A ecologia de Marx: materialismo e natureza
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. John Bellamy Foster

A ecologia de Marx: materialismo e natureza TRADUÇÃO DE

Maria Teresa Machado

SBD-FFLCH-USP 1111111111111111111111111111111111111111

277905

CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

Rio de Janeiro

2005

A ecologia de Marx

-.

COPYRIGHT © Monthly Review Press, 2000

Sumário

TITULO ORIGINAL Marx's Ecology: Materialism and Nature ,... CAPA Evelyn Grumach PROJETO GRÁFICO Evclyn Grumach e João de Souza Leite

7

PREFÁCIO

INTRODUÇÃO

OP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, Rj

13

CAPÍTULO 1

F856e

Foster, John Bellamy A ecologia de Marx: materialismo e natureza I John Bellamy Foster; tradução de Maria Teresa Machado. - Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

A concepção materialista de natureza

39

CAPÍTULO 2

Tradução de: Marx's Ecology: Materialism and Nature Inclui bibliografia ISBN 85-200-0547-0

1. Marx, Karl, 1818-1883. 2. Comunismo e ecologia. I. Título.

05-3110

CDD- 335.411 CDU- 330.85

A questão realmente terrena 97 CAPÍTULO 3

Os párocos naturalistas

119

CAPÍTUL04

A concepção materialista de história

151

CAPÍTULO 5

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquér meios, sem prévia autorização por escrito.

O metabolismo entre natureza e sociedade

199

CAPÍTULO 6

Direitos desta tradução adquiridos pela EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA Um selo da DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina 171-20921-380- Rio de Janeiro, RJ- Te!.: 2585-2000 PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052 -Rio de Janeiro, RJ- 20922-970 .

A base da nossa perspectiva na história natural 247 EPÍLOGO

311

NOTAS

351

ÍNDICE

405

Impresso no Brasil 2005 5

Prefácio

A princípio, este livro foi intitulado Marx e a ecologia. A certa altura do caminho, o título passou a ser A ecologia de Marx. A mudança de título representa uma dramática mudança no meu modo de pensar Marx (e a ecologia) nesses últimos anos, mudança essa que contou com a participação de inúmeras pessoas. Marx tem sido freqüentemente caracterizado como pensador antiecológico. Mas a minha familiaridade com os escritos dele sempre foi grande demais para que eu levasse a sério tais críticas. Em muitos pontos da sua obra Marx havia demonstrado, como eu sabia, uma profunda consciência ecológica. Mas, quando escrevi The vulnerable planet: a short economic history of the environment (1994) eu ainda acreditava que os . insights ecológicos de Marx eram relativamente secundários no pensamento dele; que não traziam nenhuma contribuição nova ou essencial ao nosso conhecimento presente da ecologia como tal; e que a importância das idéias de Marx para o desenvolvimento da ecologia estava no fato de que ele oferecia a análise histórico-materialista tão desesperadamente necessária à ecologia, com as suas noções malthusianas e em geral aistóricas. Que era possível interpretar Marx de um modo diferente, um modo que concebia a ecologia como central ao pensamento dele, era algo de que eu certamente estava a par desde a década de 1980, visto que o meu amigo Ira Shapiro, expatriado nova-iorquino, agricultor, carpinteiro, filósofo da classe trabalhadora, meu aluno nessa época, incumbia-se de falar nisso cotidianamente. Ira, infringindo todas as convenções da interpretação de Marx, dizia-me "veja isto" e me mostrava trechos em que Marx tratava problemas de agricultura e circulação dos nutrientes do solo. Eu ouvia atentamente, mas não atinava, ainda, com toda a importância do que Ira 7

JOHN BELLAMY FOSTER

me dizia (aqui, sem sombra de dúvida, o que me segurava era, ao contrário dele, a falta de experiência real no trabalho com a terra). Nesses mesmos anos, o meu amigo Charles Hunt, ativista radical, sociólogo, professor em tempo parcial e apicultor profissional, aconselhava-me a me familiarizar melhor com a Dia/ética da natureza de Engels, pela sua ciência e pelo seu naturalismo. Mais uma vez eu ouvia, mas hesitava. Não havia na "dialética da natureza" um defeito de origem? A minha trilha para o materialismo ecológico estava obstruída pelo marxismo que eu havia aprendido pelos anos afora. As minhas raízes filosóficas estavam em Hegel e na revolta marxista hegeliana contra o marxismo positivista, iniciada na década de 1920 com a obra de Lukács, Korsch e Gramsci e transmitida à Escola de Frankfurt e à Nova Esquerda (como parte da revolta muito maior contra o positivismo que havia dominado ~ vida intelectual européia de 1890 a 1930 e depois disso). A ênfase, aqm, estava no materialismo prático de Marx, enraizado no seu conceito de práxis; que, no meu pensamento, veio a se combinar com a economia política na tradição da Monthly Review nos Estados Unidos e com as teorias histórico-culturais de E. P. Thompson e Raymond Williams na Grã-Bretanha. Parecia, porém, haver nessa síntese pouco espaço para uma abordagem marxista de questões da natureza e da ciência físico-natural. É bem verdade que pensadores como Thompson e Williams, na GrãBretanha, e Sweezy, Baran, Magdoff e Braverman, ligados àMonthly Review nos Estados Unidos, insistiam unânimes na importância de conectar o marxismo com o reino físico-natural mais amplo, e que cada um deles contribuiu à sua maneira para o pensamento ecológico. Mas o legado teórico de Lukács e Gramsci, que eu havia internalizado, negava a possibilidade de se aplicar à natureza os modos dialéticos de pensamento, cedendo, em essência, todo esse domínio ao positivismo. Ao mesmo tempo, eu não estava bem familiarizado com uma tradição alternativa, mais dialética, das ciências da vida contemporaneamente associada ao trabalho de pensadores da importância de Richard Lewontin, Richard Levins e Stephenjay Gould. (Quando, finalmente, eu me conscientizei disso, foi por causa da Monthly Review, que há muito busca associar o marxismo em geral com as ciências físicas e naturais.) Eu tampouco· tinha familiaridade com o realismo crítico de Roy Bhaskar. 8

A ECOLOGIA DE MARX- MATERIALISMO E NATUREZA

Para agravar a situação, eu desconhecia, como a maioria dos marxistas (de fora das ciências biológicas, onde parte desta história foi preservada), a verdadeira história do materialismo. O meu materialismo era todo ·. do tipo prático, político-econômico, informado filosoficamente pelo idealismo hegeliano e pela revolta materialista de Feuerbach contra Hegel, mas ignorante da história mais global do materialismo no âmbito da filosofia e da ciência. Neste ponto, a tradição marxista em si, tal como havia sido transmitida ao longo das gerações, era de pouca valia, pois jamais ficara bem entendido .em que· base Marx havia rompido com o materialismo mecanicista, mesmo mantendo-se materialista. É impossível dar conta das etapas (exceto talvez apontando para o argumento que se segue) de como eu afinal cheguei à conclusão de que a visão de mundo de Marx era profundamente - e na verdade sistematicamente -ecológica (em todos os sentidos positivos em que se usa o termo hoje) e que esta perspectiva ecológica era derivada do seu materialismo. Se houve um único ponto de virada no meu pensamento, ele se iniciou pouco depois da publicação de The vulnerable planet, quando o meu amigo John Mage, advogado radical, estudioso do classicismo e colega da Monthly Review, acusou-me de ter cometido um erro no meu livro e num artigo subseqüente ao adotar tentativamente a visão verde romântica de que as tendências antiecológicas do capitalismo remontayam em boa parte à revolução científica do século XVII, sobretudo à obra de Franci$ Bacon. John pinçou as questões da relação de Marx com Bacon e do significado histórico da idéia da "dominação da natureza" que emergiu no século XVII. Pouco a pouco, eu me dei conta de que precisava repensar desde· o início toda a questão da ciência e da ecologia. Uma das questões que me preocupavam era: Por que, na Teoria Verde, Bacon era habitualmente apresentado como o inimigo? Por que era tão comum ignorar Darwin nas discussões sobre a ecologia do século XIX (além da mera atribuição a ele de concepções malthusianas e social-darwinistas)? O que tinha Marx a ver com tudo isso? Neste processo, eu não tardei a concluir que as tentativas dos "ecosocialistas" de enxertar a Teoria Verde em Marx, ou Marx na Teoria Verde, jamais poderiam gerar a síntese orgânica ora necessária. A propósito disso, eu fui fulminado pelo famoso dito de Bacon em Novum organum 9

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de que, "Em vão, podemos ir buscar o progresso do conhecimento científico na superindução e no enxerto de coisas novas nas velhas. A não ser que queiramos ficar para sempre girando em círculos, num progresso _pífio, quase desprezível, é preciso um novo começo (instauratio ), a parttr das próprias fundações". O problema passou a ser remontar aos fundamentos do materialismo em que, cada vez mais, as respostas pareciam estar, reexaminando a nossa teoria social e a sua relação com a ecologia desde o princípio, ou seja, dialeticamente, em termos da sua emergência. O que eu descobri, para meu espanto, foi uma história detetivesca, com várias pistas disparatadas levando inexoravelmente a uma fonte única, e surpreendente. No caso, a origem comum do materialismo de Bacon e Marx, e até do de Darwin (embora menos diretamente): a antiga filosofia materialista de Epicuro. O papel de Epicuro como o grande iluminista da Antiguidade -uma visão da obra dele partilhada por pensadores tão distintos como Bacon, Kant, Hegel e Marx - descortinou para mim, pela primeira vez, um quadro coerente da emergência da ecologia materialis. ta, no contexto de uma luta dialética acerca da definição do. mundo. Seguindo uma linha de investigação extremamente próxima, eu descobri que foi a investigação sistemática da obra do grande químico agrícola alemão Justus von Liebig, partindo da sua crítica do malthusianismo, que levou Marx ao seu conceito central da "falha metabólica:' na relação humana com a natureza - sua análise madura da alienação da naturez~. Para alcançar um pleno entendimento disto, porém, fazia~se necessário recon~truir o debate histórico sobre degradação do solo que emergiu em meados do século XIX no contexto da "segunda revolução agrícola" e que se estende até a nossa época. Aqui residia a contribuição mais direta de Marx à discussão ecológica (ver o Capítulo 5). Sou extremamente grato a Liz Allsopp e aos seus colegas do IACR-Rothamsted em Hertfordshire por me franquearem o acesso à "Introdução" ("Einleitung") de Liebig traduzida por Lady Gilbert, depositada nos arquivos de Rothamsted. Ne_sta pesquisa, eu contei a terra é a sua despensa original, ela também é a sua oficina de ferramentas original. Ela o supre, por exemplo, de pedras pãrâ atirar, moer, espremer, cortar etc. A terra em si é um instrumento de trabalho, mas o seu uso desta forma, na agricultura, pressupõe toda uma série de outros instrumentos e um grau comparativamente elevado de desenvolvimento da força de trabalho. Tão logo o processo de trabalho ganhou o mais leve desenvolvimento, ele passou a demandar instrumentos especialmente preparados. Assim, encontramos armas e implementos de pedra nas cavernas mais antigas. No primeiro período da história humana, os animais domesticados, isto é, os animais que foram criados especialmente e sofreram modificações por meio do trabalho, desempenharam o papel principal como instrumentos de trabalho, com pedras, paus, ossos e conchas, que também foram trabalhados. O uso e fabrico dos instrumentos de trabalho, embora presente em germe entre certas espécies de animais, é característico do processo de trabalho especificamente humano, e portanto o homem é definido por•Franklin como um "animal que fabrica artefatos". Relíquias dos antigos instrumentos de trabalho possuem para a investigação de formações econômicas extintas da sociedade a mesma importância que os ossos fósseis para a determinação de espécies de animais extintas. 49

Para Marx, pois, era preciso traçar a evolução humana através do desenvolvimento dos artefatos, muito mais que dos fósseis.[~to porque os artefatos representavam o desenvolvimento dos órgãos produtivos humanos



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A ECOLOGIA DE MAKX -

MATERIALISMO E NATUREZA

_a evolução da relação humana com a natureza - , assim como os órgãos animais representavam os instrumento!'. pelos quais os animais se haviam adaptado ao seu meio ambiente loca!/Desta forma altamente sofisticada, Marx, oito anos depois da publicação da Origem das Espécies de Darwin e quatro anos antes da publicação da DesCendência do homem (1871) do mesmo Darwin, b?scou especificar a natureza distinta da evolução e desenvolvimento humano. Tal análise, ademais, baseava-se num e~tudo minucioso: Marx leu cuidadosamente, fazendo anotações nas margens, as Geological evidence of the antiquity of man, de Lyell, esmiuçando a análise de Lyell sobre o desenvolvimento do fabrico de artefatos na pré-história e questionando o seu pressuposto da "relutância das tribos selvagens de adotar novas invenções".50 Para colocar tudo isto numa perspectiva histórica, é útil observar que, em 1864, Alfred Russell Wallace, co-descobridor com Darwin da teoria da seleção natural, havia escrito um influente artigo sobre ''A Origem das Raças Humanas e a Antiguidade do Homem Deduzidas da Teoria da 'Seleção Natural"'. Wallace afirmava, em termos anteriormente sugeridos por Darwin e posteriormente adotados de modo mais amplo dentro da teoria darwiniana, que os animais só podem adaptar-se a mudanças no seu meio ambiente através de alterações na estrutura corporal. "Para que um animal altere o seu alimento, a sua roupagem, ou as suas armas, é indispensável que haja uma mudança correspondente na sua estrutura corporal e organização interna." No entanto, sustentava ele, os seres humanos eram capazes de mudar a sua relação com o meio ambiente "fabricando armas e artefatos", e assim tirando "da natureza esse poder de mudar a estrutura e a forma externa exercido por ela sobre todos os demais animais". Na visão de Wallace, o corpo humano (ao contrário da mente) era relativamente imune a processos evolucionários, em decorrência dessa capacidade de fabricar artefatos ou tecnologia humana - que dava ímpeto ao desenvolvimento da "mente". Uá nesta fase inicial do seu pensamento Wallace demonstrava uma ten~ dência a ver a mente ou intelecto separadamente do corpo físico- de modo que ele não falava da evolução do cérebro como tal-, tendência esta que mais tarde o conduziria na direção do espiritualismo e a uma ruptura radical com o ponto de vista consistentemente materialista de Darwin.5 1)

Como conseqüência, os primeiros humanos (hominídeos) conseguiram alterar a relação com o meio ambiente local, melhorando radicalmente a sua adaptabilidade. Os mais engenhosos no fabrico e no uso dos artefatos

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Escrevendo apenas três anos mais tarde, mas em termos mais próximos de Darwin que de Wallace, Marx havia buscado distinguir entre tecnologia natural e tecnologia humana, assinalando a distinção do fabrico dos artefatos - reconhecendo até então que certos animais haviam demonstrado tal capacidade, mas que o fabrico dos artefatos era "característico" apenas dos seres humanos. Deste modo, Marx buscava oferecer uma base histórico-natural, ligada a Darwin, para a sua própria teoria geral do papel do trabalho (que obviamente estava relacionado com o desenvolvimento do fabrico dos artefatos) no desenvolvimento da sociedade humana. Engels desenvolveria ainda mais esta análise no seu revolucionário ensaio "Sobre o Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem" (escrito em 1876, publicado pela primeira vez em edição póstuma em 1896). De acordo com a análise de Engels- derivada da sua filosofia materialista, mas também influenciada pelas visões veiculadas por Haeckel poucos anos antes-, quando os primatas, que eram os ancestrais dos seres humanos, desceram das árvores, a postura ereta foi a primeira a se desenvolver (antes da evolução do cérebro humano), liberando as mãos para 0 fabrico de artefatos: A mão ficava livre e a partir de então podia alcançar destreza e habilidade ainda maior, e a maior flexibilidade assim adquirída era herdada e crescia de geração em geração. Assim a mão não é apen~s o órgão do trabalho, é também o produto do trabalho. Só pelo trabalho, pela adaptação a operações sempre novas, pela herança do conseqüente desenvol_vimento especial de músculos, ligamentos e, ao longo de intervalos mais prolongados, também ossos, e pelo sempre renovado emprego destes aperfeiçoamentos herdados em novas operações, cada vez mais complicadas, é que a mão alcançou o alto grau de perfeição que lhe permitiu criar os. quadros de Rafael, as estátuas de Thorwaldsen, a música de Paganini.sz

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tinham maior probabilidade de sobreviver, o que significa que o processo evolucionário exercia pressões seletivas em prol da ampliação do cérebro e do desenvolvimento da fala (necessária ao processo social do trabalho), que acabou por levar à ascensão dos humanos modernos. Assim, o cérebro humano, tal como a mão, na visão de Engels, evoluiu através de um conjunto complexo e interativo de relações, hoje chamado pelos biólogos evolucionistas de "5_