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Portuguese Pages 110 Year 1991
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s coisas acontecidas há cem anos parecem tão longe de nós! Afinal, cem anos são muitos anos e o que aconteceu há um século está muito distante de nós no tempo. No entanto, não é apenas porque aconteceram há cem anos que parecem longe de nós. Esse tempo parece distante porque é um tempo muito diferente do nosso.
Em 1889 o Brasil se diferençava muito do que é hoje: não possutamos Cinelândia nem arranha-céus; os bondes eram puxados por burros e ninguém rodava em automóvel; o rádio não anunciava o encontro do Flamengo com o Vasco, porque nos faltavam rádio, Vasco e Flamengo; na Estrada de Ferro Central do Brasil morria pouca gente, pois os homens,
escassos, viajavam com moderação;
Cia
existia o morro do Castelo, e Rio Branco não era uma avenida — era um barão, filho de visconde. O visconde
tinha sido ministro e o barão foi ministro depois. Se eles não se chamassem Rio Branco, a avenida teria outro nome. O Amazonas, a cachoeira de Paulo Afonso e as florestas de Mato Grosso comportavam-se como hoje. Mas as estradas de ferro eram curtas, e quase se desconheciam estradas de rodagem, porque havia carência de rodas. Nos sitios percorridos atualmente pelo caminhão, deslocava-se o carro de boi, pesado e vagaroso. Pouco luxo nas capitais, necessidades reduzidas no campo. As cidadezinhas do interior, mediocremente povoadas, ignoravam a iluminação eletrica e o bar. (Graciliano Ramos, “Pequena his-
tória da República”. In: Alexandre e
outros herois, p. 126-7.)
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Vendedor de verduras, figura típica do Rio de Janeiro. (Marc Ferrez, s/d.)
A vida era tão diferente! As casas das grandes cidades de então tinham quintais com goiabeiras e mangueiras. Pelas ruas, o que se ouvia era o trote dos cavalos, porque os primeiros automóveis só chegaram aqui no começo do século XX. Também se ouviam os pregões dos vendedores ambulantes que andavam com a mercadoria às costas. Alguns eram ainda meninos e carregavam tabuleiros de doces e balas, por vezes equilibrando-se nos estribos dos bondes, uma das grandes novidades da época.
— Balas! Quer balas? Hortelã, chocolate, baunilha e coco! — Biscoitos, Sinha.
— São seis por um tostão! — Baleeei...ro! Queimada e Ovo! Notável agilidade a desses molecotes de 12 a 16 anos, ginastas consumados, equilibristas perfeitos, herdeiros da hgeireza acrobática da capoeira colonial, precursores na destreza e no desembaraço do jogador de futebol de agora. /...] Saltam como se fossem bolas de borracha, pulando de um para outro carro, até quando eles estão em acelerado movimento, sem deixar cair a bandeja dos rebuçados que vendem, equilibrada na palma da mão, erguida toda tara o ar. [...] Quando servem o freguês, trepados pelos estribos, balas e biscoitos, soltam as mãos do balaústre, e, assim, contam a mercadoria, fazem o troco, o veiculo sacolejando, vezes torcendo por curvas fortes, sem cair, sem vacilar... — Baaala, freguês... Baleeeiro!
(Luís Edmundo, O Rio de Janeiro do meu tempo, p. 143-4.)
Como era diferente aquele tempo! Para nós já é difícil imaginar céu sem avião e casa sem televisão. Imaginem o que era usar roupa de lã em pleno verão carioca!... Mas era assim há cem anos, pelo que conta Luís Edmundo:
Os homens usavam sobrecasaca, fraque e ““veston””, às vezes de traspasse, cortados em tecidos importados diretamente da Inglaterra; panos em demasia, espessos, pura ta de carneiro da Austrália, nada de acordo com as exigências naturais de um clima quente como o nosso. (Luís Edmundo, De um livro de memórias, v. 1, p. 196.)
Segundo esse mesmo autor, a situação da mulher mudara para melhor. E se hoje essas mudanças nos fazem sorrir, € preciso não esquecer que são coisas acontecidas há cem anos...
A mulher [...] que eu pude conhecer em minha me-
ninice, [...] já não era mais aquela prisioneira do lar,
resignada e submissa. [...] Já não frequentava, como as nossas avós da era dos vice-reis, a massa das quatro da madrugada [...]. Contudo, por essa mesma hora, fugindo às luzes fortes da manhã, [...J 1a aos banhos de mar nas praias do Caju, de Botafogo ou de S. Cristóvão, mas
racha ou chapelões de palha tapavam-lhe a cabeça. À tarde, de quando em quando, 1a passear à Rua do Ouvidor, apreciando o desfile das modas. À noite, já podia assistir ao Rigoletto, à Aida, à Traviata ou a algum dramazinho fútil e pungente, em cinco atos e vários quadros [...]. Não se formava em engenharia ou medicina, não era chefe de repartição, cônsul ou pára-quedista; era porém uma dona de casa perficiente, exemplar, zeladora frel da economia da familia. (Idem, ibidem, p. 200-1.) Mas os jovens daquele tempo, ele, mesmo de sobre-
casaca, e ela, destinada a ser apenas a rainha do lar, na-
moravam como os jovens de todos os tempos... só que de acordo com as normas da época.
Os bairros residenciais viviam cheios de namorados. Dentro de duras sobrecasacas de sarja grossa, a cartola enterrada na cabeça, a bengala de biqueira de ferro a arrastar pelo chão, os líricos Romeus passavam ternos, de cabecinha torta, com o olhar melífluo, acariciando as pálidas Julietas debruçadas sobre os parapeitos das janelas. Arfar de peitos oprimidos. Bater de corações. [...] Vinham. depois as saudações cerimoniosas, os cândidos sor-
risos. À coisa ia. Vezes era uma jlor que se arremessava,
de repente, num gesto rápido. [...] Os bilhetes [...] vi-
af
sem exibições de nus artísticos ou malllots de estalar. Cobria-se com folgados blusões de baeta, calças do mesmo pano a lhes descer até aos calcanhares. Toucas de bor-
Ma
nham depois /...] — “desde que te vt pela primeira vez meu coração palpitou””. [...] Aceleravam-se as cosas nessa altura. [...] O namoro aquecia e aumentava. Eram pedidos por parte dela: — “*Venha, amanhã, mass cedo. ".... Exigências por parte dele: — “De qualquer forma quero 0 seu retrato”. Ciumezinhos: — “Aquela moça loira que ja no bonde e tanto olhava pra você, quem era?*. Os arrufos chegavam: — “Então rompemos?”” — “Você é que quer romper”. — “Eu não, você. 2? — “Então, rompemos?”? — “Como você quiser”. — “Pois rompamos!”"
Trovoadas de verão. Pazes depois. Novos arrufos.
De novo pazes...
(Idem, ibidem, p. 201-2.)
Só que nem tudo naquele tempo era agradável e di-
crianvertido. Nas famílias, só os adultos tinham direitos:
ça não tinha permissão para falar na mesa e tampouco se meter em conversa de gente grande. Muitos eram exescravos, porque a abolição só veio em 1888. Tinham vivido, e em muitos casos continuavam a viver, situações de
muita humilhação junto com suas famílias. Muita gente morria cedo porque ainda não existiam remédios como Os antibióticos, e até uma gripe podia ser mortal. Na escola, a disciplina era rigorosa. O mais importante era aprender a ser como
um adulto em
miniatura e decorar as lições.
Graciliano Ramos, nascido em 1892, conta num livro triste e bonito, chamado Infância, sua meninice em Buí-
que (Pernambuco) e Viçosa (Alagoas). E assim como ele se lembra de seu primeiro contato com a escola: A notícia veio de supetão: iam meter-me Já me haviam falado nisso, em horas de zanga, me convencera de que realizassem a ameaça. À gundo informações dignas de crédito, era um onde se enviavam as crianças rebeldes. Eu me
na escola. mas nunca escola, selugar para comportafi
(Graciliano
p. 111-9, 114)
Luís Edmundo
descreve
assim
Ramos,
Infância,
sua vida de menino;
O menino nasceu numa quinta-feira de junho. [...] Aos quatro anos quase sucumbe a uma pneumonia. Aos cinço, cai de uma janela e quebra o braço esquerdo. Aos seis, despenca de um sapotizeiro e luxa o mesmo braço. E continua esquelético, pálido, periodicamente assaltado de moléstias de várias naturezas, dando cuidados aos
médicos e assustando a familia. Contudo é já um consa-
grado campeão em travessuras [.../ incorngivel as repreensões e às surras inomináveis que recebe.
O tempo é o da educação à força bruta. Cantam as palmatórias nos colégios. A palmada, o cascudo, o puxão de orelha e a vara de marmeleiro são castigos habituais aplicados na casa. Por essa forma é que o paterfamilias* acredita transformar os pequenos demônios fa-
* As palavras com asterisco são definidas no Vocabulário, no final do livro.
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minhas brincadeiras eram silenciosas. E nem me afoitava a incomodar as pessoas grandes com perguntas. [.../ Considere: a decisão de meus pais uma injustiça. [...] Lembrei-me do professor público, austero e cabeludo, arreprei-me calculando o vigor daqueles braços. [...] Lavaram-me, esfregaram-me, pentearam-me, cortaram-me as unhas sujas de terra. E, com a roupa nova de fustão branco, os sapatos roxos de marroquim, o gorro de palha, folhas de almaço numa caixa, penas, lápis, uma brochura de capa amarela, saí de casa, tão perturbado que não vi para onde me levavam. Nem tinha tido a curiosidade de informar-me: estava certo de que seria entregue ao sujeito barbudo e severo, residente no largo, perto da Igreja.
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va direito: encolhido e morno, destizava como sombra. As
miliares em anjinhos do céu. Às mães, menos severas em geral, mais se inclinam a f...] ralhos e ameaças: — Deixa teu pai chegar, que tu irás ver com quantos paus se faz uma canoa...
O que uma pobre mãe desperdiçava em zelos e cuidados por esse tempo, pela educação e a saúde de um falho! Como, contra as crianças de então, tramam e conspiram as mais inocentes coisas desse mundo! [...| — Saia do sol, menino, porque o sol não faz bem. — Feche a janela porque está ventando! — Ponha o casaco porque a tarde esfria! — Olhe esta corrente de ar! — Não corra assim! — Não salte assim! — Entre já para casa, saia do sereno... /...] Condenava-se sumariamente a ginástica. Considerava-se perigoso o sport, por mais brando que josse. Por isso a geração que viu proclamar a república, exceção feita dos homens que seguiam a carreira das armas, era uma geração de fracos e enfezados, de lânguidos e raquiticos. [...] (Luís Edmundo, op. cit., p. 5-6 e 8.)
A proclamação da República, a escola com palmató-
ria e o namoro feito de suspiros apaixonados e arrufos, são coisas acontecidas há cem anos. Esse tempo, tão longínquo e tão diferente do nosso, parece ficar mais perto se abrimos um livro de memórias ou se nossos avós contam as histórias que ouviram de seus pais ou de seus antepassados. Mesmo distante e diferente, esse tempo está de alguma maneira presente em nosso tempo, como as vidas de nossos avós, e dos avós de nossos avós, estão de alguma forma presentes em nossas vidas. Não podemos mudar o que aconteceu há cem anos. Mas podemos conhecer esse tempo.
Podemos, inclusive,
5
conhecê-lo de diversas maneiras. Há muitas formas de conhecer, estudar e escrever a história. A intenção deste livro não é ““contar tudo como real-
mente aconteceu”, até porque “o que realmente aconte-
ceu” sempre depende do ponto de vista de quem observa os acontecimentos... O que se pretende aqui é sugerir que a história é sempre mais rica e mais complexa do que as nossas explicações. E também mostrar, pelo testemunho dos contemporâneos, que existem versões diferentes sobre o que se passava então. Finalmente, é ainda nosso objetivo expor o que pensamos sobre esse tempo distante e diferente: entendemos que a virada do século no Brasil está marcada por muitas coisas novas — tanto no que diz respeito ao cotidiano de muitos quanto no plano das instituições que regulavam todas as vidas —, porém sem mudanças significativas no que era fundamental para a sociedade da época. Parece complicado? Talvez a leitura do livro mostre que o que aqui afirmamos não é uma contradição.
De uma coisa temos certeza: conhecer um tempo distante e diferente é sempre uma aventura fascinante, e pode ser também uma das formas de descobrir como construir, com as nossas vidas, um tempo melhor, um tempo
diferente. Talvez não fossem necessárias tantas explicações. Os poetas conhecem a mágica de dizer com poucas palavras, porque sabem o segredo de fazer compreender com o coração. Por isso pedimos emprestado um
verso de Cecília
Meireles, poetisa nascida nesses tempos distantes e diferentes. As coisas acontecidas Mesmo longe, ficam perto
Para sempre e em muitas vidas...
livro.
10
Foi por isso que aceitamos o desafio de escrever este
PARTE
CAPÍTULO
1
Há cem anos: um tempo de mudanças? Um tempo de novidades uando o século XIX estava por terminar e o século XX apenas começava, o mundo viveu um desses momentos em que os ponteiros do relógio da História parecem andar mais depressa. Por toda a parte, novas Invenções apareciam, novas
situações desafiavam a imaginação, novas idéias fervilha-
vam, novas personagens se apresentavam nas lutas políticas, novos problemas exigiam soluções também novas. De repente, tudo parecia mudar.
A euforia toma conta do planeta. [...] Os povos do mundo saúdam, cheios de encantamento, o advento do sêculo XX. [...] Tal otimismo, se ingênuo, era razoavelmente justificado. De repente, após milênios de civilização, o homem tinha em seu poder engenhos inacreditáveis: um carro que anda sem precisar ser puxado por cavalos, um fio que instantaneamente transmite mensagens de um continente a outro, uma lâmpada sem gás, nem pavio, um aparelho para conversar com pessoas a longa distância, outro para tirar retratos perfeitos como um espelho, uma curiosa maguininha capaz de gravar e reproduzir todos os sons deste mundo, uma tela mágica onde são projetadas imagens de pessoas, bichos e coisas movendo-se animadamente, igualzinho à vida real... E para coroar este festival de deslumbramento, vira realidade o mais caro sonho do ser humano: voar! (Nosso Século: 1900-1910, p. 533.)
13
“+
e
mo
do início do
(Malta, s/d.)
modis-
século.
Muitos pensavam que essas novidades eram sinais do progresso, irmão da civilização, e que os tempos novos .trariam paz e prosperidade para os povos. As novidades do tempo e o entusiasmo com o progresso se difundiam a partir da Europa Ocidental, em especial da Inglaterra e da França, países poderosos no cenário internacional e grandes centros industrializados. Havia quem sonhasse com o dia em que todos os povos do globo entrassem nessa corrida do progresso, e se tornassem civilizados. Entendia-se,
então, o “ser civilizado”
como sinônimo de estar mais de acordo com o modelo e com as necessidades dos grandes centros: após 1870, não só a Inglaterra e a França, mas também os Estados Uni-
dos, a Alemanha, a Bélgica e o Japão.
e a O SS
o
e
À civilização é uma luz, e a luz faz-se sempre mais ntensa. À civilização é una, e consiste num processo de desenvolvimento que sempre tende na direção de um mesmo fim: o melhoramento da humanidade.
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Cinematógrafo,
(François Guizot, História de la ci-
e
e
g
o
vilization. Apud Margarida de Souza Neves, Às vitrines do progresso,
p. 23.)
14
Essa afirmação de Guizot (1787-1874), ministro francês e autor de livros de História, leva-nos a levantar algumas questões. Será que a ““civilização”” é mesmo “una”? Será que uma cultura diferente é uma cultura mais atrasada? Será mesmo que o progresso dos países mais industrializados trouxe “*o melhoramento de toda a humanidade”, como pretendia Guizot? No país que representava aos olhos do mundo o poderio, a indústria e a civilização, a face cruel da pobreza era o avesso do progresso e foi descrita pelos escritores da época:
Na Inglaterra, homens e mulheres morrem de fome pelas ruas. Na Inglaterra, há mulheres que assassinam seus falhos para salvá-los de uma morte lenta pela penúria. Na Inglaterra, os pobres tornam-se criminosos para obter asilo numa cadeia. (G.W.M. Reynolds, “The mysteries of London”. Apud Gertrude
ii E
-—e me
Himmelfarb,
gland in p. 442.)
the
The idea of poverty. En-
early
industrial
age,
Por um lado, a riqueza dos países industrializados criava, em seu interior, a pobreza de muitos homens e mulheres desempregados ou obrigados a aceitar um trabalho malremunerado. Por outro, dependia da relação desses países com suas colônias, ou com os países que forneciam matérias-primas para suas indústrias e mercados para seus produtos. Por volta de 1870, o sistema econômico internacional entrava numa nova fase, passando do capitalismo liberal* para o predomínio do capitalismo monopolista*. As áreas os países dependentes eram, fundamentalmente, latino-americanos, que se tornaram independentes no início do século XIX, e as regiões da Ásia e da África, que haviam se tornado as novas colônias européias. - As áreas dependentes não apenas exportavam matémas-primas para os grandes centros e deles importavam 15
OO
o ca
produtos manufaturados. Também ofereciam um campo lucrativo para aplicações financeiras, um mercado de mão-
de-obra barata para as empresas estrangeiras que neles se
estabelecessem e espaço para receber como imigrantes as multidões que não conseguiam trabalho nas cidades européias. Ainda por cima, acolhiam com entusiasmo as idéias de que para ser moderno era preciso ser o mais parecido possível com a Inglaterra ou com a França, vistas como o centro da civilização, ou com os Estados Unidos, considerado
como o modelo de um país jovem que soubera acompanhar o ritmo acelerado do progresso. Em
1889, o mundo
inteiro se maravilhava diante da
construção mais alta do mundo,
uma torre toda de ferro
que o engenheiro francês Gustave Eiffel fizera em Paris
para a Exposição Internacional, que celebrava o centenário da Revolução Francesa. Contemplando aquele prodiígio da técnica, era difícil perceber que ““a luz do progresso e da civilização”* também produzia suas sombras...
Nossa época se atribuiu como missão a civilização
do mundo inteiro.
(D. Vervynck & E. Dubois, “Histoire des expositions industrielles”.
Apud Margarida de Souza, op. cit. pres)
Poucos seriam capazes de descobrir, por trás do otimismo de uma frase como essa, que o progresso não trazia vantagens para todos, ou que “a civilização do mundo inteiro”” supunha a subordinação e a dependência de uma boa parte do mundo em relação aos países centrais do sistema capitalista.
Com
os olhos em Paris
No Brasil, as novidades do tempo iam chegando pouco a pouco. À primeira linha telefônica foi estreada em 1881. Em 1889, entrou em operação a primeira usina hidrelétri16
e
7 —
2
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ca de porte no país: a Marmelos — O, na cidade mineira de Juiz de Fora; seu objetivo era fornecer energia para a instalação de uma fábrica de tecidos e, ao mesmo tempo, substituir os velhos lampiões de gás pela luz elétrica na cidade. O fonógrafo, uma espécie de bisavô dos aparelhos de som, foi divulgado no país depois de 1891: era coisa para gente muito rica! Um pouco mais tarde, em 1896, os cinematógrafos abririam suas primeiras salas. Em 1905, a cidade do Rio de Janeiro terá 12 automóveis! E a glória
de realizar o sonho desses tempos novos pertencerá a um brasileiro: em 1906, os céus de Paris serão cortados pelo primeiro avião, o 14 bis, construído pelo brasileiro Santos Dumont. Paulo Barreto, um carioca que assinava suas crônicas nos jornais com o pseudônimo de João do Rio, escolheu um título expressivo para um de seus livros: Vida vertiginosa. De fato, essa era a sensação dos que viviam nas grandes cidades esse tempo em que as novidades se multiplicavam. Era a vertigem dos tempos modernos, de uma nova era que logo encontrou um de seus símbolos no au-
tomóvel. Por isso, esse autor escreveu uma crônica sobre
os novos tempos e chamou-a de “A era do automóvel”. E, subitamente, é a era do automóvel.
O monstro
transformador irrompeu, bufando, por entre os descombros da cidade velha e [...] tudo transformou com aparências novas e novas aspirações. Quando os meus olhos se abriram para as agruras e também para os prazeres da vida, a cidade, toda estreita e toda de mau piso, eriçava o pedregulho contra o animal de lenda, que acabava de ser inventado em França. Oh! O automóvel é o criador da época vertiginosa
em que tudo se faz depressa. Porque tudo se faz depressa, com o relógio na mão, e ganhando vertiginosamente tempo ao tempo. [...] O automóvel fez-nos ter [...] pena do passado. (João do Rio, “A era do automóvel”. In Vida vertiginosa, p. 4 e 9.)
17
João do Rio sublinha o fato de o automóvel ter sido “inventado em França”. Era para a Europa, mas sobretudo para a França, de onde vinham tantas novidades, que voltavam-se os olhos dos que suspiravam por transformar a capital do Brasil numa espécie de Paris tropical, na esperança de que as mudanças que se operassem no Rio de Janeiro se estendessem por todo o país. Aliás, muitas vezes por esse tempo, falava-se do Rio de Janeiro como se o que se passava nessa cidade fosse o que acontecia no país inteiro. Reduzia-se de alguma forma a imagem do Brasil ao Rio de Janeiro, e a imagem do Rio de Janeiro ao ““desejo de ser Paris””.
/...] Se o nosso sentimento era brasileiro, a imaginação era européia [...]. Abandonávamos todas as paisagens do Novo Mundo, a floresta amazônica ou os pampas, por um trecho da via Appia, [...], ou por um pedaço do cais do Sena, à sombra do velho Louvre. (Paulo
Apud
p. 207.)
Nosso
Revista
Século:
Paulística.
1900-1910,
Quem podia, ia ver de perto ““o berço da civilização e do progresso””, sonhando em imitar por aqui o que vira
(João do Rio, “O bem das viagens”. In op. cit., p. 166-7.)
18
ad
- Os vapores vão cheios agora para a Europa. Tanta gente vai, que já os de volta não fingem mais de snobs e só desejam implantar aqui o que lá viram de bom. E o êxodo temporário que se acentua. [...] Criaturas felizes essas que partem a abeberar-se do Belo e a sugar no velho continente a energia [...]. Cada uma delas porém, inconscientemente, ao voltar, será um agente propulsor do progresso e da civilização.
e
por lá.
EE
E
Prado,
Mas por que todos os olhos dos que se pretendiam modernos estavam voltados para a Europa, fixos em Paris? Porque, Paris era, naquela época, uma das capitais
de tudo o que era novo, de tudo o que era moderno e chique. Os empréstimos que o Brasil tomava no exterior, as teorias econômicas e o novo esporte que fazia furor, o football, vinham da Inglaterra. Nosso café ia para os Estados Unidos, para a Inglaterra, para a França e para a Alemanha, e desses países comprávamos quase todos os artigos industrializados que consumíamos aqui. Mas a moda, em todos os campos, vinha de Paris! Era assim para a moda e para os artigos finos que podiam ser comprados por poucos e vistos por todos nas vitrinas das lojas com nomes franceses na Rua do Ouvidor: roupas de senhoras na casa de modas de madame Dreyfus ou no Palais Royal; tecidos finos na Notre Dame; roupas
me
de cavalheiros no alfaiate Raunier e na Tour Eiffel; cha-
péus na casa Douvizi; linhas, agulhas e rendas no Bastidor de Bordar, de madame Roche; roupas brancas na casa de madame Coulon. Os elegantes de todo o Brasil vinham ao Rio desfilar e comprar as últimas novidades de Paris nessa rua famosa! Era assim igualmente para as confeitarias da moda na capital, onde os cariocas e todos os que visitavam a cidade tomavam um frapê de coco para aliviar o calor. Muitos senhores de cartola e fraque e muitas senhoras de pesados vestidos de mangas compridas não dispensavam o chá das cinco, mesmo que os termômetros marcassem 40 graus. Quantos encontros importantes para o país inteiro se fizeram na Confeitaria Cailteau, na Rua do Ouvidor, na Lalé ou na Cavé! Esta última, mesmo depois de comprada por um português de São João da Madeira, chamado Manoel José das Neves, conservou o nome francês de seu primeiro proprietário, o monsieur Cavé. Uma das únicas que escapava à regra dos nomes franceses era a Castelões, que depois transformou-se na Confeitaria Colombo. Era assim também para a moda literária e intelectual: quem sabia ler e podia comprar livros, não dispensava os romances de Flaubert ou de Zola para depois discutir as
19
influências do naturalismo* francês sobre os livros do maranhense Aluísio de Azevedo.
se fiéis ao romantismo de Chateaubriand, de Victor Hu-
go e de seus seguidores brasileiros como José de Alencar, que imaginou um romance entre dois índios, Peri e Ceci, que mais pareciam dois românticos parisienses... O positivismo*, escola filosófica criada por Auguste Comte em Paris e que tentava explicar a história e a sociedade segundo leis científicas e imutáveis, teve grande influência sobre a geração que proclamou a República.
A
sa e Orestes Barbosa, composto em 1933 e chamado, justamente, Positiwismo!
O amor vem por principio, a ordem por base. O progresso é que deve vir por fim. Desprezaste esta lei de Augusto Comte E foste ser feliz longe de mim! (Apud Antonio Mendes Jr. & Ricardo Maranhão, ed., Brasil Histó-
ria, v. 3, p. 362.)
Mas isso já é uma outra história, porque 1933 serão outros tempos...
O Brasil e as novidades do tempo Esse tempo não foi marcado entre nós apenas pela chegada das invenções, que traziam um ar de novidade para
o novo século que estreava — ao menos para os que mo-
ravam nas grandes cidades e tinham dinheiro para gozar de seus benefícios. O final do século XIX foi também, como sabemos, o momento em que a escravidão foi abolida (em 1888) e a República proclamada (em 1889). 20
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divisa positivista, “O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim””, acabou resumida e bordada na bandeira brasileira republicana: Ordem e Progresso. Acabou também virando um sambinha de Noel Ro-
—
gi
Outros preferiam manter-
Alguns pensavam que o Brasil não andava no ritmo
acelerado do novo século. Outros se encarregavam de fazer entrar certas coisas e certos lugares no compasso da época, mesmo se isso fosse feito à custa de muitos e sem perguntar-lhes a opinião. O Rio de Janeiro era o grande laboratório onde se experimentavam as reformas que anunciavam os novos tempos.
República. Trabalho livre. Indústria. Reformas urbanas. Imigração. Avanços da medicina. Eram tantas as novidades do tempo! Eram muitas também as opiniões sobre o que era, para o país, O progresso e a civilização. Um autor já conhecido, entusiasta de tudo o que era novo e queria ser moderno, comenta assim o que se vivia no Rio de Janeiro, que ele toma pelo país inteiro:
Penetramos o século das luzes e ainda estamos em plena morrinha* colonial. [...] É assim continuamos a ser até o advento de Rodrigues Álves, até a obra magnifica de Pereira Passos e Oswaldo Cruz, quando se transJorma a cidade pocilga* em Eden * maravilhoso, [...] para onde logo afluem estrangeiros que, até então, medrosamente nos visitavam, apavorados, todos, com a febre amarela: amencanos, ingleses, italianos, alemães, que aqui chegam trazendo-nos, além de um esforço pessoal apreciável, capitais, estímulo, e o que é melhor ainda, a visão civilizadora de pátrias adiantadas e progressistas. [...] 0 brasileiro, cheio da maior ansiedade pelo progresso existente nas grandes cidades européias, [...] prevê, para dentro de pouco tempo, transformações que, de tão grandes, espantarão a toda gente.
O bonde surge em 1868,
a República em 89 e, finalmente, Passos, o gênio refor-
mador da cidade e dos nossos costumes, em 1903. [...] Passos fez coisas de vulto [...] porque além de remodelar materialmente a cidade, transformou-a em seus usos e costumes, vendo projetar-se depois, no resto do pais, como reflexo natural [.../ os benefícios que criara. [...] Passos vence a rotina. [...] Entra pelas casas que se fazem, [...] sem luz, sem ar; manda rasgar janelas
21
oi La | caia
a
nos aposentos de dormir, enche a morada de luz, de ar,
de vida e de saúde! Do fundo dos armazéns manda arrancar toneladas de lixo, derrubar construções arcaicas;
nas lojas manda substituir os assoalhos podres, ninhos de lacraias, de centopéias e de ratos; [...] acaba com a gritaria colonial dos pregões, termina com a imundície dos quiosques* e diminui a infâmia dos cortiços. [...] Obra formidável! Obra de tatã!* (Luís Edmundo, O Rio de Janeiro do meu tempo, p. 25 a 47.)
Nem todos os escritores, porém, eram defensores in-
condicionais do progresso e da civilização. Lima Barreto, autor de romances que ajudam a compreender como era a vida naquela época, como Clara dos Anjos e O triste fim de Policarpo Quaresma, era bastante crítico em relação ao significado da civilização para uma parte da população, justamente aquela que sustentava com seu trabalho o progresso, e que, segundo esse autor, tinha de lutar “*contra a ci-
vilização””, como lutava contra a fome e a doença:
Durante todo esse tempo, residi em uma casa de cômodos na altura do Rio Comprido. Era longe; mas escolhera-a por ser barato o aluguel. [...] Os dois andares do antigo palacete que ela fora, estavam divididos em duas ou três dezenas de quartos, onde moravam mais de cinquenta pessoas. Num cômodo [...] moravam às vezes familias inteiras e eu tive ali ocastão de observar de que maneira forte a miséria prende solidamente os homens. [...] Admirava-me que essa gente pudesse viver, lutando
contra a fome, contra a moléstia e contra a civilização;
22.
e
Qual seria a opinião dos vendedores ambulantes, dos mendigos, dos que gostavam de tomar uma cachaça nos quiosques ou dos moradores dos cortiços sobre as reformas de Pereira Passos? E verdade que eles não escreviam crônicas nos jornais, mas não é muito difícil imaginar que não pensariam exatamente da forma de Luís Edmundo...
que tivesse energia para viver cercada de tantos males, de | tantas privações e dificuldades. [...] Quando refletia assim era tarde e, da janela do meu uarto, eu via bem a cortina de montanhas desde Santa Teresa ao Andaraí. [...] Olhei aquelas encostas cobertas de árvores, de florestas que quase desciam por elas abaixo até as ruas da cidade cortadas de bondes elétricos. Quantas formas já as cobriram — quantas vidas já não as tinham pisado! De-
pois que a civilização viera, quantas vezes elas não ta-
nham sido despovoadas, e perdido o seu tapete de verdura!?
(Lima Barreto, Recordações do escrivão Isaías Caminha, p. 221-3.)
Euclides da Cunha, escritor de Os sertões, chega a dizer que a civilização é uma condenação, porque não leva em conta o Brasil real. Segundo Euclides, o que encontramos aqui é ““uma civilização de empréstimo”, pura imitação do que é visto lá fora; é uma concepção de progresso que aumenta as diferenças entre os brasileiros e entre as
várias regiões do país.
Estamos condenados à civilização. Ou progredimos ou desaparecemos. [...] Vivendo quatrocentos anos no litoral vastíssimo, em que palejam* reflexos da vida civilizada, tivemos de improviso, como herança inesperada, a República. Ascendemos de chofre*, arrebatados no caudal* dos ideais modernos deixando na penumbra secular em que jazem* no âmago* do pais, um terço da nossa gente. Iludidos por uma civilização de empréstimo, respingando, em faina* cega de copistas*, tudo o que de melhor existe nos códigos orgânicos de outras nações, tornamos, revolucionariamente,
Jugindo ao transigir mais ligeiro com as exigências da nossa própria nacionalidade, mais fundo o contraste entre o nosso modo de viver e o daqueles rudes patrícios mais estrangei-
ros nesta terra que os imigrantes da Europa. Porque não no-los separa um mar, separam-no-los três séculos. (Euclides da Cunha, Os sertões. In Obras Completas, p. 141 e 231.)
As opiniões sobre o progresso e a civilização eram diferentes no Brasil da virada do século. Mas, afinal, o que era o Brasil quando o século XIX estava por terminar e o século XX apenas começava? O Brasil e os brasileiros O mapa do Brasil em 1870 não era exatamente o mesmo que conhecemos hoje.
MATO GROSSO
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do Brasil no ano da proclamação da República.
000
O primeiro atlas brasileiro foi feito em 1868 pelo se-
nador Cândido Mendes
de Almeida.
De
1870 a 1895, a
guerra do Paraguai e um acordo internacional com a Argentina modificaram a fronteira sul do país. Na virada do
século, O território cresceu mais de 650 000 kmº, uma ex-
tensão aproximadamente do tamanho da França, da Bél-
gica, da Holanda e da Suíça juntas:
Observando o mapa político do ano da proclamação
da República, é fácil ver que há algumas diferenças significativas: a capital de Santa Catarina não se chamava ainda Florianópolis, e os estados do Pará e do Amazonas compreendiam territórios que hoje não lhes pertencem. O que hoje corresponde ao Acre fazia então parte da Bolívia. O Amapá, disputado com a França na fronteira com a Guiana Francesa, foi definido como brasileiro em 1900.
A fronteira com a Guiana Britânica 1904. O atual Acre, disputado com a rado ao Brasil em 1903 pelo Tratado 1900 e 1910, a diplomacia brasileira com as Guianas,
foi estabelecida em Bolívia, foi incorpode Petrópolis. Entre definiu as fronteiras
a Bolívia, o Peru, o Equador,
a Vene-
zuela, a Colômbia e o Uruguai, tudo sob a batuta do Barão do Rio Branco, o mesmo que virou nome de avenida no Rio de Janeiro. E quem habitava esse território? Quem eram os brasileiros? O primeiro recenseamento oficial do país foi feito em 1872 e assinala uma população de 10 112 061 habitantes: aproximadamente a população da cidade de São Paulo hoje em
dia! Desses,
cerca de 1 500 000 eram
escravos.
Em
1910, as estimativas apontam para uma população de 22 042 800. O número de habitantes crescera sobretudo nas cidades, para onde se deslocavam grandes contingentes vin-
dos das áreas rurais em busca de melhores condições de
vida e de trabalho e onde chegavam grupos cada vez mais numerosos de imigrantes.
A população do Rio 150% entre 1870 e 1900. de uma cidadezinha de 30 mais de 200 000 em 1900,
de Janeiro aumentou mais de São Paulo, então, nem se fala: 000 pessoas, passou a ter bem quando já era a capital do café 25
e viu surgirem as primeiras grandes indústrias. O mesmo
aconteceu nas capitais mais importantes da época, conforme é facil constatar pela observação dos seguintes dados: POPULAÇÃO DAS PRINCIPAIS CIDADES BRASILEIRAS Cidade
1872
1900
1890
1920
Rio de Janeiro | 274972 | 522 651 | 691 565 | 1 157 873 São Paulo 31 385 64 934 | 239 820 579 033 Salvador
129 109 | 174
412 | 205 813
212 384
Recife Porto Alegre
116.677 | 112556 | JE 06 43 998 | 52 186 | 73 674
238 843 179 263
(Apud
Ilmar
Rohloff de Mattos,
“Capitalismo, região e oligarquias”. In Boletim Contacto — Humanidades,
v. 3, nº 32, p. 50.)
Cada uma dessas grandes cidades era como que a ponta de lança de uma região geoeconômica bem-definida.
O Sudeste cafeeiro abrangia o Espírito Santo, o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. À cidade do Rio de Janeiro se constituía no centro urbano mais importante da área de agricultura cafeeira tradicional, em franca decadência após 1870. A cidade, no entanto, manteve sua importância, não só por continuar como sede do governo após a proclamação da República, e por esse motivo abrigar um número significativo de funcionários públicos, mas também por ser ainda o principal porto comercial do país, a praça financeira mais movimentada e a cidade onde havia o maior número de estabelecimentos industriais. Mas já não era mais a capital do café: perdera o título para São Paulo, a cidade que mais crescia e se transformava no país. Mudava o país e mudavam muitas de suas cidades: São Paulo deixava de ser a cidadezinha de pouco mais de 31 000 habitantes que era em 1870 e tomava ares de capital do café. A reconstrução do Viaduto do Chá, em 1901, os palacetes da Avenida Paulista, a chegada da companhia
canadense encarregada da iluminação elétrica da cidade,
26
a Estação da Luz e a substituição das chácaras do Brás pe-
la novidade das fábricas e dos imigrantes, são alguns dos fatos que marcam o ritmo do novo tempo. O triângulo formado pelas ruas da Imperatriz (que logo passaria a se chamar 15 de Novembro), São Bento e Direita concentrava então bancos, escritórios e as lojas do comércio elegante. O progresso parecia mudar por completo a cidade e seus habitantes.
Embarque do café pelo porto de Santos.
(Marc Ferrez, s/d.)
O crescimento da cidade de São Paulo se deu na razão direta do desenvolvimento dos cafezais do Oeste Novo Paulista, que se iniciara na década de 70 do século XIX: ali, ao contrário do que acontecia na área de agricultura tradicional do Vale do Paraíba, as fazendas empregavam técnicas modernas para a produção; em lugar do trabalho escravo, utilizavam mão-de-obra livre; a ferrovia substi-
tuíra o transporte em lombo de burro até o porto de exportação, que passara a ser o porto de Santos e não mais o do Rio de Janeiro. O financiamento era feito, fundamentalmente, pela iniciativa privada, que também aplicava os
27
capitais em empreendimentos de alguma forma associados ao café: bancos financiadores, casas exportadoras, Indús-
trias têxteis para o ensacamento, implementos agrícolas, etc... Entre o Vale e o Oeste Novo, localizava-se o Oeste Velho paulista, a primeira área de expansão ocupada pelas plantações de café quando o Vale do Paraíba começara a dar mostras de esgotamento, por volta de 1850. O Oeste Velho apresenta características comuns àquelas encontradas nas duas áreas anteriormente mencionadas. Com efeito, a expansão do café na região Sudeste parece seguir um caminho em três etapas de características bem distintas: entre 1850 e 1860, a produção para a exportação é feita fundamentalmente pelo Vale do Paraíba, e Vassouras constitui-se no maior centro cafeicultor da então província do Rio de Janeiro. Entre 1850 e 1880, o predomínio é do Oeste Velho Paulista, em torno da cidade
de Campinas. A partir de 1870, o café alcança as terras do chamado Oeste Novo, onde a cidade de Ribeirão Preto
nucleia a área de produção. José de Vasconcelos, ministro plenipotenciário* do México, que visita o Brasil no início do século XX, descreve uma
fazenda de café com
um
entusiasmo
talvez ex-
cessivo:
Partimos sem bagagem; deixamos para trás as ruas /...] de uma cidade povoada e próspera, e por uma excelente estrada de rodagem começamos a atravessar o cam-
po. Em breve estávamos entre os cafezars. Eram tantos que faziam o horizonte. O caminho durou pouco mais de uma hora. Nos detivemos. Jam mostrar-nos o que eu vinha pedindo para
ver desde o Rio de Janeiro: a vida da gente humilde do campo. Seriamos hóspedes, por uma hora, dos donos da Fazenda do Chapadão. Andamos a pé entre plantas mais altas que um homem. Pareceram-me mais altas e mars cheias de ramagens que os pés de café de Vera Cruz. Os grãos estavam vermelhos como contas de um colar an-
tulhano da ilha de Guadalupe ou da Jamaica; o sol ar-
dente resplandecia; da terra avermelhada se elevavam, em
28
longas fileiras, os arbustos fecundos; o céu nos envolvia em azul. Depois de andar um pouco nos encontramos com um grupo de trabalhadores; italianos recém-desembarcados;
mulheres velhas, com saias coloridas e já sujas; donzelas
louras e tostadas pelo sol, descalças [... |; moviam-se com agilidade, girando seus corpos para espalhar os grãos em amplos cestos como discos. Os velhos, os rapazes robus-
tos e as donzelas mais altas, estendiam os braços para arrancar os frutos vermelhos; as crianças, seminuas, recolhiam do chão. o que caia; todos colaboravam no traba-
lho, e o faziam pressurosos porque o pagamento era pelo
peso.
(José Vasconcelos, La raza cósmica,
e
p. 84-5.)
Em outra região geoeconômica, Salvador cresce em número de habitantes e em importância econômica com as exportações do cacau e do tabaco produzidos no sul do estado. No Nordeste, do Maranhão até Sergipe, produzia-se fundamentalmente cana-de-açúcar e algodão. As condições do mercado internacional desses produtos, bem como as secas da região e os problemas internos da produção, acarretam um período de crise no final do século XIX. Muitos nordestinos migram para outras regiões. A população de Recife, principal cidade da área açucareira, decresce de 1872 a 1900, para posteriormente crescer em mais de 100% em vinte anos. Os próprios senhores de engenho, reunidos em 1878 no Congresso Agrícola do Recife, convocado pela Sociedade Auxiliadora da Agricultura de Pernambuco, reconhecem que a decadência da região é 'espantosa”:
Senhor Presidente, — Peço licença à V. Exc. e aos ilustres colegas do Congresso para ocupar a atenção da casa por poucos minutos. Quando se procura reunir os agricultores desta província e outras do Norte, para alimentar a grande sera, 29
que mais rendas produz à província, a agricultura, que jaz em decadência espantosa, não é lícito que fiquemos indiferentes a esta patnótica reunião. [...] (Memória
lida
pelo
Sr.
Major
A.P. da Camara Lima, agricultor
em Pernambuco”. In Trabalhos do Congresso Agricola do Recife — Outubro de 1878, p. 211.)
No extremo sul, a região se beneficia da produção da erva-mate e do charque e cresce com a colonização de imi-
grantes europeus de várias procedências. À população de Porto Alegre aumenta num ritmo constante. Por fim, no Norte, os seringais amazônicos produzem o látex, que trará o súbito enriquecimento de Manaus e um novo produto para a pauta de exportação brasileira: a borracha, tão necessária para a nascente indústria automobilística mundial. O boom* da borracha na Amazônia durará pouco. Em breve, a exportação brasileira desse produto cairá, pois a produção dos seringais dipersos pela selva não resistirá à concorrência holandesa, uma vez introdu-
zido o cultivo de seringueiras em regime de plantatin* em Java, na época uma colônia da Holanda na Ásia.
Defumação zônia.
do látex na Ama-
Em todas as regiões, como em cada cidade, vivia uma
população muito diferenciada: havia proprietários rurais, empresários da nascente indústria, negociantes, banqueiros, funcionários públicos, comerciantes e todos aqueles que se beneficiavam do progresso e do lugar que o Brasil ocupava na civilização. Havia também operários, trabalhadores rurais, caixeiros, estivadores e tantos outros que sustentavam com seu trabalho esse mesmo progresso e nem sempre gozavam das vantagens da civilização. Após 1888, cerca de 700 000 eram ex-escravos libertados pela Lei Aurea. Eram também as mulheres e os homens livres e pobres do Império que trabalhavam na agricultura ou migravam para as cidades em crescimento. A eles se junta-
riam os imigrantes europeus que, não encontrando lugar
nos centros da civilização e do progresso, cruzavam o Atlântico com o sonho de fazer a América. A prosperidade dos primeiros dependia da subordinação, da disciplina e do trabalho assíduo e tantas vezes mal-remunerado dos segundos. Eram as duas faces, desiguais mas complementares, daquilo que os que fizeram a República chamavam de ordem, e que não foi mantida sem conflitos. Mas havia ainda muitos outros para os quais as “novidades do tempo” nada significavam, pois mal sobreviviam sem trabalho fixo nas cidades ou no interior, à margem de tudo o que se passava no país oficial. Provavelmente, alguns deles nem tomaram conhecimento da abolição da escravidão ou da proclamação da República e nunca ouviram falar de coisas como o cinematógrafo, o automóvel, a luz elétrica ou a Rua do Ouvidor. Talvez Eucli-
des da Cunha pensasse neles quando escreveu sobre aqueles ““rudes patrícios” em Os sertões.
31
CAPÍTULO
?
A ordem é o progresso Os caminhos do progresso s opiniões sobre os caminhos do progresso no Brasi] da virada do século eram muitas. Para alguns, o progresso viria pelo caminho da indus-
trialização.
À indústria, sim, eis o legítimo escopo * de um grande povo moderno e que tem de aproveitar todas as lições da experiência e da civilização; a indústria democrática nos seus intutos, célebre nos seus resultados, a fazer a felicidade dos operários, a valorizar e tresdobrar* os capitais dos plutocratas*, sempre em avanço e a progredir, tipo da verdadeira energia americana. (Visconde de Taunay, O encilhamen-
to. Apud Maria Inez Turazzi, À eu-
Joria do progresso e a imposição da ordem, p. 79.)
Para outros, o caminho era justamente a reafirmação
da “vocação agrícola” do Brasil. E também tinha aqueles que acreditavam na complementariedade desses dois setores da economia e que residia aí o caminho do progresso, seguindo a tese que Alves Branco enunciara ainda na primeira metade do século XIX:
32
A indústria fabril interna de qualquer povo é o primetro, mais seguro e abundante mercado de sua lavoura; a lavoura interna de qualquer povo é o primeiro, mais seguro e abundante mercado de sua indústria. Os mercados
estrangeiros só devem ser considerados como auxiliares para uma e outra, e jamais como principais. (Apud Nícia Vilela Luz, À luta pela
industrialização do Brasil, p. 50.)
ara
Apenas num
ponto pareciam estar todos de acordo:
qualquer que fosse o caminho tomado, era necessário solucionar o problema da mão-de-obra no país. Em 1870, falava-se muito em progresso no Império do Brasil..., enquanto os escravos trabalhavam de sol a sol nos engenhos de açúcar do nordeste e do norte fluminense, nas fazendas de café dos barões do Vale do Paraíba, nas plantações de algodão do Maranhão, nas atividades ligadas ao abastecimento dos centros urbanos, nas ruas das cidades, no interior das casas... O imperador correspondia-se com a “fina flor” da civilização européia, interessava-se pela fotografia, observava as estrelas com os mais modernos instrumentos óticos... e governava um dos últimos países a manter a escravidão legal no Ocidente... A “questão do elemento servil””, como então se dizia, dividia as opiniões. As pressões externas multiplicavam-se, capitaneadas pela Inglaterra. Internamente, a resistência dos próprios escravos, que sempre existira, tornava-se mais ativa e passava a contar com o apoio de alguns setores da sociedade. A ação dos abolicionistas intensificava-se. Na imprensa, crescera o número de jornais e de artigos defendendo a abolição. José do Patrocínio não hesita em escrever no jornal 4 Cidade do Rio que a escravidão é “a árvore fatal que esteriliza o solo e sufoca a alma nacional”. Patrocínio dirigia seus artigos frequentemente ao imperador ou à princesa regente, pois acreditava que a iniciativa da política abolicionista deveria partir do governo, mas via com clareza a relação do Império com a ordem escravista. Na Gazeta da Tarde, de 19 de setembro de 1885, José do Patrocínio denuncia essa relação com palavras fortes: 33
É um fato histórico que a Monarquia só se fundou no Brasil por ser a garantia da escravidão. [...] Foi, pors, a pele esticada do escravo o tecido de que se fez o manto imperial do Brasil. (Semana Política.)
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Grupo de escravos numa
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Vale do Paraíba.
Os cafeicultores do Oeste Novo paulista também apoiavam a abolição. Suas fazendas já não dependiam do trabalho dos escravos e esses fazendeiros modernos defendiam a imigração subvencionada pelo Estado para suprir as necessidades de mão-de-obra. No Parlamento, Joaquim Nabuco comanda a campanha abolicionista, depois de ter publicado em 1883 um livro famoso intitulado, justamente, O abolicionismo. Nesse hvro, Nabuco escreveu:
No Brasil, [...J o Abolicionismo é antes de tudo um movimento político, para o qual, sem dúvida, poderosamente concorre o interesse pelos escravos e a compaixão
pela sua sorte, mas que nasce de um pensamento diverso: o de reconstruir o Brasil sobre o trabalho livre e a união das raças na liberdade. 34
(p. 68.)
Na posição diametralmente oposta aos abolicionistas, estavam os escravistas, que qualificavam seus oponentes de “obreiros de ruínas”. Eram, sobretudo, os fazendeiros do Vale do Paraíba que defendiam a manutenção do tra-
balho escravo, base da já combalida economia cafeeira do
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Vale. Em seu nome, falava José Martiniano de Alencar no Parlamento em 1871, por ocasião do debate em torno da Lei do Ventre Livre. O argumento de Alencar contra os abolicionistas era, basicamente, a acusação de que eram inimigos da ordem, “emissários da revolução e apóstolos da anarquia””, para utilizar suas próprias palavras:
Senhores, combatendo a idéia da emancipação direta perante o Parlamento, devo repelir uma pecha* que os mais intolerantes promotores da propaganda costumam lançar sobre aqueles que, como eu, têm levantado a voz para protestar energicamente contra a imprudência e precipitação com que se iniciou esta reforma. Chamam-nos de escravocratas, de retrógrados, de espinitos tacanhos e ferrenhos, que não recebem os influxos da civilização. Procuram assim atemorizar-nos com a odio-
sidade que de ordinário suscitam as idéias condenadas, os sentimentos egoisticos. [...] Vos, os propagandistas, os emancipadores a todo transe, não passais de emissários da revolução, de apóstolos da anarquia. Os retrógrados sois vós, que pretendeis recuar o progresso do pais, ferindo-o no coração, matando a sua primeira indústria, a lavoura. [...] Não vos lembrais de que a liberdade concedida a essas massas brutas é um dom funesto; é o fogo sagrado entregue ao ímpeto, ao arrojo de um novo e selvagem Prometeu *. (José de Alencar, Discursos parlamentares, p. 228.)
Não eram, no entanto, o abolicionismo e o escravis-
mo as únicas posições possíveis no que diz respeito à ques1. Expressão utilizada por José de Alencar em Discursos parlamentares.
39
tão da mão-de-obra escrava. Havia um terceiro grupo, os emancipacionistas, que defendiam a extinção gradual do tra-
balho escravo; na verdade, uma forma de manter a escra-
vidão ali onde ela era essencial e, ao mesmo tempo, fazer concessões ao movimento abolicionista, cada vez mais forte. Eram homens como Tavares Bastos, um monarquista liberal, e representavam sobretudo os interesses dos cafeicultores do Oeste Velho paulista, onde o trabalho escravo convivia, na mesma fazenda, com a mão-de-obra livre e onde, por vez primeira, foi experimentado o sistema de parceria*.
O emancipacionismo ou gradualismo foi a posição ven-
cedora, base da política implementada oficialmente. No entanto, não foi a tese defendida por Tavares Bastos a ganhadora. Esse deputado defende em seu livro A província, publicado em 1870, um projeto segundo o qual abolia-se o trabalho escravo nas províncias em que este não era essencial, para conservá-lo ali onde a economia dependia do braço escravo. Tavares Bastos propunha:
/.../ a abolição gradual da escravidão por provín-
cias, começando pelas fronteiras com os estados limítrofes
e pelas que menos escravos possuírem.
(Aureliano Cândido Tavares Bastos, À província, p.
162.)
O gradualismo efetivado pelo governo imperial seguiu
outros caminhos: em 1850, o governo cede às pressões in-
glesas e proíbe o tráfico intercontinental. Em 1871, a Lei do Ventre Livre liberta os filhos de escravos nascidos a partir de 1872. Em 1885, a Lei dos Sexagenários alforria os escravos com mais de 65 anos. Foram assim libertados os que eram muito velhos ou muito jovens para o trabalho: manteve-se assim a escravidão para os que tinham idade produtiva até 1888, quando a princesa regente assinou a Lei Aurea. O trem do progresso, que Angelo Agostini desenhara em 1887, em sua Revista Ilustrada, andava depressa. Não po-
36
dia admitir o trabalho escravo. No entanto, em 1885, o Brasil mantinha a escravidão amarrada a uma política que não acompanhava o movimento acelerado dos novos tempos, preferindo viajar em lombo de mula...
O trem abolicionista: retrato do progresso contrastando com a lentidão
ERC
SE
FE
da política oficial. (Charge de Ângelo Agostini: Revista Ilustrada, 1887.)
A vida dos aproximadamente 700 000 ex-escravos libertados pela Lei Áurea mudou após o 13 de maio? Machado de Assis comenta com ironia o significado da abolição para os escravos e para seus proprietários em crônica publicada no Diário de Notícias, de 19 de maio de 1888, menos de uma semana depois da promulgação da lei que aboliu a escravidão no Brasil: Bons
dias!
eg
Eu pertenço a uma família de profetas aprês coup, post factum, depois do gato morto, ou como melhor no-
me tenha em holandês. Por isso digo, e juro se necessário Jor, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mes-
mo dos debates, trate: de alforriar um molecote que tinha,
pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo
era nada; entendi que, perdido por mal, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar. Neste jantar, a que meus amigos deram o nome de banquete, em falta de outro melhor, reuni umas cinco pessoas, conquanto as noticias dissessem trinta e três (anos de Cristo), no intuito de lhe dar um aspecto simbólico. No golpe do meio (coup de milieu, mas eu prefiro falar a minha língua), levantei-me eu, com a taça de champanha e declare que acompanhando as idéias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituta a liberdade a meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas idéias e imitar o meu exemplo; finalmente que a liberdade era um dom de Deus, que os homens não podiam roubar sem pecado. Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Um dos meus amigos (creio que é ainda meu sobrinho) pegou de outra taça e pediu à ilustre assembléia que correspondesse ao ato que acabava de publicar, brindando ao primeiro dos canocas. Ouvi cabisbaixo; fiz outro discurso agradecendo, e entreguei a carta ao molecote. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo. No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza: — Tu és hivre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que... — Oh! Meu Sinhô! Fico. — »»- Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo; tu cresceste imensamente.
38
Quando nasceste, eras um pirralho deste tamanho; hoje
estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos... — Ártura não quê dizê nada,
não, sinhô...
— Pequeno ordenado, repito, uns seis mal-rêis; mas é de grão em grão que a galinha enche o papo. Tu vales muito mais que uma galinha. — Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete. Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por não me escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase diwinos. Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; dai para cá, tenho lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; cousas todas que ele recebe humildemente, e, (Deus me perdoe!) creio que até alegre. O meu plano está feito; quero ser deputado, e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes da abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu
ie
a toda a gente que dele teve notícia; que esse escravo tendo aprendido ler, escrever e contar, (simples suposição) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que o digam os poderes públicos, sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do céu. Boas noites. (Machado de Assis, “Bons dias”. In Diário de Noticias, p. 489-491.)
39
Os ex-escravos, como o Pancrácio da crônica de Ma-
chado de Assis, e seus descendentes transformavam-se as-
sim em trabalhadores livres, sem que muita coisa mudasse efetivamente em suas vidas. No entanto,
as novas re-
giões, em especial o Oeste Novo paulista em expansão, e as novas atividades econômicas, entre as quais se destacava a nascente indústria, exigiam um mercado mais amplo de mão-de-obra. Os imigrantes estrangeiros vieram ocupar esse lugar.
Entre 1891 e 1910, 1 769 892 imigrantes vieram para o Brasil. O número torna-se ainda mais significativo se
levarmos em conta que a população total do país era, em
1910, de 22 042 800 habitantes e se observarmos a violen-
ta curva ascendente de imigrantes, comparando os números relativos ao longo período de setenta anos compreendido entre 1820 e 1890 com aqueles que dizem respeito ao período de dezenove anos, entre 1891 e 1910:
TOTAL DE IMIGRANTES PARA O BRASIL, POR NACIONALIDADES (1820-1910) periodo
1820-1890 | 1891-1900 | 1901-1910 | Total
italianos
| portugueses | espanhóis |
360 224 678 761 215 886 12546871 |
alemáães
outros
313 025 f9 65f | 73 299 | 193 079 202 429 | 157 119 | 12489 | 78 517 187 236 | 129404 | 17553 | 90 498 702690 | 332 357 | 105 341 | 362 094
(Apud Nosso p. XII.)
Século:
1900-1910,
Os homens e mulheres, que enfrentavam uma viagem
transatlântica longa e desconfortável para tentar a vida no Brasil, deixavam seus países por neles encontrarem dificuldades para conseguir trabalho, e por sonharem com uma
vida melhor num país jovem, que a propaganda oficial mostrava como um paraíso tropical. Traziam todas as suas es-
peranças e seus braços para o trabalho. Traziam também
a nostalgia de sua terra e de sua gente, deixadas do outro lado do oceano, e o medo do desconhecido. Uma canção italiana, composta nos últimos anos do século XIX, é um
40)
documento que permite vislumbrar o universo de emoções dos imigrantes italianos, justamente os que em maior número vieram para o Brasil. Talvez os sentimentos dos portugueses,
espanhóis, alemães e de tantos outros que aqui
chegaram não fossem muito diferentes:
Ttáha, bela, mostre-se gentil e os filhos seus não a abandonarão, senão, vão todos para o Brasil, e não se lembrarão de retornar. Aguai mesmo ter-se-ia no que trabalhar sem ser preciso para a América emigrar.
| | |
O século presente já nos deixa, o mal e novecentos se aproxima. A fome está estampada em nossa cara e para curá-la remédio não há. Á todo momento se ouve dizer: eu vou lá, onde existe a colheita do café. (Apud Zuleika M.F. Alvim, Brava
gente! Os italianos em São Paulo — 1870-1920, p. 18.)
Humor na virada do século: Deodoro passa a tropa em revista. (Charge
de H., Vida Fluminense,
31 de maio de 1890.)
41
Chegando ao Brasil, muitos desses imigrantes descobriam que aqui, não apenas “existe a colheita do café”, mas também existem os donos das fazendas de café, que se consideram donos também da ordem vigente, e os que atuavam
em
seu nome,
acostumados
ao trato desumano
com o escravo, à prepotência e a um poder pessoal sem limites. As cores do sonho de “fazer a América” muitas vezes desapareceram no duro contraste com a realidade. Apesar da canção, muitos “'se lembrarão de voltar” para a “Itália bela”” ou para seus países de origem. Em alguns casos, apelavam para as autoridades diplomáticas de seus países ao sentirem-se injustiçados. Essas cartas são documentos preciosos e bem diferentes daqueles que normalmente são conservados. Á Sua Excelência Cônsul da Iália em São Paulo
Há três anos trabalho na fazenda [...] na qual o administrador tem o vício infame [...] de maitratar os pobres filhos do trabalhador, em especial o italiano. Ora, é preciso que S. Exº saiba que o abaixo assi- nado é um pobre pai de família com quatro filhos menores e a mulher, o que quer dizer, unicamente dois braços a disposição do serviço da fazenda. Caí doente ha três meses e não pude trabalhar por trinta dias [...] sendo, desde então, objeto de escárnio e maus-tratos por parte dos empregadores da fazenda [...] Resisti pacientemente, até que, não podendo mais suportar as humilhações [...] resolvi abandonar a fazenda há quinze dias e não receber o que tinha direito. Parti deixando meus familiares, com a esperança de que o fazendeiro em pouco tempo os deixasse livres para partir [...] mas até hoje não os vi, o que me
jaz acreditar que estão proibidos de sair da fazenda fo) por isso dirjo-me a V. Ex [...].
42
(Carta de um imigrante italiano ao cônsul da Itália. Apud Zuleika M.F. Alvim, op. cit., p. 133-4.)
Em 1902, o governo italiano enviou um diplomata, Adolfo Rossi, para que informasse sobre a situação dos imigrantes italianos em São Paulo. Seu Relatório recolhe algumas cartas dos imigrantes ao consulado, escritas num período particularmente difícil, já que a superprodução de café trouxera como consegúência a queda do preço do produto:
Voltando do interior, quis examinar na sede do Consulado Geral da Itaha as reclamações que chegaram dos colonos. Elas dizem respeito, especialmente, à falta de pagamento das mercês e aos maltratos pessoais. Eis alguns exemplos: /...] Da grande fazenda do Sr. V. 8. B. [..Jos colonos escrevem que nunca foram pagos. Às reiteradas perguntas o patrão respondia com ameaças de morte. Uma noite, os colonos fugiram. Às suas cadernetas (com as cldusulas contratuais) haviam sido retiradas pelo mencionado patrão. [...] De M... (13 de outubro de 1901) o correspondente consular escreve: ““Ambrogio Giacomo, Beniamino Longhi, Lorenzo Canova, Minardi Giuseppe, Bigio Crestani e Bonafé Angelo, empreiteiros de café na fazenda 5. E., declaram que tendo terminado o seu contrato de quatro anos, se apresentaram ao patrão para entregar-lhe o trabalho. Mas este com mil cavilações não os pagou. Não passa um dia em que o patrão citado não faça espancar um colono. Ele não permite aos colonos vender um grão de milho e, em caso de doença, os deixa morrer sem médico nem remédios. O mesmo proprietário declarou várias vezes que nos seus negócios não têm o direito de meter o nariz nem as autoridades, nem os Cônsules, nem governos estrangeiros. Até o delegado de policia tem medo desse fazendeiro que sempre está rodeado de seus capangas. ** /...] De uma carta ao cônsul de São Paulo, enviada pelo colono Angelo Segantin, de L...: “Ah! Pobres ita43
lianos, em quantas misérias viemos cair! Se o nosso governo soubesse como aqui é tratado o seu sangue, choraria dia e noite. ” /...] Uma última busca entre centenas e centenas de relações de correspondentes consulares e cartas de colonos. Á 17 de janeiro de 1901, Giuseppe Martucci escrevia de P...: “Em novembro, engazei-me em São Paulo a serviço deste fazendeiro Sr. B. A 8 de dezembro encontravame com outros colonos no escritório do administrador, peta habitual provisão bimensal alimentar. Um colono pediu farinha de milho. Responderam-lhe que havia somente feão e arroz. Às crianças pedem-me pão e polenta — insistiu 0 colono —, dêem-me ao menos aquilo que ganhe. — O administrador declarou que dinheiro não havia e intimou todos a sair do escritório. Enquanto os colonos obedeciam, uma mulher disse ao administrador: — Dêem alguma coisa para as crianças, que tém fome. — O administrador pós para fora a mulher aos empurrões. Um irmão da mulher disse: — Não maltratem-na assim; nós mesmos a levaremos fora. O administrador empunhou o revólver e com a coronha vibrou um golpe, ferindo-o na cabeça. Vendo que o meu amigo perdia sangue e que o administrador estava rodeado por capangas armados, extrai eu também o revólver e dirigi-me para casa. Vendo minha arma, o administrador pegou um fuzil e intimou-me que a largasse. Não obedeci e apressei o passo. Fui perseguido, e a um quilômetro da fazenda atingiu-me um tiro de fuzil no antebraço direito, que me quebrou o osso. Dei um tiro para o ar, a fim de distanciarme dos meus perseguidores e me escondi num pasto. Mas os homens do administrador logo depois me encontraram e à queima roupa me atiraram com uma pistola carregada com chumbo miúdo, que me atingiu o olho
direito, e um golpe de faca na cabeça, tanto assim que acreditaram estar eu já morto. 44
Por acaso sobrevivi, mas o braço mal curado impedeme de trabalhar. Sob o olho, tive rotos os dentes e o queixo. Pedaços de osso e de chumbo espalhados em várias partes da cabeça produzem-me dores graves. Depois de dois meses fui enviado a um médico vizinho, que nada soube Jazer. Peço que me mande a um hospital de São Paulo. ” Mesmo admitindo que alguns desses relatos não refiram sempre os prós e contras e que contenham falhas e exageros, sobra ainda muita coisa para demonstrar como em algumas fazendas continuam as prepotências que se usavam antes da abolição da escravidão.
(Adolfo Rossi, “Condizioni dei co-
loni italiani nello Stato di San Paolo”. In Bolletino dell'emigrazione, apud Paulo Sérgio Pinheiro & Michael M. Hall, À classe operária no Brasil,
p. 32-9.)
E
E
q
O Relatório de Adolfo Rossi, sombrio pelas situações
que descreve e agudo no diagnóstico sobre a permanência da mentalidade escravista, foi um dos elementos que contribuíram para que o governo italiano retirasse os subsídios à imigração para São Paulo. Muitos desses colonos deixavam as fazendas de café e dirigiam-se para os grandes centros urbanos, onde lhes esperava o trabalho na nascente indústria. A situação nas fábricas, no entanto, não era muito melhor, a julgar pela
descrição das fábricas de tecidos em São Paulo, em 1907,
feita pelo Avanti!, um jornal operário originalmente publi-
cado em italiano:
À indústria de tecidos tomou em São Paulo um discreto desenvolvimento e tudo indica que esse desenvolvimento assumirá proporções colossais. [...] Os proprietários das fábricas de tecidos obtém lucros enormes, superiores ao de qualquer outra categoria de industrars /...] por isso não se compreende ou se compreende bem demais a obstinação dos proprietários desse setor de Jábricas em tratar seus operários de maneira indecente, inu45
mana. Sem perigo de ser desmentido, pode-se afirmar que
os trabalhadores das fábricas de tecidos são os párias do proletariado paulista. Em toda a indústria o horário usual não passa de dez horas e os tecelões, em vez disso, devem
trabalhar doze horas ou mais. [...] Os pobres são esmagados numa disciplina rigorosa, escravagista, intolerável para qualquer um que sinta um pouco a dignidade humana. As fábricas de tecidos de São Paulo são verdadeiras galeras que fazem vergonha à civilização brasileira. (“Lo sciopero nella fabbrica Pentea-
do”. In Avanti!, apud Paulo Sérgio Pinheiro & Michael M. cit., p. &/.)
Hall, op.
Não parecia, portanto, tão clara para a maioria dos trabalhadores a definição do lugar do trabalho no caminho do progresso, anda que o diretor da Escola Noturna de Adultos, criada pela Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, afirmasse em
1871:
Flá um só caminho por onde alguns chegam à fortuna, muitos à cômoda subsistência e todos à vida honrada. Esse caminho é o trabalho perseverante. [...] (Apud Maria cit., p. 60.)
Inez Turazzi,
op.
O sonho de uma “*vida honrada””, de uma “cômoda
subsistência”” e — quem sabe? — de fazer “fortuna” que os imigrantes acalentavam desde sua terra natal e que os trabalhadores nacionais tanto esperavam, chocava-se com
o poder dos que pensavam, como Washington Luís — um
presidente do estado de São Paulo que chegaria mais tarde, em 1926, à presidência da República —, que a “questão social” era, no Brasil, “uma questão de polícia”. Os caminhos do progresso, no campo como nas cida-
des, deviam ser abertos pelo trabalho de muitos, mas nem todos poderiam percorrê-los com alegria, | 46
A o Sao a
A República é o progresso Dia 2 de dezembro era o dia do aniversário do impe-
rador. No ano de 1870, D. Pedro II recebeu um presente de grego no dia de seus anos: um novo jornal começava
a circular nesse dia na Corte. Seu título: 4 República. Nas páginas de seu primeiro número vinha estampado o Manifesto Republicano... Não deve ter sido o melhor dos aniversários de Sua Alteza Imperial. O Manifesto era um documento longo, que trazia a assinatura de cinquenta e oito fundadores do partido, homens como o advogado Aristides Lobo, o engenheiro mineiro Christiano Benedicto Ottoni, o jornalista Quintino Bocaiúva, o médico José Lopes da Silva Trovão, o negociante Emílio Rangel Pestana, e o fazendeiro Bernardino Pamplona. Também assinavam o Manifesto homens que haviam gozado da confiança do imperador e participado da política imperial: Joaquim Saldanha Marinho, por exemplo, o primeiro a assinar o documento, havia sido anteriormente designado por D. Pedro para exercer a presidência de duas províncias, Minas e São Paulo, e havia par-
ticipado do Parlamento como deputado pela província de Pernambuco. Lafayete Rodrigues Pereira, por sua vez, havia recebido do imperador o encargo da presidência de duas outras províncias: Ceará e Maranhão. No Manifesto, se lia:
É a voz de um partido a que se alça hoje para falar
ao país. [...] Como homens livres e essencialmente su-
bordinados aos interesses da nossa pátria, não é nossa intenção convulsionar a sociedade em que vivemos. Nosso
intutto é esclarecê-la. [...]
Às armas da discussão, os instrumentos pacíficos da
liberdade, a revolução moral, os amplos meios do direito, postos ao serviço de uma convicção sincera, bastam, no
47
nosso entender, para a vitória da nossa causa, que é a causa do progresso e da grandeza da nossa pátria. [...] (Manifesto Republicano”. In 4 República, apud Reynaldo Carneiro
Pessoa, À idéia republicana no Brasil
através dos documentos, p. 39-40.) =”
E importante assinalar que a primeira manifestação do Partido Republicano no Brasil cuida em associar, de início, a idéia de República com a “causa do progresso” e com a noção de ordem: os republicanos fazem questão de sublinhar que “não é” sua “intenção convulsionar a sociedade*” em que vivem, que as únicas armas que pretendem empunhar são “as armas da discussão”, e a única revolução que pretendem empreender é ““a revolução moral". Na sequência do documento, após uma “exposição de motivos”, uma revisão da história do país e duras críticas à monarquia e ao poder moderador enunciam um “princípio cardeal?” do programa republicano: a federação. No Brasil, antes mesmo da idéia democrática, encarregou-se a natureza de estabelecer o principio federati-
vo. À topografia do nosso território, as zonas diversas em que ele se diwide, os climas vários e as produções diferentes, as cordilheiras e as águas estavam indicando a necessidade de modelar a administração e o governo local acompanhando e respeitando as próprias divisões criadas pela natureza física e impostas pela imensa superfície do nosso território. [...] À autonomia das províncias é, pois, para nós mais do que um interesse imposto pela solidariedade dos direitos e das relações provinciais, é um princípio cardeal e solene que inscrevemos na nossa bandeira. [... Z Fortalecidos, pois, pelo nosso direito e pela nossa consciência, apresentamo-nos perante os nossos concidadãos, arvorando * resolutamente a bandeira do partido re-
publicano federativo. Somos a América e queremos ser americanos. 48
(Idem, ibidem, p. 3, 56 e 60.)
O Manifesto de 1870, um texto longuíssimo e que usa
e abusa da palavra “liberdade”, silencia no entanto, e de forma significativa, sobre a questão da escravidão... Por
que esse silêncio?
À fundação do Partido Republicano no Rio de Janei-
ro segue-se a multiplicação de clubes e partidos decididos a defender a causa republicana em quase todas as províncias do Império. Em todos eles, alguns denominadores comuns: a República é o regime do progresso. No Brasil, a causa republicana confunde-se com a causa federalista. Em 1873, após uma convenção realizada na cidade de Itu, é lançado o Manifesto do Congresso do Partido Republicano Paulista, O primeiro a reconhecer que:
[...] na primeira ordem das coisas está o melindroso assunto do elemento servil. (Idem, ibidem, p. 64.)
Em 1886, é a vez de o Clube Republicano do Pará lançar o seu Manifesto, calcado sobre o documento de 1870.
Coagidos pelos nobres e violentos impulsos do patriotismo, arrastados pelo sentimento da dignidade pessoal, que se não compadece com as práticas do absolutismo, é que desfraldamos resoluta e desassombradamente nas terras da Amazônia o estandarte da República Federativa. /...] Não nos levantamos para derramar a ruina ou plantar a desordem no seio da pátria. Cônscios de que o progresso, de que somos obreiros, é o desenvolvimento da ordem, segundo o aforismo* da escola positivista, queremos que, batendo a trilha do natural progredir, o Brasil alcance a sua constituição defimtiva. [...] Cheios de coragem e alentados pelo patriotismo estamos na estacada*. Sentinelas avançadas do progresso, denunciamos ao povo brasileiro o perigo iminente que 0 ameaça.
[...]
49
Preparemo-nos todos para esse acontecimento extraor-
dinário, que não está longe; para essa mudança política que tem forçosamente de operar-se em próximos dias [... |: a proclamação da República. (Manifesto do Clube Republicano do Pará — 1886”. Apud Reynaldo
Carneiro Pessoa, op. cit., p. 67, 74, 82-3.)
Tinham razão os paraenses. Não estava longe a proclamação da República, embora se equivocassem ao prevêla ““para os próximos dias””, no dia 31 de maio de 1886, quando o documento foi lançado. Tiveram de esperar até o dia 15 de novembro de 1889, ou talvez algum dia mais, até que a notícia chegasse a Belém.
Antes disso, os republicanos do Pará, e os de todo o
Brasil, teriam de acompanhar ansiosos alguns acontecimentos também extraordinários: º teriam de ver aumentar a tensão entre o governo monárquico e o Exército, que, depois de vencer a guerra do Paraguai, via desatendidas suas reivindicações e desprestigiados seus líderes — em 1887, Deodoro da Fonseca, um homem símbolo entre os militares, é destituído da presidência da província do Rio Grande do Sul. º teriam de presenciar o Império proclamar a abolição e perder o apoio dos fazendeiros escravistas, o que traria para as fileiras republicanas adesões incômodas, as dos chamados ““republicanos do 14 de maio””. º teriam de ler pelos jornais que o governo imperial corria atrás da bandeira do progresso e das reformas, antes em mãos dos republicanos. O Visconde de Ouro Preto, chefe do gabinete que assume o governo em julho de 1889, dissera claramente ao imperador:
Vossa majestade terá seguramente notado que em algumas províncias agita-se uma propaganda ativa cujos intuitos são a mudança da forma de governo. Essa pro-
50
paganda é precursora de grandes males, porque tenta ex-
por o país aos graves inconvenientes de instituições para
que não está preparado, que não se conformam às suas condições e não podem fazer sua felicidade. No meu humulde conceito é mister não desprezar essa torrente de idéias falsas e imprudentes cumprindo enfraquecê-la, inutilizála, não deixando que se avolume. Os meios de conseguilo, não são os da violência ou repressão, consistem simplesmente na demonstração prática de que o atual sistema
de governo tem elasticidade bastante para admitir a consagração dos principios mais adiantados, satisfazer todas as exigências da razão pública esclarecida, consolidar a liberdade e realizar a prosperidade e grandeza da pátria, sem perturbação da paz interna em que temos vivido durante tantos anos. Chegaremos a este resultado, Senhor, empreendendo com ousadia e firmeza largas re-
formas na ordem política, social e econômica, inspiradas na escola democrática. Reformas que não devem ser adiadas para não se tornarem improficuas. O que hoje bastará, amanhã talvez seja pouco.
(Apud Emília Viotti da Costa, “A proclamação da República”. In Da Monarquia à República: momentos decistvos, p. 397-8.)
A “mudança da forma de governo”, que Ouro Preto via como ameaça em julho, chegou de fato no dia 15 de
novembro do mesmo ano. E se a “propaganda ativa” abriu-lhe o caminho,
foi, na realidade, resultado de um
golpe militar que, em princípio, parecia querer apenas a derrubada do ministério, mas que acabou derrubando também o Império, e proclamando a República. A frente do golpe estava Deodoro da Fonseca, o mesmo que perdera a presidência da província do Rio Grande do Sul, em 1887, e que, tirado de sua casa no campo de Santana por seus colegas do Exército, ganhara outra presidência, desta vez a da recém-proclamada República Federativa do Brasil. No mesmo dia, o Governo Provisório anuncia ao país a mudança do regime: 51
Concidadãos!
O Povo, o Exército e a Armada Nacional, em perfeita comunhão de sentimentos com os nossos concidadãos residentes nas províncias, acabam de decretar a deposição da dinastia imperial e consegilentemente a extinção do sistema monárquico representativo. Como resultado imediato dessa revolução nacional, de caráter essencialmente patriótico, acaba de ser institui-
do um Governo Provisório, cuja principal missão é ga-
rantir, com a ordem pública, a liberdade e o direito do cidadão. Para comporem este Governo, enquanto a nação soberana, pelos seus órgãos competentes, não proceder à escolha do Governo definitivo, foram nomeados pelo Chefe do Poder Executivo os cidadãos abaixo assinados. Concidadãos!
O Governo Provisório, simples agente temporário da soberania nacional, é o Governo da paz, da fraternidade e da ordem. No uso das atribuições e faculdades extraordinárias
de que se acha investido, para a defesa da integridade da
Pátria e da ordem pública, o Governo Provisório, por to-
dos os meios ao seu alcance, promete e garante a todos
os habitantes do Brasil, nacionais e estrangeiros, a segurança da vida e da propriedade, o respeito aos direitos individuais e políticos, salvas, quanto a estes, as limitações exigidas pelo bem da Pátria e pela legítima defesa do Governo proclamado pelo Povo, pelo Exército e pela Armada Nacional. Concidadãos!
32
As funções da justiça ordinária, bem como as funções da administração civil e militar, continuarão a ser exercidas pelos órgãos até aqui existentes, com relação às pessoas, respeitadas as vantagens e os direitos adquiridos por cada funcionário. Fica porém abolida, desde Já, a vitaliciedade do Senado e bem assim o Conselho do Estado.
Fica dissolvida a Câmara dos Deputados. Concidadãos!
O Governo Provisório reconhece e acata os compromuassos nacionais contraídos durante o regime anterior, os tratados subsistentes com as potências estrangeiras, a divida pública externa e interna, contratos vigentes e mais obrigações legalmente estatuídas. (Proclamação
Governo
dos
Provisório",
membros
do
15/11/1889.
Apud Edgard Carone, 4 Primeira República, p. 13-4.)
Assinam a proclamação e, como o próprio texto indica, passam a formar o Governo Provisório representantes de todas as colorações republicanas que ajudaram a tramar o golpe, enquanto o Império dançava num baile em homenagem aos cadetes chilenos, realizado na Ilha Fiscal. Encabeçando a lista de assinaturas, vinha o nome do representante máximo dos militares e chefe do Governo Provisório, o marechal Manoel Deodoro da Fonseca. Em
seguida, um positivista, o tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que assumiu a pasta de ministro da Guerra; um liberal, o novo ministro das Relações Exteriores, Quintino Bocaiúva, que assumia também interinamente as pastas da Agricultura, Comércio e Obras Públicas; o do ministro da Marinha, chefe de esquadra Eduardo
Wandenkolk,
e o de um
republicano histórico,
Aristides da Silveira Lobo, que assumia o ministério do Interior. Esse último, que assina um documento público, em que se atribui ao “povo”” nada menos que o protagonismo máximo nos eventos de 15 de novembro, nomeando-o,
na frente até mesmo do Exército, como autor da ““deposição da dinastia imperial”?, da “extinção do sistema monárquico representativo”' e da proclamação da República, escreve, na mesma data, um documento privado —
uma carta pessoal — no qual expressa uma opinião diversa sobre a participação popular nos acontecimentos do dia: 53
Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1889. Eu quisera dar a esta data a denominação seguinte: 15 de novembro do primeiro ano da República; mas não posso, infelizmente, fazê-lo. O que se fez é um degrau, talvez nem tanto, para o advento da grande era. Em todo o caso, o que está feito pode ser muito, se os homens que vão tomar a responsabilidade do poder, tiverem juizo, patriotismo e sincero amor à Liberdade. Como trabalho de saneamento, a obra é edificante, Por ora, a cor do governo é puramente militar e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada. [...] (Apud Edgard Carone, idem, ibidem,
p. 288-9.)
Também o embaixador francês junto ao governo bra-
sileiro da época opina, como Aristides Lobo, que o prota-
gonismo do povo foi nulo, e que grande parte dos que assistiram nas ruas do Rio à movimentação das tropas sequer se dava conta do que realmente ocorria:
[...] O público, mais assombrado que entusiasmado, não pôde compreender o que ocorreu [...] A população, surpreendida, aceitava sem protestar o fato consumado.
(Apud Margarida de Souza Neves,
Às vitrines do progresso, p. 3.)
Mudaria a vida da população, “surpreendida” ", “mais
assombrada que entusiasmada”, ““bestializada”” diante da República proclamada, depois do 15 de novembro daquele ano de 1889?
É:
34
Segundo o Conselheiro Aires, personagem imagina-
da por Machado de Ássis num romance intitulado Esaú e
Jaco,
/...] Nada se mudaria. O regime sim, era possível, mas também se muda de roupa sem trocar de pele. [...] No sábado, ou quando muito na segunda-feira, tudo voltaria ao que era na véspera, menos a Constituição.
(Machado de Assis, Esaú e Jacó. In Obra Completa, p. 1031.)
Esta, a Constituição da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil, que deveria provar que a República era, de fato, o progresso, viria em 1891, consagrando o ““princípio cardeal”? que os republicanos inscreveram em seu programa no Manifesto de 1870:
Art. 1º — À Nação Brasileira adota como forma de governo, sob o regime representativo, a República Federativa proclamada a 15 de novembro de 1689, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil. (“Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil — 1891”.
Apud Milton Barelos, Evolução consitucional do Brasil, p. 323.)
A capital do progresso Uma vez proclamada a República e estabelecidas nu-
ma Constituição as regras básicas de seu funcionamento, os
homens que construíram as novas instituições viram-se às voltas com um problema: como demonstrar, de fato, que a República inaugurava um tempo moderno, um tempo de progresso para o país? Como fazê-lo, se depois do 15 de
novembro “nada se mudaria””, como previra o Conselheiro Aires, criado por Machado?
55
De fato, exceção feita ao palácio de São Cristóvão, que ficara vazio depois do melancólico embarque da família real para a Europa, tudo continuara na mesma: no interior do país, os mandões locais ditavam as regras, como sempre haviam feito, e nas cidades, a vida continuava a mesma. À cidade do Rio de Janeiro deixara de ser a Corte para se transformar no Distrito Federal, mas permanecia sendo a mesma cidade, ainda colonial em seu traçado e fragmentada em seu tecido social. Luís Edmundo assim a descreveria:
Na madrugada do século, o Rio de Janeiro ainda é um triste e miserável agrupamento de telhados mais ou menos pombalinos, feto, sujo e torto [...]. (O Rio de Janeiro do meu tempo, p. 25.)
Pouco a pouco vai tomando corpo a idéia de transformar a cidade do Rio de Janeiro num cenário que mostrasse aos olhos do país inteiro e aos olhos do mundo que a República trouxera, efetivamente, tempos novos. Transformar a cidade inteira numa espécie de cartão-postal da era moderna que a República pretendia trazer para o país era fazer da própria cidade, reformada em seu traçado urbanístico, na distribuição de seus habitantes e em seus costumes, um documento da nova ordem, a capital do progresso. Analisar essa reforma é uma das maneiras de entender o conteúdo da nova ordem, de compreender para quem era O progresso.
A
Antes de qualquer coisa é preciso dizer que há muito se pensava na reforma da cidade. Bem antes da proclamação da República, em 1882, o engenheiro Paulo José Pereira retoma a idéia que já estava presente desde o temp o em que a cidade ficara pequena com a vinda da corte portuguesa, em 1808, e apresenta ao Parlam ento um projeto de reurbanização, solicitando para si o “ pri vilégio por trinta anos” para empreender as obras: 26
O coronel, engenheiro, bacharel, Paulo José Pereira
requereu ao Governo Imperial, em 2 de março de 1882,
privilégio por trinta anos para reedificar prédios da corte, de continuidade com o plano que apresentou e ora apresenta, substituindo as casas térreas e os cortiços por sobrados de dois andares, porque não só os atuais edifícios não têm as condições higiênicas indispensáveis a uma grande cidade, como porque não estão em relação com a importância que deve ter uma grande praça comercial e mais ainda porque, como capital de um grande e nco Império, não atestam seu imenso progresso ou o seu grande desenvolvimento.
(Apud O auxiliador da indistria nacio-
nal, p. 194.)
O engenheiro Pereira, que além do mais se apresenta
como coronel e bacharel, parecia anunciar o que só seria feito, com as mesmas tônicas, pelo governo republicano: ““reedificação””, “higiene”, e o reverso dessa medalha, demolição dos cortiços, expulsão de seus habitantes do centro da cidade, e o Regulamento da Vacina Obrigatória. Mas não foi dele o “privilégio”? de empreender as reformas: a realização do plano de transformar o Rio de Janeiro na capital do progresso pertenceu ao presidente que governou a República de 1902 a 1906, Francisco de Paula Rodrigues Alves, e aos homens que ele escolheu para a prefeitura do Rio de Janeiro e para comandar os serviços de saneamento da cidade. Eleito presidente, Rodrigues Alves definiu com clareza seu projeto:
Meu programa de governo vai ser muito simples. Vou limitar-me quase exclustuamente a duas coisas: o saneamento e o melhoramento do porto do Rio de Janeiro. (Apud Nosso p. 32.)
Século:
1900-1910,
37
E por esse programa, que parecia esquecer o país in-
teiro para olhar apenas para “*o porto do Rio de Janeiro”,
/...] decidiu-se resolutamente [.../ o governo de Rodrigues Álves, com os serviços de hagiene entregues a Oswaldo Cruz e a prefeitura confiada a Pereira Passos. (Gastão Cruls, Aparência do Rio de Janeiro, p. 451.)
Tão resoluta como a decisão, foi a realização. A capi-
tal da República virou uma loucura! O presidente, um rico fazendeiro paulista, e o prefeito, filho de um cafeicultor do Vale do Paraíba, gastavam como sabiam gastar os que
nunca tiveram de economizar: para financiar as obras que
transformariam o Rio de Janeiro, cidade colonial, na capital do progresso, o governo federal obteve da Inglaterra um
empréstimo de 8 500 000 de libras esterlinas, a metade da receita da União!
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Fotografia do Rio de Janeiro tendo em primeiro plano um cortiço. (Marc Ferrez, 1902.)
E teve Início o que os contemporâneos chamaram de “bota-abaixo””. Sob a batuta do engenheiro Pereira Passos, seus auxiliares orquestravam as obras: Francisco Bicalho reformulou o cais do porto, e Paulo de Frontin ini8
ciava as obras da futura Avenida Central, um boulevard parisiense que rasgou o centro da cidade, arrasando quarteirões e mais quarteirões, derrubando os cortiços, destruin-
do os quiosques e desalojando a moradia e a diversão da
população pobre do centro da cidade.
O canteiro de obras durante a construção da Avenida Central.
1904 ou
1905.)
(Malta,
A cidade parecia um grande canteiro de obras. Tudo mudava. Lima Barreto, que satirizou o que acontecia no Brasil inventando uma “República dos Estados Unidos da Brunzundanga”, assim fala das reformas:
/...Jeeisa Brunzundanga, tomando dinheiro emprestado, para pór as velhas casas da sua capital abaixo. De uma hora para a outra, a antiga cidade desapareceu e outra surgiu como se fosse obtida por uma mutação de teatro. Flavia mesmo na cousa muito de cenografia. (Lima
p. 106.)
Barreto,
Os brunzundangas,
59
Para os partidários de Rodrigues Alves e de Pereira Passos, o barulho das demolições era como um hino triunfal ao progresso. Pelo menos é assim que o descreve Olavo Bilac:
Há poucos dias, as picaretas, entoando um hino jubiloso, iniciaram os trabalhos da Avenida Central, pondo abaixo as primeiras casas condenadas. No aluir* das paredes, no ruir das pedras, no esfarelar do barro, havia um longo gemido. Era o gemido soturno e lamentoso do Passado,
do Atraso,
do Opróbrio*.
A cidade colonial
imunda, retrógrada, emperrada nas suas velhas tradições, estava soluçando no soluçar daqueles materiais apodrecidos que desabavam. Mas o hino claro das picaretas abaJava esse protesto impotente. Com que alegria cantavam elas — as picaretas regeneradoras!
(Olavo Bilac, *Chrônica”. In Kosmos, nº 3.)
Foram-se os cortiços. Um pouco de sua vida pode ser imaginada se olharmos para uma belíssima foto tirada por Marc Ferrez no início do século, na qual um deles parece dominar, como uma fortaleza, a capital federal. Foram-se
os quiosques, mas ainda podem ser vistos, com seus fregueses à volta, em 75 fotografias tiradas por Augusto Malta, hoje documentos preciosos. Mas para onde foram os que moravam nos cortiços? Onde foram viver os que compravam bilhetes de loteria nos quiosques, apostando na sorte para melhorar de vida? Alguns, sob a ameaça das picaretas que certamente para eles não entoariam nenhum ““hino jubiloso””, simplesmente trocaram os cortiços condenados por outros, igualmente sórdidos, mas que não estavam localizados no cenário eleito para a encenação do progresso. Esse é o caso
da estalagem imaginada por Aluísio de Azevedo em seu romance O cortiço, e que o autor localiza no bairro de Bo-
tafogo. Outros começaram a subir as encostas dos muitos morros da cidade e ali a construir suas moradias precárias. Um 60
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Um dos últimos quiosques de um Rio de Janeiro que se modernizava. (Malta, s/d.)
dos mais habitados era o Morro da Favela, que acabou dando o nome a todos os demais morros habitados pelos pobres da cidade. Ali, continuavam na mira das autoridades:
O ilustre dr. Passos, ativo e inteligente prefeito da cidade, já tem suas vistas de arguto administrador voltadas para a “Favela”” e em breve providências serão dadas de acordo com as leis municipais, para acabar com esses casebres. É interessante fazer notar a formação dessa pujante aldeia de casebres e choças no coração mesmo da capital
da República, elogiientemente dizendo pelo seu mudo contraste a dois passos da grande Avenida, o que é esse resto de Brasil pelos seus milhões de quilômetros quadrados.
(“Onde moram os pobres? In Revista Renascença. Apud Oswaldo Porto Rocha, À era das demolições, p. 101.)
61
Outros ainda tomaram o caminho dos subúrbios, tão
bem descritos por Lima Barreto em seu livro Clara dos Anjos:
O subúrbio propriamente dito é uma longa faixa de terra que se alonga, desde o Rocha ou São Francisco Xavier, alé Sapopemba, tendo para eixo a linha férrea da Central. [...] Passa-se por um lugar que supomos deserto, e olhamos, por acaso, o fundo de uma grota, donde brotam ainda árvores de capoeira, lá damos com um casebre
tosco, que, para ser alcançado, torna-se preciso descer uma
ladeirota quase a prumo. [...]
Há casas, casinhas, casebres, barrações, choças, por toda parte onde se possam fincar quatro estacas de pau
e uni-las por paredes duvidosas. Todo o material para essas construções serve: são latas de fósforo distendidas,
telhas velhas, folhas de zinco, e para as nervuras das paredes de taipa, o bambu, que não é barato.
Há verdadeiros aldeamentos dessas barracas. [...] Nelas, há quase sempre uma bica para todos os habitantes e nenhuma espécie de esgoto. Toda essa população, pobrissima, vive sob a ameaça constante da varíola, quando ela dá para'aquelas bandas, é um verdadeiro flagelo. (Lima
Palio.)
Barreto,
Clara
dos
Anjos,
E porque a varíola, a febre amarela e a peste bubônica eram “um verdadeiro flagelo” na cidade inteira, e não
apenas nos subúrbios, enquanto Passos reformulava a ci-
dade, o Dr. Oswaldo Cruz tratava de sanear o Rio de Janeiro. ? As medidas foram drásticas: º Era preciso erradicar os focos de ratos que tran smitiam a peste, e o lixo, onde os ratos se multiplicavam. Pagavamse 300 réis por rato apanhado pela população ... e houve
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62
mais de um carioca fazendo criaçõ es clandestinas de ra-
tos, para matá-los e vendê-los aos funcionários, que percorriam o centro, os bairros e os subúrbios, prontos pa-
ra entregar os 300 réis por rato morto; o Para terminar com a febre amarela, era necessário erra-
dicar o mosquito que transmitia a doença, e a prefeitura
criou para isso um novo emprego público: os ““matamosquitos”, com permissão Inclusive para entrar nas casas e inspecioná-las; e E para vencer o grande desafio da varíola, aprova-se, a 31 de outubro de 1904, o Regulamento que tornava obrigatória a vacinação. Ás brigadas sanitárias, muitas vezes acompanhadas por soldados da polícia, começaram a cumprir à risca o estabelecido pelo Regulamento, vacinando à força a população. À reação não se fez esperar. Por um lado, a reação irada dos populares. Cansados de uma política que fazia a modernização da cidade à sua custa, irritados com a elevação dos preços das moradias, expulsos do centro da cidade e assustados com a pregação
contra a vacina feita pelos positivistas, os populares ocu-
param as ruas no dia 14 de novembro de 1904. Os bairros portuários, Gamboa, Saúde e Santo Cristo, encheram-se
de trincheiras. No centro da cidade também houve luta e quebra-quebra. Era a “revolta da vacina”. No aniversário da República do ano de 1904, os jornais publicaram o saldo da revolta: postes de luz quebrados, bondes incendiados, material das obras da Avenida Senhor dos Passos transformados em barricadas. O povo gritava pelas ruas contra a polícia e contra a vacina obrigatória. Houve tiroteio e mortos, inclusive um menino de 12 anos de idade, que o Jornal do Comércio informa ser
/...] de nome Eustachio Maria, que era aprendiz
da colchoaria da Rua Senhor dos Passos número
262,
chegou à janela na ocasião do conflato e logo for morto por um tiro que lhe varou a carótida. (Apud p. 39.)
Nosso
Século:
1900-1910;
63
A repressão ao movimento foi dura. Sem direito à defesa, os que foram presos pelas ruas nos dias da revolta, culpados ou não, foram metidos nos porões dos navios do
Lóide Brasileiro e sumariamente expedidos para o recémincorporado território do Acre. Por outro lado, a reação bem-humorada numa cançoneta chamada “A vacina obrigatória”, de autor desconhecido e gravada em 1904 em disco Odeon Record, cuja letra diz:
Anda o povo acelerado Com horror à palmatória Por causa dessa lambança Da vacina obrigatória Os panatas da sabença Estão teimando dessa vez Querem meter o ferro a pulso Bem no braço do freguês.
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É os doutores da higiene Vão deitando logo a mão Sem saberem se o sugeito Quer levar o ferro ou não Seja moço ou seja velho Ou mulatinha que tem visgo Flomem sério, tudo, tudo, Leva ferro que é servido.
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Bem no braço do Zé Povo
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Chega o tipo e logo vai Enfiando aquele troço
À lanceta e tudo mais Mas a lei manda que o povo
E o coitado do freguês Vá gemendo na vacina
Ou então vá pro xadrez,
64
[..]
Eu não vou nesse arrastão Sem fazer o meu barulho Os doutores da ciência Terão mesmo que wr no embrulho Não embarco na canoa Que a vacina me persegue Vão meter ferro no boi Ou nos diabos que os carregue. (CA vacina obrigatória”, in Memória da Pharmacia, disco Emi Odeon, Roche.)
A Avenida Central foi aberta em 1905. A varíola desapareceu da cidade com a vacinação em massa obrigató-
ria. O cais do porto foi remodelado e reequipado. “O Rio civiliza-se!””, diziam então muitos, encantados com o cenário parisiense montado no centro da cidade.
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A imponente Avenida Central, no Rio de Janeiro, depois de concluída. (Malta, 1910 ou 1971.)
65
E, se, em 1904, o anônimo autor da cançoneta dizia “Eu não vou nesse arrastão sem fazer o meu barulho” e
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assim cantava seu protesto contra um progresso que O excluía, em 1908, Coelho Neto criava um título para a cidade modernizada: “Cidade Maravilhosa””, mais tarde aclamada como “'coração do meu Brasil” por uma marchinha famosa. Estava feita a reforma que transformara o Rio de Janeiro na capital do progresso. Mas o que acontecia nos “milhões de quilômetros quadrados”” que, segundo o artigo da Revista Renascença de 1906, constituíam o “resto do Brasil”” por estarem fora da Avenida Central?
66
CAPÍTULO 3
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Primeiro a ordem, e depois o progresso... A ordem
dos coronéis
or trás do cenário francês da Avenida Central, es-
tava o Brasil de verdade, onde pouca coisa mudara com a proclamação da República. Por trás da barulheira e da agitação com as obras de reformulação da capital estava a rotina de um país que substituíra o açúcar pelo café na pauta de exportação, que deixara de ter escravos para ter ex-escravos, Imigrantes e trabalhadores nacionais trabalhando no pesado e onde os .barões do Império viraram ministros da República. Por trás do discurso do progresso estava a preocupação com a ordem, uma ordem que excluía a muitos da cidadania plena, e que hierarquizava a sociedade como um todo. Quem mandava na República dos primeiros tempos, essa que hoje chamamos de ““velha”?? A trama do poder na República Velha mostrava um bordado complicado, tecido com as cores novas do federalismo que a Constituição de 1891 instituíra, mas que seguia o mesmo risco que traçara as linhas mestras do poder no século XIX. Com que fios estava tecida a trama do poder nos primeiros tempos republicanos? Nos primeiros cinco anos da República, “*a cor do governo”
federal era, como
dissera Aristides Lobo na sua
famosa carta, “puramente militar'”. Dois marechais se sucederam na presidência, eleitos pelo Congresso em 1891: primeiro, Deodoro da Fonseca, “O Fundador”, e, pela renúncia deste no final do mesmo ano de sua eleição, seu vice-presidente, Floriano Peixoto, o “Marechal de Ferro”.
67
Enquanto isso, as linhas mestras do poder começa-
vam a se definir, Em primeiro lugar, o federalismo, ao descentralizar o poder e consagrar a autonomia dos estados perante a União, criou condições para o fortalecimento das oligarquias estaduais. À Constituição de 1891 estabelecia que os estados da federação poderiam negociar empréstimos externos sem a intermediação do governo federal, e, mais ainda, estabelecia, em seu artigo nono:
Árt. 9º — E de competência exclusiva dos Estados decretar impostos: 1. Sobre a exportação de mercadorias de sua própria produção.
2. Sobre imóveis rurais e urbanos. 5. Sobre transmissão de propriedades. f. Sobre indústria e profissões. (Constituição
da
República
dos
Ea
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Estados Unidos do Brasil — 1891”, Apud Milton Barcelos, Evolução constitucional, p. 324.)
Com os impostos sobre a exportação sendo arrecadados por cada unidade da federação, não é difícil imaginar como os grandes estados exportadores ficaram fortalecidos: todo o lucro das exportações do café paulista ficava em São Paulo mesmo! O fortalecimento dos estados trazia como contrapartida o predomínio das oligarquias regionais no conjunto da política nacional, e, por outro lado, consoli-
dava, por sua dinâmica própria, uma nítida hierarquia entre essas mesmas oligarquias. No primeiro patamar dessa hierarquia, aparecem São Paulo e Minas Gerais como os dois estados mais importantes da União. São Paulo era, inquestionavelmente,
o
estado mais rico. Minas era dona da segunda economia estadual do país e do eleitorado mais numeroso, um trun-
fo sem dúvida importante para as eleições. Da aliança entre as oligarquias paulista e mineira teve origem a chama-
da ““política do café-com-leite””, que dominou à Repúbli68
ca Velha e, só nos primeiros anos do novo regime, levou
à presidência da República três paulistas, Prudente de Moraes (1894-1898), Manuel Ferraz de Campos Sales (1898-1902) e Francisco de Paula Rodrigues Alves (1902-1906), e um mineiro, Afonso Pena, eleito para o quadriênio 1906-1910, mas que morreu no poder, sendo sucedido por seu vice-presidente, o fluminense Nilo Peçanha. Nos patamares seguintes, vinham os demais estados, por ordem de importância política e econômica. Um lugar significativo estava reservado para o Rio Grande do Sul, um estado onde as lutas locais entre maragatos e picapaus dera origem à chamada revolução federalista durante os governos de Floriano Peixoto e de Prudente de Moraes. Um gaúcho, Pinheiro Machado, marcará presença como grande articulador político nacional a partir de 1905. Diziase que Pinheiro Machado conduzia a política do país de sua casa do Morro da Graça, que hoje leva seu nome.
que ficava na rua carioca
Essa pirâmide de poderes estaduais condicionava a vida político-partidária: não havia partidos nacionais. Os Partidos Republicanos estaduais eram, antes de tudo, o lugar de ajuste das rivalidades regionais. O mais importante deles, o Partido Republicano Paulista (PRP), comandava a política do país, refletindo a supremacia de São Paulo na União. A única tentativa de organização de um partido nacional, o Partido Republicano Federal (PRF), teve vIda curta: orquestrado por Francisco Glicério — também um paulista —, originou-se ainda no governo Floriano Peixoto, em 1893, mas não chegou até o final do governo de seu sucessor... Um segundo elemento fundamental para a compreensão do funcionamento político da Primeira República é o
coronelismo, ou seja, a dominação dos poderosos chefes políticos locais; em geral grandes proprietários, sobre a mas-
sa de eleitores que, pelos laços da dependência pessoal e do favor que atrelavam os trabalhadores despossuídos,
transformava-os
em
sua clientela eleitoral.
Era
comum
ouvir-se, na zona rural, alguém definir-se pelo único titulo que possuía: “Eu sou homem do coronel Fulano de Tal!” 69
Mas quem eram esses coronéis, cuja patente vinha de sua função na Guarda Nacional* — instituição fundada
em 1831 e que subsistiu até 1918 — e cujo poder, em nível municipal, vinha de longe e os transformava em donos
e senhores dos currais eleitorais, onde as urnas traduziam
o resultado do “voto de cabresto”? Assim define a figura do coronel José Bonifácio Lafayette de Andrada, descendente do outro José Bonifácio, o que foi chamado de “patriarca da independência”, um homem que em entrevista dada em março de 1980 se re-
conhecia como um coronel, ao dizer: “Eu, por exemplo,
considero-me um coronel porque tenho poder político mu-
nicipal””.
À base é o chefe político local, o coronel, que manda seus eleitores votarem contra ou a favor de determinado candidato. Isso é a base. O coronel é o homem que comanda a política nacional, porque ele é quem elege os homens que a fazem. Sem ele ninguém é eleito. [...] Em verdade, o coronel é o homem gue resolve os casos sem solução. E ele quem atende o cidadão que bate à sua porta às três horas da madrugada, porque não tem recursos. [...] Ele se levanta e vai procurar um médico, que o atende porque é seu amigo e leva a pessoa para a Santa Casa ou ao hospital. [... / Todo o mundo pensa que o sujeito vai para o “curral eleitoral?” à força. Não, ele vai porque quer. Vou explicar-lhes o que é o “curral eleitoral”. Em algumas cidades do interior o acúmulo de pessoas é gigantesco em
rr
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épocas de eleição. Para essas cidades não vem apenas o eleitor. Ele traz sua mulher e filhos. De repente, essas cidades recebem uma grande multidão. Então, 0 que faz o coronel? Ele contrata um local — que é o que se chama
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de “curral”? — para alojar e alimentar essa gente, que vem de fora e cuja maioria nada tem a ver com a eleição:
70
sãos as mulheres desses sujeitos e seus filhos pequenos, que não têm nem mesmo onde tomar mamadeira. É claro que
em conseguência disso fica mais fácil o trabalho do chefe
político. Ele penetra no chamado “curral”,A conversa e verifica quass os elementos que ali se encontram e que são eleitores, o que torna mais fácil seus movimentos. (José Bonifácio Lafayette de An-
drada, 'Coronel é quem comanda
a política nacional”. In Lourenço
Dantas Mota, À história vivida — HI, p. 47-8.)
A votação era um ritual vazio. Nas listas eleitorais apareciam nomes de gente morta há muito tempo. O voto não era secreto e as eleições se faziam, como se dizia então,
“a bico de pena”. As rivalidades entre os coronéis locais determinavam, também, um momento de violência:
/...] as eleições em todo o Brasil, eram mentirosas e não raro sangrentas. [...] Constate: mais tarde, que se na República era assim, fora a triste herança que nos legara o Império. O mal era velho. [...] Certo dia de eleição, na pitoresca cidade de Pacatuba, que demora no sopé da altaneira Aratanha, cobriu-se de luto uma família de muztos filhos, que ficara na mais negra miséria. O pai fora assassinado depois de uma discussão acalorada em defesa do chefão político. Tombou.
o pobre homem, que fora arrastado como um autômato para votar, ou por outra, servir ao coronelão, homem dono de engenho e senhor de grande prestígio. Queria agradar unicamente. Não tinha outro objetivo senão esse. Mal sabia assinar o nome, era dos que, se parar no meio da assinatura só prosseguem retornando à origem. Para ele, aquele dia era de festas, uma semana antes recebera um ar de botinas, uma camisa de chita e um chapéu de palha desabado. De madrugada saira de casa. Viajara duas
léguas e agora vinha dar livremente o seu voto ao coronel
X. Estava contente consigo. Beberia um bom trago de graça, e também almoçaria na Casa da Câmara, nas mesas
71
o
postas ao longo do salão, como num rancho de soldados.
Essa a maior honra que lhe tributavam. O dia da eleição em Pacatuba sempre fora festivo... Nesse dia a cidade se transformava como milagrosamente. Tomava tonalidade nova e pitoresca. Alguns matutos envergavam fraques do tempo do “bumba””... iam votar assim. Os grâ-finos do lugar riam à socapa, daqueles cidadãos que de longe, vinham fingir de eleitores. Brincar de votar... (Raimundo
de Ataíde,
“Recorda-
ções de um eleitor que nunca votou”. In Cultura Política, ano 1, nº 94)
O coronelismo costurava pela base o sistema político dos primeiros tempos da República. A dominação pessoal vivida no cotidiano, o voto de cabresto no momento das elei-
ções e os exércitos de capangas que entravam em cena quando as rivalidades entre os coronéis ou alguma insubordinação assim o exigiam, garantiam o exercício do poder local das oligarquias. A rede de compromissos começava pelos coronéis nos municípios, passava pelos arranjos entre as oligarquias regionais nos estados e chegava até a definição da presidência da República. Para costurá-la pelo alto, Campos Sales criou o terceiro instrumento necessário para o funcionamento do complexo tecido político que caracteriza a Re-
pública Velha e que ficou conhecido como a politica dos governadores. Por um lado, os grupos oligárquicos regionais garantiam ao presidente o apoio necessário para executar a política em nível nacional e fazer o seu sucessor: os representantes dos estados no Congresso Nacional assegu ravam esse apoio ao Executivo. -* Por outro lado, a contrapartida do govern o federal, que garantia a eleição de deputados e senadores fiéis às oligarquias dominantes nos estados. Isso foi possível graças à cria ção da chamada “Comissão de Ver ificação de Pode-
res”, teoricamente encarregada de assegu rar a lisura do
72
Dib
processo eleitoral nos estados para, então, “diplomar”” e “empossar” os eleitos, mas que na verdade instituiu a cha-
mada “degola”: caso um candidato de oposição às oligarquias dominantes conseguisse eleger-se para o Congresso, a Comissão se encarregaria'de ““degolá-lo””, ou seja, de
acusá-lo de fraude nas eleições e impedir que fosse diplo-
mado e empossado. O “'voto de cabresto””, as “eleições a bico de pena” e a “degola” fechavam o círculo que garantia, sob as aparências da República democrática e do federalismo, a perpetuação do poder oligárquico. Qual era a espinha dorsal do poder político depois do 15 de novembro, o progresso que circulava na Avenida Central ou a velha ordem dos coronéis? Quem mandava na República dos primeiros tempos,
essa que hoje chamamos de “Velha”? Na época, certamente haveria mais de uma opinião sobre a questão. Mas Campos Sales, o grande articulador da Política dos Governadores, nos deixou uma resposta muito clara a esse respeito:
Nessa, como em todas as lutas, procurei fortalecerme com o apoio dos Estados, porque — não cessaret de repeti-lo — é lá que reside a verdadeira força política. /...] Em que pese os centralistas, o verdadeiro público que forma a opinião e imprime direção ao sentimento nacional é o que está nos Estados. E de lá que se governa a República por cima das multidões que tumultuam, agitadas, nas ruas da Capital da União. (Campos Sales, Da propaganda à presidência, p. 127.)
No Rio de Janeiro, a “capital da União””, o governo
havia investido milhões para montar uma fachada nova, um cenário de progresso, mas por suas ruas “as multidões tu-
multuam, agitadas”. Por isso, diz Campos Sales, “é dos Estados””, onde as velhas relações de dependência imperam, onde a ordem está garantida, “que se governa”, por cima
do tumulto e da agitação...
73
Nem
todos estavam
contentes...
Nem todos, no entanto, estavam contentes com a o7-
dem vigente. Havia os que estavam desiludidos com os caminhos da República.
Em primeiro lugar, na lista dos desiludidos, vinham os monarquistas. Sua decepção datava do dia 15 de novembro de 1889, e não dizia respeito apenas à derrubada da monarquia. Estavam decepcionados também com o grande número de ““adesistas””, homens de suas fileiras que se bandearam rapidamente para o lado dos republicanos. Pouco a pouco os que ainda desejavam o terceiro reinado foram se organizando, e durante toda a década de
90, com ou sem razão, preocuparam os republicanos, que,
em novembro de 1890, chegaram a ““empastelar” a Tribuna Liberal, um jornal monarquista. Joaquim Nabuco, o líder abolicionista no Parlamento do Império, foi muito assediado para aderir à República que nascia. Nos primeiros tempos recusou todos os convites para participar do novo regime e chegou a publicar,
em
1890, um folheto em que explicava sua recusa, intitu-
lado Por que continuo a ser monarquista. Em 1899, Nabuco aceita um posto diplomático do governo republicano e vai para a legação brasileira em Londres. Foi um golpe duro para os monarquistas! Em 1895, fundou-se um Partido Monarquista em São Paulo, e, em 1896, um Centro Monarquista no Rio de Ja-
neiro, ambos sem grande expressão na vida pública brasi-
leira. No entanto, alguns eram otimistas. Em
1896, a prin-
cesa Isabel recebe, em Paris, uma carta talvez um pouco exagerada:
Vai ganhando terreno a causa da restauração da monarquia. Dispuséssemos nós de meios que nos permitissem agr de pronto, e mais energicamente do que temos podido fazê-lo até aqui, e estaria ela triunfante. (Apud Maria de Lourdes
M. Ja-
notti, Os subversivos da República, p. 122.)
74
Assinavam a carta o Visconde de Ouro Preto, Domingos de Andrade e Lafayete Rodrigues Pereira, o mesmo que, tendo sido nomeado por D. Pedro II presidente das províncias do Maranhão e do Ceará, firmara o Manifesto Republicano de 1870, mas, desiludido com os rumos do republicanismo, voltara às fileiras da monarquia. A força política efetiva dos monarquistas era, no entanto, menor que seu entusiasmo: limitaram-se a participar, como coadjuvantes, em movimentos contra o governo que partiram de outros setores da sociedade. Foi assim em 1893, com a adesão de Saldanha da Gama à Revolta da Armada, que pôs em pé de guerra a Baía de Guanabara no governo de Floriano Peixoto. Foi assim num movimento que, do interior de São Paulo, tentava derrubar Campos Sales do poder em 1902 e no qual chegaram a proclamar a restauração da monarquia em Ribeirãozinho. Foi assim até na Revolta da Vacina em 1904! No entanto, o fantasma da restauração monárquica
preocupava o novo regime, que via monarquistas por todos os lados. Viam-nos inclusive no movimento liderado por Antonio Conselheiro, que começava a ameaçar a ordem estabelecida no sertão da Bahia, em torno do arraial de Canudos... Outros que se desiludiram com a República foram os positivistas. Os seguidores de Augusto Comte no Brasil sonhavam com uma República diferente da que foi efetivamente instaurada: queriam um “governo sociocrático””, uma ““ditadura republicana” e não uma democracia e um governo representativo, como desejavam os liberais. Defendiam um federalismo diferente, que transformasse as antigas províncias em “pequenas pátrias””, conforme a doutrina do fundador. A vitória mais significativa dos positivistas na República foi simbólica: ver sua divisa, Ordem e Progresso, estampada na bandeira. Mas isso estava longe de agradar a todos, e muitos passaram para a oposição. À imprensa positivista foi a grande contestadora de medidas como a
vacina obrigatória, e, durante a revolta popular que tumultuou o Rio de Janeiro em 1904, chegaram a alimentar
75
o plano de derrubar o governo de Rodrigues Alves e substituí-lo por Lauro Sodré, que seria o ““ditador republicano” de seus sonhos. Um
terceiro grupo de desiludidos eram os chamados
jacobinos, uma presença forte na arena política da capital
entre 1893 e 1897, que fazia oposição cerrada a Prudente de Moraes, denunciando a “República aristocrática” dos paulistas, defendendo uma industrialização acelerada, pedindo medidas nacionalistas e fazendo ressoar pelas ruas cariocas seu grito de guerra: “Mata Galegos!”, uma vez que culpavam a forte presença de portugueses no comércio de todas as desgraças do Rio de Janeiro. O grupo tinha sua trincheira principal no jornal O Jacobino, dirigido por Deocleciano Martyr. Em suas páginas expõem seu programa radical:
— Somos republicanos. — Pertencemos à plebe honrada, cheia de coragem, ardor cívico e boa vontade para propagar idéias grandiosas em bem do progresso moral e material da nação. — Defendemos o fraco contra o forte, visando união e proteção mútua de nossos compatriotas. — Somos jornalistas do povo e verdadeiramente brasiletros: nos afastamos da imprensa fluminense mistificadora, nociva à patria. — Não queremos amizade e auxílio do estrangeiro. — Combatemos e odiamos o elemento português, que é o que nos corrompe [...] a existência, monopolizando tudo e sacrificando nossa população. — “Seremos a sentinela avançada do oprimido e baluarte inexpugnável do proletariado nacional. = Gritaremos contra tudo o que afetar o bem-estar do povo. — Amamos e propagamos tudo o que for brasileiro. 76
(O Jacobino, nº 1, 13/9/1984.)
No entanto, o radicalismo dos jacobinos tomou rumos inesperados. No último número do jornal O Jacobino a circular, lê-se:
A ditadura militar é a única capaz de continuar a
obra de Floriano Peixoto. E o mais momentoso ideal ca-
paz de nos engrandecer e felicitar.
(O Jacobino, nº 104. Apud Maria Alice Rezende de Carvalho,
de e fábrica, p. 85.)
Cida-
Não eram apenas os desiludidos os que manifestavam seu descontentamento com o regime vigente. Havia também os que alimentavam o sonho de uma outra ordem, de uma sociedade diferente. Esses eram muitas vezes considerados pelos que respondiam pela República como representantes da desordem. Nas cidades, eram sobretudo os que tentavam organizar o mundo do trabalho, os anarquistas* e os socialistas*. Os anarquistas vieram para o Brasil ainda durante o Império e, primeiramente, estabeleceram colônias agrícolas onde esperavam viver seu ideal libertário: uma sociedade onde não houvesse propriedade privada de espécie alguma, onde os instrumentos de trabalho fossem de propriedade de todos, onde não houvesse circulação de dinheiro, onde o amor fosse livre e onde o princípio da autoridade estivesse banido. Uma das colônias anarquistas mais conhecidas foi a Colônia Cecília, autorizada ainda por D. Pedro II, mas es-
tabelecida já durante a República, em 1890. A colônia sobreviveu até 1893, quando o que restara dela foi dissolvido pela polícia republicana. Nas cidades,
os anarquistas tiveram muita penetra-
ção no meio operário, sobretudo através de grupos em que predominavam imigrantes italianos. Sua atividade era in-
tensa: organizavam comícios, greves, festivais operários,
grupos, escolas e mantinham vários jornais.
Num desses jornais, À Terra Livre, escreviam em 1910:
77
e
—
= mma
o
ES
o
/...] é preciso abolir o princípio individual da propriedade das riquezas. [...] Todas as grandes e pequenas empresas de produção, que são exploradas por proprictános tendo por fim os próprios interesses, devem ser reorganizadas por comissões populares tendo por mira, exclusivamente, as necessidades do povo. (A Terra Livre, 6/11/1910. Apud Margareth Rago, Do cabaré ao lar. À utopia da cidade disciplinar, p. 48.)
A liderança do mundo do trabalho era disputada entre anarquistas e socialistas. As diferenças entre os dois grupos não eram apenas teóricas: enquanto esses sustentavam a idéia de formar um partido político, que defendesse os interesses dos trabalhadores e marcasse a presença desse grupo nas lutas políticas, aqueles preferiam a ação direta nas fábricas e viam no sindicato o único instrumento adequado para as lutas operárias. As duas tendências disputaram a liderança no I Congresso Operário, realizado em 1906. Venceram as teses anarco-sindicalistas, que defendiam a criação da Confederação Operária Brasileira. A COB teve no jornal 4 Voz do Trabalhador, fundado em 1908, seu órgão de difusão. No entanto, se anarquistas e socialistas divergiam sobre qual seria a melhor estratégia de defesa dos interesses operários, estavam plenamente de acordo sobre um ponto: o instrumento de luta mais eficaz para as conquistas do mundo
do trabalho era a greve,
Não era fácil organizar e manter um movimento grevista naquele tempo! À ordem então vigente considerava que os trabalhadores tinham inúmeros deveres, mas seus direitos estavam longe de ser reconhecidos... No início do século não havia limite para a jornada de trabalho, nada de férias e nenhuma garantia trabalhista: nem aposentadoria, nem indenização por acidentes de trabalho e nenhum tipo de legislação trabalhista. Algumas fábricas tinham, Inclusive, entre seus operários, crianças de cinco anos de idade... E a polícia reprimia com violên78
rs
Trio
cia os movimentos grevistas, enquanto a Lei Adolfo Gordo, promulgada em 1907, ameaçava de expulsão os imi-
grantes acusados “de comprometer a segurança nacional”. Eram tempos difíceis para os trabalhadores! Mesmo assim, as greves se multiplicaram: em 1897, um movimento dos trabalhadores das docas de Santos acaba por envolver os demais setores da cidade. Em 1898, a greve contra a Companhia de Carris Urbanos paralisa o Rio de Janeiro durante vários dias. Em 1901, multiplicam-se movimentos grevistas em São Paulo. Em agosto de 1903, há uma greve geral, também no Rio, reivindicando a jornada de trabalho de oito horas. Em 1905, uma greve dos cigarreiros de Recife. E assim até contabilizar cento e onze movimentos grevistas significativos entre 1900 e 1910! Entre esses, um dos mais conhecidos foi a greve geral que fez São Paulo parar em 1907 e que obteve algumas de suas reivindicações.
O jornal socialista Avanti! comenta as conquistas dos trabalhadores em maio de 1907, em especial a redução da jornada de trabalho de várias categorias para oito horas, entusiasmo:
com
O balanço do grandioso movimento operário que São Paulo assistiu no mês que hoje termina se fecha com um notável saldo para o proletariado. (Avanti!. Apud Paulo Sérgio Pinhei-
ro & Michael M. Hall, À classe ope-
rária no Brasil — 1889-1930, p. 67.)
No entanto, a recessão econômica pela qual o país pas-
sou em
1908 faria com
que muitas das conquistas conse-
O soguidas até então fossem perdidas no ano seguinte.
para os que nho de uma outra ordem, de uma vida melhor
muitos compunham O mundo do trabalho, acalentado por
e que os anarquistas e Os socialistas buscavam realizar, es-
tava muito longe... Nos sertões, outra forma de sonho de uma ordem di-
ferente se esboçava: alguns, cansados da vida dura que le-
vavam no campo, tentaram construir um mundo à parte, E”
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do Me
q
o A,
79
fora da ordem que os excluía, um espaço onde as normas
e a disciplina fossem de outra natureza. Para construir essa outra sociedade, levavam o que possuíam: sua gente,
sua religiosidade, certamente diversa da doutrina oficial da Igreja Católica, e sua fé na promessa de que a terra — ao menos aquela terra em que pisavam — seria, enfim, uma terra deles. Seguiam líderes místicos que pareciam transmitir àquelas multidões de desesperançados a esperança de que seu sonho seria possível.
Foi o que sucedeu com o grupo que, no final da pri-
meira década do século XX,
começava a
se organizar en-
tre Santa Catarina e Paraná. O líder era o beato José Maria. Expulsos da terra onde trabalhavam pelas empresas de Percival Farguhar, encarregadas de implantar os caminhos do progresso na região através de uma empresa de colonização, a Southern Brazil Lumber and Colonization, e de uma ferrovia, a Brazil Railway, um número cada vez maior de homens e mulheres ouvia as pregações messiânicas do beato. Nelas, temas religiosos se misturavam com as histórias dos doze pares de França. As autoridades consideraram aquele grupo uma ameaça e não tardaram a reagir. Os sertanejos resistiram. Teve assim início ao que se conhece hoje como ““a guerra do contestado”, um movimento que só foi liquidado em 1916. Foi também o que sucedeu no Arraial de Canudos, num episódio narrado por Euclides da Cunha no livro Os sert0es, e que permaneceu como um símbolo dos movimentos messiânicos da época, desafiando — e vencendo por várias vezes — às forças oficiais encarregadas da repressão. Canudos reuniu, no sertão da Bahia, uma multidão que fugia da seca e da vida dura dos trabalhadores rurais de então. O arraial formou-se em torno da pregação e da figura carismática de Antonio Vicente Mendes Maciel, o “Antonio Conselheiro”, que depois de percorrer por vários anos o interior do Nordeste, estabeleceu-se com seus seguidores no “arraial sagrado”. Antonio Conselheiro era assim descrito por Frei João Evangelista, um capuchinho que, em 1895, recebeu o encargo de convencer os sertanejos a abandonar aquela “Te60
rusalém de taipa””?, e que teve de desistir do empreendimento:
Vestia túnica de azulão, tinha a cabeça descoberta e empunhava um bordão. Os cabelos crescidos sem nenhum trato, a caírem sobre os ombros; as longas barbas grisalhas mais para brancas; os olhos fundos raramente levantados para fitar alguém, o rosto comprido de uma palidez quase cadavérica; o “borte grave e ar penitente”” impressionaram grandemente os recém-vindos. (Frei João Evangelista de Monte
Marciano, Relatório — 1895. In Euclides da Cunha, Os sertões, Obra
Completa, p. 234.)
Para Canudos, conhecida como Belo Monte pelos seguidores de Antonio Conselheiro, afluía a gente pobre do interior da Bahia, de Sergipe, de Alagoas, do Ceará e do Piauí. Seus homens, comandados por chefes como João Abade, Pajeú, Joaquim Tranca-Pés, Antonio Vilanova ou Antonio Beatinho, conheciam o terreno como ninguém e
lutavam como só os que defendem a única coisa que têm sabem lutar. Utilizavam, contra os que vieram atacar aquela fortaleza da miséria, todo tipo de emboscadas, tocaias, técnicas de luta desgastantes e nada convencionais. Nos intervalos de suas rezas e penitências, venceram as forças locais e o exército nacional em três expedições consecutivas entre 1896 e a primeira metade de 1897. Como explicar o fato de aquelas multidões malnutridas e mal armadas, consideradas por toda a Imprensa oficial como um bando de primitivos, fanáticos e monarquistas, desafiarem e vencerem o brioso exército nacional, armado até os dentes, que se deslocava pela caatinga levando muita munição e até moderníssimos canhões Krupp? Euclides da Cunha assim o justifica: 2, A expressão “Jerusalém de taipa, para designar o arraial de Canudos, foi usada por Euclides da Cunha em Os sertões.
81
/...] nada pode perturbar com maior intensidade q mais seguro plano de campanha do que esse sistema de guerra [...] no qual, adaptadas de forma singular ao ter-
reno e invisíveis como masteriosas falanges de duendes, as forças antagonistas irrompem inopinadamente de todas as quebradas, surgem de modo inesperado nas anfratuosidades* das serras, nas orlas ou nas clareiras das matas e, fugindo sistematicamente à batalha decisiva, diferenciam e prolongam a luta, numa sucessão ininterrupta de combates rápidos e indecisos. À organização mars potente de um exército, que é um organismo superior com órgão e funções perfeitamente especializadas,
vai-se
assim,
em
sucessivas
sangrias,
deperecendo* até a adinamia* completa, ante as hostes adversárias, de uma organização rudimentar, cuja força
está na própria inconsistência, cujas vantagens estão na própria infervoridade e que, desbaratados hoje, revivem amanhã, dos próprios destroços, como pólipos*. O fato era que aquela “organização rudimentar” de maltrapilhos vencera o “organismo superior” representado pelo exército... E por várias vezes. A quarta expedição partiu composta por mais de 5 000 homens sob o comando do general Arthur Oscar de Andrade Guimarães. Secundavam-no os generais Carlos do Amaral Savaget e João da Silva Barbosa. O primeiro encontro deu-se no dia 25 de junho de 1897. Enfrentaram-se, de um lado, 300 jagunços de Antonio Conselheiro, e, de outro, 2 350 soldados e 17 canhões
Krupp, comandados pelo general Savaget. Os jagunços levaram a melhor... As lutas continuaram,
encarniçadas,
até o início de
outubro, quando teve lugar o extermínio do que restava das forças de Canudos. Mas “Canudos não se rendeu”. E novamente Euclides da Cunha quem o diz:
82
Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. [...] Caiu
no dia 9, ao entardecer, quando cairam os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raiwosamente cinco mal soldados. (Op. cit., p. 488.)
Ao observar hoje o desenho feito por D. Urpia, em 1897, e o que representa o “* Arraial dos Canudos visto pela estrada do Rosário”, dificilmente imaginaremos a violência dos confrontos que tiveram lugar nas margens do
rio que tem o nome de Vasa Barris... Mas não será difícil concluir o cuidado escrupuloso em registrar e reproduzir cada detalhe do arraial: do “jardim com grade de ferro” (nº 7) à “cerca arrombada pela polícia” (nº 14); da “Igreja Nova — fortaleza — (nº 5) às “casas caiadas de portas verdes” (nº 10), destinadas ao comércio. Foi o mesmo cuidado empregado para apagar a presença dos homens e das mulheres que, daquele vilarejo nas proximidades da Serra da Canabrava, desafiaram a República. A quarta expedição punitiva exterminou-os de fato. Antes dela, a mão do desenhista apagara-os de sua representação do Arraial...
Arraial de Canudos.
+
-
1a -
a
h
(Litografia de Arpia,
1897.)
O argumento da força e, tantas vezes, as armas da violência mostravam, no campo como nas cidades, que aquela ordem não permitia sonhos divergentes e necessitava impor-se sobre todos os espaços. Conversa de bonde
A Gazeta de Notícias do dia 19 de março de 1905 publi-
cou, como o fazia sempre, uma crônica assinada por Olavo Bilac:
“CHRÔNICA” — Bom dia, Conselheiro” Como vai? — Como velho, meu caro amigo, como velho... À velhice tomou conta de mim, e, quando essa abominável senhora toma conta da gente, a gente nem sabe como vai! — Não diga mal da velhice, Conselheiro! [...] — Deixe lá; [...] estamos num país onde não se respeita o que é velho, e onde a maluquice e o desaforo dos moços amarguram os que tiveram a desventura de viver em tempos sensatos e de sobreviver a esses tempos. Que é que os senhores têm feito? Têm destruído o que havia de bom: casas e homens, política e costumes, ruas e finanças... — Perdão, Conselheiro! Lá quanto à política e às finanças, não sei bem... [...] Agora, quanto às ruas e
às casas, acho que a injustiça é grande. Que temos feito? Temos dado cabo de ruelas escuras para abrir ruas claras, e temos arrasado casas velhas para construir casas
novas... — Pois é um mal! Cada cidade tem uma fisiono-
mia própria, que deve ser conservada. /...] Nela vivem a fisionomia da raça, a recordação dos avós, o respeito
do passado. Os nossos avós bem sabiam o que faziam, quando fizeram ruas estreitas, com casas baixas. 3. O termo Conselheiro nesta crônica é empregado para indicar
esse título por ter feito parte do governo imperial,
84
que a personagem tem
— E sem calçamento, e sem esgotos, não?
—
Sim, senhor! Tudo quanto eles fizeram foi muz-
to bem feito! — Mas —
Conselheiro, Londres,
Paris, Berlim...
Aí vem o senhor com a mania! À Europa é a
Europa, e o Brasil é o Brasil! Eu nunca vi Londres, nem Paris, nem Berlim... — E não tem pena? — Não tenho pena: para saber o que é civilização, não precisei sair daqui. [...] (o bonde passa pelo Palácio do Catete, soldados em linha, banda de música, muitas carruagens) — Que é aquilo? — É a recepção do embaixador americano. — Olá! Pelo que vejo, vai tudo muito bem! E o que os senhores querem... Não sei por que é que não se resolvem a entregar tudo isto, de uma só vez, à América do
Norte! — Mas, seriamente, o Conselheiro acredita que este Mr. Thompson, tão correto, tão amável, tão pacífico, venha aqui com a disposição de meter todo o Brasil den-
tro do bolso da sobrecasaca? Olhe que a cousa não me parece fácil: dentro desse bolso não pode caber um só dos nossos jequitibás; e a cartola do embaixador Yankee não
é bastante vasta para conter um só dos afluentes do ? Amazonas!
Vá gracegando! Vá gracejando! Eles não gracejam... Já percorreram todo o Amazonas, já estudaram —
as nossas minas de carvão [...] e já organizaram uma
companhia para transformar em eletricidade a força das nossas cachoeiras! — Ah! Então está tudo perdido! Se vamos ter eletricidade, vai tudo raso!
— Continue a gracejar, continue! — Mas como quer o Conselheiro que eu não grace-
je? Esses homens não vão levar consigo para a America 9
do Norte o nosso carvão, as nossas cachoeiras, [...Je as
nossas florestas. Nós temos tudo isto, e não temos dinheiro. Eles têm dinheiro, e não tem tudo isto. Aproveita-se tudo isto com o dinheiro deles. [...]
— Está enganado! O que nos falta não é dinheiro: é juizo. Ricos somos nós! — Ricos, de que, Conselheiro? [...] Temos carvão, temos águas, temos florestas, temos ouro, temos brilhantes, [...J e apesar disso morremos a fome... — Isso é uma figura de retórica. — Uma figura de retórica? Vá ao interior do Brasil... o trem o levaria por uma extensão de terras sem cultura, sem plantações, sem gado, sem habitações. [...] Veria uma gente magra, amarela, depauperada pela escassez da alimentação, vendendo leite a tostão a garrafa... E atravessaria cidades outrora florescentes e ricas, e agora desertas e tristes. [...] E reconheceria que a nossa riqueza é uma fantasia. [...] Lembra-se do Jaqueta, Conselheiro? — Que Jaqueta? — O Jaqueta era um velho avarento, que morava lá para os lados do trapicheiro, e morreu há uns dez anos.
Era o tipo acabado do faminto, do miserável. [...] Um
dia, os vizinhos notaram que a porta da casa do Jaqueta permanecia fechada: bateram, insistiram, não obtiveram resposta; chamaram a polícia e arrombou-se a porta. O velho Jaqueta estava morto, morto de inanição. e de miséra, em cima de uma grande arca, que lhe servia de cama. Abriram a arca, e estava cheia de... — De quê? — De moedas de ouro inglesas e brasileiras! O desgraçado morrera de fome em cima de um tesouro!
— Mas que diabo tem isso com a nossa conversa? — Tem que... mal comparando, esse Jaqueta é o Brasil! [...] (Olavo Bilac, “Chrônica”. In Gazeta de Notícias, de 19/3/ 1905.)
86
Assim, Bilac via o Brasil em 1905: um Jaqueta, prestes a ressuscitar pelas mãos dos jovens que acreditavam no progresso! Mas nem todos pensavam da mesma forma que Bilac... Quando o ano de 1910 chegou, o país acompanhou um debate acalorado em torno da campanha presidencial: de um lado, um grupo de militares, com o apoio de Pinheiro Machado, de algumas oligarquias estaduais e de outros políticos, lançara o nome do marechal Hermes da Fonseca: de outro, Rui Barbosa se apresentava como candidato de oposição, e, pela primeira vez, buscava apoio na
população que deveria votar, denunciando a fraude nas
eleições e defendendo ó voto secreto. Era a campanha civilista. Em março, Hermes da Fonseca sai vitorioso das elei-
ções... A vida política, apesar da primeira experiência de uma campanha eleitoral que ganhava as ruas, continuava a correr pelos trilhos dos compromissos oligárquicos e do voto de cabresto. Se alguém dissesse que nada havia mudado, imediatamente haveria quem protestasse, lembrando que acabava de instalar-se no Rio de Janeiro o primeiro estúdio cinematográfico do Brasil, e que o país avançava a passos
largos pelo caminho do progresso. Em novembro de 1910, teve lugar a chamada Revolta da Chibata. Pouca gente estranhou quando os marinheiros, que se rebelaram sob o comando de João Cândido, exigindo a supressão dos castigos físicos em vigor na marinha, foram severamente punidos depois de que o Congresso tivesse votado a anistia aos amotinados quando os encouraçados Minas Gerais e São Paulo, em mãos dos revoltosos, ameaçavam bombardear a cidade. A campanha civilista, a vitória de Hermes da Fonse-
ca, o estúdio cinematográfico de Giuseppe Labanca, no Rio de Janeiro, a Revolta da Chibata e a prisão na Ilha das Cobras de João Cândido e dos demais marinheiros rebelados, apesar das promessas oficiais de anistia, são acontecimentos que mostram que o ano de 1910, como todo o período anterior, é marcado — ao mesmo tempo — pela 87
existência de muita coisa nova e pela permanência do que
há de mais rançoso e velho nessa sociedade. No Brasil desse
período conviviam o apego à segurança da ordem e o entusiasmo pelo progresso, como numa única personagem que juntasse em si o Conselheiro e o jovem entusiasmado com as novidades do tempo criados por Bilac. E no bonde elétrico, que corre pelos trilhos da capital em 1910, levando essa personagem de dois rostos chamado Brasil, talvez seja ainda possível ouvir a voz de alguns meninos, que, como os “'molecotes equilibristas'* daquele outro bonde de 1870, muito mais lento e puxado por burros, vendiam balas e “rebuçados”” cantando seus pregões:
“— Baaala, freguês... Baleeeiro!””
O bonde puxado por burros e seu correspondente elétrico, no Largo da Carioca, no Rio de Janeiro.
88
quai
(Marc Ferrez,
1890.)
VOCABULÁRIO ADINAMIA
AFORISMO
—
—
Fraqueza,
falta de forças.
Máxima.
ALUIR — Abalar. ÂMAGO — Centro. ANARQUISTAS — Pessoas partidárias do anarquismo, doutrina e movimento que rejeitam o princípio da autoridade política e defendem que a ordem social pode se fundar na cooperação entre os que formam a sociedade. ANFRATUOSIDADES — Saliências. ARVORANDO
—
Hasteando,
ostentando.
Boom — Surto de desenvolvimento. CAUDAL — Torrente impetuosa. CAPITALISMO LIBERAL — Fase do sistema capitalista caracterizada pela livre concorrência, pelas leis do mercado e pela exportação de mercadorias. CAPITALISMO MONOPOLISTA — Fase do sistema capitalista caracterizada pela formação de grandes empresas, pela constituição de mercados protegidos ou privilegiados, pela execução de acordos de preço e de produção (medidas que restringem a concorrência ou asseguram o direito exclusivo) e pela exportação de capital. CIDADANIA — Exercício dos direitos civis e políticos. COPISTAS — Copiadores. DE CHOFRE — De repente. DEPERECENDO — Enfraquecendo. ÉDEN — Paraíso. Escorpo — Alvo, objetivo. ESTACADA — Lugar defendido por estacas. FAINA — Trabalho constante. GUARDA
NACIONAL
—
Instituição fundada no Império
(1831) e encarregada de manter a ordem nos municipios. Dela podiam fazer parte apenas os “cidadãos ativos”. Foi extinta em 1918.
89
JAZEM
—
Ficam
sepultados.
MORRINHA — Fedor.
NATURALISMO — Movimento literário do século XIX, que pretende aplicar à escrita as regras da ciência e valorizar tudo o que diga respeito ao mundo natural. OLIGARQUIA — Poder exercido por um grupo de poucas pessoas. OPRÓBRIO — Desonra, afronta. PALEJAM — Empalidecem. PARCERIA — Sistema em que o trabalhador recebe como pagamento uma parte do que produz. PATER-FAMILIAS — Pai de família. PECHA
—
Falha,
PLANTATION baseada
—
Sistema
de
plantação
monocultora
na utilização extensiva da terra.
e
PLENIPOTENCIÁRIO — Que possui plenos poderes. PLUTOCRATAS — Pessoas poderosas por serem ricas. POCILGA
—
Curral de porcos.
PÓLIPO — Tumor.
POSITIVISMO — Doutrina dos seguidores do filósofo francês Augusto Comte, que pretendia aplicar os princípios da ciência positiva a toda a organização da sociedade. PROMETEU — Um dos Titãs, que, segundo a mitologia grega, roubou o fogo do Olimpo e entregou-o aos homens. QUIOSQUE — Local utilizado para a venda de jornais, cigarros, bebidas, etc... ROMANTISMO — Movimento artístico que tem origem na Europa, no início do século XIX, e rompe com as regras do classicismo, sustenta o predomínio do sentimento e da imaginação sobre a razão, e valoriza O
individualismo. SOCIALISTAS — Pessoas partidárias do socialismo, dou-
trina e movimento que se contrapõem ao capitalismo liberal e defendem a prioridade do bem comum em face do proveito particular, discutem a propriedade particular e as diferenças de classe no capitalismo. TITA — Gigante da mitologia grega.
TRESDOBRAR — Triplicar. 90
CRONOLOGIA
1870 1871 1872
1873
1874 1875 1876 1877 1878
1879
1880 1881 1883
1885 1886
Final da Guerra do Paraguai. Publicação do Manifesto Republicano. Promulgação da Lei do Ventre Livre. Realização do primeiro recenseamento oficial no Brasil. Realização do primeiro Congresso Republicano, em Itu (São Paulo). Os bispos de Olinda e do Pará decidem interditar as irmandades católicas com ligações maçônicas. Prisão, julgamento e condenação dos bispos de Olinda e do Pará. Os bispos presos no ano anterior são anistiados. Graham Bell inventa o telefone nos Estados Unidos. Thomas Edison inventa o fonógrafo e o microfone nos Estados Unidos. Thomas Edison inventa a lâmpada elétrica nos Estados Unidos. Louis Pasteur descobre o princípio da vacina na França.
Werner von Siemens inventa a locomotiva elétrica na Alemanha. Revolta do Vintém no Rio de Janeiro. Fundação da Sociedade Central de Imigração. Têm início os conflitos entre militares e o governo, conhecidos como “*a questão militar””. Joaquim Nabuco publica, em Paris, O Abolicrontsmo. Promulgação da Lei Saraiva Cotegipe, conheci-
da como a Lei dos Sexagenários. Fundação da Sociedade Promotora gração.
da
Imi-
Abolição da escravidão em Cuba. O PAa N AL
91
1889
Promulgação da Lei Aurea, abolindo a escravidão no Brasil. Proclamação da República.
1890
Convocação da Assembléia Constituinte republi-
1891
Deodoro da Fonseca toma posse como presidente da República, eleito pelo Congresso. Promulgação da Constituição republicana. Deodoro da Fonseca decreta o fechamento do Congresso. Renúncia de Deodoro. O vice-presidente, Floriano Peixoto, assume a presidência da República.
1888
1892 1893 1894 1895 1897 1898
1899 1900 1902
92
Deodoro da Fonseca torna-se chefe do Governo Provisório.
cana.
Greve
dos ferroviários da Central
do
Brasil.
Realização do primeiro Congresso Socialista no Brasil. Revolução federalista no Rio Grande do Sul. Revolta da armada no Rio de Janeiro. Floriano Peixoto decreta o estado de sítio. Prudente de Moraes toma posse como presidente da República. Final da revolução federalista no Sul. Início dos combates ao Arraial de Canudos. Realização dos primeiros jogos olímpicos da época contemporânea, em Atenas. Destruição do Arraial de Canudos.
Campos Sales toma posse como presidente da República. Negociações relativas ao Funding Loan, junto aos banqueiros ingleses. Dreser inventa a aspirina, na Alemanha. Início da “política dos governadores”. Inauguração da primeira linha de metrô, em Paris.
Rodrigues Alves toma posse como presidente da República.
1903 1904
1905
1907 1908 1909
1910
Incorporação do Acre ao território brasileiro pelo Tratado de Petrópolis. Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro. Levante da Escola Militar, no Rio de Janeiro.
Inauguração da Avenida Central, no Rio de Janeiro. Afonso Pena toma posse como presidente da República. Realização do primeiro Congresso Operário Brasileiro. Realização do Convênio de Taubaté, no qual os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro resolvem adotar medidas protecionistas em
relação ao café.
Greve geral na cidade de São Paulo. Criação da Confederação Operária Brasileira. Morte de Afonso Pena. Nilo Peçanha toma posse como presidente da República. Rui Barbosa é lançado como candidato de oposição à presidência da República. Hermes da Fonseca toma posse como presidente da República. Revolta da Chibata, no Rio de Janeiro.
93
PARA
SABER
MAIS
Se você está interessado em saber mais sobre o assunto, eis aqui algumas sugestões de leitura:
Ciência Hoje. Rio de Janeiro, SBPC, novembro de 1989. v. 10, nº 59.
MENDES Jr., Antonio & MARANHÃO, Ricardo, ed. Brasil História. Texto e consulta. São Paulo, Brasiliense, 1979. Nosso Século: 1900-1910. São Paulo, Abril Cultural, 1980. os , Revista Veja (Edição especial — República). São Paulo, Abril, 15/11/1989. Ano 21, nº 37.
E para ir mais longe: AMERICANO, Jorge. São Paulo naquele tempo. 1895-1915. São Paulo,
Saraiva,
1957.
ANDRADE, Oswald de. Um homem sem profissão. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976. ASSIS, Machado. Esaú e Jacó. In Obra Completa. Rio de Janeiro, Aguilar,
1971. v. 1.
AZEVEDO, Aluísio de. O cortiço. Rio de Janeiro, Ed. de Ouro, s/d. BARRETO,
Lima. Clara dos Anjos. São Paulo, Brasiliense,
1956. - Recordações do escrivão Isaias Caminha. São Paulo, Brasiliense, 1956.
CUNHA, Euclides da. Os sertões. In Obras Completas. Rio de Janeiro, Aguilar, 1966. v. 2. EDMUNDO, Luís. O Rio de Janeiro do meu tempo. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional,
1938. v. 5.
- De um livro de memórias. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1958. v. 1. MEIRELES, Cecília. Obra poética ( Viagem). Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1977. 94
RAMOS,
Graciliano. Alexandre e outros heróis. Rio de Janei-
ro e São Paulo, Record, 1978. . Infância. 13. ed. Rio de Janeiro, Record,
1978. REGO, José Lins do. Menino do engenho. In Obra Completa. Rio de Janeiro,
Nova Aguilar,
1976.
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97
HISTÓRIA EM DOCUMENTOS
Ná
— A ORDEM É O PROGRESSO O Brasil de 1870 a 1910
HISTÓRIA EM DOCUMENTOS
| A ORDEM É O PROGRESSO O Brasil de 1870 a 1910 Margarida de Souza Neves Alda Heizer Coordenação: Maria Helena Simões Paes Marly Rodrigues
E
Margarida de Souza
Neves c Alda Heizer,
1991.
Copyright desta edição: ATUAL EDITORA LTDA., 1991, Rua José Antônio Coelho, 785 04011 — São Paulo — SP “Tel.: (011) 3575-1544 Todos os direitos reservados.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Neves, Margarida de Souza.
A ordem é o progresso: o Brasil de 1870 a 1910/ Margarida de Souza Neves, Alda Heizer ; coordenação Maria Helena Simões Paes, Marly Rodrigues. — São Paulo : Atual, 1991, —
(História em documentos)
ISBN 85-7056-382-5 1. Brasil — História — 1I Império, 1840-1889 2. Brasil —
História — República — 1889-1930 1. Heizer, Alda. II. Título.
HI. Série.
CDD-981,043 "981.05
91-1922
Índices para catálogo sistemático:
1. Primeira República, 1889-1930 : Brasil : História 981.05
2. República : Brasil: História 981.05
3. Segundo Império : Brasil : História 981.043 Série História em Documentos Editora: Samira Youssef Campedell
Coordenador editorial: Henrique Félix assistente editorial: Jacqueline Mendes Fontes Preparação de texto: Paulo Sá
Revisão: Noé G. Ribeiro Jocelaine Santucci
Coordenação de arte: Tania Ferreira de Abreu
Diagramação: Alexandre Figueira de Almeida Arte: Zacarias Gonçalves de Brito
Cláudia Ferreira Produção gráfica: Antonio Cabello Q. Filho Silvia Regina E. Almeida
José Rogerio L. Simone
Consultoria para o desenvolvimento do projeto: Edgard Luiz de Barros o
ar
Projeto gráfico: Ethel Santaella Capa: Avelino Guedes Composição: K.L.N. Fotolito; Binhos/HLO.P. LMCLEC
NOS
PEDIDOS
TELEGRÁFICOS
BASTA
CITAR
O
CÓDIGO:
AZSH9069L
SUMÁRIO
Parte I Um tempo distante.
Um tempo diferente
Parte
II
Documentos (1870-1910) 1. Há cem anos: um tempo de mudanças? . | 2, À ordem é o progresso 3. Primeiro a ordem, e depois o progresso...
11 13 32
67
Apêndice Vocabulário
Cronologia Para saber mais Bibliografia
89 91 94 96
Para Juliana, Helena, Marina, Paulo, Anamaria, Isabel,
Juán, Eduardo e Caito.
Para os nossos alunos...
alunos de nossos alunos.
€ Os
Nota do Editor: A qualidade da reprodução
fotográfica de alguns documentos ficou
comprometida pela antiguidade das fontes.
titulos da série Margarida de Souza Neves é licenciadae bacharel em História pela PUC do Rio de Janeiro e
doutora em História pela Univer-
sidade de Madrid. E professora na Universidade Federal Fluminense e na PUC do Rio de Janei-
ro. É também pesquisadora do
CNPq. Escreveu, em co-autoria com
Francisco José Calazans
Falcone Antonio Edmilson Mar-
tins Rodrigues, o livro A Guarda Nacional no Rio de Janeiro.
1831-1918. É autora de vários
artigos.
NAVEGAR
E PRECISO
Grandes descobrimentos marítimos europeus
Janaina Amado Ledonias Franco Garcia
OS SONHADORES DE VILA RICA A Inconfidência Mineira de 1789 Edgard Luiz de Barros REINVENTANDO A LIBERDADE A Abolição da escravatura no Brasil Antonio Torres Montenegro
IMPÉRIO DO CAFÉ
A grande lavoura no Brasil — 1850 a 1890
Ana Luiza Martins UMA TRAMA
REVOLUCIONÁRIA?
Do Tenentismo à Revolução de 30
Alda Heizer é licenciada em His-
Antonio Paulo Rezende
e atualmente cursa o Mestrado
NOS TEMPOS DE GETULIO Da Revolução de 30 ao fim do Estado
tória pela PUC do Rio de Janeiro
em Educação nessa mesma Universidade. Trabalha no Museu de Astronomia e Ciências afins, no
Rio de Janeiro, e foi professora de
ensino médio na rede particular.
Novo
Sonia de Deus Rodrigues Bercito O BRASIL DA ABERTURA De 1974 à Constituinte Marly Rodrigues INDÚSTRIA, TRABALHO E COTIDIANO Brasil — 1889 a 1930 Maria Auxiliadora Guzzo de Decca INDEPENDENCIA OU MORTE A San pação política do Brasil IHImar Rohloff de Mattos
Luiz Affonso Seigneur de Albuquerque DE GETULIO A GETULIO
O Brasil de Dutra e Vargas — 1945 a 1954
Francisco Fernando Monteoliva Doratioto José Dantas Filho
DOCE INFERNO Açúcar — guerra e escravidão no Brasil holandês (1580-1654) Elsa Gonçalves Avancini A REPUBLICA BOSSA-NOVA A democracia populista (1954-1964) José Dantas Filho Francisco Fernando Monteoliva Doratioto
O IMPÉRIO DA BOA SOCIEDADE A consolidação do Estado imperial brasileiro
Ilimar Rohloff de Mattos
Marcia de Almeida Gonçalves
A ORDEM É O PROGRESSO O Brasil de 1870 a 1910
Margarida de Souza Neves
Alda Heizer
É O PROGRESSO
A ORDEM
O Brasil de 1870 a 1910 Margarida de Souza Alda Heizer
UMA
PROPOSTA
Neves
DE TRABALHO
Nome: Escola:
A HISTÓRIA QUE ESTE LIVRO CONTA 1. Você leu em “Há cem anos: um tempo de mudanças?” um texto do jornalista Luís Edmundo sobre os problemas da cidade do Rio de Janeiro na virada do século e as soluções que foram então encaminhadas. e Faça um levantamento em alguns jornais sobre os problemas de sua cidade hoje e as soluções propostas. e Preencha o seguinte quadro, com as informações do texto de Luís Edmundo e com o que você leu nos jornais atuais. Rio de Janeiro
Petrópolis
1870-1910
problemas
|
1
| |
|
soluções.
hoje
|
I
problemas
soluções
[Eds
e De quem partiu a iniciativa da solução dos problemas do Rio de Janeiro na virada do século, segundo Luís Edmundo?
e De quem parte, hoje, a iniciativa da solução dos problemas de sua cidade, segun-
do os jornais consultados?
2. Observe o quadro abaixo: Porcentagem dos produtos e valor total da exportação 1821-30 | 1851-40 | 1841-50 | 1851-60 | 1861-70 | 1871-80 | 1881-90 açúcar 30,1% | 20,4% | 26,7% | 21,2% | 12,3% | 11,8% 9,9% café 18,4% | 43,8% | 41,4% | 48,8% | 45,5% | 56,6% | 61,5% algodão | 20,6% | 10,8% 1,9% 6,2% | 18,3% 9,5 % 4,2%
borracha cacau
tabaco
erva-mate
couros e peles
|
Total
— 0,5%
0,3% 0,6%
0,4% 1,0%
2,3% 1,8%
3,1% 0,9%
—
0,5%
8,9 %
1,6%
1,2%
13,6%
7,9%
8,5%
2,9%
1,9%
1,8%
2,6% 1,2%
3,0% | 6,0%
5,9% 1,2%
8,0% 1,6%
1,5%
1,2%
3,4%
5,6%
2,1Go
3,2%
| 85,7% | 86,2% | 96,2% | 91,7% | 90,3% | 95,1% | 923%
Com as informações que a leitura do livro forneceu sobre a economia brasileira e o lugar do país no mercado internacional, por que a observação deste quadro permite afirmar que as exportações do Brasil durante todo o século XIX caracterizam uma economia dependente? (Assinale, ao menos, duas razões.)
— Se você tivesse que listar os produtos da pauta de exportação brasileira para O período 1891-1900 e 1901-1910, que produtos listaria?
— E hoje, que produtos entram na pauta de exportação brasileira?
SS
E
3. Crie, com um grupo de sua turma, uma dramatização com os seguintes elementos: = local: o salão de uma das confeitarias da moda no Rio de Janeiro. — data: dia 16 de novembro de 1889. = personagens: um militar que participou dos acontecimentos do dia anterior; um paulista hberal de passagem pelo Rio; um ex-monarquista da cidade de Vassou-
|
|
recebe
oferece E
——
nível estadual
nível municipal
oferece
nível municipal
base
recebe
|
eleitoral
[ua 6. Imagine que você é um imigrante italiano que veio para o Brasil em 1890. Depois de trabalhar numa fazenda de café perto de Campinas (São Paulo), você fugiu para a cidade de São Paulo em 1902, por causa da crise do café. Na cidade, empregou-se numa fábrica de tecidos. Escreva uma carta a um parente seu na Itália que sonha em seguir seus passos e vir também para o Brasil. Conte sua experiência de trabalho, a situação de sua família e de seus companheiros de fábrica. Dê sua opinião sobre os planos de seu parente que sonha em vir “fazer a América”.
ras que estava no Rio para tratar de negócios; as mulheres dessas três personagens; um positivista gaúcho; o garçom da confeitaria, que não participa da con-
versa, mas, que ao ouvi-la, faz comentários para o público.
— ação: as personagens conversam e opinam sobre os acontecimentos do dia 15 de
novembro dc 1889. (Não se esqueçam de que vocês devem dar um nome a cada personagem, e que cada uma delas deve caracterizar, pelo que diz, suas opiniões e seu lugar na sociedade!)
4, Preencha o quadro abaixo a partir do que leu sobre as várias áreas cafeeiras na região Sudeste:
período de predomínio
Ericcdo
TS
e
l
cidade mais | mão-de-obra importante utilizada
E
posições políticas
err
Por que a área do Oeste Velho paulista é considerada uma área de transição?
e
Por que os fazendeiros do Oeste Novo paulista eram tidos por “homens do pro: gresso '?
5. Junto com dois colegas de turma, reproduza numa folha de papel pardo o triângulo abaixo. Imagine que é uma representação da pirâmide de poder na República VeSales.
lha, a partir do período de governo de Campos
nível
federal
nível estadual
Nível
municipal
— Desenhe, no lugar que corresponde a cada um nessa pirâmide, as seguintes personagens: (lembre-se de que os desenhos devem permitir a todos reconhecer cada uma das personagens!) º um
capanga
e o presidente da República e um
eleitor de uma
cidadezinha
do interior
e um candidato a deputado federal - * um
e um
coronel
membro
da Comissão
de Verificação de Poderes
— A relação entre esses diferentes níveis da pirâmide do poder político na República Velha era de troca, ainda que desigual. Preencha os quadros abaixo de forma a estabelecer como cada uma das instâncias envolvidas se situa: aaa
oferece
nível federal
nível estadual
ento
recebe
7. Os primeiros tempos da Rep .blica caracterizaram-se por sucessivas crises e revoltas. À partir da leitura feita e Ja consulta a outros livros, preencha o quadro abaixo: local
data
motivos | quem
participa | quem
se opõe
8. Você leu que o período estudado neste livro apresenta, ao mesmo tempo, mudanças e permanências. Preencha o quadro abaixo de forma a exemplificar esses dois aspectos do período 1870-1910:
O QUE MUDA
1
O QUE NÃO MUDA
ar
Esta proposta de trabalho integra a obra 4 Ordem é o Progresso. Não pode ser vendida
separadamente.
O Atual Editora Ltda.
revoltas ou movimentos
Na coleção História em Documentos, o aspecto mais significativo — comum a todos os volumes — é a ampla utilização de documentos na organização e desenvolvimento dos assuntos de cada livro. “Documento” no sentido mais abrangente: desde os textos oficiais até os registros, em diferentes linguagens, de experiências humanas no período enfocado: depoimentos, letras de música, textos literários, descrições de viajantes, artigos de jornal, pinturas, charges, fotos. Dessa forma, os leitores terão oportunidade de um contato mais direto e vibrante com o fazer histórico de cada época. Além disso, percebendo como o autor organiza e interpreta os documentos — e, mais ainda, realizando ele próprio os exercicios propostos —, o estudante terá condições de conhecer um pouco mais à linguagem e os princípios do trabalho do historiador.