar uma cidade em grande parte «liilida e destituída de todos os bens de valor fez com que ele e seus ba♦'* logo incorressem em grandes dificuldades financeiras. Em uma versão minientada do que acontecia, em pequena escala, em tantos outros torneios, loram rebaixados à tarefa de retirar o metal do telhado das igrejas e leiImti relíquias sagradas para pagar os credores venezianos. Em 1259, Balduíno iiliindou-se a ponto de hipotecar o próprio filho, que foi levado para Veneza 11uno garantia de empréstimo.141 Nada disso responde de fato à questão de onde pode ter surgido, então, rs s .i

imagem do solitário cavaleiro errante, perambulando pelas florestas de

uma mítica Álbion, desafiando rivais, enfrentando ogros, fadas, feiticeiros r leras misteriosas. A resposta deveria ser óbvia: trata-se nada mais do que uma imagem sublimada e romantizada que os próprios mercadores viajantes unham de si mesmos; homens que, no fim das contas, partiam por florestas e desertos em aventuras solitárias cujo resultado era sempre incerto.142 E quanto ao Graal, aquele objeto misterioso que todos os cavaleiros •uidantes buscavam? Curiosamente, Richard Wagner, compositor da ópera 1'arsifal, sugeriu pela primeira vez que o Graal era um símbolo inspirado pelas

novas formas de finanças.143 Enquanto os antigos heróis épicos procuravam c lutavam por pilhagens concretas e reais de ouro e prata - o tesouro dos

375

Nibelungos

esses novos heróis, provenientes da nova economia t os céus haviam aprovado o governante, assim como desastres naturais ei ani um sinal de que ele havia se perdido.162 As ideias chinesas se aproximam um pouco mais das ideias cristãs. Mas as concepções chinesas do Cosmos tinham uma diferença crucial: como não havia ênfase nenhuma na crença em um abismo absoluto entre o nosso mundo e o além-mundo, as relações contratuais com os deuses não eram, de modo nenhum, impossíveis. Isso era particularmente verdade no taoisim > medieval, no qual os monges eram ordenados por uma cerimônia chamada “rasgar a talha”, ou seja, rasgar em dois um pedaço de papel que represei i tava, então, o contrato com os céus.163 O mesmo acontecia com os talismas mágicos, também chamados fu , que um adepto receberia de seu mestre. Hs ses talismãs eram,literalmente, talhas: o adepto ficava com uma parte, e a outra supostamente era guardada pelos deuses. E s s e f ii talismânico assumia

382

M iiiiiiis de diagramas que, segundo a crença, representavam uma forma de ■ ti Hi.i celestial que só os deuses compreendiam, por meio d.i qual eles se ■Hmpiomctiam a proteger o portador do/u, geralmente dando ao adepto Mi illiplto

de invocar exércitos de protetores divinos para ajudá-lo a derro-

■M demónios, curar doentes ou obter poderes milagrosos. Mas eles também hiHll.im se tornar, como os symbola de Dionísio, objetos de meditação, pelos minis .1 mente humana atingiria o conhecimento do outro mundo, situado IJMm além do nosso.164 Muitas das imagens simbólicas mais poderosas que surgiram na China im dicval remontam a esses talismãs, como o símbolo do rio, e também com ti «Imbolo deyin-yang, que parece ter se desenvolvido a partir dele.165Basta olhar |imu o símboloyin-yang para perceber as metades esquerda e direita (muitas vr/cs associadas a “masculino” e “feminino”) de uma talha.

A i.dha elimina a necessidade de testemunha; se as duas metades se encaixam,

rnlBo todos sabem que também existe um acordo entre as partes do contrato. I por esse motivo que Aristóteles a via como uma metáfora apropriada para ii« palavras: a palavra A corresponde ao conceito B porque há um acordo likito de que devemos agir como se a correspondência fosse válida. O ele­ mento surpreendente em relação às talhas é que, ainda que elas de início se|.un simples sinais de amizade e solidariedade, em quase todos os exemplos posteriores o que as duas partes de fato concordam em criar é uma relação de desigualdade: uma relação de dívida, obrigação, subordinação às ordens do i nitro. Isso, por sua vez, possibilita usarmos a metáfora para a relação entre o mundo material e o mundo de forças que, em última instância, é responsável por seu significado. Os dois lados se equivalem. Contudo, o que eles criam é .1diferença absoluta. Por isso, para um místico cristão medieval, tanto como para os magos chineses medievais, os símbolos podiam ser fragmentos lite­ rais do céu - mesmo que, para o primeiro, eles fornecessem uma linguagem pela qual seria possível entender os seres com os quais não se pode interagir, e, para o segundo, eles fornecessem um modo de interagir, até mesmo de rea­ lizar acordos práticos, com seres cuja linguagem seria impossível entender.

383

I

)e certo modo, trata se apenas de mais uma versão dos dllcums i|i

gem quando tentamos imaginar o mundo por meio da linguagem l< nu quiriu uma característica dramática na Idade Média, quando a ecow mmIrporações, obviamente, mudaram bastante com o passar do tempo. i medievais possuíam propriedades e com frequência recorriam a acordos tiritn elros complexos, mas não eram empresas que visavam ao lucro, no

tt nihlo moderno. As corporações que chegaram mais perto disso, previsi­ velmente, foram as ordens monásticas - sobretudo os cistercienses - cujos m>mleiros se tornaram similares aos mosteiros budistas da China, cercados de moinhos e forjas, promovendo a agricultura comercial executada com a ftm,.i de trabalho de “irmãos laicos”, trabalhadores assalariados que fiavam e fRps estávamos muito endividados. Não se comprava um arco por menos de quarenta ou cinquenta pesos, um mosquete custava cem, uma espada, i inquenta, e um cavalo de oitocentos a mil pesos, no mínimo. Por mais extravagante que pareça, a verdade é que tínhamos de pagar por tudo! Um médico chamado Mastre Juan, que cuidara de muitos feridos, cobrava tai lias radicalmente altas, e o mesmo ocorria também com um curandeiro i liamado Murcia, que era farmacêutico, barbeiro e tratava feridos, e ainda outros trinta truques e embustes exigiram o dispêndio de nossas partes tão logo as recebemos. Duras reclamações foram feitas, e a única medida tomada por Cortés foi nomear duas pessoas confiáveis, que conheciam o preço dos produtos e po­ diam avaliar tudo o que fosse comprado a crédito. Uma ordem foi expedida para que quaisquer preços dados a nossas compras, ou aos tratamentos do médico, deveriam ser aceitos, mas se não tivéssemos dinheiro nossos cre­ dores teriam de esperar dois anos para receber o pagamento.17 Os mercadores espanhóis logo chegaram cobrando preços inflacionados por necessidades básicas, gerando mais indignação. Nosso general, cansado das reprimendas continuadas que eram proferidas contra ele, acusando-o de ter roubado tudo para si, e dos pedidos infinitos de empréstimos e adiantamentos, decidiu se livrar de uma vez por todas dos companheiros mais problemáticos, fundando colônias nas províncias que pareciam mais apropriadas para tal propósito.18 Esses foram os homens que passaram a controlar as províncias e que es­ tabeleceram a administração local, os impostos e os regimes de trabalho. Isso

401

explica um pouco por que havia tantos nativos com o rosto cobei to if'i frenética por dívidas que fariam e acumulariam (dívidas quase certauji nu empréstimos a juros), bem como fúria diante da ideia de que, depois «I* li o que haviam passado, seriam tidos acima de tudo como devedores de imltl, E quanto a Cortés? Ele acabara de levar a cabo talvez o maior t ou! m toda a história mundial. Certamente, suas dívidas originais agora eram li i*» vantes. Contudo, de alguma maneira ele parecia sempre acumular nova* •11vI das. Os credores já haviam começado a tomar seus bens quando ele pat nu itH uma expedição para Honduras em 1526; quando voltou, escreveu par.i >•litl perador Carlos V dizendo que suas despesas haviam sido muitas: “[... | ( t i|ii# recebi foi insuficiente para me tirar da pobreza e da miséria, e, enquanti 1>■* crevo, tenho uma dívida de quinhentas onças de ouro e não tenho um |nil>.... . nos referir aos outros como “valiosos”, dizer que temos “alguém cm >tlia conta” ou falar de “um homem sem valor nenhum” e de “dar crédito” ik* |"t lavras de alguém quando acreditamos no que ele diz (“crédito” tem a mesma raiz que “credo” ou “credibilidade”), ou de “conceder crédito” quando ai reili tamos que ele pagará o que deve. Não é o caso de idealizar a situação, porém. Esse mundo era altameiil» patriarcal: a reputação de castidade da filha ou da esposa de um homem lu fluenciava em seu “crédito” tanto quanto a própria reputação de bond.nli ou piedade. Além disso, quase todas as pessoas com menos de trinta ano* de idade, homens ou mulheres, trabalhavam como empregados na cas.i de outra família - como agricultores, amas de leite, aprendizes - e, como t.iiv não tinham “valor nenhum”.47 Por fim, quem perdia credibilidade aos olhos da comunidade se tornava, efetivamente, um pária, e era rebaixado para ,1 classe criminosa ou semicriminosa dos trabalhadores desgarrados: ladrões, prostitutas, larápios, mascates, traficantes, adivinhos, menestréis, “homens sem senhores” ou “mulheres de má reputação”.48

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li dinheiro vivo era usado sobretudo entre os estrangeirou, ou parti o Kit niti de aluguéis, dízimos c taxas aos proprietários de terra, bulllos, dotes e outros superiores. A aristocracia agrícola e os mcriadores rl t|tii evitavam os acordos selados com apertos de mão, usavam com Ire li In dinheiro vivo entre si, principalmente para pagar letras de câmbio de iti lMipria tessitura da sociabilidade. Mas quem passava a vida

trabalhando nas

Inilltuições do governo e nas grandes casas comerciais começou a desenvolver ifmlualmente uma perspectiva bem diferente, em que a troca em dinheiro era 11ii rlqueira e a dívida é que passou a ser vista com a marca da criminalidade. Cada perspectiva se baseava em certa teoria tácita da natureza da soi ledade. Para a maioria dos aldeões ingleses, a fonte e o foco da vida social e nu trai não eram a igreja, mas a cervejaria local - e a comunidade se congral«va principalmente no convívio de festivais populares como o Natal ou a I esta da Primavera, com tudo que implicavam essas celebrações: o partilhar Iii,tzeres, a comunhão dos sentidos, toda a incorporação física do que se cha­ mava “boa vizinhança”. A sociedade estava arraigada sobretudo “no amor e na amizade” entre amigos e parentes, e encontrava expressão em todas aquel.is formas de comunismo cotidiano (ajudar vizinhos com tarefas domésticas, prover de leite ou queijo as viúvas do lugar) que eram consequência dessa concepção de vida. Os mercados não eram vistos como algo que contradizia esse espírito de ajuda mútua. Eles eram, como para Nasir al-Din Tusi, uma extensão da ajuda mútua - e basicamente pela mesma razão: seu funciona­ mento era baseado totalmente na confiança e no crédito.50

415

A Inglaterra pode nào ter produ/.ldo uni grande tcórlco ........ln«i. encontramos os mesmos princípios em boa parte dos escritores cm i il.ui como, por exemplo, em De Republica, dejean Bodin, que circulou

Im m .im IÍ

tradução inglesa depois de 1605. "A amizade e a cordialidade", cs* n u u Mi “são o fundamento de toda sociedade civil e humana” - elas const lt mm 4 *( tiça natural e verdadeira” sobre a qual toda a estrutura jurídica dc *iiih dívidas. “Perdoai as nossas dívidas”-fo i nesse período, o final da Idade M< 1I14 que a tradução do pai-nosso ganhou popularidade universal. Os pe* a*li «Ati dívidas com Deus: inevitáveis, mas talvez contornáveis, visto que, no (hm >li«t tempos, nossas dívidas morais e nossos créditos morais se anularão 1111 de contas” com Deus. A noção de dívida se inseriu até mesmo nas iil.u.n*^ humanas mais íntimas. Como os tivs, os aldeões medievais se referiam .ilyu mas vezes a “dívidas de carne”, mas a ideia era completamente diferente; respeito ao direito de cada um, em um casamento, de exigir sexo do oul 111,11 que em princípio poderia ser feito sempre que um ou outro desejasse. A n pressão “pagar as próprias dívidas”, portanto, gerou conotações, bem lonm a expressão romana “cum prir com o próprio dever”, séculos antes. Gcol 11•'v Chaucer fez até um trocadilho com “talha” (em francês taille) e “talho" em “O conto do homem-do-mar”, história sobre uma mulher que paga as dívl*U» do marido com favores sexuais: “Sou sua mulher; debite tudo pondo sua v.iui no meu talho”.53 Até mesmo os mercadores em Londres apelariam à linguagem da soi In bilidade, insistindo que, em última análise, todo comércio é construído c111 base no crédito, e o crédito não passa de uma extensão da ajuda mútua. 1111 1696, por exemplo, Charles Davenant escreveu que mesmo que houvesse um colapso geral de confiança no sistema de crédito, ele não duraria muito p*>1 que, no final das contas, as pessoas refletiriam sobre a questão e perceberiam que o crédito é apenas uma extensão da sociedade humana:

416

I l.i>descobririam que nenhuma nação conieri i.il subsistiu r continuou n iili/.iiulo seus negócios em espécie |isto é, apenas moedas «•meu udnrlu*|; « i onfmnça e a segurança no outro são tão necessárias para unir as pessoas e iiwnté-las unidas quanto a obediência, o amor, a amizade ou a comunicação pela laia. Quando o homem aprender pela experiência o quanto é fraco, o quanto depende apenas de si próprio, ele terá vontade de ajudar os outros v pedir auxílio

dos vizinhos, o que, é claro, aos poucos, deve fazer o crédito

i In ularde novo.54 I Javenant foi um mercador incomum (seu pai era poeta). Mais típicos de ui.i classe foram homens como Thomas Hobbes, cuja obra Leviatã, publicada Flii ifisi, foi, em muitos aspectos, um ataque ampliado à própria ideia de que Mn bases da sociedade são construídas em qualquer tipo de laços prévios de »ulldariedade coletiva. I lobbes pode ser considerado a explosão inicial de uma nova perspectiva iih a al, uma explosão devastadora. Não se sabe o que escandalizou mais os lellores quando Leviatã foi publicado: seu materialismo implacável (Hobbes .iln mava que os seres humanos eram basicamente máquinas cujas ações podrin ser entendidas por um único princípio: a tendência de buscar o prazer e «c afastar da dor), ou seu consequente cinismo (se amor, amizade e confiança «ili i forças tão poderosas, argumentava Hobbes, por que será que mesmo denim de casa nós trancamos em cofres nossos bens mais valiosos?). Mesmo .issim, o argumento final de Hobbes - o de que não se pode esperar que os se­ res humanos se tratem de maneira justa espontaneamente, pois são movidos pelo interesse próprio, e que, portanto, a sociedade só surge quando os seres humanos percebem que é vantajoso a longo prazo ceder parte de sua liberdade r aceitar o poder absoluto do rei - diferenciava-se pouco dos argumentos que leólogos como Martinho Lutero haviam defendido um século antes. Hobbes simplesmente substituiu as referências bíblicas pela linguagem científica.55 Preciso chamar a atenção para a noção subjacente de “interesse pró­ prio”,56 pois essa é de fato a chave para a nova filosofia. O termo “self-interest"

aparece pela primeira vez em inglês mais ou menos na época de Hob­

bes, e realmente deriva da palavra interesse, termo do direito romano para

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pagamento de ju ro s.'’ Quando a palavra loi Introdu/.lda 110 vii»ft| inglês, a maioria dos autores parecia entender a ideia de que todu *i vl mana pode ser explicada como a busca de interesse próprio com» •nu»# cínica, estrangeira, maquiavélica, uma ideia que entrava em .ui li»•»C costumes tradicionais ingleses. No século xvm , a maior parte «l«i nu | instruída já aceitava a palavra em um sentido corriqueiro. Mas por que “interesse”? Por que foi possível conceber uma totirll da motivação humana a partir de uma palavra que originalment«' i^utlt» “penalidade por atraso de pagamento de empréstimo”? Parte do apelo do termo é o fato de derivar da escrituração meu .intll matemático. Isso faz com que a palavra pareça objetiva, até cientilit «t IM que estamos buscando nossos próprios interesses é um modo do de«U( o emaranhado de paixões e emoções que parecem governar nossa eilM cia diária e motivar grande parte do que vemos as pessoas fazerem (iiitit por amor e amizade, mas também por inveja, rancor, devoção, pen.i i »«I>tdfl vergonha, torpor, indignação e orgulho); além disso, também é um tuud de descobrir que, apesar disso tudo, a maior parte das decisões re.iInuHlf importantes é baseada no cálculo racional da vantagem material

;
* !* E, é claro, foi com base nessa suposição que todas as equações quadrál it .ml* teoria econômica puderam ser construídas.59 O

problema é que a origem do conceito não é nada racional. Suas i til

zes são teológicas, e as suposições teológicas que o sustentam na vei il.iilt nunca desapareceram. O “interesse próprio” tem sua primeira aparição no» escritos do historiador italiano Francesco Guicciardini (que, aliás, era aml#»» de Maquiavel) por volta de 1510, como eufemismo para o conceito de "antot -próprio” em Santo Agostinho. Para Agostinho, o “amor de Deus” nos levn à benevolência para com nossos companheiros; o amor-próprio, em con trapartida, refere-se ao fato de sermos todos, desde a Queda, afligidos por desejos infinitos e fnsaciáveis de autossatisfação - tanto que, se tivéssenu is de nos virar sozinhos, necessariamente incorreríamos em competição uni

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f B«>d mé mesmo cm uma guerra. Substituir "amor" por "IntcreMe" parece

uitiii mudança óbvia, pois a suposição de que o amor é a cmoçíln ■ |4 i.... . cra justamente do que autores como G uicdardini tentavam se llB a i t • sentido da palavra também manteve a mesma suposição de desejos ■ irt. itiveis sob o disfarce da matemática impessoal - afinal, o que é o "in■ h '" '" " fenào a demanda de que o dinheiro nunca deixe de crescer? Pode-se ^ pp i 11 mesmo de quando o termo passou a ser usado para investimentos H vidinum interesse [juro] de 12% naquele empreendimento” - é o dinheiro n liH itilo a serviço da busca contínua de lucro.60 A própria ideia de que ■ |t i ms humanos são motivados primeiramente pelo “interesse próprio”, ■11 lauto, estava enraizada na suposição profundamente cristã de que todos ■ fh Mimos pecadores incorrigíveis; se tivéssemos de nos virar sozinhos, n in buscaríamos apenas uma situação de conforto e felicidade para depois b|ii« aproveitarmos dela; jamais nos conformaríamos entregando os ponM», i •uno Simbá, muito menos questionar se precisaríamos entregá-los. E, fumo Agostinho já havia previsto, desejos infinitos em um mundo finito Mxnlficam competição eterna, e é por isso que, como insistiu Hobbes, nossa tiltli a esperança de paz social reside nos arranjos contratuais e na im posit>is

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ii julgamento: a conduta not tnul ainda cra confiar nu slmplcí* amraçu de |tn ltl(,.t«i pura encorajar os devedores u liquidar a dívida fora dos trlbunulN,*4 Mi siiui assim, consequentemente, o medo que os devedores sentiam dr ser

(ilesos ou de algo p io r- passou a atormentar todo mundo, e a sociabilidade i omeçou a ser assombrada pelo crime. Até mesmo o senhor Coward, um Ki ntíl lojista, foi abatido. O bom crédito que ele tinha se tornou um problema, principalmente porque ele se sentia obrigado, por uma questão de honra, a lis.i lo para ajudar os menos afortunados: Hle também negociava mercadorias com fornecedores de caráter duvidoso, e começou a se preocupar com pessoas de condições decadentes, das quais nem lucro nem crédito seria possível obter; preocupava a esposa por fre­ quentar algumas casas de reputação duvidosa. E ela era uma mulher bas­ tante insolente, pois tomava o dinheiro dele às escondidas, e sua situação se tornou um fardo tão grande que todos os dias ele temia ser preso. Isso, junto com a vergonha de perder sua antiga reputação, o levou ao desespero e ao desgosto, tanto que ele se tornou recluso, evitando sair de casa, e morreu de tristeza e vergonha.65 Talvez isso não seja uma surpresa para quem consulta fontes da época sobre como eram essas prisões, principalmente para as pessoas que não provinham da aristocracia. O senhor Coward certamente saberia, pois as i ondições das prisões mais famosas, como Fleet e Marshalsea, provocavam escândalos periódicos, quando expostas no Parlamento ou na imprensa po­ pular, enchendo os jornais com histórias de devedores algemados “cobertos ile sujeira e de bichos, sofrendo até a morte, sem piedade, de fome e febre tifóide”, enquanto nas mesmas cadeias os aristocratas libertinos alojados no pavilhão dos mais abastados levavam uma vida boa, recebendo visitas de manicures e prostitutas.66 A crim inalização da dívida, então, foi a crim inalização do próprio ali­ cerce da sociedade humana. Nunca é demais enfatizar que, em uma comu­ nidade pequena, geralmente todos eram tanto tomadores de empréstimo como emprestadores. Só podemos imaginar as tensões e tentações que talvez

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tenham surgido nessas comunidades

c as comunidades, embora batciu

no amor, justamente p o r serem baseadas no amor sempre serão cheias dt i m| rivalidades e paixões - quando ficou claro que com uma intriga e unta mui' nipulação suficientemente inteligentes, e talvez uma pitada est raU*gU a tlf suborno, era possível pôr na cadeia ou mandar para a forca as pessoa* tlf quem não se gostasse. O que será que Richard Bennett realmente tinha i onltfl Margaret Sharples? Jamais saberemos o contexto da história, mas i .i| ••1*14 quase ganha que haja um histórico de problemas entre os dois. Os elt 1104 da solidariedade coletiva devem ter sido devastadores. O repentino ac essti | violência de fato ameaçava transformar o que havia sido a essência da si mu > bilidade em uma guerra de todos contra todos.67 Não surpreende, portanto, que no século xvn i a própria noção de crédito pessoal tenha adquirido má fama, com emprestadores e tomadores de empréstimo considerados igtiitl mente suspeitos.68 O uso de moedas - pelo menos entre as pessoas que II nham acesso a elas - tornou-se algo de conteúdo moral.

Entender isso tudo nos permite ver alguns dos autores europeus considerai li •* nos capítulos anteriores sob uma luz nova. Tomemos o elogio de Panurjjí A dívida: no fim das contas, a verdadeira piada não é a sugestão de que a dívldit une as comunidades (qualquer camponês inglês ou francês da época simples mente sabia isso), ou ainda que apenas a dívida une as comunidades; é coloe .11 esse sentimento na perspectiva de um intelectual abastado que, ele sim, é «Ir fato um criminoso inveterado - ou seja, sustentar a moral como um espellu 1 para satirizar as próprias classes superiores que diziam desaprová-la. Ou consideremos Adam Smith: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo próprio interesse. Dirigim o-nos não à sua humanidade, mas ao seu amor-próprio, e nunca lhes falamos das nossas necessidades, mas das vantagens de que irão desfrutar”.69 O mais curioso é que, na época em que Smith escreveu essas pala vras, elas correspondiam à verdade.70 A maioria dos lojistas ainda realizava grande parte de seus negócios a crédito, ou seja, os consumidores recorriam íi

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iMMirvolfncia o tempo lodo. í difícil Imaginar que Adam Smlth nflo xoubcxxe •li ui () que ele faz, em verdade, é traçar um quadro utópico, f ie quer 1.1 Ima yliMi um mundo cm que todos usassem dinheiro vivo, em parte porque con nmltiva com a opinião da classe média emergente de que o mundo seria um liiH.il' melhor se todos se comportassem dessa maneira e evitassem confundir i |inU'iK Íalmente corromper relações já duradouras. Devemos todos pagar i ui dinheiro, dizer “por favor” e “obrigado”, e sair da loja. Além disso, ele MN.i essa ideia utópica para apresentar o argumento mais amplo: mesmo que Imlos o s negócios funcionassem como as grandes companhias comerciais, Voltadas apenas para o interesse próprio, não importaria. Mesmo “o egoísmo r d cobiça naturais” dos ricos, com todos os seus “desejos vãos e insaciáveis”, rtliula levariam, pela lógica da mão invisível, ao benefício de todos.71 Em outras palavras, Adam Smith simplesmente inventou o papel do cré­ dito ao consumidor em sua época, assim como tinha a própria explicação |nn a a origem do dinheiro.72 Isso permitiu a ele ignorar o papel da benevo­ lência e da malevolência nas questões econômicas, assim como o espírito da ii|uda mútua que constituiu a fundação necessária de tudo que pareceria o livre mercado (ou seja, um mercado que não é criado e mantido pelo Estado) )■tiimbém a violência e o mero espírito vingativo que de fato criaram mercados i ompetitivos e voltados para o interesse próprio que ele usava como modelo. Nietzsche, por sua vez, tomou as premissas de Smith, de que a vida é l roca, mas expôs tudo aquilo (tortura, assassinato, mutilação) que Smith preleria não comentar. Agora que analisamos pelo menos um pouco do con­ texto social, é difícil interpretaras descrições confusas de Nietzsche sobre os eaçadores e pastores antigos, que mantinham registros de suas dívidas e exi­ biam os dedos e os olhos dos outros, sem nos lembrarmos imediatamente do executor a serviço do príncipe Casimiro, que de fato entregou ao seu senhor uma conta cobrando olhos e dedos arrancados. O que ele de fato descreve é o que foi preciso para produzir um mundo em que o filho de um próspero reverendo de classe média, como o próprio Nietzsche, poderia simplesmente supor que toda vida humana era baseada na troca deliberada e movida para o interesse próprio.

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P A R T E II I: D I N H E I R O D E ( H í I>I I O IMI ’ E S S O A I

Um dos motivos que fizeram com que os historiadores levassem tanto Ii•s|>.ti a borda das moedas e depois pressioná-las para que continuassem lendt >a aparência do tamanho original.

Além disso, essas novas formas de dinheiro virtual que começaram u »ui^ir estavam fortemente arraigadas nessas mesmas suposições. Isso é im|hii tante porque ajuda a explicar o que, em outros contextos, pareceria uma i »1ranha contradição: como esse período de um materialismo implacável, em ijiie a noção de dinheiro como convenção social era definitivamente rejeitada, i.imhém presenciou o advento do papel-moeda, junto com toda uma série •Ir novos instrumentos de crédito e formas de abstração financeira que se Inmaram tão típicos do capitalismo moderno? E verdade que a maior parte ilessas formas - cheques, títulos, ações, anuidades - originou-se no ambiente metafísico da Idade Média. Contudo, nessa nova era, elas passaram por um llorescimento de grandes proporções. Se analisarmos a história real, no entanto, logo perceberemos que todas essas novas formas de moeda não destruíram de modo nenhum a suposi(,Jo de que o dinheiro fosse fundamentado no valor “intrínseco” do ouro e «la prata: na verdade, elas a reforçaram. O que parece ter acontecido é que, i|uando o crédito foi desatrelado das verdadeiras relações de confiança entre os indivíduos (fossem eles mercadores ou aldeões), ficou claro que o dinheiro poderia, de fato, ser produzido simplesmente dizendo que ele existia; mas quando isso é feito no mundo amoral de um mercado competitivo, a tendên­ cia é levar quase inevitavelmente a fraudes e disputas de credibilidade de todo I ipo - fazendo com que os guardiães do sistema entrem em pânico de quando cm quando e busquem novas maneiras de atrelar de volta o valor das várias lormas de papel ao ouro e à prata. Essa é a história em geral contada como “a origem do sistema bancário moderno”. Da nossa perspectiva, no entanto, ela revela apenas como a guerra, os lingotes e esses novos instrumentos de crédito estavam todos intimamente conectados. Basta considerar os caminhos não percorridos. Por exemplo, não havia razão intrínseca para que, em um acordo financeiro, uma letra de câmbio não pudesse ser endossada para um terceiro, tornando-se assim geralmente transferível - transformando-se, com efeito, em uma forma de papel-moeda.

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Foi assim que o papel-mooda surgiu pela pritucita ve/. na ( 'liina, poi cuiiU Na Europa medieval, houve movimentos periódicos nessa direçAo, ma | uma variedade de motivos, eles não foram muito longe.75 Por outro la«Im banqueiros podem gerar dinheiro emitindo créditos para uma quantia miilHÉ do que eles têm em reserva monetária. Essa é considerada a verdadeira cia dos bancos modernos e pode levar à circulação de cédulas bancai lai |if| vadas.76 Alguns passos também foram dados nesse sentido, principalhii nlf na Itália, mas era uma proposição arriscada, pois havia sempre o pci l»;*•d# os depositantes entrarem em pânico e debandarem, e a maioria dos g( >vei itti| medievais ameaçava aplicar penas extremamente duras a banqueiros im « H zes de fazer restituições nesses casos: como atesta o exemplo de Fran» •mll Castello, decapitado na porta do próprio banco em Barcelona, em Mfto," Nos locais onde os banqueiros controlavam os governos medievais pio vou-se ser mais seguro e lucrativo manipular as finanças do próprio gvei tiit, A história dos instrumentos financeiros modernos - e a origem defínitIvM do papel-moeda - começa de fato com a emissão de títulos municipais I prática foi iniciada pelo governo veneziano no século xn, no momento riu que precisou de uma rápida injeção de renda para fins militares: foi rcqulil tado um empréstimo compulsório dos cidadãos contribuintes, prometendit a cada pessoa 5% de juros anuais, e se permitiu que os “títulos” ou contnili", se tornassem negociáveis, criando assim um mercado para a dívida púMlt a Os venezianos tendiam a ser bem meticulosos em relação ao pagamento do juros, mas, como os títulos não tinham data específica de vencimento, seu* preços de mercado muitas vezes flutuavam de maneira desenfreada com o* ventos políticos e militares, bem como com as oscilações resultantes das prt 1 messas de serem quitados algum dia. Práticas semelhantes rapidamente no espalharam por outras cidades italianas, chegando aos enclaves mercam r. no norte da Europa: as Províncias Unidas dos Países Baixos financiaram sua longa guerra de independência contra os Habsburgo (1568-1648) basicamcnie com uma série de empréstimos compulsórios, embora também tenham feito diversas emissões de títulos voluntários, lançados no mercado.78 Forçar os ccfntribuintes a fazer empréstimos é, em certo sentido, o mesmo que exigir que paguem impostos antecipados; mas quando a cidade

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W nc/a concordou pela primeira vez em pagar juros

e, em ler mos IrgulN,

Mirtvii se mais uma vez de Intere.vse, isto é, uma penalidade por pagamento tiitrfdo ela estava, em princípio, penalizando a si própria por não devolver |fltissa ser apócrifa, ela por certo toca em um ponto sensível da questão e apa­ rentemente pela mesma razão: os banqueiros criam algo a partir do nada. Eles nào são apenas fraudadores e mágicos: são maus, porque brincam de ser Deus. Mas há um escândalo mais profundo que a mera prestidigitação. Não é t|ue os moralistas medievais não tenham feito essas objeções por estar confor­ táveis com as entidades metafísicas. Eles tinham um problema muito mais fun­ damental com o mercado: a ganância. A força motriz dos mercados era tida como inerentemente corrupta. No momento em que a ganância foi legitimada e o lucro incessante foi considerado viável e um fim em si mesmo, esse ele­ mento mágico e político se tornou um verdadeiro problema, pois queria dizer

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que aqueles atores corretores, operadores, negociantes quede lato o sistema funcionar não eram leais a nada, nem mesmo ao propt lo *IM Hobbes.que descreveu pela primeira vez essa visão da nuturr/i Im em uma teoria explícita da sociedade, tinha plena consciência desn< dl representado pela ganância, pois ele é a base de sua filosofia po lílli .1 M que sejamos racionais o suficiente para entender que viver cm pu/ e rança é algo intrínseco ao nosso interesse de longo prazo, di/.ia «1« n interesses de curto prazo muitas vezes são tão urgentes que matai r ..ii|i são os caminhos obviamente mais lucrativos a tomar, e para tanto st >< ciso algumas pessoas dispostas a abandonar seus escrúpulos para criai t•. e a insegurança. Por essa razão ele acreditava que os mercados só pn.ll existir sob a égide de um Estado absoluto, que nos forçaria a cumpi ii mm promessas e respeitar a propriedade do outro. Mas o que acontece qiitin falamos de um mercado em que as dívidas estatais e as obrigações est.iiiil* que são comercializadas? O que acontece quando não se pode realmente t.iMl de um monopólio estatal baseado na força porque se opera em um meu iiilii internacional em que a principal moeda corrente são títulos dos quais o l!< tado depende para sua capacidade de m obilizar a força militar? Depois de uma guerra incessante contra todas as formas restantes de comunismo dos pobres, chegando ao ponto de crim inalizarem o credito, os mestres do novo sistema mercantil descobriram que não há mais jusl ili cativas óbvias sequer para manter o comunismo dos ricos - aquele nível «l< cooperação e solidariedade necessário para manter o sistema econômico em funcionamento. E verdade que, apesar de suas infinitas tensões e periódicasimultânea, não de que o dinheiro podia ser feito a partir do nada, mas Ijiit i uit ras pessoas eram tolas o bastante para acreditar que poderia ser feito t i|uc\ justamente por isso, elas podiam, sim, fazer dinheiro a partir do nada. Passando para o outro lado da cadeia de dívida, encontramos fantatlus que variam do encantador ao apocalíptico. Há de tudo na literatura (tntropológica: belas “esposas do mar” dos pescadores de pérolas das ilhas Ai u, que só revelam os tesouros do oceano se cortejadas com presentes i um prados a crédito nas lojas chinesas locais;92 mercados secretos em que proprietários de terras bengalis contratam fantasmas para aterrorizar peões |n ii dívida insubordinados; dívidas de carne entre os tivs, ou seja, a fantasia «Ir uma sociedade humana canibalizando a si mesma; e, por fim, ocasiões nu que o pesadelo tiv parece ter se aproximado bastante da realidade.93 I lm dos mais famosos e perturbadores exemplos foi o grande escândalo de 1’utumayo de 1909-11, em que o público leitor londrino entrou em choque iio descobrir que os agentes da subsidiária de uma empresa britânica de borracha, que atuava na floresta tropical peruana, haviam criado seu Co1ação das Trevas particular, exterminando dezenas de milhares de índios uitotos - que os agentes insistiam em chamar de “canibais” - com cenas ile estupros, torturas e mutilações que lembravam o que houve de pior na conquista de quatrocentos anos antes.94 Nos debates que se seguiram, o primeiro impulso foi culpar tudo por um sistema mediante o qual, dizia-se, os nativos caíram em armadilhas de dívida, tornando-se completamente dependentes dos fornecimentos da companhia: A raiz de todo o mal era o chamado sistema de patronagem ou peonagem uma variação do que na Inglaterra era chamado de “truck system” - pelo qual o empregado, obrigado a comprar todos os seus suprimentos na loja do empregador, é mantido em dívida irremediável, já que por lei é incapaz de abandonar o emprego até sanar a dívida. [...] Na maioria das vezes, portanto,

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opcon ó um escruvoiir fatio, r como iui.n rcjjlftcs mais rcmotUN do Viimm i

tincnte não há governo efetivo, cie está totalmente à meref de wii mui

Os “canibais” - que por não conseguirem a quantidade snlu ln i|( borracha eram açoitados até a morte, crucificados, amarrados e us.uli 111 praticar tiro ao alvo, ou ainda cortados em pedaços com facões

li n m

caído, segundo se conta, na suprema armadilha da dívida; seduz,Ido* |ii mercadorias dos agentes da companhia, eles negociavam a própria vldtt, Uma investigação posterior do Parlamento descobriu que a vnditihMI história era totalmente diferente. Os uitotos não foram ludibriados prtNj tornarem peões por dívida. Foram os agentes e supervisores enviados | mi 41 região que, em uma situação semelhante à dos conquistadores, se entllvldil ram muito - nesse caso, com a companhia peruana que os contratou, a i Iik ipalmente na índia ou na China. Trabalhadores chineses contratados i (instruíram o sistema ferroviário da América do Norte, e os “cules” indianos itbiiram as minas sul-africanas. Camponeses da Rússia e da Polônia, que na Idade Média eram trabalhadores livres, foram transformados em servos ape­ nas no início da era capitalista, quando seus senhores começaram a vender >;i;U)s no novo mercado mundial para suprir as novas cidades industriais a neste.99 Os regimes coloniais na África e no Sudeste Asiático exigiram re­ gularmente o trabalho forçado de seus subjugados ou criaram sistemas de Impostos para introduzir à força a população no mercado de trabalho por Intermédio da dívida. Os senhorios britânicos na índia, começando com a ( ômpanhia Britânica das índias Orientais e continuando com o Governo do Reino Unido, institucionalizaram a servidão por dívida como meio principal de criar produtos para venda no exterior. Trata-se de um escândalo não só porque o sistema algumas vezes sai do controle, como aconteceu em Putumayo, mas porque ele destrói nossos pressupostos mais caros sobre o que de fato é o capitalismo - particular­ mente que, em sua essência, o capitalismo teria forte relação com a liberdade. Para os capitalistas, liberdade significa liberdade de mercado. Para a maior parte dos trabalhadores, significa trabalho livre. Os marxistas questionaram

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se o trabalho assalariado, cm última instância, é ou não livre (pois aqui lt t não tem nada para vender exceto seu corpo não pode ser considri iiiln i agente verdadeiramente livre), mas mesmo assim tendem a pressupoi q o trabalho assalariado livre é a base do capitalismo. A imagem dom liiitft das origens do capitalismo continua sendo a do operário inglês, exausli i, IK fábricas da Revolução Industrial, e essa imagem pode ser estendida até ■•U ld do Silício, com uma linha reta de continuidade. Nessa visão, todos .iqui In milhões de escravos, servos, cules e peões por dívida desaparecem, ou, »f for preciso falar deles, eles são reduzidos a acidentes de percurso. ( ofuu ,i» confecções clandestinas que exploram mão de obra, supõe-se que este r ihh estágio pelo qual os países em processo de industrialização têm de p.r. ,,ti assim como se acredita que aqueles milhões de peões por dívida, traballudi < res contratados e trabalhadores de confecções clandestinas ainda exisU iiU'1, muitas vezes nos mesmos lugares, certamente verão no futuro seus fillit >s »n tornarem trabalhadores assalariados regulares, com seguro-saúde e ap< >m'H tadoria, e os netos virando médicos, advogados e empreendedores. Quando analisamos a história real do trabalho assalariado, mesmo cm países como a Inglaterra, essa imagem começa a se desfazer. Em grande pai Ir da Europa setentrional, durante a Idade Média, o trabalho assalariado cr* principalmente um estilo de vida. Esperava-se que todas as pessoas, mais tmi menos dos 12 ou 14 anos até os 28 ou 30 anos, trabalhassem como eniprr gadas na casa de outra pessoa - geralmente com contrato anual, pelo qu.il recebiam cama, comida, treinamento profissional e geralmente algum tipo tli salário - até que juntassem recursos suficientes para se casar e criar a próprin família.100 A primeira consequência da “proletarização” foi que milhões dc jovens, homens e mulheres, de toda a Europa encontraram-se efetivamenlc presos em uma espécie de adolescência permanente. Aprendizes e artíficcs jamais se tornariam “mestres”, ou seja, jamais cresceriam. Por fim, muitos desistiam e se casavam cedo - para a desgraça dos moralistas, que afirmavam que o novo proletariado estava produzindo famílias que provavelmente não poderia manter.101 Existe, e sempre existiu, uma curiosa afinidade entre trabalho assalariado e escravidão. Não só porque os escravos das plantações de cana do Caribe

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muni responsáveis pelos produtos de alio teor energético que lai llliaviun o Mnlmlho dos primeiros trabalhadores assalariados; também não só porque * HtMioria das técnicas científicas de gestão usadas nas fábricas da Revolução Industrial remontam aos mesmos canaviais; mas sim porque tanto a relação rui ir senhor e escravo quanto a relação entre empregador e empregado é, mii princípio, impessoal: quer você tenha sido vendido, quer tenha alugado « mi,i lorça de trabalho, no momento em que o dinheiro passa de uma mão Imit .1 a outra, quem você é supostamente não importa; o que importa é sua i nptic idade de entender ordens e fazer o que lhe mandam.102 Talvez por essa razão, em princípio, sempre exista a sensação de que litnto a compra de escravos como a contratação de trabalhadores não deves«■III ser feitas a crédito, mas sempre com dinheiro vivo. O problema, como |ii disse, é que, durante grande parte da história do capitalismo britânico, dinheiro vivo era algo que simplesmente não existia. Mesmo quando a Casa il>i Moeda começou a produzir moedas de prata e de cobre de baixas deno­ minações, a oferta era esporádica e inadequada. Foi assim que o “truck system" se desenvolveu, em primeiro lugar: durante a Revolução Industrial, os

donos das fábricas muitas vezes pagavam a seus trabalhadores com tíquetes i ui vouchers válidos apenas nas lojas locais; os empregadores costumavam ter ■ilgum tipo de acordo informal com essas lojas, ou, em regiões mais isoladas do país, também eram donos delas.103As relações de crédito tradicionais com os lojistas locais assumiram uma natureza totalmente nova, pois o lojista era agente do chefe. Outro recurso era pagar aos trabalhadores, pelo menos cm parte, com mercadorias - e é notável a riqueza do vocabulário para os •irtigos que os trabalhadores podiam pegar em seus locais de trabalho, prin­ cipalmente do lixo, das sobras ou dos subprodutos: ensanchas, maravalhas, cadilhos, rebarbas, cisalhas, aparas, tocos, ramentos, restolho, sobejos, cal­ ços, sengas.104“Ensanchas”, por exemplo, eram os retalhos que sobravam da alfaiataria, “maravalhas” eram pedaços de madeira que os estivadores tinham o direito de levar do local de trabalho (qualquer pedaço de madeira com me­ nos de sessenta centímetros de comprimento), “cadilhos” eram fios que so­ bravam na urdidura dos teares etc. E, é claro, já ouvimos falar de pagamentos em espécie na forma de bacalhau e de pregos.

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ü s empregadores linham um úlilmo rei ui so: esperar o dluht-li«i «t|f e, enquanto isso não ocorresse, não pagar nada deixavam os cmpic sobreviver apenas com o que conseguiam achar no chão de fáhrli n, . mi i nf que suas famílias conseguiam obter por meio de artimanhas em oiili o» |f(| lhos, receber em caridade, economizarem grupo com amigos e l.imili,iiMtí quando nada dava certo, contrair empréstimos de agiotas e penlioi IM iiif logo passaram a ser vistos como o açoite dos pobres trabalhadores. A ili t||fl chegou a tal ponto que, no século xix, toda vez que um incêndio ilcsi ml« i il f l casa de penhores em Londres, os vizinhos que pertenciam à classe imImIIhH dora se preparavam para uma onda de violência doméstica que imedi.it .inwiM era desencadeada quando muitas esposas se viam obrigadas a confessai uyfl havia muito tempo tinham penhorado os trajes de domingo dos marido«,*! Hoje estamos acostumados a associar a situação de uma fábrlcd t mH dezoito meses de salários atrasados a países que enfrentam uma gnmi||l recessão econômica, como ocorreu durante o colapso da União Sovlelli a no entanto, devido às duras políticas monetárias do governo britânico, qu** estava sempre preocupado em garantir sobretudo que o papel-moed.i nflil flutuasse em outra bolha especulativa, situações desse tipo não eram Inui muns nos primórdios do capitalismo industrial. Em Londres, no século x v ui, o Almirantado Real costumava atrasar um ano o pagamento de salário ili quem trabalhava nos estaleiros de Deptford - por essa razão, estava semprf disposto a aceitar que os trabalhadores se apropriassem de maravalhas, sem falar de cânhamo, lonas, parafusos e cordas. Na verdade, como mostrou 11 nebaugh, a situação só começou de fato a tomar uma forma reconhecível pt m volta de 1800, quando o governo estabilizou suas finanças, começou a pag.11 salários em dinheiro e em dia, e tentou abolir o que hoje chamamos de “fui tos em local de trabalho” - uma prática que, apesar de encontrar resistêni ia significativa dos estivadores, começou a ser punida com chicotadas e prisão, Samuel Bentham, o engenheiro responsável pela reforma dos estaleiros, teve de transformá-los em um Estado policial a fim de estabelecer um verdadeiro sistema de trabalho assalariado. Para tanto, ele teve a ideia de construir uma grande torre entre os estaleiros para garantir vigilância constante, ideia que depois seu irmão, Jeremy, tomou emprestada para o famoso Panóptico.106

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ni us fu m o Ad.un Smllh e Jcrcmy Benth.un et .1111 lilru llsld s, c .il«- ini ^rtlu

vit,iu utópica. Nu entantu, para entendermos a história du i apitulixmo, vt mus fumeçar por reconhecer que a imagem que temos diante de nus Milt trabalhadores que batem ponto diariamente pela manhã e recebem (jiimentos semanais e mensais com base em um contrato temporário que m Im s

as partes podem rescindir a qualquer momento - começou como uma

h*Ai *utópica, foi gradualmente realizada na Inglaterra e nos Estados Unidos,

| nunca chegou a ser, em nenhum momento e em lugar algum, a principal lui m.i de organização da produção para o mercado. 1’or isso a obra de Adam Smith é tão importante. Ele criou a imagem de llin mundo imaginário quase totalmente livre da dívida e do crédito, e por |l«i i livre da culpa e do pecado; um mundo em que homens e mulheres eram llvi rs para simplesmente calcular seus interesses sabendo que tudo tinha sido >ii i tmjado por Deus para garantir o bem comum. Essas construções imagi11,11 ias são, é claro, o que os cientistas chamam de “modelos”, e não há nada «Ir intrinsecamente errado com elas. Na verdade, acho que podemos dizer tuin razão que é impossível pensar sem elas. O problema desses modelos pelo menos é o que parece acontecer sempre que modelamos algo chamado "mercado” - é que, uma vez criados, nós tendemos a tratá-los como realida­ des objetivas, ou até mesmo a ajoelhar diante deles e adorá-los como deuses. Devemos obedecer aos ditames do mercado!” Karl Marx, que conhecia bastante a tendência humana de se ajoelhar e iidorar as próprias criações, escreveu O capital em uma tentativa de mostrar i|ue mesmo se partirmos da visão utópica dos economistas, enquanto conti­ nuarmos permitindo que algumas pessoas controlem o capital produtivo e deixem os outros sem nada para negociar, exceto o corpo e a inteligência, os resultados serão, em muitos aspectos, indistinguíveis da escravidão, e todo o sistema terminará por se autodestruir. Mas todos parecem se esquecer da natureza “condicional” de sua análise.107 Marx estava bem ciente de que, na cidade de Londres daquela época, havia muito mais engraxates, prostitutas, mordomos, soldados, vendedores ambulantes, limpadores de chaminé, flo­ ristas, músicos de rua, presidiários, babás e taxistas do que operários nas fá­ bricas. Ele jamais sugeriu que o mundo fosse de fato como era em sua análise.

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Ainda assim, se tlverm osderxlr.ili uma liçAodos últimos sei ulo*. >l>t lil tória mundial, essa lição seria: visões utópicas podem ser poderosas Im» i «i | | É tanto para Adam Smith como para aqueles que se posic ionaram to ttlM c lfl O período entre 1825 e 1975, aproximadamente, representa um esfo iy' liif w mas determinado, por parte de um pequeno grupo muito poderc >si 1 1u |fl o apoio ávido de muitas pessoas com menos poder-, de tentar tra n slo ii»« essa visão em algo parecido com a realidade. A moeda de metal e o ptip«*i -moeda foram finalmente produzidos em quantidade suficiente para i|ui iitÉ mesmo as pessoas comuns pudessem realizar suas transações diárias sem IM de recorrer a tíquetes, vales ou crédito. Os salários começaram a ser | mh"< em dia. Surgiram novos tipos de lojas e galerias, em que todos pagavam 1m dinheiro vivo, ou, alternativamente, com o passar do tempo, por melo iln formas mais impessoais como o crediário. Como resultado, a antiga puritana de que a dívida era pecado e degradação começou a se enraizat pio fundamente em muitos daqueles que pertenciam ao que consideravam sei >11 classes trabalhadoras “respeitáveis” - pessoas que, com a mesma certc/,.i

  • ;.n ras dos penhoristas e agiotas, diferenciando-se assim de bêbados, prostituiu« e trabalhadores pouco qualificados. Falando do ponto de vista de quem foi criado em uma família de cl.issf trabalhadora (meu irmão viveu 53 anos e recusou até a morte ter um cartío de crédito), posso atestar que, para alguém que trabalha durante a maior pai li1 do dia cum prindo ordens das outras pessoas, sacar uma carteira cheia dtf cédulas que são total e incondicionalmente suas pode ser uma forma de libei dade muito atraente. Não admira que tantos pressupostos dos economistas - muitos dos quais foram criticados neste livro - tenham sido adotados peli >* líderes dos históricos movimentos operários, tanto que passaram a mold.11 nossas visões de como seriam as alternativas ao capitalismo. Como demons trei no capítulo 7, o problema não é só o fato de serem baseadas em uma concepção profundamente equivocada e até perversa da liberdade humana, E importante enfatizar isso porque uma resposta típica à espécie de perspec ­ tiva crítica que tenho defendido é dar destaque à liberdade política, ao pro­ gresso tecnológico e à prosperidade em massa que essa economia também

    446

    uilu/.lu. Náo há dúvida de que os avanços cm produtividade, higiene, edu |ni,! ivln mente, esse poder só poderia ser traduzido em influência política se não !pai« ter tido tanto sucesso: parcialmente porque, para financiá-las, os Estatl* *s t in tiveram de recorrer não só a seus clientes militares, mas também, cada ve/ 11tal*, China, seu principal rival militar remanescente. Depois do colapso quasi' cc>tii| de sua indústria financeira, que, apesar de praticamente obter o direito de impi li. dinheiro à vontade, ainda conseguiu ter trilhões de dívidas que não podi.u 111 paralisando a economia mundial, os Estados Unidos perderam inclusive a 1. i | l dade de argumentar que o imperialismo da dívida garantia estabilidade. Para termos uma ideia de como foi extrema a crise de que estamos 1,1 lando, vejamos alguns gráficos estatísticos retirados do site da divis.m ilit Federal Reserve de St. Louis.20 Eis o tamanho da dívida externa dos Estados Unidos:

    DÍVIDA FEDERAL MANTIDA POR INVESTIDORES ESTRANGEIROS E INTERNACIONAIS De 1970 a 2010, em US$ bilhões ■ Áreas escuras indicam recessões nos EUA

    Fonte: US Department of the Treasury - Financial Management Service (Departamento do Tesouro dos Estados Unidos - Serviço de Administração Financeira)

    466

    Enquanto Isso, os bancos privados dos listados Unidos reagiram A »i I nc lliiindonando toda pretensAo imaginária dc que estamos lidando com uma Pt onornia de mercado, transferindo todos os ativos disponíveis para os to ífrs do próprio Federal Reserve, que comprou títulos do Tesouro dos Es! .idos Unidos:

    MESERVAS TOTAIS DO CONSELHO DE GOVERNADORES AJUSTADAS PARA MUDANÇAS NAS EXIGÊNCIAS DE RESERVAS I ir 1950 a 2010, em US$ bilhões Areas escuras indicam recessões nos EUA 1 «MH) 1 (MM)

    N00 ftOO

    400 200

    0

    ,

    . ...

    I9 6 0

    1970

    lonte: Board of Governors of the Federal Reserve System (Conselho de Governadores do banco central dos EUA)

    Isso permitiu, por meio de mais um passe de mágica que ninguém teria capacidade de compreender, que os Estados Unidos, depois de um naufrá­ gio de quase 400 bilhões de dólares, ficassem com reservas muito maiores do que as que já tiveram em qualquer circunstância histórica:

    467

    RESERVAS NÃO EMPRESTADAS DE INSTITUIÇÕES CAPTADORAS DE DEPÓSITOS De 1950 a 2010 , em US$ bilhões ■ Áreas escuras indicam recessoos noh •*

    ,

    1.000 800 6 0 0 ----400

    200 0



    -200 -400 -M----- ------ — 1950 1960

    1970

    1980

    1990

    2000

    2010

    Fonte: Board of Governors of the Federal Reserve System (Conselho de Governadores do banco central dos EUA)

    Finalmente, alguns credores dos Estados Unidos sentiram que finalmntlf estavam em posição de exigir que novas agendas políticas fossem levadas nu conta: CHINA ALERTA OS EUA SOBRE M ONETIZAÇÃO DA DÍVIDA

    Aparentemente em todos os lugares por onde passou em uma recente vl.i gem à China, Richard Fisher, presidente do Federal Reserve de Dallas, rc cebeu o mesmo pedido para transmitir uma mensagem a Ben Bernank«\ diretor do Banco Central americano: “Parem de criar crédito a partir do nada para comprar ações do Tesouro dos Estados Unidos”.21 E difícil saber se devemos encarar o dinheiro desviado da Ásia para apoiar a máquina de guerra dos Estados Unidos como “empréstimos” ou como “tri butos”. Contudo, o súbito advento da China como principal detentor de tí tulos do Tesouro dos Estados Unidos claramente alterou a dinâmica. Alguns podem perguntar por que, caso esses pagamentos sejam de fato pagamento

    468

    •1« frllnito.s, o maior rival dos I stados Unidos estaria comprando titulo* do l i '«mim e ainda concordando com vários acordos monetário» tái Ito» para Nirititer o valor do dólar e, assim, o poder de compra dos consumidores norte «Miiericanos.22Acredito, no entanto, que esse seja um excelente exemplo da nlllldade de adotarmos uma perspectiva histórica de longo prazo. I

    )essa perspectiva, o comportamento da China não é nada estranho.

    A i aracterística singular do império chinês é o fato de ele ter adotado, desde

    pelo menos a dinastia Han, um tipo específico de sistema de tributos pelo i|iial, em troca de reconhecimento de seu imperador como soberano muni 11« ponderia ao aumento de salários: uma garantia que se manteve muito bem d|É o final da década de 1970.0 período assistiu então ao aumento muito rapliln da produtividade e dos salários, o que estabeleceu a base para a economia iln consumo atual. Os economistas chamam esse período de “era keynesiana”, pois foi ml* que as teorias econômicas de John Maynard Keynes, que já haviam sido a I mm» do New Deal de Roosevelt nos Estados Unidos, passaram a ser adotadas |u l.ii democracias industriais praticamente em todos os lugares. Com elas, veio junlii a atitude algo descuidada de Keynes em relação ao dinheiro. O leitor se Icm brará de que Keynes aceitava totalmente a ideia de que os bancos criam, Mm, dinheiro “do nada”, e que, por esse motivo, não há uma razão intrínseca qnc impeça o governo de encorajar isso em períodos de declínio econômico a fim de estimular a demanda - um posicionamento que, durante bastante temp* 1, foi idolatrado pelos devedores e odiado pelos credores. O

    próprio Keynes era conhecido em sua época por fazer propostas 1,1

    dicais, como, por exemplo, sugerir a completa eliminação dessa classe dc pessoas que vive de dívidas alheias - “a eutanásia dos rentistas”, como dizia , embora ele quisesse na verdade sugerir tal eliminação mediante a reduç.l> > gradual das taxas de juros. Como ocorre em grande parte da teoria keyne siana, a ideia era muito menos radical do que parecia. Na verdade, ela fazia parte de uma grande tradição da economia política, que remontava ao ideal de Adam Smith de um mundo sem dívidas, mas especialmente à condenaç;U 1 por David Ricardo dos proprietários de terras, como parasitas, cuja mera existência seria hostil ao crescimento econômico. Keynes estava apenas se­ guindo essa mesma linha de pensamento, considerando os rentistas uma relíquia medieval inconsistente com o verdadeiro espírito da acumulação de capital. Longe de encarar sua proposta como revolucionária, ele a via, ao contrário, como avmelhor maneira de evitar uma revolução:

    472

    Consequentemente, considero o aspecto rentlsta do capitalismo uniu I.im transitória, que desaparecerá logo que tenha desempenhado su.i Im içA o lí com o desaparecimento desse aspecto muitas outras transformações de verão ocorrer. Além disso, a grande vantagem para a ordem dos aconteci­ mentos que preconizo é que a eutanásia dos rentistas, dos investidores sem função, nada terá de repentino [...] e não precisará recorrer a revoluções.28 Quando as recomendações keynesianas foram finalmente implementadas, depois da Segunda Guerra Mundial, elas alcançaram apenas uma fatia relativa­ mente pequena da população mundial. Com o passar do tempo, mais e mais pessoas quiseram fazer parte do acordo. Quase todos os movimentos populai es entre 1945 e 1975, talvez até mesmo os movimentos revolucionários, podiam ser vistos como demandas de inclusão: demandas de igualdade política que partiam do princípio de que esta é insignificante sem algum nível de segurança econômica. Tratava-se de uma verdade não só para os movimentos de minorias nos países do Atlântico Norte, os primeiros a ser deixados de fora do acordo como aqueles para os quais falava Martin Luther King - mas também para os movimentos de “libertação nacional”, como eram denominados na época, da Argélia ao Chile, que representavam certos fragmentos de classes do que hoje chamamos de Sul Global, e, por fim, e talvez de maneira mais dramática, no linal dos anos 1960 e 1970, para o movimento feminista. Em algum momento da década de 1970, as coisas atingiram um ponto crítico. Ficou claro que o capi­ talismo, como sistema, simplesmente não poderia estender esse acordo a todo mundo. Talvez o acordo nem sequer continuasse viável se todos os trabalha­ dores se tornassem trabalhadores assalariados livres; e certamente jamais seria capaz de dar a todas as pessoas do planeta o mesmo tipo de vida que levava, por exemplo, um trabalhador da indústria automobilística em Michigan ou Turim, na década de 1960, com casa própria, garagem e filhos na universidade - e isso já era evidente muito antes de os filhos começarem a exigir uma vida menos sufocante. O resultado pode ser chamado de crise de inclusão. No final dos anos 1970, a ordem vigente estava claramente em colapso, assolada ao mesmo tempo pelo caos financeiro, por motins por comida, crise do petróleo, profe­ cias apocalípticas generalizadas sobre o fim do crescimento e a crise ecológica

    -tud o isso, como se verificou, foi uma maneira de fa/eras camadas popul# entenderem que os acordos haviam sido desfeitos. No momento em que começamos a enxergar a história por esse pi lull fica fácil perceber que os trinta anos seguintes, aproximadamente de iprogresso. O acaso é fundamento da mudança e instrumento do divino”.34 Arroubos desse tipo inspiraram evangelistas como Pat Robertson a de( larar a economia pelo lado da oferta como “a primeira teoria verdadeira­ mente divina sobre a criação do dinheiro”.35 Enquanto isso, para os que julgam ser simplesmente impossível criar di­ nheiro, havia uma ordenação teológica bastante diferente. “A dívida é a nova (ibesidade”, observou recentemente Margaret Atwood, intrigada com a forma como as publicidades dos ônibus em Toronto deixaram de assustar os passagei­ ros com mensagens sobre o terror que é perder o apelo sexual, e, no lugar disso, passaram a dar conselhos de como se libertar de pavores muito mais imediatos provocados por agentes de cobrança: Há inclusive programas de televisão sobre dívida, com um tom religioso bem familiar. Nesses programas, há inúmeros relatos de compradores compulsivos que passaram por surtos de consumo em que tudo era muito confuso e pouco compreensível, e há confissões entre lágrimas de pessoas insones que se transformaram em verdadeiras gelatinas trêmulas por causa das dívidas, e recorreram a mentiras, trapaças, roubos e emissão de cheques sem fundos. Há testemunhos de famílias e entes queridos cujas vidas foram destruídas pelo comportamento destrutivo dos devedores.

    477

    Há também críticas compassivas, mas severas, do apresentador, m nesse caso faz o papel de padre ou de pregador. I lá entáo o moinmlti i|fl enxergar a luz, seguido do arrependimento e da promessa de jamais l « aquilo de novo. Depois vem a penitência imposta - o rec rec da tesout a i oh tando os cartões de crédito

    seguida de um regime estrito de rcprewAdfl

    compras; e, por fim, se tudo der certo, as dívidas são pagas, os pei «d* is nlit perdoados, a absolvição é garantida e eis que desponta um novo dia, »M que você, mais triste, porém mais solvente, se levanta na manhã segiilitliM Nesse caso, assumir riscos não é de modo nenhum uma reconiCMilai.it" divina, muito pelo contrário. Mas, para os pobres, as coisas são sempre dlln rit tes. De certo modo, o que Atwood descreve poderia ser visto como a invn lld perfeita da voz profética do discurso “Eu tenho um sonho” do reverend» >Ma111m Luther King: enquanto o primeiro período do pós-guerra consistiu em i xIgOn ( cias coletivas acerca da dívida do país para com seus cidadãos mais humilde«, e na necessidade de redenção por parte de quem fez falsas promessas, ag< >i *t *|t ensina a esses mesmos cidadãos humildes que eles devem ver a si próprios i out" pecadores, que devem buscar algum tipo de redenção puramente individual para ter o direito de estabelecer vínculos morais com outros seres humam is Ao mesmo tempo, há algo profundamente enganoso em jogo. Todos dramas morais partem do pressuposto de que a dívida pessoal é, em última mi tância, uma questão de autoindulgência, um pecado contra aqueles que ama nu m - e, portanto, que a redenção deve necessariamente ser uma questão de purga

    ção e restauração da abnegação ascética. Antes de tudo, o que se perde de vim a, nesse aspecto, é o fato de que todos estão endividados (estima-se que, nos Estlidi 1« Unidos, a dívida das famílias corresponda em média a 130% de seus rendimcn tos), e uma parte muito pequena dessa dívida foi contraída por pessoas dclt i minadas a apostar em corridas de cavalos ou a torrar o dinheiro compram!» 1 supérfluos. A maior parte do que se tomou emprestado, o que os economistas gostam de chamar de “despesas discricionárias”, foi gasta com crianças, com amigos ou usada para construir e manter relações com outros seres humanos, relações baseadas em algo mais que o puro cálculo material.37 As pessoas pre­ cisam se endividar para ter uma vida que seja mais que a mera sobrevivência.

    478

    ( '»mo há lambem polítlia envolvida, essa disi ussrto pareie a vai laçAo de hm i

    tema visto desde a aurora do capitalismo. Hm última instâiu ia, e a própria

    mu iabilidade que é tratada como abusiva, criminosa e demoníaca. A maioria ili is norte-americanos comuns - incluindo negros e latinos, imigrantes recentes r outros antes excluídos do crédito-tem respondido a isso com uma insistência i ilistinada em continuar amando uns aos outros. Eles continuam comprando i asas para suas famílias, bebidas alcoólicas e aparelhos de som para festas, presentes para os amigos; até insistem em continuar realizando casamentos e liinerais, sem

    considerar que isso possa levá-los à falência - aparentemente

    •i incluindo que, como hoje em dia todos têm de se refazer como capitalistas em miniatura, por que eles também não podem criar dinheiro do nada? Contudo, é verdade que o papel das despesas discricionárias não pode ser exagerado. A principal causa de falência nos Estados Unidos são as doenças di­ tas “catastróficas” [que exigem longo tempo de cuidado]; a maior parte dos em­ préstimos não passa de uma questão de sobrevivência (se não se tem carro, não se pode trabalhar); e, cada vez mais, frequentar a universidade hoje significa i |tiase necessariamente uma servidão por dívida durante pelo menos metade da vida produtiva de trabalho dos estudantes.38Mesmo assim, vale destacar que, para os seres humanos, a sobrevivência raramente basta. Nem deveria bastar. Nos anos 1990, as mesmas tensões começaram a reaparecer em escala mundial, à medida que a antiga tendência a contrair empréstimos para pro­ jetos estatais grandiosos, como a represa de Assuã [Egito], deu lugar a uma enfase no microcrédito. Inspirado pelo sucesso do Grameen Bank em Ban­ gladesh, o novo modelo consistia em identificar empreendedores prom is­ sores nas comunidades pobres e conceder a eles pequenos empréstimos a juros baixos. “O crédito é um direito humano”, dizia o Grameen Bank. Ao mesmo tempo, a ideia era recorrer ao “capital social” - conhecimento, redes, conexões e capacidades que as pessoas do mundo todo já usam para superar i ircunstâncias difíceis - e convertê-lo em maneira de gerar ainda mais capital (expansivo), capaz de crescer de 5% a 20% ao ano. Para antropólogos como Julia Elyachar, o resultado tem dois lados. Conlorme lhe explicou, sem medir as palavras, o consultor de uma ONG no Cairo, cm 1995:

    479

    O dinheiro dá poder, Esse é um dinheiro que dá poder. Você prei Imi grande, pensar grande. Aqui os tomadores de empréstimos podem m i | u»e modo ycial, pensamos quo o lim da liuerra I ria levaria ao desmantelamento do

    exército o da k c .b e à reconstrução de fábricas, mas na verdade o que ocorreu lol justamente o contrário. Esse é apenas um exemplo extremo do que tem

    ii< nntccido em todos os lugares. Em termos econômicos, o aparato é apenas unia trava no sistema - todas as armas, câmeras de vigilância e instrumenli is ile propaganda são extremamente caros e não produzem nada -, e não Im ilúvida de que ele é mais um elemento que colabora para afundar todo o »Interna capitalista. Além disso, ele produz a ilusão de um futuro eternamente i upitalista, ilusão que assentou a base para as infinitas bolhas especulativas. ( I capital financeiro se transformou na compra e venda de nacos desse futuro, i ,i liberdade econômica, para a maioria de nós, foi reduzida ao direito de nios capazes de imaginar é a catástrofe.

    Tara começarmos a nos libertar, o primeiro passo que precisamos dar é nos ver novamente como atores históricos, como pessoas que podem fazer al­ guma diferença no curso dos acontecimentos mundiais. Isso é exatamente o que a militarização da história está tentando evitar. Ainda que estejamos no início da virada de um ciclo histórico muito longo, cabe a nós determinar como será essa reviravolta. Por exemplo: na ultima vez em que passamos da economia baseada em lingotes para a moeda virtual, no fim da Idade Axial e início da Idade Média, a mudança imediata loi vivenciada como uma série de grandes catástrofes. Acontecerá o mesmo desta vez? É de supor que muito dependa do quão conscientemente nos

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    movimentarmos para garantir que nrto aconteça a mesma coisa. Scríí i|tic uitf retorno à moeda virtual levará a um afastamento dos impérios e dc ^I iiihIm exércitos permanentes e à criação dc estruturas mais amplas que llmllcltl ■ atitudes predatórias dos credores? Há boas razões para acreditar que iMiltf isso acontecerá de novo - e para a humanidade sobreviver provavdiitiHW será necessário mas não temos ideia de quanto tempo falta p a ra n t i i i i J nem de como se darão, caso se deem, tais circunstâncias. O capitalism» i u til transformado o mundo de maneira irreversível. O que tentei fazer neste livra não foi propor uma visão de como será a próxima era, mas sim abrir mivit| perspectivas, ampliar nossa percepção das possibilidades e começar a pioi muito mais tempo, provavi lm i'i|| destruiremos tudo. Essa gigantesca máquina da dívida que, nos últimos < iiM iyij lente moral de conquistadores, parece estar enfrentando seus limites ■.d** trabalho do Occupy com o qual evitei me envolver nos primeiros dias pelai mesmas razões descritas acima - e ajudasse a formular a estratégia do I > Tampouco está claro se estamos falando de escambo nesse caso. Aristóteles usa o Irrm o métadosis, cuja tradução atualmente costuma ser “partilhar” ou “distribuir”. Desde Smíth, a palavra vem recebendo a tradução “escambo”, mas, como logo destacou Karl 1'olanyi (“Aristotle Discovers the Economy”, p. 93), trata-se provavelmente de um em­ prego impreciso, a não ser que Aristóteles estivesse introduzindo um significado total­ mente novo para o termo. Teóricos que estudam a origem do dinheiro grego, de Bernard I .ium (Heiliges Geld, 1924) a Richard Seaford (Money and the Early Greek Mind, 2004), destai aram que os consumidores de produtos aquinhoados (por exemplo, saques de guerra, y as Sovereignty", 2000. 32 Por exemplo, Randall W ray (M oney and Crédit in Capitalist Economies, 1990; Undenhiihl ing M odern Money, 1998; Crédit and State Theories o f M oney, 2000) e Stephanie Bell ("I Iti Taxes and Bonds Finance Government Spending?”, 1999; “The Role of the State and liu Hierarchy of Money”, 2000) nos Estados Unidos, ou Geoffrey Ingham (“Money as 11 Ni»« ciai Relation”, 1996; “Capitalism, Money, and Banking”, 1999; The Nature of Money, i< »sv 1« filhos - , é claramente retirada de seu estudo sobre os Vedas, mas, em última instAin U, demonstra que, se resolvermos que todas as relações se baseiam na reciprocidade, scnipi» poderemos definir o termo de maneira ampla o suficiente para torná-lo verdadeiro. 22 Para hostis, ver Benveniste, Emile. “Don et échange dans le vocabulaire indo euro péen”, p. 72. A terminologia latina concernente à hospitalidade enfatiza o domínio .1I1 soluto da casa por parte do proprietário (homem) como precondição de qualquct ,iin de hospitalidade. Jacques Derrida (O f Hospitality, 2000; Acts o f Religion, 2001) argumenta que isso aponta para uma contradição central no próprio conceito de hospitalid.iili uma vez que im plica um domínio ou poder absoluto já existentes em relação aos oui 111«, cuja forma mais exploradora é encontrada em Ló, quando oferece as próprias filhuN * um monte de sodomitas para dissuadi-los de violentar seus convidados. No entanto, u mesmo princípio de hospitalidade pode ser igualmente bem documentado em soclrtlii des como as dos iroqueses - sociedades que eram tudo, menos patriarcais. 23 Evans-Pritchard, E. E. The Nuer: A Description of the Modes of Livelihood, pp. 154,15K 24 Obviamente, essa é a razão mais clara de os muitos ricos gostarem sobretudo dc lf relacionar uns com os outros. 25 Em uma linha menos hostil, pode-se falar da troca de prisioneiros, cartas ou elt >gli m 26 Uma excelente fonte sobre esse tipo de negociação é Uchendo, Victor. “Some l’i In ciples of Haggling in Peasant Markets”, 1967. 27 Bohannan, Laura. Return to Laughter. A n Anthropological Novel, p. 47. 28 Não um acordo com ercial verdadeiro, uma vez que esse tipo de acordo costiiiiiii envolver m uito vinho, com ida e troca de presentes. Trata-se mais do tipo de acortlu comercial im aginário que aparece nos manuais de economia.

    524

    h) Rasta olhar puni .1 v.i*.1.1 liinuliirii antropológica sobre "banquetes compciUIvtin" por exemplo, Valcrl, Valrrlo. “l-ea.tts", 2001.

    to Bourdieu, Pierre. “The Scntiment of Honor in Kabyle Society", 1965. Esse é o prln i ipal texto, mas ele repete os mesmos argumentos em The Logic of Practice, pp. 98-101. li Onvlee, Louis. ‘‘The Significance of Livestock on Sumba”, p. 204. J2 Petrônio. Satyricon, 51; Plínio, o Velho. Naturalis Historiae, liv. x x x v i, § 195; Cassius Dio, I listoriae Romanae, liv.

    l v ii,

    21.5-7.

    t { Ibn Battuta sobre o rei de Sind, uma das quatro províncias do Paquistão: “De todos os homens, esse rei é o mais viciado na criação de presentes e no derramamento de sangue. Hm seus portões sempre há algum pobre que enriqueceu ou algum homem executado”. J4 Ou até os muito ricos. Nelson Rockefeller costumava se orgulhar de nunca carregar carteira. Ele não precisava. Sempre que trabalhava até mais tarde e precisava comprar cigarros, pegava “algum” emprestado com um segurança na recepção do Rockefeller Center, que depois ostentaria o fato de ter emprestado dinheiro a Rockefeller e raramente pedia devolução. Em contrapartida, o rei português dom Manuel, no século xv i, que en­ riqueceu com o mercado das índias, adotou o título “Senhor do Comércio, da Conquista e da Navegação da Arábia, Pérsia e índia”. Outros o chamavam de “rei merceeiro” (Ho, lingseng. “Empire through Diasporic Eyes”, p. 227). 15 Ver Graeber, Toward an Anthropological Theory ofValue, pp. 175- 6. (6 Mesmo entre estranhos, trata-se de algo um tanto incomum: como enfatizou Servet ("Primitive Order and Archaic Trade. Part 1”, 1981; “Primitive Order and Archaic Trade. Part n”, 1982), a maioria das “transações prim itivas” acontece por meio de parcerias de troca e intermediários regionais especializados. 17 Ilustrei dessa maneira porque estou interessado principalm ente na economia. Se estivéssemos pensando apenas nas relações humanas, suponho que poderíamos dizer que um extremo é matar e o outro, dar à luz.

    (8 Na verdade, parece ser essencial à natureza da caridade que, como no caso de presen­ tes dados a um rei, ela nunca leve à reciprocidade. Ainda que se descubra que o pedinte de aparência patética é na verdade um deus encarnado caminhando na terra, ou Harun al-Rashid, sua recompensa será totalmente desproporcional. Ou pense em todas aquelas histórias sobre m ilionários bêbados que, ao voltar a si depois de uma farra, distribuem carros luxuosos e casas aos benfeitores. E mais fácil imaginar um mendigo dando a você lima fortuna do que devolvendo o equivalente exato ao dólar que deu a ele. Xenofonte. Ciropédia, liv. v i i i , cap. 6; Heródoto. História, liv. 111,89. Ver Briant, Paul, op. cit., pp. 1 9 3 -4 ,3 9 4 -4 0 4 , que reconhece que algo muito parecido deve ter de fato aconte­ cido, com um sistema de ofertas mais improvisado sob o governo de Ciro e Cambisses c sistematizado posteriormente por Dário. dbre práticas anteriores. E notável, no entanto, que nos códigos de leis, quando diversas mercadorias diferentes são usadas com o unidades de conta, elas incluam os produtos de exportação mais im portantes daquele país e moeda de troca (é por isso que, nos có­ digos russos, as unidades eram pele e prata). Isso implicaria um com ércio significativo de escravas no período imediatamente anterior às fontes históricas. 5 Como m ostra Bender, 1996.

    6 Baseio-m e aqui em um a pesquisa etnográfica detalhada feita p o r A lain Testart ("L'Esdavage pour dettes en Asie Orientale”, 2000; Esclave, la dette et lepouvoir, 2001; “The extent and significance o f debt slavery”, 2002). Testart faz um trabalho m aravilhoso de resumo de dados, em bora ele também tenha - com o verem os no próxim o capítulo iilguns pontos cegos igualmente estranhos em suas conclusões. 7 "Embora a expressão retórica ‘vender a própria filha à prostituição’ tenha circulação

    iinipla [...] o esquema real é apresentado com mais frequência com o um empréstimo à l.imília ou um pagamento adiantado pelos serviços da garota (geralmente indefinidos ou deturpados). Os juros nesses ‘empréstim os’ costum am ser de 100% , e o principal pode .lumentar com outras dívidas - ajuda de custo, assistência médica, propinas - resultan­ tes, uma vez que a menina tenha começado a trabalhar” (Bishop, Ryan; Robinson, Lilian S. Night Market, p. 105). K Como nos diz Michael Hudson (citado em Wray, L. Randall. “A n Irreverent O verview ui the History o f M oney”, 1999), mas isso fica d aro se prestarmos atenção na linguagem do original: “Não cobiçarás a casa do teu próxim o, não cobiçarás a sua mulher, nem o seu escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença a teu próxim o” (Êxodo 20,17; Deuteronôm io 5,21). u O wampum é um bom exemplo: os iroqueses parecem nunca tê-lo usado para comprar i (lisas de m em bros da m esm a comunidade, em bora fosse frequentemente usado para negociar com os colonos (ver Graeber, David. Toward an Anthropological Theory o f Value, pp. 117-50). Outros, com o o dinheiro de conchas yurok ou algum as m oedas papuas, são

    529

    m uilo usados com o moeda corrcntc i o n io u implemento u siuis funções soi laU, ma« n prim eiro parece ter surgido do segundo. 10 Os textos m ais im portantes a respeito do debate sobre "o preço da no iva1' tAti' Evans-Pritchard, E. E. “A n Alternative Term for 'Bride-Price'”, 1931; Raglan, baniu di escravidão (Guyer, Jane I. “Brideprice”, 1994). 11 Sobre parentesco e economia tiv: Duggan, E. de C. “Notes on the Munshi Tribe", iy 1 1| Abraham, Roy Clive. The Tiv People, 1933; Downes, Rupert Major. The Tiv Tribe, 1960; Akltyfl Sai, B. Akiga’s Story, 1939; Bohannan, Laura. “A Genealogical Charter”, 1952; Boh,inn,111 Paul. “Som e Principles o f Exchange and Investment am ong the Tiv”, 1955; Idem. J1MI1 1 and Judgment among the Tiv, 1957; Idem. “The Impact ofM on ey on an A frican Subslsti m *•

    Econom y”, 1959; Bohannan, Paul; Bohannan, Laura. The Tiv o f Central Nigeria, 19s

    I1I1 >11

    Tiv Economy, 1968; Tseayo, Justin Iyorbee, Conflict and Incorporation in Nigeria, 19 >s; M l,

    Charles. Tiv Song, 1979. 12 Ver Akiga Sai, B. (Akiga’s Story, p. 106) para uma boa análise de com o isso aconiri ru Para um a reanálise com parativa em perspectiva regional, ver Fardon, Richard. "Mstvrti W ives, Wards and Daughters. Part 1: ‘The Tiv’”, 1984; Idem. “ Sisters, W ives, Wards ami Daughters. Part 11: ‘The Transform ations’”, 1985. 13 Paul Bohannan coloca desta maneira: “A relação kem de dívida entre um homem c 11 guardião de sua esposa jam ais é rompida, pois a kem é eterna, a dívida jam ais podr t ff totalmente paga” (Justice and Judgment among the Tiv, p. 73). O restante da explicaçAi 1 f ilf Akiga Sai, B. Akiga’s Story, pp. 126-7. 14 Rospabé, Philippe. “Don archaique et monnaie sauvage”, p. 35. 15 Evans-Pritchard, E. E. The Nuer: A Description o f the Modes o f Livelihood, p. 153. 16 Com o diz o etnógrafo, “eles aceitam o gado apenas por um a questão de hom a, 0 não porque estão prontos para aceitá-lo em troca da vida de seu parente m orto” (lilflt|| ibidem). 17 Idem, pp. 154-5. 18 Morgan, Lewis Henry. League o f the Ho-de-no-sau-nee, or Iroquois, p. 332. (Advogadt 1 |itif form ação, Morgan utiliza o termo técnico “condonation” [perdão tácito], que é dcfiuldft no Oxford English Dictionary com o “ato de ignorar voluntariamente um delito”.) 19 Idem, p. 333. A base era de cinco braças para um homem, de dez para uma mullet, mas outros fatores também influenciavam (Idem, pp. 331-4; Smith, Timothy. “WdMfiHlfl as Primitive Valuables”, p. 236; Parker, Arthur. “A n A nalytical H istory o f the Ni-nw | Indians”, 1926).

    530

    i o Evâns-Pritcharil, I l I h r N u n A Description ofthc Modes of l.ivelihood, p. u s; Idem Kinship and Marriage anniny l/ir Nucr, pp. 109-n; Howell, Paul P. A Manual 0) Nuer I aw. pp. 71-80; Gough, Kathlccn. "Nuer Kinship: a Reexamination", 1971; Hutchinson, Sharon, Nuer Dilemmas, pp. 62,175-6. 21 Rospabé, Philippe. La dette de vie: aux origines de la monnaie sauvage, pp. 47-8, citando Peters, E. L. “Som e Structural Aspects o f the Feud Am ong the Camel-Herding Bédouins o f Cyrenaica”, 1967. 22 Sobre as “guerras de luto”, ver Richter, Daniel K. “War and Culture: the Iroquois Expé­ rience”, 1983; a expressão “punham o nome dele em um tapete” é de Fenton, William N. "Northern Iroquois Culture Patterns”, p. 315. A propósito, estou supondo que é um homem i|ue morre, pois esses são os exemplos das fontes. Não está claro se o mesmo era feito com as mulheres que morriam naturalmente. Vale notar que algo semelhante acontecia entre os nambiquaras. Mencionei no capítulo 3 que os banquetes realizados depois de um escambo podiam levar à sedução e ao assassinato motivado por ciúme; Lévi-Strauss acrescenta que a maneira comum de resolver esses assassinatos era o assassino se casar com a esposa da vítima, adotar seus filhos e assim se tornar, efetivamente, a pessoa que a vítima costumava ser (“Guerre et commerce chez les Indiens d’A mérique du Sud", p. 123). 13 Contudo, as pessoas o usavam para obter alguns produtos sofisticados (como ins­ trumentos musicais), feitos por especialistas de outros vilarejos (Douglas, Mary. The Lele ofthe Kasai, pp. 54-5). 14 Idem. “Raffia Cloth Distribution in the Lele Econom y”, p. 112; Idem. In the Active Voice, p. 43.

    15 Mary Douglas (The Lele o f the Kasai, p. 58) estima que um hom em bem-sucedido, ao iitingira maturidade social plena, terá gastado pelo menos trezentas peças de tecido de ráfia em pagamentos, e pelo menos trezentas peças dadas com o presentes. 1 6 Como costumam notar os antropólogos, o fato de a descendência ser traçada pelas

    mulheres não significa que elas tenham muito poder. Pode ser que sim, como acontecia enIre os iroqueses e com o acontece agora entre os minangkabaus, mas não necessariamente. 17 Douglas, Mary. The Lele o f the Kasai, pp. 144-5, que na verdade é um a repetição de I louglas, Mary. “Blood-Debts and Clientship am ong the Lele”, pp. 3-4. iH Ela era católica conservadora, casada com um economista tóri, e tendia a olhar com

    desdém para todos os interesses liberais. ii) Dando m ais destaque à questão, acreditava-se que os hom ens contraíam um a dí­

    vida de vida no m om ento em que tinham filhas (Douglas, Mary. The Lele o f the Kasai, p. us) —essa dívida só poderia ser paga no m om ento em que ele tomava uma filha de sua lilha com o peoa. Isso só faz sentido se partirm os do princípio de que apenas os homens podem dever uma vida, e que, no caso das mulheres, a criação da vida era tida com o gra­ tuita. Os homens, com o visto, também podiam ser peões, mas jamais eram negociados. to Idem. Purity and Danger, p. 150.

    531

    31 Sobre “esposas da aldeia”, ver espri lulinriilr I »nublas, Mary, "A Form ol Polyainli t am ong the L eleo fth e Kasai”, 1951; Idem. Ihe l.ele ofthc Kasai, pp. 12K-40. 32 Idem, p. 76. Compare com o texto d r I )ouglas, Mary. "A Form o f Polyandry ami mu the Lele o f the Kasai”, p. 11. Claramente, a autora está apenas repetindo a explli açilo 1I11« inform antes a respeito de um costum e: os leles não “tinham de” criar esse arran|o; mm verdade, igualmente a m aioria das sociedades africanas. 33 Algum as esposas da aldeia eram literalmente princesas, uma vez que as filhii* 'In* chefes invariavelmente escolhiam se casar com classes etárias dessa maneira. As IiIIim« dos chefes podiam fazer sexo com todos que elas quisessem , independentemcntP i Im classe etária, e também tinham o direito de recusar o sexo, o que geralmente as r spi 1*11* da aldeia não faziam. Princesas desse tipo eram raras: havia apenas três chefes cm tmlii o território leles. Por outro lado, M ary Douglas estima que aproximadamente 10% iIm* mulheres leles se tornavam esposas da aldeia (“A Form o f Polyandry among the I elr uf the Kasai”, 1951). 34 Por exem plo, Douglas, Mary. “ Blood-Debts and Clientship am ong the Lele' . p 1 Idem. The Lele o f the Kasai, pp. 145-6,168-73; Idem. “M atriliny and Pawnship in ( cm ml A frica”, p. 303. Obviamente, os homens muitas vezes podiam exercer uma grande 111 c* são física sobre as mulheres, pelo menos, se todos concordassem que eles tinham um direito m oral de fazê-lo, mas m esm o nesse aspecto Douglas enfatiza que a maioi la iIm« mulheres tinha bastante espaço para realizar manobras. 35 Sobre a pacificidade, principalmente: Douglas, Mary. The Lele o f the Kasai, pp. 70-1, 36 Idem, p. 170. 37 Idem, p. 171. 38 Sobre o custo dos escravos: Douglas, Mary. The Lele o f the Kasai, p. 36; Idem. In llir Active Voice, pp. 46-7.

    39 No entanto, esse foi parcialmente o caso, porque o principal propósito dos esc taviH homens era que eles fossem sacrificados nos funerais de homens importantes (Doii^liH, Mary. The Lele o f the Kasai, p. 36). 4 0 Ver Graeber, David. Toward an Anthropological Theory o f Value, cap. 4. A grande cxi o ,in poderia ser o dinheiro de gado dos nuers e de povos pastoris semelhantes. No ent .min, até m esm o essa moeda serviria com o um tipo de adorno. 4 1 Akiga Sai, B. Akiga’s Story, pp. 121,158-60. 42 O m esm o pode ser dito sobre a prática do casam ento por captura dos tivs (lil< 111 pp. 137-41)43 Baseio-m e aqui na análise clássica das “esferas de troca” feita p or Paul BohnnttMH (“Some Principles ofExchange and Investment among the Tiv”, 1955; “The Impact ol Mil ney on an A frican Subsistence Econom y”, 1959) e complementada por David D01 wmiJ (“Precolonial Tiv Trade and Cloth Currency”, 1976) e Jane Guyer (Marginal Gains: Mmirt Transactions in Atlantic Africa, pp. 27-31).

    44 Consoante Aklg.i s»»i. II Altiijin Siory, p. 241; Bohannan, Paul. "Som e PriniIplrx ol Exchange and Investment among the Tiv”, p. 66; Bohannan, Paul; Bohannan, Launi. I'iv Economy, pp. 233,235. Com o carisma cm geral, Akiga Sai, B. A kiga’s Story, p. 236; Downes,

    Rupert Major. Tiv Religion, p. 29. 45 Ver Abraham, Roy Clive, op. cit., p. 26; Akiga Sai, B. Akiga’s Story, p. 246; Bohannan, Paul. “Extra-processual Events in Tiv Political Institutions”, p. 3; Downes, Rupert Major. Tiv Religion, p. 27. 46 Sobre bruxos em geral: Bohannan, Paul. Justice and Judgment among the Tiv, pp. 187-8; Idem. “Extra-processual Events in Tiv Political Institutions”, 1958; Downes, Rupert Ma­ jor. Tiv Religion, pp. 32-5. Sobre dívidas de carne: Abraham, Roy Clive, op. cit., pp. 81-4; I )ownes, Rupert Major. Tiv Religion, pp. 36-40. 47 Akiga Sai, B. Akiga’s Story, p. 257. 48 Idem, p. 260. 49 Sigo aqui a ideia de Wilson, Monica Hunter. “Witch Beliefs and Social Structure”, 1951. so Paul Bohannan (“Extra-processual Events in Tiv Political Institutions”, p. 4) defende um argumento semelhante, mas não idêntico. 51 Histórias sobre a m igração dos tivs (Abraham, Roy Clive, op. cit., pp. 17-26; Akiga Sai, B. “The ‘Descent’ o f the Tiv from Ibenda Hill”, 1954; Bohannan, Paul. “The Migration arid Expansion o f the Tiv”, 1954) não falam explicitamente dessa questão, mas podemos depreendê-la facilmente. A história de Akiga Sai, B. (Akiga’s Story, p. 137) sobre os migran­ tes tivs que pintavam manchas parecidas com pústulas no corpo das mulheres para que não fossem levadas por invasores parece particularmente sugestiva. Apesar da falta de governo, os tivs tinham uma organização de guerra notoriamente eficaz e, como observa Koy Clive Abraham (op. cit., p. 19), conseguiram com sucesso pôr os fulanis e os jukuns uns contra os outros, interferindo na própria guerra que tinham uns com os outros. 52 Algumas dessas incursões não davam totalmente certo. Durante algum tempo, pelo que parece, o domínio vizinho dos jukuns, que fizeram diversas tentativas malsucedidas de incorporar os tivs no século x v m , parece ter vendido prisioneiros tivs para traficantes de escravos que atuavam na costa (Abraham, Roy Clive, op. cit., p. 19; Curtin, Philip D. I he Atlantic Slave Trade, pp. 255,298; Latham, A .J. H. Old Calabar 16 0 0 -18 9 1, p. 29; Tambo,

    I »avid C. “The Sokoto Caliphate Slave Trade”, pp. 201-3.) Sem dúvida, é significativo que muitos tivs afirmassem, na década de 1930, que os jukuns eram canibais e que as origens 1I11 “organização” m batsav residiam sobretudo em certos títulos que os tivs adquiriram deles quando finalmente chegaram a uma reconciliação política (Abraham, Roy Clive,

    op. cit., pp. 33-5)s j Jones, G. I. “Native and Trade Currencies in Southern Nigeria”, 1958; Latham, A . J. II. ‘Currency, Credit and Capitalism ”, 1971; N orthrup, David. Trade Without Rulers, pp. 1s ’-64; Herbert, Eugenia W. Red Gold o f Africa, p. 196. O fam oso viajante medieval árabe Ihn Battuta, a quem já nos referirmos ao falar da corte do rei de Sind no capítulo 2, viu

    533

    pessoas usando o cobrc to m o dinheiro nu rrglAo du Nlgérln, nflo multo distante ditll na década de 1340. 54 Eugenia Herbert (op. cit., p. 181) estima que os europeus exportaram ceri .1 de

    • mil

    toneladas de latão e cobre ingleses para a África entre 1699 e 186s. Eles eram IuIm l< tidul em Bristol, Cheadle e Birm ingham . A m aior parte dos metais era trocada por esc 1 *(»• •t’ tados do golfo de Biafra naqueles anos (Eltis, David et alii. The Transatlantic Slaw liiiili. 2000). O tráfico de escravos em Velha Calabar durou aproximadamente de 1650 d período em que o porto era, de longe, o m aior de Biafra, e as exportações de lá, cm » 11 auge, representavam cerca de 20% da exportação de toda a Á frica (Lovejoy, 1'nul ! ! Richardson, David. “Trust, Pawnship, and Atlantic H istory”, p. 337). 56 Sheridan, R. B. “The Com m ercial and Financial O rganization o f the Britisli Sl,*v»* Trade", 1958; PriceJacobM . Capital and Crédit in British OverseasTrade, 1980; Idem." Wh. il I Mil Merchants Do?”, 1989; Idem. “Crédit in the Slave Trade and Plantation Economies", 1901 57 Uma variedade de contas de tam anho maior. 58 Jean Barbot citado em Talbot, P. Amaury. The Peoples o f Southern Nigeria, v. 1, pp. |H| ft 59 Joseph E. Inkori (“The Im port o f Firearms into West A frica”, 1982) m ostra qui nu final do século x v iii, os navios britânicos que aportavam em Velha Calabar levavuni * média de quatrocentos mosquetes cada um, e que entre 1757 e 1806 o total expoi trttlw para a região de Calabar e de Cam arões foi de 22.986 mosquetes. Rum e outras bel'li lin no entanto, eram produtos bem menos importantes.

    60 Um recurso com um , sobretudo nos primeiros anos: os mercadores chegavam

    mini

    m ercados das aldeias com canoas cheias de produtos para trocá-los p or escravos c, ** não atingissem a cota, esperavam anoitecer e simplesmente atacavam as habitaçõei t t)i m uns ao longo do rio, carregando tudo [e todos] que encontrassem (Thomas Claii? E por essa razão que afirm o que os conceitos de honra ainda moldam nossa percepçíi 1 de um m odo que nem sequer im aginam os - há inúm eros lugares no m undo eni que a sugestão de que a esposa de alguém esteja fazendo sexo por dinheiro, ou que a imiA esteja envolvida com vários parceiros, tem uma probabilidade m aior de ser receblil 1 com bom hum or desconcertado do que com uma assassina. Já vim os exem plos 1101 gunw inggus e nos leles.

    540

    u Obviamente, e*lou dMInuiilnilo o in m oaqul de uni sentido mal* am ploile pall hit cado usado cm grande pm tr da literatura feminista, ou seja, de qualquer sistema sot l.il baseado na subordinação da* mulberes pelos homens. Está claro que as origens do pa Iriarcado nesse sentido mais amplo devem ser buscadas em um período bem anterior da história, tanto no Mediterrâneo com o no Oriente Próximo. 0 O modelo da “infiltração semita” já é encontrado em algumas fontes clássicas com o 1 lenry Saggs (The Greatness That Was Babylon, 1962). Em term os gerais, o padrão parece ser de crise urbana periódica, o quase colapso da sociedade ribeirinha seguido de um renascimento, aparentemente depois do advento de uma nova onda de pecuaristas se­ mitas (Adams, Robert; Lamberg-Karlovsky, C.; Moran, W illiam , “The Mesopotam ian Social Landscape”, 1974). 34 Ruby Rohrlich (“State Formation in Sum er and the Subjugation o f Women”, 1980) é ura ótim o exemplo. )5 É claro que essa é uma simplificação enorme de uma tese associada principalmente a )ack G oody (Production and Reproduction, 1976; Development o f Marriage and the Family in t.urope, 1983; The Oriental, the Ancient, and the Primitive, 1990). O princípio básico é que o

    dote não é tanto um pagam ento por parte do pai da noiva (poderia ser de am bos os lados), m as sim um tipo de herança prematura. No entanto, o pouco que G oody disse sobre a M esopotâm ia (The Oriental, the Ancient, and the Primitive, pp. 315-7) centrou-se quase exclusivamente na prática das classes altas. {6 W ilcke, Claus. “ Fam iliengriindung im alten Babylonien”, 1985; W estbrook, R ay­ mond. Old Babylonian Marriage Law, 1988; Greengus, Samuel. “ Bridewealth in Sumerian Sources”, 1990; Stol, Marten. “Women in Mesopotamia”, pp. 125-7. Para a cidade de Mari; Lafont, Bertrand. “ Les lilies du roi de M ari”, 1987; para a prática na antiga Babilónia: Greengus, Samuel. “Old Babylonian Marriage Ceremonies and Rites”, 1966; Idem. “The Old Babylonian Marriage Contract”, 1969; para a cidade de Nuzi: Grosz, Katarzyna. “Bri­ dewealth and D ow ry in Nuzi”, 1983; Idem. “Som e Aspects o f the Position o f Women in Nuzi”, 1989. 37 Nossas m elhores fontes são da cidade de Nuzi, c. 1500 a.C., em bora fosse atípica em alguns aspectos, sobretudo devido à influência hurriana. Em Nuzi parece que os pagamentos m atrim oniais eram feitos em estágios, p o r exem plo, no nascim ento do primeiro filho (Grosz, Katarzyna. “Som e Aspects o f the Position o f Women in N uzi”, p. 176) - padrão conhecido dos antropólogos na Melanésia, na Á frica e em várias outras partes do mundo. 38 Finkelstein, Jacob J. “Sex Offenses in Sumerian Laws”, 1966; VerSteeg, Russ. Early M e­ sopotamian Law, pp. 121,153 n9i. Os pais podiam reivindicar danos materiais contra aquele

    que afirmava falsamente que sua filha não era virgem, presum ivelm ente porque redu­ ziria o preço da noiva (Cooper, Jerrold S. “Virginity in Ancient M esopotam ia”, p. 101). 39 Bottéro, Jean. Everyday Life in Ancient Mesopotamia, p. 113. 40 Stol, Marten, op. cit., p. 126.

    541

    4> Sobre "adoção m atrim oniar, v«*r ( íulllaum r < urdam lu (‘‘ ■.'adoption matrimonial# à Babylonc et à Nn/.i”, ivs«>). l>«-ni com o Isuui Mendelsohn (Shivery in lhe A n cln il Nritr East, pp. 8-12) e Samuel Grecngus ("Sisterhood Adoption at Nu/.i and the 'W ile S I 1 I 1

    1

    in Genesis”, 1975). Em tempos de penúria, às vezes até m esm o o preço da noiva era dl* pensado, e uma família faminta poderia entregar a fdha a uma família rica em troi 1 da promessa de mantê-la viva. 42 Evans-Prichard, E. E. “A n Alternative Term for ‘Bride-Price’’’, 1931; Raglan, bui .) ( ésar, entre outros protetores poderoso* (Sm tônio, A vida dos d o u ctsarrs, "Aii)ju*lo", 68), 74 Os exem plos mais fam osos aconteceram em Atenas, Corinto e Mégara (Asherl, I >n vid. “Leggi greche sui problema dei debiti”, 1969; Ste. Croix, Geoffrey. The Class Struggle in lhe Ancient Greek World, 1981; Finley, Moses. Economy and Society in Ancient Greece, pp. 156-7).

    75 A lei foi chamada de palintokia e é conhecida principalmente p or causa de Plutarco (Moralia, 2çsd), que aparentemente se baseou em uma obra perdida de Aristóteles (Cons­

    tituição de M égara). Quase tudo sobre essa lei é falado hoje na academia (Asheri, David, op. cit., pp. 14-6; Figueira, Thom as J. “The Theognidea and Megarian Society”, pp. 112-68; Millett, Paul. “Patronage and its Avoidance”, pp. 21-2; Hudson, Michael. “Did the Phoenicians Introduce the Idea o f Interest to Greece and Ita ly -A n d If So, When?”, p. 31; Bryant, Joseph M. Moral Codes and Social Structure in Ancient Greece, pp. 100-4). Hudson, por exemplo, argumenta que com o o evento parece ter ocorrido por volta de 540 a.C., uma época em que os empréstimos a juros talvez não existissem, a história com o um todo pode ter sido propaganda posterior. O utros sugerem que o evento de fato aconteceu muito tempo depois. É interessante notar que todas as fontes gregas tratam do assunto tom o uma medida populista extremamente radical e ultrajante - apesar do fato de me­ didas semelhantes terem se tornado a política católica padrão durante grande parte da Idade Média na Europa. 76 Seed com, no original. A expressão é usada para designar os melhores grãos separados e usados com o sementes no plantio, mas também se refere ao capital usado para iniciar um negócio, [n.t.] 77 Não se sabe ao certo se os empréstimos a juros existiram nesse período, pois a pri­ meira referência aparente aos juros é de mais ou menos 475 a.C., e as primeiras referên­ cias totalmente claras são do final do m esm o século (Bogaert, Raym ond. Les Origines antiques de la banque de dépôt, 1966; Idem. Banques et banquiers dans les citésgrecques, 1968;

    Finley, Moses. Economy and Society in Ancient Greece, 1981; Millett, Paul. Lending and Borrow­ ing in Classical Athens, pp. 44-5; Hudson, Michael. “Did the Phoenicians Introduce the Idea

    o f Interest to Greece and Italy - And If So, When?”, 1992). 78 Compare, por exemplo, Levitico 25,35-37, que fala da perm issão de transform ar um pobre “irm ão que vive contigo” em um cliente ou arrendatário, m as não de conceder a ele empréstimos a juros. 79 Como nos diz Hesíodo em Os trabalhos e os dias (parte 11,344-63); ele é nossa principal fonte sobre essas questões. Paul Millett (Lending and Borrowing in Classical Athens, pp. 30-5) faz uma leitura atenta dessa passagem , ilustrando a ambiguidade entre dádivas e em ­ préstimos. Esse livro de Millett é a obra básica sobre o assunto. Estudiosos da economia grega há m uito se ocupam do que ainda é cham ado (de m odo um tanto anacrônico) debate prim itivista-m odernista; Millett assum e um a forte posição prim itivista e tem acalorado, de maneira previsível, o outro extrem o do debate (por exemplo, Cohen, Ed­ ward E. “Review o f ‘Lending and Borrowing in Ancient Athens’”, 1992; Shipley, Graham.

    547

    The Greek World After Alexander t jf (o mi , iim ) A malor parte da di.si ussjo, no entanto, trata da prevalência do empréstimo co m m la l, quc diverge das minhas preocupações .11 uuli, 80 A história é notável porque Nasrudln quase nunca se com poria da maneira i|iir m leitores contem porâneos considerariam injusta ou exploradora. Presume-se qnr, nau histórias que tratam das relações com o vizinho avarento, o leitor saiba que, uniu vi t que é avarento, ele necessariamente deve tramar alguma coisa. 81 “Contra Nicostrato” (Demóstenes, 53). Minha versão segue quase à risca a ver \.io 1Ih Paul Millett (Lending and Borrowing in Classical Athens, pp. 53-9), mas tam bém é biisciidit emTrevett, Jeremy. Apollodoros the Son o f Pasion, 1992; Dillon, John M., op.cit., pp. 94 HHI| Harris, Edward M. Democracy and the Rule o f Law in Classical Athens, pp. 261-3. A interpret* ção dos motivos de Nicostrato é minha; Dillon, por exemplo, suspeita que toda a hUtõHl do sequestro e do resgate em Egina foi in ven tad a-m as, se esse fosse o caso, acredito s qu« A polodoro, no entanto, temia que seus concidadãos desdenhassem suas origens I111 mildes e tentou com pensá-las com generosidade excessiva - alguns achavam exi rsstv* demais (ver Ballin, Theodore N. A Commentary on (Demosthenes) 50, Against Polyklcx, 19 *Ni Trevett, Jeremy. Apollodoros the Son o f Pasion, 1992). 82 Os atenienses, ao tentarem ser nobres, pelo menos falavam como se seus concidaildi 1* devessem se com portar assim uns com os outros; em prestar dinheiro a juros para mH cidadão em necessidade extrema era um comportamento obviamente repreensível (Mil lett, Paul. Lending and Borrowing in Classical Athens, p. 26). Todos os filósofos que trat.11 tini do assunto, a com eçar com Platão (As leis, 742c, 921c) e Aristóteles (Política, liv. 1, i.nHi), criticavam os juros com o imorais. Mas é claro que nem todos pensavam dessa manelnt Com o no Oriente Médio, de onde o costum e se espalhou (Hudson, Michael. "Dill I hr Phoenicians Introduce the Idea o f Interest to Greece and Italy - And If So, When?”, i w i ) , o dilema era que a cobrança de juros tinha um sentido óbvio no caso de empréstimo* comerciais, m as se tornou facilmente abusiva no caso dos empréstimos pessoais. 83 Não está claro se a escravidão por dívida, ou pelo m enos a servidão por dívida, 1«it eliminada p o r com pleto em todos os lugares, e se a crise da dívida continuou acoute cendo a intervalos regulares em outras cidades que não Atenas (Asheri, David, op. i It , Ste. Croix, Geoffrey, op. cit.). Alguns (Rhodes, P. J. A Commentary on the Aristotelian Allir naion Politeia, pp. 118-27; Cairns, Frances. “The ‘Laws o f Eretria’

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    Epigraphic, Legal, Historical, and Political Aspects”, 1991; Harris, Edward M., op. c i t , |>|i 249—80) acreditam que a servidão p or dívida não foi totalmente eliminada em A tinai Paul Millett (Lending and Borrowing in Classical Athens, p. 76) provavelm ente está conrlrl quando diz que capitais im periais com o Atenas, e depois Roma, se esquivaram dos |ir rigos das crises da dívida e da inquietação resultante não tanto proibindo a prática, ma* sim canalizando o dinheiro dos tributos em program as sociais que proporcionat.i 111 uma fonte de fundos constante para os pobres, tornando a usura em geral desnecess.n la

    548

    K4 Millrtt, Paul. "Sair, ( rnlu and Im lumgr iu Alhenlan l.aw an d S o ilriy ", pp i8 > O m esm o era vcrdadrlro na ( íalllrla romana (Goodman, Martin. .State and .Sodriy m Ko

    man (ialilee, p. çs) c, presumivelmente, também em Roma (Howgego, Christopher." flic Supply and Use o f Money in the Roman World”, p. 13). Kç As Fúrias, que perseguiram Orestes para evitar que ele matasse a própria mãe, insis­ tem que estão cobrando uma dívida devida em sangue (Esquilo, Eumênides, 260,319). Paul M illett (Lending and Borrowing in Classical Athens, pp. 6-7) reúne vários exemplos. Jan Korver (!)ie terminologie van het crediet-wezen en het Grieksch, 1934, citado em Millett, Paul. Lending and Borrowing in Classical Athens, pp. 29-32) m ostra que nunca houve distinção form al entre

    "dádiva” e “empréstimo”: continua havendo uma mescla sombria entre os dois conceitos. 86 As duas atitudes eram tidas com o conectadas: Heródoto, de form a memorável, ar­ gum entou que para os persas o m aior crim e era mentir, e que por isso eles proibiam o empréstim o a juros, um a vez que ele suscitaria necessariam ente o com portam ento insincero (op. cit., liv. 1,138). 87 Platão, A República, 331c. 88 Idem, 345d. Minha interpretação é fortemente influenciada pela de Marc Shell (The Economy o f Literature, 1978). O ensaio do prim eiro capítulo de Shell é im portante (“The

    Ring o f Gyges”, pp. 11-62), m as tristemente negligenciado, pois parece que os classicistas parecem citar apenas uns aos outros (pelo menos quando o assunto é “clássicos”). 89 Polemarco, é claro, está evocando a lógica da dádiva heróica e da rixa. Se alguém o ajuda ou o prejudica, você paga da m esm a maneira, ou melhor. Polemarco na verdade diz que há duas circunstâncias em que é fácil fazer isso: na guerra e nos negócios de dinheiro. 90 A República foi escrito em 380 a.C., e esses eventos aconteceram em 388-7 a.C. Ver Holgar Thesleff (“Platonic Chronology”, p. 5) e Page DuBois (Slaves and Other Objects, pp. 153-4) para as datas e referências de estudos antigos e atuais sobre a questão, os quais concordam que tais eventos de fato aconteceram . N ão sabem os ao certo se Platão foi pego em um ato de pirataria, vendido por ordem de um ex-mecenas furioso ou captu­ rado com o prisioneiro de guerra (Egina - local de nascimento de Platão, a propósito estava em guerra com Atenas na época). Mas as diferenças se confundem. Curiosamente, Diógenes, o Cínico, contem porâneo de Platão, porém m ais jovem , tam bém foi captu­ rado por piratas em uma viagem para Egina mais ou m enos na m esm a época. N o caso dele, ninguém o ajudou (previsivelmente, considerando que ele rejeitou todos os víncu­ los mundanos e tendia a insultar todas as pessoas que conhecia) - ele passou o restante da vida com o escravo em Corinto (Diógenes Laércio, Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, liv. iv, 9). Platão, Aristóteles e Diógenes foram os três filósofos m ais fam osos do século tv a.C.; o fato de dois deles terem sido leiloados demonstra que esse tipo de coisa poderia realmente acontecer com qualquer pessoa. 91 Platão reconta os acontecimentos na sua Carta v il, m as A niceres aparece somente em Diógenes Laércio, op. cit., liv. 111,19-20.

    549

    92 Ihering, Kuiloll von. (íei.vt (Jr\ KmnhJini Hnhlx iin/ den m schltdenen Stufen vfnri I m wicklung, 2003.

    93 Os direitos in rem, ou "sobre a coisa”, sâo considerados direitos “contra lodo o m undo”, pois “é incum bido um devera Iodas as pessoas de se absterem dc atos pre)iiill> ciais ao direito” - o u seja, o oposto de direitos inpersonem, mantidos contra um Indivíduo específico ou grupo de indivíduos (Digby, Kenelm; Harrison, W illiam . An Introdiu llmi to the History o f the Law o f Real Property, p. 301). Peter Garnsey (Thinking about Property, pp, 177-8) nota que Pierre-Joseph Proudhon (Qu’est-ce que la propriété?, 1840) estava co m lo ao dizer que a natureza “absoluta" dos direitos de propriedade no Código Civil Fmiu r» e em outros docum entos jurídicos m odernos paradigmáticos remonta diretamente 411 direito rom ano, tanto à noção de propriedade privada absoluta como ao direito de si ibe rania absoluta do imperador. 94 A ideia de que a propriedade rom ana não era um direito rem onta a Michel Vllley (“ L'Idée du droit subjectif et les systèmes juridiques rom ains”, 1946) e se tornou tonhe cida na academ ia inglesa com Richard Tuck (Natural Rights Theories, pp. 7-13) e lit Un Tierney (The ldea o f Natural Rights, 1997), em bora Peter G arnsey (Thinking about (’rii/icilv, pp. 177-95) tenha defendido recentemente um argumento convincente de que os juriM >*< romanos viam a propriedade com o direito (ius) no sentido de se ter o direito da alienu\l( 1 e de defender as próprias reivindicações no tribunal. Trata-se de um debate interess.mh1 que se concentra basicamente na definição que se tem de "direito”, mas um pouco 1.111 gencial ao m eu argumento. 95 “A relação paradigm ática entre um a pessoa e um a coisa é a de posse, em boni 01 próprios rom anos não a tenham definido. Para eles, era um a relação de poder

    iium

    form a de potestas - exercida diretamente sobre a própria coisa física” (Samuel, Geofli ry “Property, Obligations”, p. 302). 96 N o direito rom ano antigo, em que vigorava a Lei das Doze Tábuas (c. 450 a.( ). os escravos continuavam sendo pessoas, m as de valor reduzido, pois nas ofensas ele* valiam metade do que valia um a pessoa livre (Lei das Doze Tábuas, vin.io). No final du República, mais ou menos na época em que surgiu o conceito de dominium, os escr.ivi m foram redefinidos com o res, coisas, e as ofensas contra eles tinham o mesmo estado le^id que as ofensas contra animais de granja (Watson, Alan. Roman Slave Law, p. 46). 97 O rlando Patterson (op. cit., p. 310): “E difícil entender por que os rom anos inven tariam a ideia de relação entre pessoa e coisa (uma noção quase m etafísica, bast.mii dissonante do m odo rom ano de pensar em outras áreas) [...] a m enos que entendam« 1» que, para todos os propósitos, a ‘coisa’ que tinham em mente era um escravo”. 98 Ela não aparece na Lei das Doze Tábuas, tam pouco em documentos legais anteriorm, 99 Dominus aparece pela prim eira vez em 111 a.C.; dominium, um pouco depois (Birki, Peter. “The Rom an Law Concept o f D om inium ”, p. 26). Keith Hopkins (Conquerors iiiiil Slaves, 1978) estim a que, no final da República, os escravos som avam de 30% a 40% iU

    população italiana, talvez a proporção mais alta de qualquer sociedade conhecida.

    550

    to o Digesto, 9,2.11 p i , I llplmio nu llvro xvin sobre o lidlto. 101 Os exem plos s;W> do I ){gr\to, 47.2.10 pr„ Ulpiano no livro x u sobre Sablno, r I ) lye.it0, 0.2.33 pr., segundo livro de Paulo a Pláucio, respectivamente. 102 Ver Richard Saller (“ Familia, Dom us’, and the Roman Concept o f the Family", 1084) sobre domus versus familia. A palavra familia, e seus vários cognatos europeus posteriores, com o famille em francês, fam ily em inglês etc., continuou se referindo principalmente a uma unidade de autoridade, e não necessariam ente de parentesco, até pelo m enos o século x v iii (Stone, Lawrence. The Family, Sex and Marriage in England 1500 -18 00,19 68 ; Flandrin, Jean-Louis. Families in Former Times, 1979; Duby, Georges. Rural Economy and the Country Life in the Medieval West, pp. 220-3; Ozment, Steven. When Fathers Ruled, 1983;

    Herlihy, David. Medieval Households, 1985). 103 Raymond W estbrook (“Vitae Necisque Potestas”, p. 207) analisa os três casos conhe­ cidos desse acontecimento. Parece que aqui a autoridade do pai era considerada idêntica à do Estado. O pai poderia ser punido se fosse descoberto que havia executado o filho ilegitimamente. 104 Ou os tom assem com o escravos. De fato, a própria Lei das Doze Tábuas (111.1) pa­ rece ser um a tentativa de reform ar ou m oderar até m esm o as práticas mais severas, com o apontou Al-W ahid (Elwahed, A li Abd, op. cit., pp. 81-2) talvez pela prim eira vez na história. 105 M oses Finley (Ancient Slavery and M odem Ideology, p. 143) observa que a disponibili­ dade sexual dos escravos “é tratada com o algo com um na literatura greco-rom ana”. Ver Saller, Richard P. “Slavery and the Roman fam ily”, pp. 98-9; Glancey, Jennifer A. Slavery in Early Christianity, pp. 50-7.

    106 Há um debate dinâmico sobre se a reprodução de escravos foi extensivamente prati­ cada em Roma: uma teoria comum da escravidão (por exemplo, Meillassoux, Claude, op. cit.; Anderson, Perry. Passages from Antiquity to Feudalism, 1974) argum enta que a prática não era lucrativa, e quando o fornecimento de novos escravos era cortado, os escravos existentes eram ordinariamente convertidos em servos. N ão parece haver razões para tratar disso aqui; para um resum o, ver Bradley, Keith R. “On the Rom an Slave Supply and Slavebreeding”, 1987. 107 Sim, os cidadãos romanos, legalmente, não podiam escravizar uns aos outros, mas podiam ser escravizados por estrangeiros, e piratas e seqüestradores raramente mediam palavras ao tratar desse assunto. 108 O im perador chinês Wang Mang era tão exigente a esse respeito que uma vez or­ denou a execução do próprio filho pelo assassinato arbitrário de um escravo (Testart, Alain. “Pourquoi la condition de l’esclave s’améliore-t-elle en régime despotique?”, p. 23). 109 A Lex Petronia, em vigor p o r volta de 19 d.C. a 32 d.C., tecnicam ente proibia os donos de obrigar escravos a “lutarem com bestas selvagens”, um a diversão pública p o ­ pular; “luta”, no entanto, é geralmente um eufemismo, visto que quem lutava com leões

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    fam intos nào podia usar arm as, ou obviamente usava arm as Inadequadai. Somente um século depois, sob o governo de Adriano (117 d.(

    nK d.C.), os proprietários foram piol

    bidos de matar escravos, manter cárceres privados ou praticar outras punições 11 m l«. excessivas. Interessante notar que a limitação gradual do poder dos donos de esc rav* >1 lo| acom panhada pelo aumento do poder estatal e da expansão da cidadania, mas também do retorno de várias form as de servidão por dívida e da criação de um cam pesinato dependente (Finley, M oses. The Ancient Economy, pp. 92-3; Idem. Economy and 5 o< Iriv in Ancient Greece, pp. 164-5).

    110 Tito Lívio (Ah urbe condita libri, 41.9.11) observa que, em 177 a.C., o Senado aprovou um a lei proibindo italianos que não tivessem cidadania rom ana de vender parente« l escravidão - com o era feito para que se tornassem cidadãos romanos. 111 A frase foi preservada na obra do velho Sêneca (Controversiae, 4.7) e destacada pot Moses Finley (Ancient Slavery and Modern Ideology, p. 96), entre outros. Há uma disi uxtfto detalhada sobre ela em Butrica, Jam es L. “Som e M yths and A nom alies in the Study • •( Roman Sexuality", pp. 210-23. 112 W irszubski, Chaim. Libertas as a Political Ideal at Rome, 1950. Sobre a etimologia, vn Benveniste, Émile. Indo-European Language and Society, 1973. De maneira semelhanie. lyji 1* Kopytoff e Suzanne Miers (“African ‘Slavery’ as an Institution o f Marginality”, 1977) enlatl zam que, na Africa, “liberdade” sempre significou a incorporação em um grupo de patrii tesco - apenas os escravos eram “livres" (no nosso sentido) de todas as relações humana« 113 Jurisconsulto Florentino, “Instituições de Justiniano” (1.5.4.1). Alguns sugerem que .t palavra “natural” na prim eira frase foi inserida apenas em edições posteriores, talve/ no século iv d.C. A posição de que a escravidão é produto da força ratificada na lei, conita >1 natureza, no entanto, remonta pelo menos ao século iv a.C., quando Aristóteles (PolíHi a liv. i, 1.253b, 20-30) discorda dela explicitamente (ver Cambiano, Guiseppe. “Aristotle ami the A nonym ous Opponents o f Slavery”, 1987). 114 Já nessa época, advogados com o A zo e Bracton com eçaram a questionar: se issi 1 !i h verdade, então os servos também não seriam livres? Ver Harding, Alan. “Political Libert y in the Middle A ges”, p. 424 n6; ver também Buckland, W illiam W arwick. The Roman I a»' o f Slavery, p. 1; Watson, Alan, op. cit.

    115 Ulpiano escreveu que “todos nasciam livres segundo a lei da natureza”, e que a e* cravidão era resultado da iusgentium (“lei das nações”), os usos com uns legais da hum« nidade. Juristas posteriores acrescentaram que a propriedade era originalmente comum, e a ius gentium era responsável por reinos, propriedade etc. (Digesto, 1.1.5). Com o afirma Richard Tuck (op. cit., p. 19), essas ideias estavam dispersas e só foram sistematizada« por pensadores da Igreja, com o Graciano, muito tempo depois, durante o renascimenln do direito rom ano no século xn. 116 Princeps legibus solittus est (“o príncipe é desobrigado das leis”), frase cunhada Inl cialmente p or Ulpiano e repetida p or Justiniano (1.3 pr.). Essa noção era muito nova n o m undo antigo: para os gregos, p or exemplo, em bora os hom ens pudessem agir c o m o

    quisessem com suu* iiiiillu n . Iillius e escravos, qualquer governante que exploi.ivse seus súditos da mesma maneira era i onsiderado tirano. Até mesmo o principio básico da soberania moderna, de que i» governantes detêm o poder suprem o da vida e da morte com relação aos súditos (que os m odernos chefes de Estado ainda sustentam para ga rantir perdões), era visto com suspeita. De maneira semelhante, sob a República, Cícero argumentou que os governantes que insistiam em sustentar o poder da vida e da morte eram tiranos por definição, “ainda que preferissem ser chamados de reis” (De Re Publica, ).23). Ver W estbrook, Raym ond. “Vitae Necisque Potestas”, p. 204. 117 The Chronicle o f Walter o f Guisborough, p. 2x6. Ver Clanchy, M. T. From Memory to Written Record, pp. 2-5.

    118 Aylmer, G. E. “The Meaning o f Property in Seventeenth-Century England”, 1980. 119 Para ser justo, os liberais ortodoxos diriam que essa é a conclusão lógica quando se parte da ideia de liberdade com o ativa e não passiva (ou, com o dizem os filósofos, que há “direitos subjetivos”) - ou seja, ver a liberdade com o a obrigação dos outros não só de permitir que façamos o que quer que a lei ou os costumes digam que podemos fazer, mas também de fazer qualquer coisa que não seja especificamente proibida, e que isso tem efeitos libertadores enormes. Decerto há alguma verdade nisso. Mas, em termos históri­ cos, esses efeitos foram algo colaterais, e há muitas outras maneiras de chegar à mesm a conclusão que não exigem que aceitemos as suposições básicas sobre propriedade. 120 Tuck, Richard, op. cit., p. 49; Tully, Jam es. An Approach to Political Philosophy, p. 252; Blackburn, Robin. The Making o f New World Slavery, pp. 63-4. 121 Note-se que, nesse período, a justificativa não pode ser baseada em nenhum pres­ suposto de inferioridade racial - as ideologias raciais surgiram depois - , m as sim no pressuposto de que as leis africanas eram legítimas e deveriam ser consideradas irrevo­ gáveis, pelo m enos com relação aos africanos. 122 Já defendi extensivamente o argumento de que o trabalho assalariado está enraizado na escravidão - ver, por exemplo, Graeber, David. “Turning Modes o f Production Inside Out (versão resumida)", 2006. 123 E p or essa razão que, com o explicou Craw ford Brough M acPherson (The Political Theory o f Possessive Individualism, 1962), as “violações aos direitos hum anos” só são evoca­

    das nos jornais quando é possível dizer que os governos estão violando a pessoa ou os bens de uma vítim a - digamos, violentando-a, torturando-a ou m atando-a. A Declara­ ção Universal dos Direitos Humanos, com o praticamente todos os docum entos sem e­ lhantes, também fala dos direitos universais à alimentação e moradia, mas nunca vem os notícias sobre governos que cometem “violação aos direitos hum anos” quando cortam o controle de preços dos alimentos básicos, m esm o que o corte leve a uma desnutrição generalizada, ou quando expulsam os os sem-teto de seus abrigos. 124 Podemos rem ontar essa ideia pelo m enos a Sêneca, que, no século 1 d.C., argum en­ tou que os escravos podiam ser livres na mente, visto que a força só era aplicada à “prisão do corpo” (De beneficiis, 3.20) - esse parece ter sido um ponto fundam ental de transição

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    entre a ideia de liberdade com o capai Idade de emlabeleicr relações morai* com o« oiiiiim e liberdade com o interlorlsaçâo do podrr do senhor. 125 Para um autor que relaciona explicitamente essa questão com a dívida, vei knitmail, Janet. "Unsanctioned Wealth”, p. 224. Há vasta literatura para objetos com o pontos tini cos na história humana, mas ver Hoskins, Janet. Biographical Objects, 1999; Graebei, I »avid Toward an Anthropological Theory o f Value, 2001.

    126 Pode-se perceber com o a escravidão era incom um pelas suposições dos into » man tes de que os escravos não faziam ideia de que este seria seu destino. 127 Acentuadamente, no m om ento exato em que sua existência social era a única r »1* tência que lhe restava. Há registros sobre a matança de escravos nos funerais de reis, mi de magnatas, da antiga Gália à Suméria, China e Am éricas. 128 Homero, Ilíada, liv. ix, 342-4. 129 E vans-Pritchard., E. E .The Divine Kingship o f the Shilluk o f the Nilotic Sudan, p. }6; Salt lins, Marshall. “The Stranger-king or Dum ezil am ong the Fijians”, 1981. Para um hi mi exemplo da identificação entre reis e escravos, ver Feeley-Harnik, Gillian, op. cit. Obvia mente, todos sabemos muito bem que reis têm famílias, amigos, amantes etc. - a questd» é que isso sempre é visto com o um problema, pois um rei deveria ser rei igualmente pa 1 a todos os seus súditos.

    130 Sobre a influência do direito rom ano na tradição liberal, é fascinante notar qm 0 autor mais antigo de que temos registro a ter esboçado algo parecido ao m odelo di Smith, em que o dinheiro - e a cunhagem, em última instância - é criado com o auxilio para o comércio, é outro jurista romano, Paulo (Digesto, 18.1.1).

    131 Mas não foi de modo nenhum eliminada. (Se alguém tiver dúvida disso, recomemli 1 que passeie pela vizinhança sem levar em consideração todos os direitos de propriedade e veja em quanto tempo as arm as com eçarão a aparecer.)

    8. CR ÉD ITO

    V E R S U S LIN G O T ES E OS CICLO S DA H IS T Ó R IA

    1 “Dívida, s. Substituto ingênuo para o grilhão e o chicote do feitor”, escreveu Ambrose Bierce, cínico notório (The D evil’s Dictionary, p. 49). Decerto para aquelas mulheres tal landesas que apareceram na porta do quarto de Neil Bush, a diferença entre terem sidt 1 vendidas pelos pais e trabalhar para cum prir um contrato de dívida dos pais era um m ero detalhe tanto quanto o seria 2 mil anos antes. 2 Um dos poucos autores que enfrentaram a questão de maneira direta, pelo que sei, é Pierre Dockés (Medieval Slavery and Liberation, 1979), que fez a declaração convincente de que o desaparecimento da escravidão tem a ver com o poder do Estado: pelo menos, .1 escravidão enquanto instituição foi brevemente revivida no Império Carolíngio e depois desapareceu de novo.^í interessante que, pelo m enos desde o século x ix , a “transição do feudalismo ao capitalism o” tenha se tornado nosso paradigm a histórico para uma m udança social memorável, e ninguém trate da transição da antiga escravidão para o

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    feudalismo, mesmo que h««|a iit/Oes pura acreditar que o que acontece agora se asseme­ lha muito mais a essa tr*milt,tlo, 1 Robin Blackburn (op. cit.) defende esse argumento de maneira bastante convincente. I louve algum as exceções, notadamente as cidades-Estado italianas. A história é bem mais com plicada do que parece aqui: durante grande parte da Idade Média, os europeus foram vítim as de piratas de escravos m ais do que de seus beneficiários, com m uitos prisioneiros vendidos no norte da Á frica e no Oriente Médio, e esse foi um dos motivos da hostilidade. 4 A s moedas da região do Egeu eram estampadas; as indianas, puncionadas; as chine­ sas, fundidas. Isso sugere que não estam os falando de um a difusão. A o falar sobre as moedas indianas, um historiador observa: “A lgo que parece distinto em uma m oeda vazada é que a pessoa que a criou nunca viu um a m oeda grega - ou, se tivesse visto, não teria se im pressionado. A moeda puncionada é feita por um processo metalúrgico totalmente diferente” (Schaps, David. “The Invention o f Coinage in Lydia, in India, and in China”, p. 9). 5 Pruessner, A . H. (“The Earliest Traces o f Negotiable Instrum ents”, 1928) talvez tenha sido o prim eiro a m encionar isso. 6 Elas parecem ter sido m uito usadas pelos m ercadores da antiga A ssíria que traba­ lhavam na Anatólia (Veenhof, Karl. “‘M odern’ Features in Old A ssyrian Trade”, 1997). 7 M arvin A . Powell (“A Contribution to the H istory o f M oney in M esopotam ia”, 1978; “Ancient M esopotam ian Weight M etrology”, 1979; “W ir miissen unsere Nische nutzen: Monies, Motives and Methods in Babylonian Econom ics”, pp. 14-8) dá uma declaração excelente sobre esses dados, destacando que os babilônios não produziam escalas pre­ cisas o bastante para medir as quantidades m inúsculas de prata que teriam de usar para realizar com pras com uns para casa, com o peixe frito, cordões ou lenha, em dinheiro. Ele conclui que a prata era muito usada nas transações entre mercadores. Supõe-se que os vendedores dos m ercados, portanto, agiam da m esm a m aneira que agem hoje nos pequenos mercados na Á frica e na Ásia Central, fazendo listas de clientes confiáveis aos quais poderiam conceder crédito com o tempo. Ver Hart, Keith. The Memory Bank, p. 201; Nazpary, Jom o, op. cit. 8 Michael Hudson (“ Reconstructing the O rigins o f Interest-Bearing Debt”, pp. 21-3) lança a hipótese de que o elemento tem poral foi im portante, pois os m ercadores pre­ sumivelmente atrasariam o uso dos fundos o m áxim o possível. Ver Renger, Johannes. “Patterns o f Non-Institutional Trade and Non-Com m ercial”, 1984; Idem. “On Economic Structures in Ancient M esopotam ia”, 1994; Van de M ieroop, Marc. “The Invention o f Interest: Sumerian Loans”, 2005. 9 Refiro-m e aqui ao qirad e ao mudaraba, arranjos sem elhantes à antiga commenda m e­ diterrânea da Idade Média (Udovitch, Abraham L. Partnership and Profit in Medieval Islam, 1970; Ray, Nicholas Dylan. “The Medieval Islamic System o f Credit and Banking”, 1997). 10 Heródoto, op. cit., liv. 1,138.

    555

    u Idem. Ilv. ill,

    102-1 .

    12 Van de M ieroop, Marc. “A H istory of Nrur Eastern Debt?", p. f»t; Idem. “The I m v * ii tion o f Interest: Sum erian Loans", p. 29. Hie observa que o total de gràos obtido» poi Entemena em um ano era de aproximadamente 17 m ilhões de litros, fazendo du qiiiuitl dade que ele reclama ser devida mais de mil vezes m aior que a receita anual do pi t ipi Iti palácio. 13 Lam bert, M aurice. “ Une Inscription nouvelle d’Entemena prince de Lagash”, n j'ii Lemche, Niels Peter. “Andurarum and M isharum", p. 16. 14 Michael Hudson (“The Lost Tradition o f Biblical Debt Cancellations", 1991) nos ilit * visão geral mais detalhada dessa literatura. 15 Idem, p. 20. 16 Phillip Grierson (The Origins o f Money, p. 17) cita Cerny, Jaroslav. “Prices and in Egypt”, p. 907. 17 Bleiberg, Edward. “Loans, Credit and Interest in Ancient Egypt”, 2002. 18 Uma autoridade no assunto declara categoricamente: “Desconheço quaisquri i!»> eretos de anulação de dívida emitidos por algum faraó” 0 asnow, Richard Lewis

    Tit

    -demotic Pharaonic sources”, p. 42) e acrescenta que indícios de servidão por dívld.i m aparecem no final do período dem ótico. E o m esm o período em que as fontes x " Hit* com eçam a falar dessas duas práticas. 19 VerSteeg, Russ. Law in Ancient Egypt, p. 199. Ver Lorton, David. “The Treatment ol Criminals in Ancient Egypt”, pp. 42-4. 20 De certa forma, isso lembra as brechas legais criadas no m undo cristão e no mundo islâmico medievais, cenários em que os juros foram proibidos formalmente; ver, adiiuiii o capítulo 10. 21 Diodoro Siculo, Biblioteca Histórica, 1.79. Ver William L. Westermann (op. cit., pp. so 1) para uma com paração de fontes gregas e egípcias sobre o assunto. 22 A história da dissem inação da dívida com juros está apenas com eçando a sei 1r construída. Ela não aparece ainda em Ebla (c. 2500 a.C.), no Im pério Antigo ou Médio do Egito ou na Civilização Micênica, mas se torna com um no Levante no final da ldad» do Bronze, e tam bém na Anatólia hitita. Com o verem os, ela apareceu tarde na Grét la clássica, e ainda mais tarde em lugares com o Alem anha. 23 Na historiografia chinesa, na verdade, toda essa época é conhecida com o “período feudal”. 24 Nos textos de Guanzi, de Guan Zhong, citado em Schaps, David. “The Invention o| Coinage in Lydia, in India, and in China”, p. 20. 25 Li Yung-Ti (“On the Function o f Cowries in Shang and Western Zhou China”, 200ft) argum entou recentemente que as pessoas não carregavam as conchas, m as nós 11A0 teríam os com o com provar esse fato. François T h ierry (Monnaies de Chine, pp. 39 41)

    556

    simplesmente siipòr nI i i i . < - ,ipn ■.1 confirm a isso depois: “A s m arcas correspondiam às rubricas m odernas em faturas 1 >11 cheques liquidados pelas câm aras de com pensação” (An Introduction to the Study o f Irulhin History, pp. 178-9).

    8 N osso prim eiro registro literário da cunhagem na China é de um reino que reformi mi seu sistema m onetário em 524 a.C. - ou seja, ele já tinha sistema m onetário, e provável mente havia um bom tem po (Li, Xueqin. Eastern Zhou and Qin Civilizations, p. 372).

    558

    9 Schaps, David. "IIn Invi nil........I ( olnugr In l.ydia, in liuliu,and In ( lim .f, p 14 I’.u.i

    um argumento semrllmnir in rntc, vcrSchoenbergcr, Erica. "The Originso( the Market Economy", 2008. 10 É claro que as primeiras moedas foram de denominações altíssimas e muito prova­ velmente usadas mais para pagar taxas e im postos e adquirir casas e gado do que para compras cotidianas (Kraay, Colin M. “Hoards, Small Change and the Origin o f Coinage", 1964; Price, Martin Jessop. “Thoughts on the Beginnings o f Coinage”, 1983; Schaps, David. The Invention o f Coinage and the Monetization o f Ancient Greece, 20 0 4 ; Vickers, Michael J. “Early Greek Coinage, a Reassessment", 1985). Não se pode dizer que existia uma sociedade de mercado real na Grécia com o ocorria no século v a.C.: os cidadãos com uns iam para o mercado carregando minúsculas moedas estampadas, de prata ou de ouro, nas bochechas. 11 Proposta pela prim eira vez por Robert Manuel Cook (“Speculations on the Origins o f Coinage”, 1958), a explicação veio perdendo força em grande medida (Price, Martin Jessop, op. cit.; Kraay, Colin M., op. cit.; Wallace, Robert B. “The O rigin o f Electrum Coinage”, 1987; Schaps, David. The Invention o f Coinage and the Monetization o f Ancient Greece, pp. 96-101; contudo, cf. Ingham, Geoffrey. The Nature o f Money, p. 100) sob o argumento de que os soldados somente poderiam ser pagos com m oedas se já houvesse mercados dispostos a aceitá-las. Para mim trata-se de uma objeção fraca, pois a ausência de m oe­ das não implica a ausência de dinheiro ou de mercados; quase todas as partes envolvidas no debate (ver, por exemplo, Balmuth, Miriam S. “The Monetary Forerunners o f Coinage in Phoenicia and Palestine”, 1967; Idem. “ Remarks on the A ppearance o f the Earliest Coins”, 1971; Idem. “The Critical Moment: the Transition from Currency to Coinage in the Eastern Mediterranean”, 1975; Idem. Hacksilber to Coinage: New Insights into the Monetary History o f the Near East and Greece, 20 0 1), que dizem que as peças irregulares de prata já

    eram de uso am plo com o moeda, e George Le Rider (La naissance de la monnaie: pratiques monétaires de 1'Orient ancien, 2001), Richard Seaford (Money and the Early Greek Mind, pp. 318-

    -37) e ainda David Schaps (The Invention o f Coinage and the Monetization o f Ancient Greece, pp. 222-35), que argum entam que elas não eram num erosas o suficiente para com por uma moeda corrente viável; parecem levar m uito em consideração a possibilidade de que a maior parte das transações com erciais acontecia a crédito. De todo m odo, com o notei anteriormente, seria fácil demais para o Estado garantir que as m oedas se tornassem moeda corrente simplesmente afirm ando que esse seria o único m eio aceitável para o pagamento das obrigações para com o próprio Estado. 12 A m aioria dos banqueiros gregos m ais antigos era de ascendência fenícia, e é bem possível que tenham introduzido na Grécia, pela primeira vez, o conceito de juros (Hud­ son, Michael. “ Did the Phoenicians Introduce the Idea o f Interest to Greece and Italy - And If So, W hen?”, 1992). 13 Elayi, Josette; Elayi, A . G. Trésors de monnaiesphéniciennes et circulation monetaire, 1993. 14 Starr, Chester G. The Economic and Social Growth o f Early Greece, p. 113. Ver Lee, Ian. “Entella: the Silver Coinage o f the Cam panian Mercenaries and the Site o f the Frst Car­ thaginian Mint”, 2000.

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    15 É interessante notar que. |>t'lo que «abrtuoi, as grandes miçiV* com rri lals ndo pio duziram muita arte ou filosofia. 16 Esparta, obviamente, foi a grande exceção, pois se recusou a emitir a própria m< mia mas desenvolveu um sistema em que os aristocratas adotaram um estilo de vida rsii lia mente m ilitar e treinavam permanentemente para a guerra. 17 O próp rio Aristóteles notou essa ligação quando enfatizou que a constituiçSi 1 d»* um Estado grego poderia ser predita pelo principal exército de suas forças armada aristocracias, se baseadas na cavalaria (pois os cavalos eram muito caros); oligarquia*, no caso de infantaria pesada (pois as arm aduras não eram baratas); e democrat in no caso de infantaria leve ou marinha (pois qualquer pessoa podia manusear uma funda 1 hi rem ar um bote). Ver Política, liv. iv, 3.1.289b, 33-4 4,13.1.297b, 16-24; liv. VI, 7.1.321a, (> 11 18 David Keyt (Aristotle: Politics Books v and v i, p. 103) resume Política, liv. v, 1.304b, 1 1 11, 19 Tucídides (História da Guerra do Peloponeso, liv. v i, 97.7) afirm ou que 20 mil esi ravm fugiram das m inas em 421 a.C., o que provavelmente é um exagero, m as a m aior pai t«< das fontes estima que pelo m enos 10 m il deles, em grande parte daquele século, traba lhavam agrilhoados e sob condições atrozes (Robinson, Rachel Sargent. The Size 0/ 1I10 Slave Population at Athens, 1973).

    20 Ingham, Geoffrey. The Nature o f Money, pp. 99-100. 21 M acDonald, James. A Free Nation Deep in Debt, p. 43. 22 Sobre as necessidades monetárias dos exércitos de Alexandre, ver Davies, Glyn, cip cit., pp. 80, 83; sobre uma visão mais geral dessa logística, Engels, Donald W., op. c il. () núm ero 120 m il inclui não só as tropas em si, mas empregados, vivandeiros etc. 23 Green, Peter. Alexander to Actium: The Historical Evolution o f the Hellenistic Age, p. 366, 24 A instituição romana era chamada nexum, e não sabem os exatamente com o ela 11111 cionava: isto é, se era uma form a de contrato de trabalho, em que se liquidava a divida p or um term o fixo, ou algo mais parecido com os sistemas de peonagem africanos, «•111 que o devedor - e seus filhos e filhas - serviam em condições parecidas às de escravi 1« até a redenção. Ver Alain Testart (“The Extent and Significance o f Debt Slavery”, 200 para as possibilidades. Ver tam bém Buckler, W. H. The Origin and History o f Contrai I In Roman Law, 1895; Brunt, P. A . Social Conflicts in the Roman Republic, 1974; Cornell, Tim I lir Beginnings o f Rome, pp. 266-7, 330-2.

    25 Por essa razão, a m aioria das histórias escandalosas que desencadearam revoll .1 ■. contra a servidão p or dívida se centravam em casos dram áticos de violência física 011 sexual; obviamente, uma vez que a servidão por dívida foi abolida e o trabalho familiar com eçou a ser realizado por escravos, esse tipo de violência passou a ser considerado norm al e aceitável. 26 As primeiras moedas de bronze pagas aos soldados parecem ter sido cunhadas por vt ill a de 400 a.C. (Scheidel, Walter. “The Divergent Evolution o f Coinage in Eastern and Westci n Eurasia”, 2006), mas essa é a data tradicional, de acordo com historiadores romanos.

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    17 O que digo cnt rui lu Ima pai ir do«al>rr ai adím lco tradii lonal, talve/, mais In-iti n

    mi

    mido por Moses lln lry quando cm reveque "a classe devedora se rebelou na t íréi In e em koma, mas não noO rienle Próximo" (I t onomy and Society in Ancient Greece, 1981)

    por isso

    reformas com o as de Ncemlas eram no m ínim o temporárias e paliativas. A rebelião do Oriente Próxim o assum iu uma forma diferente; ademais, as soluções gregas e romanas foram mais limitadas e mais temporárias do que se supunha. 28 Ver M arina Ioannatou (Affaires d’argent dans la correspondance de Cicéron, 2006) para um bom exemplo. A conspiração de Catilina em 63 a.C. foi um a aliança de aristocratas endividados e camponeses desesperados. Sobre a contínua dívida republicana e as cam ­ panhas de redistribuição de terra, ver Mitchell, Richard E. “Demands for Land Redistri­ bution and Debt Reduction in the Roman Republic", 1993. 29 Christopher Howgego diz o seguinte: “Se ouvim os pouco sobre a dívida no Princi­ pado pode ser porque a estabilidade política acabou com a oportunidade de m anifes­ tação dos descontentes. Tal argum ento é apoiado pela maneira problem ática com o a dívida ressurge em m om entos de revolta geral” (op. cit., p. 13).

    io Plutarco. Moralia, 828f-83ia. 31 Desnecessário dizer que há uma literatura ampla e antagônica sobre o assunto, mas provavelmente a melhor fonte seja Jairus Banaji. Ele enfatiza que, no final do império, “a dívida era um meio essencial de os empregadores im porem o controle sobre os traba­ lhadores, fragm entando sua solidariedade e ‘personalizando’ as relações entre donos e empregados” (Agrarian Change in Late Antiquity, p. 205), uma situação que, curiosamente, ele com para com a da índia. 32 Kosambi, Dam odar Dharmanand. Ancient India: A History o f its Culture and Civilization, 1966; Sharm a, J. P. Republics in Ancient India, 1968; Misra, Shive Nandan. Ancient Indian Republics, 1976; Altekar, Anant Sadashiv. State and Government in Ancient India, pp. 109-

    -38. Historiadores indianos contem porâneos, que se referem a elas com o gana-sanghas (“assembleias tribais”), tendem a rejeitá-las com o aristocracias de guerreiros apoiadas por populações de hilotas ou escravos, embora, obviamente, as cidades-Estado gregas pudessem ser descritas da mesma maneira. 33 Em outras palavras, pareciam-se mais com Esparta do que com Atenas. Os escravos também eram de propriedade coletiva (Chakravarti, Uma, op. cit., pp. 48-9). Aqui tam ­ bém temos de im aginar até que ponto essa era de fato a regra geral, m as prefiro me ater, quando se trata dessas questões, à opinião predominante na academia. 34 Arthasãstra, 2.12.27. Ver David Schaps (“The Invention o f Coinage in Lydia, in India, and in China”, p. 18) para um com entário com parativo interessante. 35 Thapar, Rom ila. “The Role o f the A rm y in the Exercise o f Power in Ancient India”, p. 34; Dikshitar, V. R. Ramachandra. War in Ancient India, 1948. 36 Também havia im postos, é claro, que costum avam variar de um sexto a um quarto da produção total (Kosambi, Dam odar Dharmanand. An Introduction to the Study o f Indian

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    History, p. 316; Sthujj, Bulblr Y "Ktuitllya 011 1'ublk ( ínoda and Taxatlon”, 1005), mm* 11« im postos também serviam com o uma lorma de p*, facilitar os termos de crédito para camponeses era visto com o uma form a de caridade. 44 De maneira semelhante, os m onges budistas não podem ver um exército, se pude rem evitar (Pacittiya, 48-51). 45 Lewis, M ark Edward. Sanctioned Violence in Early China, 1990. 46 Wilbur, C. Martin. Slavery in China, 1943; Yates, Robin D. S. “Slavery in Early China", 2002 .0 Estado de Qin, durante o Período dos Reinos Combatentes, não só permitia que oficiais do exército fossem escravos alocados por classe, m as tam bém que mercadores, artesãos e os “pobres e ociosos” fossem “confiscados com o escravos” (Lewis, Mark Eil ward, op. cit., pp. 61-2).

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    47 Waller Si heldrl (" I h< I Hvngrnt I volution of Coinage In Eastern and Western In rasia”, 2006; "The M onetary Systems of the Han and Roman Empires", 2007; Rome and China, 2009) considerou amplamente a questão e concluiu que a moeda corrente chinesa

    assumiu uma form a incomum por duas razões principais: 1) a coincidência histórica de Qin (que usava moedas de bronze) ter derrotado Chu (que usava ouro) nas guerras civis, e o conservadorism o subsequente, e 2) a falta de um exército profissional bem pago, que permitiu que o Estado chinês agisse com o a antiga república rom ana, que tam bém se limitou às moedas de bronze para os camponeses conscritos - mas, diferentemente da república romana, a China não era cercada por Estados acostum ados a outras form as de moeda. 48 Até onde sabemos, Pitágoras foi o prim eiro a tom ar o segundo caminho, fundando uma sociedade política secreta que, durante algum tempo, controlou as alavancas do poder político nas cidades gregas do sul da Itália. 49 Hadot, Pierre. Philosophy as a Way o f Life, 1995; Idem. What Is Ancient Philosophy?, 2002. No m undo antigo, o cristianism o era reconhecido com o filosofia sobretudo porque tinha as próprias form as de prática ascética. 50 Sobre a Escola Agrônom a: Graham, Angus Charles. “The Nung-Chia ‘School o f the Tillers’”, 1979; Idem. Studies in Chinese Philosophy and Philosophical Literature, pp. 67-110. Ela parece ter surgido m ais ou m enos na m esm a época que M ozi, fundador do m oísm o (aproximadamente 470 a.C-391 a.C.). Os agrônom os acabaram desaparecendo, deixando para trás uma série de tratados sobre tecnologia agrícola, m as exerceram uma influência enorm e sobre o taoism o em seus prim órdios - que, p or sua vez, se tornou a filosofia predileta dos cam poneses rebeldes nos séculos por vir, com eçando com a Rebelião do Turbante Amarelo em 184 d.C. Por fim, o taoismo foi suplantado por formas messiânicas de budism o com o ideologia predileta dos camponeses rebeldes. 51 W ei-Ming, Tu. “ Structure and Function o f the Confucian Intellectual in A ncient China”, 1986; Graham , A ngus Charles. Disputers o f the Too, 1989; Schwartz, Benjamin I. The World o f Thought in Ancient China, 1985.

    52 Conta a lenda que depois que um matemático pitagórico descobriu a existência dos números irracionais, outros membros do grupo o levaram para um cruzeiro e o jogaram no mar. Para uma extensa discussão da relação dos primórdios do pitagorismo (530 a.C.-400 a.C.) com o advento de um a econom ia m onetizada, ver Seaford, Richard. Money and the Early Greek Mind, pp. 266-75.

    53 Pelo m enos se m inha experiência em M adagascar for significativa o bastante para nos servir de base. 54 A guerra é bem semelhante: nela tam bém é possível im aginar que todos estão em um jogo em que as regras e os riscos são surpreendentemente transparentes. A principal diferença é que, na guerra, ninguém se im porta com os colegas soldados. Sobre a origem da nossa noção de “interesse próprio”, ver o capítulo 11.

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    ss N ão confundir com o term o conlut lonUtu li, que slgnlln a "ritual" ou "d lq u e ta 1 Posteriormente, li tornou-se a palavra usada para "Interesse"

    ou seja, nãos«') "tuteiem

    próprio”, m as também "pagamento de interesses", no sentido de juros (ver Cart ler, Ml chel. “ Dette et propriété en Chine”, pp. 26-7). Devo dizer que meu argum ento aqui I>')ji ao convencional. Benjamin I. Schwartz (The World ofThought ín Ancienl China, pp. 141 mi afirm a que, em Confúcio, “lucro” tem significado puramente pejorativo, e argumenta que M ozi interpretou a palavra de maneira subversiva. Acho improvável que Confm represente o pensamento convencional da época; em bora seus escritos sejam os mal« antigos a que tem os acesso sobre o assunto, sua p osição continuou sendo m arginal durante séculos depois de sua m orte. Assum o, ao contrário, que a tradição legalist ,1 |ã refletia sabedoria com um antes de Confúcio - ou, seguramente, Mêncio. 56 Zhan Guo Ce (“Estratégias dos Reinos Combatentes”), 109,7.175. 57 Annals o f Lü Buwei, 8/5.4. 58 Ver Roger Am es (The Art o f Rulership, 1994) para uma discussão dos principais ternu H| si li (interesse próprio), shi (vantagem estratégica) e li min (lucro público).

    59 Book o f Lord Shang, 947-8: ver Duyvendak, Jan Julius Lodewijk, op. cit., p. 65. 60 Tradução de Dam odar Dharm anand Kosambi (The Culture and Civilisation o f Aiii Irtll índia, p. 142); a Encyclopedia Britannica prefere “guia do lucro” (no verbete “Cãrvãka”, A n. 46. Ver Plcard, O llvln "I .«

    ‘fiduciarité’ des monnaics métalllqur* rn ( ir è ir”, IU75: Wallace, Robert H.,op. cit.; I liii 1 li W illiam Vernon (org.), "Introduction”, The Monetary Systems ofthe Greeks and Roman y p 10. A moeda puramente “fiduciária", é claro, é o que os mcialistas chamariam dc morda “sim bólica” ou “privada”, ou os keynesianos chamariam de "dinheiro cartalista”. Apr«ai dos argumentos de Moses Finley em contrário (Ancient Slavery and Modem Ideology, pp i|i 196), praticamente todo o dinheiro antigo era fiduciário até certo ponto. É fácil pcrt < 1 por que as moedas circulavam originalmente a um valor nominal mais alto que seu pr«n em ouro ou prata, pois o preço desses metais tendia a flutuar, mas no mom ento em qut o valor nom inal da moeda de metal passasse a ser mais baixo que o material de que n a feita, não haveria mais razão para não derretê-la. 75 No caso de Estados muito grandes, com o o Império Rom ano ou o Máuria, a inllat,A< < p or fim surgiu, mas os plenos efeitos só foram sentidos pelo menos um século dcpt >1« Para boas discussões a respeito da situação romana, ver Ingham, Geoffrey. The Nulim ofM oney, pp. 101-4; Kessler, David; Temin, Peter. “M oney and Prices in the Early Roman

    Empire”, 2008; Harris, W illiam Vernon (org.). “The Nature o f Roman M oney”, 2ooHh 76 Seaford, Richard. Money and the Early Greek Mind, pp. 138-9. 77 Nesse ponto me inspiro parcialmente nos argumentos de Mareei Mauss sobre o com clli 1 de substância (Allen, N. J. “The Category o f Substance: a Maussian Theme Revisited”, mH) 78 Por essa razão, com o verem os, a posição de Aristóteles de que uma moeda era apr nas uma convenção social (Ética a Nicômaco, 1.133a, 29-31) continuou uma visão da mim 1 ria no m undo antigo. Ela só se tornou predominante depois, na Idade Média. 79 Ele é conhecido com o Payasi nas escrituras budistas e com o Paesi nos escritos jainl« tas. Para os materialistas indianos antigos, ver Bronkhorst, Johannes. Greater Magadhii Studies in the Culture o f Early índia, pp. 143-59. Para a escola materialista posterior, à qual >r

    diz ter pertencido Kautilya, ver Chattopadhyaya, Debiprasad. Carvaka/Lokayata, 1994. Kai I Jaspers (Way to Wisdom, p. 135), ao escrever sobre a índia, fala do surgimento de todas tendências filosóficas, incluindo o ceticismo e o m aterialismo, a sofística e o niilismo” - um a lista im portante, pois obviam ente não se trata da lista de “todas” as tendência« filosóficas, mas apenas das mais materialistas. 80 Em Platão (A República, op. cit.) essa tentativa é rejeitada de imediato. Na índia, como argumentei, a tradição hindu só parece abarcá-la. Os budistas, jainistas e outras filosofia i antagônicas não utilizam o termo. 81 Fílon de Alexandria, que escreveu na época de Cristo, diz sobre os essênios; “Nem um escravo sequer é encontrado entre eles, pois que todos são livres, trocam serviço« uns com os outros e denunciam os donos de escravos, não apenas pela injustiça dr ultrajar a lei da igualdade, m as tam bém p o r sua im piedade em anular o estatuto da natureza” (Fílon de A k xan d ria, Quod omnisprobus libersit, 79). Os Therapeutae, outro gru p o tam bém form ado por judeus, rejeitavam todas as form as de propriedade, mas viam a escravidão “com o uma coisa absoluta e totalmente contrária à natureza, pois u

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    natureza crlaru todo« ns humens livres” (Idcm. De vita contemplativa, 70). A semelhança com as ideias juridli as ri ununti* (• notável. Má boa docum entação a respeito dos grupos judeus, o que é incomtim; se selt.is semelhantes existiram, por exemplo, naTrácia ou na Numídia, provavelmente nào saberíamos. 82 Posteriormente diz a lenda que seu pai era um rei e que ele crescera em um palácio, mas o cargo de "rei” Sakya na época era na verdade eletivo e rotativo (Kosambi, Damodar Dharmanand. The Culture and Civilisation o f Ancient índia in Historical Outline, p. 96).

    1 0 . ID A D E M ÉD IA ( 6 0 0 D .C .-I45O D.C.)

    1 A s m oedas produzidas pelos Estados bárbaros sucessores geralm ente não tinham grande quantidade de ouro ou de prata; com o resultado, tendiam a circular apenas no principado do rei ou barão que as emitia e eram predom inantem ente inúteis para o comércio. 2 Pierre Dockés (op. cit., pp. 62-70) dá uma visão geral da situação - de maneira literal, uma vez que o entendimento com um da extensão dos Estados escravistas romanos na França é baseado em grande parte na aerofotografia. Com o tempo, m esm o as com u­ nidades livres atingiam a servidão por dívida de um ou outro tipo, ou presas às terras como servos (em latim, coloni). 3 Como vimos, Dam odar Kosambi considerava Mágada o ponto alto da m onetização. Ram Sharan Sharma (Early Medieval Indian Society, pp. 119-62) argumenta que a cunhagem continuou sendo lugar-com um sob o dom ínio do Im pério Gupta (280 d .C -550 d.C.), mas depois desapareceu quase completamente. No entanto, m esm o que ele esteja cor­ reto quando diz que a quantidade de m oedas em circulação não diminuíra até aquela época, ele m esm o afirma que a população total das Grandes Planícies quase triplicou nesse período (Idem, p. 143). Portanto, este seria o m arco de um declínio uniforme. 4 Para um a visão geral; Sharm a, Ram Sharan. “U sury in Medieval índia”, 1965; Kane, Pandurang Vaman, op. cit., pp. 411-61, Chatterjee, Heramba. The Law o f Debt in Ancient índia, 1971. Especialmente, Gregory Schopen ("Doing Business for the Lord”, 1994) enfa­

    tiza que as técnicas ficaram mais sofisticadas no decorrer da Idade Média, por exemplo, desenvolvendo recursos de escrituração contábil para com binar juros com postos com pagamentos parciais. 5 Documentos sobre a regulamentação de questões m onásticas dão muita atenção aos detalhes: com o o dinheiro seria emprestado; com o os contratos seriam assinados, se­ lados e guardados no tem plo diante de testemunhas; com o deveria ser faturada uma garantia ou fiança duas vezes m aior que o empréstimo; com o "irm ãos laicos devotos” deveriam ser nom eados para cuidar do investim ento etc. (Schopen, Gregory. “Doing Business for the Lord”, 1994). 6 Do árabe dinar, que, p or sua vez, deriva do rom ano denarius. N ão sabem os se essas quantias eram pagas em moedas nessa época: um antigo manual monástico, ao falar de

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    objetos que poderiam sei relegado« ao« lesoiinm Inesgotáveis, e assim disponibiliza dos a juros, menciona "ouro e pram, se)u nu lorma de moedas, ac abadas ou brutas, em grandes ou pequenas quantidades, puras ou ligadas, ou na forma de utensílios, ai abado» ou inacabados” (Mahàsãmghika Vinaya, citado em Gernet, Jacques. Buddhism in < hliif» Society, p. 165).

    7 Fleet, John Faithful. Inscriptions o f the Early Gupta Kings, pp. 260-2, com o tradu/idi >em Schopen, Gregory. “Doing Business for the Lord”, pp. 532-3. Desnecessário observai ,1 ironia da ênfase na eternidade no budism o, uma religião fundada no reconhecimento da im perm anência de todos os vínculos mundanos. 8 Os empréstimos comerciais estão documentados em uma inscrição no m osteiro cm Karla (Lévi, Sylvain. Linde civilisatrice, p. 145; Gernet, Jacques. Buddhism in Chinese .Six Irty, p. 164; Bareau, André. “Indian and Ancient Chinese Buddhism ”, pp. 444-7), e as assem bleias em templos tâmeis posteriores (Ayyar, P. V. “Jagadisa”, pp. 40-68; Sharm a, Hum Sharan. “Usury in Medieval India”, 1965). Não se sabe se alguns desses empréstimos n .11 n comerciais ou mais parecidos com o costume budista posterior da jisa, ainda comtm 1 in 1 Tibete, no Butão e na Mongólia, em que um indivíduo - coletivo ou grupo de famílias , disposto a apoiar uma cerim ônia específica ou, digam os, um projeto educacional, « Htulras devem ser reduzidos à escravidão, seja pela compra ou nâo, porque foram i rlados por Deus para servir aos outros” (Vijnaneshwara, Yãjnavalkya Smrti, K.v4h).

    15 Kautilya permitia 60% para empréstimos comerciais, 120% para “empreendimentos que envolvem jornadas pelas florestas”, e o dobro para jornadas que envolvem o trans­ porte m arítim o de produtos (Kautilya, Arthasãstra, 3.11). Um código posterior (Vijna­ neshwara, Yãjnavalkya Smrti, 2.38) segue essa mesma linha. 16 Vijnaneshwara, Yãjnavalkya Smrti, 2.37; Manu, Manusmrti, 8.143; Vishnu, Vishnusmriti,

    5.6.2. Ver Kane, Pandurang Vaman, op. cit., p. 421. 17 Sharm a, Ram Sharan. “U sury in Medieval Índia”, p. 68. De maneira similar, os pri­ meiros códigos de leis especificavam que qualquer pessoa inadimplente no pagamento de uma dívida renasceria com o escravo ou animal dom éstico na casa do credor. Um texto budista chinês posterior foi ainda mais exato, especificando que para cada oito wen devidos deve-se passar um dia com o boi, ou, para cada sete wen devidos, um dia com o cavalo (Zhuang Chun citado em Xinwei Peng, op. cit., p. 244ni7). 18 Dumont, Louis. Homo Hierarchicus: Essai sur le système des castes, 1966. 19 Gyan Prakash (Bonded Histories: Genealogies o f Labor Servitude in Colonial India, p. 184) defende este raciocínio para o período colonial: quando as antigas hierarquias de casta com eçaram a ser tratadas com o questões de servidão por dívida, os subordinados se transformaram em pessoas com direitos iguais, que haviam sido temporariamente “sus­ pensos”. 20 Para dizer a verdade, podem os argum entar que é possível que cam poneses endi­ vidados tam bém estejam no com ando de mais recursos, e assim são mais capazes de organizar uma rebelião. Sabem os m uito pouco sobre insurreições populares na índia medieval, mas a quantidade de revoltas parece ter sido relativamente baixa em com pa­ ração com a China, onde o clima de rebelião era quase incessante. No entanto, sobre a índia, ver Guha, Ranjanit. Elementary Aspects o f Peasant Insurgency in Colonial India, 1999; Palat, Ravi Arvind. “ Popular Revolts and the State in Medieval South India”, 1986; Idem. From World-Empire to World-Economy, pp. 205-15; Kosambi, D am odar Dharm anand. An Introduction to the Study o f Indian History, pp. 392-3.

    21 “Ninguém sabe quantas rebeliões aconteceram na história chinesa. Os registros ofi­ ciais m ostram que houve m ilhares de incidentes em apenas três anos, de 613 d.C. a 615 d.C., provavelmente mil ao ano (Zheng, Wei et alii. “Report o f the Imperial Historians”, 636 d.C.). Segundo James Bunyan Parsons f The Peasant Rebellions o f the Late M ing Dynasty, 1970), durante o período 1629-44, houve nada mais, nada menos que 234.185 insurreições na China, uma média de 43 ao dia, ou 1,8 rebelião por hora (Deng, Gang. The Premodern Chinese Economy, p. 220).

    22 Seguindo a interpretação de Deng, Gang, op. cit. 23 Huang, Ray. Broadening the Horizons o f Chinese History, p. 231.

    569

    24 Esses empréstimos parei em tri sido iiiim cxicnuAoilu lógica dos arm azéns

    cniuImU

    que estocavam alimentos; alguns seriam vendidos cm momentos estratégicos para mun ter os preços baixos, outros seriam distribuídos gratuitamente em m omentos de penu ria, e ainda outros seriam emprestados a juros baixos com o alternativa aos usurário», 25 Huang, Ray. Broadening the Horizons o f Chinese History, 1999; Xu, Zhuoyun; Dull, |.u k L. Han Agriculture, pp. 22-4. Para suas com plexas reform as da moeda corrente: I'nttf, Xinwei, op. cit., pp. 111-4. 26 De m odo geral, as taxas de juros foram fixadas a no m áxim o 20%, e os juros coot postos foram proibidos. A s autoridades chinesas adotaram também o princípio indíai 111 de que os ju ros não podiam exceder o principal (Cartier, Michel, op. cit., p. 28; Yung, Lien-sheng, op. cit., pp. 92-103). 27 Braudel, Fernand. Civilisation matérielle, économie et capitalisme, 1979; Wallerstein, Im manuel. “Braudel on Capitalism, or Everything Upside D ow n”, 1991; Idem. The End / the World as We Know It, 2001.

    28 Sigo aqui principalmente a obra de Roy Bin Wong (China Transformed: Historical ( han\r and the Limits o f European Experience, 1997; “Between Nation and World: Braudelian Region*

    in A sia”, 2003). Ver tam bém Eric Mielants (“Europe and China Com pared”, 2002; I hr Origins o f Capitalism and the “Rise o f the West”, 2007). Decerto a maioria dos braudeliant 11

    considera apenas as dinastias posteriores, com o Ming, com o personificação plena deste princípio, mas acredito que ele pode ser projetado para o passado. 29 Enquanto os m ercados em si eram considerados benéficos, o governo também intervinha sistematicamente para evitar flutuações de preço, estocando m ercadorias quando eram baratas e pondo-as em circulação quando o preço subia. Houve period« •» na história da China em que os governantes conjugavam esforços com os comerciante v mas o resultado costumava ser uma grande revolta popular (Deng, Gang, op. cit., p. 140); 30 Ver Kenneth Pomeranz (The Great Divergence: China, Europe, and the Making o f the Modern World Economy, 1998) e Jack A. Goldstone (“Efflorescences and Economic Growth in World

    History", 2002) para uma introdução à vasta literatura sobre os padrões comparativo« de vida. A índia também caminhou muito bem durante grande parte de sua história. 31 Ziircher, Erik. The Buddhist Conquest o f China, p. 282. 32 Gernet, Jacques. Buddhism in Chinese Society, pp. 241-2; pará a discussão subsequente, ver Gernet, Jacques. “Les suicides par le feu”, i960; Jan, Yiin-hua. “Buddhist Self-Immo lation in Medieval China”, 1965; Kieschnick, John. The Eminent Monk, 1997; Benn, jam ei A. “Where Text Meets Flesh”, 1998; Idem. Burning fo r the Buddha, 2007. 33 Tsan-ning (919 d .C .-ioo i d.C.), citado em Jan, Yiin-hua, op. cit., p. 263. Outros re correram à história dos bodisatvas e reis pios que ofereciam o próprio corpo, como o rei que, em mom ento de penúria, se matou para que seu corpo se transformasse em um a m ontanha de carne, com m ilhares de cabeças, olhos, lábios, dentes e línguas, que durante 10 mil anos só fez crescer, não im portava quanto daquela m ontanha os seres

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    humanos c os animal« ltinril««cm (Hcnn, James A. Burning fo r the Buddha, pp. 95. 108; d . Ohnuma, Relko. Head. I yr\, Flrdi, and Hlood, 2007). ■», criados pelos franciscanos na Itália no século xv. Xinwei Peng (op. cit., p. 245) lambem destaca o m esm o paralelo. 41 Gernet, Jacques. Buddhism in Chinese Society, pp. 142-86; Ch’en, Kenneth. Buddhlsm In China, pp. 262-5: Collins, Randall. Weberian Social Theory, pp. 66-71; Peng, Xinwei, op, t li

    pp. 243-5. Parece que os mosteiros taoistas, que também se multiplicaram nesse pet 11 hI< ■ proibiram os empréstimos (Kohn, Livia. M onasticLife in Medieval Daoism, p. 76), talvc/ nu parte para m arcar uma distinção. 42 Jacques Gernet (Buddhism in Chinese Society, p. 228) escreve sobre isso de form a mr morável: “Os doadores dos Tesouros Inesgotáveis eram acionistas, não no domínio n o nôm ico, m as no dom ínio da religião”. Pelo que sei, o único estudioso contempor.lnco que defendeu plenamente a premissa de que na verdade essa era uma form a primil iv.i de capitalismo é Randall Collins (Weberian Social Theory, 1986), que vê um capitalismo mo nástico semelhante também na Europa da Baixa Idade Média. A historiografia chinc.ii reconhecida tendia a localizar as prim eiras “sementes do capitalism o" algum tempo depois, na dinastia Song, que foi m uito m enos hostil para os m ercadores que o u trii dinastias, seguidas da adoção completa do mercado - mas firme rejeição do capitalisim 1 - nas dinastias Ming e Qing. A principal questão é a organização do trabalho, e na ép< h tt da dinastia Tang ela continua um tanto obscura, pois m esm o que houvesse estatísi li .1 ■, disponíveis, o que não é o caso, seria difícil saber o que de fato os termos “servo", "ri cravo” e “trabalho assalariado” significavam na prática. 43 Ver Jacques Gernet (Buddhism in Chinese Society, pp. 116-39) e Kenneth Ch’en (op. t il. pp. 269-71) para reivindicação de terras e escravos m onásticos. 44 “Afirm a-se que o propósito dessa generosidade é aliviar os pobres e órfãos, quand. 1 na verdade não passa de excesso e fraude. N ão se trata de um negócio legítim o." Vri Gernet, Jacques. Buddhism in Chinese Society, pp. 104-5, 211. 45 Idem, p. 22. 46 Ver Adamek, Wendi L. “The Impossibility ofthe Given”, 2005; Walsh, Michael J. "Tl ie Economics o f Salvation”, 2007. 47 E provavelmente por isso que abstrações com o Verdade, Justiça e Liberdade cosi 11 mam ser representadas por figuras femininas. 48 Marco Polo observou a prática na província meridional de Yunnan, no século xm : "I quando negociam uns com os outros, usam um pedaço redondo ou quadrado de gravcio e partem -no em doisfeada pessoa fica com a metade. Mas, antes de o partirem, fazem dois ou três entalhes, ou tantos quantos quiserem . A ssim , quando um vier pagar tio outro, dá-se o dinheiro em troca da outra metade de graveto” (Benedetto, Luigi Foscoli 1

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    IheTravels ofM arm hilti, j< hm) Vh lambém Yang, Lien shrug, op. cit., p. 92; Kun, 1.10, op .cit.; Peng, Xlnwri. op t It ,pp. 120, n o , 508; Trombcrt, Eric. Le credit à Dunhuang, pp. 12-5. Talhas des.se tipo pureiem, segundo Kan, ter precedido a escrita; e diz uma lenda que o m esm o homem, ministro de Huang Di, o Imperador Amarelo, inventou sim ulta­ neamente a escrita e os contratos de talha (Trombert, Eric, op. cit., p. 13). 49 Graham, A ngus Charles. The Book ofLieh-Tzu, p. 179. 50 Na verdade, essa semelhança foi observada também na Antiguidade: Laozi (Daodejing, 27) fala daqueles que podem “contar sem uma talha, segurar uma porta sem fecha­

    dura”. De form a memorável, ele também afirmou que, “quando os sábios guardam a ta­ lha como penhor, eles não pressionam os devedores por suas dívidas. Homens virtuosos se prendem às talhas; homens sem virtude reclamam a dívida” (Idem, 79). 51 Ou, poderíam os dizer, transform ando-as, com o estalo da madeira se quebrando, de dívidas m onetárias em dívidas m orais, pois o sim ples fato de saberm os a história significa que, no fim, ele foi recompensado (Peng, Xinwei, op. cit., p. 100). Talvez valha ressaltar que a palavra fu , que significa “talha”, também podia significar “presságio aus­ picioso concedido a um príncipe com o sinal de sua convocação pelos Céus” (Mathews, Robert Henry. Mathews' Chinese-English Dictionary, p. 283). De maneira semelhante, Peng nota uma passagem de Z/tan Guo Ce (“ Estratégias dos Reinos Combatentes") sobre um soberano que tenta obter apoio popular: “Feng corre até Bi, onde os fiscais haviam reu­ nido todos os endividados, para que suas talhas fossem correlacionadas às suas. Depois de com paradas, Feng proclam ou a falsa ordem de perdoar as dívidas e queimou as ta­ lhas. Todos aplaudiram” (Peng, Xinwei, op. cit., p. 100 n9). Para paralelos tibetanos, ver Uebach, Helg. “From Red Tally to Yellow Paper”, 2008. 52 Algo semelhante acontecia na Inglaterra, onde os primeiros contratos eram divididos em dois, em uma im itação das antigas talhas: a expressão indentured servant [“servo por contrato”] deriva dessa prática, pois se trata de trabalhadores contratados; a palavra deriva de indentation, reentrâncias ou sulcos na talha usada com o contrato (Blackstone, sir William. Commentaries on the Laws o f England, v. 1, p. 218). 53 Yang, Lien-sheng, op. cit., p. 52; Peng, Xinwei, op. cit., pp. 329-31. Xinwei Peng, com grande discernimento, observa que “esse método de unir talhas para retirar dinheiro na verdade foi uma consequência do processo usado no em préstim o de dinheiro, exceto que a circulação dos empréstimos no tempo foi transformada em circulação no espaço” (op. cit., p. 330). 54 Os bancos eram cham ados “lojas de depósito”, e Lien-sheng Yang (op. cit., pp. 78-80) os chama de “protobancos”. Xinwei Peng (op. cit., pp. 323-7) observa que algo nessa linha já estava em funcionamento, pelo menos para mercadores e viajantes, na dinastia Tang, m as o governo exercia controles estritos que proibiam banqueiros de reinvestir o dinheiro. 55 A prática com eçou em Sichuan, que tinha sua form a peculiar de dinheiro em ferro, e não em bronze, e portanto de m anuseio muito mais difícil.

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    56 IVug. Xmwci, op. tit., p. soH (vcr lambéin pp. m i , Hm ). Tudo sc parocc bastante m m o dinheiro sim bólico que circulava cm grande parte il.i liuropa na Idade Media, 57 Em bora Xinwei Peng (op. cit.) afirm e algo parecido, o expoente académ ico mal« im portante dessa visão é Richard von Glahn ("Myth and Reality o f China's Sevcnierni h Century M onetary Crisis”, 1996b), que parece ser a predominante entre os economlM ii« conhecidos e não conhecidos. 58 Diagrama de James MacDonald, op. cit., p. 65. 59 Uma das imagens mais lembradas para falar do governo dos legalistas, sob a odiada Primeira Dinastia, é que eles construíram grandes caldeirões de latão, nos quais cad.i lei era explicada pública e claramente, e depois eles eram usados para ferver criminosos vivi 1« 60 Ver Bulliet, Richard W. Conversion to Islam in the Medieval Period, 1979. Ver também lia Lapidus (A History o f Islamic Societies, pp. 141-6) sobre o processo de conversão. Richanl W. Bulliet enfatiza (op. cit., p. 129) que o principal efeito da conversão em massa era í.i/ri com que a aparente justificativa do governo, com o protetor e difusor da fé, parcccMr cada vez mais insignificante. O apoio popular aos califas e líderes políticos reaparn eu em alguns períodos, com o as cruzadas ou durante a reconquista na Espanha, quando n próprio Islã parecia estar na m ira dos ataques. Por razões semelhantes, o m esm o acon tece em grande parte do m undo islâmico atual. 61 “Na m aior parte das vezes, os círculos inferiores pagavam tributos altíssimos e cuíd.i vam de si próprios. De maneira semelhante, o governo recebia os tributos, dava alguma segurança e se ocupava com questões de seu interesse: guerra externa, patronagem d< •« estudos e das artes, uma vida de luxuosa ostentação” (Pearson, Michael N. “Premodci n Muslim Political System s”, p. 54). 62 O provérbio, atribuído ao próprio Profeta, aparece em Abu A m id al-Ghazali (7In Kitab a l-‘Ilm, 284), seguido de um a longa lista de declarações semelhantes: “Sa’id Hm

    Musaiyab disse: ‘Quando vires um sábio religioso prestando visita a um príncipe, evila r das de metal fossem ainda mais com uns nas transações cotidianas. 73 Aparentem ente, no entanto, às vezes os governos pagavam salários com cheque* (Tag El-Din, Saif I. “Capital and Money Markets o f M uslim s”, p. 69). N ão estou, de modi 1 nenhum, m enosprezando aqui o papel do governo: houve, por exemplo, tentativas tli' fundar bancos centrais, e decerto um com prom etim ento, em princípio, de que o go verno devia im por padrões e regras comerciais. Entretanto, parece que isso dificilmente acontecia na prática. 74 Udovitch, Abraham L. Partnership and Profit in Medieval Islam, pp. 71-4. 75 M uham m ad al-Sarakhsi (?-no6) citado em Udovitch, Abraham L. “Reflections on the Institutions o f Credit and Banking in the Medieval Islamic Near East”, p. 11, que tern uma boa discussão sobre as questões envolvidas. Ver tam bém Ray, Nicholas Dylan, op cit., pp. 59-60. 76 Talvez tam bém interesse aos estudantes de Pierre Bourdieu o fato de ele ter defen dido um fam oso argumento, baseado em estudo da sociedade cabila na Argélia, de que a honra dos homens em um a sociedade desse tipo é uma form a de “capital simbólico", análoga ao capital econôm ico, porém mais im portante que ele, pois é possível trans form ar horror em dinheiro, m as não o contrário (Bourdieu, Pierre. Outline o f a Theory of Practice, 1977; Idem. The Logic o f Practice, 1990). Não, o texto não diz exatamente isso, m.i s

    podem os im aginar até que ponto essa poderia ser um a conclusão de Bourdieu e com que simplicidade ela reflete o senso com um de seus informantes. 77 Sigo aqui Kirti N. Chaudhuri (Trade and Civilization in the Indian Ocean, p. 197). A ex pansão do Islã foi liderada tanto por irmandades sufistas com o por legalistas; muito*

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    mercadores ui umuluvmn uiim »!.1 os expulsa do templo dizendo: ‘Não fazeis da casa de meu Pai um covil de ladrões'" (vrt Langholm, Odd. “The Medieval Schoolm en”, p. 454). 110 Sobre a tradição judaica concernente à usura, ver Stein, Siegfried. “Laws o f Intet 1 it in the Old Testament”, 1953: Idem. “The Development o f the Jewish Law o f Interest from the Biblical Period to the Expulsion o f the Jew s from England”, 1955; Kirschenbamn Aaron. “Jewish and Christian Theories o f Usury in the Middle A ges”, 1985. 111 Poliakov, Léon. Jewish Bankers and the Holy See, p. 21. 112 Benjamin Nelson (op. cit.) parte do pressuposto de que a “Exceção” muitas vezes ve aplicava a relações entre cristãos e judeus, mas John T. Noonan (The Scholastic Analysis 0/ Usury, pp. 101-2) insiste que ela se aplicava apenas a “hereges e infiéis, principalmente o»

    sarracenos”, e, em alguns casos, nem a eles. 113 Até 52% com garantia, até 120% sem garantia (Homer, Sydney. A History o f InterMl Rates, p. 91). 114 A s prisões exclusivas para devedores existiram na Inglaterra som ente depois de 1263, mas a detenção de devedores tem uma história muito mais longa. Antes de tudo, 11« emprestadores judeus parecem ter se dedicado à transform ação do dinheiro de crédito em cunhagem, coletando a prata da família de devedores inadimplentes e levando-a pat a Casas da Moeda. Eles tam bém ganhavam o direito sobre grande parte da propriedade de um devedor inadimplente, e a m aior porção dela ia parar nas m ãos de barões ou de m osteiros (Singer, Sholom A. “The Expulsion o f the Jew s from England”, 1964; Bowel i. Richard H. “ From Rolls to R iches”, 1983; Schofield, Phillipp R.; Mayhew, N. J. (o rg s) Credit and Debt in Medieval England, 2002).

    115 Roger de Wendover, Flowers o f History, 1849. Roger não nomeia a vítima; em versõe* posteriores, seu nome é Abraão; em outras, Isaac. 116 Matthew Prior (1664-1721), citado em Bolles, John Augustus. A Treatise on Usury Laws, p. 13.

    580

    Usury aiiif

    117

    Ou ainda, ullA*.

    la m .iii.n

    «Ir Nlrl/.xchc sobro a origem «la justiça na mutilação.

    Enquanto o primeiro n u uma projeção em judeus de atrocidades de fato com etidas contra os judeus, Nlri/s« lie cs« revia em uma época em que os verdadeiros “selvagens" «>stumavam ser punidos com torturas e mutilações semelhantes por não pagarem suas dívidas às entidades fiscais coloniais, com o atesta o notório escândalo no Congo Belga, de Leopoldo II. 118 Mundill, Robin R. England’s Jewish Solution, 2 0 0 2 ; Brand, Paul. “The Jewish Com m u­ nity o f England in the Records o f the English Royal Governm ent”, 2003. 119 Cohn, Norman. The Pursuit o f the Millennium, p. 80. 120 Peter Cantor (Petrus Cantor, ?-ii97), citado em Nelson, Benjamin, op. cit., pp. 10-1. 121 Uma firma de Cahors recebeu a propriedade dos judeus ingleses quando estes foram expulsos em 1920. No entanto, durante muito tempo lombardos e cahorsianos depende­ ram de favores reais e raramente ocupavam posição melhor que a dos judeus. Na França, os reis pareciam expropriar e expulsar judeus e lom bardos alternadamente (Poliakov, Léon, op. cit., p. 42). 122 Noonan, John T., op. cit., pp. 18-9; Le Goff, Jacques, op. cit., pp. 23-7. 123 “Com o dissemos antes, essa arte se desdobra em duas, e um de seus ram os é de na­ tureza comercial, enquanto o outro pertence à econom ia doméstica; este último ramo é necessário e louvável, enquanto o ram o ligado à permuta é jtistamente censurado (ele não é conform e à natureza, e nele alguns hom ens ganham à custa de outros). Sendo assim, a usura é detestada com muita razão, pois seu ganho vem do próprio dinheiro, e não daquilo que levou à sua invenção. Efetivamente, o objetivo original do dinheiro foi facilitar a permuta, mas os juros aumentam a quantidade do próprio dinheiro (esta é a verdadeira origem da palavra [tofeos]: a prole se assemelha aos progenitores, e os juros são dinheiro nascido de dinheiro); logo, essa form a de ganhar dinheiro é de todas a mais contrária à natureza” (Aristóteles. Política, liv. 1 ,1.258b). A Ética a Nicômaco (1.121b) é igualmente condenatória. Para uma excelente análise geral da tradição aristotélica sobre a usura, ver Langholm, Odd. The Aristotelian Analysis o f Usury, 1984. 124 Noonan, John T., op. cit., pp. 105-12; Langholm, Odd. The Aristotelian Analysis o f Usury, p. 50. 125 O termo técnico para a renda perdida é lucrum cessans [lucros cessantes]; ver O’Brien, George. An Essay on Medieval Economic Teaching, pp. 107-10; Noonan, John T., op. cit., pp. 114-28; Langholm , Odd. Economics in the Medieval Schools, pp. 60-1; Idem. The Legacy o f Scholasticism in Economic Thought, p. 75; Spufford, Peter, op. cit., p. 260.

    126 Como os mercadores germânicos também fizeram nas cidades bálticas da aliança hanseática. Sobre o banco dos Médici como exemplo, ver De Roover, Raymond. “The Mediei Bank”, 1946; Idem. The Rise and Decline o f the Mediei Bank, 1963; Parks, Tim. Mediei Money, 2005. 127 A situação em Veneza, pioneira nessas questões, é marcante: não havia guilda de mercado, mas guildas de ofícios, um a vez que as guildas eram criadas essencialmente

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    com o proteção contra o jjoverno r, rin Vtnrza, os mere adores rrimi o governo (Miti Kenney, Richard. Tradesmen and leaders, 1087; Mauro, Frederic . "Merchant ( om m im llu *", pp. 259-60). 128 Eles foram acusados de heresia e sodomia. Ver Barber, Malcolm. The Thai / f/i< Inn plars, 1978.

    129 Não se pode “provar” a inspiração islâmica para as letras de câmbio europeias, nun considerando a abrangência do com ércio entre os dois lados do Mediterrâneo, nc^.i In seria bizarro. Fernand Braudel (The Mediterranean and the Mediterranean World, v. 2, pp. Sift -17) propõe que a ideia deve ter chegado à Europa pelos mercadores judeus, que, pelo |•

    542-6; Denzel, Markus A. “The European Bill o f Exchange”, 2006. Havia muitas moeda* correntes, e cada uma delas poderia, a qualquer momento, ser “enaltecida”, “depreclmlit" ou ter flutuação de valor. A s letras de câm bio tam bém perm itiam que os mercadine* se envolvessem efetivamente na especulação financeira, que até contornassem as Irh da usura, pois se tornara possível pagar uma letra de câm bio emitindo outra letra 1I1 câmbio, com data para m uitos m eses depois, por um a quantia um pouco maior. I v.,i prática era cham ada dry exchange [câm bio seco] (De Roover, Raym ond. “W hat is I >1 v Exchange?”, 1994) e, com o tem po, a Igreja se tornou ainda mais cética, gerando nnit* uma onda de criatividade financeira para contornar as leis da usura. Vale notar que a 1.1 * de juros nesses empréstimos comerciais era geralmente muito baixa: 12% no máximt >, em contraste radical com os em préstim os aos consum idores. Trata-se de um sinal 1I11 risco cada vez menor dessas transações. Ver Homer, Sydney, op. cit., para uma história das taxas de juros. 131 Lane, Frederic Chapin. Venetian Ships and Shipbuilders o f the Renaissance, 1934. 132 “Em muitos aspectos, com o organização do trabalho escravo, gestão das colônluv administração imperial, instituições comerciais, tecnologia marítima e navegação e «rll lharia naval, as cidades-Estado italianas foram as precursoras do Império Português e do Império Espanhol, tendo contribuído profundamente para sua formação e dividido seu» lucros de maneira ampla” (Brady Jr., Thomas A. “The Rise o f Merchant Empires”, p. iso) 133 Eles parecem ter usado servos gregos prim eiro, e às vezes árabes capturados mis cruzadas, somente depois africanos. Mesmo assim, esse foi o modelo econôm ico trans portado posteriorm ente pelos m ercadores portugueses para ilhas do Atlântico comi 1 Canárias, e depois para o Caribe (Verlinden, Charles. The Beginnings o f Modem Colonization, 1970; Phillips, W illiam p . Slavery From Roman Times to the Early Transatlantic Trade, pp. período, no final da Idade Média, essa visão se tornou predominante entre os católico», 149 Pelo que sei, o único estudioso a m ostrar essa conexão é Bernard Faure. Ver Faute, B. “The Buddhist Icon and the Modern G aze”, p. 798; Idem. Visions o f Power, p. 225. 150 Ainda mais tarde, quando as transações a crédito ficaram comuns, o termo era apll cado a pequenas quantias de dinheiro oferecidas com o pagamento de entrada, parecidi > com a expressão inglesa earnest money, ou “sinal”. Sobre os symbola em geral: Beauchct, Ludovic. Histoire du droit privé de la République athénienne, 1897; Jones, J. Walter, op. cit., p 217; Shell, Marc. The Economy o f Literature, pp. 32-5. 151 Descat, Raym ond. “L’économ ie antique et la cité grecque”, p. 986. 152 Aristóteles. Da interpretação, 1 , 16-17. C. W. A . Whitaker, desse m odo, observa que, para Aristóteles, “o significado de um a palavra é fixo p o r convenção, assim com o a im portância atribuída a um a talha, a um a ficha ou a um tíquete depende do acordo entre as partes envolvidas” (Aristotle’s “De interpretatione": Contradiction and Dialectic, p. 10). 153 Aristóteles. Ética a Nicômaco, 1.133a, 29-31. 154 Mas eles acreditavam que essas fórmulas resumiam ou "agrupavam ” a essência des sas verdades secretas reveladas pelos M istérios - symbolon, palavra derivada do verbo symballein, significa “reunir, juntar ou com parar”.

    155 Miiri, Walter. Symbolon: Wort-und sachgeschichtliche Studie, 1931; Meyer, M arvin W. The Ancient Mysteries, 1999. O único conhecim ento que tem os dessas symbola vem de fontes cristãs; posteriorm ente, os cristãos adotaram seu próprio symbolon, o Credo, que con tinuou com o o principal referente do term o “sím bolo” por toda a Idade Média (Ladner, Gerhardt B. “Medieval and Modern Understanding o f Sym bolism ”, 1979).

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    Charles. Memoirs o f Extraordinary Popular Delusions and the Madness o f Crowds. Londres: G. Routledge and Sons, 1854. Disponível em: www.econlib. org/library/Mackay/macEx.html. Acesso em: 8/12/2015.

    m ackay,

    641

    MA( K i.N N i y,

    Richard

    f h d n m r n and

    Ihii/m Ihr World oj ihr Guilds in Venice mid

    Europe (c. 125o-c. 1650). Totowa: Haines Xi Noble, i Liezi (Laozi) 342

    687

    L ig a M .m s c .iiin i i

    M

    li min (lucro público) 564 nsK

    iiiiiiiiiinii, doutrina 1 (K, 571 ihn

    lingotes

    Mackay. Charles 4 3 7 , 419

    na Idade Média 55, 274, 279, 288-90, 301, 321, 390-1,427, 483, 587 n3 no capitalismo 274,343,396,456-7 ver também ouro e prata língua suméria, mudanças na 229 linguagem, definição de 380 linguagem mágica 432 linguagem ofensiva e rival na troca com petitiva de ofertas 137-9, 151-3 no com unism o 125-7 Lívio (Tito Lívio) 293, 5211127, 552 nno

    maçonaria 458 MacPherson, C raw ford B. 553 11123, 59(>-i

    n40 M adagascar 11-4,41-2, 68-9,135,151, 563 n53 Madhyam aka, Escola, 571 n35 Mágada, im pério 296-7, 299, 567 n3 Maharastra, motins de 18 7 ; em 329 Mahavira (jainismo) 296 Malamoud, Charles 514 n33, 527 n59 malgaxes ver Madagascar

    livre, etimologia de 260

    M alinowski, Bronislaw K. 522 n3

    livre m ercado, ideologias de 30, 60,354,

    m am elucos (Egito) 268, 349,372

    358, 385, 502, 517 nÓ3 ver também capitalismo; corporações; Fundo Monetário Internacional livres (moeda francesa) 65, 509 n28 Llewellyn-Jones, Lloyd 545 nó4 lobby, políticas de, nos Estados Unidos 475 Locke, John 37,6 2,26 8,4 29 -30 ,518 n 2 ,595

    n83

    manas (homem) 101 Manuel, dom 525 n34 “ mão invisível” , teoria da 60,355,423, 510 114 Maom é, profeta 286, 347,350, 355,364 maori, povo 151-2 M arco A n tô n io 546 n73

    Loizos, Peter 527 n57

    M arco Aurélio 309

    Lom bard, M aurice 353, 574 nó3

    M arco Polo 572 n48, 595 n86

    lom bardos, agiotas italianos 367,581 ni2i

    Marduque (deus) 278

    Londres

    Marechal, Guillaume le 374

    ver Inglaterra lucro, conceitos de

    Mares do Sul, Companhia dos 437 “ bolha dos Mares do Sul” 430 ,437,450

    li (lucro) 305

    Marshall, John e Lorna 50

    li min (lucro público) 564 n58

    Marshalsea, prisão 421, 593 n66

    shi (vantagem estratégica) 564 n58 si li (interesse próprio) 564 ns8 lucrum cessans (lucro cessante) 581 ni25

    M artin, R an d y 602 n32 M arx, Karl sobre o capitalismo 441-2,452-3

    Lutero, M artinho 4 0 5-6,4 S 9 ,417, 589 1126

    sobre o com unism o 508 ni5, 523 n9

    Luther K ing, M artin 471,478

    sobre as origens do dinheiro 507-8 ni4

    688

    m arxism o alternativas ao 517 nó3

    Menger, Karl 41 m ercado

    influência do 484

    com o autorregulador 459

    materialismo do 595 n84

    conceitos de 412-3

    trabalho e 485

    definição de 148-9

    vs. capitalismo 484-5

    desum anização e 106, 249-50, 34 0 -1,4J7,

    ver também comunismo M asterCard 464 materialismo histórico 595 n84 Mateus (evangelista) 521 n25 m atriarcado prim itivo 508 ni5 matrim ônio com o m aior despesa da vida 17,170,172, 178, 531 n25 diagrama do padrão antropológico do 206 na cultura lele 178, 531 n25, 534 nó2 na cultura sumeriana 543-4 n53 na cultura tiv 171-2,187, 532 n42 p or captura 202, 532 n42 práticas de agiotagem e 17 ver também noiva, riqueza da

    445-6 mercadores Islã e 352-3 no cristianismo, visão dos 363-8 restrições aos 366 riqueza dos m ercadores ingleses 412-3, 591 n4i sociedades de m ercado e tráfico de escravos 195-8, 209, 535 nó5-ó7 m ercadoria, dinheiro com o 39, 51-2, 62-3, 97-80,443-4, 509 n25 e n3i, 597 mo3 m ercados, origens dos em Madagascar 68-9 na Idade A xiabo 3-4 m ercenários com o moeda corrente 298, 562 n38

    Maunder, Peter 35

    “ m erci” (obrigado) 159

    Máuria, im pério 98, 297-8, 325, 564 n6i, 566

    Mesopotâmia

    n75 Mauss, Mareei 118,141,498-9, 519 n8, 524 n2i sobre econom ias de dádiva 141 m batsav (sociedade dos bruxos) 190, 533 n52

    dinheiro, origens do 54-7,98-100, 518 n2-5 dívida existencial na, crenças sobre 516 n48 honra e patriarcado 227-39, 54? islamismo na 246 liberdade, conceito de 108

    Médici (entidade bancária) 370, 581 ni2ó

    redenção na, conceito de 106, 520 ni9

    “ m edieval” , visões negativas da palavra

    registros cuneiform es na 54,72

    321 Mediterrâneo 88,154,167, 213, 227, 247, 258,

    tabuletas de argila (bullae) 275 ver também Suméria

    286, 290, 296, 311,346,371,394, 541 n32, 565

    métadosis (partilhar, distribuir) 507 n6

    n72, 582 ni29

    metais preciosos

    Mefistófeles 432 Megástenes 299, 323 “ melhores am igos” 130-1 ver também irmãos de sangue

    m ineração na Grécia 292, 560 ni9 queda no valor dos 391-2 ver também lingotes; ouro e prata metais usados com o dinheiro barras brutas 40, 55

    M êncio 308, 564 n55, nÓ4

    bimetalismo 470, 512 n22

    Mencken, H. L. 33

    cobre 40, 534 n54

    689

    ferro 4 0 latão 4 0 na Idade A xial 287-8 M éxico astecas, conquista europeia dos 597-8, 4 0 0 ,411-2,44 7-9 m ineração de prata no 394, 588 n6 m icrocrédito 479 Midnight N otes Collective 603 n38 mil e uma noites, A s 353 Mileto 311,313, 565 n7i m ilitarização, econom ia global e 434,482-3 Miller, R oger LeR o y 35 Miller, W illiam Ian 527 n54 Millett, Paul 547 n79, 548-9 n8i-5 Lending and Borrowing in Ancient Athens 547 n 79

    iiiordM«/('iinliii)(, 317, 385, francos malgaxes 68 livres (moeda francesa) 65,509 n28 minas m esopotâm icas 55, 294 m oedas de bronze 312,379-80, 393, 560 n26, 563 n47 siclos de prata m esopotâm icos 231, 275 sous (moeda francesa) 65, 509 n28, 511 ni3 ver também dinheiro primitivo m oeda "fiduciária” 72,322, 344, 566 n74 moeda sim bólica ver cartalismo; sistemas de dívida baseados em moeda simbólica m oeda social 170,177,198, 203 m oísm o 307, 563 nso

    m ineiros, revoltas dos 587 n5

    m onetarism o 474

    M ises, Lu dw ig von 452,489

    m onetização da dívida 468,470

    modelos utópicos de capitalismo 445-7

    monges budistas

    moedas/cunhagem cam pesinato livre e 291 com o vales 62-6 com plexo de cunhagem militar escravista 292,298,306,315-6

    m oedas, derretim ento de 339 restrições aos 299,338 m ongóis 344,349,392, 576 n7i, 584 ni4ó M ontejo, Francisco de 588-9 n20

    definições de 286-7

    M ontezum a 448-9

    derretidas para confecção de estátuas

    Moralia (Plutarco) 527 n6o, 547 n75

    288 dois lados das 97 estampagem 313 guerra e 273-4 história do dinheiro e 34-7 m oedas lidianas 290, 558 ns poder governam ental de emissão de 66 supervalorização das 97,518 n2 valor no m undo antigo 311-4 valor reduzido por liga adulterada 40, 312, 518 n2 vs. dinheiro virtual 56-7, 274, 396 vs. sistemas de crédito 273

    moralidade, conceitos de déficits governam entais com o imorais 447. 462 dívida impagável e 155-8,527 n6o

    hierarquia e 141-7 m ercado e vida humana 117-8 moral econôm ica 120,447-8, 518 n5 práticas bancárias e 24-8,469, 505 nu variações culturais na 147-53 ver também reciprocidade Morgan, Lew is H enry sobre as Seis Nações dos Iroqueses 42, 175, 508 ni5, 530 m8

    690

    567

    n6

    mosteiros indianos medievais 323

    neoliberalismo 476, 60) nj8

    Motolinia, frei Toribio de 398,403

    N e w Deal 472

    m ovim ento econôm ico islâmico 350-8,

    N ew ton, Isaac 60 ,429-31,510 n3

    575 n68

    nexum 560 n24

    M ozi 307-8, 563 n50, 564 n55

    Nicostrato 248-50, 253, 548 n8i

    M uldrew, Craig 412,420, 590-1040-1, 591

    Nietzsche, Friedrich 100-6,423, 519 n8 e

    n43-5

    mo, 581 nii7, 595 n84

    Muller, A dam 511 ni2

    Nigéria 136,146,171,192,437, 534 n 53

    mulheres

    Nixon, Richard 72, 274,455-65, 599 n6

    castidade, expectativas de 229-32 com o peoas 180 -5,244 “ esposa fantasm a” 175, 204 hierarquia patriarcal e 229-31, 544 n54 m atriarcado prim itivo 508 ni5

    noiva, riqueza da com o dívida impagável 172-3 com o form a de escravidão 230-1 dotes 230-1, 540 n26 na China 238

    “mulheres respeitáveis” , noção de 237,

    origens do dinheiro e 170

    242, 244, 545 n64

    pagamentos às noivas na Mesopotâmia

    papel nos sistemas de escam bo 42-4

    229-30

    usadas com o moeda corrente para

    preço da honra 220-6

    pagar dívidas 17-8,23,111,166-7

    prostituição com o dote 232-3

    violência usada no controle das 205-6

    terhatum (pagamento à noiva) 231

    ver também escravas

    “ venda de esposa” 230-1, 542 n42

    Musaiyab, Sa’id Bin 574 nó2 mutilação de devedores 423, 519 mo, 581 nii7, 590 n36 M yers, D anny 35

    ver também preço da honra nokri (estrangeiro) 362 notas de depósito 594 n77 notas prom issórias na China 289, 343 no Oriente Médio 289-90, 351

    N Nabucodonosor, rei 107

    Nova York, cidade de 11 de setem bro (2001) 456-7, 500

    Nações Unidas 465, 589 n22 Nagarjuna (filósofo) 571 n35

    nuers gado com o moeda corrente 128,175, 532

    Nalanda (centro de estudos budistas) 376

    n40

    nambiquaras, índios (Brasil) 43,46-7,49, 165, 531 n22 nascim ento com o dívida 77

    vendetas 132,173 núm eros irracionais 563 n52 Nuzi (Mesopotâmia) 231-2, 541 n36-7

    Neem ias (profeta) 107-8,112-3,167,360 ,364, 520 ni9, 521 n27, 561 n27 Nelson, Benjamin 580 nii2 neokeynesianos ver keynesianismo

    O “ obrigado” costum es de civilidade e 155-8, 528 n62 etimologia de 159

    691

    obtenção de riqur/.as, tipos de tfiH

    P

    Oceania, sistemas de escam bo na S07 n7

    pai are (paclln ur) sis 1144

    oceano Índico, m ercado no 202, 347,351-2,

    pachtun, etnia 4 8 ,53

    371, 437,485

    pacificação 12

    Odisseia 243, 544 n57, 546 n70

    padahegoal (redenção) 106

    oferta e procura

    padrão-ouro 72,430 ,455,470

    lendas populares sobre 133 "olho por olh o” 120,123

    pagar, etimologia de 80, 515 n44 pais, dívida dos filhos com os 120,122, 522

    Olivelle, Patrick 5141133

    n6, 524 n2i

    O nze de Setem bro (atentados em 2001) 456-7, 500

    Palestina, venda de esposas 167 pânico de 1893 72

    O pep, países da 8,463

    Panóptico 444

    opheiléma (aquilo que é devido) 521 n25 O ppenheim , Leo 521 n30, 542 n43 orçam ento de defesa dos Estados Unidos 461-3

    Panurge (personagem de Rabelais) 161,163, 422,433, 528 n67 panyarring (penhorar) 198 Papai Noel/São Nicolau 142

    O rdem Militar dos Cavaleiros do Templo de Salom ão 370

    papel-moeda na China 344-5,392-3,426, 574 n63

    O rdem Secreta dos Illuminati 458

    propósito do 62

    O rganização Mundial do Com ércio 465

    surgim ento do 382

    O riente Médio 27, 89,108,132,135,154,167,

    ver também lingotes; moedas/cunhagem;

    169, 213, 235, 237,242, 245, 276, 294, 349-50,

    dólar

    356,465,484, 521 n24, 538 n3, 548 n82, 555

    Papua-Nova Guiné 80,146, 509 n25

    n3, 598 mi7

    Paquistão 48, 298, 525 n33

    Orléan, A n d ré 74,514 n3i ouro e prata

    mafalis) 352

    com o suporte para moeda corrente 71-2 enfraquecim ento da liga de 287 m ineração de 392,403 m oedas antigas feitas de 273, 510 n37,

    Parkin, Michael 35 Parsifal (Wolfram von Eschenbach, poema) (Wagner, ópera) 375, 583 ni42 partilha e generosidade com o valor

    567-8 n6

    cultural 128-9,131

    na China 98, 342,392 usados com o dinheiro 54, 63,187,424, 430 valor atrelado ao dólar 71, 274,455-64 valor intrínseco de 312,487, 594 n74 ouro, inflação e 456

    “ parceria dos sem dinheiro” (sharika al-



    ouro, mitos nos Estados Unidos sobre 456

    paterfamilias 257 patronagem na Grécia 245 vs. servidão por dívida 200-1 Patterson, Orlando 219,256,539 mi-2, 550 n97 Slavery and Social Death 218

    692

    Patterson, W illiam 595-6 n88

    peste negra