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Portuguese Pages 97 Year 1983
• - =evolução de 1930 — Borís Fausto • E-asi. História — Vol. 3 — República Velha — A. Mendes Jr., = Maranhão/L. Roncari (org.) Coleção Tudo é História
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- =ebelião Praieira — Izabel Marson - Revolta da Princesa — Inês C. Rodrigues Soraeste Insurgente (1850-1890) — Hamilton de M. Monteiro Z Cangaço — Carlos Alberto Dória Z Coronelismo — Maria de Lourdes Janotti -evolução de 30: A Dominação Oculta — ítalo Tronca
Antonio Pedro Tota
CONTESTADO: a guerra do novo mundo
40 anos de bons livros
T'Tight © Antonio Pedro Tota
123 (antigo 27) Artistas Gráficos
’isáo: Rosângela M. Dolis
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editora brasiliense s.a. 01223 — r. general jardim, 160 são paulo — brasil
Indice Introdução ....................................................... A região e sua história ........................................ A guerra incendeia a região ................................ Conclusões ............................................................ Indicações para leitura ........................................
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¿ gradecimento, rela leitura atenta, - Ana Luíza
^niliano e Daniel
INTRODUÇÃO
Quando a Guerra de Canudos acabou, todos os setores do país que tinham acesso à comunicação tomaram conhecimento do episódio. A maior parte dos jornais chegou a noticiar praticamente o dia-adia da guerra. Um dos mais famosos repórteres e cro nistas de Canudos foi Euclides da Cunha, que, de vido à guerra, escreveu Os Sertões, clássico da lite ratura brasileira. Aproximadamente 15 anos depois da morte de Antônio Conselheiro nos sertões da Bahia, iniciavase no Sul do país, numa região situada entre os Es tados de Santa Catarina e Paraná, uma guerra que teve vários pontos de semelhança com a Guerra de Canudos. Essa guerra ficou conhecida como a Guer ra do Contestado por ocorrer numa região cujos limi tes eram dúbios e, portanto, tendo territórios contes tados“ tanto pelo Paraná como por Santa Catarina. A Guerra do Contestado iniciou-se aproxima-
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damente em fins de 1912 e estendeu-se até o início de 1916, com combates quase ininterruptos. A Guerra de Canudos teve os combates mais intensos entre os anos de 1896 e 1897, apesar de alguns pequenos inci dentes antes dessa data. Vemos, portanto, que a Guerra do Contestado durou em extensão muito mais que a Guerra de Canudos. No Contestado envolve ram-se, de uma forma ou de outra, cerca de 20 mil sertanejos. O conflito do Contestado atingiu uma ' área equivalente a 0,3% do território nacional, ocu pando uma área semelhante à do Estado de Alagoas. Apesar destes dados concretos e reveladores, numa análise comparativa, a Guerra de Canudos é mais conhecida do que a Guerra do Contestado. E por que isto ocorre? A Guerra de Canudos teve como cronista um nome como o de Euclides da Cunha, que, além de repórter de O Estado de S. Paulo, produziu Os Ser tões, essa verdadeira mea culpa nacional, como diz Walnice Nogueira Galvão. Os Sertões acabaram di vulgando, quer queira quer não, as atrocidades na repressão ao movimento sertanejo, como se a divul gação de tais atrocidades pudesse expiar a má cons ciência nacional. Além disso tudo, Canudos, muito mais que o Contestado, contou com ampla cobertura jornalística de todo o país. Contestado, no máximo, teve uma repercussão muito mais local do que nacio nal, pelo menos na época. A má consciência nacional não podería ser novamente açulada. Mas, como Canudos, o movimento do Contes tado pode ser inserido no tipo de movimento messiâ-
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nico. Ou seja, um movimento religioso que tem como base a crença em futuras catástrofes das quais só se salvarão os que forem adeptos do messias. Apesar disso, o Contestado, diferentemente de Canudos, não “precisou” de uma personalidade mística central marcante. A existencia de monges, principalmente o último José María, que iniciou a luta, foi efémera e o movimento continuou sem um líder específico. O messianismo do Contestado se insere perfeitamente no que se chama de Catolicismo Rústico do interior brasileiro. Historicamente, podemos dizer que esse catolicismo coexistiu com o Catolicismo Or todoxo durante um bom tempo. Não só coexistiu como, na verdade, foi incentivado pela Igreja oficial. Isto se deu por força das transformações que a Igreja Católica brasileira vinha passando na segunda me tade do século XIX que, segundo Ralph Delia Cava, são de três ordens: um retomo da Igreja ao povo, jurisdição e estruturação eclesiástica e a revitalização espiritual no meio dos leigos e principalmente no centro do clero. A Igreja, por essa época, se encon trava numa espécie de defensiva, e, com esse “apoio” do catolicismo popular rústico, procurava combater o avanço da maçonaria e do protestantismo. Com isso, vemos o crescimento dos beatos e monges, que de certa forma nasceram no próprio seio da Igreja oficial dentro de uma espécie de programa que aca bou formando quadros leigos auxiliares dos quadros oficiais. Essa situação tendeu a se transformar nos perío dos próximos da Proclamação da República e princi-
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pálmente depois do advento do Brasil Republicano. É um período de críse do mandonismo local e ascen são do coronelismo. Tudo isso inserido num contexto de transformações sócio-econômicas de peso. Era um Brasil se adequando às transformações da economia mundial, que, por exemplo, exigia grande produção de borracha e algodão. Dava-se a penetração de capilais estrangeiros em setores como a ferrovia, que percorria o sertão transformando as relações sociais existentes e retirando essas regiões de um antigo isolamento. É neste contexto que iremos entender por que, de certa forma, a Igreja Católica, apesar de algumas relutâncias, acabou perfeitamente adequada às trans formações que culminaram com a República. E mais: na verdade pode-se dizer que a Igreja Católica referenda a República. Concordando com Duglas Monteiro, é neste sentido que alguns grupos acabam rompendo um velho processo de submissão trilhan do caminhos de rebeldia sem projeto, seguindo na maioria das vezes vias místicas. Assim foi Canudos e assim foi Contestado. E dessa forma podemos entender-o seu monarquismo. Mas não se pode dizer que o monarquismo aspirado pelos sertanejos de Contestado era exclusivamente político. Era mais uma realização de um reino escalológico. Uma monarquia que esperavam retornasse pelos exércitos de D. Sebastião (daí o sebastianismo); mas também era uma monarquia que representou, para os que viviam da terra, tempos não tão mise ráveis como os que chegaram com a Proclamação da
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República. Isto explica por que o sertanejo que lutava con tra os soldados do exército regular tinha plena con vicção de estar pelejando numa Guerra Santa. Ele se considerava um elemento de uma “irmandade” onde c igualitarismo e a fraternidade tomavam-se fatores básicos. A maioria dos membros da “irmandade” tinha que se declarar crente aos monges José e João Maria. A maior parte desses crentes que lutaram no Contestado eram sertanejos sem terra. Mas havia ainda fazendeiros, um juiz de paz, pequenos comer ciantes, foragidos da justiça e perseguidos políticos que, nos redutos, encontravam proteção contra os desmandos dos coronéis. Há ainda que se destacar as diferentes formas de atuação das forças repressivas em Canudos e Contes tado. “Sobre as cinzas da aldeia sagrada de Canu dos, a República, finalmente, estava salva e consoli dada”, no dizer de Carlos A. Dória. Quem a conso lidou foi o exército brasileiro; a duras penas, pois era um exército republicano que mal estava se formando. O exército que combateu no Contestado não era o mesmo exército que havia combatido Canudos. O exército da campanha de Canudos havia ultrapas sado a sua fase amadora e reprimiu com maior téc nica o movimento popular do Sul do país, utilizandose. inclusive, de pequenos aviões para reconheci mentos. A Guerra Santa do Contestado foi, portanto, tão importante ou mais do que Canudos. No entanto, não é tão conhecida. Mesmo o filme de Silvio Back,
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A Guerra dos Pelados, parece não ter recebido a divulgação merecida.
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A REGIÃO E SUA HISTORIA
A ecologia e a economia As condições naturais da região foram ricamente descritas por Maurício Vinhas de Queiroz. Lembra, principalmente, que é uma região com fartura de aguadas. Isto parece afastar qualquer explicação pró xima ao determinismo geográfico que marcou alguns estudos sobre a Guerra de Canudos, que atribuíam às condições ecológicas do Nordeste responsabilidade pela guerra. Ao contrário da aridez da região nordes tina, o trecho que se vê no mapa entre o Paraná e Santa Catarina é uma região de clima temperado. O gado e as pessoas podem encontrar condições rela tivamente favoráveis para a alimentação. Florestas de pinheiros (a chamada araucária) predominam na paisagem. Vários rios cortam a região de solo fértil, formando vales. Os mais importantes são o rio dos Peixes e o rio Iguaçu, em cujas margens se desen
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rolarão varias batalhas no auge do conflito. Os campos onde o gado pastava foram conquis tados 100 anos antes dos acontecimentos, com a expulsão paulatina dos indios que ali habitavam. Eram frentes de lavradores e fazendeiros que iam espalhando o gado, primeiramente solto e depois amansado e sob controle. O fato de os conquista dores avançarem sem nenhum entendimento prévio várias vezes provocou disputas violentas pela posse das terras recém-conquistadas. Na verdade, pode mos ver aí os princípios de disputas de zonas frontei riças que irão resultar nas questões limítrofes entre o Estado do Paraná e de Santa Catarina. Para se ter uma idéia da extensão da frente pastoril, muitos dos criadores que se fixaram na região de Campos Novos eram descendentes de fugitivos da Guerra dos Far rapos. "Uma outra atividade econômica muito impor tante na região era a extração da erva-mate. O hábito de tomar o famoso chimarrão foi herdado dos gua ranis. O costume depois difundiu-se por toda a re gião do Prata. Por essa razão, a produção da ervamate passou de uma produção para uso interno para uma produção destinada a um mercado externo. A erva-mate nascia geralménte na floresta, o que de mandava um outro aspecto de pioneirismo para co lhê-la, beneficiá-la e depois colocá-la no mercado. Na época da Guerra do Paraguai, por exemplo, a região tomou-se a maior exportadora de erva-mate para os habitantes do Prata. Este fato favoreceu o aparecimento de fortunas, ao mesmo tempo em que
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se dava o empobrecimento de grande parte da popu lação que se dedicava a esta atividade econômica. De modo geral, essa atividade não exigia aparato téc nico: era a família do mateiro que se embrenhava nos ervais, colhia, beneficiava e vendia o mate nas vilas próximas. O intermediário é que auferia grandes lucros, enquanto que o trabalhador mal ganhava para o seu sustento durante o ano. Mas o sustento básico do caboclo catarinense e paranaense vinha de sua roça: pequenas plantações de milho e feijão, às vezes de sua própria posse ou coexistindo nos latifúndios, que, pelo fim do século, tendiam a aumentar. Do milho saía a farinha, parte da tradicional e parca alimentação do caboclo brasi leiro. Vez por outra, um naco de carne misturado ao feijão, palmito colhido no mato e o pinhão dos pinheirais. Eis o que o caboclo comia.
A questão da terra, os limites e o poder Para se ter uma idéia de como a posse da terra na região foi de crucial importância para explicar a guerra, basta atentar para o que estava escrito em um pedaço de papel amassado e ensanguentado que foi encontrado no bolso de um caboclo guerrilheiro que combateu na Guerra Santa: “Nóis não tem di reito de terras tudo é para as gente da Oropa”. Os caboclos que lutaram no que eles chamavam de “guerra santa” tinham uma consciência muito clara de sua situação de espoliados, isto é, ha-
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viam perdido a terra para os “coronéis” podero- ; sos aliados a companhias estrangeiras. Uma noção í da estrutura do regime de propriedade e do poder 4 na região se faz necessária para melhor entendi mento da questão da terra e suas implicações no conflito. O regime de propriedade da terra, na região que ficou conhecida com o nome de Contestado, era bas tante variado. Até meados do século passado, podiam-se encontrar grandes propriedades, que leva vam mais de três dias de viagem para serem percor ridas. Fazendas com 20 mil cabeças de gado. Mas havia também as médias fazendas e as pequenas posses. No entanto, somente o “coronel” é que tinha o título da propriedade, isto é, o único que era reco nhecido como dono legal das terras. O pequeno e o médio lavrador não eram proprietários legais das terras, apesar de as estarem cultivando sob o regime de posse há longos anos. Tanto um como outro tipo de propriedade tinham sido adquiridos depois da expul são violenta dos índios da região. Maurício Vinhas de Queiroz nos dá uma idéia geral dos diferentes “graus” na estratificação social da região. No topo da escala social encontrava-se o grande proprietário, que era chefe político de um município que mantinha estreita ligação com as auto ridades do governo estadual. Detinha, enfim, o mo nopólio do poder político na região e era “coronel” na hierarquia da velha Guarda Nacional. Logo abai xo do “coronel”, grande proprietário, vinha o fazén-
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¿eiro, que poderiamos chamar de médio, o “capi tão” na hierarquia da Guarda Nacional; ele tinha a posse de sua terra, mas não a propriedade legal. Esse é um dado importante para entendermos algumas das adesões à Guerra Santa, como veremos mais adiante. Os lavradores eram os trabalhadores que possuíam uma pequena posse, geralmente afastada dos centros da fazendas e mais próxima às frentes de ervais para extrair o mate. Alguns ainda se dedi cavam à criação de pequeno rebanho bovino. Os agregados e os peões viviam nas fazendas dos grandes ou médios proprietários. Exerciam toda a sorte de funções: cuidavam do gado, extraíam ervamate, eram lenhadores, domadores etc. Havia um laço de dependência entre os “coronéis” e os agrega dos. No dizer de Duglas Teixeira Monteiro, esse laço de dependência vinha do domínio que aquele tinha so bre os recursos materiais e vinha também, principal mente, de uma estrutura de troca de favores, confi gurada na proteção. Alguns “coronéis” estabeleciam poder absoluto sobre determinadas regiões. Um exemplo típico é o caso do “coronel” Francisco de Albuquerque, senhor todo-poderoso de Curitibanos, que, como veremos, terá um papel importante na deflagração da Guerra do Contestado. “O ‘coronel’ Francisco de Albuquer que, de Curitibanos, principiou relativamente pobre; seus inimigos políticos diziam que na juventude se dedicara a tocar trompa na banda de música de Campos Novos. Abriu venda em Curitibanos e, acu mulando as funções de comerciante com as de agente
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da poderosa família Ramos, os maiores latifundiá rios pecuaristas de Lajes, é que venceu na política. Ao vencer, procurou, desde logo, comprar ou apo derar-se de toda a terra que lhe caía às mãos: ao morrer deixou 100 milhões de metros quadrados.” (Queiroz, Maurício Vinhas, p. 38.) Quando um “coronel” não tinha o monopólio político da região, passava a figurar como membro de uma tênue oposição ao “coronel” que dominava essa região. Para isso se valia de estratagemas, como se colocar, em alguns casos, ao lado de algum peão, ou lavrador que havia sido expulso das terras ou que não havia recebido corretamente a jornada de tra balho. Ele se fazia ver como “pai dos pobres”, prote tor dos desamparados. Este foi o caso do “coronel” Henriquinho de Almeida, também de Curitibanos, e arquiinimigo do “coronel” Francisco de Albuquer que. Mas esta oposição tinha um limite muito frágil: quando a guerra principiou, o “coronel” Henriquinho pôs-se logo ao lado das forças repressoras que dizi maram os caboclos na Guerra Santa. Outra atividade dominada pelos “coronéis” era o comércio. Quase sempre eles monopolizavam o fornecimento de gêneros para uma região.
As contradições se acirram Como dissemos,, os grandes fazendeiros abriga vam em suas terras um grande número de agregados. Esses agregados tinham inicialmente alguns direitos:
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podiam criar o próprio gado nas terras da grande fazenda. Mas a tendencia era seu rebanho ir cres cendo, e o mesmo acontecia com sua própria família. Aos poucos, tanto o rebanho como a família do agre gado passavam a ser uma espécie de excedente den tro dos limites da fazenda. Os fazendeiros, preocu pados com esse crescimento, de modo geral “impe liam” o agregado a que procurasse terras para que se estabelecesse por conta própria. Este ia com rebanho e família à procura das terras devolutas públicas para ali se instalar como posseiro. Até meados do século passado essa solução era relativamente fácil, mas, aos poucos, as áreas vazias iam se rareando. Diante disso, as tensões sociais tendiam a aumentar. Essa situação tensa entre ex-agregadõs e grandes fa zendeiros piorou com a Proclamação da República. Com a República, as terras devolutas que antes estavam sob a autoridade do governo central impe rial passaram para a jurisdição estadual. Este fato deu maiores condições para que as oligarquias esta duais aperfeiçoassem o seu esquema político de favo res com os “coronéis”, donos dos poderes munici pais. Foi por essa razão que as terras devolutas do Estado passaram, pouco a pouco, para as mãos dos “coronéis”, correligionários das oligarquias esta duais. Os primeiros tinham necessidade de expandir suas terras diante da demanda de gado, mate e ma deira e, graças às ligações que possuíam com as oligarquias, transformaram-se em proprietários das terras devolutas do Estado. De modo geral, estas terras eram habitadas por posseiros, pequenos cria-
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dores e lavradores, e agora, com a “aquisição” das terras devolutas pelos “coronéis”, essa gente viu-se na estranha contingência de ser “intrusa” em sua própria posse. A partir daí os jagunços e capangas dos “coronéis” começaram a expulsar esses “intru sos”. Os intrusos expulsos não tinham mais para onde ir e ficavam perambulando pelo sertão, pelos pinheirais e campos. Gerava-se desta forma um foco bastante forte de tensões que tendia a explodir a qualquer momento. E note-se que, para esses recémdespossuídos, o grande culpado passava a ser a Re pública oligárquica. Um exemplo citado por Duglas Teixeira Mon teiro ilustra claramente o significado e a origem dos conflitos fronteiriços entre os dois Estados que vão somar mais um fator de tensão gerador do conflito que se desenrolará na região. Diz o autor: “... após o estabelecimento de grandes fazendas na região de Lajes, a expansão da pecuária continuava mais ao norte. Tem-se nesse sentido, a título de exemplo, o caso de Francisco de Paula Pereira, grande proprie tário de terras em S. Bento, Paraná, que abandona a sua região por causa de perseguições políticas e al cança os rios Putinga e Canoinha. Entendendo que o local era bom para estabelecer-se, volta para bus car a família e agregados. Ali surge o que viria a ser a sede do município de Canoinhas. Região rica em erva-mate, o Estado do Paraná a reivindica como parte de seu território, mas Francisco de Paula repele a autoridade policial paranaense e não se submete à jurisdição do vigário de Rio Negro (Paraná). Ao
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mesmo tempo, fazendo contato com Curitibanos (Sta. Catarina), se coloca sob a proteção de Albu querque, ‘coronel’ e chefe político do lugar” (Mon teiro, Duglas T., p. 3). Desta forma, teremos uma grande área de terras, rica em ervais, de onde pode ría ser tirada através de impostos sobre os pro dutos extraídos, renda para os Estados. Daí a dis puta entre Santa Catarina e Paraná pela região. A disputa entre os dois Estados fomentou o regiona lismo entre os “coronéis”, que eram manipulados pelas oligarquias estaduais. Ao mesmo tempo, os “coronéis” utilizavam-se de seus agregados, que muitas vezes transformavam-se em jagunços mani pulados* em defesa dos interesses de cada “coronel”. A questão dos limites entre os dois Estados, apesar de aumentar o clima já tenso da região, não deve ser vista como fator determinante do conflito, pois, como veremos, essas divergências ficaram diluí das no conjunto das contradições sócio-econômicas. Um dos exemplos do conjunto dessas contradições foi a construção da estrada de ferro São Paulo—Rio Grande. A concessão dessa estrada de ferro foi dada pelo governo brasileiro ao chamado Sindicato Parcival Farquhard em meio a denúncias de corrupções, su bornos e pressões políticas que o magnata americano soube manipular com destreza. Os investimentos de Farquhard no Brasil no começo do século foram diri gidos aos mais variados setores e regiões do país. Márcio Souza, em seu romance Ma d Maria, descreve as atrocidades na construção da famosa Madeira-
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Mamoré pelo grupo desse mesmo capitalista ameri cano. Esse grupo, dono da “Brazil Railway Company”, conseguiu a concessão da construção da fer rovia que ligaria São Paulo ao Rio Grande do Sul, e parte de seu traçado passava exatamente pela região do Contestado. Nessa parte, deveria ligar União da Vitória (ou Porto União) à cidade de Marcélio Ra mos. Mas as implicações com o conflito não decor rem somente devido à concessão. É que ficou estipu lado no contrato entre o governo, via oligarquias es taduais e “coronéis”, que a companhia tinha direito de propriedade de toda a área que estivesse dentro de uma faixa de 15 quilômetros ao lado de cada margem da estrada. A leitura de um edital da “Brazil Railway Company” de 1911 pode dar bem uma idéia do que representou para os caboclos e posseiros da região a instalação da companhia: “Este faz saber a todos que é expressamente proibido invadir ou ocupar ter renos pertencentes à Companhia Estrada de Ferro São Paulo—Rio Grande, situadas em ambas as mar gens do Rio do Peixe e em outras localidades onde, por concessão estadual, a Companhia de Estrada de Ferro possui terras que já foram ou estão sendo medi das e demarcadas por ela”. Este edital, na prática, veio agravar a situação de pequenos e médios proprietários e posseiros que tinham suas terras na região sobre a qual a “Brazil Railway” passou a ter direito. Novos “intrusos” vie ram engrossar as fileiras dos que antes já haviam sofrido o fenômeno em relação às terras devolutas,
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como já vimos. Para a construção da estrada de ferro foram recrutados inicialmente 4 mil trabalhadores, número que atingiu pouco depois 8 mil. A maioria desses trabalhadores vinha dos grandes centros urbanos do país, de modo geral recrutados entre desempregados e desocupados. Qualquer tipo de reivindicação por parte desses trabalhadores, visando à melhoria de condições e salários, era prontamente reprimido pela polícia particular da “Brazil Railway”. No dizer de Duglas T. Monteiro, essa era a vio lência inovadora. Em outras palavras, numa região que era marcada por uma violência tradicional (Guer ra dos Farrapos, Revolução Federalista e as lutas entre os “coronéis”), agora vinha somar-se uma nova violência representada pela vinda de contingentes dos grandes centros urbanos e pela implantação de empresas estrangeiras que tomavam as terras dos habitantes da região. O aparecimento dessa nova violência não se.li mitou à construção da estrada de ferro. Em 1911, uma subsidiária da “Brazil Railway”, portanto fa zendo parte do grupo de Farquhard, chamada “Southern Brazil Lumber and Colonization Co.”, comprou 180 mil hectares na área contestada. O objetivo dessa empresa era a produção madeireira. Em pouco tempo a região foi invadida por maqui narias modernas destinadas à implantação de serra rias com grande capacidade de produção. Toda essa madeira destinava-se à exportação e, no dizer de Maurício Vinhas de Queiroz, a “Lumber” transfor
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mou-se na maior empresa madeireira da América Latina. Para o transporte da madeira para os portos catarinenses foi construída mais uma estrada de ferro ligando União da Vitória a São Francisco, constru ção esta também concedida à “Brazil Railway”. O fato é que a implantação desse complexo in dustrial madeireiro arruinou uma grande quantidade de pequenos serradores que existia na região. Ao mesmo tempo, os antigos posseiros que habitavam a terra que passou a ser propriedade da “Southern Lumber” foram considerados “intrusos” e expulsos. Mais uma vez a história se repetia, e o contingente dos descontentes aumentava mais e mais.
Os monges do Contestado Na região do Contestado existia uma tradição (que de certa forma se estende até hoje) de movi mentos messiânicos bastante marcantes. Esses movi mentos eram em geral liderados poç elementos conhe cidos como monges. Estes monges não tinham ne nhuma ligação oficial com a Igreja ou com qualquer ordem monástica; eram muitas vezes chamados de beatos ou profetas. O fenômeno do messianismo foi e é bastante estudado pelos especialistas. Um dos estudos mais conhecidos no Brasil sobre o assunto é o da profes sora Maria Isaura Pereira de Queiroz: O Messia nismo no Brasil e no Mundo. Maria Isaura nos dá uma idéia geral dos fenômenos messianismo e mes-
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sias.
Quem seria o messias? Seria alguém enviado pelas divindades com a função de liderar um movi mento de luta do Bem contra a Mal. Liderar os homens, guiá-los para atingir o Paraíso. Para Max Weber, esse messias necessita ter qualidades pessoais imprescindíveis para marcar sua ascendência sobre o povo a ser dirigido, ao mesmo tempo que essa lide rança é exercida carismaticamente: “a qualidade extraordinária que possui um indivíduo (condicio nada de forma mágica em sua origem, quer se trate de profetas, de feiticeiros, de árbitros, de chefes de bandos ou de caudilhos militares); em virtude dessa qualidade, o indivíduo é considerado ora como pos suidor de forças sobrenaturais ou sobre-humanas, ou pelo menos específicamente extracotidianas, que não estão ao alcance de nenhum outro indivíduo, ora como enviado de Deus, ora como indivíduo exemplar e, em conseqüência, como chefe, caudilho, guia, líder” (citado por Queiroz, M. I. P., p. 5). Esse messias tinha por incumbência, como se disse, transformar a realidade na terra. Tinha, en fim, objetivos políticos a serem atingidos mas ope rados religiosamente. Vem para acabar com as injus tiças existentes na terra. Ê importante notar que a proposta de transformação e de salvação não é um fenômeno individual: a salvação deverá ser usufruída coletivamente. Essa explicação introdutória é necessária para que possamos entender a natureza do fenômeno no Contestado.
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Pois bem, a região do Contestado foi campo fértil para o aparecimento de líderes messiânicos com os aspectos e características descritas anteriormente mas com as peculiaridades das condições da região. O primeiro monge de que se tem noticia de que perambulou pela região foi o famoso João Maria. Andou pela região nos meados do século passado seguido de grande número de adeptos. O segundo monge que surge na região foi tam bém um de nome João María. Este começou sua peregrinação pela região depois da Guerra do Para guai. A descrição da figura é muito interessante: lon gas barbas grisalhas, utilizava um cajado para se apoiar em suas andanças; era sírio de origem e diziase incumbido de missões religiosas, jamais aceitava dinheiro, dormia sob as árvores. Os sertanejos logo o consideraram um verdadeiro enviado de Deus com a qualidade de curador. De modo geral, bastava o monge João Maria rezar pelo doente e receitar um determinado chá feito de vassourinha (arbusto da região) que a cura seria alcançada. Quando, em 1893, estourou a chamada Revolução Federalista, a região do Rio Grande do Sul e proximidades viu-se dividida em dois setores: de um lado os chamados maragatos, que não reconheciam a autoridade de Floriano Pei xoto, e de outro os pica-paus, que apoiavam o go verno militar de Peixoto. Antes dos combates os maragatos recebiam as bênçãos dos monges e acre ditavam que a vassourinha tinha propriedades de fechar o corpo durante as lutas. Quase sempre, o monge substituía o padre ofi
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ciai da Igreja Católica, que raramente aparecia pela região. Casava, batizava, benzia o gado, curava bi cheira dos animais. As cinzas das fogueiras de seus acampamentos eram rapidamente transformadas em patuás com poderes mágicos de cura e fechamento do corpo. Conta-se que quando o chefe maragato Gumercindo Saraiva morreu, João Maria preveniu o povo da região que este voltaria em breve à frente de um exército de anjos. O monge João Maria declarava-se um anti-repu blicano convicto. Dizia, entre outras coisas, que a “República era a ordem do demônio, enquanto a monarquia era a ordem de Deus” (Queiroz, M. V., p. 60). É importante relembrar que a República, para a maioria dos caboclos, era a instituição que lhes havia roubado suas posses para dá-las aos “co ronéis”. Mais ainda: é preciso lembrar, como o faz Duglas Monteiro, que o Império significou para a região um longo período de paz, com exceção da Revolução Farroupilha. E esse período de paz só foi interrompido com as agitações políticas advindas da Proclamação da República, culminando com a Revo lução Federalista, que ensangüentou a região. Por essas razões é que entendemos como o monarquismo de João Maria foi rapidamente assimilado pelos ca boclos. Houve também uma outra questão que acirrou as contradições no nível institucional religioso: tratase do choque entre o catolicismo rústico dos caboclos e a ortodoxia da Igreja Católica. Inicialmente não havia antagonismo entre uma
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prática e outra, pois a incidencia das visitas de pa dres na região era pequena. Raras vezes aparecia um sacerdote, talvez uma ou duas vezes por ano, para batizar ou realizar casamentos de velhas uniões natu rais. Somente pelos fins do século XIX é que a região começou a receber um pouco mais de atenção por parte das autoridades eclesiásticas. Em 1892, por exemplo, chegou em Lajes o frei Rogério Neuhaus, de naturalidade alemã, que pretendeu estabelecer um novo tipo de relação com os caboclos. Este frei, de certa forma, utilizava-se de métodos semelhantes aos dos monges: andava com uma pequena farmácia portátil de homeopatía, distribuía remédios para os lavradores, e com isso instava o sertanejo a se sub meter a alguns dogmas, tais como confissão, comu nhão etc. Começou, enfim, a fazer certa concorrên cia ao monge João Maria. Mas havia diferenças mar cantes entre um e outro. Nas palavras de Maurício Vinhas ”... o catolicismo popular e sincrético da quela área recebia, apesar de tudo, com uma certa desconfiança a palavra de Rogério Neuháus e a dos raros padres estrangeiros, (...) porque (os padres) co bravam pelos batismos, casamentos e missas. Se gundo o sistema de valores local, os maiores santos deveríam dar provas de absoluto desprendimento. João Maria nunca tocava em dinheiro” (Queiroz, M. V., p. 56). Em outras palavras, o padre ligado à Igreja oficial representava de certa maneira uma instituição estranha, saía de uma cidade e entrava no sertão, para logo depois voltar à cidade, permanecendo
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alheio à realidade do caboclo e, além do mais, a maioria dos padres era de origem estrangeira e não se fazia assimilar. Os monges, pelo contrário, apesar de o primeiro e o segundo João Maria serem estran geiros, passaram a fazer parte integrante da vida social sertaneja. “Representava o monge, desse mo do, um papel equivalente ao do padre, mas estava a serviço e era a expressão da autonomia do mundo religioso rústico” (Monteiro, D. T., p. 69). Eis um exemplo do conflito latente entre a orto doxia católica e o catolicismo rústico dos caboclos, no áspero diálogo travado entre João Maria e frei Rogério: — A minha reza vale mais do que uma missa — disse João Maria. — Nem as orações de Nossa Senhora têm o valor de uma missa, pois nesta Jesus Cristo vem des cendo sobre o altar — respondeu frei Rogério Neuhaus. — Para aqui também vem — retrucou João Maria, apontando para um altar portátil que o acom panhava em suas andanças pelo sertão.
O caráter místico/rústico em torno de João Maria ganha novo corpo com seu desaparecimento em torno de 1908. Desapareceu sem deixar qual quer pista. Este fato instaurou, entre os caboclos, um verdadeiro sebastianismo: os sertanejos desse momento em diante passaram a esperar o retorno glorioso de João Maria. Veremos mais adiante que
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: aparecimento de outro monge e curandeiro será je nial importância no desencadeamento dos fatos incendiarão toda a região do Contestado. Mas, alguns anos antes do desaparecimento do mmge e 15 anos antes de começarem os conflitos na -egião. ocorreu um episodio que serve de amostrage— para os futuros acontecimentos. Trata-se do ¿ñamado Canudinhos de Lajes, uma espécie de ensaii geral para a Guerra do Contestado. Por volta de 1897, surgiu na região próxima a Lres um monge que se dizia irmão de João Maria. Pregava o fim do mundo próximo e também fazia snas curas. Assim, juntou em torno de si considerável =i _l:idão de sertanejos que, de modo geral, peram’nãvam à procura de trabalho. Aos poucos, os fanáticos seguidores do monge çne se fazia passar por irmão de João Maria davam - zsira de que iam se fixar na região. Os grandes nrcnrietários começaram a ficar alarmados e a temer p»:r seu gado e pelas propriedades. As autoridades de Campos Novos, atendendo pedido dos proprietários, enviaram uma força policial para dispersar a concenmação dos fanáticos. A força policial encontrou resislêzcia e teve dois de seus homens mortos pelos serta nejos. O pavor de que se repetisse no Sul o que mal acabara nos sertões da Bahia tomou conta dos pronneiários e das autoridades estaduais. Rapidamente mna força do exército do Rio Grande do Sul foi enviada para reprimir a concentração de fanáticos. O massacre foi geral: poucos sobreviventes, grande nú-
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mero de prisões e a maioria dos caboclos se dispersou pelo sertão. A importancia desse episodio, de caráter anun ciador da guerra que se deflagará alguns anos depois na região, é analisada por Maurício Vinhas de Quei roz: “Está implícito (...) neste ensaio um tanto tragi cómico de movimento messiânico (o próprio nome ‘Canudinhos’ (...) é um índice de sua relativa comicidade) um problema de maior importancia. Não resta, dúvida que o ambiente que propiciou a sua eclosão era aquele que havia revitalizado antigos mi tos apocalípticos e dado força a crenças escatológicas. Em outras palavras já estávamos observando os primeiros sintomas de desagregação de um sistema.” (Queiroz, M. Vinhas, p. 66.)
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A GUERRA INCENDEIA A REGIÃO As tensões precursoras O ano de 1911 traz a sensação de que todas as agruras e sofrimentos da população da região che garam ao ponto máximo. Se atentarmos para os falos, veremos que este foi o ano do processo de introdução e de implantação de forças externas e modemizadoras. Foi o ano em que as empresas, com claros moldes capitalistas, tais como serrarias, a pe cuária e, principalmente, a estrada de ferro inicia ram o verdadeiro enraizamento na região. Tanto é verdade que, naquele ano, a Estrada de Ferro implantou algumas dezenas de quilômetros, iniciou, ao mesmo tempo, a expulsão à força dos que se haviam transformado em “intrusos” e, alguns anos mais tarde, teve reconhecido pelo Estado o di reito de propriedade sobre 6 bilhões de metros qua drados de terra. Efetivava-se, enfim, como diz Du-
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glas T. Monteiro, as premissas da violencia inova dora acelerando de certa forma os fatores da já tra dicional violencia da região. O mesmo autor analisa aposição dos “coronéis” diante da introdução das for ças inovadoras que tendem a desarticular os velhos la ços de dependencia entre estes e seus agregados e de pendentes: “Os coronéis, ou se tornavam incapazes de manter posições tradicionais de ascendência mo ral em relação a essa gente espoliada, ou se associa vam abertamente às forças espoliadoras econômicas e políticas que estavam emergindo” (Monteiro, DuglasTeixeira, p. 31). E para agravar ainda mais a vida do seftanejo ocorreu uma praga de ratazanas que destruiu todas as reservas dos já pobres paióis dos caboclos. Parecia que as profecias do monge João Maria, que predis sera as desgraças futuras, se efetivavam. Por volta de 1912, surgiu no município de Cam pos Novos uma figura vestida de calças de brim barato, cabelos compridos e um barrete na cabeça, do tipo usado pelo monge João Maria. Fumava ca chimbo e se dizia curandeiro. Os sertanejos da redondeza começaram a se agrupar em torno desse novo messias, crendo que o monge João Maria havia voltado. Este monge, no entanto, se denominava José Maria de Santo Agos tinho. Sua fama cresceu principalmente depois que curou a mulher de um importante fazendeiro da região. Em agradecimento, esse fazendeiro ofereceu a José Maria terras e dinheiro, mas este prontamente recusou. O fato da recusa de riquezas o caracterizou
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como desinteressado pelos bens materiais, fato que atraiu ainda mais os seus seguidores. As origens de José Maria são obscuras, mas sabe-se que era um ex-soldado do exército que havia desertado em dèterminada ocasião. Depois da deser ção, dedicou-se a pequenas tarefas que exercia nas fazendas, mas sua principal atividade era a prática do curandeirismo. Antes de aparecer no município de Campos Novos tinha vivido entre os posseiros da região de Irani dedicando-se também à atividade de curandeiro e já reunia um pequeno séquito de admi radores. Este monge tomava o cuidado de deixar passar para os sertanejos que não era o santo monge João Maria, mas sim uma espécie de irmão. E esta categoria de irmão pode ser entendida na medida em que já se notava alguns traços de uma “organização” de fraternidade no seio do pequeno grupo que se aproximava de José Maria. Ao mesmo tempo José Maria deixava transparecer que trazia a mensagem do velho monge João Maria desaparecido alguns anos antes. Ao contrário do seu antecessor, que preferia viver no isolamento, José Maria gostava de se ver cercado de adeptos. E, aos poucos, começou a dar alguma organização ao grupo que passou a segui-lo. Por exemplo, utilizando-se de seus parcos conheci mentos militares herdados do tempo do exército, organizou grupos aos quais chamou de “quadros santos”. O comando desses quadros foi entregue a adeptos mais aptos. Esses “comandantes” ficavam encarregados de organizar as rezas e também as cha-
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madas formas: filas de sertanejos que se dedicavam a uma espécie de treinamento militar e que entoavam canções e davam vivas a São Sebastião, a João María e a José María. José María sabia ler e escrever. Anotava em um caderno os nomes e as propriedades das ervas e raízes com qualidades medicinais. Suas rezas eram copia das e passadas de mão em mão e se dizia que tinha a qualidade de “fechar o corpo”. Aos poucos, formou uma espécie de guarda es pecial que ficou conhecida como os “Doze Pares de França”. Era uma guarda de “elite” que mais tarde só montará cavalos brancos com um arreiamento bastante adornado. Somente os sertanejos mais há beis e mais fortes podiam participar dos Doze Pares de França, que por sua vez jamais usavam armas de fogo, sua única arma era o facão que manipulavam com destreza. Tudo indica que a inspiração dos Doze Pares de França foi buscada por José Maria na leitura da His tória de Carlos Magno e dos Doze Pares de França que, segundo Câmara Cascudo, era o livro mais co nhecido no interior do Brasil. Ê dessa época que se formou o conceito de “irmandade”, ou seja, um espírito igualitário religioso já se fazia anunciar. José Maria fazia uma leitura pública das estórias do livro e o povo reunido em torno do monge ouvia comple tamente absorvido. O sertanejo que fazia parte do grupo (irmandade) acreditava que a guerra de Carlos Magno completaria mil anos, fato que criava condi ções para a vinda de D. Sebastião para empreender
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urna Guerra Santa. A Historia de Carlos Magno não era uma leitura que tinha por objetivo um sentido recreativo; ela era encarada com fervor místico-reli gioso. Wainice Nogueira Galvão interpreta o fato como o único momento em que um povo sem historia acha sua historia: “Historia e estória se confundem para o sujeito em busca de uma concepção de si mesmo, de sua vida. O acontecido ontem e aqui ombreia com o acontecido em eras remotas e bem longe”. Em determinado dia do ano de 1912 o monge José Maria recebeu a visita de um grupo de homens vindos da região de Curitibanos. Eram festeiros que tinham por incumbência convidar o monge para os festejos de São Bom Jesus que se realizariam no dia 6 de agosto daquele ano no arraial de Taquaruçu. O grupo era composto principalmente por um pequeno comerciante (Práxedes Damaceno), um pequeno cria dor (Chico Ventura) e ainda um conhecido sertanejo de certa posse (Euzébio dos Santos). Esse grupo, de uma forma ou de outra, fazia parte da clientela do “coronel” Henriquinho de Almeida, tradicional ini migo político do superintendente do município de Curitibanos, o todo-poderoso “coronel” Francisco Albuquerque. José Maria, diante do convite para ir dar um colorido mais santo à festa, partiu para Taquaruçu liderando uma comitiva de cerca de 300 adeptos. De modo geral, era hábito entre os caboclos passar os tempos da festa de São Bom Jesus entre atos religiosos e folguedos. Muito foguetório, chur-
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ráseos e mesmo algumas danças e músicas. E sempre que os festejos chegavam ao fim todos os caboclos iam para seus casebres e suas pequenas posses para cuidar de seus afazeres. Mas naquele ano de 1912 foi diferente: os sertanejos foram atraídos pelo monge José Maria, que continuava suas pregações e curas, mas também porque uma boa parte deles não tinha mais aonde ir, pois tiveram suas terras tomadas ou pelos “coronéis” ou pela “Brazil Railway” e pela “Lumber and Colonization Co.”. EmTaquaruçu o monge foi ficando. Acampado com seus fiéis seguidores, rezava e curava, como dis semos. O “coronel” Francisco de Albuquerque, supe rintendente de Curitibanos, e portanto de Taquaruçu, que ficava em sua jurisdição, começou a ficar preocupado com toda aquela gente aglomerada. E, mais do que isso, para ele, ao que tudo indicava, essa gente estava ali sob a tutela do “coronel” Henriquinho de Almeida, o líder da oposição e cognominado “pai dos pobres”. Sabemos que a vinda do monge acirrou as contradições entre as duas facções de poder na região, pois o “coronel” Henriquinho tinha claras intenções de usar o monge e seus seguidores como instrumento político contra o dono do poder, tanto assim que o monge José Maria foi presenteado por Henriquinho com uma espada de “coronel” da Guar da Nacional. A preocupação do “coronel” Francisco Albu querque tinha sua razão de ser, pois parte dos novos seguidores do monge José Maria eram “vítimas” dos
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aes—.i-dos do superintendente de Curitibanos. Por -¿zão, intimou o monge a comparecer em Curipara parlamentar. José Maria recusou pronEm Curitibanos os boatos correram rapida-e-zie. O enviado de Francisco Albuquerque chegou i iñrmar que “os fanáticos haviam proclamado a — :z¿rquia nos sertões de Taquaruçu”, informação o “coronel” passou imediatamente para o go bernador de Santa Catarina. As noticias de “urna s^blevação com o intuito de restaurar a monarquia” ¿hegaram até o presidente Hermes da Fonseca. José Maria e seus adeptos, diante de tamanho alarde, resolveram não enfrentar a repressão que se preparava e rapidamente cruzaram o rio do Peixe e se dirigiram ao Estado do Paraná. Logo atingiram os Campos de Irani, local onde o monge já havia estado antes e onde dizia ter muitos amigos. Em Irani, as noticias de que José María havia chegado naquela região fez com que mais pessoas o procurassem para curas, rezas e outros tipos de ajuda. Muitas delas permaneciam acampadas em redor da gente do monge, aumentando assim os seus seguidores. Rapidamente espalhou-se a notícia de que uma força policial do Paraná estava marchando para dispersar os crentes. Aos adeptos do monge so maram-se cerca de cem homens armados do ex-maragato Miguel Fragoso. E, realmente, tropas do Regimento de Seguran ça do Estado do Paraná, sob o comando do coronel João Gualberto Gomes Sá Filho, desembarcavam em
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Porto União na noite de 12 de outubro de 1912. No dia 20 de outubro as forças do coronel Gualberto se aproximaram do local onde estavam o monge e os sertanejos seus adeptos. Os objetivos do coronel Gualberto eram violentos e não davam margem ao diálogo, como atesta o bilhete enviado pelo militar ao chefe religioso: “Acampamento do Regimento de Segurança nos Campos do Irani em 20 de outubro de 1912. Senhor José Maria: Deveis comparecer a este acampamento com maior urgên cia a fim de me explicardes o motivo da reunião da gente armada em tomo da vossa pessoa, alarmando os habi tantes dessa zona e infringindo as leis do Estado e da República. Caso não atenderdes a essa intimação que me ditou o cumprimento do dever e o sentimento de humani dade, comunico-vos que dar-vos-ei já franco combate e a todos que foram solidários convosco, em verdadeira guerra de extermínio a fim de voltar a essa zona do Estado o regime da ordem e da lei. Avisai a todos que vos acom panham que os considerarei criminosos se não concor darem... No caso de resistência deveis... retirar as mulhe res e as crianças que aí estiverem.
Cel. João Gualberto, Comandante do Regimento de Segu rança do Paraná.”
De nada adiantaram as tentativas de mediação e pacificação levadas por um líder político da região, o “coronel” Domingos Soares, que não queria derra mamento de sangue próximo a suas terras. José Ma ria chegou mesmo a esboçar em suas respostas o de-
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sejo de retirar-se da região com sua gente, mas queria garantias, coisa que o coronel Gualberto jamais con cedeu. Sua vontade era a de exterminar o monge e seus seguidores, pois o espirito belicista revelava-se não só no bilhete que vimos, mas também em sua atitude: havia já mandado preparar cordas para amarrar os “criminosos” e tinha uma metralhadora que estava ansioso para usar. Na madrugada do dia 22, o coronel Gualberto iniciou o ataque comandando-o pessoalmente. A tropa marchou um longo trecho sem nenhuma resis tencia, até alcançar a porteira de alguns casebres onde urna guarda avançada dos sertanejos de José Maria abriu fogo. Este fato pegou os soldados de surpresa, mas prosseguiram a marcha. Um cronista que mais tarde acompanhou a missao do general Setembrino de Carvalho diz que os sertanejos encontravam-se rezando no momento em que as tropas de Gualberto se aproximaram, mas logo se prepararam para reagir. Eis como Mauricio Vinhas descreve o encontro: “Uns a cavalo, outros a pé, eles (os sertanejos) evitaram ao máximo o tiro teio e, atravessando uma funda canhada onde desa pareciam da vista das forças legais, caíram de supetào, a garrucha e a facão de pau sobre os soldados”. Nota-se aqui a tática guerrilheira que os caboclos utilizaram para enfrentar as forças da repressão. E esta será a tática até o fim da guerra. A luta prosseguiu por um bom tempo, a maior parte dos soldados procurava fugir de um inimigo que conhecia perfeitamente o terreno em que lutava.
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No combate, urna bala atingiu mortalmente o monge José Maria. O coronel Gualberto, que havia perdido seu cavalo, viu-se cercado de um pequeno grupo de sertanejos “fanatizados” e foi morto a golpes de fa cão sob o comando de um sertanejo que gritava: “Piquem este desgraçado, que ele é o único cul pado”. O primeiro combate de uma longa guerra que estava por vir havia terminado, e o ajuntamento dos sertanejos crentes e seguidores de José María, longe de ser dispersado, ganhava agora nova força. Nova força não só espiritual como material, pois os sol dados mortos e os que fugiram deixaram grande quantidade de armamentos e munições no local, que foram apoderados pelos caboclos. A morte do monge José Maria trouxe no meio dos sertanejos, cada vez mais fanatizados, a crença de que ele na verdade estava prestes a ressuscitar à frente do exército de São Sebastião para dar prosse guimento à Guerra Santa. O sebastianismo renascia. Mito que se espalhava ao mesmo tempo em que os sertanejos deixavam o antigo reduto do Iraní depois da batalha. Uma grande parcela dos caboclos havia cruzado a estrada de ferro e retornado ao Estado de Santa Catarina; coincidentemente, em Curitibanos havia começado uma crise política com a relativa deca dência da autoridade política do “coronel” Francisco de Albuquerque diante da oposição articulada pelo “coronel” Henriquinho de Almeida. É curioso lembrar que 20 anos antes do combate em Irani o monge João Maria (o segundo) havia
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anunciado que a Guerra Santa iria começar. Pois era assim que os sertanejos da região pensavam: a predição de João María começara a se efetivar. Por isso no arraial de Perdizes Grandes, distante aproxi madamente 40 quilómetros de Curitibanos, a agilação era intensa. Havia uma espécie de ansiedade coletiva para se obter informações acerca de Irani e se era realmente o começo da Guerra Santa. Aos poucos, não só o monge José Maria iria ressuscitar, mas também os sertanejos que morreram lutando voltariam com o exército de São Sebastião, que pas sou a ser chamado de Exército Encantado. Perdizes Grandes ficou sendo o reduto mais im portante dos sertanejos adeptos da “santa religião”, como eles diziam. A liderança, a organização das rezas e dos chamados quadros ficavam a cargo dos mais antigos adeptos de José Maria, que eram Chico Ventura, Manoel Alvez de Assumpção e Euzébio Ferreira. A partir desse momento começa a entrar em cena um elemento: a figura do vidente. Este tipo estará se revezando constantemente no cenário e desempenhará um papel bastante importante. Neste primeiro momento, o papel foi desempenhado por Teodora, neta de Euzébio, que começou a ter visões anunciadoras. Ela dizia que o monge aparecera ga rantindo o seu retorno. Há que se destacar a crença mística no sertanejo inserido no contexto do catoli cismo rústico, agora fanatizado, na menina e na vir gem, única com inocência suficiente para receber os anúncios do monge. Mas, às vezes, o papel de vi dente também recaía sobre um jovem, como foi o
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O monge José Maria, morto pela repressão, não foi mais do que um estopim que incendiou uma região já bastante tensa.
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case de Manoel, filho de Euzébio, que se transfor mou em intermediário entre o monge e os fiéis. Desta forma, o “poder” ficava mais ou menos concentrado zas mãos de Euzébio. Dentro do quadro místico que acabamos de ver é que se criou a idéia de que os sertanejos fiéis a José Maria deveriam se fixar em Taquaruçu e ali erigir uma cidade santa. Foi assim que, a começar pelo próprio Euzébio, os sertanejos venderam ou aban donaram tudo o que lhes pertencia e começaram a se preparar para ir para Taquaruçu, pois ali, segun do criam, “nada faltará”. Chegaram ao arraial, que logo se transformou em reduto, no dia 1? de dezembro de 1913. Famílias inteiras iam chegando a Taquaruçu, faziam seus casebres de madeira, fixando-se ao redor da pequena igreja que já havia no local. Estavam, como diziam, à espera do monge João Maria, que deveria voltar para comandar o Exército Encantado de São Sebastião. Aos poucos foi se instituindo uma série de re gras, comportamentos militares e uma sui generis liturgia. Os novos adeptos ou simplesmente simpati zantes não podiam mais abandonar o acampamento; organizavam-se as formas (filas) onde se davam vivas à monarquia e a São João e São José Ma ria; tinham que dar provas de que desejavam perten cer à irmandade; instituiu-se o beija-pé diário; nos quadros rezava-se pelo monge e quem não o fizesse era duramente castigado e, para se diferenciarem dos outros mortais, instituiu-se que todo o crente deveria cortar o cabelo bem curto (escovinha). Ê a partir daí
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que se autodenominaram “pelados”, enquanto que os que não pertenciam à irmandade eram os “pelu dos”. O crescimento dos fanáticos no arraial de Taquaruçu novamente chamou a atenção do “coronel” Francisco de Albuquerque, que imediatamente tele grafou para o governador do Estado de Santa Cata rina. Este imediatamente ordenou que tropas do exército se incumbissem da dispersão dos fanáticos. Fez-se também uma tentativa de mediação entre o governo municipal e os fanáticos através do velho frei Rogério Neuhaus, ocasião em que ficou patente o total rompimento entre o catolicismo rústico e a Igre ja Católica: o frei foi insultado e ameaçado de morte. O ataque iniciou-se no dia 28 de dezembro de 1913 sob o comando do capitão Adalberto. Mas as vanguardas dos sertanejos estavam esperando as for ças militares e as pegaram de surpresa pela reta guarda. Este fato provocou a fuga desenfreada dos soldados do exército, que deixaram no local apreciá vel quantidade de armas, munições, roupas, víveres etc. Conta-se, inclusive, que um caboclo, a cavalo, conseguiu laçar a metralhadora que se preparava para atirar contra o reduto. A vitória dos caboclos contra as forças de repressão só fez aumentar a cren ça de que aquele era o verdadeiro Exército Encan tado de São Sebastião, e portanto invencível. Depois da vitória em Taquaruçu uma boa parte do “exército” de José Maria mudou-se para um re duto vizinho de nome Caraguatá. Mas mesmo assim ainda permaneceram em Taquaruçu aproximada-
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rúenle 600 pessoas entre homens, mulheres e crian ças. E diante dos informes que as forças do governo foram derrotadas começou-se a preparar nova inves tida contra a concentração dos sertanejos no arraial ¿e Taquaruçu. No dia 3 de fevereiro de 1914 chegou à região um contingente de aproximadamente 750 homens entre soldados do exército e da Força Pública de Santa Catarina, equipados com alguns canhões Krupp, de fabricação alemã. Ãs 4 horas da tarde do dia 8 do mesmo mês, as forças do governo cercaram Taquaruçu e iniciaram violento bombardeio sobre o reduto. O fogo continuou pela noite adentro até a manhã do dia 9. O resultado: cerca de 90 pessoas mortas entre mulheres, crianças e combatentes, os corpos jaziam despedaçados entre os escombros do que restou da antiga cidade santa. Mas a grande maioria dos moradores de Taquaruçu tinha conse guido retirar-se para Caraguatá antes dos soldados entrarem no reduto destruído.
Caraguatá O novo reduto de Caraguatá teve sua população acrescida dos antigos crentes de Taquaruçu. Habi tantes das regiões vizinhas iam chegando para visitar o novo lugar santo e iam ficando. Um dado explica ainda melhor o crescimento da população dos crentes que queriam “militar” no movimento: toda essa re gião havia sido tomada por protegidos do “coronel”
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Albuquerque. Por exemplo, a tradicional familia de Manoel Alves de Assumpção Rocha sempre havia habitado as terras de Caraguatá e tivera suas terras roubadas por elementos ligados ao “coronel”. Desta forma, os Assumpção Rocha engrossaram as fileiras dos crentes de José Maria. Aos poucos o comando das forças dos crentes em Caraguatá foi ficando nas mãos de Elias de Mo raes, major da velha Guarda Nacional, fazendeiro e que por razões não muito claras acabou se transfor mando num dos líderes dos crentes. Foi por essa mesma época que surgiu o boato da coroação do imperador. Oswaldo R. Cabral, em seu João Maria — Interpretação da Campanha do Contestado, trans creve o que foi chamado de Carta Aberta à Nação Brasileira, que possui vários itens do programa do novo governo. Eis alguns mais significativos: “4?) Dar ao país uma constituição completamente liberal (...); 7?) Fazer garantir a inviolabilidade do lar e do voto, tão menosprezados pelo decaído regime (...); 29?) À agricultura nacional será dada uma área de terra independente de pagamento, em terras nacio nais”. O autor do livro citado nos diz que não há nenhuma razão para acreditar que tal documento tenha sido elaborado pelos sertanejos. Talvez esse aspecto da paternidade do texto não seja o mais importante, pois saltam aos olhos as denúncias dos pontos mais tensos onde o caboclo sentia o peso da República oligárquica. Curiosamente, a Carta Aber ta à Nação vinha assinada pelo “Imperador da Mo narquia Constitucional Sul Brasileira — D. Manoel
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Alves de Assumpção Rocha”. Os grupos de combate dos sertanejos iam cada vez mais sofisticando a tática de guerrilhas através □cs treinamentos nos acampamentos. O treinamento dos grupos ficou sob a responsabilidade de um antigo marinheiro, antigo preador de gado e aventureiro que perambulava pela região. Era Venuto Bahiano. Homem experimentado, havia tomado parte em al guns acontecimentos militares importantes, a Re volta da Armada por exemplo. Era tido pelos pro prietários e pelos poderosos da região como, perigoso bandido. A propósito, foi a partir desse momento que os sertanejos “militantes” da santa religião fo ram estigmatizados com o termo “bandido”. Um cronista militar da época, tenente Herculano Teixei ra d’Assumpção, reforça esse sentido etnocêntrico dado aos caboclos: “O desprezo do sertanejo pela lavoura e as condições miseráveis da gente que habi tava os reductus do fanatismo e do banditismo (...) O typo sertanejo, os seus aferrados modos, a sua grande agilidade, a sua combatividade e as suas tendências para o mal”, são alguns títulos dos capítulos do livro A Campanha do Contestado, editado em 1917 pela Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. A partir da organização de grupos do tipo lide rado por Venuto Bahiano é que se começaram a efetuar expedições para a apropriação de gados nas fazendas vizinhas. O cronista Assumpção, citado acima, diz-nos que a população de Caraguatá con sumia cerca de 30 cabeças diárias de gado, fato que nos dá uma idéia do número de habitantes do reduto
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e as implicações de volume das razias que se faziam nas fazendas da vizinhança. Importante lembrar que o grupo de Venuto Bahiano engrossou o número de seus homens com a adesão de varios pequenos madei reiros que tiveram seus pinheirais tomados pela “Lumber”, a grande serraria do grupo Farquhard. Desta forma, o grupo de Venuto torna-se um dos mais importantes e combativos entre os sertanejos. Paulatinamente, modificava-se a estrutura orga nizativa da comunidade no reduto de Caraguatá. A “organização político-militar” passou a contar com uma centralização maior; os eventuais vacilantes não tinham mais nenhuma chance de sair do reduto; efetivou-se a organização de piquetes com a incumbên cia de confiscos de alimentos e armas nas fazendas vizinhas; consolidou-se a figura estritamente militar dos Doze Pares de França; acentuou-se a divisão das funções dos comandos (Elias de Moraes era o coman dante das formas: todos os homens tinham que se postar em fila pela manhã e submeter-se a uma con tagem para se verificar se não ocorrera nenhuma deserção; Venuto Bahiano era o comandante geral militar: organizava as marchas e treinamentos de tiros diariamente, e os bombeiros: que infiltravam-se nas tropas do governo para “bombear” informações para os redutos). As tro*pas do exército chegaram a Perdizes Gran des no dia 8 de março de 1914, sob o comando do tenente-coronel José Capitulino Freire Gameiro. O arraial de Perdizes Grandes estava completamente abandonado. Diante das informações que os serta-
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nejos fanáticos estavam concentrados em Caraguatá, o oficial deu ordens para se iniciar a marcha na di reção daquele reduto. Alguns dias a tropa marchou poF uma picada no meio de uma floresta de pinheiros e matagais cheios de espinhos. Logo no início, a '.aguarda da tropa foi fustigada pelo fogo dos ja gunços, fato que não causou grandes problemas ma:eriais, mas semeou o medo e o nervosismo entre os soldados. A coluna continuou sua marcha quando, segundo Maurício Vinhas, alguns soldados viram al gumas mulheres atravessando a picada e se embre nhando mata adentro. Os soldados, atraídos pelas mulheres, seguiram-nas. Logo em seguida podia-se ouvir os gritos de terror: os soldados foram mortos a facão pelos jagunços travestidos de mulher. Depois deste incidente, as forças continuaram a avançar e foram surpreendidas por cerrado fogo de oarabinas que vinha dos matos ao redor da picada. Os soldados não conseguiam ver o inimigo. Não adiantava atirar com a metralhadora ou com os ca nhões contra um inimigo invisível. Eis como o capilão-médico Antônio Cerqueira descreve parte do combate: “Enquanto isto se passava na frente, o primeiro-tenente Belisio Leite e o segundo-tenente Edgard Facó pedem permissão ao capitão Nestor para desalojar à baioneta o inimigo oculto na mata, que tiroteava sobre os nossos. .“Obtida a licença, avançam os dois bravos ofi ciais & frente dos seus pelotões por dentro da mata, desalojando os fanáticos — e assim continuaram até uns 500 metros; (...) De repente, deram em um gro-
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tão ocupado por numeroso grupo de fanáticos. Ai o encontro foi violento. Deu-se o entreveró. A facili dade com que os jagunços manejavam o facão supe rava em muito a dificuldade com que a carga de baioneta era dada dentro da mata, onde o manejo da carabina é dificultado pelo comprimento. “O tenente Belisio tève até de lutar corpo a corpo, tendo nesta ocasião sido picado a facão (...).” (in: —Assumpção, p. 272). Em seguida, os sertanejos atacam violentamente a retaguarda onde iam os enfermeiros e o médico do qual citamos o testemunho acima. O pavor tomou conta dos soldados. A retirada se fez de forma desor denada. O resultado foi que os soldados tiveram um elevado número de mortos e mais armas perdidas, que foram apreendidas pelos jagunços. “O comando militar, à vista do acontecido, soli citou do governo enérgicas providências e, assim, no fim do mês, já se haviam concentrado na região cerca de 1500 homens, divididos em três colunas, sob o comando geral do general Carlos Frederico de Mes quita.” (Cabral, Oswaldo, p. 236.)
A guerra se expande Depois da derrota das tropas do governo em Caraguatá os sertanejos foram tomados de uma ale gria incontida. Tinham certeza, agora, de que eram invencíveis. As incursões sobre as propriedades au mentaram bastante o raio de ação, distanciando-se
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cada vez mais do centro do reduto. Os piquetes, com total atrevimento, chegavam aos arredores de Curitibanos. Em determinado momento desponta uma nova virgem vidente, Maria Rosa, que previu a investida de novas forças do governo sobre a concentração dos crentes de José Maria. A partir daí organizou-se a mudança de toda a população para um novo reduto. Em fins do mês de março de 1914, mais de 2 mil pessoas chegaram acompanhadas de seus pertences ao local chamado Pedras Brancas. Maria Rosa veio no centro de um cortejo de 100 cavaleiros armados de Winchester 44. Simultaneamente formavam-se outros redutos, destacando-se o de São Sebastião, sob a liderança dò sertanejo Manoel Machado. Este reduto chegou a ter 2 mil pessoas acampadas. Ê importante notar que a existência de vários redutos dificultava ainda mais o estabelecimento de uma estratégia por parte das for ças governistas. A extensão e o alcance das atividades dos fanáticos atingiram terras do Paraná, onde a Vila Nova de Timbó foi tomada e as autoridades paranaenses expulsas. Ao lado de chefes como Venuto Bahiano iam surgindo novos líderes, como foi o caso de Alemãozinho, que recebeu da vidente Maria Rosa total auto nomia para formar seu próprio piquete e estabelecer seus próprios conceitos de disciplina, mas, de modo geral, sempre subordinado à vontade do comando geral e das visões de Maria Rosa. Ao mesmo tempo em que se desenvolvia a conso
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lidação dos novos redutos, as forças do governo, sob o comando do general Mesquita, veterano de Canu dos, preparavam-se para o novo ataque. O general Mesquita constatou a total falta de recursos com que os soldados estavam lutando e mesmo assim não conseguiu condições materiais suficientes para orga nizar um ataque decisivo sobre os jagunços. O ataque do general Mesquita contou com o au xílio de 60 vaqueanos mercenários para tentar vencer os sertanejos. A figura do vaqueano daqui em diante será de grande valia para as forças da repressão. Esses vaqueanos eram comandados pelo “coronel” Fabrício Vieira, velho protegido do famoso Pinheiro | Machado, a eminência-parda da República oligárquica. No dia 16 de maio de 1914, as colunas^ sob o k comando do general Mesquita, se aproximam de um reduto de nome Santo Antônio. Imediatamentè os sertanejos iniciaram violento ataque, que chegou a envolver o Estado-Maior do general Mesquita. Na verdade, esse reduto nunca chegou a ser importante e, na verdade, o militar havia feito uma avaliação errada da localização. Mesmo assim os homens do general Mesquita prosseguem a marcha, enfren tam alguns pequenos grupos de sertanejos em peque nas escaramuças e depois, sob as ordens do EstadoMaior, os soldados retiraram-se, É importante trans crever aqui as palavras do general Mesquita, para que se tenha uma idéia de como alguns oficiais pen savam o conflito no Contestado: “... Solicitei tam bém minha exoneração por ter concluído (...) a mi nha missão, não me competindo mais andar com
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forças federais à caça de bandidos, como capitãode-mato do tempo da escravatura” (in: — Mauricio Vinhas, p. 177). Depois da partida do general Mesquita ficou na região um pequeno destacamento sob o comando do capitão Matos Costa, que tinha participado do com bate de Caraguatá. O capitão Matos Costa era um dos oficiais que tinha uma percepção mais progres sista acerca das razões da guerra. Achava que os des mandos dos “coronéis” e as investidas de compa nhias estrangeiras eram os elementos responsáveis pela situação. Por essa razão, ele começou uma luta solitária no sentido de pacificar a região. Penetrava disfarçado em alguns redutos, procurava ouvir os re clamos dos sertanejos. Muitas vezes fazia-se acom panhar de um mágico para atrair os sertanejos. Evi dentemente essa luta solitária e utópica estava fa dada ao fracasso. Ao mesmo tempo em que o capitão Matos Costa fazia sua tentativa de pacificação, os sertanejos co meçavam a mudar de tática. Aos poucos espalhou-se que todos os caboclos que se encontravam na região deflagrada deveriam ir para um novo grande reduto que estava sendo criado em Caçador; quem não o fizesse seria considerado “peludo”. Aí, neste grande reduto, os sertanejos começaram a articular uma grande ofensiva, trocando, desta forma, radical mente a tática de defesa utilizada até agora pelos ja gunços pelo ataque frontal e direto contra as forças do governo. As forças dos sertanejos foram novamente au-
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mentadas por varias razões. As obras da estrada de ferro haviam sido paralisadas e um grande número de operários foram despedidos e encontraram abrigo nos redutos, convertendo-se às idéias religiosas dos fanáticos. Uma crise em Curitibanos, provocada pe los desmandos do “coronel” Albuquerque, empur rou um pequeno fabricante de refrigerantes e um marido traído e mais 46 homens armados para o re duto de Bom Sucesso. Quase o mesmo fenômeno aconteceu em Canoinhas, onde um velho maragato formou seu próprio reduto contra a política do “co ronel” da vila. Desta forma, os sertanejos sentem-se com condições de iniciar a grande ofensiva. Pelos meados do ano de 1914 os piquetes au mentaram grandemente sua intensidade. A partir de julho, as vilas foram, uma após outra, caindo sob o domínio dos fanáticos sertanejos: primeiro Canoi nhas, que foi atacada pelo norte e pelo sul, depois Papanduva, por Alemãozinho e seu grupo, que des truíram todos os papéis do cartório da vila. No dia 5 de setembro atacaram Calmon, estação da estrada de ferro próxima a uma grande serraria da “Lumber”. A serraria foi incendiada e todos os homens mortos. E assim os sertanejos foram tomando as pequenas estações da “Brazil Railway”. O capitão Matos Costa, a quem nos referimos anteriormente, foi chamado para dar ajuda a São João, estação que estava prestes a ser tomada pelos jagunços. O capitão seguiu comandando 40 homens armados e deixaram o trem um pouco antes da es tação São João. Foram surpreendidos por 600 serta-
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nejos armados. O corpo do capitão só foi encontrado no día 11 de setembro. Todos os soldados foram mortos. A ofensiva dos sertanejos espalhou o pavor pelas vilas próximas. Curitibanos vivia sob o espectro do ¿taque dos sertanejos fanatizados, pois esta vila era o centro do “coronel” Francisco Albuquerque, o mais importante dos “peludos”. Diante do clima de inse gurança, o “coronel” resolveu fugir para Lajes e depois se refugiou em São Joaquim. No final de setembro deste ano estavam “santi ficadas”, isto é, nas mãos dos sertanejos crentes da “Santa Religião”, toda a margem esquerda do Igua çu, a estrada de ferro entre Porto União e Canoinhas e a Vila Nova do Timbó. Na região sob o domínio dos sertanejos fanatizados estabeleceu-se um complexo sistema econômico. Os sertanejos mantinham rela ções comerciais com alguns pequenos comerciantes da região que tinham uma posição neutra diante do conflito. Trocavam couro de gado e de caça por sal, produto indispensável para a alimentação dos cabo clos. Chegaram a manter contatos comerciais com negociantes de São Paulo, com os quais trocavam cavalos por produtos alimentícios, armas e munições. Praticavam, nas regiões sob seu domínio, uma agri cultura comunitária, onde “os que tinham, repartiam com os que não tinham”. O gado, depois de morto e carneado, era dividido por todos os membros da “irmandade”. Os produtos que não tinham tempo de manufaturar dentro dos redutos, tais como farinha, quantidades suficientes de feijão, milho, alguns ani
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mais (porcos), eram confiscados das fazendas vizi nhas pelos piquetes. O caráter igualitário do qual já falamos anteriormente ficou ainda mais claro com a proclamação do “programa” da revolução cabocla do Contestado, exposto por Elias, um dos líderes do movimento: “Seria uma revolução sistemática e du radoura (...) Os cinco mil homens em armas conti nuariam na comum criação dos animais e cogitando suas plantações de cereais assim como da colheita do mate: nada lhes faltaria para uma guerra de muitos anos; contavam com recursos de fora e as proprie dades dos que não acompanhassem seriam tomadas e saqueadas em favor da Guerra Santa” (in: — Quei roz, Maurício Vinhas, p. 205).
A repressão e o recrudescimento da guerra Apesar de todas as condições materiais com que os caboclos contavam, à medida em que a guerra tendia a ganhar corpo havia uma tendência crescente de diminuir as condições de sobrevivência. A partir do segundo semestre do ano de 1914 começou-se a preparar racional e sistematicamente a repressão ao já amplo movimento messiânico dos caboclos do Contestado. A 11 de setembro chegou a j Curitiba o general Setembríno de Carvalho para as- $ sumir o comando da XI Região Militar e tomar em suas mãos a organização da repressão ao movimento popular do Contestado, que, de certa forma, estava |
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questionando alguns dos interesses da República oli gárquica. O general Setembrino trazia grandes re cursos materiais, o apoio inconteste do ministro da Guerra e o nihil obstat do todo-poderoso “ministro” Pinheiro Machado. Cabe lembrar aqui que Setem brino de Carvalho representava um exército mo derno, com grande experiência em repressões a movi mentos populares. Não era o inexperiente exército republicano que enfrentou o início do movimento em Canudos. Contava com armas sofisticadas, homens mais preparados, mais profissionalizados, oficiais com clara consciência de seu papel de defensores da elite cafeeira, como foi o caso do capitão Potiguara, como veremos adiante. Uma das primeiras medidas tomadas por Se tembrino foi reestabelecer o pleno funcionamento da estrada de ferro. Não é preciso descrever aqui o total apoio material dado ao projeto do general Setem brino pela “Brazil Railway” e pela “Lumber Co.”. A partir dessa providência em relação à estrada de ferro, todas as viagens eram feitas com uma guar nição de soldados fortemente armados. O general Setembrino de Carvalho, como que seguindo parte dos ensinamentos de Clausewitz, ti nha em seus planos projetos políticos, além dos mili tares. Numa tentativa de arrefecer o ânimo comba tivo dos caboclos, ele faz um apelo que mandou di vulgar por toda a área conflagrada. “Fazendo um apelo aos habitantes da zona con flagrada, que se acham em companhia dos fanáticos, eu vos convido a que se retirem, mesmo armados,
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para os pontos onde houver forças, a cujos coman dantes devem apresentar-se. Aí lhes serão garantidos os meios de subsistência, até que o Governo lhes dê terras, das quais se passarão títulos de propriedade. “A contar, porém, desta data em diante, os que o não fizerem espontaneamente e forem encontrados nos limites da ação das tropas, serão considerados inimigos e assim tratados com todos os rigores das leis da guerra”. O documento estava datado do dia 26 de setembro de Í914 e assinado pelo general. Ironicamente, no mesmo dia, como que em res posta ao apelo de Setembrino, os sertanejos, num pi quete de mais de 200 homens liderados por um tal de Castelhano, invadiram e tomaram a vila de Curitibanos por 5 dias. Saquearam a maior parte das casas da vila e destruíram completamente a casa do “co ronel” Albuquerque, superintendente de Curitibanos. A partir daí, animados pelo êxito em Curitibanos, os piquetes tornam-se cada vez mais atrevidos e ao norte da região tomaram a vila de Salseiro e outras pequenas vilas. Nesta onda expansionista é que ocorreu um episódio que ficou famoso e que cabe transcrevê-lo: os caboclos já há um tempo haviam planejado tomar a sede de uma grande fazenda co nhecida como Corisco. Mas ocorre que a sede da fazenda era guarnecida de altos muros, como se fosse um castelo medieval. Os sertanejos se dividiram em dois grupos e iniciaram o ataque durante a noite por dois setores diferentes. Os dois grupos encontraramse no meio da propriedade, e na escuridão da noite mataram-se uns aos outros, pensando tratar-se dos
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defensores da fazenda. Mas de modo geral os resultados das incursões foram positivos, pois conseguiram aumentar o esto que de alimentos, de animais e de armas, principal mente aquelas nas vilas de colonização alemã. Mesmo assim os piquetes continuam sua função “expansionista”. O chefe geral, Elias, encarrega Castelhano, o hábil gaúcho que havia aderido ao movimento, de co mandar um forte piquete e percorrer a rica região do município de Lajes. Com cerca de 200 homens, mui tos dos quais aderiram no caminho, tomaram uma vila próxima de Lajes, mas que logo foram obrigados a abandonar por causa da forte pressão de forças policiais. Os policiais que perseguiam os sertanejos foram mortos numa emboscada alguns quilômetros adiante. Ao mesmo tempo, o processo de repressão idea lizado pelo general Setembrino recebe retoques de sofisticação: foi organizada, ao norte do rio Iguaçu, uma forte linha de vigilância nas estradas, nos cami nhos e na estrada de ferro para impedir que qualquer comércio continuasse a ser feito com os fanáticos do Contestado. Este foi o primeiro passo para se orga nizar um grande cerco em torno da região em que se desenvolvia a guerra. Vários combates secundários foram ocorrendo antes que a guerra tomasse aspectos de um conflito total. Um dos mais famosos foi o do rio das Antas. Os sertanejos resolveram atacar algumas proprieda des de colonos alemães que haviam comprado suas terras da “Lumber”. Esta, por sua vez, havia se
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apossado da térra dos sertanejos, que agora preten diam fazer uma “reforma agrária” imediata e com armas nas mãos. Os colonos alemães resolveram re sistir e defender o que eles achavam que era deles. A resistência foi tenaz. Os sertanejos não conseguiram tomar as propriedades e ainda tiveram 11 mortos e foram obrigados a bater em retirada. Foi nesta ba talha que se destacou o sertanejo Adeodato, que impediu que as baixas de seus companheiros fossem ainda maiores. Este sertanejo, como ainda veremos, ficará famoso. j Paulatinamente, o plano desenvolvido pelo ge neral Setembrino começou a surtir efeito. Tornava-se cada vez mais difícil a expansão dos fanáticos. Diante dessa situação, começaram a surgir, no interior do movimento, correntes que defendiam a rendição. Mas a corrente mais forte e mais numerosa era a que defendia a idéia de que deveríam lutar até a vitória final. Para isso, esta última propunha que o mo- , vimento deveria se retirar e se reforçar em regiões * absolutamente inexpugnáveis, como era o caso do vale do arroio de Santa Maria. A esta situação, que demonstrava um certo enfraquecimento da primitiva coesão do movimento, acrescente-se uma violenta Juta pelo poder que começou a se travar no interior dos redutos. Foi por essa ocasião que Elias, chefe reconhecido, propôs o nome de Adeodato para o comando geral. A consagração de Adeodato só se faz quando ele volta vitorioso à frente de um pequeno piquete de 10 homens de uma incursão por fazendas vizinhas. A partir desse momento, alguns elementos
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que haviam feito oposição a Elias e Adeodato come çaram a se entregar, os que ficaram iam aos poucos sendo eliminados. Em outubro de 1914, teve início a ofensiva idea lizada pelo general Setembrino de Carvalho. Um des tacamento de mais de 1600 homens comandados pelo major Onofre Ribeiro partiu de uma vila de nome Canoinhas e avançou sobre o importante reduto de Salseiro. A operação se fez com poucos tiros, pois os sertanejos foram surpreendidos por um ata que vindo dos flancos. É preciso lembrar aqui que as forças de repressão já haviam aprendido bastante nos combates anteriores, fato que auxiliará bastante da qui para diante. A ofensiva continuou com a tentativa de tomar o reduto liderado por um famoso cabecilha chamado Aleixo Gonçalves, que, incrustado na serra, ofereceu tenaz resistência. De qualquer forma, um dos resul tados mais importantes desta fase da ofensiva do exército foi o estabelecimento de ligações telefônicas entre Salseiro e Canoinhas. Mas os fanáticos não desistiram facilmente de tentar retomar essas duas vilas. Na noite de 8 de novembro assediaram com longo fogo cerrado a vila de Canoinhas e, no dia se guinte, não deram um minuto de descanso aos sol dados que guarneciam Salseiro. A força militar desta última vila viu-se obrigada a retirar-se para Canoi nhas, que passou a ser fustigada todas as noites, por mais de um mês, por franco-atiradores caboclos. Mas os soldados do exército não cederam, apesar do constante fogo noturno dos sertanejos. E aqui come
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çou a ocorrer um fato que vai aos poucos agravando as condições dos sertanejos: a cada retirada, os faná ticos deixavam razoável quantidade de munições, ví veres e armas. O último ataque a Canoinhas deu-se em 23 de dezembro; somente depois desse dia sol dados e habitantes da vila puderam andar pelas rue las sem medo de serem atingidos pelas balas dos franco-atiradores caboclos. O plano estratégico desenvolvido pelo general Setembrino de Carvalho consistia em ir apertando o cerco com poderosas forças que deveríam ir avan çando do norte, do sul, do leste e do oeste e ir convergindo para a região onde se localizavam os re dutos mais importantes. Obedecendo o plano geral traçado pelo general, chegou a Curitibanos a chamada coluna sul, que desempenhou importante papel na repressão do prin cipal reduto dos fanáticos. Os soldados dessa coluna, comandados pelo coronel Estillac Leal, chegaram a essa importante vila do sul da região conflagrada ‘aproximadamente às llh do dia 29 de novembro de 1914. O tenente Herculano D’Assumpção, que parti cipou do 58? batalhão nesta coluna, descreve, com forte teor etnocêntrico e em estilo parnasiano, como encontraram a vila depois da longa marcha entre Blumenau e Curitibanos: “Desolador era o aspecto da vila de Curitibanos, quando nela o 58? de caçadores penetrou. “Nas ruas, os papéis dos cartórios, atirados à lama, nela amalgamados, de envolta com o lixo as queroso, formavam, em pontos diferentes, repulsivos
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esterquilínios. “Os escombros das casas incendiadas pelos ban doleiros ali continuavam como que, dolorosamente, atestando as negras cenas vandálicas por elas sofri das, fazendo sua população verter correntes de dori das lágrimas. (...) Um tufão de desgraça havia pas sado de permeio da simpática vila sertaneja” (in: — Assumpção, p.311e 312). O exército que tomou a vila de Curitibanos para daí iniciar o assalto contra os sertanejos vinha imbuí do de objetivos cívicos e sociais. Uma das tarefas mais importantes desenvolvidas pelos soldados foi a recons trução da escola. Isto permitiu e auxiliou o seu fun cionamento, contribuindo assim para diminuir o nú mero de analfabetos, uma das causas da revolta dos caboclos, segundo alguns oficiais. Reconstruíram ainda os postes telegráficos, restaurando assim a comunicação entre Curitibanos e a capital do Es tado; desenvolveram também intenso programa de assistência médica entre os sertanejos que se encon travam na região, distribuindo remédios, principal mente vermífugos. Os caboclos fanatizados, sentindo-se cada vez mais cercados, começam a desenvolver novas táticas. Uma delas foi o aparecimento dos chamados piquetes chucros, que se caracterizavam pela sua ferocidade contra os “peludos”. Se antes os piquetes não tocavam nas famílias, isto passou a não acontecer de um determinado momento em diante. Um exemplo foi o piquete chucro de Olegário, que invadiu a vila de Rio Bonito, trucidando a maior parte dos habi-
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tantes desta povoação. Entre as providencias tomadas pelo general Setembrino de Carvalho notou-se a preocupação de impedir o vazamento de informações sobre movi mentos das tropas do exército para os ouvidos dos líderes dos sertanejos. Tentou, para isso, evitar ac máximo a atuação dos bombeiros; transferiu os ser viços de telégrafo diretamente para o quartel-gene ral, para impedir a cumplicidade de certos telegra fistas. Foi por essa época que chegaram os primeiros monoplanos, que tinham por objetivo observar es movimentos dos caboclos, chegaram a preparar três “campos” de aviação, mas a densidade das matas diminuía em muito o rendimento dessa nova arma de guerra.
Santa Maria e a guerra total Em dezembro de 1914, Adeodato já havia se transformado no todo-poderoso chefe do movimente dos caboclos do Contestado. Havia decidido, apoiado em visões das virgens que o aconselhavam, que todos os crentes da santa religião deveriam mudar-se de Caçador para o vale do arroio de Santa Maria. A mudança se concretizou no próprio mês de dezem bro, quando Adeodato, à frente de uma procissãe de jagunços que carregavam um grande andor com a imagem de São Sebastião, chegou no vale. No co ração do vale, logo foram erguidas as casas e a igreja. Pequenas ruas cortavam a vila, que chegou a abrigar
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mais de 5 mil pessoas. Mas aí estava localizado so mente o reduto-mor. Entre Caçador, o antigo reduto, e Santa Maria, o novo reduto, pontilhavam vários redutinhos e guardas avançadas dos sertanejos. Na verdade, para o observador que passasse pela região, parecería que não havia interrupção de casas e ranchos entre Caçador e Santa Maria. Santa Maria estava situada num vale estraté gico, no meio de um taimbé (desfiladeiro) com estreiras gargantas naturais, perfeitas para um sistema de defesa. Para alcançá-la era preciso galgar uma encosta de serra passando por um único e estreito cam* nho à beira de alturas consideráveis. Cercada por densas florestas de pinheiros, embuias e cedros, que facilitavam a formação de barricadas praticamente invulneráveis aos tiros de fuzis do exército. Os densos pinheirais facilitavam a feitura de jiraus, onde os sertanejos instalavam suas guardas avançadas e dali podiam, quase que impunemente, acertar quem se aproximasse. Nas partes mais baixas do terreno abundavam os xaxins, que em terreno pantanoso dificultavam a penetração no centro do reduto. É importante notar que qualquer pessoa que viesse do sul e que pretendesse entrar no reduto de Santa Maria era obrigada a descer um desfiladeiro de mais de 300 metros de altura. E para, finalmente, chegar ao centro era preciso ainda subir uma pequena co lina. Todas essas irregularidades naturais proviam o reduto de Santa Maria de condições para uma defesa prolongada. Enquanto crescia o ajuntamento de Santa Maria
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e os redutos ao seu redor, o já tradicional reduto de Taquaruçu renasceu das cinzas e crentes pretendiam f transformá-lo numa nova Jerusalém. A resposta das forças legalistas foi imediata: um destacamento gaú cho do exército no dia do Natal de 1914 arrasou com o reduto que renascia. Pelas informações obtidas de alguns espiões e de sertanejos que conseguiram aban donar o reduto, o comando geral das forças de re pressão ficou sabendo que o número de vacilantes tendia a aumentar. Este fato encheu de júbilo o general Setembrino, que imediatamente emitiu novo “apelo” aos sertanejos: “Desde o dia 11 de setembro que lutamos, e nossos soldados cada vez mais se sentem encorajados para a vitória final, que não tarda. Mas é preciso parar; é forçoso que se termine esta luta; que o sangue brasileiro não continue a manchar as nossas terras, onde a natureza acumulou tesouros inesgotá veis, para a grandeza da nossa pátria. “Não venho trazer-vos a morte ou o presídio pela vitória das nossas tropas, senão concitarmos (a) mais uma vez a que deponhas as armas, e aceiteis as garantias que vos ofereço em nome do governo e da lei. Impõe-se, portanto, que volteis novamente ao trabalho, meio único capaz de garantir a felicidade do lar e promover a felicidade da nossa grande pá tria, que na quadra atual tanto precisa do patrio tismo dedicado de seus filhos.” Evidentemente, os apelos patrióticos do general Setembrino não tinham ressonâncias numa popula ção absolutamente carente de quaisquer condições
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de participar no conjunto geral da riqueza da nação exatamente por causa desse “patriotismo” das elites que haviam entregue as principais riquezas da região nas mãos dos interesses estrangeiros e das oligar quias locais. Não foi essa a razão que fez dia a dia um número cada vez maior de sertanejos entregarem-se às forças do exército. Sem dúvida foi o medo, foi a perda das esperanças da volta de João Maria à frente do “Exército Encantado” para restaurar a sua mo narquia, foi o medo da chacina que os soldados e vaqueanos vinham, ainda veladamente, praticando contra os que caíam prisioneiros que levou um nú mero cada vez maior de fanáticos a abandonar seus redutos e se entregar às forças de repressão. Um dos primeiros cabecilhas de importância dentro dos redutos a passar para o lado das forças de repressão foi o famoso Alemãozinho, que bandeou com mais de 200 homens, que passaram a servir como vaqueanos junto às tropas do exército. Além dos homens, Alemãozinho prestou os mais valiosos serviços a Setembrino de Carvalho: localizou exata mente no mapa da região redutos, guardas e peque nos aglomerados de fanáticos. O comandante-emchefe, de posse dessas informações, elaborou o plano de ataque final, que consistia no seguinte: a coluna do norte deveria atacar o reduto localizado na Vila Nova do Timbó; a coluna do sul, partindo de Perdizes Grandes, atacaria o reduto-mor de Santa Maria e do Tamanduá; a coluna do oeste, que inicialmente teve o papel de vigilância do setor, deveria marchar tam bém sobre Santa Maria, incorporando-se o mais rá-
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pido possível à coluna do sul e, finalmente, a coluna do leste marcharía sobre os sertanejos localizados no reduto do rio da Areia. Os vaqueanos, sertanejos que não aderiram ao movimento e continuavam leais aos “coronéis” e fazendeiros, prestavam serviços valiosos às forças de repressão, servindo como guias e combatentes expe rimentados. Destacou-se a figura de um dos maiores facínoras sanguinários que lutou ao lado das tropas do exército. Tratava-se de Pedro Ruivo, responsável pela degola sumária de todos os prisioneiros que lhe caíam nas mãos. Pedro Ruivo e seus parentes fica ram ricos ao se apropriarem do gado, pertences e inclusive de terras não só dos sertanejos fanáticos mas também de qualquer pequeno fazendeiro que lhe ficasse sob o domínio. Todas as colunas iniciaram uma lenta marcha, visando apertar o anel que começava a envolver os caboclos fanáticos do Contestado. As incursões dos piquetes dos fanáticos continuavam a assolar trechos da redondeza, mas não chegavam a pôr em questão o plano militar do general Setembríno. A resistência dos caboclos ia, paulatinamente, sendo quebrada. A falta de alimentos começava a pesar. Um dos maiores problemas enfrentados era a falta de sal. As primeiras vítimas foram as mulheres e as crianças. O número de rendições aumentou no mês de janeiro e fevereiro de 1915; calcula-se em tomo de 3 mil sertanejos. Uma importante interpre tação acerca dessa rendição em massa foi feita pelo oficial Demerval Peixoto: isso significava que os ser-
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tanejos combatentes “desvencilhavam-se de urna car ga de crianças, mulheres famintas, ,de homens inú teis e velhos alquebrados... raros homens fortes, e estes apareciam sem armas”. Demerval Peixoto es quece de dizer que quando os homens com armas se rendiam, incorporavam-se nas forças da repressão. A maior parte dos 3 mil sertanejos que se entregaram foi internada em colônias agrícolas do Estado do Paraná. Mas, como dissemos, em alguns setores, parte dos prisioneiros que caíam em mãos de vaqueanos como Pedro Ruivo era degolada sumariamente. O general Setembrino de Carvalho mudou de surpresa o seu quartel-general de Curitiba para a área conflagrada. O centro de operações passou a ser a vila de Rio Negro. No mês de janeiro de 1915 emitiu ordens de operações. Baseado nessa ordem, o coman dante da coluna do sul projetou para o dia 8 de fevereiro um ataque ao reduto de Santa Maria. O objetivo fundamental do ataque da coluna sul era desbaratar o referido reduto, mas a sua localização exata não era de domínio do comando. Por isso o ataque seria feito com as informações que se possuía até o momento e posteriormente é que se pretendia melhorar os mapas. A base geral de abastecimento da coluna sul ficou sendo Perdizes Grandes, mas a base de opera ções foi instalada numa pequena localidade chamada Tapera, distante aproximadamente 6 quilômetros de Santa Maria. E, na madrugada do dia marcado, a tropa iniciou a marcha. Este primeiro grande com bate foi ricamente descrito pelo cronista, já citado,
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tenente Assumpção. Diz ele que o grupo que ia avan çando pela esquerda era comandado pelo próprio coronel Estillac Leal. A tropa avançava aparente mente sem ser notada pelos sertanejos, mas um sol dado desavisado ateou fogo em velhos ranchos perto de um bambuzal. Os estalidos dos bambus chama ram a atenção dos fanáticos concentrados a poucos quilômetros adiante. Uma pequena guarda dos ser tanejos começou a atirar. Um sargento sai ferido, mas a tropa segue a marcha. A vanguarda estanca diante do cerrado fogo que partia das matas. Eram já 8 horas da manhã. Eis como o tenente Assumpção descreve o que ocorreu nos próximos momentos: “(...) Desde então, com o recrudescimento do ataque hou ve um começo de pânico assustador. As praças que estavam deitadas às margens do caminho, impressio nadas com a fuzilaria da vanguarda e ouvindo iso lados tiros dos nossos abnegados exploradores que batiam o interior da mata, perderam a calma e, sem ordem e sem objetivo, iniciaram um tremendo tiro teio para dentro da densa floresta. (...) E a sombra de um horror que não se descreve macerou as nossas faces! (...) A começar pelo comandante da coluna os oficiais presentes procuraram conter as praças que ensurdecidas pelos cerrados estampidos e com o espí rito conturbado pela sensação (...) não percebiam as ordens nem ouviam os gritos de ‘cessar fogo’ que repetíamos nos seus ouvidos. Foi preciso segurar pe los ombros as que se achavam tomadas de maior estuação (...)”. Aos poucos a calma foi voltando, descreve o tenente. A vanguarda tinha conseguido
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desalojar o grupo de sertanejos que se encontrava numa dobra de terreno muito bem protegido. A marcha da tropa recomeçou. Vez por outra pipoqueava um tiro da mata, e, de modo geral, caía morto um soldado. A tática da guerra convencional não era totalmente operante contra a guerrilha, como se sabe. “Logo após mais três centenas de metros de avanço”, continua descrevendo o tenente Assumpção, “recebemos uma chuva de balas: os tiros do inimigo partiam de cima das árvores, por detrás das trincheiras e de dentro da mata. A defesa dos bandi dos era vivíssima, mas a abnegação e a valentia dos nossos soldados esqueciam os perigos; de todos os lados ouviam-se os rudes e consoladores gritos dos nossos homens: avançar, avançar”. O avanço da tropa, como se pode perceber, era feito com alto preço de vidas. A resistencia dos caboclos era feroz. As maio res vítimas das balas dos guerrilheiros eram os ofi ciais e graduados. O quadro era desolador entre os soldados e oficiais. “Os toques de padioleiros para socorrer os feridos eram constantes e desanimadores. Os companheiros, na nossa frente e ao nosso lado, caíam repetidamente, uns dando endereço de fami lia, outros retratos de esposas e filhos, ainda outros dinheiro para guardar, declarações íntimas, enfim uma cena tristíssima.” (Assumpção, p. 181, v. II.) A descrição feita pelo tenente Assumpção tornase cada vez mais preconceituosa à medida em que os soldados se aproximam mais e mais das fortes guar das dos fanáticos e os oficiais podem ouvir seus gritos e blasfêmias contra a República, destacando-se a voz
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de Adeodato: “A sanha dos bandidos redobrava de furor. Do nosso posto ouvíamos os seus gritos, que eram verdadeiros rugidos cheios de feridade. Adeo dato, o nefário cabecilha, estava imane. A voz do mazorro, muito rouca, emitida pela sua laringe anormalizada (...) pronunciava frases infandas (...) insul tos soezes, vilanias nojentas (...) vomitava desprezí veis sandices (...) E a infernal canzoada dos molossos que habitam o aldeamento fazia coro com os estrugidos das bestas humanas que se mantinham entrin cheiradas nos(...) esvãos das rochas, (...) de dentro das trincheiras melhoradas com tocos de pau. (... Além dos gritos de Viva São José Maria! Viva São João! e Viva a Monarquia!, os convícios eram cuspi dos pelos bandidos de crassa ignorância, numa lin guagem vil, impudente e cínica” (Assumpção, p. 182, v. II). Os violentos combates estavam se dando à beira do desfiladeiro que dava passagem para o centro do reduto. Os soldados não conseguiam transpô-lo. Os mortos aumentavam a cada minuto, tanto de um lado como de outro. Mas as baixas dos soldados eram sensivelmente maiores. A natureza estava do lado dos sertanejos. Muitos soldados não chegavam a atirar e perdiam o equilíbrio na borda do desfila deiro, e os que chegavam vivos no fundo da grota eram picados pelos facões dos “pelados”. Contra a natureza e os guerrilheiros, tenta-se a técnica da moderna guerra. Assestou-se uma metra lhadora e o fogo fez-se cerrado sobre os guerrilhei ros. O silêncio tomou conta da mata. Mas logo re-
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cru desceu um vozerio de mulheres gritando e ati rando contra os soldados. Este era um fato surpreen dente para os soldados do exército: as mulheres em punhavam armas e participavam da luta lado a lado com os homens. Batalhão por batalhão sofria a inin terrupta chuva de balas que vinha dos buracos nos morros, de baixo, de cima, de todos os lugares, mas que os soldados não conseguiam localizar. Uma ou tra dificuldade que os soldados enfrentavam era a variada gama de armas que os fanáticos usavam, pois os diferentes estampidos atrapalhavam ainda mais a localização do atirador. Diante de tal situa ção, onde os seus soldados sofriam a mais terrível pressão das armas dos guerrilheiros, o coronel Estillac Leal ordenou a retirada da tropa para a Tapera. As tropas, sob o fogo dos sertanejos, conseguem, a duras penas, chegar ao posto de acampamento às 4 horas da tarde aproximadamente. Com 70 baixas, entre mortos e feridos, a coluna sul encerrava a sua primeira tentativa de cumprir as ordens do general Setembrino de Carvalho de invadir o reduto de Santa Maria. Dois oficiais mortos e vários feridos diminuíam a inicial expectativa de acabar rapidamente com o ajuntamento dos faná ticos. Os feridos foram transportados para Perdizes Grandes, onde estava instalado o hospital da coluna sul. O plano de atacar o reduto pelo sul precisou ser adiado e modificado. No mesmo mês em que a coluna sul iniciava o ataque ao reduto de Santa Maria, o capitão Tertu liano Potiguara, com relativa independência em re-
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lação ao comando da coluna norte, iniciou um ata que que poderemos chamar de fulminante contra os redutos do vale do Timbozinho. Contando com o auxílio de vaqueanos liderados pelo bandido Pedro Ruivo, o capitão Potiguara saiu à frente de 200 sol dados, foi marchando, partindo de Canoinhas até Vila Nova do Timbó, que achou deserta. Ateou fogo em tudo. A tática da terra arrasada ia ser a marca registrada das tropas do capitão. Da vila partiu para um reduto chamado Thomazinho e sob fogo cerrado dos sertanejos conseguiu, com auxílio de metralha doras e bombas, desalojar o grosso do reduto. Gran de parte dos sertanejos foi morta. Não houve prisio neiros. Em seguida foi a vez do reduto do Pinheirinho, que teve a mesma sorte. Nenhuma casa ficou em pé. O capitão Potiguara retomou desse ponto e acampou num local chamado Reichardt. Os feitos desse capitão foram uma espécie de ensaio do que ele e seus soldados e vaqueanos iriam fazer alguns dias mais tarde quando conseguiríam penetrar pelo norte no reduto de Santa Maria, como veremos mais adiante.
O começo do fim O forte reduto do cabecilha Aleixo Gonçalves, o antigo maragato, sofreu uma defecção de mais de 300 pessoas, que se apresentaram em Canoinhas. O relatório do general Setembrino, citado por Maurício Vinhas, dá bem uma idéia da precária situação de
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saúde em que se encontrava essa gente: “Minados por privações de toda ordem (...) com as vestes em farrapos esses fanáticos compostos principalmente de mulheres e crianças (eram) bandos desolados cujo aspecto inspirava compaixão. Notei que predomi nava neles uma disenteria, provavelmente efeito do esgotamento orgânico”. Aleixo Gonçalves mudo1’ -se com a maioria dos membros de seu reduto para o rio das Areias, bem próximo ao reduto de Santa Maria. Mas mesmo assim Aleixo ia sendo acossado pelas tropas da coluna leste, que vinha submetendo várias guardas e redutinhos que se encontravam no cami nho do rio das Areias. Pressentindo a aproximação das tropas do exército, o líder ordenou a mudança de seu pessoal para o reduto-mor de Santa Maria. Eis como Demerval Peixoto descreve a chegada de Aleixo no acampamento: “Aleixo fora recebido com ovação estrondosa. Houve no reduto rufos de caixas, cânti cos e buzinar infrenes de permeio com descargas de ronqueiras, ouvidos até nos acampamentos legais” (in: — Queiroz, Maurício Vinhas, p. 253). Passados alguns dias depois da derrota da co luna sul, seu comandante preparava nova investida contra o reduto. O plano agora consistia em assestar canhões de montanha e iniciar verdadeira chuva de bombas sobre o reduto de Santa Maria. Pouco antes houve mais uma tentativa de mediação pacificadora através de um “coronel”, Salatiel de Paula, que era velho amigo e compadre de Elias de Moraes, um dos mais importantes chefes dos caboclos. A tentativa foi frustrada, pois o enviado do “coronel” foi imedia
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tamente preso e fuzilado sumariamente. Mais ou menos pelos fins do mês de fevereiro de 1915 fizeram-se várias tentativas de utilização de aviões para reconhecimento, mas um avião aciden tou-se, matando o piloto; esse expediente foi aban donado apesar das esperanças do coronel Estillac Leal obter dessa forma informações sobre a melhor localização dos fanáticos no meio do vale de Santa Maria. Os oficiais e graduados especialistas de artilha ria encontraram um pequeno platô, de onde, se gundo eles, os tiros seriam certeiros sobre o reduto. O bombardeio começou às 2h30 da madrugada do dia 2 de março. Mas depois de várias horas de in tenso fogo sobre o reduto, já com o dia bastante claro, verificou-se que as balas do canhão não faziam efei to. Quase nenhum tiro acertou o alvo; ou, quando acertara em algum rancho, o projétil passara pela parede sem encontrar resistência indo explodir bem adiante sem causar danos. Os caboclos logo apren deram a coexistir com as bombas. Chegaram a orga nizar uma procissão e festas em agradecimento a São João Maria por ter tornado o reduto invulnerável aos terríveis explosivos. A artilharia só conseguiu produzir algum efeito depois que trocou os canhões por obuses de tiros mais certeiros. O obus funcionou até aproximada mente as 3h da tarde. Diante da ameaça dos serta nejos em tomar o obus, ele foi retirado às pressas com o auxílio de uma junta de bois. Os soldados da coluna sul começaram a ser
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novamente assediados pelo intenso fogo dos guerri lheiros invisíveis escondidos nas grotas e dobras de terrenos no meio das matas. A coluna, como já dis semos, era auxiliada pelos vaqueanos do “coronel” Fabrício. Os vaqueanos desse velho “coronel” tenta ram por várias vezes fazer um reconhecimento mais preciso de onde vinham as balas. Missão impossível. Cada vaqueano ou soldado que se aproximava era imediatamente abatido por certeira bala de Winchester. Nova ordem partiu do coronel Estillac Leal: reti rada total das tropas, que mais uma vez não conse guiram transpor a muralha de defesa natural que era o vale de Santa Maria. Depois desses episódios, o “coronel” Fabrício, que sempre vivera e conhecia profundamente a re gião, emitiu sua opinião sobre a luta no reduto de Santa Maria: “Sr. Comandante. Nunca pensei que as dificul dades em Santa Maria fossem tão grandes. Pelo sul V.S. não tomará o reduto com os elementos que possui. Vou dizer ao general Setembrino que so mente uma coluna de 5 mil homens poderá, num ataque combinado com forças do norte, penetrar em Santa Maria. Eu, digo-lhe com franqueza, sem que V.S. tenha taes recursos não mais entrarei na mata” (in: — Assumpção, p. 266). Apesar da tenacidade e da resistência dos cabo clos, sua situação ia ficando cada vez mais angus tiante. A fome ia aumentando na medida em que o cerco se apertava em torno do reduto. O gado morto era dividido igualmente entre os crentes. Mas a ração
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para cada família diminuía dia a dia. As crianças ñcavam agrupadas em tomo do boi a ser morto para aparar o sangue e bebê-lo avidamente. Algumas teslemunhas citadas e ouvidas por Maurício Vinhas de Queiroz disseram que em determinado momento os sertanejos começaram a comer os cavalos e os ca chorros. E nos momentos mais desesperadores eles passaram a comer os arreiamentos feitos de couro cru. 3 As condições dos soldados também tinham sua parte aflitiva, que se manifestava não só nos comba tes. Durante o intervalo das lutas é que se pôde avaliar a pobreza de parte dos soldados. Muitos não possuíam botas, esperava-se para breve um novo lote delas, mas nunca chegavam. Alguns não possuíam calças e para cobrir a nudez usavam capotes ou cal ções confeccionados com seus cobertores. Os ser viços médicos estavam cada vez mais precários. A umidade invadia as barracas, que se mostravam im próprias para a estação das chuvas, era preciso usar capim como forma de manter um mínimo de tem peratura suportável no interior das tendas. As atividades militares diminuíram um pouco de intensidade, mas mantiveram um ritmo regular com bombardeios diários sobre o reduto. O general Setembrino de Carvalho, comandante-em-chefe das operações na Guerra de Canudos, convocou para o dia 4 de abril de 1915 uma reunião dos comandantes das quatro colunas. Aí, conclui-se que somente a coluna sul não teria condições para penetrar no re duto, forçando-o pelo sul. Ao mesmo tempo estabe-
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leceu-se como estratégia a idéia de um ataque simul táneo das quatro colunas sobre o reduto, ou melhor, de três colunas, pois uma delas ficou encarregada de impedir a fuga dos fanáticos para os Campos do Irani. Maurício Vinhas de Queiroz afirma que não foi isso exatamente o que aconteceu. Diz o autor que foi o capitão Potiguara que iniciou sozinho o ataque, vindo do norte. Há uma parcela de razão nesta afir mação, como veremos. Mas simultaneamente a co luna sul exerceu pressão constante sobre o reduto. A propósito, a tática utilizada pelo comandante Estillac Leal faz lembrar a tática utilizada pelos norteamericanos na guerra do Vietnã, guardando eviden temente as devidas proporções. Tratou o coronel co mandante da coluna sul de armar seus soldados vaqueanos ou quem quer que seja com foices e serras, além dos fuzis e metralhadoras. Pretendiam ir derru bando a mata, destruindo e transformando a defesa natural utilizada pelos sertanejos. Isto se fez em meio a constantes combates entre os soldados e os faná ticos. Enquanto a coluna sul prosseguia em sua tarefa de destruição das matas da região, o capitão Poti guara iniciava com seus homens uma das mais arro jadas e destruidoras marchas que ocorreu em todo o conflito do Contestado. O plano inicial era o avanço da pequena coluna de Potiguara até um determinado ponto para aí fun dir-se à coluna leste antes de atacar efetivamente os redutos que precediam o caminho de Santa Maria.
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Mas o impetuoso militar desprezou qualquer auxílio. Preferia confiar na violência de seus quase 500 sol dados, escolhidos a dedo, e dos mais de 100 vaqueanos, parte deles comandada pelo temível Pedro Rui vo. O ponto de partida de Potiguara e seus homens foi Canoinhas, mas seu primeiro ponto de apoio importante foi a localidade de Reichardt, situada al guns quilômetros adiante. Daí ele partiu em direção a Caçador e Santa Maria. A região, apesar de já ter sido percorrida por várias tropas, era “infestada” pelos fanáticos, que haviam reconstruído vários redutinhos. Terreno perigoso e desconhecido. O capi tão Potiguara, à medida que se afastava de suas bases, só podería contar com seus próprios recursos. Logo nos primeiros dois ou três dias de marcha os soldados enfrentaram pequena resistência, mas ma taram 9 sertanejos; os outros fugiram embrenhandose na mata. A cada aglomerado de casas que encon travam seguia-se um tiroteio, vários sertanejos mor ros e o incêndio das habitações. Chegaram às bar rancas do rio Tamanduá. Para transpô-lo, construí ram uma balsa para a travessia dos cavalos e dos homens. Do outro lado, mais de 300 sertanejos caí ram sobre os soldados, mas estes responderam e ma taram mais de 40 fanáticos. O capitão Potiguara recebeu ordens para seguir em marcha forçada, pois o comando geral temia pelo destacamento que seguia pelo leste e se aproximava do reduto de Santa Maria. Nem assim o destemido capitão modificou muito seus planos. Seguiu destruindo, matando tudo o que se movia e que encontrava pela frente.
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Enquanto o destacamento de Potiguara prosse guia em sua razia, outros destacamentos tomavam providências de construir um sistema de fortificações num local chamado Lajeado, por causa de suas condi ções estratégicas bastante importantes. Dali podiase vigiar as picadas vindas das serras do Timbó, Ta manduá e de Santa Maria. A coluna sul, por sua vez, intensificava os ataques às guardas incrustadas no desfiladeiro que levava a Santa Maria. As forças iam conquistando posições importantes para facilitar o assalto final. Depois de conquistar uma pequena guarda, viram que “no chão estavam estendidos dois cadáveres de bandoleiros e, esparsos em diferentes pontos, uma bandeira, um cantil, dez canudos de taquara para água, uma carabina ‘Comblain’, três pistolas de fogo central, quatro facões, duas facas, duas clavians Winchester, um bocó com 46 cartuchos (...) e espigas de milho verde assado” (in: — Assumpção, p. 348). Potiguara prosseguia sua marcha destruidora. Chegou no aldeamento do rio Caçador, o mais im portante reduto antes de Santa Maria, que havia sido reconstruído. A resistência dos caboclos ali foi vio lenta. Mas os soldados, impelidos pelo comando, empurraram os caboclos, que sofreram várias baixas. Do outro lado do rio Caçador veio uma intensa sarai vada de balas que deixou, por alguns momentos, os soldados de Potiguara paralisados. Logo em seguida o reduto foi ocupado. Nenhuma casa ficou em pé. Tudo foi destruído. Era preciso destruir todas as qxxe pudessem servir òe firtura identificação do
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sertanejo. Uma forma ainda atual de destruir psico logicamente o vencido em urna guerra. As forças do capitão Potiguara perderam 6 homens e destruíram mais de mil casas e ranchos. Nesta mesma ocasião chegaram ao reduto de Maria Rosa, imediatamente anterior ao reduto-mor. A partir daí a defesa dos sertanejos, organizada pessoalmente por Adeodato, foi feita por centenas de caboclos, que começaram a enfrentar os atacantes corpo-a-corpo. A pressão dos soldados de Potiguara era descomunal. Os sertanejos não resistiam e caíam trucidados. Os Pares de Fran ça foram um último expediente utilizado neste mo mento. Dezoito deles tiveram morte imediata, os ou tros fugiram para o mato. Dia e noite, sem descanso, sem dormir; os soldados avançavam sob o fogó ainda intenso dos sertanejos fanáticos. Santa Maria, final mente, apareceu. Estava deserta. Potiguara entrou com uma sensação de que ainda faltava muito para consolidar a conquista. E tinha razão. Na praça cen tral fez uma trincheira com pinheiros grossos, “fez da igreja a sede de seu comando e de uma casa próxima... o hospital de sangue”. À noite os sol dados pressentiram o ataque que os sertanejos prepa ravam das encostas que rodeavam o vale. Os tiros começaram. Potiguara, desesperado agora, pois seus homens estavam extenuados, envia um bilhete a Estillac Leal clamando ajuda: “Estou aqui neste in ferno, depois de 10 dias de marchas horrorosas, sendo 8 de combate dia e noite, peço-te que avances com a máxima urgência a fim de me auxiliar no resto de nossa espinhosa missão. Tenho grande número de
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feridos e já tenho enterrado oficiais e praças. Esperó te com urgência a fim de não perder mais gente, pois estou com a tropa em preparativos de ataque. (...) Espero-te hoje sem falta embora à noite, pois ela é melhor para se viajar. Recado do amigo Potiguar a” (in: — Cabral, Oswaldo, p. 253). A coluna sul marchou com cerca de 2 mil sol dados em direção ao reduto. Passou por uma guarda que antes não havia conseguido romper a resistência e avançou para surpreender os sertanejos pela reta guarda, pois estes estavam ocupados em atacar as forças de Potiguara. A batalha prosseguiu noite adentro. O reduto de Santa Maria foi reduzido a cinzas, mas uma boa parte dos fanáticos sumiu no mato. Os comandantes consideraram a missão cum prida, apesar do coronel Estillac Leal reconhecer que “nem todos os bandidos do Contestado” tinham de saparecido.
Os últimos momentos Às margens do rio São Miguel nasceu um reduto com os remanescentes dos combatentes sertanejos de Santa Maria. As autoridades do exército não mais se preocuparam com essa nova aglomeração, pois con sideravam que o problema daí em diante era um “caso de polícia”. No entanto, uma reduzida força do exército permaneceu na região e ainda assim não conseguiu pressentir a formação do novo reduto. Adeodato tornou-se o déspota do reduto. Senhor
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da vida e da morte, imperava numa vila que possuía uma praça com cinco cruzes. Havia um sino amar rado em pedaço de madeira que servia para chamar os sertanejos para as formas. Todo o ritual conti nuava, como se nada tivesse acontecido alguns dias antes em Santa Maria. Mas a vida no meio do reduto exigia um mínimo de condições materiais para a sobrevivência, e por isso os piquetes começaram a repetir as incursões para conseguir alimento e provisões mínimas. Logo os piquetes dos sertanejos começaram a encontrar as patrulhas de soldados e vaqueanos, que passaram a ser financiados pelos fazendeiros interessados em que a ordem fosse restabelecida o mais breve possível na região. O poder de Adeodato era ilimitado; somente Elias mantinha ainda algum poder como chefe das formas. Qualquer questionamento ou dúvida era cas tigado com a morte sumária. O famoso Aleixo, de quem falamos anteriormente, foi executado pessoalmente por Adeodato por razões fúteis. Algum tempo depois da construção do reduto de São Miguel, o líder ordenou sua mudança para uma região perto do Timbó que recebeu o nome de Cidade Santa de São Pedro. Outros redutos nasceram, mas foram rapida mente destruídos pelos vaqueanos dos fazendeiros auxiliados pela polícia e por algum pequeno destacamento do exército. As condições de se conseguir alimento foram reduzidas praticamente a zero e precariamente os sertanejos do reduto conseguiam sobreviver. Mas quase no final do ano de 1915 o reduto
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O coronel Estillac Leal, comandante da Coluna do Sul, um dos responsáveis pelo desmantelamento do Reduto de Santa Maria.
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foi tomado quase que de surpresa por um grande destacamento de soldados e vaqueanos. Adeodato, à frente de uns 40 homens, conseguiu fugir. Perambulou pela mata com seus homens, mas em determi nado momento subiu numa parte mais alta do ter reno, reuniu seus homens e disse: “Perdemos a guerra; a guerra está perdida. Quem quiser ir para o mato, vá. Não quero ninguém comigo. (...) E o cachorro que contar para a polícia que eu estou aqui, vou matar.” Adeodato foi preso no inverno do ano de 1916, depois de perambular pelas matas. Julgado, foi con denado à pena máxima, isto é, 30 anos de cadeia. Tentou fugir 7 anos depois e foi morto. Morria Adeo dato bem depois de todo o movimento revolucionário do Contestado ter sido violentamente reprimido de pois de quase 4 anos de guerra.
CONCLUSÕES
O conflito do Contestado pode ser interpretado como um conflito resultante de urna profunda crise das estruturas da República Velha. As tensões so ciais que foram se acumulando durante um determi nado período se aceleraram na fase de desenvolvi mento de novas relações sociais de produção, intro duzidas no país nos fins do século passado e começo deste. Estas tensões sociais manifestavam-se funda mentalmente pelo anseio da terra, como pudemos ver pelos acontecimentos. Mas este anseio deveria mani festar-se através da melhoria das condições mate riais, da segurança e, de modo geral, do bem-estar. Quando o sertanejo revoltou-se contra a presença de estrangeiros, o fez contra as grandes companhias que lhe espoliaram a terra. Mas não somente isso. Pro testava também contra a presença de colonos de ori gem européia, que, a seu ver, eram também respon sáveis pela tomada de terras que, pelo direito de
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posse, sempre lhe haviam pertencido. Evidentemente chegou-se a encontrar alguns colonos europeus que haviam lutado no conflito ao lado dos sertanejos, mas a grande maioria dos colonos estrangeiros via os sertanejos como bandidos, tal como faziam as forças da repressão. Esta atitude se explica quando pensamos no significado de um pedaço de terra, de uma propriedade, para um camponês europeu. A figura do “coronel”, claramente aliado às forças estranhas que “invadiram” o sertão, só fazia aumentar ainda mais o clima de insegurança. Há que se considerar que este é um momento de rompimento das velhas formas de mandonismo local. Os velhos “coronéis”, do tipo Henriquinho de Almeida, que se identificavam com o mandonismo da época do Impé rio, tinham a tendência de diminuir sua influência ou mesmo desaparecer. Os novos “coronéis”, do tipo de Francisco de Albuquerque, que se identificavam com as novas forças representadas pelas oligarquias esta duais da República, se consolidavam. A relação do “coronel” com sua clientela tende a se romper nesse período. E muitas vezes a própria autoridade do “coronel” é superada por uma força externa, como se deu no momento da presença massiva das forças repressoras do exército. O momento é de rompimento em todos os níveis. Rompimento entre o padre e o fiel, entre o Catoli cismo Ortodoxo e o Catolicismo Rústico. Rompi mento das velhas estruturas de sobrevivência que permitiam ao sertanejo da região possuir sua terra. Rompimento aflitivo que se manifesta na explosão do
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surto messiânico. Pelo messianismo, a coletividade do Contestado expressava a sua recusa diante das intoleráveis condições de existência. Essas pessoas, em “estado de exaltação”, cultuaram um monge depois de morto, com isso mantinham-se unidas es perando a salvação da catástrofe universal que se aproximava. A missão salvadora do messias na re gião do Contestado só se consolida depois de sua morte. Enfim, vê-se uma situação de desespero cole tivo causado pela impossibilidade de participação das condições mínimas para as “satisfações comuns das necessidades vitais”. Mas o movimento messiânico dc Contestado estava condenado à derrota, pois não conseguiu romper o seu isolamento e principalmen:e não pôde, e nem se cogitava, introduzir novas rela ções entre os homens que pudessem consolidar uma posição para enfrentar as forças contrárias. Quanto ao papel do exército, pode-se aventar a idéia de que a Guerra do Contestado foi de grande importância para a consolidação de um exército mo derno que, cada vez mais, teria participação na vida política futura do Brasil. Vários nomes que mais tarde ficaram famosos já participavam como oficiais de baixo escalão no processo de repressão. Basta citar alguns nomes como Henrique Teixeira Lom que lutou como aspirante a oficial, e Daltro Filho, que participou como primeiro-tenente. O Contes tado seria uma espécie de forjador de um novo tipo de oficial que não vacilava em reprimir violentamente qualquer movimento de caráter revolucionário que. de alguma forma, pudesse questionar a República.
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Setembrino de Carvalho consolidava a República en quanto destroçava a resistencia do fanático, da mes ma forma que Caxias salvava o Império quando des troçava a Balaiada. Também a corrupção surgiu no seio de parte do exército, comprometido com as negociatas da oligarquia da República Velha. Fica ram famosas as acusações que o tenente Gwaier de Azevedo fez a Setembrino e principalmente a Potiguara em relação a grandes negociatas com as botas que deveríam ir para os pés dos soldados que luta vam no Contestado e que nunca chegaram. O tenente Gwaier fez essas acusações em uma sessão pública no Clube Militar em junho de 1922. Estávamos já no período de crises que desencadea riam a Revolução de 1930. Revolução que se faria, segundo seus autores, para evitar guerras e atroci dades como o Contestado, para acabar com o predo mínio das oligarquias e dos ‘‘coronéis”.
INDICAÇÕES PARA LEITURA
A bibliografia sobre a Guerra do Contestado é bastante exígua, fato que ajuda o acontecimento tornar-se pouco conhecido. No entanto, existem publi cações que enfocam o conflito sob os mais variados ângulos. A obra mais conhecida dentro e fora dos meios acadêmicos é o trabalho de Maurício Vinhas de Queiroz, Messianismo e Conflito Social — A Guerra Sertaneja do Contestado: 1912/1916, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966. Neste trabalho, o autor nos localiza de forma segura no tempo e no espaço, ao mesmo tempo em que analisa as razões gerais do conflito. Concluí que a Guerra do Contestado foi o ponto mais alto de uma crise conjuntural que se desenvolvia numa região do Brasil em época de tran sição. Os trabalhos de Maria Isaura Pereira de Quei roz, La Guerre Sainte au Brésil: le Mouvement Mes-
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sianique du “Contestado”, Boletim n. 187, Sociolo gia 1, n. 5, FFCL da USP, São Paulo, 1957, e prin cipalmente Messianismo no Brasil e no Mundo, coedição Dominus e EDUSP, São Paulo, 1965, abordam o conflito sob o ângulo sociológico em detrimento do histórico. A introdução de fatores modernizantes na região, tais como a estrada de ferro São Paulo—Rio Grande, não é considerada pela autora. Os Errantes do Novo Século, um Estudó sobre o Surto Milenarista do Contestado, Livraria Duas Ci dades, São Paulo, 1974, de Duglas Teixeira Mon teiro, é o mais importante trabalho interpretativo publicado sobre o conflito. Em uma abordagem so ciológica, preocupado principalmente em demons trar metodológicamente o fenômeno, não descuidou do enfoque histórico. Insere a Guerra do Contestado num momento de grandes transformações que acir ravam as contradições, mas sem cair em explicações de causa e efeito. Um dos documentos militares mais importantes publicados é o do tenente Herculano Teixeira d’Assumpção, editado pela Imprensa Ofi cial do Estado de Minas Gerais em 1917 sob o título de A Campanha do Contestado (As Operações da Coluna Sul). Como o título sugere, o autor trata principalmente das operações da coluna que atacou o reduto de Santa Maria pelo sul, mas descreve tam bém a atuação das outras forças do exército que com binadamente esmagaram o movimento popular. As interpretações do tenente Assumpção são carregadas da visão da classe dominante, tratando sempre o ser tanejo que lutou no conflito çom forte teor precon-
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ceituoso. No entanto, trata-se de fonte primaria bas tante valiosa para o interessado na Guerra do Con testado. João Maria — Interpretação da Campanha do Contestado, de Oswaldo R. Cabral, Companhia Edi tora Nacional, col. Brasiliana, São Paulo, 1960. de dica quase a totalidade das páginas para falar d-t monge João Maria e cerca de 30 páginas das 353 da obra à campanha em si. De modo geral, bem docu mentado, mas também não se livra da interpretação etnocêntrica em relação ao fenômeno. Dentre os artigos publicados destacamos o de Alfredo Margarido, “A Reciprocidade no Seio de Movimento Camponês do Sul do Brasil”, in: — uma História Antropológica, Edições 70, Lisbcz. 1974. Desenvolvendo pesquisa antropológica em so ciedades agrárias o autor analisa a prática do ignahtarismo entre os caboclos do Contestado. Hâ ainda : artigo de Duglas Teixeira Monteiro, “Sertão e Civi lização: Compasso e Descompassos”, editado no Bzletim n. 21 dos Anais do Coloquio de Estudos Regio nais, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 1974, e o capítulo do mesmo autor, “Um Confronte entre Juazeiro, Canudos e Contestado”, in: — O Bra sil Republicano, v. 9 da História Geral da Civilizaçãz Brasileira, DIFEL, São Paulo, 1977, onde desenvolve a idéia dos que ficaram à “margem” da história. que na verdade é aprofundada no livro anteriormente ci tado.