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Portuguese Pages [43]
Coleção PENSAMENTO HUMANO
F. W. SCHELLING
Volumes já publicados: CONFISSÕF.S - Santo Agostinho SER E TEMPO (Parte I) ·- Martin Heidegger SER E TEMPO (Parte II) -Martin Heide!lfier SONETOS A ORFEU E ELEGIA5 DE DUINO-R.M. Rilke A CIDADE DE DEUS (Parte I: Livros I a X) - Santo Agostinho A CIDADE DE DEUS (Parte II: Livros XI a XXII) -Santo Agostinho O LIVRO DA DIVINA CONSOLAÇÃO (e outros textos seletos) -
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1 AESSE CIADA LIBERDADE HUMANA A
Mestre Eckhart
O ÇONCEITO DE IRONIA -: SA Kierkegaard OS PENSADORES OillGINARIOS-Anaximandro, Parm�nides e
Heráclito
A ESSÊNCIA DA LIBERDADE HUMANA-F. W. Schelling Coordenação
Investigaçõesfilosóficas sobre a essência da liberdade humana e das questões conexas
Emmanuel Carneiro Leão Conselho Editorial
Hennógenes Harada Sérgio Wrublewski Gilvan Foge! Arcângelo R Buzzi Gilberto Gonçalves Garcia Márcia C. de Sá Cavalcante
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TRADUÇÃO E INTRODUÇÃO Márcia C. de Sá Cavalcante
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de livros, RJ. s345e
90-0730
Schelling, Friedrich WileimJoseph von, 1775-1854 A essência da liberdade humana : investigações filosóficas sobre a essência da liberdade humana e das questões cone xas/ F. W. Schelling ; tradução e introdução Márcia C. de Sá Cavalcante. - Petrópolis, RJ : Vo:z.es, 1991 (Pensamento humano) ISBN 85.326.0496-X 1. liberdade. I. T'úulo. II. Série.
CDD-123.5 CDU-123.1
VOZES Petrópolis
1991
© 1990, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25689 Petrópolis, RI
Brasil
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A presente tradução foi feita a partir de SCHEil..ING, Friedrich Wilhelm Joseph: Philosophische Untersuchungen über das Wesen der menschlichen Freiheit und die damit zusammenhãngenden Gegenstãnde., 2a. ed., Frankfurt am Main, Suhrkarnp, 1984 (Suhrkarnp-Teschenbuch Wissenschaft; 138). Diagramação Daniel Sant'Anna
INTRODUÇÃO (Márcia C. de Sá Cavalcante), 7
ISBN 85.326.0496-X
A ESSÊNCIA DA UBERDADE HUMANA, 17
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~· EDil1JAA VOZES
1901 ·1991
Uma vida pelo bom livro
Este livro foi composto e impresso nas oficinas gráficas da Editora Vozes Uda. em fevereiro de 1991.
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Dois grandes acontecimentos marcaram, defmitivamente, o início do século XIX e as vias de 5eu desdobramento. O primeiro foi o advento da filosofta crítica de Kant e a revolução por ela instalada no pensamento europeu. Com Kant, a filosofia pode se detemiinar, cabalmente, como "teleologia da razão humarta" na medida em que delimitou, pela primeira vez, os limites da razão frente à sensibilidade segundo um princípio claro e uma fundamentação suficiente. Nessa determinação da filosofia, a razão humarta foi não somente compreendida como o instrumento através do qual a filosofta conhece mas, sobretudo, como o objeto da ciência filosófica na unidade de seu sistema. O sistema da razão exprime-se, então, como a unidade das três idéias mais elevadas, a saber, a idéia de deus como a existência que é e subsiste em si mesma, a idéia do mundo como pronúncia da totalidade e a idéia do homem como essência moral fundada na liberdade de escolha do indivíduo. Para Kant, essas três idéias pertencem necessariamente à razão humarta e é somente a partir delas que a razão pode realizar-se como a faculdade dos princípios de validade universal. Com a delimitação da razão humana na unidade das três idéias fundamentais, Kant pode ·redefmir a essência da liberdade, ampliando o seu conceito formal de domínio do inteligível sobre o sensível mediante a conceituação suficiente da autonomia, ou seja, da possibilidade de legislar determinar a si mesmo a partir de seu próprio fundamento. Para Kant, o conceito de autonomia assenta-se, exclusivamente, sobre a razão humana e é essa exclusividade que marcará a compreensão e experiência históricas desse novo século. O segundo grande
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acontecimento foi a Revolução Francesa que traduziu os anseios de . uma nova ordem político-social com base numa redefinição do valor e dos direitos do homem. Em termos da ordem social, essa redefinição vai se exprimir na célebre máxima- "Uberdade, igualdade e fraternidade". A nova sociedade deveria refletir a posição soberana da razão que, habitando igualmente todos os indivíduos, os irmana na condição de sua liberdade. Qual é, no entanto, a condição da liberdade humana? Nos Escritos sobre a Revolução Francesa, Fichte responde a essa questão, apreendendo, nesse grande evento da história modema, a idéia Kantiana do homem como essência moral, fundada na liberdade de escolha do indivíduo. Assim, podemos ler numa passagem: "O homem não pode ser herdado, nem vendido e nem tampouco presenteado. O homem não pode ser propriedade de ninguém porque ele é e deve permanecer propriedade de si mesmo. Ele carrega no fundo de seu peito uma chama divina, a consciência moral, que o eleva sobre a animalidade, tomando-o cidadão de um mundo cujo primeiro parceiro é deus. Essa consciência lhe possibilita querer isso ou não querer aquilo de maneira incondicional, livre e a partir de seu próprio movimento, sem nenhuma pressão ex.terior" 1 Entendida como a capacidade de autodeterminação a partir de seu próprio fundamento, isto é, de sustentação sobre si mesma, a liberdade humana descobre sua única. condição no próprio movimento de sua consciência, no seu "si-mesmo". Autonomia e independência dizem, em última inslância, dependência· exclusiva de si-mesmo, ou seja, de sua própria consciência. Essa condição da liberdade como dependência de si ou correspondência a uma pressão interior, à consciência, constitui, propriamente, o cerne de todos os movimentos políticos e sociais que, ao longo do século XIX, se fizeram no eco desse espírito revolucionário. Os movimentos de independência das colônias, as revoltas de grupos e clàsses nas metrópoles, as guerras napoleónicas de conquista e a constituição. de estados soberanos traduzem a apropriação dessa nova compreensão da essência da liberdade. Condicionada a si mesma, a liberdade coloca a questão da essência desse "si-mesmo", do teor da consçiência ou, em termos mais precisos, da subjetividade do sujeito. E com base nessa experiência que se torna candente determinar a relação entre indivíduo e sociedade, particular e üniversal, 1. FICHTE, J. G. Schriften zur Franzõsischen Revolution. Verlag Philipp Reclam, Leipzig, 1988, p. 14.
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unidade e totalidade, pois se trata de delimitar as fronteiras do si-mesmo (sujeito) para viabilizar os caminhos de sua expansão e desdobramento (de sua objetivação). É assim que o século XIX tem início com o movimento expansionista e universalizante da consciência representado pela era napoleónica. A célebre frase de Napoleão- "Ia politique c'est /e destin" -, pronunciada por ocasião de seu encontro com Goethe em Erfurt, concentrá um entendimento da essência do "si-mesmo", em sua concreção histórica de nação, indivíduo e sociedade, como o que deve se determinar a partir de uma ordem universal "fora de si", que Napoleão denominou de política. O expansionismo napoleónico revela o anseio de universalização do si-mesmo, o ímpeto de transcendência e objetivação, entendido como unificação de individualidades. Concomitantemente a essa resposta expansionista, a Alemanha, na emergência de sua unificação, empreende, na Prússia, uma reforma administrativa que visava a conquista de uma unidade espiritual não apenas da Alemanha mas de toda a Europa. Essa reforma apresentou-se na presença de Fichte na Academia de Berlim, na ressonância de Schleiermacher, na nomeação de Wilhelm von Humboldt como Ministro de Cultura da Prússia e responsável pela fundação da Universidade de Berlim, pela força de criação representada pelo Idealismo Alemão e por todo o movimento romântico. Essa reunião de grandes nomes empenhou-se pela construção de um "Estado do Espírito" em que, ao contrário da máxima napoleónica, o destino se definia como espírito, ou seja, como a liberdade de ser na "unidade" de si mesmo. Desde então, o mundo Ocidental experimenta a questão da essência de si-mesmo como a questão da identidade e diferença desses dois modos de afrontamento de si, expressos na diferença entre "unificação" e "unidade". É no 8mbito dessa questão que se apresenta a necessidade histórica de um aprofundamento radical do problema da liberdade como questionamento da unidade do si-mesmo. Esse é o ponto de partida histórico das "investigações filosóficas sobre a ess~nda da liberdade humana e das questões conexas". Datadas de 1809, as investigações respondem não somente às exigências históricas mas, sobretudo, à disposição radical do "coração intrépido" da filosofm. Pois trata-se de investigações filosóficas sobre a essência da liberdade humana e de suas questões conexas e, portanto, de um apelo que perpassa, ultrapassando, todo e qualquer condicionamento. Ultrapassar não diz, aqui, alijar ou passar por cima das contingências históricas mas sim pensar a partir do gesto instauràdor da filosofia. Esse gesto é a escuta da compreen-
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são de ser. Todo pensamento e palavra radicalmente filosóficos são . um retomo a esse gesto para dele partir mais uma vez. O retomo ao ponto de partida dimensiona a essência fundamentalmente histórica da filosofia, de sua necessária remissão ao já pensado. O caráter dessa remissão é, porém, de uma missão, de conquista do seu inaudito, em suma, de seu porvir. Longe de repetição de conteúdos ou de um consentimento irrefletido, a remissão filosófica é, como já disse Platão, um "espanto" frente ao já dito, à compreensão já consolidada numa tradição. Nesse sentido é que todo pensamento criador remove as bases dessa consolidação, questionando as origens de sua evidência. Schelling disse, certa vez, que "ao se querer honrar um filósofo, deve-se apreendê-lo justo aonde ele não alcancou todas as conseqüências, ou seja, em seu pensamento fundamental, (no pensamento) de onde ele parte". As investigações filosóficas sobre a essência da liberdade humana partem do fato e da evidência da liberdade do homem. Por liberdade humana entende-se, imediatamente, o problema da liberdade de escolha e, desse modo, consentimos irrefletidamente que ser livre é poder escolher, seguindo exclusivamente a própria consciência. A liberdade de escolher entre isso e aquilo não atinge, contudo, o coração da liberdade uma vez que é escrava da predeterminação de que "isso" e "aquilo" são o que são e assim objetos possíveis de uma escolha. Isso como isso e aquil~ com~ aquilo evidenciam uma consciência que transcende cada consciência individual possível na medida em que já foram, preliminarmente "escolhidos" antes da escolha do sujeito. Sem essa pre-detenni~ nação, a liberdade de escolha transforma-se no famoso asno de Buridano que morreria de fome e sede por não saber escolher entre um alqueire de aveia e um balde de água, colocados à sua igual distância e em continentes de igual feição, por não saber escolher o indetenninado. O problema da liberdade assenta-se, mais profundamente, na compreensão de ser que permite qualquer detenninação e indetenninação. Pois em tudo o que, no homem, se detennina ou mantém indeterminado obedece, previamente, a uma abertura de ser. Esse pertencimento primordial é a liberdade do homem. Do ponto de vista ontológico, o fato da liberdade humana evidencia-se na experiência de que não é a liberdade que pertence ao homem mas o homem que pertence à liberdade. Com esse ponto de partida, o fato da liberdade humana ganha claridade. Pois o homem é livre na medida em que pertence à . liberdade. A questão da liberdade humana tem início com uma compreensão de princípio do ser do homem. Nessa compreensão,
pertencer é um modo de ser cuja modalidade própria é revelar em si mesmo um outro sobre o qual repousa e assenta, revelar um fundo e fundamento de si mesmo. Na medida em que pertencer exprime a revelação do fundamento como modo de ser do homem, o que es1á em jogo é a compreensão do ser em geral. Por isso é que, em sua radicalidade ontológica, a questão da liberdade humana só pode apresentar-se com base na questão da essência do fundamento para os entes em sua totalidade e é somente a partir dessa apresentação que, para Schelling, as investigações podem cumprir a sua via propriamente filosófica. As investigações têm início discutindo as possibilidades de um "sistema da liberdade". Com essa expressão, Schelling pronuncia o ponto de partida ontológico de ser como pertencer. Pois o conceito de sistema implica, inexoravelmente, o pertencimento e esse enquanto remissão necessária ao fundamento. O desafio instaurador dessa discussão reside na imediata incompatibilidade entre o con- · ceito de liberdade e o de sistema uma vez que a liberdade é, numa tradição consolidada, autonomia e independência, em suma, o que exclui de si mesmo toda remiSsão a um outro fora de si, a um fundamento, a um sistema. A incompatibilidade principal entre liberdade e sistema perpassa toda a tradição filosófica quer nos termos das teorias da emanação, concurso e imanência, quer, modernamente, na disputa entre panteísmo e fatalismo. Como algo que subsiste em si mesmo, isto é, livre e autónomo, pode ter seu fundamento fora de si, em um outro? Ou ainda, como deus, sendo o bem supremo pode criar o homem e, assim, a possibilidade do mal? A liberdade do homem e a questão da possibilidade do mal conectam-se no problema da existência como dissociação e individuação do bem supremo. A aporia fatalista pode desfazer-se somente na admissão de um "sistema da liberdade" que reclarra, primeiramente, uma discussão originária do conceito modemc de autonomia. A sua discussão constitui o eixo articulador da crítira de Schelling às bases do pensamento moderno e, em especial, de Kant e Fichte. Schelling faz aparecer a insuficiência do conceito, mostrando a insuficiência da determinação moderna de "auto", isto é, do "si-mesmo". Pois na medida em que algo subsiste em si, .am que algo é autonomo como individualidade, pressupõe-se, ·lecessariamente, um outro frente ao qual se diferencia e distingue. Subsistir em si mesmo implica sempre o "fora de si". "Fora" do singular é o todo e a totalidade. Desse modo, onde, de fato, se dá liberdade do singular, individuado e autónomo, dá-se conjuntamente a totalidade do mundo. Esse dar-se conjunfarrlente, em grego syn-
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tithemi - sistema, da totalidade do mundo em cada indivíduo exprime-se, ·especulativamente, como "ser é pertencer". A força de reunião pronunciada nesse "conjuntamente" exige, por sua vez, uma compreensão essencial do "é" da cópula do juízo como identidade, excluindo todo o equívoco da igualdade. A incompatibilidade, tradicionalmente atribuída a um "sistema da liberdade", reside, portanto, numa incompreensão da ~ncia da cópula tomada irrefletidamente como mera igualdade. Enquanto identidade, o "é" carrega ao mesmo tempo a sua diferença, sendo como tal "dialético". Em sua força dialética, que aqui significa, em dando conjuntamente a totalidade do mundo em tudo o que é, o "é" pronuncia-se, mais profundamente, como revelação. Tudo o que é em si mesmo é, em sua diferença, revelação da totalidade de tudo o que é, revelação de deus. E somente nessa transformação da compreensão ontológica operada pelo conceito de revelação é que se torna possível um "sistema da liberdade", e a sua pronúncia na sentença "deus é tudo". Como, no entanto, explicar a diferença na identidade entre deus e tudo? Se tudo é revelação de deus é preciso que a sua diferença também revele .uma diferença em deus. Essa é a diferença entre o fundamento de deus e a sua existência. Com essa formulação, Schelling abre, pela primeira vez no seio da metafísica da subjetividade, a possibilidade de um questionamento originário do pertencimento do homem a deus e à totalidade como liberdade. Admitindo em deus a diferença entre fundamento e existência, admite-se um deus em devir, um deus histórico, que conhece, em si mesmo, um passado e, portanto, a negatividade do ainda-não. Esse conceito vivo de deus, que abraça num certo nível a questão do não, dimensiona a liberdade como um processo de formação interior de deus (Ein-bildung). Para tanto, é preciso que o conceito de fundamento conquiste uma profundidade ontológica que o entendimento comum de "ratio" e razão não é capaz de propiciar. O fundamento em deus da existência de deus se mostra, ao contrário, como base de uma proveni~nda. Nessa determinação, o fundamento deve ser pensado no horizonte de uma passagem cujo passado só pode pronunciar-:se como tal em seu porvir. O que assim provém, longe de abandonar o fundamento, ~ justo o que permite que o fundamento seja o seu fundamento. A existência não nega o fundamento mas o realiza. Só emergindo como tal na existência, o fundamento não pode mais ser entendido como prioridade da essência. Aqui não há primeiro e nem último mas sim uma simultaneidade ressonante. Enquanto revelação, a existência é assumida como percussão do fundamento e este como vontade de exisMnda. Para que a vida de deus se realize é preciso que a sua
existência mantenha sempre acesa a chama da vontade de existência (do fundamento), e é por essa necessidade interior de deus que se cumpre a criação de todas as coisas. Para realizar a existência de deus, a criação do mundo deve também percutir a diferença entre fundamento e existência. Em cada movimento do mundo, em cada configuração temporal e espacial, ou seja, em cada individuação, a existência revela o fundamento, percutindo o movimento de recondução para além de si mesma, para o seu ainda-não, que é a sua força propulsora. Toda a existência renova a sua fundação, realizando-a mais uma vez. Nesse sentido é que se pode dizer que ela re-faz o seu "passado". O começo de deus em si mesmo e no mundo não é um começo que deixa de ser começo ao começar. Ao contrário, trata-se de um eterno começo, o que permanece começando. A criação do mundo faz-se, portanto, por um transbordamento da vontade divina de existência que, espalhando-se como palaVra e configuração (como existência), reacende, na cisão, a chama dessa vontade. Em sua palavra e configuração, toda existência consiste num desprendimento do centro criador, guardando, como tal, inexoravelmente, a nostalgia do centro para "vir a ser" o que é. Com essa metafísica da criação, Schelling projeta a possibilidade de um conceito originário de unidade, para além do entendimento comum do nexo causal, agregado ou igualdade. Pois a chama viva da cisão na identidade implica uma compreensão da unidade como elo integral, em si mesmo in-diferente, isto é, que abriga dentro de si o mistério da dinâmica de diferenciação. A unidade llilo é, pois, um fundamento último a que se poderia reconduzir toda diferença como "razão de ser" mas o sem-fundo dessa diferenciação na identidade. Sem fundo é a tradução literal da palavra grega abismo (Ungrund). O abismo exprime a unidade de uma diferenciação incessante, sendo, por isso, o seu conceito vivo. No processo da gênese de deus, o abismo se pronuncia em níveis de reunião na cisão, pronuncia-se como espírito e, no fundo de si mesmo, como amor. O abismo anuncia a unidade numa negação - sem fundo - da diferença. Essa ausência não tem, contudo, o sentido formal de exclusão. Seu sentido é de uma privação positiva, aquela que constitui a condição de possibilidade do acontecimento da existência. Mais do que uma denegação, o abismo anuncia a unidade enquanto uma abnegação ontológica. Ao conquistar o horizonte ontológico do conceito de unidade como abismo, Schelling faz aparecer a possibilidade de um "sistema da liberdade". Pois, tal como se pode entrever na compreensão de
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ser como revelação, abraçou-se, pela primeira vez na melafísica da . subjetividade, a questão ontológica do não. A existência é um sim que revela um "não", entendido como "ainda-não" de si mesma. Com base nesse alargamento ontológico, o conceito moderno de liberdade humana como autodeterminação e autonomia evidencia a sua insuficiência. Com ele ainda não se determina em que consiste esse fundamento e lei do homem. De onde 9 homem se determina como o que é capaz de determinar a si mesmo? Ou ainda mais amplamente, de onde o homem determina a sua própria consistência? O conceito de liberdade humana como autodetermina_.ção e autonorrJa mostra-se apenas como o seu conceito formal. E pãrtindo de um entendimento mais radical da essência do homem, com base na compreensão de ser como revelação, que se pode alcançar o seu conceito real. Nessa base, a essência do homem enuncia-se como o vir a ser o que ele já é e, portanto, de revelar o fundamento na existência, mantendo acesa 1anto a chama do fundamento (movimento para o fundo obscuro) como a da existência (esclarecimento desse fundo). Para haver revelação é preciso que haja tensão de contrários. Assim, para que deus exista é preciso que o homem exista. Para que o homem exista é preciso gue deus "exista". A condição de possibilidade para a revelação da totalidade é o distinto que a repercute em seus contornos. O desprender-se de deus para alcançar a individualidade é, porém, o mal. O mal não possui aqui, de forma alguma, um sentido moral e derivado de predicado óntico. O mal é compreendido ontologicamente como desprendimento do fundamep.to da vontade criadora a fim de prender-:se .a um simesmo. E somente nessa dimensão que Schelling pode formular o conceito real da liberdade humana como a "faculdade do bem e do mal". Decisivo nessa formulação é o conectivo, o "e", que exprime a força viva da unidade doadora de toda existência. Ser homem é "ter de existir", ou seja, não poder não prender-se a um si mesmo a partir de um desprendimento do fundamento da vontade criadora. Esse "a partir de...", esse "passado", em sentido radicalmente metafísico, não podendo ser abandonado, é sempre apelo de volta, ou seja, mantém-se presente como eterna nostalgia. Este é o bem no mal. A copertinência do bem e do mal como movimento de constituição da existência livre dimensiona a essência do homem como "ser para deus" e, desse modo, toda a existência como ser para a totalidade. Concebendo o ser do homem e o coração de toda a existência como uma estrutura de direcionamento para a totalidade, Schelling coloca a questão da liberdade do homem como a via de transcendência, construída na pergunta sem fim do limite de seu ser. Com as "Investigações", Schelling assume, filosofica-
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mente, a pergunta do limite que Hõlderlin enunciou na simplicidade da poesia: "Por que o mundo não é suficientemente pobre para procurar fora de si um outro?" 2 O teor problemático apresentado pelas "Investigações fllosóficas sobre a essência da liberdade humana e das questões conexas" encontra o nosso presente histórico com uma força de atualidade, possível apenas numa obra verdadeiramente criadora. Toda obra ftlosófica fundadora constitui-se, ela mesma, a partir da liberdade, sendo, pois, obra de 'escuta e pertencimento à força histórica da existência. Os novos horizontes, começos e provocações então vislumbrados mostram-se possíveis na medida em que se entende que é somente a partir da compreensão do sentido de ser que podemos assumir, historicamente, o legado do pensamento. Jamais a questão da liberdade humana e da essência do homem foi tão urgente como hoje. Enquanto cidadãos do mundo da técnica, acostumamo-nos a tomar a parte pelo todo, a assumir determinações singulares como o único e a acatar o sectarismo como via de libertação. Na crença de que a repartição do mundo pode nos propiciar o que queremos, fugimos do sentido da totalidade enquanto a tarefa de conquistar o que somos. Todavia, sem a coragem de afrontarmos o sentido de ser na missão ·do pensamento não há possibilidade alguma de transformar as fundações e intenções do homem. Para esse afrontamento, exige-se a coragem de abandonar os ídolos, idolatrias e idéias fixas. Como disse Schelling, certa vez: "Pois aquele que se quer colocar no ponto instaurador da filosofia verdadeiramente livre deve abandonar até mesmo deus. Isso aqui significa: aquele que quer conservá-lo deve perdê-lo e quem se despojar haverá de encontrá-lo. Somente aquele que chegou ao fundo de si mesmo e conheceu toda a profundidade da vida, que já tudo abandonou e foi ele mesmo por todos abandonado, para quem tudo naufragou e que sê viu sozinho com o infinito, foi et:tfaz do grande passO", que Platão já comparou com a morte"
Márcia C. de Sá Cavalcante 2. HÕLDERUN, Werke und Briefe. Insel Verlag, Frankfurt am Main, 1969,
p.300. 3.SCHEU.ING,F.W.J.AusgewãhlteWerke.WissenschaftllcheBuchgesellschaft, Dannstadt, 1986, IX, 217/218.
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A ESSENCIA DA LIBERDADE HUMANA Investigações filosóficas sobre a essência da liberdade humana e das questões conexas.
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Com relação ao presente traiado, o autor tem pouco a observar. O que primeiro se costuma atribuir à essência da natureza espiritual é razão, pensamento e conhecimento. Sob esse prisma é que se convencionou observar a oposição entre natureza e espírito. Não só a crença arraigada em uma razão exclusivamente humana, a persuasão de que todo pensamento e conhecimento são plenamente subjetivos e de que a natureza é, de todo, desprovida de pensamento e razão legitimam essa via de observação; a isso iambém se acrescenta o modo mecanicista das representações em que, mesmo o caráter dinâmico das representações revelado por Kant, acabou transformando-se em um mecanicismo ainda maior, incapaz de reconhecer a sua identidade com o espírito. Dessa maneira, extirpou-se a ra~ de tal oposição e, segundo a opinião consolidada, podemos agora, com toda calma, nos entregar ao progresso geral rumo a um conhecimento melhor. Todavia, é chegada a hora de emergir a oposição mais elevada e, sobretudo, mais própria, qual seja, aquela entre necessidade e liberdade com a qual, somente, se pode observar o coração da filosofia. Após a primeira exposição geral de seu sistema (na Revista de Física Especulativa), infelizmente interrompida por circunstâncias alheias à sua voniade, o autor limitou-se, simplesmente, a investigações relacionadas à Filosofia da Natureza. Depois do escrito Filosofia e Religião, em que se buscou um começo, m~grado a sua
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falia de clareza, o presente traiado é o primeiro em que o autor apresenta, com plena determinação, o seu conceito da parte ideal da filosofia. Caso esse último escrito possua alguma relevância, deve-se posicionar o presente traiado como seu posterior e que, de acordo com a natureza de seu objeto, oferece chaves mais profundas para a totalidade do sistema do que qualquer outra exposição parcial. Com exceção do escrito Filosofia e Reljgigo, o autor não chegou a esclarecer os principaiS pontos iais que liberdade da voniade, o bem e o mal, a personalidade, etc. Mesmo assim não foi possível eviiar as opiniões tão inadequadas relativamente a esse último escrito que, sem lhe presiar muita atenção, basearam-se somente em seus próprios critérios. Na suposição de obedecerem às proposições fundamentais do autor, os chamados adeptos desautorizados acabaram trilhando caminhos equivocados iambém no tocante a essas coisas. Em sentido próprio, somente um sistema concluído e fechado pode, ao que parece, promover adeptos. Até hoje, o autor jamais apresentou um tal sistema, tendo mostrado apenas aspectos isolados (e mesmo estes numa relação sLngular ou então polêmica). Por isso seus escritos foram sempre considerados fragmentos de um todo cuja compreensão exige uma capacidade de observação mais refmada do que a apresentada pelos seguidores impertinentes e uma boa voniade ainda maior do que a usualmente encontrada nos inimigos. Na medida em que a única exposição científica de seu sistema não se viu concluída, ninguém ou, no máximo, bem poucos, pode compreendê-lo em sua tendência mais própria. Logo após o aparecimento desse fragmento, seguiram-se, de uma parte, calúnias e falsificações e, de outra, a elucidação, interpretação e tradução que tiveram seu pior exemplo naquelas que fizeram uso de uma linguagem supostamente mais genial (já que, desse meio tempo, uma vertigem poética insustentável parece ter dominado todas as mentes). Parece que a tendência atual é a de um tempo mais são. Busca-se, novamente, a confiança, a assiduidade e o próprio. Começa-se a reconhecer o vazio daqueles que, valendo-se de adágios da nova filosofia, pavonearam-se como heróis do teatro francês ou daqueles que se comporiararn como equilibristas numa corda bamba. Também os que propagaram como um realejo a pressa do novo por todas as praças acabam por provocar iamanha repugnância que logo deixarão de encontrar algum público. Especialmente quando os juízes, mesmo bem intencionados, eviiarem afirmar sobre toda e qualquer rapsódia, enquanto conjunto de maneirismos de linguagem próprios a um
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célebre escritor, que ela se faz de acordo com os princípios do autor . que aqui vos fala. Eles deveriam tratar cada um deles como original, o que, no fundo, todos pretendem ser e, em certo sentido, até o são. Que esse tratado possa, portanto, eliminar, de uma parte, alguns preconceitos e, de outra, a tagarelice inócua e facilitadora. Por fim, esperamos que também os ataques dirigidos, de forma explícita ou velada, contra o autor possam, enião, expor sem reservas suas opiniões, tal como agora o fazemos. Ademais, se, por um lado, o domínio integral de um objeto possibilita a construção livre e engenhosa do próprio objeto, de outro, não pe~encem à forma da filosofia os caminhos tortuosos da poU~mica. E também nosso desejo que o espírito de uma busca comum se consolide cada vez mais e que nunca chegue a impedir os alemães, tantas vezes subjugados pelo sectarismo, de conquistarem um conhecimento e uma intuição para os quais parecem destinados e dos quais jamais estiveram ião próximos como agora. Munique, 31 de março de 1809.
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As investigações filosóficas sobre a essência da liberdade humana podem, por um lado, tender ao seu justo conceito, na medida em que o fato da liberdade, do qual se possui um sentimento imediato, não aflora tanto na superfície, exigindo pureza e profundidade de sentido pouco comuns, mesmo que apenas para exprimilo com palavras. Por outro lado, podem tratar do nexo entre esse conceito e o todo de uma concepção científica do mundo. Considerando-se que nenhum conceito pode se determinar isoladamente, que somente a comprovação de seu nexo com o todo é que pode lhe propiciar a plenitude científica e que, em quaisquer dos dois casos, o conceito deve ter realidade, ou seja, não deve ser um conceito subordinado ou subsidiário e sim um conceito predominante no seio do sistema, enião ambos os modos de investigação devem coincidir não apenas aqui mas em toda parte. Em viriude de uma antiga lenda, ainda hoje não superada, o conceito de liberdade se apresenta como algo imcompatível com o sistema e, assim, toda filosofia que pr~nde unidade e totalidade tende a negar o conceito de liberdade. E difícil combater afirmações dessa natureza; pois quais não serão as representações limitadoras ligadas à palavra sistema que tornam essa afirmação, de um lado, verdadeira· e, de outro, ião comum? Ou será que isso significa que o conceito de sistema refuta de maneira geral e em si mesmo o conceito de liberdade? Nesse caso, considerando-se que a liberdade individual está, de alguma maneira, em conexão com a totalidade do mundo (seja esta pensada realista ou idealisticamente), parece bastante curioso que exista, ao menos no entendimento divino, algum sistema compatível com a liberdade. Afirmar, de forma geral, que esse
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sistema jamais poderá ser apreendido pelo entendimento humano não diz nada, pois dependendo do sentido em que se toma, essa proposição pode ser tanto verdadeira como falsa. Tudo depende de como se determina o princípio do conhecimento humano em geral. Com relação a esse tipo de conhecimento, podem-se aplicar as palavras de Sexto Empírico a respeito de Empédocles: tanto o gramático como o ignorante podem representar esse conhecimento como efeito de bazófia e da pretensão de superar alguém, características que devem permanecer estranhas mesmo para aquele que possui apenas poucos rudimentos de filosofia. Quem parte, porém, da teoria física e sabe que se trata de uma doutrina bastante antiga aquela que afirma que o igual só se conhece pelo igual (comumente atribuída a Pitágoras mas que, desenvolvida por Platão, remonta propriamente a Empédocles) pode compreend~r que o filósofo só é capaz de reivindicar um tal conhecimento divino porque, guardando o entendimento na pureza e na distância de todo o mal, somente ele pode conceber pelo deus dentro de si o deus fora de si1. Apesar disso, aqueles que guardam pouca inclinação para a ciência é que puderam adquirir o hábito de tomar a ciência como o conhecimento abstrato e destituído de vida como a geometria comum. Mais rápido e eficaz seria negar a existência do sistema tanto na vontade como no entendimento da essência primordial (Urwesen) e, assim, afirmar somente a existência de vontades individuais que constituiriam, cada uma para si, um centro e onde cada eu, segundo a expressão de Fichte, apresentar-se-ia como substância absoluta. Mas tanto quanto o sentimento que reclama liberdade e personalidade, a razão, em seu afã de unidade, só pode ser reprimida por uma decisão autoritária que, por isso, demanda um tempo e acaba por malograr. Foi assim que a doutrina fichteana teve de atestar e reconhecer a unidade mesmo na forma incipiente de uma ordem moral do mundo o que a levou, imediatamente, a contradições e à sua inadmissibilidade. Assim, por mais que tal afirmação se justifique historicamente e de acordo com os sistemas anteriores (pois em parte alguma encontram-se fundamentos hauridos da razão e do conhecimento), é lícito dizer que o nexo entre o conceito de liberdade e o todo da concepção de mundo
1. Sext. Empir., adv. Gramaticas LI. c. 13, p. 283, ed. Fabric. (Sobre a doutrina ahibuída primeiramente a Empédocles de que o igual só se conhece pelo igual, Cf. Aristót~es. De Anima, 427b: roil7:o yáp tvavríov r{{J r@ Óp.oíp rõ op.OLOV yvwpt~etv. N. da T.).
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sempre permanecerá objeto de uma tarefa necessária, sem a qual oscilaria o próprio conceito de liberdade e a filosofia perderia todo valor. Somente essa grande tarefa constitui o moto invisível e inconsciente de todo e qualquer elã de conhecimento, do mais simples ao mais elevado. Sem a contradição entre necessidade e liberdade, não só a filosofia mas também a vontade mais elevada do espírito estariam fadadas ao desaparecimento o que ocorre, aliás, com toda ciência a que não se pode aplicar tal contradição. Renegar a razão e, assim, eximir-se da ação é um gesto bem mais próximo da fuga do que da vitória. Com o mesmo direito alguém poderia dar as costas para a liberdade e jogar-se nos braços da razão e da necessidade. Em nenhum desses dois casos, porém, poder-se-ia falar de triunfo.
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Essa opinião receberia uma expressão mais precisa nas seguintes palavras: o único sistema possível para a razão é o ~an; teísmo mas este se mostra, inevitavelmente, como fatalismo . E inegável que esses termos gerais, na medida em que designam de uma só vez todas as concepções, constituem uma invenção admirável. Mas caso se encontrasse o termo correto para um sistema, o resto decorreria de per si e não mais se justificaria o esforço de uma investigação mais precisa de suas características próprias. Com a ajuda desses termos, até o ignorante, desde que informado a seu respeito, poderia julgar e sentenciar sobre o mais digno a ser pensado. Nessa afirmação tão extraordinária, porém, tudo depende de uma determinaÇão mais precisa do conceito. Pois não se pode negar que, tomado como a doutrina da imanência das coisas em deus, o panteísmo inclui, de algum modo, toda concepção racional,. Entretanto, é justamente aqui que o sentido constitui a diferença. E incontestável que um sentido fatalista liga-se a essa doutrina. Não se trata, contudo, de uma ligação essencial visto que tantos são levados a tal concepção justamente pelo sentimento mais vivo da liberdade. Se falasse com honestidade, a grande maioria haveria de confessar que, de acordo com suas representações, a liberdade individual lhe parece entrar em contradição com quase toc!as as propriedades de um ser (essência) supremo como, por exemplo, o caráter de todo-poderoso. Em princípio, a liberdade afirma-se como um poder incondicionado fora e ao lado do poder de deus, o que, 2. Já são bem conhecidas afinnações dessa natureza. Deixamos, porém, em aberto até que ponto podem receber um outro sentido as palavras de Schlegel no escrito "ÜberdieSprache Wld Weisheit der Indiern, p. 141, que dizem: "O panteísmo é o sistema da razão puran.
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em virtude do próprio conceito de divindade, seria impensável. Da · mesma forma que, no firmamento, o sol apaga todas as demais luzes do céu, o poder infinito tornaria opaca toda a ftnitude. A causalidade absoluta em um único ser só deixa a todos os demais urna passividade incondicionada. Com isso, demonstra-se que todos os seres do mundo dependem de deus, que a sua continuidade é urna criação necessariamente renovada a qual produz a essência finita, não de forma geral e indeterminada, mas como essa essência individual, cujos pensamentos, empenhos e ações são esses e não outros. Dizer, portanto, que deus retraiu seu poder para que o homem pudesse agir ou, ainda, que ele permite a liberdade do homem, nada esclarece. Pois se deus retraísse seu poder por um único instante o homem simplesmente deixaria de ser. Será que a única maneira de escapar a esse raciocínio é argumentar que a liberdade do homem é impensável se tomada em contraposição ao todo-poderoso e que, para salvar-se na essência divina, o homem não pode ser fora de deus mas somente em deus, e que a sua atividade própria pertence à vida de deus? Foi justo com base nesse ponto que os místicos e os espíritos religiosos de todas as épocas alcançariam a fé na unidade do homem com deus, o que parece satisfazer mais ao sentimento interior do que à razão e à especulação. A própria Escritura encontra na consciência da liberdade o selo e a garantia da fé em nossa vida e de nosso ser em deus. Como é então possível que justamente a doutrina que tanto afirmou o homem para salvar a liberdade se dispute com a liberdade? Uma outra explicação do panteísmo, considerada ainda mais pertinente, é aquela que identifica totalmente deus com as coisas, misturando a criatura com o criador e afirmando, desde então, tantas outras palavras duras e insustenláveis. Dificilmente, porém, se poderá distinguir derb1ma mais total deus e as coisas do que Spinoza, considerado como um clássico dessa doutrina. Deus é aquilo que é em si e que concebe a si somente a partir de si mesmo: a ftnitude é, ao contrário, o que é n~ente em outro e que só pode ser concebido a partir desse outro. E manifesto que, em conseqüência dessa distinção, as coisas não se distinguem de deus de forma gradual ou mediante suas limitações, como poderia parecer numa observação superficial da doutrina das modificações. Elas se distinguem, ao contrário, toto genere. Qualquer que seja a relação estabelecida com deus, as coisas dei~ se separam absolutam~nte na. medida em qu~ só podem ser num ~ segundo um outro (s~gum;lo Ele). O seu conceito é, pols, um conceito d~do, impossível sem o conceito de d~t,~s. O conceito de deus, ao contrário,
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é o único autónomo e originário, capaz de afirmar apenas a si mesmo e frente ao qual tudo o mais só pode relacionar-se como afirmado, ou seja, como conseqüência de um fundamento. Somente com base nessa pressuposição é que outras propriedades das coisas, a sua eternidade, por exemplo, adquirem validade. Deus é eterno de acordo com a sua natureza. As coisas são apenas com ele e como conseqüência de sua existência, isto é, as coisas são modos derivados. Justamente em virtude dessa diferença é que, apesar da opinião corrente, a reunião de todas as coisas não pode constituir deus. Pois da mesma forma que a reunião dos pontos individuais não podem constituir a sua periferia, pois, enquanto totalidade e segundo seu próprio conceito, a periferia é o pressuposto de cada um dos pontos, também o derivado não pode, mediante qualquer tipo de reunião, transformar-se no que, em sua natureza, é originário.
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Ainda mais despropositada é a concluSão de que, em Spinoza, cada coisa singular deve ser igual a deus. Pois mesmo que se pudesse encontrar em Spinoza a expressão exagerada de que todas as coisas são um deus modificado, os elementos seriam .de tal maneira contraditórios que, ao se reunirem, imediatamente se destruiriam. Em sentido próprio e eminente, um deus modificado, isto é, derivado, não seria deus. Apenas em virtude dessa atribuição, as coisas ver-se-iam devolvidas à situação de eternamente separadas de deus. Esses equívocos de interpretação, igualmente presentes em outros sistenias, devem-se à incompreensão disseminada do princípio de identidade ou do sentido da cópula no juízo. Mesmo uma criança pode compreender que identidade do sujeito com o . '~ :· · predicado, expressa numa sentença explicativa, não significa igual- ~." dade ou sequer um nexo repentino entre ambos. A sentença, por •~~ ~'" ~ exemplo: esse corpo é azul~fião diz que o corpo, naquilo que é e mediante o que o corpo é o que é, seja também azul mas sim de que aquilo que esse corpo é também é azul, embora numa outra perspectiva. A suposição de que aqui estaria em jogo uma igualdade, o que também denota um total desconhecimento da essência da cópula, acha-se amplamente disseminada em nossa época, sobretudo, na explicação mais elevada do princípio de identidade. Ao se apresentar uma sentença do tipo- o perfeito é imperfeito diz-se que o imperfeito é o que é através, mediante e na referência não ao imperfeito mas· ao perfeito que nele habita. Para a nossa época, porém, o seu sentido é: o perfeito e o imperfeito são apenas um, tudo é igual a tudo, o pior igual ao melhor, a ignorância igual à sabedoria. Ou ainda: o bem é o mal, o que também significa: o
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mal não tem o poder de ser por si mesmo, e o que nele é, é o bem · (considerado em si e para si). Sua interpretação aparece, portanto, da seguinte forma: deve-se negar a eterna diferença entre justiça e injustiça, virtude e vício, pois, do ponto de vista lógico, ambos são iguais. Numa. outra implicação, esclarece-se ainda como iguais o necessário e o livre, o que diz, em última instância, que a essência do mundo moral é também a essência da natureza. Com isso, porém, entende-se que o livre nada mais é do que força da natureza, do que uma mola elástica e, como todas as demais, sujeito a um mecanismo. O mesmo acontece quando se diz que corpo e alma são um só. Pois se compreende que a alma é material, ar, éter, célula nervosa, etc. O contrário, ou seja, de que o corpo é alma, ou na sentença anterior, de que o aparentemente necessário é, em si mesmo, o livre, é inteiramente alijado, embora também pudesse ser haurido da proposição. Esses equívocos, mesmo não sendo intencionais, pressupõem uma incapacidade dialética que a filosofia grega tentou evitar, desde os seus primórdios, e que tomam urgente o estudo básico da lógica. Em sua profundidade, a lógica antiga distinguia sujeito e predicado como antecedente e conseqüente (antecedense consequens), enunciando, assim, o sentido real do princípio de identidade. Essa relação se mantém mesmo na sentença tautológica que não seja inteiramente desprovida de sentido. Quem diz: o corpo é corpo, seguramente pen5a algo diferente com relação ao sujeito da frase e ao predicado. Com relação ao primeiro pensa-se a unidade e ao último as propriedades singulares implícitas no conceito de corpo e que com ele se relacionam no modo de antecedens e consequens. Esse é o mesmo sentido de outra explicação antiga pela qual sujeito e predicado se contrapõem como implidtum e explidtum. 3 / 1 Os defensores de tal afirmação haverão de proclamar que o ,P&nteísmo não professa que deus seja tudo (o que, todavia, a /representação comum de seus atributos não é capaz de evitar) mas I que as COisas nada SãO, SUperando, assim, toda individualidade.
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3. Também Hr. Reinhold, na pretensão de converter toda a filosofia em lógica, mas que parece desconhecer o que Leibniz, a quem ele pensa seguir os passos, pronunciou a respeito do sentido da cópula relativamente às objeções de Wissowatius (Op. T. I Ed. Duteus, p. 11), incorre nesse mesmo erro de confundir identidade com igualdade. Numa publicação de sua autoria e que se acha em nossas mãos, pode-se ler a seguinte passagem: "De acordo com a exigência de Plalão e Leibniz, a tarefa da filosofia consiste em subordinar o finito ao infinito é, segundo Xenófanes, Bnmo, Spinaza e Schelling, na comprovação da unidade incondicionada de ambos". Na medida em qué, aqui, em virtude da oposição, unidade significa
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Essa nova determinação parece contradizer a anterior. Pois se as coisas não são nada como então deus pode misturar-se a elas? Com .isso se afirma, pois, que, em toda parte, nada existe a não ser a divindade, pura e transparente. Se fora de deus (não somente extra mas também praeter deus) nada é, deus só é tudo enquanto uma palavra e, dessa forma, todo esse conceito'pareOOililuir-se e reduzirse a nada. Ademais, pode-se também questionar até que ponto é possível çonquistar alguma coisa valendo-se de termos tão genera-- _,,, llzantes. E bem verdade que estes sustentam grande valor na Wstória das heresias mas são, no entanto, demasiado grosseiros para as produções do espírito em que, da mesma forma que nos fenómenos naturais mais delicados, determinações muito sutis é que operam modificações essenciais. Aindasedeveperguntaratéquepontosepodeaplicaraúltima .::.:- 2 s, '\ determinação mencionada a Spinoza. Pois se, além (praeter) da · substância, ele nada reconhece além de suas afecções que, segundo ele, constituem as coisas, então esse conceito, de certo, apresenta-se como um conceito meramente negativo, que nada exprime de essencial ou positivo. De imediato, serviria apenas para determinar ·.
igualdade, posso certificar ao senhor Reinhold que ele comete um engano, ao menos no que concerne aos dois últimos autores citados. Onde se pode encontrar uma expressão mais aguda para a subordinação do finito ao infinito do que a de Spinoza, · por mim indicada? Os vivos devem defender os desaparecidos contra toda difamação, da mesma forma que esperamos que os que viverão depois de nós o farão conosco. Refiro-me apenas a Spinaza e pergunto como se deve denominar esse procedimento pelo qual se afirma qualquer coisa sobre os sistemas sem os conhecer a fundo como se fosse uma bagatela atribuir-lhes isso ou aquilo? Na sociedade moral · comum este receberia o nome de insensatez. De acordo com uma outra passagem dessa mesma publicação, o senhor Reinhold consideriiComo o erro funque..,da mesma forma que qualquer outro_sistema ~i~, o idea1', .• :J'. " lismo iambém não é capaz de resolver as dificúldades rmus profun}J ~'j' das relacionadas ao conceito de liberdade. De uma parte, o / idealismo só propicia o conceito mais universal e, de outra, o , ,. conceito meramente formal da liberdade;_ O seu conceito vivo e real .,/ é, no entanto, o que a apreende como wha faculdade do bem e do
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com relação a si mesmo, mas iambém provocou em todas as disciplinas da ciência uma reviravolta bem mais potente do que qualquer outra revolução anterior. O conceito idealista é a verdadeira consagração da filosofia contemporânea mais digna e, em especial, de seu realismo superior. Se aqueles que assim julgam e admitem chegassem a pensar que a liberdade é a sua pressuposição mais própria que outra luz não iluminaria suas observações e apreensões! Somente aquele que saboreou a liberdade pode desejar tomar tudo análogo a ela e estendê-Ia por todo o universo. Quem chega à filosofia por qualquer outra via nada mais faz do que imitar os ates de outro sem possuir o sentimento dos motivos que os inspiram.
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Como aqui não se apresenta nenhuma contradição, o mal desapareceria. Essa seria a segunda suposição possível com rélação à sentença de que todo positivo provém de deus: Dessa maneira, a força que se mostra no ~seria, comparativamente, menos perfeita do que a observada no bem, tanto em si mesma como fora da compán;,.ção, embora a jçompara~ojdeva provir de deus. O que chamamos de ~ seria apenas o ~enor grau de perfeição, só se mostrando como falta em nossa comparação, não o sendo em sua \
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7. O senhor Fr. Schiegel possui o mérito de ter explicitado essa dificuldade, sobretudo, em relação ao panteíSmo não s6 em seu escrito sobre a Índia como em outras passagens. Não obsfante, é lastimável que\esse erudito de espúifo tão pexspicaz não tenha resolvido comunicar sua opinião Wssoai sobre a origem do mal e de sua relação com o bem. \
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natureza. Essa é, sem dúvida, a verdadeira opinião de Spinoza. _ Poder-se-ia tentar solucionar esse dilema com o seguinte argumento: o positivo que provém de deus é a liberdade, em si mesma indiferente ao bem e ao mal. Todavia, do momento em que se pensa essa indiferença não só do ponto de vista meramente negativo mas também como uma faculdade para o bem e o mal, toma-se difícil compreender de que maneira uma faculdade para o mal pode provir de deus, entendido, por sua vez, como o bem mais manifesto. De passagem, pode-se tàrnbem dizer que se a liberdade, enquanto conseqüência desse conceito (e ela é inquestionavelmente), é o que deve ser, então não se justifica derivar a Uberdade de deus. Se a liberdade é uma faculdade para o mal, ela deve possuir uma raiz independentededeus.Assim, toma-setentadorabraçarodualismo. \,. _,-J Desde que pensado realmente como a doutrina de dois princípios . -~ t.-· absolutamente distintos, mutuçy:m~!!!ê_independentes e contrapos- ) '' · \ tos, esse sistema só pode constituir o eSfcí.CeJafuento-e o desespero da razão. Quando, de alguma maneira, se pensa o fundamento da essência do mal como dependente do fundamento do pem, toda a "' ;dificuldade da deriVãÇ'ão-de-mal a partir do bem se vê inteiramente \ · conéentrada em uma essência...e:'com isso, ao invés de diminuída, " -~-.aumentada. Mesmo na suposição de qt1e essa segunda bsência foi ,;f·.· originariamente criada no_bem-e;·pôr sua própria culpá, caiu no .· distanciamento dd1 ser_.pfímordial, todos os sistemaS deixam sem explicação a primeira faculdade de cometer um ato contra deus. Por ~' isso, ao se tentar superar não somente a identidade mas a·nexo -..." entre os seres do mundo e deus, apreendendo toda a sua existência r --:J.. 1..\. .:- ' ' - presente e, com isso, a existência do mundo como um distmcia-