Curso de Direito Constitucional [12 ed.]
 9788544234693

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BERNARDO

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J

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GONÇALVES

FERNANDES

C-D

2020 EDITORA /uTODlVM www.edi1orajuspodivm.com.br

*J a revista 1^,- atualizada edição ampliada

iZl EDITORA

lyl >PODIVM

www.edrtorajuspodivm.com.br

Rua Território Rio Branco, 87 - Pituba - CEP: 41830-530 - Salvador - Bahia Tel: (71)3045.9051 • Contato: https://www.editorajuspodivrn.com.br/sac Copyright: Edições JusPODIVM

Conselho Editorial: Eduardo Viana Portela Neves, Dirley da Cunha Jr„ Leonardo de Medeiros Garcia, Fredie

Didier Jr., José Henrique Mouta, José Marcelo Vigliar, Marcos Ehrhardt Júnior, NestorTávora, Robério Nunes Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho. Rodolfo Pamplona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e Rogério Sanches Cunha. Diagramação: Ana Paula Lopes Corrêa ([email protected])

Capa: Ana Caquetti

F363c

Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional / Bernardo Gonçalves Fernandes ampl. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.

12. ed. rev., atual, e

2.208 p.

Bibliografia. ISBN 978-85-442-3469-3.

1. Direito Constitucional. I. Fernandes, Bernardo Gonçalves. II. Título. CDD 341.5

Todos os direitos desta edição reservados à Edições JusPODIVM.

É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem

a expressa autorização do autor e da Edições JusPODIVM. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

Agradeço ao professor Menelick de Carvalho Netto, meu orientador no mestrado e doutorado. A minha inspiração como professor! Ao professor Rui Cunha Martins pela acolhida em Coimbra. Agradeço muito ao professor Marcelo Cattoni pela amizade, interlocução e ensinamentos de quase 30 anos. Agradeço ao professor Flávio Quinaud Pedron, pela colaboração, ao professor Thomas Bustamente, pela amizade e constante interlocução, e ao querido professor Aroldo

Plínio, pelo exemplo de vida e de trajetória acadêmica.

Para os professores: Álvaro Ricardo Souza Cruz, Luiz Edson Fachin, Lenio Streck, Ingo Sarlet, Luís Roberto Barroso, Marcelo Neves,

Daniel Sarmento, José Adércio Leite Sampaio, Virgílio Afonso da Silva, Daniel Assumpção e Fredie Didier, Mariah Brochado, Alexandre Freitas Câmara e Misabel Derzi pelo incentivo pessoal ou intelectual para

a obra. Para os alunos da UFMC, PUC-Minas, UFOP e dos Cursos: CPIURIS-DF, CPJUR-SP, Damásio-SP, Praetorium (SAT), LFC-SP, Supremo-MG, FórumR|, Anamages-MG, Alcance-RJ, FESMP-MG, Podivm-LFG (Salvador/BA e São Paulo/SP).

Para os amigos e professores: Carlos Vinha, Rodrigo Bello, Paulo Nasser, Marcelo Galante, Paulo Roberto, Felipe Novais, Bruninho Zampier, Fabrício, Gabriel Habib, Marcos Paulo, Rafael Oliveira, Bruno Pinheiro, Pedro Barreto e Rafael Barreto, Nelson Rosenvald, Vinícius Gontijo, Nathália Masson, Marcelo André, Alexandre Salim, Mônica Queiroz, Barney Bichara, Robério, José Simão, André Fígaro, Caio

Bartine, Fernando Armando, Wilba, Carlos Henrique Soares, Flávio Bernardes, Mário Lúcio Quintão, José Luiz Quadros, José Luiz Bolzan, Flaviane Magalhães, Adriana Campos, Leo Leoncy, André Moreira,

Márcio Luís, Rodolfo Viana, Bruno Wanderley, Onofre Batista, Alexandre Bahia, Emílio Meyer, Felipe Machado, Dierle Nunes, Alonso Freire, Miguel Godoy, Alexandre Coura, Nelson Camatta, Elton Xavier, Richardson,

Edson, Lucas Gonçalves, Cristiano Paixão, Juliana Neuenschwander, Luciano e Daniel (Escola Superior do mpdf) e Eduardo dos Santos.

À Josy, pela paciência e compreensão nos dias difíceis... e foram tantos!

Amor, podería não ter me apaixonado, podería ter sido diferente... A verdade é que não, não podería!

Apresentação à 12a Edição É com muita satisfação e orgulho que apresentamos à comunidade jurídica a 12a edição do nosso Curso de Direito Constitucional. Em 2020 completamos 10 anos da obra com milhares de livros vendidos no país, uma enorme aceitação entre os professores e juristas e 0 mais importante: com uma imensa sensação de dever cumprido.

Compartilho neste momento comemorativo que, desde a primeira edição, em abril de 2010, todas as edições sempre tiveram 2 ou 3 tiragens! A 10a edição, por exemplo, mesmo com duas tiragens, se esgotou já no final de setembro de 2018! A 11a Edição se esgotou em novembro de 2019! Mais uma vez agradeço a todos que contribuíram para 0 sucesso da obra nesses anos, sejam professores ou alunos, que acreditam em um Direito Constitucional não só descritivo de jurisprudências e infor­ mativos do STF (e de outros Tribunais pátrios), mas também - e sobretudo - crítico e reflexivo em inúmeros temas. A 12a edição apresenta a necessária atualização jurisprudencial e normativa. A obra também retrata, como de praxe, novos assuntos - cada vez mais discutidos e debatidos no âmbito acadêmico e prático do Direito. Foram trabalhados e amplia­ dos, temas como: Constitucionalismo Abusivo, Constitucionalismo Democrático da Escola de Yale, Constitucionalismo Popular e Constitucionalismo Popular Mediado, Teoria dos Diálogos Constitucionais, Justiça de Transição, Direito Internacional dos Direitos Humanos (universalismo, relativismo cultural e multiculturalismo). Estatuto das Pessoas com Deficiência, 0 Papel das Cortes Constitucionais, Tribunal do Júri, a nova Lei n° 13.964/2019 (Pacote Anticrime), a EC n° 103/2019 da Reforma da Previdên­ cia, entre vários outros assuntos.

Além disso, há novamente a expansão de vários capítulos, dentre eles: Conceito e Classificações das Constituições, Poder Constituinte, Hermenêutica e Hermenêutica Constitucional, Teoria dos Direitos Fundamentais, Direitos Individuais e Coletivos, Ações Constitucionais, Direitos Sociais, Direitos de Nacionalidade, Direitos Políticos, Organização do Estado, Poder Legislativo, Processo Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário, Funções Essenciais à Justiça, Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, Controle de Constitucionalidade, Ordem Econômica e Social, entre outros.

Belo Horizonte-MC Março de 2020

Sumário PARTE 1 TEORIA DA CONSTITUIÇÃO

1 CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES...............................................

31

1.

0 que é uma Constituição? Conceito de Constituição e constitucionalismo. Uma advertência inicial........................................................................................................................

32

2.

Um ponto de partida: 0 conceito histórico-universal e a primeira definição de Constituição: a Constituição material como Constituição reai.................................................

33

2.1.

A Constituição material e 0 seu sentido jurídico-normativo. 0 movimento do Constitucionalismo na Inglaterra do século XVII. A definição de Constitucionalismo...

35

2.2.

0 surgimento das Constituições formais no movimento do constitucionalismo. A Constituição (moderna) como a ordenação sistemática e racional da comunidade política, plasmada em um documento escrito.........................................

37

2.3.

Mas 0 que acontece com a Constituição material? Ela deixa de existir juridicamente com 0 surgimento das Constituições formais?.......................................

39

2.4.

A Constituição formal e a sua relação com a constituição material no decorrer do tempo. Uma rápida advertência! .............................................................................. Última digressão: o que é mesmo a Constituição formal? A definição de supralegalidade desenvolvida e explicitada nos EUA no começo do século XIX........

2.5.

40

3.

Classificações das Constituições: teorias tradicionais e usuais na doutrina pátria...............

40 42

4.

Classificação ontológica (ou essencialista) das Constituições de Karl Lõewenstein..............

54

5.

Reflexões sobre as classificações tradicionais; 0 conceito de bloco de constitucionalidade; e 0 entendimento sobre a denominação intitulada de Neoconstitucionalismo.................................................................................................................

57

6.

Última digressão sobre a classificação das Constituições. 0 nosso ponto de vista (que nós defendemos e não apenas descrevemos): a classificação paradigmática das Constituições, com base na teoria discursiva da Constituição de JLirgen Habermas: uma abordagem crítico-reflexiva das Constituições Clássicas (Estado Liberal), Sociais (Estado Social) e de Estado Democrático de Direito................................................................

68

7.

Sentidos ou concepções do termo Constituição: sentidos clássicos e contemporâneos.....

76

7.1.

A Constituição dirigente de J. J. Gomes Canotilho: 0 debate sobre a constituição dirigente e 0 constitucionalismo moralmente reflexivo................................................

7.2.

A Constituição para a Teoria dos Sistemas de Nihlas Luhmann....................................

7.3.

A Constituição na Teoria Discursiva do Direito e do Estado Democrático de Direito de JUrgen Habermas............................................................................................

87

7.4.

0 Constitucionalismo Abusivo de David Landau.............................................................

91

7.5.

A sociedade aberta de intérpretes da Constituição de Peter Hãberle: Constituição como cultura e processo público................................................................

7.6.

A força normativa da Constituição e a Constituição aberta de Konrad Hesse ...........

7.7.

A Constituição simbólica de Marcelo Neves e as digressões sobre 0 transconstitucionalismo (Tese do Transconstitucionalismo)..........................................

97

7.8.

0 conceito pluridimensional de Constituição de José Adércio Leite Sampaio.............

106

81 85

92 95

11

Bernardo Gonçalves Fernandes 0 (novo) Constitucionalismo plurinacional da América Latina e a sua ruptura paradigmática...................................................................................................................

107

Classificação quanto à aplicabilidade das Normas Constitucionais: Teoria de José Afonso da Silva............................................................................................................................

111

Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais de Carlos Ayres Britto e Celso Ribeiro Bastos...................................................................................................... 10. Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais deMariaHelenaDiniz...

118 119

11. Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais de LuísRobertoBarroso.........

120

7.9. 8.

9.

12. Classificação trabalhada por Uadi Lammêgo Bulos das normas constitucionais de eficácia exaurida.........................................................................................................................

120

13. Estrutura e Elementos das Constituições..................................................................................

120

2 PODER CONSTITUINTE

125

1.

Introdução.................................................................................................................................. 1.1. Um conceito preliminar de Poder Constituinte.............................................................. 1.2. Revelar, dizer ou criar uma Constituição?......................................................................

125 125 126

2. 3.

Três Leituras Concorrentes no Discurso Jurídico Atual............................................................. Poder Constituinte Originário..................................................................................................... 3.1. Conceito e natureza jurídica............................................................................................

127 129 129

Classificação...................................................................................................................... Características do Poder Constituinte Originário............................................................ Titularidade do Poder Constituinte Originário................................................................ Poder Constituinte Originário e direitos adquiridos......................................................

131 132 135 137

3.6. Dinâmica constitucional.................................................................................................... Poder Constituinte Derivado de Reforma da Constituição: Espécies e Limitações................ 4.1. Análise específica do Poder Constituinte derivado de revisão da Constituição.........

138 142 145

3.2. 3.3. 3.4. 3.5.

4.

Análise específica do Poder Constituinte derivado de reforma via emendas............

146

Poder Constituinte (Derivado) Decorrente: Espécies, Caracteres e Limitações......................

157

Poder Constituinte e Patriotismo Constitucional: Uma Releitura Contemporânea e Sofisticada da Teoria do Poder Constituinte.............................................................................

160

HERMENÊUTICA E HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL................ -............... ........

167

Da Hermenêutica Filosófica à Hermenêutica Jurídica................................................................ 1.1. Esclarecimentos iniciais: hermenêutica x interpretação................................................ 1.2. 0 desenvolvimento histórico da Hermenêutica: do movimento protestante ao giro hermenêutico e linguístico....................................................................................... 1.2.1. A Hermenêutica clássica..................................................................................... 1.2.2. A Hermenêutica no movimento do giro hermenêutico e do giro linguístico... 1.3. A Hermenêutica na Ciência Jurídica: do século XVIII ao século XX (ou do Estado Liberal ao Estado Social)............................... ~............. 1.3.1. Uma disputa inicial: voiuntos iegistatoris x voluntas fegís................................... 1.3.2. Os métodos clássicos de interpretação............................................................. 1.3.3. A interpretação do Direito na Teoria Pura de Kelsen.......................................

167 167

4.2.

5. 6.

3 1.

1.3.4.

12

0 Positivismo jurídico atual: Positivismo Exclusivista e Inclusivista e 0 Não Positivismo...................................................................................................

169 169 174

178 178 181 184 187

SumArio 2.

A Hermenêutica Constitucional...................................................................

2.1.

2.2. 2.3.

191 199

206 206

2.3.2. 2.3.3.

Ronald Dworkin e a Teoria da Integridade......................................................... John Hart Ely e sua concepção procedimental dedemocracia.........................

208 210

2.3.4.

Cass R. Sunstein: minimalismo judicial e as personasconstitucionais..............

2.3.5.

Adrian Vermeule e a virada institucional...........................................................

2.3.6. 2.3.7.

Mark Tushnet e 0 Constitucionalismo popular.................................................. Barry Friedman e 0 constitucionalismo popular mediado: levando a Constituição para além das Cortes..................................................................... 0 Constitucionalismo Democrático da Escola de Yale: Robert Post e Reva Siegel. A análise do efeito Backlash.................................................................... Jeremy Waldron e sua crítica ao judicial review................................................

212 220 224

2.3.8.

2.3.9.

2.4.

191

A Hermenêutica Jurídica na era da Hermenêutica Constitucional................................. Métodos de interpretação constitucional....................................................................... 0 debate no Direito Constitucional norte-americano: para além do debate entre interpretativistas e não interpretativistas: R. Dworkin, J. H. Ely, C. Sunstein, A. Vermeule, M. Tushnet, B. Friedman, Robert Post e Reva Siegel, J. Waldron, L. Tribe, R. Posner e M. Sandel............................................................................................. 2.3.1. Introdução............................................................................................................

226 232 249

2.3.10. Laurence Tribe: Constitutional choices................................................................ 2.3.11. Richard Posner: a análise econômica do direito e 0 movimento antiteórico.... 2.3.12. Michael Sandel e sua Filosofia Política: justice.................................................. A Hermenêutica Constitucional no paradigma do Estado Democrático de Direito: a ponderação de princípios por meio da técnica da proporcionalidade....................

253 255 260

2.4.1. 2.4.2. 2.4.3.

264 265

2.4.4. 2.4.5. 2.4.6.

Considerações iniciais..........................................................................................

Princípios e regras .............................................................................................. A Teoria dos princípios de Humberto Ávila e suas contribuições para a derrotabilidade................................................................................................... Proporcionalidade x Razoabilidade.................................................................... A estrutura "racional" da proporcionalidade...................................................

264

270 275 277

A distinção das teorias de Alexy (ponderação de princípios pela proporcionalidade) e Dworkin (integridade do direito)..................................

282

2.4.7.

A racionalidade das decisões judiciais: uma apreciação crítica à luz da teoria discursiva do direito e da democracia de Jíirgen Habermas...............

285

2.4.8.

A Hermenêutica jurídica na Doutrina pátria: as contribuições de Lenio Streck em "Verdade e Consenso".......................................................................

287

HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS........................................................

295

4 1.

Introdução: advertência ............................................................................................................

295

2. 3.

Antecedentes históricos do nosso constitucionalismo.............................................................. A Constituição do Império de 1824.............................................................................................

296 296

4.

A Constituição da República de 1891..........................................................................................

299

5.

A Constituição de 1934.................................................................................................................

303

6.

A Constituição de 1937.................................................................................................................

306

7. 8.

A Constituição de 1946.................................................................................................................

309 313

A Constituição de 1967................................

9. A Constituição de 1969 (EC n» 01/69)........................................................................................... 10. A Constituição de 1988.................................................................................................................

315 316 13

Bernardo Gonçalves Fernandes

PARTE 2 DIREITO CONSTITUCIONAL

5 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS (ESTRUTURANTES) DA CONSTITUIÇÃO DE 1988....

323

1. 2.

Introdução..................... A noção de Princípios Jurídicos e sua reconstrução a partir do movimento do póspositivismo..................................................................................................................................

323

3.

Classificação dos Princípios Estruturantes.........................................................................

328

4.

Princípio Republicano.................................................................................................................

329

5.

Princípio do Estado Democrático de Direito............................................................................. 5.1. Introdução: a conexão interna entre Direito e Democracia.......................................... 5.2. Estado de Direito..............................................................................................................

33° 330 331

5.3.

323

Democracia........................................................................................................................

333

6.

Princípio Federativo....................................................................................................................

337

7.

Princípio da Separação de Poderes...........................................................................................

338

8.

Fundamentos do Estado brasileiro...........................................................................................

342

8.2. 8.3.

Introdução........................................................... -............................................................ Soberania.......................................................................................................................... Cidadania..........................................................................................................................

342 343 344

8.4. 8.5.

Dignidade Humana............................................................................................................ Valores Sociais do Trabalho e da Livre Iniciativa...........................................................

345 352

8.6.

Pluralismo Político.............................................................................................................

Princípios que fixam os objetivos primordiais a serem perseguidos pela CR/88..................

355 356

10. Princípios que traçam diretrizes a serem adotadas nas relações internacionais.................

357

8.1.

9.

6 TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.......................................................

359

0 que são direitos fundamentais?............................................................................................. 1.1. Introdução: Direitos Humanos e Direitos Fundamentais................................................ 1.2. As dimensões subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais ...................................

359 359 362

1.3.

Classificação dos direitos fundamentais: constitucional-literal.....................................

363

1.4.

Classificação dos direitos fundamentais: Gerações de direitos fundamentais...........

365

1.5.

Direitos Fundamentais e suas funções: Uma análise introdutória................................

372

1.6. 1.7. 1.8. 1.9.

Direitos Fundamentais como direitos de defesa........................................................... Direitos Fundamentais como normas de proteção deinstitutos jurídicos..................... Direitos Fundamentais como garantias positivas para 0 exercício dasliberdades......

1.

Direitos Fundamentais como Garantias Institucionais.....................................................

374 376 376 379

2.

1.10. Deveres Fundamentais..................................................................................................... Estrutura das normas sobre direitos fundamentais:direitos ou valores?.............................

379 383

3.

Características dos direitos fundamentais................................................................................

384

4. 5.

Titulares dos direitos fundamentais..........................................................................................

388

Vinculação dos Poderes Públicos...............................................................................................

390

6.

Limites (Restrições) aos direitos fundamentais e atese doslimites dos limites...................

391

7.

Suporte fático dos direitos fundamentais.................................................................................

396

14

Sumario Elementos do suporte fático............................................................................................

396

7.1.1.

Suporte fático, âmbito de proteção e intervenção nas diferentes espécies de normas de direitos fundamentais.................................................

397

7.1.2.

A crítica de Virgílio Afonso da Silva: o elemento da ausência de fundamentação constitucional.............................................................................

399

Espécies de suporte fático...............................................................................................

400

8.

Colisões entre Direitos Fundamentais e a crítica a elas...........................................................

403

9.

Eficácia dos direitos fundamentais nasrelações

7.1.

7.2.

privadas: eficácia horizontal....................

409

10. Direitos Humanos......................................................................................................................... 10.1. Histórico dos Direitos Humanos apartir de uma perspectiva clássica..........................

418 418

10.2. Etapa de Conversão em DireitoPositivo.......................................................................... 10.3. Etapa de Generalização....................................................................................................

418

10.4. Etapa de Internacionalização........................................................................................... 10.4.1. Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos...............................

420 421

10.5. Universalismo, Relativismo (cultural) e Multiculluralismo..............................................

427

10.5.1. Introdução.............................................................................................................

427

10.5.2. Alcance e aplicabilidade dos direitos humanos: universalismo e relativismo cultural.............................................................................................. 10.5.3. Diferentes correntes do universalismo e do relativismo cultural....................

428 430

10.5.4. Críticas à dicotomia entre 0 universalismo e 0 relativismo: multiculluralismo.................................................................................................. 10.5.5. Integridade Transnacional dos Direitos Humanos..............................................

10.5.6. Considerações finais............................................................................................

419

431 434 436

11. Justiça de transição......................................................................................................................

437

11.1. Introdução.......................................................................................................................... 11.2. Conceito e Características................................................................................................

11.3. Elementos da Justiça de Transição................................................................................... 11.3.1. Justiça..................................................................................................................... 11.3.2. verdade e Memória............................................................................................. 11.3.3. Reparação das vítimas e de suas famílias.........................................................

437 439 440 440 442 444

11.3.4. A Justiça de Transição noBrasil.............................................................................

446

12. Direito dos animais......................................................................................................................

449

13. Estatuto da Pessoa com Deficiência...........................................................................................

455

7 DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS E COLETIVOS NA CONSTITUIÇÃO

DE 1988............................................................................................................................

463

1.

Introdução: a noção de dignidade da pessoa humana como postulado/axioma justificante dos direitos fundamentais.......................................................................................

463

2. 3.

Vida............................................................................................................................................... Liberdade..................................................................................................................................... 3.1. Liberdade de ação............................................................................................................ 3.2. Liberdade de manifestação de pensamento ede expressão .......................................

469 482 484 484

3.3.

Liberdade de Consciência e Liberdade decrença..........................................................

515

3.4.

3.3.1. Liberdade de Consciência.................................................................................... 3.3.2. Liberdade de crença............................................................................................ Liberdade de locomoção ................................................................................................

515 517 532 15

Bernardo Gonçalves Fernandes 3.5. 3.6. 3.7.

Liberdade de profissão..................................................................................................

Liberdade de reunião...................................................................................................... Liberdade de associação.................................................................................................

533 534 538

4.

Igualdade.....................................................................................................................................

343

5.

Propriedade................................................................................................................................

565

Conceito de propriedade................................................................................................. Função Social da propriedade......................................................................................... Formas de intervenção estatal no direito de propriedade: Servidão, Desapropriação e Requisição.........................................................................................

565 367

5.1. 5.2. 3.3.

5.3.1. 5.3.2. 5.3.3.

568

Servidão ..............................................................................................................

568

Desapropriação.................................................................................................... Requisição............................................................................................................

568 373

Proteção constitucional ao bem de família....................................................................

573

6.

Direito à Privacidade, Direito à Intimidade e Direito à Imagem.............................................

575

7.

Quebras de sigilos: de correspondência, comunicação telegráfica e de dados. Interceptação telefônica e gravação clandestina....................................................................

579

8.

A inviolabilidade do domicílio....................................................................................................

593

9.

Direito Adquirido, Ato Jurídico Perfeito e Coisa Julgada..........................................................

599

10. 0 direito ao devido processo legal (constitucional) e seus princípios correlatos................. 10.1. Devido Processo Legal, Contraditório, Ampla Defesa, Juiz Natural, Acesso à Justiça e Duração Razoável do Processo........................................................................ 10.2. Presunção da Inocência e sua análise jurisprudencial..................................................

614

614 626

10.3. Garantias Constitucionais de cunho Penal e Processual Penal à luz da Dignidade da pessoa Humana........................................................................................................... 10.4. Juiz das Garantias e o Pacote anticríme da Lei n»i3.964 de 24.12. 2019....................... 10.5. Tribunal do Júri na Constituição de 1988 e na legislação infraconstitucional..............

660 677 685

11. Provas ilícitas e as provas lícitas derivadas das provas ilícitas.............................................

691

12. colaboração premiada e seus reflexos no STF........................................................................

698

13. Direito Geral de informação, direito de certidão e direito de petição..................................

713

14. Diferença entre 0 Princípio da legalidade e 0 Princípio da reserva legal.............................. 15. A questão dos Tratados Internacionais frente a Constituição: A nova exegese dos Tratados Internacionais de direitos humanos......................................................................... 16. 0 Tribunal Penal Internacional e a posição do Brasil frente a ELE..........................................

721

5.4.

723 726

8 AÇÕES CONSTITUCIONAIS................................................................. 1.

Mandado de segurança.............................................................................................................. 1.1. Conceito............................................................................................................................. 1.2. Requisitos do Mandado de Segurança...........................................................................

731 731 732

1.3. 1.4. 1.5. 1.6.

Espécies de Mandados de Segurança............................................................................ Direito Líquido e Certo..................................................................................................... Cabimento......................................................................................................................... Legitimidade do Mandado de Segurança.......................................................................

735 735 737 746

1.7. 1.8.

Competência no Mandado de Segurança........................................................................ Procedimento....................................................................................................................

753 757

1.9.

Decisão, Efeitos e Recursos Possíveis..............................................................................

1.10. Prazo do Mandado de Segurança.................................................................................... 16

731

765 771

SumArio 2.

3.

Mandado de Segurança Coletivo...............................................................................................

775

2.1. 2.2. 2.3.

Conceito.............................................................................................................................. Finalidades......................................................................................................................... Legitimidade do Mandado de Segurança Coletivo........................................................

775 776 776

2.4. Procedimento.................................................................................................................... 2.5. Decisão e Seus Efeitos...................................................................................................... Mandado de injunção................................................................................................................. 3.1. ^onceito e Antecedentes Históricos................................................................................. 3.2. Finalidades......................................................................................................................... 3.3. Espécies de Mandado de Injunção..................................................................................

781 782 787 787 788 788

Requisitos...................................... .................................................. Legitimidade.......................................................................................................................

789 791 793 794

3.4. 3.5. 3.6. 3.7. 3.8.

Competência..................................................................................................................... Procedimento..................................................................................................................... Decisão, recursos viáveis e 0 relevante debate dos efeitos da decisão concessiva da injunção..................................................................................................... Considerações Finais........................................................................................................

796 808

Habeas Data.............................................................................................................................. 4.1. Conceito.............................................................................................................................. 4.2. Cabimento............................ 4.3. Legitimidade..................................................................................................................... 4.4. Competência....................................................................................................... 4.5. Procedimento....................................................................................................................

810 810 811 812 814 815

Decisão.................................... Considerações finais......................................................................................................... Popular................................................................................................................................ Antecedentes Históricos...................................................................................................

816 818 819 819

5.2. 5.3. 5.4. 5.5.

Conceito.............................................................................................................................. Requisitos da Ação Popular.............................................................................................. Legitimidade....................................................................................................................... Procedimento.....................................................................................................................

820 821

5.6. 5.7. 5.8.

Competência...................................................................................................................... Decisão na Ação Popular.................................................................................................. Considerações finais.........................................................................................................

826

3.9. 4.

5.

6.

7.

4.6. 4.7. Ação 5.1.

822 825 828 829

Habeas corpus............................................................................................................................... 6.1. Origem do habeas corpus, a doutrina brasileira do habeas corpus e a sua inserção nasConstituições pátrias (breve histórico).......................................................

830

6.2. 6.3.

Conceito e natureza jurídica do instituto........................................................................ Algumas características da ação de habeas corpus.......................................................

833 834

6.4. 6.5. 6.6.

Espécies de habeas corpus.............................................................................................. Cabimento do habeas corpus.......................................................................................... Legitimidade ativa e passiva............................................................................................

835 837

6.7. 6.8. 6.9.

Competência ..................................................................................................................... Procedimento, decisão e recursos cabíveis.................................................................... Considerações finais.........................................................................................................

847 850

Reclamação..................................................................................................................................

869 869 869

7.1. 7.2.

Introdução.......................................................................................................................... Conceito e Natureza Jurídica............................................................................................

830

845

852

17

Bernardo Gonçalves Fernandes 7.3.

Hipóteses de Cabimento..................................................................................................

871

7.3.1. 7.3.2.

Para preservar a competência do Tribunal........................................................

872

Para garantir a autoridade de decisão do Tribunal...........................................

873

7.3.3. 7.3.4.

Para Garantir a Observância de Súmulas vinculantes do STF........................... Para garantir a observância de decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade........................................................................................ Para garantir a observância ao precedente proferido em julgamento de resolução de demandas repetitivas e ao precedente proferido em incidente de assunção de competência............................................................

875

7.3.5.

876

877

Reclamação proposta contra decisão que tenha descumprido tese fixada pelo STF em recurso extraordinário julgado sob 0 rito da repercussão geral...............................................................................................

878

7.4.

Da Legitimidade................................................................................................................

880

7.5.

Do Procedimento..............................................................................................................

883

DOS DIREITOS SOCIAIS..................................................................................................

887

7.3.6.

9 1.

Introdução....................................................................................................................................... 1.1. Conceito e desenvolvimento- perspectiva histórica.....................................................

2.

Os Direitos Sociais: características, vinculatividade e delimitação constitucional: Das normas programáticas aos direitos subjetivos prima facie.........................................................

3.

A ideia de um "mínimo existencial".........................................................................................

4.

887 887

889

A "cláusula" da reserva do possível comolimite de implementação dos direitos sociais...

892 894

5.

Princípio da Proibição (vedação) doRetrocesso......................................................................

901

6.

Classificação dos Direitos Sociais..............................................................................................

903

7.

Direitos Sociais do Trabalhador................................................................................................

905

8.

Direitos Sociais da Seguridade Social.......................................................................................

919

Direito à Saúde................................................................................................................. Direito à Previdência Social.............................................................................................

919 921

8.3. Direito à Assistência Social.............................................................................................. Direitos Sociais à Educação e à Cultura.................................................................................... 9.1. Direito à Educação...........................................................................................................

922

8.1. 8.2.

9.

9.2.

922 922

Direito à Cultura................................................................................................................

924

10. Direitos relativos à moradia............................................ 11. Direitos Sociais ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado.............................................

926 926

12. Direitos Sociais da Criança, do Adolescente, do Jovem e doIdoso.........................................

928

10 DIREITOS DA NACIONALIDADE...................................................................................

931

1.

Conceito de nacionalidade e algumas definições: povo, população, nação e cidadão.......

931

2. 3.

Natureza jurídica dos direitos de nacionalidade.....................................................................

Espécies de nacionalidade.........................................................................................................

932 932

4.

Critério de aquisição da nacionalidade primária ....................................................................

932

5.

Critério de aquisição da nacionalidade secundária.................................................................

933

6.

Análise específica do Brasil........................................................................................................

933

6.1.

933

18

Nacionalidade primária.....................................................................................................

Sumario 6.2.

Nacionalidade secundária...............................................................................................

936

7.

Distinção entre brasileiros natos e naturalizados....................................................................

942

8. 9.

Perda do direito de nacionalidade ..........................................................................................

944

Reflexões sobre a lei de migração (Lei n» 13.445/2017). Extradição, transferência de execução de pena e de pessoa condenada. Das medidas de retirada compulsória: expulsão, deportação e repatriação. Asilo Político e Refúgio................................................. 9.1. A nova Lei de Migração (Lei n° 13.445/2017)....................................................................

950 95°

Extradição ........................................................................................................................ 9.2.1. Conceito de extradição.......................................................................................

954 954

Espécies de extradição........................................................................................ Procedimento para a extradição e decisão sobre ela.....................................

954

9.2.4. Requisitos para a extradição............................................................................... Transferência de Execução de Pena e da Pessoa Condenada......................................

960 978

9.2.

9.2.2. 9.2.3.

9.3. 9.4.

9.5.

956

Das Medidas de Retirada Compulsória...........................................................................

980

9.4.1.

Expulsão................................................................................................................

9.4.2. 9.4.3.

Deportação........................................................................................................... Repatriação..........................................................................................................

981 986 988

Asilo Político e Refúgio......................................................................................................

988

11 DIREITOS POLÍTICOS

995

1.

Conceito........................................................................................................................................

2.

Espécies.......................................................................................................................................

995

3.

Direito de Sufrágio: núcleo dos Direitos Políticos..................................................................... 3.1. Conceito de Sufrágio.........................................................................................................

1004 1004 1005 1006

3.2. 3.3.

4. 5. 6.

Espécies de Sufrágio.......................................................................................................... Digressões sobre 0 voto...................................................................................................

Sistemas eleitorais...................................................................................................................... Direitos políticos positivos ........................................................................................................ Direitos políticos negativos........................................................................................................ 6.1. Espécies..............................................................................................................................

995

1009 1012 1019 1019

7.

Perda ou suspensão dos direitos políticos...............................................................................

1053

8.

Princípio da anualidade (ou da anterioridade)da legislação eleitoral..................................

1059

9.

Dos partidos políticos................................................................................................................. 9.1. Financiamento de campanha. Acesso ao rádio e à televisão. Debates eleitorais. Fidelidade partidária e extinção do mandato................................................................ 9.1.1 Financiamento de Campanha...............................................................................

1061

9.1.2.

Acesso ao Rádio e à Televisão (Direito de Antena) .........................................

1094

9.1.3.

Debates Eleitorais...............................................................................................

1101

9.1.4.

Fidelidade Partidária e a Extinção dos Mandatos ...........................................

1103

10. Vacância de cargos políticos no sistema majoritário................................................................

1112

1072 1073

12 ORGANIZAÇÃO DO ESTADO..................................................................

1117

1.

Introdução....................................................................................................................................

1117

2.

Espécies ou tipos de formas de Estado....................................................................................

1117

19

Bfrnahoo Gonçalves Ffrnanofs 3.

Análise específica do Federalismo presente em nossa atual Constituição............................

1122

4.

Técnicas de repartição de competências.................................................................................

1133

5.

Análise DA repartição de competências na constituição de 1988...........................................

1135

6.

Considerações finais sobre a organização do estado: Princípio da Simetria. Regiões Administrativas ou de Desenvolvimento. 8ens da União. Bens dos Estados. Homogeneidade Federativa. Análise dos Territórios. Complementações sobre o Distrito Federal. Criação de Novos Estados. Criação de Novos Municípios............................

1198

13 DA INTERVENÇÃO FEDERAL.........................................................................................

1213

Princípios que regem a intervenção federal............................................................................

1213

Princípio da excepcionalidade......................................................................................... Princípio da Taxatividade................................................................................................ Princípio da temporalidade............................................................................................

1213 1214 1214

2.

Conceito.......................................................................................................................................

1215

3.

4.

Procedimentos........................................................................................................................... Intervenção Estadual..................................................................................................................

1215 1221

5.

A recente intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro..................................................

1223

1.

1.1.

1.2. 1.3.

14 PODER LEGISLATIVO

1227

1.

Funções........................................................................................................................................ 1.1. Funções típicas..................................................................................................................

1227 1227

Funções atípicas................................................................................................................

1228

2.

Composição e atribuições.......................................................................................................... Comentários sobre 0 Teto Remuneratório: um histórico recente.................................

1228 1236

Funcionamento e Estrutura do Poder Legislativo.....................................................................

1243

3.1.

1243

1.2.

2.1. 3.

Funcionamento.................................................................................................................. 3.1.1.

Legislatura ...........................................................................................................

1243

3.1.2.

Sessão legislativa ordinária (sessãolegislativa)................................................

3.1.3.

3.1.5. 3.1.6.

Período legislativo .......................................................................................... Sessão preparatória .......................................................................................... Sessão ordinária ................................................................................................. Sessão extraordinária........................................................................................

1243 1243 1244 1244 1246

3.1.7. 3.1.8.

Sessão legislativa extraordinária...................................................................... Sobre os Quóruns...............................................................................................

1246 1248

Estrutura das Casas legislativas...................................................................................... 3.2.1. Mesas das Casas. 0 que sãoas mesas?..............................................................

1249 1249

Comissões.............................................................................................................

1252

Estatuto dos Congressistas........................................................................................................

4.1. Conceito.............................................................................................................................. 4.2. Análise................................................................................................................................ 4.3. Imunidade Material..............................................................................................

1264 1264 1264 1265

4.4.

imunidade Formal.............................................................................................................

1272

4.5.

Outras Imunidades dos Parlamentares...........................................................................

1307

3.1.4.

3.2.

3.2.2. 4.

20

Sumário Impedimentos e vedações dos Parlamentares. Perda de mandato dos Parlamentares e Temas Conexos. Caso do Mensalão (AP n»47o)..................................

1311

Da Fiscalização contábil, financeira e orçamentária e dos Tribunais de Contas....................

1332

4.6. 5.

15 PROCESSO LEGISLATIVO...............................................................................................

1355

1.

Conceito........................................................................................................................................ 1.1. Conceito jurídico................................................................................................................ 1.2. Conceito sociológico.........................................................................................................

1355 1355 1355

2. 3.

Espécies Normativas Primárias ................................................................................................. Tipos de processo legislativo..................................................................................................... 3.1. No que diz respeito à organização política.................................................................... 3.2. No que diz respeito ao aspecto técnico jurídico...........................................................

1355 1356 1356 1356

4.

Fases 4.1. 4.2. 4.3. 4.4.

do processo legislativo..................................................................................................... Fase introdutória (de iniciativa)....................................................................................... Fase constitutiva............................................................................................................... Fase complementar (integração de eficácia).................................................................. Observações sobre a fase de iniciativa ou introdutória............................................... 4.4.1. Conceito de iniciativa...........................................................................................

1358 1358 1358 1358 1358 1358

4.4.2. Espécies de iniciativa................. 4.4.3. Observações finais sobre a fase de iniciativa.................................................. Processo Legislativo Ordinário - lei ordinária........................................................................... Processos Legislativos Especiais - Leis Complementares ....................................................... 6.1. Leis Complementares: Conceito....................................................................................... 6.2. Procedimento para elaboração de leis complementares............................................ Processos Legislativos Especiais - Leis Delegadas.................................................................... 7.1. Leis Delegadas: Conceito.................................................... 7.2. Procedimentos.................................................................................................................. Medidas Provisórias.................................................................................................................... 8.1. Conceito.............................................................................................................................. 8.2. Diferenças: Antes e depois da EC n- 32/01 da CR/88 .......................................................

1358 1359 1364 1376 1376 1376 1380 1380 1381 1383 1383 1383

Procedimentos de tramitação de uma MP...................................................................... 8.3.1. Aprovação de uma Medida Provisória sem emendas......................................

1390 1390

8.3.2. Aprovação de uma Medida Provisória com emendas...................................... Observações Finais sobre as medidas provisórias........................................................

1391 1397

Processo Legislativo Especial das Emendas Constitucionais .................................................... Conceito.............................................................................................................................. 9.2. Procedimento..................................................................................................................... 10. Processo Legislativo especial dos Decretos Legislativos e Resoluções...................................

1405 1405 1405 1413

10.1. Conceito geral.................................................................................................................... 10.2. Conceito de Decreto Legislativo....................................................................................... 10.3. Procedimento do Decreto Legislativo..............................................................................

10.4. Conceito de Resoluções.....................................................................................................

1413 1413 1413 1413

10.5. Procedimento das Resoluções.........................................................................................

1414

5. 6.

7.

8.

8.3.

8.4.

9.

9.1.

16 PODER EXECUTIVO

1415 21

Bernardo Gonçalves Fernandes 1.

Introdução...................................................................................................................................

1415

2.

Funções........................................................................................................................................ 2.1. Função típica do Poder Executivo..................................................................................

1415 1415

2.2.

1416

3.

Sistema degoverno: Presidencialismo,Parlamentarismo e Semipresidencialismo.................

1416

3.1.

Conceito.............................................................................................................................

1416

3.2. 4.

5.

6.

Funções atípicas do Poder Executivo.............................................................................

Principais espécies..........................................................................................................

1416

Reflexões sobre 0 Presidencialismo de Coalizão......................................................................

1420

4.1. 4.2.

Introdução: Heterogeneidade, Dilema Institucional e Presidencialismo de Coalizão.. A Dinâmica do Presidencialismo de Coalizão: Eixo Partidário-Parlamentar, Eixo Regional e índices de Fracionamento Governamental. As considerações acerca do presidencialismo de coalizão em relação ao atual momento político brasileiro..

1420

4.3.

Considerações Finais.......................................................................................................

1427

Estrutura do Poder Executivo.................................................................................................... 5.1. Presidente: requisitos para 0 cargo, modo de investidura e atribuições................... 5.2. Vice-Presidente: requisitos para o cargo, modo de investidura e atribuições...........

1428 1429

5.3. Ministros de Estado: requisitos para 0 cargo, modo de investidura e atribuições.... 5.4. Conselho da República e Conselho da Defesa............................................................... Crimes de Responsabilidade e Crimes Comuns do Presidente da República.......................

1444 1451 1452

6.1.

6.2.

6.3.

1422

1443

Crimes de responsabilidade do Presidente da República............................................

1454

6.1.1. 6.1.2.

Conceito................................................................................................................ Procedimento...........................................

1454 1455

6.1.3.

Crime de responsabilidade do Vice-Presidenteda República..........................

Crimes Comuns do Presidente da República................................................................. 6.2.1. Conceito...............................................................................................................

1480 1483 1483

6.2.2. Procedimento...................................................................................................... Crimes dos Governadores de Estado e dos Prefeitos...................................................

1483 1486

17 PODER JUDICIÁRIO 1. 2.

3.

Funções do Poder Judiciário...................................................................................................... órgãos do Poder Judiciário: introdução....................................................................................

1495 1496

2.1 Análise do Conselho Nacional de justiça (CNJ)....................................................................

1497

Garantias.....................................................................................................................................

1517 1518 1522 1522 1523

3.1. 3.2.

Garantias Institucionais.................................................................................................... Garantias dos membros................................................................................................. 3.2.1. A vitaliciedade..................................................................................................... 3.2.2. Inamovibilidade .................................................................................................

Estrutura e composição dos órgãos do Poder Judiciário ....................................................... 5.1. Supremo Tribunal Federal............................................................................................... 5.2. Uma pequena Reflexão Crítica: quiscustodietipsos custodes?........................................ 5.3. Súmulas Vinculantes................................................................

1524 1526 1532 1533 1580 1587

A Teoria dos Precedentes nonovoCPC de 2015...... ........................................................ 5.4.1. Introdução............................................................................................................

1601 1601

5.4.2.

1602

3.2.3. 4. 5.

A irredutibilidade dos subsídios.......................................................................

Observações importantes sobre 0 Poder Judiciário................................................................

5.4.

22

1495

Conceito................................................................................................................

Sumário 5.4.3. 5.4.4.

Fundamentos do Respeito aos Precedentes: SegurançaJurídica...................... Eficácia Jurídica e Efeitos dos Precedentes.......................................................

1605 1606

5.4.5. 5.4.6.

Deveres Gerais dos Tribunais relacionadosaos precedentes........................... A dinâmica da aplicação dos precedentes........................................................

1614 1618

5.4.7.

Algumas considerações críticas quanto à teoria dos precedentes no novo CPC/2015......................................................................................................

5.5.

Superior Tribunal de Justiça.............................................................................................

1622 1626

5.6.

Tribunal Superior do Trabalho e a Justiça do Trabalho .................................................

1636

5.7.

Tribunal Superior Eleitoral e a Justiça Eleitoral...............................................................

1643

5.8.

Superior Tribunal Militar e a Justiça Militar.....................................................................

1645

Tribunais Regionais Federais e Juizes Federais e Tribunais de Justiça e Juizes de Direito................................................................................................................................. 5.10. Considerações Finais sobre 0 Poder Judiciário.............................................................. 5.10.1. Justiça de Paz.......................................................................................................

1652 1668 1668

5.9.

5.10.2. Quinto Constitucional...........................................................................................

1671

5.10.3. Juizados Especiais....................... 6. Precatórios.....................................................................................................................................

1674 1676

6.1.

Emenda Constitucional n° 62/2009 e o entendimento do STF.........................................

1686

6.2.

Emenda Constitucional n° 94/2016 e a Emenda Constitucional n« 99/2017....................

1693

6.3.

A questão da incidência dos juros de mora nos precatórios........................................

1698

6.4.

A questão da constitucionalidade do art. 86 do ADCT inserido pela Emenda Constitucional ^37/2002...................................................................................................

1700

FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA ___ ___ ________________________________ -

1703

18 1.

Ministério Público .......................................................................................................................

1703

2.

Advocacia pública........................................................................................................................

1740

3.

Advocacia.....................................................................................................................................

1749

4.

Defensoria pública.......................................................................................................................

1759

19 DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS.......

1779

1.

Introdução: Finalidade das Medidas.........................................................................................

1779

2.

Princípios Noneadores................................................................................................................

1780

3.

Estado de Defesa.........................................................................................................................

1782

4.

3.1.

Conceito e Hipóteses........................................................................................................

1782

3.2.

Hipóteses............................................................................................................................

1782

3.3.

3.2.1. Requisitospara a Decretação.............................................................................. Procedimento...................................................................................................................

1782 1783

3.4. 3.5.

Prazo ................................................................................................................................. Abrangência........................................................................................................................

1783 1783

3.6.

Controle.............................................................................................................................

1784

3.7.

Restrições de Direitos.......................................................................................................

1784

Estado de Sítio.............................................................................................................................

1785

Conceito................................................................................................ Hipóteses............................................................................................................................

1785 1785

4.1. 4.2.

23

BtHNAROo

Gonçalves Fernandes

4.3. 4.4.

Procedimento.................................................................................................................... Prazo........... .....................................................................................................................

1786 1787

4.5. 4.6. 4.7.

Abrangência............................................-........................................................................... Controle............................................................................................................................. Restrições.........................................................................................................................

1787 1787 1788

5.

Forças Armadas...........................................................................................................................

1789

6.

Segurança Pública....................................................................................................................... 6.1. Polícias da união..............................................................................................................

1793 1794

6.2. 6.3.

Polícias dos Estados.......................................................................................................... Polícias Penais Federal,Estaduais e Distrital...................................................................

1795 1797

6.4. 6.5.

Considerações importantes sobre as Polícias civis e Militares..................................... Polícia do Distrito Federal................................................................................................

1804

6.6.

Polícia dos Municípios......................................................................................................

6.7.

Segurança Viária...............................................................................................................

1798 1804 1808

20 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

1809

1.

Conceito.......................................................................................................................................

2.

Espécies (tipos) de inconstitucionalidade................................................................................

1811

3.

Matrizes e Modalidades de Controle de Constitucionalidade................................................

1820

4. 5.

Análise do Brasil: Regra geral e exceções (outros controles).................................................

1826

Notas históricas sobre o controle de constitucionalidade judicial ........................................

1834

6.

Análise específica da Regra Geral............................................................................................ 6.1. Controle difuso-concreto no Brasil: Procedimento........................................................

1838 1838

6.2. 6.3.

6.4.

6.5. 6.6. 6.7.

24

1810

Controle difuso-concreto no Brasil: Efeitos e a análise da tese da mutação constitucional.................................................................................................................... Algumas observações finais sobre 0 controle difuso in concreto: Reinterpretação e modificação de decisão proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade, Modulação de efeitos no juízo de nao recepção. Quórum no juízo de não recepção, e a Questão do Controle difuso via Ação Civil Pública.....

1864

Controle Concentrado de Constitucionalidade no Brasil. ADI - Ação Direta de inconstitucionalidade........................................................................................................ 6.4.1. Conceito................................................................................................................ 6.4.2. Parâmetro e Objeto da ADI..................................................................................

1867 1867 1867

6.4.3. Legitimidade....................................... .......................................................... 6.4.4. Procedimento da ADI.......................................................................................... 6.4.5. Julgamento da ADI................................................................................................ 6.4.6. Algumas observações finais sobre a ADI........................................................... Procedimento da medida cautelar.................................................................................. Procedimento especial (diferenciado) na ADI................................................................ ADC - Ação Declaratória de Constitucionalidade............................................................. 6.7.1. Conceito.................................................................................................................

1887 1891 1901 1922 1932 1934 1935 1935

6.7.2. 6.7.3.

Objeto.................................................................................................................... Finalidade da ADC................................................................................................

1935 1936

6.7.4. 6.7.5. 6.7.6.

Legitimidade......................................................................................................... Procedimento....................................................................................................... Julgamento da ADC...............................................................................................

1936 1938

1846

1936

SUMÁSIQ

6.7.7.

Efeitos da decisão da ADC...................................................................................

1938

6.7.8.

Observações finais sobre a ADC..........................................................................

1939

Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO).......................................................

1940

Conceito.............................................................................................................................. Objeto................................................................................................................................. Legitimidade...................................................................................................................... Espécies de ADI por omissão (ADO)................................................................................. Procedimento.................................................................................................................... 7.5.1. Procedimento da ADI por omissão total............................................................. 7.5.2. Procedimento da ADI por omissão parcial......................................................... Julgamento da ADI por omissão total ou parcial............................................................. 7.6.1. Efeitos da decisão de uma ADI por omissão (ADO)...........................................

1940 1941 1942 1942 1943 1943 1944 1945 1945

Observações finais sobre a ADI por omissão (ADO).......................................................

1950

Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva (Representação de Inconstitucionalidade Interventiva) ..........................................................................................

1953

8.4.

Conceito.............................................................................................................................. Finalidades......................................................................................................................... Objeto.................................................... .................. Legitimidade ativa.............................................................................................................

1953 1953 1953 1954

8.5. 8.6. 8.7. 8.8.

Procedimento..................................................................................................................... julgamento......................................................................................................................... Efeitos da decisão: provimento de uma ADIinterventiva............................................... Observações finais sobre a ADI interventiva..................................................................

1954 1956 1956

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ............................................

1958

9.1. 9.2. 9.3.

Conceito.............................................................................................................................. Espécies de adpf.............................................................................................................. Objeto.......................................................................................................................

1958 1959 1961

9.4. Legitimidade...... ................................................................................................................ 9.5. Procedimento.................................................................................................................... 9.6. julgamento......................................................................................................................... 9.7. Efeitos da decisão da adpf.............................................................................................. 9.8. Observações finais............................................................................................................ 10. Controle Concentrado In Abstrato de Constitucionalidade no Âmbito Estadual e do DF......

1963 1963 1969 1969

11. Últimas considerações sobre o Controle de Constitucionalidade........................................... 11.1. Interpretação conforme a Constituição...........................................................................

1984 1984

11.1.1. Introdução............................................................................................................ n.i.2. Conceito............................................................................................................... 11.1.3. Efeitos da interpretação conforme a Constituição............................................

1984 1985 1986

11.1.4. Observação final................................................................................................... 11.2. Declaração de inconstitucionalidade parcial semredução de texto.............................. 11.2.1. Introdução............................................................................................................

1986 1986

11.2.2. Conceito................................................................................................................. 11.2.3. Observações finais............................................................................................... 11.3. Declaração de inconstitucionalidade sempronúncia denulidade................................

1987 1987 1988

11.4. Declaração de constitucionalidade de lei"ainda" constitucional..................................

1989

7.

7.1. 7.2. 7.3. 7.4. 7.5.

7.6. 7.7. 8.

8.1. 8.2. 8.3.

9.

11.5. Sentenças intermediárias: sobretudo as sentenças normativas (ou sentenças manipulativas)................................................................................................................... 11.5.1. Conceito.................................................................................................................

1957

1971 1972

1986

1991 1991

25

Bernardo Gonçalves Fernanoes 12. As Sentenças Intermediárias no Controle de Constitucionalidade.......................................... 12.1. introdução......................................................................................................................... 12.2. Sentenças interpretativas................................................................................................. 12.2.1. A interpretação conforme a Constituição........... ............................................... 12.2.2. Declaração de inconstitucionalidade (nulidade) parcial sem redução de texto..................................................................................................................... 12.3. Sentenças aditivas...........................................................................................................

1994

1994 1996 1997

1998 1999

12.4. Sentenças aditivas de princípios........................................... ......................................... 12.5. Sentenças substitutivas ..................................................................................................

2001 2001

13. Sentenças Transitivas.................................................................................................................

2003

13.1. introdução........................................................................................................................ 13.2. Sentenças de inconstitucionalidade sem efeito ablativo..............................................

2003 2006

13.3. Sentença de inconstitucionalidade comablação diferida............................................. 13.4. Sentenças de apelo ou apelativas (declaração de constitucionalidade de norma "ainda" constitucional ou declaração de constitucionalidade provisória ou inconstitucionalidade progressiva)................................................................................ 13.5. Sentenças de aviso........................................................................................................... 13.6. Conclusão sobre as Sentenças intermediárias...............................................................

2007

2007 2008 2008

14. Estado de coisas inconstitucional.............................................................................................

2009

15. Controle de convencionalidade...............................................................................................

2018

16. A Teoria dos Diálogos Institucionais (constitucionais) ea superação (reação) legislativa....

2022

17. O papel das cortes constitucionais...........................................................................................

2032

18. Sobre a Deliberação nos Tribunais (Cortes) Constitucionais...................................................

2034

19. Jurisdição constitucional fraca e os novos desenhos institucionais: 0 novo modelo de constitucionalismo da comunidade britânica...........................................................................

2040

21 DA ORDEM ECONÔMICA E DA ORDEM SOCIAL........ . ........... 1. 2.

0 Conceito de "Ordem"..............................................................................................................

2047

A Ordem Econômica e a ConstituiçãoEconômica............................................................ A Ordem Econômica na Constituiçãobrasileirade 1988................................................... Princípios da Ordem Econômica..................................... 2.3.1. Função social da propriedade urbana/rural..................................................... 2.3.2. Livre concorrência................................................................................................ 2.3.3. Defesa do consumidor..................................................... A política urbana............................................................................................................... 2.4.1. Desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana.................................................................................................................. A política agrícola e fundiária.......................................................................................... 2.5.1. Desapropriação para fins de Reforma Agrária..................................................

2048

A Ordem Social...........................................................................................................................

2067 2067 2068

2.4.

2.5.

3.1. 3.2.

26

2047

A Ordem Econômica....................................................................................................................

2.1. 2.2. 2.3.

3.

2047

A seguridade social........................................................................................................... 3.1.1. Saúde.................................................................................................................... A Previdência Social e a sua recente reforma pela Emenda Constitucional n° 103/2019.............................................................................................................................. 3.2.1. Aposentadoria voluntária no regime geral de previdência social...................

2049 2056

2057 2058

2061 2062

2064 2063 2066

2084 2085

Sumario Aposentadoria voluntária no regime próprio de previdência social da união.... Outras formas de aposentadoria........................................................................ 3.2.4. Pensão por morte................................................................................................ 3.2.5. Considerações finais............................................................................................ 3.3. Assistência social.............................................................................................................. 3.4. A educação, a cultura e 0 desporto................................................................................ 3.5. A ciência e tecnologia....................................................................................................... 3.6. A comunicação social........................................................................................................ 3.7. 0 meio ambiente.............................................................................................................. 3.8. A família, a criança, 0 adolescente, o jovem e 0 idoso : As decisões da União Estável Homoafetiva e da Criminalização da Homofobia e Transfobia nos termos da lei 7.716/89................................................................................................................... 3.9. Os Quilombolas................................................................................................................... 3.10. Os índios.............................................................................................................................

2090 2093 2096 2098 2100 2103 2118 2119 2120

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................

2177

3.2.2. 3.2.3.

2128 2161 2165

ANEXO..............................................................................................................................

2197

Emenda Constitucional n° 95/2016 - Teto dos Gastos Públicos................................................................

2197

27

PARTE 1

Teoria da Constituição

1 Conceito e classificações das Constituições Sumário: i. 0 que é uma Constituição? Conceito de Constituição e constitucionalismo. Uma

advertência inicial - 2. Um ponto de partida: 0 conceito histórico-universal e a primeira definição de Constituição: a Constituição material como Constituição real: 2.1. A Constitui­ ção material e 0 seu sentido jurídico-normativo. 0 movimento do Constitucionalismo na

Inglaterra do século XVII. A definição de Constitucionalismo; 2.2. 0 surgimento das Cons­

tituições formais no movimento do constitucionalismo. A Constituição (moderna) como a ordenação sistemática e racional da comunidade política, plasmada em um documento escrito; 2.3. Mas 0 que acontece com a Constituição material? Ela deixa de existir juridi­ camente com 0 surgimento das Constituições formais?; 2.4. A Constituição formal e a sua

relação com a constituição material no decorrer do tempo. Uma rápida advertência!; 2.5. Última digressão: 0 que é mesmo a Constituição formal? A definição de supralegalidade

desenvolvida e explicitada nos EUA no começo do século XIX - 3. Classificações das Cons­ tituições: teorias tradicionais e usuais na doutrina pátria - 4. Classificação ontológica (ou essencialista) das Constituições de Karl Lõewenstein - 5. Reflexões sobre as classificações tradicionais; o conceito de bloco de constitucionalidade; e 0 entendimento sobre a de nominação intitulada de Neoconstitucionalismo -6. Última digressão sobre a classificação

das Constituições. 0 nosso ponto de vista (que nós defendemos e não apenas descre­ vemos): a classificação paradigmática das Constituições, com base na teoria discursiva da Constituição de Jíirgen Habermas: uma abordagem crítico-rellexiva das Constituições Clássicas (Estado Liberal), Sociais (Estado Social) e de Estado Democrático de Direito - 7.

Sentidos ou concepções do termo Constituição: sentidos clássicos e contemporâneos; 7.1. A Constituição dirigente de J.). Comes Canotilho: 0 debate sobre a constituição dirigente e 0 constitucionalismo moralmente reflexivo; 7.2. A Constituição para a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann; 7.3. A Constituição na Teoria Discursiva do Direito e do Estado Demo­ crático de Direito de Jíirgen Habermas; 7.4. 0 Constitucionalismo Abusivo de David Landau; 7.5. A sociedade aberta de intérpretes da Constituição de Peter Hãberle: Constituição

como cultura e processo público; 7.6. A força normativa da Constituição e a Constituição

aberta de Konrad Hesse, 7.7. A Constituição simbólica de Marcelo Neves e as digressões sobre 0 transconstitucionalismo (Tese do Transconstitucionalismo); 7.8. 0 conceito pluridi-

mensional de Constituição de José Adércio Leite Sampaio; 7.9. 0 (novo) Constitucionalismo plurinacional da América Latina e a sua ruptura paradigmática - 8. Classificação quanto à

aplicabilidade das Norrnas Constitucionais: Teoria de José Afonso da Silva - 9. Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais de Carlos Ayres Britto e Celso Ribeiro

Bastos - 10. Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais de Maria Helena Diniz- 11. Classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais de Luís Roberto Barroso - 12. Classificação trabalhada por Uadi Lammêgo Bulos das normas cons­

titucionais de eficácia exaurida - 13. Estrutura e Elementos das Constituições.

Bernardo Gonçalves Fernandes

1. O QUE É UMA CONSTITUIÇÃO? CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO E CONSTITUCIONALISMO. UMA ADVERTÊNCIA INICIAL Estabelecer o conceito de Constituição1 é, sem dúvida, uma tarefa árdua, pois, conforme iremos observar, o termo é multifacetado, não havendo uma linearidade e univocidade em torno de sua base semântica. Sem dúvida, não há, na literatura constitucionalista atual, um conceito único de Constituição, e nem mesmo que se possa considerar, tendencialmente, como dominante.23

Obviamente, qualquer conceito desenvolvido partirá de uma pré-compreensão subjacente, fruto da tradição na qual o autor está inserido. E, aqui, nossa primeira crítica a autores que citam, apenas por citar, conceitos e definições que vão do nada ao simplesmente nada, aparecendo, sem uma devida contextualização do motivo de estarem ali inseridos. É bem verdade que somos forçados a memorizar algumas definições que dizem respeito ao sentido (ou concepção) das Constituições. Os alu­ nos de graduação e já graduados que se preparam para concursos públicos (Magis­ tratura, Ministério Público etc.) são compelidos a conhecer tais conceitos, sem ne­ nhuma reflexão crítica ou mesmo enquadramento teórico minimamente sustentável. Conceitos, definições, classificações não surgem do nadai 0 cientista do direito, como qualquer outro cientista, seja de qual ciência for, não é, como se pensava outrora (iluministicamente), um ser neutro e indiferente ao seu contexto (descontextualizado) e ao seu tempo (a-histórico), que produz com o fruto de sua neutralidade e distanciamento, de suas digressões puras, inquestionáveis e absolutas. Pois bem, o século passado (século XX) nos ensinou que as verdades produzi­ das na ciência só são realmente científicas se passíveis de refutação (falibilismo) e que, portanto, são verdades datadas, históricas e eminentemente contingenciais. Ou seja, apreendemos com H. G. Gadamer’ (entre outros autores pós-giro hermenêuti­ co e linguístico) que o nosso olhar é sempre socialmente condicionado, pois nunca

1.

2.

3.

32

Em sentido lato (senso comum), a palavra Constituição é entendida costumeiramente como o ato de instituir, formar, estabelecer, criar, enfim, constituir: algo, alguma coisa, algum objeto, um ato, uma ideia, uma ação, ou mesmo um ser vivo. Se há uma (seja em qualquer dos sentidos apresentados) Constituição em algo (entendido esse algo como um ser, seja concreto ou abstrato) é porque ele existe em detrimento do não constituído, do não formado, do carente de formação, ou mesmo do que está em vias de formação. Embora de cunho ontológico (essencialista), essa perspectiva é usual nos manuais pátrios. Nesse sentido são as análises de J. J. Gomes Canotilho, que aponta, inclusive, os motivos principais de tais di­ vergências na doutrina constitucionalista. Segundo o autor de Coimbra, os motivos (explicações) para as discrepâncias doutrinárias seriam das mais diversas ordens, tais como: 1) aqueles que se relacionam com as próprias concepções de direito e de Estado, surgindo, por isso, concepções positivistas, concepções decisionistas e concepções materiais de Constituição. 2) outros que dizem respeito á função e estruturo da Constituição e nesses termos teriamos as Constituições garantia, Constituições programa, Constituições processuais além das "famosas" Constituições diri­ gentes. 3) outros que se relacionam com a abertura ou com o caráter cerrado dos documentos constitucionais, aludin do a Constituições ideológicas e Constituições neutrais dotados de uma "pretensa"neutralidade; 4) outros envolve riam o “modus"do compromisso ou consenso constituinte e, dai, a alusão a Constituições compromissórias, consensuais ou pactuadas; 5) teriamos, também, motivos que diriam respeito a perspectiva ideológica dominante nos textos consti­ tucionais, surgindo dai Constituições de cunho socialista, social democrata e liberais, bem como Constituições sociais (de Welfare State) e de Estado Democrático de Direito. (Direito constitucional e teoria da Constituição, 2003). GADAMER, Hans Georg, Verdade e método, v. I e II.

Conceito e classiucações das Constituições

temos acesso direto a um objeto (seja ele qual for, incluindo as normas jurídicas), que é sempre mediatizado por nossas vivências e tradições (pré-compreensões), às quais, querendo ou não, estamos imersos.

2. UM PONTO DE PARTIDA: O CONCEITO HISTÓRICO-UNIVERSAL E A PRIMEI­ RA DEFINIÇÃO DE CONSTITUIÇÃO: A CONSTITUIÇÃO MATERIAL COMO CONSTITUIÇÃO REAL Conforme observado, se quisermos saber o que é uma Constituição e o que ela pode vir a significar, será sempre necessário adotarmos (convencionalmente) um ponto de partida. Entre diversos (existentes), iremos escolher um que, didaticamen­ te, irá facilitar o entendimento básico sobre o que seja uma Constituição e, a partir daí, das classificações das Constituições adotadas, majoritariamente, no Brasil. Essas classificações, que de há muito fazem parte dos manuais de Direito Cons­ titucional brasileiros, já foram abandonadas em boa parte da Europa, na primeira metade do século XX/ Mas, por incrível que pareça, apesar de inadequadas e com alto grau de inconsistência, são cobradas, ainda hoje, em provas (da OAB e das principais carreiras jurídicas nacionais) e são trabalhadas nas graduações. É mister construirmos uma base lógica em torno delas para que possamos apresentá-la de­ vidamente. Senão, vejamos. Iremos, então, partir da seguinte digressão: "Em todos os lugares do mundo e em todas as épocas sempre existiu e sempre existirá isso que chamamos de Cons­ tituição."4 5

Ora, mesmo não definindo o que seja uma Constituição e seu significado, par­ timos de uma digressão de que ela sempre existiu e sempre existirá (perspectiva temporal) e em todos os lugares (perspectiva espacial-universal). No entanto, como a Constituição (que ainda não sabemos o que é) sempre existiu? E que tipo de Cons­ tituição é essa que existe desde os primórdios? Ela se confunde com as atuais que conhecemos? As Constituições escritas que conhecemos e que ora encontramos na maioria dos países não são uma criação tipicamente moderna? Como então falar em Constituição em períodos arcaicos?

4.

5.

Temas de debate, como Constituições formais, materiais, rígidas, flexíveis, escritas, não escritas etc., não fazem parte do ambiente doutrinário de inúmeros países da Europa na atualidade. Os autores não trabalham com classi­ ficações de cunho nem mesmo semântico, mas ainda sintático! São conceitos esvaziados de sentido à luz de uma Teoria da Constituição não só ontológica (à qual já criticava essas classificações), mas atualmente pós-ontológica nas pegadas de um constitucionalismo discursivo que foge ao objetivo da obra esmiuçar, mas que aqui será de­ fendido ainda que como pano de fundo paradigmático. A dicotomia Constituição formal X Constituição material que marcará o início de nossa abordagem também sofre criticas de outras importantes vertentes (embora não atreladas á teoria discursiva da Constituição) do constitucionalismo nacional e internacional. Nesses termos, em excelente abordagem José Adércio Leite Sampaio nos afirma que "as teorias formais e materiais da Constituição se revestiríam de uma visão unilateral de Constituição" causando, com isso um "déficit constante de eficácia e prestigio constitucional.” (SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 8 e 54). Digressão desenvolvida propedeuticamente por Ferdinand Lassalle (1863) em seus estudos.

33

Bernahdo Gonçalves Fernandes

Bem, para provar a existência da Constituição devemos nos ater à seguinte pergunta: o que necessitamos para vislumbrar uma determinada comunidade, so­ ciedade ou (modernamente falando) um Estado? Ou seja, quais matérias são funda­ mentais (fundantes, basilares) para que consigamos enxergar determinadas comu­ nidades (sociedades ou Estados)?

Entre vários elementos (matérias) podemos trabalhar com três:

a)

Identidade: ideia de "nós e outros" (alteridade), noção de pertencimento. Aquilo que, por exemplo, me permite afirmar que sou cidadão de Esparta e não de Atenas.

b)

Organização social e especialização (hierárquica e de linha sucessória): quem detém o poder (mando), como manda e como se dá a reprodução social nessa estrutura.

c)

Valores subjacentes (regras): preestabelecidos e naturalizados a partir de um processo construtivo que permitiu, inclusive e sobretudo, desenvol­ ver um tipo de organização social e especialização de poder, bem como possibilitou a construção de uma identidade, diferenciando-se de outras identidades.

Pois bem, com a junção desses elementos (matérias), o que temos? 0 que vis­ lumbramos? 0 que enxergamos? Temos, sem dúvida, o nascimento, a formação ou criação de comunidades, sociedades ou sociedades políticas, denominadas Estados. Ou seja, essas matérias explicitam como os Estados existem e se reproduzem como tais com os seus respectivos "modos de ser". E se existem como comunidades, so­ ciedades ou Estados é porque foram constituídos e, portanto, a partir daí eles têm uma determinada Constituição.

Nesses termos, a Constituição poderia ser definida, a priori, como "o modo de ser" de uma comunidade, sociedade ou Estado? Ou seja, como ele(a) é e está constituído(a), formado(a), e, portanto, existe em relação com outras comunidades, sociedades ou Estados. No entanto, que definição é essa? Ora é fácil! Se estamos diante de matérias que constituíram essas sociedades e sem elas não seriam vis­ lumbradas como sociedades, conforme observamos, essa Constituição só pode ser definida sociologicamente como uma Constituição material (real). Voltando ao ponto de partida: se sempre existiu Constituição no mundo, sempre existiu Constituição material (real), ou seja, matérias que constituíram comunidades.*

6.

34

Aristóteles, em A Política, afirma ser a Constituição (politeia) o modo de ser da polis. Nesses termos, ela seria a 'totalidade da estrutura social da comunidade". Ver: ARISTÓTELES, A política. 2. ed. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1988. [Clássicos da Filosofia], Fioravanti (Constitución, p. 19), compreende a politeia grega como um instrumento conceituai que busca definir uma forma de governo adequada à realidade do século IV, ao mesmo tempo que reforce a unidade da polis, dissolvendo as crises que se insurgem. Por isso mesmo, uma tradução, para nossos tempos, como sinônimo de "Constituição" não é apenas correto, mas apropriado do ponto de vista hermenêutico.

Conceito e classificações das Constituições

sociedades e Estados que se diferenciaram (com seus respectivos "modos de ser") fazendo com que cada um sociologicamente tivesse uma determinada Constituição. Portanto, a conclusão é de que todos os países (Estados ou mesmo comunidades) possuíram em todos os momentos de sua história Constituições reais e efetivas à luz, sobretudo, de uma perspectiva eminentemente sociológica.

Nesse sentido, é mister afirmar que a Constituição material, num primeiro mo­ mento, é entendida como Constituição real.7 Sendo assim, trata-se de um conceito de cunho sociológico, afeto à sociologia e, por que não dizer, hodiernamente, à sociologia do direito.

Entretanto, o conceito de Constituição material como Constituição real e efe­ tiva não resolve nosso problema, na medida em que apenas demonstra que a reprodução social de diferentes comunidades constituídas (forjadas ou criadas), no decorrer dos séculos, com suas peculiaridades e fatores (reais) de poder, as dife­ renciaram de outras comunidades. No entanto, como, então, trabalhar um conceito de Constituição que não seja apenas sociológico? Se há milênios sempre existiu, quando a Constituição deixou de ser algo, em regra, implícito (às costas da comunidade como seu "modo de ser", muitas vezes naturalizado) e passou a ser algo explícito (expresso) e "constitutivo" das comunidades, ou melhor, daquilo que poderiamos chamar juridicamente de "novas" comunidades? 2.1. A Constituição material e o seu sentido jurídico-normativo. O movimento do Constitucionalismo na Inglaterra do século XVII. A definição de Consti­ tucionalismo

Se a Constituição real é o modo de ser de uma comunidade, na medida em que carrega as matérias constitutivas de um modo de ser de Estado e de Sociedade, a partir dos séculos XVII e XVIII ela ganha contornos tipicamente jurídico-normativos. Sem dúvida, a ideia de organização constitucional formal (formalizada) dos Esta­ dos se estabelece (se funda), de forma solene, no século XVIII com o denominado

7.

J. J. GomesCanotilho, em antiga edição de sua monumental Teoria da Constituição e Direito Constitucional, definiu a Constituição material como Constituição real nos seguintes termos: “Constituição real (material) entendi­ da como o conjunto de forças políticas, ideológicas e econômicas, operantes na comunidade e decisiva­ mente condicionadoras de todo o ordenamento jurídico." Noutros termos pertencentes a autores contem­ porâneos:'^ constituição real é o conjunto de valores e de escolhas políticas de fundo, condivididas pelas forças políticas da maioria ou pelas forças políticas hegemônicas num determinado sistema Constitucional (BARTOLE)"; "a constituição real é conjunto de valores, princípios e praxes que constituem à visão ético-político essencial em torno da qual se agregam as forças hegemônicas da comunidade (BOGNETTI)". (6. ed. 1993, p. 67). Famosa também é a definição de Constituição real de Ferdinand Lassalle (1825-1864) em sua obra (citada acima) de 1863, intitulada A Essência da Constituição, na qual entende a mesma como os "fatores reais de poder que regem e determinam um país".Teríamos, segundo o jurista Prussiano do século XIX, um conjunto de forças que atuam para manter as instituições vigentes em uma dada época histórica formando uma Constituição muito maior do que aquela estabelecida na "folha de papel" (Constituição escrita) sendo esta, sim, a Constituição por excelência "real e efetiva".

35

Bernardo Gonçalves Fernandes

"movimento do constitucionalismo" que guarda íntima relação com as revoluções americana e francesa. No entanto, apesar daquilo que chamamos de ordem consti­ tucional formal surgir apenas no constitucionalismo americano e francês, não pode­ mos desconsiderar a existência de um constitucionalismo britânico.

Este, apesar de não estabelecer a formalização das constituições (Constituições formais), consolidou-se no século XVII com a Revolução Gloriosa de 1688-89 e a afir­ mação da Supremacia do Parlamento, após um longo processo de sedimentação que teve início no século XIII (com a Magna Carta de 1215). Nesse sentido, passamos a ter a Constituição material como efetivamente jurídica, nos moldes modernos (constitucionalismo moderno). A Constituição material passou a ser, a partir da experiência inglesa, enten­ dida como 0 conjunto de normas juridicamente instituidoras de uma comunidade (tipicamente constitutivas do Estado e da Sociedade).8 Nesses termos, podemos afirmar, repita-se, que, como resultado de um longo processo, 0 século XVII condu­ ziu ao surgimento de uma ("nova") ordem constitucional material, ou seja, de uma Constituição material normativamente institucionalizada com matérias tipicamente constitutivas do Estado e da Sociedade. Nesse sentido, urge salientar algo pouco explorado na doutrina pátria que se refere ao que comumente chamamos de constitucionalismo ou de movimento do Constitucionalismo. Parafraseando 0 magistral escritor mineiro Guimarães Rosa que dizia que "Minas são muitas", também os constitucionalismos, ou, de forma mais rigorosa,9 "os movimentos constitucionais são muitos" e não podem ser reduzidos (como não raro ocorre) ao fervor revolucionário americano e, posteriormente, 0 francês.

0 constitucionalismo (moderno) pode ser entendido como um movimento que traz consigo objetivos que, sem dúvida, irão fundar (constituir) uma nova ordem, sem precedentes na história da constituição das sociedades, formando aquilo que Rogério Soares chamou de "conceito ocidental de Constituição". Nesse diapasão, se perguntássemos sobre os dois grandes objetivos do constitucionalismo, qual seria a resposta? Ora, não tenhamos dúvidas que seriam:

8.

9.

36

Não se podería furtar de mencionar o exercício de reconstrução histórica do constitucionalismo inglês trazido por Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto em sua primeira parte de sua tese de doutoramento junto ao programa de pós-graduação da UFMG, intitulada "A reação norte-americana aos atentados de 11 de setembro de 2001 e seu impacto no constitucionalismo contemporâneo: um estudo a partir da teoria da diferenciação do direito". Concordamos com a posição de J. J. Gomes Canotilho no sentido de afirmar que é mais rigoroso falar de vá­ rios movimentos constitucionais do que de vários constitucionalismos (embora o próprio autor, em passagem anterior de sua obra, cite a existência de pelo menos três Constitucionalismos: inglês, americano, francês). Se­ gundo o autor in verbis: "E dizemos ser mais rigoroso falar de vários movimentos constitucionais do que de vários constitucionalismos porque isso permite recortar uma noção básica de constitucionalismo. Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o principio do governo limitado indispensável á garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Nesse sentido o constitucionalismo representará uma técnica especifica de limitação do poder com fins garantísticos." (Direito constitucionale teoria da Constituição, 2003).

CONCtllO t CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

1)

A limitação do poder com a necessária organização e estruturação do Estado (Estados nacionais que já eram, mas a partir daí se afirmam como, não mais absolutos). Em consequência disso, desenvolveram-se teorias consubstanciadas na práxis, como a "teoria da separação dos poderes", além de uma redefinição do funcionamento organizacional do Estado;

2)

A consecução (com 0 devido reconhecimento) de direitos e garantias fun­ damentais (num primeiro momento, com a afirmação em termos pelo me­ nos formais da: igualdade, liberdade e propriedade de todos).

Concluindo, com Canotilho, os temas centrais do constitucionalismo se relacio­ nam com a fundação e legitimação do poder político (em contraponto a um poder absoluto) e a constitucionalização das liberdades individuais. No entanto, 0 constitucionalismo moderno, com esses traços marcantes, apre­ senta-se, conforme já salientado, de forma diferenciada na tradição inglesa (e tam­ bém nas tradições francesa e americana, embora ambas trabalhem de forma se­ melhante com 0 que chamaremos, logo a seguir, de constituições formais). Nesse sentido, o constitucionalismo moderno (com seu intitulado conceito ocidental de constituição) é também tributário de uma "dimensão histórico-constitucional" de viés inglês (Engiish Constitution) que se desenvolveu por meio de momentos consti­ tucionais desde a Magna Carta de 1215 à Petition ofRíghts, de 1628, do Habeas Cor­ pus Act de 1679 ao Bill ofllights de 1689, que acabaram por sedimentar "dimensões estruturantes" de um Constitucionalismo ocidental?0

2.2. O surgimento das Constituições formais no movimento do constitucionalis­ mo. A Constituição (moderna) como a ordenação sistemática e racional da comunidade política, plasmada em um documento escrito Conforme trabalhado alhures, é certo que, após séculos de sedimentação e con­ solidação, podemos observar nitidamente a constituição material normativamente*

10.

Nesse sentido, temos o que J. J. Gomes Canotilho chamará de cristalizações juridico-constitucionais do mo­ vimento do constitucionalismo de viés inglês, que passaram a fazer parte do patrimônio criador (formador) do modelo ocidental de Constituição. Sendo elas: 1°) a noção de que a liberdade estaria radicada subjetivamente como liberdade pessoal de todos os ingleses e como segurança das pessoas e dos bens de que se é proprietário no sentido indicado pelo art. 39 da Magna Carta; 2o) a garantia da liberdade e da segurança jurídica impôs a criação de um processo justo regulado por lei (dueprocess oflaw), no qual se estabelecería as regras disciplinadoras da privação da liberdade e da propriedade; 3o) as leis do país (toivs ofthe lancf} reguladoras das tutelas das liberdades são dinamicamente interpretadas e reveladas pelos juizes - e não pelo legislador - que assim vão consubstanciando o chamado direito comum (common law) de todos os ingleses; e 4°) a partir, sobretudo, da Revolução Gloriosa (1688-89) ganha (adquire) estatuto constitucional a ideia de representação e soberania parla­ mentar indispensável à estruturação de um governo moderado. O poder deixa de ser concentrado nas mãos do monarca e passa a ser de forma mista perfilhado por outros órgãos do governo (conjunção: Rei - parlamento com a supremacia deste). Nesses termos (apesar de alguns resquícios medievais só vencidos posteriormente com as Revoluções Francesa e Americana), a intitulada soberania do parlamento na Inglaterra do século XVII exprimirá (também) a ideia de que o poder supremo deveria exercer-se através da forma da lei do parlamento. Essa ideia estará na gênese de um princípio básico do constitucionalismo: the rule oflaw. (Direito constitucional e teoria da Constituição, 2003).

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Behnasoo Gonçalves Fernandes

consubstanciada por meio de um conjunto de documentos que estabeleceríam uma verdadeira Constituição britânica materialmente verificável à luz, sobretudo, da Re­ volução Gloriosa. Contudo, também, é certo que, logo em seguida, no século XVIII, teremos o constitucionalismo moldado por teóricos e revolucionários norte-americanos e fran­ ceses, nos seus respectivos contextos, levado às últimas consequências como pac­ to fundador de um novo Estado e de uma nova sociedade. Temos então: a "era das Constituições formalizadas (formais) em um documento escrito". A Constituição passa a ser entendida como "a ordenação sistemática e racional da comunidade política plasmada em um documento escrito, no qual se fixam os limites do poder político e declaram-se direitos e liberdades fundamentais." A Constituição deixa de ser um "modo de ser" da comunidade (como ela simplesmente é) para se tornar o "ato constitutivo" (criador, formador, fundante) da (nova) comunidade.11

É claro que esse conceito moderno (ou ocidental de constituição), típico do constitucionalismo iluminista (oitocentista) é ideal (dotado de uma idealidade),1213 mas, nem por isso, deixa de ser paradigmático, apresentando-se como fruto das pré-compreensões subjacentes ao contexto revolucionário de ideologia liberal-burguesa, que propugnou a ruptura com cânones de um Estado nacional absoluto (ou até mesmo, ainda, estamental). Vejam bem: inicia-se a noção da constituição como algo que funda uma nova sociedade, como um documento escrito que se projeta para o futuro a partir da sua criação (produção) e que todos devem respeito, independentemente de sua posição social (status) ou até mesmo de sua colocação na estrutura organizacional do Estado (ideia do governo das leis e não dos homens).1’

Nesses termos, concluímos explicitando, mais uma vez, as bases da Constituição formal reduzida à forma (fôrma ou formato), escrita no fim do século XVIII. Essas constituições vão: 1) ordenar em termos jurídico-políticos o Estado, agora, por meio

11. SOARES, Rogério, O conceito ocidental de Constituição. 12. Trata-se de uma definição que, conforme J. J. Gomes Canotilho, não se apresenta perfeita a nenhum dos mo­ delos históricos de constitucionalismo. Exemplifica o autor que: um Englishman sentir-se-á arrepiado ao falar de uma ordenação sistemática e racional da comunidade por meio de um documento escrito. Para ele - The English Constitution - será a sedimentação histórica de direitos adquiridos pelos ingleses e o alicerçamento, também histórico, de um governo balanceado e moderado (the balanced constitution). A um FoundingFather(ea um qual­ quer americano) não repugnaria a ideia de uma carta escrita garantidora de direitos e reguladora de um governo com freios e contrapesos feita por um poder constituinte, mas já não se identificará com qualquer sugestão de uma cultura projetante traduzida na programação racional e sistemática da comunidade. Aos olhos de um citoyen revolucionário ou de um "vintista exaltado” português a constituição teria de transportar necessariamente um momento de ruptura e um momento construtivista. Momento de ruptura com a ordem ”histórico-natural das coisas", outra coisa não era senão os privileges do ancien regime. Momento construtivista porque a Constituição, feita por um novo poder - o poder constituinte -, teria de definir os esquemas ou projetos de ordenação de uma ordem racionalmente construída. (Direito constitucional e teoria da Constituição. 2003). 13. Hannah Arendt (Do Revolução} e Bernard Bailyn (As origens ideológicas da Revolução americana) relatam bem como o movimento revolucionário norte-americano encontrou no processo de elaboração da Constituição o seu ápice, consagrando uma abertura para o futuro no sentido da inauguração de uma "nova ordem”político-jurídica.

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CONCEITO £ CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

de um documento (pacto) escrito; 2) declarar nessa cana escrita um conjunto de di­ reitos fundamentais e 0 respectivo modo de garantia; 3) organizar 0 poder político segundo esquemas tendentes a tornar um poder limitado e moderado. 2.3. Mas o que acontece com a Constituição material? Ela deixa de existir juridi­ camente com o surgimento das Constituições formais?

Com a ruptura que envolve 0 nascimento das Constituições (formais), explici­ tadas sob a forma escrita, o que ocorre com a Constituição material (em sentido normativo)? É mister afirmar que, conforme discorremos anteriormente, a constitui­ ção material, sedimentada juridicamente, após longo processo, envolve as matérias tipicamente constitutivas (normativamente fundantes) do Estado e da sociedade e, obviamente, não vão desaparecer com a efetivação das Constituições formais. Mas 0 que será feito delas? Ora, a Constituição formal é fruto de um Poder Constituinte originário que a produz, inserindo as matérias que considera fundamentais para a constituição de um Estado. Então, acreditamos que, pelo menos num primeiro momento, as maté­ rias (realmente) constitucionais (típicas da Constituição material) vão ser alocadas na Constituição formal, sendo reduzidas a termo escrito. No entanto, uma pergun­ ta sempre nos vem à mente: quais seriam essas matérias em pleno século XVIII? Momento justamente de ruptura (iluminista, cientificista, racionalista, de ideologia liberal-burguesa) com Estados absolutos (e a falta de limite para o exercício poder) e com os privilégios de nascimento (estamentais)? Sem dúvida, as matérias tipicamente constitutivas do Estado e da Sociedade (constituição material), alocadas na Constituição formal, vão envolver claramente a organização do Estado (sua estruturação) e os direitos e as garantias funda­ mentais. Nunca é demais lembrar que esses foram os dois grandes objetivos do movimento do Constitucionalismo (moderno) que formalizou às constituições no século XVIII.

Isso pode ser, inclusive, referendado (provado) pelo teor de um famoso artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, no qual fica claro a força da ideologia dominante do paradigma de Estado liberal de então, bem como no constitucionalismo forjado no seu seio. Nesse sentido, 0 art. 16 da Decla­ ração acaba inclusive determinando os Estados que teriam Constituição (formal) e os Estados que não teriam Constituição (formal), na medida em que afirma literal­ mente nesse sentido: "os Estados que não tivessem 0 princípio da separação de poderes (limitação de poder) e os direitos e liberdades fundamentais, plasmados em um documento escrito não teriam Constituição (formal)." Portanto, a Constituição material acaba sendo, à luz da própria ideologia do­ minante, abarcada pela constituição formal produzida pelo movimento constitucio­ nalista de então. 39

Bernardo Gonçalves Fcrnandes

2.4. A Constituição formal e a sua relação com a constituição material no decor­ rer do tempo. Uma rápida advertência!

Como iremos, posteriormente, estudar, a Constituição é produto de um poder constituinte, e será reflexo de uma época, espelho de um momento, contextual, fruto de um "pano de fundo intersubjetivamente compartilhado" de Estado e de Sociedade que são sempre inafastáveis de nossa epocalidade e de nossa condição humana. Nesses termos, na sua elaboração é confrontada com diversos jogos de poder (políticos), grupos de interesses (pressão) que participam do poder consti­ tuinte e, portanto, acabam influenciando na feitura do documento constitucional, que será o fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico posterior a ele.

Nesses termos, numa perspectiva dinâmica, a constituição formal, no decorrer da história do constitucionalismo moderno, aumenta ("incha") de tamanho. Seus assuntos (temas) são acrescidos de matérias não fundamentais, não tipicamente constitutivas do Estado e da sociedade, que acabam não guardando uma relação direta com a organização e a separação de poderes do Estado e os direitos e as garantias fundamentais. 0 que temos a partir daí? A percepção de que a constituição formal passa a abarcar matérias não tipicamente constitucionais (fundantes, fulcrais, importantes), mas, também, matérias apenas formalmente constitucionais, que não são material­ mente constitucionais. Esse fenômeno, que não teve data específica, é fruto da com­ plexidade social que permeia os arranjos políticos que envolvem a elaboração de uma constituição e o contexto no qual está sendo produzida. Como rápido exemplo, citamos o peculiar art. 242, § 2°, da atual Constituição da República, que preleciona: "0 Colégio Pedro Segundo localizado na cidade do Rio de Janeiro será mantido na órbita Federal." Definitivamente, essa norma constitucional faz parte da Constituição formal porque presente (inserida) na Constituição, mas não é materialmente cons­ titucional, sendo constitucional apenas pela perspectiva formal. 2.5. Última digressão: o que é mesmo a Constituição formal? A definição de supralegalidade desenvolvida e explicitada nos EUA no começo do século XIX

Até agora trabalhamos com um conceito de constituição formal só localizado historicamente. Apenas colocamos que, com 0 advento do constitucionalismo, as constituições, até então apenas materiais, formalizam-se, ganham uma forma, por meio de um documento escrito que será 0 "ato constitutivo" de uma nova socieda­ de. No entanto, 0 que é uma constituição tipicamente formal, dotada daquilo que poderiamos chamar de formalidade constitucional propriamente dita?

A Constituição formal, num primeiro momento do constitucionalismo, foi, sem dúvida, confundida com a constituição escrita, na medida em que se afirmava ser a constituição explicitada na forma (fôrma) escrita. Acontece que, a partir do início do século XIX, precisamente em 1803, a Constituição formal não podería mais ser 40

Conceito e classificações das Constituições

entendida apenas pela sua forma escrita. Aliás, esse passa a ser um equívoco que alguns manuais pátrios ainda incorrem!

No famoso julgamento Marburyx Mcidison (1803), realizado pela Suprema Corte Americana por meio do Chief Justice Marshall, foi decidido pela primeira vez um conflito entre a Constituição e a legislação infraconstitucional. Nesse horizonte, sem adentrar no caso concreto e suas especificidades, surgiram duas possibilidades de atuação da mais alta corte de magistrados americanos: 1) a adoção do critério cronológico, no qual lei posterior (ordinária originada do parlamento ou de ato executivo) revoga lei anterior (no caso, norma consubstanciada na Constituição); ou 2) a adoção do critério hierárquico, no qual lei posterior (inferior originada do parlamento ou de ato do executivo) não prevalece sobre lei anterior (superior con­ substanciada na Constituição).

0 problema é que, se adotada a primeira tese, a Constituição recém-criada (1787) estaria, logo no início de sua vida, assinando sua sentença de morte, pois sempre que 0 parlamento resolvesse modificá-la, ele conseguiría sem nenhum tipo de possibilidade de controle (defesa) das normas constitucionais sobre a atuação do Poder Legislativo (ou até mesmo do Poder Executivo). A Constituição estaria, portanto, fadada ao desaparecimento, ao alvedrio do legislador e de suas vicissitudes. Adotando a segunda tese, contudo, o Chief Justice Marshall acabou afirmando que 0 judiciário deveria defender a Constituição em todos os embates e conflitos de normas infraconstitucionais (produzidas pelo legislador ordinário) e constitucio­ nais, pois estas deveríam sempre prevalecer. Sendo a maneira pela qual, com base na doutrina dos freios e contrapesos, 0 judiciário deveria controlar a atuação dos outros poderes (legislativo e executivo) ante os ataques à Constituição americana. Portanto, do caso Marbury x Madison podemos fazer duas digressões que, até hoje, são atuais na Teoria da Constituição e que vão nos ajudar a entender a Cons­ tituição Formal desde então:

1)

A Constituição prevalece sobre todo 0 ordenamento ordinário, mesmo 0 posterior a ela, porque dotada de supralegalidade (doutrina da suprema­ cia da Constituição); e

2)

Se a Constituição prevalece e não sucumbe às normas ordinárias contrárias a ela, os ataques (as infringências) serão defendidos, em regra, na maioria dos países, pelo Poder judiciário (doutrina do controle de constitucionali­ dade das leis).

Nesses termos, a Constituição formal não é, nem pode ser, somente escrita. Muito mais que isso, a Constituição formal atualmente (ou pelo menos, a partir do século XIX) é aquela dotada de supralegalidade (supremacia) e que, portanto, não pode, de maneira nenhuma, ser modificada por normas ordinárias, na medida em que essas não prevalecem num embate com as normas constitucionais. Ou seja, a 41

Bernardo Gonçalves Fihnandes

formalidade tipicamente constitucional (Constituição formal) é observada quando uma Constituição é dotada de supralegalidade (supremacia) em relação a todo restante do ordenamento. Nesses termos, a única forma de modificação de uma Constituição formal seria por procedimentos específicos que o próprio texto da Constituição estabelecería. Esses procedimentos são mais difíceis, mais solenes e mais rigorosos do que aqueles usados para a produção das legislações ordinárias. 3. CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES: TEORIAS TRADICIONAIS E USUAIS NA DOUTRINA PÁTRIA

Após as digressões iniciais de embasamento, iremos trabalhar com as classifi­ cações constitucionais (infelizmente) ainda usuais na doutrina brasileira.’4 Primeiro iremos fazer uma análise descritiva e, posteriormente, uma reflexão, colocando al­ gumas questões para análises de cunho crítico. Nesse sentido, teríamos as seguintes classificações tradicionais: a)

Quanto ao conteúdo - formais e materiais:



Constituição Formal: é aquela dotada de supralegalidade (supremacia), estando sempre acima de todas as outras normas do ordenamento jurí­ dico de um determinado país. Nesse sentido, por ter supralegalidade, só pode ser modificada por procedimentos especiais que ela no seu corpo prevê, na medida em que normas ordinárias não a modificam, estando certo que se contrariarem a constituição serão consideradas inconstitu­ cionais. Portanto, a Constituição formal, sem dúvida, quanto à estabilida­ de, será rígida.



Constituição Material: é aquela escrita ou não em um documento consti tucional e que contém as normas tipicamente constitutivas do Estado e da sociedade. Ou seja, são as normas fundantes (basilares) que fazem parte do "núcleo ideológico" constitutivo do Estado e da sociedade. Sem dúvida, essas matérias com o advento do constitucionalismo (moderno) vêm sendo definidas como: Organização e estruturação do Estado e Direitos e Garan­ tias Fundamentais.14

14. A crítica central às classificações tradicionais, que ora iremos trabalhar, envolve a sua perspectiva semântica que visa definir e classificar apriori uma Constituição como se fosse algo descontextualizado e somente informa­ do pelo seu texto (esqueleto normativo), não percebendo que a Constituição, com seu texto, não rege (de forma absoluta e atemporal) as situações de aplicação desse mesmo texto, que é fruto de pré-compreensões subjacentes e intersubjetivamente compartilhadas. Mesmo em uma lógica não discursiva (antológica) essas classificações não são imunes a críticas. Um exemplo simples se coloca quando observamos que a Consti­ tuição inglesa é classificada juridicamente como flexível, mas sociologicamente é muito mais rígida que a nossa que é classificada como rígida (segundo alguns autores ela seria até mesmo super-rígida!) Na verdade, essas classificações pouco acrescentam para uma reflexão crítica sobre o sentido das Constituições e do constitucio­ nalismo. Uma critica interessante, apesar de ontológica, foi delineada por Karl Lõwenstein em sua ontologia das Constituições, que posteriormente iremos trabalhar.

42

Conceito e classificações das Constituições

b) Quanto à estabilidade” - Rígida, Flexível, Semirrígida, Fixa e Imutável: •

Constituição Rígida: é aquela que necessita (requer) de procedimentos es­ peciais, mais difíceis (específicos) para sua modificação. Esses procedimen­ tos são definidos na própria Constituição.



Constituição Flexível: é aquela que não requer procedimentos especiais para sua modificação. Ou seja, ela pode ser modificada por procedimen­ tos comuns, os mesmos que produzem e modificam as normas ordiná­ rias, na lógica, por exemplo, tradicional de que lei posterior revoga lei anterior do mesmo nível hierárquico. Na verdade, o entendimento se perfaz de forma simples na afirmação de que, se a própria Constituição não solicitou procedimentos especiais para sua alteração, é porque ela afirma a possibilidade de modificação nos moldes em que se modificam as leis ordinárias. Um exemplo sempre citado pela doutrina clássica é o da Constituição inglesa.15 16



Constituição Semirrígida: é aquela que contém, no seu corpo, uma parte rígida e outra flexível. Nesse sentido, parte da Constituição solicita procedi­ mentos especiais para sua modificação e outra não requer procedimentos especiais (diferenciados dos comuns que produzem normas ordinárias) para sua modificação. Chamamos atenção ainda para o fato de que, para alguns doutrinadores, ela é classificada como semiflexível, não mudando em nada sua definição. Um exemplo de constituição semirrígida é a nossa Constituição de 1824.



Fixa ou silenciosa: é a Constituição que só pode ser modificada pelo mes­ mo poder que a criou (Poder constituinte originário). São as chamadas Constituições silenciosas, por não preverem procedimentos especiais para a sua modificação. Exemplo: Constituição espanhola de 1876.17



Imutável ou granítica: é a chamada Constituição granítica, pois não pre­ vê nenhum tipo de processo de modificação em seu texto. São, nos dias

15. Também identificada por alguns autores como classificação quanto ao processo de reforma. 16. Conforme o magistério de Virgílio Afonso da Silva, a Constituição inglesa, embora seja um clássico exemplo de Constituição flexível, atualmente, no que tange a essa classificação, está relativizada. Nesses termos, com o Human RightsAct aprovado em 1998eem vigor desde 0 ano 2000, o Parlamento inglês passou a se submeter aos dispositivos dessa declaração de direitos, colocando a sua supremacia em xeque e fazendo ruir o mo­ delo de Constituição flexível clássico. (A constitucionalizaçáo do direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. 2005, p. 109). Segundo o autor, se o Parlamento inglês já não é mais soberano no sentido tradicional, e deve respeitar as disposições da declaração de direitos, o modelo de Constituição flexível tam­ bém cai por terra (2005, p. 109). E interessante, ainda, ressaltar que no ano de 2009 foi criada (deforma ino­ vadora) uma Corte Constitucional na Inglaterra (embora essa não tenha legitimidade para invalidar atos do Parlamento como as tradicionais Cortes Constitucionais que foram desenvolvidas na Europa no século XX). Ressaltamos também o processo de saída da Inglaterra da União Européia e as possíveis implicações para o tema. 17. Ver BULOS. Uadi Lammêgo, Curso de Direito Constitucional. 2006. E também CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito constitucional. Teoria do estado e da Constituição. Direito constitucional positivo.

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Bernawo Gonçalves Fernandes

atuais, relíquias históricas. Sem dúvida, em sociedades extremamente com­ plexas como a nossa (moderna, ou para alguns, pós-moderna), constitui­ ções graníticas estariam fadadas ao insucesso.

1819.

20.

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Transitoriamente flexível: trata-se da Constituição que traz a previsão de que até determinada data a Constituição poderá ser emendada por proce­ dimentos comuns. Após a data determinada, a Constituição só poderá ser alterada por procedimentos especiais definidos por ela. Exemplo: Consti­ tuição de Baden de 1947.’8



Transitoriamente imutável: é a Constituição que durante determinado pe­ ríodo não poderá ser alterada. Somente após esse período ela poderá ser alterada.'9 Como exemplo, a doutrina cita a nossa Constituição brasileira de 1824 (Constituição do Império) que só podería ser alterada após quatro anos de vigência. Aqui uma crítica pertinente que demonstra a precarie­ dade dessa classificação. Na verdade, 0 que existe é um limite temporal na Constituição que não permite que seja reformada em um determinado lapso temporal. 0 exemplo da Constituição do Império de 1824 demonstra justamente isso, devendo ser considerada como semirrígida, nos moldes já salientados.

c)

Quanto à forma - escritas e não escritas:



Constituição escrita: é aquela elaborada de forma escrita e sistemática em um documento único, feita de uma vez só (por meio de um processo espe­ cífico ou procedimento único), de um jato só por um poder, convenção ou assembléia constituinte.* 20 19



Constituição não escrita: é aquela elaborada e produzida com documen­ tos esparsos (de modo esparso) no decorrer do tempo, paulatinamente desenvolvidos, de forma histórica, fruto de um longo e contínuo processo de sedimentação e consolidação constitucional. Um exemplo clássico e comumente citado é 0 da Constituição inglesa que é intitulada de não escrita, além de histórica e também costumeira (consuetudinária).

BULOS, Uadi Lammégo, Curso de direito constitucional. 2006. E também CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito constitucional. Teoria do estado e da Constituição. Direito constitucional positivo. CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito constitucional. Teoria do estado e da Constituição. Direito constitucional posi­ tivo. SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo. 2006. Definitivamente não podemos classificar a Constituição como escrita simplesmente por ela ser e ter a forma escrita, como infelizmente querem alguns doutrinadores. Essa postura chega a ser risível! É óbvio que se assim fosse as Constituições não escritas, que diga-se de passagem contêm documentos escritos, também deveriam ser consideradas ou classificadas como escritas! Outro equívoco absurdo (que felizmente não se coaduna com a doutrina majoritária!) é afirmar que a classifi­ cação de Constituição escrita também diz respeito às Constituições elaboradas por diversas leis (do tipo não codi­ ficada). Aqui voltamos à lógica banal de uma Constituição ser classificada como escrita porque nela encontramos textos escritos!

Conceito e classificações das Constituições

d)

Quanto ao modo de elaboração - dogmáticas e históricas:



Constituição dogmática: é aquela escrita e sistematizada em um documen­ to que traz as idéias dominantes (dogmas) em uma determinada socieda­ de num determinado período (contexto) histórico. Ela se equivale à consti­ tuição escrita quanto à forma.



Constituição histórica: é aquela elaborada de forma esparsa (com docu­ mentos e costumes desenvolvidos) no decorrer do tempo, sendo fruto de um contínuo processo de construção e sedimentação do devir histórico. Ela se equivale à Constituição não escrita quanto à forma. 0 exemplo também comumente citado é o da Constituição inglesa.

e)

Quanto à origem2122 23 - promulgadas, outorgadas e cesaristas:



Constituição Promulgada: é aquela dotada de legitimidade popular, na me­ dida em que o povo participa do seu processo de elaboração, ainda que por meio de seus representantes. Para alguns autores, ela se apresenta como sinônimo de democrática. Como exemplo, poderiamos citar as Cons­ tituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988.”



Constituição Outorgada: é aquela não dotada de legitimidade popular, na medida em que 0 povo não participa de seu processo de feitura, nem mes­ mo de forma indireta. Ela também é concebida na doutrina como sinônimo de Constituição autocrática ou mesmo ditatorial. Como exemplos, poderia­ mos citar as Constituições brasileiras de 1824, 1937 e 1967.’3

Essa classificação leva em consideração não a promulgação de cunho técnico realizada em qualquer documento constitucional (inclusive nas Constituições outorgadas), mas, sim, a forma de produção da Constituição com ou sem a participação popular. Ou seja, ela visa analisar se a Constituição foi elaborada com ou sem legitimida­ de (viés democrático). Nesses termos, também são as reflexões de parte da doutrina, defendendo que o mais correto seria o uso do termo Constituição democrática (em vez do termo técnico usado pela classificação, ora citada):"[...] uma Constituição, mesmo que promulgada, pode ser autoritária ou populista. A promulgação é o ato solene que integra a fase final do processo legislativo e equivale à certificação formal e pública de alteração do sistema jurídico por um novo texto normativo. A promulgação é seguida da publicação da nova norma. Assim, a expressão'Constituição promulgada' equivale apenas ao fato de que houve um processo legislativo colegiado de elaboração e de aprovação majoritária de seu texto. Apenas isso. Portanto, ao invés de 'Constituição promul­ gada' deveriamos utilizar a expressão Constituição democrática’para nos referir a uma Constituição que tenha sido elaborada com a efetiva participação da sociedade [...]" In: OLIVEIRA, Márcio Luís de. Os limites ideológicos e /usfilosófícos do poder constituinte originário, p. 379-407,2007. 22. Apesar de alguns senadores biônicos {termo usado para designar senadores que não haviam sido eleitos pelo voto popular) terem participado da Assembléia Nacional Constituinte de fevereiro de 1987 a outubro de 1988. 23. É interessante que boa parte da Teoria da Constituição atual compreende a denominação Constituição au­ tocrática (ou ditatorial) como uma verdadeira contradição, na medida em que o constitucionalismo está intimamente ligado á perspectiva democrática. Falar em Constituição autocrática é falar em algo que defi­ nitivamente não coaduna com o constitucionalismo e sua busca (emancipatória) pela limitação do poder (arbítrio) e desenvolvimento de direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido, Mourizio Fioravanti, ao reconstruir a história semântico-institucional do termo'Constituição! observa que não mais podemos opor a ideia de Constituição á de democracia ou soberania popular, pois o constitucionalismo só é efetivamente constitucional se institucionaliza a democracia, o pluralismo e a cidadania de todos, em não fazendo o que temos é despotismo. Do mesmo modo a democracia só é democracia se impõe limites constitucionais à

21.

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Bernardo Gonçalves Fernandes



Constituição Cesarista: é aquela produzida sem a participação popular (de forma direta ou mediante representantes), mas que, posteriormente a sua elaboração, é submetida a referendum (uma verdadeira consulta plebiscitária) popular para que o povo diga sim ou não sobre o documento. Essas constituições, sem dúvida, aproximam-se das Constituições Outorgadas (e se distanciam das Promulgadas), pois os processos de produção (que, ob­ viamente, conferem legitimidade ao documento constitucional) não envol­ vem o povo, e sim algo pronto e acabado ("receita de bolo") que, de for­ ma não raro populista, é submetido para digressão popular. Os exemplos desse tipo de Constituição são as Constituições de Napoleão, na França, e de Pinochet, no Chile, entre outras.

f)

Quanto à extensão - analíticas e sintéticas:



Constituição Analítica: também chamada de prolixa, é aquela elaborada de forma extensa (formato amplo), com um cunho detalhista, na medida em que desce a pormenores não se preocupando somente em descrever e explicitar matérias constitucionais (tipicamente constitutivas do Estado e da sociedade). Portanto, acaba por regulamentar outros assuntos que entenda relevantes num dado contexto, estabelecendo princípios e regras e não apenas princípios (ainda que os princípios e a estrutura chamada atualmente de principiológica possam ser dominantes). Como exemplos, podemos citar as atuais Constituições do Brasil (1988), de Portugal (1976) e da Espanha (1978).



Constituição Sintética: é aquela elaborada de forma sucinta (resumida) e que estabelece os princípios fundamentais de organização do Estado e da sociedade preocupando-se em desenvolver no seu bojo apenas as matérias constitucionais típicas (Organização e estruturação do Estado e Direitos Fundamentais). Em regra, são Constituições eminentemente principiológicas.24

vontade popular, à vontade da maioria. No mesmo sentido:“(...] para a Teoria da Constituição constitucional­ mente adequada só é possível existir uma Constituição em sentido politico-juridico num Estado de Direito, no qual ocorre uma simbiose entre o exercício dos poderes políticos e a autoridade juridicamente investida e limitada, o que confere legitimidade às funções e aos atos de Estado. E com isso concordamos, uma vez que nas autocracias impera o poder político sem limites normativos efetivos. Fora do regime democrático o Direito não cumpre a sua principal finalidade que é garantir a dignidade humana nos contextos público e privado; nas autocracias o Direito é tão-somente um instrumento formal de opressão, submetido apenas às conveniências do grupo dominante. Portanto, numa autocracia o Direito perde a sua verdadeira essência emancipadora J"OLIVEIRA, Márcio Luís de, In: A Constituição juridicamente adequada, p. 1., 2009. 24. Um exemplo é a Constituição norte-americana de 1787 ainda hoje em vigor. Aqui temos uma observação inte­ ressante: apesar de a Constituição norte-americana ser classificada pela doutrina tradicional (de cunho semântico como anteriormente criticamos) como sintética (sucinta), algumas Constituições de estados norte-americanos sào excessivamente analíticas.

46

CONCFITO E CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

25.

26.

27.

g)

Quanto à ideologia (ou quanto à dogmática) - ortodoxas e ecléticas:



Constituição Ortodoxa: é aquela que prevê apenas um tipo de ideologia em seu texto. Exemplos recorrentemente lembrados são as Constituições da China e da ex-União Soviética.



Constituição Eclética: é aquela que traz a previsão em seu texto de mais de uma ideologia, na medida em que pelo seu pluralismo e abertura agrupa mais de um viés (linha) ideológico. A atual Constituição brasileira de 1988 é um exemplo.

h)

Quanto à unidade documental - orgânicas e inorgânicas:



Constituição Orgânica: é aquela que é elaborada em um documento único, num corpo único de uma só vez por um poder competente para tal e que contém uma articulação (interconexão) entre suas normas (títulos, capítu­ los, seções).25



Constituição Inorgânica: é aquela que não é dotada de uma unidade docu­ mental. É elaborada por textos escritos não dotados de uma interconexão que podem ser reunidos posteriormente (e solenemente) em um docu­ mento específico e ser intitulado de texto Constitucional. A doutrina cita como exemplos as atuais Constituições de Israel e da Nova Zelândia. Um exemplo interessante é 0 da Constituição francesa de 1875 da III República, que foi a junção de três documentos legais.

i)

Quanto ao sistema’6 - Principiológicas e Preceituais:



Constituição Principiológica: é aquela em que predominam os princípios (embora nela possam existir regras) considerados normas (constitucionais) de alto grau de abstração e generalidade para boa parte dos doutrinadores pátrios.27 Um exemplo seria a atual Constituição brasileira de 1988, que

Paulo Bonavides chama essas Constituições de codificadas e as diferencia das Constituições legais, que seriam Constituições escritas que se apresentam esparsas ou fragmentadas em vários textos, como a Constituição da III República francesa de 1875 (leis constitucionais elaboradas em momentos distintos da atividade legislativa, que foram tomadas em conjunto, passando a ser a Constituição francesa). (BONAVIDES, Paulo, Curso de direito consti­ tucional. p. 88). É importante deixar registrado que alguns doutrinadores, dentre eles Lammêgo Bulos (2006), classificam diferen­ temente as Constituições quanto à sistematização (e não quanto ao sistema!). Essa classificação divide as Cons­ tituições em unitárias (unitextuais ou codificadas) e variadas (pluritextuaisou não codificadas). As primeiras são aquelas que estão adstritas a um único texto. Portanto, a Constituição está contida em um único documento. Já as segundas (variadas ou plurítextuais) são aquelas que as normas constitucionais estão espalhadas em diversos documentos com força constitucional. O exemplo, assim como em Bonavides para as Constituições legais, tam­ bém é o da Constituição francesa da III República de 1875. A tese que diferencia as normas regras e as normas princípios pelo aspecto quantitativo (ou seja, pelo grau de abstração ou generalidade) é chamada de tese fraca, conforme iremos observar posteriormente quando formos tratar da diferença entre regras e princípios sob o ponto de vista do aspecto quantitativo (tese fraca) e qualitativo (tese forte).

47

Bernardo Gonçalves Fernandes

é entendida, trabalhada e interpretada pelo neoconstitucionalismo como principiológica.28 •

Constituição Preceitual: é aquela em que, embora possa conter princípios, predominam-se as regras que, para boa doutrina nacional, possuem um baixo grau de abstração e um alto grau de determinabilidade. Esse tipo de Constituição que enfatiza as regras em detrimento dos princípios tende a ser essencialmente detalhista. Um exemplo citado é a Constituição do Mé­ xico de 1917 (Constituição de Ouerétaro29).

j)

Quanto à Finalidade3031 - Garantia, Balanço ou Dirigentes:



Constituição Garantia, Abstencionista ou Negativa: ela tem um viés no pas­ sado, visando garantir direitos assegurados contra possíveis ataques do Poder Público. Trata-se de Constituição típica de Estado Liberal que se caracteriza pelo seu abstencionismo e sua atuação negativa (de não inter­ ferência ou ingerência na sociedade). Essa Constituição também intitulada por alguns autores de Constituição-quadro foi concebida apenas como um instrumento de governo que deveria trazer a limitação ao Poder com a devida organização do Estado, assim como direitos e garantias fundamen­ tais.” Porém aqui uma observação é fulcral, qual seja: a rigor mesmo as constituições atuais têm um pouco de constituição garantia e se apresen­ tam também como tal. Obviamente, mesmo as Constituições sociais e de Estado Democrático de direito do século XX também objetivam em certa

Todavia, entendemos ser equivocado afirmar tal tese, ainda que majoritária na doutrina nacional, pois mesmo que a Constituição de 1988 tenha se preocupado em explicitar um catálogo volumoso de princípios, quantita­ tivamente, há que vislumbrar uma primazia das regras como espécies de normas constitucionais. Na verdade, Klaus Günther {The sense of appropriateness) em sua obra já nos lembra que a problemática toda quanto à dife­ renciação de regras e princípios é decorrente da coexistência de dois paradigmas distintos. Seguindo a linha de L. Kohlberg uma tradição de supervalorização das regras é produto, ainda, de uma consciência coletiva apegada a um nível convencional (muito preocupado com a segurança jurídica, entendida como previsibilidade), enquanto aqueles que assumem o direito como um conjunto de princípios - principalmente, sem exclusão das regras por complexo - demonstram que já atingiram o nível pósconvencional (e por isso, compreendem o direto a partir de outro prisma: ou seja, como um todo coerente de normas dotadas de universalidade; de correção). A bem da verdade, o que vivenciamos hoje como neoconstitucionalismo é apenas um movimento teórico modesto que se situa em uma zona intermediária entre essas duas formas de consciência perante o direito. 29. Essa Constituição que é de 1917 é considerada a primeira Constituição do "constitucionalismo social". Posterior mente, em 1919, teremos na Europa a Constituição de Weimar (na Alemanha) que apresentará de forma explícita o constitucionalismo social europeu. 30. O jurista português Jorge Miranda também nos apresenta uma classificação das Constituições quanto á fi­ nalidade. Esta diz respeito justamente à pretensão (finalidade) da Constituição em ser um documento de transição ou um documento definitivo. Nesses termos, temos: a) Constituição revolucionária, provisória oupréconstituição: aquela que se apresenta como um conjunto de normas que tem por objetivo ou finalidade definir o regime de elaboração e aprovação da nova Constituição formal e estruturar o poder político no interstício cons­ titucional, dissipando e eliminando, com isso, resquícios do regime anterior; b) Constituição definitiva (de duração indeterminada no tempo, aberta para o futuro): esta é a Constituição produto final do poder Constituinte fruto de um processo Constituinte. (Manual de direito constitucional, Tomo II, p. 91). 31. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Curso de direito constitucional, p. 12. 28.

48

Conceito

e classificações das

Constituições

medida garantir direitos assegurados aos cidadãos à luz de um determina­ do momento histórico (contexto histórico).



Constituição Balanço: visa trabalhar o presente. Trata-se de constitui­ ção típica dos regimes socialistas (constituições de cunho marxista). Essa constituição propõe-se a explicitar as características da atual sociedade, trazendo parâmetros que devem ser observados à luz da realidade eco­ nômica, política e social já existente. Ela realiza um balanço das planificações realizadas e explicita à sociedade o novo grau de planificação já em curso. A constituição tem por objetivo adequar-se à realidade social. É importante salientar que a Constituição de cunho socialista não é uma constituição de dever-ser (Sollen), mas, sim, uma Constituição típica do mundo do ser (Sein), que traduz juridicamente modificações sociais que já existem na sociedade.52 Um exemplo são as Constituições soviéticas de 1936 e de 1977.



Constituição Dirigente: tem viés de futuro. É uma constituição típica de Estado social e de seu pano de fundo paradigmático (democracias-sociais, sobretudo do pós-Segunda Guerra Mundial). Constituições dirigentes são planificadoras e visam predefinir uma pauta de vida para a sociedade e estabelecer uma ordem concreta de valores para 0 Estado e para a so­ ciedade, ou seja, programas e fins para serem cumpridos pelo Estado e também pela sociedade.53 Uma das características dessas Constituições, não raro, é a presença de normas programáticas em seu bojo.

Temos, ainda, outras classificações que merecem ser citadas, sendo: k) Classificação quanto ao papel das Constituições: essa classificação é apresentada por Virgílio Afonso da Silva31 e envolve um debate (ainda) atual sobre a função ou 0 papel desempenhado por uma Constituição em um Estado e uma sociedade. Nesses termos, é analisada de forma direta a liberdade de atuação ("capacidade de conformação da ordem jurídica") do legislador ordinário em relação à Constituição. Nesse sen­ tido, as Constituições podem ser concebidas como: Constituição-lei: são32 34 33

32. 33.

34.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, Curso de direito constitucional, p. 12. É bem verdade que o conceito de Constituição dirigente de Canotilho, desenvolvido pelo autor na famosa obra Constituição dirigente e vinculação do legislador (1982), sofreu modificações no decorrer do tempo. Já chama­ mos a atenção do leitor para o prefácio da 2“ edição desse citado livro e das recentes edições de seu Direito cons­ titucional e teoria da Constituição, nos quais Canotilho explicita que a atenuação do Papel do Estado faz com que hoje o programa constitucional assuma mais o papel de legitimador da sociedade estatal do que a função de um direito dirigente do centro político. Nesse sentido, conforme aqui citado, as Constituições perderam um pouco de sua força dirigente, ainda que não tenham deixado de ser diretivas. Sem dúvida, o dirigismo constitucional das décadas de 70 e 80 do século passado não mais existe, porém a Constituição dirigente não morreu, pois ainda sobrevivem importantes dimensões de programaticidade e dirigismo constitucional, ainda que em uma perspectiva mais reflexiva (leve) e menos impositiva. Ver, sobretudo COUTINHO, Jacinto, Canoti­ lho e a Constituição dirigente, 2002. SILVA, Virgílio Afonso da, A constitucionalização do direito, 2005, p. 111 -122.

49

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aquelas em que a Constituição é entendida como uma norma que está no mesmo nível das outras normas do ordenamento. Nesse caso, conforme Virgílio Afonso da Silva,3536 37 a Constituição não teria supremacia nem mes­ mo vinculatividade formal para com o legislador ordinário, sendo "uma lei como qualquer outra" funcionando, apenas como uma diretriz para atuação do Poder Legislativo, ou seja, os dispositivos constitucionais, es­ pecialmente os direitos fundamentais, teriam uma função meramente in­ dicativa, pois apenas indicariam ao legislador um possível caminho, que ele não necessariamente poderia seguir. Constituição fundamento: essa concepção de constituição é também denominada de Constituição total. Nessa perspectiva, "a Constituição é entendida como lei fundamental, não somente de toda a atividade estatal e das atividades relacionadas ao Estado, mas também a lei fundamental de toda a vida social". Sem dúvida, por essa perspectiva, o espaço de conformação do legislador é extremamente reduzido. Nesses termos, "o legislador seria um mero in­ térprete da Constituição e nessa concepção haveria para os outros ramos do direito pouco ou nenhum espaço livre (liberdade de conformação dos outros ramos do direito estaria mitigada)"/ Constituição-moldura: essa concepção que não é nova,i? mas vem sendo objeto de constantes digres­ sões na doutrina alemã, trabalha a constituição apenas como um limite para a atividade legislativa. Ou seja, ela é apenas uma moldura, sem tela e sem preenchimento. Nesses termos, caberá a jurisdição constitucional apenas a tarefa de controlar se o legislador age dentro da moldura. Essa concepção, nos dizeres de Virgílio Afonso da Silva, pode ser entendida como intermediária entre as duas primeiras.38 I)

35. 36.

37. 38. 39.

50

Constituições Plásticas: Constituições plásticas são aquelas dotadas de uma maleabilidade. Ou seja, são maleáveis aos influxos da realidade social39 (política, econômica, educacional, jurisprudencial etc.). São Constituições que possibilitam releituras, (re)interpretações de seu texto, à luz de novas realidades sociais. A Constituição plástica pode ser flexível ou mesmo rígi­ da, desde que permita uma nova interpretação de seu texto à luz de novos

SILVA, Virgílio Afonso da, A constitucionalização do direito, p. 111. SILVA, Virgílio Afonso da, A constitucionalização do direito, p. 112. A critica estabelecida pelo autor é a seguinte: "[„.] As normas constitucionais, nesse sentido, não somente irradiarão efeitos pelos outros ramos do direito: elas determinarão o conteúdo deles por completo.” (2005, p. 115). Esta remonta a autores como Ernst-Wolfgang Bõckenfõrde e Christian Starck. SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito. 2005, p. 116-117. Conforme a abalizada doutrina de Uadi Lammêgo Bulos, (Curso de direito constitucional. 2006). Também encon­ tramos tal posicionamento no clássico Estudos de direito constitucional de HORTA, Raul Machado (2002). Esses au­ tores demonstram que a Constituição plástica é aquela que possibilita novas releituras, podendo ser, portanto, tanto rígidas quanto flexíveis.

Conceito c classificações das Constituições

contextos sociais.40 Porém, é importante deixarmos consignado que alguns autores classificam as Constituições plásticas como flexíveis.41

m) Constituições Pactuadas ou Dualistas: são aquelas que resultam de um acordo entre o rei (monarca) e o parlamento. Buscam desenvolver um equilíbrio, não raro instável e precário, entre o princípio monárquico e o princípio da democracia. Segundo Paulo Bonavides, "elas acabam por ex­ primir um compromisso instável (frágil) de forças políticas rivais: a realeza debilitada de uma parte, e a nobreza e a burguesia, em franco progresso doutra".42

40.

41. 42.

43.

44.

n)

Constituições Nominalistas:43 para alguns doutrinadores são as Constitui­ ções que trazem normas dotadas de alta clareza e precisão, nas quais a interpretação de seu texto somente é realizada por meio de um método literal ou gramatical. Essa classificação (em claro desuso) atualmente só pode ser entendida como uma relíquia histórica, pois é de se perguntar: qual constituição atualmente é interpretada e aplicada apenas pelo manu­ seio do método gramatical? A hipercomplexidade jurídico-social, sem dúvi­ da, impede tal possibilidade.

o)

Constituições Semânticas:44 para alguns doutrinadores, são as constituições nas quais o texto não é dotado de uma clareza e especificidade e que, portanto, não vão trabalhar apenas o método gramatical, exigindo outros métodos de interpretação (ou outras posturas interpretativas). Aqui uma digressão se faz necessária: se formos utilizar os métodos clássicos de interpretação (atualmente em xeque pelo giro hermenêutico-pragmático, que posteriormente será desenvolvido), todas as constituições atualmente (modernamente) são semânticas. Mas devemos tomar cuidado, pois esta é apenas uma conceituação ou classificação de Constituição como semântica

Aqui uma observação importante. O fenômeno da teoria da Constituição, que possibilita que as Constituições plásticas recebam novas atribuições de sentidos, é chamado de mutações constitucionais. Ou seja, são mudanças informais da Constituição, o texto continua o mesmo, maséreinterpretadoà luz de novas realidades sociais. FERREIRA, Pinto, Curso de direito constitucional, p. 12. BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, p. 9.0 referido constitucionalista cita como exemplos a Cons­ tituição francesa de 1791, a da Espanha de 1876 e documentos constitucionais ingleses, como o Bill of fíights de 1689. O termo nominalista, de forma totalmente diferenciada da ora apresentada, também é utilizado, por alguns doutrinadores, para a classificação das Constituições nominais (ou para alguns: nominalistas) de Karl Lõewenstein, que iremos analisar posteriormente. Nessa as constituições nominalistas são aquelas em que há um des­ compasso (hiato) entre o texto da constituição e a realidade social a ser regulada. Com isso, explicita-se um déficit de eficácia e concretização da Constituição. Ver também em Marcelo Neves, In: A Constitucionalização Simbólica, 2010. Para Gomes Canotilho, as Constituições intituladas de semânticas têm outro significado. Elas sáo aquelas que podem ser entendidas como Constituições fechadas de cunho meramente formal que não consagram um con­ teúdo mínimo de justiça em termos materiais. Estas, para o autor de Coimbra, se diferenciam das Constituições normativas, que são aquelas Constituições que trazem um conjunto de normas dotadas de bondade material que garantem direitos e liberdades, bem como impõem limites aos poderes. (Direito constitucional e teoria da Constituição, 2003, p. 1.095).

51

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e é minoritária. Além desta, temos: a conceituação de Gomes Canotilho, também citada (ver nota), e ainda a conceituação de Karl Lõewenstein, que será posteriormente trabalhada e detalhada (pois é a mais usada e de maior sucesso na doutrina). p)

Constituições em Branco: são aquelas que não trazem limitações explícitas ao poder de alteração ou reforma constitucional. Nesse sentido, o poder de reforma se vincula à discricionariedade dos órgãos revisores, que, sem qualquer dispositivo específico de delimitação revisional, ficam encarrega­ dos de estabelecer regras para a propositura de emendas constitucionais. Exemplos são as Constituições francesas de 1799 e 1814.45

q)

Constituições Compromissórias:46 são aquelas que resultam de acordos en­ tre as diversas forças políticas e sociais, nas quais não há uma identidade ideológica (ecletismo), sendo a Constituição resultado da "fragmentação de acordos tópicos" que explicitam uma diversidade de projetos, caracte­ rizando a textura aberta da Constituição, que possibilita a "consagração de valores e princípios contraditórios a serem equacionados e concretizados pelos aplicadores do direito".47 Essas Constituições, que trazem no seu bojo uma plêiade ideológica, acabam por fomentar a perspectiva dialógica pre­ sente no arcabouço típico de um Constitucionalismo democrático.

r)

Constituição Dúctil (suave) de Gustavo Zagrebelsky:48 essa classificação busca não trabalhar com uma dogmática (constitucional) rígida.49 Segun­ do 0 autor, "nas sociedades atuais, permeadas por determinados graus de relativização e caracterizadas pela diversidade de projetos de vida e concepções de vida digna", 0 papel das Constituições não deve consistir na realização de um projeto predeterminado de vida, cabendo-lhe ape­ nas a tarefa básica de "assegurar condições possíveis" para uma "vida em comum." Ou seja, a Constituição não predefine ou impõe uma forma de vida (projeto de vida), mas, sim, deve criar condições para 0 exercício dos mais variados projetos de vida (concepções de vida digna).50 Nesses

BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional, 2006, p. 33. Conforme, CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição. Nesses termos, tam­ bém as digressões de VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição como reserva dejustiça, p. 195. Segundo Uadi Lammê­ go BULOS, as Constituições compromissórias se originam de um processo constituinte tumultuado por corren­ tes de pensamento divergentes e convergentes, fruto de um jogo de fluxos e refluxos, que ao fim dos trabalhos estabelecem um consenso (compromisso constitucional) em meio a "salutar" pluralidade política existente. Um exemplo seria a nossa atual Constituição de 1988. (Curso de direito constitucional, 2006). 47. VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição como reserva de justiça, p. 195. 48. ZAGREBELSKY, Gustavo, Elderecho dúctil: Ley, derechos.justicia. MadridTrotta, 1999. 49. ZAGREBELSKY, Gustavo, El derecho dúctil: Ley, derechos, justicia. Madrid Trotta, 1999. 50. Conforme o professor italiano:"As sociedades pluralistas atuais - isto é, as sociedades marcadas pela presença de uma diversidade de grupos sociais com interesses, ideologias e projetos diferentes, mas sem que nenhum tenha força suficiente para fazer-se exclusivoou dominante e, portanto, estabelecer a base material da soberania estatal no sentido do passado - isto é, as sociedades dotadas em seu conjunto de um certo grau de relativismo, con­ ferem à Constituição não a tarefa de estabelecer diretamente um projeto predeterminado de vida em comum,

45. 46.

52

Conceito e classificações das Constituições

termos, o adjetivo suave (ou leve) é utilizado com o objetivo de que a Constituição acompanhe a descentralização do Estado e, com isso, seja um espelho que reflita o pluralismo ideológico, moral, político e econômico existente nas sociedades. Ou seja, uma Constituição aberta51 (que permita a espontaneidade da vida social) que acompanhe o desenvolvimento de uma sociedade pluralista e democrática?2 Essa concepção se aproxima (embora com algumas divergências) da concepção de Constituição defen­ dida pela teoria discursiva do direito e da democracia de jürgen Habermas que trabalha justamente a perspectiva do que podemos chamar de consti­ tucionalismo procedimental do Estado Democrático de Direito.5’

senão a de realizar as condições de possibilidade da mesma." (ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: Ley, derechos, justicia. Madrid Trotta, 1999, p. 13). Texto também citado no Informativo n’ 306 do STF pelo Ministro Gilmar Mendes. 51. Autores como Paulo Bonavides eCanotilho defendem (embora em um marco teórico diferenciado do trabalha­ do por Zagrebelsky) também uma perspectiva de Constituição aberta. Por exemplo, para Canotilho atualmente devemos "relativizar a função material de tarefa da Constituição além de ser justificável a desconstitucionalizaçào de elementos substantivadores da ordem constitucional (como exemplo: constituição econômica, constituição do trabalho, constituição social, constituição cultural)". Para o autor"a historicidade do direito constitucional e a índesejabilidade do "perfeccionismo constitucional" (constituição como um estatuto detalhado e sem aberturas) não são, porém, incompatíveis com o caráter de tarefa e projeto da lei constitucional"Ou seja, a Constituição pode ser aberta (plural, eclética e democrática), mas mesmo assim, não pode perder de vista: a fixação de limites para a atuação do Estado, a formulação de fins sociais significativos e a identificação de alguns programas de conformação constitucional. In: Direito constitucional e teoria do Constituição, 2003, p. 1339-1340. 52. ZAGREBELSKY, Gustavo, Elderechodúctil:Ley, derechos, justicia. MadridTrotta, 1999.Também NOVELINO, Marcelo, Direito constitucional. 2009. 53. Conforme o constitucionalismo da teoria discursiva da Constituição trabalhada por Habermas e por uma série de autores brasileiros, temos que a promessa de concessão de cidadania advinda da ruptura do Estado Liberal com o nascimento e desenvolvimento do Estado Social não foi efetivada. Com isso, a proposta do direi­ to constitucional e da teoria da Constituição adstrita a ele deve ser a de buscar o resgate da cidadania (nunca alcançada nos séculos XVIII e XIX com o constitucionalismo liberal e no século XX com um determinado tipo de constitucionalismo social) sem supostos (ou pressupostos) dirigentes e planificadores. A própria noção de cidadania (no constitucionalismo procedimental do Estado Democrático de Direito) deve ser enfocada sob outra perspectiva que não aquela de "vantagem ou beneficio“a ser concedida e distribuída de"cima para baixo" a uma massa de desvalidos e pobres coitados (descamisados). Esta deve ser encarada como um processo, que envolve aprendizado, fluxos e refluxos, mas sempre numa “luta contínua por reconhecimento". Nas pegadas da Teoria discursiva da democracia habermasiana, observamos então o que seria a caracterização reflexivo-procedimental da Constituição de um Estado Democrático de Direito. Conforme o autor alemão: "Se sob condições de um mais ou menos estabilizado compromisso relativo ao Estado de Bem-Estar Social, quer-se sustentar não somente um Estado de Direito mas também um Estado Democrático de Direito, e, assim, a ideia de auto-organização da comunidade jurídica, então não se pode manter a visão liberal de constituição como uma ordem-quadro que regule essencialmente a relação entre administração e cidadãos. O poder econômico e a pres­ são social necessitam ser conformados pelos meios do Estado de Direito não menos que o poder administrativo. Por outro lado, sob as condições de pluralismo societário e cultural, a Constituição deve também não ser con­ cebida como uma ordem jurídica concreta que imponha aprioristicamente uma forma de vida total à sociedade. Ao contrário, a Constituição estabelece procedimentos políticos de acordo com os quais os cidadãos possam, no exercício de seu direito de autodeterminação, com sucesso, buscar realizar o projeto cooperativo de estabelecer justas (i.e. relativamente mais justas) condições de vida. Somente as condições procedimentais da gênese demo­ crática das leis asseguram a legitimidade do Direito promulgado." (HABERMAS, Jürgen, 1998, p. 163). Seguindo a linha de raciocínio de Habermas, temos que a Constituição, sob o paradigma procedimental do Estado Democrático, deve ser compreendida como a prefiguração de um sistema de direitos fundamentais que representam as condições procedimentais para a institucionalização da democracia nos âmbitos e nas perspectivas específicas do processo legislativo, do processo jurisdicional e do processo administrativo e que garante, ainda, espaços públicos informais de geração da vontade e das opiniões políticas. Nesse

53

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s)

Heteroconstituições: são constituições decretadas de fora do Estado que irão reger. São incomuns. Um exemplo é a Constituição cipriota que surgiu de acordos elaborados em Zurique, nos idos de 1960 e que foram reali­ zados entre a Grã-Bretanha, Grécia e a Turquia.5'1 Outros exemplos seriam a da inicial Constituição da Albânia desenvolvida e produzida partir de uma conferência internacional em 1913 e a Constituição da Bósnia-Herzegovina elaborada mediante acordos prolatados em 1995. Certo também é que algumas Constituições dos países da Commonwealth foram aprovadas por leis do parlamento britânico, tendo como exemplo os documentos do Canadá, da Nova Zelândia e da Austrália.* 5556 54 Já as Autoconstituições (ou homoconstituições) são aquelas elaboradas e decretadas dentro do próprio Estado nacional que irão reger.

4. CLASSIFICAÇÃO ONTOLÓGICA (OU ESSENCIALISTA) DAS CONSTITUIÇÕES DE KARL LÕEWENSTEIN

0 autor dessa classificação é Karl Lõewenstein que desenvolveu, na década de 50 do século XX, a Teoria Ontológica da Constituição.55 A classificação proposta pelo autor visa estudar 0 ser das Constituições (a sua essência), ou seja, 0 que as diferencia de qualquer outro objeto ou ente. Nesse sentido, busca-se 0 que, na prática, “realmente é uma constituição". Lõewenstein critica com veemência a classificação tradicional, pois não diz 0 que realmente é uma constituição, na medida em que fica presa ao texto dela. Nesse sentido, a classificação tradicional só analisa 0 texto não levando em consi­ deração 0 contexto (realidade social: econômica, política, educacional, cultural etc.). Segundo 0 autor, as digressões que trabalham a constituição como, por exemplo: formal, rígida, flexível, analítica, sintética, escrita e dogmática, em nada acrescentam à definição de uma constituição. Sem dúvida, a constituição pode ser excelente em seu texto (democrática, promulgada) e na prática não corresponder aos ditames do seu texto. A constituição não é só seu texto se apresentando, então, a rigor, como aquilo que os detentores de poder fazem (ou realizam) dela na prática.

Nesse sentido, qual a seria a definição adequada da classificação ontológica? Ela é conceituada como a técnica de classificação das constituições que busca ana­ lisar a relação do texto da constituição com a realidade social. Realidade social vivenciada (haurida), subjacente ao texto constitucional. Trata-se da relação entre 0

54. 55. 56.

54

sentido, a Democracia, como princípio jurídico-constltucional a ser densificado de acordo com a perspectiva específica de cada um desses processos, significa participação em igualdade de direitos e de oportunidades daqueles que serão afetados pelas decisões nos procedimentos deliberativos que as preparam. BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional, 2006, p. 35. MIRANDA, Jorge, Manuai de direito constitucional, Tomo II, p. 80 82. LÕEWENSTEIN. Karl, Teoria de Ia Constitución.

Conceito e ceassificações oas Constituições

texto (ideal) e a realidade (real): econômica, política, educacional, cultural e jurisprudencial do país. Para analisar a constituição de um país, deve-se analisar os elementos de sua realidade social, subjacentes ao texto constitucional, e não somente analisar o tex­ to constitucional. É necessário, então, ir ao país e analisar a adequação do texto constitucional à realidade social do país. Nesses termos, Karl Lõewenstein57 propõe a seguinte classificação:

57. 58.

a)

Constituições Normativas: são aquelas em que há uma adequação entre o texto constitucional (conteúdo normativo) e a realidade social. Há, portan­ to, uma simbiose do texto constitucional com a realidade social. Ou seja, a constituição conduz os processos de poder (e é tradutora dos anseios de justiça dos cidadãos), na medida em que detentores e destinatários de poder seguem (respeitam) a constituição. Como exemplos, temos: a Cons­ tituição americana de 1787; a Constituição alemã de 1949; a Constituição francesa de 1958, entre outras.

b)

Constituições Nominais: não há adequação do texto constitucional (conteúdo normativo) e a realidade social. Na verdade, os processos de poder é que conduzem a constituição, e não 0 contrário (a constituição não conduz os processos de poder). Não há simbiose do texto constitucional com a rea­ lidade social, 0 que ocorre é um descompasso do texto com a realidade social (econômica, política, educacional, jurisprudencial etc.). Porém, é mister deixar consignado que existe um lado positivo nessas Constituições. Este é 0 seu caráter educacional, pedagógico. Detentores e destinatários do poder fizeram (produziram) 0 texto diferente da realidade social, mas, se 0 texto existe, ele pode, nos dizeres de Lõewenstein, servir de "estrela guio", de "fio condutor" a ser observado pelo país, que, apesar de distante do texto, um dia poderá alcançá-lo. Exemplos: as Constituições brasileiras de 1934, 1946 e 198858. Sobre a atual Constituição de 1988, temos a informar que alguns doutrinadores, infelizmente, classificam-na de forma equivocada pela classi­ ficação ontológica. Nesse sentido, Pedro Lenza, em uma das últimas edições de seu manual, classificou-a como normativa (0 que é em grave equívoco!) e, posteriormente, na última edição de sua obra (tentando desfazer 0 equí­ voco) a classifica como uma Constituição que se "pretende normativa" (aqui, seguindo Guilherme Pena). Ora, esse entendimento, com todo 0 respeito, é inteiramente equivocado. Aqui, não se trata de corrente divergente (de opiniões diferentes), mas, sim, de erro explícito quanto a obra de Karl Lõe­ wenstein. Nesse sentido, óbvio que toda Constituição se pretende normativa

LÕEWENSTEIN, Karl, Teoria de la Constitución, p. 216-223. LÕEWENSTEIN, Karl, Teoria de la Constitudón. p. 216-223.Temos ainda, como exemplo, a Constituição alemã de Weimarde 1919, que, apesar de ser da Alemanha, explicitava um hiato (fosso) entre o seu texto e a realidade de um pais arrasado e humilhado em razão da 1a Guerra Mundial.

55

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(não só a brasileira), mas uma coisa é pretender ser, outra coisa é ser. Reiteramos que Lõewenstein busca o que a Constituição realmente é em um momento histórico (aliás, por isso, a classificação chama-se ontológíca). E a nossa é, pela lógica loewensreineana (pelo menos por enquanto, visto que sua classificação é dinâmica), nominal! Aliás, na sua Teoria da Constituição Karl Lõewenstein não classifica Constituições por uma "quarta via", pois, para ele, as Constituições são: normativas, nominais ou semânticas. Portanto, simples­ mente não existe a classificação: "se pretende normativa". Essa afirmação denota inclusive dois problemas: desconhecimento da obra de Lõewenstein e de sua construção teórica, e desconhecimento (por um déficit sociológico) da realidade brasileira (do descompasso "ainda existente" entre o texto de nossa Constituição e a sua realidade social subjacente)55. c)

Constituições Semânticas: são aquelas que traem o significado de Consti­ tuição (do termo Constituição). Sem dúvida. Constituição, em sua essência, é e deve ser entendida como limitação de poder. A Constituição semântica trai o conceito de Constituição, pois em vez de limitar o poder, legitima (naturaliza) práticas autoritárias de poder. A Constituição semântica vem para legitimar o poder autoritário (sendo, portanto, Constituições tipica­ mente autoritárias).59 60 Exemplos: Constituições brasileiras de 1937 (A polaca de Cetúlio Vargas), 1967 e 1969 (do governo militar).

Nesse sentido, para explicitar as teses de Karl Lõewenstein61 e a sua classifica­ ção, um quadro pode ser assim construído:

59.

60. 61.

56

Isso, obviamente, se seguirmos a ontologia das Constituições de Lõewenstein (que trabalha com a possibilidade de “hiato"entre o texto de uma Constituição e a realidade social vivenciada pelo texto). LÕEWENSTEIN, Karl, Teoria de Ia Constitución. Aqui uma advertência: Pior ainda é quem classifica a Constituição de 1988 como normativa. Flávio Martins (2019) a classifica assim e comete dois equívocos. O Primeiro é dizer que essa corrente é majoritária. Diz sem apresentar sequer um autor que diga o mesmo. Nesses termos, não há comprovação empirica que essa cor­ rente seja majoritária. Se observarmos os principais autores do Brasil (e seus livros), nenhum deles chama classifica a nossa constituição de normativa. Ingo Sarlet, Paulo Bonavides, José Afonso da Silva, Lenio Streck, Dirley da Cunha, Daniel Sarmento, Marcelo Neves, entre vários outros, não fazem isso (inclusive não se preocupam com isso, mesmo porque que a classificação ontolóoica é fraca, como iá dissemos). Ou seja, a afirmação de uma pretensa corrente majoritária náo se sustenta Outra questão inadequada é citar o Karl Lõewenstein para dizer que a Constituição do Brasil é normativa (citação indevida do autor). Aqui a citação usada do livro Teoria da Constituição (p, 220) além de errada (pois ele fala do constitucionalismo brasileiro e seu progresso, como fala também do constitucionalismo da: Argentina, Colômbia, Uruguai e México, entre outros) é também descontextualizada. pois a versão alemã de sua Teoria da Constituição é de 1959. Lõewenstein escreve citando O Brasil e outros países da América do sul e central da década de 50 do século XX (repito: o livro é de 1959). Então ele escreveu no contexto da Constituição de 1946 (que poderia caminhar para um "autentico normativismo", bem como outros constitucionalismos da América). E mais ainda: Lõewenstein falece em 1973. Ele jamais em 1959 poderia classificar a Constituição Brasileira de 1988 como normativa, mesmo porque ele não tinha“bola de cristal" e sequer era "vidente". LÕEWENSTEIN, Karl, Teoria de ta Constitución. p. 216-223. Sem dúvida a teoria orttológica de Karl Lõewenstein tem o mérito de ir além das classificações tradicionais, na medida em que desvela a necessidade de trabalhar a Constituição não só por sua perspectiva textual, mas tam­ bém contextual. Nesse sentido, Lõewenstein denuncia com propriedade uma série de mazelas que podem estar encobertas no texto da Constituição (Constituição ideal) e não cumpridas e concretizadas na práxis social (real). Porém, as suas digressões não estão imunes a críticas. Nesses termos, a partir do que chamamos de teoria discur­ siva da Constituição, o estabelecimento de um hiato ou fosso entre o real e o ideal desenvolvido pela teoria da

Conceito e classificações

oas

Constituições

Constituições

Eficácia social (efetividade)

Legitimidade

Normativas

Sim

Sim

Nominais

Não

Sim

Semânticas

Sim

Nâo

5. REFLEXÕES SOBRE AS CLASSIFICAÇÕES TRADICIONAIS; O CONCEITO DE BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE; E O ENTENDIMENTO SOBRE A DENO­ MINAÇÃO INTITULADA DE NEOCONSTITUCIONALISMO

i») Podemos afirmar que toda Constituição escrita é formal? Não. A forma pode ser escrita, mas a constituição formal vai muito além da Constituição escrita. Pode haver Constituição escrita que não pede (requer) procedi­ mentos especiais (solenes, diferenciados) para ser modificada. É o caso, por exem­ plo, de uma Constituição que é escrita e flexível. Esta, por colocar-se no mesmo nível das leis ordinárias, apesar de ter a forma escrita, não é rígida, não sendo, portanto, formal. Nesses termos, citamos o Estatuto Albertino, a anterior Constituição da Itália de 1848 (a atual é datada de 1948) que era escrita, porém flexível.* 62 2a) A Constituição americana de 1787 pode ser classificada como histórica? Não, constituição histórica é formada com documentos esparsos no decorrer do tempo. A Constituição americana foi promulgada (de uma vez em só um pro­ cedimento) pela Convenção da Filadélfia e, apesar de ter mais de 200 anos e toda uma construção hermenêutica à luz de mutações constitucionais desenvolvidas pela Suprema Corte, é tida pela classificação tradicional (ora explicitada) como escrita.63 É interessante que, aqui, no que tange a esse tema, a doutrina vem discutindo se a nossa Constituição de 1988, classificada tradicionalmente como escrita, podería passar a ser entendida como histórica (ou não escrita) em razão do art. 5», § 3°, fruto da Emenda Constitucional n« 45/2004, que explicita a possibilidade de trata­ dos internacionais de direitos humanos, que passarem pelo mesmo procedimen­ to das emendas constitucionais (aprovação com: dois turnos, nas duas casas e 3/5 de votos), serem positivados como normas constitucionais. Com isso teríamos

62. 63.

ontologia da Constituição de Lõewenstein acaba por naturalizar um real (com suas práticas perversas e não raro corrompidas) que na verdade é fruto de construções também por nós idealizadas. A rigor, com Habermas temos a noção de que a “realidade já é plena de idealidades",e que, justamente, por isso o real e o ideal permanecem em permanente tensão, e não em um hiato (fosso). Segundo Paulo BONAVIDES, uma Constituição escrita não formal também pode ser designada como Consti­ tuição legal. Curso de direito constitucional, 2007, p. 88. Embora alguns doutrinadores entendam ao contrário. Isso se deve a não levarem a sério a classificação de Cons tituição escrita, dando ênfase nas releituras desenvolvidas pela Suprema Corte que de fato ocorreram e ainda ocorrem, mas nem por isso modificam a classificação tradicional.

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documentos constitucionais esparsos que iriam paulatinamente agregando a normatividade constitucional de 1988.64

31) Conforme a classificação tradicional como podemos classificar a atual Constituição de 1988?

a) quanto ao conteúdo, é formal; b) quanto à estabilidade, é rígida65 (para alguns autores ela é super-rígida, em razão do art. 60, § 4°, da CR/8866); c) quanto à forma, é escrita67; d) quanto à origem, é promulgada; e) quanto ao modo de ela­ boração, é dogmática; f) quanto à extensão, é analítica; g) quanto à unidade docu­ mental, é orgânica; h) quanto à ideologia (ou à dogmática), é eclética; i) quanto ao sistema, é principiológica; e j) quanto à finalidade, é dirigente (embora não com 0 dirigismo forte de outrora atualmente relativizado por Gomes Canotilho).68 4a) 0 que é mesmo a Constituição material? Conceito teórico: a constituição material é 0 conjunto de matérias escritas ou não em um documento (constituição formal) constitutivas do Estado e da sociedade. Ou seja, 0 núcleo ideológico constitutivo do Estado e da Sociedade.69

Temos como exemplo o Decreto Legislativo n° 186/08. Nesses termos: Decreto Legislativo n° 186, de 09 de ju­ lho de 2008 - DOU 10.07.2008 Aprova o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007.0 Congresso Nacional decreta: Art. 1 °. Fica aprovado, nos termos do § 3» do art. 5“ da Constituição Federal, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007. Parágrafo único. Ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que alterem a referida Convenção e seu Protocolo Facultativo, bem como quaisquer outros ajustes complementares que, nos termos do inciso I do caput do art. 49 da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Art. 2o. Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação. Senado Federal, em 9de julho de 2008. 65. É interessante, nessa fase de reflexões, raciocinarmos sobre um ponto, qual seja, a rigidez de nossa Constituição em contraposição à Constituição inglesa, que tradicionalmente sempre foi entendida como flexível (embora essa flexibilidade venha sendo relativizada). Senão, vejamos, a nossa Constituição é classificada como rígida, porém, já teve mais de 70 emendas em pouco mais de 20 anos de existência (média de uma reforma ou alte­ ração a cada 4 meses). Já a inglesa, que sempre foi tida como flexível (embora esse conceito esteja relativizado), definitivamente não foi alterada com tamanha intensidade nos últimos 300 anos. Se a classificação fosse socioló­ gica, e não jurídica, a Constituição inglesa deveria ser considerada muito mais rígida do que a nossa, quanto à estabilidade. Porém, pela ótica jurídica da classificação aqui trabalhada, não é o que ocorre! 66. Conforme o entendimento de Alexandre de Moraes (2008). É mister salientar que não concordamos com essa corrente doutrinária. 67. Como já dito é interessante que também alguns autores vêm defendendo que a nossa Constituição atual, após a Emenda n° 45/2004 e com o advento do art. 5o, § 3o, poderia ser classificada como histórica em virtude dos trata­ dos internacionais de direito humanos, que passando pelo procedimento de dois turnos, nas duas casas, com 3/5 de votos entrariam paulatinamente como normas constitucionais. 68. Podendo ainda ser classificada como: k) Plástica, na corrente defendida por Uadi Bulos e Raul Machado Horta; I) Dúctil, na classificação de Zagrebelsky: m) Compromissóna, na perspectiva de Oscar Vilhena; n) Nominal, na classificação ontológica de Lõewenstein. É interessante registrarmos que Raul Machado Horta classificaria nossa Constituição como Expansiva (no grupo das Constituições Expansivas). Isso se daria em função dos temas novos que ela apresenta e da ampliação de temas como os direitos e as garantias fundamentais. Nesses termos, a anatomia e estrutura do seu texto (títulos, capítulos, seções etc.), sua comparação interna com as Constituições anteriores e sua comparação externa com recentes constituições estrangeiras levariam à conclusão da sua expansividade. 69. "Lapidar" e "clássica" são colocações de Paulo Bonavides: "Em suma, a Constituição, em seu aspecto material, diz respeito ao conteúdo, mas tão somente ao conteúdo das determinações mais importantes, únicas merecedoras,

64.

58

Conceito t classificações das Constituições

Sem dúvida, ela também pode ser entendida, em termos práticos, como a conjunção de matérias que envolvem organização e estruturação do Estado e os direitos e as garantias fundamentais. 5a) Existe Constituição material fora da Constituição formal?

Sim. Basta que a norma jurídica diga respeito à organização do Estado ou a direitos e garantias fundamentais, independentemente de estar no texto constitucional (Cons­ tituição formal) que ela será matéria constitucional. É mister salientar que Constituição material não é definida pela forma, e sim pela matéria (assunto, conteúdo). Nesse sen­ tido, é pacífico o entendimento de que podemos ter, na legislação infraconstitucional (fora da constituição formal), matérias de cunho constitucional (Constituição material).

Não é porque o poder constituinte deixou de colocar na Constituição formal ma­ térias constitucionais que elas vão deixar de ser constitucionais. Mas atenção, elas (matérias constitucionais) não terão supralegalidade! Ou seja, embora sendo matérias constitucionais, serão legislação infraconstitucional e estarão sujeitas, por exemplo, ao critério cronológico (podendo ser revogadas por lei ordinária posterior). Como exemplos de constituição material fora da constituição formal, podemos citar: Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/2003); ECA (Lei n° 8.069/90); algumas normas do Código de Defe sa do Consumidor (Lei n° 8.078/90); algumas normas eleitorais, entre outras. 6a) Na Constituição formal existe hierarquia entre as normas só formalmente constitucionais e as normas formal e materialmente constitucionais? Não. Apesar de as normas materialmente constitucionais (constitutivas do Estado e da Sociedade) serem mais importantes (para a classificação ora trabalhada), segun­ do 0 STF, não há hierarquia entre as normas constitucionais.70 Essa reflexão também acaba por demonstrar que a dicotomia normas formalmente constitucionais e mate­ rialmente constitucionais, que ora trabalhamos, atualmente, para uma série de auto­ res deve ser alvo de críticas. Isso se deve, sobretudo, à inutilidade da diferenciação, pois todas as normas constitucionais, apesar da diversidade de tipos e de funções, são providas de juridicidade e, com isso, de obrigatoriedade e imperatividade.71

70.

71.

segundo o entendimento dominante, de serem designadas rigorosamente como matéria constitucional." Curso de direito constitucional, 2007, p. 81. O Supremo Tribunal Federal não adota teorias como a desenvolvida na década de 50 por Otto Bachof, na qual existiríam normas constitucionais (originárias) inconstitucionais, estabelecendo-se, assim, uma hierarquia entre normas constitucionais. Nesses termos: "corroborando o entendimento acima, acerca da inutilidade de tal distinção, anota Michel Temer que, à luz da Constituição atual, é irrelevante essa classificação, tendo em vista que, independentemente de se­ rem normas materiais ou formais, ambas tém igual hierarquia, produzem os mesmos efeitos jurídicos e só podem ser alteradas segundo o rigidoe idêntico processo tracejado no texto constitucional onde coabitam.Ouseja, são normas constitucionais e têm a mesma dignidade e juridicidade constitucionais. Assim, a distinção em tela não se reveste mais de qualquer sentido e importância, não só porque as Constituições atuais assumiríam a preocu­ pação de regulamentar a vida total do Estado e da Sociedade, como também em razão da contínua ampliação das funções do Estado numa sociedade complexa, plural e aberta." CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, 2008, p. 139.

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7a) 0 conteúdo da Constituição material se modifica com o tempo?

Sim. 0 conteúdo da constituição material envolve a organização do Estado e os di­ reitos e as garantias fundamentais. Esse conteúdo, conforme a doutrina ora estudada, são as matérias constitucionais desde o advento do movimento do constitucionalismo. Nesse sentido, o conteúdo da constituição material depende das matérias cons­ titutivas do Estado e da sociedade em cada momento e dos direitos e garantias fundamentais, que se contextualizam paradigmaticamente a cada época. Tomando como exemplos os direitos e as garantias fundamentais, temos para um grupo de autores as chamadas gerações ou dimensões de direitos:

72.



Direitos de ia geração (ou dimensão).” São os direitos individuais (tam­ bém chamados de direitos civis e políticos) desenvolvidos formalmente e sobretudo no século XVIII (trata-se em linhas gerais da liberdade, igual­ dade e propriedade).



Direitos de 2a geração (ou dimensão). São os direitos sociais (também cha­ mados de direitos sociais, culturais e econômicos) desenvolvidos sobretu­ do no século XX. Tratam-se dos direitos à saúde, ao trabalho, à educação, ao lazer, previdenciários, entre outros. São tradicionalmente intitulados de direitos sociais, culturais e econômicos.



Direitos de 3a geração (ou dimensão). São os direitos coletivos, difusos e transindividuais, sobretudo do fim do século XX. Tratam-se, por exemplo, dos direitos ambientais, ao desenvolvimento, à comunicação etc.



Direitos de 4a geração (ou dimensão).7’ Embora não haja consenso sobre o tema, seriam do final do século XX e sobretudo início do século XXI. Tratam-se, para alguns, de direitos que envolvem globalização política mediante uma globalização (excludente) econômica - luta global contra a pobreza e a exclusão.” Temos, na visão de alguns doutrinadores,72 75 por exemplo, 74 73 direitos à democracia e ao pluralismo76. |á outros autores sustentam que

Para uma crítica das concepções de gerações de direitos (Paulo Bonavides) e dimensões de direitos (André Ramos Tavares) ver o capítulo sobre direitos e garantias fundamentais. Nesse capitulo observamos a defesa por alguns de mais gerações do que as 4 ora citadas. 73. Alguns autores citam também a existência de uma possível 5’ geração de direitos. Nesse sentido, ver: SAMPAIO, José Adércio Leite, Direitos fundamentais, 2004, p. 302, bem como Paulo Bonavides, em seu Curso de Direito Cons­ titucional, 2007. 74. O Ministro Celso de Mello, em já famoso voto proferido no Pretório Excelso, explicitou o desenvolvimento dos direitos e das garantias fundamentais à luz dos cânones da Revolução Francesa. Nesses termos: Cânone da li­ berdade da revolução francesa > direitos de 1 * geração (dimensão); Cânone da igualdade > direitos de 2a geração (dimensão); Cânone da fraternidade > direitos de 3* geração (dimensão); Cânone da fraternidade > direitos de 4a geração (dimensão). Portanto, em nossa leitura, o último cânone pode ser enquadrado tanto para a 3a quanto para a 4a geração (dimensão). 75. Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitudonol, 2007. 76. Acrescentamos que não apenas são agregados novos direitos como indicam as teorias da dimensão, mas es­ ses direitos são relidos à luz de paradigmas (gramáticas de práticas sociais) jurídicos (visões exemplares de uma comunidade jurídica). Portanto, só para se ter um exemplo, no séc. XX não só surgem efetivamente os direitos sociais, mas também são relidos (reinterpretados) os direitos individuais.

60

Conceito e classieicaçôes oas Constituições

essa nova geração (ou dimensão) estaria a referir-se aos intitulados "no­ vos direitos", fruto das novos tecnologias do início do século XXI (clonagem, patrimônio genético, pesquisas com células-tronco, informática etc.). 8a) É importante, por último, trabalharmos o conceito de bloco de constitucionalidade. Ou seja, o que é o bloco de constitucionalidade77? Como ele pode ser definido?

Aqui, temos duas correntes que merecem nossa atenção. Para um grupo de auto­ res, o bloco de constitucionalidade deve ser entendido como o conjunto de normas ma­ terialmente constitucionais que não fazem parte da Constituição formal78 (não inscritos na Constituição formal) conjuntamente com a Constituição formal (e suas normas for­ malmente constitucionais além de suas normas formal e materialmente constitucionais). Nesses termos, poderiamos incluir no bloco de constitucionalidade as: •

Normas infraconstitucionais materialmente constitucionais;



Costumes jurídico-constitucionais/9



Jurisprudências constitucionais.80

Mas é bom salientarmos que, no Brasil, a corrente majoritária não trabalha o conceito de bloco de constitucionalidade, nos termos citados. A doutrina pátria trabalha a noção de bloco de constitucionalidade como pa­ râmetro de controle de constitucionalidade.81 Nesse sentido, somente a Constitui­

T}.

78. 79.

80.

81.

Segundo posição majoritária, a doutrina estrangeira registra que o leading case que marcou a definição do bloco de constitucionalidade como tema constitucional foi a decisão do Conselho Constitucional da França, de 16 de julho de 1971, que estabeleceu as bases do valorjurídico do Preâmbulo da Constituição de 1958, o qual inclui em seu texto o respeito tanto à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 quanto ao Preâmbulo da Constituição de 1946. Nesses termos, tudo estaria integrado à Constituição francesa de 1958. Nesse sentido autores, como LOUIS FAVOREU e LOÍC PHILIP (Les Grandes Décisions Du ConseilConstitulionnel. Paris, 1991, p. 242), prelecionam que a decisão do Conse­ lho Constitucional foi muito importante e significativa, pois:"consagra de maneira definitiva o valorjurídico do Preâmbu­ lo; alarga a noção de conformidade à Cons tituiçào; aplica 'os princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República'; afirma o papel do Conselho como protetor das liberdades fundamentais e faz da liberdade de associação uma liberdade constitucional? É importante salientarmos ainda que o publicista Louis Favoreu (principal artífice do conceito de bloco de constitucionalidade') afirma em seus escritos que, na França, o bloco de constitucionalidade é atualmente composto da: Constituição de 1958; preâmbulo da Constituição de 1946 (que declara direitos econômicos e sociais); pelo DUDHC de 1789 e por princípios constantes das leis da República, como a liberdade de associação, de ensino e de consciência. Observamos, ai, uma diferença em relação à doutrina majoritária brasileira que também trabalha uma concepção de bloco de constitucionalidade como parâmetro de controle de constitucionalidade, porém ela apenas reconhece como pertencente ao bloco as normas expressas ou implícitas na Constituição formal Para alguns autores (de corrente minoritária), a junção da Constituição formal com o bloco de constitucionali­ dade podería também ser intitulada de Constituição total. Possui dois elementos: elemento objetivo: deve haver repetição habitual; elemento subjetivo: a repetição habi­ tual é aceita juridicamente pela sociedade. Exemplo de costume jurídico constitucional: o mais antigo dentre os membros do STF, que ainda não foi Presidente, será seu Presidente, e assim sucessivamente. Exemplo: no começo da década de 90 do século XX, o STF passa a entender que os estrangeiros não residentes no pais também serão destinatários de alguns direitos e garantias fundamentais, como o habeas corpus. Outro exemplo, entre inúmeros que poderiam ser citados, ocorreu em 2004, quando o STF decidiu (antes do advento da EC n° 58/2009) que deveria haver proporcionalidade entre a população e o número de vereadores dos municípios em respeito ao art 29, IV, da CR/88, conforme a decisão do Recurso Extraordinário n° 197.917/2004. BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional, 2006, p. 98-99.

61

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ção formal e suas normas constitucionais expressas ou implícitas é que servem de parâmetro para o controle de constitucionalidade, sendo este, para a corrente dominante, o nosso bloco de constitucionalidade.82 Portanto, o bloco de constitucionalidade, em sua máxima extensão, (contendo as normas materialmente constitucionais que estão fora da constituição formal) não é usado como parâmetro ou verificação (análise) de compatibilidade de leis ou atos normativos em relação à nossa Constituição. Nesse sentido, o STF ainda adota um conceito restrito de bloco de constitucionalidade.8384

9a) 0 que podemos entender como movimento do neoconstitucionalismo? O que ele significa? Ouais são suas características principais? Sem dúvida, para alguns doutrinadores e teóricos constitucionais europeus e brasileiros, estaríamos vivendo em tempos neoconstitucionais. Mas o que seria o neoconstitucionalismo? Com certeza, essa expressão demonstra que a existência de um (novo) constitucionalismo, de cunho contemporâneo,"3 não é da tradição alemã nem mesmo da tradição norte-americana, e chegou ao Brasil nos últimos anos, so­ bretudo, por derivação da doutrina constitucional espanhola e italiana.83

Porém, uma advertência importante e inicial para a reflexão é que as perspectivas tidas como neoconstitucionalistas não são uníssonas, aliás, muito pelo contrário, há uma profunda divergência sobre as teorias neoconstitucionalistas e o modo de aplicação de seus cânones. Sendo assim, existiríam neoconstitucionalismos e não apenas "um neo­ constitucionalismo'', conforme inclusive apregoa a famosa coletânea do professor mexi­ cano Miguel Carbonell publicada em 2003 na Espanha.8586 Portanto, é preciso termos cuida­ do e rigor sobre 0 tema em questão, pois conforme leciona Daniel Sarmento, em texto

Conforme a doutrina: Bloco de Constitucionalidade é o conjunto de normas e princípios extraídos da Constitui­ ção, que serve de paradigma para o Poder Judiciário averiguar a constitucionalidade das leis.Também é conhe­ cido como parâmetro constitucional, pois por seu intermédio as Cortes Supremas, a exemplo do nosso Pretório Excelso, aferem a parametricidade constitucional das leis e atos normativos perante a Carta Maior. BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional, 2006, p. 98-99. Podemos incluir no Bloco os TIDH que passarem pelo procedimento doart. 5 § 3° da CR/88 equevão entrar no ordenamento equivalente às Emendas Constitu­ cionais (portanto como normas constitucionais). 83. Conferir o posicionamento contrário do Ministro Celso de Mello, no qual preleciona que: "O significado de bloco de constitucionalidade projeta-se para além da totalidade das regras constitucionais meramente escritas e dos princípios contemplados, explícita ou implicitamente, no corpo normativo da própria constituição formal, che­ gando até mesmo a compreender normas de caráter infraconstitucional, desde que vocacionadas a desenvolver em sua plenitude, a eficácia dos postulados inscritos na Lei Fundamental, viabilizando, desse modo, e em função de perspectivas conceituais mais amplas, a concretização da ideia de ordem constitucional global." (ADI n° 1.588/ DF, Rei. Min. Celso de Mello j. 11.04.2002. DJ17.04.2002). 84. Nos dízeres de Francisco Segado após os horrores da Segunda Guerra e do holocausto teriamos uma releitura da dogmática constitucional agora centrada na dignidade da pessoa humana, que se torna o núcleo central e fulcral do constitucionalismo atrelado à base dos direitos fundamentais, bem como do Estado Constitucional Democrático (ou para alguns: Estado Democrático de Direito). La dignidad de Ia persona como valor supremo dei ordenamentojurídico, 2000, p. 96-96. 85. SARMENTO, Daniel. "O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades". In: Filosofia e teoria constitucional contemporânea, 2009, p. 114. 86. CARBONELL, Miguel, Neoconstitucionalismo(s). Madrid: EditorialTrotta, 2003. 82.

62

Conceito e classificações das Constituições

lapidar sobre o tema: "Os adeptos do neoconstitucionalismo buscam embasamento no pensamento de juristas que se filiam à linha bastante heterogênea, como Ronald Dwor kin, Robert Alexy, Peter Hãberie, Gustavo Zagrebelsky, Luigi Ferrajoli e Carlos Santiago Nino, e nenhum deles se define hoje, ou já se definiu no passado, como neoconstitucionalista. Tanto entre os referidos autores como entre aqueles que se apresentam como neoconstitucionalistas, constata-se uma ampla diversidade de posições jusfilosóficas e de filosofia política: há positivistas e não positivistas, defensores da necessidade do uso do método na aplicação do direito e ferrenhos opositores do emprego de qualquer metodologia na hermenêutica jurídica, adeptos do liberalismo político, comunitaristas e procedimentalistas. Nesse quadro, não é tarefa singela definir o neoconstitucionalismo, talvez porque, como já revela o bem escolhido título da obra organizada por Carbonell, não exista um único neoconstitucionalismo, que corresponda a uma concepção teórica dara e coesa, mas diversas visões sobre o fenômeno jurídico na contemporaneidade, que guardam entre si alguns denominadores comuns relevantes, o que justifica que sejam agrupadas sob o mesmo rótulo, mas compromete a possibilidade de uma com­ preensão mais precisa."87 Mas quais seriam esses pontos comuns? Ou seja, esse conjunto de cânones que permite (não sem divergências!) a boa parte da doutrina brasileira, por influência do constitucionalismo do pós-Segunda Guerra Mundial (que se descortinou na Euro­ pa), trabalhar e afirmar a existência de um novo e diferenciado constitucionalismo (contemporâneo). Para Luís Roberto Barroso,88 adepto fervoroso e um dos precursores do neo­ constitucionalismo na doutrina pátria, teríamos como características principais para o surgimento desse fenômeno os seguintes marcos:

1)

marco histórico: a formação do Estado Constitucional de direito, cuja con­ solidação se deu ao longo das décadas finais do século XX;89

SARMENTO, Daniel. "O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades". In: Filosofia e teoria constitucional contemporânea, 2009, p. 114-115. 88. BARROSO, Luís Roberto. "Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil ". In: A constitucionaiizaçàa do direito, 2007, p. 203-249:216. 89. Nesse sentido, conforme advoga Luís Roberto Barroso: "(1): O marco histórico do novo direito constitucional, na Europa Continental, foi constitucionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha e na Itália. No Brasil foi a Constituição de 1988 e o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar. (...) A reconstitucionalizaçào da Europa, imediatamente após a 2J grande guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A aproxi­ mação das idéias de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organização política, que atende por nomes diversos: Estado democrático de direito. Estado constitucional de direito, Estado constitucio nal democrático. A principal referência no desenvolvimento do novo direito constitucional é a Lei fundamental de Bonn (Constituição Alemã), de 1949, e, especialmente a criação do Tribunal Constitucional Federal em 1951. A partir daí teve inicio uma fecunda produção teórica e jurisprudencial, responsável pela ascendência cientifica do direito constitucional no âmbito dos países de tradição romano-germânica. A segunda referência de destaque éa da Constituição da Itália de 1947, e a subsequente instalação da Corte Constitucional, em 1956. Ao longo da década de 70, a redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agregaram valor e volume ao debate sobre o novo direito constitucional."

87.

63

Bfrnardo Gonçaivfs Ffrnanoes

2)

marco filosófico: 0 pós-positivismo, com a centralidade dos direitos funda­ mentais e a reaproximação entre 0 direito e a ética;9091 92

3)

marco teórico: o conjunto de mudanças que incluem a força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e 0 desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional?1

Sem dúvida, para 0 autor 0 neoconstitucionalismo perpassa pela chamada constitucionalização do direito’1 e de sua força normativa (força normativa da cons­ tituição), com a devida centralidade das normas constitucionais (constituição como

Nesse sentido, buscando superar o jusnaturalismo e o positivismo, afirma o autor que (2): "A superação his­ tórica do jusnaturalismoe o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismo ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a sua definição de suas relações com valores e regras: a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desen volvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente promove-se uma reaproximação entre o direito e a filosofia." 91. Por último, "(3): a) sobre a força normativa: Uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao longo do século XX foi a atribuição ã norma constitucional do status de norma jurídica. Superou-se, assim, o modelo que vigorou na Europa até meados do século passado, no qual a Constituição era vista como um documento essen­ cialmente político, um convite a atuação dos Poderes Públicos. A concretização de suas propostas ficava invaria­ velmente condicionada à liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade do administrador. Ao judiciário não se reconhecia qualquer papel relevante na realização do conteúdo da Constituição. Com a reconstitucionalização que sobreveio à 2a Guerra mundial, este quadro começou a ser alterado. [...] Atualmente, passou a ser premissa do estudo da Constituição o reconhecimento da sua força normativa, do caráter obrigatório e vinculante de suas disposições; b) Antes de 1945 vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do Poder Legislativo, na linha da doutrina inglesa da soberania do Parlamento e da concepção francesa da lei como expressão da vontade geral. A partir da década de 40, todavia a onda constitucional trouxe não apenas novas constituições, mas também um novo modelo, inspirado pela experiência americana: o da supremacia da Constituição. A fórmula envolvia a constitucionalização dos direitos fundamentais, que ficavam imunizados em relação ao processo político majoritário: sua proteção passava a caber ao judiciário. Inúmeros países europeus vieram a adotar um modelo próprio de controle de constitucionalidade, associado à criação de Tribunais Consti­ tucionais; c) [..,] a especificidade das normas constitucionais levaram a doutrina e a jurisprudência, já de há muitos anos, a desenvolver ou sistematizar um elenco próprio de princípios aplicáveis a interpretação constitucional. [...] São eles, na ordenação que se afigura mais adequada para as circunstâncias brasileiras: o da supremacia da Constituição, o da presunção de constitucionalidade das normas e atos do Poder Público, o da interpretação con­ forme à constituição, o da unidade, o da razoabilidade e o da efetividade. [...] Essas transformações [...] tanto em relação à norma quanto ao intérprete, são ilustradas [...] pelas diferentes categorias com as quais trabalha a nova interpretação. Dentre elas incluem-se as cláusulas gerais, os princípios (e o novo papel assumido pelos mesmos diferenciando-se qualitativamente das regras), as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a argu­ mentação." BARROSO, Luís Roberto. “Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil" In: A constitucionalização do direito, 2007, p. 206-216. 92. Nos termos de Luís Roberto Barroso, a constitucionalização do direito' importa na irradiação dos valores abran­ gidos nos princípios e regras da Constituição por todo o ordenamento jurídico, notadamente pela via da ju­ risdição constitucional, em seus diferentes níveis." (Op. cit., p. 249). Conforme o neoconstitucionalista Ricardo Guastini, teríamos a figura da Constituição dotada de verdadeira ubiquidade, nos seguintes termos: invasora, intrometida (persuasiva, invasiva), capaz de condicionar tanto a legislação quanto a jurisprudência e o estilo dou trinal, a ação dos atores políticos, assim como as relações sociais. Nesses termos, prelecionadas as condições para a constitucionalização do direito, sendo as mesmas: a) existência de uma Constituição rígida; b) a garantia judicial da Constituição; c) a força normativa da Constituição; d) sobre a interpretação da Constituição; e) a aplicação dire ta das normas constitucionais; f) a interpretação das leis conforme a Constituição; g) a influência da Constituição 90.

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Conceito e classificações oas Constituições

centro do ordenamento), bem como pela reaproximação entre o direito e a ética, o direito e a moral e, sobretudo, o direito e a justiça, numa busca pela superação da velha e esgotada dicotomia jusnaturalismo versus positivismo, sob a base do pós-positivismo. Nesses termos, Dirley da Cunha, em síntese do posicionamento, recorrentemente comum entre a maioria dos neoconstitucionalistas pátrios, explicita que "o neoconstitucionalismo, portanto, a partir (1) da compreensão da Constitui­ ção como norma jurídica fundamental, dotada de supremacia, (2) da incorporação nos textos constitucionais contemporâneos de valores e opções políticas fundamen­ tais, notadamente associados à promoção da dignidade da pessoa humana, dos direitos fundamentais e do bem-estar social, assim como diversos temas do direito infraconstitucional e (3) da eficácia expansiva dos valores constitucionais que se irradiam por todo 0 sistema jurídico, condicionando a interpretação e aplicação do direito infraconstitucional à realização e concretização dos programas constitucio­ nais necessários a garantir as condições de existência mínima e digna das pessoas - deu início, na Europa com a Constituição da Alemanha de 1949, e no Brasil a partir da Constituição de 1988, ao fenômeno da constitucionalização do direito a exigir uma leitura constitucional de todos os ramos da ciência jurídica."” Além disso, nos moldes defendidos pela doutrina, 0 neoconstitucionalismo desenvolve uma revisão da teoria das fontes do direito. Conforme 0 jurista Pietro Sanchis, temos que "o neo­ constitucionalismo requer uma nova teoria das fontes afastada do legalismo, uma nova teoria da norma que dê entrada ao problema dos princípios e uma reforçada teoria da interpretação, nem puramente mecanicista nem puramente discricional, em que os riscos que comporta a interpretação constitucional possam ser conjuga­ dos por um esquema plausível de argumentação jurídica."93 94 Com isso, podemos afirmar que as perspectivas neoconstitucionais (embora, não sem divergências) se enveredam resumidamente pelas seguintes teses: a) cons­ titucionalização do direito, com a irradiação das normas constitucionais e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais (busca pela efetividade dos direitos fundamentais, tendo em vista sua eficácia irradiante), para todos os ramos do ordenamento, na lógica de que as normas constitucionais do­ tadas de força normativa devem percorrer todo 0 ordenamento e condicionar a interpretação e aplicação do direito; b) reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e a valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito; c) rejeição do formalismo e a busca mais frequente a métodos ou estilos mais abertos de raciocínio jurídico como: a ponderação, tópica, teorias da argu­ mentação, metódica estruturante, entre outros; d) reaproximação entre 0 direito e a moral (para alguns doutrinadores: um "moralismo jurídico" ou uma "leitura moral da Constituição" que se traduz numa nova relação entre 0 direito e a moral de

93.

sobre as relações políticas. GUASTINI, Ricardo, La constitucionalización dei ordenamiento jurídico el caso italiano, 2003, p. 49. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, 2009, p. 36.

94.

PIETRO SANCHIS, Luís, Neoconstitucionalismo y ponderación judicial, p. 158.

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cunho pós-positivista),95 com a penetração cada vez maior da Filosofia nos debates jurídicos; e) a judicialização da política e das relações sociais, com um significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Poder Judi­ ciário (o Judiciário passa a ser um poder protagonista das ações96); f) com isso, em consequência, temos uma releitura da teoria da norma (como já citado: reconhe cimento da normatividade dos princípios, a exigência de procedimentos complexos como o da ponderação para o solucionamento de colisões entre eles), da teoria das fontes (como já dito: o desenvolvimento e fortalecimento do papel do judiciá­ rio, bem como dos Tribunais Constitucionais para a concretização da Constituição, levando, com isso, a uma ampliação da judicialização das questões político-sociais assumindo o Judiciário um papel central) e da teoria da interpretação (como já dito: a necessidade de novas posturas interpretativas à luz do papel assumido pela Constituição no que tange à sua centralidade e força normativa, fazendo com que os antigos métodos tradicionais da interpretação, nascidos do direito privado, sejam colocados em questionamento perante novas práticas hermenêuticas alinhadas a teorias da argumentação e à busca de racionalidade das decisões judiciais, tendo em vista a "filtragem constitucional" e a interpretação das normas jurídicas, confor­ me a constituição).97

Embora as teses e os desdobramentos intitulados de neoconstitucionalistas (ou de “constitucionalismo contemporâneo") não sejam imunes a críticas,98 o fervor

No que tange ao tema, temos divergências entre teses neoconstitucionalistas sobre a adequada relação (ou mesmo conexão necessária) do direito com a moral. Nesses termos, conforme a doutrina: “No paradigma neoconstitucionalista, a argumentação Jurídica, apesar de não se fundir com a moral, abre um significativo espa­ ço para ela. Por isso, se atenua a distinção da teoria jurídica clássica entre a descrição do Direito como ele é, e prescrição sobre como ele deveria ser. Os juízos descritivo e prescritivo de alguma maneira se sobrepõem, pela influência dos princípios e valores constitucionais impregnados de forte conteúdo moral, que conferem poder ao intérprete para buscar, em cada caso difícil, a solução mais justa, no próprio marco da ordem jurídica. Em outras palavras as fronteiras do Direito e Moral não são abolidas, e a diferenciação entre eles, essencial nas sociedades complexas, permanece em vigor, mas as fronteiras entre os dois domínios torna-se mais porosa, na medida em que o próprio ordenamento incorpora, no seu patamar mais elevado, princípios de justiça, e a cultura jurídica começa a levá-los a sério. Porém não há uma posição clara nas fileiras neoconstitucionalistas sobre a forma como devem ser compreendidos e aplicados os valores morais incorporados pela ordem constitucional, que, pela vagueza e indeterminação, abrem-se a leituras muito diversificadas. [...]“ Porém, conforme o autor: "O simples reconhecimento da penetração da Moral no Direito, preconizada pelos neoconstitucionalistas brasileiros não é suficiente, já que certas concepções morais podem tomar o ordenamento ainda mais opressivo do que já é." SARMENTO, Daniel, 2009, p. 122 e p. 146. 96. Esse ponto inclusive é motivo de várias críticas a algumas posturas neoconstitucionalistas que podem conduzir a um verdadeiro decisionismo e subjetivismo exacerbado por parte do Poder Judiciário. Nesses termos, o judiciá­ rio, na busca pela efetivação de direitos fundamentais, bem como por suprir as omissões dos outros poderes e por tentar proibir o excesso dos outros poderes, pode se tornar ele mesmo o excesso ilimitado. 97. MOREIRA, Eduardo, Neoconstitucionalismo: a invasão da Constituição. 2008. 98. Certo é que existem críticos do neoconstitucionalismo (negando sua existência) ou de leituras do neoconstltucionalismo (não concordando com posturas assumidas por ele). Como critico que nega o próprio neoconstitu­ cionalismo, temos Dimitri Dimoulis, que afirma de forma contundente que: a) no que tange à força normativa da Constituição: [...] se a reivindicação-afirmação da força normativa suprema da Constituição está presente nos discursos constitucionais e na prática institucional desde o início do constitucionalismo no século XVII, não é pos­ sível denominar essa tendência de neoconstitucionalismo, pois não se verifica nenhuma inovação. Caso contrário deveriamos alcunhar de neoconstitucionalistas o Juiz Marshall e Ruy Barbosa; b) sobre a expansão da jurisdição constitucional: [...] do ponto de vista histórico cronológico, não há rupturas na realização do controle nos Estados

95.

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Conceito

e classificações das

Constituições

neoconstitucionalista vem se desenvolvendo de forma célebre em solo nacional, conforme já dito, após a promulgação da Constituição de 1988, com 0 devido reco­ nhecimento da normatividade e centralidade constitucional, e por meio da busca de concretização e efetividade de suas normas.

Por último, é importante salientar que, até mesmo, pelas divergências a todo 0 tempo enfatizadas entre os teóricos neoconstitucionalistas (ou que poderíam ser tarjados como neoconstitucionalistas), 0 neoconstitucionalismo não pode ser con­ fundido (ou mesmo equiparado de forma acrítica e reducionista) com 0 intitulado "pós-posltMsmo".

Nesses termos, embora existam convergências, não podem essas concepções serem tratadas como sinônimas (como idênticas). Com isso, podemos observar aproximações e pontos comuns, bem como diferenciações entre os termos neocons­ titucionalismo e pós-positivismo. Assim, conforme acurada síntese, "assemelham-se, não apenas por terem surgido e desenvolvido no período do segundo pós-guerra, mas também por adotarem uma metodologia idêntica, por compartilharem de uma mesma plataforma teórica e por terem uma ideologia muito próxima. Diferem-se, no entanto, por atuarem em planos distintos e por não advogarem, ao menos necessa­ riamente, a mesma tese acerca da relação entre 0 direito e a moral. 0 pós-positivismo pretende ser uma teoria geral do direito aplicável a todos os ordenamentos jurí­ dicos, cujo aspecto distintivo consiste na defesa de uma conexão necessária entre 0 direito e a moral. 0 neoconstitucionalismo, por seu turno, propõe-se a ser uma teoria desenvolvida para um modelo específico de organização jurídico-política (constitu­ cionalismo contemporâneo) característico de determinados tipos de Estado (Estado

constitucionais modernos. Verifica-se tão somente a tendência quantitativa de fortalecimento do controle judi­ cial concentrado à custa do controle difuso e diminuindo o espeço reservado ao legislador. [_] nem o controle judicial concentrado nem a maior tutela dos direitos fundamentais (e muito menos a conexão causai desses dois elementos) podem ser vistos como traços característicos do neoconstitucionalismo; c) há também uma crítica a afirmação de que o neoconstitucionalismo teria como norte uma nova teoria da interpretação; Nesses termos, expressa de forma complementar que: [...] Independentemente dos problemas de definição, o neoconstitucio­ nalismo não tem nada de novo. Tendo identificado como (neo)constitucionallsta a abordagem de jusfilósofos como Ralf Dreir e Robert Alexy na Alemanha, Ronald Dworidn nos EUA, Gustavo Zagrebelsky e Luigl Ferrajoli na Itália e Carlos Santiago Nino na Argentina, seria preferível abandonar o termo genérico e, por Isso Inexpressivo, de (neo) constitucionalismo, Indicando o cerne da abordagem que se encontra na postura antipositivista. Temos aqui uma opção terminológica e substancial que nos parece convincente [...] Nessa perspectiva, os (neo)constitucionalistas seriam juristas que reconhecem, como todos os demais, a supre­ macia da Constituição e a necessidade de criar mecanismos para a sua preservação. O elemento peculiar estaria na crença de que a moral desempenha um papel fundamental na definição e na interpretação do direito. [_.] devemos entender o que o neoconstitucionalismo é um sinônimo vago e impreciso do moralismo jurídico e se faz necessário evitar análises que incorrem em simplificações e distorções. O neoconstitucionalismo é uma forma de reviver uma prática constitucional utilizada há mais de 200 anos, como (velha) solução para problemas que acompanham o direito desde sua estruturação com base na Constituição. (Neoconstitucionalismo e moralismo jurídico, 2009, p. 213-224). Temos também autores que não são críticos do neoconstitucionalismo em si mesmo como fenômeno (ou seja, não negam sua existência!), mas que criticam algumas posturas de tal movimento, sobretudo as posturas radicais, como, por exemplo, Daniel Sarmento. Entre os principais perigos de posturas neoconstitucionals radicais temos, segundo o autor: a) o perigo da judicialização ou judiciocracia, ou seja, um ex­ cesso de poder no Poder Judiciário: b) o perigo da radicalização da preferência por princípios e pela ponderação em detrimento das regras e da subsunção; c) perigo da panconstitucionalização. Op. cit., p. 132-145.

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constitucional democrático), no qual, a incorporação de um extensivo rol de valores morais pelo direito, sobretudo por meio dos princípios constitucionais, inviabiliza qualquer tentativa de separação entre os valores éticos e o conteúdo jurídico"99100 .

6. ÚLTIMA DIGRESSÃO SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES. O NOSSO PONTO DE VISTA (QUE NÓS DEFENDEMOS E NÃO APENAS DESCRE­ VEMOS): A CLASSIFICAÇÃO PARADIGMÁTICA DAS CONSTITUIÇÕES, COM BASE NA TEORIA DISCURSIVA DA CONSTITUIÇÃO DE JÜRGEN HABERMAS: UMA ABORDAGEM CRÍTICO-REFLEXIVA DAS CONSTITUIÇÕES CLÁSSICAS (ESTADO LIBERAL), SOCIAIS (ESTADO SOCIAL) E DE ESTADO DEMOCRÁTI­ CO DE DIREITO

A atual doutrina constitucional vem cada vez mais reconhecendo a necessidade de estudar o Direito como um todo considerado, mas principalmente o Direito Cons­ titucional, à luz de uma abordagem paradigmática.’00

99. NOVELINO, Marcelo, Curso de Direito Constitucional, p.214,2012. 100. Com isso, apesar de nosso livro ser um curso, ele se propõe crítico-reflexivo. Assim, acreditamos que alguns po­ sicionamentos podem até ser explicitados, mas devem ser rejeitados ã luz de perspectivas mais avançadas e adequadas (filiadas à filosofia da linguagem). Nesses termos, rejeitamos exercícios de “futurologia" sobre o cons­ titucionalismo, nos moldes desenvolvidos por José Roberto Dromi em seu texto constitucionalismo do por vir, no qual o autor tenta “profetizar" sobre o que seria o constitucionalismo do futuro. Em síntese doutrinária sobre o autor, temos que: "José Roberto Dromi tenta profetizar quais serão os valores fundamentais marcantes das constituições do futuro. Segundo o jurista argentino, o futuro do constitucionalismo estaria no equilíbrio entre as concepções dominantes do constitucionalismo moderno e os excessos praticados no constitucionalismo con­ temporâneo, sendo as constituições influenciadas por sete valores fundamentais: ‘a verdade, a solidariedade, o consenso, a continuidade, a participação, a integração e a universalização'. Em relação à verdade, as futuras constituições não deverão consagrar promessas impossíveis de serem realizadas, cabendo ao legislador consti­ tuinte fazer uma análise daquilo que realmente é possível e precisa ser constitucionalizado. As constituições do futuro estarão mais próximas de uma nova ideia de igualdade, baseada na solidariedade entre os povos, no tratamento digno ao ser humano e na justiça social. A Constituição do futuro, por outro lado, deverá ser fruto de um consenso democrático. O consenso não importa necessariamente da vontade da maioria, mas sim o que um grupo decidiu, sem que haja rupturas no processo decisório, ou seja, pressupõe a manutenção da concretude da ordem democrática, com a adesão solidária da parte que consentiu, consensualmente, em prol de um interesse maior. A continuidade da constituição, sem modificações que destruam sua identidade ou causem uma ruptura na lógica de seu sistema, também deve ser um valor fundamental, tendo em vista os riscos de uma descontinuidade com todo o sistema precedente. A democracia participativa impõe uma ativa e responsável participação do povo na vida política do Estado, afastando-se a indiferença social. A integração entre os povos dos diversos Es­ tados é uma realidade, mas cabe às constituições futuras propiciar mecanismos de integração supranacional. Por fim, a universalização dos direitos humanos fundamentais é uma exigência decorrente do primado universal da dignidade da pessoa humana."ln: NOVELINO, 2009, p. 66. DROMI, José Roberto. La reforma constitucional: elcons­ titucionalismo dei por vir, p. 108-103. Outra tese que é Insuficiente é a desenvolvida por Biscaretti di Ruffia em sua doutrina intitulada de Ciclos constitucionais. Essa perspectiva não coaduna com uma análise paradigmática (típica da teoria discursiva da constituição), sendo apenas uma mera digressão histórica sobre o constitucio­ nalismo moderno (da modernidade) com a explicitação do Constitucionalismo clássico denominado de 1° ci­ clo: de 1787 a 1918: a) Constituições revolucionárias do sec. XVIII; b) Constituições napoleônicas; c) Constituições da restauração; Constituições liberais; Constituições democráticas; e do Constitucionalismo social pós 1918 denominado de 2o ciclo: Constituições Marxistas ou socialistas; Constituições de democracia racionalizada fde 1919-1937); Constituições de democracia social (de 1946 até os dias atuais na visão do autor); Constituições de países em desenvolvimento. In: Introduzione aldiritto costituzionale comparato, 1967, p. 48-50.

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Conceito e classificações das Constituições

Tais conclusões são, na verdade, frutos de aquisições de complexidades que a Ciência Jurídica vem tendo ao longo dos tempos, principalmente, sob influências dos estudos que a Filosofia vem desempenhando sobre a linguagem.101 Os professores Menelick de Carvalho Netto102 e Marcelo Andrade Cattoni de Oli­ veira103 apontam em seus estudos as origens da introdução do termo "paradigma", na discussão epistemológica contemporânea, partindo das digressões do filósofo da ciência Thomas Kuhn.

Em “A estrutura das revoluções científicas", Thomas Kuhn afirma que os para­ digmas são realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de prati­ cantes de uma ciência.

Ampliando e redefinindo, com Habermas,104 o conceito de paradigma para o campo das ciências sociais e nesse âmbito para as reflexões acerca do Direito, po­ demos afirmar que um paradigma jurídico consolida as visões exemplares de uma comunidade jurídica que considera os mesmos princípios constitucionais e sistemas de direitos, realizados no contexto percebido por essa dada sociedade. E continua o autor mais adiante explicitando que: "Um paradigma delineia um modelo de sociedade contemporânea para explicar como direitos constitucionais e princípios devem ser concebidos e implementados para que cumpram naquele dado contexto

101. Nesse sentido, segundo alguns autores, há um paradoxo central na linguagem:'Nós só nos comunicamos por­ que não nos comunicamos."Mas a conclusão que segue é ainda mais perturbadora, pois "ainda assim, nos comunicamos“\ A solução de tal aporia, na verdade, nos remete ao estudo dos paradigmas. Na medida em que existe entre os homens (intersubjetivamente) um pano de fundo de“silêncio compartilhado" e esse pano de fundo de "silêncio" é um saber absoluto, e ele, justamente, por ser absoluto não é saber algum. Ora, os paradigmas são, nesse sentido, a grade seletiva que esse pano de fundo submete o nosso olhar. São, portanto, o resultado de nossa condição humana (intramundana), sendo o modo que nós teríamos de recortar uma parte desse pano de fundo (retirar algo de lá) e colocar no universo da discussão. Em síntese, o paradigma se apresenta como uma condição de comunicação exatamente na medida em que é redutor de complexidades. Nesse sentido, para que a análise possa ficar clara façamos a seguinte pergunta ao leitor de um texto: o que aconteceria se a cada palavra escrita, em um determinado texto, tivéssemos que explicar seu significado? Certamente, nunca chegaríamos ao final do texto, pois cada significado demandaria, por sua vez, a procura de um novo significado e assim infinitamen­ te. Na verdade, o paradigma seria (ou teria como função) fornecer um limite à indeterminação, funcionando como um redutor dessa complexidade. 102. CARVALHO NETTO, Menelick de, Requisitos pragmáticos da interpretaçãojurídica sob o paradigma do estado demo­ crático de direito. 103. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade, Direito constitucional. Ver também: Tutelajurisdicional e estado democrá­ tico de direito. 104. Aqui é bom deixar claro que há uma fundamental diferença na noção de paradigmas adotada por Kuhn (típica do que classicamente chamaríamos de ciências naturais) e na trabalhada por Habermas no que tange ao Direito. Nesses termos, temos que para Kuhn o paradigma diz respeito à potencialidade (possibilidade) de se alcançar um consenso de fundo, no que tange a uma pretensão normativa voltada (direcionada) para a verdade. Já para Habermas, a questão é deslocada da filosofia da ciência (e do mundo objetivo) para a teoria do Direito (que se encontra, assim como a filosofia política) no campo normativo de correição normativa. A adver­ tência se justifica porque há uma clara distinção em Habermas (desde os primórdios da "pragmática universal" datada de 1976 e sempre desenvolvida pelo mesmo) entre as pretensões de "verdade" e de "correição" e os seus respectivos mundos: a verdade diz respeito à existência (ou não) de estados de coisas, ao passo que a correção reflete o caráter obrigatório dos modos de agir (Moral, Direito). Ver HABERMAS, Jürgen, Verdade e justificação: ensaios filosóficos, p.267.

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as funções a eles normativamente atribuídas."105 Nesse sentido, Cattoni de Oliveira esclarece as colocações habermasianas deixando assente, ainda, que "(...) as compreensões jurídicas paradigmáticas de uma época, refletidas por ordens jurídicas concretas, se referem às imagens Implícitas que se tem da própria sociedade; sen­ do, portanto, um conhecimento de fundo (um bachground) que confere às práticas de fazer e de aplicar o Direito uma perspectiva, orientando o projeto de realização da comunidade jurídica".106

É interessante observar, ainda no que diz respeito à conceituação do termo "paradigma", que, como nos mostra Menelick de Carvalho Netto, a história é irrecu­ perável e, com certeza, muito mais rica do que os esquemas traçados à luz de um paradigma, tendo, obviamente, a reconstrução paradigmática de estar necessaria­ mente vinculada aos objetivos delimitados em uma pesquisa. Ele apresenta, então, sua noção de paradigmas sob um duplo aspecto, nos seguintes termos: "(...) Por um lado, possibilita explicar o desenvolvimento científico como um processo que se verifica mediante rupturas, através da tematização e explicitação de aspectos centrais dos grandes esquemas gerais de pré-compreensões e visões de mundo, consubstanciados no pano de fundo naturalizado de silêncio assentado na gramáti­ ca das práticas sociais, que a um só tempo tornam possível a linguagem, a comuni­ cação, e limitam ou condicionam o nosso agir e a nossa percepção de nós mesmos e do mundo. Por outro lado, também padece de óbvias simplificações, que só são válidas na medida em que permitem que se apresente essas grades seletivas gerais pressupostas nas visões de mundo prevalentes e tendencialmente hegemônicas em determinadas sociedades por certos períodos de tempo e em contextos determi­ nados. É claro que a história como tal é irrecuperável e incomensuravelmente mais rica do que os esquemas que aqui serão apresentados, bem como se reconhece as infinitas possibilidades de reconstrução e releitura dos eventos históricos. Assim, o nível de detalhamento e preciosismo na reconstrução desses paradigmas vincula-se diretamente aos objetivos da pesquisa que se pretende empreender."107 Afirma-se, então, na modernidade (com a superação da concepção pré-moderna de visão de mundo108 que, infelizmente, ainda está presente nos manuais

105. HABERMAS, Jürgen, Facticidad y valider. sobre el derecho y el estado democrático de derecho en términos de teoria dei discurso. 106. CATTONI DE OUVEIRA, Marcelo Andrade, Tutelajurisdicional e estado democrático de direito, p. 37. 107. CARVALHO NETTO. Menelick de. Requisitos pragmáticos da interpretaçãojurídica sob o paradigma do estado demo­ crático de direito, p. 103. 108. Partindo de algumas digressões filosóficas comuns, alguns teóricos vâo consubstanciar a concepção pré-moderna devida e de mundo como uma amálgama, na qual Direito, Ética, Moral, Religião e tradições são fundamen­ tados em uma ordem transcendente que não se distingue (se diferencia). A ideia de direito se liga ainda à noção de debitum, coisa devida a alguém em virtude de seu lugar de origem de sua posição ou stotus, enquadrado num sistema de castas. O Direito funcionaria como um meio de conservação dos privilégios de cada casta, de modo a ensejar uma aplicação em regra casuística e individual sem (desvestido) um caráter (viés) universalizável advindo de um ordenamento dotado de normas gerais e abstratas válidas para todos indistintamente e da mesma forma. Segundo Marilena Chauí (1992), a modernidade traz a marca do pensamento racionalista, modi­ ficando a compreensão mítica e divinizada da pré-modernidade. Sem dúvida, a pré-modernidade absolutivizava

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Conceito e classificações das Constituições

nacionais que chegam ao absurdo de localizarem um constitucionalismo medieval ou mesmo arcaico, entre outros, sem uma mínima reflexão crítica do que realmente isso significaria!), a existência de dois grandes paradigmas (os de maior sucesso) de Estado e de Direito, que vão consubstanciar respectivamente o Estado Liberal e o Estado Social (Welfare State). Além dos paradigmas, iremos observar ainda (con­ forme nosso posicionamento) o que chamaremos de "reflexivo" paradigma pro­ cedimental do Estado Democrático de Direito. Eles, sem dúvida, vão trazer a lume uma imagem e um modelo implícito de mundo e de sociedade, consubstanciando respectiva mente no subsistema do Direito: o Constitucionalismo Clássico, o Consti­ tucionalismo Social e o Constitucionalismo procedimental do Estado Democrático de Direito advindos (sobretudo para alguns autores) do fim da d*'ada de 70 até os dias atuais.

0 primeiro paradigma, do Estado Liberal, centra-se na figura do indivíduo como sujeito de direito. Nesse sentido, caberia ao Estado, por meio do Direito Positivo (abstrato e geral), garantir certeza (previsibilidade) nas relações sociais, por inter­ médio da compatibilização dos interesses privados de cada um com 0 interesse de todos, deixando a busca da felicidade nas mãos de cada indivíduo.109 A Constitui­ ção é compreendida como um mero "instrumento de governo" (como 0 estatuto jurídico-político fundamental da organização da sociedade política), que organiza e limita 0 Poder Político. Assim: "(...) 0 Direito, sob 0 paradigma liberal, seria um "sistema fechado de regras", que teria por função de estabilizar expectativas de com­ portamento, determinando os limites e, ao mesmo tempo, garantindo a esfera privada

a concepção de mundo na medida em que se buscava a total eliminação do risco, baseada (a nosso ver) em um projeto único de vida atrelado à noção de pertencimento e comunhão. Nesse sentido, Marcelo Galuppo (2002) trabalha o pluralismo como um fenômeno eminentemente ligado á modernidade, afirmando que, com seu ad­ vento, a sociedade se torna complexa e, ao contrário das sociedades antigas e medievais, haverá uma convivência entre vários projetos de vida, formas de vida e valores muitas vezes diferenciados (e até antagônicos). A título de exemplo, Marcelo Galuppo. trabalhando a pré-modernidade (já no seu final) e a ruptura moderna, afirma de forma clara que:"A modernidade é uma época de profundas rupturas, uma época de descentramentos. O mundo medieval era um mundo centralizado na terra, na Europa e na Igreja Católica Romana. Como aponta Hannah Arendt (1991:260), a utilização por Galileu da luneta para investigar o céu, mostrando que a terra náo era o centro do universo, as grandes navegações mostrando que a Europa não era o centro da terra e a Reforma Protestante, fazendo a Igreja Católica Romana perdesse a posição de centro da civilização ocidental são decisivas na mudança de visão de mundo. Novos conceitos determinantes do modo moderno de ver o mundo, surgem nessa época (apesar de nos iludirmos quanto á sua existência desde sempre): 1. o conceito de sujeito, 2. o conceito de futuro, 3. o conceito de dever." (GALUPPO, 2002, p. 57). Sobre a relação do direito com a modernidade é importante co­ locar que com a mesma há uma autonomização de esferas sociais com cada uma assumindo seu código próprio (o direito se coloca como subsistema social com uma lógica própria de operacionalização e reprodução). Além disso (autonomização e especialização), é importante frisar ainda que:"[...] a Modernidade concebe a sociedade como uma sociedade de pessoas (aritmeticamente) Iguais que compartilham vários e distintos projetos de vida. Se todas as pessoas possuem (aritmeticamente) o mesmo valor, não há razões para que o direito crie distinções entre pessoas. O principio ideológico que orienta o surgimento do direito moderno é então, o principio da ge­ neralidade da lei, que surge como mecanismo para evitar os privilégios, típicos das ordens do Antigo Regime (FERRAZ JR, 1994, p. 122). Para esse novo direito, avesso aos privilégios e tendente à generalização, a igualdade deve desempenhar a função de incluir os cidadãos nos direitos e não mais de exclui-los (deprivilégios}"(GALUPPO, Marcelo, 2002, p. 74). 109. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Tutela jurisdicional e estado democrático de direito, p. 37.

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de cada indivíduo. Com o uso de leis gerais e abstratas, busca-se garantir, ainda que apenas formalmente, a liberdade, a igualdade e a propriedade, de modo que todos os sujeitos receberíam os mesmos direitos subjetivos. É por isso que os direitos e garantias fundamentais passam a ser entendidos como verdadeiras garantias negativas da não intervenção do Estado na sociedade."110 À luz do raciocínio explicitado, afirmamos que a estrutura da Constituição do Estado de direito (liberal) foi essencialmente negativa (abstencionista). Após a Primeira Guerra Mundial tem início um novo paradigma de Estado. De­ vemos observar que o período do Estado Liberal gerou "a maior exploração do homem pelo homem de que se tem notícia na história da humanidade". Nesses termos, temos jornadas de trabalho de 15 a 17 horas por dia, idosos, crianças e mulheres em rodízio nos postos de trabalho, remunerações aviltantes levando ou conduzindo milhões de desvalidos à completa miséria, além de uma fortíssima repressão a qualquer tipo de protestos, bem como um exército de mão de obra de reserva criado nas periferias, em condições degradantes. Esse cenário levou à eclosão de um sem-número de questionamentos e movimentos sociais (socialismo utópico, científico e anarquistas). Com a "crise" da sociedade liberal e a cabal demonstração de seu desgaste com suas promessas irrealizadas, tem-se 0 surgimento (advindo das revoluções industriais burguesas) de um capitalismo cada vez mais monopolista e 0 aumento, sempre recorrente, das demandas sociais e políticas, levando os juristas (sobretudo após a primeira guerra mundial) a afirmar a necessidade de repensar 0 direito e 0 Estado, nascendo 0 "Constitucionalismo Social".

Em consequência, as técnicas e as instituições liberais tiveram que ser esten­ didas a parcelas da população antes excluídas. A universalização do sufrágio, a liberdade de associação entre os trabalhadores, 0 surgimento de grandes partidos políticos e a ampliação das atividades econômico-sociais do Estado são apontados por Pablo Lucas Verdú como as notas características do processo de transformação do paradigma liberal. Cabe salientar que, a partir desse novo paradigma, a sociedade de massas do pós-Primeira Guerra não é mais apenas reduzida a um agrupamento de indivíduos proprietários privados, mas composta por uma sociedade conflituosa, dividida em vários grupos, classes, partidos e facções em disputa, cada qual buscando seus interesses.

Já não dá para afirmar uma "neutralidade do Estado", como acontecia no Es­ tado Liberal, que se punha distante dos conflitos sociais, atuando de forma abs­ tencionista, como um garantidor da autonomia privada e do livre jogo dos inte­ resses, apenas agindo (de forma policial) para restabelecer, quando necessário, a

110. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade, Tutela jurisdicional e estado democrático de direito, p. 38; QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz, Direito constitucional, p. 63.

Conceito e classificações das Constituições

normalidade. Logo, o Estado assume, nessa nova perspectiva, o papel de agente conformador (condutor) da realidade social e, com isso, busca, inclusive, estabe­ lecer formas de vida concretas impondo "pautas públicas” de "vida boa" (ou seja: que ele, Estado, entende como "boa" para a sociedade).111112 113 0 Estado Social, que surge após a Primeira Guerra e se afirma após a Segun­ da, intervém na Economia, por meio de ações diretas e indiretas; e visa garantir o capitalismo por meio de uma proposta de bem-estar que implica a manutenção artificial da livre concorrência e da livre iniciativa, assim como a compensação das desigualdades sociais por meio da prestação estatal de serviços e da concessão de direitos sociais.1” Tais direitos vêm alargar e, sobretudo, redefinir os clássicos direitos do cons­ titucionalismo liberal: direitos de vida, liberdade, propriedade, segurança e igual­ dade. Inicia-se a chamada "materialização dos direitos". Observa-se também, nesse momento, o surgimento dos direitos sociais. Marca-se assim uma ruptura: tem-se uma ampliação no conjunto dos direitos fundamentais, resultante não somente de um acréscimo de direitos, mas também de uma completa alteração nas bases de interpretação (releitura) dos direitos anteriores.11’ A estrutura da Constituição pas­ sa, então, a ser essencialmente positiva em termos de prestações que esse Estado deveria providenciar a seus (agora, tratados como) "clientes".

A Constituição prescrevería programas políticos, definindo procedimentos e estruturando competências que antes não eram de sua alçada. Nesse sentido, famosa é a citação do discípulo de Carl Schmitt, Ernst Forsthoff que afirma, nitida­ mente alinhado a esse paradigma, que o Estado Social "é um Estado que garante a subsistência e, portanto, é Estado de prestações".114

Logo, isso significa afirmar que, no paradigma do Estado social, líteralmente: "(...) todo o direito é público, imposição de um Estado colocado acima da socieda­ de, de uma massa amorfa, carente de acesso à saúde ou à educação, massa pronta a ser moldada pelo Leviatã onisciente sobre o qual recai essa imensa tarefa. 0 Estado subsume toda dimensão do público e tem que prover os serviços inerentes aos direitos de Segunda geração à sociedade, como saúde, educação, previdência, mediante aos quais alicia clientela."115

111. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade, Direito constitucional, p. 58. QUADROS DE MAGALHÃES. José Luiz, Direito constitucional, p. 63. CARVALHO NETTO, Menelick de, Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o para­ digma do estado democrático de direito, p. 105. 112. As primeiras Constituições desse paradigma são as Constituições de Querétaro do México de 1917 e a de Weimar da Alemanha de 1919. No Brasil, a primeira Constituição do constitucionalismo social é a de 1934. 113. É muito difundido, no Brasil, o entendimento de que os direitos fundamentais poderíam ser divididos em gera­ ções, por exemplo, como faz Bonavides (1997). Todavia, o presente trabalho, tributário da posição defendida por Cattoni de Oliveira (2002, p. 103), considera imprópria a divisão dos direitos fundamentais em gerações, pois, a cada paradigma jurídico, assiste-se a uma redefinição completa dos direitos fundamentais. 114. FORSTHOFF, Ernst Problemas constitucionaiesdelestadosociai, 1986, p.49. 115. CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do estado demo­ crático de direito, p. 107.

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No início da década de 70, a crise do paradigma do Estado Social começou a se manifestar com grande intensidade. Aquele que deveria ser 0 "cidadão" se transformou em "cliente" desse Estado gigantesco que deveria reger toda a socie­ dade. A prometida cidadania se transforma em um repugnante "dientelismo","6 segundo 0 qual 0 direito é garantido e concretizado "no limite do possível".”7 Conforme Cattoni de Oliveira, temos que: "no esteio de movimentos sociais, tais como 0 estudantil de 1968, 0 pacifista, 0 ecologista e 0 das lutas pelos direitos das minorias, além dos movimentos contra culturais, que passam a eclodira partir da segunda metade da década de 60, a nova esquerda, a chamada esquerda não estalinista, a partir das duras críticas tanto ao Estado de Bem-Estar - denunciando os limites e o alcance das políticas públicas, as contradições entre capitalismo e democracia - quanto ao Estado de socialismo real - a formação de uma burocra­ cia autoritária, desligada das aspirações populares - cunha a expressão Estado Democrático de Direito." Nesse diapasão, afirma também 0 autor em consonância com a perspectiva habermasiana que "0 Estado Democrático de Direito passa a configurar uma alternativa de superação tanto do Estado de Bem-Estar quanto do Estado de Socialismo real".”8 Nesse mesmo sentido, Menelick de Carvalho Netto nos mostra que "as constan­ tes crises econômicas colocam em cheque a racionalidade objetivista dos tecnocratas, bem como a oposição antitética entre a política e a técnica.""9 Assim, 0 Estado interventor de bem-estar transformou-se em empresa acima das outras empresas e, com a chegada das sociedades hipercomplexas da era da computação ou pós-industrial, as relações se tornam extremamente complexas e fluidas. Nesse contexto, a relação entre 0 público e 0 privado é novamente rediscutida, as associações da sociedade civil passam a representar 0 interesse público contra um Estado privati­ zado ou omisso. Surge, nesse iter, os chamados interesses ou direitos difusos, que compreendem os direitos do consumidor, ambientais, entre outros.'20116 120 119 118 117

116. Habermas (HABERMAS, Jürgen. Facticidady valider sobre el derecho y el estado democrático de derecho en tér­ minos de teoria dei discurso, p. 497-498) identifica o desenvolvimento de um paternalismo por parte do Estado, no paradigma do Estado Social, em razão da adoção de programas políticos compensatórios às necessidades de uma "sociedade de massas", que se mostra incapaz de se autodeterminar, de definir para si suas necessidades. Logo, torna-se massa facilmente modelada por um Estado nos moldes do Leviatã hobbesiano. A proposta por cidadania permanece nesse paradigma como uma espera irrealizada. 117. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade, Direito constitucional, p. 59. 118. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade, Tutela jurisdicional e estado democrático de direito, p.43. 119. Segundo Habermas (HABERMAS, Jürgen, La crisis dei estado de bienestary el agotamiento de Ias energias utópicas, p. 124), o paradigma do Estado Social padece de uma contradição entre seu objetivo e o meio que escolhe para concretizá-lo. O que seria o seu objetivo - a construção de formas de vidas estruturadas igualitariamente, que fossem capazes de exercer uma autorregulação espontânea - se vê frustrado pelos obstáculos levantados pelo Poder Administrado, regido pela lógica da burocracia jurídico-administrativa, que acaba contaminando os pro­ gramas políticos. Além do mais, o estatal não é capaz de identificar a sociedade, que por meio de organizações civis passa a exigir uma maior participação; não mais depende da postura burocratizante (instrumentalizante) do Poder Administrativo nas decisões sobre direitos. 120. CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do estado demo­ crático de direito, p. 110.

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Conceito e classificações

das

Constituições

Se a promessa de concessão de cidadania, advinda da ruptura do Estado Li­ beral com o nascimento e desenvolvimento do Estado Social, não foi efetivada, agora busca-se novamente seu resgate sem supostos (ou pressupostos) dirigentes e planiflcadores. A própria noção de cidadania deve ser enfocada sob outra perspectiva, que não aquela de "vantagem ou benefício" a ser concedida e distribuída de "cima para baixo" a uma massa de desvalidos e pobres coitados (descamisados). Essa noção deve ser encarada como um processo que envolve aprendizado, fluxos e refluxos,'” mas sempre numa "luta contínua por reconhecimento".121 122

Nas pegadas da Teoria discursiva da democracia habermasiana, que nos ali­ nhamos, observamos o que seria a caracterização reflexivo-procedimental da Cons­ tituição de um Estado Democrático de Direito. Temos que a Constituição deve ser compreendida como a prefiguração de um sistema de direitos fundamentais que representam as condições procedimentais para a institucionalização da democra­ cia, nos âmbitos e nas perspectivas específicas do processo legislativo, jurisdicio­ nal e administrativo, e que garante, ainda, espaços públicos informais de geração da vontade e das opiniões políticas. Nesse sentido, a democracia, como princípio jurídico-constitucional a ser densificado de acordo com a perspectiva específica de cada um desses processos, significa participação em igualdade de direitos e de oportunidades, daqueles que serão afetados pelas decisões, nos procedimentos deliberativos que as preparam.123 Ao explicitarmos as colocações atinentes à teoria discursiva do direito e da democracia, é necessário termos em mente as noções fundamentais de autonomia pública e privada dos cidadãos. Sob esse prisma, o que os paradigmas anteriores (de Estado e de Constituição) fazem é justamente matar a cidadania, não obser­ vando a nítida cooriginalidade existente entre elas. A chave da visão procedimental do direito e da democracia está justamente sob essa concepção. Com o processo de desencantamento, o Direito moderno se configura como parte de um sistema de normas positivas e obrigatórias; to­ davia, essa positividade vem associada a uma pretensão de legitimidade, de modo que normas expressam uma expectativa no sentido de preservar equitativamente a autonomia de todos os sujeitos de direito. 0 processo legislativo

121. A cidadania é agora entendida como um processo, bem como a democracia, que conduz a um aprendizado social, de modo a nâo necessitar de pré-requisitos. 122. Um exemplo dessa “luta por reconhecimento" bem-sucedida pode ser encontrado nas políticas feministas de equiparação:"(...] os diretos subjetivos, cuja tarefa é garantir às mulheres um delineamento autônomo e privado para suas próprias vidas, não podem ser formulados de modo adequado sem que os próprios envolvidos articu­ lem e fundamentem os aspectos considerados relevantes para o tratamento igual ou desigual em casos típicos. Só se pode assegurar a autonomia privada de cidadãos em igualdade de direito quando isso se dá em conjunto com a intensificação de sua autonomia civil no âmbito do Estado." (HABERMAS, Jürgen, A inclusão do outro: estu­ dos de teoria política, p. 297). 123. HABERMAS, Jürgen. Facticidad y valider. sobre el derecho y el estado democrático de derecho en términos de teoria dei discurso, p. 502.

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deve ser suficiente para atender a essa exigência. Há uma relação entre o caráter coercitivo e a modificabilidade do Direito positivo, por um lado, e o processo de positivação ou de estabelecimento desse Direito capaz de gerar legitimidade, por outro - isto é, uma relação entre Estado de Direito e democracia; contudo essa re­ lação não é meramente fruto de uma história causai, mas uma relação conceituai que está alicerçada nas pressuposições da práxis jurídica cotidiana. Temos, então, uma reconstrução da soberania popular, que assume a forma jurídica por meio do processo legislativo democrático, que deve considerar a equiprimordialidade da autonomia jurídica.”4 Por um lado, aos indivíduos são garantidas determinadas liberdades subjetivas de ação a partir das quais podem agir em conformidade com seus próprios inte­ resses - é o que se chama de autonomia privada12’ - "liberando" esses indivíduos da pressão inerente à ação comunicativa, qual seja, a de fundamentar moralmente todas suas ações, bastando, portanto, a referência ao direito legislado.

Para tanto, é essencial a noção de direitos fundamentais como elementos asseguradores dessa autonomia por meio da não ingerência estatal na esfera privada dos cidadãos, como já afirmava a clássica leitura liberal. Em contrapartida, o prin­ cípio discursivo democrático compreende a autonomia pública a partir da ótica da garantia de legitimidade do procedimento legislativo por meio de iguais direitos de comunicação e de participação. Trata-se do fato de que os sujeitos de direito têm de se reconhecer como autores das normas às quais se submetem. Como conse­ quência, autonomias pública e privada devem estar pressupostas reciprocamente (coorígínárias), sem que, contudo, uma possa gozar de supremacia sobre a outra.

7. SENTIDOS OU CONCEPÇÕES DO TERMO CONSTITUIÇÃO: SENTIDOS CLÁS­ SICOS E CONTEMPORÂNEOS

Conforme a doutrina pátria, temos os (intitulados) sentidos: sociológico, jurí­ dico, político e cultural de Constituição que, geralmente, são atribuídos a autores de renome dos séculos XIX e XX, sendo, em regra, citados, respectivamente, como124 125

124. HABERMAS, Jürgen, A inclusão do outro: estudos de teoria política, p. 286. Para Habermas, o Direito moderno, não mais subordinado à moral mas sim, funcionando de maneira complementar (relação de complementariedade entre direito e moral) passa a organizar-se a partir de um código próprio, partindo de dois elementos restantes da dissolução da amálgama pré-moderna: soberania popular - relacionada com a noção de autonomia pública - e di­ reitos humanos - ligados á noção de autonomia privada. Desse modo, tanto uma quanto a outra representam uma mediação pelo Direito no tocante à autodeterminação moral (direitos humanos) e autodeterminação ética (soberania popular), de modo a falar-se em uma co originariedade. 125. "De ahi que Ia autonomia privada dei sujeto jurídico pueda entenderse esencialmente como Ia libertad negativa de abandonar Ia zona pública de obligaciones ilocucionárias recíprocas y retraerse a una posición de observación mutua y de mutuo ejercicio de influencias empíricas. La autonomia privada llega hasta allí donde el sujeto jurídi­ co tiene que empezar a dar cuenta y razón, hasta alli donde tiene que dar razones públicamente aceptas de sus planes de acción. Las libertades subjetivas de acción autorizan a apearse de Ia acción comunicativa y a negarse a contraer obligaciones ilocucionárias. Fundan una privacidad que libera de Ia carga aneja a una libertad comu­ nicativa reciprocamente reconocida y mutuamente supuesta y exigida." (HABERMAS. Jürgen, Facticidady validez: sobre el derecho y el estado democrático de derecho en términos de teoria dei discurso, p. 186).

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Conceito e classificações oas Constituições

exemplos: Ferdinand Lassalle (sentido sociológico), Hans Kelsen (sentido jurídico),126 Carl Schmitt (sentido político) e J.H.Meirelles Teixeira (sentido cultural).127128 131 130 129

Nesses termos, a nossa proposta é de apresentar, ainda que de forma sucinta, os quatro sentidos clássicos trabalhados na doutrina,”8 tentando situar tais con­ cepções à luz das pré-compreensões dos autores a seguir citados. Posteriormente, iremos abordar sentidos complexos desenvolvidos pela moderna Teoria da Consti­ tuição e que vem sendo motivo de reflexão de doutrinadores nacionais e interna­ cionais. Essas concepções12’ irão envolver os autores: J. J. Gomes Canotilho, Niklas Luhmann, Jürgen Habermas, Peter Haberle, Konrad Hesse, Marcelo Neves e José Adércio Leite Sampaio. Pois bem, iniciando pela perspectiva que nós estamos intitulando de clássica, temos os sentidos (ou concepções): sociológico, jurídico, político e culturalista de Constituição. Nesses termos:

1)

Sentido Sociológico: Ferdinand Lassalle desenvolveu sua análise sobre o sentido e conceituação de uma constituição em obra escrita em 1863 e inti­ tulada A essência da Constituição.1’0 0 autor ganhou notoriedade ao afirmar que devemos distinguir a verdadeira e efetiva Constituição, daquela que identifica e explicita a dinâmica de poder estabelecida em uma socieda­ de,1’1 em relação à Constituição escrita, que, como qualquer documento, equivale a uma mera “folha de papel". Sendo assim, uma investigação sobre qual seja a Constituição real e efetiva de um Estado e de uma so­ ciedade transborda e ultrapassa os limites da ciência jurídica, sendo, na

126. Embora o sentido jurídico, por uma outra vertente, tenha como válidas as digressões de Konrad Hesse em suas teorizações, a seguir delineadas e especificadas. 127. Embora o professor Peter Haberle tenha, sem dúvida, um viés culturalista em vários de seus escritos, como a seguir explicitaremos. 128. E que em regra são cobrados dos candidatos às carreiras jurídicas, não obstante as posições modernas (contem­ porâneas) que também iremos trabalhar serem hoje objeto de provas em concursos juridicos sofisticados (de nivel Estadual e Federal) e em digressões acadêmicas de graduação e pós-graduação (Mestrado e Doutorado). 129. A doutrina cita ainda outras concepções: a) Constituição como garantia do status quo econômico e social de Emst Forsthoff; b) Constituição como instrumento de governo de Hennis, na qual a Constituição acaba por se tornar uma lei processual definidora de competências e reguladora de processos de cunho estritamente formal; c) Constituição como programa de integração e representação nacionais de Kruger, na qual a Constituição se apresenta como um documento direcionado apenas a conter temas que envolvam diretamente à comunida­ de, à nação e à totalidade política do Estado (entendidas essas como matérias constitucionais); d) Constituição como legitimação do poder soberano de Georges Burdeau, na qual a Constituição é considerada a criadora do Estado de Direito (pressuposto do mesmo), pois, antes da mesma, teríamos um poder apenas de fato que se transforma em poder de direito mediante a existência da Constituição; e) Constituição como ordem fundamental e programa de ação que identifica uma ordem político-social e o seu processo de realização de Baulin, na qual a Constituição é entendida não só como instrumento de proteção das relações existentes, mas, também, como norma que se projeta para ordenar e conformar a vida social. Assim sendo, a Constituição é norma fundamental que delimita a vida social, indicando os programas de ação e os processos de realização dos mesmos. MENDES, Gilmar Ferreira; Curso de direito constitucional, p. 7-8. CANOTILHO. In: Constituição dirigente e vinculação do legisla­ dor, p-87-112. 130. A obra em alemão foi intitulada de Überdie Verfassung (sobre a Constituição). Esta deriva de uma conferência prolatada por Ferdinand Lassalle, em 1862, para operários e intelectuais da até então Prússia. 131. LASSALLE, Ferdinand, A essência da Constituição, p. 25-28.

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realidade, um problema dos sociólogos e dos cientistas políticos, que se­ riam mais aptos a identificar, na dinâmica social, os verdadeiros centros de poder e de decisão presentes nessa sociedade e os interesses aos quais esse poder serve (que, no século XIX, caracterizava-se na figura do monarca, de uma aristocracia, de uma grande burguesia ou dos banquei­ ros; apenas em casos extremos ter-se-ia a corporificação na forma de um poder inorgânico, que seria o povo, compreendido este como a união de uma pequena burguesia e da classe operária). Portanto, o que denominou de "fatores reais de poder" seriam o conjunto de forças que atuariam para a manutenção das instituições de um país em um dado momento histórico. Nesses termos, a Constituição escrita (folha de papel) seria adequada se, e somente se, correspondesse aos fatores reais de um determinado país, pois, se isso não acontecesse, conforme já citado, sucumbiría diante da Constituição real que efetivamente regularia a sociedade. Portanto, em sentido sociológico, a Constituição é entendida como os fatores reais de poder que regem uma sociedade.132133 135 134 Concluímos afirmando que Lassalle foi um dos precursores do que atualmente intitulamos de sociologia jurídica.

2)

132. 133. 134. 135.

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Sentido Jurídico: atribui-se a Hans Kelsen 0 desenvolvimento do sentido jurídico de Constituição. No quadro da "Teoria Pura do Direito", Kelsen pre­ tende expurgar do universo da ciência do direito todo e qualquer conteúdo que não possa ser reduzido ao critério de validade (isto é, 0 fato de encon­ trar em uma norma que lhe é hierarquicamente superior à sua autorização para existência no mundo jurídico). A Constituição, então, nessa perspecti­ va, adquire um significado exclusivamente normativo: ela se transforma no conjunto de normas mais importantes de um Estado conforme um critério hierárquico?” A partir daí, toda e qualquer norma deve encontrar sua validade no texto constitucional?” razão pela qual autores imaginam um diagrama da teoria da validade normativa kelseniana como uma pirâmi­ de, sempre colocando a Constituição em seu ápice?” Kelsen traz 2 (dois) sentidos jurídicos para a Constituição: a) Sentido lógico-jurídico: a Constituição, nesse sentido, deve ser entendida à luz do conceito de norma fundamental. Esta, definitivamente, não é posta no ordenamento, mas, sim, pressuposta por ele. A norma fundamental possui duas funções: 1*) dar

LASSALLE, Ferdinand, A essência da Constituição, p. 31. CALDWELL, Popularsovereignty and the crisis ofGerman Constitutional Law. p. 50. KELSEN, Hans, Teoria pura do direito, p. 247. Entretanto, Kelsen já faz uma advertência: dado o caráter generalista de sua teoria - uma vez que esta não se prende a explicar um ordenamento jurídico específico, mas funcionar como uma Teoria Geral do Direito - chama-se de Constituição em sentido material o conjunto de normas (escritas ou não; codificadas ou não) que estabele­ ce a função de regular a dinâmica de criação das demais normas jurídicas inferiores: por outro lado, a Constituição em sentido formal é o documento formal a que se atribui o nome de "Constituição'’ (como obra escrita), inde­ pendentemente de ele, além de regular o processo de produção de normas gerais, tratar de matérias diversas, consideradas como politicamente relevantes.

Conceito e classificações oas Constituições

fundamento de validade a todo sistema: ela autoriza o Poder Constituinte Originário a elaborara Constituição e determina que todos devem cumprir a Constituição; 2») Fechar 0 sistema jurídico: porque a norma fundamental nunca será posta por alguém, ela, como já citado, é suposta (pressuposto lógico transcendental), sendo uma convenção para que o sistema não se torne infinito, sendo 0 ponto de início e 0 final, ou seja, onde tudo começa e termina no sistema jurídico.1’6 Nesses termos, uma norma é válida, como salientado anteriormente, quando uma norma hierarquicamente superior dá validade a ela, e assim sucessivamente, até chegar à Constituição. E qual seria 0 fundamento de validade da Constituição? 0 fundamento de validade da Constituição é a norma fundamental (convenção lógico-transcendental). 0 fundamento de validade da norma fundamental é a própria norma fundamental, uma vez que ela dá fundamento de validade a outras normas e fecha 0 sistema.’’7 b) Sentido jurídico-posltlvo: é a norma supe­ rior, ou seja, é a Constituição como norma superior do Ordenamento Jurídi­ co, que dá validade a todas as outras normas do sistema. Leia-se 0 sentido jurídico positivo é a "norma constitucional propriamente dita."1’8

3)

Sentido Político: em sua "Teoria da Constituição" (Verfassungslehre), Schmitt1’9 apresenta uma distinção entre "Constituição"136 140 e "Lei Constitucional". Para 139 138 137 ele a Lei Constitucional estaria subordinada à Constituição. Para 0 autor, toda a normatividade do direito deveria ser atribuída a uma "decisão política" concreta, cuja magnitude e importância seriam responsáveis por dar for­ ma e unificar a vontade política existente em uma comunidade; a esse ato, designar-se-ia Constituição. Portanto, a Constituição seria a decisão política fundamental do povo. Tal Constituição, então, seria um ato de exercício da autoridade politicamente existente, que imporia sua vontade em consonân­ cia com a aclamação popular e, a partir daí, daria existência jurídica as "leis constitucionais". Ao Estado, como consequência, cabería a tarefa de superar 0 hiato que se estabelecería entre "normas" e "fatos sociais", superando-o e reduzindo tanto os elementos normativos quanto fáticos segundo os critérios

136. BOBBIO, Norberto, Teoria do ordenamentojurídico. 1984. 137. Portanto, para Kelsen. a norma jurídica é válida quando uma norma hierarquicamente superior do sistema dá validade a ela (a Constituição concede validade a todas as normas inferiores e a norma fundamental dá validade à Constituição). Com isso, temos um limite na norma fundamental. Sem dúvida, Kelsen não quer saber se uma norma é justa ou injusta, e sim se é válida. 138. KELSEN, Hans, Teoria pura do direito. 139. SCHMITT, Carl, Teoríodela Constitución, p. 23-24. 140. A rigor, Schmitt apresenta em sua obra, Teoria da Constituição, 4 (quatro) conceitos de Constituição. São eles: 1) conceito absoluto; 2) conceito relativo; 3) conceito positivo; e 4) conceito ideal. Para o autor, o único conceito no qual a Constituição pode ser concebida de forma adequada é o conceito positivo. É justamente neste em que Schmitt explicita seu viés decisionista e a concepção ou sentido político ora trabalhado, afirmando que a Consti­ tuição significa a decisão política fundamental do povo, sendo uma decisão concreta sobre a unidade política seu modo de ser e sua forma. Sendo a Nação, em sua unidade, a produtora da Constituição. Portanto, a Constituição não cria (gera) a Nação, e sim a Nação (povo como unidade) é que da vida à Constituição, pois a Constituição, como externalizado, são as decisões políticas fundamentais do povo! SCHMITT, Carl. Teoria de Ia constitución, p. 46.

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dessa "decisão política" anterior.141 À luz de seu “decisionismo”, concluímos que, para Schmitt, a essência da Constituição está alocada nas decisões po­ líticas fundamentais do (titular) Poder Constituinte (que seria o povo), e não em normas jurídicas positivadas,142143 o que o coloca em posição contrária e oposta àquela delineada pelo sentido (concepção) jurídico-normativo de Constituição de viés kelseniano, anteriormente trabalhado.

4)

Sentido culturalista: essa concepção desenvolve a premissa de que a Cons­ tituição é produto da cultura (fato cultural).145 Trabalha de forma comple­ mentar todas as concepções descritas anteriormente (sociológica, jurídica e política) desenvolvendo a lógica de que a Constituição possui fundamen­ tos diversos arraigados em fatores de poder, decisões políticas do povo e normas jurídicas de dever ser vinculantes. Surge daí a ideia de uma constituição total, com a junção dos aspectos econômicos, sociológicos, políticos, jurídico-normativos, filosóficos e morais a fim de construir uma unidade para a Constituição. Nesse sentido, a Constituição se coloca como um conjunto de normas fundamentais condicionadas pela cultura total e, ao mesmo tempo, condicionante, numa perspectiva eminentemente dialé­ tica. Nesses termos, a Constituição é determinada pela cultura, pois é fruto de pré-compreensões da sociedade (seu reflexo e espelho) na qual ela está inserida, mas também atua como elemento conformador do sentido de aspectos da cultura (portanto, como citado anteriormente, ela é condi­ cionada, mas também é condicionante).144

141. CALDWELL, Popularsovereignty and thecrisis ofGerman Constitutionol Law, p. 53-54. 142. É interessante a construção teórica de Schmitt que vai se caracterizar pelo que podemos chamar de conceito decisionista de Constituição. Esse conceito faz parte de uma plêiade de conceituaçôes desenvolvidas e enca­ deadas magistralmente pelo autor. Alguns conceitos merecem ser explicitados para o melhor entendimento do seu sentido de Constituição. Estes são: democracia, política e igualdade. Para Schmitt, democracia é a identida­ de governante/govemado. Ele rechaça o conceito liberal-burgués de democracia representativa. Esta seria uma contradição em termos, pois a democracia deveria ser direta, sendo o governado ao mesmo tempo governante e vice-versa. As democracias de massa do século XX só seriam possíveis com um retorno à democracia direta, sem intermediários (que, no fundo, representam, não o povo, mas seus próprios interesses na lógica da democracia representativa!). Portanto, 0 parlamento, para Schmitt, era uma doença, uma patologia, que deveria desaparecer no século XX. Nesse sentido, a democracia seria efetivada por um líder (hobbesianamente e teatralmente construído/forjado) que ao mesmo tempo seria o governante e o governado. O povo teria uma identidade direta com líder. O líder seria o povo e o povo seria o líder. Só assim feríamos democracia efetiva. Para tal, o conceito de política era fundamental. Política é a relação amigo-inimigo. Ou seja, ou comungamos dos mesmos ideais ou não pertencemos (não há pertencimento). Dal a noção de nós e outros. E a igualdade deveria ser nesse contexto entendida como a comunhão de um povo. Dai o conceito de Constituição decisionista ficar claro, pois a Consti­ tuição deve ser entendida como as decisões políticas fundamentais do povo. Pergunta-se: quem é povo? O povo é líder e o líder é o povo. Portanto, qualquer decisão do líder era do povo e, com isso, seria uma tomada de posição eminentemente constitucional. 143. Na literatura nacional ver: TEIXEIRA, J. H. Meirelles, Curso de direito constitucional, 1991.8ULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional, 2006, p. 32. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional, 2008. Na li­ teratura juridica internacional ver, sobretudo: HÃBERLE, Peter. Teoria dela constitución como ciência de la cultura. Madrid:Tecnos, 2000. 144. TEIXEIRA, J. H. Meirelles, Curso de direito constitucional, 1991, p. 75-78. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional, 2008, p. 85. No sentido da corrente ora trabalhada é a posição de Dirley da Cunha:"!-.] a concepção da Constituição como fato cultural é a melhor que desponta na teoria da Constituição, pois tem a virtude cultural

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Conceito e classificações oas Constituições

Posteriormente às concepções clássicas, é mister apresentarmos digressões de cunho crítico-reflexivo sobre as Constituições. Iremos intitulá-las de concepções ou sentidos modernos (contemporâneos) de Constituição. Conforme externalizado, iremos apresentar as análises de J. J Gomes Canotilho, Niklas Luhmann, Jürgen Ha­ bermas, David Landau, Peter Hãberle e Konrand Hesse, além, ainda, da perspectiva desenvolvida pelos autores brasileiros Marcelo Neves e José Adércio Leite Sampaio. 7.1. A Constituição dirigente de J. J. Gomes Canotilho: o debate sobre a consti­ tuição dirigente e o constitucionalismo moralmente reflexivo Com a ruptura em direção ao paradigma do Estado Social, denotando o esgota­ mento do Estado Liberal - notadamente, de sua postura formalista e abstencionista iniciou-se a discussão de que a Constituição também deveria passar por uma reestru­ turação, passando a assumir uma função dirigente, ampliando consideravelmente os espaços nos quais o Poder Público passava a interferir de modo ativo na sociedade, for­ necendo prestações exigidas pelas demandas sociais que clamavam por "justiça social".

Desse modo, o constitucionalismo de bem-estar social, segue por uma rota ideológica oposta do Estado Liberal. Se, no primeiro paradigma moderno de Esta­ do, a tônica se assentava na defesa das liberdades individuais, compreendendo os direitos fundamentais, essencialmente, como elementos contra (limites) a ação do próprio Estado, que se limitava em fornecer segurança e proteção às liberdades e à propriedade (Estado Polícia), após a Guerra Mundial, assiste-se a uma mu­ dança de mentalidade no Direito Público do mundo todo. É possível visualizar uma mudança de mentalidade que reflete diretamente na postura a ser assumida pelo Poder Público. Os direitos fundamentais passam a serem vistos como incluindo um catálogo de direitos a prestações positivas e, por isso mesmo, caracterizados num fazer por parte das instituições públicas.

É nesse contexto que se desenvolve a doutrina de Canotilho, afirmando a impor­ tância e a necessidade de que o Estado implemente medidas públicas que atendam às demandas sociais.* 145 A Constituição, então, passa a desempenhar um importante papel de determinação do plano de direção e de transformação da implementação de políticas públicas na ordem socioeconômica.146 Por isso, é no constitucionalismo do Estado Social que podemos registrar o surgimento das chamadas normas programáticas (que irão dispor sobre direitos sociais) e dos direitos econômicos, principalmente, buscando dar-lhes efetivação.

de explorar o texto constitucional ern todas as suas potencialidades e aspectos relevantes, resumindo em si todas as concepções a sociológica, a política e a jurídica - em face das quais se faz possível compreender o fenômeno constitucional. [...] um conceito de constituição constitucionalmente adequado deve partir da sua compreensão como um sistema aberto de normas em correlação com os fatos sociopoliticos [...] de tal modo que importe em reconhecer uma interação necessária entre a Constituição e a realidade a ela subjacente, indispensável a sua força normativa.'’ (p. 85-86). 145. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Constituição dirigente e vinculaçõo do legislador, p. 365. 146. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 123.

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Para Canotilho, então, a Constituição (Dirigente) não pode ser compreendida apenas como um mecanismo jurídico-político estruturador do Estado e definidor do sistema de competências e atribuições de seus órgãos.147 Há, nela, uma importan­ te função de organização de um plano normativo-material global do Estado e da Sociedade, dotado de um caráter aberto, que vincula os Poderes Públicos à busca por concretude dos anseios populares (de natureza econômica, cultural e social).148149 Isso representa um limite imposto pela ordem constitucional aos domínios da po­ lítica - uma forma de judicialização - que deixa de ser compreendida como livre e desvinculada de um projeto constitucional.,4Ç Assim, a atividade política passa a ser conformada pelo Direito. Com isso, não se buscou anular o espaço da política, mas, apenas, sujeitá-la à força imperativa das normas constitucionais.150 Canotilho compreende a Constituição dirigente como um projeto de ação aber­ to no tempo, com os olhos voltados para o futuro, carecendo sempre de outras providências normativas que a complemente.151

Todavia, tal posicionamento acabou por ser revisto pelo professor lusitano, que passou a afirmar, pelo menos em um primeiro momento, a "morte" da Constituição Dirigente. Isso porque, mesmo as normas constitucionais ocupando um locus espe­ cial do Direito, outras forças imperativas fazem com que elas cedam espaço para outros projetos político-econômicos desvinculados do primado da "justiça social".

Canotilho, então, aponta alguns problemas que a tese do constitucionalismo dirigente não foi capaz de solucionar:152

1)

Problemas de indusão: o desafio de materialização do direito, que faz com que a constituição dirigente se assuma como um estatuto jurídico do político, acaba por ocultar a "rebeldia" desse político em se subordinar a uma normatização que concretize diversas práticas sociais plurais. Com Luhmann, vemos que cada sistema é dotado de uma autorreferenciabilidade e uma auto-organização, o que parece escapar aos defensores da constituição dirigente.

2)

Problemas de referência: a constituição dirigente não consegue ultrapassar uma abordagem clássica quanto ao seu sujeito de referência - 0 indivíduo

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (OrgJ, Canotilho e a Constituição dirigente, p. 18-19. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 124. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Constituição dirigente e vinculação do legislador, p. 12. Interessante é que tais idéias se mostram convergentes a uma linha do raciocínio que a seguir será apresentada por Niklas Luhmann em sua perspectiva sistêmica, como já tinha observado Lênio Streck em COUTINHO. Jacinto Nelson de Miranda (Org), Canotilho e a Constituição dirigente, p.22. 151. É justamente, nesse contexto, que ganha destaque a ideia de uma inconstitucionalidadeporomissão, que passaria a funcionar como um reforço judicial da garantia de imperatividade constitucional das normas programáticas. Ver: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.), Canotilho e a Constituição dirigente, p. 37 e também CANOTI­ LHO, José Joaquim Gomes, "Brancosos" e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional, p. 212-213. 152. CANOTILHO, José Joaquim Gomes,“Brancosos" einterconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a histori­ cidade constitucional, p. 216-221.

147. 148. 149. 150.

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Conceito e classificações das Constituições

- e com isso, olvida-se das novas configurações sociais, como as entidades organizadas de cunho multinacional ou atores sociais neocorporativos. 3)

Problemas de reflexibilidade: a constituição dirigente ainda opera sob uma compreensão da racionalidade clássica (teleológica), razão pela qual vai cada vez mais se mostrando incapaz de justificar coerentemente um con­ junto unitário de respostas normativas ante 0 aumento de complexidade de demandas provindas do sistema social. A perspectiva clássica (atrelada ainda às bases de um direito positivista - ou mesmo realista) não suporta as exigências de fundamentação atuais, não encontrando legitimação em uma sociedade tão diferenciada em função dos múltiplos projetos e con­ cepções de vida.

4)

Problemas de universalização: a pretensão de universalização das normas contidas na constituição dirigente se torna ameaçada por não conseguir adaptar ou mesmo traduzir para os diálogos particulares as novas reali­ dades (mercado, sistemas de informações, alta tecnologia, conglomerados empresariais).

5)

Problemas de materialização do direito: 0 constitucionalismo dirigente acabou assumindo um papel de supradiscurso social, esvaziando os di­ ferentes diálogos constitucionais (sobre o meio ambiente, o direito dos consumidores, 0 biodireito etc.), trazendo uma perda de contextualização. Com isso, decorreu uma dificuldade de contextualização capaz de imprimir mudanças e inovação na ordem jurídica.

6)

Problemas de reinvenção do território estatal: a constituição dirigente operava, exclusivamente, sob a lógica da incidência de suas normas sob um determinado território, de modo que não respondia às questões de supranacionalização e internacionalização do direito constitucional.

Em substituição, e como nova proposta de uma Teoria da Constituição, Canoti­ lho passa à defesa de um constitucionalismo moralmente reflexivo,53 cujas premis­ sas se assentam numa noção de "eficácia reflexiva" ou de "direção indireta", por meio do desenvolvimento de instrumentos cooperativos, que resgatem 0 princípio da responsabilidade e encorajem a sociedade civil. Isso porque 0 autor passa a levar em conta as mudanças sociais operadas pela pluralização da sociedade hipermoderna, pelo advento do Estado Europeu, globalização etc., a fim de propor uma teoria constitucional que substitua um Direito autoritariamente dirigente e ineficaz diante do novo cenário imposto pela contemporaneidade.153 154

153. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, "Brancosos" e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional, p. 104. 154. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, °Brancosos"e interconstitucionalidade: itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional, p. 127-128. "A lei dirigente cede o lugar ao contrato, o espaço nacional alarga se à transnacionalizaçâo e globalização, mas o ânimo de mudanças aí está de novo nos 'quatro contratos globais! Referimo-nos ao contrato para as 'necessidades globais' - remover as desigualdades, o contrato cultural - tolerância e

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Mas é importante que não encaremos como uma manifestação de pessimismo ou de derrotismo a mudança de posição do jurista de Coimbra. A nova teoria, na realidade, está preocupada em pensar as normas constitucionais a outra luz, reco­ nhecendo a existência de novos esquemas de condução das políticas econômico-sociais.'55 Por isso, em momento algum, houve a desistência da programaticidade constitucional, preservando-se a tese de que o legislador não é dotado de liber­ dade de conformação das políticas públicas, que devem se submeter ao projeto Constitucional de um Estado. Acreditamos, nas pegadas do próprio Canotilho, que a Constituição dirigente não morreu; morreu, sim, um tipo de Constituição dirigente típica de um paradigma de Estado e de sociedade não mais condizente. Com isso, sem dúvida, as Constituições perderam um pouco de sua força dirigente, ainda que não tenham deixado de ser diretivas. Nesses termos, o dirigismo constitucional das décadas de 70 e 80 do século passado não mais existe, porém, a constituição dirigente não morreu, pois ainda sobrevivem importantes dimensões de progra maticidade e dirigismo constitucional, ainda que em uma perspectiva mais reflexiva (leve) e menos impositiva. Além disso, conforme já observado, Canotilho afirma que, no atual contexto jurídico-político, devemos reconhecer que as Constituições (as europeias de forma direta) estão unidas a um grande esquema supranacional/56 que transfere (em vários aspectos) a programaticidade aos textos normativos in­ ternacionais.155 157 No final, 0 que também se tem é um certo deslocamento da ideia 156 de dirigismo constitucional para os tratados internacionais, à luz de uma arena de debates e conjecturas normativas não nacionais (locais), mas, sobretudo, interna­ cionais. Nas palavras de Canotilho no prefácio da 2’ edição de sua obra "Constitui­ ção Dirigente e Vinculação do Legislador", 0 autor, nesse diapasão, explicitou "numa época de cidadanias múltiplas e de múltiplos de cidadanias" que: "a Constituição dirigente está morta se o dirigismo constitucional for entendido como normativismo constitucional revolucionário capaz de, só por si, operar transformações emancipatórias. Também suportará impulsos fanáticos qualquer texto constitucional dirigente introvertidamente vergado sobre si próprio e alheio aos processos de abertura do direito constitucional ao direito internacional e aos direitos supranacionais."158

155. 156.

157. 158.

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diálogo de culturas -, contrato democrático - democracia como governo global, e contrato do planeta terra [s/c] - desenvolvimento sustentado. Se assim for, a constituição dirigente fica ou ficará menos espessa, menos regulativamente autoritária e menos estatizante, mas a mensagem subsistirá, agora enriquecida pela constitucionaliza­ ção da responsabilidade, isto é, pela garantia das condições sob as quais podem coexistir as diversas perspectivas de valor, conhecimento e ação."(CANOTILHO, José Joaquim Gomes, "Rrancosos^einterconstltucionalidade: itinerá­ rios dos discursos sobre a historicidade constitucional, p. 128-129). COUTIN HO, Jacinto Nelson de Miranda (Org), Canotilho e a Constituição dirigente, p. 31. Nesses termos:"Essa nova visão de Canotilho [,.J deve-se ao fato das recentes mudanças ocorridas no constitu cionalismo português, sobretudo em razão do advento da União Européia que impôs uma flexibilização na sobe­ rania dos Estados-membros (é o caso de Portugal) e que afetou, por via reflexa, a força normativa da Constituição Portuguesa, na medida em que esta passou a conviver com as diretivas da referida comunidade. [...]" CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, 2008, p. 130. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.), Canotilho e a Constituição dirigente, p. 15-16. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Prefácio ã 2a Edição da obra: Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas.

Conceito e classificações das Constituições

Nesses termos, nos moldes de Canotilho, é justamente dessa tensão entre o global e o local que se dará a nova configuração da Constituição e do constitucionalismo contemporâneo.159 7.2. A Constituição para a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann Niklas Luhmann é um dos mais importantes sociólogos jurídicos dos últimos tempos. Ele ganhou destaque no universo internacional ao desenvolver sua Teoria Sistêmica da Sociedade,160 segundo a qual, com a Modernidade, a sociedade passou a se constituir a partir de diversos sistemas (ou subsistemas) sociais especializados (Política, Direito, Religião, Cultura, Ciência, Economia etc.), de modo que cada um assumisse reações próprias e uma linguagem (a partir de um processo de codifica­ ção) também própria.161162

Nesse sentido, Luhmann parte da distinção entre o sistema e seu ambiente (en­ torno ou mundo circundante). Cada sistema é, portanto, fechado do ponto de vista operacional e organizado a partir de seu código.161

Logo, não há comunicação entre sistema e seu ambiente (autopoiesis). Todos os acontecimentos externos são codificados e traduzidos pelo sistema a partir de sua linguagem própria. É esse código que permitirá a organização do sistema, do­ tando-o de identidade e diferenciando-o dos demais sistemas sociais.163 Para tanto,

159. Ver, sobretudo: Globalização e democracia pós-nacional à luz de uma teoria discursiva da constituição. Tese de Dou­ torado apresentada à Faculdade de Direito da UFMG. FERNANDES, Bernardo Gonçalves, 2004. 160. O pensamento de Luhmann foi inicialmente influenciado pela Teoria Estruturalista-Funcional de Tacott Parsons. de quem foi aluno no início da década de 60. "Os seus seminários eram seguidos com enorme interesse por estudantes de todo o mundo, e Luhmann não fugiu á regra. Ai nasceu uma afinidade intelectual que podemos hoje considerar a mais consistente do seu pensamento. Se quisermos arriscar uma caracterização geral da pro­ posta de Luhmann, podemos considerá-la na direta continuidade da Sociologia estrutural e funcional de Parsons; isto significa que ele toma essa proposta como ponto de partida, e apenas isso, para desenvolver um modelo intelectual próprio que, em múltiplos aspectos, se afasta da referência original." (ESTEVES, João Pissarra. Niklos Luhmann - uma apresentação). Outra referência obrigatória de menção são os trabalhos dos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, que revolucionaram as Ciências Biológicas com sua Teoria Autopoiética. Através de pesquisas neurofisicas. perceberam que um sistema vivo é dotado de um circuito interno que permite uma interação fechada de seus elementos constituintes, possibilitando sua autoorganização e a autoprodução dos elementos que constituem o mesmo sistema. Com isso, "o sistema interage com seu ambiente, mantendo um processo de acoplamento, através de uma espécie de decodificaçâo das irritações causadas pelo ambiente, efetuadas mediante a utilização de suas próprias interações internas, circularmente organizadas em resposta ao ruído externo (order from noise) e operacionalmente fechado" (CARVALHO, Délton Winter de, O direito como um sistema socialautopoiético: autorreferència, circularidade e paradoxos da teoria e prática do direito, p. 04). 161. LUHMANN, Niklas. Elderecho de lasociedad. Ver também QUINAUD PEDRON, Flávio.A função dos tribunais consti­ tucionais para a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. 162. Ê bom que se diga que, para Luhmann, o sistema jurídico é simultaneamente aberto em termos cognitivos e fechado em termos operativos (ponto de vista operacional). Assim, o sistema jurídico é um só, pouco impor tando se as cadeias normativas sào variadas e podem ser produzidas em diferentes contextos. Essa unidade do sistema decorre de sua especialização funcional (do direito). 163. Conforme Rafaele Di Giorgr O sistema da sociedade moderna é diferenciado em sistemas especificados segun­ do a função. Cada um dos sistemas satisfaz a própria função e não pode ser substituído por outro. Dai brotam problemas relativos ao fechamento dos sistemas parciais e às prestações que eles oferecem aos outros sistemas sociais. Fechamento de um sistema significa que, aos estímulos ou aos distúrbios que provenham do ambiente,

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ele faz uso de uma diferenciação binária funcional, que separa o sistema de seu ambiente (por exemplo, a identificação da dupla direito/nâo direito).

Mas, para que isso funcione no nível da sociedade, assistiremos a determina­ dos fenômenos que provocam uma "irritação" mútua entre dois sistemas sociais, sendo lido por cada um, à luz de seu código - e por isso, diferentemente. A isso, Luhmann chama de acoplamento estrutural. É sob esse prisma que a Constituição será compreendida. Funcionalmente, en­ tão, a Constituição é o produto de um acoplamento estrutural entre os sistemas do Direito e da Política.’64

Ao Direito, cabe estabilizar expectativas sociais de comportamento, ou seja, diante de um futuro incerto, a ordem jurídica estabelece condutas que serão espe­ radas por todos os seus demais membros, forjando uma ideia de previsibilidade. Todavia, tal relação que se estabelece entre mudança social e expectativas de com­ portamento se dá de modo idealizado (contrafático).’65 É justamente nesse ponto que decorre a necessidade de o Direito "irritar" a Política e vice-versa, permitindo uma separação mútua. De um lado, o Direito pa­ rece depender da Política para dotar de legitimidade suas normas, já que esta faz uso do poder para garantir acatamento social a suas determinações, e com isso, permitir estabilizações. De outro, a Política se utiliza do Direito para diversificar o uso do poder politicamente concentrado.’66

Todavia, isso não leva à confusão entre ambos os sistemas sociais, ficando intacta a divisão funcional. A Política, distintamente do Direito, faz uso do meio do poder, de modo que o poder político se articule como um poder indicativo superior que ameaça com seu caráter obrigatório. Mas onde entra a preocupação sociológica com relação à Constituição? Para Giancarlo Corsi - discípulo de Luhmann se perguntarmos aos juristas o que é a "Consti­ tuição", encontraremos respostas bastante heterogêneas, mas que compartilham da ideia de que a Constituição é importante, sobretudo, porque marca a imposição do Direito positivo sobre o Direito natural, e também porque é universal: nisso se en­ contra sua novidade e sua ruptura com as representações normativas do passado.16' Sob um olhar histórico das Revoluções Francesa e Norte-Americana, Luhmann conclui que é na figura da Constituição que se dá a total separação de ambos os164 167 166 165

164. 165. 166. 167.

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o sistema só reage entrando em contato consigo mesmo, ativando operações internas acionadas a partir dos elementos que constituem o próprio sistema. Disso resulta a autorreferència e a autopoiese do sistema: o sis­ tema produz e reproduz os elementos dos quais é constituído, mediante os elementos que o constituem." Dl GIORGI, 2000, p. 199. Ver 1) LUHMANN, Niklas, La Cosfrtuzione come acquisizione evolutiva; e 2) LUHMANN, Niklas, Elderecho de Ia socie dad. LUHMANN, Niklas, El derecho de Ia sociedad, p. 187. LUHMANN, Niklas, Elderechode Ia sociedad, p. 207-208. CORSI, Giancarlo, Sociologia da Constituição, p. 171.

Conceito e classificações das Constituições

sistemas quanto às suas funções e, simultaneamente, a consequente necessidade de uma religação entre eles.’68 [Por] "acoplamento estrutural de direito e política", entendendo-se esses como dois diferentes subsistemas da sociedade atual. Com essa formulação - muito abstrata, como sempre quando se trata da teoria dos sistemas - pretende se descrever a situação na qual dois sistemas são completamente autônomos e, mediante uma estrutura comum (no caso, a Constituição), especificam, de modo extremamente circunscrito e seletivo, as possibilidades de "se irritarem" reciprocamente; no nosso caso, basta pensar na legislação como constante fator de irritação do Direito por parte da Política. Diversamente do que pode parecer à primeira vista, portanto, a invenção da Constituição é, sobretudo, uma reação à diferenciação (moderna) entre Direito e Política e uma tentativa de resolver (ou esconder!) os seus problemas: o problema da soberania popu­ lar e o problema da positivação (autodeterminação) do Direito.’69

A Constituição passa a ser o vetor de ordenação do código direito/não direito e, com isso, atua para a fundação da validade do direito. Isso quer dizer que a ideia moderna de Constituição permite ao Direito a sua autofundação, sem que tenha de apelar para elementos externos ao próprio Direito - como acontecia com a tradição do Direito Natural. Assim, o Direito, por meio da Constituição, fecha-se com relação ao seu ambiente.

Já no sistema da política, fenômeno similar acontece: a Constituição funciona como elemento legitimizador da vontade política, justificando-a e desamarrando-a da vinculação a fundamentos éticos, religiosos, morais, econômicos etc.'70

Em resumo, para Luhmann, a Constituição é um elemento funcional na estrutu­ ração tanto do sistema jurídico quanto do sistema político. Todavia, tal comunhão não significa que ambos a compreendam com o mesmo significado. Para a Política, a Constituição é instrumento de legitimação da vontade soberana. Para o Direito, a Constituição é elemento de fundação das suas normas, sem recurso a um suposto Direito natural.

7.3. A Constituição na Teoria Discursiva do Direito e do Estado Democrático de Direito de Jürgen Habermas A percepção, para a Teoria Discursiva do Direito e da Democracia, de J. Haber­ mas, sobre o que seja a Constituição, não se encontra sistematizada em uma única obra, mas somente pode ser compreendida adequadamente pela leitura de suas obras, principalmente a primeira edição datada de 1994, Fahtizitat und Geltung(cuja tradução para 0 português, poderia ser Fcicticidade e validez).'7’

168. 169. 170. 171.

LUHMANN, Niklas, La Costituzione come acquisizione evolutiva. CORSI, Giancarlo, Sociologia da Constituição, p. 172-173. LUHMANN, Niklas, La Costituzionecome acquisizioneevolutiva. Apesar de haver uma tradução para o português da referida obra, sob o titulo de Direito e democracia (1997), é explícita nossa preferência quanto ás versões para o espanhol de Jiménez Redondo (1998) e para o inglês de

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Todavia, para que se possa compreender bem a noção habermasiana de Cons­ tituição, mister se faz compreender sob que ótica o autor alemão enxerga o Direito. Como já afirmado, a partir de 1994, Habermas, alterando a posição anteriormente esboçada na sua obra magna, a Teoria da ação comunicativa,72 passa a compreen­ der 0 Direito como um importante componente da vida em sociedade. Isso porque o Direito torna-se um componente do mundo da vida (pano de fundo posto a todos os atores sociais, responsável por nos fornecer uma sensação de previsibilidade e segurança), coordenando os sistemas da Política e da Economia. Além disso, 0 Direito é responsável por direcionar a solidariedade social para um nível pós tradicional pela identificação dos destinatários das normas com os seus coautores.73 A Constituição, então, como cerne do Direito, representa, de um lado, um nor­ te normativo por meio de princípios de liberdade e de igualdade e, de outro, as balizas para 0 sistema político que passa a respeitar a legitimidade discursiva e a democracia participativa.7'1

Para tanto, Habermas desenvolve a noção de sistema de direitos como condição estruturante da validade das normas constitucionais. Tomando por base 0 princípio do discurso - que pergunta sobre a possibilidade de universalização de um determi­ nado interesse, de modo que sua pretensão possa ser passível de aceitação e reco­ nhecimento pelos seus afetados em qualquer tempo e contexto espacial - Habermas desenvolve 0 princípio discursivo democrático, que visa explicar 0 sentido da prática da autodeterminação dos membros de uma comunidade jurídica - estabelecida livre­ mente - que reconhece seus membros como parceiros livres e iguais.75

Rehg (1996), por considerá-las mais adequadas e mais fiéis ao pensamento habermasiano. 172. Isso significa que seu pensamento pretérito compreendia o Direito por um prisma mais estreito, segundo o qual este apenas podería ser avaliado como um meio para se instrumentalizar a Economia e a Política, como acon­ teceria, supostamente, com o Direito Civil, o Direito Empresarial e o Direito Econômico, por exemplo; ou como instituição, e. portanto, subordinado à Moral, permitindo que o Direito funcione como um reforço moral por meio de sua natureza coercitiva (Direito Constitucional, Direito Penal etc.) e, assim, contribuindo para manutenção da ordem social, mantendo-a coesa. 173. “O papel principal do Direito no que se refere à integração social se deve ao fato de que o risco do dissenso resta neutralizado agora não mais por uma autoridade sacra ou por instituições fortes que mantinham fora do criticável determinados conteúdos axiológicos e deontológicos. O posto de centralidade do Direito se deve a uma limitação na medida em que a validade das normas não pode ser questionada quando de uma pretensão individual orientada ao êxito. O Direito legítimo é coercitivo e esta coercibilidade possível reflete a aceitabilidade racional e não questionabilidade da validade desse fato - cisão entre facticidade e validade. Do contrário, o risco de dissenso estaria absurdamente largado, o que colocaria em risco a própria solidariedade social garantida, em última instância, pela ação comunicativa que. assim, fica aliviada de buscar soluções orientadas ao entendimento.“CHAMON JÚNIOR, Lúcio Antônio, Filosofia do direito na alta modernidade, p. 236. 174. SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo de, Poder constituinte e patriotismo constitucional, p. 67. "Nesse sentido, presente se faz o aspecto performativo do 'principio da democracia', que permite transformar os destinatários das normas jurídicas em seus autores, fazendo com que os indivíduos possam usufruir, da melhor maneira possível, suas liberdades subjetivas e suas liberdades comunicacionais." (Idem, p. 67). 175. HABERMAS, Jürgen. Facticidady validez. sobre el derecho y el estado democrático de derecho en términos de teoria dei discurso, p. 175. Deve ser destacado que o princípio democrático não busca um conteúdo a priori ás questões quando são propostas, mas, sim, dizer como podem a formação da opinião e da vontade serem

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0 sistema de direitos, então, é responsável por garantir aos indivíduos deter­ minadas liberdades subjetivas de ação a partir das quais podem agir em confor­ midade com seus próprios interesses - é o que se chama de autonomia privada1’5 - "liberando" esses indivíduos da pressão inerente à ação comunicativa. Em con­ trapartida, o princípio discursivo democrático compreende a autonomia pública a partir da ótica da garantia de legitimidade do procedimento legislativo por meio de iguais direitos de comunicação e de participação. Trata-se do fato de que os sujeitos de direito têm de se reconhecer como autores das normas às quais se submetem. Explicando melhor essa noção, tem-se que a reconstrução da noção de autonomia leva Habermas a afirmar que os indivíduos, como sujeitos de direito, devem, ao mesmo tempo, sempre ser autores e destinatários do Direito por eles produzidos. É, então, a partir dessa consciência de cooriginalidade entre autonomias pú­ blica e privada que os cidadãos, ao constituírem seu sistema de direitos, devem criar uma "ordem" que preveja a qualquer membro (seja atual, seja futuro) dessa comunidade uma série de direitos subjetivos, iniciando por três categorias: (i) Direitos fundamentais (de conteúdo concreto variável), que resultam da con­ figuração autônoma do direito, que prevê a maior medida possível de liberda­ des subjetivas de ação para cada um. (ii) Direitos fundamentais (de conteúdo concreto variável), que resultam da configuração autônoma do status de mem­ bro de uma associação livre de parceiros do direito, (iii) Direitos fundamentais (de conteúdo concreto variável), que resultam da configuração autônoma do igual direito de proteção individual, portanto da reclamabilidade de direitos subjetivos.1"

Essas três categorias decorrem de um resultado direto da aplicação do princí­ pio do discurso ao meio do Direito; estão associadas às condições de "socialização horizontal" produzidas pelo Direito. Assim, não podem ser compreendidas como os clássicos direitos liberais de defesa, uma vez que regulam apenas relações entre concidadãos livremente associados anteriormente a qualquer organização estatal. A função básica, desses direitos, então, é a garantia da autonomia privada dos su­ jeitos de direito, mas apenas à medida que se reconhecem mutuamente como des­ tinatários das leis, levantando um status que lhes possibilita a pretensão de obter direitos e de fazê-los valer reciprocamente. Somente no passo seguinte é que esses sujeitos de direito assumem o papel de autores de sua ordem jurídica. Uma vez que pretendem fundar uma associação de cidadãos que se dão a si mesmos suas leis, eles tomam consciência de que necessitam de uma quar­ ta categoria de direitos que lhes permita reconhecerem-se mutuamente, não

institucionalizados por um sistema de direitos capaz de assegurara participação no processo legislativo em con dições de igualdade. 176. HABERMAS, Jürgen, O estado democrático de direito - uma amarração paradoxal de princípios contraditórios?, p. 168. 177. HABERMAS, Jürgen, O estado democrático de direito - uma amarração paradoxal de princípios contraditórios?, p. 169.

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Bernardo Gonçalves Fernandes somente como autores desses direitos, mas também como autores do direi­ to em geral. Se quiserem continuar mantendo um aspecto importante de sua prática atual, a autonomia, eles têm que se autotransformar, pelo caminho da introdução de direitos fundamentais políticos, em legisladores políticos. Se, as primeiras três categorias de direitos fundamentais, não poderíam existir nada parecido com o direito, porém, sem uma configuração política dessas catego­ rias, o direito não poderia adquirir conteúdos concretos.1'8

Nessa quarta categoria, encontram-se os "(iv) Direitos fundamentais (de con­ teúdo concreto variável), que resultam da configuração autônoma do direito para uma participação, em igualdade de condições, na legislação política".178 179 Assim, para que os membros de uma dada comunidade possam atribuir reciprocamente direi­ tos subjetivos de maneira legítima, necessitam da institucionalização de procedi­ mentos de produção desse Direito, que pressupõe o reconhecimento mútuo como pessoas livres e iguais. Resta, todavia, mais uma categoria de direitos, que são: (v) Direitos fundamen­ tais "[...] ao provimento do bem-estar e da segurança sociais, à proteção contra ris­ cos sociais e tecnológicos, bem como ao provimento de condições ecologicamente não danificadas de vida e, quando necessário, sob as condições prevalecentes, o direito de igual oportunidade de exercício dos outros direitos elencados."180181

Nesse prisma, a Constituição é condição recíproca para o exercício da sobera­ nia popular e dos direitos fundamentais, no momento em que passa a instituciona­ lizar o sistema de direitos - o conjunto de direitos (fundamentais) que os membros de uma comunidade atribuem-se reciprocamente quando decidem regular legitima­ mente sua convivência por meio do Direito Positivo.18'

178. HABERMAS, Jürgen, O estado democrático de direito - uma amarração paradoxal de princípios contraditórios?, p. 169. 179. HABERMAS, Jürgen, O estado democrático de direito - uma amarração paradoxal de princípios contraditórios?, p. 169. 180. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade, Direito constitucional, p. 72. 181. Conforme preleciona Habermas: "Se sob condições de um mais ou menos estabilizado compromisso relativo ao Estado de Bem-Estar Social, quer-se sustentar não somente um Estado de Direito mas também um Estado De­ mocrático de Direito, e, assim, a ideia de auto-organização da comunidade jurídica, então não se pode manter a visão liberal de constituição como uma ordem-quadro que regule essencialmente a relação entre administração e cidadãos. O poder econômico e a pressão social necessitam ser conformados pelos meios do Estado de Direi­ to não menos que o poder administrativo. Por outro lado, sob as condições de pluralismo societário e cultural, a Constituição deve também não ser concebida como uma ordem jurídica concreta que imponha aprioristicamente uma forma de vida total à sociedade. Ao contrário, a Constituição estabelece procedimentos políticos de acordo com os quais os cidadãos possam, no exercício de seu direito de autodeterminação, com sucesso, buscar realizar o projeto cooperativo de estabelecer justas (i.e. relativamente mais justas) condições de vida. Somente as condições procedimentais da gênese democrática das leis asseguram a legitimidade do Direito promulgado.” HABERMAS, Jürgen, Facticidad y valider. sobre el derecho y el estado democrático de derecho en términos de teoria dei discurso, p. 163. Importante, então, observar que a crítica de Michelman (Brennan and Dernocracy) a Habermas - no sentido de afirmar um paradoxo entre Estado de Direito e Democracia, o que provocaria um regresso ao infinito, já que a Assembléia Constituinte não poderia avocar legitimidade democrática das normas que ela mesma criou. Em resposta, □ autor alemão (0 estado democrático de direito - uma amarração paradoxal de princípios contraditórios?) argumenta que tal regresso pode ser mais bem compreendido no sentido não de um círculo vicioso, mas antes hermenêutico, como uma abertura para o futuro, a partir da ideia de um projeto a

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assificações das

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7.4. O Constitucionalismo Abusivo de David Landau A concepção cie constitucionalismo abusivo foi desenvolvida por David Landau. Ele define essa forma de constitucionalismo como o uso de institutos de origem democrática para minar ou mesmo ceifar o espaço do pluralismo num determinado país. 0 objetivo do autor é mostrar que mecanismos formais e institucionais de mu­ dança constitucional podem minar e usurpar a democracia.’82 Assim sendo, o fenômeno do "Constitucionalismo Abusivo" vai muito além dos comuns regimes autoritários, cuja inconstitucionalidade é clara (salta aos olhos), porquanto sua subsistência reside nas entranhas de suas cartas magnas, cujos me­ canismos ordinários de defesa para combatê-lo são praticamente ineficazes. Exem­ plos de constitucionalismo abusivo vêm de diferentes partes do mundo, mas a América Latina parece ser campo fértil para o seu desenvolvimento.

Aqui é interessante salientar que, na maioria dos países da América Latina, a ditadura militar esteve presente nas décadas de 6o em diante do século XX. E em­ bora em alguns casos os regimes autocráticos buscassem a legitimação legal de suas ações, os golpes militares foram geralmente feitos em desafio à ordem constitucio­ nal existente. Ou seja, observamos em regra uma ruptura institucional muito clara. Contudo, para a tese do constitucionalismo abusivo, os golpes militares deixa­ ram de ser um método comum de supressão da ordem democrática. Nesse sentido, atualmente é crescente a instituição de regimes autoritários ou semiautoritários por meio do uso de ferramentas constitucionais. Assim, presidentes autoritários e par­ tidos fortes eleitos em eleições válidas e democráticas podem promover mudanças constitucionais de forma a torná-los muito difíceis de substituir e de serem contro­ lados pelos outros poderes.182 183

ser enfrentado por diversas gerações, que assumirão a tarefa de atualizar a substância normativa do sistema de direitos estatuído pela Constituição. Para mais detalhes ver CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Poder consti­ tuinte epatriotismo constitucional, p. 35-39. Devemos, portanto, lembrar - já que parece passar despercebido aos autores ligados à tradição do Comunitarismo - que em Habermas (A inclusão do outro, p. 307) a ideia de “política deliberativa" adquire uma percepção muito mais drá/óg/co que instrumento/. 182. LANDAU, David. Abusive constitutionalism. UC Davis Law Review, Estados Unidos, v. 47, n. 1, p. 189-260, nov. 2013. O Constitucionalismo Abusivo é descrito pela literatura especializada como utilização indevida de mecanismos do direito constitucional para atacar e minar as estruturas da democracia constitucional e das bases filosóficas do constitucionalismo. Há duas formas principais de emprego da categoria constitucionalismo abusivo para compreender práticas e realidades constitucionais: a) frequente e reiterado uso de emendas à constituição e criação de novos documentos constitucionais com intuito de manter um grupo social e político no poder com destruição dos elementos centrais da democracia constitucional, designando esse modalidade como constitu­ cionalismo abusivo estrutural, e b) utilização de alguns institutos e técnicas constitucionais em desacordo com as diretrizes da democracia constitucional, consistindo esse fenômeno no constitucionalismo abusivo episódico. Apesar da existência de hiperpresidencialismo no Brasil, os mecanismos de accountability horizontal como do Poder Judiciário sobre o Executivo e o Legislativo, não permitem a classificação como constitucionalismo abusivo estrutural, mas existem fenômenos de constitucionalismo abusivo episódico e preocupantes. Barboza, E„ & Filho, I. (2019). Constitucionalismo Abusivo. Revista Brasileira De Direitos Fundamentais & Justiça, 12(39), 79-97. https:// doi.org/10.30899/dfj.v 12Í39.641. 183. LANDAU, David. Abusive constitutionalism. UC Davis Law Review, Estados Unidos, v. 47, n. 1, p. 189-260, nov. 2013.

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As "autocracias eleitorais" ou os "regimes híbridos" são aqueles observados em países nos quais geralmente o constitucionalismo assume um feitio abusivo. Nes­ ses termos, eles costumam satisfazer a comunidade internacional, uma vez que são democráticos o suficiente para não apontá-los em seu radar. Isso porque eleições são realizadas e não são meras aparências, quer dizer, há competitividade eleitoral a ponto de o partido/candidato da oposição ocasionalmente até ganhar. Ao mesmo tempo, contudo, há um enfraquecimento de várias instituições que deveríam estar fiscalizando o poder executivo, tornando-as praticamente inexpressivas ou então suas correligionárias.'84

Nesses termos, David Landau afirma que determinadas cláusulas são efetivas em detectar golpes militares tradicionais, que são abertamente inconstitucionais, mas muito menos efetivos em detectar o constitucionalismo abusivo, que utiliza meio que são tanto constitucionais ou então ambiguamente constitucionais.’85 7.5. A sociedade aberta de intérpretes da Constituição de Peter Haberle: Consti­ tuição como cultura e processo público

Na perspectiva de Peter Haberle, a assunção de uma perspectiva de um Estado Democrático de Direito, bem como de uma Hermenêutica Constitucional adequada, que visa à autocompreensão da Constituição, mostram-se como inadequadas se forem construídas (forjadas) tendo como destinatárias uma sociedade fechada de intérpretes184 186 - que, segundo o autor, estaria preocupada e, sobretudo, direcionada 185 à interpretação (constitucional) dada (apenas) pelos magistrados (principalmente os membros dos Tribunais e das Cortes Constitucionais). Ora, Estado Democrático de Direito impõe uma nova tônica como paradigma constitucional e, por isso, sua preocupação transborda além das paredes dos tri­ bunais. Ele se assume como referencial teórico para pensar uma sociedade plura­ lista, hipercomplexa, dotada em seu interior de diversos projetos de vida. Sob tal prisma, levanta exigências de uma sociedade aberta de intérpretes, na qual cada sujeito é destinatário da norma constitucional e igualmente o seu intérprete, em um

184. Kanegae, Kenji Nog uei ra. Constitucionalismo abusivo ou constituição sem constitucionalismo. Nesses termos: A va ler, princípios como a dignidade humana, igualdade racial ou a livre iniciativa, certamente permanecerão intactos ou até mesmo enaltecidos no constitucionalismo abusivo, sob pena de perder a sua feição democrática, inclusive, nesses países geralmente há um alto índice de aprovação popular, uma das principais "ferramentas" utilizadas pelos diri­ gentes políticos para legitimar o seu poder. Se assim não o fosse, alguns mecanismos criados para o embate contra regimes autoritários se revelariam eficazes contra o constitucionalismo abusivo, tais como, o conceito de “democracia militante" da Alemanha pós nazista em que é possível o banimento de partidos totalitários antes que tenham a chance de crescimento e ganhem poder dentro do sistema político, bem como os chamadas "cláusulas democráticas", onde países com práticas antidemocráticas podem sofrer sanções de organismos internacionais, tal como a exclusão da Venezuela do bloco Mercosul no ano passado por práticas abusivas do governo de NICOLAS MÁDURO e o “desrespeito à separação de poderes", 185. LANDAU, David. Abusiveconstitutionalism. UC Davis Law Review, Estados Unidos, v. 47, n. 1, p. 189-260, nov. 2013 186. HABERLE, Peter, Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição - a contribuição para a interpretação pluralista e"procedinnental"da Constituição.

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Conceito e classificações oas Constituições

processo ativo de construção do seu sentido. Conforme a doutrina: "Sem prejuízo da precedência que atribui à jurisdição constitucional - até porque reconhece que a ela compete dar a última palavra sobre a interpretação - Haberle afirma que devem ser reconhecidos como igualmente legitimados a interpretar a Constituição os seguintes indivíduos e grupos sociais: 1) o recorrente e o recorrido, no recurso constitucional, como agentes que justificam a sua pretensão e obrigam o Tribunal Constitucional a tomar uma posição ou a assumir um diálogo jurídico; 2) outros par­ ticipantes do processo, que têm direito de manifestação ou de integração à lide, ou que são convocados, eventualmente, pela própria Corte; 3) os órgãos e entidades estatais, assim como os funcionários públicos, agentes políticos ou não, nas suas esferas de decisão; 4) os pareceristas ou experts; 5) os peritos e representantes de interesses, que atuam nos tribunais; 6) os partidos políticos e frações parlamenta­ res, no processo de escolha dos juizes das cortes constitucionais; 7) os grupos de pressão organizados; 8) os requerentes ou partes nos procedimentos administrati­ vos de caráter participativo; 9) a mídia, em geral, imprensa, rádio e televisão; io) a opinião pública democrática e pluralista, e o processo político; 11) os partidos políticos fora do seu âmbito de atuação organizada; 12) as escolas da comunidade e as associações de pais; 13) as igrejas e as organizações religiosas; 14) os jornalistas, professores, cientistas e artistas; 15) a doutrina constitucional, por sua própria atua­ ção e por tematizar a participação de outras forças produtoras de interpretação."’87

Logo, 0 mérito de Haberle está em nos lembrar que a interpretação constitucio­ nal não pode mais ser balizada nas atividades estatais exclusivamente, mas deve criar condições de abertura para penetração de um fluxo interpretativo que provém da sociedade civil.187 188 0 juiz constitucional, adverte 0 autor alemão, apesar de intér­ prete oficial, tem sempre que ter em mente que sua interpretação tem de encontrar (na medida do possível) correspondência com os demais intérpretes situados na sociedade aberta, o que exigirá dele uma mudança metodológica e de postura, tam­ bém, levando em conta sempre a posição e argumentos dos sujeitos envolvidos.189

187. COELHO, Inocêncio Mártires, Konrad Hesse/Peter Haberle: um retorno aos fatores reais de poder, p. 6. 188. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 225-226. 189. Triste é, todavia, o fato de. principalmente, os juizes dos Tribunais Superiores brasileiros ainda virarem as costas para tal compreensão, mantendo autoritariamente e à revelia da Constituição posturas fechadas de interpreta çâo que levam em conta apenas o seu posicionamento pessoal, justificadas mais por discursos de autoridade do que por razões jurídicas. Ver, por exemplo, os seguintes votos: 1) do Min. Humberto Gomes de Barros, do 5TJ, no AgReg em ERESP n° 279.889-AL: "Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecera doutri­ na de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saberjurídico- uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja"(grifosnossos); e 2) do Min. Eros Grau na Reclamação n° 4.335-5/AC:"Sucede que estamos

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Por isso, podemos com Haberle dizer que a Constituição em si é aberta e ca­ rente de interpretações que devem se dar à luz de uma discussão pública.190 196 Adotar 195 194 193 192 191 uma postura contrária é, necessariamente, correr o risco de perder a racionalidade e a legitimidade da decisão, pondo em cheque a normatividade da própria Consti­ tuição.’91

Nesse sentido, Haberle desenvolve sua concepção de Constituição aberta em uma sociedade aberta entendendo-a como um processo cultural”2 no qual temos uma tensão entre o passado e o futuro que se reproduz cotidianamente no con­ texto social de um povo concreto.”3 Conforme abalizada doutrina: "A Constituição, para Haberle, não se limita a ser apenas um compêndio de normas de conteúdo pré-determinado, seja pela história, seja por decisão do constituinte. Tampouco começa do zero. Ela é um processo que recebe do passado certas orientações e projeta alternativas para o futuro. Compreende, assim, a expressão de um certo grau de desenvolvimento cultural, um meio de autorrepresentação própria de todo um povo, espelho de seu legado cultural e fundamento de suas esperanças e dese­ jos. É a síntese da tradição, da cultura, das experiências históricas, bem como das esperanças, possibilidades reais e de configuração futura, viabilizadora de que os textos clássicos, os discursos presidenciais, os votos dos magistrados do tribunal da jurisdição constitucional, até os trabalhos artísticos e científicos cristalizem os valores culturais. É a catálise de posteriores desenvolvimentos dos textos normati­ vos positivos."”4 Nesse sentido, a Constituição não pode ser meramente entendida como o documento escrito (eixo”9), pois, a rigor, ela seria um "processo público" (aberto) "de interpretação" cotidiana do texto à luz dos contextos que permeiam as especificidades individuais e sociais.”6

190.

191. 192. 193.

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aqui não para caminhar seguindo os passos da doutrina, mas para produzir o direito e reproduzir o ordenamento. Ela nos acompanhará, a doutrina. Prontamente ou com alguma relutância. Mas sempre nos acompanhará, se nos mantivermos fiéis ao compromisso de que se nutre a nossa legitimidade, o compromisso de guardarmos a Constituição. O discurso da doutrina [= discurso sobre o direito] é caudatário do nosso discurso, o discurso do direito. Ele nos seguirá; não o inverso." MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocéncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, Curso de direito constitucio­ nal, p. 7-8. Exemplos interessantes da perspectiva de uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição positiva­ dos em nosso ordenamento, podem ser observados nos arts. 7°§ 2" (amicus curiae) e 9° da Lei n° 9.868/99. COELHO, Inocéncio Mártires, Konrad Hesse/PeterHaberle: um retorno aos fatores reais de poder. Podemos observar que sua tese guarda intima conexão com a perspectiva culturalista aqui já trabalhada. Nesse sentido:' [...] a Constituição é sempre de um povo concreto e de uma cultura específica, por mais que os textos possam se equivaler. A constituição não é, portanto, reserva do jurista, mas um fio condutor para o uso de todos os cidadãos." (SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 28). (SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 27). Nesses moldes, a Constituição escrita seria uma guia para a Constituição (intitulada) processo, instituindo garan­ tias para ela, como: respeito às minorias, liberdade de expressão, pressupostos processuais etc. SAMPAIO. José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 27. Interessante é a conclusão de José Adércio: O procedimentalismo constitucional, no passo de Haberle, refere-se à Constituição como um conjunto de regras do processo de decisão política ou das formas de competição por programas sociais e políticos (Haus oder fórum). A doutrina de Haberle, além do ideário procedí mentalista, trouxe para o centro do debate constitucional o projeto popperiano de uma sociedade aberta. (SAMPAIO, José Adércio Leite. Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 28). Nesses termos, é importante registrar a crítica de Pablo Lucas Verdú ao posicionamento de Haberle. Este entende que o maniqueísmo que se apresenta na teoria critica

Conceito e classificações das Constituições

7.6. A força normativa da Constituição e a Constituição aberta de Konrad Hesse Em um famoso texto, o professor alemão Konrad Hesse pretendeu apresentar uma digressão sobre os problemas que parecem separar de modo abissal realida­ de e norma constitucional,’97 entrando, portanto, em franco debate com a tradição de pensamento que remonta às idéias de Lassalle. Partindo desse ponto, reconhecerá que a Constituição deve ser compreendida como ordem jurídica fundamental de uma sociedade, que se estrutura a partir de certos princípios fundamentais.”8 Logo, ao se falar em sua concretização, levantam-se exigências no sentido de: (1) fixar princípios diretores que conduzam à ideia de unidade política e de desenvolvimento estatal; (2) fixar procedimentos capazes de solucionar controvérsias internas à comunidade; (3) fixar uma disciplina de organi­ zação e de formação da unidade política e da atuação estatal; e (4) criar as bases dos princípios componentes da ordem jurídica.1" Com isso, Hesse busca se contrapor às teses mecanicistas, preferindo uma abordagem dialética que reafirme 0 caráter normativo da Constituição (como vontade normativa abstrata de uma comunidade).197 200 Logo, mesmo acabando por 199 198 reconhecer 0 significado dos fatores históricos, políticos e sociais para a força normativa da Constituição, 0 autor alemão irá enfatizar esse aspecto da vontade de Constituição.

É a partir de tal prisma que Hesse busca conciliar realidade e normatividade constitucionais. Sem virar as costas para a realidade histórica-política, a Constitui ção não pode perder sua natureza deontológica (ligada ao dever-ser). E, para que haja tal vontade de se cumprir a Constituição, três elementos devem ser obser­ vados:201 (1) "compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja 0 Estado contra 0 arbítrio desmedido e uniforme"; (2) "na compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem

197. 198. 199. 200.

201.

de Popper e, segundo ele, de Hãberle, entre abertura-perfeição e fechamento-imperfeição é um radicalismo ina­ dequado. Para o professor espanhol nenhuma Constituição, bem como nenhuma sociedade, é exclusivamente fechada ou exclusiva mente aberta. (SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 29). Ver também VERDÚ, Pablo Lucas, La Constitución abiertay sus enemigos. Madrid, 1993. Nesse ponto discorda mos de Verdú, pois acreditamos que Hãberle, no desenvolvimento (e na ênfase) da tese da Constituição como um processo público aberto, não retira a possibilidade de garantia de direitos (processuais e fundamentais) inarredáveis até mesmo para que a abertura seja viável e não meramente uma utopia ou mesmo uma panaceia. Ou­ tras criticas às posições de Hãberle podem ser encontradas em CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Constituição dirigente e vinculação do legislador, contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. HESSE, Konrad, A força normativa da Constituição. HESSE, Konrad, Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 37. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional, p. 11. Para Inocêncio Coelho (Konrad Hesse/Peter Hãberle: um retorno aos fatores reais de poder, p. 4-5), tal postura destaca uma compreensão deontológica da Constituição, que se destaca muitas vezes como divergente na tradi­ ção do constitucionalismo alemão, tão afeito a posturas axiolõgicas - que identificam normas a valores, submetendo-as a cálculos utilitaristas de custo-beneficio, como faz Robert Alexy (ALEXY, Robert, Teoria de los derechos fundamentales). HESSE, Konrad, A força normativa da Constituição, p. 19-20.

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legitimada pelos fatos (e que, por isso, necessita de estar em constante processo de legitimação)”; e (3) "consciência de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não logra ser eficaz sem 0 concurso da vontade hu­ mana. Essa ordem adquire e mantém sua vigência através de atos de vontade. Essa vontade tem consequência porque a vida do Estado, tal como a vida humana, não está abandonada à ação surda de forças aparentemente inelutáveis. Ao contrário, todos nós estamos permanentemente convocados a dar conformação à vida do Estado, assumindo e resolvendo as tarefas por ele colocadas. Não perceber esse aspecto da vida do Estado representaria um perigoso empobrecimento de nosso pensamento. Não abarcaríamos a totalidade desse fenômeno e sua integral e sin­ gular natureza. Essa natureza apresenta-se não apenas como problema decorrente dessas circunstâncias inelutáveis, mas também como problema de determinado ordenamento, isto é, como um problema normativo." É, portanto, tarefa delegada ao Direito Constitucional a manutenção de sua for­ ça normativa, evitando que questões constitucionais sejam confundidas e diluídas em questões políticas.302 Para tal é necessário a já citada "vontade de constituição" (Wille zur Verfassung) ou aquilo que 0 jurista espanhol Pablo Lucas Verdú chamou de "sentimento de constituição".

É importante afirmar que Konrad Hesse, além da tese da força normativa da Constituição, desenvolveu, conjuntamente, a defesa da abertura constitucional. Nesses termos, a Constituição adequada é aquela na qual projetos alternativos de vida fossem capazes de conviver sem sucumbirem, recebendo, portanto, a possibilidade efetiva de participarem com igualdade do jogo democrático. Porém, é mister salientar que a abertura não é ilimitada, pois a Constituição conforma o Estado a partir de regras e princípios que ela mesma estatui e que "não estão sujeitos a transações ou barganhas políticas (conteúdos constitucio­ nais não abertos)".20’ Assim, a teoria constitucional desenvolvida por Hesse objetiva se afastar de uma espécie de "totalitarismo constitucional" que consiste na "codificação global e detalhada das matérias constitucionais", mas ao mesmo tempo sua abertura e incompletude não se dissolvem numa "dinâmica total em que a constituição seja incapaz de orientar e ordenar a vida"304 da sociedade e do Estado, sendo, como já observado, assegurada sua força normativa. Concluímos afirmando que Hesse busca uma espécie de convívio ou coexistência entre os domínios abertos e não abertos, explicitando, portanto, que "uma Constituição, para ser duradoura, deve conciliar sua abertura ao tempo com sua estabilidade jurídica."’05202 205 204 203

202. 203. 204. 205.

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VIEIRA, lacyr de Aguilar, A essência do Constituição no pensamento de Lassalle e de Konrad Hesse, p. 10. SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, 2004, p. 27. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, 2008, p. 94. CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Curso de direito constitucional, 2008, p. 95.

Conceito e classificações oas Constituições

7.7. A Constituição simbólica de Marcelo Neves e as digressões sobre o trans­ constitucionalismo (Tese do Transconstitucionalismo)

Para a compreensão da constitucionalização simbólica, o jurista Marcelo Neves desenvolve um interessante percurso crítico e reflexivo. Primeiro, demarca o que significa o "simbólico", depois, trabalha a concepção de "legislação simbólica" no que tange à sua definição e à sua tipologia, para, logo em seguida, analisar a Cons­ tituição simbólica, bem como as implicações e consequências da "constitucionaliza ­ ção simbólica" para o sistema jurídico. Para o professor titular da UNB, o que significaria o termo simbólico? Após várias teorizações e concepções na filosofia, sociologia, antropologia e psicologia, Marcelo Neves delimita (embora reconhecendo a "vagueza" e "ambiguidade" do termo) que o simbólico pode ser traduzido como a dimensão em que o discurso conotativo é mais forte que discurso denotativo, ou seja, que o sentido manifesto, é menos relevante do que o sentido latente (a linguagem "manifesta" é mais frágil que a linguagem "latente"’”6). Após isso, afirma Marcelo Neves que praticamente todas as normas jurídicas são dotadas de um aporte de carga simbólica, ou seja, todo texto normativo em par­ te tem funções sabidamente simbólicas (de natureza político-simbólica) que convi­ vem com as funções de natureza normativo-jurídicas. Esse, inclusive, não é o proble­ ma, pois é até salutar, para Neves, esse convívio. 0 problema se coloca, justamente, quando há uma "hipertrofia" da função político-simbólica em detrimento da força normativo-jurídica do diploma legal, ou seja, a dimensão político simbólica prevale­ ce sobre a natureza jurídica-normativa própria do direito.307 Aqui, a advertência é a de que não ocorre apenas um alto grau de ineficácia jurídica (inefetividade social), mas, conjuntamente, também um alto grau de força simbólica (político-simbólica) Marcelo Neves elenca, então, uma "tipologia de legislações simbólicas", sendo elas: (í) Fórmula de compromisso dilatório: em um cenário de conflito social a le­ gislação surge em circunstâncias políticas, nas quais as partes envolvidas aprovam uma lei que sabidamente não resolvería o conflito, ou seja, sabidamente ineficaz para aquela querela. Com isso, protela-se a resolução do problema (adiamento da solução do conflito) e, consequentemente, temos que as condições não admitiam a força normativa da lei, mas mesmo assim ela é aprovada, porém, não advém dela um significado prático para a realidade jurídico social e a solução é transferida para o futuro"18; (2) Confirmação de valores sociais de um grupo (contra outro grupo ou206 208 207

206. Como exemplos: a) o do "carrasco" que enforca em praça pública; b) o da "democracia" vide: República Democrá­ tica da Alemanha (democrática?); c) República Popularda China (popular?). 207. NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 29-31. 208. O compromisso dilatório se mostra como medida de solução por meio de um ato legislativo aprovado consen­ sualmente por duas facções políticas opostas, no sentido não de apresentar um acordo quanto ao conteúdo do diploma normativo, mas, sim, em aceitar ambas que o conflito fique para ser resolvido em um futuro indeter­ minado. NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 41. Um exemplo é o de reconhecimento de direitos trabalhistas para empregadas domésticas na Noruega na década de 40 do século passado. Os socialistas eram a

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outros grupos): nesse caso, resta explícito que um grupo quer deixar assente que seus valores são mais relevantes (melhores, mais adequados, mais virtuosos) que os de outros grupos sociais (esses valores, então, vão funcionar como elementos influenciadores da atividade legiferante309); (3) Legislação-álibi: ocorre quando 0 Es­ tado age para acalmar (em situações, por exemplo, de comoção pública, diante de um público aflito). Com isso, temos uma demonstração da capacidade de ação do Estado, no que se refere à solução de problemas sociais. Aqui, temos um papel tranquilizador, porém, sem significado prático relevante209 210. É, então, característica da legislação simbólica sua ineficácia. Mas este não é seu problema principal, mas, sim, a sua falta de vigência social.211 Uma vez que a norma jurídica não apenas regula uma conduta, fixando uma direção para 0 agir, mas, ainda, visa assegurar expectativas de comportamento generalizáveis, a estru­ tura da legislação simbólica prejudica, principalmente, esse segundo prisma, já que deixa de ser levada como uma orientação normativa do agir, ou seja: a lei existe, fixa uma conduta, mas ninguém socialmente espera que tal conduta seja observada. Mas certo é que, se 0 problema da legislação simbólica é grave, mais grave é 0 problema da Constituição simbólica. Marcelo Neves, então, trabalha a passagem do fenômeno da legislação simbólica para 0 da constitucionalização simbólica. Ora, aqui, 0 problema é, justamente, 0 da maior abrangência, nos diversos âmbitos de vigência do direito que envolvem a Constituição, na medida em que a Constituição é fundamento de validade para as outras normas do ordenamento jurídico, e suas normas se "irradiam" por todo 0 sistema jurídico. É bom lembrar que, na análise da Constituição, Marcelo Neves faz uso da teoria luhmanniana, que compreende a Constituição como acoplamento estrutural entre os sistemas do direito e da política.

A discussão sobre a constituição simbólica tem lugar no debate entre norma e realidade constitucional. Por isso, a constituição simbólica, por um lado, revela um

favor e os liberais contra. Ambos responderam aos seus eleitores. A lei foi aprovada, mas as cláusulas sancionató rias para seu descumprimento eram impossíveis de serem aplicadas. Ou seja, ambos os partidos deram repostas aos seus eleitores. Restou claro o compromisso dilatórioe a questão foi transferida para o futuro. 209. As discussões em torno da Lei Seca, nos Estados Unidos, demonstram bem esta perspectiva. A proibição do consumo de bebidas alcoólicas não apresentava preocupação primordial com a eficácia dos efeitos instrumen­ tais da norma, mas, sim, em afirmar a supremacia dos valores compartilhados pela comunidade protestante - contrário ao consumo de álcool - em detrimento da comunidade católica - favorável ao seu uso (NEVES. Marcelo. A constitucionalização simbólica, p. 33-34). Aliás, diga-se: "nunca se bebeu tanto nos EUA como na época da Lei seca". 210. Aqui, não se está tratando da confirmação de valores de um grupo particular, mas da produção de confiança no público, por meio da criação de diplomas normativos que satisfaçam as expectativas de cidadãos, sem que haja o mínimo de condições reais de efetivação. Ou seja, o legislador usa estrategicamente da legislação para se ver livre das pressões políticas ou para forçar uma imagem de um Estado sensível e preocupado com exigência e expectativas provindas da sociedade civil (NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 36-37)."[...] no Brasil a partir das duas últimas décadas do século XX, a discussão em torno de uma legislação penal mais rigorosa apresenta-se como um álibi, uma vez que o problema não decorre da falta de legislação tipificadora, mas sim, fundamentalmente, da inexistência dos pressupostos socioeconômicos e políticos para a efetivação da legislação penal em vigor."NEVES, Marcelo, A constitucionalizaçãosimbólica, p. 38. 211. NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 51.

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Conceito e classificações das Constituições

aspecto negativo, que é, justamente, o seu déficit de concretização jurídico-normativa, o que leva à perda da capacidade da Constituição generalizar expectativas de comportamento - função própria do Direito.212 Por outro lado, acaba revelando também um aspecto positivo, no que concerne ao seu papel ideológico-político, o que faz com que a Constituição se transforme em uma instância reflexiva de um sistema jurídico, aproximando as expectativas sociais e canalizando argumentos em prol da formação de um consenso discursivo. 0 risco, contudo, é de que a constituição simbólica crie um simulacro de realidade, servindo para encobrir problemas sociais,213214 obstruindo possíveis tomadas de atitude políti­ cas que levariam a mudanças sociais.

Mas o desgaste do constitucionalismo simbólico, também, acaba servindo para a eclosão de movimentos sociais reformistas. Todavia, novamente, o elemento simbó­ lico também pode revelar outra face, a condução a uma apatia das massas sociais e ao fortalecimento de um cinismo por pane da elite política.

Ao final, a emergência de um constitucionalismo simbólico acaba por represen­ tar sobreposição do sistema político sobre o sistema jurídico.212

Sob tais luzes, a constitucionalização simbólica apresenta-se essencialmente no bloqueio político destrutivo que obstaculizaria a reprodução operacionalmente au­ tônoma do sistema jurídico, acarretando, assim, a perda da relevância normativo-jurídica dos textos constitucionais como elementos de orientação das expectativas normativas. Dito de outro modo, o sistema jurídico perdería sua capacidade de gerar seu próprio código, já que encontra na Constituição sua matriz geradora.215 Com tudo isso, o princípio da legalidade acaba por não se realizar de modo suficiente, e, consequentemente, perde-se a condição de manutenção de uma igualdade perante a lei - que, no máximo, transforma-se em figura retórica do discurso do poder. 0 interessante é que, com isso, a própria autonomia do sistema político é posta em xeque, tornando-a aberta e suscetível a influências imediatas de interesses particulares.216 Isso acaba por explicar por que no plano das práticas informais-já que desprovidas de um procedimento constitucional - irão imperar deturpações e corrupções.

Após as análises sobre a concepção do constitucionalismo simbólico, passa­ mos às digressões do que o professor Marcelo Neves, recentemente, em instigante obra, denominou de transconstitucionalismo. Ora, segundo o autor, o que seria esse (novo) fenômeno e como poderia ser caracterizado?

212. 213. 214. 215. 216.

NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 91. NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 98. NEVES, Marce\o, A constitucionalização simbólica, p. 148. NEVES, Marce\o, A constitucionalização simbólica, p. 150. NEVES, Marcelo, A constitucionalização simbólica, p. 152.

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Em linhas gerais, o transconstitucionalismo pode ser definido como o entrela­ çamento de ordens jurídicas diversas (estatais, transnacionais, internacionais e até mesmo supranacionais) em torno dos mesmos problemas de natureza constitucio­ nal. Portanto, o fato de ordens jurídicas diferenciadas enfrentarem concomitante­ mente as mesmas questões de natureza constitucional pode (e deve), segundo o autor, ser traduzido como transconstitucionalismo.”7 Com isso, em nossa sociedade hipercomplexa, estaríamos diante de um novo paradigma constitucional, que abala com as nossas pré-compreensões subjacentes (arraigadas pelo direito nacional-estatal clássico e pelo direito internacional clássico), pois problemas, por exemplo, em torno de direitos fundamentais, ou mesmo de separação e limitação de poderes (envolvendo conflitos entre o Judiciário e o Executivo de um Estado nacional contra organizações internacionais ou contra um outro Estado nacional) passam, efetiva­ mente, a serem debatidos e discutidos por tribunais de ordens jurídicas diversas, podendo apresentar soluções distintas à luz dos contextos (e percepções) em que são analisados. Certo é que o transconstitucionalismo pode ocorrer entre ordens jurídicas da mesma espécie ou de espécies diferentes,”8 ou mesmo entre uma pluralidade de ordens jurídicas que podem estar envolvidas simultaneamente na solução de um caso (como exemplo, teríamos o transconstitucionalismo pluridimensional dos direi­ tos humanos).

Como forma de demonstrar tal ocorrência e, com isso, a mudança paradigmá­ tica em voga, Marcelo Neves cita em sua tese 98 exemplos”’ de transconstitucio-

217. Mas, aqui, uma advertência do autor, já na introdução de sua obra. Marcelo Neves, contra qualquer mal-enten­ dido, afirma que:“o transconstitucionalismo não se trata de constitucionalismo internacional, transnacional, su­ pranacional, estatal ou local. O conceito aponta exatamente para o desenvolvimento de problemas jurídicos que perpassam diversas ordens jurídicas. Um problema transconstitucional implica uma questão que poderá envol­ ver tribunais estatais, internacionais, supranacionais e transnacionais (arbitrais), assim como instituições jurídicas locais nativas, na busca de sua solução" NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p.XXI-XXII. É interessante que, no capitulo 3 da obra, esclarece o autor que, se quisermos definir as questões constitucionais que ensejam o transconstitucionalismo devemos nos afastar da noção arraigada do direito constitucional do constitucio­ nalismo clássico, ou seja, de um conceito de Constituição associado exclusivamente a um determinado Estado, sem que dai seja necessário recorrer a outras Constituições. Aliás, essa perspectiva não mais coaduna com a atual praxis constitucional que vai além dos Estados em virtude do incremento de relações transterritoriais {constitucio­ nalismo para além do Estado). Um exemplo extensivamente trabalhado pelo autor diz respeito aos direitos fun­ damentais (ou direitos humanos), pois é evidente como esse tema (entre outros) deixou de ser um privilégio do direito constitucional do Estado, perpassando suas fronteiras. Nesses termos: "Não interessa primariamente ao conceito de transconstitucionalidade saber em que ordem se encontra uma Constituição, nem mesmo defini-la como um privilégio do Estado. O fundamental é precisar que os problemas surgem em diversas ordens jurí­ dicas, exigindo soluções fundadas no entrelaçamento entre elas. Assim, um problema de direitos fundamen tais pode apresentar-se perante uma ordem estatal, local, internacional, supranacional e transnacional, ou com frequência, perante mais de uma dessas ordens, o que implica cooperações e conflitos, exigindo aprendizado recíproco." NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. 121. 218. Como exemplos podemos citar o transconstitucionalismo entre: a) o direito internacional público e o direito estatal; b) o direito supranacional e o direito estatal; c) entre ordens jurídicas estatais; d) entre ordens jurídicas estatais e transnacionais. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, 2009. 219. Um exemplo interessante, citado por Marcelo Neves, em palestra, seria o comércio de pneus usados, que, sem dú­ vida, envolve questões de saúde, questões ambientais e de liberdade econômica. Essas questões são discutidas

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Conceito e classieicaçòes oas Constituições

nalismo em vários países (incluindo: Alemanha, Brasil, Áustria, França, Inglaterra, EUA, África do Sul, Suíça, entre outros* 220) e em variadas ordens jurídicas. Entre eles, podemos elencar: a) o caso de Caroline de Mônaco II, julgado em 1999 (BVerfCE 101, 361). Nesse case, 0 Tribunal Constitucional Alemão afirmou, de forma categórica, que figuras proeminentes (como uma princesa), diante da imprensa, não têm a mesma garantia de intimidade que 0 cidadão comum. A Corte Constitucional Alemã, então, decidiu que as fotos tiradas de Caroline de Mônaco por paparazzi, mesmo na esfera priva­ da (da intimidade), não poderíam ser proibidas. Nesses termos, 0 Tribunal proibiu apenas fotos que atingiam os filhos da princesa, porque eram menores.221 Porém, acontece que, no caso Caroline Von Hannover versus Germany (Caroline versus Ale­ manha), de 24 de julho de 2004, 0 Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) decidiu contrariamente ao Tribunal Constitucional Alemão, exarando que "não há liberdade de imprensa que atinja a intimidade da princesa, mesmo sendo ela uma figura pública". Ou seja, 0 TEDH foi favorável à proteção da intimidade da autora em detrimento da liberdade de imprensa.222 b) Colisão entre 0 art. 7 da Convenção Americana de Direito Humanos e 0 art. 5, LXVII da Constituição brasileira de 1988. A Convenção (CADH) no citado artigo proí­ be a prisão do depositário infiel e a CR/88 permite a sua prisão civil. 0 STF enfrentou questão referente ao tema, no RE 466.343/SP (e também no RE 349.703/RS e HC 87585/

ao mesmo tempo pela Organização Mundial do Comércio, pela União Européia, pelo Mercosul e pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil. Outro exemplo, também citado, seria o da recente decisão da Corte Européia de Direi­ tos Humanos (CEDH) que condenou a presença de crucifixos nas escolas públicas da Itália (caso: Luatsi v. Itália). Mais um, seria o caso da extradição de Cesare Battisti (e o provável conflito entre Brasil e Itália). 220. Um exemplo interessante e extremamente atual de transconstitucionalismo entre ordens Jurídicas estatais é o da cada dia mais frequente conversação constitucional, mediante referências recíprocas a decisões de tribunais de outros Estados nacionais. Não bastasse a migração de idéias constitucionais por meio de legislação e doutrina (que caracterizam um hibridismo cada dia mais comum entre os ordenamentos jurídicos), os Tribunais, sobretudo os Constitucionais, vem dialogando de forma cada vez mais contundente. Aqui não se trataria de mera influência, adverte Neves. Nesses termos: OTransconstitucionalismo entre ordens jurídicas importa que, em casos tipicamente constitucionais, as decisões de cortes constitucionais de outros Estados são invocadas em decisões de Tribunal Constitucional de um determinado Estado não só como obter dieta, mas como elemen­ tos construtores da ratio decidendi. Nesse caso o transjudicialismo implica uma releitura dos autofundamentos constitucionais da própria ordem que se toma como ponto de partida transformando-se em transconstituciona­ lismo. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. 168. 221. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. 138. 222. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. 138-139. Nesse embate, o Tribunal Constitucional Alemão afirmou no casoGorgu/u, em 14 de Outubro de 2004, que existem limites para a aplicação interna (na Alemanha) de decisões do TEDH. Nesses termos, afirma Marcelo Neves que: "O Tribunal Constitucional Federal alemão deve levar em conta as decisões do TEDH, mas não está vinculado a elas. No direito constitucional alemão, o texto do CEDH e a jurisprudência do TEDH servem como meios auxiliares de interpretação para determinar o conteúdo e a am­ plitude dos direitos fundamentais e dos princípios do Estado de direito, desde que não levem à redução ou limi­ tação da proteção dos direitos fundamentais prescritos na Lei Fundamental. No entanto uma negação narcisista das normas das decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos por parte dos Tribunais estatais não parece suportável no grau de integração europeia. Daí por que imprescindível, também para os Tribunais nacionais en­ volvidos na solução de questões concernentes aos direitos humanos, o desenvolvimento de uma racionalidade transversal em face da ordem jurídica da CEDH. Qualquer unilateralidade pode ter efeitos destrutivos, irracionais, sobre a integração europeia no âmbito dos direitos humanos e fundamentais,”

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TO). Em 03.12.2008, 0 STF decidiu que os Tratados Internacionais de Direito Humanos, quando não aprovados nos termos do art. 5», § 3°, da CR/88 (procedimento equi­ valente ao das Emendas Constitucionais) serão considerados normas supralegais (hierarquia supralegal), ou seja, abaixo das normas constitucionais, mas acima das leis ordinárias. Com isso, 0 STF estabeleceu que os T1DH não mais entrariam como normas ordinárias em nosso ordenamento, pois ou entrariam como normas cons­ titucionais (seguindo 0 procedimento do art. 5°, § 3°, da CR/88), ou como normas supralegais infraconstitucionais, mas acima das normas ordinárias. Certo é que a manutenção da posição anterior (a de que todo tratado, mesmo de direitos huma­ nos, entraria no ordenamento como lei ordinária) criaria um conflito (tensão) entre a posição do STF em relação à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Nesses termos, "0 STF estaria rompendo com um diálogo constitucional com a CIDH em torno da compreensão dos direitos humanos e dos direitos fundamentais. No entanto, na discussão que se travou, parece claro ter sido colocado em primeiro plano 0 esforço com vista à formação de uma racionalidade transversal, que se mostre suportável para ambas as ordens jurídicas."223224 No âmbito do Brasil, temos, ainda, uma questão não trabalhada por Marcelo Neves, até mesmo por uma questão temporal (sua tese foi finalizada em 2009). É a da recente decisão do STF considerando a recepção (constitucionalidade) da Lei da Anistia de 1979 pelo ordenamento constitucional de 1988. Pois bem, 0 Supre­ mo Tribunal Federal decidiu (de forma contrária a OAB e a vários doutrinadores nacionais), em 29.04.2010, que a Lei n° 6.683/79 (Lei da Anistia) é compatível com a Constituição Federal de 1988 e a anistia, por ela concedida, foi ampla e geral, alcançando os crimes de qualquer natureza praticados (mesmo) pelos agentes da repressão no período compreendido entre 02.9.61 e 15.8.79. Com base, então, nesse entendimento, 0 Tribunal, por maioria, julgou improcedente a arguição de descumprimento de Preceito Fundamental n° 153, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil em que se pretendia que fosse declarada a não recepção pela Constituição da República de 1988 da Lei n° 6.683/79 ou confe­ rido ao § i° do seu art. 1° interpretação conforme a Constituição, "de modo a de­ clarar, à luz dos seus preceitos fundamentais, que a anistia concedida pela citada lei aos crimes políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra opositores políticos, durante 0 regime militar (1964/1985)"”''

223. NEVES, Marcelo, Traniconstitucionalismo, p. 145-146. 224. No mérito da decisão da ADPF153:"afastou-se, primeiro, a alegação de que a Lei n° 6.683/79 não teria sido rece­ bida pela CF/88 porque a conexão criminal que aproveitaria aos agentes políticos que praticaram crimes comuns contra opositores políticos, presos ou não, durante o regime militar ofendería diversos preceitos fundamentais. (...) aduziu-se que o legislador realmente teria procurado estender a conexão aos crimes praticados pelos agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado de exceção. Dai o caráter bilateral da anistia, ampla e geral, que só não fora irrestrita porque não abrangera os já condenados, com sentença transitada em julgado, pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. (...) Afirmou-se haver, portanto, necessidade de, no caso de lei-medida, interpretar-se, em conjunto com o seu texto, a realidade no e do momento histórico no qual

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Conceito e classificações das Constituições

Acontece que, no dia 14 de dezembro de 2010, em decisão histórica (caso: Gomes Lund e outros versus Brasil) a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Tribunal em San José, na Costa Rica) afirmou que a interpretação da Lei de Anistia de 1979, exarada pelo Brasil, não pode continuar a ser um "obstáculo" para a in­ vestigação dos fatos e punição dos responsáveis por torturas realizadas durante 0 regime militar. Nesses termos, a CIDH analisou a compatibilidade (adequação) da Lei de Anistia n» 6.683/79 com as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil, à luz da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH). Com isso, temos que, com base em sua jurisprudência, a Corte Interamericana concluiu que as disposições da Lei de Anistia (recepcionada pelo STF, em decisão na ADPF n° 153, supracitada) que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos. Portanto, essa Convenção não pode ser óbice para a investiga­ ção dos fatos do caso em questão anteriormente citado, nem para a identificação e a punição dos responsáveis. Sem dúvida, entendemos que esse é um caso de transconstitucionalismo, nos moldes defendidos por Marcelo Neves. Assim, resta-nos aguardar a resolução da questão com a prevalência do posicionamento do STF (questão atinente à noção clássica de soberania) ou da CIDH à qual 0 Brasil está filiado pela vigência e validade em nosso ordenamento da Convenção Americana de Direitos Humanos225226 (questão atinente ao controle de convencionalidade224).

Mas essa, inclusive, é uma questão central na perspectiva do transconstitucio­ nalismo e deve ser trazida à baila. Pode ser resumida da seguinte forma: qual ordem jurídica deve prevalecer? Ouem deveria preponderar nesses conflitos e tensões (por

editada, e não a realidade atual. Assim, seria a realidade histórico-social da migração da ditadura para a democra­ cia política, da transição conciliada de 1979 que haveria de ser ponderada para poder se discernir o significado da expressão crimes conexos na Lei 6.683/79. Frisou se que, nesse contexto, a Lei 6.683/79 teria veiculado uma decisão política assumida nesse momento de transição, sendo certo que o § Io do seu art. 1°, ao definir o que se considerariam crimes conexos aos crimes políticos, teria o sentido indisfarçável de fazer compreender, no alcance da anistia, os delitos de qualquer natureza cometidos pelos agentes civis e militares da repressão. (...)" Julg. Em 29.04.2010. Rei. Min. Eros Grau. 225. Para uma sólida crítica a posição exarada pelo STF ver: Ditadura eResponsabilização. MEYER, Emilio Peluso Neder, 2012. Nesse sentido: "A Justiça de transição è um conjunto de medidas fundamental para a consolidação de um projeto constituinte de um Estado Democrático de Direito sob o signo do patriotismo constitucional. Isso implica no cumprimento de todos os elementos que a compõem. Desse modo, foge o Supremo Tribunal Federal de seu papel de guarda da Constituição ao não rechaçar a interpretação da Lei de Anistia de 1979 que visou estabelecer uma 'autoanistia'. Consequentemente, uma compreensão que leve na devida conta as exigências de uma Cons­ tituição permeada pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos não poderá deixar de exigir o cumprimento in totum da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e, mais que isso, que a partir dela outras graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1964 e 1985 sejam também investigadas e punidas.'p. 305,2012. 226. 0 controle de convencionalidade pode ser conceituado como "uma forma de compatibilização entre as normas de direito interno e os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no pais. Ou seja, trata-se, portanto, de um controle de validade das normas nacionais, tendo por parâmetro não o texto constitucional, mas os compromissos internacionais assumidos em matéria de proteção aos direitos humanos'1 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicionalda convencionalidade dos Leis. 2a ed. p, 73,2011.

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exemplo: entre ordens locais, nacionais, supranacionais etc.) cada vez mais presen­ tes em nossa sociedade mundializada e hipercomplexa? Marcelo Neves, advoga que não é possível uma imposição unilateral (de fechamento), defendendo um "diálogo constitucional" como vetor desse novo paradigma. Nesses termos, o ponto central se traduz na questão da necessidade (cada vez mais recorrente) que ordens jurídicas diversas, com pontos de partida diversos, dialoguem (cada dia mais) sobre questões constitucionais comuns, que afetam ao mesmo tempo ambas as ordens. Portanto, a proposta não é da primazia de uma ordem ou jurisdição sobre a outra (ou outras), mas, sim, a construção de uma racionalidade transversal, que permite (viabiliza) um diálogo construtivo entre as ordens jurídicas."7 Nesses termos, observamos a busca pela não imposição, mas, sim, pelo pluralismo e respeito às diferenças. Nas palavras de Marcelo Neves: "(...) 0 transconstitucionalismo não toma uma única ordem jurídica ou um tipo determinado de ordem como ponto de partida ou última ratio. Rejeita tanto o estatalismo quanto o internacionalismo, o supranacionalismo, o transnacionalismo e o localismo como espaço de solução privilegiado dos proble­ mas constitucionais. Aponta, antes, para a necessidade de construção de "pontes de transição", da promoção de "conversações constitucionais" entre as diversas ordens jurídicas: estatais, internacionais, transnacionais, supranacionais e locais. 0 modelo transconstitucional rompe com o dilema "monismo/pluralismo". A pluralidade de or­ dens jurídicas implica, na perspectiva do transconstitucionalismo, a relação comple­ mentar entre identidade e alteridade. As ordens envolvidas na solução do problema constitucional específico, no plano de sua própria autofundamentação, reconstroem continuamente sua identidade mediante o entrelaçamento transconstitucional com a(s) outra(s): a identidade é rearticulada a partir da alteridade."”8

Portanto, a tese visa afastar qualquer relação de verticalização ou de subor­ dinação entre instâncias decisórias (postura de fechamento). Sem dúvida, a busca*

227. é claro que Marcelo Neves não advoga (como alguns erroneamente concebem) o fim do direito constitucional interno (tradicional). Esse continua exercer um papel relevante em vários casos. Porém, advoga o autor que a cada dia mais problemas transconstitucionais estão se afirmando como qualitativamente relevantes, basta ob­ servarmos os debates sobre direitos humanos, biodireito, efeito estufa, dilapidação da camada de ozônio, guerra cambial, questões econômicas de cunho nacional, regional, transnacional e supranacional, intolerâncias religio sas e étnicas, corrida nuclear etc. Um ponto importante que merece nossa atenção é a relativização da ideia clássica de soberania com algo absoluto (o que, façamos justiça: alguns internacionalistas e constitucionalistas já advogam há algum tempo com base, por exemplo, no direito comunitário). Assim, Marcelo Neves trabalha a concepção de soberania não corno poder irrestrito e ilimitado, mas como responsabilidade. Portanto, a noção de soberania está ligada diretamente à ideia de responsabilização (soberania responsável). Devemos também, segundo o autor, ressaltar que, nessa visão, o Estado deixa de ser um tocus privilegiado de solução dos proble­ mas para se tornar apenas um dos loci em cooperação e concorrência com outros. Porém, também é rechaçada a saída do internacionalismo como ultima ratio (ou seja, como uma nova hierarquização absoluta), ou a safda do supranacionalismo (como nova panaceia jurídica) ou o transnacionalismo (como fragmentação libertadora contra as amarras do Estado), ou o localismo (como expressão da etnicidade definitiva e inviolável) NEVES, Mar­ celo, Transconstitucionalismo, p. 145-146. p. 297. 228. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. XXV. Acrescenta ainda que: "(,..)Daí por que, em vez da busca por uma Constituição hercúlea, o transconstitucionalismo aponta para a necessidade de enfrentamento dos problemas hidraconstitucionais mediante a articulação de observações recíprocas entre as diversas ordens jurídicas da socie­ dade mundial."

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CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES DAS CONSTITUIÇÕES

é por intercâmbio constante, nos termos de um diálogo construtivo que vise ao aperfeiçoamento e, com isso, a decisões mais adequadas.229 Contra qualquer tipo de absolutização (do tipo "convergência ou resistência", ou mesmo abertura/fechamento) afirma-se que, "o caminho mais adequado em matéria de direitos humanos parece ser o 'modelo de articulação', ou melhor, de entrelaçamento transversal entre ordens jurídicas, de tal maneira que todas se apresentem capazes de recons­ truírem-se permanentemente mediante o aprendizado com as experiências de or­ dens jurídicas interessadas concomitantemente na solução dos mesmos problemas jurídicos constitucionais de direitos fundamentais ou direitos humanos".230

Porém, as digressões de Marcelo Neves não são blindadas de problemas ou críticas. No atual contexto, ainda (apesar do aumento qualitativo e quantitativo das querelas transconstitucionais) apresenta-se de difícil enquadramento prático toda a sua gama (e riqueza) de abordagem. 0 próprio autor, com sua peculiar competên­ cia, reconhece tal dificuldade empírica em um horizonte de assimetrias nas formas de direito (e não só nelas), afirmando que "não há transconstitucionalismo sem uma relativa simetria nas formas de direito." Nesses termos, "o transconstituciona­ lismo é um recurso escasso da sociedade mundial. Entrelaçamentos transconstitu­ cionais estáveis entre ordens jurídicas só ocorreram, até agora, em âmbitos muito limitados do sistema mundial de níveis múltiplos, seja do ponto de vista territorial ou funcional”.231

229. Conforme a doutrina:"(...) significa a aceitação da concorrência de várias ordens jurídicas sem que nenhuma de­ las possa se arrogar no direito de se impor sobre as demais. Assim, o mais importante não é saber quem é que tem a última palavra sobre um determinado problema, mas estimular uma conversação entre as várias instâncias decisórias a fim de que os casos comuns possam ser enfrentados conjuntamente. Na prática, isso significa que os juizes nacionais, no julgamento dos casos, devem aproveitar o material informativo desenvolvido por outras cortes pelo mundo afora, a fim de determinar com mais consistência o conteúdo dos direitos funda­ mentais. Isso permitiría que os juizes testassem a compreensão de suas próprias tradições, comparando-as com outras visões de mundo, ampliando o seu repertório de conhecimento e, assim, produzindo decisões melhores." Marmelstein, George. p.l, 2010. 230. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. 264. Uma figura adotada para a busca do reconhecimento da reci­ procidade e da alteridade mediante um diálogo construtivo está ligada à teoria do 'ponto cego" adotada por Marcelo Neves após o capítulo 5 de sua obra. A ideia de abertura no sentido de aprender com o outro é posta em relevo. Nesses termos:"(...) todo observador tem um limite de visão no ponto cego, aquele que o observador não pode ver em virtude da sua posição ou perspectiva de observação. (...) cabe observar que o ponto cego de um observador pode ser visto pelo outro. Nesse sentido, pode-se afirmar que o transconstitucionalismo im­ plica o reconhecimento dos limites da observação de uma determinada ordem, que admite a alternativa: o ponto cego, o outro pode ver" p. 297-298. 231. NEVES, Marcelo, Transconstitucionalismo, p. 264. Nesses termos:"(...) prevalecem as perspectivas desfavoráveis a desenvolvimentos positivos. Seria totalmente ilusória a ideia de que as experiências com a racionalidade trans versai nos termos do transconstitucionalismo entre ordens jurídicas estão generalizadas ou em condições de generalizar-se em um curto ou médio prazo. Essas experiências fazem parte dos privilégios de alguns âmbitos jurídicos de uma sociedade mundial sensivelmente assimétrica. Em suma: pode-se verificar que formas de direito fortes sobrepõem-se de maneira opressora a formas de direito frágeis no sistema mundial de níveis múltiplos. Assim, formas estatais de direito das grandes potências permanecem intocáveis perante o direito internacional público e contra essas imunizadas. Também essas formas jurídicas comportam-se opressivamente em relação às formas de direito dos países fracos na constelação internacional." p, 285. Portanto, um dos desafios nesse pro­ cesso em voga do trasnconstitucionalismo é a promoção (busca recorrente) da inclusão com a consequente redução do que o autor chama de exclusão (primária) crescente (especialmente no âmbito do direito).

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A conclusão é de que o transconstitucionalismo, apesar das barreiras, está (ainda que contrafactualmente) em processo de desenvolvimento, e, a cada dia mais, devemos buscar, com base nele, formas transversais de articulação ("pon­ tes de transição" ou "conversações constitucionais", nos dizeres de Marcelo Ne­ ves) para solucionar casos-problema constitucionais concomitantes a ordens jurí­ dicas diversas. A questão central seria a da reconstrução da identidade a partir da alteridade. 7.8. O conceito pluridimensional de Constituição de José Adércio Leite Sampaio

No artigo "Teorias Constitucionais em Perspectiva", o constitucionalista José Adércio Leite Sampaio, após apresentar um estudo sistematizado dos múltiplos conceitos que a ideia de Constituição irá assumir nas diversas teorias, ao longo de nosso transcurso histórico (Constituição Formal, Constituição Material, Constituição Dirigente etc.), termina por apresentar a proposta do que chama de uma "Consti­ tuição pluridimensional".232 Segundo o autor, essa mudança de entendimento concernente à Constituição é necessária, pois a teoria política e constitucional vem passando, nos últimos vinte anos, por reviravoltas acerca do que seja uma concepção adequada de Constituição para nossos tempos atuais. Apenas para citar exemplos dessas mudanças, tem-se o aumento da complexidade social sempre crescente, a submissão da ordem eco­ nômica estatal às pressões de um grande capital internacional, a defesa de um multiculturalismo cosmopolita etc.

Sendo assim, a noção de uma pluridimensionalidade da Constituição se mos­ traria importante já que lhe permitiría ajustar às exigências próprias tanto do Estado-nação quanto de Estados pós-nacionais. Por pluridimensionalidade quer-se afirmar a abertura espacial, temporal, semântica e pluralista de Constituição.233 Nesses termos, explicitando sua concepção, afirma o constitucionalista que: "Ela é pluridimensional ou compósita porque reúne o texto normativo que se imbrica com a realidade existencial sob a catálise do sentido constitucional militante. 0 enunciado de norma não é, sem embargo, um topoí concorrente com as deter­ minações fáticas. Ele é, ao contrário, guia de conduta cujo conteúdo se desvela no envolvimento da sociedade em caminhar ativamente para a realização de seu sentido. Não é um fato - de expressão público-política - fora da Constituição, se os atores políticos sociais assumirem o compromisso cultural de se desenvolve­ rem nos quadros por ela definidos, de serem 'atores de concretização'. Ela se chama 'pluridimensional' exatamente porque resulta da conjugação dialética das dimensões normativo-textual (enunciados de norma), fático-limitador-interativo

232. SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, p. 43, 2004. 233. SAMPAIO, José Adércio Leite, Teorias constitucionais em perspectiva, p. 54,2004.

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Conceito e classificações das Constituições

(a complexidade do real) e volitivo-pragmático (do querer e da ação). Mas tam­ bém porque admite o pluralismo de projetos vida boa, sem prévio compromisso com uma determinada 'ideologia' em sentido forte do termo, a não ser a própria ‘ideologia de Constituição'."

É por isso que em tal concepção a Constituição não perdería sua característica normativa; ao contrário, a possibilidade de abertura dos seus significados (semânti­ ca) atrairía para a condição de guardiões, não apenas os magistrados ou os opera­ dores jurídicos, mas todos os cidadãos, diminuindo o hiato que se estabelece entre normas constitucionais e realidade social. Tal postura dinâmica de encarara norma constitucional permite sua leitura por meio de uma abertura, primeiro, de ordem espacial - ou seja, não restringe ao es­ paço do texto constitucional, mas reconhece normatividade constitucional a normas situadas em outros dispositivos legais infraconstitucionais, por serem materialmen­ te constitucionais; segundo, leva a uma abertura temporal da Constituição - já que a Constituição passa a ser compreendida como o resultado tanto de operações quanto de escolhas de um passado constitucional, religados a um projeto de futuro; terceiro, reafirma a noção de patriotismo constitucional - como pertencimento de todo cidadão a esse projeto constitucional maior buscando superar preconceitos e desigualdades sociais por meio da reafirmação de uma solidariedade que permita a coexistência do diferente na sociedade; e, por fim, por não afirmar uma subs­ tância axiológica (valores) determinados, o que abre o texto constitucional para coexistência de múltiplos projetos de vida boa. 7.9. O (novo) Constitucionalismo plurinacional da América Latina e a sua ruptu­ ra paradigmática

Esse (novo) constitucionalismo nasce a partir, sobretudo, das Constituições da Bolívia de 2009 e do Equador de 2008, e se apresenta, para alguns, como uma "ruptura" com as tradicionais bases do "constitucionalismo clássico" e do "neo­ constitucionalismo" de matriz europeia, até então vigentes e estudados na Teoria da Constituição. Estudiosos do porte de Roberto Viciano Pastor, Ruben Martinez Dalmau, Boaventura de Souza Santos, josé Luiz Quadros de Magalhães, Antonio Carlos Wolkmer, José Ribas Vieira, Mário Lúcio Quintão e Fernando Dantas,234 vem desenvol­ vendo trabalhos sobre a temática.

Sobre os autores citados, é interessante salientar que Rubén Dalmau, professor titular da Universidade de Valência na Espanha, desenvolveu uma série de estudos

234. SANTOS, Boaventura de Souza. Refundacion dei estado em América Latina: Perspectivas desde uma espistemologia dei Sur. Instituto Internacional de Dereche y Sociedade, 2010;e Pensarei estado y Ia sociedade: desafios atuales. Buenos Aires, 2009. QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz, Pluralismo epistemológico e modernidade. In: Direito à Diversidade e o Estado Plurinacional, 2012; e "O Estado Plurinacional na América Latina", 2011. Ver também: "Rede pelo Constitucionalismo Democrático’que desde 2011, congrega inúmeros pesquisadores de todo o Brasil.

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sobre o tema. Ele inclusive participou diretamente, na qualidade de Assessor das Assembléias Constituintes, dos processos de transição do Equador e Bolívia.335

Sem dúvida, o Constitucionalismo plurinacional advoga uma transformação radi­ cal nos modos de ver, pensar, trabalhar e aplicar o direito, bem como as suas Constitui ções adstritas. Para tal, parte da afirmação de que o atual modelo de Estado nacional e de direito estatal, e até mesmo de direito internacional se encontram em xeque.

0 Constitucionalismo plurinacional está adstrito a um Estado plurinacional que se contrapõe aos Estados modernos e aos seus respectivos ordenamentos jurídicos. Pois bem, a fundamentação de tal teorização é a de que os Estado nacionais mo­ dernos foram criados a partir da lógica da homogeneização e uniformização, sendo desde a origem Estados que visariam negar a diversidade. Nesses termos, a reprodução social só foi possível desde o advento desses Estados nacionais por meio de mecanismos de normalização e estabilização que passariam pela construção de uma identidade nacional com um direito nacional, uma moeda nacional, um exército nacional, uma língua nacional entre outros tipos de anulação das diversidades e plurivocidades.

Esse processo de "ocultamento e encobrimento" teria se iniciado, sobretudo, no século XV (aqui teriamos o início do processo de formação do "Estado Moder­ no", tendo como data simbólica o ano de 1492, com a invasão das Américas pelos europeus e a expulsão dos muçulmanos da Europa) e se desenvolveu até 0 final do século XIX com a formação dos últimos Estados nacionais europeus (Itália e Alema­ nha). Com isso, ocorre a predominância dos valores europeus e de um processo civilizatório eurocêntrico que determina a homogeneização de um "modelo de vida", de "Estado", de "Constituição" e de "direitos humanos de matriz europeia". Com isso, 0 colonizador se apresenta como alguém superior mediante 0 colonizado (re­ lação: nós e outros, iguais/diferentes, superiores/inferiores). As bases jurídicas desse arcabouço foram determinadas de forma monológica pelo direito de propriedade, direito de família e pela proteção jurídica à economia capitalista (e seus marcos regulatórios).*

235. Para Dalmau: Et pensamiento liberal revolucionário quiso ocobar con el antiguo régimen y elpoder absoluto dei mo narca creando Ia ilusión homogeneizadora de un pueblo uniforme conformado por los ciudadanos. El concepto de pueblo, aunque sirviópara crear Ia noción de poder constituyente y soberania popular, nació limitado: no era un con cepto socialmente integrador, sino excluyente. En el nuevo constitucionalismo el concepto de pueblo es sociológico, integrador, e incluye a todas Ias personas que forman Ia sociedad: entre ellas Ias históricamente excluídas, como las mujeres, los emigrantes, los pueblos indígenas y los afrodescendientes. En el nuevo constitucionalismo Ia fuerzo po­ pulares liberadora (UNB, 2015). Segundo Dalmau: Uma Constituição que esteja à altura do novo constitucionalismo deveria, em primeiro lugar, se basear na participação do povo, que é o que lhe dá legitimidade. Isso significa que a elaboração da proposta de Constituição deve ser redigida por uma Assembléia Constituinte eleita para isso eque deve ser principalmente participativa na hora de receber propostas e incorporá-las no texto constitucional. E deve ser uma Constituição que não tenha medo de regular as principais funções do Estado: a melhor distribuição da riqueza, a busca por igualdade de oportunidades, a integração das classes marginalizodas. Em resumo, uma Constituição que busque o "Sumak kamana" ou o "Sumak kawsay" como dizem as Constituições boliviana e equatoriana: o "viver bem" (em quêchua) da população. (Março de 2009).

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Conceito e classificações das Constituições

Temos, aí, a construção de nacionalidades sobre as já existentes, ou seja, a "invenção" de nacionalidades sobre as preexistentes, forjando-se "tradições", "mi­ tos nacionais", "língua pátria" etc. Com isso, as identidades são sufocadas pela uniformização e as diferenças são rejeitadas mediante artificialismos formadores dos Estados Nacionais de padrão europeu, que acaba por justificar a superiorida­ de de determinadas culturas sobre outras (intituladas por vezes de pré-modernas, bárbaras, inferiores etc.236).

Todo esse processo de "culturicídio" de grupos e etnias por meio do modelo homogêneo e uniformizador é questionado pelo novo constitucionalismo da Amé­ rica Latina, que visa ao respeito às singularidades, grupos e etnias mediante uma ênfase na diversidade e no seu reconhecimento constitucional, tendo em vista um pluralismo epistemológico que possibilite, para além da "homogeneização assujeitadora europeia", outras formas de ver, compreender e interpretar o mundo (seja pelas perspectivas: culturais, científicas, políticas, econômicas e filosóficas, entre outras237). Com isso, os vários grupos e comunidades devem ser representados não só no Poder Executivo, mas sobretudo nos Poderes Legislativo e Judiciário, tendo em vista uma perspectiva plural de reconhecimento e assunção (inclusão) do outro nos processos de formação da vontade política e do poder.

Nesses termos, a Constituição atual da Bolívia seria um exemplo de Estado e constitucionalismo plurinacional238. No seu texto, temos a definição de 36 povos originários (aqueles que viviam na Bolívia antes do colonizador europeu), que pas­ saram a ter participação ampla e efetiva em todos os níveis do Poder estatal e na economia. Com isso, a Bolívia passa a ter uma cota de parlamentares oriundos dos povos indígenas, que, além disso, passam a ter propriedade exclusiva sobre recur­ sos florestais e hídricos de suas comunidades. A Constituição estabelece também a equivalência entre a justiça tradicional indígena e a formal ordinária da Bolívia. Cada comunidade indígena poderá ter seu próprio tribunal e as decisões não poderão ser revisadas pela justiça comum. Outra questão interessante é a descentralização do processo eleitoral, tendo em vista que os representantes dos povos indígenas poderão ser eleitos a partir das normas eleitorais de suas comunidades. A Constituição prevê, ainda, a cria­ ção de um Tribunal Constitucional plurinacional, com membros eleitos pelo sistema ordinário e pelo sistema indígena. Outro aspecto importante é 0 reconhecimento

236. Conforme Enrique Dussel"(...) a Europa pôde se confrontar com seu outro e controlá-lo, vencê-lo, violentá-lo: quando pôde se descobrir com um ego descobridor, conquistador, colonizador da Alteridade constitutiva pró­ pria da modernidade. De qualquer maneira, esse outro não foi descoberto como Outro, mas foi 'em-coberto' como o 'sr-mesmo' que a Europa já era desde sempre. De maneira que 1492 será o momento de nascimento da Modernidade como conceito, o momento concreto da 'origem de um mito de violência sacrificial muito parti­ cular, e, ao mesmo tempo, um processo de encobrimento do não europeu'!" 1492 - O Encobrimento do Outro - A Origem do Mito da Modernidade, Ed. Vozes, p.08,1993. 237. QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz, Pluralismo epistemológico e modernidade, p. 121 136,2012. 238. QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz, O Estado Plurinacional na América latina, p. 02, 2011.

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de várias formas de constituição de família (fugindo do padrão ocidental europeu vigente). Com isso, temos não só o reconhecimento das "diferenças" (que ainda enxerga o outro como diferente), mas, muito mais que isso, a assunção do reconhecimento e efetivação "da diversidade" e pluralismo no novo constitucionalismo (dtalógico) que desponta na América Latina, mediante os últimos quinhentos anos de colonização e imposição da cultura e das práticas europeias2”. A busca por um constitucionalismo democrático, plural e multicultural de cunho indusivo, que objetiva esse processo, é o atual (novo) desafio a ser enfrentado pela Teoria da Constituição.

Por último, é interessante citarmos a constitucionalista peruana Raquel Yrigoyen Fajardo que desenvolveu a tese de Ciclos Constitucionais na América do Sul. Raquel Fajardo define o desenvolvimento do novo constitucionalismo latino-americano em três etapas: o "ciclo multicultural" (1982-1988), marcado pelo reconhecimento do multiculturalismo e de alguns direitos indígenas; 0 "ciclo pluricultural" (1989-2005), caracterizado pelos conceitos de nação e estado multiculturais e multiétnicos, bem como a presença dos direitos indígenas no texto constitucional; e 0 "ciclo plurina­ cional" (2006-2009), que refunda 0 estado como Estado Plurinacional, a partir de um pacto de povos, e não apenas como mero reconhecedor de direitos dos povos in­ dígenas. É 0 que se observou, por exemplo, na Bolívia com a Constituição de 2009.239 240

Conforme a doutrina, temos que: a) Ciclo do constitucionalismo multicultural (1982-1988): As constituições introduzem 0 conceito de diversidade cultural, reco­ nhecimento da configuração multicultural e multilíngue da sociedade, 0 direito à identidade cultural e alguns direitos indígenas específicos. Neste primeiro ciclo, as constituições não chegam a fazer um reconhecimento explícito do pluralismo jurídico. No entanto, em alguns países onde não havia reconhecimento constitu­ cional do pluralismo jurídico, existiam normas secundárias, seja por velha herança colonial, seja por "fissuras intrassistêmicas" aliviadas pelo Convênio 107 da OIT, que reconheciam a justiça indígena; b) Ciclo do constitucionalismo pluricultural (1989-2005): As constituições reafirmam 0 direito à identidade e diversidade cul­ tural já introduzido no primeiro ciclo, e desenvolvem os conceitos de "nação multiétnica/multicultural" e de "Estado plurinacional", qualificando a natureza da população e avançando em direção a uma redefinição do caráter do Estado. Plu­ ralismo e diversidade cultural se convertem em princípios constitucionais e permi­ tem fundar os direitos dos indígenas assim como dos afrodescendentes e outros grupos. Esses direitos incluem a oficialização dos idiomas indígenas, a educação

239. QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz, O Estado Plurinacional na América latina, p. 02, 2011. É bom que se diga que essa perspectiva, que estamos apresentando para o debate, é crítica do Estado Nacional clássico (de padrão europeu), mas também do Direito Internacional Clássico e de suas instituições e do Direito Comunitário (ambos também de padrão europeu). Ver: QUADROS DE MAGALHÃES, José Luiz, Pluralismo epistemolôgico e modernida­ de, p. 121-136,2012. 240. Emanuel Corrêa MergulhãorThalyta Rocha Belfort; Simone Maria Palheta Pires. O novo constitucionalismo latinoamericano e o direito constitucional de acesso à justiça das populações indígenas, 2013.

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Conceito e classificações das Constituições

bilíngue intercultural, o direito sobre as terras, a consulta e novas formas de par­ ticipação. As constituições deste ciclo reconhecem as autoridades indígenas, com suas próprias normas e procedimentos, ou seu direito consuetudinário e funções jurisdicionais ou de justiça. Pluralizam as fontes de produção legal do direito e da violência legítima, além das funções de produção de normas, administração da justiça e organização da ordem pública interna poderem ser exercidas tanto pelos órgãos soberanos clássicos do Estado como pelas autoridades dos povos indígenas, sempre sob controle constitucional. No entanto, trata-se de fórmulas não isentas de limitações que nem sempre são implementadas de forma orgânica e sistemática; c) Ciclo do constitucionalismo plurinacional (2006-2009): As Consti­ tuições do Equador e Bolívia propõem uma refundação do Estado a partir do reco­ nhecimento explícito das raízes milenares dos povos indígenas ignorados na pri­ meira fundação republicana. Como parte integrante do Poder Constituinte, esses povos passam a atuar como agentes políticos com direito a definir seu destino, autogovernar-se autonomamente e participar dos novos pactos estatais. Ao defi­ nir-se como Estado plurinacional, resultado de um pacto entre povos, não é um Estado alheio que "reconhece" direitos indígenas, mas as próprias comunidades indígenas se colocam como membros integrantes do Estado e, como tais e junto com outros povos, têm poder de definir 0 novo modelo de Estado.241

8. CLASSIFICAÇÃO QUANTO Ã APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIO­ NAIS: TEORIA DE JOSÉ AFONSO DA SILVA242

Essa classificação não envolve as constituições em si, mas, sim, a aplicabilidade das normas presentes e adstritas às Constituições. Portanto, passamos agora a um breve estudo da teoria das normas constitucionais. Começaremos trabalhando duas teorias que serviram de base para a classifica­ ção mais usada na doutrina e jurisprudência pátrias: 1» Teoria: teoria americana. É a primeira teoria sistematizada que apareceu no mundo sobre a aplicabilidade das normas constitucionais. Ela surgiu no século XIX e foi desenvolvida por autores americanos, sobretudo por Thomas Cooley.243

Qual é seu aspecto central? Ora, ele afirma que em uma Constituição existiríam dois tipos de norma: (a) normas constitucionais autoexecutáveis (self-executing); (b) normas constitucionais não autoexecutáveis (not self-executing).

241. Aqui tomamos como base: PIRES LEAL, Gabriel Bustamente. O Novo Constitucionalismo Latino-americano, 2013. FAJARDO, Raquel Vrigoyen. El horizonte dei constitucionalismo pluralista: dei multiculturalismo a Ia descolonización. In: El derecho en América Latina. Cesar Rodriguez Garavito(org). Siglo Veintiuno Editores, Buenos Aires. Novem­ bro de 2011. p. 139-160 242. Conforme: SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade das normas constitucionais, Ed. Malheiros, 1999. Sobretudo as pp. 73-87,88-102,103-116 e 117-166. 243. COOLEY, Thomas M., A treatise on the constitutional limitations which rest upon thepower of the States ofthe American Union, Boston, 1903.

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Bernardo Gonçalves Fernanoes

Nesse sentido, algumas normas constitucionais seriam dotadas de autoexecutoriedade e outras não teriam tal virtude, mesmo sendo normas presentes na Cons­ tituição. Ou seja, as normas autoaplicáveis seriam dotadas de aptidão para gerar, desde logo, efeitos jurídicos independentemente do legislador ordinário, tendo em vista sua completude. Já as normas não autoaplicáveis necessitariam do legislador, pois não teriam meios necessários para a viabilização dos direitos nelas previstos. Essa teoria de cunho liberal será (duramente) criticada à luz do Constitucionalismo social, que vai se instaurar no século XX. Assim, nesse diapasão os entraves seriam: (i) a alegação de que algumas normas constitucionais não seriam dotadas de imperatividade (destituídas de imperatividade);244 (2) devido ao contexto no qual a classificação estava inserida: falta (inexistência) de análise do papel das normas programáticas típicas das constituições sociais.

2a Teoria: teoria italiana. Surgiu no século XX, a partir, sobretudo, da década de 50, e foi capitaneada por autores como Vezio Crisafulli,245 entre outros.246247 Estes, apesar de não produzirem um resultado adequado ou satisfatório no que tange à aplicabilidade das normas constitucionais, vão, embora não sem divergências, sa­ lientar a importância das intituladas normas programáticas. Sem dúvida, com a doutrina desenvolvida no Brasil por José Afonso da Silva 0 debate ganhou novos ares’47 com a definição explícita de que em uma Constituição não teríamos normas não autoaplicáveis e, portanto, sem aplicabilidade. 0 grande ponto da teoria (que vai se contrapor à teoria americana e até mesmo aos debates italianos) será então que todas as normas constitucionais são dotadas de aplica­ bilidade (praticidade jurídica), pois todas as normas constitucionais teriam eficácia jurídica.

244. Corroborando com essa critica:"enfim o próprio Ruy Barbosa, embora defensor implacável da imperatividade das normas constitucionais, reconhecia que muitas dessas normas - as não autoexecutáveis ou não bastantes em si mesmas - não eram providas dos instrumentos necessários que lhes propiciassem concretude, circunstância que comprometia a sua força normativa vinculante." (CUNHA DA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 156). No mesmo sentido, José Afonso da Silva afirma que:"A classificação pura e simples das normas constitucionais em autoaplicáveis e não autoaplicáveis não corresponde, com efeito, à realidade das coisas e às exigências da ciência jurídica, nem as necessidades práticas de aplicação das constituições, pois sugere a existência, nestas, de normas ineficazes e destituídas de imperatividade, como demonstra o conceito de Cooley, quando fala em regras sem estabelecer normas cujo meio se logre dar a esses princípios vigor de lei." 245. Crisafulli, em La Costituzione e le sue disposizioni di principio (1952) que influenciou diretamente o desenvolvi­ mento da doutrina brasileira da aplicabilidade das normas constitucionais, classificou as normas constitucionais em: a) Normas constitucionais de eficácia plena (aquelas de imediata aplicação) e b) normas constitucionais de eficácia limitada (normas de legislação e programáticas). Sem dúvida, a contribuição de Crisafulli foi a de reco­ nhecer (diferentemente de outros autores italianos como Gaetano Azzariti) às normas programáticas juridicidade entendendo as como jurídico-constitucionais. Aplicabilidade das normas constitucionais, 1999, p. 75. 246. AZZERATI,Gaetano, Problemiattuallididirittocostituzionale, 1951. Dl RUFFIA, Paolo Biscaretti, Dirrittocostituziona te, 1965. 247. Embora não possamos esquecer (olvidar) que J.H.Meirelles Teixeira foi quem primariamente no Brasil se preocu­ pou com uma classificação das normas constitucionais quanto á eficácia. Ele propôs a reformulação da doutrina norte-americana sugerindo a inexistência de normas constitucionais desprovidas de qualquer eficácia. O autor dividiu as normas constitucionais em normas constitucionais de eficácia plena e de eficácia limitada.

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Conceito e classificações

das

Constituições

Isso seria facilmente provado, pois no mínimo dois efeitos todas as normas constitucionais vão conter:

Efeitos positivos

Efeitos negativos

Pelo simples fato de surgir uma nova Constituição, ela revoga tudo do ordenamento anterior que for contrário a ela. As normas constitucionais têm, nes­ ses termos, efeitos positivos, no sentido de proativo, pois revogam (não recepcionam) tudo do ordena­ mento anterior que for contrário a elas.

Pelo simples fato de existir uma Constituição, esta vai vedar/negar ao legislador ordinário a possi­ bilidade de produzir normas infraconstitucionais contrárias a ela; e, se o legislador fizer e o judiciário entender que o legislador o fez, pelo controle de constitucionalidade, ele, judiciário, retira a aludida norma do Ordenamento Jurídico.

Assim, ao mesmo tempo em que ela estabelece essa premissa, também explici­ ta que, se todas as normas constitucionais têm aplicabilidade, esta seria desenvol­ vida em graus. Ou seja, existe uma escala de aplicabilidade, que deve ser aferida em relação às normas constitucionais, sendo que umas (normas) teriam elevado grau de aplicabilidade e eficácia jurídica; outras, reduzido grau de aplicabilidade e eficácia jurídica. Sem dúvida, a teoria da aplicabilidade das normas constitucionais, desenvolvida em terrae brasilis a partir da década de 70 do século XX, é muito comum na doutrina e em arrestos judiciais. Tornou-se corriqueiro no constituciona­ lismo pátrio a teoria que reconhece que todas as normas constitucionais têm apli­ cabilidade e eficácia jurídica, mas que existem graus de aplicabilidade para essas mesmas normas.

Porém, antes de trabalharmos a classificação propriamente dita, é mister que façamos algumas considerações sobre 0 que significam aplicabilidade, eficácia jurí­ dica e eficácia social para essa teoria.

Primeiramente, temos que identificar a noção de aplicabilidade que é central para as nossas futuras digressões. Pois bem, a aplicabilidade de uma norma signifi­ ca, obviamente, a possibilidade de sua aplicação. Se uma norma tem aplicabilidade, significa tão somente que ela é aplicável, ou (como dito) tem a possibilidade de ser aplicada. Mas quais são os requisitos para que isso ocorra? Ora, uma norma só tem aplicabilidade (é aplicável) se preencher determinadas condições (requisitos), quais sejam: 1) vigência (a norma deve estar em vigor, ou seja, ser promulgada e publicada e existir juridicamente com força vinculante); 2) validade (estar em conso­ nância e conformidade com 0 sistema normativo constitucional, não 0 usurpando); 3) eficácia (em termos jurídicos e não sociológicos deve ser trabalhada como a ca­ pacidade de produção de efeitos jurídicos).248 Portanto, a aplicabilidade acaba por depender da eficácia (jurídica) da norma, pois não há possibilidade de aplicação de uma norma que não tem a aptidão para produzir efeitos jurídicos. Esta jamais

248. CUNHA DA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 143.

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seria aplicável! Nesse sentido, conforme a doutrina ora trabalhada "uma norma só é aplicável na medida em que é eficaz" e sendo assim afirma-se que: "eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais constituem fenômenos conexos, aspectos talvez do mesmo fenômeno, encarados por prismas diferentes: aquela como poten­ cialidade; está como realizabilidade, praticidade."245 Pois bem, observada a noção básica da aplicabilidade como possibilidade de aplicação que está sempre depen­ dente da vigência, validade e, sobretudo, da eficácia jurídica, devemos, agora, nos debruçarmos sobre sua análise.

A eficácia jurídica se diferencia da intitulada eficácia social. Nesses termos, a eficácia jurídica é entendida como a aptidão (potencialidade) de uma norma para a produção de efeitos em situações concretas.249 250 Nesse sentido, como já colocado na base da teoria anteriormente exposta, todas as normas constitucionais teriam eficácia jurídica, variando-se o seu grau (e com isso a aplicabilidade! Ou seja, possibilidade de aplicação, de serem realizadas, praticadas.). Já a eficácia social é o que poderiamos chamar de efetividade, ou seja, a real e efetiva produção concreta de efeitos.251 Com isso, a eficácia social designa que a norma é realmente obedecida e aplicada (tendo o que podemos chamar de efetividade). Nesse diapasão, são as digressões de Luís Roberto Barroso ao referendar que a "efetividade (eficácia social) significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social."252253

Assim, para efeito de conclusão, para a teoria ora exposta uma norma pode perfeitamente ter eficácia jurídica sem ter eficácia social (efetividade ou validade social), ou seja, ter eficácia jurídica (e com isso ter aplicabilidade) sem ser social­ mente eficaz, gerando, por exemplo, efeitos jurídicos como o de revogar tudo do ordenamento anterior contrário a elas e, apesar disso, não ser efetivamente cum­ prida no plano social.25’ À luz da teoria ora ventilada, podemos afirmar que as normas constitucionais, no que diz respeito à sua eficácia jurídica, seriam classificadas como:

1)

Normas constitucionais de eficácia plena: reúnem todos os elementos ne­ cessários para a produção de todos os efeitos jurídicos imediatos. São

249. SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Ed. Malheiros, 1999, p. 60. 250. TEMER, Michel, Elementos de direito constitucional, 2003, p. 23. 251. Conforme o próprio José Afonso da Silva: *[...] a eficácia jurídica da norma designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular, desde logo, as situações, relações e comportamentos de que cogita; nesse sentido, a eficácia diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicação jurídica. O alcance dos objetivos da norma constitui efetividade. Esta é, portanto, a medida da extensão em que o objetivo é alcançado, relacionando-se ao produto final Aplicabilidade das normas constitucionais, 1999, p. 66. 252. BARROSO, Luis Roberto, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, limites e possibilidades da Constitui­ ção brasileira, 1993, p. 79. 253. SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Ed. Malheiros, 1999, p. 66.

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Conceito e

classificações das

Constituições

dotadas de uma aplicabilidade imediata, direta. Temos como exemplos os artigos: 1°, 22, I; 44; 46 da CR/88.

2)

Normas constitucionais de eficácia contida: nascem com eficácia plena, reú­ nem todos os elementos necessários para a produção de todos os efeitos jurídicos imediatos, mas terão seu âmbito de eficácia restringido, reduzido ou contido pelo legislador infraconstitucional (ordinário).254 Temos como exemplos os artigos: 5», incisos XIII (sobre a regulamentação de profissões) e VIII (escusa de consciência), art. 37,1, da CR/88.

3)

Normas constitucionais de eficácia limitada: são as únicas que, definitiva­ mente, não são bastantes em si. Nesses termos, elas não reúnem todos os elementos necessários para a produção de todos os efeitos jurídicos. São normas que têm aplicabilidade apenas indireta ou mediata. Elas vão preci­ sar de regulamentação para a produção de todos os efeitos jurídicos. Essas normas só vão ter aplicabilidade direta e imediata se forem reguladas, complementadas pelo legislador infraconstitucional. Elas se dividem em:



Normas constitucionais de eficácia limitada de princípios institutivos: são normas constitucionais que traçam esquemas gerais de organi­ zação e estruturação de órgãos, entidades ou instituições do Estado. E, obviamente, vai depender do legislador a complementação desses esquemas gerais. Exemplos: arts. 18, § 2°; 33, caput; 25, § 3»; 90, § 2° da CR/88. É mister salientar que as normas de eficácia limitada de princípios institutivos podem, ainda, ser subdivididas em impositivas (determinam ao legislador em termos peremptórios a emissão de uma legislação integrativa) e facultativas (não impõe uma obrigação, limi­ tam-se a dar ao legislador ordinário a possibilidade de instituir ou regular uma situação nelas delineada).255



Normas constitucionais de eficácia limitada de princípios programáticos: traçam tarefas, fins e programas, para cumprimento por parte dos Poderes Públicos e atualmente pela própria sociedade. Exemplos: arts. 196; 205; 217; 218 todos da CR/88.

Após a descrição teórica com a respectiva classificação é mister elaborarmos algumas reflexões:

254. Segundo José Afonso da Silva:'[...] São aquelas em que o legislador constituinte regulou suficiente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos conceitos gerais nela enunciados." Aplicabilidade das normas constitucionais. Ed. Malhelros, 1999, p. 116. 255. Exemplo de Impositiva: "Art. 33. A lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dos territórios." Exemplo de facultativa: Art 22, parágrafo único: "Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões especificas das matérias relacionadas neste artigo." SILVA, José Afonso da, Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Ed. Malheiros, 1999, p. 126-127.

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i») Reflexão: é muito comum o estabelecimento de uma confusão em relação às normas constitucionais de eficácia contida e limitada. Nesse sentido, qual seria a diferença entre elas? Alguns autores vão afirmar que a norma de eficácia limitada se diferencia pela atuação do legislador (conforme a constituição: "[...] nos termos, na forma, nas hipóteses que a lei estabe­ lecer [...]"). Acreditamos que esse padrão de diferenciação é errôneo e equivocado, pois todas as duas (tanto a limitada quanto a contida) vão trabalhar com a sindicabilidade da atuação do legislador (como explicitado anteriormente: "[...] nos termos da lei, mediante lei Nesses termos, a diferença não envolve a atuação ou não dos Poderes Públicos (em ambas há atuação), mas, sim, a maneira ou o modo pelo qual a atuação se desen­ volve (se realiza). As normas de eficácia contidas vão ter a atuação do legislador para restringir, reduzir. Elas têm uma aplicabilidade direta e imediata, independentemente da in­ terferência ou sindicabilidade do legislador. Por exemplo, citamos novamente o art. 5°, VIII (escusa de consciência). As normas de eficácia limitada vão requerer (necessitar) a atuação do legisla­ dor para passarem a ter eficácia plena, para a devida complementação (regulamen­ tação) da Constituição. Ou seja, a atuação dos Poderes Públicos será para aumentar o âmbito de eficácia das normas constitucionais. 2») Reflexão: refere-se às normas constitucionais de eficácia limitada (de prin­ cípios institutivos ou programáticos). Senão, vejamos, considerando que ainda não houve a sindicabilidade (atuação) dos Poderes Públicos (do le­ gislativo ou do executivo), é possível afirmar que elas teriam algum tipo de aplicabilidade? Essa pergunta muito comum deve ser respondida de forma afirmativa. Portanto a resposta correta é sim, em razão da base da teoria brasileira que preleciona, como supracitado, que todas as normas constitu­ cionais têm aplicabilidade (no mínimo os efeitos positivos e negativos elas sempre terão). Com isso, elas sempre terão uma aplicabilidade ou eficácia jurídica, mesmo sem a atuação dos Poderes Públicos. É claro que essa aplicabilidade é indireta e mediata e a eficácia jurídica é limitada, como já observado. Com isso, é correto afirmar que essas normas não produzem todos os efeitos, mas produzem alguns efeitos (como dito: o efeito positivo e o negativo).

Após essas pequenas e necessárias reflexões, algumas críticas também são pertinentes, pois demonstram que, apesar do uso corriqueiro da teoria, ela se tor­ na insustentável à luz de perspectivas hermenêuticas mais sofisticadas.

1a) Crítica: esta é uma teoria de cunho semântico, que define, a priori, o con­ teúdo normativo de uma norma, ou seja, na verdade ele predefine o con­ teúdo normativo da norma jurídica. Uma norma jurídica diferencia-se do seu texto. Essa teoria confunde a norma jurídica com o seu texto. Ela não 116

Conceito

e classificações das

Constituições

leva em consideração o momento de aplicação do que está contido no texto da norma esquivando-se ou esquecendo-se de analisar a situação concreta de aplicação. Nesses termos, a teoria de forma estática e a priori define quais normas tem eficácia plena e quais tem eficácia limitada, sem relacioná-las com um contexto, ou melhor, com uma situação de aplicação, bastando para a classificação o texto da norma. 2a) Crítica: essa teoria faz uma subversão do ordenamento jurídico, pois ela passa a dar mais importância e sobretudo peso à legislação infraconsti­ tucional do que à própria Constituição. Ou seja, apesar de a norma es­ tar presente na constituição, ela não pode ser aplicada devido à falta de regulamentação infraconstitucional! Ora, não estamos aqui defendendo a desnecessidade de regulamentação e esmiuçamento das normas constitu­ cionais, porém essa necessidade não pode se sobrepor à força normativa da Constituição/56 fazendo com que os Poderes Públicos, vez por outra, utilizem-se de um verdadeiro "álibi" para a não viabilização de direitos definidos e assegurados na Constituição/57

3a) Crítica: é de se notar que essa teoria pretende apenas classificar as cons­ tituições quanto à eficácia das regras constitucionais, uma vez que, dada sua lógica, parece não se aplicar aos princípios constitucionais, que, no moderno constitucionalismo, são espécies normativas dotadas de igual de­ ver de observância que as regras constitucionais. Todavia, os princípios se diferenciam das regras, justamente, pela sua lógica de aplicação, que somente se revela diante do caso concreto e nunca a priori. Até porque

256. Um exemplo interessante ocorreu na década de 90 na jurisprudência do STF. O art. 5o, inciso XII, CR/88, trouxe explicitamente a possibilidade de interceptação telefônica por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Após inúmeras interceptações concedidas pelo Poder Judiciário (conforme ditame constitucional), que resultaram em uma série de prisões por delitos desvelados nas interceptações, a discussão teve a análise do STF, pois, ao serem presos com base nas inter­ ceptações telefônicas concedidas, uma série de habeascorpus foi interposta sob a alegação de que a prova com base na interceptação era ilícita por falta de regulamentação legal. O STF aceitou essa tese por considerar a norma inscrita no art. 5o, XII, de eficácia limitada e deferiu uma série de habeas corpus. Somente em 1996 a interceptação telefônica foi regulamentada pela Lei n° 9.296/96. Conclui-se, então, que, nesse caso, passou a ser mais importan­ te para o STF a norma infraconstitucional do que a própria Constituição. Essa teoria pode levar o Poder Judiciário a deixar de aplicar a Constituição porque não existe norma infraconstitucional regulamentando-a, subvertendo o ordenamento. 257. Critica também exposta por André Ramos Tavares, nos seguintes moldes: há uma tomada de consciência de que as normas programáticas não são implementadas por força de decisões essencialmente políticas. Se é certo que se reconhece o direito à discricionariedade administrativa, bem como a conveniência e oportunidade de praticar determinados atos, não se pode tolerar o abuso de direito que se tem instalado na atividade desempenhada pelos responsáveis por implementar as chamadas normas programáticas. Após diversos anos de vigência da Constituição, fica-se estarrecido com o desprezo com que foram premiados determinados comando constitu­ cionais, com uma doutrina formalista a serviço da desconsideração de sua normatividade plena. Curso de direito constitucional, p. 85. No que tange a algumas normas programáticas que dizem respeito a direitos sociais, te­ mos que alguns Tribunais pátrios (para alguns: assumindo uma postura ativista), incluindo o STF, já vem dando uma aplicação imediata a elas à luz da teoria do mínimo existencial atrelado à dignidade da pessoa humana. Os exemplos atuais envolvem, sobretudo, normas sobre saúde e educação presentes na Constituição. Como exem­ plo, citamos o RE n° 410.715 (Rei. Min Celso de Mello).

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os princípios se ligam aos direitos fundamentais, em sentido amplo e, por isso, devem ser considerados por um constitucionalismo renovado como normas de eficácia plena a serem concretizadas em uma situação de apli­ cação.’58*

9. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIO­ NAIS DE CARLOS AYRES BRITTO E CELSO RIBEIRO BASTOS2” Trata-se de uma classificação’60 que envolve a vocação das normas constitu­ cionais para atuação ou não do legislador. Dependendo da vocação, elas serão classificadas em:

A)

Normas Constitucionais de aplicação: não vão necessitar da sindicabilidade (atuação) do legislador. Equivale, na teoria de José Afonso da Silva, às nor­ mas de eficácia plena. Porém, elas são subdivididas em duas: •

Normas Constitucionais de aplicação irregulamentáveis: não há ne­ nhuma possibilidade de atuação do legislador, nem se ele quiser. São normas cuja matéria é insuscetível de tratamento no nível infraconstitucional.26’ Nesse sentido, nos moldes trabalhados pelos autores, são normas em que "a normatividade surge e se esgota na própria consti­ tuição". Como exemplo os autores citam o artigo 2« da CR/88.



Normas Constitucionais de aplicação regulamentáveis: não há nenhu­ ma possibilidade de atuação do legislador para produzir mais efeitos, mas o legislador pode atuar (pois a norma é regulamentável), embora não necessite (precise) dessa atuação. Nesse sentido, a atuação servi­ rá apenas para auxiliar a norma constitucional à sua melhor aplicação. Porém, é mister referendar que, com o legislador atuando ou não, a norma será dotada de eficácia plena.

258. Clássica já se tornou a definição de J. J. Gomes Canotilho, que entende que a Constituição deve ser compreendi­ da como um sistema jurídico aberto de regras e princípios. Nesses termos: (1) é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico; (2) é um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica, traduzida na disponibilidade e capacidade de aprendizagem das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da verdade e da justiça; (3) é um sistema normativo, porque a estruturação das expectativas referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita por melo de normas; (4) é um sistema de regras e princípios, pois as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a forma de regras. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito constitucional e teoria da Constituição, 2003, p. 1.085. 259. BASTOS, Celso Ribeiro; BRITTO, Carlos Ayres. Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Ed. Saraiva, 1982, p. 62-63. 260. Essa classificação está sujeita às mesmas criticas da Teoria da Aplicabilidade das normas Constitucionais de José Afonso da Silva. 261. Conforme os autores:'São normas que Incidem diretamente sobre fatos regulados, repudiando qualquer regramento adjutório, normas cuja matéria é insuscetível de tratamento, senão a nível constitucional.’’ BASTOS, Cel­ so Ribeiro; BRITTO, Carlos Ayres. Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Ed, Saraiva, 1982, p. 39.

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Conceito e classificações das Constituições

B)

Normas Constitucionais de integração:26’ necessitam (pedem ou carecem) da atuação do legislador. Entre elas, temos mais uma subdivisão em: •

Normas Constitucionais de integração completáveis: são aquelas que requerem uma atuação dos Poderes Públicos para ganhar eficácia plena. Ou seja, carecem de complementação (regulamentação) para adquirir o status de normas de aplicação, ou seja, para a produção integral de seus efeitos. Elas se equivalem às normas constitucionais de eficácia limitada.



Normas Constitucionais de integração restringíveis: são aquelas nor­ mas constitucionais que requerem uma atuação para a restrição ou contenção de seus efeitos (campo de incidência). Equivalem às normas constitucionais de eficácia contida.

10. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITU­ CIONAIS DE MARIA HELENA DINIZ262 263

Essa classificação guarda uma semelhança na sua base de fundamentação com a teoria de José Afonso da Silva.264 A professora Maria Helena Diniz confirma com o mesmo nome a norma constitucional de eficácia plena. Também trabalha com a norma constitucional de eficácia contida chamando-a de norma consti­ tucional de eficácia relativa restringível. E denomina a norma constitucional de eficácia limitada de norma constitucional de eficácia relativa dependente de complementação.

Porém, acrescenta mais uma classificação para as normas constitucionais. Elas também podem ser de eficácia absoluta. Elas são justamente as normas constitucio­ nais imodiflcáveis (insuscetíveis de modificação), que não podem ser modificadas. Na sua classificação são as normas do artigo 6o, § 4°, da CR/88, que se intitulam (não sem problemas!) como "cláusulas pétreas".

Mas, aqui, podemos estabelecer uma crítica à professora e aos adeptos de sua classificação. Sem dúvida, as intituladas por muitos de cláusulas pétreas não podem ser abolidas, mas podem ser, sim, modificadas (melhoradas, sofisticadas). Existe uma diferença entre não poder abolir e não poder modificar que não é levada a sério por aqueles que adotam a classificação das normas constitucionais de eficácia absoluta.

262. Nesses termos: "têm por traço distintivo a abertura de espaço entre seu desiderato e o efetivo desencadear dos seus efeitos. No seu interior existe uma permanente tensão entre a predisposição para incidir e a efetiva concreção. Padecem de visceral imprecisão, ou deficiência instrumental, e se tornam, por si mesmas, inexequiveis em toda a sua potencialidade." BASTOS, Celso Ribeiro; BRITTO, Carlos Ayres. Interpretação e aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Ed. Saraiva, 1982, p. 48. 263. DINIZ, Maria Helena, Norma constitucional e seus efeitos, p. 97-104. 264. Essa classificação está sujeita às mesmas criticas da Teoria da Aplicabilidade das normas Constitucionais de José Afonso da Silva.

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11. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITU­ CIONAIS DE LUÍS ROBERTO BARROSO265

Segundo o constitucionalista Luís Roberto Barroso, as normas constitucionais podem ser classificadas em:

a)

normas constitucionais de organização: são aquelas que se direcionam aos poderes do Estado e seus agentes, podendo obviamente repercutir ou causar impacto na esfera dos indivíduos. Elas são normas que definem competência dos órgãos constitucionais, criam órgãos públicos e, ainda, es­ tabelecem e regulam os processos e procedimentos de revisão (alteração) da Constituição.

b)

normas constitucionais definidoras de direitos: são as normas que en­ volvem, ou, pelo menos, guardam relação com os direitos dassicamente intitulados de subjetivos. Essas normas, de acordo com a posição ou en­ quadramento dos cidadãos em relação às normas, subdividem-se em: b.i) normas que originam situações desfrutáveis que irão depender apenas de uma abstenção; b.2) normas que ensejam a exigibilidade de prestações positivas do Estado; b.3) normas que agasalham interesses cuja realização (efetivação/viabilização) depende da produção de normas infraconstitucionais de cunho integrador.

c)

normas constitucionais programáticas: são aquelas que indicam fins a se­ rem alcançados, bem como estabelecem princípios ou programas de ação para os Poderes Públicos.

12. CLASSIFICAÇÃO TRABALHADA POR UADI LAMMÊGO BULOS DAS NOR­ MAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA EXAURIDA266 É interessante ainda citar a digressão de Lammêgo Bulos em que afirma existir mais de um tipo de normas constitucionais. Seriam as normas constitucionais de eficácia exaurida. Como exemplo, temos as normas constitucionais do ADCT267268 (atos das disposições constitucionais transitórias) que já cumpriram sua função no Orde­ namento Jurídico, no que tange à perspectiva de regulação jurídico-temporal.

13. ESTRUTURA E ELEMENTOS DAS CONSTITUIÇÕES

As Constituições, segundo a doutrina pátria, apresentam, em regra, a seguinte estrutura: (a) Preâmbulo; (b) Parte Dogmática; (c) Disposições transitórias.168

265. BARROSO, Luís Roberto, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, p. 84-106. 266. BULOS, Uadi Lammêgo, Curso de direito constitucional, 2006. 267. Aqui uma observação importante. O ADCT, ou seja, os atos das disposições constitucionais transitórias fazem parte da Constituição, e, portanto, são considerados normas constitucionais que só podem ser modificadas por emenda constitucional. 268. Nesse sentido, ver: CUNHA DA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 119-120.

120

Conceito e classificações das Constituições

0 preâmbulo269 deve ser compreendido como uma verdadeira carta de inten­ ções, uma proclamação de princípios, um diploma de origem e legitimidade da Constituição que indica a ruptura com o passado e o surgimento do novo texto constitucional que irá reger o Estado e a sociedade.270

Sem dúvida, há uma enorme divergência em relação: (a) ao preâmbulo ser ou não parte do texto constitucional, propriamente dito; (b) se o preâmbulo é dotado ou não de força normativa. Sobre a primeira dúvida, há uma corrente que sustenta que, por uma interpre­ tação sistemática, o preâmbulo deve ser entendido como parte do texto constitu­ cional. Na realidade seria uma parte precedente, inicial, que apresenta e "sintetiza" os princípios norteadores do documento constitucional. Outra corrente de autores entende, a partir de uma lógica de cunho literal e gramatical,271272 *que o preâmbulo 273 não está contido no corpo da Constituição, sendo apenas uma proclamação de princípios, ou um diploma de intenções do texto constitucional que se iniciaria com o artigo i» da Constituição. Dessa primeira questão desaguamos na segunda diver­ gência, visto que as duas estão intimamente relacionadas. Sobre a segunda questão, alguns advogam2'2 que o preâmbulo é dotado de força normativa na medida em que tecnicamente é parte integrante da Constituição. Essa corrente de tradição francesa275 entende, portanto, que o preâmbulo deve ser considerado norma constitucional dotada de força vinculante.

Uma segunda linha de doutrinadores, por outro lado, afirma que o preâmbulo não tem força normativa, não podendo, portanto, ser considerado norma consti­ tucional. É bem verdade que a segunda corrente não desconsidera o preâmbulo de todo, pois ela, pelo menos, reconhece que, apesar de não ser dotado de força vinculante, ele pode ser usado (manejado) como elemento de interpretação e in­ tegração do texto constitucional propriamente dito. Porém, apesar disso, ela, não negando suas origens, preleciona que o preâmbulo não pode contrariar texto ex­ presso da Constituição e, muito menos, pode ser usado como paradigma (parâme­ tro) para o controle de constitucionalidade das leis na medida em que não é parte integrante do texto constitucional.

269. A palavra “preâmbulo" se origina do latim (praeambulo).’Na linguagem comum significa o conjunto de frases que introduz o texto principal". OLIVEIRA, Márcio Luís de, A força normativa do preâmbulo, 2009, p. 1. 270. No que tange ao ordenamento jurídico-constitucional pátrio, certo é que todas as Constituições brasileiras {1824, 1891,1934,1937,1946.1967-69,1988) foram introduzidas por preâmbulos. 271. Nesse sentido prelecionam com uma base textual que a literalidade indicaria que o preâmbulo que começa com a frase: "nós representantes do povo brasileiro" é finalizado com a seguinte expressão: promulgamos "a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil". 272. Entre eles: Menelick de Carvalho Netto, Jorge Miranda, Georges Vedei, Edvaldo Brito, Dirley da Cunha Júnior, Georges Bordeau, Giuseppe Vergottini e Kildare Gonçalves Carvalho, entre outros. 273. Visto que o Conselho Constitucional, órgão que controla a constitucionalidade das leis na França, afirmou a força normativa do preâmbulo da Constituição francesa de 1958.

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Assim, temos uma primeira corrente que afirma a relevância jurídica direta e imediata do preâmbulo, conforme demonstramos, e uma segunda corrente que concede ao preâmbulo uma relevância jurídica indireta, reflexa ou apenas mediata (de cunho hermenêutico), conforme também explicitamos. Porém, há ainda uma terceira corrente que desconsidera por inteiro o preâmbulo. Essa é a tese da irrelevância jurídica do preâmbulo, que o considera como uma mera expressão política (com isso, ele não funcionaria nem mesmo como elemento de integração e interpretação do texto constitucional). Portanto, seguindo a esteira do professor de Lisboa Jorge Miranda, temos: a) relevância jurídica direta e imediata (atribui ao preâmbulo plena natureza jurídica equiparando-o a qualquer outra norma constitucional); b) relevância jurídica indireta (reconhece o preâmbulo como um vetor de cunho hermenêutico, situando-o, por conseguinte, numa condição inter­ mediária entre a relevância jurídica direta e a irrelevância jurídica); c) irrelevân­ cia jurídica (preâmbulo constitucional não tem natureza normativa, sendo apenas uma declaração política e, portanto, de caráter mais simbólico do que propria­ mente jurídico).274

Somos da opinião de que o preâmbulo é dotado de força normativa e rele­ vância jurídica direta e imediata e deve ser obedecido como qualquer outra nor­ ma presente na Constituição, até mesmo porque ele, de forma precedente, acaba por ser a síntese da normatividade constitucional posteriormente desenvolvida explicitando princípios dotados de inerente normatividade.

Porém, o posicionamento majoritário ainda é aquele que não reconhece força normativa ao preâmbulo. Este, inclusive, vem sendo o posicionamento do Su­ premo Tribunal Federal que, na ADI n° 2.076/AC, de Relatoria do Ministro Carlos Velloso,275 negou força normativa obrigatória ao preâmbulo. 0 caso envolveu pe­ dido formulado pelo PSL contra 0 preâmbulo da Constituição do Acre alegando a inconstitucionalidade por omissão no que diz respeito à falta da expressão "sob a proteção de Deus", constante no preâmbulo da Constituição da RFB/88. Nesse caso, o Pretório Excelso considerou que a invocação da proteção de Deus no preâmbulo da Constituição não seria dotada de força normativa, desconsiderando a alegação de que a expressão em causa seria uma norma de reprodução obri­ gatória para os Estados-membros em suas respectivas Constituições. Mas, aqui, uma advertência: é bom que se diga que já existem vozes dissonantes no STF que corroboram com 0 nosso posicionamento. Nesse sentido, recentemente, a Minis­ tra Cármen Lúcia na ADI n° 2.649 deixou assente que 0 preâmbulo deve ser dotado de relevância jurídica.276

274. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 1983, t. 2, p. 209. 275. ADI n 1533/51 e outros arcabouços normativos que diziam respeito ao mandamus.4

1.2. Requisitos do Mandado de Segurança Para que possamos trabalhar de forma adequada com 0 instituto, é mister ob­ servarmos, conforme a doutrina, os requisitos necessários para a existência de um mandado de segurança. Nesses termos, seriam eles:

i°) Ato comissivo ou omissivo da autoridade pública ou agente jurídico no exer­ cício de atribuições públicas. Em regra: não haverá mandado de segurança sem ato (seja administrativo, legislativo ou judicial). E o mesmo, conforme externado, deve ser praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no uso de atri­ buições públicas.

Mas, a rigor, 0 que a doutrina e a jurisprudência entendem por autoridade pública? Ora, por autoridade pública deve-se entender todo agente público que detém poder de decisão e é titular de uma esfera de competência. Nesse sentido, são

2.

3.

4.

732

Embora existisse, antes dessa Constituição, a chamada doutrina brasileira do habeas corpus que interpretava o mesmo habeas corpus de forma ampla não só para proteger a liberdade de locomoção, mas também para pro­ teger o indivíduo de qualquer tipo de abuso de poder (ainda que sem relação com direito de ir e vir); inspirando, portanto, o que posteriormente foi concebido como mandado de segurança na Constituição seguinte. A Lei n° 12.016/09 foi sancionada em 07.08.2009 e publicada no D.O.Ude 10.08.2009e entrou em vigor deforma imediata na data de sua publicação. Certo é que a nova Lei revogou inúmeros textos legais sobre o mandado de segurança. Porém, não inovou de maneira radical a tradicional ação do mandamus. O que a lei traz, além de umas poucas inovações, é a consolidação em um único diploma das diversas normas concernentes ao mandado de segurança, que existiam espalhadas nos textos normativos sobre o mesmo, bem como uma plêiade de direcio­ namentos jurisprudenciais sobre o remédio heroico, que já estavam sumuladas pelo STF e pelo STJ. Conforme o art. 29 da Lei n“ 12.016/09, foram revogadas as Leis n°s 1.533, de 31 de dezembro de 1951,4.166, de 4 de dezembro de 1962,4.348, de 26 de junho de 1964,5.021, de 9 de junho de 1966; o art. 3o da Lei n° 6.014, de 27 de dezembro de 1973, o art. 1 ° da Lei n° 6.071, de 3 de julho de 1974, o art. 12 da Lei n° 6.978, de 19 de janeiro de 1982, e o art 2o da Lei n° 9.259, de 9 de janeiro de 1996.

Ações Constitucionais

autoridades públicas os representantes da administração pública direta (União, Es­ tados, Distrito Federal e Municípios) e os agentes da administração indireta (autar­ quias e fundações).

Mas, atenção, pois o conceito de autoridade pública para fins de mandado de segurança é ainda mais extenso, alcançando, também os agentes que desempe­ nham atividades em nome de pessoas jurídicas de direito privado cujo capital social seja majoritariamente titularizado pelo Poder Público. Estamos obviamente falando dos agentes vinculados às sociedades de economia mista e às empresas públicas, quando praticarem atos regidos pelo direito público.5

E o que a doutrina entende pela expressão agente de pessoa jurídica no exer­ cício de atribuição pública? Estes seriam os representantes de pessoas jurídicas de direito privado (em cujo capital social não há a participação do Poder Público). Sendo assim, toda vez que o particular atuar sob delegação do Poder Público seria cabível o remédio heroico.6 Mas, aqui, há uma advertência: não devemos confundir os conceitos de ativi­ dades delegadas e autorizadas. Na atividade delegada, o particular desempenha função que seria de atribuição do Poder Público, possibilitando, assim, o cabimento do mandado de segurança (vide Súmula n° 510). Porém, na atividade (meramente) autorizada, tem-se apenas a fiscalização do Poder Público (com seu poder de polí­ cia) em face de sua natureza ou importância social, 0 que não possibilita (a priori) 0 mandado de segurança.7 Daí a conclusão insofismável de que a simples razão de ser a atividade autorizada pelo Poder Público (como, por exemplo, no caso das escolas, seguradoras, bancos e consórcios...) não torna automaticamente viável 0 ajuizamento da ação heróica, pois 0 agente de pessoa jurídica privada pode tam­ bém realizar atos de interesse interno e particular. Assim, é sempre condição sine qua non a existência de delegação (ato realizado por delegação pública) para que haja a possibilidade de impetração do writ contra particular.8

5.

6.

7. 8.

Se o ato estiver regido apenas pelo direito privado (atos realizados no interesse interno e particular da empresa ou instituição), não caberá mandado de segurança! Aqui é importante citar uma interessante e recente delimi­ tação do STJ com a edição em 2007 da Súmula n° 333, que preleciona: cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública. Nesses termos, a súmula 510 do STF afirma que: “Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ele cabe o mandado de segurança ou a medida judicial'1 É interessante aqui, observarmos de forma extensiva que, conforme a doutrina: A expressão competência delegada deve ser compreendida como sinônimo de exercício de função pública. Onde quer que haja função pública cabe mandado de segurança, desde que estejam presentes seus demais pressupostos constitucionais e legais. In: Mandado de Segurança, Scarpinella Bueno, Cãssio, p. 22,2009. In: Mandado de Segurança. Sodré, Eduardo, p. 92,2007. Nesses termos, conforme abalizada doutrina: quando o diretor de uma escola particular nega ilegalmente uma matrícula, ou uma instituição bancária rejeita ilegalmente uma operação de crédito, ou a empresa comete uma ilegalidade no desempenho de função delegada, cabe mandado de segurança. STF, RTJn° 66/442, fíDA n° 72/206, RTn° 329/840 e Súmula n°510; STJ REsps n° 100.941-CE e n° 101596-CE, ambos Rei. Ari Pargendler,DJU 13.10.97. Mas, quando tais entidades, por seus dirigentes, realizam atividade civil ou comercial estranha à delegação, res­ pondem perante a Justiça como particulares desvestidos de autoridade pública e por isso só se sujeitam às ações

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A recente Lei n 12.016/09, em consonância com a doutrina e jurisprudência sobre 0 tema, ora debatido, afirma categoricamente que "não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público".

Por último, é importante deixarmos consignado que a regulamentação do manda­ mus também explicita aqueles que devem ser equiparados à autoridade, reforçando, no seu texto, a necessidade do exercício de atribuições do Poder Público. Nesses termos, para esse diploma legal, "equiparam-se às autoridades, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atri­ buições do Poder Público, somente no que disser respeito a essas atribuições". 2°) Ilegalidade ou abuso de poder. É mister que 0 ato seja dotado de ilegalida­ de’ (entendida de forma ampla como violação no que diz respeito a: norma consti­ tucional, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções, editais de concurso, decretos regulamentares etc.) ou abuso de poder (entendido como uma ilegalidade que vai além dos parâmetros e limites permitidos por lei)10. E, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial, esse ato pode ser tanto vinculado como discricionário* 11 (este, sobretudo, no que diz respeito a alguns pressupostos, como, por exemplo, aos elementos de com­ petência, forma e finalidade, existindo resistência da doutrina e da jurisprudência apenas no que diz respeito ao cabimento de mandamus para atacar 0 mérito dos atos administrativos discricionários, ou seja, seus elementos motivo e objeto. Assim, 0 Judiciário, conforme corrente majoritária, só pode controlar a legalidade dos atos

comuns, excluindo o mandamus. Certa é que a jurisprudência vem reconhecendo a possibilidade de impetração de mandado de segurança contra agentes de: estabelecimentos particulares de ensino, sindicatos, agentes fi­ nanceiros e serviços sociais autônomos (SESI, SESC, SENAI, entre outros). Dl PIETRO, Maria Sylvia, Direito adminis­ trativo, 2003, p. 662. 9. Nesses termos, conforme doutrina: "A ilegalidade é delimitada como contraste entre o ato cuja invalidade é pre­ tendida no mandado de segurança e a norma juridica na qual deveria ter sido (o mesmo) praticado [_.] A elocução ilegalidade alcança os vícios da ilegalidade e da inconstitucionalidade, porquanto o mandado de segurança é hábil para suscitar o controle de constitucionalidade difuso, instrumentalizado pela via de exceção." MORAES, Guilherme Pena de, 2008, p. 159. 10. Conforme a doutrina: o abuso de poder é uma ilegalidade qualificada pela arbitrariedade. Todavia pode ocorrer o abuso de poder também quando o ato impugnado for formalmente legal, mas substancialmente desproporcional. ALMEIDA, Gregório Assagra de, Manual das ações constitucionais, 2007, p. 443. 11. Conforme as lições de Raquel Melo Urbano de Carvalho: (...) No tocante aos atos discricionários, não se pode imis­ cuir no núcleo da conveniência e oportunidade administrativas, o que em nenhum momento significa a exclusão de qualquer controle jurisdicional como ortodoxamente já se defendera no Direito Administrativo. Atualmente, pode o Judiciário aferir os aspectos vinculados do ato que seja discricionário no conteúdo e/ou no motivo. Um ato discricio­ nário quanto ao conteúdo pode ter, p. ex., o sujeito, a Finalidade, o motivo, e a forma fixados de modo vinculado na lei. Nesse caso, incumbe ao magistrado verificar os pressupostos (subjetivo, teleológico e fático) e o elemento formal vinculado da atuação administrativa. Outrossim, no tocante à discricionariedade, impõe-se uma interpretação sis­ têmica do ordenamento constitucional, das normas legais e administrativas de regência, de modo a definir qual é a margem de liberdade que, de fato, remanesce naquele caso concreto. Deve o judiciário delimitar os contornos da discricionariedade (ação dentro dos limites da lei) a fim de evitar que, com base nela, possa o administrador resvalar em comportamento arbitrário (ação fora dos limites da lei). Curso de direito administrativo, 2008, p. 567-568.

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Ações Constitucionais

administrativos discricionários de outros Poderes, mas não pode controlar o mérito dos mesmos).1213 14

3°) Lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo. Nesses termos, o man­ dado de segurança poderá ser tanto repressivo quanto preventivo. 0 primeiro para cessar com a lesão a direito líquido e certo e o segundo para evitar a lesão a direi­ to líquido e certo.

4°) Requisito da subsidiariedade: 0 ato dotado de ilegalidade ou abuso de poder que lesiona (ou ameaça de lesão) direito líquido e certo não pode ser ampa­ rado por habeas corpus (art. 5°, LXVIII, da CR/88) ou habeas data (art. 5», LXXII, da CR/88).” 1.3. Espécies de Mandados de Segurança

Tradicionalmente, temos a diferenciação do mandado de segurança em repres­ sivo e preventivo. 0 primeiro visa a cessar a lesão a direito líquido e certo já existente e 0 segundo objetiva a evitar a lesão a direito líquido e certo em virtude de ameaça concreta (demonstração de atos ou situações atuais que configurem a ameaça ou risco de lesão ao direito subjetivo'4).

1.4. Direito Líquido e Certo Conforme entendimento doutrinário15*e jurisprudencial, 0 direito líquido e certo é aquele direito comprovado de plano, que resulta de fato certo, com prova

12.

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14.

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Nesse sentido, explicita Raquel Carvalho que: (...] O controle judicial, destarte, é possível para aferir a juridicidade que condiciona os limites da liberdade outorgada à Administração. Não se legitima a invasão do espaço de decisão política reservado ao Poder Público, sob pena do magistrado transmutar-se indevidamente em adminis­ trador, substituindo, por seus próprios critérios de escolha, a opção feita pela autoridade competente com base em razões de oportunidade e conveniência que ela, melhor do que ninguém, pode decidir diante de cada caso concreto (Curso de direito administrativo, 2008, p. 567-568). Na mesma linha, Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 2006, p. 837 e 850. Mas, aqui, é bom que se diga, que a cada dia mais, teorias vem sendo desenvolvidas para enfrentar os limites dos atos discricionários (e a atuação do administrador com base neles). Essas, à luz de um intitulado "atívismo judicial", visam a ampliar o nível de controle judicial sobre os mes­ mos, com fundamentos em princípios como o da proporcionalidade. Exemplos: 1) À luz do art. 5o, XVI, da CR/88 é marcada uma reunião para determinado logradouro com fins líci­ tos, pacífica e sem armas e com prévio aviso às autoridades competentes. Se o destacamento da Polícia Militar por ordem de seu comandante impede a passagem dos manifestantes para não deixar que aconteça a reunião, caberia o manejo de um Mandado de Segurança ou de um Habeas Corpus? A resposta correta seria o mandado de segurança, pois o cerceamento da passagem foi o meio para atingir o fim, qual seja, cercear o direito de reu­ nião. Portanto, se o direito não estiver amparado pelo artigo 5o, incisos LXVIII e LXXII, da CR/88, caberá Mandado de Segurança, tendo em vista a subsidiariedade. 2) Um cidadão solicita certidão em repartição pública na qual trabalhou para fins de aposentadoria e lhe é negado esse direito. Apesar de ser dado da pessoa do impetrante solicitado e em banco de dado público, o remédio constitucional será o Mandado de Segurança (art. 5o, LXIX) e não o habeas data (art. 5o, LXXII), em virtude do direito de certidão pleiteado estar alocado no art. 5°, XXXIV, e não no acima referido art. 5o LXXII. Portanto, essa é a lógica da subsidiariedade. Conforme o STF - 2o T. - RE n° 106.849/SC e o STJ - 3a T. Ms n° 6.971 - v.u. - rei. Min. José Arnaldo Fonseca, DJU, 20.11.2000, p. 266. Certo é que, de longa data, a questão do direito líquido e certo, que se direcionava à certeza (ou incerteza) do direi­ to, foi deslocada na doutrina pátria para a necessidade de comprovação dos fatos. Portanto, direito comprovado

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inequívoca, apto e manifesto no ato de sua existência. Nos dizeres de Cássio Scarpinella Bueno, "o direito líquido e certo é justamente aquele direito cuja existência e delimitação são claras e passíveis de demonstração documentar.16 Nesse sentido, com a necessidade da prova pré-constituída na exordial (inicial), não há dilação probatória1' em mandado de segurança.18 Assim sendo, como exemplo: PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA PRÉ CONSTITUÍDA. AUSÊNCIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. 1. Entre os requisitos espe cificos da ação mandamental está a comprovação, mediante prova pré-cons­ tituída, do direito subjetivo líquido e certo do impetrante. 2. Na hipótese, dis­ cute-se a respeito da nulidade de pesquisa mineral, sob 0 fundamento de que a autorização de que trata 0 art. 27 do Decreto-Lei 227/1967 não foi concedida pelo legítimo proprietário ou posseiro da área objeto da pesquisa. Todavia, a titularidade da propriedade onde se localizam as jazidas é objeto de ação de usucapião ainda em curso, e depende de minuciosa instrução probatória, incabível em sede de mandado de segurança. 3. Mandado de segurança extin­ to sem julgamento do mérito. (STJ - MS n° 11.944/DF, Rei. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/11/2008, DJe 09/12/2008)”

É bem verdade que existe uma exceção a essa regra (não sendo a pré-constituição probatória exigida de maneira absoluta) localizada no art. 6a, § i°, da Lei n° 12.016/09.“

de plano na verdade induz (nos leva) à noção de comprovação fática (de plano com documentação inequivoca e pré-constituída). 16. BUENO, Cássio Scarpinella, Mandado de segurança, 2009, p. 15. 17. Assim sendo: "o impetrante deverá demonstrar, já com a petição inicial, no que consiste a ilegalidade ou a abusividade que pretende ver expungida do ordenamento jurídico, não havendo espaço para que demonstre sua ocorrência no decorrer do procedimento." BUENO, Cássio Scarpinella, 2009, p. 15. 18 Segundo Maria Sylvia Di Pietro:"é aceitável, mesmo após o ajuizamento da inicial, a juntada de parecer jurídico, já que este nãoconstitui prova, mas apenas reforça a tese jurídica defendida pelo impetrante." Direito administrativo, 2003, p. 663. 19. Em outro exem pio interessante, o STF deixou assente, que o mandado de segurança nãoéa via adequada para afe­ rir critérios utilizados pelo TCUe que culminaram por condenar solidariamente a empresa impetrante à devolução de valores ao erário, em razão de superfaturamento de preços constatado em aditamentos contratuais por ela celebrados com a Administração Pública. Isso porque para a análise do pedido seda necessária a análise pericial e verificação de preços, dados e tabelas, o que é incompatível com o rito do mandado de segurança. STF. 13 Turma. MS 29599/DF, Rei. Min. Dias Toffoli. julg. em 01.03.2016. Em outro caso o STF, recentemente, entendeu que não é seu papel fazer a revisão do mérito das decisões do CNJ. Assim, os atos e procedimentos do CNJ estão sujeitos apenas ao contro­ le de legalidade por parte do STF. Assim sendo, o mandado de segurança não se presta ao reexame de fatos e provas analisados pelo CNJ no processo disciplinar. STF. 2" Turma. MS 35540/DF e MS 35521/DF, Rei. Min. Gilmar Mendes, julgados em 12.03.2019 (Info 933) No mesmo sentido: (...) A reprimenda imposta aos recorren­ tes mostrou-se plenamente adequada aos atos ilícitos praticados, para os quais a lei comina a pena de demissão. Conclusão diversa em relaçáo à proporcionalidade na dosimetria da pena demandaria a reapreciação de aspectos (óticos, o que não se admite na via estreita do mandado de segurança, haja vista tratar-se de ação que demanda prova pré-constituida. (...) STF. 2a Turma. RMS 31494, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26.11.2013. 20. Art. 6 § 10 da Lei n° 12.016/09: "No caso em que o documento necessário à prova do alegado se ache em repartição ou estabelecimento público ou em poder de autoridade que se recuse a fornecê-lo por certidão ou de terceiro, o juiz ordenará, preliminarmente, por ofício, a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica e marcará, para o cumprimento da ordem, o prazo de 10 (dez) dias. O escrivão extrairá cópias do documento para juntá-las à segunda via da petição "

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É interessante afirmar ainda que o direito em si mesmo já existe (deve, por­ tanto, estar previsto normativamente). Porém, conforme observado no conceito, o que se tem que provar de plano é a situação fática (inequívoca) que está ocorrendo e que está inviabilizando (ou usurpando) o direito.2' Além disso, é mister salientar que, para a corrente majoritária, o direito líquido e certo deve ser entendido como condição da ação21 22 do mandamus (nos moldes do Interesse de agir) e não como questão de mérito.23 Outro ponto lembrado pela doutrina e pela jurisprudência é que o juiz não pode alegar complexidade (ou mesmo controvérsia) para não conhecer do mandamus, ou mesmo para não concedê-lo. Nesse sentido, por mais intrincada, conflituosa e complexa que seja a questão, o magistrado não poderá se furtar de enfrentá-la. Vide a Súmula n» 625 do STF que preleciona no sentido de que: a controvérsia em matéria de direito não impede a concessão de mandado de segurança. Nesses ter­ mos, 0 juiz não pode denegar 0 mandado de segurança sob 0 pretexto de tratar-se de matéria jurídica de grande complexidade. 1.5. Cabimento

Preenchidos os requisitos, caberá mandado de segurança, mas haverá casos em que não será cabível 0 mandamus. São diversas hipóteses nas quais por dicção legal, ou mesmo jurisprudencial, não poderemos impetrar 0 writ. Mas é bom que se

Conforme o exemplo, aqui já citado (ver nota), o direito de reunião já existe (devidamente situado no art 5°, XVI). Necessário, portanto, será a prova dos fatos que ocorreram (ver nota) e que impediram o exercício do direito. 22. Com isso, na prática, para a doutrina majoritária (não sem divergências!), "a ausência do direito líquido e certo é obstativa somente do cabimento, do conhecimento ou da admissibilidade do mandado de segurança, sendo pos­ sível que por outras vias, o impetrante busque a tutela jurisdicional da afirmação de seu direito, como, de resto, permitia expressamente o art. 16 da Lei n°1S33/51 (Atualmente expressado no art 19 da Lei n“ 12.016/09)." BUENO, Scarpinella Cássio, Mandado de segurança, 2009, p. 17-18. Afirma também o autor que: Direito líquido e certo, pois, é condição da ação e náo corresponde à existência de ilegalidade ou de abuso de poder, mas apenas e tão somente, a uma especial forma de demonstração desses vícios que rendem ensejo ao ajuizamento do mandado de segurança. Corresponde, pois, à adequação que faz parte do interesse de agir na escolha deste writ como a ação própria para os fins descritos na petição inicial. Trata-se, friso de condição de ação do mandado de segurança, instituto de caráter nitidamente processual Porém, adverte o processualista, que devemos ficar atentos ao conteúdo da sentença do mandamus, pois, algumas decisões judiciais, sem o devido rigor (prelecionado pela corrente majoritária) que julgam o pedido improcedente ou denegom a ordem por ausência de direito líquido e certo acabam sendo deci­ sões inequivocamente de mérito. Portanto, é sempre importante analisar o conteúdo da decisão no caso concreto. 23. É verdade que existe aqui uma enorme divergência, na medida em que há autores que entendem que o direito líquido e certo não é apenas condição de ação, mas também é questão (matéria) de mérito, advogando uma natureza dúplice ao direito líquido e certo. Nas lições de Sérgio Ferraz: "o direito líquido e certo é, a um só tempo, condição da ação e seu fim último. Assim, a sentença que negue ou afirme o direito líquido e certo realiza o próprio fim da ação; trata-se de uma decisão de mérito. Cuida-se de condição da ação não-ortodoxa, amalgamada com a própria finalidade da ação, condição não afinada integralmente aos cânones da lei processual. Por tudo isso, a sentença que nega a existência do direito liquido e certo é verdadeira decisão de mérito, e não, apenas, dec/aratória de inexistência de uma condição da ação. Deve elo, por consequência, concluir pela denegação do writ, e não pela extinção do pro­ cesso sem julgamento do mérito." Mandado de segurança (individual e coletivo): aspectos polêmicos, 1996. p. 58. Para outros autores o direito líquido e certo deve ser entendido apenas como questão de mérito. Nesses termos: "o direito líquido e certo está vinculado ao mérito do mandado de segurança. Ausente a caracterização do direito nestas condi­ ções (liquido e certo) deve a ordem ser denegada, podendo ou não ter reflexos na coisa julgada". In: Cruz, Cerqueira, Gomes Junior, Favreto, Pal harini Júnior. Comentários à nova Lei do mandado de segurança, p. 188,2009. 21.

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diga que são hipóteses construídas ao longo dos anos nos diplomas normativos e nos repositórios pretorianos que, à luz da Constituição de 1988, podem estar relativizadas. Iremos estudar as situações e as suas possíveis interpretações (releituras) atuais.

É interessante que a nova Lei n® 12.016/09, que disciplina 0 mandado de se­ gurança em alguns de seus dispositivos, apenas repete vedações já existentes na antiga Lei n® 1.533/51,24 0 que, a nosso ver, faz com que já esteja relativizada de an­ temão, ou seja, desde seu nascedouro. Nesses termos, 0 art. 5®, da Lei n» 12.016/09, irá explicitar que não se concederá mandado de segurança quando se tratar: (1) de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução;

Essa hipótese já estava relativizada com base na Lei n° 1.533/51 e continuará relativizada, pois, à luz do art. 5®, XXXV,25 da CR/88, não é obrigatório esgotar as vias administrativas para acionar 0 Poder judiciário.26 Mas é importante salientar que, assim como 0 art. 5° da Lei n° 1.533/51 não tinha sido revogado (não recepcionado) pela Constituição de 1988, 0 art. 5® da Lei n® 12.016/09 também terá força norma­ tiva, pois há uma hipótese em que essa disposição normativa deve prevalecer (assim como a anterior prevalecia). Nesse sentido, se 0 interessado optar pela via administrativa e obter 0 efeito suspensivo, a lesão estará suspensa (efeitos do ato sobrestados não existindo exequibilidade e operatividade na lesão) e não caberá mandado de segurança, pois será mister que aguardemos 0 desfecho do recurso administrativo (com efeito suspensivo) para um eventual mandamus. Entretanto, mesmo existindo 0 recurso administrativo com efeito suspensivo, se houver omis­ são ilegal ou abusiva da administração, caberá mandado de segurança nos moldes da Súmula n® 429 do STF, que preleciona: "A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede 0 uso do mandado de segurança contra a omissão da autoridade."

Porém, devemos deixar consignado que a hipótese do art. 5®, III, da Lei n° 1.533/51 foi suprimida da recente Lei do mandamus, não encontrando amparo no novo diploma legal do mandado de segurança. Esta dispunha que não caberia mandado de segurança contra: "ato disciplinar, salvo quando praticado por autoridade incompeten­ te ou com inobservância de formalidade essencial.” 25. Art. 5° XXXV: A lei não pode excluir de apreciação do poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. A necessidade do exaurimento da via administrativa para viabilizar o acesso ao judiciário presente na Constituição anterior foi abolida pelo artigo supracitado. É bem verdade, que temos uma exceção no art. 217 da atual Constituição no que tange à justiça desportiva, mas, mesmo assim, por no máximo 60 dias, pois após os mesmos, não tendo a justiça desportiva decidido, existirá a possibilidade de admissão de ações relativas à disciplina e competições desporti­ vas no Poder Judiciário. 26. Por exemplo, a hipótese de se deixar fluir (escoar) o prazo do recurso administrativo com efeito suspensivo, sem manejar o recurso. Outro exemplo seria o de se impetrar diretamente o mandamus, abdicando de interpor o recurso administrativo com efeito suspensivo. Porém, é importante salientar que, se o recurso administrativo não tiver efeito suspensivo, nada impede a propositura concomitante do mesmo (recurso administrativo sem efeito suspensivo) com o mandado de segurança. 24.

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(2) de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;

0 texto normativo é claro ao tentar impedir a impetração de mandado de se­ gurança contra decisões judiciais em que é cabível 0 efeito suspensivo, 0 que, aliás, também era assente na interpretação corrente da antiga e hoje revogada Lei n® 1.533/51. Acontece que a referida Lei n® 1.533/51, diferentemente da atual, estabele­ cia expressamente que não seria caso de concessão da segurança contra 0 ato de despacho ou decisão judicial de que houvesse recurso previsto nas leis processuais ou que pudesse ser modificado pela via da correição. Além dessa, tínhamos ainda, como reforço, a exegese da Súmula n° 267 do STF que prelecionava, e ainda preleciona (visto que não está cancelada), que "não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição". Advogávamos que a Lei n® 1.533/51 se encontrava relativizada à época de sua vigên­ cia, bem como a própria Súmula n® 267 do STF, pois apesar de ser possibilidade excep­ cional, reconhecida pela doutrina e jurisprudência, caberia 0 mandado de segurança contra ato judicial (seja 0 despacho ou a decisão judicial ora em comento), mesmo com a existência de recurso cabível.27 As exceções, citadas pela doutrina e reconhecidas pela jurisprudência, envolviam duas hipóteses: a) decisões judiciais teratológicas (absurdas) com ilegalidade manifesta, que podem causar dano irreparável ou mesmo de difícil ou incerta reparação (lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo) em virtude, por exemplo, de abuso ou arbitrariedade do magistrado; b) inexistência de efeito suspen­ sivo no recurso, observando-se aí uma verdadeira e iminente ameaça de perecimento do direito, ou mesmo um dano irreparável ao direito líquido e certo.28 Com a nova redação da Lei n« 12.016/09, entendemos que os casos acima ainda devem ser objeto de mandado de segurança, pois 0 que prescreve a nova Lei é o impedimento do mandamus contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo, não impedindo 0 cabimento contra ato judicial, ainda que

27.

28.

Embora seja verdade que a regra sempre foi a que preleciona a exegese da Súmula n° 267 do STF, nos seguintes termos: EMENTA: Agravo regimental. Mandado de segurança contra ato judicial emanado das turmas ou do ple­ nário do SupremoTribunal Federal. Inadmissibilidade, especialmente se a decisão judicial transitou em julgado. Súmulas 267 e 268. Uso do wr/f como sucedâneo de ação rescisória. Impossibilidade. 1. Não se admite a impe­ tração de mandado de segurança contra decisões de caráter jurisdicional emanadas das Turmas ou do Plenário. Súmula n. 267. Precedentes [MS n. 24.633, Relator o Ministro Cézar Peluso, DJ de 12.03.2004 e MS n. 21.734, Relator o Ministro limar Galvão, DJ de 15.10.93]. 2. Nâo cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado. Súmula 268.3.0 mandado de segurança não pode ser utilizado como sucedâneo de ação rescisória ou de qualquer outro recurso contra decisão judicial. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (MS n°26.193/DF, Julg. em 29.11.2006. Rei. Min. Eros Grau. DJ02.02.2007). É necessário um esclarecimento sobre esse caso, pois existe sim essa possibilidade, apesar de hodiernamente ser menos usual e utilizada excepcionalmente: "Parte da doutrina e da Jurisprudência desvirtuando a natureza do mandado de segurança, passou a conferir-lhe também função cautelar, admitindo sua impetração para obter efeito suspensivo a recurso desse efeito desprovido. Essa situação, contudo, atualmente está alterada no campo do direito processual civil, pois atualmente a aplicabilidade do MS para atacar ato jurisdicional na área civil é muito tênue. A mudança de direção para evitar desvirtuamento do mandado de segurança, se deve as últimas reformas do CPC (Lei n° 9.139/95; Lei n° 8.952/94 e Lei n° 10.352/2001). [...] Essas reformas no CPC não fecham completamente as portas para a utilização do mandado de segurança na área civil para atacar atos jurisdicionais e nem poderíam fechar, considerando a natureza de garantia constitucional fundamental do mandado de segurança." ALMEIDA, Gregório Assagra de, Manual das ações constitucionais, 2007, p. 509.

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passível de recurso (sem efeito suspensivo). Lapidares são as digressões de Cássio Scarpinella Bueno sobre a questão em debate, na medida em que, coadunan­ do com nosso entendimento, afirma que 'toda vez que se puder evitar a consumação da lesão ou da ameaça pelo pró­ prio sistema recursal, isto é, interpretando-o de uma tal forma que ele, por si próprio, independentemente de qualquer outra medida judicial, tenha aptidão para evitar a consumação de dano irreparável ou de difícil reparação para o recorrente, e pela dinâmica do efeito suspensivo dos recursos, forte no que dispõem o caput e o parágrafo único do art. 558 do Código de Processo Civil”, descabe 0 mandado de segurança contra ato judicial à míngua de interesse jurídico na impetração. Inversamente, toda vez que 0 sistema recursal não tiver aptidão para evitar a consumação de lesão ou ameaça na esfera jurídica do recorrente [...] o mandado de segurança contra ato judicial tem amplo ca­ bimento.” ”

Acreditamos, que esse posicionamento, pode ser também referendado pela lógica de que 0 art. 5», LXIX, da CR/88 prevê claramente que há possibilidade de im­ petração do mandamus quando da prática de atos ilegais ou abusivos que lesionem ou ameacem de lesão direito líquido e certo, não existindo, portanto, dispositivo constitucional que proíba 0 manejo do remédio heroico contra decisões judiciais. Apenas a título de exemplo e corroborando com nosso entendimento, decidiu o STF no RMS 36.114 em 22.10.2019 que é admissível a impetração de mandado de segurança para impugnar ato judicial que decidiu pela intempestividade de recur­ so que havia sido protocolado dentro do prazo legal. 0 fundamento é da situação de excepcionalidade.29 31 30 (3) de decisão judicial transitada em julgado.

Essa hipótese não estava prevista na antiga Lei n° 1.533/51, mas foi explicitada pela jurisprudência do STF, nos termos da Súmula n° 268, que preleciona não ca­ ber mandado de segurança contra decisão judicial transitada em julgado. Nesses

29. 30. 31.

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A citação aqui é do antigo CPC de 1973 que foi revogado pelo CPC de 2015. BUENO, Scarpinella Cássio, Mandado de segurança, 2009, p. 37. RMS 36114/AM, STF. Ia Turma. Rei. Min. Marco Aurélio, julg em 22.10.2019. APrimeira Turma deu provimento a recurso ordinário em mandado de segurança, a fim de que o Superior Tribunal de Justiça aprecie, como entender de direito, recurso especial interposto pela empresa ora impetrante, afastado o óbice relativo à tempestividade. Na espécie, a presidência do STJ não conheceu de recurso especial, interposto na vigência do novo Código de Processo Civil (CPC/2015), por considerá-lo intempestivo. No pronunciamento, aduziu que, conforme o art. 1.003, § 6°, do CPC/2015, o recorrente deve comprovara ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, o que impossibilita a regula­ rização posterior. A recorrente então interpôs agravo, ao qual negado provimento. Na sequência, impetrou mandado de segurança A Turma entendeu ser admissível a impetração de mandado de segurança para impugnar ato judicial em que assentada a intempestividade de recurso protocolado dentro do prazo legal, considerada a excepcionalidade. Registrou que o recurso especial foi admitido no tribunal de origem, porque presentes os feriados. Ademais, no ato da interposição do especial, o recorrente teve o cuidado dejuntar calendário disponível no sítio do tribunal dejustiça a re­ velar que certos dias se mostraram feriados na localidade. A ministra Rosa Weber enfatizou que, no caso, a observância da forma — longe de se prestar á segurança jurídica, na medida em que houve a admissão do recurso na origem — conduz à consagração da absoluta injustiça. (Informativo 957)

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termos, o novo dispositivo apresentado pela Lei n» 12.016/09 já se fazia presente (desde a década de 60 do século passado) no entendimento pretoriano. Nesse sentido, conforme o STF e agora presente na nova Lei do mandamus, te­ mos que, se 0 prazo recursal não mais existe, a decisão judicial transita em julgado e não é mais objeto de recurso, mas tão somente de ação rescisória. A conclusão dara (com base na súmula e expressada na nova Lei) é que 0 mandado de seguran­ ça não é substitutivo de recurso.32

Mas, é preciso deixar assente que também nessa hipótese (jurisprudencial e legal), há exceção. Esta ocorrerá quando a decisão for teratológica (absurda) dota­ da de uma ilegalidade ou nulidade manifesta. Assim sendo, mesmo não cabível 0 recurso, caberá (ainda que excepcionalmente) mandado de segurança.33 Por último, outra questão interessante, que guarda relação com 0 tema ora debatido, se refere à figura do terceiro prejudicado no mandamus. Sem dúvida, se não for 0 terceiro intimado de decisões judiciais proferidas no processo no qual não figurou como litigante, não é razoável que do mesmo se venha a exigir 0 manejo tempestivo e oportuno do instrumental recursal. Nesse sentido, é a Súmula n° 202 do STJ, que assim preleciona: "A impetração de mandado de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona à interposição de recurso.”

(4) Súmula n° 266 do STF: nõo cabe mandado de segurança contra lei em tese. 0 entendimento aqui envolve a assertiva de que sem um ato (comissivo ou omissivo) ilegal ou abusivo que cause lesão a direito líquido e certo de alguém não há que se falar em mandado de segurança. Sem dúvida, a busca pela nulidade ou anulabilidade de uma lei "em tese" não ocorre via mandamus, mas sim pela via do controle concentrado de constitucionalidade.34 Agora, cuidado, pois existe uma exceção! Quando a lei for de efeito concreto caberá mandado de segurança. Mas, 0 que vem a ser esse tipo de lei? A lei de efeito concreto é aquela que não precisa de

32.

33.

34.

Nesses termos: "O S77 já firmou entendimento no sentido de que o mandado de segurança não pode constituir-se em sucedâneo recursal e deve ser admitido pela jurisprudência apenas para conferir efeito suspensivo a recurso, res­ salvados os casos excepcionais de erro teratológico ou ofensa ostensiva e direta à norma constitucional relevante." ALMEIDA, 2007, p. 510. Nesses termos, corroborando com o nosso entendimento: "É de se consignar que a aplicabilidade da súmula 268 do STF não é absoluta, havendo jurisprudência admitindo, excepcional mente, o cabimento de mandado de segurança para atacar coisa julgada decorrente de decisão teratológica ou que gere um absurdo jurídica Assim, é certo que o mandado de segurança não pode, em regra, substituir a ação rescisória, mas em situações excep­ cionais é possível que lhe seja conferida função rescindente (._)" ALMEIDA, 2007, p. 518. Nesse sentido, é o MS n° 25.456/DF de Rel. Min. Cezar Peluso: (-) Pedido de declaração de inconstitucionalidade de dispositivos da Lei n° 9.099/95. Inadmissibilidade. Pedido contra lei em tese. Dedução como sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade. Agravo improvido. Aplicação da Súmula n° 266. Não cabe mandado de segurança contra lei em tese, nem como sucedâneo de ação direta de inconstitucionalidade. Julg: 17.11.2005. No mesmo sentido: O mandado de segurança não se qualifica como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, não podendo ser utilizado, em consequência, como instrumento de controle abstrato da validade constitucional das leis e dos atos normativos em geral. STF. Plenário. MS 28554 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 10/04/2014. E mais recente: O mandado de segurança não é o instrumento processual adequado para o controle abstrato de constitucionalidade de leis eatos normativos. STF. 2aTurma. RMS 32.482/DF, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julg. em 21.08.2018 (Info 912).

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ato administrativo com base nela para ferir (lesionar) direito líquido e certo, pois a lei em si já causa dano (prejuízo) no ato de sua existência (com operatividade e exequibilidade automáticas).

Nesse caso, temos lei apenas no sentido formal (emanada regularmente do Poder Legislativo), pois materialmente (no seu conteúdo) a lei se reveste de ato administrativo, sendo, portanto, um verdadeiro ato administrativo mascarado na forma de lei. São exemplos que podemos apontar: leis de planificação urbana; leis que criam municípios e suprimem distritos; leis de isenções fiscais; leis que proíbem determinadas condutas (proibitivas); decretos de desapropriação; e decretos de nomeação ou exoneração.35

Porém, aqui uma última observação é importante. Apesar do mandado de segurança não ser instrumento processual adequado para o controle abstrato de constitucionalidade de leis e atos normativos (ou seja, não cabe mandado de segurança que tem como pedido autônomo a declaração de inconstitucionalidade de norma), é possível a declaração incidental de inconstitucionalidade, em mandado de segurança, de quaisquer leis ou atos normativos do Poder Público, desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. (5) Também, segundo 0 STF, não cabe mandado de segurança contra matéria interna corporis, que é entendida como uma matéria privada (interna, de cunho particular) das Casas Legislativas, sob pena de infringir 0 princípio da Separação dos Poderes. Exemplo de matéria interna corporis é a interpretação do regimento interno das Casas (Câmara ou Senado Federal). Aqui devemos criticar a posição do Pretório Excelso, pois com ela temos uma interpretação privatística do que seja regimento interno, fazendo com que não raro a maioria possa "tratorar" minorias parlamentares sob os auspícios da digressão regimental. Em nosso entendimen­ to, a interpretação do regimento das casas é matéria que diz respeito aos mais de 120 milhões de eleitores que os parlamentares representam e, sobretudo, a

35. In: Meirelles, Hely Lopes. Mondado de Segurança, 2003. Di Pietro cita em sua clássica obra não só o termo 'leis de efeitos concretos! mas também as chamadas por ela de “leis auto executórias". In literis: “Lei de efeito concreto é a emanada do Poder Legislativo, segundo o processo de elaboração das leis, mas sem o caráter de generalidade e abs­ tração próprio dos atos normativos Eia é lei em sentido formal, mas ato administrativo, em sentido material (quanto ao conteúdo), já que atinge pessoas determinadas. Por exemplo, uma lei que desaproprie determinado imóvel ou que defina uma área como sendo sujeita a restrições para a proteção do meio ambiente. Leis dessa natureza produzem efeitos no caso concreto, independentemente de edição de ato administrativo; na falta deste, o mandado deve ser im­ petrado diretamente contra a lei. Lei autoexecutória é aquela que independe de ato administrativo para aplicar-se aos casos concretos. Além da própria lei de efeito concreto, que é autoexecutória, também são as que encerram proibição:’ (Direito administrativo, p. 666). Interessante também é a análise que envolve contra quem impetrar o mandado de segurança nessa situação, ou seja, contra a lei (chamada de "lei de efeito concreto"). Aqui estamos de acordo com Di Pietro, pois, partindo-se do pressuposto de que a lei é um ato complexo, que resulta da manifestação de vontade de dois órgãos (legislativo e o executivo), o mandamus deve ser impetrado contra o legislativo que aprovou e o Chefe do Executivo que sancionou a lei. No que tange a uma possível impetraçãopreventiva, esta épossível e deve dar-se não contra quem aprovou a lei, mas contra autoridade administrativa que irá aplicá-la ao caso concreto.

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todo o país que pode ser prejudicado por atos praticados por parlamentares ou mesmo aprovações pelos mesmos de proposições normativas viciadas regimen­ talmente sem a devida possibilidade de questionamento via mandamus?6 Mas, por outro lado, felizmente, o STF pelo menos admite que se o conflito en­ volver normas constitucionais não há que se falar em matéria interna corporls. Se­ gundo o Pretório Excelso, ocorrendo contrariedade a normas constitucionais (regras do processo legislativo previsto na Constituição) no iter da atividade parlamentar, a matéria deixa de ser interna corporis (por dizer respeito à Constituição) e caberá mandado de segurança.

Nesse caso, podemos construir um exemplo de acordo com o posicionamento pretoriano, usando dos requisitos já trabalhados sobre o mandado de segurança. Nesse sentido, teríamos a seguinte possibilidade: Ato da Mesa da Câmara ou do Se­ nado; 1) ilegal (dotado de ilegalidade); 2) que cause lesão ao direito líquido e certo de um deputado ou um senador (direito ao devido processo legislativo); e 3) não amparado por Habeas Corpus ou Habeas Data. A legitimidade para impetração des­ se tipo de mandado de segurança é somente do deputado federal ou do senador da República, pois somente eles têm direito (líquido e certo) ao devido processo legislativo. Ou seja, enquanto participantes do processo legislativo, têm direito de participarem de um processo adequado (devido) e sem vícios que porventura con­ trariem as regras dos arts. 59 a 69 da Constituição da República (que podem envol­ ver, por exemplo, a tramitação de uma PEC ou mesmo de um PLO, respectivamente: Proposta de Emenda à Constituição e Projeto de Lei Ordinária). (6) 0 mandado de segurança não substitui a ação popular, a teor da Súmula n° 101 do STF,36 37 e também não pode ser substitutivo da ação de cobrança, nos moldes da Súmula n° 269 do STF. Porém, no que diz respeito a Súmula n» 269, já decidiu 0 STF, que cabe mandado de segurança contra ato do Ministro da Defesa que não efetua 0 pa­ gamento dos valores atrasados decorrentes da reparação econômica devida a anis­ tiado político (art. 8° do ADCT da CR/88). Diferentemente de uma ação de cobrança, que é proposta para 0 pagamento de valores atrasados, no caso em tela temos um mandado de segurança impetrado para que seja cumprida norma editada pela própria

36.

37.

Esse posicionamento do STF, inclusive, encontra-se em debate no próprio STF. após voto monocrático do Ministro Gilmar Mendes no MS n° 26.915, constante do Informativo n°483 do STF. No caso, o Ministro trabalhando a teoria das normas constitucionais interpostas, derivada do professor Gustavo Zagrebelsky, sustenta que, em deter­ minados casos, atos com base na interpretação e aplicação do regimento interno das Casas podem (devem) ser questionados via mandado de segurança. Porém, o posicionamento majoritário, citado acima, ainda prevalece (pelo menos, até a decisão do MS n° 26.915) Nesse sentido, é ementa da decisão do MS AgR-ED n° 25.609/DF julgada em 30.08.2006:1. Mandado de segu­ rança contra Decreto-Legislatívo n° 780, de 7.7.05, que autorizou a realização de referendo acerca da comercia­ lização de arma de fogo e munição em território nacional: incidência da Súmula n° 266 ("Não cabe mandado de segurança contra lei em tese"). 2. Mandado de segurança: pretensão à declaração de nulidade da consulta popular realizada: incidência da Súmula n° 101 ("O mandado de segurança não substitui a ação popular"). 3. Embargos de declaração rejeitados. Rei. Min. Sepúlveda Pertence.

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Administração (Portaria do Ministro da Justiça).58 Logo, não incide, no caso, a proibição contida nas Súmulas 269 e 271 do STF. Aqui, conforme 0 STF no RMS n° 36162, além do valor principal, 0 acórdão do man­ dado de segurança deverá assegurar ao impetrante também os consectários legais (juros e correção monetária). Assim sendo, 0 autor não terá que ajuizar uma outra ação apenas para cobrar esses valores. Portanto, 0 próprio acórdão do MS deverá assegurar 0 pagamento dos juros e correção monetária. Nesses termos, não é necessário 0 ajuizamento de ação autônoma para 0 paga­ mento dos consectários legais inerentes à reparação econômica devida a anistiado político e reconhecida por meio de Portaria do Ministro da Justiça, a teor do dis­ posto no art. 8° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e no art. 6®, § 6®, da Lei 10.559/2002. Assim, 0 acórdão concessivo do mandado de segurança deverá determinar 0 pagamento retroativo dos valores devidos a anistiado político acrescidos de juros de mora e correção monetária, por serem estes acessórios ao valor principal, afastando-se a incidência da Súmula 269 do STF.59 No mesmo sentido, conforme já citado: (...) 2. Havendo condenação da instância inferior ao pagamento de juros de mora e correção monetária, uma vez mantido o acórdão recorrido, também está reco­ nhecido 0 direito ao percebimento de tais valores, ainda que a respeito do tema não se tenha pronunciado expressamente 0 STF. 3. Os juros de mora e a correção monetária constituem consectários legais da condenação, de modo que incidem independentemente de expresso pronunciamento judicial. 4. Embargos de decla­ ração acolhidos apenas para esclarecer que os valores retroativos previstos nas portarias de anistia deverão ser acrescidos de juros moratórios e de correção monetária.*’

Aqui, na mesma linha, temos recente posicionamento do STJ, também sobre 0 verbete da Súmula n® 269 do STF: (...) 2. 0 Superior Tribunal de Justiça aplica orientação, segundo a qual, 0 direito líquido e certo amparável na via mandamental restringia-se ao reconhecimento da omissão da autoridade impetrada em providenciar 0 pagamento das parcelas pretéritas da reparação econômica decorrente de anistia política, conforme valor nominal previsto na Portaria Ministerial concessiva do benefício. Assim, a fixação de juros e correção monetária poderia ser buscada em ação própria, dada a impos­ sibilidade da cobrança de valores em sede de Mandado de Segurança, consoante enunciado da Súmula 269/STF. 3. No entanto, essa orientação há de ser modifica­ da, para se ajustar à compreensão atual e contemporânea da problemática da recomposição da situação jurídica derivada de direito líquido e certo amparável na via mandamental, ou seja, direito subjetivo na esmerada posição de liquidez e certeza, comprovado de plano e por meio de elementos materiais prévios. Parece de absoluta transparência e calcada na mais definida intuição de justiça que a

38. 39. 40.

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STF. Plenário. RE 553710/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17.11.2016. RMS 36182/DF, STF. 1'Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14.05.2019 (Info 940) RE 553710 ED, STF. Plenário. Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 01.08.2018

Ações Constitucionais situação ilegal ou abusiva a que o mandamus pôs fim deve retomar, integralmente, ao estado anterior à prática do ato vulnerador. Por tal razão, tudo o que for devido ao impetrante lhe deve ser reposto prontamente, pela força da decisão mandamental concessiva da ordem. 4. A Súmula 269/STF, cujo enunciado se opõe a este entendimento, tem a seu favor a ancianidade de sua edição - 55 anos - de modo que, somente por milagre, haveria de se manter atual e ensejadora de observân­ cia irrestrita. A interpretação deste verbete, porém, deve ser temperada com as várias regras legais que alteraram 0 perfil do Mandado de Segurança. E deve ser alterada, sobretudo, pela evolução vigorosa que este instituto sofreu nas últimas décadas, em virtude da progressiva afirmação dos Direitos Humanos e Fundamen tais, no sentido albergar sob a sua proteção os mais vastos contingentes individuais e os mais amplos direitos subjetivos. 5. Não há mais razão jurídica e nem moral na alternativa de encaminhar-se 0 pleito de valores anteriores à impetração para as chamadas vias ordinárias, quando jâ se tem uma decisão judicial mandamental favorável ao direito da parte. Isso significaria protelar para as calendas gregas a fruição do direito pela parte que o titula, congestionar as instâncias judiciais, em si­ tuação de desnecessidade, expor-se a União ao pagamento de honorários, porque a Ação de Cobrança lhe seria, fatalmente, desfavorável e, além disso, amesquinhar o préstimo do Mandado de Segurança, encurtando 0 alcance de sua eficácia. 6. Bem por isso, no julgamento dos Embargos Declaratórios opostos no RE 953.710/DF, de relatoria do Ministro DIAS TOFFOLI, DJe 23.8.2018, o STF decidiu que os valores retroa­ tivos previstos nas Portarias de Anistia hão de ser acrescidos de juros moratórios e de correção monetária, desde 0 momento em que verba se tomou devida. Como bem disse 0 ilustre Relator, incumbe lembrar que a correção monetária e os juros moratórios consistem em consectários legais da condenação, consequências auto­ máticas da decisão condenatória e, portanto, são devidos independentemente de expresso pronunciamento judicial - sua obrigatoriedade decorre automaticamente de dispositivo de lei. 7. A leitura principiológica desse precedente, bem como da decisão do eminente Ministro LUIZ FUX, no RE 35.990/DF, asseguram 0 entendimento de que os juros moratórios e a correção monetária, por serem consectários legais, são deferidos ao impetrante mandamental vitorioso, junta mente com a sua própria pretensão no writ Isso não constitui pretensão autônoma, nem pedido isolado e, muito menos, significa deferimento de pedido não formulado. Este é 0 pensamento judicial contemporâneo, atualizador da máxima eficácia da plataforma garantista, de modo a prover os institutos de proteção dos direitos e das liberdades da maior abrangência possível e também de sua efetividade maximizada. (...)“

(7) Segundo entendimento do STF, exarado no RE n® 576.874 de Rei. do Min. Eros Grau, julgado em 20.05.2009: "Não cabe mandado de segurança das decisões interlocutórias exaradas em processos submetidos ao rito da Lei 9.099/1995." Entendeu 0 STF que "a Lei 9.099/1995 está voltada à promoção de celeridade no processamento e julgamento de causas cíveis de complexidade menor. Daí ter consagrado a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, inarredável." Nesses termos, "não cabe, nos casos por ela abrangidos, aplicação subsidiária do CPC, sob a forma do agravo de instrumento, ou 0 uso do instituto do mandado de segurança. Assim sendo, não há afronta ao princípio constitucional da ampla defesa (art. 5», LV, da CR/88), uma vez que decisões interlocutórias podem ser impugnadas quando da

41. MS22.221/DF, STJ. Ia Seção. Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 10.04.2019.

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interposição de recurso inominado."42 (Rel. Min. Eros Grau, julgado em 20.05.2009, Plenário do STF, DJE de 07.08.2009)

(8) Na seara trabalhista, 0 TST já se manifestou no que diz respeito a acordo e termos de conciliação que são lavrados e assinados pelo Juiz Titular ou Subs­ tituto e pelas partes. Porém, 0 Juiz não está obrigado a homologar acordo pro­ duzido diretamente pelas partes, não constituindo 0 ato indeferitório violação a direito líquido e certo dos interessados. Nesses termos, é a Súmula n» 418 do TST: "A concessão de liminar ou a homologação de acordo constituem faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de se­ gurança." (9) Por último, entende 0 Pretório Excelso, que não possui lesividade que justifi­ que a impetração de mandado de segurança 0 ato do STF que determina 0 retorno dos autos à origem para aplicação da sistemática de repercussão geral.43

1.6. Legitimidade do Mandado de Segurança a) Legitimidade Ativa: pessoa física nacional ou estrangeira (mesmo aquela que reside no exterior44), pessoa jurídica (privada ou pública45), universalidade de bens (são exemplos 0 espólio e a massa falida) e órgãos públicos46 despersonalizados (são exemplos: a Chefia dos Executivos, Chefia do Tribunal de Contas, Mesa da Câ­ mara, Mesa do Senado, Ministério Público).

Sobre a legitimidade ativa, é interessante observarmos, recente decisão do STF, em que afirmou não caber a habilitação de herdeiros em mandado de se­ gurança, quando houver falecimento do impetrante. Com base nessa orientação, a 1* Turma do STF negou provimento a agravo regimental, interposto de decisão monocrática do Min. Dias Toffoli, que julgara extinto, sem julgamento de mérito, processo do qual relator. Reconheceu-se, entretanto, a possibilidade dos herdei­ ros de buscar seus direitos pelas vias ordinárias. Nos termos da ementa do RMS

RE n° 576.874 Julg. em 20.05.2009. Plenário do STF. No mesmo sentido RE 857.811 julg. em 16.04.2013. MS 32.485 AgR/SP julg. em 27.02.2014:” 1. Não possui lesividade o ato do Supremo Tribunal Federal que determina o retorno dos autos à origem, para aplicação da sistemática de repercussão geral, porquanto a instância a quo poderá, ao receber o processo, recusar-se á retratação ou à declaração de prejudicialidade (art. 543-B, § 3o, do CPC), caso em que o recurso deverá ser admitido, subindo os autos ao STF (art. 543-B, S 4°, do CPC). 2. Agravo regimental a que se nega provimento". 44. A peça de impetração deve ser redigida em português. (STF - RE n“ 215.267/SP - Rel. Min. Ellen Gracie, DJU, 25.05.2001). 45. Conforme abalizada doutrina, “na maioria dos casos, que envolvem a impetração de mandado de segurança por pessoa jurídica de direito público o mesmo será utilizado não como um mecanismo de proteção de direitos fundamentais, mas sim de prerrogativas e atribuições de pessoas jurídicas de direito público assumindo feição de instrumento processual apto a solucionar conflitos entre órgãos públicos, poderes ou entre entes federativos diversos." MENDES; COELHO; BRANCO, Curso de direito constitucional, 2008, p. 539. 46. Também no que tange aos órgãos públicos despersonalizados, "o mandado de segurança poderá se destinar o resolver conflitos de atribuições entre órgãos públicos, colmatando lacuna relativa á ausência de efetivo instrumento para a solução desse tipo de conflito" MENDE5; COELHO e BR ANCO, p. 540,2008.

42. 43.

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26.806/DF "(...) 1. A decisão ora atacada reflete a pacífica jurisprudência desta Corte a respeito do tema, conforme a qual, é de cunho personalíssimo 0 direito em disputa em ação de mandado de segurança. 2. Não há que se falar, portan­ to, em habilitação de herdeiros em caso de óbito do impetrante, devendo seus sucessores socorrer-se das vias ordinárias na busca de seus direitos. 3. Agravo regimental não provido."47

Também já decidiu 0 STF, conforme 0 MS 33.736/DF, que 0 Procurador-Geral da República não possui legitimidade ativa para impetrar mandado de segu­ rança em face do CNJ com 0 objetivo de questionar decisão que reconheça a prescrição da pretensão punitiva em processo administrativo disciplinar. Enten­ deu a 2a turma do STF, que a legitimidade para impetrar mandado de segurança pressupõe a titularidade do direito pretensamente lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade pública. Assim sendo, 0 Procurador-Geral da Repú­ blica não é dotado de legitimidade para a impetração, pois não é 0 titular do direito líquido e certo que afirmara ultrajado. Nesses termos, para a impetração do mandado de segurança não bastaria a demonstração do simples interesse ou atuação como custos legis, uma vez que os direitos à ordem democrática e à ordem jurídica não são de titularidade do Ministério Público, mas de toda a sociedade.48 Por último, 0 STF já decidiu que Tribunal de Justiça, mesmo não possuindo per­ sonalidade jurídica própria, detém legitimidade autônoma para ajuizar mandado de segurança contra ato do Governador do Estado em defesa de sua autonomia institucional.4950

b) Legitimidade Passiva: é da autoridade coatora?0 Considerada como aquela que pratica ou ordena a execução ou a inexecução do ato a ser impugnado via mandado de segurança. É mister, também, afirmarmos que ela detém a responsabi­ lidade administrativa pelo ato e 0 poder de corrigir a ilegalidade do mesmo. Mas, atenção, esse entendimento, por muitos anos consolidado, vem se modificando tanto na doutrina quanto, sobretudo, na jurisprudência. Mas, por quê?

A dúvida, objeto de controvérsia, envolve a legitimidade passiva ou não da pessoa jurídica (pública ou privada no uso de atribuições públicas) na qual está vinculada (alocada) a autoridade coatora. A pergunta é: seria a pessoa jurídica em nome da qual 0 ato (comissivo ou omissivo) foi praticado legitimada passiva?

47. 48. 49.

50.

RMS 26.806 AgR, julgado em 22.05.2012, Rei. Min. Dias Toffoli. 2’Turma do STF. MS 33736/DF. Rei. Min. Cármen Lúcia, julg. em21.06.2016. No caso concreto: mandado de segurança contra ato do Governador que estava atrasando o repasse dos duodécimos devidos ao Poder Judiciário. MS 34483-MC/RJ STF. Ia Turma do STF, Rei. Min. Dias Toffoli, julgado em 22.11.2016. Lei n° 12.016/09: Art. 7": Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: I - que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações.

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A resposta atualmente é que sim. Apesar de entendermos de difícil enquadra­ mento essa tese, fato é que boa parte da doutrina,51 e posicionamentos do STJ52 e do STF,5’ vem corroborando a posição de que a pessoa jurídica é legitimada passiva no mandamus pelos seguintes motivos: 1) É ela que suporta o ônus da decisão (por exemplo, os efeitos pecuniários decorrentes da concessão da segurança); 2) É ela que recorre da decisão prolatada no mandado de segurança;54 3) A redação da nova Lei n° 12.016/09, que deixa assente a possibilidade de participação da pessoa jurídica à qual está vinculada a autoridade coatora na relação processual. Nesses termos, está positivado no art. 7°, II, que no despacho da inicial 0 juiz ordenará "que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada55, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito".56

51.

52.

53.

54. 55.

56.

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Nesse sentido, legitimado passivo é a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado que esteja no exercí­ cio de atribuições do Poder Público. A matéria é controvertida porque, para alguns, sujeito passivo é a autoridade coatora, já que ela é quem presta as Informações e cumpre o mandado; no entanto, esse entendimento deve ser afastado quando se observa que a fase recursal fica a cargo da pessoa jurídica e não do impetrado e que os efeitos decorrentes do mandado são suportados pela pessoa jurídica e não pela autoridade coatora. (Dl PIETRO, Maria Sylvia Zanella, p. 699). Nesse diapasão, também é o posicionamento atual da professora Lucia Valle Figueiredo (2004), de Celso Agrícola Barbi(1993) e Cássio Scarpinella Bueno (2009). Contra, sustentando ser legitimada passiva apenas a autoridade coatora, temos: MENEZES, Carlos Alberto, Direito: manual do mandado de segurança; além do clássico MEIRELLES, Hely Lopes, Mandado de segurança, 2003. Nesses termos, o posicionamento do STJ, conforme a ementa: Processual civil. Mandado de segurança. Pessoa ju­ rídica de direito público. Parte na relação jurídica formal. 1 - A pessoa jurídico de direito público a suportar o ônus da sentença proferida em mandado de segurança é parte legitima, por ter interesse direto na causa e integrar a lide em qualquer fase que ela se encontre. 2 - Recurso provido para anular a decisão a fim de que se conheça da apelação in­ terposta pela pessoajurídica de direito público e se decida como de direito. (STJ -1 • T. - Resp. n° 83.633/ CE - v.u - rei. José Delgado, DJU, 15.04.1996, p. 11) Nesse sentido, a decisão do STF no RE n° 412.430, julg. em 13.12.2005 de Rei. Min. Ellen Gracie: [...] 1. A Nesse sentido, a decisão do STF no RE n° 412.430, julg. em 13.12.2005 de Rei. Min. Ellen Gracie: [_.] 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a pessoa jurídica de direito público a que pertence a autoridade ou o órgão tido como coator é o sujeito passivo do mandado de segurança, razão por que é ele o único legiti­ mado para recorrer da decisão que defere a ordem. [...J.Temos também, como exemplo, a decisão da Rec. n° 367/ DF de 04.02.1993: Mandado de segurança: legitimação passiva da pessoa de direito público ou assemelhada, à qual seja imputável o ato coator, cabendo à autoridade coatora o papel de seu representante processual, posto que de identificação necessária: consequente possibilidade de sanar-se o erro do impetrante na identificação da autoridade coatora, mediante emenda da inicial, para o que se determina a intimação da parte: voto médio do relator para o acórdão. Apesar da nova Lei n° 12.016/09 deixar expresso no art. 14, § 2o, que se estende "à autoridade coatora o direito de recorrer". Conforme o STF: "A União pode intervir em mandado de segurança no qual o ato apontado como coator for do Con selho Nacional de Justiça - CNJ. Essa a conclusão do Plenário em dar provimento, por maioria, a agravo regimental interposto de decisão do Min. Marco Aurélio, em que indeferido pleito formulado pelo União, agravante, em mandado de segurança do qual relator. A União postulava a intimação pessoal do Advogado-Geral da União do acórdão con­ cessivo da ordem e a abertura de prazo para eventual interposição de recurso. (...) Assinalou-se que o aludido Conselho seria órgão de extração constitucional, destituído de personalidade jurídica e que integraria a estrutura institucional do União. MS AgR/DF 25962 julg. em 11.04.2013. Nesses termos, conforme a atual corrente majoritária: ‘Defendemos (...) que a pessoa jurídica é quem ocupa o pólo passivo no mandado de segurança porque quem pratica o ato o faz em nome da atribuição que lhe é feita, por ocasião da posição que ocupa e da função que exerce no órgão, pessoa jurídica. Não o pratica em nome pró­ prio, ou seja, por força de sua vontade, tampouco como pessoa física desvinculada do órgão, mas repetimos, em nome da atribuição ou cargo que exerce. A autoridade coatora, assim, não é necessariamente parte passiva (por mais que a lei traga a previsão de constar o seu nome da petição inicial) (...) A autoridade coatora é, portanto, a

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Sobre os assim chamados meros executores do ato (por exemplo: os fiscais da Anatel, Aneel, INSS etc.), que cumprem ordens emanadas da autoridade coatora, é pacífico o entendimento de que não são os mesmos considerados legitimados pas­ sivos na ação de Mandado de Segurança. Ainda sobre a legitimidade do mandamus, é necessário que façamos algu­ mas observações finais, que acreditamos serem de fundamental importância. São elas:

(1) Erro na indicação da autoridade coatora. Nesses casos, temos que refletir sobre situações diferenciadas que podem ocorrer. Senão, vejamos: a) Hipótese de erro na indicação da autoridade na qual o impetrante ajuiza o mandamus contra um agente coator indevido, que está vinculado a uma pessoa jurídica diversa daquela em nome da qual atua o verdadeiro (adequado) agente coator. Nesse caso o processo deve realmente ser extinto sem julgamento do méri­ to.”

b) Hipótese de erro na indicação da autoridade coatora em que a correção da ilegalidade não implica em alteração do polo passivo da relação processual, pois ambas as autoridades (a indicada equivocadamente e a que deveria ser in­ dicada) estão vinculadas à mesma pessoa jurídica. Nesse caso, sob o fundamento da economia processual, a correção pode ser realizada inclusive ex offício pelo magistrado.57 58

57.

58.

que presta informações no mandado de segurança, já que somente ela saberá os detalhes, de fato, do ato ao qual se atribui a violação ao direito líquido e certo do impetrante. Deverá, porém, cumprir a decisão judicial proferida no mandado de segurança, por ser atribuição sua, praticar o ato determinado. No entanto, como já foi dito, não pratica em nome próprio, mas em nome da pessoa jurídica ao qual está vinculado". In: Cruz, Cerqueira, Gomes Junior, Favreto, Palharini Júnior, p.32. É bom deixarmos consignado, também, a existência do posi­ cionamento minoritário de Gregório Assagra que advoga que a legitimidade passiva do MS possui dupla dimensão: a) é legitimada passiva a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado nas funções do Poder Público, conforme o caso, que vai sofrer os efeitos da decisão; e b) também é legitimada passiva a própria autoridade coatora cujo ato omissivo ou comissivo está atacado pela via do mandado de segurança. In: Almeida, p.455, 2007. Contra esse posicionamento, temos Cássio Scarpinella Bueno: in: Mandado de Se­ gurança, 2009; Cruz, Cerqueira, Gomes Junior, Favreto, Palharini Júnior. Comentários à nova Lei do mandado de segurança, p. 32, 2009. Conforme o STJ 6a TURMA. Recurso em Mandado de Segurança n° 14886/TO, Rei. HAMILTON CARVALHO, j. em 09.03.2004, DJ de 20.09.2004, p. 334. Contra essa posição, temos a doutrina de Cássio Scarpinella Bueno, que afir­ ma: [...] Mesmo nos casos em que a ilegitimidade passiva for visível ao magistrado - entendendo-se ilegitimidade passiva no mandado de segurança como a indicação errada da pessoa jurídica a que pertence a autoridade coa­ tora -, melhor que a mera extinção do mandado de segurança sem julgamento do mérito, solução usualmente encontrada na jurisprudência, é a possibilidade de correção do erro nos termos do (antigo) art. 284 ou, eventual­ mente, pela aplicação do (antigo) art. 13, ambos do Códigode Processo Civil (antigo CPC de 1973) (...) In: Mandado de segurança, Scarpinella Bueno, Cássio, 2009, p, 27. A errônea indicação da autoridade coatora não implica ilegitimidade ad causam passiva, se aquela pertence à mesma pessoa jurídica de direito público; porquanto, nesse caso, não se altera a polarização processual, o que preserva a condição da ação. Deveras, a estrutura complexa dos órgãos administrativos, como sói ocorrer com os fazendários, pode gerar dificuldade, por parte do administrado, na identificação da autoridade coatora, revelan­ do, apriori, aparência de propositura correta. (STJ, 1 aTURMA. RMS n° 17889/RS, Rei. Min. Luiz Fux, j. em 07.12.2004, DJde 28.12.2005, p. 187)

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c) Uma última situação envolve um erro na indicação em que, em vez de in­ dicar o Presidente de Casa Parlamentar (como autoridade coatora), indica-se, de forma equivocada, a mesa da Casa (órgão público despersonalizado). Nesse caso, conforme o informativo 586 do STFM temos que: “Por ilegitimidade da autoridade coatora, 0 Tribunal não conheceu de mandado de segurança impetrado contra suposto ato omissivo da Mesa da Câmara dos Deputados, substanciado na não nomeação dos impetrantes para 0 cargo de Analista Legislativo -Taquígrafo Legislativo da Câmara dos Deputados, e deter­ minou a remessa dos autos à Justiça Federal, nos termos do art. 109, VIII, da CF -v. Informativo 502. Entendeu-se que 0 ato omissivo impugnado não seria da Mesa, mas do Presidente da Câmara dos Deputados, 0 qual não estaria incluso no rol taxativo de autoridades sujeitas à competência originária da Corte (CF, art. 102,1, d)“.

(2) Teoria da encampação: ora, se ocorre a indicação como autoridade coatora de uma autoridade hierarquicamente superior àquela que seria realmente a autori­ dade coatora responsável pelo ato (dentro da pessoa jurídica na qual ambas estão vinculadas), será desnecessária a correção da irregularidade, se 0 agente trazido a lide assume a defesa do ato impugnado. Isso é muito comum, pois a autoridade superior maneja informações negando ser a autoridade realmente coatora, mas ao mesmo tempo maneja a defesa do ato em suas informações. Nesse sentido, temos, à luz do STJ, a manifestação da teoria da encampação, não havendo a necessidade da correção do polo passivo do mandamus.59 60

(3) Contra quem será impetrado 0 Mandado de Segurança no caso da existência do que comumente chamamos de autoridade delegante e de autoridade delegada. Contra a autoridade delegante ou a autoridade delegada? Vejamos com atenção. Aqui não se trata de mero executor do ato, pois tanto a autoridade delegante quan­ to a autoridade delegada pode ter um mero executor do ato para a execução do mesmo. A resposta adequada é: a legitimidade passiva é da autoridade delegada, pois estamos diante da delegação de poder, no qual a autoridade delegante delega competência para a autoridade delegada praticar atos com poder. Então, a autori­ dade delegada passa a deter a responsabilidade administrativa e pode corrigir as

59. 60.

750

MS n»23.977/DF rel. Min. Cezar Peluso. Julg. em 12.05.2010. Aplica-se a teoria da encampação quando a autoridade apontada como coatora, ao prestar suas informações, não se limita a alegar sua ilegitimidade, mas defende o mérito do ato impugnado, requerendo a denegação da segurança, assumindo a legitimatioad causam passiva (STJ, PTURMA. Recurso em MS n° 17.889, rel. Min. Luiz Fux, j. 07.12.2004). No mesmo sentido, SODRÉ, Eduardo, Mandado de Segurança. 2007, p. 98. Porém, é mister salientar que a teoria da encampação não terá aplicação, conforme o próprio STJ, quando não existir vínculo hierárquico entre a autoridade apontada como coatora (que presta informações) e oquela que deveria ter sido indicada como tal. Nesse sentido: STJ, RMS n° 13.696/DF, julg. em 24.09.2008. Também não haverá aplicação da teoria da encampação quando houver modificação da competência estabelecida na CR/88. Nesse sentido: STJ Ia Seção, MS n° 12.779/ DF, Rel. Min. Castro Moreira, julg. em 13.02.2008. BUENO, Cássio Scarpinella, Mandado de segurança, 2009, p. 28. No Resumo do Min. Luiz Fux: 1.A teoria da encampação é aplicável ao mandado de segurança tão-somente quando preenchidos os seguintes requisitos: existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal; e manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas. Precedentes da Ia Seção: MS 12.779/DF.

Ações Constitucionais

possíveis ilegalidades. Exemplo interessante: se o Presidente da República delega poderes para um Ministro de Estado, nos moldes do art. 84, parágrafo único, de nossa atual Constituição, ele (Ministro de Estado) é que será 0 legitimado passivo. É interessante que a competência para julgar 0 mandado de segurança contra seus atos será do STJ à luz do art. 105,1, "b", da CR/88, e não do STF (isso ocorrería se 0 legitimado passivo fosse a autoridade delegante do nosso exemplo: Presidente da República).

Mas, nesse ponto, ainda cabe mais uma reflexão que não podemos olvidar. Existe um outro tipo de delegação interessante de ser trabalhada que é a delega­ ção de assinatura. Nesta (delegação de assinatura), a autoridade delegante dele­ ga "meros atos de representação material" à autoridade delegada, por isso ela (autoridade delegante) continuará sendo legitimada passiva para a impetração de Mandado de Segurança. (4) É pacífico que se aplica, no que tange ao mandado de segurança, os artigos do CPC que regulam 0 instituto do litisconsórcio, conforme prescrevia expressamen­ te a Lei n» 1.533/51 e agora prescreve a nova Lei n° 12.016/09 no seu art. 24.6’ Nesse sentido, é mister apenas as seguintes observações: a) Conforme a Lei n° 12.016/09, 0 ingresso de litisconsorte ativo não será admi­ tido após 0 despacho da petição inicial.61 62 Nesses termos, temos também, a observa­ ção jurisprudencial de que, após a concessão de medida liminar, não será possível a formação de litisconsórcio facultativo ativo, sob pena, segundo 0 STJ, de ferir 0 princípio do juiz natural.63

b) Nesse ponto, é importante salientar, que em discutível posicionamento no MS 32.033 AgR, julgado em 05.06.2013 0 Pleno do STF, por maioria, admitiu a possibilidade da participação de amicus curiae em ação de mandado de seguran­ ça. No caso, 0 relator Min. Gilmar Mendes afirmou que a Corte vem aceitando a possibilidade de ingresso do amicus curiae não apenas em processos objetivos de controle abstrato de constitucionalidade, mas também em outros feitos com perfil de transcendência subjetiva. Entendeu 0 Ministro que ante a ampla reper­ cussão do tema e a específica feição de controle preventivo do MS 32.033, que a participação de alguns parlamentares e partidos políticos, nessa qualidade, não

61.

62. 63.

é interessante aqui, deixar consignado, que a doutrina, embora com divergência, aceita também a possibilida­

de da assistência em mandado de segurança, com base no emprego subsidiário do CPC no procedimento do mandamus. Porém, na jurisprudência, o STJ tem decisões contrárias á admissão da assistência (Ia Turma, Resp n° 1.065.574/RJ,julgadoem: 2.10.2008) Nos termos do art. 10, § 2», da Lei n“ 12.016/09. É interessante salientar que essa norma descrita na nova Lei do MS é uma novidade, pois não encontrava assento na revogada Lei n° 1533/51. STJ - 2a T. - Resp n°89.581/PR - v.u. Rei Min. Ari Pargendler, DJU 29.06.1998 p. 139. Conforme a doutrina:"[...] a iniciativa viola o princípio do juízo natural porque, em última análise, o litisconsorte acaba escolhendo onde litigar. De preferência - a prática confirma a veracidade desta observação - aquele juízo que já concedeu a me­ dida liminar e que, portanto, exercendo atividade jurisdicional, já se manifestou sua simpatia por determinada tese jurídica, favorável àquele que pretende litisconsorciar-se na ação já proposta e em curso. [...]" BUENO, Cássio Scarpinella, 2009, p. 211.

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feriria a dogmática processual.64 Já a 1a Turma do STF no MS n» 29.192/DF julg. em 19.08.2014, afirmou que: Não é cabível a intervenção de “amicus curiae" em man­ dado de segurança. Com base nessa orientação, a Turma resolveu questão de or­ dem suscitada pelo Ministro Dias Toffoli (relator do MS) no sentido de se indeferir pedido formulado pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - Anoreg/Br para que fosse admitida no feito na condição de "amicus curiae". A Turma consignou que, tendo em conta 0 quanto disposto no art. 24 da Lei 12.016/2009 - dispositivo que afirma serem aplicáveis ao rito do mandado de segurança as normas do CPC que disciplinam exclusivamente 0 litisconsórcio -, a intervenção de terceiros nessa classe processual seria limitada e excepcional. Asseverou que entendimento contrário poderia, inclusive, comprometer a celeridade do "writ" constitucional.65 c) Sobre 0 litisconsórcio passivo,66 a jurisprudência do STF já consolidou enten­ dimento na Súmula n» 631, que: extingue-se 0 processo de mandado de segurança se 0 impetrante não promove, no prazo assinado, a citação do litisconsorte passivo necessário67. Um exemplo interessante pode ser observado à luz da Súmula n° 701 do STF que preleciona que os mandados de segurança impetrados pelo Ministério Público contra decisões judiciais em processos penais devem obrigatoriamente ter como litisconsorte passivo 0 réu.

64. Já o Min. Celso de Mello consignou que a figura do amicus curiae não poderia ser reduzida à condição de mero assistente, uma vez que ele não interviria na situação de terceiro interessado na solução da contro­ vérsia. Entendeu que a figura do amicus curiae pluralizaria o debate constitucional, de modo que o STF pu­ desse dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários ao enfrentamento da questão, a enfatizara impessoalidade do litígio constitucional. Ficaram vencidos os Ministros Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. O Min. Teori Zavascki salientava que o writ conteria pretensão de controle preventivo de constitucionalidade de norma. Tendo isso em conta, afirmava a existência de dois óbices para a admissão de amicus curiae: a) incompatibilidade dessa figura com o mandado de segurança no seu sentido estrito de tutela de direitos subjetivos individuais ameaçados ou lesados; e b) óbice legislativo do ingresso de terceiros em ação direta de inconstitucionalidade. Registrava que os peticionantes teriam natureza de assistentes do autor, a defender interesse próprio. O Min. Ricardo Lewandowski, em acrésci­ mo, ressaltava a jurisprudência do Supremo no sentido do não cabimento do amicus curiae em mandado de segurança. Observava que a feição objetiva da presente ação seria examinada durante o julgamento do writ. O Min. Marco Aurélio assentava, ainda, a vedação legal da participação do terceiro juridicamente interessado (Lei 12.016/2009: "Art. 24. Aplicam-se ao mandado de segurança os arts. 46 a 49 do Código de Processo Civil"). Reputava não ser possível acionar a legislação que disporia sobre o processo objetivo para permitir-se o ingresso do amigo da Corte em mandado de segurança, voltado à proteção de direito individual. (Informativo 709 do STF) 65. MS n° 29.192/DF julg. em 19.08.2014 pela IaTurma do STF, Rei. Min. DiasToffoli. (Informativo 755 do STF) 66. É importante salientar que para a doutrina majoritária não há litisconsórcio passivo entre a autoridade coatora e a pessoa jurídica a que ela pertença. BUENO, Cássio Scarpinella, 2009, p. 208. 67. Conforme o posicionamento do STF no HC n° 76.660/PR, julgado em 09.06.1998: [...] 1. Aplicam-se ao processo do mondado de segurança as disposições do Código de Processo Civil que regulam o litisconsórcio (art. 19 da Lei n° 1.533/51, com a redação dada pelo art. 1° da Lei n° 6.071/74). Há litisconsórcio passivo necessário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todos os interessados (CPC, art. 47). A não citação de litisconsorte passivo necessário para integrar a lide impede a formação de relação proces­ sual válida e, em consequência, obsta a eficácia da decisão que venha a ser lavrada, porque influi nas relações jurídicas de interessados estranhos à demanda (CPC, art. 47). [...]. (Rei. Maurício Corrêa).

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Ações Constitucionais

1.7. Competência no Mandado de Segurança Existem duas regras básicas de competências em sede de Mandado de Se­ gurança:

a) Competência Constitucional, prevista na Constituição, sendo também en­ tendida como competência funcional (por prerrogativa de função): Artigos: 102,1, "d" (STF); 102,1 "r" (STF); 105,1, "b" (STJ); 108,1, "c" (TRF); 109, VIII (Justiça Federal); art. 114, IV (Justiça do Trabalho) da CR/88. b) Competência infraconstitucional, na qual o juízo competente para a impetra­ ção do remédio heroico deve ser 0 da sede da autoridade coatora.68

Nesses termos, a competência jurisdicional para processar e julgar mandado de segurança se define pela natureza da autoridade que pratica a conduta comissiva ou omissiva da qual possa resultar lesão ou ameaça de lesão a direito.

É mister também afirmar que a competência funcional para processar e jul­ gar 0 mandado de segurança é fixada no momento da propositura da ação e será indiferente a posterior modificação da natureza do status funcional da au­ toridade coatora.6’ Além disso, mesmo que a autoridade seja removida de sua função, a competência de foro não se modifica. Sobre a competência no mandamus, é mister, ainda, algumas observações. São elas:

(1) Quando a ilegalidade é praticada por um Tribunal de Justiça (desembar­ gador ou mesmo turma), a competência para processar e julgar 0 mandado de segurança será do próprio Tribunal nos moldes da Súmula 417071 72 do STJ e das Súmu­ las 33o7’ e ó247’ do STF.73

68.

69. 70. 71.

72. 73.

No que tange às autoridades estaduais e municipais, desde que não haja prerrogativa de foro nas respecti­ vas Constituições Estaduais, como, por exemplo, a de São Paulo (que estabelece a competência do TJ/SPpara processar e julgar originariamente os mandados de segurança, contra atos do Governador do Estado, da Mesa e da Presidência da Assembléia Legislativa do Estado, do Procurador-Geral de Justiça, dos membros do Tribunal de Contas do Estado e do Município de São Paulo, do Prefeito de São Paulo e do Presidente da Câmara Municipal da Capital), a competência será das chamadas varas de fazenda pública e nas comarcas, nas quais estas não existirem, a competência será da justiça comum, ou seja, do juiz de direito da comarca. É interessante colocarmos que na Constituição do Rio de Janeiro no art. 161 também há prerrogativa de foro noTJ/RJ para o julgamento de MS, por exemplo, contra atos do: Governador e Secretários de Estado, Prefeito da Capital e de Municípios com mais de 200 mil eleitores, Mesa Diretora e Presidente da Assembléia Legislativa, Procurador-Ge­ ral de Justiça e Defensor Público-Geral do Estado. O STJ 3*T- MS n° 4.515 - v.u. - rel. Min. Vicente Leal, DJU02.02.1998, p. 49. Súmula n°41 do STJ: O Superior Tribunal de Justiça não tem competência para processar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de outros tribunais ou dos respectivos órgãos. Súmula n° 330 do STF: O Supremo Tribunal Federal náo ê competente para conhecer de mandado de segurança contra atos dos tribunais dejustiça dos Estados. Súmula n“ 624 do STF: Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer originariamente de mandado de segu­ rança contra atos de outros tribunais. Acrescentamos, ainda, no que tange à seara do direito e processo doTrabalho, a Súmula n° 433 do STF: Écompe­ tente o Tribunal Regional do Trabalho para julgar mandado de segurança contra ato de seu presidente em execução de sentença trabalhista.

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(2) Porém 0 STF decidiu recentemente que compete ao STF julgar mandado de segurança contra ato do Presidente de Tribunal de justiça que, na condição de mero executor do ato, apenas dá cumprimento à resolução do CNJ. Nesse sentido, a Reclamação n° 4731/DF julgada em 05.08.2014: "Alegada usurpação da compe­ tência deste Supremo Tribunal Federal estabelecida no art. 102, inc. I, alíneas n e r, da Constituição da República. Mandado de segurança impetrado no tribunal de justiça do Distrito Federal e Territórios. 0 Presidente daquele tribunal de justiça é mero executor do ato emanado do Conselho Nacional de Justiça. Supressão do adicional por tempo de serviço determinada pela resolução n. 13/2006 do Con­ selho Nacional de justiça. Interesse de toda a magistratura. Reclamação julgada procedente."

(3) Compete ao STF julgar mandado de segurança impetrado pelo Tribunal de Justiça contra ato do Governador do Estado que atrasa 0 repasse do duodécimo devido ao Poder Judiciário. No caso, todos os magistrados do TJ possuem interesse econômico no julgamento do feito, uma vez que o pagamento dos subsídios está condicionado ao cumprimento do dever constitucional de repasse das dotações consignadas ao Poder Judiciário estadual pelo chefe do Poder Executivo respecti­ vo. Nesses termos, a situação em comento se amolda ao art. 102,1, "n", da CR/88.74

(4) Contra decisões proferidas pelas turmas do STF, não cabe Mandado de Segurança, pois a turma é 0 próprio STF, ou seja, representam o próprio Pretório Excelso.75 (5) Os Mandados de Segurança contra atos dos juizes dos Juizados Especiais Cíveis, bem como contra atos das Turmas Recursais Cíveis, devem ser impetrados nas próprias Turmas Recursais, tanto da Justiça Federal quanto da Justiça Esta­ dual. Nesse sentido, 0 posicionamento do STF no MS n» 24.691/03: "a competência para processar e julgar a ação mandamental impetrada contra atos dos Juizados Especiais é das Turmas Recursais Cíveis", bem como "a competência para conhe­ cer do mandado de segurança contra atos das turmas Recursais dos Juizados Especiais é dela mesma."76 Aqui, é interessante salientarmos, que existe uma discussão (debate) sobre a competência no que tange aos Mandados de Segurança contra atos das Turmas Recursais dos Juizados Especiais. Com base em um posicionamento monocrático

74. 75.

76.

754

MS 34483-MC/RJ, STF. P Turma, Rei. Min. DiasToffoli, julgado em 22.11.2016. Conforme trecho da ementa da decisão proferida no MS n° 26.193/DF, temos que: [...] 1. Não se admite a impetra­ ção de mandado de segurança contra decisões de caráter jurisdicional emanadas das Turmas ou do Plenário. [_.] Precedentes [MS n. 24.633, Relator o Ministro CÉZAR PELUSO, DJde 12.03.2004 e MS n. 21.734, Relator o Ministro ILMAR GALVÃO, DJ de 15.10.93]. (Julgamento em 29.11.2006. Rei. Min. Eros Grau. DJ: 02.02.2007). Nesses termos: Ementa: Competência:Turma Recursal dos Juizados Especiais: mandado de segurança contra seus próprios atos e decisões: aplicação analógica do art. 21, VI, da LOMAN. A competência originária para conhecer de mandado de segurança contra coação imputada aTurma Recursal dos Juizados Especiais é dela mesma e não do SupremoTribunal Federal. (Ms n° 24.961 /03 Rei. Min. Sepúlveda Pertence Pleno do STF DJU, 24.06.2005). No mesmo sentido o STJ, CC n° 40319, Rei. Min. José Armando Fonseca, Julg. 10.03.2004, DJU 05.04.2004.

Ações Constitucionais

do Ministro Marco Aurélio (MS n» 24.674 DJ: 04.12.2003), há a defesa77 de que a competência nesse caso seria não da Turma Recursal, mas sim do Tribunal de justiça (ou na esfera Federal do TRF). Nesses termos, teríamos: a) ato de Juiz do Juizado Especial: competência da Turma Recursal para conhecer do mandado de segurança; b) ato da Turma Recursal: competência do TJ para processar e julgar originariamente 0 mandamus. Porém, este (pelo menos atualmente) não é 0 posicionamento trabalhado nos juizados Especiais que (ainda) estão adotando 0 estipulado no MS n° 24.691/03, acima citado, no qual a competência (para pro­ cessar e julgar 0 mandamus) está adstrita apenas à Turma Recursal dos Juizados Especiais (seja por ato de juiz do Juizado ou mesmo da própria Turma Recursal).78 (6) Havendo foro por prerrogativa de função e 0 mandado de segurança tiver que ser impetrado contra diferentes autoridades coatoras, a autoridade de maior hierarquia determinará a competência para 0 julgamento do feito. Por exemplo, se as autoridades coatoras forem 0 Presidente da República e um Mi­ nistro de Estado, a competência para processamento e julgamento será do STF.

(7) Nos órgãos colegiados, 0 Mandado de Segurança será impetrado contra o presidente do órgão colegiado, pois ele é 0 representante máximo do órgão que subscreve 0 ato e responde obviamente por sua execução. Mas cuidado, pois, aqui, é mister que prestemos atenção ao posicionamento do STJ sobre uma interessante questão. Quando 0 presidente do órgão colegiado for Ministro de Estado, a competência para processamento e julgamento não será do STJ. Isso se coloca a partir do teor da Súmula n° 177 do STJ, que preleciona que: 0 Superior Tribunal de Justiça é incompetente para processar e julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de órgão colegiado presidido por Ministro de Estado. A competência, portanto, será da Justiça Federal.

(8) Aqui temos uma outra exceção interessante sobre os Ministros do Estado. Conforme a 1» Turma do STF, por decisão majoritária, a competência para julgar mandado de segurança contra ato de Ministro da Justiça em matéria extradicional será do próprio STF. Aqui podemos considerar tal competência uma exceção pois em regra a competência para processar e julgar mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado é do STJ nos termos, do art. 105,1, b da CR/88.79

Nesse sentido: l_] avançando o entendimento fixado no MS 24.691 e agora à luz da tese fixada no HC 86.834, não temos por coerente o julgamento do MS contra ato de Turma Recursal pela própria Turma Recursal. [.-] In: Lenza, Pedro, Direito constitucional, 2009, p. 531. 78. Temos também em recente decisão do STF no RE n° 586.789, julgado em 16.11.2011 que compete à Turma Re­ cursal o exame de mandado de segurança, quando utilizado como substitutivo recursal, contra ato de juiz federal dos juizados especiais federais. Nesse sentido:"(...) Desse modo, competente a turma recursal para processar e julgar recursos contra decisões de 1o grau, também o seria no que concerne a mandado de segurança substituti­ vo de recurso, sob pena de transformar o Tribunal Regional Federal em instância ordinária para reapreciação de decisões interlocutórias proferidas pelos juizados especiais". 79. MS 33864/DF 1 - T do STF, julg. em 19.04.2016, Rei. Min Roberto Barroso. Vide: HC 83.113/DF, Rei. Min. Celso de Mello. 77.

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(9) Nos atos complexos, apesar da exigência jurisprudencial da notificação de todos os que participam do ato, a autoridade coatora é a última autoridade que nele (no ato) intervém para seu aperfeiçoamento. Nos atos compostos, 0 coator é a autoridade que pratica 0 ato principal, já nos procedimentos adminis­ trativos o coator é a autoridade que preside sua realização. (10) Conforme 0 STJ,80 compete à Justiça Federal processar e julgar mandado de segurança contra ato praticado por Presidente ou Secretário da Junta Comer­ cial do Estado. Isso se deve à questão de a junta comercial exercer função dele­ gada do Poder Público Federal, na medida em que efetua registro comercial por delegação federal (vinculada ao Ministério da Indústria e Comércio).

(11) Quando 0 praticante da ação ou omissão for Promotor de Justiça, a com­ petência para julgar 0 mandamus é do juiz de primeiro grau e não do Tribunal (como no caso do habeas corpus). (12) Conforme entendimento jurisprudencial, se 0 ato comissivo ou omissivo for de autoria de Comissão Parlamentar de Inquérito, a competência para pro­ cessamento e julgamento será do STF. (13) Conforme posicionamento firmado pelo extinto TRF (Súmula n» 15), 0 STJ já decidiu que é de competência da Justiça Federal processar e julgar mandado de segurança contra ato de dirigente de entidade particular de ensino superior no exercício de função delegada federal. Isso se deve à questão de o ato coator ser derivado de atividade praticada por delegação do Poder Público Federal. Já no que diz respeito a atos de sociedades de economia mista a competência para processar e julgar 0 mandamus será (em regra) da Justiça Estadual, nos moldes das Súmulas 517 e 556 do STF.81 (14) 0 STF solucionando conflito de competência entre Tribunal Regional Elei­ toral e 0 STJ, decidiu que compete ao juízo da vara federal com atuação na cidade de domicílio do impetrante processar e julgar mandado de segurança impetrado por Promotor de justiça contra ato administrativo de Procurador Re­ gional Eleitoral, desde que não se trate de matéria eleitoral82. No caso, 0 STF des­ tacou que 0 "writ" impetrado dirigir-se-ia contra a exoneração de cargo público, em processo administrativo disciplinar (exoneração do impetrante das funções de Promotor Eleitoral pelo Procurador Regional Eleitoral). Assinalou que, ante a ausência de matéria eleitoral em discussão, seria 0 Tribunal Regional Eleitoral incompetente para julgar 0 mandamus.

80. 81.

82.

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STJ C. Comp. n° 313.357 - MG, 1 ' Seção, Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 26.02.2003, DJU 14.4.2003. Conforme a súmula 517 do STF, temos que: As sociedades de economia mista só têm foro na Justiça Federal, quando a união intervém como assistente ou oponente. Já a súmula 556 do STF expressa que: É competente a Justiça comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista. CC n°7698/Pljulg.em 13.05.2014, Ia Turma, Rel. Min. Marco Aurélio.

Ações Constitucionais

(15) Por último, acrescentamos posicionamento também do STF no que diz respeito ao mandado de segurança contra nomeação de magistrado pelo Presi­ dente da República. Nesse caso, ainda que 0 vício que fundamenta a impetração ocorra em fase anterior do procedimento (por exemplo: na lista da OAB ou do Ministério Público ou mesmo na lista do Tribunal em questão), a autoridade coa­ tora será 0 Presidente da República, sendo, portanto, 0 mandamus impetrado no STF; aliás é 0 que se depreende da Súmula 627 do STF.8384 85

1.8. Procedimento Conforme descrito no conceito, trata-se de um procedimento8* especial de rito sumaríssimo no qual o objeto central do mandado será a anulação de ato ilegal ou abusivo a direito líquido e certo, ou a determinação da prática de ato omitido pela respectiva autoridade coatora competente ou mesmo uma ordem de não fazer. A causa de pedir envolve necessariamente a ilegalidade ou o abu­ so de poder que venha a causar lesão ou ameaça de lesão ao, já aqui estudado, direito líquido e certo.

0 legitimado ativo83 impetra 0 Mandado de Segurança no órgão do Poder Judiciário competente86 (podendo fazer pedido de medida liminar com base no art. 70, III, da Lei n° 12.016/09). Certo é que a petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira, reproduzidos na segunda, e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta in­ tegra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições. Após (não sendo.

Súmula n° 627 do STF: No mandado de segurança contra nomeação de magistrado da competência do Presiden­ te da República, este é considerado autoridade coatora, ainda que o fundamento da impetração seja nulidade ocorrida em fase anterior do procedimento. 84. Conforme dicção legal, presente no art. 20 da Lei n° 12.016/09: Os processos de mandado de segurança e os respectivos recursos terão prioridade sobre todos os atos judiciais, salvo habeas corpus. Na instância superior, deverão ser levados a julgamento na primeira sessão que se seguir à data em forem conclusos ao relator. 0 prazo para a conclusão dos autos não poderá exceder de 5 (cinco) dias. Além disso, é mister salientar, que conforme a recente Lei n°13.676/2018 (que alterou o art.lóda Lei n°12.016/2009) nos casos de competência originária do STF e dos outros Tribunais pátrios caberá ao relator a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão de julgamento do mérito ou do pedido liminar. Ressalta-se também, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, que em virtude da natureza excepcional do procedimento não cabe em sede de mandado de segurança o alegação de incidente de falsidade e também de reconvenção de ação com pedido declaratório incidental. 85. Nos termos do art. Io da Lei n° 12.016/09, temos que: Quando o direito ameaçado ou violado coubera várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança. Já no art. 3o do mesmo diploma legal, temos ainda que: O titular de direito liquido e certo decorrente de direito, em condições idênticas, de terceiro poderá impetrar mandado de segurança a favor do direito originário, se o seu titular não o fizer, no prazo de 30 (trinta) dias, quando notificadojudicialmente. 86. É mister afirmar que o impetrante deverá indicar o valor da causa, mesmo que para efeitos meramente fiscais. Além disso, temos como posição dominante na doutrina e na jurisprudência a possibilidade do impetrante do mandamus desistir do mesmo sem o necessário e devido consentimento do impetrado. Portanto não se aplica ao writ o dispositivo normativo previsto no antigo art. 267 § 4° do CPC de 1973 e previsto no art. 485 § 4° do novo CPC de 2015.

83.

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obviamente, o mandado de segurança indeferido de plano80, a autoridade coa­ tora é notificada (e não citada) a prestar informações. 0 legitimado passivo terá 10 (dez) dias para prestar informações.87 88 A seguir, o órgão do Poder judiciário ouvirá o representante do Ministério Público, que opinará (como custos legis), dentro do prazo improrrogável de ío (dez) dias. Com ou sem o parecer do Mi­ nistério Público, os autos serão conclusos ao juiz para a decisão, a qual deverá ser necessariamente proferida em 30 (trinta) dias (exceto se estivermos diante da hipótese normativa do art. 20 da Lei n» 12.016/09).

Aqui são necessárias inúmeras observações sobre 0 procedimento. São elas: 1) Para alguns doutrinadores, a nova Lei deixa consignado a obrigatorie­ dade de participação do Ministério Público. Por exemplo, é 0 posicionamento de Cássio Scarpinella Bueno.89 Nesses termos, não bastaria a mera intimação do porquet, sendo indispensável que 0 Ministério Público oficiasse no feito (com efetivo pronunciamento).

Assim não existiría qualquer espaço para juízo de valor do magistrado acer­ ca da necessidade ou não da intervenção ministerial no feito. Ao magistrado caberia tão somente a abertura de vista ao membro ministerial, que por sua vez analisará 0 conteúdo do pedido e causa de pedir do mandado de segurança sob

Conforme a Lei n° 12.016/09, no seu art. 10:4 inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração. 88. Conforme a exegese do art. 7°, I e II, da Lei n*> 12.016/09, ao despachara inicial, o juiz ordenará:/- que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações; II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documen­ tos, para que, querendo, ingresse no feito. Certo é que haverá a devida notificação da autoridade coatora e a necessária ciência ao feito para a pessoa jurídica em nome da qual a autoridade atua. Nesses termos, a autoridade apontada como coatora deverá manejar as informações e a pessoa jurídica a que a mesma está vinculada deverá, querendo, apresentar contestação. Existem algumas diferenças entre a prestação de informações e a apresentação da contestação, que não raro sáo olvidadas pela doutrina, entre elas, podemos citar: 1) As informações são assinadas pela autoridade coatora e a contestação exige advogado (capacidade postulatória); 2) O não oferecimento das informações pode gerar sanções civis, criminais e administrativas para a autoridade coatora e o não oferecimento da contestação acarreta a sanção pro­ cessual (revelia). Nesse sentido, o não oferecimento das informações não acarreta a confissão ficta, não tendo o condão de gerar a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo impetrante (posicionamento do STJ). Acrescentamos que, apesar de ser esse o nosso posicionamento, existe divergência doutriná­ ria perpetuada por Hely Lopes Meirelles, entre outros; 3) Nas informações, a autoridade impetrada deve justificar a prática do ato atacado e esclarecer as circunstâncias em que ele foi levado a cabo (embora, aqui, também exista divergência doutrinária, pois autores como Hely Lopes Meirelles entendem que as informações são verdadeiras defesas da administração e não, como defendido por Fredie Didier Jr., ape­ nas meio de prova. Sem dúvida, o posicionamento mais adequado é aquele que enxerga as informações como meio de prova, porém, excepcionalmente, acreditamos que a mesma poderá ser meio de defesa. Nesse sentido, Gregório Assagra de Almeida nos apresenta a hipótese exemplificativa, de mandado de se­ gurança, no qual, sejam discutidas apenas questões de direito e que não haja necessariamente discussões sobre questões de fato. Nesse caso específico, não podemos vislumbrar a possibilidade das informações serem apenas meio de prova). Já na contestação a pessoa jurídica como ré (no polo passivo da relação processual) irá necessariamente apresentar verdadeira defesa. 89. BUENO, Cássio Scarpinella, A nova lei do mandado de segurança, 2009. 87.

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sua apreciação, para então exarar manifestação se ostenta interesse público primário ou não, que justifique sua intervenção. Assim, o juiz cumpre seu dever ao abrir vista ao Ministério Público, e este cumpre o seu exarando ou não pare­ cer após a abertura de vista (que ao tudo indica, não seria mais obrigatório em determinadas circunstâncias dependentes do caso concreto).w

Aqui, é importante salientar, que em recente decisão a 2a turma do STF afir­ mou que em regra, é indispensável a intimação do Ministério Público para opinar nos processos de mandado de segurança, conforme previsto no art. 12 da Lei n° 12.016/2009. No entanto, a oitiva do Ministério Público é desnecessária quando se

tratar de controvérsia acerca da qual 0 tribunal já tenha firmado jurisprudên­ cia. Assim, não há qualquer vício na ausência de remessa dos autos ao Parquet que enseje nulidade processual se já houver posicionamento sólido do Tribunal. Nesses casos, é legítima a apreciação de pronto pelo relator.”

2) Conforme a dicção legal, presente no art. 4» da Lei n« 12.016/09, temos que em caso de urgência, será permitido, observados os requisitos legais, im­ petrar mandado de segurança por telegrama, radiograma, fax ou outro meio eletrônico de autenticidade comprovada. Nesses termos, poderá 0 juiz, em caso de urgência, notificar a autoridade por telegrama, radiograma ou outro meio que assegure a autenticidade do documento e a imediata ciência pela autorida­ de. Porém, 0 texto original da petição deverá ser apresentado nos 5 (cinco) dias úteis seguintes à impetração. Para os fins dessas normas, previstas na nova Lei do MS, em se tratando de documento eletrônico, serão observadas as regras da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil.

3) A concessão de liminar é direito subjetivo do autor ou ato discricionário do juiz? Existindo os requisitos (fundado receio de dano e plausibilidade do direito alegado) para a concessão, 0 magistrado tem escolha ou não? Resposta: a concessão da liminar é direito subjetivo do autor, sendo 0 juiz (preenchidos os requisitos) obrigado a concedê-la.” Nesses termos, ao despachar a inicial 0

SOBRINHO, Osório e ANDRÉA, Gianfranco. MP deve ser ouvido durante a análise do Mandado de Segurança, CON­ JUR, 2013. 91. RMS 32.482/DF, STF. 2*Turma. rel. orig. Min.Teori Zavaski, red. p/oac.Min. Edson Fachin, julgado em 21.08.2018 (Info 912). 92. Com a Lei n° 12.016 temos que, se deferida a Liminar, o processo passará a ter prioridade de julgamento. Mas, aqui, cabe uma pergunta: há prazo para a manutenção da Liminar? Embora fosse questão contro­ vertida na doutrina, pelo menos legalmente a dicção presente na antiga Lei n° 4348/64 (hoje revogada pela Lei n° 12.016/09) estabelecia que a liminar devia obedecer a um prazo estabelecido, sendo o mes­ mo de 90 dias (a contar da data de concessão) prorrogáveis por mais 30 dias quando havia acúmulo de processos a justificar a prorrogação. Certo é que o STJ, em julgados recentes afirmou que o limite para a eficácia temporal nas medidas liminares não mais devia prevalecer em nosso ordenamento, à luz do art. 798 do CPC, que concedeu ao magistrado o chamado Poder Geral de Cautela. Nesse sentido, as decisões: STJ - RE n° 413.343, rel. Humberto Martins j 29.09.2006 DJU 11.10.2006; STJ- 800.600, Rel. Min. Francisco Falcão j 05.12.2006, DJU 01.02.2007. Certo também é que a nova Lei do MS n° 12.016/09 no seu art. 7°, corroborando com a jurisprudência, afirma categoricamente que: "Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença." Ainda sobre a liminar, nos moldes da nova 90.

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juiz ordenará que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da me­ dida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante cau­ ção, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica. É bem verdade que existem exceções legais,” presentes atualmente na Lei n° 12.016/09, que 0 juiz deve obedecer, pois será vedada a concessão de liminar, nos seguintes casos, que tenham por objeto: a) a compensação de créditos tributários (hipótese já prevista na Súmula n° 212 do STJ); b) a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior (essa hipótese estava prevista no art. i° da Lei n° 2.770/56); c) a redassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza (hipótese prevista no art. 50 da antiga e hoje revogada Lei n° 4.348/64 e no art. 1, § 40, da também revogada Lei n» 5.021/66).”

4) Uma vez concedida a liminar (ou mesmo denegada) pelo Juiz de primei­ ro grau, existirá a possibilidade de recurso. Como a decisão é interlocutória, 0 recurso cabível será 0 agravo de instrumento.” Mas, além dessa possibilidade, a pessoa jurídica de direito público interessada (União, Estados, Municípios, e DF) ou mesmo 0 Ministério Público também podem requerer ao Presidente do Tribunal competente (ao qual cabe 0 conhecimento recursal) a concessão da suspensão dos efeitos da liminar. Esse instituto é chamado de pedido de "sus­ pensão da liminar ou de segurança". Ele foi previsto originalmente na legislação para suspender as decisões liminares ou sentenças proferidas em mandados de segurança (tema que será abordado posteriormente). A suspensão de liminar (e de sentença) limita-se a averiguar a possibilidade de grave lesão à ordem, à segurança, à saúde e à economia públicas96. É interessante que se a decisão for

Lei do MS, acrescentamos que será decretada a perempção ou caducidade da medida liminar exofficio ou a requerimento do Ministério Público quando, concedida a medida, o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo ou deixar de promover, por mais de 3 (três) dias úteis, os atos e as diligências que lhe cumprirem. Portanto, a mesma pode ser revogada ex offício ou a requerimento do Ministério Público, quando o impetrante criar obstáculo ao normal andamento do processo. Temos, também, que à luz do art. 807 do CPC (CPC de 1973) o juiz pode revogá-la quando ficar convencido de que ela não mais se justifica. Porém, não pode a liminar, segundo melhor doutrina, ser concedida de ofício pelo magistrado. 93. Embora seja objeto de severas criticas doutrinárias, como, por exemplo, as de Luiz Guilherme Marinoni, no texto: Proibição da concessão de liminares: inconstitucionalidade. Revista de Processo, n. 60, p. 148,1994; e também as de Cássio Scarpinella Bueno (2009), temos que a Jurisprudência aceita os impeditivos legais. Nesse sentido, o STJ nos Recursos Especiais n°s 380327 (Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, j 06.06.2006 DJU 26.06.2006); 626.507 (Rei. Min. João Otávio Noronha j 15.02.2007, DJU 06.03.2007); e 666.092 (Rei. Min. Eliana Calmon, j. 22.03.2006, DJU 30.05.2006) 94. Art. 7° § 5° Lei n° 12.016/09: § 5° As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas nesse artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e461 da Lei n° 5.869, de 11 janeiro de 1973 - Código de Processo Civil (antigo CPC). 95. Nos termos do art. 7°, § 1 °, da Lei n“ 12.016/09. 96. Portanto, contra uma decisão interlocutória proferida por um juiz, em 1* instância, poderão ser interpostos o agravo de instrumento e, concomitantemente, o pedido de suspensão. Isso porque o pedido de suspensão não é recurso. Logo, não há violação ao principio da singularidade ou unirrecorribilidade. Além disso, os objetivos do agravo e do pedido de suspensão são diferentes. Os temas de mérito da demanda principal não podem ser examinados nessa medida, que não substitui o recurso próprio. Conforme o art.15 § 3° da Lei n° 12.016. A interposição de

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prolatada por juiz de 1a instância, a competência para apreciar o pedido de sus­ pensão é do Presidente do Tribunal que teria competência para julgar o recurso contra a decisão. Como Exemplo: se concedida liminar por Juiz Federal em São Paulo, o pedido de suspensão será julgado pelo Presidente do TRF da 3a região. Já se concedida liminar por Juiz de Direito de São Paulo, 0 pedido de suspensão será julgado pelo Presidente do TJ/SP. Porém, se a decisão for prolatada por membro de TJ ou TRF, 0 pedido de suspensão será decidido pelo Presidente do STF se a matéria for constitucional (fundamento constitucional) ou pelo Presiden­ te do STJ se a matéria for infraconstitucional. Portanto, se concedida liminar por um Desembargador do TJ/SP, 0 pedido de suspensão será dirigido ao Presidente do STF ou do STJ, e não ao Presidente do TJ/AM (art. 25 da Lei n® 8.038/90). Aqui, atualmente, é importante salientar ainda, que temos duas correntes sobre 0 caráter político ou jurídico dessa decisão de suspensão.* 97Para 0 STJ, trata-se de um juízo político a respeito da lesividade do ato judicial à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, já 0 STF, por manifestação da sua ia Turma, entende que a decisão de suspensão de segurança não é estritamente política, possuindo conteúdo jurisdicional. Nesse sentido, conforme o informativo 797 do STF, 0 STJ não conheceu de recurso especial sob 0 fundamento de que não poderia ser utilizado para impugnar decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão de segurança. Segundo 0 STJ, 0 recurso especial se destinaria a combater argumentos que dissessem respeito a exame de legalidade, ao passo que 0 pedido de suspensão ostentaria juízo político. Porém, a 1a Turma do STF entendeu que a decisão em sede de suspensão de segurança (ou de liminar em MS) não seria estritamente política, mas teria conteúdo jurisdicional, 0 que, de início, desafiaria recurso especial. Com base nesse entendimento, 0 STF decidiu que é cabível, em tese, recurso especial no STJ contra decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão de segurança.98

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agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não preju­ dica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão. Conforme a Lei n° 12.016/09: Art. 15. Quando, a requerimento de pessoajurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição. § 1° Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. § 2a £ cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1° deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo. § 3“ A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona ojulgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. § 4“ O presidente do tribunalpoderá conferirão pedido efeito suspensivo liminar se constatar, emjuízo prévio, a plausi­ bilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida. § 5“ As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original. RE 798740 AgR/DF Julg. em 01.09.2015, Rei. p/ acordão Min Marco Aurélio.

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5) Tanto da decisão do Presidente do Tribunal (que julga 0 pedido de sus­ pensão) que denega quanto da que concede a suspensão da liminar cabe re­ curso de agravo interno. Isso porque foram canceladas em 2003 as Súmulas n° 506 do STF e n» 217 do STJ, que diziam expressamente só caber 0 recurso de agravo da decisão que deferisse a suspensão da liminar e não da que denegasse a suspensão. Pois bem, atualmente, de ambas as decisões interlocutórias do Presidente do Tribunal cabe 0 já referido agravo conforme posicionamento ju­ risprudencial. Entendemos que mesmo com a Lei n° 12.016/09 fazendo referência apenas à possibilidade de agravo da decisão que defere 0 pedido de suspen­ são, deve prevalecera possibilidade de agravo interno da decisão do presiden­ te do Tribunal que defere e da decisão que indefere 0 pedido de suspensão." Aqui, seguimos 0 entendimento de que caberá agravo interno para 0 Plenário ou Corte Especial do Tribunal, conforme 0 § 3° do art. 4» da Lei n» 8.437/92 que afirma que "do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição." 6) É mister afirmar que, se 0 mandado de segurança for impetrado origi­ nariamente em um Tribunal, obviamente a apreciação do possível pedido de liminar será feita pelo relator (pois cabe ao mesmo a instrução do processo, 0 que não é nenhuma novidade).99 100 Porém, coadunando com a sistemática proces­ sual, reza 0 novo diploma legal do mandamus que da decisão do relator que conceder ou denegar a medida liminar caberá agravo ao órgão competente do tribunal que integre. 0 problema aqui é que a nova Lei do MS entra em conflito com um posicionamento já consolidado do STF. Conforme entendimento da ju­ risprudência reiterada do Pretório Excelso, da decisão que concede, ou mesmo da que indefere a liminar requerida, não caberia agravo interno ou regimental, a teor da Súmula n° 622 do STF, que preleciona: "Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em mandado de segurança." É bom que se diga que esse posicionamento pretoriano, embora já estivesse sendo seguido pelo STJ,101102 não era vinculante para os outros Tribunais pátrios.10’ Resta-nos aguardar como 0 STF e o STJ vão enfrentar essa questão.

Aqui é bom registrar que existe posicionamento contrário ao nosso expressado por Cássio Scarpinella Bueno. (A nova lei do mandado de segurança, 2009). O mesmo entende que a Lei tomou posicionamento diferente do STF e STJ (que cancelaram as súmulas acima citadas) e por isso não caberia agravo interno da decisão do Presidente que não concedesse a suspensão do pedido. 100. De acordo com a Lei n° 12.016/09, em seu art. 16: Nos casos de competência originária dos tribunais, caberá ao relator a instrução do processo, sendo assegurada a defesa oral na sessão dojulgamento. 101. Conforme trecho de decisão do STJ de Rel. do Min. Edson Vidigal: ”[...] O Superior Tribunal de Justiça, em obser­ vância à orientação consignada no verbete 622 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, tem como pacifico, já, o entendimento de que não é cabivel agravo regimental contra decisão de relator, que em mandado de segurança, defere ou indefere liminar [...]“ (STJ. Corte Especial. AgRg na Rel. n° 1975/RJ. DJ 10.04.2006) 102. Nesse sentido, a decisão do STF de Rel. da Min. Ellen Gracie no julgamento em 19.04.2007 da Rel. AgR n° S.082/DF, conforme a ementa: Agravo regimental em reclamação. Liminar em mandado de segurança. Provimento de agravo regimental no tribunal de origem. Súmula stín”622. Ausência de eficácia vinculante. Inocorrêncio de usurpação de

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na medida em que o legislador pátrio positivou norma processual que não corrobora com a prática jurisprudencial adotada nesses Tribunais Superiores. Entendemos que o posicionamento adequado está previsto na nova Lei do MS, devendo a jurisprudência ceder em prol do novo diploma legal (que é mais adequado à sistemática processual e constitucional). 7) Como fica a liminar concedida após a decisão denegatória do manda­ mus? Conforme a Súmula n° 405 do STF: "Denegado 0 mandado de segurança pela sentença, ou julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária."103 105 Esse posicionamento, * de certa maneira, foi positivado na Lei n° 12.016/09, que afirma em seu art. 70 § 3° que os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistirão até a prolação da sentença.

competência do Supremo Tribunal Federal. 1. Ato reclamado: acórdão do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que conheceu e deu provimento a agravo regimental interposto de decisão que deferira liminar em mandado de segurança. 2. Alegação de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, ante o que dispõe a Súmula STF n° 622: inocorrência. 3. Precedentes do Supremo Tribunal Federal: Reclamações 1.616/PE e 976/ES, rei. Min. Marco Aurélio, Plenário, DJ 16.6.2003 e 25.6.2004.4. Inexistência de vinculação ou subordinação por parte dos tribunais pátrios à Súmula STF n° 622, tendo em vista a sua natureza processual. 5.0 fato de o Supremo Tribunal Federal entender que não cabe agravo regimental da decisão que defere ou indefere medida liminar em mandado de segurança, de sua competência originária, não impede que outros tribunais adotem entendimento diverso. 6. Agravo regimental improvido. (DJ 04.05.2007). 103. Aqui, há de se ressaltar interessante crítica à Súmula n° 405 do STF feita por autores que entendem que a medida liminar tem natureza cautelar. Estes advogam que o magistrado não deve apenas se manifestar so­ bre o mérito do mandamus denegando a segurança, mas também sobre a liminar anteriormente concedida, revogando-a (do contrário, ela continuaria válida até o julgamento de eventual recurso). Nesse sentido: "sendo a medida cautelar uma providência cautelar, de preservação do direito invocado pelo impetrante, é concedida por fundamentos diversos e independentes dos da decisão de mérito. Por isso mesmo não basta que o juiz se manifeste sobre o mérito, denegando o mandado, para que fique automaticamente invalidada a medida liminar. É preciso que o julgador a revogue explicitamente para que cessem seus efeitos. O só fato de denegar a segurança não importa afirmar a desnecessidade da liminar, porque ela visa a preservar danos irreversíveis para o impetrante, e esta possibilidade pode subsistir até que a sentença passe em julgado, negando direito pleiteado. Enquanto pende o recurso, a sentença denegatória é reformável e, como tal, nenhum efeito produz em relação à suspensão provisória do ato. O que sustenta ou invalida a liminar, a nosso ver, é o pronunciamento autônomo do juiz sobre sua persistência ou insubsistência. [...] considerar-se sempre cassada a liminar quando a sentença denegue a segurança é tornar inane uma providência cautelar instituída precisamente para evitar lesões irreparáveis." Nesse sentido, três seriam as soluções engendradas: 1) se o Juiz cassa expressamente a liminar ao denegar a segurança, não nos parece admissível seu restabele­ cimento pela só interposição do recurso cabível contra a decisão de mérito; 2) se o Juiz silencia na sentença sobre a cassação da liminar, é de entender-se mantida até o julgamento da instância superior; 3) se o Juiz expressamente ressalva a subsistência da liminar até a sentença passar em julgado, torna-se manifesta a persistência de seus efeitos enquanto a decisão estiver pendente de recurso (MEIRELLES, p. 84). Mas aqui uma advertência! Apesar do STJ já ter se posicionado esparsamente (em alguns julgados!) de acordo com a crítica supra exposta e o STF já ter afirmado que a subsistência ou não da liminar depende do caso con­ creto (conforme a seguinte decisáo:”(...) Decisão que cassou liminar que conferia efeito suspensivo a recurso ordinário em ação declaratória. 5. Alegação de que a extinção do processo acessório ou cautelar depende do trânsito em julgado da decisão definitiva do processo principal. 6. Eventual subsistência dos efeitos de decisão liminar em relação à decisão de mérito da açâo principal deve ser analisada de acordo com o caso concreto. 7. Não há que falar, indistintamente, que a liminar sempre subsiste até o trânsito em julgado da sentença, pois ao juiz cabe conceder ou negar, manter ou revogar a liminar, segundo as peculiaridades do caso ajuizado. Natureza precária do provimento cautelar. 8. Recurso a que se nega provimento." (RE MS n° 23.147/SP Rei. Min. Gilmar Mendes j 25.02.2003, permanece o entendimento no STF de acordo com a Sú­ mula n*> 405 que, diga-se de passagem, nâo está cancelada!

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8) Nos moldes da Súmula n« 626 do STF: "A suspensão da liminar em man­ dado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até 0 trânsito em julgado da decisão definitiva da segurança ou, haven­ do recurso, até a sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal, desde que 0 objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com 0 da impetra­ ção."1W

9) Segundo recente posicionamento do STF 0 impetrante pode desistir de mandado de segurança a qualquer tempo, ainda que proferida decisão de mé­ rito a ele favorável, e sem anuência da parte contrária. Asseverou 0 Pretório Excelso que o mandado de segurança, enquanto ação constitucional, com base em alegado direito líquido e certo frente a ato ilegal ou abusivo de autoridade, não se revestiría de lide, em sentido material. Pontuou-se não se aplicar, ao manda­ do de segurança, a condição disposta na pane final do art. 267, § 40, do CPC de 1973 ("Art. 267. Extingue-se 0 processo, sem resolução de mérito: § 4° Depois de decorrido 0 prazo para a resposta, 0 autor não poderá, sem 0 consentimento do réu, desistir da ação"). De igual forma, não incidiría 0 art. 269, V, do CPC de 1973 ("Art. 269. Haverá resolução de mérito: V - quando 0 autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação")104 105. Porém, 0 próprio STF, recentemente já se pronunciou admitindo exceção a essa regra. Nesse sentido, 0 STF afirmou que não é cabível a desistência de mandado de segurança, nas hipóteses em que se discute a exigibilidade de concurso público para delegação de serventias extra­ judiciais, quando na espécie já houver sido proferida decisão de mérito, objeto de sucessivos recursos. No caso concreto, 0 pedido de desistência do Mandado de Segurança foi formulado após 0 impetrante ter interposto vários recursos sucessivos (embargos de declaração e agravos regimentais), todos eles julgados improvidos. Dessa forma, 0 Ministro Relator entendeu que tudo levaria a crer que 0 objetivo do impetrante ao desistir seria 0 de evitar 0 fim da discussão com a constituição de coisa julgada. Com isso, ele poderia propor uma ação ordinária em ia instância e, assim, perpetuar a controvérsia, ganhando tempo antes do desfecho definitivo contrário. Portanto, com base nessas peculiarida­ des (de intuito abusivo), a 2’ Turma do STF indeferiu 0 pedido de desistência.106

104. Nesses termos, conforme a ementa da Rec. n° 429 de Rei. do Min. Octavio Gallotti, temos que: Persiste, após a concessão da segurança pelo Tribunal estadual, a decisão do Presidente do Supremo Tribunal, que, fundada no art. 4° da Lei n° 4348-64, suspendeu a execução de liminar dotada dos mesmos efeitos do mandado deferido no mérito. Reclamação julgada procedente por maioria de votos. (Julgamento: 14.10.1993. DJ 18.05.2001). 105. RE 669.367/RJ julg. em 02.05.2013, Rei. Min. Luiz Fux. (Inf. 704 do STF) Registra-se aqui que o art. 267 § 4o do CPC de 1973 tem o seu'equivalente" no art. 485 § 4° do novo CPC de 2015,jáoart.269,V terá como'equivalente' o art. 487, III, "c" do novo CPC de 2015. Também: 2a Turma do STJ. REsp 1.405.532-SR Rei. Min. Eliana Calmon, julg em 10.12-2013. (Informativo S33 do STJ). 106. 2aTurma do STF, MS 29093 ED-ED-AgR/DF, MS 29129 ED-ED-AgR/DF, MS 29189 ED-ED-AgR/DF, MS 29128 ED-ED-AgR/DF, MS 29130 ED-ED-AgR/DF, MS 29186 ED-ED-AgR/DF, MS 29101 ED-ED-AgR/DF, MS 29146 ED ED-AgR/DF, julgados em 14.04.2015 Rei. Min. Teori Zavascki. (Informativo 781 do STF)

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10)Segundo o STF, não cabe sustentação oral no julgamento que aprecia o pedido de liminar formulado em mandado de segurança. Porém é importante salientar que caberá sustentação oral no julgamento final de mérito do man­ dado de segurança. Nesses termos, 0 STF fundamentou seu entendimento nos seguintes argumentos: a) o art. 937, § 3», do novo CPC, prevê 0 cabimento de sus­ tentação oral em julgamento de mandado de segurança unicamente no "agravo interno interposto contra decisão de relator que 0 extinga"; e b) o art. 16 da Lei n° 12.016/2009 prevê a sustentação oral em mandado de segurança na sessão de julgamento de mérito e não no caso da apreciação de limtnar.’OÍ

1.9. Decisão, Efeitos e Recursos Possíveis

A sentença pode, conforme a lógica processual, extinguir 0 feito sem jul­ gamento de mérito ou solucionar a lide nos moldes do antigo art. 269 também do CPC de 1973. É mister consignar que, no mandado de segurança, a sentença concessiva é mandamental contendo uma ordem direcionada à autoridade coa­ tora, sendo, em regra, de execução imediata, cumprindo-se por ofício do juiz, via oficial de justiça ou pelo correio, mediante correspondência com aviso de recebimento à luz do art. 13 da Lei n° 12.016/09.107 108 Nesse sentido, antes mesmo de ser transitada em julgado, a decisão pode ser executada provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar.109 No que tange à decisão concessiva, é importante também lembrarmos da existência do reexame necessário (recurso de ofício ou duplo grau de jurisdição obrigatório) descrito no art. 14 § 3» da Lei n° 12.016/09, à qual a sentença estará sujeita. Tanto da decisão que denega quanto da que concede a segurança, 0 recurso cabível é 0 de apelação. Os legitimados ao recurso são o impetrante (autor do mandamus), a pessoa jurídica à qual está vinculada a autoridade coatora, a pró­ pria autoridade coatora110 e 0 Ministério Público (como custos legis) conforme a

107. MS 34127 MC/DF, MS 34128 MC/DF, Pleno do STF. Rel. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, red. p/o acórdão Min.Teori Zavascki, julg. em 14.04.2016. é interessante que conforme o novo CPC de 2015: Art. 937. Na sessão dejulgamen­ to, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021:1-no recurso de apelação; II - no recurso ordinário; lll - no recurso especial; IV - no recurso extraordinário; V nos embargos de divergência; VI - na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamoção; VII - (VETADO); VIII -no agravo de instrum ento interposto contra decisões in teriocutórias q ue versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência; IX - em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal. 108. Nos termos legais, do art. 13 da Lei n° 12.016/09: Concedido o mandado, ojuiz transmitirá em ofício, por intermédio do oficial do juízo, ou pelo correio, mediante correspondência com aviso de recebimento, o inteiro teor da sentença à autoridade coatora e à pessoa jurídica interessada. Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o juiz observar o disposto no art. 4° desta Lei. Esse art. 4a da Lei n° 12.016/09, diz respeito à notificação da autoridade por telegrama, radiograma ou por qualquer outro meio que assegure a autenticidade do documento e a imediata ciência da autori­ dade, bem como no caso da pessoa jurídica. 109. Conforme o art. 14 da Lei n° 12.016/09. 110. Essa novidade é fruto do art. 14 § 2o da Lei n° 12.016/09. Aqui, também, é bom que se diga que, à luz do CPC obviamente o terceiro prejudicado sempre poderá recorrer. E, sendo ele a autoridade coatora, ele poderá recorrer na figura do terceiro prejudicado.

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Súmula n° 99 do STJ.111112 É claro que existem outras possibilidades recursais que irão depender da situação concreta e da devida adequação.

Essas outras competências recursais, que são de suma importância, estão previstas na Constituição da República, conforme: 0 art. 102, III (Recurso Extraor­ dinário para 0 STF); 0 art. 105, III (Recurso Especial para 0 STJ); 0 art. 102, II, "a* (Recurso Ordinário para 0 STF); e 0 art. 105, II, "b" (Recurso Ordinário para 0 STJ). Essas hipóteses devem preencher requisitos previstos constitucionalmente para tal enquadramento.113 Se 0 legitimado ativo impetra 0 Mandado de Segurança e o juiz de primeira instância indefere, de plano, a petição inicial, caberá, conforme citado, 0 recur­ so de Apelação.113 Mas, atenção, pois, se a impetração se deu originariamente em um Tribunal e este (por ato do relator) indefere de plano a petição inicial do mandamus, não caberá apelação, mas, sim, agravo regimental.114 Voltando à decisão concessiva do mandamus, em regra, ela não tem efeito suspensivo. É bem verdade que existem exceções (ao caráter autoexecutório da sentença) nos casos nos quais é vedada a concessão de medida liminar (confor­ me aqui já citado). Nessas hipóteses, 0 recurso terá efeito não só devolutivo, mas também efeito suspensivo.

Nos casos (em regra) que a apelação não tenha efeito suspensivo, a pes­ soa jurídica de direito público pode pleitear (nos moldes do estudo anterior, no que diz respeito a liminar concedida em mandamus à luz do art. 15 da Lei n» 12.016/09) a suspensão dos efeitos da sentença. Esse pedido também (como no caso da liminar) se baseia em motivos de ordem, segurança, saúde ou eco­ nomia pública. Aqui, atualmente, é importante salientar, ainda, que temos duas correntes sobre 0 caráter político ou jurídico dessa decisão de suspensão da segurança.115 Como já dito (no caso da suspensão de liminar anteriormente tra­

iu. Súmula n° 99 do STJ: O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que nào haja recurso da parte. 112. Art. 102, II "a": Compete ao STF julgar recurso ordinário sobre mandado de segurança se: 1) decididos em única ins­ tância pelos Tribunais Superiores e2) se denegatória a decisão. Art. 105, II “b": Compete ao STJjulgar recurso ordinário sobre mandado de segurança se: 1) decididos em única instância pelos TRFs e TJ dos Estados edoDFe Territórios e 2) se denegatória a decisão. 113. Se a decisão da apelação for improcedente não caberá Recurso Ordinário para o STJ, mas sim Recurso Especial ou Extraordinário respectiva mente para o STJ e STF, se obviamente houver enquadramento nos dispositivos (per­ missivos) constitucionais do art. 102, III, e do art. 105, III, da Constituição de 1988. 114. Se houver o indeferimento do agravo regimental em um Tribunal de Justiça, caberá Recurso Ordinário para o STJ à luz do art. 105, II, CR/88. Isso agora está expresso no art. 18 da Lei n° 12.016/09, nos seguintes termos: Das decisões em mandado de segurança proferidas em única instância pelos tribunais cabe recurso especial e ex­ traordinário, nos casos legalmente previstos, e recurso ordinário, quando a ordem for denegada. 115. Conforme a Lei n° 12.016/09: Art. 15. Quando, a requerimentode pessoajurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposiçào. § 1° Indeferido o pedido de suspensão ou provido o agravo a que se refere o caput deste artigo, caberá novo pedido de suspensão ao presidente do tribunal competente para

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balhado), para o STJ, trata-se de um juízo político a respeito da lesividade do ato judicial à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Já o STF, por manifestação da sua i» Turma, entende que a decisão de suspensão de seguran­ ça não é estritamente política, possuindo conteúdo jurisdicional. Nesse sentido, conforme (novamente) o informativo 797 do STF, 0 STJ não conheceu de recurso especial sob 0 fundamento de que não poderia ser utilizado para impugnar decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão de segurança. Segundo 0 STJ, 0 recurso especial se destinaria a combater argumentos que dissessem respeito a exame de legalidade, ao passo que 0 pedido de suspensão osten­ taria juízo político. Porém, a i» Turma do STF entendeu que a decisão em sede de suspensão de segurança não seria estritamente política, mas teria conteúdo jurisdicional, 0 que, de início, desafiaria recurso especial. Com base nesse en­ tendimento, 0 STF decidiu que é cabível, em tese, recurso especial no STJ con­ tra decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão de segurança.”6Da decisão do Presidente do Tribunal que concede ou da que denega a suspensão dos efeitos da sentença, cabe agravo interno em virtude do cancelamento, aqui citado, da Súmula n« 506 e da Súmula n° 217 respectivamente do STF e do STJ, que permitiam a interposição do agravo interno somente nos casos de conces­ são da suspensão da sentença, e não da denegação da suspensão.116 117 Embora a nova Lei n« 12.016/09 deixe assente a possibilidade do manejo recursal apenas da decisão que concede 0 efeito suspensivo, entendemos, em consonância com 0 posicionamento anterior do STF (que cancelou as referidas súmulas), que de ambas as decisões do Presidente do Tribunal caberá agravo interno. No entanto, se, na decisão do agravo, não for concedida ou mantida a suspensão, a Fazenda Pública ainda terá outro instrumento que será 0 de apresentar novo pedido de suspensão, desta vez para 0 STJ ou para 0 STF, a depender da natureza da ma­ téria (se infraconstitucional ou constitucional).118 Ainda, sobre os efeitos da sentença do mandamus, é importante ressaltar que, segundo a jurisprudência pátria, a teor da Súmula n° 271 do STF, a "conces­ são de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a

conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. §2QÉ cabível também o pedido de suspensão a que se refere o § 1° deste artigo, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo. §3° A interposição de agravo de instrumento contra liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público e seus agentes não prejudica nem condiciona ojulgamento do pedido de suspensão a que se refere este artigo. §4QO presidente do tribunal poderá conferirão pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausi­ bilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida. § 5a As liminares cujo objeto seja idêntico poderão ser suspensas em uma única decisão, podendo o presidente do tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original. 116. RE 798740 AgR/DF julg. em 01.09.2015, Rei. p/ acórdão Min. Marco Aurélio. 117. Aqui, é bom registrar, que existe posicionamento contrário ao nosso, expressado por Cássio Scarpinella Bueno (A nova Lei do mandado de segurança, 2009). 118. Lei n° 8437/92, art 4° (.„) § 4o Se do julgamento do agravo de que trata o § 3o resultar a manutenção ou o resta­ belecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente doTribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário.

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período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria"?19

Nesses termos, a decisão somente proporciona efeitos pecuniários relativos a períodos posteriores à impetração. Mas, não podemos olvidar que as parcelas vencidas, entre a impetração do remédio heroico e a concessão da seguran­ ça, deverão, logicamente, ser objeto de execução contra a Fazenda Pública?” Esse entendimento é escorado não só jurisprudencialmente,1’1*mas, inclusive, na dicção legal da Lei n° 12.016/09 (e estava expresso também na revogada Lei n» 5.021/66’”) que explicita que o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniá­ rias, assegurado em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial?23

119. Além da Súmula n°271 do STF, é mister também a explicitação da Súmula n° 269 que afirma que: "o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança." Assim sendo, conforme a Ementa: 2.0 mandado de seguran­ ça não constitui instrumento hábil a pleitear parcelas remanescentes de Títulos da Dívida Agrária já resgatados, vez que não substitui a ação de cobrança [Súmula n°269j. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. RMS-AgR n° 25.129/DF julg em 12.12.2006. Porém aqui devemos chamar a tenção para tema já abordado quando trabalha­ mos a Súmula n°269 do STF (e que guarda relação com a Súmula 271), qual seja, a sua releitura em determinadas situações como a de Anistia. Como exemplos já citados: MS 22.221 /DF, STJ. 1 ‘ Seção. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julg. em 10.04.2019. RMS 36182/DF, STF. Ia Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14.05.2019: O acórdão concessivo do MS que determina o pagamento retroativo dos valores devidos a anistiado político deve incluir também as juros de mora e correção monetária Ver também: RE 553710 ED, STF. Plenário. Rel. Min. DiasToffoli, julgado em 01.082018. 120. Nos moldes inclusive do art. 730 do CPC de 1973, que foi revogado pela Lei 13.105/2015 (novo CPC). 121. Mandado de segurança. Execução do julgado. Devolução das quantias descontadas. Súmula 271/STF. Inaplicabilidade. 1. Em ação de mandado de segurança, é devida a execução do julgado das prestações vencidas entre a impetração e a concessão da segurança, não havendo que se falar em efeitos pretéritos (súmula 211/STF) 2. Agravo provido. (TRF 1 *, 4a T. Rel. Mário César Ribeiro, j. em 29.02.2000). 122. No mesmo sentido era o art 1°da revogada Lei n° 5.021/66: "O pagamento de vencimentos e vantagens pecu­ niárias asseguradas, em sentença concessiva de mandado de segurança, a servidor público federal, da Adminis­ tração direta ou autárquica, e a servidor público estadual ou municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data de ajuizamento da inicial." 123. Contra esse posicionamento do STF, temos: “Injustificável a manutenção deste entendimento. Não há qualquer sen­ tido em obrigar a parte interessada a ingressar com nova demanda quando seu direitojá foi reconhecido em sede de mandado de segurança Os efeitos do mandado de segurança devem ser ex tunc, com o afastamento do ato ilegal e abusivo do direito violado, ainda que o mesmo tenha natureza financeira. (...) A necessidade de uma tutela jurisdicio­ nal efetiva e tempestiva é elemento essencial e encontra respaldo constitucional (art. 5°, LXXVlll, da CF/88). O tempo é sempre uma fonte de Dano, especialmente para o litigante que tem razão. A decisão judicial não pode ser apenas um prêmio de consolação, como se a mesma fosse um valor em si mesmo." Nesses termos, como fundamento à critica esposada, os autores (embora reconhecendo o posicionamento ainda dominante no STF), apresentam posicionamento recente do STJ que afasta a limitação quanto aos efeitos patrimoniais: “(-) Na hipótese em que servidor público deixa de auferir seus vencimentos, parcial ou integralmente, por ato ilegal ou abusivo da autori­ dade impetrada, os efeitos patrimoniais da concessão da ordem em mandado de segurança devem retroogir à data da prática do ato impugnado, violador do direito liquido e certo. Inaplicabilidade dos enunciados das Súmulas 269/ STF e 271/STF. A Alteração no texto constitucional que excluiu do regime de precatório o pagamento de obrigações definidas em lei como de pequeno valor aponta para a necessidade de revisão do alcance das referidas súmulas e, por conseguinte, do disposto no art. 1°da Lei5.021/1966, principalmente em se tratando de débitos de natureza alimentar, tal como no caso, que envolve verbas remuneratórias de servidores públicos." (MS 12397-DF, Julg. em 09/04/2008, rei. Min. Arnaldo Esteves Lima) In: Cruz, Cerqueira, Gomes Junior, Favreto, Palharini Júnior. Comentários á nova Lei do mondado de segurança, p. 128,2009.

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No que tange à coisa julgada, a disciplina do mandado de segurança traz relevantes digressões. A revogada Lei n° 1533/51, no seu art. 16, afirmava que 0 pedido de mandado de segurança poderia ser renovado se a decisão dene­ gatória não tivesse apreciado 0 mérito do mandamus. Conjuntamente com essa assertiva, que vigorou por mais de 50 anos em nosso ordenamento, a Súmula n» 304 do STF prelecionava (e ainda preleciona) que "a decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede 0 uso de ação própria". É claro que a dicção sumular ainda válida se refere à não existência da coisa julgada material em decisões meramente ter­ minativas. Nesse sentido, se existir coisa julgada material, não há que se falar na renovação do mandamus e nem mesmo no manejo de uma ação ordinária (própria). Portanto, com base no ordenamento normativo anterior do manda­ mus tínhamos (para a corrente majoritária) duas possibilidades: 1) se a não concessão da segurança (denegação do mandamus) tivesse apreciado 0 mérito, não havería que se falar na impetração de um novo mandado de segurança ou mesmo no uso de uma outra ação judicial;124 2) se a denegação do mandamus não houvesse apreciado 0 mérito, poderia ser manejado um novo mandado de segurança ou uma outra ação própria. É mister apenas lembrarmos que se a opção fosse a impetração de um novo wrlt, esta deveria ser realizada no pra­ zo decadencial de 120 dias advindo do mandado de segurança inicial, pois, do contrário, não caberia 0 mandamus, mas apenas uma outra ação judicial. Mas como fica essa questão à luz da Lei n° 12.016/09? Ora, 0 novo diploma normativo, que regulamenta 0 mandado de segurança, deixa assente no art. 6 § 6° que "0 pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo deca­ dencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado 0 mérito", e no seu art. 19 que "a sentença ou 0 acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir 0 mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais". Nesse sentido, entendemos, com base no posicionamento majoritário de outrora (tanto doutrinário como jurisprudencial), que a falta da coisa julgada material (decisão denegatória sem

124. Vejamos a posição do STJ sobre o tema: [...] Mandado de segurança. Apreciação de mérito. Ação própria. Impossibili dade de ajuizamento. Coisa Julgada. - A jurisprudência desta corte é uníssona no sentido de que já tendo sido agitado o tema em sede de mandado de segurança e havendo pronunciamento de mérito acerca da questão, não se pode mais buscar a prestaçãojurisdicional em ação própria, por operar-se a coisajulgada. (STJ Ia Turma. Rtsp. n°4157. Rei. Min. César Asfor Rocha. DJ 25.10.1993). Contra esse posicionamento, ver Alexandre Freitas Câmara. (Lições de direito processual civil, v. 1, 2009, p. 485-486). Nesses termos, em posição interessante, porém minoritária: "A sentença que afirma a inexistência de direito liquido e certo (mas não a existência do direito substancial) é sentença de mérito e, por essa razão, alconça a autoridade de coisajulgada substancial. Apenas seu conteúdo, porém, é que se torna imutável, e o conteúdo da sentença, na hipótese, limita-se a declarar a inexistência de direito líquido e certo. Fica, pois, o autor, im­ pedido de novamente impetrar mandado de segurança (contra ato de autoridade, pela mesma causa de pedir e com o mesmo objeto), mas nada impede que vá ás vias ordinárias. Não existe obstáculo a propositura de nova demanda, com os mesmos elementos identificadores, mas por outra via que não seja a especialissima do mandado de segurança, pela simples razão de que a coisa julgada tornou imutável e indiscutível, tão-somente, a inexistêncio de direito líquido e certo, mas não a existência do direito substancial, o qual, poderá, assim, ser deduzido, em juízo em processo que permita uma maior dilação probatória'.'

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julgamento do mérito) faz com que tenhamos a possibilidade de renovação do pedido (impetração de novo mandamus), obviamente respeitando-se o prazo decadencial de 120 dias ou, de outro modo, se vencido esse prazo, 0 uso de uma ação própria nos termos da Súmula n° 304 do STF, agora escorada no refe­ rido art. 19 da Lei n° 12.016/09.

Por fim, a decisão do mandado de segurança, enseja ainda algumas refle­ xões, sem as quais nossa análise não seria satisfatória. São elas: 1) No que tange à seara trabalhista, a Súmula n° 201 do TST125 determina que cabe recurso ordinário para o TST de decisão em mandado de segurança decidido por Tribunal Regional do Trabalho. 0 prazo recursal será de 8 (oito) dias. Adverti­ mos, porém, que o recurso ordinário aqui tratado não se confunde com 0 recurso ordinário constitucional delimitado para 0 STF (art. 102, II, a, da CR/88) e para o STJ (art. 105, II, b, da CR/88), pois esses tratam de matérias diferentes.

2) A teor da Súmula n» 392 do STF, 0 prazo para recorrer de acórdão concessivo de segurança conta-se da publicação oficial de suas conclusões, e não da anterior ciência da autoridade para o cumprimento da decisão.126 3) Conforme já salientado, das decisões denegatórias de mandado de segu­ rança decididas em única instância por Tribunal Superior, caberá recurso ordinário para 0 STF, conforme 0 art. 102, II, "a", da Constituição, sendo 0 prazo para a interposição do mesmo de 15 (quinze) dias, conforme 0 art. 508 do Código de Processo Civil. É mister salientar que a (antiga) Súmula n 319 do STF, que estabelecia um prazo de 5 (cinco) dias para a interposição desse recurso, encontra-se superada.

4) Conforme já aventado, existe a possibilidade de interposição de Recurso Ex­ traordinário para 0 STF em sede de mandado de segurança, havendo, obviamente, a necessidade de preenchimento dos requisitos do recurso extremo e de encaixe em um dos permissivos do art. 102, III, da Constituição da República. Aqui, é inte­ ressante observarmos a posição do STF no sentido de que, existindo erro grosseiro, não se deve aplicar 0 princípio da fungibilidade recursal no caso em que devería ser interposto recurso ordinário e ocorre 0 manejo (extremo) de recurso extraordinário (hipótese de erro grosseiro). Nesses termos, é a dicção da Súmula n° 272 do STF, que preleciona que: Não se admite como ordinário recurso extraordinário da decisão denegatória de mandado de segurança.127

125. Súmula n” 201 do TST: Da decisão de Tribunal Regional do Trabalho em mandado de segurança cabe recurso ordi­ nário, no prazo de 8 (oito) dias, para o Superior Tribunal do Trabalho, e igual dilação para o recorrido e interessados apresentarem razões de contrariedade. 126. A Lei n° 12.016/09 apresenta uma novidade sobre as decisões proferidas em mandado de segurança. Nesses ter­ mos, conforme o art. 17, "nas decisões proferidas em mandado de segurança e nos respectivos recursos, quando não publicado, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data do julgamento, o acórdão será substituído pelas respectivas notas taquigráficas, independentemente de revisão.” 127. Nesse sentido, a decisão do AI-AgR n° 410.552/CE de Rei. da Min. Ellen Gracie: I. incabível a conversão de recurso extraordinário em ordinário, na hipótese de decisão denegatória de mandado de segurança, prolatada pelo Supe­ rior Tribunal de Justiça, mediante disposição expressa prevista no art. 102, II, "a" da CS, ocorrendo o cometimento de

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5) A teor da Súmula n« 597 do STF, não haverá a possibilidade de interposição de "embargos infringentes de acórdão que, em mandado de segurança, decidiu por maioria de votos a apelação". Nesse sentido, também, é a exegese da Súmula n° 169 do STJ que prescreve: são inadmissíveis embargos infringentes no processo de mando de segurança. Pois bem, essas dicções presentes em verbetes sumulares foram abarcadas pela nova Lei n» 12.016/09, que, no mesmo diapasão, afirma no seu art. 25 não caber embargos infringentes no processo do mandado de segurança. 6) Apesar de algumas críticas doutrinárias, de acordo com 0 posicionamento tanto do STF na Súmula n° 512, quanto do STJ, na Súmula n» 105, na ação de manda­ do de segurança não se admite a condenação em honorários advocatícios. 0 acima citado art. 25, da Lei n« 12.016/09, também, adota 0 posicionamento (extremamente criticado) jurisprudencial, deixando assente que não cabe no processo do mandado de segurança a condenação em pagamento de honorários advocatícios.™

7) Por último, temos a salientar que a Lei n» 12.016/09, nos apresenta a no­ vidade (não existente na antiga Lei n° 1533/51) de, expressamente, criminalizar 0 comportamento de não cumprimento de decisões proferidas em sede de mandado de segurança. Nesses termos, 0 descumprimento de decisões de mondnmi/s é crime de desobediência, nos termos do art. 330 do Código Penal. Certo é que 0 descum­ primento pode se dar em decisões liminares ou em decisões de mérito, transitadas em julgado ou não transitadas, desde que 0 órgão julgador prolate a decisão e determine, com isso, seu devido cumprimento.

1.10. Prazo do Mandado de Segurança 0 prazo para a impetração do mandamus é de 120 (cento e vinte) dias a contar do conhecimento (pelo interessado) oficial do ato (da autoridade coa­ tora) a ser impugnado, conforme 0 art. 23 da Lei n° 12.016/09.128 129 Esse prazo é

erro grosseiro na utilização dos instrumentos processuais disponíveis para o acesso à devida prestação jurisdicional. 2. Agravo regimental improvido. Julg.: 14.12.2004.0 mesmo ocorre no STJ em relação à interposição equivocada de recurso especial quondo o adequado (o correto) seria o recurso ordinário. Porém, o STJ vem entendendo que se o erro for o da interposição de apelação quando o correto seria o recurso ordinário constitucional, deve-se adotara fungibilidade e o recurso deve ser conhecido. (RMS 20.652-MT, julg. em 03.04.2007, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima). 128. Lei n° 12.016/09, no seu art. 25, "não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigáncia de má-fé". Conforme a Ia Turma do STF, temos ainda que: "Não cabe a fixação de honorários recursais (art. 85, 9 11, do CPC/2015) em coso de recurso interposto no curso de processo cujo rito exclua a possibilidade de condenação em honorários. £m outras palavras, nãoé possível fixar honorários recursais quando o processo origi­ nário não preveja condenação em honorários. Nesses termos, se for proposta uma ação que não admite fixação de honorários advocatícios (como o MS) e uma das partes, no bojo do processo, interpor recurso extraordinário, o STF, aojulgar o RE, não fixará honorários recursais, considerando que o rito aplicável ao processo originário não comporta condenação em honorários advocatícios." 1a Turma do STF. ARE 948578 AgR/RS, ARE 951589 AgR/PRe ARE 952384 AgR/MS, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 21.06,2016. 129. Lei n° 12.016/09, "o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado. Aqui algumas digressões são válidas. Segundo clássica doutrina, a fluência do prazo só se inicia na data em que o ato a ser impugnado se torna operante e exequível, ou seja, capaz de produzir lesão ao direito líquido e certo do impetrante". Nesse sentido, uma advertência olvidada

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eminentemente decadencial, e, portanto, após iniciado, não se interrompe e nem se suspende.130131 132 Um exemplo desse entendimento se encontra no teor da Súmula n° 430 do STF, na qual aflrma-se que: 0 "pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe 0 prazo para 0 mandado de segurança". Mas, aqui, devemos ter atenção, pois não podemos confundir esse pedido com o in­ titulado recurso administrativo com efeito suspensivo, 0 qual, se interposto, faz com que 0 referido prazo de 120 dias seja obstaculizado de se iniciar.13' Nesses termos, com a interposição de recurso administrativo com efeito suspensivo, 0 prazo para a impetração do mandamus deverá iniciar-se após 0 conhecimento (ciência) da decisão do mesmo.133

Questão de relevo envolve 0 debate sobre a constitucionalidade desse pra­ zo de 120 (cento e vinte) dias para a impetração do mandamus, à luz do art. 5», LXIX, de nossa atual Constituição. 0 Pretório Excelso ainda à época da Lei n° 1.533/51 firmou posicionamento pela constitucionalidade, conforme 0 teor da Sú­ mula n° 632, na qual afirma: "é constitucional lei que fixa 0 prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança."

Sobre 0 tema, ora aventado, temos ainda as seguintes digressões: 1) Nos atos ilegais ou abusivos de trato sucessivo,133 0 prazo decadencial para a impetração se renova a cada ato, ou seja, a cada vez que se verifica a lesão ao direito (por exemplo, ao patrimônio) do impetrante.

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por muitos merece atenção: é desenvolto o entendimento de que o prazo para a impetração do mandamus não se deve (em regra) contar da publicação da lei ou decreto normativo, mas do ato administrativo, com base nos mesmos, que concretiza a ofensa ao direito líquido e certo do impetrante. Isso, obviamente, se a lei ou o decreto não forem de efeitos concretos, as quais, pelo simples fato de entrarem em vigor, já causam prejuízos que poderão ser imedia tamente atacados pelo remédio heroico. Porém, aqui, existe exceção, na medida em que o Código Civil explicita que não corre o prazo decadencial contra os absolutamente incapazes. Portanto, se o direito liquido e certo em voga for de incapaz, entendemos que nào haverá decadência. Nesses termos, o posicionamento do STJ: [...] O Superior Tribunal de Justiça, secundando o entendimento do Su­ premo Tribunal Federal cristalizado na Súmula 430, possui jurisprudência uniforme no sentido de que a fluência do prazo decadencial no mandado de segurança tem início na data em que o interessado teve ciência inequívoco do ato atacado, independentemente do manejo de eventual recurso administrativo, salvo se o mesmo tivesse o excepcional efeito suspensivo, hipótese que não se vislumbra nestes autos [...]. (STJ, 5a Turma. AgRg nos EDd no Resp n° 644.640/ RS. Rei: Min. Gilson Dipp. DJ 30.04.2007) Lembramos aqui que não estamos trabalhando o cabimento do mandado de segurança, e sim seu prazo deca dencial. Ou seja, o posicionamento adequado é aquele que afirma a obstaculizaçâo do início do prazo de 120 (cento e vinte) dias quando há recurso administrativo com efeito suspensivo interposto ainda sem decisão. Ago­ ra, é claro que, se a decisão acarretar lesão a direito liquido e certo, da sua ciência passa a contar-se o prazo de 120 (cento e vinte) dias. Porém, nunca é demais lembrarmos que o writ caberá mesmo com a existência de recurso administrativo com efeito suspensivo, ao teor da aqui citada Súmula n° 429 do STF que preleciona que, mesmo havendo recurso administrativo com efeito suspensivo, ocorrendo omissão, caberá mandado de segurança. Mas atenção, pois abalizada doutrina em conformidade com o STJ nos apresenta uma interessante exceção. Fazendo-se uma analogia ao raciocínio que é trabalhado na Súmula n° 85 do STJ, temos que o direito negado pelo ato pode ser"o próprio direito de fundo". Nas questões que são atinentes ao direito de fundo"(negado por ato da autoridade) nào estaríamos diante de atos que se renovam causando lesões cíclicas. Portanto, se ocorre a negativa do "direito de fundo", o prazo para a impetração do mandamus deve ser contado da data em que a denegação chega ao conhecimento do impetrante com operatividade e exequibilidade. Trazemos

Açofs Constitucionais

2) Ocorrendo a hipótese da impetração do remédio heroico dentro do pra­ zo de 120 (cento e vinte) dias, porém, em juízo incompetente, e, posteriormen­ te, sendo 0 mandamus remetido a juízo competente, 0 STF já se posicionou no sentido de que não haverá caducidade na medida em que a impetração se deu no prazo adequado.

3) Em recente julgado, a ia Turma do STF reconheceu que um Mandado de Segurança foi impetrado fora do prazo, no entanto, como foi concedida liminar e esta perdurou por mais de 12 anos, os Ministros entenderam que deveria ser apreciado 0 mérito da ação, em nome da segurança jurídica. Claro que é um posicionamento excepcional (exceção devido à peculiaridade do caso), mas que não deixa de ser interessante?34 4) Se 0 mandado de segurança é interposto contra omissão de autoridade, temos a possibilidade de: 1) se a administração não está sujeita a prazo para praticar 0 ato, não haverá prazo decadencial a ser observado, pois, enquanto durar a omissão, caberá mandado de segurança; 2) se a administração está sujeita a prazo para a prática de determinado ato, findo 0 prazo sem a sua realização, começa a valer (a existir) 0 prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias para a impetração do mandamus.'” 5) Pode ser, ainda, que, embora a autoridade em princípio não esteja su­ jeita a prazo, a prática de determinado ato pela autoridade pode fazer concluir que a lesão a direito líquido e certo se tornou operante e exequível. Nesses termos, enquanto a omissão existia (de forma continuada), não era deflagrado 0*

um exemplo à luz da jurisprudência do STJ: Mandado de Segurança. Pedido de incorporação de quintos. Indeferimento administrativo. Ato único de feitos permanentes. Decadência. I - Por se rratar de mandamus impetrado por servidores contra ato da Administração de efeitos imediatos e concretos - consubstanciando no indeferimento de pedido de incorporação de quintos, não há que se falar em obrigação de troto sucessivo que se renova més a mês. II Deve ser reconhecida a decadência à impetração do presente instrumento processual, eis que 0 lapso temporal entre o ato da administração e o ajuizamento da ação ultrapassou o prazo de cento e vinte dias, a teor do art. 18 da Lein01.533/51. Recurso não conhecido. (STJ, 5°TURMA. RMS n° 17.804, Rei. Ministro FelixFischerj. em 16.09.7004). Conforme: SODRÉ, Eduardo. Mandado de segurança, 2007, p. 113. Conforme o STJ: O prazo de­ cadencial para impetrar mandado de segurança contra redução do valor de vantagem integrante de proventos ou de remuneração de servidor publico renova-se mês a mês. A redução, ao contrário da supressão de van tagem (como quintos ou outras gratificações), configura relação de trato sucessivo, pois não equivale à negação do próprio fundo de direito. Assim, o prazo decadencial para se impetrar a ação mandamento! renova-se més a mês. STJ. Corte Espe ciai. EREsp 1.164.514-AM, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julg. em 16.12.2015 (Informativo 578 do STJ) 134. MS 25097/DF, 2d Turma do STF. Rei. Min. Gilmar Mendes, julg. em 28.03.2017. No caso o MS foi proposto depois que já havia se passado mais de 120 dias da publicação do ato impugnado. Dessa forma, o Ministro Relator deve­ ria ter extinguido o mandado de segurança sem resolução do mérito pela decadência. Porém, o Ministro não se atentou para esse fato e concedeu a liminar pleiteada. Em março de 2017, a ldT do STF apreciou o mandado de segurança. Ela reconheceu que o MS foi impetrado fora do prazo, no entanto, como foi concedida liminar e esta perdurou por mais de 12 anos, os Ministros entenderam que deveria ser apreciado o mérito da ação. 135. Um exemplo interessante dessa hipótese pode ser encontrado na jurisprudência do STF: Mandado de Segurança. Omissão da mesa diretora do Senado Federal no julgamento de recurso administrativo. Decadência verificada, já que de há muito fluido o prazo legal de 120 dias para a impetração, computável, no caso, do momento em que se configu­ rou a omissão impugnada, seja, do vencimento do lapso temporal de que dispunha o órgão impetrado para decidir, na forma do Regimento da Casa Legislativo. Precedentes da Corte. Segurança nào conhecido. (STF: pleno. MS n° 21.067/ DF. Rei. Min. limar Galvão. DJ 13.03.1992)

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prazo de 120 (cento e vinte) dias, mas, a partir de determinada conduta, 0 pra­ zo inicia sua contagem. Nesse sentido, é 0 posicionamento do Pretório Excelso exarado no julgamento do RMS n° 23.987/DF, conforme a ementa: Recurso ordinário em mandado de segurança. - Enquanto há omissão conti­ nuada da Administração Pública, não corre 0 prazo de decadência para a im petração do mandado de segurança, sendo certo, porém, que essa omissão cessa no momento em que há situação jurídica de que decorre inequivoca­ mente a recusa, por parte da Administração Pública, do pretendido direito, fluindo a partir daí 0 prazo de 120 (cento e vinte) dias para a impetração da segurança contra essa recusa. - Em se tratando de concurso público, a aber­ tura de novo concurso pela Administração Pública traduz situação jurídica de evidente recusa de aproveitamento dos candidatos do concurso anterior, pondo termo, assim, à omissão continuada pela falta desse aproveitamento, começando a correr 0 prazo de decadência para a impetração da seguran­ ça. - Ocorrência, no caso, da decadência. Recurso ordinário a que se nega provimento. (STF - RMS n° 23.897/DF de Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 25.03.2003. DJ: 02.05.2003)

6) Conforme 0 MS n° 23.586 julgado pelo STF em 26.10.2011, 0 termo inicial para impetração de mandado de segurança a fim de impugnar critérios de apro­ vação e de classificação de concurso público conta-se do momento em que a cláusula do edital causar prejuízo ao candidato.136 7) Segundo 0 STF, se no curso de um processo administrativo federal é praticado ato contrário aos interesses da parte, 0 prazo de 120 dias para impe­ tração de mandado de segurança somente se inicia quando a pane for intimada diretamente, na forma do § 3» do art. 26 da Lei n° 9.784/99. Ou seja, 0 termo inicial para a formalização de mandado de segurança pressupõe a ciência do impetrante, nos termos dos arts. 3° e 26 da Lei n« 9.784/99, quando 0 ato impug­ nado surgir no âmbito de processo administrativo do qual seja parte.137 8) Sobre 0 novo CPC de 2015 0 seu art. 219 estabelece que "na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis". A questão aqui é se este art. 219 do CP 2015 é aplicado para 0 prazo do mandado de segurança? Ou seja, se a partir dessa norma 0 prazo de 120 dias deverá ser contado em dias úteis. Por obvio que não, pois 0 art. 219 aplica-se apenas aos prazos processuais, ou seja, àqueles prazos para a prática de atos dentro do processo. Já 0 prazo de impetração do Mandado de Segurança, em regra, não é processual, de forma que ele deve ser contado de forma corrida (e não em dias úteis). Porém, existe uma exceção. Essa será no caso de mandado de segurança contra ato judicial, na qual o prazo máximo para impetração será

136. No caso a autoridade coatora, suscitava decadência do direito de impetração, uma vez que o prazo para questio­ nar cláusula editalícia teria se dado coma publicação do edital de abertura do concurso na imprensa oficial, e não da data do ato lesivo ao candidato. Porém não foi esse o entendimento da 2a Turma do STF. (RMS 23.586/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, 25.10.2011) 137. RMS 32487/RS, STF. 1 «Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 07.11.2017 (Informativo 884}

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contado em dias úteis. 0 fundamento é do que neste caso o prazo terá natureza processual já que corre dentro do processo. Assim, por exemplo, se é prolatada uma decisão judicial irrecorrível, a parte prejudicada terá 120 dias úteis para impetrar mandado de segurança.'3í 9) Por último, é mister salientar que, se 0 mandamus é impetrado de forma preventiva em virtude de ameaça de lesão a direito líquido e certo, não há que se falar em prazo decadencial de 120 (cento e vinte) dias, na medida em que, enquanto perdurar a ameaça, há a possibilidade de interposição do writ.'39 2. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO 2.1. Conceito

A rigor, a sua conceituação é a mesma138 140141 139 142 do mandado de segurança indivi­ dual, com exceção dos afetados (atingidos) pela proteção do mandamus. Nesse sentido, podemos afirmar que 0 mesmo se apresenta como: uma ação consti­ tucional de natureza civil e procedimento especial, que visa a proteger direito líquido e certo da coletividade'4’ (direitos coletivos, difusos’42 e individuais ho­ mogêneos), lesionado ou ameaçado de lesão, não amparado por Habeas Corpus ou Habeas Data, em virtude de ilegalidade ou abuso de poder praticado por autoridade pública ou agente jurídico (privado) no exercício de atribuições pú­ blicas. Certo é que a recente Lei n° 12.016/09 deixa assente, de forma expressa, que os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser os direitos: a) coletivos, assim entendidos, para efeito da Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica; b) individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito da referida Lei, os decorrentes de

138. CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 562. Também In: Már­ cio André Cavalcante, Dizer o Direito. 2016. 139. Dl PIETRO, Maria Sylvia, Direito administrativo, 2003, p. 675. Nesse sentido, também é a jurisprudência do STJ, conforme a ementa: “Processual Civil e Tributário. Recurso especial. Mandado de segurança preventivo. Prazo deca­ dencial de 120 dias. Não aplicação. 1. Tratando-se de mandado de segurança preventivo, não há por que se falar em prazo decadencial de 120 dias. 2. Recurso especial provido." (STJ, 2a Turma, REsp n°652046/RJ, Rei. Min. João Otávio Noronha, j. em 24.08.2004) 140. Conforme posicionamento majoritário: '(...] O mandado de segurança coletivo nada mais é do que a possibilidade de impetrar-seo mandado de segurança tradicional por intermédio da tutela jurisdicional coletiva. Í...1O adjetivo coletivo diz respeito à forma de exercer-se a pretensão mandamental e não propriamente a pretensão deduzida em si mesma. Portanto, o mandado de segurança poderá ser utilizado para a tutela de direitos difusos, coletivos ou individuais [...]" In: Almeida, 2007, p. 412. 141. Atenção á seguinte digressão: "O que define o mandado de segurança como ação coletiva ou não é o seu objeto material e não (apenas) a simples legitimidade ativa coletiva. (...) para se definir o mandado de segurança impetrado como sendo ação coletiva ou individual, torna-se imprescindível a análise da causa de pedir e do pedido formulado concretamente.'In: Almeida, 2007, Estes envolvem ilegalidade ou abuso de poder que causam lesão ou ameaça de lesão a direitos líquidos e certos coletivos. 142. É bom que o leitor seja informado, que, ainda existe corrente minoritária (e inadequada a nosso ver, apesar da falta de referência dos direitos difusos na nova Lei do MS) que entende nào caber mandado de segurança coletivo para a defesa de direitos ou interesses difusos.

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origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de par­ te dos associados ou membros do impetrante. Porém, devemos salientar que, além dos, ora citados, direitos coletivos e individuais homogêneos, devemos acrescentar os direitos difusos. Embora a Lei tenha olvidado sobre os mesmos, eles também devem ser objeto de mandado de segurança coletivo. Aliás, chega a ser risível (e inadequado à luz do sistema de proteção das tutelas coletivas) o argumento de que pela falta de inclusão no novo diploma legal, eles não pode­ riam ser objeto de MS coletivo. Corroborando com nosso posicionamento, temos que "andou mal o legislador, ao tentar excluir- ou deixar de incluir - os direitos difusos dentre aqueles que podem ser protegidos através do mandado de se­ gurança coletivo". (...) De qualquer modo, a omissão do legislador em deixar de incluir os direitos difusos no rol do art. 21 da Lei do Mandado de Segurança mostra-se irrelevante, data vênia, pois o art. 50, incisos LXIX e LXX, da CF/88 exige apenas que tenha sido violado direito líquido e certo, não restringindo a categoria do direito (difuso, coletivo ou individual homogêneo).145 Assim, temos que 0 mandado de segurança é, atualmente, à luz da nossa atual Constituição, um gênero que se divide em duas espécies que são: 0 mandado de segurança individual e 0 coletivo.

2.2. Finalidades Segundo abalizada doutrina, 0 Mandado de Segurança Coletivo tem tríplice finalidade, quais sejam: 1) evitar acúmulo de demandas idênticas (na medida em que, por exemplo, em vez de centenas ou milhares de mandados de segu­ rança individuais basta um mandado de segurança coletivo); 2) facilitar 0 acesso à justiça; 3) fortalecer as entidades de classe (na medida em que 0 mandado de segurança coletivo se arvora na defesa de direitos dos membros ou associados, por exemplo, das associações ou das entidades de classe). 2.3. Legitimidade do Mandado de Segurança Coletivo

Conforme normativa constitucional, a legitimidade ativa será do Partido Po­ lítico com representação no Congresso Nacional e dos sindicatos, entidades de classe e associações em funcionamento há pelo menos 1 ano, legalmente cons­ tituídas e para a defesa de seus membros ou associados.143 144

143. In: Cruz, Cerqueira, Gomes Junior, Favreto, Palharini Júnior. Comentários à nova Lei do mandado de segurança, p. 192-193,2009. Afirmam ainda os autores, a nosso ver, de forma adequada que: "O art. 83 do Código de Defesa do Consumidor, que integra o sistema único coletivo de proteção dos direitos coletivos, autoriza a utilização de qualquer espécie de demanda (incluindo logicamente o atual mandado de segurança coletivo) para a defesa de direitos difusos." 144. Cuidado com relação à legitimidade ativa, pois não devemos confundir a mesma nos mandados de seguran­ ça individual e coletivo. O seguinte caso, ilustra a advertência, ora explicitada: Em um Município X, existe uma associação que atua na defesa de interesses e direitos de seus membros ou associados que estão presentes no Município. Se o Prefeito desse Município pratica um ato ilegal que lesa a associação, o que caberá? MS Individual

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Sobre o tema, algumas reflexões devem ser aventadas: 1) 0 Partido Político para ter representação no Congresso Nacional (e, por­ tanto, legitimidade ativa) necessita de um deputado federal ou de um senador da República, não havendo a exigência de membros do Poder Legislativo nas duas casas para tal.145146

2) Desde 0 começo da década de 90, até os dias atuais, 0 STJ vem enten­ dendo que os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, só podem ajuizar Mandado de Segurança Coletivo para defesa de direitos dos seus filiados e em questões que guardem relação com o Estatuto do partido político. Portanto, segundo esse posicionamento, não caberia a impetração de mandado de segurança coletivo para defesa de direitos da sociedade?45 Sem dúvida, 0 STJ tem uma interpretação restritiva do instituto, pois, apesar dos partidos políticos serem pessoas jurídicas de direito privado, nos moldes das associações (socie­ dade sem fins lucrativos), eles são instrumentos de intermediação entre repre­ sentantes e representados, na medida em que não existe candidatura avulsa em nosso ordenamento jurídico. Certo é que 0 exercício de nossa soberania po­ pular, passa necessariamente, pela escolha de candidatos (representantes que exercem 0 poder em nosso nome) atrelados aos partidos que, mesmo com esse viés público, só poderíam, segundo 0 posicionamento do STJ, defender seus filiados. Aliás, não pode ser outra a nossa crítica à luz da dicção normativa do art. i° da Lei n° 9.096/95 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), na qual: "0 partido político pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defen­ der os direitos humanos fundamentais, definidos na Constituição Federal."147 0 STF, acompanhou de forma inconteste a interpretação restritiva (e inadequada) conferida pelo STJ, até 0 ano de 2004. Apesar de parte da doutrina se olvidar (estranhamente) em relação a uma possível mudança de posicionamento do

ou Coletivo? Mandado de Segurança individual, pois o Prefeito feriu um direito líquido e certo da associação e nâo dos seus associados. 145. Alguns doutrinadores defendem que a legitimidade dos partidos, prevista na CR/88 poderia ser ampliada (in­ terpretação extensiva) por simetria ao âmbito estadual (representação na Assembléia Legislativa) se a questão for estadual, e municipal (representação na Câmara dos Vereadores) se a questão aventada for de cunho local In: Cruz, Cerqueira, Gomes Junior, Favreto, Palharini Júnior. Comentários à nova Lei do mandado de segurança, p. 178,2009. Contra esse posicionamento: Klippel, Rodrigo e Neffa Junior, José Antônio, p. 316.2010. 146. Segundo o SuperiorTribunal de Justiça:"Quando a Constituição autoriza um partido político a impetrar mandado de segurança coletivo, só pode ser no sentido de defender os seus filiados e em questões políticas, ainda assim, quando autorizado por lei ou pelo estatuto. Impossibilidade de dar ao partido político legitimidade para vir a Juízo defender 50 milhões de aposentados, que nâo são, em sua totalidade, filiados ao partido e que não auto­ rizam o mesmo a impetrar mandado de segurança em nome deles." (RSTJ 12:215) (STJ Ia Seção - Mandadode Segurança n° 197/DF - Rel. Garcia Vieira acórdão publicado em 20/08/90). Nos mesmos moldes: STJ - 2“ T. - RMS n° 1,348/MA - Rel. Américo Luz DJU Seção 1,13 dez. 1993. Nesse mesmo sentido: (...) O partido político, por essa via, só tem legitimidade para postular direito integrante de sua coletividade. (STJ - 6°T.~ recurso ordinário em MS n° 2.423/PR - v.u - DJU, 27.04.1993) 147. Nesse diapasão, também as abalizadas doutrinas de Lucia Valle Figueiredo (2005) e Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006).

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Pretório Excelso, esta se encontra debatida no Informativo n° 372,148 no qual 0 STF passou a discutir, com vozes dissonantes, se os partidos políticos podem im­ petrar mandado de segurança coletivo para defesa de interesses da sociedade (direitos coletivos ou difusos) e não só de seus filiados. A Ministra Ellen Gracie (no que foi acompanhada pelos Ministros Carlos Ayres Britto e Marco Aurélio) entendeu que os partidos políticos podem impetrar mandado de segurança coletivo para defesa de interesses da sociedade (direitos coletivos ou difusos) não podendo, porém, impetrar mandado de segurança coletivo para impugnar exigência (cobrança) tributária.149

148. Conforme o voto da Ministra relatora Ellen Gracie, no R. Ext. n° 196.184/AM julgado em 27.10.2004, temos que: "[...] A tese do recorrente no sentido da legitimidade dos partidos políticos para impetrar mandado de segurança coletivo estar limitada aos interesses de seus filiados não resiste a uma leitura atenta do dispositivo constitucional supra. Ora, se o Legislador Constitucional dividiu os legitimados para a impetração do Mandado de Segurança Coletivo em duas alíneas, e empregou somente com relação à organização sindical, à entidade de classe e à associação legalmente constituída a expressão'em defesa dos interesses de seus membros ou associados'é por­ que não quis criar esta restrição aos partidos políticos. Isso significa dizer que está reconhecido na Constituição o dever do partido político de zelar pelos interesses coletivos, independente de estarem relacionados a seus filiados. Também entendo não haver limitações materiais ao uso deste instituto por agremiações partidárias, à semelhança do que ocorre na legitimação para propor ações declaratórias de inconstitucionalidade. Com efeito, o Plenário desta Corte, no julgamento da ADIMC 1.096 (DJ 07/04/2000), entendeu que o requisito da pertinência temática é inexigível no exercício do controle abstrato de constitucionalidade pelos partidos políticos. [...] Dessa forma, tudo o que foi dito a respeito da legitimação dos partidos políticos na ação direta de inconstitucionali­ dade pode ser aplicado ao mandado de segurança coletivo. A previsão do art. 5o, LXX, da Constituição objetiva aumentar os mecanismos de atuação dos partidos políticos no exercício de seu mister, tão bem delineado na transcrição supra, não podendo, portanto, ter esse campo restrito à defesa de direitos políticos, e sim de todos aqueles interesses difuso e coletivos que afetam a sociedade. A defesa da ordem constitucional pelos Partidos Políticos não pode ficar adstrita somente ao uso do controle abstrato das normas. A Carta de 1988 consagra uma série de direitos que exigem a atuação destas instituições, mesmo em sede de controle concreto. À agremiação partidária, não pode ser vedado o uso do mandado de segurança coletivo em hipóteses concretas em que este­ jam em risco, por exemplo, o patrimônio histórico, cultural ou ambiental de determinada comunidade. Assim, se o partido político entender que determinado direito difuso se encontra ameaçado ou lesado por qualquer ato da administração, poderá fazer uso do mandado de segurança coletivo, que não se restringirá apenas aos assuntos relativos a direitos políticos e nem a seus integrantes. Não se está a excluir a necessidade do atendimento dos requisitos formais previstos nos estatutos dos partidos, tampouco afastando a necessidade de respeito aos pres­ supostos de cabimento de mandado de segurança, que, no presente feito, não foram objeto de impugnação no recurso extraordinário. 2. A hipótese dos autos, todavia, não trata de direito coletivo ou interesse difuso, mas da majoração de um tributo, o que, conforme já decidido pelo Plenário desta Corte, no RE 213.631, rei. Min. limar Galvão (DJ 07/04/2000) configura um direito individualizável ou divisível, nos termos da ementa ora transcrita in verbís: 'Ministério Público. Ação Civil Pública. Taxa de iluminação pública do município de Rio IMovo-MG. Exigibi­ lidade impugnada por meio de ação pública, sob alegação de inconstitucionalidade. Acórdão que concluiu pelo seu não-cabímento, sob invocação dos arts. 102,1, a, e 125, 5 2°, da Constituição. Ausência de legitimação do Mi nistério Público para ações da espécie, por não configurada, no caso, a hipótese de interesses difusos, como tais considerados os pertencentes concomitantemente a todos e a cada um dos membros da sociedade, como um bem não individualizável ou divisível, mas, ao revés, interesses de grupo ou classe de pessoas, sujeitos passivos de uma exigência tributária cuja impugnação, por isso, só pode ser promovida por eles próprios, deforma individual ou coletiva. Recurso nâo conhecido.' Se o Partido Político pode atuar na defesa do interesse de várias pessoas, inde­ pendente de filiação, não pode, contudo, substituir todos os cidadãos na defesa de interesses individuais a serem pos­ tulados emjuizo por meio de ações próprias. Por estes motivos, entendo que o Partido Político pode impetrar mandado de segurança coletivo na defesa de qualquerinteresse difuso, abrangendo, inclusive, pessoas não filiadas a ele, nâo estando, porém, autorizado a se valer desta via para impugnar uma exigência tributária...'’. 149. STF - pleno - MS n° 24.394/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário de Justiça, Seção 1,6 set. 2004, p. 47. STF-2a T. - Rextr. n“ 196.184/AM - Rei. Ellen Gracie, Informativo STF n“ 372. Porém, devemos deixar consignado que o novo posicionamento do STF ainda é insuficiente, pois, apesar de deixar assente a possibilidade da impetração

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Mas aqui, ainda que o debate permaneça, uma advertência é necessária. Como se posicionou a atual Lei n° 12.016/09 sobre a questão? A nova lei n» 12.016/09, que regulamenta 0 mandamus, deixa assente, em seu art. 21, que os partidos políticos com representação no Congresso Nacional devem atuar em mandado de segurança coletivo na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária. Nesse sentido, embora 0 tema seja controvertido, entendemos que 0 recente diploma legal corrobora com 0 posicionamento da Ex-Ministra Ellen Gracie no STF. Ou seja, 0 dispositivo normativo explicita que os partidos devem impetrar 0 mandado de segurança coletivo não só para a defesa de seus filiados,150151 mas também para a finalidade partidária, que a nosso ver alcança (em uma leitura constitucional­ mente adequada), devido ao caráter público dos partidos (como instrumentos constitucionais de intermediação entre representantes e representados no de­ senvolvimento da soberania popular), os interesses da sociedade, referindo-se, sem dúvida, de forma ampla a direitos da coletividade (direitos e interesses de cunho coletivo e difuso).

Nesses termos, corroborando com nosso entendimento, conforme Cássio Scarpinella Bueno, temos que à luz da nova Lei do mandamus "0 partido po­ lítico tem legitimidade para a impetração do mandado de segurança coletivo tanto que 0 direito (interesse) a ser tutelado coincida com as suas finalidades programáticas, amplamente consideradas, independentemente de a impetração buscar a tutela jurisdicional de seus próprios membros".'5’

do mandamus por partido político para a defesa de direitos coletivos e difusos da sociedade (de filiados e não filiados), não permite a impetração para impugnar cobrança de tributos, ou seja, para a defesa de direitos indivi­ duais homogêneos. Assim, a conclusão é a seguinte: o partido politico com representação no Congresso Nacional pode impetrar mandado de segurança para a defesa da sociedade (proteção de direitos ou interesses difusos), mas não tem legitimidade para impetrar o mandamus para a proteção dedireitos individuais homogêneos. Assim sendo, entendemos e advogamos que o posicionamento correto é o de admitir a impetração de MS coletivo para a defesa de qualquer tipo de interesse ou direito da coletividade (seja ele: direito coletivo, difuso ou mesmo individual homogêneo). 150. Nesses termos: "Os partidos políticos não têm como razão de ser a satisfação de interesses ou necessidades par­ ticulares de seus filiados, nem são eles o objeto das atividades partidárias. Ao contrário das demais associações, cujo objeto está voltado para dentro de si mesmas, já que ligado diretamente aos interesses dos associados, os partidos políticos visam a objetivos externos, só remotamente relacionados a interesses específicos de seus filiados. (...) Por conseguinte, os filiados ao partido são, na verdade, instrumentos das atividades e bandeiras par­ tidárias, e não objeto delas. O objeto das atenções partidárias são os membros da coletividade em que atuam, independentemente da condição de filiados." ZAVASCKI, Teori Albino. Defesa de direitos coletivos e defesa coletiva dedireitos, p. 147, 2007. No mesmo sentido, defendendo a impetração de mandado de segurança coletivo por partidos políticos para a defesa de interesses difusos, temos o clássico Celso Agrícola Barbi. BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 8a Ed. Rio de janeiro, Forense, p. 295,1996. 151. BUENO, Scarpinella Cássio, A nova Lei do Mandado de Segurança, São Paulo: Ed. Saraiva, p. 124,2009. Contra esse posicionamento, entendendo que o art. 21 da Lei n“ 12.016/09 deve ser declarado inconstitucional em virtude de ter positivado de forma restritiva (e inadequada) a legitimidade ativa dos Partidos Políticos, temos Fernando Jay me. O professor também advoga (como nós) uma legitimação mais ampliada para os Partidos Políticos visando, sobretudo, a defesa de direitos fundamentais da sociedade, porém não busca uma leitura constitucionalmente adequada (e compatível) da nova Lei n” 12.016/09 com a Legislação infraconstitucional dos partidos políticos (Lei n°9.096/95) e com a Constituição (interpretação conforme) advogando, em virtude disso, a inconstitucionalidade

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3) 0 STF firmou entendimento no Informativo n» 154 que 0 requisito em fun­ cionamento há pelo menos 1 ano é somente para as associações152153 154 e não para as entidades de classe ou sindicatos.15’ Portanto, sindicato e entidade de Classe só precisam estar legalmente constituídos e terem por objetivo a defesa de in­ teresses de seus membros ou associados.

4) Segundo entendimento consolidado no Pretório Excelso, a legitimidade ativa no mandado de segurança é a extraordinária. Ou seja, não teriamos repre­ sentação, mas sim legitimidade extraordinária no mandamus coletivo, advindo daí 0 que chamamos processualmente de substituição processual, na qual 0 impetrante irá ajuizar a ação em nome próprio, só que para a defesa de direito de terceiros, quais sejam, os direitos de membros ou associados.

5) Mas, atenção, pois o STF entende, a teor do R. Ext. n» 181.438/SP, que, se 0 objeto do mandado de segurança coletivo é um direito dos associados, não há necessidade (independe) do direito de guardar vínculo com os fins próprios da entidade e nem mesmo há exigência de ser um direito peculiar ou próprio da classe. Porém, 0 direito deve estar compreendido na titularidade dos asso­ ciados e existir em razão das atividades exercidas pelos mesmos.15-'

6) Sem dúvida, a entidade deve defender direitos subjetivos comuns de seus membros (direitos que estejam na titularidade dos mesmos). Mas, pode ser que 0 mandamus interesse apenas a uma parte da categoria, 0 que não obstaculiza a impetração. É o que se depreende da atual Súmula n° 630 do STF: "a entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria."155 7) Ainda sobre a legitimidade, é mister ressaltar que 0 STF não exige a au­ torização expressa dos membros da entidade para a impetração do mandamus. Nesse sentido, a determinação de autorização expressa, aludida no art. 5», xxi (hipótese de representação), não se aplica no mandado de segurança coletivo (hipótese de substituição processual). Aliás, não é outra a dicção contida na

152.

153. 154.

155.

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do diploma normativo em comento. JAYME, Fernando G. Mandado de Segurança. Belo Horizonte, Dei Rey, p. 151 161,2011. Embora o entendimento constitucionalmente mais adequado, em nossa opinião, seja o de que, até mesmo, as associações comportariam exceções, na medida em que em determinados casos poderiamos estar diante de um manifesto interesse social que poderia ser evidenciado pela dimensão de um dano ou mesmo pelas característi­ cas do mesmo ou ainda pelo bem juridico a ser protegido. Nesses termos, a pré constituição no lapso temporal determinado não deveria ser exigida, inclusive, das associações. ALMEIDA, Gregório Assagra de p. 604,2007. STF - laT. - Rextr. nQ 198.919-DF-Rel.Min. limar Galvão, decisão, decisão: 15-06-1999 - Informativo STF n“ 154. STF - Tribunal Pleno - RE n° 181.438/SP - v.u. - Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 28.06.1995. Como exemplo: (...) um sindicato pode impetrar mandado de segurança coletivo para impugnar um tributo que incida sobre a renda dos associados, vez que a renda é fruto das atividades por ele exercidas, nâo sendo este um direito peculiar da classe de trabalhadores a ser defendida no mandamus. In: Direito Constitucional, Holthe. Leo Van. p. 360.2008. Nesse sentido, também está expresso no art 21 da Lei n° 12.016/09. Nesta, foi positivado o entendimento pretoriano de que o MS coletivo pode ser impetrado para a defesa da totalidade ou de parte dos membros ou associa­ dos de uma entidade de classe.

Ações Constitucionais

Súmula n° 629 do STF: a impetração de mandado de segurança coletivo por en­ tidade classe em favor de associados independe da autorização destes.

8) E, por digressão, não haverá a necessidade de constar na petição inicial do mandamus coletivo os nomes de todos os associados, pois, como aqui cita­ do, estamos diante do instituto da legitimação extraordinária, e não de litiscon­ sórcio ativo em mandado de segurança individual. 9) Por último, é mister colocar que, conforme entendimento externalizado no MS n° 21.059/RJ (Rei. Ministro Sepúlveda Pertence), 0 Supremo Tribunal Fede­ ral já decidiu que Estados-membros não são dotados de legitimidade ativa para propor mandado de segurança coletivo contra a União em defesa de "supostos interesses das populações residentes nas respectivas unidades federadas". A fundamentação de tal falta de legitimação pode ser resumida nos seguintes ter­ mos: a) os Estados não estão arrolados na restrita legitimidade ativa do art. 5°, LXX; b) os Estados (entes políticos da federação) "não são propriamente órgãos de representação ou de gestão de interesses da população".’56 Já a legitimidade passiva é a mesma outrora trabalhada no mandado de segurança individual.

2.4. Procedimento 0 procedimento,156 157 em linhas gerais, segue a mesma exegese do mandamus individual, mas com uma ressalva envolvendo a concessão de medida liminar, pois ela só será possível após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas, conforme 0 art. 22 da Lei n° 12.016/09 (norma que anteriormente estava presente no art. 2» da Lei n° 8.437/92). Embora a matéria seja contro­ vertida, inclusive no que diz respeito à constitucionalidade de tal dispositivo normativo, é mister afirmar que, apesar de sua validade, ela não pode ser trabalhada de forma absoluta, pois haverá casos em que tal procedimento en­ sejará a possibilidade de dano grave e de difícil reparação ao impetrante do

156. MENDES; COELHO; BRANCO, Curso de direito constitucional, 2008, p. 537. Aqui, é interessante, deixarmos consig­ nado, que pensamos diferente, em relação ao Ministério Público, pois esse, apesar de não estar arrolado como legitimado no rol da Constituição, bem como no rol da Lei n° 12.016/09, deve ser dotado (em nossa opinião) de legitimidade ativa em MS coletivo. A exegese de tal assertiva deve-se a interpretação adequada dos arts. 127 e 129 da CR/88, bem como da Lei Complementar n° 75/93 (no que tange ao MPU) e Lei n° 8625/93 (No que tange ao Ministério Público dos Estados). No mesmo posicionamento: Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery, In: Constituição Federal Anotada, p. 196,2008; Cássio Scarpinella Bueno, p. 127, 2009. In: Mandado de Segurança, 2009. Porém, contra nosso posicionamento, bem como dos autores citados: JAYME, Fernando Gonzaga, Mandado de Segurança, Belo horizonte: Ed. Dei Rey, 2011. 157. Segundo o STF: "Os princípios básicos que regem o mandado de segurança informam e condicionam no planojurídico-processual, a utilização do writmandamentalcoletivo"(STF - Pleno MS n° 21.615-8/RJ - Rei. Celso de Mello, DJU. Seção 1,13 mar. 1998, p. 4)

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mandamus, devendo o pedido liminar ser analisado de plano à luz do art. 5, XXXV, da Constituição da República de 1988. 2.5. Decisão e Seus Efeitos No que tange à decisão, os seus efeitos irão abranger todos os associados que se encontram na situação descrita na petição inicial do remédio heroico, não importando se ingressaram na associação antes ou depois da impetração do mandamus. Nesses termos, corroborando com 0 nosso entendimento, esta­ beleceu a Lei n 12.016/09 que no mandado de segurança coletivo a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituí­ dos pelo impetrante.

Certo é que, para boa parte da doutrina,158159 160 havendo a concessão do manda­ mus, existirá coisa julgada material com 0 agraciamento de todos aqueles que se encontram como membros da entidade no momento de execução da sen­ tença. Mas, se a sentença for denegatória, gerará apenas coisa julgada formal, não excluindo a possibilidade de qualquer um dos membros ou associados da entidade pleitearem individualmente mandado de segurança.155 Portanto, a impetração do mandado de segurança coletivo não impedirá a utilização do mandado de segurança individual'60 (não ocorrendo litispendência entre 0 individual e 0 coletivo), obviamente, desde que preenchidos os requi­ sitos, inclusive 0 do prazo decadencial de 120 dias. Porém, é mister explicitar que a Lei n° 12.016/09, regulando 0 MS individual e 0 coletivo, estabeleceu que 0 mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações indi­ viduais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão 0 impetrante a título individual se ele não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da

segurança coletiva. Entendemos que essa norma não coaduna com 0 modelo processual-constitucional ínsito ao mandado de segurança presente em nosso ordenamento, pois a desistência da ação individual fulminaria com qualquer possibilidade

158. Nesse sentido, a posição de Michel Temer: "A decisão judicial fará coisa julgada quando for favorável à entidade impetrante e não fará coisa julgada quando a ela desfavorável. Com isso fica aberta a possibilidade do mandado de segurança individual quando a organização coletiva não for sucedida no pleito judicial." (1993:196). Este tam­ bém é o posicionamento de Lúcia Valle Figueiredo Perfil do mondado de segurança coletivo, 1989, p. 36. 159. Nesses termos:"[...] em regra a ação coletiva, não prejudica as ações individuais, mesmo quando julgada impro­ cedente. O resultado favorável, contudo, tende a beneficiar os indivíduos. Trata se de uma nítida opção política feita pelo legislador brasileiro para incentivar o uso das ações coletivas sem o receio de que uma má atuação do legitimado coletivo possa, por si só, prejudicar aqueles que não agiram em juízo (...]". BUENO, Cássio Scarpinella, Mandado de segurança, 2009, p. 189. 160. Segundo antigo posicionamento do STJ: O ajuizamento de mandado de segurança coletivo por entidade de classe não inibe o exercício do direito subjetivo de postular, por via do writ individual, o resguardo de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, não ocorrendo, na hipótese, os efeitos da litispendência. (STJ, MS n° 7.522 - DF, Rei. Min. Vicente Leal, DJU 06.05.2002, p. 239)

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Ações Constitucionais

processual de obter um direito pleiteado e não alcançado na tutela coletiva. Certo é que a tutela coletiva pode ser eivada de insucesso por uma plêiade de motivos e possibilidades, e diante de tal ocorrência o direito individual ficaria obstado em virtude da desistência, acima citada. Sem dúvida, o mais correto e adequado seria a nova Lei ter normatizado a possibilidade de suspensão do mandado de segurança individual (e não de desistência!), nos moldes do art. 104 do CDC (código de defesa do consumidor).'61 Porém, infelizmente não foi essa a positivação do legislador. Por último, acreditamos que a saída mais adequada para tal problemática (envolvendo o MS individual e 0 Coletivo), deve ser uma leitura constitucional­ mente adequada do mandado de segurança, coadunando com um modelo cons­ titucional de processo coerente (e que dê ênfase à força normativa da Consti­ tuição). Nesses termos, apesar de haver divergência na doutrina, expressando apenas nossa opinião, salientamos que somos adeptos da corrente que advoga (com base no diálogo das fontes e mesmo sob a égide da Lei n° 12.016/09) a prevalência, em regra, da decisão de mérito do mandado de segurança indi­ vidual sobre a decisão do mandado de segurança coletivo, nos seguintes ter­ mos: 1) "Em se tratando de mandado de segurança coletivo impetrado para a tutela de direitos difusos, a coisa julgada coletiva será (art. 103, I, do CDC) erga omnes em caso de concessão definitiva da segurança pleiteada. Denegatória a decisão, mesmo com julgamento de mérito, não haverá prejuízo às pretensões individuais (art. 103, parágrafo 1° do CDC). [...] 2) Em se tratando de mandado de segurança coletivo impetrado para a tutela de direitos coletivos em sentido estrito, a coisa julgada coletiva será (art. 103, II, do CDC): ultra partes, mas li­ mitadamente ao grupo, classe ou categoria de pessoas, em caso de concessão definitiva da segurança pleiteada. Também se denegatória a decisão, mesmo que com julgamento de mérito, não haverá prejuízo às pretensões individuais (art. 103, parágrafo 1°, do CDC); [...] 3) Em se tratando de impetração para a tu­ tela de direitos individuais homogêneos, a coisa julgada coletiva será (art. 103, lll, do CDC): erga omnes, em caso de concessão definitiva da sentença pleiteada, beneficiando-se assim todas as vítimas e sucessores, titulares dos respectivos direitos de dimensão homogênea. Também, se denegatória a decisão não ha­ verá prejuízo às pretensões individuais, salvo em relação aos interessados que tiverem intervindo como litisconsortes no processo do mandado de segurança coletivo (art. 103, parágrafo 2», do CDC)."16' A conclusão, aqui, é a de que temos três possibilidades aventadas, que merecem nossa reflexão: a) a legal (dogmatizada na exigência de desistência do MS individual); b) a do "diálogo entre as fontes", que advoga, com base no sistema de proteção coletiva processual a interpretação de que 0 impetrante do161 162

161. No mesmo sentido, temos: Cássio Scarpinella Bueno, 2009 162. ALMEIDA, Gregório Assagra de, 2007, p. 607.

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MS individual poderá manejar a suspensão do MS individual (e não a desistên­ cia), nos termos do art. 104 do CDC; c) a que advoga (com base em um modelo constitucional do processo adequado) que a decisão do MS individual, deve, em regra, prevalecer sobre a decisão (denegatória) do MS coletivo, e nesse caso, também deveria haver a suspensão do MS individual e não a necessidade de desistência do mesmo. SÚMULAS DO STF SOBRE MANDADO DE SEGURANÇA

Súmula n° 101

0 mandado de segurança não substitu a ação popular

Súmula n° 248

É competente, origina riamente, o Supremo Tribunal Federal, para mandado de segu­ rança contra ato do tribunal de contas da União.

Súmula n° 266

Nâo cabe mandado de segurança contra lei em tese.

Súmula n° 267

Nâo cabe mandado de segurança contra ato judicial passíve de recurso ou correição.

Súmula n° 268

Nào caoe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado.

Súmula n° 269

0 mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança.

Súmula n° 270

Não cabe mandado de segurança para impugnar enquadramento da lei 3780, oe 12/7/1960, que envolva exame de prova ou de situação funcionai complexa.

Súmula n° 271

Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via ju­ dicial própria.

Súmula n° 272

Não se admite como ordinário recurso extraordinário de decisão denegatória de man­ dado de segurança.

Súmula n° 294

São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão do Supremo tribunal Federal em mandado de segurança.

Súmula n° 299

O recurso ordinário e o extraordinário interpostos no mesmo processo de mandado de segurança, ou de "habeas corpus'', serão julgados conjuntamente pelo tribunal pleno.

Súmula n° 304

Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria.

Súmula n°310

Quando a int mação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicaçáo com efeito de intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na segunda-feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir.

Súmula n° 319

O prazo do recurso ordinário para o Supremo Iribunal Federai, em habeas corpus' ou mandado de segurança, é de cinco dias, (súmula superada)

Súmula n°330

Q SupremoTribunal Federa não é competente para conhecer de mandado de segu­ rança contra atos dos tribunais de justiça dos estados.

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Açóes Constitucionais

SÚMULAS DO STF SOBRE MANDADO DE SEGURANÇA

Súmula n® 392

0 prazo para recorrer de acórdão concessivo de segurança conta-se da publicação ofi ciai de suas conclusões, e não da anterior ciência à autor dade para cumprimento da decisão.

Súmula n®405

Donegado o mandado de segurança pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida, retroagindo os efeitos da decisão con­ trária.

Súmula n® 429

A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade.

Súmula n® 430

Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o manda do de segurança.

Súmula n® 433

É competente o tribunal regional do trabalho para julgar mandado de segurança con­ tra ato de seu presidente em execução de sentença trabalhista.

Súmula n°474

Não há direito líquido e cerro, amparado pelo mandado de segurança, quando se es­ cuda em lei cujos efeitos foram anulados por outra, declarada constitucional pelo SupremoTribunal federal.

Súmula n° 506

0 agravo a que se refere o art. 4“ da lei 4348, de 26/6/1964. cabe, somente, do despa­ cho do presidente do Supremo Tribunal Federal que defere a suspensão da liminar, em mandado de segurança; não do que a “denega". (súmula cancelada em abril 2003)

Súmula n®510

Praticado o aTO por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judiciei.

Súmula n®511

Compete à justiça federal, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas entre autarquias federais e entidades públicas locais, inclusive mandados de segurança, res­ salvada a ação fiscal, nos termos da constituição federal de 1967, art. 119. § 3°. (CR/88, art. 109,1)

Súmula n° 512

Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de seguran­ ça.

Súmula n°597

Não cabem embargos infringentes de acórdão que, em mandado de segurança deci­ diu. por maioria de votos, a apelação.

Súmula n®622

Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em mandado de segurança.

Súmula n°623

Não gera por si só a competência originária do SupremoTribunal Federal para conhecer do mandado de segurança com base no art. 102, ,"n', da constituição, dirigir-se o pedi­ do contra deliberação administrativa do tribunal de origem, da qual haja participado a maioria ou a totalidade de seus membros.

Súmula n® 624

Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer originariamente de mandado de segurança contra atos de outros tribunais.

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Bernardo Gonçalves Fernandes

SÚMULAS DO STF SOBRE MANDADO DE SEGURANÇA

Súmula n° 625

Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segu­ rança.

Súmula n° 626

A suspensão da liminar em mandado de segurança, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigorará até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão da segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo Supremo Tribunal Federal, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmente, com o da impetração.

Súmula n° 627

No mandado de segurança contra a nomeação de magistrado da competência do pre­ sidente da república, este é considerado autoridade coatora, ainda que o fundamento da impetração seja nulidade ocorrida em fase anterior do procedimento.

Súmula n° 628

ntegrante de lista de candidatos a determinada vaga da composição de tribunal é par­ te legítima para impugnar a validade da nomeação de concorrente.

Súmula n°629

A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes.

Súmula n°630

A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria.

Súmula n°631

Extingue-se o processo de mandado de segurança se o impetrante não promove, no prazo assinado, a citação do litisconsorte passivo necessário.

Súmula n° 632

É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado do segurança.

Súmula n° 701

No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo.

SÚMULAS DO STJ SOBRE MANDADO DE SEGURANÇA

Súmula n° 41

0 Superior Tribunal de Justiça não tem competência para processar e julgar, origina­ riamente, mandado de segurança contra ato de outros tribunais ou dos respectivos órgãos.

Súmula n° 99

0 Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte.

Súmula n°105

Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advo­ catícios.

Súmula n° 106

Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescri­ ção ou decadência.

Súmula n° 169

São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança.

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AçOes Constitucionais

SÚMULAS DO STJ SOBRE MANDADO DE SEGURANÇA

Súmula n°177

0 Superior iribunal de Justiça é incompetente para processar e julgar, originariamen te. mandado de segurança contra ate de órgão colegiado presidido por ministro de estado.

Súmula n° 202

A impetração de segurança por terceiro, contra ato judicial, não se condiciona a interposiçáo de recurso.

Súmula n° 213

0 mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à com­ pensação tributária.

Súmula n°217

Não cabe agravo de decisão que indefere o pedido de suspensão da execução da limi­ nar, ou da sentença em mandado de segurança, (súmula cancelada em outubro 2003).

Súmula n°333

Caoe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por socie­ dade de economia mista ou empresa púb ica.

3. MANDADO DE INJUNÇÀO

3.1. Conceito e Antecedentes Históricos Ação Constitucional de natureza civil e procedimento especial,163164 que visa a viabilizar o exercício de direitos, liberdades constitucionais ou prerrogativas inerentes à nossa nacionalidade, soberania ou cidadania, que estão inviabili­ zados por falta de norma regulamentadora de normas constitucionais ou pela insuficiência de norma regulamentadora de norma constitucional. Sobre os antecedentes históricos, a doutrina, não raro, cita, sobretudo, o writ of injunction do direito norte-americano e institutos do ordenamento jurí­ dico português.’6'’

163. Segundo o STJ, o Mandado de Injunçào terá prioridade sobre os demais atos judiciais, exceto sobre o Habeas Cor­ pus. Mandado de Segurança e o Habeas Data. 164. A existência de ligação com o direito norte-americano não passa da similitude do nome, pois á luz de abalizada doutrina: "No direito norte americano, inglês e nos direitos de família do commow law, o writ of injunction é a ordem jurídica da Corte de Justiça, que proibe pessoa - ou grupo de pessoas - de praticar determinada açào, ou que ordena que certa ordem seja realizada, ('a legalorder from a court probating a person orgroup from carrying out a given action, or ordering a given action to be done ou então, a judicial process or order requiring the person or person to whom it is directed to do or, more commonly, not do a particular thing". Em suma, no direito inglês e norte-americano, o writ of injunction equivale, ou tem a natureza, da antiga ação cominatória do direito brasileiro. É determinação do Poder Judiciário ao particular, consistindo em um facere, ou em um non facere. Já no que tange ao direito luso a relação de similitude é buscada com o art. 283 da Constituição da República Portuguesa: art. 283 - Inconstitucionalidade por omissão: 1. A requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com fundamento em violação de direitos das regiões autônomas, dos presidentes das assembléias legislativas regionais, o Tribunal Constitucional aprecia e verifica o nâo cumprimento da Constituição por omissão de medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais. 2. Quando oTribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará disso conhecimento ao órgão legislativo competente." (CRETELLA JÜNIOR, 1989, p. 101). Nesse sentido, o direito português, no que diz respeito às omissões em tornar efetiva normas constitucionais,

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Bernardo Gonçalves Fernanoes

Sem dúvida, apesar da busca no direito comparado, não há paradigma adequado no mesmo para descrever a especificidade do hodierno mandado de injunção inserido pelo Poder Constituinte Originário em nossa atual Constituição da República de 1988. 3.2. Finalidades

0 mandado de injunção, segundo abalizada doutrina, trabalha com duas grandes finalidades. São elas:

1)

Viabilizar 0 exercício de direitos previstos na Constituição.

2)

Atacar a inércia do legislador ou a chamada síndrome de inefetividade dos Poderes Públicos em não complementar (regulamentar) a Constitui­ ção ou em complementar de forma insuficiente (insatisfatória) a Consti­ tuição.

3.3. Espécies de Mandado de Injunção

Nos termos da Lei n° 13.300/2016 que regulamentou a ação de mandado de injunção podemos ter 0 mando de injunção total e o parcial. 0 mandado de in­ junção total ocorre quando há falta de norma regulamentadora de norma cons­ titucional, já 0 mandado de injunção parcial ocorre quando existe norma, porém ela é insuficiente para viabilizar 0 direito previsto na Constituição.'66

Nos termos da Lei n» 13.300/2016, podemos falar ainda em mandado de injunção individual e mandado de injunção coletivo. 0 individual visa viabilizar direitos para pessoas físicas e jurídicas, já 0 coletivo visa viabilizar direitos das coletividades (direitos de cunho coletivo).165 166 Aqui é interessante afirmar que conforme 0 parágrafo único do art. 12 da Lei n° 13.300/2016 os direitos, as liber­ dades e as prerrogativas protegidos por mandado de injunção coletivo são os

assemelha-se de forma direta e explicita, na verdade, com a nossa atual Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão e nào com o mandado de injunção. 165. Lei 13.300/2016: Art. 2° Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta total ou pardal de norma regulamen­ tadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes á nacionalidade, à soberania e á cidadania. Parágrafo único. Considera-se parcial a regulamentação quando forem insuficientes as normas editadas pelo órgão legislador competente. 166. Lei 13.300/20 /6: Art. 12 O mandado de injunção coletivo pode ser promovido: a) pelo Ministério Público, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a defesa da ordemjurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis; ou b) por partido político com representação no Congresso Nacional, para assegu­ rar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade partidária: c) por organização sindical, entidade de classe ou associação legalrnente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial; d) pela Defensoria Pública, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, na forma do inciso LXXIVdo art. 5" da Constituição Federal.

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pertencentes, indistintamente, a uma coletividade indeterminada de pessoas ou determinada por grupo, classe ou categoria. 3.4. Requisitos 1)

Falta de norma regulamentadora de norma constitucional.

0 STF vai determinar em seus julgados que somente caberá mandado de in­ junção em relação à norma constitucional de eficácia limitada (sejam as de prin­ cípios institutivos, sejam as de princípios programáticos). Portanto, não caberá mandado de injunção em relação a todas as normas constitucionais, pois as nor­ mas constitucionais de eficácia plena e de eficácia contida não vão dar ensejo ao mandado de injunção. Isso se explica porque na doutrina da aplicabilidade das normas constitucionais de feição italiana, desenvolvida no Brasil, as únicas normas constitucionais que não são bastantes em si, ou seja, não reúnem todos os elementos necessários para a produção de todos os efeitos (dotadas apenas de uma aplicabilidade indireta ou mediata), são as normas constitucionais de eficácia limitada. Estas vão necessitar da sindicabiiidade dos Poderes Públicos (mormente do legislador, mas não só dele) para terem uma eficácia plena. A jurisprudência do Pretório Excelso já afirmou em seus julgados que não cabería mandado de injunção para buscar uma "melhor interpretação" (ou uma "interpretação mais justa") da norma regulamentadora que já regulamentou norma constitucional. Porém devemos observar como ficará esse posicionamen­ to em virtude da recente possibilidade do mandado de injunção parcial, pois nesse caso caberá legalmente o mandado de injunção mesmo com a existência de norma regulamentadora de norma constitucional, isso em virtude de essa ser insuficiente para viabilizar (concretizar) o direito. Aqui alguns poderíam alegar que a ação do mandado de injunção parcial poderia servir para busca por uma melhor interpretação de norma infraconstitucional que regulamentou norma constitucional que está sendo aplicada de forma insuficiente (por um problema inclusive de interpretação).

0 STF entende, também, que não caberá mandado de injunção em rela­ ção à falta de complemento (inexistência de regulamentação) de norma infra­ constitucional. Nesses termos, se faltar regulamentação a uma determinada lei ordinária (por exemplo, a falta de um decreto regulamentar para dar-lhe fiel execução), não caberá mandado de injunção. Nesse sentido, temos recente de­ cisão do Pretório Excelso: "(...) Os agravantes objetivam a regulamentação da atividade de jogos de bingo, mas não indicam o dispositivo constitucional que expressamente enuncie esse suposto direito. Para o cabimento do mandado de injunção, é imprescindível a existência de um direito previsto na Constituição que não esteja sendo exercido por ausência de norma regulamentadora. 0 man­ dado de injunção não é remédio destinado a fazer suprir lacuna ou ausência 789

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de regulamentação de direito previsto em norma infraconstitucional, e muito menos de legislação que se refere a eventuais prerrogativas a serem estabele­ cidas discricionariamente pela União. No presente caso, não existe norma cons­ titucional que confira o direito que, segundo os impetrantes, estaria à espera de regulamentação. Como ressaltou o Procurador-Geral da República, a União não está obrigada a legislar sobre a matéria, porque não existe, na CF, qualquer preceito consubstanciador de determinação constitucional para se que legisle, especificamente, sobre exploração de jogos de bingo".16'

Sobre o cabimento, é necessário, ainda, afirmarmos de forma contundente que:

1) A impetração do mandado de injunção ficará prejudicada pela modificação na Constituição que revogar norma constitucional de eficácia limitada, em virtude da qual existia mandado de injunção;

2) No mesmo sentido, surgimento de regulamentação da norma constitucio­ nal posterior à impetração do writ injuncional deve prejudicá-lo.167 168 Nesses termos, inclusive é a norma do art. n§ único da Lei n° 13.300/2016, que afirma que "estara prejudicada a impetração do mandado de injunção se a norma regulamentadora for editada antes da decisão, caso em que 0 processo serd extinto sem resolução de méri­ to". Embora, nesse ponto, é bom salientar posicionamento do STF, entendendo pela não prejudicialidade de mandado de injunção impetrado sobre norma constitucio­ nal que posteriormente foi regulamentada. 0 caso se deu em relação à impetração de mandado de injunção pela falta de regulamentação do art. 7, XXI da CR/88 (aviso prévio proporcional) que posteriormente foi regulamentado pela Lei n° 12.506/2011. Aqui é interessante observar que essa decisão é anterior ao art. 11, § único da cita­ da Lei n° 13.300 de 23.06.2016 que regulamentou 0 mandado de injunção169170 ; 3) Não cabe mandado de injunção para a disciplina de relações jurídicas de­ correntes de medida provisória não convertida em lei, em virtude de recusa ou omissão do Congresso Nacional, conforme entendimento do STF no Ml n° 415/SP1'0;

167. Ml 766 AgR, Rei. Min. Joaquim Barbosa, julg. em 21.10.2009, Plenário. DJEde 13.11.2009. 168. STF, Ml n° 634, Rei. Min. Sepúlveda Pertence. DJU 26.10.2005. STJ, Ml n” 36, Rei. Min. José de Jesus Filho, DJU 10.05.1990. 169. Entendeu o STF, nos termos do informativo n" 694. que □ superveniÊncia da lei não prejudicaria a continuidade de julgamento dos mandados de injunção sobre o tema. Registrou-se que, a partir da valoração feita pelo legislador infraconstitucional, seria possível adotar-se, para expungir a omissão, nâo a norma regulamentadora posteriormente editada, mas parâmetros idênticos aos da referida lei, a fim de solucionar os casos em apreço. Nesse tocante, o Min. Marco Aurélio salientou a impossibilidade de incidência retroativa dessa norma. Conforme o Ml 943/DF julgado em 06.02.2013: Ementa: Mandado de injunção. 2. Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço. Art. 7o, XXI, da Cons­ tituição Federal. 3. Ausência de regulamentação. 4. Ação julgada procedente (...) 7. Advento da Lei 12.506/2011, que regulamentou o direito ao aviso prévio proporcional. 8. Aplicação judicial de parâmetros idênticos aos da referida legislação. 9. Autorização para que os ministros apliquem monocraticamente esse entendimento aos mandados de injunção pendentes dejulgamento, desde que impetrados antes do advento da lei regulamentadora. 10. Mandado de injunção julgado procedente. (Rei. Min. Gilmar Mendes) 170. Nesse sentido: “Importações favorecidas por decreto-lei transformado em medida provisória, que nào veio a ser con­ vertida em lei (art. 25, § 2°, do A.D.C.T.). Pretensão de que sejam regulados os efeitos consumados da medida. Não e

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4) Não cabe mandado de injunção para a implementação de Isonomia de ven­ cimentos entre servidores públicos (obtenção de aumento ou extensão de vanta­ gens pecuniárias aos servidores públicos), de acordo com o posicionamento do STF no Ml n« 347/SC37’; 5) E, por último, a inertia deliberandi (inércia na deliberação sobre projeto de lei que visa a regulamentar norma constitucional de eficácia limitada), que 0 STF não aceitava como fundamento para 0 Ml visto que 0 projeto de lei já estava tramitando, passou a ser considerada para efeitos de cabimento do Mandado de Injunção, de seu processamento e julgamento. Nesse sentido, a partir de um novo posicionamento do Pretório Excelso, não basta, para descaracterizar a inércia, a mera apresentação do projeto de lei, sendo necessária a devida deliberação do mesmo. 2)

Inviabilização do direito, liberdade, ou prerrogativa prevista na Constituição.

Aqui, 0 Pretório Excelso trabalha com a figura do nexo de causalidade.'7’ Ou seja, não basta a inércia do legislador, mas também a caracterização de que a partir desta temos um direito (liberdade ou prerrogativa) de alguém violado (não podendo ser exercitado). 3.5. Legitimidade

1) Legitimidade Ativa: Pessoa física (pessoa natural), pessoa jurídica. Ministé­ rio Público, Partido Político com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funciona­ mento há pelo menos 1 (um) ano e Defensoria Pública. Aqui temos que o STF, na década de 90 do século XX, mesmo sem previsão legal aceitou a impetração de mandado de injunção coletivo,373 com base analó­ gica no Mandado de Segurança Coletivo (evitando, assim, um possível acúmulo de demandas idênticas e facilitando, com isso, 0 acesso à justiça).* 173 172 171

idôneo, paro esse fim, o mandado de injunção, por demandar-se a regulamentação de situação decorrente da apli­ cação de norma ordinária, não de alguma regra que torne viável o exercício de liberdade constitucional, de direito ou liberdade constitucional, ou de prerrogativa inerente a nacionalidade, a soberania e a cidadania (art. 5", LXXI, da CR)" (Ml n° 415/SP Rei. Min. Octávio Galotti DJU 07.05.1993) 171. Ml n° 347/SC Rei. Min. Néri da Silveira DJU08-04-1994. 172. Nesses termos, conforme voto proferido pelo Ministro Celso de Mello: [...] revela-se essencial que se estabeleça, tal como sucede na espécie, a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o consequente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação. [_) O exame dos elementos constantes deste processo evidencia que existe, na espécie em análise, o necessário nexo de causalidade entre o direito sub jetivo à legislação, invocado pela impetrante, e o dever da União Federal em editar a lei [...). (Ml n" 708/DF, decisão do Pleno de 25.10.2007) 173. STF - Mandado de Injunção n° 361 -1 - Diário de Justiça. Seção 1,17deJun. 1994, p. 15.707.

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Certo é que também foi reconhecida ao Ministério Público a legitimidade para a impetração do mandado de injunçào com base no art. 129, II, da CR/88'74 e na Lei Complementar n° 75/93,174 175 nos casos que envolvessem direitos difusos e coletivos previstos no diploma constitucional e inviabilizados pela falta de norma regulamentadora. Pois bem, com a recente regulamentação do mandado de injunçào pela Lei n° 13.300/2006, todo esse complexo normativo da legitimidade ativa foi regulado e ampliado.

Nesses termos, 0 art. 3° afirma que são legitimados para 0 mandado de injunçào, como impetrantes, as pessoas naturais ou jurídicas que se afirmam titulares dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas descritas no art. 2« da referida Lei (aqui já citado). Já 0 art. 12 também da Lei n° 13.300/2016 estabelece de forma expressa que 0 mandado de injunçào coletivo pode ser promovido: a) pelo Ministério Público, quan­ do a tutela requerida for especialmente relevante para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis; ou b) por partido político com representação no Congresso Nacional, para assegurar 0 exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade partidária; c) por organização sindical, entidade de classe ou asso­ ciação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar 0 exercício de direitos, liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial; d) pela Defensoria Pública, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e cole­ tivos dos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5° da Constituição Federal. 2) Legitimidade Passiva: Será sempre do órgão ou entidade pública (pessoa estatal) encarregada da viabilização (normativa176) de direitos previstos na Consti­ tuição da República de 1988.177

Nesses termos, conforme a recente Lei n° 13.300/2016 em seu art. 3» são le­ gitimados para 0 mandado de injunçào, como impetrado, 0 Poder, 0 órgão ou a autoridade com atribuição para editar a norma regulamentadora.

174. Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público: [...] II - zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas neces­ sárias á sua garantia. 175. Art. 6C - Compete ao Ministério Público da União: “Promover outras ações, nelas incluídas o mandado de injunçào sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, quando difusos os interesses a serem protegidos”. 176. É bom que se diga que as normas regulamentadoras nâo são apenas as emanadas do Poder Legislativo, mas também espécies normativas secundárias, como: os decretos, resoluções, regulamentos, portarias entre outras. 177. STF - Mandado de Injunçào n" 502-8- Rel. Min. Mauricio Corrêa, Diário de Justiça, Seção I, p. 12.211.

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Órgãos ou Entidades privados que estiverem sendo beneficiados pela falta de regulamentação podem ser legitimados passivos? Não (embora boa parte da doutrina178 não coadune com o entendimento pretorianol), pois eles não legis­ lam’79 (deles não emanam provimento normativo) e, segundo a jurisprudência dominante, não poderão atuar, nem mesmo, como litisconsorte passivo (seja necessário ou facultativo). E o Presidente da República pode ser legitimado passivo? Sim, pois a inércia pode ser dele, na medida em que existem matérias que só a ele cabe deflagrar o processo legislativo, devido à sua iniciativa reservada (privativa), à luz do art. 61, parágrafo primeiro da Constituição. Em não fazendo, restará configurada sua omissão, devendo, conforme orientação jurisprudencial, logicamente, ser impe­ trado o mandado de injunção contra o chefe do Poder Executivo, e não contra o Congresso Nacional.180

Enfatizamos ainda, conforme anteriormente exarado, dúvida assaz corri­ queira que o STF já enfrentou que diz respeito à deflagração do processo le­ gislativo e sua tramitação. Nesse sentido, segundo a jurisprudência dominante, mesmo que exista projeto de lei sobre a matéria objeto de mandado de injun­ ção, essa tramitação não faz com que o Poder Público não se encontre em mora, podendo, mesmo nesses casos, haver o reconhecimento da mora pelo Pretório Excelso (inertia deliberandi).

3.6. Competência

A competência do mandado de injunção é definida constitucionalmente (é interessante que a recente Lei n° 13.300/2016 que regulamentou 0 instituto não apresentou a positivação de competências).

178. Aqui 3 correntes diferenciam-se, nos dizeres de Luís Roberto Barroso: 1) Sustenta que a legitimidade passiva é da autoridade ou órgão público responsável pela omissão legislativa e, em litisconsórcio, da parte, pública ou pri­ vada, que irá sofrer os efeitos da decisão (entendimento minoritário quejá foi seguido pelo STF nos Ml n°s 305/DF e 562-9/RS; 2) sustenta que a legitimidade passiva é da parte, pública ou privada, que vai sofrer os efeitos da decisão; 3) defende que a legitimidade passiva será somente da autoridade ou órgão responsável pela omissão legislativa (entendimento majoritário no STF e agora presente na Lei n°l3.300/2016). 179. STF Mandado de Injunção n° 288-õ/DF Rei. Min. Celso de Mello, Diário de Justiça Seção I, 3 maio de 1995, p. 11.629. Nesse sentido, citamos parte de ementa de acórdão do STF:" Firmou-se. no Supremo Tribunal Federal, o en­ tendimento segundo o qual o mondado de injunção há de se dirigir-se contra o Poder, órgão, entidade ou autoridade que tem o dever de regulamentara norma constitucional, não se legitimando ad causam, passivamente, em principio, quem não estiver obrigado a editar a regulamentação respectiva. Não é viável dar curso a mandado de injunção, por ilegitimidade passiva ad causam, da ex-empregadora do requerente, única que se indica como demandada, na inicial. Mandado de injunção não conhecido:' (STF - Ml n° 352/RS, Rei. Min. Néri da Silveira, DJU, de 12.12.1997). Em julgado de 2007, no mesmo sentido temos o Ml n° 695 de Rei. do Ministro Sepúlveda Pertence, no qual foi indeferida notificação ao Banco do Brasil para figurar no polo passivo, tendo o pedido que ser retificado para o devido enquadramento no polo passivo do Congresso Nacional. 180. Nesse sentido: Gregório Assagra de Almeida (2007), Luís Roberto Barroso (2006), bem como Alexandre de Moraes (2007).

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Portanto, ela encontra-se nos artigos: 102, I, q (competência do STF) da CR/88 e no 105, I, h, (competência do STJ) da CR/88. 0 artigo 121, parágrafo 4», V, de nossa atual Constituição traz ainda uma competência recursal do TSE para receber, em grau de recurso, mandados de injunção advindos dos Tribunais Re­ gionais Eleitorais. Temos ainda que os Tribunais Regionais Federais e os Juizes Federais terão competência quando a produção normativa for de atribuição das demais auto­ ridades, órgãos ou entidades federais conforme 0 art. 109, I, da CR/88. Nesses termos, como exemplo, temos que segundo 0 STJ compete à Justiça Federal nos termos do art. 109, I, a competência para julgar mandado de injunção em vir­ tude de omissão em relação à norma que deveria ser emanada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), órgão autônomo vinculado ao Ministério das cidades e presidido pelo chefe do Departamento Nacional de Trânsito.’81 Pergunta recorrente na doutrina envolve a possibilidade ou não da existên­ cia de mandado de injunção estadual. A resposta é claramente afirmativa. Por­ tanto, é possível 0 mandado de injunção estadual desde que haja previsão na respectiva Constituição Estadual, devendo a competência para processamento e julgamento ser definida pela própria Constituição do Estado-membro. 181 182

3.7. Procedimento A Lei no 8.038/90, no seu art. 24, parágrafo único, determinava que enquanto não sobreviesse lei para estabelecer procedimento do mandado de injunção, o procedimento seria 0 estabelecido para o mandado de segurança.183

Pois bem, com a regulamentação do mandado de injunção pela Lei n° 13.300/2016 temos que essa questão foi resolvida. Nesses termos, conforme 0 novo instrumento normativo, a petição inicial deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual e indicará, além do órgão impetrado, a pessoa jurídica que ele integra ou aquela a que está vinculado. É interessante que quando não for transmitida por meio eletrô­ nico, a petição inicial e os documentos que a instruem serão acompanhados de tantas vias quantos forem os impetrados.

181. Nos termos do Ml n° 193/DF. Corte Especial do STJ, Rei. Min. Menezes Direito, julg. em 22.05.2006. 182. Como exemplos, temos as Constituições de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia. Espirito Santo. Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Ceará, Rio Grande do Norte, entre outras. Mas aqui uma advertência! Deve-se tomar cuidado com a competência para processamento e julgamento, conforme ora citado. Conforme a Consti tuição de São Paulo no seu art. 74 os mandados de injunção contra autoridades estaduais e municipais serão de competência originária do TJ/SP. Já no Estado do Rio de Janeiro, de acordo com o art. 158 da atual Constituição, a competência originária doTJ/RJ será apenas para os mandados de injunção contra autoridades estaduais, sendo do Juiz de primeira instância quando a omissão for de autoridade municipal. 183. Embora esse referido diploma normativo regulamente o procedimento no STF e STJ, esse entendimento vinha sendo observado por outros tribunais pátrios.

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Além disso, quando o documento necessário à prova do alegado encontrarse em repartição ou estabelecimento público, em poder de autoridade ou de terceiro, havendo recusa em fornecê-lo por certidão, no original, ou em cópia autêntica, será ordenada, a pedido do impetrante, a exibição do documento no prazo de 10 (dez) dias, devendo, nesse caso, ser juntada cópia à segunda via da petição. Se a recusa em fornecer o documento for do impetrado, a ordem será feita no próprio instrumento da notificação.

Pois bem, nos termos legais, recebida a petição inicial, será ordenada: a) a notificação do impetrado sobre o conteúdo da petição inicial, devendo-lhe ser enviada a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste informações; b) a ciência do ajuizamen­ to da ação ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, devendo-lhe ser enviada cópia da petição inicial, para que, querendo, ingresse no feito. Certo é que a petição inicial será desde logo indeferida quando a impetra­ ção for manifestamente incabível ou manifestamente improcedente.184 Da deci­ são de relator que indeferir a petição inicial, caberá agravo, em 5 (cinco) dias, para o órgão colegiado competente para 0 julgamento da impetração.185 Na sequência findo 0 prazo para apresentação das informações, será ouvido 0 Mi­ nistério Público, que opinará em 10 (dez) dias, após o que, com ou sem parecer, os autos serão conclusos para decisão. Sobre 0 procedimento ainda algumas questões ainda são interessantes:

A recente Lei n« 13.300/2016 não traz a previsão de medida liminar em man­ dado de injunçào. 0 STF, quando adotava a tese não concretista como a majoritá­ ria em sua jurisprudência decidiu em alguns julgados que não caberia concessão de medida liminar no mandado de injunçào.186 Aqui é interessante que mesmo com a aplicação da Lei do mandado de segurança (que prevê a concessão de liminar) entendia 0 STF que essa não deveria ser utilizada nos mandados de injunção processados e julgados no STF, visto que 0 provimento provisório (da liminar) iria além (ultrapassaria) dos limites da decisão final prolatada no man­ dado de injunção.

Pois bem, entendemos que com a adoção da tese concretista na jurispru­ dência do STF a partir de 2007 e agora também com a previsão legal dessa tese (concretista) na Lei n« 13.300/2016, seria sim viável a concessão de liminar em

184. Se o indeferimento da petição inicial for feito por Juiz (de 1a instância): será realizado por meio de sentença, que desafia apelação, admitmdo-se até que o magistrado faça juízo de retratação, se assim entender (art. 331 do CPC/2015). 185. Aqui temos o agravo interno estabelecido no art. 6o, § único, da Lei n° 13.300/2016, não se aplicando, portanto, o art. 1.021 do CPC/2015. Certo é que o agravo interno previsto no CPC de 2015 tem prazo de 15 dias, mas a Lei especial do Mandado de Injunção determina o prazo de 5 dias. 186. Nesses termos: Ml n°s 342/ SP (Rel. Min. Celso de Mello); 530-3/SP (Rel. Min. Oscar Correia); 535-4/SP (Rel. Min. limar Galvão); 536-2/MG (Rel. Min. limar Galvão).

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sede de mandado de injunção. E isso mesmo sem a previsão expressa na Lei n° 13.300/2016. Aqui temos os fundamentos: a) no reconhecimento jurisprudencial e legal (normativo) da tese concretista; b) e também na medida em que a própria Lei n° 13.300/2016 determina a aplicação subsidiaria das normas do mandado de segurança, disciplinado pela Lei n° 12.016/2009, bem como da aplicação novo CPC de 2015.187

Por último, é importante afirmar que 0 STF em julgado não conheceu de mandado de injunção usado como substituto (sucedâneo) do mandado de segu­ rança. 0 caso envolveu pedido pleiteado pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado da Paraíba para a implementação do direito de greve dos servidores públicos, constante no art. 37, VII, da CR/88 e inviabilizado por omis­ são legislativa. Porém, além da viabilização do direito de greve, 0 autor do writ injuncional também pediu a fixação de multa diária a ser paga pelo Congresso Nacional caso 0 mesmo não legislasse sobre a matéria.188

3.8. Decisão, recursos viáveis e o relevante debate dos efeitos da decisão concessiva da injunção

A decisão de um mandado de injunção, podendo ser concessiva ou não concessiva, via de regra, enseja recurso. É claro que as decisões do STF prola­ tadas em grau originário, à luz do art. 102, I, "q", da CR/88, serão insuscetíveis de nova análise por outro órgão do Poder Judiciário. Nessa situação, não haverá dispositivo constitucional que produza revisão da decisão do writ.

Porém, não sendo este 0 caso, as hipóteses recursais serão as seguintes: 1)

Recurso Extraordinário para 0 STF, à luz do art. 102, III, da CR/88 (nesse caso, devem ser preenchidos os requisitos de tal recurso, além do caso ter de se encaixar em um dos permissivos previstos na Constituição);

2)

Recurso Especial para 0 STJ, à luz do art. 105, III, da CR/88 (também nesse caso, devem ser preenchidos os requisitos de tal recurso, além do caso ter de se encaixar em um dos permissivos previstos na Constituição);

187. Conforme a Lei n° 13300/2016: Art. 14. Aplicam-se subsidiariamente ao mandado de Injunção as normas do manda do de segurança, disciplinado pela Lei no 12.016, de 7 de agosto de 2009, e do Código de Processo Civil, instituído pela Lei no 5.869, de 11 dejaneiro de 1973, e pela Lei no 13.105, de 16 de março de 2015, observado o disposto em seus arts. 1.045 e 1.046. 188. Nesses termos, a decisão do STF: 1.0 acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é proces­ sualmente admissível, desde que legalmente constituídas e ern funcionamento M pelo menos um ano. 2. Este Tribunal entende que a utilização do mandado de injunção como sucedâneo do mandado de segurança é inviável. Preceden­ tes. 3.0 mandado de injunção é ação constitutiva; não é ação condenatória, não se presta a condenar o Congresso ao cumprimento de obrigação de fazer. Não cabe a cominação de pena pecuniária pela continuidade da omissão legislativa. 4. Mandado de injunção não conhecido. (Ml n° 689/PB, Pleno do STF, 07.06.2007)

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3)

Recurso Ordinário Constitucional para 0 STF, à luz do art. 102, II, "a", da CR/88 (nesse caso, conforme explícito na CR/88, os requisitos serão: decisão denegatória da injunção oriunda de competência originária dos Tribunais Superiores189);

4)

Competência Recursal do TSE, à luz do art. 121, parágrafo 40, V, da CR/88 (Recurso Ordinário para 0 TSE);

5)

Se 0 mandado de injunção for de competência do primeiro grau do Po­ der judiciário, 0 recurso cabível será 0 de apelação, à luz da exegese subsidiária da Lei n° 12.016/09 (visto que a Lei 13.300/2016 não estabele­ ceu expressamente a questão);

6)

Embargos de declaração, à luz do CPC, bem como os agravos (de instru­ mento, de acordo com 0 caso), também à luz da Lei n° 13.300/2016, bem como do Código de Processo Civil.

Aqui, é mister que tenhamos atenção, pois não podemos confundir, no que diz respeito às competências recursais do STJ, 0 mandado de injunção com 0 habeas corpus e 0 mandado de segurança.’90 Senão, vejamos, nas hipóteses de decisões dos Tribunais Estaduais ou Tribunais Regionais Federais, denegatórias ou concessivas do mandado de injunção, 0 recurso correto para 0 STJ é o es­ pecial (art. 105, III, da CR/88) e não 0 recurso ordinário constitucional do art. 105, II, da CR/88.’9’ Essa observação é importante, justamente porque segundo 0 STJ 0 manejo equivocado do referido recurso caracteriza erro grosseiro que acaba por impedir a aplicação do princípio da fungibilidade, não se admitindo, definitivamente a interposição de recurso ordinário constitucional como recurso especial.’92 Questão das mais interessantes envolve os efeitos da decisão concessiva do mandado de injunção, visto que a decisão não concessiva apenas nega provi­ mento ao autor.

Portanto, a partir deste momento, voltaremos nossas análises e atenções para esse (instigante) debate. A proposta193 é fazermos uma análise doutrinária, jurisprudencial e legal sobre 0 tema (visto que a recente Lei n° 13.300/2016 trata expressamente dos efeitos da decisão do mandado de injunção)

189. Porém, se a decisão for concessiva da injunção, o recurso cabível será o Recurso Extraordinário para o STF à luz do art. 102,111, da CR/88. 190. Nestes, conforme o art. 105, II, da decisão denegatória de competência originária dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais Regionais Federais caberá Recurso Ordinário constitucional para o STJ. 191. STJ: Petição n° 192-0/SP, Rei. Min. Hélio Mosinamm; RSTJ n° 65/149. Nesse sentido, também ALMEIDA, 2007, p. 657. 192. STJ: Petição n"612/MG, Rei. Min. Edson Vidigal, DJU 17.05.1999, p. 217. Nesse sentido também: ALMEIDA, 2007, p. 657. 193. Nos moldes do professor Gregório Assagra de Almeida, que em recente obra (2007) desenvolve suas digressões nesse diapasão. Também merece referência o bom trabalho desenvolvido pelo professor Rodrigo Mazzei (2007).

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No viés doutrinário, temos três correntes sobre os efeitos da decisão que são definidas por Rodrigo Mazzei nos seguintes termos:

1) Teoria da subsidiariedade: nesta, o Poder judiciário se limita a tão somente declarar a mora legislativa, nos moldes da ação direita de inconstitucionalidade por omissão.”4

2) Teoria da independência jurisdicional: nesta, a sentença do mandado de injunção possui caráter constitutivo erga omnes, cabendo, portanto, ao Poder judi­ ciário editar a norma geral se estendendo de forma abstrata a todos, inclusive a aqueles que não pleitearam a tutela. 3) Teoria da resolutividade:194 195 nesta, a sentença do mandado de injunção pro duz a norma para 0 caso concreto com natureza constitutiva inter partes, viabilizan­ do o direito de forma imediata à luz da própria exegese do art. 5°, LXXI, da CR/88, que preleciona a concessão da injunção justamente para viabilizar direitos inviabi­ lizados por falta de norma regulamentadora de norma constitucional, ocorrendo, portanto, uma "atividade integradora do Poder Judiciário".

No que diz respeito ao entendimento jurisprudencial, é mister a análise das posições que se formaram no Pretório Excelso em torno do tema. Também no STF se formaram grandes correntes. Estas foram explicitadas pelo Ministro Néri da Silveira em sessão extraordinária do STF realizada em 16.03.1995, com publi­ cação no D/U em 4 de abril do mesmo ano.196 0 resumo (síntese) das correntes adotadas pelo STF foi, posteriormente, descrito, de forma clara, por Alexandre

194. Entendimento esposado por Manoel Gonçalves Ferreira Filho em seu curso de Direito Constitucional. 195. Esta é corrente a que se filiam a maioria dos juristas pátrios. Entre eles: José Carlos Barbosa Moreira, Calmos de Passos, Luís Roberto Barroso, José Afonso da Silva, entre outros. Aqui ocorrem divergências sobre o modo e o limite de concretização dos direitos pelos órgãos julgadores. Ressaltamos aqui as posições doutrinárias de José Carlos Barbosa Moreira e Luís Roberto Barroso, nas quais os órgãos competentes para julgar o mandado de injunção de­ vem nâo só editar a norma faltante, mas também resolver efetivamente a lide prolatando decisão condenatória, constitutiva, declaratória ou mesmo mandamental (com o expedição de ordem para que se faça ou deixe de fazer alguma coisa), segundo o pedido engendrado pelo autor da ação e a necessidade de adequação à situação con­ creta. 196. Conforme o já clássico pronunciamento do Ministro Néri da Silveira: "Há, como sabemos, na Corte, no jul­ gamento dos mandados de injunção, três correntes: a majoritária, que se formou a partir do Mandado de Injunção 107, que entende deva o Supremo Tribunal Federal, em reconhecendo a existência mora do Con­ gresso Nacional, comunicar a existência dessa omissão, para que o Poder Legislativo elabore a lei, Outra corrente, minoritária, reconhecendo também a mora do Congresso Nacional, 'decide) desde logo, o pedido do requerente do mandado de injunção e provê sobre o exercício do direito constitucionalmente previsto. Por último, registro minha posição, que é isolada: partilho do entendimento de que o Congresso Nacional é que deve elaborar a lei, mas também tenho presente que a Constituição, por via do mandado de injun­ ção, quer assegurar aos cidadãos o exercício de direitos e liberdades, contemplados na Carta Política, mas dependentes de regulamentação. Adoto a posição que considero'intermediária', Entendendo que se deva, também, em primeiro lugar, comunicar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional, para que ele, exercitando sua competência, faça a lei indispensável ao exercício constitucionalmente assegurado aos ci­ dadãos. Compreendendo, entretanto, que, se o Congresso Nacional não fizer a lei, em certo prazo que se estabelecería na decisão, o Supremo Tribunal Federal pode tomar conhecimento de reclamação da parte, quanto ao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito do direito In: concreto' [...]" (STF ata da 7a sessão extraordinária realizada em 16.03.1995, p. 8.265).

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de Morais com a seguinte denominação: 1) tese concretista (que se subdivide em geral e individual sendo esta, ainda, subdividida em direta e intermediária) e a 2) tese não concretista.197198 199

1) Tese Concretista:1’8 esta iria viabilizar (implementar) 0 exercício do direito até que sobrevenha norma regulamentadora.

a) Tese concretista gerai: iria viabilizar (implementar) 0 exercício do direito previsto na Constituição com efeitos erga omnes, ou seja, ao Poder judiciário incumbiría a tarefa de elaborar a norma regulamentadora para suprir a omissão do legislador, só que com efeitos não apenas para 0 caso concreto, mas válido para todos. 0 STF, em linha de princípio, não adotou essa tese, afirmando que tal entendimento fere 0 princípio da separação dos poderes, pois estende os efeitos para todos colocando 0 Pretório Excelso como um verdadeiro legislador positivo. b) Tese concretista individual: iria viabilizar (implementar) 0 direito previsto na Constituição com efeitos inter partes. Essa corrente se subdivide em: concretista direta e concretista intermediária. •

Concretista direta: é a corrente que sustenta que 0 Poder Judi­ ciário deve viabilizar (implementar) 0 direito de forma imedia­ ta (de plano);



Concretista intermediária: é a corrente que entende que 0 Po­ der Judiciário não deveria viabilizar 0 direito de forma imedia­ ta. Reconhecida a mora e dada ciência ao poder competente para supri-la, assim, caso 0 mesmo, num prazo determinado (estabelecido), não a suprisse, o órgão julgador da injunção deveria tomar as providências necessárias para concretizar 0 direito implementando-o.

2) Tese Não Concretista: tradicionalmente, adotada pela maioria dos Mi­ nistros do STF à luz do Mandado de Injunção n° 107/DF, que teve por relator 0 Ministro Moreira Alves.'99 Essa tese reconhece a mora, mas não implementa (não

197. O interessante aqui é que na verdade e a rigor não são 3 posições conforme apregoado acima pelo Ministro Néri da Silveira (e, até hoje, por boa parte da doutrina), mas sim 4 correntes com efeitos diversos, conforme depreen­ de-se da síntese acima referida. 198. A natureza da decisão é em regra constitutiva, podendo ser também condenatória ou até mesmo de caráter executivo ou mandamental, conforme as necessidades do caso e a adoção da tese concretista geral, individual intermediária ou direta. 199. Nesses termos, o posicionamento do STF: Em face dos textos da Constituição Federal relativos ao mandado de in­ junção, é ele ação outorgada ao titular de direito, garantia ou prerrogativa a que alude o art. 5° LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado pela falta de norma regulamentadora, e ação que visa a obter do Poder Judiciário a decla­ ração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, parágrafo 2a, da Carta Magna), e de que se determine, se se tratar de direito constitucional oponível

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viabiliza) o exercício cio direito para o autor da ação, apenas recomendando ao legislador que supra a mora. Portanto, para essa corrente concede-se a injunção ao autor afirmando-se que, realmente, existe um direito sem regulamentação (complementação) e que os Poderes Públicos se encontram em mora, mas, após esse reconhecimento da mora do legislador, há somente a recomendação para que o mesmo a supra. Nesse caso, a natureza da decisão é meramente dedaratória.

Sobre os efeitos da decisão do mandado de injunção, é mister afirmar que a tese não concretista, que se consolidou no início da década 90 do século XX, vem sendo paulatinamente relativizada pelo próprio STF. Isso se deve a uma série de fatores, entre os quais seguramente podemos citar:

1) A forte crítica doutrinária sobre 0 entendimento esposado no Ml n° 107/ DF. Com certeza, com raríssimas exceções, a esmagadora doutrina constitucional e processual sempre criticou veementemente 0 posicionamento do Pretório Ex­ celso. Entre as críticas estão as que não concordam com a interpretação restriti­ va e amesquinhada do writ em detrimento da máxima efetividade da Constitui­ ção, que normativamente explicita a concessão da injunção para a viabilização de direitos, leia-se: para a implementação do exercício de direitos enquanto 0 legislador reste em omissão, e não para uma mera ciência ao poder competente para uma futura supressão da mora. Ou seja, a crítica contra a posição assumida pelo STF envolvería seu próprio papel (sua postura), na medida em que 0 mes­ mo afirma que não caberia ao Poder judiciário regulamentar no caso concreto a Constituição sob a justificativa de que estaria contrariando 0 princípio da separação dos Poderes.200 Nesses termos, 0 mandado de injunção seria ainda igualado, inadvertidamente e sem base constitucional, à ação direta de inconsti­ tucionalidade por omissão, também, sendo isso motivo de várias manifestações em contrário pela doutrina. 2) Ao passar dos anos, com a infeliz e contumaz inércia dos Poderes Públicos em complementar a Constituição para a viabilização de direitos nela previstos (A essa altura, estamos completando mais de 27 anos da Constituição cidadã e a

contra o Estado, a suspensão dos processos judiciais ou administrativos de que possa advir para o impetrante dano que não ocorrería se não houvesse a omissão inconstitucional (STF, Ml n" 107-3/DF, Rei. Min. Moreira Alves, DJU 21.09.1990, p. 9782). 200. Nesse sentido, sobre o Ml n" 107, explana Marcelo Cattoni a posição do STF como sendo a da velha escola formalista, liberal-conservadora, que preleciona escorada em bases privatistas a não ingerência do Poder Judiciário: “Esse julgado, que passa a ser considerado o precedente na matéria, consagra não somente uma interpretação inadequada da separação de poderes, como, em razão de uma compreensão da norma jurí­ dica reduzida à regra, nào reconhece ao ordenamento o seu caráter principiológico, carente não somente de concreção legislativa, mas também jurisdicional, pois cada uma dessas distintas tarefas cumpre papel próprio e especifico no processo de possibilitar que a liberdade e a igualdade que reciprocamente nos re­ conhecemos tenham a garantida a chance de se enraizarem em nossa vida concreta cotidiana de tal sorte a efetivamente regerem as expectativas de comportamento internalizadas e por nós compartilhadas." In: CATTONI DE OLIVEIRA, p. 115, 2007.

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Açôrs Constitucionais

in efetividade legislativa, com raras exceções, continua patente) a pergunta seria: até quando? 0 STF, após 27 anos de promulgação do documento constitucional, talvez não queira mais assumir 0 risco de comunhão com 0 Legislativo (parceria), no que tange à desestima constitucional. Sem dúvida, a constante busca e afirma­ ção da força normativa da Constituição (desenvolvida por Konrad Hesse) implícita ou mesmo explícita pode fazer com que 0 Pretório Excelso continue a relativizar, ou seja, a não trabalhar de forma absoluta com a tese (não concretista) construí­ da nos primórdios de nossa atual Constituição. Portanto, 0 desgaste da relação: Constituição/legislador e omissão/tempo/STF, poderá pesar nas decisões pretorianas.’'” Como exemplo de nossas digressões temos 0 recente voto proferido pelo Ministro Celso de Mello (Ministro, até então, adepto recorrente da tese não concretista) no Ml n° 708/DF: "Decorridos quase 19 (dezenove) anos da promulgação da vigente carta política, ainda não se registrou - no que concerne à norma inscrita no art. 37, VII, da constituição - a necessária intervenção concretizadora do Congresso Nacional, que se absteve de editar, até 0 presente momento, 0 ato legislativo essencial ao desenvolvimento da plena eficácia jurídica do preceito constitucional em questão, não obstante esta Suprema Corte, em 19/05/1994 ao julgar 0 Ml 20/DF, de que fui relator, houvesse reconhecido o estado de mora (inconstitucional) do Poder Legislativo da União, que ainda subsiste, porque não editada, até agora, a lei disciplinadora do exercício do direito de greve no serviço público. Registra-se, portanto, quase decorrido o período de uma geração, clara situação positivadora de omissão abusiva no adimplemento da prestação legislativa imposta, pela Constituição da República, à União Federal. (...) O mandado de injunção, desse modo, deve traduzir significativa reação jurisdicional, fundada e autorizada pelo texto da carta política que, nesse writ processual, forjou 0 instrumento destinado a impedir o desprestígio da própria Constituição, consideradas as graves consequências que decorrer do desrespeito ao texto da Lei Fundamental, seja por ação do Estado, seja, como no caso, por omissão - e prolongada inércia do Poder Público. [...] A jurisprudência se formou no Supremo Tri­ bunal Federal a partir do julgamento do Ml 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves (RTJ 133/11) (...) esse entendimento restritivo não mais pode prevalecer, sob pena de esterilizar a importantíssima função político-jurídica para a qual foi concebido, pelo constituinte o mandado de injunção, que deve ser visto e qualificado como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do Con­ gresso Nacional, impedindo-se, desse modo, que se degrade a Constituição à inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária comum [...]”’*

201. Vide as manifestações de alguns Ministros (como, por exemplo, Eros Roberto Grau, Gilmar Ferreira Mendes e Celso de Melo} em votos prolatados nos Mandados de Injunção n"s 712/PA. 670/ES e 708/DF. decididos em outubro de 2007 pelo STF. Esses julgados envolveram o tema do direito de greve do servidor público previsto no art. 37, VII, da CR/88. 202. Ml n» 708/DF, Decisão do Pleno do STF 25.10.2007.

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3) E, por último, não podemos olvidar a modificação de composição do STF nos últimos anos, sobretudo, de 2003, até os dias atuais. Sem dúvida, com uma composição renovada, a chance de ruptura com a conservadora posição de outrora apresentou-se. Isso demonstra, mais uma vez, que 0 direito e a sua interpretação à luz da Constituição e a própria Constituição são e sempre estão em processo (em permanente fazer), visto que não são e nem podem ser consideradas como algo dado (absolutizado).

Nesses termos, as exceções à tese não concretista (visando a dar uma fun­ ção mais concreta e efetiva ao writ), que começaram já no século passado. Senão vejamos:

i°) Exceção Fraca (chamamos didaticamente de exceção fraca porque não pode ser propriamente uma exceção, pois o STF ainda adota a tese não concretista, po­ rém com novos contornos que irão se aproximar da tese concretista). Esses casos envolvem mandados de injunção impetrados com base no art. 8», parágrafo 3°, do ADCT. Conforme salientado, o STF não decidiu de acordo com a corrente concretista. Adota 0 Pretório Excelso a corrente não concretista, porém afirma que as requeren­ tes (autoras das ações) descritas no referido artigo não vão receber a indenização lá prevista, mas terão 0 direito a uma Ação Cível de Reparação de Danos de na­ tureza econômica, se provado 0 prejuízo em decorrência da omissão dos Poderes Públicos (falta de lei regulamentadora).

Aqui, é interessante comentar a evolução do entendimento do STF, pois, primeiramente, no julgamento de injunção sobre a questão do art. 8», § 3», do ADCT, decidiu 0 mesmo que a omissão legislativa consubstanciada daria ensejo à ação de indenização por perdas e danos.203 Posteriormente, 0 STF não apenas reconheceu 0 direito de reparação, mas fixou de plano em sua decisão a obriga­ ção de indenizar, facultando aos impetrantes 0 ingresso em juízo já diretamente

203. Conforme o Pretório Excelso: Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito à reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8°parágrafo 3°, ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença líquida de indenização perdas e danos (RDA n° 185/204, Ml n° 283-5-DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence). Nessa decisão, observa-se que o STF fixou prazo para o suprimento da omissão e ao mesmo tempo facultou ao titular do direito obstado, caso persista a omissão, o direito de obter indenização por perdas e danos contra a União. Logo em seguida, o STF confirmou esse entendimento e ainda considerou, em relação à aplicabilidode do mesmo dispositivo constitucional, desnecessária nova comunicação ao congresso nacional sobre a omissão, firmando entendimento de que os impetrantes do mandado de injunção já poderíam ingressar em juizo com a tutela ressarcitória dos dados sofridos. Reconhecido o estado de mora in­ fraconstitucional do Congresso Nacional - único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa reclamada - e considerando que, embora previamente cientificado no Mandado de Injunção n° 283. absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comu­ nicação à instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica insti­ tuída em seu favor pelo preceito transitório (STF, Ml n° 284-3, relator para o acórdão Min. Celso de Mello, DJU de 26.06.1992).

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Ações Constitucionais

com a ação com pedido de liquidação de sentença para a fixação do quantum debeatur (valor devido).204 2o) Exceção Forte (nesse caso, o STF adotou a tese concretista sem nenhum tipo de cisão procedimental sendo, portanto, uma decisão completa): esse caso envolve mandado de injunção impetrado com fundamento no art. 195, § 70, da CR/88. 0 STF decidiu pela tese concretista, na medida em que estabeleceu o prazo de seis meses para 0 legislador suprir a mora e, se não suprisse, o impetrante (entidade benefi­ cente de assistência social) passaria a gozar da imunidade (isenção de contribuição para a seguridade social) pretendida, à luz do dispositivo constitucional ora citado. Nesse sentido, a exegese do Ml n° 232-1/RJ: "Mandado de injunção conhecido, em parte e, nessa parte, deferido para declarar-se 0 estado de mora em que se encontra 0 Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se impõe para 0 cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, parágrafo 7» da Constituição, sob pena de vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar 0 requerente a gozar da imu­ nidade requerida." (STF - Ml n» 232 í/RJ, Rei. Min. Moreira Alves, DJU, de 27.3.1992).

3o) Por último, é mister que façamos referência às decisões prolatadas pelo Pretório Excelso em 2007205 nos Mandados de Injunção n» 670/ES e n° 25.698: [„] A quebra do sigilo inerente aos registros bancários, fiscais e telefônicos, por traduzir medida de caráter excepcional, revela-se incompatível com o ordenamento constitucional, quando fun­ dada em deliberações emanadas de CPI cujo suporte decisório apoia-se em formulações genéricas, destituídas da necessária e específica indicação de causa provável, que se qualifica como pressuposto legitimador da ruptu­ ra, por parte do Estado, da esfera de intimidade a todos garantida pela Constituição da República. (...) (Rel. min. Celso de Mello. Julg. em 23.06.2006) 63. MS n° 23.716: CPI - Quebra de sigilo bancário, telefônico e fiscal fundamentação. Para ter-se fundamentada a decisão de quebra dos sigilos, considera-se o teor do requerimento, bem como o que exposto, no momento da submissão a voto, aos integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito, descabendo exigir que o ato conte com a mesma estrutura, com relatório, fundamentação e parte dispositiva, de uma decisão judicial. Rel. Min. Marco Aurélio. Julg: 04.04.2001. 64. MS n° 23.669: [...] O princípio da colegialidade traduz diretriz de fundamental importância no regéncio das delibera­ ções tomadas por qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, notadamente quando esta, no desempenho de sua competência investígatória, ordena a adoção de medidas restritivas de direitos, como aquela que importa no revela­ ção das operações financeiras ativas e passivas de qualquer pessoa. O necessário respeito ao postulado da colegialida­ de qualifica-se como pressuposto de validade e de legitimidade das deliberações parlamentares, especialmente quan­ do estas - adotadas no âmbito de CPI - implicam ruptura, sempre excepcional, da esfera de intimidade das pessoas. A 61.

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Poder Legisiativo



As CPIs devem obrigatoriamente guardar nexo causai com a gestão da coisa pública. Significa que a CPI só pode investigar se existir uma contrariedade a bens, serviços ou interesses que envolvam a União e a própria sociedade como um todo, não podendo as CPIs realizarem devassa na vida de insti­ tuições ou mesmo de pessoas.



Em obediência ao princípio federativo (pacto federativo), a CPI nacional in­ vestiga questões nacionais (de interesse ou impacto nacional) e não devem investigar questões estaduais ou locais (municipais). Tais questões incubem, respectivamente, às Assembléias Legislativas estaduais e às Câmaras de Ve­ readores municipais. Não estamos afirmando com isso que as CPIs não po­ dem realizar investigações no âmago dos Estados ou de municípios, mas sim que essas investigações devem ter uma relevância de cunho nacional.

d.5) Amplitude das CPIs

Quais as medidas podem ser adotadas pelas CPIs independente de requisição ao judiciário? Ora, em virtude de seus poderes de investigação, próprios das auto­ ridades judiciais, as CPIs poderão.-



Quebrar sigilo bancário, fiscal e de dados de seus investigados (incluindo a quebra de sigilo telefônico).65



Solicitar perícias, exames e vistorias.66



Realizar a oitiva de testemunhas e ouvir investigados (sob pena de con­ dução coercitiva). Certo é que nesse item as CPIs devem respeitar 0 sa­ grado direito constitucional ao silêncio (tanto para a testemunha67 quanto para os investigados), no qual não deve haver a produção de provas contra si mesmo.68

quebra do sigilo bancário, que compreende a ruptura da esfera de intimidade financeira do pessoa, quando determi nada por ato de qualquer CPI. depende, para revestir-se de validade jurídica, da aprovação da maioria absoluta dos membros que compõem o órgão de investigação legislativa. (Rel. Min. Celso de Mello. Julg. 12.04.2000). 65. Segundo o STF, os dados obtidos por meio da quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônicos devem ser manti­ dos sob reserva. Assim, a página do Senado Federal na internet não pode divulgar os dados obtidos por meio da quebra de sigilo determinada por CPI. MS 25940, STF. Plenário. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 26.04.2018. 66. Porém, existem perícias que envolvem a garantia de direitos fundamentais e necessitam de ordem judicial. 67. 'A condição de testemunha não afasta a garantia constitucional do direito ao silêncio (CR, art. 5°, LXIII: ‘o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe ossegurada a assistência da família e de advogado'). Com esse entendimento, o Tribunal, confirmando a liminar concedida, deferiu habeas corpus para asse­ gurar ao paciente - inicialmente convocado à CPI do Narcotráfico como indiciado na eventualidade de retornar à CPI para prestar depoimento, ainda que na condição de testemunha, o direito de recusar-se a responder perguntas quando impliquem a possibilidade de autoincriminaçâo." (HC 79.589 DF. Julg. 05.04.2000) 68. Trazemos aqui o HC n° 100.341/AM julgado em 04.11.2010, sobre a convocação de magistrado por CPI: 0 Plenário deferiu, em parte, habeas corpus no qual questionada a convocação de magistrado para prestar esclarecí mentos perante CPI destinada a investigar a prática de delitos de pedofilia e a relação desses com o crime organizado. A impetração aduzia que o requerimento não teria indicado expressamente se o paciente seria ouvido na condição de testemunha ou de investigado. (...) verificou-se que, no caso, estaria demonstrado o fundado receio do paciente relativamente á possível ofensa de garantias constitucionais. Assim, concedeu-se a ordem tão-somente para que lhe seja assegurado: a) o direito de ser assistido por seu advogado e de se comunicar com este durante a sua

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Tema eivado de controvérsia é o de se o investigado pode se recusar a compa­ recer na sessão da CPI na qual seria ouvido. A 2a turma do STF enfrentou tal questão recentemente no HC 171438/DF e não a resolveu.

Para os ministros Gilmar Mendes e Celso Mello 0 comparecimento do investiga­ do perante a CPI para ser ouvido é facultativo. Portanto, cabe a ele decidir se irá ou não comparecer. Porém, se decidir comparecer, ele terá direito: a) ao silêncio; b) à assistência de advogado; c) de não prestar compromisso de dizer a verdade; d) de não sofrer constrangimentos. Caso 0 investigado não compareça, a CPI não pode determinar a sua condução coercitiva. No caso deve ser aplicado para as CPls 0 mesmo entendimento da ADPF 395/DF69. já para 0 Ministro Edson Fachin e para a Mi­ nistra Cármen Lúcia 0 comparecimento do investigado perante a CPI para ser ouvido é compulsório. Ele tem que comparecer. No entanto, chegando lá, 0 investigado tem direito: a) ao silêncio; b) à assistência de advogado; c) de não prestar compromis­ so de dizer a verdade; d) de não sofrer constrangimentos. Caso 0 investigado não compareça, a CPI poderia determinar a sua condução coercitiva.70

0 Min. Gilmar Mendes que foi 0 relator do habeas corpus entendeu que, por sua qualidade de investigado, 0 indivíduo não pode ser convocado a comparecimento compulsório, menos ainda sob ameaça de responsabilização penal. Para 0 relator, se 0 paciente não é obrigado a falar, não faz qualquer sentido que seja obrigado a comparecer ao ato, a menos que a finalidade seja de registrar as perguntas que, de antemão, todos já sabem que não serão respondidas, apenas como instrumento de constrangimento e intimidação.71

inquirição: b) a dispensa da assinatura do termo de compromisso legal de testemunha: c) o exercido do seu direttÇLOQJilirtòAJndyísiSLgjirhlilígiSLSQntlfLa auto- incriminação, excluída a possibilidade de ser submetido a qualquer medida privativa de liberdade ou restritiva de direitos em razão do exercício de tais prerrogativas processuais. Asseverou se, ainda, que o paciente não estaria dispensado da obrigação de comparecer perante a de­ nominada “CPI da Pedofilia'' na audiência pública a ser designada oportunamente. Determinou-se, por fim, a expedi­ ção de salvo-conduto, nesses termos, e a comunicação, com urgência, à autoridade coatora. 69. O STF, recentemente, decidiu que não é válida a condução coercitiva do investigado ou do réu para interrogatório no âmbito do processo penal: STF. Plenário. ADPF 395/DF e ADPF 444/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em 13 e 14.06.2018(1nfo 906). 70. Nesse sentido, são as correntes: 1s) Em consonância com a Lei n° 1.579/52 e o art. 218 do CPP. entendem que a condução coercitiva, por exemplo, das testemunhas seria somente mediante ordem judicial; 2*1) Interpretando o art. 58 § 3" da CR/88, em relação ao art. 3“ da Lei n° 1.579/52, entendem que as CPls, por serem dotadas de pode­ res de investigação próprios de autoridade judicial, poderíam diretamente determinar a condução coercitiva. Na jurisprudência, o STF, antes da ADPF n”395 e ADPF n° 444, já adotou o posicionamento de admitir a condução coercitiva de testemunhas. Nesses termos, a decisão do HC n° 88.189 MC julgado em 07.03.2006: [...] Ao contrário do que sucede com as convocações emanadas de Comissões Parlamentares de Inquérito, em que as pessoas - além de intimadas a comparecer, sob pena de condução coercitiva - estão obrigadas a depor, quando arroladas como tes­ temunhas (ressalvado, sempre, em seu beneficio, o exercício do privilégio constitucional contra a autoincríminação), cumpre observar que tais consequências nâo se registram, no plano jurídico, se se tratar, como na espécie, de mero convite formulado por Comissão Permanente do Senado Federal, que não dispõe dos poderes de coerção atribuídos a uma CPIRel. Min. Celso de Mello. Outra decisão veio da lavra do Min. Marco Aurélio em 17.08.2009 no HC n° 99.893, na qual o Ministro (apesar de no caso sustar a ordem de condução coercitiva) deixa assente que a condu­ ção coercitiva pode sim ser manejada para a testemunha, mas não para investigados (ou acusados). 71. HC 171438/DF, STF. 2a Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes, julg 28.05.2019 Para o Ministro Gilmar Mendes: o direito ao silêncio, que assegura o não produção de prova contra si mesmo, constitui pedra angular do sistema de proteção

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Buscas e apreensões genéricas (não domiciliares).7’



Temos ainda, nos termos do art. 2 da Lei n °i.579/52, com redação dada pela recente Lei n° 13.367/2016, que no exercício de suas atribuições, poderão as Comissões Parlamentares de Inquérito: determinar diligências que reputa­ rem necessárias e requerer a convocação de Ministros de Estado, tomar 0 depoimento de quaisquer autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso72 73, requisitar da administração pública direta, indireta ou fundacional informações e docu­ mentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença (por exemplo: inspeções).



Efetuar prisões em flagrante em caso de crime praticado na presença dos membros da comissão.

d.6) Impedimentos das CPIs

Existem práticas que as CPIs estão impedidas de realizar diretamente. Nesse sentido, quais as medidas necessitam de autorização do Poder Judiciário para que possam ser desenvolvidas pelas CPIs? Certo que as CPIs, segundo a própria jurisprudência do STF, não têm Poder Geral de Cautela. A CPI faz às vezes de juiz, mas não é juiz. Mas, como podemos definir resumidamente esse poder? Ora 0 Poder Geral de Cautela é 0 poder que 0 juiz é dotado de garantir a eficácia de uma eventual sentença condenatória74. Assim sendo, as CPIs terão como impedimentos:

72.

73.

74.

dos direitos individuais e materializa uma das expressões do principio da dignidade da pessoa humana. Esse principio proíbe a utilização ou a transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. O direito à não autoincriminação tem fundamento mais amplo do que o expressamente previsto no art. 5°, LXIII, da Constituição Federal. Em verdade, ele é derivado da união de diversos enunciados constitucionais, entre os quais os dos arts. 1°, lll (dignidade humana), e 5°, LIV (devido processo legal), LV (ampla defesa) e LVII (presunção de inocência). Ademais, o direito ao silêncio foi consagrado em tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, que enunciam o direito do acusado de não depor contra si mesmo (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, art. 14,3, g, em execução por força do Decreto 592/1992; e Pacto de São José da Costa Rica, art. 8.2, g, em execução por força do Decreto 678/1992)!' "Impossibilidade jurídica de CPI praticar atos sobre os quais incida a cláusula constitucional da reserva de jurisdição, como a busca e apreensão domiciliar (...). Possibilidade, contudo, de a CPI ordenar busca e apreensão de bens, objetos e computadores, desde que essa diligência não se efetive em local inviolável, como os espaços domiciliares, sob pena, em tal hipótese, de invalidade da diligência e de ineficácia probatória dos elementos informativos dela resultantes. Deliberação da CPI/Petrobras que, embora não abrangente do domicilio dos impetrantes, ressentir-se-io da falta da necessária fundamentação substancial. Ausência de indicação, na espécie, de causa provável e de fatos concretos que, se presentes, autorizariam a medida excepcional da busca e apreensão, mesmo a de caráter não domiciliar." MS 33.663 MC, rel. min. Celso de Mello, dec. monocrática, julg. 19.06.2015. Art. 3 ã 1 da Lei n° 1.579/52: Em caso de nâo comparecimento da testemunha sem motivo justificado, a sua inti­ mação será solicitada ao juiz criminal da localidade em que resida ou se encontre, nos termos dos arts. 218 e 219 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal. (Redação dada pela Lei n° 13.367, de 2016) É interessante que esse poder é pacífico no âmbito do processo civil, sendo questionado no âmbito do processo penal. Para boa parte da doutrina nâo há poder geral de cautela no processo penal. Embora o STF não tenha uma

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Não podem determinar prisão temporária ou preventiva, pois é afeto cons­ titucionalmente ao Poder Judiciário. Exceção: prisão em flagrante delito, pois prisão em flagrante pode, inclusive, ser realizada por qualquer um do povo, também cabendo às CPIs tal assertiva. Como exemplos: prisão em flagrante por falso testemunho ou por desacato.



Não podem determinar arresto, sequestro, impedimento ou hipoteca de bens dos investigados.75 Aqui conforme o novo art. 3°-A. da Lei n° 1579/52 (Incluído pela Lei n» 13.367, de 2016) caberá ao presidente da Comissão Par­ lamentar de Inquérito, por deliberação desta, solicitar, em qualquer fase da investigação, ao juízo criminal competente medida cautelar necessária, quando se verificar a existência de indícios veementes da proveniência ilícita de bens.



Não podem impedir que 0 investigado saia de uma comarca ou mesmo do país.



Não podem obstaculizar 0 trabalho dos advogados/6 Sobre esse tema, podemos citar ainda a Lei n° 10.679/03. Esta alterou a Lei n° 1.579/52 para deixar expresso que em CPIs 0 depoente poderá fazer-se acompanhar de advogado, ainda que em reunião secreta.



Não podem realizar atividades que envolvam as cláusulas de reserva de jurisdição. Cláusulas, essas, que estão constitucionalmente reservadas ao Poder Judiciário. Nesse sentido, é vedada à CPI busca e apreensão domiciliar (art. 50, xi, da CR/88) e a interceptação telefônica7778 (art. 5°, XII, da CR/88).



Além disso, as CPIs não podem quebrar 0 sigilo imposto a processo que corre em segredo de justiça.'8

posição consolidada, é sabido que no informativo 906 do STF, foi afirmado que: Diante do postulado constitucio­ nal da legalidade estrita em matéria processual penal, inexiste, no processo penal, o poder geral de cautela dos juizes (Informativo 9061. Nesse sentido, não seria possível a fixação pelo juiz de medidas cautelares atípicas, tendo, portanto, o art. 319 do CPP um rol taxativo. 75. Conforme o MS n’23445: [...] 7. Entendimento do STF segundo o qual asCPI’S não podem decretar bloqueios de bens, prisões preventivas [...] Rel. Min. Néri da Silveira, Julg. 24.11.1999. 76. Sobre a atuação do advogado, temos decisão do STF no HC n" 88.015 em 14.02.2006: [...] Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, e sem dispensar o ora paciente da obrigação de comparecer perante a "CPMI dos Correios" defiro o pedido de medida liminar, nos precisos termos expostos nesta decisáo, em ordem a assegurar, cautelarmente, a esse mesmo paciente, (a) o direito de ser assistido por seu Advogado e de com esteco municar-se durante o cursa de seu depoimento perante a referida Comissão Parlamentar de Inquérito e (b) o direito de exercer o privilégio constitucional contra a autoincriminação, sem que se possa adotar, contra o paciente em questáo, como consequência do regular exercício dessa especial prerrogativa juridica, qualquer medida restritiva de direitos ou privativa de liberdade, não podendo, ainda, tal paciente, ser obrigado "a assinar Termo de Compromisso na condição de testemunha". Rel. Min Celso Mello. 77. Conforme o MS n° 27.483 REF MC/DF julgado em 14.08.2008: f...J Comissão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurídico de. mediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de decisão nem de mandado judicial de interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a processo sujeito a segredo dejustiça. Este é oponível a Comissão Par­ lamentar de Inquérito, representando expressiva limitaçao aos seus poderes constitucionais. (Rel. Min. Cezar Peluso). 78. MS n“ 27.483 REF-MC/DF julg. em 14.08.2008: (...) CPI. Prova. Interceptação telefônica. Decisãojudicial. Sigilojudicial. Segredo de justiça. Quebra. Requisição, às operadoras, de cópias das ordens judiciais e dos mondados de interceptaçao. Inadmissibilidade. Poder que não tem caráter instrutório ou de investigação. Competência exclusiva dojuízo que

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d.7) Considerações finais sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito. 1) A Lei n» 10.001, de 4 de setembro do ano 2000, não pode ser olvidada. Esta dispõe sobre a prioridade nos procedimentos a serem adotados pelo Ministério Público e por outros órgãos a respeito das conclusões das comissões parlamentares de inquérito. Nesses termos, reza nesse importante diploma normativo que:



Os Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional encaminharão o relatório da Comissão Parlamen­ tar de Inquérito respectiva, e a resolução que 0 aprovar, aos chefes do Ministério Público da União ou dos Estados, ou ainda às autorida­ des administrativas ou judiciais com poder de decisão, conforme o caso, para a prática de atos de sua competência.



A autoridade a quem for encaminhada a resolução informará ao re­ metente, no prazo de trinta dias, as providências adotadas ou a justi­ ficativa pela omissão.



A autoridade que presidir processo ou procedimento, administrativo ou judicial, instaurado em decorrência de conclusões de Comissão Par­ lamentar de Inquérito, comunicará, semestralmente, a fase em que se encontra, até a sua conclusão.



0 processo ou procedimento referido nessa Lei terá prioridade sobre qualquer outro, exceto sobre aquele relativo a pedido de habeas cor­ pus, habeas data e mandado de segurança.



0 descumprimento das normas dessa Lei sujeita a autoridade a san­ ções administrativas, civis e penais.

Aqui, é interessante deixarmos consignado, que 0 STF considerou inconstitucio­ nal legislação Estadual sobre 0 mesmo tema, ou seja, prioridade nos procedimentos após a aprovação de relatório de CPI Estadual. Nesse sentido, 0 Plenário do STF em 10.11.2011, julgou procedente pedido formulado na ADI 3041/RS para declarar a in­ constitucionalidade dos artigos 2°, 3» e 4° da Lei 11.727/2002, do Estado do Rio Gran­ de do Sul, que dispunha sobre a prioridade, nos procedimentos a serem adotados pelo Ministério Público, por Tribunal de Contas e por outros órgãos a respeito de conclusões das comissões parlamentares de inquérito instauradas naquele Estado. Reputou-se, na decisão que os dispositivos impugnados, ao fixar prazos e estabele­ cer obrigações ao parquet e ao Poder Judiciário, no sentido de acelerar a tramita­ ção dos processos que versem sobre as conclusões dessas comissões locais, teriam

ordenou o sigilo. Aparência de ofensa a direito liquido e certo. Liminar concedida e referendada. Voto vencido. Inteli­ gência dos arts. 5°, XeLX,e 58, S 3°, da CR, art. 325 do CP, e art. 10. cc. art. 1° da Lei federal n° 9.296/96. Comissão Par­ lamentar de Inquérito não tem poder jurídico de. mediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de decisão nem de mandado judicial de interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça. Este é oponívela CPI, representando expressiva limitação aos seus poderes constitucionais. (Rel. Min. Cezar Peluso).

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invadido a competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22,1 da CR/88) do que decorrería inconstitucionalidade formal.” 2) 0 STF, no Inq. n° 2.295, decidiu que existe legitimidade de prova emprestada para a atuação de uma CPI que obteve acesso à base de dados de outra CPMI (do Banestado) em virtude de aprovação na própria CPI requerente dos dados para 0 acesso aos mesmos.8"

3) 0 STF, decidiu no HC n° 100.341/AM, julgado em 04.11.2010 que a existência de procedimento penal investigatório, em tramitação no órgão judiciário com­ petente, não impede a realização de atividade apuratória por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, ainda que seus objetos sejam correlatos, pois cada qual possui amplitude distinta, delimitada constitucional e legalmente, além de finalidades diversas.8' 4) 0 STF já decidiu, nos termos do MS n° 25.459, que havendo a extinção da CPI com a conclusão de seus trabalhos (com ou sem a aprovação do relatório final), ocorre a prejudicialidade das ações constitucionais contra CPIs. Portanto, mediante a conclusão dos trabalhos de uma CPI, os eventuais mandados de segurança ou ha­ beas corpus, impetrados devem ser julgados prejudicados8’. Porém, apesar de essa, ser a regra ("regra da prejudicialidade"), existe uma exceção presente na ACO ó2279 83. 82 81 80 5) 0 STF decidiu por maioria (6x5) na ACO n° 730 que as Comissões Parlamen­ tares de Inquérito Estaduais terão poderes para quebrar sigilo bancário de seus investigados, não necessitando para tal de ordem judicial (0 fundamento central foi 0 princípio da simetria).84

ADI 3041/RS. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. 10.11.2011. Nesses termos: [...) Quarta preliminar. Prova emprestada. Caso “Banestado" Autorização de compartilhamento tanto pela comissão parlamentar mista de inquérito como pelo Supremo Tribuna! Federal. Legalidade. O acesso à base de dados da CPMI do Banestado fora autorizado pela CPMI dos Correios. Não bastasse isso, o Presidente do Supremo Tribunal Federal deferiu o compartilhamento de todas as informações obtidas pela CPMI dos Correios para análise em conjunto com os dados constantes dos presentes autos. Nâo procede, portanto, a alegação de ilegalidade da prova emprestada do caso Banestado. (Rel. Min. Joaquim Barbosa, Julg 28.08.2007. DJ: 09.11.2007). 81. HC n“ 100.341, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 07:02.12.2010. 82. MS 25.559/AgR/DF: “Mondado de Segurança. Impetração contra ato de Comissão Parlamentar de Inquérito CPI. Extinção desta. Prejuízo consequente do pedido daquele. Extinção do processo, sem julgamento de mérito. Agravo improvido. Precedentes. Encerrados os trabalhos de Comissão Parlomentar de Inquérito, contra a qual tenho sido im­ petrado, extingue-se, sem julgamento de mérito, o processo de mandado de segurança". Rel. Min. Cezar Peluso. Julg. 04.10.2010. 83. Em virtude do reconhecimento de conflito federativo, nos termos do art. 102,1, f da CR/88, o STF determinou sua competência para processar e julgar Ação Popular derivada de CPI da ALERJ (que visou apurar as causas de acidente da plataforma P-36 da Petrobras) que já estava com seus trabalhos encerrados. 84 Conforme a Ementa julgada em 22.09.2004 de rel. do Min. Joaquim Barbosa: Ação Civel Originária. Mandado de Segurança. Quebra de sigilo de dados bancários determinada por Comissão Parlamentar de Inquérito de Assembléia Legislativa. Recusa de seu cumprimento pelo Banco Central do Brasil. Lei Complementar 105/2001. Potencial conflito federativo (cf. ACO 730-QO). Federação. Inteligência. Observância obrigatória, pelos estados -membros, de aspectos fundamentais decorrentes do principio da separação de poderes previsto na Constitui ção federal de 1988. Função fiscalizadora exercida pelo Poder Legislativo. Mecanismo essencial do sistema de checks-and-counterchecks adotado pela Constituição federal de 1988. Vedação da utilização desse mecanismo de controle pelos órgãos legislativos dos estados-membros. Impossibilidade. Violação do equilíbrio federativo

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Poder Lfgisiativo

e) Comissão Representativa - art. 58, § 4% CR/88. Conforme 0 diploma Cons­ titucional, teremos uma comissão que terá a função de representar o Congresso Nacional nos períodos de recesso do mesmo e que será eleita sempre na última sessão ordinária de um período legislativo. Nesses termos, reza a Constituição que, durante 0 recesso, haverá uma Comissão representativa do Congresso Nacio­ nal, eleita por suas Casas na última sessão ordinária do período legislativo, com atribuições definidas no regimento comum, cuja composição reproduzirá, quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária.

Especificadas as suas espécies, temos, ainda, que as comissões terão como função constitucional, em razão da matéria de sua competência:



discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos mem­ bros da Casa;



realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil;



convocar Ministros de Estado para prestar informações sobre assuntos ine­ rentes a suas atribuições;



receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas;



solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão; e



apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer.

e da separação de Poderes. Poderes de CPI estadual: ainda que seja omissa a Lei Complementar 105/2001, podem essas comissões estaduais requerer quebra de sigilo de dados bancários, com base no art. 58, § 3o, da Constituição. Mandado de segurança conhecido e parcialmente provido. DJ: 11.11.2005. Aqui, é interessante ressaltarmos, que no mesmo julgamento (em discussão plenária) foi destacada a questão da possibilidade de CPls municipais também terem a condição de quebrar o sigilo bancário de seus investigados. A princípio, como debatido no STF, isso não seria possível, sob o argumento central de que os Municípios não teriam Poder Judiciário e em virtude disso não poderíam ter os mesmos poderes investigatórios conferidos às CPls de cunho Estadual (que além de outros poderes previstos regimentalmente, são dotadas de poderes de investi gação próprios de autoridade judicial) e Nacional (que além de outros poderes previstos regimental mente, são dotadas de poderes de investigação próprios de autoridades judiciais). Entendemos que existe sim a possibili­ dade da criação de CPls municipais, porém com poderes definidos regimentalmente. Porém, entendemos, em consonância com a doutrina e com os debates expressos (na ACO n° 730), que as mesmas não terão poder para determinar a quebra de sigilo bancário. Sobre o tema, de acordo com o nosso entendimento e usando de argumentos diferentes dos trabalhados pelo STF, temos: OLIVEIRA, Eugênio Pacelli, Curso de processo penal, p. 288-289. Uma outrora questão interessante, relacionada ao tema da ACO 730, foi iniciada no STF em Mar­ ço de 2010 e envolve a possibilidade de CPI Estadual quebrar diretamente Sigilo Fiscal (dados fiscais) de investigados. A questão está sendo enfrentada na ACO 1271/RJ (ALERJ versus chefe da Superintendência Regional da Receita Federal da 7" Região Fiscal). O Relator da ACO Ministro Joaquim Barbosa (seguindo o entendimento da ACO 730) votou pela procedência do pedido da ALERJ para a quebra do sigilo de investiga­ dos (CPI para investigar a ação das milícias no Estado do RJ). Posteriormente o Ministro Dias Toffoli, pediu vista. (Informativo 578 do STF)

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4. ESTATUTO DOS CONGRESSISTAS 4.1. Conceito

É um conjunto de normas jurídicas que estatui o regime jurídico de deputados e senadores e, que diz respeito, sobretudo, aos direitos e imunidades ou aos deveres e impedimentos dos membros do Poder Legislativo. 4.2. Análise

Iremos começar nosso estudo pelas imunidades parlamentares para, poste­ riormente estudar os impedimentos e vedações aos deputados e senadores e as hipóteses e procedimentos que se relacionam à perda do cargo dos mesmos. Sem dúvida, a finalidade das imunidades parlamentares é a proteção da indepen­ dência do Poder Legislativo em relação aos outros Poderes e frente à própria socieda­ de, para que ele possa desenvolver suas funções típicas e atípicas de forma adequada. Assim sendo, elas (imunidades) visam ao desenvolvimento do princípio da se­ paração dos Poderes e, com isso, desenvolve-se a própria lógica do Estado De mocrático de Direito. Sem dúvida, um Poder Legislativo independente reforça o princípio democrático.85 Nesse sentido, inicialmente temos duas grandes imunidades parlamentares, conforme o esquema abaixo:

Em rc ação à Pr são

Em relação ao Processo

Pois bem, a imunidade parlamentar se subdivide inicialmente em:

85. Por isso, elas não devem ser entendidas como privilégios, mesmo porque elas são do cargo que os parlamenta­ res exercem e não dos parlamentares. Assim sendo, elas têm por objetivo proteger o exercício do mandato não traduzindo-se em privilégio de ordem pessoal. Nesse sentido, o Ministro Celso de Mello no Inq. n® 1.024: "[.J a garantia é inerente ao desempenho da função parlamentar, não traduzindo, por isso mesmo, qualquer privilégio de ordem pessoal.'MENDES; COELHO; BRANCO, Curso de direito constitucional, 2008, p. 899.

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4.3. Imunidade Material A imunidade material também é chamada de imunidade substancial ou invio­ labilidade. Ela é definida como a subtração (supressão) da responsabilidade civil, penal, disciplinar ou política dos deputados e senadores por suas opiniões, pala­ vras e votos. Ou seja, conforme o caput do art. 53 deputados e senadores se tornam invio­ láveis. E essa inviolabilidade é tanto cível quanto penal. Temos que, conforme a doutrina, essa inviolabilidade também pode ser administrativa de cunho disciplinar ou mesmo política,86 apesar de não explicitado no caput do art. 53.

Nesse sentido, a norma constitucional (caput, art. 53) afasta a incidência, por exemplo, da norma penal do art. 138 (crime de calúnia), ou afasta a incidência do ordenamento civil, como, por exemplo, no caso de danos morais. Nesses termos, os parlamentares poderão exercer sua atividade, com uma ampla liberdade de expressão e manifestação de pensamento, tendo, com isso, a preservação de suas opiniões e palavras. Sobre a natureza a jurídica da imunidade material, temos que, não sem diver­ gência, é considerada pelo STF, e pela doutrina majoritária, como "causa excludente de tipicidade"87. Nesses termos, havendo denuncia ou queixa-crime, esta, deve ser rejeitada por falta de justa causa, não sendo, portanto, admitida a instauração do processo penal.88

Mas, como caracterizar a imunidade material? Sem dúvida, existem requisitos/ características da imunidade material, que merecem nossa reflexão: (1) A uma, que a imunidade material, independe do logradouro ou do recinto89, em que seja proferida as opiniões ou palavras. Portanto, mesmo se as

HORTA, Raul Machado, Estudos de direito constitucional, 1995, p. 597. "Há quem entenda tratar-se de excludente do crime. Está foi a posição do Min. Ayres Britto no Inq 2282/DF ao afirmar que inviolabilidade material é "excludente do crime" ou seja, que está acobertado por ela não comete crime. Outros entendem "como causa de isenção de pena" Fernando Capez e Luiz Flávio Gomes, adotam uma terceira corrente, entendendo que a imunidade material "exclui a tipicidade da conduta", uma vez que impede a instauração de inquérito ou processo criminal contra o parlamentar. Apesar de não haver consenso, parece-nos correta esta última posição, pois as exdudentes de ilicitude (legitima defesa, estado de necessidade, etc.) não obstam a instauração de procedimento policial e a propositura da ação penal para a apuração da infração penal, apenas impondo, quando reconhecidas a absolvição do réu. O mesmo ocorre em relação as causas de isenção da pena (ex: inimputabilidade nos termos do art. 26, caput do CP, perdão judicial) que, como regra, também não impedem o inquérito ou o processo. Diferentemente, porém, é a hipótese da exclusão da tipicidade da condu­ ta, em que resta inviabilizada, qualquer apuração sob pena de constrangimento ilegal impugnável por habeas corpus". AVENA, Norberto, Curso de processo Penal esquematizado. p. 72-73,2012. 88. "É sabido que a imunidade material parlamentar exclui a tipicidade do fato praticado pelo deputado ou senador consistente na manifestação, escrita ou falada, exigindo-se apenas que ocorra no exercício da função. (...) o STFjá firmou orientação no sentido de que o relator pode determinar o arquivamento dos autos quando as supostas mani­ festações ofensivas estiverem acobertadas peia imunidade parlamentar material." Pet 4.934, rel. min. Dias Toffoli, dec. monocrática, julg. em 25.09.2012. 89. "A imunidade parlamentar material se estende à divulgação pela imprensa, por iniciativa do congressista ou de terceiros, do fato coberto pela inviolabilidade". RE n° 210.917/RJ. Além disso: a garantia se estende a “entrevistas

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opiniões forem proferidas fora do recinto parlamentar, estarão os parlamentares acobertados por ela. Porém, existe uma exceção. Certo é que essa característica da independência do logradouro se aplica aos senadores, deputados federais, es­ taduais e distritais, não se aplicando de forma plena aos vereadores, que, apesar de também terem a imunidade material, estão restringidos pela circunscrição do município.90

(2) A duas, para que haja a imunidade material as opiniões ou palavras devem guardar relação com 0 mandato. Devem ser proferidas em função do mandato. Nesse sentido, deve haver nexo de causalidade entre 0 exercício do mandato e 0 proferimento das opiniões ou palavras.91

jornalis ticas", transmissão pela impressa de conteúdo de pronunciamentos ou mesmo de relatórios produzidos pelas casas. Al m'401.600. 90. RE n° 600.063 julg. em 25.02.2015, rel. min. Marco Aurélio: "1. Vereador que, em sessão da Câmara, teria se manifestado de forma a ofender ex vereador, afirmando que este "apoiou a corrupção [...], a ladroeira, (...) a sem-vergonhice”, sendo pessoa sem dignidade e sem moral. 2. Observância, no caso, dos limites previstos no art. 29, VIII, da Constituição: manifestação proferida no exercício do mandato e na circunscrição do Muni­ cípio. (...) 4. Embora indesejáveis, as ofensas pessoais proferidas no âmbito da discussão política, respeitados os limites trazidos pela própria Constituição, não são passíveis de reprimenda judicial. Imunidade que se caracteriza como proteção adicional à liberdade de expressão, visando a assegurar a fluência do debate público e, em última análise, a própria democracia. 5. A ausência de controle judicial não imuniza comple­ tamente as manifestações dos parlamentares, que podem ser repreendidas pelo Legislativo. 6. Provimento do recurso, com fixação, em repercussão geral, da seguinte tese: nos limites da circunscrição do Município e havendo pertinência com o exercício do mandato, os vereadores são imunes judicialmente por suas pala­ vras, opiniões e votos.’ 91. Como exemplo, temos decisão de 08.10.2009 no Al n° 401.600: "Declarações divulgadas pelo boletim diário da sessão plenária da câmara legislativa e entrevistas jornalísticas publicadas pela imprensa local. Impossibilidade de responsabilização civil de membro do Poder Legislativo. Pressupostos de incidência da garantia constitu­ cional da imunidade parlamentar. Prática 'in offício" e prática "propter officium’. Recurso improvido" Rel. Min. Celso de Mello. Outro exemplo foi o recente caso do Senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) que publicou, em suas contas no Twitter e Facebook, as mensagens: "Lula tem postura de bandido. E bandido frouxo! Igual à épo ca que instigava metalúrgicos a protestar e ia dormir na sala do delegado Tuma". "Lula e sua turma foram pegos roubando a Petrobras e agora ameaça com a tropa MST do Stédile e do Rainha para promover a baderna". “Em vez de ir para reuniões de incitações ao ódio, Lula deveria ir á CPI da Petrobras explicar os assaltos cometidos por ele e seu governo". O ex-Presidente Lula, por intermédio dos seus advogados, ingressou, então, com queixa-crime contra o Senador pedindo a sua condenação por calúnia, injúria e difamação. A 1 'Turma do STF entendeu que as declarações publicadas pelo Senador estavam protegidas pela imunidade parlamentar prevista no art. 53 da CR/88. Segundo decidiu o Min. Relator Edson Fachin, as manifestações do congressista, no caso concreto, pos­ suíam cunho político e estavam relacionadas com o exercício do mandato. Isso porque a função parlamentar não abrange apenas atividades legislativas, mas inclui também a fiscalização e a investigação da administração pública. A imunidade parlamentar é uma proteção adicional ao direito fundamental de todas as pessoas à li­ berdade de expressão, previsto no art. 5o, IV e IX, da CR/88. Assim, mesmo quando desbordem e se enquadrem em tipos penais, as palavras dos congressistas, desde que guardem alguma pertinência com suas funções parlamentares, estarão cobertas pela imunidade material do art. 53, “caput", da CR/88. Conforme o Informativo 810: "Para o Colegiado, a Constituição teria garantido uma tolerância com o uso — que normalmente fosse considerado abusivo — do direito de expressar livremente suas opiniões, quando proveniente de parlamentar no exercício de seus respectivos mandatos. Essa condescendência se justificaria para assegurar um bem maior a própria democracia. Entre um parlamentar acuado pelo eventual receio de um processo criminal e um parlamentar livre para expor as suspeitas que pairassem sobre outros homens públicos, mesmo que de forma que pudesse ser considerada abusiva e, portanto, criminosa, o caminho trilhado pela Constituição seria o de conferir liberdade ao congressista. Assim, a regra da imunidade deveria prevalecer nas situações limítrofes em que não fosse delineada a conexão entre a atividade parlamentar e as ofensas irrogadas a pretexto de

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Porém, aqui, há uma importante questão, que merece nossa reflexão. Sempre havería a necessidade do nexo de causalidade (entre manifestação ofensiva e o mandato) ou em proferimentos dentro do parlamento, esse requisito (básico) seria dispensado? Pois bem, o STF já entendeu, e, a nosso ver, de forma inadequada92, no RE n® 463.671 AgR julgado em 19.06.2007, que "sendo a ofensa irrogada em plenário, independe de conexão com 0 mandato para 0 fim de elidir a responsabilidade civil por perdas e danos".

Assim sendo, a aferição do nexo de causalidade, nesse posicionamento do STF, seria necessária apenas para os pronunciamentos realizados fora do parlamento, pois os proferimentos praticados dentro do Congresso, estariam abarcados pela imunidade material independente de nexo de causalidade entre 0 proferimento e 0 mandato93. No mesmo sentido decidiu a f turma do STF no Inq n» 3672/RJ em 14.10.2014 de relatoria da ministra Rosa Weber.94

Porém, a mesma 1a Turma do STF, no julgamento do Inq 4088 e Inq 4097 em 01.12.2015, afirmou que "a imunidade material conferida aos parlamentares não seria uma prerrogativa absoluta. Restringir-se-ia a opiniões e palavras externadas, dentro

exercê-la, mas que, igualmente, nâo se pudesse, de plano, dizer que exorbitassem do exercício do mandato.” STF. 1 * Turma. Inq 4088/DF e Inq 4097/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julg. em 01.12.2015. 92. Visto que estabelece uma extrema flexibilização, ou um melhor "cheque em branco" (em termos de responsabili­ zação) para pronunciamentos dos mais variados "quilates''e"montas"dentro do Parlamento. 93. Conforme o STF: “é de se distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parla­ mento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada 'conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar' (Inq 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o man­ dato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembléia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas á imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material." Inq 1.958, Rel. p/o ac. Min. Ayres Britto, julg. em 29.10.2003. Ver também: Inq 2.295, julg. em 23.10.2008. Já no Inq 2.915 julg. pelo STF em 09.05.2013: "5. Imunidade parlamentar. Inexistência, quando não se verificar liame entre o fato apontado como crime contra a honra e o exercício do mandato parlamentar pelo ofensor. Os atos praticados em local distinto do recinto do Parlamento escapam à proteção abso­ luta da imunidade, que abarca apenas manifestações que guardem pertinência, por um nexo de causalidade, com o desempenho das funções do mandato (Precedentes). 6. Os indícios da prática dos crimes de calúnia e difamação nas declarações prestadas pelo querelado (Deputado Federal) em programa radiofônico no caso sub judice, impõem o recebimento da queixa-crime". (Rel. Min. Luiz Fux) 94. No caso, a 1 “Turma do STF, por maioria, recebeu denúncia oferecida contra deputado federal pela suposta prática do crime de calúnia (CP, art. 138). Na espécie, o investigado, em blogue pessoal, imputara a delegado de policia o fato de ter arquivado investigações sob sua condução para atender a interesses políticos de seus aliados - condu­ ta definida como crime de corrupção passiva e/ou prevaricação. A Turma consignou que as afirmações expressas no blogue do investigado não se inseriríam no exercício de sua atividade parlamentar e não guardariam liame com ela. Concluiu, pois, que a imunidade material não seria aplicável ao caso concreto. Vencido o Ministro Dias Toffoli, que rejeitava a denúncia por considerar a conduta atípica. Aduzia que a crítica mais dura e ríspida faria parte da atividade de fiscalização parlamentar. Ressaltava que o fato de a crítica ter sido feita em um blogue em nada retiraria a sua qualidade de atividade fiscalizatória. (Informativo 763 do STF). A relatora, Ministra Rosa Weber, ressaltou que a imunidade parlamentar material (art. 53 da CF/88) só é absoluta quando as afirmações de um parlamentar sobre qualquer assunto ocorrem dentro do Congresso Nacional. No entendimento da Ministra, fora do parlamento é necessário que as afirmações tenham relação direta com o exercício do mandato. Portanto, o STF entendeu que as declarações do Deputado não tinham relação direta com o exercício de seu mandato.

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ou fora do recinto do Congresso Nacional, mas no exercício do mandato ou em razão dele. Prevalecería, portanto, a compreensão de que a imunidade parlamentar não se estendería para opiniões ou palavras que pudessem malferira honra de alguém quando essa manifestação estivesse dissociada do exercício do mandato."

Temos aqui, que o STF ainda não definiu a contento essa questão, na medida em que a própria 1a turma, em 21.06.2016, voltou a afirmar que dentro do parlamen­ to a imunidade material recebe um viés absoluto (pois 0 proferimento não necessita guardar relação com 0 mandato). É interessante que no caso concreto, 0 STF acabou por receber denúncia e quei­ xa crime contra 0 parlamentar, mas em virtude de entrevistas que ele deu repe­ tindo a fala prolatada no plenário da Câmara dos Deputados.» Nesses termos, em interessante hard case a p Turma do STF, em julgamento conjunto do Inq 3932 e Pet 5243, por maioria, recebeu denúncia pela suposta prática de incitação ao crime (CP, art. 286?6) e queixa-crime quanto à alegada prática de injúria (CP, art. 14o’7), ambos os delitos imputados ao então Deputado Federal e atual Presidente da República, jair Bolsonaro.

Informativo 831 do STF: “Nào obstante a jurisprudência do STF tenha entendimento no sentido da impossibilidade de responsabilização do parlamentar quando as palavras tenham sido proferidas no recinto da Câmara dos Deputados, as declarações foram proferidas em entrevista a veiculo de imprensa, nào incidindo, assim, a imunidade. O fato de o parlamentar estar em seu gabinete no momento em que a concedera é meramente acidental, já que não foi ali que se tornaram públicas as ofensas, mas sim por meio da imprensa e da internet. Portanto, cuidando-se de declarações firmados em entrevista concedida a veiculo de grande circulação, cujo conteúdo não se relaciona com a garantia do exercício da função parlamentar, não incide o art. 53 da CR./837 Inq. 3932 e Pet. 5243 Rel. Min. Luiz Fux, Julg. em 21.06.2016. 96. Informativo 831:0 STF entendeu que a conduta do parlamentar configura, em tese, para fins de recebimento de denúncia, o delito do art. 286 do CP (incitação ao crime): "Art. 286. Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa." A manifestação do Deputado tem o potencial de incitar outros homens a expor as mulheres à fragilidade e à violência física, sexual, psicológica e moral, considerando que foi proferida por um parlamentar, que não pode desconhecer os tipos penais. 0 crime de estupro tem consequências graves, e sua ameaça constante mantém todas as mulheres em situação de subordinação. Portanto, discursos que relativizam essa gravida­ de e a abjeçâo do delito contribuem para agravar a vitimização secundária produzida pelo estupro. O parlamentar, ao utilizar o vocábulo “merece’' transformou o estupro em algo como se fosse um prêmio, um favor, uma benesse, à mulher. Além disso, transmitiu a ideia de que as vitimas podem merecer os sofrimentos a elas infligidos pelo estupro. Essa fala reflete os valores de uma sociedade desigual, que ainda tolera eaté incentiva a prática de atitudes machistas e defende a naturalidade de uma posiçào superior do homem, nas mais diversas atividades. Para que se consuma o tipo penal do art. 286 do CP. não é necessário que o agente incentive, verbal e literalmente, a prática de determinado crime. Este delito pode ser praticado por meio de qualquer conduta que seja apta a provocar ou a reforçar em terceiros a intenção da prática criminosa. Ademais, o delito do art. 286 do CP é crime formal, de perigo abstrato, e independe da produção de resultado. Além disso, não exige o fim especial de agir, mas apenas o “dolo genérico'’, consistente na consciência de que o comportamento do agente instigará outros a praticar crimes. No caso, a frase do parlamentar tem potencial para estimular a perspectiva da superioridade masculina e a intimidação da mulher pela ameaça de uso da violência. Assim, a afirmação pública do Deputado tem, em tese, o potencial de reforçar a ideia eventualmente existente em outros homens de praticarem violência contra a mulher. 97. Entendeu o STF que a conduta do parlamentar configura, em tese, para fins de recebimento de denúncia, o crime de injúria: “Art. 140. In/uriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou muita.'’ As declarações do Deputado atingiram o honra subjetiva da Deputada porque rebaixaram sua dignidade moral, expondo sua imagem d humilhação pública, além de associar as características da mulher á possibilidade de ser vitima de estupro. 95.

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Os crimes diziam respeito a declarações proferidas na Câmara dos Deputados e, no dia seguinte, divulgadas em entrevista concedida à imprensa. No caso, o par­ lamentar afirmara que deputada federal "não merece ser estuprada, por ser muito ruim, muito feia, não fazer seu gênero" e acrescentara que, se fosse estuprador, "não iria estuprá-la porque ela não merece". É interessante que seguindo a linha trabalha­ da em nossa obra, a ia Turma assinalou que a garantia constitucional da imunidade material protege o parlamentar, qualquer que seja o âmbito espacial em que exerça a liberdade de opinião, sempre que suas manifestações guardem conexão com o desempenho da função legislativa ou tenham sido proferidas em razão dela. Porém, conforme defendemos, para que as afirmações feitas pelo parlamentar possam ser relacionadas ao exercício do mandato, devem revelar teor minimamente político, referido a fatos que estejam sob debate público, sob investigação em CPI ou em órgãos de persecução penal ou, ainda, sobre qualquer tema que seja de interesse de setores da sociedade, do eleitorado, de organizações ou quaisquer grupos re­ presentados no parlamento ou com pretensão à representação democrática.

Consequentemente, não há como relacionar ao desempenho da função legis­ lativa, ou de atos praticados em razão do exercício de mandato parlamentar, as palavras e opiniões meramente pessoais, sem relação com o debate democrático de fatos ou idéias e, portanto, sem vínculo com o exercício das funções cometidas a um parlamentar. Concluiu o STF, que na hipótese, tratava-se de declarações que não guardariam relação com o exercício do mandato.58 É interessante observarmos como no tema da imunidade material não há uma uniformização precisa de entendimento do STF (e de suas turmas). A análise acaba recaindo na situação de aplicação, tendo em vista as circunstancias fáticas e jurídi­ cas do caso concreto. Uma prova disso foi o recente julgado do Inq. 4694, novamen­ te envolvendo 0 atual Presidente da República Jair Bolsonaro.

0 então Deputado Federal Jair Bolsonaro proferiu palestra no auditório do Clu­ be Hebraica no Rio de janeiro e ali fez críticas e comentários a respeito dos quilombolas e também de povos estrangeiros.”

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AP 926/AC, Deputado, em resposta a ofensas do Governador do Estado, afirmou, em rede social, que o Governador era acusado de corrupção eleitoral, que tinha como costume fazer acusações falsas para tentar incriminar seus desafe­ tos políticos, que costumava espancar seu pai e que era desequilibrado mental. No caso STF entendeu que o Deputado Federal praticou fato típico, ontijurídico e culpável. Portanto não havería imunidade material. Porém ele não deveria ser punido, com base no art. 140, § Io, II, do CP. O Deputado postou as mensagens ofensivas menos de 24 horas de pois de o Governador publicar a manifestação também injuriosa. Dessa forma, as mensagens do parlamentar foram imediatamente posteriores às veiculadas pelo ofendido e elaboradas em resposta a elas. Ao publicá-las, o acusado citou parte do conteúdo da mensagem postada pelo ofendido, comprovando o nexo de pertinência entre as condutas. Dessa maneira, o ofendido não sò, de forma reprovável, provocou a injúria, como também, em tese, praticou o mesmo delito, o que gerou a retors ão imediata do acusado. O STF en tendeu que não havia razão moral para o Estado punir o Deputado. l°Turmado STF,julg. em 06.09.2016. Sobre os Quilombolas, ele afirmou: “Eu fui em um quilombola em El Dourado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Nào fazem nada! Eu acho que nem para procriador eles servem mais. Mais de um bilhão de reais por ano gastado com eles. Recebem cesta básica e mais material em implementos agrícolas. Você vai em Ei Dourado Paulista, você compra arame farpado, você compra enxada, pá, picareta por metade do preço vendido em

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Em 12 de abril de 2018, a Procuradora-Geral da República ofereceu denúncia, no STF, contra Jair Bolsonaro afirmando que ele, ao proferir tais palavras, praticou ra­ cismo, conduta tipificada no art. 20, caput da Lei n° 7.716/89, considerando que, "em seu discurso tratou os quilombolas como seres inferiores, igualando-os a mercado­ ria (discriminação) e ainda reputou-os inúteis, preguiçosos (preconceito) e também incitou a discriminação em relação aos estrangeiros, estimulando os presentes no Clube Hebraica, um público de cerca de trezentas pessoas, além de outras pessoas, que tiveram acesso a vídeos divulgados do evento, a pensarem e agirem de igual forma (induzimento e/ou incitação).

A 13 Turma do STF, por maioria, rejeitou a denúncia apresentada contra Jair Bol­ sonaro. 0 colegiado entendeu que não ficou configurado 0 conteúdo discriminatório das declarações do acusado. Afirmou 0 STF que as palavras por ele proferidas estão dentro da liberdade de expressão prevista no art. 5°, IV, da CR/88, além de também estarem cobertas pela imunidade parlamentar (art. 53 da CR/88). Entendeu por maioria a 13 Turma que 0 objetivo de seu discurso não foi 0 de repressão, dominação, supressão ou eliminação dos quilombolas ou dos estran­ geiros. Assim sendo, 0 pronunciamento do então parlamentar estaria vinculado ao contexto de demarcação e proveito econômico das terras e configurou manifesta­ ção política que não extrapolou os limites da liberdade de expressão.100

Segundo 0 STF, não se pode confundir 0 interesse na extinção ou diminuição de reservas indígenas ou quilombolas com a supressão e eliminação dessas minorias. Ademais, 0 emprego, no discurso, do termo "arroba" não consiste em ato de desumanização dos quilombolas, no sentido de comparação a animais, mas forma de expressão - de toda infeliz evocada a fim de enfatizar estar um cidadão específico do grupo acima do peso considerado normal. Quanto à incitação a comportamento xenofóbico, reputou insubsistentes as premissas apresentadas pela acusação. No caso, as afirmações do denunciado se situam no âmbito da crítica à política de imigração adotada pelo Governo e não revelam conteúdo discriminatório ou passível de incitar pensamentos e condutas xenofóbicas pelo público ouvinte. 0 próprio acusado diz não fazer distinção quanto à origem estrangeira do imigrante. A crítica também se insere na liberdade de ma­ nifestação de pensamento, insuscetível, portanto, de configurar crime.101

outra cidade vizinha. Por quê? Porque eles revendem tudo baratinho lá. Nâo querem nada com nada." Sobre os es­ trangeiras: "Tá pra ser transformado em lei o novo Código de Imigração. Tomem conhecimento. Qualquer estrangeiro ou até um monte de estrangeiro (...) Se alguém quiser pegar um navio e encher de haitiano, de angolano, de chinês, japonês, seja lá o que for. Japonês não vem pra cá não, tá. f jogar no porto aqui, dez mil aqui. O pessoal, ele fala, 'eu sou refugiado; passa a ter direito a abrir conta em Banco do Brasil e Caixa Econômica, com menos diligências do que qualquer um de nós brasileiros. Passa a ter direito a Sistema Único de Saúde gratuito (...)" Inq 4694/DF, STF. 13 Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 11.09.2018 (Informativo 915). 100. Inq4694/DF, STF. ld Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11.09.2018 (Informativo 915). 101. Inq 4694/DF, STF. PTurma. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11.09.2018 (Informativo 915).

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Além disso, entendeu o STF que as manifestações de Bolsonaro estavam rela­ cionadas com a sua função de parlamentar. Inclusive, o convite para a palestra se deu em razão do exercício do cargo de Deputado Federal a fim de dar a sua visão geopolítica e econômica do País. Nesse sentido, havia uma vinculação das mani­ festações apresentadas na palestra com os pronunciamentos do parlamentar na Câmara dos Deputados, de sorte que incidiría a imunidade parlamentar.102 Concluiu o STF que, comprovado o nexo de causalidade entre o veiculado e o mandato, tem-se a imunidade parlamentar. As declarações, ainda que dadas fora das dependências do Congresso Nacional e, eventualmente, sujeitas à censura mo­ ral, quando retratam o exercício do cargo eletivo, a atuação do congressista, estão cobertas pela imunidade parlamentar e implicam a exclusão da tipicidade.103

(3) A três, a divulgação de mensagens contra a honra de alguém via meio ele­ trônico, para serem acobertadas pela imunidade material, devem guardar relação com 0 exercício do mandato. Aqui, mesmo se as mensagens forem produzidas den­ tro de um gabinete de parlamentar104105 .

(4) A quatro, já entendeu a ia Turma do STF que a divulgação por parlamentar de vídeo editado não estaria abrangida pela imunidade parlamentar.’'15 (5) A cinco, a imunidade material tem uma eficácia temporal absoluta. Isso significa que, mesmo após 0 fim do mandato, os deputados e senadores vão con­ servar a imunidade material que tiveram no iter do mandato. Nesse sentido, após 0 fim do mandato, mesmo não tendo mais imunidade, visto que ela é do cargo, será conservada a imunidade sobre as opiniões ou palavras proferidas no exercício do mandato. (6) A seis, segundo 0 STF, a garantia da imunidade material, não se estende ao congressista, quando, na condição de candidato a qualquer cargo eletivo, vem a ofender, moralmente, a honra de terceira pessoa, inclusive a de outros candida­ tos, em pronunciamento motivado por finalidade exclusivamente eleitoral, que não guarda nenhuma relação com 0 exercício das funções congressistas. Aqui, "consi­ dera-se que 0 postulado republicano impede que 0 parlamentar-candidato tenha, sobre seus concorrentes, qualquer vantagem de ordem jurídico-penal, resultante

102. Inq 4694/DF, STF. 1 “Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11.09.2018 (Informativo 915). 103. Inq 4694/DF, STF. 1 “Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11.09.2018 (Informativo 915). 104. STF Inq 2130/DF julg. em 13.10.2004: “Calúnia. Informativo eletrônico. Divulgação cie carta anônima. Parlamen­ tar. 1. A divulgação, em informativo eletrônico gerado em gabinete de deputado federal, na Câmara dos Deputados, de fotos que, em tese, configuram crimes contra a administração pública, não pode ser tida como desvinculada do exercício parlamentar, principalmente quando tais fatos ocorrem no Estado que o parlamentar representa no Con­ gresso Nacional. 2. Denúncia rejeitada’'. 105. Pet5705/DF, STF. 1’Turma. Rel. Min. Luiz Fux, julg, em 05.09.2017. A 1“ Turma recebeu queixa-crime formula­ da contra parlamentar pela prática do crime de difamação. De acordo com a inicial, o parlamentar-querelado publicou, em perfil de rede social, trecho editado de discurso feito pelo parlamentar-querelante com objetivo de difamá-lo. No caso concreto, o video editado dá a entender, falsamente, que Deputado (que apresentou a queixa-crime) estaria defendendo afirmação pejorativa contra pessoas negras e pobres.

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da garantia da imunidade parlamentar, sob pena de dispensar ao congressista, nos pronunciamentos estranhos à atividade legislativa, tratamento diferenciado e seletivo, capaz de gerar, no contexto do processo eleitoral, inaceitável quebra da essencial igualdade que deve existir entre todos aqueles, que, parlamentares ou não, disputam mandatos eletivos" ,o6. (7) A sete, já decidiu 0 STF que Deputado Estadual que, ao defender a privatiza­ ção de banco estadual, presta declarações supostamente falsas sobre 0 montante das dívidas dessa instituição financeira não comete 0 delito do art. 3° da Lei n° 7.492/86, estando acobertado pela imunidade material.106 107

(8) A oito, somente os parlamentares, são abarcados pela imunidade material, não se estendendo às pessoas que participam dos trabalhos legislativos, mas que não exercem mandato. (9) A nove, a imunidade material dos parlamentares é de ordem pública não podendo os mesmos renunciarem a ela. 4.4. Imunidade Formal

A Imunidade formal traduz-se, em termos gerais, na possibilidade dos deputa­ dos e senadores não serem presos (ou não permanecerem presos), ou ainda, na possibilidade de sustação de ação penal contra deputado ou senador por crime praticado pelos mesmos após a diplomação. Esse é 0 conceito geral. Nesses termos, conforme 0 conceito, a imunidade formal se subdivide em: (1) Imunidade formal em relação à prisão: Conforme art. 53, § 2°, da CR/88 se traduz na possibilidade dos deputados e senadores não serem presos (ou não permanecerem presos). Teve origem no Direito inglês, sendo que no mesmo era só com relação à pri­ são civil.108 No Brasil, além da prisão civil, é ela estendida também à prisão penal e processual penal.

106. STF, Pet 4444 AgR/DF, DJ: 19.12.2008. AVENA, Norberto. Processo PenalEsquematizado, p. 72,2012. Outra questão que merece atenção é a de que segundo o STF, "deve fícar imune a responsabilização civil e penal a resposta ime­ diata a injúria realizada (praticada) por parlamentar e acobertada pela imunidade material" (Inq 1.247. Min. Marco Aurélio. DJ: 18.10.2002) 107. HC 115397/ES, IaTurma do STF. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 16.05.2017. No caso, o parlamentar convocou a imprensa e, no exercício da Presidência da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo, opinou sobre a con­ veniência da privatização do Banco do Estado do Espirito Santo (Banestes), ante a existência de divida no valor de RS 500 milhões. A Turma pontuou que a declaração revelou a satisfação do parlamentar com a privatização do Banco, que implicaria desoneração de dívida do Estado. Entendeu que não ficou configurado, na conduta do paciente, o dolo de divulgar informação falsa ou incompleta sobre instituição financeira, pois as afirmações do parlamentar estavam ligadas a análises de operações realizadas pelo Banestes. Nesse contexto, o Colegiado asseverou haver ligação entre o que foi veiculado e o exercício do mandato parlamentar. Tal aspecto foi potencializado pelo fato de as declarações terem ocorrido dentro da assembléia. Concluiu pelo não afastamento da imunidade parlamentar relativa às opiniões, palavras e votos, prevista no art. 53, combinado com o art. 27, § 1°, da Constituição Federal. 108. Nesse sentido: [...] a instituição da imunidade teve fundamentalmente o objetivo de impedir a prisão por dívidas, frequentes antigamente no direito inglês. FALCÃO, Alcino Pinto, Da imunidade parlamentar, p. 7-29,1965.

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Assim sendo, os deputados e senadores após a diplomação não poderão ser presos,10’ seja por prisão penal e processual penal, ou até mesmo prisão civil (no caso atual, somente por pensão alimentícia).1'0 É claro que o objetivo central aqui é o de impedir a prisão penal cautelar (provisória) dos parlamentares.

Nesse sentido, há exceção presente na própria norma constitucional que permi­ te a prisão. Essa será no caso de prisão em flagrante, por crime inafiançável em que os deputados e senadores poderão ser presos. Nesse caso, os autos da prisão em flagrante serão enviados (remetidos) em 24 horas à respectiva casa a que pertence 0 parlamentar preso em flagrante, para que ela decida sobre a prisão (se o parla­ mentar continuará ou não preso) pelo quórum de maioria de membros (que quer dizer maioria absoluta). É bom que se diga que essa votação (após a EC n» 35/2001) será ostensiva e nominal (voto aberto)109 111. 110 Aqui algumas observações sobre a imunidade formal em relação à prisão, me­ recem nossa atenção: a) Certo é que, os deputados federais e os senadores possuem imunidade à pri­ são preventiva e à prisão temporária, não podendo eles sofrerem privação da liberda­ de por intermédio de mandados eventualmente expedidos em face dessas prisões.

Temos aí “0 chamado estado de relativa incoercibilidade pessoal (freedom from arrest), podendo apenas, serem presos, conforme acima, em situação de flagrância por crime inafiançável. Nesse caso uma vez cumpridas as exigências constitucionais comuns (ciência ao flagrado de seus direitos, entre os quais 0 de permanecer em silêncio, de assistência familiar e de advogado, nos termos do art. 5°, LXIII da CR/88) e lavrado o auto de prisão, incumbe a autoridade policial, no prazo de 24 horas, encaminhá-lo à respectiva casa para a aferição (análise) da legalidade da prisão. Porém, aqui, temos que, ao contrário do que ocorre com 0 cidadão comum, tratan­ do-se da prisão em flagrante de congressista, não é do Poder Judiciário, mas, sim, do Poder Legislativo, em um primeiro momento, a competência para se pronunciar sobre a legalidade ou ilegalidade da prisão, e se for 0 caso decidir pelo seu rela­ xamento". Nesses termos, tal situação (de "diretriz constitucional", a não ser que a Constituição seja alterada) impede quanto aos parlamentares, a aplicação da disciplina prevista, na recente Lei n° 12.403/2011 (que alterou 0 art. 310, II do CPP)112.

109. Qualquer prisão (seja preventiva ou temporária ou em flagrante de crime afiançável). No que tange á prisão por sentença condenatória transitada em julgado, o STF, vem entendendo de forma diferenciada. 110. O STF no final de 2008 passou a entender não mais cabível a prisão do depositário infiel. Sobre a prisão de na­ tureza civil por inadimplemento de pensão alimentícia, é bom registrarmos, que existe divergência na doutrina. Admitindo a prisão de natureza civil, temos Uadi Bulos e Marcelo Novelino. Novelino, cita, inclusive a prisão (a nosso ver inadequada) em junho de 2010 do deputado distrital Roberto Lucena por náo pagamento de pensão alimentícia. Nosso posicionamento é pela impossibilidade de qualquer tipo de prisão preventiva e temporária, exceto a prisão em flagrante de crime inafiançável (dicção constitucional) e a por condenação criminal transitada em julgado (essa conforme entendimento do STF). 111. No mesmo sentido, MLNDLS; COLLHO; BRANCO, Curso de direito constitucional, 2008, p. 901 112. Esse novo diploma exige a conversão do flagrante em prisão preventiva para o fim de permanecer preso o flagra­ do. Nesses termos:"Afmal, se a teor do art. 53 § 2° da CR/88, e da orientação do STF, antes do trânsito em julgado

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b) Nesse momento, é interessante analisarmos, recente caso enfrenta­ do pelo STF, que consubstanciou na prisão do Senador Delcídio do Amaral em 25.11.2015. No caso, o Senador, em conjunto com outros investigados, estava tentando convencer 0 ex-diretor Internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró (um dos réus na operação "Lava jato"), a não assinar acordo de colaboração pre­ miada com 0 Ministério Público Federal. Em troca de seu silêncio, 0 Senador (e 0 banqueiro André Esteves) teriam oferecido 0 pagamento de uma quantia mensal em dinheiro à família de Nestor Cerveró. Além disso, 0 Senador teria também prometido fazer lobby junto aos Ministros do STF para que estes concedessem liberdade a Cerveró e, em seguida, com 0 réu solto, 0 Senador iria facilitar a fuga de Cerveró para a Espanha (país do qual também tem cidadania). Foram realizadas pelo menos quatro reuniões para tratar sobre a proposta e 0 plano de fuga. Nestas reuniões participavam, além do Senador, 0 assessor parlamen­ tar, o advogado de Nestor Cerveró e seu filho Bernardo Cerveró. Ocorre que Nestor Cerveró já estava decidido a fazer 0 acordo de colaboração premiada e não confiava na proposta do Senador. Por isso, seu filho gravou as conversas e as propostas que foram feitas e as entregou ao Ministério Público.113 No entendi­ mento do Ministério Público, 0 Senador e os outros envolvidos teriam praticado, no mínimo, dois crimes: a) integrar organização criminosa (art. 2», caput, da Lei n 12.850/2013); b) embaraçar investigação envolvendo organização criminosa (art. 20, § 10 da Lei n» 12.850/2013). Pois bem, estariam esses crimes sendo praticados em flagrante? 0 entendimen­ to do STF foi no sentido de que sim, pois as condutas do Senador configurariam crime permanente, considerando que ele, até antes de ser preso, integrava pes­ soalmente a organização criminosa (art. 2°, caput) e, além disso, estaria, há dias, embaraçando a investigação da operação "Lava Jato" (art. 2°, § 1»). Desse modo, ele estaria por todos esses dias cometendo os dois crimes acima, em estado, portanto, de flagrância.114

de sentença condenatória, os parlamentares não estão sujeitos a prisão preventiva, cogitar da necessidade de ser o flagrante convertido em prisão preventiva por ordem de autoridade judiciária implica violar o texto consti­ tucional, pois submete a crivo judicial situação que a Carta Magna determina seja resolvida no âmbito do Poder Legislativo. Enfim, compreendemos suficiente, para que permaneça preso o parlamentar flagrado na prática de crime inafiançável, o pronunciamento das Casas legislativas acerca da legalidade do flagrante lavrado, sem a necessidade de conversão do flagrante em prisão preventiva, nos termos do art. 310, II do CPP'’. AVE NA, Norberto. Processo Penal Esquematizado, p. 74,2012. 113. Para o STF é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhe­ cimento do outro. (STF. Plenário. RE 583937 QO-RG, Min. Rel. Cezar Peluso, julg. em 19/11/2009 - repercussão geral}. Assim, se "A" e "B" estão conversando, "A" pode gravar essa conversa mesmo que "B" não saiba. Para o STF, a gravação de conversa feita por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais é considerada lícita, quando ausente causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. 114. Conforme o informativo 809 do STF: "A Segunda Turma, em julgamento conjunto, por entender presentes si­ tuação de flagrância, bem como os requisitos do art. 312 do CPP, referendou decisão do Ministro Teori Zavascki (relotor), que decretara prisão cautelar de senador. Referendou, também, as demais decisões prisionais proferi­ das em relação a assessor desse mesmo senador, advogado e banqueiro. O Colegiado determinou, ainda, que os autos fossem imediatamente remetidos ao Senado para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolvesse sobre a prisão de seu integrante, nos termos do art. 53, § 2o, da Constituição ("Art. 53. Os Deputados e Senadores

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E a questão da necessidade do crime ser inafiançável? Nesse tema, entendeu o STF que os crimes do art. 2°, caput e do § 1° da Lei n° 12.850/2013 que, em tese, foram praticados pelo Senador, não são, a princípio, inafiançáveis, considerando que não se encontram listados no art. 323 do CPP. Não se tratam, portanto, do que a doutrina chama de crimes absolutamente inafiançáveis. No entanto, como, no caso concreto, estariam presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (tentativa de calar 0 depoimento de colaborador, tentativa de influenciar os julgadores e planejamento de fuga), estaríamos diante de uma situação que não admite fiança, com base no art. 324, IV, do Código de Processo Penal. Nesses termos, os crimes do art. 2», caput e do § 1° da Lei n° 12.850/2013 praticados pelo Senador são inafiançá­ veis, no caso concreto, não por força do art. 323 do CPP"5, mas sim com fundamento no art. 324, IV do CPP. Portanto, para 0 STF, se no caso concreto, estiverem presentes os pressupostos para a decretação da prisão preventiva, 0 crime será considerado inafiançável (com base no art. 324, IV, do CPP) mesmo que não esteja listado no art. 323 do CPP.

Ainda sobre o tema, é interessante observarmos que 0 Procurador Geral da Re­ pública, ao fundamentar seu pedido no STF, requereu a prisão preventiva do Sena­ dor Delcídio do Amaral, afirmando que 0 art. 53, § 2® da CR/88 não poderia ser tido como absoluto (ou seja, poderia ser relativizado). Essa tese do Ministério Público foi acolhida pelo STF? Seria possível prisão preventiva do Senador? Aqui, surgiram duas correntes para explicar 0 tema:

v) Sim. 0 STF teria autorizado a prisão preventiva do Senador, relativizando 0 art. 53, § 2° da CR/88 (tese da relativização do art. 53 § 2»). Nesse sentido, salienta Renato Brasileiro"6, com base no voto proferido pela Ministra Cármen*

são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.... § 2". Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançá­ vel. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão."). Na espécie, o Procurador-Geral da República requerera medidas restritivas de liberdade em relação às pessoas mencionadas pelo fato de empreenderem esforços para dissuadir outrem de firmar acordo de colaboração premiada submetido à homologação do STF. As tratativas dos ora investigados com o pretenso beneficiário do referido pacto compreendiam desde auxílio financeiro des tinado á sua família, assim como promessa de intercessáo política junto ao Poder Judiciário em favor de sua liberdade. Nas conversas gravadas, os interlocutores discutiram a possibilidade de o senador interceder politi­ camente junto a Ministros do STF para a concessão de "habeas corpus" que beneficiasse o pretenso colaborador na delação premiada. A Turma anuiu haver estado de flagrância na prática do crime do art. 2°, "caput'' e § 1°, da Lei 12.850/2013 ("Art. 2°. Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:... § Io. Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa"), porquanto os participantes atuariam com repartição de tarefas e unidade de desígnios." 2a Turma do STF, AC 4036 e 4039 Referendo-MC/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgados em 25.11.2015. 115. O art. 5o, incisos XLII, XLIII e XLIV da CR/88 e o art. 323 do CPP preveem a lista de crimes inafiançáveis: a) Racismo; b) Tortura; c) Tráfico de drogas; d) Terrorismo; e) Crimes hediondos; f) Crimes cometidos por ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Esses seriam os crimes que são absolutamente inafiançáveis. 116. LIMA. Renato Brasileiro. Facebook, 25 de novembro de 2015. Acesso em: 07 abr. 2016. Vide também LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. Ed. JusPodivm, 2016.

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Lúcia no HC n. 89.417/RO, que a excepcionalidade do contexto enseja a também excepcionalidade na forma de interpretação e aplicação de dispositivos cons­ titucionais, de tal forma que poderia ser considerada cabível a decretação de prisão preventiva de parlamentares. No caso de Delcídio havería, em conso­ nância ao entendimento prolatado pelo Supremo no Habeas Corpus n. 89.417/ RO, uma situação de completa anomalia institucional que, culminando em um quadro de excepcionalidade, daria fundamento à relativização do art. 53, § 20, CR/88 em favor do cabimento da prisão preventiva, esta que foi instigada por indícios de autoria e prova da existência de diversos crimes, por pressupostos da conveniência da instrução criminal e pela garantia de aplicação da lei penal. Assim, salienta-se que há entendimento de que a prisão seria formalmente des­ cabida, mas não se pode considerar tal regra como intransponível, sob pena de se atentar contra a própria Constituição. Para Rogério Sanches Cunha”?, existem algumas questões processuais penais na prisão cautelar do Senador Delcídio Amaral que indicariam que se trata, na realidade, de prisão preventiva. Assim, primeiramente, menciona 0 autor que se fosse prisão em flagrante, 0 pedido realizado pelo Ministério Público ao STF seria desnecessário. Em se tratando da petição formulada pelo Procurador-Geral da República, salienta Marcos Paulo Dutra"8 que 0 pedido fala expressamente em prisão preventiva e que teria sido assim acolhido pelo Min. Relator. Adicionalmente, entende Rogério Sanches que se fosse prisão em flagrante não havería necessidade de expedição de manda­ do de prisão11’, haja vista que a prisão em flagrante é o único tipo de prisão que dispensa a expedição de mandado, por força do art. 301 do Código de Processo Penal. 2a) Não. Não seria possível a prisão preventiva de Deputado Federal ou Sena­ dor porque a única prisão cautelar que 0 art. 53, § 2° da CF/88 admite é a prisão em flagrante de crime inafiançável. Aqui 0 entendimento é 0 de que 0 Ministro Teori Zavascki não decretou a prisão preventiva do Senador Delcídio do Amaral. Nesse sentido, 0 que corrobora com essa posição é não apenas a argumentação por ele utilizada, mas também a forma pela qual 0 Ministro descreveu 0 comando da de cisão117 120. Portanto, 0 STF não concordou em decretar a prisão preventiva, mas reco­ 119 118

117. CUNHA, Rogério Sanches. A prisão do Senador Delcídio foi flagrante ou preventiva? Amo Direito, 26 de no­ vembro de 2015. Disponível em: httpd/www.amodireito.com.br/2015/11/a-prisao-do-senador-delcidio-foi.html . Acesso em: 07 abr. 2016. 118. DUTRA, Marcos Paulo, Acesso em: 07.04.2016. 119. Conforme decisão cautelar do Min. Relator Teori Zavascki:"Expeça-se mandado de prisão, a ser cumprido na pre­ sença de representante da Procuradoria-Geral da República.'. 120. Corroborando nosso entendimento, temos o informativo 809 do STF: "No âmbito das prisões cautelares para os representantes do Senado, somente se admitiría a modalidade de prisão em flagrante decorrente de crime inafian­ çável em tese. Dos delitos apontados como praticados pelo senador consta, dentre eles, o de organização criminosa — crime permanente —, a contemplar não só a possibilidade de flagrante a qualquer tempo como até mesmo a cha­ mada “ação controlada", nos termos da Lei 12.850/2013 (“Art. 8°. Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policiai ou administrativa relativo à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de

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nheceu que o Senador estava em situação de flagrância, razão pela qual ordenou o cumprimento da prisão. É claro que sendo a prisão em flagrante, não precisaria o STF ter expedido mandados de prisão contra o Senador. Tecnicamente isso não é o adequado. Certo é que a prisão em flagrante não precisa de ordem judicial para ser cum­ prida.121

Por fim, uma outra questão relevante, é a de que a Constituição da Repú­ blica determina, conforme vimos acima, que os autos deverão ser remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão (art. 53, § 2«). Assim, 0 STF remeteu os autos ao Senado Federal que, por 59 votos contra 13, decidiu manter a prisão do Senador Delcídio do Amaral. c) Segundo entendimento do STF, existiría mais uma exceção (embora não ex­ plícita na CR/88) em que 0 parlamentar poderia ser preso. Essa seria no caso de sentença penal condenatória transitada em julgado.122 Portanto, além da hipótese expressa no art.53 § 2° da CR/88, teríamos uma outra possibilidade derivada de entendimento do STF.

Como exemplo, temos recente decisão do STF de 26.06.2013, na AP n° 396 (caso Natan Donadon). No caso em tela, 0 Plenário do STF, por maioria, após não conhecer dos embargos de declaração (meramente protelatório) determinou 0 imediato trân­ sito em julgado - independentemente da publicação do acórdão - de decisão con­ denatória proferida contra Deputado Federal. Ele fora condenado pela prática dos crimes de formação de quadrilha e peculato, em que imposta a pena de 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão, além de 66 dias-multa no valor de um salário mínimo vigente à época do fato. Determinou-se 0 lançamento do nome do réu (Deputado

provas e obtenção de informações"). A hipótese presente é de inafiançabilidade, nos temos do CPP ['Art 324. Não será, igualmente, concedida fiança:... IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312)"]" 2a Turma do STF, AC 4036 e 4039 Referendo-MC/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgados em 25.11.2015. Ver também In: Mareio André Lopes, julgados de 2015 no STF. 121. Entretanto, defende Márcio André Lopes que, no caso concreto, o STF foi provocado e precisava decidir se seria hipótese mesmo de prisáo preventiva ou nâo. Além disso, havia a prisão preventiva de Edson Ribeiro e as prisões temporárias de André Esteves e Diogo Ferreira que precisavam ser cumpridas simultaneamente a fim de que não houvesse risco de fuga ou de destruição de provas por parte de qualquer um dos investigados. Por essas razões, o Ministro houve por bem expedir um mandado de prisão cautelar (gênero do qual a prisão em flagrante é uma espécie). Nesses termos, não há qualquer irregularidade nisso, já que se trata de uma formalidade adicional em prol do investigado. A outra opção, conforme defende Márcio André Lopes, seria o Ministro Teori, na decisão, afirmar que qualquer do povo está autorizado a prender o Senador. Vale destacar que nãoé porque foi expedido um mandado de prisão que o custódia, no caso concreto, deixou de ser prisão em flagrante e passou a ser preventiva. A diferença entre essas duas espécies de custódia não estaria no instrumento por meio do qual ela é formalizada. 122. Nesse sentido, conforme o Ministro Celso de Mello: Dentro do contexto normativo delineado pela Constituição, a garantia jurídico-institucional da imunidade parlamentar formal não obsta, observado o dueprocess oflaw, a execução de penas privativas da liberdade definitivamente impostas ao membro do Congresso Nacional. (Inq. 510, RTJ 70/670).

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Federal) no rol dos culpados e a expedição imediata do mandado de prisão123124 . Pos­ teriormente, em 08.08.2013 0 STF na AP n» 565 prolatou decisão no mesmo sentido, condenando Senador pela prática do crime descrito no art. 90 da Lei 8666/93 à pena de 4 anos, 8 meses e 26 dias de detenção em regime inicial semiaberto324. d) 0 STF, em interessante decisão relativizou (flexibilizou) 0 art. 53, § 2» (imu­ nidade formal em relação à prisão). No julgamento do HC n° 89.417, em 22.08.2006 (Inf. n» 437, Operação dominó da Polícia Federal), 0 STF afirmou que os deputados estaduais de Rondônia não poderiam deliberar sobre a manutenção ou não do Presidente da Assembléia Legislativa de Rondônia na prisão. Segundo a Ministra Cármen Lúcia, estaríamos diante de um caso de anomalia institucional, no qual a Constituição não poderia ser aplicada contra ela mesma. Ou seja, aplicar 0 art. 53, § 2°, seria usurpar a própria CR/88. Pois, nesse caso, 23 dos 24 deputados estavam arrolados em inquéritos ou ações penais, e vários dos mesmos faziam parte da mesma organização pretensamente criminosa do Presidente da Assembléia. Com isso, não poderiam votar para a saída ou não da prisão do possível "Chefe da Quadrilha". Nesse sentido, a Constituição teria como escopo defender os Poderes e a independência dos mesmos e, com isso, defender a democracia, não tendo a missão de ser esteio para atividades ilícitas.125

e) Aqui é interessante observarmos a decisão do STF na AC 4070 de 05.05.2016. 0 caso envolveu 0 então Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha que à época estava respondendo a cinco inquéritos instaurados no STF onde estão sen­ do apurados crimes que teriam sido, em tese, praticados por ele. Pois bem, 0 Procurador-Geral da República formulou requerimento ao STF pe­ dindo 0 afastamento de Eduardo Cunha do cargo de Deputado Federal e da função de Presidente da Câmara dos Deputados enquanto os inquéritos não são concluí­ dos. Em síntese 0 PGR sustentou que Eduardo Cunha estaria se utilizando do cargo

123. Afirmou o STF que"ainda que pendente a deliberação, pela casa legislativa correspondente, sobre a perda de man­ dato parlamentar do condenado por sentença com trânsito em julgado (art. 55. § 2o da CR/88), não haveria empeci­ lho a que o Judiciário promovesse a execução da pena privativa de liberdade imposta". (AP n" 396 ED-ED) 124. AP n° 565 Julg. em 07 e 08.08.2013 - Pleno - STF. Rel. Min. Cármen Lúcia. 125. Conforme trecho da Ementa do HC n“ 89.417/06 julg. em 22.08.2006 de Rel. da Min. Cármen Lúcia: Habeas Cor­ pus. Processual penal. Prisão decretada em ação penal por Ministra do Superior Tribunal de Justiça. Deputado estadual. Alegação de incompetência da autoridade coatora e nulidade da piisáo em razão de não ter sido ob­ servada a imunidade prevista no § 3o do art. 53 c/c parágrafo único do art. 27, % 1°, da CR. Comunicação da prisão à Assembléia Legislativa do Estado. Situação excepcional. Interpretação e aplicação à espécie da norma constitucional do art. 53. § 2°. da CR. Constrangimento ilegal não configurado, [...] 2. Os elementos contidos nos autos impõem interpretação que considere mais que a regra proibitiva da prisão de parlamentar, isoladamente, como previsto no art. 53, § 2°, da CR/88. Há de se buscar interpretação que conduza à aplicação efetiva e eficaz do sistema constitucional como um todo. A norma constitucional que cuida da imunidade parlamentar e da proibição de prisão do membro de órgão legislativo não pode ser tomada em sua literalidade. menos ainda como regra isolada do sistema constitucional. Os princípios determinam a interpretação e aplicação corretas da norma, sempre se considerando os fins a que ela se destina. A Assembléia Legislativa do Estado de Rondônio, composta de vinte e quatro deputados, dos quais, vinte e três estão indiciados em diversos inquéritos, afirma situação excepcional e, por isso, não se há de aplicar a regra constitucional do art. 53, § 2“, da Constituição da República, de forma isolada e insujeita aos princípios funda­ mentais do sistema jurídico vigente. 3. Habeas corpus cuja ordem se denega. DJ: 15.12.2006.

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de Deputado Federal e da função de Presidente da Câmara dos Deputados para evitar que as investigações instauradas contra si fossem concluídas, além de estar utilizando de manobras para obstaculizar apuração contra ele no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados (que poderíam levar a perda de seu mandato). Alegou também o Ministério Público que o parlamentar estaria praticando atividades ilícitas com o intuito de obter vantagens indevidas. Como explicitado pelo PGR o pedido teve a natureza jurídica de um pedido de aplicação de medida cautelar, na medida em que o art. 319 do Código de Processo Penal, prevê um rol de medidas cautelares diversas da prisão, sendo que uma delas é 0 afastamento da pessoa investigada ou acusada do cargo, empregou ou função pública que ocupa.-’6

0 STF decidiu então pela suspensão de Eduardo Cunha do cargo de Deputado Federal e de Presidente da Câmara. Entendeu 0 Pretório excelso que a manuten­ ção de Eduardo Cunha na função de parlamentar e de Presidente da Câmara dos Deputados representaria risco para as investigações penais instauradas contra ele e, por essa razão, determinou a suspensão do exercício do seu mandato de Deputado Federal e, por consequência, da função de Presidente da Câmara dos Deputados que era por ele ocupada. No caso, presente no informativo 824 do STF, 0 STF decidiu que 0 inciso VI do art. 319 do CPP pode ser utilizado como fundamento para se afastar do cargo Deputados Federais e Senadores. Aqui é interessante observar que os §§ 20 e 30 do art. 55 da CR/88 determinam às Casas Legislativas do Congresso Nacional a competência para decidir a respeito da perda do man­ dato político (e não sobre a suspensão do mandato). Isso não significa, por óbvio, que 0 Poder Judiciário não possa suspender 0 exercício do mandato parlamentar (resta expresso apenas que 0 judiciário não pode decretar a perda que deve ser exarada pelas casas).

Conforme a decisão do STF, a legitimidade do deferimento das medidas cautela­ res de persecução criminal contra Deputados e Senadores encontra abrigo no prin­ cípio da inafastabilidade da jurisdição previsto no art. 5«, XXXV, da CR/88 e no fato de que as imunidades parlamentares não são absolutas, podendo ser reiativizadas quando 0 cargo não for exercido segundo os fins constitucionalmente previstos (a tese acima citada no item 5, presente no HC 89.417 de que a Constituição não pode ser usada contra ela mesma, ou seja, as imunidades parlamentares não são um cheque em branco para a prática de atos ilícitos, abuso de prerrogativas e também percepção de vantagens indevidas).

126. Art. 319 do CPP: São medidas cautelares diversas da prisão: (...) VI - suspensão do exercício de função pública ou de ati­ vidade de natureza econômica ou financeira quando houverjusto receio de sua utilização para a prática de infrações pe nais.Temos aqui, como lembra Renato Brasileiro e Márcio André Lopes, que função pública deve ser compreendida em sentido amplo. "Função pública: compreende toda atividade desempenhada com o objetivo de consecução de finalidades próprias do Estado, por meio daquele que exerce cargo, emprego ou função pública, nos termos do art. 327 do Código Penal. Exercem função pública todos aqueles que prestam serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração indireta, ai incluídos 05 agentes políticos, os servidores públicos, assim como os particulares em colaboração com o Poder Público.” Código de Processo Penal comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 914.

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Nos termos do informativo 824, afirmou 0 STF, que a presença do requerido na função por ele ora ocupada além representar risco para as investigações pe­ nais sediadas no Supremo Tribunal Federal, é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada. Conforme 0 Pretório Excelso, 0 exercício do cargo, nas circunstâncias indicadas, compromete a vontade da Constituição, sobretudo a que está manifestada nos princípios de probidade e moralidade que devem governar 0 comportamento dos agentes políticos. Nes­ ses termos, a Corte asseverou que todo ocupante de mandato tem ao menos dois compromissos a respeitar: um deles é com os seus representados; 0 outro é com 0 do projeto de país que ele se obriga a cumprir ao assumir sua função pública. A ati­ vidade parlamentar so' poderá ser exercida, com legitimidade, se for capaz de reve­ renciar essas duas balizas. Se os interesses populares vierem a se revelar contrários às garantias, às liberdades e ao projeto de justiça da Constituição, la' estará 0 STF para declará-los nulos, pelo controle de constitucionalidade. No entanto, afirmou 0 STF que nõo são apenas os produtos legislativos que estão submetidos ao controle judicial. Também 0 veículo da vontade popular - 0 mandato - está sujeito a controle. A forma preferencial para que isso ocorra é pelos mãos dos próprios parlamenta­ res. Mas, em situações de excepcionalidade, em que existam indícios concretos a demonstrar riscos de quebra da respeitabilidade das instituições, seria sim papel do STF atuar para cessa los, garantindo uma república para os comuns, e não uma comuna de intocáveis. 0 Tribunal concluiu então que, em razão dos fatos descri­ tos, a medida postulada pelo PGR mostrava-se necessária, adequada e suficiente.12'

127. Informativo 824 do STF: “O Colegiado reputou que de forma minuciosa o Ministério Público Federal descrevera diversos fatos supostamente criminosos e praticados com desvio de finalidade, sob a atuação direta do referido parlamentar que estaria a utilizar o cargo de deputado federal e a função de Presidente da Câmara dos Deputados para fins ilícitos e, em especial, para obtenção de vantagens indevidas. Apontou que a reforma positivada pela Lei 12.403/2011 no CPP trouxe alterações quanto à decretação de medidas de cautela, entre as quais o estabele­ cimento da preferencialidode do uso de meios alternativos à prisão preventiva. É o que dispõe o art. 282, § 6° da referida norma ["Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:... § 6a. A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)1". Entretanto, o cabimento da medida suspensivo reclama inevitável leitura a respeito da existência de riscos que possam transcender a própria instância processual penal, sobretudo quando se tratar do exercício de funções públicas relevantes. Nestes casos, a decretação da medida servirá a dois interesses públicos indivisíveis: o) a preservação da utilidade do processo (pela neutralização de uma posição de poder que possa tornar o trabalho de persecução mais acidentado): ebla preservação da finalidade pública do cargo (pela eliminação da possibilidade de captura de suas competências em favor de conveniências particulares sob suspeita). (...) O relator lembrou que o CPP tutela igualmente e a um só tempo o risco tonto da prática da delinquência no poder quanto do uso do poder para delinquir (“Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: ...VI-suspen são do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais"). Esclareceu que compete a cada uma das Casas Parlamentares a grave missão institucional de decidir sobre a cassação do titulo que investe deputados e senadores nos poderes inerentes à representação popu lar. Isso implica admitir por mais excêntrico que possa parecer à consciência cívica em geral que um mandato par­ lamentar pode vir a subsistir ainda quando o seu titular tenha rido seus direitos políticos suspensos pela justiça, por decisão transitada em julgado (“Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parla mentar;... VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.... § 2o Nos casos dos incisos l, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada

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Aqui é importante salientar, que os membros do Poder Judiciário e até o chefe do Poder Executivo podem ser suspensos de suas atribuições quando estejam sendo acusados de crime. Desse modo, embora não haja previsão expressa na Constituição de 1988, não há razão para conferir tratamento diferenciado apenas aos Parlamentares, livrando-os de qualquer intervenção preventiva no exercício do mandato por ordem judicial.”8

E por último, muito se debateu sobre a falta de previsão expressa na Consti­ tuição para tal decisão do STF. Como já tivemos oportunidade de dizer, em recente artigo, é interessante que alguns juristas insistem na tese de que a decisão não encontra esteio na Constituição e na normatividade infraconstitucional, por não se encontrar explicitamente prevista.* 128

ampla defesa"). O preceito trabalha com uma lógica de harmonia entre Poderes, que não interdita o funcionamento de qualquer um deles. Pelo contrário, permite que cada um funcione dentro de suas respectivas competências. O Poder Judiciário se pronuncia quan to à formação da culpa, enquanto o Poder Legislativo se manifesta sobre a ces­ sação do mandato, cabendo o esta última instânciajustificar o seu entendimento sobre a subsistência de vínculo de representatividade já debilitado no seu substrato de legitimidade diante dos apelos da opinião pública. Segundo o Plenário, a ascensão política do investigado à posição de Presidente da Câmara, além de não imunizá-lo de even­ tuais medidas penais de caráter cautelar, concorre para que o escrutínio a respeito do cabimento dessas medidas seja ainda mais aprofundado. Afinal, de acordo com o art. 282, II, do CPP, o exame deve considerar as condições pessoais do agente, o que remete, quando a medida postulada for aquela do art. 319, VI, do mesmo Código, a inves­ tigação sobre a realidade de Poder em que ele está inserido l"Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: ...II- adequação da medida á gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado"). Por óbvio, quando se trata de responsabilidades da liderança de uma das duas Casas Legislativas mais importantes da Nação, que exige escrúpulos compatíveis com a sua altíssima honorabilidade, mais intensa deve ser a crítica judiciária a respeito da presença de riscos para o bom desenvolvimento da jurisdição penal. Depoimentos de testemunhas, documentos e mensagens em telefones celulares demonstraram a atuaçáo do parlamentar que, de forma reiterada, agiría com aparente desvio de finalidade e para o alcance de fins ilícitos, entre eles o recebimento ilícito de valores expressivos. Ainda, teria o parlamentar colocado seus aliodos em cargos chaves de importante CPI para fins de constranger colaboradores, bem como para evitar que ele próprio fosse investigado, além de desqualificar pessoas, empresas e políticos que se disponibilizaram a colaborar com a elucidação dos crimes." STF. Plenário. AC 4070/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julg. em 05.05.2016. 128. Conforme o informativo 824: "O Colegiado considerou que os episódios narrados configurariam caso típico de abuso de poder que merece a intervenção do Judiciário, sob pena de comprometer o resultado final da investigação e, portanto, da aplicação da lei penal. Destacou o fato de que o cumprimento de qualquer diligência investigatória na Câmara dos Deputados deve ser precedido de autorização de sua Mesa Diretora, que é presidida pelo parla mentar em questão. Ou seja, a produção de provas em relação a eventuais ilícitos praticados pelo Presidente da Câmara dependería de prévia autorização do próprio investigado. Ainda que a perfeita interação entre os Poderes seja a situação idealizada como padrão pela Constituição, que deles exige harmonia, isso se manifesta claramente impossível quando o investigado é, como no caso, o próprio Presidente da Mesa Diretora. Portanto, embora não seja a prévia autorização do Parlamento um pressuposto de validade do ato investigatório, porque ausente previsão constitucional que mal fira a jurisdição do STF, não há dúvida de que a condição de investigado do Presidente da Câ­ mara compromete a harmonia entre os Poderes do República. Ainda que não seja o momento de se formular juízo definitivo acerca dos fatos narrados, há indícios de que o requerido, na condição de parlamentar e, mais ainda, na de Presidente da Câmara dos Deputados, tem meios e é capaz de efetivamente obstruir a investigação e a colheita de provas, intimidar testemunhas e impedir, ainda que, indiretamente, o regular trâmite da ação penal em curso no STF, assim como das diversas investigações existentes nos inquéritos regularmente instaurados. Frisou haver fato superveniente ao pedido ora analisado consistente no fato de o Conselho de Ética daquela Casa Legislativa haver admitido a representação formulada em desfavor do requerido. Além disso, o estado de suspeição que paira sobre a figura do atual ocupante da presidência da Casa Legislativa - formalmente acusado por infrações penais e disciplinares - contracena negativamente com todas suas responsabilidades, principalmente quando há ponderá­ veis elementos indiciários o Indicar que ele articulou uma rede de obstrução contra as instâncias de apuração dos pretensos desvios de conduta que lhe são imputados."

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Aqui é de se perguntar se os direitos só são direitos se estiverem enume­ rados expressamente na Constituição ou mesmo na legislação infraconstitucional. Defendemos em ensaio que o uso do direito como integridade vai muito além da dicotomia direitos enumerados e não enumerados. Dworkin, ao defender o caráter construtivo da interpretação jurídica, critica expressamente a distinção entre direi­ tos enumerados e não enumerados, como sendo essa distinção "apenas outro dis­ positivo semântico mal entendido" ("only another misunderstood semantic device") e como algo que "não faz sentido" ("makes no sense"); no que tem razão, dado o reconhecimento do caráter principiológico do Direito. Nesses termos, a crítica cor­ riqueira e míope de não ser um direito enumerado, ou mesmo a busca por direitos não enumerados, desconsidera, portanto, o Direito como Integridade."”9

f) Conforme citado acima, o Plenário do STF aplicou a medida cautelar do inciso VI do art. 319 do CPP e afastou Eduardo Cunha do seu cargo de Deputado Federal e da função de Presidente da Câmara dos Deputados durante a tramitação dos in­ quéritos que ele respondia. Acontece que a decisão do STF afastou Eduardo Cunha do cargo e não cogitou dar à Câmara dos Deputados a possibilidade de reverter essa decisão. Ou seja, no caso de Cunha, 0 STF impôs a medida cautelar e 0 Parlamento não pôde se manifes­ tar sobre isso (e de fato não se manifestou).

Porém, o STF, provocado sobre 0 tema, vai nos apresentar um novo posiciona­ mento na ADI 5526/DF em 11.10.2017. No caso, 0 Plenário do STF, por maioria (6x5),

129. No ensaio escrito conjuntamente com Marcelo Cattoni, Alexandre Bahia e Diogo Bacha criticamos o argu­ mento da excepcionalidade (usado pelo STF no caso) e defendemos a possibilidade de suspensão de Eduardo Cunha com base em argumentos de princípios. Nesses termos, afirmamos que: “A decisão assumiu um sentido pragmático que Dworkin tanto critica, ao visar exclusivamente às suas consequências e, assim, não respeitando a integridade. A integridade que exige que o magistrado recupere os princípios que melhorjustifiquem sua decisão a partir de uma leitura moral ou, melhor, normativa da Constituição, que deveria manter hígidas as imunidades par­ lamentares e não criar normas "ad hoc“ para aplicar contra a própria Constituição - ainda mais quando o suposto "direito" criado seria, na verdade, sob o argumento de uma pretensa excepcionalidade, umo limitação a direitos. Neste ponto, insistimos na normatividade constitucional e, com isso, concordamos com a critica de Lenio Streck ao apelo da decisão pelo Tribunal à excepcionalidade, exatamente porque o caso se resolve como-e se trata de-uma questão de princípio, cabendo, pois, levar o Direito mais a sério. Por isso, bastaria ao Supremo Tribunal Federal recorrer aos princípios constitucionais em jogo, tais como a independência dos próprios poderes republicanos, e controlar o abuso das prerrogativas parlamentares, já que essas não podem configurar uma proteção à pessoa do parlamentar que delas abusa. Tratando-se de uma questão constitucional, o exercício abusivo de prerrogativas constitui, inclusive, falta de decoro parlamentar (art. 55, § 1". da Constituição). Ainda que caiba á Câmara julgar e decidir acerco da perda de mandato por falta de decoro (art. 55, 5 2" da Constituição) ou ao STF por crime (art. 53, § 1", da Constituição), a própria garantia do devido processo legal nesse julgamento não constitui, mesmo no primeiro caso, matéria i nterna corporis, já que o abuso das prerrogativas atenta contra seus próprios fundamentos, configura uma fraude ã Constituição. Este mesmo recurso possibilitaria a aplicação de forma adequada do art. 3 í 9, 11/ do CPP: "São medidas cautelares diversas da prisão: VI - suspensão do exercício de função pública ou de ativida­ de de notureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prático de infrações penais;', já que se encontram presentes os pressupostos para o afastamento cautelar do Dep. Eduardo Cunha, pelo que fez e poderia continuar fazendo em sua atuação, tanto como deputado, quanto como Presidente da Câmara dos Deputados. O caso Cunha no STFe a defesa da integridade constitucional: a decisão liminar na AC 4.070 e o sen­ tido adequado das prerrogativas e imunidades parlamentares. Empório do Direito, 10.05.2016. (MarceloCattoni, Diogo Bocha. Alexandre Bahia, Bernardo Fernandes)

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julgou parcialmente procedente ação direta de inconstitucionalidade na qual se pe­ dia interpretação conforme a Constituição para que a aplicação das medidas cautela­ res, quando impostas a parlamentares, fossem submetidas à deliberação da respectiva Casa Legislativa em 24 horas.'50 É interessante que à época da decisão estávamos sob toda a controvérsia em torno da situação do então Senador Aécio Neves. Na ocasião da ADI 5526, 0 Se­ nador Aécio Neves estava sendo alvo de diversas investigações criminais. Nesses termos, a pedido do Procurador-Geral da República, 0 STF impôs ao investigado que cumprisse as seguintes medidas cautelares diversas da prisão: suspensão das suas funções como Senador (art. 319, VI do CPP); obrigação de recolhimento domiciliar noturno (art. 319, V do CPP); proibição de entrar em contato com outros investigados por qualquer meio (art. 319, lll do CPP); proibição de se ausentar do país, com a entrega do passaporte (art. 319, IV do CPP). Aqui sublinhamos que a decisão da Primeira Turma do STF de afastar 0 Senador resultou em uma crise institucional entre os poderes Legislativo e Judiciário, pois, antes de 0 plenário do STF decidir a ADI 5526, 0 Senado já havia sinalizado que iria colocar em votação a decisão prolatada pela Primeira Turma do STF sobre 0 afastamento do cargo do Senador Aécio Neves. Certo é que 0 Senado nessa votação poderia deliberar de forma diferente do que havia decidido 0 STF e determinar 0 retorno do Senador ao exercício do mandato.

Pois bem, em uma situação de certa crise institucional, como decidiu 0 STF? 0 Pretório Excelso decidiu inicialmente que 0 Poder Judiciário possui competên­ cia para impor aos parlamentares, por autoridade própria, as medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, seja em substituição de prisão em flagrante delito por crime inafiançável, por constituírem medidas individuais e específicas menos gravosas; seja autonomamente, em circunstâncias de excepcional gravidade. E no caso de Deputados Federais e Senadores, a competência para importais medidas caute­ lares é do STF (art. 102,1, "b", da CR/88). Porém, entendeu a Corte que se a medida cautelar imposta pelo STF impossibilitar, direta ou indiretamente, que 0 Deputado Federal ou Senador exerça 0 seu mandato, então, neste caso, 0 Supremo deverá encaminhar a sua decisão, no prazo de 24 horas, à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal para que a respectiva Casa delibere se a medida cautelar imposta pela Corte deverá ou não ser mantida.

Portanto, a conclusão é a de que 0 STF pode impor a Deputado Federal ou Sena­ dor qualquer das medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP. No entanto, como já dito, se a medida imposta impedir, direta ou indiretamente, que esse Deputado ou Senador exerça seu mandato, então, neste caso, a Câmara ou 0 Senado poderá rejeitar ("derrubar") a medida cautelar que havia sido determinada pelo Judiciário. Ou seja.

130. ADI 5526/DF, STF. Plenário, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11.10.2017,

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aqui, aplica-se, por analogia, a regra do art. 53, § 2° da CR/88 também para as me­ didas cautelares diversas da prisão.131132 Nos termos do informativo 881, a fundamentação do STF foi no sentido de que as imunidades não dizem respeito à figura do parlamentar em si, mas à função por ele exercida, ao Poder que ele representa, no intuito de resguardar a atuação do Legislativo perante 0 Executivo e perante 0 Judiciário, consagrando-se como garantia de independência perante os outros dois Poderes consti­ tucionais. Assim sendo, afirmou 0 STF que, no tocante à imunidade parlamentar processual em relação à prisão, a "ratio" da norma constitucional é somente permitir 0 afastamento do parlamentar do exercício de seu mandato conferido pelo povo em uma única hipótese: prisão em flagrante delito por crime inafian­ çável. 0 art. 53, § 2®, da CR protege 0 integral exercício do mandato parlamentar, ao referir, expressamente, que a restrição à liberdade de ir e vir do parlamen­ tar somente poderá ocorrer na referida hipótese. Dessa forma, a norma consti­ tucional estabeleceu, implicitamente, a impossibilidade de qualquer outro tipo de prisão cautelar. Nesse contexto, a Corte ponderou que, sendo a finalidade da imunidade formal proteger 0 livre exercício do mandato parlamentar contra in­ terferências externas, a "ratio" da norma constitucional não pode ser contorna­ da pela via das medidas cautelares diversas da prisão. Assim, ato emanado do Poder judiciário que houver aplicado medida cautelar que impossibilite direta ou indiretamente 0 exercício regular do mandato legislativo deve ser submetido ao controle político da Casa Legislativa respectiva, nos termos do art. 53, § 2°, da CR/88.’3J

Voltando ao caso do Senador Aécio Neves, logo em seguida, passados poucos dias, 0 Senado Federal, aplicando 0 entendimento definido pelo STF na ADI 5526/DF em 11.10.2017, entendeu que as medidas cautelares impostas ao Senador impossibi­ litavam que ele exercesse 0 seu mandato parlamentar. Em virtude disso, 0 Senado decidiu rejeitar as medidas cautelares que haviam sido impostas pelo STF em des­ favor de Aécio Neves. 0 Senado derrubou em 17.10.2017, por 44 votos (a favor de Aécio) a 26 (contra), a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que havia determinado 0 afastamento de Aécio Neves (PSDB-MC) do mandato. Com isso, Aécio Neves retornou às atividades parlamentares.

131. ADI 5526/DF, STF. Plenário, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11.10.2017. 132. ADI 5526/DF, STF. Plenário, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11.10.2017. Vencidos os ministros Edson Fachin. Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e Celso de Mello, que julgaram improcedente o pedido. Entenderam que os poderes conferidos ao Congresso para sustar processos penais em curso são estritos, circunscritos ás hipóteses especificamente limitadas na CF, pois as medidas cautela­ res penais náo são instrumentais apenas ao processo penal, mas também meios de tutela da fase pré-processual investigativa e da ordem pública. Nesse sentido, a outorga constitucional de poder para sustar um processo penal nâo compreende a concessão de poderes para impedir a adoção de providências cautelares necessárias à tutela da ordem pública (visando a impedir reiteração delitiva), bem como, ã tutela da investigação e completa elucida­ ção dos fatos.

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g) Entendeu o STF em 2019, que os Deputados Estaduais gozam das mesmas imunidades formais previstas para os Deputados Federais e Senadores no art. 53 da CR/88.

Assim sendo, são constitucionais dispositivos de Constituição do Estado que estendem aos Deputados Estaduais as imunidades formais previstas no art. 53 da Constituição Federal para Deputados Federais e Senadores. Para o STF, a leitura da Constituição da República revela, sob os ângulos literal e sistemático, que os Deputados Estaduais também têm direito às imunidades formal e material e à inviolabilidade que foram conferidas pelo constituinte aos congressis­ tas (membros do Congresso Nacional). Isso porque tais imunidades foram expressa­ mente estendidas aos Deputados pelo § 1° do art. 27 da CR/88.133 135 134

Asseverou que 0 dispositivo não abre campo a controvérsias semânticas em torno de quais imunidades são abrangidas pela norma extensora. A referência no plural, de cunho genérico, evidencia haver-se conferido a parlamentares estaduais proteção sob os campos material e formal. Para 0 STF, se 0 constituinte quisesse estabelecer estatuto com menor amplitude para os deputados estaduais, 0 teria feito expressamente, como fez, no inciso VIII do art. 29 da CR/88, em relação aos vereadores.,M

Nesse sentido, a extensão do estatuto dos congressistas federais aos parlamen­ tares estaduais traduz dado significante do pacto federativo. 0 reconhecimento da importância do Legislativo estadual viabiliza a reprodução, no âmbito regional, da harmonia entre os Poderes da República. É inadequado, portanto, segundo 0 STF, extrair da Constituição Federal proteção reduzida da atividade do Legislativo nos entes federados, como se fosse menor a relevância dos órgãos locais para 0 robustecimento do Estado Democrático de Direito.135 Também decidiu 0 STF, que a posição manifestada pelo STF na ADI 5526/DF, que concede poder ao Parlamento de dar a última palavra sobre as medidas cautelares (diversas da prisão), deve ser aplicada também aos Deputados Estaduais. Nesses termos, decidiu 0 STF, que a Assembléia Legislativa pode rejeitar a prisão preventiva e as medidas cautelares impostas pelo Poder Judiciário contra Deputados Estaduais. Portanto, é constitucional resolução de Assembléia Legislativa que, com base na imunidade parlamentar formal (art. 53, § 2° c/c art. 27, § i° da CR/88), revoga a prisão preventiva e as medidas cautelares penais que haviam sido impostas pelo Poder Judiciário contra Deputado Estadual, determinando 0 pleno retorno do parlamentar

133. ADI 5823 MC/RN, ADI 5824 MC/RJ e ADI 5825 MC/MT, STF. Plenário. Red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julg. em 08.05.2019 (Info 939). 134. ADI 5823 MC/RN, ADI 5824 MC/RJ e ADI 5825 MC/MT, STF. Plenário. Red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julg. em 08.05.2019 (Info 939). 135. ADI 5823 MC/RN, ADI 5824 MC/RJ e ADI 5825 MC/MT, STF. Plenário. Red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julg. em 08.05.2019 (Info 939).

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ao seu mandato. Assim sendo, o Poder Legislativo estadual tem a prerrogativa de sustar decisões judiciais de natureza criminal, precárias e efêmeras, cujo teor resul­ te em afastamento ou limitação da função parlamentar.’36 h) Em 01.12.2016, o STF recebeu a denúncia formulada pelo PGR contra Renan Calheiros pela prática de peculato. Com isso, ele se tornou réu no STF. Acontece que em 05.12.2016, 0 Ministro Marco Aurélio, em decisão monocrática (muito controver­ tida para boa parte da doutrina)136 137, deferiu liminar para determinar 0 afastamento do Senador Renan Calheiros do cargo de Presidente do Senado Federal. Na decisão, 0 Ministro afirmou que, apesar de 0 julgamento da ADPF 402 (que fora ajuizada pelo Partido Rede Sustentabilidade com a finalidade de impedir que réu em processo crimi­ nal possa assumir, como substituto, 0 cargo de Presidente da República) ainda não ter sido concluído, já existiam 6 votos no sentido de que indivíduos que são réus não podem figurar na linha sucessória da Presidência da República. Assim sendo, seria possível aplicar, desde logo, este entendimento, de forma cautelar, para afastar o Senador Calheiros da Presidência do Senado. Nas palavras do Ministro, "mesmo diante da maioria absoluta já formada na arguiçõo de descumprimento de preceito fundamental e réu, 0 senador continua na cadeira de Presidente do Senado, ensejando manifestações de toda ordem, a comprometerem a segurança jurídica".138

136. O Plenário, por maioria, indeferiu medidas cautelares em ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 33, § 3°, e 38, §§ 1°, 2o e 3o, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, os §§ 2o ao 5o do art. 102 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e a Resolução 577/2017 da respectiva Assembléia Legislativa, bem como contra os 2" ao 5° do art. 29 da Constituição do Estado do Mato Grosso e a Resolução 5.221/2017 da respectiva Assembléia Legislativa. Os dispositivos constitucionais impugnados estendem aos deputados estaduais as imunidades formais previstas no art. 53 da Constituição Federal para deputados federais e senadores. Já as Resolu­ ções revogam prisões cautelares, preventivas e provisórias de deputados estaduais e determinam o pleno retorno aos mandatos parlamentares, com todos OS seus consectários. ADI 5823 MC/RN, ADI 5824 MC/RJ e ADI 5825 MC/MT, STF. Plenário. Red. p/ o ac Min. Marco Aurélio, julg. em 08.05.2019 (Info 939). Exemplo: O Poder Judiciário de terminou a prisão preventiva e a medida cautelar de afastamento do cargo em relação ao Deputado Estadual Gilmar Donizete Fabris. A ALE/MT, com base no entendimento firmado pelo STF no julgamento da ADI 5526/DF, reuniu-se e decidiu revogar a prisão e as medidas cautelares que haviam sido impostas em desfavor do Deputado e foi editada a Resolução n° 5.221/2017. A Resolução foi impugnada por ADI e o STF, ao apreciar a medida cautelar, rejeitou o pedido de liminar afirmando que o ato da Assembléia Legislativa é compatível com o art. 53, § 2°cJc art. 27, § 1° da CR/88. 137. “A decisão do ministro Marco Aurélio, afastando da Presidência do Senado Renan Calheiros, mostrou-se um peri­ goso equivoco. Não há previsão constitucional para esse afastamento. Estamos indo longe demais. O STF não é o superego da nação, para usar uma frase da jurista Ingeborg Maus, ao criticar o ativismo praticado pelo Tribunal Constitucional da Alemanha. Vou invocar uma frase famosa que eu mesmo fico repetindo e que é da autoria do ministro Marco Aurélio: os poderes da República são Legislativo, Executivo e Judiciário e não o contrário. (...) De fato, hoje mais uma vez ficou demonstrado o extremo ativismo do STF, contra o qual eu achava que o ministro Marco Aurélio estava imunizado. Mas, não." STRECK, Lenio. Não há previsão constitucional para o afastamento de Renan Calheiros, CONJUR, 06.12.2016. 138. Informativo 850: "O ministro Marco Aurélio (relator) deferiu a medida cautelar para afastar senador da Presidência do Senado Federal, por reputar presentes a urgência, a relevância do pedido e o comprometimento da segurança jurí­ dica com a manutenção, na chefia daquela Casa legislativa, de cidadão que guarda a condição de réu. Considerou a decisão de recebimento, em parte, da denúncia oferecida contra o citado parlamentar pela suposta prática de crime de peculato nos autos do Inq 2.593/DF (julg. em Ia. 12.2016) e, ainda, o fato de a maioria absoluta do Plenário já ter proferido voto na ADPF no sentido da procedência do pedido (Informativo 846). 0 relator asseverou, ademais, que o tema de fundo já teria sido definido pelo Tribunal, sem qualquer ressalva, no julgamento da AC 4.070 MC-REF/DF (DJU de 21.10.2016), ao referendar liminar para suspender deputado do exercício do mandato parlamentar e da função de

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Acontece que em 07.12.2016, 0 Plenário do STF se reuniu para analisar se iria referendar ou não a liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio. Aqui cabem pa­ rênteses, pois o então Presidente do Senado Renan Calheiros se negou a cumprir a decisão liminar do Ministro Marco Aurélio, 0 que gerou um enorme constrangimento institucional (situação de extrema tensão) entre os Poderes Legislativo e Judiciário. Pois bem, 0 Plenário do STF referendou a liminar concedida pelo Ministro Marco Aurélio apenas parcialmente. A corrente majoritária dos Ministros decidiu que os substitutos eventuais do Presidente da República, caso ostentem a posição de réus criminais, ficarão impossibilitados de exercer a função de Presidente da República. Porém, para a maioria dos Ministros, mesmo sendo réu, 0 indivíduo pode continuar exercendo os cargos de Presidente da Câmara ou do Senado.

Conforme 0 informativo 850 do STF, a divergência ao Ministro Marco Aurélio foi iniciada pelo Ministro Celso de Mello, que entendeu não se justificar 0 afastamento cautelar do presidente do Senado Federal, no que foi acompanhado pelos ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Ressaltou 0 Ministro que a cláusula inscrita no art. 86, § 1°, da CR/88 torna claro 0 sentido de intencionalidade do constituinte, que quis impor ao presidente da República 0 afas­ tamento cautelar (e temporário) do desempenho do mandato presidencial, consi­ derada, em essência, a exigência de preservação da respeitabilidade das institui­ ções republicanas, que constitui, na verdade, 0 núcleo que informa e conforma esse processo de suspensão preventiva. Por isso, os substitutos eventuais do presidente da República, se tornados réus criminais perante 0 Supremo Tribunal Federal, não poderiam ser convocados para 0 desempenho transitório do ofício presidencial, pois não teria sentido que, ostentando a condição formal de acusados em juízo pe­ nal, viessem a dispor de maior poder jurídico, ou de maior aptidão, que 0 próprio chefe do Poder Executivo da União, titular do mandato presidencial.1” Por consequência, afirmou 0 Ministro, os agentes públicos que detêm as titularidades funcionais que os habilitam, constitucionalmente, a substituir 0 chefe do Poder Executivo da União em caráter eventual, caso tornados réus criminais perante esta Corte, não ficariam afastados, "ipso facto", dos cargos de direção que exercem na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e no Supremo Tribunal Federal. Na realida­ de, apenas sofreriam interdição para 0 exercício do ofício de Presidente da República.139 140

(2) Imunidade formal em relação a processo. Atualmente, se traduz na mera possibilidade de sustação de ação penal contra deputado ou senador por crimes praticados pelos mesmos após a diplomação141.

presidente da Câmara dos Deputados, considerado o recebimento pardal da denúncia oferecida contra ele nos autos do Inq 3.983/DF (Informotivo 816)." 139. Informativo 850 do STFSTF. Plenário. ADPF 402 MC-REF/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 07.12.2016. 140. Informativo 850 do STFSTF. Plenário. ADPF 402 MC-REF/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 07.12.2016. 141. A imunidade formal em relação ao processo também deve ser aplicada aos parlamentares estaduais e distritais. Portanto, nos termos do art. 27 § 1 ° da CR/88 ela é extensiva aos Deputados Estaduais e aos Distritais conforme o art.

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Aqui, é interessante trazermos à baila as modificações advindas da Emenda n° 35/01 em relação ao texto original da Constituição de 1988, sobre 0 tema imunida­ de formal em relação ao processo. Conforme podemos observar, essa imunidade foi extremamente modificada pelo constituinte reformador em dezembro de 2001. Assim sendo:

O STF não podia receber a denúncia ou a queixa-crime sem ter a autorização da respectiva Casa para ini­ ciar a ação penal.

A partir de dezembro/2001,0 STF não mais precisa pedir autorização para a Casa para iniciar ação penal. O STF agora pode receber a de­ núncia ou queixa crime e iniciar a ação penal

Portanto, antes da Emenda Constitucional n° 35/2001, para processar penalmen­ te um deputado ou senador, 0 STF tinha que pedir autorização da respectiva Casa. Agora, não há mais a necessidade de tal autorização. Assim sendo, 0 procedimento passa a ser 0 seguinte:

Finalizada a fase de persecução penal (pré-processual) contra um deputado ou senador, pela prática e crime no exercício do mandato e em razão dele, 0 re­ lator (no STF) abrirá vista no caso de uma ação penal pública ao Procurador-Geral da República, que terá 05 (cinco) dias, estando 0 deputado ou senador preso, ou 15 (quinze) dias, estando 0 deputado ou senador solto, para oferecer a denúncia. Já no caso de ação penal privada será aguardado pelo relator que 0 ofendido ou quem de direito pelo mesmo ofereça a queixa-crime. 0 STF poderá receber a denún­ cia ou a queixa-crime sem a necessidade de autorização da respectiva Casa. Assim sendo, recebida a denúncia ou a queixa-crime, 0 STF comunicará à Casa respectiva que está iniciando a ação penal.

32 § 3° da CR/88. Porém, segundo a CR'88 os Vereadores não são dotados dessa imunidade. Nesses termos, o STF já se pronunciou pela inconstitucionalidade de Constituições Estaduais que determinam imunidades formais (à prisão ou ao processo) a Vereadores. Conforme a ADI 371 /SE: "1.0 Estado-membro não tem compe­ tência para estabelecer regras de imunidade formal e material aplicáveis a Vereadores. A CF/88 reserva à União legislar sobre Direito Penal e Processual Penal. 2. As garantias que integram o universo dos membros do Congresso Nacional (CF, artigo 53, §§ Io, 2°, 5a e 7°), não se comunicam aos componentes do Poder Legislativo dos Municípios. Precedentes. Ação direta de inconstitucionalidade proceden te para declarar inconstitucional a expressão con tida na segunda parte do inciso XVII do ortigo 13 da Constituição do Estado de Sergipe". Julg. em 05.09.2002. Rel. Min. Maurício Corrêa.

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Assim sendo, um partido político da respectiva Casa, por vontade própria, de­ verá provocar a Mesa da Casa’43 para que haja uma apreciação sobre a sustação da ação penal que está tramitando no STF. A Mesa da Casa terá 45 (quarenta e cinco) dias, improrrogáveis, para colocar 0 pedido de sustação em votação, que será aberta e nominal. 0 quórum necessário para a sustação da ação será 0 de maioria absoluta e uma vez alcançado e suspendida a ação penal, será também suspensa a prescrição. Sem dúvida, devido à importância do tema, algumas observações merecem nossa atenção. Sendo elas: a) Na AP n° 937 QO/RJ em 03.05.2018, 0 STF interpretou de forma restritiva 0 art.102,1, b, da CR/88 bem como o art. 53 § i« da CR/88, que dizem respeito ao foro por prerrogativa de função dos parlamentares. Certo é que 0 direito ao foro por prer­ rogativa de função inicia-se com a diplomação do Deputado Federal ou Senador e somente se encerra com 0 término do mandato.’43

Com base no entendimento que era adotado pelo STF, se determinado indiví­ duo estivesse respondendo a uma ação penal em ia instância, caso ele fosse eleito Senador, no mesmo dia da sua diplomação cessaria a competência do juízo de ia instância e 0 processo criminal deveria ser remetido ao STF (deslocamento de com­ petência para 0 STF). Pois bem, com base no novo posicionamento, presente na AP ^937 QO, as hi­ póteses de foro por prerrogativa de função devem ser interpretadas restritivamente, aplicando-se apenas aos crimes que tenham sido praticados durante 0 exercício do cargo e em razão dele.

Assim sendo, se 0 crime foi praticado pelo indivíduo antes de ele ser diploma­ do como Senador, não se justifica a competência do STF, devendo ele ser julgado pela 1a instância, mesmo ocupando 0 cargo de parlamentar federal. Além disso, mesmo que 0 crime tenha sido cometido após a diplomação e investidura no man­ dato, se 0 delito não apresentar relação direta com as funções exercidas, também não haverá foro por exercício de função. Portanto, foi fixada a seguinte tese: 0 /oro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante 0 exercício do cargo e relacionados às fun­ ções desempenhadas.

Conforme 0 Informativo 900 do STF, prevaleceu 0 voto do ministro Roberto Bar­ roso (relator), 0 qual registrou que a quantidade de pessoas beneficiadas pelo

142. Certo é que a Mesa não pode agir de ofício devendo aguardar a provocação de partido político com representa­ ção na Casa. 143. Aqui é interessante que o STF já indeferiu pedido de agremiação partidária para ingressar como amicuscurioe em ação penal. Para o STF, autoqualificando-se como amicus curiae, o Partido pretendia, na verdade, ingressar numa posição que a relação processual penal não admite, considerados os estritos termos do CPP. 1aTurma. AP504/DF, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julg em 09.08.2016.

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foro (estima-se que cerca de 37 mil autoridades detenham a prerrogativa144) e a extensão que se tem dado a ele, a abarcar fatos ocorridos antes de 0 indivíduo ser investido no cargo beneficiado pelo foro por prerrogativa de função ou atos prati­ cados sem qualquer conexão com 0 exercício do mandato que se deseja proteger, têm resultado em múltiplas disfuncionalidades.

A primeira delas é atribuir ao STF uma competência para a qual ele não é voca­ cionado. Conforme 0 Ministro, nenhuma corte constitucional no mundo tem a quan­ tidade de processos de competência originária, em matéria penal, como tem a do Brasil.145 E, evidentemente, na medida em que desempenha esse papel de jurisdição penal de primeiro grau, 0 STF se afasta da sua missão primordial de guardião da Constituição e de equacionamento das grandes questões nacionais. 0 procedimento no Supremo é muito mais complexo do que no juízo de pri­ meiro grau, por essa razão leva-se muito mais tempo para apreciar a denúncia, processar e julgar a ação penal. Consequentemente, é comum a ocorrência de prescrição, 0 que nem sempre acontece por responsabilidade do Tribunal, mas por conta do próprio sistema. Portanto, 0 mau funcionamento do sistema traz, além de impunidade, desprestígio para 0 STF. Como consequência, perde 0 Direito Penal 0 seu principal papel, qual seja, 0 de atuar como prevenção geral.146 Assim sendo, em resumo: a) 0 STF se afasta do seu verdadeiro papel, que é 0 de Suprema Corte, e não 0 de tribunal criminal de primeiro grau; b) e ainda, tal prática contribui para a ineficiência do sistema de justiça criminal.

144. Conforme o Ministro Barroso: Só no STF sôo processados e julgados, em tese, mais de 800 agentes, que incluem o Presidente da República, o Vice-Presidente, 513 deputados federois, 81 senadores, os atuais 31 ministros de Estado e, aindo, os 3 comandantes militares, os 90 ministros de tribunais superiores, 9 membros do Tribunal de Contas da União e 138 chefes de missão diplomática de caráter permanente. Além disso, há mais de 30 mil detentores de foro por prer­ rogativa nos tribunais regionais federais e nos tribunais de justiça. 145. Conforme o Ministro Roberto Barroso: Não há. no Direito Comparado, nenhuma democracia consolidada que con sagre a prerrogativa de foro com abrangência comparável à brasileira. No Reino Unido, na Alemanha, nos Estados Unidos eno Canadá nem existe foro privilegiado. Entre os países que adotam, a maioria o institui para um rol reduzido de autoridades. Na Itália, por exemplo, a prerrogativa de foro se aplica somente ao Presidente da República. Em Por tugal, são três as autoridades que detêm foro privilegiado: o Presidente da República, o Presidente da Assembléia da República e o Primeiro-Ministro. 146. Conforme Ba rroso: (...) a primeira razão da disfuncionalidade é que atrapalha o funcionamento do Supremo naquilo que lheé essencial. Mas há uma segunda razão, eêatê mais grave. O Supremo Tribunal Federal, por não ser vocacio­ nado paro esse papel, não o desempenha de maneira desejavelmente satisfatória. Por quê? Exatamente pelo volume de processos e pelo tipo de formação que as pessoas aqui investidas têm. Esse não ê um papel típico que os Ministros consigam desempenhar da maneira mais desejável, além do que o procedimento perante o Supremo Tribunal Federal é muito mais complexo do que perante o primeiro grau. De modo que, sem surpresas, nós constatamos que a existên­ cia do foro privilegiado, perante o Supremo, produz números muito ruins. O prazo médio para recebimento de uma denúncia pela Corte, de acordo com a Assessoria de Gestão Estratégica, é de 581 dias. Portanto, o Supremo leva um ano e meio par receber uma denúncia, quando um juiz de primeiro grau recebe em 48 horas ou um pouco mais, pelo menos o recebimento inicial antes da resposta da parte. Além disso, também por informação da Assessoria de Gestão Estratégica, a média do tempo de um procedimento perante o Supremo Tribunol Federai é de 1377 dias. E há casos de processos que tramitam por mais de dez onos. A consequência, como nós bem sabemos, é a frequência com que ocor­ rem prescrições aqui no Supremo Tribunal Federal, nem sempre por culpa do Supremo, mas por culpa de um sistema que faz com que o processo suba, desça, suba, desça...)

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Aqui temos também, conforme lembra o Ministro Roberto Barroso, que as au­ toridades com foro por prerrogativa de função no STF ficam sujeitas a julgamento por uma única instância, de forma que não gozam de duplo grau de jurisdição. Esse modelo vai de encontro com tratados internacionais sobre direitos humanos de que o Brasil é signatário. Tanto a Convenção Americana de Direitos Humanos quanto o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos asseguram o "direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior". Isso não ocorre com quem tem foro por prerrogativa de função no STF. Assim sendo, após o julgamento pela Corte, não há recurso para outro Tribunal. 0 Ministro Roberto Barroso frisou ainda que a situação atual revela a neces­ sidade de mutação constitucional. Isso ocorre quando a corte constitucional muda um entendimento consolidado, não porque o anterior fosse propriamente errado, mas porque: a) a realidade fática mudou; b) a percepção social do Direito mudou; ou c) as consequências práticas de uma orientação jurisprudencial se revelaram negativas. Nesses termos, as três hipóteses que justificam a alteração de uma linha de interpretação constitucional estão presentes na hipótese dos autos.

Dessa maneira, nova interpretação prestigia os princípios da igualdade e re­ publicano, além de assegurar às pessoas o desempenho de mandato livre de in­ terferências, que é o fim pretendido pela norma constitucional. Ademais, viola o princípio da igualdade proteger, com foro de prerrogativa, o agente público por atos praticados sem relação com a função para a qual se quer resguardar sua in­ dependência, o que constitui a atribuição de um privilégio. 0 Ministro citou também a doutrina que afirma que "se o foro por prerrogativa de função não constitui um privilégio estamental ou corporativo, mas uma proteção outorgada às pessoas que desempenham certas funções, em prol do interesse público, não há porque esten­ dê-lo para fatos estranhos ao exercício destas mesmas funções". Além disso, segundo o Pretório Excelso, o princípio republicano tem como uma das suas dimensões mais importantes a possibilidade de responsabilização dos agentes públicos. A prescrição, o excessivo retardamento e a impunidade, que re­ sultam do modelo de foro por prerrogativa de função, não se amoldam ao referido princípio. Assim, o Supremo adotou na linha seguida pelo Ministro Roberto Barroso em seu voto, uma interpretação restritiva, que seria uma espécie de redução teleológica da sua competência para ajustá-la à finalidade da norma e do sistema consti­ tucional. Trata-se da chamada "redução teleológica" (Karl Larenz) ou, de forma mais geral, da aplicação da técnica da "dissociaçõo" (Riccardo Guastini), que consiste em reduzir o campo de aplicação de uma disposição normativa a somente uma ou algumas das situações de fato previstas por ela segundo uma interpretação literal, que se dá para adequá-la à finalidade da norma e como já dito, do sistema consti­ tucional. Dessa forma, o intérprete identifica uma lacuna oculta (ou axiológica) e a corrige mediante a inclusão de uma exceção não explícita no enunciado normativo. 1291

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mas extraída de sua própria teleologia. Como resultado, a norma passa a se aplicar apenas à parte dos fatos por ela regulados.14'

0 Ministro Roberto Barroso apresentou vários exemplos: 1) 0 art. 102, I, "f" da CR/88 prevê que compete ao STF julgar "as causas e os conflitos entre a União e os Estados". 0 Supremo entendeu que essa competência não abarca todo e qualquer conflito entre entes federados, mas apenas aqueles capazes de afetar 0 pacto fede­ rativo. Ou seja, é competência do Supremo para as causas que envolvam conflitos entre União e Estados. Mas 0 Supremo refinou esta norma para dizer: só se houver conflito federativo (que afetam 0 pacto federativo) e não qualquer tipo de disputa; 2) No caso das ações envolvendo 0 CNJ, também produzimos uma interpretação res­ tritiva para dizer: apesar do art. 102, l, "r" da CR/88, não são todas as ações contra 0 CNJ, são somente as ações constitucionais que 0 STF terá competência originária para julgar. E mais do que isso, depois dissemos: somente as ações constitucionais em que haja prática de um ato positivo, ou seja, se o CNJ tiver se limitado a confir­ mar a decisão da instância inferior, também não cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal; 3) Ainda nos casos em que todos os membros da magistratura são interes­ sados, apesar do art. 102, I "n" 0 Supremo também produziu uma jurisprudência altamente restritiva para dizer: se 0 interesse for não apenas da magistratura, mas de todos os servidores, a competência não é do Supremo; 4) 0 art. 102, l, "a", da CR/88 estabelece que compete ao STF processar e julgar "a ação direta de incons­ titucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual". Embora 0 dispositivo não traga qualquer restrição temporal, 0 STF consagrou entendimento de que não cabe ADI contra lei anterior à Constituição de 1988 porque, ocorrendo incompatibi­ lidade entre ato normativo infraconstitucional e a Constituição superveniente, fica ele revogado (não recepção).147 148

Em todos esses casos (e em muitos outros), entendeu-se possível a redução teleológica do escopo das competências originárias do STF pela via interpretativa.

Aqui, mais duas questões importantes. A primeira é sobre marco para 0 fim do foro, ou seja, 0 momento para a fixação definitiva da competência do STF. Por que essa questão é importante? Por que era comum haver um constante deslocamento da competência das ações penais de competência originária do STF. Não foram raros os casos em que 0 réu procurou se eleger a fim de mudar 0 órgão jurisdicional com­ petente, passando do primeiro grau para 0 STF. De outro lado, alguns deixaram de se candidatar à reeleição, com 0 objetivo inverso, qual seja, passar a competência

147. STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03.052018. Como exemplo recente, também: Ia Turma. Inq 4619 AgR-segundo/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 19.02.2019 (Informativo 931 do STF) 148. Outro exemplo citado pelo Ministro Roberto Barroso: A imunidade material do art.53, caput da CR/88. como to­ dos sabem, protege os parlamentares por suas opiniões, palavras e votos. O Supremo entendeu, que a imunidade material - ou seja, que protege o parlamentar por opiniões, palavras e votos - somente se aplica às manifestações que guardem relação com o mandato parlamentar e não para proteger qualquer outro tipo de conduta.

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do STF para o juízo de ia instância, ganhando tempo com isso. E houve também os que renunciaram quando o julgamento estava próximo de ser pautado no STF.149150 151 A tese fixada foi a de que: após o final da instrução processual, com a publi­ cação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a compe­ tência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.'50

É importante salientar que se entende encerrada a instrução processual com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais. Nesse momento, fica prorrogada a competência do juízo para julgar a ação penal mesmo que ocorra alguma mudança no cargo ocupado pelo réu. Assim, mesmo que o agen­ te público venha a ocupar outro cargo ou deixe o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo, isso não acarretará modificação de competência.’5’

0 STF também registrou que essa nova linha interpretativa deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso (ou seja, já vale a partir da data do julga­ mento da questão de ordem em 03.05.2018), com a ressalva de todos os atos pra­ ticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na jurispru­ dência anterior, conforme precedente firmado no Inq. 687 QO/SP (DJU de 25.08.1999), ou seja, todos os atos praticados e as decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos antes da questão de ordem, com base no entendimento jurisprudencial ante­ rior, devem ser considerados válidos.

Nesses termos, com a decisão proferida pelo STF na AP 937/QO, todos os inqué­ ritos e processos criminais que estavam tramitando no Supremo envolvendo crimes não relacionados com 0 cargo ou com a função desempenhada pela autoridade, foram remetidos para serem julgados em 1» instância. Aqui é interessante salientar, que a 1» turma do STF na AP 962/DF em 16.10.2018 decidiu, corroborando com 0 entendimento acima, que se a instrução processual já havia terminado, mantém-se a competência do STF para 0 julgamento de detentores de foro por prerrogativa de função, ainda que 0 processo apure um crime que não está relacionado com 0 cargo ou com a função desempenhada. 0 fundamento de tal decisão, conforme vimos, relaciona-se com a tese acima exposta e já citada de que "após 0 final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para

149. LOPES CAVALCANTE, Márcio André. Dizer o Direito, Informativo 900 do STF. "Isso gerava, muitas vezes, o retarda' mento dos inquéritos e ações penais, com evidente prejuízo para a eficácia, a racionalidade e a credibilidade do siste­ ma penal Houve, inclusive, casos de prescrição em razão dessas mudanças." 150. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03.05.2018. 151. Por que se escolheu esse critério do encerramento da instrução? Por três razões: Ia) Trata sede um marco tem­ poral objetivo, de fácil aferição, e que deixa pouca margem de manipulação para os investigados e réus e afasta a discricionariedade da decisão dos tribunais de declfnio de competência; 2a) Este critério privilegia o princípio da identidade fisica do juiz, ao valorizar o contato do magistrado julgador com as provas produzidas na ação penal; 3a) Já existia precedente do STF adotando este marco temporal. STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03.05.2018. LOPES CAVALCANTE, Márcio André. Dizer o Direito, Informativo 900 do STF.

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apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.""2 Ainda sobre o tema em comento, em recente decisão, o STF afirmou que é com­ petente para julgar crime eleitoral praticado por Deputado Federal durante a sua campanha à reeleição caso ele tenha sido reeleito. No caso concreto, um Deputado Federal, recebeu doação ilegal de uma empresa com o objetivo de financiar a sua campanha para reeleição. Esta doação não foi contabilizada na prestação de con­ tas, configurando o chamado "caixa 2" nos termos do art. 350 do Código Eleitoral.1”

0 Deputado foi reeleito para um novo mandato.152 154 0 STF entendeu que é com­ 153 petente para julgar este crime eleitoral. Nesses termos, conforme vimos, 0 foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante 0 exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

Assim sendo, 0 STF entendeu que 0 recebimento de doação ilegal destinado à campanha de reeleição ao cargo de Deputado Federal é sim um crime relacionado com 0 mandato parlamentar. Além disso, entendeu 0 Pretório Excelso, que mostra-se desimportante a circunstância de este delito ter sido praticado durante 0 manda­ to anterior, bastando que a atual diplomação decorra de sucessiva e ininterrupta reeleição.155 Em outro recente julgado, não menos interessante, decidiu 0 STF, que a pror­ rogação do foro por prerrogativa de função só ocorre se houve reeleição, não se

152. AP962/DF, STF. Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 16.10.2018. In­ formativo 920: Finalizada a instrução processual com a publicação do despacho de intimação para serem apresenta das as alegações finais, mantém-se a competência do Supremo Tribunal Federal (STF) para o julgamento de detentores de foro por prerrogativa de função, ainda que referentemente a crimes não relacionados ao cargo ou função desem­ penhada. Sob essa orientação, a Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto em face de decisáo que, com base no que decidido na Ação Penal (AP) 937, deslocou o processo para a primeira instância a fim de que fossejulgado o delito cometido quando o réu exercia cargo público estadual em momento anterior ao inicio do exercício do mandato de parlamentar federal. O Colegiado entendeu que, no caso em comento, toda a instrução pro­ cessual penal ocorrera no STF, tendo sido apresentadas as alegações finais pela acusação e pela defesa. Uma das teses firmadas no julgamento da AP 937 foi precisamente a de que, após a instrução criminal, a competência do Tribunal se prorroga. No referido precedente, o Plenário firmou as seguintes teses: a) “O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas"; e b) "Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo". A tese “b" - preservação do competência após o final da instrução processual - deve ser aplicada mesmo quando não for o caso de aplicação da tese “a“, ou seja, preserva-se a competência do STF na hipótese em que tenha sido finalizada a instrução processual, mesmo para ojulgamen to de acusados da prática de crime cometido fora do periodo de exercido do cargo ou que não seja relacionado às funções desempenhadas. 153. Inq 4435 AgR-quarto/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 13 e 14.03.2019 (Informativo 933) 154. Por óbvio, se o Deputado não tivesse sido reeleito a competência seria da Justiça Eleitoral. Na medida em que deixou de ser Deputado Federal, ele perde também o foro por prerrogativa de função (nos termos ora estudados). 155. Inq 4435 AgR-quarto/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 13 e 14.03.2019 (Informativo 933)

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aplicando em caso de eleição para um novo mandato após o agente ter ficado sem ocupar função pública (ou seja: após o interregno de 4 anos)?56

No caso, Prefeito cometeu 0 crime durante 0 exercício do mandato e 0 delito estava relacionado com as suas funções e nesses termos, a competência para jul­ gá-lo foi do Tribunal de Justiça (no qual 0 processo penal teve seu início). Porém, entendeu 0 STF, que se 0 indivíduo deixar 0 cargo de Prefeito e, quatro anos mais tarde, for eleito novamente Prefeito do mesmo Município, nesta situação, a com­ petência para julgar 0 crime será do juízo de 13 instância. A competência então só continuaria no TJ se 0 Prefeito fosse reeleito para um segundo mandato sucessivo (consecutivo).156 157

Por último, 0 novo entendimento que restringe 0 foro por prerrogativa de fun­ ção não vale apenas para os Deputados Federais e Senadores, mas vale também para outras hipóteses de foro por exercício de função. Nesses termos, foi 0 que decidiu 0 próprio STF no julgamento do Inq. 4703 OO/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12.06.2018, no qual afirmou que 0 entendimento definido na AP n°937 QO vale também para Ministros de Estado. É interessante ressaltar, que 0 STJ também decidiu em junho de 2018 que a res­ trição do foro deve alcançar Governadores e Conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais. Nesse sentido, afirmou o STJ que 0 foro por prerrogativa de função no caso de Governadores e Conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados deve ficar restrito aos fatos ocorridos durante 0 exercício do cargo e em razão deste.

Assim, 0 STJ é competente para julgar os crimes praticados pelos Governadores e pelos Conselheiros de Tribunais de Contas somente se estes delitos tiverem sido praticados durante 0 exercício do cargo e em razão deste.158 Dessa forma, como regra, as hipóteses de foro por prerrogativa de função pe­ rante 0 STJ restringem-se àquelas em que 0 crime for praticado em razão e durante 0 exercício do cargo ou função.

156. RE 118583B/SP, STF. ld Turma. Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 14,05.2019 (Info 940). 157. RE 1185838/SP, STF. 1* Turma. Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 14.05.2019; "A Primeira Tuma, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto em face de decisão monocrática que, ao negar seguimento a recurso ex­ traordinário, manteve o foro por prerrogativa de função de prefeito denunciado por delitos cometidos em mandato anterior. 4 Tuma determinou a remessa dos autos á primeira instância, mantida a validade de todos os atos pratica­ dos por tribunal dejustiça responsável pelo recebimento de denúncia contra prefeito que supostamente havia prati­ cado os fatos imputados em mandato anterior e, após o interregno de 4 anos, foi eleito para um novo mandato de prefeito. Considerou não se tratar, portanto, de reeleição. O Colegiado reafirmou jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que o foro por prerrogativa de função se aplica apenas aos crimes cometidos du­ rante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Entretanto, a prerrogativa de foro relaciona-se às funções desempenhadas na atualidade e a jurisprudência da Corte não abrange os interregnos de mandatos. No caso, após o término do primeiro mandato, no qual supostamente praticados os delitos apurados, a ação deveria ter sido encaminhada para a primeira instância. O fato de o denunciado ter assumido novo mandato de prefeito não enseja a prorrogação do foro". (Informativo 940) 158. STJ. Corte Especial. APn 857/DF, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 20.06.2018. STJ. Corte Especial. APn 866/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20.06.2018.

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Porém, essa regra encontra exceção. A exceção são os Desembargadores de Tribunal de Justiça que continuam sendo julgados pelo STJ mesmo que o crime não esteja relacionado com as suas funções.15’ Nesses termos, o Superior Tribunal de Justiça é o tribunal competente para o julgamento nas hipóteses em que, não fosse a prerrogativa de foro (art. 105,1, da CF/88), 0 desembargador acusado houvesse de responder à ação penal perante juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal. Assim, mesmo que 0 crime cometido pelo Desembargador não esteja relacionado com as suas funções, ele será julgado pelo STJ se a remessa para a i» instância significar que 0 réu seria julgado por um juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal que 0 Desembargador. A manutenção do julgamento no STJ tem por objetivo preservar a isenção (imparcialidade e independência) do órgão julgador.’60 Portanto, aqui temos uma espécie de "exceção" ao entendimento do STJ que também restringe 0 foro por prerrogativa de função. Assim, como citado acima, o STJ entendeu que haveria um risco à imparcialidade caso 0 juiz de 1* instância julgasse um Desembargador (autoridade que, sob 0 aspecto administrativo, está em uma posição hierarquicamente superior ao juiz).159 161162 160

b) 0 STF, em 2007, anulou 0 ato formal de indiciamento realizado pela Polícia Federal contra Senador, alegando que a Polícia Federal não pode indiciar de ofício deputados e senadores, pois os parlamentares teriam foro por prerrogativa de função no STF. Nesse sentido, entendeu 0 STF na decisão, que indiciamento de deputados e senadores deveria ter autorização do próprio STF.*62 Assim, se hou­

159. STJ. APn 878/DF QO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21.11.2018 160. STJ. APn 878/DF QO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21.11.2018 (Informativo 639 do STJ). 161. STJ. APn 878/DF QO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 21.11.2018 (Informativo 639 do STJ). O caso concreto enfrentado pelo STJ envolvia um Desembargador doTribunal de Justiça do Estado do Paraná que estava sendo acusado de ter, supostamente, praticado lesão corporal contra a mãe e a irmã. Este Desembargador deve ser julgado pelo STJ (e não pelo Juiz de Direito de 1d instância). O Min. Joâo Otávio de Noronha argumentou que: "Por mais que acredite na lisura dos juizes brasileiros, seria muito constrangedor para essejuiz em determinada situa­ ção votar ou condenar um superior hierárquico, que votou ou votará nele para uma promoção. Sem considerar outras hipóteses. Eu não daria essa carta em branco. Nao assinaria um cheque em branco paro os juizes nessa hipótese. Eu prefiro a cautela. Não quero verjuiz perseguido nem promovido por favores concedidos que pode gerar até a impuni dade. Minha preocupação é sobretudo a impunidade, vamos ver Estado em que a pressão nojuiz é muito grande. Juiz que tem vínculo com investigado nao pode julgar. E uma blindagem que se faz à independência da magistratura. O juiz que está subordinado o um investigado não deve julgá-lo! No mesmo sentido foi o voto do Min. Herman Benjamin: “Para um juiz, a carreira é o fundamento da sua existência profissional. E não vejo como um juiz possa julgar o corregedor do seu Tribunal. O foro existe para o réu e em favor da sociedade. É garantia implícita! 162. Conforme a Pet n° 3.825 QO/MT julg. em 10.10.2007: (...) lll) diferenças entre a regra geral, o inquérito policial disciplinado no Código de Processo Penal e o inquérito originário de competência do STF regido pelo art. 102,1, b, da CR e pelo RI/STF. A prerrogativa de foro é uma garantia voltada não exatamente para os interesses dos titu­ lares de cargos relevantes, mas, sobretudo, para a própria regularidade das instituições em razão das atividades funcionais por eles desempenhadas. Se a Constituição estabelece que os agentes políticos respondem, por crime comum, perante o STF (CR, art. 102,1, b), não há razão constitucional plausível para que as atividades diretamente relacionadas à supervisão judicial (abertura de procedimento invesrigatório) seiam retiradas do controle judicial do STF. A iniciativa do procedimento investígatório deve ser confiado aoMPF contando com a supervisão do Ministro-RelatordoSTF. 10. A Policia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República (no caso do STF). No exercido de competência penal originária do STF (CR, art. 102,1, "b“c/c Lei n" 8.038/1990, art. 2° e RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante todo o tramitação das investigações desde a abertura

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ver investigação ou indiciamento envolvendo autoridade com foro por exercício de função no STF (desde a AP 937 QO, como já estudado, por crime praticado após a diplomação e que guarda relação com 0 mandato), sem autorização do Pretório Excelso, isso pode ser anulado.163

Assim sendo, por exemplo, em investigações da operação "Lava Jato" envol­ vendo Deputados Federais, Senadores e Ministros de Estado, 0 Procurador Geral da República deveria requerer diligências investigatórias e 0 Ministro-Relator no STF decidiría se autorizaria ou não. É interessante que, as diligências requeridas pelo Ministério Público Federal e deferidas pelo Ministro-Relator são meramente informativas, não sendo suscetíveis ao princípio do contraditório. Desse modo, conforme 0 Inq 3387 AgR, não cabe à defesa controlar, "ex ante", a investigação, 0 que acabaria por restringir os poderes instrutórios do Relator. Assim, 0 MinistroRelator poderá deferir, mesmo sem ouvir a defesa, as diligências requeridas pelo Ministério Público que entender pertinentes e relevantes para o esclarecimento dos fatos.164 Porém, é importante ressaltar, mais uma vez, que esse entendimento tradicio­ nal do STF, agora apresenta uma ruptura interessante. Nesses termos, como vimos, antes da decisão da AP 937 00, as investigações envolvendo Deputado Federal ou Senador somente poderiam ser iniciadas após autorização formal do STF.165 Essa investigação era chamada de inquérito criminal (não era inquérito "policial") e de­ veria tramitar no STF, como vimos, sob a supervisão judicial de um Ministro-Relator que iria autorizar as diligências que se fizessem necessárias.

dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou nào, de denúncia pelo dominus lltis. 11. Segunda oato_ em face do parlamentar investigado, 12. Remessa ao Juízo da 2a Vara da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso para a regular tramitação do feito. Rel. p/Ac. Min. Gilmar Mendes. DJ: 04.04.2008. Em sentido equivalente, o Inq n° 2842 julg. em 02.05.2013: (...) lll - A competência do STF, quando da possibilidade de envolvimento de parlamentar em ilícito penal, alcança a fase de investigação, materializada pelo desenvolvimento do inquérito. VI-A usurpação da competência do STF traz como consequência a inviabilidade de tais elementos operarem sobre a esfera penal do de­ nunciado. Precedentes desta Corte. (Rel. Mm. Ricardo Lewandowski). Em regro, a autoridade com foro por prerrogativa de função pode ser indiciada. Existem duas exceções previstas em lei de autoridades que não podem ser indiciadas: a) Magistrados (art. 33, parágrafo único, da LC 35/79): b) Membros do Ministério Público (art. 18, parágrafo único, da LC 75/73 e art. 40, parágrafo único, da Lei n° 8.625/93). 163. Aqui um interessante exemplo: surgiram indícios de que determinado Governador teria praticado crimes. Diante dis­ so, foi requerida a abertura de inquérito criminal no STJ para investigar o Chefe do Poder Executivo estadual. Esta inves­ tigação deve ser autorizada pelo STJ porque compete a esta Corte julgar Governadores de Estado por crimes comuns (art. 105,1, “a", da CR/88). O STJ autoriza o instauração do inquérito. São ouvidas diversas testemunhas e realizadas di ligências na investigação e os indícios contra o Governador aumentam. Diante disso, o Delegado entende que existem elementos suficientes para realizar o indiciamento do Governador. Para que esse indiciamento seja concretizado, é imprescindível que haja uma autorização do Ministro Relator do STJ responsável pelo inquérito. (Márcio André Lopes, Comentários ao Informativo 825 do STF, 2016). 164. STF. 2aTurma. Inq 3387 AgR/CE, Rel. Min. DiasToffoli, julg. em 15.12.2015. 165. Assim, por exemplo, se a autoridade policial ou o membro do Ministério Público tivesse conhecimento de indícios de crime envolvendo Deputado Federal ou Senador, o Delegado e o membro do Ministério Público não pode­ riam iniciar uma investigação contra o parlamentar federal. O que eles deveríam fazer: remeter esses indícios à Procuradoria Geral da República para que esta fizesse requerimento pedindo a autorização para a instauração de investigação criminal envolvendo essa autoridade.

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Nesses termos, repetimos, a autoridade policial e o Ministério Público só po­ diam investigar eventuais crimes cometidos por Deputados Federais e Senadores, se houvesse uma prévia autorização do STF. 0 que ocorre agora? Ora, a partir da decisão da AP n°937 QO, surge um componente novo. Qual seja, agora depende se o crime foi praticado antes ou depois da diplomação, e mais, se praticado depois da diplomação se guarda ou não relação com o mandato (em razão do mandato). Agora, se o crime foi praticado antes da diplomação, ou depois da diplomação, mas não guarda relação com o mandato, não haverá essa necessidade, mesmo porque, por óbvio, o foro não será o STF.

c) Só ocorrerá a imunidade formal em relação processo para crimes pratica­ dos após a diplomação (é na diplomação que se forma o vínculo jurídico entre re­ presentantes e representados; eleitores e eleitos. Ela indica que houve uma eleição válida e que aquele indivíduo alcançou votos suficientes para ter direito ao manda­ to). Porém, se o Deputado ou Senador praticou crime antes da diplomação não terá imunidade formal em relação ao processo. d) Hipótese de concurso de pessoas. Ou seja, se Deputado ou Senador pra­ tica crime após a diplomação e que guarda relação com o mandato (em função do mandato) em concurso com outras pessoas (com outros corréus). Temos aí algumas situações:



Se ocorre a sustação da ação penal contra o parlamentar, ocorrerá também a suspensão da ação penal para os outros corréus? Não, por­ que eles não têm imunidade que é inerente ao mandato parlamen­ tar166 167. Nesse sentido, os corréus serão processados na instância ori­ ginária da prática do delito (deslocamento de competência). Ou seja, estaremos diante da figura do desmembramento processual.



Não ocorre a sustação da ação penal para o parlamentar. Nesse caso, o foro por prerrogativa de função do Deputado ou Senador será o STF (arts. 53, § 1° e 102, I, "b"). E os corréus, serão processados e julgados no STF ou na instância originária (competente originaria­ mente)? Pergunta se: haverá desmembramento processual? Aqui de­ pende do caso concreto e de seu contexto para que seja exarado 0 posicionamento do STF.

166. 1) Se o crime foi praticado antes da diplomação ou se o crime foi praticado depois da diplomação (durante o exercício do cargo), mas o delito não tem relação com as funções desempenhadas. Atribuição para investigar: Polícia (Civil ou Federal) ou MP. Não há necessidade de autorização do STF. Medidas cautelares são deferidas pelo juízo de 1a instância (Exemplo: quebra de sigilo) 2) Se o crime foi praticado depois da diplomação (durante o exercício do cargo) e o delito está relacionado com as funções desempenhadas. Exemplo: corrupção passiva. Atribuição para investigar: Policia Federal e Procuradoria Geral da República, com supervisão judicial do STF. Há necessidade de autorização do STF para o início das investigações. Nos termos do Informativo 900 do STF. 167. Conforme a súmula 245 do STF: "A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa".

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Nesse sentido, o STF vem decidindo com base no fundamento da conveniência da instrução processual. Assim, para que não haja dúvidas, visto que a doutrina vem recorrentemente se equivocando com o posicionamento do STF, temos que:

d.i) No caso do mensalão, o STF definiu que os 40 indiciados pela prática de uma série de crimes seriam todos processados pelo STF.'63 Nesses termos, o STF já decidiu pelo não desmembramento. Além da conveniência da instrução processual, bem como, do contexto no qual um determinado caso está inserido, um fundamento para tal postura, pode ser manejado com base na Súmula n° 704 do STF que pre­ leciona que: "não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados". No julgamento do Inquérito do mensalão n° 2.245, em 06.12.2006, os minis­ tros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram manter na Corte as investiga­ ções contra os 40 denunciados no processo. A decisão, por maioria dos votos, foi tomada na apreciação de questão de ordem pelo Plenário. No dia 9 de novembro de 2007, 0 Plenário havia decidido desmembrar 0 inquérito entre os denunciados que possuíam foro privilegiado e seus coautores, e outros, que não possuem tal prerrogativa e que não cometeram crimes em coautoria com quem tem privilégio, nos termos de uma proposta apresentada pelo ministro Sepúlveda Pertence. A sessão plenária foi suspensa, na ocasião, para que 0 ministro Joaquim Barbosa, relator do inquérito, trouxesse posteriormente uma listagem enumerando em quais casos 0 inquérito seria desmembrado. No dia 06.12.2006, 0 Ministro Joaquim Barbosa chegou a apresentar sua proposta, mas alertou para 0 fato, de que 0 voto condutor de Sepúlveda Pertence iria manter praticamen­ te todos os denunciados sob investigação no STF. No iter da sessão, 0 Ministro Cezar Peluso propôs, então, que fosse reconsiderada a decisão anterior do desmembramento, votando pela manutenção de todo 0 inquérito no Supremo, na linha da proposta inicial do Procurador-Geral da República (PGR). A maioria adotou a solução proposta pelo ministro Cezar Peluso para, revisando delibera­ ção anterior do Plenário, manter íntegro 0 inquérito no STF. Ficaram vencidos na votação os ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio. No mesmo sentido foi a decisão de 28.07.2007: "(...) Ementa: primeira preliminar. Incompetência. Foro por prerrogativa de função. Desmembramento indeferido pelo Pleno. Preclusão. Rejeitada a preliminar de incompetência do STF para julgar a acusação formu­ lada contra os 34 (trinta e quatro) acusados que não gozam de prerrogativa de foro. Matéria predusa, tendo em vista que na sessão plenária realizada no dia 06/12/06 decidiu-se, por votação majoritária, pela necessidade de manter-se um processo único, a tramitar perante 0 Supremo Tribunal Federal. (...)". Aqui,*

168. No julgamento do Inquérito do mensalão n" 2.245, em 06.12.2006, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram manter na Corte as investigações contra os 40 denunciados no processo. A decisão, por maioria dos votos, foi tomada na apreciação de questão de ordem pelo Plenário. (STF, em 16.12.2011)

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registramos que o Ministro Joaquim Barbosa, negou novamente em dezembro de 2011, pedido da defesa de José Roberto Salgado, um dos réus na Ação Penal (AP) 470, para que 0 processo conhecido como mensalão fosse desmembrado. A defesa pedia que fosse mantida a ação no Supremo apenas contra os réus que possuem foro por prerrogativa de função. Para 0 advogado, seria inconsti­ tucional estender a competência especial por prerrogativa de função para quem não é titular do direito. Regras infraconstitucionais de conexão ou continência, ou mesmo razões de conveniência e oportunidade prática não podem embasar essa extensão, sustentava 0 defensor. Ao negar 0 pedido, 0 Ministro Joaquim Barbosa, relator do caso, lembrou que essa questão já foi submetida diversas vezes ao Plenário da Corte, "sendo, em todas as oportunidades, rejeitada"169.

Fato é que, a questão do desmembramento, novamente foi trazida à baila, no início do julgamento da AP 470, em 02.08.2012. 0 STF, por maioria, rejeitou questão de ordem, suscitada da tribuna, em que requerido 0 desmembramento do feito, para deslocar a competência da Corte quanto ao processo e julgamento dos denun­ ciados não detentores de mandato parlamentar. Prevaleceu 0 voto do relator Min. Joaquim Barbosa (com a divergência do Min. revisor Ricardo Lewandowski e do Min. Marco Aurélio). 0 Ministro Joaquim Barbosa lembrou que 0 tema já teria sido obje­ to de deliberação pelo Pleno, na qual decidido que 0 Supremo seria competente para julgar todos os réus envolvidos na presente ação, motivo por que, inclusive, a questão estaria preclusa. Aqui é interessante apenas ressaltarmos que pelo menos um dos denunciados deve ser dotado de prerrogativa de foro, pois não havendo nenhum réu no foro por exercício de função, não há que se falar foro privilegiado. Um exemplo foi a decisão do Ministro Joaquim Barbosa no caso da AP n° 420 (envolvendo a análise de emprés­ timos "supostamente fraudulentos" do Banco BMG para 0 Partido dos Trabalhadores).

No caso, decidiu que como 0 ex-deputado federal José Cenoíno, do PT, não foi reeleito (no pleito de 2010) e era 0 único réu com prerrogativa de foro (no caso que investigava a realização de supostos empréstimos fraudulentos do BMG para o partido), 0 então Ministro Joaquim Barbosa declinou da competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar a Ação Penal n° 420. Com isso, conforme exarado, 0 processo voltou a tramitar na i» instância. Nesse sentido, 0 Ministro de­ terminou (mantida a validade dos atos já praticados) 0 encaminhamento dos autos para 0 juízo da 4a Vara Federal de Belo Horizonte-MG, local no qual 0 feito começou a tramitar.

E, por último, no recente caso envolvendo 0 Senador Aécio Neves no Inq 4506 AgR/DF. Nesses termos, no caso envolvendo 0 Senador Aécio Neves, sua irmã, seu primo e mais um investigado, 0 STF decidiu que, no atual estágio, não deveria haver 0 desmembramento e a apuração dos fatos deveria permanecer no STF para todos

169. AP 470 STF em: 16.12.2011. Rel. Min Joaquim Barbosa.

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os envolvidos. Isso porque entendeu-se que o desmembramento representaria ine­ quívoco prejuízo às investigações.170171 172 d.2) Porém, apenas a título de exemplo, em março,’7’ agosto17’ e outubro de 2oo8173, o STF adotou a tese do desmembramento processual com base na conve­ niência da instrução processual. Em agosto de 2009, 0 STF também decidiu nesse sentido, nos termos do Informativo n° 556 do STF.174 Isso ocorreu em fevereiro de 2014, no julgamento do Inq n° 3515 AgR/SP, presente no Informativo n° 735 do STF.

Aqui, portanto, temos duas posições. Alguns defendem que deveria haver 0 processamento sempre no STF (corréus junto com 0 parlamentar com foro por prer­ rogativa de função) para evitar decisões conflitantes e contraditórias. 0 ministro Gilmar Mendes, por exemplo, já se manifestou nesse sentido, dizendo que "em casos de crimes plurais, dever-se-ia evitar possíveis incongruências geradas por decisões do STF e de instâncias inferiores. Reputou possível a atração da competên­ cia por conexão e ressaltou que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos preconizaria não haver violação ao princípio do juiz natural na hipótese de decisão

170. Inq 4506 AgR/DF, STF. P Turma Rel p/o ac. Min. Alexandre de Moraes, julg em 14.11.2017. A 1’TurmadoSTF entendeu que, neste momento, o desmembramento prejudicaria o andamento das investigações. 0 STF enten­ deu que as acusações e a conduta de cada um dos investigados relaciona-se com um único fato supostamente delituoso - a solicitação de RS 2 milhões a Joesley Batista para ajudara pagar a defesa de Aécio Neves em inves­ tigações da Operação Lava Jato. Desse modo, a investigação se refere a fato único, com diversidade de funções entre os acusados, o que justifica a manutenção das investigações no STF. Neste estágio das investigações, as condutas dos quatro investigados estão indissociavelmente unidas à do Senador e o desmembramento repre­ sentaria "inequívoco prejuízo às investigações" (Informativo 885) 171. Inq. n° 2.597 ED Agr julg. em 13.03.2008: "[...] Pertinente o desmembramento do processo quando conveniente à instrução penal, na forma de inúmeros precedentes da Suprema Corte. 4. Agravo regimental desprovido." Rel. Min. Menezes Direito. 172. Nos termos do HC n° 89.056 decidido pela 1 • Turma em 12.08.2008. No caso: por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (S TF) concedeu a ordem a fim de desmembrar inquérito em trâmite no Superior Tribunal de Justiça (STJ). O habeas corpus para determinar o desmembramento do inquérito em curso no STJ, permanecendo naquele tribunal apenas os autos relativos ao conselheiro do Tribunal de Contas do estado do Mato Grosso, que detém a prerrogativa de foro e sendo encaminhado a 10 instância os autos relativos a corréu que não detinha prerrogativa de foro. Conforme a Ementa: Competência - Prerrogativa de foro - natureza da disciplina. A competência por prerroga­ tiva de foro é de Direito estrito, não se podendo, considerada conexão ou continência, estendê Ia a ponto de alcançar inquérito ou ação penal relativos a cidadão comum. 173. Em decisão de 02.10.2008, o STF decidiu em favor de desmembramento de Ação penal no qual está como corréu um Senador e outros que não detêm a prerrogativa de foro. Nesses termos, a decisão da AP AgR n°493: “(...) 3. Esta Corte vem se orientando no sentido de admitir a separação do processo com base na conveniência da instrução e na racionalização dos trabalhos. 4. No caso em questão, a razoável duração do processo (CR, art. 5°, LXXVIII) não vinha sendo atendida, sendo que as condutas dos 8 (oito) acusados foram especificadas na narração contida na denúncia. 5. Relativamente à imputaçáo sobre possível crime de quadrilha, esta Corte já decidiu que há “a possibilidade de sepa­ ração dos processos quando conveniente á instrução penal, [...] também em relação aos crimes de quadrilha ou bando (art. 288, do CP)“6. Agravo regimental improvido". Rel. Min Ellen Gracie. 174. Nesses termos, temos o Inq n» 2.718, julgado em 20.08.2009: "O Tribunal decidiu, por maioria, pelo desmembra­ mento de inquérito, e determinou fosse comunicada à Presidência a necessidade de que, em todos os processos sigilosos, sejam extraídas cópias para os Ministros para efeito de julgamento. Na espécie, trata-se de inquérito, que tramita sob o regime de sigilo, instaurado com a finalidade de apurar os crimes previstos no art 299 do Código Eleitoral, no art. 1° da Lei 9.613/98 (lavagem de dinheiro), e no art. 288 do Código Penal (quadrilha ou bando), diante de indícios que apontam para a compra de apoio eleitoral. (...) Decidiu-se pelo desdobramento do processo, determinando-se remessa de cópia ao SuperiorTribunal de Justiça para conhecimento da denúncia contra o Governador de Estado (...)". Rel Min. Ricardo Lewandowsky, Informativo n° 556 do STF.

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tomada pela Suprema Corte, porque esta consagraria, por excelência, a ideia de juiz natural". Por outro lado, há a tese defendida pelo Ministro Marco Aurélio, ao fundamento de que contra conflitos e contradições há a figura do recurso. Segundo o ministro, o que não podemos permitir é que indivíduos que não tenham foro por prerrogativa, sejam julgados no mesmo Tribunal daqueles que o detém. Aqui, não há tese vencedora. Ou seja, o STF vem adotando as 2 teses, mediante análise ("pon­ derada" no caso concreto) da conveniência da instrução processual, embora, é bom que se diga (não obstante 0 caso do mensalão - AP 470), que a tese do desmembra­ mento seja, em regra, a mais usada pelo Pretório Excelso. Ou seja, em regra, 0 STF entende que deve haver 0 desmembramento dos processos quando houver corréus sem prerrogativa. Aliás, isso, inclusive, foi afirmado textualmente pelo plenário do STF, quando do julgamento em 12.02.2014 do Inq n» 3515/AgR/SP’75. Aqui, é bom que diga, que na intitulada "operação Lava Jato", 0 STF decidiu desmembrar um dos feitos, ficando no STF a investigação relacionada com determinado Deputado Federal, e, sendo remetido de volta para a Vara Federal de Curitiba 0 processo que apura a conduta dos demais réus (supostos comparsas do parlamentar). É interes­ sante que depois do desmembramento, durante a oitiva de um réu colaborador na ia instância, este revelou novos fatos criminosos que teriam sido praticados pelo Deputado. Segundo 0 Pretório Excelso essa oitiva foi correta e não houve usurpação de competência do STF. Nesse sentido, só se poderia dizer que houve violação da competência do STF se 0 juiz federal tivesse realizado medidas investigatórias diri­ gidas ao Deputado Federal, não podendo ser considerada medida de investigação 0 simples fato de ele ter ouvido réu colaborador e este ter mencionado durante a audiência a participação Deputado.175 176

e) Conforme entendimento do STF, se durante a investigação, conduzida em 1» instância, de crimes praticados por pessoas sem foro por exercício de função, caso surja indício de delito cometido por uma autoridade com foro no STF, 0 juiz deverá paralisar os atos de investigação e remeter todo 0 procedimento para 0 Supremo Tribunal Federal. Portanto, 0 juiz não pode decidir separar os procedimentos e re­ meter ao Tribunal apenas os elementos colhidos contra a autoridade, permanecen­ do com 0 restante. Nesse sentido, chegando ao STF, compete ao próprio STF decidir

175. Nesses termos: "O desmembramento de inquéritos ou de ações penais de competência do STF deve ser regra geral, ad­ mitida exceção nos casos em que os fatos relevantes estejam de tal forma relacionados que ojulgamento em separado possa causar prejuízo relevante á prestação jurisdicional. Essa a orientação do Plenário, que desproveu agravo regi­ mental interposto de decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio, nos autos de inquérito do qual relator. Na decisão agravada, fora determinado o desmembramento do feito em relação a agente não detentor de foro por prerrogativa de função perante o STF". (Inq n° 3515 julg. em 12.02.2014 Rel. Min. Marco Aurélio). No mesmo sentido: QO/PR nas Ações Penais: 871 a 878 julg. em 10.06.2014. Rel. Min Teori Zavascki. 176. Segundo o STF: É comum que, em casos de desmembramento, ocorra a produção de provas que se relacionem tanto com os indivíduos investigados na Ia instância, como o dos demais réus com foro privativo. A existência dessa coincidência não caracteriza usurpação de competência. Nesses termos, a simples menção do nome do reclamante em depoimento de réu colaborador, durante a instrução em Ia instância, não caracterizaria ato de investigação, ainda mais quando houve prévio desmembramento, como no caso. STF. Rcl 21419 AgR/PR, Pleno do STF, Rel. Min.Teori Zavascki, julg: 07.10.2015.

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se deverá haver o desmembramento ou se o Tribunal irá julgar todos os suspeitos, incluindo as pessoas que não têm foro por exercício de função (foro privativo). Em suma, cabe apenas ao STF decidir sobre a necessidade de desmembramento de investigações que envolvam autoridades com prerrogativa de foro. No mesmo sen­ tido, se surgirem diálogos envolvendo autoridade com foro no STF, o juiz que havia autorizado a interceptação não poderá levantar o sigilo do processo e permitir o acesso às conversas porque a decisão quanto a isso é também do STF.1?7É necessá­ rio acrescentar ainda que se o STF entende que não há indícios contra a autoridade com foro privativo e se ainda existem outros investigados, o STF deverá remeter os autos ao juízo de r instância para que continue a apuração da eventual respon­ sabilidade penal dos terceiros no suposto fato criminoso.1/8 E, além disso, temos também que a simples menção ao nome de autoridades detentoras de prerrogativa de foro, seja em depoimentos prestados por testemunhas ou investigados, seja em diálogos telefônicos interceptados, assim como a existência de informações, até então, fluidas e dispersas a seu respeito, são insuficientes para o deslocamento da competência para o Tribunal hierarquicamente superior. Nesses termos, não é porque um dos investigados mencionou o nome de uma autoridade com foro pri­ vativo que deverá haver o deslocamento da competência. Somente deverá haver a remessa da investigação para o foro por prerrogativa de função se ficar constatada a existência de indícios da participação ativa e concreta do titular da prerrogativa em ilícitos penais."9 E claro após a AP n»937 QO se 0 crime for após a diplomação no exercício do mandato e em razão do mandato. f) Deputado ou senador pratica crime no exercício da função, no iter do man­ dato e que guarda relação com o mandato. Pergunta-se: após o fim do mandato (por qualquer motivo), ele continuará sendo processado e julgado no STF? Antes da AP 937 QO, a jurisprudência do STF estabeleceu como regra o deslocamento da competência se o parlamentar não estiver mais no cargo. E as exceções seriam: a) Fraude (ou abuso) processual; b) Se o julgamento no STF já tiver se iniciado (julgamento como ato único que se desdobra fisicamente). Porém, com o novo posicionamento e padronização na AP n» 937 QO, agora depende do marco temporal que foi definido nessa Ação Penal. Nesse sentido, como já explicitamos, após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de 0 agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar 0 cargo que ocupava, qualquer que seja 0 motivo.1Sc

177. Rcl 234S7, Plenário do STF. Referendo MC/PR, Rel. Min.Teori Zavascki, julg. em 31.03.2016. Aqui ressaltamos que compete ao STF decidir quanto à conveniência do desmembramento de procedimento de investigação ou persecuçào penal, quando houver pluralidade de investigados e um deles tiver prerrogativa de foro perante a Corte. STF. 2° Turma. AP871,872,873,874,875,876,877e878OO/PR, Rel. Min.Teori Zavascki, julgados em 10.06.2014. 178. Inq 3158 AgR/RO, 1 “Turma do STF. Red. p/o ac. Min. Rosa Weber, julgado em 07.02.2017 (Informativo 853). 179. Rcl 25497 AgR/RN, STF. 2“Turma. Rel. Min. DiasToffoli, julgado em 14.02.2017 (Informativo 854) 180. Se um Senador estiver respondendo a um processo criminal no STF e chegar ao fim o seu mandato, ces­ sa a competência do STF para julgar esta ação penal, salvo se a instrução processual já estiver concluída.

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g) Decidiu o STF em 2019, que a determinação de busca e apreensão nas de­ pendências da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal pode ser decretada por juízo de 1a instância se 0 investigado não for congressista. Entendeu 0 Pretório Excelso que a Constituição, ao disciplinar as imunidades e prerrogativas dos parla­ mentares, não conferiu exclusividade ao STF para determinar medidas de busca e apreensão nas dependências da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal.181

Nesses termos, a determinação de busca e apreensão nas dependências do Congresso Nacional, desde que não direcionada a apurar conduta de congressista, não se relaciona com as imunidades e prerrogativas parlamentares. Isso porque, conforme 0 ministro Edson Fachin, ao contrário do que ocorre com as imunidades diplomáticas, as prerrogativas e imunidades parlamentares não se estendem aos locais onde os parlamentares exercem suas atividades nem ao corpo auxiliar. Portanto, 0 fato de 0 endereço de cumprimento da medida coincidir com as dependências do Congresso Nacional não atrai, de modo automático e necessário, a competência do STF. Nesse sentido, será necessário examinar, no caso concre­ to, se a investigação tinha congressista como alvo, pois, como já dito, 0 STF não detém competência exclusiva para apreciação de pedido de busca e apreensão a ser cumprida no Congresso Nacional. Aqui ressaltamos que a determinação, pelo Poder judiciário, de busca e apreensão a ser cumprida nas dependências de Casa Legislativa, não configura, por si só, qualquer desrespeito à separação dos poderes.

No caso, policiais legislativos do Senado Federal teriam supostamente im­ plementado ações de contrainteligência direcionadas a frustrar a realização de

hipótese na qual haverá a perpetuação da competência e o STF deverá julgar o réu mesmo ele não sendo mais um parlamentar federal. Aqui recordamos algumas situações que trabalhamos em edições passadas e que hoje estão sob a égide da AP 937 QO 1) Deputado Federal foi acusado de mandar matar um governador. Ocorre que, 5 dias antes do julgamento em dezembro de 2007, o parlamentar renunciou ao cargo de deputado e os advogados requereram deslocamento do processo para a instância originária (no caso oTribunal do Júri) ao argumento de que seria povo do Paraiba que deveria julgá-lo. O Ministro Joaquim Barbosa ficou nitidamente indignado e levantou a tese do abuso de direito advogando que não deveria haver o deslocamento processual para o Estado da Paraíba. O Ministro questionou do seguinte modo a situação: o parlamentar ficou praticamente 4 anos sendo processado no STF e nada questionou e 5 dias antes do julgamento pede deslocamento? Para o Ministro seria um abuso com vistas a subverter a lógica da CR/88. Porém, quando o julgamento estava 4 a 4, os Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Marco Aurélio consolidaram o entendimento (7x4) de que deputado teria o direito de renunciar e, com isso, ele náo estando mais no cargo a competência deveria ser deslocada. 2) Em 28.10.2010 na AP n' 395/RO o STF mudou seu entendimento e estabeleceu no caso Natan Donadon (AP n° 396/RO) uma exceção em que não havería deslocamento de competência. Essa seria a da Fraude ou abuso processual. No caso Natan Donadon renunciou dia 27.10.2010 com julgamento marcado no STF para o dia 28.10.2010. O STF entendeu que houve fraude processual e o julgou mesmo com a renúncia no dia anterior (ele foi condenado a 13 anos 4 meses e 10 dias de reclusão). 3) Além dessa exceção existia outra presente no informativo S25 do STF. Essa seria se o julgamento no STF já tiver se iniciado e o parlamentar no iter do julgamento deixasse o mandato (julgamento como ato único que se desdobra fisicamente) O julgamento seria finalizado no STF. 181. Rc!25537/DFeAC. 4297/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Edson Fachin, julg em 26.06.2019. A CR/88 não previu “prerro­ gativa de foro a locais". O fato de a medida cautelar precisar ser cumprida no Senado não enseja a competência do STF se o investigado não for o Senador.

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interceptações telefônicas e de escutas ambientais com a finalidade de neutralizar meios de obtenção de prova licitamente determinados no contexto de operação policial contra a corrupção. Eles estariam, supostamente, realizando medidas de contrainteligência nos ga­ binetes e residências de 3 senadores e 2 dos ex-senadores, com 0 objetivo, em tese, de obstruir as investigações da "Lava jato". Conforme a investigação da Polícia Federal, quatro policiais legislativos estariam fazendo essas "varreduras eletrôni­ cas", com recursos do Senado, nos escritórios e residências desses políticos com 0 objetivo de saber se haveria alguma escuta ou outros meios de obtenção de prova nesses locais. Em razão desses fatos, diversas medidas constritivas foram deferidas por juiz federal de 1a instância, inclusive prisões temporárias, suspensão de função pública e ordem de busca e apreensão a serem cumpridas na sede da polícia legis­ lativa, localizada nas dependências do Senado Federal. Aqui salientamos que nenhum Senador foi destinatário das medidas de busca e apreensão, interceptação telefônica ou quebra de sigilo deferidas. Impende enfati­ zar, ainda, que a busca e apreensão cumprida no Senado limitou-se às dependên­ cias da Polícia Legislativa, sem alcançar gabinetes de Senadores ou a Presidência da Casa. Foi ajuizada reclamação no STF contra a decisão do Juiz Federal de 1» instância sob a alegação de que ela teria usurpado a competência do STF.

0 ministro Teori Zavascki, relator original da reclamação, deferiu liminar para suspender 0 inquérito e procedimentos conexos. Além disso, solicitou a pronta re­ messa do feito a esta Corte e determinou à autoridade reclamada (juiz Federal de 1a instancia) proceder à imediata soltura de quaisquer detidos em decorrência do referido inquérito. Os autos em curso em primeiro grau foram recebidos nesta Corte, resultando na autuação dos seguintes procedimentos: Inq 4.335, Pet 6.353 e AC 4.285.

Diante dessa decisão, a Procuradoria-Geral da República (PCR) ajuizou ação cautelar para a apreensão dos elementos probatórios arrecadados por meio de ordem judicial oriunda do juízo reclamado (de ia Instancia).131 0 STF acolheu parcialmente a reclamação e reconheceu que 0 juiz de ia ins­ tância realmente usurpou competência da Corte. Porém a Corte declarou a licitude das provas cuja produção dispensam prévia autorização judicial e, em relação aos detentores de prerrogativa de foro (os Senadores), a ilicitude das interceptações telefônicas e da quebra de sigilo de dados telefônicos.182 183

182. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Edson Fachin, julg em 26.06.2019 (Informativo 945 do STF). 183. A interceptação telefônica, por sua vez, constitui medida sujeita á cláusula da reserva de jurisdição (CF, art. 5°, XII), de modo que a violação ao Princípio do Juiz Natural quanto à apreciação do deferimento do referido meio de ob­ tenção de prova alcança seu ciclo de produção e constitui causa de nulidade em relação aos agentes detentores de foro por prerrogativa (Informativo 945).

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Na mesma assentada, em votação majoritária, deferiu o pleito em ação cau­ telar ajuizada pela PGR para preservar a prova produzida em busca e apreensão realizada para posterior avaliação apuratória.184 Ou seja, decidiu o STF, que a pre­ tensão formulada pelo Ministério Público seria merecedora de acolhimento, recomendando-se a manutenção da apreensão efetuada, com o natural e necessário prosseguimento das diligências.”5

Assim sendo, conforme já observamos, a determinação, pelo Poder Judiciário, de busca e apreensão a ser cumprida nas dependências de Casa Legislativa, não configura, por si só, qualquer desrespeito à separação dos poderes. Além disso, ressaltamos também que para o STF é perfeitamente possível fazer uma "sepa­ ração" dos efeitos da declaração de nulidade de uma mesma prova. Com isso, é possível que uma mesma prova seja declarada inválida para alguns investigados e que, por outro lado, seja utilizada contra outros. Nesse sentido, o STF entende que eventual nulidade decorrente da inobservância da prerrogativa de foro não se estende aos agentes que não se enquadrem nessa condição.186 Portanto, a usurpação da competência do STF (que foi reconhecida, como já citamos) não contaminou os elementos probatórios colhidos no que se refere aos policiais legislativos (bem como a ex-senador). E nesses termos, as provas colhidas são, em princípio, válidas em relação a esses agentes.

Se a prova produzida não precisava de autorização judicial, não há motivo para que ela seja anulada. A inobservância das regras do juiz natural não acarreta a nu­ lidade da prova colhida na hipótese em que isso não se constituir em fator decisivo à sua produção. Assim sendo, não estão contaminados os elementos probatórios cuja produção prescindem de prévia autorização judicial.187

184. Rcl25537/DFeAC 4297/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Edson Fachin, julg em 26.06.20t9 (Info 945). De forma resumida: 1) Quanto às provas que dispensam autorização judicial (ex: oitiva de testemunhas): foram declaradas licitas (válidas). Tais provas poderão ser utilizadas tanto contra os policiais legislativos (agentes sem foro privativo) como também eventualmente contra os Senadores (autoridades com foro privativo). Isso, obviamente, caso eles sejam denunciados. 2) Quanto às provas colhidas a partir das interceptações telefônicas e quebra do sigilo dos dados telefônicos: 2.1) Em relação aos detentores de prerrogativa de foro (senadores): tais provas foram declaradas ilícitas. Logo, se algum Senador for denunciado, tais provas não poderão ser utilizadas na denúncia nem no processo; 2.2) Em relação aos in­ vestigados nào detentores de prerrogativa de foro: as provas são válidas e poderão ser utilizadas contra eles. 3) Quanto á busca e apreensão: foi declarada licita. O STF deferiu pedido formulado pelo MP para preservar a prova produzida em busca e apreensão realizada para posterior avaliação opuratória. Dizer o Direito, Junho de 2019. 185. Revela-se adequada a apreensão de documentos e equipamentos associados á policia do Senado Federal e aos poli­ ciais legislativos alvo de investigação, na medida em que tais elementos podem contribuir para a formação da con­ vicção do titular da ação penal. Ganha especial relevo, nesse cenário, a apreensão de equipamentos supostamente utilizados na cogitada empreitada e que poderiam demonstrar eventual registro da realização das contramedidas de inteligência atribuídas aos agentes legislativos. (I nformativo 945) 186. Rcl 25537/DF e AC 4297/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Edson Fachin, julg em 26.06.2019. Em outro precedente: Consoante entendimento da Corte, a declaração de imprestabilidade dos elementos de prova angariados em eventual usurpação da competência criminal do Supremo Tribunal Federal não alcançaria aqueles destituídos de foro por prerrogativa de função, como no caso. STF. 2a Turma. Rcl 25497 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julg em 14.02.2017. 187. No caso, mesmo que tenha sido usurpada a competência do STF para supervisionar o inquérito, não deverão ser desconstituídos (anulados) os atos de investigação que não precisavam de autorização judicial, como é o caso da tomada de depoimentos.

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h) Por último, trazemos a cotejo interessante questão de competência sobre crime praticado por parlamentar federal. Em 2019 a ia Turma do STF decidiu que Senador que pratica crime de corrupção passiva que não está relacionada com seu cargo e que não ofende bens, serviços ou interesse da União, deverá ser julgado em 1a instância pela Justiça comum estadual. No caso, observamos a apuração de crime de corrupção passiva praticado por um então Senador e esse crime não estava relacionado com as suas funções. Pois bem, como vimos em nosso estudo, ele deveria ser julgado em 1a instância, pois o STF não será competente, não havendo foro por prerrogativa de função na hipótese. Entendeu 0 STF que 0 simples fato de 0 agente ocupar cargo público (à época de Senador) não gera, por si só, a competência da Justiça Federal de ia instância. Nesses termos, a competência será definida pela prática delitiva. Assim, se 0 crime não foi praticado em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas (art. 109, IV da da CR/88) e não estava presente nenhuma outra hipótese do art. 109 da CR/88, a competência para julgar 0 delito será da Justiça comum estadual.188 4.5. Outras Imunidades dos Parlamentares

1) Imunidade Testemunhai. Conforme 0 art. 53, § 6°, da CR/88, os deputados e senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes con­ fiaram ou deles receberam informações. Aqui, uma observação: essa imunidade não é absoluta. Tem por requisito que exista nexo de causalidade com 0 mandato. Dessa feita, 0 parlamentar não será obrigado a testemunhar, se a situação concreta guardar relação como exercício do mandato. Obviamente, se a questão em comento não guardar relação com mandato (nexo de causalidade), ele terá que testemu­ nhar.189

188. Inq 4624 AgR, STF. Ia Turma. Rel. Min. Marco Aurélio, julg em 08.10.2019. "A PrimeiraTurma negou provimen­ to a agravo regimental em inquérito em que se apura a prática do crime de corrupção passiva, e determinou a remessa dos autos à justiça estadual de primeira instância. No caso, o agravante pretendia a remessa dos autos à justiça federal em razão de um dos investigados ocupar atualmente o cargo de deputado federal. A Turma destacou, inicial­ mente, não haver bem da União envolvido na causa. O fato de o agente ocupar cargo público não gera, por si só, a competência da justiça federal. Esta é definida pela prática delitiva. O ministro Marco Aurélio (relator) asseverou que declinou da competência à justiça comum, tendo em conta que os delitos imputados, apesar de supostamente come tidos quando o referido investigado ocupava o cargo de senador da República, não estão relacionados a esse cargo. Portanto, ojulgamento da causa náo cabe ao STF. Ressaltou, no ponto, a orientação fixada pela Corte, em questão de ordem na AP 937, no sentido de que a prerrogativa de foro pressupõe a prática do ato criminoso no exercício do cargo e relacionado às funções desempenhadas!'l)nformat\vo 955) 189. Também devemos ficar atento com a condição do Parlamentar, pois conforme decisão de 11.11.2009 de Rel. Min Celso de Mello no Inq. n° 2.839: Ementa: Congressista que não é testemunha, mas que figura como indiciado ou réu: ausência da prerrogativa processual a que se refere a lei (CPP, Art. 221).- Os Senadores e os Deputados somente dispõem da prerrogativa processual de serem inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e a au­ toridade competente, quando arrolados como testemunhas ou quando ostentarem a condição de ofendidos (CPP. art. 221; CPC, art. 411, VI). Essa especial prerrogativa não se estende aos parlamentares, quando indiciados em inquérito

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Porém, o STF em 22.10.2009 tomou uma decisão em QO (questão de ordem) da AP n» 421 que merece nossa atenção, na medida em que extirpou a prerrogativa constante no art. 221 do CPP (Código de Processo Penal) para os parlamentares (omissos no mister de testemunhar). No caso, em posicionamento inovador, que pedimos vênia para apresentar temos que: "(...) 0 Tribunal resolveu questão de ordem suscitada em ação penal no sentido de declarar a perda da prerrogativa prevista no caput do art. 221 do CPP (0 Presidente e 0 Vice-Presidente da Repúbli­ ca, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembléias Legislativas Estaduais, os mem­ bros do Poder judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiri­ dos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e 0 juiz) em relação a deputado federal arrolado como testemunha que, sem justa causa, não atendera, ao chamado da justiça, no prazo de trinta dias. Na espécie, o juízo federal encar­ regado da diligência informara que 0 parlamentar em questão, embora tivesse indicado cinco diferentes datas e horários em que desejava ser inquirido, não comparecera a nenhuma das audiências designadas nessas datas por ele indica­ das. Asseverou-se que a regra prescrita no art. 221 do CPP tenta conciliar o dever que todos têm de testemunhar com as relevantes funções públicas exercidas pe­ las autoridades ali mencionadas, por meio de agendamento prévio de dia, hora e local para a realização de audiência em que essas autoridades serão ouvidas. Afirmou-se que 0 objetivo desse dispositivo legal não seria abrir espaço para que essas autoridades pudessem, simplesmente, recusar-se a testemunhar, seja não indicando a data, a hora e 0 local em que quisessem ser ouvidas, seja não comparecendo aos locais, nas datas e nos horários por elas indicados. Em razão disso, concluiu-se que, sob pena de admitir-se que a autoridade, na prática, pu­ desse, indefinidamente, frustrar a sua oitiva, dever-se-ia reconhecer a perda da sua especial prerrogativa, decorrido tempo razoável sem que ela indicasse dia, hora e local para sua inquirição ou comparecesse no local, na data e na hora por ela mesma indicados (...)" Rel. Min. Joaquim Barbosa. (Julgamento em 22.10.2009. Informativo n° 564 do STF).

2) Imunidade no que tange à incorporação das Forças Armadas. Conforme 0 art. 53, § 7°, da CR/88, a incorporação às Forças Armadas de deputados e senadores.

policial ou quando figurarem como réus em processo penal. - O membro do Congresso Nacional, quando ostentar a condição formal de indiciado ou de réu, náo poderá sofrer condução coercitiva, se deixar de comparecer ao ato de seu interrogatório, pois essa medida restritiva, que lhe afeta o “status llbertatis", é vedada pela cláusula constitucional que assegura, aos parlamentares, o estado de relativa incoercibilidade pessoal (CR, art. 53, § 2°). Nesses termos, foi a decisão: [...Idefiro o pedido formulado pelo eminente Procurador-Geral da República a fls. 07. item n. 12. “c“, em ordem a viabilizar a inquirição do parlamentar ora indiciado, independentemente de prévio ajuste, entre esse congressista e a autoridade competente, de dia, hora e local para a realização de referido ato. A inquirição ora mencionada deverá ser realizada pelo Senhor Delegado de Polícia Federal incumbido das investigações penais o que se refere este proce­ dimento.

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embora militares e ainda que em tempo de guerra, dependerá de prévia licença da Casa respectiva. Nesses termos, o parlamentar, mesmo militar, só poderá ser incorporado se a Casa autorizar. Aqui mais uma vez é reforçada a tese de que a imunidade parlamentar não é do indivíduo, mas do cargo que ele exerce.

Nesses termos, a única saída para se incorporar sem a autorização da Casa será mediante a renúncia ao cargo de deputado ou senador para, por exemplo, ir para a guerra. Nesse caso, não sendo mais parlamentar, ele poderá se incorporar à hora que bem entender às Forças Armadas sem necessitar de autorização para tal. 3) Imunidade no Estado de Defesa e Estado de Sítio. Conforme 0 art. 53, § 8°, os deputados e senadores, mesmo nas situações de desequilíbrio do Estado de De­ fesa e Estado de Sítio, conservarão as imunidades. Porém haverá uma exceção. Nes­ ses termos, perderão as imunidades no Estado de sítio os deputados e senadores ocorrendo 0 preenchimento de 3 requisitos simultaneamente. A saber: (1) por atos praticados fora do Congresso Nacional. (2) por atos incompatíveis com as medidas do Estado de sítio. (3) E, por fim, devendo a perda da imunidade, ser aprovada por 2/3 dos membros da Casa. Neste ponto de desfecho sobre 0 tema das imunidades parlamentares, uma questão final merece nossa atenção. Ela diz respeito aos status que devemos dar às imunidades parlamentares. É muito comum em calorosos debates no parlamento, não raro com troca de farpas, que parlamentares afirmem em alto e bom som que renunciam às suas imunidades para travarem uma discussão mais aberta com seus pares. Isso seria possível? Ora, a resposta é não. Depois de todo nosso estudo sobre o tema ora trabalhado, fica claro que as imunidades são, por definição, irrenunciáveis. Certo é que, os parlamentares não podem renunciar ao que não lhes pertence! Sem dúvida, as imunidades são do cargo (do mandato) e não dos indivíduos que estão exercendo 0 mandato de depu­ tado ou senador. Portanto, a única forma de renunciarem às imunidades é renun­ ciando ao cargo de parlamentar!

Nesse mesmo diapasão, apresentamos clássica questão: Deputado ou Senador quando assume 0 cargo de Ministro de Estado, perde as imunidades? Vejamos bem, ele será um parlamentar licenciado exercendo 0 cargo de Ministro com ou sem as imunidades? Ele as carrega? É lógico que 0 parlamentar perde as imunidades, pois a imunidade não é dele é do cargo (do mandato) e, com isso, quem as terá será 0 suplente que assumir a vaga de deputado ou senador. Enquanto 0 suplente estiver ocupando 0 cargo, ele que terá as imunidades.199190 *

190. Porém, nos termos do Inq n° 3357/PR julg. em 25.03.2014. Embora a licenciado para o desempenho de cargo de Secretário de Estado, nos termos autorizados pelo art. 56, inciso I, da Constituição da República, o membro do Congresso Nacional não perde o mandato de que é titular e mantém, em consequência, nos crimes comuns, a prerrogativa de foro, "ratione muneris", perante o SupremoTribunal Federal, consoante já o proclamou o Plenário

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Porém, é mister salientar que o STF no MS n° 25.579/05 (Informativo n° 406) decidiu que deputado ou senador quando assume 0 cargo de Ministro não carrega 0 bônus (das imunidades), mas carrega 0 ônus de poder perder 0 mandato por quebra de decoro parlamentar, ainda que tenha praticado atos enquanto Ministro de Estado. Esse foi 0 caso do então Deputado José Dirceu que exercia 0 cargo de Ministro de Estado (Casa Civil). Ele perdeu 0 cargo de deputado por quebra de de coro parlamentar por atos praticados enquanto Ministro,”1 sem nunca ter exercido a função de deputado, pois apenas tomou posse e se licenciou para exercer 0 cargo de Ministro, conforme permitido pelo art. 56 da CR/88. Embora seja uma situação obviamente excepcional, devido às peculiaridades do caso, 0 fundamento para a perda do cargo por quebra de decoro parlamentar foi 0 previsto no art. 4», IV, do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara que preleciona que: “Perderá 0

cargo 0 deputado que viciar 0 processo legislativo alterando 0 resultado de delibe­ rações." Nesses termos, 0 "pretenso esquema do mensalão" era justamente 0 de alterar o resultado de deliberações mediante pagamento (propina) aos parlamen­ tares para votar a favor do governo.”2

desta Corte Suprema (Inq 780-QO/TO, Rel. Min. Moreira Alves - Inq 925-QO/GO, Rel. p/ o acórdão Min. Maurício Corrêa - Inq 1.070-QO/TO, Rel. Min. Sepúlveda pertence Inq 1,357/PB, Rel. Min. Ellen Gracie - Inq 3.345/DF, Rel. Min. Marco Aurélio - Inq 3.728/DF, Rel. Min. Celso de Mello - Inq 3.815/SP, Rel. Min. Marco Aurélio) 191. Para alguns, ele apenas poderia ser processado por crime de responsabilidade pelos atos praticados enquanto Ministro. 192. Conforme a decisão da Medida Liminar no MS n“ 25.579/05 em 19.10.2005: Mandado de Segurança. Medida liminar. Decisão do colegiado. Possibilidade. Mandato parlamentar. Tramitação e processamento de representação por quebra de decoro parlamentar. Deputado Federal licenciado e investido no cargo de Ministro de Estado. Limi­ nar indeferida. 1. Nos órgãos jurisdicionais de composição múltipla, em regra a colegialidade deve primar sobre a individualidade no processo de tomada de decisões. Assim, é faculdade do Relator, sempre que considerar relevante a matéria, submeter ao colegiado o julgamento de pedido de concessão de medido liminar em mandado de segu­ rança. 2. No qualidade de guarda da Constituição, o Supremo Tribunal Federal tem a elevada responsabilidade de decidir acerca da juridicidade da ação dos demais Poderes do Estado. No exercício desse mister, deve esta Corte ter sempre em perspectiva a regra de autocontenção que lhe impede de invadira esfera reservada à decisão política dos dois outros Poderes, bem como o dever de não se demitir do importantíssimo encargo que a Constituição lhe atribui de garantir o acesso à jurisdição de todos aqueles cujos direitos individuais tenham sido lesados ou se achem ameaçados de lesão. A luz deste último imperativo, cumpre a esta Corte conhecer de impetração na qual se discute se os atos ministeriais do parlamentar licenciado se submetem à jurisdição censória da respectiva câmara legisla­ tiva, pois a matéria tem manifestamente estatura constitucional, e não interna corporis. Mandado de segurança conhecido. 3.0 membro do Congresso Nacional que se licencia do mandato para investir-se no cargo de Ministro de Estado não perde os laços que o unem, organicamente, ao Parlamento (CR, art. 56,1). Consequentemente, continua a subsistir em seu favor a garantia constitucional da prerrogativa de foro em matéria penal (INQ-QO 777-3FTO, rel. min. Moreira Alves), bem como a foculdade de optar pela remuneração do mandato (CR, art. 56, § 3°). Da mesma forma, ainda que licenciado, cumpre-lhe guardar estrita observância às vedações e incompatibilidades inerentes ao estatuto constitucional do congressista, assim como às exigências ético-juridicas que a Constituição (CR, art. 55, § Ia) e os regimentos internos das casas legislativas estabelecem como elementos caracterizadores do decoro par­ lamentar. 4. Não obstante, o princípio da separação e independência dos poderes e os mecanismos de interferência reciproca que lhe são inerentes impedem, em princípio, que a Câmara a que pertença o parlamentar o submeta, quando licenciado nas condições supramencionadas, o processo de perda do mandato, em virtude de atos por ele praticados que tenham estrita vinculação com a função exercida no Poder Executivo (CR, art. 87, parágrafo único, incisos I, II, lll e IV), uma vez que a Constituição prevê modalidade específica de responsabilização política para os membros do Poder Executivo (CR, arts. 85, 86 e 102,1, c). 5. Na hipótese dos autos, contudo, embora afastado do exercido do mandato parlamentar, o Impetrante foi acusado de haver usado de sua influência para levantar fundos junto a bancos "com a finalidade de pagar parlamen tares para que, na Câmara dos Deputados, votassem projetos em favor do Governo" (Representação n° 38/2005, formulada pelo PTB). Tal imputaçào se adequa, em tese, ao que

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4.6. Impedimentos e vedações dos Parlamentares. Perda de mandato dos Parla­ mentares e Temas Conexos. Caso do Mensalão (AP n°470) Passamos agora, a análise dos impedimentos e vedações aos deputados e se­ nadores, bem como ao estudo das hipóteses de perda de mandato. Os impedimentos (vedações) estão alocados no art. 54 da CR/88, no qual está explicitado que os deputados e senadores não poderão desde a expedi­ ção do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando 0 contrato obedecer a cláu­ sulas uniformes; b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades constantes da alínea anterior;

E, além disso, afirma 0 texto constitucional que os deputados e senadores não poderão desde a posse: a) ser proprietários, controladores ou diretores de empre­ sa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; b) ocupar cargo ou função de que sejam de­ missíveis ad nutum, nas entidades referidas no inciso I, "a"; c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere 0 inciso I, "a"; d) ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo.

Passamos agora para a análise das hipóteses de perda de mandato dos deputa­ dos e senadores. Reza a Constituição no art. 55 que perderá 0 mandato 0 deputado ou senador que: I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo ante­ rior (art. 54 da CR/88, acima citado); II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; lll - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V - quan­ do 0 decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; e VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. Aqui temos também que realizar digressões sobre os casos em que os Deputa­ dos ou Senadores não perderão mandato. Esses casos estão arrolados no art. 56 da CR/88. Nesse sentido, não perderá 0 mandato 0 deputado ou senador:

a)

investido no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secre­ tário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomática temporária.* 193

preceituado no art. 4°, inciso IV do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados que qualifica como suscetíveis de acarretara perda do mandato os atos e procedimentos levados a efeito no intuito de "fraudar, por qualquer meio ou forma, o regular andamento dos trabalhos legislativos para alterar o resultado de delibera­ ção". 6. Medida liminar indeferida. Rel. p/ac. Min. Joaquim Barbosa. 193. Nessas hipóteses, conforme a normativa constitucional prevista no art. 56 § 3°, o deputado ou senador licencia­ do poderá optar pela remuneração do mandato e não pela dos cargos acima descritos.

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b)

licenciado pela respectiva Casa por motivo de doença, ou para tratar, sem remuneração, de interesse particular, desde que, nesse caso, o afastamen­ to não ultrapasse cento e vinte dias por sessão legislativa.

Além disso, acrescentamos que o suplente será convocado nos casos de vaga, de investidura em funções previstas nesse citado art. 56 da CR/88 ou de licença superior a cento e vinte dias. E, ocorrendo vaga e não havendo suplente, far-se-á eleição para preenchê-la se faltarem mais de quinze meses para 0 término do mandato. Porém, aqui, surge uma questão não explicitada no texto constitucional. E se faltar menos de 15 meses para 0 final do mandato? Ora, a resposta é que não haverá eleição ficando 0 cargo vago (sem 0 preenchimento da vaga) até a próxima eleição.

Nesse momento, vamos realizar algumas importantes observações finais sobre a perda de mandato dos parlamentares e outros temas conexos: a) Sobre 0 inciso I do art. 55, nada mais adequado do que 0 estabelecimento de uma pesada sanção para 0 descumprimento das normas do art. 54 da CR/88. Ou seja, do que adiantariam os impedimentos ou vedações se 0 descumprimento dos mesmos não gerasse nenhum tipo de consequência para 0 mandato parlamentar? Por isso mesmo 0 Constituinte institui a perda de mandato por desobediência ao art. 54 da CR/88. b) É cediço que a quebra do decoro parlamentar prevista no art. 55, II da CR/88 leva a perda do mandato. Mas 0 que é 0 decoro parlamentar? Como ele pode ser definido?

Ora, 0 decoro parlamentar é 0 conjunto de regras morais e legais que dizem respeito ao exercício da atividade parlamentar de forma e hígida e adequada. Ou seja, ele envolve, sobretudo, as condutas do parlamentar que deve se pautar pela retidão. Nesse sentido, conforme a própria Constituição, são incompatíveis com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, 0 abuso de prerrogativas ou a percepção de vantagens indevidas.'9< Aqui uma questão deve ser explicitada. Sem dúvida, não cabe ao Poder Judi­ ciário decidir sobre 0 mérito da conduta que foi caraterizada de forma típica como usurpadora do decoro parlamentar.

Nesses termos, 0 Judiciário, sob pena de ingerência indevida, não deve se manifestar sobre o acerto ou erro da decisão de mérito tomada pela Câmara

194. É interessante que o STF inclusive já decidiu que: Na primeira fase da dosimetria em caso de condenação por lavagem de dinheiro, o órgão julgador poderá aumentara pena-base do Deputado Federal que exerce mandato há muitos anos, sob o argumento de que sua culpabilidade é mais intensa A transgressão da lei por parte de quem usualmente é depositário da confiança popular para o exercício do poder enseja juízo de reprovação muito mais intenso do que seria cabível em se tratando de um cidadão comum. STF. Ia Turma. AP863/SR Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 23.05.2017.

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ou pelo Senado, no qual tange aos casos de infringência de seus respetivos re­ gimentos internos em tema de decoro parlamentar. Porém, certo é que o Poder Judiciário pode e deve interferir nas decisões de quebra de decoro parlamentar que não garantirem procedimentalmente o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Do contrário, estaria o Poder Judiciário eximindo-se de res­ guardar ditames constitucionais fundamentais, sob a desculpa da preservação da independência do Poder Legislativo (em seus atos e procedimentos), como se tal preservação da independência fosse absoluta e não tivesse também que respei­ tar à Constituição.”5

c) Aqui é interessante salientar que o então Deputado Federal Eduardo Cunha impetrou mandado de segurança no STF pedindo a suspensão do processo de cas­ sação que tramitava contra ele na Câmara dos Deputados por quebra de decoro parlamentar. 0 STF decidiu no MS 34.327/DF que 0 Pretório Excelso só pode interferir em procedimentos legislativos (como, por exemplo, em processo de cassação) em uma das seguintes hipóteses: a) para assegurar 0 cumprimento da Constituição da República; b) para proteger direitos fundamentais; ou c) para resguardar os pressupostos de funcionamento da democracia e das instituições republicanas. No caso concreto, envolvendo Eduardo Cunha, 0 STF entendeu que nenhuma dessas situações estava presente. Restou consignado, no informativo 838 do STF, que em se tratando de processos de cunho acentuadamente político, como é 0 caso da cassação de mandato parlamentar, 0 STF deve se pautar pela deferência (respeito) às decisões do Legislativo e pela autocontenção (judicial self-restraint), somente in­ tervindo em casos excepcionalíssimos.'96 d) As hipóteses anteriormente descritas de perda de mandato, previstas no art. 55,1 a VI, da CR/88, vão trabalhar com procedimentos diferenciados que levarão à perda do mandato de deputados ou senadores. Assim sendo, conforme o art. 55 da CR/88 nos seus § 2° e § 3°, temos que:

195. Como exemplo, temos a decisão do MS n“ 25.917/DF de Rel. do Min. Gilmar Mendes: Mandado de Segurar ça. 2. Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, Instauração de processo por quebra de decoro parlamentar contra deputado federal. Ampla defesa e contraditório. Licença médica. 3. As garantias constitucionais fundamentais em matéria de processo, judicial ou administrativo, estão destinadas a assegurar, em essência, a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal em sua totalidade, formal e material (art. 5°, LIV e LV, da CF). 4. O processo administrativo-parlamentar por quebra de decoro parlamentar instaurado contra deputado federal encontro sua disciplina no Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos De­ putados e no Regulamento do Conselho de Ética daquela Casa Legislativa, a partir do disposto nos incisos lll e IV do art. 51 da Constituição, e se legitima perante o rol dos direitos e garantias fundamentais da Carta de 1988 quando seus dispositivos são fixados pela competente autoridade do Poder Legislativo e preveem ampla possi­ bilidade de defesa e de contraditório, inclusive de natureza técnica, aos acusados. 5. Tal como ocorre no proces­ so penal, no processo administrativo-porlamentar por quebra de decoro parlamentar o acompanhamento dos atos e termos do processo é função ordinária do profissional da advocacia, no exercício da representação do seu cliente, quanto atua no sentido de constituir espécie de defesa técnica. A ausência pessoal do acusado, salvo se a legislação aplicável à espécie assim expressamente o exigisse, não compromete o exercício daquela função pelo profissional da advocacia, razão pela qual neste fato não se caracteriza qualquer espécie de infração aos direitos processuais constitucionais da ampla defesa ou do contraditório. 6. Ordem indeferido. Julg. 01.06.2006. 196. MS34.327/DF Plenário do STF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 08.09.2016

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1)

Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta19', mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político repre­ sentado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

2)

Nos casos previstos nos incisos lll a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, as­ segurada ampla defesa.’98

e) No que diz respeito a hipótese prevista no art. 55, VI da CR/88, de perda de mandato em virtude condenação criminal transitada em julgado, reza constitucio­ nalmente, que 0 procedimento seria o de decisão da casa (votação) sobre a perda nos termos do art. 55 § 2° da CR/88. Nesse caso, com a condenação criminal transitada em julgado, os direitos po­ líticos seriam suspensos (nos termos do art. 15, lll da CR/88) e os parlamentares não poderiam votar nem serem votados, mas diferentemente de outros mandatá­ rios públicos (como por exemplo: Presidente da República, Governadores, Prefei­ tos) a perda do mandato não seria automática, mas dependería de deliberação da casa.

Aqui, boa parte da doutrina, "reconhece" que existe uma exceção prevista constitucionalmente no art. 55, VI, e § 2° que envolve os Deputados Federais e os Senadores. Esses, não deveríam perder 0 mandato automaticamente pelos reflexos da condenação criminal, mas só após 0 procedimento (diga-se especial) exarado na norma presente no art. 55 da CR/88 citado acima, que expressa que "a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de par­ tido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa". Essa lógica de prevalecer a regra especial do art. 55, VI e § 2° em relação à regra geral do art. 15, lll (que envolve, como já dito, 0 Presidente, Governadores e Prefeitos), também se aplicaria, segundo a doutrina, aos parlamentares esta­ duais e distritais à luz do disposto no art. 27, § i° e 32, § 30 da CR/88. Ou seja, os parlamentares estaduais também teriam esse plus de não perderem 0 mandato197 198

197. Nos termos da Emenda Constitucional n“ 76 de 28.11.2013 que aboliu o voto secreto para esse procedimento de perda de mandato parlamentar. Com isso, não há mais voto secreto para esse procedimento. 198. Sem dúvida, devemos ficar atentos à diferença entre os procedimentos, pois o que envolve a infringência do art. 54, a quebra de decoro parlamentar e a condenação criminal em sentença transitada em julgado terá a neces­ sidade de decisão da Casa do parlamentar após provocação (da Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional) com a necessidade de um quórum de maioria absoluta. Já nos outros casos descritos no art. 55 em que o parlamentar deixar de comparecer em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada, ou que o parlamentar perder ou tiver sus­ pensos os direitos políticos, ou ainda, quando decretar a Justiça Eleitoral, a perda será meramente declarada pela Mesa da Casa respectiva, de oficio ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional.

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automaticamente (mesmo estando com os direitos políticos suspensos e não podendo votar e nem serem votados), já os parlamentares municipais (verea­ dores) estariam na mesma situação (regra geral) dos detentores de mandatos do executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos), acima citados, perdendo o mandato automaticamente.w Ocorre, que essa questão (de existir uma regra especial para os parlamentares acima citados, em detrimento da regra geral), "aparentemente pacífica" na doutrina, foi objeto de apreciação pelo STF no julgamento do cciso mertsalão da AP 470, em dezem­ bro de 2012, na medida em que, Deputados Federais (então com mandato em curso: João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry) sofreram condenação criminal na referida ação penal. No caso formaram-se duas vertentes (correntes) no STF:

(1) A perda do mandato deveria ser decidida (deliberada) na respectiva casa, nos termos explícitos do art. 55 § 2° da CR/88. (2) A perda do mandato seria automática, no caso de a condenação criminal determinar a perda do mandato tendo em vista enquadramento nos requi­ sitos do art. 92, l do Código Penal. Nesse caso, 0 parlamentar com 0 direito político suspenso (sem poder votar e ser votado) e com uma decisão do STF determinando a perda do mandato com base no art. 92,1 do CP, não poderia permanecer no cargo e, com isso, a perda seria automática e deveria a mesa da casa apenas declarar a perda (como ocorre nas hipóteses do art. 55 § 3° da CR/88). Nesses termos, 0 art. 92 do Código Penal afirma que: "São tam­ bém efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena pri­ vativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos". Pois bem, em 17.12.2012, por maioria de votos (5x4), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os deputados condenados na Ação Penal (AP) 470, que ainda detinham mandato (Valdemar Costa Neto do PR-SP7™’, Pedro Henry do PP-MT199 201 e João Paulo Cunha202 do PT-SP203) perderíam seus mandatos (de forma 200 automática) com 0 trânsito em julgado do acórdão condenatório.

199. Informativo n° 162: “Vereador, condenado criminalmente, perde o mandato, independentemente de deliberação da Câmara, como consequência da suspensão de seus direitos políticos. Não há possibilidade alguma de se estender aos Vereadores o tratamento dos Parlamentares Federais e Estaduais. A perda do mandato não depende de deliberação da Casa. Ê consequência da suspensão dos direitos políticos que, por sua vez, ê decorrência da condenação criminal transitada emjulgado. £ ajá reconhecida autoaplicabilidade do art. 15, lll da CR (RE 179.502, Moreira Alves). O DL 201. de 02 de fevereiro de 1967, atribui ao Presidente da Câmara a declaração da extinção do mandato (art. 8". 1)1' Rel. Min. Nelson Jobim RE n° 225.019/GO. 200. Em dezembro de 2013 o Deputado renunciou ao mandato. 201. Em dezembro de 2013 o Deputado renunciou ao mandato. 202. Em fevereiro de 2014 o Deputado renunciou ao mandato. 203. No Início de 2013, o também condenado José Genuíno tomou posse como parlamentar, porém, posteriormente, veio a renunciar ao mandato.

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Para isso, caberia à Mesa da Câmara apenas "declarar" a perda do mandato (nos moldes do art. 55 § 3° da CR/88). A corrente vencedora204, foi formada pelo voto do relator da ação, ministro Joaquim Barbosa205, e também, pelos ministros Luiz Fux, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Ficaram vencidos, 0 revisor do processo, ministro Ricardo Lewandowski, e os ministros Rosa Weber206, Dias Toffoli e Cármen Lúcia, que votaram pela aplicação do § 2° do artigo 55 da CR/88, dando à Câmara dos Deputados, 0 direito de deliberar (votar) sobre a perda ou não dos mandatos207.

204. Aqui, é bom esclarecermos, que a decisão foi por 5x4, em virtude da não participação do MinistroTeori Zavascki e do cargo vago de Ministro do STF, desde a aposentadoria do Ministro Ayres Britto em novembro de 2012. Por­ tanto, nada impede que esse posicionamento seja modificado posteriormente. 205. Conforme o Ministro Joaquim Barbosa: “(...) a especialidade contida no art. 55, VI, da CF justificar-se-ia nos casos em que a sentença condenatória não tivesse decretado perda do mandato pelo parlamentar por não estarem presentes os requisitos legais (CP: “Art. 92 - São também efeitos da condenação: I - o perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública: W quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. (...) Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não sào automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença") ou por ter sido profe­ rida anteriormente à expedição do diploma, com o trânsito em julgado o corrente em momento posterior" Afirmou ainda que: "Na decisão judicial, condenado deputado federa! ou senador, no curso do mandato, pela mais alta instância judiciária, inexistiria espaço para o exercício dejuizo político ou de conveniência pela Casa Legisla­ tiva, uma vez que a suspensão de direitos políticos, com a subsequente perda de mandato eletivo, seria efeito irreversível da sentença condenatória. Concluiu que a deliberação da Casa Legislativa, prevista no art. 55, § 2, da CF, possuiría efeito meramente declaratório, sem que aquela pudesse rever ou tornar sem efeito decisáo condenatória final proferida pelo STF. Por outro lado, reputou que as premissas firmadas no julgamento da AP 481/PA não seriam aplicáveis ao presente feito, haja vista que naquela oportunidade o parlamentar fora condenado a pena inferior a 4 anos de reclusão pela prática de esterilização cirúrgica irregular (Lei 9.263/96, art. 15) e não perpetrara o delito na vi­ gência do mandato eletivo. Rememorou que João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto. Pedro HenryeJosé Borba (esse exercendo o cargo de Prefeito), ao revés, cometeram crimes contra a Administração Pública quando no exercício do cargo, a revelar conduta incompatível com a função parlamentar. Assim, decretou a perda do mandato eletivo deles". AP 470, julg. 12,13 e 17.12.2012. 206. A Ministra Rosa Weber:"(...) ao acompanhar o Revisor, manifestou que a possibilidade de perda automática do man­ dato parlamentar em decorrência de condenação judicial sofrida pelo respectivo titular serio tema extremamente sen­ sível para o equilíbrio dos Poderes. (...) Observou que a Constituição de 1988 restabelecera em suo plenitude o respeito ao postulado da separação de Poderes, desprestigiado pelo regime antecedente, como principio basilar de democracia representativa. Ressaltou que, satisfeitas as condiçoes exigidas pela legislação eleitoral para o reconhecimento de sua legitimidade, o mandato se revestiría, durante o período paro o qual constituído, da qualidade da intangibiiidade. Somente poderia ser afetado nos casos expressamente previstos pela Constituição. Ponderou ser a melhor exegese aquela que não atribuísse ao art. 92 do CP ("Art. 92 São também efeitos da condenação: I - o perda de cargo, fun­ ção pública ou mandato eletivo. Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença") a tarefa de vetor interpretativo a partir do qual se deduziría o senti­ do dos artigos 15, lll, e 55, IV e VI, da CF. Portanto, o sentido da norma constitucional havería de ser extraído, primordialmente, dela mesma, tomada como sistema, e não da legislação infraconstitucional que a ela se submetería' 207. No voto que definiu o embate, proferido em 17.12.2012,0 Min. Celso de Mello, decidiu no sentido de que todos os condenados por mais de 4 (quatro) anos de reclusão ou cuja condenação diga respeito a ato de improbida­ de administrativa -o que ocorre nos crimes contra a administração pública, tais como peculato e corrupção passiva deve implicar automaticamente a perda dos mandados eletivos. E, neste caso, a perda deve ocorrer, no entender do Min. Celso de Mello, mesmo que a pena seja inferior a quatro anos, como no crime de peculato, punido com penas que vão de 2 a 12 anos de reclusão. Já quanto aos demais casos, isto é, em condenações por tempo inferior e por delitos de menor potencial ofensivo, caberá á Câmara, no entendimento do ministro Celso de Mello, deliberar sobre a perda ou não do mandato, conforme previsto no § 2o do artigo 55 da Cons­ tituição Federal. Em seu voto, o ministro Celso de Mello ressaltou que não há uma diretriz jurisprudencial da Suprema Corte sobre o tema. Mas é preciso encontrar uma harmonização entre disposições antinõmicas

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Nesse sentido, ficou clara a divergência entre duas as correntes acima citadas. Certo é que 4 Ministros optaram pela decisão sobre a perda estar afeta à respecti­ va casa do parlamentar (condenado em sentença penal transitada em julgado) nos termos explícitos do art. 55 § 2» da CR/88. Por outro lado, 5 Ministros entenderam que no caso a perda seria automática devendo ser apenas declarada pela mesa da respectiva casa do parlamentar condenado. É interessante que a corrente então majoritária teve como fundamento cen­ tral (fulcral), como já salientado, a conjugação da Constituição (art. 55 §§ 2° e 3° da CR/88) com 0 art. 92 do Código Penal.

Nesses termos, entenderam os Ministros vencedores que 0 art. 55 § 2» da CR/88 que determina a deliberação da casa para perda de mandato, poderia até ser usado, mas não em todos os casos, pois a sua "aplicação" ou "não" deveria ser analisada em comunhão sistemática com art. 92 do Código Penal.

Se a sentença condenatória não declarasse a perda do mandato parlamentar com base nos requisitos do art. 92, l da CR/88, 0 art. 55 § 2» seria aplicado para a de liberação (ou seja, a decisão sobre a perda do mandato seria da casa parlamentar). Porém, nos casos em que a sentença penal condenatória declarasse (diretamente e de forma expressa) a perda do mandato do parlamentar com base no art. 92, I do CP não haveria necessidade de deliberação da respectiva casa do parlamentar, pois a perda seria automática708.

contidas no texto constitucional, como no caso dos artigos 15, inciso lll (que prevê a suspensão dos direitos po­ líticos em caso de condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem os seus efeitos), e do artigo 55, em seus parágrafos 2” e 3°. que prevê a interveniência da respectiva Casa Legislativa, em caso de condenação criminal de seus membros. Para harmonizar esse conflito, o ministro Celso de Mello se filiou à tese defendida pelo ministro Gilmar Mendes, no sentido de considerar a Constituição como um todo e. fiel às técnicas interpretativas adotadas pelo STF para superar antinomias existentes na CF. prestigiar valores que se expressam nas idéias da ética pública e da moralidade administrativa, preservando, assim, a integridade de valores de funda­ mental importância, como os postulados da isonomia, forma republicana de governo, moralidade pública e da probidade. (STF em 17.12.2012) (informativo 693 do STF) 208. Perda do mandato eletivo. Competência do STF. Ausência de violação do principio do separação de poderes e fun­ ções. Exercício da função jurisdicional. Condenação dos réus detentores de mandato eletivo pela prática de crimes contra a administração pública Pena aplicada nos termos estabelecidos na Legislação penal pertinente. 1.0 Supre­ mo Tribunal Federal recebeu do Poder Constituinte originário a competência para processar e julgar os parlamen­ tares federais acusados da prática de infrações penais comuns. Como consequência, é ao Supremo Tribunal Federal que compete a aplicação das penas cominadas em lei, em caso de condenação. A perda do mandato eletivo é uma pena acessória da pena principal (privativa de liberdade ou restritiva de direitos), e deve ser decretada pelo órgão que exerce a função jurisdicional, corno um dos efeitos da condenação, quando presentes os requisitos legais para tanto. 2. Diferentemente da Carta outorgada de 1969, nos termos da qual as hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos deveríam ser disciplinadas por Lei Complementar (art. 149. $3a), o que atribuía eficácia contida ao mencionado dispositivo constitucional, a atual Constituição estabeleceu os casos de perda ou suspensão dos direi­ tos políticos em norma de eficácia plena (art. 15, lll). Em consequência, o condenado criminalmente, por decisão transitada em julgado, tem seus direitos políticos suspensos pelo tempo que durarem os efeitos da condenação. 3. A previsão contida no artigo 92,1 e II, do Código Penal, é reflexo direto do disposto no art. 15. lll, da Constituição Federal. Assim, uma vez condenado criminalmente um réu detentor de mandato eletivo, caberá ao Poder Judiciário decidir, em definitivo, sobre a perda do mandato. Não cabe ao Poder Legislativo deliberar sobre aspectos de decisão condenatória criminal, emanada do Poder Judiciário, proferida em detrimento de membro do Congresso Nacional. A Constituição nao submete a decisão do Poder Judiciário à complementação por ato de qualquer outro órgão ou

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Porém, em 2013, em virtude de nova composição com os Ministros Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, 0 STF mudou de posicionamento e prolatou duas decisões com entendimento de que a condenação em sentença penal transitada em julgado não en­ sejaria a perda automática do mandato (a ser declarada pela Mesa), sendo necessá­ rio a "deliberação" da respectiva casa nos termos expressos do art. 55 § 2® da CR/88. As decisões foram na AP 396 ED-ED (caso do Deputado Natan Donadon) em 26.06.2013 e na AP 565 (caso do Senador Ivo Cassol) em 08.08.2013. Nesses termos, é de se salientar que foram decisivas as participações dos novos Ministros aci­ ma citados que formaram uma nova maioria. Como exemplo, citamos passagens da decisão da AP 565, presentes no informativo 712 do STF: "(...) Relativamente ao atual mandato de senador da República, decidiu-se, por maioria, competir à respectiva Casa Legislativa deliberar sobre sua eventual perda (Art. 55. VI - § 2® da CR/88). A relatora e 0 revisor, no que foram seguidos pela Min. Rosa Weber, reiteraram 0 que externado sobre 0 tema na apreciação da AP 470/MC. 0 revisor observou que, se por ocasião do trânsito em julgado 0 congressista ainda esti­ vesse no exercício do cargo parlamentar, dever-se-ia oficiar à Mesa Diretiva do Senado Federal para fins de deliberação a esse respeito. 0 Min. Roberto Barroso pontuou haver obstáculo intransponível na literalidade do § 2® do art. 55 da CF. 0 Min. Teori Zavascki realçou que a condenação criminal transitada em julgado conteria como efeito secundário, natural e necessário, a suspensão dos direitos políticos, que independería de declaração. De outro passo, ela não geraria, ne­ cessária e naturalmente, a perda de cargo público. Avaliou que, no caso específi­ co dos parlamentares, essa consequência não se estabelecería. No entanto, isso

Poder da República. Náo há sentença jurisdicional cuja legitimidade ou eficácia esteja condicionada à aprovação pelos órgãos do Poder Político. A sentença condenatória não é a revelação do parecer de umas das projeções do poder estatal, mas a manifestação integral e completa da instância constitucionalmente competente para san­ cionar, em caráter definitivo, as ações típicas, antijuridicas e culpáveis. Entendimento que se extrai do artigo 15, lll, combinado com o artigo 55, IV, ambos da Constituição da Repúblico. Afastada a incidência do §2°do art. 55 da Lei Maior, quando a perda do mandato parlamentar for decretada pelo Poder Judiciário, como um dos efeitos do condenação criminal transitada em julgado. Ao Poder Legislativo cabe, apenas, dar fiel execução à decisão da Justi­ ça e declarar a perda do mandato, na forma preconizada na decisãojurisdicional. 4. Repugna à nossa Constituição o exercício do mandato parlamentar quando recaia, sobre o seu titular, a reprovação penal definitiva do Estado, suspendendo-lhe o exercido de direitos políticos e decretando lhe a perda do mandato eletivo. A perda dos direitos políticos é "consequência da existência da coisa julgada". Consequentemente, não cabe ao Poder Legislativo “outra conduta senão a declaração da extinção do mandato" (RE 225.019, Rel. Min. Nelson Jobim). Conclusão de ordem ética consolidada a partir de precedentes do Supremo Tribunal Federal e extraída da Constituição Federal e das leis que regem o exercido do poder politico-representativo, a conferir encadeamento lógico e substância material à decisão no sentido da decretação da perda do mandato eletivo. Conclusão que também se constrói a partir da lógica sistemática da Constituição, que enuncia a cidadania, a capacidade para o exercício de direitos políticos e o preenchimento pleno das condições de elegibilidade como pressupostos sucessivos para a participação completa na formação da vontade e na condução da vida política do Estado. 5. No caso, os réus parlamentares foram con­ denados pela prática, entre outros, de crimes contra a Administração Público. Conduta juridicamente incompatível com os deveres inerentes ao cargo. Circunstâncias que impõem a perda do mandato como medida adequada, ne­ cessária e proporcional. 6. Decretada a suspensão dos direitos políticos de todos os réus, nos termos do art. 15, lll, da CF. Unânime. 7. Decretada, por maioria, a perda dos mandatos dos réus titulares de mandato eletivo. (AP 470 julg. 17.12.2012)

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não dispensaria o congressista de cumprir a pena. 0 Min. Ricardo Lewandowski concluiu que o aludido dispositivo estaria intimamente conectado com a separa­ ção dos PoderesC..)."209 Com isso, restou que os Parlamentares poderíam ser presos (iniciando o cumpri­ mento da pena), mas a decisão sobre a perda do mandato seria da respectiva casa.

No caso do Deputado Natan Donadon, teve início o cumprimento da pena em 28.06.2013, e, posteriormente, 0 plenário da Câmara foi chamado a deliberar so­ bre a perda de mandato (nos termos do art. 55 § 20 da CR//88). Acontece que para "surpresa" (perplexidade) da sociedade brasileira210211 a Câmara dos Deputados em 28.08.2013 decidiu que 0 parlamentar deveria continuar no mandato, pois não foi alcançado o quórum de 257 votos favoráveis à cassação do mandato (foram 233 votos favoráveis a perda do mandato e 131 contra, além de 41 abstenções). É bom lembrar aqui que 0 voto no procedimento foi secreto, o que não poderá ocorrer mais em virtude da Emenda Constitucional n° 76 de 28.11.2013 que suprimiu 0 voto secreto nessas circunstâncias do art. 55 § 2° da CR/88. Acreditamos, inclusive, que essa infeliz decisão da Câmara dos Deputados no caso em questão foi decisiva para a alteração constitucional. Acontece que posteriormente a essa "lastimável” decisão da Câmara foi impe­ trado mandado de segurança no STF por Deputado Federal de São Paulo (PSDB-SP) questionando-a. 0 Mandado de Segurança (MS 32.326/DF) pedia a anulação da de­ cisão da Câmara e a declaração da perda de mandato do parlamentar. Pois bem, 0 Ministro Luís Roberto Barroso (um dos Ministros da corrente de aplicação expressa e específica do art. 55 § 2» CR/88) em 04.09.2013 concedeu a liminar para "suspender os efeitos da deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados até 0 julgamento definitivo do mandado de segurança".

Na decisão, carregada do que alguns chamariam de forte "moralismo jurídico", 0 Ministro manteve seu posicionamento que "a perda de mandato deve ser definida pela casa do parlamentar nos termos do art. 55 § 2° da CR/88", mas entendeu que essa "regra geral" (que ele aplica e respeita por dicção constitucional) comportaria uma exceção, qual seja, no caso de condenação em regime inicial fechado, por tem­ po superior ao prazo remanescente do mandato parlamentar2’’.

209. "Vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e o Presidente, que reafirmavam os votos proferidos na ação penal já indicada. Reputavam ser efeito do trânsito em julgado da condenação a perda do mandato. Dessa maneira, caberia à mesa da Casa respectiva apenas declará-la. O Colegiado ordenou que, após a decisão se tornar definitiva e irrecorrível, os nomes dos réus fossem lançados no rol dos culpados e expedidos os competentes mandados de prisão. Por fim, em votação majoritária, registrou-se que a data desta sessão plenária constituiria causa interruptiva da prescrição (CP, art. 117, IV), vencido, neste aspecto, o Min. Marco Aurélio, que considerava necessária a publicação" AP 565 julg. em 07e 08.08.2013. Rel. Min. Cármen Lúcia. 210. Visto que o Deputado foi condenado por formação de quadrilha e peculato (com desvio de recursos da Assem­ bléia Legislativa de Rondônia) a mais de 13 de reclusão em sentença penal transitada em julgado. 211. MS 32326julg. em 04.09.2013: "A Constituição prevê, como regra geral, que cabe a cada uma das Casas do Congresso Nacional, respectivamente, a decisão sobre a perda do mandato de Deputado ou Senador que sofrer condenação criminal transitada emjulgado. B. Esta regra geral, no entanto, não se aplica em caso de condenação em regime inicial

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Restaria aguardar o julgamento definitivo do MS 32.326/DF para que 0 STF dei­ xasse assente a sua posição, mantendo novamente a corrente das duas últimas decisões (AP 396 e AP 565) ou acrescentando a tese exarada na decisão liminar, ora citada (da aplicação expressa do art. 55, § 2° da CR/88 como regra, com a exceção no caso de a condenação em regime inicial fechado ser por lapso de tempo supe rior ao prazo restante do mandato parlamentar, hipótese que ensejaria a perda do mandato automática por declaração da casa).

Acontece que no dia 12.02.2014 em nova votação do Plenário foi aprovada na Câmara dos Deputados a cassação do mandato do Deputado Natan Donadon por 467 votos a favor e uma abstenção312. É interessante notar que essa nova votação sobre a perda de seu mandato do parlamentar se deu mediante a normativa (já citada na obra) da EC n° 76/2013 que aboliu 0 "voto secreto" para 0 procedimento do art. 55 § 2° da CR/88. Com isso, entendemos que 0 MS 32.326/DF tenha perdido 0 objeto (e 0 debate sobre a tese do Ministro Luís Roberto Barroso ficou para uma outra oportunidade). f) Na sequência, essa discussão retorna em 2017, pois a ia Turma do STF na AP 694/MT em 02.05.2017 traz a questão da perda de mandato, nos termos do art. 55, VI da CR/88 (condenação criminal transitada em julgado) novamente para 0 debate. Nesses termos, afirmou a 1a Turma do STF que; 1)

Se 0 Deputado ou Senador for condenado a mais de 120 dias em re­ gime fechado: a perda do cargo será uma consequência lógica da

fechado, por tempo superior ao prazo remanescente do mandato parlamentar. Em tal situação, a perda do mandato se dá automaticamente, por força da impossibilidadejurídica e física de seu exercido. C. Como consequência, quando se tratar de Deputado cujo prazo de prisão em regime fechado exceda o período que falta para a conclusão de seu mandato, a perda se dá como resultado direto e inexorável da condenaçáo, sendo a decisáo da Câmara dos Deputa­ dos vinculada e dedaratória. D. Acrescente-se que o tratamento constitucional dado ao tema não é bom e apresenta sequelas institucionais indesejáveis. Todavia, cabe ao Congresso Nacional, por meio de emenda constitucional, rever o sistema vigente. DISPOSITIVO: Verifico estarem presentes os elementos que autorizam a concessão de medida liminar inaudita altera pars (antes mesmo de ouvir a autoridade impetrada). Isto porque vislumbro fumus boni iuris (aparén cia de bom direito) no pedido formulado, por considerar relevante e juridicamente plausível o fundamen to de que, no caso em exame, a perda do mandato deveria decorrer automaticamente da condenaçãojudicial, sendo o ato da Mesa da Câmara dos Deputados vinculado e declaratório. Assim entendo porque o período de pena a ser cumprido em regime fechado excede o prazo remanescente do mandato, tornando sua conservação impossível, tonto do ponto de vista jurídico quanto fático 8. Considero, ademais, haver periculum in mora (perigo na demora) pela gravidade moral e institucional de se manterem os efeitos de uma decisão política que, desconsiderando uma impossibilidade fàtica e ju­ rídica, chancela a existência de um Deputado presidiário, cumprindo pena de mais de 13 (treze) anos, em regime inicial fechado. A indignação cívica, o perplexidade jurídica, o abalo às instituições e o constrangimento que tal situação gera para os Poderes constituídos legitimam a atuação imediata do Judiciário. Como consequência, suspendo os efeitos da deliberação do Plenário da Câmara dos Deputados acerca da Representação n°20, de 21.08.2013, até o julgamento definitivo do presente mandado de segurança pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Esclareço que a presente decisão não produz a perda automática do mandato, cuja declaração ainda quando constitua ato vinculado -éde atribuição da Mesa da Câmara." 212. Diante do primeiro resultado (em que Natan Donadon teria quebrado o decoro ao participar da votação do pri­ meiro processo de cassação, o que ê proibido pelo regimento da Câmara), o PSB protocolou no Conselho de Ética novo requerimento para abertura de processo por quebra de decoro. O colegiado aprovou em novembro de 2013 relatório do dep. José Carlos Araújo (PSD-BA) pela perda do mandato de Donadon. O processo, então, seguiu para o plenário e foi votado em 12.02.2014.

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condenação. Neste caso, caberá à Mesa da Câmara ou do Senado ape­ nas declarar que houve a perda (sem poder discordar da decisão do STF), nos termos do art. 55, lll e § 3® da CR/88.21’ 2)

Se 0 Deputado ou Senador for condenado a uma pena em regime aberto ou semiaberto: a condenação criminal não gera a perda auto mática do cargo. 0 Plenário da Câmara ou do Senado irá deliberar, nos termos do art. 55, § 2» da CR/88, se 0 condenado deverá ou não perder 0 mandato.il‘i

Assim, a partir desse novo posicionamento da 1a Turma do STF, poderiamos re­ sumir as correntes novamente (em ordem cronológica) do seguinte modo: 1») Se 0 STF condenar 0 parlamentar e determinar a perda do mandato, nos termos do art. 92, I do Código Penal, a Câmara dos Deputados ou 0 Senado não decidem nada e a casa respectiva deverá apenas formalizar (cumprir) a perda que já foi decretada (A mesa apenas deve declarar a perda).

Para essa corrente, 0 § 2“ do art. 55 da CR/88 não precisa ser aplicado em todos os casos nos quais 0 Deputado ou Senador tenha sido condenado criminalmente, mas apenas nas hipóteses em que a decisão condenatória não tenha decretado a perda do mandato parlamentar por não estarem presentes os requisitos legais do art. 92,1, do CP. Resumindo: a) Se na decisão condenatória 0 STF não determinou a perda do mandato eletivo, nos termos do art. 92, I, do CP: a perda do mandato so­ mente poderá ocorrer se a maioria absoluta da Câmara ou do Senado assim votar (aplica-se 0 art. 55, § 2® da CR/88); b) Se na decisão condenatória 0 STF determinou a perda do mandato eletivo, nos termos do art. 92, I, do CP: a perda do mandato ocorrerá sem necessidade de votação pela Câmara ou Senado (não se aplica 0 art. 55, § 2°). Posicionamento adotado na AP 470 em 2012 (caso do mensalão) e atualmen­ te minoritário (no STF atualmente essa posição não é mais usada). 2a) Havendo a condenação criminal transitada em julgado, quem decide se ha­ verá a perda do mandato é a Câmara dos Deputados ou 0 Senado Federal por maioria absoluta, nos termos do art. 55, § 2® da CR/88. Posicionamento adotado em 2013, por exemplo, na AP n® 396 em 2013.

3a) Como já citado acima, na perspectiva da ia Turma do STF: a) Se 0 Depu­ tado ou Senador for condenado a mais de 120 dias em regime fechado: a perda213 214

213. Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: (...) lll - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; Esse inciso lll estabelece a perda do mandato ao parlamentar que, em cada sessão legislativa, faltara 1 /3 das sessões ordinárias. Como a sessão legislativa é anual (equivalente a 1 ano), 1/3 significa 4 meses (120 dias). Logo, se o parlamentar irá ficar preso durante mais de 120 dias, ele não poderá comparecer às sessões neste período e, portanto, deverá ser declarada a perda de seu mandato. Assim, no caso do inciso lll, não há necessidade de deliberação do Plenário e a perda do mandato deve ser automaticamente declarada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. 214. AP694/MT, Ia Turma do STF. Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 02.05.2017 (Informativo 863 do STF) No mesmo sentido. Ver: AP863/SP, Rel. Min. Edson Fachin, STF. 1J Turma. Julg. em 23.05.2017 (Informativo 866)

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do cargo será uma consequência lógica da condenação. Neste caso, caberá à Mesa da Câmara ou do Senado apenas declarar que houve a perda (sem poder discordar da decisão do STF), nos termos do art. 55, lll e § 30 da CR/88; b) Se 0 Deputado ou Senador for condenado a uma pena em regime aberto ou semia­ berto: a condenação criminal não gera a perda automática do cargo. 0 Plenário da Câmara ou do Senado vai deliberar, nos termos do art. 55, § 2° da CR/88, se 0 condenado deverá ou não perder 0 mandato. Novo posicionamento da ia Turma do STF adotado em 2017.215216 217

Porém, em 2018 essa história tem um novo capítulo institucional. Temos um embate interessante, pois a i» Turma do STF ea 2» Turma (que vai apresentar seu posicionamento) não pacificaram 0 entendimento sobre 0 tema. Assim, em recentes decisões do STF, temos clara a divergência entre elas.

Nos termos do Informativo 903 do STF, a i> Turma mantém seu posicionamento exarado acima em 2017. Repetindo: a) Se 0 Deputado ou Senador for condenado a mais de 120 dias em regime fechado: a perda do cargo será uma consequência lógica da condenação. Neste caso, caberá à Mesa da Câmara ou do Senado ape­ nas declarar que houve a perda (sem poder discordar da decisão do STF), nos termos do art. 55, lll e § 3» da CR/88; b) Se 0 Deputado ou Senador for condenado a uma pena em regime aberto ou semiaberto: a condenação criminal não gera a perda automática do cargo. 0 Plenário da Câmara ou do Senado irá deliberar, nos termos do art. 55, § 2°, da CR/88, se 0 condenado deverá ou não perder 0 mandato. ”6 Já a 2a Turma, nos termos do Informativo 904 do STF, entende que 0 STF deve tão somente comunicar, por meio de ofício, à Mesa da Câmara dos Deputados ou do Se­ nado Federal informando sobre a condenação do parlamentar. E com isso, a Câmara ou 0 Senado irá deliberar se 0 parlamentar vai perder ou não 0 mandato eletivo, conforme prevê 0 art. 55, § 2», da CR/88. Assim, conforme a aplicação do art. 55, § 2o, da CR/88 mesmo com a condenação criminal, quem decide se haverá a perda do mandato é a Câmara dos Deputados ou 0 Senado Federal por maioria absoluta.”7 g) É interessante, também, trazermos a cotejo, recente decisão do STF, prolatada em 28.10.2009, envolvendo a decretação de perda de mandato pela Justiça Eleitoral com base no art. 55, V, da CR/88. No caso, 0 STF concedeu mandado de se­ gurança para determinar à Mesa do Senado Federal que cumprisse imediatamente

215. AP 694/MT, 1d Turma do STF. Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 02.05.2017. No mesmo sentido, Ver: AP 863/SP. Rel. Min. Edson Fachin, STF. r Turma. Julg. em 23.05.2017 (Informativo 866). Sobre o tema acreditamos impor­ tante aguardar o posicionamento do Plenário do STF sobre o tema. 216. AP 968/SP, STF. 1 aTurma. Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 22.0522018 (Informativo 903). 217. Informativo 904: Por fim, quanto à perda do mandato parlamentar, o Colegiado. por maioria, deliberou que a perda do mandato não é automática. Após o trânsito em julgado, cumpre a esta Corte oficiar à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados para que delibere a respeito do disposto no art. 55, VI, § 2°, da CF. A perda do mandato é medida excep­ cional e o modo de sua extinção é regulado expressamente na CF. AP 996/DF, STF. 2a Turma. Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29.05.2018.

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decisão da Justiça Eleitoral, dando posse ao impetrante do mandado de segurança na vaga do senador da República, cujo registro fora cassado pela Justiça Eleitoral. Nesses termos, entendeu o STF que, embora a decisão da Justiça Eleitoral ainda seja objeto de recurso ordinário no TSE, não foi atribuído efeito suspensivo ao citado recurso, e, com isso, após a comunicação da decisão ao Presidente do Senado, deveria ser declarada a perda de mandato. Certo é que o Senado não detém com­ petência para decidir o erro ou acerto do julgado da Justiça Eleitoral e muito menos para aferir qual é o momento adequado para cumprir a decisão judicial. Segundo o STF, o não cumprimento da decisão judicial pelo Senado afronta o princípio da separação de Poderes.218 h) Outra decisão, muito interessante, foi prolatada em 29.06.2012 fruto do MS 31.386 MC/DF. 0 caso envolveu "mandado de segurança preventivo", com pedido de medida liminar, impetrado por Senador, contra "iminente ato a ser praticado pela Mesa Diretora do Senado Federal", com 0 objetivo de assegurar 0 direito do im­ petrante de votar de forma pública e aberta nos processos de perda de mandato parlamentar quer estejam em curso, quer venham a ocorrer no âmbito do Senado Federal. Ou seja, o Senador queria ter 0 direito de votar de forma aberta e não de forma secreta (conforme a determinação constitucional) nos procedimentos de perda de mandato, do acima citado art. 55 § 20 da CR/88. Portanto, 0 autor do "writ" constitucional (Senador da República) requereu a concessão de provimento cautelar, e, posteriormente de decisão de mérito, "(...) para 0 fim de determinar à Mesa do Senado Federal que crie procedimento formal e eletrônico mediante 0 qual possa 0 impetrante ter seu voto individualizado e di­ vulgado publicamente e de forma inequívoca". 0 relator desse MS preventivo. Min. Celso de Mello, indeferiu 0 pedido de liminar, nos seguintes termos: "(...) A institui­ ção do voto secreto como faculdade do parlamentar conduziría a um sistema misto de votação dos processos de perda do mandato, sem uniformidade e sem garantir a utilização do voto aberto, em todos os casos, 0 que demonstra que 0 atendimento do princípio representativo e do dever de prestar contas aos eleitores, invocados

218. Informativo n° 565 do STF: "f...ja Mesa do Senado, mesmo após comunicação dessas decisões tanto a ela quanto ao Presidente dessa Casa Legislativa, decidira aguardar o trânsito em julgado do processo para declarar a perda do mandato do parlamentar, o que ensejara a presente impetração. [...] a recusa da Mesa do Senado em cumprir a aludida decisão consubstanciaria afronta ao principio da separação dos Poderes. [...] a atribuição da Mesa da Casa, a que pertence o parlamentar que incorrera nas hipóteses sancionatórias previstas nos incisos lll eV do art. 55 da CR, circunscrever-se-ia a declarar a perda do mandato, dando posse, por conseguinte, a quem devesse ocupar o cargo vago, haja vista que o registro do parlamentar já teria sido cassado pela Justiça Eleitoral, não podendo subsistir, dessa forma, o mandato eletivo. [...] ademois. que a ampla defesa a que alude o §3° do art. 55 da CR não diría respeito a nenhum procedimento eventualmente instaurado no âmbito de uma das Casas Legislativas, e sim à garantida nos processos que tramitam na Justiça Eleitoral, não cabendo à Mesa da Casa Legislativa a que pertence o titular do mandato eletivo cassado aferir o acerto, ou não, das decisões emanadas da Justiça Eleitoral, ou ainda fixar o momento adequado para cumprir tais julgados. Registrou se que o ato da Mesa do Senado ou da Câmara que dispõe sobre a perda do mandato parlamentar (CR, art. 55, V) tem natureza meramente declaratório. Concluiuse que, como a decisão da Justiça Eleitoral não era dotada de efeito suspensivo, haja vista cuidar-se de perda de mandato decretada com base no art. 41-A da Lei 9.504/97, a Mesa do Senado deveria simplesmente ter cumprido a decisão jurisdicional.

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como fundamentos do 'writ', estaria condicionado à vontade do parlamentar, já que o Impetrante pretende o reconhecimento do seu suposto direito de votar aber­ tamente, quando assim entenda mais adequado à dicção constitucional sobre a representação democrática. Como demonstrado nos votos proferidos no julgamen­ to da ADI 2.461 e ADI 3.208, a questão debatida, referente à permanência do voto secreto no processo de perda do mandato parlamentar, há de ser solucionada no campo político, que demanda a estrita observância do devido processo legislativo constitucional, previsto no art. 60 da Carta Política, para que a norma do seu art. 55, § 2°, seja modificada. Aliás, já existem propostas em curso em ambas as Casas do Congresso Nacional, sendo que a PEC 50, de 2006, em trâmite no Senado Federal, já foi incluída na ordem do dia. Dessa forma, não se mostra presente 0 direito líquido e certo a amparar a concessão da segurança postulada." As razões ora expostas pelo Senhor Presidente do Senado Federal e aquelas por mim referidas na presente decisão revelam-se suficientes para justificar, em juízo de sumária cognição, 0 inde­ ferimento do pleito cautelar deduzido nesta sede mandamental"219.

Aqui é interessante sublinharmos que o pleito do Senador impetrante do man­ dado de segurança perde sentido em virtude da já citada EC n° 76/2013 que supri­ miu 0 voto secreto no procedimento de perda de mandato parlamentar previsto no art. 55 § 2° da CR/88. i) 0 STF já deferiu pedido, veiculado pelo Conselho de Ética e Decoro Parla­ mentar da Câmara dos Deputados, para 0 compartilhamento das informações com a finalidade de apurações de cunho disciplinar. No caso, havia a presença de dados obtidos mediante interceptação telefônica, judicialmente autorizada em inquérito e foi solicitada a intitulada "prova emprestada". Com base em um juízo de proporcio­ nalidade, sob 0 fundamento do art. 5», XII, e § 2» do art. 55 da CR/88, a medida do Conselho de Ética da Câmara, em solicitar a prova, foi considerada adequada pelo STF precedente.220

j) 0 STF decidiu que a perda de mandato por condenação em ação de impro bidade administrativa transitada em julgado não depende de votação pela Casa do parlamentar.221

219. MS 31.386 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 29.06.2012. (Informativo 681 do STF) 220. Conforme o Inq. n° 2.725 QO/SP em 25.06.2008: (...) 1. A medida pleiteada pelo Conselho de Ética e Decoro Parla­ mentar da Câmara dos Deputados se mostra adequada, necessária eproporcional ao cumprimento dos objetivos do parágrafo 2" do artigo 55 da CF de 1988.2. Possibilidade de compartilhamento dos dados obtidos mediante intercep­ tação telefônica, judicialmente autorizada, para o fim de subsidiar apurações de cunho disciplinar. 3. Questão de Ordem que se resolve no sentido do deferimento da remessa de cópia integral dos autos ao Sr. Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Depu todos, a quem incumbirá a responsabilidade pela manutenção da cláusula do sigilo de que se revestem as informações fornecidas. Rel. Min. Carlos Brito. DJ: 26.09.2008. 221. Conforme o Julgamento em 29.06.2006 do MS n° 25.917 de Rel. Min. Gilmar Mendes, temos que: 1. Extinção de mandato parlamentar em decorrência de sentença proferida em ação de improbidade administrativa, que suspendeu, por seis anos, os direitos políticos do titular do mandato. Ato da Mesa da Câmara dos Deputados que sobrestou o procedimento de declaração de perda do mandato, sob alegação de inocorréncia do trânsi­ to em julgado da decisão judicial. 2. Em hipótese de extinção de mandato parlamentar, a sua declaração pela Mesa é ato vinculado á existência do fato objetivo que a determina, cuja realidade ou não o interessado pode

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k) 0 STF decidiu, no julgamento da ADI 2.461 e da ADI 3.208 (conforme 0 Inf. n° 387 do STF), que 0 (antigo) voto secreto descrito no art. 55 § 2« da CR/88 para a perda de mandato nos casos dos Incisos I, II e VI seria de observância obrigatória aos Estados-membros à luz do art. 27 § 1° da CR/88, que estabelece a aplicação aos deputados estaduais, das regras da Constituição da República no que diz respeito a perda de mandato, não podendo os Estados estipularem votação aberta.222 En­ tendemos que, por obvio, esse posicionamento não mais subsiste justamente em virtude da já citada modificação no art. 55 § 2° da CR/88. Com isso, 0 procedimento de perda de mandato de Deputados Estaduais nos Estados também deverá ser por voto aberto e não mais por voto secreto. l) 0 Plenário do STF julgou procedente pedido formulado na ADI 3200, para declarar a inconstitucionalidade da expressão "nos crimes apenados com reclusão, atentatórios ao decoro parlamentar", contida no art. 16, VI, da Constituição do Estado de São Paulo, introduzido pela EC 18/2004 ("Artigo 16 - Perderá 0 mandato 0 Deputa­ do: VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado, nos cri­ mes apenados com reclusão, atentatórios ao decoro parlamentar"). 0 STF entendeu que contrariaria a Constituição Federal jungir a atuação da Assembléia Legislativa, quanto à perda de mandato de deputado estadual, no caso de condenação criminal, aos crimes apenados somente com reclusão e atentatórios ao decoro parlamentar. Apontou 0 Pretório Excelso, que os princípios do § i° do art. 27 da CR/88 ("§ i° - Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remunera­ ção, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas") deveríam ser observados pela Constituição do Estado de São Paulo. Destacou que a limitação da Constituição Paulista estaria em conflito com 0 que a Constituição Federal no art. 55, VI dispõe relativamente aos Deputados Federais (que perderíam o mandato, como já visto na obra, por condenação criminal transitada em julgado, independentemente da natureza da pena e do tipo de crime).22’

m) Na Pet 3923 QO, de Relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 13.06.2007 0 STF decidiu que não é possível 0 cometimento de crime de responsabi­ lidade por parlamentares.224

induvidosamente submeter ao controle jurisdicional. 3. No caso, comunicada a suspensão dos direitos políticos do litisconsorte passivo por decisão judicial e solicitada a adoção de providências para a execução do julgado, de acordo com determinação do Superior Tribunal de Justiça, não cabia outra conduta à autoridade coatora senão declarar a perda do mandato do parlamentar. 4. Mandado de segurança: deferimento. 222. ADI n° 3.208 de Rel. do Min. Gilmar Mendes julg em 12.05.2005: EMENTA: Emenda constitucional estadual. Per­ da de mandato de parlamentar estadual mediante voto aberto. Inconstitucionalidade. Violação de limitação expressa ao poder constituinte decorrente dos Estados-membros (CR, art. 27, § Io c/c art. 55, § 2o). Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, por maioria. DJ: 07.10.2005. 223. ADI n° 3200, julg. em 22.05.2014, Rel. Min. Marco Aurélio. (Informativo n° 747 do STF) 224. Ementa: (...) Deputado Federal, condenado em ação de improbidade administrativa, em razão de atos praticados ò época em que era prefeito municipal, pleiteia que a execução da respectiva sentença condenatória tramite perante o Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de que: (a) os agentes políticos que respondem pelos crimes de respon­ sabilidade tipificados no Decreto-Lei 201/1967 nâo se submetem à Lei de Improbidade (Lei 8.429/1992), sob

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n) Conforme a Constituição, no seu art. 55 § 4°, a renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos desse artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 20 e 30. Essa norma, foi incluída pela Emenda de Revisão n° 6 em 1994 e teve por obje­ tivo impedir que os parlamentares burlassem 0 sistema constitucional. Certo é que os mesmos, percebendo (ou temendo) que iriam perder 0 mandato, renunciavam antes da finalização do processo, para que não fossem atingidos pela sanção da inabilitação para 0 exercício de funções públicas em virtude da perda do mandato (que gera, entre outras consequências, a inelegibilidade). Aliás, sobre as inelegibili­ dades é importante salientar que, conforme a Lei Complementar n° 81/1994, temos que os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa e das Câmaras Municipais, que hajam perdido os respectivos mandatos por infringência do disposto nos incisos I e II do art. 55 da Constituição Federal, dos dispositivos equivalentes sobre perda de mandato das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas dos Municípios e do Distrito Federal, ficarão inelegíveis para as elei­ ções que se realizarem durante 0 período remanescente do mandato para 0 qual foram eleitos e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura;

Mas voltando, diretamente, ao tema do art. 55 § 4° da CR/88, aqui, devemos realizar uma interpretação adequada do dispositivo constitucional em comento. Nesse sentido, temos que ter em mente que a renúncia, se 0 parlamentar estiver sendo submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, não é definitivamente algo interessante em nenhuma hipótese para 0 parlamentar.

Assim sendo, se 0 processo é finalizado com uma decisão não favorável ao parlamentar (decisão pela perda do mandato), a renúncia não valeu para

peno de ocorrência de bis in idem, (b) a ação de improbidade administrativa tem natureza penal e (c) encontravase pendente de julgamento, nesta Corte, a Reclamação 2138, relator Ministro Nelson Jobim. O pedido foi indeferido sob os seguintes fundamentos: 1) A lei 8.429/1992 regulamenta o art. 37, parágrafo 4° da Constituição, que traduz uma concretização do princípio da moralidade administrativa inscrito no caput do mesmo dispositivo constitucional. As condutas descritos no lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerro­ gativa de foro, não se convertem em crimes de responsabilidade. 2) Crime de responsabilidade ou impeachment, desde os seus primórdios, que coincidem com o inicio de consolidação dos atuais instituições políticas britânicas na passagem dos séculos XVII e XVltl, passando pela sua implantação e consolidação na América, na Constituição dos EUA de 1787, é instituto que traduz à perfeição os mecanismos de fiscalização postos à disposição do Legislativo para controlar os membros dos dois outros Poderes. Não se concebe a hipótese de impeachment exercido em detrimento de membro do Poder Legislativo. Trata-se de contraditio in terminis. Aliás, a Constituição de 1988 é dara nesse sentido, ao prever um juizo censório próprio e específico para os membros do Parlamento, que é o previsto em seu artigo 55. Noutras palavras, não há falar em crime de responsabilidade de parlamentar. 3) Estando o processo em fase de execução de sentença condenatória, o Supremo Tribunal Federal não tem competência para o prosseguimento da exe­ cução. OTribunal, por unanimidade, determinou a remessa dos autos ao juizo de origem. Aqui também é bom deixar assente que o STF, julgando um caso envolvendo Ministro de Estado (e não Deputado ou Senador) em 2018, afirmou que: Os agentes políticos, com exceção do Presidente da República, encontram-se sujeitos a duplo regime sancionatório, de modo que se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa quanto à responsabilização politico administrativa por crimes de responsabilidade. Pet 3240 AgR/DF, STF. Plenário, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julg. em 10.05.2018.

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nada, sendo a declaração (de renúncia) meramente arquivada. E com isso, ocorre a inabilitação para o exercício de funções públicas em virtude da con­ denação. Já, se a decisão do processo é favorável ao parlamentar (decisão contra a perda de mandato), a renúncia (que estava com seus efeitos sus­ pensos) terá validade e o parlamentar não poderá mais exercer o cargo em virtude da mesma. Certo é que, a possibilidade que os parlamentares tinham de não serem inabi­ litados para o exercício de função pública, era, justamente, a da renúncia ao cargo antes do início do processo que levaria a perda do cargo (como exemplo, no caso mensaíão, podemos citar o Deputado Valdemar da Costa Neto, que renunciou antes do início do processo que levaria a possível perda do cargo e inabilitação para o exercício de funções públicas). Pois bem, essa possibilidade (saída, diriamos) não mais subsiste com o advento da Lei Complementar 135/2010, pelo menos no que tange ao exercício de mandatos públicos eletivos. Certo é que a nova Lei de inelegibilidades afirma, de forma cate­ górica, em seu art. 1, l, h que: 0 Presidente da República, 0 Governador de Estado e do Distrito Federal, 0 Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde 0 oferecimento de representação ou petição capaz de autori­ zar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, ficarão inelegíveis para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequen­ tes ao término da legislatura; Portanto, mesmo se a renúncia ocorrer antes do início do processo (na hipóte­ se descrita na LC n° 135/2010), 0 parlamentar se tornará inelegível para as eleições que se realizarem durante 0 período remanescente do mandato para 0 qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura.225

o) 0 Supremo Tribunal Federal, no dia 17.12.2012, após quatro meses e meio (visto que 0 julgamento se iniciou dia 02 de agosto de 2012 e teve 53 sessões), con­ cluiu 0 histórico julgamento do processo do mensaíão. 0 Pretório Excelso decidiu condenar 25 dos 38 réus do processo (AP n° 470) e fixou as punições de cada um dos condenados, além de definir que os, até então, três Deputados Federais condenados teriam que deixar seus mandatos pela decisão do STF, sem a necessidade de passar pela deliberação da Câmara dos Deputados para tal (posição do STF que em 2013 foi alterada no que tange a outros parlamen­ tares, conforme já vimos). Com isso, os Deputados deveriam perder os mandatos, que terminariam em 2015, após 0 trânsito em julgado do processo, ou seja, quando

225. Nesses termos, foi a decisão do STF no RE n° 631.112/PA (caso JaderBarbalM) julg. em 27.10.2010.

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nao houver mais possibilidade de recursos. Segundo a decisão do STF, a Câmara será devidamente notificada para cumprir a decisão.

Certo é que, durante o julgamento (dividido a partir de três núcleos: o fi­ nanceiro, o operacional e o político), o STF entendeu que existiu um esquema de compra de votos no Congresso Nacional durante os primeiros anos do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os Ministros entenderam que houve desvio de dinheiro público, entre outros, de contratos da Câmara dos Deputa­ dos e do Banco do Brasil, para abastecer um esquema criminoso. 0 Supremo condenou os réus pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, evasão de divisas, formação de quadrilha, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e peculato. Nesse sentido, dos 38 réus do processo, um deles teve 0 processo remeti­ do para a primeira instância e outros 12 acabaram inocentados. É interessante ressaltar que dos 25 réus considerados culpados, 0 que obteve maior pena foi 0 empresário Marcos Valério, apontado como 0 operador do esquema do mensalão, que, conforme a decisão do STF, repassava dinheiro a parlamentares. Com isso, foi condenado a mais de 40 anos de prisão.

É interessante salientar também, que nos termos do informativo 685 do STF, a definição da dosimetria das penas foi realizada apenas pelos Ministros que condenaram os réus. Nesse sentido a questão de ordem; "(...) 0 Pleno decidiu, por maioria, questão de ordem, suscitada pelo relator, no sentido de que os Ministros que se pronunciaram pela absolvição de réus e ficaram vencidos na votação parcial de mérito, não participariam da dosimetria. 0 Ministro Marco Aurélio acresceu que, absolvição e condenação com imposição de pena con­ substanciariam mérito e, desse modo, não vislumbrou que se pudesse, em um mesmo processo, formalizar voto para declarara inocência e, em passo seguin­ te, apenar. Destacaram-se precedentes da Corte (AP 409/CE, DJe 10.7.2010; AP 481/ PA, DJe de 29.6.2012; AP 441/SP, Dje de 8.6.2012 e AP 503/PR, acórdão pendente de publicação) em que prevalecera a tese segundo a qual, quem absolvería, não imporia pena (...)".

Sobre os condenados, salvo possibilidade de alteração pela via recursal até 0 devido transito em julgado, foi definido inicialmente (no final do ano de 2012) que: a) 11 condenados ficariam presos em regime fechado, em presidio de segurança média ou máxima; b) 11 ficariam em regime semiaberto; c) 1 dos réus foi condenado em regime aberto; e d) 2 tiveram a pena transformada em restrição de direitos. Acontece que em 2013, 0 STF julgou vários embargos de declaração interpostos pelos condenados da AP 470. Ao todo foram opostos e julgados 26 embargos de declaração na Ação Penal 470, sendo que a "maioria" dos mesmos foi julgada im­ procedente por serem protelatórios (a decisão de todos os embargos foi publicada pelo STF em 10.10.2013). 1328

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Mas o que gerou mais celeuma na AP 470, foi a "possibilidade" ou "não" de embargos infringentes para casos de condenação com no mínimo quatro votos fa­ voráveis ao réu. A decisão em sede de Agravo Regimental sobre a possibilidade dos embargos infringentes chegou a ficar empatada em 5 a 5 no Plenário do STF. 0 voto de desem­ pate foi proferido pelo Ministro Celso de Mello.”6

0 Ministro Celso de Mello proferiu voto de desempate em 18.09.2013 no sentido de admitir a possibilidade de utilização dos embargos infringentes (RISTF, art. 333, I), desde que existentes, pelo menos, quatro votos vencidos. Considerou, em sua manifestação, que 0 art. 333,1, do RISTF não sofrerá, no ponto, derrogação tácita ou indireta em decorrência da superveniente edição da Lei 8.038/90, que se limitara a dispor sobre normas meramente procedimentais concernentes a causas penais originárias, indicando-lhes a ordem ritual e regendo-as até 0 encerramento da ins­ trução probatória'''’''.

Afirmou 0 Ministro que 0 art. 333, I, do RISTF, embora de natureza formalmente regimental, teria caráter material de lei, e fora recebido pela nova ordem constitu­ cional com essa característica. Assinalou, entretanto, que, atualmente, falecería ao STF 0 poder de derrogar normas regimentais veiculadoras de conteúdo processual, que somente poderíam ser alteradas mediante lei em sentido formal, nos termos da Constituição. Prosseguindo em sua manifestação, 0 Ministro Celso de Mello men­ cionou a existência de projeto de lei relativo a eventual alteração no texto da Lei 8.038/90. Referido projeto propunha a abolição dos embargos infringentes em todas

226. Também já decidiu o STF que: Cabem embargos infringentes para o Plenário do STF contra decisão condenatória pro­ ferida em sede de ação penal de competência originária das Turmas do STF. O requisito de cabimento desse recurso é a existência de dois votos minoritários absolutórios em sentido próprio, (o Ministro deve ter expressado juízo de improcedênciada pretensão executória). AP 863 EI-AgR/SP, STF. Plenário. Rel. Min. Edson Fachin. julg. em 18 e 19.04.2018; HC 152707/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julg. em 18 e 19.04.2018.0 Regimento Interno do STF afirma que são cabíveis embargos infringentes contra decisão do Plenário do STF que tiver julgado procedente a ação penal se houve, no mínimo, 4 votos divergentes (art. 333, inciso I e parágrafo único). Assim sendo, se o Plenário do STF condenou algum réu e houve pelo menos 4 Ministros que votaram a favor dele, o Regimento Interno afirma que serão cabíveis em bargos infringentes. Assim, como são 11 Ministros no Plenário do STF, para caber embargos infringentes, a decisão deve ter sido 7x4,6x5 ou 6x4. Porém, a Turma, no STF, é composta por apenas 5 Ministros. Logo, é impossível que 4 Ministros fiquem vencidos. Em uma Turma do STF, se a decisão for por maioria, os resultados possíveis são 4x1 ou 3x2. Isso significa que, no máximo, 2 Ministros podem ficar vencidos na Turma. O STF construiu a seguinte solução com base na analogia e nos princípios gerais do direito: deve ser admitida a interposição de embargos infringentes contra decisão condenatória proferida em sede de ação penal decompeténcia originária dasTurmas do STF. Como o quórum da Turma é reduzido, o requisito de cabimento desse recurso é a existência de apenas 2 votos minoritários. Assim, cabem embargos infringentes contra decisão proferida porTurma do STF se 2 Ministros votaram para absol­ ver o condenado. (Ver: Informativo 898 do STF). Porém também já decidiu o STF que, em regra, cabem embargos infringentes para o Plenário do STF contra decisão condenatória proferida pelas Turmas do STF, desde que 2 Minis­ tros tenham votado pela absolvição. Neste caso, o placar terá sido 3x2, ou seja, 3 Ministros votaram para condenar e 2 votaram para absolver. Excepcionalmente, se aTurma. ao condenar o réu, estiver com quórum incompleto (de 4 Ministros), será possível aceitar o cabimento dos embargos infringentes mesmo que tenha havido apenas 1 voto absolutório. Isso porque o réu não pode ser prejudicado pela ausência do quórum completo. AP 929 ED-2°julg-EI/ AL, STF. Plenário. Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 17.10.2018 (Info 920). 227. AP 470 (Informativo 720 do STF)

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as hipóteses dispostas no art. 333 do RISTF. Destacou que a proposta não fora acatada ao fundamento de que os embargos infringentes constituiríam importante canal para a reafirmação ou modificação do entendimento sobre temas constitucionais, bem como sobre outras matérias para as quais os embargos infringentes seriam previstos. Observou, ainda, que, segundo essa mesma manifestação acolhida pela Câmara dos Deputados para rejeitar 0 aludido projeto de lei, a exigência de, no mínimo, quatro votos divergentes para que fosse viabilizada a oposição do recurso em questão indi­ caria a relevância de se oportunizar novo julgamento para a rediscussão do tema e a fixação de um entendimento definitivo. 0 Ministro Celso de Mello reportou que nessas razões apresentadas pela manutenção dos embargos infringentes constaria, ainda, a justificativa de que eventual mudança na composição do STF no interregno poderia influir no resultado final, que também poderia ser modificado por argumentos ainda não considerados ou até por circunstâncias conjunturais relevantes"8.

0 Ministro Celso de Mello reiterou em seu voto que não se presumiría a revo­ gação tácita das leis, mormente por não incidir, no caso, qualquer hipótese configuradora de revogação das espécies normativas, na forma descrita no art. 2°, § i, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro - LINDB. Registrou, ademais, que a Lei 8.038/90 abstivera-se de disciplinar 0 sistema recursal interno do Supremo, em­ bora pudesse fazê-lo, a caracterizar uma lacuna intencional do legislador ordinário. Assinalou, também, que a regra consubstanciada no art. 333, I, do RISTF buscaria permitir a concretização, no âmbito desta Corte, no contexto das causas penais ori­ ginárias, do postulado do duplo reexame, que visa a amparar direito consagrado na Convenção Americana de Direitos Humanos, na medida em que realizaria, embora insuficientemente, a cláusula da proteção judicial efetiva. Sublinhou, por fim, que 0 referido postulado seria invocável mesmo nas hipóteses de condenações penais em decorrência de prerrogativa de foro, formuladas por Estados que houvessem for­ malmente reconhecido, como obrigatória, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desse tratado internacional. 0 Ministro Celso de Mello, então, ao proferir 0 voto de de­ sempate, admitiu a possibilidade de utilização, no caso, dos embargos infringentes. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, Presidente e relator, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio, que não admitiam os infringentes por entenderem que esse recurso estaria revogado pela Lei 8.038/90"’. Por último, é importante registrar que em 13.11.2013 0 Plenário do STF resolveu Questão de ordem (QO) trazida pelo Ministro Joaquim Barbosa para:

1)

por unanimidade, decretar 0 trânsito em julgado e determinar a executoriedade imediata dos capítulos autônomos do acórdão condenatório, não

228. AP470 (Informativo 720 do STF} 229. AP 470 (Informativo 720 do STF). Com isso, doze réus da AP 470 poderiam apresentar embargos infringentes com relação aos crimes de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

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impugnados por embargos infringentes, considerados os estritos limites do recurso;

2)

por maioria, excluir da execução imediata do acórdão as condenações já impugnadas por meio de embargos infringentes, considerados os estritos limites de cada recurso, por ainda pender 0 respectivo exame de admissi­ bilidade;

3)

por maioria, observados os pressupostos anteriormente citados, admitir 0 trânsito em julgado e a execução imediata da pena em relação aos réus cujos segundos embargos declaratórios já teriam sido julgados.

No tocante ao trânsito em julgado parcial do acórdão, à luz dos capítulos au­ tônomos nele existentes, prevaleceu 0 voto do Ministro Joaquim Barbosa. 0 relator da AP 470 consignou que se teria operado 0 trânsito em julgado integral relativa­ mente às penas impostas a alguns réus. Salientou, ainda, caso em que, apesar da existência de quatro votos em favor de determinado crime praticado por um dos acusados, não lhe teria sido imposta sanção penal, tendo em vista a extinção da pretensão punitiva, alcançada pela prescrição da pena em concreto. Desse modo, em relação aos demais crimes perpetrados por esse réu, também impor-se-ia a execução do acórdão230.

Registrou 0 Ministro outras situações em que cabería a oposição de embar­ gos infringentes no tocante a certos crimes praticados por alguns réus, motivo pelo qual ainda não ocorrido 0 trânsito em julgado. Entretanto, no que se refere aos demais delitos perpetrados pelos mesmos acusados, a condenação respec­ tiva teria transitado em julgado. Determinou, como consequência: a) fosse certi­ ficado 0 trânsito em julgado - integral ou parcial, conforme 0 caso - do acórdão condenatório, independentemente de sua publicação, feitas as ressalvas ante­ riormente citadas; b) fossem lançados os nomes dos réus no rol dos culpados; c) fossem expedidos mandados de prisão, para fins de cumprimento da pena privativa de liberdade, no regime inicial legalmente correspondente ao quantum da pena transitada em julgado, nos termos do art. 33, § 2°, do CP. Destacou, ain­ da, que esse aspecto implicaria vantagem para os acusados, pois significaria 0 início do cumprimento de pena em regime mais brando do que 0 cominado às condenações integrais. Assim, decotadas as condenações passíveis de embargos infringentes, a pena seria cumprida em regime mais favorável do que 0 even­ tualmente imposto se fosse aguardado 0 julgamento dos infringentes; d) fossem informados 0 TSE e 0 Congresso Nacional, para os fins do art. 15, lll, da CF; e) fosse delegada competência ao Juízo de Execuções Penais do Distrito Federal (LEP, art. 65) para a prática dos atos executórios, excluída a apreciação de eventuais pedidos de reconhecimento do direito ao indulto, à anistia, à graça, ao livramen­ to condicional ou questões referentes à mudança de regime de cumprimento de

230. AP 470 Décima Primeira - QO/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, Julg. em 13.11.2013.

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pena, que deveriam ser dirigidos diretamente ao STF, assim como outros pleitos de natureza excepcional251.

5. DA FISCALIZAÇÃO CONTÁBIL, FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA E DOS TRI­ BUNAIS DE CONTAS Sem dúvida, a Constituição de 1988 traz a previsão de dois grandes sistemas de controle e fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das entidades federadas e de suas respectivas administrações direta e indireta. Nesse sentido, temos um sistema interno de controle (1) e um sistema externo de controle (2). (1) Se 0 art. 2° da CR/88 estabelece que são Poderes da União independentes e harmônicos entre si 0 Legislativo, Executivo e 0 Judiciário, temos que cada um des­ ses Poderes estabelecidos constitucionalmente terá um sistema interno de controle, por meio de órgãos próprios dentro de suas respetivas estruturas e que irão aferir a legalidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de receitas.

Nesses termos, a CR/88 no seu art. 74 corrobora com essa assertiva, afirmando que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno231 232 com a finalidade de:

231. AP 470 Décima Primeira - QO/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, Julg. em 13.11.2013. Nesses termos, o Supremo Tri­ bunal Federal acolheu, por unanimidade, o entendimento do presidente da corte e relator da ação do Mensaíão (AP-470), Ministro Joaquim Barbosa, para a execução imediata da pena de 21 dos 25 réus condenados na ação penal (esse número subiu para 22 com o início da execução imediata da pena de João Paulo Cunha em fevereiro de 2014). Com isso, no caso dos réus que possuem embargos infringentes pendentes de julgamento, o cum­ primento da pena alcançará tão somente a parte imutável da condenação - o entendimento foi por maioria de votos (seis votos a cinco). Sobre as prisões é importante salientar que os réus condenados que tiveram os pedidos de prisão acolhidos foram: Carlos Rodrigues (8ispo Rodrigues), Cristiano Paz, Delúbio Soares, Jacinto Lamas, José Dirceu, José Genoino, José Roberto Salgado. Katia Rabello, Marcos Valério, Pedro Corrêa, Pedro Henry, Ramon Hollerbach, Roberto Jefferson, Rogério Tolentino, Romeu Queiroz, Simone Vasconcelos, Valdemar Costa Neto e Vinícius Samarane. É importante salientar ainda que o STF deliberou, também, sobre a certificação do trânsito em julgado da ação penal quanto a 13 réus: Carlos Rodrigues (Bispo Rodrigues), Emerson Palmieri, Enivaldo Quadra­ do, Jacinto Lamas, José Borba, Pedro Corrêa, Pedro Henry, Roberto Jefferson, Rogério Tolentino, Romeu Queiroz, Simone Vasconcelos, Valdemar Costa Neto e Vinícius Samarane. Além disso, o STF certificou o parcial trânsito em julgado da ação em face de outros 9 réus (que terão embargos infringentes apreciados pelo plenário: Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Katia Rabello. José Roberto Salgado, Delúbio Soares, José Genoino e José Dirceu e João Paulo Cunha). A operacionalização da execução das penas, conforme decisão do Min. Joaquim Barbosa, ficará sob responsabilidade do juízo de Execução Penal do Distrito Federal. 232. No RMS 25.943/DF julg. em 24.11.2010, decidiu o STF que: A Controladoria-Geral da União CGU tem atribui­ ção para fiscalizar a aplicação dos recursos públicos federais repassados, nos termos dos convênios, aos Municípios. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, desproveu recurso ordinário em mandado de segurança, afe­ tado pela 1a Turma, interposto contra ato de Ministro de Estado do Controle e da Transparência que, mediante sorteio público, escolhera determinado Município para que se submetesse à fiscalização e à ouditoria, realizadas pela CGU, dos recursos públicos federais àquele repossados. Asseverou-se, de inicio, que o art. 70 da CF estabelece que a fiscali­ zação dos recursos públicos federais se opera em duas esferas: a do controle externo, pelo Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União - TCU, eado controle interno, pelo sistema de controle interno de cada Poder. Explicou-se que, com o objetivo de disciplinar o sistema de controle interno do Poder Executivo federal, e dar cumprimento ao art. 70 da CF, fora promulgada a Lei 10.180/2001. Essa legislação teria alterado a denominação de Corregedoria-Gera! da União para Controladoria Geral da União, órgão este que auxiliaria o Presidente da República na sua missão constitucional de controle interno do patrimônio da União. Ressaltou se que a CGUpoderia fiscalizar

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Avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;



Comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiên­ cia, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entida­ des da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;



Exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;



Apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

Temos, ainda, que os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conheci­ mento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária. (2) Já 0 sistema externo é exercido (conforme aqui já citado) pelo Poder Legis­ lativo, com 0 auxílio do Tribunal de Contas. Nesse sentido, a Constituição estabelece que, no âmbito federal, 0 controle externo será de competência do Congresso Na­ cional e será exercido com 0 auxílio do Tribunal de Contas da União.

Podemos definir 0 Tribunal de Contas da União como um órgão de natureza técnica que tem por objetivo auxiliar 0 Poder Legislativo na atividade de controle e fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União tanto entidades da administração direta quanto da indireta. Certo é que, embora auxilie 0 Poder Legislativo, ele não integra 0 Poder Legis­ lativo nem mesmo é subordinado a ele (aqui temos uma relação de cooperação e não de subordinação), mantendo apenas um vínculo institucional por disposição eminentemente constitucional. Portanto, 0 TCU é um órgão autônomo e indepen­ dente. É mister ainda salientar que ele goza das mesmas garantias institucionais do Poder Judiciário, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96 da CR/88 (artigo que diz respeito à autonomia administrativa e ao autogoverno dos Tri­ bunais do Poder Judiciário). Nesse sentido, compete ao Tribunal de Contas da União:



Apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;



Julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as

a aplicação de dinheiro da União onde quer que ele fosse aplicado, possuindo tal fiscalização caráter interno, porque exercida exclusivamente sobre verbas oriundas do orçamento do Executivo destinadas a repasse de entes federados. Afastou-se, por conseguinte, o alegada invasão da esfera de atribuições do TCU, órgão auxiliar do Congresso Nacional no exercício do controle externo, o qual se faria sem prejuízo do interno de cada Poder. Rel. Min. Ricardo Lewandowski.

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fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público fede­ ra I/” e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; •

Apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pes­ soal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fun­ dações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomea­ ções para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias poste­ riores que não alterem o fundamento legal do ato concessório233 234235 ;



Realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Fe­ deral, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de na­ tureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II (em nosso texto, segundo item explicitado de cima para baixo);



Fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;



Fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União me­ diante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Esta­ do, ao Distrito Federal ou a Município;2’5

233. Conforme trecho da Ementa do MS n" 25.092 de Rel. do Min. Carlos Velloso julg. em 10.11.2005: Constitucional. Administrativo. Tribunal de contas. Sociedade de economia mista: fiscalização pelo Tribunal de Contas. Advogado em­ pregado da empresa que deixa de apresentar apelação em questão rumorosa. I. - Ao Tribunal de Contas da União compete julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinbeiros, bens e valores públicos da admi­ nistração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário (CR, art. 71, II; Lei 8.443, de 1992, art. 1", I). II. As empresas públicas e as sociedades de economia mista, integrantes da admi­ nistração indireta, estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, não obstante os seus servidores estarem sujeitos ao regime celetista. 234. O STF já afirmou que: "O Tribunal de Contas da União, no exercido do competência de controle externo da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadorias, reformas e pensões (art. 71, inciso lll, CR/88), não se submete ao prazo decadencial do art. 54 da Lei n° 9.784/99". Conforme o MS rtc 30.830 AgR/DF, presente no informativo 691 do STF: “Nos termos dos precedentes firmados pelo Plenário desta Corte, não se opera a decadência prevista no art. 54 da Lei 9.784/99 no período compreendido entre o ato administrativo concessivo de aposentadoria ou pensão e o posterior julgamento de sua legalidade e registro pelo Tribunal de Contas da União - que consubstancia o exercício da compe têncio constitucional de controle externo'’. 235. No MS n° 24.832 em 19.02.2003 o STF decidiu que: (...) Embora os recursos naturais da plataforma continental e os recursos minerais sejam bens da União (CR, art. 20, Ve IX), a participação ou compensação aos Estados, Distrito Federal e Municípios no resultado da exploração de petróleo, xisto betuminoso e gás natural são receitas originárias destes últimos entes federativos (CR, art. 20, § 1°}.3-Ê inaplicável, ao caso, o disposto no art. 71, VI da CF que se refere, especificamente, ao repasse efetuado pela União - mediante convênio, acordo ou ajuste - de recursos ori­ ginariamente federais. 4 - Entendimento original da Relatora, em sentido contrário, abandonado para participar das razões prevalecentes [...]. Re. Min. Ellen Gracie. A tese de que a receita é originária dos entes foi mantida na ADI 4606: (...) 1. Segundo jurisprudência assentada nesta CORTE, as rendas obtidas nos termos do art. 20, § 1°, da CF constituem receita patrimonial originária, cuja titularidade - que não se confunde com a dos recursos naturais

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Prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscali­ zação contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;



Aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregu­ laridade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;



Assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências neces­ sárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;



Sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;



Representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apu­ rados.

Segundo a Constituição,2’6 temos também que, no caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de ime­ diato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis. Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas necessárias e cabíveis, o Tribunal decidirá a respeito. Além disso, as decisões do Tribunal de Contas de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.

Certo é que o Tribunal de Contas encaminhará ao Congresso Nacional, trimes­ tral e anualmente, relatório de suas atividades.*

objetos de exploração pertence a cada um dos entes federados afetados pela atividade econômica. 2. Embora sejam receitas originárias de Estados e Municípios, as suas condições de recolhimento e repartição são definidas por regramento da União, que tem dupla autoridade normativa na matéria, já que cabe a ela definir as condições (legislativas) gerais de exploração de potenciais de recursos hídricos e minerais (art 22, IV e XII, da CF), bem como as condições (contratuais) específicas da outorga dessa atividade a particulares (art. 176, parágrafo único, da CF). Atualmente, o legislação de regência determina seja o pagamento "efetuado, mensalmente, diretamente aos Esta­ dos, ao Distrito Federal, aos Municípios e aos órgãos da Administração Direta da União" (art. 8° do Lei 7.990/1989). (...) STF. Plenário. ADI 4606, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julg em 28.02.2019 (Info 932). Acontece que na ADI 4846/ES o Ministro Fachin (seguido pela corrente majoritária) entendeu que: as receitas de royalties são receitas originárias da União, tendo em vista a propriedade federai dos recursos minerais, e obrigatoriamente transferidas aos Estados-membros e Municípios por força do§ 1a do art. 20 da CF/88. Assim, para o Min. Edson Fachin, os royal­ ties nào são receitas originárias dos Estados-membros e dos Municípios. Dessa forma, o art. 9a da Lei n° 7.990/89 não violou o pacto federativo nem a autonomia dos Estados membros porque essa Lei não tratou sobre repasse de receitas originárias dos Estados, mas sim sobre receitas originárias da União. ADI 4846/ES, STF. Plenário. Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 09.10.2019. Aqui devemos aguardar como a questão será equacionada e qual será o impacto do posicionamento adotado em outubro de 2019 (e inclusive se ele vai ser mantido). Porém em outro julgado interessante, temos que: O Tribunal de Contas da União é o órgão competente para fiscalizar os recursos decorrentes do Fundo Constitucional do Distrito Federal (art. 21, XIV, da CF/88 e Lei n° 10.633/2002). Os recursos destinados ao Fundo Constitucional do Distrito Federal pertencem aos cofres federais, consoante disposto na Lei 10.663/2002. Logo, a competência para fiscalizara aplicação dos recursos da União repassados ao FCDF é doTCU. MS 28584/DF, STF. 2a Turma. Red. p/o ac. Min. Edson Fachin, julg em 29.10.2019 (Info 958). 236. Art. 71 § 1° ao § 4° da CR/88.

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Aqui cabem algumas questões importantes sobre as competências do Tribunal de Contas definidas acima. Conforme citado é importante reforçar que o TCU não julga as contas do chefe do Poder Executivo, ou seja, do Presidente da República. Portanto, as contas do Presidente da República são anualmente apresentadas ao TCU. Este, em um prazo máximo de 6o dias, aprecia as contas e prepara um parecer prévio, que é enviado ao Congresso Nacional. De posse do parecer, o Congresso julga se as contas do chefe do Poder Executivo estão regulares ou não. Desse modo, a competência para julgar as contas do Presidente da República é do Congresso Nacional conforme o art. 49, IX, da CR/88.

Porém, nos termos constitucionais acima citados, as contas dos demais adminis­ tradores que lidam com verbas federais serão julgadas pelo TCU. A conclusão é a de que 0 TCU irá julgar as contas de todos os administradores que lidem com verbas federais, salvo as do Presidente da República (que são julgadas pelo Congresso Nacional). Essa é a interpretação constitucionalmente adequada do art. 71,1 e II da CR/88. No mesmo sentido, com base na norma constitucional, os Tribunais de Contas Estaduais (TCEs) são competentes para julgar as contas dos administradores que lidem com verbas estaduais ou municipais, com exceção das contas dos chefes do Poder Executivo (Governador e Prefeitos). Assim sendo, 0 TCE irá julgar as contas de todos os administradores que lidem com verbas estaduais ou municipais, salvo as do Governador e dos Prefeitos. As contas do Governador são julgadas pela As­ sembléia Legislativa, após 0 TCE elaborar um parecer. As contas dos Prefeitos são julgadas pelas respectivas Câmaras Municipais, após 0 TCE elaborar um parecer.237

No que tange à sua composição, a normativa constitucional estabelece que o Tribunal de Contas da União, que terá sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo 0 território nacional, será composto por nove Mi­ nistros. Os requisitos para 0 brasileiro ser Ministro do Tribunal de Constas são os seguintes: a) mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade; b) idoneidade moral e reputação ilibada; c) notórios conhecimentos jurídicos, contá­ beis, econômicos e financeiros ou de administração pública; e d) mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimen­ tos mencionados no inciso anterior.

Os Ministros do Tribunal de Contas serão escolhidos: •

um terço (três) pelo Presidente da República, com aprovação do Sena­ do Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do

237. Conforme o STF: ê inconstitucional norma da Constituição Estadual que preveja que compete privativamente à Assembleia Legislativa julgar as contas do Poder Legislativo estadual. Seguindo 0 modelo federal, as contas do Poder Legislativo estadual deverão ser julgadas pelo TCE, nos termos do art. 71, II c/c art. 75, da CF/88. STF. ADI 3077/SE Plenário do STF, Rel. Min.Cármen Lúcia, julg. em 16.11.2016.

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Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento;



dois terços (seis) pelo Congresso Nacional.

Temos, ainda, que os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40 da CR/88.235

Algumas observações finais sobre 0 TCU são pertinentes:

1) A Súmula n° 347 do STF preleciona que: 0 Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público. Porém, essa Súmula vem sendo relativizada (não entendida de forma ab­ soluta) pelo STF, em posicionamentos monocráticos, conforme a decisão liminar do MS n° 25.888 exarada pelo Ministro Gilmar Mendes que deferiu 0 pedido de medida liminar, para suspender os efeitos da decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União (Acórdão n° 39/2006) que impedia a Petrobras de realizar 0 chamado proces­ so licitatório simplificado. 2) Conforme 0 verbete da Súmula Vinculante n° 3 do STF temos que: nos pro­ cessos perante 0 Tribunal de Contas da União asseguram-se 0 contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie 0 interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

3) Conforme 0 posicionamento do STF exarado no julgamento de medida cautelar em 24.05.2006 na ADI n° 3.715 temos a diferenciação entre dois tipos de competências institucionais do Tribunal de Contas (que já citamos na obra). Assim sendo, conforme 0 Ministro Gilmar Mendes: "No âmbito das competências institu­ cionais do Tribunal de Contas, 0 Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a clara distinção entre:

a) a competência para apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas pres­ tadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, especificada no art. 71, inciso I, CR/88; b) e a competência para julgaras contas dos demais administradores e respon­ sareis, definida no art. 71, inciso II, CR/88. Na segunda hipótese, 0 exercício da competência de julgamento pelo Tribunal de Contas não fica subordinado ao crivo posterior do Poder Legislativo." Nesses moldes, a competência para 0 julgamen­ to das contas do chefe do Executivo é exclusiva do Poder Legislativo (Congresso238

238. Conforme o art. 74 § 4o da CR/88:0 auditor, quando em substituição a Ministro (doTribunal de Contas da União), terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.

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Nacional com base no art. 49 da CR/88). Com isso, resta que a função do Tribunal de Contas da União é (com já dito) opinativa, atuando com auxiliar do parlamen­ to.239 4) 0 STF no julgamento em 04.04.2001 do MS n° 23.550 exarou que 0 Tribunal de Contas da União, embora não tenha poder para anular ou sustar contratos admi­ nistrativos, tem competência, conforme 0 art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for 0 caso, da licitação de que se originou. No mesmo sentido, a decisão do MS n° 26.000/SC em 16.10.2012.

5) Conforme 0 STF, o prazo decadencial quinquenal, previsto no art. 54 da Lei n 9J84/99, não se aplica para a atuação do TCU em processo de tomada de con­ tas, considerando que se trata de procedimento regido pela Lei n° 8.443/92, que se constitui em norma especial. Para 0 Pretório Excelso, a compreensão de que 0 prazo decadencial quinque­ nal é impróprio para regular a atuação da Corte de Contas em processo que pode resultar na apuração de prejuízo ao erário e na correlata imputação de débito aos responsáveis é consentânea com 0 entendimento firmado pelo STF no julgamento do RE 852.475 (Tema 897 da repercussão geral), em que assentada a seguinte tese: "São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa".240

6) Conforme decisão da 1a Turma do STF, 0 TCU não pode suspender pagamen­ to de pensão por considerá-la ilegal, desrespeitando decisão judicial, bem como a coisa julgada (decisão judicial transitada em julgado241).

239. Essa assertiva também é válida no nível Estadual, Distrital e Municipal. Portanto, em qualquer nível, no caso do Poder Executivo, não podemos confundira apreciação das contas feita peloTribunal de Contas com o julgamento das contas, realizada pelo Poder Legislativo. 240. MS 35038 AgR/DF, STF. 1a Turma. Rel. Min. Rosa Weber, julg em 12.11.2019. Não vislumbrou direito líquido e cer­ to à incidência do prazo quinquenal, considerados os precedentes do STF que: (a) não admitem a submissão de processo de tomada de contas especial ao estabelecido no art. 54 da Lei 9.784/1999; (b) afastam a aplicação desse dispositivo legal se evidenciada flagrante inconstitucionalidade; e (c) asseveram a possibilidade de apuração de má-fé e a de indicação de medida impugnativa ao longo do processo administrativo. Noutro passo, o Colegiado rejeitou a apontada ofensa ao art. 71, § Io, da CF. Embora o TCU não possa, diretamente, sem prévia submissão da matéria ao Congresso Nacional, determinar a sustação ou a anulação de contrato, pode determinar às unidades fiscalizadas que adotem medidas voltadas à anulação de ajustes contratuais, com base no art. 71, IX, da CF. Aderna is, as atribuições constitucionais conferidas ao TCU pressupõem a outorga de poder geral de cautela àquele órgão. Ambas as prerrogativas conduzem ao reconhecimento da legitimidade do ato impugnado e afastam a con­ figuração de ilegalidade ou de abuso de poder. Se a autoridade impetrada pode vir a determinar que o BNDES, o BNDESPAR e a Finame anulem os contratos de confissão de divida, atrelado a essa possível determinação está o poder geral de cautela de impor a suspensão dos repasses mensais decorrentes dessas avenças, como forma de assegurar o próprio resultado útil da futura manifestação da Corte de Contas. Por fim, a possibilidade de o TCU impor a indisponibilidade de bens contempla a prerrogativa de decretar a indisponibilidade de créditos devidos pelos aludidos patrocinadores, como decorrência do contrato de confissão de dívida. 241. MS30312Ag R/RJ: "Concessão inicial de pensão julgada ilegal pelo Tribunal de Contas da União. Alteração da fonte pagadora. Ofensa à coisajulgada. Agravo regimental não provido. 1. Existência de decisão judicial transitada em jul­ gado condenando a União ao pagamento da pensão, conforme se verifica na parte dispositiva da sentença. Nào se está diante de hipótese excepcional de lacuna do título judicial ou de desvio administrativo em sua implementação. Desse modo, não pode o Tribunal de Contas da União, mesmo que indiretamente, alterar as partes alcançadas

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7) 0 Plenário do STF, por maioria, em 11.04.2013 na ADI 2198, julgou impro­ cedente pedido formulado pelo Governador do Estado da Paraíba, contra a Lei 9-755/98 (que dispõe sobre a criação, pelo TCU, de sítio eletrônico de informações sobre finanças públicas, com dados fornecidos por todos os entes federados). En­ tendeu 0 Pretório Excelso que 0 portal teria 0 escopo de reunir as informações tributárias e financeiras das diversas unidades da federação, a fim de facilitar 0 acesso desses dados pelo público, além de não criar nenhum ônus novo (em ter­ mos de finanças públicas) aos entes federativos. Afirmou ainda que a referida Lei não violava (desrespeitava) 0 princípio federativo (autonomia dos entes), sendo um instrumento para 0 aprimoramento da transparência dos atos do Poder Público e desenvolvimento do princípio da publicidade. Na decisão, também foi afastada a alegação de inconstitucionalidade formal (sob 0 fundamento da exigência de Lei complementar para a regulação da matéria de finanças públicas, nos termos do art. 163,1 da CR/88) em virtude de se tratar a Lei em debate "de norma geral voltada à publicidade das contas públicas" (matéria de direito financeiro, regulada de forma concorrente no art. 24,1 da CR/88). 8) Segundo 0 STF, as contribuições sindicais compulsórias possuem nature­ za tributária e constituem receita pública, estando os responsáveis (pela sua gestão) sujeitos à competência fiscalizadora do TCU. É bom que se diga, que 0 STF também entendeu que esse controle sobre 0 atuação das entidades sindicais não representa violação à respectiva autonomia assegurada a elas na Consti­ tuição/42

9) Conforme a 2° Turma do STF, nos processos que tramitam no TCU não é necessária a intimação pessoal da data em que será realizada a sessão de jul­ gamento, bastando que essa informação seja publicada em veículo de comunica­ ção oficial (imprensa oficial)242 243. No mesmo sentido, 0 MS n° 26.732 AgR/DF julgado pelo Plenário do STF em 25.06.2008: "Não se faz necessária a notificação prévia e pessoal da data em que será realizada a sessão de julgamento de recurso de reconsideração pelo TCU. Ausência de ofensa aos princípios da ampla defesa e

pela decisão judicial já transitada em julgado. Se o responsável pelo pagamento da pensão era o INSS, essa ques tão deveria ter sido arguida à época da discussão judicial. A questão acerca do regime de aposentação da impetrante deveria ter sido arguida durante o trâmite da ação ordinária, e, depois de transitada em julgado a decisão, eventual­ mente, pelo via da ação rescisória, mas não no momento do análise da legalidade da pensão perante o TCU. 2. Agravo regimental não provido". Julg. em 27.11.2012. 242. MS n° 28.465/DF: "Tribunal de Contas da União - Controle - Entidades sindicais - Autonomia - ausência de vio­ lação. A atividade de controle do Tribunal de Contas da União sobre a atuação das entidades sindicais não repre­ senta violação à respectiva autonomia assegurada na Lei Maior. Mandado de segurança - Tribunal de Contas da União - Fiscalização - Responsáveis - Contribuições sindicais - Natureza tributária - Receita pública. As contribui­ ções sindicais compulsórias possuem natureza tributária, constituindo receita pública, estando os responsáveis sujeitos à competência fiscalizatória do Tribunal de Contas da União.". Julg. em 13.03.2014 (Ia Turma). Rel. Min. Marco Aurélio. Aqui, é interessante explicitarmos, que esse controle a ser realizado pelo TCU, envolve apenas a Contribuição Sindical (que é compulsória e é considerada tributo) e não envolve a Contribuição Federativa ou de "assembléia" (que não é considerada tributo). 243. MS n° 28.644/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julg. em 12.08.2014.

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do devido processo legal quando a pauta de julgamentos é publicada no Diário Oficial da União." Temos ainda que, nos termos do MS 27427 AgR, julgado em 08.09.2015, pela 2a Turma do STF, nos processos administrativos que tramitam no TCU, é possível a citação do interessado por via postal. Portanto, o envio de carta registrada com aviso de recebimento está expressamente enumerado entre os meios de comunicação de que dispõe 0 TCU para proceder às suas intimações. Nesses termos, 0 inciso II do art. 179 do Regimento Interno do TCU é claro ao exigir apenas a comprovação da entrega no endereço do destinatário, bastando 0 aviso de recebimento simples.

io)0 Plenário do STF decidiu na ADI 4232 que é inconstitucional legislação esta­ dual do Estado do Rio de Janeiro de iniciativa parlamentar que estabeleceu normas suplementares de fiscalização financeira, com fundamento na competência constitu­ cional de controle externo por pane do Poder Legislativo, de modo a determinar a obrigatoriedade da declaração de bens e rendas para 0 exercício de cargos, empre­ gos e funções nos três Poderes estaduais (Magistrados, membros do MP, Deputados, Procuradores do Estado, Defensores Públicos etc.) anualmente para a Assembléia Legislativa. 0 STF entendeu que a referida lei é inconstitucional já que essa competência de fiscalização conferida pela lei à Assembléia Legislativa não tem amparo na CR/88, que não previu semelhante atribuição ao Congresso Nacional no âmbito federal (e afirmou ainda a inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa). Portanto, não poderia a Assembléia Legislativa outorgar-se a si mesma competência que não en­ contra previsão na Constituição de 1988. O STF considerou que a Lei carioca somente seria válida quanto aos servidores do próprio Poder Legislativo que administrem ou sejam responsáveis por bens e valores, sendo constitucional que se exija que estes apresentem sua declaração de bens à Assembléia Legislativa por se tratar de uma forma de controle administrativo interno.''44

244. ADI 4232 julg. em 30.10.2014: “Lei estadual que estabeleceu, com fundamento no competência constitucional de controle externo por parte do Poder Legislativo, a obrigatoriedade de apresentação de declaração de bens por diversos agentes públicos estaduais (magistrados, membros do Ministério Público, deputados, procuradores do es­ tado. defensores públicos, delegados etc.) à Assembléia Legislativa. 3. Modalidade de controle direto dos demais Po­ deres pela Assembléia Legislativa - sem o auxílio do Tribunal de Contas do Estado - que não encontra fundamento de validade na Constituição Federal. Assim, faltando fundamento constitucional a essa fiscalização, não poderia a Assembléia Legislativa, ainda que mediante lei, outorgar a si própria competência que é de todo estranha à fisio­ nomia institucional do Poder Legislativo. 4. Inconstitucionalidade formal da lei estadual, de origem parlamentar, que impõe obrigaçóes aos servidores públicos em detrimento da reserva de iniciativa outorgada ao chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1°. II. da CF), e do autonomia do Poder Judiciário (art. 93 da CF) e do Ministério Público (arts. 127. §2“ e 128. §5°, da CF) para tratar do regime jurídico dos seus membros e servidores. 5. Constitucionalidade da lei em relação aos servidores e membros da própria Assembléia Legislativa, por se tratar de controle administrativo interno, perfeitamente legitimo. 6. Ação direta julgada parcialmente procedente, declarando se i) o inconstitudo nalidadedos incisos II a V doart 1 dos incisos IIaXIIeXIVaXIXdoart. 2°; das alíneas baedoincisoXX também do art. 2a. todos da Lei n° 5.388, de 16 de fevereiro de 2009, do Estado do fíio de Janeiro, e ii) conferindo-se interpretação conforme à Constituição ao art. 5° do mesmo diploma legal, para que a obrigação nele contida somente se dirija aos administradores ou responsáveis por bens e valores públicos ligados ao Poder Legislativo. Rel. Min. Dias Toffoli. Ver também ADI 4203, julg. em 30.10.2014.

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11) 0 STF na ADI 2444/RS julgada em 06.11.2014, entendeu que é constitucional lei estadual, de iniciativa parlamentar (estadual), que obriga 0 Poder Executivo do referido Estado-membro a divulgar, na imprensa oficial e na internet, a relação com­ pleta de obras atinentes a rodovias, portos e aeroportos.2*’

12) Conforme a 1a turma do STF no MS 26.969/DF julgado em 18.11.2014, de rela­ toria do ministro Luiz Fux, todo aquele que administra recursos e bens públicos está sujeito à fiscalização perante 0 Tribunal de Contas, independentemente de ser pessoa jurídica de direito público ou privado. Portanto, os Tribunais de Contas possuem competência para fiscalizar pessoas jurídicas de direito privado que recebam recursos públicos e essa competência sem­ pre esteve prevista de forma implícita no inciso II do art. 71 da CR/88. 0 que ocorre é que em 1998, 0 parágrafo único do art. 70 foi alterado pela Emenda Constitucional n» 19/98 e deixou mais explícito essa possibilidade de controle (que já existia). Além disso, 0 fato de uma associação que recebeu recursos públicos estar sendo processa­ da por improbidade administrativa não impede que ela seja condenada pelo Tribunal de Contas a ressarcir 0 erário se constatada alguma irregularidade, tendo em vista que a instâncias administrativa (TCU) e a instância judicial (ação de improbidade) são independentes (arts. 12 e 21, II, da Lei 8.429/92).240 13) Ainda sobre 0 tema acima, é interessante salientar que, recentemente, a 2a Turma do STF no MS 32703/DF, decidiu que não compete ao TCU adotar procedimento de fiscalização que alcance a Fundação Banco do Brasil quanto aos recursos pró­ prios, de natureza eminentemente privada, repassados por aquela entidade a ter ceiros, na medida em que a Fundação Banco do Brasil não integra 0 rol de entidades obrigadas a prestar contas ao Tribunal de Contas, nos termos do art. 71, II, da CR/88.

0 fundamento aqui é 0 de que a FBB é uma pessoa jurídica de direito privado não integrante da Administração Pública. Assim, a FBB não necessita se submeter aos ditames da gestão pública quando repassar recursos próprios a terceiros por meio de convênios. Porém, quando a FBB recebe recursos provenientes do Banco do Brasil - sociedade de economia mista que sofre a incidência dos princípios da Administração Pública previstos no art. 37, caput, da CR/88, — ficará sujeita à245 246

245. Informativo 766 do STF: "O Plenário/ulgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada em face da Lei I1.521/2000 do Estado Rio Grande do Sul. a qual obriga o Poder Executivo do referido Estado-membro a divulgar na imprensa oficia! e na internet a relação completa de obras atinentes a rodovias, portos e aeroportos. A Corte apontou não se verificar a existência de vício formal ou material na edição da norma em comento, visto que editada em ateriçáo aos princípios da publicidade e da transparência, a viabilizar a fiscalização das contas públicas." Rel. Min. Dias Toffoli. 246. “1.0 Tribunal de Contas tem atribuição fiscalizadora acerca de verbas recebidas do Poder Público, sejam públicas ou privadas (MS n°21.644/DF), máxime porquanto implícito ao sistema constitucional a aferição da escorreita aplicação de recursos oriundos da União, mercê da interpretação extensiva do inciso II do art. 71 da Lei Fundamental. 2.0 art. 71. inciso II, da CREfi/88 eclipsa no seu âmago a fiscalização da Administração Pública e das entidades privadas. (...) 6. As instâncias judicial e administrativa não se confundem, razão pela qual a fiscalização do TCU não inibe a propositura da ação civil pública, tanto mais que. consoante informações prestadas pela autoridade coatora, “na hipótese de ser condenada ao final do processo judiciai, bastaria à Impetrante a apresentação dos documentos comprobatórios da quitação do débito na esfera administrativa ou vice-versa."

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fiscalização do TCU. Isso porque, neste caso, tais recursos, como são provenientes do Banco do Brasil, têm caráter público.2* *7 14) Segundo 0 STF no MS n° 33.092/DF, 0 TCU possui competência para decretar, no início ou no curso de qualquer procedimento de apuração que tramite no TCU, a indisponibilidade dos bens (do responsável) por prazo não superior a 1 ano (art. 44, § 2° da Lei 8.443/92). Conforme 0 STF, essa previsão é constitucional, de forma que se admite, ainda que de forma excepcional, a concessão, sem audiência da parte contrária, de medidas cautelares, por deliberação fundamentada do Tribunal de Contas, sempre que necessárias à neutralização imediata de situações que pos­ sam causar lesão ao interesse público ou ainda para garantir a utilidade prática de processo que tramita no TCU. Isso não viola, por si só, 0 devido processo legal nem qualquer outra garantia constitucional, como 0 contraditório ou a ampla defesa."8

15) Segundo 0 STF no MS 24.379/DF, 0 TCU tem legitimidade para anular acordo extrajudicial firmado entre particulares e a Administração Pública, quando não ho­ mologado judicialmente. Nesses termos, se 0 acordo foi homologado judicialmente, 0 TCU, por obvio, não pode anulá-lo tendo em vista a existência de mérito da deci­ são judicial (0 que não poderá ser revisto pelo Tribunal de Contas). Contudo, sendo 0 acordo apenas extrajudicial, a situação está apenas no âmbito administrativo, de sorte que 0 TCU tem legitimidade para anular 0 ajuste celebrado.24’ 16) Conforme 0 STF no MS 30.788/MG julgado em 21.05.2015, 0 TCU tem competên­ cia para declarar a inidoneidade de empresa privada para participar de licitações promovidas pela Administração Pública. No caso 0 STF por maioria, denegou man­ dado de segurança impetrado em face de decisão do TCU que declarara não poder determinada pessoa jurídica, por cinco anos, participar de licitações públicas. No caso, a Corte de Contas aplicara a referida penalidade porque a impetrante frau dara documentos que teriam permitido a sua habilitação em procedimentos licitatórios. A decisão fora fundamentada no art. 46 da Lei 8.443/1992 - Lei Orgânica do TCU ("Art. 46. Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, 0 Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal").

247. MS 32703/DF 2’Turma do STF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 10.04.2018. Aqui, mais uma questão interes­ sante. A FBB não pode ser considerada como uma fundação instituída e mantida "pelo Poder Público federal” atraindo sempre a fiscalização doTCU com base no art. 71, II, da CR/88.0 fundamento é o de que o STF entende que o Banco do Brasil, apesar de integrar a Administração Pública federal, não pode ser considerado como"poder público": “0 Banco do Brasil, entidade da Administração Indireta dotada de personalidade jurídica de direito privado, voltada à exploração de otividade econômica em sentido estrito, não pode ser concebida como poder público". STF. Plenário. MS 24427, Rel. Min. Eros Grau, DJ 24/11/06. Portanto, a FBB é uma entidade privada não instituída pelo poder público. 248. MS 33092/DF, 2a Turma do STF, julg. em 24.03.2015. Rel. Min. Gilmar Mendes. Ementa: "2. Tribunal de Contas da União. Tomada de contas especial. 3. Dano ao patrimônio da Petrobras. Medida cautelar de indisponibilidade de bens dos responsáveis. 4. Poder geral de cautela reconhecido ao TCU como decorrência de suas atribuições constitucionais. 5. Observância dos requisitos legais para decretação da indisponibilidade de bens. 6. Medida que se impõe pela excep­ cional gravidade dos fatos apurados. Segurança denegada." (Inf. 779 do STF) 249. MS 24.379/DF, 1’Turma,Rel. Min. Dias Toffoli, julg. em 07.04.2015.

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17) Segundo 0 STF, 0 envio de informações ao TCU relativas a operações de cré­ dito originárias de recursos públicos não é coberto pelo sigilo bancário. Nesses ter­ mos, conforme 0 MS 33.340/DF, julgado pela i« Turma em 26.05.2015, o acesso a tais dados é imprescindível à atuação do TCU na fiscalização das atividades do BNDES. Aqui, registra-se, que 0 STF não está permitindo que 0 TCU quebre sigilo bancário (0 próprio STF tem precedentes contra), mas está afirmando que no caso se trata de informações do próprio BNDES em um procedimento de controle legislativo financei­ ro de entidades federais por iniciativa do Parlamento. Portanto, o STF está apenas reforçando a aplicação do art. 71 da CR/88.?5°

18) 0 STF na decisão do MS 33.340/DF, presente no informativo 787, afirmou que os membros do TCU possuiríam as mesmas prerrogativas que as asseguradas aos magistrados, tendo suas decisões a natureza jurídica de atos administrativos passíveis de controle jurisdicional. Tratar-se-ia de tribunal de índole técnica e política que de­ veria fiscalizar 0 correto emprego de recursos públicos. As Cortes de Contas, nesse sentido, implementariam autêntico controle de legitimidade, economicidade e de eficiência, porquanto deveriam aferir a compatibilidade dos atos praticados pelos entes controlados com a plenitude do ordenamento jurídico, em especial com a moralidade, eficiência, proporcionalidade. Assim, no atual contexto juspolítico bra­ sileiro, em que teria ocorrido expressiva ampliação de suas atribuições, a Corte de Contas deveria ter competência para aferir se 0 administrador teria atuado de forma prudente, moralmente aceitável e de acordo com 0 que a sociedade dele

250. Ementa: "7.0 Tribunal de Contas da Unido não está autorizado a, manu militari, decretar a quebra de sigilo bancário e empresarial de terceiros, medida cautelar condicionada à prévia anuência do Poder Judiciário, ou, em situações pon­ tuais, do Poder Legislativo (...) 8. In casu, contudo, o TCU deve ter livre acesso às operações financeiras realizadas pelas impetrantes, entidades de direito privado da Administração Indireta submetidas ao seu controle financeiro, mormente porquanto operacionalizadas median te o emprego de recursos de origem pública. Inoponibilidade de sigilo bancário e empresarial ao TCU quando se está diante de operações fundadas em recursos de origem pública. Conclusão de­ corrente do dever de atuação transparente dos administradores públicos em um Estado Democrático de Direito. 9. A preservação, in casu, do sigilo das operações realizadas pelo BNDES e BNDESPAfí com terceiros não, apenas, impedi­ ría a atuação constitucionalmente prevista para o TCU, como, também, representaria uma acanhada, insuficiente, e, por isso mesmo, desproporcional limitação ao direito fundamental de preservação da intimidade. (...) 11. A Proteção Deficiente de vedação implícita permite assentar que se a publicidade não pode ir tão longe, de forma a esvaziar, des­ proporcionalmente. o direito fundamental á privacidade e ao sigilo bancário e empresarial; não menos verdadeiro é que a insuficiente limitação ao direito d privacidade revelar-se-ia, por outro ângulo, desproporcional, porquanto lesiva aos interesses da sociedade de exigir do Estado brasileiro uma atuação transparente. 12. No caso sub examine: I) O TCU determinou o fornecimento de dados pela JBS/Friboi, pessoa que celebrou contratos vultosos com o BNDES, a fim de aferir, por exemplo, os critérios utilizados para a escolha da referida sociedade empresária, quais seriam as vantagens sociais advindas das operações analisadas, se houve cumprimento das cláusulas contratuais, se as operações de troca de debéntures por posição acionária na empresa ora indicada originou prejuizo para o BNDES. II) O TCU não agiu de forma imotivada e arbitrária, e nem mesmo criou exigência irrestrita e genérico de informações sigilosas. Sobre o tema, o ato coator aponta a existência de uma operação da Policia Federal denominada Operação Santa Tereza que apontou a existência de quadrilha intermediando empréstimos junto ao BNDES, inclusive envolvendo o financiamen­ to obtido pelo Frigorífico Friboi. Ademais, a necessidade do controle financeiro mais detido resultou, segundo o deci sum atacado, de um "protesto da Associação Brasileira da Indústria Frigorífica (Abrafigo) contra a política do BNDES que estava levanto à concentração econômica do setor", lll) A requisição feita pelo TCU na hipótese destes autos revela plena compatibilidade com as atribuições constitucionais que lhes são dispensadas e permite, de forma idônea, que a sociedade brasileira tenha conhecimento se os recursos públicos repassados pela União ao seu banco de fomento estão sendo devidamente empregados."

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esperasse. Ademais, o TCU, ao deixar de ser órgão do Parlamento para tornar-se da sociedade, representaria um dos principais instrumentos republicanos destinados à concretização da democracia e dos direitos fundamentais, na medida em que o controle do emprego de recursos públicos propiciaria, em larga escala, justiça e igualdade.

19) Segundo 0 STF, a iniciativa de projetos de lei que tratem sobre a organização e 0 funcionamento dos Tribunais de Contas é reservada privativamente ao próprio Tribunal (arts. 73 e 96, II, "b", da CR/88). Portanto, a iniciativa não é nem do Poder Executivo nem de parlamentares para tal. Além disso, entendeu 0 STF que é possível que haja emendas parlamentares em projetos de lei de iniciativa do Tribunal de Contas, desde que respeitados dois requisitos: a) as emendas guardem pertinência temática com a proposta original (tratem sobre 0 mesmo tema); b) as emendas não acarretem em aumento de despesas.251 Sobre 0 mesmo tema, conforme 0 STF decidiu na ADI 3223/SC, julgada em 06.11.2014, é inconstitucional lei de iniciativa parlamentar (estadual) que trate sobre os cargos, a organização e 0 funcionamento do Tribunal de Contas. 0 fundamento presente na decisão da ADI 3223 foi 0 de que é a própria Corte de Contas quem tem competência reservada para deflagrar 0 processo legislativo que trate sobre essa matéria nos termos dos arts. 73, 75 e 96 da CR/88.252

Por último, e mais recentemente, novamente decidiu 0 STF na ADI 5323, que é inconstitucional lei estadual ou emenda à Constituição do Estado, de iniciativa par­ lamentar, que trate sobre organização ou funcionamento do TCE. Conforme 0 STF rei­ terou, os Tribunais de Contas possuem reserva de iniciativa (competência privativa) para deflagrar 0 processo legislativo que tenha por objeto alterar a sua organização ou 0 seu funcionamento (art. 96, II c/c arts. 73 e 75 da CR/88).253

251. ADI 5442 MC/DF e ADI 5453 MC/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 17.03.2016. É importante ressaltar que essa regra também se aplica aos TC dos Estados. 252. ADI 3223/SC julg. em 06.11.2014: "1. Inconstitucionalidade formal de dispositivo acrescentado por emendo parla­ mentar que transpõe cargos de analista de controle externo do quadro de pessoal do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina paro o grupamento funcional do Poder Executivo local. Essa transposição promove indiretamente a extinção de cargos públicos pertencentes á composição funcional do Tribunal de Contas do Estado. 2. Conforme reconhecido pela Constituição de 1988 e pelo STF, gozam as cortes de contas do país das prerrogativas da autonomia e do autogoverno, o que inclui, essencialmente, a iniciativa reservada para instaurar processo legislativo para criar ou extinguir cargos, como resulta da interpretação sistemática dos arts. 73. 75 e 96, II, b, da CF (cf. ADI n- 1.994/ES, Rel. o Ministro Eros Grau, DJ de 8/9/06; ADI n“ 789/DF, Rel. o Ministro Celso de Mello, DJ de 19/12/94). 3. A jurisprudência da Corte é firme no sentido de que a Constituição Federal veda ao Poder Legislativo formalizar emendas a projetos de iniciativa exclusiva se delas resultar aumento de despesa pública ou se forem elas totalmente impertinentes à matéria versada no projeto (ADI 3288/MG, rel. Min. Ayres Britto; ADI n° 2350/GO, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 30/4/2004). No caso dos autos, o projeto original já versava acerca da transposição de cargos públicos, mas essa transposição limitava-se a cargos do quadro do Poder Executivo. 4. Ação julgada procedente.” Rel. Min Dias Toffoli. 253. ADI 5323/RN, STF. Plenário. Rel. Min. Rosa Weber, julg em 11.04.2019. Art. 96 da CR/88: Compete privativamente: (...) II ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo res­ pectivo, observado o disposto no art. 169: a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores; b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsidio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; c) a criação ou ex­ tinção dos tribunais inferiores; d) o alteração da organização e da divisão judiciárias; Art. 73 da CR/88. O Tribunal de

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No caso, trata-se de uma prerrogativa que decorre da independência e auto­ nomia asseguradas às Cortes de Contas. Assim, é inconstitucional lei estadual ou mesmo emenda à Constituição do Estado, de iniciativa parlamentar, que trate sobre organização ou funcionamento do TCE. Nesse sentido, a promulgação de emenda à Constituição Estadual não constitui meio apto para contornar a cláusula de iniciativa reservada. Com isso, inobservância da regra constitucional de iniciativa legislativa reservada acarreta a inconstitucionalidade formal das normas resultantes (mesmo de emenda à constituição estadual). Aqui, portanto, observamos uma inconstitucio­ nalidade formal subjetiva por vício de iniciativa.254255 No mesmo sentido, também em 2019 decidiu 0 STF na ADI 4643 sobre lei estadual do Estado do Rio de Janeiro.755

20) Nos termos do MS 27.427 AgR, julgado em 08.09.2015, pela 2a Turma do STF as atribuições do Tribunal de Contas da União são independentes em relação ao julga­ mento do processo administrativo disciplinar instaurado para apurar falta funcional do servidor público. Ou seja, 0 processo no TCU não depende e nem está vinculado ao PAD. 21) Conforme a 1a Turma do STF, 0 prazo prescricional para que 0 TCU aplique multas é de 5 anos, aplicando se a previsão do art. 1° da Lei n° 9.873/99. Caso esteja sendo imputada ao agente público a conduta omissiva de ter deixado de tomar providências que eram de sua responsabilidade, tem-se que enquanto ele perma­ neceu no cargo, perdurou a omissão. No momento em que o agente deixou 0 cargo, iniciou-se 0 fluxo do prazo prescricional.256

Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal ejurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96. Assim sendo, os Tribunais de Contas, assim como o Poder Judiciário, possuem competência privativa para iniciar o processo legislativo relati vamente às matérias previstas no art. 96, II, da CR/88. Aqui temos ainda que os Tribunais de Contas dos Estados, por sua vez, são organizados pelas Constituições Estaduais. Contudo, por força do princípio da simetria, as regras do TCU também são aplicadas, no que couber, aosTCE s, conforme o art. 75 da CR/88. 254. Ressaltamos aqui que esse mesmo entendimento não se aplica para emendas à Constituição Federal Ou seja, conforme já estudamos, se for emendas à Constituição Federal por parlamentares não haverá vício de iniciativa em matéria privativa seja do PJ ou do Tribunal de Constas da União. Portanto, temos uma marcante diferença entre a Constituição Federal e a Constituição dos Estados. 255. O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direita para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar 142/2011 do Estado do Rio de Janeiro, que disciplina a organização e o funcionamento do tribu­ nal de contas estadual. O Tribunal afirmou que a lei complementar fluminense, de origem parlamentar, contra riou o disposto nos arts. 73, 75 e 96. II, d (1). da Constituição Federal (CF). Ao alterar diversos dispositivos da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, dispondo sobre sua forma de atuação e suas com­ petências, bem como sobre suas garantias, deveres e organização, a referida norma invadiu matéria de iniciativa legislativa privativa da própria corte de contas. Os tribunais de contas, conforme reconhecido pela Constituição de 1988 e pelo STF. gozam das prerrogativas da autonomia e do autogoverno, o que inclui, essencialmente, a ini­ ciativa privativa para instaurar processo legislativo que pretenda alterar sua organização e funcionamento. O ul­ traje à prerrogativa de instaurar o processo legislativo privativo traduz vicio jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infrrmar, de modo irremissivel, a própria integridade do ato legislativo eventualmente concretizado. ADI 4643/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 15/5/2019 (Info 940). 256. MS 32201/DF Ia Turma do STF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 21.03.2017.

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22) Segundo 0 STF, é constitucional a criação de órgãos jurídicos na estrutura de Tribunais de Contas estaduais, vedada a atribuição de cobrança judicial de multas aplicadas pelo próprio tribunal. Portanto, é inconstitucional norma estadual que estabeleça que compete à Procuradoria do Tribunal de Contas cobrar judicialmente as multas aplicadas pela Corte de Contas. Nesses termos, a Constituição Federal não outorgou aos Tribunais de Contas competência para executar suas próprias de­ cisões. Assim sendo, as decisões dos Tribunais de Contas que acarretem débito ou multa têm eficácia de título executivo, mas não podem ser executadas por iniciativa do próprio Tribunal.257 23) Conforme 0 STF, em auditoria realizada pelo TCU para apurar a gestão administrativa do órgão, os terceiros indiretamente afetados pelas determina­ ções do Tribunal (como por exemplo os pensionistas) não possuem direito de serem ouvidos no processo flscalizatório. Assim sendo, não existe, no caso, des­ respeito ao devido processo legal. Entendeu 0 STF que nessa espécie de atuação administrativa, a relação processual envolve apenas 0 órgão flscalizador e 0 fis­ calizado, sendo dispensável a participação dos interessados. A conclusão é a de que 0 contraditório pressupõe a existência de litigantes ou acusados, 0 que não ocorre quando 0 Tribunal de Contas atua no campo da fiscalização de órgãos e entes administrativos. Para 0 Pretório Excelso, a atuação do TCU ficaria invia­ bilizada se, nas auditorias realizadas, fosse necessário intimar, para integrar 0 processo administrativo de controle, qualquer um que pudesse ser alcançado, embora de forma indireta, pela decisão da Corte de Contas. É interessante que nesse julgado também decidiu 0 STF que em casos de "fiscalização linear exercida pelo Tribunal de Contas", nos termos do art. 71, IV, da CR/88, não se aplica 0 prazo de decadência previsto no art. 54 da Lei n° 9.784/99. Isso porque em processos de "controle abstrato", 0 Tribunal de Contas não faz 0 exame de ato específico do qual decorre efeito favorável ao administrado. A Corte está examinando a regula­ ridade das contas do órgão e a repercussão sobre eventual direito individual é apenas indireta.258 24) Segundo 0 STF, é inconstitucional norma de Constituição Estadual que con­ fira competência ao Tribunal de Contas do Estado para homologar os cálculos das cotas do ICMS devidas aos Municípios. No caso, a Constituição do Estado do Amapá

257. ADI4070/RO, Plenário do STF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19.12.2016. 258. MS 34224/OF, P Turma do STF. Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 15.08.2017. Em conclusão de julgamento e por maioria, a Ia Turma indeferiu a ordem em mandado de segurança impetrado em face de decisão do Tribunal de Con­ tas da União ITCU), que determinou, em 2015, a redução no valor de pensão percebida em decorrência do falecimento do marido da impetrante, que era servidor público. A impetração sustentou óbice à revisão implementada, em razão da decadência, pois o benefício foi deferido em 2007. Além disso, alegou cerceamento de defesa e violação do devido processo legal, pela ausência de participação da beneficiária no processo administrativo. A Turma salientou que o TCU atuou não apenas no sentido de alterar a pensão recebida pela impetrante, mas realizou auditoria relativa a proventos e pensões oriundos do órgão onde trabalhava o marido dela. Assim, a defesa de um direito individual não poderia ser exercida quanto àquele ato, porque, se admitidos todos os possíveis interessados em um pronunciamento do TCU, estaria inviabilizada a fiscalização linear, externa, da corte de contas. A irresignação, portanto, deveria ser dirigida ao órgão em que trabalhava o falecido, e não o TCU.

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estabeleceu que seria competência do TCE homologar os cálculos das cotas do ICMS devidas aos Municípios. 0 STF entendeu que este dispositivo é inconstitucio­ nal, sob o fundamento de que sujeitar o ato de repasse de recursos públicos à homologação do TCE representa ofensa ao princípio da separação e da indepen­ dência dos Poderes.25’

25) Segundo STF, 0 Tribunal de Contas da União (e não 0 TCDF) é 0 órgão com­ petente para fiscalizar os recursos decorrentes do Fundo Constitucional do Distrito Federal. Nesses termos, os recursos destinados ao Fundo Constitucional do Distri­ to Federal pertencem aos cofres federais, consoante disposto na Lei 10.663/2002. Logo, a competência para fiscalizar a aplicação dos recursos da União repassados ao FCDF é do Tribunal de Contas da União.

Portanto, para 0 STF, 0 TCU é 0 órgão competente para fiscalizar os recursos decorrentes do Fundo Constitucional do Distrito Federal (art. 21, XIV, da CR/88 e Lei n° 10.633/2002) No caso, 0 art. 21 da CR/88 no seu inciso XIV afirma que compete a União organizar e manter a polícia civil, a polícia penal, a polícia militar e 0 corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio. Para cumprir 0 dispositivo constitucional, 0 legislador editou a Lei n° 10.633/2002 instituindo 0 fundo que ficou conhecido como "Fundo Constitucional do Distrito Federal - FCDF".259 260261

0 STF afirmou que os recursos destinados ao custeio dos serviços públicos pre­ vistos no referido dispositivo constitucional pertencem aos cofres federais. Reme­ morou que compete à União legislar sobre a organização das Polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros no âmbito do Distrito Federal, justamente porque caberá a ela - União - suportar os ônus correspondentes, com recursos do Tesouro Nacional. Assim, os recursos destinados à manutenção da segurança pública e execução de serviços públicos do Distrito Federal pertencem ao Tesouro Nacional, de modo que é inafastável a conclusão no sentido de que a fiscalização de sua aplicação compete ao TCU (conforme a CR/88, art. 70, parágrafo único, e 71, VI).26’ 26) Lembramos, por último, que à luz da Constituição de 1988 qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, de­ nunciar irregularidades ou ilegalidades perante 0 Tribunal de Contas da União.

259. ADI 825/AP, STF. Plenário. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 25.10.2018 (Info 921). 260. Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) é um fundo de natureza contábil, instituído pela Lei n° 10.633/2002 que tem como finalidade prover os recursos necessários à organização e manutenção - da policia civil, da polícia penal, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, - e, além disso, serve também como uma assistência financeira que a União oferece para que o Distrito Federal possa executar seus serviços públicos de saúde e educação. 261. MS 28584/DF, STF. 2aTurma Red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 29.10.2019 (Info 958).

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Resta agora analisar o controle externo realizado pelos Estados, Distrito Fede­ ral e Municípios. Ora, sem dúvida, no âmbito dos Estados-membros, DF e Municípios será de competência do Poder Legislativo (respectivamente: Assembléias Legislati­ vas, Câmara Legislativa e Câmaras Municipais) a realização do controle com auxílio dos Tribunais de Contas.

Nesses termos, a própria Constituição da República prescreve262 que as normas estabelecidas para a fiscalização contábil, financeira e orçamentária e as que digam respeito ao Tribunal de Contas da União se aplicam, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios263.

Assim sendo, as Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.264 É importante ressaltar

262. Conforme o art. 75 da CR/88. Reza ainda no § único do art. 75 que: "As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros." 263. Nesses termos, a decisão do STF em 02.02.2009 na ADI n° 916:0 Tribunaljulgou procedente ADI proposta pelo Governador do Estado de Mato Grosso para declarar a inconstitucionalidade da Lei 6.209/93, do referido Estado ■membro, que determina que todos os contratos celebrados entre o Governo do Estado e empresas particulares dependerão de registro prévio junto ao Tribunal de Contas estadual. Entendeu-se que a lei em questão ofende o art. 77 da CR, aplicável aos tribunais de contas estaduais, ante a regra da simetria (CR, art. 75), que não prevê como atribuição do TCU o controle prévio e amplo dos contratos celebrados pela Administração Pública. As­ severou se que, nos termos do art. 71,I, da CR, os tribunais de contas devem emitir parecer prévio relativo ás contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, prestação essa que tem amparo na responsabilidade geral pela execução orçamentária e não se restringe à obrigação do Presidente da República, do Governador de Estado ou do Prefeito municipal como chefes de Poderes. Já na decisão da MC na ADI 4416, julg. em 06.10.2010, temos que: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigo 307, § 3a, da Constituição do Estado do Pará, acrescido pelo EC 40, DE 19/12/2007. Indicação de Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado e dos Municípios. Dispositivo que autoriza a livre escolha pelo governador na hipótese de inexistência de auditores ou membros do Ministério Público Especial aptos à nomeação. Ofensa aos artigos 73, § 2", e 75, Caput, do CF. Liminar deferida. I - O modelo federal de organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas, fixado pela Constituição, ê de observância com­ pulsória pelos Estados, nos termos do caput art. 75 da Carta da República. II - Estabelecido no artigo 73. § 2°, da Carta Maior o modelo federal de proporção na escolha dos indicados às vagas para o Tribunal de Contas da União, ao Governador do Estado, em harmonia com o disposto no artigo 75, compete indicar três Conselheiros e â Assem­ bléia Legislativa os outros quatro, uma vez que o parágrafo único do mencionado artigo fixa em sete o número de Conselheiros das Cortes de Contas estaduais, lll - Em observância à simetria prescrita no caput do art. 75 da Carta Maior, entre os três indicados pelo Chefe do Poder Executivo estadual, dois, necessariamente e de forma alternada, devem integrar a carreira de Auditor do Tribunal de Contas ou ser membro do Ministério Público junto ao Tribunal. Súmula 653 do Supremo Tribunal Federal. IV - Medida cautelar deferida. Na ADI 3715, julg. em 21.08.2014: Ê inconstitucional regra prevista na CE que determine que o TC do Estado não pode sustar licitação, dispensa ou ine xigibilidade que estejam sendo analisadas naquela Corte. É também inconstitucional regra da CE que estabeleça a previsão de recurso contra as decisões do Tribunal de Contas do Estado para o Plenário da Assembléia Legislativa. Essas duas regras violam o modelo previsto pela CR/88 a respeito dos Tribunais de Contas da União (art. 71) e que deve ser obedecido pelos Estados (art. 75). E por último, decidiu o STF na ADI 2361, julg. em 24.09.2014 que: ê. inconstitucional lei estadual que proíbe que o TCE, quando estiver fazendo inspeções ou auditorias, tenha acesso a determinados documentos inerentes à Administração Pública. Essa previsão constitui ato atentatório à efetiva atuação do Tribunal de Contas, restringindo sua competência para realizar o controle externo das contas do Esta do-membro sem que a CR/88 tenha permitido essa limitação (art. 71 da CR/88 que por simetria deve ser aplicado aos TC dos Estados). 264. Segundo a Súmula n° 653 do STF: No Tribunal de Contas Estadual, composto por sete conselheiros, quatro devem ser escolhidos pela Assembléia Legislativa e três pelo chefe do Poder Executivo estadual, cabendo a este indicar um dentre auditores e outro dentre membros do Ministério Público, e um terceiro a sua livre escolha.

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que os Estados devem seguir o modelo federal em relação à composição e modo de investidura dos conselheiros.265

Nesses termos, já decidiu o STF na ADI 5323/RN que 0 art. 75 da CR/88 estabelece que deverá haver um "espelhamento obrigatório" do modelo de controle externo do TCU previsto na CR/88 para os Tribunais de Contas dos Estados/DF e para os Tri­ bunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Entendeu 0 STF na ADI 5323 que é materialmente inconstitucional norma da Cons­ tituição Estadual que trate sobre a organização ou funcionamento do TCE de forma diferente do modelo federal. Caso isso ocorra, haverá uma violação ao art. 75 da CR/88. Assim sendo, é inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que pre­ veja que, se 0 TCE reconhecer a boa-fé do infrator e se este fizer a liquidação tem­ pestiva do débito ou da multa, a Corte deverá considerar saneado 0 processo. Esta regra é inconstitucional porque não há previsão semelhante na CR/88 (art.7i§ 3»).266267

Na sequência, conforme 0 nosso diploma constitucional, 0 controle externo dos Municípios de competência das Câmaras Municipais será exercido com 0 auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município, ou dos Conselhos ou Tribu­ nais de Contas dos Municípios, onde houver. 0 parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que 0 Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

Nesses termos, conforme recente decisão do STF no RE 729.744/MC, é bom que se diga, que 0 parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza meramente opinativa, competindo exclusivamente à Câmara de Vereadores 0 jul­ gamento das contas anuais do chefe do Poder Executivo local, sendo incabível 0 julgamento ficto das contas por decurso de prazo. Com isso, conforme decisão do RE 848.826/DF, para os fins do artigo 1°, inciso I, g, da Lei Complementar 64/i99O2t'i’, a

265. (...) A Constituição Federal é clara ao determinar, em seu art. 75, que as normas constitucionais que conformam o modelo federal de organização do Tribunal de Contas da União são de observância compulsória pelas Cons­ tituições dos Estados-membros. (...)ADI 3715, Rel. STF. Plenário. Min. Gilmar Mendes, julg em 21/08/2014. Con­ forme a AD11994 julg em 24.05.2006, temos que: “[...] 1. Estruturo dos Tribunais de Contas Estaduais. Observância necessária do modelo federal. Precedentes. 2. Não é possível ao Estado-membro extinguir o cargo de Auditor na Corte de Contas estadual, previsto constitucionalmente, e substituí Io por outro cujo forma de provimento igualmente di­ virja do modelo definido pela CB/88.3. Vício formal de iniciativa no processo legislativo que deu origem à LC 142/99. A CB/88 estabelecendo que compete ao próprio Tribunal de Contas propor a criação ou extinção dos cargos de seu quodro, o processo legislativo não pode ser deflagrado por iniciativa parlamentar [artigos 73 e 96, inciso II, alínea bj. 4. Pedidojulgado procedente pora declarar inconstitucionais o §6° do artigo 74 e o artigo 279, ambos da Constituição do Estado do Espírito Santo, com a redação que lhes foi atribuída pela EC n. 17/99, e toda a Lei Complementar n. 142/99, que promoveu alterações na Lei Complementar n. 32/93, do mesmo Estado-membro." 266. ADI 5323/RN, STF. Plenário. Rel. Min. Rosa Weber. julgado em 11.04.2019 (Info 937). CR/88: Art. 71 (...) § 3“ As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo. Constituição do RN: Art. 53 (...)§ 3° As decisões do Tribunal de Contas, de que resulte imputação de débito ou multa, tém eficácia de título executivo, devendo a Fazenda Pública Estadual ou Municipal, no âmbito de suas competências, encaminhá-las para execução, e com o reconhecimento da boa-fé, a liquidação tempestiva do débito ou multa atualizado monetariamente sanará o processo, se não houver sido observada outra irregularidade na apreciação das contas. 267. Art. 1a São inelegíveis:!- para qualquer cargo: (...) g) os que tiverem suas contas relativas ao exercido de cargos ou fun­ ções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por

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apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo268 quanto as de gestão269, será exercida pelas Câmaras Municipais, com auxílio dos Tribunais de Contas competen­ tes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos vereadores.270

É interessante salientar, que situação até certo ponto comum é a de o Tribunal de Contas emitir parecer reprovando as contas do Prefeito e encaminhá-lo à Câmara Municipal que pode demorar a julgar as contas. Com o advento do período eleitoral o então Prefeito solicita o registro de sua candidatura (seja para a reeleição ou seja para outro cargo como o de Deputado Federal). A questão é: poderia ele concorrer mesmo havendo um parecer do Tribunal de Contas rejeitando as suas contas? Aqui dependería da seguinte situação: o parecer do Tribunal de Contas produziría efei­ tos enquanto não for rejeitado expressamente pela Câmara Municipal? Sobre este tema, duas correntes foram postas no julgamento do citado Recurso Extraordinário:

í») Para os Ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, o parecer prévio do Tribunal de Contas que rejeita as contas do Prefeito deverá produzir efeitos até que a Câmara Municipal expressamente o afaste, pelo voto de 2/3 dos Vereado­ res (interpretação literal do § 2« do art. 31 da CR/88). Com isso, se ocorre demora no julgamento pela Câmara Municipal e 0 parecer foi pela reprova­ ção das contas, 0 Prefeito não poderia concorrer em eleição por incidir na vedação do art. 1,1, "g" da LC 64/90 (alterada pela Lei da Ficha Limpa - LC n« 135/2010). 2a) 0 parecer técnico elaborado pelo Tribunal de Contas tem natureza mera­ mente opinativa e, portanto, não tem caráter decisório. Nesses termos, enquanto não houver 0 julgamento pela Câmara Municipal rejeitando as contas do Prefeito, não existe nenhum impedimento para que ele concor­ ra em eleições (seja para 0 caso de reeleição ou para concorrer a outro cargo). A conclusão é a de que mesmo que a Câmara Municipal demore a apreciar 0 parecer do Tribunal de Contas, não se pode considerar que as contas do Prefeito tenham sido rejeitadas. 0 fundamento para a maioria dos Ministros do STF é o de que não existe julgamento ficto das contas por demora no prazo de apreciação por Câmara de Vereadores.271

268. 269. 270. 271.

1350

decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oi to) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso lido art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição. Também denominadas de contas de desempenho ou contas de resultado. Também chamadas de contas de ordenação de despesas. STF. Plenário. RE 848826/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, julg em 10.08.2016. Informativo 834 do STF: "Ao analisar o RE 729.744/MG, apreciado conjuntamente com o RE 848.826/DF a Corte, por decisão majoritária, negou provimento ao recurso extraordinário. No caso, a controvérsia diz respeito à compe­ tência exclusiva da câmara municipal para o julgamento das contas de prefeito, sendo o parecer prévio do tribunal de contas meramente opinotivo. O Plenário manteve o deferimento do pedido de registro de candidato ao cargo de

Pooer Legislativo

Aqui, é importante observar ainda, que o STF, recentemente, decidiu que é in­ constitucional norma de Constituição Estadual que preveja que compete às Câmaras Municipais os julgamentos das contas de seus Presidentes. Nesses termos, a Cons­ tituição de 1988, somente autoriza que as Câmaras Municipais julguem as contas dos Prefeitos. No caso das contas dos Presidentes das Câmaras de Vereadores, estas devem ser julgadas pelo Tribunal de Contas dos Estados.272 No mesmo sentido, afirmou 0 STF na ADI 3077 em 16.11.2016 que é inconstitu­ cional norma da Constituição Estadual que preveja que compete privativamente à Assembléia Legislativa julgar as contas do Poder Legislativo Estadual. Conforme já

prefeito que tivera suas contas rejeitadas pelo tribunal de contas estadual. Frisou que, no tocante ás contas do che­ fe do Poder Executivo, a Constituição conferiría ao Poder Legislativo, além do desempenho de funções institucionais legiferantes, a função de controle e Fiscalização de contas, em razão de sua condição de órgão de Poder, a qual se de senvolveria por meio de processo politico-administrativo, cuja instrução se iniciaria no apreciação técnica do tribunal de contas. No âmbito municipal, o controle externo das contas do prefeito também constituiría uma das prerrogativas institucionais da câmara dos vereadores, exercida com o auxílio dos tribunais de contas do estado ou do município, nos termos do art. 31 da CF. Ressaltou que a expressão "só deixará de prevalecer", constante do §2° do citado artigo, deveria ser interpretada de forma sistêmica, de modo a se referir à necessidade de quórum qualificado para a rejeição do parecer emitido pela corte de contas. O Tribunal avaliou que, se caberia exclusivamente ao Poder Legislativo ojul­ gamento dos contas anuais do chefe do Executivo, com mais razão não se poderia conferir natureza juridica de deci­ são, com efeitos imediatos, ao parecer emitido pelo tribunal de contas que opinasse pela desaprovação das contas de prefeito até manifestação expressa da câmara municipal. O entendimento de que o parecer conclusivo do tribunal de contas produziría efeitos imediatos, que se tornariam permanentes no caso do silêncio da casa legislativa, ofendería a regra do art. 71,1, da CF. Essa previsão dispõe que, na análise das contas do Chefe do Poder Executivo, os tribunais de contas emitiríam parecer prévio, consubstanciado em pronunciamento técnico, sem conteúdo deliberativo, com o fim de subsidiar as atribuições fiscalizadoras do Poder Legislativo, que não estaria obrigado ase vincular à manifestação opinativa daquele órgão auxiliar. O ordenamento jurídico pátrio não admitiría o julgamento ficto de contas, por de curso de prazo, sob pena de permitir-se à câmara municipal delegar ao tribunal de contas, órgão ouxiliar, competência constitucional que lhe seria própria, além de criar-se sanção oo decurso de prazo, inexistente na Constituição. Do mes­ mo modo, náo se conformariam com o texto constitucional previsões normativas que considerassem recomendadas as contas do município nos casos em que o parecer técnico não fosse emitido no prazo legal e permitissem às câmaras municipais o seu julgamento independentemente do parecer do tribunal de contas. Ademais, seria importante subli­ nhar que, na apreciação das contas anuais do prefeito, não havería julgamento dele próprio, mas deliberação sobre a exotidão da execução orçamentária do município, A rejeição das contas teria o condão de gerar, como consequência, a caracterização da inelegibilidade do prefeito, nos termos do art. 1°, I, “g", da Lei Complementar 64/1990. Náo se poderia admitir, dentro desse sistema, que o parecer opinativo do tribunal de contas tivesse o condão de gerar tais consequên­ cias ao chefe de Poder local. Ressaltou, entretanto, que, no caso de a câmara municipal aprovar as contas do prefeito, o que se afastaria seria apenas a sua inelegibilidade. Os fatos apurados no processo politico-administrativo poderíam dar ensejo à suo responsabilização civil, criminal ou administrativa. Vencidos os Ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, que proviam o recurso. Aduziam que o parecer prévio emitido pelo tribunal de contas apenas deixaria de prevalecer por decisão de dois terços dos membros do Poder Legislativo local. Esse documento, então, passaria a produzir efeitos integralmente a partir de sua edição. A eficácia cessaria, porém, se e quando apreciado e rejeitado por deliberação dos vereadores. Analisou que entendimento contrário teria a consequência prática de tornar o parecer emitido pelo órgão competente um nadajurídico, dado o efeito paralisante de omissão do Poder Legislativo.'' RE 729.744/MG, Pleno do STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. em 10.08.2016. 272 . ADI 1964/ES. Pleno do STF, Rel. Min. Dias Toffoli, julg. em 04.09.2014: Previsão de julgamento das contas anuais do presidente da câmara municipal pela respectiva casa legislativa. Ofensa ao modelo constitucional. Agressão aos arts. 31, §2°;71,le II; e 75 da Lei Fundamental. 2. A CF foi assente em definir o papel específico do legislativo muni­ cipal parajulgar, após parecer prévio do tribunal de contas, as contas anuais elaborodas pelo chefe do poder executivo locol, sem abrir margem para a ampliação para outros agentes ou órgãos públicos. O art. 29, § 2°, da Constituição do Estado do Espírito Santo, ao alargar a competência de controle externo exercida pelas câmaras municipais para alcançar, além do prefeito, o presidente da câmara municipal, alterou o modelo previsto na CF(...)."

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dito, seguindo o modelo federal, as contas do Poder Legislativo estadual deverão ser julgadas pelo TCE, nos termos do art. 71, II c/c art. 75, da CR/88.

Nessa ADI 3077, 0 STF também decidiu, nos termos do art. 31, § 2°, da CR/88, que a elaboração do parecer prévio do Tribunal de Contas é sempre necessária e a Câmara Municipal, conforme já observado, somente poderá do parecer se houver manifestação de, no mínimo, 2/3 dos Vereadores. No caso em questão, a Constituição Estadual de Sergipe estabeleceu que, se 0 TCE não elaborasse, no prazo de 180 dias, 0 parecer prévio na prestação de con­ tas do Prefeito, 0 processo deveria ser encaminhado à Câmara Municipal e esta julgaria as contas mesmo sem 0 parecer. Nesse sentido, a Constituição Estadual do ente criou uma exceção na qual a Câmara Municipal poderia julgar as contas dos Prefeitos mesmo sem parecer do TCE. Para 0 STF essa exceção não encontra esteio na Constituição da República de 1988, sendo, portanto, inconstitucional.273274 Por último, conforme já salientamos acima, no nosso diploma constitucional, 0 controle externo dos Municípios de competência das Câmaras Municipais será exercido com 0 auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município, ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.

Aqui, é mister observarmos, que a Constituição de 1988 proíbe a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais. Porém, não há proibição para que os Estados criem órgão estadual denominado Conselho ou Tribunal de Contas dos Municípios, com a incumbência de auxiliar as Câmaras Municipais no exercício de sua competência de controle externo. Sem dúvida, conforme 0 STF, esses Conse­ lhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, mesmo sendo órgãos estaduais, atuam no logradouro no qual tenham sido instituídos como órgãos auxiliares e de coope­ ração técnica das Câmaras dos Vereadores. Portanto, existe sim uma diferença que deve ser observada. Não podemos con­ fundir 0 que a Constituição chama de Tribunais de Contas dos Municípios com o que ela intitula Tribunal de Contas do Município.272

Nesses termos, os Tribunais de Contas dos Municípios:



Órgão estadual que atua na fiscalização das contas de todos os Municípios de determinado Estado.



Atua como órgão auxiliar de todas as Câmaras Municipais de determinado Estado no exercício do controle externo sobre os respectivos Municípios daquele Estado.



A Constituição de 1988 permite que os Estados criem novos Tribunais de Contas dos Municípios.

273. ADI 3077/SE, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 16.11.2016. 274. Conforme: LOPES CAVALCANTE, Márcio André, Informativo 883 do STF, outubro de 2017.

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Poder Legisi ativo



Atualmente, existem três: TCM/BA, TCM/GO e TCM/PA.

Em outro giro e de forma diferenciada, o Tribunal de Contas do Município: •

Órgão municipal que atua na fiscalização das contas de um único Município.



Atua como órgão auxiliar de uma única Câmara Municipal no exercício do controle externo sobre determinado Município.



A Constituição de 1988 proíbe que sejam criados novos Tribunais de Contas Municipais.



Atualmente, existem dois: TCM/Rio de Janeiro e TCM/São Paulo'75.

Aliás, 0 STF já externalizou 0 raciocínio ora trabalhado na ADI 687, julgada em 02.02.1995. Nessa decisão, que já citávamos em outras edições da obra, conforme a ementa: Municípios e Tribunais de Contas. - A Constituição da República impede que os Municípios criem os seus próprios Tribunais, Conselhos ou órgãos de contas munici pais (CR, art. 31, § 4®), mas permite que os Estados-membros. mediante autônoma deliberação, instituam órgão estadual denominado Conselho ou Tribunal de Contas dos Municípios (RTJ 135/457, Rel. Min. Octavio Callotti - ADI 445/DF, Rel. Min. Néri da Silveira), incumbido de auxiliar as Câmaras Municipais no exercício de seu poder de controle externo (CR, art. 31, § i«). - Esses Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios - embora qualificados como órgãos estaduais (CR, art. 31, § 1®) - atuam, onde tenham sido instituídos, como órgãos auxiliares e de cooperação técnica das Câmaras de Vereadores. - A prestação de contas desses Tribunais de Contas dos Municípios, que são órgãos estaduais (CR, art. 31, § i®), ha' de se fazer, por isso mesmo, perante 0 Tribunal de Contas do próprio Estado, e não perante a As­ sembléia Legislativa do Estado-membro. Prevalência, na espécie, da competência genérica do Tribunal de Contas do Estado (CR. art. 71, II, c/c 0 art. 75)176

Aqui, é interessante sublinharmos também que o STF, na ADI 5763/CE julgada em 26.10.2017, decidiu que a Constituição da República de 1988 não proíbe a extinção de Tribunais de Contas dos Municípios. Ou seja, não é porque a CR/88 permite a criação deles que eles não possam ser extintos por Emenda à Constituição Estadual. No caso, 0 Plenário do STF, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5763/CE) ajuizada contra emenda à Constituição do Estado do Ceará, que extinguiu 0 Tribunal de Contas dos Municípios desse ente federado. Segundo o informativo 883 do STF, 0 art. 31, §§ 1® e 4®, da CR/88 não proíbe a extinção de Tribunais de Contas dos Municípios. A Constituição permitiu (facultou)

275. No caso, como exemplo: o controle externo em relação às contas do Município de São Paulo é exercido pela Câmara Municipal de Sâo Paulo, com o auxílio técnico doTribunal de Contas do Município de Sào Paulo. O con­ trole externo em relação aos demais Municípios do Estado de Sâo Paulo (exs: Santos, Campinas, Guarulhos etc.) é exercido pelas respectivas Câmaras Municipais com o auxílio doTCE de São Paulo. LOPES CAVALCANTE, Márcio André, Informativo 883 do STF, 2017. 276. ADI 687 STF Plenário, Rel. Min. Celso de Mello julg. em 02.02.95

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que os Estados-membros concentrassem toda a fiscalização no Tribunal de Contas do Estado (TCE) ou que criassem um outro órgão (Tribunal de Contas dos Municípios) exclusivamente com a finalidade de fiscalizar as contas dos Municípios daquele res­ pectivo Estado. Não há, assim, qualquer norma na Constituição de 1988 que proíba a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios por meio da promulgação de emenda à Constituição Estadual. 2" Sobre os Municípios, temos ainda, que suas contas ficarão durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, 0 qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.* 31

277. Informativo 883 do STF: A requerente asseverou que a promulgação da citada emenda consiste em desvio do poder de legislar. Sustentou que o ato atacado foi aprovado como retaliação por parlamentares que tiveram, na condição de gestores municipais, as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará. O Cole­ giado entendeu que a fraude na edição de lei com o objetivo de alcançar finalidade diversa do interesse público deve ser explicitada e comprovada, A mera menção à existência de parlamentares com contas desaprovadas não conduz à conclusão de estarem viciadas as deliberações cujo tema é a atividade de controle externo. As alegações de ausência de economia orçamentária e perda de eficiência com a promulgação da emenda questionada são in­ suficientes para configurar a inconstitucionalidade do ato. É impertinente, no processo objetivo, adentrar questões fáticas como, por exemplo, a produção do Tribunal de Contas dos Municípios e do Tribunal de Contas do Estado. Afastado o desvio de poder de legislar arguido na petição inicial, cumpre analisar o argumento segundo o qual o art. 31, § Ioe § 4°1,da Constituição Federal impede a extinção de Tribunais de Contas dos Municípios mediante norma de Constituição estadual. Os Estados, considerada a existência de tribunal de contas estadual e de tribunais de con­ tas municipais, podem optar por concentrar o exame de todas as despesas em apenas um órgão, sem prejuízo do efetivo controle externo. O meio adequado para fazê-lo é a promulgação de norma constitucional local. O legislador constituinte permitiu a experimentação institucional dos entes federados, desde que não fossem criados conselhos ou tribunais municipais, devendo ser observado o modelo federal, com ao menos um órgão de controle externo. E possível, portanto, a extinção de tribunal de contas responsável pela fiscalização dos Municípios por meio da pro­ mulgação de Emenda á constituição estadual, pois a Constituição Federal não proibiu a supressão desses órgãos. Não se faz necessária a participação dos Municípios no processo, sobretudo guando considerado que a estrutura de controle externo é integralmente arcada pelo Estado. Quanto à iniciativa, a requerente sustenta a inconstituciona lidade da propositura por parlamentar. O poder constituinte originário viabilizou aos tribunais de contas disporem sobre a própria organização e funcionamento, e o fez com o propósito de assegurar-lhes a autonomia necessária para exercer atividade fundamental a integridade do erário. Essa norma protetiva não impede a extinção doTribunaJ de Contas dos Municípios mediante emenda cuio processo de elaboração tenha sido deflagrado por deputados estaduais. O rito de emendamento constitucional observa regras próprias no tocante ã iniciativa. Ante a densidade representativa envolvida no procedimento de reconfiguração da ordem constitucional, a regra para apresentação de emenda é mais rigorosa, atingindo as entidades políticas que efetivamente traduzam a vontade popular mani­ festada por meio do sufrágio. Segundo a Constituição do Estado do Ceará, propostas de emendas constitucionais podem ser apresentadas por 1/3 dos membros da Assembléia Legislativa, pelo Governador do Estado ou por mais da metade das Câmaras Municipais. No caso, o foi por deputados estaduais, consoante determinado na Carta Esta­ dual. É inviável, a partir de leitura sistemática dos preceitos constitucionais, assentar a impossibilidade de emenda à Constituição, de iniciativa parlamentar, versar a extinção de tribunal de contas estadual. A requerente sustenta que a tramitação da proposta de emenda à Constituição violou o princípio democrático, a inviabilizar a plena atuação da minoria parlamentar. Descreve, na petição inicial, atos praticados no processamento da emenda (pedido de vista, questões de ordem e recursos), que alega contrariarem o Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará e a Constituição Federal. Descabe potencializar o princípio democrático, transformando-o em alavanca para ingerência do SupremoTribunal Federal (STF) no Legislativo. A intervenção judicial pressupõe, no campo do controle concentrado, ofensa á Constituição Federal. As alegadas violações ao Regimento Interno não autorizam, por si sós, a atuação do STF no campo do controle concentrado, exceto quando revelam a subversão de norma constitucional, à oual a produção legislativa deve amoldar-se. No caso concreto, não foi o que ocorreu. Ademais, o princípio democrático não pode ser utilizado como guarda-chuva de regras regimentais em vigor no território na cional, o ciue transformaria o STF no guardião de todo e qualquer procedimento legislativo. ADI 5763/CE, Plenário do STF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 26.10.2017. (grifos nossos)

1354

15 Processo Legislativo Sumário: 1. Conceito: 1.1. Conceito jurídico; 1.2. Conceito sociológico - 2. Espécies Norma­ tivas Primárias - 3. Tipos de processo legislativo: 3.1. No que diz respeito à organização política; 3.2. No que diz respeito ao aspecto técnico jurídico -4. Fases do processo legis­ lativo: 4.1. Fase introdutória (de iniciativa); 4.2. Fase constitutiva; 4.3. Fase complementar (integração de eficácia); 4.4. Observações sobre a fase de iniciativa ou introdutória: 4.4.1. Conceito de iniciativa; 4.4.2. Espécies de iniciativa; 4.4.3. Observações finais sobre a fase de iniciativa - 5. Processo Legislativo Ordinário - Lei ordinária 6. Processos Legislativos Especiais - Leis Complementares: 6.1. Leis Complementares: Conceito; 6.2. Procedimento para elaboração de leis complementares - 7. Processos Legislativos Especiais - Leis De­ legadas: 7.1. Leis Delegadas; Conceito; 7.2. Procedimentos - 8. Medidas Provisórias: 8.1. Conceito; 8.2. Diferenças: Antes e depois da EC n» 32/01 da CR/88; 8.3. Procedimentos de tramitação de uma MP: 8.3.1. Aprovação de uma Medida Provisória sem emendas; 8.3.2. Aprovação de uma Medida Provisória com emendas; 8.4. Observações Finais sobre as medidas provisórias - 9. Processo Legislativo Especial das Emendas Constitucionais: 9.1. Conceito; 9.2. Procedimento 10. Processo Legislativo especial dos Decretos Legislativos e Resoluções; 10.1. Conceito geral; 10.2. Conceito de Decreto Legislativo; 10.3. Procedimento do Decreto Legislativo; 10.4. Conceito de Resoluções; 10.5. Procedimento das Resoluções.

1. CONCEITO 1.1. Conceito jurídico

0 processo legislativo pode ser definido como o conjunto de regras (de fases e atos preordenados) que visam a produção (elaboração) de normas em nosso ordenamento jurídico.

1.2. Conceito sociológico Sociologicamente, ele pode ser definido como um conjunto de fatores políticos e ideológicos que condicionam a elaboração das leis em nosso ordenamento. Como exemplos, temos fatores econômicos, políticos, geográficos (terremotos, tsunami), ambientais, religiosos, etc. Sem dúvida, o conceito sociológico nos remonta à clás­ sica ideia das fontes de direito e, no caso específico, da fonte material do direito. Embora o conceito sociológico seja importante, iremos trabalhar com o conceito jurídico e suas nuances.

2. ESPÉCIES NORMATIVAS PRIMÁRIAS

Se 0 processo legislativo é um conjunto de regras que visam a produção de normas, pergunta-se: quais espécies normativas são produzidas (ou elaboradas) no nosso processo legislativo previsto constitucionalmente? 1355

Bernardo Gonçalves Fernandes

As espécies normativas que se originam do processo legislativo são intituladas de espécies normativas primárias e estão alocadas no art. 59, da CR/88, sendo as mesmas: I. Emenda à CR/88; II. Leis complementares; lll. Leis ordinárias; IV. Leis dele­ gadas; V. Medidas provisórias; VI. Decretos legislativos; e VII. Resoluções. Portanto, essas espécies são denominadas como "constitutivas de direito novo", ou seja, normas que trazem algo de novo ao ordenamento, daí serem chamadas de espécies normativas primárias, diferenciando-se das espécies normativas secundá­ rias (como os decretos regulamentares editados pelo Poder Executivo), que não são elaboradas em nosso processo legislativo.

3. TIPOS DE PROCESSO LEGISLATIVO

3.1. No que diz respeito à organização política a) Processo legislativo autocrático: é aquele no qual 0 povo não participa da elaboração das leis, na medida em que as mesmas são produzidas autocraticamente, sem legitimidade popular. Seja por um soberano, por um líder ou mesmo por um grupo.

b) Processo legislativo direto: é aquele no qual 0 povo participa diretamente na produção das leis, não havendo representantes para tal produção. c) Processo legislativo indireto: é aquele no qual as leis são produzidas por meio de representantes populares. É a regra em nosso ordenamento constitucional. É 0 nosso processo legislativo por excelência. d) Processo legislativo semidireto: é aquele no qual as leis são produzidas por representantes populares e posteriormente são encaminhadas a referendo popu­ lar. Esse tipo de processo legislativo, embora não seja a regra, poderá ocorrer em nosso ordenamento constitucional com base nas figuras do referendo (aqui já estu­ dado) ou do plebiscito (se a consulta for prévia, para autorizar posterior produção normativa).

Mas, aqui, há uma observação. Em termos clássicos, a democracia brasileira é classificada como uma democracia semidireta de cunho participativo. Isso porque ela se apresenta à luz do art. i° § único, da CR/88 como uma democracia em regra indireta com alguns institutos de democracia direta. Já 0 nosso processo legislativo, por essa perspectiva clássica, é classificado como um processo legislativo indireto com algumas exceções, nas quais o processo legislativo será semidireto.

3.2. No que diz respeito ao aspecto técnico jurídico a) Processo legislativo ordinário: visa a produção das leis ordinárias.

b) Processo legislativo sumário: é 0 processo legislativo padrão (comum) dota­ do de maior celeridade. É também chamado de "regime de urgência constitucional". 1356

Processo Legislativo

c) Processos legislativos especiais: são aqueles que visam a produção das emendas constitucionais, das leis complementares, das leis delegadas, das medidas provisórias, dos decretos legislativos e das resoluções.1 0 Processo Legislativo Ordinário e os Processos Legislativos Especiais serão estudados posteriormente, passo a passo, com suas respetivas espécies.

Sobre o Processo Legislativo Sumário, iremos, neste momento, desenvolver algumas considerações explicitando as suas características. Nesse sentido:

1) 0 processo legislativo sumário depende, para ser deflagrado, de solicitação do Presidente da República em matérias de sua iniciativa privativa ou concorrente (com outras pessoas ou entes)2. 2) 0 prazo do processo legislativo sumário: no máximo de 45 dias na Câmara, no máximo 45 dias no Senado, e possíveis 10 dias de emendas (emendas advindas da Casa revisora para serem apreciadas pela Casa iniciadora). 3) Existe algum tipo de sanção se descumprido esses prazos máximos? Ul­ trapassado 0 prazo regulamentar previsto constitucionalmente, todas as matérias da Casa ficarão sobrestadas (suspensas) até que se ultime a votação do processo legislativo sumário. Todavia, há uma exceção. Estas são as matérias com prazo cons­ titucionalmente definido. Como exemplo atual, temos 0 art. 62, da CR/88 (medidas provisórias). As medidas provisórias terão prazo de 60 dias, podendo ser prorroga­ do por mais 60 dias.

4) Conforme dispositivo constitucional, 0 prazo do processo legislativo sumá­ rio não corre no período de recesso. Nesse sentido, fica suspenso. E 0 processo legislativo sumário não se aplica aos projetos dos códigos. Nesses termos, não teria sentido a tramitação e aprovação de um código em um lapso temporal máximo de 100 dias. 5) Por último, devemos ficar atentos, pois existe um outro regime de urgência em termos de processo legislativo. É 0 chamado regime de urgência regimental. Trata-se de um regime de urgência que diz respeito ao regimento interno das Casas, e é ainda mais célere do que 0 previsto constitucionalmente (regime de urgência constitucional) e não é deflagrado a pedido do Presidente da República em matéria de sua iniciativa, mas pelos membros do parlamento (conforme os respetivos regi­ mentos internos das Casas). Como exemplo, temos que, na Câmara dos Deputados, deflagrada a urgência, as comissões terão prazo de 2 sessões para a emissão de pareceres para que possa posteriormente haver a deliberação (votação) da propo­ sição em regime de urgência regimental.

1. 2.

Certo é que a produção da lei orçamentária também se submete a um processo legislativo especial. Conforme o art. 204 do RICD: § 1“ A solicitação do regime de urgência poderá ser feita pelo Presidente da Repú­ blica depois da remessa do projeto e em qualquer fase de seu andamento.

1357

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4. FASES DO PROCESSO LEGISLATIVO 4.1. Fase introdutória (de iniciativa)

É a fase de deflagração do processo legislativo. É o motor propulsor do proces­ so legislativo, que faz com que ele tenha início. 4.2. Fase constitutiva

É a fase de tramitação do processo legislativo, na qual ocorrerão as discussões e deliberações das proposições normativas. A corrente majoritária vai entender que é na fase constitutiva que nascem as espécies normativas em nosso ordenamento jurídi­ co. A corrente majoritária entende que, por exemplo, no caso do processo legislativo ordinário, a lei irá ter seu nascimento (no final da fase constitutiva) com a sanção ou com a rejeição do veto do Presidente da República pelo Congresso Nacional.3 4.3. Fase complementar (integração de eficácia)

É a fase na qual temos um atestado de existência da espécie normativa (pro­ posição normativa primária) e sua publicização para todo o território nacional. Por isso, a doutrina a identifica, não raro, como fase de integração de eficácia, em razão da existência da espécie normativa em que surgiu no final da fase constitutiva.

4.4. Observações sobre a fase de iniciativa ou introdutória Iremos, agora, tecer algumas considerações sobre a fase de iniciativa, na me­ dida em que as outras fases (constitutiva e a complementar) serão estudadas de forma mais detida no iter da análise dos processos legislativos (tanto o ordinário como os especiais).

4.4.1. Conceito de iniciativa É a faculdade atribuída a uma pessoa ou ente para deflagrar o processo legis­ lativo.

4.4.2. Espécies de iniciativa a) Iniciativa parlamentar é aquela em que a faculdade para iniciar o processo legislativo será atribuída a deputados ou senadores. Porém, não só eles a detêm, mas também as comissões de deputados ou comissões de senadores.

3.

1358

É óbvio que os exemplos se diferenciam de acordo com as espécies normativas primárias e os seus modos de constituição nessa referida fase. Nesse sentido, a Emenda Constitucional, também surge na fase constitutiva, porém após a aprovação pelas 2 casas em 2 turnos e com 3/5 de votos. Nesse caso, não haverá sanção ou veto do Presidente da República, bastando a aprovação das casas para o surgimento da Emenda Constitucional que será promulgada (já como Emenda Constitucional) pelas mesas da Câmara e do Senado.

Processo Legislativo

b) Iniciativa extraparlamentar é aquela atribuída ao Presidente da República, ao STF, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e ao povo (art. 61, § 2»).

c) Iniciativa privativa (exclusiva ou reservada) é aquela em que a faculdade é atribuída a uma pessoa ou ente com a exclusão dos demais. Exemplos: art. 61, § 1° (Presidente da República); art. 93 (STF), caput; art. 48, XV (STF); art. 51 (Câmara dos Deputados); art. 52 (Senado). d) Iniciativa concorrente é aquela em que a faculdade de deflagrar 0 processo é atribuída a mais de um ente em concorrência. Ou seja, todos podem concorrer para apresentação de uma proposição. Exemplo: art. 61, caput, da CR/88.

e) Iniciativa conjunta é aquela em que a faculdade é atribuída a mais de uma pessoa ou ente, porém, em comunhão (em grupo). Nesse sentido, 0 processo só é deflagrado se todos os entes apresentarem 0 projeto conjuntamente. Um exem­ plo é 0 antigo art. 48, XV, da CR/88 (antes da EC n« 41/03). Tratava sobre 0 teto do funcionalismo público. 0 teto seria a remuneração dos ministros do STF, que seria regulado mediante Lei de iniciativa conjunta de 4 Presidentes: Presidente da Repú­ blica, do STF, da Câmara e do Senado. A EC n° 41/03 modificou a exegese do art. 48, XV, determinando que 0 teto agora é de iniciativa privativa do STF para a produção normativa. f) Iniciativa vinculada é aquela em que a faculdade é atribuída a um legitima­ do que é obrigado a dar início ao processo legislativo, na forma e prazo estabe­ lecido na Constituição. Portanto, 0 legitimado está vinculado a um prazo e a uma forma previamente definidas no diploma constitucional. Exemplo: iniciativa das leis orçamentárias (Lei do Plano Plurianual - PPA, Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO e Lei Orçamentária Anual - LOA). Nestas, os projetos devem ser enviados ao legislativo nos prazos estipulados no documento constitucional.

4.4.3. Observações finais sobre a fase de iniciativa a) 0 art. 61, § i°, elenca 0 rol de matérias de iniciativa privativa do Presidente da República para deflagrar 0 processo legislativo. Caso a iniciativa seja de outra pessoa ou ente, e o Presidente da República posteriormente sancione 0 projeto de lei, e com isso surja uma nova lei em nosso ordenamento, pergunta-se: tal lei será constitucional ou será formalmente inconstitucional por vício de forma (vício de iniciativa), visto que 0 Presidente deveria iniciar 0 processo e, por exemplo, foi um deputado que iniciou?

Afinal, a sanção do Presidente da República, tem ou não 0 poder de suprir 0 vício de iniciativa existente no começo do processo? Há duas posições no STF:

i») Posição: é datada de 1946 e está presente na Súmula n° 5 STF: a sanção supre 0 vício de iniciativa. Qual 0 fundamento do STF para tal posição? 0 STF baseia-se em dois grandes princípios: princípio da instrumentalidade das formas (um ato 1359

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nunca pode ser considerado isolado em si mesmo. Deve ser considerado à luz da cadeia procedimental na qual ele está inserido. Com isso, atos posteriores teriam o condão de suprir o vício de ato anterior que contrariava o ordenamento. Nesse caso, o vício poderia ser suprido pelo Presidente da República, pois, apesar de não ter iniciado o processo, ele estaria finalizando-o, dando, portanto, sua aquiescência a todo o processo) e princípio da economia processual (se a sanção não supre o vício, haverá uma lei inconstitucional. Essa lei foi elaborada pela vontade dos de­ putados, senadores e do próprio Presidente da República. Qual a razão para, de novo, todos terem de se manifestar novamente? Ou seja, teriamos a reapresentação do projeto agora pelo Presidente da República para que seja de novo votado por deputados e senadores que já haviam votado e para que seja de novo sancionado pelo Presidente da República que também já o tinha feito). 2a) Posição: é datada de 1974. Nesta, 0 STF muda de entendimento por meio da Representação n° 890/74, passando a entender que a sanção não supre o vício de iniciativa (ela não teria esse poder). Esse entendimento de 1974 é 0 que prevalece atualmente. Qual é 0 fundamento do mesmo? Há uma inconstitucionalidade formal propriamente dita (por inobservância das regras do devido processo legislativo). 0 STF está sendo dogmático e, para alguns, conservador, porém, é seu posicionamen­ to majoritário.4

4.

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Nesse sentido, na ADI 2856/ES: Por reputar usurpada a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para iniciar projeto de lei que verse sobre regimejurídico e provimento de cargos de servidores públicos (CF, art. 6 T, § Io, II, a e c), o Plenário julgou procedente ADI ajuizada pelo Governador do Estado do Espírito Santo para declarar a inconsti tucionalidade da Lei 7.341/2002, daquele ente federado. O mencionado diploma legal, de iniciativa parlamentar, es­ tabelecia a graduação em nível superior de ensino como requisito essencial para a inscrição em concurso público para o cargo de Agente de Polícia Civil Estadual. Rel. Min. Gilmar Mendes, 10.02.2011. Também em 2011 na ADI 2944/ PR: "O Plenáriojulgou procedente ADI, proposta pelo Governador do Estado do Paraná, para declarar a inconstitucio­ nalidade dos artigos 9o e 10 da Lei paranaense 13.667/2002, que determina a não aplicação do limitador salarial à remuneração de servidores de determinado instituto daquela unidade federativa. Aduziu-se que os dispositivos ques­ tionados - acrescentados por emenda da assembléia legislativa -não constariam do projeto de lei oriundo do Poder Executivo, o que usurparia a sua competência". Rel. Min. Cármen Lúcia, julg. em 30.06.2011. Em 2014, na ADI 3564/ PR temos que: É inconstitucional lei estadual, de iniciativa parlamentar, que imponha obrigação ao Procurador do Estado de ajuizar ação regressiva contra o servidor causador do dano. Isso porque compete ao Governador do Estado a iniciativa de lei que trate sobre direitos e deveres dos servidores públicos. Aplica-se ao processo legislativo estadual, por força do princípio da simetria, a regra prevista no art. 61, § 7°, II, "c", da CF/88. STF. Rel. Min. Luiz Fux, julg. em 13.08.2014. No mesmo sentido as ADIs 2300/RS, 2384/ES e 1381/AL julg. em 20.08.2014. Entendeu o STF, que é in­ constitucional lei de iniciativa parlamentar que preveja que o Poder Executivo deverá des tinaràs Secretarias de Cultura e de Segurança Pública recursos necessários para a realização de um evento anual de música. O Plenário do STF enten­ deu que a referida lei é inconstitucional por vício de iniciativa, pois a lei impõe obrigações aos órgãos públicos (serviços públicos), além de interferir no orçamento do Poder Executivo, matérias que somente poderíam ser disciplinadas em lei de iniciativa do chefe do executivo (no caso Governador do DF), nos termos do art. 61, í Io,//, ”b“eart. 165, HI,daCF/88. ADI 4180/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. em 11.09.2014. Decidiu o STF na ADI 2443/RS julg. em 25.09.2014, que é inconstitucional lei estadual, de iniciativa parlamentar, que determinava que todos os órgãos que prestassem serviços de atendimento de emergência no Estado deveriam estar unificados em uma única central de atendimento telefônico, que teria o número 190. Essa lei trata sobre “estruturação e atribuições"de órgãos da administração pública, matéria que é de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1°, II, “e", e art. 84, VI da CR/88). E por último, decidiu o STF que é inconstitucional lei estadual, de iniciativa parlamentar, que conceda anistia a servidores públicos punidos em virtude de participação em movimentos reivindicatórios. O fundamento é que compete ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de lei que trate sobre os direitos e deveres dos servidores públicos (art. 61, § 7° II, "c7 da CR/88). Ver também: ADI 1440/SCjulg. em 15.10.2014; ADI 3627/AP julg. em 06.11.2014; ADI 2940/ESjulg.em 11.12.2014;

Processo Legislativo

Nesses termos, vai entender o STF, que o descumprimento de qualquer das normas presentes nos arts. 59 a 69 da CR/88 que envolvem as regras do processo legislativo gera a inconstitucionalidade formal e, efetivamente, 0 art. 61, § 1°, estaria sendo desrespeitado, explicitando, justamente por isso, 0 vício de iniciativa, e, com isso, a inconstitucionalidade formal (0 mesmo valendo, por simetria, para 0 âmbito estadual5 e municipal6). Aqui é interessante também observarmos se a inconstitucionalidade formal po­ deria ocorrer inclusive no que diz respeito a vício de iniciativa em Emenda à Consti­ tuição, ou seja, se as matérias do art. 61 § 1» da CR/88 que são de iniciativa privativa do Presidente da República deflagrar 0 processo legislativo, deveríam ser respeita­ das no âmbito do processo para alterar a Constituição via Emendas Constitucionais (portanto se a matéria restrita à iniciativa do Poder Executivo não pode ser regulada por emenda constitucional de origem parlamentar). Aqui, é interessante lembrar in­ clusive, que as Emendas Constitucionais não requerem a sanção do Presidente da República, e, por simetria, não necessitam da sanção do Governador do Estado no âmbito estadual (ou seja, nesse caso nem ocorre a discussão da sanção suprir ou não 0 vício, mesmo porque, como dito, não existe a necessidade de sanção para Emendas Constitucionais). Nesse tema, 0 STF recentemente decidiu que é possível que Emenda à Constitui­ ção da República proposta por iniciativa parlamentar trate sobre as matérias previstas no art. 61, § i» da CR/88.

Nesses termos, as regras de reserva de iniciativa fixadas no art. 61, § 1° da CR/88 não são aplicáveis ao processo de Emenda à Constituição da República, que é disciplinado no art. 60 da CR/88. No caso, 0 STF decidiu (ainda que em sede cautelar) na ADI 5296 MC/DF julgada em 18.05.2016, que a EC 74/2013, que conferiu autonomia

5.

6.

ADI 3169/SP julg. em 11.12.2014 e RE 239.458/SP julg. em 11.12.2014. Temos ainda que conforme a ADI 2295: f inconstitucional lei estadual, de iniciativa parlamentar, que: a) determina o destino que o Poder Executivo deverá dar aos bens de empresa estatal que está sendo extinta; b) disciplina as consequências jurídicas das relações mantidas pelo Poder Executivo com particulares; c) cria conselho de acompanhamento dentro da estrutura do Poder Executivo. ADI 2295/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 15.06.2016 (Informativo 830 do STF). Aqui é interessante apenas registrar que, diferentemente dos julgados aqui citados, no RE570.392/RSjulg.em 11.12.2014, decidiu o STF que: As leis que proíbam o nepotismo na Administração Pública não são de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, podendo, portanto, ser propostas pelos parlamentares. O interessante aqui é que a Constituição de Minas Gerais textualmente afirma que a sanção do Governador a projetos de lei de sua iniciativa, que foram deflagrados por outra pessoa ou ente, tem o poder de suprir o vício de iniciativa. Ou seja, para o diploma constitucional mineiro a sanção supre o vício de iniciativa. Entendemos que esse é o posicionamento mais adequado, por não tratarem os atos de uma cadeia procedimental de forma atomística (isolados em si), porém, definitivamente, não é o posicionamento majoritário no STF [embora ele excepcionalmente de 1974 a 2009 já tenha se manifestado de acordo com a Súmula n° 5, visto que ela ainda não foi cancelada}. Porém, insistimos, infelizmente são manifestações esparsas e excepcionais, pois a regra do Pretório Excelso tem sido a de que o sanção não supre o vício de iniciativa. Conforme o RE 590.829/MG julgado em 04.03.2015."(...) Lei Orgânica de município - Servidores - Direitos. Des cabe, em lei orgânica de município, a normatização de direitos dos servidores, porquanto a prática acaba por afrontar a iniciativa do Chefe do Poder Executivo - Ações Diretas de Inconstitucionalidade n° 2.944/PR, relatada pela ministra Cármen Lúcia, 3.176/AP, 3.295/AM, relatadas pelo ministro Cezar Peluso, e 3.362/BA, de minha rela­ toria.'’Rel. Min. Marco Aurélio.

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às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal, não viola o art. 61, § 1°, II, alínea "c", da CR/88 nem o princípio da separação dos poderes, mesmo tendo sido proposta por iniciativa parlamentar.'

Afirmou o STF, nos termos do informativo 826, que os limites formais ao poder constituinte derivado são os inscritos no art. 60 da CR/88, segundo 0 qual a Consti­ tuição poderá ser emendada mediante proposta: a) de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; b) do Presidente da República; ou c) de mais da metade das assembléias legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus mem­ bros. já a iniciativa privativa de leis sobre determinadas matérias é assegurada, no plano federal, ao Presidente da República, ao STF, aos tribunais superiores e ao Procurador-Geral da República. Nesses termos, entendeu 0 STF que não existe, portanto, identidade entre 0 rol dos legitimados para a propositura de emenda à Constituição e 0 dos atores aos quais reservada a iniciativa legislativa sobre determinada matéria. É, pois, seria insubsistente condicionar a legitimação para propor emenda à Constituição, nos moldes do art. 60 da CR/88, à leitura conjunta desse dispositivo com 0 art. 61, § 1», que prevê as hipóteses em que a iniciativa de leis ordinárias e complementares é privativa da Presidência da República. Do contrário, segundo 0 STF, as matérias cuja iniciativa legislativa é reservada ao STF, aos tribunais superiores ou ao Procurador-Geral da República não poderíam ser objeto de emenda constitucional. De um lado, nenhum daqueles legitimados figura no rol do art. 60 da CR/88 e, de outro, nenhum dos relacionados no mesmo dispositivo pode propor emenda sobre essas matérias. Por exemplo, aqui pergun­ taríamos: já que 0 STF não pode apresentar propostas de emenda à Constituição, deveriamos concluir que há uma proibição de que os assuntos do art. 93 sejam objeto de emenda constitucional? Pois bem, a resposta aqui só pode ser negativa. Portanto, segundo 0 STF, deve-se permitir que os legitimados do art. 60 da CR/88 possam propor emendas à Constituição ainda que tratando sobre os assuntos como os do art. 93 da CR/88. Portanto, deve ser permitido que qualquer dos legi­ timados do art. 60 possa propor emendas à CR/88, ainda que dispondo sobre as matérias (temas) do art. 61, § 1°, II, da CR/88. Além disso, ressaltou também 0 STF, que existem diversas emendas constitucionais em vigor, cuja constitucionalidade poderia ser legitimamente desafiada, se prevalecesse a tese da aplicação, às

7.

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Conforme expresso na ADI, apesar de o art. 61, § 1° falar em "leis" essa regra valería também para "emendas constitucionais". O fundamento é o de que se fosse admitido que os parlamentares apresentassem emendas cons­ titucionais tratando sobre os assuntos do art 61, § 1° da CR/88, seria uma forma de fraude a essa vedação. Assim, a tese defendida na ação foi a de que a Emenda Constitucional que disponha sobre alguma das matérias listadas no art. 61, § 1a da CR/88 somente poderia ser proposta pelo Presidente da República. Por conta disso, a EC 74/2013 seria inconstitucional por vício de iniciativa. Além disso, segundo os argumentos da ADI, impetrada pela Presidência da República, os parlamentares, ao proporem essa PEC concedendo autonomia à Defensoria Pública, teriam vio­ lado o principio da separação dos poderes (art. 60, § 4o, lll da CR/88). Certo é que o STF não acatou os argumentos alegados na ADI.

Processo Legislativo

propostas de emenda, das cláusulas que reservam ao Executivo e ao Judiciário a iniciativa legislativa sobre certos temas.8 Porém, o mesmo não vale para as Emendas às Constituições Estaduais. Portan­ to, parlamentares estaduais não poderão propor Emendas à Constituição do Estado em matérias que são reservadas ao Governador do Estado iniciar o processo legis­ lativo (simetria com as matérias do art. 61 § 1° da CR/88).

Nesses termos, será eivada de inconstitucionalidade Emenda Constitucional, de iniciativa parlamentar, que insira na Constituição Estadual dispositivo versan­ do, por exemplo, sobre servidores públicos estaduais. Aqui o fundamento é o de que seria uma forma de os Deputados Estaduais burlarem a vedação do art. 61, § i°, II, "c", da CR/88. Assim sendo, o poder das Assembléias Legislativas de Emendar Constituições Estaduais não pode avançar sobre temas cuja reserva de iniciativa é do Governador do Estado.9 Por último, devemos ficar atentos a mais uma questão, pois, segundo o STF, não há que se analisar vício de iniciativa e contrariedade ao art. 6i, § i° da CR/88 em normas originárias das Constituições estaduais10.

8. 9.

10.

ADI 5296 MC/DF, Pleno do STF, Rel. Min. Rosa Weber. julgado em 18.05.2016. Informativo 826 do STF: Portanto, não se reveste de validade constitucional a emenda à Constituição estadual que, subtraindo o regramento de determinada matéria do titular da reserva de iniciativa legislativa, eleva-a à condição de norma constitucional. Desse modo, emana da jurisprudência do STF a visão de aue o poder constituinte estadual iamais é originário. É poder constituído, cercado por limites mais rígidos do aue o ooder constituinte federal. A reara da simetria é exemplo disso. Por essa razão, as assembléias legislativas se submetem a limites rígidos quanto ao po­ der de emenda às constituições estaduais (...). Temos como exemplos: ADI 2.966, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julg. em 06.04.2005. Também como exemplo, decidiu o STF, que é inconstitucional Emenda Constitucional que insira na Constituição Estadual dispositivo determinando a revisão automática da remuneração de servidores públicos estaduais. Isso porque tal matéria é prevista no art. 61, § 1°, II, “c", da CF/88 como sendo de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. ADI 3848/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 11.02.2015. No mesmo sentido: ADI 4284/RRjulg.em 09.04.2015. No mesmo sentido, a ADI n’3.644: Por entender usurpada a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para iniciar projeto de lei que disponha sobre criação, estruturação e atribuições de ór­ gãos da Administração Pública (CR, art. 61, § 1°, II, e), de observância obrigatória pelos Es tados-membros. tendo em conta o princípio da simetria, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Asso­ ciação dos Delegados de Polícia do Brasil - AOEPOL para declarar a inconstitucionalidade da EC 35/2005, do Estado do Rio de Janeiro, que criou uma instituição responsável pelas perícias criminalística e médico-legal. Alguns prece­ dentes citados: ADI 2808/R5 (DJU de 17.11.2006); ADI 2302/RS (DJU de24.3.2006); AD11182/DF (DJU de 10.3.2006); Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. em 04.03.2009. Na ADI 2654/AL afirmou o STF que: Ê inconstitucional emenda ã Constituição estadual, de iniciativa parlamentar, que disponha sobre o Conselho Estadual de Educação. Isso porque compete ao Governador do Estado a iniciativa de lei ou emenda constitucional que trate sobre a organização dos órgãos públicos, dentre os quais se inclui o referido Conselho. Aplica-se ao processo legislativo estadual, por força do principio da simetria, a regra prevista no art. 61, § Io, II, "e", da CF/88. STF. Plenário, Rel. Min. Dias Toffoli, julg. em 13.08.2014. Por último, decidiu o STF que é inconstitucional emenda à Constituição Estadual, de iniciativa parlomentar, que trate sobre as competências da Procuradoria Geral do Estado. Isso porque esta matéria é de ini­ ciativa reservada ao chefe do Poder Executivo (art. 61, §1”, da CF/88). É do Governador do Estado a iniciativa de lei ou emenda constitucional que discipline a organização e as atribuições dos órgãos e entidades da Administração Pública estadual. STF. Plenário ADI 5262 MC/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julg. em 27 e 28.03.2019 (Info 935) AD11167/DF julg. em 19.11.2014: “É constitucional o art. 24 do Lei Orgânica do Distrito Federal (“A direção superior das empresas públicas, autarquias, fundações e sociedades de economia mista terá representantes dos servidores, escolhidos do quadro funcional, para exercer funções definidas, na forma da lei”). Com base nesse entendimento, o Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade. O Tribunal esclareceu que a norma em questão, por ser oriunda do poder constituinte originário decorrente, não sofreria vicio de reserva de

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b) Conflito entre o art. 61, § 1°, inc. II, "d", e art. 128, § 5°. Aquele dispõe que compete privativamente ao Presidente da República deflagrar projeto que disponha sobre a organização do Ministério Público. Já 0 art. 128, § 5° faculta aos Procuradores Gerais a apresentação de projeto sobre organização do Ministério Público. O STF foi chamado a se manifestar e entendeu que, por uma interpretação sistemática, abandonando uma interpretação literal, teremos que a iniciativa é concorrente. Porém, aqui, devemos ficar atentos, pois essa questão, ora levantada, está restrita à organização do Ministério Público, não envolvendo as demais matérias atinentes ao Ministério Público que, por óbvio, são de competência privativa do Ministério Público deflagrar 0 processo legislativo. 5. PROCESSO LEGISLATIVO ORDINÁRIO - LEI ORDINÁRIA Iremos, agora, iniciar 0 estudo do processo legislativo de forma específica, analisando passo a passo a tramitação das proposições normativas presentes nos arts. 59 a 69 da CR/88.

Iremos começar pelo processo legislativo básico, que é 0 processo legislativo ordinário. Assim sendo, iremos trabalhar com as três fases básicas do processo (iniciativa, constitutiva e complementar). Nesse sentido, didaticamente, lemos que; a) Sempre haverá Casa iniciadora e a Casa revisadora no processo legislativo. Assim sendo, quando a Câmara dos Deputados for a Casa iniciadora, 0 Senado será a revisora e vice-versa.

b) Porém, os projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do STF, dos Tribunais Superiores e de iniciativa popular, sempre terão início da Câmara dos Deputados, à luz dos arts. 64, caput, e 61, § 2% da CR/88. c) Mas dando um passo à frente. Apresentado 0 PLO (Projeto de Lei Ordinária) por alguém legitimado para tal (quem detém a iniciativa: ia Fase de iniciativa), ele será encaminhado à Mesa da Casa (órgão máximo da Casa).

Nesse sentido, 0 PLO será lido em plenário, receberá um número e será pu­ blicado no Diário Oficial e em avulsos. Com isso tem início a 2» Fase intitulada de constitutiva. d) De início, 0 Presidente da Casa (que é 0 Presidente da Mesa) deverá tomar algumas decisões sobre 0 PLO. Quais são as decisões do Presidente da Mesa quando 0 projeto é apresentado? Isso pode e deve ser observado no regimento das Casas. Nesses termos, 0 Presidente irá decidir sobre:

iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo (...)“ (Informativo 768 do STF). Com isso, fica clara a diferença (especificamente no tema do vicio de iniciativa) entre as normas originárias das constituições estaduais e as nor­ mas derivadas de Emendas às Constituições estaduais.

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Processo Legislativo

d.i) Ele fará um juízo de admissibilidade sobre o projeto. Portanto, ele irá de­ volver a matéria:



Se ela não estiver devidamente formalizada (existe apenas um tipo de projeto de lei que não será devolvido por ausência de formalização adequada: é o projeto de lei de iniciativa popular, conforme a Lei n° 9.709/98. 0 presidente da Casa encaminhará à CCJ da Casa para que esta formalize de modo adequado 0 projeto de lei).11



Se ela for antirregimental (a matéria contrariar 0 regimento da Casa).



Se ela for alheia à competência da Casa (não for de competência da Casa).



Se for evidentemente inconstitucional (flagrantemente inconstitucio­ nal).

d.2) Ele irá definir 0 regime de tramitação, pois existem, segundo nossa atual Constituição, no Brasil, dois regimes de tramitação. São eles:



Regime de tramitação tradicional: é aquele em que 0 projeto de lei será deliberado (votado) em plenário; e



Regime de tramitação conclusivo (ou terminativo): os projetos de lei são votados (deliberados) apenas no seio das comissões. Esse projeto não irá a plenário, nos termos do art. 58, § 2», I, da CR/88.12

Mister observar que da decisão do Presidente da Casa que define 0 regime de tramitação como conclusivo (terminativo), está sujeita a recurso. Esse recurso, conforme a Constituição, poderá ser interposto por 1/10 dos membros da Casa. Se 0 recurso for provido (em plenário), o regime de tramitação de conclusivo passa a ser 0 regime de tramitação tradicional. Se improvido, 0 regime de tramitação permanece conclusivo. d.3) Ele irá definir em quais comissões 0 projeto irá tramitar.

11.

12.

Conforme a Lei n° 9.709/98 o projeto de lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só assunto. Além disso, o projeto de lei de iniciativa popular nâo poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legisla­ tiva ou de redação. Conforme o art. 58 § 2o, I, da CR/88: às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: l - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa. É mister salientar que o Presidente da Casa estará relativamente vinculado ao regimento interno (art. 24 do RI da Câmara dos Deputados e art. 91 do Regimento Interno do Senado). Por exem­ plo, conforme o art 24 do Regimento Interno da CD: Na Câmara dos Deputados nâo terão regime de tramitação conclusivo, dentre eles: projeto de lei complementar (por causa do quórum de maioria absoluta, assim tem que ir a plenário); projeto de código (projetos de alta importância); projeto de iniciativa popular; projeto de comissões (a comissão não pode votar sem a participação do plenário, o projeto que ela mesma apresentou); projetos que tramitam em regime tradicional na outra Casa (temos, aqui, uma questão de equilíbrio); matérias do art. 68, § 1°; e projetos que tramitam em regime de urgência.

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Porém, independentemente das comissões escolhidas, sempre o projeto terá de passar pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa respectiva, seja na Câmara seja no Senado. Nesses termos, é na CCJ que ocorre o controle de consti­ tucionalidade dos projetos de lei que estão tramitando pela Casa. Mas, é impor­ tante salientar que, além do controle de constitucionalidade, a CCJ também fará um controle de legalidade, juridicidade, regimentalidade e técnica legislativa das proposições.

A Comissão de Finanças também pode determinar o arquivamento de projetos de lei. Ou seja, ela também pode, como a CCJ, emitir pareceres terminativos (signi­ fica determinar o arquivamento de projetos de lei). A diferença entre essas comis­ sões é que a CCJ irá analisar todos os projetos de lei. Já a comissão de finanças só irá analisar projetos de lei que envolva impacto (adequação) econômico-financeiro. É bom que se diga que na Câmara dos Deputados, conforme seu regimento interno, se o Presidente Câmara decidir que o projeto tem que ser encaminhado a mais de três comissões, será designada (criada) uma comissão especial com mem­ bro de todas as comissões para qual o projeto de lei iria. Essa comissão especial é que irá analisar o PLO.1’ e) Pois bem, o PLO irá tramitar nas comissões e no regime de tramitação con­ clusivo (RTC) será votado (deliberado) nas comissões e no regime de tramitação tradicional (RTT) será votado (deliberado) em plenário13 14. Se rejeitado no RTC ou no RTT, vai para o arquivo e, segundo ditame constitucional previsto no art. 67 da CR/88, a matéria constante no projeto rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional. Porém, se aprovado no RTC ou no RTT, 0 PLO seguirá para a Casa revisora.

f) Além disso, é mister salientar que independentemente do regime de trami­ tação (se tradicional ou conclusivo), poderá haver a apresentação de emendas aos projetos de lei (PLOs) em tramitação nas Casas.

13.

14.

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Exemplo: Iremos supor que o PLO é sobre direitos do menor. Nesse caso, o PLO poderá ser enviado à comissão de família (pode envolver a questão do menor na relação com a familia), à comissão de trabalho (pode envolver o trabalho infantil), à comissão de direitos humanos (pode envolver a dignidade da pessoa humana do menor). E independentemente destas terem comissões, terá o PLO que passar pela CCJ da Câmara. Nesse caso, se o PLO disser respeito aos assuntos ora citados ele terá que ir para mais de 3 comissões e assim será criada uma comissão especial para analisar o PLO. Sobre as modalidades de votação previstas regimentalmente, temos que o RICD determina que: art. 184 "A votação poderá ser ostensiva, adotando-se o processo simbólico (O Presidente, ao anunciar a votação de qualquer matéria, convidará os Deputados a favor a permanecerem sentados e proclamará o resultado manifesto dos votos) ou o nominal (pelo sistema eletrônico ou na falta desse por chamada nominal), e secreta, por meio do sistema eletrô­ nico ou de cédulas". Já no RISF o art. 289 determina que no Senado: 4 votação poderá ser ostensiva (simbólica ou nominal) ou secreta. Essa votação secreta poderá ser pelo processo eletrônico, por cédulas ou até mesmo por esferas (esferas brancas, representando votos favoráveis, e pretas, representando votos contrários).

Processo Legislativo

Porém, o que são as emendas? As emendas são proposições apresentadas com exclusividade por parlamentares (deputados ou senadores) como acessórias de uma proposição principal. Temos como espécies de emendas:

Emendas aditivas Emendas supressivas

são aquelas que acrescentam algo à proposição principal são aquelas que retiram algo da proposição principal.

Emendas aglutinativas

são aquelas que resultam da fusão de duas ou mais emendas com a proposição principal.

Emendas modificativas

são aquelas que alteram a proposição principal sem modificar sua essência.

Emendas substitutivas

são aquelas que alteram substancial ou formalmente a proposição principal modi­ ficando sua essência, de tal modo que se apresentam como sucedâneo da propo­ sição principal (visam a substituira proposição principal).

Emendas de redação

são aquelas que visam sanar vícios de linguagem ou incorreções técnicas na pro­ posição principal.

Sobre as emendas (que podem ser apresentadas a projetos de lei, mesmo de iniciativa de legitimados extraparlamentares, que não são membros das Casas), é mister salientar ainda que, segundo ditame constitucional (art. 63 da CR/88), não poderá haver emendas que visem aumentar despesas nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado 0 disposto no art. 166, § 30 e § 4°, e nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público.15 Como exemplo, temos que "0 Plenário do STF julgou procedente pedido formulado na ADI 2305, ajuizada pelo Governador do Estado do Espírito Santo, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 22 e 25 da Lei Complementar capixaba 176/2000, resultantes de emenda parlamentar. A norma refutada, ao reorganizar a estrutura da Secretaria de Estado da Educação, criou 2 cargos de procurador para atuarem junto ao referido órgão, bem como mais outros 2 cargos em comissão de assessor técnico. Asseverou-se que a mencionada emenda, além de não ter pertinência com 0 projeto do Executivo, implicaria, ainda, aumento de despesa (CR, art. 63, l)."16

15.

16.

ADI 5087 julg. em 27.08.2014:0 STF considerou inconstitucional emenda apresentada por parlamentar a uma PEC de iniciativa do Governador que instituía o teto do funcionalismo estadual. A emenda do Deputado previa exceções ao teto de forma que acabava criando despesas, o que violava o art. 63,1, da CR/88 aplicável ao processo legislativo estadual com base no principio da simetria. Aqui é importante registrar o posicionamento do STF de que: se o projeto de lei de iniciativa privativa do Presidente da República for emendado com emendas viciadas (que descumpram o art. 63 da CR/88) haverá inconstitucionalidade, mesmo que o Presidente sancione o projeto de lei. Ou seja, a sanção do Presidente também não supre o vicio ocorrido coma apresentação de emendas inadequadas à luz da Constituição. ADI 2305/ES, Rel. Min. Cezar Peluso, julg. em 30.06.2011.

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Portanto, resta claro, com base nessa decisão do STF, que para que a emenda parlamentar seja válida (em projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da Re­ pública), será necessário: 1) Existência de pertinência temática (ou seja, a emenda não pode tratar sobre assunto diferente do projeto original); 2) A emenda não pode acarretar aumento de despesas nos termos do art. 63,1, da CR/88.17 g) Voltando à tramitação do PLO, se aprovado (como citado em "e"), ele então seguirá para a Casa revisora. Nesses termos, PLO será também enviado para a Mesa da Casa revisora. Será lido em plenário publicado no DO e em avulsos, e receberá um número para a tramitação. Também haverá as decisões do Presidente da Casa, e com isso, teremos definições sobre 0 juízo de admissibilidade, regime de tramitação (se tra­ dicional ou conclusivo)18 e designação das comissões para as quais 0 PLO irá tramitar.19

h) Continuando a tramitação na Casa revisora, independente do regime de tramitação (RTC ou RTT), 0 PLO será aprovado ou rejeitado na deliberação ou do ple­ nário (RTT) ou das comissões (RTC). Se rejeitado, ele irá para 0 arquivo (lembramos aqui do já citado art. 67 da CR/88). Se aprovado, temos duas possibilidades. A saber: 0 PLO pode ser aprovado na Casa revisora sem emendas. Nesse caso, ele seguirá para sanção ou veto do Presidente da República. Porém, se 0 PLO for aprovado com emendas, ele voltará conforme ditame constitucional para a Casa iniciadora para apreciação das emendas. Mas, aqui, uma advertência: embora 0 teor literal do art. 65 § único diga claramente que a aprovação com emendas na Casa revisora deve fazer com 0 que 0 PLO volte à Casa iniciadora para a apreciação das mesmas, não devemos interpretar essa assertiva de forma absoluta. Certo é que 0 STF já se pro­ nunciou sobre 0 tema, entendendo que 0 PLO só deve voltar à Casa iniciadora se ocorreu uma alteração substancial no PLO. Portanto, por digressão jurisprudencial, se a alteração foi mínima (por exemplo, por meio de uma emenda de redação), não há que se falar em nova análise da Casa iniciadora.20

Como exemplo, oTJ-RS encaminhou um projeto de lei aumentando os vencimentos dos servidores do Poder Judiciário e um Deputado Estadual apresentou emenda á proposta prevendo anistia aos servidores que fizeram greve e compensação dos dias paralisados. O STF entendeu que não havia pertinência temática entre a emenda e o projeto apresentado peloTJ. ADI 1333/RSjulg. em 29.10.2014, Rel. Min. Gilmar Mendes. Outro exemplo ocorreu em Santa Catarina, pois o Governador enviou projeto de lei instituindo regime de subsídio para os Procuradores do Estado. Na tramitação do projeto, um Deputado apresentou emenda criando uma gratificação para os ser­ vidores da PGE. Ocorre que o projeto foi aprovado e sancionado, convertendo-se em lei. A lei foi objeto da ADI 4433.0 STF julgou em 18.06.2015 a lei inconstitucional formalmente por vício de Iniciativa, pois a proposta de aumento de remuneração, tema de iniciativa privativa do Poder Executivo (art. 61. §2°, II. "b", da CR/88), foi incluí da durante a tramitação na Assembléia Legislativa, desrespeitando o princípio da independência dos poderes (art. 2o da CR/88). Aqui ocorreu ainda a falta de pertinência temática, pois a criação da gratificação aos servidores do Poder Executivo estadual foi incluída por meio de emenda parlamentar em medida provisória destinada a estabelecer o subsídio mensal como forma de remuneração da carreira de Procurador do Estado. Ver também a decisão da ADI 3926/SCjulg. em 05.08.2015, Rel. Min. Marco Aurélio. 18. Lembrando que se o PLO tramitou em Regime tradicional na Casa iniciadora, ele também terá que tramitar assim na Casa revisora. 19. Certo é que o PLO terá que passar também pela CCJ da Casa revisora. 20. Uma outra possibilidade, foi exarada pelo STF no julgamento da ADI 2182 em 12.05.2010 (presente no informati­ vo n° 586 do STF) e pode ser intitulada como "técnica de pormenorização" (na qual, também, não há uma alteração substancial no PLO, mas, segundo o STF, uma alteração, de "conteúdo mais em sentido formal do que material")

17.

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Processo Legislativo

Mas, voltando ao tema, conforme a disposição constitucional, a Casa iniciadora apreciará apenas as emendas. Ela não aprecia novamente o PLO, e sim as emendas que foram agregadas pela Casa revisora. Assim sendo, temos que: •

Será vedada a apresentação de subemendas (isso visa a evitar um círculo vicioso).



Essa apreciação (deliberação) das emendas, em regra, é feita em bloco. Porém, existem exceções. Portanto, a apreciação das emendas não será feita em bloco se; (a) Se existirem pareceres divergentes; as emendas pas­ sam pelas comissões para que emitam pareceres que balizem as votações. Assim, com divergência de pareceres, será votada emenda por emenda, (b) Se houver pedido de destaque (por exemplo, quando houver colisão de interesses dos partidos sobre determinadas emendas, serão votadas as emendas em que haja consenso, e, nas que há conflito de interesses, será feito pedido de destaque para deliberação em separado).

E se a Casa iniciadora, com base no art. 65, § único, da CR/88 simplesmente rejeita as emendas? 0 que ocorre com 0 projeto de lei ordinária? É óbvio que 0 PLO não vai ser arquivado. Rejeitadas as emendas apresentadas, 0 projeto de lei que tinha sido aprovado na Casa iniciadora (portanto, sem as emendas) vai ser enca­ minhado para sanção ou veto do Presidente da República. Conclui-se que quando 0 projeto de lei é aprovado na Casa revisora com emendas, quem dá a última pa­ lavra é a Casa iniciadora, visto que sua decisão será a que irá ter preponderância. E, por último, se a Casa iniciadora aprova as emendas agregadas ao PLO pela Casa revisora, 0 projeto segue (com as emendas aprovadas) para a sanção ou veto do Presidente da República. i) Após a aprovação do projeto de lei pelas duas Casas do Congresso Nacio­ nal, o PLO segue para 0 autógrafo. Esse constitui o documento formal que repro­ duz 0 texto aprovado de forma definitiva pelo Poder Legislativo, expressando com fidelidade 0 resultado da deliberação parlamentar, antes do encaminhamento ao Presidente da República para sanção ou veto do mesmo."

Nesses termos: Em conclusão, o Tribunal, por maioria, ao examinar apenas sob o aspecto da inconstitucionalida­ de formal, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Tra balhista Nacional PTN contra a Lei 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indire­ ta ou fundacional e dá outras providências - v. Informativos 468 e 471. Considerou-se que, na espécie, a modificação do projeto iniciado na Câmara dos Deputados se dera, no Senado Federal, basicamente pela pormenorização, adoção de uma técnica legislativa, em que o conteúdo se alterara muito mais no sentido formal do que material. Ressaltou se, ainda, a prevalência da Casa iniciadora do projeto. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que julgava o pleito proce­ dente para declarar a inconstitucionalidade formal da lei impugnada por entender que o diploma legal fora aprovado sem a devida observância do sistema bicameral." (ADI 2182/DF, Rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, Julg. em 12.05.2010). 21. Conforme o caput do art. 66 da CR/88: a Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará. L interessante que a 1 “Turma do STF já decidiu que Prefeito que, ao sancionar lei aprovada pela Câmara dos Vereadores, inclui artigo que não constava originalmente no projeto

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j) Sobre a sanção ou veto do Presidente da República. A sanção pode ser de finida como a aquiescência do Presidente da República ao projeto de lei. É ela que faz com que o projeto deixe de ser projeto e passe a ser lei. Portanto, será sempre um ato constitutivo que transforma o PLO em lei." Pode ser:

Expressa

Tácita

é aquela que ocorre quando explicita mente, em um prazo de 15 dias úteis o Presidente da Repú­ blica sanciona o projeto de lei.

é aquela que ocorre quando o Presidente da Re­ pública, nos 15 dias úteis não sanciona o projeto expressamente, mas também não o veta.

A sanção pode ser ainda especificada em total (o Presidente sanciona todo o projeto de lei) ou parcial (o Presidente sanciona parte do PLO e a outra parte é vetada).

Já o veto pode ser definido com a discordância do Presidente da República ao projeto de lei.2’ 0 veto pode ser diferenciado em:

Político

Jurídico

Político-jurídico

ocorre quando o Presidente da Repúbka veta o projeto por entendê-lo contrário ao inte­ resse público.

ocorre quando o Presidente da República veta o projeto por entendê-lo inconstitucional.

o projeto de lei é vetado por ser, no entendimento do Presidente, con­ trário ao interesse público e também inconstitucional.

Existem algumas características do veto que são comumente explicitadas pela doutrina pátria. Nesse sentido, o veto pode ser entendido como:

1) Expresso: pois não existe veto tácito. Se o veto não for expresso, haverá sanção tácita.* 24 23 22 2) Motivado e Formalizado: 0 veto tem de ser fundamentado, pois ele é envia­ do para 0 Congresso Nacional apreciá-lo. Como 0 Congresso Nacional irá analisá-lo sem saber os seus motivos? Se 0 veto não for motivado, será nulo. Nesse caso, ocorrerá a sanção tácita. Quanto à formalização, quer esta dizer que 0 veto tem que

votado pratica o crime de falsificação de documento público (art. 297, § 1" do CP). STF. AP 971 /RJ, Rel. Min. Edson Fachin, julg em 28.06.2016. 22. Embora alguns autores não tenham esse posicionamento (como André Ramos Tavares), ela, sem dúvida, é a ma­ joritária na doutrina pátria, 23. Nos termos do art. 66 § 1 ° da CR/88: Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconsti­ tucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto. 24. Nos termos do art. 66 § 3o da CR/88: Se decorrido o prazo de quinze dias (úteis), o silêncio do Presidente da Repú­ blica importará na sanção do projeto.

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Processo Legislativo

ser sempre reduzido à forma escrita. Se não for escrito (formalizado) e transcorrer o prazo de 15 dias úteis, haverá sanção tácita.

3) Total/Parcial: 0 veto pode ser total ou parcial, porém, conforme disposição constitucional, 0 veto parcial tem que ser sempre de texto integral de artigo, pará­ grafo, inciso ou alínea, pois não existe a possibilidade do Presidente da República vetar palavras ou expressões do PLO.2526 27 0 objetivo dessa característica é evitar que o Presidente da República legisle alterando 0 significado das proposições normativas.

4) Supressivo: 0 veto é sempre para retirar algo do projeto de lei. É para su­ primir algo (ou 0 projeto inteiro ou parte do mesmo). Logo, 0 veto sempre suprime e nunca acrescenta nada ao PLO, pois, do contrário, 0 chefe do Poder Executivo estaria legislando. 5) Irretratável: se 0 Chefe do Executivo vetar 0 projeto, ele não poderá voltar atrás e modificar seu entendimento. Portanto, uma vez explicitado 0 veto com suas razões, esse ato se torna impossível de ser alterado pelo Presidente da República.

6) Relativo: 0 veto será sempre superável (passível de superação). 0 veto jamais será absoluto. Nesses termos, 0 veto sempre irá voltar ao Congresso Nacional para, em sessão conjunta, dentro de um prazo de 30 dias contados da data do recebimen­ to, ser apreciado.20 Assim sendo, 0 veto poderá ser;

25.

26.

27. 28.

29.



Rejeitado: quórum de maioria absoluta e com votação aberta’7. Com isso, a lei (e não 0 projeto, como erroneamente diz 0 texto constitu­ cional!) será encaminhada ao Presidente da República para que esse a promulgue e publique.2829 Se 0 Presidente da República não 0 fizer, 0 Presidente do Senado a promulga. Se não 0 fizer, o Vice-Presidente do Senado 0 fará.25



Aprovado (manutenção do veto): caso não seja alcançada a maioria absoluta na votação para a rejeição do veto, este será mantido. Nes­ se caso, todo 0 PLO ou a parte vetada do mesmo vai para 0 arquivo. Nesses termos, conforme ditame constitucional, temos que a matéria

Aqui notamos uma diferença do Chefe do Poder Executivo em relação ao Poder Judiciário, pois certo é que o STF no controle de constitucionalidade de Leis ou atos normativos pode adotar o princípio da parcelaridade, ou seja, pode declarar a inconstitucionalidade de palavras ou expressões. Art. 66 § 4° da CR/88:0 veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimen to, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto. Aqui é importante registrarmos que a recente Emenda Constitucional n" 76 de 28.11.2013 aboliu (suprimiu) o voto secreto para o procedimento de análise do veto do Presidente da República pelo Congresso Nacional. Aqui, uma observação: há uma impropriedade noTexto Constitucional do art. 66 da CR/88, que afirma que o que volta para o Presidente não é a Lei, mas o projeto de lei, para sua promulgação e publicação, como se o Presidente promulgasse e publicasse projeto de lei! A interpretação adequada, é aquela que entende, que o que se dirige ao PR é a Lei para sua devida promulgação e publicação. Conforme o art. 66 § 7o da CR/88: Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3o e § 5°. o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.

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constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir obje­ to de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congres­ so Nacional. Por último, é mister salientar que, em termos práticos,30 pode ocorrer:

1) Veto total do Presidente, com posterior rejeição total pelo Congresso Nacional (aqui será encaminha ao Presidente a lei para sua devida promulgação); 2) Veto total do Presidente com posterior rejeição parcial do veto pelo Con­ gresso (aqui 0 Congresso aprovou 0 veto (manteve 0 veto) a alguns dispositivos, porém rejeitou 0 veto em relação a outros que terão de ser encaminhados para a promulgação);

3) Veto parcial do Presidente com posterior rejeição total do veto parcial (aqui 0 Congresso rejeitou 0 veto do Presidente fazendo com que haja a promulgação da parte que estava, até então, vetada pelo Presidente); e

4) Veto parcial com posterior rejeição parcial pelo Congresso Nacional (aqui 0 Presidente vetou parcialmente um projeto e 0 Congresso rejeitou partes do veto parcial, ou seja, rejeitou 0 veto sobre alguns dispositivos, fazendo com que os mes­ mos tenham de ser promulgados). Temos ainda, para finalizar a fase constitutivo, algumas observações importan­ tes sobre a sanção e 0 veto: a) Sobre 0 veto parcial, temos a informar que é certo que a parte que não foi vetada do projeto (parte, portanto, sancionada) será promulgada e publicada de imediato, sem a necessidade de análise pelo Poder Legislativo.

b) Sobre 0 veto, pode ocorrer do Congresso Nacional não deliberar sobre ele no prazo estabelecido constitucionalmente de 30 dias contados da data do seu recebimento. Nesse caso, conforme 0 diploma constitucional, esgotado sem delibe­ ração 0 prazo estabelecido (de 30 dias), o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, ficando sobrestadas (paralisadas) as demais proposições até sua votação final. Devemos salientar que as proposições que ficarão sobrestadas são as de tramitação conjunta do Congresso Nacional, portanto, as votações do Congresso (e não da Câmara e do Senado separadamente!) ficarão paralisadas até que se ultime a apreciação (votação) do veto.

Aqui, é importante explicitarmos questão aventada sobre 0 instituto do veto, em dezembro de 2012 no STF, que se refere à existência ou não de ordem cronoló­ gica para a análise pelo Congresso Nacional, dos vetos da Presidência da República.

30. PAULO, Vicente, Direito constitucional, p. 486.

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Sobre o tema, o ministro Luiz Fux, em 17.12.2012, deferiu pedido de liminar no Mandado de Segurança (MS n° 31.816), impetrado pelo Deputado Federal Alessandro Molon (RJ), e determinou que a Mesa Diretora do Congresso Nacional se abstenha de examinar 0 veto parcial da presidenta da República, Dilma Rousseff, ao Projeto de Lei 2.565/2011, que trata das novas regras de partilha de royalties e participações especiais devidos em virtude da exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos antes que os mais de 3.000 mil vetos existentes para a apreciação sejam apreciados.

Ao deferir a liminar, 0 ministro Luiz Fux, observou que a Constituição, impõe prazo de 30 dias para a deliberação acerca do veto presidencial e prevê 0 trancamento de pauta em caso de descumprimento. Portanto, segundo ele, isso implica a apreciação dos vetos em ordem cronológica de comunicação ao Legislativo. Se­ gundo 0 Ministro, 0 primeiro veto recebido e não apreciado dentro desse prazo "sobrestou a deliberação de todos aqueles que 0 sucederam", e, por isso, não podem ser decididos antes que os anteriores 0 sejam. Nesses termos, afirmou que: "Aos olhos da Constituição, todo e qualquer veto presidencial é marcado pelo traço característico da urgência, que resta evidente pela possibilidade de trancamento da pauta legislativa em razão da sua não avaliação oportuna. (...) Daí por que não há vetos mais ou menos urgentes. Todos 0 são em igual grau". Portanto, a medida liminar foi deferida, para impedir (obstaculizar) que 0 Con­ gresso Nacional delibere acerca do veto parcial ora em comento, antes que fossem analisados, em ordem cronológica da respectiva comunicação ao Congresso Nacio­ nal, todos os vetos pendentes com prazo constitucional já expirado, observadas as regras regimentais pertinentes”.

Acontece que, em 27.02.2013 0 STF deu provimento a Agravo Regimental in­ terposto contra a decisão do Ministro Luiz Fux e por decisão da maioria revogou a liminar concedida no MS 31.816. Foram vencidos os Ministros Luiz Fux (Relator),

31. Conforme o STF, na decisão, “o ministro Luiz Fux entendeu ainda que a alegação de que se trata de matéria interna corporis (de interesse apenas do próprio órgão) não deve impedir a análise judicial da questão debatida. "É para­

doxal que, em um Estado Democrático de Direito, ainda existam esferas de poder imunes ao controle jurisdicional", assinalou. Além disso, para o ministro Fux, a Mesa Diretora do Congresso Nacional, ao procederá leitura do veto sem que a matéria se encontrasse na Ordem do Dia, atuou sem amparo constitucional ou regimental, contribuindo para a controvérsia entre os membros do parlamento e frustrando "as condições necessárias à cooperação demo­ crática no Estado brasileiro". O ministro ressaltou também que os artigos 104e 105 do Regimento Interno do Con­ gresso Nacional foram violados, já que não foi constituída comissão rnista (deputados e senadores) para elaborar relatório sobre o veto presidencial. "O fato de a matéria cuidar de interesse das maiorias parlamentares não legitima qualquer tipo de ruptura ou transgressão com as normas previamente estabelecidas pelo próprio corpo legislati­ vo". Posteriormente, o STF recebeu ainda novo pedido de concessão de medida liminar em Mandado de Segurança (MS 31.832) com o fim de impedir a deliberação do C.N a respeito do veto parcial n° 38/2012 da Presidência da República. O pedido também exigiu que a deliberação sobre os royalties fosse suspensa até que seja designado comissão mista, composta de três senadores e três deputados federais, para relatar e estabelecer calendário de apreciação para cada um dos mais de 3 mil vetos presidenciais que foram colocados em pauta para votação conjunta no Congresso Nacional (verdadeiro estelionato regimental). O relator do MS 31.832 é o Min. Luiz Fux, porém o pedido de medida liminar fora apreciado e negado pelo Min. Ricardo Lewandowski.

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Marco Aurélio, Celso de Mello e Joaquim Barbosa que votaram pela manutenção da decisão de deferimento da liminar. Os argumentos da corrente majoritária12 podem ser assim resumidos:

1) A aplicação rígida dos referidos artigos constitucionais, com eficácia retroa­ tiva, não apenas imporia futuro caótico para a atuação do Poder Legislativo (a paralisar nova deliberação, exceto a de vetos pendentes por ordem de vencimen­ to), assim como causaria insegurança jurídica sobre as deliberações tomadas pelo Congresso Nacional nos últimos 13 anos;

2) A relação de compatibilidade material que deveria ocorrer entre a decisão liminar e a sentença final, a limitar 0 juízo de verossimilhança, que consistiría na alta probabilidade de atendimento pela sentença definitiva da providência objeto de antecipação. Aqui 0 fundamento foi 0 de que a questão em debate seria semelhan­ te à enfrentada pelo STF no julgamento da ADI 4029/DF (Dje de 27.06.2012), e embora a Corte pudesse vir a declarar a inconstitucionalidade da prática até agora adotada pelo Congresso Nacional no processo legislativo de apreciação de vetos, dever-se-ia atribuir à decisão eficácia ex niinc. Com isso, excluir-se-iam, as deliberações toma­ das, os vetos presidenciais apreciados e os que já tivessem sido apresentados, mas pendentes de exame. Alinhavou que, sendo essa a decisão definitiva mais provável, a medida liminar deveria, desde logo, com ela se compatibilizar. Desse modo, a improbabilidade de êxito (da decisão de mérito) retiraria da impetração 0 indispen­ sável requisito da verossimilhança, sendo adequada a revogação da liminar;

3) A não exigência no art. 66 da CR/88 de ordem cronológica na apreciação de vetos; 4) A manutenção da liminar poderia gerar conjuntura mais gravosa ao Parla­ mento, à sociedade brasileira e ao Direito.”

32.

33,

1374

Ementa: "A concessão de liminar, em mandado de segurança, supõe, além do risco de ineficácia da futura deci­ sáo definitiva da demanda, a elevada probabilidade de êxito da pretensão, tal como nela formulada. 2. No caso, o que se pretende, na impetração, é provimento que iniba o Congresso Nacional de apreciar o Veto Parcial n.° 38/2012, aposto pela Presidente da República ao Projeto de Lei n.° 2.565/2011, antes da votação de todos os demais vetos anteriormente apresentados (mais de 3,000 três mil), alguns com prazo vencido há mais de 13 -treze - anos. 3. A medida liminar, que tem natureza antecipatória, não pode ir além nem deferir providência diversa da que deriva da sentença definitiva. Assim, no entender majoritário da Corte, não há como manter a determinação liminar ordenando ao Congresso Nacional que “se abstenha de deliberar acerca do Veto Parcial n° 38/2012 antes que proceda á análise de todos os vetos pendentes com prazo de análise expirado até a presente data, em ordem cronológica de recebimento da respectiva comunicação". Isso porque se mostra pouco provável que tal determinação venha a ser mantida no julgamento definitivo da demanda, especialmente pela gravidade das consequências que derivariam do puro e simples reconhecimento, com efeitos ex tunc, da inconstitucio­ nalidade da prática até agora adotada pelo Congresso Nacional no processo legislativo de apreciação de vetos presidenciais. 4. Agravo regimental provido". A corrente minoritária entendeu do seguinte modo: O Min. Luiz Fux considerou inconstitucional a deliberação aleatória dos vetos presidenciais pendentes de análise legislativa, cuja simples existência subtrairía do Poder Le­ gislativo a autonomia para definição da respectiva pauta política. Entendeu ser necessária a deliberação dos ve­ tos presidenciais em ordem cronológica de comunicação ao Congresso Nacional, a resultar na apreciação do Veto Parcial 38/2012 somente após a análise daqueles com prazo constitucional expirado. Repeliu, em consequência,

Processo Legislativo

c) Sobre o veto, que é considerado um ato de natureza política, não há que se falar em controle judicial sobre as razões do veto. d) Sobre o veto, muito se discute sobre sua natureza. Nesse sentido, há duas correntes sobre o tema: a ia corrente entende que o veto tem natureza legislativa. Já a 2a corrente entende que o veto tem natureza executiva. A corrente majoritária é a que entende ter o veto natureza legislativa. Nesses termos, o chefe do Poder Exe­ cutivo está vetando no iter do processo legislativo, e, com isso, estaria o Presidente exercendo uma função atípica por dispositivo constitucional. É a corrente defendida, entre outros, por José Afonso da Silva.* 34 A corrente minoritária é defendida, entre outros, por Kildare Gonçalves Carvalho e por Hilda Brandão.35

e) Por último, agora sobre a sanção, é mister salientar que não existe controle judicial em relação à ela. 0 que pode ser discutido, sempre, será o que foi derivado da sanção, que é a lei. Leia-se o controle será sobre o produto do ato do Presiden­ te, que é a lei, e não sobre a sanção. k)

Nesse momento passamos para a Fase Complementar ou de Integração de Eficácia (3a Fase)

Após a sanção do Presidente da República ou a rejeição do veto pelo Congresso Nacional mediante o quórum de maioria absoluta em votação aberta, já temos (para a corrente majoritária) uma nova lei em nosso ordenamento jurídico. Com isso, finali­ za-se a fase constitutiva e apresenta-se a última fase do processo, intitulada de com­ plementar ou de integração de eficácia. Nessa fase, haverá dois atos, quais sejam: a promulgação e publicação da lei..

♦ Promulgação: classicamente, é entendida como o atestado de existência da lei. Ou seja, é um referendo (consubstanciamento) que a ordem jurídica foi inova­ da e que, portanto, existe uma nova lei no ordenamento. A promulgação incidirá sempre sobre a lei. Dessa feita, a natureza jurídica da promulgação é meramente dedaratória.36

34. 35. 36.

a doutrina das questões interna corporis ante sua manifesta contrariedade ao Estado de Direito e à proteção das minorias parlamentares. Por fim afirmou que a leitura do citado veto, em regime de urgência, violaria as disposi­ ções regimentais que impediríam a discussão de matéria estranha à ordem do dia e a deliberação do veto sem prévio relatório da comissão mista. O Min. Marco Aurélio ressaltou que a concessão da liminar não teria impli­ cado o trancamento da pauta do Congresso. O Min. Celso de Mello reiterou que nenhum Poder da República teria legitimidade para desrespeitar a Constituição ou para ferir direitos públicos e privados de seus cidadãos. Mencionou a prática institucional em que o Congresso Nacional diminuir-se-ia perante o Poder Executivo ao não exercer o dever que lhe incumbiría, pela Constituição, de apreciar os vetos presidenciais, o que os transformaria, de superáveis e relativos, em absolutos. No mesmo sentido, pronunciou-se o Min. Joaquim Barbosa ao citar que se estaria diante de exemplo da hipertrofia do Poder Executivo, em face da abdicação, pelo CN, de suas prerroga­ tivas. (Informativo 696 do STF) SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo, 2007. CARVALHO, Kildare Gonçalves, Direito constitucional, 2007. Conforme a doutrina: “A promulgação não passa de mera comunicação aos destinatários da lei, que está foi criada com determinado conteúdo. Nesse sentido, pode-se dizer que é o meio de constatar a existência da lei; esta é perfeita antes de ser promulgada; a promulgação nâo faz a lei, mas os efeitos dela somente se produzem depois daquelaf

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• Publicação: nada mais é do que a oficialização da lei para todo o território nacional com sua devida publicização.3? A publicação é condição para a lei entrar e vigor e tornar-se eficaz.’8 Portanto, a publicação conduz o texto normativo ao co­ nhecimento de todos aqueles que serão obrigados a cumprir o texto, se colocando como uma condição de eficácia da lei.

Aqui é interessante citarmos o art. 8° da Lei Complementar ^95/98 que de­ termina que a vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a con­ templar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão. Para finalizar, uma última digressão: a promulgação e a publicação são sempre atos conjuntos, ou seja, que ocorrem conjuntamente? Não, não são sempre atos con­ juntos. Pode ocorrer a promulgação e, só posteriormente, a publicação da nova lei.

6. PROCESSOS LEGISLATIVOS ESPECIAIS - LEIS COMPLEMENTARES Passaremos, agora, ao estudo dos processos legislativos especiais. Iremos co­ meçar pela análise das leis complementares e seu processo legislativo. 6.1. Leis Complementares: Conceito

Lei complementar é espécie normativa primária que envolve matérias taxativamente previstas na Constituição e que exige quórum de maioria absoluta para sua aprovação. 6.2. Procedimento para elaboração de leis complementares

Iremos estudá-lo diferenciando-o do procedimento de elaboração das leis or­ dinárias (aqui já trabalhado). Assim sendo, a doutrina pátria tem 0 costume de afirmar que os processos de produção da Lei Ordinária e da Lei Complementar apresentam duas distinções e, no mais, são processos equivalentes e similares. Nesse sentido, existiría a diferença material e a diferença formal e ponto. Essas diferenças iremos, aqui, intitular de diferenças comuns, pois forçoso será discor­ darmos da doutrina tradicional que, infelizmente, não enxergou outras diferenças nos processos legislativos: ordinário (que produz a lei ordinária) e especial (que produz a lei complementar). Essas outras diferenças iremos chamar de diferenças sofisticadas.

37. 38.

1375

(SILVA, José Afonso da, Comentários contextuais à Constituição, 2009, p. 458). Contra, em corrente minoritária: André Ramos Tavares, 2012. Sobre o assunto ver a Lei Complementar n° 95/98, que trata de temas tais como: "leis de alta complexidade não podem entrar em vigor na data de sua publicação." SILVA, José Afonso da, Comentários contextuais à Constituição, 2009, p. 458.

Processo Legislativo

A) Diferenças Comuns

DIFERENÇA

PROCESSO LEGISLATIVO ESPECIAL - LEI COMPLEMENTAR

PROCESSO LEGISLATIVO ORDINÁRIO - LEI ORDINÁRIA

Diferença material

Só existirá lei complementar para matérias taxativamente previstas na CR. Exemplo: art. 22, § único, art. 93, caput; art 128, § 5°; art. 79, § único.

Matérias que não sejam objeto de lei com­ plementar. Seria a lei ordinária, sempre, sub­ sidiária. E, subsidiária em relação a qualquer outra espécie normativa.

Só pode ser aprovada com um quórum de maioria absoluta conforme art. 69, CR/88.

Para aprovação, basta maioria simples, con­ forme o art. 47, CR imaioria dos votos pre­

Diferença formal

sente a maioria absoluta de seus mem­ bros que é o quórum de deliberação

B) Diferenças sofisticadas3’

DIFERENÇA

PROCESSO LEGISLATIVO ESPECIAL - LEI COMPLEMENTAR

PROCESSO LEGISLATIVO ORDINÁRIO - LEI ORDINÁRIA

Regime de tramitação

Projeto de lei complementar só terá regime de tramitação tradicional. Ou seja, tem que ir a ple­ nário (conforme disposição regimental)

Pode ter regime de tramitação tradi­ cional ou o conclusivo (terminativo).

0 PLO terá apenas um turno de vota­ ção na Câmara e no Senado.

Tramitação

Um projeto de lei complementar na Câmara dos Deputados terá, em regra, dois turnos de votação (está no regimento da Câmara). No se­ nado, é um turno só nos termos regimentais.39 No caso de regime de urgência, o turno extra na Câmara é suprimido.

Fora essas diferenças, aí, sim, os processos são similares conforme os ditames constitucionais e regimentais. Por último, são ainda necessárias algumas digressões sobre a relação entre a lei complementar e a lei ordinária.

1) Existe hierarquia entre lei complementar e lei ordinária? i«) Corrente: defendida por autores como Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Alexandre de Moraes, entre outros. Sim, há hierarquia. Essa corrente trabalha com alguns fundamentos. 0 primeiro fundamento é o topográfico (é bem verdade que nem todos os autores que advogam a hierarquia defendem essa posição). A lei

39. Conforme o art. 148 do RICD f\s proposições em tramitação na Câmara são subordinadas, na sua apreciação, a turno único, excetuadas as propostas de emenda á Constituição, os projetos de lei complementar e os demais casos expressos neste Regimento. Conforme o art. 270 do RISF: As proposições em curso no Senado são subor­ dinadas, em sua apreciação, a um único turno de discussão e votação, salvo proposta de emenda à Constituição.

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Bernardo Gonçalves Fernandes

complementar está no inciso II do art. 59 e a lei ordinária está no inciso lll e, nesses termos, a lei complementar teria uma superioridade hierárquica sobre a lei ordiná­ ria. Esse argumento beira 0 ridículo, na medida em que propõe uma diferenciação hierárquica pela alocação da espécie normativa no texto constitucional. Pergunta-se, apenas a título de exemplo: a lei delegada seria hierarquicamente inferior à lei ordinária? 0 segundo fundamento (que é 0 trabalhado pela maioria dos autores que defendem a tese da hierarquia) envolve 0 aspecto formal do quórum, pois a lei complementar requer um quórum de maioria absoluta, diferentemente da lei ordinária, que trabalha com 0 quórum de maioria simples. Teríamos, aí, uma di­ ferenciação hierárquica engendrada pelo constituinte, que teria criado uma figura intermediária entre a Constituição e a legislação ordinária, concedendo a ideia de maior dificuldade para aprovar certas matérias, que não seriam de cunho mera­ mente ordinário. 2a) Corrente: Celso Ribeiro Bastos, Michel Temer, Menelick de Carvalho Netto, entre outros. Estes vão entender que não há hierarquia entre essas disposições normativas primárias. Na verdade, 0 que existe são campos materiais de compe­ tência diferenciados (distintos). Na doutrina, a corrente majoritária é a segunda corrente. Porém, na doutrina trabalhista, existe a posição de alguns doutrinadores40 de que lei complementar é hierarquicamente superior à lei ordinária.

E nos tribunais? 0 ST), em algumas decisões esparsas, já se pronunciou, sobretu­ do em matéria tributária, pela hierarquia entre lei complementar e ordinária, mas atualmente, adota como posição majoritária a de que não há hierarquia.4142 Já 0 STF, pelo seu entendimento majoritário, defende que não há hierarquia. 0 Supremo entende que existem campos materiais de competência distintos. E, além desse argumento, existe um outro, dotado de adequabilidade. Nesses termos, a questão pode e deve ser enfrentada também pela lógica do fundamento de validade, ou seja, não há que se falar em hierarquia, na medida em que a lei ordinária não re­ tira seu fundamento de validade da lei complementar e vice-versa. Ambas têm por fundamento de validade a Constituição. Portanto, a hierarquia é delas para com a Constituição de 1988 e não entre elas. Nesse sentido: (...) a lei complementar, embora não possua posição hierárquica superior à ocu­ pada pela lei ordinária no ordenamento jurídico nacional, pressupõe a adoção de processo legislativo qualificado, cujo quórum para a aprovação demanda maioria absoluta. Sua aprovação depende de mobilização parlamentar mais in­ tensa, bem como do dispêndio de capital político e institucional que propicie a articulação(...).4!

40. 41. 42.

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Como exemplo, temos: Alice Monteiro de Barros, In: Curso de Direito doTrabalho, 2009. Como precedente, entre outros: Pet (AgR) n° 41, 19.12.2003) § 1° Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos§§3Qe 17: (Redação dada pela Emenda Consti­ tucional n“41, 19.12.2003) II - compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar; (Redação dada pela ECn°88,de 2015) Atualmente conforme a LC n° 152 de 03.12.2015 em seu art. 2° também serão aposentados compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade: I - os servidores titu­ lares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fun­ dações; II - os membros do Poder Judiciário: lll - os membros do Ministério Público: IV - os membros das Defensorias Públicas; V os membros dos Tribunais e dos Conselhos de Contas.

Poder Judiciário

52 da CR/88) previsto na parte final do art. 100 do ADCT da CR/88 acrescentado pela EC n° 88/2015. As associações argumentaram que nessa parte da norma 0 constituinte de­ rivado acabou por mesclar critérios de acesso com critérios de continuidade ou permanência no cargo, "criando uma norma manifestamente violadora da garantia da vitaliciedade da magistratura". Nos termos da ADI a interpretação no sentido de que "a submissão de magistrados, detentores da garantia da vitaliciedade prevista no artigo 95 da Constituição Federal, a uma nova sabatina perante 0 Senado Federal e a uma nova nomeação pelo presidente da República afeta, diretamente, não apenas 0 direito/garantia de parte dos associados das autoras - os membros desse egrégio STF e dos tribunais superiores como igualmente 0 regular funcionamento do Poder ludi­ ciário'’. Nesse sentido, pedido então foi para que 0 STF declarasse inconstitucional a exigência de uma nova sabatina e aprovação pelo Senado para a permanência dos Ministros no cargo até os 75 anos. 0 STF em 21.05.2015, concedeu medida cautelar na ADI 5316 suspendendo a apli­ cação da expressão "nas condições do artigo 52 da Constituição Federal", contida no final do art. 100 do ADCT. Segundo 0 Pretório Excelso, essa exigência de nova saba­ tina acabaria "por vulnerar as condições materiais necessárias ao exercício imparcial e independente da função jurisdicional, ultrajando a separação de Poderes, cláusula pétrea inscrita no artigo 60, parágrafo 4°, inciso lll, da Constituição Federal". Portanto, 0 STF afastou até 0 julgamento final da ADI a exigência de nova sabatina para os Ministros continuarem no cargo até os 75 anos de idade. Conforme 0 informativo 786 do STF, então, 0 Plenário do STF, por maioria, deferiu pedido de medida cautelar na ADI 5316/DF para: a) suspender a aplicação da expressão "nas condições do art. 52 da Constituição Federal" contida no art. 100 do ADCT, introduzido pela EC 88/2015; b) fixar a interpretação, quanto à parte remanescente da EC 88/2015, de que 0 art. 100 do ADCT não pudesse ser estendido a outros agentes públicos até que fosse editada a lei complementar a que alude o art. 40, § 1», II, da CF, a qual, quanto à magistratura (a lei complementar de iniciativa do STF, nos termos do art. 93 da CF); c) suspender a tramitação de todos os processos que envolvessem a aplicação a magistrados do art. 40, § i°, II, da CF e do art. 100 do ADCT, até 0 julgamento definitivo da ação direta em comento; e d) declarar sem efeito todo e qualquer pronunciamento judicial ou administrativo que afastasse, ampliasse ou reduzisse a literalidade do comando previsto no art. 100 do ADCT e, com base neste fundamento, assegurasse a qualquer outro agente público 0 exercício das funções relativas a cargo efetivo após ter com­ pletado 70 anos de idade.’6

96. ADI 5316/MCjulg. em 21.05.2015. É interessante que alguns Desembargadores que já estavam prestes a se apo­ sentar compulsoriamente impetraram mandados de segurança alegando que a regra prevista no art. 100 da ADCT da CR/88, incluído pela Emenda, deveria ser aplicada também a eles mesmos sem a Lei Complementar de que trata o inciso II do § 10 do art. 40 da CR/88.0 fundamento foi o de que seria possível estender a regra de 75 anos para juizes e Desembargadores, considerando que a magistratura é uma carreira única e nacional e que, por­ tanto. deveria receber tratamento uniforme. Argumentaram que seria inconstitucional tratar de forma desigual

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Aqui elevemos registrar que posteriormente a essa decisão tivemos a Lei com­ plementar n° 152, de 03.12.2015, que dispôs sobre a aposentadoria compulsória por idade, com proventos proporcionais, nos termos do inciso II do § 1» do art. 40 da CR/88. Conforme a LC n» 152 de 03.12.2015 em seu art. 20 serão aposentados compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade: I - os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Esta­ dos, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações; II - os membros do Poder Judiciário; lll - os membros do Ministério Público; IV - os membros das Defensorias Públicas; V- os membros dos Tribunais e dos Conselhos de Contas.

Temos a comentar ainda que os 11 Ministros do STF são divididos em duas Tur­ mas (cada uma com cinco membros), que estão no mesmo patamar de hierarquia. Nesses pequenos colegiados são julgados alguns processos que chegam à Suprema Corte e que não demandam a declaração de inconstitucionalidade de leis (que pelo menos "em regra" compete somente ao Plenário). Cabe às Turmas decidir, por exemplo, sobre Recurso Extraordinário (RE), Agravo de Instrumento (Al), Habeas Corpus (HC), Recurso em Habeas Corpus (RHC), Petição (PET) e Reclamação (RCL).’? É interessante que nos últimos anos, as duas Turmas do Supremo Tribunal Fe­ deral tiveram suas competências ampliadas para processamento e julgamento de classes processuais que antes eram analisadas exclusivamente pelo Plenário da Cone. As alterações mais recentes, que têm como objetivo dar mais celeridade ao trâmite de ações no STF, tiveram início a partir da Emenda Regimental n° 45, publi­ cada no Diário da Justiça eletrônico do Pretório Excelso no dia 15 de junho de 2011. Após essa Emenda, as Turmas do Supremo passaram a julgar classes processuais como extradições; mandados de segurança contra atos do Tribunal de Contas da União, do procurador-geral da República e do Conselho Nacional do Ministério Pú­ blico; mandados de injunção contra atos do TCU e dos Tribunais Superiores; habeas data contra atos do TCU e do procurador-geral da República; ações em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados e aquelas em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos, ou seja, direta ou indiretamente interessados.

As mudanças partem da percepção de que de um lado é crescente a pauta do Plenário e, de outro, a das Turmas vem diminuindo, em razão da queda na quan­ tidade de recursos extraordinários e agravos de instrumentos recebidos pelo STF.

os Ministros dos Tribunais Superiores em detrimento dos juízes e Desembargadores que continuariam a se apo sentar compulsoriamente aos 70 anos (até que fosse editada uma lei complementar estendendo esse limite para 75 anos). Duas liminares foram concedidas em favor de Desembargadores doTJ de Pernambuco e do TJ São Paulo autorizando que eles somente se aposentassem aos 75 anos. Conforme já citado, o STF entendeu que o art. 100 do ADCT da CR/88 nâo poderia ser estendido a outros agentes públicos até que seja editada a Lei Complementar Nacional (aqui seria inconstitucional qualquer tentativa dosTribunais de Justiça ou das Assembléias Legislativas de ampliar a aposentadoria dos juizes e Desembargadores para 75 anos, por LC Estadual antes que seja editada a LC nacional) nos termos do art. 40, § 1 °, inciso II, da CR/88. 97. Ressalvados os casos que competem ao plenário ou devem ser afetos ao plenário.

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Assim, por meio de emenda regimental, o STF vem aumentando o quantitativo de processos de competência das Turmas, ressalvados, no entanto, casos mais relevan­ tes, em que as Turmas podem remeter as decisões ao Plenário da Corte9899 . É importante ressaltar também que o Presidente do STF (que tem mandato de 2 anos, vedada a reeleição para 0 período imediatamente subsequente) não partici­ pa de nenhuma das Turmas e apenas participa das sessões plenárias.

0 STF é dotado de competências originárias e recursais. As competências ori­ ginárias, são aquelas em que 0 STF processa e julga em instância única e de forma originária, já as competências recursais, são aquelas em que a apreciação da maté­ ria pelo STF se dá mediante recurso ordinário ou extraordinário (análise em última instância). Assim sendo, são competências originárias" do STF, em que 0 mesmo deverá processar e julgar originariamente: •

a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação dedaratória de constitucionalidade de lei ou ato norma­ tivo federal; a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103 § 2° da CR/88), a ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 34, VII e art. 36, lll da CR/88).

98. Até 2009, o ministro mais antigo de cada Turma presidia o colegiado, sem alternância. Após a aprovação, em sessão administrativa, da Emenda Regimental n° 25, passou a vigorar o rodízio na Presidência das Turmas, seguindo a ordem decrescente de antiguidade dos ministros que a compõem. Com isso, cada ministro dirige os trabalhos das Turmas durante um ano. A alternância da Presidência das Turmas foi uma sugestão dos ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que à época eram, respectivamente, os presiden­ tes da Primeira e da Segunda Turmas. Segundo essa norma do Regimento Interno do STF, o ministro que for indicado a ocupar a presidência da Turma tomará posse na mesma data de sua escolha. Em eventual necessidade, como, por exemplo, em razão de exoneração, aposentadoria voluntária e aposentadoria compulsória, ocupa o posto, interinamente, o ministro mais antigo. Este poderá recusar a atribuição, des­ de que seja antes da proclamação. 99. Essas fazem parte de um rol exaustivo (numerus clausus). Nesses termos, as mesmas não podem ser ampliadas por legislação ordinária, havendo a necessidade, para tal, de atuação do Poder Constituinte reformador (via emenda constitucional). Porém, alguns doutrinadores, como Gilmar Mendes, vêm defendendo uma interpre­ tação ampliada das competências do STF refutando a doutrina das competências estritas do STF (interpre­ tação restritiva das competências do STF). Esses doutrinadores trabalham a chamada teoria das competên­ cias implícitas complementares com o objetivo de sanar lacunas constitucionais evidentes. Essa posição vem encontrando assento também na jurisprudência do STF em certas hipóteses. Segundo Gilmar Mendes: "Há muito a jurisprudência do STF admite a possibilidade de extensão ou ampliação de sua competência expressa, quando resulte implícita no próprio sistema constitucional." O autor cita exemplos, nos quais essa atuação do STF já se fez presente: "a) mandado de segurança contra ato de Comissão Parlamentar de Inquérito (MS 23619/DF; MS 23851/DF; 23868/DF; entre outros); b) habeas corpus contra a Interpol, em face do recebimento de mandado de prisão expedido por magistrado estrangeiro, tendo em vista a competência do STF para pro­ cessar e julgar, originariamente, a extradição solicitada por Estado estrangeiro (art. 102,1, g); c) Mandados de segurança contra atos que tenham relação com o pedido de extradição; d) A competência do STF para julgar mandado de segurança contra atos da Mesa da Câmara dos Deputados (art. 102,1, d, 2‘ parte) alcança os atos individuais praticados por parlamentar que profere decisão em nome desta; e) habeas corpus contra qualquer decisão do STJ, desde que configurado o constrangimento ilegal (HC7 8897/RJ)/Curso de direito constitucional 2008, p. 953-955.

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nas infrações penais comuns,100 o Presidente da República, o Vice-Presi­ dente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros101 e o Procurador-Geral da República;



nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Minis­ tros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;



0 habeas-corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alí­ neas anteriores; 0 mandado de segurança e 0 habeas-data contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;



0 litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, 0 Estado, 0 Distrito Federal ou 0 Território;102103 104



as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e 0 Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da admi­ nistração indireta;



a extradição solicitada por Estado estrangeiro;



0 habeas corpus, quando 0 coator for Tribunal Superior ou quando 0 coa­ tor ou 0 paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância;105



a revisão criminal194 e a ação rescisória de seus julgados;



a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da auto­ ridade de suas decisões;

100. Segundo o STF, estas envolvem qualquer tipo de infração penal, incluindo os delitos eleitorais e até mesmo as contravenções penais. 101. Conforme a Pet 3211 QO julg. em 13.03.2008:"(...) 1. Compete ao Supremo Tribunal Federaljulgar ação de impro­ bidade contra seus membros. 2. Arquivamento da ação quanto ao Ministro da Suprema Corte e remessa dos autos ao Juízo de 1°grau dejurisdição no tocante aos demais". Rel. Min. Marco Aurélio. 102. Já o art. 109 da CR/88 afirma que: Aos juizes federais compete processar e julgar: II - as causas entre Estado estran­ geiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País. 103. Sobre o habeascorpus é mister salientar que o STF em 2006 cancelou a Súmula 690. Com isso a competência para processar e julgar HC de ato de turma recursal de juizado especial não é mais do STF, mas sim do respetivoTJ. Sobre a Súmula n”691, que continua em plena validade, temos a informar que a mesma foi relativizada algumas vezes (vide nosso estudo sobre o habeas corpus nessa obra). 104. RvC 5437/RO: A revisão criminal é instrumento excepcional, não podendo ser utilizado para reiteração de teses já vencidas pelo acórdão revisando, seja quanto a matéria de direito, seja quanto a matéria de fato. Ou seja, na revi­ são criminal não se pode querer rediscutir os argumentos que já foram alegados e rejeitados durante o processo criminal. STF. Plenário, julg. em 17.12.2014, Rel. Min.Teori Zavascki.

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a execução de sentença nas causas de sua competência originária, faculta­ da a delegação de atribuições para a prática de atos processuais;



a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indire­ tamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados;105



os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quais­ quer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;



o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;



o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câ­ mara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superio­ res, ou do próprio Supremo Tribunal Federal;

105. Porém, conforme a AO n“ 467: 4. Alegação de interesse indireto da magistratura estadual. 5. A jurisprudência do STF tem se orientado no sentido de que a letra n do inciso I do art. 102 da CF, a firmar competência originária do STF para a causa, só se aplica quando a matéria versada na demanda respeita a privativo interesse da magistratura enquanto tal e não quando também interessa a outros servidores. 6. No caso, a ação popular não é dirigida contra ma­ gistrados, mas, sim, dentre outros, contra membros do Ministério Público. A hipótese não é, destarte, de competência originária do Supremo Tribunal Federal. 6. Ação não conhecida, determinando-se a remessa dos autos à Justiça Co­ mum do Estado de São Paulo, comarca da Capital. (Julg. 25.06.1997. Rel. Min. Néri da Silveira). Portanto, a conclusão atual do STFéa de que: a causa não será da competência originária do STF se a matéria discutida, além de ser do interesse de todos os membros da magistratura, for também do interesse de outras carreiras de servido­ res públicos. Além disso, para incidir o dispositivo, o texto constitucional preconiza que a matéria discutida deverá interessar a todos os membros da magistratura e náo apenas a parte dela (ARE 744436 AgR/PE julg. em 30.09.2014 e AO 1840julg.em 11.02.2014). Na Rel 11323julg. em 22.04.2015 o STF decidiu que “tem compe­ tência para processar e julqar causas em que se discute prerrogativa dos juízes de portar arma de defesa pessoal, por se tratar de ação em que todos os membros da magistratura são direta ou indiretamente interessados (CF. art. 102.1. nj " Embora o STF na AO 7569, julg. em 24.06.2010 "resolveu questão de ordem suscitada em ação originária para assentar sua competência para processar e julgar ação ordinária em que a Associação dos Juízes Federais da Ia Região visava afastar as restrições descritas no inciso lll do art. 7°da Resolução 256/2002 do Conselho da Justiça Fede­ ral e no art. 4° do Decreto 1.445/95.” A mesma pretendia ter reconhecido o direito de seus associados (Juizes Federais) ao pagamento da ajuda de custo para despesas de transporte e mudança, nos termos do art. 65,1, da LOMAN, inclusive nos casos de magistrados que receberam a vantagem no período inferior a doze meses ou foram removidos, mediante permuta. entre Seções Judiciárias distintas. Segundo o Pretório Excelso, “vislumbrou-se que. na espécie, estar-se-ia diante de conflito de interesses a repercutir no âmbito da magistratura federal propriamente dita, já que, apesar de a solução da causa beneficiar apenas os associados da autora, adotar-se-á entendimento, a prevalecer a unidade do Direito, que poderá alcançar outras situações jurídicas." Asseverou-se, ainda dois aspectos centrais, para a decisão do STF, que, sem duvida, deveriam ser levados em conta: ”1) o fato de, não assentada a competência do Supremo, o con­ dito vir a serjulgado por igual, na primeira instância, considerados os beneficiários, podendo o próprio titular da vara ser alcançado pela decisão; 2) a controvérsia sobre o alcance do art. 65,1, da LOMAN, aplicável à toda a magistratura." Sobre o art.102.1, n, o STF também já decidiu que: (...) para os fins do art. 102.1. "n" da CF/88, o impedimento deve ser afirmado nos autos do processo cujo deslocamento se pretende. Ver no: AO 2380 AgR/SE, STF. 1H Turma. Rel. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julg em 25.06.2019 (Info 945). Também já decidiu o STF que: Compete ao STFjulgar a apelação criminal in terposta contra sentença de 1ú instância coso mais da metade dos membros do Tribunal de Justiça estejam impedidos ou sejam interessados (art. 102,1, “nj da CF/88). STF. 2a Turma. AO 2093/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 03.09.2019 (Info 950).

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as ações contra o Conselho Nacional de justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público;106



temos ainda que, conforme a Constituição, a arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei (art. 102 § 1° da CR/88).

No que tange as competências, alguns comentários ainda são pertinentes. Nes­ ses termos:

a) Certo é que, em relação ao controle concentrado de constitucionalidade, 0 STF irá processar e julgar originariamente todas as ações que são objeto do mesmo: ADI (102,1, a da CR/88), ADC (102,1, a), ADI por omissão (103 § 2° da CR/88), ADI inter­ ventiva (art. 34, VII, e art. 36, lll, da CR/88) e a ADPF (art. 102 § 1° da CR/88). b) 0 STF não tem competência para julgar ações populares ou ações civis pú­ blicas contra 0 Presidente da República (e os outros titulares de função ou mandato público que estão arrolados no art. 102, I, "b" e "c" da CR/88 com prerrogativa de foro por exercício de função). Embora a jurisprudência do STF já reconheça uma plêiade de competências implícitas, estas devem estar em consonância com 0 sis­ tema constitucional, permitindo, assim, ainda que em hipóteses tópicas, que 0 Pre­ tório Excelso vem paulatinamente reconhecendo (vide a última nota anteriormente citada). Definitivamente não é 0 caso das ações populares e ações civis públicas contra os arrolados no art. 102,1, "b" e "c". Nesses casos, a interpretação deve ser a tradicional de cunho restrito107 (e não a ampliativa anteriormente reconhecida e citada. A base aqui é 0 princípio da reserva constitucional de competência

106. Porém o STF, vem adotando uma interpretação restritiva a essa norma, entendendo que somente compete ao STF as demandas em que o próprio CNJ ou CNMP (que não possuem personalidade jurídica própria) figurarem no polo passivo. Serão os casos dos mandadas de segurança, mandados de injunção, habeas corpus e habeas data contra os Conselhos (CNJ e CNMP). Assim, a competência do STF para processar e julgar ações que ques tionam atos do CNJ e do CNMP limita- se às ações tipicamente constitucionais (MS, Ml, HC e HD). Na hipótese de serem propostas ações ordinárias para impugnar atos do CNJ e CNMP, quem irá figurar como ré no processo é a União, já que os Conselhos são órgãos federais. Logo, tais demandas serão julgadas pela Justiça Federal de Ia instância, com base no art. 109,1, da CR/88. ACO 2373 AgR/DF, 2dTurma do STF, Rel. Min.Teori Zavascki, julg. em 19.08.2014. 107. No que tange à ação popular, temos no STF a decisão da AO n° 859: Ementa: Açáo originária. Questão de ordem. Ação popular. Competência originária do Supremo Tribunal Federal: nào ocorrência. Precedentes. 1. A competência para julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade, até mesmo do Presidente da Repúblico, é. via de regra, do juizo competente de primeiro grau. Precedentes. 2. Julgado o feito na primeira instância, se ficar configurado o impedimento de mais da metade dos desembargadores para apreciar o recurso voluntário ou a remessa obrigotória, ocorrerá a competência do Supremo Tribunal Federal, com base na letra n do inciso I, segunda parte, do artigo 102 do Constituição Federal. 3. Resolvida a Questão de Ordem para estabelecer a competência de um dos juizes de primeiro grau da Justiça do Estado do Amapá. Rel. para acórdão, Min. Maurício Corrêa. Julgamento em 11.10.2001. (Tribunal Pleno). Já no que diz respeito à ação civil pública, temos a Pet (Agr) n® 693, em que o STF afirma que: Ementa: Competência do Supremo Tribunal Federal. Ação Civil Pública contra Presidente da República. Lei n° 7.347/85. A competência do Supremo Tribunal Federal e de direito estrito e decorre da Constituição, que o restringe aos casos enumerados no art. 102 e incisos. A circunstância de o Presidente da República estar sujeito ajurisdição da Corte, para os feitos criminais e mandados de segurança, não desloca para esta o exercício da competência originária em relação às demais ações propostas contra ato da referida autoridade. Agravo regimental improvido. Rel. Min. limar GaIvão. Julg. em 12.08.1993.

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originária108). Porém, devemos alertar que, se a questão debatida em ação popular envolver conflito federativo, a competência para julgamento da mesma será, obvia­ mente, do STF por força do art. 102,1, "f", da CR/88.109110 c) A competência do STF para processar e julgar as autoridades só terá valida­ de enquanto as referidas autoridades estiverem no exercício das atividades e fun­ ções públicas. Se as mesmas não estão mais alocadas em seus cargos ou mandatos, não há que se falar em foro por exercício de função (os autos devem ser deslocados à instância originária competente). Nesse sentido, 0 cancelamento da Súmula n» 394 do STF aqui já citado. Porém, é mister salientar que 0 STF apresenta exceções: 1) Fraude processual nos termos da AP n° 396; e 2) Quando já iniciado 0 julgamento no STF (que é ato único que se desdobra fisicamente), ele irá até 0 final, mesmo não estando mais 0 réu no exercício da função que 0 credenciava com 0 foro no STF.

d) Certo é que 0 STF deve, conforme anteriormente descrito, julgar originaria­ mente conflitos de competência entre 0 Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal. Nes­ ses termos, já deixou assente 0 STF que ele será competente também para julgar conflitos de competência entre os Tribunais Superiores e Juizes atrelados vinculativamente a outros tribunais (Exemplo: conflito entre 0 STJ e um Juiz do Trabalho ou entre 0 TST e um Juiz Federal). Porém, não será de competência do STF julgar conflito entre 0 ST] e Tribunais Regionais Federais ou entre 0 STJ e Tribunais de Justiça, pois nesses casos, não estaremos diante de um conflito de competências, mas sim da chamada hierarquia de jurisdição (ente 0 STJ e os TRFs e TJs).”°

108. Vide a Pet n° 1.738- AgR de rel. do Min. Celso de Mello julgada em 01.09.1999:"A competência originária do Su­ premo Tribunal Federai, por qualificar-se como um complexo de atribuições jurisdicionais de extração essencial­

mente constitucional e ante o regime de direito estrito a que se acha submetida - não comporta a possibilidade de ser estendida a situações que extravasem os limites fixados, em numerus clausus. pelo rol exaustivo inscrito no art. 102,1, da CR. Precedentes. O regime de direito estrito, a que se submete a definição dessa competência insti­ tucional. tem levado o Supremo Tribunal Federal, por efeito da taxatividade do rol constante da Carta Politica. a afastar, do âmbito de suas atribuições jurisdicionais originárias, o processo e o julgamento de causas de natureza civil que não se acham inscritas no texto constitucional (ações populares, ações civis públicas, ações cautelares, ações ordinárias, ações dedaratórias e medidas cautelares), mesmo que instauradas contra o Presidente da Repú­ blica ou contra qualquer das autoridades, que, em matéria penal (CR, art. 102,1, b e c), dispõem de prerrogativa de foro perante a Corte Suprema ou que, em sede de mandado de segurança, estão sujeitas à jurisdição imediata do Tribunal (CR, art. 102,1, d). Precedentes." Porém, repetimos, em alguns casos essa posição vem sendo relativizada à luz de competências implícitas no sistema constitucional. 109. Vide a Reclamação n° 3.331: EMENTA: Reclamação. Usurpação da competência. Processos judiciais que impug­ nam a portaria n° 534/05, do ministério da justiça. Ato normativo que demarcou a reserva indígena denomina­ da Raposa Serra do sol. no Estado de Roraima. Caso em que resta evidenciada a existência de litígio federativo em gravidade suficiente para atrair a competência desta Corte de Justiça (alínea "f" do inciso I do art. 102 da Lei Maior). Cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar ação popular em que os respectivos autores, com pretensão de resguardar o patrimônio público roraimense, postulam a declaração da invalidade da Portaria n° 534/05, do Ministério da Justiça. Também incumbe a esta colenda Corte apreciar todos os feitos processuais intimamente relacionados com a demarcação da referida reserva indígena. Reclamação procedente. (Julg. em 28.06.2006. Rel. Min. Carlos Ayres). 110. Conforme a CC n° 7094/MA de rel. do Min. Sepúlveda Pertence. Aqui, devemos apenas, deixar assente que o STJ, recentemente, cancelou a sua súmula 348 e com isso, a partir de 17.03.2010 passou a entender, através da nova súmula 428, que Compete ao Tribunal Regional Federal decidir os conflitos de competência entre juizado

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e) No que tange aos conflitos federativos, temos que a Constituição, no seu art. 102, I, "f", anteriormente citado, determina ser de competência originária do STF julgar as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta. Aqui podemos trabalhar as seguintes situações que serão de competência do STF com base na referida norma constitucional: a) União contra Estado(s); b) União contra Distrito Federal; c) Estado(s) contra Estado(s); d) Estado(s) contra Distrito Federal.

Porém, é importante registrar que o STF já se manifestou interpretativamente de forma restritiva em relação a essa norma, afirmando que é indispensável que, além de haver uma causa envolvendo Unido e Estado, essa demanda tenha densidade suficiente para abalar o pacto federativo. Com isso, não é qualquer causa envolvendo União contra Estado que irá ser julgada pelo STF, mas somente quando essa disputa puder resultar em ofensa às regras do sistema federativo. Nesse sentido, haverá a necessidade de que a questão debatida na causa seja dotada de uma potencialidade para ensejar um "conflito federativo".”1

Nesses termos, já decidiu o STF que ele é originariamente competente para pro­ cessar e julgar as causas que revelem potencial conflito federativo entre a União e os Estados-membros (art. 102,1, 'f', da CRFB/88), como nos casos em que se discute a ins­ crição destes nos cadastros federais de irregularidades ou inadimplência. No caso, a União é parte legítima para figurar no polo passivo das ações em que Estado-membro impugne inscrição em cadastros federais de inadimplentes e/ou de restrição de crédito.

especial federal e juízo federal da mesma seção judiciária. Rel. Min. Luiz Fux, em 17/3/2010. Nesses ter­ mos: "A Corte Especial cancelou o enunciado n. 348 de sua Súmula em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE590.409-RS, DJe 29/10/2009, no qual o STF entendeu que compete ao Tribunal Regional Federal processar ejulgar o conflito de competência instaurado entrejuizado especial federal e juízo federal da mesma seção judiciária. Considerou-se o fato de competir ao STF a palavra final sobre competência, matéria tipicamente constitucional (art. 114 da CF/1988). Logo em seguida, a Corte Especial aprovou a Súmula 428-STJ, condizente com esse novo entendi­ mento." CC 107.635 PR, Rel. Min. Luiz Fux, julg. em 17.03.2010. 111. Rel 12.957/AM, 1a Turma STF, Rel. Min. Dias Toffoli, julg em 26.08.2014. Nesse sentido: "Diferença entre conflito entre entes federados e conflito federativo: enquanto no primeiro, pelo prisma subjetivo, observa-se a litigáncia judicial promovida pelos membros da Federação, no segundo, para além da participação desses na lide, a conflituosidade da causa importa em potencial desestabilização do próprio pacto federativo. Há, portanto, distinção de magnitude nas hipóteses aventadas, sendo que o legislador constitucional restringiu a atua­ ção da Corte à última delas, nos moldes fixados no Texto Magno, e não incluiu os litígios eas causas envolvendo Mu­ nicípios como ensejadores de conflito federativo apto a exigir a competência originária da Corte." STF. Pleno. ACO 1.295-AgR-segundo, Rel. Min. Dias Toffoli, julg. em 14.10.2010. Aqui salientamos que o conflitoentre federados (disputajudicial envolvendo União ou suas entidades contra Estado-membro ou suas entidades. Exemplo: disputa entre a União e um Estado-membro envolvendo um aluguel de um imóvel}, em regra deve ser julgado pela justiça federal de 1“ Instância. Já o conflito federativo (disputa judicial, envolvendo a União ou suas entidades contra Estado-membro ou suas entidades), que em razão do tema tem a potencialidade de gerar uma desestabilização no sistema federativo, será julgado pelo STF. Ver também: ACO 1995, Pleno do STF, julg. em 26.03.2015, Rel. Min. Marco Aurélio.

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STF.Do mesmo modo, já afirmou o STF, que configura conflito federativo a ação na qual a União e o Estado-membro, em polos antagônicos, discutem se determinado projeto se enquadra como atividade de transporte de gás canalizado (art. 177, IV, da CR/88) ou fornecimento de gás canalizado (art. 25, § 2°, da CR/88)* 113. Em outro giro, já decidiu 0 Pretório Excelso, que não compete ao STF julgar ação proposta contra a União e 0 Banco do Brasil para obrigar que a instituição financeira cumpra lei estadual que determina 0 repasse de parte dos valores dos depósitos judiciais para 0 caixa único do Estado. Trata-se, conforme 0 julgado, de controvérsia meramente patrimonial, não justificando sequer a presença da União no polo passivo.114115 Temos ainda, nos termos do informativo n° 591 do STF, que os Municípios não estão arrolados como entidades que em conflitos com outros entes políticos tor­ nariam (levariam) a matéria de competência originária do STF. Nesse sentido, na decisão da ACO 1342 AgR/RJ julgada em 16.10.2010: "(...) Tendo em conta que 0 texto constitucional não menciona os Municípios entre as entidades cujos litígios com outros entes políticos de direito público interno evocam a competência originária do Supremo (CF: "Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, caben­ do-lhe: I - processar e julgar, originariamente: f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e 0 Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;"), o Tribunal reconheceu sua incompetência para julgar agravo regimental interposto contra decisão que indeferira pedido de tutela antecipada formulado em ação cível originária na qual a Casa da Moeda do Brasil pretende ver afastada a exigibilidade, pelo Município do Rio de Janeiro, do Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza ISSQN e das sanções decorrentes do não pagamento do tributo. Determinou-se a remessa dos autos à Justiça Federal do Rio de Janeiro (...)".

f) 0 STF na ACO 924/PR em 19.05.2016, mudando seu posicionamento (que entendia que a competência era do próprio STF”5), decidiu que compete ao Pro-

112 ACO 2764 AgR, STF Plenário. Relator p/ Ac. Min. Luiz Fux, julg. em 16.10.2017. No mesmo sentido: ACO 2892 AgR/DF, Red. p/o ac. Min. Alexandre de Moraes, julg em 11.09.2019 (Informativo 951) 113. Rcl 4.210/SP, STF. 2’ Turma. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julg. em 26.03.2019 (Informativo 935). 114. ACO 989/BA, STF. Plenário. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11.09.2019 (Info 951). 115. Na ACO n° 853 o STF deixou assente em 08.03.2007 que: 1. COMPETÊNCIA. Atribuições do Ministério Público. Con­ flito negativo entre MP federal e estadual. Feito da competência do Supremo Tribunal Federal. Conflito conhecido. Precedentes. Aplicação do art. 102,1, "f". da CR. Compete ao Supremo Tribunal Federal dirimir conflito negativo de atri­ buição entre o Ministério Público federal eo Ministério Público estadual. (...) Conflito negativo de atribuição conheci­ do. É da atribuição do Ministério Público estadual analisar procedimento de investigação de atos supostamente delituosos atribuídos a ex-Governador e emitir a respeito opinio delicti, promovendo, ou não, ação penal." Por­ tanto, o fundamento estaria ancorado no art. 102, l,“f"da CR/88. Como exemplo: Se dois Promotores de Justiça de Estados diferentes estavam divergindo sobre a atuação em uma causa, o que nós tínhamos era uma divergência entre dois órgãos de Estados diferentes. Se um Promotor de Justiça e um Procurador da República discordavam sobre quem deveria atuar no caso, o que nós tínhamos era uma dissonância entre um órgão estadual e um órgão federal. Logo, nestas duas situações, quem deveria resolver este conflito seria o STF, conforme previsto no art. 102,1, “f”, da CR/88. (In: Márcio André Lopes, Dizer o Direito, Informativo 826 do STF)

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curador Geral da República (PGR), na condição de órgão nacional do Ministério Público, dirimir conflitos de atribuições entre membros do Ministério Público Federal (MPF)e de Ministérios Públicos Estaduais (MPE). Aqui, de início, é ne­ cessário distinguirmos os conflitos de atribuições dos conflitos de competência. Nesses termos, conforme a doutrina "o conflito de atribuições não se confunde com o conflito de competência. Cuidando-se de ato de natureza jurisdicional, o conflito será de competência, ou seja, quando dois órgãos jurisdicionais divergem sobre quem devera julgar uma causa.116 Porém, tratando-se de controvérsia entre órgãos do Ministério Público sobre ato que caiba a um deles praticar, ter-se-á um conflito de atribuições." Portanto, só existe conflito de atribuições se a di­ vergência ficar restrita aos membros do Ministério Público.117

116. Exemplo elucidativo de conflito de competência: Foi instaurado inquérito policial, que estava tramitando na Justi­ ça Estadual, com o objetivo de apurar determinado crime. Ao final do procedimento, o Promotor de Justiça requereu a declinação da competência para a Justiça Federal, entendendo que estava presente a hipótese do art. 109, IV, da CF/88. O Juiz de Direito concordou com o pedido e remeteu os autos paro a Justiça Federal. O Juiz Federal deu vista ao Procurador da República, que entendeu em sentido contrário ao Promotor de Justiça e afirmou que não havia in­ teresse direto e específico da União que justificasse o feito ser de competência federal. O Juiz Federal concordou com o Procurador da República e suscitou conflito de competência. Este conflito deverá ser dirimido pelo Superior Tribu­ nal de Justiça, nos termos do art. 105,I, “d", da CF/88 (Nesses casos, conforme o art. 105 do CR/88 compete ao Supe­ rior Tribunal de Justiça, processar e julgar, originariamente os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art 102,I, "o"da CR/88. bem como entre tribunal e iuízes a ele não vinculados e entre juizes vinculados a tribunais diversos], No exemplo, os membros do Ministério Público discordaram entre si. No entan­ to. essa discordância não ficou limitada a eles e foi também encampada pelos juizes. Logo, em última análise, tivemos um conflito de competência, ou seja, um conflito negativo entre dois órgãos jurisdicionais. (In: Márcio André Lopes. Dizer o Direito, Informativo 826 do STF) Nesse sentido, temos a Pet n° 1.503: Conflito negativo de atribuições. Ministério Público Federal e Estadual. Denúncia. Falsificação de guias de contribuição previdenciária. Ausência de conflito federativo. Incompetência desta Corte. 1. Conflito de atribuições entre o Ministério Público Fe­ deral e o Estadual. Empresa privada. Falsificação de guias de recolhimento de contribuições previdenciárias devidas à autarquia federal. Apuração do fato delituoso. Dissenso quanto ao órgão do Parquet competen te para apresentar denúncia. 2. A competência originária do Supremo Tribunal Federal, a que alude a letra “f" do inciso I do artigo 102 da Constituição, restringe-se aos conflitos de atribuições entre entes federados que possam, potencialmente, comprometer a harmonia do pacto federativo. Exegese restritiva do preceito ditada pela jurisprudêncio da Corte. Ausência, rro caso concreto, de divergência capaz de promover o desequilíbrio do sistema federal. 3. Presença de virtual conflito de jurisdição entre os juízos federal e estadual perante os quais funcionam os ôraãos do Parquet em dissensão. Interpretação analógica do artigo. 105.I, “d”, da Corta da República, para fixar a competência do Superior Tribunal de Justiça a fim de que julgue a controvérsia. Conflito de atribuições nào conhecido. í Julg: 03.10.2002. Rel. Min. Mauricio Corrêa.) 117. Algumas vezes, no entanto, os membros do Ministério Público instauram investigações que tramitam no âmbito da própria instituição. Neste caso, em regra, tais procedimentos não são levados ao Poder Judiciário, salvo no momento em que irá ser oferecida a denúncia ou se for necessária alguma medida que dependa de autorização judicial (ex: inter­ ceptação telefônica). A regra geral, no entanto, é que os procedimentos de investigação conduzidos diretamente pelo MP tramitem exclusivamente no âmbito interno da Instituição. Ex: um Promotor de Justiça instaurou, no MPE, procedi­ mento de investigação para apurar crimes relacionados com um cartel mantido por donos de postos de combustíveis. Ocorre que o Procurador da República também deflagrou, no âmbito do MPF. um procedimento investigatório para apurar exatamente o mesmo fato. Temos, então, dois membros diferentes do Ministério Público investigando o mesmo fato. Vale ressaltar que nenhum deles formulou qualquer pedido judicial, de sorte que o Poder Judiciário não foi pro­ vocado e os procedimentos tramitam apenas internamente. Nesse caso temos um conflito de atribuições. (In: Márcio André Lopes, Dizer o Direito. Informativo 826 do STF). Porém, é bom que se diga que: Se os juizes encamparem as teses dos membros do MP, ai eles estarão discordando entre si e teremos, no caso, um “falso conflito de atribuições". Diz-se que há um falso conflito de atribuições porque, na verdade, o que temos é um conflito entre dois juizes, ou seja, um conflito de competência.

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Nos termos do informativo 826 do STF, a Corte afirmou que 0 PGR exercería a posição de chefe nacional do Ministério Público. Essa instituição - apesar da irradiação de suas atribuições sobre distintos órgãos - seria una, nacional e, de essência, indivisível. Nesses termos, quando a disciplina prevista nos pará­ grafos i° e 3° do art. 128 da CR/88 distribui a chefia dos respectivos ramos do Ministério Público - da União e dos Estados, respectivamente - outra coisa não seria pretendida senão a ordenação administrativa, organizacional e financeira de cada um dos órgãos, 0 que reafirmaria a ausência de hierarquia entre os órgãos federais e estaduais do Ministério Público nacional. Contudo, assentada a obrigação constitucional de 0 PGR dirimir conflitos de atribuições, não se re­ levaria, com isso, sua atuação como chefe do MPU, mas sim a identificação do PGR como órgão nacional do "parquet". Com efeito, afirmou o STF no informativo 826 que, em diversas passagens da Constituição seria observada, de modo de­ cisivo, a atribuição de poderes e deveres ao PGR, os quais, especialmente por suas abrangências, não se confundiríam com as atribuições dessa autoridade como chefe do MPU. Nesse sentido, entre outras hipóteses, 0 art. 103, VI, da CR/88, fixa a competência do PGR para a propositura da ação direta de incons­ titucionalidade e da ação dedaratória de constitucionalidade perante 0 STF; o art. 103, § 1°, da CF, determina que 0 PGR seja previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência daquela Corte; 0 art. 103-B da CR/88 atribui ao PGR a escolha do membro do Ministério Público estadual que integra 0 CNJ, dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual. 0 órgão nacional, portanto, encontrar-se-ia em posição conglobante dos Ministérios Públicos da União e dos Estados-Membros. Por outro lado, entendeu 0 STF que, as competências do STF e do STJ deteriam caráter taxativo, e em nenhuma delas estaria previsto dirimir os conflitos de atribuições em questão. Por fim, não se extrairía dessa situação conflito fede­ rativo apto a atrair a competência do STF (tendo nesse ponto 0 STF modificado seu entendimento).118 g) Nos termos da Súmula n° 731 do STF, para fim da competência originária do Supremo Tribunal Federal, é de interesse geral da magistratura a questão de saber se, em face da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, os juízes têm direito à licença-prêmio. h) 0 STF decidiu que não é competente para julgar originariamente ação inten­ tada por juiz federal postulando a percepção de licença-prêmio com fundamento na simetria existente entre a magistratura e 0 Ministério Público. No caso em ques­ tão, como vimos acima, 0 art. 102, I, "n", da CR/88 determina que a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados é de competência originária do STF. Porém, no entanto, a causa não será da compe­ tência originária do STF se a matéria discutida, além de ser do interesse de todos

118. ACO 924/PR, Pleno do STF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 19.05.2016 (Informativo 826 do STF).

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os membros da magistratura, for também do interesse de outras carreiras de ser­ vidores públicos. E além disso, para incidir o dispositivo ora citado, o texto consti­ tucional determina que a matéria discutida deverá interessar a todos os membros da magistratura e não apenas à parte dela."9

i) Com o advento da Emenda n» 45/04 (reforma do judiciário), 0 STF deixou de ter competência originária para a homologação de sentença estrangeira e a con­ cessão de exequatur às cartas rogatórias. Essa competência foi transferida para 0 Superior Tribunal de Justiça.

j) 0 STF, mesmo sendo 0 órgão do Poder Judiciário competente para conhecer das ações contra 0 CNJ e CNMP, afirmou, em julgado, que não é de sua competência conhecer de ação popular129 e ação civil pública119 121 contra 0 Conselho Nacional de 120 Justiça ou 0 Conselho Nacional do Ministério Público. Além disso, 0 STF também não é competente para processar e julgar ações ordinárias contra emanados do CNJ, nos seguintes termos: "(...) a jurisprudência desta Casa tem conferido interpretação estrita à competência insculpida na alínea r do inciso I do art. 102 da CR/88, vinculando-a às hipóteses em que 0 CNJ, órgão do Poder Judiciário, teria personalidade judiciária para figurar no polo passivo da lide - mandados de segurança, habeas corpus, habeas data. Nas ações ordinárias ajuizadas contra a União - ente dotado de personalidade jurídica -, ainda que envolvendo discussão acerca de ato emanado do CNJ, a competência é da Justiça Federal."122

119. AO 2126/PR, 2°Turma do STF, Red. p/o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 21.02.2017 (Informativo 855) 120. Vide a Pet n° 3.674 julg. em 04.10.2006: Competência originária do Supremo Tribunal para as ações contra o Con selho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público (CR, art. 102,I. r, com a redação da EC 45/04): inteligência: não inclusão da ação popular, ainda quando nela se vise á declaração de nulidade do ato de qualquer um dos conselhos nela referidos. 1. Tratando-se de ação popular, o STF - com as únicas ressalvas da incidên­ cia da alinea n do art. 102, !,daCF ou de a lide substantivar conflito entre a Unido e Estado-membro /amais admitiu a própria competência originária: ao contrário, a incompetência do Tribunal para processar e julgar a ação popular tem sido Invariavelmente reafirmada, ainda quando se irrogue a responsabilidade pelo ato questionado a dignitário individual - a exemplo do Presidente da República - ou a membro ou membros de órgão colegiado de qualquer dos poderes do Estado cujos atos, na esfera cível - como sucede no mandado de segurança - ou na esfera penal - como ocorre na ação penal originária ou no habeas corpus - estejam sujeitos diretamente à sua jurisdição. 2. Essa não é a hipótese dos integrantes do CNJ ou do CNMP: o que a Constituição, com a EC 45/04, inseriu na competência originário do Supremo Tribunal foram as ações contra os respectivos colegiado, e não, aquelas em que se questione a responsa­ bilidade pessoal de um ou mais dos conselheiros, como seria de dar-se na ação popular. 121. Pet n° 3.986 julg. em 25.06.2008: "Ação civil pública contra decisão do conselho nacional de justiça. Incompetên­ cia, em sede originária, do supremo tribunal federal. I Nos termos do art. 102 e incisos da Magna Carta, esta Su­ prema Corte não detém competência originária para processar e julgar ações civis públicas. (...)". (Rel. Min. Ricardo Lewandowski). 122. AO 1.718. Rel. Min. Rosa Weber, julg. monocrático em 30.03.2012. Também: ACO 1796/DF, Relator Min. Marco Aurélio, julg. 21.06.2011. Competência - alíneas "f"e "r"do inciso ido artigo 102 da constituição federal declinação. l.Ao formalizar esta ação cível originária, os autores evocaram as alíneas f"e "r“do inciso I do artigo 102 do Constitui ção federal. (...) 2. São autores desta ação pessoas naturais eréa União. Não há conflito alcançado pela citada alínea "fdo inciso I do artigo 102 da Carta da República, tampouco o CNJ figura no polo passivo, considerada a natureza ad­ ministrativa. Somente em situações excepcionais, admite-se ao órgão, que não possui personalidade jurídica própria, a capacidade de ser parte no processo, as quais não se encontram presentes no caso em exame. 3. Remetam o processo ò Justiça Federal do Distrito Federal, ante a incompetência deste Tribunal. 4. Publiquem. Brasília, 21 de junho de 2011.

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k) 0 STF já decidiu que pode estabelecer regras procedimentais diferenciadas para determinados julgamentos devido à peculiaridade dos mesmos. Nesse senti­ do, foi o definido em "questão de ordem" sobre a AP n°470 (caso mensalão), con­ forme o informativo 665 do Pretório Excelso: "0 Plenário resolveu questão de ordem suscitada em ação penal, movida pelo Ministério Público Federal contra diversas pessoas acusadas da suposta prática de crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta e outras fraudes, para, por maioria, estabele­ cer as seguintes regras procedimentais, a serem observadas quando do julgamen­ to da causa: a) a leitura do relatório será resumida; e b) 0 tempo concedido ao Procurador-Geral da República, para sustentação oral, será de cinco horas. 0 Min. Joaquim Barbosa, relator e suscitante, salientou a complexidade desta ação penal, considerado 0 elevado número de réus, e sublinhou a necessidade da adoção de medidas a tornar célere 0 trabalho da Corte. Apontou-se que 0 relatório do feito conteria mais de cem páginas, e que sua leitura integral poderia perdurar por toda uma sessão de julgamento. Rememorou-se que as partes e os julgadores já teriam acesso a todo o conteúdo dos autos, inclusive em meio digital, há meses. Ademais, no tocante às sustentações orais, reputou-se que a legislação aplicável (Lei 8.038/90, art. 12,1, e RISTF, art. 132) estabelecería 0 tempo de uma hora às partes. Entretanto, tratar-se-ia de 38 réus, de forma que, em observância à equidade e à paridade de armas, dever-se-ia instituir período maior para 0 órgão acusador."123 125 124 l) Segundo 0 STF, 0 agravo interposto contra decisão monocrática do Ministro Relator no STF (também chamado de agravo interno ou regimental), em recursos ou ações originárias que versem sobre matéria penal ou processual penal, não obede­ ce às regras no novo Código de Processo Civil. Nesses termos, temos que: a) 0 prazo deste agravo (interno) é de 5 dias, nos termos do art. 39 da Lei n° 8.038/90 (não se aplicando o art. 1.070 do CPC/2015); b) esse prazo é contado em dias corridos, conforme estabelece 0 art. 798 do Código de Processo Penal (não se aplicando a regra da contagem em dias úteis do art. 219 do novo CPC de 2015).'^

123. AP 470 Nona QO/MG. Rel. Min. Joaquim Barbosa, julg. em 09.05.2012. Na décima QO decidida em 01.08.2012, o Plenário do STF, ao resolver questão de ordem suscitada pelo Min. Ayres Britto, indeferiu, por maioria, pedido de uso de recurso audiovisual nas sustentações, e consignou ainda que: a) as sustentações orais dos acusados seriam chamadas pelo Presidente na ordem da denúncia: b) as sessões de julgamento teriam, aproximadamente, duração de 5h, pelo que não seria possível fixar data e horário para esta e aquela sustentação oral. Ademais, registrou-se que, à parte que não pudesse, de modo justificado, apresentar verbalmente suas razões no dia em que deveria fazê-lo, observada a ordem da denúncia, estaria assegurada a sustentação no último dia do calendário estabelecido. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Dias Toffoli, no concer­ nente ao uso de sistema audiovisual, porque o admitiam, desde que providenciado pelas defesas dos acusados, por sua conta e risco, e utilizado dentro do prazo de 1h destinado às exposições de cada um deles. 124. HC 134554 Rcon, Decisão monocrática, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 10.06.2016 (Informativo 830 do STF). No mesmo sentido: STJ. 3a Seção. AgRg na Rcl 30.714/PB, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julg. em 27.04.2016. Com isso, o art. 1.070 do novo CPC não se aplica aos processos de natureza criminal (ações originárias ou recur­ sos) que tramitam no STF e STJ. O fundamento é o de que existe previsão específica no art. 39 da Lei n° 8.038/90, que não foi derrogado: Art. 39. Da decisão do Presidente do Tribunal, de Seção, de Turma ou de Relator que causar gravame à parte, caberá agravo para o órgão especial, Seção ou Turma, conforme o caso, no prazo de cinco dias.

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m) É interessante que como regra, não se admite a juntada extemporânea de prova documental em recursos interpostos no STF. Assim, por exemplo, em regra, não se admite que, em um agravo regimental no STF, seja juntado algum documento que já existia, mas que a parte não havia trazido aos autos por omissão sua. No entanto, em um caso concreto envolvendo uma apreciação de contas de TCE, o a ia Turma do STF relativizou esta proibição e admitiu que o Estado (agravante) trou­ xesse aos autos cópia da intimação do gestor público condenado. 0 STF considerou que, na situação concreta, o interesse público indisponível presente na lide justifica que se admita a análise do documento.135 n) Conforme a 1a Turma do STF, por decisão majoritária, a competência para julgar mandado de segurança contra ato de Ministro da Justiça em matéria extradi­ cional será do próprio STF. Aqui podemos considerar tal competência uma exceção pois em regra a competência para processar e julgar mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado é do STJ nos termos, do art. 105,1, b da CR/88.125 126

0) Segundo 0 STF nos termos da AR 1551/RJ, julgada em 19.102016, salvo na hipótese de revisão da jurisprudência (art. 103 do Regimento interno do Supremo Tribunal Federal - RISTF), a declaração de inconstitucionalidade de lei proferida pelo Plenário, pronunciada por maioria qualificada, deve ser aplicada aos processos posteriormente submetidos ao julgamento das Turmas e do Plenário, conforme re­ gra prevista no art. 101 do RISTF.127

p) Não compete originariamente ao STF processar e julgar execução individual de sentenças genéricas de perfil coletivo, inclusive aquelas proferidas em sede mandamental. Tal atribuição cabe aos órgãos judiciários competentes de primeira instância128 0 entendimento aqui é 0 de que não se deve conferir uma interpretação literal para 0 art. 102, l, "m", da CR/88. Nesses termos, para que 0 STF seja competen­ te para fazer a execução de seus acórdãos proferidos em julgamentos originários.

125. ARE 916917 AgR/SP STF. Ia Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julg. em 06.12.2016. No caso ficou vencido o Min. Marco Aurélio. £m sua visão, não se podejulgar, pela primeira vez, matéria em sede extraordinária, sob pena de trans­ mutação dessa sede em ordinária. 126. MS 33864/DF 1 ’ T do STF, julg. em 19.04.2016, Rel. Min Roberto Barroso. Vide: HC 83.113/DF, Rel. Min. Celso de Mello. 127. Informativo 844 do STF: “O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação rescisória, ajuizada para desconstituir acórdão da Segunda Turma (RE 193.285/RJ, DJU de 17-4-1998). Para o autor, o acórdão rescindendo teria declarado a validade da Lei 1.061/1987do Município do Rio de Janeiro, não obstante houvesse pronunciamento anterior do Supremo Tribunal Federal no sentido da inconstitucionalidade dessa lei (RE 145.018/RJ, DJU de 10 9 1993). Naquela ocasião, a Corte entendeu que a referida lei municipal, além de violar a independência e harmonia entre os Poderes, desrespeitou a autonomia do ente municipal, pois vinculava a remuneração de seus servidores - sem o processo próprio de fixação e aumento da despesa pública com pessoal - ao índice de Preços ao Consumidor (IPC) do governo federal. Segundo o Colegiado, o entendimento adotado no julgamento do RE 145.018/RJ, no sentido da in­ constitucionalidade da Lei municipal 1.061/1987, não deve ser modificado. Afinal, é inadmissível o argumento de que a irredutibilidade de vencimentos deveria garantir a preservação do valor real da remuneração - com a manutenção de poder aquisitivo de forma que o aumento do gasto com pessoal não consistiría em aumento de vencimentos dos servidores, mas, tão somente, em reajuste dos valores devidos. Asseverou que o acórdão rescindendo violou os arts. 13, I, lll e V;43, V; 57, II, e 65da Emenda Constitucional 1/1969." (Rel. Min. Gilmar Mendes) 128. PET 6076 QO/DF 2aTurma do STF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 25.04.2017 (Informativo 862).

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é indispensável que a "razão" que atraiu a competência para o STF continue exis­ tindo. No caso específico da PET 6076 QO, tratava-se de cumprimento de sentença proferido nos autos de mandado de segurança coletivo proposto em face de ato do Tribunal de Contas da União. Assim sendo, a atração da competência do STF se deu em razão do órgão envolvido na celeuma, ou seja, 0 TCU, nos termos da alínea "d", do art. 102,1 da CR/88. Portanto, a ação foi julgada originariamente em razão da autoridade coatora ser 0 Tribunal de Contas da União. Esse foi 0 motivo da atração da competência originária do STF. Nesses termos, tratou-se de ação mandamental em face do TCU. A execução, todavia, não contará com a participação nem exigirá qualquer atuação por parte da Corte de Contas. No caso concreto, 0 órgão compe­ tente para julgar a execução, como já dito, será 0 juízo de ia instância. Ou seja, a justiça Federal comum de 1» instância, considerando que se trata de cumprimento de sentença que tem como executada a União (art. 109,1, da CR/88).*29

q) Segundo 0 STF no âmbito da revisão criminal139, é ônus processual do autor enquadrar seu pedido a uma das hipóteses taxativamente previstas na lei e de­ monstrar que 0 conjunto probatório autoriza 0 juízo revisional ou absolutório. Com base na análise das hipóteses elencadas no art.621 do Código de Processo Penal, percebe-se que só é possível o ajuizamento de revisão criminal para a desconstituição de decisões condenatórias. Nos termos do art.621 do Código de Processo Penal a revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto ex­ presso da lei penal ou à evidência dos autos; II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; lll quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Assim sendo, a revisão criminal não funciono como instrumento de impugna­ ção de outras decisões (que não sejam condenatórias), ainda que potencialmente prejudiciais ao condenado. Decisões que se limitam a não admitir um recurso são despidas de efeito substitutivo (não substituem a decisão condenatória), de modo que 0 édito condenatório, em tais casos, deriva precisamente da decisão de mérito anteriormente proferida. Logo, não cabe revisão criminal contra decisão que apenas inadmite um recurso porque não se trata de acórdão condenatório. ”*

Nesses termos, para 0 STF, a decisão suscetível de impugnação pela revisão crimi­ nal consiste no ato jurisdicional que impõe ou chancela 0 mérito de pronunciamento129 131 130

129. PET6076 QO/DF 2aTurma do STF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 25.04.2017 (Informativo 862). 130. A Revisão criminal é uma ação autônoma de impugnação de competência originária dos Tribunais (ou da Turma Recursal. no caso dos Juizados) por meio da qual a pessoa condenada requer ao Tribunal - que reveja a decisão que a condenou (e que já transitou em julgado) sob o argumento de que ocorreu erro judiciário. Poderá ser re­ querida em qualquer tempo, mesmo após já ter sido extinta a pena. Conforme art. 623 do CPP: A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascen­ dente, descendente ou irmão. 131. RvC 5480 AgR/AM, STF. Plenário, rel. Min. Edson Fachin, julg em 12.9.2019. (RvC-5480)

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condenatório, e não decisões posteriores que, correta ou incorretamente, tenham inadmitido ou negado provimento a recursos, visto que essas manifestações jurisdi­ cionais não compõem o título condenatório.132133 135 134

0 Pretório Excelso ainda analisou que, no tocante à fixação da reprimenda imposta, a revisão criminal manejada com a finalidade de desconstituir parcela da dosimetria da pena não permite a reconstrução da discricionariedade atribuída ao órgão jurisdicional naturalmente competente para essa análise. Sob esse enfoque, a revisão criminal não se presta ao escrutínio da motivada avaliação por parte do órgão competente acerca da exasperação da pena-base.

r) Conforme o STF, também não é cabível revisão criminal para se pretender a rediscussão do mérito da condenação. Além disso, não cabe revisão criminal para questionar os critérios discricionários utilizados pelo órgão julgador na fixação da pena.1” Segundo o STF, no âmbito da revisão criminal, é ônus processual do requerente ater-se às hipóteses taxativamente previstas em lei (art. 621 do CPP) e demonstrar que a situação processual descrita autorizaria 0 juízo revisional. Assim sendo a ação de revisão judicial não atua como ferramenta processual destinada a propiciar tão somente um novo julgamento, como se fosse instrumento de veiculação de preten­ são recursal. Possui, destarte, pressupostos de cabimento próprios que não coinci­ dem com a simples finalidade de nova avaliação do édito condenatório.1’4

Portanto, 0 STF deixa claro que a via da revisão criminal não deve existir para que 0 Tribunal Pleno funcione como simples instância recursal destinada ao reexame de compreensões das Turmas.'-” Nesse sentido, a análise empreendida em sede de revisão criminal cinge-se a aspectos de legalidade da condenação proferida sem lastro jurídico ou probatório,

132. RvC 5480 AgR/AM, STF. Plenário, rel. Min. Edson Fachin, julg em 12.9.2019. O Plenário, por maioria, negou pro­ vimento a agravo regimental em revisão criminal para manter a execução penal de reprimenda imposta a senador condenado pela prática de crimes contra o sistema financeiro nacional. No caso, a defesa apresentou embargos infrin­ gentes em face da decisão condenatória. que foram inadmitidos em decisão colegiado proferida pela Primeira Turma do STF. Argumentou, então, em sede de revisão criminal, que ojuízo de admissibilidade dos embargos nao seria da Tur­ ma, mas do relator, com possibilidade de recurso endereçado ao Plenário. Por isso, teria havido violação ao principio do juiz natural. O colegiado anotou, de inicio, que a revisão criminal expressa um processo reparatório do erro judiciá rio, em que situações excepcionais, assim reconhecidas pelo legislador, podem, em tese, autorizar a desconstrução do pronunciamentojurisdicional acobertado pelo manto da coisa julgada. Nesse cenário, o condenado não tem o direito subjetivo de, fora da destinação legal do meio de impugnação, perseguir a desconstituição de decisões desfavoráveis que tenham sido proferidas em processos penais. De tal formo, a coisa julgada penal admite desfazimento, desde que preenchidas as hipóteses taxativamenteprevistas no art. 621 do CPP e reproduzidas no RISTF (art. 263). Assim, no âm bito da revisão criminal, é ônus processual do autor ater se às hipóteses taxativamente previstas em lei e demonstrar que o conjunto probatório amealhado autoriza ojuízo revisional ou absolutório. (Informativo 951) 133. RvC 5475/AM, STF. Plenário. Rel. Min. Edson Fachin, julg em 06.11.2019,0 Plenário, por maioria, não conheceu de revisão criminal ajuizada por Senador condenado pela Primeira Turma do STF à pena de 4 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, pela prática do delito previsto no art. 20 da Lei 7.492/1986. (Informativo 958) 134. RvC 5475/AM, STF. Plenário. Rel. Min. Edson Fachin, julg em 06.11.2019 (Info 958). 135. RvC 5475/AM, STF. Plenário. Rel. Min. Edson Fachin,julg em 06.11.2019 (Info 958).

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o que não corresponde à avaliação encetada em sede de apelação, em que tam­ bém é possível o reexame aprofundado da suficiência dessas provas ou ainda da me­ lhor interpretação do direito aplicado ao caso concreto. Aqui resta clara a diferença entre a revisão criminal e a apelação. Desse modo, para o STF, a revisão criminal não é apta para equacionar contro­ vérsias razoáveis acerca do acerto ou desacerto da valoração da prova ou do direi­ to, resguardando-se seu cabimento, em homenagem à coisa julgada material, cuja desconstituição opera-se apenas de modo excepcional, às hipóteses taxativamente previstas no ordenamento jurídico.1* s) Por último, devemos deixar consignado o que ocorre quando o STF não co­ nhece de ação, afirmando sua incompetência para o feito debatido. A resposta está explicitada no Informativo n° 512 do Pretório Excelso (vide também 0 Informativo n° 462 do STF). Assim sendo, temos (ainda com base no CPC antigo) que: "0 reconhe­ cimento, pelo Supremo, da sua incompetência para julgar e processar 0 feito torna necessária a indicação do órgão que repute competente para tanto. Salientando a alteração da jurisprudência da Corte a respeito desse tema, e com base no art. 113, § 2°, do CPC ('Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competente.'137) e no art. 21, § 1°, do RISTF, na redação dada pela Emenda Regimental 21/2007 ('Poderá o(a) Relator(a) negar seguimento a pedido ou recurso manifestamente inadmissível, improcedente ou contrário à jurisprudência dominante ou a Súmula do Tribunal, deles não conhe­ cer em caso de incompetência manifesta, encaminhando os autos ao órgão que repute competente, bem como cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário à orientação firmada nos termos do art. 543-B do Código de Processo Civil.')".1’8 Portanto, 0 Pretório Excelso não deve extinguir feitos nos quais reconheça sua in­ competência, mas encaminhar os autos ao juízo que ele entenda competente.136 139140 138 137 Sobre as competências recursais do STF, conforme já salientado, teremos 0 recurso ordinário (art. 102, II, da CR/88) e 0 extraordinário (art. 102, lll, da CR/88).

Nesses termos, compete ao STF julgar, em grau de recurso ordinário: a) 0 habeas-corpus, 0 mandado de segurança, 0 habeas-data e 0 mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;1*0

RvC S47S/AM, STF. Plenário. Rel. Min. Edson Fachin, julg em 06.11.2019 (Info 958). Sobre o instituto da Incompetência ver o art. 64 do novo CPC de 2015 (Lei n° 13.105/2015) Pet n° 3.986 AgR/TO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. julgamento em 25.6.2008. Nesse sentido: "Essa é a nova orientação da Corte sobre a matéria, firmada a partir do julg. do M5 25.087 ED/ SP (j. 21.9.2006), quando restou superado o entendimento anterior do Tribunal, de que o reconhecimento da incompetência para julgar originariamente mandado de segurança, ensejaria a extinção do processo. Naquela oportunidade, prevaleceu a tese do Min. Peluso, que sustentou a aplicação do art 113 § 2o do CPC. [...] O no vel entendimento foi afirmado novamente no MS 26244 Agr/DF e no MS 26006 Agr/DF (rel. Min. Celso de Mel­ lo, inf. 462). Nesta esteira, promoveu-se a alteração no regimento interno do Tribunal pela emenda regimental 21/07.'BARRETO, Rafael, Retrospectiva de informativos do STF 2008, p. 73. 140. Nesse caso, será necessária a presença de três requisitos: a) envolver os citados remédios constitucionais (habeas corpus, habeas data, mandado de segurança e mandado de injunção) em julgamento proferido pelos Tribunais

136. 137. 138. 139.

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b) o crime político. Estes estão definidos na Lei n° 7.170/83 e são julgados de forma originária pela Justiça Federal de 1» grau, conforme dispõe 0 art. 109, IV da CR/88.* 143 142 141 Além disso, é da competência do STF julgar, mediante recurso extraordinário142, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: (1) contrariar dispositivo desta Constituição; (2) declarar a inconstitucionalidade de tra­ tado ou lei federal; (3) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; (4) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Não há dúvida que 0 recurso extraordinário tem algumas especificidades que não podem ser olvidadas. Uma primeira questão importante é que 0 STF (apesar de algumas críticas143) já deixou assente que não faz em grau de recurso extraordinário 0 reexame da matéria fática do caso, ou seja, 0 Pretório Excelso só se debruça sobre a matéria de direito do caso impugnado. Nesses termos, é a Súmula n° 279 do STF que preleciona que: "para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário." Uma outra questão fulcral é aquela que diz respeito ao tipo de ofensa que enseja 0 recurso extremo. Nesses termos, já deixou consignado 0 STF que só cabe recurso ex­ traordinário se a ofensa for direta e frontal à Constituição. Assim sendo, se a ofensa for indireta ou reflexa não se deve admitir a interposição do mesmo. A ofensa reflexa é aquela que, para que se tenha a conclusão de contrariedade à norma constitucional antes deve-se observar a contrariedade a normas infraconstitucionais, ou mesmo na hipótese de para se atingir a violação ao preceito constitucional haver a necessidade de interpretação do entendimento das normas infraconstitucionais.144

Conforme 0 novo CPC de 2015, no seu art. 1.029 0 recurso extraordinário e 0 recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante 0 presidente ou 0 vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: I - a exposição do fato e do direito; II - a demonstração do cabimento do recurso interposto; lll - as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida. Já 0 § 1» do mesmo dispositivo afirma que quando 0 recurso fun­ dar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência com a

141.

142. 143. 144.

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Superiores; b) a decisão deve ser originária dos Tribunais Superiores (STJ, TST, STM,TSE), ou seja, eles devem apreciar o caso debatido originariamente e não mediante qualquer tipo de recurso de outros juízos; c) a decisão do Tribunal Superior deve ser denegatória, seja de mérito ou mesmo sem julgamento de mérito. RC n" 1.470: Ementa: Recurso ordinário criminal. Crime contra a segurança nacional. Arma de fogo de uso exclu­ sivo das forças armadas. Lei 7.170/83. Crime Comum. 1.-0 Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que, para configuração do crime político, previsto no parágrafo único do art. 12 da Lei 7.170/83, é necessário, além da motivação e os objetivos políticos do agente, que tenha havido lesáo real ou potencial aos bens jurídicos indicados no art. 10 da citada Lei 7.170/83. Precedente: RCR 1.468-RJ, Plenário, 23.3.2000. II. - No caso, os recorrentes foram presos portando, no interior do veiculo que conduziam, armas de fogo de uso restrito, cuja importação é proibida, lll. - Recurso provido, em parte, para, assentada a natureza comum do crime, anular a sentença proferida e determinar que outra seja profe­ rida, observado o disposto na Lei 9.437/97, art. 10, §2°. (Rel. Min. Carlos Velloso. Julg. em 12.03.2002.) Para um estudo critico do tema, ver: BAHIA, Alexandre. Recursos Extraordinários no STF e STJ, 2009. Ver sobretudo: SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo, Jurisdição constitucional democrática. 2004. Conforme o CPC de 2015: Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa ò Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.

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certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computado­ res, com indicação da respectiva fonte, devendo-se, em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.’45 Por­ tanto, resta claro que a parte que deseja interpor um Recurso Extraordinário deve protocolizá-lo no juízo a quo (recorrido) e não diretamente no juízo ad quem (STF). É interessante salientar aqui que, segundo o STF, não cabem embargos de decla­ ração contra a decisão de presidente do tribunal que não admite recurso extraor­ dinário. Nesses termos, por serem incabíveis, caso a parte oponha os embargos, estes não irão suspender ou interromper o prazo para a interposição do agravo. Como consequência, a parte perderá o prazo para o agravo. Portanto, os embargos de declaração opostos contra a decisão de presidente do tribunal que não admite recurso extraordinário não suspendem ou interrompem o prazo para interposição de agravo, por serem incabíveis.145 146 Aqui ainda temos que, se o Presidente do tribunal de origem nega seguimento ao Recurso Extraordinário em matéria criminal e a parte deseja interpor agravo contra esta decisão, ela terá o prazo de 15 dias (conforme 0 art. 1.003, § 5o. do CPC/2015). É interessante que antes do CPC de 2015, este prazo era de 5 dias, conforme previa 0 art. 38 da Lei n° 8.038/90. Porém, com 0 novo CPC e a revogação do art. 38 da Lei n° 8.038/90 ficou superada a Súmula 699 do STF. Entendemos também que 0 prazo deste agravo acima mencionado é contado em dias corridos (que não são dias úteis). Aqui não se aplica o art. 219 do CPC de 2015, considerando que existe regra específica no

145. Novo CPC de 2015: Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice -presidente do tribunal recorrido, que deverá: (Redação dada pela Lei n° 13.256, de 2016)1- negar seguimento: (Incluído pela Lei n° 13.256, de 2016) a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal nâo tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral; (Incluído pela Lei n° 13.256, de 2016)b)a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime dejulgamento de recursos repetitivos; (Incluída pela Lei n" 13.256, de 2016) II- encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juizo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos; (Incluído pela Lei n° 13.256, de 2016) lll sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional; (incluído pela Lei n° 13.256, de 2016) IV - selecionar o recurso como re­ presentativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional, nos termos do § 6o do art. 1.036; (Incluído pela Lei n° 13.256, de 2016) V realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que: (Incluído pela Lei n°13.256, de 2016) (Vigência) a) o recurso ainda nâo tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou dejulgamento de recursos repetitivos; (Incluída pela Lein° 13.256, de 2016) (Vigência)b) o recurso tenha sido selecionado como representativo da controvérsia; ou (Incluída pela Lei n° 13.256, de 2016) (Vigência) c) o tribunal recorrido tenha refutado ojuízo de retratação. (Incluída pelo Lei n°l3.256, de 2016) § Ia Da decisão de inadmissibilidade proferida com fundamento no inciso V caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042. (Incluido pela Lei n° 13.256, de 2016) § 2a Da decisão proferida com fundamen to nos incisos I e lll caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021. (Incluído pela Lei n° 13.256, de 2016) 146. ARE 688776 ED/RS e ARE 685997 ED/RS, STF. F Turma. Rel. Min. DiasToffoli, julgados em 28.11.2017.

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processo penal determinando que todos os prazos serão contínuos, não se interrom­ pendo por férias, domingo ou dia feriado (art. 798 do Código de Processo Penal).147

Além disso, 0 recurso extraordinário é eivado de requisitos básicos de ad­ missibilidade148149 , que são chamados pela doutrina processual,145 rigorosamente, de pressupostos cumulativos do recurso extraordinário. São eles: A)

Decisão de única ou última instância

0 texto constitucional, já de início, explicita que caberá 0 mesmo nas causas decididas em única ou última instância. Aqui, devemos observar que, somente será cabível 0 ajuizamento do recurso extraordinário, se esgotados todos os meios recursais ordinários. Nesse sentido, a Súmula n° 281 do STF preleciona que "é inadmissível 0 recurso extraordinário, quan­ do couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada".

Porém, é mister salientar que a decisão a ser impugnada via recurso extraor­ dinário não tem que ser necessariamente de um tribunal. Assim sendo, pode ocorrer que, da decisão de um juiz monocrático ou mesmo de uma Turma recur­ sal de juizado especial (das quais obviamente não caiba recurso ordinário) seja manejado 0 recurso extraordinário, nos moldes engendrados pela Súmula n° 640 do STF, que afirma que "é cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal.". Nesse sentido, explicitando as situações que envolvem

147. ARE 993407/DF 13 Turma do STF, Rel. Min. Edson Fachin, julg. em 25.10.2016. Porém, aqui uma advertência é necessá ria: “No caso de agravo interposto contra decisão monocrática do Ministro Relator no STF e STJ, em recursos ou ações originárias que versem sabre matéria penal ou processual penal, o prazo continua sendo de 5 dias, nos termos do art. 39 da Lei n° 8.038/90 (não se aplicando o art. 1.070 do CPC/2015). (...) Ver: STF. Decisão monocrática. HC 134554 Rcon, Rel. Min. Celso de Mello, julg em 10/06/2016 (Info 830); STJ. 3° Seção. AgRg nos EDcl nos EAREsp 316.129- SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julg em 25/5/2016". LOPES CAVALCANTE, Márcio André, Comentários ao Informa­ tivo 845 do STF, 10.11.2016. 148. Informativo 659 do STF: “Ê admissível comprovação posterior de tempestívidade de recurso extraordinário quando houver sido julgado extemporâneo por esta Corte em virtude de feriados locais ou de suspensão de ex­ pediente forense no tribunal a quo. Com base nessa orientação, o Plenário, por maioria, proveu agravo regimental interposto de decisão do Min. Cezar Peluso, Presidente, que negara seguimento a recurso extraordinário, do qual rela­ tor, a fim de permitir o seu regular trâmite. Ressaltou-se que, na verdade, o recurso seria tempestivo, mas não houvera prova a priori disto. Assim, reputou-se aceitável a juntada ulterior de documentação a indicar a interposição do extraordinário no seu prazo". RE 626.358, AgR/MG Rel. Cezar Peluso, Julg. em 22.03.2012. Já no Informativo 681 do STF, temos que: “A Ia Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto de decisão do Min. Eros Grau, que negara seguimento a recurso extraordinário, do qual relator, por náo constar protocolo na petição recursal. O Min. Luiz Fux, relator, considerou não ser possível sobrepujar esse aspecto formal do carimbo de protocolo ilegível em detrimento do direito quase que natural e inalienável de recorrer ao STF. Reputou inadmissível o particular sofrer prejuízo por força da máquinajudiciária, que não efetuara o carimbo de forma apropriada “Nesses termos: "1. Nada obstante o carimbo do protocolo da petição de recurso extraordinário esteja ilegível, a sua tempestívidade pode ser aferida por outros elementos acostados aos autos. 0 defeito do protocolo ilegível, no caso, é imputável ao órgão que recebeu a petição e não carimbou adequadamente, não podendo a parte jurisdicionada sofrer o prejuízo por um defeito o qual não deu causa. 0 ônus processual no caso náo pode ser atribuído à parte’: RE 611.743 AgR/PR, Rel. Min. Luiz Fux julg. em 25.09.2012. 149. NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Curso de processo civil, 2009.

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a Súmula, afirma a doutrina que: "Diferente do que ocorre no recurso especial, o órgão prolator dessa decisão não precisa ser necessariamente um tribunal. Não há na redação do art. 102, lll, caput, da CR a exigência feita expressamente pelo art. 105, lll, caput, da CR, de forma que aparentemente pareceu ao legislador que a proteção da norma constitucional, em razão de seu status de primazia perante as demais, merecería um tratamento mais amplo do que aquele dispensado às leis federais. Em razão dessa maior amplitude de cabimento derivada do texto constitucional, é pacífico 0 entendimento de que a decisão proferida no âmbi­ to dos Juizados Especiais, perante 0 Colégio Recursal, poderá ser recorrida por recurso extraordinário. 0 mesmo ocorre com a decisão que julga 0 recurso de embargos infringentes, recurso previsto no art. 34 da LEF, que é julgado pelo pró­ prio órgão prolator da sentença.150 Ainda que seja uma decisão de primeiro grau, nessa situação específica é considerada uma decisão de única e última instância, já que os embargos infringentes cumprem 0 papel de recurso cabível contra a sentença, sendo cabível 0 recurso extraordinário."151

Por último, em consonância com 0 tema em comento, já decidiu 0 STF que não cabe recurso extraordinário contra decisão do TST que julga processo administrativo disciplinar instaurado contra magistrado trabalhista. Como vimos, compete ao STF julgar, mediante recurso extraordinário, as "causas" decididas em única ou última instância (art. 102, lll, da CR/88). Nesse sentido, 0 vocábulo "causa" referido no inciso lll do art. 102 da CR/88 só abrange processos judiciais, razão pela qual é inca­ bível a interposição de recursos extraordinários contra acórdãos proferidos pelos Tribunais em processos administrativos, inclusive aqueles de natureza disciplinar instaurados contra magistrados.152 B)

Prequestionamento

0 mesmo se traduz na necessidade do debate e decisões prévios sobre tema jurídico-constitucional discutido no recurso. Ou seja, o órgão do Poder Judiciário deverá necessariamente analisar a questão constitucional veiculada na lide. Esse prequestionamento deverá ser explícito. Não havendo 0 enfrentamento e esgota­ mento da questão constitucional, deverão ser interpostos embargos declaratórios para tal finalidade.153 A Súmula n» 356 do STF faz referência ao tema afirmando que

150. NERY-NERY, Código, p. 924; MARINONI-ARENHART, Manual, p. 571; ARAKEN DE ASSIS, Manual, p. 680. 151. NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Curso de processo civil, 2009. Ver também: BARBOSA MOREIRA, Comentários, n. 319, p. 591 e GUSMÃO CARNEIRO, Recurso, n. 8, p. 17-18. 152. ARE 958311/SP, STF. 2dTurma. rel. org. Min. Teori Zavaski, red. p/ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 27.02.2018 (Info 892). 153. Mas aqui há uma advertência importante no que tange aos embargos de declaração. Certo é que a doutrina observa duas hipóteses possíveis em que serão necessários os embargos de declaração para a interposição do Recurso extraordinário: "1 °) houve oprequestionamento, porém o acórdão da Corte recorrida não analisou a questão constitucional, sendo necessários os embargos declaratórios, para que se esgotem todos os meios ordinários de aná Use da questão. 2a) quando a questão constitucional surgir no próprio acordão da Corte recorrida, havendo a neces­ sidade de interposição de embargos declaratórios para, de forma inicial, iniciar-se o debate constitucional!' MORAES, Alexandre de, Direito constitucional, 2008, p. 537.

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"o ponto omisso da decisõo, sobre o qual nõo foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento." Conforme a doutrina, "o objetivo do prequestionamento é não permitir que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do recurso extraordinário, conheça de forma originária no processo de matéria alegada pelo recorrente, exigindo-se que a matéria já tenha sido objeto de apreciação e solução pelo órgão hierarquicamen ­ te inferior que proferiu a decisão recorrida. Registre-se que o prequestionamento exerce uma função impeditiva dos Tribunais Superiores de conhecerem matérias que não tenham sido anteriormente objeto de decisão."154155 Além disso, é mister salientar que o prequestionamento também se funda na necessidade de verificar o enquadramento do recurso em uma das hipóteses (permissivos constitucionais ou requisitos específicos) previstas na Constituição para o enquadramento do recurso extraordinário. Por último, é importante deixar assente que: "Existem inúmeras de­ cisões do Supremo Tribunal Federal a exigir que a questão constitucional tenha sido objeto de prévio debate no órgão hierarquicamente inferior, não se admitindo que por meio de embargos de declaração contra o acórdão seja alegada originariamen­ te a ofensa à norma constitucional. Em razão desse entendimento, além da omissão do acórdão e da interposição dos embargos de declaração, exige-se que a matéria alegada em embargos já tenha sido previamente suscitada no processo, não se admitindo a alegação originária por meio desse recurso.IM Do mesmo tribunal, exis­ tem diversas decisões que não admitem os embargos de declaração como condição para o prequestionamento quando não houve omissão no acórdão recorrido, pres­ tando-se o recurso somente a rediscutir a decisão, com nítido efeito infringente."156

C)

Repercussão geral das questões constitucionais (art. 102 § 30 da CR/88)

A repercussão geral foi introduzida constitucionalmente pela Emenda n» 45/2004 e se apresenta como um novo pressuposto de admissibilidade para 0 recurso ex­ traordinário. A repercussão geral se apresenta como um verdadeiro filtro que, se­ gundo 0 próprio STF, teria a finalidade de: a) firmar o papel do STF como Corte Constitucional e não como instância recursal; b) fazer com que o Pretório Excelso só analise questões relevantes para a ordem constitucional, em que 0 deslinde ultra­ passe 0 interesse subjetivo das partes envolvidas; c) permitir que o STF se debru­ ce apenas uma vez sobre uma determinada questão de relevância constitucional, não tendo que se pronunciar em inúmeros outros processos que tenham idêntica (a mesma) matéria.157 Nesses termos, explicita 0 dispositivo constitucional que, no recurso extraordinário, 0 recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das

154. NEVES, Daniel Amorim Assumpçao, Curso de processo civil, 2009. 155. STF, 2» Turma. RE-AgR 449.137/RS, rel. Min. Eros Grau. j. 26.02.2008; 5TF, PTurma, AI-AgR 638.758/SP. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 27.11.2007, DJ 19.12.2007; BAPTISTA DA SILVA, Curso, v. 1, n. 17.4.4.3, p.458; FUX, Curso, p. 1.209, GRECO FILHO, Direito, v. 2, p. 372. 156. NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Curso de processo civil, 2009. STF, 2a Turma, RE-ED 561.354/SP, Rel. Min. Cezar Peluso. j. 18.12.2007: STF. 2a Turma, RE-Agr-ED 471.582/RJ, j. 09.10.2007, DJ 30.11.2007. 157. GAIO JR., Antônio Pereira. A repercussão geral e o multiplicidade dos recursos repetitivos no STF e STJ, p. 6.

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questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribu­ nal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros (8 ministros)158. Não podemos deixar de admitir que a repercussão geral é um requisito de admissibilidade recursal, extremamente peculiar, de cunho prejudicial a qualquer outro requisito. Vejamos que esse requisito não será analisado pelo órgão prolator da decisão impugnada (ainda que saibamos que o recurso extraordinário passa por um juízo de admissibilidade perante esse órgão judicial). A competência para a sua análise é exclusiva do Supremo Tribunal Federal.159 É importante salientar que a repercussão geral é o último requisito de admissibilida­ de do Recurso Extraordinário a ser analisado. Nesse sentido, conforme o art. 323 do RISTF, só será analisado se 0 Recurso Extraordinário possui repercussão geral se não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão. A Lei n» 11.418/06 regulamentou a norma constitucional do art. 102, § 3», defi­ nindo sua disciplina processual, com isso, foram acrescentados os art. 543-A e 543-B no antigo CPC de 1973. Além disso, posteriormente, 0 STF, visando regulamentar, no plano interno, 0 procedimento de análise e julgamento da repercussão geral, edi­ tou a Emenda Regimental n° 21 de 30.04.2007.160 Posteriormente, ainda tivemos as Emendas Regimentais n°s 23 e 27, ambas de 2008, e a n° 31 de 2009, entre outras.

Com isso, restou consignado, por decisão do plenário do Pretório Excelso, em junho de 2007 que a repercussão geral passaria a ser efetivamente considerada (exigida) a partir de 3 de maio de 2007, ou seja, a partir da data de publicação da referida emenda regimental (n°2i) acima citada.161 Portanto, a fundamentação da

158. Portanto, o tribunal a quo não pode negar seguimento ao recurso extraordinário sob o argumento de que nâo há repercussão geral. É interessante que o CPC de 1973 exigia que o recorrente demonstrasse a repercussão geral em forma de preliminar do recurso. Já o novo CPC de 2015 dispensou esta exigência e, por isso, o recorrente poderá demonstrar a repercussão geral sem maiores formalidades, em qualquer parte do recurso. Enunciado 224-FPPC: A existência de repercussão geral terá de ser demonstrada de forma fundamentada, sendo dispensável sua alegação em preliminar ou em tópico específico. Apesar desse enunciado, o recomendável é que o recorrente abra um tópico específico para tratar sobre a repercussão geral, até porque o Regimento Interno do STF possui previ­ são que exige manifestação formal e fundamentada do recorrente (art. 327). Entendemos que é indispensável esse capítulo especifico de repercussão geral mesmo que a matéria já tenha sido reconhecida em processo diverso. Assim sendo, ainda que o STF já tenha afirmado em outros processos que aquele tema possui repercussão geral, deverá o recorrente abrir um tópico explicando isso. Nesse sentido, citamos: ARE 663637 QO/AgR MG: “L indispensável capítulo específico de repercussão geral da questão constitucional no recurso extraordinário, mesmo que a matéria já tenha sido reconhecida em processo diverso') Rel. Min. Presidente, julg. em 12.09.2012. 159 . NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Curso de processo civil, 2009. BARBOSA MOREIRA, Comentários, n. 332, p. 617-618; MARINONI-MITIDIERO, Repercussão, p. 43; ARAKEN DE ASSIS. Manual, n. 84.1.4.3, p. 698. É interessante que o novo CPC de 2015 (Lei n° 13.015/2015), no art. 1.035 determina que o STF, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral; § 2° do art. 1035:0 recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal. 160. MENDES; COELHO; BRANCO, Curso de direito constitucional, 2008, p. 960. 161. STF, Tribunal Pleno, AI-QO n" 664.567/RS, [...] 2. Cuida-se de requisito formal, ônus do recorrente, que, se dele não se desincumbir, impede a análise da efetiva existência da repercussão geral, esta sim sujeita "á apreciação exclu­ siva do Supremo Tribunal Federal" (Art. 543 A, § 2°). lll. Recurso extraordinário: exigência de demonstração, na petição

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repercussão geral somente poderia ser exigida após essa data. Restou, também, decidido que esse novo requisito de admissibilidade se aplica às demandas civis e criminais.162

Conforme o antigo CPC, no seu art. 543-A, § 1° ao § 7» (nos termos da Lei n» 11.418/06), temos que, para efeito da repercussão geral, será considerada a exis­ tência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos do causa. Já 0 novo CPC de 2015 (Lei n» 13.015/2015), no § 1° do art. 1.035, seguindo praticamente a mesma reda­ ção, determina que para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo. Segundo 0 art. 543-A do antigo CPC, haveria repercussão geral sempre que 0 recurso impugnar decisão contrária à Súmula ou jurisprudência dominante do Tri­ bunal.163

Porém, 0 § 3° do art. 1035 do novo CPC, apresentou três casos de presunção abso­ luta de repercussão geral. Ele determinou que haveria repercussão geral sempre que 0 recurso impugnar acórdão que: I) contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; II) tenha sido proferido em julgamento de casos repetitivos; lll) tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal (respeitado a reserva de plenário). Acontece que a Lei n° 13.256/2016 revogou uma das hipóteses: a do recurso ter sido proferido em julgamento de caso repetitivo. Com isso, à luz do novo CPC (já reformado) teríamos a presunção absoluta de repercussão geral apenas nos casos dos incisos I e lll do § 3°

do RE, da repercussão geral da questão constitucional: termo inicial. 1. A determinação expressa de aplicação da L 11.418/06 (art. 4o) aos recursos interpostos a partir do primeiro dia de sua vigência não significa a sua plena eficácia. Tanto que ficou a cargo do STF a tarefa de estabelecer, em seu Regimento Interno, as normas necessárias à execução da mesma lei (art. 3o). 2. As alterações regimentais, imprescindíveis à execução da L11.418/06, somente entraram em vigor no dia 03.05.07 - dato da publicação da Emenda Regimental n° 21, de 30.04.2007.3. No artigo 327 do RISTF foi inserida norma específica tratando da necessidade da preliminar sobre a repercussão geral, Ficando estabelecida a possibilidade de, no Supremo Tribunal, a Presidência ou o Relator sorteado negarem seguimen to aos recursos que não apresentem aquela preliminar, que deve ser “formal e fundamentada". 4. Assim sendo, a exigência da demonstração formal e fundamentado, no recurso extraordinário, da repercussão geral das questões constitucionais discutidas só incide quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 03 de maio de 2007, data da publicação da ERn. 21, de 30 de abril de2007. (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18.06.2007). 162. STF, Tribunal Pleno, AI-QO n° 664.567/RS, EMENTA: I. Questão de ordem. Recurso extraordinário, em matéria cri­ minal e a exigência constitucional da repercussão geral. 1.0 requisito constitucional da repercussão geral (...), com a regulamentação da LI 1.418/06 e as normas regimentais necessárias à sua execução, aplica-se aos recursos extraor­ dinários em geral, e, em consequência, às causas criminais. 2. Os recursos ordinários criminais de um modo geral, e, em particular o recurso extraordinário criminal e o agravo de instrumento da decisão que obsta o seu processamento, possuem um regimejurídico dotado de certas peculiaridades - referentes a requisitos formais ligados a prazos, formas de intimação e outros - que, no entanto, não afetam substancialmente a disciplina constitucional reservada a todos os recursos extraordinários (CR, art. 102, lll). (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18.06.2007). 163. Para a doutrina majoritária, este seria o único caso de presunção absoluta de existência do recurso extraordinário. Com esse entendimento temos: NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Curso de processo civil, 2009;THEODORO JR, Curso de processo civil, 572-b, p. 716; DIDIER-CARNEIRO, Curso de processo civil, p. 315. Contra, entendendo ser hipótese de presunção relativa: NERY-NERY, Comentários, nota 11 ao art. 543-A, p. 939.

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do art. 1.035. Porém, essa leitura não é suficiente, pois com base no § 1» do art. 987 do novo CPC existe sim a presunção de haver repercussão geral em casos submetidos ao IRDR (incidente de resolução de demandas repetitivas).164 Segundo os processualistas, mesmo que a repercussão geral esteja estabeleci­ da por meio de um (criticável) conceito jurídico indeterminado, cabendo, obviamen­ te, ao STF traçar seus contornos no iter de sua atuação decisória, há 0 entendimento de que a transcendência pode ser qualitativa, referindo-se à importância para a sistematização e desenvolvimento do Direito, ou quantitativa, referindo-se ao nú­ mero de pessoas atingidas pela decisão.165 Segundo a previsão constitucional, como já citado, do art. 102, § 30, da CR/88, a inadmissibilidade do recurso extraordinário só será admitida pela manifestação de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal no sentido de que não há no caso concreto a repercussão geral. Significa dizer que oito ministros deverão entender pela inadmissibilidade, 0 que permite a dispensa da remessa do recurso extraordinário ao Plenário na hipótese de quatro membros da Turma decidirem pela existência da repercussão geral, porque nesse caso 0 número máximo de votos possíveis pela inadmissão do recurso será sete, insuficiente para barrar 0 julgamento do recurso extraordinário. Portanto, se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. Em tese, havendo menos de quatro votos na Turma consi­ derando a existência de repercussão geral, o recurso deverá ser encaminhado para 0 Plenário decidir a respeito de sua admissibilidade.166

Conforme 0 novo CPC, reconhecida a repercussão geral, 0 relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os proces­ sos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional. Aqui cabe um questionamento: esse sobrestamento é obrigatório, ou seja, re­ conhecida a repercussão geral, automaticamente todos os processos pendentes ficarão suspensos? A resposta aqui é negativa. Nesses termos, já decidiu 0 STF que 0 Relator do recurso extraordinário tem a faculdade de determinar ou não o sobres­ tamento dos processos.

Portanto, conforme 0 RE 966.177 RC/RS julgado em 07.06.2017, a suspensão de processamento prevista no § 5° do art. 1.035 do CPC não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com

164. Aqui a conclusão da doutrina é a de que não será presumida a repercussão geral em acordão que julga recurso especial repetitivo. WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; DANTAS, Bruno. Recurso especial, Recurso Extraordinário e a nova função dosTribunais Superiores no Direito Brasileiro, p. 411,2016. 165. NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Curso de processo civil, 2009. Conforme: MARINONI-MITIDIERO, Repercussão, p. 37.ARAKEN DE ASSIS, Manual de processo civil, n. 84.1.4.4,p. 700. 166. NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Curso de processo civil, 2009.

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fulcro no "caput" do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la ou modulá-la.16'

É interessante que, na mesma decisão, afirmou o STF que a possibilidade de sobrestamento prevista no § 5° do art. 1.035 do novo CPC de 2015 aplica-se não apenas aos processos cíveis, mas também aos processos de natureza penal. Aqui, entendeu 0 Pretório Excelso que em sendo determinado 0 sobrestamento de pro­ cessos de natureza penal, opera-se, automaticamente, a suspensão da prescrição da pretensão punitiva relativa aos crimes que forem objeto das ações penais sobrestadas.167 168 Porém, explicitou 0 STF que a suspensão prevista no § 5» do art. 1.035 do CPC de 2015 não se aplica para a fase pré-processual. Assim sendo, em nenhuma hi­ pótese, 0 sobrestamento de processos penais determinado com fundamento no art. 1.035, § 5o, do CPC abrangerá inquéritos policiais ou procedimentos investigatórios conduzidos pelo Ministério Público. Além disso, deixou assente a Corte que a suspensão ora debatida não se aplica a todos os processos criminais que tratem sobre a questão debatida na repercussão geral. Com isso, 0 sobrestamento de processos penais determinado em razão da adoção da sistemática da repercus­ são geral não abrangerá ações penais em que haja réu preso provisoriamente.169170 171 Voltando ao tema central, é importante também salientar que nos termos do art. 1.035 do novo CPC em seu § 6o, 0 interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de origem, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita 0 recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo 0 recorrente 0 prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse reque­ rimento. já 0 § 7“ afirma que da decisão que indeferir 0 requerimento referido no § 6° ou que aplicar entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos caberá agravo interno. A súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será pu­ blicada no diário oficial e valerá como acórdão.1'0

0 recurso que tiver a repercussão geral reconhecida deverá ser julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.1'1 Aqui uma questão interessante. É comum que a decisão reconhecendo a exis­ tência de repercussão geral seja proferida em uma data e somente meses, ou até

167. 168. 169. 170. 171.

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RE 966.177 RG/RS, STF. Plenário. Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 07.06.2017 (Informativo 868) RE 966.177 RG/RS, STF. Plenário. Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 07.06.2017 (Informativo 868) RE 966.177 RG/RS, STF. Plenário. Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 07.06.2017 (Informativo 868) § 11 do art. 1035 do novo CPC de 2015. § 9° do art. 1035 do novo CPC de 2015. Aqui é interessante salientar que o § 10 do art 1035 do novo CPC foi revogado pela Lei 13.256/2016. Ele dizia que não ocorrendo o julgamento no prazo de 1 (um) ano a contar do re­ conhecimento da repercussão geral, cessa, em todo território nacional, a suspensão dos processos que retomarão seu curso normal.

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ano, ou anos depois é que o STF irá apreciar o mérito do recurso. Acontece que o STF já chegou a decidir que uma vez reconhecida a repercussão geral da questão constitucional discutida no caso, não é mais possível às partes a desistência do processo.17’ Porém, é importante salientar que o novo CPC de 2015, permite que a parte desista, mas afirma que a questão cuja repercussão geral foi reconhecida continuará sendo analisada. Conforme 0 art. 998: "0 recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. Parágrafo único. A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos". Nesse sentido, conforme a doutrina, 0 art. 998, parágrafo único, do novo CPC, permite que 0 Supremo Tribunal Federal e 0 Superior Tribunal de Justiça se pronunciem sobre questões recursais ainda que a parte tenha de­ sistido do recurso. Nesse caso, obviamente que a pronúncia da Corte não poderá alcançar 0 recurso da parte em virtude da desistência, mas servirá, porém, para outorgar unidade ao direito, valendo como precedente.172 173 A questão hoje se encontra resolvida à luz (e nos termos) do novo CPC.174 Aqui, ressaltamos ainda que em recente decisão 0 STF nos apresenta uma "es­ pécie" de ampliação do parágrafo único do art. 998 do novo CPC. Nesses termos, 0 Pretório Excelso passou também a admitir a análise (apreciação) da questão mesmo que 0 tema concreto discutido no recurso extraordinário tenha "perdido 0 objeto" (perdido 0 interesse recursal). No caso concreto, um indivíduo ingressou com pedido de registro para concorrer às eleições de Prefeito sem estar filiado a partido político (a intitulada: candidatura avulsa). 0 pedido foi indeferido em todas as instâncias e a questão chegou até 0 STF por meio de recurso extraordiná­ rio. Porém, quando 0 STF foi apreciar o tema, já haviam sido realizadas as eleições municipais. Assim sendo, suscitou-se que 0 recurso estava prejudicado. 0 STF re­ conheceu que, na prática, realmente havia uma prejudicialidade do recurso tendo em vista que as eleições se encerraram. No entanto, 0 Tribunal decidiu superar

172. Nos termos do informativo 797 do STF: "o Colegiado, ao resolver questão de ordem suscitada pelo Ministro Dias Toffoli (relator), deliberou, por decisão majoritária, que uma vez reconhecida a repercussão geral da questão constitu­ cional discutida no caso, não seria possível às partes a desistência do processo. Na situação dos autos, pouco tempo antes de instaurar-se a sessão de julgamento, a parte recorrida peticionara no sentido da desistência do mandado de segurança que ensejara o recurso extraordinário. O relator destacou que o precedente firmado no RE 669.367/RJ (DJe de 29.10.2014) - segundo o qual a parte impetrante poderia desistir de mandado de segurança, independentemente da aquiescência da autoridade apontada como coatora, da parte contrária, da entidade estatal interessada ou dos litisconsortes passivos necessários - nào seria aplicável à espécie, uma vez tratar-se de processo revestido de obje­ tividade, à luz da repercussão geral reconhecida. Frisou, ainda, o art. 998 do novo CPC, no sentido de que eventual desistência de recurso não impediría a análise de repercussão geral já reconhecida. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que admitia a desistência.''RE 693.456/RJ Rel. Min Dias Toffoli, julg. em 02.09.2015. Aqui registramos que a decisão é anterior ao novo CPC (citado) que entrou em vigor em 2016. 173. MARINONI, AREHART e MITIDIERO, O Novo Código de Processo Civil Comentado, 2015, p. 993. 174. RE 514.639 QO/RS: É possível reconhecer, também na instância extraordinária, a possibilidade da homologação do pedido de renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação, quando pos tulado por procurador habilitado com poderes específicos, desde que anterior ao julgamento final do recurso extraordinário. 2a Turma do STF. Rel. Min. Dias Toffoli, julg. em 10.05.2016.

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a prejudicialidade e atribuir repercussão geral à questão constitucional discutida dos autos. Nesse sentido, o STF admitiu o processamento do recurso e em uma data futura irá examinar o mérito do pedido, ou seja, se podem ou não existir candidaturas avulsas no Brasil. Entendeu-se que o mérito do recurso deveria ser apreciado tendo em vista sua relevância social e política.ín

Voltando ao tema central, certo é que, negada a repercussão geral, o presi­ dente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica. Repeti­ mos que a súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no diário oficial e valerá como acórdão.

Além disso, conforme o CPC está expressamente consignado que a decisão que não conhece do recurso extraordinário por falta de repercussão geral é irrecorrível.174 Na sequência, o novo CPC deixa assente o instituto do julgamento de recursos extraordinários repetitivos. Nesses termos, o STF por meio de seu Plenário, julga um recurso extraordinário repetitivo e fixa uma tese que vale para todos os casos semelhantes que estavam aguardando a posição da Corte. Neste caso, na prática, diz-se que o STF julgou um recurso extraordinário "sob o rito da repercussão geral" (ou melhor, sob a sistemática da repercussão geral) embora o correto seja ape­ nas dizer que ocorreu o julgamento de um recurso extraordina'rio repetitivo. Portan­ to, conforme o caput do art. 1036, sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta subseção, observado 0 dis­ posto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Com isso, 0 plenário do STF irá julgar e fixar uma tese que valerá para todos os demais feitos.

0 presidente ou 0 vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal para fins de afetação, determi­ nando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme 0 caso.1,7 A escolha feita175 177 176

175. ARE 1054490 QO/RJ, STF. Plenário. Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 05.10.2017 (Informativo 880) 176. Novo CPC: Art. 1.035.0 Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo. A irrecorribilidade, entretanto, em qualquer dessas decisões, nâo atinge os embargos de declaração, que poderão ser oferecidos no prazo de 5 dias apontando omissão, contradição ou obscuridade da decisão. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Curso de processo civil, 2009) Conforme: NERY-NERY, Comentários, nota 10 ao art. 543-A, p. 940; PIMENTEL SOUZA, Introdução, n. 17.2.4, p. 457. E também: MARINONI-MITIDIERO, Repercussão, p. 53; NERY-NERY, p. 939; PIMENTEL SOUZA, Dos recursos, p. 114-115. Aqui, é importante salientarmos que a jurisprudência do STF não admite recla­ mação para corrigir eventual equivoco na aplicação do regime da repercussão geral. Ementa: (...) l-Ajurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que nào é cabível a reclamação para corrigir eventual equivoco na aplicação da repercussão geral pela Corte de origem. II-Agravo improvido. (Rcl 11.250 AgR/RS, Rel.Min. Ricardo Lewandowski, 07.04.2011). 177. § 1° do art 1036 do novo CPC de 2015. Além disso: art. 1036: §2° O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o recurso extraordinário que

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pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal não vinculará o relator no tribunal superior, que poderá selecionar outros recursos representativos da controvérsia.* 178 Assim sendo, o relator em tribunal su­ perior também poderá selecionar 2 (dois) ou mais recursos representativos da con­ trovérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem.179 Somente podem ser selecionados recursos admissíveis que contenham abrangente argumentação e dis­ cussão a respeito da questão a ser decidida. Nos termos do art. 1.037 do novo CPC, selecionados os recursos, 0 relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036 (acima citado), proferirá decisão de afeta­ ção, na qual: I - identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento; II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacio­ nal; lll - poderá requisitar aos presidentes ou aos vice-presidentes dos tribunais de justiça ou dos tribunais regionais federais a remessa de um recurso representativo da controvérsia.180

tenha sido interposto mtempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento. § 3a Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 2° caberá apenas agravo interno. (Redação dada pela Lei n° 13.256/2016) 178. § 4° do art. 1036 do novo CPC de 2015. 179. § 5o do art. 1036 do novo CPC de 2015. 180. Conforme o CPC Art. 1037 § 5o (Revogado pela Lei n° 13.256, de 2016) § 6° Ocorrendo a hipótese do § 5°, é permitido a outro relator do respectivo tribunal superior afetar 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia na forma do art. 1.036. § 7° Quando os recursos requisitados na forma do inciso lll do caput contiverem outras questões além daquela que é objeto da afetação, caberá ao tribunal decidir esta em primeiro lugar e depois as demais, em acórdão específico para cada processo. § 8° As partes deverão ser intimadas da decisão de suspensão de seu processo, a ser proferida pelo respectivojuiz ou relator quando informado da decisão a que se refere o inciso II do caput. § 9° Demons­ trando distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a serjulgada no recurso especial ou extraordiná­ rio afetado, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo. 910.0 requerimento a que se refere o 9 9a será dirigido: I - ao juiz, se o processo sobrestado estiver em primeiro grau; II - ao relator, se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem; lll - ao relator do acórdão recorrido, se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordiná­ rio no tribunal de origem; IV - ao relator, no tribunal superior, de recurso especial ou de recurso extraordinário cujo processamento houver sido sobrestado. § 11. A outra parte deverá ser ouvida sobre o requerimento a que se refere o 9 9a, no prazo de 5 (cinco) dias. § 12. Reconhecida a distinção no caso: I - dos incisos I, II e IV do § 10, o próprio juiz ou relator dará prosseguimento ao processo; II do inciso lll do § 10, o relator comunicará a decisão ao presidente ou ao vice-presidente que houver determinado o sobrestamento, para que o recurso especial ou o recurso extraordinário seja encaminhado ao respectivo tribunal superior, na forma do art. 1.030, parágrafo único. § 13. Da decisão que resolver o requerimento a que se refere o §9° caberá: I - agravo de instrumento, se o processo estiver em primeiro grau; II - agravo interno, se a decisão for de relator. Art. 1.038.0relator poderá: I - solicitar ou admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, considerando a relevância da matéria e consoante dispuser o regimento interno; II - fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria, com a finalidade de instruir o procedimento; lll - requisitar informações aos tribunais inferiores a respeito da controvérsia e, cumprida a diligência, intimará o Ministério Público para manifestar-se. § Io No caso do inciso lll, os prazos respectivos são de 15 (quinze) dias, e os atos serão praticados, sempre que possível, por meio eletrônico. 9 2" Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais ministros, haverá inclusão em pauta, devendo ocorrer o julgamento com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. 9 3° O conteúdo do acórdão abrangerá a análise dos fundamentos relevantes da tese juridica discutida. (Redação dada pela Lei n° 13.256, de 2016) Art. 1.039. Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada. Parágrafo único. Negada a existência de repercussão geral no recurso extraordinário afetado, serão con­ siderados automaticamente inadmitidos os recursos extraordinários cujo processamento tenha sido sobrestado. Art.

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Nesses termos, se, após receber os recursos selecionados pelo presidente ou pelo vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, não se proceder à afetação, o relator, no tribunal superior, comunicará o fato ao presiden­ te ou ao vice-presidente que os houver enviado, para que seja revogada a decisão de suspensão referida no art. 1.036, § 1° do novo CPC. Havendo mais de uma afeta­ ção, será prevento 0 relator que primeiro tiver proferido a decisão a que se refere 0 inciso l do caput. Os recursos afetados deverão ser julgados no prazo de 1 (um) ano e terão referência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. Temos, ainda, que 0 Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros (amicus curiae), subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. A explicação desse dispo­ sitivo envolve justamente 0 reconhecimento de que a decisão que nega a existência de repercussão geral extrapola os interesses (subjetivos) das partes no recurso, até porque permite a aplicação desse entendimento a outros recursos extraordinários. A participação do amicus curiae, então, se fundamenta como forma de levar (abrir a possibilidade) potencialmente aos julgadores todos os conhecimentos técnico-jurídicos necessários para a prolação de uma decisão adequada. É importante salientar, que no novo CPC de 2015, a participação está explicitada no § 4° do art. 1.035.

Porém, é bom também explicitarmos, que há a necessidade de preenchimen­ to pela entidade interessada do pré-requisito concernente a "representatividade adequada". Aqui deixamos consignado, que 0 STF não vem admitindo pessoa física ou natural como amicus curiae.'81 Embora, no entanto, 0 novo CPC de 2015 admita a possibilidade da participação de pessoa física.*

1.040. Publicado o acórdão paradigma:/ o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior; II-o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormentejulgado, se o acórdão recorrido contrariara orientação do tribunal superior; lll - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso parajulga­ mento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior; IV - se os recursos versarem sobre questão relativa a presta ção de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado dojulgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada. § 1n A parte poderá desistir da ação em curso no primeiro grau de jurisdição, antes de proferida a sentença, se a questão nela discutida for idêntica à resolvida pelo recurso representativo da controvérsia. $2° Se a desistência ocorrer antes de oferecida contestação, o parte ficará isenta do pagamento de custas e de hono­ rários de sucumbência. § 3o A desistência apresentada nos termos do § Ia independe de consentimento do réu, ainda que apresentada contestação. Art. 1.041. Mantido o acórdão divergente pelo tribunal de origem, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao respectivo tribunal superior, na forma do art. 1.036, § Ia. § 1" Realizado o juizo de retratação, com alteração do acórdão divergente, o tribunal de origem, se foro caso, decidirá as demais questões ainda não decididas cujo enfrentamento se tornou necessário em decorrência da alteração. § 2o Quando ocorrer a hipótese do inciso II do caput do art. 1.040 e o recurso versar sobre outras questões, caberá ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, depois do reexame pelo órgão de origem e independentemente de ratificação do recurso, sendo positivo ojuizo de admissibilidade, determinar a remessa do recurso ao tribunal superiorparajulgamento das demais questões. (Redação dada pela Lei nç 13.256, de 2016) 181. RE n°659.424/RS julg. em 09.12.2013, Rel. Celso de Mello. No mesmo sentido: RE n°566.349/MG e RE n° 590.415/ SC.

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Por último, devemos observar a questão atinente ao plenário virtual. Como funciona a sua lógica? Certo é que se o Plenário do STF fosse se reunir presencial­ mente para apreciara existência de todos os recursos extraordinários que chegam à Corte, isso iria abarrotar a pauta, tornando inviável o funcionamento do Tribunal. Justamente por isso, idealizou-se uma forma mais prática de os Ministros aprecia­ rem conjuntamente se existe ou não repercussão geral: o julgamento eletrônico por meio de um "Plenário virtual".'87 Nesse sentido, fazendo um resumo de tudo que dissemos até aqui temos pro­ cedimentalmente que: i) 0 Relator sorteado examina se estão presentes os pressu­ postos de admissibilidade do RE (exs.: tempestividade, preparo, legitimidade etc.). 2) Se estiver faltando algum, 0 Recurso Extraordinário será inadmitido. 3) Se esti­ verem todos presentes, faltará ainda examinar a repercussão geral. Aqui surgem quatro opções; 3.1) 0 RE interposto trata de matéria idêntica a outro RE no qual 0 STF afirmou que não existe repercussão geral: neste caso, 0 Relator aplica 0 precedente e reafirma que não existe repercussão geral (salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em procedimento de revisão); 3.2) 0 RE interposto trata de matéria idêntica a outro RE no qual 0 STF afirmou que existe repercussão geral: neste caso, 0 Relator aplica o precedente e reafirma que existe repercussão geral; 3.3) 0 RE interposto trata sobre matéria na qual há presunção absoluta de repercussão geral; 3.4) não sendo nenhuma das hipóteses dos itens 3.1, 3.2 ou 3.3, a análise será levada ao Plenário virtual.182 183184

Assim sendo, 0 Relator submeterá, por meio eletrônico, aos demais Ministros, cópia de sua manifestação sobre a existência, ou não, de repercussão geral. Isso significa que o Relator entra no sistema informatizado do STF e insere sua manifes­ tação.1Ba Os demais Ministros também possuem acesso ao sistema informatizado e, a partir do momento em que o Relator inserir seu posicionamento, eles terão um prazo de 20 dias para analisar e para encaminhar, também por meio eletrônico, manifestação sobre a questão da repercussão geral.185 Conforme já explicitado na obra, se 8 ou mais Ministros se manifestarem dizendo que não há repercussão geral 0 Recurso Extraordinário não será conhecido e se 4 ou mais Ministros se

182. Lopes Cavalcante, Márcio André. In: Comentários ao Informativo 845 do STF, Dizer o Direito, 10.11.2016. "O Plená­ rio Virtual éuma sistemática adotada pelo STF por meio do qual os Ministros julgam se há ou não repercussão geral nos recursos extraordinários interpostos. No Plenário virtual as manifestações são feitas de forma eletrônica, sem a necessidade que os Ministros se reúnam presencialmente, o que visa a otimizar os trabalhos. No Plenário Virtual, a critério do Relator, também poderão ser julgados agravos regimentais (internos) e embargos de declaração (Emen­ da Regimental n° 51/2016).“ 183. Aqui conforme Márcio André Lopes Cavalcante. In: Comentários ao Informativo 845 do STF, Dizer o Direito, 10.11.2016. 184. Exemplo:“Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão... Penso que existe repercussão geral porque...’. Lopes Cavalcante, Márcio André. In: Comentários ao Informativo 845 do STF, Dizer o Direito, 10.11.2016 185. Exemplo: "De acordo com o Relator"; "Com a devida vènia, penso que não existe repercussão geral porque..." Lopes Cavalcante, Márcio André. In: Comentários ao Informativo 845 do STF, Dizer o Direito, 10.11.2016

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manifestarem dizendo que há repercussão geral o Recurso Extraordinário será co­ nhecido.186 Aqui temos que, se em 20 dias não houver no mínimo 8 votos negando a existência do requisito, isso significa que 0 Plenário virtual reconheceu a existência da repercussão geral. Neste caso, haverá um reconhecimento tácito ou implícito da existência da repercussão geral. Nos termos, do art. 324 § 1» do RISTF, decorrido 0 prazo sem manifestações suficientes para recusa do recurso, reputar-se-á existente a repercussão geral.187 Porém, se 0 Relator, em sua manifestação no Plenário virtual, afirmar que 0 recurso não deve ser conhecido porque a matéria nele tratada é de natureza

186. Lopes Cavalcante, Márcio André. In: Comentários ao Informativo 845 do STF, Dizer o Direito, 10.11.2016. Conforme o Regimento Interno do STF, Art. 323. Quando não for caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão, o(a) Re­ latoria) ou o Presidente submeterá, por meio eletrônico, aos demais Ministros, cópia de suo manifestação sobre a exis­ tência, ou náo, de repercussão geral. § 1°Nos processos em que o Presidente atuar como Relator, sendo reconhecida a existência de repercussão geral, seguir-se-á livre distribuição para o julgamento de mérito. $ 2a Tal procedimento não terá lugar, quando o recurso versar questão cuja repercussão)á houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando im­ pugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante, casos em que se presume a existência de repercus­ são geral. § 3° Mediante decisão irrecorrível, poderá o(a) Reiator(a) admitir de oficio ou a requerimento, em prazo que fixar, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, sobre a questão da repercussão geral. Art. 323-A. O julgamento de mérito de questões com repercussão geral, nos casos de reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também poderá ser realizado por meio eletrônico. Art. 324. Recebida a manifestação do(a) Relatoria), os demais Ministros encaminhar-lhe-ão, também por meio eletrônico, no prazo comum de vinte dias, manifestação sobre a questão da repercussão geral. § Io Decorrido o orazo sem manifestações suficientes para recusa do recurso, reputar-se-á existente a repercussão aeral. § 2° Não incide o disposto no parágrafo anterior quando o Relator declare aue a matéria é infracons­ titucional. caso em aue a ausência de pronunciamento no prazo será considerada como manifestação de inexistência de repercussão geral, autorizando a aolicacão do art. 543-A, 5 5", do Código de Processo Civil, se alcançada a maioria de dois terços de seus membros. § 3° No julgamento realizado por meio eletrônico, se vencido o Relator, redigirá o acórdão o Mi­ nistro sorteado na redistribuição, dentre aqueles que divergiram ou não se manifestaram, a quem competirá a relatoria do recurso para exame do mérito e de incidentes processuais. Art 325.0 (A) Relatoria) juntará cópia das manifestações aos autos, quando não se tratar de processo informatizado, e, uma vez definida a existência da repercussão geral, julgará o recurso ou pedirá dia para seujulgamento, após vista ao Procurador-Geral, se necessária; negada a existência, formali­ zará e subscreverá decisão de recusa do recurso. § único. O teor da decisão preliminar sobre a existência da repercussão geral, que deve integrar a decisão monocrática ou o acórdão, constará sempre das publicações dosjulgamentos no Diário Oficial, com menção clara à matéria do recurso. Art. 325-A. Reconhecida a repercussão geral, serão distribuídos ou re­ distribuídos ao Relator do recurso paradigma, por prevenção, os processos relacionados ao mesmo tema. Art. 326. Toda decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível e. valendo para todos os recursos sobre questão idêntica, deve ser comunicada, pelo (a) Relatoria). à Presidência do Tribunal, para os fíns do artigo subsequente e do art. 329. (...) Art 328. Protocolado ou distribuído recurso cuja questão for suscetível de reproduzir-se em múltiplos feitos, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relator(a), de oficio ou a requerimento da parte interessada, comunicará o fato aos tribunais ou turmas de juizado especial, a fim de que observem o disposto no art. 543-B do Código de Processo Civil, podendo pedir-lhes in­ formações, que deverão ser prestadas em cinco dias, e sobrestar todas as demais causas com questão idêntica. § único. Quando se verificar subida ou distribuição de múltiplos recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a Presidência do Tribunal ou o(a) Relatoria) selecionará um ou mais representativos da questão e determinará a devolução dos demais aos tribunais ou turmas de juizado especial de origem, para aplicação dos parágrafos do ort. 543-8 do Código de Processo Civil. Art. 328-A. Nos casos previstos no art. 543-B, caput, do Código de Processo Civil, o Tribunal de origem não emitirá juízo de admissibilidade sobre os recursos extraordinários já sobrestados, nem sobre os que venham a ser interpostos, até que o Supremo Tribunal Federal decida os que tenham sido selecionados nos termos do § Io daquele artigo. §1° Nos casos anteriores, o Tribunal de origem sobrestará os agravos de instrumento contra decisões que náo tenham admitido os recursos extraordinários, julgando-os prejudicados nas hipóteses do art. 543-B, § 2", e, quando coincidente o teor dos julgamentos, § 3o. § 2° Julgado o mérito do recurso extraordinário em sentido contrário ao dos acórdãos recorridos, o Tribunal de origem remeterá ao Supremo Tribunal Federal os agravos em que não se retratar. Art. 329. A Presidência do Tribunal promoverá ampla e específica divulgação do teor das decisões sobre repercussão geral, bem como formação e atualização de banco eletrônico de dados a respeito. 187. Lopes Cavalcante, Márcio André. In: Comentários ao Informativo845do STF, Dizer o Direito, 10.11.2016.

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infraconstitucional, a ausência de pronunciamento dos Ministros no prazo de 20 dias será considerada como manifestação de inexistência de repercussão geral, nos termos do art. 324, § 2« do RISTF.

É importante salientar que se 0 Plenário Virtual decidir que há repercussão geral ele não irá em regra julgar diretamente 0 mérito do Recurso Extraordinário. Nesse sentido, depois de ser reconhecida a repercussão geral, 0 Relator irá levar 0 seu voto quanto ao mérito para julgamento da Turma ou do Plenário (físico). Porém, existe uma exceção presente no RISTF, e será no caso em que 0 Relator estiver em seu voto apenas reafirmando a jurisprudência dominante do STF. Nessa hipótese, 0 julgamento deste recurso também poderá ser realizado por meio eletrônico conforme o art. 323-A do RISTF. Aqui, conforme a doutrina majoritária é importante dizer que não há viola­ ção ao art. 93, IX, da CR/88 pelo fato de o julgamento poder ser tácito ou implícito.188 É interessante registrar também, que 0 STF, ainda sob a base do antigo CPC, afirmou que pode reconhecer a existência de repercussão por meio do Plenário Virtual e posteriormente em deliberação presencial pode não conhecer do recurso extraordinário ao fundamento de tratar-se de matéria de índole infraconstitucional. Ou seja, temos aí que 0 reconhecimento da repercussão geral não impede 0 ree­ xame dos requisitos de admissibilidade do recurso quando de seu julgamento defini­ tivo.189190 Pois bem, recentemente, 0 Pretório Excelso voltou a afirmar esse entendi­ mento agora sob a égide do novo CPC. Nesses termos, foi 0 decidido no RE 584.247 em 27.10.2016 em que ficou assente que 0 reconhecimento da repercussão geral no Plenário Virtual não impede sua rediscussão no Plena'rio físico, notadamente quando tal reconhecimento tenha ocorrido por falta de manifestações suficientes.”0

Por último, temos que a jurisprudência do STF é assentada no sentido do não cabimento de reclamação com fundamento em recurso extraordinário julgado se­ gundo a sistemática da repercussão geral. 0 entendimento é 0 de que essa decisão (ainda que de repercussão geral) não tem efeito vinculante, embora seja dotada

188. Lopes Cavalcante, Márcio André. Informativo 845 do STF, Dizer o Direito, 2016. Isso porque "a existência de repercus­ são geral é presumida, somente deixando de existir em caso de manifestação de pelo menos oito ministros do STF. A manifestação tácita confirma a presunção já existente, não ofendendo a exigência constitucional de fundamentação exp/rcíto." (DIDIER JR., Fredie, CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil .'gol. 3, Ed. Juspodivm, 2016, p. 370). Ojulgamento sobre a repercussão geral no Plenário Virtual não ocorre em sessão pública, com debates, discussões, sustentação oral. Mesmo assim, não há inconstitucionalidade porque o que violaria a Constituição seria a existência de um julgamento secreto, sem publicidade (art. 93, IX, da CF/88). No entanto, ojulgamento pelo Plenário Virtual não ê secreto. Ao contrário, todas as manifestações são juntadas ao processo e o teor da decisáo é publicado no Diário Oficial. 189. "(...) A Corte acolheu, em parte, embargos declaratórios opostos de acórdão no qual assentado que o Tema 347 da Repercussão Geral (...) demandaria interpretação de legislação infraconstitucional e de direito focal. O Tribunal aduziu que o reconhecimento da repercussão geral não impediría o reexame dos requisitos de admissibilidade do recurso quando de seujulgamento definitivo. Consignou, ainda, a eficácia do pronunciamento do Supremo acerca da conclu­ são de não se tratar de matéria constitucional, de modo a impedir a subida dos processos sobrestados na origem. RE 607.607 ED/RS rel. Min. Luiz Fux, julg. pelo Pleno em 02.10.2013, 190. RE 584247/RR Plenário do STF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27.10.2016.

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de grande relevância e sirva de precedente constitucional aos demais tribunais’91. Assim, as decisões proferidas em sede de recurso extraordinário, ainda que em regime de repercussão geral, não geram efeitos vinculantes aptos a ensejar o cabi­ mento de reclamação. Nesse sentido, deverá a parte interessada interpor o recurso cabível contra a decisão que aplicou mal (de forma inadequada) o entendimento do STF. Portanto, em regra, a decisão proferida pelo STF em processos individuais como o do recurso extraordinário possui eficácia inter partes. No entanto, o STF excepcio­ nalmente no caso do RE 567.985/MT, do RE 580963/PR e do Rcl 4374/PE entendeu dife­ rente. 0 fundamento foi 0 de que 0 Plenário do STF, no julgamento desses processos não apenas resolveu 0 conflito individual deduzido na causa, mas realizou, expres­ samente, a reinterpretação da decisão proferida pelo próprio STF na ADI 1.232/DF. Ou seja, a decisão proferida no processo individual ganhou eficácia erga omnes e efeito vinculante porque reinterpretou e modificou uma decisão proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade, que possui esses efeitos (erga omnes e vinculante). Nesses termos, por ter substituído (alterado) um entendimento do STF que tinha efi­ cácia erga omnes e efeito vinculante, a nova decisão proferida em sede de controle concreto ganhou contornos de controle abstrato. Dessa forma, se uma decisão pro­ ferida por outro órgão jurisdicional violar 0 que foi decidido pelo STF no RE 567.985/ MT, no RE 580963/PR e no Rcl 4374/PE caberá reclamação para 0 Supremo”3. Sobre as hipóteses (ou permissivos) previstas no art. 102, lll, da CR/88, temos que doutrina processual abalizada as intitula de requisitos específicos do Recurso Extraordinário.”3 Nesses termos, a análise dos mesmos;

A)

Decisão que contrariar dispositivo constitucional (art. 102, lll, "a", da CR/88).

A norma expressamente fala em contrariedade a dispositivo constitucional. Certo é que 0 Supremo Tribunal Federal não admite a ofensa indireta (reflexa ou oblíqua) à norma constitucional, exigindo que a ofensa seja direta, ou seja, se a de­ cisão ofendeu uma norma infraconstitucional e somente de maneira reflexa atingiu a Constituição Federal, não caberá recurso extraordinário (como já dito: se para provar a contrariedade à Constituição tem-se, por exemplo, de antes demonstrar a*

191. Rcl 21314 AgR. STF. ld Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julg. em 29.09.2015. 192. No caso concreto que gerou essa exceção, em 1998, na ADI 1.232/DF, o STF havia decidido que o § 3° do art. 20 da Lei n° 8.742/93 era constitucional. Em 2013, ao apreciar novamente o tema no RE 567.985/MT, no RE 580963/ PR e na Rcl 4374/PE, processos individuais julgados em conjunto, o STF mudou de entendimento e afirmou que o referido § 3o é parcialmente inconstitucional. STF. Decisão monocrática. Rcl 18636, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 10.11.2015. 193. Informativo 632 do STF: “A menção expressa ao dispositivo constitucional que autoriza a interposição do recurso ex­ traordinário revela-se essencial, sob pena de vicio de forma. Com base nessa orientação, a laT. por maioria, desproveu agravo regimental em agravo de instrumento interposto de decisão que, com base no art. 321 do Regimento Interno desta Corte, negara seguimento a recurso extraordinário em que o recorrente não apontara preceito e alínea que res­ paldassem seu apelo." (Al 838.930 AgR/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, 21.06.2011)

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ofensa à lei ordinária, será essa que irá contar para o não recebimento do recurso extraordinário), conforme consubstanciado na Súmula n° 636 do STF194. Porém, afir­ ma Daniel Assumpção que: "É natural que essa ofensa reflexa se verifique na maio­ ria das decisões que ofendem normas infraconstitucionais, em especial aquelas que preveem princípios, considerando-se que todas elas derivam do texto maior, de forma mais ou menos intensa.'95 Caso essa norma agredida em primeiro plano seja federal, caberá recurso especial, e sendo estadual ou municipal não caberá nenhum recurso aos órgãos superiores."196197 Temos ainda que, apesar da falta de disposição explícita (omissão legislativa) na norma constitucional, é pacífico 0 entendimento de que também cabe Recurso Extraordinário da decisão que nega vigência a dispositivo constitucional.”7

B)

Decisão que declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal

Não há dúvida que esse permissivo em comento nos remete ao controle di­ fuso in concreto de constitucionalidade, que declara a inconstitucionalidade de forma incidental por qualquer órgão do Poder Judiciário. Nesse sentido, abre-se a possibilidade que se leve ao Supremo Tribunal Federal qualquer declaração in­ cidental de inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, considerando-se que a principal tarefa desse tribunal é dizer na demanda a última palavra a respeito da inconstitucionalidade ou não da norma objeto do caso concreto. Conforme a doutrina processual: "0 dispositivo constitucional ora analisa­ do refere-se tão-somente à inconstitucionalidade declarada incidentalmente, não sendo cabível 0 recurso extraordinário, ao menos não por essa hipótese de cabimento, de decisão que incidentalmente declara a constitucionalidade de lei federal ou tratado. A justificativa é clara: toda norma é naturalmente constitucional, o que significa dizer que toda norma é criada pretensamente constitucional, pois há expectativa de que todas elas tenham tal qualidade, de

194. Súmula n° 636 do STF: "não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da le­ galidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida." 195. STF, 1a Turma, AI-AgR 589.923/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.11.2007, DJ 19.12.2007; STF, 2» Turma, Al AgR 502.333, rel. Min. Cezar Peluso, 18.09.2007, DJ 11.10.2007. Afirma também o processualista que:“E interessante ao sistema que, no tocante aos acórdãos proferidos pelo Colégio Recursal nos Juizados Especiais, haja uma flexibilização dessa regra quando ocorrer uma manifesta ofensa á lei federal com relevante reflexo constitucional. Entende Daniel Assunção que nesse caso a liberdade concedida ao Colégio Recursal - formado porjuizes de primeiro grau na apli­ cação das normas federais não deve ser plena, sob pena do cometimento de insuportáveis injustiças. Diante do não cabimento do recurso especial contra essas decisões, caberia ao Supremo Tribunal Federal, ainda que em situações excepcionais, de extrema injustiça provocada pela má aplicação da lei federal, admitir a ofensa reflexa e admitir o recurso extraordinário!' 196. PIMENTEL SOUZA, Introdução, n. 17.2, p. 451. Também, NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Curso de processo civil, 2009. 197. PIMENTEL SOUZA, Introdução, n. 17.3, p. 459-460. Para Bernardo Pimentel, a correta interpretação do art 102, lll, "a", da CR permite ainda o cabimento do recurso extraordinário contra a decisão que afronte ou negue vigência a tratado internacional que tenha por objeto direitos humanos, desde que preenchidos os requisitos previstos no art. 5o, § 3o, da CR/88.

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forma que, ao declarar a constitucionalidade incidentalmente, o órgão jurisdi­ cional nada mais faz do que declarar o estado natural da norma, confirmando a expectativa de que esteja conforme a Constituição Federal. A atipicidade fica por conta da declaração incidental de inconstitucionalidade, sendo nesse caso interessante permitir a análise da decisão pelo Supremo Tribunal Federal por meio do recurso extraordinário198. É bem provável que na declaração incidental de constitucionalidade também seja cabível o recurso extraordinário, mas com amparo no art. 102, lll, a, da CR/88." C)

Decisão que julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição Federal

Sem dúvida, a decisão que julga válida uma lei estadual ou municipal, con­ testada em face da Constituição, pode afrontar a normativa constitucional, pres­ tigiando incorretamente uma norma contida em lei estadual ou municipal em detrimento da Constituição da República de 1988, sendo nesse caso cabível 0 recurso extraordinário.*99 Para a doutrina: "0 mesmo ocorre com a decisão que julgar válido ato administrativo (praticados por agentes públicos dotados de certa parcela de poder) ou normativo (leis, decretos, portarias etc.), praticado pelas três esferas de Poder (Executivo, Legislativo, Judiciário) no âmbito esta­ dual ou municipal, que seja contestado em face da Constituição Federal."200 D)

Decisão que julgar válida lei de governo local contestado em face de lei federal

Esta é uma recente novidade em nosso ordenamento, fruto da Reforma do Judiciário de 2004. Certo é que, até a Emenda Constitucional n° 45/04, a hipótese de cabimento do recurso extraordinário, atualmente prevista no art. 102, lll, "d", da CR/88, era hipótese de cabimento no STj de recurso especial (antiga redação do art. 105, lll, "b", da CR/88). A mudança de competência do tema tratado nesse disposi­ tivo constitucional pode levar 0 leitor mais desatento a não compreender a modi­ ficação, afirmando que a tarefa de preservar a boa aplicação da lei federal não é do Supremo Tribunal Federal, e sim do Superior Tribunal de Justiça. Aqui 0 raciocínio seria 0 seguinte: se a decisão optou pela aplicação de lei municipal ou estadual em face de lei federal, seria problema a ser resolvido em sede de recurso especial. Porém, não podemos pensar dessa forma. Como explica a doutrina, "sempre que uma decisão julgar válida uma lei municipal ou estadual contestada em face de lei federal, a questão imediata a ser enfrentada não é exatamente 0 desrespeito à lei federal, mas 0 conflito de competência legislativa entre Municípios e Estados de um

198. MANCUSO, Recurso, p. 179; ARAKEN DE ASSIS, Manual, n. 84.2.2, p. 706; PIMENTEL SOUZA, Introdução, n. 17.4, p. 460-461. 199. FUX, Luiz Curso, p. 1.197, fala em manifestação materialmente legislativa das trés esferas do Poder. 200. NEVES, Daniel Amorim Assumpção, Curso de processo civil, 2009. Ver também, MANCUSO, Recurso, p. 188.

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lado e a União de outro, pano de fundo e fundamento indispensável para a verifica­ ção do acerto ou erro da decisão impugnada."101 Nesses termos, estamos diante de uma questão federativa (conflito federativo: questão de repartição de competência legislativa) que, sem dúvida, é matéria constitucional, devendo ser enfrentada em último grau pelo Supremo Tribunal Federal, tendo sido, nesse sentido, adequada a modificação trazida pela Emenda Constitucional n° 45/04.

Por último, temos algumas digressões importantes sobre 0 tema do recurso extraordinário que não podem ser olvidadas. São elas:

a) Sancionada pela Presidente Dilma Rousseff, a Lei n° 13.256, de 04 de feverei­ ro de 2016, implementou, antes mesmo da entrada em vigor do novo Código de Pro­ cesso Civil (Lei n° 13.105/2015), uma série de mudanças na legislação processual.201 202 Dentre suas principais mudanças e também uma das mais controversas, é 0 resta­ belecimento do juízo de admissibilidade do Recurso Especial (REsp) e do Recurso Extraordinário (RE) pelos tribunais de segunda instância, 0 qual, na redação original do Novo CPC de 2015 havia sido extinto. Previu, então, 0 novo CPC, na redação ori­ ginal do art. 1.030, que "recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, 0 recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo 0 qual os autos serão remetidos ao respectivo tribunal superior". E, em seu pa­ rágrafo único, que "a remessa de que trata 0 caput dar-se-á independentemente de juízo de admissibilidade". A alteração na tramitação dos recursos nobres buscou superar a então lógica do CPC de 1973, segundo a qual os presidentes dos tribunais de segundo grau ou seus vices que decidiam, em juízo de admissibilidade prévio, quais recursos poderíam su­ bir ao STJ ou STF. Com 0 novo CPC, a remessa passaria a ser automática, cabendo aos próprios tribunais superiores avaliar se 0 recurso seria ou não admissível, 0 que, para 0 Ministro Luiz Fux, presidente da comissão de juristas responsável pelo anteprojeto de lei, tornaria 0 processo mais célere. Isso porque, na prática, quando 0 tribunal de origem negava seguimento ao recurso, as partes conseguiam chegar aos tribunais su­ periores de qualquer forma por meio da interposição de agravos, sendo a proposta do novo CPC justamente eliminar esse trajeto (que se mostra ineficaz aos seus fins) entre a instância inicial e 0 tribunal, poupando tempo às partes e à solução da lide.

A reforma, no entanto, não foi bem vista pelas cortes superiores, recebendo várias críticas de ministros do STF e do STJ, como, Paulo de Tarso Sanseverino, então

201. BARBOSA MOREIRA, A Emenda, p. 26; GUSMÃO CARNEIRO, Recurso, n. 21a, p. 72. NEVES. Daniel Amorim Assump­ ção, Curso de processo civil, 2009. 202. A Lei n° 13.256/2016 promoveu, ainda, outras modificações no novo CPC, como: aja alteroção da obrigatoriedade da realização dos julgamentos em ordem cronológica de conclusão, a qual passou a ser apenas preferencial; b) Nor­ malização da ação rescisória no caso de manifesta violação a normasjurídicas; c) Da limitação, ao trânsito emjulgado da ação, do saque de valores pagos a titulo de multa; d) A Lei n° 13.256/2016, conferiu, também, nova redação ao art. 988 do CPC, notadamente aos seus incisos lll eIVeaoS 5°, tornando inadmissível a reclamação proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou aindo de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.

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presidente do STJ. Afirmaram os julgadores que o atual assoberbamento das cortes seria agravado ainda mais com a nova lógica processual, a qual deveria ser revista e reformulada, sendo esse um dos principais pontos do PL n° 168 (que originou a atual Lei 13.256/2016).

Vejamos, nesse sentido, trecho da manifestação do STJ, na tramitação do refe­ rido projeto de lei: "0 art. 1.030 do novo CPC precisa ser modificado, a fim de reavivar 0 juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Afinal de contas, essa triagem desempenhada atualmente pelos tribunais locais e regionais conseguem (sic) poupar 0 STF e 0 STJ de uma quantidade vertiginosa de recursos manifestamente desca­ bidos. Suprimir esse juízo de admissibilidade, como pretende 0 texto atual do novo CPC, é entulhar as Cortes Superiores com milhares de milhares de recursos manifestamente descabidos, fato que deporá contra a celeridade que se requer dessas instâncias ex­ traordinários (sic) no novo cenário de valorização da jurisprudência desenhado pelo novo Código". Pois bem, se por um lado, a antiga redação do art. 1.030 motivou reações por parte de ministros das cortes superiores, 0 novo texto também não ficou isento de críticas203.

Ao reformular 0 sistema previsto pelo novo CPC, a Lei n« 13.256/2016 corre 0 risco de prejudicar 0 chamado "overrule", ou seja, a possibilidade de que 0 prolator do precedente (da decisão paradigma) promova a superação do seu entendimento.

No sistema inicialmente posto no novo CPC de 2015, com a supressão da admis­ sibilidade dos recursos nobres pelos tribunais de segunda instância, os próprios tri­ bunais superiores estariam encarregados de realizar referido juízo de admissão do recurso, havendo, dessa forma, um canal direto entre as partes e 0 órgão prolator do precedente. Esse canal, conforme visto, foi suprimido pela nova redação do art. 1.030, cabendo ao presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, a partir da Lei 13.256/2016, realizar referido juízo de admissibilidade. Veja-se que 0 novo dispositivo também prevê, nas alíneas a e b do inciso I, que, caso se verifique que 0 acórdão recorrido foi proferido em conformidade com entendimento firmado pelo STF ou STJ (seja em julgamento de Resp ou RE repetitivo, ou, ainda, em RE de repercussão geral), 0 recurso deverá ser declarado inadmissí­ vel, cabendo, contra esta decisão, apenas agravo interno para 0 plenário ou órgão especial do próprio tribunal (art. 1.030, § 2°). Ou seja, constatado o padrão decisório e estando a decisão recorrida em conformidade com ele, não é possível levar a mesma questão ao tribunal superior que o estabeleceu.

0 que vemos com essa normativa é que, se não forem encontrados ou es­ tabelecidos novos meios para viabilizar 0 acesso aos tribunais superiores e pro­ vocá-los ao reexame dos padrões decisórios, estaremos diante de um "possível

203. Dessa vez, por processualistas como Alexandre Freitas Câmara e Dierle Nunes.

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engessamento" no sistema de precedentes brasileiro. Isso porque, as cortes supe­ riores só examinarão uma única vez cada uma das questões que lhe são submeti­ das, em um sistema de decisões vinculantes que não são passíveis de superação. Afinal, se apenas o órgão julgador que proferiu a decisão (precedente) pode su­ perá-la, e se não se pode levar à sua apreciação uma mesma questão, então não haveria meios para promover a superação da decisão paradigma. Como questiona o professor Alexandre Freitas Câmara, "será que o fato de já ter o STF ou o STJ se pronunciado sobre a matéria deve ser capaz de impedir que a mesma questão volte a ser suscitada, de modo a fazer com que a corte nunca mais se pronuncie?" Ao que nos parece, em vista da Constituição da República e da nova lógica processual, a resposta a essa pergunta inclina-se à sua negativa.304

b) 0 STF em consonância com o art. 543-A § 50 do antigo CPC, decidiu no RE n° 614.232, questão de ordem em 20.10.2010, no sentido de reconhecer em virtude de alteração nas premissas fático-jurídicas a modificação da situação de não existên­ cia de repercussão geral para a situação de reconhecimento de repercussão geral. Nesses termos, temos primeiramente a inexistência da repercussão geral sobre a matéria, e, posteriormente, 0 reconhecimento da repercussão geral. Nesse sentido: (...) 0 Plenário resolveu questão de ordem no sentido de reconhecer a repercussão geral da matéria discutida em recursos extraordinários, relativa à possibilidade, ou não, de se aplicar a alíquota máxima do Imposto de Renda de Pessoa Física aos valores recebidos acumuladamente pelo beneficiário, por culpa exclusiva da autar­ quia previdenciária. Com base nisso, reformou decisão monocrática da Min. Ellen Cracie, que não admitira os recursos, dos quais relatora, ao fundamento de que a

204. “É bastante claro (ao menos no common law não há dúvidas) que os precedentes significam o principio e não o fechamento da discussão trazida a juizo" BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco; SILVA, Diogo Bacha e. O novo CPC e a sistemática dos precedentes: para um viés crítico das reformas processuais. In: Direito, Estado e Sociedade, n. 46,2015. Contribuindo com essa resposta, temos, ainda, os ensinamentos de Dworkin, sobretudo no que toca sua concepção do direito como integridade. Para o autor, "as proposições jurídicas são verdadeiras se constam, ou se derivam, dos princípios de justiça, equidade e devido processo legal que oferecem a melhor interpretação constru­ tiva da prática jurídica da comunidade" (DWORKIN, 1999, p. 272). Ou seja, na visão do direito como integridade, busca-se identificar quais os princípios justificam as leis e os precedentes, a fim de que o processo de gênese normativa possa ser visto como algo coerente com toda a história institucional do intérprete, refletindo princí­ pios que estariam imbuídos na atuação estatal. Dworkin, no entanto, ao contrário do que vemos com a alteração do novo CPC, não pretende engessar a legislação e a jurisprudência, limitando-os a uma mera reprodução do precedente, contemplando, em sua concepção de integridade, também a perspectiva do presente e sua proje­ ção futura. Como exemplo da sua construção interpretativa do Direito, Dworkin traz a ideia de um romance em cadeia, em que cada intérprete, assim como cada romancista "interpreta os capítulos que recebeu para escrever um novo capítulo, que é então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte, e assim por diante". O objetivo de cada intérprete estará sempre voltado á criaçáo da melhor interpretação possível da obra, como se essa fosse de um mesmo autor, ou seja, dando-lhe sempre continuidade. Para tanto, cada um deve partir de uma perspectiva tripla para compreender o objeto: 1) do material que seu antecessor lhe deu; 2) daquilo que ele próprio acrescentou; e 3) daquilo que seus sucessores serão capazes de acrescentar. O que se pretende demonstrar com o pensamento de Dworkin é que, da forma como posta, a nova legislação processual interrompe o ciclo do romonce em cadeia, nâo permitindo a continuidade da sucessão interpretativa do Direito e, via de consequência, violando-o como um sistema coerente e dotado de integridade. Se uma matéria poderá ser apreciada apenas uma única vez pelas Cortes Superiores, não podendo retornará sua apreciação e ser superada, não haverá possibilidade de acréscimo pelos seus sucessores e, dessa forma, coloca se termo a construção do Direito no que concerne à questão.

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questão já teria sido considerada "sem repercussão geral" no âmbito do Plenário Virtual. No caso, após o STF haver deliberado que o tema versado nos autos não possuiría repercussão geral, o TRF da 4» Região declarara a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 12 da Lei 7.713/88, 0 qual determina a incidência do Imposto de Renda no mês do recebimento de valores acumulados sobre 0 total dos rendimentos. A União, ao alegar a superveniente alteração nas premissas fático-jurídicas, sustentava, em sede de agravo regimental, que os recursos extraordinários interpostos com fulcro no art. 102, lll, b, da CF teriam repercussão geral presumida. (...) Aduziu-se que a superveniência de declaração de inconstitucionalidade de lei por tribunal de segunda instância consubstanciaria dado relevante a ser levado em conta, uma vez que retiraria do mundo jurídico determinada norma que, nas demais regiões do país, continuaria a ser aplicada. Ao enfatizar que se cuidaria de matéria tributária, mais particularmente de imposto federal, asseverou-se que os princípios da uniformidade geográfica (CF, art. 151, l) e da isonomia tributária (CF, art. 150, II) deveríam ser considerados. Observou-se, ademais, que a negativa de validade da lei ou de ato normativo federal em face da Constituição indicaria a pre­ sença de repercussão geral decorrente diretamente dos dispositivos constitucionais aludidos, 0 que justificaria a apreciação do mérito dos recursos extraordinários, devendo-se reputar satisfeito 0 requisito de admissibilidade previsto no art. 102, § 3% da CF. Assim, tendo em conta a declaração de inconstitucionalidade superve­ niente e a relevância jurídica correspondente à presunção de constitucionalidade das leis, à unidade do ordenamento jurídico, à uniformidade da tributação federal e à isonomia, assentou-se que 0 tema apresentaria repercussão geral. Os Ministros Ellen Gracie, Ayres Britto, Gilmar Mendes e Marco Aurélio admitiam, na situação em apreço, a revisão da tese anterior, nos termos mencionados no art. 543-A, § 5», do (antigo) CPC ("§ 5» Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para rodos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo re­ visão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.")505. c) Segundo pronunciamento do STF, datado de agosto de 2009, 0 filtro de­ senvolvido pela repercussão geral estaria trazendo benefícios quantitativos. Nesse sentido: "Em 2 (dois) anos, entre julho de 2007 e julho de 2009, foram distribuídos no Supremo Tribunal Federal (STF) 46.812 Recursos Extraordinários (REs), instrumento jurídico apropriado para contestar decisões de outros tribunais que supostamente feriram a Constituição. A maioria ainda chegou sem a justificativa de existência de repercussão geral, status dado pelo STF a questões relevantes do ponto de vista social, econômico, político ou jurídico. Para se ter uma ideia, entre os REs distribuí­ dos no período citado acima, 73.22% não continham justificativa de que a matéria discutida no processo teria repercussão geral. 0 restante, 26,78%, foi proposto com a justificativa da repercussão geral. Pelas regras da repercussão geral, criada com a Emenda Constitucional 45/04 e posta em prática em 2007, somente processos que

205. RE n° 614.406 AgR-QO/RS, rel. Min. Ellen Grade. Julg. em 20.10.2010.

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contestam decisões colegiadas anteriores a 3 de maio de 2007 podem chegar ao STF sem a preliminar. Todos os recursos extraordinários contra decisões colegiadas tomadas após essa data têm de conter um capítulo à parte com argumentos defen­ dendo a existência da repercussão geral no tema em discussão. Caso contrário, os pedidos são automaticamente rejeitados. Conforme observamos, uma vez reconhecida a repercussão geral em uma matéria, fica suspenso 0 envio de novos recursos idênticos ao Supremo até de­ cisão final do tema em discussão. Além disso, quando 0 STF decide a matéria, esse entendimento tem de ser aplicado em todos os recursos extraordinários propostos nos tribunais do país. Ou seja, uma única decisão da Corte Suprema é multiplicada em todo 0 Brasil. [...]. Nesse mesmo posicionamento afirmou 0 Pretório Excelso que: [...] com 0 instituto da repercussão geral sendo aplicado em um número maior de casos, há uma diminuição no montante de processos que entram no STF. No primeiro semestre de 2009, houve uma redução de 63% no número de processos distribuídos aos ministros em relação ao mesmo perío­ do de 2007, quando não existia ainda 0 filtro processual da repercussão geral. [...].206207 No balanço de 2008, 0 STF também destacou a diminuição não só no núme­ ro de processos, mas no volume de processos julgados pelo Pretório Excelso. Em 2008, o número foi de 65.880 processos contra em 2007 um número de 112.938 processos, 0 que dá mais de 41% de redução em processos julgados."’07 Agora a pergunta é a seguinte: a que preço? Os resultados são realmente vantajosos ou ilusórios?

É interessante notar que passadas as dificuldades iniciais com a forma de lidar com a repercussão geral por parte dos advogados (visto que até 2009 em torno de 50% dos recursos não especificavam a justificativa da repercussão geral), ocorreu uma certa estabilização no número de processos novos recebidos pelo STF. A conclu­ são é a de que se a repercussão geral para boa parte da doutrina é um importante mecanismo de filtragem que visa dar mais efetividade e celeridade as respostas jurisdicionais, mas ela por si só não resolve 0 problema. Por exemplo, segundo os dados apresentados pelo então Presidente do STF Ricardo Lewandowski, 0 acervo208 do STF em 2013 era de 67.053 processos, tendo ingressado naquele ano 72.083 processos novos. Já em 2014, 0 número de processos novos foi de 79-943. em torno de 9% a mais do que no ano anterior. Entretanto, 0 acervo global do STF caiu para 56.230 processos - uma redução de aproximadamente 16,40%. Vejamos que 0 número de processos ingressados foi

206. Notícias do STF (12.08.2009). 207. Notícias do STF (29.12.2008). Afirma-se na mesma notícia que: o plenário virtual em funcionamento teve o reconhecimento da existência de repercussão geral em 77% dos casos (115 reconhecidos contra 32 não reconhe­ cidas). 208. O acervo processual do Supremo Tribunal Federal corresponde ao número de processos em tramitação, iden­ tificados em determinada data. Os processos já baixados não são computados nesse cálculo. Fonte: Balanço da prestaçãojurisdicional do STF em 2015.

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de 72.083 em 2013 e 79.943 em 2014. Até aumentou. 0 que diminuiu foi 0 acervo global, de 67.053 para 56.230. já em 2015 foram recebidos 93.473 processos, com um acervo final de 53.890. Aqui na relação entre 2014 e 2015, temos que aumen­ taram 0 número de ingressos de processos em 16,93%, porém, 0 acervo final foi reduzido em 4,16 (0 que corresponde a 2.340 processos a menos no acervo de 2015 em relação a 2014).

Outro dado também interessante é que 0 acervo de recursos está paulatinamente diminuindo embora num ritmo ainda lento no que tange a real necessidade, senão vejamos: 49-183 (2011) 47-172 (2012), 48.563 (2013); 40.883 (2014); 38.818 (2015). Aqui devemos salientar também, como reflexão final, que 0 desafogamento de órgãos do Poder Judiciário não garante que a aplicação do direito se torne qualita­ tivamente melhor.209

d) É importante, também, tecermos críticas à repercussão geral, aqui, já tra­ balhada, nos moldes da teoria discursiva do direito e da democracia. Acreditamos que um manual não deve ser apenas descritivo, por isso trazemos agora algumas digressões sobre 0 tema. Nesse sentido, conforme já observado, sob a justificativa política de solução da "crise" do Judiciário, a EC n° 45 pretendeu promover uma série de mudanças no cenário jurídico nacional. Ao lado da afirmação da Súmula Vinculante, a arguição de repercussão geral da questão constitucional (ou simplesmente reper­ cussão geral, como passou a ser chamada) ganha destaque, como observamos anteriormente. Trata-se, como já dito, à semelhança da arguição de transcendência, de um filtro recursal sob a forma de um pressuposto de admissibilidade do recurso ex­ traordinário.

Dessa forma, conforme aqui salientado, 0 STF somente poderia recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. Nesse sentido, 0 § 3°, do art. 102, torna, pelo menos a princípio, todo recurso dotado de repercussão, cabendo ao STF um exame mais detalhado e o pronunciamento negativo por quórum especial. É claro que, como já dito, por questões de economia procedimental, a análise da repercussão geral só vem depois de esgotados a verificação de atendimento de todos os demais pressupostos recursais, conforme determina do art. 323 do RISTF.210 Assim, somente quando estes se fazem presentes que, ainda em caráter preliminar, seria observada a presença de repercussão geral no recurso extraordinário sub judice. Desde 0 início, há críticas ao quórum de 2/3 dos ministros para não conhe­ cimento do recurso. Para muitos juristas, tratar-se-ia de número elevado, 0 que

209. JUNIOR, NUNES, BAHIA. PEDRON. Novo CPC-Fundamentos eSistematização, p. 326,2015. 210. Realmente, seria desarrazoada a exigência de apuração da repercussão antes da análise dos demais requisitos de admissibilidade.

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conduziría a uma permissividade recursal maior, indesejável. Razão pela qual a legislação processual infraconstitucional acabou regulando a questão de modo a dificultar ainda mais o conhecimento dos recursos. Segundo os artigos aqui traba­ lhados, n°s 543-A e 543-B do antigo Código de Processo Civil brasileiro de 1973 e 0 art. 1.035 do novo CPC, a repercussão geral das questões constitucionais discutidas se definiría a espelho da transcendência/" por critérios de interesse público frag­ mentado em subespécies, variando de acordo com a natureza da questão: jurídi­ ca, social, política ou econômica. Tais conceitos são de natureza indeterminada e aberta, mas, diferentemente dos vislumbrados nos discursos dos processualistas justrabalhistas, aos olhos de alguns processualistas civis, essa discricionariedade em preenchimento do conceito não existe. Marinoni e Mitidiero211 212 afirmam que se trata de um dever do Tribunal de admissão do recurso extraordinário, caso fique configurada sua respectiva pertença à órbita do conceito. A questão aqui é: até que ponto esse instituto não serviría para mais uma prática político-estratégica (de cunho pragmático) em detrimento de uma perspectiva dotada de legitimidade jurídica'' Aqui, lembramos, acrescentamos, que toda decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível, valendo-se para todos os recursos sobre questão idêntica, nos ter­ mos do art. 326 do Regimento Interno do STF.

Outra questão interessante, nessa mesma linha de raciocínio, é a da dificuldade de se definir a tese de repercussão geral, sobretudo quando não estamos diante de situações que envolvem um aspecto quantitativo de análise (de recursos repeti­ tivos), mas sim mais qualitativo. A tese, como salienta a doutrina processual, mostra-se fundamental para a aplicação do entendimento aos recursos sobrestados pelos tribunais inferiores. A correta determinação da "questão constitucional", com repercussão geral, é es­ sencial para a adequada objetivação (acima criticada) do recurso extraordinário

211. Para André Ramos Tavares (Recurso extraordinário, p. 55), a repercussão estaria presente quando a questão constitucional fosse dotada do atributo da novidade e da multiplicidade, isto é, elo deverá ser inédita e sua de­ cisão deverá ser útil para a resolução de diversos outros casos pendentes nos tribunais inferiores. Ora, tal tese apenas pode ser cogitada como adequada se for considerada também adequada o tese do processo objetivo nos Tribunais Superiores. Entretanto, isso acaba por deixar transparecer um problema processual grave: os defensores dessa tese olvidam o fato de que o recurso extraordinário decorre sempre de uma causa, isto é, uma alegação de lesão ou ameaça de lesão a direito pelas partes do processo, a princípio do autor - e não de uma questão que pode ser resolvida em abstrato. Todavia, ainda assim, é possível afirmar que mesmo a apreciação judicial em abstrato, como acontece com as hipóteses de controle de constitucionalidade, constitui-se em discurso de aplicação e, por isso mesmo, depende de uma base fática, não se processando no vácuo (SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo de, Jurisdição constitucional democrática, p. 246). Ao que parece, esse perfil elitista por parte do Judiciário, assumido principalmente pelo STF com a tese da natureza objetiva dos processos destinados a julgamento naquele Tribunal, é inclusive transportado para o processamento do recurso extraordinário. Assim, mesmo antes da arguição de repercussão geral ou da Súmula Vinculante, pode ser obser­ vado esse movimento, mais acentuado com (1) a Emenda Constitucional n°3/93, que inseriu o instituto da Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) na ordem constitucional brasileira; e com (2) as Leis n°s 9.868/99 e 9.882/99, que modificaram a lógico que se vinha desenvolvendo quanto ao controle de constitucionalidade, colocando o controle difuso em nítida subserviência ao controle concentrado. 212. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel, Repercussão geral no recurso extraordinário, p. 34-35.

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e, assim, possibilitar a aplicação do entendimento do Supremo aos demais recur­ sos sobre o mesmo tema. Como exemplos, temos: a) No julgamento do RE 845.779, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, discute-se 0 direito de transexuais serem tratados socialmente de forma condizente com sua identidade de gêne­ ro. A tese formulada no plenário virtual consiste em saber "se a abordagem de transexual para utilizar banheiro do sexo oposto ao qual se dirigiu configura ou não conduta ofensiva à dignidade da pessoa humana e aos direitos da persona­ lidade, indenizável a título de dano moral". Pois bem, a questão constitucional é "transexual tem direito a escolher 0 banheiro de acordo com sua identidade se­ xual”? Ao se objetivar tal questão, caberia ao Supremo analisar a matéria à luz da Constituição Federal. No entanto, durante 0 julgamento, suspenso por um pedido de vista do ministro Luiz Fux, em muitos momentos os ministros se questionaram sobre questões fáticas, subjetivas, do processo em exame: 0 transexual chegou a entrar no banheiro? Ele estava vestido de acordo com a sua identidade sexual?; b) já no RE-RG 837311, ao analisar se 0 candidato aprovado em concurso público fora das vagas abertas no edital tem direito à nomeação, os ministros tiveram tanta dificuldade de decidir a matéria de forma objetiva que chegaram a cogitar julgar 0 mérito e não dar repercussão geral à matéria. 0 recurso teve 0 mérito julgado em outubro, mas a tese só foi fixada em dezembro de 2015, após 0 relator suspender 0 julgamento para melhor elaboração da tese a ser fixada.21’

e) As súmulas prolatadas pelo STF sobre 0 Recurso Extraordinário que devem ser citadas para 0 devido conhecimento. São elas, conforme 0 quadro a seguir:213

SÚMULAS DO STF SOBRE 0 RECURSO EXTRAORDINÁRIO Súmula n° 279

Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.

Súmula n°281

É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada.

Súmula n’282

É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.

Súmula n° 283

É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais üe um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.

Súmula n°284

É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.

213. Repercussão Geral retoma seu curso com o novo Código de Processo Civil. CARVLHAL, Ana Pa u Ia. CONJUR, 26.03.2016

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SÚMULAS DO STF SOBRE 0 RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Súmula n° 286

Não se conhece do recurso extraordinário fundado em divergência jurisprudencial, quando a orientação do plenário do supremo tribunal federal já se firmou no mesmo sentido da decisão recorrda.

Súmula n° 356

0 ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.

Súmula n° 634

Não compete ao supremo tribunal federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilida­ de na origem.

Súmula n° 635

Cabe ao presidente do tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade.

Súmula n®636

Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da le­ galidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida,

Súmula n°637

Não cabe recurso extraordinário contra acórdão de tribunal de justiça que defere pedi­ do de intervenção estadual em município.

Súmula n°638

A controvérsia sobre a incidência, ou não, de correção monetária em operações de crédito rural é de natureza infraconstitucional, não viabilizando recurso extraordinário.

Súmula n°639

Aplica-se a súmula n° 288 quando não constarem do traslado do agravo de instrumen to as cópias das peças necessárias à verificação da tempestívidade do recurso extraor­ dinário não admitioo pela decisão agravada.

Súmula n°640

É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal.

Súmula n° 727

Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao supremo tribunal federal o agravo de instrumento interposto da decisão que nâo admite recurso extraordinário, ainda que referente a causa instaurada no âmbito dos juizados especiais.

Súmula n°728

É de três dias o prazo para a interposição de recurso extraordinário contra decisão do tribunal superior eleitoral, contado, quando for o caso, a partir da publicação do acór­ dão. na própria sessão de julgamento, nos termos do art. 12 Da lei 6055/1974, que não foi revogado pela lei 8950/1994

Súmula n°733

Não cabe recurso extraordinário contra decisão proferida no processamento de pre­ catórios.

Súmula n°735

Não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar.

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5.2. Uma pequena Reflexão Crítica: quis custodiet ipsos custodes7.2'* Em que pesem os argumentos apoiados em uma racionalidade instrumental, não se pode perder de vista a discussão normativa subjacente. Nesse sentido, Calmon de Passos214 215 lembra que é preciso recolocar a questão no universo jurídico: "onde inexiste a possibilidade de recurso inexiste o devido processo legal." Recur­ sos existem como mecanismos de proteção contra erros no curso do processo de aplicação dos diretos e, por isso mesmo, representam condição para manutenção da legitimidade dos discursos legitimadores do provimento.

Mas, outro argumento - presente nos discursos de Calmon de Passos216 - se mostra igualmente importante: Kelsen demonstrou que uma norma jurídica protege um interesse particular, essa proteção, por si só, já constitui um interesse público. Por outro lado, lembra o saudoso processualista baiano: [...] com referência a cada norma de Direito Administrativo ou Penal, tipicamente ramos do Direito Público, pode-se determinar a existência de um interesse particular cuja proteção é objeto da norma. Todo preceito jurídico, por conseguinte, é expressão de um interesse público e protege um interesse particular.217 E prossegue: (...) Se toda ma' aplicação do direito representa gravame ao interesse público na justiça do caso concreto (único modo de se assegurar a efetividade do ordenamento jurídico), não há como se dizer irrelevante a decisão em que isso ocorre. A questão federal só é irrelevante quando não resulta violência à intei­ reza e à efetividade da lei federal. Fora isso, será navegar no mar incerto do 'mais ou menos', ao sabor dos ventos e segundo a vontade dos deuses que geram os ventos nos céus dos homens. Logo, volta-se ao ponto inicial. Quando se nega vigência à lei federal ou quando se lhe dá interpretação incompatível, atinge-se a lei federal de modo rele­ vante e é do interesse público afastar esta ofensa ao Direito individual, por constituir também uma ofensa ao Direito objetivo, donde ser relevante a questão que configura.218

Logo, mostra-se problemática a visão estanque entre interesse público e in­ teresse privado. Aqui, já na argumentação de Calmon de Passos, tem-se que essa relação não pode ser reduzida em sua complexidade a um jogo de contrários, cha­ mando para si a necessidade de repensá-la.

214. Frase em latim do poeta romano Juvenal traduzida como "Quem vigia os vigias!” A mesma pergunta é proposta por Platão, em A República, quando, descrevendo sua sociedade perfeita, designa a classe guardiã para proteger a cidade. A resposta de Platão para essa pergunta é de que os guardiões irão se proteger deles mesmos. Para tanto, nós devemos contar a eles uma "mentira carinhosa", que lhes dirá que eles são melhores do que os que eles servem, sendo, portanto, de suas responsabilidades guardar e proteger aqueles que são menos do que eles mesmos. Todavia, eles serão instigados a adotar um desgosto por poder ou privilégio, de modo que irão mandar porque acham ser correto, não porque desejam. 215. CALMON DE PASSOS, José Joaquim, Da arguição de relevância no recurso extraordinário, p. 13. Os recursos, como consectários do principio do devido processo, constituem mecanismos para defesa de direitos, além de represen­ tarem condições discursivas e, por isso mesmo, não poderem ceder aos argumentos utilitários (baseados em uma racionalidade de custo benefício) sem prejuízo do princípio democrático. 216. CALMON DE PASSOS, José Joaquim, Da arguição de relevância no recurso extraordinário, p. 15. 217. CALMON DE PASSOS, José Joaquim, Da arguição de relevância no recurso extraordinário, p. 15. 218. CALMON DE PASSOS, José Joaquim, Da arguição de relevância no recurso extraordinário, p. 16.

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A exigência de integridade do Direito, lançada por Ronald Dworkin,219 pode lan­ çar uma nova proposta de interpretação para a questão, bem como uma (re)leitura das arguições de repercussão geral ou de transcendência: a referida exigência de "transcendência" ou de "repercussão geral" traduz-se na necessidade de articular, no iter processual, de maneira discursiva (lógico-argumentativa), os pressupostos da integridade. Assim, a condição de conhecimento desses recursos permanece como questão interna ao Direito, sem nenhum apelo para o plano metajurídico, de modo que o que se exige é a demonstração de que a argumentação sustentada pelo recorrente se integra - tal qual um capítulo do romancista da obra coletiva dworkiana - à história institucional daquela sociedade, fornecendo a melhor pro­ posta de interpretação daquele direito. É apenas desse modo que os Tribunais Superiores podem, no marco do para­ digma procedimental do Estado Democrático de Direito, assumir devidamente o seu papel, já que eles não mais podem funcionar como oráculos, que misteriosamente fornecem solução para uma sociedade consumidora; mas o inverso: eles se trans­ formam em um local de discussão pública da questão jurídica, que não fica imune às críticas que podem provir da sociedade.

Por isso, os dois fundamentos dos recursos para Tribunais Superiores apontados pela dogmática jurídica tradicional - a proteção do ordenamento jurídico (em nível constitucional e infraconstitucional) e a garantia de uniformização na aplicação e na interpretação do Direito - representam, para Dworkin, a mesma coisa: um dever de toda a comunidade em face do atendimento à integridade do Direito e de sua obser­ vância. 0 Direito somente se encontrará protegido, se lido a partir de uma teoria que busque compreendê-lo sempre à sua melhor luz - isto é, consciente de sua dimensão histórica; sem, contudo, hipostasiá-lo no passado, nem tratá-lo como metas coletivas a serviço de uma parcela da sociedade - mas como um conjunto coerente de princípios.

Há, ainda, mais um ponto importante: um caso levado a julgamento, conforme o pensamento de Dworkin, por si só ultrapassa o âmbito dos sujeitos individuais envolvidos. Uma decisão "correta" lança luzes para toda a história institucional, de modo que há uma dupla exigência envolvida na questão: de maneira imediata, a questão da justiça da decisão atrai as partes litigantes para o debate jurídico que se desenvolve em torno do caso concreto; por outro lado, de forma mediata, de­ cisão "correta" assume-se como um capítulo da história institucional dos direitos. Sob esse prisma, parece que se pode colocar a discussão sobre o atendimento do interesse público como condição para o atendimento do interesse privado em uma nova perspectiva,220 que não mais os compreenda como opostos, mas integrados em uma mesma teoria política.

219. DWORKIN, Ronald, O império do direito. 220. Através de uma reconstrução espelhada na realizada por Dworkin com os princípios da igualdade e da liberdade, pode-se compreender melhor a interligação entre interesses público e privado. Todavia, esse ponto não será

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É, por isso, que a "Transcendência" ou a "repercussão geral" não podem ser satisfatoriamente considerados como requisitos de admissibilidade recursal espe­ cíficos. Apoiando-se na posição defendida por Barbosa Moreira,2” a distinção entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito recursal deve ser levada em considera­ ção. Destarte, o primeiro grupo apenas deveria conter os chamados pressupostos extrínsecos (tempestívidade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer), sob pena de dissolver essa separa­ ção, o que geraria consequências importantes, uma vez que qualquer outra análise necessariamente acaba por adentrar na discussão sobre o mérito recursal. Logo, sob um prisma normativo, a "repercussão geral" pode ser compreendida como uma questão interna à própria pretensão recursal, bem como conectada a toda e qualquer pretensão jurídica levada a cabo pelas partes processuais. Uma lei­ tura procedimental percebe que a ausência de demonstração de tal requisito acar­ reta um julgamento de mérito negando tal pretensão. Nesse sentido, o que seria uma "inovação" capaz de fornecer respostas ao problema da "crise do Judiciário", na verdade, em nada contribui para sua solução, representando mais uma repeti­ ção desnecessária dos requisitos recursais já exigidos na Constituição da República para o recurso extraordinário.

Já a partir de Habermas,”3 é possível compreender que a estrutura presente nas normas processuais é capaz de compensar as condições comunicativas, garan­ tindo a formação de um provimento (legislativo, administrativo ou jurisdicional) legítimo. A exigência normativa de imparcialidade, então, pode se despersonificar através de uma separação entre discursos de justificação normativa e discursos de aplicação do Direito323.

Nos discursos de justificação, busca-se chegar a normas válidas, por meio do reconhecimento de que tais normas podem encontrar aceitação racional por todos os atores sociais.

Diferentemente, nos discursos de aplicação, a tentativa é de alcançar a norma adequada conforme as particularidades do caso concreto específico. Para tanto, deve-se desenvolver uma interpretação coerente do sistema jurídico, o que signi­ fica compreender o Direito à luz de princípios, ao invés de somente regras. Assim, os processos de aplicação judicial do Direito devem correlacionar as perspectivas concretas das partes com as normas prima facie aplicáveis, frutos de discursos de justificação, a fim de que seja possível identificar os traços e sinais individualizadores de cada situação concreta de aplicação.* 223 222 221

explorado aqui, até porque a discussão será conduzida sob o prisma da Teoria Discursiva do Direito e da Demo­ cracia de Habermas. 221. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Juízo da admissibilidade ejuízo de mérito nojulgamento do recurso especial, p. 166. 222. HABERMAS, Jürgen, Facticidad y validez: sobre el derecho y el estado democrático de derecho en términos de teoria dei discurso, p. 306. 223. Contra a "cisão" entre discursos de justificação e de a plicação, ver Lenio Streck, In: Verdade e Consenso, 4* Ed., 2011.

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Nesse sentido, traça-se uma linha que liga os participantes do processo e os demais membros da comunidade. Assim, um processo judicial revela uma dimen­ são que, por si só, ultrapassa os limites de uma situação específica, que, segundo a dogmática tradicional, estaria representando apenas o interesse particular das partes envolvidas.224 Os discursos de aplicação servem de normas já fixadas nos discursos de justi­ ficação. Logo, para serem consideradas normas, devem passar pelo teste de uni­ versalização, o que significa que todo direito, por mais individualista que seja sua leitura, expressa um interesse compartilhado por toda a sociedade e, por isso mesmo, uma materialização do interesse público. Além do mais, Habermas adverte que, nos discursos de aplicação do Direito, o atendimento ao interesse de todos os possíveis afetados deve ficar para segundo plano, cedendo lugar para a busca da norma mais adequada a partir da reconstrução do caso concreto. Em razão disso, a reconstrução da situação de aplicação, que ocorre em simétrica paridade com as partes processuais, ganha relevo. As visões de mundo destas entrecruzam-se com descrições de estados de coisas impregnadas normativamente cuja validade é pressuposta.

Dessa forma, o regresso ao discurso de justificação representa uma via fecha­ da em suas múltiplas formas. Nem as partes nem o juiz podem ocupar o lugar dos debatedores daquele discurso: as partes, em razão do conflito de interesse, são incapazes de assumir uma perspectiva que leve à troca recíproca de papéis; o juiz, que desempenha um papel de terceiro em relação ao conflito, apenas atua como um representante do sistema jurídico, cujo titular é a sociedade. Por isso, a ele não é dada a possibilidade de negar validade às normas previamente fixadas como tal pela sociedade, muito menos de apresentar novas razões, quer de maneira suple­ tiva, quer de maneira concorrente.

Todavia, o público não fica excluído totalmente da questão. Uma vez que a decisão não é apenas para as partes - no sentido de que, ao desenvolver uma compreensão dos direitos que se integram em um mesmo sistema coerente -, ela volta-se para o resto da comunidade, que pode assumir uma importante partici­ pação - para além da sua representação pelo juiz - através da crítica pública da decisão, a qual lembra aos magistrados que são apenas representantes de um Direito que pertence a toda a sociedade, e não o seu agente materializador.225 Por­ tanto, em todo julgamento, deve-se buscar reconstruir as situações características e particulares dos casos para determinar a norma adequada dentre uma constelação de outras prima fade aplicáveis. Ao magistrado cabe somente fundamentar suas decisões com base em razões normativamente justificáveis - os argumentos de princípio, para usar a expressão de Dworkin. Também em Habermas, a aplicação

224. HABERMAS, Jürgen, Facticidad y validez: sobre el derecho y el estado democrático de derecho en términos de teoria dei discurso, p. 300. 225. GÜNTHER,Klaus Lega/adjudzcat/ononddemocrocy: some remarkson Dworkin and Habermas, p. 50.

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judicial do Direito norteia-se pela ''decisão correta", o que exclui a possibilidade de decisão discricionária ou de qualquer atividade legislativa supletiva ou concorrente pelo Judiciário. No caso dos julgamentos envolvendo os recursos destinados aos Tribunais Su­ periores, as considerações feitas acima não podem ser olvidadas. Esses Tribunais, transformam-se em locais de discussão acerca das pretensões jurídicas em face de casos concretos, centralizando questões provindas da periferia - isto é, inter­ pretações que as partes processuais fazem do Direito - e filtrando-as a fim de se construir um juízo de aplicação adequado a esses casos.

0 direito ao recurso, qualquer que seja ele, para a Teoria Discursiva, está rela­ cionado ao direito titularizado pela parte recorrente de obter uma decisão judicial "correta", por meio da revisão de uma decisão anterior;”6 mas também leva em conta a existência de um direito pertencente a toda a sociedade de ter um sistema eficaz de recursos, capaz de realizar tais correções. Esse direito geral ao recurso, ao associar-se ao direito processual da parte recorrente, expressa a exigência de igual consideração e respeito, no sentido de que pesa um interesse geral de que todos, nas mesmas situações, recebam igual tratamento.

Em face disso, tem-se negativa para os membros da dogmática tradicional, que vislumbram a possibilidade de se adotar um "processo objetivo" como forma de agilização dos julgamentos nesses Tribunais, pois a exclusão da participação das partes, com um fechamento apenas para as razões oriundas dos membros do Tribunal, denota uma situação de carência de legitimidade; desfigurando-se, pois, a própria função dos Tribunais Superiores em uma ordem democrática, haja vista a redução da correção normativa à mera necessidade funcional de se tomar uma decisão, qualquer que seja ela! À luz dos pressupostos da teoria habermasiana, os Tribunais devem assegurar que as interpretações da Constituição - e da legislação - construam-se em um espa­ ço processualizado, organizado a partir do modelo constitucional de processo, que determina inclusive a necessidade de fundamentação da decisão.

Contudo, ao que parece, a dogmática tradicional desconsidera que os recur­ sos para Tribunais Superiores representam um prolongamento de um mesmo pro­ cesso, iniciado na primeira instância, e que, portanto, trata-se de uma discussão sobre uma alegação de lesão ou ameaça de lesão a direito, a qual - para ser bem examinada, a fim de que se atinja uma "decisão correta" - exige um exame e uma discussão para determinar a norma mais adequada àquele caso. Também esquece que a figura do "caso igual" ou do "caso repetitivo" apenas pode existir se diante da figura da coisa julgada - repetição de uma questão jurídica sob a qual pesa

226. HABERMAS, Jürgen, Facticidad y validez: sobre el derecho y el estado democrático de derecho en términos de teoria dei discurso, p. 309.

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decisão irrecorrível - ou da litispendência - processos diferentes que apresentam as mesmas partes, mesmo pedido e mesmas causas de pedir.

A partir desse prisma, a multiplicidade de propostas interpretativas de um di­ reito, veiculada pelos diversos recursos apresentados aos Tribunais Superiores, não representa algo negativo. Primeiro, porque, como já afirmado, cada caso represen­ ta um evento único e, por isso, deve ser examinado à luz de suas particularidades, não podendo receber uma decisão em bloco, com demais casos distintos.

Ao contrário do que pesam e do que pensam alguns juristas tradicionais e mi­ nistros desses Tribunais, quanto maior a oportunidade de problematização, maior é o espaço para desenvolvimento de uma "cidadania ativa".”' Principalmente, por­ que a conclusão à qual se chega não é no sentido de que os Tribunais Superio­ res funcionam como um "terceiro grau" de jurisdição, mas que os recursos a eles destinados apresentam uma importante função: assegurar a aplicação de normas adequadas aos casos concretos, de modo a sempre integrá-las num mesmo sistema coerente - o que, em termos dworkianos, visa à garantia de integridade do Direito. Assim, também em Habermas, os recursos permitem que sejam produzidas novas respostas jurídicas, mantendo a expectativa de que estas sejam mais ade­ quadas que as anteriores. As decisões proferidas no passado e no presente, então, não podem ser descartadas, pois indicam uma linha de raciocínio na compreensão de um direito e contribuem para uma leitura coerente. A inclusão de um "novo" requisito de admissibilidade recursal, como a "repercus­ são geral" para o recurso extraordinário, mostra-se problemática à luz de uma com­ preensão procedimental do Direito. Aqui, não mais se pode defender a utilização de um mecanismo de seleção que poupe os Tribunais Superiores de "causas de menor importância", já que toda causa lança luzes sobre a compreensão do sistema jurídico.

Sendo assim, todo direito, para ser considerado como tal, deve representar uma confluência de interesses de todos os membros da sociedade por meio de um discurso de justificação. Todavia, isso não é suficiente. Ainda é necessário que se proceda a uma compreensão do Direito a partir de um sistema coerente de normas prima fade aplicáveis - o que significada identificá-las como princípios. Como afirmado, com base na teoria dworkiana, os dois fundamentos neces­ sários para a interposição de um recurso para um Tribunal Superior apontados pela dogmática jurídica tradicional - a proteção do ordenamento jurídico (em nível constitucional e infraconstitucional) e a garantia de uniformização na aplicação e na interpretação do Direito - acabam adquirindo a mesma função também em Haber­ mas: um direito apenas pode ser protegido se compreendido à luz de um sistema coerente de normas, isto é, como conjunto coerente de princípios.

227. SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo de. Jurisdição constitucional democrática, p. 247.

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Portanto, falar em "repercussão geral" não pode nunca adquirir uma interpre­ tação de que direitos estão ligados a pretensões privatísticas. Os direitos são cons­ truídos à luz de uma história institucional, abrindo um espaço argumentativo que não se desenvolve no vácuo, como já explicou Gadamer. Destarte, a exigência de de­ monstração da "repercussão geral" apenas pode se dar através da articulação, no iter processual, de maneira discursiva (lógico-argumentativa), de uma interpretação do direito pretendido à luz de um sistema coerente de normas. Mas, ao se proceder assim, pode-se constatar que a condição de conhecimento do recurso extraordi­ nário permanece como questão interna ao Direito, haja vista a desnecessidade de qualquer apelo para o plano metajurídico, bem como a sua impossibilidade lógica, como lembra Günther.

Seguindo essa lógica, a "repercussão geral" não pode ser satisfatoriamente considerada como requisito de admissibilidade recursal específico. Portanto, o pri­ meiro grupo apenas apresenta os pressupostos extrínsecos (tempestividade, pre­ paro, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer), sob pena de se procedera uma dissolução dessa separação, correndo o risco de desconsiderar consequências importantes: qualquer outra análise, neces­ sariamente, acaba por adentrar a discussão sobre o mérito recursal, prejulgando a causa.

Em conclusão, uma compreensão normativa leva à "repercussão geral" como questões internas à própria pretensão recursal; e, por isso mesmo, estão conecta­ das a toda e qualquer pretensão jurídica levada a cabo pelas partes processuais. Uma leitura procedimental, então, percebe que a ausência de demonstração de tais requisitos acarreta um julgamento de mérito negando tal pretensão, o que, nesse sentido, demonstra que tal "inovação" acaba por ser incapaz de responder ao pro­ blema da "crise do Judiciário". Tal entendimento, então, mostra-se adequado ao paradigma procedimental do Direito, uma vez que alia a compreensão desses recursos como via da defesa de di­ reitos à função unificadora desempenhada pelos Tribunais, ambas guiadas por uma interpretação coerente do Direito, capaz de gerar respostas adequadas aos casos concretos apresentados ao Judiciário. Logo, não se toma o público como oposto ao privado, mas apresentam-se ambas as esferas sob o prisma de uma relação de equiprimordialidade.

Como argumentado anteriormente, se levada a sério a dimensão pragmática da linguagem jurídica, não é possível a priori, por meio da legislação, identificar as cau­ sas que supostamente não interessariam ao resto da sociedade. Proceder assim equivalería ainda a defender a possibilidade de se atingir, por meio do discurso de justificação, o ideal de uma norma perfeita. Todavia, Günther”8 mostrou que isso é inalcançável; daí a necessidade de proceder-se a uma distinção entre os discursos

228. GÜNTHER, Klaus, Thesenseofappropráteness.application discourses in moralityand law.

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de justificação e de aplicação do Direito. Nesse sentido, é apenas no interior do discurso de aplicação que se poderia reconstruir uma norma, dotando-a de sentido. Logo, a separação individual/coletivo/difuso, defendida pela dogmática tradicional, cai por terra à luz das complexidades impostas pela linguagem. Tudo deve passar pelo fio da argumentação, que será desenvolvida, a partir do uso de razões capazes de gerar convencimento, com a participação daqueles que serão os destinatários de tais provimentos. 5.3. Súmulas Vinculantes

Um outro produto da Reforma do Judiciário desenvolvida pela Emenda n» 45/04 é a intitulada Súmula Vinculante. Certo é que os enunciados uniformizantes sobre matérias reiteradamente decididas pelos Tribunais há muito frequentam 0 ambiente jurídico pátrio. Nesses termos, "a edição de súmulas, guarda entre nós, estrita relação com a própria função dos Tribunais Superiores, no sentido de garantir a autoridade e a uniformidade interpretativa da Constituição e das Leis Federais".229230 231 Evandro Lins e Silva, de forma lapidar, resumiu 0 que foi a sistematização engendrada pelo então Ministro do STF Vitor Nunes Leal na década de 60 do século XX: "[...] Súmula foi a expressão de que se valeu Vitor Nunes Leal, nos idos de 1963, para definir, em pequenos enunciados, 0 que 0 Supremo Tribunal Fede­ ral, onde era um dos seus ministros, vinha decidindo de modo reiterado acerca de temas que se repetiam amiudamente em seus julgados [...]"’5° Nesse sentido, 0 eminente jurista pátrio afirmou de forma clara que a Súmula se destinaria "primordialmente, a descongestionar os trabalhos de um Tribunal, simplificando e tornando mais célere 0 trabalho dos juizes na atividade jurisdicional". Afirmou, também, que a Súmula serviría de meio de informação e direcionamento a todos os magistrados e advogados que conheceríam as principais orientações dos Tri­ bunais Superiores, sobretudo do STF sobre as questões mais frequentes que lhes eram apresentadas recorrentemente para julgamento.

Porém, embora já fosse tradicional a edição de súmulas, as mesmas não eram dotadas de força vinculante (vinculatividade direta sobre os órgãos do Poder judi­ ciário e da Administração Pública).251

229. MENDES, Gilmar: MEYER PFLUG, Samantha, Passado e futuro da súmula vinculante: considerações á luz da Emen da n° 45/04, Reformo do Poder Judiciário. Ed. Saraiva, 2005, p. 328. 230. LINS E SILVA, Evandro, Crime de hermenêutica e súmula vinculante. Revista Consulex, n.5,1997. 231. Na doutrina: "a súmula do Supremo Tribunal Federal, que deita suas raizes entre nós nos assentos da Casa de Suplicaçào, nasce com caráter oficial, dotada de perfil indiretamente obrigatório. £, por conta dos recursos, constitui instrumento de auto disciplina do Supremo Tribunal Federal, que somente deverá afastar-se da orientação nela preco nizada de forma expressa e fundamentada. Essas diretrizes aplicam-se também à Súmula vinculante consagrada na emenda 45/2004. É evidente, porém, que a Súmula vinculante, como o próprio nome indica, terá o condão de vincular diretamente os órgãos Judiciais e os órgãos da administração pública, abrindo a possibilidade de que qualquer interessado faça valer a orientação do supremo, não mediante simples interposição, mas por meio da apresentação de uma reclamação por descumprimento de decisão judicial." (MENDES; COELHO; BRANCO, Curso de direito constitucional, 2008, p. 965-966). Aqui é importante citarmos, o art.927 do novo CPC de 2015, que inova no sentido de que:”o$ juizes eos tribunais observarão:!-os enunciados de súmula vinculante; lll

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Nesse sentido, temos, segundo o novo art. 103-A da CR/88 que 0 Supremo Tribu­ nal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar Súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.252 Com isso, surge em terrae brasilis um instituto que não perpassa nossa tradi­ ção típica do civil law (sistema romano-germânico) e que mais se coaduna com 0 common law (sistema anglo-saxão).

Assim sendo, a Súmula Vinculante que se relaciona intimamente com a lógi­ ca anglo-saxã da fundamentalidade da fonte jurisprudencial do direito, com base no stare decisis (ater-se ao decidido), desenvolvido a partir do binding precedent (precedente obrigatório prolatado por um Tribunal), vem sendo objeto de inúmeras controvérsias e discussões acaloradas nos últimos anos.2” Certo é que inúmeros argumentos foram engendrados contrariamente à Súmula vinculante, dentre eles: a violação a independência dos órgãos do Poder Judiciário com 0 engessamento dos mesmos, que estariam totalmente atrelados ao posicio­ namento firmado pelo STF; usurpação do princípio da separação dos Poderes, entre outros. Porém, uma gama de juristas sempre defendeu posição favorável à Súmula vinculante, afirmando que a mesma seria um instituto racionalizador que traria uma maior certeza e previsibilidade das decisões judiciais, aumentando com isso a segurança jurídica. Para inúmeros autores teriamos uma devida e necessária unifor­ mização da atividade interpretativa, desenvolvendo-se assim 0 princípio da isono­ mia. Além disso, a celeridade das decisões seria enfatizada, permitindo respostas mais ágeis para questões idênticas que envolvessem uma enorme quantidade de jurisdicionados, desobstruindo não só 0 STF, mas também, por consequência, as instâncias ordinárias.

- os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e emjulgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional 232. É bem verdade que, conforme a doutrina, além da súmula persuasiva (súmula sem ser vinculante, que já exis­ te tradicionalmente como um mecanismo de uniformização sobre uma determinada matéria em um Tribunal pátrio) e da atual súmula vinculante (exclusiva do STF), temos ainda outras modalidades de súmula em nosso ordenamento. Nesses termos: a) súmula impeditiva de recurso-. Aqui restou estabelecido mais um requisito de admissibilidade para o recurso de apelação. Esse requisito, é, justamente, o da sentença de primeira instância não estar em consonância com súmula do STF ou súmula do STJ. Nesse sentido, se a decisão prolatada estiver em conformidade com as referidas súmulas o recurso ficará obstaculizado. b) súmula de repercussão geral (nos moldes da súmula im peditiva de recurso): Essa afirma, conforme a Lei n° 11.418/06 que, uma vez definido o entendimento de que a matéria em comento não enseja repercussão geral não haverá (automaticamente) a possibilidade de admissão de qualquer outro recurso extraordinário sobre o temo náo admitido. 233. Embora no Brasil a aplicação das súmulas vinculantes (e não só elas, mas também dos enunciados de súmulas não vinculantes) é deturpada em relação ao uso dos precedentes do common law. JUNIOR, NUNES, BAHIA, PEDRON. Novo CPC - Fundamentos e Sistematização, p.327,2015.

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Mas as críticas mais contundentes, vem justamente da inadequação e desvirtuamento do uso das súmulas (e das súmulas vinculantes) no Brasil. 0 desvirtuamento ocorre, segundo a doutrina, porque diferentemente do uso dos pre­ cedentes no common law, a utilização dos enunciados de súmulas no Brasil, são completamente dissociados do caso concreto que lhes deram fundamento. Nesse sentido, as súmulas acabam funcionando como normas gerais e abstratas que se deligariam, como a lei, de seus fundamentos originalistas (quando corretamente os julgados precisam ser aplicados, como fundamento, em consonância com os limites argumentativos do caso). A crítica aqui, é a de que no uso da intitulada jurisprudência defensiva, o tribunal formata um enunciado para a súmula (o que é mais grave no caso da vinculante) a fim de encerrar o debate sobre o tema, já que no futuro um caso X ou Y será enquadrado nesse enunciado e a questão será resolvida rápida e facilmente. Nesse sentido, temos a situação de que os enuncia­ dos das súmulas seriam, para alguns, pronunciamentos dos Tribunais vocaciona­ dos à abstração e generalidade e que a aplicação de uma súmula poderia se dar desvinculada dos casos (julgados) que deram base a sua criação (os fundamentos das súmulas desgarram-se dos fundamentos determinantes que as formaram). 0 pro­ blema, lembram Júnior, Nunes, Bahia e Pedron, é o de que os precedentes nos paí­ ses do common law não terminam (encerram) a discussão, mas sim são um ponto de partida (e não um ponto de chegada como no Brasil), ou seja, um dado do passado para a discussão do presente.254

Mas não obstante esse instigante debate, fato é que a súmula vinculante aden­ trou em nosso ordenamento e vem, paulatinamente, se afirmando (ainda que dura­ mente criticada). Certo é que a Lei n° 11.417/06 regulamentou 0 art. 103-A da CR/88. Com isso, passamos agora a analisar os principais pontos da Súmula vinculante prevista constitucionalmente e de sua regulamentação infraconstitucional.

1)

Requisitos (pressupostos): sem dúvida, existem 3 (três) requisitos (para alguns pressupostos) básicos que visam a desenvolver os princípios da segurança jurídica, isonomia e celeridade. Nesse sentido:

234. Com isso, “nessa quadra da história não é mais cabível a defesa de uma aplicação automática dos precedentes como se ainda estivéssemos no século XIX, admirados com o poder das normas gerais e abstratas. O que se crítica é que após todos os avanços da teoria do direito e da ciência jurídica, se aceite a reprodução, mesmo sem perceber, de uma peculiar aplicação do positivismo normativista da jurisprudência dos conceitos (Begriffsjurisprudenz), que defendia a capacidade de criar conceitos universais; um sistema fechado que parte do geral para o singular e que chega a esse geral com a negligencia das singularidades. Perceba-se que no século XVIII e XIXacreditava-se que o legislador poderia fazer normas perfeitas, gerais e abstratas, de tal forma que seriam capazes de prever todas as suas hipóteses de aplica ção. Descobrimos no século XX que isso não é possível (que v.g, por detrás da pretensa objetividade da lei estavam os preconceitos daquele que a aplicava). Agora, em fins do século XX e início deste, apostamos, mais uma vez, no poder da razão de criar regras perfeitas, apenas que agora seu autor não é mais (só) o legislador, mas (também) o Tribunal. Em países de common law, para que um precedente seja aplicado há que se fazer exaustiva análise comparativa entre os casos (presente e passado, isto é o precedente), para saber se, em havendo similitude, em que medida a solução do anterior poderá servir ao atual". JUNIOR, NUNES, BAHIA, PEDRON. Novo CPC - Fundamentos e Sistematização, p.336-337 e p.347-348, 2015.

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a)

Necessidade de 8 ministros (2/3) para a edição da mesma (ou mesmo revisão ou cancelamento de Súmula vinculante)135 (pressuposto for­ mal);

b)

Reiteradas decisões sobre a matéria objeto da Súmula, com a demons­ tração de que há uma multiplicação de questões idênticas sobre o tema a ser explicitado na Súmula*3* (pressuposto material);

c)

Controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre estes e a Adminis­ tração Pública que acarrete grave insegurança jurídica (pressuposto material).

2)

Objeto: a Súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas jurídicas.

3)

Legitimidade para propor a edição (cancelamento ou revisão) da Súmula Vinculante: são legitimados a propor a edição, a revisão ou 0 cancelamento de enunciado de Súmula Vinculante:



Os mesmos legitimados da ADI presentes no art. 103 da CR/88 (0 Presi­ dente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; 0 Procurador-Geral da República; 0 Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; 0 Governador de Estado ou do Distrito Federal)



Além ainda dos: Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regio­ nais Eleitorais e os Tribunais Militares e 0 Defensor Público-Geral da União.

Temos, também, que 0 Município poderá propor, incidentalmente ao curso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou 0 cancelamento de enunciado de Súmula Vinculante, 0 que não autoriza a suspensão do processo. Sendo assim.

235. As súmulas existentes no STF que não são vinculantes, ou seja, as súmulas tradicionais de sua jurisprudência (anteriores à Emenda n°45/04), só poderão se tornar vinculantes com a devida aprovação de 8 ministros do STF. 236. Aqui temos uma consideração feita por inúmeros constitucionalistas e processualistas penais sobre a edição da Súmula Vinculante n° 11, que ao que, parece, não obedeceu esse requisito. Sobre esse requisito temos que, além da necessidade de um conjunto de decisões, as mesmas não devem ser controvertidas no STF, afinal não poderiamos desvirtuar a ideia clássica do que seja uma súmula! (uniformização de julga­ dos reiterados sobre uma mesma matéria*. Por isso, as decisões da corte devem ser no mesmo sentido, criando-se, a partir, daí uma necessidade de uniformização (sedimentação) do tema recorrentemente deba­ tido.

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todos os legitimados podem propor direta ou incidentalmente a edição (revisão ou cancelamento) de Súmula Vinculante, exceto os Municípios que só podem provocar o STF de forma incidental, no iter de processos em curso e que eles sejam parte. Não podemos esquecer ainda que o próprio STF poderá de ofício (sem provo­ cação) propor a edição revisão ou cancelamento de Súmula vinculante.

4)

Considerações finais: a primeira delas se refere aos efeitos da Súmula Vin­ culante prolatada (revisada ou mesmo cancelada).

a) a Súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata (a partir de sua publicação). Porém, por dicção legal, 0 STF, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público. Aqui, temos a possibilidade de modulação (manipulação) de efeitos em equivalência ao já trabalhado art. 27 da Lei n° 9.868/99. b) A Súmula Vinculante editada pelo STF (e apenas por ele que é 0 único le­ gitimado a editá-la) irá vincular aos órgãos do Poder judiciário (exceto 0 STF que edita a mesma) e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. 0 legislador no seu mister (função típica legislativa) não es­ tará vinculado.

c) Certo é que, à luz da Constituição (art. 103-A, § 3°), do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a Súmula aplicável ou que indevidamente a apli­ car, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará 0 ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determi­ nará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da Súmula, conforme 0 caso.337

d) Outra questão importante que também foi normatizada se refere à atua­ ção do Poder Legislativo sobre matéria que é objeto de súmula vinculante. Obvia­ mente, 0 legislador, como já citado, no exercício de sua função típica legislativa (no ato de legislar), não está preso ao conteúdo de uma súmula vinculante (tese da não fossilização do legislador). Com isso, se revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, 0 Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme 0 caso.237 *

237. Conforme o art. 7, caput, da Lei n° 11.417/06: Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Fede­ ral, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação. No art. 7 § 1°do mesmo diploma legal, temos que: Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamen to dos vias administrativas.

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e) Sobre o cancelamento de Súmula vinculante o STF enfrentou interessante caso em setembro de 2015. Certo é que já observamos quais são os legitimados a propor a edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante (conforme já des­ crito). Pois bem, a Associação Nacional dos Magistrados da justiça do Trabalho Anamatra ingressou com um pedido no STF para cancelamento ou alteração do teor da Súmula Vinculante 25 do STF (Redação da Súmula: É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito). A entidade pediu que a súmula fosse cancelada ou que sua redação fosse alterada e nela constasse permissão para a prisão civil do depositário judiciário infiel no âmbito da Justiça do Trabalho. 0 STF rejeitou em 24.09.2015 a proposta de cancelamento do Enunciado 25 da Súmula Vinculante. 0 STF afirmou que, para admitir-se a revisão ou 0 cancelamento de súmula vinculante, seria necessário demonstrar que houve: a) evidente supe­ ração da jurisprudência do STF no tratamento da matéria; b) alteração legislativa quanto ao tema; ou ainda c) modificação substantiva de contexto político, econô­ mico ou social. A Anamatra, segundo 0 STF, não conseguiu comprovar a ocorrência (não eviden­ ciou de modo suficiente) de qualquer um desses pressupostos, 0 que impossibilita 0 exame da proposta de cancelamento. Nesses termos, 0 mero descontentamento ou eventual divergência quanto ao conteúdo da súmula vinculante não autorizariam a rediscussão da matéria. Ou seja, não propiciariam a reabertura das discussões que originaram a edição da Súmula e cujos fundamentos já teriam sido debatidos à exaustão pelo STF.2i8

f) 0 STF em 30.11.2016 rejeitou proposta da OAB que pretendia 0 cancela­ mento do verbete da súmula vinculante n» 5. Segundo 0 Pretório Excelso, após a edição da Súmula Vinculante n° 5, não houve mudança na legislação, na jurispru­ dência ou na percepção da sociedade a justificar a revisão ou 0 cancelamento do enunciado. Afirmou 0 STF que súmula vinculante deve ter certo grau de estabilidade, somente devendo ser cancelada ou revista em caso de superveniência de fatos suficientemente relevantes. Segundo 0 STF, para admitir-se a revisão ou 0 cance­ lamento de súmula vinculante, é necessário, conforme citado acima, demonstrar que houve: a) evidente superação da jurisprudência do STF no tratamento da matéria; b) alteração legislativa quanto ao tema; ou c) modificação substantiva de contexto político, econômico ou social. Assim sendo, nos termos do informa­ tivo 849 do STF, o mero descontentamento ou eventual divergência quanto ao238

238. O STF também em 24.09.2015, rejeitou pedido da Confederação Brasileira dos Trabalhadores Policiais Civis - Cobrapol para cancelamento da Súmula Vinculante n°11, sob os mesmos fundamentos da rejeição descritos acima para o enunciado da Súmula Vinculante n°25.

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conteúdo da súmula vinculante não autorizariam a rediscussão da matéria. A OAB, portanto, não conseguiu comprovar a ocorrência de qualquer um desses pressupostos, o que impossibilita o exame da proposta de cancelamento. Nesse sentido, reafirmou o STF que a falta de defesa técnica por advogado no proces­ so administrativo disciplinar não ofende a CR/88. Nesses termos, o STF ressaltou que não é proibida a participação dos advogados nos processos administrativos disciplinares. Pelo contrário, a Administração Pública deve viabilizar a presença de advogado nesses procedimentos administrativos, devendo também cientificar os servidores públicos que eles possuem o direito de contratar um profissional para fazer a sua defesa. Isso não significa, contudo, que, não havendo advogado, o Processo Administrativo Disciplinar seja nulo.2” g) Sobre o debate (ou discussão) em torno de uma súmula vinculante no iter de ações judiciais em curso no Poder Judiciário, temos que a proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante não autoriza a suspen­ são dos processos em que se discuta a mesma questão (que pode ser objeto de súmula). h) Certo é que, no aspecto procedimental, temos ainda que o Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado, manifestar-se-á previa­ mente à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante. E, além disso, no procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado da súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, a manifesta­ ção de terceiros na questão (amicus curiae), nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

239. Informativo 849 do STF: “Ressaltaram também os Ministros que, caso se reconheça que a Súmula Vinculante 5 vio­ la a Constituição, também deveria ser reconhecida a inconstitucionalidade das normas que, em processo judicial, dispensam a presença de advogado (nos processos trabalhistas, nos juizados de pequenas causas, nos juizados especiais federais, etc.). Assentaram que os processos administrativos estão sujeitos a ampla revisão no âmbito ju­ risdicional, no qual haverá a defesa técnica necessária. Concluiu que o cancelamento da súmula restauraria situa­ ção de insegurança total, pois se devolveria à jurisdição normal uma discussão que a súmula buscou eliminar. Vale ressaltar que aSV5 refere-se ao tipico processo administrativo disciplinar, ou seja, aquele que tramita no âmbito da Administração Pública. Este enunciado não se aplica nara o processo administrativo que apura infrações come? tidas no sistema penitenciário. Assim, mesmo havendo precedentes do STF exigindo advogado nos processos de apuração de falta grave do condenado, estes não podem ser invocados para justificar o cancelamento da SV 5. Nesses termos: "Consignou que os precedentes relativos ao cometimento de falta grave no âmbito do sistema penitenciário não demonstram ter havido mudança da jurisprudência da Corte acerca da aplicação da Súmula Vinculante 5. Esta se refere ao típico processo administrativo disciplinar no âmbito da Administração Pública e nào propriamente no de infrações cometidas no sistema penitenciário. Afirmou não ter havido mudança substancial na legislação, na jurisprudência ou na percepção da sociedade, a justificar a revisão ou o cancelamento da Súmula Vinculante

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i) Por último, citamos as atuais súmulas vinculantes para o devido conheci­ mento das mesmas:

SÚMULAS VINCULANTES Súmula Vinculante n° 1

Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponde­ rar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a valideze a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Comp ementar n3110/2001.

Súmula Vinculante n° 2

É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.

Súmula Vinculante n° 3

Nos processos perante o tribunal de contas da união asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado. exceUada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

Súmula Vinculante n° 4

Salvo nos casos previstos na constituição, o salário rnín.mo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empre­ gado, nem ser substituído por dec são judicial.-'

Súmula Vinculante n°5

A falta de defesa técnica por advogado no pmeesso administrativo disciplinar não ofende a Constituição?'”

Súmula Vinculante n° 6

não viola a constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário míni­ mo para as praças prestadoras de serviço militar inicial.

Súmula Vinculante n° 7

A norma ao § 3° do artigo 192 da constituição, revogada pela emenda constitucio­ nal n° 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar.

240 Nâo há vedação para a fixação de piso salarial em múltiplos do salário mínimo, desde que inexistam reajustes au­ tomáticos. Isso não configura afronta aoart. 7o, IV, da CF/88 nem à Súmula Vinculante 4. STF. PTurma. RE 1077813 AgR/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 05.02.2019 (Informativo 929). STF. 2a Turma. ARE 1110094 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 29.06.2018. 241. Porém, conforme o Informativo n° 572 do STF: Por reputar violados os princípios do contraditório e da ampla defesa, a Turma deu provimento a recurso extraordinário para anular decisão do Juizo de Execuções Penais da Comarca de Erechim - RS, que decretara a regressão de regime de cumprimento de pena em desfavor do recor­ rente, o qual não fora assistido por defensor durante procedimento administrativo disciplinar instaurado para apurar falta grave. Asseverou-se que, não obstante a aprovação do texto da Súmula Vinculante 5, tal verbete seria aplicável apenas em procedimentos de natureza eive! e nâo em procedimento administrativo disciplinar promovido oara averiguar o cometimento de falta grave, tendo em vista estar em ioao a liberdade de ir e vir. Assim, neste caso, asseverou-se aue o principio do contraditório deve ser observado amplamente, coma presença de advogado cons tituído ou defensor público nomeado, impondo ser-lhe apresentada defesa, em obediência às regras específicas contidas na Lei de Execução Penal, no Código de Processo Penal e na Constituição. (RE n° 398.269/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julg: 15.12.2009 - 2a Turma do STF).

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SÚMULAS VINCULANTES

Súmula Vinculante n° 8

São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5o do decreto-lei n° 1.569/1977 e os artigos 45 o 46 da lei n° 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário

Súmula Vinculante n°9

0 disposto no artigo 127 da lei n° 7210/1984 (lei de execução penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e nâo se lhe aplica o limite temporal previsto nó caput do artigo 58.

Súmula Vinculante n° 10

Viola a cláusula de reserva de plenário (CR, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora nâo declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Súmula Vinculante n° 11

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou ca autoridade e de nulidade da prisão ou do ato proces­ sual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado.

Súmula Vinculante n°12

A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal.

Súmula Vinculante n° 13

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou ce servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de lunçào gratifi­ cada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da união, dos estados, do distrito federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações reciprocas, viola a Constituição Federal.”'

242. Sobre a Súmula Vinculante n° 13 do STF, no Informativo n" 537 o Pretório Excelso em 04.03.2009, nos apresenta a seguinte decisão da Reclamação nc 6.702: "Por vislumbrar ofensa à Súmula Vinculante n°13,o Tribunal deu provimento a agravo regimental interposto contra decisão que indeferira pedido de liminar em reclamação ajuiza­ da contra decisão de 10 grau que, no bojo de ação popular movida pelo reclamante, mantivera a posse do irmão do Governador do Estado do Paraná no cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas local, para o qual fora por este no­ meado. Asseverou-se, de inicio, que o caso sob exame apresentaria nuances que os distinguiriam da situação tratada no julgamento do fíE 579951/RN (DJE de 24.10.2008), na qual se declarara que a prática do nepotismo no âmbito dos três Poderes da República afronta à Lei Maior, e, ressaltando-se a diferença entre cargo estritamente administrativo e cargo político, reputara-se nulo o ato de nomeação de um motorista e hígido o do Secretário Municipal de Saúde, não apenas por se tratar de um agente político, mas por não ter ficado evidenciada a prática do nepotismo cruzado, nem a hipótese de fraude à lei. Esciareceu-se, no ponto, que, em 24.6.2008, o Presidente do Tribunal de Contas daquela unidade federado encaminhara oficio ao Presidente da Assembléia Legislativa, informando a vacância de cargo de Conselheiro, em decorrência de aposentadoria, a fim de que se fizesse a seleção de um novo nome, nos termos dos arti­ gos 54, XIX, ae77,§ 2°, da Constituição estadual. O expediente fora lido em sessão no mesmo dia em que recebido, mas protocolizado no dia subsequente. Neste dia, a Comissão Executiva da Assembléia Legislativo editara o Ato 675/2008, abrindo o prazo de 5 dias para as inscrições de candidotos ao aludido cargo vago, além de estabelecer novas regras para o procedimento de escolha e indicação da Casa, em especial para transformar a votação de secreta em nominal, segundo uma única discussão. Destacou-se que tal ato fora publicado em jornal no Diário da Assembléia somente em 9.7.2008, e que. no mesmo dia. em Sessão Especial Plenária, os Deputados Estaduais integrantes da Assembléia

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SÚMULAS VINCULANTES

Súmula Vinculante n° 14

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elemen­ tos de prova que. já documentados em procedimento investigatório realzado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa/'’

Súmula Vinculante n° 15

0 cálculo de gratificações e outras vantagens do servidor público nâo incide sobre o abono utilizado para se atingir o salário mínimo

Súmula Vinculante n° 16

Os artigos 7o, iv, e 39, § 3° (redação da EC 19/98), da constituição, referem-se ao total da remuneração percebida pelo servidor público.

Legislativa elegeram o irmão do Governador para ocupar o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas, tendo o Go vernador, no dia 10.7.2008, assinado o Decreto 3.04I, que aposentou o anterior ocupante do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas estadual, o Decreto 3.042. que exonerou o irmão do cargo de Secretário do Estado da Educação, e o Decreto 3.044, que o nomeou para exercer o mencionado cargo de Conselheiro. Entendeu-se que no caso em tela estariam presentes os requisitos autorizadores da concessão da liminar. Considerou-se que a natureza do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas não se enquadraria no concerto de agente político, uma vez que exerce a função de auxiliar do Legislativo no controle da Administração Pública, e que o processo de nomeação do ir­ mão do Governador, ao menos numa análise perfunctória dos autos, sugeriria a ocorrência de vícios que ma­ culariam a sua escolha por parte da Assembléia Legislativa do Estado. Registrou-se 0 açodamento, no mínimo suspeito, dos atos levado a cabo na referida Casa Legislativa para ultimar o processo seletivo, o que indicaria, quando mais não seja, a tentativa de burlar os princípios da publicidade e impessoalidade que, dentre outros, regem a Admi­ nistração Pública em nossa sistemática constitucional. Observou-se que a aprovação do irmão do Governador para o cargo dera-se inclusive antes de escoado integralmente o prazo aberto para a inscrição de candidatos ao mesmo, cujo vacância, ao menos do ponto de vista formal, ocorrera apenas em 10.7.2009. Afirmou-se, também, ser de duvidosa constitucionalidade, em face do princípio da simetria, a escolha de membros do Tribunal de Contas pela Assembléia Legislativa por votação aberta, tendo em conta o disposto no art. 52, lll, b, da CR. Concluiu-se que, além desses fatos, a nomeação do irmão, pelo Governador, para ocupar o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas, agente incumbido pela Constituição de fiscalizaras contas donomeante, estaria a sugerir, em princípio, desrespeito aos mais elementares postulados republicanos. Por conseguinte, deferiu-se, por unanimidade, a liminar, para sustaras efeitos da nomeação sob exame até o julgamento da mencionada ação popularf...)" (Rcl n° 6.702 AgR-MC/PR, Rel. Min. Ricardo Lewan­ dowski). Sobre a SVn°13eotema do^nepotismo" ver também decisão do STF na ADI 3745julg. em 15.05.2013. 243. Não viola o entendimento da Súmula Vinculante n° 14 do STF o decisão do juiz que nega a réu denunciado com base em um acordo de colaboração premiada o acesso a outros termos de declarações que não digam respeito aos fatos pelos quais ele está sendo acusado, especialmente se tais declarações ainda estão sendo investigadas, situação na qual existe previsão de sigilo, nos termos do art. 7ada Lei n° 12.850/2013.2a Turma do STF. Rcl 22009 AgR/PR. rel. Min.Teori Zavascki, julgado em 16.02.2016. Já conforme o Informativo 649 do STFCPor reputar violada a Súmula Vinculante 14, o Plenário julgou procedente pedido formulado em reclamação para conceder ao reclamante acesso aos documentos apreendidos na sede de empresa, da qual diretor-presidente. em especial, ao conteúdo de mídias supostamente vazias ou danificadas. Na espécie, ojuizo de origem permitira a disponibilizaçáo de parte dos arquivos recolhidos - em investigações procedidas na denominada “Operação Satiagraha” -, selecionada por peritos da policia federal, sob a assertiva de que o restante das mídias estaria corrompido, a impedir o espelhamento pretendido pela defesa. Asseverou-se que, sendo o espelhamento o meio adequado para viabilizar o acesso ao conteúdo das mídias danificadas e para comprovar quais estariam realmente vazias, não poderia o magistrado opor resistência ã efetiva­ ção dessa medida, para não inviabilizar o contato do reclamante com elementos de prova, em cerceio a sua defesa". (Rcl9324/SP, Rel.Min. Cármen Lúcia, julg. em 24.11.2011) Porém segundo o STF, o Verbete 14daSúmula Vinculantedo STF não alcança sindicância que objetiva elucidação de fatos sob o ângulo do cometimento de infração administra tiva. Com base nessa orientação, a 1° Turma negou provimento a agravo regimental em que se reiterava alegação de ofensa ao referido enunciado, ante a negativa de acesso a sindicância. (Rcl n° 10.771 AgR/RJ julg. em 04.02.2014, Rel. Min. Marco Aurélio)

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Poder Judiciário

SÚMULAS VINCULANTES Súmula Vinculante n° 17

Durante o período previsto no parágrafo 10 do artigo 100 da Constituição, não inci­ dem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos.

Súmula Vinculante n° 18

A dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no § 7° do artigo 14 da Constituição Federal.

Súmula Vinculante n° 19

A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinaçâo de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, nâo viola o artigo 145, II, da Constituição Federal.

Súmula Vinculante n° 20

A gratificação de desempenho de atividade técnico-administrativa - data, instituída pela lei n° 10.404/200?, deve ser deferida aos inativos nos valores correspondentes a 37,5 (trinta e sete vírgula cinco) pontos no período de fevereiro a maio de 2002 e. nos termos do artigo 5o, parágrafo único, da lei n° 10.404/2002, no período de junho de 2002 até a conclusão dos efeitos do último ciclo de avaliação a que se refere o artigo 1° da medida provisória no 198/2004. a partir da qual passa a ser de 60 (ses­ senta) pontos.

Súmula Vinculante n° 21

É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo/''1

Súmula Vinculante n° 22

A justiça do trabalho é competente para processar e juígar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam senten ça de mérito em primeiro grau quando da promulgação da emenda constitucional n° 45/04.

Súmula Vinculante n° 23

A justiça do trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada.

Súmula Vinculante n° 24

Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1°, incisos 1 a IV, da lei n° 8.137/90, antes do lançamento definit vo do tributo/'

244 Informativo 636 do STF: "A exigência de depósito prévio como condição de admissibilidade de recursos admi­ nistrativos afigura-se contrária à presente ordem constitucional, inclusive na esfera trabalhista. Com base nessa orientação, o Plenário julgou procedente pedido formulado em arguiçào de descumprimento de preceito funda­ mental para declarar não recebido o art. 636, § 1°,da CLT ("Art. 636. Os recursos devem ser interpostos no prazo de 10 (dez) dias, contados do recebimento da notificação, perante a autoridade que houver imposto a multa, a qual, depois de os informar encaminha los á à autoridade de instância superior. § 1a O recurso só terá seguimento se o interessado o instruir com a prova do depósito da multa")" (ADPF 156/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julg. em 18.08.2011) 245 É interessante destacar que do ponto de vista da prescrição, a Súmula Vinculante 24 é prejudicial para o réu porque mesmo ele tendo praticado a conduta anos antes, o prazo prescricional não começa a correr se ainda não houve constituição definitiva do crédito tributário. Nesse sentido, é mais difícil de se escapar da prescrição. O Estado-acusação acaba ganhando mais tempo para oferecer a denúncia antes que o crime prescreva. Desse modo, surgiu a tese defensiva de que a Súmula Vinculante 24, por ser mais gravosa ao réu, não poderia retroagir para ser aplicada a fatos anteriores à sua edição, sob pena de isso ser considerado aplicação retroativa "in malam

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Bernardo Gonçalves Fernandes

SÚMULAS VINCULANTES Súmula Vinculante n° 25

é

ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.

Súmula Vinculante n° 26

Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2o da Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preen­ che, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do beneficio, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.

Súmula Vinculante n° 27

Compete à justiça estadual julgar causas entre consumidor e concessionária de ser­ viço público de telefonia, quando a Anatel não seja litisconsorte passiva necessária, assistente, nem opoente.

Súmula Vinculante n° 28

é inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário

Súmula Vinculante n° 29

é constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra.

Súmula Vinculante n° 31

É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - I5S sobre operações de locação de bens móveis.

Súmula Vinculante n° 32

OICMS nâo incide sobre alienação de salvados de sinistro pelas seguradoras.

Súmula Vinculante n° 33

Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Pre­ vidência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4°, inciso lll, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica.-46

Súmula Vinculante n° 34

A Gratificação de Desempenho de Atividade de Seguridade Social e do Trabalho - GDASST, instituída pela Lei 10.483/2002, deve ser estendida aos inativos no va­ lor correspondente a 60 (sessenta) pontos, desde o advento da Medida Provisória 198/2004, convertida na Lei 10.971/2004, quando tais inativos façam jus à paridade constitucional (EC 20/1998,41/2003 e 47/2005).

partem". Porém, essa tese não foi aceita. Com isso, segundo o STF no RHC 122774/RJ, julg. em 19.05.2015, a Sú­ mula pode ser aplicada a fatos anteriores à sua edição. O fundamento é o de que o enunciado da Súmula apenas consolidou interpretação reiterada do STF sobre a matéria. No mesmo sentido: STJ. 3a Seção. EREsp 1.318.662-PR, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 28.11.2018 (Info 639): Como a SV24 represento a mera consolidação da Interpretaçãojudicial que já era adotada pelo STF e pelo STJ mesmo antes da sua edição, entende-se queé possível a aplicação do enunciado para fatos ocorridos anteriormente à sua publicação. 246. É importante salientar que será aplicado o RGPS no que couber. Portanto para o STF, o art. 40, § 4°, lll da CR/88 não garante necessariamente aos servidores o direito à conversão com contagem diferenciada de tempo especial em tempo comum. O que este dispositivo garante é apenas o direito à "aposentadoria especial' (com requisitos e critérios diferenciados). Nesses termos, nâo se pode aplicar as regras de conversão do tempo especial em tempo

comum, previstas para os trabalhadores em geral (RGPS), para os servidores públicos, considerando que a lei que vier a ser editada regulamentando o art. 40, § 4°, lll da CR/88 não estará obrigada a conceder este fator de conversão aos servidores.

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Poder Judiciário

SÚMULAS VINCULANTES Súmula Vinculante n°35

A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possioilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecuçâo penal me- | diante oferecimento de denúncia ou requisição de nquérito policial.

Súmula Vinculante n° 36

Compete à Justiça Federal comum processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação da Ca­ derneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de Habilitação de Arrais-Amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil.

Súmula Vinculante n° 37

Não cabe ao poder judiciário, cue nào tem função legislativa, aumentar vencimen­ tos de servidores públicos sob o fundamento de isonomia.-'1

Súmula Vinculante n° 38

É competente o município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimen­ to comercial.

Súmula Vinculante n° 39

Compete privativamente à união legislar sobre vencimertos dos membros das polí­ cias civil e militar e do corpo de bombeiros miiitar do distrito federal.

Súmula Vinculante n° 40

A contribuição confederativa de que trata o art. 8o, iv, da constituição federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo.

Súmula Vinculante n° 41

0 serviço de iluminação pública nâo pode ser remunerado mediante taxa.

Súmula Vinculante n° 42

É inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de servidores estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária.

Súmula Vinculante n° 43

É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor inves­ tir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.

Súmula Vinculante n°44

Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público.

Súmula Vinculante n° 45

A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerro gativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual.

Súmula Vinculante n°46

A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas nor­ mas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da união.-’4-

Súmula Vinculante n° 47

Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfa­ ção ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, obser­ vada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza.

247. Como exemplo: Rcl 14872, STF. 2áTurma, Rel. Min. Gilmar Mendes, Julg. em 31.05.2016 (Informativo 828 do STF). 248. O art. 5o, XXXVIII, "d", da CR/88 afirma expressamente que o Tribunal do Júri terá competência para julgar os "cri­ mes dolosos contra a vida". Os crimes dolosos contra a vida (de competência do Tribunal do Júri) sáo a) homicídio (art. 121 do CP); b) induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art. 122 do CP); c) infanticídio (art. 123 do CP); d) aborto em suas três espécies (arts. 124,125 e 126 do CP). Já o foro por prerrogativa de função trata-se de uma prerrogativa prevista pela Constituição segundo a qual as pessoas ocupantes de determinados cargos ou funções somente serão processadas e julgadas criminalmente em foros privativos colegiados (como exemplo: TJ,

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SÚMULAS VINCULANTES

Súmula Vinculante n°48

Na entraca de mercadoria importada do exterior, é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.

Súmula Vinculante n°49

Ofende o principio da livre concorrência lei municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área.

Súmula Vinculante n°50

Norma legai que altera o prazo de recolhimento de obrigação tributária não se suje ta ao principio da anterioridade.

Súmula Vinculante n°51

O reajuste de 28.86%, concedido aos servioores militares pelas Leis 8622/1993 e 8627/1993, estende-se aos servidores civis do pode' executivo, observadas as even­ tuais compensações decorrentes dos reajustes diferenciados concedidos pelos mes­ mos diplomas legais.

Súmula Vinculante n°52

Ainda quanco alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, "c“, da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas.

Súmula Vinculante n° 53

A competência ca Justiça do Trabalho prevista no art.' '4,Víll,da Constituição Fede­ ra alcança a execução de ofício das contribuições previdenciãrias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por eia homologa­ dos.

Súmula Vinculante n° 54

A mecica provisória não apreciada pelo congresso nacional podia, até a Emenda Constitucional 32/2001, ser reeditada dentro do seu prazo de eficácia de trinta dias, mantidos os efeitos do lei desde a primeira ecição.

Súmula Vinculante n°55 Súmula Vinculante n°56

O direito ao auxilio-afmentação nâo se estende aos servidores inativos.

A falta de estabelecimento penal aoequado não autoriza a manutenção do conde­ nado em regime prisiona mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS?'9

TRF, STJ. STF). Nesses termos, o Presidente da República pela pratica de crime comum será julgado no STF (art. 102,1, b da CR/88), já os Prefeitos peloTJ (art. 29, X da CR/88). É interessante salientar que existem hipóteses em que o foro por prerrogativa de função é estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual, desde que haja simetria com a Constituição Federal. (Os exemplos mais citados são: Vice-Governador e Secretários de Estado). Porém, esse foro estabelecido exclusivamente por Constituição Estadual não prevalece sobre o foro estabelecido na Constituição Federal para o Tribunal do Júri. Como exemplo, se um Prefeito praticar um homicídio ele não vai a Júri, pois prevalece o previsto na CR/88 (art. 29, X da CR/88). Já se um Secretário de Estado praticar um homicídio ele vai a Júri (mesmo existindo expressa previsão que o seu foro por prerrogativa de função na Constituição Estadual éoTJ. Essa previsão servirá para outros crimes, mas não para os crimes que vão a Júri). A conclusão, expressa na súmula, é que nesse caso, não prevalece o previsto apenas na Constituição Estadual. 249. A Súmula Vinculante n. S6/STF é inaplicável ao preso provisório. Ao julgar o RHC 99.006/PA em 07.02.2019, o STJ afastou a possiblidade de aplicara Súmula Vinculante 56 a presos em caráter provisório.

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Poder JudiciArio

5.4. A Teoria dos Precedentes no novo CPC de 2015

5.4.1. Introdução Conforme lecionam Humberto Theodoro, Dierle Nunes, Alexandre Bahia e Flávio Pedron, podemos identificar duas posturas do Poder judiciário brasileiro na aplicação de julgamentos passados como fundamento de decisões presentes: a) repetem-se, mecanicamente, ementas e enunciados de súmulas, conforme o mo­ delo de racionalidade próprio das leis (comandos gerais e abstratos); b) julga-se desprezando as decisões anteriormente proferidas, a partir de um marco zero interpretativo.251 0 que se observa é uma redução teleológica (e instrumental) na aplicação do precedente pelo sistema processual brasileiro atual, que liga a aplica­ ção de precedentes aos já superados modelos positivistas da Escola da Exegese e da jurisprudência dos Conceitos. Segundo essa metodologia interpretativa, o direito é um sistema ideal, baseado numa rígida estrutura conceituai hierarquicamente posta pelo legislador, que formaliza a interpretação a ser dada pelo magistrado através da objetivação dos institutos jurídicos.252 Há, no entendimento dos autores, uma desconexão do atual modelo com os pressupostos da teoria do direito moder­ no, uma vez que este gera uma ruptura do processo argumentativo, não exigindo do magistrado uma postura hermeneuticamente construtiva, que adeque o pre­ cedente à história institucional e à comunidade de princípios brasileira. Há que se frisar, ainda, segundo os autores, que a decisão jurídica segue um percurso diverso daquele realizado pelo processo legislativo, incapaz de absorver em um enunciado a generalidade e abstração própria das leis. As leis incorporam em si, durante o processo legislativo, os argumentos morais e políticos abstratos, para, então, serem traduzidas para o código deontológico do direito. 0 precedente, por sua vez, está umbilicalmente ligado ao caso concreto que lhe originou, somente fazendo sentido a partir das peculiaridades deste caso. A preocupação aqui é em encerrar o debate e resolver a questão do caso repetido, em um claro exercício de jurisprudência repetitiva que em nada se aproxima da clássica aplicação da jurisprudência pela tradição do common law.253

0 novo Código de Processo Civil de 2015, embora (por óbvio) não tenha 0 con­ dão de por si só resolver todos os nossos entraves processuais, traz interessante atualização quanto ao direito jurisprudencial, de forma a enquadrá-lo nas exigên­ cias democráticas pós-giro linguístico-pragmático, feito este que deve ser largamen­ te comemorado pelos juristas brasileiros. Para 0 adequado uso dos precedentes, no entanto, é imprescindível que se realize algumas digressões teóricas quanto a seus conceitos e elementos, bem como a análise do disposto no CPC/2015.

251. JUNIOR, NUNES, BAHIA, PEDRON. Novo CPC- Fundamentos eSistematizarão. Ver, sobretudo: p. 301 -322 e p, 323396,2015. 252. JUNIOR, NUNES, BAHIA, PEDRON. Novo CPC - Fundamentos e Sistematização, p.333-345,2015. 253. JUNIOR, NUNES, BAHIA, PEDRON. Novo CPC-Fundamentos e Sistematização, p.336-337 e p.324-396,2015.

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Bernardo Gonçalves Fernandes

5.4.2. Conceito Precedente254 é o elemento normativo (razão de decidir ou ratio decidendi255) proveniente de decisão judicial que pode servir como diretriz para o julgamento de casos análogos posteriores256257 . Dessa forma, o precedente é composto por três elementos, sendo eles: 1)

As circunstâncias fáticas relacionadas à controvérsia, necessárias para a definição de quais casos serão considerados semelhantes e, portanto, ne­ cessárias para a existência de possibilidade de aplicação do precedente.

2)

A argumentação jurídica em torno da questão, isto é, a argumentação acer­ ca do uso do precedente.

Importante notar que é imprescindível, para a argumentação no uso do prece­ dente, que seja feito um raciocínio de analogia, comparando em detalhe todos os elementos do caso apresentado com a jurisprudência parâmetro. Nesse sentido: Uma analogia consiste em indicar similaridades entre atributos de dois ou mais "en­ tes” a fim de que, embora diferente entre si (mas compartilhando de determinadas características), seja-lhes atribuído igual tratamento, a depender da quantidade e da relevância (qualidade) das similaridades existentes. Caso se conclua que a dois fatos deve ser atribuída a mesma consequência, quer dizer que se raciocinou por analogia; caso se entenda que a ambos os fatos devem ser atribuídas consequências distintas, 0 raciocínio foi realizado por contra-analogia (ou por "distinguishing", para utilizarmos 0 termo específico do common law).252

3)

A tese ou o princípio jurídico utilizado na exposição da motivação da deci­ são (ratio decidendi ou holding) que, não obstante seja elemento do prece­ dente em sentido lato, é, por outro lado, 0 próprio precedente em sentido estrito.

0 magistrado, ao julgar determinada demanda, acaba por criar duas nor­ mas, uma de cunho específico e outra de cunho geral. A norma de cunho espe­ cífico é aquela que se relaciona somente à específica decisão do caso concreto.

254. Ainda no que diz respeito ao conceito de precedente, é necessário destacar que súmula, jurisprudência e pre­ cedente são noções distintas, embora umbilicalmente ligadas, haja vista que a súmula é o enunciado normativo da ratio decidendi de uma jurisprudência dominante, que é a reiteração do precedente. Há, pois, uma evolução: precedente jurisprudência súmula. A súmula é, pois, a cristalização da norma geral extraída, a luz de casos con­ cretos, do texto legal. 255. LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais: Estado de Direito, segurança jurídica e teoria dos precedentes. Salvador: JusPodivm, 2016,2‘ ed. 256. Vale notar que existem três principais concepções acerca do conceito de precedente: a ampla, a restrita e a inter­ mediária. Pelo conceito amplo, precedentes são originados em todas aquelas decisões judiciais que possam ser utilizadas como parâmetros para julgamentos posteriores de casos análogos. Para a concepção restrita, por ou­ tro lado, uma decisão judicial só configuraria um precedente em casos paradigmáticos, que pudessem, portanto, se firmar como paradigmas orientadores para magistrados e jurisdicionados. Finalmente, para a concepção in­ termediária, precedentesjudiciais são oriundos de decisões judiciais cujas teses possam ser utilizadas em casos posteriores análogos. Cf. LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais... 257. JUNIOR, NUNES. BAHIA, PEDRON. NovoCPC-Fundamentos e Sistematização, p.320, 2015.

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Poder Judiciário

sendo seu objetivo último a regência da situação fática que dá objeto ao pro­ cesso. Assim, essa regra específica é, justamente, o dispositivo da decisão, que produz efeitos inter partes. A de cunho geral, por outro lado, diz respeito a uma esfera interpretativa dos fatos frente o direito positivo vigente. Assim, a rotio decidendi da decisão, não obstante construída a partir da situação concreta, "se desprende do caso específico e pode ser aplicada em outras situações con­ cretas que se assemelhem àquela em que foi originalmente construída.".258 Em outras palavras, o precedente extrai da ratio decidendi259, a partir de raciocínio indutivo, regra geral passível de aplicação a outros casos semelhantes (razão de decidir universalizável), de tal forma que a vinculação é operada pelas razões de decidir. Para melhor entender essa questão da diferenciação entre a regra específica (relacionada ao dispositivo da decisão e à coisa julgada) e a regra específica (rela­ cionada ao precedente), vejamos o seguinte quadro comparativo260:

Limite Objetivo

Limite Subjetivo

COISA JULGADA (REGIME GERAL-ART. S03, CAPUT, CPC)

COISA JULGADA (REGIME ESPECIAL ART. 503, § 1°, CPC)

EFICÁCIA VINCULATIVA DO PRECEDENTE JUDICIAL

Dispositivo da decisão (nor­ ma juridica individualizada).

Solução dada à questão prejudicial expressa e in­ cidentalmente resolvida na fundamentação.

Ratio decidendi - norma ju­ rídica geral (fundamentação da decisão).

Inter partes, como regra (art 506, CPC).

Inter partes, como regra (art. 506, CPC).

Erga omnes.

258. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, vol. 2,11aed„ p. 456. 259. Vale mencionar que a motivação da decisão judicial também pode conter o chamado obiter dictum (ou dictum}, este que consiste em um juízo normativo acessório, na medida em que é argumento utilizado na motivação da decisão em caráter complementar e subsidiário. Não obstante possa representar um supor­ te à exposição de motivos do magistrado, não é fundamental, razão pela qual guarda relação negativa com a ratio decidendi:"é obiter dictum a proposição ou regra juridica que não compuser a ratio decidendi." (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, p. 458).Tem-se, pois, que o obiter dictum não configura precedente, ainda que possa ter certa utilidade na identificação de posição futura do Tribunal, por exemplo. Isso porque o obiter dictum pode assumir condição de ratio na medida em que ”a identificação de obiter dictum no jul­ gamento de casos prévios pode se tornar ratio no julgamento futuro de um hard case, contribuindo muito para sua solução - bem como para outros casos que a ele se assemelhem." (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, p. 459). Importante salientar, no entanto, que existem casos nos quais invoca-se indevidamente o obiter dictum como se precedente fosse, culminando em uma espécie de rebaixamento da ratio à condição de dictum. Cf. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 260. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória.

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COISA JULGADA (REGIME GERAL-ART. 503, CAPUT, CPC) Ação resci sória, querela nullitatis, desconsriruiçâo de i sentença inconstitucional (arts. 525, $ 12, e 535, § 5o, Instrumentos | CPC) e a correção de erro de material

Controle

COISA JULGADA (REGIME ESPECIALART. 503, § 1°, CPC)

EFICÁCIA VINCULATIVA DO PRECEDENTE JUDICIAL

Os mesmos nstrumentos de controle da coisa julgada sujeita ao regime geral.

Preventivo: intervenção do amicus curiae antes da for maçào do precedente (ex. arts.' 38; 950, §3°: 938, § 1°; I.038. e II, CPC). Repressivo: mecanismos de superação ioverruling) do precedente (ex. art. 3°, Le n. II.417/2006; arts. 927, §§ 2° a 4°, e 986, CPC).

Em suma, é justamente essa norma de cunho geral produzida no julgamento da demanda que dá origem ao precedente, de tal forma que a decisão judicial se configura como "ato jurídico de onde se extrai a solução do caso concreto, encontrável no dispositivo, e o precedente, comumente retirado da fundamentação.".261 Dessa maneira, importante frisar que "a ratio decidendi ou o holding não é o próprio fundamento aprovado pela maioria para decidir. A ratio decidendi ou a tese é uma descrição do entendimento jurídico que serviu de base à decisão.".262263 264 245

Vale salientar, como sustenta Lenio Streck, que a ratio decidendi de uma decisão que dá lugar ao precedente é determinada pelos tribunais inferiores e pelos juizes (e não pelo tribunal que decidiu a questão), isto é, ao julgarem um caso, os Tribu­ nais Superiores não delimitam um precedente pois apenas decidem o caso, ficando a cargo dos Tribunais Inferiores e dos Juizes definirem qual é o precedente oriundo do caso.26i Assim, há que se considerar que o fato da ratio decidendi poder ser ex­ traída de tal forma que faça configurar norma geral universalizável para outros ca­ sos concretos (gerar precedente, portanto) faz com que os magistrados, para além

261. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Provo, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 457. 262. MELLO. Patrícia Perrone Campos; BARROSO, Luís Roberto, Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro. Revista daAGU, Brasília/DF, v. 15, n. 03, pp. 09-52, jul./set. 2016, p. 27, grifos dos autores. 263. Essa importante diferenciação traz à tona o questionamento acerca de como é definida a ratio decidendi e o seu alcance, destacando-se, neste iter, dois métodos. A um, o método fático-concreto, pelo qual a ratio decidendi é a regra extraída de um conjunto de fatos, pouco importando os fundamentos justificadores da decisão ou o que a corte disse. Assim, enseja a elaboração de teses eminentemente restritivas e presas às particularidades do caso concreto, o que pode acabar por não favorecer uma abordagem sistemática do direito. A dois, o método abstrato normativo, pelo qual decisão constitui, ao mesmo tempo, uma solução para o caso concreto e uma indicação decisiva quanto aos casos futuros. Assim, considera que os fundamentos da decisão são muito importantes para a compreensão adequada do precedente. Cf. MELLO, Patrícia Perrone Campos; BARROSO, Luís Roberto. Traba­ lhando com uma nova lógica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro. 264. STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto - o sistema (sic) de precedentes no CPC? Revista Consultor Jurídico, 18 ago. 2016. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-ago-18/senso-incomum-isto-sistema-SK:-precedentes-cpc . Acesso em jan. 2017.

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da observância à norma constitucional que preleciona a necessidade de motivação de suas decisões, precisem elaborar as fundamentações de seus julgados de forma cuidadosa, a teor do art. 489, §§ 1° e 2®, CPC/2015.

5.4.3. Fundamentos do Respeito aos Precedentes: Segurança Jurídica Para que se discuta um modelo de precedentes, é necessário se questionar porque os precedentes são relevantes, isto é, porque eles devem ser seguidos. Certamente existem inúmeras respostas, dentre as quais há que se mencionar 0 controle do poder do juiz, a promoção da igualdade jurídica entre os cidadãos, 0 desestimulo à litigância e 0 favorecimento de acordos, a facilitação da razoável du­ ração dos processos e a relacionada mais eficiência do Poder judiciário.265

Não obstante de fato existam tais razões (e outras) que justificam 0 respeito aos precedentes, é importante notar que 0 fundamento básico de tal respeito é a promoção da segurança jurídica, consubstanciada pela previsibilidade e pela esta­ bilidade do Direito.266 A previsibilidade do Direito, pertinente à possibilidade de se prever as con­ sequências jurídicas dos atos praticados e ao conhecimento de deveres, poderes e direitos subjetivos, depende de um Direito que seja sistemático, homogêneo e acessível. Assim,



A sistematicidade do Direito se relaciona com a unidade, coerência e completude do ordenamento jurídico, as quais só podem ser possíveis com a atua­ ção jurisdicional do Estado. Ora, as decisões judiciais possuem, como bem se sabe, papel de suprir as lacunas e antinomias normativas por meio da interpretação sistemática dos dispositivos legais, da extração de normas implícitas e explícitas e do raciocínio analógico, 0 que permite a unidade, a coerência e a completude do ordenamento. Assim, os precedentes, por serem dotados de universalidade e por serem, portanto, aplicáveis aos casos análogos, suprem eventuais falhas legislativas e garantem, de forma mais eficiente, a previsibilidade do Direito.



A homogeneidade, por sua vez, é corolária do princípio da igualdade, sendo necessária, para a igualdade da aplicação do Direito, a consistência na inter­ pretação das normas jurídicas. Ora, se cada juiz optar por interpretar as nor­ mas vigentes da forma como achar mais pertinente, sem limites e standards, ficaria impossível a previsão da norma jurídica aplicável ao caso concreto. As­ sim, os precedentes atuam, nesse sentido, como uma necessária linha diretiva.



Finalmente, a acessibilidade é fundamental para a previsibilidade do Di­ reito, uma vez que a alegação de não conhecimento da lei não configura

265. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. São Paulo: Revista dosTribunais, 2010. 266. LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais...

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escusa para o seu não cumprimento. Dessa maneira, frente um ordena­ mento jurídico extremamente extenso, os precedentes atuam em favor da acessibilidade dos entendimentos judiciais. A estabilidade do Direito tem como embasamento a percepção de que a vida social (em paz) depende de um conjunto de regras gerais e permanentes. Isso não implica, por óbvio, na imutabilidade do Direito, sob pena de inadequação à realida­ de social, mas sim na vedação às alterações abruptas e excessivamente constantes. Por óbvio, essas considerações também se aplicam à jurisprudência, uma vez ser uma "fonte hermenêutica" do Direito. Ora, "de nada adianta exigir estabilidade legislativa se a todo instante as leis recebem uma nova interpretação jurispruden­ cial.".267 É sob essa égide que se legitima o respeito aos precedentes, na medida em que tal respeito tem o condão de, ao tornar a jurisprudência mais sólida e concreta, proporcionar estabilidade na interpretação do Direito.268

5.4.4. Eficácia Juridica e Efeitos dos Precedentes Os efeitos dos precedentes são ex lege, isto é, ocorrem independentemente da manifestação de vontade do órgão jurisdicional que o produziu, uma vez ser ato-fato jurídico. Visualiza-se, no direito brasileiro, seis tipos de efeitos jurídicos que um precedente pode produzir, a teor do que lecionam Fredie Didier jr., Paulo Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, a saber: i) vinculante/obrigatório; ii) persuasivo; iii) obstativo da revisão de decisões; iv) autorizante; v) rescindente/deseficacizante e; iv) de revisão da sentença. Vale mencionar que esses tipos de efeitos não são mutuamente excludentes, citando-se, a título exemplificativo, os enunciados de súmulas do STF e do STJ, que produzem, concomitantemente, os efeitos obrigatório, obstativo, denegatório e autorizante.269 Entendemos que esses tipos de efeitos jurídicos podem ser abarcados sob a égide de três espécies de eficácias jurídicas dos precedentes, a saber, precedentes obrigatórios (ou normativos em sentido forte), precedentes com eficácia (meramen­ te) persuasiva e precedentes que produzem eficácia intermediária, a teor do que lecionam os juristas Patrícia Perrone Campos Mello e Luís Roberto Barroso.270 A pri­ meira e segunda espécies abarcam, respectivamente, os precedentes com efeitos obrigatórios e os com efeitos persuasivos, ao passo que na terceira espécie estão contidos os demais tipos de efeitos (obstativo, autorizante, deseflcacizante e de revisão).

267. LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais..., p. 262. 268. LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais... 269. DDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 270. MELLO, Patrícia Perrone Campos; BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos pre­ cedentes no direito brasileiro.

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0 precedente obrigatório2'1, que possui eficácia normativa em sentido forte2'2, é aquele que apresenta eficácia vinculativa em relação aos casos supervenientes que apresentarem situações análogas.271 273 Isso significa dizer que, "existindo um pre­ 272 cedente ao caso que está sendo julgado, ele deve ser seguido, decidindo-se o novo caso da mesma maneira que fora decidido o anterior.".2"1 0 CPC/2015 parece ter privilegiado especialmente precedentes com eficácia nor­ mativa em sentido forte, instituindo, nesse sentido, um sistema amplo, pelo qual abriu-se a possibilidade de produção de precedentes vinculativos não apenas pe­ los tribunais superiores, mas também pelos de segundo grau.275276 Nesse sentido, 0 diploma processual civil enumera no art. 927 os precedentes obrigatórios, que são vinculativos tanto para os Tribunais que os produziram quanto para os órgãos a eles subordinados. Assim, no que tange aos precedentes obrigatórios constantes do art. 927, CPC/2015, temos: a)

Precedentes oriundos de decisões em controle concentrado de constitucionali­ dade feito pelo Supremo Tribunal Federal: preleciona 0 art. 927, l, CPC, que jui­ zes e Tribunais deverão observar "as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade.", 0 que confere, portanto, força vinculante aos precedentes do STF produzidos em sede de controle concentrado de constitucionalidade2'6. Mas, para além da vinculação ao dis­ positivo da decisão, pode também existir vinculação à ratio decidendi do jul­ gado, que, por conseguinte, também gera precedente obrigatório - justamen­ te no teor do art. 927,1, CPC/2015. Quanto à essa distinção, cita-se excelente exemplo: "no julgamento de uma ADI, 0 STF entende que uma lei estadual (n. 1000/2007, P-ex.) é inconstitucional por invadir matéria de competência da lei federal. A coisa julgada vincula todos à seguinte decisão: a lei estadual n. 1000/2007 é inconstitucional; a eficácia do precedente recai sobre a seguinte ratio decidendi: 'lei estadual não pode versar sobre determinada matéria.

271. Também chamado de precedente vinculativo (binding precedent) ou dotado de autoridade vinculante (binding authority). 272. Conforme será explicitado abaixo, entende-se que somente os precedentes obrigatórios possuem eficácia nor­ mativa em sentido forte, uma vez que somente eles possuem a garantia de sua autoridade consubstanciada pelo instituto da reclamação. Cf. MELLO, Patrícia Perrone Campos; BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro. 273. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 274. LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisõesjudiciais..., p. 280. 275. MELLO. Patrícia Perrone Campos; BARROSO, Luís Roberto Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos pre­ cedentes no direito brasileiro. 276. Importante salientar que essa força vinculante dos precedentes se distingue da força vinculante da coisa julgada. Ora, a força vinculante da coisa julgada é proveniente de seus efeitos erga omnes, em controle concentrado de constitucionalidade, o que implica na necessidade de observância á ela por todos os demais órgãos jurisdicio­ nais, bem como pela administração pública direta e indireta nas esferas federal, estadual e municipal (art. 102, §2°,CR/88; art. 28, parágrafo único, da Lei n. 9.868/99; art. 10, § 3o, Lei n. 9.882/90).Cf. DIDIER JR.; BRAGA;OLIVEI­ RA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória.

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que é da competência da lei federal'. Se for editada outra lei estadual, em outro Estado, haverá necessidade de propor outra ADI, sobre a nova lei, cuja decisão certamente será baseada no precedente anterior; arguida a sua in­ constitucionalidade em sede de controle difuso, deverá ser observado esse precedente prévio e obrigatório do STF sobre essa matéria.".277278 280 279

b)

Precedentes cuja ratio decidendi foi enunciada em súmula-, de acordo com o art. 927, incisos II e IV, CPC/2015, juizes e Tribunais deverão observar os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional. Importante salientar que a observância a tais enunciados pressupõe a observância à ratio decidendi dos precedentes que os originaram. Vale mencionar que 0 art. 927, II, CPC, além de reafirmar a força obrigatória dos enunciados das súmulas vinculantes, também 0 faz em relação às demais súmulas editadas pelo STF e pelo STJ em matérias constitucional e infraconstitucional, respectivamente. Assim, "rigorosamen­ te, todos eles passam a ser de observância obrigatória. Não são enuncia­ dos de 'súmula vinculante', mas se aproximam disso.".778

c)

Precedentes produzidos por incidente em julgamento de tribunal - casos re­ petitivos e assunção de competência-, juizes e tribunais também deverão observar "os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraor­ dinário e especial repetitivos."’79, a teor do art. 927, lll, CPC. Configura-se como uma formação concentrada de precedentes obrigatórios, de tal for­ ma que as regras desse microssistema se complementam reciproca mente. Apresenta procedimento específico de produção, sendo que: i) todos os argumentos contrários e favoráveis à tese jurídica discutida haverão de ser enfrentados; ii) 0 contraditório é ampliado, com audiências públicas e a possibilidade de participação de amicus curiae (arts. 138; 927, § 2«; 983; 1038, l e II, todos do CPC). A necessidade desse procedimento especial se dá em razão de bastar que 0 julgador verifique se é ou não caso de dis­ tinção ou superação, quando da interpretação e aplicação do precedente a casos futuros e similares. Se não for, então "0 precedente será aplicado e a fundamentação originária do julgamento do incidente se incorporará automaticamente à própria decisão que 0 invoca, sem a necessidade de repeti-la ou reelaborá-la.".289

277. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 477. 278. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutelo Provisória, p. 478. 279. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden te. Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 478. 280. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 478.

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d)

Precedentes oriundos do plenário ou do órgão especial: por fim, o art. 927, V, CPC, preleciona que juízes e tribunais devem seguir "a orientação do ple­ nário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.".’81 Necessário distinguir as duas ordens de vinculação às quais dizem respeito 0 referido dispositivo: i) vinculação interna dos membros e órgãos de um Tribunal aos precedentes oriundos do Plenário ou do órgão especial deste mesmo Tribunal e; ii) vinculação externa, referente aos demais órgãos de instância inferior. Assim, a um, precedentes produzidos pelo Plenário do STF, que versem sobre matéria constitucional, vinculam todos os tribunais e juízes brasileiros; a dois, precedentes produzidos pelo Plenário e pelo órgão es­ pecial do STF, que versem sobre matéria infraconstitucional, vinculam 0 STJ, os TRFs, Tjs e juízes vinculados a esses tribunais; finalmente, a três prece­ dentes produzidos pelos Plenários e pelos órgãos especiais dos TRFs e do Tjs vinculam os próprios tribunais e os juízes a eles vinculados.

Ainda quanto aos precedentes obrigatórios, necessário tecer algumas observa­ ções finais:

1)

As decisões divergentes relacionadas aos precedentes obrigatórios cons­ tantes do art. 987, CPC/2015, podem ser cassadas por meio da utilização da reclamação, por força do art. 988, CPC/2015. No sistema jurídico brasileiro este instituto é essencial para a efetividade do respeito ao precedente, uma vez existir, ainda, alguma resistência quanto a ampliação dos prece­ dentes obrigatórios. Assim, 0 que se entende é que somente aos preceden­ tes obrigatórios poderia ser atribuída eficácia normativa forte, justamente porque constituem os casos em que é cabível a reclamação.’8’

2)

0 efeito vinculante do precedente abarca os demais efeitos, sendo ele 0 mais intenso, o extremo de um continuum. Assim, "0 precedente que tem efeito vinculante por determinação legal também deve ter reconhecida sua aptidão para produzir efeitos persuasivos, obstativos, autorizantes, etc.".’83

3)

Por serem precedentes obrigatórios, os juízes e os tribunais devem reco­ nhecê-los de ofício, sob pena de omissão e denegação de justiça’84, não obstante devam, antes, ouvir a manifestação das partes a respeito (art. 927, § i°, c/c art. 10, CPC/2015).

4)

Além dos precedentes vinculativos estabelecidos pelo art. 927, CPC/2015, há que se falar também nos precedentes consolidados nas súmulas de cada281 284 283 282

281. DIDIER JR.; 8RAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 479. 282. MELLO, Patrícia Perrone Campos; BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos pre cedentes no direito brasileiro. 283. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 469. 284. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória.

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um dos Tribunais, que têm força vinculativa em relação ao Tribunal que a editou e aos juizes a ele subordinados285. A força normativa dessas súmu­ las é reforçada pelas regras do art. 955, parágrafo único, e do art. 332, IV, ambos do CPC/2015. 0 precedente persuasivo, que possui eficácia meramente persuasiva (persucisive authority) se apresenta como um indício de uma solução considerada adequa­ da.286 Isto é, julgados que possuem eficácia meramente persuasiva não precisam ser obrigatoriamente seguidos por nenhum magistrado, não obstante sejam "relevantes para a interpretação do direito, para a argumentação e para 0 convencimento dos magistrados; podem inspirar 0 legislador287; e sua reiteração dá ensejo à produção da jurisprudência consolidada dos tribunais.".288289 291 290 Diante disso, 0 que se entende é que se 0 magistrado opta por aplicar um precedente com tal eficácia, ele 0 faz por acreditar em sua correção, razão pela qual a eficácia persuasiva é considerada a eficácia mínima dos precedentes.285 Existem, ainda, os precedentes que produzem eficácia intermediária (ou eficá­ cia normativa em sentido fraco), os quais não obstante não produzam efeitos obri­ gatórios, também "não são dotados de eficácia meramente persuasiva porque 0 próprio ordenamento lhes atribui efeitos para além dos casos em que foram produ­ zidos".250 Sob a égide dessa eficácia estão os precedentes obstativos de revisão de decisões, precedentes autorizantes, precedentes rescindentes ou deseficacizante e os precedentes que permitem revisão de sentença. Assim:

a)

Precedentes obstativos podem obstar a revisão de decisões tanto no sen­ tido de inadmissão da demanda, do recurso ou da remessa necessária, quanto no sentido de negar a postulação no mérito. Cita-se como exemplo os precedentes formados no julgamento de casos repetitivos ou de assun­ ção de competência e enunciados de súmula que autorizam a improcedência liminar da demanda (art. 332, CPC/2015).251

285. Vide enunciado n. 169 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: "Os órgãos do Poder Judiciário devem obrigatoriamente seguir os seus próprios precedentes, sem prejuízo do disposto no § 9° do art. 1.037 e § 4o do art. 927" 286. DIDIER JR.: BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden te, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 287. Vale mencionar que a autoridade do precedente persuasivo também pode ser reconhecida pelo legislador, sen­ do que o faz, atualmente, via admissão de interposição recursal que vise a uniformização da jurisprudência, tal qual é o caso dos embargos de divergência (art. 1.043, CPC/2015) e do recurso especial fundado em divergência (art. 105, lll, "c", CR/88 c/c art. 1.029, § 1 °, CPC/2015). Cf. DIDIER JR.: BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 288. MELLO, Patrícia Perrone Campos; BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos pre­ cedentes no direito brasileiro, p. 19. 289. DIDIER JR.; BR AG A; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 290. MELLO, Patrícia Perrone Campos; BARROSO, Luís Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos pre­ cedentes no direito brasileiro, p. 20. 291. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória.

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b)

Há configuração do precedente autorizante quando este se mostra deter­ minante para a admissão ou acolhimento de ato postulatório. Assim, atua de duas formas: a um, repercute no acolhimento de postulações; a dois, determina ou contribui para a admissão de recursos. A título exemplificativo, cita-se a admissibilidade do recurso especial, que pressupõe a de­ monstração da interpretação divergente conferida para outro tribunal (art. 105, lll, "c", CR/88), requisito que pode ser atendido com a invocação de um único precedente. Outro exemplo diz respeito à admissibilidade do recur­ so extraordinário, que pressupõe a demonstração de repercussão geral, "que se configura sempre que a decisão recorrida contrariar súmula do STF, precedente do STF ou tese firmada no julgamento de casos repetitivos, bem como quando a decisão recorrida reconhecer a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal".292293 296 295 294

c)

0 precedente rescindente ou deseficacizante é aquele cujo efeito é a rescisão ou a retirada da eficácia de uma decisão judicial transitada em julgado. A título exemplificativo, cita-se 0 caso dos §§ 12,13 e 14 do art. 525 e dos §§ 5», 6» e 7° do art. 535: "reputam inexigível decisão judicial que se lastreie em lei ou em ato normativo tidos pelo STF como inconstitucional. Nesse caso, 0 precedente do STF deve ser anterior à decisão transitada em julgado para produzir 0 efeito de deseficacizar a decisão judicial. Se 0 precedente do STF for posterior ao trânsito em julgado, caberá ação rescisória (art. 966, V, e art. 525, §15, CPC), cujo prazo será contado da data do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.".2’3

d)

Finalmente, 0 precedente que permite revisão de sentença "pode autorizar a ação de revisão de coisa julgada que diga respeito a uma relação jurídica sucessiva (art. 505, l, CPC), como a relação jurídica tributária".254 A título exemplificativo, cita-se que um precedente do STF poderia, a princípio, au­ torizar a revisão, ex nunc, da sentença que regulasse uma relação jurídica tributária.2”

Para além da classificação tradicional acerca da efica'cia jurídica dos preceden­ tes acima oferecida, há que se ressaltar que existem também graus de aderência não formais aos precedentes, isto é, "uma vinculação cultural à argumentação e significados gerados pelos precedentes.".29é É sob a égide desta virada institucio-

292. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 472, grifo nosso. 293. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova. Direito Probatório, Decisáo, Preceden­ te, CoisaJulgadaeTuteia Provisória, p. 473. 294. Dl Dl ER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 473. 295. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 296. LEGALE, Siddharta. Superprecedentes. Revista Direito GV, São Paulo, v. 12, n. 3, set.-dez. 2016, p. 827.

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nal pós-positivista que se encontra a dicotomia entre os superprecedentes e os miniprecedentes. Os superprecedentes são, em suma, precedentes que têm sua superação difi­ cultada em razão de vinculação jurídica e cultural, consubstanciada pelas redes so­ ciais, que sustentam seus argumentos e significados. Importa dizer que eles podem ser identificados a partir de algumas principais características, que serão a seguir abordadas.

Vale notar que os superprecedentes se aproximam da ideia de "metadecisões" defendida por Cass R. Sustein392 na medida em que ao fazerem esforço para produ­ ção de regras, princípios, standards, presunções e rotinas (modelo high), se tornam guias que tendem a desonerar o fardo de decisões posteriores (modelo low). Em outras palavras, os superprecedentes, assim como as metadecisões, orientam futu­ ras decisões, de tal forma que retiram o ônus argumentativo das instâncias inferio­ res que os sigam. Dessa maneira, os superprecedentes precisam, necessariamente, apresentar conteúdo amplo. Assim, a um, são amplos e imprecisos, pois se assim não fossem, regulariam apenas casos extremamente semelhantes, reduzindo seu aspecto de aplicação e impossibilitando o esforço de orientar tomadas de decisões futuras.

A dois, os superprecedentes têm efeito pacificador de disputas políticas, morais e sociais. Ainda que definam as controvérsias jurídicas de forma clara, evitam ou re­ duzindo as disputas legais, os superprecedentes se tornam objetos de deliberações sociais, pelas quais eles são atacados ou reconhecidos como válidos, o que permite que gerem "uma eficácia global e uma segurança jurídica consistente sobre a deci­ são a ser tomada.".3’8 Nesse sentido, há certa aproximação dos superprecedentes com o conceito de hard cases de Ronald Dworkin2’'’, na "medida que, quando adota esse conceito, o autor inclui decisões que resolvem questões moralmente contro­ vertidas com base em argumentos de princípios (principies) e não de políticas (po­ licies) [...] dentro de um pano de fundo que é uma teoria do direito compreendida como prática social interpretativa. Entretanto, as considerações morais advindas das capacidades interpretativas de diversas instituições têm papel muito mais relevante nos superprecedentes do que nos hard cases, uma vez que aqueles são oriundos de disputas argumentativas entre diferentes grupos sociais que eventualmente pacificam a questão de forma a dificultar o overruling. Melhor explicando, Dworkin só admite considerações sobre princípios de justiça nas decisões dos hard cases, em razão de ignorar a falibilidade dos órgãos jurisdicionais (consistente com a ideia de "juiz-Hércules"’01). Isso não*

297. 298. 299. 300. 301.

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Cf. SUSTE IN. Cass R.; ULLMANN-MARGALIT, Edna. Second-orderdecisions. Ethics, v. 110,1999. LEGALE, Siddharta. Superprecedentes, p. 830. Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério... LEGALE, Siddharta. Superprecedentes. p. 830, gritos do autor. DWORKIN. Império do Direito...

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ocorre nos superprecedentes. De fato, "nos superprecedentes encontram-se zonas de incertezas que abrem a tomada de decisão à influência dos argumentos tam­ bém de política, decorrentes das disputas das redes sociais que fornecem apoio para sustentação dos precedentes ou resistência/contestação à normatividade dos mesmos.".301

Mais além, a três, possuem vinculação jurídica e social abarcada sob o contexto de uma Constituição viva503, isto é, "considerando os casos imbricados com participa­ ção social e da discussão do ordenamento mais adequado para o corpo social.".302 304 303 Assim, os efeitos dos superprecedentes extrapolam a mera vinculação jurídica, con­ siderando que seus argumentos não se limitam à arena judicial, mas também se es­ praiam para os terrenos da política e das relações sociais. Dessa maneira, a norma­ tividade dos superprecedentes é sustentada não apenas pelo jurídico, mas também por uma vinculação social, notadamente por meio da utilização de redes sociais305. Finalmente, a quatro, os superprecedentes apresentam difícil ou reduzida chan­ ce de superação (overruling). Isso porque a superação de um superprecedente im­ plicaria na queda de uma significativa parte das normas e das interpretações vi­ gentes, uma vez que sua formação só foi possível, em primeiro lugar, em razão da legitimidade popular e da forte influência exercida sobre os três ramos do governo nacional. Assim, a dificultada superação dos superprecedentes não se dá apenas pela unanimidade jurídica e social necessária à sua formação, mas também "pela dificuldade de se conseguir nos tribunais interpretações diversas (casos nos quais se tentará uma interpretação parcialmente divergente), bem como porque parte substancial da doutrina e da compreensão constitucional do ordenamento está ba­ seada naquele entendimento expresso no precedente.".306307 0 que se tem, portanto, são precedentes que se enraizam no ordenamento jurídico e na cultura constitucio­ nal, obstaculizando, quase que completamente, potenciais alterações. Nesse sentido, os superprecedentes apresentariam semelhanças com a "refor­ ma constitucional de fato", constante da linha de pensamento de Ackermanw. Isso porque, sem que tenha ocorrido mudança formal à Constituição (por meio de emen­ das constitucionais aprovadas pelo parlamento), altera-se profundamente a inter­ pretação do diploma constitucional por meio da aprovação de um precedente. Sob essa égide estariam abarcadas a ADF 132/RJ e a ADI 4.277/DF, pelas quais mudou-se profundamente a interpretação do art. 226, § 5», CR/88, permitindo sua percepção como uma norma geral inclusive que reconhece uniões homoafetivas como uniões

LEGALE, Siddharta. Superprecedentes, p. 832. Cf. ACKERMAN, Bruce. The Living Constitution. Harvard Law Review, v. 120, n. 7, mai. 2007. LEGALE, Siddharta. Superprecedentes, p. 833. Nesse sentido, “os casos Lochner vs. New York e DredScott vs. Standford nâo são superprecedentes, porque, embo­ ra sejam amplamente conhecidos, já que não desfrutam mais de redes sociais que suportem a sua normati­ vidade.". Cf. LEGALE, Siddharta. Superprecedentes, p. 835, grifos do autor. 306. LEGALE. Siddharta. Superprecedentes, p. 833. 307. Cf. ACKERMAN, Bruce. TheLiving Constitution...

302. 303. 304. 305.

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estáveis sujeitas aos mesmos direitos das demais. Eis que se trata, portanto, "de uma reforma de fato do texto, que se explica não apenas por fatores institucionais ou sistemáticos da Constituição de 1988, mas também por meio de uma interpre­ tação histórico evolutiva. As mudanças na cultura e nos costumes sociais exigem a implementação de um novo arranjo de tolerância entre as formas de afeto.".508 Em outro giro, poderia ser pensada a aproximação dos superprecedentes com os leading cases, considerando que ambos se colocam como decisões referenciais para 0 ordenamento jurídico. Entretanto, a teor do que pontua Michael Sinclairí09, os su­ perprecedentes iriam além, uma vez serem praticamente insuperáveis e em razão do prestígio popular do qual desfrutam. É por esses motivos que a formação do superprecedente pressupõe uma mudança significativa na cultura sociojurídica de uma sociedade, a exemplo dos seguintes julgados norte-americanos: Marbury vs. Madison; Brown vs. Board of Education e; Roe vs. Wade. Por outro lado, os miniprecedentes (ou microprecedentes) dizem respeito a decisões "intuitivas, frágeis, estritas e fáceis de evitar".3*0 Em outras palavras, há que se considerar que as Cortes Constitucionais não decidem apenas leading cases, de tal forma que os miniprecedentes são concernentes àquelas decisões cotidianas, desprovidas de reflexões jurídicas, morais ou filosóficas extremamente aprofunda­ das e com reduzido impacto para além do deslinde do próprio caso concreto (efeito interportes).

5.4.5. Deveres Gerais dos Tribunais relacionados aos precedentes Diante de todo 0 exposto, necessário notar que os artigos 926-928 do novo CPC impõem uma nova abordagem do direito jurisprudencial no Brasil, a fim de adequá-la aos pressupostos teóricos da hermenêutica constitucional e da nova tradição jurídica na qual se aproxima.

Aqui ressaltamos 0 art. 926, com a seguinte redação: "Os tribunais devem uni­ formizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.". Acerca desses deveres prelecionados pelo art. 926, necessário tecermos algumas observações.

0 dever de uniformizar a jurisprudência diz respeito ao dever do Tribunal de resolver divergência interna, entre seus órgãos fracionários, quanto à mesma ques­ tão jurídica. É desdobramento desse dever 0 art. 926, § 1°, CPC, que determina 0 dever dos Tribunais de sintetizar sua jurisprudência dominante, sumulando-a. Vale mencionar que esse dever é condicionado ao cumprimento do que preleciona 0 art. 926, § 2°, CPC, de tal forma que "ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram

308. LEGALE, Siddharta. Superprecedentes, p. 834. 309. Cf. SINCLAIR, Michael. Precedent. superprecedent. GeorgeMason Law Review, v. 14, n. 2,2007. 310. LEGALE, Siddharta. Superprecedentes, p. 835.

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sua criação". Isso para que se mantenha a fidelidade do Tribunal à base fática que originou aquele enunciado, de tal forma que não se tenha enunciados de súmulas criados de forma abstrata. Com base no dever de manter a jurisprudência estável, entende-se que qual­ quer mudança no posicionamento (superação; overruling) deve ser devidamente justificada, "além de ter sua eficácia modulada em respeito à segurança jurídica (dever de estabilidade)."5” Nesse sentido, ressalta-se o princípio da "inércia argumentativa", que, visando a preservação do status quo, se coloca como norma que:



Estabelece a necessidade de forte carga argumentativa para aquele que pretenda afastara aplicação do precedente, exigindo-se, para além da fun­ damentação ordinária nos termos do art. 489, caput e § i», CPC, fundamen­ tação qualificada que justifique 0 overruling ou 0 distinguishing, de acordo com 0 art. 489, § i°, VI, CPC;



Estabelece a possibilidade de carga argumentativa mais fraca para aquele que pretende aplicar 0 precedente a caso semelhante, não obstante seja necessário a identificação dos fundamentos determinantes e a demonstra­ ção de que 0 caso em comento se ajusta a esses fundamentos, nos termos do art. 489, § 10, v, CPC.

Vale mencionar que a inércia argumentativa, não obstante prevista infraconstitucionalmente, "encontra-se implicitamente consagrada na Constituição como exi­ gência de uniformidade jurisprudencial que garanta: i) igualdade de tratamento para casos afins (art. 50, caput, CF); ii) motivação adequada tanto para a decisão que aplica como para aquela que afasta 0 precedente (art. 93, IX, CF) e; iii) contra­ ditório, que pressupõe 0 direito de conhecer essa motivação para questioná-la por meios de impugnação cabíveis (art. 5», LV, CF).".”2 0 art. 926, CPC, atribui aos Tribunais os deveres de manter íntegras e coerentes as suas respectivas jurisprudências. Buscando interpretar esse dispositivo a partir do reconhecimento de que se trata de enunciado normativo - e não doutrinário são identificadas as seguintes premissas: i) 0 problema relacionado à interpretação da coerência e da integridade não mais é abarcado apenas pelo campo filosófico, sendo também dogmático; ii) existem dois deveres distintos prelecionados pelo art. 926, CPC, não obstante eles formem uma amálgama, de tal forma que há dificulda­ de de se compreender um sem 0 outro; iii) não obstante sejam deveres distintos, uma determinada conduta devida por um Tribunal pode decorrer de ambos os de­ veres; iv) ambos os deveres têm como finalidade a consistência da jurisprudência

311. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria do Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 488. 312. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 488. 313. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 490 492.

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produzida pelo Tribunal; v) a condição mínima para que se possa considerar uma jurisprudência como íntegra e coerente é estar ela lastreada em precedentes bem fundamentados (art. 489, § 1° e art. 927, § 1°, CPC); vi) os deveres em questão tratam-se de postulados hermenêuticos, cuja utilização é necessária ao desenvol­ vimento judicial do direito; vii) a coerência e a integridade são pressupostos para que a jurisprudência possa ser legitimamente universalizada; viii) a verificação da coerência e da integridade deve ser realizada a partir de certos critérios.

0 dever de coerência deve ser concretizado nas dimensões formal e substan­ cial, sendo a primeira ligada à ideia de não contradição e a segunda à de conexão positiva de sentido. Além disso, a exigência de coerência produz efeitos nas dimen­ sões interna e externa. A dimensão interna diz respeito à construção do próprio precedente e, portanto, ao dever de fundamentação. Por outro lado, a dimensão externa diz respeito às decisões anteriores e à linha evolutiva do desenvolvimento da jurisprudência do Tribunal, de tal forma que as distinções entre os casos sejam realizadas de forma coerente. Nesse sentido, a coerência externa impõe o dever de autorreferência, isto é, 0 dever de dialogar com os precedentes anteriores, haja vista que "0 respeito aos precedentes envolve 0 ato de segui-los, distingui-los ou revogá-los, jamais ignorá-los.".314

No que diz respeito aos critérios de constatação da coerência do precedente judicial e, por conseguinte, da jurisprudência, destaca-se: •

Conformidade com 0 repertório conceituai da Teoria Geral do Direito e da Dogmática Jurídica, considerando que a Teoria Geral do Direito e a Dogmá­ tica Jurídica têm função bloqueadora, porque aquela estabelece 0 compên­ dio dos conceitos jurídicos fundamentais e esta estabelece 0 compêndio dos conceitos jurídico-positivos a partir da institucionalização da tradição jurídica.



Recondução a uma mesma norma superior: a coerência entre duas normas, no sentido de uma relação de justificação entre essas normas, também pode ser averiguada se ambas podem ser justificadas com base em um mesmo princípio ou conjunto de princípios que estejam hierarquicamente em nível superior.



Conformidade com a regra que impõe requisitos para a congruência inter­ na da decisão, isto é, 0 precedente precisa ser certo, claro e coerente.

0 dever de integridade, por sua vez, se relaciona com a ideia de unidade do Direito, de tal forma que sua observância exige a adoção de certas posturas pelo Tribunal, sendo algumas delas: i) decidir em conformidade com 0 Direito, de tal forma que se impeça 0 voluntarismo judicial e argumentações arbitrárias;

314. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 493.

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ii) decidir em respeito à Constituição, como fundamento normativo de todo o ordenamento, de tal forma que se concretize o postulado da hierarquia; iii) com­ preender o Direito como um sistema de normas, concretizando, pois, o postulado da unidade do ordenamento jurídico; iv) observar as relações íntimas e necessá­ rias entre o direito processual e o direito material; v) enfrentar, na formação do precedente, todos os argumentos favoráveis e contrários à tese jurídica discutida, questão consagrada pelo art. 984, § 2»e pelo art. 1.038, § 3a, CPC; VI) observar, na aplicação dos precedentes, as técnicas de distinção e superação, sempre que necessário para adequação do entendimento à interpretação contemporânea do ordenamento jurídico?15 5.4.5.1. Algumas Reflexões Criticas Considerando 0 acima exposto, entende-se que 0 art. 926, CPC/2015, indica a tônica da aplicação do novo direito jurisprudencial, em que qualquer interpreta­ ção do precedente deve, necessariamente, passar por uma leitura construtiva que promova a história institucional na qual ele está inserido. Conforme afirma Ronald Dworkin, os membros de uma comunidade desenvolvem uma complexa atitude chamada de atitude interpretativa, compartilhando práticas e tradições e as inter­ pretando, a fim de aplicá-las aos casos concretos. 0 direito, nesse contexto, seria mais um dos conceitos interpretativos de uma comunidade, exigindo do seu leitor um olhar voltado para a prática social. Seu significado só pode ser compreendido enquanto um empreendimento coletivo, em que 0 argumento moral se coloca como ingrediente essencial do argumento jurídico, a partir da premissa de que 0 direito é uma justificação moral para coerção do Estado, impondo a este 0 dever de tratar seus cidadãos com igual consideração e respeito?16

0 artigo 926 do novo CPC, portanto, traz, explicitamente, a necessidade de se enquadrar a aplicação dos precedentes a esses pressupostos da teoria dworkin nn, eliminando a ideia de subsunção mecânica até então praticada pelos tribunais brasileiros. Trata-se de levar os fundamentos que estão na base da jurisprudência a sério, reconstruindo essa formação no momento de aplicação ao caso concreto, demonstrando como a hipótese se encaixa integra e coerentemente. 0 próprio pa­ rágrafo 2° do referido artigo reforça essa noção, afirmando que "ao editar enuncia­ dos de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fdtícas dos precedentes que motivaram sua criação"?17 No mesmo sentido, é importante ressaltar 0 artigo 489, §i°, incisos V e VI, que disciplina que a fundamentação de decisão apoiada em precedente deve “identificar seus fundamentos determinantes e demonstrar que 0 caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos" ou, ainda, "demonstrara existência de*

315. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório. Decisáo, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 497. 316. JUNIOR. NUNES. BAHIA, PEDRON. NovoCPC - Fundamentos e Sistematização, p. 351-356,2015. 317. JUNIOR, NUNES. BAHIA, PEDRON. NovoCPC- Fundamentos eSistematizaçao, p. 351-356,2015.

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distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento". Temos, respecti­ vamente, a darificação dos institutos da distinguishing e do overruling, que denotam a importância de se aplicar o precedente pelo exercício da comparação. Esses exemplos, reforçam a ideia de que o novo CPC reinventa a postura do juiz, impondo uma ação responsável e argumentativamente adequada ao paradigma do Estado Democrático de Direito.318 Com isso, temos que o magistrado, agora, se encaixa num projeto comum de sociedade, que exige de todas as esferas do poder público uma integridade de ação legitimada, em última análise, pela comunidade de princípios compartilhados. A comunidade política só é verdadeira quando dá aos seus mem­ bros condições de participação moral baseadas na ideia de igual consideração e respeito a todos. Dessa forma, é dada a devida importância às consequências da decisão para a vida de um indivíduo da mesma maneira que é dada para as demais pessoas. Portanto, percebe-se que o novo CPC assume, na aplicação do precedente, o ideal da integridade, exigindo que a "coerência interpretativa" atravesse toda a prática jurídica.31’

5.4.6. A dinâmica da aplicação dos precedentes É importante notar que a regra de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CR/88) precisa ser redimensionada, à luz do uso dos precedentes, em termos de atribuição de importância da motivação de uma decisão. Esta questão tem duas implicações práticas. Por um lado, considerando as eficácias atribuídas aos prece­ dentes, deve-se exigir maior qualidade na fundamentação dos atos decisórios, de tal forma que se passe a exigir "que a decisão judicial identifique exatamente as questões de fato que se reputaram como essenciais aos deslinde da causa e deli­ neie, também na forma explícita, a tese jurídica adotada para a sua análise e para se chegar à conclusão exposta na parte dispositiva.".320 Por outro lado, no entanto, é também necessário que 0 órgão jurisdicional avalie explicitamente a pertinência da aplicação de um precedente, ao aplicá-lo ou deixar de fazê-lo. Na realidade, 0 próprio diploma processual civil deixou explícito que decisão (seja ela interlocutória, sentença ou acórdão) que se limite "a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que 0 caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos" (art. 489, § i°, V, CPC/2015) não será considerada devidamente fundamentada321, assim como não 0 será a decisão que "deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento" (art. 489, § 1», VI, CPC/2015).

318. JUNIOR, NUNES. BAHIA, PEDRON. NovoCPC-Fundamentos e Sistematizarão. p. 356 357, 2015. 319. JUNIOR, NUNES, BAHIA, PEDRON. NovoCPC-Fundamentos eSistematizarão, p. 351-361,2015. 320. DIDI ER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisório, p. 484. 321. LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os Precedentes Judiciais no Constitucionalismo Brasileiro Contemporâneo. Salvador: JusPodivm, 2016,2a ed.

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Dessa forma, ao contrário do que se poderia pensar, "não há aplicação me cânica ou subsuntiva na solução dos casos mediante a utilização do precedente judicial."522, mas sim uma aplicação de caráter hermenêutico, em razão de dois principais pontos. Primeiramente porque o precedente, por não poder ser captura­ do e limitado por um texto ou súmula (sob pena de deixar de ser ratio decidendi), não é articulado com textos pré-definidos ("o direito não cabe no precedente"). Em segundo lugar, há a imperativa individualização do caso à luz de seus elementos fáticos, "o que toma necessária a demonstração da singularidade de cada caso, para que se evidencie a possibilidade ou não de submetê-lo à solução por prece­ dentes.".3’5 Para que o magistrado o faça devidamente, portanto, devem ser utiliza­ das duas técnicas: o distinguishing, em um primeiro momento, e o overruling, em um segundo momento e caso necessário.

5.4.6. J. Técnica de confronto, interpretação e aplicação do precedente: distinguishing A adequada aplicação de precedentes para a solução de novas demandas im­ plica, primeiramente, em verificar se o caso concreto em questão guarda relação com os precedentes, o fazendo a partir de um método comparativo’24. Nessa com­ paração devem ser considerados quatro principais elementos, a saber: i) os fatos relevantes do caso concreto e do caso paradigma que originou o precedente; ii) as normas incidentes sobre os fatos em questão; iii) as questões de direito suscitadas e; iv) os fundamentos que orientaram a formação do precedente.525 A partir da análise comparativa desses elementos, verifica-se que se houver aproximação entre os casos, então passa-se à análise da ratio decidedi firmada nas decisões proferidas nas demandas anteriores. Quando, no entanto, houver distin­ ção entre o caso concreto que está sendo julgado e o paradigma, fala-se em distin­ guishing, sendo que isso pode ocorrer porque não há coincidência entre os fatos do caso em julgamento e o caso no qual foi proferida a ratio ou porque, não obstante haja alguma similitude entre eles, há alguma peculiaridade no caso em julgamento que acaba por afastar a aplicação do precedente.

Diante do exposto, entende-se que o termo distinguishing pode ser utilizado em duas acepções:*

322. STRECK, Lenio Luiz; A8BOUD, Georges. O que é isto-o sistema (sic) de precedentes no CPC?, p. 1. 323. STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. 0 que é isto - o sistema (sic) de precedentes no CPC?, p. 1. 324. Importante salientar que o distinguishing se impõe na aplicação de qualquer precedente, haja vista que o direito à distinção é um corolário do principio da igualdade. Ademais, essa questão demonstra que não há que se falar que o juiz se torna um autômato sem qualquer outra opção senão a de aplicar o precedente: ora,'assim como o juiz precisa interpretar a lei para verificar se os fatos concretos se conformam à sua hipótese normativa, cumpre-Ihe também interpretar o precedente para verificar a adequação da situação concreta á sua ratio decidendi (art. 489, § 1 °, V e art. 927, § 1 °, CPC)". Cf. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 506. 325. MELLO, Patrícia Perrone Campos: BARROSO, Luis Roberto. Trabalhando com uma nova lógica: a ascensão dos pre­ cedentes no direito brasileiro.

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a)

distinguishingmétodo, que diz respeito ao método de comparação entre o caso concreto em julgamento e o paradigma, conforme art. 489, § 1°, V e 927, § í», CPC e;

b)

distínguishing-resultado, para designer 0 resultado desse confronto, nos ca­ sos em que se conclui haver alguma diferença entre eles.

Se for averiguado 0 distínguishing-resultado, pode-se optar por um dos dois caminhos: i) dar à ratio decidendi interpretação restritiva, ficando, pois, livre para julgar 0 caso, sem vinculação ao precedente, nos termos do art. 489, § 1°, VI e 927, § 1», CPC ou; ii) estender ao caso em julgamento a solução dada aos casos anteriores, entendendo que não obstante as peculiaridades jurídicas, aquela tese jurídica lhe é aplicável (ampliative distinguishing), nos moldes do art. 489, § 1°, V e 927, § 10, CPC. 5.4.6.2. Overruling

Overruling é a técnica por meio da qual um precedente perde sua força vincu­ lante e é, portanto, substituído (overruled) por outro precedente, sendo que isso pode ocorrer de forma expressa (express overruling), quando um tribunal expressa­ mente opta por adotar nova orientação em desfavor da anterior ou de forma tácita ou implícita (implied overruling), que ocorre quando não há expressa substituição da orientação anterior, não obstante adote-se novo posicionamento3’6. 0 overruling de qualquer precedente vinculante deverá advir de decisão devi­ damente fundamentada, devendo sereia "adequada e específica", em observância aos princípios da proteção da confiança e da isonomia (art. 927, § 4», CPC). Por esse motivo, entende-se que "a decisão que implicar overruling exige como pressuposto uma carga de motivação maior, que traga argumentos até então não suscitados e a justificação complementar da necessidade de superação do precedente.".3”

Tendo em mente que, via de regra, a eficácia temporal do precedente é retroa­ tiva e considerando que a revogação de um precedente não pode ser equiparada à revogação de uma lei por outra, entende-se que a revogação prospectiva de precedente exige uma fundamentação justificada para tanto, "tornando-se mais um elemento que imponha a estabilidade à jurisprudência.".326 328 Há que se considerar, 327 nesse sentido, que "a fixação da revogação com regra prospectiva acabaria por facilitar ainda mais 0 overruling de precedentes, especialmente no Brasil, em que

326. Fundamental salientar que o impliedoverruling, assim como a chamada transformation, não é admitido pelo direi­ to brasileiro, haja vista que toda superação de orientação jurisprudencial deve ser adequadamente fundamenta­ da (art. 927, § 4°, CPC). 327. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisáo, Preceden te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 510. 328. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisáo, Preceden te. Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 513.

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um dos desafios do stare decisis é a estabilização do posicionamento dos tribunais superiores.".329330 332 331 Vale mencionar que "cabe ao tribunal, com base no princípio da razoabilida­ de, modular os efeitos da decisão que altera um posicionamento consolidado na Corte"’”, considerando que a regularidade da jurisprudência gera consequências no plano fenomenológico. Nesse sentido, preleciona o art. 927, § 3°, CPC, acerca da "possibilidade de modulação dos efeitos de decisão que altera a jurisprudência dominante dos tribunais superiores - 0 que deve se estender, obviamente, àquela que tenha sido sumulada, bem como do precedente oriundo do julgamento de casos repetitivos e de assunção de competência, em nome da proteção do interesse social e da segurança jurídica.".”3

Estabelecida tal questão, há que se ressaltar que existem diversas modalida­ des de eficácia temporal na revogação de precedentes, sendo elas: i) aplicação retroativa pura, em que 0 novo entendimento abarca todos os casos passados, inclusive aqueles transitados em julgado; ii) aplicação retroativa clássica, na qual aplica-se aos fatos ocorridos antes da formação do novo precedente, exceto àque­ les já transitados em julgado; iii) aplicação prospectiva pura, que ocorre quando 0 precedente é aplicado somente aos casos futuros, excluindo de sua aplicação as partes do caso no qual foi estabelecido; iv) aplicação prospectiva clássica, na qual aplica-se o novo precedente aos fatos futuros, neles incluídos a questão relativa às partes do caso e; v) aplicação prospectiva a termo, em que 0 tribunal fixa uma data ou condição para a eficácia do precedente. Importante salientar que há, ainda, uma técnica preparatória para a revoga­ ção de precedentes, chamada sinalização (signaling): "por meio dela, 0 tribunal, percebendo a desatualização de um precedente, anuncia que poderá modificá-lo, fazendo com que ele se torne incapaz de servir como base para a confiança dos jurisdicionados.".”2 Uma das utilidades dessa técnica é a de servir à moldagem da eficácia temporal quando 0 precedente for efetivamente revogado333.

Necessárias algumas observações finais quanto ao overruling:

a)

0 overruling pode ser difuso ou concentrado. 0 overruling difuso pode se dar em qualquer processo que permita a superação do precedente

329. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgoda e Tutela Provisória, p. 513, grifo dos autores. 330. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 514. 331. DIDIER JR.; BRAGA: OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 516, grifo dos autores. 332. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 519. 333. Vide enunciado n. 320 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:"Os tribunais poderão sinalizar aos jurisdi­ cionados sobre a possibilidade de mudança de entendimento da corte, com a eventual superação ou criação de exceções ao precedente para casos futuros.".

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anterior. Por outro lado, o overruling concentrado é instaurado em um procedimento autônomo, tendo por objetivo a revisão de um entendi­ mento até então consolidado, sendo esse o caso do pedido de revisão ou cancelamento de súmula vinculante (art. 3° da Lei n. 11.417/2006) e do pedido de revisão da tese firmada em incidente de resolução de deman­ das repetitivas (art. 986, CPC). b)

Entende-se que "há 'superação antecipada' (antecipatory overruling), es­ pécie de não aplicação preventiva, por órgãos inferiores, do preceden­ te firmado por Corte superior, nos casos em que esta última, embora sem dizê-lo expressamente, indica uma alteração no seu posicionamento quanto a precedente outrora firmado.",3M Considerando que não diz res­ peito a mera discordância quanto ao mérito de um precedente e que se deixa de aplicar precedente ainda válido, "trata-se de uma espécie de exercício de previsibilidade exercido pelos tribunais inferiores e pelos juizes monocráticos.".”5

c)

0 overruling se distingue do overriding porque há este último "quando o tribunal apenas limita 0 âmbito de incidência de um precedente, em fun­ ção da superveniência de uma regra ou princípio legal". Dessa forma, no overriding não há que se falar em superação total do precedente, sendo, pois, uma espécie de revogação parcial. Isso porque não se altera a ratio decidendi (overruling), mas apenas reduz as hipóteses fáticas da incidência do precedente (overriding).

d)

Importante salientar que 0 dever de estabilidade da jurisprudência não é contrário à alteração do entendimento do tribunal, haja vista que impede, tão somente, a alteração injustificada desse entendimento. Com isso em mente, entende-se que a técnica de superação que deve ser aplicável à alteração de precedente, jurisprudência e enunciado de súmula, via de regra, é a que consta no art. 927, §§ 2° a 4», CPC, não obstante existam também outras regras, como: processo para revisão ou cancelamento de súmulas vinculantes, que tem previsão no art. 103-A, § 2», da CR/88, na Lei n. 11.417/2006 e no RI do STF.

5.4.7. Algumas considerações críticas quanto à teoria dos precedentes no novo

CPC/2015 0 jurista Lenio Luiz Streck, em ensaios publicados em 2016, levantou uma série de questionamentos e críticas à forma como se tem encarado os precedentes no*

334. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 520. 335. DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova. Direito Probatório, Decisão, Preceden­ te, Coisa Julgada e Tutela Provisória, p. 520.

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bojo do CPC/2015. Para o autor, existem três principais questões, a saber: i) 0 pro­ blema metodológico da teoria dos precedentes no que tange à cisão entre interpre­ tação e aplicação; ii) 0 equívoco de se pensar que a força vinculante do precedente está na sua razão da autoridade e não pela qualidade das suas razões somada à equivocada recepção do stare decisis no sentido de que 0 precedente nasce para vincular, ao invés de vincular contingencialmente e (3) a demonstração de que 0 dever de coerência e de integridade não significa a incorporação irrefletida de uma "teoria dos precedentes".336 No que tange à primeira colocação, 0 autor coloca que "face à ausência de ra­ cionalidade na aplicação das leis, parcela de processualistas passaram a defender a tese de que 0 novo CPC se abriu para a commonlização do direito. E, para tanto, entendem que devem haver Cortes de Precedentes que façam teses, que se tornam vinculantes para 0 restante do sistema.".337 Assim, essa parcela da doutrina veria a solução para 0 problema da aplicação do direito na delegação ao STF e ao STJ de fixação de teses, que se tornariam precedentes em razão da autoridade (e não do conteúdo).338 Para Lenio Luiz, isso se mostra de forma problemática em razão de diversos pontos:



Em primeiro lugar porque esse pensamento, de cunho utilitarista, colocaria a utilidade acima da Constituição, de tal forma que "a constitucionalidade cede terreno para funcionalidade"33340 ’. Por conseguinte, ter-se-ia, no Brasil, a aceitação funcional de um sistema inconstitucional em razão da inversão da disposição dos poderes no que tange à legitimidade de produção do direito.540



Mais além, à luz das teses "precedentalistas", haveria uma restrição do conceito de interpretação, como forma de criação e atribuição de sen­ tido, às cortes de vértice, de tal forma que elas criaram "material nor­ mativo novo, fixando uma dentre as possíveis interpretações possíveis do material jurídico básico"341 e aos demais (juizes e tribunais inferiores) ficaria relegada a tarefa de adotar "0 precedente (0 ponto final de algu­ ma controvérsia interpretativa) como já integrantes desse material nor­ mativo básico, explorando seus novos sentidos possíveis, com uma dupla

336. STRECK, Lenio Luiz. Por que os commonlistas brasileiros querem proibir juizes de interpretar? Revisto Consultor Jurídico, set. 2016. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2016-set-22/senso-incomum-conimonlistas-brasileiros-proibir-juizes-interpretar>. Acesso em jan. 2017. 337. STRECK, Lenio Luiz. Por que commonlistas brasileiros querem proibir juizes de interpretar? Revisto Consultor Ju­ rídico [Domínio Eletrônico], set. 2016. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-set-22/senso-incomum -commonlistas-brasileiros-proibir-juizes-interpretar. Acesso em jan. 2017. 338. STRECK, Lenio Luiz. Por que commonlistas brasileiros querem proibirjuizes de interpretar?... 339. STRECK, Lenio Luiz. Por que commonlistas brasileiros querem proibir juizes de interpretar?... 340. STRECK, Lenio Luiz. Por que commonlistas brasileiros querem proibir juizes de interpretar?... 341. STRECK, Lenio Luiz. Crítica às teses que defendem o sistema de precedentes - Parte II. Revista Consultor Jurídico (Domínio Eletrônico], set. 2016. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2016-set-29/senso-incomum-critica-teses-defendem-sistema-precedentes-parte ii>. Acesso em jan. 2017.

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missão: manter a unidade do direito e fazer "justiça", dentro das balizas normativas.".342343 344 Essa questão, a que chama de tese da convencionalida­ de, se mostraria de forma perigosa ao Estado democrático de Direito, uma vez que a presunção de veracidade dos precedentes em razão de sua autoridade teria como consequência a atribuição de excessivo poder ao Judiciário, notadamente em um sistema que ainda não tem mecanis­ mos de controle da qualidade dessas decisões.345346 348 347

Um segundo ponto importante criticado por Streck diz respeito à excessiva importância que parece ter sido atribuída aos precedentes com eficácia vinculante. Para o jurista, "no Brasil, o apego ao efeito vinculante virou um fetiche. Atualmente, já se atribuiu à súmula vinculante status superior ao da legislação e, com o CPC, es­ tende-se essa 'supremacia' a grande parcela das decisões dos tribunais superiores, ainda que historicamente haja uma confirmação de atuação, voluntarista, ativista e discricionária em boa (ou má) parte das manifestações dos tribunais superiores.".’44 Para Lenio Streck, esse cenário tem duas importantes consequências. A um, que ao ser atribuído aos precedentes obrigatórios status superior ao da legislação, ocorrería um aumento excessivo do Poder Judiciário, inclusive abrindo margens para discricionariedades, o que acabaria por suprimir direitos.545 De fato, esse excessivo apego à autoridade do precedente, que representaria uma distor­ ção ao sistema que teria sido inspirado no common law546, teria como consequência o seguinte problema: "se o Direito é o que o Judiciário, por suas cortes de vértice, disser que é, a quem reclamar?".547 Importa dizer, ainda, que o problema agravado frente uma doutrina brasileira cuja boa parte de sua representação concorda com essa "precedentalização do Direito e com a mudança do papel de nossos tribunais superiores, o que, se ocorrer, dar-se-á ao arrepio de nosso arranjo constitucio­ nal"548, considerando que somente a Constituição pode outorgar competências para os Poderes. A dois, a substituição irrefletida da lei e da Constituição por "prece­ dentes" teria como consequência a perda de sentido do precedente, na medida

STRECK, Lenio Luiz. Crítica às teses que defendem o sistema de precedentes - Parte II... STRECK, Lenio Luiz. Crítica às teses que defendem o sistema de precedentes - Parte II... Cf. STRECK, Lenio Luiz: ABBOUD, Georges. O que é isto-o sistema (sic) de precedentes no CPC?... STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto - o sistema (sic) de precedentes no CPC?... Sobre essa questão: “Falei do acórdão do RE 655.265, no qual o STF fez constar que o artigo 926 introduziu uma vinculação ao estilo stare decisis; o STF disse também que o CPC estabeleceu um sistema de precedentes vincu­ lantes e que a corte de vértice está vinculada aos próprios precedentes e, ao final, estabelece uma "tese" com pretensão generalizante (ver critica minha e de Bruno Torrano aqui). Afinal: qual é a relação de um staredecisis com um sistema de precedentes à brasileira e a elaboração de"teses"vinculantes? O precedente é a tese? A tese é o precedente? Insisto em dizer que no common law isso não ocorre e não é assim." Cf. STRECK, Lenio Luiz. Crítica às teses que defendem o sistema de precedentes - Parte II. Revista Consultor Jurídico (Dominio Eletrônico], set. 2016. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2016-set-29/senso incomum-critica-teses-defendern-sistema-precedentes-parte-ii>. Acesso em jan. 2017. 347. STRECK, Lenio Luiz. Critica às teses que defendem o sistema de precedentes - Parte II... 348. STRECK, Lenio Luiz. Crítica às teses que defendem o sistema de precedentes - Parte II...

342. 343. 344. 345. 346.

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em que "o precedente acaba servindo para tudo e, ao mesmo tempo, não significa nada!".349 Esses problemas evidenciariam o equívoco de se atribuir a mencionada força vinculante aos precedentes. Nesse sentido, importa dizer que o precedente não tem força formalmente vinculante nos países que têm o common law como sistema, de tal forma que também não deveríam ter essa força os precedentes no civil law. Na realidade, a aplicação dos precedentes deveria ter caráter eminentemente argumentativo, o que seria ainda corroborado pela escolha de palavras do legis­ lador processual civil - o CPC/2015 fala que os juizes e tribunais "observarão" os precedentes e não que serão "vinculados" a eles.350 Ademais, sustenta 0 autor que é justamente porque os precedentes, no Brasil, têm sua força atrelada à sua autoridade (e não à qualidade de seu conteúdo) que se torna necessária a atribuição de efeito vinculante pela via legislativa - 0 que, conforme mencionado acima, não ocorre nos países nos quais os precedentes fazem parte da cultura jurídica.351

Finalmente, no que tange à terceira colocação, sustenta Streck que a implemen­ tação do chamado "sistema" de precedentes poderia ser disfuncional à luz do pró­ prio dispositivo que 0 legitima - 0 art. 926, CPC/2015. Isso porque os "precedentalistas" estariam justificando tal "sistema" com base na preocupação com a eficiência e com a funcionalidade, 0 que evidenciaria 0 afastamento da teoria do direito pela teoria política. Com base em Dworkin, afirma, ainda, a necessidade das decisões ju­ diciais serem embasadas somente em argumentos de princípios (e não de política), razão pela qual 0 "sistema" dos "precedentalistas" seria disfuncional, considerando que "vender a ideia de que um sistema tenha de ser simplesmente funcional e efi­ ciente e que não importa de onde venha a decisão, significa, para mim e parte da doutrina que me acompanha, jogar por terra as conquistas do Estado Democrático e a própria autonomia do direito (ou seu grau elevado de autonomia).”.352 Por conseguinte, parecería existir, para Streck, uma troca da integridade do direito e da coerência pela eficiência e pela utilidade, na medida em que se estaria optando por uma efetividade quantitativa em detrimento de uma qualitativa - na qual as decisões seriam bem fundamentadas e acabariam por reduzir 0 número de recursos, desestimulando-os ao invés de negando-os. De fato, "cumprir à risca 0 artigo 489 e 0 artigo 926 oferta, pelo conteúdo, às decisões dos tribunais a função de estabilização de expectativas e a integridade que se almeja. Contrário sensu, 0

349. STRECK, Lenio Luiz. Precedentes? Decisão de 4 linhas do STF contém três violações ao CPC. Revista Consultor Jurídico, 10 nov. 2016. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2016-nov-10/senso-incomum-precedentes-decisao-linhas-stf-contem-tres-violacoes-cpc>. Acesso em jan. 2017. 350. STRECK, Lenio Luiz. Crítica às teses que defendem o sistema de precedentes - Parte II... 351. STRECK, Lenio Luiz. Uma tese política à procura de uma teoria do direito: precedentes lll. Revista Consultor Jurídico. out. 2016. 352. STRECK, Lenio Luiz. Uma tese política à procura de uma teoria do direito: precedentes ML.., grifo do autor.

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modo como os tribunais agem (com decisões superficiais e padronizadas) induz a recorribilidade e aumentam vertiginosa mente o trabalho destes tribunais.".’5’ 5.5. SuperiorTribunal de Justiça Segundo ditame constitucional, o Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, 33 (trinta e três) Ministros. Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo Presidente da República, dentre os brasileiros com mais de 35 (trinta e cinco) e menos de 65 (sessenta e cinco) anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada,551 depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, de acordo com a seguinte determinação; a) (1/3) um terço dentre juizes dos Tribunais Regionais Federais; b) (1/3) um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal; e c) (1/3) um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territó­ rios, alternadamente, indicados na forma do art. 94 (artigo que dispõe sobre 0 quinto constitucional).555

Nas vagas destinadas aos Juizes dos Tribunais de Justiça (Desembargadores estaduais) e aos Juizes dos Tribunais Regionais Federais (Desembargadores Fede­ rais),?5S 0 STj irá elaborar uma lista tríplice de forma livre e a enviará ao Presidente da República. Este irá indicar um nome que será submetido ao Senado. Com a apro­ vação da maioria absoluta do Senado,557 0 Presidente irá nomear 0 mesmo ao cargo de Ministro do STJ.353 357 356 355 354

353. STRECK, Lenio Luiz. Uma tese política ò procuro de uma teoria do direito: precedentes lll..., 354. Observamos aqui os requisitos da idade (entre 35 a 65 anos) de ser o nomeado brasileiro (nato ou naturalizado) e de o mesmo ter notável saber jurídico e reputação ilibada. 355. (1/3) Um terço em partes iguais significa logicamente: (1/6) de advogados e (1/6) de membros do Ministério Público Federal, Estaduais e Distrital. 356. Certo é que não há a exigência de que os juizes nomeados pelo Presidente para as vagas dos Tribunais (TRFs e TJs) sejam originários da magistratura. Nesses termos os mesmos podem ser oriundos do quinto constitucional. Nesse sentido, decisão no STF no MS n° 23.445/DF: EMENTA: - Mandado de segurança. 2. Ato do Presidente da República. Mensagem 664, de 21 de maio de 1999, que submeteu ao Senado Federal nome deJuizdeTRF para o provimento de cargo de Ministro do SuperiorTribunal de Justiça, em vaga destinada a juiz deTribunal Regional Federal (Constituição, art 104, parágrafo único). 3. Alegação de que o juiz indicado nâo é originário da carreira da magistratura federal, violando-se assim, o principio instituído pelo art. 93, lll, da CR. (,..).6. A regra expressa da Constituição dispõe sobre a composição e forma de preenchimento dos cargos de Ministro no Superior Tribunal de Justiça, a teor de seu art. 104, parágrafo único, incisos I e II. 7. A carreira dos Juizes Federais tem seu segundo grau nosTribunais Regionais Federais. 8. Para o provimento dos cargos a que se refere o art. 104, parágrafo único, inciso I, Ia parte, não cabe distinguir entre juiz de TRF, originário da carreira da magistratura federal, ou provenien­ te do Ministério Público Federal ou da advocacia (CR, art. 107,1 e II). 9. Hipótese em que o juiz do TRF indicado proveio da advocacia (CR, art. 107,1), estando, desse modo, enquadrado no âmbito do art. 104, parágrafo único, inciso 1,13 parte, da Constituição. 10. Objeção à investidura como Ministro do SuperiorTribunal de Justiça impro­ cedente. (...) 12. Mandado de segurança indeferido. (Julg. em 18.11.1999. DJ: 17.03.2000. Rel. Min Néri da Silveira). Ver também, a recente decisão da ADI 4078: *A vedação aos magistrados egressos da Advocacia ou do Ministério Público de se candidatarem às vagas no SuperiorTribunal de Justiça configura tratamento desigual de pessoas em identidade de situações e criaria desembargadores e juizes de duas categorias" (informativo 647 do STF). 357. Conforme a Emenda n° 45/04, pois, antes da mesma, o quórum exigido era de maioria simples do 5enado.

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Já as vagas que se destinam aos advogados e membros do Ministério Público, será elaborada lista sêxtupla por cada instituição, que irá encaminhá-la ao STJ, Posteriormente, o STJ elaborará lista tríplice que será submetida ao Presidente da República.358 0 Chefe do Executivo irá então indicar um nome dessa lista, que será submetido ao Senado. Com isso, ocorrendo a aprovação por maioria absoluta do Senado, o Presidente da República irá nomear o mesmo ao cargo de Ministro do STJ. No que tange ao STJ e sua estrutura, temos ainda, conforme a Emenda n° 45/04, que irá funcionar junto ao Superior Tribunal de Justiça: a) a Escola Nacional de For­ mação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo-lhe, dentre outras funções, re­ gulamentar os cursos oficiais para 0 ingresso e promoção na carreira; b) 0 Conselho da Justiça Federal, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema e com poderes correcionais, cujas decisões terão caráter vinculante. Sobre as competências do STJ, certo é que teremos competências originárias e recursais. Nesses termos, conforme dicção constitucional, será de competência do Superior Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente: a) nos crimes co­ muns, os governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de respon­ sabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais; b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal; c) os habeas corpus, quando 0 coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea "a", ou quando 0 coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleito­ ral; d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado 0 disposto no art. 102, I, "0", bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;359 e) as revisões criminais e as ações resci­ sórias de seus julgados; f) a reclamação para a preservação de sua competência e

358. Em 6 outubro de 2009, a 2" turma do STF que, por maioria, reconheceu, o direito do Superior Tribunal de Justiça de recusar lista sêxtupla encaminhada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para preenchimento de vaga de ministro do chamado quinto constitucional da composição daquela Corte que cabe à categoria dos advogados, quando nenhum dos integrantes da lista obtém votação mínima para figurar em lista tríplice a ser encaminhada ao Presidente da República para preenchimento da vaga. Essa decisão foi prolatada no julgamento do Recurso Ordinário no Mandado de Segurança (RMS) n° 27.920, impetrado pela OAB contra decisão do STJ de rejeitar mandado de segurança e manter a recusa da lista sêxtupla encaminhada pela en­ tidade dassista dos advogados para preenchimento de vaga aberta naquela Corte com a aposentadoria do ministro Pádua Ribeiro. 359. O STJ no Informativo n*> 337 deixou assente que é de sua competência o julgamento de conflito de competência estabelecido entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal da mesma seção judiciária. (CC n° 87.781/SP 2a Seção do STJ, Re. Min Nancy Andrighi, julgamento em 24.10.2007). Sobre o tema, temos ainda famosa posição do STJ, expressada na Súmula n° 22, que com a Emenda n° 45 deixou de ter sentido. Essa Súmula afirma que: não há

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garantia da autoridade de suas decisões; g) os conflitos de atribuições entre auto­ ridades administrativas e judiciárias da União, ou entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e da União; h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal; i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias.360

Aqui temos que a "carta rogatória” é um instrumento de cooperação jurídica internacional por meio do qual uma autoridade judiciária de um Estado estrangeiro solicita que o Poder Judiciário de outro país pratique determinado ato processual em seu território. Como exemplo: um juiz de New York (EUA) expede uma carta rogatória para que seja ouvida uma testemunha residente em São Paulo (Brasil). Neste caso, ela é chamada de carta rogatória passiva (a ser cumprida no Brasil). Se o juiz brasileiro é quem tivesse expedido a carta rogatória, seria denominada de rogatória ativa. A carta rogatória passiva, em regra, antes de ser cumprida no Brasil, precisa receber um exequatur, que é exarado pelo STJ. Por meio do exequatur, o STJ verifica se o ato processual solicitado pela autoridade judiciária estrangeira é com­ patível com o ordenamento brasileiro. Caso seja, o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, L i, da CR/88) concede o exequatur, que nada mais é do que um "cumpra-se".

conflito de competéncio entre oTJeo Tribunal de Alçada do mesmo Estado da Federação. Porém, como é cediço, os Tribunais de Alçada foram extintos com o advento da Emenda n°45/04. 360. Competência incluída pela Emenda n° 45/04 e que anteriormente era do STF. Sobre o tema, temos interessante decisão do Pleno do STF de 12.022014: (...) 1. A Emenda Constitucional n° 45/2004 transferiu, do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça, a competência para homologar sentenças estrangeiras. Considerando que um dos principais objetivos da Reforma do Judiciário foi promover a celeridade processual, seria um contrassenso imaginar que ela teria transformado esta Corte em uma nova instância nesta matéria, tornando ainda mais longo e complexo o processo. 2. Por isso, embora possível em tese, a interposição de recurso extraordinário contra esses acór­ dãos do STJ deve ser examinada com rigor e cautela. Somente se pode admitir o recurso quando demonstrada, clara e fundamentadamente, a existência de afronta á Constituição Federal. A ousência de questão constitucional impede o conhecimento do recurso. (RE n° 598.770- Rel. Min. DiasToffoli). Porém, é importante pontuar que: “Competeao STF apreciar o pedido de cooperação jurídica internacional na hipótese em que solicitada, via auxilio direto, a oitiva de estrangeiro custodiado no Brasil por força de decisão exarada em processo de extradição. Com base nesse entendi­ mento, a Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental in terposto em face de decisão monocráti­ ca que assentara a competência do STJ para julgamento de pedido de cooperação jurídica formulado pelo ministério público português por intermédio da Procuradoria-Geral da República. A solicitação em comento tem como objeto a oitiva de extraditando custodiado preventivamente em procedimento extradicional cujo requerente é a República da Irlanda. Ocorre que os supostos delitos cometidos pelo extraditando, e que sustentam o processo de extradição, teriam, segundo alegado pelo ministério público de Portugal, repercussão também nesse país. A Turma afirmou que não incidiría, no espécie, o coniunto de regras atinentes à carta rogatória, mas sim as regras que dispõem sobreo auxilio direto (CPC. artigos 28 a 34). Tal auxilio consistiría na obtenção de providências em jurisdição estrangeira, de acordo com a legislação do Estado requerido, por meio de autoridades centrais indicadas em tratado internacional. Prescindiría, ademais, do iuizo de delibacão a ser proferido pelo STJ. Tratando-se, no caso, de produção probatória e oitiva de testemunho — o que, na seara da assistência jurídica internacional, não demandaria o mecanismo da carta rogatório e do respectivo “exequatur" (do STJ) — incidiría a regra do art. 28 do CPC ("Cabe auxilio direto quando a me­ dida não decorrer diretamente de decisão de autoridadejurisdicional estrangeira a ser submetida ajuízo de deliboçáo no Brasil")". Ia Turma do STF. Pet 5946/DF. rel. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julq. em 16.082016.

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Assim sendo, após o exequatur concedido pelo STJ à carta rogatória, esta irá ser cumprida por um juiz federal. Sobre o tema, já decidiu o STF que é possível a concessão de exequatur de carta rogatória, para fins de citação, por meio de decisão monocrática de relator no STJ, posteriormente confirmada na Corte Especial, em homenagem aos princípios da cooperação e da celeridade processual. Nesses termos, 0 STJ, com fundamento no art. 216-T de seu Regimento Interno, vem concedendo, por meio de decisões monocráticas, exequatur a cartas rogatórias destinadas à citação em território brasileiro das partes interessadas para que tomem conhecimento de ações que tramitam na Justiça rogante. 0 STF entendeu que não há qualquer ilegalidade ou inconstituciona­ lidade nesta prática.i6‘ Já as competências recursais se dividem entre o recurso ordinário constitu­ cional e o recurso especial. Nesse sentido, compete ao STJ julgar, em recurso ordi­ nário: a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória; b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão; c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro. Município ou pessoa residente ou domiciliada no País.

No que diz respeito ao recurso especial, temos que compete ao STJ julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vi­ gência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal (Redação dada pela Emenda Constitucional n° 45, de 2004); c) der à lei federal inter­ pretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. Sobre 0 recurso especial é mister tecermos algumas considerações. São elas:*

361.1 nformativo 896 do STF: “Colegiado asseverou que, tanto na decisão do relator que concedeu o "exequatur" quanto no acórdão proferido pela Corte Especial do STJ ficou expressamente consignado que a carta rogatória teve como objeto tão somente ato ordenatório de citação do ora agravante para conhecimento dos termos de ações que tramitam na justiça de outro país, dando-lhe oportunidade de oferecer defesa. O ato, pois, é desprovido de qualquer caráter execu tivo. Destacou, ainda, que o STJ exerce juizo fundamentalmente delibatório, limitando-se à análise dos requisitos for­ mais previstos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, no Código de Processo Civil e no Regimento Interno daquela Corte. Assim, é vedada a revisão do mérito do ato processual, salvo se houver ofensa à soberania nacional, à dignidade da pessoa humana ou á ordem pública, o que não ocorreu no caso. Ademais, salientou que o fato de a alu dida carta rogatória ter sido apreciada por decisão singular do relator tampouco tem o condão de tornar nulo o ato, posto que foi referendado, no julgamento do respectivo agravo regimental, pelo órgão competente, em observância ao principio da colegialidade. Por fim, a Turma enfatizou queé impreterlvel alcançar uma decisão justa, célere e eficaz, evitando-se formalidades desnecessários que impeçam o seu cumprimento, em atenção aos princípios da celeridade e da razoável duração do processo. A prestação Jurisdicional deve se adequara atual conjuntura, visando a uma maior cooperação entre os sistemas jurídicos internacionais e a uma maior efetividade das medidas judiciais'.' 2a Turma do STF. RE 634595, Rel. Min. DiasToffoli, julgado em 03.04.2018.

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0 Recurso Especial tem seu surgimento eminentemente marcado pela Consti­ tuição de 1988, que criou a figura do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e destacou da órbita de competência do STF 0 controle da legalidade e a guarda da legislação infraconstitucional (art. 105, lll). Sua origem, então, está ligada à própria lógica in­ terna do Federalismo e à necessidade de desenvolvimento de mecanismos para a uniformização da aplicação do direito federal (nacional).362 Num primeiro momento, era possível dizer que 0 Recurso Especial representava instrumento para auxiliar com soluções para a "crise" do STF, uma vez que antes da criação do STJ, aquele (STF) realizava duplo controle recursal. Todavia, nos curtos anos que se seguiram 0 início de funcionamento do Tribunal, seus magistrados já afirmavam que 0 mesmo também já se encontrava vítima de uma "crise". 0 adjetivo especial em sua nomenclatura deixa claro que 0 mesmo se insere dentre os recursos "extraordinários" em sentido amplo, marcando um espaço de cabimento restrito.

Além disso, somente poderá ser proposto se duas condições especiais se fizerem expressas: (a) 0 esgotamento da via recursal ordinária; e (b) 0 prequestionamento da questão federal no ato impugnado.363 A lógica aqui é a mesma presente na admissibilidade do recurso extraordinário, exigindo-se que a decisão recorrida tenha se manifestado sobre a qvaestio júris.*4 Interessante é que a ju­ risprudência do STJ admite que a falta de indicação do número da lei ou do artigo da lei federal não é elemento capaz de descaracterizar 0 prequestionamento.365 0 STJ entende, ainda, por meio da Súmula n» 32o,366 que 0 prequestionamento deve surgir nos votos da posição majoritária da decisão recorrida; se a discussão aparece apenas no(s) voto(s) minoritários (votos vencidos) entende-se que 0 re­ quisito não foi satisfeito. 0 plano de recorribilidade para 0 STJ é mais restrito do que o do STF, uma vez que só admite impugnação de decisões oriundas dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e Territórios (art. 105, lll, da CR/88). Além disso, a Constituição estabelece para os recursos especiais à análise da "lei federal" e dos tratados. Certo é, também, que 0 STJ não tem competência ju­ risdicional para analisar causas versando sobre "direito local", aplicando-se, aqui.

362. ASSIS, Araken, Manual dos recursos, p. 772. 363. Nesse sentido, a Súmula n°211 do STJ:"Inadmissível recurso especial quanto á questão que, a despeito da oposi­ ção de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo.” 364. A lógica é a mesma da Súmula n° 356 do STF, segundo a qual "[o] ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento". 365. Ver STJ, EREsp. n° 155.621 -SP, 02/06/1999. ASSIS, Araken, Manual dos recursos, p. 781. 366. STJ, Súmula n° 320: A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestio­ namento.

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também a Súmula n° 280 do STF.367368 369 Por consequência, afirma-se que a "questão federal" é abrangente a toda regra de direito cuja fonte produtora seja a União Federal;348 isto é, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas pro­ visórias, decretos legislativos, bem como os decretos e regulamentos do Presidente da República (art. 84, IV e VI, da CR/88).36’ Mas não é apenas a guarda da lei federal 0 espectro de competência do recur­ so especial; este ainda tem um importante fator para a uniformização da interpre­ tação da legislação federal infraconstitucional (art. 105, lll, "c", de CR/88). Aqui, 0 recorrente tem que demonstrar que há um confronto interpretativo entre a decisão impugnada e acórdão proferido por outro tribunal, sendo este em sentido favorável à tese jurídica do recorrente. Nesse prisma, a decisão recorrida representaria um provimento jurisdicional errôneo e, por isso, merecería reparos por parte do STj.

Conforme 0 novo CPC no seu art. 1.029, 0 recurso especial, nos casos previstos na Constituição da República, será interposto perante 0 presidente ou o vice-presi­ dente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: I - a exposição do fato e do direito; II - a demonstração do cabimento do recurso interposto; lll - as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida. Quando 0 recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, 0 recorrente fará a prova da diver­ gência com a certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicado 0 acór­ dão divergente, ou ainda com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, com indicação da respectiva fonte, devendo-se, em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos con­ frontados. Além disso, reza no mesmo artigo, que 0 Superior Tribunal de Justiça po­ derá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não 0 repute grave.

Conforme 0 novo CPC no seu art. 1.030, recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, 0 recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo 0 qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá: I - negar seguimento: a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com enten­ dimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respecti­ vamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos; II - encaminhar 0 processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se 0 acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior

367. STF Súmula n° 280: Por ofensa a direito local nãocabe recurso extraordinário. Um lembrete: considera-se como "di­ reito local"as normas regimentais dos Tribunais de Justiça estaduais, conforme REsp n° 839.575/MG, 26/04/2007. 368. ASSIS, Araken, Manual dos recursos, p. 783. 369. O STF entende que o convênio firmado por Estados-membros, na ausência de lei complementar, na forma do art. 34, § 8o, do ADCT, tem força de lei federal e, portanto, atacável pelo recurso especial (STF RE n° 419.629-DF, 30/06/2006).

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Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos; lll - sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Supe­ rior Tribunal de Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitu­ cional’70; IV - selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucio­ nal ou infraconstitucional, nos termos do § 6» do art. 1.036 do CPC; V - realizar 0 juízo de admissibilidade-71 e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que: a) 0 recurso ainda não tenha sido sub­ metido ao regime de repercussão geral ou de julgamento de recursos repetitivos b) 0 recurso tenha sido selecionado como representativo da controvérsia; ou c) 0 tribunal recorrido tenha refutado 0 juízo de retratação. Aqui é importante registrar que, em regra, não cabem embargos de declara­ ção contra a decisão de presidente do tribunal que não admite recurso especial. Porém, de forma excepcional, é possível a interposição dos embargos se a decisão do presidente do tribunal de origem for tão genérica que não permita sequer a interposição do agravo.’7’

Conforme 0 art. 1.032 do novo CPC se 0 relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que 0 recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá con­ ceder prazo de 15 (quinze) dias para que 0 recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional. Cumprida a dili­ gência de que trata 0 caput do art. 1.032, 0 relator remeterá 0 recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça. Aqui, nos termos do art. 1.033 do CPC, se 0 Supremo Tribunal Federal conside­ rar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial. Por último, ad­ mitido 0 recurso extraordinário ou 0 recurso especial, 0 Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça julgará 0 processo, aplicando 0 direito.

É interessante que na hipótese de interposição conjunta de recurso extraordi­ nário e recurso especial, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça. Concluído 0 julgamento do recurso especial, os autos serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver

370. Da decisão proferida com fundamento nos incisos I e lll caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021 do novo CPC (Incluído pela Lei n" 13.256, de 2016) 371. Da decisão de inadmissibilidade proferida com fundamento no inciso V caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042 do novo CPC. (norma incluída pela Lei n° 13.256, de 2016) 372. “(...) 1. A jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de que o agravo em recurso especial é o único recurso cabivel contra decisão que nega seguimento a recurso especial. Assim, a oposição de embargos de declaração não interrompe o prazo para a interposição de ARE5P. Precedentes. 2. Excepcionalmente, nos casos em que a decisão for proferida deforma bem genérica, que não permita sequer a interposição do agravo, caberá embar­ gos. (...)”STJ. 4aTurma. Aglnt no AREsp 1143127/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julg em 28.11.2017,

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prejudicado. Se o relator do recurso especial considerar prejudicial o recurso ex­ traordinário, em decisão irrecorrível, sobrestará o julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal. Nessa hipótese, se o relator do recurso extraordi­ nário, em decisão irrecorrível, rejeitar a prejudicialidade, devolverá os autos ao SuperiorTribunal de Justiça para o julgamento do recurso especial.3'3

Aqui devemos salientar também que o recurso especial no decorrer dos anos acabou ganhando grande aplicabilidade, de modo, a abarrotar a ordem de serviço do STJ, provocando uma desaceleração de seu funcionamento e uma demora cada vez mais crescente no tempo de processamento do recurso. Visando solucionar tal cenário, a Lei n° 11.672 de 2008 instituiu uma nova sistemática para 0 processamen­ to dos recursos especiais por intermédio de um novo art. 543-C no antigo Código de Processo Civil brasileiro de 1973. Aqui, 0 que se buscou foi atacar recursos que versem sobre "idêntica questão de direito". E, para tanto, abriu-se a possibilidade para que 0 presidente (ou vice-presidente) do tribunal a quo - encarregado pelo primeiro exame de admissibilidade recursal -, ao se deparar com existência de multiplicidade de recursos, passe a selecionar um ou mais que sejam represen­ tativos dessa controvérsia jurídica. Os demais recursos seriam sobrestados até 0 pronunciamento do STJ.37'' Se a decisão do STJ for contrária à tese por esses recursos sustentados, 0 presidente (ou vice) do tribunal a aquo poderá julgar os demais recursos prejudicados, negando seguimento ao grupo sobrestado. Para definição da controvérsia representativa, 0 relator do STJ ganhou poderes para (ele também) sobrestar recursos existentes e pendentes de julgamento com idêntica questão de direito, seja no STJ, seja perante 0 juízo a quo (TJ e TRF). Após isso, teria a faculdade de solicitar informações dos presidentes dos tribunais de segunda instância para recolher mais informações para melhor julgamento. Poderá, ainda, aceitar a ma­ nifestação de terceiros na condição de amicus curiae. Após tudo isso, abrirá para manifestação do Ministério Público e incluirá 0 processo em pauta de julgamento. Ao julgar tais casos, 0 STJ publicaria súmula de jurisprudência, fixando a tese jurídica aplicável e permitindo que a decisão alcance os casos sobrestados.

Já com base no novo CPC de 2015 conforme até já explicitado na obra, 0 art. 1.036, afirma que sempre que houver multiplicidade (de recursos repetitivos) have­ rá afetação para julgamento de acordo com as disposições dos art. 1036 ao art.1041 do novo CPC, observado 0 disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Fe­ deral e no do SuperiorTribunal de Justiça. Conforme 0 § i« do art. 1036, 0 presidente ou 0 vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos

373. Conforme o § único do art.1034: Admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial por um fundamento, devol­ ve-se ao tribunal superior o conhecimento dos demais fundamentos para a solução do capitulo impugnado. 374. Araken de Assis {Manual dos recursos. p. 816) bem observa que tal possibilidade normativa é permeada de discri­ cionariedade e de subjetivismo, o que pode nitidamente prejudicar os recorrentes, que não terão medida proces­ sual para reverter tal seleção.

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representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na re­ gião, conforme o caso. Já nos termos do § 2» do art. 1036, 0 interessado pode reque­ rer, ao presidente ou ao vice-presidente, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita 0 recurso especial ou 0 recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo 0 recorrente 0 prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento. Consta no § 3» que da decisão que indeferir este requeri­ mento caberá agravo, nos termos do art. 1.042 do CPC de 2015. 0 § 4° do art.1036 do novo CPC, determina que a escolha feita pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal não vincu­ lará 0 relator no tribunal superior, que poderá selecionar outros recursos represen­ tativos da controvérsia. Nesses termos, § 5° do art. 1036, afirma que 0 relator em tribunal superior também poderá selecionar 2 (dois) ou mais recursos representati­ vos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem. Porém, é bom que se diga, que conforme 0 § 6° do art.1036 do novo CPC de 2015, somente podem ser selecionados recursos admissíveis que contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida.

Já nos termos ainda do novo CPC, em seu art. 1.037 selecionados os recursos, 0 relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual: I - identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento; II - determinará a suspensão do proces­ samento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional; lll - poderá requisitar aos presi­ dentes ou aos vice-presidentes dos tribunais de justiça ou dos tribunais regionais federais a remessa de um recurso representativo da controvérsia. Se, após receber os recursos selecionados pelo presidente ou pelo vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, não se proceder à afetação, 0 relator, no tribunal superior, comunicará 0 fato ao presidente ou ao vice-presidente que os houver enviado, para que seja revogada a decisão de suspensão referida no art. 1.036, § 1» citado acima.3* '5

375. Conforme o novo CPC de 2015: § 2a(Revogadopela Lein° 13.256, de2016) §3°Havendo mais de uma afetação, será prevento o relator que primeiro tiver proferido a decisão a que se refere o inciso I do caput. §4° Os recursos afetados deverão serjulgados no prazo de 1 (um) anoe terão preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. (Revogado pela Lei n° 13.256, de 2016) § 6" Ocorrendo a hipótese do § 5°, é permitido a outro relator do respectivo tribunal superior afetar 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia na forma do art. 1.036. § 7°Quando os recursos requisitados na forma do inciso lll do caput contiverem outras questões além daquela que é objeto da afetação, caberá ao tribunal decidir esta em primeiro lugar e depois as demais, em acórdão específico para cada processa § 8° As partes deverão ser intimadas da decisão de suspensão de seu processo, a ser profenda pelo respec­ tivo juiz ou relator quando informado da decisão a que se refere o inciso li do caput. § 9a Demonstrando distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a serjulgada no recurso especial ou extraordinário afetado, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo. §10.0 requerimento a que se refere o § 9°será dirigido: I - aojuiz, se o proces so sobrestado estiverem primeiro grau; II - ao relator, se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem; lll - ao relator

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Por último, em dezembro de 2008, em julgamento por afetação ao Plenário dos RESP n° 105.8114 e n° 106.3343, 0 Órgão Especial do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, decidiu que as partes não podem desistir do recurso espe­ cial depois de ele ter sido afetado para julgamento por meio da Lei de Recursos Repetitivos, instruído e colocado na pauta do tribunal. Esse posicionamento do STJ, foi aplaudido por uns, com 0 mote na economia, celeridade e instrumentalidade processual, mas, foi criticado por outros, sob os fundamentos, de desrespeito ao devido processo legal previsto constitucionalmente, bem como, da "tendência" cada vez mais recorrente de "objetivação" dos recursos dos Tribunais Superiores.3'6

do acórdão recorrido, se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordinário no tribunal de origem; IV-ao relator, no tribuna! superior, de recurso especial ou de recurso extraordinário cujo processamento houver sido sobrestado. $11. A outra parte deverá ser ouvida sobre o requerimento a que se refere o $9°, no prazo de 5 (cinco) dias. $12. Reconhecida a distinção no caso: l-dos incisos I, llelVdo$10,o próprio juiz ou relator dará prosseguimento ao processo; II-do inciso lll do $10,0 relator comunicará a decisão ao presidente ou ao vice-presidente que houverdetermlnado o sobrestamento, para que o recurso especial ou o recurso extraordinário seja encaminhado ao respectivo tribunal superior, na forma do art. 1.030, parágrafo único. $13. Da decisão que resolver o requerimento a que se refere o §9° caberá: I - agravo de instru­ mento, se o processo estiverem primeiro grau; II-agravo interno, se a decisão for de relator. Art. 1.038.0 relator poderá: I - solicitar ou admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, considerando a rele­ vância da matéria e consoante dispuser o regimento interno; II - fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimen­ tos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria, com a finalidade de instruir o procedimento; lll - requisitar informações aos tribunais inferiores a respei to da controvérsia e. cumprida a diligência, in timará o Ministério Público para manifestar-se. S 1"No caso do inciso lll, os prazos respectivos são de 15 (quinze) dias, e os atos serão praticados, sempre que possível, por meio eletrônico. $ 2° Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais ministros, haverá inclusão em pauta, devendo ocorrer o julgamento com preferência sobre os demais feitos, res­ salvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. $ 3° O conteúdo do acórdão abrangerá a análise dos fundamentos relevantes da tese jurídica discutida. (Redação dada pela Lei n° 13.256, de 2016); Art. 1.039. Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada. Parágrafo único. Negada a existência de repercussão geral no recurso extraordi­ nário afetado, serão considerados automaticamente inadmitidos os recursos extraordinários cujo processamento tenha sido sobrestado. Art. 1.040. Publicado o ocórdão paradigma: I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestadosna origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior; II-o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior; lll-os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso parajulgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior; IV-se os recursos versarem sobre questão relativa a prestação de serviço público objeto de con cessão, permissão ou autorização, o resultado dojulgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agén cia reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujei­ tos a regulação, da tese adotada. $ Ia A parte poderá desistir da ação em curso no primeiro grau dejurisdição, antes de proferida a sentença, se a questão nela discutida for idêntica à resolvida pelo recurso representativo da controvérsia. § 2° Se a desistência ocorrer antes de oferecida contestação, a parte ficará isenta do pagamento de custas e de honorários de sucumbência. § 3° A desistência apresentada nos termos do § Ioindepende de consentimento do réu, ainda que apresen­ tada contestação. Art. 1.041. Mantido o acórdão divergente pelo tribunal de origem, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao respectivo tribunal superior, na forma do art. 1.036, $ 1°.$ 1° Realizado o juízo de retratação, com alte­ ração do acórdão divergente, o tribunal de origem, se for o caso, decidirá as demais questões ainda não decididas cujo enfrentamento se tornou necessário em decorrência da alteração. $ 2° Quando ocorrer a hipótese do inciso II do caput do art. 1.040 e o recurso versar sobre outras questões, caberá ao presidente do tribunal, depois do reexame pelo órgão de origem e independentemente de ratificação do recurso ou dejuízo de admissibilidade, determinar a remessa do recurso ao tribunal superior para julgamen to das demais questões. 376. Nesse sentido, conforme Lenio Streck: "Z matéria constante da decisão tem relação direta com o artigo 501 do Có­ digo de Processo Civil (antigo), que, ao contrário do decidido, assegura ao recorrente, a qualquer tempo, sem a anuên­ cia do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. Eis o debate. Um dos argumentos vencedores pautou-se nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. verbis: "náo é razoável que se desis ta da ação nesse es tágio, assim como não há direitos absolutos". Na mesma linha, a maioria sustentou que, se o STJacolhesse o pedido de desistência,

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Aqui é bom que se diga que o art. 998 do novo CPC de 2015 afirma que 0 recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. Porém, 0 § único do mesmo art. 998 determina que a desistência do recur­ so nâo impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquele objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos.

5.6. Tribunal Superior do Trabalho e a Justiça do Trabalho Segundo ditame constitucional, são órgãos da Justiça do Trabalho: 0 Tribunal Superior do Trabalho; os Tribunais Regionais do Trabalho; e os juizes do Trabalho.

0 Tribunal Superior do Trabalho compor-se-á de vinte e sete Ministros, escolhidos dentre brasileiros com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo Presidente da República após aprovação pela maioria absoluta3" do Senado Federal373* 378 377 (Redação dada pela Emenda Constitucional n° 92, de 20:16). A divisão se dará do seguinte modo:

a)

(1/5) um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva ativi­ dade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado 0 disposto no art. 94;

b)

os demais, ou seja, (4/5) quatro quintos, dentre juizes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da magistratura da carreira, indicados pelo próprio

em face da repercussão que cada julgamento afetado pela Lei dos Recursos Repetidos possui, estar-se-ia "Fazendo o interesse particular prevalecer sobre o público”. De ressaltar, desde logo, que a decisão do STJ nitidamente desca­ racteriza 0 instituto do recurso especial, ou seja, como forma de impugnação de decisões dando prolongamento ao processo, por disposição dos diretamente interessados, as partes, transformando-o, a partir da sua interposição, em um processo quase objetivo, no que diz respeito não apenas àquele processo mas aos efeitos nos outros. Ora, as partes não têm legitimidade para discutir algo como "a aplicação da lei em tese’: ou seja, acerca de quais seriam as aplicações que, em princípio, uma lei teria para além do caso. Veja-se: as partes no recurso não representam nem substituem a sociedade; estão ali na defesa dos seus direitos, elas não foram eleitas por ninguém... E se aquela decisão pode vir a afetar outros processos em razão de uma suposta eficácia erga omnes, o que ocorre é a violação do devido processo, do contraditório, da ampla defesa em relação aos demais. Em outras palavras, o que fica claro nessa decisáo do STJ é que o Recurso Especial, agora, mais do que nunca, não "pertence’' às partes; não ''serve” às mesmas, mas apenas (ou quase tão somente) ao 'interesse público", que. convenhamos, nâo passa de uma ex­ pressão que sofre de "anemia significativa', nela "cabendo qualquer coisa", mormente se for a partir do "princípio" da razoabilidade, álibi para a prática de todo e qualquer pragmatismo. Assim decidindo, o STJ quis transmitir-nos o seguinte recado: se o recurso não serve às partes, mas a um interesse'maior', “transcendente" nada mais “natural" (sic) que o recorrente não possa dele desistir, já que (seu recurso) está sendo utilizado para um “bem maior"(mais uma vez aqui as velhas "razões de Estado"). £m linha divergente, penso que o Tribunal se equivoca, pois se consi­ derarmos que, com a figura da reunião de recursos “idênticos" o que se tem é um “litisconsórcio por afinidade" (Sea vitima, ou seu representante legal, nâo concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria á revisão da instância com petente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. (Incluído pela Lei nc 13.964/2019) § 2° Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial. (Incluido pela Lei n° 13.964/2019) 44. Outro exemplo interessante: 4 sustentação oral do representante do Ministério Público que diverge do parecer jun tado ao processo por outro membro do MP, com posterior ratificação, não viola a ampla defesa. STF. 1" Turma. HC 140780/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 30.10.2018. No caso, “um indivíduo foi condenado em ^instân­ cia. A defesa interpôs apelação. O Ministério Público foi intimado e apresentou contrarrazões pedindo o desprovimento do recurso defensivo e a manutenção da sentença. Chegando o processo no Tribunal, o Ministério Público foi nova­ mente intimado para apresentarparecer como custos legis. O membro doMP que atua no Tribunal apresentou parecer escrito concordando com a defesa e pedindo o provimento do recurso. No dia da sessão de julgamento, o membro que atua no Tribunal foi chamado a se manifestar novamente como custos legis e ratificou oralmente o parecer escrito que havia sido juntado no processo. Ocorreu, no entanto, algo inusitado: outro membro do MP (o mesmo que havia apre­ sentado contrarrazões) fez sustentação oral na qual pediu o desprovimento do recurso e a manutenção da sentença condenatória. O Tribunal decidiu pelo desprovimento do recurso e manteve a condenação. A defesa impetrou, então,

43.

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Funções Essenciais A Jusiiça

Além desses princípios, previstos constitucionalmente, temos também o reco­ nhecimento doutrinário e, em certo sentido jurisprudencial, no STF do princípio do promotor natural (embora com certa divergência, conforme veremos).

Nesses termos, o Princípio do Promotor Natural indica que, ao membro do Minis­ tério Público, deve ser assegurada a devida proteção para exercer seu mister de for­ ma plena e independente, de tal maneira que são proibidas (vedadas) designações casuístlcas e arbitrárias (desvestidas de amparo legal) efetuadas pela chefia da Insti­ tuição (Procurador-Geral) que iriam consignar um verdadeiro promotor de exceção.45 Portanto, somente o Promotor Natural deve desenvolver suas atividades processuais (atuação processual), fazendo com que a imparcialidade do Ministério Público seja preservada de tal modo que um Promotor não possa ser afastado sem um fundamen­ to legal adequado e substituído por outro por ato voluntarista e indevido.46

Porém, chamamos a atenção para os desdobramentos interessantes que envol­ vem o princípio do promotor natural. Nesses termos, em 29.04.2008, 0 STF decidiu que não há afronta ao princípio do Promotor Natural quando ocorrer pedido de arquivamento dos autos de inquérito policial por um Promotor de justiça e, poste­ riormente, oferta de denúncia por outro Promotor, indicado pelo Procurador-Geral de Justiça, após 0 Juiz ter considerado improcedente 0 pedido de arquivamento.47

habeas corpus alegando que houve nulidade porque a sustentação oral do MP divergiu da opinião quejá havia sido manifestada pelo órgão em parecer escrito que foi ratificado. O STF entendeu que não houve nulidade. Nesses termos, o papel do Ministério Público como custos legis não se confunde com o de órgáo acusador, podendo opinar pela ab­ solvição do réu, por exemplo, ainda que o recurso tenha sido do defesa. De igual forma, o membro do MP que atua no caso não está vinculado ao parecer proferido, gozando de independência funcional!' Dizer o Direito, Informativo 922. 45. Conforme o HC n° 67.759, julg. em 06.08.1992: “Habeas Corpus"-Ministério Público - Sua destinação constitucio­ nal - Princípios institucionais-A questão do promotor natural em face da Constituição de 1988 - Alegado excesso no exercido do poder de denunciar - Inocorrência - Constrangimento injusto não caracterizado Pedido indeferido. - 0 postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da veda çáo de designações casuístlcas efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção. Esse principio consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividode, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pre determinados, estabelecidos em lei. A matriz constitucional desse princípio assenta se nas cláusulas da independência funcional e da inamovibilidade dos membros da Instituição. 0 postulado do Promotor Natural limita, por isso mesmo, o poder do Procurador-Geral que, embora expressão visível da unidade institucional, não deve exercer a Chefia do Ministério Público de modo hegemônico e incontrastável. Posição dos Ministros Celso de Mello (Relator), Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Velloso. Divergência, apenas, quanto a aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural: necessidade da "interpositio legislatoris" para efeito de atuação do prin cípio (Ministro Celso de Mello); incidência do postulado, independentemente de intermediação legislativa (Ministros Sepúlveda Pertence. Marco Aurélio e Carlos Velloso). - Reconhecimento da possibilidade de instituição do princípio do Promotor Natural mediante lei (Ministro Sydney Sancbes). - Posição de expressa rejeição a existência desse princípio consignada nos votos dos Ministros Paulo Brossard, Octavio Gallotti, Néri da Silveira e Moreira Alves. (Rel Min. Celso de Mello) 46. Conforme o art. 10 da Lei n° 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) compete ao Procurador-Geral apenas designar membros para: acompanhar Inquérito policial ou diligência investigatória, devendo recair a escolha sobre o membro do Ministério Público com atribuição para, em tese, oficiar no feito, segundo as regras ordinárias de distribuição de serviços. 47. HC no 92.885, julg. em 29.04.2008: Crime de homicídio qualificado. Alegação de violação ao principio do promotor natural e de ausência dejusta causa para o oferecimento da denúncia. Inexistência de constrangimento ilegal. 1. Ne­ nhuma afronta ao principio do promotor natural há no pedido de arquivamento dos autos do inquérito policial por

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Acontece que, em habeas corpus julgado em 17.06.2008 no Pretório Excelso, por sua 2a Turma, e presente no Informativo n° 511, 0 Princípio do Promotor Natural não foi aplicado, tendo sua existência no caso refutada pelo próprio STF/S Porém, em jul­ gado mais recente, 0 STF, a nosso ver de forma adequada, admitiu a existência do Princípio do Promotor Natural. Segundo 0 Pretório Excelso, 0 postulado do Promotor Natural: "consagra uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger 0 mem­ bro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura 0 exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei."4’

Ressaltamos aqui que, por óbvio, não aplicar 0 referido princípio devido às pe­ culiaridades de um caso concreto faz sentido, mas 0 afastamento de forma absoluta (e irrestrita) da existência do princípio do promotor natural é inadequado e deve ser refutado com base na posição concedida ao Ministério Público na Constituição de 1988, bem como pelo princípio da independência funcional e pelas garantias ads­ tritas aos membros do Ministério Público também constitucionalmente aventadas.* 49 48

um promotor de justiça e na oferta da denúncia por outro, indicado pelo Procurador-Geral de Justiça, após o Juizo lo­ cal ter considerado improcedente o pedido de arquivamento. 2. A alegação de falta dejusta causa para o oferecimento da primeira denúncia foi repelida pelo Tribunal de Justiça estadual, sendo acatada tão-somente a tese de sua inépcia. 3. Não se pode trancar a segunda denúncia, quando descritos, na ação penal, comportamentos típicos, ou seja, quan­ do factíveis e manifestos os indícios de autoria e materialidade delitivas. Precedentes. 4. Habeas corpus indeferido. Rel. Min. Cármen Lúcia. 48. Conforme o HC n° 90.277, julg. em 17.06.2008: 1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra julgamento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça que recebeu denúncia contra o paciente como incurso nas sanções do art. 333, do Código Penal. 2. Tese de nulidade do procedimento que tramitou perante o Tfíf da 3a Região sob o fun­ damento da violação do princípio do promotor natural, o que representaria. 3. O STF não reconhece o postulado do promotor natural como inerente ao direito brasileiro (HC 67.759, Pleno, DJ 01.07.1993): "Posição dos Ministros Celso de Mello (Relator), Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Velloso: Divergência, apenas, quanto à aplicabilidade imediata do principio do Promotor Natural: necessidade de interpositío legislatoris' para efeito de atuação do prin­ cípio (Ministro Celso de Mello); incidência do postulado, independentemente de intermediação legislativa (Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Velloso). - Reconhecimento da possibilidade de instituição de princípio do Promotor Natural mediante lei (Ministro Sidney Sanches). - Posição de expressa rejeição à existência desse princípio consignada nos votos dos Ministros Paulo õrossard, Octavio Gallotti, Néri da Silveira e Moreira Alves." 4. Tal orientação foi mais recentemente confirmada no HC n° 34.468/ES (Rel. Min. Cezar Peluso, 1a Turma, DJ 20.02.2006). Não há que se cogitar da existência do principio do promotor natural no ordenamento jurídico brasileiro. 5. Ainda que não fosse por tal fundamento, todo procedimento, desde a sua origem até a instauração da ação penal perante o Superior Tribunal de Justiça, ocorreu de forma transparente e com integral observância dos critérios previamente impostos de distribuição de processos na Procuradoria Regional da República da 3° Região, não havendo qualquer tipo de manipu­ lação ou burla na distribuição processual de modo a que se conduzisse, propositadamente, a este ou àquele membro do Ministério Público o feito em questão, em flagrante e inaceitável desrespeito ao principio do devido processo legal 6. Deixou se de adotar o critério numérico (referente aos finais dos algarismos lançados segundo a ordem de entrada dos feitos na Procuradoria Regional) para se considerar a ordem de entrada das representações junto ao Núcleo do Órgão Especial (NOE) em correspondência á ordem de ingresso dos Procuradores no referido Núcleo. 7. Na estreita via do habeas corpus, OS impetrantes não conseguiram demonstrar a existência de qualquer vicio ou mácula na atribuição do procedimento inquisitorial que tramitou perante o TRF da 3a Região às Procuradoras Regionais da República. 8. Não houve, portanto, designação casuística, ou criação de "acusador de exceção". 9. Habeas corpus denegado. 49. HC 103038,STF.2aTurma.Rel.Min. Joaquim Barbosa,0327.10.2011.

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Funções Essenciais

à Justiça

Corroborando com a nossa posição, citamos a Resolução n« 38/1998 do Con­ selho Superior do Ministério Público Federal, que regulamentando 0 exercício da titularidade da ação penal pública, determina o respeito ao princípio do promotor natural.50

Registramos também que recentemente, a ia Turma do STF no HC n° 137637/DF, julgado em 06.03.2018, citou os princípios da independência funcional e do promotor natural. No caso concreto, a PGR ofereceu denúncia contra determinado réu e outros réus perante 0 STJ. 0 STJ desmembrou 0 feito e ficou com 0 processo apenas da autoridade com foro no STJ, declinando da competência para que 0 TJ julgasse os demais. 0 Procurador Geral de Justiça (que atua no TJ) ratificou a denúncia. Porém, 0 Tribunal de Justiça também decidiu desmembrar 0 feito e ficou com 0 processo ape­ nas da autoridade com foro no TJ, declinando da competência para que 0 juízo de ia instância julgasse os demais corréus. Assim sendo, o processo (que não era dotado de foro por prerrogativa de função) foi remetido para a ia instância. 0 Promotor de Justiça que atua na ia instância decidiu não ratificar a peça acusatória, oferecendo nova denúncia incluindo, inclusive, novos réus. 0 impetrante do HC no STF alegou que 0 Promotor da i» instância não poderia ter alterado a denúncia. Porém, o STF entendeu que 0 membro do Ministério Públi­ co agiu corretamente e que não há qualquer nulidade neste caso. Segundo 0 STF é possível 0 aditamento da denúncia a qualquer tempo antes da sentença final, ga­ rantidos o devido processo legal, a ampla defesa e 0 contraditório, especialmente quando a inicial ainda não tenha sido sequer recebida originariamente pelo juízo competente, como ocorreu no caso concreto. Nos termos do Informativo 893, a ia Turma do STF afirmou que 0 princípio da in­ dependência funcional está diretamente atrelado à atividade finalística desenvolvida

SO. Temos também que 2a Turma do STF em 2011 denegou habeas corpus em que pretendida anulação de ação penal em face de suposta violação ao princípio do promotor natural. Conforme o HC 98841; Na espécie, o Procurador-Geral de Justiça designara promotor lotado em comarca diversa para atuar, excepcionalmente, na ses­ são do tribunal do júri em que o paciente fora julgado e condenado. Consignou-se que o postulado do promotor natural teria por escopo impedir que chefias institucionais do Ministério Público determinassem designações casuisticas e injustificadas, de modo a instituir a reprovável figura do "acusador de exceção". No entanto, não se vislumbrou ocorrência de excepcional afastamento ou substituição do promotor natural do feito originário, mas, tão-somente, a designação prévia e motivada de outro promotor para determinado julgamento, em conformidade com o procedimento previsto na Lei 8.625/93. (HC 98.841/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, 11.10.2011). Em outro caso, o STF entendeu que: Não viola o Principio do Promotor Natural se o Promotor de Justiça que atua no vora crimi­ nal comum oferece denúncia contra o acusado no vara do Tribunal do Júri e o Promotor que funciona neste juizo especializado segue com a ação penol. participando dos atos do processo até a pronúncia. No caso concreto, em um primeiro momento, entendeu-se que a conduta não seria crime doloso contra a vida, razão pela qual os autos foram remetidos ao Promotor da vara comum. No entanto, mais para frente comprovou -se que, na verdade, tratava-se sim de crime doloso. Com isso, o Promotor que estava no exercido ofereceu a denúncia e remeteu a ação imediatamente ao Promotor do Júri, que poderia. a qualquer momento, não ratificá-la. Configurou-se uma ratificação implícita da denúncia. Náo houve designação arbitrária ou quebra de autonomia. HC 114093/PR, 1 “Turma do STF, Red. p/oac. Min. Alexandre de Moraes.

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pelos membros do Ministério Público, gravitando em torno das garantias: a) de uma atuação livre no plano técnico-jurídico, isto é, sem qualquer subordinação a even­ tuais recomendações exaradas pelos órgãos superiores da instituição; e b) de não poderem ser responsabilizados pelos atos praticados no estrito exercício de suas funções.5’

Consoante o postulado do promotor natural, a definição do membro do Minis­ tério Público competente para oficiar em determinado caso deve observar as regras previamente estabelecidas pela instituição para distribuição de atribuições no foro de atuação, obstando-se a interferência hierárquica indevida da chefia do órgão por meio de eventuais designações especiais.

Nessa medida, a proteção efetiva e substancial ao princípio do promotor natu­ ral impede que o superior hierárquico designe o promotor competente, bem como imponha a orientação técnica a ser observada?’ Assim, conforme o STF, o membro do Ministério Público ostenta plena liberdade funcional não apenas na avaliação inicial que faz, ao final da fase de investigação, no intuito de aferir a existência de justa causa para o oferecimento da peça acusató­ ria; como, também, no exame que realiza, ao final da instrução processual, quanto à comprovação dos indícios de autoria originariamente cogitados?3

Nesses termos, certo é que a imparcialidade na formação da "opinio delicti" se efetiva na hipótese em que o membro do Ministério Público atua com total liber­ dade na formação de seu convencimento, é dizer que sua atuação não poderá ser vinculada a nenhuma valoração técnico jurídica pretérita dos fatos sob avaliação, ainda que proveniente de outro membro da instituição que possua atribuição para atuar em instância superior?4 No caso em comento, entendeu o STF que é irrelevante que outros membros do Ministério Público com atribuição para atuar em instância superior, em virtude da aná­ lise dos mesmos fatos, tenham, anteriormente, oferecido denúncia de diferente teor em face do ora paciente, uma vez que, conforme devidamente reconhecido pelos órgãos jurisdicionais a que submetida a pretensão, não eram aqueles - porquanto incompetente o juízo - os promotores naturais para exercer a pretensão acusatória. Portanto, o fato de o promotor natural - aquele com atribuição para atuar na 1a instância — não se encontrar tecnicamente subordinado e apresentar entendi­ mento jurídico diverso, afasta qualquer alegação de nulidade decorrente de altera­ ção do teor da peça acusatória oferecida contra o paciente.51 54 53 52

51. 52. 53. 54.

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HC HC HC HC

137637/DF, 137637/DF, 137637/DF. 137637/DF,

Ia Turma do STF. Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 06.03.2018 (Informativo 893). Ia Turma do STF. Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 06.03.2018 (Informativo 893). 1 ’ Turma do STF. Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 06.03.2018 (Informativo 893). PTurma do STF. Rel. Min. Luiz Fux. julgado em 06.03.2018 (Informativo 893).

Funções Essenciais a Justiça

Sobre as garantias dos Membros do Ministério Público, assim como no estudo das garantias da magistratura, teremos que analisar as garantias institucionais (con­ cedidas à Instituição) e as garantias dos membros (e, dentro dessas, os impedimen­ tos ou as vedações aos membros do Ministério Público). Garantias Institucionais: no que tange às garantias institucionais (aquelas asse­ guradas à Instituição como um todo), temos que ao Ministério Público é assegurada a autonomia funcional, administrativa e financeira.

A autonomia funcional está alocada no art. 127, § 2°, da CR/88 e abrange ins­ titucionalmente todos os órgãos do Ministério Público. Assim, no cumprimento de suas funções institucionais, 0 membro do Ministério Público não estará atrelado ou submetido a nenhum outro Poder (seja ele 0 Legislativo, Executivo ou 0 Judiciário) nem mesmo a qualquer tipo de autoridade pública. Com isso, conforme anotamos no princípio da independência funcional, os membros do Ministério Público devem respeito e observância apenas à Constituição da RFB, às normas infraconstitucionais e à sua consciência jurídica.5556 Já autonomia administrativa, também alocada no art. 127, § 2°, da CR/88,50 indi­ ca que 0 Ministério Público se autoadministra, gerindo a si próprio (autogoverno). Nesses termos, observado 0 disposto no art. 169 da CR/88, poderá 0 Ministério Público propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.57

55.

56. 57.

Como exemplo, a ADI 1916julg.em 14.04.2010:1. Competência exclusiva do Procurador-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul para propor o ação civil pública contra autoridades estaduais especificas. 2. A legitimação para propositura da ação civil pública -nos termos do artigo l29, inciso lll, daCF-é do Ministério Público, instituição unae indivisível. 3.0 disposto no artigo 30, inciso X, da LC 72/94, estabelece quem, entre os integrantes daquela instituição, conduzirá o inquérito civil e a ação civil pública quando a responsabilidade for decorrente de ato praticado, em razão de suas funções, por determinadas autoridades estaduais. 4. A Lei Complementar objeto desta ação não configura usurpação da competência legislativa da União ao definir as atribuições do Procurador Geral. Não se trata de ma­ téria processual. A questão é atinente às atribuições do Ministério Público local, o que, na forma do artigo 128, § 5“ da CB/88, é da competência dos Estados-membros. 5. A Lei Complementar n. 72, do Estado de Mato Grosso do Sul, não extrapolou os limites de sua competência. Ação Direta de Inconstitucionalidadejulgada improcedente. Cassada a liminar anteriormente concedida. Rel. Min Eros Grau. Conforme redação dada pela Emenda Constitucional n° 19, de 1998. Conforme o art. 3o da Lei n° 8.625/93 (LOMP): Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional, admi­ nistrativa e financeira, cabendo-lhe, especialmente: I- praticar atos próprios de gestão; II - praticar atos e decidir sobre a situação funcional e administrativa do pessoal, ativo e inativo, da carreira e dos serviços auxiliares, organiza­ dos em quadros próprios; lll elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos; IV - ad­ quirir bens e contratar serviços, efetuando a respectiva contabilização; V - propor ao Poder Legislativo a criação e a ex­ tinção de cargos, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos de seus membros: VI - propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção dos cargos de seus serviços auxiliares, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos de seus servidores: Vil prover os cargos iniciais da carreira e dos serviços auxiliores, bem como nos casos de remoção, promo­ ção e demais formas de provimento derivado; VIII - editar atos de aposentadoria, exoneração e outros que importem em vacância de cargos e carreira e dos serviços auxiliares, bem como os de disponibilidade de membros do Ministério Público e de seus servidores; IX organizar suas secretarias e os serviços auxiliares das Procuradorias e Promotorias de Justiça; X - compor os seus órgãos de administração; XI - elaborar seus regimentos internos; XII - exercer outras competências dela decorrentes.

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E a autonomia financeira está adstrita ao art. 127, § 30, da CR/88, na medida em que ao Ministério Público é assegurada a capacidade de elaborar a sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. Assim, poderá 0 Ministério Público administrar os recursos que forem destinados às suas atividades e funções institucionais, não necessitando de recursos de nenhum outro Poder para tal.58 No mesmo diapasão, temos também, nos moldes constitucionais estabelecidos no art. 127, § 40 ao § 6«, da CR/88,59 que, se 0 Ministério Público não encaminhar a respectiva proposta orçamentária dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, 0 Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da propos­ ta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 3« do art. 127 da CR/88. Porém, se a proposta orçamentária de que trata 0 artigo art. 127 da CR/88 for encaminhada em desacordo com os limites estipulados na forma do referido § 3°, o Poder Exe­ cutivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual. E, por último, nos mesmos termos definidos para a Magistratu­ ra (art. 99 da CR/88), reza a Constituição que, durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais. Aqui, é interessante salientar, a perspectiva adotada pelo STF no que tange as garantias institucionais e ao seu modo (maneira) de defesa (quando usurpadas). Essa diferencia-se do modo de tutela (defesa) das garantias dos membros (tema que a seguir iremos estudar). Nesse sentido, decidiu 0 Pretório Excelso no MS n° 30.717, julgado em 27.09.2011, que "0 Ministério Público não tem legitimidade para defender direito subjetivo, disponível e individual de seus membros. Com base nesse entendimento, a 2a Turma do STF desproveu agravo regimental interposto de decisão do Min. Ricardo Lewandowski que, em decisão monocrática da qual relator, extinguira mandamus sem julgamento de mérito. No caso, 0 Ministério Público do Es­ tado do Rio Grande do Sul impetrara mandado de segurança contra ato do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, que restringira a percepção de gratificação por membros que compusessem órgãos colegiados. Reputou-se que a legitimidade

58.

59.

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Nesses termos, já decidiu o 5TF que é constitucional norma de Constituição Estadual que assegura ao Ministério Público autonomia financeira e a iniciativa ao Procurador-Geral de Justiça para propor ao Poder Legislativo a cria­ ção e a extinção dos cargos e serviços auxiliares e a fixação dos vencimentos dos membros e dos servidores de seus órgãos auxiliares.Também é constitucional a previsão de que o Ministério Público elaborará a sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos pela LDO. STF. Plenário. ADI 145/CE, Rel. Min. DiasToffoli, julg. em 20.06.2018 (Informativo 907). Conforme redação dada pela Emenda Constitucional n" 45 de 2004.

Funções Essenciais A Justiça

do parquet para impetração de writ restringir-se-ia à defesa de sua atuação funcio­ nal e a de suas atribuições institucionais"60.

Aqui, segundo o STF, é constitucional dispositivo de Constituição Estadual que assegura ao Ministério Público autonomia financeira e a iniciativa ao Procurador-Ge­ ral de Justiça para propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção dos cargos e serviços auxiliares e a fixação dos vencimentos dos membros e dos servidores de seus órgãos auxiliares. Também é constitucional a previsão de que o Ministério Pú­ blico elaborará a sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos pela Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO.6' No que tange às Garantias dos Membros, temos, inicialmente, as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.

Vitaliciedade: significa que os membros do Ministério Público somente poderão perder o cargo por decisão judicial transitada em julgado.62 Essa vitaliciedade so­ mente é adquirida após dois anos de efetivo exercício da carreira (com a devida aprovação no concurso de provas e títulos), ou seja, após o cumprimento do cha­ mado estágio probatório.63 Antes desse prazo ser efetivado e o estágio cumprido, os membros do Ministério Público poderão perder o cargo por decisão administra­ tiva do próprio Ministério Público em que estão alocados (integrados). Porém, é mister salientar que, de forma excepcional, os membros do Ministério Público poderão não ser vitalícios, mesmo que já tenham cumprido o estágio pro­ batório. Nesse caso, conforme o art. 29, § 3°, do ADCT,64 os membros do Ministério Público, admitidos antes da promulgação da Constituição de 1988, que optaram pelo regime anterior (no qual podiam exercer a advocacia) ao definido no novo ordena­ mento constitucional, terão direito apenas à garantia da estabilidade (esta condi­ ciona à perda do cargo apenas por regular processo administrativo com direito à

MS 30.717 AgR/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julg. em 27.09.2011. Conforme a Ementa: "A legitimidade do Ministério Público para interpor mandado de segurança na qualidade de órgão público despersonalizado, deve ser restrito à defesa de sua atuação funcional e de suas atribuições institucionais. Precedentes. II - No caso, tra­ ta-se de direito individual dos membros da instituição que participam de órgãos colegiados, que nào pode ser defendido pelo Ministério Público, enquanto instituição, lll - Agravo regimental a que se nega provimento." 61. ADI 145/CE, STF. Plenário. Rel. Min. DiasToffoli, julgado em 20.06.2018 (Informativo 907). 62. No caso dos membros do MPs Estaduais vitalícios, temos que. conforme o art. 38 da Lei n° 8.625/93: § 1° O mem­ bro vitalício do Ministério Público somente perderá o cargo por sentença judicial transitada em julgado, proferida em ação civil própria, nos seguintes casos: I - prática de crime incompatível com o exercício do cargo, após deci­ são judicial transitada em julgado; II - exercício da advocacia; lll - abandono do cargo por prazo superior a trinta dias corridos. § 2° A ação civil para a decretação da perda do cargo será proposta pelo Procurador-Geral de Justiça perante o Tribunal de Justiça local, após autorização do Colégio de Procuradores, na forma da Lei Orgânica. 63. Ressalta-se aqui que o CNMP não pode determinar a perda do cargo do membro do MP dotado de vitaliciedade. 64. Conforme o art. 29, § 3°, do ADCT da CR/88: "Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita ás garantias e vantagens, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto ás vedações, a situação jurídica na data desta!" Nesses termos, os membros do MP teriam direito, optando pelo re­ gime anterior, apenas à estabilidade e inamovibilidade (exceto: mediante representação do Procurador-Geral com fundamento na conveniência do serviço). 60.

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ampla defesa, ou, obviamente, também poderiam perder o cargo, mediante deci­ são judicial transitada em julgado).

Inamovibilidade: essa garantia significa que, uma vez titular do cargo, o membro do Ministério Público somente poderá ser removido ou mesmo promovido por ini­ ciativa própria. Portanto, não pode ser removido ou promovido ex offício e de forma unilateral sem que autorize ou mesmo solicite a modificação no seu status quo. Porém existe uma exceção constitucional,65 na qual ele poderá ser removido por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa.

Irredutibilidade de subsídios: nos termos previstos constitucionalmente,6667 é as­ segurado ao membro do Ministério Público a garantia da irredutibilidade de subsí­ dios, visando garantir que os membros do Ministério Público exerçam suas funções e atribuições sem serem pressionados por indevidas diminuições remuneratórias. Certo é que, nos mesmos moldes da magistratura (aqui já analisada), a irredutibili­ dade assegurada será a nominal. Neste momento, iremos analisar os impedimentos (vedações constitucionais) que, conforme já salientado (no estudo da magistratura), são, na verdade, garantias para o devido e adequado exercício pelos membros do Ministério Público de suas atribuições.

Portanto, conforme ditame constitucional, é vedado aos membros do Ministério Público: a)

receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percenta­ gens ou custas processuais;

b)

exercer a advocacia;

Sobre o exercício da advocacia, temos que salientar a questão atinente aos membros do Ministério Público da União (MPU) que faziam parte da Instituição an­ teriormente à Constituição atual e que optaram pelo regime anterior ao da atual Constituição de 1988. Nesses termos, conforme 0 art. 29, § 3°, do ADCT, os membros do MPU poderão exercer a advocacia se realizada a opção por continuarem no regime anterior (no qual eles podiam exercê-la). Porém, é mister colocarmos que os membros do Ministério Público do DF e Territórios anteriores à CR/88, apesar de estarem dentro da estrutura do MPU, não podem exercer a advocacia nos ter­ mos da Lei Complementar n° 4o/8i6/ e da Resolução n° 16/06 do CNMP.68 Portanto,

65. De acordo com o art. 128, §5°, l,"b" modificado pela Emenda Constitucional nu 45/2004. 66. Art. 128, § 5°, I, "c", da CR/88: é assegurada a irredutibilidade de subsidio, fixado na forma do art. 39, §4°,e ressal­ vado o disposto nos arts. 37, X e XI, 150, II, 153, lll, 153, 5 2" I; (com redação dada pela Emenda Constitucional n° 19, de 1998). 67. Conforme o art. 24, II, da LC n° 40/81: É vedado aos membros do Ministério Público dos Estados: II - exercer a advocacia. Nesses termos, o art. 6o da mesma LC n°4O/81 afirma que: Aplicam-se à organização do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, no que couber, as normas constantes desta Lei. 68. Conforme a Resolução n° lõdo CNMP de 30 de janeiro de 2007: “somente poderão exercer a advocacia com res­ paldo no § 3a do art. 29 do ADCTda Constituição de 1988, os membros do Ministério Público da União que integravam

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Funções Essenciais a Justiça

estes e os membros dos MPs estaduais, mesmo anteriores à CR/88, nao podem exercê-la.69

c)

participar de sociedade comercial, na forma da lei;

d)

exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública70, salvo uma de magistério;

A princípio, a Resolução n® 3 do CNMP, de 16 de dezembro de 2005, que entrou em vigor em 1° de janeiro de 2006, definia a questão sobre o acúmulo do exercício das funções ministeriais com 0 exercício do magistério por membros do Ministério Púbico da União e dos Estados.

Porém, essa resolução foi revogada pela Resolução n® 73/2011 do CNMP. Nes­ sa, temos no seu art. 1® que ao membro do Ministério Público da União e dos Estados, ainda que em disponibilidade, é defeso 0 exercício de outro cargo ou função pública, ressalvado o magistério, público ou particular (aqui já com reda­ ção dada pela Resolução n° 133, de 22 de setembro de 2015). Já 0 § 1° do art. 1® afirma que a coordenação de ensino ou de curso é considerada compreendida no magistério e poderá ser exercida pelo membro do Ministério Público se hou­ ver compatibilidade de horário com as funções ministeriais. Por seu turno, 0 § 2® do art. 1® afirma que haverá compatibilidade de horário quando do exercício da atividade docente não conflitar com 0 período em que 0 membro deverá estar disponível para 0 exercício de suas funções institucionais, especialmente perante o público e 0 Poder Judiciário.

Temos também, nos termos do § 3° do art.i® da Resolução 73/2011 do CNMP, que se consideram atividades de coordenação de ensino ou de curso, para os efeitos do parágrafo anterior (§ 2® citado anteriormente), as de natureza formadora e transformadora, como 0 acompanhamento e a promoção do projeto pedagógico da instituição de ensino, a formação e orientação de professores, a articulação entre corpo docente e discente para a formação do ambiente acadêmico participativo, a iniciação científica, a orientação de acadêmicos, a promoção e a orientação da

69.

70.

a carreira na data da sua promulgação e que, desde então, permanecem regularmente inscritos na Ordem dos Advo gados do Brasil. O Exercício da advocacia, para os membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios está, incondicionalmente, vedado, desde a vigência do artigo 24, s 2" da Lei complementar n. 40/81“ (Embora o correto seja o art. 24,11, da LC n“ 40/81). Nos termos, do art. 2’ da Resolução n- 8 do CNMP de 08 de maio de 2006, temos ainda que: Art. 2°. Além dos impedimentos e vedações previstos na legislação que regula o exercício da advocacia pelos membros do Ministério Público, estes não poderão fazê-lo nas causas em que, porforça de lei ou em face do interesse público, esteja prevista a atuação do Ministério Público, por qualquer dos seus órgãos e ramos (Ministérios Públicos dos Estados e da União). Nesses termos, o MS 26.595/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julg. em 07.04.2010: EMENTA: mandado de segurança. Resolução n. 5/2006 do conselho nacional do ministério público: exercício de cargo de diretor de planejamento, ad­ ministração e logística do Ibama por promotor de justiça. Impossibilidade de membro do ministério público que ingressou na instituição após a promulgação da constituição de 1988 exercer cargo ou função pública em órgão diverso da organização do ministério público. Vedaçáo do Art. 128, § 5°, II, d, da Constituição da República. Precedentes. Segurança Denegada. DJ: 11.06.2010.

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pesquisa e outras ações relacionadas diretamente com o processo de ensino e aprendizagem. Já o § 4° do art. i° da referida Resolução, explicita que não estão compreendidas nas atividades previstas no parágrafo anterior (§ 3» anteriormente citado) às de natureza administrativo institucional e outras atribuições relacionadas à gestão da instituição de ensino. Pois bem, 0 art. 2» da Resolução n° 73/2011 determina que somente será permi­ tido 0 exercício da docência ao membro, em qualquer hipótese, se houver compati­ bilidade de horário com 0 do exercício das funções ministeriais, e desde que 0 faça em sua comarca ou circunscrição de lotação, ou na mesma região metropolitana. (Esse artigo já com redação dada pela Resolução n° 132, de 22 de setembro de 2015.)

Assim, nos termos do § 1° do art. 20 da Resolução n° 73/2011, temos que, fora das hipóteses previstas no caput do art. 2», a unidade do Ministério Público, por meio do órgão competente, poderá autorizar 0 exercício da docência por membro do Ministério Público, quando se tratar de instituição de ensino sediada em comarca ou circunscrição próxima, nos termos de ato normativo e em hipóteses excepcio­ nais, devidamente fundamentadas. (Aqui também já com redação dada pela Reso­ lução n« 132, de 22 de setembro de 2015.)

Aqui é interessante que 0 § 2» do art. 2», da Resolução n° 73/2011, afirma que 0 cargo ou a função de direção nas entidades de ensino não é considerado exercício de magistério, sendo vedado aos membros do Ministério Público. Porém, conforme 0 art. 3° da Resolução n° 73/2011, não se incluem nas vedações referidas nos artigos anteriores (supracitados) as funções exercidas em curso ou escola de aperfeiçoa­ mento do próprio Ministério Público ou aqueles mantidos por associações de classe ou fundações a ele vinculadas estatutariamente, desde que essas atividades não sejam remuneradas.71 Ainda sobre a vedação de funções públicas, é importante salientar que 0 STF recentemente, referendando posicionamentos anteriores72, entendeu na ADPF 388 que membros do Ministério Público não podem ocupar cargos públicos fora do âmbito da instituição, salvo (como expresso na normativa constitucional) cargo de professor e funções de magistério. Nesses termos, a Resolução n° 72/2011 do CNMP, ao permitir que membro do parquet exerça cargos fora do Ministério Públi­ co, é flagrantemente contrária ao art. 128, § 5°, II, "d", da CR/88. Assim, a nomea­ ção de membro do Ministério Público para 0 cargo de Ministro da justiça viola 0

71.

72.

1728

Na sequência da Resolução: Art. 4°. O exercício de docência deverá ser comunicado pelo membro ao Corregedor-Geral da respectiva unidade do Ministério Público, ocasião em que informará o nome da entidade de ensino, sua localização e os horários das aulas que ministrará. Parágrafo único. O Corregedor de cada unidade do Ministério Público deverá infor­ mar anualmente à Corregedoria Nacional os nomes dos membros de seu órgão que exerçam atividades de docência e os casos em que foi autorizado pela unidade o exercício da docência fora do município de lotação." Art. 5°. Ciente de eventual exercício do magistério em desconformidade com a presente Resolução, o Corregedor-Geral, após oitiva do membro, não sendo solucionado o problema, tomará as medidas necessárias, no âmbito de suas atribuições. Art. 6°. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se a Resolução 3, de 16 de dezembro de 2005. ADI 2534 MC, julg: 15.08.2002. ADI 3298, julg: 10.05.2007. ADI 3574, julg: 16.05.2007.

Funções Essenciais A Justiça

texto constitucional.73 Aqui, é importante ressaltar, sob o fundamento da segurança jurídica, que o STF decidiu fixar um prazo de 20 dias, a partir da publicação da ata do julgamento, para que haja a exoneração dos membros do Ministério Público que estejam atuando perante a administração pública em desconformidade com 0 entendimento fixado pela Corte (certo é que existiam membros do Ministério Público exercendo cargos no âmbito do Poder Executivo autorizados até então pelo CNMP).74

e)

exercer atividade político partidária.75

Certo é que 0 TSE editou duas resoluções sobre 0 tema positivado pela Emen­ da n° 45/2004. A Resolução n° 22.095 de 2005 determinou que: Consulta. Matéria eleitoral. Disciplina. Constituição Federal. Membro do Ministério Público. Filiação partidária. Candidatura. Desincompatibilização. Advento. Emenda Constitucional n° 45/2004. Vedação. "[...] II - Os membros do Ministério Público da União se sub­ metem à vedação constitucional de filiação partidária, dispensados, porém, de cumprir 0 prazo de filiação fixado em lei ordinária, a exemplo dos magistra­ dos, devendo satisfazer tal condição de elegibilidade até seis meses antes das

73.

74.

75.

Informativo 817 do STF: "(...) Entendeu que a autorização criada pela Resolução 72/2011 seria flagrantemente in­ constitucional. A Constituição vedara aos promotores e procuradores o exercício de "qualquer outra função pública, salvo uma de magistério" (art. 128, 55°, II, “d"). Observou que o constituinte enfatizara que a vedação não seria simplesmente ao exercício de "outra função pública", mas ao exercício de "qualquer outra função pública", regra cuja única exceção seria a de magistério. Sublinhou que o art. 129, IX, da CF não deveria ser lido como uma espécie de cláusula de exceção. Esse dispositivo seria o inciso final da lista de funções institucionais do “parquet" enumerada no texto constitucional. De acordo com sua redação, competiría ao Ministério Público "exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas". Essa disposição seria relativa às funções da instituição Ministério Público e não aos seus membros. Norma com dupla função. Uma primeira, de abertura do rol das atribuições ministeriais, que explicitaria que a lista do art. 129 seria “numerus apertus", de modo que poderia ser ampliada. Uma segunda, reforçaria a completa separação, inougurada pela Constituição de 1988, do Ministério Público com a advocacia pública, ao afastar o “parquet" de realizar "a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas". O entendimento de que a vedação seria quanto ao exercício concomitante de funções de promotor e outras fun­ ções foro da instituição não passaria pela leitura do texto constitucional. A vedação ao exercício de outra função pública vigería "ainda que em disponibilidade". Ou seja, enquanto não rompido o vinculo com a instituição. Ao exercer cargo no Poder Executivo, o membro do Ministério Público passaria a atuar como subordinado ao chefe da Administração. Isso fragilizaria a instituição MP, que poderia ser potencial alvo de captação por interesses políticos e de submissão dos interesses institucionais a projetos pessoais de seus próprios membros. Por outro lado, a inde pendência em relaçao aos demais ramos da Administração Pública seria uma garantia dos membros do MP, que poderiam exercer suas funções de fiscalização do exercício do Poder Público sem receio de reveses. O CNMP adotara orientação afrontosa à Constituição e à jurisprudência do STF. Criara uma exceção à vedação constitucional, que textualmente não admitiría exceções. O Conselho não agira em conformidade com sua missão de interpretar a Constituição. Pelo contrário, se propôs a mudá-la, com base em seus próprios atos." STF. Plenário. ADPF 388/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. em 09.03.2016. Aqui entendemos que os membros do MP que foram admitidos antes da promulgação da CR/88 podem exercer cargos no Poder Executivo, desde que tenham feito opção pelo regime jurídico anterior, nos termos do art. 29, § 3o do ADCT da CR/88. Porém, salientamos que é apenas nosso entendimento, pois o STF não se posicionou espe­ cificamente sobre esse tema. Nesse sentido, citamos novamente o MS 26.595/DF, julg. em 07.04.2010, para a interpretação de nossa tese: "Impossibilidade de membro do ministério público que ingressou na instituição após a promulgação da constituição de 1988 exercer cargo ou função pública em órgão diverso da organiza­ ção do ministério público. Vedação do art. 128, § 5o, II. d, da CR. Conforme redação dada pela Emenda Constitucional n° 45, de 2004.

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eleições, de acordo com o art. i«, inciso II, alínea j, da LC n° 64/90, sendo certo que 0 prazo de desincompatibilização dependerá do cargo para 0 qual o candi­ dato concorrer. [...] IV - A aplicação da EC n° 45/2004 é imediata e sem ressalvas, abrangendo tanto aqueles que adentraram nos quadros do Ministério Público an­ tes, como depois da referida emenda à Constituição. Já a Resolução n° 22.156 em 2006 deixou assente no seu art. 13 que os magistrados, os membros dos tribunais de contas e os do Ministério Público devem filiar-se a partido político e afastar-se definitivamente de suas funções até seis meses antes das eleições."7677

Ainda, no que tange ao tema, 0 STF, em 2009, deu provimento a Recurso Ex­ traordinário (597.994/PA) interposto por Promotora de Justiça contra decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que indeferira 0 registro de sua candidatura à reeleição ao cargo de prefeita, sob 0 fundamento de ela ser inelegível. Segundo 0 TSE, a candidata pertencia ao Ministério Público estadual estando apenas dele licenciada e não como deveria ser, à luz da EC n° 45/2004, afastada definitivamen­ te. No caso, a representante do parquet tinha se afastado temporariamente em 2004, para concorrer a eleição à prefeitura e fora eleita para 0 mandato de 2005 a 2008. Posteriormente, em 2008, concorreu à reeleição, nos termos do art. 14, § 5°, da CR/88. 0 registro de sua candidatura novamente ao cargo, mesmo sem 0 afastamento definitivo do MP, foi confirmado pelo juízo eleitoral e pelo Tribunal Regional Eleitoral, porém 0 TSE entendeu de forma contrária aos órgãos da Justiça Eleitoral anteriores a ele e, como já dito, indeferiu o registro por contrariedade à normativa ora trabalhada (necessidade de 0 membro do MP se aposentar ou se exonerar para concorrer a cargo público eletivo no exercício de atividade político-partidária). 0 STF, no caso em tela, não adotou a tese do direito adquirido para reformar a decisão do TSE, mas, sim, a do intitulado direito atual, nos seguintes termos, conforme 0 Informativo n« 549 do STF: "[...] Ouanto ao mérito, entendeu-se estar-se diante de uma situação especial, ante a ausência de regras de transição para disciplinar a situação fática em questão, não abrangida pelo novo regime jurídico instituído pela EC n° 45/2004. Tendo em conta que a recorrente estava licenciada, filiada a partido político, já tendo sido eleita para exercer 0 cargo de Prefeita na data da publicação dessa emenda, concluiu-se que ela teria direito, não adquirido, mas atual à recandidatura, nos termos do § 5° do art. 14 da CR/88 ('0 Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos po­ derão ser reeleitos para um único período subsequente.')"."

76.

77.

1730

Porém, o próprioTSE em decisão monocrática do Ministro Cezar Peluso optou pelo entendimento da nâo aplica­ ção da norma presente na Emenda n° 45/04, que proíbe o exercício de atividade político-partidária aos membros do Ministério Público. Esse posicionamento se fundamenta no art. 29, § 3o, do ADCT, em relação aos membros do MP que ingressaram na carreira antes da promulgação da atual Constituição de 1988. Nesses termos, no RO n° 1.070 interposto pelo membro do MP de São Paulo, Fernando Capez, no TSE, a sua candidatura foi confirmada. Ele foi eleito com 95.101 votos na eleição de 2006 para o exercício do mandato de Deputado Estadual. RE 597.994 julg. em 04.06.2009. Rel Min. Eros Grau. Quanto ao mérito foram vencidos os Min. Ellen Gracie, Joa­ quim Barbosa, Cezar Peluso e Celso de Mello, que negavam provimento ao Recurso Extraordinário.

Funções Essenciais

a Justiça

f)

receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei/8

g)

temos também, que se aplica aos membros do Ministério Público, o dis­ posto no art. 95, parágrafo único, V da CR/88 (incluído pela Emenda Cons­ titucional n° 45, de 2004). Essa norma diz respeito à quarentena na ma­ gistratura, e, portanto, irá se aplicar do mesmo modo para os membros do Ministério Público. Nesses termos, 0 membro do Ministério Público não poderá exercer a advocacia no juízo ou Tribunal do qual se afastou antes de decorridos 3 anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração/9

h)

exercer a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades pú­ blicas, nos termos do art. 129 da CR/88.

Por último, é mister observarmos as funções institucionais do Ministério Público, nos termos definidos no art. 129 da Constituição 1988. É bom que se diga que se trata de um rol meramente exemplificativo, pois podem existir (e de fato existem) outras funções institucionais do Ministério Público definidas na normatividade constitucional e na legislação infraconstitucional. Nesse sentido, nos moldes do art. 129 da CR/88, temos que são funções institucionais do Minis­ tério Público:



promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;78 8081 79



zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevân cia pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia/1

78. Vedação incluída pela Emenda Constitucional n° 45, de 2004. Informativo 619 do STF: (...) O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade do § 3o do art. 3o da Lei Complementar 24/89, introduzido pela Lei Complementar 281/2003, ambas do Estado de Rondônia. O dispositivo adversado versa sobre a extensão de auxílio-moradia a membros inativos do Ministério Público rondoniense. Verificou-se afronta ao art. 127, § 2o, da CF. Ademais, asseverou-se que nem todos os benefícios concedidos aos servidores em atividade seriam compatíveis com a situação do aposentado, como seria o caso da gratificação paga durante o exercício em locais adversos. Na linha dessa jurisprudência, mencionou-se o Enunciado 68 da Súmula do STF ("O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos"'). Reputou-se que o auxílio-moradia seria devido apenas a membros do parquet que exercessem suas funções em local onde não existisse residência adequada. ADI 3783/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. em 17.03.2011. 79. Conforme o art. 128, § 6o, da CR/88. 80. Nos termos da Súmula n° 234 do STJ: A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória crimi­ nal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia. Em outra monta, temos que: em matéria penal, o Ministério Público não goza da prerrogativa da contagem dos prazos recursais em dobro. 14 Turma. HC 120275/PR, julg. em 15.05.2018 81. RE n“ 407.902/RS julg. em 26.05.2009:0 Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil públi­ ca objetivando o fornecimento de remédio pelo Estado. Com base nesse entendimento, a Turma proveu recurso extraordinário em que se questionava a obrigatoriedade de o Estado proporcionar a certa cidadã medicamentos indispensáveis à preservação de sua vida. No caso, Tribunal local extinguiu o processo

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Bernardo Gonçalves Fernandes



promover o inquérito civil e a ação civil pública,82 para a proteção do pa­ trimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;83

Aqui chamamos atenção para uma importante reflexão. Nos termos do RE n° 631.111, 0 STF deixou assente que os direitos difusos e coletivos são transindividuais, indivisíveis e sem titular determinado, sendo, por isso mesmo, tutelados em juízo invariavelmente em regime de substituição processual, por iniciativa dos órgãos e entidades indicados pelo sistema normativo, entre os quais 0 Ministério Público, que tem, nessa legitimação ativa, uma de suas relevantes funções institucionais (CR/88, art. 129, lll).

Já os direitos individuais homogêneos pertencem à categoria dos direitos subje­ tivos, são divisíveis, tem titular determinado ou determinável e em geral são de na­ tureza disponível. Sua tutela jurisdicional pode se dar (a) por iniciativa do próprio titular, em regime processual comum, ou (b) pelo procedimento especial da ação civil coletiva, em regime de substituição processual, por iniciativa de quaisquer ór­ gãos ou entidades para tanto legitimados pelo sistema normativo.84 Sobre os direitos individuais homogêneos (que podem ser defendidos pelos próprios titulares em ações individuais ou por meio de ação coletiva), o entendi­ mento do STF se direciona no sentido de que, se existe interesse social qualificado.

sem julgamento de mérito, ante a mencionada ilegitimidade ativa ad causam do parquet, uma vez que se buscava, por meio da ação, proteção a direito individual, no caso, de pessoa idosa (Lei 8.842/94, art. 2°). Sustentava-se, na espécie, afronta aos arts. 127 e 129, II e lll, da CR. Assentou-se que é função institucional do parquet zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos asse­ gurados na CR/88, promovendo medidas necessárias a sua garantia (CR, art. 129, II) (Rel. Min. Marco Aurélio). Ver também: RE 605533/MG, STF. Plenário. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 15.08.2018. No STJ: O Ministé­ rio Público é parte legitima para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos nas demandas de soúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar de feitos contendo beneficiários individualizados, porque se refere a direitos individuais indisponíveis, na forma do art. 1°da Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público). STJ. P Seção. REsp 1.682.836-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julg. em 25.04.2018 (recurso repetitivo) (Info 624). 82. A Ação Civil Pública é regulada pela Lei n° 7.347/85. Temos também que conforme o art. 129, § 1 “, da CR/88: A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo nâo impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei. Nesse sentido, conforme o art. 5° da Lei n° 7.347/85: "Tém legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; lll - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético,histórico, turístico e paisagístico". No ínf. 617 o STF (por maioria) afirmou que o Ministério Público possui legitimidade ativa ad causam para promover ação civil pública em defesa do patrimônio público, nos termos do art. 129, lll, da CR/88. RE n» 225.777/MG, Rel. p/ o Ac. Min. Dias Toffoli, 24.02.2011. 83. Nos termos da Súmula n“ 643 do STF, temos que: “O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares". Também já decidiu o STF que: O Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública que vise anular ato administrativo de aposentadoria que importe em lesão ao patrimônio público. RE 409356/RO, Rel. Min. Luiz Fux, STF. Plenário, julgado em 25.10.2018 (repercussão geral) (Info 921). 84. RE n" 631.111 julg. em 07.08.2014, Rel. Teori Zavascki.

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Funções Essenciais à Justiça

há a legitimidade do Ministério Público de, com base no art. 127 da Constituição, defendê-los em juízo mediante ação coletiva.8586

Assim sendo, a pergunta adequada seria: 0 Ministério Público possui legitimida­ de para a defesa de direitos individuais homogêneos? Sim, se esses direitos forem indisponíveis (como exemplo: saúde de um menor). Já se esses direitos individuais homogêneos forem disponíveis depende. Como citamos acima, 0 Ministério Público só terá legitimidade para ACP envolvendo direitos individuais homogêneos disponí­ veis se estes forem de interesse social (se houver relevância social).66 Nesse sentido, no RE n° 472.489 AgR ficou estabelecido que "0 Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social, como sucede com 0 direito de petição e 0 direito de obtenção de certidão em repartições públicas".87 Já no RE n° 401.482 AgR decidiu 0 STF que "0 Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos de relevante caráter social, ainda que 0 objeto da demanda seja referente a direitos disponíveis".8889 Sobre 0 tema, 0 STF decidiu, no RE n« 631.111, que a tutela dos direitos e inte­ resses de beneficiários do seguro DPVAT - Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre, nos casos de indenização paga, pela seguradora, em valor inferior ao determinado no art. 30 da Lei 6.914/1974, reveste-se de relevante natureza social (interesse social qualificado), de modo a conferir legitimidade ativa ao Ministério Público para defendê-los em juízo mediante ação civil coletiva.8’

RE n” 216.443/MG julg. em 28.08.2012,1»Turma do STF. Exemplos de direitos individuais homogêneos nos quais se reconheceu a legitimidade do MP em virtude de envolverem relevante interesse social: valor de mensalidades escolares (STF. Plenário. RE 163.231 /SP, julgado em 26/2/1997); contratos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação (STF. 2a Turma. Al 637.853 AgR/SP, DJe de 17/9/2012); contratos de leasing (STF. 2aTurma. Al 606.235 AgR/DF, DJe de 22/6/2012); interesses previdenciários de trabalhadores rurais (STF. Ia Turma. RE 475.010 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 29/9/2011); aquisição de imóveis em loteamentos irregulares (STF. 1 “Turma. RE 328.910 AgR/SP, DJe de 30/9/2011); diferenças de correção monetária em contas vinculadas ao FGTS (STF. 2a Turma. RE 514.023 AgR/RJ, DJe de 5/2/2010). Julgados citados no RE 631.111. 87. RE n° 472.489 AgR julg. em. 29.04.2008: "O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitu cional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações. - A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, auto­ rizará a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública." Rel. Min. Celso de Mello. 88. RE n° 401.482 AgR julg. em 04.06.2013 Rel. Teori Zavascki. 89. RE n“ 631.111 julg. em 07.08.2014: O art. 127 da Constituição Federal atribui ao Ministério Público, entre outras, a incumbência de defender 'interesses sociais '. Não se pode estabelecer sinonímia entre interesses sociais e interesses de entidades públicas, já que em relação a estes há vedação expressa de patrocínio pelos agentes ministeriais (CF, art. 129, IX). Também não se pode estabelecer sinonímia entre interesse social e interesse coletivo de particulares, ainda que decorrentes de lesão coletiva de direitos homogêneos. Direitos individuais disponíveis, ainda que homogêneos, estão, em principio, excluídos do âmbito da tutela pelo Ministério Público (CF, art. 127). 5. No entanto, há certos interesses indivi­ duais que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a representar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade. Nessa perspectiva, a lesão desses interesses individuais acaba não apenas

85. 86.

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Bernardo Gonçalves Fernandes

Recentemente decidiu o STF, que o Ministério Público possui legitimidade constitu­ cional para ajuizar ação civil pública cujo objeto seja pretensão relacionada ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) porque esta demanda tutela direitos indivi­ duais homogêneos, mas que apresenta relevante interesse social. No caso, segundo o Pretório Excelso, o Ministério Público Federal detém legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em face da Caixa Econômica Federal, uma vez que se litiga sobre o modelo organizacional do FGTS, especialmente no que se refere à unificação das contas fundiárias dos trabalhadores. É de se ressaltar que o FGTS é um direito social previsto no inciso lll do art. 7» da CF/88, constituindo-se em direito fundamental.90 Aqui para 0 STF é necessário que seja feita uma interpretação conforme a Cons­ tituição do parágrafo único do art. i° da Lei 7.347/85. Esse dispositivo normativo

determina que não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que en­ volvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória n° 2.180-35/2001).

Afirmou 0 STF, no informativo 955 que 0 objetivo desta previsão foi apenas 0 de evitar a vulgarização da ação coletiva, evitando que fossem propostas ações civis públicas para fins de simples movimentação do FGTS ou para discutir as hipóteses de saque de contas fundiárias. Assim, 0 art. 1°, parágrafo único da Lei 7.347/85 não cons­ titui obstáculo para que o Ministério Público proponha ação civil pública discutindo FGTS em um contexto mais amplo, envolvendo interesses sociais qualificados, ainda que sua natureza seja de direitos individuais homogêneos. A conclusão é a de que se 0 Ministério Público está propondo uma ação civil pública tratando sobre direitos

atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a pro positura da ação pelo Ministério Público com base no art. 127 da Constituição Federal. Mesmo nessa hipótese, toda via, a legitimação ativa do Ministério Público se limita à ação civil coletiva destinada a obter sentença genérica sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos individuais homogêneos. 6. Cumpre ao Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a ofensa a direitos individuais homogêneos compromete também interesses sociais qualificados, sem prejuízo do posterior controle jurisdicional a respeito. Cabe ao Judiciário, com efeito, a palavra final sobre a adequada legitimação para a causa, sendo que, por se tratar de matéria de ordem pública, dela pode o juiz conhecer até mesmo de oficio (...) 7. Considerada a natureza e a finalidade do seguro obrigatório DPVAT - Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (...) -, há interesse social qualificado na tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos dos seus titulares, alegadamente lesados de forma semelhante pela Seguradora no pagamento das correspondentes indenizações. A hipótese guarda semelhança com outros direitos individuais homogêneos em relação aos quais - e não obstante sua natureza de direitos divisíveis, disponíveis e com titular determinado ou determlndvel -, o STF considerou que sua tutela se revestia de interesse social qualificado, autorizando, por isso mesmo, a iniciativa do Ministério Público de, com base no art. 127 da CF, defendê-los em juízo mediante ação coletiva (RE 163.231/SP.AI 637.853 AgR/SP, Al606.235 AgR/DF, RE 475.010 AgR/RS, RE328.910AgR/SPeRE514.023 AgR/RJ]. 8. Recurso extraordinário a que se dá provimento. (Informativo 753 do STF) Nesse ponto, entendemos (a partir dessejulgado com repercussão geral ora analisado) que a súmula 470 do STJ se encontra superada: "O Ministério Público não tem legitimidade para pleitear, em ação civil pública, a indenização decorrente do DPVATem benefício do segurado.' 90. RE 643978/SE, STF. Plenário. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 09.10.2019 (repercussão geral - Tema 850) (Info 955).

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Funções Essenciais A Justiça

individuais homogêneos com relevante interesse social, a legitimidade do Parquet, nesta hipótese, decorre diretamente do art. 127 da CR/88.91

Por último, ainda sobre a ação civil pública, 0 STF já decidiu que é constitucional lei complementar estadual que determine que somente 0 Procurador-Geral de Justiça poderá ajuizar ação civil pública contra Secretários de Estado, Deputados Estaduais, Prefeitos, membros do Ministério Público ou membros da Magistratura. Porém, 0 PGJ do Estado poderá delegar essa atribuição para Promotores de Justiça, sendo, por­ tanto, legítima a ACP proposta contra tais autoridades, ainda que por Promotor de Justiça.92 •

Promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;



Defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;



Expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competên­ cia, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;



Exercer 0 controle externo da atividade policial, na forma da lei comple­ mentar mencionada no artigo anterior;



Requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;93

Sobre 0 tema, já havíamos manifestado 0 entendimento de que 0 Ministério Pú­ blico seria dotado constitucionalmente do poder de realizar investigações criminais, nos casos em que entendesse necessário (mediante um interesse público e social94),

91.

92. 93.

94.

RE 643978/SE, Plenário. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julg em 09.10.2019. Mas aqui atenção. Por obvio, que não será toda situação que ensejará ACP para a discussão sobre FGTS, mesmo porque a própria Lei da ACP proíbe (e proíbe a pretensão de forma literal). Sem dúvida, teremos que estar diante do relevante interesse social (inter­ pretação conforme à Constituição da Lei da ACP à luz do art. 127 da CR/88). I nformativo 955: “O Ministério Público tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em defesa de direitos sociais relacionados ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Com essa tese de repercussão geral (Tema 850), o Plenário negou provimento a recurso extraor­ dinário interposto pela Caixa Econômica Federal. Na origem, o parquet federal ajuizou ação civil pública que visa ao tratamento unificado ou à unificação das contas vinculadas ao FGTS pertencentes a empregado que possui mais de um vinculo laborai. Ao prover parcialmente embargos infringentes, o tribunal a quo aduziu estar caracterizado direito individual homogêneo com forte conotação social." ARE 706288,23 Turma do STF, julg. em02.06.2015, Rel. DiasToffoli. Segundo o STF, é possível a arguição de suspeição de membros do MP, inclusive do Procurador-Geral da Re­ pública nos processos que tramitam no âmbito do STF. AS 89/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Edson Fachin, julg. em 13.09.2017. Ressaltamos que a própria Lei Orgânica do MPU (LC 75/93) reconhece a possibilidade de serem argui das situações de impedimento e suspeição dos membros do MP: Art. 238. Os impedimentos e as suspeições dos mem­ bros do Ministério Público são os previstos em lei. O CPP no art.258, determina que as mesmas causas de impedimento e suspeição previstas ao juiz devem também ser aplicadas aos membros do Ministério Público. No caso, é possível arguir a suspeição do membro do Ministério Público quando ele atua como parte e também como custos legis. No RHC 97926/GO, julg. em 02.09.2014 pela 2à Turma do STF, o ministro Gilmar Mendes defendeu que a atua­ ção deveria ser subsidiária:"(...) Aduziu que a atuação do "parquet" deveria ser, necessariamente, subsidiária, a ocorrer, apenas, quando não fosse possível ou recomendável efetivar-se pela própria policia. Exemplificou situações em que possível a atuação do órgão ministerial: lesão ao patrimônio público, excessos cometidos pelos próprios

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sobretudo nos casos atinentes ao crime organizado ou crimes contra a moralidade administrativa ou de colarinho branco, entre outros (por exemplo: abuso de poder de agentes policiais, tortura, omissão intencional da polícia na apuração de deter­ minado crime ou deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar a investigação). Advogávamos aqui a teoria das competências implícitas de cunho constitucional (teoria dos poderes implícitos constitucionalmente). Ou seja, se a Constituição ou­ torga determinada atividade-fim a um órgão, significa dizer que também concede todos os meios necessários para a realização dessa atividade. Nesse sentido, ob­ servamos que o Ministério Público não só de forma expressa é o órgão titular da ação penal pública, bem como é encarregado de realizar o próprio controle externo da atividade policial.

É interessante salientar que a 2’ Turma do STF95 possuía diversos precedentes reconhecendo o poder de investigação do Ministério Público. Ocorre que.

agentes e organismos policiais (v.g. tortura, abuso de poder, violências arbitrários, concussão, corrupção), intencional omissão da policia na apuração de determinados delitos ou deliberado intuito da própria corporação policial de frus trar a investigação, em virtude da qualidade da vítima ou da condição do suspeito. Consignou, aindo, que, na situação dos autos, o Ministério Público estadual buscara apurar a ocorrência de erro médico em hospital de rede pública, bem como a cobrança ilegal de procedimentos que deveriam ser gratuitos. Em razão disso, o procedimento do “parquet" encontraria amparo no art. 129, II. da CF". 95. HC n° 91.661, julg. em 10.03.2009 pela 2* Turma, temos: Relativamente à possibilidade de o Ministério Público promover procedimento administrativo de cunho investigatório, asseverou-se, nào obstante a inexistência de um po­ sicionamento do Pleno do STF a esse respeito, serperfeitamente possível que o órgão ministerial promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Entendeu-se que tal conduta não significaria retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizaras normas constitucionais (artigos 129 e 144), de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos, mas também a formação da opinio delicti. Ressaltou-se que o art. 129,1, da CR atribui ao parquet a privativídade na promoção da ação penal pública, bem como, a seu turno, o Código de Pro­ cesso Penai estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia. Aduziu-se que é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos poderes implícitos, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Destarte, se a atividade-fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, é inconcebivel não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que peças de informação embasem a denúncia. Considerou-se, ainda, que, no presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido prati­ cados por policiais, o que, também, justificaria a colheita dos depoimentos das vitimas pelo Ministério Público. (...) Por fim, concluiu-se nào haver óbice legal para que o mesmo membro do parquet que tenha tomado conhecimento de fatos em tese delituosos - ainda que por meio de oitiva de testemunhas - ofereça denúncia em relação a eles. Nesses termos, também o RE n° 535.478/SC jul. em 28.10.2008: [...] A denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão do MPF sem a necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o Código de Processo Penal. Não há óbice a que o MP requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal, mormente em casos graves como o presente que envolvem altas somas em dinheiro movimentadas em contas bancárias. [...] Rel. Min. Ellen Gracie, DJ: 21.11.2008.Temos também pronunciamento do STF. através do Min. Cezar Peluso no HC 89.334: (...) 4. Diversamente do que se tem procurado sustentar, como resulta da letra do seu artigo 144, a CR/88 não fez da investigação criminal uma função exclusiva da Policia, restringindo-se, como se restringiu, tão-somente a fazer exclusivo, sim, da Polícia Federal o exercido da função de polícia judiciária da União (§ 1°, IV) Essa função de polícia judiciária - qual seja, a de auxiliar do Poder Judiciário-, não se identifica com a função investigatório, isto é, a de apurar infrações penais, bem distinguidas no verbo constitucional, como exsurge, entre ou tras disposições, do preceituado no § 4o do artigo 144 da CR/88 (...) Tal norma constitucional, por fim, define, é certo, as funções das polícias civis, mas sem estabelecer qualquer cláusula de exclusividade. 5.0 poder investigatório que, pelo

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recentemente, o plenário do STF enfrentou essa questão em Recurso Extraordinário com repercussão geral. No RE n» 593.727/MG, julgado em 14.05.2015, o STF reconheceu a legitimidade do Ministério Público para promover, por autoridade própria, investigações de natu­ reza penal e fixou os parâmetros da atuação do MP. Portanto, 0 Ministério Público poderia investigar desde que esses parâmetros fossem respeitados. São eles: a) Devem ser respeitados os direitos e as garantias fundamentais dos investigados; b) Os atos investigatórios devem ser necessariamente documentados e praticados por membros do MP; c) Devem ser observadas as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição, ou seja, determinadas diligências somente podem ser autorizadas pelo Poder Judiciário nos casos em que a CF/88 assim exigir; d) Devem ser respeita­ das as prerrogativas profissionais asseguradas por lei aos advogados; e) Deve ser assegurada a garantia prevista na Súmula vinculante 14 do STF ("É direito do defen­ sor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com compe­ tência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa"); f) A investigação deve ser realizada dentro de prazo razoável.

Nesse sentido, a tese acolhida e fixada pelo plenário do STF em repercussão geral foi derivada do voto do ministro Celso de Mello proferido em junho de 2012. Assim, restou definido que: "0 Ministério Público dispõe de competência para pro­ mover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indi­ ciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advoga­ dos (Lei 8.906/94, artigo 70, notadamente os incisos I, II, lll, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade - sempre presente no Estado democrático de Direito - do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmu­ la Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição".’6 •

Exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedadas a representação judicial e a consul­ toria jurídica de entidades públicas.

Certo é que, por dicção constitucional, as funções do Ministério Público só po­ dem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da

exposto, se deve reconhecer, por igual, próprio do MP é, à luz da disciplina constitucional, certamente, da espécie ex­ cepciona/, fundada na exigência absoluta de demonstrado interesse público ou social. O exercício desse poder investi­ gatório do MP não é, por óbvio, estranho ao Direito, subordinando-se, à falta de norma legal particular, no que couber, analogicamente, ao Código de Processo Penal, sobretudo na perspectiva do proteção dos direitos fundamentais e da satisfação do interesse social, que determina o ajuizamento tempestivo dos feitos inquisitoriais e faz obrigatória oitiva do indiciado autor do crime e a observância das normas legais relativas ao impedimento, à suspeição, e ã prova e sua produção. DJ: 09.10.2006. 96. RE n° 593.727 /MG, Rel. p/acórdão Min. Gilmar Mendes, julg. em 14.05.2015.

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respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição.’7 E, nos termos da Emenda Constitucional n° 45/2004, a distribuição de processos no Ministério Público será imediata.’8 Por último, devemos ressaltar (conforme já citado na obra), que 0 STF na ACO 924/PR em 19.05.2016, mudando seu posicionamento (que entendia que a compe­ tência era do próprio STF”), decidiu que compete ao Procurador-Geral da Repúbli­ ca (PGR), na condição de órgão nacional do Ministério Público, dirimir conflitos de atribuições entre membros do Ministério Público Federal (MPF) e de Ministérios Públicos Estaduais (MPE). Aqui, de início, é necessário distinguirmos os conflitos de atribuições dos conflitos de competência. Nesses termos, conforme a doutrina "0 conflito de atribuições não se confunde com 0 conflito de competência. Cuidan­ do-se de ato de natureza jurisdicional, 0 conflito será de competência, ou seja, quando dois órgãos jurisdicionais divergem sobre quem deverá julgar uma causa?00

Conforme o art. 129, § 4°, da CR/88, aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93 da CR/88 (que diz respeito à magistratura e seus princípios). 98. Conforme o art. 129, § 5o. da CR/88. 99. Na ACO n° 853 o STF deixou assente em 08.03.2007 que: EMENTA: 1. COMPETÊNCIA. Atribuições do Ministério Público. Conflito negativo entre MP federal e estadual. Feito da competência do Supremo Tribunal Federal. Confl ito con hecido. Precedentes. Apl icação do art. 102,1. "f“ da CR. Compete ao Supremo Tribunal Federal dirimir conflito negativo de atribuição entre o Ministério Público federal e o Ministério Público estadual. (...) Conflito negativo de atribuição conhecido. É da atribuição do Ministério Público estadual analisar procedimento de in­ vestigação de atos supostamente delituosos atribuídos a ex-Governador e emitir a respeito opinio delicti, promo­ vendo, ou não, ação penal." Portanto, o fundamento estaria ancorado no art.102, l,"f"da CR/88. Como exemplo: Se dois Promotores de Justiça de Estados diferentes estavam divergindo sobre a atuação em uma causa, o que nós tínhamos era uma divergência entre dois órgãos de Estados diferentes. Se um Promotor de Justiça e um Procurador da República discordavam sobre quem deveria atuar no caso, o que nós tínhamos era uma dissonância entre um órgão estadual e um órgão federal. Logo, nestas duas situações, quem deveria resolver este conflito seria o STF, conforme previsto no art. 102,I, "f" da CR/88. (In: Márcio André Lopes, Dizer o Direito, Informativo 826 do STF) 100. Exemplo de conflito de competência.- Foi instaurado inquérito policial, que estava tramitando na Justiça Estadual, com o objetivo de apurar determinado crime. Ao final do procedimento, o Promotor de Justiça requereu a declinação da competência para a Justiça Federal, entendendo que estava presente a hipótese do art. 109, IV, da CF/88.0 Juiz de Direito concordou com o pedido e remeteu os autos para a Justiça Federal. O Juiz Federal deu vista ao Procurador da República, que entendeu em sentido contrário ao Promotor de Justiça e afirmou que não havia interesse direto e espe­ cífico da União quejustificasse o feito ser de competência federal. O Juiz Federal concordou com o Procurador da Repú blica e suscitou conflito de competência. Este conflito deverá ser dirimido pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos doarL 105,1, "d", da CF/88 (Nesses casos, conforme o art. 105 da CR/88 compete ao Superior Tribunal de Justiça, processar e julgar, originariamente os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o dis­ posto no art. 102,1, “o" da CR/88, bem como entre tribunal ejuizes a ele não vinculados e entre juizes vincula­ dos a tribunais diversos} No exemplo, os membros do Ministério Público discordaram entre si. No entanto, essa discordância não ficou limitada a eles e foi também encampada pelos juizes. Logo, em última análise, tivemos um conflito de competência, ou seja, um conflito negativo entre dois órgãos jurisdicionais. (In: Márcio André Lopes, Dizer o Direito, inf. 826 do STF) Nesse sentido, temos a Pet n° 1.503: Conflito negativo de atribuições. Ministério Públi­ co Federal e Estadual. Denúncia. Falsificação de guias de contribuição previdenciária. Ausência de conflito federativo. Incompetência desta Corte. I. Conflito de atribuições entre o Ministério Público Federai e o Estadual. Empresa privada. Falsificação de guias de recolhimento de contribuições previdenciárias devidas à autarquia federal. Apuração do fato delituoso. Dissenso quanto ao órgão do parquet competente para apresentar denúncia. 2. A competência originária do Supremo Tribunal Federal, o que alude a ietra “fdo inciso I do artigo 102 da Constituição, restringe-se aos confli­ tos de atribuições entre entes federados que possam, potencialmente, comprometera harmonia do pacto federativo. Exegese restritiva do preceito ditada pela jurisprudência da Corte. Ausência, no caso concreto, de divergência capaz de promover o desequilíbrio do sistema federal. 3. Presença de virtual conflito de jurisdição entre os juízos federal e estadual perante os quais funcionam os órgãos do parquet em dissensão. Interpretação analógica do artigo

97.

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Porém, tratando-se de controvérsia entre órgãos do Ministério Público sobre ato que caiba a um deles praticar, ter-se-á um conflito de atribuições." Portanto, só existe conflito de atribuições se a divergência fica restrita aos membros do Mi­ nistério Público.* 101 Nos termos do informativo 826 do STF, a Corte afirmou que 0 PGR exercería a posição de chefe nacional do Ministério Público. Essa instituição - apesar da irradiação de suas atribuições sobre distintos órgãos - seria una, na­ cional e, de essência, indivisível. Nesses termos, quando a disciplina prevista nos parágrafos i» e 30 do art. 128 da CR/88 distribui a chefia dos respectivos ramos do Ministério Público - da União e dos Estados, respectivamente - outra coisa não se­ ria pretendida senão a ordenação administrativa, organizacional e financeira de cada um dos órgãos, o que reafirmaria a ausência de hierarquia entre os órgãos federais e estaduais do Ministério Público nacional. Contudo, assentada a obri­ gação constitucional de 0 PGR dirimir conflitos de atribuições, não se relevaria, com isso, sua atuação como chefe do MPU, mas, sim, a identificação do PGR como órgão nacional do parquet. Com efeito, afirmou 0 STF no informativo 826 que, em diversas passagens da Constituição seria observada, de modo decisivo, a atribui­ ção de poderes e deveres ao PGR, os quais, especialmente por suas abrangências, não se confundiríam com as atribuições dessa autoridade como chefe do MPU. Nesse sentido, entre outras hipóteses, 0 art. 103, VI, da CR/88, fixa a competência do PGR para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante 0 STF; 0 art. 103, § 1°, da CF, determina que 0 PGR seja previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência daquela Corte; 0 art. 103-B da CR/88 atribui ao PGR a escolha do membro do Ministério Público estadual que integra 0 CNJ, dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual. 0 órgão na­ cional, portanto, encontrar-se-ia em posição conglobante dos Ministérios Públicos da União e dos Estados-Membros. Por outro lado, entendeu 0 STF que as com­ petências do STF e do STJ deteriam caráter taxativo, e em nenhuma delas estaria previsto dirimir os conflitos de atribuições em questão. Por fim, não se extrairía

105,1, "d", da Carta da República, para fixar a competência do Superior Tribunal de Justiça a fim de que julgue a controvérsia. Conflito de atribuições não conhecido. (Julg: 03.10.2002. Rel. Min. Maurício Corrêa.) 101. Algumas vezes, no entanto, os membros do Ministério Público instauram investigações que tramitam no âmbito da própria instituição. Neste caso, em regra, tais procedimentos não são levados ao Poder Judiciário, salvo no momento em que irá ser oferecida a denúncia ou se for necessária alguma medida que dependa de autorização judicial (ex.: interceptação telefônica). A regra geral, no entanto, é que os procedimentos de investigação conduzidos diretamente pelo MP tramitem exclusivamente no âmbito interno da Instituição. Ex.: um Promotor de Justiça instaurou, no MPE, procedimento de Investigação para apurar crimes relacionados com um cartel mantido por donos de postos de com­ bustíveis. Ocorre que o Procurador da República também deflagrou, no âmbito do MPF, um procedimento investigatório para apurar exatamente o mesmo fato. Temos, então, dois membros diferentes do Ministério Público investigando o mesmo fato. Vale ressaltar que nenhum deles formulou qualquer pedido judicial, de sorte que o Poder Judiciário não foi provocado e os procedimentos tramitam apenas internamente. Nesse caso temos um conflito de atribuições. (In: Márcio André Lopes, Dizer o Direito, Informativo 826 do STF}. Porém, é bom que se diga que: Se os juizes encam­ parem as teses dos membros do MP, ai eles estarão discordando entre si e teremos, no caso, um "falso conflito de atribuições". Diz-se que há um falso conflito de atribuições porque, na verdade, o que temos é um conflito entre dois juízes, ou seja, um conflito de competência.

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dessa situação conflito federativo apto a atrair a competência do STF (tendo nesse ponto o STF modificado seu entendimento).10’

2. ADVOCACIA PÚBLICA

Uma outra função essencial à justiça é a da advocacia pública intitulada de Advocacia-Geral da União. Nesse sentido, incumbem a ela, de forma direta ou me­ diante órgão vinculado à representação judicial e extrajudicial da União, nos termos da lei complementar102 103 que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.104 Certo é que, quando a Constituição faz referência à representação judicial e extrajudicial da União, ela se refere não apenas à representação do Poder Executi­ vo (visto que ele não é o único Poder) e das autarquias e fundações públicas, mas também dos outros Poderes (Legislativo e Judiciário105), bem como às instituições que exercem funções essenciais à justiça.

102. ACO 924/PR, Pleno do STF, Rel. Min. Luiz Fux, julg. em 19.05.2016 (Informativo 826 do STF). No mesmo sentido: ACO 1567 QO/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julg. em 17.08.2016 (Informativo 835 do STF). Exemplos de CONFLITOS DE ATRIBUIÇÕES: SITUAÇÃO 1 Se o conflito se dá entre Promotores de Justiça do Ministério Público de um mesmo Estado (ex.: Promotor de Justiça de Iranduba/AM e Promotor de Justiça de Manaus/AM): Neste caso, a divergência será dirimida pelo respectivo Procurador-Geral de Justiça; SITUAÇÃO 2 Se o conflito se dá entre Procuradores da República (ex.: um Procurador da República que oficia em Manaus/AM e um Procurador da República que atua em Boa Vista/RR): Nesta hipótese, o conflito será resolvido pela Câmara de Coordenação e Revisão (órgão colegiado do MPF), havendo possibilidade de recurso para o Procurador Geral da República. SI­ TUAÇÃO 3 Se o conflito se dá entre integrantes de ramos diferentes do Ministério Público da União (ex.: um Procurador da República e um Procurador do Trabalho): O conflito será resolvido pelo Procurador-Geral da República SITUAÇÃO 4 Se o conflito se dá entre Promotores de Justiça de Estados diferentes (ex.: Promotor de Justiça do Amazonas e Promotor de Justiça do Acre)? Se o conflito se dá entre um Promotor de Justiça e um Procurador da República (ex.: Promotor de Justiça do Amazonas e Procurador da República que oficia em Manaus/AM)? A competência para dirimir estes conflitos de atribuição, conforme o novo posicionamento do STF, é do Procurador Geral da República (ACO 924/PR), (In: Márcio André Lopes, Dizer o Direito, Informativo 826 do STF). 103. Lei Complementar n° 73/93 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União). Temos ainda que a Lei n" 10.480/2002 estabeleceu a criação da Procuradoria-Geral Federal. 104. Conforme ditame constitucional, as atividades de cunho consultivo (consultoria e assessoramento) da AGU (diferentemente das de representação judicial e extrajudicial) estarão restritas ao Poder Executivo Fede­ ral. Conforme o STF no MS 27.867 AgR: "Esta Suprema Corte firmou o entendimento de que "salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meromente opinativa" julg. em 18.09.2012. 105. Aliás, a Lei n° 9.649/88 em seu art. 22 deixa essa afirmação explicita. Como exemplo, temos o recente julgamento da Rcl. n° 8.025, em 09.12.2009, presente no Informativo n° 571 do STF, no qual:"[...j oTribunal, após salientar que o tema da legitimidade poderia ser conhecido de ofício pelo colegiado, não havendo se falar em preclusão, afir mou a ilegitimidade da representação judicial do advogado constituído pela presidente do TRF da 3° Região. Asseve­ rou-se que, em se tratando de órgão da União destituído de personalidade jurídica, a representação judicial do TRF da 3a Região cabería á Advocacia Geral da União - AGU. Em consequência, desconsiderou-se a sustentação oral realizada pelo citado patrono constituído, admitindo, assim, que o advogado da reclamante proferisse sua sustentação oral, o qual chegara ao Supremo depois da sustentação oral feita por aquele advogado. Em seguida, o Tribunal, em votação majoritária, rejeitou questão de ordem suscitada pelo Min. Ricardo Lewandowski, que tendo em conta ter a Corte assentado a ilegitimidade da aludida representação judicial e o fato de o TRF da 3- Região, por meio de sua presidente, haver juntado procuração, declarando seu desejo de ser defendido - reputava ser preciso abrir vista dos autos à AGU para que, querendo, se manifestasse, sob pena de nulidade, por transgressão aos princípios do

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Funções Essenciais

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Aqui é interessante observar que segundo o STF no RE 602.381, 0 caput do art. 131 da Constituição de 1988 (supracitado), que exige lei complementar para tratar sobre a organização e 0 funcionamento da AGU, vale apenas para a carreira dos Advogados da União (que fazem a assistência jurídica da Administração Direta), não se aplicando para os Procuradores Federais (que cuidam da representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações). Nesse sentido, entendeu 0 Pretório Excelso que a carreira de Procurador Federal pode ser disciplinada por meio de legislação ordinária. Aliás, 0 próprio STF explicitou que, antes da Medida Provisória n° 2.229-43/2001, não existia uma carreira organizada de Procurador Federal. 0 que havia eram cargos diversos cujos titulares eram responsáveis pela representação judicial, consultoria e assessoria jurídica das autarquias e fundações públicas fede­ rais. Nesses termos, somente com a Medida Provisória n° 2.229-43/2001 foi que a carreira de Procurador Federal foi efetivamente criada, ficando subordinada admi­ nistrativamente ao Advogado-Geral da União. Já a Procuradoria-Geral Federal, por sua vez, foi criada posteriormente, com o advento da Lei n° 10.480/2002, tendo sua estruturação se dado por lei ordinária após a Constituição de 1988. A conclusão é a de que, para 0 STF, 0 art. 131 da CR/88 não trata da Procuradoria-Geral Federal ou dos Procuradores Federais, ou seja, esse dispositivo constitucional não disciplina a representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas (Adminis­ tração indireta), mas apenas da União (Administração direta).’06

Sobre a representação da AGU, é importante salientar ainda que ela pode se dar também no plano internacional. Como exemplo, temos demanda processada na Corte Internacional de Direitos Humanos (caso 12.058/026).*

contraditório e da ampla defesa. Vencidos o suscitante e o Min. Carlos Britto. Considerou-se, no ponto, que com­ petia a quem representava o TRF da 3a Região ter comunicado a AGU a respeito do processo para que o acom­ panhasse. não sendo este o momento processual adequado para fazê-lo. [...]". (Rel. Min. Eros Grau, Informativo n° 571 do STF). 106. No RE 602.381 julg. em 20.11.2014 o STF decidiu que o art. 1 ° da Lei 2.123/53 e o art. 17, parágrafo único, da Lei 4.069/62, que estendiam as mesmas prerrogativas e vantagens dos membros do MPU aos procuradores autárquicos (atuais Procuradores Federais), não foram recepcionados pela CR/88 com status de lei complementar. Como o art. l°da Lei 2.123/53 e o art. 17, parágrafo único, da Lei 4.069/62 foram recepcionados com natureza de leis ordinárias, conclui-se que eles foram validamente revogados pela Lei 9.527/97. que, em seu art. 5°. previu férias anuais de 30 dias. Portanto, os Procuradores Federais têm direito apenas ás férias de 30 dias, conforme previsto no art. 5° da Lei 9.527/97. Conforme o informativa 768 do STF:"(...) No mérito, esclareceu que a questão posta estaria centrada na interpretação do art. 131, “caput", da CF ("A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo") e sua aplicação aos procuradores federais. A evolução legislativa da matéria demonstraria que, até o advento da Medida Provisória 2.229-43/2001, não haveria a carreira de procurador federal mas, sim, cargos diversos cujos titulares seriam responsáveis pela representação judicial, consultoria e assessoria juridica das autarquias e fundações públicas fede­ rais. A esses cargos se refeririam o art. 1" da Lei 2.123/1953 e o art. 17. parágra fo único, da Lei 4.069/1962. A MP 2.22943/2001 criara a carreira de procurador federal, com subordinação administrativa ao Advogado-Geral da União. A procuradoria-geral federal fora criada posteriormente, com a Lei 10.480/2002, e se estruturara segundo o que posto em leis ordinárias, em especial após a Constituição de 1988. Assim, o art 131 da CF não tratara da Procuradoria-Geral Federal ou dos procuradores federais, ou seja, esse dispositivo constitucional não disciplinara a representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas (Administração indireta), mas apenas da União (Administração direta)'.

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Sobre a atuação na fiscalização abstrata de constitucionalidade, é interessante observarmos que, segundo o STF, não se conto em dobro o prozo recursal para o Fa­ zenda Pública em processo objetivo (de índole objetiva). E aqui, mesmo que seja para interposição de recurso extraordinário em processo de fiscalização normativa abs­ trata (RE derivado de ADI estadual). Não há, portanto, nos processos de fiscalização normativa abstrata, a prerrogativa processual dos prazos em dobro.’07

Na sequência, temos que a Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cida­ dãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Nesses termos, entendemos que não há necessidade de o Advogado-Geral da União ser um membro da carreira da advocacia da União.

Porém, o ingresso na carreira de advogado da União na classe inicial da Insti­ tuição far-se-á mediante concurso público de provas e títulos. Além disso, temos também, à luz da Constituição de 1988, que na execução da dívida ativa de natureza tributária a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado 0 disposto em lei.

No âmbito estadual, também temos uma advocacia pública intitulada de Advo­ cacia-Geral do Estado ou Procuradoria-Geral do Estado. Nesse sentido, os Procura­ dores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual 0 ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas107 108.

Nesse tema, 0 STF decidiu, na ADI 145, que a Constituição de 1988 determina que a representação judicial e a consultoria jurídica do Estado, incluídas suas autarquias e fundações, devem ser feitas pela Procuradoria-Geral do Estado, nos termos do art. 132 da CR/88. Assim sendo, 0 art. 132 da CR/88 consagra 0 chamado princípio da unicidade da representação judicial e da consultoria jurídica dos Estados e do Distrito

107. STF. Plenário. ADI 5814 MC-AgR-AgR/RR, Rel. Min. Roberto Barroso; ARE 830727 AgR/SC, Rel. para acórdão Min. Cármen Lúcia, julgados em 06.02.2019 (Info 929). 108. Na ADI n°4843/PB MC julg. em 11.12.2014:0 Plenário do STF referendou medida liminar concedida monocraticamente como fim de suspender os efeitos da alínea a do inciso I do art. 3°; dos artigos 16 e 19; e do Anexo IV, todos da Lei8.186/2007, do Estado da Paraíba. Os dispositivos criam cargos em comissão, no âmbito do Estado-membro, de "Consultor Jurídico do Governo"; "Coordenador da Assessorta Jurídica"; e “Assistente Jurídico”. O Colegiado repu­ tou violado o art. 132 da CF, que confere aos Procuradores de Estado a representação exclusiva do Estado mem­ bro em matéria de atuaçãojudicial e de assessoramento jurídico, sempre, mediante investidura fundada em prévia aprovação em concurso público. O aludido dispositivo constitucional teria por escopo conferir às procuradorias não apenas a representação judicial, como também o exame da legalidade interna dos atos estaduais, a consultoria e a assistência jurídica. O órgão deveria possuir ocupantes detentores das garantias constitucionais conducentes à independência funcional, para o bom exercício de seu mister, em ordem a que os atos não fossem praticados somente de acordo com a vontade do administrador, mas também conforme a lei. Assim, essa função não poderia ser exercida por servidores não efetivos, como no caso. Por fim, julgou prejudicados embargos deciaratórios opostos pelo Governador.

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Funções Essenciais à Justiça

Federal e, dessa forma, estabelece competência funcional exclusiva da Procuradoria-Geral do Estado. 0 modelo constitucional da atividade de representação judicial e consultoria jurídica dos Estados exige a unicidade orgânica da advocacia pública estadual, incompatível com a criação de órgãos jurídicos paralelos para o desempenho das mesmas atribuições no âmbito da Administração Pública Direta ou autarquias e fundações.10’

É interessante que, na acima citada ADI 145, 0 STF determinou a inconstitu­ cionalidade do art. 152, parágrafo único, da Constituição do Ceará, que impunha ao Governador 0 dever de encaminhar à Assembléia Legislativa projeto de lei sobre a organização e 0 funcionamento da Procuradoria-Geral do Estado e das procuradorias autárquicas, além de admitir, de forma geral e para 0 futuro, a existência de órgãos jurídicos, no âmbito das autarquias e fundações, distintos da Procuradoria-Geral.

Aqui, segundo 0 STF, a exceção prevista no art. 69 do ADCT da CR/88 deixou evidente que, a partir da Constituição de 1988, não se permite mais a criação de órgãos jurídicos distintos da Procuradoria-Geral do Estado, admite-se apenas a ma­ nutenção daquelas consultorias jurídicas já existentes quando da promulgação da

Carta. Trata-se de exceção direcionada a situações concretas e do passado e, por essa razão, deve ser interpretada restritivamente, inclusive com atenção à diferenciação entre os termos "consultoria jurídica" e "procuradoria jurídica", uma vez que esta última pode englobar as atividades de consultoria e representação judicial.109 110

Nesses termos, é importante salientar que as exceções à regra da unicidade or­ gânica da Procuradoria Geral do Estado são reconhecidas pelo STF de forma bastante restritiva

109. Segundo o STF: É inconstitucional norma de Constituição Estaduol que preveja aue compete ao Governador no­

mear e exonerar o “Procurador da Fazenda Estadual". Isso porque o art. 132 da CF/88 determina que a representa­ ção judicial e a consultoria jurídica do Estado, incluídas suas autarquias e fundações, deve ser feita pelos “Procura­ dores dos Estados e do Distrito Federal". Nesses termos, essa previsão do art. 132 da CF/88 é chamada de principio da unicidade da representação judicial e da consultoria jurídica dos Estados e do Distrito Federal. Nesses termos, só um órgão pode desempenhar esta função e se trata da Procuradoria-Geral do Estado, que detém essa competência funcional exclusiva. ADI 825/AP, Rel. STF. Plenário. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 25.10.2018 (Informativo 921). Conforme o STF: É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que cria o cargo de procurador autárquico em estrutura paralela à Procuradoria do Estado. Também é inconstitucional dispositivo de constituição Estadual que transforma os cargos de gestores jurídicos, advogados e procurado­ res jurídicos em cargos de procuradores autárquicos. STF. Plenário. ADI 5215/CO, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935). No mesmo sentido: É inconstitucional dispositivo de Constituição Esta­ dual que preveja que os procuradores autárquicos e os advogados de fundação terão competência privativa para a representação judicial e o assessoramento jurídico dos órgãos da Administração Estadual Indireta aos quais vinculados, e que, para os efeitos de incidência de teto remuneratório, eles serão considerados “procura­ dores", nos termos do art. 37, XI, da CF/88. STF. Plenário. ADI 4449/AL, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 27 e 28.03.2019 (Info 935) 110. ADI 145/CE, STF. Plenário. Rel. Min. Dias Toffoli, julg. em 20.06.2018.

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GoNÇAIVES FeRNANOES

a)

1a Exceção: Possibilidade de criação de procuradorias vinculadas ao Poder Le­ gislativo e ao Tribunal de Contas, para a defesa de sua autonomia e indepen­ dência perante os demais Poderes, hipótese em que se admite a consultoria e assessora mento jurídico dos órgãos por parte de seus próprios procuradores. Nesse sentido: "é constitucional a criação de órgãos jurídicos na estrutura de Tribunais de Contas estaduais, vedada a atribuição de cobrança judicial de multas aplicadas pelo próprio tribunal'';1"

b)

2a Exceção: como citado acima, está prevista no art. 69 do ADCT da CR/88: "Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias Gerais ou Advocacias-Cerais, desde que, na data da promulga­ ção da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.”2

Sobre a primeira exceção, temos que é possível a existência de Procuradoria da Assembléia Legislativa, mas este órgão ficará responsável apenas pela defesa das prerrogativas do Poder Legislativo. Ou seja, a atuação da Procuradoria da Assem­ bléia Legislativa deve ficar limitada à defesa das prerrogativas inerentes ao Poder Legislativo. Portanto, a representação estadual como um todo, independentemente do Po­ der, compete à Procuradoria-Geral do Estado, tendo em conta 0 princípio da unici­ dade institucional da representação judicial e da consultoria jurídica para Estados e Distrito Federal."3 No entanto, às vezes, há conflito entre os Poderes (como exemplo: 0 Poder Le­ gislativo cobra do Poder Executivo o repasse de um valor que ele entende devido e que não foi feito). Nestes casos, é possível, em tese, a propositura de ação judicial pela Assembléia Legislativa e quem irá representar judicialmente 0 órgão será a Procuradoria da Assembléia Legislativa."'1

111. ADI4070/RO, STF. Plenário. Rel. Min.Cármen Lúcia, julgado em 19.12.2016. 112. "O art. 69 do ADCT foi uma exceção transitória ao principio da unicidade orgânica da Procuradoria estadual. Esta exceção foi prevista com o objetivo de garantir a continuidade dos serviços de representação e consultoria jurídicas que existiam na Administração Pública no período logo em seguida à promulgação da CF/88, quando algumas Procuradorias estaduais ainda não estavam totalmente estruturadas. Em outras palavras, foi pensada como uma forma de evitar lacunas e uma desorganização da Administração Pública. Vale ressaltar que só foram mantidas as consultorias jurídicas que já existiam antes da CF/88." In: Dizer o Direito, Informativo 921, p. 17, Outu­ bro de 2018. 113. E inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que preveia que a Procuradoria Gerai do Estado ficará respon­ sável pelas atividades de representação judicial e de consultoria jurídica apenas “do Poder Executivo". Essa previsão viola o principio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal. De acordo com o art. 132 da CF/88 as atribuições da PGE não ficam restritas ao Poder Executivo, abrangendo também os demais Poderes. STF. Plenário. ADI 5262 MC/RR, Rel. Min.Cármen Lúcia,julg em 27 e 28.03.2019 (Info9351. 114. ADI 825/AP, STF. Plenário. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julg. em 25.10.2018. Sobre o tema, jã decidiu o STF que: F inconstitucional lei estadual que preveja que servidor de autarquia (Técnico Superior do DETRAN) será responsável por: a) representar a entidade "em juízo ou fora deie nas ações em que haja interesse da autarquia": b) praticar “todos os demais atos de natureza judicial ou contenciosa, devendo, para tanto, exercer as suas funções profissionais e de responsabilidade técnica regidas pelo Ordem dos Advogados do Brasil OAB". Tais previsões vio­ lam o “principio da unicidade da representação judicial dos Estados e do DF", insculpido no art. 132 da CR/88. A legislação impugnada, apesar de não ter criado uma procuradoria paralela, atribuiu ao cargo de Técnico Superior

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Funções Essenciais A Justiça

Ainda sobre o tema do art.132 da CR/88 e o princípio da unicidade institucional, decidiu 0 STF na ADI 3536/SC que é inconstitucional lei estadual que confira à Pro­ curadoria-Geral do Estado competência para controlar os serviços jurídicos e para fazer a representação judicial de empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive com a possibilidade de avocação de processos e litígios judiciais dessas estatais.* 115

Para 0 STF, essa previsão cria uma ingerência indevida do Governador na admi­ nistração das empresas públicas e sociedades de economia mista, que são pessoas jurídicas de direito privado. E nesses termos, conforme já salientado, 0 art. 132 da CR/88 confere às Procuradorias dos Estados/DF atribuição para as atividades de consultoria jurídica e de representação judicial apenas no que se refere à adminis­ tração pública direta, autárquica e fundacional. Asseverou 0 STF que a lei estadual cria uma ingerência indevida do Governador na administração das empresas públicas e sociedades de economia mista, pessoas jurídicas de direito privado, 0 que impede a defesa dessas entidades. No ponto, observou que 0 chefe do poder executivo estadual é quem escolhe 0 ProcuradorGeral do Estado. Num eventual litígio, por exemplo, entre uma sociedade de eco­ nomia mista e a administração pública direta, 0 Governador poderia determinar a avocação do processo e defender 0 seu próprio interesse. Haveria, portanto, partes conflituosas, no mesmo litígio, com 0 mesmo advogado.116117 Ainda sobre 0 tema, recentemente, 0 STF entendeu, que é constitucional lei estadual que determine 0 cargo em comissão de Procurador-Geral de universidade estadual. Conforme 0 Pretório Excelso, esta previsão não viola o princípio da unici­ dade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal (art. 132 da CR/88) porque no caso está de acordo com 0 princípio da autonomia universitária estabe­ lecido no art. 207 da CR/88.11'

E por último, ainda é interessante afirmarmos, que não há na Constituição da República previsão para que os Municípios instituam Procuradorias Municipais, or­ ganizadas em carreira, mediante concurso público. Ou seja, não existe, pelo menos

do Detran/ES, com formação em Direito, diversas funções privativas de advogado. Ao assim agir, conferiu algumas atribuições de representaçãojurídica do DETRAN a pessoas estranhos aos quadros da Procuradoria Geral do Esta­ do. com violação do art. 132, caput, da CR/88. ADI 5109/ES, julg em 13.12.2018. 115. ADI 3536/SC, STF. Plenário. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julg em 02.10.2019.0 Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada contra dispositivos da Lei Complementar 226/2002 do Estado de Santa Catarina, a qual confere à Procuradoria-Geral do Estado competência para controlar os serviços jurídicos de entidades da administração estadual indireta, inclusive a representação judicial, com a possibilidade de avocação de processos e litígios judiciais, de empresas públicas e sociedades de economia mista. O Colegiado declarou a inconstitucionalidade da expressão "sociedades de economia mista e empresas públicas estaduais", constante dos arts. 1°, 2°, 3", 4'-', VI. 12, caput e parágrafo único, 16, caput e II, e 17, da lei impugnada. (Informativo 954) 116. ADI 3536/SC. STF. Plenário. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 02.10.2019 (Info 954). 117. ADI 5262 MC/RR, STF. Plenário. Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 27 e 28.03.2019 (Informativo 935)

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por enquanto, na Constituição de 1988, a figura da advocacia pública municipal. Nesses termos, os Municípios não têm essa obrigação constitucional.118119 120

Na sequência, 0 chefe dos advogados do Estado será intitulado de Procura­ dor-Geral do Estado (ou Advogado-Ceral do Estado) e deverá ser escolhido pelo

Governador, nos termos da Constituição do Estado, que pode definir (diferentemen­ te do AGU) que ele só poderá ser necessariamente um dos membros integrantes da carreira, como fez a Constituição do Estado de São Paulo.11’ Porém, acreditamos (interpretando de forma adequada a ADI 2.581/SP, 0 que alguns doutrinadores ainda não fizeram) que a Constituição Estadual pode estabelecer que a nomeação seja a cargo do Governador sem a obrigatoriedade de ser um membro da carreira.”0 Por­ tanto, a questão está afeta à Constituição Estadual. Nesses termos, citamos trecho de decisão do STF de 2009 na ADI 2.682/AP, que corrobora com 0 nosso posiciona­ mento. Nesse julgado: "(...) Adotou-se 0 entendimento fixado na ADI 2581/SP (DJE em 15.08.2008) con­ soante 0 qual a forma de nomeação do Procurador-Geral do Estado, não pre­ vista pela Constituição Federal (art. 132), pode ser definida pela Constituição Estadual, competência esta que se insere no âmbito de autonomia de cada Estado-membro. Citou-se, também, a orientação firmada no julgamento da ADI 217/PB (DJU de 13.09.2002) no sentido da constitucionalidade da previsão, na Constituição e na legislação estaduais, da faculdade do Chefe do Executivo local de nomear e exonerar livremente 0 Procurador-Geral do Estado. Asseverou-se,

118. Tramita no Congresso Nacional PEC com o objetivo de "alterar a redação do art. 132 da Constituição Federal para estender aos Municípios a obrigatoriedade de organizar carreira de procurador (para fíns de representação judicial e assessoria jurídica}" (PEC 17/2012). 119. No caso da Constituição de São Paulo, ela foi objeto de ADI que questionou a norma referente à obrigatoriedade de nomeação do Procurador-Geral do Estado dentre os integrantes da carreira. Nessa ação, o STF (em votação por 6x5) entendeu que a norma em questão não era inconstitucional, podendo o Estado determinara nomeação do PGE diferentemente do descrito para o AGU. Nesses termos: “O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada peio Governador do Estado de Sâo Paulo contra a expressão 'entre os Procuradores que integram a carreira’, contida no parágrafo único do art. 100 da Constituição do referido Estado-membro ('O Procu­ rador-Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira, e deverá apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.') - v. Informativo 336. Entendeuse que a Constituição estadual, subordinada aos princípios contidos na Constituição Federal, no exercício da auto-organização conferida pelo art. 25, teria competência para a definição dos critérios para a escolha do Procurador-Geral, na forma prevista no inciso VIIIdo art. 235, e em consonância com o art. 132, que estabelece a re­ presentatividade do Estado por integrantes da carreira Í...J Nesta assentada, o Min. Sepúlveda Pertence, em voto de de­ sempate, na linha de outros votos já proferidos, acompanhou o relator, ao fundamento de não ser essencial do cargo em comissão, segundo a Constituição Federal, a inexistência de quaisquer limites á clientela passível desta nomeação. Vencidos os Ministros Maurício Corrêa, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Grade e Nelson Jobim quejulgavam o pedido procedente por considerar que a norma impugnada, ao impor limitação ao exercício do poder discricionário de escolha conferido ao Governador, ofendería o art. 61, § 1 ”, II, c, da CR, bem como o principio da separação entre os Poderes." ADI n° 2.581/SP, Rel. p/oac, Min. Marco Aurélio, julg. em 16.8.2007. 120. Como exemplo, a Constituição de Minas Gerais até 2014 previa que: Art. 128 § 10 - A Advocacia-Geral do Estado tem por chefe o Advogado Geral do Estado, de livre nomeação pelo Governador do Estado entre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Só com o advento da EC n» 93 de 16.06.2014 que passou a prever que:§ Io - A Advocacia-Geral do Estado será chefiada pelo Advogado Geral do Estado, nomeado pelo Governador entre os Procuradores do Estado, integrantes da Advocacia Pública do Estado, estáveis e maiores de 35 anos.

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Funções Essenciais

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assim, que o Estado-membro nao está obrigado a observar o modelo federal para o provimento do cargo de Advogado-Geral da União (art. 131, §

Temos também que o STF, na ADI 4289, decidiu que é inconstitucional Constitui­ ção Estadual que determina que a escolha do Procurador-Geral do Estado deve ser submetida ao crivo da Assembléia Legislativa do Estado. Nesses termos, 0 cargo de Procurador-Geral do Estado é de livre nomeação e exoneração, sendo um cargo de confiança do chefe do Poder Executivo.121 122 Aqui é interessante ainda trazermos recente decisão do STF no HC n° 103.803/RR, sobre a questão atinente ao Procurador-Geral do Estado e o tema da "prerrogativa de foro".

Segundo 0 STF, a Constituição Estadual pode prever que o Procurador-Geral do Estado tenha foro por prerrogativa de função no Tribunal de Justiça do Estado. Nes­ se sentido, esse entendimento segue a normativa constitucional, pois a Constituição de 1988 em seu art. 125, § 1°, afirma que a competência dos Tribunais de Justiça deve ser definida na Constituição do Estado.

Porém, decidiu 0 STF, que essa competência não pode ser definida por lei esta­ dual, ou seja, lei estadual não tem legitimidade para prever que 0 Procurador-Geral do Estado tenha foro por prerrogativa de função no Tribunal de Justiça do Estado.

Nesses termos, fica explícito o posicionamento do Pretório Excelso, de que a competência dos Tribunais de Justiça deve ser definida na Constituição do Estado e não em legislação infraconstitucional. Por isso, Constituição Estadual que prevê uma norma aberta de definição de competência do Tribunal de Justiça, delegando ao legislador infraconstitucional 0 poder de dispor sobre a matéria e de ampliar seus limites, é inconstitucional. Outro ponto interessante é que, segundo 0 STF, não basta a mera equiparação do Procurador-Geral do Estado ao cargo de Secretário de Estado, visto que no âmbi­ to federal pela normativa do art.13, § 1°, da Lei n° 9.649/1998, 0 Advogado-Geral da União tornou-se Ministro de Estado (diga-se; não se trata de mera equiparação).123

121. Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. em 12.02.2009 (Informativo n° 535 do STF). 122. ADI 4284/ RR. Pleno do STF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski julg. em 09.04.2015. 123. HC n° 103.803, julg. em 01.07.2014: Habeas corpus. Constitucional. Foro por prerrogativa de função. Procurador -geral de Estado de Roraima. Cargo equiparado a secretário de Estado por força de Lei Complementar estadual. Ve­ dação do art. 125, § 1 °, da Constituição Federal. Inaplicabilidade de simetria com o cargo de Advogado-Geral da União. Situações jurídicas distintas. 1. Segundo a jurisprudência do STF, "compete à Constituição do Estado definir as atribuições do Tribunal de Justiça, não podendo este desempenho ser transferido - menos ainda por competência aberta - ao legislador infraconstitucional (art. 125,5 1“ da CRFB/88)" (ADI 3140, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJ 29.06.2007). 2. £ inconstitucional, por isso, a norma da Constituição do Estado de Roraima que atribui foro por prer­ rogativa de função a agentes públicos equiparados a Secretários de Estado (alinea "a", inciso "X“ do art. 77), equipara­ ção a ser promovida pelo legislador infraconstitucional. 3. Conforme dispõe o parágrafo único do art. 4° da Lei Com­ plementar 71/2003, do Estado de Roraima, “O Procurador-Geral do Estado terá (...) as mesmas prerrogativas, subsidio e obrigações de Secretário de Estado". Não sendo Secretário de Estado, mas apenas equiparado a ele, não tem o Procurador-Geral foro por prerrogativa no Tribuna) de Justiça. Não o favorece o decidido pelo STF em relação ao cargo de Advogado-Geral da União (PET 1.199 AgR/SP, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 25-06-1999). Ao

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Ainda sobre o tema decidiu recentemente o STF que é inconstitucional disposi­ tivo da Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tri­ bunal de Justiça, para Procuradores do Estado e também para os Procuradores da Assembléia Legislativa Estadual. Conforme o STF, a CR/88, apenas excepcionalmente, conferiu prerrogativa de foro para as autoridades federais, estaduais e municipais. Assim, não se pode permitir que os Estados possam, livremente, criar novas hipóte­ ses de foro por prerrogativa de função.’-4Aqui apenas para não confundir, ressalta-

reconhecer, nesse julgamento, a prerrogativa de foro, o STF o fez na expressa consideração de que, por força doS 1° do art. 13 da Lei 9.649/1998, a Advogado-Geral da União tornou-se Ministro de Estado (deixando, portanto, de ser meramente equiparado) fíeafirmou-se. todavia, na mesma oportunidade, o entendimento (aplicável, mutatís mutandis, a Secretários de Estado), de que “para efeito de definição da competência penai originária do STF, nâo se consideram Ministros de Estado os titulares de cargos de natureza especial da estrutura orgânica da Presidência da República, malgrado lhes confira a lei prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes aos dos titulares dos Ministérios". No mesmo sentido: Pet 2084 MC. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 16/08/2000; ADI 3289; Min. Gilmar Mendes. Pleno, DJ de 24-02-2006.4. Ordem denegada. 124. ADI 2553/MA, STF. Plenário. Red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julg em 15.05.2019 (Info 940). O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 81, IV, da Constituição do Estado do Maranhão, acrescentado pela Emenda Constitucional 34/2001.0 dispositivo impugnado inclui, entre as autoridades com foro criminal originário perante o tribunal de justiça, os procuradores de Estado, os procuradores da assembléia legislativa, os defensores públicos e os delegados de polícia. Prevale­ ceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, redator para o acórdão. Para ele. ao dispor sobre os órgãos do Poder Judiciário, o art. 92 da Constituição Federal previu como regra que a primeira e a segunda instâncias constituem juízo natural com cognição plena para a questão criminal. Apenas excepcionalmente a CF conferiu prerrogativas de foro para as autoridades federais, estaduais e municipais. No ponto, citou, como exemplo, a competência do Supremo Tribunal Federal (STF) para processar e julgar o presidente da República, o vice-presidente, membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-geral da República: a competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para processar e julgar os desembargadores: e a competência dos tribunais de justiça para processar e julgar os membros do ministério público estadual, os próprios magistrados e os prefeitos mu­ nicipais. Sublinhou a inviabilidade de se aplicar, nesse caso, o princípio da simetria, uma vez que a CF estabelece prerrogativa de foro nos três níveis: federal, estadual e municipal. Ressaltou que interpretação que conferisse às constituições estaduais a possibilidade de definir foro, considerando o princípio federativo e com esteio no art. 125, § 1°, da CF, permitiría aos Estados dispor, livremente, sobre essas prerrogativas, o que seria equivalente a assinar um cheque em branco. Por fim, esclareceu que o vice governador, os secretários de Estado e o coman­ dante dos militares estaduais, por determinação expressa do art. 28 da CF. também possuem prerrogativa de foro, independentemente de a constituição estadual fixá-la ou não. Aqui temos um esclarecimento:"O STF e a doutrina majoritária, tradicionalmente, ensinavam o seguinte: a) Em regra, os casos de foro por prerrogativa de função são previstos na Constituição Federal. Exs:art. 102,1,"b”e "c": art. 105, l,"a". b) As Constituições estaduais podem prever casos de foro por prerrogativa de função desde que seja respeitado o princípio da simetria com a Constituição Fe­ deral. Isso significa que a autoridade estadual que"receber"o foro por prerrogativa na Constituição Estadual deve ser equivalente a uma autoridade federal que tenha foro por prerrogativa de função na Constituição Federal. Exl: a Constituição Estadual pode prever que o Vice-Governador será julgado pelo TJ. Isso porque a autoridade “equi­ valente", em âmbito federal (Vice-Presidente da República), possui foro por prerrogativa de função no STF (art. 102, l,"b", da CF/88). Logo, foi respeitado o princípio da simetria. Ex2: a Constituição Estadual não pode prever foro por prerrogativa de função para os Delegados de Polícia, considerando que não há previsão semelhante para os Delegados Federais na Constituição Federal (STF ADI 2587). Essa autorização para que as Constituições Estaduais prevejam hipóteses de foro por prerrogativa de função no TJ existe por força do art. 125, § 1 ”, da CF/88. Assim, á luz do disposto no art. 125, § 1°, da Constituição Federal, o constituinte estadual possui legitimidade para fixar a competência do Tribunal de Justiça e. por conseguinte, estabelecer a prerrogativa de foro às autoridades que desempenham funções similares na esfera federal. A CF/88, apenas excepcionalmente, conferiu prerrogativa de foro para as autoridades federais, estaduais e municipais. Assim, não se pode permitir que os Estados possam, livremente, criar novas hipóteses de foro por prerrogativa de função. A interpretação que conferisse às Constitui­ ções estaduais a possibilidade de definir foro, considerando o princípio federativo e com esteio no art. 125, ã 1 °, da CF/88, permitiría aos Estados dispor, livremente, sobre essas prerrogativas, o que seria equivalente a assinar um “cheque em branco" Desse modo, para o Min. Alexandre de Moraes, as hipóteses de foro por prerrogativa de

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Funções Essenciais a Justiça

mos, que estamos falando dos Procuradores do Estado e não do Procurador Geral do Estado. Temos ainda que, aos Procuradores (ou advogados) do Estado, é assegurada estabilidade após 3 (três) anos de efetivo exercício, mediante avaliação de de­ sempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das Corregedorias?26*E no que diz respeito à advocacia pública, serão aplicadas as normas atinentes à remuneração, previstas no art. 39, § 4», da CR/88, definidoras do teto e subteto, previstos no inciso XI do art. 37 da CR/88?26

3. ADVOCACIA Segundo ditame constitucional, 0 advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei?2/ Sobre a indispensabilidade da intervenção do advogado, temos que a norma prevista no art. 133 da Constituição não é absoluta, na medida em que, em alguns procedimentos judicias, a participação do advogado não é dotada de obrigatorie­ dade. Ou seja, em algumas hipóteses, os indivíduos são providos de capacidade postulatória para estar em juízo, como no caso do habeas corpus ou mesmo da revisão criminal, bem como em determinados e específicos procedimentos nos Jui­ zados Especiais de pequenas causas (seja no âmbito estadual em causas que não ultrapassem 0 valor de 20 salários mínimos ou no âmbito federal nas causas cíveis de até 60 salários mínimos), conforme a normatividade atinente aos mesmos. Temos ainda que esse entendimento não diz respeito às causas criminais dos juizados es­ peciais, nas quais é imprescindível 0 advogado?28

125.

126. 127.

128.

função somente podem ser previstas validamente pela Constituição Estadual se estiverem asseguradas, explicita ou implicitamente, pela Constituição Federal". LOPES CVALCANTE, Mareio André, Dizer o Direito, Maio de 2019. Norma acrescentada pela EC n° 19/98 (parágrafo único do art. 132 da CR/88). Antes dela, a estabilidade dos Procu­ radores era adquirida após 2 anos de efetivo exercício da atividade. Ressaltamos que o art. 28 da EC n° 19/98 esta beleceu como transição que: F assegurado o prazo de 2 (dois) anos de efetivo exercício para aquisição da estabilidade aos atuais servidores em estágio probatório (ou seja, que se encontravam em estágio no momento de surgimento da LC 19/98), sem prejuízo da avaliação a que se refere o $4° do art. 41 da CR/88. Art. 37, XI com redação estabelecida pela Emenda Constitucional n° 41/2003. Conforme o art. 8o da Lei n° 8.906/94, para inscrição como advogado é necessário: I - capacidade civil; II - diplo­ ma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada; lll titulo de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro; IV - aprovação cm Exame de Ordem; V - não exercer atividade incompatível com a advocacia; VI - idoneidade moral; VII - prestar compromisso perante o conselho. Conforme a ADI n° 3168, julg. em 08.06.2006: Ação direta de inconstitucionalidade. Juizados especiais federais. Lei 10.259/2001, art. 10. Dispensabilidade de advogado nas causas eiveis. Imprescindibilidade da presença de advogado nas causas criminais. Aplicação subsidiária da lei 9.099/1995. Interpretação Conforme a Constituição. Ê constitucional o art. 10 da Lei 10.259/2001, que faculta às portes a designação de representantes para a causa, advogados ou não, no âmbito dos juizados especiais federais. No que se refere aos processos de natureza cível, o STF já firmou o entendimento de que a imprescindibilidade de advogado é relativa, podendo, portanto, ser afastada pela lei em relação aosjuizados especiais. Perante osjuizados especiais federais, em processos de natureza civel, as partes podem comparecer pessoal­ mente em juizo ou designar representante, advogado ou não, desde que a causa não ultrapasse o valor de sessenta salários mínimos (art. 3o da Lei 10.259/2001) e sem prejuízo da aplicação subsidiária integral dos parágrafos do art. 9” da Lei 9.099/1995. Já quanto aos processos de natureza criminal, em homenagem ao princípio da ampla defesa,

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Sobre a advocacia e a função essencial à justiça exercida por ela, temos algu­ mas observações:

1) 0 advogado deve ser necessariamente inscrito na OAB (Ordem dos Advo­ gados do Brasil) demonstrando, assim, sua devida habilitação profissional. Certo é que a falta de habilitação, nos termos do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n° 8.906/94), torna os atos processuais praticados inexistentes.”9

2) Conforme recente alteração da Lei n» 8.906/94 pela Lei n° 13.245/2016, é di­ reito do advogado nos termos do art. 7, inciso XXI, assistir seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração. 3) Conforme a recente Lei n° 13.793/2019 é direito do advogado examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quan­ do não estiverem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos; já conforme a Lei n° 13.245/2016 também é direito do advogado examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investiga­ ções de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à auto­ ridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital.1’0

4) A Lei n° 13.869/2019 incluiu 0 art. 7°-B na Lei n° 8.906/94, para determinar que constitui crime violar direito ou prerrogativa de advogado previstos nos incisos II, lll, IV e V do caput do art. 7° da Lei n° 8.906/94. A pena será detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.”1

é imperativo que o réu compareça ao processo devidamente acompanhado de profissional habilitado a oferecer-lhe defesa técnica de qualidade, ou seja, de advogado devidamente inscrito nos quadros da OAB ou defensor público. Aplicação subsidiária do art. 68. lll, da Lei 9.099/1995. Interpretação conforme, para excluir do âmbito de incidência do art. lOda Lei 10.259/2001 os feitos de competência dos juizados especiais criminais da Justiça Federal. 129. Nos termos do RE n” 464.963, julg. em 14.02.2006: EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Oiretor-geral de Tribunal Regional Eleitoral. Exercício da advocacia. Incompatibilidade. Nulidade dos atos praticados. 3. Violação aos prin­ cípios da moralidade e do devido processo legal (fairtrial). 4. Acórdão recorrido cassado. Retorno dos autos para novo julgamento. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido. 130. Aqui citamos o art. 7°, XIII e XIV da Lei n“ 8.906/94. Resta ainda no art. 7 citarmos o § 13: o disposto nos incisos XIII e XIV do caput do art 7 aplica-se integralmente a processos e a procedimentos eletrônicos, ressalvado o disposto nos §§ 10 e 11 deste artigo (art. 7)." Nesse sentido, vamos no art. 7, § 10: Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o exercício dos direitos de que trata o inciso XIV. (Incluído pela Lei n“ 13.245/2016). Art. 7, § 11: No caso previsto no inciso XIV, a autoridode competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências. (Incluído pela Lei n° 13.245/2016) 131. Art. 7 São direitos do advogado: II-a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instru­ mentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia: lll - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;

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Funçòes Essenciais A Justiça

5) A Lei n° 8.906/94 determina que a eleição dos membros de todos os órgãos da OAB será realizada na segunda quinzena do mês de novembro, do último ano do mandato, mediante cédula única e votação direta dos advogados regularmente inscritos. A eleição, na forma e segundo os critérios e procedimentos estabelecidos no regulamento geral, é de comparecimento obrigatório para todos os advogados inscritos na OAB.

E nos termos da recente Lei n° 13.875/2019, 0 candidato deve comprovar situa­ ção regular perante a OAB, não ocupar cargo exonerável ad nutum, não ter sido condenado por infração disciplinar, salvo reabilitação, e exercer efetivamente a profissão há mais de 3 (três) anos, nas eleições para os cargos de Conselheiro Sec­ cional e das Subseções, quando houver, e há mais de 5 (cinco) anos, nas eleições para os demais cargos.

6) Conforme recente alteração da Lei n° 8.906/94 em seus arts. 15,16 e 17, pela Lei n° 13.245/2016, foi criada a sociedade unipessoal de advocacia. Essa era uma reivindicação antiga dos advogados que atuavam pessoalmente, sem sócios, para, por exemplo, gozar da tributação menos gravosa que estavam afetas apenas as sociedades constituídas por dois ou mais advogados (sociedade de advogados). Sem dúvida, entendemos que a sociedade unipessoal deve ser bem recebida por proporcionar aos advogados autônomos um tratamento igualitário em relação aos outros que advogam em sociedade. Assim, a sociedade unipessoal de advoca­ cia deve ser entendida como um ente capaz de direitos e obrigações distinto da pessoa do advogado. Ela é dotada de personalidade jurídica própria, que é adqui­ rida pelo registro de seus atos constitutivos no setor próprio do Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sua sede.

Nesses termos, os advogados podem reunir-se em sociedade simples de pres­ tação de serviços de advocacia ou constituir sociedade unipessoal de advocacia, na forma disciplinada na Lei n» 8.906/94 e no regulamento geral da advocacia. Aplica-se à sociedade de advogados e à sociedade unipessoal de advocacia 0 Código de Ética e Disciplina, no que couber. As procurações devem ser outorgadas individualmente aos advogados e indicar a sociedade de que façam parte. Con­ forme dicção legal, nenhum advogado pode integrar mais de uma sociedade de advogados, constituir mais de uma sociedade unipessoal de advocacia ou integrar, simultaneamente, uma sociedade de advogados e uma sociedade unipessoal de advocacia, com sede ou filial na mesma área territorial do respectivo Conselho Sec­ cional. 0 ato de constituição de filial deve ser averbado no registro da sociedade

IV - ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB; V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas nelaOAB. e, na sua falta, em prisão domiciliar; (Vide ADIN 1.127-8)

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e arquivado no Conselho Seccional onde se instalar, ficando os sócios, inclusive o titular da sociedade unipessoal de advocacia, obrigados à inscrição suplemen­ tar. Temos ainda que os advogados sócios de uma mesma sociedade profissional não podem representar em juízo clientes de interesses opostos. Além disso, o novo diploma legal determina que a sociedade unipessoal de advocacia pode resultar da concentração por um advogado das quotas de uma sociedade de advogados, independentemente das razões que motivaram tal con­ centração.

7) Nos termos da Lei n° 13.363 de 25.11.2016, foram estipulados direitos e ga­ rantias para a advogada gestante, lactante, adotante ou que der à luz e para 0 advogado que se tornar pai. Aqui 0 art. 7° da Lei n° 8906/94 foi acrescentado do art. 7°-A, que determinou como direitos da advogada: l - gestante: a) entrada em tribu­ nais sem ser submetida a detectores de metais e aparelhos de raios X; b) reserva de vaga em garagens dos fóruns dos tribunais; II - lactante, adotante ou que der à luz, acesso a creche, onde houver, ou a local adequado ao atendimento das ne­ cessidades do bebê; lll - gestante, lactante, adotante ou que der à luz, preferência na ordem das sustentações orais e das audiências a serem realizadas a cada dia, mediante comprovação de sua condição; IV - adotante ou que der à luz, suspensão de prazos processuais quando for a única patrona da causa, desde que haja noti­ ficação por escrito ao cliente. Afirmou-se ainda no § 1° do art. 7°-A que os direitos previstos à advogada gestante ou lactante aplicam-se enquanto perdurar, respec­ tivamente, 0 estado gravídico ou 0 período de amamentação. Já no § 2» temos que os direitos assegurados nos incisos II e lll deste artigo art. 7°-A à advogada adotante ou que der à luz serão concedidos pelo prazo previsto no art. 392 do Decreto-Lei n° 5.452, de i° de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho). Além disso, no § 3° 0 direito assegurado no inciso IV deste artigo à advogada adotante ou que der à luz será concedido pelo prazo previsto no § 6° do art. 313 da Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). Já no que tange aos pais, 0 art. 313 do novo CPC passa a determinar que se suspende 0 processo: pelo parto ou pela con­ cessão de adoção, quando a advogada responsável pelo processo constituir a única patrona da causa1”; e quando 0 advogado responsável pelo processo constituir 0 único patrono da causa e tornar-se pai.1” 8) Conforme a Súmula Vinculante n° 5 do STF, falta de defesa técnica por ad­ vogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição. Nesses

132. Nesse caso, o período de suspensão será de 30 (trinta) dias, contados a partir da data do parto ou da concessão da adoção, mediante apresentação de certidão de nascimento ou documento similar que comprove a realização do parto, ou de termo judicial que tenha concedido a adoção, desde que haja notificação ao cliente, (art. 313, § 6°, do CPC) 133. Nesse caso, o período de suspensão será de 8 (oito) dias, contados a partir da data do parto ou da concessão da adoção, mediante apresentação de certidão de nascimento ou documento similar que comprove a realização do parto, ou de termo judicial que tenha concedido a adoção, desde que haja notificação ao cliente, (art. 313, § 7a, do CPC)

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Funçòes Essenciais A Justiça

termos, também o RE n° 434.059: "Processo Administrativo Disciplinar. 3. Cercea­ mento de defesa. Princípios do contraditório e da ampla defesa. Ausência de de­ fesa técnica por advogado. 4. A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição."134135

9) Segundo 0 STF, na decisão da ADI 3026, a OAB é um serviço público autônomo e independente, não podendo ser considerada uma autarquia especial nos moldes das agências reguladoras. Com isso, ela não pode ser caracterizada como uma en­ tidade da administração indireta, não estando sujeita a controle da Administração. Além disso, ela não pode ser considerada congênere dos demais órgãos de fisca­ lização profissional existentes, na medida em que ela não tem apenas finalidade corporativa, mas também objetivos institucionais.1” 10) 0 STF entendeu que as imunidades conferidas ao advogado pela Lei n» 8906/94 não são absolutas, portanto, sua inviolabilidade pode ser restringida por lei desde que seja dotada de razoabilidade. Assim, manifestações desarrazoadas e desproporcionais não estão protegidas constitucionalmente. Nesses termos, a decisão do AO (Ação Originária) 933: "[...] não é absoluta a inviolabili­ dade do advogado, por seus atos e manifestações, 0 que não infirma a abran­ gência que a Carta de Outubro conferiu ao instituto, de cujo manto protetor

134. Rel. Min. Gilmar Mendes, Julg. em 07.05.2008. DJ: 12.09.2008. 135. ADI 3206 Julg. em 30.06.2006: Ação direta de inconstitucionalidade. § 1°doartigo79daleinc8.906, 2aparte. “Servidores" da Ordem dos Advogados do Brasil. Preceito que possibilito a opção pelo regime celetista. Com­ pensação pela escolha do regime jurídico no momento da aposentadoria. Indenização. Imposição dos dita­ mes inerentes à administração pública direta e indireta. Concurso público (art. 37, II da Constituição do Brasil). Inexigéncia de concurso público para a admissão dos contratados pela OAB. Autarquias especiais e agências. Caráter jurídico da OAB. Entidade prestadora de serviço público independente. Categoria Impar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. Autonomia e independência da entidade. Princípio da moralidade. Violação do artigo 37, caput, da CB. Não ocorrência. 1. A Lei n° 8.906, artigo 79, § 1°. possibilitou aos "servidores"da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga ã época da aposentadoria. 2. Nao procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos á Administração Pública Direta e Indireta. 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem ê um serviço público independente, categoria impar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB nâo está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais"para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje cha­ madas “agências". 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não vinculação é formal e materíalmente necessária. 6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita o atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre aOABe qualquer órgão público. 7. A OAB, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. 8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. 9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei nc 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB. 10. Incabivel a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB. 11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do principio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que nâo pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade. 12. Julgo improce dente o pedido. Rel. Min. Eros Grau.

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somente se excluem atos, gestos ou palavras que manifestamente desborclem do exercício da profissão, como a agressão (física ou moral), o insulto pessoal e a humilhação pública. [,..]"136137 11) Porém, no julgamento do RE n° 387.945, 0 STF deixou assente que a invio­ labilidade do advogado por seus atos e manifestações é assegurada desde que haja relação com 0 exercício da profissão, não alcançando relações do advogado com seu cliente.13? Também entendeu 0 Pretório Excelso que essa proteção dada ao advogado diz respeito a atos praticados em juízo ou até mesmo fora dele. Nesses termos, a decisão do RMS n° 26.975: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está alinhada no sentido de 0 advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria e difamação qualquer manifestação de sua parte no exercício dessa atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo de sanções disciplinares pe­ rante a Ordem dos Advogados do Brasil. [...]" 138 12) 0 STF, em 17 de maio de 2006, prolatou decisão na ADI 1127 sobre uma série de dispositivos da Lei n° 8.906/94 (Estatuto da OAB). Nesses termos, 0 Tribunal, exa­ minando os dispositivos impugnados na Lei rr 8.906, de 4 de julho de 1994, deixou assente que:

a)

por unanimidade, em relação ao inciso l do artigo i°, julgou prejudicada a alegação de inconstitucionalidade relativamente à expressão "juizados es­ peciais", e, por maioria, quanto à expressão "qualquer", julgou procedente a ação direta, vencidos os Senhores Ministros Relatores e Carlos Britto;139

b)

por unanimidade, julgou improcedente a ação direta, quanto ao § 3° do artigo 2°, nos termos do voto do Relator/40

c)

por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para declarar a in­ constitucionalidade da expressão "ou desacato", contida no § 2» do artigo 70, vencidos os Senhores Ministros Relatores e Ricardo Lewandowski;141142

d)

por unanimidade, julgou improcedente a ação direta, quanto ao inciso II do artigo 7®, nos termos do voto do Relator/42

136. Rel. Min. Carlos Britto, Julg. em 25.09.2003. DJ: 06.02.2004. 137. Nesses termos:"(...j Advogado: imunidade judiciária (CR, art. 133): não compreensão de atos relacionados a ques­ tões pessoais. A imunidade do advogado - além de condicionada aos "limites da lei", o que, obviamente, nâo dis­ pensa o respeito ao núcleo essencial da garantia da libertas conviciandi - não alcança as relações do profissional com o seu próprio cliente.'’(Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg. 14.02.2006. DJ: 10.03.2006). 138. Julgamento prolatado pela 2a Turma em 01.04.2008. Rel. Min. Eros Grau. DJ: 14.08.2008. 139. Art. 1». São atividades privativas de advocacia: I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juiza­ dos especiais; (AD11127-8). 140. Art. 2°. § 3o No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei. 141. Art. 7°. § 2o O advogado tem imunidade profissional, nâo constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juizo ou fora dele, sem prejuízo das san­ ções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer. (AD11127-8). 142. Art. 7°. Sao direitos do advogado; II - a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei n° 11.767, de 2008).

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Funções Essenciais A Jusuça

e)

por unanimidade, julgou improcedente a ação direta, quanto ao inciso IV do artigo 7°, nos termos do voto do Relator;143

f)

por maioria, entendeu não estar prejudicada a ação relativamente ao inci­ so V do artigo 7®, vencidos os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Cezar Peluso. No mérito, também por maioria, declarou a inconstitucionalidade da expressão "assim reconhecidas pela OAB", vencidos os Senhores Minis­ tros Relatores, Eros Grau e Carlos Britto;144

g)

por maioria, declarou a inconstitucionalidade relativamente ao inciso IX do artigo 7°, vencidos os Senhores Ministros Relatores e Sepúlveda Pertence;145

h)

por unanimidade, julgou improcedente a ação direta quanto ao § 3° do artigo 70;146

i)

por votação majoritária, deu pela procedência parcial da ação para decla­ rar a inconstitucionalidade da expressão "e controle", contida no § 40 do artigo 7°, vencidos os Senhores Ministros Relatores, Ricardo Lewandowski, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence, sendo que este último também decla­ rava a inconstitucionalidade da expressão "e presídios", no que foi acom­ panhado pelo Senhor Ministro Celso de Mello;147

j)

por maioria, julgou parcialmente procedente a ação, quanto ao inciso II do artigo 28, para excluir apenas os juizes eleitorais e seus suplentes, vencido 0 Senhor Ministro Marco Aurélio;148

143. Art. 7°. Sâo direitos do advogado IV - ter a presença de representante da OAB. quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa á seccional da OAB; 144. Art. 7°. São direitos do advogado V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado-maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar; (ADI 1127-8). Desse modo, não é a OAB quem tem o poder de definir se o local em foi preso o advogado é ou não compatível com a definição de sala de Estado-Maior.Tal análise é feita pelo juiz/ Tribunal que determinou a prisão. Além disso esse direito só é garantido em caso de prisão provisória. Quan­ do houver o trânsito em julgado da condenação, o cumprimento da pena deverá ocorrer em uma unidade prisional comum, como as demais pessoas. Ver também, Rcl 5826/PR e Rcl 8853/GO, Pleno do STF, julg. em 18.03.2015 145. Art. 7“. São direitos do advogado: IX - sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se prazo maior for concedido; (ADI 1127-8). 146. Art. 7°. 5 3° O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, observado o disposto no inciso IV deste artigo. § 4°O Poder Judiciário e o Poder Executivo devem instalar, em todos os juizados, fóruns, tribunais, delegacias de polícia e presídios, salas especiais perma­ nentes para osadvogados.com uso e controle assegurados à OAB. (ADI 1127-8). 147. Art. 7°. § 4° 0 Poder Judiciário e o Poder Executivo devem instalar, em todos os juizados, fóruns, tribunais, dele­ gacias de polícia e presídios, salas especiais permanentes para os advogados, com uso e controle assegurados à OA8. (ADI 1127-8). 148. Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades: II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juizes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de delibe­ ração coletiva da administração pública direta e indireta; (AD11127-8).

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k)

e, por votação majoritária, quanto ao artigo 50, julgou parcialmente pro cedente a ação para, sem redução de texto, dar interpretação conforme ao dispositivo, de modo a fazer compreender a palavra "requisitar" como dependente de motivação, compatibilização com as finalidades da lei e atendimento de custos desta requisição. Ficam ressalvados, desde já, os documentos cobertos por sigilo. Vencidos os Senhores Ministros Relatores, Eros Grau, Carlos Britto e Sepúlveda Pertence.*49

13) A inconstitucionalidade expressada pelo STF da expressão "assim reconhe­ cidas pela OAB" presente no art. 7», V da Lei n» 8.906/94 ainda foi objeto de debate no Pretório Excelso, pois restou assente que, no mais, 0 art. 7°, V,l>° era dotado de constitucionalidade. Nesse sentido, ficaram assegurados os direitos explicitados no referido texto normativo de não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado-Maior, com instalações condignas e na falta desse tipo de instalação, prisão domiciliar. Mas 0 que seria sala de Estado-Maior? E a presença de grades na eventual sala a desqualifica? Certo é que 0 Pretório Excelso decidiu na Rel n° 6387149 151152 150 em 21.11.2008 que; "[...] 2.0 tema referente ao recolhimento de advogado em Sala de Estado-Maior até 0 trânsito em julgado da sentença penal condenatória envolve a própria definição da noção de Sala de Estado Maior. Em precedente desta Corte, consi­ derou-se que se trata de 'compartimento de qualquer unidade militarque, ainda que potencialmente, possa ser i/tilízado pelo grupo de Oficiais que assessoram 0 Comandante da organizaçõo militar para exercer suas funções, 0 local deve oferecer instalações e comodidades condignas' (Rel. 4.535, rel. Min. Sepúlveda Pertence). 3. A questão referente à existência de grades nas dependências da Sala de Estado Maior onde 0 reclamante se encontra recolhido, por si só, nâo impede 0 reconhecimento do perfeito atendimento ao disposto no art. 7“, V, da Lei n° 8.906/94 (Rel. 5.192, rel. Min. Menezes Direito). 4. Não houve descumprimento de julgado desta Corte, eis que o juiz federal e 0 Tribunal Regional Federal preservaram as garantias inerentes à situação do Reclamante, atendendo às condições de salubridade, luminosidade e ventilação. 5. Reclamação julgada improcedente.

Portanto, a expressão "Estado-Maior" representa 0 grupo de Oficiais que asses­ sora 0 Comandante das Forças Armadas, do Corpo de Bombeiros ou da Polícia Mili­ tar. Nesse sentido, a sala de Estado-Maior é 0 compartimento localizado na unidade

149. Art. 50. Para os fins desta lei, os Presidentes dos Conselhos da OAB e das Subseções podem requisitar cópias de peças de autos e documentos a qualquer tribunal, magistrado, cartório e órgão da Administração Pública direta, indireta e fundacional. (AD11127-8) 150. Mais uma vez reproduzimos o art. 7°, V: São direitos do advogado: não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reco­ nhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar. 151. Essa reclamação teve como tema o suposto descumprimento da decisão da ADI n° 1127 no que tange á constitu­ cionalidade (exceto no que tange à parte inconstitucional) do art. 7o. V, da Lei n° 8.906/94. 152. Rel. Min. EllenGracie. Julg. 21.11.2008.

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militar utilizado por eles para o exercício cie suas funções. A jurisprudência do STF vem dando uma interpretação teleológica (finalística) a essa garantia afirmando que os advogados, quando forem presos provisoriamente, não precisam ficar em uma sala dentro do Comando das Forças Armadas, mas devem ser recolhidos em um local equiparado à sala de Estado-Maior, ou seja, em um ambiente separado, sem grades (embora como vimos na decisão supra, a presença de grades não desquali­ fique a sala), localizado em unidades prisionais ou em batalhões da Polícia Militar, que tenham instalações e comodidades adequadas à higiene e à segurança do pre­ so.1” Mas aqui outra questão é pertinente. A prerrogativa conferida ao advogado da prisão em sala de Estado-Maior continua existindo mesmo que já estejamos na fase de execução provisória da pena? Pois bem, pela redação literal da Lei 8.906/94 a resposta só pode ser afirmativa. Conforme já dito, 0 art. 7», V, afirma que 0 ad­ vogado terá direito de ser preso em sala de Estado-Maior até que haja 0 trânsito em julgado. Porém, para o STJ, o advogado não tem esse direito. Segundo 0 ST), a prerrogativa conferida aos advogados pelo art. 7», V, da Lei n» 8.906/94, refere-se à prisão cautelar, não se aplicando para 0 caso de execução provisória da pena (prisão-pena).153 154155 já 0 STF ainda não tem posição expressa sobre 0 tema. No entanto, é interessante que o Pretório Excelso não admite reclamação contra decisões dos Tribunais que determinam a prisão dos advogados condenados em 2» instância em unidades prisionais comuns. ” 14) Em 20 de maio de 2009, 0 STF concluiu julgamento ADI n» 1194/DF ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria - CNI contra diversos dispositivos da Lei n° 8.906/94 - Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Com 0 voto de desempate do Min. Celso de Mello, 0 Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente 0 pedido formulado para dar interpretação conforme ao art. 21 e seu parágrafo único da Lei n» 8.906/94 ("Art. 21. Nas causas em que for parte 0 emprega­ dor, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados dos empregados. Parágrafo único. Os honorários de sucumbência,

153. Rcl 5826/PR e Rcl 8853/GO, Pleno do STF, julg. em 18/03/2015. Essa prerrogativa nãoé só do advogado, sendo também do Advogado público federal, dos Magistrados, dos membros do Ministério Público e dos membros da Defen­ soria Pública. 154. HC356.158/SP,STJ.6’’Turma. Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julg. em 19.05.2016, 155. Rcl 25111 AgR/PR, STF. 2a Turma. Rel. Min. Dias Toffoli, julg. em 16.05.2017. (Informativo 865). No caso concre­ to: O STF rejeitou a reclamação afirmando que: 1) Se a condenação do réu foi confirmada em 2" instância e ele somente está aguardando RE e REsp, então, neste caso, a sua custódia não tem mais natureza cautelar, sendo, na verdade, uma prisão-pena. 2) Mesmo não tendo havido ainda o trânsito em julgado, esta é uma prisão-pena. 3) O STF, ao julgar a AD11.127/DF, nào discutiu se o direito de o advogado permanecer recolhido em sala de Estado-Maior se estende ou não ao preso em razão de acórdão penal condenatório de 2o grau. Como na época da ADI 1.127/DF, o STF não admitia a execução provisória da pena, esse tema não foi debatido na ocasião. 4) Logo, não se pode dizer que a decisão do Desembargador que negou a prisão em sala de Estado-Maior para o condenado em 2a instância tenha violado o acórdão do STF na ADI 1.127/DF. 5) Nào violou porque isso não se discutiu neste acórdão. 6) Dessa forma, não ha identidade fática entre o ato reclamado e o julgado na ação paradigma. (Infor­ mativo 865 do STF). E existe também uma decisão monocrática do Min. Celso de Mello no mesmo sentido do STJ, ou seja, afirmando que não mais existe direito à sala de Estado-Maior se o advogado foi condenado em 2a instância: STF. Decisão monocrática. HC 135711, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 24/10/2016. \tr. Dizer o Direito, maio de 2017.

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percebidos por advogado empregado de sociedade de advogados são partilhados entre ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo"), no sentido de ser possível haver estipulação em contrário entre a parte e o seu patrono quanto aos honorários de sucumbência, haja vista tratar-se de direito disponível. No julgamen­ to, ficaram vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, Marco Aurélio, Cezar Peluso, Ri­ cardo Lewandowski e Gilmar Mendes, Presidente, que julgavam o pleito totalmente procedente.156157

15) Já em fevereiro de 2011, 0 Plenário do STF, mais uma vez, referendou dispo­ sitivo, presente no art. 7°, XIII, da Lei n° 8.906/94 (Estatuto dos Advogados), que diz respeito a ao direito do advogado de examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos. Nesse sentido, foi a decisão do MS n° 26.772 em 03.02.2011: 0 art. 7°, XIII, da Lei 8.906/94 (Estatuto dos Advogados), assegura ao advogado 0 direito de examinar, em qual­ quer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quan­ do não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos. Nesse sentido, 0 Plenário, tendo em conta não se tratar de processo sigiloso, concedeu mandado de segurança impetrado contra decisão do Tribunal de Contas da União - TCU, que indeferira requerimento de vista e cópia integral de processo a advogado, em razão da inexistência de procuração a ele outorgada. Precedente citado: MS 23.527 MC/DF (DJU de 04.02.2002). 16) Já no RE 603.583/RS julgado em 26.10.2011, 0 Plenário do STF decidiu pela constitucionalidade do intitulado "Exame da Ordem". No caso, 0 Plenário desproveu recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade dos artigos 8°, IV, § 1°, e 44, II, ambos da Lei 8.906/94, que versam sobre 0 exame da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB ("Art. 8° Para inscrição como advogado é necessário: ... IV - aprova­ ção em Exame de Ordem; § 1° 0 Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB. Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil")'57.

156. ADI n° 1.194/DF, Rel. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia. 157. Informativo 646 do STF: "No concernente á adequação do exame à finalidade prevista na CF - assegurar que as ati­ vidades de risco sejam desempenhadas por pessoas com conhecimento técnico suficiente, de modo a evitar danos à coletividade - aduziu-se que a aprovação do candidato seria elemento a qualificá-lo para o exercício profissional. Dessa forma, o argumento no sentido de que o exame não se pres taria para esse fim seria improcedente, pois o mesmo raciocínio seria aplicável às provas instituídas pelas próprias universidades, essenciais para a obtenção do bacharela­ do. Consignou-se que o exame da OAB atestaria conhecimentosjurídicos, o que seria congruente com o fim pretendido e com a realidade brasileira.''(...) No tocante à suposta violação ao principio da isonomia, decorrente da inexistência de exame imposto a médicos, por exemplo, antes de ingressarem na carreira, reputou-se descabida a pretensão de aplicar idêntico regime jurídico a atividades distintas, marcadas por conhecimentos e técnicas próprios. Além disso, o

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17) Segundo 0 STF, é direito do advogado, no exercício de seu múnus profissio­ nal, ser recebido no posto do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, independen­ temente de distribuição de fichas, em lugar próprio ao atendimento. Com base nes­ sa orientação, a 1» Turma, por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se alegava ofensa ao princípio da isonomia, em decorrência de tratamento diferenciado dispensado ao advogado, em detrimento dos demais segurados. No caso, a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB tivera mandado de segurança con­ cedido na origem para eximir os advogados da necessidade de se submeterem à distribuição de fichas nos postos do INSS.158 18) Segundo 0 STF, é inconstitucional lei municipal que estabelece impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida por lei nacional.159160

19) Por último, na ADI 3541/DF, julgada em 12.02.2014, decidiu 0 STF que a veda­ ção do exercício da atividade de advocacia por aqueles que desempenham, direta ou indiretamente, atividade policial, não afronta 0 princípio da isonomia. Com base nessa orientação, 0 Plenário julgou improcedente pedido formulado na ADI propos­ ta contra 0 art. 28, V, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia). 0 ato impugnado dispõe ser 0 exercício da advocacia, mesmo em causa própria, incompatível com as atividades dos ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza.

4. DEFENSORIA PÚBLICA Conforme dicção constitucional (alterada pela Emenda Constitucional n° 80 de 04 de junho de 2014), a Defensoria Pública é instituição permanente16®, essencial à fun­ ção jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regi­ me democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos

equ/voco não estaria nas rígidas exigências para o exercício da advocacia. Ao contrário, caberia ao legislador deter­ minar a obrigatoriedade de exame para o exercício da Medicina, o que estaria em consonância com a Constituição!...) Assinalou-se que o teste seria impessoal e objetivo, e sua aplicação observaria os princípios constitucionais relativos aos concursos públicos, conquanto não fosse espécie desse gênero. Destacou-se, ainda, que as questões estariam circunscritas aos conhecimentos adquiridos ao longo do curso superior' (RE 603.583/RS, Rel. Min. Marco Aurélio. 26.10.2011) 158. “A 1“ Turma ressaltou que, segundo o art. 133 da CR/88, o advogado seria “indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Afirmou que essa norma constitucional revelaria o papel central e fundamental do advogado na manutenção do Estado De­ mocrático de Direito, na aplicação e na defesa da ordem jurídica e na proteção dos direitos do cidadão. Consi derou que o advogado atuaria como guardião da liberdade, considerada a atividade desempenhada e os bens jurídicos tutelados. Tendo isso em conta, afastou a assertiva de violação ao princípio da igualdade. Ponderou que essa prerrogativa não configuraria privilégio injustificado, mas demonstraria a relevância constitucional da advocacia na atuação de defesa do cidadão em instituição administrativa." RE nWZ.OóS julg. em 08.04.2014. (Informativo 742 do STF). 159. RE 940769/RS, STF. Plenário. Rel. Edson Fachin, julgado em 24.04.2019 (repercussão geral) (Informativo 938). 160. Essa assertiva foi introduzida pela EC n°80/2014 e deixa expresso em nosso entendimento o que já estava implí­ cito, qual seja, a impossibilidade de abolição da Defensoria Pública.

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humanos161162 e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos indi­ viduais e coletivos,167 de forma integral e gratuita, aos necessitados (hipossuficientes)128, na forma do inciso LXXIV do art. 5° da Constituição 1988.

A assistência judiciária passa a ter derivação constitucional em nosso ordena­ mento a partir da Constituição de 1934 (art. 113, n. 32). Porém, não aparece no texto da Constituição de 1937 e retorna somente com 0 advento da Constituição de 1946 (art. 141, § 35) e continuou existindo na Constituição de 67 (art. 150, § 32) /69 (art. 153. § 32).

Nos termos da Constituição de 1988, lei complementar organizará163 a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos164, assegurada a seus integrantes a

161. Para alguns doutrinadores, a nova redação do art.134 dada pela EC n° 80/2014 deixaria demonstrado que o re­ quisito da hipossuficiência econômica não constitui elemento essencial quando a atuação da Defensoria Pública versar sobre a promoção dos direitos humanos. 162. No que tange ao plano das ações coletivas, o STF em 07.0S.2015, decidiu que a Defensoria Pública tem legitimidade paro propor ação dvilpública. Com isso, acompanhando voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, negou provimento à ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra o inciso II do art. 5o da Lei 7.347/85, com redação dada pela Lei 11.448/07, que conferiu tal atribuição. A ação foi proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público - Conamp, para a qual a Defensoria não pode atuar na defesa de interesses coletivos, por meio de ação civil pública. Afirmou ainda que essa possibilidade"afeta diretamente" as atribuições do MP. E interessante que a tese da Conamp foi a de que como a Defensoria Pública foi criada para atender, gratuitamente, aqueles que possuem recur­ sos insuficientes para se defenderjudicialmente ou que precisam de orientação jurídica, seria impossível sua atuação na defeso de interesses difusos e coletivos, em razão da dificuldade de identificar quem é carente. A ministra Cármen Lúcia considerou que o aumento de atribuições da instituição amplia o acesso à Justiça e é perfeitamente compatível com a LC 132/09 e com as alterações promovidas pela EC n° 80/2014, que estenderam as atribuições da Defensoria Público. Afirmou a ministra que não há qualquer vedação constitucional para a proposição desse tipo de ação pela Defensoria nem norma que atribua ao MP prerrogativa exclusiva paro tanto. Segundo a ministra: "Inexiste nos autos comprovação de afetar essa legitimação, concorrente e autônoma da Defensoria Pública, às atribuições do Ministério Público, ao qual cabe promover, privativamente, ação penal pública, na forma da lei, mas não se tem esse ditame no que diz respeito á ação civilpública". A ministra acrescentou que a inclusão da defesa dosdireitos coletivos nas atribuições da DP é coe­ rente com as novas tendências e crescentes demandas sociais de se garantir e ampliar os instrumentos de acesso à Justiça. Salientou que não é interesse da sociedade limitar a tutela dos hipossuficientes, e que o STF tem atuado para garantir à Defensoria papel de relevância, como instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado. Por fim, destacou a importância da ampliação dos legitimados aptos a propor ação para defender a coletividade, pois, "em um país marcado por inegáveis diferenças e por concentração de renda, uma das grandes barreiras para a implementação da democracia e da cidadania ainda é o acesso à Justiça". 163 Na lógica descrita por Cappelletti e Garth em estudo sobre o Acesso ò justiça a ideia e desenvolvimento da assis­ tência judiciária está alocada na "primeira onda" de reforma processual. Para uma análise da obra de Cappelletti e Garth. ver: Poder judiciário e(m) crise” (2008). 164. Na ADI 3819, o STF declarou inconstitucional lei estadual, posterior à CR/88. que transformou ocupantes de determinado cargo público em Defensores Públicos. Afirmou o STF que houve violação ao princípio do concurso público. Os servidores que foram exonerados pelo Governador do Estado conseguiram ser reintegrados por decisão do STJ, que entendeu que, antes da exoneração, deveria a eles ser garantido devido processo legal, com contraditório e ampla defesa. O STF, ern reclamação, cassou essa decisão do STJ por entender que ela contrariou a autoridade da decisão proferida pelo STF no julgamento da ADI 3.819/MG. (2a Turma. Rcl 16950/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, julg. em 01.12.2015). E conforme o Informativo 628 do STF: Por entender caracterizada ofensa ao princípio do concurso público (CF, artigos 37, II e 134), o Plenário julgou procedente ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Pará para declarara inconstitucionalidade do art. 84 da Lei Complementar paraense 54/2006, que autoriza a contratação precária de advogados para exercer a função de defensores públicos "até a realização de concurso público" Consi­ derou-se que a forma de recrutamento prevista na norma impugnada nâo se coadunaria com o Constituição, quer

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garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.

É importante salientar que, atualmente, a Lei Complementar n» 80/1994 (altera­ da pela Lei Complementar n° 98 de 03.12.1999 e pela recente Lei Complementar n° 132 de 07.10. 2009) é que estabelece a organização anteriormente citada. Nesse sentido, conforme Lei Complementar n° 80/94, a Defensoria Pública abran­ ge: I -a Defensoria Pública da União; II - a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; lll - as Defensorias Públicas dos Estados. Nos termos da LC n« 80/1994 alterada pela LC n° 132/2009, a Defensoria Pública da União tem por chefe 0 Defensor Público-Ceral Federal, nomeado pelo Presidente da República, dentre membros estáveis da Carreira e maiores de 35 (trinta e cinco) anos, escolhidos em lista tríplice formada pelo voto direto, secreto, plurinominal e obrigatório de seus membros, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução, precedida de nova aprovação do Senado Federal.

Na lógica Constitucional, temos também que a competência para legislar sobre a defensoria pública é concorrente entre União, Estados e DF, nos termos do art. 24, XIII, da CR/88.165 No que tange às Defensorias Públicas Estaduais, são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 20 da CR/88.166 Essa autonomia (funcional e administrativa) e iniciativa de proposta orçamentá­ ria presentes no art. 134. § 2», da CR/88, também foram recentemente asseguradas às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal, nos termos da Emenda Cons­ titucional n° 74 de 06 de agosto de 2013.

em suo parte permanente, quer na transitória. Destacou-se o art. 22 do ADCT, que assegurou aos defensores - em pleno exercício, á época da instalação dos trabalhos do assembléia constituinte, e que optassem pela carreira - a pos­ sibilidade de permanecerem como servidores, tão efetivos quanto estáveis (...). No mérito, ap/icou-se entendimento fixado em precedentes desta Corte no sentido de se assentar a inconstitucionalidade de lei estadual que autorize o Poder Executivo a celebrar contratos administrativos de desempenho de função de defensor público. Concluiu-se por convalidar as atuações dos defensores temporários, sem, no entanto, modular os efeitos da decisão, por não haver comprometimento da prestação da atividade-fim, haja vista existirem 291 defensores públicos distribuídos em 350 comarcas. (ADI 4246/PA, Rel. Min. Ayres Britto, julg. em 26.05.2011). Ver também: Ê inconstitucional a contratação, sem concurso público, após a instalação da Assembléia Constituinte, de advogados para exercerem a função de De­ fensor Público estadual. Tal contratação amplia, de forma indevida, a regra excepcional do art. 22 do ADCTda CF/88 e afronta o princípio do concurso público. RE 85655O/ES, STF. 1 “ Turma. Rel. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julg. em I0.10.2017(lnformativo881) 165. Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XIII - assistência jurídica e Defensoria pública. Portanto, via de regra, a União irá editar normas gerais e os Estados e o DF irão complementá-las. 166. Conforme a Emenda Constitucional n° 45/2004.

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Sobre o tema da autonomia funcional, administrativa e financeira das Defensorias Públicas, alguns recentes julgados do STF explicitam de sobremaneira os dita­ mes constitucionais. Vejamos: 1) 0 plenário do STF em 19.12.2013, referendou medida liminar concedida pelo Ministro Dias Toffoli, em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), com 0 fim de determinar a suspensão do trâmite legislativo do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do Estado da Paraíba-PB, alusivo a 2014. No caso, 0 PLOA fora encaminhado à Assembléia Legislativa sem a consolidação de proposta orçamentária da Defensoria Pública estadual, cuja despesa prevista fora reduzida unilateralmente pela chefia do Executivo local. Além disso, a Defensoria Pública fora incluída, no mesmo ato, dentre as secretarias do Executivo.

Nos termos do informativo 733, destacou 0 STF que a proposta inicialmente encaminhada pela Defensoria Pública estaria de acordo com a Lei de Diretrizes Or­ çamentárias estadual. Acresceu ainda 0 STF que a medida adequada a ser tomada pelo Executivo, na hipótese, seria pleitear reduções orçamentárias perante o Legis­ lativo, para que a matéria fosse lá debatida. Assim, 0 PLOA deveria ser encaminhado à Assembléia Legislativa com a proposta orçamentária da Defensoria Pública, como órgão autônomo e nos valores por ela aprovados. Asseverou, também 0 Pretório Excelso, que a inclusão do órgão nas secretarias do Executivo estadual afrontaria a autonomia da Defensoria Pública.167 Vejamos aqui que, mesmo antes da Emenda Constitucional n° 80 de 04 de junho de 2014, o STF já interpretava a Constituição no sentido de estabelecer uma maior autonomia à Defensoria Pública. No mesmo sentido, entendeu 0 STF na decisão de mérito da ADI 5287, jul­ gada em 18.05.2016, que Governador do Estado, ao encaminhar para a Assembléia Legislativa 0 projeto de lei orçamentária, não pode reduzir a proposta orçamentária 2)

167. Conforme a ADPF 307, Referendo MC/DF:'(...) 2. A autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública qualifica-se como preceito fundamental, ensejando o cabimento de ADPF, pois constitui garantia densificadora do dever do Estado de prestar assistência juridica aos necessitados e do próprio direito que a esses corresponde. Trata-se de norma estruturante do sistema de direitos e garantias fundamentais, sendo também pertinente à organização do Estado. 3. A arguição dirige-se contra ato do chefe do Poder Executivo estadual praticado no exercício da atribuição conferida constitucionalmente a esse agente político de reunir as propostos orçamentárias dos órgáos dotados de autonomia para consolidação e de encaminhá-los para a análise do Poder Legislativo. Náo se cuida de controle pre ventivo de constitucionalidade de ato do Poder Legislativo, mas, sim, de controle repressivo de constitucionalidade de ato concreto do chefe do Poder Executivo. 4. São inconstitucionais as medidas que resultem em subordinação da De­ fensoria Pública ao Poder Executivo, por implicarem violação da autonomia funcional e administrativa da instituição. Precedentes: ADI n° 3965/MG, Pleno, Rel. a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 30/3/12; ADI n° 4056/MA, Pleno, Rel. o Ministro Ricardo Lewandowski. DJ de 1/8/12; (...) Nos termos do art. 134, § 2°, da Constituição Federal, náo é dado ao chefe do Poder Executivo estadual, de forma unilateral, reduzir a proposta orçamentária da Defensoria Pública quando essa é compatível com o Lei de Diretrizes Orçamentárias. Caberia ao Governador do Estada incorporar ao PLOA a proposta nos exatos termos definidos pela Defensoria, podendo, contudo, pleiteará Assembléia Legislativa a redução pretendida, visto ser o Poder Legislativo a seara adequada para o debate de possíveis alterações no PLOA. A inserção da Defensoria Pública em capitulo destinado à proposta orçamentária do Poder Executivo, juntamente com as Secretarias de Estado, constitui desrespeito à autonomia administrativa da instituição, além de ingerência indevida no estabelecimento de sua programação administrativa e financeira. 5. Medida cautelar referendada." (Rel. Dias Toffoli, Julg. em 19.12.2013)

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elaborada pela Defensoria Pública e que estava de acordo com a LDO. No caso, teríamos contrariedade ao § 2» do art. 134 da CR/88. Nesses termos, conforme já tínhamos observado na decisão cautelar supracitada (da ADPF 307/MC) é inconstitu­ cional a redução unilateral pelo Poder Executivo dos orçamentos propostos pelos outros Poderes e por órgãos constitucionalmente autônomos, como 0 Ministério Público e a Defensoria Pública, na fase de consolidação do projeto de lei orçamen­ tária anual, quando tenham sido elaborados em obediência às leis de diretrizes orçamentárias e enviados conforme 0 art. 99, § 2°, da CR/88. Como já dito, caso 0 Governador do Estado discorde da proposta elaborada, ele poderá apenas pleitear ao Poder Legislativo (de forma democrática e plural) a redução pretendida, visto que a fase de apreciação legislativa é 0 momento constitucionalmente correto para 0 debate de possíveis alterações no projeto de lei orçamentária. Não pode, contu­ do, encaminhar 0 projeto já com a proposta alterada. Tal conduta constitui inegável desrespeito à autonomia administrativa da instituição, além de ingerência indevida no estabelecimento da programação administrativa e financeira das defensorias públicas.168

3) 0 STF decidiu, na ADI 5286/AP julgada em 18.05.2016, que é inconstitucional lei estadual que atribui ao chefe do Poder Executivo estadual competências adminis­ trativas no âmbito da Defensoria Pública. Conforme 0 informativo 826 do STF, viola 0 art. 134, § 2°, da CR/88, a lei estadual que preveja que compete ao Governador: a) a nomeação do Subdefensor Público-Geral, do Corregedor-Geral, dos Defensores

168. Informativo 826 do STF: Na ADI 5.287/PB, discutia se a constitucionalidade de ato mediante o qual o governador, por meio da Lei 10.437/2015 do Estado da Paraíba, reduzira unilateralmente valores previstos na LOA destinados à Defensoria Pública, em relação ao que inicialmente proposto pela instituição quando da consolidação da proposta orçamentária enviada ao Legislativo. Nesse caso, o Plenário conheceu parcialmente do pleito e, por maioria, julgou-o procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei, sem pronúncia de nulidade, apenas quanto à parte em que fixada a dotação orçamentária à Defensoria Pública estadual, em razão da prévia redução unilateral. Ademais, assen­ tou o entendimento de que é inconstitucional a redução unilateral pelo Poder Executivo dos orçamentos propostos pelos outros Poderes e por órgãos constitucionalmente autônomos, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, na fase de consolidação do projeto de lei orçamentária anual, quando tenham sido elaborados em obediência às leis de diretrizes orçamentárias e enviados conforme o art. 99, § 2°, da CF, cabendo-lhe apenas pleitear ao Poder Legislotivo a redução pretendida, visto que o fase de apreciação legislativa é o momento constitucionalmente correto para o debate de possíveis alterações no projeto de lei orçamentária. Preliminarmente, por decisão majoritária, o Tribunal afastou questão atinente à eventual prejudicialidade do pedido, tendo em conta o exaurimento da eficácia da LOA para o exercício financeiro de 2015. Entendeu que a impugnação fora feita em tempo adequado, a ação fora incluída em pauta e o julgamento fora iniciado antes do aludido exaurimento de eficácia. Além disso, é necessário pacificar a controvérsia para fins de fixação de precedente, mesmo porque toda LOA possui eficácia exígua. Portanto, condicio­ nar o enfrentamento do tema à eficácia da norma, nessas hipóteses, pode implicar o esvaziamento da possibilidade de controle de constitucionalidade. Na sequência: (...) as Defensorias Públicas têm a prerrogativa de elaborar e apresentar suas propostas orçamentárias, as quais devem, posteriormente, ser encaminhadas ao Executivo. Há apenas dois requisitos para tanto: a) a proposta orçamentária deve ser elaborada em consonância com o que previsto na respectiva LDO; e b) a proposta deve ser encaminhada em conformidade com a previsão do art. 99, § 2°, da CF. A apreciação das leis orçamentárias deve se dar perante o órgão legislativo correspondente, ao qual cabe deliberar sobre a proposta apresentada, fazendo-lhe as modificações que julgue necessárias. Ressaltou, no ponto, o art. 166 da CF. Na espécie, assinalou que, no momento da consolidação da proposta orçamentária a ser encaminhada á assembléia estadual, o governador reduziu unilateralmente os valores das propostas apresenta­ das pelo Judiciário, Legislativo, MP, Tribunal de Contas e Defensoria Pública, apesar de as propostas estarem em conformidade com a LDO, o que afronta a Constituição.

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Chefes e do Ouvidor da Defensoria Pública estadual; b) autorizar o afastamento de Defensores Públicos para estudos ou missão; c) propor, por meio de lei de sua ini­ ciativa, o subsídio dos membros da Defensoria Pública. No caso, entendeu o STF que essas competências pertencem ao Defensor Público-Geral do Estado.169

4) Conforme a ADPF 339, julgada em 18.05.2016, entendeu 0 STF, que 0 Governa­ dor do Estado é obrigado a efetuar 0 repasse, sob a forma de duodécimos e até 0 dia 20 de cada mês, da integralidade dos recursos orçamentários destinados, pela lei orçamentária, à Defensoria Pública estadual. No caso em questão, 0 Colegiado do STF, por maioria, julgou procedente 0 pedido para, diante de lesão aos artigos 134, § 2°, e 168, ambos da CR/88, determinar ao governador que proceda ao repas­ se, sob a forma de duodécimos e até 0 dia 20 de cada mês, da integralidade dos recursos orçamentários destinados à Defensoria Pública estadual pela LOA para 0 exercício financeiro de 2015, inclusive quanto às parcelas já vencidas, assim também em relação a eventuais créditos adicionais destinados à instituição. Nos termos do informativo 826 do STF, entendeu 0 Pretório Excelso serem asseguradas às Defensorias Públicas a autonomia funcional e administrativa, bem como a prerrogativa de formulação de sua proposta orçamentária, por força da Constituição. Assim, 0 repasse de recursos correspondentes, destinados à Defensoria Pública, ao Judiciá­ rio, ao Legislativo e ao Ministério Público, sob a forma de duodécimos, é imposição constitucional. Por esse motivo, 0 repasse de duodécimos destinados ao Poder Pú­ blico, quando retidos pelo governo, constitui prática indevida de flagrante violação aos preceitos fundamentais da Constituição. Passamos agora, então, a discorrer sobre as inovações trazidas por essa nova normativa constitucional que acreditamos ser aquela que vai consubstanciar a "real e efetiva autonomia" à Defensoria Pública que já fora trabalhada (ainda que de for­ ma tímida) pelas Emendas Constitucionais 45/2004 e 74/2013.

169. I nformativo 826 do STF: O Colegiado, por maioria, conheceu parcialmente da ação ejulgou o pedido procedente, em parte, para declarara inconstitucionalidade de expressões que submetem a Defensoria Pública a atos do governador, por ofensa aos artigos 24, XIII e § 1°: e 134, ambos do CF. Reputou que o conhecimento parcial da ação se impõe pelo fato de a via eleita se prestar, no caso, somente à apreciação da referida lei complementar, mas nào à análise de atos normativos secundários, aros de efeitos concretos ou, ainda, atos administrativos. No mérito, assinalou que a garan­ tia constitucional do acesso à justiça exige a disponibilidade de instrumentos processuais idôneos à tutela dos bens jurídicos protegidos pelo direito positivo. Nesse sentido, a Constituição atribui ao Estado o dever de prestar assistência jurídica integral aos necessitados. Assim, a Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, representa verdadeira essencialidade do Estado de Direito. Quanto às Defensorias Públicas estaduais, a EC 45/2004 conferira-lhes autonomia funcional e administrativa, além de iniciativa própria para a elaboração de suas propostas orçamentárias. Além disso, o art. 24 da CF estabelece competências concorrentes entre União e Estados-Membros para legislar sobre certos temas, determinando a edição de norma de caráter genérico na primeira e de caráter específico na segunda hipótese. Consectariamente, as leis estaduais que, no exercício da competência legislativa concorrente, dispo­ nham sobre as Defensorias Públicas estaduais devem atender às disposições já constantes das definições de regras ge­ rais realizadas pela LC 80/1994. Na situação dos autos, atribui-se ao governador a incumbência de nomear membros da carreira para diversos cargos elevados dentro da instituição, o que é incompatível com a referida lei complementar e com o texto constitucional. No que se refere à autonomia financeira, as Defensorios Públicas estaduais têm a prerroga tiva de formular sua própria proposta orçamentária. Assim, a elas de ve ser asseg urada a iniciativa de lei para a fixação do subsídio de seus membros (CF, art. 96, tf).

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Certo é que a Emenda Constitucional n» 8o, de 04 junho de 2014, estabeleceu uma seção própria (exclusiva) para a Defensoria Pública nas funções essenciais à justiça (Seção IV do Capítulo IV)V° e explicitou que são princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, apli­ cando-se também, no que couber, 0 disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 da Constituição de 1988.

Aqui, algumas questões importantes. A primeira é a constitucionalização dos princípios institucionais para a Defensoria Pública (em nosso entendimento nos mesmos moldes dos princípios institucionais atinentes ao Ministério Público cita­ dos literalmente na CR/88 e já trabalhados na obra). Falamos em constitucionaliza­ ção porque eles já estavam presentes no art. 3° da Lei Complementar n° 132/2009 (que alterou a Lei Complementar n» 80/94 sobre a organização da Defensoria Pública). A segunda, refere-se à aplicação no que couber do art. 96 da CR/88 para a Defensoria Pública. Acreditamos que essa norma é muito importante para a "real e efetiva autonomia" das Defensorias Públicas justamente porque as Emendas Cons­ titucionais anteriores haviam atribuído às Defensorias a autonomia financeira e or­ çamentária (EC n° 45/2004, em relação às Defensorias Estaduais, e posteriormente, a EC n° 74/2013, em relação à Defensoria Pública da União e à DPDF), porém, essas instituições ainda não possuíam iniciativa de projetos de lei, que continuava a ser prerrogativa do Chefe do Poder Executivo (Federal e por simetria dos Estaduais). Com isso, em certo sentido, ficavam as Defensorias inadequadamente reféns do Executivo em inúmeras questões administrativas.

Nesses termos, seguindo os ditames do art. 96 da CR/88 e por uma análise de simetria entre as Defensorias Públicas e os Tribunais,1-'1 temos que as Defensorias Pú­ blicas poderão propor ao Poder Legislativo respectivo, observado 0 disposto no art. 169: a) a alteração do número de membros da respectiva Defensoria; b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos Defensores que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos Defensores; d) a alteração de sua organização. Portanto, a iniciativa de Lei sobre a organização e estruturação das Defensorias Públicas passa a ser exercida pela*

170. Antes da Emenda Constitucional n°80 de 04 de junho de 2014, a Defensoria Pública estava alocada com os Advo­ gados na Seção lll do capitulo IV. A ideia foi a de realçar a diferença entre a atuação do advogado (e de seu vínculo contratual com o cliente) e do Defensor Público. Essa modificação do parâmetro constitucional terá influência determinante no julgamento da ADI 4636, no sentido da constitucionalidade do art. 4°, § 6°, da LC n. 80/94. ques­ tionado pela OAB. 171. Art.96, II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça proporão Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: a) a aiteraçáo do número de membros dos tribunais inferiores; b) a cria ção e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a Fixação do subsídio de seus membros e dos juizes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; (Redação dada pela ímenda Constitucional n°41, I9.12.2003) c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores; d) a alteração da organização e da divisãojudiciárias;

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própria Defensoria Pública (art. 134, § 4° c/c art. 96, II da CR/88).172 Entendemos que a única alínea não compatível é a "c", tendo em vista que ela determina a criação e a extinção de Tribunais sendo incompatível, salvo melhor juízo, com as Defensorias Públicas.

A terceira questão é a de que 0 art. 93 da CR/88 também deverá ser aplicado no que couber às Defensorias Públicas. A expressão no que couber, é sempre bom

172. Aqui como não foi alterado o art. 61, § Io, II, d (que atribui ao Presidente da República a iniciativa de proje­ tos sobre organização do MPU e da DPU, bem como normas gerais sobre MPEs e DPEs), entendemos que a solução será adotar a mesma interpretação vigente em relação ao MPU já citada na obra. Nesse sentido, projeto de lei complementar sobre organização da DPU será de iniciativa concorrente entre o Presidente da República e o Defensor Público Geral Federal (art. 61, § 1°, II, d, c/c art. 134, § 4o da CR/88, regra que se aplica por simetria aos Estados e ao DF); já o projeto de lei ordinária sobre outras questões (como de cargos e remunerações) da DPU passa a ser de iniciativa exclusiva do Defensor Público-Geral da Federal (art. 134, 5 4o, c/c art. 96, II da CR/88). Porém citamos aqui posicionamento divergente de Franklyn Roger Alves que entende que: "A interpretação do caput do art. 93 e do art. 96, II deve ser feita em conjunto, pois ambos tratam de iniciativa de lei sobre normas da magistratura. Enquanto o art. 93 determina que cabe ao Supremo Tribunal Federal a iniciativa de leis referentes ao Estatuto de Magistratura o art. 96, II estabelece que o Supremo Tribunal Federal, os Tribunais Superiores e os Tribunais de Justiça podem propor ao Poder Legislativo respectivo a alteração do número de membros dos tribunais inferiores; a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsidio de seus membros e dos juizes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; a criação ou extinção dos tribunais inferiores; a alteração da organização e da divisão judiciárias. Voltando nossos olhos a regra do art. 93, caput, em relação ás normas de organização da Defensoria Pública entendemos que a Emenda Constitucional não é capaz de alterar a realidade até então consubstanciada no art. 61, § 1°, II,'d', que confere ao Presidente da República a iniciativa de leis referentes a organização da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Esta conclusão parte da premissa de que o STF é a instância máxima da estrutura do Poder Judiciário, estando todos os demais órgãos sujeitos a sua hierarquia. No plano da Defensoria Pública, apesar de se tratar de uma instituição una, a realidade é que nào há um órgão de hierarquia superior na estrutura da instituição. Isto porque, o Defensor Público-Geral Federal é chefe da Defensoria Pública da União, mas não possui qualquer poder hierárquico nas Defensorias Públicas Estaduais. Assim, o conteúdo normativo do caput do art. 93 da Constituição Federal não possui equivalência total com a Defensoria Pública, não podendo ele ser adaptado por meio da norma de extensão da parte final do art. 134, § 4o. Neste passo, em relação às normas de organização da Defensoria Pública, a iniciativa de leis permanecerá nas mãos do Presidente da República, como manda o art. 61, § 1°, II,'d'. O Defensor Público Geral Federal terá iniciativa legislativa concorrente com o Presidente da República para editar normas específicas da Defensoria Pública da União, através do processo legislativo constitucional, observando-se a exigência de Lei Complementar e a relação com as normas apontadas no art. 93. No plano dos Estados e do DF os respectivos Governadores terão legitimidade concorrente com os Defensores Públicos Gerais para a proposição de normas específicas, seguindo a mesma linha acima apontada. No entanto, em relação à iniciativa de lei que veicule normas gerais aplicáveis à todas as Defensorias Públicas, entendemos que a legitimidade permanece nas mãos do Presidente da República. A mesma conclusão, entretanto, não pode ser aplicada a realidade do art. 96, II. Isto porque a referida norma constitucional confere iniciativa legislativa concorrente ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça para propor ao Poder Legislativo respectivo a alteração do número de membros dos tribunais inferiores, a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juizes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; a criação ou extinção dos tribunais in­ feriores; a alteração da organização e da divisão judiciárias. Neste caso, verifica-se que cada órgão do Poder Judiciário possui legitimação autônoma, pois os temas versados dizem respeito a realidade de cada um, de forma isolada. Neste ponto, percebe se a simetria entre a norma do Judiciário e a realidade da Defensoria Pública sendo possível que o respectivo comando constitucional seja adaptado a cada Defensoria Pública". In: A nova formatação Constitucional da Defensoria Pública á Luz da Emenda Constitucional n.80/14. (Nov. de 2014)

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lembrar, apresenta uma carga de subjetividade que deve ser enfrentada e inter­ pretada na prática. Porém, algumas questões de paridade devem ser colocadas:175 a) 0 ingresso na carreira da Defensoria Pública pressupõe a realização de con­ curso público de provas e títulos, com a participação da OAB, a demonstração da atividade jurídica pelo prazo de 3 (três) anos e 0 respeito à ordem de classificação nas nomeações. Portanto, não mais se sustenta juridicamente a norma da LC n° 80/94 que exigia 2 anos de comprovação de atividade (prática) jurídica.173 174

b) 0 art. 93, II da CR/88, em razão de sua plena adequação ao regime jurídico da Defensoria Pública é perfeitamente aplicável. 0 texto constitucional aqui se apre­ senta inclusive como uma norma de reforço, de modo a ratificar a legislação infra­ constitucional no sentido de que as promoções entre as carreiras ocorram pelos critérios de antiguidade ou merecimento, em caráter alternado, como já expressa a lei nacional de regência da Defensoria Pública (arts. 31, 76 e 116). c) A disposição do art. 93, lll, da Constituição Federal, trata do acesso aos tri­ bunais de segundo grau por meio da antiguidade e do merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrància. Da referida norma, pode ser extraído 0 princípio de que a promoção entre as classes da carreira da Defensoria Pública pressupõe a observância destes preceitos, 0 que já se encontra positivado nos arts. 31, 76 e 116 da Lei Complementar n. 80/94. d) A remuneração por meio de subsídio em parcela única, vedado 0 acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou ou­ tra espécie remuneratória, prevista no art. 39, § 4°, da CR/88, aplica-se à Defensoria Pública em razão da aplicação do art. 93, V, combinado com 0 art. 96, II, "b". Porém entendemos que haverá a necessidade de lei para regulamentar a questão (mesmo porque existe a necessidade de adaptação para fins de readequar a remuneração).

e) 0 dever imposto ao magistrado titular de manter residência na comarca, podendo não fixá-la apenas mediante autorização do tribunal, constante do art. 93, VII, da Constituição, também não é novidade no plano da Defensoria Pública, uma vez que a própria Lei Complementar n° 80/94, nos arts. 45,1, 90,1, e 129, I, já determinava a obrigação de 0 Defensor Público residir na comarca.

173. Aqui seguimos em linhas gerais, Franklyn Roger Alves da Silva. In: A nova formatação Constitucional da Defensoria Pública à Luz da Emenda Constitucional n.80/14. (Novembro de 2014) 174. O Conselho Superior da Defensoria Pública da União editou a Resolução n. 88/14 estabelecendo que o tempo de atividadejurídica será contabilizado a partir do momento do bacharelado em direito, o que despreza o texto expres­ so da LC n. 80/94, que admite a contagem do tempo de estágio. Segundo o autor: o referido ato normativo padece de flagrante vício de legalidade, visto que em desacordo com o texto expresso da lei federal. Se a Defensoria Pública da União pretende modificar o método de comprovação do tempo de atividade jurídica, deve fazer por meio de Lei Complementar, admitido que o próprio Defensor Público-Geral Federal exerça a iniciativa do projeto de lei. Em relação às Defensorias Estaduais, necessário observar o conteúdo de cada legislação estadual, de modo a se extrair a interpre­ tação quanto ao método de contagem do tempo de atividade jurídica. Isto se dá pelo fato de a norma veiculada na parte da Lei Complementar destinada ao regramento da DPU nào ter sido reproduzida na parte relativa às Defenso­ rias Públicas Estaduais. In: A nova formatação Constitucional da Defensoria Pública à Luz da Emenda Constitucional n.80/14. (Novembro de 2014)

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f) À medida que o texto constitucional determina aplicação das disposições do art. 93, no que couber, à Defensoria Pública, encontraremos normas pelas quais não há a necessária simetria e compatibilidade com o regime jurídico da Defensoria Públi­ ca. Nesse contexto, salvo melhor juízo, os incisos IX, X, XI, XII, XIV e XV não se aplicam ao regime jurídico da Defensoria Pública. A Emenda Constitucional n® 8o, de 04 junho de 2014,175 também deixou assente que 0 número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população. E no prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e 0 Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observada a proporcio­ nalidade supracitada.

Além disso, durante 0 decurso do prazo previsto de 8 anos, a lotação dos de­ fensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional. Nesse momento, passamos a trabalhar algumas digressões sobre a Defensoria Pública que merecem nossa atenção:

a) Conforme a Lei Complementar n° 132/2009 (que alterou a Lei Complementar n° 80/94), a Defensoria Pública deve ser entendida como uma instituição perma­ nente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudi­ cial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessita­ dos. b) A Defensoria Pública é regida pelos seguintes princípios: unidade, indivisibi­ lidade e independência funcional.176177 Além destes, ainda que infraconstitucionalmente, são asseguradas aos defensores públicos as garantias aos membros da: indepen­ dência funcional no desempenho de suas atribuições; inamovibilidade;’77 irredutibili­ dade de vencimentos e estabilidade;

175. A Emenda Constitucional n° 80, de 04 de junho de 2014, acrescentou o art.98 no ADCT da CR/88. 176. ADI 3943 julg. em 06 e 07.05.2015, Pleno do STF, Rel. Min. Cármen Lúcia. Segundo o STF, o magistrado, diante da ausência do Defensor, pode designar defensor dativo para acompanhar o réu na audiência. O STF entendeu, no caso concreto, que nào houve violação aos princípios da ampla defesa e do “Defensor Público natural" por três fundamentos: a) o inciso Vido art. 4“ da LC 80/94 não garante exclusividade à Defensoria para atuar nas causas em que figure pessoa carente: b) o indeferimento do pedido da defesa náo causou prejuízo ao réu, já que o defensor dativo teve entrevista prévia reservada com o acusado e formulou perguntas na audiência, participando ativamente do ato processual; c) a impossibilidade de a Defensoria atuar na comarca nâo acarreta direito à redesignaçâo dos atos processuais designados. STF. 2a Turma. HC 123494/ES, Rel. Min. Teori Zavascki, julg. em 16,02.2016. Aqui, é interessante salientar que o STF não reconheceu o princípio do Defensor Público natural em dias oportunidades, sob o argumento de que a instituição foi estruturada sob o palio dos princípios da unidade e da indivisibilidade (Informativos 814 e 856 do STF). 177. Nos termos da Lei complementar n° 80/1994: Art. 34. Os membros da Defensoria Pública da União são inamo­ víveis, salvo se apenados com remoção compulsória, na forma desta Lei Complementar. Art. 36. A remoção

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c) Nos ditames legais previstos na recente Lei Complementar n» 132/2009, resta estabelecido que são objetivos da Defensoria Pública:



a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigual­ dades sociais;



a afirmação do Estado Democrático de Direito;



a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e



a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contra­ ditório.

d) Temos, também, na linha da LC n° 80/1994, alterada (em vários aspectos) pela LC n° 132/2009, um rol meramente exemplificativo de funções institucionais da Defensoria Pública. Entre elas:



prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus;1'8



promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos;



promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cida­ dania e do ordenamento jurídico;



prestar atendimento interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servi­ dores de suas carreiras de apoio para 0 exercício de suas atribuições;

compulsória somente será aplicada com prévio parecer do Conselho Superior, assegurada ampla defesa em pro­ cesso administrativo disciplinar. 178. Conforme a LC n° 80/94 os Defensores públicos têm como prerrogativa receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição, bem como ter em dobro todos os prazos. Aqui algumas questões são pertinentes: a) no que diz respeito ao prazo em dobro: ocorreu questionamento no STF sobre ele no processo penal, em virtude do Ministério Público não ser dotado de tal prerrogativa (contrariedade ao princípio da isonomia e devi­ do processo legal). Como posteriormente será abordado de forma mais detida (no capitulo sobre o controle de constitucionalidade), o STF no HC n° 70.514 declarou essa normatividade ainda constitucional (lei ainda constitu­ cional). Nesses termos, esta só será inconstitucional quando a defensoria pública estiver devidamente estruturada; b) No que tange aos juizados especiais e ao prazo em dobro: o entendimento adequado é que não se aplica o prazo em dobro para a defensoria pública no rito dos juizados especiais (nesse sentido o posicionamento da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais); c) no que tange à intimação pessoal nos juizados especiais: conforme o Informativo n° 362 do STF é dispensável nos juizados especiais a intimação pessoal das partes, inclusive do representante do MP e dos Defensores públicos nomeados. Nesses termos, basta que a intima­ ção seja feita pela imprensa oficial; d) No que tange ao prazo em dobro para defensores dativos: o entendimento adequado é que não há para os advogados dativos a possibilidade do exercício do prazo em dobro; e) no que tange à intimação pessoal para os advogados dativos: o posicionamento adequado é aquele que delimita um lapso temporal para o ato processual, ou seja, se a intimação se deu antes da Lei 9271/96 (Lei que incluiu o §4° no art. 370 do CPP) certo éque não há necessidade da intimação pessoal. Porém, se a intimação (em matéria penal) é posterior á referida lei a necessidade da intimação pessoal para o advogado dativo. É o posicionamento do STF: HC n° 89.315 Julg. em 19.09.2006 de Rel. Min. Ricardo Lewandowski.

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exercer, mediante o recebimento dos autos com vista à ampla defe­ sa e ao contraditório em favor de pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses;175



representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos hu­ manos, postulando perante seus órgãos;



promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou indivi­ duais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes;

Aqui, conforme já salientado na obra, temos que o STF na decisão da ADI 3943, julgada em 05.05.2015, entendeu que a Defensoria Pública tem legitimidade para propor ação civil pública, na defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Afirmou a ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI, que em um "Estado marcado por inegáveis e graves desníveis sociais e pela concentração de renda, uma das grandes barreiras para a implementação da democracia e da cidadania ainda seria 0 efetivo acesso à justiça. Além disso, em Estado no qual as relações jurídicas importariam em danos patrimoniais e morais de massa por causa do des­ respeito aos direitos de conjuntos de indivíduos que, consciente ou inconsciente­ mente, experimentariam viver, 0 dever de promover políticas públicas tendentes a reduzir ou suprimir essas enormes diferenças passaria pela operacionalização de instrumentos que atendessem com eficiência às necessidades dos seus cidadãos."1151’

Entendeu ainda a ministra que "a interpretação sugerida pela autora da ADI tolhería, sem razões de ordem jurídica, a possibilidade de utilização de importante

179. HC 126.081 julg. em 25.08.2015: “A Defensoria Pública, ao tomar ciência de que o processo será julgado em data determinada ou nas sessões subsequentes, não pode alegar cerceamento de defesa ou nulidade de julgamento quando a audiência ocorrer no dia seguinte ao que tiver sido intimada Com base nessa orientação, a Primeira Turma do STF, por maioria, denegou a ordem em “habeas corpus" no qual discutida suposta nulidade processual, pela não intimação do representante daquele órgão. Na espécie, apesar de a Defensoria Pública ter sido intimada para a sessão de julgamento da apelação, e ter-lhe sido deferida a sustentação oral, o recurso não fora julgado. Três meses depois, ela fora intimada de lista de 90 processos — entre os quais o recurso de apelação — no sentido de que haveria sessão de julgamento marcada para o dia seguinte. 71 Turma destacou a jurisprudência da Corte, segundo a qual, embora a sustentação oral não se qualifique como ato essencialda defesa, mostra-se indispensável intimação pessoal da Defensoria Pública. Entrementes, houvera ciência quanto ã nova inclusão dos autos para julgamento em sessão do dia seguinte e a Defensoria Pública não requerera adiamento." Rel. Min. Rosa Weber. (Informativo 796 do STF) Temos também que: A intimação pessoal da Defensoria Pública quanto à data dejulgamento de habeas corpus SÓé necessária se houver pedido expresso para a realização de sustentação oral. 2’Turma do STF. HC 134.904/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, julg. em 13.09.2016 (apesar da 1° Turmajá ter decidido de forma diferente no RHC 117029, 17.11.2015. Porém, entendemosque deve prevalecer o entendimento da 2QTurma do STFjVer também: 5d Turma STJ. HC 309.191/ PR, Rel. Min.Reynaldo Soares da Fonseca, julg. em 06.10.2015.6* T do STJ, RHC 27.528/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julg. em 27.10.2015. 180. ADI 3943 julg. em 05 e 07.05.2015, Pleno do STF, Rel. Min. Cármen Lúcia.

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instrumento processual - a ação civil pública - capaz de garantir a efetividade de direitos fundamentais de pobres e ricos a partir de iniciativa processual da Defenso­ ria Pública." Porém, apesar de admitir a possibilidade do ajuizamento de ACP pela Defensoria Pública, a ministra explicitou que existiríam limites, pois "não se estaria a afirmar a desnecessidade de a Defensoria Pública observar o preceito do art. 5», LXXIV, da CF, reiterado no art. 134 - antes e depois da EC 80/2014". Ou seja, "no exer­ cício de sua atribuição constitucional, seria necessário averiguar a compatibilidade dos interesses e direitos que a instituição protege com os possíveis beneficiários de quaisquer das ações ajuizadas, mesmo em ação civil pública."181 Mais recentemente, 0 STF decidindo, em 04.11.2015, 0 RE 733.433/MG com repercussão geral, reforçou esse posicionamento afirmando 0 entendimento de que "a Defensoria Pública tem legitimidade para a propositura de ação civil pública em ordem a promover a tutela judicial de direitos difusos e coletivos de que sejam titulares, em tese, as pessoas necessitadas."



exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coleti­ vos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5° da Constituição Federal;

181. ADI 3943 julg. em 06 e 07.05.2015, Pleno do STF, Rel. Min. Cármen Lúcia. Aqui, temos que o mesmo posiciona­ mento foi adotado pelo ministro Roberto Barroso que entendeu que o fato de se estabelecer que a defensoria pública tem legitimidade, em tese, para ações civis públicas não exclui a possibilidade de, em um eventual caso con ereto, não se reconhecer a legitimidade da Instituição. Afirmou que a Defensoria não teria legitimidade, por exem pio, no caso concreto, para uma ação civil pública na defesa dos sócios do "Yatch Club". E dando outro exemplo, afirmou que a Defensoria não teria legitimidade, no caso concreto, para ajuizar uma ação civil pública em favor dos clientes "Personnalité" do Banco ltaú.0 ministro Teori Zavascki seguindo a mesma linha afirmou que existe uma condição implícita na legitimidade da Defensoria Pública para ações civis públicas que é o fato de ela ter que defender interesses de pessoas hipossuficientes, sendo esta uma condição imposta pelo art. 134 da CF/88. A ministra Rosa Weber afirmou que a defensoria pública tem legitimidade para propor ACP, mas que o juízo poderá aferir, no caso concreto, sua adequada representação. Portanto, resta claro que a defensoria pública pode ajuizar ACP se o interesse discutido na ação, de algum modo, favorecer hipossuficientes, ainda que também beneficie outras pessoas. Nesses termos, podendo haver hipossuficientes beneficiados pelo resultado da demanda de­ ve-se admitir a legitimidade da Defensoria Pública. Um exemplo trazido pela doutrina é o de consumidores de energia elétrica, que tanto podem abranger pessoas com alto poder aquisitivo como hipossuficientes. Conforme o STJ: A Turma, ao prosseguir o julgamento, entendeu que a Defensoria Pública tem legitimidade para ajuizar ação civil coletiva em benefício dos consumidores de energia elétrica, conforme dispõe o art. 5a, II, da Lei n° 7.347/1985, com redação dada pela Lei nu 11.448/2007. (...) REsp 912.849-RS, Rel. Min. José Delgado, julg. em 26.02.2008. Porém, o STJ já decidiu que a Defensoria Pública não tem legitimidade para ajuizar ACP em favor de consumidores de plano de saúde particular. Para a Corte, ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que nãoseestá diante de um consumidor que possa ser considerado necessitado, a ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública. Ao revés, trata-se de grupo que, ao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada, presume-se em condições de arcar com as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo que se falar em hipossuficiência. Assim, o grupo em questão não é apto a conferir legitimidade ativa adequada à Defensoria Pública, para fins de ajuizamento de ação civil. 4aTurma. REsp 1.192.577-RS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, julg. em 15.05.2014. LOPES CAVALCANTE, Márcio André, 2015, p. 07. No caso dos planos de saúde, entendemos que deve ser analisado o caso concreto, visto que existe uma série de planos, inclusive para pessoas de baixa renda. Portanto, a decisão do STJ é um parâmetro, sim, mas não é algo absoluto.

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impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e man­ dado de segurança ou qualquer outra ação em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução;



promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessi­ tados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econô­ micos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela;



exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades espe­ ciais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado;



acompanhar inquérito policial, inclusive com a comunicação imediata da prisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso não constituir advogado;



patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública;



exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei182;



atuar nos estabelecimentos policiais, penitenciários e de internação de adolescentes, visando assegurarás pessoas, sob quaisquer circunstân­ cias, o exercício pleno de seus direitos e garantias fundamentais;



atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de tortura, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendi­ mento interdisciplinar das vítimas;



atuar nos Juizados Especiais;



participar, quando tiver assento, dos conselhos federais, estaduais e municipais afetos às funções institucionais da Defensoria Pública, res­ peitadas as atribuições de seus ramos;



executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atua­ ção, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinan­ do-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclu­ sivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores;



convocar audiências públicas para discutir matérias relacionadas às suas funções institucionais. É de salientar-se que essas funções

182. Tendo em vista os princípios do contraditório e da ampla defesa, o recurso interposto pela Defensoria Pública, na qualidade de curadora especial, está dispensado do pagamento de preparo. STJ. Corte Especial. EAREsp 978.895-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 18.12.2018 (Info 641).

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institucionais (da Defensoria Pública) serão exercidas, inclusive, contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público. e) Nos moldes da LC n° 132/2009, a capacidade postulatória do Defensor Públi­ co decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público. Além disso, aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Mi­ nistério Público.

f) Com base na independência funcional (anteriormente aventada), se 0 De­ fensor Público entender inexistir hipótese de atuação institucional, dará imediata ciência ao Defensor Público-Ceral, que decidirá a controvérsia, indicando, se for 0 caso, outro Defensor Público para atuar. g) Certo é que não há previsão Constitucional para a existência de defensorias públicas municipais.

h) Conforme a Constituição a legislação infraconstitucional e a jurisprudência do STF, há, para 0 ingresso na carreira, a necessidade fulcral de concurso público de provas e títulos/8’ i) 0 STJ já se pronunciou pela admissibilidade da assistência jurídica gratuita a pessoas jurídicas com ou sem fins lucrativos.183 184185

j) 0 STF, na ADI n° 3.022, entendeu que legislação estadual (LC n° 10.194/1994 do Estado do Rio Grande do Sul) que estipulava como atribuição da Defensoria Pública estadual a assistência a servidores públicos processados por atos praticados em ra­ zão do exercício de suas atribuições funcionais é inconstitucional, por contrariedade ao art. 134 da CR/88. Porém, 0 Pretório Excelso também deixou assente que servidor público processado civil ou penalmente em razão de ato praticado no exercício regular de suas funções tem, sim, direito à assistência judiciária, desde que seja prestada por Procurador do Estado.184

183. Porém, nos termos do art. 22 do ADCT: É assegurado aos defensores públicos investidos na função até a data de instalação da Assembleio Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira, com a observância das garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição. Nesses termos, citamos a AD11267: Ação direta de inconstitucionalidade. art. 29 do ADCT do Amapá e artigos 85,86 e 87 da lei complementar estadual n. 8, de 1994. Funcionário público. Provimento de cargos da Procuradoria Geral e da Defensoria Pública do Estado sem concurso público. Inconstitucionalidade. Ofensa aos princípios da isonomia e da impessoalidade. Ressalvado o disposto no art. 22 do ADCT da Constituição do Brasil. 1. É inconstitucional o preceito que permite aos assistentes jurídicos do quadro do extinto Território do Amapá, sob subordinação da Procuradoria Geral e da Defensoria Pú­ blica do Estado, a opção de ingresso na carreira de Procurador ou de Defensor Público do Estado de 1 ‘ Categoria, bem como nos cargos de Defensor Público-Geral, Chefe de Defensoria. Núcleos Regionais e da Corregedoria; violação aos princípios da isonomia e da impessoalidade previstos no art. 37. caput, da Constituição do Brasil. 2. São ressalvados, no entanto, os direitos previstos no art. 22 do ADCT da Constituição do Brasil, que assegurou aos defensores públicos investidos na função até a data da Assembléia Nacional Constituinte o direito de opção pela carreira. 3. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada totalmente procedente. (Julg. em 30.04.2004. Rel. Min Eros Grau). 184. REsp n° 135.181/RJ Rel. Min. Waldemar Zveiter. DJ: 29.03.1999. 185. ADI 3022 à luz do Informativo 355 do STF: “O Tribunal julgou improcedente, em parte, pedido de açao direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador Geral da República, a pedido da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, contra o art. 45, da Constituição desse Estado ('Art. 45.0 servidor público processado,

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k) Verdadeiro é que a Defensoria Pública da União não tem a exclusividade para a atuação no STJ, podendo as Defensorias Públicas Estaduais interporem recursos nos Tribunais Superiores quando for o caso. Nesses termos, o HC 92.399/ RS de rel. Min. Ayres Britto julgado em 26.10.2010 presente no Informativo 593 do STF: (...) 0 art. 106 da LC 80/94 - que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências - impede eventual tentativa de se conferir à Defensoria Pública da União - DPU a exclusividade na atuação perante 0 STJ ("Art. 106. A Defensoria Pública do Estado prestará assistência jurídica aos necessitados, em todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas do Estado. Parágrafo único. À Defensoria Pública do Estado caberá interpor recursos aos Tribunais Supe­ riores, quando cabíveis."). Com base nessa orientação, a Turma indeferiu habeas corpus em que a DPU sustentava a nulidade do julgamento de recurso especial, haja vista que a intimação da inclusão do feito não fora a ela dirigida, mas à Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul. Asseverou-se que a intima­ ção atenderá a pedido expresso do órgão defensivo estadual que patrocinara a defesa do paciente desde a 1a instância, 0 que afastaria a alegação de ofensa da prerrogativa de intimação pessoal do defensor público." Porém, é importante sa­ lientar que, conforme recente decisão do STF em 07.03.2017, a Defensoria Pública Estadual, como já dito, pode atuar no STJ, no entanto, para isso, é necessário que possua escritório de representação em Brasília. Nesses termos, se a Defensoria Pública estadual não tiver representação na capital federal, as intimações das decisões do STJ nos processos de interesse da DPE serão feitas para a DPU. Assim, nos termos do informativo 856 do STF, enquanto os Estados, mediante lei específi­ ca, não organizarem suas Defensorias Públicas para atuarem continuamente nesta Capital Federal, inclusive com sede própria, 0 acompanhamento dos processos no STJ constitui prerrogativa da DPU. Aqui é importante dizer que a DPU foi estrutura­ da sob 0 pálio dos princípios da unidade e da indivisibilidade para dar suporte às Defensorias Públicas estaduais e fazer as vezes daquelas de Estados-Membros

civil ou criminalmente, em razão de ato praticado no exercício regular de suas funções terá direito à assistênciajudi­ ciária do Estado.j e a alínea 'a'do Anexo lido Lei Complementar gaúcha 10.194, de 30 de maio de 1994, que definia como atribuição da Defensoria Pública estadual a assistência judicial aos servidores processados por ato praticado em razão do exercício de suas atribuições funcionais. Entendeu-se que o art. 45 da Constituição estadual não viola a CR, uma vez que apenas outorga, de forma ampla, um direito funcional de proteção do servidor que, agindo regularmente no exercício de suas funções, venha a ser processado civil ou criminalmente. No tocante á alínea 'a' do Anexo II da Lei Complementar 10.194/94, considerou-se que a norma ofendia o art. 134 da CR. haja visto alargar as atribuições da Defensoria Pública estadual, extrapolando o modelo institucional preconizado pelo constituinte de 1988 e comprometendo a sua finalidade constitucional específica. Dessa forma, por unanimidade, declarou-se a constitucionalidade do art. 45, da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul e a inconstitucionalidade da alínea ado Anexo II da Lei Complementar 10.194, do Estado do Rio Grande do Sul e, por maioria, atribuiu-se o efeito dessa decisão a partir do dia 31.12.2004,a fim de se evitar prejuízos desproporcionais decorrentes da nulidade ex tunc, bem como permitir que o legislador estadual disponha adequadamente sobre a matéria. (REI. Min. Joaquim Barbosa, Julg. 02.08.2004),

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longínquos, que não podem exercer o múnus a cada recurso endereçado aos tri­ bunais superiores.186

l) 0 STF decidiu, na ADI 4163 julgada em 29.02.2012, que a previsão legal em ordenamento jurídico de Estado de obrigatoriedade de convênio entre Defensoria Pública Estadual e a OAB ofende a autonomia funcional, administrativa e financeira da Defensoria ’7.

m) 0 STF na ADI 3965, julgada em 07.03.2012, decidiu que Defensoria Pública Estadual não pode estar subordinada ao Governo do Estado ou à Secretaria de Es­ tado.188 n) Em 14.03.2012, nas ADIs 3892 e 4270, 0 Plenário do STF, por maioria, julgou procedente pedido formulado em duas ações diretas, ajuizadas pela Associação Nacional dos Defensores Públicos da União (ANDPU) e pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), para declarar, com eficácia diferida a partir de 12 (doze meses), a contar da data da decisão das ADIs, a inconstitucionalidade do art. 104 da Constituição do Estado de Santa Catarina e da Lei Complementar 155/97, dessa mesma unidade federada. Os dispositivos questionados autorizam e regulam a prestação de serviços de assistência judiciária pela seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, em substituição à defensoria pública (ainda inexistente no Estado).

0) 0 STF, no RE 598.212 em decisão monocrática do Min. Celso de Mello de 10.06.2013, deu provimento a recurso extraordinário para restabelecer a sentença proferida pelo magistrado de primeira instância, que condenou 0 Estado do Paraná

186. HC 118294/AP, STF. lú Turma. rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julg. em 07.03.2017. 187. Informativo 656 do STF: "A previsão de obrigatoriedade de celebração de convênio exclusivo e obrigatório en­ tre a defensoria pública do Estado de São Paulo e a seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB-SP ofende a autonomia funcional, administrativa e financeira daquela. Essa a conclusão do Plenário ao, por maioria, conhecer, em parte, de açáo direta de inconstitucionalidade como arguição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF e julgar o pleito parcialmente procedente, a fim de declarar a ilegitimidade ou não recepção do art. 234, e seus parágrafos, da Lei Complementar paulista 988/2006, assim como assentar a constitucionalida­ de do art 109 da Constituição desse mesmo ente federativo, desde que interpretado conforme a Constituição Federal, no sentido de apenas autorizar, sem obrigatoriedade nem exclusividade, a defensoria a celebrar convênio com a OAB-SP. Tratava-se, na espécie, de ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra o art. 109 da referida Constituição estadual e o art. 234 e parágrafos da LC paulista 988/2006, que tratam da instituição de convênio entre a defensoria pública paulista e a OAB-SP, para a prestação de assistência judiciária a necessitados, a cargo da primeira." (ADI 4163, julg. em 29.02.2012, Rel. Min. Cezar Peluso) 188. Conforme o informativo 657 do STF: "Por reputar caracterizada afronta ao disposto no § 2o do art. 134 da CF, incluido pela EC 45/2004, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta, ajuizada pelo Procu­ rador-Geral da República, para declarar a inconstitucionalidade da alínea h do inciso I do art. 26 da Lei Delegada 112/2007 e da expressão "e a Defensoria Pública"constante do art. 10 da Lei Delegada 117/2007, ambas do Estado de Minas Gerais [LD 112/2007:"Art. 26. Integram a Administração Direta do Poder Executivo do Estado, os seguin­ tes órgãos autônomos: l - subordinados direta mente ao Governador do Estado: h) Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais"; LD 117/2007:"Art. 10. A Policia Militar, a Polícia Civil, o Corpo de Bombeiros Militar e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais subordinam-se ao Governador do Estado, integrando, para fins operacionais, a Secretaria de Estado de Defesa Social"]. Observou-se que, conquanto a Constituição garantisse a autonomia, os preceitos questionados estabeleceríam subordinação da defensoria pública estadual ao Governador daquele ente federado, sendo, portanto, inconstitucionais".

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a cumprir a obrigação "de implantar e estruturar a Defensoria Pública do Estado do Paraná, no prazo de 6 (seis) meses, sob pena de cominação de multa diária de RS 1.000,00 (um mil reais), valor que será destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, na forma do artigo 13 da Lei n° 7.347/85. p) 0 STF na ADI 145, usando como parâmetro as normas constitucionais ante­ riores as da EC n° 45/2004 e da EC n» 80/2014 (ou seja, a redação originária da Cons­ tituição), decidiu em 20.06.2018 que é inconstitucional dispositivo da Constituição Estadual que concede aos Defensores Públicos a aplicação do regime de garantias, vencimentos, vantagens e impedimentos do Ministério Público e da Procuradoria-Geral do Estado. Conforme 0 STF, os estatutos jurídicos das carreiras do Ministério Público e da Defensoria Pública foram tratados de forma diversa pelo texto cons­ titucional originário. Além disso, afirmou que a equivalência remuneratória entre as carreiras encontra óbice no art. 37, XIII, da CR/88, que veda a equiparação ou vinculação remuneratória/8’ q) Recentemente decidiu 0 STF que é inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que confere foro por prerrogativa de função, no Tribunal de lustiça, para os defensores públicos. Conforme 0 STF, a CR/88, apenas excepcionalmente, conferiu prerrogativa de foro para as autoridades federais, estaduais e municipais. Assim, não se pode permitir que os Estados possam, livremente, criar novas hipóteses de foro por prerrogativa de função.150

189. Informativo 907 do STF: "Por outro lado, reputou inconstitucional o art. 147, § Ia, da Carta estadual, que concede aos defensores públicos a aplicação do regime de garantias, vencimentos, vantagens e impedimentos do Ministério Púbh co e da Procuradoria Geral do Estado. O estatuto jurídico das carreiras do Ministério Público e da Defensoria Pública foram tratadas de forma diversa pelo texto constitucional originário. Ademais, a equivalência remuneratória entre, as carreiras encontra óbice no art. 37, XIII, da CF, que veda a equiparação ou vinculação remuneratória. A previsão original do art. 39, 5 1°,da CF, que assegurava isonomia remuneratória aos servidores de atribuições iguais ou asse­ melhadas. nâo poderia ter sido invocada em favor dos Defensores Públicos, tampouco adotado como paradigmas os membros do Ministério Público, pois referido entidade goza de autonomia financeira que, à época, ainda nâo dispu nham as Defensorias Públicas Estaduais, o que somente foi-lhes assegurado pela EC 45/2004 (CF, art. 134, § 2”).“ ADI 145/CE, STF. Plenário. Rel. Min. DiasToffoli, julgado em 20.06.2018. 190. ADI 2553/MA, STF. Plenário. Red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julg em 15.05.2019 (Info 940). "O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 81, IV. da Constituição do Estado do Maranhão, acrescentado pela Emenda Constitucional 34/2001. O dispositivo impugna­ do inclui, entre as autoridades com foro criminal originário peronte o tribunal dejustiça, os procuradores de Estado, os procuradores da assembléia legislativa, os defensores públicos e os delegados de policia. Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, redator para o acórdão. Para ele, ao dispor sobre os órgãos do Poder Judiciário, o art. 92 da Constituição Federal previu como regra que o primeira e a segunda instâncias constituem juizo natural com cogni ção plena para a questão criminal. Apenas excepcionalmente a CF conferiu prerrogativas de foro para as autoridades federais, estaduais e municipais. No ponto, citou, como exemplo, a competência do Supremo Tribunal Federal (STF! para processar e julgar o presidente da República, o vice-presidente, membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-gerol da Republicara competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para processar e jul­ gar os desembargadores; e a competência dos tribunais de justiça para processar e julgar os membros do ministério público estadual, os próprios magistrados e os prefeitos municipais. Sublinhou a inviabilidade de se aplicar, nesse caso, o princípio da simetria, urna vez que a CF estabelece prerrogativa de foro nos trés níveis: federal, estadual e municipal. Ressaltou que interpretação que conferisse às constituições estaduais a possibilidade de definir foro, considerando o princípio federativo e com esteio no art. Í25, § Ia, da CF, permitiría aos Estados dispor, livremente, sobre essas prerroga­ tivas, o que seria equivalente a assinar um cheque em branco. Por fim, esclareceu que o vice-governador, os secretários de Estado e o comandante dos militares estaduais, por determinação expressa do art. 28 da CF, também possuem

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Funções Essenciais à Justiça

r) 0 defensor público, à luz da Constituição, não pode exercer a advocacia fora de suas atribuições definidas institucionalmente. Assim, temos que ele só po­ derá exercer a advocacia para a prestação da assistência jurídica integral e gratuita àqueles que obviamente comprovarem a insuficiência de recursos. Nesse sentido, é a decisão da ADI n° 3.043 julgada em 26.04.2006: "[...] Ação direta de inconstitucio­ nalidade. Art. 137 da Lei Complementar n° 65, de 16 de janeiro de 2003, do Estado de Minas Gerais. Defensor Público. Exercício da advocacia à margem das atribuições institucionais. Inconstitucionalidade. Violação do art. 134 da Constituição do Brasil. 1. 0 § i° do artigo 134 da Constituição do Brasil repudia 0 desempenho, pelos mem­ bros da Defensoria Pública, de atividades próprias da advocacia privada. Improcede 0 argumento de que 0 exercício da advocacia pelos Defensores Públicos somente seria vedado após a fixação dos subsídios aplicáveis às carreiras típicas de Estado. 2. Os §§ i0, uma vez que o órgão fracionário já se posicionou pela declaração de inconstitucionalidade, tudo nos termos do voto do Relator. Nao votou o Ministro Edson Fachin. 2° Turma, Sessão Virtual de 11 a 18.8.2017? 95. Aqui é importante salientar que o antigo CPC não falava em ouvir as partes, mas apenas o Ministério Público. Já o novo fala em ouvir também as partes. 96. A decisão da turma sobre o incidente (acórdao) é irrecorrível, conforme as Súmulas n°s 293,455 e 513 do STF. 97. Se a Turma decidir (por acordão) que existe o incidente, esse (sobre a norma jurídica) será submetido ao julga mento pelo plenário do Tribunal ou ao pelo órgão especial - devido à Cláusula de Reserva de Plenário. Con­ forme o art.950 do CPC de 2015: Remetida cópia do acórdão a todos os juizes, o presidente do tribunal designará a sessão dejulgamento. § 1" As pessoas jurídicas de direito público responsáveis pela edição do ato questionado pode­ rão manifestar-se no incidente de inconstitucionalidade se assim o requererem, observados os prazos e as condições previstos no regimento interno do tribunal. §2° A parte legitimada à propositura das ações previstas no art. 103 do Constituição Federal poderá manifestar-se, por escrito, sobre a questão constitucional objeto de apreciação, no prazo previsto pelo regimento interno, sendo lhe assegurado o direito de apresentar memoriais ou de requerer a juntada de documentos, á 3“ Considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, o relator poderá admitir, por despacho irrecorrível, o manifestação de outros órgãos ou entidades. 98. Essa verdadeira cisão (divisão de competências) entre a atuação da turma ou câmara (que julgará o caso concre­ to) e do Pleno ou órgão especial do Tribunal (que julgará em abstrato sobre a inconstitucionalidade ou não da norma objeto do incidente) será intitulada de cisão funcional de competência no plano horizontal.

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Porém, existe exceção à Cláusula de Reserva de Plenário. Na década de 1990, 0 STF desenvolveu um entendimento jurisprudencial de que, se 0 Pleno do Tribunal ou Órgão Especial já tiver julgado questão idêntica, não seria necessário que a Turma ou a Câmara do Tribunal submetesse a questão ao plenário ou ao Órgão Especial para julgamento, pois ela própria poderia declarar a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo no caso concreto. A fundamentação seria, claramente, a instrumentalidade e a economia processual. Essa posição jurisprudencial foi normatizada (posi­ tivada) em 1998 com a Lei n° 9756/98, que acrescentou um parágrafo único ao art. 481 do CPC de 1973. No CPC de 2015, essa norma está prevista no parágrafo único do art. 949. Nesses termos, conforme 0 novo CPC, os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.” Aqui é importante que tenhamos em mente como fica 0 controle difuso via inci­ dental no Supremo Tribunal Federal. 0 STF pode decidir sobre a constitucionalidade de normas jurídicas no iter de casos concretos, realizando 0 controle difuso in con­ creto (como os juizes e os outros Tribunais pátrios). Assim, como se dá no Tribunal máximo do país a realização do controle de constitucionalidade difuso-concreto? Para tal análise, iremos colocar algumas questões e respondê-las.

Questão 1: 0 STF deve seguir a cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da CR/88? Entendemos que quem deve declarar a inconstitucionalidade de norma objeto de um caso concreto no STF é 0 pleno do STF e por maioria absoluta. Embora (em nossa opinião de forma controvertida), nos dizeres da ministra Ellen Gracie, haveria uma exceção no recurso extraordinário. Segundo a Ministra: "0 STF exerce, por excelência, 0 controle difuso de constitucionalidade quando do julgamento do recurso extraordinário, tendo os seus colegiados fracionários competência regimen­ tal para fazê-lo sem ofensa ao art. 97 da CF."1” Portanto, por esse entendimento, as turmas do STF em Recurso extraordinário poderíam não seguira cláusula de reserva

É interessante que a 2’Turma do STF na Rcl 17185 AgR,julg.em 30.09.2014: decidiu que se já houve pronuncia­ mento anterior, emanado do Plenário do STF ou do órgão competente do TJ local declarando determinada lei ou ato normativo inconstitucional, será possível que o Tribunal julgue que esse atoe inconstitucional até mesmo de forma monocrática ou por um colegiado que nâo é o Plenário (turma ou câmara), sem que isso implique violação à cláusula da reserva de plenário. Portanto, resta claro que o próprio Relator monocraticamente, ou aTurma (ou Câmara) tem competência para aplicar o entendimento já consolidado e declarar a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo. Rel. Min. Celso de Mello 100. RE 361.829-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. em 02.03.2010, 2a Turma, DJE de 19.03.2010. Aqui, citamos o RISTF que deter mi na que: "Art. 11. A Turma remeterá o feito aojulgamento do Plenário independente de acórdão e de nova pauta: I - quando considerar relevante a arguição de inconstitucionalidade ainda não decidida pelo Plenário, e o Re­ lator não lhe houver afetado o julgamento;", Na sequência do RISTF citamos:'Art. 176. Arguida a inconstitucionali­ dade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, em qualquer outro processo submetido ao Plenário, será ela julgada em conformidade com o disposto nos arts. 172 a 174, depois de ouvido o Procurador-Geral, § 1 ° Feita a arguição em processo de competência da Turma, e considerada relevante, será ele submetido ao Plenário, independente de acórdão, depois de ouvido o Procurador-Geral. § 2° De igual modo procederão o Presidente do Tribunal e os das Turmas, se a inconstitucionalidade for alegada em processo de sua competência. Art. 177.0 Plenário julgará a prejudicial de inconstitucionalidade e as demais questões da causa."

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de plenário do art. 97 da Constituição de 1988. Vejamos aqui que essa possibilidade em nada tem a ver com a exceção prevista no parágrafo único do art. 481 do antigo CPC e no parágrafo único do art. 949 do CPC de 2015. Ou seja, as turmas poderíam declarar a inconstitucionalidade no âmbito do recurso extraordinário mesmo que o plenário não tivesse enfrentado a questão anteriormente. Questão 2: 0 STF, então, no controle difuso, segue as regras previstas no CPC? Não de forma absoluta, pois ele deverá seguir também seu Regimento Interno, nos artigos 176 a 178. Aqui é importante salientar que, no caso do STF, 0 pleno, além de decidir sobre a constitucionalidade da norma jurídica em tese, também vai julgar 0 caso concreto, diferentemente do que ocorre nos outros tribunais. Nos outros tribunais, 0 pleno (ou Órgão Especial) não julga 0 caso concreto, mas tão somente a norma jurídica em tese e depois (de enfrentado 0 incidente), é a turma ou câmara que julga 0 caso.

Questão 3: Existe a exceção à cláusula de reserva de plenário (prevista no pará­ grafo único do art. 481 do antigo CPC que está alocada agora no parágrafo único do art. 949 do novo CPC) para 0 STF? Sim, 0 STF também trabalha com essa possibilida­ de. Com isso, as turmas (ia ou 2a turma) do STF poderão declarar a inconstitucionali­ dade diretamente se 0 plenário já tiver enfrentado a questão anteriormente (aliás, foi a jurisprudência do STF que inaugurou essa possibilidade, antes mesmo de a Lei n° 9.756/98 ter acrescentado essa norma no CPC de 1973).101 103 * 6.2. Controle difuso-concreto no Brasil: Efeitos e a análise da tese da mutação constitucional

Nesse momento, vamos analisar a questão atinente a quais são os efeitos da decisão no controle difuso-concreto no Brasil. Ora, os efeitos, tradicionalmente, são 0 ex tunc e inter partes, pois 0 que se julga é um caso concreto e nele se declara incidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei, então, será necessário que se produza efeitos retroativos e somente para as partes envolvidas. Portanto, essa sempre foi a regra.

Porém, aqui surge um complicador muito debatido nos últimos anos pela dou­ trina e jurisprudência pátrias. Vamos supor que a decisão seja do STF, em última instância (ou de originária e última), e, com isso, o Pretório Excelso declare a incons­ titucionalidade de uma norma jurídica do nosso ordenamento. 0 que ocorre? Ocorre que a declaração em regra só vale para as partes devido ao efeito inter partes. Com

101. Segundo o STF: "O art. 481, parágrafo único, introduzido no CPCpela Lei 9.756/1998 - que dispensa a submissão ao plenário, ou ao órgão especial, da arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do STF sobre a questão - alinhou- se à construção jurisprudencial já então consolidada no Supremo Tribu­ nal, que se fundara explicitamente na função outorgada à Corte de árbitro definitivo da constitucionalidade das leis." (RE 433.101-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg. em 6-12-2005, IaTurma) No mesmo sentido: Al 413.118 AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julg. em 23-3-2010, 2aTurma, Al 481.584-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julg. em 30-62009,1a Turma.

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isso, pode haver a situação de nós termos que continuar cumprindo uma norma que o STF já declarou inconstitucional (porém, só valeu para o caso concreto). Mas qual seria a saída para que o efeito se torne erga omnes e atinja a todos, e não só aos que participaram daquele processo decidido pelo STF?

Certo é que, para que os efeitos da decisão proferida em controle difu­ so-concreto de constitucionalidade sejam erga omnes e vinculante, existem al­ gumas "saídas". Uma delas, que vou chamar de tradicional, é a atuação do Senado, nos termos do art. 52, X, da CR/88. Essa saída já foi objeto de questio­ namento no STF na Reclamação 4335/2007, que teve julgamento finalizado em 20.03.2014, e também foi atacada recentemente nas ADIs 3406/RJ e 3470/RJ com julgamento finalizado em 29.11.2017. Vamos aqui observar todo o procedimento tradicional da atuação do Senado e depois analisar se essa atuação realmen­ te deixou ou vai deixar de existir nos moldes tradicionais, em virtude de uma pretensa "mutação constitucional”, conforme defendido pelos Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello na decisão recente das ADIs 3406/RJ e 3470/RJ, ante­ riormente citadas.

1») Portanto, a primeira saída tradicional está inserida no art. 52, X, da CR/88 que diz:102103 "Compete privativamente ao Senado Federal: suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supre­ mo Tribunal Federal." Dessa forma, a decisão em sede de controle difuso ganhará efeitos erga omnes. Sobre a atuação do Senado tradicional, é necessário realizarmos algumas con­ siderações: a) A suspensão do Senado irá operar com efeito ex tunc ou ex nunc? Há aqui uma divergência doutrinária. Em 1970, 0 STF, por meio do Ministro Amaral dos San­ tos, entendeu ser ex tunc (efeito retroativo). Porém, apesar da existência de di­ versos autores10’ (Gilmar Mendes, Clèmerson Clève, Zeno Veloso) fundamentando e acolhendo 0 primeiro entendimento (ex tunc), hoje, 0 entendimento levemente majoritário na doutrina (José Afonso da Silva, Lenio Streck, Alexandre de Moraes, Ana Cândida da Cunha Ferraz, Regina Macedo Nery Ferraz, Marcelo Cattoni, Nagib Slaibi Filho, entre outros) é que os efeitos devem ser ex nunc (não retroativos). Então, segundo inclusive nossa opinião, 0 Senado suspende a lei para 0 futuro (ex nunc), mesmo porque 0 Senado não poderia julgar, e, se os efeitos são ex tunc, ele estaria julgando, sendo que a resolução apenas suspende a execução da lei, e

102. É mister salientar que essa saída existe desde a Constituição de 1934 em nosso ordenamento. Essa saída, é bom enfatizar, nos termos da doutrina e jurisprudência, é de natureza eminentemente política. Nesse sentido, "o Senado não revoga o ato de declarado inconstitucional, mesmo porque não dispõe de competência para tanto. Trata-se de ato político que confere eficácia genérica (erga omnes) à decisão do STF prolatada incidentertantum em face de um caso concreto". CUNHA, Dirley. p, 313,2010. 103. Por exemplo, sustenta Dirley da Cunha que"caberia ao Senado apenas emprestar eficácia geral a decisão do STF, que ficaria valendo para todos (com todos os seus efeitos), inclusive retroativos, como se a lei jamais tivesse exis­ tido", p, 313.

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definitivamente não declara a sua inconstitucionalidade. Além disso, entendemos que o Poder Legislativo não deveria trabalhar com o efeito ex tunc, pois, enquanto o Senado não se manifestar, a lei continuaria vinculando condutas no ordenamento. Porém, apesar do nosso entendimento de que a atuação do Senado deve se dar com o efeito ex nunc, com certeza, o Senado pode (expressamente) editar resolu­ ção com efeito retroativo.104 Além disso, é mister salientar que o Decreto n° 2.346/97 determina de forma expressa que haverá efeitos ex tunc para a resolução do Senado no que tange especiflcamente à Administração Pública Federal direta e indireta. Nesse sentido, preleciona 0 art. 1, § 2°, do referido Decreto. Mas isso não desvirtua a tese da cor­ rente mais adequada e majoritária na doutrina, pois temos apenas uma forma de condução da administração pública definida logicamente por ela mesma.

b) 0 Senado é obrigado a suspender Lei que o STF declarar inconstitucional no controle difuso? Não. 0 Senado terá a discricionariedade para suspender a Lei declarada inconstitucional em controle difuso. c) 0 Senado pode voltar atrás na sua decisão? Ou seja, suspender a Lei via resolução e, posteriormente, editar nova resolução revogando a resolução que sus­ pendeu a Lei para que ela volte ao ordenamento? Não. A decisão do Senado que suspende a Lei declarada inconstitucional é definitiva, assim, a suspensão da Lei também será definitiva. d) Qual é 0 procedimento? Para que 0 Senado Federal suspenda a execução da Lei declarada inconstitucional pelo STF em decisão definitiva, deve haver solici­ tação do Presidente do STF ao Senado, ou representação do Procurador-Geral da República ao Senado, ou projeto de resolução da própria CC) do Senado. A suspen­ são da Lei declarada inconstitucional se dará por Resolução do Senado (e, como já afirmado, é irretratável e imodificável). Aqui, é importante salientar que 0 Senado não pode usurpar a decisão do STF, ou seja, ele só poderá suspender aquilo que o STF declarou inconstitucional. Nesses termos, se foi toda a lei (declarada inconstitu­ cional), ele terá que suspender toda a lei, e se foi parte da lei, o Senado terá que suspender apenas a parte que 0 STF declarou inconstitucional. Sem dúvida, certo é que 0 Senado não pode manipular a decisão do STF.“S e) Que leis ou atos normativos 0 Senado pode suspender? 0 Senado pode atuar para suspender qualquer lei (ou ato normativo), seja ela federal, estadual ou municipal, desde que tenhamos a decisão definitiva do STF declarando sua incons­ titucionalidade.106

104 Conforme a Resolução n“ 10/2005 do Senado Federal. 105. Corno exemplo, temos a recente Resolução 05/2012 de 15.02.2012 do STF que dispõe: “art 1° É suspensa a execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos' do§ 4" do art. 33 da Lei 11.343/2006 declarada inconstitucional em decisão definitiva do STF no HC 97.256/RS". 106. A suspensão não pode se dar em relação a atos normativos pré-constitucionais. Nesses termos, entre ou­ tros: RE n“ 387.271, julg. em 08.08.2007: Separação judicial divórcio - conversão - prestações alimentícias

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2a) Atualmente, em virtude da Emenda n° 45/2004, que incluiu 0 art. 103-A na CR/88, temos como uma segunda saída, hoje também tradicional, a intitulada Sú­ mula Vinculante. A súmula vinculante, que tem como objeto a eficácia, a validade ou a interpretação de normas do ordenamento, possui como requisitos conjuntos: (a) necessidade de 8 ministros; (b) reiteradas decisões sobre a matéria objeto da súmula; (c) controvérsia judicial ou entre 0 Poder Judiciário e 0 Poder Executivo que esteja causando grave insegurança ou incerteza jurídica. A súmula vinculante, basicamente, visa proteger (e desenvolver) três princípios: igualdade, celeridade e segurança jurídica. Temos ainda que, além do STF de ofício (sem provocação), são legitimados a propor a edição, a revisão ou cancelamento de súmula vinculante: os legitimados do art. 103 da CR/88 (os mesmos legitimados a propor ADI); os Tribunais Superiores e os Tribunais de Segunda instância; 0 Defensor Público Geral da União; os Municípios (porém, esses, somente em um procedimento incidental, ou seja, no iter de casos concretos em que um município seja parte e que envolva uma norma que pode ser objeto de súmula vinculante).

Agora passamos a analisar as exceções aos Efeitos do Controle Difuso-concre­ to. Como se dariam essas exceções? Ouais seriam? 0 papel do Senado nos termos do art. 52, X, da CR/88, foi realmente esvaziado nas recentes decisões das ADIs 3406 e 3470? Ocorreu a tão defendida (pelo Ministro Gilmar Mendes) mutação constitu­ cional no art. 52, X, da CR/88? Ou 0 que chamaríamos de abstrativização do controle difuso? Sem dúvida, no que tange aos efeitos do controle difuso concreto, é necessá­ rio, ainda, acrescentar que, atualmente, existem exceções à regra dos efeitos inter partes e ex tunc.

Ou seja, os efeitos da decisão proferida em controle difuso-concreto de consti­ tucionalidade podem ser diferenciados na perspectiva temporal (em vez de ex tunc, ex nunc ou modulação de efeitos) e diferenciados quanto aos atingidos (em vez de inter partes, erga omnes e vinculantes). Nesse sentido, vamos à análise:

í») Exceção, pacificada na doutrina e na jurisprudência: no que tange aos efei­ tos temporais do controle difuso, sem dúvida, pode haver exceção. A regra é 0 efeito retroativo, mas pode ser que excepcionalmente 0 efeito seja não retroativo (ex nunc), sendo, portanto, que a decisão pode ser modulada (manipulação ou modulação de efeitos). Como exemplo, 0 efeito modulado (manipulação de efeitos) foi dado pelo STF na decisão do Recurso Extraordinário n° 197.917. 0 caso envolveu 0 município de

- inadimplemento neutralidadade. O inadimplemento de obrigação alimentícia assumida quando da separação judicial não impede a transformação em divórcio. Norma - conflito com texto constitucional superveniente - resolu­ ção. Na dicção da ilustrada maioria, vencido o relator, o conflito de norma com preceito constitucional superveniente resolve-se no campo da não recepção, não cabendo a comunicação ao Senado prevista no inciso X do artigo 52 da Constituição Federal. (Rel. Min. Marco Aurélio)

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Mira Estrela. 0 STF declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 6°, da Lei Orgânica n° 226, de 31 de março de 1990, do Município de Mira Estrela/SP, por entender que afronta 0 art. 29, VI, da CR/88, por não haver proporcionalidade entre 0 número de habitantes e 0 número de vereadores do município, visto que Mira Estrela tinha pouco mais de 2.600 habitantes e 11 vereadores. 0 correto seria que 0 Município tivesse 9 vereadores. Nesses termos, 0 STF estabeleceu critérios de proporcionalidade e concedeu, para a decisão, efeitos para 0 futuro, para a próxima legislatura, visto que não seria adequado retirar dois vereadores no meio da legislatura.10' Posteriormente, por meio da Res. n° 21.702/2004, o TSE deu efeti­ vidade a essa decisão do STF, estabelecendo critérios de proporcionalidade entre 0 número de habitantes e 0 número de vereadores dos Municípios, explicitando 33 faixas (atualmente não mais existentes em virtude da Emenda Constitucional n° 58/2009, já citada na obra) para a estipulação do número de vereadores (nos moldes do voto proferido pelo então Ministro Maurício Corrêa no RE n° 197.917).107 108 Outro exemplo interessante ocorreu nos termos do RE n° 500.171 ED/GO, julgado em 16.03.2011, presente no Informativo 619 do STF: "(...) 0 Plenário, por maioria, acolheu embargos de declaração para atribuir eficácia ex nunc a decisão proferida em sede de recurso extraordinário, em que declarada a inconstitucionalidade da cobrança de taxas de matrícula em universidades públicas e editada a Súmula Vinculante 12. Aduziu-se que, muito embora 0 recorrente não houvesse pleiteado

107. Nesses termos, conforme a decisáo do RE n° 197.917: [...] 3. Situação real e contemporânea em que Municí­ pios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia. 4. Principio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sis­ tema constitucional vigente. 5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais principias constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimen to aos postulados da mo­ ralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CR, artigo 37). 6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CR, artigos 27 e 45, § 1°). 7. Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes. 8. F feitos. Principio da segurançajuridica. Situa­ ção excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro á declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conheci­ do e em parte provido. (DJ: 07/05/2004). 108. Aliás, aqui, devemos rechaçar um erro que vem existindo na esmagadora maioria dos manuais e que alguns professores de constitucional infelizmente vêm repetindo (com base nos manuais). Qual seja: dar como exemplo o RE n” 197.917 para a exceção no que tange aos atingidos. Ou seja, usar a decisão como um exemplo pro­ pedêutico (juntamente com o HC n°82.959 que é o exemplo correto).Obviamente, isso não está correto, poisa decisão do STF foi incidental e interpartes o que alargou o efeito da decisão foi a atuação do TSE externai izada na Resolução n° 21.702/04. Assim, o TSE é que desenvolveu a decisão do STF. Aqui cabe uma indagação: E se o TSE não tivesse atuado? Teríamos as 33 faixas? Com base na decisão do STF? Entendemos que o RE 197.917 é um exemplo significativo após a Resolução do TSE da tendência ("onda") de abstrativização do controle difuso que vem se desenvolvendo no Brasil e não de exceção ao efeito inter partes! Pois o STF nâo deu efeito erga omnes à decisão do RE 197.917.

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a modulação dos efeitos da decisão quando da interposição do referido recurso extraordinário, quer nos autos, quer na sustentação oral, seria necessário superar as dificuldades formais para o conhecimento dos embargos. Ponderou-se que, além de a decisão ser revestida de vasta abrangência e excepcional interesse social, haveria uma relevante questão de ordem prática a ser solucionada, tendo em vista a possibilidade de as instituições de ensino serem obrigadas a ressarcir todos os estudantes que eventualmente pagaram as citadas taxas no passado 109 É interessante que, nesse caso, observamos inclusive a possibilidade de interposição de Embargos de Declaração, para fins de modulação de efeitos em grau de Recurso Extraordinário. Acrescentamos que, segundo o STF, isso também é admitido para a modulação de efeitos em ADI, como veremos adiante no estudo da Ação Direta de Inconstitucionalidade. Por último, é importante trazermos a cotejo questão de ordem recentemente enfrentada pelo Pretório Excelso no RE 586.453/SE julgado em 20.02.2013. No caso, 0 STF decidiu, mais uma vez, pela modulação de efeitos em sede de recurso extraor­ dinário, porém deliberou sobre a necessidade ou não de um quórum qualificado de 2/3 (como nos moldes do art. 27 da Lei n° 9.868/99, dos processos objetivos de ADI) para a modulação de efeitos. A corrente majoritária entendeu que haveria ne­ cessidade também de 2/3 dos Ministros para a manipulação de feitos em sede de recurso extraordinário (como na Lei 9.868/99 para os processos objetivos). Ficaram vencidos na decisão os Ministros Marco Aurélio (minoritariamente contra a modu­ lação de processos subjetivos) e os Ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Celso de Mello (esses, a favor da modulação, mas entendiam haver a necessidade apenas de maioria absoluta, pois 0 quórum qualificado seria exigível somente para a edição de Súmula Vinculante, bem como para fins de modulação nos processos de fiscalização abstrata dos processos objetivos, nos quais declarada a inconstituciona­ lidade de dispositivo legal).109 110 2a) Exceção no que tange aos atingidos: parte da doutrina e uma determinada interpretação da decisão das ADIs 3406/RJ e 3470/RJ julgadas em 29.11.2017, entende haver exceção quanto aos efeitos ínter partes, para que a decisão no controle difuso-concreto no STF tenha diretamente efeitos ergo omnes e vinculantes sem a necessidade de atuação do Senado (caberia ao Senado apenas dar publicidade à decisão do STF).

Aqui vamos fazer um histórico para responder às perguntas feitas anteriormen­ te sobre 0 papel do Senado nos termos do art. 52, X, da CR/88.

109. O Min. Gilmar Mendes destacou, no caso, nos termos da decisão que'a delicada situação financeira das uni­ versidades, bem como o fato de que tais recursos seriam, inclusive, destinados a fornecer bolsas aos próprios estudantes, atingindo, portanto, finalidade pública. Por fim, garantiu-se o direito de eventual ressarcimento aos que já houvessem ingressado, individualmente, com o respectivo pleito." RE 500171 ED/GO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 16.03.2011. Outro exemplo recente de modulação de efeitos se deu no RE 522897/RN, Rel. Min, Gilmar Mendes, julg. em 16.03.2017. 110. RE n° 586.453/SE julg. em 20.02.2013.

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No STF, inicialmente (em um primeiro momento') vamos ter como hard case o debate em torno da Reclamação n° 4.335, que teve seu julgamento finalizado em 20.03.2014. Esta reclamação envolveu diretamente a decisão pelo STF do célebre HC n° 82.959/SP (decisão que por 6x5 declarou a inconstitucionalidade da vedação de progressão de regime nos crimes hediondos), que, para alguns (doutrinadores e até ministros do STF), teria externalizado 0 efeito erga omnes, apesar de ser 0 habeas corpus um processo subjetivo que teria como efeito 0 atingimento apenas das partes.’11 A Reclamação n° 4.335 surgiu justamente em virtude do entendimento de alguns magistrados em sentido oposto ao do efeito erga omnes em virtude da decisão do STF ter se dado em sede de um caso concreto e incidentalmente. 0 Juiz da vara de execuções penais de Rio Branco no Acre foi um deles, negando a progres­ são de regime aos condenados por crime hediondo. A Defensoria Pública no Estado do Acre defendeu a tese de que estaria sendo descumprida a decisão do STF (que teria efeito erga omnes), ou seja, a competência e autoridade do STF não estariam sendo respeitadas. Com isso, houve 0 ajuizamento da Reclamação.

Os Ministros Gilmar Mendes (relator) e Eros Roberto Grau julgaram procedente a reclamação. Eles entenderam, nessa Reclamação n° 4335, que os efeitos do con­ trole difuso excepcionalmente devem ser transformados de inter partes em erga omnes, sem a atuação (intervenção) do Senado Federal. Segundo os Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes1”, a função do Senado não mais seria a de suspender a lei, mas a de oficializar (comunicar) ou dar publicidade111 112

111. Conforme a decisão do HC n° 82.959: Decisão: O Tribunal, por maioria, deferiu o pedido de habeas corpus e declarou, "incidenter tantum" a inconstitucionalidade do § 10 do artigo 2° da Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990, nos termos do voto do relator, vencidos os Senhores Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Presidente (Ministro Nelson Jobim). O Tribunal, por votação unânime, explicitou que a declara çào incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará consequências jurídicas com relação ãs penas já extintas nesta data, pois esta decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistra­ do competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão. Votou o Presidente. Plenário, 23.02.2006. 112. O Ministro Gilmar Mendes, em vários proferimentos e na sua obra, vem já há algum tempo sustentado a ina­ dequação do art. 52, X da CR/88 frente ao atual complexo modelo de controle de constitucionalidade em­ preendido na Constituição de 1988. Para o Ministro:"[...j o instituto da suspensão pelo Senado de execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica. Deve-se observar, outrossim, que o instituto da suspensão da execução da lei pelo Senado mostra-se inadequado para assegurar eficácia geral ou efeito vinculante ás decisões do Supremo Tribunal que não declaram a inconstitucio­ nalidade de uma lei, limitando-se a fixar a orientação constitucionalmente adequada ou correta. Isso se verifica quando o SupremoTribunal afirma que dada norma há de ser interpretada desta ou daquela forma, superando, assim, entendimento adotado pelos Tribunais ordinários ou pela própria Administração. A decisão do Supremo Tribunal náo tem efeito vinculante, valendo-se nos estritos limites da relação processual subjetiva. Como náo se cuida de declaração de inconstitucionalidade de lei, não há de se cogitar aqui de qualquer intervenção do Senado, restando o tema aberto para inúmeras controvérsias. Situação semelhante ocorre quando o Supremo Tribunal Federal adota uma interpretação conforme à Constituição restringindo o significado de dada expres são literal ou colmatando uma lacuna contida no regramento ordinário. Aqui o Supremo Tribunal não afirma propriamente a ilegitimidade da lei, limitando-se a ressaltar que uma dada interpretação é compatível com a Constituição, ou, ainda, que, para ser considerada constitucional, determinada norma necessita de um comple mento (lacuna aberta) ou restrição (lacuna oculta redução teleológica). Todos esses casos de decisão com base em uma interpretação conforme à Constituição não podem ter sua eficácia ampliada com o recurso ao instituto

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à sociedade brasileira da decisão do STF no controle difuso-concreto. Haveria, por­ tanto, no entendimento dos referidos Ministros, uma reinterpretação do art. 52, X, da CR/88 via mutação constitucional. Nesses termos, 0 texto do art. 52, X, da CR/88, continuaria o mesmo, mas seria relido, reinterpretado, passando a ter a seguinte (nova) atribuição de sentido: "compete ao Senado dar publicidade às decisões do STF". Os argumentos centrais (entre outros) foram a recorrente falta de atuação do Senado e 0 art. 52, X, da CR/88 (derivado da Constituição de 1934), estar obsoleto, não coadunando com nossa (atual) realidade no que diz respeito ao nosso comple­ xo sistema de controle de constitucionalidade desenvolvido pós 1988.

Trata-se da chamada tese da abstrativização do controle difuso, que significa transformar (ou pelo menos aproximar) 0 controle difuso-concreto em controle abs­ trato. Essa "tendência" vem sendo desenvolvida paulatinamente pela doutrina, pela legislação pátria e por manifestações pretorianas."’

Mas, aqui, há uma crítica ao posicionamento dos Ministros na Reclamação n° 4.335. 0 que ocorre nos votos dos dois Ministros, na verdade, é uma afronta ao texto legal, com uma "pretensa" manipulação da Constituição, pois os Ministros es­ tariam mudando 0 texto constitucional e não reinterpretando (realizando propria­ mente uma mutação constitucional).1,4 Nesse sentido, se 0 texto é obsoleto, será que caberia ao STF modificá-lo (indo além dele), por mais bem-intencionados que os Ministros estejam? Alguns doutrinadores entendem que não! Outra crítica é que

da suspensão da execução da lei pelo Senado Federal. rinalmente, menclonam-se os casos de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, nos quais se explicita que um dado significado normativo é inconstitucional sem que a expressão literal sofra alteração. Também nesses casos a suspensão (pelo Senado revela-se problemática, porque não se cuida de afastar a incidência de disposições do ato impugnado, mas tão somente de um dos seus significados normativos. E significados não são textos. Todas essas razões demonstram a inadequação, o caráter obsoleto mesmo, do instituto da suspensão de execução pelo Senado no atual estágio de nosso sistema de controle de constitucionalidade.’(2008, p. 1327). 113. Além do debate sobre os efeitos erga omnes das decisões no controle concreto via exceção, temos ainda algumas inovações que certamente envolvem a tendência a abstrativização do controle difuso concreto. Conforme a doutrina: 1) A repercussão geral das questões de constitucionalidade, conforme o art. 102, §3°, da CR/88 e Lei 11.418/06. Essa novidade explicita o movimento de perda do caráter subjetivo do recurso extraordinário e a as­ sunção de um certo caráter objetivo de tutela da ordem constitucional (objetivização do Recurso Extraordinário), na medida em que o STF passa a analisar nos recursos extraordinários apenas o que considera relevante jurídica, política, econômica ou socialmente e, com isso, que ultrapassam os interesses meramente subjetivos da causa. 2) A súmula vinculante presente do art. 103-A e Lei 11.417/06.3 que surge de reiteradas decisões sobre questões idênticas 3) O art. 557, caput, e § 1 °-A (aqui do antigo CPC), ou seja, a possibilidade admitida pelo STF de o relator julgar monocraticamente recurso interposto contra decisão que se coloque em confronto com súmula ou juris­ prudência dominante. 4) Resolução 21702 do TSE que ampliou a decisão do STF no RE 197:917 com a criação das 33 faixas para a proporcionalidade do número de vereadores por município. 5) Lei 10.352 incluiu o § 3° ao artigo 475 do CPC (antigo CPC). Esse dispositivo impõe que o reexame necessário (aplicável, via de regra, nos casos de sentença proferida contra os entes políticos, suas respectivas fundações e autarquias, bem como aquela que julgar procedente os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública) é dispensado caso a decisão seja fundada em jurisprudência do Plenário do STF, súmula desse tribunal ou do tribunal superior competente. Isso demonstra a importância que o legislador vem concedendo ás interpretações feitas pelo Pretório Excelso, mesmo que fora do controle concentrado. NOVELINO, Marcelo, p. 243,2009 e DIDIER JR., Fredie Transformações no recurso extraordinário. FUX, Luiz; NERY JR., Nelson; WAMBIER,Tereza Arruda Alvim (Coord.) Processo e constituição: estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: RT, 2006. 114. Para boa parte da doutrina, estaríamos diante de uma mutação inconstitucional!

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essa decisão estaria indo de encontro até mesmo da lógica da súmula vinculante, pois uma decisão do STF, mesmo que não tenha oito Ministros (seja, por exemplo, 6x5, como a do famoso HC n° 82.959/06) decidindo no mesmo sentido (requisito para edição de súmula vinculante), poderia ter efeitos erga omnes e vinculantes.

Por outro lado, os Ministros Sepúlveda Pertence (aposentado em 2007) e Joaquim Barbosa (na mesma Reclamação n° 4-335) foram contra a tese da abstrativização do controle difuso, defendidas pelos Ministros supracitados, e defenderam que existem canais legítimos para haver a vinculação de efeitos (e efeitos erga omnes) da decisão que declara inconstitucionalidade de lei no controle difuso-concreto, como a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), 0 próprio art. 52, X, da CR/88 (atuação do Senado, apesar de suas mazelas) e 0 art. 103-A da CR/88 (Súmula Vinculante). Com 0 julgamento sobre a procedência ou improcedência da Reclamação empa­ tado em 2x2, pediu vista 0 Ministro Ricardo Lewandowski, que prolatou seu voto em 16.05.2013. 0 Ministro seguindo a divergência (do Min. Joaquim Barbosa) contra 0 re­ lator (Min. Gilmar Mendes), também entendeu pela improcedência da Reclamação115.

Em 2014, foi finalizado 0 julgamento da Reclamação n° 4335. 0 Plenário do STF, por maioria, em 20.03.2014, julgou procedente 0 pedido formulado na Reclamação ajuizada, sob 0 argumento de ofensa à autoridade da decisão da Corte no HC

115. Os seus fundamentos, foram os seguintes: a) entendeu que impenderia definir se a decisão proferida pela Corte no HC 82959/SP seria dotada de eficácia erga omnes independentemente do cumprimento do disposto no art. 52, X, da CR/88; b) registrou que o Senado cumpriría, reiteradamente, esse mandamento constitucional, ao votar pro­ jetos de resolução (impulsionados por ofícios encaminhados pelo STF) para suspender a execução de dispositivos declarados inconstitucionais em sede de controle difuso; c) ressaltou que o sistema de freios e contrapesos, próprio à separação de Poderes, não teria o condão de legitimar a ablação de competência constitucional expressamente atribuída a determinado Poder (no caso atuação do Senado). Nesse sentido, suprimir competências de um Poder de Estado, por meio de exegese constitucional (interpretação constitucional), colocaria em risco a própria lógica desse sistema; d) afirmou que embora a CR/88 tivesse fortalecido o papel do Supremo, ao dotar algumas de suas decisões de eficácia erga omnes e efeito vinculante, isso não significaria a perda de competências pelos demais Poderes; e) não haveria como cogitar-se de mutação constitucional, na espécie, diante dos limites formais e materiais fixados pela Constituição acerca do tema e, com isso, destacou o que contido no art. 60, §4°, lll, da CF, a conferir status de cláusula pétrea à separação de Poderes, insuscetível de mudança (amesquinhamento) por emenda constitucional; f) diferenciou a hipótese da relativização do art. 97da CR/88 da hipótese de tentativa de mutação constitucional do art.52, X, da CR/88. Nesses termos, afirmou clara diferença na modificação reconhecida quanto ao art. 97 da CR/88. que se operou a partir de práxis processual adotada pelo STF, no sentido de dispensar a rigida observância do que contido no preceito constitucional quando se tratar da análise de casos cujas teses Já tenham sido julgadas pelo Plenário; g) considerou que a regra inscrita no art. 52, X, da CF consubstanciaria norma taxativa, de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Assim, embora as questões decididas pelo STF em sede de controle difuso tivessem considerável relevância, esse fato não teria força para atribuir novos contornos à citada norma constitucional: h) reconheceu que, com o advento da EC 45/2004, nenhum Ministro poderia contrariar posição firmada pela Corte quanto à existência ou não de repercussão geral de determinada matéria veiculada em recurso extraordinário. Com isso, passara se a conferir efeito erga omnes a decisões originadas em sede de controle difuso; i) entretanto, nessas hipóteses, o referido efeito contaria com beneplácito parlamentar, pois derivado de Emenda Constitucional regu­ lamentada por lei (no caso a EC 45/2004 que estabeleceu a repercussão geral do recurso extraordinário); j) reputou o Ministro que, caso se desejasse emprestar maior alcance às decisões do STF em sede de controle difuso, bastaria lançar mão das súmulas vinculantes. Nesse particular, citou a 5úmula Vinculante 26 do STF, a incluir em sua redação o tema discutido no julgado paradigma da Reclamação 4335. Com isso, segundo o Ministro, por meio desse institu­ to, seria possível ampliar o alcance das decisões da Corte em sede de controle difuso, sem vulnerar a competência constitucional do Senado, de caráter eminentemente político.

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n° 82.959/SP (em que declarada a inconstitucionalidade do § 1» do art. 2° da Lei 8.072/90, que vedava a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos).

Porém, aqui uma advertência, pois a decisão de procedência da Reclamação nâo significou a adoção pelo STF da tese da mutação constitucional do art. 52, X, da CR/88 (com as consequências da decisão de um caso concreto em vez de efeito inter partes ter efeito erga omnes e com a alteração da função do Senado apenas para dar publicidade às decisões do STF). Restou claro que 0 provimento da Reclamação pela maioria dos Ministros não endossou a tese defendida pelos Ministros Eros Grau (já aposentado) e Gilmar Mendes.

Nesses termos, a fundamentação dos outros 4 votos favoráveis à procedência da Reclamação n« 4335, proferidos pelos Ministros Teori Zavascki, Luís Roberto Bar­ roso, Rosa Weber e Celso de Mello, se deu não pelo desrespeito (afronta) do Juiz de Rio Branco-AC ao decidido no HC n° 82.959, mas, sim, em virtude da posterior edição da Súmula Vinculante n° 26 pelo STF.

Nesse sentido, foram os votos proferidos na Reclamação n» 4335:

a)

Ministros Eros Grau (aposentado) e Gilmar Mendes: a Reclamação deveria ser conhecida e julgada procedente por ofensa à decisão do HC n° 82.959.

b)

Ministros Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso116, Rosa Weber e Celso de Mello: a Reclamação deveria ser conhecida e julgada procedente por ofen­ sa à Súmula Vinculante n° 26.

c)

Ministros Sepúlveda Pertence (aposentado), Joaquim Barbosa (aposenta­ do), Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio: a Reclamação não deveria ser conhecida por ser a decisão do HC n° 82.959 de efeito inter partes117.

Portanto, para a maioria dos Ministros, a Reclamação foi julgada procedente pela posterior edição da citada Súmula Vinculante n» 26. Com isso, apesar da "força

116. O Ministro Roberto Barroso frisou que a expansão do papel dos precedentes atendería a três finalidades consti­ tucionais: segurança jurídica, isonomia e eficiência. Explicou que essa tendência tornaria a prestação jurisdicional mais previsível, menos instável e mais fácil, porque as decisões poderíam ser justificadas à luz da jurisprudência. Assinalou que, embora os precedentes só vinculassem verticalmente e para baixo, na linha da doutrina stare decisis, eles deveriam vincular horizontalmente, para que os próprios tribunais preservassem, conforme possivel, a sua jurisprudência. Sublinhou que, na medida em que expandido o papel dos precedentes, seria necessário produzir decisões em que a tese juridica fosse mais nitida, □ que seria denominado, pelo direito anglo-saxão, de holding. Considerou que o denominado processo de mutação constitucional encontraria limite na textualidade dos dispositivos da Constituição. Nesse sentido, a suposta mutação do art. 52, X, da CF, não poderia prescindir da mudança de texto da norma. (Informativo 739 do STF) 117. Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Joaquim Barbosa (Presidente), Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, que não conheciam da reclamação, mas concediam habeas corpus de ofício para queojuizode 1Q grau examinas­ se os requisitos para progressão de regime dos condenados. O Ministro Marco Aurélio registrava que as reclama ções exigiríam que o ato supostamente inobservado deveria ser anterior ao ato atacado. Na situação dos autos, somente após a prática do ato reclamado surgira o verbete vinculante. Ademais, reputava que não se poderia emprestar ao controle difuso eficácia erga omnes, pois seria implementado por qualquer órgão jurisdicional. (Inf. 739 do STF)

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cada vez mais expansiva" das decisões do STF, como trabalhado pelo Ministro Teori Zavascki em seu voto (que, diga-se, também traz importantes considerações sobre a legitimidade da ação de Reclamação)”8, temos que o papel do Senado continua o tradicionalmente descrito no art. 52, X, da CR/88 (sem a existência da inapropriada

118. O Ministro Teori Zavascki (...) asseverou que, ainda que se reconhecesse que a resolução do Senado permanecería com aptidão paro conferir eficácia “erga omnes" ás decisões do STF que, em controle difuso, declarassem a inconstitucionali­ dade de preceitos normativos, isso não significa ria que essa aptidão expansiva das decisões só ocorrería quando esehou vesse intervenção do Senado. Por outro lado, ponderou que, ainda que as decisões da Corte, além das indicadas no art. 52, X, da CF, tivessem força expansiva, isso não significaria que seu cumprimento pudesse ser exigido por via de reclamação. Explicou que o direito pátrio estaria em evolução, voltada a um sistema de valorização dos precedentes emanados dos tribunais superiores, aos quais se atribuiria, com crescente intensidade, força persuasiva e expansiva. Demonstrou que o Brasil acompanharia movimento semelhante ao de outros países nos quais adotado o sistema da “civil law'; que se aproximariam, paulatinamente, de uma cultura do "stare decisisÇ própria do sistema da "common law” Sublinhou a existência de diversas previsões normativas que, ao longa do tempo, conferiríam eficácia ampliada para além das fronteiras da causa em julgamento. O Ministro Teori Zavascki considerou, ainda, que certas dedsões seriam naturalmente dotadas de eficácia "ultra partes', como aquelas produzidas no âmbito do processo coletivo. Destacou, nesse sentido, o mandado de injunção, especialmente se levado em conta seu perfil normativo-concretizador atribuído pela jurisprudência do Supremo. Sublinhou que as sentenças decorrentes do mandado de injunção teriam o escopo de preencher, ainda que provisoriamente, a omissão do legislador, razão pela qual seriam revestidas de características reguladoras e prospectivas semelhantes às dos preceitos normativos. (...) Asseverou que o sistema normativo pátrio atualmente atribuiria força "ultra partes" aos precedentes das Cortes superiores, especial­ mente o STF. Reputou que esse entendimento seria fiel ao perfil institucional atribuído ao STF, na seara constitu­ cional, e ao STJ, no campo do direito federal, que teriam, dentre suas principais finalidades, a de uniformização da jurisprudência e a de integração do sistema normativo. Anotou que a força vinculativa dos precedentes do STF fora induzida por via legislativa, cujo passo inicial fora a competência, atribuída ao Senado, para suspender a execução das normas declaradas inconstitucionais, nos termos do art. 52, X, da CF. Entretanto, assinalou que a resolução do Senado não seria a única forma de ampliação da eficácia subjetiva das decisões do STF, porque diría respeito a área limitada da jurisdição constitucional (apenas decisões declaratórias de inconstitucionali­ dade). Haveria outras sentenças emanadas desta Corte, não necessariamente relacionadas com o controle de constitucionalidade, com eficácia subjetiva expandida para além das partes vinculadas ao processo. 0 Ministro Teori Zavascki registrou que a primeira dessas formas ocorrera com o sistema de controle de constitucionalidade por ação, cujas sentenças seriam dotadas naturalmente de eficácia "erga omnes" e vinculante, independente­ mente da intervenção do Senado. Ademais, citou a criação das súmulas vinculantes e da repercussão geral das questões constitucionais discutidas em sede de recurso extraordinário. Destacou, ainda, a modulação de efeitos nos julgamentos do STF, o que significaria disporsobre a repercussão de acórdão específico a outros casos análogos. Lembrou que houvera modulação no' habeas corpus" de que cuida a presente reclamação, para que nào gerasse consequências jurídicas em relação a penas já extintas Sopesou, por outro lado, que nem todas essas decisões com eficácia expansiva, além das englobadas pelo art. 52, X, da CF, ensejariam ajuizamento de reclamação, sob pena de a Corte se transformar em órgão de controle dos atos executivos decorrentes de seus próprios acórdãos. Assinalou que o descumprimento de quaisquer deles implicaria ofensa à auto­ ridade das decisões do STF. Todavia, seria recomendável conferir interpretação estrita a essa competência. Sob esse aspecto, a reclamação não poderia ser utilizada como inadmissível atalho processual destinado a permitir, por motivos pragmáticos, a submissão imediata do litígio ao exame direto desta Corte. 0 Ministro Teori Zavascki concluiu que, sem negar a força expansiva de uma significativa gama de decisões do STF, deveria ser mantida a jurisprudência segundo a qual, em principio, a reclamação somente seria admitida quando propos­ ta por quem fosse parte na relação processual em que proferida a decisão cuja eficácia se buscaria preservar. A legitimação ativa mais ampla apenas seria cabível em hipóteses expressamente previstas, notadamente a súmula vinculante e contra atos ofensivos a decisões tomadas em ações de controle concentrado. Haveria de se admitir também a reclamação ajuizada por quem fosse legitimado para propositura de ação de controle con­ centrado, nos termos do art. 103 da CF. Entendeu que, no caso concreto, à luz da situação jurídica existente quan­ do da propositura da reclamação, ela não seria cabível. Porém, anotou que, no curso do julgamento, fora editado o Enunciado 26 da SV do STF. Ponderou que, considerado esse fato superveniente, que deveria ser levado em consideração à luz do art. 462 do CPC, impor se ia conhecer e deferir o pedido. (I nf. 739 do STF)

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mutação constitucional) e também não ocorreu, pelo menos nesse caso (e nesse momento), a "absorção" da tese da Abstrativização do Controle difuso. Porém, continuando o histórico, a tese da mutação constitucional no art. 52, X, da CR/88 (bem como da abstrativização do controle difuso) ganha novo fôlego no recente julgamento no STF das ADIs 3406 e 3470 em 29.11.2017. Vamos ao caso. A Lei Federal n» 9.055/95 determinou em seu art. i° a proibição da extração, a produção, a industrialização, a utilização e a comercialização de todos os tipos de amianto, com exceção da crisotila, vedando, quanto a essa espécie, apenas a pulverização e a venda a granel de fibras em pó. 0 art. 2°, por sua vez, autorizou a extração, a industrialização, a utilização e a comercialização do asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco) na forma definida na lei. Assim, 0 art. 2° autorizou, de forma restrita, as atividades com uma das espécies de amianto. 0 entendimento, então, era 0 de que as Leis Estaduais que proibiam totalmente 0 amianto seriam in­ constitucionais. Nesses termos, se a lei federal admite, ainda que de modo restrito, 0 uso do amianto, isso significava que lei estadual não poderia proibi-lo totalmente. Ao agir assim, a lei estadual iria contrariar a norma geral fixada pela União.

Porém, 0 STF mudou de entendimento, na decisão da ADI 3937 em 24.08.2017 e depois fez 0 mesmo nas supracitadas ADIs 3406 e 3470 em 29.11.2017. 0 primeiro caso da ADI 3937 envolveu a Lei n° 12.687/2007, do Estado de São Paulo. Essa Lei, em seu art. 1° determinava que ficaria proibido, a partir de 1° de janeiro de 2008, 0 uso, no Estado de São Paulo, de produtos, materiais ou artefatos que contenham quaisquer tipos de amianto ou asbesto. Pois bem, 0 fundamento da ADI ajuizada contra a Lei de São Paulo seguiu os precedentes anteriores, ou seja, a alegação de que a lei estadual seria inconstitucional porque impôs uma restrição maior do que aquela que é prevista na legislação federal (art. 2® da Lei n» 9. 055/95). Dessa forma, a Lei do Estado de São Paulo não teria competência legislativa para proibir uma atividade que foi expressamente autorizada pela norma geral da União. Nesses termos, se 0 STF seguisse seus precedentes, a Lei paulista seria declarada inconstitucional. Porém, como já afirmado, 0 STF mudou de entendimento. Pois bem, 0 STF considerou na decisão da ADI 3937 que 0 art. 2° da Lei n° 9.055/95 é que não é, atualmente, compatível com a CR/88. Ou seja, em vez de en­ tender que a Lei de São Paulo usurpou a Lei federal, 0 STF afirmou (incidentalmente porque sequer pedido existia para tal) que inconstitucional seria a Lei federal. Ela, sim, que contraria a Constituição de 1988. Vale ressaltar que 0 art. 2° da Lei federal n° 9.055/95 não era objeto da ação. Assim, 0 art. 2» da Lei federal n° 9 055/95 foi declarado inconstitucional deforma incidental (declaração típica do controle difuso)

Conforme 0 informativo 874 do STF, nos dias atuais existe um consenso científico dos órgãos nacionais e internacionais de proteção à saúde geral e saúde do traba­ lhador no sentido de que a crisotila (espécie de amianto permitida pelo art. 2° da Lei n° 9.055/95) é altamente cancerígena, não se podendo falar (mais) que exista a possibilidade de seu uso seguro. Assim, todas as modalidades do amianto são 1857

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classificadas pela Agência Internacional para a Pesquisa sobre o Câncer (IARC), da Organização Mundial da Saúde (OMS), como comprovadamente carcinogênicas para os seres humanos. De acordo com a OMS, não há possibilidade de uso seguro da fibra, pois não há níveis de utilização nos quais o risco de câncer esteja ausente, e a única forma eficaz para eliminar as doenças relacionadas com essas fibras minerais é o abandono da utilização de todas as espécies de amianto. Temos também que o uso de amianto provoca riscos ao meio ambiente.115 Nesses termos, restou claro que o art. 2° da Lei federal n° 9.055/1995 passou por um processo de inconstitucionalização e, no momento, não mais se compatibiliza com a Constituição de 1988.119 120

Nessa decisão da ADI 3937 que declarou incidentalmente a Lei Federal inconstitu­ cional em 24.08.2017, 0 STF não se pronunciou sobre os efeitos da declaração serem erga omnes e vinculantes, portanto, a referida Lei seria, a princípio, inconstitucional inter partes. Acontece que nas ADIs 3406 e 3470 julgadas em 29.11.2017, sobre 0 mesmo tema, mas agora envolvendo legislação do Estado do Rio de janeiro (Lei n» 3.579/2001121) 0 Pretório Excelso afirmou que a Lei Federal 9.055/95 seria declarada inconstitucional de forma incidental, porém com efeitos erga omnes e vinculante e sem a necessidade de atuação do Senado. Temos aqui, então, uma declaração incidental de inconstitu­ cionalidade com efeitos diretamente erga omnes e vinculantes. Mas como ficou a fundamentação? Ora, aqui 0 espanto, pois, ao que parece, a tese que 0 STF havia rechaçado em 2014 (da mutação constitucional no art.52, X da CR/88) teria saído vencedora.

Conforme 0 Informativo 886 do STF, a partir da manifestação do ministro Gilmar Mendes, 0 Colegiado entendeu ser necessário, a fim de evitar anomias e fragmenta­ ção da unidade, equalizar a decisão que se toma tanto em sede de controle abstrato quanto em sede de controle Incidental. 0 ministro Gilmar Mendes observou que 0 art. 535 do Código de Processo Civil reforça esse entendimento. Asseverou estar-se fazendo uma releitura do disposto no art. 52, X, da CR/88, no sentido de que a Corte comunica ao Senado a decisão de declaração de inconstitucionalidade, para que ele faça a publicação, intensifique a publicidade. Ou seja, quando o STF declara uma lei inconstitucional, mesmo em sede

119. ADI 3937/SP, STF. Plenário, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli. julg. em 24.08.2017. In: Dizer o Direito, agosto de 2017 (Informativo 874) 120. Razão pela qual inclusive os Estados passariam a ter competência legislativa plena sobre a matéria até que sobre­ venha eventual nova legislação federal, nos termos do art. 24, §§3°e4',,da CR/88. ADI 3937/SP, STF. Plenário. Rel. p/oac. Min. Dias Toffoli, julg. em 24.08.2017. (Informativo 874). 121. Informativo 886 do STF: “O Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, julgou improcedentes pedidos formula­ dos em ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra a Lei n° 3.579/2001 do Estado do Rio de Janeiro. O referido diploma legal proibe a extração do asbesto/amianto em todo território daquela unidade da Federação e prevê a substituição progressiva da produção e da comercialização de produtos que o contenham. A Corte de­ clarou, também por maioria e incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 2Q(1) da Lei federal n° 9.055/1995, com efeito vinculante e"erga omnes’ O dispositivo já havia sido declarado inconstitucional, incidentalmente, no julgamento da ADI 3.937/SP (rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. min. Dias Toffoli. julg. em 24.8.2017J.”

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de controle difuso, a decisão já tem efeito vinculante e erga omnes e o STF apenas comunica ao Senado com o objetivo de que a referida Casa Legislativa dê publicida­ de daquilo que foi decidido.122123 0 ministro Celso de Mello considerou estar-se diante de verdadeira mutação constitucional que expande os poderes do STF em tema de jurisdição constitucional. Para ele, o que se propõe é uma interpretação que confira ao Senado Federal a possibilidade de simplesmente, mediante publicação, divulgar a decisão do STF. Mas a eficácia vinculante resulta da decisão da Corte.”’ Daí para o ministro se estaria a reconhecer a inconstitucionalidade da própria matéria que foi objeto desse processo de controle abstrato, prevalecendo o enten­ dimento de que a utilização do amianto, tipo crisotila e outro, ofende postulados constitucionais e, por isso, não pode ser objeto de normas autorizativas.124

A Ministra Cármen Lúcia afirmou que o STF está caminhando para uma inovação da jurisprudência, no sentido de não ser mais declarado inconstitucional cada ato normativo, mas a própria matéria que nele se contém.125

0 ministro Edson Fachin concluiu que a declaração de inconstitucionalidade, ainda que incidental, opera uma predusão consumativa da matéria. Isso evita que se caia numa dimensão semicircular progressiva e sem-fim. E essa afirmação não incide em contradição no sentido de reconhecer a constitucionalidade da lei estadual que também é proibitiva, o que significa, por uma simetria, que todas as legislações que são permissivas - dada a preclusão consumativa da matéria, reconhecida a inconstitucionalidade do art. 2» da Lei federal — são também in­ constitucionais.126 Portanto, pelo posicionamento do plenário, ao que parece (pendente a publi­ cação do acordão), estaríamos diante da tese da mutação constitucional no art. 52, X, da CR/88.

122. ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ. STF. Plenário. Rel. Min. Rosa Weber, julg. em 29.11.2017. (Informativo 886) Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir: lll inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; § 5° Para efeito do disposto no inciso lll do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou inter­ pretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. 123. ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ, STF. Plenário. Rel. Min. Rosa Weber, julg. em 29.11.2017. (Informativo 886) 124. ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ, STF. Plenário. Rel. Min. Rosa Weber, julg. em 29.11.2017. (Informativo 886) 125. ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ, STF. Plenário. Rel. Min. Rosa Weber. julg. em 29.11.2017. (Informativo 886) 126. ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ, STF. Plenário. Rel. Min. Rosa Weber, julg. em 29.11.2017. (Informativo 886) Aqui registra­ mos que, no 30.11.2017, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, também julgou improcedentes os pedidos for mulados nas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra a Lei n° 11.643/2001 do Estado do Rio Grande do Sul e a Lei n° 12.589/2004 do Estado de Pernambuco; bem como na arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) ajuizada em face da Lei n° 13.113/2001 e do Decreto 41.788/2002, ambos do Município de São Paulo. Os diplomas impugnados proibem o uso, a comercialização e a produção de produtos á base de amianto/asbesto naquelas unidades federativas (Informativos 407.686,848,872 e 874). A Corte, também por maioria, declarou incidentalmentea inconstitucionalidadedo art.2oda Lei n° 9.055/1995. ADPF 109/SP; ADI 3356/PE; ADI3357/RS.

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Assim, o art. 52, X, da CR/88, teria sofrido uma mutação constitucional e, por­ tanto, foi reinterpretado (embora seu texto continue 0 mesmo). Dessa forma, 0 papel do Senado, com base nas ADIs 3406 e 3470, seria apenas 0 de dar publici­ dade à decisão do STF. Em outras palavras, a decisão do STF, mesmo em controle difuso, já seria dotada de efeitos erga omnes e 0 Senado apenas iria conferir publicidade a isso.

Nesse sentido, apesar de 0 Informativo não fazer referência, estaríamos diante da intitulada abstrativização do controle difuso (na medida em que 0 Plenário do STF decide a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ainda que em controle difuso-concreto e essa decisão é dotada dos mesmos efeitos do controle concentrado, ou seja, eficácia erga omnes e vinculante). Agora explanada a decisão das ADIs e vista a posição do plenário nesses julga­ dos, 0 leitor pode estar se perguntando: por que então mantivemos toda a parte do procedimento do Senado e ainda explicamos 0 art. 52, X, da CR/88, de modo tradicional? Primeiro por uma questão histórica e segundo porque entendemos que essa nova posição do STF é inadequada (e poderia ser repensada pelos Ministros). Vamos apresentar nossos argumentos, tendo em vista uma perspectiva crítica sobre 0 tema:

i°) A nossa posição, fundamentada de acordo com a teoria discursiva da Cons­ tituição e da democracia de Jürgen Habermas, é a de que a tese da abstrativização do controle difuso-concreto reforça 0 controle concentrado e a objetivação, que é adstrita a ele, centralizando as decisões cada vez mais no STF, sob os auspícios de uma desmedida instrumentalidade e economia processuais, que acabam por deslegitimar 0 sistema de controle de constitucionalidade na via difusa de cunho democrático-discursivo, que se desenvolve por meio da crítica pública das decisões, podendo minar, com isso, a base do próprio sistema de direitos fundamentais atre­ lada ao Estado Democrático de Direito.127 128

127. ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ,STF. Plenário. Rel.Min. Rosa Weber,julg.em 29.11.2017.(Informativo 886) Ressaltamos, porém, que, posteriormente ao resultado das ADIS ora citadas, a Min. Relatora Rosa Weber, monocraticamente, "decidiu suspender, em parte, os efeitos da decisão, apenas no ponto em que se atribuiu eficácia erga omnes à declaração de inconstitucionalidade do art. 2o da Lei n° 9.055/1995, até a publicação do acórdão respetivo e fluência do prazo para oposição dos aventados embargos de declaração" A razão dessa suspensão está no fato de que foi requerida a modulação dos efeitos da decisão, o que ainda será apreciado pelo Plenário do STF. 128. Conforme Lenio Streck, Martonio Lima e Marcelo Cattoni (2007) que assim prelecionam contra a instru­ mentalidade processual desmesurada: "Veja o problema ocasionado pela prevalência do velho paradigma representacional (sujeito/objeto) nas diversas reformas no processo: cada vez mais se coloca o procedimento á disposição do pensamento justo do juiz, valendo, por todos, citar a denominada instrumentalidade do processo (por todos, Cândido Rangel Dinamarco e José Roberto Bedaque). Cada vez que se pretende processualizar mais o sistema (sic), ocorre uma diminuição do processo enquanto instrumento de garantia do devido processo legal. [.,.] dia a dia o sistema processual caminha para o esquecimento das singularidades dos casos. Trata-se, pois de um novo princípio epocal. [...] Manipulando o instrumento tem-se o resultado. Ao final dessa linha de produção, o direito é (será) aquilo que a vontade de poder quer que seja. Chega-se ao ápice da não democracia: o direito transformado em política [,..]”ln: STRECK; CATTONI DE OLIVEIRA; UMA, 2007. p. 49.

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2o) Por que tomar uma decisão tão radical de modificar a estrutura do ordena­ mento (e o equilíbrio entre os poderes) indo além do texto constitucional? Ou seja, transbordando seu limite semântico? Se o texto do art. 52, X, da CR/88, é obsoleto (como defende 0 Ministro Gilmar Mendes) ou se busca evitar anomias e fragmenta­ ção da unidade, equalizando a decisão que se toma tanto em sede de controle abstrato quanto em sede de controle incidental, que se mude a Constituição. Por que a saída seria essa pretensa mutação constitucional? Como rasgar um texto e fazer outro sob 0 argumento frágil da mutação constitucional? Ora, sabemos desde Friedrich Müller que a norma não é 0 seu texto, mas não é porque a norma não é 0 seu texto normativo que ela (norma) pode ser qualquer coisa. A norma é resultado de um processo de concretização que envolve também seu texto (pro­ grama normativo). Existe, sim, um limite semântico que deve ser respeitado sob pena de um arbítrio judicial com um sério prejuízo para um Estado constitucional e democrático de direito (0 que gera inclusive, para usar da terminologia clássica, uma mutação inconstitucional). Não seria melhor 0 Poder Constituinte Derivado via emenda constitucional alterar 0 texto constitucional?

3o) Por que não apenas declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 2° Lei Federal 9.055/99 com efeito erga omnes e vinculante sem afirmar a tese da mutação constitucional? Claro que não estamos aqui defendendo a necessidade de 0 STF todo mês e recorrentemente ficar tendo que declarar a inconstitucionalidade incidental do art. 2° da Lei Federal 9.055/99. É sabido que existiam outras ADIs em relação a outras leis estaduais que proibiam de forma total 0 uso do amianto. A decisão de declarar a inconstitucionalidade incidental e de dar 0 efeito erga omnes e vinculante nas ADIs 3406 e 3470 não foi absurda ou inadequada. 0 problema foi 0 ir além da mera decisão. Ou seja, em vez de uma decisão minimalista no caso (one case at a time para usar a expressão de Cass Sunstein), tomar uma decisão maximalista sem a adequação fática e jurídica para tal. Assim, a decisão minimalista objetiva que a Corte decida 0 caso que tem em mãos, no lugar de realizar uma ten­ tativa de estabelecer regras para aplicação a outros casos futuros ou similares em uma questão ainda não "madura".

Nesses termos, a perspectiva minimalista teria 0 condão de fazer: "a) que os tribunais não decidam questões desnecessárias para a resolução de um caso; b) que os tribunais devam recusar a decidir os casos que ainda não estejam maduros ("ripe") para a decisão; c) que os tribunais devam respeitar seus próprios pre­ cedentes; d) que os tribunais devam exercer virtudes passivas associadas com a manutenção do silêncio nas grandes questões cotidianas".’29 Com isso, temos, na teoria de Sunstein, 0 papel desempenhado pelo uso construtivo do silêncio, que seria "medida corriqueira e adequada no funcionamento das instituições judiciais, seja porque permite "ganhar tempo" enquanto os fóruns políticos adequados não

129. SUNSTEIN, Cass R„ One case at a time:judicial minimalism on the Supreme Court, p. 04-05 (tradução livre}.

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solucionam o problema, ou porque juizes possuem pouca legitimidade democrática para fornecer amplas justificações públicas sobre determinados assuntos. Sem dúvida, não era e não seria definitivamente o caso de uma decisão ma­ ximalista nesse momento. Aliás, no caso, há inclusive excelentes fundamentos para uma decisão apenas para a questão em tela (ou seja, uma decisão mais rasa em vez de profunda e mais estreita em vez de larga). Sem dúvida, estamos diante de uma questão que se refere a um acordo incompletamente teorizado (nos dizeres de Cass Sunstein e Adrian Vermeule). Uma questão controvertida na doutrina e que tinha sido rechaçada anteriormente pouco tempo atrás na decisão da Reclamação 4335.

4°) A decisão foi tomada em um processo objetivo de controle abstrato. Ou seja, já estávamos no âmbito de um processo objetivo pela via principal (e abstra­ to). 0 STF analisou se a Lei do Estado do RJ seria ou não inconstitucional. Para negar provimento às ADIs e declarar a Lei do RJ constitucional, ele incidentalmente teve que declarar a inconstitucionalidade da Lei federal que, com 0 passar do tempo, passou a contrariar a Constituição (inconstitucionalidade superveniente) devido mudança de contexto (cenário) jurídico, político, econômico ou social. Ora, essa declaração de inconstitucionalidade incidental se dá no âmbito de um processo objetivo (de controle abstrato e pela via principal) e não no âmbito de uma decisão incidental de um recurso extraordinário ou mesmo de um mandado de segurança ou habeas corpus (processos subjetivos). Lembramos que a causa de pedir é aberta na ADI, e 0 STF, para analisar se uma lei contraria a Constituição, deve percorrer toda a Constituição. No caso, 0 Pretório Excelso fez isso e observou com acuidade que inconstitucional era a Lei federal e não a Lei estadual, objeto da ADI. Portanto, a declaração dessa inconstitucionalidade no processo objetivo e em sede de um con­ trole abstrato poderia ser com efeito erga omnes e vinculante sem a necessidade radical da mutação constitucional (desfazendo do texto do art. 52, X, e substituindo esse texto por outro sem 0 STF ser Poder constituinte derivado para tal). Portanto, a tese muito mais razoável poderia ser a seguinte: em processos obje­ tivos, a declaração incidental de inconstitucionalidade de norma que não foi objeto do pedido terá efeitos erga omnes e vinculantes, sem que isso altere a prática do STF nas declarações incidentais de inconstitucionalidade no âmbito do controle difuso-concreto em processos subjetivos (de viés não abstrato).

5a) Nesse sentido, teríamos uma exceção, ou seja, no controle concentrado-abstrato em processos objetivos a declaração incidental de inconstitucionalidade de uma norma que não foi objeto do pedido teria excepcionalmente (por ter sido derivada do âmbito do processo objetivo) efeito erga omnes e vinculante. Aliás, isso não seria nada demais, basta lembrarmos da inconstitucionalidade por arrastamento. Nessa, não ocorre a declaração de inconstitucionalidade no pro­ cesso objetivo de uma norma que não foi objeto do pedido e 0 efeito já não é 0 erga omnes e vinculante? 0 argumento nesse instituto é a correlação, conexão ou interdependência entre a norma objeto do pedido e a que não é objeto do pedido. 1862

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Portanto, no caso das ADIs 3406 ou 3470 também teriamos uma exceção derivada aqui de uma declaração incidental de inconstitucionalidade em processo objetivo. Embora diferente da inconstitucionalidade por arrastamento, também seria uma exceção.

Aliás, exceções não faltam no uso de normas no direito e, sobretudo, no STF. Por exemplo, a desnecessidade de atuação do Senado já existe e não houve ne­ nhum alarde da doutrina tão vultoso como no final de novembro de 2017. Temos dois exemplos explícitos: a) se a Lei Municipal contrariar a Constituição Estadual em norma de reprodução obrigatória da CR/88 caberá ADI Estadual. Acontece que, segundo 0 STF, da decisão do TJ na ADI Estadual, caberá Recurso extraordinário para 0 STF e a decisão terá efeito erga omnes; b) quando uma decisão proferida no processo subjetivo em recurso extraordinário reinterpreta e modifica uma decisão proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade. No caso, a decisão do Recurso Extraordinário que em regra tem efeito inter partes aqui terá efeito erga omnes por ser substitutivo da ADI e aqui também sem a necessidade de atuação do Senado. 0 Senado não atua em nenhuma dessas duas situações e nem por isso a função dele foi excluída (exterminada) via tese da mutação constitucional. São aqui exceções com a devida fundamentação. Defendemos, então, que poderiamos ter uma terceira exceção sem a necessi­ dade de 0 STF rasgar um texto constitucional e 0 substituir por outro, sem ter a de­ vida legitimidade para tal, justamente por não ser Poder Constituinte Derivado (na verdade se adotada a tese da mutação, seria, sim, uma mutação inconstitucional) 6o) E mais uma reflexão deve ser desenvolvida. Alguns juristas vêm defendendo que no caso ora debatido não houve a abstrativização do controle difuso, mas, sim, a aplicação da transcendência dos motivos determinantes. Ora, realmente 0 caso foi de evidente atribuição de eficácia vinculante sobre a fundamentação de decisão em controle concentrado. Inclusive observamos que os fundamentos determinantes da decisão da ADI 3937 foram aplicados nas ADIs 3406 e 3470. Lembramos aqui que a Transcendência dos motivos determinantes imprime efeito vinculante à ratio deci­ dendi, ou seja, à parte da fundamentação necessária e suficiente à conclusão do julgamento e, em tese, ela pode ocorrer em controle difuso ou concentrado. No caso, teria ocorrido no controle concentrado.

Nesses termos, foi conferido efeito vinculante a uma declaração incidental, que se encontrava na fundamentação do acórdão (repetindo: os fundamentos que determinaram a inconstitucionalidade da Lei Federal na ADI 3937 foram inclusive repetidos nas decisões das ADIs 3406 e 3470). Nesses termos, 0 efeito vinculante recai não apenas sobre 0 dispositivo, mas também sobre fundamen­ tação necessária - questões incidentais - que levou ao julgamento do caso em tal sentido. Aqui observamos que, na fundamentação da decisão das ADIS 3406 e 3470 mais especificamente na ratio decidendi 0 STF entendeu que 0 art. 2° da Lei n» 1863

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9055/95 era inconstitucional. Porém, ainda que se defenda essa tese, algumas questões devem ser levantadas: a) 0 STF não vem adotando essa tese em seus julgados. Nesses termos, ele vem reiteradamente rechaçando a tese da transcen­ dência dos motivos determinantes (aqui 0 STF de forma política e defensiva quer evitar um acúmulo de julgamentos de reclamações); b) E 0 mais importante, os votos dos Ministros na decisão das ADIs 3406 e 3470 não citam em nenhum mo­ mento a aplicação da transcendência dos motivos determinantes. Ora, para que valem os votos dos Ministros? São meros ornamentos? Ou seja, essa tese passa despercebida na decisão, não sendo 0 ponto central do debate. Ela sequer foi objeto de preocupação dos Ministros nos votos; c) Portanto, a única conclusão segura (devido à falta de coerência em nosso frágil sistema de precedentes) é a de que tivemos uma declaração incidental de inconstitucionalidade em controle concentrado (ADI) de uma Lei Federal que nâo foi objeto do pedido e com efeito erga omnes. E 0 pior e mais trágico, com a alegação expressa de mutação consti­ tucional no art. 52, X, da CR/88 (0 que já deixamos nossa opinião de que deveria ser revista).

6.3. Algumas observações finais sobre o controle difuso in concreto: Reinterpretação e modificação de decisão proferida em Ação Direta de Inconstitucionali­ dade, Modulação de efeitos no juízo de não recepção, Quórum no juízo de não recepção, e a Questão do Controle difuso via Ação Civil Pública a) Essa primeira observação retoma a questão dos efeitos debatida anterior­ mente. Como já dito, em regra (pelo menos até a decisão das ADIs 3406 e 3470), a decisão proferida pelo STF em processos individuais (subjetivos) como 0 recurso extraordinário, entre outros, possui eficácia inter partes. No entanto, no caso do RE 567.985/MT, do RE 580963/PR e do Rcl 4374/PE, 0 entendimento do STF excepcionalmen­ te foi diferente. 0 fundamento foi 0 de que 0 Plenário do STF, no julgamento desses processos não apenas resolveu 0 conflito individual deduzido na causa, mas realizou, expressamente, a reinterpretação da decisão proferida pelo próprio STF na ADI 1.232/ DF. Ou seja, a decisão proferida no processo individual ganhou eficácia erga omnes e efeito vinculante porque reinterpretou e modificou uma decisão proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade, que, como veremos, possui esses efeitos (erga omnes e vinculante). Assim, por ter alterado um entendimento do STF que tinha eficácia erga omnes e efeito vinculante, a nova decisão proferida em sede de controle concreto ganhou contornos de controle abstrato. Nesses termos, a conclusão é a de que, se uma decisão proferida por outro órgão jurisdicional violar 0 que foi decidido pelo STF no RE 567.985/MT, no RE 580963/PR e no Rcl 4374/PE, caberá reclamação para 0 STF150.130 *

130. No caso concreto que gerou essa exceção, em 1998, na ADI 1.232/DF, o STF havia decidido que o § 3o do art. 20, da Lei n” 8.742/93, era constitucional. Em 2013, ao apreciar novamente o tema no RE 567.985/MT, no RE 580963/ PR e na Rcl 4374/PE, processos individuais julgados em conjunto, o STF mudou de entendimento e afirmou que o referido § 3o é parcialmente inconstitucional. STF. Decisão monocrática. Rcl 18636, Rel. Min. Celso de Mello, julg. em 10.11.2015.

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b) Outro ponto importante é que o STF, apesar de reconhecer a possibilidade de modulação de efeitos no âmago do controle difuso-concreto (questão pacifica­ da131), não admitia a modulação de efeitos (exceções ao efeito ex tunc) no que tange à decisão que envolvesse o intitulado juízo de não recepção de normas anteriores à Constituição de 1988. Nesses termos, conforme 0 RE n° 353.508-Agr, a decisão de não recepção só admitiría efeito ex tunc (retroativo). Vejamos a ementa: "(•-) IPTU - Recurso do município que busca a aplicação, no caso, da técnica da mo­ dulação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade - impossi­ bilidade, pelo fato de 0 Supremo Tribunal Federal não haver proferido decisão de inconstitucionalidade pertinente ao ato estatal questionado - julgamento da Supre­ ma Corte que se limitou a formular, na espécie, mero juízo negativo de recepção - não recepção e inconstitucionalidade: noções conceituais que não se confundem (...) 1. Considerações sobre 0 valor do ato inconstitucional - os diversos graus de invalidade do ato em conflito com a constituição: ato inexistente? aro nulo? ato anulavel? (com eficácia ex tunc ou com eficácia ex nunc) - formulações teóricas - 0 status quaestionis na jurisprudência do Supremo tribunal Federal. 2. Modula­ ção temporal dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade: técnica inaplicavel quando se tratar de juízo negativo de recepção de aros pré-constituclonais. - A de­ claração de inconstitucionalidade reveste-se, ordinariamente, de eficácia ex tunc (RTJ 146/461-462 - RTJ 164/506-509). retroagindo ao momento em que editado 0 ato estatal reconhecido inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. 0 Supremo Tribunal Federai tem reconhecido, excepcionalmente, a possibilidade de proceder â modulação ou limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstituciona­ lidade, mesmo quando proferida, por esta Corte, em sede de controle difuso. Pre­ cedente: RE 197.917/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA (Pleno). - Revela-se inaplicavel. no entanto, a teoria da limitação temporal dos efeitos, se e quando 0 Supremo Tribunal Federal, ao julgar determinada causa, nesta formular juízo negativo de recepção, por entender que certa lei pré-constitucional mostra-se materialmente incompatível com normas constitucionais a ela supervenientes. - A não recepção de ato estatal pré-constitucional, por não implicar a declaração de sua inconstitu cionalidade - mas 0 reconhecimento de sua pura e simples revogação (RTJ 143/355 - RTJ 145/339) - descaracteriza um dos pressupostos indispensáveis à utilização da técnica da modulação temporal, que supõe, para incidir, dentre outros elementos, 0 necessária existência de um juízo de inconstitucionalidade. - InaplicabtTidade, ao caso em exame, da técnica da modulação dos efeitos, por tratar-se de diploma legislativo, que, editado em 1984, não foi recepcionado, no ponto concernente à norma questionada, pelo vigente ordenamento constitucional. (...)".

Porém, certo é que 0 STF nos apresenta um novo posicionamento, nos ter­ mos do recente RE 600.885/RS de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, julgado em 02.02.2011. Nessa decisão, 0 Pretório Excelso admitiu a possibilidade de modulação de efeitos em sede de lei anterior à Constituição e com a mesma incompatível (juízo de não recepção).

131. RE 522897/RN. STF. Plenário. Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 16.03.2017 (Info 857): Ê possível a modulação dos efeitos da decisão proferida em sede de controle incidental de constitucionalidade. Assim, não é apenas no contro­ le abstrato que se admite a modulação.

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0 caso envolveu o tema "limite de idade para concurso de ingresso nas forças armadas". 0 STF asseverou nos termos constitucionais (art. 142, § 30, X da CR/88) a necessidade de edição de lei para definição dos limites e a impossibilidade des­ sa definição por regulamentos (conforme permissivo previsto no art. 10 da Lei 6.880/80). Nesses termos, conforme a ementa: (...) Concurso público para ingresso nas forças armadas: critério de limite de idade fixado em edital. Repercussão geral da questão constitucional. Substituição de pa radigma. art. 10 da lei n°6.88o/i98o. Art. 142, § y, X, da Constituição da República. Declaração de nâo recepção da norma com modulação de efeitos. Desprovimento do recurso extraordinário. 1. Repercussão geral da matéria constitucional reconhecida no Recurso Extraordinário n. 572.499: perda de seu objeto; substituição pelo Recurso Extraordinário n. 600.885. 2. 0 art. 142. § 3», inciso X, da Constituição da República, é expresso ao atribuir exclusivamente â lei a definição dos requisitos para 0 ingresso nas Forças Armadas. 3. A Constituição brasileira determina, expressamente, os requi sitos para 0 ingresso nas Forças Armadas, previstos em lei: referência constitucional taxativa ao critério de idade. Descabimento de regulamentação por outra espécie normativa, ainda que por delegação legal. 4. Nâo foi recepcionada pela Constituição da República de 1988 a expressão "nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica" do art. 10 da Lei ri°6.880/1980.5.0 princípio da segurança jurídica impõe que, mais de vinte e dois anos de vigência da Constituição, nos quais dezenas de concursos foram realizados se observando aquela regra legal, modulem se os efeitos da nâo recepção: manutenção da validade dos limites de idade fixados em editais e regulamentos fundados no art. to da Lei n-6.88o/t98o até 31 de dezembro de 2012. 6. Recurso extraordinário desprovido, com modulação de seus efeitos. (RE 600.885/RS, julg. em 09.02.2011, Rel. Min. Cármen Lúcia)

c) 0 quórum de sessão (ou quórum de julgamento) no controle de constitucio­ nalidade é definido como a quantidade mínima de Ministros presentes na sessão para que 0 STF inicie a discussão se uma lei ou ato normativo são ou não incons­ titucionais. Segundo 0 Regimento Interno do STF no parágrafo único do art. 143, 0 quórum de sessão (ou de julgamento) para que 0 STF possa examinar a constitucio nalidade de uma lei ou ato normativo será de 8 Ministros (seja no controle difuso ou no concentrado, embora para 0 controle concentrado 0 art. 22 da Lei 9.868/99 afirme de forma explícita). Portanto, no STF, para que seja iniciada a sessão de julgamento em que será votada a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo, é necessário que estejam presentes no mínimo 8 Ministros. É interessante que 0 plenário do STF decidiu que essa exigência de quórum para julgamento não se aplica no caso de 0 Pretório Excelso estar analisando a recepção ou não de uma lei ou ato normativo. 0 fundamento é 0 de que não haverá, nesse caso, controle (juízo) de constitucionalidade, pois trata-se apenas de discussão em torno de direito pré constitucional.1’2

132. Conforme o RE 658.312/SC julg. em 27.11.2014:''Preliminarmente, o Colegiado, por decisão majoritária, rejeitou questão de ordem, suscitada pelo Ministro Marco Aurélio, no sentido de nâo haver quórum para julgamento, ten­ do em conta se tratar de conflito de norma com a Constituição, e a sessão contar com menos de oito integrantes. No ponto, o Ministro Celso de Mello frisou que não se cuidaria dejuizo de constitucionalidade, mas de discussão

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d) Por fim, não podemos nos olvidar de explicitarmos uma questão que gerou muito debate na doutrina e na jurisprudência em sede de controle difuso. A questão foi: existe a possibilidade de controle difuso via Ação Civil Pública? Sim, conforme o Informativo n° 212 do STF. Porém, a Ação Civil Pública não pode ser sucedânea (vi­ sar substituir) da Ação Direta de Inconstitucionalidade. Nesses termos, devemos ficar atentos à causa de pedir e ao pedido dessa ação, pois 0 pedido da Ação Civil Pública não pode ser 0 de declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, pois a questão central da ACP deve ser a nulidade ou não de ato concreto (que pretensa­ mente lesiona 0 patrimônio público). Portanto, a inconstitucionalidade desse ato só pode ser discutida incidentalmente (incidenter tantum), não podendo ser objeto da questão principal.’33 Além disso, 0 efeito da decisão do incidente de inconstituciona­ lidade não pode ser erga omnes, mas somente ínter partes, sob pena de subtração (ou usurpação) da competência do STF.* 134 133 6.4. Controle Concentrado de Constitucionalidade no Brasil. ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade

6.4.7. Conceito Espécie de controle concentrado no STF que visa declarar a inconstitucionalida­ de de leis ou atos normativos federais ou estaduais que contrariem a Constituição da República de 1988.

6.4.2. Parâmetro e Objeto da ADI

Inicialmente é mister explicitarmos qual parâmetro é usado para o contro­ le de constitucionalidade. Certo é que, quando usamos 0 temos "parâmetro".

em torno de direito pré-constitucional. Assim, o juízo da Corte seria positivo ou negativo de recepção. Vencido o suscitante."(lnf. 769 do STF) 133. Conforme o RE n° 424.993: [...] Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal com pedidos múltiplos, dentre eles, o pedido de declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum da lei distrital 754/1994, que disciplina o ocupação de logradouros públicos no Distrito Federal. Resolvida questão de ordem suscitada pelo relator no sentido de que a declaração de inconstitucionalidade da lei 754/1994 pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal não torna prejudicado, por perda de objeto, o recurso extraordinário. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido que se pode pleitear a inconstitucionalidade de determinado ato normativo na ação civil pública, desde que incidenter tantum. Veda-se, no entanto, o uso da ação civil pública para alcançar a declaração de incons­ titucionalidade com efeitos erga omnes. No caso, o pedido de declaração de inconstitucionalidade da lei 754/1994 é meramente incidental, constituindo se verdadeira causa de pedir. Negado provimento ao recurso extraordinário do Distrito Federal e julgado prejudicado o recurso extraordinário ajuizado pelo Ministério Público do Distrito Federal. Julgamento em 12.09.2007. (DJ: 19.10.2007). No mesmo sentido, a decisão do STF na RcL n° 1503 em 17.11.2011, presente no Informativo 648 do STF. 134. Conforme a Reclamação n° 2.224/SP: Reclamação: procedência: usurpação da competência do STF (CR, art. 102,I, a). Ação civil pública em que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes não é posta como causa de pedir, mas, sim, como o próprio objeto do pedido, configurando hipótese reservada à ação direta de inconstitucio­ nalidade de leis federais, da privativa competência originária do Supremo Tribunal. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg. em 26.10.2005. (DJ: 10.02.2006).

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remetemos à questão de quais normas da Constituição serão analisadas para sa­ bermos se a lei ou o ato normativo impugnado (atacado) realmente as violaram. Nesses termos, parâmetro (ou paradigma de controle) são as normas que servirão como referência para que o Tribunal analise se determinada lei ou ato normativo são ou não inconstitucionais. Por óbvio, se a lei ou ato normativo (que são objeto da ADI) estiverem em contrariedade com o parâmetro, podemos ter a declaração de inconstitucionalidade. Conforme já aventado, a relação de parametricidade no Brasil envolve as nor­ mas constitucionais expressas (art. 1 ao art. 250 e do ADCT) e implícitas1’5 na Cons­ tituição (formal). Sejam as normas constitucionais originárias ou fruto de emenda constitucional. Certo é que nessas normas constitucionais, atualmente, também po­ demos acrescentar os tratados internacionais de direitos humanos que passaram pelo procedimento equivalente ao das emendas constitucionais nos moldes do art. 5", § 3°, da CR/88 (introduzido pela EC n° 45/2OO4).,3é

Porém, temos ainda que salientar 0 que, definitivamente, não será parâmetro (base) para a ADI, na perspectiva desenvolvida pelo STF. Certo é que não pode ser usado como paradigma para 0 controle de constitucionalidade: a) 0 preâmbulo da Constituição, pois 0 STF não admite sua força normativa; b) normas constitucionais já revogadas (visto que foram destituídas de normatividade) ou as normas constitucio­ nais do ADCT que tiveram sua eficácia exaurida (por já terem cumprido sua função no ordenamento); c) normas das constituições anteriores, visto que não são dota­ das de validade (a não ser que a nova constituição excepcionalmente determine de forma expressa135 137) em relação ao novo ordenamento constitucional, constituído 136 a partir de 05.10.1988.

135. Exemplo aqui já citado ê o do princípio da proporcionalidade. 136. Segundo posicionamento do STF, os tratados de direitos humanos, que não passaram pelo procedimento descrito no art. 5o, § 3o, da CR/88, não poderão ser usados como parâmetro para o controle de constitucio­ nalidade. Estes, por serem Tratados Internacionais de Direitos Humanos, serão alocados no ordenamento pátrio como normas supralegais. Normas acima das leis ordinárias, mas abaixo das normas constitucionais. Em relação a eles, teremos o intitulado controle de supralegalidade e não o controle de constitucionalidade. Portanto, em regra, os tratados internacionais não podem ser utilizados como parâmetro em sede de con trole concentrado de constitucionalidade. Excepcionalmente será cabivel ADI contra lei ou ato normativo que violou tratado ou convenção internacional que trate sobre direitos humanos e que tenha sido aprovado segundo o § 3o do art. 5o, da CR/88. Como já dito, esse tratado será incorporado ao ordenamento brasileiro como se fosse (equivalente) uma emenda constitucional. STF. Plenário. ADI 2O3O/SC, Rel. Min. Gilmar Men­ des, julg. em 09.08.2017. No caso, foi proposta uma ADI contra lei estadual alegando que ela violou um tratado internacional, que seria a Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resí­ duos e Outras Matérias, assinada em Londres, e promulgada pelo Brasil por meio do Decreto 87.566/1982. Conforme o STF: Primeiramente o Colegiado não conheceu do pedido de declaração de inconstitucionalidade quanto á ofensa à referida convenção, promulgada pelo Decreto 87.566/1982. Escloreceu que a jurisprudência da Corte não admite o exame de contrariedade à norma infraconstitucional em sede de controle concentrado de constitucionalidade (Informativo 872 do STF). 137. Esse fenômeno, já citado em nossa obra, é o da recepção material de normas constitucionais. Sem dúvida, é um fenômeno excepcional que, via de regra, ocorre por vontade do Poder Constituinte Originário e em caráter precário.

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Passamos agora a falar do objeto. Sem dúvida, conforme dicção constitucional, o objeto de ADI será a lei ou o ato normativo federal ou estadual. Porém, como podemos definir o que seja ato normativo?

Castanheira Neves explicita uma definição muito usada pela doutrina brasilei­ ra. Afirma o autor português que ato normativo é aquele revestido de indiscutível conteúdo normativo prescritivo de dever-ser. Portanto, um ato que vincula condutas não de forma descritiva, mas de forma eminentemente prescritiva. Porém, o que o STF entende por lei ou ato normativo prescritivo de dever-ser, ou seja, portanto, passível de ADI? Nesse caso, um estudo jurisprudencial e um quadro esquemático a partir dele pode nos ajudar a entender quando, segundo o STF, cabe ou não ADI no que tange às leis ou aos atos normativos federais ou mesmo estaduais.

Dessa forma, passamos agora à apreciação do posicionamento do STF sobre o cabimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade. Nesses termos, cabe ADI contra: 1) As espécies normativas primárias do art. 59. Ou seja: Emendas Constitucio­ nais; Leis Complementares; Leis Ordinárias; Leis Delegadas; Medidas Provisórias;1’* Decretos Legislativos e Resoluções.

Aqui, sobre as espécies normativas primárias, algumas observações são impor­ tantes. Tradicionalmente, o STF entendia que, se a espécie normativa primária for de efeito concreto (ato normativo de efeito concreto ou ato normativo concreto), não caberia à ADI por falta de generalidade e abstração ínsitas à ADI. Como exemplos, citava a doutrina: a) Resolução da Câmara dos Deputados que aprova 0 processo contra 0 Presidente da República, com base no art. 51, I, da CR/88; b) Decreto Le­ gislativo do Congresso Nacional que autoriza 0 Presidente a se ausentar do país por mais de 15 dias com base no art. 49, lll, da CR/88.1” Porém, esse entendimento, pelo menos 0 priori, modificou-se, em maio de 2008, à luz de algumas decisões do Pretório Excelso, nas quais, ainda que em sede liminar (ADI 4O48,4C e posteriormente

138. Certo é que, conforme já estudamos, com relação ao conteúdo de uma Medida Provisória, a ADI deve ser en­ tendida como uma regra. Já vimos na obra que se o conteúdo de uma medida provisória contraria o conteúdo da Constituição, contra ela cabe ADI e ela deve ser declarada inconstitucional. Porém, se o questionamento envolve os aspectos formais da MP, ou seja, sua relevância e urgência, temos que a alegação de inconstitucio­ nalidade formal deve ser apreciada pelo STF só em termos excepcionais (como exceção). Nesse caso, entende o Pretório Excelso que o juízo de discricionariedade para decidir sobre a relevância e urgência é de quem edita a MP, no caso, o Presidente da República, e após a sua análise teremos ainda a apreciação do Congresso Nacio nal, que poderá rejeitara MP por falta de seus pressupostos de relevância e urgência (vide art. 62, Vda CR/88). Portanto, o STF só irá apreciar e declarar uma possível inconstitucionalidade formal excepcionalmente quando entender que o Presidente da República incorreu em desvio de finalidade ou em abuso no Poder de legislar. 139. DAVID ARAÚJO, Luiz: SERRANO NUNES, Curso de direito constitucional. 140. Aqui o posicionamento majoritário do STF na medida cautelar da ADI 4048: Medida Cautelar em Ação Direta de inconstitucionolidade. Medida Provisória n° 405, de 18.12.2007. Abertura de crédito extraordinário. Limites Constitu­ cionais à atividade legislativa excepcional do Poder Executivo na edição de medidas provisórias. Medida provisória e sua conversão em lei. Conversão da medida provisória na Lei n° 11.658/2008, sem alteração substancial. Aditamen­ to ao pedido inicial, inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não

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ADI 4049), 0 STF passou a admitir 0 ajuizamento de ADI contra lei ou ato normativo concreto. Nesses termos, ainda que de forma não consolidada e recorrente, temos que, atualmente 0 STF admite ADI contra espécies normativas primárias, mesmo sendo estas de efeitos concretos.141

Aqui, é interessante observarmos também, que a Turma do STF já afirmou, ainda que em decisão esparsa, que 0 fato de uma lei possuir destinatários determináveis não retira seu caráter abstrato e geral, tampouco (de forma automática) a trans­ forma em norma de efeitos concretos. No caso, 0 Município de Palmas/TO, editou lei transformando cargos de analista técnico jurídico em Procurador do Município. Foi proposta no Tribunal de Justiça ADI estadual (representação de inconstitucionalida­ de estadual) contra a lei municipal. 0 TJ não conheceu da ação por inadequação da via eleita (procedimento inadequado) e sob 0 argumento de que a lei impugnada teria nascido em virtude de um acordo homologado judicialmente. Logo, não seria possível rediscutir a matéria por meio de ação direta de inconstitucionalidade, con­ siderando que haveria violação à coisa julgada material.

Para 0 STF 0 fato de uma lei ter sido aplicada em casos concretos, com decisões transitadas em julgado, em nada interfere na possibilidade dessa mesma norma ser analisada, abstratamente, em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Acordos homologados judicialmente jamais podem afastar 0 controle concentrado de constitucionalidade das leis. 0 Pretório Excelso também entendeu que não pode subsistir a afirmação do TJ no sentido de que a norma tida por viciada não pode ser

convalida os vidos existentes na medida provisória. II. Controle abstrato de constitucionalidade de normas orça­ mentárias. Revisão de jurisprudência. O STF deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucio­ nalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscita­ da em abstrato, independente do caráter geral ou especifico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade. lll. limites constitucionais à atividade legislativa excepcional do Poder Executivo na edição de medidas provisórias para abertura de crédito ex­ traordinário. Interpretação do art. 167, § 3°c/co art. 62,5 1°, inciso I, alínea "d", da CF. Além dos requisitos de relevância e urgência (art. 62), a CF exige que a abertura do crédito extraordinário seja feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes. Ao contrário do que ocorre em relação aos requisitos de relevância e urgência (art. 62), que se submetem a uma ampla margem de discricionariedade por parte do Presidente da República, os requisitos de imprevisibilidadee urgência (art. 167, $3°) recebem densificação normativa da Constituição. Os conteúdos semânticos das expressões "guerra", "comoção interna"e "calamidade pública"constituem vetores para a interpretação/ aplicação do art. 167, § 3°c/coart. 62, §1°, inciso I, alínea “d", da Constituição. “Guerra", “comoção interna" e “calamidade pública" são conceitos que representam realidades ou situações fáticas de extrema gravidade e de consequências imprevisíveis para a ordem pública e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devi­ da urgência, a adoção de medidas singulares e extraordinárias. A leitura atenta e a análise interpretativa do texto e da exposição de motivos daMPn° 405/2007 demonstram que os créditos abertos são destinados a prover despesas correntes, que não estão qualificadas pela imprevisibilidade ou pela urgência. A edição da MP na 405/2007 configurou um patente desvirtuamento dos parâmetros constitucionais que permitem a edição de medidas provisórias para a abertura de créditos extraordinários. IV. Medida cautelar deferido. Suspensão da vigência daLein°l 1.658/2008. desde a sua publicação, ocorrida em 22 de abril de 2008. Nesse sentido, também a decisão da ADI 5449 MC Referendo/ RRjulg.em 10.03.2016 (Inf 817) 141. Mas, aqui, devemos ter atenção, pois o que o STF admitiu foi a possibilidade de cabimento de ADI contra lei ou ato normativo de efeito concreto, não se admitindo ADI contra "atos administrativos de efeitos concretos" visto que estes não são enquadrados como leis ou atos normativos.

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objeto de ADI, pois se discute aqui a constitucionalidade da lei impugnada, e não o trânsito em julgado dos acordos homologados judicialmente’42 Sobre as medidas provisórias temos algumas reflexões interessantes. Merece nossa atenção algumas digressões sobre as medidas provisórias que está presente no art. 59, V, bem como em todo 0 art. 62 da CR/88.

A primeira questão importante se refere à figura da conversão da MP em Lei. Ou seja, a situação na qual a Medida Provisória vira lei após a sua aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado. Nesse caso, certo é que a sua conversão em lei não convalida os vícios originários existentes na MP e que foram objeto de questio­

namento via ADI. Assim sendo, a ADI não restará prejudicada, havendo apenas a necessidade da inicial da ADI ser aditada. Conforme a ADI 4048, temos que: I. Medida Provisória e sua conversão em lei. Conversão da medida provisória na Lei n» 11.658/2008, sem al­ teração substancial. Aditamento ao pedido inicial. Inexistência de obstáculo processual ao prosseguimento do julgamento. A lei de conversão não convalida os vícios existentes na medida provisória." Outra questão, recentemente enfrentada pelo STF, refere-se a edição de medida provisória visando revogar lei que esta sendo objeto de ADI. 0 que acontece se a ADI for pautada e chegar 0 dia do julgamento? 0 STF deveria julgar a ADI contra uma lei que foi objeto de MP (que está em vigor) visando revoga-la? Pois bem, segundo 0 STF, se for editada MP revogando (na verdade suspendo) lei que está sendo questionada por meio de ADI, esta ação poderá ser julgada enquanto a medida provisória não for votada. Nesses termos, para 0 STF, enquanto a MP não for votada, não há perda do objeto.142 143

0 fundamento aqui é 0 de que a edição de medida provisória não tem eficácia normativa imediata de revogação da legislação anterior com ela incompatível, mas apenas de suspensão, paralisação, das leis antecedentes até 0 término do prazo do processo legislativo de sua conversão. Portanto, embora seja espécie normativa (prevista no art.59, V da CR/88) com força de lei, a medida provisória precisa ser confirmada. A conclusão é a de que a medida provisória é lei sob condição resolutiva. Se for aprovada, a lei de conversão resultará na revogação da Lei. Assim sendo.

142. RE 1186465 AgR/TO, STF. PTurma. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 08.10.2019. A Primeira Turma deu provimento a agravo regimental em recurso extraordinário para determinar o retorno do processo ao tribunal de ori­ gem, para que seja julgado o mérito de ação direta de inconstitucionalidade estadual ajuizada contra normas locais que transformaram cargos de analista técnicojurídico em cargos de procurador municipal. No caso, o Pleno do Tribu­ nal de Justiça estadual, por maioria, nào conheceu da referida ação direta de inconstitucionalidade, ao fundamento de: i) inadequação do procedimento escolhido pelo requerente para veicular as pretensões deduzidas na inicial e ii) afronta ao instituto da coisa julgada material, visto que as normas contestadas seriam fruto de acordo homologado judicialmente, sendo, portanto, inviável a rediscussão da matéria. (Informativo 955) 143. ADI 5717/DF, ADI 5709/DF, ADI 5716/DF e ADI 5727/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 27.03.2019 (Info 935)

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enquanto não aprovada a MP, nao se pode falar em perda de interesse (perda do objeto) da ADI.144 2) Resoluções ou deliberações administrativas de Tribunais. Por exemplo: cabe ADI contra deliberação administrativa de Tribunais de Justiça.145 3) Regimento Interno dos Tribunais.146

4) Regimento Interno das Casas do Poder Legislativo14' (vide 0 precedente da ADI n» 1.635,148 bem como 0 da ADI n° 3.208). 5) Atos estatais de conteúdo derrogatório (resoluções normativas que incidem sobre atos de caráter normativo). São resoluções administrativas normativas que incidem sobre atos normativos, ou seja, verdadeiros atos do Poder Executivo com força normativa (vide a ADI 3206149).

6) Resolução do Conselho Interministerial de Preços, conforme a ADI n° 08?50 7) Decretos autônomos do art. 84, VI da CR/88. Nesse caso, estaríamos diante de um decreto que usurpa diretamente a Constituição, sendo essa, seu parâmetro imediato (frontal). Os decretos autônomos são aqueles que veiculam normas que estabelecem proibições, mandamentos ou permissões que não estavam previstos no ordenamento jurídico. Nesses termos, são atos normativos que buscam valida­ de diretamente da Constituição.151

144. ADI 5717/DF, ADI 5709/DF, ADI 5716/DF e ADI 5727/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 27.03.2019 (Info 935) 145. Como exemplo: ADI 3202 Rel. Min. Cármen Lúcia Julg. em 05.02.2014 (Informativo 734 do STF). 146. Conforme Gilmar Mendes, desde que tenham caráter autônomo e não meramente ancilar. In: Mendes, Gilmar, 2008. 147. Conforme Gilmar Mendes, desde que tenham caráter autônomo e nâo meramente ancilar. In: Mendes, Gilmar, 2008. Outro exemplo: ADI n° 4587 que, em 22.05.2014, declarou inconstitucional o art. 147, § 5o, do Regimento Interno da AL do Estado de Goiás. E recentemente tivemos o STF por maioria conhecendo da ADI 5498 MC/DF, sobre o § 4o do art. 187 do RI da Câmara dos Deputados, de rel. orig. Min. Marco Aurélio, com red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, julg. em 14.04.2016. 148. Nesses termos [...] 1. A restrição estabelecido no §4° do artigo 35 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que limita em cinco o número de CPIs em funcionamento simultâneo, está em consonância com os incisos lll e IV do artigo 51 da Constituição Federal, que conferem a essa Casa Legislativa a prerrogativa de elaborar o seu regimento interno e dispor sobre sua organização. Tais competências são um poder dever que permite regular o exercício de suas atividades constitucionais. 2. Açao direta de inconstitucionalidadejulgada improcedente. (Rel. Min Maurício Corrêa. Julg. em 19.10.2000. DJ: 05.03.2004). 149. Conforme a decisão da ADI 3206: OTribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a incons­ titucionalidade da Portaria n° 160, de 13 de abril de 2004, do Ministro de Estado doTrabalhoe Emprego. 150. Nesses termos, é a Ementa: Constitucional. Açáo direta. Resolução 293-C, de01 11.88, do Conselho Interministerialde Preços: reajuste de preços. Alteração posterior. Liberação dos preços. I. - Liberação dos preços industriais dos medica mentos da linha humana constantes da Resolução 293 C. de 01.11.88. pela Portaria da Secretaria Executiva do MEFP n. 37, de 11.05.92, certo que. anteriormente, os preços foram objeto de modificações mediante resoluções ou portarias. Perda do objeto do ação direta de inconstitucionalidade. II. -ADIn julgada prejudicada. (Rel. Min. Carios Velloso. Julg. 15.02.1996. DJ: 10.05.1996). 151. Os decretos autônomos retiram fundamento diretamente da Constituição Federal (art. 84, VI) e, portanto, são dotados de generalidade e abstração. Por essa razão, podem ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade. ADI 3664, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 01/06/2011. Outro Exemplo de Decreto Autônomo: ADI 6121 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julg em 12 e 13.06.2019. O Presidente da República Jair Bolsonaro editou o Decreto n° 9.759/2019

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8) Resoluções do TSE. Conforme o Informativo n° 398 do STF. Como preceden­ tes, temos as ADIs nns 3.345 e 3.365 que foram admitidas contra a Resolução n® 21.702/2004 do TSE. 9) Tratados Internacionais e convenções internacionais. Porém, aqui, há três possibilidades que devem ser analisadas: (1) TI que não dispõe sobre direitos hu­ manos (adentra como lei ordinária); (II) TI que trata de direitos humanos e passou pelo procedimento do art. 5% § 3®, da CR/88 (adentra como norma constitucional, rios mesmos moldes de uma emenda constitucional); (lll) TI que versa sobre direitos humanos e que não passou pelo procedimento do art. 5», § 3% da CR/88 (norma supralegal). Nesse último caso, como 0 TI é de direitos humanos, segundo aperta­ da votação (5x4) no STF no julgamento do RE n» 466.343, ele não pode adentrar no ordenamento como lei ordinária e nem mesmo adentraria como norma constitu­ cional. No referido RE n® 466.343, ficou definida uma terceira hipótese normativa, estabelecendo, pois, a chamada tese da norma supralegal, tese, portanto, esta que saiu vencedora.-53 Assim, 0 TI adentraria não como norma constitucional nem como lei ordinária, mas como norma supralegal (abaixo da Constituição e acima das leis ordinárias). Sem dúvida, a tese vencedora merece críticas na medida em que 0 STF cria espécie normativa não prevista constitucionalmente (ainda que de forma bemintencionada e bem fundamentada), atuando além de suas competências constitu­ cionais, além de contrariar o texto constitucional. Com isso, voltando ao tema, mes­ mo (agora) havendo três hipóteses (emenda constitucional, lei ordinária e norma supralegal), segundo posicionamento majoritário do STF, contra todas caberia ADI. 10) Decretos do Presidente da República de promulgação de tratados e conven­ ções internacionais. 11) Lei Distrital no exercício da competência Estadual do Distrito Federal. Certo é que se cabe ADI contra lei ou ato normativo estadual, também caberá ADI contra lei ou ato normativo Distrital no exercício de competência de cunho estadual do DF.152 153

extinguindo uma série de colegiados existentes na Administração Pública federal. O art. 1°, §2° deste Decreto previu que ficariam extintos os colegiados que sejam mencionados em lei. mas sem que esta tenha definido a competência ou a composição. O STF, em medida cautelar, declarou a inconstitucionalidade dessa previsão, considerando que a extinção desses colegiados mencionados em lei somente poderia ocorrer lambem mediante lei (e não por decreto). Exemplo: ADI 1306/BA. Rel. Min.Cármen Lúcia, julg em 13.06.2018.0 Plenário, por moioria, julgou improcedente pedido formulado em ADIs ajuizadas contra o Decreto 4.264/1995, da Bahia, que dispõe sobre as providências a serem adotadas em caso de paralisação de servidores públicos estaduais a titulo de greve. (...) O Tribunal considerou tratar-se de decreto de caráter autônomo, que disciplina, nos termos da competência reservada ao chefe do Poder Executivo pelo art 84, IV, da CF, as consequências—estritamente administrativas — do ato de greve dos servidores públicos e as providências a serem adotadas pelos agentes públicos no sen tido de dar continuidade aos serviços públicos. 152. No mesmo sentido: A Resolução do TSE pode ser Impugnada no STF por meio de ADI se, a pretexto de regulamentar dispositivos legais, assumir caráter autônomo e inovador. STF. Plenário. ADI 5104 MC/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julg. em 21.05.2014. Também: Ê cabível ADI contra Resolução do TSE que tenha, em seu conteúdo material, "norma de decisão"de caráter abstroto, geral e autônomo, apta a ser apreciada pelo STF em sede de controle abstrato de cons­ titucionalidade. ADI 5122, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 03.05.2018. 153. O Min. Celso de Mello, por exemplo, defendia, contrariamente ao Ministro Gilmar, queosTIs de direitos humanos deveriam entrar como normas constitucionais mesmo não passando pelo procedimento do art. 5°, § 3o, da CR/88.

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12) Resoluções do Conselho Nacional de justiça ou do Conselho Nacional do Mi­ nistério Público. 0 STF, na decisão de medida cautelar na ADC 12 (Ação Dedaratória de Constitucionalidade), reconheceu majoritariamente (embora à época com diver­ gências na doutrina e entre seus Ministros sobre o tema) que as resoluções do CNJ devem ser consideradas atos normativos primários.154 No caso do CNMP, temos a ADI 4263, julgada em 25.04.2018.

13) Conforme 0 STF, cabe ADI contra recomendação de Tribunal que fixa a com­ petência da justiça do Trabalho para autorizar 0 trabalho de crianças e adolescen­ tes em eventos de natureza artística. Nesses termos, cabe ADI contra recomendação conjunta de Tribunal de Justiça e de Tribunal Regional do Trabalho recomendando aos juizes que considerem como sendo da Justiça do Trabalho a competência para autorizar 0 trabalho de crianças e adolescentes em eventos de natureza artística. Para 0 STF, essa recomendação deve ser considerada como ato de caráter primário, autônomo e cogente, inovando no ordenamento jurídico, razão pela qual pode ser impugnada por meio de ADI.155 Em outro giro, segundo 0 STF, não cabe Ação Direta de Inconstitucionalidade contra:

154. MC na ADC 12: [...] A Resolução n° 07/05 do CNJ reveste-se dos atributos da generalidade (os dispositivos dela constantes veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo padronizadas), impessoalidade (au­ sência de indicação nominal ou patronimica de quem quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos mandamentos). A Resolução nu 07/05 se dota, ainda, de caráter normativo primário, dado que arranca diretamente do § 4o do art 103-B da Carta-cidadâ e tem como finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado, especialmente o da impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da moralidade. O ato normativo que se faz de objeto desta ação dedaratória densifica apropriada­ mente os quatro citados princípios do art. 37 da CF, razão por que não hã antinomia de conteúdos na compara­ ção dos comandos que se veiculam pelos dois modelos normativos: o constitucional e o infraconstitucional. (...) (Rel. Min. Carlos Brito. Julg. em 16.02.2006). A decisão de mérito da ADC 12, no mesmo sentido da MC. se deu em 20.08.2018. 155. ADI 5326/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 27.09.2018 (Info 917). Recomendação Conjunta 1/2014 das Corregedorias dos Tribunais de Justiça e do Trabalho, e dos Ministérios Públicos estadual e doTraba Iho de Estado de São Paulo: RECOMENDAR aos Juizes de Direito do infância e da Juventude, aos Juizes do Trabalho da Segunda e da Décima Quinta Região e aos Membros do Ministério Público Estadual e do Ministério Público do Tra­ balho da Segunda e da Décima Quinta Região, que tomem como diretriz, para efeito de competência: I-As causas que tenham como fulcro os direitos fundamentais da criança e do adolescente e sua proteção integral, nos termos da Lei 8.069. de 13 dejulho de 1 990, inserem-se no âmbito da competência dos Juizes de Direito da Infância e da Juventude; II - As causas que tenham como fulcro a autorização para trabalho de crianças e adolescentes, inclusive artístico e des­ portivo, e outras questões conexas derivadas dessas relações de trabalho, debatidas em ações individuais e coletivas, Inserem-se no âmbito da competência dos Juizes do Trabalho, nos termos do art. 114, incisos I e IX, da Constituição da República. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão ajuizou ADI contra esse ato normativo. Assim sendo, por "Recomendação", foi fixada a competência da Justiça do Trabalho para analisar os pedidos de autorização para crianças e adolescentes participarem em eventos de natureza artística. Apesar de ter sido nominado como "recomendação", o que se observa é que se trata de um verdadeiro ato de caráter geral e abstrato definindo compe­ tência para os juizes trabalhistas. Como é um ato emanado pelas Corregedorias dos referidos Tribunais, é de se supor que os juizes a eles vinculados se sentirão propensos a cumpri-las. O STF entendeu que essa recomendação conjunta representava um ato normativo de caráter cogente e vinculativo que alterou o entendimento até então prevalecente no sentido de que a competência seria da Justiça Estadual.

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Controle

de

Constitucionalidade

1) Norma constitucional originária. 0 Brasil não adota a teoria que admite a existência de normas constitucionais originárias inconstitucionais.

2) Leis ou atos normativos anteriores à Constituição de 1988. Porém, é cabível controle difuso ou controle concentrado via ADPF, com base na Lei n° 9.882/99. 3) Contra lei ou ato normativo já revogado, pois a ADI não se presta a regular relações concretas (de cunho subjetivo).

Aqui, existem algumas observações. lei, é proposta ADI contra ela. Se no iter por outra, "a regra" no STF é a de que a jeto. Este é 0 posicionamento tradicional

Pode ocorrer que, durante a vigência da do procedimento da ADI a lei é revogada ADI restará prejudicada por perda de ob­ do STF.156

Porém, podemos observar três exceções a essa regra: (l) 0 STF, no julgamento das ADIs n° 3232, 3.990 e 3.983, envolvendo ato normativo do Estado do Tocantins (Informativo n° 515 do STF157158 ), deixou assente que uma lei objeto de ADI que foi re vogada por outra lei não faz com que a ADI reste prejudicada por perda de objeto. Assim, em 2008, temos a primeira decisão nesse sentido, depois de 20 anos de nos­ sa Constituição. Sem dúvida, devemos entender essa decisão como exceção no po­ sicionamento tradicional do Pretório Excelso?58 0 fundamento aqui, sem dúvida, é a tentativa de se evitar fraudes processuais (com a revogação de dispositivos norma­ tivos objetos de ADI para evitar 0 julgamento delas e os possíveis efeitos). Portanto,

156. É interessante que o Ministro Gilmar Mendes, em voto proferido no julgamento de questão de ordem da ADI n° 1.244, já se manifestou de forma contrária a esse posicionamento. Gilmar Mendes entendeu que não haveria prejudicialidade na ADI em virtude da revogação do ato normativo atacado na ADI. Nesses termos, para o Ministro, a análise de constitucionalidade dos efeitos concretos de uma lei (efeitos de uma lei em situações concretas) ser afeta apenas ao controle difuso seria incompatível com os princípios da máxima efetividade e força normati­ va da constituição. 157. "O Tribunaljulgou procedentes pedidos formulados em três ações diretas de inconstitucionalidade conexas, ajuizadas pelo Procurador-Geral da República e pelo Partido da Social Democracia Brasileira PSDB, para declarar, com efeitos ex tunc, a inconstitucionalidade dos artigos 5°, I, II, e lll, e7°,ie lll, todos da Lei 1.124/2000, do Estado do Tocantins, bem assim, por derivação, de todos os decretos do Governador do referido Estado-membro que, com o propósito de regulamentar aquela norma, criaram milhares de cargos públicos, fixando-lhes atribuições e remunerações. Prelimi­ narmente, o Tribunal acolheu a ques tão de ordem, suscitada pelo relator, no sentido de afastar a prejudicialidade da ação, ao fundamento de que a revogação da lei impugnada pela Lei estadual 1.950/2008, quando já em pauta as ações diretas, não subtrairía à Corte a competência para examinar a constitucionalidade da norma até então vigente e as suas consequências. No mérito, entendeu-se que a autorização conferida pelo art. 5o da lei em questão ao Chefe do Poder Executivo de criar, mediante decreto, os cargos, afronta a norma constitucional emergente da conjugação dos artigos 61, § Io, II, a, e 84, Vi, a, da CR. Asseverou-se que, nos termos do art. 61,§ 1° II, a, da CR, a criação de cargos, fun­ ções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração constituem objeto próprio de lei de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo. (...) Por fim, aduziu-se que, sendo inconstitucional a norma de lei que lhes daria fundamento de validez, inconstitucionais também seriam todos os decretos". 158. É importante dizer que o STF não abandonou seu posicionamento tradicional, vide ADI 3885, julgada em 06.06.2013.- “(...) Lei 15.227/2006 do Estado do Paraná objeto de fiscalização abstrata. 3. Superveniência da Lei es­ tadual 15.744/2007que, expressamente, revogou a norma questionada. 4. Remansosa jurisprudência deste Tribunal tem assente que sobrevindo diploma legal revogador ocorre a perda de objeto. Precedentes. 5. ADI prejudicada". A novidade aqui (ou seja, a “ruptura") é que, pelo menos, o STF já demonstrou que não podemos trabalhar de forma absoluta com o tema de perda de objeto da ADI, em virtude da revogação do ato normativo por outro ato normativo. Ou seja, devem ser observadas as peculiaridades do caso concreto (por exemplo: a existência de fraude processual).

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não haverá perda do objeto e a ADI deverá ser conhecida e julgada caso fique demonstrado que houve "fraude processual", ou seja, que a norma foi revogada de forma proposital a fim de evitar que o STF a declarasse inconstitucional e anulasse os efeitos por ela produzidos. Tanto é assim que, em 17.03.2011, no julgamento da ADI 3306 0 STF se posicionou no mesmo sentido. Nesses termos, conforme a ementa: "Ação direta de inconstitucionalidade. Resoluções da Câmara Legislativa do Distrito Federal que dispõem sobre 0 reajuste da remuneração de seus servidores. Reserva de lei. I. Preliminar. Revogação de atos normativos impugnados após a propositura da ação direta. Fraude processual. Continuidade do julgamento. Superveniência de Lei Distrital que convalidaria as resoluções atacadas. Sucessivas leis distritais que tentaram revogar os atos normativos impugnados. Posterior edição da Lei Distrital n° 4342, de 22 de junho de 2009, a qual instituiu novo Plano de Cargos, Carreira e Re­ muneração dos servidores e revogou tacitamente as Resoluções 197/2003, 201/2003, 202/2003 e 204/2003, por ter regulado inteiramente a matéria por elas tratadas, e expressamente as Resoluções n°s 202/2003 e 204/2003. Fatos que não caracteriza­ ram 0 prejuízo da ação. Quadro fático que sugere a intenção de burlar a jurisdição constitucional da Corte. Configurada a fraude processual com a revogação dos atos normativos impugnados na ação direta, 0 curso procedimental e 0 julgamento final da ação não ficam prejudicados".1” (II) Já a segunda exceção foi explicitada pelo STF na decisão da ADI 2418 em 04.05.2016. Nesses termos, entendeu 0 STF que não haverá perda do objeto e a ADI deverá ser conhecida e julgada também na hipótese em fique demonstrado que 0 conteúdo do ato impugnado foi repetido, em sua essência, em outro diploma nor­ mativo. Nesse caso, como não houve desatualização significativa no conteúdo do instituto, não há obstáculo para 0 conhecimento da ação.159 160 (III) A terceira exceção será no caso em que 0 STF tenha julgado 0 mérito da ação sem ter sido comunicado previamente que houve a revogação da norma ata­ cada. Nessa hipótese, não será possível reconhecer, após 0 julgamento, a prejudicialidade da ADI já apreciada.161

159. Precedente citado: ADI n” 3.232/TO de Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 03.10.2008. 160. ADI 2418/DF, Plenário do STF, Rel. Min.Teori Zavascki, julg. em 04.05.2016 (Informativo 824 do STF). Informativo 824 do STF: "A Corte destacou, de inicio, que não teria havido a perda de objeto da ação, relativamente ao parágrafo único do art. 741 do CPC/1973, revogado pela Lei 13.105/2015, que estatui um novo Código. A matéria disciplinada no referido dispositivo teria recebido tratamento normativo semelhante, embora não igual, nos §§ 5a a 8° do arL 535 e nos $5 12 a 15 do art. 525 do novo CPC. As alterações sofridas pela norma em questão — que cuidaram apenas de adjetivar o instituto da inexigibilidade por atentado às decisões do STF — não teriam comprometido aquilo que ela teria de mais substancial, ou seja, a capacidade de interferir na coercitividade de títulos judiciais. Este seria, de fato, o aspecto objeto de impugnação pelo autor da ação direta, para quem o instituto frustraria a garantia constitucional da coisa julgada. Portanto, não havendo desatualização significativa no conteúdo do instituto, nâo haveria obstáculo para o conhecimento da ação (ADI 2.501 /MG)." 161. STF. Plenário. ADI 951 ED/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, julg. em 27.10.2016. "A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que a revogação de norma cuja constitucionalidade é questionada por meio de ação direta enseja a perda superveniente do objeto da açao. Entretanto, devem ser excepcionados desse entendimento os casos em que há indícios de fraude á jurisdição da Corte, como, por exemplo, quando a norma é revogada com o propósito de evitar a declaração da sua inconstitucionalidade. Da mesma forma, é

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Controle

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Constitucion/2 (essa já trabalhada). Nesta, o Ministro Gilmar Mendes, citando Léo Leoncy, explicita sobre as normas remissivas que: "[...] Em sua grande maioria, as normas jurídicas trazem elas próprias a regulamentação imediata da matéria a que concernem, merecendo, por isso, a denominação de normas de regulamentação direta ou, em fórmula mais sintética, normas materiais. Por outro lado, em contraposição a estas normas, há outras em que a técnica utilizada para a atribuição de efeitos jurídicos a determinado fato contido na hipótese normativa é indireta, 'consistindo numa remissão para outras normas materiais que ao caso se consideram, por esta via, aplicáveis"'. Tais normas podem designar-se normas de regulamentação indireta ou per relationem, sendo mais apropriado, entretanto, denominá-las normas remissivas. Essa classificação das normas jurídicas em geral aplica-se também às normas constitucionais em particular, sendo possível, portanto, proceder à distinção entre normas constitucionais materiais e normas constitucio­ nais remissivas, "consoante encerram em si a regulamentação ou a devolvem para a regulamentação constante de outras normas". Como não poderia deixar de ser, fenômeno semelhante ocorre com as normas contidas nas diversas Constituições Estaduais. É comum o poder constituinte decorrente fazer constar das Constituições Estaduais um significativo número de proposições jurídicas remissivas à Constituição Federal".352 353 Assim, a conclusão é que todas as normas presentes na Constituição Estadual funcionarão como parâmetro para o controle de constitucionalidade concentrado in abstrato realizado pelos Tribunais de Justiça.

Porém, sobre as normas de reprodução obrigatória é importante deixarmos consignado que o STF tradicionalmente admite recurso extraordinário da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça nas ADI estaduais que envolvam essas normas (de reprodução obrigatória), conforme a já citada Reclamação n» 383. Portanto, caberá recurso extraordinário "[...] se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Esta­ dos, contrariar 0 sentido e 0 alcance da Constituição da RFB".354 Ou seja, se a norma

352. [_.] Portanto, tal qual o entendimento adotado na RCL n° 383 para as hipóteses de normas constitucionais es­ taduais que reproduzem dispositivos da Constituição Federal, também as normas constitucionais estaduais de caráter remissivo podem compor o parâmetro de controle das ações diretas de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça estadual. Dessa forma, também aqui não é possível vislumbrar qualquer afronta à ADI n° 508/ MG, Rel. Min. Sydney Sanches (DJ 23.5.2003). Com essas considerações, nego seguimento ã presente reclamação, por ser manifestamente improcedente, ficando prejudicado o pedido de medida liminar (art. 21, § 1o, do RISTF). (Rel Min. Gilmar Mendes. Decisão em 27.09.2006). 353. Reclamação n° 4.432 (voto proferido em 27.09.2006 e publicado no DJem 10.10.2006). O Ministro exemplifica no seu voto como é o formato de uma norma remissiva. Ele dá como exemplo o art. 149 da Constituição do Estado da Bahia. Nesses termos:"[...] Constituição do Estado da Bahia (art. 149), que possui o seguinte teor: 'O sistema tributário estadual obedecerá ao disposto na Constituição Federal, em leis complementares federais, em resoluções do Senado Federal, nesta Constituição e em leis ordinárias" 354. (Rcl. n° 383. Rel. Min. Moreira Alves Julgamento em 11/06/1992, DJ 21.05.1993).

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é de reprodução obrigatória para os Estados eles devem respeitá-la, aplicando-a de forma devida, não cabendo aos Poderes Públicos, incluindo aí o Poder Judiciá­ rio Estadual, imiscuir-se de tal mister. Qualquer interpretação inadequada de uma norma de reprodução obrigatória se traduz em descumprimento da Constituição Federal (por essência), por isso mesmo justifica-se o posicionamento do STF em en­ tender cabível recurso extraordinário sobre a controvérsia de cunho constitucional instaurada no nível estadual em torno dessas normas (que, no fundo, são normas da Constituição da RFB).555

É interessante ainda que, nos termos do RE n° 376.440 ED/DF, 0 plenário do STF entendeu que, chegando 0 recurso extraordinário no Pretório Excelso, 0 ministro relator poderá, monocraticamente, negar provimento ao recurso se a decisão im­ pugnada estiver de acordo com pacífica jurisprudência do STF sobre 0 tema?54 Mas pergunta-se: qual seria 0 efeito da decisão prolatada pelo STF no recurso extraordinário? Sem dúvida, 0 efeito seria erga omnes e não inter partes como tra­ dicionalmente ocorre nas decisões desse recurso.

Outro ponto importante é colocado pela doutrina557 e também textualmente na decisão da Reclamação n» 383J58, e merece toda a nossa atenção: iremos supor que355 358 357 356

355. Conforme o ARE n° 661.288, julg. em 06.05.2014, entendia o STF que: "A Fazenda Pública possui prazo em dobro para interpor recurso extraordinário de acórdão proferido em sede de representação de inconstitucionalidade (CF, art. 125, § 2o). (...) A Turma sublinhou que se aplicaria o disposto no art. 188 do CPC (“Computa r-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro paro recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público"}. Men­ cionou que não haveria razão para que existisse prazo em dobro no controle de constitucionalidade difuso e não houvesse no controle concentrado. Aludiu que o prazo em dobro seria uma prerrogativa exercida pela Fazenda Pública em favor do povo. Porém, o STF modificou seu posicionamento em 2019. Nesses termos: Não se conta em dobro o prazo recursalpara a Fazenda Pública em processo objetivo, mesmo que seja para interposição de recurso extraordinário em processo de Fiscalização normativa abstrata. Portanto, a Fazenda Pú blica não possui prazo recur­ sal em dobro no processo de controle concentrado de constitucionalidade, mesmo que seja para a interposição de recurso extraordinário (Recurso Extraordinário derivado de decisão de ADI Estadual). Conforme o informativo 929 do STF: O Min. Alexandre de Moraes salientou que o tratamento diferenciado (prazo em dobro) está relacio­ nado com a defesa dos interesses subjetivos da Fazenda Pública e, portanto, não se aplica ao processo objetivo. Assim, a natureza objetiva do processo afasta a prerrogativa da Fazenda Pública. O Min. Edson Fachin enfatizou que o tratamento isonômico na matéria (todos terem prazo simples nos processos objetivos), além de ser consentâneo com a orientação jurisprudencial adotada pelo STF há muito tempo, decorre do principio republicano. Já o Min. Luiz Fux assinalou que a Fazenda Pública, no caso do recurso extraordinário, é representante da unidade federativa onde há a declaração de inconstitucionalidade da lei por ela editada; logo, tem contato direto com a questão, e não se justifica o prazo em dobro. O Min. Gilmar Mendes afirmou que o próprio CPC, no § 2“ do art. 188, faz menção à inaplicabilidade desses prazos aos procedimentos especiais. Por último, o Min. Celso de Mello de­ fendeu que o processo de fiscalização normativa abstrata possui, norrnalmente, uma autonomia em relação aos institutos peculiares aos processos de índole meramente subjetiva. Conforme o Ministro, existem várias regras aplicáveis aos processos subjetivos que não incidem em caso de processos objetivos. Assim, o direito processual constitucional é autônomo, regido por princípios próprios, em que são afastados os interesses meramente sub­ jetivos. Pleno. STF. ADI 5814 MC-AgR-AgR/RR, Rel. Min. Roberto Barroso: ARE 830727 AgR/SC, Rel. para ac. Min. Cármen Lúcia, julg. em 06.02.2019. 356. RE n° 376.440 ED/DF julg. em 18.09.2014, Pleno - STF, Rel. Min. DiasToffoli. É interessante que havendo insatis­ fação da decisão monocrática do relator, caberá à parte insatisfeita, recurso de agravo interno, nos termos do regimento do STF. 357. MENDES. Gilmar, 2008, p. 1316. 358. A questão se encontra de forma literal no voto do Relator Min. Moreira Alves na Rcl. n° 383.

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foi ajuizada uma ADI estadual contra uma determinada norma (estadual ou muni­ cipal) sob o fundamento de esta estar descumprindo a Constituição Estadual em norma de reprodução obrigatória da Constituição Federal. A ação foi julgada pelo Tj estadual, porém não ocorreu a interposição de recurso extraordinário da decisão. Como fica a questão?

Aqui, de forma inicial, temos que observar qual foi a decisão do TJ para definir­ mos a questão. Nesse sentido: 1) Se o TJ julgou improcedente a ADI estadual, temos, com efeito erga omnes, que a lei ou o ato normativo (estadual ou municipal) são dotados de compatibilidade perante a Constituição Estadual. Com isso, o STF não se vincula a essa decisão, podendo declarar a inconstitucionalidade da lei estadual (via controle concentrado ou difuso) ou da lei municipal (via controle difuso ou concentrado via ADPF); 2) Porém, se 0 TJ decidiu pela procedência do pedido, ocor­ re a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo (estadual ou municipal) com efeito erga omnes. Esse ato é extirpado do ordenamento estadual. Certo é que, com a decisão transitando em julgado, não há como 0 ato normativo ser questionado posteriormente no STF. Na continuação, iremos abordar, mais uma vez, a questão atinente ao parâme­ tro a ser observado pela ADI Estadual.

Nesses termos, é preciso enfatizar, novamente, que 0 parâmetro desse con­ trole em regra será a Constituição Estadual. Portanto, a regra é a de que não deve haver parametricidade com a Constituição da República. Ou seja, um Tribunal de Justiça não poderia dizer que julga uma representação de inconstitucionalidade procedente porque a Lei municipal X viola 0 art. Y da Constituição da República de 198835’ Nesses termos, na ADI n° 508, 0 STF deixou assente que:359

359. É claro que também não se deve ter por parâmetro as Leis Orgânicas Municipais. Mesmo porque, se ato nor­ mativo municipal contraria Lei Orgânica Municipal, esse ato normativo deve ser entendido apenas como ilegal. Nesses termos, para a doutrina e para o STF, a única Lei Orgânica que é parâmetro para controle de constitucionalidade é a Lei Orgânica do Distrito Federal. Portanto, Leis Distritais (seja de viés estadual ou municipal, nos termos do art. 32, § 1°, da CR/88) podem ser objeto de controle de constitucionalidade por contrariara Lei Orgânica do DF. Esse controle será feito pelo Tribunal de Justiça do DF (que, diga-se, é órgão federal ao qual compete à União dispor sobre sua organização e funcionamento nos moldes do art. 21, XII, e 22, XVII, da CR/88), nos termos do art. 30 da Lei n° 9.868/99. in litteris: O art. 8“ da Lei n° 8.185, de 14 de maio de 1991, passa a vigorar acrescido dos seguintes dispositivos: "Art. 8o I - n) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face da sua Lei Orgânica; § 3° São partes legítimas para propor a ação direta de inconstitucionalidade: I- o Governador do Distrito Federal; II - a Mesa da Câmara Legislativa; lll - o Procurador Geral de Justiça; IV - a Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Distrito Federal; V - as entidades sindicais ou de classe, de atuação no Distrito Federal, demonstrando que a pretensão por elas deduzida guarda relação de pertinência direta com os seus objetivos institucionais; VI - os partidos políticos com representação na Câmara Legislativa. § 4" Aplicam-se ao processo e julgamento da ação direta de Inconstitucionalidade perante o Tri­ bunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios as seguintes disposições: I - o Procurador-Geral de Justiça será sempre ouvido nas ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade; II - declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma da Lei Orgânica do Distrito Federal, a decisão será comunicada ao Poder competente para adoção das providências necessárias, e, tratando se de órgão administrativo, para fazê -Io em trinta dias; lll - somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou de seu órgão especial, poderá o Tribunal de Justiça declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do Distrito Federal ou suspender a sua vigência em decisão de medida cautelar. § 5" Aplicam-se, no que couber, ao processo de julgamento da ação direta

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Bernardo Gonçalves Fernandes Direito Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato nor­ mativo Municipal, em face da Constituição Federal: cabimento admitido pela Constituição do Estado de Minas Gerais, que atribui competência ao Tribunal de Justiça para processá-la e julgá-la. Inadmissibilidade. 1. 0 ordenamento cons titucional brasileiro admite Ações Diretas de Inconstitucionalidade de leis ou atos normativos municipais, em face da Constituição estadual, a serem proces sadas e julgadas, originariamente, pelos Tribunais de Justiça dos Estados (artigo 125, parágrafo 2° da C.F.). 2. Não, porém, em face da Constituição Federal. 3. Aliás, nem mesmo 0 Supremo Tribunal Federal tem competência para Ações dessa espécie, pois 0 art. 102, I, "a", da C.F. só a prevê para Ações Diretas de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual. Não, assim, municipal. (...) 6. Ação Direta julgada procedente, pelo S.T.F., para declarar a inconstitucionalidade das expressões "e da Constituição da República" e "em face da Constituição da República", constantes do art. 106, alínea "h", e do pa rágrafo 1° do art. 118, todos da Constituição de Minas Gerais, por conferirem ao respectivo Tribunal de Justiça competência para 0 processo e julgamento de ADI de lei ou ato normativo municipal, em face da Constituição Federal. 7. Plenário. Decisão unânime. (Rel. Min. Sidney Sanches, Julgado em 12.03.2003)

No entanto, aqui temos uma exceção, que foi determinada recentemente pelo STF. Entendeu 0 STF em 01.02.2017 no RE 650.898/RS (sob a sistemática da repercussão geral), que os Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados.* 361 360

Aqui é importante salientar que, se uma norma é de reprodução obrigatória, considera-se que ela está presente na Constituição estadual mesmo que a Consti­ tuição estadual não a preveja expressamente. Um exemplo interessante é a norma que prevê que os Municípios são autônomos (art. 18 da CR/88). Trata-se de norma de reprodução obrigatória. Isso significa que, mesmo se a Constituição estadual não disser que os Municípios são autônomos, ainda assim considera-se que essa regra está presente na Constituição Estadual (ainda que de forma implícita). Isso também ocorre com normas, por exemplo, do art. 22 da CR/88. Sem dúvida, os Estados não estabelecem expressamente nas Constituições estaduais todas as matérias de

de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face da sua Lei Orgânica as normas sobre 0 processo e ojulgamento da ação direta de inconstitucionalidade perante 0 Supremo Tribunal Federal." 360. Aqui também: Não cabe a tribunais dejustiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 347, Rel. Min, Joaquim Barbosa, julg. em 20.09.2006. temos também a Rel n° 16.431 MC-AgR/RS, julg. em 31.10.2014, de Rel. do Min. Celso de Mello. 361. Embora algumas Constituições como a de Minas Gerais ainda citem nos seus comentários apenas a decisão da ADI 508. Vejamos o texto da Constituição de Minas Gerais atualizado e publicado com comentários pela Assem­ bléia Legislativa de Minas Gerais em Novembro de 2019(24 * Edição): Art. 118. § Ia-Aplica-se o disposto neste artigo à ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição da Repúbli­ ca. ■ (Expressão "em face da Constituição da República" declarado inconstitucional em 12/2/2003 - ADI 508. Acórdão publicado no Diário Oficial da União em 19/2/2003.) • (Expressão “em face da Constituição da República" declarada inconstitucional em 12/2/2003 -ADI 699. Acórdão publicado no Diário Oficial da União em 19/2/2003.)

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Controle de Constitucionalidade

competência privativa da União e nem por isso essas normas de organização do nosso federalismo deixam de ser de observância obrigatória pelos Estados.36’ Mas e se ocorrer de um ato normativo estadual contrariar não só a Consti­ tuição Estadual, mas também a Constituição da RFB? Com certeza, questão muito interessante é a que diz respeito ao controle de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais que contrariam não só a Constituição Estadual, mas também a Constituição da República Federativa do Brasil.

Sem dúvida, esse fenômeno é vislumbrado pela doutrina e jurisprudência e é chamado de simultaneidade das ações diretas de inconstitucionalidade. Assim, se isso ocorrer, pode haver o ajuizamento simultâneo de ADI (com o objeto lei ou ato normativo estadual), tendo por parâmetro a Constituição da República (com a com­ petência do STF para processar e julgar a ADI contra a Lei Estadual) e a Constituição Estadual (com a competência do Tj para processar e julgar a ADI estadual contra a referida Lei estadual). 0 entendimento pretoriano atual é o de que o processo ajuizado perante o TJ (ADI estadual) deverá ficar suspenso36’ até o julgamento pelo STF da ADI (ADI nacio­ nal). Nesses termos, foi o posicionamento exarado na ADI 3482/DFíé4, em 08.03.2006, pelo Min. Relator Celso de Mello: "[...] Ocorrendo hipótese caracterizadora de 'simultaneus processus’, impor-se-á a paralisação do processo de fiscalização concentrada em curso perante 0 tribunal de justiça local, até que esta Suprema Corte julgue a ação direta, que ajuizada com 0 apoio no art. 102, I, 'a', da cr, tenha por objeto 0 mesmo diploma normativo local (Estadual ou Distrital), embora contestado em face da carta federal. [...] Sendo assim, pelas razões expostas, e tendo em conta os precedentes referidos, determino, até final julgamento da presente ação

362. Conforme o Ministro Roberto Barroso: "as disposições da Carta da República que, por prê-ordenarem diretamente a organização dos Estados-membros, do Distrito Federal e/ou dos Municípios, ingressam automaticamente nas ordens jurídicas parciais editadas por esses entes federativos. Essa entrada pode ocorrer, seja pela repetição textual do texto federal, seja pelo silêncio dos constituintes locais - afinal, se sua absorção é compulsória, não há qualquer discricio­ nariedade na sua incorporação pelo ordenamento focal." (Rcl 17954 AgR/PR). Dois exemplos ainda são trazidos por Márcio André Lopes: Exl: Município do Paraná aprovou lei tratando sobre direito do trabalho; foi proposta uma ADI estadual no TJ contra esta lei; o TJ poderá julgar a lei inconstitucional alegando que ela viola o art. 22,1, da CF/88 (mesmo que a Constituição do Estado não tenha regra semelhante}; isso porque essa regra de competência legislativa é considerada como norma de reprodução obrigatória. Nesse sentido: STF. 1" Turma. Rcl 17954 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julg, em 21/10/2016. Ex2: Município do Rio Grande do Sul editou lei criando gratificação para o Prefeito fora do regime de subsidio, o que violaria o art. 39, $ 4°, da CF/88; o TJ/RS poderá julgar a lei municipal inconstitucional utili­ zando como parâmetro este dispositivo da Constituição Federal; isso porque a regra sobre o subsídio para membros de Poder e detentores de mandato eletivo ê considerada norma de reprodução obrigatória. Nesse sentido: STF. Plenário, Rel. para acordão. Min. Roberto Barroso, julg. em 01/02/2017 (repercussão geral). 363. Temos o que a doutrina chama de "causa especial de suspensão do processo" no âmbito da justiça local. MENDES, Gilmar, 2008, p. 1314. 364. Atitulo apenas de informação, a ADI 3482 foi posteriormente julgada improcedente por perda de objeto. No caso foi reconhecida a ocorrência de prejudicialidade da ação direta em 02.08.2007. Outro precedente:"(...) A ocor­ rência de coexistência dejurisdições constitucionais estadual e nacional configura a hipótese de suspensão prejudicial do processo de controle normativo abstrato instaurado perante o Tribunal de Justiça local. (...)“ STF. Plenário. ADPF 190. Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29.09.2016,

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Bernardo Gonçalves Fernandes direta, a suspensão prejudicial do curso da adi n» 2005.00.2.001197-9, Rel- Des. Otávio Augusto, ora em tramitação perante 0 e. Tribunal de justiça do Distrito Federal e Territórios."

Na ocorrência da situação em tela, podemos ter as seguintes possibilidades: a) Se 0 STF julgar 0 ato normativo em exame inconstitucional, a ação existente no TJ deve por digressão lógica ser extinta sem julgamento do mérito, em razão da perda de seu objeto; b) Porém, se a decisão do Pretório Excelso for pela constitu­ cionalidade do ato normativo impugnado, a ação deverá continuar tramitando no Tribunal de Justiça.365 Assim, 0 TJ irá processar e julgar o ato normativo, tendo por parâmetro a Constituição Estadual e, sem dúvida, pode declará-lo inconstitucional à luz da Constituição Estadual, extirpando-o do ordenamento estadual, ou mesmo julgar improcedente 0 pedido mantendo 0 ato normativo no ordenamento. Porém, outra questão interessante surgiu na ADI 3659, julgada pelo STF em 13.12.20:8. A questão foi a seguinte: e se a ADI estadual não for suspensa a fim de aguardar 0 posicionamento do STF sobre a ADI genérica (nacional)? Ou seja, se 0 TJ julgar a ADI estadual antes da decisão da ADI genérica (nacional). Aqui, temos, en­ tão, a coexistência de ADI no TJ e ADI no STF, sendo a ADI estadual julgada primeiro. Nesse caso, após 0 julgamento da ADI Estadual com a procedência do pedido, a ADI nacional perdería 0 objeto? Ou seja, como a Lei Estadual já foi declarada inconstitu­ cional, ficaria prejudicado 0 conhecimento da ADI no STF? Pois bem, coexistindo duas ações diretas de inconstitucionalidade, uma ajui­ zada perante 0 Tribunal de Justiça local e outra perante 0 STF, 0 julgamento da ADI estadual no TJ somente prejudica 0 julgamento da ADI no STF se preenchidas duas condições cumulativas: 1) se a decisão do Tribunal de Justiça for pela procedência da ação e 2) se a inconstitucionalidade for por incompatibilidade com preceito da Constituição do Estado sem correspondência na Constituição da República. Assim, caso 0 parâmetro do controle de constitucionalidade tenha correspondência na Constituição da República, subsiste (é mantida) a jurisdição do STF para 0 controle abstrato de constitucionalidade.366

Isso porque, se assim não fosse, 0 STF ficaria limitado ao que decidiu a corte local. Certo é que a última palavra sobre interpretação da CR/88 pertence ao STF, e seria inadmissível negar justamente ao STF a possibilidade de examinar 0 tema.

É interessante que, na ADI 3659, a questão fica bem explicitada. Senão ve­ jamos: 0 Estado do Amazonas editou a Lei 2.778/2002, que criou, no âmbito da

365. Cuidado, pois aqui temos, nessa situação específica, afastada a lógica da coisa julgada com efeito vinculante. Certo é que, com base no efeito vinculante (que. conforme estudamos, também existe para a declaração de constitucionalidade!) temos, em regra, a chamada transcendência dos motivos determinantes (eficácia trans­ cendente da decisão). Nesse caso, não caberá reclamação para o STF se o TJ julgar de forma diferenciada do que foi prolatado pelo STF. Portanto, oTJ pode declarar a inconstitucionalidade da norma mediante a Constituição Estadual, sem com isso afrontar o STF. 366. ADI 3659/AM, STF. Plenário. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13.12.2018 (Info 927).

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Administração Pública estadual, o cargo de "administrador público". A lei estadual previu como requisito para esse cargo "Graduação em Curso de Administração Pública mantida por Instituição Pública de Ensino Superior, credenciada no Estado do Amazonas".36' Foram propostas duas ações diretas de inconstitucionalidade contra essa pre­ visão: uma ADI ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça do Amazonas, no Tribunal de Justiça, alegando que a lei violaria a Constituição Estadual; e outra ADI ajuizada pelo Procurador-Geral da República, no STF, argumentando que a previsão ofendería a CR/88.

0 tj/am julgou a ADI procedente e declarou a normativa inconstitucional por violar o princípio da igualdade previsto no art. 3° da Constituição do Estado do Ama­ zonas e reproduzido no art. 5°, caput, da Constituição da República. É interessante que o fundamento para o TJ/AM decidir que a lei é inconstitucional foi o princípio da igualdade. Acontece que este princípio da igualdade está previsto na Constituição do Estado e possui correspondência na Constituição Federal. Ou seja, essa previsão pode ser encontrada tanto na Constituição Estadual como na Federal.367 368

Nesses termos, o debate sobre o tema foi instaurado: com a decisão do T|/AM declarando a inconstitucionalidade da lei, houve a perda do objeto da ADI proposta no STF? Já que a Lei 2.778/2002 foi declarada inconstitucional pelo TJ, pode-se dizer que ficou prejudicado 0 conhecimento da ADI no STF? Aqui, conforme vimos acima, para que a ADI no STF fique prejudicada, devem ser preenchidos dois requisitos cumulativos, já citados: 1) a decisão do Tribunal de Justiça for pela procedência da ação; e 2) a inconstitucionalidade for por incompa­ tibilidade com preceito da Constituição do Estado sem correspondência na Consti­ tuição Federal. Ou seja, a inconstitucionalidade deve ser apenas por contrariedade em relação à norma da Constituição Estadual.

Caso 0 parâmetro do controle de constitucionalidade tenha correspondência na Constituição Federal, subsiste a jurisdição do STF para 0 controle abstrato de constitucionalidade. Nesses termos, na ADI 3659, foi preenchido 0 primeiro requisito, mas não se verificou 0 preenchimento do segundo requisito.369370 Nesse sentido, se a decisão do T] prejudicasse 0 conhecimento da ADI no STF, significaria dizer que 0 STF ficou vinculado à interpretação que 0 TJ deu para 0 princípio da igualdade previsto na CR/88. E novamente lembramos, que a última palavra (ainda que datada, como vamos ver no estudo dos diálogos constitucionais) sobre interpretação da CR/88 pertence ao STF. Assim, seria inadmissível negar ao STF a possibilidade de examinar 0 tema.”0

367. 368. 369. 370.

ADI 3659/AM, STF. Plenário. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em ADI 3659/AM, STF. Plenário. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em ADI 3659/AM. STF. Plenário. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em ADI 3659/AM, STF. Plenário. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em

13.12.2018 (Info 927). 13.12.2018 (Info 927). 13.12.2018 (Info 927). 13.12.2018 (Info 927).

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É interessante que, no caso em tela, o STF julgou procedente a ADI 3659 e tam­ bém considerou inconstitucional a expressão "Graduação em Curso de Administração Pública mantido por Instituição Pública de Ensino Superior, credenciada no Estado do Amazonas". 0 fundamento é 0 de que essa previsão da lei estadual ofende 0 princí­ pio constitucional da igualdade no acesso a cargos públicos. Além disso, essa regra também viola 0 art. 19, lll, da CR/88, que proíbe a criação de distinções ilegítimas entre brasileiros.37’ Outra questão interessante que envolve 0 tema parâmetro de controle é a seguinte: embora 0 parâmetro para 0 ajuizamento seja a Constituição Estadual, e nesses termos, como já observado, não há que se falar em ajuizamento de uma ADI estadual para questionar ato normativo (estadual ou municipal) em frente à Constituição Federal, temos que, conforme a doutrina, "pode ocorrer que o Tribu­ nal estadual considere inconstitucional 0 próprio parâmetro de controle estadual por entendê-lo ofensivo à Constituição Federal". Nesse caso, concordamos com 0 posicionamento doutrinário que afirma que, mediante tal hipótese (de 0 TJ che­ gar à conclusão, após sua análise, que inconstitucional é a própria Constituição Estadual!): "0 Tribunal de Justiça competente para conhecer da ação direta de in­ constitucionalidade em face da constituição estadual suscite ex offício a questão constitucional - inconstitucionalidade do parâmetro estadual em face da Constitui­ ção Federal - declarando, incidentalmente, a inconstitucionalidade da norma cons­ titucional estadual em face da Constituição Federal e extinguindo, por conseguinte, 0 processo, nos moldes do antigo CPC, ante a impossibilidade jurídica do pedido (declaração de inconstitucionalidade em face de parâmetro constitucional estadual violador da Constituição Federal)".371 372

No que tange aos efeitos da decisão da adi estadual, temos a salientar que a decisão que declara a norma estadual ou municipal inconstitucional diante da Cons­ tituição Estadual 0 faz, em regra, com efeitos ex tunc (perspectiva temporal). E, no que tange aos atingidos, 0 efeito da inconstitucionalidade será 0 efeito erga omnes.

371. ADI 3659/AM, STF. Plenário. Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13.12.2018. Informativo 927: “(...)Pre valeceu o voto do ministro Alexandre de Moraes (relator), que, ao negar o prejuízo da ação, compreendeu que a de­ cisão do tribunal amazonense nâo compromete o exercício do controle de constitucionalidade pelo STF. Como regra, o trâmite de demanda estadual simultânea deve ser suspenso para aguardar-se o pronunciamento do STF, conforme jurisprudência desta Corte, o que não ocorreu. O relator compreendeu subsistir ajurisdição do Supremo para o contro­ le abstrato, presente declaração de inconstitucionalidade, de eficácia limitada, com base em norma da Constituição do Estado que constitua reprodução, obrigatória ou nào, de dispositivo da Constituição Federal. Caso contrário, seria possível que um tribunal dejustiça, por não suspender o trâmite de representação de inconstitucionalidade, desse in­ terpretação á norma de repetição obrigatória que valeria apenas para o respectivo estado membro. Isso, porque o STF poderia conferir interpretação diversa à norma de repetição obrigatória para os demais entes da Federação. O ministro Roberto Barroso salientou que é prerrogativa do STF dar a última palavra sobre a compatibilidade de uma lei com a Constituição Federal." 372. MENDES, Gilmar, 2008, p. 1.314-1315. Nesse caso, temos ainda que:"[„J da decisão que reconhecesse ou não a inconstitucionalidade do parâmetro de controle estadual seria admissível recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, que tanto poderia reconhecer a legitimidade da decisão, conforme declaração de inconstitucio­ nalidade, como revê-la, para admitir a constitucionalidade da norma estadual, o que implicaria a necessidade de oTribunal de justiça prosseguir no julgamento da ação proposta. [...]"

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Nesses termos, o próprio STF já entendeu inconstitucional disposição normativa que obriga que o TJ estadual comunique ao Poder Legislativo Estadual a sua decisão de declaração de inconstitucionalidade via ADI estadual (controle concentrado in abstrato estadual), conforme o RE n° 199.293, in litteris-. [...] Inconstitucionalidade de ato normativo - Controles difuso e concentrado de constitucionalidade - Comunicação à Casa Legislativa - Distinção. A comunicação da pecha de inconstitucionalidade proclamada por Tribunal de justiça pres supõe decisão definitiva predusa na via recursal e julgamento considerado 0 controle de constitucionalidade difuso. Insubsistência constitucional de norma sobre a obrigatoriedade da notícia, em se tratando de controle concentrado de constitucionalidade. (Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19.05.2004, DJ 06.08.2004).

Certo é que algumas Constituições Estaduais estabelecem em seus textos que a declaração de inconstitucionalidade prolatada pelo Tribunal de Justiça em ADI estadual deve ser comunicada à Assembléia Legislativa. Até aí tudo bem. 0 pro­ blema é que essa comunicação não pode ser requisito para a inaplicabilidade da norma estadual ou municipal declarada inconstitucional. Se assim fosse, estaríamos confundindo 0 controle concentrado in abstrato com 0 controle difuso in concreto (que, tradicionalmente, necessita de tal comunicação e posterior resolução do Po­ der Legislativo para a devida inaplicabilidade do ato normativo declarado inconsti­ tucional).^’ Nesse sentido, a comunicação vem sendo entendida pela doutrina como mero ato de cooperação entre os Poderes,’7,1 para que se tenha, inclusive, uma maior publicidade da decisão do TJ, que declarou de forma concentrada in abstrato, e, por isso, com efeito erga omnes um ato normativo inconstitucional. Por último, faz-se necessário salientar que 0 controle concentrado in abstrato nos Estados-membros pode não envolver apenas a ADI estadual (representação de inconstitucionalidade estadual), pois existem Estados que positivaram em suas respectivas Constituições a ADI por omissão.’75 Sem dúvida, não há inconstituciona­ lidade nessa previsão, o que inclusive já foi externalizado pelo STF.’76 0 argumento central pode ser escorado, com base na doutrina, na tese da relativa fungibilidade373 376 375 374

373. Nesses termos:"[...j a decisão proferida em controle abstrato há de ter eficácia erga omnes, sob pena de se subver ter ou de se descaracterizar por completo o próprio sistema judicial de controle de constitucionalidade, subordi­ nando-se a eficácia do pronunciamento judicial definitivo a uma decisão, reitere-se, tipicamente politica de um órgão legislativo." MENDES, Gilmar, 2008, p. 1.329. 374. CLEVE, Clemerson Merlin. A fiscalização abstrata no controle de constitucionalidade; Ver também LEONCY, Leo Fer­ reira, Controle de constitucionalidade estadual: as normas de observância obrigatória e a defesa abstrata da Consti­ tuição do Estado-membro, p. 112; e NOVELINO, Marcelo, Direito constitucional, 2009, p. 318. 375. Exemplos: temos as Constituições dos Estados de Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Per nambuco, entre outras. 376. Conforme o RE n° 148.283: Ementa: Constitucional. Estado do Maranhão. Ação Declaratória de Inconstituciona­ lidade por omissão de medida para tornar efetiva norma da carta estadual. Acórdão doTribunal de Justiça local, dedinatório da competência para o Supremo Tribunal Federal. Alegada ofensa aos arts. 102,1, a; 125, § 2o; e 5°, XXXV, da Constituição Federal. Ação que a Carta Política do Estado do Maranhão, na conformidade do art. 125, § 2°, da CR, incluiu na competência doTribunal de Justiça (art. 80, § 1°, I). Rec. extraordinário conhecido e provido. (Rel. Min. limar Galvão. Julg. em 08.08.2000.)

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entre a ADI (genérica) e a ADI por omissão parcial (que é uma espécie do gênero ADI por omissão). Conforme aqui salientado (no estudo da ADI por omissão), na ADI por omissão parcial o que temos é uma omissão parcial, que, com isso, afronta o texto cons­ titucional. Ou seja, existe ato normativo e a sua incompletude (ou insuficiência) contraria dispositivo da Constituição, fazendo com que esse ato seja, portanto, inconstitucional. Além da existência das ADIs por omissão (também chamada atualmente de ADO), entendemos possível, em virtude do caráter dúplíce ou ambivalente da ADI e ADC (e da relativa fungibilidade entre elas), a criação de Ação Dedaratória de Cons­ titucionalidade no âmbito Estadual.

Já no caso da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), en tendemos que há necessidade de previsão na Constituição da República Federativa do Brasil para que ela possa ser inserida nas Constituições Estaduais. Certo é que a Constituição da RFB explicita a ADPF, estabelecendo competência apenas ao STF para seu processamento e julgamento. Nesse caso, não está presente o fundamento da duplicidade ou ambivalência (usado para uma possível aceitação da ADC). 11. ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 11.1. Interpretação conforme a Constituição

11.1.1. Introdução Sem dúvida, a interpretação conforme a Constituição envolve o seguinte racio­ cínio: uma norma jurídica não tem sentido unívoco, tem sentido "plúrimo", pois é aberta, ou seja, é permeável a várias interpretações.3'’8

377. Nesses termos:"{...] tendo a Constituição de 1988 autorizado o constituinte estadual a criar a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Carta Magna Estadual (CR, art. 125°, § 2o) e, restando evidente que tanto a representação de inconstitucionalidade, no modelo da Emenda 16, de 1965, e da Constituição de 1967/69, quanto a ação dedaratória de constitucionalidade prevista na Emenda Constitucional n. 3 de 1993, possuem caráter dúplice ou ambivalente, parece legitimo concluir que. independen­ temente de qualquer autorização expressa do legislador constituinte federal, estão os Estados-membros legiti­ mados a instituir a ação dedaratória de constitucionalidade. [...] Na autorização para que os Estados instituam a representação de inconstitucionalidade, resta implícita a possibilidade de criação da própria ação dedaratória de constitucionalidade.'’ MENDES, Gilmar, 2008, p. 1318. Como exemplo, temos a Constituição de Minas Gerais que no seu art.118 que prevê a ADC. 378. Para clássica doutrina hermenêutica, o fenômeno pode ser definido do seguinte modo: o legislador propositadamente pode elaborar uma lei de forma aberta com cláusulas gerais e, com isso, a priori já deixar assente a aber tura para uma gama de possibilidades interpretativas. Porém, ele também pode optar por um texto normativo "pretensamente' fechado, específico e bem delimitado. Acontece que, mesmo nesse caso, em razão do desenvol­ vimento social e diante da sociedade complexa em que vivemos, a norma jurídica ganha novas interpretações (novas possibilidades interpretativas) que não eram, inclusive, desejadas ou mesmo pensadas pelo legislador.

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A interpretação conforme a Constituição nada mais é cio que a possibilidade de salvar uma norma fazendo com que ela permaneça no ordenamento jurídico. Atualmente, ela deve ser entendida como técnica de decisão de controle de consti­ tucionalidade, e não apenas um método ou técnica de interpretação.

11.1.2. Conceito É a possibilidade de o STF declarar a constitucionalidade de uma interpretação de norma jurídica, em virtude de ela estar em consonância ou estar compatível (adequada) com a Constituição. Nesses termos, o STF afasta as demais interpretações, mas mantém (garante) a norma no ordenamento. É mister salientar que esse instituto pode ser utilizado com ou sem a redução de texto de uma norma.

Portanto, o STF pode declarar a constitucionalidade de uma norma, desde que tenha determinada interpretação compatível com a Constituição ou mesmo pode declarar a constitucionalidade de uma norma, desde que tenha determinada in­ terpretação compatível com a Constituição embora parte do texto da norma seja suprimido. Assim, ele reduz o texto e também determina que o restante só será constitucional (e com isso poderá permanecer no ordenamento) se tiver a interpre­ tação determinada pelo STF.

Como já dito no capítulo referente à hermenêutica, a interpretação conforme se apresenta, à luz da jurisprudência do STF, não só com um viés hermenêutico, mas também como uma técnica de controle de constitucionalidade? 80

379. Um exemplo de ÍCCsem redução de texto foi recentemente explicitado pelo STF. A Lei n® 13.301/2016 prevê, como uma das medidas para combater o Aedes aegypti, que o poder público fica autorizado a fazer a pulveri­ zação, por meio de aeronaves, de produtos químicos para matar o mosquito. No seu art 1°, § 3° temos que: São ainda medidas fundamentais para a contenção das doenças causadas pelos vírus de que trata o caput: IV - permissão da incorporação de mecanismos de controle vetorial por meio de dispersão por aeronaves mediante aprovação das autoridades sanitárias e da comprovação científica da eficácia da medida. Essa norma, que permite o uso de ae­ ronaves para dispersão de substâncias químicas no combate ao mosquito foi questionada no STF por meio de ADI proposta pelo PGR. Considerando possíveis danos ao meio ambiente e à saúde, o PGR pediu que essa norma fosse declarada inconstitucional O STF julgou parcialmente procedente o pedido apenas para dar interpretação conforme á Constituição, sem redução de texto, ao inciso IV do § 3° do art. Io da Lei n° 13.301/2016.0 STF afirmou que o dispositivo é constitucional, desde que seja Interpretado da seguinte forma: A aprovação das autoridades sanitárias e ambientais competentes e a comprovação científica da eficácia da medida são condições prévias e inafastáveis para que seja adotado esse mecanismo de controle vetorial por meio de dispersão por aeronaves. O STF deu ICC a essa norma dizendo que, além da comprovação cientifica e da aprovação das autoridades sanitárias (mencionadas no texto da lei), é necessário também que haja a aprovação das autoridades ambientais. STF. Plenário. ADI 5592/ DF, Red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julg em 11.09.2019 (Info 951). 380. Conforme a já citada ADI n° 1.417: "O principio da interpretação conforme a Constituição Iverfassungskonforme auslegung) é princípio que se situa no âmbito do controle de constitucionalidade, e não apenas como regra de interpretação. A aplicação desse principio sofre, porém, restrições, uma vez que, ao declarar a inconstitucio­ nalidade de uma lei em tese, o STF em sua função de corte constitucional - atua como legislador negativo, mas não tem o poder de agir como legislador positivo, para criar norma jurídica diversa da instituída pelo Poder Legislativo. Por isso, se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a Constituição contrariar sentido inequívoco que o Poder Legislativo lhe pretendeu dar. nào se pode aplicar o principio da interpretação

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11.1.3. Efeitos da interpretação conforme a Constituição Conforme o art. 28, parágrafo único. Lei n° 9.868/99, os efeitos da decisão no STF serão erga omnes e vinculantes. Nesse sentido, é mister salientar que, se o juiz ou tribunal utilizar a norma de outra forma que não a delimitada pelo STF, poderá ensejar "reclamação", com base no art. 102, inc. I, "I", da CR/88, para preservar a autoridade e a competência do STF.

11.1.4. Observação final 0 STF não poderá atuar como legislador positivo. Seguindo a doutrina majo­ ritária (de viés kelseniano), no controle da constitucionalidade 0 Judiciário atua como legislador negativo, ou seja, analisa se leis feitas pelo legislador positivo são compatíveis ou não com a Constituição. Essa atuação nega a possibilidade de leis contrárias à Constituição de permanecerem no ordenamento. Nesse sentido, não é permitido ao STF contrariar texto expresso de norma jurí­ dica (infraconstitucional) ou de norma constitucional no exercício da interpretação conforme a Constituição.

Alguns, também, defendem que a interpretação conforme a Constituição não poderia contrariar 0 objetivo insofismavelmente pretendido pelo legislador com a produção normativa. Nesses termos, a finalidade da lei não poderia ser despreza­ da ou mesmo desconsiderada. Conforme Gilmar Mendes (em estranho posiciona­ mento, levando-se em consideração uma perspectiva hermenêutica mais sofistica­ da), nesse caso, a vontade do legislador não poderia ser substituída pela vontade do juiz.* 381

11.2. Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto

11.2.1. Introdução Sem dúvida, a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de tex­ to guarda íntima relação com a interpretação conforme a Constituição, pois ambas trabalham a partir de uma perspectiva hermenêutica. Ou seja, são dotadas de um viés hermenêutico.

Porém, certo é que existem diferenças entre elas. Nesses termos, a interpretação conforme busca salvar uma interpretação de uma norma, já a declaração de incons­ titucionalidade parcial sem redução de texto opera justamente 0 contrário, pois visa declarar a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação normativa.

conforme a Constituição, que implicaria, em verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legislador positivo.” (Rel. Min. Moreira Alves, DJ 15.04.1998). 381. MENDES, Gilmar, Jurisdição Constitucional, p.232.

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11.2.2. Conceito É a possibilidade de o STF declarar a inconstitucionalidade de uma hipótese, de um viés ou de uma variante de aplicação de uma norma jurídica sem reduzir seu texto. Embora o texto da norma continue o mesmo gramaticalmente, literalmente no ordenamento uma hipótese de sua aplicação é extirpada por inconstitucionali­ dade.382

Como exemplo, trazemos à baila clássica situação: suponhamos que surja uma lei que crie um novo tributo. Porém, esse tributo passa a ser cobrado no mesmo exercício financeiro em que foi criado. Dessa forma, é ajuizada ADI contra essa lei em virtude de ela ferir (contrariar) o art. 150, lll, "b", da CR/88. Nesse caso, 0 STF pode aplicar a decisão de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de tex­ to, pois pode apenas declarar que uma hipótese (um viés) de aplicação do texto é inconstitucional. Portanto, 0 texto continua 0 mesmo, mas uma hipótese de aplicação é afastada em virtude da pecha de inconstitucionalidade sobre ela. Assim, adentran­ do-se no próximo exercício financeiro, 0 tributo poderá ser cobrado normalmente.

11.2.3. Observações finais A DIP sem redução de texto, assim como a Interpretação Conforme a Constitui­ ção, tem efeito erga omnes e vinculante. Certo é que, se 0 Poder Judiciário ou a Ad­ ministração Pública (federal, estadual ou municipal) descumprira decisão prolatada pelo STF, cabe 0 instituto da reclamação, à luz do art. 102,1, "I", da CR/88.

Mas, aqui, há espaço para uma outra observação importante. Esta envolve as possibilidades de declaração de inconstitucionalidade pelo STF. Nesses termos, sem adentrarmos nas questões atinentes à modulação ou manipulação de efeitos, temos que poderá haver a:



Declaração de inconstitucionalidade total (0 STF declara que a lei ou 0 ato normativo se apresentam de todo inconstitucional);



Declaração de inconstitucionalidade parcial, com redução de texto (aqui te­ mos 0 uso do princípio da parcelaridade, na medida em que o STF declara a inconstitucionalidade de partes de uma lei ou um ato normativo, incluindo a possibilidade até mesmo de palavras ou expressões);



Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto (confor­ me ora estudado, 0 STF declara a inconstitucionalidade de uma hipótese de aplicação da lei ou do ato normativo, permanecendo intacta a literalidade da referida lei ou ato normativo).

382. Assim, deve o STF na parte dispositiva expressar do seguinte modo: a norma X é inconstitucional desde que, ou se, aplicável de tal modo ou se aplicada a tal hipótese, ou como em nosso exemplo e também em Gilmar Mendes e Yves Gandra:'A norma Y é inconstitucional se autorizativa da cobrança do tributo em determinado exercício financeiro." MENDES, Gilmar Ferreira, Controle concentrado deconstitucionalidade, 2001, p. 301.

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Bernardo Gonçalves

FcRN/tNOES

11.3. Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade Aqui, temos outra possibilidade de atuação do Pretório Excelso. Nesse caso, o STF declara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, porém, não pronuncia sua nulidade. Ou seja, o STF excepcionalmente pode entender, com base no princípio da proporcionalidade, que a declaração de nulidade poderá agravar o estado de in­ constitucionalidade presente no sistema jurídico-constitucional. Nesses casos, também excepcionalmente, importante salientar que a lei ou o ato normativo podem continuar no ordenamento, à luz da lógica da ponderação de interesses, com base em razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, dentre outras fundamentações que trabalham a proporcionalidade. Um exemplo recente foi o da ADI n« 2.240 (Muni­ cípio de Luiz Eduardo Magalhães). 0 STF declarou que a lei que criou 0 município era inconstitucional, mas não declarou sua nulidade,383384 ocorrendo na decisão a modula­ ção de efeitos por 24 meses.38* Um exemplo, ainda mais recente, está presente no Informativo n° 576 do STF, que deixou assente que, no que tange à Lei Complementar n° 62/89: "[...] não obstante a Lei Complementar 62/89 não satisfazer integralmente à exigência contida na parte final do art. 161, II, da CR, julgou-se que a sua imediata

383. Nesse sentido, conforme a Ementa da decisão da ADI n“ 2240 em 09.05.2007: Ação Direta de Inconstitucionali­ dade. Lei n“ 7.619/2000, do Estado da Bahia, que criou o município de Luís Eduardo Magalhães. Inconstitucionali dade de lei estadual posterior à EC 15/96. Ausência de Lei complementar Federal prevista no texto constitucional. Afronta ao disposto no artigo 18, § 4o, da Constituição do Brasil. Omissão do Poder Legislativo. Existência de fato. Situação consolidada. Principio da segurança da jurídica. Situação de Exceção, Estado de Exceção. A Exceção não se subtrai á norma, mas esta, suspendendo-se, dá lugar à Exceção — apenas assim ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a Exceção. 1.0 Município foi efetivamente criado e assumiu existência de fato, há mais de seis anos, como ente federativo. 2. Existência de fato do Municipio, decorrente da decisão política que im portou na sua instalação como ente federativo dotado de autonomia. Situação excepcional consolidada, de ca­ ráter institucional, político. Hipótese que consubstancia reconhecimento e acolhimento da força normativa dos fatos. 3. Esta Corte não pode limitar-se à prática de mero exercício de subsunção. A situação de exceção, situação consolidada — embora ainda não jurídica — não pode ser desconsiderada. 4. A exceção resulta de omissão do Poder Legislativo, visto que o impedimento de criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, desde a promulgação da Emenda Constitucional n. 15, em 12 de setembro de 1.996, deve-se à ausência de lei complementar federal. 5. Omissão do Congresso Nacional que inviabiliza o que a Constituição autoriza: a criação de Município. A não edição da lei complementar dentro de um prazo razoável consubstancia autêntica violação da ordem constitucional. 6. A criação do Municipio de Luís Eduardo Magalhães importa, tal como se deu, uma situação excepcional não prevista pelo direito positivo. 7.0 estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade. Não é a exceção que se subtrai à norma, mas a norma que, suspendendo-se, dá lugar à exceção — apenas desse modo ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção. 8. AoSupremoTribunal Federal incumbe decidir regulando também essas situações de exceção. Não se afasta do ordenamento, ao fazê-lo, eis que aplica a norma à exceção desaplicando-a, isto é, retirando a da exceção. 9. Cum­ pre verificar o que menos compromete a força normativa futura da Constituição e sua função de estabilização. No aparente conflito de inconstitucionalidades impor-se-ia o reconhecimento da existência válida do Município, a fim de que se afaste a agressão à federação. 10.0 principio da segurança jurídica prospera em beneficio da pre­ servação do Município. 11. Princípio da continuidade do Estado. 12. Julgamento no qual foi considerada a decisão desta Corte no Ml n. 725, quando determinado que o Congresso Nacional, no prazo de dezoito meses, ao editar a lei complementar federal referida no § 4° do artigo 18 da Constituição do Brasil, considere, reconhecendo-a, a existência consolidada do Município de Luís Eduardo Magalhães. Declaração de inconstitucionalidade da lei es­ tadual sem pronúncia de sua nulidade 13. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a nulidade pelo prazo de 24 meses, da Lei n°7.619, de 30 de março de 2000, do Estado da Bahia. Rel. Min. Eros Grau. 384. Ressaltamos, apenas mais uma vez na obra, que a decisão (entre outras sobre o mesmo tema) do STF na ADI n° 2.240 foi esvaziada em sua substancialidade pela Emenda Constitucional n° 57/2008 (aqui já trabalhada).

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supressão da ordem jurídica implicaria incomensurável prejuízo ao interesse público e à economia dos Estados, haja vista que o vácuo legislativo poderia inviabilizar, por completo, as transferências de recursos. Em razão disso, fez-se incidir o art. 27, da Lei n« 9.868/99, e declarou-se a inconstitucionalidade, sem pronúncia da nulidade, do art. 2°, I e II, §§ i°, 20 e 30, e do Anexo Único, da Lei Complementar 62/89, autorizando-se a aplicação da norma até 31.12.2012, lapso temporal que se entendeu razoável para 0 legislador reapreciar 0 tema, em cumprimento àquele comando constitucional." Por último, temos recente decisão do STF na Reclamação 4 374/PE julgada em 18.04.2013 em que 0 Pretório Excelso declarou a inconstitucionalidade sem pronúncia de nulida­ de do § 3° do art. 20 da Lei n° 8.742/93385.

11.4. Declaração de constitucionalidade de lei "ainda" constitucional

É a possibilidade de 0 STF declarar a constitucionalidade de uma lei, mas afir­ mar que ela está em vias de se tornar inconstitucional. Ou seja, a lei é constitu­ cional, mas caminha progressivamente para a inconstitucionalidade. Esse tipo de declaração também é chamado de inconstitucionalidade progressiva ou de apelo ao legislador (conforme a perspectiva desenvolvida na Alemanha). É apelo ao legislador porque 0 STF estará alertando 0 legislador, ou os Poderes Públicos como um todo, para que tomem outra postura a fim de que a lei não se torne inconstitucional.

Como exemplo, temos 0 HC n° 70.514 (discutiu o prazo em dobro da defensoria pública para recorrer. 0 STF externaliza que é inconstitucional esse prazo por ferir, em termos processuais, a isonomia e a paridade de armas. Porém, mesmo sabedor disso, 0 STF entende que esse prazo é "ainda" constitucional, pois a defensoria não está devidamente estruturada. Sem dúvida, quando estiver, a norma ora em ques­ tão será inconstitucional).386

385. Ver decisão de 18.04.2013, Rcl 4374/PE Rel. Min. Gilmar Mendes. 386. Nesse sentido, a decisão do STF no HC n° 70.514, julg. em 23.03.93, conforme a ementa: Direito Constitucional e Processual Penal. Defensores Públicos: prazo em dobro para interposição de recursos 5o do art. 1 da Lei n 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 2.871. de 08.11.1989). Constitucionalidade. "Habeas Corpus". Nulidades. Inti­ mação pessoal dos Defensores Públicos e prazo em dobro para interposição de recursos. 1. Não é de ser reconhecida a inconstitucionalidade do S 5° do art. 1” da Lein 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989, no ponto em que confere prazo em dobro, paro recurso, às Defensorias Públicas, ao menos até que suo organização, nos Estados, alcance o nível de organização do respectivo Ministério Público, que é a parte adversa, corno órgão de acusação, no processo da ação penal pública. 2. Deve ser anulado, pelo Supremo Tribunal Federal, acórdão de Tribunal que não conhece de apelação interposta por Defensor Público, por considerá-la intempestiva, sem levarem conta o prazo em dobro para recurso, de que trata o $5° do art. 1 da Lein 1.060, de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871, de 08.11.1989.3. A anulação também se/ustifíca, se, apesar do disposto no mesmo parágrafo, ojulgamento do recurso se realiza, sem intimação pessoal do Defensor Público e resulta desfavorável ao réu. seja, quanto a sua própria apela­ ção. seja quanto á interposta pelo Ministério Público. 4. A anulação deve beneficiar também o correu, defendido pelo mesmo Defensor Público, ainda que não tenha apelado, se ojulgamento do recurso interposto pelo Ministério Público, realizado nas referidas circunstâncias, lhe é igualmente desfavorável. "Habeas Corpus"deferido para tais fins, devendo o novo julgamento se realizar com prévia intimação pessoal do Defensor Público, afastada a questão da tempestividade da apelação do réu. interposto dentro do prazo em dobro. (Rel. Min. Sydney Sanches. DJ 27.06.97).

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Outro exemplo é o do Recurso Extraordinário n° 147776 (discussão sobre 0 art. 68 do CPP - que diz respeito à defesa de hipossuficientes pelo Ministério Público). Sem dúvida, à luz da Constituição atual, a defesa de hipossuficientes está afeta à Defenso­ ria Pública, nos termos do art. 134 da CR/88. Porém, 0 STF decidiu aplicar a declaração de constitucionalidade de lei ainda constitucional, na medida em que deixou assente que 0 art. 68 do CPP era ainda constitucional (podendo, portanto, ser recepcionado pelo novo ordenamento constitucional pós 1988) até que a defensoria pública fosse devidamente estruturada de forma adequada nos níveis estadual e nacional.jS/ Por último, temos também como exemplo a decisão da ADI n» 2415 julgada pelo STF em 22.09.2011. Nessa decisão, por estar configurada "situação constitucional imperfeita", 0 Plenário do STF, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - Anoreg/BR, contra os Provimentos 747/2000 e 750/2001, ambos do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo. Os referidos atos reorganizaram as serventias notariais e de registros no interior daquele ente federativo "mediante a acumulação e desacumulação de serviços, extinção e cria­ ção de unidades". Conforme a Ementa: "(...) 3. Processo de Inconstitucionalização. Normas "ainda constitucionais". Tendo em vista que 0 Supremo Tribunal Federal indeferiu 0 pedido de medida liminar há mais de dez anos e que, nesse período, mais de 700 pessoas foram aprovadas em concurso público e receberam, de boa-fé, as delegações do serviço extrajudicial, a desconstituição dos efeitos concretos ema­ nados dos Provimentos n® 747/2000 e 750/2001 causaria desmesurados prejuízos ao interesse social. Adoção da tese da norma jurídica 'ainda constitucional'. Preserva­ ção: a) da validade dos atos notariais praticados no Estado de São Paulo, à luz dos provimentos impugnados; b) das outorgas regularmente concedidas a delegatários concursados (eventuais vícios na investidura do delegatário, máxime a ausência de aprovação em concurso público, não se encontram a salvo de posterior declaração de nulidade); c) do curso normal do processo seletivo para 0 recrutamento de no­ vos delegatários. 4. Ação direta julgada improcedente."387 388

387. Nesses termos o RE n° 147.776, julg em 19.05.98: Ministério Público: legitimação para promoção, no juizo cível, do ressarcimento do dano resultante de crime, pobre o titular do direito à reparação: CPP, art. 68, ainda constitucional (cf. RE 135328): processo de inconstitucionalização das leis. 1. A alternativa radical dojurisdição constitucional ortodoxa entre a constitucionalidadeplena e a declaração de inconstitucionalidade ou revogação por inconstitucionalidade da lei com fulminante eficácia ex tunc faz abstração da evidência de que a implementação de uma nova ordem constitu­ cional não é um fato instantâneo, mas um processo, no qual a possibilidade de realização da norma da Constituição - ainda quando teoricamente não se cuide de preceito de eficácia limitada - subordina-se muitas vezes a alterações da realidade fãtica que a viabilizem. 2. No contexto da Constituição de 1988, a atribuição anteriormente dada ao Minis tério Público pelo art. 68 CPP - constituindo modalidade de assistênciajudiciária - deve reputar-se transferida paro a Defensoria Pública: essa, porém, para esse fim, só se pode considerar existente, onde e quando organizada, de direito e de fato, nos moldes do art. 134 da própria Constituição e da lei complementar por ela ordenada: até que - na União ou em cada Estado considerado -, se implemente essa condição de viabilização da cogitada transferência constitucional de atribuições, o art. 68 CPP será considerado ainda vigente: é o caso do Estado de São Pauio, como decidiu o plenário no RE 135328. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. (DJ 19.06.98). 388. Ainda conforme a Ementa: (...) 2. Criação e extinção de serventias extrajudiciais. As serventias extrajudiciais se compõem de um feixe de competências públicas, embora exercidas em regime de delegação a pessoa privada.

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11.5. Sentenças intermediárias: sobretudo as sentenças normativas (ou senten­ ças manipulativas)

11.5.1. Conceito Embora o tema também seja objeto de análise específica em tópico posterior, já iremos conceituar o que chamamos de sentenças intermediárias. Nesse sentido, as sentenças intermediárias são o conjunto de decisões (tipologias) as quais o ór­ gão do Poder Judiciário, que controla a constitucionalidade, relativiza o tradicional binômio "constitucionalidade/inconstitucionalidade".’8’ Ou seja, à luz de fatores po­ líticos, econômicos, sociais e jurídicos, o Poder Judiciário passa a trabalhar com téc­ nicas de decisão e efeitos no controle de constitucionalidade que vão além da mera (simples) declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei.

0 termo "sentenças intermediárias" (conforme veremos novamente) surge de forma explicitada, em 1987, no VII Congresso de Tribunais Constitucionais Europeus?90 Entre as sentenças intermediárias, nesse momento da obra, iremos destacar as sen­ tenças normativas (que posteriormente também serão analisadas em conjunto com as outras sentenças intermediárias). Sem dúvida, acreditamos que os dois principais exemplos, atualmente, são as chamadas sentenças aditivas e as sentenças substitutivas (também chamadas na doutrina italiano de sentenças manipulativas).

Aqui é interessante registrar que Gilmar Mendes e Paulo Gonet usando da dou­ trina italiana por intermédio de autores como Ricardo Guastini (Lezioni di teoria costituzionale, 2001, p. 222) e Roberto Romboli (Giustizia costituzionale, 2007, p. 304) intitulam algumas das sentenças intermediárias (as aditivas e as substitutivas) de sen­ tenças manipulativas. Apesar de não concordamos com essa nomenclatura que entendemos ser desconectada com a que definiram os Tribunais Europeus, vamos aqui explicitá-la.

Para os autores, "a doutrina italiana considera manipulativa a decisão median­ te a qual 0 órgão de jurisdição constitucional modifica ou adita normas submetidas a sua apreciação, a fim de que saiam do juízo constitucional com incidência norma­ tiva ou conteúdo distinto do original, mas concordante com a Constituição" (Ricardo Guastini, 2001, p.222). Nesses termos, afirmam os autores que, como anota Roberto389 390

Competências que fazem de tais serventias uma instância de formalização de atos de criação, preservação, modi­ ficação, transformação e extinção de direitos e obrigações. Se esse feixe de competências públicas investe as serven­ tias extrajudiciais em parcela do poder estata I idôn ea à colocação de terceiros numa condição de servil aca tamento, a modificação dessas competências estatais (criação, extinção, acumulação e desacumu/ação de unidades) somente é de ser realizada por meio de lei em sentido formal, segundo a regra de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Precedentes (e não por provimentos do TJ/SPnos termos questionados na ADI 2415) (Rel. Min. Ayres Britto, 22.09.2011). 389. SAMPAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo, p. 159. Ver também, SOU­ ZA CRUZ, Álvaro Ricardo, Jurisdição constitucional democrática, 2004. 390. SAMPAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo, p. 159.

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Romboli, tratando das sentenças manipulativas, a Corte modifica diretamente a norma posta ao seu exame, por meio de decisões que são definidas como autoaplicativas, a indicar o caráter imediato de seus efeitos, que prescindem de qualquer sucessiva intervenção parlamentar (Roberto Romboli, 2007, p. 304). Dessa maneira, haveria uma distinção entre as sentenças manipulativas de efeitos aditivos das manipulativas com efeito substitutivo. A primeira espécie verifica-se quan­ do a corte constitucional declara inconstitucional certo dispositivo legal não pelo que expressa, mas pelo que omite, alargando 0 texto da lei ou seu âmbito de incidência.

Já as manipulativas com efeitos substitutivos, por sua vez, são aquelas em que o juízo constitucional declara a inconstitucionalidade da parte em que a lei estabelece determinada disciplina em vez de outra, substituindo a disciplina advinda do poder legislativo por outra, consentânea com 0 parâmetro constitucional.391 Podemos observar que a conceituação posta pelos autores ora citados não vai divergir muito da que nós vamos trabalhar.

Nesses termos, também afirmamos que as sentenças aditivas são aquelas nas quais 0 Poder Judiciário entende que a norma é inconstitucional por insuficiência dela, mas não declara a inconstitucionalidade da norma, extirpando-a do ordena­ mento. Ao invés disso, amplia 0 conteúdo dessa norma, ou seja, estende 0 âmbito (alarga a norma, incrementando-a) com um conteúdo até então inexistente nela. A norma de inconstitucional, por insuficiência, passa a ser constitucional em virtude de seu alargamento. Portanto, 0 Judiciário irá aditivar a norma, mediante sua de­ cisão. Um exemplo interessante advém da Corte Constitucional italiana por meio da Sentença Normativa Aditiva n° 170/70. No caso, a legislação italiana previa a presença do Ministério Público no interrogatório do réu e a legislação era omissa quanto à presença do advogado do réu. A Corte diante de questionamento de cons­ titucionalidade da legislação, ora em comento, entendeu que se trata de norma in­ constitucional por insatisfatória. Todavia, foi mantida a norma no ordenamento com 0 alargamento dela (incremento em seu conteúdo), incluindo-se, então, também a presença do advogado no interrogatório. No Brasil, não há tradição de sentença aditiva, vide exemplo da Súmula n» 339 do STF (que foi convertida na Súmula vinculante n° 37 do STF) que preleciona que: "não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimen­ tos de servidores públicos sob fundamento de isonomia."392

391. Sustentam ainda que como espécies de decisões com alguma eficácia aditiva ainda devem ser referidas as decisões demolitórias com efeitos aditivos (quando é suprimida uma lei inconstitucional constritora de direitos), as aditivas de prestação (que tem impacto orçamentário) e as aditivas de princípios (onde são fixados princípios que o legisla­ dor deve observar ao prover a disciplina que se tem por indispensável ao exercício de determinado direito constitucio nal). Ressaltam os autores que, embora os esforços teóricos do tema tenham frutificado principalmente na Itália, a pro lação de decisões manipulativas tem sido uma constante também na jurisprudência doTribunal espanhol e português 392. Na ADO 22 julg. em 22.04.2015 afirmou o STF que: “O Plenário, por maioria, conheceu de ação direta de inconstitu­ cionalidade por omissão, e, no mérito, julgou improcedente pedido formulado em face de alegada omissão legislativa

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Todavia, temos alguns exemplos393 de atuação aditiva de nosso Poder Judiciá­ rio, que merece citação: a) Recurso Especial n° 249.026. Nesse caso, 0 STJ permitiu 0 levantamento do FGTS de uma mãe que pretendia utilizá-lo em benefício de seu filho que padecia de AIDS. No caso, a decisão foi prolatada a despeito do rol de hipóteses de levantamento do fundo elencados no art. 20, XI, da Lei n° 8.036/90 não prever (contemplar) a situação em tela. Certo é que 0 STJ, em razão do direito à vida, à dignidade da pessoa humana e à saúde, entendeu, em função do caráter social do FGTS, que este deveria garantir 0 bem-estar não apenas do indivíduo, mas também de seus familiares394; b) HC n° 79.812 de Relatoria do Min. Celso de Mello. Neste, 0 STF no que tange às testemunhas nas CPIs, preleciona que elas (e não só os investigados) também poderíam usar 0 direito de silêncio (de não autoincriminação e não produção de provas contra si mesmo).

Já as sentenças substitutivas são aquelas em que o Poder Judiciário entende que a norma é inconstitucional por ser inadequada, invalidando-a, e, com isso, substitui-a por outra que ele. Poder Judiciário, entende adequada. Um exemplo advém da Corte Constitucional italiana: Sentença Normativa Substitutiva n° 298/95 (No Código Penal Militar italiano havia a estipulação para um determinado crime X de uma pena de 5 a 10 anos de reclusão. A Corte italiana, em julgamento, entendeu que se tratava de lei inconstitucional por ser inadequada, pois feria a lógica da proporcionalidade. Com isso, a Corte declarou a inconstitucionalidade da norma do ordenamento e a substituiu por uma norma que estabeleceu a previsão de pena de reclusão de 1 a 5 anos395).

parcial do Congresso Nacional, tendo em vista ausência de regulamentação acerca da propaganda de bebidas de teor alcoólico inferior a 13 graus Gay Lussac (13° GL), em desacordo com o comando constitucional previsto no art. 220, § 4° da CF. O Tribunal, de inicio, asseverou que estaria assentada na jurisprudência do STF, com fundamento na inter­ pretação dos princípios da harmonia e independência entre os Poderes, a impossibilidade de, em sede jurisdicional, criar-se norma geral e abstrata em substituição ao legislador, reiterado o quanto decidido na ADI 1.755/DF (DJU de 18.5.2001) (,..)No entanto, no caso em comento, o primeiro item a ser considerado deveria ser a real existência da ale­ gada omissão inconstitucional em matéria de propaganda de bebidas alcoólicas. O legislador federal, no exercício da atribuição a ele conferida pelo poder constituinte originário, aprovara a Lei 9.294/1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumigeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapios e defensivos agrícolas, nos termos do §4° do art. 220 da CF. (...)Ademais, a irresignação quanto ao critério fixado no parágrafo único do art. 1 ° da Lei 9.294/} 996 — bebidas alcoólicas, para efeitos da lei, seriam as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a 13° GL — não seria suficiente para evidenciar a alegada omissão inconstitucional, dado que, como dito, estaria demons­ trado nos autos ter sido a matéria relativa à propaganda de bebidos alcoólicas objeto de amplos debates em ambas as Casas do Poder Legislativo. Ainda que se pudessem considerar relevantes as razões sociais motivadoras da ação direta em apreciação, o pedido não poderia prosperar. Isso porque, tão importante quanto a preservação da saúde daqueles que se excedem no uso de bebidas alcoólicas, e que poderíam consumi-las em niveis menores, seria a observância de principias fundamentais do direito constitucional, como o da separação dos Poderes. Assim, para afirmar a omissão inconstitucional na espécie, o STF teria de analisar a conveniência política de normas legitimamente elaboradas pelos representantes eleitos pelo povo. Portanto, não se estaria diante de uma omissão, mas diante de uma opção, ou seja, o que teria havido seria uma opção do legislador na escolha das propagandas que seriam viáveis, ou nào". (Informativo 782 do STF) 393. SOUZA CRUZ. Álvaro Ricardo. Jurisdição constitucional democrática, 2004. 394. REsp. 249.026/PR Rel. Min. José Delgado, DJU de 26.06.2000. SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo, Jurisdição constitucio­ nal democrática, 2004; SAMPAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo. 395. SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo, Jurisdição constitucional democrática, 2004; SAMPAIO, José Adércio Leite, As senten­ ças intermediárias e o mito do legislador negativo.

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Por fim, ainda que preliminarmente, uma crítica fulcral que poderia ser feita a essas sentenças é justamente a que afirma que essas ferem (ou pelo menos amea­ çam de ferir) a supremacia da Constituição, na medida em que colocam o Poder Judiciário atuando como Poder Legislativo (como legislador positivo, nos moldes de um verdadeiro poder constituinte permanente), contrariando o princípio da sepa­ ração de poderes. Na visão de José Adércio Leite Sampaio, o Judiciário pecaria por excesso.396

Porém, uma análise detalhada e completa do tema passará agora a ser desen­ volvida em nossa obra. Esta irá resgatar alguns conceitos, repetindo-os propositadamente, e irá além, trazendo novas digressões e, com isso, esmiuçando o estudo das sentenças intermediárias. 12. AS SENTENÇAS INTERMEDIÁRIAS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

12.1. Introdução Uma advertência deve ser feita logo de início: conforme Emílio Peluso Neder Meyer, encontramos na doutrina um discurso totalmente confuso a respeito do tema, de modo que ora os juristas tentam distinguir diferenças entre os institutos que compõem este gênero, ora buscam mesclá-los de modo desarrazoado. Quan­ to ao Supremo Tribunal Federal, então, o problema é ainda mais grave, já que este opta por decisões com "fundamentação pouco convincente", agravando a precariedade e pouca técnica do debate sobre o tema.397 Verdade é que o termo sentença intermediária,398 conforme já descrito, compreende uma diversidade de tipologias de decisões utilizadas pelos Tribunais Constitucionais e/ou Cortes Cons­ titucionais em sede do controle de constitucionalidade, com o objetivo de relativizar o padrão binário do direito (constitucionalidade/inconstitucionalidade). Ou seja, como já definimos, as sentenças intermediárias como o conjunto de decisões que relativizam o dogma constitucionalidade/inconstitucionalidade. Como salien tamos, onde antes somente era cabível ao Tribunal Constitucional posicionar-se pela declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo, agora, assistimos a uma pluralidade de medidas interme­ diárias, que relativizam tais julgamentos, abrindo a um espectro de possibilidade para os juizes constitucionais.

395. SAMPAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo. 397. MEYER, Emilio Peluso Neder, A decisão no controle de constitucionalidade, p. 37. 398. Fato é que a terminologia difundida no Brasil por José Adércio Leite Sampaio, com base na VII Conferência dos Tribunais Constitucionais europeus, em 1987. Emílio Peluso Neder Meyer (A decisão no controle de constituciona lidade, p. 38) faz outra proposta, decisões intermediárias, pois assim abarcar-se-á tanto provimentos jurisdicionais de primeira instância (sentenças) quanto pronunciamentos dosTribunais (acórdãos).

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Controle oe Ccnstitucionaloadc

0 termo, como aqui já salientado, foi originariamente cunhado na VII Confe­ rência dos Tribunais Constitucionais europeus, em 1987.íw Para José Adércio Leite Sampaio, é possível subdividir tais decisões em dois grupos:

Sentenças normativas

Sentenças transitivas ou transacionais

Que levam à criação de uma norma geral (abstrata) e vinculante, que, por sua vez, são subdivididas em outros grupos: • sentenças interpretativas ou de interpretação conforme a Constituição: • sentenças aditivas; • sentenças aditivas de princípio; • sentenças substitutivas.

Que implicam, devido a uma série de fatores (polí­ ticos, econômicos ou mesmo jurídicos), a possibili­ dade de uma relativa transação (relativizaçâo) com a supremacia constitucional, e são divididas nas se­ guintes espécies: • sentenças de inconstitucionalidade sem efeito ablativo; • sentenças de inconstitucionalidade com ablaçao diferida; • sentenças de apelo ou apelativas; • sentenças de aviso.

Aqui, apesar de não trabalharmos, merece atenção a diferenciação adotada por Luís Roberto Barroso e Patrícia Perrone sobre 0 tema. Para os autores, as de­ cisões intermediárias podem assumir a natureza de decisões interpretativas ou de decisões construtivas (também conhecidas como manipulativas), a depender do quantum de inovação produzam no Direito. Nesses termos: • As decisões interpretativas são aquelas em que o Tribunal atribui ou afasta um significado ou uma incidência que poderia ser extraída do programa normativo da lei, tal como positivado pelo legislador. Nesse caso, 0 intérprete determina, entre*

399. SAMPAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo, p. 159. Mais uma vez regis­ tramos que Gilmar Mendes usando mais especificamente da doutrina italiana e de autores como Ricardo Guastini (Lezionidi teoria costituzionale, 2001, p.222) e Roberto Romboli (Giustizia costituzionale, 2007, p.304) intitula algu­ mas das sentenças intermediárias (as aditivas eas substitutivas) de sentenças manipulativas. Nesses termos, re­ petimos: “A doutrina italiana considera manipulatlva a decisão mediante a qual o órgão de jurisdição constitu­ cional modifica ou adita normas submetidas a sua apreciação, a fim de que saiam do juizo constitucional com incidência normativa ou conteúdo distinto do original, mas concordante com a Constituição 'Ricardo Guastini, 2001, p.222). Como anota Roberto Romboli, tratando das manipulativas, a Corte modifica diretamente a norma posta ao seu exame, através de decisões que são definidas como autoaplicativas, a indicar o caráter imediato de seus efeitos, que prescindem de qualquer sucessiva intervenção parlamentar (Roberto Romboli, 2007, p.304). Um ulterior esforço analítico termina por distinguir as manipulativas de efeitos aditivos das manipulativas com efeito substitutivo A primeira espécie verifica se quando a corte constitucional declara inconstitucional certo dispositivo legal não pelo que expressa, mas pelo que omite, alargando o texto da lei ou seu âmbito de incidência. As manipulativas com efeitos substitutivos, por sua vez. são aquelas em que o juizo constitucional declara a inconstitucionalidade da parte em que a lei estabelece determinada disciplina ao invés de outro, substituindo a disciplina advinda do poder legislativo por outra, consentãnea com o parâmetro constitucional. Como espécies de decisões com alguma eficácia aditiva ainda devem ser referidas as decisões demolitórias com efeitos aditivos (quando é suprimida uma lei inconstitucional constritora de direitos), as aditivas de prestação (que tem impacto orçamentário) e as aditivas de princípios (onde são fixados princípios que o legislador deve observar ao prover a disciplina que se tem por indispensável ao exercido de determinado direito constitucional). Ressalte-se que, embora os esforços teóricos do tema tenham frutificado prin­ cipalmente na Itália, a prolação de decisões manipulativas tem sido uma constante também na jurisprudência do Tribunal espanhole português. MENDES, Gilmar, CursodeDireitoConstitucional, 2014, p.1294-1295.

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Bernardo Gonçalves Fernandes

as interpretações possíveis, a que melhor efetiva o disposto na Constituição, ou suprime significados inconstitucionais.400

• As decisões construtivas (manipulativas), a seu turno, atribuem aos disposi­ tivos interpretados significados que não podem ser diretamente extraídos do pro­ grama normativo da lei, procurando ampliar ou modificar o seu conteúdo e alcance, a fim de compatibilizá-lo com a Constituição. Nessa hipótese, há uma maior atuação criativa da Corte, com adição ou substituição do sentido normativo atrelado ao tex­ to. Portanto, as decisões aqui designadas construtivas correspondem àquelas que se consolidaram na experiência italiana - e que estão em processo de estabilização também na prática brasileira - sob a denominação de decisões manipulativas. Tra­ ta-se de técnica de decisão por meio da qual o intérprete introduz novos conteúdos na norma, que não poderíam ser extraídos diretamente do seu programa normati­ vo, a fim de compatibilizá-la com a Constituição. A despeito da ampla utilização da expressão manipulativa para designar tal técnica, a nomenclatura não parece ser a mais adequada. Nesses termos, justamente por tais razões, os autores optam por adotar a expressão decisões construtivas em substituição à expressão decisões ma­ nipulativas. Assim sendo, essa técnica intitulada para eles de decisões construtivas possibilita a reconstrução do significado da norma tida como parcialmente incons­ titucional, através de inserção de conteúdos que não decorrem de seu programa normativo, mas que são passíveis de justificação à luz da própria Constituição. Tra­ ta-se, para Barroso e Perrone de gênero de pronunciamento judicial que abrange as técnicas de decisão construtiva aditiva e substitutiva.401402 • Porém, como já dito, vamos adotar a nomenclatura de josé Adércio leite Sampaio, embora as outras nomenclaturas sejam também de grande valia e devam ser respeitadas (e usadas). 12.2. Sentenças interpretativas

Nessa modalidade, temos que, como o sentido de uma norma não é unívoco, mas, sim, "plúrimo"4”, as sentenças interpretativas buscam determinar ou fixar de terminada interpretação (em virtude de esta ser compatível com a Constituição) afastando outras e mantendo, com isso, a norma no ordenamento (interpretação conforme a Constituição) ou mesmo buscam excluir uma determinada interpreta­ ção em virtude de sua inconstitucionalidade (declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto). Sem dúvida, as sentenças interpretativas trabalham

400. BARROSO, Luís Roberto; MELLO CAMPOS, Patrícia Perrone. O papel criativo dos Tribunais - técnicas de decisão em controle de constitucionalidade. Revista da Ajuris,V.46, r>146, jun de 2019. 401. BARROSO, Luís Roberto, MELLO CAMPOS, Patrícia Perrone. O papel criativo dos Tribunais técnicas de decisão em controle de constitucionalidade. Revista da Ajuris, V.46, n 146. jun de 2019. 402. Aliás, na leitura de Kelsen, já encontramos a afirmação de uma norma aberta a várias interpretações, seja de forma tentada (o legislador de forma proposital a elaborou de forma aberta) ou mesmo intentada (embora a principio fechada, inúmeros fatores levam-na a uma abertura semântica que é inerente a qualquer tipo de texto).

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Controle

de

Constitucionalidade

hermeneuticamente ou para manter ou para extirpar uma determinada interpreta­ ção de uma norma em relação à Constituição.403404

12.2.1. A interpretação conforme a Constituição A primeira modalidade de sentenças interpretativas é a conhecida e aqui já trabalhada interpretação conforme a Constituição, cujo escopo é fixar uma interpre­ tação pelo Tribunal que seja tida como compatível (em consonância) com o Diploma Constitucional, de modo a não se declarar a norma inconstitucional desde que seja aplicada tal interpretação/04 Apesar de não haver previsão legislativa no direito comparado, o legislador brasileiro fez constar tal possibilidade de decisão no art. 28 da Lei n° 9.868/99. No Direito norte-americano, destaca-se 0 precedente da Suprema Corte do Es­ tado da Flórida - Boynton v. State, S0.405 - que considerou haver um dever para 0 Judiciário de salvar a lei que pode ser, até certo ponto, considerada constitucional. Na Alemanha, destaca-se como original no tema uma decisão do Tribunal Federal alemão de 1953406407 , que afirmou que 0 "princípio de presunção de constitucionali­ 409 408 dade das leis" envolvería não apenas 0 respeito das leis para com a Constituição, como ainda a compatibilização de uma interpretação afinada com esta/'7 A bem da verdade, a interpretação conforme a Constituição é uma técnica a ser empregada no campo das decisões quanto ao controle de constitucionalidade das leis.403 No controle de constitucionalidade das leis brasileiras, já se falava na inter­ pretação conforme há tempos, vindo tal técnica a ser empregada de forma explícita na aqui citada ADI n» 1417/09

Certo é que na interpretação conforme não há necessidade, nos órgãos de julgamento colegiado (tribunais de 2» instância), que em face de um caso concreto (modelo difuso) seja levantada a chamada cláusula de reserva de plenário - ou

403. MEYER, Emílio Peluso Neder. A decisão no controle de constitucionalidade, p.40. Por isso, os julgadores irão bus cara possibilidade de manutenção da norma no ordenamento jurídico, deforma a dar-lhe uma interpretação que lhes pareça conforme (em consonância) à Constituição ou determinando que haverá inconstitucionalida­ de se a norma for aplicada a determinado grupo de pessoas ou em determinada situação de aplicação ou de determinado modo. 404. SAMPAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo, p. 163. 405. 20 536,546(1953). 406. BVeríGL 2, 266 (282). 407. MEYER, Emílio Peluso Neder, A decisão no controle de constitucionalidade, p. 41-42. 408. Na doutrina brasileira, sua fundamentação se encontra na ideia de presunção de constitucionalidade, mas tal si­ tuação é um argumento por demais falacioso, como revela Virgílio Afonso da Silva: Falarem presunção aqui é equivocado, pois presunção é um pressuposto jurídico que aceita prova em contrário; e no campo do controle de constitucionalidade, não há o que se falar em provas - o raciocínio se desenvolve todo em abstrato no campo normativo. Para Rui Medeiros, falar em interpretação conforme a Constituição, portanto, é nada mais do que afirmar um tipo especial de concretização do já falada interpretação sistemático teleológica. (SILVA, Virgílio Afonso da, La interpretación conforme a Ia Constitución, p. 11; MEDEIROS, Rui, A decisão de inconstitucionalidade, p. 295-296). 409. Nesse sentido, temos a decisão do STF em sede de representação de inconstitucionalidade (n° 1.417-7/DF, DJ 09/12/1987).

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seja, a proposição de um incidente de inconstitucionalidade, conforme o art. 97 da CR/88, que submeterá a questão ao Pleno do Tribunal ou órgão especial.410411 417 416 415 414 413 412 Já que a decisão da turma julgadora salvará a norma declarando sua constitucionalidade/” Situação, então, diferente é a que acompanha a declaração de inconstituciona­ lidade sem redução de texto, na qual, havendo declaração da inconstitucionalidade - mesmo que em situações particulares - 0 mesmo só poderá, segundo 0 STF, se dar por decisão do Pleno ou do órgão especial do Tribunal (salvo, como já estudado, se estivermos diante da exceção do parágrafo único do art. 481 do CPC).

Polêmica é a possibilidade instituída pelo art. 28 da Lei n» 9.868/99 de se atribuir efeito vinculante à decisão que aplica a técnica de interpretação conforme/'2 Vários autores advogarão a tese de que seria incompatível ao instituto a atribuição de um efeito vinculante, de modo que a decisão do tribunal somente poderia ser dotada de efeito persuasivo.4'3 Todavia, mesmo que constitucionalmente mais adequada essa tese, 0 STF, como já visto, segue posição inversa, inclusive compreendendo ser cabível a proposição de Reclamação,4'4 se decisões de outros tribunais ou mesmo magistrados de primeira instância forem em sentido diverso das por ele preferidas (nas decisões de interpretação conforme).4’-5 72.2.2. Declaração de inconstitucionalidade (nulidade) parcial sem redução de

texto4'6 Essa técnica de decisão no controle de constitucionalidade se desenvolveu na Alemanha em decisões a partir de 1954. Seu traço característico era a utilização da expressão soweít (desde que), marcando que a afirmação pela inconstitucionalida­ de representaria uma exceção, atingindo apenas um grupo ou conjunto particular de pessoas ou situação específica (ou um modo de aplicação). Nesses termos, em todas as demais, a norma ou 0 ato seriam considerados constitucionais.4" Conforme já conceituamos, temos aí a possibilidade de 0 STF declarar a inconstitucionalidade de uma hipótese, ou de um viés ou de uma variante de aplicação de uma norma sem reduzir seu texto (programa normativo). Fato é que 0 STF vem de forma nominal afirmando 0 emprego de tal instru­ mental, quando na verdade, às vezes, confunde-o com 0 instituto da interpretação

MEYER, Emílio Peluso Neder, A decisão no controle de constitucionalidade, p. 62. Ver decisão do TJ-RS na Apelação n° 70010945343, DJ 03708/2005. MEYER, Emílio Peluso Neder, A decisão no controle de constitucionalidade, p. 65. MEDEIROS, Rui, A decisão de inconstitucionalidade, p. 375. STF. Agravo Regimental na Reclamação n°2.143/SP,DJ 12/03/2003. Por último é importante reiterar que a interpretação conforme a Constituição encontra limites em nosso ordena­ mento, conforme já trabalhado. 416. Como esclarecimento, essa espécie não consta (de forma explícita) na classificação do professor José Adércio que adotamos como parâmetro. Entendemos que poderia ser alocada na classificação (apesar das diferenças, no mesmo grupo no qual está a Interpretação Conforme) 417. MEYER, Emílio Peluso Neder, A decisão no controle de constitucionalidade, p.65.

410. 411. 412. 413. 414. 415.

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Controle

oe

Constitucionaliuade

conforme/18 acertando apenas em alguns casos.*19 Nesses termos, infelizmente o STF, vez por outra, trata de forma equivalente as duas modalidades, deixando assente uma nítida confusão entre as duas técnicas de decisão de controle de constitucio­ nalidade/10 É importante reiterar, por último, que na declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, também temos a decisão dotada de efeito erga om­ nes e vinculante, nos moldes do art. 28, parágrafo único, da Lei n° 9.868/99. Com isso, existe a possibilidade de reclamação para 0 STF, com base no art. 102, I, "I", da CR/88, se a interpretação fixada (pelo STF) que declarou uma hipótese de apli­ cação de uma norma inconstitucional (em uma situação, de determinado modo ou circunstância, ou para um determinado grupo de pessoas) for descumprida por um Tribunal pátrio ou mesmo por um juiz monocrático.

12.3. Sentenças aditivas

Como vimos, as sentenças aditivas entendem que a norma inconstitucional por ser insuficiente, e posteriormente alargam a incidência de uma disposição legislativa, indo além do que originalmente estava previsto. Ou seja, a norma de insuficiente passaria (pela decisão do Tribunal) a ser suficiente. Trata-se de verdadeira ação de viés legislativo para parte da doutrina.411 Um exemplo bem claro, e que já foi dado, é 0 da Sentença n» 170/70 da Corte Constitucional italiana,418 421 420 419

418. STF. ADI n» 2.284/RJ, DJ 02/12/2005; Rex n°401.436/GO, DJ 31/03.2004. 419. Emilio Peluso (A decisão no controle de constitucionalidade, p. 68) destaca o julgamento da ADI n“ 2.287/SP como uma virada de entendimento do STF acertadamente na compreensão do instituto. 420. Como exemplo temos a ADI n° 1.719/DF julg. em 18.06.2007 de Rel. do Min. Joaquim Barbosa: Ementa: Penal e Processo Penal. Juizados especiais. Art. 90 da Lei 9.099/1995. Aplicabilidade. Interpretação conforme para excluir as normas de direito penal mais favoráveis ao réu. O art. 90 da lei 9.099/1995 determina que as disposições da lei dos Juizados Especiais não são aplicáveis aos processos penais nos quais a fase de instrução já tenha sido iniciada. Em se tratando de normas de natureza processual, a exceção estabelecida por lei à regra geral contida no art. 2a do CPP não padece de vício de inconstitucionalidade. Contudo, as normas de direito penal que tenham conteúdo mais benéfico aos réus devem retroagir para beneficiá-los, à luz do que determina o art. 5°, XL da Constituição federal. Interpretação conforme ao art. 90 da Lei 9.099/1995 para excluir de sua abrangência as normas de direito penal mais favoráveis aos réus contidas nessa lei. Como outro exemplo, temos a ADI 3168: Ementa: ação direta de inconstitucionalidade. Juizados especiois federais. Lei 10.259/2001, art. 10. Dispensabilidade de advo­ gado nas causas cíveis. Imprescindibilidade da presença de advogado nas causas criminais. Aplicação subsidiária do lei 9.099/1995. Interpretação Conforme a Constituição. É constitucional o art. 10 da Lei 10.259/2001, que faculta às partes a designação de representantes para a causa, advogados ou não, no âmbito dos juizados especiais federais. No que se refere aos processos de natureza cível, o Supremo Tribunal Federal já firmou o entendimento de que a im­ prescindibilidade de advogado é relativa, podendo, portanto, ser afastada pela lei em relação aos juizados especiais. Precedentes. Perante os juizados especiais federais, em processos de natureza eivei, as partes podem comparecer pes­ soalmente em juízo ou designar representante, advogado ou não, desde que a causo nâo ultrapasse o valor de sessen­ ta salários mínimos (art. 3° da Lei 10.259/2001) e sem prejuízo da aplicação subsidiária integral dos parágrafos do art. 9° da Lei 9.099/1995. Já quanto aos processos de natureza criminal, em homenagem ao princípio da ampla defesa, è imperativo que o réu compareça ao processo devidamente acompanhado de profissional habilitado a oferecer-lhe de­ fesa técnica de qualidade, ou seja, de advogado devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil ou defensor público. Aplicação subsidiária do art. 68, lll, da Lei 9.099/1995. Interpretação conforme, para excluir do âmbito de incidência do art. 10 da Lei 10.259/2001 os feitos de competência dos juizados especiais criminais da Justiça Federal, julg. em 08.06.2006. (Rel. Min. Joaquim Barbosa. DJ 03.08.2007). 421. SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo, Jurisdição constitucional democrática, p. 184.

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que considerou que os arts. 303 e 304 do CPP italiano seriam inconstitucionais se a obrigação de presença no interrogatório abrangesse apenas ao Ministério Público e não ao advogado do acusado. No Brasil, no curso da ADI n» 3.105-8/DF, 0 voto do Min. Cezar Peluso faz menção a essa técnica - seguindo 0 padrão do direito compa­ rado, que a aplica para solucionar casos que envolvam 0 princípio da igualdade.422 Conforme Barroso e Perrone: As decisões construtivas aditivas constituem uma técnica que procura adequar à Constituição um diploma normativo que se considera inconstitucional por omis­ são parcial. Trata-se de normas consideradas inconstitucionais pelo que deixa­ ram de incluir em seu programa, e não propriamente pelo que nele incluíram. Considera-se que, ao lado da norma positiva, que confere determinado direito a um grupo, existe uma espécie de norma implícita, que nega outro direito não mencionado ou o mesmo direito a um outro grupo, que também deveria ter sido contemplado pela norma e não 0 foi. A declaração de inconstitucionalidade, parte ablativa ou demolitória da decisão, incide apenas sobre a norma negativa implícita, que caracteriza a inconstitucionalidade por omissão parcial. A parte reconstrutiva ou restaurativa do julgado é aquela por meio da qual se adiciona o conteúdo que faltava, para que a norma possa ser considerada plenamente

422. Um exemplo (além dos já citados anteriormente) seria o Ml n° 708/DF, em que foi usada a Lei n° 7.783/89, que regulamenta o direito de greve dos trabalhadores celetistas para ser aplicada (no que couber) aos servi­ dores públicos. Um outro possível exemplo, embora haja controvérsia é o da decisão do STF na ADI 4277 (que encampou a ADPF 132) sobre a união homoafetiva. É interessante ainda que conforme a doutrina: "O Min. Gil­ mar em seu voto na ADPF 54 (Rel. Min. Marco Aurélio,). 12/04/2012, Dje. 20/04/2012) afirmou que: “Em outros vários casos mais antigos IADI 3324, ADI 3046, ADI 2652, ADI 1946, ADI 2209, ADI 2596, ADI 2332, ADI 2084, ADI 1797, ADI 2087, ADI 1668, ADI 1344, ADI 2405, AD11105, ADI 11275], também é possível verificar que o Tribunal, a pretexto de dar interpretação conforme a Constituição a determinados dispositivos, acabou proferindo o que a doutrina constitu­ cional, amparada na prática da Corte Constitucional italiana, tem denominado de decisões monipulotivas de efeitos aditivos. São vários os exemplos, a partir do caso do direito de greve do servidor público, mandado de injunção, ou mesmo o coso da relatoria de Vossa Excelência, Ministro Britto, a propósito do tema Raposa Serra do Sol (Pet n° 3388 julg. em 18 e 19.03.2009), em que o Tribunal consagrou todos aqueles itens procedimentais a propósito dessa contro­ vérsia." Mencionamos também a ADI2652/DF (Rel. Min. Mauricio Corrêa,j. 08/05/2003, DJe. 14/11/2003) que tratou da exclusão de multa para advogados e a violação da isonomia. O STFjulgou procedente o pedido dando interpretação conforme ao texto e afirmando que a expressão “ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos esta ■ fotos da OAB" alcançava a todos os advogados. Tratou-se de sentença aditivo de garantia ao adicionar categoria que anteriormente não havia sido contemplada. No emblemático caso de aborto de fetos anencéfalos (ADPF 54, Rel. Min. Marco Aurélio, Dj. 12/04/2012, Dje. 20/04/2012) concordamos com o Min. Gilmar Mendes em seu voto e com os votos dissidentes, no sentido de que o Supremo Tribunal Federal, através de uma interpretação conforme, com efeitos de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, criou uma sentença aditiva in bonam partem incluindo, na prática, uma excludente de ilicitude ao crime de aborto, muito embora o termo não seja mencionado na ementa do acórdão. Também no caso da união homoafetiva (ADPF 132-RJ, Rel. Min. Luiz Fux. j. 05/05/2011, DJe. 14/10/2011 e ADI 4277-DF, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05/05/2011, DJe. 14/10/2011) a Corte, corno no caso de aborto de fetos anencéfalos, prolatou decisão sob o nome de interpretação conforme, contudo, atribuiu eficácia de declaração de inconstitucionalidadeparcial sem redução de texto (negativa da interpretação que inviabilize o reconhecimento da união homoafetiva como fomilia atribuindo a esta o mesmo direito dos casais heterossexuais). Neste sentido afirmou o ministro Ayres Britto ao dizer que se tratava de uma Teilnichtigerklãrungohne Norm text reduzierung (nulidade parcial sem redução de texto). Na prática, em verdade, isso resultou em sentença com efeitos aditivos (adicionou ao artigo 1.723 do Código Civil conteúdo que reconhece a união homoafetiva como entidade familiar possibilitando, por­ tanto, sua união). Prova inequívoca dos efeitos aditivos pode ser verificada no reconhecimento da possibilidade de adoção por casais homoafetivos, no RE 846.102, Rel. Min. Cármen Lucia, decisão monocrática, negando seguimento ao Recurso Extraordinário, em 05 de março de 2015: “Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras ecom as mesmas consequências da união estável heteroafetiva1'. In: André Luiz Maluf, Lei do Mandado de Injunção abre as portas para sentenças aditivas, CONJUR, 25.06.2016.

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Controle de Constitucionalidade constitucional. Na hipótese, a Corte declara a norma "inconstitucional na parte em que não previu X". Da declaração de inconstitucionalidade em tais termos decorre a inclusão do conteúdo faltante na norma?1’

12.4. Sentenças aditivas de princípios Essas sentenças também são chamadas de aditivas de mecanismo ou de sen­ tenças de delegação. São sentenças que, em virtude de omissões legislativas, tra­

çam uma diretriz da norma ou do princípio a ser introduzido, deixando para o legislador a tarefa de legislar sobre a questão, via de regra, dentro de um prazo determinado. Nesses termos, em virtude da inércia legislativa, o juiz constitucio­ nal prolata a omissão (reconhecendo-a) e determina uma diretriz a ser seguida pelo legislador na elaboração da nova e necessária normatividade. Portanto, são sentenças que visam corrigir omissões legislativas, traçando a priori o esquema (a diretriz da norma ou o princípio básico) que deve ser respeitado pelo legislador no momento de supressão da mora.

12.5. Sentenças substitutivas Com já externalizado, temos as sentenças substitutivas: nestas, o juiz constitu­ cional irá, num primeiro momento, anular uma disposição para, em seguida, acres­ centar um novo sentido normativo.423 424 Ou seja, a disposição normativa é substituída por outra. Nesse sentido, o Tribunal declara a invalidade da norma por inadequa­ ção e a substitui por outra norma (que ele considera adequada). Na Sentença n° 298/95, a Corte Constitucional italiana resolveu por alterar dispositivos do Código Penal Militar para determinar que certos tipos deixassem de ser apenados com reclusão de 5 a 10 anos para serem apenados somente com pena de reclusão de 1 a 5 anos4’5. Ora, aqui para parte da doutrina 0 Judiciário passa a analisar razões que fogem ao espaço da juridicidade, fazendo escolhas que só estariam abertas ao Legislativo.426 Nesses termos:

423. BARROSO, Luís Roberto: MELLO CAMPOS, Patrícia Perrone. O papel criativo dos Tribunais - técnicas de decisão em controle de constitucionalidade. Revista da Ajuris, V.46, nl46,jun de 2019. 424. SAMPAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo, p. 171. 425. Em outro caso, a Corte declarou a inconstitucionalidade da norma que estipulou a pena mínima de 5 anos e máxima de 15 anos, aplicável ao crime de "alteração do estado civil de um recém-nascido, em razão de falsa certificação ou outra fraudei Entendeu-se que, para estar de acordo com a Constituição, as penas para tal ilícito deveríam se situar entre 3 e 10 anos, já que eram essas as penas aplicáveis ao crime de"alteração de estado civil em decorrência da troca de recém-nascidos". A Corte concluiu que as penas do primeiro ilícito (certificação falsa ou outra fraude) eram desproporcionais, se considerado o segundo ilícito (troca de recém-nascido) porque: (i) o primeiro e o segundo delitos eram semelhantes, dado que sua tipificação tinha o propósito de proteger o mesmo bem jurídico: o conhecimento da ascendência do recém-nascido. Entretanto, (ii) o segundo delito, apenado mais branda mente, era mais grave, uma vez que envolvia a fraude ao registro de dois recém-nascidos, que teriam sido trocados. Essa circunstância levou a Corte a substituir a pena mais grave do primeiro delito pela pena mais bran­ da, estipulada para o segundo delito. BARROSO, Luís Roberto; MELLO CAMPOS, Patrícia Perrone. O papel criativo dos Tribunais - técnicas de decisão em controle de constitucionalidade. Revista da Ajuris, V.46, nl 46, jun de 2019. 426. A decisão no controle de constitucionalidade, p. 76. No Brasil, destaca Neder Meyer, temos a decisão do Juízo de Direito da Infância e da Juventude de Joinville, nos autos n" 038.03.008229 0, que, em face da Ação Civil Pública

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Bfrnardo Gonçalves Fernandes As decisões construtivas substitutivas caracterizam-se por abranger uma declara­ ção de inconstitucionalidade do diploma legal pelo que dispõe (e não pelo que omite, tal como ocorre no caso da decisão aditiva), com a substituição judicial da disciplina inconstitucional por outra. No caso das decisões substitutivas, a parte ablativa da decisão incide sobre uma norma explícita (e não sobre uma norma implícita, como no caso das decisões aditivas). A declaração da inconstitucionali­ dade da norma, pelo que ela prevê, gera, então, uma omissão normativa õu um vácuo, que é tão ou mais danoso e violador da Constituição do que a própria norma declarada inconstitucional. Essa é justificativa para que, além de declarar a inconstitucionalidade, a Corte supra a omissão inconstitucional gerada por sua própria decisão. Nessa hipótese, a Corte declara "a inconstitucionalidade da dis­ posição, na parte em que prevê 'X', em lugar de prever 'Y' para estar em confor­ midade com a Constituição". 0 conteúdo que se explicita que a norma deveria ter previsto, para estar de acordo com a Constituição, corresponde ao componente reconstrutivo do julgado.4’'

As decisões substitutivas também se encontram em julgados do STF. Aqui, temos como exemplo, a decisão por meio da qual o STF afastou o cabimento de ação pe­ nal condicionada à representação, em caso de violência doméstica contra a mulher. Conforme demonstram Barroso e Perrone o STF ponderou que dados empíricos in­ dicavam que o número de representações na hipótese era ínfimo, e que tal estado de coisas se devia à esperança da vítima de que a violência não voltasse a aconte­ cer (o que geralmente enseja sua reiteração com maior gravidade), à situação de desigualdade entre homens e mulheres inclusive no âmbito doméstico, ao medo de retaliação e aos próprios danos emocionais que a situação de reiterada subordina­ ção e violência é capaz de gerar, por isso, sujeitar a ação estatal, no caso, à vontade da vítima, correspondería a violar a dignidade humana e o direito à igualdade da mulher, bem como implicaria desrespeito ao dever estatal de coibir a violência no âmbito das relações familiares (art. 226, § 8°, da CF/1988).427 428 Com base nesses argumentos, sustentam Luís Roberto Barroso e Patrícia Per­ rone, 0 STF não apenas declarou a inconstitucionalidade das normas que previam, no caso, a ação penal condicionada a representação, mas supriu 0 vácuo deixado pela declaração de inconstitucionalidade da previsão, de modo a determinar que, na hipótese, 0 ilícito se sujeitaria à ação penal pública incondicionada justamente

proposta pelo Ministério Público Estadual, exigia a abertura de vagas para matrícula de 2.948 crianças à espera de educação infantil. 0 Juiz Alexandre de Moraes da Rosa alegou que cabería ao Judiciário o controle do Legislativo na defesa da "substância" da Constituição. Mas como alerta Emílio Peluso Neder Meyer (A decisão no controle de constitucionalidade, p. 78):"[...] não cabe ao Judiciário dizer se os recursos públicos seriam mais bem aplicados na concessão de mais vagas para o ensino fundamental em vez de na construção de estádios de futebol, escolas de teatro ou outras questões que, sob esse prisma, fogem do âmbito de razões disponíveis para a aplicação jurisdi cional do direito." 427. BARROSO, Luís Roberto; MELLO CAMPOS, Patrícia Perrone. O papel criativo dos Tribunais - técnicas de decisão em controle de constitucionalidade. Revista da Ajuris, V.46, nl46, jun de 2019. 428. BARROSO, Luís Roberto; MELLO CAMPOS, Patrícia Perrone. O papel criativo dos Tribunais - técnicas de decisão em controle de constitucionalidade. Revista da Ajuris, V.46, n 146, jun de 2019. BRASIL. STF, ADI 4424, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 01.08.2014

2002

Controle oe Constitucionalidade

porque somente essa modalidade de ação penal estaria apta a promover a ade­ quada concretização das normas constitucionais em questão.429 13. SENTENÇAS TRANSITIVAS

13.1. Introdução Devemos partir da pergunta posta por Emílio Peluso Neder Meyer, a fim de compreender bem o atual objeto de estudo neste tópico: "[...] em havendo o re­ conhecimento da inconstitucionalidade, é dizer, se esta se mostra irrefutável, há ainda outra maneira de evitar a retirada da lei ou ato normativo do ordenamento, ou pelo menos retardar essa imposição?". Foi partindo dessa indagação que se desenvolveram os estudos de técnicas de decisão no controle de constitucionalida­ de preocupadas com os efeitos do pronunciamento da inconstitucionalidade pelo Judiciário. Logo, as sentenças transitivos (ou transacionais) buscam uma negociação com a supremacia da Constituição, relativizando-a,430431 432 com base, por exemplo, no art. 27 da Lei n° 9.868/99. Assim, é fixado um parâmetro transitório, ou seja, dotado de transitoriedade em virtude de um contexto social. Os fatores para tal empreitada dizem respeito a uma plêiade de razões que podem ser de cunho político, econô­ mico, jurídico etc. Esses fatores geram ou podem gerar riscos (por exemplo, para segurança jurídica ou para a sociedade) que levem à afirmação e prolatação de sentenças transitivas. Nestas, 0 Tribunal Constitucional acaba por não atuar como legislador negativo nem mesmo como legislador positivo, renunciando à sua função de guardião constitucional, na medida em que transaciona a sua decisão.4”

Mas como podemos observar as sentenças transitivas em sede de direito com­ parado? Como elas surgiram?

Ora, na tradição norte-americana, temos, desde 0 início da jurisdição constitu­ cional a prática de atribuir efeitos retroativos (ex tunc) à decisão que declarasse a inconstitucionalidade, fixada no célebre precedente Marbury v. Madison/12 e, com isso, acabou-se por afirmar que a norma inconstitucional já nascia morta, não tendo normatividade alguma. Em outra decisão, Norton v. Shelby County,433 a Suprema Cor­ te afirmou que 0 ato inconstitucional deveria ser tratado como se nunca houvesse existido, não tendo 0 condão de gerar direitos ou mesmo obrigações. Anos depois, tal tese passou por reavaliações. Em Criffín v lllinois,434 a Suprema Corte considerou que, com base no due process of law, 0 julgamento proferido

429. BARROSO, Luís Roberto: MELLO CAMPOS, Patrícia Perrone. O papel criativo dos Tribunais - técnicas de decisão em controle de constitucionalidade. Revista da Ajuris, V.46, n146, jun de 2019. ADI 4424, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 01.08.2014. 430. A decisão no controle de constitucionalidade, p. 82. 431. SAMPAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo. 432. 5 US 1367 (1803). 433. 118 US485 (1886). 434. 351 U5 12 (1956).

2003

Bernardo Gonçalves Ffrnanoes

pela Corte inferior deveria ser caçado, dando novo direito a recurso aos acusados, retroagindo os efeitos da decisão. 0 voto minoritário do Justice Frankfurter, todavia, levanta o seguinte questionamento: agindo assim, a Suprema Corte não estaria por possibilitar a revisão criminal de diversos condenados que tiveram seus direitos constitucionais violados por decisões de juízos do Estado de lllinois? Recomendava, então, que a decisão tivesse efeitos prospectivos.^ Em Linklerter v. Walker,4* a Suprema Corte repensa os efeitos da decisão de (in)constitucionalidade. Um condenado por uma Corte estadual, por meio do uso de provas ilícitas pela polícia, pleiteava a aplicação dos mesmos efeitos dados pela Corte ao julgar do caso Mapp v. Ohio.4”' Esse último caso havia sido julgado anteriormente ao primeiro, mas assentava um entendimento que confirmava in­ constitucional o uso de provas obtidas com violação ao direito de privacidade; mas em razão dos efeitos retroativos, deveria ser dado igual tratamento ao primeiro caso, anulando-se a decisão da Corte estadual. Acontece que a Suprema Corte, ao ponderar os aspectos político-econômicos (ameaçar a delicada relação entre União e Estados, além de abrir espaço para uma enxurrada de demandas que onerariam o Judiciário) envolvidos no caso, afirmou que o precedente Mapp seria aplicável apenas aos casos pendentes de julgamento na época de decisão.435 438 437 436 Em sentido diferente, posicionou-se a tradição europeia, principalmente a par­ tir do pensamento de Kelsen, para quem a atividade de controle de constitucio­ nalidade era assemelhada a de um legislador negativo.43’ Com isso a decisão teria efeitos ex nunc. Para ele, não fazia sentido a ideia dos americanos de que a lei inconstitucional era uma lei inexistente; pelo contrário, sendo ela vigente, seria uma lei válida ante a Constituição e apenas um procedimento especial poderia fazer com que ela deixasse de produzir efeitos no ordenamento jurídico. Essa seria a garantia principal da Constituição contra os atos lesivos por parte do Parlamento, não obs­ tante pudesse haver outras.440441 442 Equiparam-se, então, os efeitos da decisão sobre a inconstitucionalidade aos mesmos que decorreríam se outra lei a revogasse.44’ Ora, deve-se concordar com Álvaro Ricardo de Souza Cruz443 e Emílio Peluso Neder Meyer443 que a posição de Kelsen é fruto de uma confusão entre os conceitos de existência e validade de uma norma. Por existência designa-se a entrada de determinada norma no Orde­ namento Jurídico, mas apresentando esta defeitos - inconstitucionalidade - ela terá

435. 436. 437. 438. 439. 440. 441. 442. 443.

2004

MEYER, Emílio Peluso Neder, A decisão no controle de constitucionalidade, p. 84-85. 281 US618I1965). 367 US643 (1961). MEYER, Emilio Peluso Neder. A decisão no controle de constitucionalidade, p. 86. KELSEN, Hans, Jurisdição Constitucional MEYER, Emílio Peluso Neder, A decisão no controle de constitucionalidade, p. 95-96. KELSEN, Hans, Jurisdição Constitucional, p. 305. SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo, Jurisdição Constitucional Democrática, p. 125. MEYER, Emílio Peluso Neder, A decisão no controle de constitucionalidade, p. 98-99.

Controle

de

Constitucionalidade

existência, contudo será carente de validade, conceito que, por sua vez, decorre do respeito à hierarquia das proposições jurídicas.444

Porém, devemos salientar que certo é que tanto na Áustria445 quanto em países como Alemanha,4* Itália, Espanha ou Portugal ocorreu, paulatinamente ao desenvol­ vimento da jurisprudência constitucional, o desenvolvimento de uma flexibilização de efeitos, abrindo-se espaço para decisões transacionais. No Brasil, a tese dos efeitos retroativos (ex tunc) foi recebida quase que axiomaticamente-isto é, sem grandes questionamentos.447 Devido à longa tradição pelo controle difuso-concreto de constitucionalidade (já que o controle abstrato, via ADI, somente veio a ser inserido pela Emenda Constitucional n° 16/65 à Constituição da República de 1946), a declaração de inconstitucionalidade representava (ou não) a aplicação de uma norma em face de um caso concreto específico, ou sua suspensão após a manifestação do Senado.448 No que tange ao controle concentrado in abstra­ to via ADI 0 STF na década de 70 adotou a tese do efeito ex tunc. Com a Constituição de 1988, 0 Supremo Tribunal Federal reafirmou a tese de que 0 controle difuso in concreto de constitucionalidade teria efeitos ex tunc rela­ tivos à declaração de inconstitucionalidade e inter partes, somente se falando em efeitos ex nunc, nos termos do art. 52, X, ou seja, após 0 pronunciamento do Senado Federal, embora, como vimos, 0 efeito no que tange ao Senado venha sofrendo ataques por juristas que entendem que a atuação do Senado deva ser ex tunc.449

Já no controle concentrado in abstrato, 0 Supremo Tribunal Federal discricionariamente manteve seu posicionamento exarado na década de setenta e conti­ nuou assentando, mesmo no novo ordenamento constitucional, 0 efeito ex tunc (retroativo) como regra em provimento de ADI. É bem verdade que existem exce­ ções que foram exaradas inicialmente pela jurisprudência e posteriormente foram

444. "Assim, a declaração de inconstitucionalidade, a despeito de gerar consequências assemelhadas à revogação de um uma lei, nâo se confunde com esse instituto. Obviamente produz um provimento decisional de caráter geral, mas nem de longe igual ao provimento de revogação.” SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo, Jurisdição Constitucional Democrática, p. 125. 445. O art. 240-5 da Constituição da Áustria autoriza a Corte Constitucional a procrastinar a cessação da efetivida­ de de uma lei declarada inconstitucional por um periodo máximo de 18 (dezoito) meses. 446. O Tribunal Constitucional alemão vem usando do subterfúgio de procrastinar sua decisão, na medida em que os efeitos de cassação de eficácia de lei entendida como inconstitucional só se manifestariam com a publicação da decisão. Portanto, oTribunal pode entender que uma lei contraria a Constituição, mas transacionando, não pu­ blica a decisão para a devida cassação dos efeitos da lei, mantendo-a de forma procrastinatória no ordenamento. (SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo, Jurisdição constitucional democrática, p. 177). 447. MENDES, Gilmar Ferreira, Jurisdição constitucional, p.292 448. Questionamentos a essa tese, lembra Emílio Peluso Neder Meyer, existiram: o Recurso Extraordinário n° 79.343/ BA, que por meio do voto do Min. Leitão questionou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, no entanto, ao final, decidiu pela retroatividade. Sua tese era de que a decisão sobre a constitucionalidade detém caráter constitutivo, de modo que o ato apenas deixaria de ter obrigatoriedade com a declaração pelo Judiciário. (MEYER, Emílio Peluso Neder, 4 decisão no controle de constitucionalidade, p. 112). 449. Alguns juristas acham, até mesmo, que a função do Senado prevista no art. 52, X da CR/88 deveria deixar de exis­ tir. Nesse sentido, é o posicionamento de Gilmar Mendes. Gilmar Mendes considera o referido artigo obsoleto e sem fundamentalidade em nosso atual modelo de decisões no controle de constitucionalidade.

2005

Bernardo Gonçalves Fernandes

positivadas na já analisada Lei n° 9.868/99, nos termos de seu art. 27. Essa norma, portanto, positiva em nosso ordenamento a possibilidade de sentenças de cunho transacional. Passemos agora ao estudo das espécies de decisões transacionais, seguindo a classificação aqui proposta.450451 452

13.2. Sentenças de inconstitucionalidade sem efeito ablativo Criada pela Corte Constitucional alemã, essa modalidade de decisão "reco­ nhece a inconstitucionalidade da norma, porém não a retira do ordenamento jurídico, com a justificativa de que sua ausência geraria mais danos do que a presença da lei inconstitucional".45’ Portanto, estamos diante da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, na qual a regra (decisão ex tunc) é deixada de lado, pois ela poderia agravar 0 estado de inconstituciona­ lidade presente no ordenamento. Nesses termos, a declaração de inconstitu cionalidade com pronúncia de nulidade poderia gerar uma insegurança jurídica ou mesmo um perigo a parcelas da sociedade, ou ainda ao orçamento ou à economia do Estado.45’ A sua justificativa pode ser, portanto, de ordem político-pragmática: a decisão visaria impor 0 ônus orçamentário menor ao Estado e à sociedade.453

Essa espécie de decisão é geralmente aplicada nos casos que envolvam a "ex­ clusão do benefício incompatível com 0 princípio da igualdade"454 -isto é, nos casos em que 0 legislador acabou por conceber benefícios a um determinado grupo ou segmento e não a outro(s), lesando 0 princípio da igualdade; 0 que permitiría im­ por os efeitos da declaração apenas a um determinado número de pessoas iden­ tificáveis. Além disso, temos que as decisões que apenas reconhecem a mora do Poder Público e a declaram também devem ser enquadradas nessa espécie, afinal, nesses casos típicos de ADI por omissão, há uma inconstitucionalidade reconhecida, embora sem nenhum efeito ablativo. Por último, salientamos que 0 professor José Adércio Leite Sampaio deixa assente que a declaração de inconstitucionalidade sem efeito ablativo se reveste de inutilidade se não acompanhada de uma proibição de aplicação da lei (que foi declarada inconstitucional embora sem pronúncia de nulidade) ou mesmo de um apelo ao legislador para modificar a situação explícita de inconstitucionalidade.455

450. 451. 452. 453. 454. 455.

2006

Conforme descrito, por SAMPAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo. MEYER, Emílio Peluso Neder, A decisáo no controle de constitucionalidade, p. 132. SAMPAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo, p. 172. É o que se viu no julgamento da ADI n° 737-8/DF, DJ 22/10/1993, e da ADI n° 1.442-1/DF, DJ 03/11/2004. MEYER, Emílio Peluso Neder, A decisão no controle de constitucionalidade, p. 133. SAMPAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediários e o mito do legislador negativo.

Controle de Constitucionalidade

13.3. Sentença de inconstitucionalidade com ablação diferida Conforme aqui já salientado no estudo da ADI e ADC, a partir da Lei n° 9.868/99, 0 seu art. 27 passou a consolidar 0 entendimento de que 0 Supremo Tribunal Fe­ deral, em face de controle concentrado, poderia ultrapassar a dicotomia efeito ex tunc/ex nunc, ganhando novas possibilidades de decisão. A justificativa se assenta, como trabalhado, em razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social. Nesses casos, 0 dogma da nulidade (regra: decisão retroativa ex tunc) é afastado, com base no princípio da proporcionalidade (ponderação entre 0 dogma da nuli­ dade e razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social). A noção de supremacia do Constituição seria tratada como um valor (de maneira axiológica), e por isso, passível de aplicação gradual (em níveis) balanceada com outros valores em jogo.456457 É importante salientarmos que essa espécie não é considerada uma sentença intermediária propriamente dita, mas acaba sendo incluída aí de forma não tão rigorosa em virtude da já citada modulação de efeitos do supracitado art. 27 da Lei n« 9.868/99.

13.4. Sentenças de apelo ou apelativas (declaração de constitucionalidade de norma "ainda" constitucional ou declaração de constitucionalidade provi­ sória ou inconstitucionalidade progressiva) Aqui, "0 órgão jurisdicional limita-se a reconhecer a constitucionalidade da norma, contudo, advertindo 0 legislador de que serão necessárias mudanças nas normas legisladas para que, no futuro, não advenha uma inconstitucionali­

dade".-'” Estamos diante de um verdadeiro "apelo ao legislador" para que ele tome as providências necessárias para que a inconstitucionalidade não passe a exis­ tir, tornando-se inconstitucional norma, até então constitucional. Essas senten­ ças, que avisam ao legislador que uma norma constitucional caminha progressi­ vamente para a inconstitucionalidade, na visão de José Adércio Leite Sampaio, são, via de regra, frágeis por conterem apenas um recado ou exortação ao legislador.458

456. MENDES, Gilmar Ferreira, Jurisdição constitucional, p. 356. 457. MEYER, Emilio Peluso Neder, A decisão no controle de constitucionalidade, p. 138. Ver também SAMPAIO, José Adér cio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo, p. 175. 458. SAMPAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo. No Brasil, esse tipo de decisão (como já citado) foi utilizada desse modo no HC n° 70.514, declarando que a inconstitucionalidade do § 5o do art. 5” da Lei 1.060/50 (acrescentado pela Lei n° 7.871/89), no que concerne a previsão de prazo em dobro para Defensoria Pública, só poderia se dar após a devida estruturação da Defensoria Pública nos Estados e na União. Também no mesmo sentido, a decisão do Recurso Extraordinário n° 147.776, no qual foi considerado ainda constitucional o art. 68 do CPP até a defensoria pública estar devidamente estruturada, tanto no âmbito federal como no estadual, como já citado na obra.

2007

B-rnardo Gonçalves Fernandes

13.5. Sentenças de aviso

As sentenças de aviso sinalizam uma mudança na jurisprudência da Corte no futuro, mas tal mudança não surtirá efeitos para o caso sub judlce.™ Temos aí o que podemos intitular de prospective overruling, ou seja, a sentença explicita uma futura mudança jurisprudencial, porém, como já dito, o novo precedente não será aplicado no caso em que ele está sendo apresentado/60 Um exemplo interessante, em nosso entendimento, pode ser buscado em re­ cente decisão do STF no RE n° 630.733, julgado em 15.05.2013. No caso (que envolveu a possibilidade de segunda chamada para teste de aptidão física em concurso público) 0 Pretório Excelso alterou seu entendimento jurisprudencial, mas deixou expresso que essa alteração não teria validade (impacto) no caso sub judice46'.

13.6. Conclusão sobre as Sentenças intermediárias

Por último, é mister deixarmos assente que, na perspectiva trabalhada pelo eminente professor José Adércio Leite Sampaio, nas sentenças normativas, 0 Tri­ bunal Constitucional acaba pecando pelo excesso, indo até mesmo além de suas funções, já nas sentenças transitivas, 0 mesmo peca por timidez ou pela falta de uma adequada prestação jurisdicional. Já 0 Professor Álvaro Ricardo Souza Cruz, de forma diferenciada por estar filiado à teoria discursiva da Constituição, é mais radical, e, com base, no seu marco teórico habermasiano, afirma que: "[...] resta claro que, tanto as decisões normativas (sentenças normativas), quanto as decisões459 461 460

459. SAMPAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo, p. 176; MEYER, Emilio Peluso Neder, A decisão no controle de constitucionalidade, p. 142. 460. SAM PAIO, José Adércio Leite, As sentenças intermediárias e o mito do legislador negativo. 461. O STF, alterando seu posicionamento, decidiu pela inexistência de direito constitucional a remarcação de teste de aptidão física tendo em vista circunstâncias de caráter pessoal. Porém, 'no caso o candidato realizara a prova de aptidão física de segunda chamada em razão de liminar concedida pelo Poder Judiciário, em 2002, confirmada por sentença e por acórdão de tribunal regional, tendo sido empossado há quase dez anos. Sublinhou se que, em casos como este, em que se alteraria jurisprudência longamente adotada, seria sensato considerar a necessidade de se modular os efeitos da decisão com base em razoes de segurança jurídica. Essa seria a praxe nesta Corte para as hipóteses de modificação sensível de jurisprudência. Destacou-se que não se trataria de declaração de inconstitucionalidade em controle abstrato, a qual poderia suscitar a modulação dos efeitos da decisão mediante a aplicação do art. 27 da Lei 9.868/99.Tratar-se-ia de substancial mudança de jurisprudência, decorrente de nova interpretação do texto constitucional, a impor ao STF, tendo em vista razões de segurança jurídica, a tarefa de proceder a ponderação das consequências e o devido ajuste do resultado, para adotar a técnica de decisão que pudesse melhor traduzir a mutação constitucional operada. Registrou-se que a situação em apreço não diria respeito a referendo à teoria do fato consumado, tal como pedido pelo recorrido, mas de garantir a segurança Jurídica também nos casos de sensível mudança jurisprudencial". Conforme a Ementa: 'Postulado do qual não decorre, de plano, a possibilidade de realização de segunda chamada em etapa de concurso público em virtude de situações pessoais do candidato. Cláusula editalícia que confere eficácia ao princípio da isonomia à luz dos postulados da impessoalidade e da supremacia do interesse público. 5. Inexistência de direito constitucional à remarcação de provas em razão de circunstâncias pessoais dos candidatos. 6. Segurança jurídica. Validade das provas de segunda chamada realizadas até a data da conclusão do julgamento. 7. Recurso extraordinário a que se nega provimentot (Rel. Min. Gilmar Mendes). Porém, aqui é preciso registrar que existe uma exceção, que são as candidatas gestantes: é constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público. RE 1058333/PR, Rel. Min. Luiz Fux, STF. Plenário, julgado em 21.11.2018 (repercussão geral) (Informativo 924).

2008

Controle

de

Constituí onai idade

transitivas, por estar presente a noção de ponderação de valores, a supremacia da Constituição é colocada em risco. Agregadas à compreensão dada ao efeito vincu­ lante das decisões abstratas no controle de constitucionalidade, as Cortes Consti­ tucionais assumem o papel de intérprete último e único da Constituição. Tornam-se mais que legisladores concorrentes do Parlamento e chegam à condição de uma modalidade esdrúxula de Poder Constituinte Originário."402

Temos ainda, as reflexões de Luís Roberto Barroso e Patrícia Perrone, que afir­ mam que: A atuação criativa dos tribunais em tais termos suscita múltiplas criticas, entre as quais se destacam as alegações de que tais decisões - sobretudo as construtivas (manipulativas) - ensejam: (i) violação ao princípio democrático, na medida em que implicam alteração do regime jurídico estipulado pelo legislador (através de adição ou substituição de conteúdo) por juizes não eleitos pelo voto popular; (ii) desrespeito ao princípio da separação dos poderes e ao princípio da legalidade, porque corresponderíam à atuação do juiz como legislador positivo, em usurpa­ ção de função atribuída ao legislativo e em desrespeito à lei; (iii) desrespeito ao equilíbrio orçamentário, já que algumas de tais decisões estabelecem direitos e prestações que implicam gastos não previstos no orçamento. Por fim, a doutrina traz uma série de considerações consequencialistas acerca dos efeitos negativos decorrentes da atuação judicial criativa, como desmobilização da cidadania na busca por direitos no espaço democrático, perpetuação do comportamento ina­ dimplente do legislador, politização da justiça, interferência sobre normalizações que exigem expertise técnica e outros resultados adversos, de caráter sistêmico, que o Judiciário não seria capaz de antecipar. Essas críticas são enfrentadas, de modo geral, com a ponderação de que o intérprete, ao proferir decisões mani­ pulativas, deve adotar as seguintes cautelas: (i) desincumbir-se de um ônus re­ forçado de justificação da sua decisão, de modo a reconduzí la ao ordenamento jurídico; (ii) demonstrar que a solução que se propõe para suprir a omissão nor­ mativa é a única constitucionalmente possível ou, havendo soluções alternativas, reduzi-las, argumentativamente, a uma única solução viável, demonstrando que as demais são inverossímeis, incompatíveis com o regime jurídico já posto pelo legislador, sistematicamente menos compatíveis com princípios constitucionais ou desproporcionais; (iii) justificar sua decisão à luz do princípio da proporcionali­ dade e/ou modulá la sempre que implicar conflito com outros princípios constitu­ cionais, como o princípio relativo ao equilíbrio orçamentário.*5’

14. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL

Inicialmente é importante ressaltar que "o estado de coisas inconstitucional" é uma categoria que foi desenvolvida e aplicada pela Corte Constitucional Colombia­ na. No Brasil, vem sendo trabalhado pelo professor da UERJ Carlos Alexandre de Azevedo Campos e foi objeto de recente debate na Arguição de Descumprimento462 463

462. SOUZA CRUZ, Álvaro Ricardo, Jurisdição constitucional democrática, p. 185. 463. BARROSO, Luís Roberto; MELLO CAMPOS, Patrícia Perrone. O papel criativo dos Tribunais - técnicas de decisão em controle de constitucionalidade. Revista da Ajuris, V.46, n 146, jun de 2019.

2009

Bernardo Gonçalves Fernandes

de Preceito Fundamental n° 347 enfrentada em sede cautelar pelo Supremo Tribunal Federal. A tese seria a de que o Poder Judiciário teria a possibilidade de declarar um "estado de coisas" como inconstitucional, indo, portanto, além de sua competência tradicional de invalidar lei ou ato normativo pela via da inconstitucionalidade.

Certo é que 0 estado de coisas inconstitucional pode ser observado quando se verifica a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar determinadas conjunturas, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público bem como a atuação de uma pluralidade de autoridades podem modificar a situação inconstitucional. Segundo Carlos Alexandre de Azevedo Campos, quando se declara 0 Estado de Coisas Inconstitucional, a Corte Constitucional afirma existir quadro insuportável de violação massiva de direitos fundamentais, decorrente de atos comissivos e omissivos praticados por diferentes autoridades públicas, agravado pela inércia continuada dessas mesmas autoridades, de modo que, como já dito, apenas trans­ formações estruturais da atuação do Poder Público podem modificar a situação in­ constitucional. Ante a gravidade excepcional do quadro, a corte se afirma legitimada a interferir na formulação e implementação de políticas públicas e em alocações de recursos orçamentários e a coordenar as medidas concretas necessárias para superação do estado de inconstitucionalidades/6,1

Nesse sentido, a Corte Constitucional, segundo 0 autor, encontra-se diante da figura do "litígio estrutural", que é caracterizado pelo alcance a número amplo de pessoas, a várias entidades e por implicar ordens de execução complexa. E para enfrentar litígio dessa magnitude, juízes constitucionais devem fixar "remédios es­ truturais”, voltados ao redimensionamento dos ciclos de formulação e execução de políticas públicas, 0 que não seria possível por meio de decisões mais ortodoxas (tradicionais). Assim, ao adotar tais remédios, cortes cumprem dois objetivos prin­ cipais: superar bloqueios políticos e institucionais, e aumentar a deliberação e 0 diálogo sobre causas e soluções do Estado de Coisas Inconstitucional/65 Mas quais são os pressupostos do estado de coisas inconstitucional? Segundo 0 professor da UERJ, seguindo os parâmetros desenvolvidos pela Corte Constitucional Colombiana, seriam:

a)

Plano dos Fatos: a constatação de um quadro não simplesmente de pro­ teção deficiente, e sim de violação massiva, generalizada e sistemática de direitos fundamentais, que afeta um número amplo de pessoas (grave, massiva e sistemática violação aos direitos humanos);*

464. AZEVEDO CAMPOS, Carlos Alexa ndre. 0 Estado de Coisas Inconstitucional e o litígio estrutural. CONJUR, 01.09.2015. 465. AZEVEDO CAMPOS, Carlos Alexandre. O Estado de Coisas Inconstitucional e o litígio estrutural. CONJUR, 01.09.2015.

2010

Controle

de

Constitucionalidade

b)

Plano dos Fatores: a falta de coordenação entre medidas legislativas, ad­ ministrativas, orçamentárias e até judiciais, explicitando uma verdadeira "falha estatal estrutural", que gera tanto a violação sistemática dos direitos quanto a perpetuação e o agravamento da situação (falhas estruturais em virtude de ações e omissões estatais sistêmicas que se perpetuam e agra­ vam a violação de direitos);

c)

Plano dos Remédios: a superação dessas violações de direitos exige a ex­ pedição de remédios e ordens dirigidas não apenas a um órgão, e sim a uma pluralidade destes, sendo necessárias mudanças estruturais, novas políticas públicas ou o ajuste das existentes, alocação de recursos e etc.466467

Nesses termos, as Cones engajam em uma espécie de ativismo judicial estru­ tural, justificado pela presença de bloqueios políticos e institucionais. 0 Estado de Coisas Inconstitucional, no entendimento do autor, é sempre o resultado de situações concretas de paralisia parlamentar ou administrativa sobre determinadas matérias. Nesse cenário de falhas estruturais e omissões legislativas e administrativas, a atuação ativista das cortes acaba sendo o único meio, ainda que longe do ideal em uma demo­ cracia, para superar os desacordos políticos e institucionais, a falta de coordenação entre órgãos públicos, temores de custos políticos, legislative blindspots, sub-representação de grupos sociais minoritários ou marginalizados.'167 É interessante salientar em maio de 2015, 0 Partido Socialista e Liberdade (PSOL) ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pedindo que 0 STF declare que a situação atual do sistema penitenciário brasileiro viola pre­ ceitos fundamentais da Constituição Federal e, em especial, direitos fundamentais dos presos. Em virtude disso, foi requerido ao STF que determinasse à União e aos Estados (a ação foi proposta, portanto, contra a União e os Estados) para que to­ massem uma série de providências com 0 objetivo de sanar as lesões aos direitos dos presos. Na petição inicial, foi alegado que 0 sistema penitenciário brasileiro vive um verdadeiro "Estado de Coisas inconstitucional". A petição inclusive apontou os pres­ supostos (supracitados) que caracterizariam 0 fenômeno: a) violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; b) inércia ou incapacidade reiterada e per­ sistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura; c) situação que exige a atuação não apenas de um órgão, mas, sim, de uma pluralidade de autoridades para resolver o problema.

A petição inicial da ADPF 347 postulava-se 0 deferimento de liminar para que fosse determinado aos juizes e tribunais: a) que lançassem, em casos de decretação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não se aplicam

466. AZEVEDO CAMPOS, Carlos f\\exandre.OEstadodeCoisaslnconstitucionaleolitígioestrutural. CONJUR, 01.09.2015; Devemos Temer o Estado de Coisas Inconstitucional? CONJUR, 15.10.2015. 467. AZEVEDO CAMPOS, Carlos Nexandre. OEstadode Coisaslnconstitucíonaleolitígioestrutural. CONJUR, 01.09.2015.

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medidas cautelares alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no art. 319 do CPP; b) que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizassem, em até 90 dias, audiên­ cias de custódia, viabilizando 0 comparecimento do preso perante a autoridade judi­ ciária no prazo máximo de 24 horas, contadas do momento da prisão; c) que conside­ rassem, fundamentadamente, 0 quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de implemento de cautelares penais, na aplicação da pena e durante 0 processo de execução penal; d) que estabelecessem, quando possível, penas alterna­ tivas à prisão, ante a circunstância de a reclusão ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que as admitidas pelo arcabouço normativo; e) que viessem a abrandar os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos dos presos, como a progressão de regime, 0 livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando reveladas as condições de cumprimento da pena mais severas do que as previstas na ordem jurídica em razão do quadro do sistema car­ cerário, preservando-se, assim, a proporcionalidade da sanção; e f) que se abatesse da pena o tempo de prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento são significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica, de forma a compensar 0 ilícito estatal. Requeria-se, finalmente, que fosse determinado: g) ao CNJ que coordenasse mutirão carcerário a fim de revisar todos os processos de execução penal, em curso no País, que envolvessem a aplicação de pena privativa de liberda­ de, visando adequá-los às medidas pleiteadas nas alíneas "e" e "f"; e h) à União que liberasse as verbas do Fundo Penitenciário Nacional - Funpen, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos.

0 STF decidiu conceder, parcialmente, a medida liminar e deferiu apenas os pedidos "b" (audiência de custódia) e "h" (liberação das verbas do FUNPEN468). Con­ forme 0 Informativo 798, que explicita a decisão cautelar da ADPF n°347, 0 Plenário do STF reconheceu que, no sistema prisional brasileiro, realmente há uma violação generalizada de direitos fundamentais dos presos. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios acabam sendo penas cruéis e desumanas. Diante disso, 0 STF declarou que diversos dispositivos constitucionais, documentos internacionais (0 Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e ou tros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção America­ na de Direitos Humanos) e normas infraconstitucionais estão sendo desrespeitadas.

468. O FUNPEN foi criado pela Lei Complementam0 79/94 e regulamentado pelo Decreto n° 1.093/94. A sua finalidade é a de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e os programas de modernização e aprimoramento do Sistema Penitenciário Brasileiro, sendo que a gestão de seus recursos é atribuição do Depar­ tamento Penitenciário Nacional - DEPEN, órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Na ADPF ajuizada pelo PSOL, é afirmado que a maior parte dos recursos disponíveis do FUNPEN não é efetivamente gasta, sendo que, segundo informações do DEPEN, o saído contábil do fundo correspondería a cerca de R$ 2,2 bilhões. Um dos entraves apon­ tados para o uso destes recursos seria o contingenciamento orçamentário realizado pelo Governo federal, sendo alegado que menos de 20% dos gastos orçamentariamente autorizados do referido fundo foram efetivamente realizados. Outro entrave seria o excesso de rigidez e de burocracia da União para liberação de recursos aos de­ mais entes federativos, para que desenvolvam medidas voltadas ã melhoria do sistema carcerário.

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Controle dc Constitucionalidade

Afirmou ainda que os cárceres brasileiros, além de não servirem à ressocialização dos presos, fomentam o aumento da criminalidade, pois transformam pequenos delinquentes em "monstros do crime". Nesse sentido, a prova da ineficiência do sistema como política de segurança pública está nas altas taxas de reincidência. 0 reincidente, por sua vez, passa a cometer crimes ainda mais graves/4’ Afirmou ainda o STF que a responsabilidade por essa situação deve ser atribuí­ da aos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), tanto da União como dos Estados-Membros e do Distrito Federal. Nesses termos, entendeu o STF, na esteira da tese do estado de coisas inconstitucional que a ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representa uma verdadeira "falha estru­ tural" que gera ofensa aos direitos dos presos, além da perpetuação e do agrava­ mento da situação. Por isso, caberia ao STF o papel de retirar os demais poderes da inércia, coordenar ações visando resolver o problema e monitorar os resultados alcançados. Com isso, a intervenção judicial é necessária diante da incapacidade demonstrada pelas instituições legislativas e administrativas.469 470

Porém, aqui, é bom que se diga, que o plenário do STF entendeu que o STF não pode substituir o papel do Legislativo e do Executivo na consecução de suas tarefas próprias. Assim, o Judiciário deverá superar bloqueios políticos e institu­ cionais sem afastar os outros poderes (legislativo e executivo) dos processos de formulação e implementação das soluções necessárias. Nesse sentido, deveria agir em diálogo com os outros poderes e com a sociedade. Portanto, não incumbe ao judiciário definir o conteúdo próprio dessas políticas, os detalhes dos meios a serem empregados. Aqui, em vez de desprezar as capacidades institucionais dos outros poderes, deveria o STF coordená-las, a fim de afastar o estado de inércia e a deficiência estatal permanente. Como já salientado, não se trataria de substituição aos demais poderes, e sim de oferecimento de incentivos, parâmetros e objetivos indispensáveis à atuação de cada qual, deixando-lhes o estabelecimento das minú­ cias para se alcançar o equilíbrio entre respostas efetivas às violações de direitos e

469. ADPF 347 MC, Pleno do STF, julg. em 09.09.2015, rel. Min. Marco Aurélio. (Informativo 798 do STF) 470. Conforme o Informativo 798 do STF: "Registrou que a responsabilidade por essa situação não poderia ser atribuí­ da a um único e exclusivo poder, mas aos três Legislativo, Executivo e Judiciário-, e não só os da União, como também os dos Estados-Membros e do Distrito Federal. Ponderou que havería problemas tanto de formulação e implementação de políticas públicas, quanto de interpretação e aplicação da lei penal. Além disso, faltaria coor denação institucional. A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representaria falha estrutural a gerar tanto a ofensa reiterada dos direitos, quanto a perpetuação e o agravamento da situação. O Poder Judiciário também seria responsável, já que aproximadamente 41% dos presos estariam sob custódia provisória e pesquisas demonstrariam que, quando julgados, a maioria alcançaria a absolvição ou a condenação a penas alternativas. Ademais, a manutenção de elevado número de presos para além do tempo de pena fixado evidenciaria a inadequada assistência judiciária. A violação de direitos fundamentais alcançaria a transgressão á dignidade da pessoa humana e ao próprio mínimo existencial e justificaria a atuação mais assertiva do STF. Assim, caberia à Corte o papel de retirar os demais poderes da inércia, catalisar os debates e novas políticas pú­ blicas, coordenar as ações e monitorar os resultados. A intervenção judicial seria reclamada ante a incapacidade demonstrada pelas instituições legislativas e administrativas." ADPF 347 MC. Pleno do STF, julg. em 09.09.2015, rel. Min. Marco Aurélio.

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as limitações institucionais reveladas. Com base nessas considerações, foram inde­ feridos os pedidos "e" e "f".‘?1 Já em relação aos pedidos "a", "c" e "d", o STF entendeu que seria desneces­ sário ordenar aos juizes e Tribunais que os realizassem porque já são deveres im­ postos a todos os magistrados pela CR/88 e pelas leis infraconstitucionais. Logo, não havia sentido em o STF declará-los obrigatórios, o que seria apenas um reforço/37

Por último, é importante desenvolvermos algumas reflexões críticas sobre o reconhecimento pelo plenário do STF, ainda que em sede cautelar, e ainda que de forma tímida, da tese do "Estado de Coisas Inconstitucional". Duas questões con­ trárias (objeções) à tese do reconhecimento do estado de coisas inconstitucional devem ser enfrentadas (foram inclusive motivo de sustentação oral no STF contra o ECI), quais sejam: a) que o STF não possui legitimidade democrática e institucional para adotar as medidas pleiteadas, sendo sua atuação indevida (desrespeito ao princípio da separação dos poderes); e b) que se revela equivocada a importação do Estado de Coisas Inconstitucional para o caso brasileiro, tendo em vista que nem mesmo na Colômbia o seu uso se mostrou útil para remediar o problema do siste­ ma carcerário daquele país/'3 Sobre a primeira objeção, a defesa seria a de que o reconhecimento do Estado de Coisas inconstitucional é uma técnica que não está expressamente prevista na Constituição ou em qualquer outro instrumento normativo e, considerando que con­ fere ao Tribunal uma ampla latitude de poderes, tem-se entendido que a técnica só471 473 472

471. ADPF 347 MC, Pleno do STF, julg. em 09.09.2015, rel. Min. Marco Aurélio. (Informativo 798 do STF) 472. ADPF 347 MC, Pleno do STF, julg. em 09.09.2015, rel. Min. Marco Aurélio. (Informativo 798 do STF). Resta agora aguardar o julgamento demérito da ADPF 347. 473. AZEVEDO CAMPOS. Carlos Alexandre. O Estado de Coisas Inconstitucional e o litígio estrutural. COWOfí, 01.09.2015. Sobre as críticas, temos também as objeções de Lenio Luiz Streck In: O que é preciso para (não) se conseguir um Habeas Corpus no BrasilICONMR, 24.09.2015);O Estado de Coisas Inconstitucional e urna nova forma de ativismo (CONJUR. 24.10.2015); DE GIORGI, Raffaele: FARIA, José Eduardo; CAMPILONGO, Celso. Opinião: Estado de Coisas inconstitucional. (Estadão, São Paulo, 19.09.2015). Lenio nos seus textos afirma que:"(...) Pergunto: o que não é "coisa inconstitucional*neste pais periférico que está à beira do abismo? Poderiamos aproveitar para fazer o mes­ mo com os juros sobre as operações de crédito, a situação do transporte público em terra e brasiliense, crise da segurança pública (o RS está um caos, o Rio nem se fala) crise na educação, dos hospitais (pessoas morrendo nas filas, tomando soro em pé...) etc. E, a partir de uma inconstitucionalidade por arrasta mento, declarara inconstitu­ cionalidade do estado de coisas proporcionadas pelas operadoras de telefonia. Peço que me desculpem. Nâo é implicância minha. Mas por que judicializar tudo? A pergunta que fica nâo respondida é: e a legitimidade cons­ titucional para obrigar o Executivo a tomar essas medidas? É do Judiciário? Assim, sem mais nem menos? O que sobrou para a democracia? E se os juizes em suas comarcas começarem a declarar, em controle difuso, o estado de coisas inconstitucional das "coisas"do município?Tem município que não fornece nem merenda escolar. E não subestimemos o poder dosTríbunais dos Estados Federados...!...).'" (...) Dito de outro modo, nâo se pode declarar a inconstitucionalidade de coisas, mesmo que as chamemos de "estado de ou das coisas. E nem se tem como definir o que é um “estado dessas coisas" que sejam inconstitucionais no entremeio de milhares de outras situações ou coisas inconstitucionais. Do contrário, poder-se-ia declarar inconstitucional o estado de coisas da desigualdade social e assim por diante. Mais: o ECI estabelece um paradoxo, como bem detectado por Di Giorgi, Campilongo e Faria, verbis: "Invocar o ECI pode causar mais dificuldades à eficácia da Constituição do que se imagina. Basta fazer um exercício lógico, empregando o conceito de ECI a ele mesmo. 5e assim estão as "coisas" - e, por isso, a ordem jurídica é ineficaz e o acesso à Justiça não se concretiza por que não decretar a inconstitucionalidade da Cons­ tituição e determinar o fechamento dos tribunais?"

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Controle de Constitucionalidade

deve ser manejada em hipóteses excepcionais, em que, além da séria e generalizada afronta aos direitos humanos, haja também a constatação de que a intervenção da Corte é essencial para a solução do gravíssimo quadro enfrentado. São casos, con­ forme a petição da ADPF 347, em que se identifica um "bloqueio institucional" para a garantia dos direitos, 0 que leva a Corte a assumir um papel atípico (e, por óbvio, excepcional), sob a perspectiva do princípio da separação de poderes, que envolve uma intervenção mais ampla sobre 0 campo das políticas públicas.474475

Já sobre a segunda objeção, aponta Carlos Alexandre de Azevedo Campos ser uma meia-verdade, tendo em vista que é verdade que 0 reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional fracassou no enfrentamento do sistema carcerário co­ lombiano; contudo, diz 0 autor ser enganoso e totalmente equivocado afirmar que 0 instrumento não é capaz de servir ao propósito de solucionar litígios de caráter estrutural.476 Segundo o professor, o problema não estaria no reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional, mas, sim, na sua forma (manejo) de aplicação, ou seja, na concretização da decisão (na prática) a partir da constatação do Estado de Coisas Inconstitucional. Nesses termos, "0 erro da Corte Colombiana no caso do sistema car­ cerário foi 0 de proferir ordens sem qualquer acompanhamento ou diálogo na fase de implementação. Já em caso posterior, 0 paradigmático problema da "população deslocada em razão da violência urbana" (fenômeno típico de países mergulhados em violência em que as pessoas são forçadas a migrar dentro do território, obriga­ das a abandonar seus lares e suas atividades econômicas porque ações violentas de grupos ameaçam suas vidas e a integridade física das famílias) a Corte Colombia­ na, tendo aprendido com os próprios erros, passou a adotar a prática de proferir "ordens flexíveis sujeitas à jurisdição supervisaria". As novas medidas resultaram no sucesso da atuação da corte e do instrumento Estado de Coisas Inconstitucional.476 Assim, no primeiro caso (do sistema carcerário), a corte adotou posição de "su­ premacia judicial" e fracassou.477 No segundo (do deslocamento forçado de pessoas).

474. "(...) As criticas quanto à violação da separação de poderes encerram, com a devida vênia, dois equívocos su­ cessivos. Primeiramente, partem de uma concepção estática do princípio, de poderes não só separados, como distantes e incomunicáveis. As pretensões transformativa e inclusiva da Carta de 1988 requerem, ao contrário, um modelo dinâmico, cooperativo de poderes que, cada qual com as ferramentas próprias, devem compartilhar autoridade e responsabilidade em favor da efetividade da Constituição. Em segundo lugar, ainda que se reconhe­ cesse como plenamente vigente esse modelo estático de poderes que se excluem funcionalmente, circunstân­ cias próprias do ECI - violação massiva de direitos fundamentais e bloqueios políticos e institucionais - configu­ ram motivos suficientes à flexibilização, nos casos concretos e sob o ângulo de princípios de moralidade política, razões de separação ortodoxa de poderes. Pensar de modo diverso equivale a tolerar situações de somatório de inércias, de paralisia dos três poderes em desfavor da realização efetiva de direitos fundamentais." Devemos Temer o Estado de Coisas Inconstitucional? CONJUR, 15.10.2015. 475. AZEVEDO CAMPOS, Carlos Alexandre. OEstadodeCoisasInconstitucionaleolitlgioestrutural. CONJUR, 01.09.2015. 476. AZEVEDO CAMPOS. Carlos Alexandre. O Estado de Coisas Inconstitucionale o litígioestrutural. CONJUR, 01.09.2015. 477. Nesses termos: "Em uma de suas mais importantes decisões, a Corte Constitucional da Colômbia declarou o Es­ tado de Coisas Inconstitucional relativo ao quadro de superlotação das penitenciárias do país. Na Sentencia de Tutela (T) 153, de 1998, discutiram-se, tal como ocorre na ADPF 347, o problema da superlotação e as condições

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porque partiu para o diálogo institucional, acabou promovendo vantagens demo­ cráticas e ganhos de efetividade prática de suas decisões, contribuindo realmente para melhoria da situação. A conclusão é a de que o Estado de Coisas Inconstitucio­ nal declarado pela Corte Constitucional Colombiana não surtiu o efeito desejado no caso do sistema carcerário, mas, em caso posterior, a corte identificou o insucesso, diagnosticou os erros e avançou para uma nova posição (postura), menos arrogan­ te, mais dialógica e, portanto, mais factível ao sucesso.476* 478

desumanas das Penitenciárias Nacionais de Bogotá e de Bellavista de Medellín. A corte, apoiada em dados e estudos empíricos, constatou que o quadro de violação de direitos era generalizado na Colômbia, presente nas demais instituições carcerárias do pais. Os juízes enfatizaram que a superlotação e o império da violência no sis­ tema carcerário eram problemas nacionais, de responsabilidade de um conjunto de autoridades. A corte acusou a violação massiva dos direitos dos presos á dignidade humana e a um amplo conjunto de direitos fundamentais, o que chamou de "tragédia diária dos cárceres". Ante a mais absoluta ausência de políticas públicas voltadas, ao menos, a minimizara situação, a corte: declarou o Estado de Coisas Inconstitucional; ordenou a elaboração de um plano de construção e reparação das unidades carcerárias; determinou que o governo nacional providenciasse os re cursos orçamentários necessários; exigiu aos governadores que criassem e mantivessem presídios próprios; e requereu ao presidente da República medidas necessárias para assegurar o respeito dos direitos dos internos nos presídios do país. A execução dessas ordens não alcançou, todavia, grande sucesso. Os principais defeitos acusados foram a pouca flexibilidade das ordens, especialmente, em face dos “departamentos” locais, e a falta de monitoramento, pela própria corte, da fase de implementação da decisão. O erro da corte foi acreditar que sua autoridade contida nas decisões, por si só, seria suficiente paro que os órgãos públicos cumprissem efetivamente com as medidas ordenadas. A corte pouco se preocupou com a real impossibilidade de as autoridades públicas cumprirem as ordens. Faltou diálogo em torno de como melhor realizar as decisões, não tendo sido retido jurisdição sobre a execução das medidas. A corte nâo voltaria a cometer esses erros no caso igualmente relevante do deslocamento forçado de pessoas em razão da violência urbana do país." AZEVEDO CAMPOS, Carlos Alexandre. O Estado de Coisas Inconstitucional e o litígio estrutural. CONJUR. 01.09.2015. 478. Nesses termos: "Na Sentencia T-025, de 2004, a corte examinou, de uma vez, 108 pedidos de tutelas formulados por 1.150 núcleos familiares deslocados. A maior parte dessa população era composta por mulheres cabeças de família, menores, minorias étnicas e idosos. Essas pessoas não gozavam dos direitos de moradia, saúde, educação e trabalho. A corte conclui estarem presentes os principais fatores que caracterizam o Estado de Coisas Inconstitucio­ nal e formulou remédios não só em favor dos que pleitearam os tutelas, mas também das outras pessoas que se en contravam na mesma situação. Acusando a precária capacidade institucional dos outros poderes para o desenvolvi­ mento, implementação e coordenação das políticos públicas necessárias, e sem exercer diretamente as competências desses poderes, a Corte Constitucional: declarou o Estado de Coisas Inconstitucional; exigiu atenção orçamentária especial ao problema; determinou que fossem formuladas novas politicas públicas, leis e um marco regulatório eficien­ te paro proteger, para além dos direitos individuais dos demandantes, a dimen são objetiva dos direitos envolvidos. As ordens foram flexíveis e dirigidas a um número elevado de autoridades públicas e, dessa vez, surtiram bons efeitos prá­ ticos porque a corte dialogou com os outros poderes e a sociedade sobre a adequação das medidas durante a fase de implementação. A manutenção da jurisdição sobre o caso fez toda a diferença, comparado ao caso do sistema carce­ rário. A corte buscou harmonizara ativismo judicial revelado na intervenção sobre as politicas públicas com a propos­ to de diáiogos institucionais. Como afirmam Paul Rouleau e Linsey Sherman, são preferíveis "ordens flexíveis sujei­ tas á jurisdição supervisória"a “ordens detalhadas sujeitas à execução se desrespeitada". Com ordens flexíveis e diálogo sobre a implementação de medidas, cortes apontam a omissão estatal inconstitucional e a consequente violação massiva de direitos, fixam parâmetros e até prazos para a superação desse estado, mas deixam as escolhas técnicas de meios para os outros poderes. O acompanhamento permite aos juízes, uma vez devidamente informados, tomarem medidas capazes de ossegurar a implementação das ordens, o que contribui para soluções superiores com­ paradas a eventuais decisões unilaterais. O monitoramento, envolvido em audiências públicas e com a participação ampla da sociedade civil, permite aos juízes saber se as instituições democráticas estão progredindo ou se os bloqueios se mantiveram. Atuando assim, em vez de supremacia judicial, as cortes, por meio de remédios estruturais flexíveis e sob supervisão, promovem o diálogo amplo entre as instituições e a sociedade. Ordens flexíveis acompanhadas de monitoramento podem, portanto, ser superiores ás ordens detalhadas e rígidas não apenas sob as óticas demo­ crática e política, mas também quanto aos resultados desejados. Dai por que comportamento judicial da espécie possuir tanto virtudes democráticas como vantagens pragmáticas. Essa posição foi a chave do sucesso no caso do deslocamento forçado. A corte interveio na confecção de políticas públicas, dirigindo ordens á ampla estrutura de

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Controle de Constitucionalidade

Portanto, voltando ao debate brasileiro, entende Carlos Alexandre ser possível o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional e adoção de práticas diante dele, mas nào mediante uma postura autoritária e arrogante (estado de arrogância institucional) da Cone em que decisões são tomadas sem um mínimo de possibilida­ de de serem cumpridas. Nesses termos, a saída seria por meio de ordens mais flexí­ veis seguidas de monitoramento na execução das medidas (fomentando um diálogo entre as instituições). Dessa maneira, em casos que apresentam quadro acentuado e reiterado de violações de direitos fundamentais, mas, ao mesmo tempo, que exigem soluções extremamente complexas, espera-se que a Corte Constitucional não seja inerte, mas que também não tente resolver tudo sozinha. Nesse sentido, sustenta o autor que, além de excepcional, o Estado de Coisas Inconstitucional não favorece unilateralismos judiciais, pois nada pode ser resolvido pelo Judiciário iso­ ladamente. Ao contrário, é próprio do ECI que a solução seja perseguida a partir de medidas a serem tomadas por uma pluralidade de órgãos. Por meio de ordens fle­ xíveis, nas quais não consta a formulação direta das políticas públicas necessárias, o tribunal visa catalisar essas medidas, buscar a superação dos bloqueios políticos e institucionais que perpetuam e agravam as violações de direitos. 0 ECI funciona como a "senha de acesso" da Corte Constitucional à tutela estrutural. Advoga en tão que, reconhecido o Estado de Coisas Inconstitucional, a corte não desenhará as políticas públicas, e sim afirmará a necessidade urgente que Congresso e Exe­ cutivo estabeleçam essas políticas, inclusive de natureza orçamentária. Depois de formuladas e implementadas as medidas pelos poderes políticos, a Corte deverá monitorar e avaliar os resultados, mantendo um "colóquio contínuo" sobre as práti­ cas adotadas, por meio, principalmente, de audiências públicas, com a participação dos órgãos estatais envolvidos e parcelas interessadas da sociedade civil. Não se trata, segundo o professor da UERJ, de "corrigira incompetência dos outros poderes", mas de promover diálogos democráticos entre os poderes e a sociedade em torno das melhores soluções. As sentenças estruturais, próprias do Estado de Coisas In­ constitucional, em conterem ordens flexíveis e sujeitas a monitoramento, buscam promover a colaboração harmônica e deliberativa entre os poderes em torno de

poderes e órgãos envolvidos, sem, contudo, fixar os detalhes do plano de ação. A corte versou os procedimentos e as autoridades competentes para atuar em favor da superação do estado de coisas inconstitucional, nada dispondo sobre o conteúdo das políticas, mas vindo a acompanhar durante seis anos a realização concreta dessas. A corte convocou audiências públicas periódicas, com a participação de atores estatais e sociais, para discutir a elaboração e a implementação das novas políticas publicas, criando "espaços de deliberação e formas alternativas, inovadoras e potencialmente democratizardes, de aplicação judicial dos direitos constitucionais". A Colômbia ainda possui o maior número de pessoas deslocadas do mundo, haja vista o contexto de violência urbana ainda não ter sido superado pelo Poder Executivo nacional. Contudo, desde a adoção das medidas determinadas pela Corte Constitucional, a popula çào deslocada, ao menos a maioria, não mais está entregue a toda sorte de violação dedireitos fundamentais. Antes totalmente ignorado, sem qualquer atenção estatal e da própria sociedade, o problema da falta de direitos básicos da população, quando deslocada forçadamente, é hoje um mal combatido. Como anotaram César Rodriguez Gravito e Diana Rodriguez Franco, foram, entre outros aspectos, “a ambição e duração do processo de implementação das ordens da decisão'; com o acompanhamento continuo da corte, que asseguraram a efetividade da, por eles denominada, macrossentençaf AZEVEDO CAMPOS, Carlos Alexandre. O Estado de Coisas Inconstitucional e o litígio estrutural. CONJUR, 01.09.2015.

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um objetivo comum: superar o quadro de inconstitucionalidades. Portanto, contra os críticos, afirma o autor que não há supremacia, subjetivismo ou arbítrio judiciais, e sim diálogos e cooperação institucionais.479

15. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE 0 controle de convencionalidade conforme a doutrina pode ser conceituado como "uma forma de compatibilização entre as normas de direito interno e os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no país. Ou seja, trata-se, portanto, de um controle de validade das normas nacionais, tendo por pa­ râmetro não o texto constitucional, mas os compromissos internacionais assumidos em matéria de proteção aos direitos humanos".480481

Nesses termos, temos uma nova relação de compatibilidade (ou adequação) de normas de um ordenamento jurídico, pois a Constituição do Estado (nacional) deixa de ser exclusiva norma-parâmetro dotada de supremacia. Com isso, os Tra­ tados Internacionais de Direitos Humanos passam a ser um novo parâmetro para a realização de um controle vertical das normas jurídicas internas. Dessa forma, temos uma dupla compatibilização vertical de leis e atos normativos que passariam a dever ser compatíveis não só com a Constituição, mas também com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos431. Embora a origem desse controle seja fruto de divergências, sustenta abalizada doutrina que teve derivação francesa e data do início da década de 70482.

No plano do sistema interamericano de direitos humanos, já se observa um desenvolvimento do controle de convencionalidade a partir de alguns julgados da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que dizem respeito à relação com­ parativa entre 0 direito doméstico estatal e a jurisdição contenciosa (aceita pelo

479. "Com ordens flexíveis da espécie, cortes respeitam as credenciais democráticas e as capacidades institucionais dos outros poderes, mantém de pé as fronteiras entre Direito e Política e minimizam riscos de não cumprimento das decisões. Em vez de servir ao "fechamento do Congresso", o ECI pode contribuir à sua atuação ao chamar atenção para direitos de grupos vulneráveis e minorias sub-representadas, cujos interesses acabam caindo em "pontos-cegos legislativos" Em vez de ir contra a Constituição e os direitos fundamentais, o ECI pode servir para diminuir a distância entre o garantismo textual e a realidade desigual e desumana em diferentes quadras. Em vez de oportunizar a declararão de "inconstitucionalidade do Brasil" o ECI pode contribuir a torná-lo um pais mais indusivo e atento à dignidade humana como bem intrínseco de todo e qualquer indivíduo'.' AZEVEDO CAMPOS, Carlos Alexan­ dre. Devemos Temer o Es tado de Coisas Inconstitucional? CONJUR, 15.10.2015. 480. MAZZUOLI,Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicional da convencionalidade das leis. 2» ed. p, 73,2011. 481. MARTINS, Leonardo; MOREIRA, Thiago Oliveira. Controle de convencionalidade de atos do poder público: con­ corrência ou hierarquia em face do controle de constitucionalidade? In: Direito Constitucional e Internacional dos Direitos Humanos. Ed. Fórum, p.296-297, 2012. 482. O Conselho Constitucional Francês, na Decisão n°74-54DC, de 15.01.1975, entendeu nào ser competente para analisar a convencionalidade preventiva das leis (ou seja, a compatibilidade destas com os tratados ratificados pela França, notadamente - naquele caso concreto - Convenção Européia de Direito Humanos de 1950), pelo fato de não se tratar de um controle de constitucionalidade propriamente dito, o único ao qual teria competência o dito Conselho para se manifestar a respeito." MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicional da conven­ cionalidade das Leis. 2a ed. p. 71,2011.

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Constitucionalidade

Estado-parte) da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH). Portanto, al­ guns casos de jurisdição contenciosa da CIDH já vem sendo fruto de controle de con­ vencionalidade do direito estatal tendo como parâmetro a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).483 Porém, no caso específico do sistema interamericano, após a construção do controle realizado pela CIDH tendo como base a CADH, uma nova etapa foi desenvol­ vida (alargamento do controle) com a tese de que os próprios magistrados internos de um país (jurisdição interna) estariam submetidos às disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH). Portanto, passou a entender a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que a análise de compatibilidade (ou adequação) de normas internas em relação a CADH poderia ser feita também por magistrados do país. É interessante que a CIDH já assentou inclusive que esse con­ trole de convencionalidade poderia ser feito não só em casos concretos (de modo incidental), mas também em abstrato (controle concentrado)/84 Com isso, a CIDH pode realizar o controle, bem como a jurisdição interna também poderia fazê-lo.

Nesses termos, síntese doutrinária485 nos aponta o estágio atual do controle de convencionalidade no Brasil no âmbito concreto-incidental:

a)

Tem como parâmetro um tratado internacional que verse sobre direitos humanos, regularmente ratificado pelo Estado;

b)

Faz parte da competência de qualquer órgão jurisdicional, mesmo que tal órgão não tenha competência para o controle de constitucionalidade;

c)

Deverá ser suscitado como questão preliminar no caso concreto;

d)

Mesmo diante da ausência de sua alegação, poderá o órgão julgador de­ clarar ex officio a inconvencionalidade de lei ou ato do poder público;

e)

Poderá implicar declaração de inconvencionalidade, acarretando a invali­ dação da norma ou ato com efeito inter partes;

f)

Realizado concreta ou incidentalmente poderá ter efeitos erga omnes, quando ele for efetuado via Recurso Extraordinário pelo STF (art. 102, lll, b da CR/88) e 0 Senado Federal, nos termos do art. 52, X, da CR/88, suspender a execução da Lei inconvencional 486;

483. A responsabilização de Estado Nacional pela violação de preceitos da CADH teve como leadingcase Myrna Chang Vs. Guatemala (sentença em 25.11.2003). 484. MARTINS, Leonardo; MOREIRA, Thiago Oliveira. Controle de convencionalidade de atos do poder público: con corrência ou hierarquia em face do controle de constitucionalidade? In: Direito Constitucional e Internacional dos Direitos Humanos, Ed. Fórum, p. 304-305,2012. 485. MARTINS, Leonardo; MOREIRA, Thiago Oliveira. Controle de convencionalidade de atos do poder público: con­ corrência ou hierarquia em face do controle de constitucionalidade? In: Direito Constitucional e Internacional dos Direitos Humanos, Ed. Fórum, p. 306,2012. 486. Aqui apenas como advertência, temos que essa atuação do Senado se encontra em xeque devido à tese da mu­ tação constitucional explicitada na ADI 3407 e ADI 3470 (Informativo 886 do STF), conforme estudamos na parte referente ao controle difuso-concreto.

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Bernardo Gonçalves Fernandes

g)

Poderá ser realizado sempre de forma repressiva;

h)

Poderá ser requerido por qualquer pessoa titular de direito humano (legi­ timidade ad causam ativa);

i)

Fará parte, em última instância, da competência do STF independentemen­ te do rito de incorporação do Tratado.

Para a parte concentrada-abstrata no direito brasileiro, entendem alguns au­ tores que haveria a necessidade de uma adequação normativa no art. 102 da CR/88, para que 0 STF venha a poder processar e julgar não só a ação direta de inconstitucionalidade contra lei ou ato normativo federal e estadual e a ação dedaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, mas também a ação direta de inconvencionalidade (contra lei ou ato normativo federal ou es­ tadual) e a ação dedaratória de convencionalidade (contra lei ou ato normativo federal). Sustentam também que 0 caput do art. 103 da CR/88 deveria ser modi­ ficado para estabelecer a previsão da legitimidade também para 0 controle de convencionalidade487

Porém, outros autores entendem que, independentemente de qualquer mo­ dificação normativa na Constituição, haveria, sim, a possibilidade do controle de convencionalidade contra lei ou ato normativo federal ou estadual (via ação direta de inconvencionalidade) que teria como parâmetro (conforme a doutrina majoritária) os Tratados Internacionais de Direitos Humanos que forem incor­ porados ao ordenamento pátrio conforme 0 procedimento do art. 5°, § 3°, da CR/88. Teríamos também como possível 0 controle de convencionalidade (via ação dedaratória de convencionalidade) que teria como objeto lei ou ato nor­ mativo federal.488 Por último, sobre 0 controle de convencionalidade temos um exemplo inte­ ressante explicitado pelo STF em 2019.

No caso, 0 agente foi denunciado pelo Ministério Público Federal acusado da prática do crime de lavagem de dinheiro, previsto no art. 1° da Lei n° 9.613/98. 0 Juiz Federal da Vara Criminal recebeu a denúncia. A defesa do réu alegou que João já foi processado na Suíça, por esses mesmos fatos, tendo sido condenado pelo Tribunal do Cantão de Zurique. Por essa razão, argumentou que essa ação penal no Brasil, pelos mesmos fatos, configuraria bis in idem. 0 TRF e 0 STJ negaram 0 pedido da defesa sob 0 fundamento de que 0 crime tam­ bém foi cometido no Brasil. Assim, tal fato permitiria a persecuçâo penal pela justiça

487. MARTINS, Leonardo; MOREIRA, Thiago Oliveira. Controle de convencionalidade de atos do poder público: con­ corrência ou hierarquia em face do controle de constitucionalidade? In: Direito Constitucional e Internacional dos Direitos Humanos, Ed. Fórum, p.3O7,2012. 488. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Controle Jurisdicionalda convencionalidadedos leis. 2a ed. p, 73,2011. Certo é que também caberia ADPF no controle de convencionalidade.

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CONTROLF DE CoNSTITUGONAI IDADt

brasileira, independentemente de outra condenação no exterior. Dessa forma, adotou-se o princípio da territorialidade, nos termos do art. 5° do Código Penal que afirma que aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. Para 0 ST|, 0 processo penal deveria tramitar normalmente aqui no Brasil e, ao final, caso 0 réu seja condenado, po­ deria haver, eventualmente, a detração da pena, nos termos do art. 8» do Código Penal.

No caso, a Segunda Turma do STF concedeu a ordem em habeas corpus para de­ terminar 0 trancamento de ação penal movida contra 0 paciente, denunciado pela su­ posta prática do crime de lavagem de capitais, em razão de haver transferido dinheiro oriundo de tráfico de drogas da Suíça para o Brasil, utilizando-se de contrato de fachada para dar aparência de licitude aos ativos em solo brasileiro. No caso, como já dito, 0 pa­ ciente já teria sido processado e julgado na Suíça pelos mesmos fatos, 0 que culminou em condenação transitada em julgado e computo de período de encarceramento de caráter preventivo como execução antecipada da pena naquele Estado.489 Inicialmente 0 STF reconheceu que os fatos apreciados pela justiça brasileira são coincidentes com os já analisados pelo Estado suíço. Ademais, apontou que a redação do art. 5» do Código Penal contém a ressalva de que devem ser observa­ dos convenções, tratados e regras de direito internacional. Desse modo, deve-se cotejar a redação dos arts. 5», 6® e 8® do CP com 0 que dispõe a Lei 13.445/2017 (Lei de Migração), a qual elenca 0 rol de casos em que 0 Estado brasileiro não concede extradição, notadamente 0 disposto no art. 82, V. Temos ainda 0 art. 100, caput, do mesmo diploma legal que exige a observância do princípio do ne bis in idem/90 Para 0 STF a proteção ao indivíduo selada por esses dispositivos é muito cara ao direito brasileiro. Revela-se evidente garantia contra nova persecução penal pe los mesmos fatos, de modo a se consagrar a proibição de dupla persecução penal também entre países, no âmbito internacional.

Por outro lado, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, assentou-se 0 status normativo supralegal aos tratados internacionais de direitos humanos, ou seja, abaixo da Constituição, mas acima das leis infraconstitucionais.491492 Portanto, consagrou-se que 0 controle de convencionalidade pode ser realiza­ do sobre as leis infraconstitucionais. Assim, 0 Código Penal deve ser aplicado em conformidade com os direitos assegurados na Convenção Americana de Direitos Humanos e com 0 Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Conforme 0 STF, em relação à proibição de dupla persecução penal, tais diplomas 0 fazem de forma expressa (CADH, art. 8.4; PIDCP, art. 14.7)

489. 490. 491. 492.

HC 171118/SP, STF. 2“Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado ern 12.11.2019 (Info 959) HC 171118/SP, STF. 2aTurma. Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12.11.2019 (Info 959) HC 171118/SP, STF. 2-Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12.11.2019 (Info 959) HC 171118/SP, STF. 2’Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12.11.2019. CADH Artigo 8. Garantias judi ciais (...) 4.0 acusado absolvido por sentença passada em julgado nâo poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. PIDCP Artigo 14 (...) 7. Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já

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0 STF inclusive já teve a oportunidade de se manifestar na Extradição n» 1233 a respeito dessas regras, e, ao fazê-lo obstou 0 prosseguimento de processo penal quanto a fatos jâ julgados por jurisdição diversa. Nesses termos: (...) Ninguém pode expor-se, em tema de liberdade individual, a situação de duplo risco. Essa é a razão pela qual a existência de hipótese configuradora de "double jeopardy" atua como insuperável obstáculo à instauração, em nosso País, de pro­ cedimento penal contra 0 agente que tenha sido condenado ou absolvido, no Brasil ou no exterior, pelo mesmo fato delituoso. - A cláusula do Artigo 14, n. 7, inscrita no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, qualquer que seja a natureza jurídica que se lhe atribua (a de instrumento normativo impregnado de caráter supralegal ou a de ato revestido de índole constitucional), inibe, em decorrência de sua própria superioridade hierárquico-normativa, a possibilidade de 0 Brasil instaurar, contra quem já foi absolvido ou condenado no exterior, com trânsito em julgado, nova persecução penal moti­ vada pelos mesmos fatos subjacentes à sentença penal estrangeira.*”

Assim, o exercício do controle de convencionalidade, tendo por paradigmas os dispositivos do art. 14.7, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e do art. 8.4, da Convenção Americana de Direitos Humanos, determina a vedação à dupla persecução penal, ainda que em jurisdições de países distintos. Por sua vez, 0 art. 8o do CP deve ser lido em conformidade com os preceitos convencionais e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vedando-se a dupla persecução penal por idênticos fatos. Portanto, a conclusão é a de que temos 0 STF usando claramente como parte central da fundamentação para a sua decisão 0 controle de convencionalidade.49*

16. A TEORIA DOS DIÁLOGOS INSTITUCIONAIS (CONSTITUCIONAIS) E A SUPE­ RAÇÃO (REAÇÃO) LEGISLATIVA Uma das teses que mais se destacou nos últimos anos no cenário jurídi­ co pátrio foi desenvolvida no Brasil pelo professor da USP Conrado Hübner493 494

foi absorvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país. 493. Ext 1223, STF. 2aTurma. Rel. Min. Celso de Mello, julg em 22.11.2011. 494. HC 171118/SP, 5TF. 2’ Turma. Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 12.11.2019. Porém, aqui uma advertência sobre a necessidade de ponderação: Por fim, a vedação à duplo persecução penal em âmbito internacional deve ser ponderado com a soberania dos Estados e com as obrigações processuais positivos impostos pela CIDH. Em casos de violação de tais deveres de investigação e persecução efetiva, o julgamento em país estrangeiro pode ser considerado ilegítimo, como em precedentes em que a própria CIDH determinou a reabertura de investiga­ ções em processos de Estados que não verificaram devidamente situações de violações de direitos humanos. Portanto, se houver a devido comprovação de aue o julgamento em outro país sobre os mesmos fatos não se realizou de modo iusto e legítimo, desrespeitando obrigações processuais positivas, a vedação de duola persecução pode ser eventualmente ponderada para complementação em persecução interna. Contudo, no caso concreto, náo há qual­ quer elemento aue indique dúvida sobre g legitimidade da persecução penal eda punição imposta em processo penal na Sulco por idênticos fatos ao aaora denunciado no Brasil. Dessa forma, a proibição de dupla persecução deve ser respeitada de modo integral, nos termos constitucionais e convencionais. (Informativo 959)

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Controle oe Constitucionalidade

Mendes/95 a qual trabalha a tensão entre o ludiciário e o Legislativo na intrin­ cada tarefa da construção da legitimidade democrática no âmbito da jurisdição constitucional. Com isso, temos o desenvolvimento da noção de diálogos ins­ titucionais (constitucionais) no seio de um projeto em permanente construção (fazer) de democracia deliberativa’96.

Segundo Conrado Hübner "diálogo institucional" diz respeito a um modo de compreender, interpretar e aplicar o processo constitucional.

Nesse sentido, nós tradicionalmente acostumamos a trabalhar a separação de poderes como uma divisão de funções que leva, em último grau, na decisão de uma corte constitucional que atua como guardiã da Constituição. Com isso, o circuito de­ cisório teria um ponto final, ou seja, uma última palavra. 0 autor defende a tese da "última palavra provisória” como uma ruptura com essa perspectiva clássica. Para o professor da USP, o debate teórico que se preocupa com a pergunta de quem deve ter a última palavra está preso a um código binário: a) alguns defendem que a última palavra deveria ser da corte (e as justificativas dessa posição variam); b) outros defendem que deveria ser do parlamento (a instituição democrática por excelência, conforme um certo consenso histórico que impregnou nossa forma de entender a democracia)495 497. 496

Certo é que a disputa sobre a supremacia judicial versus soberania parlamentar se desenvolveu muito nos últimos anos. Movimentos como o do "constitucionalismo popular" de Larry Kramer (2004) e Mark Tushnet (1999) que tem como objetivo levar a Constituição para fora dos Tribunais, bem como as teses do "constitucionalismo democrático" de Barry Friedman (2005) que questiona a centralidade da supremacia judicial a partir da influência da opinião pública e da sociedade civil nas decisões dos Tribunais, são apenas alguns exemplos de como a disputa sobre quem deve dar a última palavra sobre a interpretação da Constituição está longe de ter um denominador comum. A perspectiva adotada pelos defensores da supremacia judicial na interpreta­ ção da Constituição defende que 0 Judiciário estaria, por uma série de fatores, do­ tado de uma capacidade institucional superior a do Legislativo para dizer 0 que é a Constituição. Dentre as razões para tal teríamos as de que: a) os Juizes estariam des­ vinculados de interesses econômicos, políticos e partidários e teriam compromisso com uma aplicação imparcial do direito; b) 0 Juizes seriam incumbidos de preservar os pré-compromissos do povo previstos na Constituição contra maiorias transitórias

495. Aqui devemos citar também a obra "Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais" do professor da UERJ Rodrigo Brandão publicada em 2012. 496. HÜBNER, Conrado Mendes. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação, São Paulo: Ed. Saraiva, 2011. Ver também a recente obra: HÜBNER, Conrado Mendes, Constitutional Courts and Deliberative Democracy, Oxford UP, 2013. 497. HÜBNER, Conrado Mendes. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação, São Paulo: Ed. Saraiva, 2011.

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e seus interesses ocasionais; c) os Juizes usariam, conforme Dworkin (1985), de ar­ gumentos de princípios frente a argumentos de políticas típicos do legislativo; d) os juizes seriam capazes de promover um processo deliberativo guiado pela razão, e não por pressões políticas e partidárias, circunstância que os tornariam, conforme Robert Alexy (2005), uma espécie de representação argumentativa da sociedade'158; e) 0 judiciário seria 0 guardião da Constituição que somente seria respeitada e cumprida mediante a sua guarda por um agente externo ao Parlamento (órgão incumbido de produzir as normas ordinárias que poderiam, sem controle, desres­ peitar a Constituição); f) em virtude do treinamento e especialidade nas matérias jurídicas os juizes teriam maior aptidão para interpretar a Constituição (que é um documento político, mas também jurídico); g) os juizes, via de regra, por analisarem as leis após algum tempo de aplicação delas, teriam uma posição privilegiada de informações em relação ao legislador quando da produção das leis, 0 que garan­ tiría a eles maior capacidade interpretativa (aqui estaríamos diante das chamadas "consequências nâo antecipadas" pelo legislador); h) 0 insulcimento político dos juizes que não estariam afetos diretamente ao poder político e econômico dos grupos de pressão (lobbies); i) os juizes teriam 0 dever de fundamentar suas decisões à luz da Constituição; j) 0 empreendedorismo do legislador que, por ser político, visaria ao aumento de sua chance de reeleição e de seu prestígio pessoal perante seus eleitores (ou grupos que 0 apoiam) fazendo com que fosse dado maior relevo às determinadas atuações políticas em detrimento da fidelidade à Constituição e aos direitos fundamentais; k) 0 risco da supremacia parlamentar em relação às mino­ rias, com 0 perigo de estabelecermos uma tirania da maioria impossível de ser con­ trolado (0 que inclusive seria demonstrado empiricamente por dados históricos).498 499500

Mas de outra monta, existe uma gama de teóricos que criticam a supremacia do Judicial na interpretação da Constituição. Mark Tushnet, por exemplo, com a tese do popuiismo constitucional, postula a retirada da "Constituição dos tribunais", na medida em que estes não teriam legitimidade para se manifestar de forma final (dar a última palavra) no que tange à interpretação constitucional. 0 pressuposto fundamental é 0 de que a interpretação judicial da Constituição não possui a priori nenhum peso superior em relação à interpretação feita por outro departamento estatal como 0 Parlamento?00 Já Larry Kramer a partir de uma extensa revisão da

498. Para Robert Alexy, as cortes constitucionais podem ser legitimadas por uma concepção ampla de representação, que vai além de votos em eleições e que diz respeito sobretudo a argumentos e razões. Portanto, as cortes pos­ suem uma representação argumentativa para estabelecer através de argumentos plausíveis e corretos inter­ pretações legitimas dos direitos constitucionais. ALEXY, Robert, 2005 p. 572-581 499. BRANDÃO, Rodrigo, Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais. 2012. 500. Segundo Tushnet, sua teoria é populista porque distribui a responsabilidade pelo direito constitucional amplamente. Assim afirma que, em uma teoria populista do direito constitucional, a interpretação constitucional feita pelas cortes não tem nenhum peso normativo decorrente do fato de serem produzidas por Cortes. Confor­ me Roberto Gargarella, são características comuns da tese do constitucionalismo popular: desafiar a supremacia judicial tirando a Constituição das mãos dos tribunais; recuperar e reconhecer a importância e o peso institucio­ nal da participação popular; defender uma interpretação extrajudicial da Constituição; fomentar uma releitura critica sobre os efeitos do judicial review, mostrar como a sociedade influi, reconstrói e, às vezes, mina o valor das

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Controle

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Constitucionalidade

história dos EUA vai defender veementemente que não há base de sustentação para a tese de que a Constituição norte-americana deve ser interpretada em cará­ ter definitivo pelos juízes (Kramer, 2004).

Porém, a teorização que entendemos ser a mais sofisticada sobre a crítica a supremacia judicial é a defendida atualmente por Jeremy Waldron (também traba­ lhada na parte de hermenêutica da presente obra). Segundo Waldron na obra Law and Disagreement" (1999) a prática do judicial review que concede aos juízes 0 poder de invalidar normas advindas do parlamento e de decidir sobre questões de fundo (dar a última palavra sobre questões de direitos fundamentais) não estaria em conso­ nância com as sociedades plurais em que vivemos, nas quais existe um recorrente desacordo entre as diversas concepções de direito e seus significados (desavenças morais sobre os vários modos de vida e concepções de vida digna). São, segundo ele, desavenças razoáveis, as quais nunca vai existir um argumento que "nocauteia", ou seja, um argumento definitivo. Portanto, sempre vai ser possível defender uma posição contrária, pois é possível imaginarmos bons, válidos e sinceros argumentos de ambos os lados ou de vários lados.

Nesses termos, uma vez que as pessoas discordam sobre 0 que a justiça requer e quais direitos temos, precisamos perguntar: quem deve ter poder para tomar deci­ sões nesses casos? Waldron afirma que a teoria constitucional e a dogmática jurídica vem marginalizando a atividade legislativa. Apresentariam uma visão suja, maldosa, preconceituosa e subestimadora da legislação. A questão seria a de que, para grande parte dos constitucionalistas do século XX, 0 controle de constitucionalidade das leis constituiría 0 único mecanismo capaz de retificar os desacertos parlamentares e recolocar os poderes públicos no caminho em direção à comunidade de princípios. Waldron chama esse desconforto com a democracia de "pequeno jogo sujo" da teoria contemporânea. A grande preocupação, no seu argumento, é 0 de elevar a legislatura a centralidade da reflexão filosófica sobre 0 Direito. A ideia é retornar com a perspectiva da "dignidade da legislação" e desconstruir as justificativas filosóficas do judicial review. Ele advoga, então, a legitimidade do legislador para decidir nas circunstâncias de desacordos morais razoáveis, medida em que os juízes discordam em conflitos mo­ rais quase sempre pelas mesmas linhas que os cidadãos e seus representantes, e, além disso, tomam decisões também com base na regra da maioria (ironicamente diz; não é também a maioria que deve prevalecer na construção do provimento judi­ cial?). Por que motivo, pergunta Waldron, a resposta política às indagações sobre as questões de moralidade política deve ser das Cortes e não do parlamento?501

decisões judiciais; e impulsionar uma maior participação popular nas decisões politicas. GARGARELLA, Roberto. El nacimiento dei constitucionalismo popular p. 01-05,2006. 501. “Quando cidadãos ou seus representantes discordam sobre quais direitos temos ou sobre o que estes direitos impõem, parece quase um insulto dizer que isto não é algo que se lhes permite resolver por meio de procedimento majoritário,

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Portanto, o desacordo em matéria de princípios está no âmago da política e excluir a participação do parlamento (do povo) da deliberação definitiva a respeito das desavenças morais é o mesmo que trair o espírito da democracia e do sufrágio universal. Para Waldron, o pressuposto da teoria constitucional majoritária é de que o judicial review deve ser afirmado por uma pretensa falta de respeitabilida­ de e capacidade intelectual do legislador. Ele externa sua revolta com um simples questionamento: por que nenhum teórico contemporâneo da Constituição se voltou para uma construção teórica que dignificasse o papel do legislador como um ser superdotado (super-homem) encarregado de dirimir as mazelas da sociedade nos termos, por exemplo, da metáfora do Juiz Hercules de Dworkin. Ao contrário disso, como já firmado, a doutrina afirma que os tribunais (cortes) são os melhores es­ paços institucionais para determinar a adequação de atos normativos mediante a Constituição. Essa é uma tese de desconfiança em relação aos representantes do povo e por definição de desconfiança no povo (na base está a concepção mais uma vez de que o parlamento é um lugar de barganhas e de favores que estaria impossi­ bilitado de tomar decisões lastradas em princípios).

Certo é que, para Waldron, seria do legislador a legitimidade para a tomada de posição sobre as grandes questões de moralidade (justiça). Nesses termos, no procedimento parlamentar a regra da maioria estaria orientada pela legitimidade, e o consentimento exigiría o reconhecimento do tratamento de cada cidadão como igual e com isso o direito de participação (uma parcela na responsabilidade pela ela­ boração do direito) seria o direito dos direitos, A decisão majoritária seria legítima, pois desenvolve um locus deliberativo no qual a voz de cada cidadão derivada da representação tem o mesmo peso. 0 consentimento e o sentimento de filiação mo­ ral que decorrem da sujeição à decisão majoritária é que sustentam o princípio da maioria: com isso, todos reconhecem como justo obedecer ao comando derivado de um procedimento que, tratando as pessoas como iguais e autônomas, resulta em uma deliberação majoritária (mesmo as minorias dissidentes teriam esse sen­ timento).5'”

Aqui é claro que há um pressuposto na teoria de Waldron de que os indivíduos como cidadãos morais e autônomos e capazes vão promover um debate responsável e elaborar uma decisão política imparcial e justa. Portanto, o direito de participação é precípuo a todos os outros e não se sujeita sequer a juízos de ponderação (não há situação concreta em que esse direito deixe de prevalecer virtude de outro, mesmo* 502

mas dei/e ser atribuído para o determinação final da um pequeno grupo de juizes". WALDRON, Jeremy, Law and Disagreement, p. 15,1999. 502. É importante explicitarmos que apesar de Waldron reconhecer em alguns textos que o princípio majoritário pos­ sui um valor moral intrínseco (absoluto e inquestionável), em recente debate com Dworkin, o mesmo Waldron admitiu que esse principio pode não funcionar de maneira absoluta e ótima em todas as circunstâncias. Isso ocorreu em comentários sobre a obra Justice for Hedgehogs de Dworkin, em que Waldron acaba por reconhecer a possibilidade de em determinadas situações o principio majoritário não possuir o valor moral intrínseco que ele defendia em trabalhos como Law and Disagreement. Ver In: A Majority in the Lifeboat. Boston University Law Review, vol. 90,2010, p. 1043-1057.

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

porque a extensão do direito oposto e seu significado são definidos pelo próprio di­ reito de participação). Portanto, mediante o desacordo moral, a opção institucional mais adequada, segundo o esquema lógico da democracia diante um autorreconhecimento de uma comunidade de cidadãos livres e iguais, é o da decisão legislativa. Nesses termos, seguindo a tese da supremacia judicial ou da supremacia do le­ gislativo, estaríamos condenados a escolher no caso brasileiro (e em outros casos) entre o STF e o Parlamento. Pois bem, o ônus de cada uma dessas vertentes, para a teoria dos diálogos institucionais, se apresenta de difícil enquadramento, pois ambas as posições têm que justificar o direito à última palavra (o que, dada a falibilidade das instituições, correspondería ao "direito de errar por último"). Conrado Hübner entende que essa perspectiva dicotômica (de oposição sobre quem detém a soberania da última palavra) é incompleta e parcial. Conta somente parte da história, mas não toda ela, na medida em que não consegue vislumbrar a complexidade do que está por trás da relação (e tensão) entre o Judiciário e o Legislativo50’. Para a tese do "diálogo institucional", independentemente de qual instituição tenha a última palavra, não há nada que impeça que a outra instituição responda. Com isso, a última palavra seria apenas provisória e relativa ("precária"). Nesse sentido, depois da última palavra, a história continua (com a recorrente circularidade do processo político?04.

Ressalta-se aqui que o principal desafio de desenho institucional e de análise de legitimidade desse é encontrar o ponto de equilíbrio entre as duas perspectivas. Nesses termos, é certo que uma Constituição terá que escolher quem será, formal­ mente, o detentor da última palavra "provisória", e terá algumas técnicas para reforçar ou enfraquecer o grau de resistência e o custo dessa última palavra, mas tal dilema de desenho institucional admite soluções contingentes e contextuais, a depender de cada país e de particularidades constitucionais503 505. 504 Mas é importante notar que, seja o Parlamento ou Tribunal constitucional (Corte Constitucional), essa escolha, por mais fundamental que seja, não é tão decisiva para determinar a legitimidade democrática de cada instituição, pois como já dito, a pretensa última palavra é provisória e pode e deve ser não o fim, mas o Início ou mesmo a continuidade de uma nova rodada de diálogos entre os Poderes que acaba por fomentar a legitimidade democrática das instituições e das decisões to­ madas por elas.

503. HÜBNER, Conrado Mendes. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação, São Paulo: Ed. Saraiva,

2011. 504. HÜBNER, Conrado Mendes. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação, São Paulo: Ed. Saraiva, 2011. 505. HÜBNER, Conrado Mendes. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação, São Paulo: Ed. Saraiva, 2011.

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Bernardo Gonçalves Fernandes

No caso brasileiro, por exemplo, o STF, conforme nossa Constituição, detém a última palavra na interpretação da Constituição, entretanto, mesmo depois da declaração de inconstitucionalidade de uma lei, nada impede que o parlamento responda, reaja, e desafie a posição do STF. Lembramos que o legislador não está vinculado na sua função típica de legislar à decisão do STF. Com isso, o legislador pode produzir uma lei de conteúdo idêntico a que o STF declarou inconstitucional (superação legislativa). Teremos aí uma nova rodada de debates.500

Conforme Hübner, possivelmente tal resposta, na maioria das vezes, não ocor­ re no dia ou no mês seguinte, mas numa escala temporal mais longa, o que acaba diluindo e obscurecendo a percepção de tal prática, porém ela não só pode como vem ocorrendo em algumas oportunidades no direito brasileiro.

Nesse sentido, a última palavra é, no máximo, "provisória", e não há como escapar disso. Assim, a teoria dos "diálogos institucionais" acaba por ser um me­ canismo de fomento da democracia e da legitimidade das instituições que, no iter dessa tensão (embate), ao invés de enfraquecerem podem se fortalecer reciproca­ mente. Aqui temos a perspectiva de abertura e não de fechamento das instituições na busca por soluções mais adequadas para os desafios constitucionais em temas como direitos fundamentais. Sem dúvida, os intensos desacordos e desavenças na sociedade506 507 (sobretudo nos grandes temas de moralidade política) favorecem uma releitura dessa perspectiva clássica de sobreposição e distanciamento na prática da jurisdição e da atuação do legislador.508509 A conclusão, aqui, é a de que devemos relativizar a tese do "direito de errar por último" (que já foi elevada quase a um dogma), na medida em que, como ressalta Conrado, nenhuma instituição vai errar por último, pois decisões novas (de outra instituição ou da mesma que errou) podem corrigir o "erro" (embora logicamente o "erro" ainda que provisório tenha custo). Por isso, defendeu o professor da USP em sua tese que deveriamos avançar para além de um "diálogo fraco" e desconfiado entre os Poderes para uma "interação deliberativa". Essa interação seria proposta como um ideal atrativo na separação de poderes, visando afastar uma separação de poderes que fosse apenas "adversarial" (uma disputa institucional com ganha­ dores e perdedores traduzindo-se em um jogo de soma zero). Isso só seria possível tendo em vista um "diálogo em sentido forte", ou seja, com os diálogos institucio­ nais sendo levados a sério505.

506. HÜBNER, Conrado Mendes. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação, São Paulo: Ed. Saraiva, 2011. 507. WALDRON, Jeremy. Law and Disagreement, Oxford: Oxford University Press, 1999. 508. HÜBNER, Conrado Mendes. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação, São Paulo: Ed. Saraiva, 2011. 509. HÜBNER, Conrado Mendes. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação, São Paulo: Ed. Saraiva, 2011. Nesse sentido:"o que se quer salientar é que o modelo dos diálogos, que permitem que os poderes sejam permanentemente desafiados pelos demais por ex. pela possibilidade de o STF controlar a constitucionalida­ de de emendas constitucionais e pela possibilidade de o Congresso Nacional aprovar emendas constitucionais superadoras de decisões do STF que tenham declarado a inconstitucionalidade de emendas pretéritas - possui

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Controle

de

Constitucionalidade

É interessante observarmos que essas reflexões sobre os diálogos institucionais (constitucionais) foram objeto de reconhecimento pelo próprio STF na recente deci­ são da ADI 5.105 em 01.10.2015. No caso, 0 plenário do STF assinalou que seria prudente não se atribuir a qual­ quer órgão, fosse do judiciário, fosse do Legislativo, a faculdade de pronunciar, em solução de definitividade, a última palavra sobre 0 sentido da Constituição. Aqui resta claro a tese da "última palavra provisória” (precária). Segundo a decisão da ADI, 0 próprio texto constitucional desafiaria esse entendimento, pois: a) em primeiro lugar, os efeitos vinculantes das decisões proferidas em sede de controle abstrato não atingem 0 Legislativo (artigos 102, § 20; e 103-A da CR/88), de modo a ser perfeitamente possível a edição de emendas constitucionais ou leis ordinárias acerca do assunto objeto de pronunciamento judicial; b) Em segundo lugar, 0 de­ ver de fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX da CR/88), impõe que 0 STF, mesmo nas hipóteses de correção legislativa de sua jurisprudência, enfrente a controvérsia à luz dos novos argumentos expendidos pelo legislador para reverter 0 precedente.510

Além disso, afirmou o STF que desconsiderar que as demais instituições sejam intérpretes autorizadas da Constituição poderia propiciar certa acomodação ou desinteresse nos demais atores em interpretar 0 texto constitucional. Nesses ter­ mos, a perspectiva juriscêntrica de hermenêutica constitucional também estimula comportamentos irresponsáveis na conformação da Constituição pelo legislador. Assim, 0 STF deveria proceder como catalisador deliberativo, promovendo a in­ teração e 0 diálogo institucional, de modo a maximizar a qualidade democrática na obtenção dos melhores resultados em termos de apreensão do significado constitucional.511 Portanto, concluiu 0 STF na ADI 5105, que 0 legislador poderia, por emenda cons­ titucional ou lei ordinária, superar a jurisprudência, reclamando posturas distintas da Corte. Trata-se, como já externalizado, de uma reação legislativa à decisão da Corte Constitucional com 0 objetivo de reversão jurisprudencial (a chamada supera­ ção legislativa ou nos dizeres norte-americanos: override). A reação legislativa seria então uma forma de "ativismo congressual" com 0 objetivo de 0 Congresso Nacional reverter situações de autoritarismo judicial ou de comportamento antidialógico por parte do STF, estando, portanto, amparado no princípio da separação de poderes.

maior potencial epistêmico do que modelos de supremacia, onde determinada instituição pode proferir, inques­ tionavelmente a última palavra sobre o sentido presente e futuro da Constituição. Com efeito, acredita-se que tal flexibilidade e interação na solução de questões constitucionais complexas contribuem para a construção de res­ postas melhores e respaldadas em consensos mais amplos, na medida em que construídas após amplo diálogo em que cada poder contribui com a sua capacidade institucional." BRANDÃO, Rodrigo, Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais, 2012. 510. ADI 5105/DF, Pleno do STF, julg. em 01.10.2015, Rel. Min. Luiz Fux (Informativo 801 do STF). 511. ADI 5105/DF, Pleno do STF, julg. em 01.10.2015, Rel. Min. Luiz Fux (Informativo 801 do STF).

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Ao legislador seria, assim, franqueada a capacidade de interpretação da Constitui­ ção, a despeito de decisões de inconstitucionalidade proferidas pelo STF.5’2

Nesses termos, afirmou o Pretório Excelso que, se veiculada por emenda cons­ titucional, altera-se o próprio parâmetro amparador da jurisprudência. Nessas si­ tuações, a invalidade da emenda somente poderá ocorrer nas hipóteses de des­ cumprimento do art. 6o da CR/88.5’3 Se, porém, introduzida por legislação ordinária, a norma que frontalmente colidir com a jurisprudência do Tribunal nasce com pre­ sunção de inconstitucionalidade, de sorte que cabería ao legislador o ônus de de­ monstrar, argumentativamente, que a correção do precedente se afigura legítima, e que o posicionamento jurisprudencial deve ser superado, tendo em conta novas premissas fáticas e jurídicas. Assim, a novel legislação que frontalmente colidisse com a jurisprudência se submetería a um escrutínio de constitucionalidade mais rigoroso.512 514 513

512. ADI 5105/DF, Pleno do STF, julg. em 01.10.2015, Rel. Min. Luiz Fux . Conforme o voto do Min. Luiz Fux:"(...) nâoé salutar atribuir a um único órgão qualquer a prerrogativa de dar a última palavra sobre o sentido da Constitui­ ção. (...). É preferível adotar-se um modelo que não atribua a nenhuma instituição - nem do Judiciário, nem do Legislativo o "direito de errar por último", abrindo-se a permanente possibilidade de correções recíprocas no campo da hermenêutica constitucional, com base na ideia de diálogo, em lugar da visão tradicional, que con­ cede a última palavra nessa área ao STF, (...) As decisões do STF em matéria constitucional são insuscetíveis de invalidação pelas instâncias políticas. Isso, porém, nào impede que seja editada uma nova lei, com conteúdo similar àquela que foi declarada inconstitucional. Essa posição pode ser derivada do próprio texto constitucio­ nal, que não estendeu ao Poder Legislativo os efeitos vinculantes das decisões proferidas pelo STF no controle de constitucionalidade (art 102, § 2°, e art. 103-A, da Constituição). Se o fato ocorrer, é muito provável que a nova lei seja também declarada inconstitucional. Mas o resultado pode ser diferente. O STF pode e deve refletir sobre os argumentos adicionais fornecidos pelo Parlamento ou debatidos pela opinião pública para dar supor te ao novo ato normativo, e nào ignorá-los, tomando a nova medida legislativa como afronta à sua autoridade. Nesse ínterim, além da possibilidade de alteração de posicionamento de alguns ministros, pode haver também a mudança na composição da Corte, com reflexões no resultado do julgamento”. (SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito Constitucional. Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 402-405) 513. ADI 5105/DF, Pleno do STF, julg. em 01.10.2015, Rel. Min. Luiz Fux (Informativo 801 do STF). Como exemplo de superação legislativa ou reação legislativa (override) por Emenda Constitucional temos: EC 52/2006 (que determinou a não obrigatoriedade da verticalização em coligações eleitorais nas campanhas eleitorais contra­ riando entendimento do TSE e STF); EC 57/2008 (que convalidou a criação de 57 municípios que haviam sido declarados inconstitucionais em decisão do STF na ADI 2240); EC 58/2009 (que alterou o número de faixas para a proporcionalidade do número de vereadores previstas no art. 29, IV da CR/88). EC n° 96 que determina que para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 10 do artigo 225 da CR/88, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1° do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos. Essa Emenda Constitucional acrescentou o § 7o ao art.225 da CR/88. Assim, a superação legislativa (override) que nesse tema havia se dado inicialmente por lei ordinária (alteração infraconstitucional pela Lei n° 13.364) agora se deu por Emenda Constitucional. 514. No caso concreto, o Congresso Nacional procurou superar o precedente fixado pelo STF nas ADIs 4.430 e 4.795 por meio da Lei n° 12.875/2013. Porém, o STF, examinando as justificativas do projeto que deu origem à lei e analisando a inocorrência de mudanças na sociedade entre a data da sua decisão passada e os dias atuais, en­ tendeu que não foi legitima a tentativa de reversão (separação) da interpretação fixada pelo Tribunal. Para o STF, os argumentos invocados pelo Legislativo não são capazes de infirmar (retirar à força) a tese jurídica fixada no julgamento das ADIs 4.430 e 4.795. Por essa razão, o Plenário da Corte, por maioria, julgou inconstitucional a Lein” 12.875/2013.

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Por último, insta salientar que o diálogo constitucional é possível não apenas quando há a possibilidade de reversão, modificação ou embate da decisão judicial mediante o processo legislativo (superação legislativa), como no exemplo supraci­ tado. Desse modo, ressalta-se que as teorias do diálogo podem assumir diversas formas.

Nesses termos, a doutrina entende que existem teorias internas à decisão judi­ cial (endógenas) - que se preocupam com o método da decisão, em que o diálogo perpassaria pela postura do magistrado em suscitar o debate com outras institui­ ções, bem como existiríam também teorias estruturais (exógenas) que trabalham na perspectiva de pensar desenhos institucionais que facilitem a interação entre insti­ tuições, ou seja, analisam o diálogo por uma perspectiva externa à Corte (relação estrutural entre a Corte e o Parlamento). Portanto, o diálogo pode ser trabalhado e fomentado por teorias internas ou mesmo por teorias externas. As primeiras dão ênfase no modo como a decisão judicial é dada e com isso buscam desenvolver um diálogo institucional a partir daí. já as teorias externas dão ênfase em aspectos es­ truturais e visam desenvolver as interações entre os poderes pela lógica de novos desenhos institucionais.5’5

515. Dentre as teorias do método judicial (teorias internas.), Christine Bateup destaca as teorias do aconselha­ mento judicial (judicial advicegiving), as teorias centradas no processo (process centered rules) e o minimalis mo judicial (judicial minimalism). Quanto ás teorias estruturais do diálogo (teorias externas}, Bateup deixa assente as teorias da construção coordenada (coordinate construction theories), as teorias dos princípios jurídicos (theories ofjudicial principie), as teorias do equilíbrio (equilibrium theories) e as teorias da parceria (partnership theories). As teorias do aconselhamento se dariam com base em técnicas. A primeira, conhecida como"constitutional roadmaps”. salienta a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade das leis pe­ las cortes, acompanhada de um aconselhamento, de modo a possibilitar uma atuação corretiva dos outros poderes, em especial o legislativo, quando da produção de normas. A segunda técnica envolve a hipótese das cortes, mesmo não declarando a inconstitucionalidade das leis, usar estratégias que possam incentivar os outros poderes a rever a legislação vigente, a fim de repará-las. As teorias centradas no processo, por sua vez, buscam motivar as Cortes a dedicar especial atenção quanto à qualidade das dinâmicas deliberativas dos outros poderes (especialmente o Legislativo), de modo a verificar se as suas decisões políticas foram o resultado de uma deliberação adequada e em sintonia com os valores constitucionais. Não obstante os adeptos dessa teoria confiarem na capacidade e competência do Legislativo para interpretar a Constituição, eles reconhecem a possibilidade de, eventualmente, não ser dada a devida atenção aos valores constitucio­ nais, tendo em vista as mais variadas razões, como limitações de tempo ou pressões eleitorais e partidárias. Nessas circunstâncias, as Cortes deveriam envolver o Legislativo em um diálogo, forçando-o a reconsiderar suas decisões com o nível adequado e suficiente de importância aos valores constitucionais substantivos, de forma fundamentada e consciente. Já a teoria do minimalismo judicial, sugere que a Corte deve adotar a estratégia de dizer não mais que o necessário, deixando o máximo possível não decidido. Em síntese, essa autocontençâo jurisdicional das Cortes parte da perspectiva de que as decisões devem ser estreitas e su­ perficiais na definição de Sunstein. As teorias da construção coordenada identificam uma repartição entre os poderes quanto à tarefa de interpretação da constituição. Contrariamente à tradição da supremacia judicial, essas teorias admitem a possibilidade de interpretação extrajudicial em uma dinâmica em que a Corte é um intérprete a mais. Já as teorias dos princípios jurídicos conferem um papel especial ao Poder Judiciário, pois propõem que os juizes desempenhem uma função dialógica singular, baseada em sua habilidade e compe­ tência institucional especial em relação a questões de princípio. O diálogo surgiría na hipótese de controle, pelos poderes políticos, de eventual erro na interpretação judicial de tais matérias. E as teorias do equilíbrio, que têm Barry Friedman entre seus defensores, invariavelmente salientam a importância da opinião pú blica e destacam a capacidade das Cortes em facilitar e fomentar um largo debate acerca do significado da Constituição. Na mesma linha, a teoria da parceria, que também busca estimular um diálogo amplo na sociedade, propondo a necessidade de implementação de arranjos institucionais capazes de absorver as

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Fato é que, em qualquer dos modelos de teoria do diálogo institucional (constitucional) adotado, a existência da jurisdição constitucional - ou pelo me­ nos de algum modo de proteção dos direitos fundamentais por meio das Cortes - é possível, porém desvinculada da ideia de caráter definitivo (última palavra) de sua decisão. Conforme ressaltado, qualquer postura adotada pelo Judiciário seria entendida apenas como uma rodada procedimental em um debate interinstitucional mais amplo, estimulando, inclusive, a atuação das demais institui­ ções, ainda que seja para fins de concordar com referida decisão.

Do exposto, percebe-se que a valorização dos diálogos constitucionais pode se fundamentar na ampliação da qualidade do debate a respeito dos direitos que possivelmente propicia a existência de um sistema em que tais questões não restem por ser resolvidas em apenas uma instituição. Isso porque cada instituição, como é o caso da Corte e dos Parlamentos, possuem dinâmicas di­ versas de funcionamento, embora discutam efetivamente sobre as mesmas te­ máticas constitucionais, o que acarreta no surgimento de perspectivas distintas quando da interação requerida. Em razão disso, quando interagem por meio de um diálogo institucional (constitucional), possibilitam o fornecimento mútuo de perspectivas distintas quanto às mesmas questões, exemplificadas, na espécie, pelo debate a respeito de direitos. Podem, reciprocamente, clarear "pontos ce­ gos" das instituições com as quais interagem. Justamente por isso, a defesa aqui é a de qualquer tipo de diálogo (tese dos diálogos em sentido amplo) "possa funcionar" como fomentador (possibilitador) da defesa e do desenvolvimento de direitos. Nesses termos, adotamos uma compreensão ampla, que abarque qualquer modalidade de interação entre as instituições políticas no tocante às questões constitucionais. Trata-se de contato e implicações recíprocas que devem ocorrer, em maior ou menor grau, nas estruturas constitucionais em que há a adoção de forma equilibrada da separação de poderes.* 516

17. O PAPEL DAS CORTES CONSTITUCIONAIS Para o Ministro Luís Roberto Barroso517, existem três grandes papéis518 que po­ dem ser desempenhados pelas mais distintas Cortes Constitucionais:

distintas contribuições de cada poder (sem qualquer hierarquia ou privilégio entre eles), que se resumiría em um efetivo diálogo constitucional. Para um aprofundamento, ver: BATEUP, Christine A. The Dialogic Promise: Assessing the Normative Potential of Theories of Constitutional Dialogue. 2005, p. 17-34. 516. FERNANDES. Bernardo Gonçalves, MEIRA, Renan Sales. Um Argumento normativo em favor dos Diálogos Institucio­ nais. Hermenêutica, Justiça Constitucional e Direitos Fundamentais. Ed. Juruá, 2016. 517. BARROSO, Luís Roberto. Countermajoritarian, Representative, and Enlightened:The roles of constitutional tribu­ nais in contemporary democracies. fíevista Direito & Práxis, head of print, Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: < http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/30806/21752>. Acesso em 02/01/2018. 518. Frise-se, aqui, que não se pretende afirmar que as Cortes desempenham os papéis em questão (contramajoritário, representativo e iluminista) à luz de "modelos ideais", mas, na realidade, desempenham-nos de diversas maneiras e em diversas conformações, de modo que a divisão aqui realizada tem cunho meramente didático.

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Controle



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Constitucionalidade

Papel contramajoritário: é pertinente à possibilidade de as Cortes Consti tucionais invalidarem leis e atos normativos à luz de uma análise de com­ patibilidade com a Constituição. A denominação dessa função advém da chamada "dificuldade contramajoritária", concernente à tensão provenien­ te da possibilidade da interpretação da Constituição realizada por agentes políticos eleitos ser sobreposta pela de juizes não eleitos.

Aqui, duas observações se fazem necessárias. Primeiramente, para o Ministro, esse papel seria desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal com parcimônia e autocontenção, na medida em que o número de leis federais declaradas inconstitucionais seria relativamente reduzido, sobretudo se considerado que a Constituição brasileira é muito abrangente. Em segundo lugar, é preciso dizer que a discussão de determinadas matérias perante o Supremo, ao contrário do que se poderia supor, acabou dando a elas necessária visibilidade e, assim, permitindo um debate público que não ocorreu quando da publicação das respectivas leis. Em outras palavras, em casos como o da pesquisa com células-tronco embrionárias, cotas raciais para ingresso nas universidades públicas e demarcação de terras indígenas, "no contexto brasileiro atual, o debate judicial teve mais exposição e participação pública do que o debate no Poder Legislativo".559 Sobre o papel contramajoritário, cite-se como exemplo a ADI 4650, pela qual 0 STF declarou inconstitucionais dispositivos legais que autorizavam e regulamenta­ vam a participação de pessoas jurídicas no financiamento eleitoral. Barroso citou, também, a tendência do STF de descriminalizar 0 porte de maconha para consumo pessoal, cuja consequência seria a declaração de inconstitucionalidade da lei que tipifica essa conduta - art. 28 da Lei n° 11.343/2006 (nesse sentido, vide RE 635.659, ainda em curso perante 0 STF).



Papel representativo: ocorre quando as Cortes Constitucionais atuam para sanar vazios normativos eventualmente deixados pelo legislador. Assim, a atuação das Cortes para (a) atender a demandas sociais não satisfeitas pelo Legislativo e (b) integrar a ordem jurídica em situações de omissão inconstitucional do Poder Legislativo configura 0 papel representativo.

A título exemplificativo do papel representativo, tem-se a edição da Súmula Vinculante 13, que determina que a nomeação de cônjuges e parentes de até ter­ ceiro grau para cargos de comissão ou confiança de qualquer dos poderes viola a Constituição. Em que pese em tal caso ser exigível, a priori, leis federais e estaduais para a imposição desse tipo de restrição, mediante a omissão legislativa e a forte demanda social, 0 Tribunal extraiu tal proibição da aplicação dos princípios cons­ titucionais da moralidade administrativa e da impessoalidade. No mesmo sentido, coadunando com a vontade popular por uma reforma política, que não era reali­ zada pelo Congresso, tem-se a improcedência das ADIs 3.999 e 4.086, pelas quais

519. BARROSO, Luís Roberto. Countermajorítarian.fíepresentative, andEnlightened..., p. 5.

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o STF declarou a constitucionalidade da Resolução 22.610/07 do TSE, que determina a perda do mandato para 0 parlamentar que mudasse de partido, por considerar que tal atitude constituiría fraude à vontade do eleitor e violaria, portanto, 0 prin­ cípio democrático.

Um terceiro exemplo diz respeito aos Mis 680, 708 e 712, pelos quais 0 STF declarou a omissão legislativa em relação à regulação ao art. 37, VII, da CR/88 (di­ reito de greve do servidor público) e determinou que até ulterior edição de lei regulamentadora pelo Congresso Nacional, a injunção deveria ser realizada pela lei aplicável ao setor privado (Lei n° 7.783/89). •

Papel iluminista: diz respeito ao papel das Cortes de promover, em situa­ ções excepcionais, “certos avanços civilizatórios e empurrar a história"5®, em nome de valores racionais. Em que pesem não serem decisões que necessariamente representam a maioria da população, elas são neces­ sárias para a concretização de direitos fundamentais, sobretudo à luz de discriminações e preconceitos eventualmente vigentes.

Em Direito Comparado, esse papel de vanguarda iluminista foi desempe­ nhado, por exemplo, pela Suprema Corte dos Estados Unidos no caso Brown v. Board of Education, pelo qual a Corte proibiu a discriminação racial em escolas públicas, bem como pela Corte Constitucional da África do Sul, no caso Srate v. Makwanyane and Another, pelo qual declarou-se a inconstitucionalidade da pena de morte.

No Brasil, cite-se como exemplo 0 RE 878.694, que equiparou a união de casal heteroafetivo à união de casal homoafetivo, abrindo a possibilidade do casamento para pessoas do mesmo sexo. No mesmo sentido, tem-se o julgamento ainda em curso do RE 845-779, que discute a possibilidade de uma pessoa ser tratada social­ mente de acordo com a sua identidade de gênero. Frise-se que, conforme salientado por Luís Roberto Barroso, 0 papel iluminista deve ser exercido com grande autocontenção e parcimônia, tão somente em si­ tuações excepcionais, de modo que não há uma defesa de uma atuação iluminista irrestrita, mas, sim, emoldurada por limitações internas do próprio ordenamento, pelos direitos humanos e, também, pelo próprio movimento dialético que possibili­ tou a atuação da Corte em primeiro lugar.

18. SOBRE A DELIBERAÇÃO NOS TRIBUNAIS (CORTES) CONSTITUCIONAIS

É interessante que a doutrina convencional que trabalha 0 controle de cons­ titucionalidade sempre se preocupou com 0 estudo dos sistemas de controle (se jurisdicional ou político, por exemplo), com os critérios (se difuso ou concentrado) ou

520. BARROSO, Luís Roberto. Countermajoritarian, Representative, and Eniightened..p. 8.

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Controle de Constitucionalidade

mesmo se o controle é concreto ou abstrato ou se pela via incidental ou principal. Além disso, um extenso estudo é feito na doutrina brasileira sobre o procedimento de ações como a ADI, bem como sobre os efeitos das decisões (se ex tunc ou ex nunc, por exemplo).

Entretanto, muito pouco se estuda sobre o processo de deliberação nos Tribu­ nais (Cortes) Constitucionais. Talvez esse seja o estudo mais importante da atualida­ de sobre o controle de constitucionalidade5”. Sem dúvida, é possível afirmar que nos tribunais que colocam as demandas pe­ rante os órgãos colegiados, magistrados devem buscar um mínimo de consenso, de modo a solucionar os casos submetidos à sua apreciação. Aqui surgem as seguintes questões: como decidem os tribunais supremos? Como se dá esse "convencimento entre os juizes”, do qual saem as mais importantes decisões conformadoras de um ordenamento jurídico? Como são testados os diferentes argumentos? Como são con­ traditados? Como são amadurecidos no embate de idéias que caracteriza o labor de um colegiado?5” Sem dúvida, entendemos que o modo de deliberação varia conforme os distintos desenhos institucionais. De fato, as Cortes podem ter sessões abertas ao público ou fechadas (também conhecidas como secretas)52’, pode haver permissão ou restrição aos votos divergentes, pode existir discricionariedade ou aleatoriedade na escolha de casos e, claro, entre outras variáveis, a decisão pode ser per curiam ou seriatim.521 524 523 522

Quanto a esta última distinção, importa salientar que há dois modelos:

a)

per curiam: a deliberação se explicita em um texto único. Ou seja, o resulta­ do da deliberação se expressa como a "opinião do tribunal" em texto único e institucional525;

521. Inclusive, é interessante notar que uma das fontes de legitimidade das Cortes que compensam a falta de legitimi­ dade democrática é, justamente, a qualidade de suas deliberações. Assim, para Virgílio Afonso da Silva,"quanto melhor for a performance deliberativa de uma Corte exercendo o judicial review, melhor será a própria Corte" Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. Deciding withoutdeliberating, p.559, tradução nossa. 522. HORBACH, Carlos Bastilde. É preciso mais deliberação no Supremo Tribunal Federal? Revista Consultor Jurídico, 17.12.2013. 523. É interessante que o modelo fechado ou secreto de deliberações é utilizando em tribunais constitucionais euro­ peus, em especial os da Alemanha, da Itália, da Espanha, de Portugal, entre outros. 524. SILVA, Virgílio Afonso da."Um Voto Qualquer"? O papel do Ministro Relator. Revista Estudos Institucionais, vol. 1,1, 2015. 525. Um exemplo claro de alteração desse modelo por meio do desenvolvimento de práticas alternativas de deliberação pode ser encontrado na história da Suprema Corte norte-americana. Nos seus primeiros anos de funcionamento — precisamente entre os anos de 1793 e 1800 —, seguindo o costume judicial inglês, a Suprema Corte norte-americana anunciava suas decisões através das seriatim opinions de seus membros. Cada Justice pronunciava seu voto indivi­ dualmente e o conjunto de todas as opiniões expostas "em série" era assim apresentado ao público. Quando John Marshall se tornou Chief Justice, a Corte passou a adotara prática de anunciar seus julgamentos em uma single opi­ nion, que dessa forma passava a representar a opinião expressada pela maioria de seus membros. A partir de 1801, os Justices deixaram paulatinamente o costume de proclamar individualmente seus votos e passaram a estar mais comprometidos com a representação da unidade institucional da Corte, através da construção colegiado de uma úni­ ca decisão, a opinion ofthe Court, dotada de uma única ratio decidendi. A redação seria então incumbida ao Chief Justice, que no caso era Marshall, mas o texto deveria expressar, em vez de sua posição pessoal, a opinião do colegiado

2035

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b)

seriatim (em série) em que as deliberações podem ser estabelecidas em um texto composto com a somatória dos votos dos membros do Tribunal Constitucional, ou seja, todos os julgadores votam e observamos a soma da maioria e minoria para a decisão.

A atual prática do STF nos apresenta uma deliberação aberta ou pública que ado­ ta o modelo de decisão seriatim. Esse modelo, é importante salientar, caracteriza-se então pela produção de um agregado das posições individuais de cada membro do cole­ giado, cujos votos são expostos "em série" em um texto composto. Cada um dos mem­ bros apresenta seu voto até haver um somatório e chegar-se a um resultado final.516

Sublinhamos aqui que, nos tribunais que adotam esse modelo, a deliberação comumente não se desenvolve com o objetivo de produzir um texto final com uma única ratio decidendi que possa representar a posição institucional da Corte — unívoca e impessoal -, mas, sim, como uma proclamação sucessiva das decisões indivi­ duais dos membros do tribunal, normalmente precedidas de um discurso que cada juiz tem o direito de fazer, seja por meio de um texto escrito por ele preparado previamente, seja por meio da improvisação oral, para apresentar publicamente sua própria argumentação e seu julgamento individual do caso. 0 resultado da deliberação é apresentado em texto composto pelos diversos votos e suas respec­ tivas ratio decidendi.51' A possível crítica aqui, salienta a doutrina, é a de que esse modelo (seriatim) torna bastante complicada em algumas ocasiões a tarefa de definir com precisão o fundamento determinante da decisão do tribunal, a qual normalmente pode ser reali­ zada pela extração do "mínimo comum" entre os distintos argumentos individuais?18 Nesse sentido, alguns autores inclusive defendem que os Ministros do STF seriam ii "ilhas"519. 0 argumento é o de que encontramos um excesso de individualismo na* 529 528 527 526

526. 527. 528.

529.

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de juizes, o qual teria que falar em uma só voz (speak in one voice). Essa inovação na prática deliberativa dos Justi­ ces demonstrou-se crucial para a afirmação da Suprema Corte como unidade institucional em face dos demais Po­ deres, num contexto político conturbado que marcou os primórdios da república norte-americana, e foi reconhecida posteriormente como um dos grandes feitos da histórica carreira de Marshall. VALE, Andre Rufino. £ preciso repensar a deliberação no Supremo Tribunal Federal. CONJUR, 01.02.2014. VALE, Andre Rufino. Ê preciso repensara deliberação no Supremo Tribunal Federal. CONJUR, 01.02.2014. VALE, Andre Rufino. E preciso repensar a deliberação no Supremo Tribunal Federal. CONJUR, 01.02.2014. Na prática, uma das consequências da adoção desse modelo é a maior importância que adquirem as ratio deci­ dendi de cada juiz individualmente consideradas para a técnica de precedentes. Cada juiz passa a estar mais vin­ culado a suas próprias decisões e argumentos, de modo que não é estranha a esses sistemas a produção de um “overruling pessoal'! na hipótese em que determinado juiz tenha que rever seu próprio posicionamento. Cf. VALE, Andre Rufino. Ê preciso repensar a deliberação no SupremoTribunal Federal. Revista Consultor Jurídico, 01.02.2014. Inclusive, vale mencionar que, nos grandes casos, os ministros do STF costumam levar seus votos já redigidos para a sessão de julgamento, o que se apresenta como um fator notadamente antideliberativo. Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. “Um Voto Qualquer?".. Já para Conrado Hübner: "O STF se manifesta como “onze ilhas"pelo menos de duas maneiras. Em primeiro lugar, quando suas decisões colegiadas correspondem a nada mais do que a soma de votos individuais, sem maiores interações comunicativas entre eles. São decisões fragmentados, com argumentos diversos, que dificultam a iden­ tificação de um fundamento comum. Uma colcha de retalhos. É verdade que, estatisticamente, a maior parte das decisões colegiadas é composta de decisões unânimes, nas quais se segue o voto do relator (aparentemente, o contrário das "onze ilhas"). Isso acontece, sobretudo, nos acórdãos das Turmas. Porém, se olharmos mais atentamente para esses números, percebemos que, quando o caso é controverso e de maior exposição pública do Plenário, a regra é o modelo fragmentado.

Contuole oe Constitucionai idaof

deliberação do STF. Nesse sentido, também em tom crítico defende Virgílio Afonso da Silva que o STF não poderia ser apontado como um modelo de deliberação, "especialmente devido à: •

quase total ausência de trocas de argumentos entre os ministros: nos ca­ sos importantes, os ministros levam seus votos prontos para a sessão de julgamento e não estão ali para ouvir os argumentos de seus colegas de tribunal;



inexistência de unidade institucional e decisória: o Supremo Tribunal Fede­ ral não decide como instituição, mas como a soma dos votos individuais de seus ministros;



carência de decisões claras, objetivas e que veiculem a opinião do tribunal: como reflexo da inexistência de unidade decisória, as decisões do Supremo"?50

Em um certo contraponto ao que ocorre atualmente no STF, aqui é interessante sublinhar que Conrado Hübner Mendes, com o objetivo de desenvolver melhor o processo deliberativo, vem defendendo que a deliberação adequada passaria por três fases: a) a fase pré-decisional, na qual há contestação pública dos diferentes argumentos levados ao tribunal, que devem ser canalizados da melhor forma pos­ sível; b) a fase decisional, em que há a interação colegiada entre os membros da corte, na busca não só do consenso, mas especialmente de uma boa decisão, ao aproveitar - acatando ou rejeitando - os argumentos da fase anterior; e c) a fase pós-decisional, em que o colegiado produz uma decisão escrita deliberativa, que se caracteriza como o produto mais relevante desse processo e expressa, com clareza e objetividade, seus fundamentos?31530 531

Praticamen te, nenhum ministro do STF resiste à tentação de se expressar com sua própria voz quando está sob os holofo­ tes. mesmo se concorda com a linha de outro voto, ou se o que tem a dizer for, no limite, redundante. Ninguém abre mão da vaidade autoral, nem quando isso teria potencial para estimular uma Corte melhor, que toma decisões melhores. Em segundo lugar, o Supremo Tribunal Federal se manifesta como “onze ilhas" na pura e simples ausência do colegiado em 90% das decisões que a Corte toma. OSTFé, na maior parte do seu tempo, um "tribunal monocrãtico' Um ministro pode individualmente tomar decisões liminares que consumam efeitos irreversíveis, engavetar casos e jogó los para um futuro indefinido, desengavetar casos que estavam aguardandojulgamento há muitos anos ou poucos meses. O STF é refém dos caprichos de cada um dos seus ministros. Nada melhor define as “onze ilhasFFonte: Justificando, 08.06.2016. 530. SILVA, Virgílio Afonso da. O STF e o controle de constitucionalidade: deliberação, diálogo e razão pública. Revista de Direito Administrativo, n. 250,2009, p. 209. HORBACH, Carlos Bastilde. É preciso mais deliberação no Supremo Tribunal Federal? Revista Consultor Jurídico, 17.12.2013. 531. Conrado Hübner Mendes. "Oprojeto de uma corte deliberativa". Jurisdição constitucional no Brasil, Malheiros, 2012, p. 59. Ver sobretudo: Constitutional Courts and Delíberative Democracy, Oxford, 2013. Nessa obra, destaca Con­ rado H. Mendes, os aspectos devem estar presentes em um encontro deliberativo, quais sejam:"(P pressupõe a necessidade de se tomar uma decisão coletivo que afetará diretamente os que estão deliberando ou. indiretamente, pessoas que estão ausentes; (2) considera a decisão como um ponto de chegada provisório, a ser sucedido por novos rounds deliberativos; (3) é uma prática de raciocínio conjunto e de justificativa de determinada posição aos outros participantes da deliberação: (4) engloba um tipo particular de razão que é imparcial ou, ao menos, é traduzivel ao bem comum; (5) pressupõeque os participantes da deliberação estejam abertos para rever e modificar suas opiniões ò luz de argumentos e sugere uma “ética do consenso"; (6) contém um elemento ético de respeito; (7) e engloba um compromisso político de inclusão, de empada e de responsividade a todos os pontos de vista."

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Em outro giro, é importante notar que embora os Tribunais possam apresentar diversas diferenças em seus modelos deliberativos, a presença de um Ministro Relator é uma das maiores constantes entre eles. Não obstante esse cenário, existem poucos estudos acerca da influência do relator no processo decisório, ficando ainda pouco ex­ plorado se o Ministro relator seria um "senhor do processo" ou apenas mais um voto?32 Em razão disso, Virgílio Afonso da Silva desenvolveu pesquisa com o objetivo de estudar como os próprios ministros enxergam e compreendem as práticas delibe­ rativas e decisórias do Supremo?33 Notadamente no que tange ao papel do Ministro Relator no processo deliberativo do STF nos hard cases554, buscou abordar a temática à luz de cinco principais variáveis, a saber: i) de que maneira os próprios ministros avaliam, em geral, o papel em questão; ii) qual é a relevância dos ministros comumente levarem, nos casos mais polêmicos, os votos já redigidos para as sessões de julgamento; iii) se há (e qual é) impacto na influência do relator o fato de o voto não ser distribuído com antecedência; iv) se o voto do relator deveria incorporar também aqueles argumentos contrários aos seus e; v) como é vista a figura do re­ lator para o acórdão.

À luz dessas variáveis, os resultados da pesquisa podem ser sumarizados da seguinte maneira:

Quanto à avaliação geral do papel do relator

1. Via de regra, vê-se o papel do re­ lator como decisivo na deliberação, uma vez que ele balizaria o debate, fixando uma moldura à sua extensão, apresentaria uma posição considera­ da preponderante e, entre outros fa­ tores, seria o próprio ponto de partida da decisão. 2. Destaca-se, ainda, que o relator teria um forte poder de influência na deliberação e decisão mediante sua capacidade de definir estrategi­ camente quando um caso vai entrar na pauta de julgamento ("poder de i agenda").532 * 534 533

Não obstante, existem alguns fatores que podem relativizar esse papel (de­ cisivo) do ministro relator: 1. Diante do excessivo volume de processos no STF, o relatório e o voto do relator muitas vezes não teriam a atenção necessária 2. Para alguns, apenas nos casos cor­ riqueiros o relator teria papel decisi­ vo, considerando que, nos casos que atraem a opinião pública, todos os mi­ nistros se empenhariam igual mente. 3. Mais além, pode-se considerar que a capacidade de o relator desempenhar um papel decisivo está ligada às suas relações internas no STF - isto é, de­ pende de"quem’é o Ministro Relator.

532. SILVA, Virgílio Afonso da. “Um voto qualquer?"... 533. Interessante notar que a metodologia da pesquisa consistiu na realização de entrevistas com os atuais ministros do STF e com alguns ministros já aposentados. Assim, o jurista buscou apresentar uma "descrição interna" dos processos deliberativo e decisório do STF, que não tem cunho normativo, nem cunho descritivo típico (que é externo). 534. Ainda que não utilize esse termo, o autor elucida que "o objeto das conversas não era a atitude dos ministros em todas as dezenas de milhares de decisões anuais. O foco eram exclusivamente as decisões mais importantes, mais polêmicas, que chama ma is a atenção do público" (Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. “Um voto qualquer?"..., p. 187.). Isso porque observou-se, empiricamente, que nas decisões mais relevantes e polêmicas os ministros não necessaria­ mente tendiam a acompanhar o voto do relator.

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Quanto à prática dos ministros comumente levarem seus votos já redigidos para as sessões de julgamento dos casos mais polêmicos

Quanto à não distribuição prévia do voto do relator

Em geral, os Ministros enxergam essa prática como prejudicial ao pape decisivo do relator, em razão de dois principais fatores: 1. Primeiramente, porque o debate não mais seria pautado pelo relator, mas, sim, pelos votos individuais es­ critos. 2.1 m segundô lugar, porque a mo­ dificação dos entendimentos indiv duais dos ministros fica dificultada, uma vez que cada ministro "se prepa ra para vota' como se relator fosse"55*'’ 3. Ademais, o caráter antideliberativo da prática ficaria evidenciado na me­ nor disposição ce mudar os entendi­ mentos pessoais já sedimentados em um documento escrito.

Apesar da maioria considerar essa orática prejudicial ao paoel do rela­ tor (e à própria deliberação), alguns argumentos favoráveis a ela foram levantados: 1. I evar o voto escrto à sessão de julgamento ndicaria bom preparo e pesquisa extensa?’" 2. Um segundo argumento diz res peito à ordem de leitura dos votos ou proferimento das opiniões na sessão de julgamento. Ocorre que os primei­ ros a discordarem do relator teriam que ter posições mais bem funda­ mentadas, o que justificaria a prática dos ministros levarem os votos pron tos. 3. Vais além, pode-se mencionar o aumento, nos últimos anos, da com­ plexidade e do impacto mora' das causas julgadas pelo STF, o cue aca­ baria por exigir extensa preparação prévia e -m documento escrito para ser l.do quando da deliberação

A distribuição do voto do relator com antecedência poderia se mostrar be­ néfica por dois principais motivos: 1. Primeiramente, poderia possibilitar a revisão da prática de levar os votos prontos para a sessão de julgamento, o que seria benéfico para a de ibera ção. 2. Cm segundo lugar, há que se frisar que poderia haver um enorme ganho de tempo, uma vez que, se houvesse concordância com o voto do relator, haveria menor necessidade de ex tensão dos que o acompanham e potencial redução da necessidade de debates prévios.

A distribuição prévia do voto do rela­ tor tem diversos questionamentos: 1. Em razão do excesso de trabalho, os ministros nâo teriam tempo hábil para ler os votos dos relatores antes da sessão de julgamento, o que tor naria o esforço inútil. 2. A distribuição prévia poderia levar muitos ministros a acompanhar o re­ lator por simples inércia. 3. Poderia, ainda, haver uma excessiva pótencialização do poder do ministro relator. 4. Ademais, a prévia distribuição po deria ensejar o julgamento (informal) antes mesmo da sessão de julga mento'57.

535. Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. "Um voto qualquer?1!... p. 192. 536. Vale salientar que, à luz do que coloca Virgílio, esse argumento foi colocado por um dos ministros “sem atribuir à prática nenhum efeito, como se ela fosse apenas o resultado neutro de um estudo mais detido sobre uma deter­ minada matéria". Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. “Um voto qualquer?"..., p. 192. 537. Vale mencionar que esse receio não leva em consideração a possibilidade das sustentações orais dos procurado­ res das partes serem ouvidas em sessão distinta daquela de apresentação do voto do relator e de deliberação. Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. "Um voto qualquer?1!..

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5. Fnalmente, de ordem pessoal (e não institucional), certos ministros argumentam contra a distribuição prévia porque isso permitiría que as opiniões dissidentes elaborassem ar­ gumentos contrários mais robustos do que os do relator.

Quanto à não distribuição prévia do voto do relator

Quanto à incorporação de argumentos contrários no voto do relator

Quanto ao relator para o acórdão

1. Seria necessária a exposição dc un panorama geral acerca do caso e dos argumentos, sob pena de o relator ver seu pape! na deliberação reduzido. Isto c, caso apresente apenas sua opi­ nião, ele perdería sua posição privile­ giada de relator para assumir apenas o papel do ministro que apresenta seu voto em primeiro lugar.

1. Por outro lado, caberia ao relator, justamente, defender seu ponto de vista, de tal forma que a exposição de teses contrárias teria caráter apenas argumentativo, no sentido de au­ mentar o poder de persuasão do voto do relator. 2. Ademais, alguns ressaltam que não se podería obrigar o relator a expor opiniões diferentes da sua, sob pena de "violência intelectual".

1. Parece haver consenso quanto à necessidade da figura do relator para o acórdão. Isso porque nâo se poderia obrigar o relator do caso a escrever a minuta de uma decisão final dissiden­ te, sob pena de' violência intelectual".

1. Poder-se-ia argumentar que essa figura seria um sinal de individualis­ mo, o que seria incompatível com a ideia das decisões serem proferidas pelo STF enquanto instituição - e náo por cada um de seus ministros. Dessa maneira, entende-se que deveria pre­ valecer a função institucional sobre a pessoal

Diante dos dados apresentados, Virgílio Afonso da Silva concluiu que a mudança para o envio do voto do relator com antecedência poderia contribuir para a aproxi­ mação do papel do relator na deliberação do STF com a imagem que se costuma ter dele, isto é, a de um ministro que tem papel preponderante nos processos delibe­ rativo e decisório. Isso em razão de dois motivos. 0 primeiro, porque poderia redu­ zir a prática de leitura de votos (longos, diga-se de passagem) na sessão de julga­ mento. 0 segundo, porque o voto do relator poderia, de fato, atuar como ponto de partida da deliberação, fazendo com que os processos deliberatório e decisório no STF se tornem algo mais do que a simples soma de votos que não dialogam entre si.

19. JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL FRACA E OS NOVOS DESENHOS INSTITU­ CIONAIS: O NOVO MODELO DE CONSTITUCIONALISMO DA COMUNIDADE BRITÂNICA 0 professor da UCLA Stephen Gardbaum afirma em seus estudos que o atual mo­ delo de constitucionalismo da comunidade britânica (The New Commonwealth Model of Constitucionalism) vem se caracterizando por ser um novo desenho institucional 2040

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que vai nos apresentar a intitulada diferença entre o que poderiamos chamar de jurisdição constitucional forte e jurisdição constitucional fraca. Nos seus trabalhos sobre os novos desenhos institucionais, é citada uma famo­ sa passagem, na decisão de Marbury x Madison, atribuída a John Marshall, de que ou os direitos individuais são lei suprema petrificados e aplicados pelo Judiciário, não passível de revisão, ou eles são lei ordinária modificável por mera maioria legislativa: "entre essas duas alternativas não há meio termo" (ou a Constituição é lei suprema não sujeita a alterações por meio ordinário ou se encontra no mesmo nível das leis ordinárias, e, como qualquer outra lei, que pode ser alterada quando o Legislativo bem entender)””.

Em virtude desse debate, entre a supremacia do parlamento ou da Constitui­ ção, com a possibilidade de o judiciário invalidar atos do Legislativo contrários à Constituição, é que no modelo do constitucionalismo norte-americano, historica­ mente, foi tomada a posição pela possibilidade de o Poder Judiciário invalidar atos normativos que conflitassem com a Constituição. É interessante que esse modelo foi adotado em grande parte da Europa ocidental após 1945 (e até mesmo na Europa central e oriental após 1989). Com isso, paulatinamente, em vários países do mundo, nos últimos 200 anos, observamos a passagem de uma supremacia do Legislativo para uma supremacia constitucional, que deu poderes ao Judiciário para invalidar atos normativos incompatíveis com a Constituição.538 539 A isso poderiamos chamar de jurisdição constitucional forte. A tese de Gardbaum é justamente a de que 0 Chief Justice Marshall estaria equi­ vocado, pois existiría, sim, um "meio-termo". Não obstante, 0 retumbante sucesso do modelo norte-americano no mundo, recentemente, vamos assistir ao surgimento de um novo modelo de constitucionalismo que irá nos apresentar novos desenhos institucionais e, com isso, demonstrar que não há uma separação rígida e excluden­ te entre a supremacia do parlamento e a supremacia da Constituição via Poder Judiciário.540

Conforme Gardbaum, "entre 1982 e 1998, três países da Comunidade Britâni­ ca, 0 Canadá, a Nova Zelândia e 0 Reino Unido - países que estiveram anterior­ mente entre os últimos bastiões democráticos da supremacia legislativa tradicio­ nal - adotaram declarações de direitos e garantias que se afastavam de maneira autoconsciente do modelo norte-americano e buscavam reconciliar e equilibrar as

538. GARDBAUM, Stephen. O Novo Modelo de Constitucionalismo da Comunidade Britânica, p. 160,2010. 539. GARDBAUM, Stephen. O Novo Modelo de Constitucionalismo da Comunidade Britânico, p.160,2010. 540. GARDBAUM. Stephen. O Novo Modelo de Constitucionalismo da Comunidade Britânica, p.160, 2010. "De acordo com a supremacia legislativa, o parlamento não é de forma alguma juridicamente limitado; seus atos legislativos constituem a forma mais elevada de lei conhecida no sistema juridico; não há qualquer lei que não posso ser emendada ou revogada por maioria simples e nenhuma outra instituição tem o poder de questionar a validade de quaisquer de seus atos legislativos. De acordo coma supremacia do Judiciário esse tem o poder de anular e in­ validar a legislação que considere em conflito com um conjunto especifico de direitos e liberdades fundamentais que tenha um status de lei Supremaip, 171-172,2010.

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reivindicações opostas para criar um meio termo entre elas, em vez de adotar uma transferência indiscriminada de um polo para o outro." Demonstra Gardbaum que nesse novo modelo (desenho institucional), que poderiamos chamar de jurisdição constitucional fraca, embora "os Tribunais detenham poder de proteger direitos ocorre a desvinculação do controle de constitucionalidade da supremacia judicial ao dar poderes aos parlamentos de terem a última palavra."541

Nesse sentido, as características que definiríam esse novo modelo seriam: 1) ter uma carta de direitos jurídica; 2) dotar 0 Poder Judiciário, de alguma forma, com 0 poder de valorizar/efetivar esses direitos, avaliando a legislação e outros atos governamentais da perspectiva de sua adequabilidade a esses direitos e/ou a consistência com esses direitos; 3) dotar 0 Poder Legislativo do poder da última palavra sobre 0 que 0 direito é, por meio de maioria ordinária. Aqui, enquanto as duas primeiras características distinguiriam 0 novo modelo do tradicional da supremacia legislativa a terceira característica se distinguiria do modelo tradicio­ nal da supremacia judicial. Em última escala, podemos dizer que a grande inova­ ção desse novo desenho institucional é 0 de assegurar a existência da jurisdição constitucional, na presunção de essa pode promover a proteção de direitos, sem, contudo, recair necessariamente na supremacia judicial. Aqui resta claro que, para Gardbaum, a vantagem desse novo modelo, estaria em que os direitos seriam mais bem protegidos em locais em que abandonássemos a tradicional (e radical) supre­ macia legislativa, sem implicar na necessidade de recairmos na supremacia judicial para tal proteção.542 Com isso, ele defende que 0 novo modelo teria um potencial maior de envolver os três Poderes estatais na proteção de direitos (um maior dia­ logo entre eles seria desenvolvido), além de criar nos cidadãos uma consciência a respeito desses direitos, produzindo uma cultura de direitos que se opera de baixo para cima (ground up).

Mas como podemos explicitar esse modelo, em que se objetiva uma relação mais equilibrada entre 0 judiciário e 0 parlamento, desenvolvida por esses novos desenhos institucionais? Nossa proposta é analisar a jurisdição constitucional fraca numa ordem cronológica (1982-1998) passando pela vertente do Canadá (1), da Nova Zelândia (2) e do Reino Unido (3):

(1) Canadá: Em 1982 foi promulgada no Canadá a Carta de Direito e Liberdades, formando a parte 1 da Lei da Constituição de 1982. Com isso, 0 Canadá passou a

541. GARDBAUM, Stephen. O Novo Modelo de Constitucionalismo da Comunidade Britânica, p.161,2010. 542. GARDBAUM, Stephen. O Reassessing the new Commonwealth modelo of Constitutionalism, p.169-174, 2010. No que diz respeito à crítica aos modelos tradicionais, advoga Gardbaum que o da supremacia judicial possui o pro­ blema do déficit democrático, dado ao fato do pluralismo razoável somado ao reconhecimento da última palavra ao poder judiciário, bem como ao estímulo á debilidade no debate sobre direitos no âmbito do poder Legislativo (por não ter a palavra final sobre as questões de direito, tais instituições culminam por ser influenciadas a não enfrentar seriamente a temática). No que diz respeito ao modelo da supremacia legislativa, há sempre o risco do desenvolvimento de patologias que consubstanciem pontos cegos não percebidos pelas instituições políticas representativas, afetos às minorias políticas.

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possuir uma Declaração de Direitos de estrutura constitucional. E, com base nesse documento, o Poder Judiciário possuiria poderes para realizar o controle dos atos estatais em face dos direitos previstos nele. Mas então o Canadá abandonou a tradicional supremacia do parlamento e se enveredou pelo modelo norte-ameri­ cano da supremacia judicial? A resposta aqui é negativa. Certo é que esse modelo apresentará um diferencial constante, segundo Gardbaum, na cláusula do nâo obs­ tante (notwithstanding clause) presente na seção 33 da declaração de direitos. Essa seção declara que 0 parlamento nacional ou legislativo de uma província pode expressamente declarar que uma lei do parlamento nacional ou do legislativo de uma província pode vigorar não obstante os direitos presentes na declaração de direitos (na seção 2 ou nas seções 7 a 15 da cana). Essa legislação poderia vigorar por 5 anos. Com isso, essa lei ficaria imunizada de uma decisão do Poder Judiciário de incompatibilidade dela mediante a declaração de direitos. Ou seja, 0 parlamen­ to nacional ou das províncias podia, com base nessa cláusula, anular os efeitos da declaração de direitos (no que tange a uma determinada legislação) por um pe­ ríodo sempre renovável de 5 anos. Cardbaun afirma ainda que a seção 33 também permitiría uma imunização prévia de disposições legislativas contra 0 controle de constitucionalidade em relação à carta de direitos. Portanto, a conclusão é a de que a seção 33 deixaria ao Legislativo a última palavra nas questões sobre os direitos previstos na carta.543 (2) Nova Zelândia: A Nova Zelândia possui uma carta de direitos na Declaração de Direitos e Garantias da Nova Zelândia (LDDNZ) de 1990. Esse diploma normati­ vo, conforme preleciona Gardbaum, não possui estatura constitucional. Embora ela seja considerada uma lei ordinária, a seção 4 da carta não permite que 0 Poder Judiciário declare qualquer lei, anterior ou posterior à carta de direitos, destituída de eficácia se incompatível com ela.544 Nesses termos, não é possível a invalidação de atos normativos do poder legislativo pelo Poder Judiciário por contrariedade aos direitos previstos na carta. Mas 0 que 0 Poder Judiciário poderia realizar? A resposta estaria na seção 6 da carta de direitos que determina a obrigatoriedade de os tribunais, sempre que possível adotar com preferência uma interpretação

543. GARDBAU M, Stephen. O Novo Modelo de Constitucionalismo da Comunidade Britânica, p.176-178,2010. A seção 33 foi projetada como uma solução conciliatória entre a tradicional soberania parlamentar e o modelo do constitu­ cionalismo norte-americano. (...) A Lei da Constituição e Carta de Direitos adotaram características essenciais do modelo norte-americano: (1) direitos fundamentais com o status de lei suprema; (2) petrificados contra emenda ou revogação por maioria legislativas simples e (3) aplicadas por tribunais detentores do poder do judicial review. A solução conciliatória obtida por aqueles que eram contra o completo abandono da supremacia parlamentar e que foi projetada para evitar a adoção desse modelo é a disposição contida na seção 33 da Carta. Embora, é bom que se diga, que, conforme explicitou Gardbaum, a cláusula do não obstante (da seção 33) até agora foi pouquissimamente utilizada no Canadá. 544. GARDBAUM, Stephen. O Reassessing the new Commonwealth model of Constitutionalism, p. 183-185,2010. A seção 4 proíbe expressamente que os tribunais invalidem qualquer lei por incongruência com os direitos contidos na seção 1 e, de maneira específica, elimina a regra que, do contrário, seria normal, de que leis anteriores conflitan­ tes são tacitamente revogadas pelos direitos contidos na Declaração de Direitos subsequente. Neste sentido, sua força jurídica é menor do que aquela de uma lei ordinária, em vez de ser maior, como acontece com a Carta canadense.

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dos atos normativos que seja compatível com os direitos garantidos na carta. Ou seja, haveria uma imposição, nos termos da seção 6, de um dever aos tribunais de, sempre que possível, interpretar todas as leis de modo consistente com o contido na Declaração de Direitos (LDDNZ). Percebemos aqui que a carta acaba sendo uma legislação estrutural que diz como outras leis devem ser interpretadas, daí seu caráter de ser uma declaração de direitos mais interpretativa do que anulatória (como a carta canadense). Conforme Gardbaum, a Declaração de Direitos acaba por proteger Direitos nela contidos por intermédio do dever interpretativo que im­ pões aos tribunais de acordo com a já citada seção 6. Isso gera inclusive um custo político ao parlamento no caso de promulgar atos normativos que explicitamente viole direitos (custo da violação dara a direitos). Embora, é bom que se diga, que a já citada seção 4 protege a soberania parlamentar ao declarar que legislação incongruente não pode ser invalidada pelos tribunais. Nesses termos, a "LDDNZ protege uma versão particularmente forte de soberania popular no sentido de que não pode haver questionamento da validade de uma lei do parlamento - ela de fato, entende Gardbaum, transfere poderes importantes para os tribunais de modo a proteger direitos fundamentais, quais sejam: 0 poder de controlar 0 significado das leis de uma maneira não encontrada nos cânones de interpretação jurídica."545

(3) Reino Unido: Entrou em vigor no Reino Unido em 2 de outubro de 2000 a Lei de Direitos Humanos - LDH (Human Rights Act) que implicou na incorporação da Con­ venção Européia de Direitos Humanos ao direito interno. Essa lei, segundo Gardbaum, foi descrita como um momento decisivo na história constitucional e legal do Reino Uni­ do. Aqui, 0 dilema descrito por Gardbaum foi 0 de que uma declaração de direitos na forma de lei ordinária estaria propensa a não garantir de forma suficiente os direitos nela previstos, e por outro lado, uma proteção maior com um status dife­ renciado a declaração seria algo problemático (se não impossível) de acordo com a tradicional soberania parlamentar do constitucionalismo britânico, a qual sustenta que 0 Parlamento pode fazer ou desfazer qualquer lei acerca de qualquer assunto e que nenhum tribunal é competente para questionara validade de uma lei devidamente promulgada.546547 Mas aqui esse problema foi de forma bastante equilibrada por meio da seção 4 da LDH. De acordo com a seção 4, 0 Poder judiciário (tribunais superio­ res) se estiver convencido de que determinada legislação entre em conflito com os Direitos da Convenção poderá emitir uma “declaração de incompatibilidade" (de in­ compatibilidade do dispositivo normativo para com a Convenção de Direitos da UE)W.

545. GARDBAUM, Stephen. O Novo Modelo de Constitucionalismo da Comunidade Britânica, p.184 185,2010. 546. GARDBAUM, Stephen. O Novo Modelo deConstitucionalismo da Comunidade Britânica, p,188-189,2010.0 interes­ sante aqui é que para Gardbaum em termos jurídicos os Direitos da Convenção nâo são Lei Suprema com força normativa mais elevada do que uma lei ordinária, visto que uma lei declarada incompatível com os direitos da convenção continuaria a ter plenos efeitos jurídicos. Porém, existem características e implicações da LDH que dão aos direitos da Convenção maior proteção jurídica do que aos direitos contidos em leis ordinárias tvidea seção 3 e 4 da LDH a seguir trabalhadas). Sobre o tema ver, p.l 90 96,2010. 547. GARDBAUM, Stephen. O Novo Modelo de Constitucionalismo da Comunidade Britânica, p.l 88-189,2010. é interes­ sante que, na seção 3, a LDH cria a obrigação dos tribunais interpretarem a legislação de modo consistente com

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Porém, é bom que se diga que não obstante essa declaração de incompatibilidade nenhum tribunal (nem superior nem inferior) tem o poder de invalidar ou rejeitar tal legislação, que continuará em pleno vigor e validade.548 Além disso, é importante afir­ mar que essa declaração de incompatibilidade não cria qualquer obrigação jurídica para o parlamento nem para o governo de responder de qualquer forma que seja, mas concede poderes ao ministro pertinente (ligado aquele tema) para criar uma ordem de reparação, permitindo que esse ministro emende a legislação declarada in­ compatível e submeta a questão ao parlamento para sua apreciação (o parlamento pode com isso emendar ou revogar tal legislação, se entender adequado).54'1 Aqui, apesar de não ser obrigatória a atuação do parlamento, certo é que já é um grande avanço em relação à tradicional soberania parlamentar britânica, visto que o novo modelo, coloca um ônus no parlamento (perante o judiciário e toda a sociedade interna e externa) caso ele deseje agir de forma contrária a um direito da Conven­ ção de Direitos, e isso, leciona Gardbaum, pode ser um preço que o parlamento e o governo podem não estar dispostos a pagar.550 Por último, sobre a Convenção Européia de Direitos Humanos e a participação do Reino Unido na União Européia, temos que a Suprema Corte britânica decidiu recentemente que o Reino Unido só pode deixar a União Européia com o aval dos parlamentares. No julgamento anunciado em 24.01.2017, os juizes consideraram que 0 referendo de junho de 2016 foi apenas uma consulta popular e cabe agora ao Parlamento votar se abandona 0 bloco europeu ou não.551

548. 549. 550.

551.

os direitos protegidos tanto quanto possível; nos casos em que nào seja possível essa interpretação o Judiciário, conforme citado, na seção 4 poderá promover a declaração de incompatibilidade. GARDBAUM, Stephen. O Novo Modelo de Constitucionalismo da Comunidade Britânica, p.190,2010. GARDBAUM, Stephen. O Novo Modelo de Constitucionalismo da Comunidade Britânica, p. 190,2010. GARDBAUM, Stephen. O Novo Modelo de Constitucionalismo da Comunidade Britânica, p. 196,2010. "Assim a LDH envolve uma mescla e uma divisão de poderes muitos interessantes entre os tribunais e os legislativos no que concerne á tutela aos direitos da Convenção. Seja ou não essa engenhosa divisão da função do controle de cons­ titucionalidade entre os tribunais e parlamento tecnicamente consistente com a soberania parlamentar, como alega o governo, o poder político transferido aos tribunais mais elevados do judiciário, e, sem dúvida, um passo radical no contexto da cultura jurídica e constitucional britânica '. O processo que forçou a análise do Parlamento foi iniciado pelo brasileiro Deir dos Santos e pela britânica Gina Miller. A decisão, tomada por 8 votos a 3, é definitiva. Nesses termos, o governo não tem mais saída: terá agora de levar o tema para votação parlamentar. Entre os argumentos aceitos pela Suprema Corte, está o de que a saída da União Européia vai provocar uma mudança na legislação nacional e a supressão de direitos de residentes no Reino Unido e isso só poderia ser realizado pelo Legislativo.

2045

21 Da Ordem Econômica e da Ordem Social Sumário: 1.0 Conceito de "Ordem" - 2. A Ordem Econômica: 2.1. A Ordem Econômica e a Consti­ tuição Econômica; 2.2. A Ordem Econômica na Constituição brasileira de 1988; 23. princípios da Ordem Econômica; 23.1, Função social da propriedade urbana/rural; 23.2. Livre concorrência; 233. Defesa do consumidor; 2.4. A política urbana; 2.4.1. Desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana; 2.5. A política agrícola e fundiária: 2.5.1. Desapropriação para fins de Reforma Agrária - 3. A Ordem Social: 3.1. A seguridade social: 3.1.1. Saúde; 3.1.2. Pre­ vidência social e sua recente reforma pela Emenda Constitucional n» 103/2019; 3.13. Aposentado ria voluntária no regime geral de previdência social; 3.1.4. Aposentadoria voluntária no regime próprio de previdência social da união; 3.1.5. Outras formas de aposentadoria; 3.1.6. Pensão por morte; 3.1.7. Consideraçãoes finais 3.1.8. Assistência sodal 3.2. A educação, a cultura e 0 des porto; 33. A ciência e tecnologia; 3.4. A comunicação social; 3.5.0 meio ambiente; 3.6. A família, a criança, 0 adolescente, 0 jovem e 0 idoso; 3.7. Os Quilombolas; 3.8. Os Índios.

1. O CONCEITO DE "ORDEM" A escolha da Terminologia "ordem" por parte do Constituinte de 1988 visa de­ signar uma estrutura organizada, uma seleção de elementos integrantes de um conjunto que se destina a uma finalidade específica.12Por isso, se por um lado é possível vislumbrar num primeiro momento uma preocupação com a compatibili­ dade dos elementos formadores (de caráter estático), em outro, posteriormente, destaca-se um caráter dinâmico, voltado para a persecução dos objetivos (metas) fixados. Por essa razão, mais que coerência, a noção de ordem trazida pela Cons­ tituição se mostra como um projeto - um lançar-se ao futuro - na busca por uma sempre constante melhoria e progressão. 2. A ORDEM ECONÔMICA A partir das reflexões trazidas, fica fácil compreender a Ordem Econômica como um "conjunto de elementos compatíveis entre si, ordenadores da vida econômica de um Estado, direcionados a um fim".3 Mas qual seria tal fim? Segundo a própria Constituição de 1988, a garantia da vida digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170). Mas aqui cabe um aler­

ta, pois tal finalidade não é uma tarefa fácil se levarmos em conta todo 0 processo de avanço do capitalismo e do individualismo nas sociedades contemporâneas.

1. 2.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 1.057. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de Direito Constitucional, p. 1.057.

2047

Bernardo Gonçalves Fernandes

Por isso, tal fim é, antes de qualquer coisa, dependente de um plano de distri­ buição de riquezas. Para tanto, a Constituição vem munida de normas que podem viabilizar tal objetivo, com destaque para os direitos sociais, já estudos por nós anteriormente.

Importante a observação de Vital Moreira/ para quem a noção de Ordem Eco­ nômica traz um duplo sentido: se por um lado designa o conjunto de normas que estruturam e determinam as relações econômicas, estabelecem diretivos que atuam no plano do dever-ser (no alemão, solen); por outro, a mesma expressão é utilizada para designar um conjunto de práticas econômicas concretas, e, portanto, ligadas ao plano do ser (no alemão, sein).

Dentro da história do constitucionalismo, José Afonso da Silva3 45destaca que a matéria adquiriu relevância jurídico-constitucional a partir de 1917, quando as Constituições dos Estados passaram a disciplinar 0 tema. No Brasil, 0 primeiro texto constitucional a dispor sobre a Ordem Econômica foi a Constituição de 1934, sob fortes influências da Constituição alemã de Weimar. Importante, ainda, acla­ rar que isso não pode ser confundido como um início de "socialização", já que em momento algum se perdeu de vista 0 fato de que a ordem jurídica brasileira era eminentemente capitalista (apoiada na propriedade privada dos meios de produção). 2.1. A Ordem Econômica e a Constituição Econômica

Uma vez que as Constituições, a partir da década de 1917, passaram a trazer em seus textos normas sobre direitos sociais e econômicos, gradativamente, tal disciplina passou a fixar contornos mais amplos, demonstrando uma normatividade da questão (econômica) que não se encontrava restrita ao âmbito do direito públi­ co, mas que caminhava para a ordenação de relações de natureza privada/ Após a crise econômica de 1929, com mais afinco se buscou normas constitucionais para regulação das relações econômicas.

Assim, passou-se a falar em uma Constituição Econômica e de um direito públi­ co de natureza econômica, a fim de sistematizar tal ordem e dar-lhe estabilidade.67 Os estudiosos passaram, então, a referir-se à Constituição Econômica como um "conjunto de normas constitucionais que têm por objeto a disciplina jurídica do fato econômico e das relações principais dele decorrentes"/ e, assim, não a confundir

3. 4. 5.

6. 7.

2048

MOREIRA, Vital, A ordem jurídica do capitalismo, p. 67-71. SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo, p. 786. BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988, p. 13-14; MENDES, Gilmar Ferreira et al., Curso de direito constitucional, p. 1.288. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 1.058. CUNHAJÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional, p. 1.058; MARINHO, Josaphat, Constituição econômico, p. 4.

Da Oroem Econômica

e da

Ordem Social

com a Constituição Política, mas sendo aquela uma parte desta e a esta submetida.8 Por isso, a Constituição Econômica não pode ser lida à parte dos princípios demo­ cráticos e nem dos princípios do Estado de Direito. Importante, ainda, o lembrete de que as normas constitucionais sobre o tema não esgotam a disciplina, o que leva os autores a distinguirem a Constituição Econô­ mica material - entendido aqui o núcleo essencial de normas que regem e discipli­ nam o sistema, fixando os princípios básicos das instituições de natureza econômi­ ca, estando tais normas presentes ou não no texto constitucional - da Constituição Econômica formal - aqui como sendo exclusivamente as normas que integram o texto constitucional sobre o tema.910

Gilberto Bercovici1'' lembra que as determinações da Constituição Econômica se enquadram no rol definido pelas normas programáticas (ou, como quer Canotilho, dirigentes), já que traça para o Estado um conjunto de tarefas e de políticas a serem realizadas a fim de que certos objetivos sejam alcançados. 2.2. A Ordem Econômica na Constituição brasileira de 1988

Mesmo que a Ordem Econômica brasileira seja fundada na liberdade de iniciati­ va econômica, garantindo o direito de propriedade privada dos meios de produção - típico dos modelos capitalistas a Constituição de 1988 institui diversos princípios sob os quais se subordinam e limitam 0 processo econômico, a fim de que, com isso, se possa direcioná-lo para a persecução do bem-estar de toda a sociedade, notadamente na melhoria da qualidade de vida. É por isso que podemos afirmar que a legitimidade de qualquer atividade eco­ nômica se condiciona à realização, principalmente, da dignidade humana (art. 170). Para tanto, conjuga um modelo capitalista a um perfil intervencionista de Estado, em três formas;

• Direta: por meio do art. 173, como medida excepcional, 0 Estado poderá explorar determinada atividade econômica quando necessário aos imperativos da segurança nacional ou quando referente a elevado interesse coletivo, a ser defi­ nido em lei. Assim, 0 Estado fará uso das empresas públicas e das sociedades de

8.

9. 10.

Para Vital Moreira (A ordem jurídica do capitalismo, p. 41), a Constituição Econômica é um 'conjunto de preceitos e instituições jurídicas que. garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, ins­ tituem uma determinada forma de organização e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica; ou, de outro modo, aquelas normas ou instituições jurídicas que, dentro de um determinado sistema e forma econômicos, que garantem e (ou) instauram, realizando uma determinada or­ dem econômica concreta"; no mesmo sentido CUNHA JÚNIOR, Dirleyda, Curso de direito constitucional, p. 1.059. SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo, p. 791. BERCOVICI, Gilberto, Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988, p. 33-34.

2049

Bernardo Gonçaivfs Fernandes

economia mista”, como pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Admi­ nistração Pública indireta.”

Nesses termos, conforme a doutrina, a Empresa pública é uma entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei e com patrimônio próprio, cujo capital social é integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo DF ou pelos Municípios. Já a Sociedade de economia mista é também uma entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação au­ torizada por lei, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração indireta.11 13 12 Por força do art. 37, XIX, da CR/88, apenas lei específica poderá autorizar a ins­ tituição de uma empresa pública ou de uma sociedade de economia mista, ficando também subordinadas à autorização legislativa a criação de subsidiárias (art. 37, XX, da CR/88).14

RE 599.628/DF, julg. 25.05.2011: Financeiro. Sociedade de economia mista. Pagamento de valores por força de decisão judicial. Inaplicabilidade do regime de precatório, art. 100 da Constituição. Constitucional e proces­ sual civil. Matéria constitucional cuja repercussão geral foi reconhecida. Os privilégios da Fazenda Pública são inextensíveis às sociedades de economia mista que executam atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas. Portanto, a empresa Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. - Eletronorte não pode se beneficiar do sistema de pagamento por precatório de dividas decorrentes de decisões judiciais (art. 100 da CR/88). Porém, já decidiu o STF que: As sociedades de economia mista prestadoras de serviço público de atuação própria do Estado e de natureza não concorrencial submetem-se ao regime de precatório. STF. Plenário. ADPF 387/PI, Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. em 23.03.2017 (Informativo 858). Ia Turma. RE 627242 AgR. Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Min. Roberto Barroso, julg. em 02.05.2017. STF. 2* Turma. RE 852302 AgR/AL, Rel. Min. Dias Toffoli, julg. em 15.12.2015. Ver também a Lei n° 13.303 de 30.06.2016 que dispõe sobre o Estatuto jurídico da empreso pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municipios. 12. RE 589.998/PI julg. em 20.03.2013: "Os empregados públicos não fazem jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, salvo aqueles admitidos em período anterior ao advento da EC n° 19/1998. Precedentes. II - Em atenção, no entanto, aos principios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso público, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa, lll - A motivação do ato de dispensa, assim, visa resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade por parte do agente estatal investido do poder de demitir. IV - Recurso ex­ traordinário parcialmente provido para afastar a aplicação, ao caso, do art. 41 da CF, exigindo-se, entretanto, a motivação para legitimar a rescisão unilateral do contrato de trabalho". STF. Plenário. Rel. Min. Dias Toffoli. No mesmo sentido: ADI 4284 RR julg. em 09.04.2015. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Porém, o STF revê o posicio­ namento desse acórdão em 2018, especificando que a decisão foi apenas para os correios: A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) tem o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados. STF. Plenário. RE 589998 ED/PI, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 10.10.2018 (repercussão geral) (Info 919) Quanto às demais empresas públicas e sociedades de economia mista, o STF afirmou que ainda não decidiu o tema, ou seja, terá que ser analisado caso a caso. Assim, por enquanto, essa decisão, ao menos formalmente, só se aplica para os Correios. 13. Dl PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo. Ed. Atlas, 2009. 14. "Violação do art. 173, § 1uda Constituição. Reserva de Lei Federal para dispor sobre direito comercial. Viola a re­ serva de lei para dispor sobre norma de direito comercial voltada à organização e estruturação das empresas públicas e das sociedades de economia mista norma constitucional estadual que estabelece número de vagas, nos órgãos de administração das pessoasjurídicas, para ser preenchidas por representantes dos empregados" (ADI 238, julg. em 24.02.2010, Rel. Min. Joaquim Barbosa). Já na AD1144 julg. em 19.02.2014, o STF decidiu que: os Estados-mem­ bros náo poderíam impor obrigações de natureza civil, comercial ou trabalhista às empresas públicas e às sociedades

11.

2050

Da Ordem Econômica

e da

Ordem Social

Como a criação das empresas estatais necessita de uma lei prévia autorizando, prevalece o entendimento de que, em razão do paralelismo (simetria) das formas, a extinção das empresas estatais também deve ser precedida de autorização legis­ lativa.

É importante salientar também que a Subsidiária é uma empresa controlada pela empresa pública ou pela sociedade de economia mista e que é criada para atuar em ramos específicos. Um exemplo recorrente é o da Petrobras que é uma sociedade de economia mista que possui inúmeras subsidiárias (como a BR Distri­ buidora). Como já observamos, para a criação de uma subsidiária, a CR/88 também exige a edição de lei autorizativa. No entanto, a doutrina e o STF, interpretando esse dispositivo, afirmam que a criação das subsidiárias não precisa de autorização legislativa específica. Basta uma autorização genérica que pode estar na lei que autorizou a criação da empresa estatal matriz.15 Sobre o tema em comento, o STF enfrentou um importante hard case em 2019, no julgamento da ADI 5624 MC- Ref/DF. A Lei n° 13.303/2016 é um estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias e se aplica às empresas públicas e socieda­ des de economia mista que explorem atividade econômica; ou que se dediquem à prestação de serviços públicos. Essa referida lei trouxe novas hipóteses de licitação dispensável em seu previstas no art. 29. Essas hipóteses se aplicam para as empre­ sas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, nos termos do art. i° da Lei n° 13.303/2016. Pois bem, 0 art. 29. Afirmou que: É dispensável a realização de licitação por empresas públicas e sociedades de economia mista: (...) xvm - na compra e venda de ações, de títulos de crédito e de dívida e de bens que produzam ou comercializem.

Em 2017, 0 Presidente da República, com base na dispensa de licitação prevista neste art. 29, XVIII, da Lei n° 13.303/ 2016, editou o Decreto n« 9.188/2017 instituindo 0 regime especial de desinvestimento de ativos das sociedades de economia mis­ ta. Este regime teve como objetivo alienar ativos pertencentes às sociedades de economia mista federal. Essa alienação pode ser descrita como qualquer forma de

de economia mista, porquanto sujeitas ao regime das empresas privadas (Violação ao art.22,1 da CR/88). Porém, já decidiu o STF na ADI 232/RJ julg. em 05.08.2015, que Constituição Estadual pode prever que é proibido que os servidores estaduais substituam trabalhadores de empresas privadas em greve. Informativo 793 do STF: "O Plenário, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta e declarou a constitucionalidade do art. 77, XXIII, da Constituição do Estado do RJ (XXIII - ressalvada a legislação federal aplicável, ao servidor público estadual é proibido substituir, sobre qualquer pretexto, trabalhadores de empresas privadas em greve)". 15. (...) 2. É dispensável a autorização legislativa para a criação de empresas subsidiárias, desde que haja previsão para esse fim na própria lei que instituiu a empresa de economia mista matriz, tendo em vista que a lei criadora é a própria medida autorizadora. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. AD11649, STF. Plená­ rio. Rel. Min. Maurício Corrêa, julg. em 24.03.2004

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Bernardo Gonçalves Fernandes

transferência total ou parcial de ativos para terceiros.16 Pois bem, foram propostas ADIs contra o art. 29, XVIII, da Lei n° 13.303/2016 e o Plenário do STF julgou a medida cautelar em 05 e 06.06.2019.

0 Plenário, em voto médio, referendou parcialmente medida cautelar anterior­ mente concedida em ação direta de inconstitucionalidade, para conferir ao art. 29, caput, XVIII, da Lei 13.303/2016 interpretação conforme à Constituição Federal, nos seguintes termos: 1) a alienação do controle acionário de empresas públicas e socie­ dades de economia mista exige autorização legislativa e licitação17; e 2) a exigência de autorização legislativa, todavia, não se aplica à alienação do controle de suas subsidiárias e controladas. Nesse caso, a operação pode ser realizada sem a ne­ cessidade de licitação, desde que siga procedimentos que observem os princípios da administração pública inscritos no art. 37 da CR/88. Assim sendo entendeu 0 STF que: a) 0 art. 37, XIX, da CR/88, afirma que so­ mente por lei específica poderá ser autorizada a instituição de empresa pública ou de sociedade de economia mista; b) a alienação do controle acionário de empresas públicas ou de sociedades de economia mista é equiparada à extinção da empresa pública ou da sociedade de economia mista; c) por força do paralel­ ismo das formas, somente por lei poderá ser autorizada a extinção de empresa pública ou de sociedade de economia mista; d) logo, somente por lei poderá ser autorizada a alienação do controle acionário de empresa pública ou de sociedade de economia mista.18 Já para às subsidiárias e controladas o STF decidiu que não

Os ativos que o Governo pretendia alienar (vender) sem fazer licitaçao seriam: unidades operacionais pertencentes às sociedades de economio mista (ou suas subsidiárias); estabelecimentos pertencentes às sociedades de economia mista (ou suas subsidiárias); direitos e participações da sociedade de economia mista em outras sociedades. In: Dizer o Direito, Maio de 2019. (Inf.943) 17. Para o Min. Ricardo Lewandowski, a alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, é urna forma clássica de privatização. Isso porque se o Poder Público perde o controle acionário da entidade, ou seja, se o controle acionário da sociedade de economia mista passa para a iniciativa privada, essa entidade deixa de ser uma sociedade de economia mista. Na sociedade de economia mista, as ações com direito a voto devem per­ tencer, em sua maioria, ao Poder Público. Assim, como a perda do controle acionário é equiparado á extinção da sociedade de economia mista, essa operação precisa de autorização legislativa. O STF possui, portanto, julgados afirmando ser imprescindível a autorização legislativa para que ocorra a transferência do poder de controle de sociedades de economia mista. Nesse sentido: (...) 3.“No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 234/RJ, ao apreciar dispositivos da Constituição do Rio de Janeiro que vedavam a alienação de ações de socieda­ des de economia mista estaduais, o Supremo Tribunal Federal conferiu interpretação conforme à Constituição da República, no sentido de serem admitidas essas alienações, condicionando-as à autorização legislativa, por lei em sentido formal, tão-somente quando importarem em perda do controle acionário por parte do Estado. Naquela assentada, se decidiu também que o Chefe do Poder Executivo estadual nào poderia ser privado da competência para dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual." (ADI 1348/RJ, DJe 7/3/2008). 4. A autorização legislativa exigida “há de fazer-se por lei formal, mas só será necessária, quando se cuide de alienar o controle acionário da sociedade de economia mista’ e demais estatais. (ADI 234 QO/RJ, DJe de 9/5/1997). (...) STF Plenário. AD11703, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 08/11/2017. 18. Conforme o Rel. Ricardo Lewandowski: O Estado não pode abrir mão da exploração de determinada atividade econômica, expressamente autorizada por lei, sem a necessária participação do Parlamento, porque a decisão nâo compete apenas ao chefe do Poder Executivo. Importante esclarecer que é plenamente possível a venda de par­ te das ações na Bolsa de Valores. Contudo, a alienação do controle acionário precisa de lei autonzativa e de processo licitatório. In: Dizer o Direito, Maio de 2019. 16.

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Da Orpem EconO.mica

e da

Ordem Social

se exige autorização legislativa para a alienação do controle das subsidiárias e das controladas pertencentes às empresas públicas ou sociedades de economia mista. Além disso, a alienação do controle das subsidiárias e das controladas não precisa de prévia licitação, sendo indispensável, no entanto, conforme a ADI 5624, que essa alienação cumpra procedimentos que observem os princípios da admin­ istração pública inscritos no art. 37 da CF/88, respeitada, sempre, a exigência de necessária competitividade.1’

Nesse momento, é importante ressaltar também, que 0 STF já decidiu no RE 892727/DF que não se submetem ao regime de precatório as empresas públicas dotadas de personalidade jurídica de direito privado com patrimônio próprio e autonomia administrativa que exerçam atividade econômica sem monopólio e com finalidade de lucro." Assim, o regime de precatórios é aplicável para as empresas públicas se for uma empresa pública prestadora de serviços públicos. Aqui, embora, em regra, as sociedades de economia mista e as empresas públicas estejam submetidas ao regime próprio das pessoas jurídicas de direito privado, 0 STF tem estendido algumas prerrogativas da Fazenda Pública a determinadas empresas estatais prestadoras de relevantes serviços públicos. Como exemplos, temos: Correios (ECT), Casa da Moeda, Infraero e companhias estaduais de sanea mento básico (nas hipóteses em que 0 capital social seja majoritariamente público e 0 serviço seja prestado em regime de exclusividade e sem intuito de lucro).” • Indireta: tomando por base 0 art. 174 da CR/88 e estabelecendo a regra ge­ ral. Aqui, 0 Estado não se assume como um agente econômico, mas, sim, como um agente normativo regulador da atividade.” Logo, não poderá ser considerado um partícipe no jogo de mercado, mas um sujeito acima, que fixa as normas para que o jogo seja jogado e fiscaliza sua observância.

Contudo, nesse tema, devemos ficar atentos ao modo como 0 Estado intervém devido aos impactos positivos ou negativos que a intervenção pode gerar. Em re­ cente decisão sobre a fixação de preços para 0 setor sucroalcooleiro, 0 STF no Al 777.361, reiterou mais uma vez que fere 0 princípio da livre iniciativa a fixação de preços em valores abaixo dos reais devendo ser reconhecida a responsabilidade objetiva da União em face do ato estatal que fixou os preços dos produtos sucroalcooleiros em valores inferiores ao levantamento de custos realizados pela Funda­ ção Getúlio Vargas.23

19. 20. 21.

22. 23.

ADI 5624 MC-Ref/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 05 e 06.06.2019 (Informativo 943). STF. 1 “ Turma. RE 892727/DF, red. p/ o ac. Min. Rosa Weber, julgado em 07.08.2018 (Informativo 910). Exemplo: A Casa da Moeda do Brasil executa e presta serviço público mediante outorga da União. A CF/88 conferiu a ela, em regime de monopólio, o encargo de emitir moeda (art. 21, VII). Em razão disso, o STF atribuiu à Casa da Moeda as prerrogativas de Fazenda Pública, como imunidade tributária e execução pelo regime de precatórios. STF. 1 “ Turma. RE 1009828 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julg em 24.08.2018. SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo, p. 806. Al 777.361 Rel. Min. DiasToffoli, Julg. em 26.06.2012.Também: Al 632644 Rel. Min Luiz Fux. DJ: 10.05.2012.

2053

Bernardo Gonçalves Fernandes

Aqui, é interessante citarmos também a figura das Organizações Sociais (OS) e a recente decisão do STF sobre elas. As Organizações Sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, prestadoras de atividades de interesse público e que, por terem preenchido determinados requisitos previstos na Lei n° 9-637/98, recebem a qualificação de "organização social".24 Essas pessoas jurídicas, depois de obter esse título de "organização social", poderão celebrar com 0 Poder Público contrato de gestão25, por meio do qual re­ ceberão incentivos públicos para continuar realizando suas atividades. Conforme 0 art. 1® da Lei n° 9.637/98, "0 Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei."

Certo é que foi ajuizada ADI contra dispositivos da Lei n° 9.637/98 e também contra 0 art. 24, XXIV, da Lei n° 8.666/93, que prevê a dispensa de licitação nas con­ tratações de organizações sociais.

Pois bem, na ADI 1923/DF julgada em 16.04.2015, 0 STF entendeu que as nor­ mas questionadas não eram inconstitucionais, porém deu interpretação conforme à constituição a esses dispositivos nos seguintes termos da ementa: "a) 0 procedi­ mento de qualificação das organizações sociais deve ser conduzido de forma públi­ ca, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do "caput" do art. 37 da CF, e de acordo com parâmetros fixados em abstrato segundo 0 disposto no art. 20 da Lei 9.637/98; b) a celebração do contrato de gestão deve ser conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF; c) as hipóteses de dispensa de licitação para contratações (Lei 8.666/1993, art. 24, XXIV) e outorga de permissão de uso de bem público (Lei 9.637/1998, art. 12, § 30) são válidas, mas devem ser conduzidas de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF; d) Os contratos a serem celebrados pela Organização Social com terceiros, com recursos públicos, sejam conduzidos de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade; e) a seleção de pessoal pelas organizações sociais deve ser con­ duzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada

24.

25.

2054

Essas entidades estào no intitulado "terceiro setor" na qual temos entidades privadas que, mesmo sem integra­ rem a Administração Pública, executam atividades de interesse público (social) e sem fins lucrativos. Assim como os serviços sociais autônomos (sistema *5": SESI, SEN Al, SENAC), as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e as Entidades de Apoio. No contrato de gestão (para alguns, melhor seria: convênio ou termo de colaboração) serão listadas as atribui­ ções, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da organização social. O contrato de gestão deve ser submetido ao Ministro de Estado da área correspondente à atividade fomentada.

f

Da Oroem Econômica e da Ordem Social

entidade20; e f) qualquer interpretação que restrinja o controle, pelo Ministério Pú­ blico e pelo Tribunal de Contas da União, da aplicação de verbas públicas deve ser afastada."’7

Aqui temos também que conforme o RE n° 789.874, julgado em 17.09.2014, "Os serviços sociais autônomos (sistema "s": SESI, SENAI, SENAC etc.), por possuírem natureza jurídica de direito privado e não integrarem a Administração Pública, mes­ mo que desempenhem atividade de interesse público em cooperação com 0 ente estatal, não estão sujeitos à observância da regra de concurso público (art. 37, II, da CR/88) para contratação de seu pessoal". Embora, como já citamos, o STF tenha26 27

Não se aplica às organizações sociais a exigência de concurso público (art. 37, II, da CR/88), embora o STF tenha determinado que as organizações sociais, quando forem contratar seus funcionários, deverão fazer um procedi­ mento objetivo e impessoal. 27. ADI 1923/DF Pleno do STF, julg. em 16.04.2015, Rel.p/ Acórdão Min. Luiz Fux:"L A atuação da Corte Constitucío nal não pode traduzir forma de engessamento e de cristalização de um determinado modelo pré-concebido de Estado, impedindo que, nos limites constitucionalmente assegurados, as maiorias políticas prevalecentes nojogo democrático pluralista possam põr em prática seus projetos de governo, moldando o perfil e o instrumental do poder público con­ forme a vontade coletiva. 2. Os setores de saúde (CF, art. 199. caput), educação (CF, art. 209, caput), cultura (CF, art. 215), desporto e lazer (CF, art. 217), ciência e tecnologia (CF, art. 218) e meio ambiente (CF, art. 225) configuram serviços públicos sociais, em relação aos quais a Constituição, ao mencionar que “são deveres do Estado e da Sociedade" e que são “livres ã iniciativa privada; permite a atuação, por direito próprio, dos particulares, sem que para tanto seja necessária a delegação pelo poder público, de forma que não incide, in casu, o art. 175, caput, da CF. 3. A atuação do poder público no domínio econômico e social pode ser viabilizada por intervenção direta ou indireta, disponibilizando utilidades materiais aos beneficiários, no primeiro caso, ou fazendo uso, no segundo caso, de seu instrumental jurídico para induzir que os particulares executem atividades de interesses públicos através da regulação, com coercitivida de. ou através do fomento, pelo uso de incentivos e estímulos a comportamentos voluntários. 4. Em qualquer caso, o cumprimento efetivo dos deveres constitucionais de atuação estará, invariavelmente, submetido ao que a doutri­ na contemporâneo denomina de controle da Administração Pública sob o ângulo do resultado (Diogo de Figueiredo Moreira Neto). 5.0 marco legal das Organizações Sociais inclina separa a atividade de fomento público no domínio dos serviços sociais, entendido tal atividade como a disciplina não coercitiva da conduta dos particulares, cujo desem penho em atividades de interesse público é estimulado por sanções premiais, em observância aos princípios da consensualidade e da participação na Administração Pública. 6. A finalidade de fomento, in casu, é posta em prática pela cessão de recursos, bens e pessoal do Administração Pública para as entidades privadas, após a celebração de contrato de gestão, o que viabilizará o direcionamento, pelo Poder Público, da atuação do particular em consonância com o interesse público, através da inserção de metas e de resultados a serem alcançados, sem que isso configure qualquer forma de renúncia aos deveres constitucionais de atuação. 7. Na essência, preside a execução deste programa de ação institucional a lógica que prevaleceu no jogo democrático, de que a atuação privada pode ser mais eficiente do que a pública em determinados domínios, dada a agilidade e a flexibilidade que marcam o regime de direito privado. 8. Os arts. 18 a 22 da Lei nn 9.637/98 apenas concentram a decisão política, que poderia ser validamente feita no futuro, de afastar a atuação de entidades públicas através da intervenção direta para privilegiar a escolha pelo busca dos mes­ mos fins através da indução e. do fomento de atores privados, razão pela qual a extinção das entidades mencionadas nos dispositivos não afronta a CF. dada a irrelevância do fator tempo na opção pelo modelo de fomento - se simulta neamente ou após a edição da Lei.L..) 15. As organizações sociais, por integrarem o Terceiro Setor, não fazem parte do conceito constitucional de Administração Pública, razão pela qual não se submetem, em suas contratações com ter­ ceiros, ao dever de licitar, o que consistida em quebra da lógica de flexibilidade do setor privado, finalidade por detrás de todo o marco regulatório instituído pela Lei. Por receberem recursos públicos, bens públicos e servidores públicos, porém, seu regime jurídico tem de ser minimamente informado pela incidência do núcleo essencial dos princípios da Administração Pública (CF, art. 37, caput), dentre os quais se destaca o princípio da impessoalidade, de modo que suas contratações devem observar o disposto em regulamento próprio (Lei nQ 9.637/98, art. 4°, VIJf), fixando regras objetivas e impessoais para o dispêndio de recursos públicos. 16. Os empregados das Organizoções Sociais não são servidores públicos, mas sim empregados privados, por isso que sua remuneração não deve ter base em lei (CF, art. 37, X), mas nos contratos de trabalho firmados consensualmente. (...)"

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determinado que as organizações sociais, quando forem contratar seus funcioná­ rios, deverão fazer um procedimento objetivo e impessoal.

Como já vimos, esses serviços sociais autônomos são pessoas jurídicas de di­ reito privado, sem fins lucrativos, criadas por lei e que se destinam a prestar as­ sistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais. São pessoas jurídicas de direito privado que cooperam com o Estado, mas que com este não se confundem, sendo considerados entes paraestatais (os funcionários dos serviços sociais autônomos são contratados e regidos pela CLT). • Monopólios: aqui, o texto constitucional impede o livre desenvolvimento de determinada atividade econômica fixando para o Estado sua exclusiva explo­ ração. Diz o art. 177 da CR/88 que constituem monopólio da União: a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos an­ teriores; 0 transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de deri­ vados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; a pesquisa, a lavra, 0 enriquecimento, 0 reprocessamento, a industrialização e 0 comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos ra­ dioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas "b" e "c" do inciso XXIII, do caput, do art. 21, dessa Constituição Federal. Mesmo assim, há a possibilidade de contra­ tação de empresas (estatais ou mesmo privadas) a realização de tais atividades (art. 177, § 10). 2.3. Princípios da Ordem Econômica Nos termos constitucionais de 1988, a ordem econômica é fundada na valo­ rização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios: a) da soberania nacional; b) da propriedade privada; c) da função social da pro­ priedade; d) da livre concorrência2829 ; d) da defesa do consumidor; e) da defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme 0 impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e presta­ ção’9; f) da redução das desigualdades regionais e sociais; g) da busca do pleno emprego; h) do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte

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29.

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A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, "a" da Constituição Federal, nào se estende a empresa privada arren­ datária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município. RE 594.015/DF STF. Plenário., Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 06.04.2017. Redação dada pela Emenda Constitucional n° 42, de 19.12.2003.

Da Ordem Econômica e

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Ordem Social

constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.30 Além disso, a Constituição explicita ser assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica3', independentemente de autorização de órgãos pú­ blicos, salvo nos casos previstos em lei.

Aqui é interessante salientar que foi instituída pela Lei n° 13.874 em 20.09.2019 a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. Nesses termos, 0 novo diploma normativo estabeleceu normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente norma­ tivo e regulador, nos termos do inciso IV do caput do art. 1», do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da CR/88.

0 disposto na Lei n° 13.874/2019 será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurí­ dicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclu­ sive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente.32

2.3.1. Função social da propriedade urbana/rural 0 condicionamento do direito de propriedade ao atendimento social não é uma novidade do texto constitucional de 1988, já sendo previsto desde a Constituição de 1934. Importante lembrar 0 antigo conceito de "propriedade" de matriz liberal como um direito incondicionado e absoluto, como elemento e expressão natural da von­ tade do indivíduo.33

Redação dada pela Emenda Constitucional n° 6, de 15.08.1995. RE n° 565.048/RS julg. em 29.05.2014: “A exigência, pela Fazenda Pública, de prestação de fiança, garantia real ou fidujossório para a impressão de notas fiscais de contribuintes em débito com o Fisco viola as garantias do livre exercício do trabalho, ofício ou profissão (CF, art. 5", XIII), da atividade econômica (CF, art. 170, parágrafo único) e do devido processo legal (CF, art. 5o, LIV). Com base nessa orientação, o Plenário deu provimento a recurso extraordinário para restabelecer sentença, que deferira a segurança e assegurara o direito do contribuinte á impressão de talonários de notas fiscais independentemente da prestação de garantias. (...) O Colegiado consignou que o aludido dispositivo legal vincularia a continuidade da atividade econômica do contribuinte em mora ao oferecimento de garantias ou ao pagamento prévio do valor devido a titulo de tributo. (...) Aludiu que se trataria de providência restritiva de direito, complicadora ou mesmo impeditiva da atividade empresarial do contribuinte para forçá-lo ao adimplemento dos dé­ bitos. Sublinhou que esse tipo de medida, denominada pelo Direito Tributário, sanção política, desafiaria as liberdades fundamentais consagradas na Constituição (...) Rememorou precedente em que assentada a inconstitucionalidade de sanções politicas por afrontar o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais licitas, bem como por ofensa ao devido processo legal substantivo em virtude da falta de proporcionalidade e razoabilidade dessas medidas gravosos que objetivariam substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários. Rel. Min. Marco Aurélio. 32. Lei n° 13.874/2019: Art. 2a São princípios que norteiam o disposto nesta Lei: I a liberdade como uma garantia no exercido de atividades econômicas; II - a boa-fé do particular perante o poder público; lll - a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; eIV-o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado. Parágrafo único. Regulamento disporá sobre os critérios de aferição para afastamento do inciso IVdo caput deste artigo, limitados a questões de má-fé, hipersuficiência ou reincidência. 33. BERCOVICI, Gilberto, Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988, p. 117.

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Hoje, a leitura perdeu a carga individualista - e até mesmo egoística - graças à inclusão da ideia de função social como parte integrante - para não dizer condição fundamental - do direito de propriedade.

Na tradição brasileira, desde o processo de colonização até o advento do Código Civil de 1916, a propriedade recebeu uma leitura clássica liberal. A propriedade fun­ diária representou a base econômica e, por isso, era sinônimo de riqueza e poder político. Por essa razão, sendo a propriedade uma emanação das potencialidades subjetivas do indivíduo, não cogitava sua utilização submissa aos ditames sociais. Com 0 advento do paradigma do Estado Social, a partir de 1918, constata-se uma relativização dos direitos privados, que passam a se subordinar à noção de função social. É a partir daí que cresce e vai ganhando forças as idéias de que 0 bem-estar coletivo não pode mais ser compreendido como uma responsabilidade exclusiva do Estado, cabendo a cada indivíduo sua parcela de comprometimento e responsabilidade.34 Quebra-se, então, com a noção romanística de dominium (0 direito a uma propriedade absoluta e ilimitada).

Os civilistas vão, portanto, afirmar a existência de uma "constitucionalização" (ou "publicização") do Direito Civil, marcado principalmente pela "despatrimonialização" - isto é, a "repersonalização" por meio do resgate da dignidade da pessoa humana como elemento primordial de proteção em detrimento do patrimônio.35

Falar em função social, portanto, não pode ser confundido, nem mesmo re­ duzido às diversas limitações negativas a que 0 direito de propriedade deve se submeter. Isso porque a função social está ligada à substância do direito de proprie­ dade. Antes de tudo, registra-se que é uma alteração na mentalidade: 0 direito de propriedade perde 0 caráter absoluto e, com isso, sua razão de ser passa a estar ligada à utilização da propriedade em ditames de inspiração socialista. É, portanto, elemento legitimador do próprio direito, sendo objeto intrínseco a este, e não algo externo. Por isso, é possível afirmar que propriedade é hoje um poder-dever que se volta tanto para 0 atendimento do interesse privado de seu titular (privado) quanto ao interesse coletivo (público), devendo 0 uso da proprie­ dade buscar 0 correto equilíbrio entre ambos.

2.3.2. Livre concorrência Como segundo princípio fundamental da Ordem Econômica, a proteção à livre concorrência se mostra fundamental, principalmente, devido à sua ligação com 0 princípio da livre iniciativa: enquanto este se liga a uma noção de liberdade política.

34. BERCOVICI, Gilberto, Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988, p. 142. 35. Todavia, aqui se deve fazer menção ao alerta de Virgílio Afonso da Silva (A constitucionalização do direito: os direi­ tos fundamentais nas relações entre particulares): a afirmação de uma"constitucionalização"do Direito Civil é na verdade equívoca, pois gera principalmente a absurda ideia de que só agora - e não outrora - o Direito Civil se submete á Constituição, contrariando a supremacia das normas constitucionais.

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Da Ordem Econômica e e>a Ordem Social

o primeiro atua na possibilidade de os agentes econômicos poderem exercer sem embaraços jurídicos criados pelo Estado, dentro de determinado mercado, com fins à produção, à circulação e ao consumo de bens e serviços?6

Logo, mesmo que possam ser apontadas semelhanças entre ambos os princí­ pios, como faz Miguel Reale, há que se destacar que não se confundem, sendo com­ plementares. Aqui, a livre iniciativa é posta como elemento de proteção da liberda­ de individual no plano da produção, circulação e distribuição de riquezas, ao passo que a livre concorrência adquire um caráter instrumental, como princípio econômico propriamente dito, deixando a fixação dos preços das mercadorias e dos serviços fora - em regra - do controle e de atos cogentes das Autoridades Administrativas, obedecendo-se assim à lógica da economia de mercado?7

Mas tal liberdade de mercado não pode ser nunca interpretada como mera­ mente negativa, significando apenas a não intervenção do Estado na esfera eco­ nômica. Ao contrário, esse mesmo princípio revela uma faceta positiva, exigindo, sim, do Estado a intervenção quando o abuso do poder econômico por parte de um agente ameace pôr em risco essa igualdade de liberdade, que é ofertada pela Constituição de 1988 a todos os partícipes da economia?3

Há que se destacar que 0 Capitalismo contemporâneo tende para a utilização de práticas abusivas, notadamente monopolistas, por isso a ação estatal deve se dar como medida protetiva e, às vezes, até mesmo cautelar. Mas certo é que essa análise de ofensa à livre concorrência, bem como a livre iniciativa, deve ser realiza­ da a partir dos casos concretos que são objeto de aferição jurídica. Nesses termos, em decisão prolatada na ADPF n° 46, 0 STF decidiu que 0 serviço postal desenvolvido pela Empresa Pública de Correios e Telégrafos, que detém o privilégio de entrega de correspondências, não viola a livre concorrência e a livre iniciativa?936 39 38 37

36. 37. 38. 39.

MENDES, Gilmar Ferreira et al, Curso de direito constitucional, p. 1.292. MENDES,GilmarFerreiraetal.Cursoc/edireitoconstituciona/, p. 1.292. SI LVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo, p. 795. Nesses termos, a Ementa da decisão da ADPF n° 46: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de entrega de correspondências. Serviço postal. Controvérsia referente à lei Federal 6.538, de 22 de junho de 1978. Ato normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao serviço postal. Previsão de sanções nas hipóteses de violação do privilégio postal. Compatibilidade com o sistema constitucional vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos Io, inciso IV; 5°. inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos princípios da livre concorrência e livre iniciativa. Não caracterização. Arguição julga­ da improcedente. Interpretação conforme à constituição conferido ao artigo 42 da Lei n°6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação ás atividades postais descritas no artigo 9o, da lei. 1.0 serviço postal - conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado - não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público. 2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a ati­ vidade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agen­ tes econômicos privados A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual o corrente vocabulário vulgar. 3. A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso XI. 4.0 serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-Lei n°509, de 10 de março de 1.969.5. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de

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Como recente exemplo sobre a livre iniciativa e livre concorrência (já citado na obra) nos moldes do art.170 da CR/88, temos julgados do STF em que 0 Pretório Excelso decidiu que a proibição ou restrição por lei municipal da atividade de trans­ porte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.* 40 Nas decisões, afirmou 0 STF, que a liberdade de iniciativa, garantida pelos arts. í», IV, e 170 da CR/88, consubstancia cláusula de proteção destacada, no ordenamen­ to pátrio, como fundamento da República. Por essa razão, é possível o controle ju­ dicial de atos normativos que afrontem as liberdades econômicas básicas. Segundo 0 constitucionalismo moderno, é necessário que haja uma restrição da interferência do poder estatal sobre o funcionamento da economia de mercado. 0 "rule of law" deve se sobrepor a iniciativas estatais autoritárias que sejam destinadas a concen­ trar privilégios, a impor monopólios ou a estabelecer salários, preços e padrões arbitrários de qualidade. Tais iniciativas são arbitrárias e restringem a competição, a inovação, 0 progresso e a distribuição de riquezas.41 Nesse sentido, 0 processo político por meio do qual as regulações são editadas é frequentemente capturado por grupos de poder interessados em obter proveitos superiores aos que seriam possíveis em um ambiente de livre competição. Um re­ curso político comumente utilizado por esses grupos é 0 poder estatal de controle de entrada de novos competidores em um dado mercado, a fim de concentrar benefícios em prol de poucos e dispensar prejuízos por toda sociedade. Assim, 0 exercício de atividades econômicas e profissionais por particulares deve ser prote­ gido da coerção arbitrária por parte do Estado.42

Afirmou ainda 0 STF, que a proibição dos aplicativos de transporte afronta ainda 0 princípio da busca pelo pleno emprego, que está consagrado como princípio setorial no art. 170, VIII, da CR/88. Isso porque essa proibição impede a abertura do mercado a novos entrantes eventualmente interessados em migrar para a atividade.43

monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Esta­ do. 6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuarem regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal. 7. Os regimesjurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade, 8. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpreta­ ção conforme à Constituição oo artigo 42 da Lei n“6.538para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no artigo 9“desse ato normativo. (Rel. Min. Eros Grau. Julg. em 05.08.2009. DJ 26.02.2010). 40. ADPF449/DF, Rel. Min. Luiz Fux; RE 1054110/SP, STF. Plenário. Rel. Min. Roberto Barroso, julg em 8e09.05.2019 (repercussão geral). O STF julgou inconstitucional a Lei n° 10.553/2016, do Município de Fortaleza, que vedou a utilização de carros cadastrados ou não em aplicativos (ADPF 449/DF). Além disso, o STF considerou inconstitu­ cional a Lei n° 16.279/2015, do Município de São Paulo, que igualmente proibia o uso de veículos cadastrados em aplicativos (RE 1054110/SP) 41. ADPF 449/DF, Rel. Mm Luiz Fux; RE 1054110/SP, STF. Plenário. Rel. Min. Roberto Barroso, julg em 8 e 09.05.2019 (repercussão geral). 42. ADPF 449/DF, Rel. Min. Luiz Fux; RE 1054110/SP, STF. Plenário. Rel. Min. Roberto Barroso, julg em 8 e09.05.2019 (repercussão geral). 43. ADPF 449/DF, Rel. Min. Luiz Fux; RE 1054110/SP, STF. Plenário. Rel. Min. Roberto Barroso, julg em 8 e 09.05.2019 (repercussão geral).

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Na decisão, presente no informativo 937 do STF, 0 ministro Roberto Barroso asseve­ rou que vivemos um ciclo próprio do desenvolvimento capitalista, em que há a substitui­ ção de velhas tecnologias e velhos modos de produção por novas formas de produção, num processo chamado de inovação disruptiva, por designar idéias capazes de enfra­ quecer ou substituir indústrias, empresas ou produtos estabelecidos no mercado. Nesse cenário, é muito fácil perceber 0 tipo de conflito entre os detentores dessas novas tec­ nologias disruptivas e os agentes tradicionais do mercado: players já estabelecidos em seus mercados, por vezes monopolistas, são ameaçados por atores que se aproveitam das lacunas de regulamentação de novas atividades para a obtenção de vantagens competitivas, sejam elas regulatórias ou tributárias. A melhor forma de 0 Estado lidar com essas inovações e, eventualmente, com a destruição criativa da velha ordem, não é impedir 0 progresso, mas sim tentar produzir as vias conciliatórias possíveis.

0 Ministro Roberto Barroso destacou ainda em seu voto, os três fundamentos pelos quais considerou inconstitucionais as leis municipais (dos municípios de For­ taleza e de São Paulo) impugnadas. Em primeiro lugar, a Constituição estabelece, como princípio, a livre iniciativa. A lei não pode arbitrariamente retirar determinada atividade econômica da liberdade de empreender das pessoas, salvo se fundamento constitucional autorizar a restri­ ção imposta. A edição de leis ou atos normativos proibitivos, pautada na exclusivi­ dade do modelo de exploração por táxis, não se amolda ao regime constitucional da livre iniciativa. Em segundo lugar, a livre iniciativa significa livre concorrência. A opção pela economia de mercado baseia-se na crença de que a competição entre os agentes econômicos e a liberdade de escolha dos consumidores produzirão os melhores resultados sociais. Por fim, é legítima a intervenção do Estado, mesmo em um regime de livre iniciativa, para coibir falhas de mercado e para proteger 0 consumidor. Entretanto, são inconstitucionais a edição de regulamentos e o exercício de fiscalização que, na prática, inviabilizem determinada atividade. A competência autorizada por lei para os municípios regulamentarem e fiscalizarem essa atividade não pode ser uma competência para, de maneira sub-reptícia ou implícita, interdi­ tar, na prática, a prestação desse serviço/4

2.3.3. Defesa do consumidor 0 direito do consumidor, como mecanismo de defesa da parte hipossuficiente na relação contratual de consumo, tem seu surgimento normativo na passagem do Estado Liberal para 0 Estado Social, quando a ordem jurídica passou a reconhecer a necessidade de uma normatização e um tratamento específico aos dois sujeitos da chamada relação de consumo - 0 consumidor e 0 fornecedor.4’’44 45

44. 45.

ADPF449/DF, Rel. Min. Luiz Fux; RE 1054110/SP, STF. Plenário. Rel. Min. Roberto Barroso,julg em 8e 09.05.2019 (repercussão geral). Por isso, já nos EUA. em 1914. criou-se a Federal Trade Commission, que tinha o objetivo de aplicar a lei antitruste e proteger os interesses do consumidor. Mas foi a partir das iniciativas do presidente americano John Fitzgerald

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Destaca-se que, em 1985, as Nações Unidas, por meio da Resolução n» 39/248, estabelecem objetivos e normas para que os governos membros desenvolvam ou reforcem políticas firmes de proteção ao consumidor. Esta foi, claramente, a primei­ ra vez que, em âmbito mundial, houve 0 reconhecimento e a aceitação dos direitos básicos do consumidor. 0 Anexo 3 da Resolução mostra quais são os princípios gerais que serão tomados como padrões mínimos pelos governos: (a) proteger 0 consumidor quanto a prejuízos à sua saúde e segurança; (b) fomentar e proteger os interesses econômicos dos consumidores; (c) fornecer aos consumidores infor­ mações adequadas para capacitá-los a fazer escolhas acertadas, de acordo com as necessidades e desejos individuais; (d) educar 0 consumidor; (e) criar possibilidade de real ressarcimento ao consumidor; (f) garantir a liberdade para formar grupos de consumidores e outros grupos e organizações de relevância e oportunidade para que essas organizações possam apresentar seus enfoques nos processos decisórios a elas referentes.46 No Brasil, a Constituição de 1988 fez expressa previsão quanto à criação de um Código de Defesa do Consumidor (CDC) - art. 5», XXXII -, além de fixar em mais três preceitos normativos a importância de tal proteção (arts. 24, VIII; 150, § 5®; 170, V; e no art. 48 do ADCT). Essa legislação especial foi elaborada, sistematizada e publica­ da na forma da Lei n° 8.078/90.

2.4. A política urbana A política de desenvolvimento urbano, segundo 0 art. 182 da Constituição de 1988, deve ficar a cargo do Município, a partir de diretrizes comuns fixadas, por sua vez, pelo Legislativo Federal (como exemplo citamos a recente Lei n° 13.311 de 11.07.2016 que institui normas gerais para a ocupação e utilização de área pública urbana por equipamentos urbanos do tipo quiosque, trailer, feira e banca de venda de jornais e de revistas).

Aqui, 0 plano diretor se revela como 0 instrumento para a execução da política de desenvolvimento urbano, que deverá ser aprovado pela Câmara Municipal nas cidades com mais de 20 mil habitantes. Nele, estão previstas normas sobre zoneamento, edificações, sistema viário, áreas verdes etc. (art. 182, § 1°).

Aqui é interessante salientar que, nos termos do RE 607.940, nem sempre que 0 Município (ou 0 Distrito Federal) for legislar sobre matéria urbanística, ele

Kennedy, na década de 60, que houve a consolidação do Direito do Consumidor nos Estados Unidos. Dirigindo-se por meio de uma mensagem especial ao Congresso Americano, em 1962, Kennedy identificou os pontos mais importantes em torno da questão: os bens e serviços colocados no mercado devem ser sadios e seguros para os usos, promovidos e apresentados de uma maneira que permita ao consumidor fazer uma escolha satisfatória; a voz do consumidor deve ser ouvida no processo de tomada de decisão governamental que detenha o tipo, a qualidade e o preço de bens e serviços colocados no mercado; o consumidor deve ter o direito de ser informado sobre as condições dos produtos e dos serviços; o consumidor deve ter direito a preços justos. Para mais detalhes, ver: QUINAUD PEDRON, Flávio; CAFFARATE, Viviane Machado, Da evolução históricos do direito do consumidor. 46. SOUZA, Miriam de Almeida, A política legislativa do consumidor no direito comparado, p. 57.

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Da Ordfm Economica e

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Ordem Social

precisará fazê-lo por meio do Plano Diretor. Nesse sentido, o Plano Diretor é o instrumento legal que dita a atuação do Município ou do Distrito Federal quanto ao ordenamento urbano, traçando suas linhas gerais, porém a sua execução pode se dar mediante a expedição de outras lei e decretos, desde que guardem con­ formidade com o Plano Diretor.47

Importante, então, lembrar que toda a política urbana se vincula à observân­ cia da função social da propriedade urbana. Por isso, a Constituição autoriza que o Poder Público, mediante lei específica, exija do proprietário do solo urbano não ediflcado, subutilizado ou não utilizado que promova o seu uso adequado e cor­ reto aproveitamento, sob pena de, sucessivamenre: parcelamento ou edificação compulsórios; imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; ou desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Por fim, a Constituição de 1988 estabelece a figura de usucapião pró-moradia (usucapião especial urbano), nos termos do art. 183. Tal norma se volta para aquele que possuir como sua área urbana de até 250 metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, podendo adquirir-lhe 0 domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. 0 § i» do art. 183 dispõe que 0 título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. Todavia, a advertência de José Afonso da Silva é pertinente: "Na verdade, não é 0 título de domínio e a concessão de uso, mas um ou outra, porque são institutos excludentes. Aliás, a bem da verdade, a concessão de uso não tem cabimento no caso, pois 0 usucapião é modo de aquisição da propriedade e não meio de obter mera concessão de uso."48

RE 607.940 julg. em 29.10.2015:"1. A Constituição Federal atribuiu aos Municípios com mais de vinte mil habitantes a obrigação de aprovar Plano Diretor, como "instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana" (art. 182, § Io). Além disso, atribuiu a todos os Municípios competência para editar normas destinadas a "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso do solo, do parcelamento e da ocupação do solo urbano" (art. 30, VIII) e a fixar diretrizes gerais com o objetivo de “ordenar o pleno desenvolvi­ mento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos habitantes" (art. 182, caput). Portanto, nem toda a competência normativa municipal (ou distrital) sobre ocupação dos espaços urbanos se esgota na aprovação de Pla­ no Diretor. 2. É legítima, sob o aspecto formal e material, a Lei Complementar Distrital 710/2005, que dispôs sobre uma forma diferenciada de ocupação e parcelamento do solo urbano em loteamentos fechados, tratando da disciplina interna desses espaços e dos requisitos urbanísticos mínimos o serem neles observados. 4 edição de leis dessa espécie, que visa, entre outras finalidades, inibir a consolidação de situações irregulares de ocupação do solo, está inserida na competência normativa conferida pela Constituição Federal aos Municípios e ao Distrito Federal, enada impede que a matéria seja disciplinada em ato normativo separado do que disciplina o Plano Diretor. 3. Aprovada, por deliberação majoritária do Plenário, tese com repercussão geral no sentido de que "Os municípios com mais de vinte mil habitan­ tes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor". 4. Recurso extraordinário a que se nega provimento." Rel. Min. Teori Zavascki. 48. SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucionalpositivo, p. 818. 47.

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É importante salientar que, segundo o STF, se forem preenchidos os requisitos do art. 183 da CF/88, a pessoa terá direito à usucapião especial urbana. Com isso, 0 fato de 0 imóvel em questão não atender ao mínimo dos módulos urbanos exigidos pela legislação local para a respectiva área (dimensão do lote definido na legislação local) não é motivo suficiente para se negar (obstar) esse direito, que tem índole constitucional.49 2.4,7. Desapropriação por descumprimento da função social da propriedade ur­

bana Com previsão no art. 182, § 4°, da Constituição de 1988, pode ser considera­ da como uma modalidade de desapropriação-sanção, uma vez que seu objetivo é compelir 0 proprietário que não está observando e atendendo os ditames da função social, a partir das exigências postas no plano diretor do município. Aqui, a preocupação constitucional é viabilizar a desapropriação do imóvel urbano como mecanismo para implementação de uma política urbana.

0 pagamento em razão do processo desapropriatório dar-se-á por meio de tí­ tulos da divida pública, emitidos após aprovação do Senado Federal, com prazo de resgate de até 10 anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, ficando assegurado 0 valor real da indenização acrescido de juros legais. Por tratar-se de medida extrema de interferência do Poder Público na esfera privada do indivíduo, somente autorizada depois de cumpridas as providências

49. Informativo 783: "Esse o entendimento do Plenário que, em conclusão de julgamento e por maioria, proveu recurso extraordinário, afetado pela I" Turma - em que discutida a possibilidade de usucapião de imóvel ur­ bano em município que estabelece lote minimo de 360 m! para o parcelamento do solo - para reconhecer aos recorrentes o domínio sobre o imóvel, dada a implementação da usucapião urbana prevista no art. 183 da CF. No caso, os recorrentes exercem, desde 1991. a posse mansa e pacifica de imóvel urbano onde edificaram casa, na qual residem. Contudo, o pedido dedaratório, com fundamento no referido preceito constitucional, para que lhes fosse reconhecido o domínio, fora rejeitado pelo tribunal de origem. A Corte local entendera que o aludido imóvel teria área inferior ao módulo mínimo definido pelo Plano Diretor do respectivo município para os lotes urbanos. (...). O Colegiado afirmou que, para o acolhimento da pretensão, bastaria o preenchi­ mento dos requisitos exigidos pelo texto constitucional, de modo que não se poderia erigir obstáculo, de índole infraconstitucional, para impedir que se aperfeiçoasse, em favor de parte interessada, o modo originário de aquisição de propriedade. Consignou que os recorrentes efetivamente preencheríam os requisitos cons­ titucionais formais. Desse modo, não seria possível rejeitar, pela interpretação de normas hierarquicamente inferiores à Constituição, a pretensão deduzida com base em norma constitucional". Conforme a Ementa do RE 422.349/RS julg. em 29.04.2015: Repercussão geral. Usucapião especial urbana. Interessados que preenchem todos os requisitos exigidos pelo art. 183 da Constituição Federal. Pedido indeferido com fundamen to em exigência supostamente imposta pelo plano diretor do municipio em que localizado o imóvel. Impossibilidode. A usucapião especial urbana tem raiz constitucional e seu implemento não pode ser obstado com fundamento em norma hierar quicomente inferior ou em interpretação que afaste a eficácia do direito constitucionalmente assegurado. Recurso provido. I. Módulo minimo do lote urbano municipal fixado como área de 360 m2. Pretensão da parte autora de usucapir porção de 225 m2, destacada de um todo maior, dividida em composse. 2. Não é o caso de declaração de inconstitucionalidade de norma municipal. 3. Tese aprovada: preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana nàopode ser obstado por legislação infraconsti tucional que estabeleça módulos urbanos na respectiva área em que situado o imóvel (dimensão do lote). (...)" Rel. Min. Dias Toffoli.

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Da Orolm Econômica t oa Ofit>tv Social

preliminares, que representam medidas mais brandas para coagir o proprietário a observar a função social, quais sejam: parcelamento ou edificação compulsórios ou, em seguida, exigência de IPTU com alíquota progressiva urbana.

Em 10 de julho de 2001, foi publicada a Lei n° 10.257, ficando conhecida como Estatuto da Cidade, visando regular os artigos 182 e 183 da Constituição de 1988. Seu art. 5° determina que a lei municipal específica delimite as áreas incluídas no plano diretor, estabelecendo 0 seu parcelamento, sua edificação e sua utilização compul­ sória do solo não edificado, subutilizado ou não utilizado, para tanto, fixando pra­ zos não inferiores a um ano, a partir da notificação para protocolo do projeto junto ao órgão municipal competente, e a dois anos, a partir da aprovação do projeto, para início das obras. Se houver descumprimento, conforme o art. 70, 0 Município poderá proceder à aplicação do IPTU progressivo no tempo, majorando a alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos. Se dentro desses cinco anos 0 proprietário ainda se mostrar desobediente, 0 Município procederá à desapropriação do imó­ vel, com pagamento em títulos da dívida pública.5051 Gilberto Bercovici1' lembra que tal figura jurídica mostra-se problemática, pois 0 Estatuto da Cidade foi publicado com demasiado atraso, somente em 2001, regu­ lando 0 procedimento da desapropriação-sanção. Em segundo lugar, a lei abre es­ paço para que na esfera municipal sejam estabelecidos prazos e condições (nunca inferiores a um ano) de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios do solo urbano subutilizado, para que em seguida se possa proceder à desapropriação. Outro problema ainda é a necessidade de um plano diretor para os Municípios com mais de 20 mil habitantes, como condição para 0 processo de desapropriação. 2.5. A política agrícola e fundiária A Constituição de 1988 estabelece em seu texto que a política agrícola será disciplinada por lei e contará com a participação do setor de produção - produto­ res, trabalhadores rurais - e setores de comercialização, de armazenamento e de transporte.

Ela conterá disposições, conforme 0 art. 187, sobre: (1) instrumentos de crédito e fiscais; (2) preços compatíveis com os custos de produção e garantia de comer cialização; (3) incentivo à pesquisa e à tecnologia; (4) assistência técnica e extensão rural; (5) seguro agrícola; (6) cooperativismo; (7) eletrificação rural e irrigação; e (7) habitação para 0 trabalhador rural. Outro importante instituto é 0 usucapião pró-moradia (usucapião especial ru­ ral) previsto no art. 191 da Constituição de 1988, para quem, não sendo proprietário

50. 51.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional, p. 1.071. BERCOVICI, Gilberto, Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988, p. 165 166.

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de imóvel rural ou urbano, possua como sendo seu, por mais de cinco anos inin­ terruptos, sem qualquer oposição, área de terra, em zona rural, não superior a 50 hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia.

2.5.1. Desapropriação para fins de Reforma Agrária Aqui, a desapropriação está prevista no art. 184 da Constituição da República, como espécie do gênero desapropriação-sanção para todos os imóveis rurais que estejam descumprindo a função social.5’ A competência é privativa da União para, conforme 0 interesse social, desa­ propriar 0 imóvel rural mediante prévia e justa indenização em títulos do dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, que serão resgatáveis no pra­ zo de até 20 anos, contados a partir do segundo ano de sua emissão. Todavia, é importante alertar que as benfeitorias de tipo úteis e as de tipo necessárias serão indenizadas em dinheiro (art. 184, § i°, da CR/88).

A União publicará um decreto, que declarará 0 imóvel como objeto de interesse social, autorizando a ação de desapropriação, que será executada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) - que é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Agricultura (Decreto-Lei n° 1.110/70). A Constituição de 1988 afirma no § 5° do art. 184 que as operações de transfe­ rência de imóveis desapropriados são isentas de impostos (federais, estaduais ou municipais); todavia, temos aqui uma impropriedade, como bem reconheceu em seus julgados 0 STF.52 5354 Na verdade, 0 que se tem é uma verdadeira imunidade tributá­ ria, pois 0 fim é não onerar o procedimento expropriatório ou criar obstáculos para a realização da reforma agrária. Mas acrescenta-se um alerta: 0 terceiro adquirente dos títulos da dívida agrária não goza de tal imunidade. Ora, os títulos da dívida agrária representam moeda de pagamento da justa indenização, apresentando, portanto, natureza indenizatória (e não podendo ser confundido com renda para fins tributários). Todavia, tal benefício tributário é limitado à pessoa do expropriado; 0 negócio jurídico envolvendo os títulos da dívida agrária espaça do escopo da norma constitucional e deverá ser tributado?4

52.

53. 54.

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Conforme a Emenda Constitucional n° 81 de 05 de junho de 2014: Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do Pais onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5°. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da /ei. RE n° 168.110, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 19/05/2000. CUNHA JÚNIOR, Dirley da, Curso de direito constitucional, p. 1.077.

Da Ordem Econômica e

da

Ordem Sociai

0 art. 186, da Constituição de 1988, fixa as condições para 0 aproveitamento e a observância da função social da propriedade rural: (a) aproveitamento racional e adequado; (b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preser­ vação do meio ambiente; (c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e (d) exploração que favoreça 0 bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Por força do art. 185 da CR/88, a pequena e a média propriedade rural não podem ser objetos da desapropriação para fins de reforma agrária; trata-se da chamada cláusula de inexpropriabilidade.5556 57

3. A ORDEM SOCIAL 0 presente objeto de nosso estudo encontra correlação com o estudo anterior­ mente realizado dos direitos sociais. Naquele capítulo foi possível compreender 0 conteúdo material. Agora, iniciaremos um estudo acerca dos mecanismos de orga­ nização e efetivação. Por isso, aqui encontraremos instrumentos para concretização do bem-estar coletivo e da justiça social, que deverão ser harmonizados com a Ordem Econômica, anteriormente estudada?6 Parece, portanto, lógico que a primeira Constituição brasileira a dispor sobre a Ordem Social tenha sido a Constituição de 1934 - que inaugura a perspectiva do Estado Social para nós, revelando nítidas influências do constitucionalismo de Weimar (1919).

No atual modelo, a Constituição de 1988 consagra sobre 0 mesmo título normas sobre: seguridade social (saúde, previdência social e assistência social); educação, cultura e desporto; ciência e tecnologia; comunicação social; meio ambiente; família, criança, adolescente, jovem e idoso; e 0 indígena.

3.1. A seguridade social A seguridade social rege-se, principalmente, a partir do princípio da solidarie­ dade, que se configura em medida abrangente de um conjunto de ações de ordem pública e da sociedade, a fim de que sejam assegurados os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.5' Por isso, destina-se a explicitar que 0 financiamento de tais atividades e projetos ficará a cargo de toda a sociedade, seja por meio de recursos orçamentários e/ou por contribuições sociais, de modo que se possa ofertar condições de acesso não apenas para aqueles que se inscrevem no rol de segurados, como ainda aqueles necessitados - principalmente no caso da assistência social - independentemente de contribuição.

55. 56. 57.

Nesse sentido, posiciona-se o STF no MS n° 23.0006/PB, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 29/08/2003. SILVA, José Afonso da, Curso de direito constitucional positivo, p. 828-829. MENDES,Gilmar Ferreira etal., Curso de direito constitucional, p. 1.299.

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Dessa forma, os seguintes objetivos norteiam a organização da seguridade so­ cial, na forma do art. 194 da CR/88: (1) universalidade da cobertura e do atendimen­ to58; (2) uniformidade e equivalência dos benéficos e dos serviços às populações urbanas e rurais; (3) seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; (4) irredutibilidade do valor dos benefícios; (5) equidade na forma de par­ ticipação no custeio; (6) diversidade da base de financiamento, identificando-se, em rubricas contábeis específicas para cada área, as receitas e as despesas vinculadas a ações de saúde, previdência e assistência social, preservado 0 caráter contributivo da previdência social; (Redação dada pela Emenda Constitucional n° 103, de 2019) Por sua vez, 0 art. 195 da CR/88 trata do financiamenro da seguridade social, que poderá ser de forma direta ou indireta, nos ternos da lei, por meio de re­ cursos vindos dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além das seguintes contribuições: (a) do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a folha de salá­ rios e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional n» 20, de 1998), a receita ou 0 faturamento, 0 lucro; (b) do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, podendo ser adotadas alíquotas progressivas de acordo com 0 valor do salário de contribui­ ção, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social; (Redação dada pela Emenda Constitucional n° 103, de 2019); (c) sobre a receita de concursos de prognósticos; (d) do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

Além destas, a lei poderá definir novas fontes de custeio, obedecendo ao fi­ xado no inciso I do art. 154 da Constituição de 1988; isto é, por iniciativa da União, mediante lei complementar, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos tributos já discriminados na Constituição. Ainda, deve ser lembrado que tais contribuições só poderão ser exigidas depois de decorridos 90 dias da sua publicação (princípio da anterioridade nonagesimal). 3.1.1. Saúde

0 direito à saúde - como já visto ao tempo do estudo dos direitos sociais - cons­ titui direito de todos e dever do Estado, a partir de um acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Portanto, é um direito público subjetivo capaz de ser exigido do Estado.59

58.

59.

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A Seguridade Social deverá atender todos os necessitados de forma universalizada, especialmente por meio da assistência social e da saúde pública, que são gratuitas, pois independem do pagamento de contribuições diretas dos usuários. Aqui ternos nos termos de Sérgio Pinto Martins a diferença entre universalidade de cobertura e de atendimento: 'Universalidade de cobertura deve ser entendida como as contingências que serão cobertas pelo sistema, como a impossibilidade de retornar ao trabalho, a idade avançada, a morte etc. Já a universalidade do atendimento refere-se às prestações que as pessoas necessitam, de acordo com a previsão em lei, como ocorre em relação aos serviços.'MARTINS, Sérgio Pinto Direito da Seguridade Especial, 3-1. ed., São Paulo: Atlas, 2014. Conforme o Al 759.S43/RJ julg. em 28.10.2013: Ampliação e melhoria no atendimento à população no hospi­ tal municipal Souza Aguiar. Dever Estatal de assistência a saúde resultante de norma constitucional. Obrigação

Da Ohdem Econômica e da Oroem Soc>al

As ações e os serviços ligados à saúde apresentam relevância pública, de modo que o Poder Público deverá regulamentar, fiscalizar e controlá-los, para sua exe cução, que poderá se dar de maneira direta ou indireta - por meio de terceiros, inclusive pessoa física ou jurídica de direito privado (art. 197, da CR/88).

É importante, esclarecer ainda que as ações e os serviços de saúde foram organizados para formar uma rede integrada, regionalizada e hierarquizada, co­ nhecida como SUS (Serviço Único de Saúde, criado pela Lei n° 8.689/93),60 a partir das seguintes diretrizes: (1) descentralização, com direção única em cada esfera de governo; (2) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e (3) participação da comunidade. Para financiamento do SUS, a previsão constitucional se dá nos artigos 195 e 198, § 1®, a partir de recursos do orçamento da seguridade social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Os entes da

jurídico-constitucional que se impõe aos municípios (CF, art. 30. VII). Configuração, no caso, de típica hipótese de omissão inconstitucional imputável ao municipio. Desrespeito à constituição provocado por inércia estatal. Comportamento que transgride a autoridade da lei fundamental da república. A questão da reserva do pos­ sível: reconhecimento de sua inaplicabilidade, sempre que a invocação dessa cláusula puder comprometer o núcleo básico que qualifica o mínimo existencial. O papel do Poder Judiciário na implementação de politicas públicas instituídas pela constituição enão efetivadas pelo poder público. A fórmula da reserva do possível na perspectiva da teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua invocação para legitimar o injusto inadimplemento de deve­ res estatais de prestação constitucionalmente impostos ao poder publico. A teoria da “restrição das restrições" (ou da “limitação das limitações"). Caráter cogente e vinculante das nor mas constitucionais, inclusive daquelas de conteúdo programático, que veiculam diretrizes de políticas públicas, especialmente na área da saúde (CR, arts. 6". 196 e 197). A questão das "escolhas trágicas''. A colmatação de omissões inconstitucionais como necessidade institucional fundada em comportamento afirmativo dos juizes e tribunais e de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito. Controle Jurisdicional de legitimidade da omissão do poder publico: atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidadedeobservância de certos parâmetros constitucionais (proibição de retrocesso social, proteção ao mí­ nimo existencial, vedação da proteção insuficiente e proibição de excesso). Precedentes do STF em tema de imple mentação de politicas publicas delineadas na Constituição da República. Já nos termos dc» RE n° 429.903 julg. em 25.06.2014: A Ia Turma do STF negou provimento a recurso extraordinário para assentar a legitimidade de determinação judicial no sentido de que o Estado do Rio de Janeiro mantivesse determinado medi­ camento em estoque. No caso, o Ministério Público Federal ajuizara ação civil pública, cujo pedido fora julga­ do parcialinente procedente, na qual se postulava a aquisição, pelo referido ente federativo, de medicamento a portadores da doença de Gaucher, e a manutenção de estoque por certo período, para evitar interrupção do tratamento, tendo em conta lapsos na importação do produto. No mérito, reafirmou a jurisprudência da Corte quanto á ausência de violação ao princípio da separação dos Poderes quando do exame pelo Poder Judiciário de ato administrativo tido por ilegal ou abusivo. Aduziu, ademais, que o Poder Público, qualquer que fosse a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não poderia se mostrar indiferente ao problema da saúde da populacao, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. Com isso, determinou o STF, que a Administração Pública pode ser obrigada, por decisão do Poder Judiciário, a manter estoque mínimo de determinado medicamento utilizado no combate a certa doença grave, de modo a evitar interrupções no tratamento. Conforme dito, para o STF. não háviolação qo princípio da separação dos poderes no caso, Entende o STF, que o Poder Judiciário não está determinando metas nem prioridades do Estado, nem tampouco interferindo na gestão de suas verbas. O aue se está fazendo é controlar os atos e serviços da Administração Pública aue. neste caso, se mostraram ilegais ou abusivos iã que, mesmo o Poder Público se comprometendo a adquirir os medicamentos, há falta em seu estoque, ocasionando araves prejuízos aos pacientes. Assim, não tendo a Administração adquirido o medicamento em tempo hábil a dar continuidade ao tratamento dos pacientes, atuou de forma ilegítima, violando o direito à saúde daqueles pacientes, o que autoriza a ingerência do Poder Judiciário. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. 60. REISSINGER, Simone, Aspectos controvertidos do direito à saúde na constituição brasileira de 1988, p. 20.

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federação deverão aplicar um percentual mínimo calculado sobre: no caso da União, conforme o fixado em lei complementar; no caso dos Estados e do Distrito Federal, levando em conta o produto da arrecadação de impostos previstos no art. 155 e dos recursos previstos no art. 157 e 159, I, "a", e 159, II, da Constituição de 1988, dedu­ zidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; e, no caso dos Municípios e do Distrito Federal, levar-se-á em conta 0 produto da arrecadação de impostos previstos no art. 156 e dos recursos fixados nos artigos 158 e 159,1, "b", e 159, § 3o, da Constituição de 1988.61

Aqui, é interessante observarmos, que os entes, no que diz respeito à saúde, não podem burlar a norma do art.198 da CR/88. Como exemplo, em recente caso concreto, 0 Estado de Goiás, por meio de Emendas à Constituição Estadual (EC n» 54 e EC n» 55/2017), instituiu um regime de contenção de gastos, que foi denominado de "Novo Regime Fiscal do Estado de Goiás” (NRFG). Por força do NRFG, houve uma limitação, até 31 de dezembro de 2026, dos gastos correntes da Administração Públi­ ca estadual, no âmbito dos três poderes e demais órgãos autônomos. Foi ajuizada ADI contra essas emendas constitucionais e o STF em 2019, por maioria, concedeu medida cautelar para suspender os efeitos, dentre outras normas, do inciso I do art. 45 do ADCT da Constituição do Estado de Goiás (na redação dada pelo art. 1° da Emenda de n° 54/2017). Esse art. 45 determinou que a partir do exercício financeiro de 2018, as aplicações mínimas de recursos pelo Estado: I - em ações e serviços públicos de saúde e em manutenção e desenvolvimento do ensino corresponderão, em cada exercício financeiro, às aplicações mínimas referentes ao exercício anterior, corrigidas pela variação do IPCA ou da RCL, na forma do art. 41. 0 STF afirmou que ao suspender a exigência de atrelamento, em determina­ do exercício fiscal, à receita efetivamente arrecadada, dos gastos estaduais com "ações e serviços públicos de saúde" e "manutenção e desenvolvimento do ensino",

61. A Lei Complementar Federal 141/2012 fixa os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Esta­ dos, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde. O art. 11 da Lei estabeleceu que as Cons­ tituições dos Estados ou as Leis Orgânicas dos Municípios podem fixar valores mais altos do que o previsto na LC 141/2012 de repasses em prol da saúde. O STF julgou inconstitucional esse art. 11 da LC 141/2012 porque, segun­ do o art. 198, § 3o, I. da CF/88, os percentuais mínimos que os Estados, DF e Municípios são obrigados a aplicar na saúde devem estar previstos em lei complementar federai editada pelo Congresso Nacional, não poden­ do isso ser delegado para os Estados/DF e Municípios. Além disso, o STF afirmou que são Inconstitucionais normas da Constituição Estadual que prevejam percentuais de aplicação mínima na saúde em patamares diferentes daquele fixado pela Lei complementar federal. STF. Plenário. ADI 5897/SC, Rel. Min. Luz Fux, julgado em 24.04.2019 (Informativo 938). No caso: O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 11 da Lei Complementar 141/2012; do art. 155 da Constituição do Estado de Santa Catarina, no redação dada pela Emenda Constitucional estadual 72/2016; e do caput e inciso lll do art. 50 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estadual, também com a redação conferida pela EC estadual 72/2016. Conforme o Informativo 838: (...) a EC 72/2016, ao fixar percentuais que excedem aqueles previstos na LC 141/2012, Instituiu uma vinculação orçamentária não autorizada pela Carta Magna, em ofensa aos seus arts. 165; 167, IV; e 198, § 3°, I. O caráter irrestrito da possibilidade de aumento dos percentuais mínimos pelos entes federados, autorizada pelo art. 11 da LC 141/2012, atribui às assembléias estaduais e câmaras de vereadores o poder ilimitado de vincular quaisquer recursos, distorcendo o processo legislativo orçamentário insculpido no art. 165 da CF. A alocação de recursos orçamentários em montante superior aos percentuais mínimos instituídos constitucionalmen­ te cabe aos poderes eleitos, nos limites de sua responsabilidade fiscal e em cada exercício.

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limitando-os ao montante correspondente às despesas do exercício anterior "corri­ gidas pela variação do IPCA ou da RCL", o art. 45,1, da Emenda Constitucional 54/2017 de Goiás promoveu, pelo prazo de dez anos, desvinculação à margem do figurino constitucional (descumprimento dos arts. 198, § 2», II, e 212, caput da CR/88).62 Conforme 0 STF, uma vez atado 0 teto de gastos com saúde e educação ao to­ tal de despesas do exercício anterior, desobriga-se a Administração de promover acréscimo dos valores direcionados às áreas caso verificado incremento de receita, devendo obediência apenas ao novo limite criado, e não mais ao piso constitucio­ nalmente estabelecido. Logo, isso viola a regra de vinculação do art. 198, § 2®, II, e art. 212, da CR/88. Portanto, temos 0 descumprimento da Constituição.63 Na sequência, ao SUS compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (1) controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; (2) executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; (3) ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; (4) participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; (5) incrementar em sua área de atua­ ção 0 desenvolvimento científico e tecnológico; (6) fiscalizar e inspecionar alimen­ tos, compreendido 0 controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; (7) participar do controle e da fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; e (8) colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido 0 do trabalho. Aqui é importante salientar, que como incumbe ao Estado 0 dever de zelar pela saúde da população (dever do Estado nos termos do art. 196 da CR/88), foi criada a Anvisa.

A Anvisa que deve ser entendida como uma autarquia sob regime especial vin­ culada ao Ministério da Saúde, que tem 0 dever de autorizar e controlar a distribuição de substâncias químicas segundo protocolos cientificamente validados. Ela foi criada pela Lei n° 9.782/99 com 0 objetivo de promover a proteção da saúde da população, sendo ela a responsável por exercer a vigilância sanitária de medicamentos. A sua atividade fiscalizatória é realizada mediante atos administrativos concre­ tos devidamente precedidos de estudos técnicos. Por isso, a aprovação, por exem­ plo, de um determinado medicamento no órgão do Ministério da Saúde é condição indispensável para a sua industrialização, comercialização e importação com fins comerciais, conforme exige 0 art. 12 da Lei n° 6.360/76. 0 registro é condição para 0

62. 63.

STF. Plenário. ADI 6129/G0, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11.09.2019 (Info 951). STF. Plenário. ADI 6129/GO, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11.092019 (Info 951).

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monitoramento da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto. Sem o registro, há uma presunção de que o produto é inadequado à saúde humana. Nesses termos, em recente caso a Associação Médica Brasileira (AMB) ajuizou ADI contra a Lei n.° 13.269/2016. Essa referida lei autorizava 0 uso da fosfoetanolamina sintética (conhecida como pílula do câncer) por pacientes portadores de câncer, mesmo sem a aprovação do Anvisa. A AMB alegou que, diante do "desconhecimento amplo acerca da eficácia e dos efeitos colaterais" da substância em seres humanos, sua liberação é incompatível com direitos constitucionais fundamentais, como 0 direito à saúde (arts. 6° e 196 da CR/88), 0 direito à segurança e à vida (art. 5» da CR/88), e 0 princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, lll, da CR/88). A AMB explicou que a "pílula do câncer" não passou pelos testes clínicos em seres humanos exigidos pela legislação e que a permissão do seu uso causa risco grave à vida e à integridade física dos pacientes. Pois bem, o plenário do STF, por decisão majoritária, deferiu medida liminar na ADI 5501, julgada em 19.05.2016, para suspender a eficácia da Lei n° 13.269/2016, que autorizava 0 uso do medicamento fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnos­ ticados com neoplasia maligna, a despeito da inexistência de estudos conclusivos no tocante aos efeitos colaterais em seres humanos, bem assim de ausência de registro sanitário da substância perante 0 órgão competente.54

Portanto, o STF suspendeu a eficácia da referida Lei.64

64. Informativo 826 do STF: O Colegiado entendeu que, ao suspender a exigibilidade de registro sanitário do me­ dicamento, a lei impugnada discrepa da Constituição (art. 196) no tocante ao dever estatal de reduzir o risco de doença e outros agravos ã saúde dos cidadãos. O STF, em atendimento ao preceito constitucional, tem proferido de­ cisões a garantir o acesso a medicamentos e tratamentos médicos, cabendo aos entes federados, em responsabilidade solidária, fornecê-los. O caso, entretanto, nâo se amolda a esses parâmetros. Sucede que, ao dever de fornecer medica­ mento à população contrapòe-se a responsabilidade constitucional de zelar pela qualidade e segurança dos produtos em circulação no território nacional, ou seja, a atuação proibitiva do Poder Público, no sentido de impedir o acesso a determinadas substâncias. Isso porque a busca pela cura de enfermidades não pode se desvincular do corres­ pondente cuidado com a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo científico. Na elaboração do ato impugnado, fora permitida a distribuição do remédio sem o controle prévio de viabilidade sanitária. Entretanto, a aprovação do produto no órgão do Ministério da Saúde é condição para industriali­ zação, comercialização e importação com fins comerciais (Lei 6.360/1976, art. 12). O registro é condição para o monitoramento da segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto, sem o qual a inadequação é presumida. A lei em debate é casuística ao dispensar o registro do medicamento como requisito para sua comercialização, e esvazia, por via transversa, o conteúdo do direito fundamentalà saúde. (...) 0 Tribunal vislumbrou, na publica­ ção do diploma impugnado, ofensa à separação de Poderes. Ocorre que incumbe ao Estado, de modo geral, o dever de zelar pela saúde da população Entretanto, fora criado órgão técnico, autarquia vinculada ao Ministério da Saúde (Anvisa), à qual incumbe o dever de autorizar e controlar a distribuição de substâncias químicas segun­ do protocolos cientificamente validados. A atividade fiscalizatória (CF, art. 174) é realizada mediante atos administrativos concretos devidamente precedidos de estudos técnicos. Não cabe ao Congresso, portanto, viabilizar, por ato abstrato e genérico, a distribuição de qualquer medicamento. Assim, é temerária a liberação da substância em discussão sem os estudos clínicos correspondentes, em razão da ausência, até o momento, de elementos técnicos assertivos da viabilidade do medicamento para o bem-estar do organismo humano.

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0 STF também se manifestou em recente decisão afirmando que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.65 No caso de medica­ mentos experimentais, sem comprovação científica de eficácia e segurança, e ainda em fase de pesquisas e testes, não há nenhuma hipótese em que o Poder Judiciário possa obrigar o Estado a fornecê-los. Isso não interfere com a dispensação desses fármacos no âmbito de programas de testes clínicos, acesso expandido ou de uso compassivo, sempre nos termos da regulamentação aplicável.

Mas aqui devemos deixar claro que não podemos confundir os medicamentos experimentais com os medicamentos com eficácia e segurança comprovadas, mas sem registro. Esses já passaram por todas as etapas de testes, tendo sido compro­ vadas a sua eficácia e segurança, mas ainda não foram registrados na Anvisa. Aqui é interessante observarmos, que o STF em recente caso enfrentou a seguin­ te questão: medicamentos não registrados pela Anvisa podem ter seu fornecimento determinado pelo Poder Judiciário? No RE 657718/MG, julgado em 22.05.2019 decidiu 0 STF que a ausência de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) impede, como regra geral, 0 fornecimento de medicamento por decisão judicial.66

Porém é possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da Anvisa em apreciar 0 pedido (no caso: prazo superior ao previsto na Lei 13.411/2016), e quando preenchidos mais três requisitos: a) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (sal­ vo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras); b) a existên­ cia de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior6768 ; e c) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.08

65.

66. 67. 68.

RE657718/MG, STF. Plenário. Red. p/oac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22.05.2019 (repercussão geral) (Info 941). Medicamentos experimentais são aqueles sem comprovação científica de eficácia e segurança, e ainda em fase de pesquisas e testes. Nesse caso, a administração da substância representa riscos graves, diretos e imediatos à saúde dos pacientes. Não apenas porque, ao final dos testes, pode-se concluir que a substância é tóxica e produz gra­ ves efeitos colaterais, mas também porque se pode verificar que o tratamento com o fármaco é ineficaz, o que pode representar a piora do quadro do paciente e possivelmente a diminuição das possibilidades de cura e melhoria da doença. A Lei n° 8.080/90 no seu art,19-T inclusive proíbe o fornecimento de medicamentos experimentais no âmbito do SUS. Vale esclarecer que esse entendimento, por óbvio, não proibe o fornecimento desses medica mentos no âmbito de programas de testes clínicos, acesso expandido ou de uso compassivo, sempre nos termos da regulamentação aplicável. Em outras palavras, os testes com medicamentos experimentais, respeitada a le­ gislação vigente, podem continuar sendo realizados. O que o STF afirmou é que os doentes nâo podem exigir judicialmente do Estado o fornecimento de medicamentos experimentais. RE 657718/MG, STF. Plenário. Red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22.05.2019 (repercussão geral) (Info 941). Exemplos de renomadas agências de regulação: a) Food and Drug Administration - FDA, nos EUA; b) Furopean Medicine Agency - EMEA, responsável pela regulação dos medicamentos nos países da União Européia. RE 657718/MG, STF. Plenário. Red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22.05.2019 (repercussão geral) (Info 941). O remédio pedido judicialmente deve ser imprescindível e os que existem no Brasil já registrados nâo po­ dem substitui-lo. Se o paciente tiver outra opção satisfatória para o tratamento da doença com o devido registro sanitário, nâo pode o Poder Judiciário compelir o Poder Público a importar o fármaco pedido pelo paciente, mesmo quando os graus de eficácia dos tratamentos não sejam idênticos.

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Acrescentou o STF que no caso de doenças raras e ultrarraras, é possível, excepcionalmente, que o Estado forneça o medicamento independentemente do registro. Isso porque, nesses casos, muitas vezes o laboratório não tem interesse comercial em pedir o registro.69

Aqui é importante salientar também contra qual ente a ação pleiteando o for­ necimento de medicamento deverá ser proposta. A pergunta é: qual ente federa­ tivo tem o dever de fornecer o medicamento e custear o tratamento de saúde? A União, os Estados ou os Municípios. Conforme a CR/88, a competência para prestar saúde à população é comum a todos os entes nos termos do art.23, II da CR/88. E 0 STF já afirmou em julgado interpretando 0 art.23 que a prestação dos serviços de saúde e 0 fornecimento de medicamentos representam uma responsabilidade solidária dos três entes federativos. E nesses termos, sendo a responsabilidade solidária, 0 indivíduo tem liberdade para ajuizar a ação somente contra a União, somente contra 0 Estado-membro/DF, somente contra 0 Município, contra dois deles ou contra os três entes em litisconsórcio.70 0 STF resumiu essas conclusões com a seguinte tese: Os entes da Federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentrali­ zação e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar 0 cumprimento con­ forme as regras de repartição de competências e determinar 0 ressarcimento a quem suportou 0 ônus financeiro. Essa tese do STF está de acordo com 0 Enunciado 60, aprovado na II Jornada de Direito da Saúde, promovida pelo CNJ: A responsabilidade solidária dos entes da Federação não impede que 0 Juízo, ao deferir medida liminar ou definitiva, direcione inicialmente 0 seu cumprimento a um determinado ente, conforme as regras adminis­ trativas de repartição de competências, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento.71

Porém, aqui existe uma exceção, pois decidiu 0 STF que as ações que deman­ dem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente

RE 657718/MG, STF. Plenário. Red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22.05.2019 (repercussão geral) (Info 941). 70. A responsabilidade dos entes é solidária. No entanto, como bem explicita a doutrina, dentro da estrutura do SUS, existe uma divisão das competências de cada ente, que pode ser assim resumida em linhas gerais: a) União: coordena os sistemas de saúde de alta complexidade e de laboratórios públicos; b) Estados: coordenam sua rede de laboratórios e hemocentros, definem os hospitais de referência e gerenciam os locais de atendimentos com­ plexos da região; c) Municípios: prestam serviços de atenção básica á saúde. Além disso, se um dos entes, em caso de urgência, custeara obrigação que seria de outro, é possível que o magistrado determine o ressarcimento a ser realizado por aquele ente que tinha a obrigação. Exemplo: um paciente ajuiza ação contra os três entes pleiteando tratamento de aita complexidade. Ê concedida a liminar contra os três entes e o Município cumpre a obrigação pedida. Ocorre que se constata que a competência para essa medida era da União. O magistrado poderá, então, condenar a União a ressarcir o Município. Assim, caso se direcione e depois se alegue que, por alguma circunstância, o atendimen to da demanda da cidadania possa ter levado um ente da Federação a eventual ônus excessivo, a autoridade judicial determinará o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. In: Dizer o Direito, Maio de 2019. 71. RE 657718/MG, STF. Plenário. Red. p/oac. Min. Roberto Barroso, julgado em 22.05.2019 (repercussão geral) (Info 941). 69.

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ser propostas em face da União. Assim sendo, conforme o informativo 941 do STF, haja vista que 0 pressuposto básico da obrigação estatal é a mora da agência, as ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União.72 Na sequência, temos que ressaltar a figura prevista no art. 198, § 40, da CR/8873 dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias. Nesse sen­ tido, os gestores locais do Sistema Único de Saúde poderão admitir agentes comu­ nitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.74 Nos termos do RE 581.488, 0 SUS é baseado nos princípios da: a) universalidade, como garantia de atenção à saúde por parte do sistema a todo e qualquer cidadão, por meio de serviços integrados por todos os entes da federação; b) equidade, a assegurar que serviços de todos os níveis sejam prestados, de acordo com a complexidade que 0 caso venha a exigir, de forma isonômica, nas situações simi­ lares; e c) integralidade, reconhecendo-se cada indivíduo como um todo indivisível e integrante de uma comunidade, 0 que exige do Poder Público que as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde formem também um todo indivisível, atendendo os casos e observando os diversos graus de complexidade de forma integral pelas unidades prestadoras de serviços de saúde.

já a legislação é explicitada na Lei n° 8.080/90. Essa em seu art. 7° afirma que as ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram 0 Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, indi­ viduais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; lll - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integri­ dade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos ser­ viços de saúde e a sua utilização pelo usuário; VII - utilização da epidemiologia

72.

73. 74.

RE 657718/MG, STF. Plenário. Red. p/ o ac Min. Roberto Barroso, julgado em 22.05.2019 (repercussão geral). No caso, a parte que pleiteia o fornecimento de medicamento não registrado na Anvisa não está obrigada a ajuizar a ação apenas contra a União. O que o STF decidiu é que a União obrigatoriamente deverá estar no polo passivo. Nesses termos, existe a obrigatoriedade de a União figurar no polo passivo, mas não a sua exclusividade (Informa­ tivo 941). Conforme a Emenda Constitucional n° 51/2006. Conforme o art. 198, §6°, da CR/88: Além das hipóteses previstas no§ 1° do art. 41 e no §4° do art. 169 da Cons­ tituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício (Incluído pela EC n° 51, de 2006).

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para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-ad­ ministrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descen­ tralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população; XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos; XIV - organização de atendimento público específico e especializa­ do para mulheres e vítimas de violência doméstica em geral, que garanta, entre outros, atendimento, acompanhamento psicológico e cirurgias plásticas reparadoras, em conformidade com a Lei n° 12.845, de 1° de agosto de 2013 (com Redação dada pela Lei n» 13.427, de 2017).

Aqui, é importante salientar, que já decidiu 0 STF que é inconstitucional a intitulada diferença de classes no SUS. Ou seja, a possibilidade de um paciente do Sistema Único de Saúde pagar para ter acomodações superiores ou ser aten­ dido por médico de sua preferência. Registra-se que existe uma portaria do Mi­ nistério da Saúde (Portaria 113/1997) que proíbe a diferença de ciasse. Acontece que esse ato estava sendo questionado. Pois bem, 0 STF, em recurso extraordi­ nário submetido à repercussão geral, declarou que ele é constitucional, firman­ do a tese, que vale de forma ampla para todos os casos envolvendo a chamada diferença de classe: "É constitucional a regra que veda, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, a internação em acomodações superiores, bem como 0 atendimento diferenciado por médico do próprio SUS, ou por médico conveniado, mediante 0 pagamento da diferença dos valores correspondentes." 75

75. RE581488/RS, Rel. Min. DiasToffoli, julg. em 03.12.2015 (Repercussão Geral). Informativo 81OfErnbora os serviços de saúde devam obedecer a esses princípios (universalidade, equidade e integralidade). estão limitados pelos elemen­ tos técnico-cientificos, e pela capacidade econômica do Estado. Nesse contexto, possibilitar assistência diferenciada a pessoas numa mesma situação, dentro de um mesmo sistema. vulnero a isonomia e a dignidade humana. Admitir que um paciente internado pelo SUS tenha acesso a melhores condições de internação ou a médico de sua confiança mediante pagamento subverte a lógica do sistema e ignora suas premissas. Além disso, a Constituição não veda o atendimento personalizado de saúde, e admite o sistema privado. Os atendimentos realizados pela rede pública, to­ davia, não devem se submeter à lógico do lucro, por não ser essa a finalidade do sistema. Ainda que os supostos custos extras corressem por conta do interessado, a questão econômica ocupa papel secundário dentre os objetivos impostos ao ente estatal. 4 implementação de um sistema de saúde equânime é missão do Estado, que deve buscar a igualdade sempre que chamado a atuar. O Tribunal assinalou que a diferença de classes dentro do sistema também não leva a maior disponibilidade de vagas na enfermaria, porque há um limite de adm issão de pessoas para cada estabelecimen­ to, e todo paciente, mesmo em acomodações superiores, é contabilizado dentro do mesmo sistema público. Sublinhou precedentes do STF relacionados ao tema, em que garantido, em casos excepcionais, o tratamento diferenciado, o despeito da proibição de pagamento a título de complementação aos hospitais, por internação de pacientes em quar­ tos particulares. Ocorre que os julgados dizem respeito a casos individuais, baseados na situação clínica de pacientes específicos, e grande parte deles se dera na fase de implementação do SUS. No presente caso, entretanto, se objetiva implementar a diferença de classe de modo amplo e irrestrito. Assim, embora se reconheça que o SUS ainda carece de recursos e de aprimoramento para se consagrar como um sistema que atenda ás suas finalidades constitucionais e

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Conforme a Emenda Constitucional n» 63/2009, Lei federal disporá sobre 0 regime jurídico, 0 piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os planos de carreira e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos da lei, pres­ tar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial. E no que tange à iniciativa privada? A iniciativa privada é livre para partici­ par (art. 199 da CR/88), de forma a complementar o SUS, seguindo as diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. Mas é importante aclarar que é vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos; assim como é proibido a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.

Na sequência, observamos que 0 STF decidiu recentemente que é constitu­ cional 0 ressarcimento previsto no art. 32 da Lei n° 9.656/98, 0 qual é aplicável aos procedimentos médicos, hospitalares ou ambulatoriais custeados pelo SUS e posteriores a 04.06.1998, assegurados 0 contraditório e a ampla defesa, no âm­ bito administrativo, em todos os marcos jurídicos. 0 art. 32 da Lei n° 9.656/98 es­ tabeleceu que, se um cliente do plano de saúde utilizar-se dos serviços do SUS, o Poder Público poderá cobrar do referido plano o ressarcimento que ele teve com essas despesas. Assim, 0 chamado "ressarcimento ao SUS", criado pelo art. 32, é uma obrigação legal das operadoras de planos privados de assistência à saúde de restituir as despesas que o SUS teve ao atender uma pessoa que seja cliente e que esteja coberta por esses planos.

As operadoras privadas de plano de saúde ingressavam com ações judiciais questionando a validade do art. 32 da Lei n° 9.656/98, sob 0 fundamento de que a sua participação na saúde tem caráter suplementar, uma vez que o dever primário de assegurar 0 acesso à saúde é atribuído pela Constituição de 1988 aos entes políticos. Nesses termos, defendiam que 0 Poder Público possui, sim, obrigação de prestar saúde a quem procurar, não devendo os planos de saúde ser obrigados a ressarcir tais despesas. Além disso, tais operadoras aduziam que 0 referido art. 32 representaria a instituição de uma nova fonte de custeio para a seguridade social, 0 que somente poderia ocorrer por meio de lei com­ plementar, nos termos do art. 195, § 4°, da CR/88.

Porém, nos termos do Informativo 890 do STF, 0 Pretório Excelso entendeu que 0 art. 32 da Lei n° 9.656/98 é válido (constitucional). Dessa maneira, 0 art. 32 não representaria a criação de uma nova fonte de receitas para seguridade social.

legais, deve haver esforços no sentido da promoção da igualdade de acesso, e não em sentido oposto, em clara ofensa à Constituição."

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nos termos do art. 195, § 4°, da CR/88. Trata-se apenas de um desdobramento do contrato firmado entre as operadoras de saúde e seus clientes. Nesses termos, as operadoras de saúde atuam em um serviço regulado pelo Poder Público, devendo cumprir as condições impostas. 0 tratamento em hospital público não pode ser negado a nenhuma pessoa, considerando que 0 acesso aos serviços de saúde no Brasil é universal (art. 196 da CR/88). Porém, se 0 Poder Público atende um usuário do plano de saúde, 0 SUS deve ser ressarcido, assim como ocorrería caso esse usuário do plano de saúde tivesse sido atendido em um hospital particular (não conveniado ao SUS). A tese aqui é a de que 0 art. 32 da Lei n° 9.656/98 impede o enriquecimento ilícito das empresas de plano de saúde. Porém, 0 STF fez uma ressalva, qual seja, a de que a regra do art. 32 somente é aplicável aos proce­ dimentos ocorridos após 04.06.1998, data em que foi publicada a Lei n« 9.656/98, desde que assegurado 0 exercício do contraditório e da ampla defesa.76

Sobre a referida Lei n° 9.656/98, supracitada e que disciplina os planos e seguros privados de assistência à saúde, decidiu 0 Pretório Excelso que ela é constitucional. Porém, esse diploma normativo não pode ser aplicado para contratos celebrados antes de sua vigência. Assim, são inconstitucionais os dispositivos da Lei n° 9.656/98 que determinavam a sua aplicação para contratos celebrados antes da sua edição.77 Outra questão importante sobre 0 tema (do direito social à saúde) envolve a discussão (já aventada no capítulo que envolveu os direitos sociais) sobre o inti­ tulado atendimento de urgência na rede hospitalar. Certo é que a recente Lei n° 12.653, de 28.05.2012, tipificou 0 crime de condicionar atendimento médico-hospitalar emergencial a qualquer tipo garantia.

Nesses termos, reforçamos aqui, que, conforme 0 recém-criado art. 135-A do Código Penal, é crime exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como 0 preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para 0 atendimento médico-hospitalar emergencial. A pena será de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. A pena é aumentada até 0 dobro se, da negativa de atendimento, resulta lesão corporal de natureza grave, e até 0 triplo se resulta a morte.

76.

77.

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RE 597064/RJ, STF. Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 07.02.2018 (repercussão geral). Procedimen­ to: 1)0 paciente é atendido em uma instituição pública ou privada, conveniada ou contratada, integrante do SUS; 2) A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) cruza os dados dos sistemas de informações do SUS com o Sistema de Informações de Beneficiários (SIB) da própria Agência para identificaras pessoas que foram atendidas na rede pública e que possuem plano de saúde; 3) A ANS notifica a operadora informando os atendimentos que realizou relacionados com seus clientes; 4) A operadora pode contestar isso nas instâncias administrativas, dizen­ do, por exemplo, que aquele serviço utilizado pelo seu cliente no SUS não era coberto pelo plano, que o paciente já havia deixado de ser usuário do plano etc. 5) Não havendo impugnação administrativa ou não sendo esta acolhida, a ANS cobra os valores devidos. 6) Caso não haja pagamento, a operadora será incluída no CADIN e os débitos inscritos em divida ativa da ANS para, em seguida, serem executados. 7) Os valores recolhidos a título de ressarcimento ao SUS sâo repassados pela ANS para o Fundo Nacional de Saúde. IN: L0PE5 CAVALCANTE, Márcio André, Informativo 890 do STF. AD11931/DF, STF. Plenário. Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 07.02.2018 (Informativo 890 do STF).

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Temos ainda que o estabelecimento de saúde que realize atendimento médico-hospitalar emergencial, a partir da nova lei, ora em comento, fica obrigado a afixar, em local visível, cartaz ou equivalente, com a seguinte informação: "Constitui crime a exigência de cheque-caução, de nota promissória ou de qualquer garantia, bem como do preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, nos termos do art. 135-A do Decreto-Lei n« 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal". Por último, é interessante registrarmos que em virtude de forte clamor popular no ano de 2013 (momento em que boa parte da população brasileira foi às ruas cobrar a implementação de políticas públicas pelo Governo, tendo a saúde como uma das principais bandeiras) tivemos 0 advento da Lei n° 12.871 de 22.10.2013 que instituiu 0 programa "Mais Médicos" do Ministério da Saúde.

Assim, o diploma normativo do Programa Mais Médicos, teve a finalidade de formar recursos humanos na área médica para 0 Sistema Único de Saúde (SUS) e teve os seguintes objetivos:

a) diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para 0 SUS, a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde; b) fortalecer a prestação de serviços de atenção básica em saúde no País; c) aprimorar a formação médica no País e proporcionar maior experiência no campo de prática médica durante 0 processo de formação; d) ampliar a inserção do médico em formação nas uni­ dades de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a reali­ dade da saúde da população brasileira; e) fortalecer a política de educação per­ manente com a integração ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de educação superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhadas pelos médicos; f) promover a troca de conhecimentos e experiências entre pro­ fissionais da saúde brasileiros e médicos formados em instituições estrangeiras; g) aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde do País e na organização e no funcionamento do SUS; e h) estimular a realização de pesquisas aplicadas ao SUS. Conforme a Lei n° 12.871/2013, para a consecução dos objetivos do Programa Mais Médicos, seriam adotadas, entre outras, as seguintes ações: a) reordenação da oferta de cursos de Medicina e de vagas para residência médica, priorizando regiões de saúde com menor relação de vagas e médicos por habitante e com estrutura de serviços de saúde em condições de ofertar campo de prática sufi­ ciente e de qualidade para os alunos; b) estabelecimento de novos parâmetros para a formação médica no País; e c) promoção, nas regiões prioritárias do SUS, de aperfeiçoamento de médicos na área de atenção básica em saúde, mediante integração ensino-serviço, inclusive por meio de intercâmbio internacional.78

78. Lei n° 12.871/2013: art. 30. O quantitativo dos integrantes dos projetos e programas de aperfeiçoamento de que trata esta Lei observará os limites dos recursos orçamentários disponíveis. § 1o O quantitativo de médicos

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Bernardo Gonçalves Fernandes

Além disso, o programa foi oferecido: I - aos médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma revalidado no País; e II - aos médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de intercâmbio médico internacional. E a seleção e a ocupação das vagas ofertadas no âmbito do Projeto Mais Mé­ dicos para o Brasil deveríam observar a seguinte ordem de prioridade: I - médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma reva­ lidado no País, inclusive os aposentados; II - médicos brasileiros formados em ins­ tituições estrangeiras com habilitação para exercício da Medicina no exterior; e lll - médicos estrangeiros com habilitação para exercício da Medicina no exterior. Para fins do Projeto Mais Médicos para o Brasil, seria considerado: I - médico participan­ te: médico intercambista ou médico formado em instituição de educação superior brasileira ou com diploma revalidado; e II - médico intercambista: médico formado em instituição de educação superior estrangeira com habilitação para exercício da Medicina no exterior.

Certo é que, todos os profissionais, independentemente do país de origem, preci­ sariam ter diploma de medicina expedido por instituição de ensino superior estrangeira, habilitação para o exercício da profissão no país de origem e ter conhecimento de língua portuguesa, regras de organização do SUS e de protocolos e diretrizes clínicas de atenção básica.

Temos que o Programa Mais Médicos, ora citado, questionado no Pretório Ex­ celso, foi considerado constitucional pelo STF. Para o STF, a Lei do Mais Médicos não permitiu o "exercício ilegal da medicina" ao dispensar a revalidação do diploma estrangeiro do médico intercambista.7’ Conforme o STF, o art. 5°, XIII, da CR/88, prevê a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. A Constituição não determinou a obrigatoriedade de revalidação do diploma, não tendo havido, portanto, ofensa ao texto constitucional. Além disso, a previsão da dispensa da revalidação é uma situação excepcional para o médico intercambista, exclusivamente no âmbito das atividades de ensino, pesquisa e ex­ tensão do Programa Mais Médicos. Além disso, 0 STF entendeu que 0 argumento da falta de domínio do idioma português pelos médicos não traz nenhuma violação direta ao texto constitucional, razão pela qual não conheceu da ação quanto a este ponto.79 80

79.

80.

2080

estrangeiros no Projeto Mais Médicos para o Brasil nâo poderá exceder o patamar máximo de 10% (dez por cento) do número de médicos brasileiros com inscrição definitiva nos CRMs. § 2° O SUS terá o prazo de 5 (cinco) anos para dotar as unidades básicas de saúde com qualidade de equipamentos e infraestrutura, a serem definidas nos planos plurianuais. 5 3o As despesas decorrentes da execução dos projetos e programas previstos nesta Lei correrão à conta de dotações orçamentárias destinadas aos Ministérios da Educação, da Defesa e da Saúde, con­ signadas no orçamento geral da União. Aqui registramos que a nova Lei n"13.959/2019 de 18.12.2019 atua Imente impede essa possibilidade e exige a revalidação. STF. Plenário. ADI 5.035/DF e ADI 5.037/DF, Rel. p/ oac. Min. Alexandre de Moraes, julg. em 30.11.2017.

Da Ohoem Econômica e

da

Obdem Social

Também entendeu o STF que o Programa Mais Médicos é prioritariamente ofe­ recido aos profissionais diplomados no Brasil. Na sequência, aos médicos formados

no exterior.

Assinalou o STF, nos termos do Informativo 886, que a ocorrência de proble­ mas na aplicação da lei não afeta a constitucionalidade do modelo, opção legítima para a maior preocupação da sociedade que é a saúde. A norma atacada pode não ter sido a melhor opção do ponto de vista técnico, mas foi opção de política pública válida para tentar minimizar a dificuldade de se fazer chegar a possibili­ dade de atendimento médico aos locais mais distantes. Com esteio nos arts. ?«, lll; 170 e 198 da CR/1988, verificou-se forma para que se pudesse levar 0 serviço médico a todos os rincões. Eventuais ilicitudes ou falhas na execução dessas polí­ ticas públicas devem ser investigadas e corrigidas.81 Noutro passo, entendeu o STF que a prioridade estabelecida no SUS, com 0 Programa Mais Médicos, foi 0 binômio ensino e serviço. Assim, ao longo da especia­ lização, há a obrigatoriedade da prestação de serviços supervisionada por médicos brasileiros. Em vez de se investir na especialização para depois auferir 0 retorno, 0 programa pensou em resolver isso fazendo a questão do ensino/serviço ao mesmo tempo. Em virtude disso, reputou não se tratar de vínculo empregatício. É forma acadêmico-profissional que foi encontrada e que é utilizada também em outros países, muito semelhante ao que se faz ao conscrito médico ou dentista. Como resultado, 0 plenário do STF afastou a assertiva de violação ao concurso público. Para 0 STF a regra é de um chamamento. Prioriza o médico brasileiro e, so­ mente na falta, procede à sequência. Portanto, identificou inexistir relação traba­ lhista. Desse ponto de vista, é relação que se faz com entidades, países, de bolsas oferecidas, sem se dar diretamente entre 0 Brasil e 0 médico específico.8283 *No que concerne a Cuba, há um intermediário que realiza a escolha de médicos ou faz a implantação, mas não é uma diferenciação realizada pelo Brasil. Os médicos que se inscrevem sabiam as condições da bolsa. 0 Brasil não trata desigualmente a bolsa que oferece no programa, faz 0 chamamento. A bolsa é oferecida a certas entida­ des e, no caso de Cuba, a entidade supervisora, ligada àquele governo, controla e fica com uma parcela. Entretanto, nada obriga 0 médico cubano a aceitar essa bolsa. Frisou 0 STF não haver tratamento diferenciado em todos os requisitos para 0 médico intercambista. 0 que acontece é que cada país se estrutura de uma de­ terminada maneira dentro dos pactos tratados com 0 Brasil ou, nesta situação, das bolsas oferecidas.85

81. 82. 83.

STF. Plenário. ADI 5.035/DF e ADI 5.037/DF, Rel. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julg. em 30.11.2017. STF. Plenário. ADI 5.035/DF e ADI 5.037/DF. Rel. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julg. em 30.11.2017. STF. Plenário. ADI 5.035/DF e ADI 5.037/DF. Rel. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julg. em 30.11.2017. Porém, apesar da decisão do STF. o governo de Cuba informou em 14.11.2018 que decidiu sair do programa Mais Médi­ cos. O governo de Cuba citou "referências diretas e depreciativas feitas pelo então presidente eleito Jair Bolsonaro á presença dos médicos cubanos no Brasil. Portanto, o Ministério da Saúde Pública de Cuba tomou a decisão de não

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Aqui registramos que no programa Mais Médicos, pouco mais da metade dos par­ ticipantes vieram de cuba. Nesses termos, seriam cubanos aproximadamente 8.556 dos 16.707 participantes. Porém devido a atritos com 0 governo brasileiro. Cuba decidiu re­ tirar-se do programa em novembro de 2018 mediante comunicado a organização Pan-A­ mericana de saúde. Acontece que em agosto de 2019, 0 Presidente da República Jair Bolsonaro apre­ sentou 0 Programa Médicos pelo Brasil como 0 substituto do Programa Mais Médicos (Medida Provisória 890). 0 novo programa prevê a abertura de 18 mil vagas de médicos para um atendimento a princípio em mais de 4 mil municípios, além de um plano de carreira para os profissionais. 0 Programa Mais Médicos não foi completamente anulado para não ocorrer um vácuo de profissionais, mas seria conforme 0 cronograma do atual governo alterado pelo novo programa (ou pelo menos complementado e incrementado). Pois bem a MP 890 foi convertida na Lei n° 13.958/2019 de 18.12.2019. Esta Lei, como já dito, instituiu de forma definitiva 0 Programa Médicos pelo Brasil, com a finalida­ de de incrementar a prestação de serviços médicos em locais de difícil provimento ou de alta vulnerabilidade e de fomentar a formação de médicos especialistas em medicina de família e comunidade, no âmbito da atenção primária à saúde no Sis­ tema Único de Saúde (SUS), e autoriza 0 Poder Executivo federal a instituir serviço social autônomo denominado Agência para 0 Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps)

Conforme 0 art.2°, para os fins da nova Lei, consideram-se: I - atenção primária à saúde: 0 primeiro nível de atenção do SUS, com ênfase na saúde da família, a fim de garantir: a) 0 acesso de primeiro contato; e b) a integralidade, a continuidade e a coordenação do cuidado; II - locais de difícil provimento: a) Municípios de pe­ queno tamanho populacional, baixa densidade demográfica e distância relevante de centros urbanos, nos termos de ato do Ministro de Estado da Saúde, conforme classificação estabelecida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísti­ ca (IBGE); e b) Distritos Sanitários Especiais Indígenas, comunidades remanescentes de quilombos ou comunidades ribeirinhas, incluídas as localidades atendidas por unidades fluviais de saúde, nos termos de ato do Ministro de Estado da Saúde; lll locais de alta vulnerabilidade: localidades com alta proporção de pessoas ca­ dastradas nas equipes de saúde da família e que recebem benefício financeiro do Programa Bolsa Família, benefício de prestação continuada ou benefício previden­ ciário no valor máximo de 2 (dois) salários-mínimos, nos termos de ato do Ministro de Estado da Saúde.

Além disso, 0 novo programa previsto na Lei n° 13.958/2019 (Programa Médicos pelo Brasil) tem a finalidade de incrementar a prestação de serviços médicos em locais de difícil provimento ou de alta vulnerabilidade e de fomentar a formação de

continuar participando do Programa Mais Médicos e assim comunicou à diretora da Organização Pan-Americana de Saúde [Opas] e aos lideres políticos brasileiros que fundaram e defenderam a iniciativas

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Da Ordem Econômica e

da

Ordem Social

médicos especialistas em medicina de família e comunidade, no âmbito da atenção primária à saúde no SUS. São objetivos do Programa Médicos pelo Brasil: I - promover o acesso universal, igualitário e gratuito da população às ações e aos serviços do SUS, especialmente nos locais de difícil provimento ou de alta vulnerabilidade; II - fortalecer a atenção primária à saúde, com ênfase na saúde da família e na humanização da atenção; lll - valorizar os médicos da atenção primária à saúde, principalmente no âmbito da saúde da família; IV - aumentar a provisão de médicos em locais de difícil provimen­ to ou de alta vulnerabilidade; V - desenvolver e intensificar a formação de médicos especialistas em medicina de família e comunidade; e VI - estimulara presença de médicos no SUS.“4 Aqui é importante registrar, no que diz respeito a relação do antigo programa mais médicos pelo Brasil (Lei 0012.871/2013) e 0 novo Programa médicos pelo Brasil (Lei 0013.958/2019) temos no art.34 da Lei n® 13.958/2019 que a Lei n® 12.871, de 22 de outubro de 2013, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 23-A: Será reincorporado ao Projeto Mais Médicos para 0 Brasil, na forma do inciso II do caput do art. 13 desta Lei (Lei n® 13.958/2019), pelo prazo improrrogável de 2 (dois) anos, o médico intercambista que atender cumulativamente aos seguintes requisitos: I - estar no exercício de suas atividades, no dia 13 de novembro de 2018, no âmbito do Projeto Mais Médicos para 0 Brasil, em razão do 80® Termo de Cooperação Técnica para implementação do Projeto Ampliação do Acesso da População Brasileira à Atenção Básica em Saúde, firmado entre 0 Governo da República Federativa do Brasil e a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde; II - ter sido desligado do Projeto Mais Médicos para 0 Brasil em virtude da ruptura do acordo de cooperação entre 0 Ministério da Saúde Pública de Cuba e a Organização Pan-A­ mericana da Saúde/Organização Mundial da Saúde para a oferta de médicos para esse Projeto; e lll - ter permanecido no território nacional até a data de publicação da Medida Provisória n® 890, de i« de agosto de 2019, na condição de naturalizado, residente ou com pedido de refúgio."

E, por último, 0 importante art.37 da Lei 0’13.958/2019 determina que essa nova Lei não altera a execução do Projeto Mais Médicos para 0 Brasil, previsto na Lei n® 12.871, de 22 de outubro de 2013, nem as demais normas sobre 0 tema. Nesses

84. Lei n° 13.958/2019: Art. 4° 0 Programa Médicos pelo Brasil será executado pela Adaps, nos termos do Capítulo lll desta Lei, sob a orientação técnica e a supervisão do Ministério da Saúde. Parágrafo único. Compete ao Ministério da Saúde, entre outras competências, definir e divulgar: I - a relação dos Municípios aptos a serem incluídos no Programa Médicos pelo Brasil, de acordo com a definição de locais de difícil provimento ou de alta vulnerabilida­ de, observado o disposto no art. 2® desta Lei; II - os procedimentos e os requisitos para a adesão dos Municípios ao Programa Médicos pelo Brasil; lll - a relação final dos Municípios incluídos no Programa Médicos pelo Brasil e o quantitativo de médicos da Adaps que atuarão em cada Município; e IV - as formas de participação dos usuários do Programa Médicos pelo Brasil na avaliação dos serviços prestados e do cumprimento de metas. Art. 5° A ade­ são do Municipio ao Programa Médicos pelo Brasil ocorrerá por meio de termo de adesão, do qual constarão suas obrigações no âmbito do Programa.

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termos, a Lei 0012.871 continua válida embora com as devidas alterações e complementações da Lei n° 13.958/2019. Aqui temos ainda, que além da Lei no 13.958/2019, foi promulgada também em 18.12.2019 a Lei n° 13.959/2019. Essa Lei instituiu 0 Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira (Revalida).

Conforme art. 1° da Lei n° 13.959/2019 é instituído 0 Exame Nacional de Revali­ dação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estran­ geira (Revalida), com a finalidade de incrementar a prestação de serviços médicos no território nacional e garantir a regularidade da revalidação de diplomas médicos expedidos por instituição de educação superior estrangeira e 0 acesso a ela.

Nesses termos, 0 Revalida tem os seguintes objetivos: l - verificar a aquisição de conhecimentos, habilidades e competências requeridas para o exercício profis­ sional adequado aos princípios e às necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS), em nível equivalente ao exigido nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina no Brasil; e II - subsidiar 0 processo de revalidação de di plomas de que trata 0 art. 48 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

3.2. A Previdência Social e a sua recente reforma pela Emenda Constitucional n° 103/2019 No que diz respeito à previdência social, logo de início, deve-se destacar a im­ portância do princípio da responsabilidade, como norma fundamental, já que ela é financiada por toda a sociedade, seja por meio de recursos de ordem pública, seja por recursos de ordem privada. Para a doutrina, 0 princípio da responsabilidade consubstancia em uma imposição de obrigação de ordem moral no sentido de um dever de cuidado.

Umbilicalmente ligado ao princípio da responsabilidade está 0 princípio do equilíbrio financeiro e atuarial. Aqui, busca-se estabelecer um sistema de seguro, apontando para a necessidade de correlacionar benefícios e serviços da previdên­ cia social com fontes de custeio, visando à garantia da continuidade e certeza de longo prazo. Assim, "[...] à luz desse princípio - ou equilibramos a relação receitas/ despesas do sistema previdenciário, para tanto exigindo mais rigor nos cálculos atuariais e corrigindo as gritantes distorções em matéria de benefícios, como a con­ cessão de aposentadorias que, além de precoces à vista da crescente expectativa de vida dos segurados, ainda são pagas, sobretudo, no setor público, em quantias superiores ao valor das contribuições recolhidas para custá-las -, ou inviabilizare­ mos a nossa mais extensa rede de proteção social, com efeitos que não podem ser antevistos nem pelos mais clarividentes cientistas sociais."85 Nos termos do artigo 201 da CR/88, a previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação

85. MENDES, Gilmar Ferreira et al., Curso de direito constitucional, p. 1.300.

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Da Ordfm Econômica f da Ordfv Sooa

obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei: (1) cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada (redação dada pela EC n« 103 de 2019); (2) a proteção à maternidade, especialmente à gestante; (3) a proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (4) 0 salário-família e auxílio-redusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; e (5) a pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.86 A Previdência Social brasileira é composta por três regimes, a saber: Regime Geral de Previdência Social (RGPS), Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e Regime de Previdência Complementar (RPC).

0 Regime Geral de Previdência Social é operado pelo Instituto Nacional do Se­ guro Social (INSS), autarquia federal vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Como já mencionado, de acordo com 0 art. 201 da CR/88, 0 RGPS possui caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem 0 equilíbrio financeiro e atuarial. Dentre os contribuintes, encontramos os empregados assalariados, domésticos, autônomos, contribuintes individuais, tra­ balhadores rurais, além dos empregadores. Por sua vez, 0 Regime Próprio de Previdência Social é 0 regime de previdência dos servidores públicos, instituído por cada ente federativo. 0 servidor público do ente federativo que tenha instituído seu Regime Próprio de Previdência Social deve­ rá obrigatoriamente filiar-se a ele.

Já 0 Regime de Previdência Complementar (regulado pelas Leis Complementares n°s. 108 e 109 de 29/05/2001) não possui caráter compulsório. Se trata de um regime privado, operado por Entidades Abertas de Previdência Complementar (EAPC) ou En­ tidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), com a finalidade de propor cionar ao trabalhador uma renda complementar àquela oferecida pelo RGPS ou RPPS.

A Emenda Constitucional n° 103 de 12.11.2019, denominada "Reforma da Previ­ dência", alterou as regras do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, bem como regras do Regime Próprio de Previdência Social - RPPS, contudo, as alterações desta apenas dizem respeito aos Regimes Próprios da União. Para tanto, a EC 103/2019 estabeleceu regras de transição e disposições transitórias. Vamos, então, tratar especificamente da reforma referente ao RGPS e ao RPPS da União.

86. Conforme o STF: Incide contribuição previdenciária sobre os rendimentos pogos aos exercentes de mandato eletivo, decorrentes da prestação de serviços à União. aos Estados e ao Distrito Federal ou aos Municípios, após o advento da Lein° 10.887/2004, desde que não vinculados a regime próprio de previdência. STF. Plenário. RE626837/GO, Rel. Min. Dias Toffoli, julg. em 25.05.2017. Aqui, temos a seguinte indagação: "Os exercentes de mandato eletivo (Presidente da República, Senadores, Deputados Federais, Governadores. Deputados Estaduais, Prefeitos e Vereadores) pagam contribuição previdenciária ao INSS? Eles são considerados segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência So ciai? Depende: Os "políticos" (exercentes de mandato eletivo) deverão estar, obrigatoriamente, vinculados a um regirne de previdência, seja ele próprio ou geral. Nesse sentido: Se houver lei prevendo regime próprio para aqueie grupo de “políticos" (ex: Deputados Federais e Senadores), então, eles estarão vinculados ao regime próprio, devendo pagar com tribuição previdência para o referido piano. Por outro lado, se não houver lei prevendo regime próprio, tais 'políticos" serão considerados segurados obrigatórios do RGPS (“empregados") e deverão pagar as contribuições previdenciárias ao INSS sobre os rendimentos que recebem? Dizer o Direito, Inf 866, maio de 2017.

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3.2.1. Aposentadoria voluntária no regime geral de previdência social a) Quanto à idade mínima e o tempo de contribuição

A reforma da previdência extinguiu a possibilidade de aposentadoria apenas por tempo de contribuição, sendo agora, necessário também a idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, no que tange aos trabalhadores urba­ nos vinculados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Para os trabalhadores rurais, garimpeiros e pescadores artesanais, a idade mínima fixada foi de 55 anos para mulheres e 60 anos para homens. Já os professores que exerçam suas funções na educação infantil, ensino fundamental ou médio, poderão se aposentar com 57 anos, se mulher, e 60 anos, se homem. Essas são as regras definidas nos §§ 7° e 8° do art. 201 da Constituição Federal reformada. Quanto ao tempo de contribuição, os trabalhadores que não estavam no mer­ cado até a entrada em vigor da presente reforma precisarão contribuir 20 anos, quando homem, e 15 anos, quando mulher. Esses tempos mínimos de contribuição podem ser alterados a qualquer momento via lei ordinária. Já os professores, pode­ rão se aposentar quando comprovarem 25 anos de contribuição exclusivamente em efetivo exercício (vale frisar: professores da educação infantil, ensino fundamental e médio). Aqui temos que essa regra apenas pode ser alterada por lei complementar, nos termos do art. 19 e seu §1° da EC 103/2019.

Em síntese, temos então que os trabalhadores urbanos se aposentarão com 65 anos de idade e 20 anos de contribuição (homens), enquanto a mulher se apo­ sentará com 62 anos de idade e 15 anos de contribuição. Os professores (homens), por sua vez, poderão se aposentar com 60 anos de idade e 25 de contribuição, e as professoras com 57 anos de idade e 25 de contribuição.

Importante salientar que as regras acima descritas apenas serão aplicáveis àqueles trabalhadores que se filiarem ao RGPS após a vigência da EC/2019. Os traba­ lhadores que já eram contribuintes antes da entrada em vigor da referida emenda observarão as regras de transição discutidas posteriormente, respeitando, assim, 0 direito adquirido. Ademais, é de se frisar que essas novas regras de aposentadoria, como já falado, não se aplicarão aos servidores dos Estados, Distrito Federal e Municípios, aplicando-se à estes as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriores à data de entrada em vigor da Emenda Constitucional em comento, enquanto não promovidas alterações na legislação interna relacionada ao respectivo regime pró­ prio de previdência social, conforme dispõe o art. 10, §7° da EC 103/2019. b) Quanto ao cálculo

Até que lei discipline, segundo 0 art. 26 da EC 103/2019, 0 cálculo do benefício do RGPS e RPPS da União se dará da seguinte maneira: será utilizada a média arit­ mética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como 2086

Da Ordem Economica e

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Ordem Social

base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da CR/88, atualizados monetariamente, cor­ respondentes a 100% do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde 0 início da contribuição, se posterior àquela competência.8788 Vale ressaltar que a média aritmética observará 0 limite máximo do salário de contribuição dos segurados vinculados ao RGPS. Para abalizada doutrina, a regra que dispõe sobre 0 novo cálculo do benefício revoga 0 artigo 29, incisos I e II da Lei 8.213/1991 (lei que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências), na medida em que se refere ao cálculo do benefício e não à aposentadoria especificamente. "Desta forma, entendemos que mesmo 0 auxílio-doença e 0 auxílio-reclusão serão afetados, no que couber, por essa nova regra, devendo ser calculados sem direito a descartar os 20% menores salários de contribuição a partir de julho de 1994"®

Quando atingido 0 tempo mínimo de contribuição, 0 trabalhador terá direito a se aposentar com 60% do valor da média aritmética acima, subindo esse per centual 2 pontos a cada ano de contribuição que exceder 20 anos de contribuição, quando homem, e 15 anos, se mulher.

Temos então que 0 homem apenas conseguirá se aposentar com 100% da mé­ dia após completar 40 anos de contribuição, ao passo que a mulher, por sua vez, precisará contribuir por 35 anos para ter 0 mesmo direito.

De acordo com Kertzman, 0 novo cálculo do benefício trouxe grande perda no valor das aposentadorias quando comparado ao modelo antigo. A primeira delas é referente ao descarte dos 20% dos menores salários de contribuição. Sem a possi­ bilidade de tal descarte, como é agora, poderá ocorrer uma diminuição substancial no valor da média aritmética. Seguiremos com exemplos dados pelo autor: EXEMPLO 1 Um homem que contribuiu oito anos com a base contributiva corrigida de RS 1000,00 (valor próximo do mínimo) e durante 32 anos sobre 0

valor corrigido de RS 5.000,00. Qual seria a sua perda por não poder descartar os 20% menores salários de contribuição?

RESPOSTA Cálculo com descarte de 20%: 0 valor da média seria exatamente RS 5.000,00, uma vez que foram descartados todos os salários de contri­ buição dos oito menores anos contributivos (20% de 40 anos), restando

apenas os 32 anos em que 0 segurado contribuiu sobre R$ 5.000,00.

87. 88.

A regra anterior estipulava que o salário de beneficio se dava levando em conta a média dos 80% maiores salários de contribuição, descartando-se, assim, os 20% menores. KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 35.

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Bernardo Gonçaivfs Fernandes Cálculo sem descarte de 20%: 0 valor da média seria exatamente RS 4.200,00,

calculados somando os 32 anos em que 0 segurado contribuiu sobre RS 5.000 e os oito anos em que ele contribuiu sobre R$ 1.000,00. A demonstração do cálcu­ lo é (5000 x 32 + 8 X 1000)/40 = RS 4 200,00. A perdo foi de exatamente 16% do valor da média.

EXEMPLO 2 Vamos ao segundo exemplo que demonstra um cálculo mais ameno de perda com a mudança da base de cálculo. Uma mulher que possua sete anos contri­ buindo com média corrigida de RS 2.500,00 e mais 28 anos contribuindo com uma média corrigida de RS 5.500,00, perde quanto com a nova sistemática?

RESPOSTA Cálculo com descarte de 20°/»: 0 valor da média seria exatamente RS 5-500,00,

uma vez que foram descartados todos os salários de contribuição dos sete menores anos contributivos (20% de 35 anos), restando apenas os 32 anos em que a segurada contribuiu sobre RS 5.500,00. Cálculo sem descarte de 20%: 0 valor da média seria exatamente RS 4 900,00,

calculados somando os 28 anos em que a segurada contribuiu sobre R$ 5.500 e os 7 anos em que ela contribuiu sobre RS 2.500,00. A demonstração do cálculo é (5500 x 28 + 7 x 25Oo)/35 = RS 4.900,00. A perda foi de exatamente 12% do valor da média.8990

Outra perda bastante relevante foi em relação a renda mensal do benefício. Nesse sentido, "basta perceber que quem cumpre a regra permanente para a conces­ são da nova aposentadoria (65 anos de idade, homens urbanos, com 20 anos de con­ tribuição, 60 anos homens rurais e 15 anos de contribuição, 62 anos de idade, mulheres urbanas, 55 rurais, e 15 anos de contribuição, mulheres), na maioria das vezes já teriam cumprido as regras para a concessão da extinta aposentadoria por idade (65 anos, homens urbanos, 60, homens rurais, e 60 anos de idade, mulheres urbanas, 55 anos, rurais, todos com carência de 180 contribuições)’0.

c) Regras de transição

A Emenda Constitucional 103 de 2019 prevê algumas regras de transição. Será permitida a escolha da forma que for mais vantajosa ao contribuinte que já era segurado até a entrada em vigor da Emenda Constitucional. 1.

Sistema de pontos 86/96 A soma da idade do filiado com 0 tempo de contribuição precisará alcan­ çar a pontuação mínima de 86 para as mulheres e 96 para os homens. É imprescindível que seja observado 0 tempo mínimo de contribuição que

89. KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 38. 90. KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 39.

2088

Da Ordem Econômica e da Ordem Social

valia antes da EC 103 (30 anos para mulheres e 35 para homens). Essa re­ gra de transição visa beneficiar aqueles trabalhadores que começaram a laborar mais cedo. Ademais, a partir de i° de janeiro de 2020, a pontuação acima será acrescida de 1 ponto a cada ano, até atingir 0 limite de 100 pontos, se mulher, e de 105 pontos, se homem. Para os professores que comprovarem que exerceram exclusivamente 0 cargo e contribuíram 25 anos, se mulher, e 30 se homem, 0 somatório será equivalente a 81 para as mulheres e 91 para os homens. Do mesmo modo ocorrerá 0 acréscimo de 1 ponto a cada ano, sendo para a mulher até 0 limite de 92 pontos e para 0 homem 0 limite de 100 pontos. 0 valor da aposentadoria concedi­ da se dará na forma da regra geral já estudada.

2.

Tempo de contribuição + idade mínima

Nessa regra 0 filiado deverá preencher dois requisitos: a) 30 anos de contribuição se mulher, e 35 anos, se homem; b) idade mínima de 56 anos, se mulher, e 61 anos, se homem. Aqui também há 0 sistema de acréscimo, sendo, a partir de 1» de janeiro de 2020 acrescido 6 meses a cada ano nas idades acima mencionadas, até 0 limite de 62 anos para a mulher e 65 anos para o homem. Para os professores que comprova­ rem 0 exercício regular na função, 0 tempo de contribuição e a idade supracitados serão reduzidos em 5 anos, e o sistema de acréscimo será até 0 limite de 57 anos para a mulher e 60 anos para 0 homem. Aqui 0 valor da aposentadoria concedida também se dará na forma da regra geral já estudada. 3.

Tempo de contribuição + pedágio de 50%

Essa regra beneficia o filiado que está a 2 anos de concluir 0 tempo mí­ nimo de contribuição estabelecido anteriormente (30 anos, se mulher, e 35, se homem), ou seja, aquele contribuinte que conta com 28 anos de contribuição, se mulher, e 33 anos, se homem. Para esses, a apo­ sentadoria será assegurada quando preenchido os seguintes requisi­ tos: a) 30 anos de contribuição quando mulher e 35 quando homem; b) 0 cumprimento de mais 50% do tempo que faltaria para atingir 30 anos de contribuição, se mulher, e 35 anos, se homem. Por exemplo: se 0 trabalhador homem contava com 34 anos de contribuição, precisará trabalhar 1 ano + 50% (6 meses), ou seja, deverá trabalhar mais 18 me­ ses. Aqui, diferentemente das regras anteriores, temos que 0 benefício concedido terá seu valor apurado de acordo com a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações calculada na forma da lei, multiplicada pelo fator previdenciário, calculado na for­ ma do disposto nos §§ 7° a 90 do art. 29 da Lei n° 8.213 (lei que dispõe 2089

Bernardo Gonçalves Flrnanoes

sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras provi­ dências). 4.

Idade + tempo mínimo de contribuição (RGPS) 0 filiado poderá se aposentar com 6o anos, se mulher, e 65, se homem, desde que tenha contribuído por no mínimo 15 anos, para ambos os sexos. Aqui também será concedido 0 acréscimo de 6 meses a cada ano, contudo, somente para a mulher, podendo chegar até 62 anos. 0 cálculo da aposentadoria seguirá a regra geral já estudada.

5.

Pedágio de 100% (RGPS e servidor público federal filiado ao RGPS) Essa regra vale tanto para 0 filiado ao RGPS, quanto para 0 servidor público federal vinculado ao RGPS. Para se aposentar seguindo essa regra de transição, 0 segurado ou servidor precisará preencher dois requisitos: a) 57 anos de idade, se mulher, e 60, se homem; b) tempo mínimo de contribuição de 30 anos, se mulher, e 35 anos, se homem; c) período adicional de contribuição de 100% do tempo que faltava para atingir 0 tempo mínimo de contribuição quando da entrada em vigor da Emenda Constitucional (ex.: se faltava 1 ano para aposentar, será necessário contribuir por 2 anos).

Os professores que comprovarem 0 tempo de efetivo exercício na fun­ ção, terão reduzidos 5 anos dos requisitos de idade e tempo de con­ tribuição. Quanto à aposentadoria, temos que corresponderá a 100% da média aritmética de todos os salários de contribuição.

3.2.2. Aposentadoria voluntária no regime próprio de previdência social da união Conforme dispõe 0 art. 40 da CR/88, com redação alterada pela EC 103/2019, 0 regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente fe­ derativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados cri­ térios que preservem 0 equilíbrio financeiro e atuarial. Essa nova redação retirou a obrigatoriedade de Estados e Municípios seguirem 0 texto permanente da CR/88, ou seja. Estados e Municípios foram retirados da Reforma da Previdência de 201991. a) Quanto à idade mínima e o tempo de contribuição

Conforme dispõe 0 reformado art. 40, §1», inciso lll, no âmbito da União, 0 segu­ rado será aposentado aos 62 anos, se mulher, e 65 anos, se homem. 0 §5» do mesmo artigo dispõe que os professores terão a idade mínima reduzida em 5 anos, desde que comprovem tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação

91. KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 71.

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Da Ordem Econômica e

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Ordem Social

infantil, ensino fundamental e médio, fixado em lei complementar do respectivo ente federativo.

É de se perceber que, apesar de a idade para aposentadoria dos servidores da União ter sido definida no art. 40, §1°, inciso lll da CR/88, 0 dispositivo não trou­ xe 0 tempo mínimo de contribuição, sendo este tempo fixado no art. 10, §i« da EC 103/2019, até que lei federal sobre os benefícios do RPPS da União entre em vigor. De acordo com 0 citado artigo, os servidores do regime próprio da união pode­ rão se aposentar voluntariamente quando completarem 62 anos de idade, se mu­ lher e 65, se homem, desde que ambos tenham contribuído por 25 anos e tenham cumprido 10 anos de efetivo exercício no serviço público, sendo 5 anos no cargo em que se der a aposentadoria.

Os professores poderão se aposentar aos 57 anos de idade, se mulher, e 60 anos, se homem, desde que tenham contribuído por 25 anos exclusivamente no exercício de funções de magistério (educação infantil, ensino fundamental e médio), sendo 10 anos no serviço público e 5 anos no cargo em que se conceder a aposentadoria. Os policiais federais, legislativos, civis do Distrito Federal e os agentes federais penitenciários e socioeducativos poderão se aposentar com idade mínima de 55 anos, para ambos os sexos, e 0 tempo de contribuição será de 30 anos, sendo 25 no exercício da carreira. Os servidores públicos federais que exercem atividade com exposição a agen­ tes químicos, físicos e biológicos que prejudicam a saúde, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, poderão se aposentar aos 60 anos de ida­ de, com 25 anos de contribuição e efetiva exposição, sendo 10 anos de exercício no serviço público e 5 anos no cargo em que for concedida a aposentadoria.

b) Quanto ao cálculo Dispõe 0 art. 26 da EC 103/2019: Art. 26. Até que lei discipline 0 cálculo dos benefícios do regime próprio de previ­ dência social da Unido e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações ado­ tados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 242 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde 0 início da contribuição, se posterior àquela competência.

Conforme menciona Kertzman, essa é mais uma das disposições transitórias "permanentes", que pode ser alterada por lei.92 Aqui, temos então que a média

92. KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 79. 2091

Blrnardo Gonçalves Fernandes

aritmética se dará com base em todas as contribuições, incluindo as 20% menores (ou seja, 100% das contribuições). Ainda, nos termos do art. 26, §1° da EC 103/2019, essa média será limitada ao valor máximo do salário de contribuição do RGPS para 0 servidor que ingressou no serviço público em cargo efetivo após a implantação do regime de previdência complementar ou que tenha exercido a opção de migração correspondente (§§ 14 a 16 do art. 40 da CR/88). Depois de calcular a média aritmética nos moldes acima (sem descartar as 20% contribuições menores), será determinado 0 valor do benefício: 60% da média, com acréscimo de 2% para cada ano que exceder 20 anos de contribuição. Chegamos à conclusão, então, que tanto a mulher quanto 0 homem vinculado ao RPPS da União só terão direito ao valor correspondente a 100% da média quando atingirem 40 anos de contribuição.

Segundo Kertzman, 0 não descarte das contribuições menores causa grande per­ da para 0 segurado. A perdo é tão relevante que 0 constituinte derivado se preocupou com a possibilidade da inclusão de novas contribuições que superem 0 tempo mínimo exi­ gido pudesse resultar em diminuição no valor dos benefícios, 0 que feriria 0 bom senso. Para se evitar que isso ocorresse, foi criada a regra de garantia do melhor benefício.93 Nos termos do art, 26, §6® da EC 103/2019, poderão ser excluídas da média as con­ tribuições que resultem em redução do valor do benefício, desde que mantido 0 tempo mínimo de contribuição exigido, vedada a utilização do tempo excluído para qualquer finalidade, inclusive para o acréscimo de 2% por ano adicional ao tempo mínimo.

Conforme preleciona Kertzman, esse dispositivo institui o garantia do melhor be­ nefício, ou seja, sempre que a utilização de remunerações adicionais ao tempo mínimo possa resultar em diminuição do valor do benefício, estes poderão ser excluídos, desde que não seja utilizado para qualquer finalidade. A exclusão do tempo pode gerar um acréscimo da média, mas, em contrapartida, vai gerar uma redução no valor do bene­ fício de 2% por cada ano suprimido da média94.

c) Regras de transição 1.

Sistema de pontos 86/96 e idade progressivas 0 servidor público federal que tenha ingressado no cargo público até a data em vigor da emenda poderá aposentar-se se preenchidos os seguintes requisitos; a) 56 anos de idade, se mulher, e 61, se homem, até 31 de dezembro de 2021. A partir de 1° de janeiro de 2022, a idade mínima será de 57 anos para a mulher e 62 para 0 homem; b) 30 anos de contribuição, se mulher, e 35, se homem; c) 20 anos de exercício no serviço público, sendo 5 anos no cargo efetivo em que se pretende aposentar; e d) a soma da idade e do tempo de contribuição deverá

93. KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador; Editora JusPodivm, 2020. p. 83. 94. KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 83.

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Da Ordem Econômica e

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Ordem Social

equivaler a 86 pontos, se mulher, e 96, se homem. Haverá 0 acréscimo de pontos, a partir de t° de janeiro de 2020, sendo acrescido a cada ano 1 ponto até 0 limite de 100 pontos, se mulher, e 105, se homem. Para os professores, será reduzido 5 anos da idade e do tempo de contribuição, ficando assim: a) 51 anos de idade, mulher, e 56 anos, homem; b) será de 25 anos de contribuição, quando mulher, e 30 quan­ do homem. A soma da idade também muda, que para a mulher será de 81 pontos e para 0 homem 91 pontos, podendo, com o acréscimo, atingir 92 pontos (mulher) e 100 pontos (homem). Os servidores pú­ blicos que tenham ingressado em cargo efetivo até 31 de dezembro de 2003, terão 0 valor da aposentadoria correspondente à totalidade da remuneração no cargo em que se der a aposentadoria desde que tenha, no mínimo, 62 anos de idade, se mulher, e 65 anos de idade, se homem, ou, para os titulares do cargo de professor 57 anos de idade, se mulher, e 60 anos de idade, se homem. Já para os demais servidores, 0 cálculo do benefício se dará na forma já demonstrada anteriormente, qual seja, 60% para 20 anos de contribuição, homens e mulheres, acrescentados 2% por ano adicional.

2.

Pedágio de 100% (RGPS e servidor público federal filiado ao RGPS) Seguindo essa regra de transição, o servidor público poderá aposentar quando preencher os seguintes requisitos: a) 57 anos de idade, se mu­ lher, e 60, se homem; b) tempo mínimo de contribuição de 30 anos, se mulher, e 35 anos, se homem; c) 20 anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se der a aposentadoria; d) período adicional de contribuição de 100% do tempo que faltava para atingir 0 tempo mínimo de contribuição quando da entrada em vigor da EC 103/2019 (ex.: se faltava 1 ano para aposentar, será necessário contri­ buir por 2 anos). Os professores que comprovarem 0 tempo de efetivo exercício na função, terão reduzidos 5 anos dos requisitos de idade e tempo de contribuição. Ouanto ao valor aposentadoria, temos que em relação ao servidor público que tenha ingressado no serviço público em cargo efetivo até 31/12/2003 e que não tenha feito a opção pela migra­ ção para 0 regime de previdência complementar oficial de trata 0 § 16 do art. 40 da CR/88, será devido a totalidade da remuneração no cargo efetivo em que se der a aposentadoria. Aos demais, temos que corres­ ponderá a 100% da média aritmética de todas as remunerações.

3.2.3. Outras formas de aposentadoria a) Aposentadoria por incapacidade permanente no RGPS A antiga aposentadoria por invalidez agora é denominada aposentadoria por incapacidade permanente. As hipóteses de concessão para tal benefício não foram 2093

Bernardo Gonçalves Fernandes

alteradas pela EC 103/2019, em contrapartida houve mudança substancial no cálculo do valor do benefício. Conforme dispõe 0 art. 26, §2°, inciso lll da EC 103/2019, 0 valor da referida aposentadoria corresponderá a 60% da média dos salários de contribui­ ção (média aritmética simples dos salários de contribuição, incluindo os 20% menores, desde a competência de julho de 1994 ou, se posterior, desde 0 início da contribui­ ção), acrescido 2 pontos percentuais a cada ano que exceder 0 tempo de 20 anos de contribuição, para os homens, e de 15 anos, para as mulheres filiadas ao RGPS. Temos, então, que os homens só terão direito a 100% da média aritmética quan­ do completarem 40 anos de contribuição, e as mulheres terão esse direito quando atingirem 35 anos de contribuição. Para Kertzman, essa regra de cálculo não é nem um pouco razoável na medida em que não faz sentido relacionar 0 valor de um benefício não previsto ao tempo de contribuição. É como se 0 segurado pudesse optar pelo momento da vida que ficará inválido. Notem, ainda, que na invalidez precoce é quando 0 segurado, em regra, tem filhos para sustentar, necessitando, em tese, de uma renda maior.”

No que se refere aos casos de aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrer de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho, 0 valor do benefício corresponderá a 100% da média aritmética, inde­ pendentemente dos anos de contribuição, 0 que faz com que esse benefício tenha menor prejuízo quando comparado ao acima mencionado. Uma polêmica trazida pela doutrina no tocante a este tema é a definição de quais segurados poderão ser contemplados por estas regras diferencias.95 96 A legisla­ ção previdenciária vigente (Decreto 3.048/1999) dispõe em seu art. 104 que apenas os segurados empregados, empregados domésticos, trabalhadores avulsos e segurados especiais possuem 0 direito aos benefícios acidentários, além disso, eles precisam ne­ cessariamente estar a serviço da empresa ou do empregador (art. 19, Lei 8.213/1991). Já a EC 103/2019, em seu art. 26, §3° inciso II, não excluiu a possibilidade de que contribuintes individuais autônomos pudessem usufruir dessa vantagem, vejamos 0 que diz seu texto: § 3» 0 valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 100% (cem por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § i°:

II - no caso de aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrer de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho. Conforme se percebe, não há, então, nenhuma limitação aos demais contribuintes individuais, sendo devido a aposentadoria, neste caso, a todos os segurados do RGPS. b) Aposentadoria por incapacidade permanente no RPPS

0 art. 40, §1», inciso I da CR/88, alterado pela EC 103/2019, dispõe agora que o servidor segurado pelo RPPS poderá se aposentar por incapacidade permanente

95. KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 111. 96. KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador; Editora JusPodivm, 2020. p. 109.

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Da Oiwcm Econômica t da Ordim Social

para o trabalho, no cargo em que estiver investido, quando insuscetível de readap­ tação, hipótese em que será obrigatória a realização de avaliações periódicas para verificação da continuidade das condições que ensejaram a concessão da aposen­ tadoria, na forma de lei do respectivo ente federativo. Há uma inovação trazida pela EC 103/2019, que não mais permite a aposentadoria por invalidez de um servidor que tenha condições de exercer outras atividades. Veja­ mos o que diz 0 reformado art. 37, §13 da CR/88: 0 servidor público titular de cargo efe­ tivo poderá ser readaptado para exercício de cargo cujas atribuições e responsabilidades sejam compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental, enquanto permanecer nesta condição, desde que possua a habilitação e 0 nível de esco­ laridade exigidos para 0 cargo de destino, mantida a remuneração do cargo de origem.

No tocante a regra de cálculo do benefício, esta restou igual a regra do RCPS. Será calculada a média aritmética de todos os salários de contribuições, desde a competência de julho de 1994 ou, se posterior, desde 0 início da contribuição. 0 valor do benefício será 60% da referida média, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder 0 tempo de 20 anos de contribuição para os homens e para as mulheres. Temos então, diferente do RGPS, que tanto os homens quanto as mulheres, só te­ rão direito a 100% da média aritmética quando completarem 40 anos de contribuição.

A aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrer de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho, no RPPS, se dará nos mesmos moldes do RGPS, ou seja, faz se a média e aplica-se 100% dessa média, independentemente dos anos de contribuição.

c) Aposentadoria de parlamentares Antes da reforma da previdência, e em substituição ao então Instituto de Pre­ vidência do Congressista, a Lei 9.506/97 criou o Plano de Seguridade Social dos Congressistas. Sinteticamente temos que, nesse Plano, 0 congressista federal pode­ ria se aposentar, com direito à aposentadoria integral, com 35 anos de mandato, independentemente de idade, e no caso de não se atingir 0 tempo integral, teria 0 congressista direito à aposentadoria proporcional. Essa lei previu ainda que 0 congressista que não tivesse vinculado do plano supra nem a outro regime de previdência, participaria, obrigatoriamente, do RGPS, na condição de empregado.9?

Com o advento da reforma previdenciária, os segurados já titulares de mandato eletivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, poderão optar por permanecer em seu atual regime de previdência atual (Plano de Seguridade Social dos Congressistas) ou retirar-se, mediante formalização. Mas não será per­ mitido a adesão de novos segurados, nem a instituição de novos planos especiais.*

97. KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 224.

2095

Bernardo Gonçalves Fernandes

Os que optarem por sair, terão, de acordo com o §2® do art. 14 da EC 103/2019, as­ segurada a contagem do tempo de contribuição vertido para 0 regime de previdência ao qual 0 segurado se encontrava vinculado, nos termos do § 9° do art. 201 da CR/88.

Aquele que optar por permanecer no regime atual só poderá se aposentar com a idade mínima de 62 anos, se mulher, e 65, se homem. Ademais, precisará cumprir período adicional correspondente a 30% do tempo de contribuição que faltaria para aposentar na data de entrada em vigor da EC 103/2019. Assim, as regras para a aposentadoria dos congressistas também foram dificul­ tadas com a Reforma, passando a exigir’3:



35 anos de mandato;



65 anos de idade, homens, 62 anos de idade mulheres;



30% de pedágio em relação ao tempo faltante para completar os 35 anos de mandato.

No que tange aos Estados, Distrito Federal ou Municípios, previu 0 §5° do art. 14 da EC 103/2019 que lei específica deverá disciplinar a regra de transição a ser apli­ cada aos segurados que fizerem a opção de permanecer no regime previdenciário que fazia parte na entrada em vigor da emenda.

Em relação aos servidores públicos vinculados ao RPPS que vierem a ocupar cargo eletivo, a EC 103/2019 dispôs que estes permanecerão em seu regime próprio de origem. Por fim, temos que os novos eleitos entrarão automaticamente no Regime Ge­ ral de Previdência Social.

3.2.4. Pensão por morte A reforma da previdência, ao alterar as regras para 0 cálculo do benefício da aposentadoria, também alterou 0 cálculo para a pensão por morte. Nos termos do art. 23 da EC 103/2019, a pensão por morte para 0 dependente do segurado ou dependente de servidor público federal será de 50% do valor da aposentadoria re­ cebida pelo segurado ou servidor ou 50% do valor que teria direito se fosse aposen­ tado por incapacidade, na data do óbito, mais 0 referente a 10% da aposentadoria para cada dependente, até 0 máximo de 100%. Com a cessação da dependência, exclui-se 0 acréscimo de 10%. Todavia, temos que se ainda restar 5 ou mais de 5 dependentes, 0 valor do benefício continuará sendo de 100%. Vejamos um exemplo de cálculo de pensão por morte de trabalhador vinculado ao RGPS”:98 99

98.

KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 225.

99. KERTZMAN, Ivan. Entendendo a reforma da previdência. Salvador: Editora JusPodivm, 2020. p. 172/173.

2096

Da Oroem Econômica e

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Ordem Social

EXEMPLO: Arnaldo trabalhava como empregado do RGPS há 16 anos, quando so­ freu de infarto fulminante. Arnaldo deixou dois filhos menores de 21 anos de idade. Sabendo que sua média contributiva era de RS 5.000,00, qual 0 valor da pensão por morte deixada por Arnaldo?

RESPOSTA: Como Arnaldo tinha apenas 16 anos de contribuição, sobre sua média aplica-se 60% para encontrar o valor da aposentadoria por invalidez a que ele teria direito, resultando em RS 3.000,00 (5.000 x 60%). Sobre esse valor, ele deixará 70% para seus filhos (50% + 20%, dois de­ pendentes), resultando no valor de R$ 2.100,00 (70% x 3.000).

Cada um de seus filhos receberá uma cota de R$ 1.050,00, mas, quando

0 primeiro completara maioridade, a sua cota será extinta e 0 segundo passará a receber RS 1.800,00 (60% x 3.000), ou seja, foi reduzido os 10% relativo ao dependente que teve a cota extinta. Se Arnaldo tivesse falecido antes da reforma, 0 valor do benefício dei­

xado para seus dependentes seria de RS 5.000,00, ou até mais, pois

sua média seria superior a este valor devido a eliminação dos 20% menores salários de contribuição. Cada um de seus filhos recebería R$

2.500,00 e, quando um perdesse a qualidade de dependente, 0 outro

passaria a receber RS 5.000,00. Concluindo, Arnaldo faleceu na hora errada...

Quando houver dependente inválido ou portador de deficiência intelectual, mental ou grave, a pensão será equivalente a 100% do valor da aposentadoria até o limite máximo de benefícios do RGPS, ou, quando o valor for superior ao limite máximo, terá direito a 50% mais 10% por dependente, até 0 limite de 100%.

Em relação às polícias federais, legislativa, civil do DF e agentes federais peniten­ ciário e socioeducativo, temos que a pensão por morte devida a seus dependentes, quando a morte decorrer de agressão sofrida no exercício ou em razão de sua função, será equivalente à remuneração do cargo e vitalícia para 0 cônjuge ou companheiro.

Na hipótese de acumulação de pensões de diferentes regimes previdenciários ou de pensão acumulada com aposentadoria ou de pensões do mesmo instituidor decorrentes do exercício de cargo acumulável (art. 37 CR/88) ou ainda de pensão por morte decorrente de atividades militares de que tratam 0 art. 42 e 142 da CR/88, será assegurado ao dependente 0 valor integral do benefício mais vantajoso e uma parte de cada um dos demais benefícios, conforme dispõe 0 §2» do art. 24 da EC 103. Importante registrar que tanto a pensão por morte do RGPS, quanto a pensão por morte do RPPS da União, deverão respeitar 0 limite mínimo de um salário mí­ nimo. 2097

Bernardo Gonçalves Fernandes

3.2.5. Considerações finais passamos nesse momento, a uma análise de julgados importantes do STF sobre o tema em comento:

1) 0 STF já que lei estadual ou lei municipal não podem estabelecer requisitos (condições) para que essa contagem recíproca do tempo de contribuição seja rea­ lizada. Ou seja, lei estadual, por exemplo, não pode exigir que o servidor público pague um número mínimo de contribuições no RPPS para que ele possa "aprovei­ tar" o tempo de contribuição no RGPS. Segundo o Pretório Excelso, a imposição de tais restrições, por legislação estadual ou municipal, contraria o supracitado § 9° do art. 201 da CR/88.100 2) Outra questão interessante, enfrentada recentemente pelo STF, refere-se ao instituto da desaposentação. A desaposentação, conforme 0 Informativo 845 do STF, consiste na renúncia a benefício de aposentadoria, com a utilização do tempo de servi­ ço ou contribuição que fundamentara a prestação previdenciária originária, para a ob­ tenção de benefício mais vantajoso em nova aposentadoria. Ou seja, temos com isso 0 ato do segurado de renunciar à aposentadoria que recebe a fim de que possa requerer uma nova aposentadoria (reaposentação), dessa vez mais vantajosa, no mesmo regime previdenciário ou em outro.101102

Em um breve histórico sobre a questão, temos que 0 INSS nunca admitiu ad­ ministrativamente a desaposentação, e, em virtude disso, os segurados passaram a ajuizar ações judiciais postulando a desaposentação. 0 STJ passou a decidir que seria possível a renúncia à aposentadoria por tempo de serviço (desaposentação) objetivando a concessão de novo benefício mais vantajoso da mesma natureza (reaposentação), com 0 computo dos salários de contribuição posteriores à apo­ sentadoria anterior, não sendo exigível, nesse caso, a devolução dos valores rece­ bidos em razão da aposentadoria anterior.103

100. RE 650.851 QO/SP, julg. em 01.10.2014 (Plenário do STF - Repercussão Geral) Rel. Min. Gilmar Mendes. Aqui é importante citarmos o novo art.201 § 9o da CR/88: § 9o Para fins de aposentadoria, será assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição entre o Regime Geral de Previdência Social e os regimes próprios de previ­ dência social, e destes entre si, observada a compensação financeira, de acordo com os critérios estabelecidos em lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional n° 103, de 2019) 101. LOPES CAVALCANTE. Márcio André, Comentários ao Informativo 645 do STF. 10.11.2016. "O pedido de desaposen tação ocorre normalmente nos casos em que a pessoa se aposenta, mas continua trabalhando e, portanto, contri­ buindo. Assim, este tempo de contribuição após a primeira aposentadoria, se computado, geraria um provento maior, o que justificaria a renúncia ao beneficio que a pessoa estava recebendo para que pudesse formular novo pedido de aposentação. Outra hipótese seria no caso de um aposentado pelo regime geral (INSSJ que preste um concurso e, de­ pois de anos trabalhando no cargo público concursado, requeira a renúncia do benefício no regime geral para requerer uma nova aposentadoria no regime próprio dos servidores públicos, utilizando o tempo de contribuição anterior." 102. LOPES CAVALCANTE. Márcio André, Comentários ao Informativo645 do STF. 10.11.2016. "Para o STJ, a aposentado­ ria, assim como os demais benefícios previdenciários, seria um direito patrimonial disponível e, portanto, suscetível de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria a que o segu­ rado desejasse preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento. STJ. 1“ Seção. REsp 1.334.488/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julg. em 08/05/2013“

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Ordem Social

Porém, o STF, em 27.10.2016 na decisão do RE n° 381.367 (com repercussão ge­ ral), entendeu de forma diferente. Afirmou 0 Pretório Excelso que, no âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, somente lei pode criar benefícios e van­ tagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à "desapo­ sentação", sendo constitucional a regra do art. 18, § 2», da Lei n» 8.213/91?03 Assim, 0 STF entendeu que por ora não haveria previsão legal para a desaposentação. Certo é que não existe uma proibição na Constituição de República para a desaposen­ tação. Dessa forma, temos que a desaposentação é proibida pelo art. 18, § 2®, da Lei n° 8.213/91. A conclusão aqui é a de que 0 Congresso Nacional poderia produzir lei alterando esse dispositivo e prevendo a desaposentação. Porém, como já dito, enquanto isso não ocorrer a desaposentação é vedada em nosso ordenamento?04 3) Já no caso da reaposentação, 0 segurado renuncia à aposentadoria que ele já recebe em troca de um novo benefício que acredita ser mais vantajoso. Esse novo benefício é calculado com base nas contribuições feitas após 0 retorno do aposen­ tado ao mercado de trabalho?05 A questão da reaposentação estava em análise no julgamento de embargos de declaração apresentados nos REs 827833 e 381367, de relatoria do ministro Dias Toffoli.

Pois bem, em 06.02.2020, 0 STF julgou de forma definitiva essa questão. Decidiu 0 STF que cidadãos aposentados que voltam ao mercado de trabalho não podem recalcular 0 valor do benefício por meio da chamada "reaposentação". 0 STF decidiu no julgamento de embargos de declaração nos Recursos Extraor­ dinários 381367 RE 827833 e RE 661256, nos quais 0 STF, em 2016, definiu que apenas por meio de lei é possível fixar critérios para 0 recálculo de benefícios com base em novas contribuições decorrentes da permanência ou da volta do trabalhador ao mercado de trabalho após concessão da aposentadoria. Em ambos os casos, 0 marco temporal é a data do julgamento dos embargos.

Os ministros também reformularam a tese de repercussão geral firmada no julgamento dos REs unicamente para incluir 0 termo reaposentação. Desta forma, a nova tese é a seguinte: "No âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, nâo havendo, por*

103. RE 381367/RS, RE 661256/SC e RE 827833/SC, Pleno do STF, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julg em 26 e 27.10.2016. Certo é que, mesmo existindo críticas da doutrina um dos fundamentos centrais da decisão foi o principio da solidariedade que rege o sistema de previdência. Nesses termos, o valor que o indivíduo paga a título de contri­ buição previdenciária não é empregado apenas para os seus benefícios, sendo também utilizado para custear os benefícios de outros indivíduos. 104. O STF também afirmou que os efeitos da decisão (e a eventual modulação de efeitos) seriam decididos posterior­ mente. 105. Na reaposentação, o contribuinte cancelava a primeira aposentadoria, e pedia um novo cálculo, baseado nas con­ tribuições mais recentes, levando em conta salário, tempo de serviço e idade. O tempo de serviço e o salário de contribuição anterior não entravam no cálculo da nova. Na desaposentação, o trabalhador aposentado que voltava ao mercado de trabalho pedia a revisão do benefício, juntando as contribuições anteriores à primeira aposentadoria às atuais, chegando a um cálculo mais vantajoso. Como não há lei para definires critérios do recálculo, o STF rejeitou a tese.

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ora, previsão legal do direito à 'desaposentação' ou 'reaposentação', sendo consti­ tucional a regra do artigo 18, parágrafo 2a, da Lei 8.213/1991". 0 Plenário do Supremo Tribunal Federal, também definiu que os aposentados pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que tiveram 0 direito à desaposen­ tação ou à reaposentação reconhecido por decisão judicial definitiva (transitada em julgado, da qual não é mais possível recorrer) manterão seus benefícios no valor recalculado. Em relação às pessoas que obtiveram 0 recalculo por meio de decisões das quais ainda cabe recurso, ficou definido que os valores recebidos de boa-fé não serão devolvidos ao INSS. Entretanto, os benefícios voltarão aos valores anteriores à data da decisão judicial.

3.3. Assistência social A assistência social se apresenta como um conjunto de ações e serviços sociais destinados a quem deles necessitar, independentemente de contribuição, cujos ob­ jetivos são: (1) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à juventude"’6 e à velhice; (2) 0 amparo a crianças e adolescentes carentes; (3) a pro­ moção da integração ao mercado de trabalho; (4) a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comuni­ tária; e (5) a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.’07 Esse benefício, previsto constitucionalmente no art. 203, V, da CR/88, foi regu­ lamentado pela Lei de Organização da Assistência Social (LOAS) que estabeleceu critérios para que 0 benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Nesse sentido, 0 art. 20, § 30, da LOAS estabeleceu que os idosos ou deficientes deveríam ter a renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo para a concessão do be­ nefício. Essa norma foi objeto de questionamento na ADI 1.232. Em 27.08.1998, 0 STF julgou improcedente a ADI decidindo pela declaração de constitucionalidade do art. 20, § 3°, da Lei 8.742/93. Acontece que, passados vários anos dessa decisão, a Turma Recursal de Juizado Especial Federal tomou decisão em um caso concreto contra 0 art. 20, § 3o, da Lei n° 8.742/92. Pois bem, 0 INSS insurgiu contra 0 posicionamento da Turma Recursal ajuizando Reclamação no STF, sob 0 fundamento de que a Turma Recursal estaria descumprindo (desrespeitando) a decisão do STF (dotada de efeito erga omnes e vinculante) presente na ADI 1.232. 0 STF, em 18.04.2013, refez seu en­ tendimento sobre 0 tema e adotou novo posicionamento decidindo pela inconstitu­ cionalidade (sem pronúncia de nulidade) do art. 20, § 3% da Lei 8.472/93, julgando106

106. Conforme a Emenda Constitucional n°65de 13 de julho de 2010. -W7. Conforme a Emenda Constitucional n°6S de 13 de julho de 2010.

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Ordem Social

a Reclamação n° 4374/PE improcedente. Observamos aqui uma reinterpretação de diploma normativo devido a novas realidades sociais, ou seja, mudanças no cenário jurídico, político, econômico e social que levaram a norma de "constitucional" para "inconstitucional".’08

A conclusão então é a de que 0 critério estabelecido na Lei n® 8.742/93 não é absoluto. Como vimos, 0 Plenário do STF declarou, incidentalmente, a inconstitu­ cionalidade do § 3° do art. 20 da Lei n» 8.742/93 (sem pronúncia de nulidade) por considerar que 0 referido critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. Assim, 0 STF afirmou que, para aferir que 0 idoso ou deficiente não tem meios de se manter, 0 juiz está livre para se valer de outros parâmetros, não estando vinculado ao critério da renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo previsto no § 30 do art. 20 da Lei n° 8.742/92. Nesses termos, é bom salientar que, como a declaração de inconstitucionalidade foi sem pronúncia de nulidade, 0 critério definido pelo art. 20, § 3°, da Lei n® 8.742/93, continua existindo no mundo jurídico, mas devendo agora ser interpretado como um indicativo objetivo que não exclui a possibilidade de o juiz verificar a hipossuficiência econômica do postulante do benefício por outros meios de prova. Aliás, temos aqui que a Lei n® 13.146/2015, em consonância com a jurisprudência construída com a decisão do STF de 2013, inseriu 0 § 11 ao art. 20 da Lei n° 8.742/93 prevendo que para concessão do benefício de que trata 0 caput deste artigo (do art.20), poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabili­ dade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. É interessante salientar que decidiu 0 STF recentemente que os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no art. 203, V, da*

108. O Plenário, por maioria, também negou provimento a recursos extraordinários julgados em conjunto - inter­ postos também pelo INSS - em que se discutia também o critério de cálculo utilizado com o intuito de aferir-se a renda mensal familiar per capito para fins de concessão de beneficio assistencial a idoso e a pessoa com defi­ ciência. Prevaleceu no caso o voto do Min. Gilmar Mendes relator do RE 580.963/PR. Ressaltou o Ministro haver esvaziamento da decisão tomada na AD11.232/DF julgada em 27.08.1998 - na qual foi declarada a constituciona lidade do art. 20, § 3°, da Lei 8.742/93. Enfatizou o Ministro Gilmar Mendes que a questão seria relevante sob dois prismas: 1°) a evolução ocorrida; e 2°) a concessão de outros benefícios com a adoção de critérios distintos de 1/4 do salário mínimo. Com isso, foi declarada a inconstitucionalidade incidentertanrum do § 3° do art. 20 da Lei 8.742/93 e do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741 Z2003. (RE 567.895 e RE 580.963 julg. em 17 e 18.04.2013. Rel. Min Gilmar Mendes). 109. ARE 834476 P Turma do STF. AgR, Rel. Min. DiasToffoli, julg. em 03.03.2015. Temos aqui o posicionamento do STJ no mesmo sentido:"(...) O limite legal estabelecido no art. 20, § 3°, da Lei 8.742/93 não é critério absoluto, de modo que a necessidade/miserabilidade do postulante pode ser comprovada de outras maneiras(...)“ (STJ. 2a Turma. AgRg no REsp 1341655/SP, Rel. Min. Castro Meira, julg. em 06/08/2013.)"(...) A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de provar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando demonstrada a renda per capita inferior a 1 /4 do salário mínimo. Orientação reafirmada no julgamento do REsp 1.1 12.557/MG, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC)" (STJ. 2aTurma. AgRg no AgRg no AREsp 617.901/SP. Rel. Min. Herman Benjamin, julg. em 05/05/2015). In: Dizer o Direito, Informativo 861 do STF, abril de 2017.

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Constituição da República, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais.110 Conforme o Informativo 861 do STF, o caput do art. 203 da Constituição afirma que a "assistência social serd prestada a quem dela necessitar". Essa expressão deve ser interpretada de acordo com a dignidade da pessoa humana111, com a solidariedade social, com a erradicação da pobreza e com a assistência aos desamparados.

Nesses termos, 0 constituinte instituiu a obrigação de 0 Estado prover assis­ tência aos desamparados, sem distinção. Com base no art. 6° da CR/88, os Poderes Públicos devem efetivar políticas para remediar, ainda que minimamente, a situa­ ção precária daqueles que acabaram relegados a essa condição, sem ressalva em relação ao não nacional. Nesse ponto, ressaltou 0 STF que, pelo contrário, o art. 5®, caput, da CR/88, estampa 0 princípio da igualdade e a necessidade de tratamento isonômico entre brasileiros e estrangeiros residentes no País. Asseverou 0 Pretó­ rio Excelso que a óptica veiculada na regra infralegal (Lei n° 8.742/93), ao silenciar quanto aos estrangeiros residentes no País, não se sobrepõe à revelada na CR/88, que estabeleceu, sem restringir os beneficiários somente aos brasileiros natos ou naturalizados, que "a assistência social será prestada a quem dela necessitar".112

110. RE 587970/SP Plenário do STF, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 19 e 20.04.2017, Observou, com base em dou­ trina, que o substrato do conceito de dignidade humana pode ser decomposto em três elementos: a) valor intrínseco, b) autonomia e c) valor comunitário. Como "valor intrínseco", a dignidade requer o reconhecimento de que cada in­ divíduo é um fim em si mesmo. Impede-se, de um lado, o funcionalização do indivíduo e, de outro, afirma-se o valor de. cada ser humano, independentemente das escolhas, situação pessoal ou origem. Deixar desamparado um ser hu­ mano desprovido dos meios materiais para garantir o próprio sustento, haja vista a situação de idade avançada ou deficiência, representaria expressa desconsideração do mencionado valor. Como “autonomia", a dignidade protege o conjunto de decisões e atitudes relacionado especificamente á vida de certo indivíduo. Para que determinada pessoa possa mobilizar a própria razão em busca da construção de um ideal de vida boa, é fundamental que lhe sejam for­ necidas condições materiais mínimas. Nesse aspecto, a previsão do art. 203, l/, da CF também opera em suporte dessa concepção de vida digna, cabendo ao Estado brasileiro dar essa sustentação até mesmo ao não nacional. Realçou que a ideia maior de solidariedade social constitui princípio da CF. (...) No mais, ponderou que o estrangeiro residente no Pais, inserido no comunidade, participa do esforço mútuo, na construção de um propósito comum. Esse laço de irmandade, fruto, para alguns, do fortuito e, para outros, do destino, faz-nos, de algum modo, responsáveis pelo bem de todos, até mesmo daqueles que adotaram o Brasil como novo lar e fundaram seus alicerces pessoais e sociais nesta terra. Ao lado dos povos indígenas, o País foi formado por imigrantes, em sua maioria europeus, os quais fomentaram o desenvolvimento da nação e contribuíram sobremaneira para a criação e a consolidação da cultura brasileira. Desde a criação da nação brasileira, a presença do estrangeiro no País foi incentivada e tolerada. Náo seria coerente com a história estabelecer diferenciação tão somente pela nacionalidade, especialmente quando a dignidade está em xeque em momento de fragilidade do ser humano — idade avançada ou algum tipo de deficiência. 111. RE 587970/SP Plenário do STF, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 19 e 20.04.2017. 112. RE 587970/SP Plenário do STF, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 19 e 20.04.2017: "A Corte afirmou que, ao delegar ao legislador ordinário a regulamentação do benefício, a CF o fez apenas quanto à forma de compro vação da renda e das condições específicas de idoso ou portador de necessidades especiais hipossuficiente. Dessa forma, náo houve delegação relativamente àdefiniçáo dos beneficiários, já estabelecida. No confronto de visões, deve, portanto, prevalecer aquela que melhor concretiza o princípio constitucional da dignidade humana, cuja observância surge prioritária no ordenamento jurídico. Ressaltou que o orçamento, embora seja peça essencial nas sociedades contemporâneas, não tem valor absoluto. A natureza multifária do or­ çamento abre espaço à atividade assistencial, que se mostra de importância superlativa no texto da CF. No ponto, registrou nâo terem sido apresentadas provas técnicas da indisponibilidade financeira e do suposto impacto para os cofres públicos nem de prejuízo para os brasileiros natos e naturalizados. Por fim, concluiu ser descabida o argumento de pertinência do principio da reciprocidade, ou seja, arguir que o benefício somente poderia ser concedida a estrangeiro originário de país com o qual o Brasil tenha firmado acor­ do internacional e que preveja a cobertura da assistência social a brasileiro que esteja em seu território.

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Porém, deixou claro o STF que somente o estrangeiro com residência fixa no País pode ser auxiliado com o benefício assistencial, pois, inserido na sociedade, contribui para a construção de melhor situação social e econômica da coletividade. Somente o estrangeiro em situação regular no País, residente, idoso ou portador de necessidades especiais, hipossuficiente em si mesmo e presente a família pode se dizer beneficiário da assistência em exame. Nessa linha de idéias, os estrangeiros em situação diversa não alcançam a assistência, haja vista o não atendimento às leis brasileiras, fato que, por si só, demonstra a ausência de noção de coletividade e de solidariedade a justificar a tutela do Estado.113 Temos ainda que as ações governamentais, na área da assistência social, serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: descentra­ lização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas esta dual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; e par­ ticipação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular-se a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: despesas com pessoal e encargos sociais; ser­ viço da dívida; e qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiadas.

3.4. A educação, a cultura e o desporto

A educação - como fixado no art. 205 da Constituição de 1988 - é direito de todos e dever do Estado e da família.114 Ela será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao seu preparo para 0 exercício da cidadania e à sua qualificação para 0 trabalho. Nesses termos, apenas a título de exemplo do que significa dever do Estado e da família, temos que a Lei n°i3.8o3 de 2019 alterou a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) para determinar que os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de notificar ao Conselho

Apesar de a reciprocidade permear a CF, não é regra absoluta quanto ao tratamento dos não nacionais. O Sistema Único de Saúde (SUS) é regido pelo principio da universalidadea tutelara saúde, direito fundamental do ser humano. Assim, ao ingressar no território brasileiro, o estrangeiro tem direito a atendimento médico pelo SUS, caso precise de assistência de urgência, sem necessidade de reciprocidade para garantir tal supor­ te." (Informativo 861 do STF) 113. RE 587970/SP Plenário do STF, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. em 19 e 20.04.2017 (Informativo 861 do STF) 114. O STF em junho de 2015 reconheceu como tema de Repercussão Geral (RE n° 888.815/RS) a questão do Ensino domiciliar no que tange às Liberdades e aos deveres do Estado e da família: "1. Constitui questão constitucional saber se o ensino domiciliar (homeschooling) pode ser proibido pelo Estado ou viabilizado como meio licito de cum­ primento, pela familia, do dever de prover educação, tal como previsto no art. 20S da CRFB/1988.2. Repercussão Geral Reconhecldal'O Julgamento do RE se deu em 12.09.2018 (Informativo 915).

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Tutelar do Município a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de 30% (trinta por cento) do percentual permitido em lei.

Segundo a Constituição (art. 206), 0 ensino será ministrado com base nos se­ guintes princípios: (a) igualdade de condições para 0 acesso e permanência na escola; (b) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar 0 pensamento, a arte e 0 saber; (c) pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; (d) gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;1’5 (e) valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei"6, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (f) gestão democrática do ensino público, na forma da lei; (g) garantia de padrão de qualidade; e (h) piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.

Nesse momento, é importante registrarmos que 0 STF decidiu recentemente no RE 888.815 que não é possível, atualmente, 0 homeschooling no Brasil. 0 homeschooling consiste na prática por meio da qual os pais ou responsáveis pela criança ou adolescente assumem a obrigação pela sua escolarização formal e deixam de delegá-la às instituições oficiais de ensino. Com isso, em vez de a criança ou de 0 adolescente estudarem em uma escola, estudarão em sua própria casa, sendo os ensinamentos ministrados pelos pais ou por pessoas por eles escolhidas. 0 homeschooling é permitido em vários países do mundo, como, por exemplo. Es­ tados Unidos, Canadá, Portugal, França, Itália, Bélgica, Áustria, Noruega, Austrália, Nova Zelândia, Rússia. Em geral, tais países exigem que 0 aluno que está em ho­ meschooling faça uma prova anual para avaliação de seu nível escolar. Por outro

115. E conforme decisão do RE n° 357.148 julg. em 25.02.2014: Educação - Direito Fundamental - artigos 206, inciso IV, e208, inciso VI, da Constituição Federal - Ensino profissionalizante-Estado - alimentação - cobrança - impropriedade. Ante o teor dos artigos 206, inciso IV, e 208, inciso VI, da Carta de 1988, descabe a instituição pública de ensino profissionalizante a cobrança de anuidade relativa à alimentação. Nesse sentido: "Sublinhou que a interpretação conjunta dos artigos 206, IV, e 208, VI, da CF revelaria que programa de alimentação de estudantes em instituição pública de ensino profissionalizante que se apresentasse oneroso consistiría na própria negativa de adoção do pro­ grama. Reputou que o principio constitucional da gratuidade de ensino público em estabelecimento oficial alcançaria não apenas o ensino em si. Abarcaria, também, as garantias de efetivação do dever do Estado com a educação previs­ to na Constituição. Nessas garantias, estaria englobado o atendimento ao educando em todas as etapas da educação básica, incluído o nível médio profissionalizante, além do fornecimento de alimentação". (Informativo 737 do STF, 1 Turma) 116. O plenário do STF por maioria, julgou em 27.04.2011, improcedente pedido formulado em ADI proposta pelos Go­ vernadores dos Estados do Mato Grosso do Sul, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul e do Ceará contra os artigos 2°, SS l°e4°;3°, caput, li e lll; e 8o, todos da Lei 1l .738/2008, que dispõe sobre o piso salarial nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Ementa: “