Dicionário em construção: interdisciplinaridade
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Dicionário em construção : interdisciplinaridade / Ivani C. A. Fazenda (org.). - 2. ed. - São Paulo : Cortez, 2002 Vários autores. ISBN 85-249-0757-6 1. Interdisciplinaridade - Dicionários I. Fazenda, Ivani C. A.

01-1659

CDD-371.303

Índices para catálogo sistemático: 1. Interdisciplinaridade : Dicionários 371.303

DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: Interdisciplinaridade Ivani Fazenda (Org.) Capa: Ricardo Hage de Matos Ilustrações: Ricardo Hage de Matos Programação: Wagner Tufano Preparação de originais: Silvana C. Leite, Ana Maria Barbosa Revisão: Maria de Lourdes de Almeida, Agnaldo Alves Composição: Dany Editora Ltda. Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa dos autores e do editor. © 2001 by Autores Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Bartira, 317 - Perdizes 05009-000 - São Paulo - SP Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 E-mail: [email protected] www.cortezeditora.com.br Impresso no Brasil - fevereiro de 2002

SOBRE OS AUTORES

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Organizadora: Ivani Catarina Arantes Fazenda — Coordenadora do GEPI — Grupo de Estudos e Pesquisas da Interdisciplinaridade — PUC/SP, Coordenadora do NEPI — Núcleo Emergente de Pesquisa Interdisciplinar — UNICID. Autores: • Ana Gracinda Queluz — doutora em Psicologia da Educação pela USP, coordenadora do mestrado em Educação e Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Unicid. • Ana Maria dos Reis Taino — mestranda em Educação: Currículo pela PUC/SP, coordenadora e professora do Curso de Pedagogia, na Faculdade Maria Augusta Ribeiro Daher, Jacareí/SP. • Beatriz Di Marco Giacon — mestranda em Educação: Currículo pela PUC/SP. • Carla Maria Arantes Fazenda — mestre em Educação: Currículo pela PUC/SP; doutoranda pela FAUSP. • Cecília Gaeta — mestranda no Programa de Educação: Currículo pela PUC/SP; professora do Senac. • Célia Maria Haas — doutora em Educação PUC/SP, professora do Mestrado em Educação da Unicid. • Claudio Alves — mestre em Administração pela PUC/SP; doutorando pela PUC/SP. • Cristina Maria Salvador — mestre em Educação: Currículo pela PUC/ SP; participa de projeto de educação continuada junto à rede pública municipal e estadual. • Diva Spezia Ranghetti — mestre em educação: Currículo pela PUC/SP e professora do Curso de Pedagogia do Centro Universitário de Jaraguá do Sul (SC). • Ecleide Cunico Furlanetto — doutora em Educação PUC-SP, professora do Mestrado em Educação da Unicid. • Ednilson Aparecido Guioti— mestrando em Educação: Currículo pela PUC/SP. • Élio Vieira — mestre em Educação (USP) e doutorando em Educação: Currículo pela PUC/SP.

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• Elisa Lucarelli — professora de la Universidad de Buenos Aires, Argentina. • Fábio Cascino — doutorando no Programa de Educação: Currículo pela PUC/SP. • Fernando Ribeiro Gonçalves — professor da Universidade do Algarve — Portugal — Observatório Permanente da Qualidade de Ensino. • Geralda Terezinha Ramos — docente do Curso de Pedagogia e Letras do Unicentro Newton Paiva e do Curso de Pedagogia da Unicsul, doutora em Educação: Currículo pela PUC/SP. • João Viegas Fernandes — professor da Universidade do Algarve — Portugal. • José Armando Valente — coordenador do Depto. Multimeios e Nied — Unicamp, professor-doutor do Pós-Graduação em Educação: Currículo pela PUC/SP. • José Tavares — professor da Universidade de Aveiro — Portugal. • Jucimara Rojas — professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Doutora em Educação pela PUC/SP. • Lucila MaPesce de Oliveira — mestre e doutoranda em Educação: Currículo pela PUC/SP, coordenadora do curso de Pedagogia do Centro Universitário São Camilo/SP. • Lucrécia Stringhetta Mello — doutora em Educação: Currículo pela PUC/ SP e docente do DED/FUFMS/Campus de Três Lagoas/MS. • Luiz Carlos Pereira de Souza — mestre em Administração, doutorando em Educação: Currículo pela PUC/SP e consultor organizacional da Unicid. • Margarete May Berkenbrock Rosito — Doutoranda pela Unicamp/SP. • Maria Anita Viviani Martins — professora associada da Faculdade de Educação da PUC/SP, diretora da Faculdade de Educação da PUC/SP. • Maria Candida Moraes — professora doutora do Pós-Graduação em Educação: Currículo pela PUC/SP, consultora nacional e internacional em Educação. • Maria Cecília Castro Gasparian — pedagoga, psicopedagoga e terapeuta de família e de casal.

SOBRE OS AUTORES

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• Maria Célia Barros Virgolino Pinto — mestranda em Educação: Currículo pela PUC/SP. Professora da Universidade Estadual do Pará e da Universidade Federal do Pará. • Maria de Fátima Viegas Josgrilbert — professora da Faculdade de Educação de P. Porã, MS, mestre em Educação pela UFMS, doutoranda em Educação: Currículo pela PUC/SP. • Maria de Nazaré Trindade — professora da Universidade de Évora — Portugal. • Maria Elisa de Mattos Pires Ferreira — doutora e mestre em Educação — PUC/SP; licenciada e bacharel em Física pela PUC/SP; licenciada em Pedagogia pela FECS/SP. • Maria Ermelinda Donato — professora de la Universidad de Buenos Aires, Argentina. • Maria Inês Diniz Gonçalves — professora de piano da Escola de Música da UFG/GO. Professora da Faculdade de Educação, UnB, Brasília, DF. Doutoranda em Educação: Currículo pela PUC/SP. • Marisa Del Cioppo Elias — professora titular da PUC/SP e da Universidade Braz Cubas, de Mogi das Cruzes. • Miriam Suzete de Oliveira Rosa — professora da UFRS; doutoranda pela PUC/SP. • Nelly Zumilda Menéndez — professora do Curso de Metodologia de la Investigación Pedagógica, de la Facultad de Odontologia de la Universidad de Buenos Aires, Argentina. • Paulo Roberto Haidamus de Oliveira Bastos — farmacêuticobioquímico. Mestre e doutor em Educação: Currículo pela PUC/SP. Professor pesquisador da UFMS. Membro efetivo da ONG HAI — Health Action International. • Reginaldo Dalla Justina — mestrando em Educação; currículo pela PUC/SP. • Ricardo Hage de Matos — arquiteto e artista plástico pela Universidade de São Paulo, FAU/USP, mestre e doutorando em Educação: Currículo pela PUC/SP, professor de Metodologia da Pesquisa na Faculdade Santa Marcelina.

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• Roberto Galasso Nardi — mestranda em Educação: Currículo pela PUC/ SP, coordenadora de Informática Educacional da AACD, coordenadora pedagógica do Lar Escola São Francisco — CR. • Rosamaria de Medeiros Arnt — mestranda em Educação: Currículo pela PUC/SP. • Ruy Cezar do Espirito Santo — professor-doutor da PUC/SP. • Sylvia Helena Souza da Silva Batista — doutora em Psicologia da Educação pela PUC/SP; professora do mestrado em Educação da Unicid. • Valéria Sperduti Lima — doutoranda no Programa de Educação: Currículo pela PUC/SP. • Vera De Faria C. Ronca — doutoranda em Educação: Psicologia pela PUC/SP; professora da PUC/SP. • Vítor Trindade — professor da Universidade de Évora — Portugal. • Vitória Kachar — doutoranda em Educação: Currículo pela PUC/SP, professora do Curso de Pedagogia na Unifieo e da Universidade Aberta à Maturidade — PUC/SP. • Vitória Helena Cunha Espósito — professora titular da Faculdade de Educação da PUC/SP, presidente da Sociedade de Estudos e Pesquisa Qualitativos. • Wagner Tufano — mestrando em Educação: Currículo pela PUC/SP, professor de Informática nos cursos de Administração, Secretariado e Turismo na Universidade São Judas Tadeu.

Apresentação

APRESENTAÇÃO

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Construindo aspectos teóricometodológicos da pesquisa sobre Interdisciplinaridade Ivani Catarina Arantes Fazenda

Desde 1979, quando publicamos nosso primeiro trabalho sobre Interdisciplinaridade, solicitavam-nos a construção de um glossário de termos que servisse não apenas como incentivo a novas pesquisas, mas fosse vetor de aspectos pouco discutidos no cotidiano da Educação. Produzimos inúmeras pesquisas e orientamos outras. Por nosso grupo de estudos passaram nomes que se projetam de formas variadas no cenário da educação brasileira e mundial. Foi impossível o contato com todos nessa primeira etapa, mas a participação está aberta aos que se dispuserem a compor um verbete para este nosso dicionário que sempre estará em construção. O presente trabalho procura introduzir alguns pontos que aqui são apresentados para discussão, a partir das pesquisas desenvolvidas na área da interdisciplinaridade. Iniciamos por uma breve síntese do que temos esclarecido, aprofundado e ampliado a partir dos pressupostos da interdisciplinaridade: Interdisciplinaridade é uma nova atitude diante da questão do conhecimento, de abertura à compreensão de aspectos ocultos do ato de aprender e dos aparentemente expressos, colocando-os em questão. Exige, portanto, na prática uma profunda imersão no trabalho cotidiano. A metáfora que a subsidia, determina e auxilia sua efetivação é a do olhar, metáfora que se alimenta de natureza mítica diversa. Cinco princípios subsidiam uma prática docente interdisciplinar: humildade, coerência, espera, respeito e desapego.

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Alguns atributos são próprios de tais princípios, os determinam ou identificam. São eles a afetividade e a ousadia que impelem às trocas intersubjetivas, às parcerias. A interdisciplinaridade pauta-se numa ação em movimento. Pode-se perceber esse movimento em sua natureza ambígua, tendo como pressuposto a metamorfose, a incerteza. Todo projeto interdisciplinar competente nasce de um locus bem delimitado; portanto, é fundamental contextualizar-se para poder conhecer. A contextualização exige que se recupere a memória em suas diferentes potencialidades, resgatando assim o tempo e o espaço no qual se aprende. A análise conceitual facilita a compreensão de elementos interpretativos do cotidiano. Para tanto, a linguagem deve ser compreendida em suas diferentes modalidades de expressão e comunicação, como uma linguagem reflexiva, mas sobretudo corporal. A maioria dos países ocidentais vem debatendo a questão da interdisciplinaridade, tanto no que se refere à organização profunda dos currículos, à forma como se aprende, quanto à formação de educadores. Embora desde a década de 70 as reformas na educação brasileira acusem a necessidade de partirmos para uma proposição interdisciplinar, ela não tem sido bem compreendida (Fazenda, 1979, 1984), mesmo nas décadas subsequentes: 80 e 90. Quando nos preparamos para entrar no terceiro milênio, deixa de ser questão periférica para se tornar objeto central dos discursos governamentais e legais. Nas décadas de 70 e 80, contávamos com um número reduzido de pesquisas na temática da interdisciplinaridade e com uma bibliografia pouco difundida. No final dos anos 80 e início dos 90, porém, começam a surgir centros de referência reunindo pesquisadores em torno da interdisciplinaridade na educação. É o caso do Centro de Pesquisa Interuniversitária sobre a Formação e a Profissão/Professor (CRIFPE), e do Grupo de Pesquisa sobre Interdisciplinaridade na Formação de Professores (GRIFE), coordenado por Yves Lenoir, no Canadá, e do Centro Universitário de Pesquisas Interdisciplinares em Didática (CIRID), coordenado por Maurice Sachot, na França, bem como de vários grupos de pesquisa sobre a interdisciplinaridade na formação de professores surgidos em outros países. Esses grupos influenciaram e direcionaram as reformas de ensino fundamental e médio em diferentes instituições.

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Nos Estados Unidos, a partir dos estudos de Julie Klein, da Wayne State University, e William Newell, da Miami University, as pesquisas sobre interdisciplinaridade percorreram o país inteiro e disseminaram-se, interferindo diretamente nas reformas educacionais. Na década de 90, Gerard Fourez, na Bélgica, amplia seus estudos sobre as questões da interdisciplinaridade na educação, unindo-se aos grupos canadenses de Montreal, Vancouver e Quebec. O mesmo ocorre com Maritza Carrasco, da Universidade Santa Fé, na Colômbia, e Heloísa Bastos, da Universidade Federal do Recife, no Brasil. Em 1986, a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), sob coordenação de Ivani Fazenda, criou o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Interdisciplinaridade na Educação (GEPI), produzindo mais de cinquenta pesquisas sobre diferentes aspectos da educação. Esse grupo iniciado na PUC-SP disseminou-se para outras universidades, tais como a Universidade da Cidade de São Paulo (Unicid), que oferece mestrado em Educação, cujo núcleo temático é Interdisciplinaridade, Formação e Aprendizagem e conta com o Núcleo Emergente de Pesquisa Interdisciplinar (NEPI). No processo de pesquisar, forma pesquisadores, mestres e doutores, interferindo diretamente no trabalho de algumas secretarias de Educação de norte a sul do Brasil e indiretamente, por meio da socialização do acervo construído nos mais de trinta livros que tratam da problemática, do ponto de vista prático, epistemológico, metodológico e profissional. Os referidos trabalhos também invadem Portugal e Argentina, subsidiando cursos de graduação e pós-graduação nas universidades de Lisboa, Aveiro, Évora e Buenos Aires. Esta breve localização espaço-temporal procura, de certa forma, situar o Brasil no movimento mundial que repensa a educação por intermédio da interdisciplinaridade. Alguns dos principais eventos em educação no Brasil e Portugal, ao final dos anos 90 e início desta década, vêm contando com a participação de professores e alunos desse grupo brasileiro em seus simpósios, mesasredondas, painéis, conferências, bem como em sua organização, ou seja, sempre que a interdisciplinaridade na educação é requerida. Embora as publicações sobre reformas curriculares no Brasil apresentem uma forte tendência a privilegiar a interdisciplinaridade, buscando

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caracterizar os enfoques que visam à reorganização de modelos conceituais e operacionais associados a concepções ligadas ao sistema convencional das disciplinas científicas, existem outros modelos organizacionais que partem de princípios diversos e procuram romper com essas concepções. No limiar do século XXI e no contexto da internacionalização caracterizada por uma intensa troca entre os homens, a interdisciplinaridade assume um papel de grande importância. Além do desenvolvimento de novos saberes, a interdisciplinaridade fia educação favorece novas formas de aproximação da realidade social e novas leituras das dimensões socioculturais das comunidades humanas. A formação na educação à, pela e para a interdisciplinaridade se impõe e precisa ser concebida sob bases específicas, apoiadas por trabalhos desenvolvidos na área, trabalhos esses referendados em diferentes ciências que pretendem contribuir desde as finalidades particulares da formação profissional até a atuação do professor. A formação à interdisciplinaridade (enquanto enunciadora de princípios) pela interdisciplinaridade (enquanto indicadora de estratégias e procedimentos) e para a interdisciplinaridade (enquanto indicadora de práticas na intervenção educativa) precisa ser realizada de forma concomitante e complementar. Exige um processo de clarificação conceitual que pressupõe um alto grau de amadurecimento intelectual e prático, uma aquisição no processo reflexivo que vai além do simples nível de abstração, mas exige a devida utilização de metáforas e sensibilizações. Os fundamentos conceituais advindos dessa capacidade adquirida influirão na maneira de orientar tanto a pesquisa como a intervenção do professor-pesquisador que recorrer à interdisciplinaridade. Muito mais que acreditar que a interdisciplinaridade se aprende praticando ou vivendo, os estudos mostram que uma sólida formação à interdisciplinaridade encontra-se acoplada às dimensões advindas de sua prática em situação real e contextualizada.

Uma imersão no social e no pessoal Conhecer o lugar de onde se fala é condição fundamental para quem necessita investigar como proceder ou desenvolver uma atitude interdisciplinar na prática cotidiana.

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É mais fácil enfrentar entraves de natureza política, sociocultural, material e pessoal quando se adquire uma visão da política educacional em seu desenvolvimento histórico-crítico. Para tanto, a pesquisa interdisciplinar pretende investigar não apenas os problemas ideológicos a ela subjacentes, mas seu perfil disciplinar que a política e a lei imprimem em todas as suas nuances. A partir de uma leitura disciplinar cuidadosa da situação vigente, é possível antever a possibilidade de múltiplas outras leituras. A interdisciplinaridade permite-nos olhar o que não se mostra e intuir o que ainda não se consegue, mas esse olhar exige uma disciplina própria capaz de ler nas entrelinhas (Fazenda, 2000).

O encontro com o novo demanda o respeito ao velho Outro aspecto a ser salientado é a necessidade de privilegiar o encontro com o novo, com o inusitado, em sua revisita ao velho. Recorrer à memória em toda sua polissemia é difícil pois requer estratégias próprias, criação de novas metodologias, metamorfose de metodologias já consagradas, tais como as histórias de vida ou outras pouco exploradas, como a investigação hermenêutica. Para isso faz-se necessário um cuidado epistemológico e metodológico na utilização de metáforas e nas intervenções (Fazenda, 1998, 1999, 2000). A troca com outros saberes e a saída do anonimato, características dessa forma especial de postura teórica, devem ser cautelosas, exigem paciência e espera, pois travestem-se da sabedoria, na limitação e provisoriedade da especialização adquirida (Fazenda, 1991). A trilha interdisciplinar caminha do ator ao autor de uma história vivida, de uma ação conscientemente exercida a uma elaboração teórica arduamente construída. Tão importante quanto o produto de uma ação exercida é o processo e, mais que o processo, é necessário pesquisar o movimento desenhado pela ação exercida — somente com a pesquisa dos movimentos das ações exercidas poderemos delinear seus contornos e seus perfis. Explicitar o movimento das ações educacionalmente exercidas é sobretudo intuir-lhes o sentido da vida que as contempla, o símbolo que as nutre e conduz — para tanto torna-se indispensável cuidar dos registros das ações a ser pesquisadas. — Esse tema tem sido objeto de muitos de meus escritos e discussões (Fazenda, 1991, 1994, 1995).

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O movimento ambíguo de uma pesquisa ou de uma didática interdisciplinar sugere a emergência e a confluência de outros movimentos, porém é imperioso que o movimento inicial se explicite, se mostre adequadamente. Novos movimentos, nascidos de ações e práticas bem-sucedidas, geram-se em movimentos anteriores (Fazenda, 1994). Só podemos analisá-los e conhecê-los quando investigamos seus elementos de origem. Negar o velho, substituindo-o pelo novo, é um princípio oposto a uma atitude interdisciplinar na didática e na pesquisa em Educação. A pesquisa interdisciplinar parte do velho, analisando-o em todas as suas potencialidades. Negar o velho é uma atitude autoritária que impossibilita a execução de uma didática e de uma pesquisa interdisciplinar. Nos trabalhos de doutoramento recentemente orientados por nós (Osório, 1996; Haas, 1996; Ferreira, 1996; Bastos, 1999) encontramos exemplos dessa forma especial de pesquisar. Essa recorrência ao velho travestido de novo é fruto do exercício da memória — dupla forma de memória: a memória registro, escrita, impressa e ordenada em livros, artigos, comunicados, anotações de aulas, diários de classe, resumos de cursos e palestras, fotos e imagens, e a memória explicitada, falada, socializada, enfim, comunicada (Kenski, 1995). Essa forma especial de recurso à memória tem sido exercida nas mais de cinquenta pesquisas que coordenamos, referentes a todos os graus e áreas do ensino. Ambas as formas ou recursos da memória permitirão a ampliação do sentido maior do homem-comunicação (Fazenda, 1979, 1994). Esta, quando trabalhada, permitirá que os fatos ocorridos nas práticas docentes sejam relidos de modo crítico e a partir de múltiplas perspectivas e, desse modo, ajudem a compor histórias de vida de professores. Cuidadosamente analisadas, tais vidas poderão contribuir para a revisão conceitual e teórica da didática e da educação. Tão importante quanto o exercício da memória é o exercício da dúvida (Fazenda, 1994). Se nossa intenção é revelar e explicitar o Homo loquens — aquele que comunica — teremos de ativar o mecanismo mais anterior e antropológico que o constitui, o do Homo quaerens — do homem enquanto ser que pergunta e da situação específica de seu ato de perguntar. O Homo quaerens constitui uma das últimas especificidades do ser racional homem, pois, quanto mais se evolui na investigação do homem como ser

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reflexivo, mais nos aproximamos de nossos antepassados e de suas primeiras perguntas. Tanto a pergunta mais imediata, suscitada no porquê, quanto em sua sequencialidade, mas por que, aspiram a uma compreensão última ou total, interdisciplinar do conhecimento (Suero, 1986). Uma educação ou uma didática interdisciplinar fundada na pesquisa compreende que o importante não é a forma imediata ou remota de conduzir o processo de inquirição, mas a verificação do sentido que a pergunta contempla. Nesse processo interdisciplinar, precisamos aprender a separar as perguntas intelectuais das existenciais. As primeiras conduzem o homem a respostas previsíveis, disciplinares; as segundas transcendem o homem e seus limites conceituais, exigem respostas interdisciplinares. O saber perguntar, próprio de uma atitude interdisciplinar, envolve uma arte cuja qualidade extrapola o nível racional do conhecimento. Em nossas pesquisas, tratamos de investigar a forma como se pergunta e se questiona em sala de aula, e a conclusão mais genérica e peculiar revela-nos a importância do ato e da forma como a dúvida se instaura — ela determinará o ritmo e o contorno que a ação didática contempla. Em uma das pesquisas que orientamos (Garcia, 1990), procuramos descrever o movimento que a dúvida percorre durante uma aula de cinquenta minutos, analisando em que medida o conhecimento avança ou retrocede, movido pelo tipo de questionamento que o alimenta. A pesquisa e a didática interdisciplinar tratam do movimento (do dinâmico), porém aprendem a reconhecer o modelo (o estático); tratam do imprevisível (dinâmico), porém no possível (estático); tratam do caos (dinâmico), mas respeitam a ordem (estático). O objetivo da construção de uma didática e de uma pesquisa interdisciplinar é a explicitação do contorno ambíguo dos movimentos e das ações pedagógicas. Apenas o exercício da ambiguidade poderá sugerir a multiface do movimento e, por conseguinte, do fenômeno pesquisado.

Trabalhar na interdisciplinaridade é pesquisar na ambiguidade A possibilidade de um trabalho de natureza interdisciplinar nas pesquisas sobre sala de aula anuncia-nos possibilidades que antes não eram oferecidas. Quando isso acontece, surge a oportunidade de revitalizar as

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instituições e as pessoas que nelas trabalham. O processo interdisciplinar desempenha papel decisivo para dar corpo ao sonho de fundar uma obra de educação à luz da sabedoria, da coragem e da humildade. Nas questões da interdisciplinaridade é tão necessário e possível planejar quanto imaginar, o que impede a previsão do que será produzido, em quantidade ou intensidade. O processo de interação permite gerar entidades novas e mais fortes, poderes novos, energias diferentes. Caminharemos nele na ambiguidade (Fazenda, 1998), entre a força avassaladora das transformações e os momentos de profundo recolhimento e espera. O cuidado primeiro é encontrar o ponto ótimo de equilíbrio no movimento engendrado por essa ambiguidade: da imobilidade ao caos. As fontes novas de saber vivenciadas no conhecimento interdisciplinar permitem-nos facilmente reconhecer que a estrutura na qual vivemos é reflexo de outras épocas, gestadas no passado. Nesse processo, sentimonos tolhidos ao exercer o imperativo de ordens que não nos pertencem, de valores que não desejamos, e nosso primeiro impulso é romper com ele. Mas o processo de metamorfose pelo qual passamos, e que fatalmente conduzirá a um saber mais livre, mais nosso, mais próprio e mais feliz, é um processo lento, exige uma atitude de espera, não uma espera passiva, mas vigiada. Alterar violentamente o curso dos fatos não é próprio de uma educação que abraça a interdisciplinaridade. Ela exige que provemos aos poucos o gosto da paixão por formar até nos embebedarmos dela, porém o sentido que um trabalho interdisciplinar desperta e para o qual não estamos preparados é o da sabedoria, de aprender a intervir sem destruir o construído. Em decorrência disso, um outro cuidado se faz necessário na elaboração de princípios mais coerentes com essa atitude. Num processo interdisciplinar, é preciso olhar o fenômeno sob múltiplos enfoques, o que vai alterar a forma como habitualmente conceituamos. Não estamos acostumados a questionar ou a investigar conceitos. Nosso discurso pauta-se por conceitos como formação, disciplina, competência, ensino, aprendizagem, didática, prática, como conceitos dados. Numa dimensão interdisciplinar, um conceito novo ou velho que aparece adquire apenas o encantamento do novo ou o obsoleto do velho. Ele só adquirirá significado e força se for estudado no exercício de suas possibilidades. A imagem que me vem à cabeça é a dos mil esboços realizados por Picasso ao compor a Guernica — a totalidade conceitual dessa obra

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foi gestada na virtude da força guerreira, no desejo transcendente de expressar liberdade. A magnificente força que dela emana, o impacto que sentimos quando dela nos aproximamos encontra-se na harmonia de cada detalhe, na beleza da vida e na crueza da morte, assim como na crueza da vida e na beleza da morte. Razão e emoção compõem a dança de luz e sombra da liberdade conquistada. Ao contemplá-la, cada um de nós chora e ri a partir dos sonhos enunciados, das intuições subliminares, no jogo explícito das contradições, da história configurada. Picasso cuidou interdisciplinarmente de cada aspecto de sua liberdade pessoal, exercitoua ao compor um conceito universal de liberdade. Ainda estamos por viver esse exercício nos educadores. Geralmente cuidamos da forma, negligenciando a função, a estética, a ética, o sagrado que colore o cotidiano de nossas proposições educativas ou de nossas pesquisas. Os cuidados anteriormente enunciados, quando analisados em sua potencialização, certamente alterarão o conceito macro de ser professor. Gradativamente precisamos nos habituar ao exercício da ambiguidade, procedimento que rejeita a mediocridade das ideias, estimula a vitalidade espiritual, é radicalmente contrário ao hábito instaurado da subserviência, pois reconhece que este massacra as mentes e as vidas. A lógica que a interdisciplinaridade imprime é a da invenção, da descoberta, da pesquisa, da produção científica, porém gestada num ato de vontade, num desejo planejado e construído em liberdade. Na tentativa de coletar elementos para construir uma teoria da educação fundamentada na prática, os estudos e pesquisas sobre interdisciplinaridade detiveram-se, entre outros, na análise do significado da temática mudança educacional nas três últimas décadas. Nossas pesquisas encontraram na literatura da área três fortes vertentes de reflexão: a filosófica, a sociológica e a antropológica, porém sem muita luz, apesar de procedentes e importantes. As grandes "sacadas" que pudemos observar acontecem quando as três configurações se interrelacionam num jogo de ambiguidades que metaforicamente almejam a transcendência. Um exemplo: ao rever o conceito de paradigma — tão ao gosto das proposições disciplinares sobre formação de professores — deparamonos com as limitações disciplinares desse conceito e percebemos que a realidade é poliparadigmática, pois nela persistem crenças, valores, ideias,

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modos diferentes de organizar a vida, ao lado de uma racionalidade que a explicita. Os projetos de formação de professores têm se construído apenas a partir de paradigmas formais e externos ao professor, em que o dever ser soma-se ao como fazer. Pouquíssimas vezes as proposições sobre formação de educadores que temos analisado preocupam-se com o lugar onde os sujeitos se encontram situados, com suas dificuldades na busca do significado interior de suas aprendizagens ou com o que aprendem com seus erros. Um processo de formação de professores que tenha a ambiguidade por procedimento procura colocar as rotinas do professor em movimento — desloca esse professor de seu tempo presente para um tempo passado — numa relação pretérita com o conhecimento, na tentativa de lançá-lo a um futuro mais promissor. Entretanto, a prática do professor é diversa e plural, povoada de paradigmas igualmente diversos e plurais. Seria absurdo negá-los; mas é preciso ter o cuidado de dirigilos interdisciplinarmente para várias direções. Contemplar o percurso paradoxal que o professor viveu em sua formação inicial exercita sua capacidade de confrontar paradigmas, de analisar com outros critérios suas práticas de sala de aula (Salvador, 2000). Essa sistemática tem diminuído muito o exercício de práticas espontaneístas e contribui bastante para um ensino mais livre e promissor. O processo interdisciplinar de formação que propomos, na medida em que abre espaços para a doxa (opinião) do professor, é paradoxal por natureza. Dizemos paradoxal porque, ao ensinar a revisitar as rotinas, outorga a permissão para diversificá-las, colocá-las entre parênteses ou mesmo superá-las. O cuidado interdisciplinar no trabalho com conceitos tem alterado profundamente o exercício da pesquisa e da prática cotidiana. Ao viver interdisciplinarmente as proposições paradigmáticas, o professor é capaz de identificar a origem de suas matrizes pedagógicas e analisar o grau de consistência destas, bem como de distinguir entre as matrizes incorporadas apenas na dimensão do discurso e as inerentes a seu ser professor. À medida que se habitua ao exercício de uma prática interdisciplinar, o professor passa a identificar aspectos mais próprios do conhecimento do

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homem, tais como o analógico ou o metafórico, percebe que a coisa a conhecer não se esgota nela mesma, vivencia a possibilidade de se deixar conduzir por outras dimensões que não apenas as concretas ou racionais, como por exemplo, a simbólica. O mesmo procedimento, portanto, reduz o modelo mecanicista da aprendizagem disciplinar, questiona a racionalidade dos ensinos ou didáticas, analisa os processos, a afetividade, o efeito da força e a força dos efeitos, as dimensões sociais e institucionais, as estratégias organizacionais, a articulação de saberes, toda e qualquer proposição que tenha a diversidade como princípio. Um dos estudiosos dessa questão, Mialaret (1995), alerta-nos para o cuidado com a espera que esse procedimento demanda, salientando que toda mudança não é imediata ou automática, todo esquema de ação precisa ser analisado no contexto da ação e toda ação política exige o exercício da ambiguidade. O mesmo Mialaret, num estudo desenvolvido com Ardoíno (1995), fala do procedimento ambíguo necessário no trato com o conceito de Educação. Para eles, o referido conceito apresenta-se equívoco e polissêmico. Ao falarmos de Educação, falamos mais da instituição do que da ação exercida, mais dos conteúdos do que dos efeitos por eles exercidos. Um procedimento interdisciplinar de Educação envolve outras dimensões, como as da vontade, as normativas, as ideais, as políticas, as projetivas e as científicas. Tal procedimento também ajuda a discernir a que campo nos referimos (inicial, continuada, do sujeito, do cidadão, do profissional etc), a identificar o discurso (ético, normativo, voluntarista etc), a escolher o processo ou objeto de pesquisa capaz de produzir novos conhecimentos. Queremos demonstrar aqui o quanto o sentido da ambiguidade torna-se a marca maior dos projetos interdisciplinares, o quanto eles poderão contribuir para a reconstrução da Educação, e os cuidados necessários para exercer uma educação que bem ou mal encontra-se formatada nos moldes convencionais das teorias disciplinares. Navegar na ambiguidade exige aceitar a loucura que a atividade interdisciplinar desperta e a lucidez que ela exige. Toda ambiguidade nasce de uma virtude guerreira, de uma força ética que naturalmente se apresenta, sem que haja necessidade de imposições ditatoriais (Gusdorf, 1967).

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A restauração da virtude ética que essa força pressupõe exigirá uma disciplina de ação muitas vezes até contrária à época em que vivemos. Essa ambiguidade exigirá a recuperação do que é próprio a cada um. Nesses quase vinte anos de pesquisa, interviemos em várias redes públicas de ensino fundamental e médio com nosso grupo de pesquisadores (mestrandos e doutorandos), estabelecendo um diálogo das pesquisas por nós desenvolvidas em nosso Grupo de Estudos e Pesquisas com as rotinas e dificuldades vividas pelos professores em suas salas de aula. O trabalho tem exigido três atributos: preparo, espera e coragem — coragem para nos desencastelar dos muros da academia, para retirar com cuidado o pó das velhas pesquisas, para exercitar com cautela e espera a provocação das mudanças e para nos realimentar com esse trabalho, preparando-nos para pesquisas mais ousadas. Nesse itinerário de vários anos, estabelecemos parcerias (categoria maior da interdisciplinaridade) com iguais e diferentes, rede pública ou academia. Pouco a pouco, procuramos atribuir significado às coisas e, nesse processo, aprendemos que a intersubjetividade (princípio primeiro da parceria) é muito mais que uma questão de troca, pois o segredo está na intenção da troca, na busca comum da transcendência. Aprendemos também o cuidado que precisamos ter com a palavra. Esta, tal como o gesto, tem por significação o mundo, o importante é, pois, utilizar boas metáforas, pois o sentido de poiesis, de totalidade, que elas contemplam exerce um poder de despertar não apenas o intelecto, mas o corpo todo. Quando adquirimos a compreensão da ambiguidade que o corpo contempla, adquirimos a capacidade de lidar com o outro, com o mundo, enfim, recuperamos o sentido da vida. Aprender e apreender-me na experiência vivida — exercício de tolerância e de humildade próprios de uma generosidade que inaugura a educação do amanhã.

A pesquisa interdisciplinar exige uma nova forma de investigação A investigação interdisciplinar por nós praticada, diferentemente de outros procedimentos de pesquisa, não se baliza por métodos, mas alicerça-se em vestígios. Os vestígios apresentam-se ao pesquisador não como verdades acabadas, mas como lampejos de verdade. Cabe ao investigador

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decifrar e reordenar esses lampejos de verdade para intuir o que seria a verdade absoluta, total, os indícios do caminho a seguir. A investigação interdisciplinar pode ser exercida por meio de metáforas, da construção de mandalas a partir do ato de desvendar em espiral. A espiral interdisciplinar, tal como na física, por exemplo, não se completa linearmente, e sim pontualmente. Os pontos da espiral se articulam de forma gradual, não de uma única vez, mas todos os pontos que aparecem têm a ver com os que os antecederam: • O primeiro ponto é a primeira pergunta que nasce do investigador por intermédio da experiência ou da vivência pessoal. • A vivência pessoal leva a experienciar sensorialmente e a viver o conhecimento em suas nuances. • A medida que se vive o conhecimento, inicia-se um caminho de reflexão sobre o vivido e nele o encontro com teóricos de diferentes ramos do conhecimento. • A espiral se amplia ao retornar à consciência pessoal. A pesquisa da interdisciplinaridade serve-se da forma de investigação aqui explicitada, por compreender que esta é uma das formas que nos permite investigar as atitudes subjacentes às inquietações e incertezas dos diferentes aspectos do conhecimento. O processo de orientação da pesquisa da interdisciplinaridade exige um cuidado na elucidação de conceitos Trabalhar a prática pedagógica, pesquisando-a: essa tem sido nossa principal proposta durante os últimos anos. O maior desafio que enfrentamos tem sido cuidar desde a seleção até a descrição dos motivos e movimentos que envolvem as práticas referidas. Esse é um processo árduo, em que o cuidado analítico, necessariamente interdisciplinar, alterna-se a um rigor disciplinar, que solicita uma revisão de áreas ou de conceitos historicamente organizados no campo a ser pesquisado. Um olhar interdisciplinarmente atento recupera a magia das práticas, a essência de seus movimentos mas, sobretudo, nos induz a outras superações, ou mesmo reformulações. Exercitar uma forma interdisciplinar de teorizar e praticar

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Educação demanda, antes de mais nada, o exercício de uma atitude ambígua. Estamos tão habituados à ordem formal convencionalmente estabelecida, que nos incomodamos quando somos desafiados a pensar a partir da desordem ou de novas ordens que direcionam provisórias e novas ordenações. O sentido da ambiguidade em seu exercício maior impele-nos ao mesmo tempo a encontrar o caos e a buscar a matriz de uma ordem, de uma ideia básica de organização. Navegar na ambiguidade exige aceitar a loucura que a atividade interdisciplinar desperta e a lucidez que ela exige. Seu caráter ideologizante torna toda produção "metadisciplinar", isto é, causada e causante, ajudada e ajudante, mediatizada e mediatizante — portanto, sempre passível de confronto, de inquirição, de dúvida. Toda ambiguidade nasce de uma ação deliberada, de um sujeito individual ou coletivo, em resposta a determinado ethos (Pereira, 1997). Consiste numa composição de forças e intencionalidades orientadas para a realização de um ato, de uma figura existencial, um modo de ser no mundo. A referida aquisição de uma atitude interdisciplinar envolve, pois, um universo de tramas, experiências e pensamentos, que constituem a lógica singular de cada um, sua marca registrada, aquela que nos define como professores. A característica profissional que define o ser como professor fundamentase sobretudo em sua competência, interdisciplinarmente expressa na forma como ele exerce sua profissão. Nosso desafio, portanto, será entender como essa competência se expressa. Assim pensando, dedicamos seis anos de nossas pesquisas (198691) à busca do significado de competência interdisciplinar. Iniciamos por um processo de auto-análise, investigando a origem de nossa formação teórica, e, a partir dele, conquistamos a gradativa possibilidade de construção conceitual autônoma, percebemos nossa potencialidade de elaborar, nossa capacidade de realizar inferências e de extrapolar, de vislumbrar, enfim, totalidades. O segundo plano de análise levou-nos a pesquisar a competência onde ela aparece. Assim, observamos detidamente salas de aula, entrevistamos professores, estimulamos sua percepção aguçando sua recorrência à memória e verificamos que a aquisição de uma atitude interdisciplinar evidencia-se não apenas na forma como ela é exercida, mas na intensidade das buscas que empreendemos enquanto nos formamos, nas dúvidas que adquirimos e na contribuição delas para nosso projeto de existência.

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A memória retida, quando ativada, relembra fatos, histórias particulares, épocas, porém o material mais importante é o que nos permite a análise e a projeção dos fatos — um professor competente, quando submetido a um trabalho com memória, recupera a origem de seu projeto de vida, o que fortalece a busca de sua identidade pessoal e profissional, sua atitude primeira, sua marca registrada. Em nossos estudos, focalizamos quatro diferentes tipos de competência: 1. Competência intuitiva: própria de um sujeito que vê além de seu tempo e espaço. O professor intuitivo não se contenta em executar o planejamento elaborado, mas busca sempre novas e diferenciadas alternativas para o seu trabalho. Assim, a ousadia acaba sendo um de seus principais atributos. Muitas vezes paga caro por ela, pois as instituições encontram-se atadas a planos rígidos e comuns, e não perdoam os que ousam transgredir sua acomodação. O intuitivo competente é sempre uma pessoa equilibrada e comprometida — embora aparentemente pareça alguém que apenas inova. Sua característica principal é o comprometimento com um trabalho de qualidade — ele ama a pesquisa, pois esta representa a possibilidade da dúvida. O professor que pesquisa é aquele que pergunta sempre, que incita seus alunos a perguntar e duvidar. Porque ama a pesquisa, é um erudito — lê muito e incita seus alunos a ler. 2. Competência intelectiva: a capacidade de refletir é tão forte e presente no professor, que imprime esse hábito naturalmente a seus alunos. Analítico por excelência, privilegia todas as atividades que procuram desenvolver o pensamento reflexivo. Comumente é visto como um filósofo, como um ser erudito, logo adquire o respeito não apenas de seus alunos, mas de seus pares — é aquele que todos consultam quando têm alguma dúvida. É um ser de esperas consolidadas, que planta, planta, planta e deixa a colheita para outrem. Ele ajuda a organizar ideias, classificá-las, defini-las. 3. Competência prática: a organização espaço-temporal é seu melhor atributo. Tudo com ele ocorre milimetricamente conforme o planejado. Chega aos requintes máximos do uso de técnicas diferenciadas. Ama toda a inovação. Diferentemente do intuitivo, copia o que é bom, pouco cria, mas ao selecionar consegue boas cópias, alcança resultados de qualidade. Sua capacidade de organização prática torna-o um

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professor querido por seus alunos, que nele sentem a presença de um porto seguro. 4. Competência emocional. Outra espécie de equilíbrio encontra-se no emocionalmente competente; uma competência de "leitura de alma". Ele trabalha o conhecimento sempre a partir do autoconhecimento. Esta forma especial de trabalho vai disseminando tranquilidade e segurança maior no grupo. Existe em seu trabalho um apelo muito grande aos afetos. Expõe suas ideias por meio do sentimento, provocando uma sintonia mais imediata. A inovação é sua ousadia maior. Auxiliando na organização das emoções, contribui também para a organização de conhecimentos mais próximos às vidas. Em grande parte embasamo-nos nos estudos da Psicologia Analítica (Jung e seus seguidores), porém este foi apenas um dos muitos recursos teóricos utilizados para esta classificação preliminar, realizada com o propósito de compreender diferentes óticas na questão da competência. Entretanto, um dado comum perpassa a todas elas: a competência enquanto exercida revela-se no desejo de maior domínio teórico, de melhor erudição. Os dados coletados nesse período de seis anos ainda permanecem válidos, e continuamente os revisitamos tentando elucidar melhor o conceito de competência. Em cada uma dessas revisitas vamos ampliando nossa leitura do conceito de competência na interdisciplinaridade. Ampliando-se o conceito, amplia-se o olhar, e um olhar ampliado sugere ações mais livres, arrojadas, comprometidas e competentes. A partir de 1991, convergi minhas pesquisas subsequentes e as que venho orientando para elucidar outros conceitos clássicos na área da Educação. Trabalhei, por exemplo, exaustivamente com meu grupo de pesquisas na reconstrução do conceito de ética na Educação. Iniciamos nosso trabalho com uma revisão clássica do conceito de ética recorrendo a autores tradicionais e contemporâneos (Osório, 1995). Paralelamente a essa "exegese", recorremos aos recursos da memória, tentando traçar a auto/ cartografia de um autor/professor. Servimo-nos para isso do duplo exercício que a memória nos possibilita: o retentivo, que nos permitiu o acesso à história compreendida em seu movimento complexo e multidimensional (Pereira, 1997), e o projetivo, que nos possibilitou encontrar traços identitários revelados na trilha de vida. Foram esses traços que nos permitiram

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identificar a gama de universos de referência constituídos que compõem o conjunto de uma existência, as matrizes de referência que traçam a marca de uma vida profissional. Essa dupla forma de recurso à memória permitiu-nos evidenciar aspectos ou situações com os quais a ambiguidade ética melhor se confrontou no exercício do vivido. Quanto mais aprimorávamos o contorno dos traços, mais as possibilidades de análise adquiriam elasticidade, mais situações inusitadas emergiam. A partir de fatos vivenciados por um professor em sua trajetória de vida, pudemos aprender sentidos peculiares de uma ética, que identificamos como bom senso, tolerância, subserviência, engodo, difamação, conivência, autoritarismo e outras tantas facetas mais. Animados com esse exercício de construção e reconstrução conceituai, sofisticamos nossa forma peculiar de pesquisar. Ousamos definir conceitos pouco explorados na questão da aquisição da atitude interdisciplinar, como, por exemplo o conceito de estética (Pereira, 1997). Iniciamos por uma ampla revisão bibliográfica da área, tal como no exercício anterior, porém demos um passo além, definindo dois pólos do conceito de estética: micro e macroestética. Deixamo-nos seduzir pelo jogo da contradição conceitual e, para nossa surpresa, muitas portas se abriram, ampliando-nos substancialmente a compreensão da diversidade e beleza que o conceito anuncia. Desafiamo-nos a enveredar pela desconstrução de conceitos paralelos, tais como o de heterogênese, identidade, diferença, metáfora, memória. Essa desconstrução conceitual possibilitou-nos exercer a linguagem metafórica ao descrever o cotidiano de práticas docentes por meio de jogos de trilha, aqueles jogos que colocam obstáculos a ser transpostos a cada passo ganho, obstáculos que vão se incrementando à medida que o caminho ou trilha vai se configurando. Não sabíamos onde iríamos ancorar nossa pesquisa; certamente não seria em nenhum porto seguro, mas, de uma coisa estivemos sempre certos: exercitamos nossa potencialidade ambígua no limite máximo de nossas atuais possibilidades, e essa hipótese já nos tem garantido a conquista de novos parceiros. Outro desafio que nos dispusemos a enfrentar em outra pesquisa foi de experimentar uma leitura analítica da dimensão simbólica, outra ótica na aquisição de uma atitude interdisciplinar. Como Jung, trilhamos o caminho dos sonhos para pesquisá-la. Nosso pobre conceito inicial transformou-se em mil outras hipóteses a serem requeridas na aquisição dessa

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atitude, tais como a capacidade de sonhar, brincar, perguntar, vivenciar, significar, ressignificar, imaginar, ouvir, intuir, sentir, aplicar, fascinar, apaixonar, indiscriminar, esperar, partir, relacionar, observar (Furlanetto, 1997). A cada nova investigação que se propõe desconstruir e reconstruir conceitos clássicos da Educação, novas facetas vão aparecendo no sentido da aquisição de uma atitude interdisciplinar. Duas pesquisas concluídas, Barbosa (1997) e Rojas (1997), indicam novos caminhos para as questões da Didática e da Dialética. Adiantamos que Rojas (1997) descreve e analisa o desempenho de um professor de Didática em seu cotidiano de um curso superior de Pedagogia. A originalidade do texto inicia-se com a forma de descrição desse cotidiano — utiliza-se da linguagem escrita, imprimindo-lhe, porém, a elasticidade de uma linguagem imagética; cenas são construídas a partir de toques de referência básica como: play, stop, rew. Todo o tempo o movimento do texto induz o leitor à decifração de um enigma proposto por uma metáfora que impulsiona todas as ações: a confecção de um livro de pano. Tal como no pano, teceram-se os fios da aula, seus remendos, bordados e arremates, seu projeto de tecido, de curso, de cidadão, de profissional a ser formado. Como em Penélope o pano se desconstrói, e nesse projeto as dúvidas: o que privilegiar na Didática de sala de aula? As técnicas; os princípios; as atitudes? A descrição das cenas estimuladas pela metáfora de origem propiciou-nos a ampliação em mil facetas do sentido da Didática. Partimos da proposição de Comenius para formular a dúvida maior: Didática seria a arte de ensinar? A mesma dúvida nascida na sala de aula foi ampliada aos maiores expoentes da Didática no Brasil. Confrontamos os achados de nossa pesquisa com a opinião deles, estabelecemos diálogo e parceria com seus achados mais nobres, e nesse exercício revelaram-se faces inéditas do controvertido conceito de Didática. O desafio empreendido por Barbosa (1997) é muito ousado. Toma para si a incumbência de decifrar o difícil sentido interdisciplinar da Dialética. Realiza sua pesquisa em três etapas: 1. Revisita autores clássicos e contemporâneos, verificando como o conceito foi sendo construído através dos tempos. 2. Analisa todas as obras de uma pesquisadora das questões da interdisciplinaridade, procurando extrair delas o movimento dialético empreendido na construção de categorias da interdisciplinaridade.

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3. Paralelamente, Barbosa ensaia um movimento último onde ele próprio, pesquisador, investiga sua própria dialética, o sentido da ambiguidade no movimento da vida de um profissional, tarefa muito difícil essa de tentar descrever estaticamente o movimento de uma vida... A partir dessa tentativa, constatamos a impossibilidade de explicar a vida por uma única vertente.

O movimento da interdisciplinaridade exige um novo olhar sobre integração Olhar o que não se mostra e alcançar o que ainda não se consegue. Isso envolve uma nova atitude de aprendiz-pesquisador, o que aprende com sua própria experiência pesquisando. Para tanto, é impossível pensála como um modelo estático ou um paradigma ao qual, por exemplo, um currículo deva conformar-se. Pressuporia paradoxos que desafiam e revolucionam os paradigmas norteadores, desestabilizando-os para conduzi-los a uma nova ordem. Olhamos para um novo tempo que não é cronos, tempo de controle, mas kairós, tempo que subverte a ordem de cronos, que se aproveita da imprevisibilidade, tempo flutuante. Em cronos submetemo-nos a cronogramas. Em kairós, à oportunidade de criar (Garcia, 2000). O conceito de currículo que esse olhar aponta é o de design curricular, cujos preceitos de conforto e estrutura estão presentes (Garcia, Matos e Fazenda, 2000). "Tudo se inicia numa prospecção de um traçado livre num espaço etéreo, porém é o traçado que me incita o olhar para dentro do universo fechado, sagrado e desconhecido da cor, a desvendar seus mistérios, seus encantos, sua magia. Apalpo meu terreno, como um arquiteto que lança a primeira linha num papel, o primeiro esboço de um projeto. Detenho-me nesse espaço fechado e circunscrito, a cada cor a ser descoberta um traçado; linhas sinuosas e retas, retas que se desfazem e múltiplas semi-retas, arcos não completos, apenas esboçados, linhas que me ascendem à transcendência dos lugares a conhecer e ao subterrâneo do que a humanidade toda que me antecedeu construiu. Jogo solto de linhas curvas e retas, rabiscos, esboços, como todo um arquiteto, conheço o terreno, piso nele, tateandoo" (Fazenda, C, 2000).

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Sistêmico Maria Candida Moraes

É um adjetivo que significa aquilo que diz respeito a sistema, palavra derivada do grego systema, que significa conjunto ou grupo. Sistema é um conjunto ordenado de objetos, fatos, acontecimentos ou elementos interrelacionados que apresentam características em comum. Designa um conjunto de relações entre os elementos integrantes de uma totalidade. O pensamento sistêmico surgiu a partir da década de 30, quando biólogos e ecologistas começaram a desenvolver as primeiras reflexões sobre o conceito de organização que passou a substituir a velha noção mecanicista de "função" presente na fisiologia. A organização passou a ser vista como um sistema constituído de partes que apresentam propriedades essenciais que surgem a partir de relações em comum. Vários são os autores que vêm tratando da construção do pensamento sistêmico. Entre as principais teorias existentes, destacam-se a Teoria Geral de Sistemas de Bertallanffy, a Cibernética de Wiener, a teoria das Estruturas Dissipativas de Prigogine, a Teoria dos Sistemas Autopoiéticos de Maturana e Varela e a Autopoiese dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann. De modo geral, é um pensamento que reconhece que tudo está interconectado e que o entrelaçamento da vida não é meramente uma conclusão religiosa, mas sobretudo científica. Ele nos permite ter uma visão de conjunto, perceber inter-relações no lugar de fatos ou conhecimentos isolados, compreender padrões de mudança no lugar de instantâneos estáticos. É um pensamento "contextual", local, que existe em determinado momento, o que lhe confere a qualidade de ser sempre datado, embora saibamos que nunca será um pensamento completo, total, por maior que seja o número de conexões que possam ser estabelecidas pelo ser humano. É uma forma de pensar que busca a totalidade, mesmo sabendo, de antemão, da impossibilidade de encontrá-la.

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Assim, o pensamento sistêmico facilita a compreensão das diferentes conexões, das interações que expressam o conjunto de relações estabelecidas entre o todo e as partes, entre ações e retroações, explicitando, inclusive, a organização que dá forma ao sistema. É um modo de pensar que facilita o estabelecimento dos mais diferentes diálogos, a circulação de informações, a recursividade das múltiplas conversações. Pressupõe abertura, movimento, desapego, abandono de ideias e a reformulação daquele tipo de pensamento que "se algo não saiu bem, está tudo perdido," já que ele facilita o reconhecimento dos aspectos complementares existentes nos fenômenos, na dinamicidade dos processos, nos fatos, nos eventos, enfim, na complexidade da própria trama da vida. Na verdade, é um pensamento que nos ajuda a compreender melhor que o sentido da vida é relacionai, que a realidade é una e constitui um todo e que participamos de uma grande sinfonia universal entretecida na eternidade do aqui e do agora. Ele também nos ajuda a compreender que tudo tem sentido, que cada coisa tem a sua razão de ser e de existir, que cada coisa ocupa um lugar no tempo e no espaço, participando, a seu modo, consciente ou inconscientemente, da grande dança universal. Na verdade, o pensar sistêmico facilita a percepção de que somos todos cúmplices de algo neste mundo. Em termos educacionais, o sentipensar sistemicamente é importante como forma de articular o pensamento interdisciplinar, facilitador de uma dinâmica mais adequada aos processos de construção do conhecimento. É também fundamental para o desenvolvimento de uma pedagogia reflexiva, para viabilizar a expressão da escuta-poética e da sabedoria da espera-vigiada, possibilitando uma melhor tomada de consciência a respeito do tempo necessário para que as transformações ocorram e qual é o melhor momento em que devemos atuar. Por outro lado, facilita a compreensão de como funcionam as organizações educacionais, apontando para a existência de múltiplas perspectivas curriculares e o entendimento de que aprendizagem e vida já não mais se separam. É um pensamento que nos ajuda a perceber a riqueza do diálogo interdisciplinar, que amplia a consciência humana para que possamos perceber que o futuro está embutido no presente, que o tempo é construção e que sempre haverá um espaço para a utopia, para os sonhos... e que ainda é tempo de reencantar a educação!

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Coerência Beatriz Di Marco Giacon

Sou tantas... aquelas que fui e aquelas que deixei de ser. Sou as minhas fobias e a minha coragem, sou projeto e desencanto. Sou a voz que denuncia e o silêncio covarde que cala. Sou vida que clama e morte que apaga. Sou carne e sou espírito. Sou tudo e nada. Sou tantas e sou nenhuma. Sou aquelas que serei... então sou todas. Sou...

Brecht dizia que "a obra que não se contradiz, jamais será viva". Do homem pode-se dizer o mesmo, conviver constantemente com os opostos representa um desafio instaurado pelo cotidiano. É deste embate que surge o caminho para a liberdade. É ele que faz com que viver não seja apenas uma aventura, senão a aventura na qual reside todas as aventuras, que faz com que a vida se abra num poema único, de inesquecível beleza, solitário e solidário, universal e privado. Viver é escolher, e a cada escolha existe uma deserção, um abandono, uma possibilidade que fica pelo caminho; é a nossa vontade mutante que se reveste e se transveste do hoje incrustado pelo ontem das nossas histórias, pelas cores das nossas paisagens interiores. É um gesto de relativa eternidade que se fecha para logo depois se abrir num mundo infinito de promessas, que cresce continuamente até implodir numa nova escolha. Se assim não fosse, viver seria um ato emperrado destituído do caráter dinâmico que impulsiona a vida para o salto utópico, contínuo e descontínuo, de se completar e de se fazer feliz.

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É nesta contraposição dialógica que instiga a possibilidade de ser ambíguo que finalmente surge a identidade e a alteridade, aquilo que somos, coerentes, mutantes — mutáveis, revelados e escondidos pelo olhar, palavras, gestos e fazeres. Da ambiguidade à coerência existe um caminho que se faz e se refaz, que ora se conclui, ora muda de horizontes, que remete às instâncias primitivas originárias da dicotomia humana, quando ainda na fase anal-sádica, o mesmo objeto, o seio da mãe, provedor de vida e alimento, é capaz de despertar, num tempo único, tanto o ódio homicida quanto o amor. É nesta convivência pacífica-conflitante entre Eros e Tânatos mantida por um tênue equilíbrio que surge o homem. Mas estar a caminho é uma condição ontológica do ser. É neste devir, no ir e vir interior e exterior, onde se faz necessário quebrar os espelhos do Narciso que habita no âmago de cada um, no desarticular da trama do conflito, que o homem concebe a sua verdade, mesmo que momentânea. Então, a palavra aprisionada é libertada, dando-lhe condição de se situar em seu discurso com significância contextualizada. A verdade é produto do momento, ela é uma fagulha e só recebe o conceito de verdade se for representativa do real naquele momento. Surge então a coerência. Coerência é uma palavra originária do latim, cohaerentîa, e significa estado ou qualidade de ser coerente, nexo entre dois fatos ou duas ideias. (Ferreira, 1986) Na literatura, a coerência é tida como um princípio de interpretabilidade e compreensão do texto, é resultado das relações subjacentes à superfície textual, tornando-se responsável pelo sentido do texto, envolvendo os seus aspectos lógicos, semânticos e cognitivos (Koch, 1999). Para falar de coerência, Rogers utiliza-se do termo congruência, que é definido como o grau de exatidão entre a experiência da comunicação e a tomada de consciência. Um alto grau de congruência significa que a comunicação (o que se está expressando), a experiência (o que está ocorrendo em nosso campo) e a tomada de consciência (o que se está percebendo) são todas semelhantes (Rogers, 1973). Coerência é uma disciplina normativa, tradicionalmente vinculada à filosofia, que se propõe determinar as condições da verdade nos diferentes

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domínios do saber. Pressupõe também a ideia de fio de linho ou de um conjunto de fios que estabelecem comunicações entre dois ou mais sistemas. A dimensão interdisciplinar, a coerência é um dos seus princípios, é uma virtude mãe, é o fio que faz a conexão entre os fios que formam a trama do tecido do conhecimento, é uma das diretrizes que norteiam todo o seu trabalho, e não poderia ser diferente, pois ela é a amálgama entre o manifesto e o latente, entre o pensar, o fazer e o sentir. É a coerência que dá consistência ao olhar, ao agir e ao falar, que faz com que o desejo individual adquira tamanha força que seja capaz de contaminar e se transformar em vontade coletiva que se realiza, pois "para a realização de um projeto interdisciplinar, existe a necessidade de um projeto inicial que seja suficientemente claro, coerente e detalhado, a fim de que as pessoas nele envolvidas sintam o desejo de fazer parte dele" (Fazenda, 1991a). "O desejo é busca de fluição daquilo que é desejado, porque o objeto do desejo dá sentido a nossa vida, determina sentimentos e nossas ações" (Chaui, 1997). Para se chegar à coerência é preciso se conhecer e conceder-se a capacidade de mudar, estar aberto ao outro, aos outros, numa osmose singular, pois coerência não significa que as ideias são imutáveis. Faz-se necessário permitir-se permitindo, num processo de espera vigiada constante, enriquecido pelo olhar de amor intencional, que se exprime, que reconhece e é reconhecido, um olhar capaz de transcender o próprio olho. A interdisciplinaridade propicia condições para que criador e criação transmudem de lugar, construindo-se ora como autores, ora como sujeitos, arquitetos da individualidade e do coletivo, como na imagem do Tao, onde Yan e Yang existem mutuamente, um no outro, mantendo-se o um e o todo. Ser interdisciplinar não permite atitudes de incoerência que se caracterizam pelo aniquilamento de alguns dos atributos da interdisciplinaridade que são "a afetividade, o respeito e a humildade, que impelem às trocas inter-subjetivas e parcerias. "Quem não for coerente não consegue ser interdisciplinar. A coerência vai de pensamentos a atos, é uma virtude que é movida pela humildade, ou seja, se não formos humildes para perceber que somos limitados, dentro de um ser que naturalmente é incoerente, nunca iremos nos flagrar em um momento, flash de coerência. A virtude está

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em observar esses flashs de coerência enquanto a força está na unidade" (Fazenda, 1999b.). "O projeto interdisciplinar não se ensina, nem se aprende: vive-se, exerce-se" (Fazenda, 1979) e viver é desvelar-se e revelar-se por meio dos atos e das obras. Jung, referindo-se à importância da coerência nas ações lembrou que "se o homem errado utilizar o método certo, o meio certo operará errado. Esta sentença, infelizmente verdadeira, da sabedoria chinesa, opõe-se da maneira mais brutal à fé que professamos no método certo, sem levar em conta o indivíduo que o utiliza" (Jung, 1981). Ser interdisciplinar é superar a visão fragmentada não só das disciplinas, mas de nós mesmos e da realidade que nos cerca, visão esta que foi condicionada pelo racionalismo técnico. "Outra superação de dicotomia e de visão fragmentada com que, de maneira simples, precisamos nos ocupar, para desenvolvermos, efetivamente, a atitude própria da interdisciplinaridade, seria aquela em que começássemos a nos questionar sobre uma visão dicotômica que ainda mantemos de nós mesmos, ao nos concebermos compostos por um corpo e por uma mente, ou — um desdobramento destes — compostos por pensamento, sentimento e movimento, acreditando que cada um destes segmentos, que nos compõem, possam ser desenvolvidos independentemente" (Bochniack, 1996). Aos racionalistas, adeptos de uma educação tradicional, linear, autoritária, impermeável às mudanças, castradora de vida e alegria, este trabalho da interdisciplinaridade que busca a coerência e a coesão do mundo fragmentado pela ciência é comparado ao trabalho de Sísifo, improdutivo, persistente e até insano, tamanha a ousadia. "A ideia de coerência profissional, indica que o ensino exige do docente comprometimento existencial, do qual nasce autêntica solidariedade entre educador e educandos, pois ninguém se pode contentar com uma maneira neutra de estar no mundo. Ensinar, por essência, é uma forma de intervenção no mundo, uma tomada de posição, uma decisão, por vezes, até uma rotura com o passado e o presente" (Freire, 1996).

É preciso estabelecer conexões entre os conhecimentos para que estes possam assim adquirir significado e sentido. O conhecimento contém necessariamente a complexidade. Complexus significa o que foi tecido junto.

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Um tecido interativo e interdependente entre as partes e o todo, entre o todo e as partes. "É preciso recompor o todo para conhecer as partes" (Morin, 2000). Temos que ressaltar que a importância do desenvolvimento desta visão coerente, complexa e sistêmica não se circunscreve apenas ao campo do conhecimento acadêmico, mas é necessária à preservação da própria humanidade, do próprio universo, pois possibilitará ao homem o diálogo compreensivo consigo mesmo e com o outro, com a natureza, integrantes e integrados em busca da hominização na humanização. Morin (2000) afirma que uma das vocações essenciais do futuro será o exame e o estudo da complexidade humana. "Conduzindo à tomada de conhecimento, por conseguinte, de consciência, da condição comum a todos os humanos e da muito rica e necessária diversidade dos indivíduos, dos povos, das culturas, sobre nosso enraizamento como cidadãos da Terra" (idem). Transformar interdisciplinaridade em vida, "vida mais completa, mais justa, menos angustiada, em que o amor, o conhecimento e o humanismo se somem em vez de aniquilar, livres das obsessões tanto emocionalistas quanto racionalistas" (Piza, 2000), pode parecer utópico, mas como Paulo Freire (1996) nos diz, "toda utopia tem seu valor pois que representa uma dialética entre denúncia e anúncio, a denúncia da estrutura desumanizante, o anúncio da estrutura humanizante". Interdisciplinares... interdisciplinados... interdisciplinando... temos um longo caminho pela frente... mas ...o caminho se faz ao caminhar.

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Contextualização Wagner Tufano

Contextualizar. ato de colocar no contexto. Do latim contextu. Colocar alguém a par de algo, alguma coisa, uma ação premeditada para situar um indivíduo em um lugar no tempo e no espaço desejado, encadear ideias em um escrito, constituir o texto no seu todo, argumentar. Inicio por encadear ideias, contextualizando-me enquanto Wagner, nome cuja origem da escolha recai em minha mãe e suas dificuldades em torná-lo aceitável na família. Afinal, sou o filho mais velho do irmão mais velho e do avô mais velho, e em uma tradicional família italiana, o bom costume dizia que eu deveria levar o nome de meu avô — André —, o que de certa forma também me agradaria, visto que os primogênitos da família levavam o nome em uma geração de André e na outra de Luiz. O significado do nome é simples: Wagner, em alemão, significa construtor de vagões ou carros wagen. Mas isto não foi levado em conta no contexto da escolha, e sim o fato de ser o nome de um lindo menino filho de uma vizinha de minha mãe. O sobrenome Tufano, de origem italiana, como já mencionei, é até comum naquele país. Trata-se de uma mutação do sobrenome Tufik, de origem árabe. Como descendo de italianos sulistas, acredito que este sobrenome seja comum nessa região da Itália, devido a alguma invasão árabe em algum momento da história. Pode parecer ingênuo aos olhos de alguns a releitura do próprio nome. Para mim, entretanto, é uma forma de revelar-me, de contextualizar-me neste momento em que produzo um de meus primeiros ensaios acadêmicos. Contextualizar é, portanto, relevar tudo aquilo que a princípio pode parecer óbvio ao olhar do escritor ou do pesquisador, mas não na percepção de qualquer pessoa que possa vir a ler seu trabalho. É uma tentativa de

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transportar o leitor para o seu mundo, para o problema que você tenta resolver ou discutir buscando transformar este simples leitor em ator de sua peça, sua história. Contextualizar é ainda analisar e estudar todas as raízes de uma árvore, que durante muitos anos foram crescendo e desenvolvendo para garantir também o crescimento e desenvolvimento da própria árvore, aquela que é visível aos nossos olhos, mas poderia não ser nada se não fossem as raízes que a sustentam e lhe dão firmeza, e apesar de tanta importância, não são visíveis em um primeiro olhar. Contextualizando tentamos colocar algo em sintonia com o tempo e com o mundo, construímos bases sólidas para poder dissertar livremente sobre algo, preparamos o solo para criar um ambiente favorável, amigável e acolhedor para a construção do conhecimento. Com o hábito de contextualizar, é possível transmitir uma ideia e até perceber a sua captação por meio do olhar dos interlocutores. E é por intermédio desta convergência de olhares que, durante a contextualização, podemos dar as mãos aos nossos alunos e caminhar com eles. Contextualizar é função inicial e talvez uma das principais atribuições do professor em sua sala de aula, transformando esta caminhada, antes árdua, em um processo feliz, prazeroso. O ato de contextualizar exige a virtude primeira da interdisciplinaridade, que é a coerência entre o falar, o pensar e o agir. Se a contextualização textual for tratada como um processo rotineiro ou obrigatório, poderemos ter textos vazios, apáticos, que mostrem apenas aspectos de domínio público, inserindo muito pouco ou às vezes absolutamente nada ao leitor. A contextualização é um ato muito particular e delicado. Cada autor, escritor, pesquisador ou professor contextualiza de acordo com suas origens, com suas raízes, com o seu modo de ver e enxergar as coisas, com muita prudência, sem exagerar.

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Ambiguidade Cristina Maria Salvador

"O filósofo se reconhece como aquele que tem inseparavelmente o gosto da evidência e o sentido da ambiguidade (...) o que faz o filósofo é o movimento que se reconduz sem cessar do saber à ignorância, da ignorância ao saber, e uma espécie de repouso neste movimento..." Maurice Merleau-Ponty

O ser humano vive a ambiguidade latente entre o ser/estar, entre ser e estar sendo. O conhecimento nasce dos movimentos contidos nas dúvidas, nos conflitos, nas perguntas/respostas, nas certezas/incertezas que são vivenciadas na solução e/ou propostas, alternativas em superar, assumir, atuar, agir nessa ambiguidade do ser. A busca da totalidade só é possível no "e", no viver a ambiguidade, o confronto. Os conflitos que vivemos têm origem na colisão de forças opostas ou não: amor/ódio, fidelidade a si mesmo/ao próximo... Vive-se a ambiguidade entre o ocultar-se e o desocultar-se, entre a luz e a sombra. A própria linguagem revela a ambiguidade ao provocar a reprodução, a imitação e ao mesmo tempo se lançar como desveladora do mundo, como ponta-de-lança ao saber. Em sua polissemia e conotações, cria, recria, se transforma e ao mesmo tempo se mantém. É dinâmica e estática, simultaneamente. A humanidade participa do processo de construção de um novo paradigma, das certezas absolutas às relativas, das definidas às indefinidas, "do homem certo para o lugar certo", máxima do positivismo, para o questionamento: "qual é o homem certo para determinado lugar?", "qual é o lugar certo a determinado perfil de homem?" O próprio conhecimento, em sua construção, vivencia momentos de certezas provisórias, de incertezas frequentes nos seus diferentes ramos, numa sociedade que se modifica num processo vertiginoso em decorrência da rapidez com que as

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mudanças sócio-política-econômica-cultural ocorrem. Mudanças que nem sempre estão relacionadas à melhoria da qualidade de vida. Talvez possamos falar em paradigma da insegurança, das incertezas, da nãolinearidade, da descontinuidade, do diferente. Atuar na direção deste novo modelo paradigmático pode desencadear um movimento interdisciplinar e, neste, o encontro de ambiguidades. Meu primeiro contato com o conceito de ambiguidade ocorreu por ocasião da definição do meu objeto de pesquisa, na minha dissertação de mestrado. Quanto mais refletia sobre o assunto, mais me sentia dominada por ele, mais instigante era a busca de sua apreensão e de seu entendimento. Passei depois de algum tempo a enxergar a ambiguidade em muitas das situações, sentimentos e fatos que vivenciava. O vocábulo ambiguidade vem do lat. ambiguitas, atis e significa incerteza, dúvidas (Cretella Jr., 1953: 75). Em Abbagnano (1998: 36), o autor apresenta dois significados ao termo. O primeiro, o mesmo que equivocação, e o segundo refere-se a estados de fatos ou situações: possibilidade de interpretações diversas ou presenças de alternativas que se excluem/incluem. Desde Sócrates (470 a 399 a. C.) a ambiguidade parecia estar presente, quando o filósofo anunciava a preocupação: "conhece-te a ti mesmo", num convite a uma viagem ao "eu" interior à procura do desvelar da interioridade, na busca da totalidade, do conhecer-se inteiro. No processo, um convite à reflexão: "da dúvida interior à dúvida exterior, do conhecimento de mim mesmo à procura do outro, do mundo (...) Do conhecimento de mim mesmo ao conhecimento da totalidade" (Fazenda, 1998a: 15). O movimento de totalidade, do conhecer-se, implica dimensões subjetivas e objetivas que coexistem num mesmo tempo e espaço. O ser humano em sua totalidade sofre interferências de sua interioridade e exterioridade, cujas marcas são infinitas. Sócrates, com sua atitude de questionamento, provocava o interlocutor com perguntas, que poderiam desencadear dúvidas, ambiguidades, ao colocar em xeque aquilo que se afirmava com certeza. Shakespeare (1564-1616) discute o "ser ou não ser" em suas obras. Em Otelo, o autor trabalha com sentimentos e situações conflituosas, envolvendo os mesmos personagens: amor e ódio, lealdade e traição, realidade e aparência, morte e vida. Otelo, instigado por Iago, vive a insegurança com relação ao objeto de seu amor e, deixando-se vencer por sentimentos

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negativos, mata Desdêmona. Porém, ao constatar sua inocência, comete suicídio em seguida. Dentre os clássicos, Rousseau (1712-79), Decrolly, Montessori, viveram a ambiguidade em seu projeto de vida e educação. Mais recentemente, Fazenda anuncia que trabalhar interdisciplinarmente a ambiguidade significa trabalhar no "e", ou seja, atuar entre forças, dimensões que tenham uma relação essencial e simultaneamente, no mesmo processo, atuar de forma que se interajam e se completem, como faces de uma mesma moeda. Trata-se de aproximação em que as dimensões não perdem sua integridade, o que possibilita, manter a relação todo/ parte e parte/todo. Quando Freire (1997:25) afirma que "quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender"; Gusdorf (1977: 25) que a "fala estabelece uma nova linguagem, o momento em que o nós se realiza no eu e no tu" e Rios (1997: 134) que "toda prática tem sua sustentação na teoria e toda teoria revela ou confirma uma prática", porque não existe prática sem teoria e não existe teoria sem prática, esses autores estão refletindo numa dimensão interdisciplinar, cuja dimensão entre o ensinar/aprender, o eu/tu, a teoria/prática foi superada pelo movimento do olhar ao atuar na ambiguidade, incorporando-a na busca da totalidade. Busca que desencadeia um processo de reciprocidade, de correspondência mútua entre os elementos, cuja quebra de um único olhar amplia para o universo de olhares possíveis, de caminhos às vezes mais complexos, na busca de certezas provisórias. Atuar a ambiguidade numa ação interdisciplinar, portanto, é uma questão de abertura, de percepção frente à complexidade existente na construção de conhecimento, numa perspectiva de inclusão, assumindo as alternativas num processo interativo que se complementam, por superação. No estabelecimento do conhecimento, navega-se da objetividade à subjetividade e vice/versa, ou seja, no âmago da ambiguidade interdisciplinar. A escola vem enfrentando, ao longo de sua história, inúmeras situações dicotômicas, inclusive nas tendências educacionais e teorias que a influenciam, bem como em relação ao projeto a que se propõe desenvolver. Cabe-lhe formar ou informar? Enfatizar a teoria ou prática, o conteúdo ou a forma, o ensino ou aprendizagem? Ouvir o aluno ou o professor? Atuar no pedagógico ou no administrativo? Como a escola, o coordenador pedagógico enfrenta em seu fazer cotidiano o confronto do pedagógico e do educacional nas mediações estabelecidas com o professor e o aluno no

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exercício de sua ação supervisora. Nesse dilema, escola e coordenador excluem ou incluem uma das dimensões mencionadas. Se a opção for pela exclusão, a atuação será no "ou", ou seja, uma em detrimento da outra. Com relação à escola, o foco, o olhar estarão direcionados em uma só direção, ou seja, suas ações se movimentarão ao encontro da formação "ou" da informação. No que diz respeito à coordenação pedagógica, o foco será no pedagógico "ou" no educacional. No entanto, se a escola e o coordenador optarem pela inclusão, assumirão as dimensões, de formação "e" de informação, bem como do pedagógico "e" do educacional, respectivamente. Ao assumir o "e", quebrarão a direção do olhar num único sentido para direções possíveis. Nesse movimento estarão atuando na ambiguidade, numa atitude interdisciplinar, numa ação dialética fundamental à transformação, buscando a totalidade. No momento, nesta reflexão, minha compreensão provisória do conceito é de que a ambiguidade faz parte da natureza do movimento da interdisciplinaridade, impregnando seus princípios: como a espera, a humildade, a coerência, ousadia... Ser ambíguo é permitir-se oscilar entre diferentes contextos, mas estar sempre dentro do processo. É permitir-se trilhar na emoção e na razão, na busca de ser inteiro.

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Harmonia Vitória Rachar

Por meio da vivência e mergulho teórico em algumas categorias da interdisciplinaridade, foi possível escrever esse texto, após uma viagem a Veneza. Ela serviu de metáfora para apresentar a harmonia existente entre os contrastes presentes na vida e, por que não, na Educação. Estive três dias inteiros, inteira, viajando pelas estranhas e (des)conhecidas paisagens do cenário veneziano. Agora, distante e com o olhar de outro ponto, paro para apreciar a viagem, desnudando o estrangeiro e descobrindo o familiar. Veneza é especial, aponta o valor do singular, dos contrastes e da ambiguidade. Ilha com o céu escancarado, cheia de pontes, ruas estreitas, repleta de praças, carregada do poético da música dos grandes compositores que lá viveram: Mozart e Vivaldi. Não deve ter sido uma escolha por acaso, nem mesmo para o Casanova, que representa bem o quanto o lugar é sedutor e seduz seus visitantes, independente da proveniência de cada um. Ela intoxica com o belo que se prolifera na arte de mil cores e nas curvas dos cristais; nas igrejas que atendem ao gosto de todos os santos, nas máscaras exóticas que todos nós gostaríamos de usar e travestir para bailar nas ruas da vida... Relembrar e relatar cada detalhe é rever cada instante dos momentos que eu gostaria de partilhar e compartilhar essa outra viagem, mas pondo em evidência algumas forças da interdisciplinaridade que para mim despontaram, sensibilizada pelos encontros na sala de aula interdisciplinar. A começar pelas pontes, que se multiplicam a cada passo, e trazemme a imagem da ligação constante que fazemos dos fragmentos da nossa história individual, e que me levam a pensar nas pontes que somos, quando possibilitamos o encontro do outro consigo próprio, ou ainda em tentativas

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intermináveis de atravessar diversas situações desafiadoras, ou mesmo, quando estamos nos movimentando de um lado para outro, conhecendo e vivendo outra perspectiva. As ruas estreitas, por onde o sol tenta se fazer presente, por isso cada raio de luz torna-se imponente e importante, no contraste de sombra e luz que torna o feio belo. Luz e sombra se completam nas pinturas caravagistas. A luz ilumina, pois há muita noite em volta das estrelas. Passamos as estreitas passagens esgueirando do outro e das paredes que quase nos asfixiam, parecendo tombar sobre nossos ombros. Surpresos, ao chegar ao outro extremo, deparamos com uma larga praça, oferecendo-nos a sensação de um grande respiro de alívio e satisfação. Sentimos o grato prazer da expansão, de alargarmos os braços, num movimento de abertura para fora ao vivenciarmos o aperto de vivermos o para dentro. Perdidos nas caóticas ruas, verdadeiros labirintos preparados pelos deuses, que não seguem a nossa lógica, encontramos-nos em outra estética de organização. Perder-se e encontrar-se é um refrão do desbravador. Entramos por um caminho e, muitas vezes, acabamos nele mesmo, dando voltas no mesmo lugar, sem conseguir ir adiante. Isso é conhecido, familiar... Ou então começamos planejando chegar a um lugar e acabamos descobrindo um outro, no meio da expedição. Como aventureiros exploramos o novo, para nós, mas que se mostra como velho nas marcas do tempo e na história, representada na arquitetura dos prédios. Em cada praça a que chegamos há uma estátua/escultura, contando uma história, ou um poço/fonte oferecendo-nos água corrente e em abundância. Pois o que não falta em Veneza é água, por todos os lados, fazendo-nos sentir a ilha que somos. Num dos extremos dessa ilha, próximo ao Giardinni, distante dos turistas, descobrimos um outro lado, pouco conhecido desse espaço geográfico. Um imenso parque/jardim, com centenas de árvores enfileiradas, numa organização metódica de jardineiro, paisagem delineada pelos limites das águas. O limite/fronteira tão visível e necessário para ressaltar o horizonte que se abre ao longe, na amplitude do mar. Sozinhos, mas o tempo todo invadidos pelo coletivo, na praça São Marcos, grandiosa criação humana. Uma multidão maravilhada se avoluma e se mistura às numerosas pombas que sobrevoam as cabeças, fazendo malabarismos para desviarem dos corpos em movimento.

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O clique e flash das câmeras estala por todos os lados e nos sabemos "não sozinhos", mas viajando por outros países, sem preconceito étnico, presentes anônimos nas fotos/histórias de outros desconhecidos. Somos personagens da nossa história e figurantes na de outros, apesar das várias vezes que assistimos o encadeamento das situações que escapam ao nosso desejo e controle. É ser espectador e ator na mesma cena. Em cada momento do dia ou da noite que atravessamos a praça São Marcos, descobrimos um detalhe, antes não visto, deslumbrados com a possibilidade de que isso possa acontecer infinitas vezes, ao visitarmos um mesmo lugar ou uma mesma pessoa. Rever se torna reler e repensar, onde a profundidade brota dessa experiência. A poesia da brisa nos toca, ao viajarmos por baixo das pontes, sob a direção e manobra exímia dos gondoleiros, personagens simbólicos do romantismo que habitam nosso inconsciente coletivo. Ao balanço das águas, nos movemos sem os pés, vivemos uma dinâmica nova de relação com o mundo, apesar da intimidade primitiva com a água antes do nosso nascimento. Renascemos a cada momento. O íntimo e o público se misturam quando nos deparamos com as roupas no varal, expondo a intimidade ao vento. Elas dizem um pouco dos habitantes que aí moram, mas sem receios; partilham com o outro e outros o espaço de exposição, lembrando instalações de arte da Biennale. Por meio deste texto, penduro minhas ideias no varal da sala de aula e exponho as minhas vivências, emoções e ideias depuradas no meu pensar e viver. Há muito do que dizer sobre Veneza e o fascínio que ela desperta, mas gostaria de pontuar a harmonia que existe entre os contrastes que surgem a todo momento: Luz/sombra Dentro/fora Limites/horizonte Organização/caos Velho/novo

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Privado(íntimo)/público Individual/coletivo e outras subentendidas nas entrelinhas. E volto à questão inicial: harmonia dos contrastes da vida não será também da Educação? O diferente não pode conviver em harmonia? Deixo para o leitor fazer as suas próprias conexões, servindo-se da metáfora para visitar categorias da interdisciplinaridade com outro olhar. Investigar na sua sala de aula, nos alunos, na prática e em si mesmo tudo o que se enlaça e entrelaça.

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Identidade Ednilson Aparecido Guioti

Categoria tão importante da interdisciplinaridade que se manifesta, ganha vida e produz frutos deliciosos. A identidade pode ser classificada como individual ou coletiva, real ou virtual. E por que não todas ao mesmo tempo convivendo, colaborando, competindo, se consumindo ou se multiplicando? A identidade pode nascer ou se fortalecer de outras categorias da interdisciplinaridade como a parceria, a espera, a coerência, a humildade, o respeito, o olhar, a ação etc. Podemos exemplificar isso da seguinte forma: como nasceu a ideia da construção de um "Dicionário de verbetes da interdisciplinaridade"? Pois bem, nasceu de uma proposta da professora Ivani, na qual cada integrante iria escrever algo sobre uma ou várias categorias da interdisciplinaridade. Foi necessário partir dela um olhar que nos tocasse, nos seduzisse. Nesse momento começou nascer a identidade coletiva. Passamos a nos identificar coletivamente por meio da troca de olhares, da cumplicidade e do interesse coletivo. No decorrer das reuniões experenciamos e degustamos sabores como a espera, a humildade, o afeto, o respeito e a linguagem. Quando individualmente nos retiramos para ler e escrever sobre os termos, sempre se fez presente o sabor agridoce da paciência, da coerência, da espera vigiada e da ação. Para escrever sobre as categorias da interdisciplinaridade foi necessário muito mais que vontade ou desejo: foi necessário uma profunda e significativa identificação individual do autor com o verbete escolhido. A identidade não "nasce" pronta e acabada. Ela é construída passo a passo, configurando-se num projeto individual de trabalho e de vida que nunca pode ser dissociado de um projeto maior, o do grupo. Ao pesquisar e escrever sobre identidade, o encontro comigo mesmo e a consequente construção da identidade individual foi inevitável. Tratar

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sobre identidade é buscar dentro e fora da gente; é desvelar, desnudar: é deixar cair o véu que nos cobre para nos conhecermos em nós mesmos e nos conhecermos nos outros, no grupo. Saber onde eu começo e onde termino, onde interajo, onde me separo, onde acredito ou nego. Como dissemos, a identidade em sua forma individual ou coletiva, real ou virtual, pode ao mesmo tempo conviver, competir, se consumir ou multiplicar. Para me identificar com alguma coisa ou com alguém, não preciso necessariamente estar junto desta pessoa. Com a utilização das novas tecnologias em educação é possível notar que essa identidade também é criada ao redor de ideais e objetivos comuns, mesmo sem que os indivíduos nunca se encontrem pessoalmente. Veja o exemplo das listas e grupos de discussões, dos chat's (por diferentes temas como idade, interesse, cidade etc), entre outros. Ter ou criar identidade é ser você e muitos outros ao mesmo tempo, é estar presente e ausente, próximo e distante... Ao ler algo, você lança sobre ele um olhar profundo tentando buscar a essência, um significado maior. Enquanto lê essas poucas linhas você pode ou não se identificar com o que está escrito. Se essa identidade acontecer, posso começar a fazer parte de você, assim como para escrevêlo passei a ser muitos outros que li, especialmente o grupo com o qual tenho vivido em sala de aula.

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Cor Carla Maria Arantes Fazenda

A luz, primeiro fenômeno do mundo, revela-nos o espírito e a alma viva do mundo por intermédio das cores.1 Por meio das pálidas cores dos monumentos do passado podemos também imaginar a disposição emocional de povos desaparecidos...2 Os efeitos das cores podem ser experienciados e compreendidos não apenas visualmente, mas também psicológica e simbolicamente. Assim, a questão da cor pode ser examinada sob infinitos aspectos: 1. O físico estuda a natureza das vibrações de energia eletromagnética e partículas envolvidas no fenômeno da luz, as muitas origens desse fenômeno, como a dispersão prismática da luz branca e questões de pigmentação. Investiga misturas de luzes cromáticas, espectro dos elementos, frequências de comprimento de ondas de raios de luzes coloridos. Medição e classificação são tópicos para a pesquisa física. 2. O químico estuda a estrutura molecular dos corantes e pigmentos, veículos e preparação de corantes sintéticos. A química da cor atual serve a um campo enorme de pesquisa e produção industrial. 3. O fisiologista investiga os vários efeitos da cor em nosso aparato visual — olho e cérebro —, suas relações anatômicas e funções. Pesquisa da adaptação visual ao claro e escuro também se destaca, assim como o fenômeno da pós-imagem. 1. "(...) cor é vida, um mundo sem cor parece um mundo morto. Assim como a chama produz luz, a luz produz cor. Assim como a entonação carrega a cor ao mundo falado, a cor carrega sons percebidos espiritualmente para a forma... cores são filhas da luz, e luz é sua mãe. A luz, o primeiro fenômeno do mundo, nos revela o espírito e a alma viva do mundo através das cores" (Itten, 1960). 2. "(...) a história da cor é a história da civilização..." (Birren, 1996).

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4. O psicólogo interessa-se pelos problemas da influência da radiação das cores em nossas mentes e espíritos. O simbolismo da cor, a percepção subjetiva e a discriminação das cores são preocupações dele. 5. O artista, finalmente, interessa-se pelos aspectos estéticos dos efeitos cromáticos e necessita de todas as informações anteriores para sua pesquisa. Fenômenos visuais, mentais e espirituais relacionam-se ao domínio da cor e da arte. Nesse domínio, a estética da cor aproxima-se de três direções: • expressão emocional; • impressão visual; • construção simbólica. Somente aqueles que amam as cores percebem sua beleza e presença imanente. Elas servem utilitariamente a todos, mas seus mistérios desvelam-se apenas aos seus devotos. Voltando às três direções para o estudo da cor — construção, expressão e impressão —, deve-se levar em conta que o simbólico sem uma acuidade visual e sem força emocional seria mero formalismo; o efeito visual da impressão sem uma verdade simbólica e poder emocional seria naturalista, imitativo e banal; o efeito emocional sem a construção simbólica ou a força visual limitar-se-ia ao plano da expressão sentimental. A cor, enquanto fronteira para o mundo dos objetos, permite-nos percebê-los e reconhecer suas inter-relações. Sua essência interior permanece distante da nossa compreensão, necessitando de uma aproximação intuitiva. Aproximações objetivas ao fenômeno da cor vêm sendo teorizadas desde Aristóteles, Goethe, Runge, Chevreul até os atuais Riley e Birren, passando por Da Vinci, que salienta a importância da subjetividade.3 Em arte, o que conta não é a expressão e a representação da cor, mas o indivíduo e sua identidade e humanidade. Primeiro vem o cultivo da criação do indivíduo, depois esse indivíduo pode criar. 3. Em seu Trattato della Pinttura, Da Vinci liberta seus leitores da incumbência do conhecimento, encorajando-os a seguir sua intuição.

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O estudo sério da cor é um meio excelente para o cultivo de seres humanos. Isso reflete-se na experiência da lei eterna de toda geração natural; reconhecer a necessidade é render seu livre-arbítrio e servir ao Criador — para tornar-se homem.

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Estética Ricardo Hage de Matos

A palavra estética tem origem no grego aisthetikós, uma derivação de aisthanesthai, cuja tradução direta para o português seria perceber ou sentir. Podemos então intuir que a estética seja um ramo do conhecimento humano que trata daquilo que sentimos ou percebemos no mundo de forma subjetiva, mesmo emocional (Japiassu & Marcondes, 1996). Atualmente, a estética é reconhecida pela interdisciplinaridade como o ramo do conhecimento que estuda as relações sensoriais que nos fazem discriminar o que é belo e o que é feio. Neste sentido tenta analisar quais são as estruturas lógico-formais e lógico-subjetivas que atuam no Homem de forma a categorizar suas escolhas. A ideia inicial da estética surge com Baumgarten, no século XVIII para designar o estudo das sensações humanas como uma "ciência do belo". Este filósofo alemão é muito pouco estudado, mas é considerado o pai da estética moderna. Podemos dizer que se inicia aí um verdadeiro "estudo do gosto", um estudo daquilo que nos faz sentir e apreciar o belo (Japiassu & Marcondes, 1996). Para ele a estética poderia ser construída como um ramo do conhecimento que nos conduziria a um entendimento do belo como fruto da razão e que, portanto, poderia codificar formalmente esta mesma beleza. A ideia desta "ciência do belo" é plenamente justificável pela época em que essa ideia foi construída: o início da fragmentação do conhecimento humano e o auge do racionalismo. A partir da construção da possibilidade de tais estudos por Baumgarten, Kant (final do século XVIII) desenvolve a estética de forma diferente. Para ele a estética é antes de tudo uma área de estudo transcendental, ou seja, não é uma área do conhecimento que possa ser objetivada; portanto, não pode ser ciência. A partir daí ele coloca a estética apenas como um discurso crítico do "gosto". Penso que a partir daí muitos poderão ter entendido a estética como uma "ciência" menor, apesar de

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Kant ter apenas nos colocado, com os recursos filosóficos disponíveis por ele na época, a impossibilidade de se pensar em algo advindo do mundo sensível com sua própria razão kantiana (e por que não dizer, ocidental). A partir daí, em Crítica do juízo, Kant leva a estética a ocupar uma posição de destaque no que chamou de "juízo do gosto": é ela (a estética) que faz o sujeito definir e entender o que é belo, tanto na natureza quanto no espírito. Abandonando a visão de Kant, principalmente quanto à questão dos critérios de beleza ligados à natureza, Hegel (início do século XIX) revoluciona a estética ao declarar que "a arte não é outra coisa senão o mais subjetivo desenvolvimento do espírito a partir do real" (Japiassu & Marcondes, 1996). Neste momento começamos a entender dois princípios distintos que serão aceitos pelo Ocidente de forma quase inquestionável na atualidade: a estética é entendida como categoria filosófica da arte e é regida por princípios subjetivos que, por definição, seriam intangíveis. A estética deixa assim de constituir um corpo teórico coerente para se desmembrar em várias estéticas, dependendo da corrente teórica que a desenvolver, dentro de suas particularidades. Dentro da interdisciplinaridade, o estudo da estética torna-se importante a partir da reflexão sobre as causas e consequências da fragmentação do conhecimento humano em especialidades. A evolução do pensamento estético se transforma numa metáfora deste processo: Baumgarten tentou criar uma estética científica; Kant identificou nela uma natureza subjetiva que impossibilitaria uma cientificidade do belo; e Hegel nos fala sobre a relatividade do discurso estético, prejudicando, portanto, sua generalização como teoria. A partir daí a estética torna-se uma terra de ninguém, "renunciando em princípio a todo cânone" (Japiassu & Marcondes, 1996), perdendo qualquer referencial que desse a ela legitimidade. Nos estudos em interdisciplinaridade, esse processo de desvalorização fica claro quando do entendimento dos processos culturais que formam ou negam a existência de uma erudição e a necessidade da atuação do professor como "ecleta" (Matos, 1995). A erudição necessária no trabalho interdisciplinar é valorada muitas vezes por um viés ideológico: um professor erudito é um ser rico, faria parte da elite, enquanto um professor especialista é visto como um profis-

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sional como outro qualquer, na maior parte das vezes proletário. As estruturas que discriminam como fazemos essa leitura podem ser entendidas dentro de um pensar estético: quais são os elementos visuais que nos indicam a riqueza ou a pobreza, a erudição ou a especialização?. Quais são os elementos sensíveis que nos dizem que um aluno é pobre, o que por si só já define, na maior parte das vezes, como um professor vai se comportar com esse determinado aluno ou classe? Boa parte dos princípios interdisciplinares, como a atitude, o respeito e a humildade, é influenciada por esses aspectos estéticos. A construção de uma autoestima também pode ser comprometida, e dentro dos processos interdisciplinares de ensino, certos aspectos da construção de uma autovaloração, tanto do aluno quanto do professor, só podem ser entendidos esteticamente. Nas sociedades, valoramos as pessoas e as classificamos socialmente antes de tudo por uma apreciação estética. Uma joia pode ser um objeto caro, talvez pelo tipo de material empregado, e neste caso faço uma valoração quantitativa, objetiva. No entanto, conhecemos vários exemplos de objetos que não têm valor monetário baseado nos materiais utilizados em sua construção, mas que são de uma beleza ímpar (Matos, 2000). Outra situação importante nos é apresentada quando o professor mostra ao aluno algo que para ele (ou para o currículo) é belo. Para o aluno esta informação não faz sentido, nos casos em que sua origem cultural não é a mesma que a do professor. Este choque estético pode reforçar na cabeça do aluno que existe um panorama estético bom, belo, que não faz parte de sua vida, e outro, feio e pobre, na qual ele está inserido. Isto é muito comum no Brasil, onde vivemos basicamente dois panoramas estéticos distintos. Um deles vem do Modernismo e da Bauhaus, movimento alemão do início do século que constrói a ideia de uma minimalidade e funcionalidade estéticas. Qualquer objeto ou roupa, edifício ou automóvel em que possamos identificar essa "limpeza" de formas, de adereços e de cores, só é possível após a aparição do pensamento estético da Bauhaus. Já o que consideramos "brega", cafona e, por extensão, pobre, nada mais é do que a estética do Barroco. Caracterizada pelo excesso de adereços, formas e cores, o Barroco pode ser considerado a única expressão visual artística completamente brasileira, já que é esteticamente diferente de todas as outras expressões surgidas naquela época. Associamos o Barroco ou "brega" às camadas menos favorecidas, pelo fato de que essa é a parte da população que tem menos informação: ela ainda não sabe que a Bauhaus e o Modernismo surgiram, ninguém a infor-

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mou. A partir daí fazemos um julgamento estético: fulano é pobre porque é brega e sicrano é rico porque é clean. Também fazemos um outro julgamento muito importante e do qual não nos damos conta: se o fulano é brega, ele é pobre, mas é brasileiro, portanto legítimo, autêntico. Se o sicrano é clean, ele é rico, mas descontextualizado de nossa realidade: é mais um brasileiro querendo virar belga, europeu. Neste caso em particular, uma apreciação estética se transforma quase que num instrumento ideológico de afirmação da brasilidade. O não-entendimento e explicitação desses processos pode levar um projeto interdisciplinar à falência! Atualmente, os estudos da interdisciplinaridade nos indicam a necessidade de valorização, tanto pelo professor quanto pelo aluno, de seus referenciais estéticos, para que possam compreender melhor como estes interferem consciente e inconscientemente no processo educacional interdisciplinar.

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Humildade Claudio Alves

A humildade (Fazenda, 1994) não é depreciação de si nem falsa apreciação. Não é ignorância do que somos, mas conhecimento, ou reconhecimento, do que não somos. É seu limite, pois refere-se a um nada. Mas é nisso também que ela é humana: "Tão sábio quanto quiser, mas enfim é um homem: o que é mais caduco, mais miserável e mais nada?".5 Sabedoria de Montaigne: sabedoria da humildade. É um absurdo querer superar o homem, o que não podemos, o que não devemos fazer.6 A humildade é virtude lúcida, sempre insatisfeita consigo mesma. É a virtude do homem que sabe não ser Deus. Assim, é a virtude dos santos, quando os sábios, salienta Montaigne, às vezes parecem desprovidos de humildade. Pascal não está de todo errado ao criticar a soberba dos filósofos. É que alguns deles levaram a sério sua divindade, sobre a qual os santos não se iludem. "Divino eu?" Seria preciso ignorar Deus ou ignorar a si mesmo. A humildade recusa pelo menos a segunda dessas duas ignorâncias, e é nisso, antes de tudo, que ela é uma virtude: está vinculada ao amor, à verdade e a ela se submete. Ser humilde é amar a verdade mais que a si mesmo. Todo pensamento digno desse nome supõe a humildade, opondo-se nisso à vaidade, que pensa e crê em si. A humildade pensa antes, sem crer em si; ela duvida de tudo, especialmente de si mesma. Humana, humana demais... Quem sabe se ela não é a máscara de um orgulho muito sutil? "A humildade", escreve Espinosa, "é uma tristeza nascida do fato de o homem considerar sua impotência ou sua fraqueza(3)".7 É menos uma 5. Montaigne, E., apud Romano, 2, pp. 345, 346. 6. Montaigne, Essais, N: Romano, 12, p. 604. 7. Éthique, III, def. 26 dos afetos (salvo explicitação em contrário, cito Espinosa a partir da tradução Appuhn, que às vezes corrijo).

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virtude do que um estado: é um afeto, um estado de alma. Se alguém imagina sua própria impotência, sente um vazio na alma "se entristece por isso mesmo".8 É a experiência do dia-a-dia que podemos confirmar e fazer, da vivência e do conhecimento, desenvolver humildade, fazendo dela uma força. Ora, a virtude, para Espinosa, é a força da alma e sempre um momento de alegria! A humildade, portanto, não é uma virtude isoladamente,9 e o sábio não tem por que se preocupar com ela, independente de suas atitudes particulares. É possível que seja apenas uma questão de palavras. A humildade, para Espinosa, sem ser uma virtude, é "mais útil que prejudicial",10 pode ajudar quem a pratica a "viver enfim sob a condução da razão". Os profetas tiveram razão de recomendá-la. Espinosa aponta outro afeto, positivo, que corresponde à humildade virtuosa: "Se supusermos um homem concebendo sua impotência porque ele conhece algo mais potente que ele mesmo, e por esse conhecimento delimita sua potência de agir, estaremos concebendo, então, apenas que esse homem se conhece distintamente, isto é, que sua potência de agir é secundária."

É preciso não confundir a humildade com a micropsychia, baixeza ou pequenez, de Aristóteles. Toda virtude, para o filósofo, é uma cumeada entre dois abismos, como magnanimidade ou grandeza de alma: quem se afasta dela por excesso cai na vaidade; quem se afasta por falta, cai na baixeza. Ser baixo é privar-se daquilo de que se é digno, é desconhecer seu valor real, a ponto de se interditar qualquer ação um pouco elevada, por nunca se acreditar capaz dela. Essa pequenez corresponde muito bem ao que Espinosa, distinguindo-a da humildade (humilitas), chama de abjectio, que se costuma traduzir por desestima ou desprezo por si. Bernard Pautrat traduz por baixeza: "A baixeza (abjectio) é fazer de si, por tristeza, menos caso do que seria justo". A baixeza pode nascer da humildade, o que torna esta última viciosa. Alguém pode sentir-se triste com sua impotência, sem força para combatê-la, o que se opõe à abjectio do espinosismo. Se a humildade é digna de respeito e de admiração, como pode ser humilde? E se ela tem razão de o ser, como admirá-la? Parece que a 8. Éthique, III, prop. 55 (ver também Escólio). 9. Éthique, IV, prop. 53. 10. Éthique, IV, Escolio, da prop. 54.

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humildade é uma virtude ambígua, que só pode justificar-se por sua própria ausência. Como reflexão podemos destacar os seguintes pontos: Sou muito humilde? Falta-me humildade? Como um sujeito pode valer, desvalorizando-se? Na Doutrina da virtude, Kant se opõe ao que chama de "falsa humildade" ou baixeza. Esta última, ao contrário da honra, explica ele, é um vício. Para Kant, existe a verdadeira humildade (humilitas moralis), que ele define: "A consciência e o sentimento de seu pequeno valor moral em comparação com a lei é a humildade". Longe de atentar contra a dignidade do sujeito, a humildade a supõe (não haveria razão alguma para se submeter à lei quem não fosse capaz de legislação interior: a humildade implica a elevação) e a confirma (submeter-se à lei é uma exigência da própria lei: a humildade é um dever). A humildade é um ato de força, de quem se priva de demonstrar sua superioridade, procurando valorizar o próximo que necessita de valorização ou de brilho, o que não conseguiria se o primeiro fizesse valer sua superioridade. A postura sábia da humildade é fazer-se humilde, passar por menor, resultando em proveito para outrem, para a sociedade e até para si. "...um sábio, sendo questionado publicamente por vândalos sobre sua sabedoria e conhecimento sobre as coisas, indagavam-lhe se o passarinho que um deles tinha escondido na mão estava vivo ou morto. O sábio muito bem pressentia que, se dissesse que estava vivo, o jovem pressionaria o pássaro entre os dedos e lhe tiraria a vida para, mostrando o animal morto, ridicularizar o sábio por não saber das coisas." Disse então que o pássaro estava morto porque previa muito bem que o jovem, na sua pequenez intelectual, imediatamente abriria a mão e soltaria o pássaro para que voasse, para, também desse modo, ridicularizar o sábio. E assim foi feito. Saíram rindo, difamando e dizendo que o sábio de nada sabia...

Ao sábio pouco importava ser humilhado, até porque a palavra dos vândalos encontrava pouco eco na sociedade. Ele estava mais preocupado com a vida do passarinho. Assim como o sábio, o professor deve ser humilde. Ser humilde é estar aberto para o outro. Aceitar a presença ativa do aluno, estabelecer

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parcerias (Fazenda, 1991a), ouvir e escutar o que emerge das diversas manifestações da expressão/comunicação do outro e não se considerar o centro da ação pedagógica. A humildade é uma das categorias da teoria da interdisciplinaridade, preocupada com a dimensão da totalidade tanto do conhecimento quanto do ser. Humildade é conhecer os próprios limites. Aceitar que sabe algo de modo imperfeito, incompleto, que, a qualquer momento, pode ser questionado, reformulado e mesmo superado. E, nessa atitude, estar sempre à procura de novos elementos para reforçar, esclarecer o que se julga saber. Encontrando-os, ter a coragem de cotejá-los, incorporá-los, mesmo que isso signifique ter que abandonar a satisfação e a segurança pessoal. Aceitar que o outro, embora pareça simples e ignorante, também sabe algo. Que todos podem sempre, de alguma forma, contribuir para enriquecer o conhecimento. Que se aprende com o aluno, com o colega, com o dito leigo na matéria. A humildade facilita o conhecimento, uma vez que este não tem fronteiras sagradas, zonas obscuras. A pesquisa, a aprendizagem sempre apontam para todos os lados, no espaço e no tempo. Quando alguém julga que aprendeu é porque não aprendeu nada, está ainda começando, pois sequer sabe que não sabe. O verdadeiro sábio, o humilde aprendiz é aquele que, tendo feito tudo o que julga necessário e pertinente, é capaz de dizer, parafraseando o Evangelho: Sou um servo inútil. E até mais, como diziam os latinos: Fiz o que pude. Façam mais e melhor os que puderem.

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Símbolo Ecleide Cunico Furlanetto

Muitos pesquisadores interdisciplinares vêm realizando viagens ao mundo interior em busca das raízes de suas pesquisas. (Fazenda, 1994). Percorrendo esse caminho, encontram-se com os símbolos que se apresentam como uma das portas de entrada para outros mundos muitas vezes desconhecidos. Ao fazerem essa viagem, descobrem fios condutores para seus trabalhos, bem como maneiras inusitadas de produzir conhecimento. O símbolo parece conter uma força irresistível, é capaz de tornar visível o invisível, transformar-se em fonte de ideias, possibilitar novas compreensões, estimular formas diferenciadas de expressão. A palavra símbolo tem suas origens no grego symballo um "sinal de reconhecimento, formado pelas duas metades de um objeto quebrado que se reaproximam". (Lalande, 1996). O símbolo nos remete a uma imagem que nos fornece indícios para compreendê-lo. Ele nos fala de um movimento de encontro entre duas polaridades. O que se busca reaproximar por meio do símbolo? Muitos autores buscaram compreender o sentido do símbolo. Os símbolos revelam uma estrutura do mundo que não é evidente à experiência imediata, são multivalentes, capazes de exprimir inúmeros significados que não se mostram à primeira vista. Eles preenchem uma função de pôr a nu as mais secretas modalidades do ser. Jung, no entanto, transformou o símbolo em um conceito básico de sua teoria; ao desvelar seus significados, percebeu sua imensa capacidade transformadora e curativa. Os símbolos parecem ser parábolas do infinito que penetram e se manifestam no mundo finito e, dessa forma, alargam suas fronteiras ou até mesmo o arrebatam momentaneamente para o infinito. O mundo psíquico é repleto de energia arquetípica que interage com nosso mundo consciente. Para Jung (1964), o símbolo é a forma de essa energia se manifestar. Como

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podemos ver, os símbolos cumprem essa função de reaproximar dois mundos que só podem se tocar por intermédio deles. Ele é algo encarnado no mundo da consciência, mas tem suas raízes disseminadas até o fundo de nossa alma. Olhados do lugar da consciência, podem ser percebidos como portais que nos permitem vislumbrar as zonas profundas dos selfs individuais e culturais. Os símbolos diferem dos sinais. Os sinais, as imagens e as metáforas por si só não são símbolos, exercem uma função descritiva. Tomemos como exemplo uma abreviação: Unesco. Podemos usar abreviações, logotipos, desenhos para nos referir a alguma coisa. Dessa forma, eles se referem aos objetos e às ideias originais a que estão ligados, são compreendidos por grande parte das pessoas. Uma palavra, uma ideia ou um objeto é simbólico quando implica alguma coisa além do significado manifesto e imediato. Possui um aspecto "inconsciente" mais amplo, que nunca é precisamente definido ou explicado. Os signos e os símbolos, para Jung, pertencem a níveis distintos de realidade. O que ele chamava de símbolo é algo que pode nos ser familiar, estar presente no nosso cotidiano, mas possui conotações especiais além de seu significado evidente e convencional. Implica algo vago oculto e desconhecido para nós. Jung percebia uma duplicidade no símbolo que ele denominava bipolaridade. Segundo Jacobi (1986), o símbolo possui uma qualidade de unificador de pares opostos em primeiro lugar do consciente e do inconsciente e, consequentemente, de outras polaridades ligadas a esse par. Por isso, a palavra grega nos remete à imagem de metades que se aproximam; dessa forma, o símbolo assume a função de um mediador entre o consciente e o inconsciente, entre o oculto e o revelado. Ele não é nem concreto nem abstrato, nem objetivo nem subjetivo, nem pensamento nem sentimento; é ambos. Para captá-lo, em sua tremenda plasticidade, necessitamos de nossa totalidade. O símbolo tem essa capacidade de lançar pontes, construir túneis. Para Jacobi (1986), os símbolos, ao unirem os opostos dentro de si, para logo deixar que se separem, impedem que se estabeleça a rigidez, a imobilidade. Executando esse movimento, eles mantêm a vida em permanente fluxo. A essa capacidade que temos de formar símbolos, Jung dava o nome de função transcendente. Ele não a via como uma qualidade metafísica, mas como uma passagem de um lado para outro.

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O símbolo contém um grande potencial revelador, transformador e restaurador. A medida que, nós pesquisadores interdisciplinares, estamos aprendendo a lê-los, estamos timidamente construindo novas maneiras de investigar. Existe ainda um caminho muito longo e complexo a ser percorrido, mas fascinante para aqueles que são apaixonados por compreender os aspectos ocultos do conhecer.

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Mudança Geralda Terezinha Ramos

Mudança: do latim mutare, significa ação ou efeito de um processo que busca remover, alterar, modificar, trocar, desviar, substituir, variar, inverter, converter, transformar. Mudança significa alteração de propósitos perante o estabelecido e consolidado. É buscar o diferente, desapegar-se do velho para construir o novo, o desconhecido, agindo com ousadia, tomando um novo rumo, acreditando num projeto ainda por se fazer e assumindo o compromisso com o incerto e o transitório. Todo processo de mudança implica a aceitação do novo, do diferente, uma ruptura do estado de equilíbrio e, consequentemente, substituição pelo provisório, pelo desconforto e tensão. Heráclito (2.500 a. C.) já afirmava que o único elemento constante no mundo é a mudança, ou seja, tudo é devir, nada permanece. O rio que passa já não é mais o mesmo, o céu, as estrelas que vislumbramos são diferentes, pois as coisas envelhecem. A partir da ideia de que jamais somos iguais a nós mesmos podemos compreender que o sentido do ser é movimento. O homem, o conhecimento e a própria realidade são marcados pelo signo da provisoriedade. Hoje, às portas do terceiro milênio, a mudança tornou-se ainda mais rápida e complexa. O mundo assemelha-se a um campo magnético no qual uma gigantesca cadeia de forças com inúmeras partículas que se juntam e se dispersam, se somam e se contrapõem, se anulam e se multiplicam, se chocam e se auxiliam, em um constante redemoinho que produz resultados inesperados. O mundo caminha para rumos desconhecidos, como um grande caleidoscópio composto de fragmentos, que, a cada jogada, possibilita diferentes desenhos, em novas e surpreendentes composições. Vários pesquisadores, ao longo do tempo, vêm se preocupando com a discussão da temática "mudança": uma contribuição significativa para compreender esse processo é apresentada por Pierre Weil (2000), quando

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explicita o profundo movimento que está afetando a todos, nos vários domínios da nossa existência. Entretanto, em vez de apresentar soluções prontas, acabadas, ele propõe uma reflexão fundamental: qual é o papel de cada um de nós no movimento de mudança? Para Edgar Morin, o movimento de mudança do ser humano caracteriza-se por reorganizações sucessivas na maneira de pensar e agir. Tal como a imagem das reorganizações genéticas, a introdução de um elemento novo desencadeia alterações no lugar e no papel dos constituintes, que terminam por transformar o próprio organismo. "De início, há duplo foco incandescente yin/yang, que se manteve no centro ativo de tudo aquilo em que eu iria acreditar e pensar: dúvida/fé, desespero/esperança... É ele que suscitará e estimulará uma dialógica permanente, primeiro marcada pela passagem do termo da alternativa ao outro e, em seguida, assumindo os dois termos ao mesmo tempo" (Morin, 1997: 189-90, grifos do autor).

Paulo Freire (1997) afirma que cada período histórico é constituído por valores, formas de ser, que, em última instância, buscam a plenitude, isto é, estão em constante mudança. Ao romper o equilíbrio, há um esgotamento dos valores que não mais correspondem às novas demandas sociais. A transição corresponde ao período em que novos valores emergem, buscando recuperar novamente a plenitude, representando uma forma de mudança. Segundo Gusdorf (1967), a mudança é o motor da transformação do homem: ao tomar consciência de sua situação na sociedade e no tempo, descobre exigências fundamentais de sua existência e, ao obedecer, conformar-se ou submeter-se, acaba por negar o seu direito à escolha, ao exercício da vontade própria. Mudar não é deixar-se levar como um navio à deriva: é se autogovernar em meio às circunstâncias, às tempestades, exercitando, de forma consciente, as possibilidades. A força da verdadeira mudança não exclui fragilidade. Todo homem tem seus pontos fracos, e percebê-los representa a possibilidade de superação. Neste sentido, o impulso necessário a qualquer processo de mudança não é exterior ao homem, mas está nele, levando-o a superar os seus limites. Nesse processo, a tomada de consciência e o respeito aos valores éticos passam a ser referências para o restabelecimento do equilíbrio comprometido. Mudar significa (re)visão de atitude e posicionamento perante o mundo e a realidade,

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passagem, um movimento, entre um velho que se extingue e um novo que, gradativamente, adquire forma. Esse movimento carrega em si duas forças antagônicas, uma que busca a realização e outra que reafirma os valores construídos e, por isso, persiste...

Mudança e prática pedagógica Estar aberto à uma mudança exige exercitar no cotidiano uma atitude diferenciada frente ao saber, assumir um agir dialógico com os alunos em qualquer nível: da construção do processo de leitura e escrita, nas séries iniciais, ao desvelamento do significado do ato de ensinar, nos cursos de formação de professores. Em todos, há de se assumir a insegurança e a incerteza da busca, numa espera vigiada, como possibilidade permanente de (re)construção e (re)invenção do conhecimento, numa racionalidade que não se esgota, mas que se renova a cada dia. O constante movimento de (re)estruturação é inerente à condição humana. Nele se alteram a harmonia e o conflito, a dinâmica e a estática, a convivência e o isolamento, a ação e a inércia. Assumir uma atitude frente à mudança é ter consciência de que esse processo se inicia com a busca do eu interior para, a partir dele, compreender o mundo exterior. É estar aberto frente ao desconhecido, ao inesperado e ao imprevisível. Mais do que grandes inovações, mudar é construir um trabalho coerente com a realidade e as necessidades dos alunos, numa época marcada por grandes contradições, de apelo ao uso de novas e sofisticadas tecnologias. A mudança pode ter início em situações mais simples, nem por isso menos importantes. Ampliar as possibilidades de entendimento entre as pessoas, (re)introduzir valores como ética e respeito ao outro, ao diferente podem representar o (re)início de um novo tempo. (Re)introduzir a dimensão do prazer, do resgate da auto-estima pode se constituir verdadeiros detonadores de processos de mudança. Neste sentido, as escolas devem se tornar espaços fascinantes para o aluno aí levar, a cada dia, suas curiosidades e daí retornar com novas descobertas e possibilidades. Se, no entanto, suas indagações ficam sem respostas e suas esperanças se desfazem, como esperar ações capazes de gerar mudanças, de transformar a realidade?

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Para Paulo Freire, não "é possível pensar em transformar o mundo sem sonho, sem utopia ou sem projeto (...). Os sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua realização não se verifica facilmente, sem obstáculos. Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas, às vezes demoradas" (2000: 54).

Mudança e ínterdisciplinaridade Os estudos e pesquisas sobre Ínterdisciplinaridade apontam a prática como elemento fundamental ao processo de mudança. Ao analisar o significado da temática "mudança educacional" Ivani Fazenda propõe três perspectivas de reflexão: filosófica, sociológica e antropológica. As grandes sacadas que pudemos observar acontecem quando as três configurações inter-relacionam-se num jogo de ambiguidades que metaforicamente almejam a transcendência. Nessa perspectiva, é necessário rever paradigmas tradicionalmente incorporados na formação de professores. Mais do que a aproximação do dever ser ao como fazer, pretende-se hoje considerar as rotinas do professor em movimento, articulando presente e passado como garantia e base de um futuro mais promissor. A mudança deve se orientar a partir da valorização da opinião do professor, portanto, um paradoxo.11 Esse processo singular traz novo referencial: à possibilidade de identificar a origem de suas matrizes pedagógicas, seu grau de consistência e, assim, se tornar capaz de perceber o significado e a dimensão pessoal do ser professor. Inserir-se num processo de mudança é agir de forma consciente e espontânea, confiando na intuição como um sinalizador significativo, respeitando a evolução de cada um, buscando a harmonia entre corpo, espírito, natureza, ambiente, cosmo... Para Ivani Fazenda, mudar representa assumir um grande desafio: tornar a educação menos tímida, mais arrojada, menos apegada às tradições de uma escola fria, triste, sem cores, sem luz e distante da afetividade. 11. Para Ivani Fazenda, atitude paradoxal num processo de formação possibilita, revisitar rotinas, diversificá-las, colocá-las entre parênteses ou mesmo superá-las.

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Mudar é romper as amarras, quebrar couraças e agir de forma mais livre, numa racionalidade aberta, sem apegar-se a velhos mitos ou teorias superadas. Assumir a mudança numa perspectiva interdisciplinar é exercitar a metáfora do olhar que busca a pluralidade, sem desconsiderar a singularidade. É valorizar os mínimos sinais, como indicativos de grandes significados... Assumir a mudança implica (re)tornar, (re)ver, (re)encontrar e (re)fazer o feito. Ao (re)descobrir, (re)entender e (re)significar a sua realidade interior, o ser humano dá o primeiro passo para encontrar o caminho da mudança: o desenvolvimento da plenitude do ser inteiro, que busca o aperfeiçoamento e a auto-realização. A condição do SER docente, na perspectiva do FAZER a mudança, é um convite permanente ao exercício de (re)ligar, a cada dia, mudanças no vivido, reforçando os laços solidários, muitas vezes enfraquecidos, superando abismos, escalando muralhas que, num primeiro olhar, parecem intransponíveis. Nesse movimento, cada avanço assume uma dimensão de vitória e consolida um processo que ganha forças e se amplia: a mudança se faz num permanente construir, que possibilita, aos poucos, ultrapassar o imutável e o rígido. Na superação das contradições, dos insucessos, dos erros arduamente assumidos, procurando o sentido do FAZER, torna-se possível perceber os verdadeiros indicativos de mudança!

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Mudança Rosamaria de Medeiros Arnt

Somos seres mutantes, em constante movimento. Como espécie, viemos, desde o tempo dos hominídeos, processando as transformações que nos trouxeram ao que somos hoje. Como sociedade, buscamos as transformações necessárias a um viver mais igualitário e mais justo. Como indivíduos, nossas mudanças representam uma força, capaz de nos tornar seres mais satisfeitos com nossas realizações, à medida que as aproximamos dos nossos objetivos de vida. As mudanças individuais somadas provocam as mudanças na sociedade. Mas, assim como a mudança da sociedade é maior que a soma das mudanças dos indivíduos, a mudança de cada indivíduo é maior que a sua parcela de contribuição à mudança social. As mudanças na natureza são encadeadas. A Terra gira em torno do Sol. Este giro traz as estações. Com as estações, mudam a paisagem e as árvores. As folhas, amarelecidas, caem — mudam de estado, transformam-se, e transformando-se criam condições de vida no solo onde aportam. Num ciclo permanente, harmonioso e equilibrado há a renovação constante. Com as mudanças profundas de nosso século provocamos mudanças também neste ciclo. Alteramos nossa forma de agir e de expressar, a ponto de criarmos muitas palavras para designar novos objetos, novas ciências, novos lugares, novas profissões, produtos do fazer e do pensar modernos. A descrição de mundo feita por um contemporâneo de Shakespeare não é adequada para descrever nossa realidade cotidiana. No entanto, a obra de Shakespeare se imortaliza porque os sentimentos do homem ainda são os mesmos, variando do ódio ao amor, do ciúme ao desapego, da intolerância à condescendência, da possessão à renúncia, da tristeza à alegria, da melancolia à euforia. Internamente nossas mudanças são lentas. Vivemos um tempo de descompasso entre as mudanças externas, aceleradas, e nosso ritmo interior, lento.

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Mas como é o movimento, a mudança interior? Qual seu motor? Qual sua direção e seu sentido? O motor desta mudança é a ânsia de coerência, quando o ser ensaia o desapego buscando uma compreensão maior da realidade, da vida, de si mesmo. Para compreender melhor a realidade, a mudança deve ter a direção da parceria, porque não vivemos sós, porque precisamos do olhar do outro, porque o outro entende, analisa, vive e observa por um ângulo sempre diferente do nosso, ampliando nosso próprio olhar. A mudança, no sentido interdisciplinar, parte de alguém que se coloca inteiro no que faz. Que se percebendo inacabado, pelo sentimento de humildade que carrega, não hesita em mostrar-se, expor-se enquanto constrói-se, desenvolvendo então suas potencialidades. A mudança vem quando saímos do mutismo que cria muros para o silêncio interior, que é um prelúdio à revelação, pois abre portas de compreensão. A mudança, como o olhar, também reflete. Reflete a magia de um instante, ação invisível, tempo imperceptível em que somos tocados — toque que representa, em nosso motor de mudança, a "partida". Este talvez seja o desafio do professor. Ser agente da inquietação, do desconforto causado quando o seu olhar encontra o mundo do aluno, depois de um tempo, longo ou não (importa?) de espera vigiada. Sobre o olhar — acima do olhar —, a intenção interdisciplinar de provocar mudanças, perpetuando a necessidade do movimento íntimo que se expande em direção ao meio, interagindo e integrando-se, numa roda plena de vida. A opinião "Quando dês opinião, nunca deixes de escrever a data..." Mário Quintana.

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Ponte Vitória Kachar

A palavra ponte apresenta vários sentidos, de acordo com o contexto em que está inserida. Desvelaremos alguns deles no decorrer do texto. Está presente a ideia de ligação: ligar, atar, tornar conexo, unir. Símbolo de ligação entre duas regiões ou margens. "Construção destinada a estabelecer ligação entre margens opostas de um curso de água ou de outra superfície líquida qualquer" (Cunha, 1982: 622). Pode ser de diferentes materiais e formas: prancha de madeira, tronco de árvore, construção de pedra, ferro etc. No sentido conotativo, é qualquer elemento que estabelece ligação entre coisas ou pessoas, colocando-as em contato ou comunicação. Portanto, o homem pode estabelecer pontes e/ou ser ele próprio a ponte. Podemos dizer que Deus pôde se dar a conhecer aos homens, primeiramente, por meio de Moisés e depois por Jesus. Aqui, a ponte liga o mundo sensível ao supra-sensível. A origem etimológica do termo pontífice reafirma essa relação. O construtor de pontes era o pontifex, mas o título foi incorporado pelos sacerdotes, sendo mais tarde designação do papa, pontífice. "O testemunho de Varrão: o sumo sacerdote de Roma, tomou o nome de pontifex, por ter construído sobre o Tibre a ponte chamada Sublicia (pons Sublicius) que dava acesso ao templo que se encontrava do outro lado do rio" (Bueno, 1966: 3128). O sumo sacerdote aparece como intermediário, mediador entre os fiéis e os deuses, entre o céu e a terra. A decomposição do termo do latim, pontifex, pontificium, vem de pons = ponte, e fícere, alteração metafórica de facere = fazer, construir (Bueno, 1966). O pontífice é o construtor e a própria ponte. No conto galês podemos observar o homem sendo a ponte.

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"O rei Bran então se deita ao longo do rio, de uma margem a outra, e os exércitos passam sobre o seu corpo" (Chevalier, 1991: 729). Além de ligar e conectar, ponte remete a outra ideia, travessia, que implica desafio e perigo. O indivíduo é envolvido em situações perigosas e desafiadoras para alcançar seu objetivo. "A ponte afiada como uma espada, conhecida no Islã, aparece de forma assemelhada na literatura cristã medieval: como pons periculosus (ponte perigosa), ela atravessa o rio do inferno e conduz ao céu (Lurker, 1997: 559). Travessia, travesso, original "atravessado, de través", extensiva irrequieto, levado (Cunha, 1982). A ponte apresenta-se como local de passagem de uma margem a outra, de um estado interior a outro, apontando mudança e o desejo de mudança, inquietação. É uma fase de transição, mobilidade, existindo a necessidade de se fazer uma opção. Algumas vezes, a ponte é local de ritual: "a viagem iniciatória das sociedades secretas chinesas também se dá através da passagem de pontes: é preciso passar a ponte (kukiao), seja ela uma ponte de ouro, representada por uma tira de pano branco, seja uma ponte de cobre e de ferro, reminiscência alquímica, ferro e cobre, correspondendo ao negro e ao vermelho, a água e ao fogo, ao Norte e ao Sul, ao yin e ao yang" (Chevalier, 1991: 729).

A conexão é entre oposições que se complementam. Ponte também, pode ser tomada como local de prova, onde se apresenta "mais fina que um fio de cabelo e mais cortante que um sabre" (Chevalier, 1991: 730), dando acesso ao paraíso a aqueles que conseguirem atravessá-la. Ou, como em filmes, as cenas representativas de conflito e luta são situadas em pontes. Enfim, ponte pode ter diversas interpretações, mas nos deteremos nessas, para prosseguir com a relação que estabelecemos com a educação. Essa análise nos permite fazer um paralelo com questões da prática pedagógica interdisciplinar de estabelecer pontes. A começar pela palavra interdisciplinar, identificamos o prefixo inter do latim inter-, do advérbio e preposição inter "entre, no meio de" (Cunha, 1982). Inter, assim como ponte, é não-lugar/território; é entre, meio,

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médio, "que está no meio ou entre dois pontos" (Chevalier, 1991). Na palavra interdisciplinar está contida a proposição de ligação, isto é, conexão entre as disciplinas, territórios delimitados, e a possibilidade de intercâmbio e o deslocar-se entre elas. Ela conecta, permitindo comunicação e diálogo, relação e vínculo entre separados, diferentes, opostos. Isto nos leva a destacar duas categorias da interdisciplinaridade, apontadas por Fazenda: integração entre disciplinas, que pressupõe a interação entre sujeitos. O indivíduo é o construtor de pontes entre as áreas de conhecimento e é a própria ponte, quando interage com outros especialistas, viabilizando a teia/tecido de saberes. A passagem de um lado a outro permite conhecer e viver por outra perspectiva, revendo o lugar a partir de outro ponto. Os conceitos teóricos e práticos são repensados por meio de outro parâmetro, outro olhar. Atravessar de uma região a outra é um desafio complexo, implica busca e riscos, portanto, ousadia. Requer um desejo de mudança, presente no pensar e agir. O professor interdisciplinar visita situações novas e revisita velhas, transita entre os fragmentos da história e a memória educacional, faz elos, tece sua prática a cada dia. Ele se faz ponte, oferece ao educando acesso ao conhecer, permite que ele passe para um estado mais elevado de ser; para além do que é, superando-se. Propicia o encontro do outro, não só com o conhecimento, mas consigo mesmo, o encontrar-se. Precisamos do outro para sabermos de nós mesmos. Compete ao educador fornecer instrumentos ao aluno, construir seu caminho para o aprender e para a vida, tornando-o mais consciente das suas potencialidades e dos limites a serem enfrentados e superados. "Na psicologia analítica, a ponte pode unir o consciente ao inconsciente e ser símbolo do processo de autodesenvolvimento e do processo de individuação" (Lurker, 1997: 559). Além da ponte para o conhecimento, autoconhecimento e desenvolvimento do indivíduo, o educador gera o encontro com o outro, para a troca, cooperação e parceria. O professor construtor de pontes cria condições para a aprendizagem, num ambiente de multiplicação e de associação na relação entre o pensar individual e o coletivo, conhecer e ser, subjetivo e objetivo, teoria e

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prática, velho e novo. O processo de transição da ponte encontra-se no estado ambíguo de lados separados e opostos, mas que instiga a complementaridade e o movimento contínuo de renovação da vida no sujeito. Como ritual de passagem, a ponte leva ao renascimento constante, desencadeando a transformação.

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Atitude Vítor Trindade

O conceito de "atitude" ainda hoje apresenta-se controverso, não se verificando unanimidade na sua definição. Tendo surgido como objeto importante de estudo da Psicologia Social — para alguns, o objeto fundamental de estudo desta disciplina12 — sofre do choque provocado pelas correntes de pensamento que percorrem esta ciência, recebendo definições de linhas divergentes do pensar, que vão desde as abordagens de um "behaviorismo" mais ou menos puro até às cognitivistas, passando pelas funcionalistas. Tradicionalmente, as atitudes apresentam as seguintes características: a) referem-se a um objeto, que pode ser concreto (pessoas ou grupo de pessoas, instituições, comportamentos, coisas...) ou abstrato (conceitos, normas, ideias...) mas que possui sempre valor social para o sujeito; b) têm uma componente cognitiva que engloba os conhecimentos que o detentor da atitude possui em relação ao objeto — esses conhecimentos são tidos como certos pelo sujeito; c) possuem uma componente afetivas preenchida pela avaliação que o sujeito faz do objeto e pode ser positiva ou negativa; d) apresentam uma componente conativa, ou predisposição para responder em relação ao objeto;

seja,

uma

e) são aprendidas, sofrendo por isso influências sociais; f) são duradouras, isto é, prolongam-se suficientemente no tempo para serem estáveis, mas de modo suficientemente transitório para permitirem a sua mudança; 12. Cf. Allport, 1966: 15-21.

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g) são consistentes, isto é, relacionam-se com comportamentos específicos, permitindo prevê-los. A componente avaliativa, para além de determinar a direção da atitude, permite ainda determinar a intensidade (a força do pró e do contra) e a importância ou relevância da atitude (o mesmo objeto de atitude pode ser de diferente relevância para diferentes pessoas). As definições mais correntes e usuais de atitude têm sido construídas à volta destas características. Por exemplo, no Dictionary of education (Hills, 1985), as atitudes são definidas liminarmente como: "modos usuais de reagir a certas situações. Outros autores, tentam mesmo a construção de modelos que permitam definir compreensivamente o conceito de "atitude". Retomando a abordagem funcionalista, acrescentam-lhe as influências da "personalidade" e do "meio social", o que permitirá explicar a fraca consistência que parece verificar-se entre as atitudes e os comportamentos. A consistência entre as atitudes e os comportamentos com elas relacionados são alvo de controvérsia. Ajzen & Fishbein (1980) propõem um novo modelo para a compreensão das atitudes, com a sua "teoria da ação raciocinada" (theory of reasoned action), na qual as atitudes são uma função das crenças e relacionam-se diretamente, não com comportamentos mas com "intenções comportamentais". Neste modelo, os comportamentos são explicados por dois determinantes, um de natureza estritamente pessoal e outro de natureza social. O primeiro consiste na avaliação, positiva ou negativa, que o sujeito faz do desempenho desse comportamento e está diretamente relacionado com a atitude para com o comportamento referido; o segundo é a percepção pessoal que o sujeito possui das pressões sociais que sobre ele impendem no sentido de desempenhar ou não o referido comportamento. Neste modelo, o objeto das atitudes é um determinado comportamento e não coisas, pessoas, instituições ou ideias. Um outro autor que tentou uma definição original de atitude foi Anderson (1985). Começou por identificar os aspectos essenciais das características afetivas do indivíduo e, a partir delas, distinguiu essas características. Assim, identificou como substrato das características afetivas: a) a emoção; b) a consistência;

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c) o objeto; d) a direção e e) a intensidade. As atitudes distinguem-se dos outros elementos do domínio afetivo pelas três últimas características. Os objetos das atitudes são referentes sociais, os indicadores da direção são favorável ou desfavorável, e a intensidade é sempre moderada. Deste modo, entende que a atitude é uma emoção moderadamente intensa, que prepara ou predispõe o indivíduo para responder consistentemente, de um modo favorável ou desfavorável, quando confrontado com um objeto determinado que constitui um referente social. As ideias de Ajzen & Fishbein, contudo, parecem exercer uma maior influência sobre os pensadores contemporâneos que definem-na como uma predisposição aprendida para responder de forma consistente, favorável ou desfavoravelmente, a um objeto (social). As dificuldades de definição do conceito de "atitude" não foram ainda superadas e, à parte o acordo entre os diversos autores sobre a necessidade de distinção entre "atitude" e: "crença", "opinião", "hábito", "valor" e outros conceitos afins, a controvérsia mantém-se.13 Esta controvérsia parece envolver os conceitos estruturais da atitude "consistência", 13. Parece-nos conveniente indicar aqui a distinção que fazemos entre os conceitos referidos. Assim entendemos por "crença" as cognições informativas, inferenciais ou descritivas ligadas, ou não, a fatos. As crenças são, pois, informações "acerca de..." ou "em..." e, por poderem estar ligadas aos fatos, são mais estáveis do que as atitudes (Shrigley, Koballa & Simpson, 1988). As "opiniões" são "a expressão verbal ou gestual das atitudes" (De Landsheere, Introduction à la recherche en Éducation, p. 131). O "hábito" é um fenômeno psicológico adquirido, consistindo no aparecimento espontâneo e inconsciente de determinados comportamentos provocado por causas exteriores ao sujeito. Esse aparecimento foi considerado "desejável" ou "necessário" e adquirido conscientemente pelo sujeito, através de exercício continuado. Os hábitos são, pois, responsáveis por automatismos de comportamento provocados conscientemente (adaptado de J. Leif, Vocabulaire technique et critique de la Pédagogie, p. 128). Os "valores" possuem referentes menos específicos mas mais abrangentes do que as atitudes, constituindo imperativos morais ou éticos. Uma pessoa possui "meia dúzia de valores e centenas de atitudes", no dizer de Rokeach (citado por Shrigley, Koballa & Simpson, 1988). Os valores são, essencialmente, finalidades de vida e são eles que estruturam os padrões de conduta de uma qualquer pessoa.

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"predisposição" e "aprendizagem". Na verdade, será que apresentamos comportamentos consistentes, no pressuposto que eles são determinados pelas atitudes? Isto é, será que na presença de um determinado estímulo (atitude) apresentamos sempre a mesma resposta (comportamento). A investigação diz que não. O problema da consistência, na opinião de alguns autores (Ajzen & Fishbein, 1980) deve ser considerado, não de forma correlacionai, mas sim de forma probabilística. Isto permitirá resolver alguns dos problemas na relação atitude-compor-tamento. No que toca à "predisposição", a controvérsia gira à volta da existência, ou não, deste processo mediático entre a atitude e o comportamento. Não sendo diretamente observável, alguns põem-no em causa enquanto que outros o consideram essencial. Estão no primeiro caso os adeptos da corrente do "behaviorismo" puro e no segundo, os adeptos da psicologia cognitiva, onde o estudo dos processos de cognição, que não são imediatamente observáveis, é considerado um procedimento válido e da maior importância para a investigação científica. A controvérsia que se levanta na aprendizagem das atitudes é a de saber que tipo de aprendizagem é a mais eficaz, se a proveniente, de modo direto, de processos experimentais e experienciais, se a de processos vicários. A investigação não tem ainda, que conheçamos, resposta para esta questão. Refira-se ainda, nesta breve nota, que as atitudes não existem isoladas, mas sim em "famílias", pelo que a utilização do singular na sua identificação deve ser entendido como um esforço de precisão, em vez de um rigor terminológico.

Aplicações didáticas O desenvolvimento de atitudes constitui um dos grandes objetivos educacionais de todos os sistemas educativos das sociedades modernas. Tratando-se de um conceito de ordem geral, as suas aplicações são difíceis de concretizar quando se pensa em determinada disciplina. Tratase de um conteúdo transversal e transdisciplinar, por excelência, de qualquer teoria do currículo. Para trabalhar atitudes, parece-nos muito útil seguir a definição de Ajzen & Fishbein anteriormente referida, pois a mesma tem-se revelado mais operacional de que as outras apresentadas. Assim, identificado o objeto da atitude, é necessário assegurarmo-nos de que o mesmo

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constitui um referente social relevante para aquele que irá desenvolver a atitude. Depois, há que identificar e limitar cuidadosamente o contexto no qual o trabalho sobre a atitude se irá desenvolver. Há ainda que inventariar os recursos (materiais e humanos) disponíveis para realizar esse trabalho e, só depois, desenhar uma estratégia que tenha em consideração, de forma clara, os comportamentos expectáveis e socialmente aceites — que tragam um reconhecimento social positivo para quem os apresenta — e a avaliação — que se quer positiva — desses mesmos comportamentos, pelo sujeito. Isto significa, pois, que antes de desenvolver qualquer ação com a finalidade de promover positivamente uma determinada atitude, é necessário prepará-la com cuidado, em conjunto com aqueles que irão ser o seu alvo. Assim, por exemplo, para desenvolver uma atitude solidária para com os outros, para além dos cuidados referidos inicialmente, será necessário debater com os sujeitos que irão realizar a ação conducente ao desenvolvimento desta atitude — contexto em que irá decorrer e recursos disponíveis — a expectativa e a valorização social em relação ao objeto (solidariedade para com os outros) mas também assegurarmo-nos de que cada um dos sujeitos faz uma avaliação positiva dos comportamentos que as pessoas solidárias podem apresentar, em vários contextos da vida.

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Atitude Maria de Fátima Viegas Josgrilbert

"Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda." Paulo Freire

Como professora que sou, sempre busquei uma forma de tornar o aluno cidadão. Entretanto, observo que em escolas os conhecimentos são transmitidos mecanicamente, de forma fragmentada, interferindo na criatividade e na espontaneidade dos alunos. Alguns professores querem mudar, mas não sabem como, sentem-se inseguros, preferindo continuar o mesmo trabalho rotineiro, no qual se sentem confiantes. Outros tentam provocar rupturas nos modos convencionais de conceber e praticar a educação. A partir de uma palestra sobre interdisciplinaridade, proferida pela profª Ivani Fazenda, obtive a certeza de como a mudança poderia ocorrer, não exigindo materiais didáticos caros, mas uma nova postura do professor: buscando na sua prática o que existe de positivo, observando-a com os olhos atentos, sem medo de mudar, mas principalmente refletindo sobre sua ação, superando-a e ousando buscar novas técnicas, que transformem a sala de aula num espaço feliz, de trocas, de construção individual e coletiva, de aprendizagem. A atitude interdisciplinar foi vivenciada durante os encontros do grupo de pesquisa na PUC/SP. Percebi que não havia encontrado uma fórmula mágica, mas caminhos possíveis de transformação do processo educativo. A mudança de atitude não representava inovação, pois me reportava à Grécia clássica, século V a. C. Lembrei-me de duas situações pedagógicas: Sócrates andava pelas praças de Atenas, gerando a dúvida naqueles que o seguiam, propondo que usassem o raciocínio para chegar à verdade,

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buscando interiormente e incentivado pelo outro, o conhecimento; só pela razão o homem poderia ser justo e praticar a virtude. Os sofistas, contemporâneos de Sócrates, ensinavam a arte de discursar, um tipo de sabedoria útil aos ideais da sociedade da época, pois contribuía para a formação daqueles que pretendiam cargos importantes; ensinavam as formas de expressão, por transmissão, por treinamento, a retórica para convencer as pessoas. "Interdisciplinaridade não é categoria de conhecimento, mas de ação" (Fazenda, 1999a: 28). Atitude significa "porte, jeito, postura, comportamento, procedimento" (cf. Cunha, 1999) e podendo ser considerada "um estado cuja essência é a satisfação ou a insatisfação ativa com algo que se passa no mundo" (cf. Blackburn, 1997). Nesta perspectiva, teria sido Sócrates o precursor da teoria interdisciplinar? A atitude, que se articula com a prática interdisciplinar, exige que o professor esteja sempre avaliando seu trabalho, verificando se está adequado à realidade, se traz felicidade na relação professor-aluno e se leva à aprendizagem significativa. Para mudar de atitude é preciso conhecer melhor a proposta interdisciplinar, que transforma a velha prática em nova pela reflexão, que leva a uma teoria que se interrelaciona com a prática, com uma prática que se relaciona com a vida, com base na realização e no prazer. Comumente, constatam-se propostas pedagógicas, que se dizem interdisciplinares, apenas por integrarem disciplinas, às vezes de forma confusa e superficial, sem a participação dos alunos que não compreendem as relações propostas. Para que equívocos relativos à interdisciplinaridade não continuem a persistir, torna-se indispensável uma consistente fundamentação teórica. A integração deve ocorrer como produto de uma aprendizagem completa, mais com pessoas do que com conteúdos, como um processo interno de compreensão do que ocorre no aprendiz, como uma abertura para novas oportunidades. A atitude do professor é "de um mediador momentâneo (o educador), colocando em prática as condições didáticas favoráveis às orientações de integração" (Fazenda, (org.), 1998: 54). A atitude interdisciplinar do professor deve ser construída pelo autoconhecimento inicial, refletindo sobre a sua própria prática educativa, procurando o significado para a sua vida e a de seus alunos, tornando-a um

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processo contínuo de construção de novos saberes, não abandonando as suas práticas coerentes e consequentes, mas atualizando-as e compartilhando-as com seus pares. O professor deve ser um provocador de dúvidas, um incitador a reflexões e questionamentos, uma pessoa que sabe o momento certo de interferir, mas que ao mesmo tempo aprende com seus alunos. A interdisciplinaridade é muito mais do que um conjunto de disciplinas, é uma libertação de modelos predeterminados, é saber unir a arte com a ciência, é saber usar a utilidade do tempo; é uma relação entre pessoas, que começa a partir de um olhar, que pode gerar um momento único de interação, um momento de aprendizagem. Professores e alunos são sujeitos com histórias de vida e bagagens culturais diversas, que vivenciam situações, por vezes, antagônicas. Este vínculo, necessário à prática interdisciplinar, demanda um intenso e responsável trabalho pedagógico. Os primeiros contatos professor-aluno são de incertezas, sendo que a cada dia vai se concretizando uma relação de confiança. A partir da crença que o professor demonstra depositar na possibilidade de crescimento do aluno, ocorre um desdobramento do olhar: o professor passa a vê-lo como alguém comprometido, capaz, dando início a um processo de apropriação do universo do aluno, de forma interativa. Esse tipo de contato vai além daquilo que se espera, gera uma relação de força recíproca na busca da aprendizagem, que transcende o momento vivido. Uma atitude, construída com base na confiança mútua, significa a concretização de uma relação dialógica e pressupõe os aspectos: a parceria, a generosidade que leva à humildade, a dúvida, a espera, a sintonia, o resgate da beleza de aprender e viver, a poesia, a espiritualidade, o respeito ao outro, transformando a obrigação de aprender em naturalidade, o medo frente ao novo na alegria de conhecer, a submissão na liberdade, o ser passivo em agente do saber. O professor necessita optar por uma atitude que conduza sua prática e, consequentemente, a de seus alunos, a atos de reflexão, de criação, de humildade frente ao conhecimento, de observação, de parceria, de vontade de ir além, de criar, de ousar para ser feliz. Nas salas de aula onde a atitude interdisciplinar acontece, novos caminhos de ensino e pesquisa se abrem, fruto de uma prática que almeja a concretização da cidadania. E tudo isso pode começar apenas com um olhar...!

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Afetividade Diva Spezia Ranghetti

Sentir e viver a afetividade na educação, pela teoria da interdisciplinaridade, suscita que nosso eu adentre a sala de aula, inteiro, para desvelar, des-cobrir e sentir as manifestações presentes nas interações, relações e reações que os sujeitos14 estabelecem/manifestam na ação de educar. É ampliar o olhar e a escuta na tentativa de captar da expressão/comunicação destes seres o revelar do seu eu, sua inquietude, dificuldade e possibilidade que expressa na ação de aprender e de ensinar. Uma ação consciente, partilhada e envolvente, visto que os sujeitos devem se apresentar inteiros para que esta ação seja significativa e com sentido à sua existência. Foi com o olhar penetrante15 que tentei perceber a presença da afetividade na sala de aula nas mais diferentes situações: no papel de aluna e de professora nos diferentes níveis de ensino, bem como em outras práticas já socializadas na literatura educacional. Assim, foi possível desmaterializar o conceito de afetividade16 para torná-lo habitável à sala de aula. Das representações refletidas e analisadas, alguns pontos de luz emergiram irradiando para uma prática educativa interdisciplinar, prática esta impregnada de afetividade, visto que, na sala de aula em que a interdisciplinaridade habita, vive-se o encontro. Viver o encontro é descobrir-se a si mesmo para descobrir o outro, é comunicar-se. É estabelecer uma parceria com vida, é estar em sintonia, é envolver-se e deixar ser envolvido. É viver a própria afetividade sendo 14. Utilizo-me do termo sujeito para referir-me tanto ao professor quanto aos alunos. 15. Conforme Neidson Rodrigues, o olhar penetrante é aquele olhar "capaz de transformar a opacidade do mundo material em um mundo de transparente luminosidade"(1999: 44). 16. Pesquisa desenvolvida no Mestrado em Educação, na PUC/SP,1999, intitulada: O conceito de afetividade numa educação interdisciplinar, orientada pela profª. dra. Ivani C. A. Fazenda.

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presença, acolhendo o outro para um renascer com-junto em meio à diversidade das singularidades. Neste sentido, vive-se uma experiência pedagógica capaz de manter em sua gênese a rigorosidade requerida pela ciência, porém temperada com a subjetividade dos atores e autores que fazem parte do movimento (conhecimento) que os colocou em relação (Ranghetti, 1999: 15). Sentir-se bem no ambiente de aprendizagem, ser aceito e valorizado como ser que pensa, sente, conhece, apresenta-se como o alicerce de uma relação educativa em que a afetividade se faz presente. O eu com todas as suas representações infere e é inferido por intermédio das relações/interações que estabelecem na processualidade de fazer-se em meio à coletividade. É a afetividade que desenha o grau de intensidade que o nosso eu infere sobre o objeto a conhecer. Esta é "caracterizada por suas composições energéticas, com cargas distribuídas sobre um objeto ou um outro (cathexis) segundo as ligações positivas ou negativas" (Piaget, 1983: 226). Portanto, a relação e a interação que se estabelece no cenário da aprendizagem é locus de gravitação da energia que impulsiona as ações. Se atentarmos para a etimologia da palavra afetividade, percebemos que sua raiz contempla movimento/ação. É composta de prefixo latino affectivus (que exprime desejo), pela vogal i, e de sufixo latino dade (ação, resultado de ação, qualidade, estado). Por sua vez, a palavra affectivus é formada pela partícula ad + verbo fácere. A partícula ad assimilado em af é indicativa de proximidade, intensidade. E o verbo fazer (fácere) tem significado de ação de alguém junto a outrem, pela força catalítica da presença constante, do trabalho persistente, alterando a disposição de espírito, comovendo-o ou enervando-o (Alencar, 1961: 225-6). Na educação, a afetividade desvela-se como um atributo de uma prática interdisciplinar que se manifesta por meio do diálogo intersubjetivo e intencional vivenciados pelos sujeitos no quadro desenhado pelo movimento das cores que revestem as relações e as interações destes no ato educativo. Ela é o pigmento que resulta das interações entre os sujeitos, propiciando o brilho, a intensidade e a aproximação nas relações que se estabelece (Ranghetti, 1999: 84). Manifesta-se no acolhimento, na valorização da expressão, no gesto, no olhar, na escuta, na sensibilidade em perceber o outro como um ser diferente, entretanto, semelhante, por constituir-se como ponto de referência para nossa própria composição. A afetividade diz da disposição do ser

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para com o outro, da abertura para perceber o outro, acolhê-lo para, juntos, renascer, reconstruir, ser. Na ação de educar a afetividade é o pigmento que regula a intensidade e a profundidade das ações dos sujeitos no processo educativo. Ela dá o brilho à relação pedagógica, desencadeando o convívio da razão com a emoção num movimento com vida, do interior para o exterior do ser e vice-versa. Viver a afetividade na educação é propiciar um locus de magia e encantamento em meio à objetividade e a racionalidade da ciência para que os sujeitos deste processo sintam-se instigados a participar em com-junto no desvelar do desconhecido. Destarte, a afetividade é afetar e ser afetado pelo outro, instigando as energias e ativando nosso eu para a ação. Isto pressupõe humildade, parceria, reciprocidade — princípios da teoria da interdisciplinaridade.

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Amor João Viegas Fernandes

O Amor e a Ciência O amor humano pode assumir dimensões espirituais/sobrenaturais, sensíveis/espirituais, humanísticas, fraternais, paternais/maternais, ambientais, sexuais/sensuais/eróticas e pode ser analisado no âmbito de várias disciplinas científicas. Do ponto de vista histórico, é de salientar que na antiguidade grega Filos designava o amor, especificamente o amor da beleza, da sensibilidade e do conhecimento intelectual, enquanto Eros estava associado ao amor sexuado entre seres humanos. Para Sócrates, o amor é o desejo da imortalidade, porque visa apropriar-se perpetuamente do bem e conduz à criação. Metafisicamente, o amor é considerado a orientação da vontade para o bem geral. Neste âmbito, saliente-se o pensamento de Paulo Freire "Gostaria de ser lembrado como homem que amou os homens e as mulheres, os pássaros, as árvores, as águas ... Enfim, o mundo". Instituto Paulo Freire Psicologicamente, é um sentimento agradável associado a um objeto amado que é acompanhado de uma tendência para conseguir a posse do mesmo. Sociologicamente, Francesco Alberoni considera o enamoramento como o estado nascente do movimento coletivo a dois que, quando tudo corre bem, termina no amor. A paixão amorosa ateia-se quando um verdadeiro amor se confronta com obstáculos tanto externos como internos. Este autor, no livro Amo-te, salienta que, em regra, os estudos sobre esta temática

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têm, erradamente, considerado o enamoramento e o amor como fatos psicológicos individuais "O modo correto de analisá-lo não é o da psicologia individual, mas sim o da sociologia. Mais, e de forma particular, da sociologia dos movimentos coletivos." O enamoramento desenvolve a criatividade, a inteligência, a capacidade de enfrentar os problemas concretos de forma adulta. Literariamente, Roland Barthes, no livro Fragmentos de um Discurso Amoroso refere "A linguagem é uma pele: esfrego a minha linguagem contra o outro. É como se tivesse palavras de dedos ou dedos na extremidade das minhas palavras. A minha linguagem treme de desejo ... Falar apaixonadamente é gastar sem termo, sem crise; é manter uma relação sem orgasmo. Existe talvez uma forma literária para este coitus reservatus: é a afetação."

O Amor em Prosa Quem ama acredita no impossível. Elizabeth Barret Browning (1806-61) Não há remédio para o amor, a não ser amar mais. Henry David Thoreau (1817-62) Não é o amor que faz girar o mundo. Mas é ele que faz valer a pena que o mundo gire. Franklin P. Jones O amor é a vida ... E se falharmos no amor, falhamos na vida. Leo Buscaglia Todo o tempo que não é passado a amar é tempo perdido. Tasso (1544-95) Aqueles que amam profundamente nunca envelhecem; podem morrer de velhice, mas morrem sempre jovens. Sir Arthur Wing Pinero (1855-1934) Todos cometemos erros, é a vida. Mas nunca é completamente um erro ter amado. Romain Rolland (1866-1944) Na aritmética do amor, um mais um é igual a tudo e dois menos um é igual a nada. Mignon Mclaughlin

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Aceita o amor quando ele te é dado, mas nunca penses que encontras nele um refúgio seguro para o sofrimento ou um sossego completo. Sara Teasdale (1884-1933) O amor é a única resposta satisfatória para o problema da existência humana. Erich Fromm (1900-80) Quando o amor não é loucura, não é amor. Pedro Calderón de la Barca in El mayor monstruo los celos Por que é que ela o amou ? Não faças perguntas tolas! Será que o amor humano depende da vontade humana? Lord Byron (1788-1824) O prazer do amor está em amar, e uma pessoa sente-se mais feliz com a paixão que sente do que com a paixão que suscita na outra pessoa. Duc de la Rochefoucauld (1613-87) O amor que damos é o único com que ficamos. Elbert Hubbard (1856-1915) A idade não nos protege do amor. Mas o amor, em certa medida, protege-nos da idade. Jeanne Moreau, n. 1929 O Amor Visto por Poetas e Poetisas Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer; É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder; É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões

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Fidelidade De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive) Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. Vinicius de Moraes Soneto da Mulher ao Sol Uma mulher ao sol — eis todo o meu desejo Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz A flor dos lábios entreaberta para o beijo A pele a fulgurar todo o polem da luz. Uma linda mulher com os seios em repouso Nua e quente de sol — eis tudo o que eu preciso O ventre terso, o pêlo úmido, e um sorriso À flor dos lábios entreabertos para o gozo. Uma mulher ao sol sobre quem me debruce E em quem beba e em quem morda e com quem me lamente E que ao se submeter se enfureça e soluce E tente me expelir, e ao me sentir ausente Me busque novamente — e se deixe a dormir Quando, pacificado, eu tiver de partir. Vinicius de Moraes

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Urgentemente É urgente o Amor. É urgente um barco de Amor. É urgente destruir certas palavras, ódio, solidão e crueldade alguns lamentos, muitas espadas. É urgente inventar alegria, multiplicar os beijos, as searas, é urgente descobrir rosas e rios, e manhãs claras. Cai o silêncio nos ombros e a luz impura, até doer. É urgente o amor, é urgente permanecer. Eugénio de Andrade

Amor Seu olho insone, Seu naufrágio. Inocência de flor E carne Como um redondo Inteiro molde, Como concha, Onde os dedos se gastam Ao percutir. Um faisão enjaulado, Um tigre, Fera dormindo ou Pássaro, Assim seu espaço claro, Seu limite, Sua espiral de silêncio Seu borralho, sua Cinza, Seu ritmado tempo, Seu compasso. Myriam Fraga

Há sem dúvida quem ame o infinito, Há sem dúvida quem deseje o impossível, Há sem dúvida quem não queira nada — Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: Porque eu amo infinitamente o finito, Porque eu desejo impossivelmente o possível, Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, Ou até se não puder ser ... Álvaro de Campos — Fernando Pessoa

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Amor Mujer, yo hubiera sido tu hijo, por beberte la leche de los senos como de un manantial, por mirarte y sentirte a mi lado y tenerte en la risa de oro y la voz de cristal. Por sentirte en mis venas como Dios en los ríos y adorarte en los tristes huesos de polvo y cal, porque tu ser pasara sin pena al lado mío y saliera en la estrofa — limpio de todo mal —. Cómo sabría amarte, mujer, cómo sabría amarte, amarte como nadie supo jamás! Morir y todavía amarte más. Y todavía amarte más y más. Pablo Neruda Homem que Sabe A/Mar Homem que sabe a mar Alga, sal, onda, movimento Coral, búzio, sol, luar Gaivota, barco, brisa, vento Homem que sabe amar Ternura, carícia, beijo, encantamento Dar, receber, partilhar, desejar Sonho, poesia, eros, deslumbramento Homem que sabe a mar Sabe amar mulher de sensível beleza Cabelos de algas a baloiçar Olhos côr do mar, de safira, de turqueza Al Ornar — João Viegas Fernandes

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Saberás que não te amo e que te amo pois que de dois modos é a vida, a palavra é uma asa do silêncio, o fogo tem a sua metade de frio. Eu amo-te para começar a amar-te, para recomeçar o infinito e não deixar de amar-te nunca: por isso é que ainda te não amo. Amo-te e não amo como se tivesse nas minhas mãos as chaves da fortuna e um incerto destino infortunado. Este amor tem duas vidas para amar-te. Por isso amo-te quando não te amo e por isso amo-te quando te amo. Pablo Neruda Amor Quero um amor alucinado, depravado, tarado. Amor inteiro, de corpo-a-corpo, enlaçados. Amor sem reserva, que a tudo se entrega, lancinante. Quero você assim, abrasada, pedindo gozo, Eriçada, ronronando feito gata, tesuda. Seus seios túmidos, me furando o peito. Quero você, pentelho contra pentelho, roçantes. Carne encravada na carne. Bocas coladas, Babadas, meladas, sangrando sufocadas. Quero amar você tão bichalmente que urremos. Eu, penetrando rasgando. Você me comendo furiosa. Nós dois fundidos, unidos, soldados. Você e eu, nós dois, sós, neste mundo dos outros. Darcy Ribeiro

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Amor! De ter ver fiquei repeso, em vez de ganhar, perdi; quis prender-te, fiquei preso, e não sei se te prendi. Só desejo dar um beijo no rosto de uma mulher, se for maior o desejo do que o beijo que eu lhe der. Não sei se o amor existe. Eu senti e tu sentiste aquilo que raramente se sente na nossa vida: uma dor desconhecida que torna f'liz quem a sente.

!Oh eterno amor, que, en tu inmortal carrera das a los seres vida y movimiento, con qué entusiasta admiración te siento, aunque invisible, palpitar doquiera! Esclava tuya la conciencia entera, se estremece y anima con tu aliento, y es tu grandeza tal, que el pensamiento te proclamara Dios, si Dios no hubiera. Los impalpables átomos combinas con tu soplo magnético y fecundo: tú creas, tú transformas, tú iluminas, y en el cielo infinito, en el profundo mar, en la tierra atónita dominas, Amor, eterno Amor, alma del mundo.

António Aleixo

Gaspar Núñez de Arce

Chegou por fim a noite desejada Em que pude ter a minha amada — Para aquele que é enfermo da paixão Só existe remédio na união — Meu hálito despertou-lhe as rosas da face E bebi da sua boca o néctar Até que a minha sede se fartasse. Ibn Sallãm (poeta árabe dos séculos X-XI, no Algarve)

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Amor a doer Beijos. Carícias. Este infinito sentimento no recíproco amor homem e mulher para jamais nos esquecermos de vez do amor dos amores mais amados o amor chamado pátria! Mordaças: Palmatoadas. Calabouços. Anilhas de ferro nos tornozelos. E no infinito amor a doer também o infantil beijo dos filhos a magoada ternura incansável da esposa um cobertor grande e um pequeno para os quatro e numa tábua despregada no chão escondido o jornal a falar do Fidei. E nem que nos caia em cima o argumento de cigarro na boca e lúgubre revólver em cima da mesa não mostraremos o papel guardado na tábua do soalho ali a fazer do amor escondido o futuro de um povo. José Craveirinha

Gozo Abre-te, amiga minha. Abre-te à minha fala, só quero te seduzir. Abre teus longos braços, só quero te abraçar. Abre e umedece tua boca, quero muito te beijar. Abre-te toda, minha amada, quero te penetrar. Meu gozo é te fazer gozar. Darcy Ribeiro

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Sobre um Poema de Amor Dizer-te um poema de amor, como os silêncios em que as mãos dadas se comunicam, gravar no granito das rochas a paixão que grita nos corpos acarinhados e unidos, esculpir em letras de papel eterno a grandeza muda do sorriso, que se cruza só para nós no meio de muitos, é amor mas apenas feito sinais e esboços e momentos. Nestes anos não só sorrimos e nos apertamos as mãos, não só me recebeste entregando-te, e fomos um porque isso sempre se faz, e são esboços e momentos e repetições. Amor é a confiança, e espera, e no beijo crescer a vontade do Partido e entregarmos mais força à tarefa, é sermos espada e bala combinadas e a ternura força que tudo desafia. Sérgio Vieira

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A Invenção do Amor

“… Para bem da cidade do país da cultura é preciso encontrar o casal fugitivo que inventou o amor com caráter de urgência … É preciso encontrá-los antes que seja tarde Antes que exemplo frutifique. Antes que a invenção do amor se processe em cadeia … Fechem as escolas Sobretudo protejam as crianças da contaminação Uma agência comunica que algures ao sul do rio um menino pediu uma rosa vermelha e chorou nervosamente porque lha recusaram Segundo o diretor da sua escola é um pequeno triste inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razão Aplicado no entanto Respeitador da disciplina Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos Ainda bem que se revelou a tempo Vai ser internado e submetido a um tratamento especial de recuperação Mas é possível que haja outros. É absolutamente vital que o diagnóstico se faça no período primário da doença … Está em jogo o destino da civilização que construímos o destino das máquinas das bombas de hidrogénio das normas de discriminação racial o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos a verdade incontroversa das declarações políticas ..." Daniel Filipe

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Totalidade Ana Maria dos Reis Taino

Na travessia para o novo milênio, vivemos um tempo de expectativas, perplexidade e de crise de concepções e paradigmas, ímpar na história da humanidade. As ciências têm sido fundamentais nesse processo, pois suas contribuições apontam para uma nova forma de perceber o mundo e a vida. Os homens, por sua vez, se sentem inseguros e desafiados diante da exigência de aprendizagem constante, nessa nova sociedade do conhecimento e da globalização, em permanente mudança. Por outro lado, o conhecimento, baseado no princípio da separação, sem a preocupação com a integração, continuidade e totalidade dos fenômenos naturais e sociais, continua valorizando uma educação voltada apenas para a memorização, repetição, com ênfase no conteúdo e no produto, em detrimento de processos interativos para a construção do conhecimento. Essa valorização das partes, onde cada uma é essencialmente independente e existente por si mesma e que levou à fragmentação, é resultante do pensamento analítico que faz essa redução do todo em partes isoladas para facilitar a compreensão. Esse paradigma cartesiano vem sendo superado pelo paradigma da sociedade do conhecimento que propõe a totalidade. Mas, independente desse contexto, o ser humano sempre buscou a totalidade — mental, física, social, individual —, inclusive porque nas primeiras fases do desenvolvimento da civilização tinha concepções essencialmente de totalidade. Mas o que é totalidade? Essa questão tem sido motivo de preocupações constantes. Alguns autores colocam que antes de se tornar conceito filosófico por excelência, a totalidade constituía nostalgias que se

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revelavam nos mitos e nas crenças e se enalteciam nos ritos e nas técnicas místicas. Apontada como mistério e integrante do drama humano, é expressa em todos os níveis da vida cultural. Por outro lado Bohm (1999: 9) diz que "essa questão já foi, em sua essência, levantada filosoficamente há mais de dois mil anos nos paradoxos de Zenão", sem que se tenha até agora uma solução satisfatória para esse mistério que fascina os homens. Estudando o próprio vocábulo totalidade encontramos no Dicionário Aurélio (1975: 1392) o significado de soma ou conjunto das partes que constituem um todo. Abbagnano (1998: 1145) em totalid (do latim universitas; do inglês totalit; do francês totalité; do alemão totalität e do italiano totalità) aborda esta palavra como um todo, completo em suas partes e perfeito em sua ordem. No Dicionário Michaelis (1975: online) é registrado como confluência ou conjunto de diversas partes na formação de um todo. Por sua vez, Japiassu (1996: 261), em um sentido genérico, coloca a totalidade como o conjunto de elementos que formam um todo, uma unidade. Nestas definições percebemos como traço marcante a união das partes num todo, com destaque para a ordem e a perfeição, quando deveríamos nos preparar para um pensamento flexível, aberto e integrado por intermédio do processo dialógico de pensar ao mesmo tempo, e de forma coerente, as ideias aparentemente contraditórias e antagônicas. Kant, ao retomar o termo categoria utilizado anteriormente por Aristóteles, para fazer as afirmações sobre o ser, propôs categorias em relação ao conhecimento a partir de quatro pontos de vista: da quantidade, da qualidade, da relação e da modalidade. Na filosofia kantiana, totalidade é "uma das doze categorias do entendimento e uma das categorias da quantidade, realizando a síntese da unidade e da pluralidade e tornando possíveis os juízos singulares. A totalidade não é outra coisa senão a pluralidade considerada como unidade" (Japiassu, 1996: 261). Sua inclusão como categoria de quantidade revela, entretanto, uma limitação, ao pensarmos que o conhecimento pode ser medido e é finito. Mas se a ênfase for no processo de totalização, enquanto movimento de superação que busca a multiplicidade, as diferenças, as variações, que apesar de serem expressões diversas do mesmo processo, jamais deverão ser unificadas, e sim entendidas como um todo coerente, harmonioso e

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aberto, "alimentado por um contínuo fluxo de matéria e energia do seu meio ambiente" como acredita Ludwig von Bertalanffy (apud Capra, 1996: 54-5), que na década de 40 deu o primeiro passo na explicação da ciência geral de totalidade. Por isto, a pluralidade, integrante da mesma categoria da quantidade, ao ser entendida como multiplicidade e diversidade é como uma polifonia, "onde os sons no processo de composição musical se casam em várias melodias, que se desenvolvem independentemente, mas dentro da mesma tonalidade" (Dicionário Universal da Língua Portuguesa, on-line). Destacando o papel humanista do conhecimento e da ciência, na década de 70 a interdisciplinaridade, elegeu a totalidade como categoria de discussão por intermédio da máxima: conhecer a si mesmo é conhecer em totalidade (Fazenda, 1994: 19). A partir da seguinte proposição de Sócrates, "a totalidade só é possível pela busca da interioridade. Quanto mais se interioriza, mais certezas vai se adquirindo da ignorância, da limitação, da provisoriedade" (idem: 15), que gera dúvidas e conduz ao conhecimento de si mesmo e ao conhecimento da totalidade. Nesse sentido, Ivani Fazenda vem abrindo caminhos, ao propor um olhar rigoroso e uma atitude interdisciplinar para conhecer mais e melhor, dialogar entre certeza e incerteza, aceitando com alegria o desafio perante o novo e a recuperação da magia das práticas pedagógicas. Esta perspectiva interdisciplinar exige uma atitude inovadora, no sentido de garantir um pensamento globalizante, integrado e coerente. Amplia-se assim a visão geral de mundo que, de acordo com Bohm (1999: 11), "é crucial para a ordem global da própria mente humana. Se o homem pensar a totalidade como constituída de fragmentos independentes, então é assim que sua mente tenderá a operar. Mas se ele consegue incluir tudo, coerente e harmoniosamente, num todo global indiviso, ininterrupto e ilimitado (pois todo limite é uma divisão ou ruptura), então sua mente tenderá a mover-se de modo semelhante, e disto fluirá uma ação ordenada dentro do todo". Emoções, atividades físicas, relações humanas, organizações sociais também são fundamentais, nesse contexto de ampliação da visão de mundo. A capacidade de trabalhar com esta nova complexidade, com as incertezas e dúvidas, aponta para o exercício da ambiguidade. Angústias, equívocos e antagonismos são percebidos como sinais que estimularão,

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por meio da reflexão, do diálogo e da troca, a percepção da totalidade, ainda que inacabada e provisória. Essa possibilidade de atribuição de dois ou mais sentidos às diferentes situações enriquece a prática, pois permite o surgimento de ideias inéditas e diferentes, numa valorização dos aspectos humanos. Portanto, pensar interdisciplinarmente por intermédio da ambiguidade é se despojar de suas inseguranças, aceitando-se como ser humano imperfeito, mas capaz de autocrítica, de aceitação de seus limites e de superação de uma prática pedagógica restrita, a favor de uma prática pedagógica interdisciplinar, que permitirá a construção de um novo modelo de escola, mais preocupado com a diversidade cultural, religiosa e racial, com as diferenças individuais e com a ampliação das potencialidades humanas para outros campos do conhecimento que não apenas o racional, como nos ensina Fazenda (1994: 28). Ressaltamos ainda a necessidade de se manter bem firme suas raízes na realidade, captada por um olhar de totalidade, que, favorecendo a discussão coletiva, a troca de experiências e de energia, permita a investigação e o desabrochar de práticas capazes de superar o individualismo, a desesperança e os desencontros provocados pela escola positivista e pelo olhar unidirecionado.

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Espera Fabio Cascino

ESPERAR — aguardar, confiar, ter esperança (Dicionário Etimológico Nova Fronteira). ESPERA — 1. Ato de esperar. 2. Esperança. 3. Demora, dilatação. 4. Adiamento (Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis). ASPETTARE — Avere l'animo preparato all'arrivo di qualunque o al compiersi di qualque avvenimento17 (Il Nuovo Dizionario Italiano Garzanti). ESPERAR — Esperança, demora, dilatação, adiamento, provável, previsto, "esperar para ver o que acontece", ato relativo ao aguardar, permanecer na expectativa, atenção ao tempo que corre/escorre. É adiamento, atraso, demora; mas é também maturação, crescimento lento, ordenado, pacífico; é condição para que o fruto torne-se fruto saboroso e colorido, tempo natural da constituição do ser que cresce e conhece. Quem espera sempre alcança! ESPERAR, tratamento temporal... algo está para ocorrer, para o bem ou para o mal, desatando-se em conquista ou perda, revelando a condição humana de temporalidades inescapáveis; é com o tempo que se amadurece, que se cria, que se sofre e que se aprende a sofrer e a esquecer a dor; o tempo da espera é um tempo constante no viver. ESPERA-SE para nascer — a gravidez —; ESPERA-SE, desde o nascimento, o instante da morte. A morte, como instante, é processo complexo, sistêmico, vivido e aguardado desde o nascimento. Muitos são os autores que falam, e pensam, sobre a questão da ESPERA. Tema infinito para românticos de todos os tempos, a ESPERA é 17. "Ter disposição, estar preparado para a chegada de alguém ou para a ocorrência de algum acontecimento."

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tratada por Roland Barthes em seu Fragmentos de um discurso amoroso. Ele esclarece que a ESPERA para todo amante, para todo ser apaixonado, é um tema conturbado, ambíguo. O ser que ama ESPERA porque quer ver, quer tocar, quer receber e adora esse tempo, que também é um tempo de maturação, de crescimento e aprofundamento do próprio amor vivido. Ao mesmo tempo, há ódio, dor, angústia; ESPERAR é sofrer, aguardar, viver incerteza, dúvida. "Será que ele/ela virá?". "Por que ele/ela me faz esperar por este telefonema/encontro/olhar?" O tempo da ESPERA é um tempo paradoxal: exatamente no instante onde se quer/impõe (imposição moral) movimento, a parada; o não-movimento coloca em questão o próprio movimento e estabelece um tempo de risco, de dúvida, de questionamento. O tempo de assumir o paradoxo, de duvidar do fazer e do pensar em uma direção; e as demais direções, desde sempre coexistentes, como se afirmam? Elas se afirmam simultaneamente? O jogo da ESPERA, que comporta múltiplos protomovimentos, os quais condicionam todos os movimentos, é um jogo complexo, multidirecionado, impondo múltiplos olhares, múltiplas atenções, múltiplos repertórios. Em G. Deleuze — Lógica do sentido (2000), encontramos uma fabulosa formulação dessa concepção de temporalidades multiformes, paradoxais, tempos de desregramento dos tempos morais, unidirecionais. O tempo da natureza, o tempo da maturação das árvores, das florestas, da vida animal, do movimento das placas tectônicas, o tempo das transformações das neves e do gelo dos pólos, o tempo do movimento dos astros, da constituição do petróleo e da depuração da água, da descida de um rio, o tempo da vida na Terra e no Universo é um tempo de ESPERA. Será no sentido de advertir o ser humano sobre sua ignorante vontade/"necessidade" de produzir outros tempos, outras velocidades na produção e no consumo de bens, de produzir os tempos da modernidade, que afirmará: "A sociedade humana não viola impunemente os ciclos naturais de renovação e morte". O tempo da ESPERA também é um tempo de leveza. Requer paciência e sabedoria, porque é um tempo de maturidade. Assim, remetemo-nos para um tempo ZEN, um tempo sábio, que contempla, reflete, pondera.

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absorve diferenças, incorpora ritmos, que assume posturas sem desrespeitar. É o tempo buscado pelo Arqueiro ZEN. Respira, concentra, tenciona, relaxa; tudo a seu tempo, confiante em um preciso tempo que amadurece frente a longa ESPERA. É um tempo de colheita de saborosos frutos. Na educação, ESPERAR é uma constante. O professor, a professora sabe, não importa o grau de especialização ou o nível de ensino, que o aluno, a aluna, precisa de tempo, tempo de ESPERA/amadurecimento para introjetar conhecimentos, torná-los seus, fazendo uso adequado daquilo que se ensinou, tornando-o parte integrante de seu cotidiano e de seus projetos de vida. A vida, do nascimento à morte: inevitabilidade, condicionada ao aguardar, o previsto, pura ESPERA. Emblema do cotidiano, metáfora a iluminar toda a existência, denúncia do padrão que une; ritmo. Passo a passo, compasso, a distensão do tempo, o alargamento do instante, a redefinição do tempo, o engendramento do possível: ESPERA. Gravidez — longo ou curto esperar? Maturação: ação de crescer o suficiente e necessário para sair, ex-por-se. Sair ao mundo, abandonando um/o canto, para falar/gritar/chorar. Hora do anúncio; síntese de amores e dores e prazos e angústias e felicidades! Quem engravida gera vida, movimento, transformação. O novo, a novidade, longamente anunciada — mas só conhecida quando colocada para fora.

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Movimento Vitória Kachar

A sala de aula interdisciplinar tem um movimento singular de manifestar suas intenções e desenrolar seus objetivos no decorrer dos encontros. O movimento de construção do dicionário percorreu novos e conhecidos caminhos. Buscar palavras para expressar o aproveitamento das aulas/encontro sobre interdisciplinaridade da profª Ivani Fazenda,18 geram o receio de reduzir e fragmentar as circunstâncias afloradas na prática pedagógica interdisciplinar. Na tentativa de descrever e relatar, com palavras, momentos transcorridos em outro tempo e espaço, deparo-me com a dificuldade de apresentar o cenário ocorrido. Dirigir o olhar para a sala é atitude do professor/pesquisador para captar as minúcias e variáveis presentes, intervindo em todo o processo. Como aluna/educadora, estabeleci uma reflexão pelo canal do diálogo com o momento vivido e extraí dele questionamentos singulares, para ampliar o horizonte de pensamento e prática educacional. Percebi, no movimento das aulas e nos diálogos que se estabeleciam na sala e se estendiam no café, almoço, telefonemas e até por meio de emails, que aprender sobre interdisciplinaridade pressupõe vivência e reflexão. Como discutir interdisciplinaridade racional e objetivamente, sem que haja uma implicação do sujeito na realidade interdisciplinar? Como discutir teoricamente sobre a importância da visão integrada e de totalidade do conhecimento, a partir de uma postura fragmentária? Como trabalhar no território da interdisciplinaridade sem considerar a necessidade da disciplina? A disciplina nas aulas/encontros concretizou-se na proposta e produção individual de textos para compor a rede intrincada de categorias e 18. Disciplina no pós-graduação em Educação: Currículo da PUC-SP.

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princípios da interdisciplinaridade. Cada aluno trouxe da sua área uma categoria que identificava como parte da investigação em interdisciplinaridade. E, no decorrer das aulas, foi desenrolando o fio condutor da sua análise e ligando-o com sua tese. Cada um tinha a sua pergunta e tentava, por esse período, aprender a perguntá-la. Como se a busca da resposta lapidasse a pergunta e a tornasse cada vez mais transparente e ela em si já apontasse a direção do seu aprofundamento. No desenvolvimento do texto, a ação da disciplina de escrever/ler, reescrever/reler, buscando constantemente mais subsídios teóricos. Interlocução não só com os teóricos, mas com os colegas de sala, partilhando conhecimento e compartilhando descobertas. A troca, a cooperação e a parceria se fizeram entre os integrantes, o que possibilitou o amadurecimento da escrita e do pensar educacional, o desvelamento do pesquisador/ autor. Este, adormecido, ainda primitivo, escondido em cada um, por temores e inseguranças gerados pela crítica e autocrítica ou pela falta de um exercício maior, de ler e escrever, para amadurecer a sabedoria do olhar, do próprio pensar. O exercício de escrever e reescrever teve um trajeto que incluiu momentos de luz/sombra, quando olhos brilhavam com as novas descobertas, alternando-se com olhos fatigados pelas noites permeadas pela dúvida. O conflito se instalava em cada um e no grupo, entre os velhos padrões e a projeção de novas ideias, instaurando o rompimento com antigos paradigmas na busca de um novo equilíbrio. O processo vivido individual e coletivamente possibilitou o nascimento do autor e da autoria. Textos, antes fragmentados, repletos de citações, referências teóricas e da produção do outro, passaram a identificar o pensamento do autor, que estava destravando sua escrita e pensar, mais confiante e saboreando sua própria descoberta e a descoberta de si mesmo. A disciplina de escrever e reescrever possibilitou a depuração e a elaboração para cada um descobrir-se e descobrir o traço da sua escrita. Categorias como parceria, cumplicidade e espera vigiada propiciaram a composição da situação onde a confiança foi fundamental na relação e no expor-se na sala de aula. O vínculo foi, gradativamente, se fazendo. Às vezes, grupos pequenos como ilhas se apresentavam para possibilitar que a rede se articulasse e circulasse o conhecimento, compondo um arquipélago de saberes.

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Nessa orquestração, a educadora, a docente, se fazia presente, mesmo em alguns períodos da sua ausência, criando um espaço e um grupo propício para o surgimento desse novo lugar. Indago: que presença, muitas vezes, cobramos, ou que ausências denunciamos? O grupo se dispunha ao diálogo, a partir do referencial teórico de diferentes áreas, já que cada um trazia o seu. O que, inicialmente, parecia impossível aconteceu: o estabelecimento de uma unidade considerando as divergências e diferenças. A ambiguidade por mim vivida e representada na metáfora de Veneza e seus contrastes também foi transpirada, durante aulas, pela colega Cristina, na tentativa de mergulhar e aprofundar esse conceito. Os colegas, descobrindo-se autores, traziam seus recortes, suas leituras, submetiam ao olhar e questionamento do grupo, remetendo este a um outro olhar, outros territórios, outras paisagens. Convivíamos com a disciplinaridade que instigava o mergulho no conceito, verticalizando-o, e abríamos e alargávamos o conceito, articulando-o e contextualizando-o na trama da interdisciplinaridade. Muitas questões foram apontadas. A Vera, persistentemente, anunciou a importância do professor como modelo/mito, não como referencial ou padrão a ser reproduzido, mas como inspirador da criação e desenvolvimento da identidade de cada um. Fomos alertados pela Miriam para não descuidarmos da corporeidade, do corpo presente, consciente, flexível, que, articulado com a mente, promove conhecimento e vida. A humildade na imagem criada pelo Ricardo e interessantemente complementada pela Margareth, foi reapresentada no conto do pássaro lido pelo Cláudio. As categorias se desdobravam nas várias propostas e, complementando-se entre si. Participaram desse banquete teorias, metáforas, contos, histórias, às vezes brincadeiras, para dar leveza ao ambiente, que de vez em quando pesava de tanta fermentação. A cada aula os colegas nos surpreendiam. A Beatriz desvelou, para nós e para si, o potencial de escrita travado na tentativa de enquadramento

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acadêmico a que nos submetemos e pelo qual somos expropriados, até nos assegurarmos da nossa prontidão para escrever nossas próprias ideias. São anos de prática e leitura que emergem mediante a construção singular, em busca da criação e da não-reprodução, onde o eu é fruto de nós, outros. O rigor metodológico permeava a pesquisa disciplinar dos textos e a reescrita interminável. O Élio chegou a redigir inúmeras versões do seu texto sobre trabalho. O Fábio trazia o referencial filosófico para responder às ansiedades do grupo advindas das dúvidas e questionamentos. No movimento disciplinar e interdisciplinar, as pessoas foram se mostrando e desvelando o potencial adormecido. A mudança se fazia no discurso e na produção escrita, recurso eficiente de reflexão, instrumento que possibilitou o surgimento do autor, do texto e sua gestação. Não qualquer texto, mas o que fosse significativo, surgido do desejo de desdobrar e querer compreender mais e além. A mudança perfazia caminhos de construção e desconstrução, projetando a transformação do pesquisador/autor. Quanto à comunicação/linguagem, a Valéria me cochichou a importância de nos calarmos para dar voz ao outro e, assim, ocupar um espaço nesse intercâmbio. Comunicar é dizer no silêncio, por gestos e olhares. Comunicar é ouvir, o que remete ao aperfeiçoamento da escuta sensível e a possibilidade do diálogo verdadeiro e fértil. Essas são algumas situações que transcorreram nas aulas, mediante um recorte — o meu olhar. Observei uma necessidade de refletir e expressar em palavras momentos significativos de interlocução com pares e apresentar o movimento interdisciplinar. Vislumbrei, no delineamento dessa sala de aula, a coerência entre investigar interdisciplinaridade e ser interdisciplinar. Conjugação de ação e pensamento. Não é possível compreender interdisciplinaridade sem vivê-la e refletir sobre si como pessoa, educador e pesquisador que se é e se está sendo. A vivência produz transformações em cada sujeito que sofre o processo, comprometido com o aperfeiçoamento da sua prática e conhecimento teórico. No caso relatado, o desvelamento do autor completa a pessoa do pesquisador. As diferentes faces de o sujeito ser e estar na

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educação, que se articulam, promovera vitalidade e novos horizontes no ambiente educacional. A sala de aula pode se tornar um espaço/laboratório de investigação por meio de encontros, consigo próprio e com o outro, não só teóricos, mas com os construtores de teoria, quando os colegas juntos, em parceria, gestam teses e vidas. Um ambiente fértil, com um modelo inspirador, a professora Ivani Fazenda.

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Memória Maria Célia Barros Virgolino Pinto

Do latim memoria, faculdade de reter as ideias, impressões e conhecimentos adquiridos anteriormente (Ferreira, 1986).

São vários os autores que escrevem sobre a questão da memória, em muitas áreas do conhecimento, em várias dimensões e em diferentes épocas, ampliando o conceito de memória comumente usado apenas como lembrança do passado que permanece em algum lugar da consciência. Na Antiguidade grega, Aristóteles e Platão utilizam os termos conservação de sensações (Abbagnano, 1998: 657). Ainda em Aristóteles encontramos memória como marca na alma, como um quadro que pode ser considerado por si ou pelo objeto que representa. Os gregos haviam sacralizado a memória na figura de Mnemósine, irmã de Cronos e de Okeanós, mãe das musas Meleti (exercício), Mineme (memória) e Aoidé (canto). Mnemósine é deusa titã, protetora dos poetas. Erigida senhora do tempo, a memória constituía entre eles a chave de todo o conhecimento e, por conseguinte, a fonte da humanização. Possuída por Mnemósine, o poeta moldava a sociedade grega, recitando infindavelmente a genealogia dos deuses e dos homens, celebrando a proveniência dos povos ou solicitando-lhes a etimologia das palavras. "Pronuncia teus oráculos, ó Musa, e eu serei teu profeta" (Platão apud Kenski, 1995: 141). O poeta se vê, assim, não diante de um quadro limpo e vazio de emoções, mas como se estivesse no próprio palco dos acontecimentos (Besnier, 1999: 55). Desta forma, a memória apareceu como o cimento do edifício social, a condição do vínculo geracional, bem como o fiador da continuidade do mundo dos vivos e dos mortos. Nem aliança, nem unidade sem ela. Afastando-nos um pouco da mitologia grega, encontramos em Morin (1986: 153) que a memória não deve ser a permanência alucinatória do

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passado. É por meio dela que podemos fazer com que os dados e a lembrança do passado intervenham na percepção do presente. Está na reabordagem do passado, na e pela experiência do presente, na abordagem do presente, na e pela experiência do passado. Ela está no circuito ininterrupto de inter-relações passado-presente. Assim, descobrimos uma brecha no passado, a que corresponde uma brecha no presente: o conhecimento do presente necessita do conhecimento do passado, que necessita do conhecimento do presente. Segundo Kenski (1994:48), uma das principais e mais bonitas características da memória é sua atemporalidade. A memória é histórica na medida em que a recuperação das vivências não é feita de forma cronológica linear, mas sim mediante a mistura de acontecimentos que ocorreram em diferentes momentos do passado. A lógica das lembranças é a da emoção: momentos em que o sujeito deixa que as lembranças tenham voz e vão além dela, por meio de manifestações corporais, gestos, expressões faciais, do comportamento emocionado, do choro, do riso, do movimento do corpo. A memória tem papel fundamental na construção da identidade e da consciência do indivíduo. Esta importância nos é mostrada por certos autores como Damásio, ao abordar o tema amnésia global transitória que acontece com uma pessoa inteiramente normal que de repente é privada dos registros que foram recentemente acrescentados à memória autobiográfica. Considerando que nossa memória do aqui e agora também inclui memórias dos eventos que constantemente antevemos — memórias do futuro —, então uma pessoa acometida pela amnésia também não tem disponível nenhuma lembrança relacionada aos planos feitos para os minutos, horas ou dias subsequentes. É muito comum que o paciente afetado não tenha a mínima ideia do que o futuro possa lhe reservar, ficando, portanto, privada de sua procedência histórica e de seu futuro pessoal. Hoje a modernidade, além de ser definida como experiência de convivência com a mudança rápida, abrangente e contínua, é uma forma altamente reflexiva de vida, na qual a memória ocupa um papel fundamental no momento em que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz das informações recebidas sobre aquelas próprias práticas, alterando, assim, constitutivamente, seu caráter. Na abordagem interdisciplinar, utilizamos a memória como recurso fundamental. Dupla forma de memória: memória registro, escrita e feita

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em livros, artigos, resenhas, anotações de aula, resumos de cursos e palestras; e a memória vivida e refeita no diálogo (Fazenda, 1994: 83). Experiências vividas podem gerar novas perspectivas subjacentes do exercício interdisciplinar que capta delas o movimento dialético e contraditório que ensejam. Memória que tece lembranças, que mescla o passado, revê o curso do presente e que pode inspirar o futuro. Este movimento dialético, que é exercitar a memória numa prática docente substantivamente interdisciplinar, torna-se importante na medida em que a análise das marcas do passado serve para compreender diferentes práticas vividas. Assim, esse movimento estimula a pensar a renovação das escolas. O estudo das relações entre memória e prática docente, numa perspectiva interdisciplinar, é fundamental porque, por intermédio deste recurso — memória —, uma versão de um passado concretamente vivido serve para ser refletido, discutido e analisado. Recriando sua prática, o professor aceita o novo não só por ser novo, mas porque traz embutido vozes e traços do velho. "O velho que preserva sua validade ou que encarna uma tradição ou marca uma presença no tempo continua novo" (Freire, 1997: 39). Minha memória escureceu Clareei, mudei o tom

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Depurar José Armando Valente

Depurar é a tradução aproximada do termo debugging, que surgiu originalmente na área de programação de computadores. Debugging é o processo pelo qual um programador detecta e corrige erros em um programa de computador. Essa terminologia usa a metáfora de ver o erro como um bug — um pequeno inseto que atrapalha e incomoda — e debugging é o ato de eliminar o inseto. A utilização do conceito de debugging na educação foi feita por Papert (1980), que viu a programação de computadores como uma oportunidade de aprendizagem. Programar o computador pode ser visto tal qual uma forma de representar o raciocínio de como se resolve determinado problema por meio de uma linguagem precisa. Este programa, ou este raciocínio expresso pela linguagem de programação, é executado por intermédio do computador, e o resultado indicará a existência de bugs ou não. Se for obtido o resultado desejado, o programa pode estar isento de bugs; caso contrário eles estão presentes e devem ser eliminados. No entanto, o ato de eliminar o bug demanda entender o que se passa com o programa, ou seja, com os conceitos e com as estratégias utilizadas. Achar e eliminar bugs permite a construção de patamares mais elaborados do raciocínio e, portanto, do pensamento. É a oportunidade de aprender, de compreender melhor o que o aprendiz achava que sabia. Depurar tem sido usado na área de informática na educação como uma oportunidade para tornar mais claro o processo de pensar e realizar tarefas por intermédio do computador. Depurar é parte de um ciclo de aprendizagem, que se inicia com que o aprendiz é capaz de fazer naquele momento e, por meio de sucessivas depurações, poder atingir graus de compreensão cada vez mais elaborados que o levarão à aprendizagem (Valente, 1999). O ato de depurar pode funcionar fora do âmbito da programação e ser incorporado em qualquer atividade humana. Os japoneses usam o termo

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kaizen para se referir à melhora contínua, o aprimoramento constante das condições de trabalho, das operações realizadas, visando eliminar desperdícios e aumentar a produtividade (Imai, 1990). Esta melhora contínua acaba levando os funcionários a criarem novos procedimentos para realizar tarefas, tornando-se a fonte de geração de conhecimento. Este princípio não se aplica somente à produção, mas é usado em todas as esferas de vida do sujeito. A depuração, portanto, pode ser vista como o motor da aprendizagem, passível de ser aplicada em qualquer circunstância ou domínio. Ela autoriza o aprendiz a ser ousado e a não ter medo de produzir algo imperfeito. O sujeito deve estar consciente de que pode utilizar os conhecimentos de que já dispõe para resolver uma tarefa e, se não for bem-sucedido, poderá depurá-los, adquirindo, com isso, novos conhecimentos. A depuração introduz no processo de aprendizagem e, por extensão, na vida, a sabedoria de ver o erro como um bug, eliminando a conotação negativa e punitiva que tradicionalmente se atribui a algo que não está perfeito. Este modo de conceber o erro minimiza a severidade e introduz a tolerância com as coisas que não funcionam. Ninguém erra porque quer, porém pode-se cometer deslizes, pode-se introduzir bugs nas atividades que se realiza. A depuração também permite o exercício da paciência, já que é humanamente impossível produzir algo perfeito na primeira tentativa. Os bugs estão sempre presentes, mesmo quando se está imbuído das melhores intenções. Porém, tudo é passível de ser melhorado continuamente. Por fim, a depuração proporciona um importante princípio de aprendizagem e de vida, já que viver pode ser visto como um contínuo processo de depurar ideias e ações realizadas.

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Ação Luiz Carlos Pereira de Souza

Ação é a manifestação de uma força, de uma energia; é a capacidade de agir ou praticar; poder de fazer alguma coisa; assumir atitude ativa... A ação é intrínseca às demais categorias da interdisciplinaridade, estando presente na construção de uma teoria, em novos rumos dados à mesma e no exercício prático de seus conceitos. Interdisciplinaridade compreende a busca constante de novos caminhos, outras realidades, novos desafios, a ousadia da busca e do construir. É ir além da mera observação, mesmo que as realidades do cotidiano teimem em nos colocar perplexos e inseguros diante do desconhecido ou estimulando a indiferença para evitar maiores compromissos. Segundo Fazenda (1998: 13): "Um olhar interdisciplinar atento recupera a magia das práticas, a essência de seus movimentos, (...). Exercitar uma forma interdisciplinar de teorizar e praticar educação demanda, antes de mais nada, o exercício de uma atitude ambígua." No sentido místico, não há outra ação a não ser a espiritual, dirigida para evolução e salvação, pois toda outra forma de dinamismo não é mais que agitação, e não ação verdadeira. Olhar ou simplesmente ver identifica-se com conhecer (saber e possuir). O olhar é como os dentes, a barreira defensiva do indivíduo contra o mundo circundante; as torres e a muralha da "cidade interior". Wagner, em Tristão e Isolda, destaca que o olhar é um ato de reconhecimento, de equação (ver) e de comunicação absoluta (Cirlot, 1984). A reflexão sobre o cotidiano social, realidades que convergem e divergem concomitantemente umas das outras, resgate de história de vida, ética e profissionalismo, deve motivar-nos a ações práticas junto às comunidades que nos cercam. A atitude interdisciplinar leva-nos a ações práticas; somos levados a romper, a todo momento, com padrões convencionais, construir

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desconstruindo e apresentar alternativas, que não precisam nem devem ter caráter definitivo, mas que contribuam para amenizar os sofrimentos daqueles que lutam tenazmente como sujeitos ativos e proativos para não serem segregados em meras análises por dados estatísticos como objetos inoperantes. A fundamentação teórica deve resultar em contribuição prática, não restrita ao discurso, pois a atitude interdisciplinar aponta para a necessidade de um desvelamento, evitando-se a visão mecanicista de quem aceita conclusões a partir de fragmentos. Segundo Fazenda (1994:13), "é impossível a construção de uma única absoluta e geral Teoria da Interdisciplinaridade, mas é necessária a busca do tema ou do desvelamento do percurso teórico pessoal de cada pesquisador que se aventurou a tratar de questões desse tema".

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Trabalho Élio Vieira

Trabalho. Na interdisciplinaridade o trabalho situa-se na categoria ação; não uma ação qualquer, mas uma ação intencional, comprometida e direcionada a determinado fim, objetivando a transformação, o aperfeiçoamento social e/ou educacional. O trabalho traz, na sua essência, um apelo ao movimento, à atividade, ao fazer. O único tipo de trabalho não observável é o intelectual — quando este fica apenas no campo das ideias. Mesmo assim, o trabalho intelectual implica constante movimento do organismo humano. As ideias não mudam o mundo; o que muda o mundo é a atitude de colocar as ideias em prática, em movimento, mediante o fazer, a atividade; e isto é trabalho. Dentre as categorias da interdisciplinaridade o trabalho destaca-se pelo mistério, pela ambiguidade, pelo fascínio que exerce sobre a alma humana. O mistério se manifesta na falta de explicação do fascínio que o trabalho exerce sobre o homem e a ambiguidade emerge de uma contradição: está no trabalho a possibilidade maior de realização do homem, ou a sua alienação. O trabalho consiste na "aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar um determinado fim — ou finalidade (Ferreira, 1986). Etimologicamente, a palavra trabalho tem conotação negativa: origina-se de trepalium, palavra latina que significa "instrumento de tortura" (Larousse, 1982: 1026). A expressão mais significativa do sentido etimológico da palavra trabalho encontra-se no trabalho escravo. O trabalho escravo sempre existiu e, por incrível que possa parecer, é encontrado, ainda que esporadicamente, nos dias atuais. Fiel à etimologia da palavra trabalho, o dicionário francês Le Robert (1994: 2300) traz como explicação primeira da expressão trabalho a ideia de dor e de sofrimento — "TRAVAIL (...) 1. État d'une personne que souffre, qui est tourmentée; activité pénible..." — e em seguida explicita a expressão "trabalho de parto", referindo-se ao sofrimento da mulher no processo de dar à luz um filho.

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A alienação no trabalho é, também, uma forma de expressar o lado negativo da etimologia da palavra trabalho, uma vez que o indivíduo alienado está psicologicamente sujeito a um estado de sofrimento, de insatisfação e de angústia comparáveis à tortura física. Em Japiassú (1996: 6), lemos que a expressão "alienação (do latim alienado, de alienare: transferir para outrem; alucinar; perturbar) indica o estado do indivíduo que não mais se pertence, que não detém o controle de si mesmo ou que se vê privado de seus direitos fundamentais, passando a ser considerado uma coisa". Quanto à questão da alienação do processo de trabalho, Gomez (1987: 50) faz referência sobre "os condicionantes ideológicos que constituem a longa história do adestramento social, baseado no dualismo da divisão social do trabalho (trabalho intelectual/trabalho manual)." Segundo alguns autores, dentre os quais destaco Giannotti (1983: 85), a análise mais completa do processo de trabalho aparece em Marx, no capítulo V do primeiro volume de O capital. Em Marx (1985: 149) lemos que: "Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. (...). Uma aranha executa operações semelhantes à do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto, idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, (...) ao qual tem de subordinar sua vontade."

O trabalho suscita nas pessoas diferentes reações. Para uns o trabalho é um castigo. Para outros, uma bênção, uma necessidade, um dever e, para poucos, um prazer ou um lazer, ou, ainda, motivo de satisfação. A forma de trabalho que faculta ao homem satisfação, prazer, alegria é o trabalho livre, espontâneo e produtivo. Conforme citamos, Marx (1985: 149) vê o trabalho como um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Hegel vê o trabalho como a mola que impulsiona o desenvolvimento humano. "É no trabalho que o homem se produz a si mesmo; o trabalho é o núcleo a partir do qual podem ser compreendidas as formas complicadas da

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atividade criadora do sujeito humano. Foi com o trabalho que o ser humano 'desgrudou-se' um pouco da natureza e pôde, pela primeira vez, contrapor-se como sujeito ao mundo dos objetos naturais. Se não fosse o trabalho não existiria a relação sujeito-objeto" (Konder, 1981: 23-4).

Na interdisciplinaridade, trabalho e ação são termos sinônimos. Fazenda em suas obras salienta a importância de vincular a ação pedagógica à finalidade educacional, ao afirmar "que a prática que se constitui em critério de verdade é sempre aquela motivada por uma finalidade, ou seja, toda a prática verdadeira está intimamente correlacionada ao fim que o homem tem em vista e ao seu engajamento no processo produtivo". Os termos produto, produtivo, produtividade, são expressões usuais no universo conhecido como "o mundo do trabalho". Na interdisciplinaridade, como em outras áreas do conhecimento, existe todo um conjunto de pressupostos, princípios, hipóteses e ideias elaboradas por pesquisadores e estudiosos do assunto que dão a esta disciplina o seu arcabouço teórico. Mas é a atitude interdisciplinar nos trabalhos de pesquisa, nas ações educacionais e sociais que tornam viva a expressão interdisciplinaridade. Por semelhante modo é a atitude direcionada para o produto da ação que transforma a ação em trabalho. Vemos aqui que não há desarmonia; ao contrário, há afinidade e sintonia entre trabalho e interdisciplinaridade, já que esta não se faz sem aquele: A interdisciplinaridade não se faz sem o trabalho. Segundo Garcia (2000: 66-7), "o prefixo inter, nos permite interpretar 'interdisciplinaridade' enquanto um 'movimento' ou um 'processo' instalado tanto 'entre' quanto 'dentro' (das disciplinas). (...) A partir da etimologia da palavra, passei a compreender interdisciplinaridade como 'um movimento que se exerce no interior das disciplinas, e entre elas, visando recolocá-las em contato'. (...) Interdisciplinaridade é algo que se desenvolve; ou nos termos de Japiassú (1979) e particularmente Fazenda (1979, 1991), algo que se exerce, uma atitude."

O trabalho é, também, uma atitude, algo que se exerce. É um desafio à ousadia e ao talento humano. O trabalho faculta ao homem a condição de conhecer-se e de permitir-se ser conhecido. Em Marx (1985: 150-1) fica evidenciada a importância do trabalho humano para o conhecimento da história da humanidade e para a identificação dos diferentes estágios de desenvolvimento tecnológico e econômico do homem.

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"Nas cavernas humanas mais antigas encontramos instrumentos de pedra e armas de pedra. Ao lado da pedra, madeira, osso e conchas trabalhadas; o animal domesticado e, portanto, já modificado por trabalho, desempenha no início da história humana o papel principal como meio de trabalho. O uso e a criação de meios de trabalho, embora existam em germe em certas espécies de animais, caracterizam o processo de trabalho especificamente humano e Franklin define, por isso, o homem como 'a toolmaking animal' um animal que faz ferramentas. A mesma importância que a estrutura de ossos fósseis tem para o conhecimento da organização de espécies animais desaparecida, os restos dos meios de trabalho têm para a apreciação de formações socioeconômicas desaparecidas. Não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz, que distingue as épocas econômicas. Os meios de trabalho não são só medidores do grau de desenvolvimento da força de trabalho humana, mas também indicadores das condições sociais nas quais se trabalha."

Pode-se inferir, a título de ilustração, que talvez o grande desafio do homem primitivo, ao sair da caverna, tenha sido trabalhar na construção da sua própria moradia. Esgotadas as possibilidades de abrigos naturais para proteger-se dos perigos e das intempéries, o homem, buscando a segurança indispensável para preservar e perpetuar a sua espécie, planejou e construiu sua moradia. Este talvez tenha sido o primeiro projeto no qual o homem empenhou-se e pelo qual desenvolveu suas habilidades. Esta ação exigiu do homem uma atitude em relação ao trabalho. E neste processo o homem teve, a um só tempo, que desenvolver as diversas habilidades que o desafio de construir uma moradia lhe impunham. Foi por meio do trabalho que o homem, transformando a natureza, transformou-se a si mesmo. O nosso primata já era, incontestavelmente, um polivalente. Forjou suas ferramentas; identificou na natureza os elementos de que necessitava (pedra, barro, madeira etc); extraiu, transportou, modelou esses elementos, integrandoos para compor um todo organizado: a casa. Por mais tosca que fosse a casa primitiva, este é um exemplo típico da visão de totalidade do homem sobre o trabalho. Para Hegel e Marx, a história do desenvolvimento humano está diretamente ligada ao trabalho, pois à medida que o homem transforma o seu meio pelo trabalho, transforma-se a si próprio. Todo trabalho exige um projeto ou planejamento. Se complexo, exigirá compreensão e visão de totalidade. Logo, a ação de planejar um trabalho complexo é interdisciplinar

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e exige do homem múltiplas habilidades. O trabalho, na sua origem, é ação interdisciplinar, é politécnico, uma vez que exige um ser polivalente. As corporações de artesãos são um exemplo disso. O artesão estudava, conhecia e praticava todos os processos atinentes ao seu trabalho e desenvolvia todas as habilidades para a sua realização. Assim, por exemplo, ele dominava todo o processo de trabalho que vai da extração da madeira até o acabamento do móvel, ou da casa, ou do utensílio doméstico. O homem tinha, portanto, o domínio da totalidade do seu trabalho. A dimensão de totalidade do trabalho foi se perdendo na medida em que surgiram os processos de reorganização da produção. A Revolução Industrial provocou a. fragmentação do trabalho. Nas linhas de montagem os processos foram transformados em operações tão pequenas que levaram o homem à perda da visão de totalidade do trabalho. A perda da visão de totalidade tirou a satisfação e o prazer do trabalho. "O prazer pelo trabalho bem-feito" foi substituído, aos poucos, pela qualificação para operar máquinas, levando o homem à alienação no trabalho. Atualmente, a qualidade do trabalho depende mais da tecnologia aplicada aos equipamentos do que da potencialidade, da vontade do homem como operador de uma máquina. No antológico filme de Charles Chaplin — Tempos modernos —, a tragédia humana é representada na figura de um operário que está a ponto de enlouquecer e é salvo apenas pelo seu espírito romântico, por seu amor à vida e ao seu semelhante. A desfragmentação é uma condição para que o homem recupere a visão de totalidade e reencontre a satisfação no trabalho. A reapropriação dos próprios talentos deve ser a marca do trabalho no terceiro milênio; e trabalhar deverá ser, cada vez mais, uma ação interdisciplinar. A interdisciplinaridade é, também, uma atitude que visa a desfragmentação do saber. Gusdorf em seus textos nos diz que Comenius, iluminado pedagogo tcheco denunciou, em 1637, a fragmentação do saber em disciplinas sem vínculo umas com as outras, e sugere: "o remédio para esse despedaçamento interno seria a pedagogia da unidade (pansophia). Uma ciência verdadeira, seja qual for, não pode se constituir isoladamente e manter-se num egoísmo epistemológico, fora da comunidade interdisciplinar do saber e da ação". Mandino (1977: 92) oferece-nos uma bela ilustração sobre o valor, a virtude e a força do trabalho:

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"Jamais existiu o mapa, por mais cuidadosamente executado em detalhe e escala, que elevasse seu possuidor um só centímetro do chão. Jamais houve uma lei, conquanto honesta, que impedisse um crime. Jamais houve um pergaminho, mesmo como este que agora tenho nas mãos, que ganhasse um tostão, sequer, ou produzisse uma única palavra de aclamação. Somente a ação transforma o mapa, o papel, este pergaminho, meus sonhos, meus planos, meus objetivos, em força viva. A ação é o alimento e a bebida que nutrirá o meu êxito."

Trabalho e interdisciplinaridade são termos convergentes. "A interdisciplinaridade é um conceito, uma ideia; mas uma ideia que só faz sentido ao ser exercida" (Garcia, 2000: 78); e o trabalho é o exercício do homem no sentido de consolidar, de concretizar seu saber, conceitos, valores, ideias. Trabalho e interdisciplinaridade são fatores de aproximação, de valorização e entendimento entre os seres humanos. Trabalho é ação criadora, um elo entre o homem e Deus, pois o homem e a mulher foram criados por vontade e pelo trabalho do Criador (A Bíblia Sagrada: Gênesis 1.2, v. 5).

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Tecitura Fabio Cascino

Talvez a mais bela metáfora sobre a interdisciplinaridade seja a da tecitura dos tecidos; a elaboração, as tramas que compõem os panos, os tapetes, as colchas que nos envolvem, que nos protegem, que nos ornamentam, que constituem nossas vidas, foram urdidas em processos lentos, marcadas pelos compassos cotidianos, que são representações de nossas próprias vidas... Assim é com a elaboração do pensamento sobre interdisciplinaridade, que, a exemplo do tecido, é tramado com um semnúmero de fios, lenta e pacientemente entrecruzados, articulados, sucedendo-se um ao outro, em um movimento sincronizado, fornecendo a forma, a cor, a resistência necessária, a beleza e a funcionalidade que o processo de sua constituição engendra. No tecido, cada fio, isoladamente, possui uma força e uma resistência muito menor que a resultante de sua união aos demais fios (paradoxalmente, a perda da unicidade em favor da trama não representa perda das características singulares). Dessa forma, o processo de constituição do tecido tornará cada fio forte, único, considerado cada um à sua própria medida, demandando sua especificidade/unicidade. O conjunto, portanto, possibilitará ir além, ampliando horizontes, constituindo-se num todo a partir da somatória complexa de inúmeras e singulares partes. A partir da leitura das teses dos colegas pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas da Interdisciplinaridade (Gepi), Joe Garcia — Interdisciplinaridade, tempo e currículo — e Geralda Ramos — A questão da mudança na trajetória de educação interdisciplinar — do estranho das pesquisas ao familiar das ações —, ambas recentemente defendidas na PUC-SP, somos levados à reflexão sobre a metáfora dos tecidos, procurando, desta forma, melhor entender o conjunto da obra como resultado de um processo coletivo.

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Joe, razão e sistemática, toma como ponto de partida para a elaboração de sua tese a análise de um trabalho de autoria de Ivani Fazenda, de 1991, percorrendo o círculo hermenêutico, aprofundando a cada volta, a cada olhar sobre questões que esse mesmo texto suscita, um aprofundamento sistemático da análise, vasculhando termos, conceitos, expressões, buscando tirar os véus que encobrem os mecanismos preexistentes para a ação e o pensar interdisciplinar expressos no referido artigo. Da análise cuidadosa da hermenêutica, busca a constituição de uma atitude de investigação, rompendo clara e definitivamente com a possibilidade de estabelecer um método de investigação, um padrão ou um modelo. Revela querer o movimento, a diferença, a ambiguidade, a incerteza. Busca significados antes que explicações. Realiza análises profundas, partindo da etimologia das palavras até seu uso e localização nos textos da interdisciplinaridade. Faz isso com paradigma, paradoxo, disciplina, cronos, kairos... Funda seu trabalho no conceito de desdobramento, recorrendo incessantemente a ele como forma de demonstrar movimento, introduzindo o novo condicionado à existência e presença do velho, um na dependência do outro, no sentido de uma fluidez, continuum, marcando claramente o território histórico sobre o qual caminha a estruturação da interdisciplinaridade. E vai ao encontro dessa construção de modo racional, recorrendo a textos, e somente a partir deles, da obra consolidada, exercita sua "arqueologia" conceituai. Geralda Ramos, ao contrário, incorpora outra forma de movimento. Anuncia seu trabalho citando um trecho do I Ching: "O velho é descartado e o novo, introduzido. Ambos os movimentos estão de acordo com as exigências do tempo e, portanto, não causam prejuízos". Define claramente que seu trabalho busca o resgate de processos longos, fundados em relações estreitas com companheiros de trabalho e de pesquisa, dentro de escolas e dentro da universidade. É, portanto, um trabalho fundado nas relações humanas e no aporte teórico possibilitado pelo universo da intuição que os encontros e as relações propiciam. Partindo da leitura cuidadosa das teses de antigos integrantes do Núcleo da Interdisciplinaridade — que inclusive compuseram sua banca examinadora —, Geralda traça uma história recente do pensamento e da pesquisa sobre a interdisciplinaridade, consolidando, por intermédio de um olhar que "passeia" sobre tais produções, um repertório que ganha consistência teórica.

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É da análise dos trabalhos de Ecleide Furlanetto, Celia Haas, Jucimara Rojas, Derly Barbosa e da própria obra de Ivani Fazenda, que Geralda vai ao encontro e trabalha questões importantes, de fôlego, como a dialética e a memória e suas dimensões na interdisciplinaridade. Sugere ainda a incorporação ao discurso de temas valiosos ao grupo de pesquisadores, frutos de muito diálogo, trocas e intuição, tais como a espera vigiada, a busca constante, o reencontro, o olhar. Em seu texto deixa claro que pretende, a partir da leitura de novos escritos, de novas produções, com a revisita aos trabalhos dos "velhos companheiros", buscar o passado como referência ao futuro, criando a base necessária, o ponto de partida para vôos maiores, livres, autônomos. É interessante notar como Geralda, a partir mesmo dos agradecimentos contidos na abertura de seu trabalho, vai desenhando um percurso fundado no coletivo, como se seu tecido (ou sua tese) fosse a consequência da somatória de vários trabalhos, de várias mãos, de fios que se entrecruzam, sendo ela mesma a tecelã e o fio, relação paradoxal sempre presente no ato da criação interdisciplinar. Não por acaso, os desenhos de Ricardo Hage, que inauguram os capítulos, são, a um só tempo, abertura e fechamento, tecelão a coser os trechos-retalhos, unindo o uno, redesenhando o desenhado, ressignificando significados já conhecidos, mas renovados na nova "conversa" que se abre com a nova trama. Apesar das diferenças entre os trabalhos de Joe e Geralda, vemos de maneira peculiar e muito interessante que ambos têm como referência uma mesma metáfora. Buscam e se baseiam em fios condutores, fios que unem e tecem. E ambos explicitam, cada um a seu tempo, objetivos e pressupostos convergentes. Verifica-se sutil e subliminarmente uma complementaridade possível apenas quando se trabalha juntos, demonstrando que o grupo de reflexão, trocas e parcerias efetivamente existe e que há sintonia nas lentas, atentas, processuais e articuladas produções da interdisciplinaridade. Na tese de Joe Garcia, encontramos racionalidade, busca de reflexão profunda, que ofereceu um novo plano de pensamento e ação para a interdisciplinaridade, um revigorado ponto de partida, um novo patamar de pesquisa, sólido, consistentemente teórico. Na tese da Geralda Ramos, encontramos a retomada do intuitivo, do apaixonado, do fraternal, do próximo, da sistematização do vivido como referência prazerosa, indo além da argumentação.

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Joe finaliza seu trabalho com as seguintes palavras: "Tal como Teseu, que ingressa no labirinto para vencer o obscuro minotauro e consegue retornar para casa pois havia levado consigo o fio de Ariadne, ao meu modo venci o desafio... venci o desafio de tornar a interdisciplinaridade território familiar."

Geralda, ao contrário, abre sua tese desta forma: "Neste trabalho, empreendo o caminho de volta, para compreender o significado de cada questionamento e ruptura e avançar com maior segurança. O fio que me conduz é a interdisciplinaridade que me dá sentido e a dimensão do (re)torno."

Um e outro usam o fio, que une e tece, o fio que conduz, para a frente ou para trás, que define caminhos e que sugere sua subversão, como se houvesse uma combinação, um acordo entre ambos, para um acabar onde o outro vai começar, anunciando dessa forma possibilidades, para os demais colegas pesquisadores, de caminhos que se abrem e fecham, cumprindo o papel ambíguo, duplo, de serem tecelões esmerados de tecidos que jamais se concluem, ao lado de tantos outros... Ou, como em uma outra metáfora, que trata dos espaços e das conquistas humanas, das geografias, um e outro, Joe e Geralda, encontram-se na condição de cartógrafos que desenham mapas de territórios que ainda estão se constituindo sobre os próprios pés. Banhados pela beleza do encontro imprevisto, "nada é por acaso"; Joe e Geralda apontam rumos. Consolidar o já percebido e sentido, no pleno exercício teórico, no rumo da organização disciplinar, é tarefa fundamental para, ao lado do discurso apaixonado, fundado nas parcerias amorosas, buscar o novo: abertura das novas trilhas. Velho e novo em permanente diálogo. Rigor e paixão em comunhão. Oposições e diferenças que dialogam. Ruptura de fronteiras, na ampliação de espaços onde navegam desejos e sensibilidades. Aí se constitui o pensar e o agir interdisciplinar. Tarefa das mais difíceis, continuar a busca por explicitação e avanços é assumir a beleza de caminhar sobre caminhos que se constituem durante o próprio caminhar.

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Pesquisa Lucrécia Stringhetta Mello

O homem não vive à margem dos processos produtores da vida e, como supunha a modernidade, não controla totalmente a interpretação e a construção da realidade. No entanto, seu olhar não descalça e, inquieto, interroga, investiga, perscruta a partir e para além do visto com o intuito de olhar bem. A este movimento chamamos pesquisa, que etimologicamente significa "busca com investigação". Assim temos que pesquisa resulta da busca, procura, indagação, averiguação, enquista, informe, pesquisa, arguição, perquirição a uma realidade objetivando torná-la inteligível. São infinitos os caminhos que conduzem à evidência da verdade. Vemos florescer nos meios universitários uma pluralidade de modelos de pesquisa e apropriação de conhecimentos. Mesmo que não possamos falar de um único traçado para os caminhos da pesquisa e para a história, pelas diferentes implicações sociais, políticas e econômicas de cada realidade, os projetos humanos têm assentamento no espaço social. Por esta razão, nossos projetos emergem das significações, dos sentidos, das coordenações e conflitos dos processos sociais de que participamos. O pesquisador, enquanto ser social, conhece em sociedade com outros iguais e, assim, a sua visão, mesmo quando reduzida a um campo delimitado, deve ser interpretada como sendo de totalidade porque os fenômenos que estão acontecendo na realidade atual são parte de um processo inerente ao desenvolvimento histórico geral. Nenhuma investigação se faz a partir de um vazio doutrinal ou sem preconcepções sobre a realidade em que trabalha. O desenvolvimento de uma leitura plural das diferentes formas de pesquisa para um trabalho interdisciplinar nos levou à construção de hipóteses de um método de pesquisa interdisciplinar. A partir da reflexão das epistemologias preferencialmente subjacentes às pesquisas qualitativas, buscamos também os fundamentos da metodologia da pesquisa interdisciplinar. Não

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obstante tenhamos recorrido às várias modalidades da pesquisa qualitativa (pesquisa-ação, etnográfica e fenomenológica) naquilo que estas apresentam ao nosso interesse em pesquisa, a interdisciplinaridade tem nos oferecido a diretriz e a base dimensionadoras do agir pessoal e coletivo dos trabalhos que temos desenvolvido nos últimos anos — "por sua proposição multiperspectival, aceita e respeita toda e qualquer posição fundamentada, porém sempre analisando-a em sua provisoriedade. Não se pauta em nenhum paradigma, portanto é essencialmente antiparadigmática" (Fazenda, 1994: 104). Ao referir-se à postura antiparadigmática compreendemos que Fazenda em suas obras reporta-se ao caráter transcendental do projeto interdisciplinar, diante do qual sempre ousamos colocar em dúvida nossas matrizes teóricas. Partindo deste cuidado em construir a exegese dos conceitos com base nos clássicos e/ou produções mais recentes, procuramos adquirir o arcabouço teórico indispensável para o desenvolvimento de uma análise criteriosa da prática vivida em pesquisa. Esta prática vivenciada foi descrita e analisada em dissertação de mestrado e tese doutoramento, onde a participação ativa do pesquisador com o grupo pesquisado suscita hipóteses que podem evoluir e ser esclarecidas ao sabor do progresso da pesquisa. Considerando-se que a pesquisa interdisciplinar inscreve-se na vida real, a estratégia de estudar a prática do vivido de grupos (exemplo das pesquisas citadas) evidencia a sua natureza antropológica, onde a escolha metodológica recai muitas vezes para o resgate da memória e o exercício de descrições. Como nos lembra Martins (1994: 51), "os conceitos sobre os quais as Ciências Humanas se fundamentam, num plano de pesquisa qualitativa, são produzidos pelas descrições", porque é por intermédio da linguagem que o homem representa o mundo, atribuindo significados e elaborando proposições. Embora cada uma das modalidades de pesquisa qualitativa (seja pesquisa-ação ou etnográfica) utilize conceitos específicos, distintas estruturas lógicas e diferentes modos de validar conhecimento, podem ocorrer coincidências e superposições entre algumas de suas partes. A identificação de ambas com a fenomenologia advém da lógica que preside seus trabalhos: a relação entre o pesquisador e o objeto de pesquisa, promovendo a inter-relação pela comunicação.

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O trabalho interdisciplinar começa quando fazemos a intermediação com as infinitas possibilidades que cada modalidade conduz, buscando aquelas que nos auxiliam atendendo às necessidades da pesquisa. O esclarecimento dos conceitos teóricos metodológicos ajuda o pesquisador a encontrar o seu caminho ou itinerário particular de pesquisa.

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Formação Sylvia Helena Souza da Silva Batista

Pensar formação se torna fecundo quando desvelamos sentidos e significados que são construídos em tempos e espaços diferentes, complexos e culturalmente situados.19 No movimento de desvelar construí diálogos: num primeiro momento opto por conversar com o dicionário (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa) e encontro: "(do lat formatione) 1. ato ou efeito de formar. 2. constituição, caráter. 3. maneira por que se constitui uma mentalidade, um caráter ou um conhecimento profissional". Percebo que formação traz em si uma intencionalidade que opera tanto nas dimensões subjetivas (caráter, mentalidade) como nas dimensões intersubjetivas, aí incluídos os desdobramentos quanto ao trajeto de constituição no mundo do trabalho (conhecimento profissional). Portanto, não se trata de algo relativo a apenas uma etapa ou fase do desenvolvimento humano, mas sim de algo que percorre, atravessa e constitui a história dos homens como seres sociais, políticos e culturais. Este traço plural da formação agrega outros matizes quando entramos em diálogo com Abbagnano (1982): "(al. Bildung). No sentido específico que esta palavra assume em filosofia e pedagogia, em relação com o termo alemão correspondente, ela indica o processo de educação ou de civilização, que se expressa nas duas significações de cultura; compreendida de um lado como educação, de outro lado como sistemas de valores simbólicos."

19. Partilho neste texto os trajetos, achados e diálogos que elaborei em torno da formação, sublinhando que meu olhar inclina-se sobre formação de professores universitários.

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As expressões educação, civilização e cultura se cruzam na perspectiva de desvelarmos formação: intenção, valores, símbolos remetem tanto a seres singulares e únicos, como a comunidades que elaboram e (re)elaboram seus códigos de vida social, os quais orientam as ações humanas no mundo e, dialeticamente, são transformados por estas ações. Formação implica, assim, reconhecimento das trajetórias próprias dos homens e mulheres, bem como exige a contextualização histórica destas trajetórias, assumindo a provisioriedade das propostas de formação de determinada sociedade. Os adjetivos provisório, processual, intencional, histórico conferem um contorno que ganha visibilidade nas palavras de Figueiredo (1996): "[formação] proporcionar uma forma, mas não modelar uma fôrma. Ao formar estamos oferecendo um continente e uma matriz a partir dos quais algo possa vir-a-ser". Emerge, então, uma perspectiva de projeto que não apenas ancora os adjetivos referidos, como situa o desafio de que formação é algo inacabado, lacunar, mas profundamente comprometido com uma maneira de olhar, explicar e intervir no mundo — vir-a-ser não é tributário da neutralidade, pelo contrário, revela uma posição, uma direção, enfim o lugar de onde se fala. Encontro no diálogo com Vigotsky (1995), algumas pistas para aprofundar este comprometimento da formação: "Lo biológico y lo cultural — tanto em la patologia como en la norma — resultaron ser formas de desarrollo heterogeneas, especiales, no coexistentes o superpuestas entre sí, indepedientes mecanicamente la una de la outra, pero fusionadas en una síntesis superior, compleja, aunque única."

Assim, os compromissos da formação aludem, necessariamente, a contextos sociais, culturais, pessoais que se imbricam, estabelecendo relações de recíproca influência e determinação, superando-se a ilusão tanto do subjetivismo estéril como da onipotência do social. Formação significa a construção de sínteses complexas e multifacetadas, que articulam permanentemente o individual e o social, o biológico e o cultural. O caminho que percorri até aqui não autoriza o endosso à tradição, quase hegemônica na cultura educacional, de tratar a formação como algo

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que se completa, se finaliza e que ocorre numa dimensão do natural: sempre existiu desta maneira! Faz-se necessário destacar os tons da ambiguidade, da contradição e do movimento no delineamento da formação. Empreendo, desta forma, diálogos com Freire em suas obras, Kincheloe (1997), Pimentel (1993), Gatti (1995), Leite (1997), Cunha (1998), Geraldi (1999) e Morosini (2000), e os situo como pesquisadores e formadores que rompem com a racionalidade técnica da. formação e propõem olhares que vão além de modelos curriculares e/ou de manuais de técnicas de ensino-aprendizagem: "Diante da natureza e do universo os homens se interrogam. Diante dos fatos sociais e dos seus desejos, também os homens se interrogam. Seu agir/pensar oscila entre a adesão a crenças e dogmas que o situam e o armam para a vida e suas 'lutas', e a angústia da insignificação de tudo, que o deixa perplexo na multiplicidade fragmentária das perspectivas do existir. De um lado a reordenação e a reposição de referenciais ancestrais. De outro, a consciência do enfrentamento de um cenário indefinido, um campo aberto repleto de indeterminações" (Gatti, 1995: 13-4).

Neste mundo cheio de sentidos, significados, símbolos, códigos, formação define-se como interdisciplinar, constituindo-se não mais a partir de territórios disciplinares que efetivam formações divididas e isoladas em suas fronteiras, mas sim como projeto que articula ética, estética, conhecimento, valores, reflexão, crítica, verdades relativas, intenções provisórias num dado momento histórico-social e com ele se compromete, seja para mantê-lo, seja para transformá-lo. Fazenda (1995) empreende uma análise sobre pesquisa com a qual dialoguei e pude estruturar uma analogia: formação interdisciplinar, assim como a pesquisa interdisciplinar, nasce de uma vontade construída coletivamente, exigindo uma maturação prolongada em que se vai concebendo uma nova forma de conhecer que será "capaz de modificar os mais sisudos e tristes prognósticos para o amanhã, em educação e na vida". Os diálogos que fui (e estou) construindo juntamente com minhas práticas no campo da formação de professores permitiram que estruturasse uma síntese, sempre provisória, na qual entendo formação como processo plural e singular, social e pessoal, permanente e vivido em momentos, humanamente presidido pelos valores, crenças e saberes, humanamente transformador dos conhecimentos.

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DICIONÁRIO EM CONSTRUCÁO: INTERDISCIPLINARIDADE

Formación María Ermelinda Donato

* Formación: acción de formar: * Formar: Del latín formare: (verbo transitivo) Dar forma (verbo intransitivo) Colocarse en formación. (verbo pronominal) Irse desarrollando una persona Relacionada con la formación aparecen diferentes términos que están vinculados a distintas perspectivas desde las cuales hay que analizar la acción o actividad de formación. Desde un enfoque histórico Jacky Beillerot señala: "Se pueden encontrar en el uso social tres sentidos de este término: Un primer sentido, formación se ha asociado desde el siglo XIX a la formación práctica, formación de obreros, formación profesional... Hay un segundo sentido que es conocido, por lo menos desde el siglo XVIII, desde los jesuitas Formación del espíritu. Y por último, el tercer sentido es formación de una vida, en el sentido experiencial". (Beillerot, sd: 22-3) "referida la formación a la formación docente, se enfatiza una acepción más que otras vinculadas siempre a enfoques teóricos ya sean reproductivistas o constructuvistas. La formación docente vinculada a una definición de Educación como adaptación, como transmisión de saberes que facilitasen el mantenimiento de normas preestablecidas se acerca más a adiestramiento. Numerosos aportes señalan la tendencia a configurar sobre la base de tal modelo, el papel del docente y el proceso formativo, partiendo de la concepción homogénea de la realidad social y cultural en una suerte de vinculación isomórfica.

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La función docente se identifica generalmente con las actividades desarrolladas en el aula, desconociendo las dimensiones de práctica social, política e institucional. Este modelo, que inicialmente se inauguró para dar respuesta a los proyectos de integración cultural correspondientes a la utopía civilizadora del siglo XIX, persiste aún diluido en las prácticas pedagógicas y en el imaginario docente". (Hevia, 2000)

Sin embargo existen otros autores que analizan la formación y la relacionan con enfoques más críticos de la educación. Gilíes Ferry, se pregunta: "¿Qué es la formación?: 'Es algo que tiene relación con la forma. Formarse es adquirir una cierta forma'. (...) consiste en encontrar formas para cumplir con ciertas tareas para ejercer un oficio, una profesión, un trabajo, por ejemplo. Cuando se habla de formación se habla deformación profesional, de ponerse en condiciones de ejercer prácticas profesionales. Esto presupone, obviamente, muchas cosas: conocimientos, habilidades, cierta representación del trabajo a realizar, de la profesión que va a ejercerse, la concepción del rol, la imagen del rol que uno va a desempeñar, etc. Esta dinámica de formación, esta dinámica de la búsqueda de la mejor forma es un desarrollo de la persona que va a estar orientado según los objetivos que uno busca y de acuerdo con su posición. Es importante ver la formación como la dinámica de un desarrollo personal. (...) uno se forma a sí mismo, pero se forma sólo por mediación. (...) los dispositivos, los contenidos de aprendizaje, el curriculum no son la formación en sí sino medios para la formación (...) Veo tres condiciones para realizar este trabajo sobre sí mismo: condiciones de lugar, de tiempo y de relación con la realidad". (Ferry, sd: 53-4)

Jean Claude Filloux, refiriéndose a la formación de los docente distingue: "1o la formación académica (...) 2o una formación metodológica (...) 3o la formación personal". Este autor incorpora un nuevo enfoque de la formación al que llama clínico. "Hablo de una clínica de exploración del sujeto, en las relaciones intersubjetales, es decir, en una relación de intersubjetividad". (Filloux, 1996: 22-4) Más adelante Filloux señala diferentes tipos de formación según dónde se ponga el énfasis: "formación centrada en el individuo; formación centrada en el grupo; formación centrada en problemas".

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Agrega además otro enfoque: "Me voy a preguntar hasta dónde puedo ayudarlo a reformarse. Entonces incorporo la idea de aventura... La formación como aventura, es decir, la aventura para mí, para el otro, como aventura común. Esta idea de una co-experiencia, de una aventura con otros". G. Ferry habla de modelos teóricos de formación y distingue: modelo centrado en las adquisiciones; centrado en el proceso y un modelo centrado en el análisis (Ferry, sd: 47).

"Finalmente formación va con deformación, pero también con reformación. La formación reforma. Es deformación-reformación." Michel Fabre: en el libro Pensar la formación, hablando de Bachellard dice: "Hay que ir en contra de la formación anterior para ir hacia una formación real. No se pueden construir nuevas formas — formas de pensamiento, formas de acción — sino es destruyendo las viejas formas que obstaculizan" (In: Filloux, 1996: 60). Evidentemente el concepto de formación es complejo y detrás de cada definición subyace una perspectiva distinta de la dinámica social y de la personalidad.

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Tempo Ana Gracinda Queluz

O tempo escolar é geralmente vivido muito mais na sua dimensão tarefeira que criativa. O tempo "tarefeiro" é de natureza eminentemente disciplinar, mesmo quando agrega uma ou mais disciplinas. O tempo é vivido numa perspectiva interdisciplinar quando professores e alunos estão conscientes de que realizam um movimento de aprender que os leva a cruzarem as fronteiras entre as disciplinas, não para criar uma nova, mas para assumir o espaço do "entre", do vazio existente entre uma disciplina e outra, para nesse espaço construir uma aprendizagem que tem, no diálogo entre as disciplinas, a força de criar um novo saber e um novo fazer antenados à dimensão criativa do tempo vivido. Para que os talentos, de que os alunos são dotados, sejam contemplados na e pela escola, a qualidade do tempo escolar vivido precisa incorporar os momentos de criação, tornando-se progressivamente mais criativo e menos tarefeiro. Esse tempo criativo é aquele em que Cronos foi visitado por Kairós, que é quem rompe a trama do tempo, aparecendo na forma de insights, oportunidades, momentos de inspiração, de descoberta e que, ao ser percebido, vivido, pode ser articulado ao tempo cronológico para ressignificá-lo. Assim, os talentos poderão ser cultivados dia a dia. Infelizmente, na maioria das vezes, o talento tem só "quinze minutos de glória". Assim também acontece com a escola, que de campanha em campanha, semana disso ou daquilo, tem seus momentos de glória e, em seguida, volta para o tempo tarefeiro, no qual vive presa na maior parte da sua existência. A vivência de um tempo criativo enfatiza a atenção para as duas dimensões da temporalidade — a primeira representada por Cronos, em que temos a consciência da passagem do tempo, marcada pelos milênios, séculos, anos, meses, dias, horas, minutos e segundos, em que dois aspectos podem ser

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apreendidos: um de valor quantitativo nos dá uma medida, por exemplo trinta anos, e outro de valor qualitativo, que nos permite atribuir ao tempo a qualidade que marcou o vivido. A segunda dimensão do tempo é representada por Kairós e nos dá o momento mágico em que a qualidade do existir no mundo pode ser transmutada em busca da criação de uma nova maneira de viver a vida. Cronos e Kairós precisam ser respeitados e considerados na vida escolar, para que se possa, num processo de articulação entre essas duas dimensões, ressignificar a maneira de viver o tempo. Assim, o compromisso com a vivência do tempo criativo enfatiza a valorização de tudo o que possa estar em si mesmo, no seu valor profissional, na força do aprender como centro do trabalho pedagógico, no aluno como pessoa em uma fase de desenvolvimento. É agir como pessoa/profissional plena do seu direito de criar, é aceitar-se como pessoa em desenvolvimento. É desenvolver um olhar e uma escuta sensível a si mesmo e aos alunos no compromisso com o ato de aprender, tendo nos conteúdos um pré-texto para instrumentalizar os alunos na leitura de si mesmos, do meio em que vivem, despertando neles e em si próprio o desejo e a esperança de transformação do trabalho pedagógico num exercício contínuo da busca da ética, base da construção da cidadania.

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Espaço Ricardo Hage de Matos

A palavra espaço tem sua origem no latim spatium, que significa área ou extensão. Seu sentido inicial é quantitativo, estando ligada diretamente a qualquer ato de mensuração tridimensional, ou seja, que tenta medir volumes ou distâncias. Na interdisciplinaridade, o espaço pode ser considerado o locus real ou virtual, factual ou fenomenológico onde os processos de ensino, pesquisa e seus sujeitos habitam. O estudo do espaço é muito antigo, e podemos perceber sua importância em vários campos do conhecimento. Na filosofia, o espaço pode ser considerado o "meio homogêneo e ilimitado, definido pela exterioridade mútua de suas partes contendo todas as suas extensões finitas e no qual a percepção externa situa os objetos sensíveis e seus movimentos" Japiassu e Marcondes (1996). Essa definição tenta caracterizar a ideia de espaço como um contínuo ideal: pode tanto ser medido e quantificado, como queria toda a tradição grega, quanto ser intuido e sentido, como nos indica Kant. Para ele existiria tanto uma intuição do espaço quanto uma intuição do tempo. A partir daí surge na física a conceituação de um espaço que não pode mais ser entendido fora do tempo, sendo este tanto sua causa como seu resultado. Consideramos Einstein como o primeiro pensador que codifica a equação espaço-tempo. Nas artes e na arquitetura o espaço sempre foi tratado como um dado quantitativo que, paradoxalmente, explica relações de qualidade e de percepção. Por exemplo, podemos dizer que quanto maior o espaço, maior a sensação de poder; quanto menor esse espaço, maior a sensação de segurança e intimidade. Neste caso, a quantidade (valor objetivo) define a sensação (valor subjetivo). Pensado sempre dentro de uma prática, o espaço

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arquitetônico e o espaço escultórico nada mais são do que a materialização do desejo do arquiteto ou do artista, que demonstra assim o seu poder sobre a realidade e sobre a percepção das pessoas. Nessa área do conhecimento, a pesquisa sobre o espaço foi direcionada no sentido da procura de uma representação desse espaço, alcançada por Leonardo da Vinci no século XV, por meio do desenvolvimento da perspectiva no desenho geométrico. A partir daí foi possível descrever aos outros com certa acuidade espaços que não existiam ainda ou que não estavam presentes. Com o desenvolvimento da perspectiva surge uma das categorias que vão ser desenvolvidas posteriormente na física e na fenomenologia: a relatividade do ponto de vista. Dependendo de onde estamos posicionados e dada a natureza do sentido, ou sentidos, por nós utilizados na observação de determinado espaço, essa percepção será única e relativa àquela situação específica do observador. Na fenomenologia, a partir de Husserl, no início do século XX, essa relatividade é trazida como um novo elemento na pesquisa filosófica. Contemporaneamente a Husserl, Geiger inicia seus estudos fenomenológicos sobre arte, fundamentando mais ainda os aspectos relativos da espacialidade. O estudo do espaço na interdisciplinaridade torna-se cada vez mais importante dada a necessidade da mudança do ambiente educacional dentro de um projeto pedagógico novo. A primeira questão relativa ao espaço construído da escola é uma crítica à forma como esse espaço é projetado, transformando-o em uma metáfora do currículo vigente. Um espaço construído para um projeto interdisciplinar é um espaço radicalmente diferente do desenho da escola que conhecemos: é mais voltado para a circulação do que para a compartimentalização. É também um espaço onde o controle pela restrição dos acessos deixa de ter sentido, já que esse controle se dá pela transparência dos processos. Sensorialmente, um espaço de ensino neste novo paradigma é um espaço de prazer, um espaço sedutor, mais próximo de uma residência do que de uma instituição. A sala de aula deixa de ter carteiras organizadas em filas e colunas, bem como o professor deixa de ficar na frente e acima do aluno: ele "está com" o aluno. Projetar o espaço escolar de forma tão radicalmente diferente pode ser uma impossibilidade ideológica e

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econômica, daí a necessidade de um novo entendimento do espaço, o do virtualmente construído. A partir do princípio da atitude na interdisciplinaridade começamos a entender que o espaço pode deixar de ser físico para ser virtual: pessoas engajadas em um projeto assim podem não perceber que estão em um espaço repressor ou podem perverter a organização deste espaço. Uma sala de aula clássica, onde um processo interdisciplinar está ocorrendo, pode tomar duas dimensões distintas aos olhos dos professores e alunos: numa dimensão ela simplesmente deixa de ter importância e os sujeitos ali estabelecidos sentem apenas que estão num espaço vazio, sem significado, esquecendo o sentido da organização das cadeiras ou da posição do professor; em outra dimensão, os sujeitos começam a mudar a configuração dos móveis, abrir as portas, sentar informalmente nas carteiras e, muitas vezes de forma intuitiva, colocá-las em roda (Warchauer, 1993), quase que de forma "tribal". Essa roda tem o sentido da aproximação dos sujeitos do processo educacional que a interdisciplinaridade, por definição, nos impõe. Mais uma vez podemos notar a afirmação de que a interdisciplinaridade vem da reflexão sobre uma prática já existente (Fazenda, 1992): até mesmo um arquiteto, ao projetar uma escola que respeite o espaço interdisciplinar, não pode construir modelos prontos, mas deve respeitar os processos como a roda e a circulação, sob pena de ver os sujeitos não se submeterem e subverterem aquele espaço projetado por ele. Até o ato do projetar arquitetônico na interdisciplinaridade deve vir de uma observação da realidade existente. A distância no espaço também é um fator a ser considerado na interdisciplinaridade. Sujeitos envolvidos num processo interdisciplinar podem trabalhar de forma coerente e eficiente mesmo quando afastados no espaço (e no tempo), dada a proximidade que uma memória emocional nos dá do outro. A familiaridade e a emoção, aliadas ao prazer, que um trabalho na interdisciplinaridade nos dá, criam um elo e um espaço de interação propícios a uma virtualidade, ou seja, mesmo usando formas de comunicação rudimentares, como o correio, a construção de um trabalho interdisciplinar à distância é possível. O uso da Internet e outras novas tecnologias apenas potencializa esses encontros e os torna mais econômicos e constantes. Uma interdisciplinaridade virtual ou à distância é possível e desejável, já que contamos com tão poucos sujeitos multiplicadores na atualidade.

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Prática Celia Maria Haas

O primeiro desafio é entender prática a partir do que temos em Aurélio. Ele diz que prática pode ser o saber provindo da experiência, uma técnica por exemplo, mas diz também que é a aplicação da teoria que se manifesta no discurso, na conversação. Tem um outro significado que considero simbólico no meu entendimento da prática. Ele diz que prática é a licença concedida a navegantes para se comunicarem com um porto ou cidade. A prática pode ter também um sentido de rotina ou hábito, ou seja, a prática sem reflexão, sem comunicação. Pensar em prática nos levou a tomar uma medida prática, e fomos ao dicionário buscar seu significado: "1. Prática (deverbal) de praticar. 1. Ato ou efeito de praticar. 2. Uso, experiência, exercício. 3. Rotina; hábito. 4. Saber provindo da experiência; técnica. 5. Aplicação da teoria. 6. Discurso rápido; conversação; conferência. 7. Licença concedida a navegantes para comunicarem com um porto ou uma cidade" (Ferreira: 1986: 1377).

Encontrando o significado da prática, na prática fomos levados a investigar outras palavras relacionadas a ela. Assim, a prática é praticada por alguém e este é conhecido como o "2. Praticante (adjetivo). Que ou quem pratica, quem vai se exercitando em alguma profissão" (Idem). Mas a prática praticada por um praticante resulta em uma ação, em um verbo. E foi preciso buscar o significado deste verbo na prática e encontramos que "3. Praticar (do baixo-latim) praticare: agir, tratar com as gentes 1. Levar a efeito; fazer, realizar, cometer, executar. 2. Atuar profissionalmente ou como amadores; exercer, exercitar: praticar o magistério. 3. Expor ou exprimir por palavras; dizer, proferir: praticar um sermão. 4. Manter relações ou trato com; tratar, frequentar. 5. Converter em obra; obrar, perfazer, realizar. 6. Tratar com intimidade, familiaridade ou amizade; conversar. 7. Ler

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ou estudar constantemente; manusear. 8. Pregar; ensinar. 9. Manter conversação; falar, conversar. 10. Ter relações ou trato: praticar com escritores 11. Procurar adquirir prática ou experiência. 12. Adquirir prática ou experiência. 13. Manter conversação ou palestra; conversar, conferenciar, falar. 14. Marinha. Exercer o ofício de prática" (idem).

Praticar, portanto, é agir e tratar com gente. Atuando profissionalmente, levamos a efeito, concretizamos, exercemos ou praticamos o magistério. O seu sentido também fala de exprimir em palavras, em converter em obra, dando o significado que praticar é uma ação consciente e sustentada por um conhecimento teórico, pois para tratar com familiaridade é preciso estudar constantemente. Com isso nos tornamos capazes de pregar e ensinar. Ou como o sentido de praticar é dado pela marinha, "exercer o ofício da prática", isto é, manter comunicação com outro porto. Não satisfeitos com estes significados encontramos também a práxis, que fala da prática, ou seria de uma outra prática? "4. Práxis (cs) [do grego práxis, 'ação'.] S.f. 1. Atividade prática, ação, exercício, uso. 2. Filos. No marxismo, o conjunto de atividades humanas tendentes a criar as condições indispensáveis à existência da sociedade e, particularmente, à atividade material, à produção; prática. [Cf. praxes, pl de praxe]."

Da prática refletida, a práxis, vamos para a praxe que fala da rotina e vemos "5. Praxe [Do grego práxis, 'ação'] Aquilo que se prática habitualmente; rotina; uso; prática, pragmática (Idem: 1378). Ainda buscando compreender a prática, agora na teoria vou reconhecer que a prática que vivo é a interdisciplinar, aquela que vai de uma ação exercida a uma elaboração teórica sempre construída, sempre realizada, praticada com os autores e proferida como um sermão. No Sermão da Sexagésima, o padre Antônio Vieira toma o tema do trabalho na vida da seguinte forma: "A definição do pregador é a vida e o exemplo. Por isso Cristo no Evangelho não o comparou ao semeador, senão ao que semeia. Reparai. Não diz Cristo: saiu a semear o semeador, senão, saiu a semear o que semeia. Entre o semeador e o que semeia há muita diferença. Uma coisa é o soldado e outra coisa o que peleja; uma coisa é o governador e outra o que governa. Da mesma maneira, uma coisa é o semeador e outra é o que semeia; uma

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coisa é o pregador e outra é o que prega. O semeador, e o pregador é nome; o que semeia, e o que prega é ação; e as ações são as que dão o ser ao pregador. Ter nome de pregador, ou ser pregador de nome, não importa nada; as ações, a vida, o exemplo, as obras, são os que convertem o Mundo. O melhor conceito que o pregador leva ao púlpito qual cuidais que é? — É o conceito que de sua vida têm os ouvintes" (1997: 120).

No meu entendimento, a prática interdisciplinar é sempre uma proposta com o compromisso de atender objetivos sociais e políticos. Logo, para mim as práticas trazem um compromisso político, muitas vezes não expresso em palavras, mas claramente identificado nas ações. Portanto, é necessário buscar novos entendimentos para uma prática ressignificada e encontrarmos novos parceiros. Para Karel Kosik, a práxis "na sua essência e universalidade é a revelação do segredo do homem como ser ontocriativo, como ser que cria a realidade (humano-social) e que, portanto, compreende a realidade (humana e não-humana, a realidade na sua totalidade). A práxis do homem não é atividade prática contraposta à teoria; é determinação da existência humana como elaboração da realidade" (1976: 202).

Para alcançar resultados positivos em propostas de ação interdisciplinar precisamos trazer à luz, sobre o que se fala, o que se faz, como e com que objetivos se faz. Os meios para facilitar este entendimento são descobertos em cada ação e momento. Também Adolfo Sanchez Vázquez, em Filosofia da práxis, afirma: "como toda atividade propriamente humana, a atividade prática que se manifesta no trabalho humano, na criação artística ou na práxis revolucionária, é uma atividade adequada a objetivos, cujo cumprimento exige — como já dissemos — uma certa atividade cognoscitiva.... Nesse sentido, podemos dizer que a atividade prática é real, objetiva ou material... O objetivo da atividade prática é a natureza, a sociedade ou os homens reais. A finalidade dessa atividade é a transformação real, objetiva, do mundo natural ou social para satisfazer determinada necessidade humana. E o resultado é uma nova realidade, que subsiste independentemente do sujeito ou dos sujeitos concretos que a engendraram com sua atividade subjetiva, mas que, sem dúvida, só existe pelo homem e para o homem, como ser social" (1977: 193-4).

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A paixão pela prática na busca de um trabalho pedagógico interdisciplinar tem sido minha força e minha marca. Tenho procurado me manter fiel a esta palavra, sentido e sentimento, pois com muita propriedade Teixeira afirma que é na fidelidade a si mesmo que está a força do homem. Em 1945, Anísio Teixeira declara: "com uma filosofia que procura não distinguir pensamento de ação, achei a chamada vida prática tão sedutora quanto a chamada vida intelectual. Foi uma bela ocasião de demonstrar a mim mesmo que vencera, realmente, os dualismos entre pensamento e ação, trabalho manual e intelectual, corpo e espírito" (1989:46).

De Paris, em janeiro de 1947, Anísio Teixeira escreve para Lobato afirmando: "Vou ficar mais algum tempo. Pensar é uma coisa, realizar um pensamento é outra. Nada exige tanta paciência e tanta ciência do possível" (1989: 52). Para Anísio, antes de reconstruir a educação no mundo era preciso ensinar a ler a Bahia, que é um pedaço do mundo (1989: 54). O movimento de ir e vir, do geral para o particular, é próprio da interdisciplinaridade, reconhecido na afirmação de Ivani Fazenda quando diz que "explicitar o movimento a partir das ações conduziu-nos a uma nova construção, não diria epistemológica, pois não parte do logos, do apenas refletido, mas, do ontológico que atinge o ethos da ação. Compreender os motivos que me conduzem à valorização de uma ação permitiu-me intuí-la, revelá-la e talvez superá-la" (1994: 10). Um dos significados da prática encontrados no Dicionário Aurélio é o da aplicação da teoria e o discurso rápido ou conversação. E praticar pode ser entendido como ler ou estudar constantemente ou manusear, além da capacidade de manter conversação ou falar. Em Fazenda encontramos a confirmação dessa condição quando diz que: "afirmada pois a interdependência existente entre a palavra e mundo, restaria ressaltarmos a importância da leitura como forma de desvendar o mundo, fazendo do homem sujeito efetivo. Através da leitura, o homem aumenta seu universo de discurso, e, com isso, a possibilidade de multiplicar suas visões e aspirações sobre o mundo. A leitura poderá também conduzi-lo a uma disciplina pessoal que o levará a desvendar os intricados dilemas e as

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diferentes facetas dos problemas que o mundo oferece. Aplicará sua capacidade de raciocínio e sua aptidão perceptual, permitindo ao homem agir, conhecer e transformar o mundo" (1994: 54).

A concepção interdisciplinar que sustenta a ação pedagógica traz em si uma intencionalidade: a de propiciar o exercício investigativo, reflexivo e comunicativo do ato pedagógico, do ato de ser professor. A característica fundamental de um estudioso da interdisciplinaridade é ser destemido o suficiente para agir e suficientemente humilde para rever aspectos de sua ação. Os projetos interdisciplinares exigem uma intenção comprometida com o fazer consciente e responsável, por isso ético.

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Modelo Vera De Faria C. Ronca

Durante todos esses anos, como docente de cursos de formação inicial e ou formação continuada de coordenadores pedagógicos e professores, tenho procurado organizar cursos que possam efetivamente contribuir para uma ação coerente e transformadora da prática pedagógica. Nessa busca permanente por tornar as aulas momentos privilegiados para repensar a própria vida e a prática profissional, tenho utilizado diferentes linguagens: figurativa, musical, poética, literária, pictórica, artística etc. Todas essas linguagens, acopladas aos conceitos trabalhados e também aos textos, têm se revelado na opinião de ex-alunos e alunos como geradoras de aprendizagens significativas. Uma das mais marcantes experiências vividas por mim ao usar outras linguagens ocorreu neste ano de 2000. Literalmente, me apaixonei por essa descoberta que passo a relatar. A partir da obra dos pintores Van Gogh e seu mestre Millet, descobrimos elementos fundamentais sobre a importância dos modelos na formação de coordenadores ou professores. Realizamos uma seleção de obras relevantes de Van Gogh e também de Millet. Em seguida, identificamos algumas obras deste último que serviram de inspiração para o discípulo Van Gogh. Ao constatarmos tantas semelhanças em termos de tema, título, elementos incluídos, cenário escolhido, surgiram as seguintes questões: • Será que Van Gogh copiou ou simplesmente imitou o mestre? • Será que um pintor tão célebre como Van Gogh precisou de um modelo para criar a partir dele? • Podemos considerar Van Gogh criativo e original, mesmo tendo se apoiado tanto no mestre?

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Para respondermos a essas questões, poderemos nos reportar a alguns autores. De acordo com Madalena Freire, não existe educação sem a participação de modelos, sem a imitação. É também ela que explicita a existência de movimentos presentes na relação entre modelos e aprendizes. Esses movimentos revelam, num primeiro estágio, uma profunda ligação entre os dois, de tal forma que o modelo funciona como parâmetro de reprodução; ele não erra, é motivo de adoração, "sabe tudo", e o aprendiz estabelece com o modelo uma relação simbiótica. Num segundo estágio, o discípulo terá no modelo um parâmetro de representação, revela sentimentos de frustração, raiva, decepção com relação ao modelo, de rebeldia, de afirmação pelo não e, consequentemente, exerce uma crítica exacerbada ao modelo como alguém que "não sabe nada". Ao ultrapassar esse segundo movimento o aprendiz atinge um ponto onde o modelo servirá como parâmetro de recriação. É a etapa de humanização do mito ou modelo (ele também erra para aprender); é um momento de incorporação dos sentimentos de amor e ódio permeando a relação. Nesse estágio, o ser que aprende percebe-se como alguém com identidade, diferenciado; admite que o modelo sabe alguns conteúdos, mas não sabe outros. Assim, atinge uma relação emancipadora, porque não depende mais da imitação, e sim da recriação para aprender. É capaz de produzir pensamento original a partir da inspiração no mestre. Vygotsky (1987) ajuda-nos igualmente a entender o pensamento criativo quando esclarece que "toda atividade humana que não se limita a reproduzir fatos ou impressões vividas, mas cria novas imagens, novas ações, pertence a esta segunda função criadora ou combinadora. O cérebro não se limita a ser um órgão capaz de conservar ou reproduzir nossas experiências passadas; é também um órgão combinador, criador, capaz de reelaborar e criar, com elementos de experiências passadas, novas normas de planejamento. Se a atividade do homem se reduzisse a repetir o passado, o homem seria um ser voltado exclusivamente para o vivido e incapaz de adaptar-se ao amanhã diferente.

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É precisamente a atividade criadora do Homem que faz dele um ser projetado para o futuro, um ser que contribui ao criar, que modifica seu presente."

Nesse sentido, quanto maior o número e a riqueza das experiências passadas, mais rica será a atividade combinadora. Os modelos ampliam as nossas possibilidades de combinações. É interessante revelar que Van Gogh tinha em seu quarto a reprodução de um quadro de Millet. Podemos imaginar, assim, quantas vezes ele deve ter olhado e admirado esse quadro. Ao mesmo tempo podemos nos interrogar sobre o que nossos jovens e crianças têm escolhido para decorar as paredes de seus quartos. É possível concluir, a partir das considerações anteriores, que a presença marcante de Millet na vida e obra de Van Gogh foi fundamental para ele desenvolver seus talentos e ser mais ele. Vincent foi capaz de fazer uma releitura do mestre na medida em que recombinou os elementos presentes nas obras inspiradoras. A título de exemplo, quando observamos as obras O "semeador", Os primeiros passos, O tosquiador de carneiros, Meio-dia: Intervalo para a sesta, Manhã: casal camponês a caminho do trabalho, A fiandeira, O ceifeiro etc, as marcas pessoais de Van Gogh são evidenciadas nas pinceladas típicas, nas cores escolhidas, nas expressões dos rostos; nos movimentos sugeridos pelos próprios traços e nos sentimentos embutidos em cada quadro e muitos revelados nas cartas que escreveu a seu irmão Théo. Essa relação de superação e admiração que percebemos ao olhar as obras de Van Gogh e Millet despertaram em mim profundas reflexões. Pude concluir que tive durante e após a minha formação profissionais que me fizeram ser mais eu a partir deles. Atuaram como verdadeiros Millet: Newton Balzan, Maria da Glória Pimentel e Cleide A. Terzi e, mais recentemente, a professora Ivani Fazenda. Por outro lado, percebi que como professora posso e tenho sido modelo para meus alunos, mas que a partir dessa proposta de trabalho com Millet e Van Gogh preciso estar constantemente me perguntando sobre o tipo de modelo que quero ser e tenho sido. Outra conclusão bastante séria e pertinente para a nossa prática e também para a construção de uma nova sociedade diz respeito à necessida-

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de de modelos como pontos de ancoragem, de apoio e de inspiração para a formação dos diferentes profissionais: médicos, advogados, políticos, administradores, professores etc. Cabe a nós, educadores, pensarmos sobre algumas sérias questões: • Quem são, hoje, os modelos que têm influenciado a nossa juventude? • Que valores esses modelos têm revelado? • Como contribuir para uma nova sociedade com os modelos presentes e principalmente focalizados pela mídia? (rádio, TV, revistas) • Como superar os valores presentes nos modelos que têm enfatizado: o consumismo exagerado, o individualismo, o culto ao corpo e a felicidade escravizada ao dinheiro? A situação de extrema gravidade que percebemos em nossa realidade brasileira atualmente nos faz pensar que precisamos resgatar modelos sólidos para reverter com urgência esse quadro. Se fizermos uma análise histórica nas diferentes áreas de conhecimento, verificaremos que grandes mestres-modelos exerceram influências profundas em homens que se tornaram célebres e importantes para a humanidade. Nesse momento, cabe apontar que a atitude interdisciplinar poderá ajudar-nos a romper com esses falsos modelos na medida em que exige de nós um olhar multiperspectival. Exige um olhar ampliado pelas várias linguagens usando o conteúdo de diferentes ciências e disciplinas como elementos fundamentais para a releitura de realidades onde queremos transformar.

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Parceria Nelly Zumilda Menéndez

Podría hablarse de parcería, cuando un grupo con el que se va a trabajar, tiene incorporada la premisa de que ninguna forma de conocimiento es en sí misma exclusiva. Por lo tanto, para valorar el conocimiento científico del otro, es imprescindible partir de una gran dosis de humildad, e intentar luego, el diálogo con otras fuentes del saber, porque la especialidad de cada uno será sin duda totalmente ajena a la de los otros. La actitud más importante para comenzar este diálogo, es deslumhrarse ante el conocimiento del otro, ya sea por el contenido de lo que expone, por la claridad en hacerlo, o por los valores que encierran sus conceptos. El grupo va adquiriendo así, un tipo de saber que no está en ninguna parte, porque les pertenece a todos y a cada uno, de manera armónica y a la vez enriquecida por lo que trae cada persona, al llegar al grupo. Según Ivani Arantes Fazenda: "Exige el pasaje de la subjetividad hacia la intersujetividad". La seguridad que se va gestando en ese transitar, es capaz de modificar conductas muy estructuradas, y permite entrar en el mundo del pensamiento interdisciplinar, base imprescindible para el trabajo en parcería. Al descubrir los valores que esta actitud interdisciplinar despierta, se va gestando el nuevo paradigma de un científico-investigador, cuyo eje central, será el descubrir la epistemología de esa forma de saber, que los incluye a todos, en un centro que, conteniendo los aportes da las diferentes ciencias, se abren para descubrir la síntesis-tesis, de sus trabajos de investigación. Sin pretender haber logrado concluir con ninguna de las formaciones antedichas: interdisciplinaridad y trabajo en parcería, creo que puede interesar, cono ejemplo, la lucha de quienes durante más de veinte años,

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procuraron difundirla en varios países, me refiero especialmente a Ivani Arantes Fazenda, amiga que me permitió ver en sus múltiples trabajos, cómo avanzaba en el ajustamiento del término interdisciplinar y en el de parcería. Desde Argentina, el ejemplo que se puede narrar, y que por ser el más reciente, se tienen todavía las sensaciones que da un trabajo logrado con gran esfuerzo, es el que se realizó, con mi conducción, en la Universidad de Buenos Aires, en la Facultad de Odontología, en los años 1997 y 1998. Convocados por la Carrera Docente de dicha Facultad, se inscribieron en el Curso de Metodología de Investigación Pedagógica, más de cincuenta Odontólogos. Al comienzo se perdían en la lucha por tener que pensar y no repetir. Luego llegaron a aceptar y hasta admirar el nuevo concepto centrado en el conocimiento del hombre. Para ellos este concepto, sólo había sido tenido en cuenta, en la atención del paciente, pero jamás en la reflexión sobre ellos mismos, sobre sus valores y en la necesidad de encontrar un problema personal que los identificar con su vida y con su profesión. La comprensión de la lectura de Mario Bunge en La ciencia, su método y su filosofía, los llevó a reconocer que mientras siguieran esos lineamientos, estarían seguros en sus tareas. La interdisciplina se fue gestando en el quehacer diario, siguiendo la bibliografía específica. Así llegaron a escucharse mutuamente con admiración, y en el silencio interior, a encontrarse a ellos mismos. Aparece así, el comienzo del trabajo en parcería, ante la necesidad de una ayuda mutua, ya que teniendo diferentes temas, necesitaban de la interpretación del otro; más aún, considerando que, para integrarse, la docente insistía en la importancia de reafirmar sus vivencias personales y grupales. Ese esfuerzo los llevó a terminar con gran satisfacción sus trabajos de investigación, muy meritorios, por el poco tiempo que representa un cuatrimestre y por la gran lucha que había realizado con ellos mismos. Considero este ejemplo, cono el comienzo de un trabajo interdisciplinar en parcería. El tiempo dirá, si los recibieron esa motivación, podrán extenderla a otros, de modo que esta experiencia pudiera contribuir a la formación de un nuevo paradigma en educación. Ahora, podríamos establecer con mayor seguridad, el concepto de parcería, denominándolo como proyecto de investigación interdisciplinar

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colectivo, en el cual cada uno de los participantes, se consideran pares, trabajando juntos, docentes, alumnos, investigadores y todos los que deseen entrar en esta aventura, de la cual es creadora y ejecutora, durante tantos años la Dra. Ivani Arantes Fazenda, y con la cual he tenido el honor de trabajar como parcera.

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Parceria Reginaldo Dalla Justina

"Nós nos unificamos pelas nossas desigualdades." Ivani C. A. Fazenda

A palavra parceria origina-se do latim partiariu, que significa par, parelho, semelhante. De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda, parceria é definida como: "Reunião de pessoas para um fim de interesse comum; sociedade, companhia". Novas definições estão surgindo em decorrência de mudanças no paradigma científico. Se por um lado a teoria quântica (partículas subatômicas são padrões de energia) suscitou discussões em relação à natureza da matéria, por outro lado a teoria da relatividade (E=mc) acaba de uma vez com os conceitos tradicionais de espaço e tempo. A ciência passa a ser menos objetiva e mais epistêmica, implicando uma concepção de totalidade da realidade a ser transformada, por meio de organizações sociais que se comuniquem e cooperem entre si. A nova visão suscita um diálogo criativo entre mente e corpo, interior e exterior, sujeito e objeto, ser humano e natureza (Moraes, 1997). Com o enfraquecimento da visão cartesiana e disciplinar de mundo, podemos por intermédio de parcerias, gerar um movimento em busca da compreensão da totalidade da realidade, onde a construção de conhecimentos ocorre num contínuo ir e vir, interconectando o indivíduo, que aprende consigo mesmo, com os seus pares e com o meio à sua volta. Aprender passa a ser o produto de parcerias e trocas, em um processo ininterrupto que dura toda a vida.

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É por meio deste processo que a parceria aparece na interdisciplinaridade. Ela surge associada à paidéia, que pode ser considerada a primeira e eterna proposta da educação. Na Grécia antiga, o preceptor e o discípulo ampliavam e sintetizavam os conhecimentos do mundo que traziam consigo, ambos evoluindo, possibilitando-lhes a construção e produção de novos conhecimentos (Fazenda, 1998). Parceria deriva da afetividade e do respeito, atributos próprios da interdisciplinaridade. "Pode ser traduzida em cumplicidade" (Fazenda, 1991a: 13), que por sua vez implica participação e colaboração mútua. Em uma sala de aula interdisciplinar o educador "é parceiro: parceiro dos teóricos, parceiro de pares, parceiro de alunos, sempre parceiro" (Idem: 109). Não existe parceria sem que haja uma troca entre os parceiros, assim como toda troca representa uma forma de parceria. A parceria que se estabelece com os sujeitos entre si e com o conhecimento histórico e socialmente construído é fundamental na prática interdisciplinar. Surge de um movimento revelador dos aspectos ocultos dos atos de ensinar e aprender que se processam por meio da reflexão na e sobre a prática cotidiana (Fazenda, 1996). Um exemplo de como esta prática se efetiva é descrita pelo físico David Bohm (1996). De acordo com ele, quando as pessoas avançam para padrões coordenados de ação, elas começam a agir de modo alinhado: como um bando de pássaros que alçam vôo de uma árvore, começam a voar, um a um, em ordem perfeitamente natural, em que cada membro da equipe simplesmente sabe o que se espera que ele faça, pois todos se encaixam num todo maior. Quando em uma sala de aula todos se encaixam num todo maior, ocorre o envolvimento, o qual é expresso durante os encontros nas manhãs de quarta-feira junto com Ivani Fazenda. Todos sabiam o que deveriam fazer, e isto é ressaltado nos momentos em que Ivani não estava presente: sua ausência em matéria não interferia nos afazeres da classe, pois o grupo coeso executava as atividades previstas com desenvoltura e discernimento. Este é o espírito de uma sala de aula interdisciplinar: "Todos se tornam parceiros. Parceiros de quê? Da produção de um conhecimento para uma escola melhor, produtora de homens mais felizes (...) a obrigação é alternada pela satisfação, a arrogância pela humildade, a solidão pela cooperação, a especialização pela generalidade, o grupo

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homogêneo pelo heterogêneo, a reprodução pelo questionamento (...) Em síntese, numa sala de aula interdisciplinar há ritual de encontro — no início, no meio, no fim" (Fazenda, 1991a: 83).

Graças a este ritual de encontro, graças a esta parceria, graças à prática interdisciplinar de Ivani Fazenda, foi possível desenvolver, até o momento, em catorze anos de estudos e pesquisas sobre interdisciplinaridade no pós-graduação em Educação: Currículo da PUCSP, 51 produções orientadas nessa área. São doze teses de doutorado e 39 dissertações de mestrado, tecendo uma abrangente e densa área de conhecimentos teóricos e práticos sobre interdisciplinaridade (Kachar, 2000). Este é mais um exemplo de como a parceria se efetiva na prática interdisciplinar.

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Linguagem Valéria Sperduti Lima

Linguagem é o uso de signos intersubjetivos que possibilitam a comunicação (Abbagnano, 1998: 615). É multiforme e sobreposta a diversos domínios: físico, fisiológico e psíquico. Todos os órgãos dos sentidos podem servir para criar uma linguagem (Lalande, 1996). Ela pertence aos domínios individual e social. Para Chevalier (1991), há uma realidade profunda na relação línguaser. Evolui e ecoa todos os acontecimentos de uma história em comum: a língua é a alma de uma cultura, de uma cidade. É a principal via de comunicação de indivíduo a indivíduo, de grupo a grupo. Ela traduz certa unidade do ser. Uma sociedade se desagrega quando abandona sua língua, ou se esta se decompõe. Compreende-se que uma minoria étnica se empenhe em conservá-la, como penhor de sua identidade. Na filosofia, a linguagem é um instrumento no qual o significado se constitui por meio do uso, ajustando-se ao seu objeto. A comunicação é discurso organizado, que se realiza a partir das frases, trazendo o contexto do que se comunica na organização das palavras. Outra perspectiva de estudo é da linguagem como acaso. As ações individualmente mutáveis e imprevisíveis apresentam uniformidade e constância se consideradas em grande número. A linguagem caracteriza uma sociedade. Na psicanálise, Vygotsky (1987) estabelece uma relação entre a linguagem e o desenvolvimento do ser, nos aspectos afetivo, emocional e lógico. A evolução do pensamento e da fala se constitui por intermédio do significado das palavras, transformando-se, conceitualmente, nas relações com o outro. A cultura e o outro participam do desenvolvimento pessoal e intelectual do comunicante. A análise de uma linguagem é um processo dinâmico e complexo, pois a consciência humana está em constante desenvolvimento, por meio das interações que o ser estabelece.

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O desenvolvimento da consciência se caracteriza por resgates históricos que ocorrem a cada interação. A linguagem é viva, é a expressão de um ser que se desenvolve em sua totalidade: emocional, cultural, social e intelectual. Um ser que, enquanto se expressa, transforma/transformando-se historicamente. Como desprezar essa totalidade na relação ensino-aprendizagem? A relação entre aluno e conhecimento é ativa, onde o mesmo é coautor. O conhecimento é obra coletiva construída a partir do momento em que se cria relação com a bagagem sócio-histórico-cultural, inter e intrapessoal. Esta relação é mediada pela diversidade de linguagens do grupo. A história do indivíduo se insere em tantas outras e vice-versa. História de vida e de linguagens, onde o conhecimento é uma obra inacabada.

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Fronteira Ecleide Cunico Furlanetto

Para nos aproximarmos do sentido da interdisciplinaridade, podemos recorrer ao conceito de fronteira. Acredito que a recuperação desse conceito nos permitirá percorrer um caminho metafórico que favorecerá a descoberta de múltiplos sentidos para a interdisciplinaridade. O que é uma fronteira? Ao observarmos um mapa, podemos perceber que ela constitui uma linha divisória que delimita o fim de um espaço e o início de outro. Ela explicita a diferença gerando uma ruptura na continuidade. No entanto, essa mesma linha, ao promover a separação, favorece também o surgimento da identidade. Tomemos como exemplo um lago — o que nos permite identificá-lo? Ao procurar responder essa questão, descobriremos a importância das margens que, ao limitarem as águas, estarão também propiciando o reconhecimento do lago. Assim como o lago é definido por suas margens, os indivíduos e o conhecimento organizado em disciplinas também o são. As margens que os fazem únicos, diversos e separados dos outros. Voltando nosso olhar para os mapas, comparando os atuais com os de outras épocas históricas, veremos que as fronteiras não são fixas, estão sempre em movimento, sendo constantemente alargadas, estreitadas e transformadas. Apresentam-se como construções plenas de provisoriedade. Olhando-os novamente, podemos constatar também que os territórios não são fragmentos separados, mas estão intimamente ligados, constituindo partes profundamente relacionadas ao todo. Caso ampliemos ainda mais o conceito de fronteira e, em vez de a vermos somente como uma linha divisória, olharmos para ela como se apresenta na realidade, veremos que essa linha se concretiza de diversas formas, embora isso seja muitas vezes imperceptível ao nosso olhar. Ao redor de cada fronteira surge uma região que podemos denominar de fronteiriça, na qual o eu convive com o outro. Descobrimos que ao mesmo tempo que a fronteira promove a separação, possibilita a interseção.

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Segundo Saiz (1998), ela é também um abrir-se para fora que pode possibilitar a criação de novos espaços. É nas regiões fronteiriças que surge a inovação, a fertilidade e a transgressão. Essas regiões, onde os contornos estão e não estão delimitados, transformam-se em frentes que se abrem para a região do novo, nas quais é possível o aparecimento do diálogo, da ousadia e também da parceria. E a fronteira passa, dessa forma, a possuir uma multiplicidade de sentidos. Ao mesmo tempo que limita, possibilita a flexibilidade, liga ao todo, confere identidade e transforma-se numa região de separação e de encontro. A interdisciplinaridade pode surgir como esse conhecimento que se produz nas regiões em que as fronteiras se encontram e criam espaços de interseção, onde o eu e o outro, sem abrir mão de suas características e de sua diversidade, abrem-se disponíveis para a troca e para a transformação. Movimentos interdisciplinares acontecem a partir dessa postura de expansão de campos e de abertura de fronteiras que, ao serem transformadas, modificam também o interior dos territórios. Para que sejam criados esses espaços de encontros e de interseções entre as áreas do conhecimento, é necessário a construção de uma atitude interdisciplinar, sem a qual não é possível esse movimento de aproximação e transformação que vai além das disciplinas. As pesquisas a respeito da interdisciplinaridade que vimos e acompanhamos nos informam que os movimentos interdisciplinares evocam não só a abertura das fronteiras externas, mas principalmente das fronteiras internas dos indivíduos. Observamos que elas surgem quando existe disponibilidade para uma revisão das matrizes pedagógicas (Furlanetto, 1997) que cada professor possui, matrizes construídas não somente a partir de atividades sistemáticas de formação, mas também gestadas a partir de modelos e de diversas vivências de aprendizagem, reconhecidas, ampliadas e transformadas para que novas possibilidades de ação sejam percebidas. Ao descobrir sua plasticidade, o educador torna-se mais disponível para tornar mais plástico seu fazer. Além das fronteiras internas, faz-se necessária também uma abertura das fronteiras externas do indivíduo que se traduzem na possibilidade da inter-relação. Alguns pressupostos da interdisciplinaridade já são muito conhecidos entre nós, educadores. Entre eles, reciprocidade, troca, espera, humildade e parceria. Todos eles apontam para a possibilidade de abrir

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fronteiras e criar zonas de interseção com o outro. As pesquisas também têm nos mostrado que as práticas interdisciplinares tendem a acontecer em espaços nos quais esses pressupostos estão presentes. A atitude interdisciplinar tem também favorecido a abertura das próprias fronteiras da escola, criando zonas de interseção com a comunidade e com a realidade. Os muros fechados são substituídos por membranas que, embora contendo substâncias, permitem sua passagem. Temos visto muitos projetos acontecerem, envolvendo pais e comunidade, permitindo ao aluno perceber a importância do conhecimento para resolver questões e problemas do cotidiano. Todo esse movimento de flexibilização e de criação de zonas de interseção na escola estimula um dos encontros mais importantes: o do aluno com o conhecimento. Percebemos que, muitas vezes, as práticas disciplinares, estanques, repetitivas e fragmentadas têm a propensão de provocar nos alunos uma atitude de fechamento para o conhecimento. O que observamos é que quando existe na escola todo esse movimento de flexibilização e de abertura, que descrevemos anteriormente, os alunos também se abrem para o conhecimento, para as relações com os professores e com os colegas, passando a desenvolver uma postura interdisciplinar.

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Vivência Margaréte May Berkenbrock Rosito

Penso que algo ambiguamente forte e sutil acontece quando exercitamos o olhar para dentro, para fora, para nós e para o outro, um processo de dor e alegria. Dor, quando as remanescências de nossa história de vida incide em nossa dificuldade de enxergar possibilidades de nos conhecer, de olhar o outro. Alegria, quando ultrapassamos essa limitação remetendo-nos a uma ilha de paz proporcionada pela fusão dos olhares, que nos foi possível transcender. Esse processo doloroso e ao mesmo tempo alegre do olhar permiteme falar aqui a respeito da experiência do momento em que os olhares se cruzam, mas são divergentes. E por que esses olhares se tornam um dia convergentes. Quando, pela primeira vez, fiz parte do Grupo Interdisciplinaridade, na linha de pesquisa defendida pela professora Ivani Fazenda, não houve sintonia entre a minha intenção e a do grupo. As intenções eram frontalmente díspares, não havia sentido naquele momento a reflexão sobre o significado do símbolo. Entrava naquele instante em campos até então desconhecidos para mim, a fenomelogia e os hermetismos da psicanálise, a teoria dos significados, coisas estranhas que não se coadunavam com o objetivo de um pensamento crítico voltado para a transformação social, discussões essas que permearam minha formação no curso de pedagogia, que iniciei em 1981. Não havendo sincronicidade necessária para fazer parte do grupo, afastei-me. Os encontros com a professora Ivani Fazenda se restringiram aos corredores e à sala do Programa Supervisão e Currículo-PUC-SP. Nesses espaços, sentia, naquele jeito manso de ser, uma abertura para a conversa e um olhar que me intrigava muito, não conseguindo decifrá-lo. Hoje, penso que aquele olhar significava a espera vigiada da semente que lançara em seu fazer interdisciplinaridade, cujos princípios podemos chamar de

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prática da vida. O motor da ação interdisciplinar estava no convencimento de que deveríamos articular o olhar interior com o exterior. Tal atitude vem modificando o modo de fazer pesquisa na academia e contribuindo para uma prática pedagógica diferenciada. A convergência de meu olhar com a interdisciplinaridade surge em tempo diferente do grupo e em um espaço distante, fora do país. É curioso, mas, na Alemanha, comecei a entender o significado da interdisciplinaridade na convivência com a sua cultura. Intencionalmente, gostaria de empreender um exercício de pensar a interdisciplinaridade a partir de alguns insights que essa experiência me proporcionou, possibilitando lançar outros olhares, dar ouvidos a outras vozes, a outro idioma. Foi no cotidiano de uma cidadezinha, nos arredores de Frankfurt, que aprendi sobretudo a ser ecologicamente correta. Dentro de casa, separava o lixo em metais, produtos com grüne punkt (ponto verde), material orgânico, jornais, revistas, vidros nas cores verde, marrom, branco. Por quê fazer isso? Porque percebia a importância da reciclagem do lixo que devolve às prateleiras do supermercado produtos mais baratos e com designers belíssimos, manutenção de empregos e preservação do meio ambiente. Ao ir ao supermercado, levava cesta de vime para frutas, legumes, e cesta de plástico resistente para outros produtos, além de sacola de pano para o pão. Evitava o uso de sacolas plásticas, que são prejudiciais ao meio ambiente pela sua resistência a decompor-se. Entrava em prédios construídos nos anos 680, 460 e anteriores; um mercado construído em 680 ainda hoje funciona vendendo diretamente do produtor. Impressionava-me o fato de o passado conviver de forma harmoniosa com o presente. Uma sensação agradável para quem vivia num país onde prédios e casas que marcaram época são destruídos para dar lugar a edificações de concreto e vidro, como sinal de progresso. Ia ao mercado de bicicleta, trafegando por ciclovias seguras e planejadas. O romantismo está presente no cotidiano dos alemães. No jantar, a vela acesa é um personagem importante. Quando o clima permitia, os jantares eram feitos no jardim, à luz de velas. Durante o café da tarde, os convidados eram recebidos com uma mesa ornada com uma linda toalha, a melhor louça, flores e, como sempre, as velas. É a maneira mais carinhosa de vivenciar o encontro entre as pessoas.

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Os jardins públicos, numa visão religiosa, parecem um pedaço do paraíso na terra. Com a chegada da primavera, a explosão da natureza, como dizem os alemães, traz de volta o verde e o colorido contrastante e vibrante das diferentes flores, que enfeitam os jardins das casas e os terraços dos apartamentos. Ao plantar gerânios vermelhos em meu terraço, recebi um abraço da vizinha que disse somente agora o prédio ficou bonito, porque há cinco anos ninguém plantava flores ali. Aos poucos, fui percebendo que, para os alemães, não basta uma casa ser bonita; é no conjunto delas que está a beleza. Na escola sem muros pode-se ver nos fins de semana as crianças e adolescentes usando as quadras de esportes, sem algazarra, mas com alegria nas faces. Também sem muros, sem cerca elétrica ou arames farpados ficavam os campos de cerejas e morangos, cujos frutos não eram tocados pelos transeuntes. Não os tocam não por medo de represálias, mas por respeito ao trabalho que sustenta uma ou várias famílias, o comércio da comunidade e os empregos. Ao longe, avistava-se Frankfurt com seus poucos arranha-céus, num delírio germânico de se tornar talvez uma cidade norte-americana, o que não agrada a seus habitantes, que se opõem à despersonalização da cultura alemã nesse espaço, entre cerejas e morangos, onde o valor da vida está na simplicidade e em pequenas ações por meio das quais compreendi a interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade fala do simples, do desejo de querer resgatar a simplicidade da vida, o amor, a paixão. Uma tarefa não fácil, mas não impossível. Ao nos aventurarmos pelos bordados complicados do marxismo, às vezes esquecemos de nossas almas. Pude verificar isso ao visitar a casa onde Marx nasceu e viveu parte de sua vida em Trier, divisa da Alemanha com Luxemburgo. O meu olhar sobre seus manuscritos me fizeram enxergá-lo de corpo inteiro e coração. Interdisciplinaridade é isso: a união do coração e a mente, é falar com a alma as questões que permeiam nossas vidas e que são fonte de conhecimento. Relatar minha passagem pela Alemanha aponta que os temas cidadania e interdisciplinaridade combinam, desmistificando minha ideia inicial, pois não falamos dela, vi vencíamos. A visão marxista não dá conta da realidade, nem é o melhor e único caminho para a transformação social. Por meio da vida simples, compartilhada, do cuidado com as pequenas

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coisas, do respeito à subjetividade, da partilha de ideias e sentimentos, da importância do outro, poderemos estar vislumbrando não apenas as vozes dos sujeitos nos textos e nas práticas pedagógicas, mas as possibilidades que levam o homem à auto-estima, ao resgate da dignidade, fazendo-o sentir-se cidadão responsável pela realidade da qual é parte. Ideias, valores e vivências que, mais que a luta de classes e os questionamentos, podem contribuir para a transformação social. É o que pode ocorrer por intermédio da visão interdisciplinar com a qual agora me identifico. Ao dialogar com as formulações interdisciplinares e a minha trajetória, percebo a importância do momento certo para as coisas acontecerem, do respeito às próprias limitações e às do outro. Nem sempre conseguimos ouvir a voz de nossos corações, mesmo quando o desejamos. Ao lidar com coisas tão delicadas, como a subjetividade, é preciso lembrar o que pode desencadear o que está latente em nós e no outro? Para essa leitura, considero extremamente importante deixar-se envolver pelas categorias apregoadas pela interdisciplinaridade: a humildade, a espera, o respeito, a ousadia, que é por onde se movimenta a atitude interdisciplinar, um processo de eterno aprendizado.

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Alfabetização Marisa Del Cioppo Elias

Antes de desenvolver o tema, cabe perguntar o que é alfabetização? O Novo dicionário da língua portuguesa traz uma definição bastante simples, qual seja: "propagar o ensino da leitura". Derivado do grego alphábêtos e do latim alphabetum, alfabetizar significa a "disposição convencional das letras de uma língua ou o conjunto das letras com que se representam os sons ou fonemas" (Fontinha, s/d). Ao conjunto das letras ou caracteres de qualquer língua também se dá o nome de abecedário. Santo Agostinho e Fulgêncio20 designavam por esse adjetivo certos hinos litúrgicos da Idade Média, que se compunham de 23 estrofes, sendo que cada uma delas começava por uma das letras do alfabeto, conforme a ordem prescrita, desde a até z, com exclusão de j e v, ainda não diferenciadas de i e u, respectivamente (Gourmont, s/d: 77-8. In Machado, s/d: 34). O alfabeto resultou, sem dúvida, da adaptação de um dos sistemas pré-alfabéticos a novas necessidades e suscitou uma das mais importantes descobertas científicas da história da humanidade (a escrita), provavelmente a primeira grande incursão do homem no seu inconsciente cognitivo. Conhecidos historicamente como pictográfico, ideográfico, logográfico, silábico e alfabético, eles representam a linguagem falada, cada um num nível diferente, respectivamente lexical (as palavras e os morfemas que as constituem), silábico e fonêmico. A invenção do alfabeto acarretou, de imediato, a descoberta daquilo que ele representa, o fonema. Por volta do século IX a. C, os gregos adotaram a forma das letras da escrita fenícia, seu número, ordem e nomes. Assim, alfa, beta, gama e delta correspondem a nomes hebraicos, muito

20. Conferir também C. G. L., II, 578, 14.

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próximos aos dos fenícios, uma vez que as línguas hebraica e fenícia parecem ter apresentado alto grau de semelhança: aleph, boi; beth, casa; gimel, camelo, e daleth, porta. Mas tanto em grego como em latim ou nas línguas indo-europeias, há combinações entre corrente vocálica e obstáculos consonânticos. Para compreender a aprendizagem desse maravilhoso instrumento de representação (o sistema alfabético) é preciso saber exatamente o que é o alfabeto, como ele se tornou capaz de representar a linguagem dos fonemas, de que capacidades precisamos para apreender essa relação, e como a representação alfabética passou a ser modulada por convenções ortográficas. Durante muito tempo o conteúdo etimológico do processo de alfabetização foi, por este motivo, reduzido a uma esfera mecânica, na qual alfabetizar-se se vinculava às habilidades de codificação (ou representação escrita de fonemas em grafemas) e decodificação (ou representação oral de grafemas em fonemas). Superada a perspectiva de análise estritamente pedagógica, fica evidente que a complexidade do processo de alfabetização implica a articulação de análises provenientes de diferentes áreas do conhecimento e pressupõe uma pluralidade de enfoques que envolve atores, métodos, meios, que só terão colaboração efetiva quando articulados numa teoria coerente que dê conta de todas as facetas do fenômeno. As capacidades linguísticas interpeladas pelos diferentes sistemas de escrita não são exatamente as mesmas. A aprendizagem da escrita alfabética, por exemplo, exige competências diferentes daquelas da aprendizagem de outros sistemas, e se desenvolve de maneira própria. Emerge também da consciência de que se trata de um problema social que demanda o concurso de toda a sociedade e o efetivo comprometimento do poder público, das instituições governamentais e das associações particulares. Conscientes de que a alfabetização é apenas o início de um processo educativo que deve visar os graus mais altos do saber e que, não sendo mero processo de transmissão de técnicas particulares de leitura e escrita, tem de levar ao domínio do código escrito, sob a pena de sonegar um direito daqueles que vivem numa sociedade letrada e desigual, como conceber essa alfabetização? Para que, a quem e como alfabetizar? Retomando a perspectiva histórica, temos de nos reportar às experiências conduzidas por Paulo Freire, que antecedem e acompanham, no

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tempo, o acontecimento da alfabetização funcional. Para ele, pensar a leitura não é pensar apenas o ato de decodificação da palavra escrita, pois a leitura do mundo precede a da palavra. A alfabetização é vista como um processo em que o analfabeto toma consciência de sua capacidade criadora, vindo a considerar o símbolo escrito como mais um meio de se exprimir e libertar. Entende que é preciso estabelecer uma forte ligação entre a atividade alfabetizante e as situações de vida do analfabeto. A alfabetização torna-se, assim, um meio de democratização da cultura e um instrumento de promoção coletiva. O relatório para a Unesco, da Comissão Mundial sobre educação para todos, realizada em Quito, Equador, em 1990, mostra que a educação ocupa cada vez mais espaço na vida das pessoas. A evolução rápida do mundo aumenta o papel que ela desempenha na dinâmica das sociedades modernas, exigindo não só o conhecimento das letras e números, não se limitando ao ensino de códigos, mas uma atualização contínua dos saberes. Todos devem, igualmente, poder se beneficiar de uma alfabetização que responda às necessidades fundamentais do homem, tanto em relação "aos instrumentos essenciais de aprendizagem (leitura, escrita, expressão oral, cálculo, resolução de problemas), como aos conteúdos educativos fundamentais (conhecimentos, aptidões, valores e atitudes) de que o ser humano tem necessidade para sobreviver, desenvolver todas as suas faculdades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente no desenvolvimento, melhorar a qualidade de sua existência, tomar decisões esclarecidas e continuar a aprender".21

A alfabetização, hoje, supõe: o respeito aos padrões culturais de vida e de aprendizagem da população envolvida, a possibilidade de essa população expressar a sua cultura; o acesso ao conhecimento de outros padrões culturais, formas de vida etc, que permita uma leitura crítica de sua própria realidade; o exercício de uma educação participativa em que a população possa interagir na formulação dos projetos a ela destinados. E, por isso, é preciso estar junto da população, conhecer suas necessidades, motivações e aspirações no que toca ao processo educativo. 21. Art. I da Declaração Mundial sobre educação para todos e Quadro de Ação para responder às necessidades educativas fundamentais. In: Delors, J., 1998, p.126.

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Alfabetizar significa, pois, a reconstrução ativa do objeto do conhecimento, o que inclui, fundamentalmente, uma dimensão pessoal, criadora e interdisciplinar. Essa visão de alfabetização contrasta frontalmente com a de ensinar o alfabeto, ou seja, treinamento repetitivo de sons, letras e sílabas. Não que ignoremos a formação de hábitos, mas os entendemos como subprodutos de uma etapa inteligente que prioriza sobre o representativo a elaboração do como e dos porquês das nossas ações. Daí a importância de se ligar a prática de ensino ao contexto social da criança/adulto, sua cultura, o que muda radicalmente a metodologia do processo de alfabetização (teoria e prática). Portanto, uma alfabetização bem-sucedida é aquela que suscita o desejo de aprender e leva em conta o conjunto das competências adquiridas, derivadas de uma compreensão não dicotômica de linguagem, quando passa a ser vista, fundamentalmente, como processo de produção de significados que se consubstanciam numa unidade dos conteúdos em direção à construção de significações linguísticas. No processo de realização prática da linguagem, nos seus usos e funções, ela é inseparável de seu conteúdo de significações. Pelo caráter de inter e transdisciplinaridade percebe-se, com profundidade, a natureza da linguagem, seu papel na estruturação do psiquismo, sua indissolubilidade dos processos de pensamento, seu papel na construção do conhecimento e seu caráter ideológico. A maneira como um indivíduo vê o mundo e o representa depende de suas experiências sociais, captadas por categorias de linguagem. É o domínio dos signos verbais, linguagem, que garante este salto de um estar no mundo e ser no mundo, do sensorial para o racional, portanto, ligado à prática social humana. Grandes são, portanto, os desafios postos à alfabetização num mundo cada vez mais multicultural, onde a rápida expansão das redes de comunicação adentra a intimidade de milhões de lares, tanto nas zonas urbanas quanto nas rurais. A alfabetização do século XXI deve dar provas de flexibilidade e imaginação, buscando no multiculturalismo e na plurietnicidade os reais pilares de uma ação interdisciplinar, para a verdadeira integração social democrática, capaz de despertar valores culturais universais fundados na ética global, nos direitos da pessoa humana (ética moral) e estimular, ao

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mesmo tempo, o respeito mútuo das culturas (pluralismo cultural), na base do reconhecimento dos direitos coletivos de todos os povos do planeta (compreensão e tolerância), grandes ou pequenos, espírito de solidariedade, todos com os mesmos méritos (responsabilidades e espírito aberto à mudança). Será este o desafio que a educação do século XXI deverá enfrentar.

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Literacia Maria de Nazaré Trindade

O termo "literacia" deriva do latim litteratus, que, no tempo de Cícero, significava "pessoa instruída". No início da Idade Média o litteratus (em oposição a illiteratus) era alguém que sabia pelo menos ler textos em latim, mas depois de 1300, devido ao declínio do saber na Europa, chegou a significar um nível mínimo de conhecimento em termos de língua latina. Depois da reforma literacia passa a significar a capacidade de ler e escrever na sua própria língua. De acordo com o Oxford University English Dictionary o substantivo literacy aparece no século XIX, à volta do início da década de 80, formado a partir do adjetivo literate que surge no inglês escrito em meados do século XV. O uso corrente do termo implica uma interação entre as exigências sociais e a capacidade individual. Assim, é natural que os níveis de literacia exigidos para o funcionamento social variem em função de uma cultura e, em termos temporais, dentro da mesma cultura. Ou seja, o que era exigido em termos de literacia na época dos descobrimentos é necessariamente diferente do tipo de literacia hoje fundamental nas nações industrializadas. Estas diferenças podem ser, em nossa opinião, mais quantitativas do que qualitativas. No século XIX e início do XX a ênfase colocada pelos governos europeus no sentido de lutar contra a iliteracia (em Portugal analfabetismo) e reduzir o número de iletrados levou ao estabelecimento da oposição entre literacia e iliteracia, ou seja, à oposição entre os dois conceitos. Hoje podemos considerar literacia como um contínuo que parte de um fundo residual de iliteracia. Em 1980, os estudos sobre literacia da Unesco definiram o termo literacia funcional como o composto de skills e capacidades necessários ao

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uso da língua escrita em função das exigências da vida quotidiana. A esta forma de literacia também se tem chamado "literacia pragmática ou funcional" para a distinguir de um tipo de literacia de nível mais elevado designado por "literacia cultural, literacia avançada e alta literacia". Não podemos deixar de referir o conceito de literacia defendido por Paulo Freire (citado em Soares, 1992), para quem literacia é a capacidade de usar a leitura e a escrita como meios para alcançar a consciencialização do real e a aquisição da capacidade de transformar essa realidade. Considerado como um direito humano fundamental no Simpósio Internacional sobre Literacia realizado no ano de 1975 em Persepolis, o conceito de literacia para além de nos parecer insuficientemente esclarecido e delimitado, não é, infelizmente, algo acessível a todos os homens, independentemente da classe social, cor, língua, religião, situação geográfica, cultura ou nível civilizacional. Contudo, no mundo ocidental, a ocorrência do termo "literacia", em escritos provenientes da comunidade científica, tem vindo a crescer principalmente na última década. Embora, como atrás referimos, o domínio da leitura e escrita (e até do cálculo) tenham marcado fortemente o significado inicial do termo, a proliferação pós-moderna da utilização do significante "literacias" levou à ultrapassagem absoluta e irreversível, desse contexto. Deparamo-nos hoje, frequentemente, com os conceitos de literacia científica (e, dentro desta, a literacia matemática), literacia cultural, visual, tecnológica (e, dentro desta a computacional) literacia intergerações etc. O conceito surge assim de tal forma alargado, que já não tem sentido utilizar o singular, na medida em que múltiplos pressupostos estão agora subjacentes à sua definição. Este conceito tem, obrigatoriamente, de atender a diferentes culturas, áreas diversificadas do saber e múltiplas fontes de informação. A expansão dos limites do conceito fez surgir uma certa confusão na definição exata do termo "literacia", tornando-se uma área decisivamente transdisciplinar, pelo que se torna necessário um trabalho de focalização analítica, tanto na via sincrônica como na diacrônica, perspectivando o estabelecimento de balizas situacionais e o esclarecimento de algumas complexidades e contradições que alberga no seu seio.

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Implicações pedagógico-didáticas A influência do conceito de literacia mostra-se nas orientações curriculares de muitos países, bem como nas recomendações de vários organismos internacionais ligados à educação, visando a alteração e melhoria das políticas educativas. A estas aparece ligada uma perspectiva de reforçar, no domínio das aprendizagens, a componente da compreensão a nível da escola e da vida que, durante muitas décadas, havia sido sufocada pela opção memorística. Aliado a esta componente compreensiva ocorre a perspectiva "ativista" em educação, defendendo que o ser humano só aprende verdadeiramente através da ação, da atividade na construção do conhecimento. Uma outra vertente do conceito aqui abordado e explorável em termos pedagógicos ocorre na perspectiva de criação e fruição de uma educação de qualidade para todos, educação essa que, por um lado, forneça ao indivíduo estratégias de pensamento, de desenvolvimento mental que o ajudem a enfrentar os desafios de um mundo em constante evolução e, por outro lado, que seja uma educação promotora de valores e atitudes que permitam à humanidade, por intermédio de cada um dos seus elementos, construir um mundo mais justo, mais à medida do ser humano.

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Caminhos Maria Inês Diniz Gonçalves

Estudar os textos que Yves Lenoir e Lucie Sauvé publicaram nos n°s 124 e 125 da Revue Française de Pedagogie, sob o título "De l'interdisciplinarité scolaire à l'interdisciplinarté dans la formation à l'enseignemente: un état de la question", teve especial importância para o Grupo de Estudo e Pesquisa da Interdisciplinaridade, recentemente consolidado na PUC — Pontifícia Universidade de São Paulo. O trajeto percorrido por esses autores, no empenho de orientar a formação do professor interdisciplinar, trouxe valiosos esclarecimentos para as reflexões que, no momento, constituía-se em preocupação para o grupo fundado, dirigido e orientado pela renomada professora e doutora Ivani Fazenda, expoente da interdisciplinaridade no Brasil. Delimitar, definir e argumentar sobre as diferentes abordagens pelas quais é pensada a interdisciplinaridade veio pontuar questões bastante pertinentes às expectativas de realização nos campos da pesquisa, do ensino e da prática pedagógica. O mapeamento geográfico, histórico e filosófico dessa nova visão sobre o ato educacional veio sustentar algumas ideias e esclarecer outras para que o grupo pudesse avançar na direção pretendida. Cada aspecto abordado constituiu-se em tema para discussões que se converteram em esclarecimentos às questões polemizadas, tendo em vista a concepção e a realização de trabalhos interdisciplinares. A forma com que foi explicitada as diferentes abordagens, com as quais é possível compreender e trabalhar interdisciplinarmente, levando-se em conta as características de cada contexto, ou seja, o científico, o escolar, o profissional e o prático, permitiu identificar e avaliar melhor cada projeto. Reconhecer e compreender, em cada um, a amplitude da abordagem pelos caminhos das ideologias, epistemologias ou metodologias contribuiu para esclarecer os campos de investigação propostos, possibilitando avanços significativos no sentido de elucidar o objeto da pesquisa em função da finalidade pretendida.

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A preocupação com o profissional destinado a exercer a interdisciplinaridade escolar, ou seja, a formação do professor encarregado de traduzir e vivenciar toda a complexidade que o processo requer, é característica marcante do grupo. Contar com os esclarecimentos advindos das reflexões contidas no texto como, por exemplo, "o lugar e a função da interdisciplinaridade no processo de formação", consolidou, aos nossos olhos, aspectos que careciam de compreensão maior. A metáfora tomada das dimensões "profondeur", como aprofundamento, e "largeur" na ideia de ampliação e amplidão, fundamentou, sobremaneira, as discussões em torno da formação continuada. Foi consensual a necessidade de ampliação e aprofundamento nesse sentido. Acreditamos que, além da formação inicial pela qual o professor se descobre interdisciplinar e apropria-se dos instrumentos teóricos e práticos necessários à vivência, é pertinente que ele, temporariamente, se reabasteça, tendo em vista as constantes mudanças que se processam na atualidade. É necessário que lhe seja oferecida condições especiais para a avaliação das "imposições" advindas do meio social. Delas devem surgir as reflexões que subsidiarão as "reações" pessoais e profissionais para que o ato educativo, com base no momento presente, seja permeado por ações adequadas capazes de intervir com eficiência no processo de crescimento intelectual, pessoal e humano dos educandos.

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Corporeidade Míriam Suzete de Oliveira Rosa

Durante muito tempo vimos a educação formal ser dirigida prioritariamente para uma mente desconectada de um corpo vivo que, embora brincante e aprendiz tanto quanto a mente, não lhe têm dirigidas maiores atenções, ignorando desde suas necessidades mais básicas aos seus desejos mais postergáveis. Deve acontecer na escola a mesma lógica apontada por Sheldrake (1993), quando diz que a cisão entre ciência e fé acaba por criar uma forma de conhecer o mundo pelo esquecimento do mito, fazendo com que cientistas acreditem que a forma de saber é pela sujeição, transformando a natureza em mero objeto a ser dominado. Rodrigues (1986) compara a educação ao adestramento, apontando que sem dúvida aquela vem sendo utilizada como sinônimo desta. Revela, por meio de seus estudos, que a criança nasce ambidestra, mantendo esta qualidade até os oito meses de idade, quando então é adestrada pelo processo cultural, sendo a aprendizagem, e não o fator biológico, o que vai determinar o uso quase exclusivo da mão direita. Informa que diversas culturas mantêm a mão esquerda da criança amarrada por entendê-la como impura, profana, causadora da desordem ou do caos. Este mesmo autor também aponta que na língua portuguesa "sinistra" significa mão esquerda e que consideramos nossa mão direita como a melhor. É colocado no corpo as ambiguidades referente ao sagrado/profano; limpo/sujo; ordem/desordem; puro/impuro; direito/esquerdo. Ao longo dos tempos este silenciamento dos corpos realizado nos processos educativos tem resultado numa negação de sua existência, isto é, em alguns casos, numa subjugação que leva ao extermínio da qualidade do que poderia ser o mais humano no Ser Humano. Bertherat (1977), em seus escritos, nos revela os objetivos inconfessáveis da educação física utilizada nas escolas, a ginástica imposta para

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disciplinar, conformar e alienar corpos, colocando-os nos parâmetros estéticos e estáticos que a sociedade exige, na tentativa de perpetuar a forma padronizada. No geral, a educação faz do corpo infantil o adulto produtor, buscando domesticar instintos e sonhos. Desde a mais tenra idade, as crianças vão apreendendo o que culturalmente não é aceitável de se fazer em público ou a qualquer hora. Para ser um indivíduo socializado, devemos disciplinar nossos instintos fisiológicos mais básicos. Aprendese que há hora para tudo, controlam-se todos nossos orifícios naturais por meio das rotinas escolares que estabelecem a ocupação do tempo e do espaço. Prematuramente, apreendemos a fechá-los, a higienizá-los, a disfarçar seus odores naturais com perfumes e a esconder até o resultado de seus funcionamentos habituais. Há hora para ir ao banheiro e uma infinidade de outros tempos em que se ignora a fisiologia e prestigia-se a cultura. Há hora para brincar e uma eternidade de momentos para trabalhar ou manter-se na imobilidade. Pergunte a uma criança qual é a melhor hora na escola e terá como resposta, na maioria das vezes, que é a hora do recreio. No que ela está coberta de razão, pois, como indica Maturana (1998: 61): "A dificuldade das mudanças de entendimento, de pensamento, de valores, é grande. Isso se deve à inércia corporal, e não ao fato de o corpo ser um lastro ou constituir uma limitação. Ele é nossa possibilidade e condição de ser."

Há hora para falar e muito tempo para calar. Freire (1985) aponta a necessidade de aprendermos a falar com o Outro e, não, para o Outro, explicitando uma essencial urgência de quebra da cadeia de silêncios a que somos submetidos nas diversas instituições que nos socializam. Entretanto, para se falar com o Outro, faz-se necessário escutá-lo, praticando a alteridade. A predisposição da escuta colaborativa pode facilitar o exercício da comunicação significativa entre indivíduos, coletividades e nações. Novos estudos mostram que é necessário que retomemos urgentemente a corporeidade como instrumento de aprendizagem, e embora esta questão não apareça expressa nos textos consultados sobre

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interdisciplinaridade, encontro em Maturana suporte para redirecionar o foco do olhar sobre o corpo aprendiz. Este autor revela que: "Todos sabemos, ainda que nem sempre tenhamos clareza disso, o que está envolvido no aprender é a transformação de nossa corporalidade, que segue um curso ou outro dependendo de nosso modo de viver. Falamos de aprendizagem como da captação de um mundo independente num operar abstrato que quase não atinge nossa corporalidade, mas sabemos que não é assim. Sabemos que o aprender tem a ver com as mudanças estruturais que ocorrem em nós de maneira contingente com a história de nossas interações" (Maturana, 1998: 60).

Morin também alerta que é impossível separar nossa constituição ontológica de Ser Humano sem que levemos em conta os dois aspectos que nos produz, qual sejam, o biológico e o cultural: "De repente, desmorona-se o antigo paradigma que opunha natureza e cultura. A evolução biológica e a evolução cultural são dois aspectos, dois pólos de desenvolvimento inter-relacionados e interferentes do fenômeno total da homonização: a evolução biológica, a partir de um primata inteligente e da sua sociedade complexa, continua-se numa morfogênese técnico-sócio-cultural que vai espevitar e estimular uma evolução biológica juvenilizante e cerebralizante" (Morin, 1991: 87).

Perceber no corpo aprendiz o vir a Ser Humano que ali germina significa reconhecê-lo em seus desejos, aceitá-lo em suas carências e necessidades, compreendê-lo pelas repressões sofridas e, por fim, estimulá-lo em suas potencialidades. De acordo com Sacks (1995: 129): "Quando abrimos nossos olhos todas as manhãs, damos de cara com um mundo que passamos a vida apreendendo a ver. O mundo não nos é dado: construímos nosso mundo através da experiência, classificação, memória e reconhecimento incessantes. Não se vê, sente ou percebe em isolamento — a percepção está sempre ligada ao comportamento e ao movimento, à busca e à exploração do mundo."

É importante ressaltar que, para se ver, é preciso aprender a olhar, e é necessário distinguir um objeto dos demais que passam a fazer parte de um

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horizonte de fundo. Portanto, para se ver o corpo do outro é preciso descortinar e intuir o que dizem os corpos que historicamente foram esquecidos e hoje mostram-se distraídos, que por vezes foram traídos em seus ideais de vir a ser mais e, atualmente, permanecem contraídos, tentando se esconder da vida. É fundamental atentarmos para os jeitos e trejeitos corporais muitas vezes expressos ou disfarçados em seus gestos, tonalidades de voz e silêncios, olhares ora fugidios, ora complacentes, ora tolerantes e, muitas vezes, cúmplices desta aventura que é o apreender o mundo. É bom lembrar que aprendiz e professor se constituem na relação que estabelecem entre si. Sloterdijk (1998) diz que há uma crise da razão olfativa, oftalmológica e auditiva que vem produzindo uma desumanização, sendo que o remédio mais saudável seria o pensamento esclerosado. Revela ainda que somos apenas registros de viventes, sendo que fazemos o papel de arquivo e de arquivador de nossas histórias de individuação e que qualquer um que possa dispor de seu próprio arquivo pode não só acessar os conteúdos, mas também acessar como e em que situações estas informações foram inscritas. O que podemos traduzir das palavras deste autor é a relevância que ele introduz sobre o processo de rememorizar o velho, tornando-o estranho e novo, para reaprendê-lo com significados ampliados. Esta forma de encarar o processo histórico individual e, por que não dizer, coletivo, suscita em mim uma sensação de eternidade, sem início e sem fim. Vejo-a como a nascente de um rio, no meio de uma floresta, onde não se identifica de onde se origina a água que vai formando o leito do rio. Entretanto, lá está ela, jorrando e indo adiante, prolongando-se indefinidamente, incorporando-me a sensação de Ser Inacabado que somos e, portanto, sempre em processo de construção.

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(Inter)Corporeidade Paulo Roberto Haidamus de Oliveira Bastos

Se é real que vivemos nos dias atuais a "cultura do narcisismo", não é de se estranhar o fascínio do homem pela descoberta do corpo e suas expressões como objeto de cuidado e estudo. O corpo humano, ao ser estudado em uma visão clínico-fenomenológica, toma a liberdade da reflexão e da criação de novos conhecimentos e atitudes em saúde, um outro modo de viver — de ser e estar —, tanto individual quanto em sociedade. O estudo interdisciplinar da corporeidade humana constitui-se a base de um saber compreensivo, de congraçamento entre a normativa bem tracejada e a tecnologia, especializada e sistematizada. Impõe-se pela prerrogativa axiológica, pela construção de um caráter de normas e princípios, não somente técnicos e jurídicos, mas principalmente abrangentes do ciclo histórico, ecológico e filosófico do homem, em uma antropoética da vida e da matéria. Subsistimos ainda hoje em busca do habeas corpus do corpo, à procura de uma subjetividade transcendental, daquilo que Husserl certo dia descreveu como o caminho a ser desvelado pelo corpo intencional ou fenomenológico que permanece por detrás da epoché como realidade material "autossentinte". Aquele corpo que fulgura além do nível táctil de constituição anatômico-fisiológica e que se manifesta entre a distinção fenomenológica do corpo-objeto (Körper), de explicação científica e de diagnóstico dos sintomas, e o corpo-sujeito (Leib), do mundo da vida. A compreensão do fenômeno da cura fundada na somatologia husserliana e na hermenêutica de Wilhelm Dilthey representa a exemplificação da diferença não mais existente entre a dinâmica da metodologia apropriada aos estudos dos objetos naturais e o movimento metodológico dos estudos humanísticos, visto que a variedade essencial se encontra na totalidade dentro da qual o objeto de direito (o doente) é compreendido. A revolução somatoplástica que incorpora a porção biológica, social e cultural do homem

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na terapêutica do corpo parece ser o caminho da ciência disposta a transformar a natureza humana e recriar o homem, principalmente por considerar a reflexão filosófica para o tratamento do ser e não relegar o pathos (Schopenhauer, Maine de Biran, Feuerbach, Nietzsche, Bergson...) da filosofia de vida (Labensphilosophie). As novas formas tecnológicas de vida, diferenciadas pela ciência de modo geral e pela biologia molecular, são a nós apresentadas pela transplantologia, pela reprodução assistida e pela engenharia genética. Entretanto, o estudo interdisciplinar da corporeidade, também denominado intercorporeidade, não se refere apenas e tão-somente ao transplante de órgãos intervivos, à inseminação artificial e à transferência de embriões, à disposição do consumidor, por vezes, no "bioshopping". Representa a variedade de formas imaginárias e naturais da corporeidade que propõe a saga da descoberta do próprio corpo perante o olho interno da consciência reflexiva e do reino dos atos mentais na terapêutica, em uma ontologia do dualismo antropológico tradicional. Intercorporeidade que permite ao homem a liberdade de ler, reler, "transler" o conceito de saúde e de doença, importantes para a mudança conceitual de tempo e de espaço, de um lugar a um não-lugar. Intercorporar-se, sinônimo de espacializar-se, expandir-se, em movimento de realização do eu, do não-eu e do Outro, dialogicamente, no tratamento do ser doente.

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Currículo Elisa Lucarelli

El sentido etimológico: curriculum proviene de la palabra latina currere, carrera, recorrido que debe ser realizado; por derivación también se refiere a su representación o presentación. El concepto en la literatura pedagógica contemporánea: las corrientes pedagógicas actuales ubicadas dentro de la perspectiva crítica encaran al curriculum como un objeto social. Se seleccionan tres conceptos representativos de esa perspectiva: "Un curriculum es una tentativa para comunicar los principios y rasgos esenciales de un propósito educativo, de forma tal que permanezca abierto a discusión crítica y pueda ser trasladado efectivamente a la práctica" (Stenhouse, 1984: 27). "El curriculum no es un concepto sino una construcción cultural...una forma de organizar un conjunto de prácticas educativas humanas (...) El curriculum de las escuelas de una sociedad constituye una parte integrante de su cultura. Para comprender el significado de cualquier conjunto de prácticas curriculares, han de considerarse tanto en cuanto elementos que surgen a partir de un conjunto de circunstancias históricas, como en calidad de reflejo de un determinado medio social" (Grundy, 1991: 19-20, 21). "Por curriculum se entiende a la síntesis de elementos culturales (conocimientos, valores, costumbres, creencias, hábitos) que conforman una propuesta político educativa pensada e impulsada por diversos grupos y sectores sociales cuyos intereses son diversos y contradictorios; aunque algunos tienden a ser dominantes o hegemónicos y otros tienden a oponerse y resistirse a tal dominación. Síntesis a la cual se arriba a través de diversos mecanismos de negociación e imposición social" (Alba, 1991: 38).

Estos conceptos, diversos en su manifestación, coinciden en destacar en el curriculum la confluencia de principios relacionados con el reconocimiento de los procesos sociohistóricos en la conformación de la propuesta,

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la existencia del juego de intereses sociales que definen la dinámica social en los procesos de determinación de propósitos y contenidos a ser aprendidos, la superación de enunciados universales a través del reconocimiento del valor de las prácticas, la relación entre los diversos procesos y actores asociados en torno a las mismas y, muy especialmente, la revalorización de la reflexión de los docentes acerca de su práctica como mecanismo básico de la construcción de la teoría curricular.

Las dimensiones del curriculum El curriculum se percibe así como un objeto múltiple y complejo que puede ser analizado desde dimensiones complementarias y con distintas perspectivas teóricas, incorporando la orientación hacia la ambigüedad y la diversidad (Fazenda, 1998: 12). Con la intención de abordarlo desde la complejidad se considera aquí que las prácticas curriculares dan lugar a la configuración de un campo determinado por dos ejes: el eje de los sujetos portadores de esas prácticas, y el eje de las acciones que ellos desarrollan. De esta manera se delimitan cuatro espacios dentro del campo: (i) la institución y sus procesos; (ii) la institución y los resultados; (iii) los sujetos personales y sus procesos; (iv) los sujetos personales y los resultados alcanzados. La institución y sus procesos: este espacio, del hacer institucional, refiere a las prácticas que desarrollan las instituciones educativas para dar respuesta a las demandas de una sociedad, como parte de su proyecto educativo; se expresan a través de una determinada selección y organización de contenidos culturales a ser transmitidos de generación en generación. Implica, consecuentemente, una acción de toma de decisiones inherente a todo proceso de planeamiento o "estructuración formal del curriculum", según denominación de Alicia de Alba (1991: 61). La institución en este caso comprende el reconocimiento de grupos y organizaciones de distinto alcance: los equipos técnicos de un Ministerio de Educación, la Comisión de Reforma Curricular del órgano colegiado de gobierno de una universidad, los docentes de un establecimiento educativo. Estas decisiones, a su vez se derivan de las grandes orientaciones definidas en el proyecto educativo que sustenta la sociedad en un momento

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dado de su proceso histórico; corresponde a lo que Doyle (1995: 5) denomina "curriculum abstracto o ideal que define la conexión entre la escuela y la sociedad". La mayoría de las veces, los decisores (sujetos de la "determinación curricular" en palabras de Alicia de Alba (1991: 61), están fuera de la institución educativa, tal es el caso del estado, la iglesia, los partidos políticos, las corporaciones nacionales o multinacionales, los sindicatos, las organizaciones populares, organizaciones no gubernamentales, las asociaciones profesionales. Estos grupos, la mayoría de las veces, tienen intereses contradictorios expresados en las orientaciones que definen los proyectos educativos que sustentan; de allí que a la síntesis cultural que supone todo curriculum se llegue a través de juegos de negociaciones o imposiciones por parte de esos grupos. La institución y los resultados: hace referencia a los productos del proceso de elaboración que desarrolla la institución en cualquiera de sus niveles. Son los documentos básicos instrumentales, la propuesta curricular a que se ha dado formato a través de los procesos de selección y organización. Corresponde al dominio que Doyle (1995) entiende como "curriculum formal o analítico, que traduce las políticas curriculares en instrumentos que son usados en los eventos del curriculum actual". El uso habitual que se le da al término curriculum ha reducido su alcance y significado a esta dimensión en un doble sentido: por un lado, cuando se entiende, por ejemplo, como curriculum de la educación artística o como curriculum de ingeniería eléctrica solamente al documento del plan de estudios, se dejan fuera, se ignoran, las acciones que los generaron, el tipo de estrategias que se utilizaron durante su elaboración, la metodología de la "estructura curricular de base", en términos de Remedí (1978) y Furlán (1978). La calidad del documento y sus posibilidades de ser llevado a la acción dependen también de las características que asumió el proceso de elaboración, el mayor o menor grado de participación que tuvieron en esa producción tanto aquellos que deberán utilizarlos en las acciones áulicas como la comunidad en su conjunto. La segunda utilización restrictiva del concepto de curriculum como producto institucional se hace evidente cuando se omite la inclusión de otros documentos que norman u orientan la acción en el aula; estos son tanto las normativas, o recomendaciones para la implementación que complementan las disposiciones de un plan de estudios o de un programa de alcance nacional, como otros instrumentos de alcance más restringido

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como pueden ser la programación de actividades de un profesor o los lincamientos curriculares adecuados para una región. En la medida que son instrumentos propositivos acerca de qué y cómo es deseable enseñar, puede entendérselos como parte de la propuesta curricular. Los sujetos personales y sus procesos: esta dimensión hace referencia a las acciones más personales, a las actividades que dan lugar a reestructuraciones y modificaciones en los comportamientos de los actores a través de los procesos de enseñar y aprender. Estos son, según De Alba, los "sujetos del desarrollo curricular", "aquellos que convierten en práctica cotidiana un curriculum" (1991: 61). Esta dimensión del curriculum es denominada tambien de implementación por Contreras Domingo. Se incluyen tanto los procesos que desarrollan los estudiantes en su aprendizaje de un determinado contenido curricular, las estrategias didácticas que ponen en acción los docentes para enseñar, como las reestructuraciones personales que hacen estos docentes a partir de los procesos reflexivos acerca de su propia práctica de enseñanza. Se lo denomina también curriculum en acción (Gimeno Sacristan, 1988: 125) identificable con la práctica real, que es donde, a través de las tareas académicas guiadas por los esquemas teóricos y prácticos del profesor, se puede apreciar el significado real de las propuestas. Los sujetos personales y los resultados alcanzados: la cuarta dimensión del curriculum incluye a los aprendizajes logrados por alumnos y docentes como resultado de las prácticas personales. Desde la perspectiva del estudiante, hace referencia a los conocimientos, destrezas, habilidades, comportamientos afectivos que desarrolla el alumno en un determinado período de la puesta en acción de una propuesta curricular, sea este una jornada escolar, una hora de clase o el tiempo que abarca todo un nivel del sistema educativo. Gimeno Sacristán (1988: 125-6) habla de "curriculum realizado", incluyendo a los efectos complejos que se producen como consecuencia de la práctica, y que son apreciados como valiosos y prominentes o considerados como poco importantes y ocultos; señala que estas consecuencias se reflejan en aprendizajes de los alumnos, en los componentes propios de la socialización profesional del docente y también en las proyecciones de las acciones educativas sobre los padres y el entorno social en general. El autor incluye también al "curriculum evaluado" como apreciación de los procesos desarrollados en torno al curriculum, así como los resultados alcanzados.

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El sentido interdisciplinario Curriculum e interdisciplina pueden articularse, por lo menos, desde dos ángulos: el de las perspectivas de análisis y el de la organización. El reconocimiento del curriculum como un objeto social complejo desde la teoría pedagógica crítica abre las posibilidades a la indagación de las múltiples facetas que lo identifican. Problemática privilegiada de las teorías tecnicistas de la Didáctica hasta la década del 70, es tomada luego como centro de análisis por las investigaciones de la nueva sociología de la educación que ubican el problema casi exclusivamente en la encrucijada de las relaciones entre educación-sociedad. Teóricos e investigadores como Apple, Giroux, encaran al curriculum como un punto de interés desde donde comprender los mecanismos a través de los cuales se manifiestan y reproducen los mecanismos de la dinámica social. Paralelamente a esta línea de denuncia y producción teórica, en América Latina se desarrollan experiencias que se orientan a definir estrategias didácticas que concreten acciones alternativas a las tecnicistas. Candau, Díaz Barriga, Barco, entre otros, aportan lineamientos para los procesos de elaboración y desarrollo curricular, fundamentados en principios que den cuenta, a la vez, de contextualización e intervención en la resolución de propuestas. Se develan así distintas miradas hacia la comprensión del objeto teórico y del hecho curricular, formas de cooperación que se articulan dentro enfoque orientados hacia la ambiguedad. Confluyen de esta manera, junto al análisis pedagógico y didáctico, encuadres como el sociohistórico, que da cuenta de las relaciones mencionadas precedentemente en los distintos períodos de una determinada sociedad; el político, que permite identificar el juego de intereses que se da en torno a la definición de planes y programas de estudio; el psicológico, en el análisis de los sujetos involucrados en el enseñar y el aprender, y del tramado de las relaciones institucionales; el antropológico, el lingüístico, el comunicacional. La búsqueda de un conocimiento interdisciplinar acerca del curriculum supone, antes que nada, aceptar la mirada interdisciplinar (Fazenda, 1995: 78). El otro ángulo en que se manifiesta la interdisciplinariedad es el relativo a los modelos de organización curricular que se alejan de la estructura disciplinar y se orientan por diversas modalidades de articulación entre los campos del conocimiento. Areas, centros de interés, unidades integradas,

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aprendizaje basado en problemas, módulos centrados en objetos de transformación social, son diversas modalidades de organizar la propuesta curricular con la intención a superar la segmentación y fragmentación del conocimiento, a través de espacios curriculares centrados alrededor de ejes problemáticos, de manera de facilitar, desde la propuesta curricular, la construcción de una red de relaciones orientada al logro de aprendizajes significativos.

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Resiliência José Tavares

Resiliência, resilientia (lat.), resilienza (it.), resilience (fr.), resilience (resiliency) (ing.) deriva do verbo latino resilio (re-salio), com as acepções seguintes: "saltar para trás", "voltar, saltando"; "retirar-se sobre si mesmo", "encolher", "reduzir-se"; "recuar", "desdizer-se" Little, W., Fowler, H. W. & Coulson, J., 1973, s.v. resilience; Ernout & Meillet, 1985 s.v. salio, "saltar, repercutir, saltitar"). A significação subjacente a todas essas acepções evolui como noutras etimologias do concreto para o abstrato veiculando a ideia de uma ação que se desenvolve a partir de algo que possui uma elasticidade, uma determinada flexibilidade e é susceptível de desenvolver-se, ativar-se, incrementar-se, e otimizar-se dentro de uma dinâmica sucessiva e em espiral subjacente a todas as formas de existir reais e possíveis. Ou seja, todo e qualquer projeto de desenvolvimento expande-se e afunda-se na direção de sua capacidade resiliente mais ou menos flexível em que pessoalidade emerge como uma das suas realizações mais elevadas e complexas. É por isso, que, hoje, tende a aplicar-se e desenvolver-se este conceito não apenas no domínio das realidades físicas e biológicas mas também nas ciências sociais e humanas de que as ciências psicológicas, antropológicas, axiológicas, socioeconômicas e organizacionais, em que a re-engenharia dos processos e dos resultados e as respectivas tomadas de decisão assumem um relevo especial. Referindo-se diretamente à ciência psicológica e à educação nas suas primeiras etapas de desenvolvimento, François Ruegg (1997: 9) refere que, nestes últimos anos a resiliência começa a configurar-se cada vez mais, na literatura das ciências sociais e humanas, como "uma qualidade de resistência e perseverança da pessoa humana face às dificuldades que encontra" e acrescenta: "Dado que esta qualidade marca o ser humano, não nos devemos admirar que ela se relacione com todos os aspectos a ele referentes". Isto é, desde a mecânica e a física, à medicina, à psicologia e à

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sociologia indo ao ponto de a fazer incidir sobre "a espiritualidade humana como abertura da sobrevivência à esperança", como uma das raízes mais fundas da aspiração do homem. Em todos os níveis recobertos pelo conceito de resiliência, a ideia é sempre a mesma: elasticidade, flexibilidade. Assim, nos níveis físico e mecânico é a qualidade de resistência de um material ao choque, à tensão, à pressão que lhe permite voltar à sua forma ou posição inicial. Por exemplo, uma barra de ferro, um elástico, uma mola; na medicina seria a capacidade de um sujeito resistir a uma doença, a uma infecção, a uma intervenção, por si próprio ou com a ajuda de medicamentos, de um modo natural ou assistido. Ser resiliente seria, pois, desenvolver capacidades físicas ou fisiológicas conducentes a determinados níveis de endurance física ou psicológica e até a uma certa imunidade. Predomina, pois a ideia de uma realidade sólida, de textura fiável, flexível e consistente, saudável decorrente da própria etimologia de resiliência que permite a esse objeto ou sujeito auto-regular-se e, de certa forma, autorecuperar-se. Em síntese, consiste em voltar à sua forma ou posição inicial ainda que a um nível diferente na dinâmica da espiral acima referida. Atualmente, do ponto de vista da psicologia e da sociologia trata-se também de uma qualidade, de uma capacidade das pessoas pessoal ou coletivamente não perderem o seu equilíbrio em situações adversas mais ou menos violentas. Essa capacidade pode ser fortalecida com o desenvolvimento da sua dimensão espiritual como abertura à esperança subjacente à ideia de imortalidade que acompanha a experiência do ser humano de todas as culturas e religiões antigas e modernas. Poder-se-ia até sustentar com base em estudos e investigações do âmbito da Psicologia Diferencial, da Antropologia Cultural e da História das Religiões que existem tipos humanos e grupos mais propensos a desenvolverem determinadas formas de resiliência do que outros. Por outro lado, também sabemos, com base nas investigações bioneurológicas e psicológicas mais recentes como, António Damásio, Daniel Goleman, Roberto Lira Miranda, entre outros, que o QE dos sujeitos pode assumir tipologias mais ou menos favoráveis ao desenvolvimento de determinadas formas de resiliência, que, em nossa opinião, teria como centro e sua expressão mais alta no self, na consciência, no "conhecimento de si" que implica o conhecimento do outro no seu contexto e, porque não, do Outro, com maiúscula.

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Voltando ao sentido etimológico de resiliência "como a qualidade de um material ao choque, à tensão, à pressão que lhe permite não perder o equilíbrio", talvez pudéssemos dizer que, o que se pretende ao tornar as pessoas mais resilientes na sociedade emergente, através da educação e da formação, é prepará-las para uma certa invulnerabilidade que lhes permita enfrentar com flexibilidade, "elasticidade" e persistência, situações altamente adversas, agressivas e, até, desconcertantes e violentas que a vida certamente lhes irá colocar. Mas o desenvolvimento de uma certa invulnerabilidade não se deverá fazer à custa do aumento de carapaças, de muros, de grades, de mecanismos de defesa que a tornem insensível, passiva, conformada. Antes, pelo contrário, tudo deve encaminhar-se no sentido de a tornar a pessoa mais forte, mais equipada para poder intervir, de um modo mais eficaz e adequado, na transformação da própria sociedade em que vive e convive para que ela seja menos violenta, mais segura, mais justa, mais pacífica, mais razoável e tolerante. Embora os estudos específicos sobre resiliência não sejam numerosos, embora abundem os trabalhos realizados sobre temas afins e, designadamente, sobre coping, stress, ansiedade, com a volta a este conceito mais amplo e complexo, ainda que, hoje, mais usado mais nas línguas anglo-saxônicas do que nas latinas, começam a surgir investigações e trabalhos direcionados sobre esta problemática, de entre os quais destacaríamos os de: Grotberg (1995); Ruegg (1997); Tavares (1999); Tavares, et al. (2001)

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Poíesis Maria Elisa de Mattos Pires Ferreira

Poíesis: termo de origem grega formado, como poeta e poema, de poiein, eclodir. Eclodir é "surgir", "aparecer", "vir à luz". Quando há uma eclosão, algo surge, aparece, vem à luz (Ferreira, 1996). Como reflexão em torno daquilo que vem à luz, se edificou a poética, interpretação filosófica da arte, a qual envolve o poeta, o poema e a poíesis. Poeta: o sujeito que compõe poemas; poema: a composição (obra) realizada; poíesis: a ação humana de compor, construir, produzir. A poética também pode ser entendida como arte de fazer versos ou teoria da versificação. Portanto, ao lado da poética filosófica (reflexão sobre as obras poéticas), cuja base encontra-se num paradigma que lhe é externo, há outra poética, originada da dinâmica do próprio fazer poético. Existem, assim, duas poéticas: a provinda da palavra do filósofo e a que nos chega pelo dizer do poeta, como manifestação da poíesis (Castro, 2000). Poíesis é uma das modalidades da ação humana: a que encontra seu objetivo na fabricação; práxis, outra das modalidades, tem fim em si mesma, na ação. A primeira visa o produto, uma obra; a segunda encontra sua finalidade no próprio fazer (Aristóteles, apud Chaui, 1994). Na poíesis, o agente e o resultado da ação encontram-se separados ou são de diferentes naturezas (o artista e a obra-de-arte). A poíesis é arte ou técnica (agricultura, navegação, pintura, escultura, arquitetura, poesia etc). A práxis é atividade (economia, ética, política). Para Aristóteles, são mais excelentes as ações cujo fim encontra-se nelas mesmas e menos excelentes aquelas cujo fim lhes é exterior. Na concepção aristotélica a práxis, portanto, é superior à poíesis (Chaui, 1994). A poética filosófica define o que é a poíesis a partir da sua concepção de conhecimento e verdade. De outro lado, a poíesis se dá como poética nos poemas dos poetas. Seja na palavra do filósofo ou do poeta, poética e poíesis radicam na questão da interpretação (Castro, 2000).

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Interpretação origina-se de interpretado, palavra latina empregada pelos romanos nos negócios, na discussão do preço (pretium), face ao qual os interlocutores se mostram em diferentes posições (inter-pretium). Inter, "entre", liga-se ao diálogo, ao debate em que há dialogantes distintamente posicionados frente ao objeto da discussão. Pretium é "preço", "valor". O diálogo em torno do valor se faz a partir do lugar (posição/perspectiva) onde se encontram os que dialogam. A este lugar os gregos denominavam de ethos. A tensão proveniente da negociação faz surgir a terceira dimensão da interpretação: a especulação (que é pesquisa, reflexão). A tarefa do intérprete não consiste em explicar o sentido da obra, mas em empenhar-se em des-velá-lo em seus possíveis valores (significados), o que implica diálogo, ethos (posição) e especulação (reflexão). Desvelar em grego é poiein, e poíesis é uma ação humana que consiste em arte e técnica de des-velar os possíveis sentidos de algo (Castro, 2000). Há uma associação vital entre poíesis, poética, interpretação e mito. Mythos (de mytheomai, desocultar-se pela palavra) é o detonador da eclosão da poética. É o real des-nudando-se por meio da linguagem. Nesse descobrimento do real está a poíesis. Não cabe ao mito relatar ou explicar fatos: sua tarefa consiste em traduzir para a língua dos homens o canto das musas (palavra divina), revelando sentidos do existir. Poeta é aquele que tem imaginação inspirada (Ferreira, 1995). O poeta é poeta porque seu poema é a interpretação da voz das musas. No poema ele manifesta a visão do que foi, do que é e do que será conforme o que pôde captar a partir de seu existir. Essa manifestação é possível porque nela se presentifica Hermes, mensageiro divino, possibilidade fundamental de diálogo e intermediação entre humanos e deuses (Castro, 2000). Brotando da mesma raiz da qual germinou o termo mito, e a ele contrapondo-se, encontramos o vocábulo mistério (myeisthai): velar, silenciar. Mito, desvelamento, e mistério, velamento, imbricam-se. Hermes não é mito que explica a mediação, é a própria palavra que gera poema e interpretação. A manifestação originária da poíesis se dá como mito, pois ele é em si a palavra divina. No dizer do poeta, o ser (physis) se revela (mimesis) como fala das musas (mythos). A poética, originariamente, se constitui a partir da physis, das musas, do mito e da mímesis (revelação) (Castro, 2000). O poeta, ao externar o canto da poíesis, nele presentifica o tempo, porque as musas são filhas de Mnemosyne, a memória do ser que se doa

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como tempo. Poeta é quem está atento à Mnemosyne; é um hermeneuta porque interpreta a palavra dos deuses. Embora Hermes, o mensageiro, lhe diga sempre a verdade, nunca a diz por inteiro; então, da tensão entre verdade e não-verdade eclode o mito como imagem daquilo que pôde captar: a essência do espelho não consiste em reduplicar o real, mas em mostrar ao sujeito o que de outra forma lhe seria impossível conhecer (o olho não pode ver-se a si próprio). Hermes, gênese da hermenêutica, é a própria interpretação enquanto diálogo de especulação. O sentido de toda ação tem que percorrer o caminho de verdade e não-verdade do real, e a especulação é a ponte que liga esses pólos. No diálogo, as diferenças se antepõem não como diferenças em si, mas do real. Decorre disso ser Hermes também o deus do comércio, onde se dá a interpretatio. Dialogar em torno do preço é especular em torno do justo valor (isto é, da verdade). Não qualquer verdade, mas a ética. O valor ético fundamental é a verdade e a nãoverdade do real. A tarefa da interpretação não consiste em esclarecer o que é obscuro, mas possibilitar um enxergar mais longe, um descortinar melhor da paisagem, desvelando horizontes mais amplos. Na língua portuguesa, poíesis transformou-se em poesia que, originariamente, é "fazer", "produzir", referindo-se especificamente ao "ato de poder e de fazer". Segundo Heidegger, o sentido genético do termo poíesis é "habitamos aquilo que construímos" (apud Martins, 1992). O artista habita sua construção por intermédio da imaginação, empregando a linguagem, as palavras, os mitos e os símbolos. A poíesis, enquanto "ato de poder e de fazer", envolve necessariamente uma criação, um pensar, um construir que o poeta habita. Esse habitar desdobra-se num "zelar" pelas coisas construídas (Martins, 1992).

Interdisciplinaridade como poíesis Interdisciplinaridade: é ação, é vida. Tentar entendê-la por meio de definições torna-se impossível, pois ela escapa a esse tipo de tratamento objetivado. Porém a poíesis, enquanto ação humana de compor, construir, produzir, arte e técnica de des-velar os possíveis sentidos de algo, possibilita-nos compreender o que seja a interdisciplinaridade.

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Embora a forma objetivada da ciência seja importante para o conhecimento de diversos aspectos do real, não é sempre que esse modo de conhecer dá conta daquilo que se deseja conhecer, daí a importância e a fidelidade das outras formas de nos expressar a respeito da realidade, entre elas a poética. Por intermédio dela, a linguagem é arranjada de modo a iluminar, em diversas conotações, o mundo e o modo de vivê-lo; dela não esperamos que aquilo que está sendo iluminado, evidenciado, seja justificado, comprovado teoricamente. A poesia (poíesis) deve ser compreendida simbolicamente, sem exigir fidedignidade dos conceitos utilizados. Se isso fosse feito, ela perderia sua razão de ser. Quando presos ao pensamento racional, colocamos teorias no lugar da realidade, conseguindo que a mesma acabe por esconder-se atrás de nossas palavras. No movimento de des-velamento/re-velação, o sentido geralmente se perde (ou nunca é encontrado). Sentido não se refere ao significado das coisas em si, mas de como os elementos do real se relacionam com a totalidade, qual a representatividade, o papel deles no mundo juntamente com tudo o mais que com eles tem lugar. Pelo dizer poético que ilumina em totalidade e nos possibilita infinitas interpretações daquilo que está sendo iluminado, e porque poíesis nos leva a habitar o que construímos, a interdisciplinaridade mostra-se como vida, movimento, como um possibilitar de compreensões, propiciando-nos o viver em propriedade, o existir no mundo, com os outros, em autenticidade. Ela só pode ser compreendida por quem a constrói e a habita. É por isso que afirma Fazenda (1979): "Interdisciplinaridade não se ensina nem se aprende, vive-se" (pelo menos não se ensina nem se aprende interdisciplinaridade nas formas tradicionais de ensinar e aprender...).

Pesquisar interdisciplinaridade como poíesis, hoje Atualmente, temos nos dedicado à pesquisa da presença da poíesis no fazer interdisciplinar, nas escolas, no cotidiano dos educadores e, de modo especial, na psicopedagogia, entendendo este campo do saber como o que tem por objeto o ser em processo de construção do conhecimento, isto é, o ser cognoscente. Trata-se de uma pesquisa inesgotável e fascinante porque este ser cognoscente não é uma realidade acabada; ele existe em eterno processo de construção, num perpétuo vir a ser.

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Auto-conhecimento Ruy Cezar do Espirito Santo

Utilizo-me da linguagem poética para conduzir o leitor ao autoconhecimento: Bela Adormecida Quinze anos Dedo picado e o sono Sono infindo da jovem E de todo o Reino ... Pesadelos, falta de sentido ... Tem olhos e não vê ... Ouvidos e não ouve ... Crescem as sombras e a ausência de significação Assim cada adolescente Vive suas transformações Incompreendido no mundo do "tem que" ... Buscando o indispensável "quero" e "não quero" ... A Educação, tantas vezes chamada de bancária — Não "acorda" os jovens Mas os induz a sono mais profundo ... Sono agora, que os conduz às drogas À desafiar as normas A violência destrutiva no mundo que os oprime Aos vícios que ajudam a "matar o tempo" ...

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O "Príncipe", que pode acordar a "bela adormecida" Pode e deve ser o educador ... (se ainda não for um "belo adormecido" ...) Conduzindo-a à fonte interna de criatividade À "hospedar a beleza" da Vida ... Iniciar o jovem no conhecimento de si mesmo, Na percepção da energia construtora ou destruidora, De que é portador, Oriunda da Fonte Interior de Sabedoria ... É a tarefa do novo milênio para a Educação: O autoconhecimento O desvelar da personalidade integral A vontade liberta participando da Sinfonia da Criação! Autoconhecimento que implica o "Nascer de Novo" No nascer, também para o espírito, Para a consciência profunda Do sentido da vida.

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Metáfora Jucimara Rojas

Metáfora significa descobrir similaridades (Ricoeur, 1992). Permite ao pesquisador entender-se e fazer-se entender, chegando mais perto do simples. O pensamento metafórico é associativo, converge para um modo de compreensão hermenêutico, pois interpretar é fazer conexões. Metáfora constitui um recurso pelo qual aplica-se a algo atributos de outra. Constitui um instrumento de potencialização do pensamento e da linguagem que permite reclassificar e avaliar determinada visão das coisas em termos de propriedades alternativas. Metáfora como convite à descoberta é um processo mental que, auxiliado pela imaginação e pelo sentimento, leva ao insight, conduzindo-nos à realização. Esse insight consiste na captação instantânea das possibilidades combinatórias oferecidas pela proporcionalidade e pelo estabelecimento da proximidade entre as duas razões. Logo, enxergar semelhanças é ver o mesmo, apesar e por intermédio das diferenças. Imaginação e sentimento emergindo como capacidades metafóricas facilitam interpretar o símbolo no estilo da escrita e na metodologia das ações práticas. Imaginar é possibilitar novas formas de re-escrever o mundo. Sentir é realizar um processo de interiorização, é tornar nosso o que foi colocado à distância pelo pensamento, em fase de objetivação. Metáfora, como poder criador da linguagem, preserva e desenvolve o poder heurístico desdobrado pela ficção. A passagem ao ponto de vista hermenêutico corresponde à mudança de nível que conduz, da frase ao discurso propriamente dito (poema, narrativa, ensaio...). Uma nova problemática emerge em ligação com este novo ponto de vista: não diz respeito à forma da metáfora enquanto figura do discurso focalizado na palavra, nem apenas ao sentido da metáfora enquanto instauração de uma nova pertinência semântica, mas à referência do enunciado metafórico enquanto poder de "redescrever" a realidade.

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A linguagem metafórica exprime a força e a virtude na expressão poética daquilo que se quer dizer e ser. Esta força, porém, mostra-se na pluralidade de seus registros, para poder ser dita simbolicamente, numa dialética de força e forma. Por conseguinte, o símbolo apresenta-se estável e inclina a pensar que jamais morrerá, mas apenas se transforma em contraste com evanescência da metáfora. Para que a metáfora exprima o símbolo, é necessário um relativo ajustamento entre a temporalidade estável do símbolo e a evanescência da metáfora. Isto realiza-se, segundo Ricoeur (1992), por meio do jogo de intersignificações, em que metáforas radicais ou dominantes aglutinam metáforas parciais, oriundas de campos diversos de experiência, possibilitando inúmeras interpretações em nível conceptual. Metáfora é um modelo teórico imaginário (Black, apud Ricoeur, 1992) que, ao transpor-se um domínio de realidade, vê as coisas de outro modo, mudando-lhes a linguagem habitual. Portanto, é uma ficção que simultaneamente descobre conexões novas entre as coisas e redescreve a realidade. Metáfora é uma relação verbal condensada em que uma ideia, imagem ou símbolo pode, por intermédio da presença de uma ou mais ideias, imagens ou símbolos, ser enriquecida em viveza, complexidade ou quantidade de implicações (Princeton encyclopedia of poetry and poetics, 1974).

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Metáfora Maria Inês Diniz Gonçalves

Partindo do conceito de metáfora, é possível estabelecer relação entre o pesquisador interdisciplinar e o artista. A utilização do recurso metafórico, para melhor explicar e compreender um fenômeno, faz com que aquele explore, no campo das sensibilidades, os caminhos que o artista percorre, para a realização da obra de arte. Ao exercitar-se, no campo dos conceitos virtuais, traz para o processo de investigação factual as experiências subjetivas vivenciadas no mundo das artes, onde as "emoções" e "estados de espírito" fazem-se presentes.

1. Conceito linguístico O vocábulo deriva diretamente do substantivo grego πετafοσa, que veiculava os sentidos de transposição, mudança — e, com o uso, de mudança de um sentido próprio para um figurado — sentidos contidos de um modo equivalente pela forma latina translatio. A metáfora, classificada nos tratados clássicos de retórica como "figura de palavra", é empregada para dar sentido figurado às palavras, substituindo a significação natural por outra, baseada na comparação ou semelhança, subentendidas. Essa transferência, por analogia, para o campo da virtualidade, decorre de uma "intuição" linguística, presente em quem fala ou escreve. Desse modo, a construção metafórica constitui-se também forma de conhecimento e processo criador de palavras.

2. Categorização filosófica Desde o século XVIII algumas teorias foram desenvolvidas, distinguindo, entre outras, o caráter da linguagem metafórica. G. Vico, J. G.

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Hamann e B. Croce consideram-na em seus aspectos criativos, representativo e subjetivo, enquanto Ernest Cassirer consagra sua ligação com as formas simbólicas, originadas nos mitos. Mais recentemente, Paul Ricoeur, interpretando a definição original dada por Aristóteles — transferência de nome baseada na semelhança — como a emergência de novo parentesco genérico entre ideias até então heterogêneas, procura aproximar a atuação da função narrativa e da metáfora, de modo a explicar um novo conceito de verdade. A "redescrição metafórica" jogaria assim, no campo dos valores sensoriais, estéticos e axiológicos, o papel que a função mimética da ficção narrativa jogaria no campo da ação e dos valores temporais. Ambos traduziriam, no campo da hermenêutica filosófica, a passagem de um processo de explicação (distanciação crítica) a um processo de compreensão (plano de instauração do sentido e da referência).

3. Reflexões Abstraindo dos conceitos de metáfora a figura da pessoa que, na construção textual ou verbal, se expressa de maneira a favorecer interpretações subjetivas, é possível estabelecer relação entre o investigador interdisciplinar e o artista. O primeiro, ao utilizar os recursos metafóricos, para melhor explicar e compreender um fenômeno, faz a investigação com a mesma sensibilidade e proposição de que dispõe o artista para realizar suas criações. A construção do texto metafórico, de forma original e própria, nasce das experiências vividas e dos conhecimentos adquiridos, e permite que o investigador fale do mundo como "seu mundo", deixando aflorar suas concepções, reflexões e atitudes que, geralmente, estão implícitas na obra de arte. O investigador interdisciplinar, ao ampliar o significado das palavras na construção literária, formula representações não apenas com a finalidade explícita da explicação factual, mas abre-se para transitar no campo da subjetividade, onde as concepções e expressões são despertadas pela sensibilidade. Dessa forma, o fenômeno observado é compreendido também pelas "emoções" e "estados de espírito", implícitos no próprio fato. A relevância dada ao processo de "passagem" entre a explicação e a compreensão do fenômeno, na investigação interdisciplinar, traz para o

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contexto educacional formulações e reflexões que, até pouco tempo, eram restritas ao mundo das artes. A aquisição de conhecimentos, como forma de apropriação do mundo material, abdicava da escola aqueles que, pela própria natureza, destinam-se a investigações sobre a dimensão "ser" do homem no mundo, em contraposição à dimensão do "ter", priorizada. A construção metafórica, utilizada como meio que possibilita a apreensão do fenômeno de forma objetiva e subjetiva, re-significa o conceito de conhecimento, permitindo que as formas não discursivas participem do processo de formação do ser humano, na medida em que "Bertrand Russel chama de 'conhecimento por familiaridade' da experiência afetiva, abaixo do nível da crença, ao nível mais profundo da introvisão e atitudes" (Langer, 1989). Buscar conhecimento é, entre outras características do pesquisador interdisciplinar, percorrer os caminhos da própria sensibilidade. É apropriar-se dos sentimentos implícitos nas próprias atitudes, é evidenciar as experiências íntimas transmudando-as da realidade subjetiva individual para uma realidade objetiva, mas sensitiva, com a possibilidade de produzir, por sua vez, realidades subjetivas e individuais; é simbolizar a própria percepção em busca de uma significação coletiva; é, em suma, apreender o ato criativo, uma característica do artista no exercício de sua atividade. "No artista, essa atividade é sustentada, completa e intensa" (Langer, 1989). É assim porque, no ato da criação, o artista está inteiro. É corpo e alma, conhecimento e técnica, intuição e reflexão, pensamento e emoção. Ao envolver-se na criação de uma obra de arte, o artista cria o símbolo da sua verdade, da sua forma de sentir e experimentar sensações intraduzíveis, reveladas pelo "triunfo intelectual, superação de barreiras, e pela conquista da introvisão de realidades inefáveis (Langer, 1989). Para Paulo Freire, em Educação como prática da liberdade, o conhecimento advém do desvelamento do "espírito criador", que é próprio do ser humano. É o ato de criar que lhe permite renovar as relações com o mundo, a fim de transformá-lo. Mas transformá-lo de maneira tal que cada transformação operada no campo material simbolize a clareza do estado de espírito e a apropriação das emoções trazidas pela construção e contemplação da própria criação. É aí que o humano revela sua liberdade. É no ato de criar que ele exterioriza o espectro do seu pensar e refletir sobre com o que lhe vai na alma. É na consciência convicta e sublime do momento catártico que o humano se percebe e, ao se revelar para si, o faz também na direção do mundo em que vive. Postase nele como "ser" único, fundamental e

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completo, fruto, igualmente, do ato criador e, portanto, representação simbólica da natureza. Seria, então, o ser humano, no desenrolar dessa particular reflexão, uma metáfora da vida? Seríamos a realidade objetiva que resulta do conhecimento implícito na natureza? Representamos, no mundo natural, a transformação que emerge da capacidade criativa do universo. Nele, reconhecemo-nos pela forma material, mas, para além dele, não subsistimos à essência anímica que veicula a expressividade e as emoções. Somos conhecimento, mas dotados, igualmente, de prerrogativas que permitem estabelecer e buscar conhecimentos. Somos forma objetiva que guarda, na subjetividade, a essência do processo transformador, capaz de criar outras formas e revelar, assim, a dualidade existencial humana, "ser criado" e "ser criador". O "ser criado" é "acabado", finito, mas o "criador" é complexo, plural, dinâmico e transformador. É nesse lado criativo e perceptivo do humano que são articulados a inteligência, a compreensão, a intuição, a sensibilidade e o conhecimento, atributos indispensáveis ao artista, no manuseio da matéria-prima para transformá-la em obra de arte e, da mesma maneira, no investigador interdisciplinar, pela característica diferenciada de considerar, no fato estudado, a complexidade dual da existência humana. Fernando Pessoa, num texto intitulado "Mensagem", referiu-se aos termos acima como as cinco qualidades ou condições para que se possa transitar no mundo dos símbolos. Embora seus dizeres se refiram às qualidades do intérprete, não creio que podem estar ausentes na pessoa que os cria. Ele escreve: "O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua cinco qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para eles" (sic) (Pessoa, 1977: 69). Para Paul Ricoeur, "o criador de metáforas é um artesão com habilidade verbal (Sacks, 1992: 148). Desta forma, o pesquisador interdisciplinar, ao exercitar suas habilidades verbais para uma construção metafórica, desenvolve suas reflexões, na mesma direção e sentido de qualquer outro artista que escolhe, no universo das matérias-primas, aquela com a qual mais se identifica, para dar vazão à prerrogativa humana de "Ser" criador.

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Metáfora Maria Cecília Castro Gasparian

"As palavras são o fio condutor onde amarramos nossas experiências." Aldous Huxley

Metáfora, do grego metaphorá, pelo latim metaphora significa em transporte (Cunha, 1999). Em Ferreira (1986), "tropo que consiste na transfiguração de uma palavra para um âmbito semântico que não é do objeto que ele designa, e que se fundamenta numa relação de semelhança subentendida entre o sentido próprio e o figurado". As figuras de estilo, ou tropos, não são apenas efeitos de palavras, mas ganham corpo na gênese das interações e são vertidas no mundo da linguagem. A metáfora é frequentemente utilizada, na linguagem cotidiana, para representar tanto a realidade quanto os objetos que nos rodeiam. As culturas orientais são ricas em metáforas e comparações. Uma linguagem figurativa que possui estrutura arcaica. No uso terapêutico, Erickson propõe, aos seus pacientes metáforas próximas dos sintomas com o intuito de possibilitar-lhes alterar seu funcionamento (Rosen, 1994). Frequentemente, adotamos palavras para descrever nossas emoções, sem avaliar o impacto que podem ter sobre nós e os outros. As palavras se tornam parte de nosso vocabulário e moldam o sentimento sobre nossa vida. A importância da linguagem é fundamental. As palavras que ligamos à nossa experiência se tornam a nossa experiência. O modo como nos

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sentimos com relação às coisas é determinado pelo significado que lhes associamos. As palavras que escolhemos para, conscientes ou inconscientes, descrever uma situação, mudam de imediato o que ela significa para nós e, consequentemente, o modo como nos sentimos. Metáfora e comparação não são idênticas. Se digo: Você é como uma flor, é uma comparação; entretanto, se digo: Você é uma flor, é uma metáfora. As palavras causam impacto poderoso sobre nossas emoções, e as metáforas, extraordinário efeito explosivo. As metáforas não descrevem a experiência do momento e, sim sua semelhança com outra coisa. Frequentemente são mais intensas que a realidade. A metáfora é figura retórica: é procedimento de linguagem que, por substituição analógica, realiza transferência de sentido, de um termo concreto para um contexto subjetivo. O aprendizado é processo de criar uma relação entre algo que já compreendemos e o novo, usando, por exemplo, a metáfora. A maioria das pessoas concorda que Jesus Cristo foi um notável professor. Como ele ensinava? Usando metáforas. Quando se aproximava de pescadores, não dizia: "Quero que vocês saiam e recrutem cristãos". Dizia: "Quero que vocês se tornem pescadores de homens". Utilizando a metáfora da pesca (algo que já compreendiam) e atribuindo-lhe um novo significado (divulgar o cristianismo), ele instantaneamente ensinava o processo. A metáfora pode levar, num átimo de escuridão do não-entendimento para a luz da compreensão. Para além do aspecto cognitivo clássico da escola, enfatiza-se, hoje, o equilíbrio afetivo e psicológico dos alunos. No próprio âmbito cognitivo, numa perspectiva democrática, o professor deve garantir a aprendizagem de todos os alunos, dando atenção especial àqueles com maior dificuldade, exigência que não se colocava quando se tratava de uma escola elitista e sem questionamento. A riqueza do momento de ensino e aprendizagem está diretamente ligada à visão do profissional sobre si mesmo e o outro. Em outras palavras, às metáforas de vida, escola, aluno, enfim, de si mesmo, usadas no ato de ensinar. Na prática pedagógica, o uso de metáforas seria uma estratégia para alunos e professores compreenderem melhor o processo em que estão imersos: o ensinar e o aprender.

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Olhar Lucila M. Pesce de Oliveira

Olhar é um verbo que designa a função atribuída ao olho, órgão da visão, derivando do latim oculus. Cumpre atentar para a relevância da visão à percepção de mundo. Sua hegemonia é tão evidente que muitas vezes chega a arrefecer os demais sentidos. É sobretudo pelo olhar que se constrói a cosmovisão; é pelo olhar que o sujeito ergue-se como realizador de sua própria história, como construtor de um novo mundo. E é com esse mesmo olhar que se deve atentar para os educadores, num momento tão particular como o da apropriação do instrumental tecnológico e incorporação do mesmo à renovação da sua prática pedagógica. Por isso, ampliar o olhar sobre os educadores, no tocante à sua formação para o uso pedagógico das novas tecnologias, a partir de uma percepção mais aguçada de como esses professores representam esse novo instrumental na educação, constitui o foco desta reflexão. Qual seja, ao trabalhar com a metáfora interdisciplinar do olhar, busca-se compreender os aspectos ocultos ocorrentes na incorporação das novas tecnologias pelos professores, em nível pessoal e em sua prática pedagógica. O nascedouro desse desejo advém da aparente incoerência entre os resultados práticos obtidos nessa vertente de capacitação docente e a intenção nela anunciada: contribuir para a formação do professor reflexivo, que se apropriando da máquina busca força no princípio interdisciplinar da ousadia para investigar sua ação, renovando sua prática. Mas qual seria a fonte dessa suposta ausência do princípio interdisciplinar da coerência? Talvez o fato de a maioria desses programas de capacitação docente restringir-se à instrumentalização técnico-operacional, ou limitar-se a agregar também a fundamentação teórica, sem de fato olhar para a pluralidade da realidade docente, tendo como princípios interdisciplinares a humildade e a espera vigiada, determinados por atributos como o respeito e a afetividade. Também nesse caso, o olhar da

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interdisciplinaridade consiste numa relação de cumplicidade, parceria, percebendo a riqueza aflorada na multiplicidade epistemológica, cognitiva, representativa, cultural, valorativa, emocional, enfim, cosmovisiva dos professores. O trabalho com as representações docentes, embasado na perspectiva da linguagem reflexiva, busca recuperar a memória do professor, que, situado como sujeito ativo, acompanhará e refletirá sobre o processo evolutivo de suas próprias representações acerca das novas tecnologias na educação, à medida que for se apropriando dessas novas ferramentas pedagógicas. Para uma compreensão mais detalhada dos veios interpretativos do cotidiano docente, busca-se trabalhar a dimensão científica do conceito de olhar, pelas parcerias com a interdisciplinaridade, a filosofia da linguagem, a teoria autopoiética22 e a teoria das representações sociais. E porque se busca esse olhar mais acurado sobre os educadores — um olhar sensível à pluralidade de suas concepções, às suas ambiguidades e ambivalências — aprofunda-se o olhar sobre si mesmo, percebendo caminhos e descaminhos, nesse dialético devir, nesse eterno recomeço, tão propulsor da eterna auto-organização evolutiva.

22. A palavra autopoíese surgiu à mente de Maturana quando da tentativa de sintetizar, numa expressão, a dinâmica constitutiva da organização circular dos seres vivos e sua relação com o operar cognitivo.

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Olhar Roberta Galasso Nardi

Meu envolvimento com a educação especial não é recente. Faço aqui a tentativa de traçar esse percurso, as implicações e questionamentos que surgiram durante o caminho. Reporto-me em primeiro lugar a minha trajetória de vida, infância, adolescência e, finalmente, à fase adulta. Relatar esses fatos torna-se muito significativo enquanto percebo nesse processo o percurso da construção de minha identidade como professora de educação especial. Os primeiros contatos se deram na infância, acompanhando minha mãe em sua sala de aula, em um centro de reabilitação que mantinha classes de portadores de deficiência física — na sua grande maioria paralisia infantil.23 —, colaborando ou até mesmo observando suas dificuldades, possibilidades e competências. Prolongaram-se na minha formação de professora com especialização em deficiência física e atualmente na coordenação de professores em dois centros de reabilitação da cidade de São Paulo, na tentativa de olhar para o passado e analisar como se definiu o meu caminho profissional e de que maneira me senti socialmente desafiada para trabalhar no campo da educação especial. Hoje percebo que o que me moveu não foi um olhar paternalista que segrega, esconde, limita, mas a necessidade de um novo olhar, que percebe, além das dificuldades inerentes em cada portador de necessidades especiais, o desejo de proporcionar a consciência de que são capazes para alcançar uma autonomia enquanto seres humanos, que é ilimitada quanto a qualquer tentativa de previsão, ou seja, de indicar antecipadamente com precisão as possibilidades de cada um. Respeito, coerência, capacidade, tolerância, comprometimento de aprender e viver com o diferente se faz necessário, possibilitando um olhar para múltiplas direções, traduzido em ações que necessitamos para 23. Atualmente, já erradicada no Brasil.

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perceber as capacidades que não estão simplesmente na ação de "ver", mas sim em um "olhar" carregado de intenções. Um olhar que interage, mostra, desvela, descobre, ascende, envolve e transcende para outra dimensão. Um olhar de energia, intenso, ardente, clarividente, interdisciplinar, que exprime e reconhece forças, traduzindo-se em uma ação perceptiva, constantemente ambígua, às vezes clara e nebulosa, fixa e móvel, direcionada e difusa. , Na prática docente, onde encontram-se portadores de necessidades especiais, faz-se necessário um olhar e uma atitude interdisciplinar, que propicie ações capaz de transformá-lo ou de lhe permitir transformar-se para incluir, e não excluir; possibilitar construções, e não destruições; autonomia, e não dependência; conscientização de possibilidades, denuncia de atitudes paternalistas, que impossibilitam a conquista de autonomia, ser consciente de seus direitos, lutar por eles buscando um lugar, enquanto ser atuante inserido em uma sociedade. Como possibilitar essa atitude na prática de cada professor comprometido com suas responsabilidades. A conscientização de olhar competências, embutidas e escondidas por trás de uma deficiência, que limita e aprisiona, mas a partir de um olhar em/para diversas direções, abre um horizonte, imbuído de possibilidades, que se traduzem movimentos do interior para o exterior, norteando, assim, o rigor, a coerência e o equilíbrio, fazendo emergir novas verdades, por meio de um exercício cíclico do interior para o exterior, buscando um equilíbrio e uma coerência que se mostram no diálogo com novas verdades e a necessidade de um desprendimento momentâneo de ideologias até então estabelecidas, emergindo a possibilidade para criações e construções de novas ideias. O que move um artista expressar-se por meio da arte é um desejo? Como se dá o movimento dialético na relação obra, pintor, público, partindo do pressuposto de que a transformação do olhar releva quem olha e também quem é olhado. Por analogia, se pudéssemos registrar todas as metamorfoses de um quadro, poderíamos olhar a trajetória da mente do pintor na concretude de seus sonhos. É interessante perceber que poucas transformações ocorrem, que a imagem inicial mantém-se quase intacta, apesar das aparências. Segundo Picasso, um quadro não é idealizado e fixado; pelo contrário, segue a mobilidade do pensamento. Ao ser terminado, pode mudar, de acordo com o estado daquele que o observa; ele vive

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sua vida da mesma forma que um ser humano e sofre mudanças que o cotidiano nos impõe. Isto é natural, visto que um quadro vive somente para aquele que observa. No início de um quadro encontram-se frequentemente coisas belas. Devemos nos defender delas, destruir o quadro, refazê-lo diversas vezes. A cada destruição de uma bela descoberta, o artista não a suprime verdadeiramente, mas a transforma, condensa, deixando-a mais substancial. Como pode se dar essa relação entre olhar e expressão sem que o parâmetro não seja a "perfeição" da ótica de pessoas ditas "normais"? De que maneira podemos olhar essa expressão sob o "olhar" de um portador de necessidades especiais? Qual a leitura que ele faz do mundo, de um mundo metaforicamente estético, com suas linhas, cores, formas, que cobra uma perfeição distante de suas reais possibilidades. Acredito que uma grande virtude a ser conquistada pelo ser humano é respeitar e conviver com o diferente. Percebemos na história da humanidade o quanto essa luta tem sido sofrida. Olhar, respeitar, aceitar e amar o diferente sem excluí-lo, aceitando-o com suas dificuldades, possibilidades e competências é um exercício que temos que rever a cada dia para melhorá-lo, em função de uma diversidade que bate à nossa porta. É necessário despojar-se de preconceitos, questionar valores e transcender para um ser maior que se encontra em cada um de nós.

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Olhar Cecília Gaeta

Era uma vez uma ilha, como muitas outras: cercada de água por todos os lados. Apesar de igual, algo a particularizava: atraía diferentes olhares. E isso, em alguns momentos, a envaidecia, em outros a aborrecia e em muitos a confundia: afinal que ilha era ela? A marinha brasileira a considerava excelente alvo para seus exercícios de tiros. Bem localizada, com formação geológica adequada para absorver impactos, sem vizinhança que pudesse ser danificada pelo barulho e atingida pelos projéteis. A ilha é nossa! Não era bem assim que consideravam os pescadores da região, que viam seus peixes, antes abundantes e variados no entorno da ilha, fugirem para alto-mar em busca de lugar mais pacífico, levando com eles o sustento de suas famílias. A ilha é nossa! Os ecologistas, com suas peculiaridades, se revoltaram (quase chamaram o Green Peace). "Estão acabando com um dos nossos santuários ecológicos e com todas as possibilidades de desenvolvimento de um turismo ecológico sustentável!" A ilha é nossa! Os cientistas naturais reivindicavam seu direito de, para o bem da humanidade, pesquisar a riquíssima biodiversidade da região. A ilha é nossa! E a ilha, ali no meio de tantos olhares, se confundia. Tendia para um lado, para o outro; sorria, chorava, ia e vinha. Era uma ilha em conflito que esperava que um dia todos esses olhares veriam que, acima de tudo, ela era uma ilha. A Ilha de Alcatraz. Era uma vez um professor de turismo, como muitos outros: cercado de alunos por todos os lados. Apesar de igual, algo o particularizava: atraía diferentes olhares. E isso, em alguns momentos, o envaidecia, em outros o aborrecia e em muitos o confundia, afinal quem era ele? A comunidade considerava que por ser um profissional de turismo bem-sucedido e por ser a área tão carente de novos/bons profissionais, ele

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deveria ser capaz de formar outros profissionais de turismo competentes, inseridos produtiva e eficazmente no mercado. A coordenação pedagógica da instituição escolar, além de concordar com a comunidade, considerava que, por ser um profissional bem-sucedido, deveria ser um professor bem-sucedido, capaz de transmitir com segurança sua experiência e, desse modo, promover a aprendizagem e a pesquisa no aluno, para o bem da instituição e da área de turismo. O aluno... Ah! Ele tinha diferentes olhares, variava sua opinião dependendo de sua expectativa: a um tempo considerava o professor um deus, o senhor de todas as verdades, o salvador de suas futuras profissões, o mestre conhecedor de tudo que é necessário para ser bemsucedido na vida. Mas, oh! incoerência, ao mesmo tempo, é responsável por todos os seus erros e fracassos: "se o aluno não aprendeu, o professor não ensinou". E o professor, ali no meio de tantos olhares, se confundia. Tendia para um lado, para o outro; sorria, chorava, ia e vinha. Era um professor em conflito que esperava que, um dia, todos esses olhares veriam que, acima de tudo, ele era um professor. O professor João. Um dia o professor João olhou a Ilha de Alcatraz. A princípio se espantou: havia algo, não sabia bem o que, que o atraía. Como lidava com maestria com os diferentes olhares! Olhares... olhares... olhar... Que poderes tem um olhar! "Não vês que o olho abraça a beleza do mundo inteiro? [...] É a janela do corpo humano, por onde a alma especula e frui a beleza do mundo, aceitando a prisão do corpo que sem esse poder seria em tormento. [...] Quem acreditaria que um espaço tão reduzido seria capaz de absorver as imagens do universo?" (Leonardo da Vinci).

Nossa certeza mais primitiva é mesmo a de ver o mundo, constatar nosso cotidiano. O ver, em geral pressupõe certa passividade e discrição; nesse caso, o olho meio que desatento e espectador passeia sobre a superfície das coisas do mundo e as espelha e registra, com uma conotação de ingenuidade e espontaneidade e com alcance circunscrito. Já o olhar... ah!, o olhar é diferente! Ele perscruta e investiga, indaga a partir e para além do visto, é direcionado e atento, tenso e alerta no seu impulso inquiridor. Deixa sempre aflorar certa inquietação e malícia: é o ver deliberado, premeditado, intencional. Ver se dá de nós para fora. Olhar é sair de si e trazer o mundo para dentro de si.

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Ver-avaliar-compreender... perceber-apreender-conhecer... olhar e criar a vontade de olhar mais. É nesse momento que se insere um novo elemento no universo do olhar: o desejo. O olhar provoca e incendeia o coração, criando o desejo de perceber, ver, conhecer. E é na profundidade que imprimimos ao dinamismo desse círculo vicioso que compreendemos o mundo e nos relacionamos com ele. Eis em verdade o que o desejo acende: uma verdadeira inserção no mundo. É, pois, graças aos olhos que o coração é incendiado. [...] na verdade o fogo e a dor do coração fazem brotar lágrimas aos olhos: se os olhos incendeiam o coração, é por causa do coração que os olhos são inundados de lágrimas [...] os olhos em lágrimas significam a difícil separação entre a coisa desejada e aquilo que a deseja. Esse é o olhar interdisciplinar. Um olhar de dentro para fora e de fora para dentro, para os lados, para os outros. Um olhar que desvenda os olhos e, vigilante, deseja mais do que lhe é dado ver. Um olhar que transcende as regras e as disciplinas, olhar que acredita que só existe o mundo da ordem para quem nunca se dispôs a olhar! Um olhar inflado de desejo de querer mais, de querer melhor, um olhar que recusa a cegueira da consciência. Realmente, o professor João constatou que a ilha lidava com maestria com os diferentes olhares! Aos poucos foi verificando que apesar de parecer sozinha e isolada, a ilha partilhava com a marinha, os pescadores, os ecologistas e cientistas a sua razão de ser. E apesar de parecerem contraditórios e egocentristas, eram parceiros, pois juntos desejavam uma solução para melhor interagirem e partilharem de todo seu potencial. Aos poucos, foi se identificando com a ilha: quanto mais a entendia, mais se compreendia. Foi sentindo com menos angústia a solidão que vivia. Foi olhando com outros olhos os olhares que recebia. Foi compreendendo a importância do olhar, repleto de significados e de sentimentos próprios, que não se contêm nos limites estreitos de uma estrutura, mas que apreendem as variações, as diferenças e se situam fora daquilo que para nós é comum. E o professor João foi compreendendo como lidar com os diferentes olhares que recebe e as expectativas que cada um traz! E, mais importante que isso, foi aguçando seu olhar no sentido de ver outras dimensões daquilo que se apresentava. E descobriu que nada é definitivo, que não existe um único olhar; tudo depende da ótica e da atitude de quem analisa. E o professor João foi olhando com outros olhos os olhares que emitia. E assim, de olhar em olhar, de desejo em desejo, foi se sentindo mais importante e mais forte no seu papel de professor; cada dia mais firme, mais belo, cada dia mais... professor.

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Olhar24 Ivani Fazenda

O que está por trás da metáfora do olhar? Como explicitaríamos a questão do olhar? Se tomarmos como premissa o fato de que quando olhamos, o fazemos em uma única direção, ou seja, na medida em que voltamos o olhar para cada pessoa, na intencionalidade de interagir, que é alguma coisa muito importante quando se pensa nesta metáfora do olhar. Esta interação acontece em uma situação de intencionalidade em um tempo único. Por exemplo, se eu fixar meu olhar em um aluno e ele corresponder, terei um instante em minha fase de vida onde a interação entre mim e o aluno será em um único sentido, em um único momento. Tive a intencionalidade de olhar o aluno, mas esta minha intencionalidade despeitou no aluno o desejo de me olhar também, então nós dois, neste momento, que é um tempo único, saímos da questão do olhar e subimos a um patamar maior, que é transcendente, está fora de ambos (eu e o aluno), onde os desejos foram cooptados de forma que ambos subiram juntos em um momento de transcendência onde podemos realizar coisas que estão além da fusão de nossos olhares, coisas muito mais eternas. Talvez em uma breve fusão de olhares podemos cooptar o olhar da humanidade toda! Estes instantes de transcendência são iluminados, são fagulhas, ilhas de paz, que acontecem na vida das pessoas e podem remetê-las para a paz mundial.

24. Esse texto é uma transcrição e adaptação da aula de 3/9/99, elaborada por Wagner Tufano.

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Se tivermos o interesse maior em olhar uma pessoa e se este nosso olhar tiver não só uma intencionalidade imediata, mas um desejo de cumplicidade com a pessoa, tentando ver não só sorrisos, mas o que pode estar por trás deles, como por exemplo: qual o significado de determinado aluno para nós hoje? O que será que este aluno está vendo em nós? O que posso ver mais nele? Por que será que precisamos nos olhar hoje? Estas são formas de desmanchar a metáfora do olhar em múltiplas e infinitas direções, pois olhamos por camadas. A primeira é uma camada superficial, como, por exemplo, quando o professor chega em uma sala no primeiro dia de aula, ele não sabe o nome de todos e nem quem são. Então sua primeira indagação seria a seguinte: o que estas pessoas vêm fazer em sua sala de aula? A medida que o tempo vai passando, os alunos vão deixando de ser meras pessoas nesta sala e começam a fazer parte do professor. Isto acontece aos poucos, daí a categoria da espera, uma espera vigiada que vai sendo alimentada a cada aula, pois em cada encontro o aluno vai adquirindo uma nova roupagem para o professor. De repente, depois de algumas aulas, o professor já pode estabelecer com o aluno uma relação de confiabilidade muito grande. Esta confiabilidade aparece na crença do professor no trabalho do aluno e nele no trabalho do professor. Não surge, portanto, de um lado apenas, mas sim em uma via de mão dupla, onde às vezes não se pode dizer quem é que começou: o professor, na medida que acolheu o aluno, ou o aluno, na medida que se dispôs a frequentar as aulas. O importante e fundamental é afirmar que em ambos os lados houve uma intencionalidade: do professor predisposto a acolher o aluno e no aluno que, por sua vez, não pode nem sabe por que está em uma sala de aula em determinado momento. Mas há duas intencionalidades que, embora parecendo divergentes, são extremamente convergentes. E é só a partir daí que começa o processo de desdobramento do olhar em relação ao aluno, ou seja, o professor começa a ver seu aluno não só como uma pessoa comportada, mas como alguém comprometido, ele começa a se apropriar do universo deste aluno, e esta apropriação se dá por meio do desvelamento, que vem do ato de tirar os véus.

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O primeiro véu é tirado à medida que professor e aluno caminham juntos, por intermédio do aconchego e do abraço, fundamental na interdisciplinaridade, pois é no momento do abraço que o professor tira o primeiro véu, o aluno se sente bem, importante, comungado e feliz. A partir daí podemos ver outros fatores na vida do aluno que estão fora.

O segundo véu é tirado por intermédio da escrita. Com o decorrer das aulas o professor vai conhecendo melhor seus alunos, à medida que eles produzem textos. Nos cursos de pós-graduação este fato colabora para que o professor possa orientar melhor seus alunos. A escrita possibilita ao aluno revelar-se de uma forma diferente, com um outro olhar sobre ele mesmo. Por fim, o terceiro véu é tirado com a fala, ou seja, na hora em que o aluno fala, ele expressa com todo o seu corpo o que está dentro dele. Desta forma, na primeira vez que o professor abraça um aluno, seu olho mexe-se como o corpo todo. Temos um olho interior, que vem de dentro, escondido, mas que durante a escrita é revelado. Mesmo sendo por meio da escrita, o fato de o aluno poder ter alguém para conversar é algo maravilhoso! Em terceiro, na fala, observamos que no decorrer de um curso as pessoas começam a se abrir e falar à medida que "destravam" o corpo e a escrita, principalmente em um curso de pósgraduação, onde um aluno é avaliado pelo que diz e escreve. E ele só solta esta fala à medida que adquire certezas maiores consigo mesmo. O pacto do silêncio ocorre quando os dois primeiros passos não são vencidos, e é por isso que em muitas salas de aula só o professor fala. E o pior, muitas vezes não fala com a alma, pois este é um ato muito perigoso, já que pode expor o professor ao seu íntimo mais profundo. Não podemos ter medo de nos jogar, mesmo percebendo que a piscina não está cheia! Pois se tivermos medo de nos jogar, nunca vamos

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perceber nosso real papel! Aqui mais uma vez se apresenta a virtude da espera, pois precisamos sentir a piscina enchendo para que possamos nos jogar cada vez com mais garra. Esta questão da intencionalidade é maravilhosa, pois coloca o professor como um facilitador para que o aluno possa construir seu aprendizado.

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Observação/Análise Fernando Ribeiro Gonçalves

Entre o ato de observação e o de análise da relação educativa existe uma relação não só de suficiência mas também de necessidade. Se soubermos observar saberemos compreender; se soubermos compreender saberemos intervir e se soubermos intervir saberemos melhorar. É este o sentido de exigência e de necessidade que assiste aos dois processos — observação e análise — cuja articulação se prende não só com o saber mas também com o saber fazer e o saber ser. Não faz então sentido falarse de um sem o outro. Em última análise, os seus objetivos terminais, auto-regular as práticas pedagógicas e melhorar a qualidade da relação educativa, ficariam por cumprir se adotássemos apenas um dos parâmetros da expressão. Claro está que daqui se infere que o exercício da observação e análise da relação educativa implica uma consciência vigilante, crítica e inquieta no sentido de que é através deste processo que a revisibilidade — fatal mas necessária — do conhecimento toma forma, isto é, é necessária a coragem de admitir que a verdade é uma procura constante e que muitas vezes a sua manifestação depende dos contornos sociais que a enquadram. Há também uma relação de dependência que emerge do seu conteúdo funcional, i.e., "observar é um processo que inclui a atenção voluntária e a inteligência, orientado por um objetivo terminal ou organizador e dirigido sobre um objeto para dele recolher informações". Além disso, "trata-se de um processo e não de um mecanismo simples de impressão como a fotografia...". Por tudo isto, poderemos tratar a expressão observação e análise como algo cuja natureza estrutural, essencial e funcional decorrem da sua própria definição. Vamos então fazer o percurso da expressão "Observação e análise da relação educativa" através da decomposição da sua definição e das questões daí emergentes.

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Assim: 1 — Se é um processo, inevitavelmente teremos de responder à seguinte pergunta: Como se organiza este processo e quais são os passos orientadores de tal processo? A resposta a esta pergunta remete-nos de uma forma geral para uma segunda pergunta que é: "para quê observar e analisar?". A resposta a estas duas perguntas, que se entrecruzam nas suas recíprocas determinações, passa pela reflexão sobre a problemática dos desenhos e/ou planos de investigação, sua fiabilidade de construção, sua validade aparente que se baseia na evidência dos dados recolhidos, sua validade instrumental que se prende com os tipos e quantidade de instrumentos utilizados e os dados daí resultantes e, por fim, a sua validade teórica que se refere à coerência entre os dados e a teoria tanto prévia como emergente, i.e., a validação das inferências. Passa ainda, e de forma particular, pelos tipos e funções que pretendemos atribuir à observação e também ainda ao tipo de utilização que pretendemos fazer dos dados recolhidos. Enquanto que os tipos dependem da natureza e dinâmica que caracteriza os modelos pré-explicativos e/ou os emergentes que os objetos/situações a observar encerram, as funções que pretendemos atribuir ao exercício da observação e análise da relação educativa dependem por um lado da postura do investigador no processo educativo e, por outro lado, dos objetivos terminais que se colocam à empresa de instruir e educar. Esta dependência dos "métodos" em função da natureza dos objetos/situações será talvez a menos querida dos investigadores apressados mas é de certeza a única postura que confere seriedade e robustez científica ao processo. Então diríamos que a natureza dos objetos/situações a observar, conjuntamente com as intenções implícitas ao ato de observar e analisar, fazem com que a observação possa ser tipificada do seguinte modo: — o grau de inferência permitido ao observador pode ser fraco vs. forte — a anotação das ocorrências pode ser imediata ou diferida e ainda direta vs. mediatizada — a situação da observação pode ser criada vs. natural e manipulada vs. não-sistemática

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— quanto ao grau de liberdade deixado à observação ela pode ser sistemática vs. não-sistemática — o momento da observação conduz a observações longitudinais vs. transversais. São também os fatores determinantes da tipologia anteriormente apontados que fazem com que as funções a atribuir ao processo se consubstanciem em propostas observacionais descritivas, formativas, avaliativas, heurísticas e de verificação. É de ressaltar aqui dois comentários: As diferentes funções agora atribuídas à observação podem não ser (e em bom rigor não o serão) exclusivas. Antes pelo contrário, para que se cumpram as mais valias referidas ao longo deste texto, o investigador normalmente opta por atribuir de forma combinada todas as funções num só processo de observação. Porém, e também, é fácil de perceber que os dados oferecidos pelo exercício destas funções só terão valor instrumental (seja dentro da auto-observação, seja dentro da heteroobservação), quando passados a resultados, que alguns autores apelidam de evidências. Ora é nesta passagem dos dados a resultados que nos permitimos falar do processo de análise. No que diz respeito à análise, ela pode assumir-se com um pendor mais fenomenológico ou mais "positivista". Enquanto que no primeiro o sujeito produtor dos atos/situações é considerado como fonte privilegiada no que diz respeito à explicação e consequente inteligibilidade das intrincadas redes que produzem tais atos/situações, no segundo, o investigador debate-se com os dados para procurar relações de associação, explicabilidade e previsão. De novo, e não vale a pena meter a cabeça na areia, as duas perspectivas são complementares no sentido em que ambas, e em conjunto, configuram o contínuo entre generalização e legitimação. 2 — Também a definição que estamos a dissecar refere que "é um processo que exige a atenção voluntária e a inteligência...". Pois bem, aqui teremos de abordar a questão do autor da observação não só no seu estatuto de observador independente ou participante (e em qualquer dos estatutos ser identificado ou não como observador), mas também na sua preparação e isenção na formulação de juízos de valores que pouco tenham a haver com o objeto/situação em observação. Neste último aspecto as opiniões dividem-se. Uns não encontram grandes inconvenientes em que o

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observador seja o próprio investigador. Outros entendem que a constelação axiológica do investigador, os seus quadros de referência teórica e ainda as expectativas colocadas nos resultados finais da observação podem contaminar a operacionalização das conclusões que venham a ser extraídas dos resultados. Poderíamos então dizer que nesta perspectiva a observação pode ser alospectiva ou introspectiva. Na situação alospectiva em que o observador não é coincidente com o observador dever-se-ia utilizar mais do que um investigador e, até por uma questão de triangulação dos dados e resultados, mais do que uma fonte de informação (i.e. fontes oculares, verbalizadas e documentais etc.) para o mesmo objeto/situação. No caso de serem utilizados mais do que um observador deve o investigador preocupar-se com dois aspectos fundamentais: a) ministrar um pequeno curso de formação aos futuros observadores sobre gestão e execução do processo de observar e sobre a dinâmica do objeto/situação a observar; b) escolher os observadores que apresentem melhores coeficientes de estabilidade (capacidade de codificarem da mesma maneira a mesma situação em tempos diferentes) e coeficiente concordância (grau de semelhança com que diferentes observadores codificam de forma semelhante a mesma situação num dado momento). Claramente estamos a falar de critérios intraindividuais para o primeiro coeficiente e inter-individuais para o segundo. 3 — No entanto, o processo de observação é orientado e organizado por um objetivo terminal. Mas qual a origem e natureza deste objetivo terminal? Ele pode ser de natureza e intenções muito diversas. Porém, com certeza que vai determinar quer a tipologia que melhor se adequará ao processo, quer, por um lado a orientação que damos ao tratamento dos dados recolhidos e, por outro lado, as funções que atribuímos ao processo de observação. Se nos colocarmos na perspectiva da construção do conhecimento, com certeza que concordaremos que a taxa de residência dos conhecimentos adquiridos, bem assim como o investimento que nele podemos fazer em termos de revisibilidade produtiva, dependem, em muito, do modo como esses conhecimentos são adquiridos. Quanto mais nos identificarmos com o conhecimento maior será a capitalização que dele fazemos, e a intensidade desta identificação é coordenada pelos mecanismos de apropriação-construção e uso do conhecimento. Será então legítimo sugerir que o exercício da observação e análise constituise como um potente instrumento (principalmente na óptica da autoobservação) para o

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desenvolvimento pessoal e profissional de todos os intervenientes nos atos e fenômenos educativos em geral e dos professores em particular. Este deverá ser o objetivo último do exercício da observação e análise da relação educativa. É também o exercício combinatório das funções da observação que nos garante que o conhecimento é emergente da realidade e não de qualquer virtual explicação prévia da mesma. 4 — O processo de observação dirige-se sobre um objeto/situação. Nesta altura coloca-se-nos o principal fator determinante de tudo aquilo que anteriormente referimos. Estamos a falar do núcleo substantivo sobre o qual recai todo o processo de observação. Neste núcleo, e no que à relação educativa diz respeito, encontramos pessoas individuais (professores e alunos), pessoas coletivas (classe e escola), estruturas sociais (comunidade próxima envolvente), e estruturas sóciopolíticas (sistemas e políticas educativas). Esta atividade nuclear organiza-se em função de forças interatuantes, interdeterminantes e interconsequentes. Desta teia de relações têm surgido vários modelos explicativos da dinâmica educativa que vão desde os paradigmas apelidados de processo-produto, dos mediacionais centrados no professor, no aluno e integradores até aos paradigmas ecológicos. A diversidade destes modelos revelam que a realidade não se deixa apreender com facilidade. Por isso somos forçados a concluir que a utilização das estratégias, técnicas e instrumentos não se pode compadecer com circunscrições teórico-doutrinais mas apenas com as exigências impostas pela complexidade do objeto/situação. A questão central coloca-se ao nível da natureza dos atores (pessoas) dado que as estruturas são alimentadas pelas pessoas. E dado que os profissionais da educação são em primeiro lugar pessoas que se movimentam em ambientes mais ou menos adversos, resta-nos aceitar o seu estatuto de contextualizadores de contextos contextualizados. Se são contextualizadores temos de perceber como e porque procedem ao processo de contextualização, que contextos movimentam (sua natureza essencial e funcional) e por quem e como são contextualizados os contextos em que se movimentam. Se a observação e análise da relação educativa conseguir dar resposta ao antes enunciado então estaremos no bom caminho. Daqui se infere que, embora tecnicamente difícil, a procura da multicausalidade deveria ser o fim último da observação e análise (nomeadamente na sua função descritiva). Assim sendo, daqui se infere também que a expressão "Relação Educativa" só

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por si, e enquanto disciplina, constitui apenas uma parte da disciplina observação e análise da relação educativa. E é neste sentido que a seguir propomos algumas variáveis (umas endógenas e outras exógenas) que podem enquadrar a dinâmica da relação educativa e, por isso, serem organizadoras do processo de observação e análise.

Variáveis Terminais Consciência da Ação — Consciência de que para se atuar de modo otimizante é necessário conhecer as alternativas de ação. Consciência na Ação — A consciência de que para atuar não se pode ignorar a situação, suas exigências e consequências. Consciência para a Ação — A consciência da revisibilidade e flexibilidade dos conhecimentos que possuímos para atuar. Consciência em Ação — A consciência de que os professores/investigadores não são autômatos e por isso conferem significados a situações e problemas para sobre elas decidirem de acordo com os seus conhecimentos teóricos e práticos.

Variáveis Contextuais Contexto pré-existente — Contexto psicológico onde coexistem concepções educativas provenientes do percurso acadêmico, profissional e social do professor. Contexto existente — Contexto existente na sala de aula imediatamente anterior ao aparecimento da situação ou problema que será objeto da nossa investigação. Contexto criado — Situação ou problema que mereceu a nossa investigação. Contextos criáveis — Conjunto de novos contextos que o professor pode criar para resolver a situação ou problema surgido. Contexto a criar — Contexto que, entre os contextos possíveis, o professor elegeu para responder à situação ou problema surgido.

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Variáveis Imagéticas Auto-Imagem — Conjunto de valores, crenças, atitudes, autoconceito etc. do professor. Imagem da Trajetória — Perspectiva da trajetória profissional e pessoal do professor. Imagem da Ação — Conhecimentos teóricos e práticos do professor. Imagem da Projeção — Perspectiva das consequências das decisões que o professor possa tomar. Imagem da Dialética Contextual — Conjugação e gestão dos vários contextos que o professor entenda fazer.

Variáveis Instrumentais — Destrezas na definição contextual da situação ou problema a corrigir. — Destrezas na análise, interpretação, compreensão e avaliação da situação ou problema a corrigir. — Destrezas de tomada de decisão por parte do professor. — Destrezas na negociação dos contextos que envolvem a situação ou problema a corrigir. — Destrezas na capacidade de negociação curricular que se apresente como necessária. — Destrezas na negociação do clima de comunicação. — Consciência e gestão dos processos de pensamento do professor que suportam as destrezas anteriores.

Variáveis Sistêmicas Micro-Sistema — Componentes do mundo interior do professor e que afetam o desempenho profissional. Meso-Sistema — Fluxo das atividades que se desenvolvem na sala de aula.

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Macro-Sistema — Influência da escola, sua cultura e seus processos de aculturação. Exo-Sistema — A cultura familiar, a cultura do grupo extra-escola e a cultura regional enquanto determinantes do sucesso do professor e do sucesso do aluno. Hiper-Sistema — A cultura, exigências e política educativa nacionais e internacionais. Para além desta natureza essencial do objeto da observação, deveremos igualmente — por ser também fator condicionante da tipologia de instrumentos e técnicas de recolha de informação a utilizar durante o processo de observação — definir se a observação vai incidir sobre fatos ou sobre representações e ainda se pretende encerrar um caráter atributivo através do registo da presença ou ausência de determinada ocorrência ou se pretende ser narrativa preocupando-se com a descrição não só com a ação ocorrida mas também com a sua gênese, evolução e consequências. 5 — Por fim, a observação pretende recolher informações. Nesta altura somos confrontados com os modos de recolha, sendo que estes são condicionados pelos contornos factuais ou representacionais do objeto/ situação em situação de observação. Se a observação incide sobre fatos ou ocorrências é aconselhável a utilização de sistemas de registo baseados em sistemas de categorias ou em sistemas de sinais. Se por outro lado a observação se baseia em representações, a utilização de questionários, entrevistas, escalas de valoração são técnicas a utilizar. Decorrente do fato da observação poder ser narrativa é ainda aconselhável a utilização de técnicas biográficas, diários e outras que, por serem da responsabilidade do observado, acabam por se constituírem como elementos de triangulação dos dados observados pelo observador. Ainda, e com alguns cuidados no que diz respeito à negociação da sua utilização, pode fazer-se uso de sistemas tecnológicos de registo. De novo, e nunca é demais referir, na maior parte das vezes o observador deverá utilizar simultaneamente várias técnicas e instrumentos conforme as exigências dos seus objetivos organizadores e da natureza essencial, temporal e funcional dos objetos/situações a observar. Resta acrescentar que a observação e análise pode (e deve) ser utilizada em variadas situações como sejam os estudos de caso, os métodos clínicos, os métodos genéticos e os estudos naturais.

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O valor acrescentado que se deve extrair (e ser fornecido por) do exercício da observação e análise da relação educativa permanecem, desde há anos, os mesmos, apesar das mudanças sucessivas que se verificam nas estruturas sociais. Assim sendo, o impacto da observação e análise da relação educativa deve ser enquadrado aos níveis de: i) servir a investigação; ii) formar professores; iii) ajudar os supervisores da prática pedagógica; iv) fornecer dados para conteúdos de uma educação emergente; v) descrever e fornecer pistas para melhorar as condições de aprendizagem.

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Hermenêutica Vitória Helena Cunha Espósito

Do grego hermeios, do latim hermeneia, a origem do vocábulo parece referir-se ao deus mensageiro alado Hermes. Entretanto, é significando "dizer", "compreender", "explicar", "traduzir" ou "arte de interpretar" que este termo tem se propagado, aplicando-se à interpretação do que é simbólico, especialmente de textos considerados sagrados. Como algo que se dá num determinado espaço e tempo, encontramos outras acepções, o que nos leva, deliberadamente, a estabelecer no pensamento hermenêutico um recorte e nele destacar duas trajetórias que nos parecem mais significativas: a alemã, constituída a partir do pensamento de Wolf, Ast, Schleiermacher, Dilthey, Heidegger e Gadamer; e a franco-suíça, na qual destacamos Paul Ricoeur. Embora apresentem diferenças e peculiaridades, essas duas trajetórias têm um sentido comum: ambas confluem para uma ontologia que se preocupa com a busca da universalidade e do logos.

Retrospectiva A observação atenta da evolução do pensamento hermenêutico alemão nos permite constatar o desenvolvimento de uma perspectiva regional (disciplinar) em direção à busca de universalidade tendo a hermenêutica como fundamento para a compreensão das ciências humanas (Geisteswessenschaften). Nessa trajetória, situamos: Augusto Wolf (1789-1824), para quem a hermenêutica era a ciência das regras pelas quais se reconhece o sentido dos signos, tendo como objeto fundamental captar o pensamento escrito ou oral de um autor. Ao intérprete — o hermeneuta — competiria a tarefa de estar preparado não apenas para compreender o dito ou escrito pelo autor, mas também o de ser

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capaz de explica-lo a outros. A hermenêutica teria, assim, duas direções: a compreensão e a explicação. Com referência à construção metodológica da ciência hermenêutica, Wolf considerava que a prática é que levaria à formulação das regras, as quais deveriam variar conforme o objeto a ser interpretado. Friedrich Ast (1778-1841) observa que a hermenêutica visa a classificar a obra pelo desenvolvimento interno de seu significado, bem como estabelecer as relações entre cada uma das partes entre si e mais amplamente com o espírito da época (Geist), unidade intrínseca do ser que encontra na palavra e na linguagem o meio de transmissão da herança cultural de um povo. A Filologia é considerada o meio de acesso à unidade dos conteúdos internos e externos de uma obra. A tarefa de compreensão é, pois, histórica, ao referir-se ao conteúdo da obra; gramatical, pois representa a compreensão na sua relação com a linguagem; e Geistige, pois pretende compreender a obra na relação entre a visão do autor e aquela da totalidade da época. Esta última acepção coloca os fundamentos para a ideia de círculo hermenêutico, pelo qual a compreensão se faz como processo que é origem de construção e de reprodução do conhecimento humano. Schleiermacher (1768-1834), diferentemente de Wolf, considera possível construir uma hermenêutica geral, pois, independentemente das diferenças possíveis entre os textos, estes guardam entre si uma unidade ou ideia geral que interatua com a estrutura gramatical para formar o sentido. Sua intenção: construir uma hermenêutica geral como arte da compreensão que poderia ser a base para hermenêuticas especiais. Considera, ainda que, "compreensão" e "interpretação" tais como a palavra interior e a exterior se acham "imbricadas". Portanto, logo que se coloque algo mais do que a exteriorização da compreensão — a explicação —, esta se torna "a arte da apresentação", deixa de ser "arte da compreensão" e, de maneira imperceptível, transforma-se em formulação retórica. Dando-se numa relação dialógica, a hermenêutica pressupõe "compreensão compartilhada", haja vista que na comunicação se presume que aquele que fala e aquele que ouve compartilhem. Compartilhar subentende um conhecimento prévio do tema em causa, sem o que não se realiza o salto para o círculo hermenêutico.

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Wilherm Dilthey (1803-1911) capta na hermenêutica a possibilidade de ela tomar-se o fundamento para as humanidades (Geisteswessenschaften) e as ciências sociais, campos do saber que interpretam as expressões da vida interior do homem, sejam elas gestos, atos históricos, leis codificadas, obras de literatura ou de arte. Dilthey considerava que a compreensão será a palavra-chave para os estudos humanísticos e a explicação para as ciências naturais. Ao destacar a relação sistemática entre vida, expressão e compreensão, Dilthey buscou a palavra alemã Erlebnis para referir-se à experiência imediatamente vivida, como uma unidade sustentada por um significado comum, que permanece no tempo. Esse campo da consciência pré-reflexiva, a experiência vivida cotidianamente, é retomado pela fenomenologia de Husserl e pela hermenêutica fenomenológica de Heidegger. Com relação à história, Dilthey não a concebe como algo passado, que defrontamos como um objeto. "Historicidade" significa "o homem compreender a si próprio", não pela introspecção, mas sim por meio das objetivações da vida. Considerava, ainda, necessário que fossem forjados novos modelos de interpretação, aos quais seria conferida uma dimensão científica comparável à que as ciências da natureza já haviam conquistado. Após Dilthey, com Heidegger (1889-1976) e em seguida com Gadamer (1900), altera-se essencialmente essa trajetória. Não se busca mais o aperfeiçoamento da epistemologia das ciências do espírito, mas passa-se ao questionamento da questão básica: em vez de nos perguntarmos o que sabemos, passamos agora a procurar pelo "como" e pelo modo de ser desse ser que só existe nos compreendendo. Se em Dilthey a compreensão consiste na "expressão de realidades internas" — em última instância, na própria vida —, com Heidegger é tomada como "o poder de captar as possibilidades que cada um tem no contexto do mundo em que cada um (de nós) existe". A compreensão não é algo que se possua, mas, antes, um modo de ser e estar no mundo. E, pois, ontologicamente, fundamental e anterior a qualquer ato de existência. Heidegger considera que a cada compreensão acha-se já espreitando uma interpretação. Esta é o desenvolvimento de possibilidades já projetadas na compreensão. Nesta perspectiva, o "como" não emerge pela primeira vez numa asserção. Nela, ele é apenas "expresso pela primeira vez" e isso só se torna possível porque aquilo que é compreendido solicita ao ser a sua

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expressão. Entretanto, é a distinção feita por Heidegger entre "discurso" e "linguagem" e os estudos linguísticos de Saussure que abrem possibilidade de a hermenêutica centrar-se na linguagem, como em Ricoeur. Por "discurso", podemos apreender em Heidegger a "inteligibilidade" que se articula no interior do ser como uma linguagem silenciosa. Ao compreender e articular o logos na sua inteligibilidade, esse discurso solicita expressar-se pela linguagem (legein). Nesse sentido, a linguagem é o discurso pronunciado, o falar, e o discurso é o modo constitutivo e essencial do homem do qual a linguagem, como discurso articulado, deriva. Gadamer, filósofo contemporâneo, retoma Heidegger e busca fazer compreensível o fenômeno hermenêutico em todo seu alcance, partindo da experiência da arte e da tradição histórica. Assim, percebe a compreensão como um evento que é histórico, dialético e linguístico. Com Paul Ricoeur (1913), filósofo que nos coloca na trajetória franco-suíça, a hermenêutica passa a privilegiar não apenas a busca do ser, mas lança-se, a partir da linguagem (legein), em busca de significações pela decodificação interpretativa do universo dos signos presentes na elaboração dos discursos das ciências humanas e sociais e dos discursos ideológicos que se colocam presentes ou dissimulando o conhecimento. Apoiando-se no modelo estrutural de Saussure, Ricoeur distingue o "discurso" do "código linguístico", elemento que fornece a estrutura específica a cada um dos sistemas linguísticos. A língua significa algo diferente da capacidade de falar e da competência de expressar-se. Observa Ricoeur que o eclipse do discurso (logos) foi encorajado pela expansão do modelo estrutural, que se fez, para além da linguística, presente em usos e costumes. O caminho desvelado por Ricoeur aponta a possibilidade de produzir-se uma dialética fina entre a compreensão e os conhecimentos vigentes, pois, retomando Heidegger, a cada compreensão uma nova interpretação já se encontra à espreita, solicitando ser dita. Em síntese: Muito mais haveria a ser dito. Entretanto, ao romper-se com uma visão regionalista, gramatical, apoiando-se nos avanços feitos pela hermenêutica existencial de Heidegger e incorporando com Ricoeur os avanços contemporâneos dos estudos linguísticos, e ao considerarem-se os princípios do círculo existencial hermenêutico, são muitas as possibilidades que se abrem de interfaces entre esse modo de ser, compreendendo e interpretando o mundo, produzindo conhecimento, interdisciplinaridades.

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Educação Maria Anita Viviani Martins

Para chegar-se ao sentido de educação hoje, apresentaram-se descrições distintas ao longo da sua construção. O Dicionário Etimológico, de Dauzat, indica que a palavra "éducation" aparece por volta de 1327 (Debesse e Mialaret, 1974, p. 14). O Dictionnaire de Antoine Furetière, abade de Chalivay, membro da Academia Francesa, publicado em 1690, definia a educação como: "Cuidado que se toma, que se toma de criar, de nutrir as crianças; diz-se, mais ordinariamente, do cuidado que se toma de cultivar-lhes o espírito, seja para a ciência, seja para os bons costumes" (Debesse e Mialaret, 1974, p. 14). Kant (1724-1808) atribui à educação o fim de "desenvolver no indivíduo toda perfeição de que é suscetível". Para Durkheim (18581917) por sua vez, a educação, tem o fim de desenvolver na criança "os estados, físicos, intelectuais e mentais dela reclamados pela sociedade política e pelo meio social a que é destinada" (Debesse e Mialaret, 1974, p. 15). Bogdan Suchodolsky (Suchodolsky 1978, p. 117) propondo a superação das contradições tanto da pedagogia da essência como da existência precisa: "Essa posição filosófica não se pode conter numa pedagogia que aceite o estado de coisas existente; não será respeitada senão por uma tendência que indique o caminho do futuro, por uma pedagogia associada à atividade social que transforme esse estado de coisas e tenda a criar, para o homem, condições tais que sua existência possa tornar-se a fonte e a matéria prima de sua essência". Estas definições, tanto as de caráter individualista como aquelas que acentuam o caráter social da educação reafirmam a natureza axiológica e teleológica do educar pelos seus fins e seu pelo produto, mas, ao passarem pelo crivo etimológico do termo mostram-se insuficientes para a compreensão da complexidade do ato educativo, do educar e seus resultados. Educação, inicialmente pela formação da palavra, e tomando por referência o idioma português, é palavra formada por derivação

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agregando-se o sufixo "ção" ao verbo educar. Ao agregarmos o sufixo "ção" ao verbo atribuímos o sentido de "ação ou resultado dela" o sentido originário do sufixo, formando assim um substantivo, querendo dizer da ação e/ou do resultado dela, isto é do educar. Já a origem etimológica da palavra nos ensina que é termo de origem latina (Maurice Debesse e Gaston Mialaret, 1974; Giustino Broccolini, 1990). Apresenta na sua etimologia um duplo sentido: "educo-eduxi-eductum-educere " com o significado de fazer sair, lançar, tirar para fora, trazer à luz, educar; e "educo-educavi-educatum-educare" referindo-se a criar, amamentar, sustentar, elevar, instruir, ensinar. Ao tomar-se o termo em seu duplo sentido, educação, refere-se tanto ao desenvolvimento "educere" como a intervenção educativa "educare". Nesta dupla acepção semântica identifica-se a complementaridade entre os processos de desenvolvimento e os seus resultados (educere), e a intervenção educativa (educare). Referir-se a um dos termos do binômio, remete, necessariamente, ao outro. Através do cotejamento entre os sentidos atribuídos ao termo educação, na sua dupla acepção, encontramos (Harrap's Dictionnaire Multilingue, 1991): para educere no alemão: bildung, desenvolvimento, educação, cultura, e erziehung criação, educação no inglês: education, o ato ou o processo de educação, ou o tornar-se educado; no italiano: educazione, educação, polidez, cortesia; no francês: education, educação, ensino, civilidade, adestramento, instrução; e formation, formação, organização; para educare no alemão: erzihen criar, educar; no inglês: educate, do latim educare, educatus, desenvolver as capacidades inatas através da escola; educar; no italiano: educare, educar instruir adestrar; no francês: élever, elevar, erguer, edificar, construir, educar.

Semanticamente educação tem sido compreendida restritamente como resultado de, todavia, quando cotejada com sua origem etimológica, reconhece-se a sua limitação a apenas ao resultado, omitindo-se aquilo que produz o resultado a intervenção, o verbo.

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Anteve-se a complexidade contida no binômio educere-educare. Educação como "educere" compreende a consideração do desenvolvimento do homem inteiramente, e não parcialmente tal como os contributos, por exemplo, da Sociologia, da Psicologia, ou seja das ciências descritivas do desenvolvimento humano. Tal delimitação poderá reduzir excessivamente, a complexidade, e a fenomenologia do desenvolvimento humano e circunscrevê-lo operativamente à descrição das ciências humanas. A assimilação de comportamentos individuais e coletivos à necessária participação social, apresenta uma face psicológica igualmente complexa e relevante na formação dos grupos sociais. A educação não poderá estar circunscrita somente à aprendizagem e interiorização dos modelos de comportamento partilhados pelo grupo social de origem, e pelos grupos particulares ao longo do desenvolvimento social. Esta aprendizagem é também dependente de interações psicológicas individuais, isto é, não é suficiente a determinação da socialização como resultante apenas das interações entre grupos. É possível vislumbrar-se a articulação daquilo que se pode denominar como elemento lógico estrutural do educar-educação, resultante de um complexo de perspectivas entre o educere (educação como desenvolvimento) e o educare (a intervenção). Embora admitida esta correlação entre o educere e o educare, apesar do amparo das ciências humanas, à compreensão do homem, não é possível imaginar-se uma relação de causalidade imediata entre aquilo que pontificam estas ciências e o que é possível realizar. A contribuição das ciências humanas se necessária, não diz tudo sobre o que é ou possa ser a intervenção. No complexo de elementos constitutivos da ação educativa, encontramos as raízes das ciências que se ocupam de provê-la, seja a Psicologia, seja a Sociologia, a Biologia, e tradicionalmente a raiz originária destas, a Filosofia. Há além destes estudos outros historicamente construídos: a Didática, as Metodologias, a Teoria de Currículo, a Educação Comparada, a História da Educação. Encontramos assim duas fontes para a compreensão da ação educativa: as ciências que se ocupam em descrever o desenvolvimento e aquelas que organizam a intervenção. Aquelas que descrevem o desenvolvimento,

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preservam sua particularidade de estudos, já que seu campo de pesquisa não diz respeito exclusivamente a educação. São auxiliares, à educação, revelando a pluralidade da natureza fenomenológica da educação. Há íntima troca entre as disciplinas que tratam do desenvolvimento descrevendo-o de modo normativo e interessadas no desenvolvimento individual, e as disciplinas técnico-prescritivas da intervenção, comprometida ambas a uma teoria de valores e aos fins da educação. É na situação educativa que se reelaboram os resultados das descrições das ciências que de algum modo se orientam para o desenvolvimento do homem. Há uma convergência de áreas multidisciplinares que interessam à compreensão do homem em situação educativa. Esta multidisciplinaridade está num plano operativo de envolvimento, ainda comprometido às respectivas esferas originárias, e de competência destas áreas de saber. Deste plano multidisciplinar operativo, passa-se à construção de áreas de convergência que, de modo interdisciplinar (Ivani Fazenda, 1998), favorecerão à construção de novos modos de compreensão do fenômeno educar, porque, e só porque, produziu-se através do rompimento de suas fronteiras constitutivas originárias, cria-se pelo movimento um conhecimento de natureza distinta do originário. Reconhece-se que o discurso educativo-educacional se alimenta das ciências que descrevem o desenvolvimento (a Psicologia, a Sociologia...) oferecendo pelos elementos constitutivos da sua formulação os instrumentos para individualizar uma problemática da Educação, e poder construir-se a partir delas outras, correlativas às ciências pedagógicas, ou seja, a Psicologia da Educação..., enfim, para produzir-se a terceira ordem desta construção a organização da intervenção. Destes três campos, dois deles constituem a estrutura formal da Educação, as Ciências da Educação, como a Sociologia da Educação e as demais, e o outro resultante da transdisciplinaridade, a Didática. O terceiro campo formalmente organizado tem sua matriz na Sociologia, na Biologia. Trata-se de uma realização que se viabiliza graças à criação e recriação na situação educativa pela transdisciplinaridade. Assim o é porque passase da ciência do desenvolvimento para a Educação. Este movimento de criação é resultante da própria essência do conhecer. Perceber este momento raro, precioso na compreensão do educar-educação, é virtude do olhar passa da ciência, a técnica, a arte, e da arte, a

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técnica, a ciência. Com efeito, o educar ao considerar na situação educativa as ciências do desenvolvimento as transforma, orientando a reelaboração estrutural destas ciências em da educação, fornecendo o quadro teórico de referência inclusive às disciplinas didáticometodológicas que organizam a intervenção. A estrita correlação entre o educere e o educare, e a consideração da educação como um sistema aberto, autoriza-nos a formular que o discurso educativo — educacional se cria alimentado por um movimento entre a multidisciplinaridade, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade. A educação como resultado, o educar como intervenção humana, necessitam responder aos problemas do homem em situação educativa. Todos os fenômenos complexos do homem em situação educativa constituirão a educação. A educação se realiza através do educativo, ou seja, tudo aquilo que dialeticamente possa favorecer ao sujeito na realização de si, o desenvolvimento, e através do educacional, isto é tudo aquilo que possa dizer respeito a intervenção, (educare) a especificação do educativo.

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Produção Bibliográfica Vitória Kachar

A oportunidade para escrever este artigo surgiu ao efetuar uma busca no banco de dados da biblioteca da PUC, sobre teses e dissertações orientadas por Ivani Fazenda. Na época, surpreendi-me com o volume de produções e observei que havia material consolidando uma área de pesquisa, resultado do percurso da professora e pesquisadora, nos catorze anos de estudos e investigações sobre interdisciplinaridade no pósgraduação em Educação: Currículo da PUC-SP. Quando apresentei o material à profª Ivani, ela me instigou a escrever; tarefa que levou tempo para encontrar o caminho da sua elaboração. Perguntava-me: como mapear tal quantidade: 52 produções? Tive que partir de um movimento disciplinar de organização, recorrendo à tecnologia, um programa de computador, o banco de dados — Access, onde inseri as informações: título, autor, ano de defesa, tipo (mestrado ou doutorado) e foco da pesquisa. Para identificar o foco da pesquisa, detive-me na análise do título e nas informações contidas na ementa. Foi a única solução que encontrei, pois seria sobre-humano ler todas as produções ou realizar investigação mais profunda, o que acabaria em tese e não em um artigo. Defini como objetivo apresentar um mapeamento de todas as pesquisas, para fornecer ao leitor uma visão panorâmica do que já existe produzido nessa área, e não esgotar nenhuma análise nesse campo. Com as informações inseridas no Access, fiz o cruzamento dos dados e extraí algumas análises e gráficos representados em outro programa — o Excel. O primeiro gráfico forneceu o total: 13 teses e 39 dissertações de mestrado, que tecem abrangente e densa área de conhecimentos teóricos e práticos sobre interdisciplinaridade.

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Como venho acompanhando a profª Ivani nesses últimos sete anos, reconheci nas análises algumas produções e seus autores, colegas de sala de aula e de pesquisa. Apesar de partir de uma análise quantitativa, existem algumas considerações subjetivas, de testemunha do processo e do movimento do ambiente interdisciplinar. Muitas teses eram expostas e abertas à análise e discussão em sala de aula. A orientação da profª Ivani se dava no coletivo e no individual, o que enriquecia o olhar do grupo, ao encontrar suas perguntas e conflitos na situação de pesquisa do colega. Todos aprendiam a pesquisar em cada uma das investigações. Dissertações e Teses Orientadas por Ivani Fazenda

Pelo Access, montei a distribuição por ano, tipo de produção (mestrado ou doutorado) e quantidade.

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A profª Ivani assumiu, como gestora da fértil produção, a orientação da primogênita, Suely Moreira que, em 1986, defendeu A relação pedagógica frente a introvertidos e extrovertidos: uma investigação antropológica. Como todo primeiro filho, uma experiência de investimento muito grande, que garante uma aprendizagem para os que vêm depois. O ano de 1990 foi altamente produtivo com seis dissertações, o que voltou a ocorrer no intervalo de três anos. Em 1993, cinco dissertações e uma tese e, em 1996, três dissertações e três teses. O ano de 1991 teve o maior número de produções, com sete dissertações, período este contemporâneo à defesa de livre-docência de Ivani Fazenda, momento fértil da sua produção intelectual acadêmica: duas publicações, um livro que aponta a categoria da parceria: Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. Parceria essa que se efetiva na sua prática interdisciplinar com os alunos e orientandos e é assumida no mesmo ano, com a organização de um livro com artigos de seus alunos: Práticas interdisciplinares na escola, experiência que volta a se repetir outras duas vezes: em 1995, A academia vai à escola, e em 1999, A virtude da força nas práticas interdisciplinares. Produções por Ano

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Suas parcerias não se dão só com os alunos, mas com os seus colegas professores, o que contabiliza muitas publicações, seguindo a atitude de compartilhar questionamentos e avanços teóricos em Interdisciplinaridade e em Metodologia da Pesquisa em Educação. Com Regina Bochniak, a primogênita em doutoramento: Reconsiderando a questão do método em educação na perspectiva da interdisciplinaridade (1993), estabeleceu uma interlocução, num texto da coletânea do livro: Novos enfoques da pesquisa educacional. Nele, discute a relação do pesquisador com o objeto de pesquisa e sua possível transformação, bem como de que maneira a própria prática pode ser o objeto investigado. Considerando o foco de investigação no campo interdisciplinaridade, descortinei algumas marcas da pesquisa.

da

Com o maior número de investigações (sete), o professor/educador é apresentado no seu lugar diário de ensinar e aprender, desvelando o ser interdisciplinar: O cultivo do professor: uma experiência interdisciplinar (Izabel Petraglia, 1991); O cotidiano de uma professora de ciências da quinta a sexta séries do primeiro grau (Maria Otília Mathias, 1991). Entre elas, uma indica a presença da racionalidade: A lógica que preside o trabalho do professor nas séries iniciais do 1º grau (Mercedes Berardi, 1990). O aprofundamento teórico sobre a subjetividade do professor resulta em tese: A estética da professoralidade: um estudo interdisciplinar sobre a subjetividade do professor (Marcos Villela Pereira, 1996). O cuidado se estende à formação do professor: O movimento de (re)apropriação das vivências da infância na formação do educador, (Sandra Nogueira, 1992); e A formação interdisciplinar do professor sob a ótica da psicologia simbólica (Ecleide Furlanetto, 1997). As considerações teóricas resvalam nas questões da subjetividade, buscando construir uma perspectiva integrada sobre o indivíduo, contando com contribuições de outras áreas, como a Psicologia e a Filosofia, para ampliar a compreensão a respeito do indivíduo. O outro par da investigação sobre o professor é a didática e a prática interdisciplinar, no qual lugar, pessoa e fazer estão entrelaçados, não se dissociam: A prática pedagógica em ação: descrição e análise de uma experiência no cotidiano da sala de aula do curso de pedagogia (Marlene Borges, 1990). A prática diz da ação do professor, do seu saberfazer-saber. É o educador imerso na prática, a tal ponto de se fundir com ela própria,

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ele é a didática: Da não identidade da didática à identidade pessoal (Dirce Tavares, 1991). Marcar território, abrir caminhos, desbravar horizontes entre quatro paredes constituem desafios contínuos: A conquista de espaços suscitando uma prática interdisciplinar (Ivani Teresinha Kolling, 1994); Didática crítica: caminhos para uma prática, descrição e análise de uma experiência num curso noturno de pedagogia (Maria de los Dolores Pena, 1990); Um estranho em uma terra estranha: a ficção científica como conhecimento na escola (Ricardo Hage de Matos, 1993). Nas pesquisas, procuram-se novas linguagens que remetam à comunicação de novas descobertas A linguagem metafórica alcança o avesso do ser para dizer da didática, que, mais do que isso, é ação: A interdisciplinaridade na ação didática: momento de arte/magia do ser professor (Jucimara Rojas, 1998). Permanente (re)construção de uma ação interdisciplinar coerente, consciente e translúcida. O espaço mais pulsante da escola é a sala de aula. Nela são construídos os alicerces da educação. O professor e a sua prática formam uma aliança importante para confluir num trabalho educativo de valor humano, buscando compreender o espaço escolar, seus limites físicos e territoriais, criando possibilidades de interligação e comunicação entre eles. O tema do muro da escola aparece em duas circunstâncias diferentes, com proposições complementares. Na dissertação Retire-se o muro da escola: uma experiência interdisciplinar com menores carentes, defendida por Célia Haas, 1989, observei o início do percurso de produções apontando a ousadia de romper com o estabelecido, buscando construir novas propostas. O tema muro volta em 1991, mas não como limite a ser rompido e, sim, como extensão da escola a ser apropriado por meio da intervenção artística: A compreensão do grafite na escola (Rosvita Kolb Bernardes). A arte valorizando e ocupando o espaço da escola. A escola tem no seu âmago espaços físicos e políticos a serem reavaliados e articulados em parceria. Na rede de parcerias e parceiros, o professor não consegue encaminhar o seu trabalho apenas com o apoio dos alunos e colegas, mas necessita da colaboração dos seus outros pares, das diferentes funções e papéis educativos:

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Coordenador

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Orientador

Supervisor

Diretor

Caminhos e descaminhos da coordenação de curso na Universidade: um labirinto (Lucrecia Mello, 1992); A coordenação escolar sob a ótica da interdisciplinaridade (Cristina Salvador, 2000); A competência interdisciplinar do supervisor frente a uma proposta renovadora (Branca Tresoldi, 2000). Ambiguamente, trabalha-se na desconstrução e construção para gerar a renovação. O fio de Ariadne serviu de orientação a Teseu, que desenrola o novelo na entrada do Labirinto, e, ao enrolá-lo, encontra o caminho de saída. Parte-se de um cenário real e vivido para questionar o lugar de cada um e reconstruí-lo à luz da teoria. O cotidiano de diretor de escola (Laís Nishiyama, 1991); Orientação educacional: uma experiência com alunos de escola pública (Helenice Staff, 1990). A interdisciplinaridade costura, nos meandros da educação, o ser, o fazer, o lugar, nos diferentes níveis da instituição escolar. Caminhos e descaminhos da educação infantil: dilemas de uma educadora paranaense (Maria do Socorro Hage, 1997); A trajetória da inovação em uma escola: uma leitura através da interdisciplinaridade (Teresinha Maria Silva, 1994); A interdisciplinaridade na construção de um projeto de universidade: a paixão pela prática (Célia Haas, 1995). É apontado outro espaço, que não o formal da escola, uma outra sala de aula e de vida: A arquitetura dos saberes: a interdisciplinaridade na aula particular (Manolo Vilches, 1993). As pesquisas atravessam as diversas áreas. Limites e fronteiras são questionados, flexibilizados e explorados nas investigações.

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Reflexões de uma educadora na Empresa: o sentido humano, Maurina Silva, 1996

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Princípios interdisciplinares para a construção de uma Educação Ambiental, Fabio Cascino, 1998

Reflexões metafóricas de uma professora lecionando filosofia em curso de Educação Física, M. Aparecida Werdine, 1996

. O computador com a escola: desafios interdisciplinares, Vitória Kachar Hernandes, 1996

Construindo uma concepção bioética (interdisciplinar) do conhecimento em Farmacologia aplicada, Paulo Bastos, 1997

Olhando o Serviço Social numa perspectiva interdisciplinar, Rosa Andraus, 1995

A interdisciplinaridade, como um leque que se abre para ventilar novos rumos e navegar por outros ares, mantém incessante a busca disciplinar de construir o conceito-mãe: A representação em símbolo da interdisciplinaridade num processo grupal (Jucimara Maia, 1991); Movimentos de inter e transdisciplinaridade: panorama crítico das teorias e práticas (Araldo Gardenal, 1995); Interdisciplinaridade como poíesis (Maria Elisa Ferreira, 1996). A tese de Joe Garcia (2000), Interdisciplinaridade, tempo e currículo, é resultado do avanço teórico no desdobramento do conceito, voltando por um círculo hermenêutico a um texto do primeiro livro da Ivani Fazenda em parceria com alunos. A parceria aluno-professor se concretiza, motor alimentador do processo que abre o ano de 2000 com muitas mudanças. A mudança na educação é defendida por Geralda Ramos (2000): A questão da mudança na trajetória de educação inter disciplinar: do estranho das pesquisas ao familiar das ações. Nessa defesa, Ivani Fazenda, coerente com sua postura de parceria, apresenta uma banca toda composta por ex-orientandos. Ainda nesse mesmo ano efetiva-se uma mudança: é formalizada a existência do Grupo de Estudos e Pesquisas da Interdisciplinaridade — Gepi.

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Nesse campo fértil, outros conceitos começam a despontar como categorias da interdisciplinaridade: O conceito de afetividade numa educação interdisciplinar (Diva Ranghetti, 1999); O sentido interdisciplinar da dialética no exercício vivido (Derly Barbosa, 1997); Ética e educação: um caminho para a interdisciplinaridade (Antônio Carlos Osório, 1996); Abrindo janelas a noção de competência para a construção de um currículo interdisciplinar: estudo preliminar (Janete Bernardo Silva, 1999). A ousadia dos temas investigados aparece como força mobilizadora de transformação e renovação das propostas educacionais. A rede de produções compele o pesquisador ao exercício contínuo do olhar, escutar, refletir, dialogar, questionar, duvidar e viver a interdisciplinaridade nas diversas dimensões e perspectivas da educação. Abrindo olhares para o ato de aprender: um estudo interdisciplinar (Rosemary Jimenez Santos, 1998); Da dúvida à contradição (Neuza Abbud Garcia, 1990); Brinquedo: vivendo a interdisciplinaridade na educação (Iane D'Angelo, 1994); Desvelamento do projeto interdisciplinar: um exercício de questionamento e de produção do conhecimento (Regina Bochniak, 1990); Um projeto de integração à luz da interdisciplinaridade (Graziella Zoboli, 1992); Amapá: o estudo de uma trajetória para a construção de uma política de alfabetização (Geralda Ramos, 1993). A trajetória de investigação interdisciplinar é construção única, que se faz a cada objeto pesquisado, atendendo a configuração do seu contexto, que considera e respeita o sujeito pesquisador, na singularidade do conhecimento construído na experiência vivida. Interdisciplinaridade na pré-escola: anotações de um educador "on the road" (Gabriel Junqueira, 1993); A história da minha vida na alfabetização: uma utopia buscada nos caminhos da interdisciplinaridade (Sueli Freitas, 1993); Sonho-realidade: uma experiência interdisciplinar numa escola católica (Ivone Yared-Fma, 1994); Res ipsa loquitur? A hermenêutica da intercorporeidade e a arte da terapêutica interdisciplinar (Paulo Roberto Bastos, 1999). A preocupação em desvendar o processo da pesquisa educacional ressurge com a tese de Lucrecia Mello (1999), com o delineamento do novo território: Pesquisa interdisciplinar: um processo em constru(a)ção. Mais do que produções, são processos vividos de intensa transformação,

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em busca da realização de sonhos, ideais, utopias, que todo educador traz na bagagem da sua história. São práticas interdisciplinares vividas e reapresentadas na forma de investigação para gerar contribuição à educação e aos educadores. Mais do que teses sem alma e repletas de teorias ou compilações, que preenchem os vazios das prateleiras das bibliotecas, são investigações que circulam pelas mãos de leitores sedentos de conhecimento vivo. São leituras instigantes, que levam o leitor a visitar outros territórios e expandir seus horizontes. Requerem do investigador uma disciplina de permanência, habitar o objeto de pesquisa e ser habitado por ele. Paixão e mergulho na própria história como educador e pessoa. Paciência para saber cultivar e saber esperar pelo nascimento da tese. São gestações de vidas. Com o nascimento da tese, há o (re)nascimento do pesquisador e da nova pesquisa. A discussão é muito maior e mais complexa do que este humilde texto pode apresentar. O que pretendia era construir um delineamento, indicando algumas direções que sirvam para abrir outras análises. Deixo ao leitor a tarefa de extrair suas próprias interpretações e indagações. É um começo para outras, muitas, singulares e profundas reflexões sobre interdisciplinaridade.

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ÍNDICE

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Índice Capa – Orelha - Contracapa

Apresentação ................................................................................................. Coerência ...................................................................................................... Humildade ..................................................................................................... Espera ............................................................................................................ Respeito......................................................................................................... Desapego ....................................................................................................... Olhar ............................................................................................................. Produção Bibliográfica.................................................................................. Referências Bibliográficas ............................................................................

10 31 59 105 151 183 207 247 256

Sumário Ação .............................................................................................................. Afetividade.................................................................................................... Alfabetização ................................................................................................ Ambiguidade ................................................................................................. Amor ............................................................................................................. Atitude .......................................................................................................... Atitude........................................................................................................... Autoconhecimento ........................................................................................ Caminhos ...................................................................................................... Coerência ...................................................................................................... Contextualização ........................................................................................... Cor ................................................................................................................ Corporeidade ................................................................................................. Currículo ....................................................................................................... Depurar ......................................................................................................... Educação ....................................................................................................... Espaço ........................................................................................................... Espera ........................................................................................................... Estética .......................................................................................................... Formação ......................................................................................................

120 87 172 42 90 79 84 204 180 35 40 52 185 191 118 242 143 107 55 135

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DICIONÁRIO EM CONSTRUÇÃO: INTERDISCIPLINARIDADE

Formación ..................................................................................................... Fronteira ........................................................................................................ Harmonia....................................................................................................... Hermenêutica ................................................................................................ Humildade ..................................................................................................... Identidade ...................................................................................................... (Inter)Corporeidade....................................................................................... Linguagem .................................................................................................... Literacia ........................................................................................................ Memória ........................................................................................................ Metáfora ........................................................................................................ Metáfora ........................................................................................................ Metáfora ........................................................................................................ Modelo .......................................................................................................... Movimento .................................................................................................... Mudança........................................................................................................ Mudança........................................................................................................ Observação/Análise ...................................................................................... Olhar ............................................................................................................. Olhar ............................................................................................................. Olhar ............................................................................................................. Olhar ............................................................................................................. Parceria ......................................................................................................... Parceria ......................................................................................................... Pesquisa ........................................................................................................ Poíesis ........................................................................................................... Ponte ............................................................................................................. Prática ........................................................................................................... Resiliência ..................................................................................................... Símbolo......................................................................................................... Sistêmico ...................................................................................................... Tecitura ......................................................................................................... Tempo ........................................................................................................... Totalidade ..................................................................................................... Trabalho ........................................................................................................ Vivência ........................................................................................................

138 165 46 238 61 50 189 163 177 115 209 211 215 153 110 68 73 229 217 219 222 225 157 160 132 200 75 146 197 65 33 128 141 101 122 168

Pretendo elucidar com este dicionário fragmentos de discurso, diluídos em verbetes. A maioria deles sustenta-se no tripé: estrutura da palavra, produção científica e produção interdisciplinar. Outros voam mais alto, aninhando-se em metáforas e imagens numa ousadia maior: tingir teoria de poesia. A ideia de construir um dicionário para facilitar a compreensão e execução de projetos interdisciplinares persegueme desde o início da década de 70. Cobranças de várias ordens, desde professores amigos a especialistas da Europa, Canadá, Estados Unidos e América do Sul, impulsionaram-me a cumprir esta tarefa. Tornei-me na presente construção prisioneira da seguinte ambiguidade: até que ponto se pode dosar o academicamente correto com o praticamente possível ou viável? As dúvidas geradas deste dilema ainda me perseguem. Gostaria que nossos leitores as incorporassem como suas. A meta é tornar o complicado simples e o simples sofisticado. Resta a você, leitor, o desafio de identificar em cada verbete o aspecto que no momento melhor poderá contribuir para seu trabalho e sua vida. Ivani Fazenda maio de 2001

Ivani Fazenda é mestre em Filosofia da Educação pela PUC-SP, doutora em Antropologia Cultural pela USP, livre-docente em Didática pela UNESP, professora titular do pós-graduação em Educação da PUC-SP e da UNICID. • Dedica-se às questões da interdisciplinaridade e da pesquisa em educação desde a década de 70. • Coordena o GEPI – Grupo de Estudos e Pesquisas da Interdisciplinaridade na PUC-SP desde 1986. • Coordena o NEPI - Núcleo Emergente de Pesquisa Interdisciplinar na Universidade da Cidade de São Paulo (UNICID) desde 1998. • Preside o Fórum Paulista de Pós-Graduação em Educação desde 1998.

A palavra de 42 pesquisadores brasileiros, somam-se a de cinco colegas portugueses e três argentinos, preservando sua identidade linguística.

Interdisciplinaridade é uma nova atitude ante a questão do conhecimento, de abertura à compreensão de aspectos ocultos do ato de aprender. Exige, portanto, uma profunda imersão no trabalho cotidiano, na prática. A metáfora que a subsidia, determina e auxilia na sua efetivação é a do olhar; metáfora essa que se alimenta de uma natureza mítica diversa. Cinco princípios subsidiam uma prática interdisciplinar: coerência, humildade, espera, desapego e respeito. Alguns atributos são próprios, determinam ou identificam esses princípios. São eles a afetividade e o amor, que impelem às trocas intersubjetivas, parcerias. A interdisciplinaridade pauta-se numa ação em movimento. Esse movimento pode ser percebido em sua natureza ambígua, tendo a metamorfose, a incerteza como pressuposto. Todo projeto interdisciplinar nasce de um locus bem delimitado, portanto, é fundamental contextualizar-se para poder conhecer. A contex¬ tualização exige uma recuperação da memória em suas diferentes potencialidades. A análise conceituai facilita a compreensão de elementos interpretativos do cotidiano. Para tanto, é necessário compreender-se a linguagem em sua expressão e comunicação; uma linguagem reflexiva, mas sobretudo corporal.