A aventura de inovar: a mudança na escola 8573078952, 8471124637


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A AVENTURA

DE INOVAR

C264a

Carbonell, Jaume A aventura de inovar: a mudança na escola / Jaume Carbonell; trad. Fátima Murad. - Porto Alegre : Artmed Editora, 2002. 1. Educação - Investigação educativa. I. Título.

CDU 37.012 Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto - CRB 10/1023 ISBN 85-7307-895-2

A AVENTURA

o e revisão técnica desta edição: toranda do Programa de ade Federal do Rio Grande do Sul.

Obra originalmente publicada sob o título

La aventura de innovar: e1 cambio en la escuela

O Ediciones Morata, 2001 ISBN 84-7112-463-7

Design d e capa

Flávio Wild Assistente d e design e projeto das aberturas

Gustavo Demarchi Preparação d o original

Irany Teresinha Fioravante Dias Leitura final

Maria Lúcia Barbará Supervisão editorial

Mônica Ballejo Canto Projeto e editoração Armazém Digital - RCMV

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMEDa EDITORA S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone (51) 3330-3444 Fax (51) 3330-2378 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.

SÃO PAULO Av. Rebouças, 1073 - Jardins 05401- 150 São Paulo SP Fone (11) 3062-3757 Fax (11) 3062-2487 SAC 0800 703-3444 IMPRESSO NO BRASL PRINTED IN BRAZIL

A Sara e Rosina, que tanto me ajudaram a escrever este livro

Sobre o Autor

Jaume Carbonell é diretor da revista Cuadernos de Pedagogía e trabalha em sua redação desde que ela foi lançada em janeiro de 1975. É professor de Sociologia da Educação na Faculdade de Educação da Universidade de Vic (Barcelona). Assessorou e dirigiu diversos projetos editoriais. Escreveu artigos, participou de pesquisas e fez numerosas conferências, tanto na Espanha como na América Latina, sobre questões relacionadas à inovação educativa, à escola pública, aos professores, à história da educação, à escola e entorno e à educação do futuro. É autor de EEscola Normal de la Generalitat (1931 -1939) (1977); La reforma educativa ... a 10 claro (1990); e La escuela: entre la utopíay la realidad (1996). Editor de Ferrer Guardia y la pedagogía libertaria (1977) e Manuel Bartolomé Cossío: una antología pedagógica (1985). E co-autor, entre outras publicações, de Zescola única-unificada (1978) e Aprendendo com as inovações nas escolas (Artmed, 2000). Atualmente participa de uma pesquisa sobre interculturalismo e educação.

Apresentação

O campo da inovação educativa vem me preocupando e ocupando há muitos anos em minha tripla condição de jornalista, professor e pesquisador e, mais recentemente, também como pai de família. Abordar essa temática em uma coleção de divulgação traz enormes riscos e dificuldades devido à sua amplitude e complexidade, visto que de certa maneira nos obriga a falar de tudo um pouco. Inovar nos tempos atuais, como reza o título, é uma autêntica aventura, uma apaixonante viagem marcada por dificuldades, paradoxos e contradições, mas também por possibilidades e satisfações. A inovação está associada à mudança - das escolas e do professorado -, mas não necessariamente aos projetos de reforma. Essa é uma das teses do livro. Outra tese é que as inovações mais sólidas e profundas encontram seus pontos de referência no pensamento e na prática das pedagogias progressistas, muito críticas tanto em relação ao modelo de pedagogia tradicional como às pedagogias ativas psicologistas e espontaneístas. Este é o guarda-chuva que cobre os diferentes capítulos: o inicial, no qual se conceitualizam os significados e os fatores que identificam e impedem a mudança e a inovação; e os seguintes, nos quais se esboçam as premissas e suas concretizações nos âmbitos mais demarcados: concepção e organização do conhecimento escolar, modos de ensinar e aprender e materiais curriculares, projeto educativo, autonomia pedagógica e organização escolar mais flexível, democracia participativa dentro e fora da escola e, para terminar, um decálogo utópico para professores e professoras inovadores e administrações renovadas. Em minhas teses acerca das pedagogias inovadoras há convicções, intuições e dúvidas. Nesse caso, como em toda a obra, meu propósito é o de oferecer uma síntese dos aspectos mais emblemáticos

relativos à inovação, estabelecer relações entre eles e colocar problemáticas e propostas alternativas para o debate. Mas aqui não há lugar para a sistematização, o desdobramento e o aprofundamento. Nesse sentido, penso que o livro cumpre uma dupla empreitada: de introdução, para as pessoas que desejem aproximar-se do campo da inovação e da mudança na escola, e de instrumento de análise e crítica, para os professores com certa experiência. É bem possível que muitas das coisas ditas aqui já tenham sido ouvidas muitas vezes, mas, ao mesmo tempo, é provável que o ajudem a refletir sobre sua prática docente e a colocar-se novas interrogações. O livro é dirigido aos professores de todos os níveis educativos, mas é evidente que, em alguns momentos, o conteúdo se refere a um grau mais específico. Um comentário sobre as fontes de informação utilizadas: ao final do livro incluímos, como é de hábito, uma seleção bibliográfica. Há livros consulvados que não aparecem na relação. Mas, sobretudo, há muitos outros materiais não-citados: minhas anotações feitas quando da visita a uma escola, a um seminário ou a um congresso, e de uma infinidade de conversas informais mantidas com professores e professoras em circunstâncias e contextos muito diversos. Estas foram algumas de minhas fontes de aprendizagem mais sólidas, e quero tornar público meu reconhecimento e agradecimento aos que tiveram a paciência de ler o livro e fazer-me sugestões para melhorá10: Rosina Carmargo, Pere Carbonell, José Gimeno Sacristán, Jaume Martínez Bonafé e Julio Rogero. Tiana, janeiro de 2001.

Sumário

S o b r e o a u t o r ..............................................................................vii Apresentação ................................................................................ ix

Capítulo 1 A i n o v a ç ã o e d u c a t i v a h o j e ..................................15 Novos cenários . Entre a continuidade. a mudança e a incerteza ............................................................................... 15 Mudança, reforma e modernização . Significados e atributos da inovação educativa ..............................................19 Alguns paradoxos das reformas ..................................................22 A mudança ou a metáfora do quebra-cabeça ..............................24 A inovação ou a metáfora do largo rio agitado ...........................25 De onde partem as inovações? Verticalidade e horizontalidade ..................................................................... 27 Onde se produz mais inovação? ..................................................28 O que fazer para impulsionar a inovação? Fatores que a identificam .....................................................................30 Por que não se produz inovação? Fatores que a dificultam ...........33 As tensões e contradições fazem parte da inovação .....................38 Capítulo 2 O l u g a r d a s p e d a g o g i a s i n o v a d o r a s ..................41 41 As pedagogias inovadoras não morreram ................................... Críticas e tópicos . Ou para além da antinomia pedagogia ativa-tradicional ..................................................... 44 As pedagogias inovadoras progressistas como referente alternativo ................................................................ 48

12 Sumario Capítulo 3 Uma nova concepção e organização do 51 conhecimento escolar ................................................................ Componentes e tradições ............................................................ 51 Um conhecimento fragmentário. excessivo e irrelevante ............52 O conhecimento na era da informação .......................................55 O lugar das novas tecnologias da informação e da comunicação ................................................................... 56 Outros efeitos da informação intensiva e acelerada ....................58 Os 10 componentes do novo conhecimento inovador .................59 O conhecimento integrado: interdisciplinaridade e globalização .........................................................................64 Capítulo 4 Práticas metodológicas e materiais curriculares .................................................................................. 71 Existem métodos corretos? .........................................................71 Algo sobre a curiosidade, o erro e a memória .............................73 Recursos e materiais ................................................................... 77 O livro-texto ............................................................................... 77 78 Recursos e materiais alternativos ................................................ Capítulo 5 Projeto educativo. autonomia 81 pedagógica e organização escolar .......................................... Sentido. caráter e requisitos mínimos de um projeto educativo (sobretudo para a escola pública) ...........................81 A autonomia como elemento de diversidade positiva e inovação ............................................................................... 82 Alguns aspectos relevantes do projeto educativo da escola que favorecem particularmente a inovação ...................8 4 Organização escolar, tempos e espaços ....................................... 87 A classe: Algo sobre interação. regulação e disciplina .................89 Capítulo 6 Uma democracia forte para 91 favorecer a inovação .................................................................. Pensar e viver de outra maneira ................................................. 91 Uma realidade com mais embalagem do que conteúdo ..............93 Espaços para o desenvolvimento ................................................95 Para além da participação estamental de mães e pais . O compromisso da comunidade ..............................................98

Sumário

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C a p í t u l o 7 E s c o l a e e n t o r n o. O u q u a n d o a c i d a d e também e d u c a ........................................................................ 101 Um divórcio crônico ................................................................. 101 A cultura está no território ....................................................... 103 A cidade educadora .................................................................104 Funções socioeducativas do território ....................................... 106 C a p í t u l o 8 O s p r o f e s s o r e s i n o v a d o r e s ................................109 Vocação. paixão. compromisso e outros atributos .....................109 Três comentários sobre formação permanente .........................111 Decálogo utópico para os professores inovadores e as administrações renovadas ...............................................113 Referências bibliográficas ....................................................... 117

A Inovação Educativa Hoje

NOVOS CENÁRIOS. ENTRE A CONTINUIDADE, A MUDANÇA E A INCERTEZA A escola está em crise. Na realidade, sempre esteve. Muitas foram as análises, de diferentes perspectivas, que prognosticaram seu iminente desmoronamento ou uma morte em câmara lenta; mas essa instituição, assim como a Igreja, mantém uma rara e enorme capacidade de sobrevivência, apesar de suas múltiplas disfunções e de sempre ter ido a reboque das mudanças sociais, tecnológicas e culturais. Não obstante, devemos dizer em seu favor que ela continua cumprindo, com mais ou menos eficácia conforme os casos, as funções de controle, custódia e retenção, e de distribuição desigual da cultura. O que não é pouco. Mas de que escola estamos falando? Com base em que modelo formativo e pedagógico a julgamos? Será que a concebemos como um serviço público para toda a cidadania e como um mero produto, mas que é oferecido no mercado para ser adquirido por quem quiser ou puder? Quem se beneficiou de sua impermeável resistência a todo tipo de evolução e renovação? Essas e outras questões nos colocam em um dilema que estará presente ao longo do livro: o caráter polissêmico, plural e complexo da escola e do tema que nos ocupa prioritariamente: a inovação e a mudança na educação. Se apostamos em uma concepção do ensino como serviço público e na renovação que afeta o coração da escola, e não apenas em algumas de suas artérias secundárias, é evidente que devemos repensar seu sentido para que os seres humanos recebam uma apren-

16 Jaume Carbonell dizagem sólida que lhes permita enfrentar criticamente as mudanças aceleradas da atual sociedade da informação e do conhecimento. Que os ajude a transitar com autonomia por essa realidade, sem deixar-se enganar por ela; a contribuir para embelezá-la e dignificála; e a sonhar com outro futuro no qual, a partir da igualdade de fato e de direito, cresçam e se projetem as diversidades. Nesse sentido, ensinar adquire novos significados para relacionar-se com as novas tecnologias da comunicação, para ler e entender melhor a realidade e para assimilar, ao mesmo tempo, a rica tradição cultural herdada e muitas outras expressões culturais emergentes e mutáveis que, digase de passagem, continuam em boa medida ausentes da cultura oficial escolar. Não se pode olhar para trás em direção à escola ancorada no passado, que se limitava a ler, escrever, contar e receber passivamente um banho de cultura geral. A nova cidadania que é preciso formar exige, desde os primeiros anos da escolarização, outro tipo de conhecimento e uma participação mais ativa dos alunos no processo de aprendizagem. É preciso pensar na escola do presente-futuro e não do presente-passado, como fazem muitas pessoas que sentem tanto mais nostalgia do passado quanto maior é a magnitude da mudança a que se propõe. É evidente que algo mudou nas escolas da maioria dos países, apesar da carência absoluta de recursos que continua existindo em algumas, que nem sequer dispõem dos instrumentos para escrever e de um teto para abrigar-se em caso de chuva. Mas falamos de outras coisas: do pouco que mudaram os conteúdos - foram atualizados mais do que revisados e modificados - e das práticas escolares tradicionais centenárias. As mudanças, em geral, foram mais epidérmicas que reais. E, em suma, detectaram-se sintomas de modernidade, mas não de mudança. Assim, os artefatos tecnológicos cumprem função idêntica a dos livros de texto e limitam-se a ditar a mesma lição de sempre. Muda o formato e nada mais. Mas isso requer um tratamento mais atento e matizado, e disso nos ocuparemos mais adiante. Esse novo modelo formativo requer uma sintonia maior entre o pensar e o sentir e entre o desenvolvimento da abstração e dos diversos aspectos da personalidade. Trata-se de associar, no mesmo ato significativo e em qualquer proposta educativa, o conhecimento e o afeto, O pensamento e os sentimentos, o raciocínio e a moralidade, o acadêmico e a pessoa, as aprendizagens e os valores. Estamos falando, simplesmente, da obtenção de uma educação integral, meta que esteve presente historicamente em todas as pedagogias inovadoras; ou

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daquilo que, em versão pós-moderna, Gardner desenvolveu em sua teoria das inteligências múltiplas ou a Unesco (1996) definiu em seu conhecido Informe Delors* como os quatro pilares básicos da educação: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a ser; e aprender a conviver. A escola foi justamente criticada pelo desinteresse demonstrado em relação à inteligência ética e emocional como campo de reflexão e intervenção nas relações e nos conflitos, e como apoio para a construção das diferentes subjetividades dos alunos. Também foi acusada de não ser receptiva aos novos impactos culturais que recebem diariamente e intensamente a infância e a juventude e que vão formando novas identidades, com outros modelos de pensar e comportar-se. Referimo-nos, é claro, à influência da televisão e dos jogos eletrônicos, ao consumo compulsivo e à vivência tão apegada à cotidianidade e tão ausente de memória e futuro ... Um acúmulo de relações, linguagens, visões, interesses e expectativas, cuja exclusão da escola perde sua conexão e compreensão da realidade. As propostas inovadoras que se prezem não podem perpetuar esse esquecimento. Mas há outros desafios de igual ou maior repercussão - visto que afetam outros âmbitos - que a renovação pedagógica tem de enfrentar: o neoliberalismo e a incerteza diante do futuro. Muito se falou e se falará do neoliberalismo como projeto hegemônico que regula a economia em escala global - o chamado fenômeno da globalização - e incide nos diversos âmbitos da sociedade. Nas políticas educativas, isso se traduz, por um lado, em um discurso monopolizado pela unidimensionalidade econômica - a economia manda na educação em prejuízo da cultura e da política -, como registro contábil para medir o funcionamento das escolas, o rendimento escolar ou qualquer projeto educativo de futuro. Por outro lado, configura-se em uma redução drástica do papel do Estado na escola em benefício do mercado, o que supõe abrir as portas à privatização, à impotência de uma escola pública já muito desamparada e à desregulamentação do ensino. Tudo isso contribui para aumentar a ruptura social com o conseqüente aumento das desigualdades culturais e educativas.

'N.de T. O relatório, publicado em 1996, foi elaborado a pedido da Unesco por uma comissão formada por especialistas internacionais, presidida por Jacques Delors - Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Mais detalhes no site www.unesco.org/delors.

18 laume Carbonell O segundo desafio, derivado do anterior, caracteriza-se pela incerteza devido à produção acelerada de conhecimento e às mudanças imprevisíveis. Essa incerteza é um elemento constitutivo da sociedade atual que, como contrapartida, busca continuamente referentes de segurança e certeza. Daí a importância de correr riscos e não temer o erro, fontes inestimáveis de aprendizagem e progresso (veja-se o que se diz da pedagogia do erro no Capítulo 4). Edgar Morin (2000), em La mente bien ordenada, afirma que o século XX descobriu a perda do futuro, isto é, a imprevisibilidade, e que a história humana ainda é uma aventura desconhecida; argumentação que ilustra com uma dezena de exemplos muito eloquentes de incerteza histórica do século que acabamos de deixar. Daí a necessidade de aprender a viver em um entorno inseguro, no qual o mundo do trabalho e a própria vida cotidiana nos desafiarão a conviver com mudanças muito mais rápidas e frequentes que as atuais, com um maior risco de fracasso, colocando-nos diante de períodos de incerteza e de rápida adaptação. Contudo, não se pode exagerar o peso do neoliberalismo e da globalização como determinantes da ação social e educadora. É certo que os valores dominantes que transmitem - individualismo, competitividade feroz, ideologia do êxito, meritocracia, uniformidade e mercantilização cultural - têm um grande poder de penetração, mas também é certo que o neoliberalismo não é um mecanismo de relógio e que está sujeito a múltiplas contradições, dificuldades e resistências. Além disso, o global não está em atrito com o local, no qual se podem empreender múltiplas e ricas iniciativas que escapam ao controle neoliberal. Não vamos insistir em algo que a sociologia da educação tornou mais do que evidente: que a escola é não apenas um espaço de reprodução das relações sociais e dos valores dominantes, mas também um espaço de confronto e de resistência em que é possível trazer à luz projetos inovadores alternativos. Também a incerteza, sendo um referente de crescente magnitude, felizmente não nos deixa a descoberto, indefesos. Existe o perigo de que a imprevisibilidade oscile para o relativismo: como não sabemos o que vai acontecer, não há em que se agarrar. Um relativismo que, levado às últimas conseqüências, é desmobilizador e reacionário, e conduz à involução, ao retorno aos valores educativos mais tradicionais e imobilistas e, em suma, a manter a ordem social e escolar estabelecida. Há, de fato, suficientes conhecimentos, verdades, objetivos e valores educativos - contrastados por evidências e experiências - que nos proporcionam certezas racionais e morais para saber que tipo de educação pode levar à conquista de maiores cotas

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de liberdade e justiça social, que conhecimentos contribuem para uma formação mais sólida, e que propostas inovadoras facilitam uma aprendizagem mais atraente, eficaz e bem-sucedida. Nos capítulos que seguem, insistiremos em tudo isso, mas, antes, vamos explicar o que se entende por inovação. MUDANÇA, REFORMA E MODERNIZAÇÁO. SIGNIFICADOS E ATRIBUTOS DA INOVAÇAO EDUCATIVA

Existe uma definição bastante aceitável e aceita que define a inovação como um conjunto de intervenções, decisões e processos, com certo grau de intencionalidade e sistematização, que tratam de modificar atitudes, idéias, culturas, conteúdos, modelos e práticas pedagógicas. E, por sua vez, introduzir, em uma linha renovadora, novos projetos e programas, materiais curriculares, estratégias de ensino e aprendizagem, modelos didáticos e outra forma de organizar e gerir o currículo, a escola e a dinâmica da classe. Uma definição ampla e multidimensional que, no entanto, se presta a diversas interpretações e traduções, já que, como qualquer outra noção educativa, é condicionada pela ideologia, pelas relações de poder no controle do conhecimento, pelos contextos socioculturais, pelas conjunturas econômicas e políticas, pelas políticas educativas e pelo grau de envolvimento nelas dos diversos agentes educativos. Nada, pois, mais distante da neutralidade e da simplicidade. A inovação educativa, em determinados contextos, associa-se à renovação pedagógica. E também à mudança e à melhoria, ainda que nem sempre uma mudança implique melhoria: toda melhoria implica mudança. Fullan (1992, p. 7), que junto com Hargreaves explorou a fundo as complexas relações entre a melhoria da escola e a mudança, diz que "conseguir a melhoria da escola depende da compreensão do problema que implica a mudança na prática e do desenvolvimento das estratégias correspondentes para produzir reformas vantajosas". As diferenças entre inovação e reforma têm a ver com a magnitude da mudança que se quer empreender. No primeiro caso, localiza-se nas escolas e nas classes, enquanto que o segundo diz respeito à estrutura do sistema educativo em seu conjunto. Além disso, as reformas escolares são movidas por imperativos econômicos e sociais e estão ligadas a esse tipo de reformas mais gerais, ainda que às vezes se apresentem de forma isolada e gerem expectativas tão grandes como

20 laume Carboneil se fossem a tábua de salvação de todas as demandas, carências e disfunções sociais. Tal ilusão é, precisamente, um dos motivos de seu fracasso. E, como veremos mais adiante, a reforma não é sinônimo de mudança, melhoria ou inovação. Estas podem provocá-la, mas também paralisá-la e sufocá-la. A simples modernização da escola nada tem a ver com a inovação. Assim, encher as classes de computadores, realizar saídas ao entorno, cultivar uma horta ou realizar oficinas são frequentemente simples desenhos que enfeitam a paisagem escolar, mas que não modificam absolutamente as concepções sobre o ensino e a aprendizagem estabelecidas no mais rançoso conservadorismo. São mudanças meramente epidérmicas que, isso sim, se vendem muito bem nas escolas privadas - e nas escolas públicas que também competem no mercado - para estar na moda e atrair mais alunos. Outras vezes, a inovação é um simples rótulo, pois já se sabe que na educação, como em outros âmbitos sociais, é muito comum mudarem-se apenas os nomes das coisas e deixar tudo exatamente igual. E como aquela frase proferida por Lampedusa: "Algo tem de mudar para que nada mude", que L. Visconti imortalizou em I1 Gattopardo.* Nunca se insistirá o suficiente em que não há reforma do professorado se não houver modificação em seu pensamento, seus hábitos e suas atitudes. Na sociedade da informação, a tecnologia de ponta procura abrir caminho no campo da inovação, apresentando-se como panacéia para a resolução de qualquer problema; e não lhe faltam meios para tentar todo tipo de estratégias de marketing para conseguir isso, algumas beirando a ilegalidade ou a ética do permissível. Mas sua contribuição é mais quantitativa que qualitativa, mais centrada no como do que no porquê, na embalagem mais que no conteúdo. Além disso, tem um enganoso valor agregado: imaginar que é culturalmente suficiente estar atualizado mediante o domínio de algumas habilidades instrumentais e o acesso ao crescente arsenal informativo, quando o que deveria ser prioritário não é o domínio de uma estratégia para navegar, mas sim para discriminar a informação relevante, analisá-la e interpretá-la; ou seja, para pensar criticamente o conhecimento socialmente construído. O exposto até aqui nos leva a refletir sobre os diferentes usos e significados da inovação, algumas vezes claramente mediatizada por modelos pedagógicos tradicionais ou tecnológicos, e outras, como 'N.de T. O Leopardo, nas versões brasileiras do livro de Lampedusa e do filme de Visconti.

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veremos na continuidade, auspiciadas por supostos progressistas que questionam radicalmente os fundamentos da cultura e da instituição escolar. Uma inovação que não se volte para o acessório e as aparências, mas que mergulhe nas coisas importantes de uma nova formação compreensiva e integral. Dentro desta última perspectiva, vamos destacar alguns elementos, componentes e objetivos do processo de inovação educativa. É evidente que nem sempre todos os fatores confluem e que estes às vezes despontam timidamente e outras vezes surgem com toda sua potencialidade. O Quadro 1.1 apresenta uma breve relação deles, exposta de maneira meramente sintética e sem nenhuma ordem de preferência.

Quadro 1.1 1. A mudança e a inovação são experiências pessoais que adquirem um significado particular na prática, já que devem atender tanto aos interesses coletivos quanto aos individuais. 2. A inovação permite estabelecer relações significativas entre diferentes saberes, de maneira progressiva, para ir adquirindo uma perspectiva mais elaborada e complexa da realidade. 3. A inovação procura converter as escolas em lugares mais democráticos, atrativos e estimulantes. 4. A inovação procura estimular a reflexão teórica sobre as vivências, experiências e interações da classe. 5. A inovação rompe com a clássica cisão entre concepção e execução, uma divisão própria do mundo do trabalho e muito arraigada na escola mediante o saber do especialista e o "não-saber" dos professores, simples aplicadores das propostas e receitas que lhe são ditadas. 6 . A inovação amplia o âmbito da autonomia pedagógica - certamente socioeconômica -das escolas e do professorado. 7. A inovação apela a razões e fins da educação e à sua contínua reformulação em função dos contextos específicos e mutáveis. 8. A inovação nunca é empreendida a partir do isolamento e do saudosismo, mas a partir do intercâmbio e da cooperação permanente como fonte de contraste e enriquecimento. 9 . A inovação procura traduzir idéias na prática cotidiana, mas sem esquecer-se nunca da teoria, conceitos indissociáveis. 10. A inovação faz com que aflorem desejos, inquietações e interesses ocultos - ou que habitualmente passam despercebidos - nos alunos. 11. A inovação facilita a aquisição do conhecimento, mas também a compreensão daquilo que dá sentido ao conhecimento. 12. A inovação é conflituosa e gera um foco de agitação intelectual permanente. 13. Na inovação não há instrução sem educação, algo que, talvez por ser óbvio e essencial, se esquece com muita frequência.

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ALGUNS PARADOXOS DAS REFORMAS Quando viajo a um país latino-americano e me perguntam: é verdade que a reforma espanhola fracassou?, costumo devolver-lhes a pergunta: a que reforma se referem? A primeira vista parece que estou fugindo e procurando me esquivar de qualquer resposta. Mas não se trata disso, e sim de enfatizar que dentro de nossa reforma e de qualquer outra cabem muitas reformas, significados e níveis de análise. Assim, estamos nos referindo à reforma teoricamente concebida ou àquela realmente existente? A seus aspectos estruturais ou a seus componentes curriculares? A suas concepções psicopedagógicas relacionadas com o construtivismo ou a seu modelo social compreensivo? A suas variáveis organizadoras ou formativas? A seu êxito e fracasso em relação às expectativas gerais ou em relação ao modelo de reforma anterior? Êxito ou fracasso para os interesses de quem? Além disso, como se mede o êxito ou o fracasso de uma reforma? De que maneira, ainda, estipula-se o que é resultado específico da reforma e o que se refere a outros fatores educativos, culturais e sociais que escapam inteiramente ao seu controle? A complexidade do problema nos obriga a abandonar o pensamento dicotômico e as respostas categóricas do branco ou preto; mas os leitores perceberão, ao longo do livro, que não partimos de uma posição relativista e eclética, e que mais adiante assinalamos alguns aspectos que considero acertados e perversos nos processos de reforma. Não obstante, é preciso medir o alcance real das reformas e o que se pode ou não esperar delas. Como assinalávamos antes, de maneira geral, muitos processos de inovação e mudança na escola têm sua própria dinâmica e autonomia e acontecem à margem e/ou apesar das reformas. A história e a realidade atual evidenciam que as reformas não são nem o talismã mágico nem a panacéia para resolver todos os problemas educativos, e nem mesmo dispõem dos recursos necessários, como frequentemente se quer vender, com uma mescla de idealismo e de calculada retórica; mas não são tampouco, como outros prognosticam, a causa de todos os males e fracassos do ensino. É preciso evitar essas polarizações simplificadoras e analisar criticamente, mas também detidamente, os diferentes ingredientes, processos, apoios e resistências, relações de poder e interesses manifestos ou ocultos que confluem em toda a reforma. Nesse sentido, cabe dizer também que as reformas passam por diferentes fases - informação e às vezes até debate, experimentação, apropriação e generalização - e que muitos de seus componentes vão se diluindo com o passar do tempo.

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As reformas geram, além disso, diversos e curiosos paradoxos. Vamos citar apenas três dos que mais chamam a atenção: 1. Muitos governos estão conscientes de que teriam de em-

preender grandes reformas educativas - e não meramente escolares -, mas diante da impossibilidade disso recorrem a reformas parciais de caráter estrutural, administrativo, curricular ou metodológico, condicionadas e submetidas a contextos macroeconÔmicos e sociais que comumente as asfixiam ou paralisam. As reformas são lideradas e executadas por pessoas que têm 2. de abrir novos horizontes e estratégias de futuro com visões e culturas educativas do passado, defendidas e até idealizadas, porque são as únicas que conhecem e que um dia lhes proporcionaram oportunidades de estudo e promoção. 3. As reformas procuram introduzir novas idéias no sistema educativo, mas, quando chegam a generalizar-se a toda a população escolar, aquelas idéias já envelheceram, porque a demora entre a gestação dos primeiros projetos e o fato de eles serem postos em prática é muito grande! Daí a necessidade de reformar continuamente a reforma. Algo de que se aproveitam os governos e ministros da educação sucessivos para propor sua própria reforma ou contra-reforma, nas quais há de tudo. É raro encontrar um ministro do ramo que não tenha levado a cabo a sua reforma ou pelo menos não tenha tentado, com a ajuda de seus respectivos especialistas, que sempre dispõem de alguma fórmula original para reformar o que for preciso. Dizia-me um professor norte-americano que todos os catedráticos carregam uma reforma no bolso. Peter Holly (1990, p. 195) assinala que nos últimos tempos houve três movimentos de reforma educativa. O primeiro supunha "fazer o mesmo, porém mais"; o segundo, "fazer o mesmo, porém melhor"; e O terceiro, "reestruturar e redesenhar o sistema educativo". Um diagnóstico que assinala até que ponto as reformas indicam mudanças meramente quantitativas ou incidem em melhorias e inovações mais substantivas. Há de tudo. Por outro lado, comprovou-se também que algumas propostas pedagógicas introduzidas pelas reformas são aplicadas nas escolas há muito tempo; que outras jamais serão aplicadas em alguns destes, menos ainda se impostas por decreto e não me-

24 Jaume Carbonell diante a um amplo processo de sedimentação formativa; e, finalmente, em outros casos, os postulados reformistas abortaram interessantes inovações educativas. Também falaremos disso mais adiante, ao nos referirmos às reformas em ação e em relação com as inovações. A M U D A N Ç A OU A METÁFORA DO QUEBRA-CABEÇA A mudança é como um quebra-cabeça acabado. Se falta uma peça, o conjunto se ressente. Por isso, tem de ser abordada de modo sistêmico, integrando diversas ações coordenadas e complementares que afetam toda a instituição escolar e não apenas algumas partes ou âmbitos isolados desta. Devido a isso, requerem-se enfoques globais e multidimensionais que evitem os diagnósticos fragmentários e as atuações isoladas. É evidente que de uma forma mais ou menos intencional e planejada põem-se em movimento idéias, estratégias e atividades, mas o importante é que estas sejam convergentes, que se inter-relacionem e até se confundam em um todo indivisível. Assim, para dar um exemplo, não se pode propor um projeto curricular de caráter globalizante se, ao mesmo tempo, não se questiona a rigidez dos tempos e espaços escolares e não se incide na modificação da cultura docente. Dentro dessa perspectiva sistêmica, também se devem integrar os discursos teóricos com as práticas escolares e, ainda, o pensamento dos especialistas com o pensamento construído pelos professores a partir de seu trabalho cotidiano na classe. Contudo, sabe-se que a mudança é um longo processo: que a prática modifica-se antes que as idéias; e que é preciso pensar globalmente, mas atuar localmente; isto é, passo a passo. No entanto, não é nada fácil armar um quebra-cabeça e encaixar todas as peças em um determinado momento. Porque às vezes não há maneira de colocá-las, outras vezes se oxidam ou se estragam e não podem ser reparadas ou substituídas por outras. A essa dificuldade, soma-se o empenho da administração e dos grêmios corporativos para manter, a todo custo, um modelo segmentado centrado nas disciplinas e nos compartimentos estanques da ordem escolar; e para silenciar, marginalizar ou abortar os enfoques sistêmicos e globalizados. Finalmente, outra dificuldade que se soma é a existência de culturas, visões e interesses distintos entre administradores, técnicos e assessores, alunos, mães e pais de família e professores dos diferentes níveis educativos que, frequentemente, antepõem o confron-

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to e as divergências ao diálogo e à colaboração para obter consensos a partir de suas coincidências. Tudo isso deriva para a mútua culpabilização com o conseqüente clima de desagregação e mal-estar. E é óbvio que sem a cooperação de todos os agentes da comunidade educativa não há possibilidade de construir um projeto global e coerente de mudança na escola. A INOVAÇAO OU A METAFORA DO LARGO RIO AGITADO As inovações se centram mais no processo que no produto; mais no caminho que no ponto de chegada. De fato, não se ocupam tanto do resultado final em si como dos múltiplos pequenos resultados, objetivos e subjetivos, que vão se sucedendo e se encadeando. O caminho se faz caminhando, dizia o poeta Antonio Machado. E Emilio Lledó (1998), em sua bela obra E1 silencio de lu escritura (1998), atribui aos conceitos "discorrer", "investigar" e "inventar" um sentido metafórico associado ao caminhar e ao encontrar algo no caminho. Por isso, as inovações pedagógicas são como pulsações vitais que vão renovando o ar em sua marcha ininterrupta, observando atentamente e descobrindo novas rotas. A mudança gerada pelas diversas inovações, de maneira geral, é difícil e dolorosamente lenta. T. Sizer (1985) diz com muita pertinência que uma boa escola não emerge como um prato de comida pré-cozida que basta aquecer por 15 minutos, mas a partir do cozimento em fogo brando de um conjunto de ingredientes. Assim como a evolução da história não é linear, também não o é a inovação educativa, que se assemelha à imagem de um largo rio acidentado com águas mansas que se agitam de súbito, com torrentes que transbordam incontrolavelmente tão rápido como secam, com meandros que se alargam e se estreitam, com muitos saltos e sobressaltos e, é claro, com uns tantos afluentes à direita e à esquerda. Algo parecido com isso ocorre com os processos de inovação: existem fases de turbulência e de descanso; momentos e sequência controladas e incontroladas; propostas que avançam coerentemente para uma mesma direção e outras que perdem gás e se ramificam em mil atividades desconexas ... e frequentemente se dá um passo adiante e dois atrás, como dizia um revolucionário soviético já esquecido. Em relação aos tempos da inovação e da mudança, há percepções muito distintas por parte da administração, que costuma regulá10s em esquema administrativo e a prazo fixo, e dos professores que

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requerem ritmos pausados e sem data fixa para evitar a angústia que tanto prejudica seu trabalho e a frustração de ver golpeada uma inovação. Quantas inovações não prosperaram e não abortaram no meio do caminho porque as ajudas e apoios foram retirados no curso seguinte, justamente quando a inovação começava a fazer efeito! Esta, para que a mudança frutifique, requer tempo e persistência, já que está submetida a lógicos altos e baixos e a fases de atividade intensiva e de pausa para refletir e renovar energias. De fato, é preciso muito tempo para modificar práticas e atitudes incrustadas em processos ideológicos e culturais. O tempo da cultura escolar vai penetrando como um gotejar suave, mas persistente e não pode impor-se de um golpe da noite para o dia, seja por decreto ou pela ação voluntária dos professores: tempo de iniciação para fixar objetivos, conceitualizar o sentido e alcance da inovação, envolver os professores e dispor de recursos e apoios; tempo para pôr em marcha tarefas e responsabilidades compartilhadas, de desenvolvimento profissional, individual e coletivo, de tentativas e erros, de divergências e convergências; e tempo de institucionalização das inovações, com um maior compromisso da direção escolar e de todo o coletivo, com atuações mais coordenadas ou articuladas entre a organização da escola e a dinâmica da classe para poder armar o quebra-cabeça a que aludíamos antes, com espaços de reflexão que contribuam para fortalecê-las. Um dos grandes paradoxos da mudança é que, em princípio, existe um certo consenso em admitir que as mudanças requerem tempo e seus efeitos são percebidos a longo prazo. Contudo, na prática, impõe-se a pressão política e social que exige respostas de impacto, remendos e soluções parciais que respondem apenas ao imediato, sem perspectiva de futuro. Além disso, em muitos casos, esse tipo de medida costuma contradizer o sentido de muitas inovações a que se propõem, entre outras coisas, propiciar uma convivência mais respeitosa, igualitária e democrática entre os alunos, e entre estes e os professores. Um exemplo muito habitual desses efeitos perversos são as medidas de forte caráter autoritário e repressivo que são tomadas nas escolas para manter a ordem e a disciplina e impedir comportamentos agressivos e violentos. É evidente que isso contribui muito pouco para a inovação educativa. O outro paradoxo tem a ver com a dificuldade de estabelecer critérios de valoração e de avaliação suficientemente rigorosos e consensuais sobre o êxito e o fracasso das inovações, sobre seus avanços e retrocessos. Nem sempre é fácil detectar se na prática uma inovação

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supõe um avanço, um retrocesso, ou se as coisas continuam praticamente iguais a antes. Por isso, se diz que os efeitos das inovações não apenas devem ser analisados no seio da instituição escolar, mas também nos itinerários pessoais, formativos e profissionais dos estudantes após seu período de escolarização e ao longo de toda sua vida. DE ONDE PARTEM AS INOVAÇÕES? VERTICALIDADE E HORIZONTALIDADE

As reformas verticais, concebidas de cima para baixo, assim como os modelos de mudanças baseados no saber dos especialistas e nas prescrições legais, reproduzem na escola a divisão técnica e social do trabalho entre as pessoas que pensam e planejam e as que se limitam a receber instruções e executá-las mecânica e passivamente. Nesses enfoques e políticas, o poder e a autonomia dos professores diminuem extraordinariamente ao se converterem em uma peça a mais do quebra-cabeça. Mas, como assinalávamos anteriormente, esse modelo hierárquico não é suficientemente compacto, e se produzem fissuras e possibilidades de intervenção para forjar relações mais horizontais e democráticas nas escolas e impor programações e projetos alternativos. Contudo, está demonstrado que as propostas que vêm de fora, sem participação e envolvimento dos professores, no geral, circunscrevem-se a mudanças secundárias: normativas, de linguagem e de atualização de alguns conteúdos - isso sim, com o forte impacto de um desenho modernizador -, que pouco alteram o sentido do conhecimento, das relações cotidianas entre os que ensinam e aprendem e da cultura docente. Quando a administração fala e aposta no desenvolvimento das inovações, quase sempre fixa as regras do jogo, ainda que, é claro, lance aos quatro ventos o discurso retórico sobre a autonomia e a diversidade. A pluralidade e heterogeneidade de projetos e experiências inovadoras complica demais a vida da administração ao não poder controlá-los a partir da enrijecida lógica burocrática. Daí que, na prática, eles estejam submetidos a uma autonomia restrita, quando não a uma severa uniformização. Contudo, seria faltar à verdade não reconhecer que houve e há exceções em determinados momentos históricos e contextos sociopolíticos em que a administração estatal, autônoma, regional ou local - impulsionou políticas inovadoras com um forte conteúdo democrático e social, conseguindo uma certa sintonia e até confluência entre os poderes públicos e a comu-

28 Jaume Carbonell nidade escolar. Algumas dessas experiências serão comentadas mais adiante; contudo, é preciso dizer que se trata de iniciativas bastante excepcionais e de conjunturas históricas intermitentes e de breve duração. É fácil observar, além disso, como diversas administrações de cunho progressista iniciam sua caminhada com um firme compromisso com a inovação pedagógica e a escola pública, mediante iniciativas de certa repercussão e, com o passar do tempo, vão perdendo impulso e derivando para políticas tecnocráticas, conversadoras ou, quando menos, acomodadas com o status quo. Por isso, as inovações que vêm de baixo, do próprio coletivo docente, têm mais possibilidades de êxito e continuidade do que aquelas que emanam de cima. Também se diz, e não sem razão, que às vezes são necessários estímulos externos e propostas da administração para remover uma instituição ancorada em sua inércia e para despertar um professorado demais adormecido e preocupado unicamente em defender seus privilégios e interesses corporativos. Nesse caso, no entanto, se deveria analisar até que ponto as hipotéticas inovações que possam ser geradas são reais e confiáveis e de longa duração. Tememos que se não emergirem, ao mesmo tempo, o protagonismo e a participação democrática dos professores, as inovações mencionadas têm os dias contados. A inovação, para ser potente e bem-sucedida, não pode basear-se na desconfiança dos professores e em sua exclusão. Tudo isso nos leva a uma conclusão: as inovações têm de ser pensadas, geridas e realizadas autonomamente pelos professores. Qual é, então, o papel do Estado ou de qualquer outro poder público? Basicamente, tomar as medidas necessárias de política educativa e dotar a escola pública dos recursos necessários para que os professores possam levar a cabo as inovações sob as necessárias condições de qualidade. ONDE SE PRODUZ M A I S INOVAÇAO? Existem a respeito três crenças muito difundidas: o maior grau de inovação, com um conteúdo realmente alternativo, se produz nos espaços formativos menos regulados normativamente e academicamente - educação não-formal, "subsistemas educativos", temas transversais, matérias optativas e outras ofertas que constituem o chamado núcleo light do currículo -; nos que existe menos pressão e controle acadêmico, familiar e social e, portanto, permite-se maior grau de flexibilidade e experimentação na organização institucional dos conteú-

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dos e nos modos de ensinar e aprender - educação infantil, educação compensatória e garantia social, programas de diversificação curricular. .. -; e naqueles em que as reformas não introduziram grandes mudanças estruturais e, portanto, não provocaram muitas reações de malestar e contestação frontal, sobretudo no ensino fundamental. Há suficientes dados, evidências e argumentos históricos que explicam por que uma parte do capital inovador mais sólido e valorizado nasce fora da escola e em sua periferia - educação especial, marginalização social, educação de adultos ... -, onde as instituições estão menos enrijecidas e se produz maior liberdade de atuação; ou que mostram que em muitos lugares continua sendo assim. Mas também há sintomas e evidências, embora talvez menos evidentes e explícitos, que também contradizem ou ao menos relativizam essas três teses. Vamos por partes. Em muitos lugares, a chamada educação nãoformal de cunho antigo, investida muitas vezes por educadores e educadoras muito comprometidos com a transformação escolar e social, por uma sólida rede de voluntariado e/ou por alguns movimentos sociais, declinaram em favor de uma educação formal mais formalizada - que valha a redundância -, institucionalizada e submetida ou controlada pelos poderes públicos. No caso dos temas transversais, seu maior potencial inovador se mantém devido às circunstâncias descritas, mas comumente esse hipotético potencial não é devidamente canalizado e se limita a ações pontuais, episódicas e de escasso valor formativo. No caso da educação infantil, algumas investigações recentes realizadas em vários países assinalam um fato paradoxal: em alguns, como é o caso espanhol, essa etapa não parece suficientemente diferenciada das outras, apesar da mudança de denominação da LOGSE,* mas preserva ainda muitos componentes e ranços da chamada préescola: rotinas, exercícios, utilização de fichas, expectativas, modelos docentes ... No último caso, vamos nos referir concretamente à ESO - Educação Secundária Obrigatória -** tal como é configurada na última reforma espanhola. A reestruturação dessa etapa sem dúvida gerou inquietação, mal-estar e conflito por diversas e complexas razões de que vamos nos ocupar agora. O que nos interessa destacar é que essa

*N.de T.Ley Orgánica de Ordenación General de1 Sistema Educativo. "N. de R.T. Educação secundária obrigatória é a etapa do ensino que corresponde, no sistema educacional brasileiro, ao ensino médio.

30 laume Carbonell situação mutável e conflituosa gerou um amplo leque de críticas mais ou menos elaboradas, meros lamentos e queixas, ceticismo e desânimo; mas também forjou a busca de alternativas inovadoras para fazer algo mais que sobreviver cotidianamente nas classes. Talvez devido ao que disse Paulo Freire de converter as dificuldades em possibilidades; porque o conflito faz crescer; e porque, e isso é o mais importante, felizmente, em todos os níveis de ensino existe uma boa parcela de professores e professoras dispostos a trabalhar por uma escola diferente. Em contraste com o ensino fundamental, sob um manto de calma, um amplo setor dos professores protege-se na cômoda tranquilidade funcional, de que "aqui não está acontecendo nada e não há problemas". Uma vez mais, as aparências enganam. O QUE FAZER PARA IMPULSIONAR A INOVAÇAO? FATORES QUE A IDENTIFICAM A principal força impulsora da mudança são os professores e professoras que trabalham de forma coordenada e cooperativa nas escolas e que se comprometem a fortalecer a democracia escolar. Um compromisso que, seguindo um movimento de baixo para cima, orienta-se para a obtenção de uma educação integral que articula as experiências dos alunos e os problemas sociais reais com a cultura escolar, superando a visão estreita, tecnicista e academicista do rendimento escolar. Nesse sentido, é importante que as administrações sejam mais sensíveis ao reconhecimento e apoio das experiências de base e criem um clima mais favorável para a liberdade de ação docente e a renovação pedagógica. Costuma-se dizer que na educação falta sentido comum e sobra irracionalidade. Totalmente de acordo. É preciso armar a razão para fazer frente a muitas atitudes e medidas arbitrárias e desprovidas de sentido. Em uma sociedade democrática, existem muitos sentidos comuns e racionalidades que são produto das diversas expressões ideológicas, e a melhor maneira de saber o que é mais correto e razoável é partir do contraste e da reflexão em torno de exemplos e modelos de experiências estimulantes e compartilhadas entre os alunos e os professores. Com isso, põe-se em relevo que há muitas maneiras de propiciar a mudança, mas também que nem todos os caminhos da inovação levam ao mesmo tipo de mudança ou têm a mesma sorte. Depende, é clar3, dos objetivos fixados e do aparato de que se dispõe.

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Outro dos paradoxos é a tensão vivida pelos professores entre a mudança e a continuidade, mediatizada por crenças e pressões externas comumente pouco favoráveis a cultura da inovação, às relações mutáveis de poder no interior das escolas e aos ritmos de implantação das inovações. Estas, em alguns momentos, requerem fases de certa continuidade para sua própria sobrevivência e em outros momentos fases de convulsão, agitação e movimento para propiciar a mudança. Na continuação, e sem querermos ser exaustivos, assinalamos alguns dos fatores que nos parecem básicos para promover a inovação. 1. Equipes docentes sólidas e comunidade educativa receptiva. A inovação, de maneira geral, enraíza-se onde existe uma equipe docente forte e estável com uma atitude aberta à mudança e com a vontade de compartilhar objetivos para a melhoria ou a transformação da escola; e/ou, complementarmente, pessoas especialmente ativas dentro da equipe que dinamizam o processo inovador. Este é favorecido à medida que os diversos agentes da comunidade educativa mostram certo grau de aceitação e cumplicidade, compartilhando idéias e projetos comuns em que podem envolver-se. 2. Redes de intercâmbio e cooperaçáo, assessores e colaboradores críticos e outros apoios externos. A inovação se enriquece com o intercâmbio e a cooperação com outros professores e professoras, mediante a criação de redes presenciais - insubstituíveis sempre que possível - e virtuais, aproveitando as possibilidades que oferecem as novas tecnologias da informação e da comunicação, para facilitar o intercâmbio de experiências e a reflexão crítica em torno delas. Nesse sentido, é importante criar redes de escolas conectadas e associadas em função de diferentes objetivos, âmbitos de reflexão e trabalho e para projetos didáticos e institucionais específicos; assim como todo tipo de referentes e apoios externos que sirvam de bússola, contraste, intercâmbio, crítica, identificação, cumplicidade e fidelidade. Estamos falando de referentes e ajudas tão diversos como podem ser a assessoria externa que, mediante o conhecimento que proporciona a distância, estimula a reflexão e a tomada de decisões; a colaboração de professores e professoras de outros lugares que visitam as escolas, entram nas classes e, com suas observações e críticas, enriquecem o conhecimento escolar e a prática docente, e abrem novas perspectivas de análise e de intervenção; ou a existência de coletivos e movimentos de renovação pedagógica.

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3. A proposta da inovação e a mudança dentro de um contexto tenitorial. A tese é a seguinte: uma escola tem mais possibilidades de melhorar se existir um movimento de mudança em uma zona urbana ou mral determinada que lhe dê cobertura institucional e pedagógica. Por isso, é importante não limitar as iniciativas inovadoras em cada escola. Estamos nos referindo a lugares onde existem projetos educativos para a cidade ou âmbito rural: é o caso, por exemplo, da cidade de Porto Alegre, no Brasil, ou o das redes de escolas rurais que trabalham de forma coordenada em uma zona; da oferta de escolas infantis italianas de Reggio Emilia; ou outras propostas educativas com uma certa incidência em âmbitos locais e regionais. Nesse caso, cria-se a vantagem adicional de que os projetos coletivos territoriais reforçam a solidariedade e diminuem a competitividade entre as escolas para captar clientela em função da especificidade de cada projeto escolar e de sua estratégia de marketing para vendê-lo.

4. O clima ecológico e os rituais simbólicos. A inovação requer um ambiente de bem-estar e confiança, uma comunicação fluida e intensa nas relações interpessoais. O humor e a ironia constituem ingredientes necessários para não dramatizar e desativar situações conflituosas e abrem possibilidades para que o trabalho colaborativo seja mais criativo, leve e até divertido. Algo que, é claro, não deixa de ser sério, muito ao contrário, é igualmente importante à cultura ritual que vai se forjando com o tempo: hábitos, condutas, símbolos, histórias, linguagens e outros rituais que conformam e reforçam os mecanismos de pertinência a um coletivo. Algo que, é claro, tem a ver com a micropolítica da escola e com o currículo oculto. 5. Institucionalização da inovação. As inovações e as mudanças não devem limitar-se a algumas atividades isoladas e esporádicas, mas sim fazer parte da vida da classe e da dinâmica e funcionamento da escola. Ao mesmo tempo, isso supõe uma liderança democrática mais efetiva e maior mobilização e otimização de recursos e energias. A institucionalização tem como contrapartida o perigo de que o necessário incremento organizativo degenere em uma burocratização excessiva - e a acomodação e estabilidade da inovação em uma perda do impulso inicial e em uma fase de rotina. Às vezes também as práticas inovadoras se convertem em um mero slogan da pedagogia oficial mais em voga, vazio de conteúdo e sem vida.

6. A inovação, quando não avança, retrocede. Sabe-se do enraizamento da inércia institucional e de sua capacidade de sobrevivência, impermeável aos ventos da mudança, surda às críticas que vêm

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de todos os lados e cega diante dos inúmeros erros que ninguém questiona nem trata de revisar. Fazer sempre a mesma coisa, mantendo rotinas e o status quo, é andar para trás. Diante dessa situação, provocada tanto por efeitos internos como externos, não resta outro remédio às equipes docentes a não ser sobrepor às urgências administrativas e burocráticas as urgências pedagógicas da inovação, mediante a conquista de tempos e espaços para a reflexão na e sobre a ação. Às vezes, a única maneira de livrar-se das imposições burocráticas desnecessárias, de responder racionalmente à irracionalidade é uma certa atitude de transgressão ou insubmissão escolar.

7. Vivência, reflexáo e avaliação. Como medir o êxito. É preciso criar oportunidades e possibilidades para que as inovações possam ser vividas com intensidade, refletidas em profundidade e avaliadas com rigor. Daí a importância da escrita individual e coletiva, do debate interno e externo, do contraste comparativo e de um acompanhamento, valoração e avaliação sustentados que permitam detectar os resultados que vão sendo obtidos, os avanços e retrocessos e as diferentes variáveis que confluem na inovação; e que identificam os diferentes processos e progressos, assim como o grau de êxito e eficácia. Esse conceito é extraordinariamente complexo e de difícil medição na questão que nos ocupa, mas nem por isso devese renunciar a arbitrar todos os métodos possíveis para ter acesso a um conhecimento de cada fase, à sua potencialidade educativa e aos êxitos alcançados pela inovação. POR QUE NÁO S E PRODUZ INOVAÇÁO? FATORES QUE A DIFICULTAM

As resistências à mudança são de natureza muito variada. Algumas são a antítese dos elementos que favorecem a inovação assinalados no item anterior. Assim, em um primeiro inventário, a debilidade das relações interpessoais e democráticas; a ausência de compromissos firmes para compartilhar objetivos e projetos comuns; os enfrentamentos, tensões e inércias que impedem propor alternativas e gerar expectativas; a falta de planejamento e coordenação; a aplicação homogeneizada e descontextualizada da inovação que não leva em conta a história e tradição da escola, as condições de sua aplicação, os ritmos e tempos na hora de tomar decisões e fixar prioridades, a disponibilidade e grau de envolvimento dos professores; o saber dos professores, mais baseado na intuição que na fundamentação teórica e científica como conseqüência de uma formação inicial e

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permanente sumariamente precária; e a rigidez da organização e gestão das escolas assim como dos espaços e tempos escolares (ver Capítulo V: "Projeto educativo, autonomia pedagógica e organização escolar"). Miguel Ángel Santos (2000, p. 28), em sua obra La escuela que aprende, faz uma esclarecedora distinção entre os obstáculos internos e externos do fechamento institucional à mudança. Entre os primeiros menciona os seguintes: objetivos confusos, falta de recompensa para a inovação, uniformidade de enfoque, escasso investimento, mau diagnóstico de pontos débeis, escasso aperfeiçoamento, atenção centrada em compromissos imediatos, passividade ... Entre os que procedem do exterior: resistências às mudanças procedentes do entorno, incompetência dos agentes externos, centralização excessiva, atitude defensiva dos professores, ausência de agentes externos que sirvam de estímulo, incompleta conexão entre teoria e prática, base científica subdesenvolvida, conservadorismo e dificuldade de observação da tarefa profissional. Na continuação, destacaremos outros fatores que dificultam e frustram as inovações ou simplesmente as desvirtuam. 1. As resistências e rotinas dos professores. Há muitos elementos de resistência, explícitos ou ocultos, que se exteriorizam publicamente em forma de queixas, críticas e reivindicações ou que se manifestam e circulam sobretudo nos âmbitos de encontro cotidiano dos professores: nos corredores, na sala de reuniões, em um bar e outros espaços não-formais. Talvez o elemento mais emblemático da resistência à inovação seja a rotinização das práticas profissionais. Rotinas que têm fortes aliados no corporativismo, no conservadorismo, na funcionalização da profissão, na inércia e na aversão a esse tipo de mudança, venha de onde vier. Ninguém obriga ninguém a realizar uma inovação. Há escolas nas quais se apreciam atitudes, comportamentos, conteúdos e métodos de ensino por parte de alguns professores e professoras que beiram a antipedagogia e a mínima qualidade de ensino e responsabilidade docente; mas que são justificados e inclusive protegidos em toda a escola pelo companheirismo entre colegas, sem dúvida uma solidariedade débil e tão mal-entendida como difundida. Há inúmeros exemplos de como se instala o peso da inércia para realizar aquilo que se fez a vida toda. Assim, curso após curso, repetem-se a mesma forma de distribuir os alunos dentro da classe, as mesmas lições com pequenas variações introduzidas pelos manuais por série, idênticos sistemas de avaliação ... Tudo isso proporciona segurança, comodidade e tran-

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quilidade aos professores, ao mesmo tempo que proporciona o apego ao livro de texto como único recurso de aprendizagem. Essa tendência à rotinização deve-se àquilo que diversos analistas denominam fechamento pessoal, entendido como uma atitude de incompreensão, da recusa à crítica e à reflexão sobre a prática. 2. O individualismo e o corporativismo interno. Outra característica igualmente relevante é o individualismo, que se associa a metáforas da classe como caixa de ovos ou castelo e que constitui a versão mais negativa do isolamento, a liberdade de cátedra ou consciência e a autonomia, em contraposição com a individualidade relacionada à formação de um critério e julgamento próprio e com o trabalho independente e autônomo capaz de convergir no coletivo e enriquecê-lo. Diversos autores analisaram também criticamente a cultura do coleguismo artificial, que fomenta o fechamento corporativo de pequenos grupos dentro da instituição escolar - de um nível, etapa ou departamento concreto - que rivalizam e se enfrentam entre si para a obtenção de mais recursos e privilégios e maior parcela de poder na distribuição do currículo e na organização da escola. 3. Pessimismo e mal-estar docente. É preciso mencionar também as atitudes e comportamentos relacionados com o chamado mal-estar docente. Professores e professoras que mostram seu descontentamento e cansaço porque se sentem confusos diante da complexidade dos novos papéis e tarefas, e diante da natureza mutável do conhecimento e da educação que têm de desenvolver em condições difíceis e/ou desconhecidas. Tudo isto gera condutas muito pessimistas e derrotistas nos professores que não querem ouvir nem saber de inovações. A literatura sobre o mal-estar docente e os professores "descontentes" é abundante, inclusive se poderia dizer que às vezes intencionalmente promovida e incentivada por parte de certos setores e poderes que utilizam e exploram o mal-estar em relação ao indizível para frear qualquer inovação, mudança ou transformação da escola. Não vamos negar a evidência de que existem muitos casos em que as condições objetivas e subjetivas da profissão geram um mais que razoável e justificável mal-estar, que inclusive torna compreensível seu abandono; mas é muito curioso também ver docentes em início de carreira e muitos outros que levam muitos anos instalados comodamente na profissão fazeiido vista grossa a toda pressão e proposta, e que figuram nas estatística dos "descontentes". O mal-estar nem sempre é real. É fictício por parte daqueles que estão comodamente instalados em seus postos, ainda que também façam uso da cultura da lamentação e da queixa - que não é da

36 laume Carbonell crítica -; e daqueles que, por um lado, queixam-se igualmente de quase tudo - talvez pela necessidade terapêutica e de sobrevivência -, mas que, por outro lado, realizam experiências maravilhosas em suas classes e estão comprometidos com a inovação. O que costuma ocorrer nesses casos é que tais professores e professoras não são muito conscientes das contribuições extraordinárias que fazem, porque não se valorizam o suficiente, sua auto-estima é baixa e têm um certo complexo de inferioridade. Eis aqui outro paradoxo. Como querem que a sociedade os valorize como merecem se os próprios professores se valorizam tão pouco, falando mais de mal-estar do que de bem-estar, de suas desgraças que de suas satisfações? Isso, sem sombra de dúvida, tira credibilidade e autoridade à profissão. 4. Os efeitos perversos das reformas. Como já explicamos, para detectar os obstáculos é preciso olhar ao mesmo tempo para muitos lados. Não é aceitável passar sempre a bola e culpabilizar o outro com explicações do tipo: o problema da reforma é que os professores não estão preparados para o trabalho da mudança; ou que o principal obstáculo é a falta de verbas e de recursos para ter condições de aplicá-la. Se isso é certo, também é certo que muitas reformas nascem já envelhecidas e que falham em sua conceitualização inicial da mudança e em sua excessiva regulação e burocratização, que condicionam enormemente a autonomia e a criatividade dos professores e, por conseguinte, o desenvolvimento de inovações. Dizia José Contreras em seu colóquio, com certo desânimo e contundência, que o que não é obrigatório é proibido. Chega a esse ponto às vezes a ampla sombra da regulação burocrática. Já comentamos em outros momentos que a oficialização e a sacralização de certas idéias e propostas pedagógicas inovadoras representam na maioria das vezes fotocópias borradas e bastante falhas, e não um reconhecimento e impulso daquelas. Por outro lado, existem inúmeras pesquisas e ensaios que põem em evidência a ineficácia das reformas tecnocráticas, promovidas pelo Estado, baseadas nas prescrições curriculares da tradição administrativa intervencionista e controladora para a melhoria e inovação das práticas escolares. O que costuma ocorrer é que o discurso da reforma vai por uma margem do rio, e a realidade da inovação caminha na margem oposta. São raras as vezes em que ambas as dinâmicas coincidem e avançam juntas impulsionadas pela mesma corrente.

5. Os paradoxos do duplo cum'culo. Cada nível da pirâmide escolar tem sua própria cultura pedagógica e seus próprios ritos na hora de pensar, organizar e aplicar o processo de ensino e aprendizagem. Existem entre eles múltiplas rupturas, abismos e descontinui-

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dades. Os alunos vivem e percebem sistemas opostos, e também as inovações estão submetidas a essas oposições dicotômicas e confrontadas. Além disso, a autonomia da inovação de um nível inferior está sujeita às exigências acadêmicas e avaliativas do nível superior. Tudo leva quase sempre à formulação de um duplo currículo ou processo de ensino-aprendizagem: um para aprovar os testes e provas exigidos para ter acesso ao nível superior, mais duro e menos inovador; e outro, mais autônomo e inovador destinado ao núcleo light do currículo que não se avalia. Quando, há algum tempo, visitei escolas em São Francisco, algumas professoras do ensino fundamental me explicaram de forma muito clara: "nesta escola trabalhamos os conteúdos a partir de unidades globalizadas, mediante metodologias ativas, mas quando é preciso passar os testes obrigatórios interrompemos as atividades e nos dedicamos a preparar, memorizar e repisar as respostas de longuíssimos questionários". Outro exemplo muito comum do duplo currículo temos na atuação de um setor dos professores que distribui seu tempo em duas metades assimétricas. A primeira, à qual dedica mais tempo e energias, organiza a partir de suas crenças, convicções, práticas e rotinas educativas mais tradicionais: ditado, fichas, cópia, lição do livro de texto, provas de memória de longo uso ... Já a segunda, realiza contra sua vontade, mas por certa obrigação moral ou por mera conveniência para evitar conflitos, e consiste em ter de seguir alguns critérios pedagógicos minimamente inovadores estabelecidos no projeto e assumidos pela tradição da escola: assembléias de classe, oficinas, saídas para conhecer o entorno, pequenos trabalhos de pesquisa ...; a isso dedica o menor tempo possível para em seguida voltar às rotinas que conhece e controla. Além disso, nesse tempo "inovador" não oferece nenhum tipo de pauta para que os alunos aprendam a consultar, pesquisar, perguntar, argumentar..., com o que acaba rotinizando também esse tempo ao esvaziá-lo de conteúdo e desvirtuar as atividades mais inovadoras da escola.

6. A saturação e fragmentação da oferta pedagógica. O consumismo chegou também às escolas e existe um mercado poderoso e crescente - com ofertas de administrações e instituições públicas e de empresas privadas - que invadem diariamente as escolas, inclusive aqueles que mal dispõem de recursos e de orçamento. Vende-se tudo: enciclopédias, a gama mais diversa de produtos tecnológicos, visitas com guias, prêmios e concursos, viagens e estadias em colônias e escolas ambientais, cursos ... São tantos os papéis e as mensa-

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gens que aterrissam e tão dispersos e fragmentários que fica difícil, sobretudo por falta de tempo, tirar deles o adequado proveito e, menos ainda, articulá-los dentro de projetos inovadores. Por isso, faz parte da atomização e fragmentação do conhecimento que abordamos no capítulo seguinte.

7. Divórcio entre a pesquisa universitária e a prática escolar.A universidade, salvo exceções muito louváveis, costuma dançar ao som de músicas muito pouco conectadas com a realidade escolar. Se alguém tem a paciência de folhear os sumários das dissertações e teses de doutorado, realizadas nos últimos anos em qualquer Faculdade de Educação, se dará conta da escassa sensibilidade e preocupação que existe para averiguar o que ocorre na escola e nas classes, por que as escolas mudam tão pouco, para onde caminham as inovações ou o que pensam os alunos e os professores. Isso não tira o mérito de muitas pesquisas, mas põe em relevo a distância que medeia entre o ensino universitário e não-universitário, e como o primeiro, de maneira geral, está mais preocupado em consolidar poderes curriculares, acadêmicos e corporativos do que em propor um trabalho de estudo e reflexão que possa ser útil e compartilhado com os professores AS TENSÓES E CONTRADIÇÕES FAZEM PARTE DA INOVAÇAO O conflito está inserido no complexo e contraditório processo da inovação e mudança na escola. Portanto, não se trata de tomar medidas preventivas para evitar isso, mas de criar o clima democrático necessário para enfrentá-lo e geri-lo coletivamente e, sempre que possível e necessário, resolvê-lo de maneira criativa e positiva. Nesse sentido, o conflito é extraordinariamente produtivo porque dá vida a inovação e faz com que apareçam as divergências; que se esclareçam posições opostas ou complementares; que se aprofunde e avance nas dificuldades e possibilidades; que se evitem também os consensos falsos e prematuros que não satisfazem a ninguém e que não fazem senão gerar maiores dúvidas e mal-entendidos, além de ocultar ou aplacar o conflito; e, sobretudo, que nos educamos no e pelo conflito mediante o diálogo e o reconhecimento do outro como sujeito. É evidente que o conflito gera posições de inibição e recusa porque é um foco de tensão e mal-estar; mas constitui também um foco potencial de liberação de ansiedades e tensões. Por isso, enfrentar os conflitos é extraordinariamente benéfico para provocar a mudança e fortalecer a autoridade da equipe docente.

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O conflito é, além disso, um termômetro para medir até que ponto é possível a convivência de culturas profissionais diversas nas escolas, ao poder confrontar-se, complementar-se e enriquecer-se em benefício da inovação; ou se, ao contrário, essas culturas se tornam irreconciliáveis, seja porque se ignoram ou porque entram em violenta colisão e tornam difícil uma saída negociada para o conflito; e, nessas circunstâncias, não se vislumbra qualquer possibilidade de inovação. Aqui, o saudável confronto de idéias é substituído pelo receio, a trapaça, a concorrência e a defesa das "cotas" de poder pessoal. A inovação educativa, como qualquer atividade laborativa e humana, está cheia de contradições, dilemas ou antinomias. Sempre nos vemos diante de conceitos e princípios contrapostos: liberdade e igualdade; certeza e incerteza; realidade e utopia; autonomia e controle; risco e segurança; individualidade e coletividade, entre muitos outros. Essa estrutura antinômica não constitui em absoluto um obstáculo e um freio a inovação, muito pelo contrário: sua abordagem obriga à reflexão, sobretudo quando ocorre na vida escolar e alimenta e dinamiza qualquer processo inovador. Historicamente, a escola viveu e ainda vive com intensidade a tensão permanente - a qual nos referimos ao longo deste livro entre igualdade e liberdade. O outro grande paradoxo é que ela oscila entre o caráter reprodutor do Estado como poder - de seus valores e da cultura oficial - e o potencial libertador da escola como conseqüência da conquista do direito universal a educação para todos e para todas; com tudo o que isso implica de aquisição de um capital cultural, de autonomia moral e de compensação das desigualdades sociais de origem. Essa realidade contraditória e conflituosa se toma cada vez mais evidente por causa da realidade volátil e vertiginosamente mutável que obriga a uma renovação permanente de âmbitos e situações que até agora pareciam relativamente estáveis ou evoluíam de forma lenta e controlada. O novo caráter vertiginoso da mudança tecnológica e social acrescenta nova pressão a inovação e à mudança escolar. Embora esta deva estar mais atenta aos novos ditames da modernidade e da pós-modernidade, em nenhum caso deve submeter-se a eles, já que a educação em seu conjunto tem sua própria autonomia e deveria orientar-se mais por imperativos de ordem ética e moral do que por aqueles meramente econômicos e tecnológicos. E se falamos de moral, é preciso reconhecer que a humanidade evolui a um ritmo lamentavelmente muito mais lento. Daí a necessidade de que as inovações e a mudança educativa encontrem um justo ponto de equilí-

40 Jaume Carbonell brio entre tradição e modernidade, entre o avanço e a estabilidade, entre o presente e o futuro. Além disso, sempre esteve presente de algum modo na educação a velha dicotomia entre Parmênides (a permanência) e Heráclito (o correr contínuo). Outro paradoxo dos mais evidentes da mudança é que quanto mais se olha para o futuro, mais se volta o olhar para o passado, às vezes com ira e quase sempre corri nostalgia. Tampouco se deve confundir e sacralizar a mudança, o futuro e toda proposta e comportamento de oposição à situação atual, pois estes nem sempre são acompanhados de um componente progressista e emancipador, sem o que significam simplesmente novas formas de dominação e submissão que mudaram apenas o desenho para manter inalterada a realidade.

O Lugar das Pedagogias Inovadoras

AS PEDAGOGIAS INOVADORAS NAO MORRERAM Os tempos não andam bons para as pedagogias inovadoras, ativas e progressistas. Os governos da maioria dos países lhes atribuem a responsabilidade pelo crescente fracasso escolar, a queda do nível educativo e a deterioração geral do ensino; e reclamam a volta às pedagogias mais neoconservadoras e tradicionais que, diga-se de passagem, convivem harmonicamente com as políticas e práticas neoliberais e tecnocráticas. Diversos analistas e críticos prognosticam que as pedagogias inovadoras estão esgotadas e têm os dias contados ou já lhes passaram o atestado de óbito. Elas também têm sido muito criticadas e questionadas no interior do próprio mundo pedagógico. A que se deve essa corrente de opinião cada vez mais generalizada? Vejamos algumas possíveis explicações. 1. Acabaram-se as ideologias, as tendências e os dogmas. Em uma legenda recente de E1 Roto figurava esta legenda: "Estou farto dos ideólogos da morte das ideologias!". E não é para menos, neste início de século em que se anunciam tantas mortes: o fim do mundo anunciado por Nostradamus e outros profetas; o fim da história diagnosticado por Fukuyama após a queda do muro de Berlim; o mito do fim do trabalho; o desaparecimento do livro e da impressão anunciada por parte dos novos deuses tecnológicos; o fim do sujeito e da infância teorizada por Postman ... Como não iriam faltar dentro dessa corrente dominante pessoas que não apostassem também no fim das pedagogias inovadoras!

42 Jaurne Carbonell De fato, trata-se de uma questão de moda, mas não apenas disso. Os efeitos da globalização e do pensamento único, como veremos mais adiante, influem também na uniformização da cultura pedagógica, mostrando uma grande capacidade de integração de alguns elementos previamente reciclados, esvaziados de todo conteúdo e totalmente desvalorizados. Um certo relativismo cultural e pedagógico também contribui para seu descrédito ao colocar sob questionamento e suspeita qualquer dogma, verdade e pensamento pedagógico. Seu discurso sobre a incerteza e a complexidade do "só sei que nada sei" socrático levado ao extremo conduz à negação ou à ignorância de evidências e convicções pedagógicas de registro diverso. 2. Coloca-se tudo no mesmo saco. As pedagogias inovadoras são de corte muito diverso: há aquelas de caráter naturalista e idealista inspiradas por Rousseau; de natureza psicológica - centradas nos interesses e na evolução infantil - e social - que tomam a realidade como marco de referência para seu estudo e transformação -; de caráter individualista e coletivo; progressistas ou conservadoras: há aquelas que são antíteses e outros que se complementam. Mas é evidente que não se podem analisar com o mesmo parâmetro ideológico e educativo as propostas de Rousseau, Montessori, Neill, Piaget, Rogers, Milani, Makarenko, Freinet, Dewet, Freire, Claparède e Stenhouse para citar apenas uma dúzia de nomes com discursos tão diferentes. Dentro dessas pedagogias cabem, de fato, o espontaneísmo, o ativismo, o ludismo entendido de mil maneiras, a formação de um pensamento reflexivo, a aquisição de um conhecimento sólido, a aprendizagem cooperativa, a democracia escolar, a aproximação superficial com o entorno ou sua leitura e compreensão crítica. Inclusive dentro do movimento da Nova Escola ou da Pedagogia Crítica há diferenças apreciáveis. Existem, efetivamente, elementos dessas pedagogias totalmente defasados para a escola de hoje ou que perderam vigência por seu escasso valor formativo: há também os que, como outras coisas, deveriam ser submetidos à revisão; e existem outros que não perderam nada de interesse e constituem ainda faróis muito luminosos para compreender e transformar o processo de ensino e aprendizagem. Se alguém lê Democracia e educação e Meu credo pedagógico, de J. Dewey, As invariantes pedagógicas, de C. Freinet, ou Linguagem e pensamento, de L. S. Vygotsky, para citar apenas alguns textos, se dará conta disso.

3. Questionam-semais os excessos e as aplicações desvirtuadas que a essência das idéias e aplicações originais. Da democracia, liberdade e igualdade criticam-se mais comumente alguns de seus ex-

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cessos e aplicações tergiversadas, defeituosas e regressivas que a essência do pensamento que as sustenta e suas expressões mais potencialmente progressistas. Algo similar ocorre com as pedagogias inovadoras das quais se costumam criticar, sobretudo, os excessos e barbaridades que se cometeram em seu nome. Na realidade, o que está em crise são as aplicações mecânicas nas quais abunda a anedota e a banalidade que têm prioridade sobre a substância e as idéias; as adaptações descontextualizadas e sem critério; as fotocópias borradas, as meras maquiagens e manipulações que só mudam a pele; e todas as leituras e aplicações que foram esvaziadas de conteúdo. Essas práticas devem ser denunciadas, mas não a substância das pedagogias inovadoras, ainda mais quando algumas delas apenas penetraram em algumas poucas escolas e outras têm ainda mais presença na literatura que na vida cotidiana da classe. 4. Mas o que se sabe acerca do êxito e do fracasso das pedagogias inovadoras? Não se dispõe de pesquisa e documentação suficiente e confiável, além de alguns estudos específicos, que nos permita conhecer o grau de êxito e eficácia do conjunto das pedagogias inovadoras e de cada uma delas em particular. Mas, além disso, a partir de que valores e critérios elas são valorizadas e avaliadas, visto que nelas convivem referentes ideológicos e educativos diversos? Seu êxito se mede pelo que significaram algumas de suas escolas-piloto e experimentais ou por sua influência no conjunto do ensino? Muitas outras questões poderiam ser formuladas. Um dos debates mais apaixonados e controvertidos se centra nos beneficiários sociais dessa pedagogia. Elas atingem apenas as classes altas e médias ou também os setores populares? Há de tudo. É certo que algumas das escolas-mãe na Nova Escola tiveram um caráter elitista e também que alguns dos objetivos e atividades das chamadas pedagogias ativas e psicológicas - denominação um tanto quanto confusa e reducionista ao incluir concepções pedagógicas e educativas variadas - são pensados para os alunos e as famílias de classe média. Mas há igualmente exemplos eloquentes de como as pedagogias inovadoras com uma orientação mais democrática, popular e social foram tentadas e ainda se aplicam com êxito em escolas rurais ou nos subúrbios das grandes cidades. Basta recordar, a título de orientação, a Escola italiana de Barbiana criada por Milani; as inúmeras escolas democráticas inspiradas no pensamento de Dewey nos bairros operários de muitas cidades americanas; as marcas inapagáveis de Freire na educação de adultos e outras experiências de educação popular; a escola do povo de Vence fundada por Freinet e

44 laume Carbonell outras inspiradas por ele e pelo Movimento de Cooperação Educativa nos subúrbios de Roma ou Turim; a rede de escolas infantis de Reggio Emilia; as escolas integradas no projeto de cidade educadora de Porto Alegre, que têm como referências Vygotski, Piaget e Dewey; as escolas progressistas e anglo-saxãs destinadas à classe trabalhadora que se inspiraram nos trabalhos de Stenhouse e Goodson; ou as inúmeras experiências de educação crítica estudadas e difundidas por McLaren e Giroux. CR~TICASE TÓPICOS. PARA ALÉM DA ANTINOMIA PEDAGOGIA ATIVA-TRADICIONAL Neste item, vamos apresentar alguns dos componentes básicos das pedagogias inovadoras e, mais concretamente, das pedagogias ativas e espontaneístas. As críticas a estas são formuladas a partir de diversas perspectivas; para falar esquematicamente, em alguns casos sua oposição é frontal e apostam no retorno ao passado, a pedagogias de corte tradicional; em outros, ainda que tampouco escapem à crítica radical, tratam de introduzir matizes ou reformular os princípios e propostas em uma direção mais nitidamente inovadora e progressista. Nós nos centramos em oito tópicos: 1. A bondade natural da criança. A célebre frase de Rousseau 'R criança é boa por natureza" - e é o contato com a sociedade que a perverte - converteu-se em mito e senha das pedagogias espontaneístas. Hoje demonstrou-se até a exaustão que a criança não é boa nem má por natureza. Ela herda alguns hábitos e instintos, e pouco mais; o resto é feito pelo meio social e pela educação familiar e escolar recebida. Portanto, a natureza infantil é totalmente maleável e vai se forjando em função de como se oriente e das circunstâncias do seu entorno. Assim, a liberdade, contrariamente ao que sustentam certos discursos idealistas e psicologistas, não é inerente a sua natureza, mas sim algo que se conquista dia a dia mediante o desenvolvimento de sua própria personalidade. E o direito supremo à felicidade da infância nada tem a ver com o culto acrítico da personalidade infantil segregada do entorno.

2. O espontaneísmo. O fato de idolatrar a infância conduz ao culto do espontaneísmo, entendido como o exercício da liberdade em um ambiente de grande perrnissividade, no qual não existem

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nem normas e modelos de referência, nem controle e intervenção por parte da pessoa adulta, e se deixa o menino ou a menina por sua própria conta. Ou seja, a antítese da regulação excessiva. O espontaneísmo, que supõe um impedimento para a maturação intelectual e social dos alunos, teve efeitos nefastos no ensino: desprezo em relação aos conteúdos; infantilização da cultura; falta de concretude em práticas pedagógicas; debilidade democrática da comunidade; substituição da autoridade docente pelo autoritarismo infantil; imediatismo e superficialidade ... O vendaval espontaneísta teve especial repercussão nas escolas dos anos sessenta. Hoje, muitas daquelas escolas realizam sua autocrítica, e embora não o tenham abandonado, suavizaram de maneira visível. São raras as instituições que atualmente aplicam o espontaneísmo enquanto chave de pureza rousseauniana. 3. O respeito aos interesses infantis. Sobre esse aspecto existem posições diversas. Assim, enquanto para as pedagogias espontaneístas os interesses infantis devem ser sempre atendidos e nunca reprimidos, para outras pedagogias estes não devem ser reprimidos nem satisfeitos. Nessa linha, Dewey entende que reprimir o interesse é colocar o adulto no lugar da criança, debilitar assim a curiosidade e a vivacidade intelectual e diminuir seu interesse. E satisfazer os interesses é colocar o que é transitório no lugar do que é permanente. Para Dewey, o interesse sempre é sintoma de uma capacidade oculta, e descobrir essa capacidade é o mais importante. Não compartilho totalmente com as críticas que consideram ingênua e pouco rigorosa a tendência a tomar os interesses infantis como detonadores importantes da aprendizagem escolar, mas sim as dificuldades reais na hora de fazê-los emergir e de selecionar os que possam converter-se em fonte de conhecimento e inserir-se em processos realmente inovadores. Algo complexo e controvertido mas necessário, já que frequentemente os interesses são meros caprichos, motivações imediatas, escassamente substanciais e reflexo da miséria cultural do entorno e dos programas televisivos de baixo nível ou daqueles de menor repercussão informativa e formativa. Freinet faz uma crítica muito contundente da manipulação dos interesses infantis que comumente levam apenas a uma motivação superficial e a uma distração, mais do que a uma autêntica atividade. Em certa medida, seria preciso atender mais às necessidades infantis que aos interesses; mas uma coisa é atendê-los, considerá10s e partir deles quando necessário, e outra bem diferente é que a ação educativa seja condicionada e submetida aos interesses infantis

46 Jaume Carbonell (em razão de sua imaturidade, da pobreza e da perversidade de muitos, da dificuldade de identificação ou de sua falta de interesse como ponto de partida de uma aprendizagem...). A curiosidade tampouco aflora espontaneamente, mas é preciso trabalhá-la e criar as condições para canalizá-la para os diferentes conhecimentos e âmbitos da realidade. 4. Acerca da criatividade e da experiência sensível. Para as pedagogias espontaneístas, a criatividade surge de modo desordenado e espontâneo, sem idéias premeditadas nem planos preconcebidos e é algo necessariamente confuso e vago que não pode ser definido. O importante é criar o que quer que seja sem orientações nem critérios; desse modo, subordina-se o pensamento à sensação e somente se admite o conhecimento fundado na experiência sensível. Não há espaço algum para a objetividade. As críticas a esse discurso são similares às que se fazem sobre o ativismo escolar, do qual nos ocupamos no próximo item.

5. O ativismo sem tom nem som. Trata-se de realizar a atividade pela atividade, sem objetivos, critérios ou referentes contextuais. Nesse ativismo desenfreado, o importante é mover-se e atuar, ainda que não se saiba por que nem para onde. Os alunos estão sempre ocupados, agitados, acelerados dentro da classe e continuamente programam saídas fora dela como se fosse uma agência de viagens. Os professores também permanecem em contínuo movimento, tratam de converter a classe em uma feira ou em um parque temático e, naturalmente, acabam esgotados. O ativismo das pedagogias ativas foi com justiça duramente criticado pelo menos por estas quatro razões: supõe uma exageração e perversão do aprender fazendo formulado por Dewey e outros autores que vinculam sempre a atividade ao desenvolvimento do pensamento reflexivo; submete o aluno a um ritmo frenético de atividade, mais física que mental, que dificulta a concentração e os tempos pausados que requer a aprendizagem; proporciona um conhecimento ingênuo, anedótico e superficial da realidade; e constitui, de maneira geral, ações isoladas e dispersas que não se articulam coerentemente dentro do currículo e do processo de ensino e aprendizagem. Lamentavelmente, o sarampo do ativismo afeta ainda muitas escolas, pressionadas pelo ritmo acelerado do conhecimento, a reprodução anual de uma série de atividades rotineiras e a quantidade de ofertas e demandas que lhes chegam.

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6. Jogo, trabalho e disciplina. B. Russell (1967) relata com todo o requinte de detalhes em seus ensaios Sobre educación sua surpresa sempre que se dizia que Montessori - uma das representantes mais genuínas da pedagogia ativa - havia suprimido a disciplina ao comprovar que um de seus filhos que enviou a um parvulário Montessori* tornou-se mais disciplinado e aceitava de bom grado as regras da escola. Ainda que Russell acrescente - e isso foi explicado muitas vezes - que, no geral, os meninos e meninas que frequentam as escolas ativas não experimentam as regras como uma imposição externa, mas como um jogo, e as obedecem com prazer. Para outros autores das pedagogias inovadoras, o motor da educação não é o jogo e o prazer, mas sim o trabalho que orienta toda atividade infantil e o princípio da realidade, entendido como um certo temor ao medo, ao fracasso, à frustração e às limitações e misérias da condição humana. Não obstante, em algumas pedagogias inovadoras, esses três princípios se complementam. A máxima de Horácio de aprender com deleite pode casar perfeitamente com o trabalho esforçado e disciplinado. Por acaso a aprendizagem sólida e formativa não deve ser atrativa e conter uma dose de sedução e de lúdico? Certo tipo de jogos não exige também um alto grau de treinamento e de concentração similares às atividades cognitivas e de aprendizagem? O prazer, porém, não surge por geração espontânea; é preciso criar o ambiente de aprendizagem adequado; e à medida que se avança no trabalho, a satisfação, o prazer e a alegria vão aumentando. É certo que algumas pedagogias inovadoras dicotomizaram excessivamente esses princípios e se recriaram demasiado no jogo e no prazer sem mais; mas outras fizeram do esforço e do trabalho disciplinado uma de suas exigências prioritárias. Além disso, esse tipo de pedagogia exige, no geral, maior esforço e dedicação tanto dos alunos quanto dos professores, ainda que os parâmetros disciplinares, como veremos em outros capítulos, baseiem-se em uma forte democracia escolar e em supostos distintos dos das pedagogias tradicionais.

7. O como ensinar e o que ensinar. As pedagogias inovadoras, sobretudo as de abordagem psicologista - aquelas que reduzem os problemas de educação aos psicólogos -preocuparam-se mais com o método do que com o conteúdo. De uma escola tradicional, unidi-

"N.de R.T. Parvulário Montessori é uma escola de educação infantil criada a partir do método montessoriano.

48 Jaume Carbonell mensionalmente centrada no programa e no ensino e alheia aos interesses e necessidades dos alunos, passou-se ao outro extremo: ao paidocentrismo ou escola centrada na criança e na aprendizagem. É evidente que não há ensino sem conteúdos culturais, nem estes existem sem mediações metodológicas. Dessa falsa dicotomia nos ocuparemos mais adiante. Cabe dizer, não obstante, que apesar das intenções mais sólidas e louváveis de algumas pedagogias inovadoras de romper com esse crônico divórcio, a crescente onipresença do psicologismo e a debilidade e escassa influência do pensamento pedagógico contemporâneo marcaram uma tendência dominante em um duplo sentido: a hegemonia das técnicas e estratégias que parecem resolver tudo com o sagrado lema do "aprender a aprender", comumente vazio de conteúdos culturais; e a volta aos conteúdos tradicionais puros e duros, em esquema de aprendizagem memorística, em detrimentos dos conhecimentos culturalmente relevantes e adquiridos mediante a reflexão e a memória compreensiva. A S PEDAGOGIAS INOVADORAS PROGRESSISTAS COMO REFERENTE ALTERNATIVO Neste livro, faz-se uma aposta e uma reivindicação das pedagogias progressistas inovadoras. Seu discurso é crítico em relação ao modelo de escola tradicional, mas é também em relação aos componentes mais psicologistas e espontaneístas das pedagogias ativas antes mencionadas. Essas pedagogias progressistas sempre existiram, mas com frequência foram esquecidas, silenciadas e marginalizadas pelo poder. Algumas de suas senhas de identidade são: ênfase na cooperação e a democracia participativa: compromisso com a transformação escolar e social; articulação entre o processo e o produto; vinculação estreita com o entorno; concepção integrada e globalizada do conhecimento; e luta pela igualdade social e o respeito à individualidade. Em seu discurso abarcam as dimensões psicológica, pedagógica, sociológica e antropológica da educação com o propósito de incorporar, revisar e contextualizar criticamente - e não como uma mera soma ou justaposição mecânica de idéias e propostas - os elementos mais valiosos e emblemáticos de diversas tradições científicas, culturais e educativas. No que diz respeito ao âmbito genuinamente pedagógico, tomam alguns elementos do movimento da Nova Escola, das pedagogias críticas, de diversas propostas de escola po-

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pular e libertadora, alguns aspectos do construtivismo e da psicologia cognitiva, da investigação-ação, etc. Por outro lado, tratam de superar algumas das dicotomias apontadas e de dirigir-se às diferentes camadas sociais, com especial atenção aos setores socialmente desfavorecidos. Nos capítulos que seguem, serão formuladas idéias, propostas e experiências relacionadas com essas pedagogias que o leitor ou leitora poderá perceber com mais nitidez.

Uma Nova Concepção e Organização do Conhecimento Escolar

COMPONENTES E TRADIÇÓES O conhecimento é um conjunto de informações, conceitos, princípios, crenças, convicções, valores, símbolos, rituais, linguagens, opiniões, argumentações, habilidades de índole diversa e outros componentes que estão mais ou menos interconectados e atados como os fios de uma rede. O conhecimento, extraordinariamente complexo e multidimensional, assenta-se em três grandes pilares: o da informação, que gera conhecimento relevante; o da explicação, que facilita a compreensão do porquê das coisas; e o da apropriação subjetiva, que contribui para a formação de um critério de opinião pessoal. Historicamente, o conhecimento escolar foi se conformando a partir de três tradições: a acadêmica - dividida em ciências e humanidades -, com conteúdos científicos e abstratos geralmente descontextualizados; a utilitarista e tecnológica, vinculada ao mundo do trabalho; e a pedagógica, que trata de tornar mais aceitáveis e atrativos os conteúdos para os interesses e necessidades dos alunos. A história do currículo é uma história de relações de poder e lutas acadêmicas entre o conhecimento de corte clássico-humanístico, que procura hegemonizar um domínio mental abstrato e uma conduta moral - ao mesmo tempo que despreza os conhecimentos aplicáveis por não fazer parte da tradição e da cultura-; o conhecimento de caráter marcadamente utilitarista em que predominam os conteúdos

52 iaume Carbonell e habilidades muito concretos e aplicáveis do saber fazer - nesse caso, as matérias humanísticas são consideradas meramente ornamentais -; e o conhecimento de caráter técnico-científico, que em alguns casos exige cada vez mais especialização e em outros se reduz a um simples treinamento mecânico, sem marcos de referências globais e explicativos que dêem a razão dos fatos. Existem outras tradições que diversificaram e enriqueceram os conteúdos culturais, ainda que sua presença tenha sido menos significativa e até marginal devido às resistências por parte das tradições mais assentadas e anteriormente citadas. Referimo-nos às culturas antropológicas, populares, alternativas, de massa, juvenis, dos meios de comunicação social..., que, às vezes, são apresentadas como subculturas para atribuir-lhes uma categoria inferior. Um dos desafios prioritários da mudança educativa é o de conseguir uma confluência e integração das diferentes tradições e manifestações culturais: da chamada alta cultura, a tradição acumulada e herdada de geração em geração, e das culturas e conhecimentos produzidos pelos diversos agentes e grupos em seus respectivos contextos socioculturais; do patrimônio universal comum e das identidades locais e vozes excluídas; da cultura oral e escrita; ou do método e do conteúdo na linha dos diálogos platônicos nos quais se especula sobre a ciência, a filosofia e o ensino da virtude mediante a dialética e a retórica. É preciso lembrar que uma das funções sociais da escola é distribuir e reproduzir de maneira desigual o capital cultural entre as diferentes classes sociais. Assim, existe uma clara correspondência entre a atribuição de algumas das tradições, conhecimentos e matérias a determinados grupos sociais; assim como existem diferentes códigos - restritos, elaborados e superelaborados - que selecionam e evocam significados e padrões culturais aos setores escolares mais ou menos favorecidos, tal como explicou com grande rigor B. Bernstein em sua extensa obra. U M CONHECIMENTO FRAGMENTÁRIO, EXCESSIVO E IRRELEVANTE A seleção dos conteúdos expressa, em cada lugar e momento histórico, o pensamento dominante em relação à evolução econômica, tecnológica, cultural e social, assim como o confronto de interesses e relações de poder que se estabelecem entre o Estado, a Igreja, as grandes multinacionais, as corporações acadêmicas e outros Zobbies

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e grupos sociais. O conhecimento está intimamente vinculado ao poder e é, ao mesmo tempo, uma construção social e acadêmico-universitária. Assim, é evidente que às vezes a introdução de novos conteúdos ou a supressão de outros se deve a necessidades e demandas mais ou menos objetivas e consensuais para o conjunto da sociedade; mas é evidente também que a universidade e associações corporativas selecionam ou rechaçam conhecimentos e disciplinas unicamente como veículo de promoção e fortalecimento de seu poder, status e reconhecimento acadêmico, profissional e social, com a pertinente criação de um corpo de linguagem, jargão e conhecimento especializado como sinal de distinção em face daqueles que não pertencem à associação. Por outro lado, o parcelamento do conhecimento em disciplinas não responde historicamente a razões científicas, e muito menos à maneira como os seres humanos, desde a primeira infância, vamos adquirindo, construindo e representando o conhecimento, não de forma fragmentária, mas global, não de maneira isolada, mas relacional. As diferentes perspectivas inovadoras e vanguardistas coincidem nesse ponto. Já se disse e se demonstrou até a exaustão que o conhecimento segmentado em parcelas e compartimentos estanques impede ver o global e o essencial das coisas. Além disso, a fragmentação do conhecimento contribui para a redução e simplificação de seu caráter complexo, ao distanciamento do mundo experimental dos alunos e a sua descontextualização. O código disciplinar, definitivamente, faz parte da desvinculação e da cisão entre os conhecimentos escolares e os problemas sociais; entre as distintas esferas da cultura; e entre as diversas aquisições e vivências do sujeito. Por outro lado, as disciplinas se converteram em feudos privados dos professores especialistas que a cada dia colocam mais obstáculos nas barreiras já estabelecidas e se preocupam mais em reivindicar a singularidade de sua matéria do que em encontrar elementos comuns que permitam estabelecer algum tipo de conexão interdisciplinar. Sobre as alternativas do código disciplinar - interdisciplinaridade e globalização - falaremos detidamente mais adiante. A inovação e a mudança na escola não apenas impugna o conhecimento por seu caráter artificialmente fragmentado, mas também por outras razões. Vejamos duas delas: 1. Conhecimentos sobrecarregados. É uma conseqüência da luta pelo controle do currículo. Em todas as reformas educativas, as associações corporativas se mobilizam para incorporar - nunca para suprimir - o máximo de conhecimentos possível e tratar de enquadrá-

54 Jaume Carbonell 10s como for possível em horários apertadíssimos. Assim, os chamados conhecimentos mínimos se convertem em máximos. Essa sobrecarga disparatada de conteúdos é um grave erro pedagógico e obriga os professores a iniciar uma corrida frenética e obsessiva para concluir o programa. Com tanta pressa, não se assimila nem se aprofunda no conhecimento e, no geral, recorre-se unicamente ao livrotexto e à memorização. O conhecimento requer tempo e diversas atividades atrativas para sua sólida aprendizagem. Por isso, o armazenamento incontrolável de conteúdos é um dos piores inimigos da inovação. Muitas vozes críticas sugerem como alternativa uma redução do currículo seguindo aquele conhecido aforismo de que "menos é mais". Stoll e Fink (1999, p. 198), em seu recomendável texto Para cambiar nuestras escuelas, comentam com malícia esse fenômeno: "Se os professores ensinassem tudo o que os especialistas e os grupos de interesse particular recomendaram, os sistemas escolares deveriam contar com um plano de aposentadoria para os alunos!" 2. Conhecimentos absurdos e irrelevantes. Rosa María Torres (2000, p. 110-111) em Itinerarios por la educación latino-americana* um belo e imprescindível livro para conhecer como se constrói e se destrói a inovação, entre muitas outras coisas, narra um exemplo muito claro da irrelevância e irracionalidade do conhecimento: na lousa de uma classe argentina de 5"série encontrou-se escrita a tarefa de nomear e explicar os fatores abióticos para fazer em casa e em seguida apresentar. Logo se pergunta: por acaso você, leitor, sabe o que são os fatores abióticos ? E comenta: "É preciso selecionar com luvas de pelica o que se ensina aos alunos nas aulas, diferenciar o imprescindível do prescindível, o prioritário do secundário, o relevante do irrelevante. Com essa simples operação, sem demasiada sabedoria ou ciência, você verá que os fatores abióticos, por seu peso, vão parar na coluna dos prescindíveis, secundários e irrelevantes". Qualquer pessoa poderia mostrar um sem-número de absurdos que aprendeu em sua escolaridade obrigatória que, diga-se de passagem, há docentes que ainda repetem exatamente como há 20 ou 30 anos. Conhecimentos, por outro lado, que nem os estudantes universitários nem pessoas consideradas muito cultas sabem ou lembram ao cabo dos anos. Outro dia, chegou às nossas mãos justamen-

"N.de R.T. Em português: Itinerários pela educação latino-americana. Porto Alegre: Artmed, 2001.

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te uma ficha também da 5" série do ensino fundamental em que no espaço de uma escassa folha fotocopiada aparecem até 20 conceitos que os alunos deveriam memorizar e compreender: saliva, bolo alimentar, deglutição, véu palatino, cavidade nasal, epiglote, esôfago, movimentos peristálticos, cárdia, conteúdo gástrico, suco gástrico, quimo, piloro, duodeno, suco pancreático, bílis, suco intestinal, quilo, pilosidades e capilares sanguíneos. Ah!, íamos esquecendo, a ficha foi tirada de um dos novos textos da Reforma. Sim, o curioso é que às vezes pensamos que esses absurdos são coisas do passado, de tempos ditatoriais de exceção política e cultural. Mas vemos que não, que eles permanecem em muitos manuais escolares, embora, isso sim, com menos ideologia católica integrista e pratrioteira. Além disso, o tempo é um bem demasiado escasso e precioso para que se dedique a coisas muito mais substanciais e importantes. Na escolaridade obrigatória, é preciso aprender o básico; haverá tempo depois, ao longo de toda vida, para ir adquirindo outros conhecimentos mais especializados segundo as necessidades pessoais e profissionais de cada pessoa. O CONHECIMENTO N A ERA DA INFORMAÇAO

Na sociedade atual, o valor mais apreciado já não são as mercadorias, mas a informação. Comprar e adquirir informação, distribuíla, controlá-la e convertê-la em conhecimento. Esses são os grandes desafios da pós-modernidade e da globalização. A informação e o conhecimento se renovam de forma acelerada. Afirma-se que a quantidade de informação duplica a cada cinco anos e até menos. E calculase que, pela primeira vez na história, constatamos que o ciclo de renovação do conhecimento é mais curto que o ciclo de vida- da pessoa. Em qualquer caso, o crescimento do conhecimento é vertiginoso. Umberto Eco acha que o excesso de informação mudará nossa cabeça e que o principal problema da sobreinformação é a quantidade de estímulos gerados e a falta de sentido e conexão entre esses estímulos e informações. Os efeitos do excesso e saturação de informação provocam vários paradoxos: o primeiro é que abre um campo de possibilidades infinitas de acesso amplo quase instantâneo ao saber, mas, ao mesmo tempo, geram processos de desinformação e até de inibição; o segundo é que embora nos encham a cabeça com todo tipo de informação aparentemente plural e diversa, é certo também que nos ocultam muita informação e há tanta manipulação, retórica e tergiversação! Daí a imperiosa necessidade de confrontar fontes e

56 laume Carbonell pontos de vista para poder determinar qual informação é ou não relevante e sob que parâmetros ela é selecionada, difundida e interpretada. Quando falamos de informação, nos referimos, obviamente, a todos os códigos mediante os quais esta circula: a palavra, o texto e a imagem. Contudo, o importante não é reunir muita informação, mas saber codificá-la, integrá-la, contextualizá-la, organizá-la e interpretála; dar-lhe sentido e significação. Isto é, transformá-la em conhecimento. Como diz J. Bruner, é preciso ir além da informação dada para ativar o olhar inteligente que antecipa, previne, utiliza informação conhecida, reconhece e interpreta. Ou, como defende J. A. Marina (1993), em Teoria de la inteligencia creadora, para desenvolver uma inteligência imaginativa que aproveite com extrema eficácia os conhecimentos que possui, invente novas possibilidades e se ajuste à realidade para transpô-la. Outro paradoxo é que a informação é muito mais rápida, mutante e flexível que a própria organização escolar; uma contradição que só pode ser enfrentada a partir de postulados radicalmente inovadores.

O LUGAR DAS NOVAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO Todas as previsões indicam que a sociedade intensiva em informação, com suas infovias nas quais circulam cada vez mais dados e informações e com maior velocidade - mas em que não poderiam faltar tampouco as demoras e obstáculos - afetará nossas vidas: a maneira de trabalhar, comprar e consumir, gerir o ócio e nos comunicarmos. De fato, estes meios já estão se modificando. Castells (1997), na documentadíssima e rigorosa obra La era de la información. La sociedad red, conta como se modificam os espaços públicos e privados com os fluxos de informação, e dos novos tempos de trabalho, vitais e virtuais, ao mesmo tempo que assinala a crescente distância entre globalização e identidade ou entre a rede e o eu, e o aumento das desigualdades sociais e culturais ao manter excluídos das redes de informação muitos países e setores da população. Igualmente interessante é a análise de Rifkin (2000) em La era de1 acesso ( A era do espaço) sobre a substituição do mercado pela rede e a conversão da cultura em mera mercadoria submetida às redes de marketing do novo capitalismo cultural.

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A grande incógnita é qual será a magnitude e o ritmo da mudança que se operará na esclerosada instituição escolar, sobretudo na escolarização obrigatória, na qual deverá manter sua função tradicional de guarda e na qual o tempo escolar é muito mais lento e conservador e não corresponde às mudanças científicas, econômicas, culturais e tecnológicas. Mas é, evidente que, nos estudos superiores e nas ofertas de formação contínua, o ensino e a aprendizagem virtuais vão penetrando de forma rápida, sólida e irreversível devido, sobretudo, à flexibilidade que permite a adaptação do tempo de aprendizagem às necessidades, possibilidades e disponibilidades de cada pessoa. Integrar e dominar as novas tecnologias da informação exige uma relação mais interativa entre os professores e os alunos para poder trocar e compartilhar de maneira mais fluida e permanente o acesso, a seleção, a associação e a crítica do conhecimento. Por isso, na função docente, a simples transmissão se torna cada vez mais ultrapassada e se requer mais orientação e acompanhamento do que nunca para otimizar as possibilidades que oferecem de motivação, descoberta, investigação e criatividade, entre outras; e para poder distinguir o essencial do acidental dentro da selva informática, na qual todo mundo vende e difunde informação de qualidades díspares e com interesses e propósitos muito diversos. Também por aquilo que tanto se repetiu de que são os seres humanos que controlam as máquinas e a tecnologia, e não o contrário. Nesse sentido, pode ser que algum dia o espaço escolar desapareça tal como é concebido, mas o certo é que jamais poderá desaparecer a figura do professoreducador. Não apenas para fazer um uso inovador, criativo e inteligente das novas tecnologias, mas para trabalhar os valores e as condutas morais que subjazem à informação e ao conhecimento. Provavelmente, o caudal de informação sempre foi maior fora do que dentro da escola. Mas agora essa circunstância se acentua. Por isso, é pedagogicamente contraproducente que a escola volte as costas para as novas tecnologias e olhe para outro lado, tal como ocorreu e ainda ocorre incompreensivelmente com a imagem e os meios de comunicação. De nada servem as declarações apocalípticas e infundadas sobre uma hipotética desumanização da escola, a eclosão da leitura ou a substituição dos professores pela auto-aprendizagem. Mas tampouco podemos esperar, como anunciam alguns gurus tecnológicos, movidos pelo afã de protagonismo e poder ou por meros interesses mercantilistas, que enchendo as classes de computa-

58 Jaume Carbonell dores ou outros aparatos mais sofisticados, e aprendendo as linguagens para manejá-los se produzirá uma mudança no ensino. O sempre sugestivo e provocador N. Postman (2000),em Elfin de la educación, desmonta com especial acuidade alguns dos mitos e ilusões das novas tecnologias e afirma que os problemas que as escolas não podem resolver sem computadores tampouco conseguirão resolvê-los com estes. Isso obriga a que o Estado e os diversos agentes sociais adquiram um maior protagonismo na conformação da nova ordem mundial e local tão mediatizada pelos imperativos de mercado e as decisões das grandes multinacionais. OUTROS EFEITOS DA INFORMAÇAOINTENSIVA E ACELERADA

Ainda que tenham sido citados alguns, vamos descrever outros aspectos relacionados com a era da informação. 1. Educação global ou globalização do conhecimento. A revolução das novas tecnologias gerou maior interdependência na chamada aldeia global. A globalização exige também um conhecimento mais complexo e global. Já analisamos criticamente as limitações da fragmentação do saber. Mais adiante, focalizaremos as potencialidades da globalização. 2. O clima de incerteza. Aumenta a incerteza porque o conhecimento vertiginosamente mutável anuncia e projeta um futuro mais imprevisível. Mas, além disso, o progresso do conhecimento acarreta também mais metaconhecimento para questionar verdades estabelecidas, revisar teorias e explicações ou detectar mais facilmente os erros que se cometem e se cometeram no transcurso da humanidade. É preciso conviver e ser mais tolerantes com o erro, interrogar continuamente o conhecimento, submetido a confronto e revisão. Isso não impede que se reconheça o valor das grandes verdades morais e científicas sobre as quais existam provas e evidências confiáveis.

3. O relativismo. O pensamento complexo e incerto supõe cair no relativismo, igualmente muito disseminado, que nega qualquer nível ou aparência de certeza e veracidade ao conhecimento e proclama a morte da ciência e da racionalidade. O relativismo defende que todas as opiniões e conhecimentos têm o mesmo valor, quando é sabido que há conhecimentos e verdades que são mais importantes que outros; como também é sabido que há opiniões que não mere-

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cem nenhum respeito, seja por seu conteúdo marcadamente fundamentalista e excludente, antidemocrático ou racista. Uma vez mais, instalou-se a lei do pêndulo: da mistificação e até da divinização de alguns dogmas e ideologias passou-se a enterrá-los todos definitivamente. Além disso, o relativismo, ao não contemplar alguns valores e conteúdos referenciais aos quais se atém, deixa totalmente desarmados e à intempérie os setores socialmente e culturalmente desfavorecidos. Por isso, e com razão, diversos autores progressistas qualificaram o relativismo de reacionário e de um luxo para a mera distração da classe média que nos despista e distancia demasiado dos valores, da ciência e do saber. 4. A formaçáo permanente. A maior superação e renovação acelerada do conhecimento brindam com sólidos argumentos a favor de uma formação ao longo de'toda a vida. A reciclagem e a formação, entendidos já não como uma simples atualização, mas como uma porta de acesso a outros tipos de linguagem, conhecimentos e oportunidades, são uma necessidade objetiva na nova dinâmica cultural, tecnológica e sociolaborativa da era da informação. Por isso, um dos grandes desafios é aprender a gerir a própria aprendizagem e o uso do tempo, um bem cada vez mais escasso. É difícil predizer qual será o tempo real da escolaridade no futuro e em que medida ela terá lugar em um espaço físico ou virtual, mas o que parece certo é que a formação - que assim como os produtos têm data de validade - nunca terá fim. De certo modo, nunca abandonaremos nossa condição de alunos e alunas.

OS10 COMPONENTES DO NOVO CONHECIMENTO INOVADOR A inovação educativa deve atender aos diversos ingredientes e potencialidades do saber: alguns são os de sempre, mas revisados e renovados; outros surgem como conseqüência das mudanças sociais; e outros, tradicionalmente esquecidos ou marginalizados, adquirem maior protagonismo. Selecionamos estes 10, mas naturalmente há outros. 1. O conhecimento afeta todos os aspectos do desenvolvimentopessoal. É preciso uma noção de conhecimento mais democrática, inclusiva e comprometida com a educação integral e com as inteligências múltiplas e que, portanto, supere as cisões culturais tão arraigadas em nossa tradição cultural entre o intelecto e a afetividade, entre o pensamento e o sentimento, entre a cabeça e o coração. Trata-se de estabe-

60 Jaume Carbonell lecer nexos de conexão e integração entre a cognição, a sensação, o desejo, a razão e a ética que nos permitam compreender um pouco melhor o mundo e também as outras pessoas e a nós mesmos; que nos ajudem a ser e a estar para sentir e saber. Uma aposta contra todos os analfabetismos: cultural, ético, sentimental e social. 2. O conhecimento tem de ser relevante. Algo que se costuma esquecer nos processos de gestação e debate das reformas em que as lutas e pressões acadêmicas por introduzir o maior número possível de conteúdos de cada matéria dificultam a necessária hierarquização do conhecimento para poder discriminar o essencial do secundário, o grão da palha; algo imprescindível na escolaridade obrigatória. A relevância nesse período tem a ver com a aquisição de conteúdos básicos com valor cultural e social que podem chegar a ter sentido para a maioria dos alunos. Trata-se do capital cultural mínimo que uma pessoa necessita para sobreviver digna e ativamente na era da informação, uma mescla de conteúdos conceituais e habilidades para desenvolver todo tipo de inteligências. Um dos últimos livros de H. Gardner (2000), La educación de la mente y e1 conocimiento de las disciplinas ( A educação da mente e o conhecimento da disciplina), tem um subtítulo muito emblemático: Lo que 10s estudiantes deberían comprender, e apresenta três exemplos que comenta amplamente: a evolução porque nos diz de onde viemos e como chegamos a ser o que somos; Mozart porque nos ensina até onde pode chegar o ser humano como criador e como intérprete; e o holocausto que nos lembra a maldade de que é capaz nossa espécie. Três bons exemplos de conhecimento relevante, ainda que, de outras perspectivas culturais, poderiam incluir-se outros.

3. O conhecimento se enriquece com a interculturalidade. A necessária igualdade de fato e de direito não deve estar incompatibilizada com o desenvolvimento e o respeito à diversidade, assim como o global com o local, nem o nacional com o internacional. Não vamos nos deter nos valores e argumentos que garantem a diversidade como fator de criatividade, crescimento e enriquecimento cultural frente ao pensamento único, homogeneizado e conservador - quando não claramente reacionário - dos grandes poderes e indústrias mediáticos que competem de forma selvagem pela conquista da audiência no mercado globalizado. Em uma sociedade crescentemente mestiça e intercultural, a convivência de culturas em pé de igualdade é um requisito necessário para evitar, ou ao menos neutralizar, contrariar ou suavizar os processos de segregação-guetização e assi-

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milação das minorias étnicas e culturais por parte da cultura dominante; e para que sejam ouvidas as diferentes vozes excluídas. Além disso, o contato intercultural contribui para questionar as expressões culturais mais fechadas e essencialistas. Mas, acima da compreensão das outras culturas, está o respeito escrupuloso aos direitos humanos e à justiça social, pois às vezes, como conseqüência do discurso do relativismo cultural, o respeito às outras culturas supõe a aceitação de culturas e comportamentos que não reconhecem nem respeitam o outro e tornam vulneráveis os direitos humanos básicos. 4. O conhecimento apela a emancipação e a busca da verdade. Como dizíamos antes, não podemos dissociar no conhecimento os conteúdos científicos dos que são vitais e éticos. Assim, para dar um exemplo, a ciência se colocou a serviço do progresso da humanidade, como também em seu nome cometeu os crimes mais atrozes; e esta se utiliza indistintamente para conservar o planeta ou para destruí-10. Daí a importância de um conhecimento emancipador e libertador que aspire a um futuro mais democrático e esperançoso, com maiores cotas de bem-estar, convivência solidária e felicidade para toda a humanidade. Um conhecimento crítico que desentranhe todas as mentiras que são ensinadas acerca do presente e do futuro, as meias verdades, as falsidades maquiadas e os ocultamentos. Nesse sentido, o conhecimento é uma busca incessante da verdade ou, conforme se olha, das verdades, já que estas têm rostos e expressões distintos segundo o campo específico do saber. Não de verdades absolutas e irremovíveis, mas sim de certezas, evidências e níveis ou hierarquizações da verdade - há verdades que são mais importantes que outras - que nos enriquecem graças à aquisição de conhecimentos mais sólidos e direitos e valores mais justos e solidários. Uma busca que é certamente complexa e contraditória pelo caráter incerto e mutante do conhecimento, mas devido também ao impacto dos meios de comunicação que semeiam intencionalmente e calculadamente a confusão para que as crianças e os adultos tenham dificuldades em diferenciar a verdade da mentira, a informação do espetáculo, e até a realidade da ficção. Essa busca, no entanto, é necessária para ir criando mentes mais críticas e menos submissas e conformistas e para continuar questionando a verdade.

5. Um conhecimento que desenvolve o pensamento reflexivo e compreensivo e possibilita o fato de entender um pouco melhor os tempos que conformam o passado, o presente e o futuro. Provocar o pensamento e atrever-se a pensar para compreender de maneira mais glo-

62 laume Carbonell bal e profunda o mundo em que vivemos. Pensar, raciocinar e julgar para adentrarmos no labirinto da compreensão. Um conhecimento que atenda a argumentos e explicações, mais que o truque habilidoso para resolver um problema, encontrar a resposta correta ou superar uma prova. Um conhecimento que faça da abstração uma das chaves para dar sentido e significado as informações, experiências, propostas, atividades e interações. Um conhecimento com memória, que nos conecte com o presente - mas que transcenda seu caráter imediatista e efêmero - e se projete no futuro; uma história que se sustente não na descrição e memorização de um arsenal de fatos, personagens e anedotas, mas na interpretação e compreensão dos grandes relatos históricos e dos problemas sociais relevantes. Esse conhecimento compreensivo faz parte da tradição das pedagogias inovadoras progressistas e é o melhor passaporte para viajar até o território no qual habita a cidadania livre, culta e democrática. A linguagem é o melhor veículo do pensamento para ter acesso ao conhecimento. O instrumento mais poderoso e transversal do ensino que nos permite olhar, compreender e apropriar-nos subjetivamente da realidade. N. Postman utiliza a bela metáfora dos seres humanos como tecelões de palavras para referir-se à importância do compromisso intelectual e moral que se deve assumir com a língua. A chave que tantas portas nos abre e nos fecha. 6. O conhecimento requer mais perguntas que respostas. As perguntas e questionamentos são o motor do pensamento. Assim o evidenciou Sócrates e assim o colocou em relevo também Freire, para citar dois dos pensadores que, de tempos e perspectivas tão distintas, mais se empenharam no diálogo como construtor e fonte de pensamento e aprendizagem. Perguntas para questionar o conhecimento oficial, para estabelecer relações e para questionarmos a nós mesmos. Comumente, o problema não está na resposta, mas na pergunta; por isso, é preciso aprender a fazer perguntas, a questioná-las e analisá-las criticamente, e não limitar-se a buscar respostas sem sentido. Ainda que em muitas ocasiões os alunos não encontrem muitas perguntas e respostas na escola; e quem quer e pode - mais uma vez no contexto sociocultural e familiar que condiciona quase tudo - as busca e obtém fora dela.

7. Um conhecimento que se enriquece com a experiência pessoal. A educação é uma vivência cultural que se enriquece continuamente

com a experiência. Dewey (1995) em Democracia y educación, uma de suas contribuições mais substanciais, explica com todo o requinte de argumentações a relação existente entre o conhecimento e a ex-

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periência dos alunos que, diga-se de passagem, nada tem a ver com a idéia de que a educação se baseia unicamente nas experiências da criança mediante um diálogo simplificado. O discurso das culturas vividas e das experiências sociais cotidianas produz significados muito produtivos no processo formativo. O importante, entretanto, não é a experiência em si e a quantidade de experiências que chegam a se acumular, mas como são vividas, refletidas, problematizadas, criam significado e nos ajudam a conhecer um pouco mais o que passa e o que nos passa. 8. O conhecimento tem uma forte carga emotiva e faz parte da subjetividade. Nossos itinerários formativos estão recheados de componentes objetivos e subjetivos; de realidades apreendidas a partir de nossa subjetividade. O verdadeiro conhecimento emerge de cada pessoa e, quando se impõe de fora, tem de acomodar-se de forma mais ou menos imediata ou através de uma luta contínua e incômoda, no fim das contas gratificante, em nossa realidade interior. É a única maneira de personalizar o conhecimento e de ir conquistando liberdade, autonomia e uma independência de juízo. A subjetividade, à medida que incorpora ao mesmo tempo a experiência pessoal e a tradição cultural, vai formando sujeitos democraticamente e moralmente ativos. Para uma sólida apropriação subjetiva é preciso que o conhecimento seja intelectualmente rigoroso e desperte a curiosidade pessoal, que contenha sentimento e paixão, e que consiga conquistar, seduzir e emocionar os alunos. Porque na aventura da aprendizagem, como sustenta C. Cullen (1997) em Crítica de Zas razones de educar, o tempo de aprendizagem não é um tempo ascético nem empresarial, mas um tempo lúdico, criativo, integrador, prazeroso, porque é um tempo de produção e comunicação.

9. Um conhecimento que olha o entorno para interpretá-lo e tratar de transformá-lo. Aprender a olhar o meio para descobri-lo com todas as suas grandezas e misérias, seus conflitos e seus consensos, suas contradições e possibilidades de mudança. Um conhecimento que procura incorporar e transformar a realidade ao mesmo tempo que se vão modificando as relações do sujeito com o entorno. Os professores encontram no meio um campo semeado de oportunidades inovadoras, de conexões entre o conhecimento escolar e a experiência, o desenvolvimento de projetos globalizados e de experimentação e concretização dos diversos eixos ou temas transversais: educação, consumo, saúde, educação para a paz e o desenvolvimento, interculturalismo, educação para o trânsito, meios de comunicação,

64 laume Carbonell educação afetivo-sexual, igualdade de oportunidades e co-educação e educação moral e cívica. As relações entre escola e entorno foram tratadas em outras de minhas contribuições anteriores. 10. O conhecimento é público e democrático. A escola é o lugar no qual os conhecimentos se tornam públicos e onde se democratizam a produção e distribuição do saber. Nesse sentido, a partir das pedagogias inovadoras se faz uma firme aposta para que a igualdade de oportunidades alcance realmente todos os alunos mediante uma escolarização de igual qualidade. O direito à educação é reconhecido em praticamente todos os países; outra coisa bem diferente é seu cumprimento - nos países do Sul, as taxas de ausência e abandono são alarmantes -; o nível que alcança a escolaridade obrigatória; a qualidade que se recebe nas escolas pública e privada; e a atenção que os poderes públicos dispensam a um ou outro modelo. A atenção em relação à escola pública é evidente. Apenas um dado revelador: nos países da União Européia o PIB - Produto Interno Bruto - destinado à educação foi diminuindo ligeiramente no transcurso da última década na Espanha está dois pontos abaixo da média -, precisamente quando os problemas do ensino exigem mais atenção e os governos não cansam de destacar a educação como uma das prioridades nacionais. Pura retórica eleitoral. Nos países do Sul, presos à dívida externa e às políticas de ajuste econômico, mantêm-se fortes desigualdades sociais e educativas, e em muitos lugares elas crescem.

CONHECIMENTO INTEGRADO: INTERDISCIPLINARIDADE E GLOBALIZAÇAO

Essa nova maneira de pensar a organização do conhecimento surge como alternativa à crítica do código disciplinar e à fragmentação e isolamento do conhecimento. Foi um dos principais focos de atenção e um rico crisol de propostas alternativas por parte das pedagogias inovadoras. Existem diversos níveis de inter-relação e integração do conhecimento; por isso, se fala de interdisciplinaridade, transdisciplinaridade e globalização. Essas distinções as vezes são muito tênues e chegam a se mesclar e até se confundir. A explicação é simples: esse novo enfoque é menos uma resposta puramente metodológica e estratégica de trabalhar o conhecimento do que uma nova concepção e atitude de aproximar-se deste.

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A interdisciplinaridade não é senão a interação entre duas ou mais disciplinas ou o reconhecimento de outras identidades disciplinares, com graus distintos de inter-relação, transferência e integracão. É o que ocorre quando várias disciplinas convergem para uma nova área de conhecimento; alguns professores e professoras estabelecem um acordo para coordenar seus programas tratando de buscar pontos de conexão, temáticas e fios condutores comuns; ou trabalham alguns eixos ou temas transversais relacionados com alguma disciplina ou área de conhecimento. Quando o grau de relação entre as disciplinas é praticamente total, e estas integram-se com o objetivo de produzir um conhecimento comum, a interdisciplinaridade alcança seu grau máximo e então se fala também de transdisciplinaridade e globalização. Tratase de um conhecimento que seleciona e formula os problemas globais e fundamentais para contextualizar nele outros saberes de categoria inferior, mais parciais e locais. Como diz E. Morin, trata-se de colocar os pontos de vista distintos do saber em um ciclo ativo. A interdisciplinaridade máxima, a globalização e qualquer modalidade de conhecimento integrado supõem, entre outras coisas:

Uma nova cultura pedagógica da escola integrada no projeto educativo, e que a equipe docente assuma o compromisso de trabalhar cooperativamente para pensar um novo ensino, que tem como objetivo, entre outros, a compreensão crítica da realidade como via para a formação de uma cidadania mais livre, ativa e democrática. Isso supõe adotar opções ideológicas e morais na hora de priorizar alguns valores e combater outros. Um tratamento multidimensional do conhecimento que permite uma compreensão mais complexa e totalizadora da realidade, no qual se põem em circulação os diferentes valores, ideologias, interesses, enfoques, pontos de vista e as diversas informações e conhecimentos presentes ou latentes em todas as questões humanas, científicas e sociais. Uma relação mais estreita entre os conhecimentos que são trabalhados na escola e as necessidades dos alunos, de maneira que possam ser utilizados em diferentes contextos e situações de sua vida cotidiana. Para isso, é preciso trabalhar com os alunos particularmente a capacidade de estabe-

66 Jaume Carbonell lecer relações entre as informações que recebem e trazem e entre os conhecimentos que vão adquirindo e reconstruindo. Nesse sentido, concebe-se a globalização como uma estrutura psicológica de aprendizagem que foi amplamente desenvolvida pelas perspectivas construtivista e cognitiva. Uma maior significação social e relevância do conhecimento, mediante o uso intensivo das múltiplas fontes de informação potencialmente portadoras de conhecimento ao tratar de romper a brecha entre a escola e a vida - e entre a cultura e os sentidos que circulam entre um e outro cenário -, cada vez mais profunda e intransponível. Os pioneiros do enfoque globalizador foram autores vinculados às pedagogias ativas e psicológicas que investigaram a noção de globalização associada ao sincretismo, entendido como a forma natural de perceber as coisas de maneira global e não-fragmentária. Ao mesmo tempo, a globalização vincula-se ao processo educativo que parte desta primeira visão mais global e epidérmica para construir um conhecimento mais sólido e uma compreensão profunda da realidade mediante a observação, associação, contraste e comparação, análise, desenvolvimento do pensamento reflexivo ...; aspectos que se potencializam mais ou menos conforme as diversas propostas. Às argumentações de ordem prioritariamente psicológica, foram se incorporando outras de tipo pedagógico, epistemológico, sociológico e ideológico impulsionadas pelas pedagogias mais progressistas. Seguindo uma certa linha cronológica, vamos enumerar sete propostas globalizadoras que, tendo diferente sorte e magnitude, cristalizaram-se ao longo do século XX: 1. Os centros de interesse de Decroly. Parte-se de um tema vinculado às necessidades básicas da infância - habitação, alimentação, clima ... - e em torno dele integram-se todas as matérias de estudo mediante diversas atividades de observação, associação e expressão. O. Decroly, um médico dedicado ao ensino, aplicou esse método na escola de YErmitage criada sob o lema "pela vida através da vida". Essa escola belga continua funcionando, e os centros de interesse, com suas pertinentes adaptações e reconversões, ainda são aplicados em outras escolas.

2. O método de projetos de Kilpatrick. Inspira-se nas idéias de seu mestre J. Dewey e as desenvolve em um âmbito de intervenção educativa mais concreto. O conhecimento é organizado em projetos

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que incluem todos os aspectos do processo de aprendizagem. Entre suas finalidades formativas destacam-se o desenvolvimento do pensamento livre e reflexivo; o envolvimento ativo dos alunos nas atividades escolares; a educação democrática mediante o trabalho de equipe e na comunidade; e a visão de uma realidade problemática e complexa que é preciso tentar desvendar a partir da globalização. Mais que o método em sua literalidade, o que persiste é a potência do conjunto da ampla obra de Dewey. 3. A investigação do entorno. Tem como premissa a tentativa experimental de Freinet em que os meninos e meninas sabem e trazem à escola uma grande quantidade de conhecimentos aprendidos de maneira natural através dessa tentativa; e desenvolve o método científico nos alunos a partir da experimentação dos fatos e o exercício da razão crítica. Foi impulsionado, sobretudo, pelo Movimento de Cooperazione Educativa italiano, entre os quais figuram vários autores cujos textos foram traduzidos para o espanhol: Alfieri, Chiesa, Ciari, Tonucci... Nessa proposta, trabalha-se a motivação, as idéias prévias e hipóteses, as fontes de informação, a coleta e classificação de dados, a generalização e a expressão e a comunicação.

4. A leitura crítica da realidade a partir do diálogo. Cabe destacar a contribuição de Freire, o pedagogo da liberação, que constrói uma metodologia dialógica para uma compreensão crítica do meio mediante a dialética da reflexão-ação. Em sua filosofia da alfabetização, ainda que não se fale especificamente de globalização nos termos em que o fazem outros autores, é evidente que sua denúncia da cultura bancária e o trabalho em torno das palavras geradoras - as que têm um significado real para as pessoas em sua relação cotidiana com o meio - constituem uma colaboração substancial ao conhecimento integrado. Também na escola de Barbiana, a leitura do jornal e a discussão que gera contribui para a análise da realidade, contestando sempre pontos de vista diferentes e relacionando os diversos conteúdos para uma compreensão global da realidade. Em ambos os casos, a leitura do texto supõe também a leitura do contexto. 5. Os projetos de desenvolvimentocurricular. Entre os mais emblemáticos, cabe citar aquele coordenado por S. Stenhouse: Humanities Curriculum Project. Há pelo menos quatro princípios muito sólidos e bem trabalhados nesta última proposta: a comparação como base da compreensão; o estudo da realidade concebida em seu conjunto e em sua diversidade; a organização do conhecimento em espiral, que permite ir tratando as mesmas temáticas com um grau crescente de

68 Jaume Carbonell complexidade, com os necessários retrocessos, para ir detectando que relações se estabelecem, quais faltam ou falham e até onde é preciso avançar; e a metodologia da investigação-ação. A obra de Stenhouse e sua equipe - J. Elliot, B. MacDonald, J. Rudducck... - foi amplamente divulgada e teve certa influência nas iniciativas inovadoras mais recentes. 6. A organização temática ou por problemas sociais relevantes. O currículo organizado a partir de temáticas, tópicos ou problemas relevantes poderia ser considerado como uma derivação dos centros de interesse decrolyanos, de caráter mais psicológico e centrado na criança, até uma concepção mais social e comprometida com a realidade. Nesse contexto, não se prioriza tanto a obtenção da felicidade infantil como a problematização da vida real e de suas possibilidades de transformação mediante a responsabilidade e a ação social dos alunos e da comunidade. A imigração, a comunicação, "todos somos racistas", a AIDS, a guerra de nossos avós, a pobreza, ou "podemos mudar significativamente o planeta Terra" são algumas das temáticas eleitas por coletivos de renovação pedagógica e escolas democráticas do mundo inteiro.

7. Os projetos de trabalho. Trata-se, provavelmente, de um dos enfoques que contém uma reflexão mais compacta e que mais evoluiu em relação às formulações originais e mais esquemáticas da globalização. Seu propósito essencial é o de capacitar os alunos no domínio de algumas habilidades intelectuais que o ajudem a organizar, compreender e assimilar a informação e o conhecimento globalizado mediante o uso de um amplo leque de fontes, linguagens, procedimentos e conteúdos das distintas áreas. Trabalha-se as idéias prévias e se tomam decisões sobre a eleição de temas; trabalha-se a fundo a informação estabelecendo os nexos e relações necessárias para gerar conhecimento; e se realiza uma monografia que serve de síntese e avaliação. Nesta proposta inovadora, de penetração sólida ainda que lenta, tem uma grande importância o papel dos alunos na construção e reconstrução do conhecimento. Naturalmente, existem muitos outros projetos interdisciplinares e globalizados que têm como referência a ciência integrada, a linguagem total, as oficinas de conhecimento integral, as unidades didáticas integradas ou os complexos de interesse. Em todos eles, existem algumas coincidências matizadas em graus distintos por seu componente mais psicológico ou sociológico.

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Até agora falamos das possibilidades da globalização, mas, como toda proposta educativa inovadora, ela tem suas próprias debilidades e dificuldades. A primeira, e talvez a mais evidente, é o caráter forçado, simplista e artificial da integração do conhecimento. A globalização não é uma mera soma e justaposição de matérias e conteúdos que se aplicam com quatro critérios e intuições, mas sim um amplo processo de reflexão e de experimentação que requer convicção, tempo e formação. Por isso, não se pode improvisar e juntar de maneira arbitrária e simplista os diversos conhecimentos nem tentar encontrar de maneira ilusória e forçada conexões onde não há. As dificuldades de modelar na prática as propostas globalizadoras situam-se em três contextos: o dos alunos (não é nada fácil estabelecer relações entre as informações e conhecimentos e menos ainda torná-las significativas), o dos professores (veremos isso quando falarmos no, último capítulo de suas carências formativas), e o institucional-administrativo (a regulação burocrática e a rigidez horária dificultam enormemente o desenvolvimento de algumas iniciativas que requerem antes de tudo um alto grau de autonomia pedagógica e flexibilidade do tempo escolar).

Práticas Metodológicas e Materiais Curriculares

EXISTEM OS MíTODOS CORRETOS? Na pedagogia tradicional, o método comum é a aula magistral, e o mecanismo de ensino e aprendizagem segue o esquema clássico de exposição-escuta-memorização-repetição. Não existe preocupação com o método porque a centralidade não é o sujeito - menino ou menina -, mas sim o objeto de estudo: o programa. De certa maneira, o método é o conteúdo. No pólo oposto, nas pedagogias ativas, o centro se transfere aos alunos e o método deve atender prioritariamente a seus interesses e necessidades e mais secundariamente ao conteúdo. A tese que se sustenta neste capítulo é que método e conteúdo são indissociáveis e, portanto, não podem ser apresentados de forma autônoma e independente. É importante o que se sabe, mas também é importante o como se sabe. Há razões poderosas que mostram que o método não é anterior ao conteúdo, mas sim posterior a ele, e que o conhecimento do método vem da temática a ser tratada. As pedagogias psicológicas e algumas tendências didáticas realizaram uma autêntica sacralização do método, rebatizando-o com estratégias, técnicas de estudo, procedimentos e habilidades para "aprender a aprender" e para "ensinar a ensinar", quando as vezes não servem para aprender nenhum conteúdo, mas apenas para preparar-se no domínio da estratégia em questão. São abundantes os discursos vazios de conteúdo nos quais só importa vender didatismo e se prescinde totalmente de conhecimento.

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Há igualmente razões substanciais a favor da adequação do método ao desenvolvimento infantil, às histórias e dinâmicas grupais e às situações específicas dos alunos. O método, além disso, deve centrar-se tanto nos modos de ensinar como nos modos de aprender, este último aspecto bastante esquecido nos tempos atuais. E é sabido que cada estudante aprende sempre de uma forma pessoal e particular. Um maior conhecimento sobre como funciona a aprendizagem é imprescindível para averiguar os níveis reais de compreensão dos alunos em relação a diversas atividades e aquisições nas diferentes fases da aprendizagem. Também serve de elemento de controle sobre o mérito e a eficácia das diversas propostas que os professores planejam para sua intervenção na classe; em alguns casos, a melhor valorização é a resposta dos alunos em relação ao seu grau de acompanhamento e controle. Por isso, recomenda-se estabelecer processo prévio de sondagem, participação e negociação com os alunos visando a obter melhores resultados. Costuma-se dizer que há muitos caminhos para atingir a meta e que o importante é experimentá-los; e o dito popular sustenta que todos os caminhos levam a Roma. Em termos educativos, poderíamos afirmar que todos os métodos podem proporcionar um ensino sólido e um conhecimento relevante; que não existe o melhor sistema e que em cada nível educativo há várias maneiras de levar a cabo um bom ensino. Uma meia verdade, visto que a idoneidade metodológica está relacionada aos objetivos educativos que se queiram alcançar e ao modelo pedagógico de referência. Da ótica das pedagogias inovadoras, deve-se dizer que nem todos os métodos são válidos ou igualmente válidos; ainda que convenha estarem abertos à diversidade, combinação e experimentação de várias metodologias tratando sempre de adaptá-las ao contexto socioeducativo da escola. Também é preciso obter um certo equilíbrio entre a adaptação dos professores ao método, pois algumas metodologias requerem uma preparação e uma predisposição específicas. A colaboração e a cooperação, a investigação do meio e o trabalho de campo, a investigação-ação, o método científico, o construtivismo, os enfoques globalizados, o diálogo, a formulação e resolução de problemas relevantes, os grupos de discussão e reflexão, a narração de histórias cativantes ou a avaliação contínua são metodologias de claro conteúdo inovador utilizadas em muitas escolas. Mas não se devem rechaçar outras fórmulas tradicionais, como a aula magistral bem dada, a leitura silenciosa e outras. A chave está em saber com que finalidade são utilizadas, com que frequência e em que contex-

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to; e, naturalmente, sua qualidade é básica, assim como o respeito aos outros métodos mencionados. Em muitos casos, os professores inovadores não se prendem nem se apegam a um método determinado, mas, sobre a prática - de maneira planejada ou improvisada -vão aplicando diversas estratégias metodológicas. Para eles, o importante é que o método e o conteúdo tenham sentido, sejam atrativos, fomentem a interatividade dos alunos e os ajudem a desenvolver o pensamento. O decálogo do professor de matemática Pedro Puig Adam (1960, p. 157), que se inclui no Quadro 4.1, é uma mostra representativa e vigente de renovação metodológica plena de sentido comum, que muitos professores e professoras subscreveriam e que pode adaptar-se a outras áreas de conhecimento.

Quadro 4.1 Decálogo d a Didática Matemática Não adotar uma didática rígida, mas adaptada em cada caso ao aluno, observando-o constantemente. Não esquecer a origem concreta da Matemática nem os processos históricos de sua evolução. Apresentar a Matemática como uma unidade em relação à vida natural e sòcial. Graduar cuidadosamente os planos de abstração. Ensinar orientando a atividade criadora e descobridora do aluno. Estimular essa atividade despertando interesse direto e funcional para o objeto de conhecimento. Promover o máximo possível a autocorreção. Conseguir uma certa maestria nas soluções antes de automatizá-las. Cuidar que a expressão do aluno seja a tradução fiel de seu pensamento. Proporcionar a cada aluno êxitos que evitem seu fracasso.

ALGO SOBRE A CURIOSIDADE. O ERRO E A MEMÓRIA Qualquer método inovador tem de levar em conta estas três premissas ou critérios educativos para conseguir certa efetividade. São algumas condições mínimas entre muitas outras. 1. A curiosidade como ponto de partida. Não há possibilidade de aprendizagem sem um mínimo de ilusão, desejo e motivação; qualidades que não são inatas mas que, em boa medida, vão sendo adquiridas graças ao meio familiar e escolar e à maneira de ser e de

74 Jaum Cxbonell ensinar dos professores. Há pedagogias e atuações docentes que matam a curiosidade infantil, e outras que a estimulam. O desejo de aprender e estudar do menino ou da menina cresce em função da relação que estabelece com seu professor ou professora e de como estes o seduzem com seus planejamentos metodológicos; o mesmo sucede com o grau de interesse que os alunos manifestam por uma ou outra matéria. A curiosidade reforça sua segurança e auto-estima e os coloca em melhor disposição para aprender a olhar, analisar e compreender; para combinar e gozar com mais intensidade do jogo e do trabalho; para deixar que a experiência os impregne; e para explorar novas possibilidades de aprendizagem e formação para os próprios professores. 2. Pedagogia do erro. O erro é um dos melhores acompanhantes na aventura de inovar; um componente essencial e extraordinariamente fértil no processo educativo, já que o erro é uma fonte valiosa de informação e um ponto de partida para novas aprendizagens. A pedagogia do erro sempre esteve presente na tradição renovadora da educação. Os diálogos de Platão são meditações sobre o erro. M. Vallet (2000, p. 131) explica com muita clareza a mensagem que M. Montessori transmitia constantemente à criança: "Você pode aprender, eu ensino, tente, pratique, se cometer erros continua praticando, você pode corrigi-los, vai conseguir o que se propôs". Daí a importância da repetição orientada de tarefas tais como refazer e reescrever textos para que os alunos possam ir modificando erros anteriores e avançando na aprendizagem. Também Piaget destacou a importância do erro na construção e reconstrução da aprendizagem e na comprovação do modo como os alunos compreendem um problema. Mais recentemente, N. Postman (2000), em Elfin de la educación, explica com todo requinte de argumentos até que ponto aprendemos mediante a tentativa e o erro - por isso, o processo é tanto ou mais importante que o resultado -; ao mesmo tempo, assinala a pouca tolerância que existe em relação a ele e a obsessão pela resposta correta, um dos motivos pelos quais os estudantes copiam, ficam nervosos e não se dispõem a intervir na aula. Em muitos casos, lamentavelmente, o erro não é motivo de aprendizagem, mas sim de humilhação e penalização. Nesse sentido, a pedagogia do erro encontra pouco eco naquelas escolas que fomentam continuamente a competitividade e nas quais os alunos vivem atrapalhados pela car-

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ga excessiva de exames e testes que continuamente os vão classificando e destinando ao êxito e ao fracasso escolar. Uma das maneiras de trabalhar melhor o erro é a avaliação contínua, de tipo qualitativo e formativo, que trata de detectar os erros e dificuldades no processo de ensino e aprendizagem, e orienta os alunos para que possam superá-las. As noções de aprendizagem significativa, de idéias ou conhecimentos prévios, de conflito cognitivo - à medida que cria nos alunos a necessidade de mudar seus esquemas de conhecimento - ou de aprendizagem dialógica guardam uma estreita relação com a pedagogia do erro. 3. A memória compreensiva. A partir de diversas instâncias e perspectivas critica-se a perda de protagonismo da memória na aprendizagem e a falta de treinamento da memorização para o desenvolvimento da inteligência. Efetivamente, esse tem sido um dos déficits mais sensíveis promovidos por algumas pedagogias psicológicas e espontaneístas que, por efeitos da lei do pêndulo, passaram da crítica da memorização tradicional ao vazio mais absoluto em relação à memória. De questionar o abuso à falta de uso. Nas pedagogias tradicionais, a memória é associada : à metáfora do armazenamento por um funil onde penetram e se acumulam as informações de forma passiva e sem nenhum filtro e critério; à memorização sem assimilação nem compreensão; e à mera repetição mecânica e recitação. Saber de memória não é saber, dizia Montaigne. Em todos esses supostos, vêm à luz os aspectos mais miseráveis e anacrônicos da memória e da aprendizagem. Esse tratamento da memória tem sido acertadamente qualificado de mero memorismo. Outra coisa bem distinta é que, em alguns casos, seja preciso memorizar mecanicamente e necessariamente, depois de entender o conceito, algumas operações e processos elementares; ou que seja muito prazeroso e educativo aprender de memória uma poesia, um diálogo para uma representação teatral ou algum trecho de boa literatura. Nada a ver com a memorização tediosa e inútil de enciclopédias e livros-texto. A partir de diversas óticas inovadoras, reivindica-se outro uso da memória, mais racional, útil, compreensivo e criativo. Uma memória que ajude a organizar as informações e a estabelecer relações e associações no espaço e no tempo; que facilite a compreensão dos conceitos e conhecimentos relevantes, em cujo processo aprendemse tanto conteúdos como estratégias e procedimentos; que permita

76 Jaume Carbonell reestruturar e enriquecer continuamente nossas mentes; e que, definitivamente, contribua para a educação integral dos alunos e para o desenvolvimento de todas as suas potencialidades. Na sociedade da informação, a torrente de conhecimentos exige uma permanente discriminação entre os conhecimentos considerados básicos e secundários para realizar uma memória seletiva destes. Esta preocupação vem de longe. Na Instituición Libre de Ensefianza (Instituição Livre de Ensino), como relata Jiménez-Landi (1987), foi formulada de modo muito sensato: "Não importa que um aluno ignore um fato, mas ele não deve confundir um povo e uma época; nunca exija dele o ano, mas sempre o século; e em vez de pedir-lhe o nome dos reis e das batalhas, obrigue-o a traçar o caminho que os diversos povos percorreram para chegar à Espanha". Um bom exemplo de conhecimento relevante e de como separar o joio do trigo. Por outro lado, existem muitas evidências de que a memorização é mais sólida, tanto a curto como a longo prazo, quanto mais ativa e interessante se torna a aprendizagem e maior a participação dos alunos. Alguns exemplos disso são a aprendizagem por descoberta, a investigação do medo, o programa de Filosofia para crianças ou os projetos de trabalho. H. Gardner (2000) explica isso do seguinte modo: "O cérebro aprende e retém mais e melhor quando o organismo intervém ativamente na exploração de materiais e lugares físicos e se formulam perguntas que realmente lhe interessam. As experiências meramente passivas tendem a atenuar-se com o tempo e seu impacto é pouco duradouro". Canalizar a curiosidade dos alunos, trabalhar a fundo o erro, desenvolver a memória compreensiva e outras práticas metodológicas das pedagogias inovadoras que comentamos - não de suas tergiversadas e superficiais aplicações nem das formulações espontaneístas - requer muito mais esforço, disciplina e trabalho que as práticas pedagógicas tradicionais da aula magistral como estratégia única de ensino e o livro-texto como o único recurso de aprendizagem. Porque nas pedagogias inovadoras ativam-se mais competências cognitivas, sociais e afetivas; põem-se em movimento as estratégias metodológicas mais diversas e complexas; porque se utiliza, como veremos mais adiante, uma grande variedade de recursos e materiais; e porque requerem um acompanhamento muito mais atento do grupo e de cada aluno e aluna em particular para comprovar até que ponto o ensino incide positivamente na aprendizagem.

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RECURSOS E MATERIAIS

Sem dúvida, o livro-texto é o recurso mais utilizado de todos os tempos e em todos os países. Na Espanha, ele é introduzido pelo Plano Pidal, de 1845, com o objetivo de sistematizar os avanços da ciência moderna, proporcionar os conhecimentos e orientações básicas para chegar a dominar uma matéria e converter-se no ponto de referência para o ensino pelos professores e o estudo pelos alunos. O livro-texto, quando utilizado como recurso único ou dominante, é o que assinala ou controla o que ensinar - conteúdos a priorizar e a memorizar -; como ensinar - exercícios e atividades -; de que modo organizar e sequenciar temporalmente o conhecimento escolar; e com quais critérios avaliar. A investigação e a prática puseram em evidência que não é o programa ou o currículo, mas o manual escolar que determina o que realmente se ensina nas classes. A influência que tem sobre os professores é enorme, particularmente entre os setores mais tradicionais, menos criativos ou que simplesmente não querem complicar sua vida e dedicar o menor tempo possível à preparação das aulas; nesse caso, apegam-se ao livro-texto como à água de maio porque lhes proporciona uma grande segurança e resolve todo tipo de dúvidas e problemas. Essa subordinação ao livro-texto supõe uma regulação e desqualificação do trabalho docente, uma perda de seu poder e autonomia e inclusive uma deterioração de seu papel profissional. R. M. Torres (2000), em Itinerarios por la educación latinoamericana, utiliza a feliz metáfora do docente como manipulador de textos: "Se o manipulador de alimentos é mal pago por abrir latas e embalagens, esquentar e servir alimentos, o manipulador de textos é mal pago por abrir e fechar livros, esquentar e servir a lição. A grande empresa alimentícia e a grande empresa editorial não requerem nem cozinheiros nem educadores, mas simples manipuladores". Também é enorme o impacto sobre os alunos, tanto na classe quanto nas suas brincadeiras. Há estudos que apresentam cifras muito expressivas. Assim, M. Apple (1989), em Maestros y textos, um documentado e corrosivo diagnóstico sobre esse artefato educativo, oferece uma estimativa estatística sobre os Estados Unidos: os livrostexto ocupam 75% do tempo que os estudantes secundários passam na aula e 90% do tempo que dedicam aos deveres.

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O livro-texto foi um dos principais alvos do modelo tradicional aos quais as pedagogias inovadoras lançaram suas críticas, por tratar-se de um dos instrumentos que mais condicionam a maneira de entender a educação e o processo de ensino e aprendizagem. Além das críticas já mencionadas, poderíamos acrescentar outras 10, que são compiladas no Quadro 4.2.

Quadro 4.2 1 . Dificulta o pensamento crítico e reflexivo. Não responde às necessidades dos alunos e a seus ritmos de aprendizagem e

2.

impede o desenvolvimento de sua autonomia e criatividade. 3. Transmite unicamente a visão e o conhecimento oficial.

4. Seus conteúdos se tornam ultrapassados imediatamente e não recolhem os conhecimentos mais atuais e emergentes. 5. São textos impessoais e escassamente atrativos. 6. Simplificam enormemente um conhecimento cada vez mais complexo. 7 . Transmitem uma cultura homogeneizada que não se adapta aos diferentes contextos socioculturais. 8. São conhecimentos fechados que não dão margem a ambigüidades e contradições e não abrem nenhuma possibilidade ao erro. 9. Preservam estereótipos e conteúdos racistas, xenófobos e sexistas. 10. Oferecem trechos de cultura dispersos e sem conexão que dificultam uma compreensão da realidade e de por que as coisas são como são.

Dentro dos discursos e propostas inovadoras coexistem desde as críticas mais demolidoras, partidárias da eliminação do livro-texto, até as mais moderadas, que acham que esse é mais um recurso, mas não o predominante, que deve ser combinado com outros materiais. Mas não serão apenas razões pedagógicas que determinarão no futuro o maior ou menor uso do livro-texto, mas sim, e sobretudo, econômicas. E vale dizer a esse respeito que a indústria do livrotexto goza de ótima saúde e, em tempo de reformas, o negócio também se reestrutura, amplia e consolida.

Recursos e Materiais Alternativos As pedagogias inovadoras não pararam na busca e produção de outro tipo de materiais diversificados e coerentes com suas formulações. Algumas delas chegam a pensar e organizar um pacote

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de material alternativo muito amplo e compacto: é o caso de M. Montessori, com seu material sensorial dedicado à educação infantil; de C. Freinet com sua proposta de biblioteca na classe e seus textos da Biblioteca do Trabalho: Humanities Curriculum Project, impulsionado por L. Stenhouse, com um completíssimo conjunto de recursos; das Escolas infantis de Reggio Emilia, nas quais existe uma enorme quantidade de produções de uma criatividade e qualidade extraordinárias. E de muitas outras escolas que na atualidade elaboram e/ou preparam seus próprios materiais: dossiês, monografias, propostas de trabalho e outra documentação complementar, cuja qualidade é muito variada. A educação integral e a aquisição de conhecimento global e complexo na era da informação requer a presença de diferentes fontes de informação, algo que acarreta muito tempo de preparação e coordenação, mas que resulta altamente gratificante e produtivo para a aprendizagem escolar. Esses recursos encontram-se nas classes e bibliotecas de esolas; em diferentes espaços e rincões do entorno natural e urbano; em escolas de recursos territoriais; em maletas de viagem na quais cabem todo tipo de propostas, atividades e materiais a que recorrem escolas urbanas e rurais: em todos os lugares onde se gera atividade, experiência e conhecimento. Essa variedade de recursos pode ser agrupada em três grandes capítulos: 1. Livros de todo tipo. De literatura infantil, juvenil e para todas as idades; monografias e biografias; de ensaio e divulgaçáo; enciclopédias e outras obras de referência; textos históricos, artísticos e científicos; cadernos e guias de campo ... J. Delval (2000), em Aprender en lu vida y en la escuela*,reivindica a importância do conhecimento narrativo, hoje em desuso, e comenta o valor educativo e universal das narrações, fábulas, biografias de personagens ou obras literárias. Muitos professores e professoras recolhem valiosas experiências para introduzir de forma rigorosa e atrativa qualquer conhecimento a partir desse amplo registro de livros. Para um bom aproveitamento destes, é imprescindível trabalhar o domínio da competência linguística: porque cada gênero, assim como cada disciplina, possui sua própria linguagem; porque tem uma importância decisiva na com-

'N. de R. Em português: Aprender na vida e aprender na escola. Porto Alegre: Artmed, 2001.

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preensão da leitura e na configuração do pensamento; porque nos ajuda também a compreender o mundo e os seres humanos; e porque é uma experiência formativa insubstituível. 2. Meios de comunicação e multimídia. Referimo-nos à leitura e ao comentário diário das notícias da imprensa e sua aplicação para as várias áreas de conhecimento e projetos de inovação; aos diários e revistas escolares distribuídos na comunidade e intercambiados com outras escolas; às emissoras e televisões locais e até escolares nas quais há uma ativa participação dos alunos; aos programas de mídias emitidos por diversas instâncias; à leitura crítica de imagens de televisão, vídeo, multimídia ou em qualquer outro suporte que permita trabalhar a compreensão do conhecimento a partir de outros códigos e linguagens; e à explosão de produtos eletrônicos e virtuais que vão se renovando diariamente e em relação aos quais se faz mais necessário o trabalho de orientação dos professores. 3. Outros materiais que nascem ou chegam a escola. Por um lado, os materiais elaborados e selecionados pelas próprias equipes docentes: dossiês, monografias, propostas de trabalho e outro tipo de documentação. Por outro lado, as produções dos alunos - ou uma seleção destas - que, como no caso anterior, podem fazer parte da biblioteca ou de centro de recursos para sua consulta ou a de outras escolas e da comunidade: memórias, livros e álbuns de classe, dossiês e pequenas pesquisas, antologias poéticas e cancioneiros, coleções de desenhos e fotografias, gravações, vídeos e revistas escolares e muitos outros recursos que os alunos trazem de suas casas. Alguns de seus trabalhos - coleções de objetos, murais, maquetes, pinturas, esculturas e outras criações artísticas - podem ser expostos temporariamente ou permanentemente. Também são de grande utilidade outros recursos que, de forma contínua e gratuita, chegam à escola: mapas, cartões e pôsteres, calendários, folhetos turísticos, materiais sobre diversas propostas, atividades e visitas didáticas ...

Projeto Educativo, Autonomia Pedagógica e Organização Escolar

SENTIDO, CARÁTER E REQUISITOS MíNIMOS DE U M PROJETO EDUCATIVO (SOBR€íUDO PARA A ESCOLA PÚBLICA)

Um projeto educativo inovador expressa finalidades e esperanças no futuro; histórias e narrações compartilhadas; objetivos globais relativos à personalidade dos alunos, seu desenvolvimento social e suas aprendizagens; concepções sobre a convivência e a maneira de enfrentar os conflitos; mecanismos para a participação democrática dos diversos estamentos* e a tomada de decisões; o modo como a escola se articula com o entorno; e fórmulas alternativas para mudar a destinação tradicional de tempos e espaços. Esses diversos âmbitos confluem em um todo sistêmico no qual todas as peças se inter-relacionam e se integram harmonicamente no conjunto da instituição. Um projeto inovador para a escola pública deve ser inclusivo e integrador de todo tipo de alunos, seja qual for sua procedência social, seu "nível", necessidades e expectativas educativas. É preciso ter um olho muito atento à realidade e o outro voltado para a utopia; 'N.de R. Segundo dicionário Novo Aurélio "1. Estado em que pode cada um subsistir ou permanecer. 2. Assembléia, congresso, parlamento. 3. Cada um dos grupos da sociedade com status jurídico próprio. F! ex.: os burocratas, os militares".

82 Jaume Carbonell porque não há projeto sem sonho nem vontade de futuro. O caráter público do ensino comporta o cumprimento de alguns requisitos mínimos para todos as escolas sem exceção: igualdade de oportunidades para toda a população escolar com medidas de discriminação positiva para os setores social e culturalmente mais desfavorecidos; gratuidade do ensino e dos serviços complementares básicos; pluralismo democrático e respeito aos direitos humanos; não-aceitação de nenhum tipo de discriminação por razões sociais, étnicas ou de sexo no acesso e durante a escolaridade; e qualidade do ensino. O cumprimento escrupuloso desses requisitos de justiça social e democrática não contradiz - ao contrário, pode ser um sinal de enriquecimento - a diversidade, a singularidade e personalização dos projetos educativos. Toda escola inovadora trata de ser diferente e projetar sua identidade, apesar das tentativas da administração de converter as escolas em suas sucursais, uniformes e clonadas. Além disso, os professores inovadores e comprometidos buscam continuamente referentes de identidade e pertinência e se sentem melhor quando estes são explicitados e compartilhados. A questão mais polêmica reside, como veremos mais adiante, no caráter e na magnitude da autonomia escolar e em sua regulação e controle. O projeto educativo é uma simbiose entre a tradução pedagógica acumulada pela escola e a necessidade mutável de ir modificando-a com o passar do tempo. Não há projeto sem vida e movimento contínuo, mas tampouco se pode cair no outro extremo de partir sempre do zero. A inovação é o resultado de um sábio e frágil equilibrio entre o saber acumulado coletivamente e a necessidade permanente d e repensá-lo. De pouco serve dispor de um documento brilhante ou tedioso, elaborado com pautas e ritmos impostos pela inspeção, e aprovado com falsos e apressados consensos que não têm nenhuma utilidade na hora de orientar a reflexão e a ação docente. O projeto, ao contrário, requer tempo, reflexão e consenso, obtidos a partir de coincidências e divergências. Aí está a chave: como enriquecer-se a partir do contraste e do diálogo e não do enfrentamento; e como ser capazes de destacar aquilo que une, mais do que aquilo que separa. A AUTONOMIA COMO ELEMENTO D E DIVERSIDADE POSITIVA E INOVAÇAO A autonomia é um conceito guarda-chuva no qual cabem muitas acepções e interpretações. Depende, é claro, de quem o reivindi-

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ca, a partir de onde e para que propósito. Sem querermos ser exaustivos em uma questão tão controvertida, podemos assinalar pelo menos três leituras muito usuais da autonomia: 1. Autonomia liberal ou conservadora associada a liberdade de consciência, docente ou de cátedra. Em algumas circunstâncias históricas muito concretas - sobretudo nos regimes autoritários essa liberdade tem um conteúdo nitidamente progressista; em uma sociedade democrática, não obstante, a situação é mais paradoxal: por um lado, a defesa individual da liberdade de expressão ou de cátedra no exercício da docência é incontestável; mas também é incontestável que os professores fazem parte de um projeto coletivo teoricamente compartilhado no qual nem sempre se casam algumas atuações docentes; e menos ainda quando se usa de álibi para defender seus interesses corporativos e evitar todo tipo de controle, venha da administração, da direção, da cátedra ou do consenso escolar. Esse paradoxo faz parte do eterno dilema entre indivíduo e sociedade. Até onde a liberdade docente e de consciência de cada pessoa pode manifestar-se livremente, e até onde pode ou deve chegar o controle democrático e coletivo? 2. Autonomia neoliberal associada a competência, desregulamentação e privatização. Essa foi uma das fórmulas mais tentadas pelo neoliberalismo para desnaturalizar o caráter público e social do ensino - caráter vinculado à formação de uma cidadania - e introduzir mecanismos de competência indesejáveis entre escolas que beiram a privatização, em que, assim como ocorre no mercado, predomina a satisfação do cliente que quer e pode eleger a escola que deseja e que oferece mais qualidade. Nessa suposição, a autonomia não é senão a oferta particular feita por cada escola para atrair mais clientela; e é bem sabido que nem sempre são os pais que elegem - nunca as famílias de setores desfavorecidos vão poder competir em igualdade de condições -, mas as escolas é que selecionam os alunos com mais recursos e de contextos sociais estáveis. Aqui, a liberdade e autonomia dão lugar à desigualdade, e a pedagogia cede seu protagonismo ao rnarketing e à publicidade.

3. Autonomia inovadora associada a diversidade e criatividade pedagógica e organizativa. Trata-se de reivindicar uma autonomia unicamente no terreno pedagógico e organizativo que evite os mecanismos que geram competência, falta de solidariedade e desigualdade econômica e social, mediante o cumprimento dos requisitos mínimos do público antes mencionados. Concebida nesses termos, a au-

84 laume Carbonell tonomia é um estímulo para, em um embate permanente com uma administração renitente a ceder nesse terreno, dotar de autoridade o coletivo docente para organizar de outra maneira o conhecimento, a gestão, os tempos e espaços escolares em função do contexto da escola, de seu projeto educativo e das inovações em curso. Uma das formas de superar ou, ao menos, contrabalançar o isolamento dos projetos educativos de cada centro, assim como a competência entre estes, consiste em estabelecer redes escolares solidárias entre projetos inovadores afins dentro de um marco territorial. As zonas escolares rurais, os projetos educativos urbanos e outras fórmulas similares, além disso, tornam possível um maior compromisso da comunidade com a escola e a situam em uma dinâmica menos fechada, isolada e corporativa. Então, também as inovações podem adquirir maior relevância, receptividade e apoio entre a população. ALGUNS ASPECTOS RELEVANTES DO PROJETO EDUCATIVO DA ESCOLA QUE FAVORECEM ESPECIALMENTE A INOVAÇAO

Já comentamos que o projeto educativo afeta a totalidade da instituição e constitui um marco de referência para fixar prioridades e tratar de refletir e desenvolver ações em torno delas. Estas variam em função do contexto e das necessidades da escola. A título de ilustração, citamos quatro exemplos de prioridades que nos parecem emblemáticas: 1. Oferecer uma resposta aos alunos que fracassam e também ao que está em vantagem. Freinet, em uma de suas invariantes pedagógicas, afirma que toda pessoa deseja o êxito, e que o fracasso é inibidor, destruidor do impulso e do entusiasmo. É uma contradição, como se repetiu muitas vezes, que uma escola que diz estar a serviço da infância permita seu fracasso acadêmico, aceitando como inevitável o fato de que há meninos e meninas que nascem com as cartas marcadas e com os quais nada se pode fazer. Uma escola pública inovadora e solidária deve criar as condições para despertar expectativas em todos os alunos, venham de onde vierem e seja qual for a sua situação. E Gesualdi, ex-aluno de Barbiana, conta que essa escola não sossegava até que o último da classe estivesse em condições de saber; por isso, em uma escola solidária, como essa ou tantas outras, o mais dotado sempre estende a mão ao menos dotado. As pedagogias inovadoras tentaram distinguir alternativas para fazer frente ao fracasso escolar. Uma das que atualmente mostra maior

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eficácia é a das escolas aceleradas (Accelerated schook) promovida por H . Levin e sua equipe da Universidade de Stanford em numerosas escolas dos Estados Unidos. Esse professor californiano se perguntou de que modo os alunos em desvantagem, ou em situação de risco, podem receber um ensino diferente daquele que se oferece no geral, na chamada educação compensatória, que rotula os alunos e alunas como inferiores e atenta mais às suas debilidades que às suas possibilidades. Para isso, adotou o princípio de que é possível gerar expectativas positivas de aprendizagem e de êxito educativo para que todos os alunos possam ter acesso com garantias de continuidade no ensino médio. Isso supõe introduzir uma nova cultura pedagógica que modifique o currículo, a organização escolar e, sobretudo, que consiga a participação e o compromisso de pais e mães, professores e alunos em um projeto comum, assim como o aproveitamento de todos os recursos formativos da comunidade. A escola pública, porém, deve oferecer igualmente oportunidades de gerar expectativas altas nos alunos com mais talento e academicamente em vantagem. Faz parte também da atenção à diversidade, algo que às vezes se esquece e traz como conseqüência a fuga contínua deste tipo de estudantes - fenômeno que contagia crescentemente todos os alunos das classes médias - para a escola privada. Não se pode esquecer que uma das grandezas da escola pública é a coexistência plural e diversa de alunos de toda condição social e cultural; algo que se perde quando se converte em uma escola para os filhos dos pobres e marginalizados. 2. Tomar decisões em torno da educação de valores e da resolução de conflitos. Os hábitos e normas de funcionamento em uma instituição escolar democrática requerem um clima de confiança e comunicação que favoreça a cooperação - que não é a mera acomodação -, a negociação e a tomada de decisões por consenso. A diversidade e a diferença são fonte de contraste, enriquecimento, divergência e conflito. Um dos grandes desafios é educar em e para o conflito de uma forma criativa, solidária e positiva, e não em esquema de vencedores e vencidos. Uma saída negociada para o conflito é altamente produtiva para o fortalecimento do coletivo e uma experiência formativamente muito enriquecedora. Por isso, nem sempre a prevenção, como sustenta Paco Cascón, é a melhor solução, já que muitas vezes simplifica e evita o conflito e impede que aflorem as causas. Esse autor introduz com muito acerto a noção de "provenção", um procedimento de intervenção no qual se trabalham diversas estratégias e habilidades com o objetivo de enfrentar o conflito, nego-

86 Jaume Carbonell ciar e buscar soluções imaginativas que obriguem a reconsiderar posições e a ceder um pouco de cada lado. 3. Converter a escola e seus arredores em lugares mais verdes, saudáveis e sustentáveis. A consciência ecológica para a defesa do planeta começa pela sensibilidade e o respeito ao próximo. Por isso, uma educação ambienta1 deve tomar a escola como lugar de intervenção: embelezá-la e os arredores com espaços mais abertos à luz natural, mais cálidos a ajardinados - a estética é também um valor educativo -; fazer um uso mais responsável e controlado das energias tradicionais e introduzir outras energias alternativas; realizar a reciclagem seletiva dos diferentes materiais; trabalhar em torno de temáticas globalizadas relacionadas com o meio ambiente; auditorias ambientais para conhecer os comportamento ambientais da comunidade escolar diante do meio e decidir as mudanças e medidas pertinentes para melhorá-los; ou formação de comitês de meio ambiente da escola com a participação dos diversos estamentos para empreender ações que comprometam toda a comunidade escolar e aos poucos envolvam o conjunto da localidade. 4. Dinamizar a biblioteca escolar para fomentar o hábito de leitura. A biblioteca constitui uma mostra representativa da cultura pensada, sentida e vivida em diversos momentos; por isso, torna-se o instrumento estratégico prioritário para converter a informação em conhecimento, para promover a aprendizagem nas diversas áreas de conhecimento, para despertar nos alunos a curiosidade cultural e a paixão pela leitura e para acompanhar melhor os processos de inovação e mudança na escola. Não por acaso, em um recente estudo do Banco Mundial, a biblioteca ocupa o primeiro lugar em uma lista de fatores que afetam a qualidade educativa, à frente do tempo de instrução e das tarefas de casa. Uma biblioteca escolar deve ser concebida como um centro de recursos multimídia, com espaços e horários amplos e acessíveis a toda a comunidade educativa. Um espaço de espaços que cumpre muitas funções e desejos: o prazer mágico da leitura e de saber-se rodeado de tantas histórias, culturas, gêneros e linguagens; a busca de informação; a leitura obrigatória ou voluntária que satisfaz interesses e desejos variados; a dinamização cultural da escola e do entorno mediante exposições, publicações, visitas e conversas com escritores, semanas do livro e campanhas de promoção da leitura destinadas a toda a comunidade educativa e social; e, obviamente, a função compensadora das desigualdades sociais e culturais.

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ORGANIZAÇAO ESCOLAR, TEMPOS E ESPAÇOS Já comentamos em outro lugar que a colonização burocrática e a rigidez da vida escolar - na qual tudo é regulado e super-regulamentado - é um dos grandes obstáculos para a autonomia inovadora. As mudanças legais e normativas são necessárias para reconhecer avanços, sancionar novas situações de fato, para proteger direitos, evitar abusos e atropelos ou fomentar uma maior equidade; mas o que ocorre com frequência é que o Estado e o peso da máquina administrativa invalidam com decretos e disposições minuciosas as normas legais de caráter mais geral, aberto e inovador. O que ocorre com as reformas educativas é um exemplo eloquente disso: nos documentos iniciais são formulados princípios normativos de caráter genérico, aberto e flexível e, à medida que vai se desenvolvendo sua aplicação, aqueles princípios vão se reduzindo até perder em muitos casos seu sentido original. A obsessão legislativa e burocrática está associada ao poder hierárquico e à incapacidade e medo da administração de adaptar a legalidade aos projetos e inovações demasiado autônomas e alternativas que não podem controlar; pois está provado que a principal preocupação da administração no exercício de seu poder é manter a ordem e a paz escolar e evitar o conflito a qualquer preço. Por isso, as equipes docentes e grupos inovadores devem tratar de abrir brechas, forçando mudanças legislativas ou mediante a transgressão até onde esta seja possível e tolerável, para criar organizações mais ágeis, e tempos e espaços mais flexíveis; sempre em função das novas finalidades educativas e não das velhas rotinas herdadas e embutidas pela confluência de interesses entre a razão burocrática do Estado e a razão corporativista dos professores. O "inimigo", mais uma vez, encontra-se tanto fora como dentro da instituição escolar. Esse panorama se agrava ainda mais nas escolas massificadas e de grande porte com várias turmas do mesmo grau. Por isso, surgiram movimentos pedagógicos reivindicando escolas pequenas - que consideram tanto ou mais importante que a redução do número de alunos por classe - porque favorecem um maior conhecimento dos alunos, das famílias e dos próprios professores; a convivência e o trabalho em equipe; os canais de comunicação e a participação democrática. As pequenas escolas rurais também são uma prova disso, como é também sua experimentada criatividade organizativa para superar o isolamento mediante redes de pequenas escolas, colégios rurais agrupados ou zonas escolares com projetos e equipes docentes

88 iaume Carbonell comuns, professores e professoras itinerantes e serviços complementares de apoio para enriquecer a socialização e o uso de recursos culturais de que carecem as pequenas cidades. Uma rigidez dos espaços e tempos escolares é uma consequência da estrutura burocrática e a expressão das idéias educativas predominantes; e guarda relação também com a fragmentação disciplinar comentada em capítulos anteriores. O espaço no modelo pedagógico tradicional é pensado unicamente para a aula magistral, na qual o professor explica e o aluno escuta e estuda com a ajuda do livro-texto, com carteiras alinhadas e inclusive irremovíveis para que o aluno permaneça sentado o tempo todo. É como se não fosse possível outra lógica organizativa que não o quadrilátero inalterável formado por um professor, uma disciplina, uma classe e uma aula de uma hora de duração. As pedagogias inovadoras, ao contrário, tratam de construir e adaptar o espaço - tarefa na qual se busca a participação dos alunos - com critérios flexíveis que facilitem a comunicação, o trabalho cooperativo e a investigação. Como muda a dinâmica de uma aula na qual se pretende propiciar o debate quando os meninos e as meninas movem suas cadeiras e formam um círculo! São necessários espaços físicos, simbólicos, mentais e afetivos, diversificados e estimulantes, para facilitar o encontro coletivo e a solidão, o trabalho individual e em equipe. Edifícios esteticamente mais agradáveis e educativamente mais funcionais pensados para os objetivos inovadores de uma escola do século XXI e adaptados a cada contexto; espaços grandes e abertos, mas também cantos, muitos cantos; pátios que não sejam totalmente ocupados pelas campos esportivos ou a brincadeira das crianças, mas onde existam outros espaços menos planos e desnudos abertos à intimidade, à exploração e à fantasia. E aulas fora da classe: em outros espaços da escola, do campo e da cidade. Porque o bosque, o museu, o rio, o lago, a oficina de artesanato ou a fábrica, bem aproveitados, convertem-se em excelentes cenários de aprendizagem. O tempo escolar, assim como o espaço, é outra camisa-de-força para a inovação, ao dificultar enormemente a realização de projetos globalizados ou de outro tipo que requerem tempos flexíveis e promulongados. O tempo segmentado, em que a cada hora é dar de atividade e até de professores, faz parte de uma lógica de organização disciplinar do conhecimento. Mas também aqui pode-se estabelecer outras lógicas para administrar o tempo e flexibilizá-10 em função de outras propostas inovadoras: redefinição e distribuição do tempo escolar em função das necessidades dos projetos e

A Aventura de Inovar 89 atividades; tempos diversos para os alunos para a realização de tarefas diversificadas, o trabalho em grupo ou a atenção a suas necessidades educativas específicas; e tempos ncccssários também para conversar com as mães e pais, para refletir em equipe e para a formação permanente. E para muitas outras coisas. Seria preciso diferenciar o tempo escolar obrigatório dos alunos, o tempo letivo e de permanência dos professores na escola e o tempo de abertura deste para o uso de seus serviços por parte de toda a comunidade, não apenas a educativa. Mas, como no caso do espaço, também os tempos educativos se encontram fora da classe ou por diversas necessidades podem se organizar também em casa. É o caso, por exemplo, das Escolas Familiares Agrícolas, nas quais os alunos alternam seu estudo na escola com a formação orientada em casa e a participação ativa de sua família, em período geralmente de duas semanas em cada lugar, o que permite fazer um uso intensivo das instalações escolares durante todo o ano. O da "Pré-escola em casa", um projeto pensado para evitar o isolamento em que se encontram meninos e meninas que habitam em zonas rurais com população dispersa e que têm grandes dificuldades de frequentar a escola, que se organiza a partir de professores itinerantes, excelentes materiais e a colaboração ativa das famílias (mais das mães que dos pais). A educação é dada em casa, onde costumam juntar-se vários meninos e meninas em função de sua proximidade. A CLASSE: ALGO SOBRE INTERAÇAO, REGULAÇÁO E DISCIPLINA Quando se entra em uma sala de aula no início da jornada escolar, logo se descobre sua vitalidade e qualidade educativa. Basta dar uma olhada ao redor para descobrir como é organizada, com que recursos se trabalha e que valor se atribui às produções infantis. Também o ritual de entrada oferece algumas pistas; há professores e professoras que saúdam pessoalmente todos os meninos e meninas da classe: um simples aperto de mãos, um carinho, uma saudação, um sorriso, um beijo, um breve comentário ... Os rituais têm sua importância como elemento de identificação, coesão e crescimento do grupo-classe. Logo, se inicia a aula com uma poesia lida em voz alta, uma música, a leitura e o comentário de uma notícia de jornal, um caso que alguém conta. No transcurso do dia, sucedem-se múltiplos encontros e desencontros, atividades livres e programadas, fatos simultâneos e imprevisíveis, perguntas e respostas, explorações e des-

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cobertas, tensões e emoções. Pensar um cotidiano rico e estimulante não se improvisa e faz parte da paisagem da inovação. De fato, é preciso estruturar a vida cotidiana do grupo e dotá-la de marcos de referência e regulação estáveis para ir enriquecendo suas interações e desenvolvendo sua autonomia, o que permite ir enfrentando novas situações e todo tipo de problemas. J. Trilla (2000), em Pedagogia de1 grupo i de1 projecte. Una aproximació a ['obra de Joquim Franch - um lúcido e inovador pedagogo que nos deixou prematuramente em plena maturidade criativa -, comenta algumas das razões mais poderosas pelas quais um grupo deve organizar-se: incrementa a possibilidade de fazer previsões e limita o imprevisto, reduzindo a insegurança e o desperdício desnecessário de muitas energias; proporciona estabilidade à vida coletiva, necessária para adaptar-se e enfrentar novos desafios; e ajuda a gerir e ordenar a dinâmica do grupo em todos os aspectos e a tomar decisões e regular sua aplicação. Muitos outros autores foram pródigos nas dinâmicas necessárias - trabalho em grupo, auto-estima e confiança dos alunos em si mesmos e em suas possibilidades, qualidade das interações, ordem e disciplina ... - para favorecer um clima de classe que aplaine o caminho das inovações. A ordem e a disciplina sempre estiveram no alvo das pedagogias inovadoras - ou pelo menos no de muitas delas - contra a crença muito difundida de que estas se apóiam em organizações débeis, anárquicas e deixadas ao Deus-dará. Nada mais distante da realidade: as aulas inovadoras, ativas e mais complexas necessitam de mais ordem e disciplina que uma classe tradicional: ainda que, naturalmente, não se trate da ordem autoritária e hierárquica da ordem e comando, com professores vigilantes e alunos sempre em silêncio, mas de outra ordem, mais profunda e educativa, inserida no trabalho e no comportamento dos alunos e na postulação de direitos e responsabilidades próprias da convivência democrática. Mas disso, sem nunca sair da classe, falaremos mais extensamente no próximo capítulo.

Uma Democracia Forte para Favorecer a Inovação

PENSAR E VIVER DE OUTRA MANEIRA Para J. Dewey, a democracia é antes de tudo uma forma de vida e um processo permanente de liberação da inteligência, e não um regime de governo. A democracia só pode ser conquistada a partir da educação e se baseia na razão, no método científico e na constante reorganização e reconstrução da experiência. Democracia e ensino são inseparáveis e influenciam-se mutuamente: a educação ganha em intensidade quanto maior for a presença da ética democrática nela; e a medida que as escolas e outras instituições são mais públicas e democráticas, também a democracia social é mais sólida e profunda. A partir dessa premissa, desenvolveu-se uma teoria crítica da educação - de contestação e oposição às carências e debilidades da democracia -, assim como um discurso alternativo da possibilidade orientado para a construção de uma nova ordem social e a realização do sonho da utopia. Uma escola realmente democrática entende a participação como a possibilidade de pensar, de tomar a palavra em igualdade de condições, de gerar diálogo e acordos, de respeitar o direito das pessoas de intervir na tomada de decisões que afetam sua vida e de comprometer-se na ação. Apela a formação de uma cidadania ativa, com idéias e projetos próprios, em contraste com a atonia, passividade e mera sobrevivência a que comumente estão submetidos os seres humanos em conseqüência de políticas autoritárias ou democracias formais e maquiadas. Para as pedagogias psicológicas e espontaneístas, o ideal da escola democrática circunscreve-se a uma maior atenção

92 Jaume Carbonell aos interesses e necessidades dos alunos, a um incremento das interações e a criação de um clima de classe mais acolhedor para a aprendizagem. Mas o modelo de escola democrática, em consonância com a ideologia das pedagogias inovadoras progressistas, não se limita a isso, mas projeta-se e compromete-se com a comunidade e trata de combater as desigualdades sociais de origem e suas causas e de gerar novas oportunidades educativas para toda a população. Mas, como se concretiza o ideal democrático da educação para tomar cada vez mais pública a escola pública? No Quadro 6.1, sintetizam-se alguns dos traços e significados que lhe atribuímos, muitos dos quais serão tratados na continuação.

Quadro 6.1 Alguns significados e características da escola democrática 1. A democracia é como um barco que navega com o impulso equilibrado de

dois remos: o da liberdade e o da igualdade. 2. A democracia é uma viagem que retrocede à memória coletiva e se projeta

em uma utopia cheia de incertezas. 3. A democracia é uma complexa e intensa mescla de razão, sentimento e moral. Portanto, invoca tanto a objetividade como a subjetividade. 4. A democracia é ao mesmo tempo um direito e um dever, um desejo e uma necessidade, que nos ajuda tanto a defender uma causa justa como a modificar uma relação que não nos satisfaz. 5. A democracia não está a serviço dos interesses particulares dos professores nem de ~ualqueroutro estamento - e menos ainda das demandas fl~tuantesdo mercado -, mas sim a serviço dos interesses gerais da comunidade escolar e do conjunto da cidadania. 6. A democracia não é uma porta aberta à tolerância e ao relativismo, mas sim um acesso que conduz ao respeito crítico e ativo. A única maneira de poder questionar algumas verdades e reconhecer outras. 7. A democracia não é apenas um mecanismo de representação, mas sim uma forma de entender a vida e as relações sociais. 8. A democracia favorece a autonomia que se baseia no diálogo e na colaboração, e não no individualismo e no isolamento. 9. A democracia desenvolve o autoconhecimento e o saber compartilhado que permitem o acesso e a reflexão em torno do conhecimento e abrem possibilidades para a análise e resolução de problemas. 10. A democracia implica crítica, criatividade, provocação, resistência, contestação e até um ponto de rebeldia. Por isso, a crise e o conflito são necessários para a educação democrática. 11. A democracia dota de mais autoridade e poder os alunos, os professores, os pais e mães e a comunidade. A

(continua)

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Quad ro 6.1 (Cunt-nuag#u) 12. O exercício da democracia começa no entorno mais próximo e se projeta

solidariamente para outros contextos onde a colaboração se torna mais necessária. 13. A democracia tem de ser eficaz. Isto é, obter do grupo a máxima eficiência a serviço da comunidade; obter avanços e resultados por menores que sejam; e capacitar as pessoas para que possam participar com idéias e argumentos no debate e na tomada de decisões. 14. A luta apela conquista desta democracia não esconde o pessimismo da realidade, mas não se deixa levar por esta e trata de enfrentar o futuro com esperança.

U M A REALIDADE COM MAIS EMBALAGEM QUE CONTEÚDO A escola pública atual, no entanto, está bem distante do ideal democrático antes esboçado. A escola é um reflexo mais ou menos fiel de nossa sociedade, com problemas, tensões, contradições, solidariedades e possibilidades similares, ainda que em escala reduzida; por isso se fala da escola como microcosmo social. A sociedade democrática, sem dúvida a melhor fórmula possível de regular as relações sociais e políticas inventada até hoje pela humanidade, possui suficientes instrumentos e mecanismos de representação popular nos distintos âmbitos, mas a estes faltam vida, conteúdo, poder e participação, seja porque as grandes decisões são tomadas em outros círculos controlados pelo poder econômico e financeiro, porque as instâncias de representação cada dia estão mais distantes da população, ou porque não existe uma participação popular suficiente que as controle e dinamize. Este mesmo déficit democrático é percebido na escola pública; também aqui funcionam diversos órgãos democráticos, mas é evidente que a estes faltam impulso, conteúdo e vitalidade; algo que não se consegue apenas através da legalidade - por mais progressista que seja a lei -, mas sim mediante a sensibilização e a tomada de consciência dos setores afetados. É preciso assinalar, não obstante, que embora o campo de jogo democrático na escola seja controlado e regulado pelo Estado - questão tratada em outras partes deste livro ao nos referirmos às possibilidades e limites da autonomia docente -; apesar de os professores não intervirem na tomada de decisões dos assuntos mais importantes; e, por ~onseguinte,estarem submetidos a fortes condicionantes, é igualmente certo que hoje a escola é um dos espaços públicos privilegiados para levar a cabo o ideal demo-

94 Jaume Carbonell crático. É, mais do que isso, um dos poucos espaços em que é possível construir comunidades democráticas que sirvam de referência e estímulo a outras instituições educativas e que vão muito além da dinâmica democrática geral da sociedade. Mas por que não se avança mais na democracia escolar? As razões são de natureza muito diversa. De fato, o primeiro paradoxo talvez seja porque, apesar da importância que tem a democracia, a ausência desta na escola não constitui nenhum problema nem preocupação cotidiana, nem por parte dos professores nem da administração. Aqui nos limitamos a destacar outros três paradoxos ou contradições que dificultam o processo democrático e inovador. 1. A falta de coerência entre o discurso e a prática. A maioria dos professores aceita que é preciso educar em valores democráticos, mas se converte em minoria quando se trata de concretizá-los na classe e no processo de ensino e aprendizagem. Questão de método, mas, sobretudo, de vontade e atitude. Poderíamos mencionar tantos exemplos de autoritarismo docente que contradizem a ética democrática! 2. A transferência ao exterior da autoridade democrática da escola. Nos projetos e regulamentos da escola existem mecanismos suficientes para enfrentar democraticamente no interior da escola determinados conflitos, mas, de modo crescente, omite-se dessa possibilidade e desvia-se o conflito para o exterior, para que seja a administração que dê as cartas no assunto e tome a decisão pertinente. Essa transferência de responsabilidade supõe desperdiçar oportunidades de resolução negociada do conflito e de aprendizagem democrática. Além disso, se as escolas querem ser mais poderosas e autônomas, a arbitragem externa - que comumente tapa as feridas abertas pelo conflito mas não as cura - deveria ser reservada para casos excepcionais. 3. O esquecimento dos alunos, apesar de serem os destinatários da educação, e das escolas serem instituições de integração. É surpreendente até que ponto se esquece o essencial: o sujeito - menino ou menina - que frequentemente se converte em mero objeto. Inúmeros estudos confirmam a ausência de voz dos alunos nas classes, sua situação de marginalização e exclusão de diversos âmbitos de colaboração e participação, a ignorância em relação à sua história e identidade e o distanciamento entre alunos e professores, mais ainda quando estes se limitam a ditar sua matéria e não querem saber dos outros afazeres educativos.

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ESPAÇOS PARA O DESENVOLVIMENTO São muitos os espaços e oportunidades que podem abrir-se, e de fato se abrem, em muitas escolas, para a educação democrática; espontâneos ou programados, mas que, em qualquer caso, é preciso trabalhar para dar-lhes sentido e conteúdo. Espaços para a participação, a deliberação, a ação cooperativa, para desenvolver a autoestima e a responsabilidade. A amostra dos seis selecionados aqui tem um substancial potencial democrático: 1. A relação e a comunicação na classe. A ação educativa requer a criação de um entorno social cálido, em que as palavras, enunciados, tom de voz, gestos, olhares, silêncios, movimentos, interações, humor e outras rotinas e comportamentos que conformam o currículo oculto favoreçam uma maior transparência e fluidez na comunicação. Van Manen (1998) estudou a fundo esse processo em EZ tacto en la ensefíanza, um título que define muito bem o que estamos falando. Um clima aberto e estimulante que propicie o desenvolvimento da subjetividade e a eclosão de experiências, desejos e contradições de cada aluno e aluna; e que nos ajude a conhecer-nos um pouco mais e a conhecer e respeitar as outras pessoas, sem preconceitos e em termos de igualdade. Tudo isso contribui para enriquecer a própria individualidade e o apego e coesão do coletivo.

2. A cooperação e a aprendizagem entre iguais. As pedagogias inovadoras descobriram as enormes virtudes da cooperação, o trabalho em equipe, a dinâmica de grupos ou a ação colaborativa para o desenvolvimento da democracia e a inovação na escola. Ao mesmo tempo, sugeriram e tentaram diversas fórmulas para levá-lo a cabo. Nelas assinala-se o valor da experiência compartilhada, da investigação e o contraste de informações e idéias e a elaboração de projetos coletivos. As culturas cooperativas favorecem a ajuda mútua e a aprendizagem entre iguais e transformam o conhecimento e a aprendizagem individual em saberes e aquisições compartilhadas. Mas o trabalho em equipe requer um atento acompanhamento e controle por parte dos professores para ir detectando dificuldades e obter progressos e aprendizagens substanciais; e para garantir a participação de todos os membros do grupo e evitar que as responsabilidades individuais se diluam no coletivo. A cooperação, para os alunos assim como para os professores, à medida que entra em jogo uma infinidade de recursos e contribuições, ajuda a enriquecer o clima de

96 laume Carbonell confiança necessário para que aflorem os problemas e erros e ao mesmo tempo possam reconhecer-se e celebrar-se os êxitos. 3. O debate, a opinião e a aprendizagem da argumentação. Também o valor educativo do debate foi assinalado a partir de diversas perspectivas inovadoras e críticas. Assim, os discípulos da Instituición Libre de Ensefianza (Instituto Livre de Ensino) falam mais da profundidade de suas conversas com seus professores - Giner de Los Rios y Cossío entre outros, que praticavam o método socrático - que a qualidade de suas aulas. Por outro lado, Freire (1969) entende que a análise da realidade e de sua problemática não pode eludir a discussão criadora e constante que, mediante a escuta, a pergunta e a investigação, levam-nos a buscar a verdade coletivamente, como explica em seu hoje já memorável clássico A educação como prática da liberdade. Buscar, desvendar e dizer a verdade é um dos grandes desafios da democracia, como o é também a formação de um juízo moral independente. O debate é um marco propício para a livre expressão de idéias e pareceres. Mas educar na democracia é aprender que nem todas as opiniões têm o mesmo valor e nem todas são igualmente respeitáveis, e não o são absolutamente aquelas que são antidemocráticas e atentam contra os direitos humanos mais elementares, entre os quais encontra-se o direito à vida e à dignidade pessoal. Para as pedagogias espontaneístas, o mais importante é que o menino e a menina se expressem livremente - que é a maneira de realizar-se - e pouco importa o que digam, como digam e em que fundamentam suas opiniões. É o que L. Morin (1975) batizou muito acertadamente em Los charlatanes de la nueva pedagogía como "opiniotis", em que tem lugar a participação pela participação, sem critérios nem objetivos. Ao contrário, a partir das pedagogias progressistas existe uma especial preocupação em educar na liberdade e na responsabilidade, um binômio indissociável; para armar os alunos de razões e argumentações; e para enriquecer os processos de fala e de escuta. O debate às vezes produz aproximações nos pontos de vista inicialmente divergentes; outras vezes ajuda a questionar ou revisar propostas; e em outros ajuda a reformular melhor as idéias com argumentações mais complexas e elaboradas. Tudo isso faz parte da aprendizagem da cultura democrática. O debate, em qualquer caso, deve fazer parte do cotidiano escolar e não converter-se em um recurso excepcional que se utiliza quando há tensões e divergências. Além disso, é um excelente instrumento democrático para

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contrabalançar o peso inevitável, mas pernicioso, dos espaços de comunicação informal. 4. A assembléia como referente de coesão democrática. Na pedagogia de Freinet e em outras que propõem a assembléia como um espaço ótimo para a prática democrática, debatem-se propostas relativas à vida do grupo, sua organização e gestão e tomam-se decisões e compromissos individuais e coletivos. Estão presentes a crítica, a felicitação e a proposta. É uma das primeiras e mais intensas experiências democráticas que iniciam os alunos no diálogo e no uso da palavra; na participação respeitosa e igualitária; na argumentação de idéias e posições; na reflexão sobre os comportamentos pessoais e grupais; na análise de qualquer acontecimento, atividade ou projeto. É onde surge e onde se procura resolver tudo, desde os pequenos aos grandes problemas. É também um espaço aberto à diversidade e às múltiplas sugestões, no qual os professores adquirem um conhecimento muito rico do grupo e de cada um de seus componentes. Por tudo isso, a assembléia se converte em um dos rituais escolares que mais favorecem a comunicação e o clima de classe, assim como a identidade e coesão do grupo. Em muitas escolas, a tutoria ocupa esse espaço com práticas mais ou menos similares. 5. A elaboração de um currículo democrático. A democracia implica poder tomar decisões em relação à seleção e organização dos conteúdos do currículo; aos modos de ensinar e aprender; aos materiais curriculares; e aos critérios de avaliação. Nessas decisões estão implícitas ou explícitas questões ideológicas relativas ao caráter científico e laico do conhecimento; à diversidade cultural e à adaptação do currículo ao contexto sociocultural; ou ao tratamento das desigualdades educativas e ao êxito e fracasso escolar. Como dizíamos ao referirmo-nos à autonomia e à igualdade na escola pública, um currículo democrático trata de combinar o cumprimento escrupuloso de alguns requisitos mínimos em razão de seu caráter público com o exercício de sua autonomia pedagógica aberta à diversidade e à criatividade próprias da inovação educativa.

6. A equipe dirigente como coordenadora e dinamizadora democrática. As coisas são muito distintas, se falamos de democracia, quando a autoridade da equipe dirigente - seja unipessoal ou colegiada emana do poder burocrático da administração ou da autoridade delegada pela equipe docente e a comunidade escolar. Em muitos países, existe um corpo de diretores, e a direção da escola é eleita a

98 laume Carbonell dedo. Em outros, como a Espanha, ainda que seja eleito democraticamente por parte do conselho escolar, ele também é nomeado pela administração quando não há candidatos, um sinal de debilidade democrática institucional. É evidente que, a partir de uma ótica inovadora e democrática, a direção escolar combina pouco com um perfil autoritário e burocrático, este último mais atento a resolver os problemas urgentes de caráter administrativo do que a articular e dinamizar pedagogicamente a vida da escola. E quase sempre os problemas urgentes deixam de lado os mais importantes. E há tantos problemas administrativos urgentes por resolver! A liderança democrática da direção escolar deve centrar-se, sobretudo, em obter um clima adequado para a comunicação e participação democrática; a elaboração, revisão e aplicação do projeto educativo; o desenvolvimento das inovações educativas; e a relação e colaboração com as mães e pais e com a comunidade.

PARA ALÉM DA PARTICIPAÇAO ESTAMENTAL DE MÁES E PAIS. O COMPROMISSO DA COMUNIDADE Não vamos falar neste último item acerca do lugar das mães e dos pais na escola, de suas tensões e desencontros com os professores nem das coincidências e divergências entre a educação escolar e familiar, mas simplesmente de como sua participação pode estenderse ao resto da comunidade e provocar uma nova dinâmica mais democrática e inovadora. Carmen Elejabeitia e Ignacio Fernández de Castro, em alguns de seus últimos escritos, assinalam a superação das formas estamentais e corporativas que têm tendência a defender interesses particulares - nesse caso concreto, centrados na educação específica e passageira de seus filhos - que são incompatíveis com o interesse público que afeta toda cidadania. Por isso, reivindicam a participação dos professores e das famílias, não enquanto tais, mas enquanto cidadãos e cidadãs. Uma tese interessante que seria preciso desenvolver a partir das contribuições das diversas práticas democráticas, e que nos lembra, de algum modo, que a escola pública não é do Estado, nem dos professores, nem dos pais, mas da comunidade. E que esta tem o direito de participar na escola e de intervir no controle do serviço público do ensino. Nesse contexto, é importante estabelecer formas cooperativas e de comunicação entre a escola e a comunidade para envolvê-la nos

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desafios democráticos da mudança e da inovação através de um amplo repertório de atividades de formação, voluntariado e colaboração com a escola: escola de formação cívica de mães e pais; reuniões e discussões em torno do projeto educativo da escola; explicações em aula de suas experiências vitais e profissionais; participação em oficinas ou na biblioteca; embelezamento do edifício e cuidado com a horta escolar; confecção de jogos e materiais didáticos; acompanhamento em saídas ao campo e à cidade; refeitório escolar; participação em comitês de defesa do meio ambiente ou de promoção da leitura; colaboração na luta contra o absenteísmo escolar; atividades de solidariedade e cooperação e intercâmbios escolares; criação de outros espaços educativos; dia dos pais e mães em que estes dão as aulas enquanto os professores participam de atividades de formação e aperfeiçoamento.. . Os espaços conjuntos de colaboração da cidadania com a escola são incontáveis. Na maioria dos casos, trata-se de ações isoladas realizadas de forma regular ou pontual. Mas existem, ao mesmo tempo, propostas e experiências em que essas atividades se reúnem em um projeto inovador com um certo grau de organização e coerência. Como amostra elegemos quatro experiências. 1. Os círculos de cultura e os conselhos escolares. Esses círculos, inicialmente apenas de pais e professores, logo se estendem a toda a cidadania. Foram impulsionados por I? Freire durante seu mandato como Secretário de Educação de São Paulo. Nessa classe urbana, o diálogo e o debate substituem a aula magistral e o coordenador substitui o professor ou catedrático. Por sua vez, os conselhos escolares rompem a lógica estamental e se convertem em um instrumento autônomo - e não meramente deliberativo - das classes populares para intervir na construção de uma escola diferente.

2. As comunidades de aprendizagem. Inspiradas no modelo das escolas aceleradas, propõem-se como objetivo obter uma educação integradora, permanente e altamente participativa. Para isso, requerem a colaboração de mães, pais e outras pessoas da comunidade para discutir entre todos a escola sonhada e, a partir daí, estabelecer prioridades e iniciativas que, contextualizadas dentro do processo de ensino e aprendizagem, inter-relacionam muito estreitamente o que ocorre na classe, no entorno e em casa. Por isso, muitas dessas atividades realizam-se fora da escola com a participação da vizinhança. 3. O orçamento participativo. Funciona já há alguns anos na cidade brasileira de Porto Alegre e supõe um ambicioso projeto de

100 Jaume Garbonell descentralização educativa e mobilização popular para que a cidadania, a partir de seus próprios bairros, discuta e faça propostas acerca da distribuição das verbas públicas destinadas ao ensino, estabelecendo necessidades e prioridades. O debate em torno do orçamento participativo afeta a construção e manutenção de escolas, a qualidade do ensino, os projetos de inovação educativa e o modelo de escola que vai sendo repensado continuamente. 4. A cidade educativa. Essa experiência é estudada mais detalhadamente no capítulo seguinte.

Escola e Entorno. Quando a Cidade Também Educa

Uma das manifestações mais evidentes da crise da escola, reiteradamente denunciada pelas pedagogias inovadoras, é o divórcio quase crônico entre escola e entorno, entre o processo de socialização dentro da instituição escolar e fora dela. O desafio é conseguir a transferência e o uso da cultura escolar na vida cotidiana durante a infância e no transcurso da vida adulta e, ao mesmo tempo, a incorporação da experiência vivencial e cultural do entorno a escola. Trata-se de integrar de forma coerente, no processo de ensino e aprendizagem, a riqueza da chamada educação assistemática e extra-escolar, cada vez mais influente e de caráter mais disperso e vivencial, com a educação formal ou escolar, menos influente, porém mais ampla, sistemática e segura. Trata-se de articular adequadamente as qualidades positivas de uma e outra modalidade educativa. A instituição escolar, não obstante, constrói todo tipo de muros para preservar a cultura escolar de todo contato e contaminação do entorno; é a imagem da escola fortaleza, do campo reservado ou da ilha que se sente constantemente ameaçada por qualquer força exterior que trate de penetrar nela. Essa ameaça tem a ver com a perda de protagonismo da escola na hegemonia informativa e na educação da infância e da juventude, ao ter de competir com outros agentes socializadores mais atrativos e poderosos. Na era da informação, as mensagens, imagens e estímulos externos se multiplicam e incidem enormemente na conformação de

102 Jaume Carbonell códigos culturais, hábitos e comportamentos. A escola, quando ignora e volta as costas a essa realidade, está furtando oportunidades formativas aos alunos, privando-os de uma série de recursos que os ajudariam a adquirir um conhecimento mais sólido e integrado e a compreender melhor a realidade. A televisão, para citar um dos meios de comunicação de maior impacto, oferece uma dupla face: a da desinformação, da comunicação, da banalização, da violência, da incitação desenfreada ao consumo, do culto aos valores do prestígio, da fama e do individualismo e muitos outros efeitos nocivos e deseducativos; e a face da informação que nos vincula com o resto do mundo e nos introduz na ciência e na cultura, das imagens que nos revelam uma infinidade de encantos e os melhores filmes de todos os tempos, do saudável humor e entretenimento, e de muitas realidades e fantasias a escolher para todas as idades. Não se deve esquecer, além disso, de que a televisão é a atividade de ócio que mais acompanha os setores desfavorecidos, já que estes não têm acesso a outras ofertas culturais reservadas às classes médias. Em face disso, cabe desenvolver propostas e programas em torno da leitura crítica dos meios de comunicação: que ensinem a decifrar códigos e mensagens; ler a imagem; selecionar informações e programas culturalmente relevantes; analisar criticamente os conteúdos; e integrar o novo capital informativo e cultural nos esquemas de conhecimento dos alunos. A escola vinculada ao meio já não tem a ver unicamente com o referente geográfico mais imediato do bairro, vila ou cidade, mas com universos fisicamente mais distantes, mas simbolicamente muito próximos da infância. A partir da escola, deve-se ensinar a ler criticamente a pluralidade de informações e mensagens desse meio ao mesmo tempo próximo e distante, evitando cair tanto em localismos estreitos e de v60 curto como no deslumbramento dos mitos do progresso tecnológico e de certa modernidade cultural que dilui e mascara precisamente a riqueza e diversidade cultural. O global é perfeitamente compatível com o local, mas quando se investe criativamente e sem preconceitos dentro de um projeto de conhecimento integrado, A observação atenta e reflexiva da realidade cotidiana é uma das vias mais poderosas de acesso ao conhecimento e ao autoconhecimento. Uma realidade que se capta pisando-a fisicamente e navegando virtualmente a através das imagens.

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A CULTURA ESTÁ NO TERRITÓRIO Dizia Kafka que encerrar a vida em um livro é como o canto de um pássaro em uma gaiola. Fala-se também que o contexto educa mais que o texto, sobretudo quando se parte de contextos significativos. Afirmações que se referem mais ao manual escolar que a outro tipo de livros, e que tratam de singularizar e assinalar a importância da cultura vital e dos cenários em que esta se manifesta. Dessa perspectiva, o território se converte em um livro aberto ou em um caderno de bitácula', que nos permite penetrar nos lugares onde habitam, se relacionam, trabalham, se realizam e se divertem os seres humanos: um mundo diverso e contraditório cheio de rituais, símbolos, costumes, memória, sofrimento e esperança; o mundo do trabalho e do consumo - o agrícola e o industrial -, o desemprego e a ocupação temporal, o mundo artesanal que vai se extinguindo e o das grandes superfícies comerciais que conformam novas formas uniformes de vida, o dos múltiplos serviços, o dos grêmios, sindicatos e cooperativas; e o mundo da cultura: arte, música, cinema, teatro ... Um livro aberto que é preciso aprender a olhar e a interpretar e que é um excelente laboratório para trabalhar o processo de trânsito da anedota à categoria, do concreto ao abstrato, das noções isoladas à sua sistematização, da informação ao conhecimento. O território assim concebido está repleto de linguagens múltiplas, de ruídos naturais e artificiais, de odores e sabores, de paisagens que vão se transformando ao longo do dia, de realidades visíveis e subterrâneas, de edifícios e moradias singulares e íntimas, de violência real e simbólica, de solidões e encontros, de sonhos e frustrações, de passeios e rotas que cada um vai incorporando na sua memória. Um território que pode ser lido sensorialmente e cognitivamente, a partir das inteligências múltiplas, e que ativa as diversas dimensões da educação integral. Definitivamente, um espaço de espaços abertos à aprendizagem e à socialização infantil. Mas, às vezes, o meio é terrivelmente hostil para a formação da infância, porque existem poucos estímulos; porque é um deserto cultural; porque o território está disperso e debilmente estruturado; ou porque a invasão do tráfico e a falta de espaços - e às vezes a violência - fazem da rua um lugar pouco seguro, e por isso impensável para a infância e as pessoas idosas e incapacitadas. É preciso falar de *N. de R.T. Bitácula é a caixa da bússula. No texto o termo é utilizado no sentido de guiar-se, orientar-se.

104 Jaume Carbonell entornos, no plural, que facilitam ou dificultam em graus diversos o desenvolvimento das potencialidades educativas. Dizíamos no primeiro capítulo que a reforma educativa deve inserir-se em outras reformas: a urbanística, entendida em um sentido amplo, é do teor das que estamos comentando. Construir cidades e entornos mais habitáveis, com lugares para o encontro e o intercâmbio, com equipamentos culturais e outras ofertas lúdicas e formativas que contribuam para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e, indireta e potencialmente, para a democratização e inovação da escola. A CIDADE EDUCADORA A cidade educadora ou educativa, o projeto educativo de cidade, o sistema formativo integrado ou as propostas sistêmicas curriculares constituem diversas versões e propostas para obter a máxima articulação entre a escola e o território. Concebido como um projeto utópico e como um processo que vai gerando diversas atividades, seu objetivo básico é que a cidade ou a comunidade desenvolva ao máximo seu potencial educativo e o ponha a serviço de toda cidadania, com ofertas especialmente destinadas à infância e à juventude. Trata-se, pois, de inventariar, selecionar, sistematizar, organizar e difundir todo seu capital cultural com a finalidade de pôr os alunos e o conjunto da cidadania em contato com experiências significativas e conhecimentos relevantes que possam proporcionar-lhes vivências e reflexões intensas. A cidade ou comunidade educadora se convertem em uma grande escola com tempos e espaços flexíveis para atender as diversas necessidades dos cidadãos, e em uma rede de serviços e apoios sociais e culturais que vá se forjando em torno da instituição escolar. Trata-se, além disso, de criar espaços de encontro, intercâmbio e aprendizagem em qualquer lugar do território. Na realidade, muitas das idéias contidas na cidade educadora e na era da informação já foram expostas há 30 anos por I. Illich (1975) em La sociedad desescolarizada, na qual ele faz uma exposição das coisas e pessoas com as quais poderiam pôr-se em contanto as pessoas que buscam aprender e cita estas quatro: serviços de referência a respeito de objetos educativos - que servem para a aprendizagem formal e se encontram em bibliotecas, museus, teatros, fábricas, aeroportos ... -; lista de habilidades - algumas pessoas fazem uma lista de suas atividades e facilitam os endereços para aqueles que dese-

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jam aprendê-las -; serviço de busca de companheiro - rede de comunicações que permita às pessoas descrever as atividades de aprendizagem a que desejam dedicar-se com a esperança de achar um companheiro para a busca -; e serviços de referência em relação a educadores independentes (estes figuram em um catálogo que indica endereços e descrições, feitas por eles mesmos, de profissionais, paraprofissionais e independentes). Illich, ao fazer tais propostas, pensava em uma alternativa radical para a escola, uma instituição que considerava repressiva, carente de significado e absolutamente superada. A morte da escola, dizíamos no início, não parece que vá ocorrer, mas o que parece vislumbrar-se é que ela terá de conviver, se não quiser enquistar-se ainda mais no seu isolamento, com uma ampla rede de serviços e ofertas culturais e formativas abertas e flexíveis, cada vez mais virtuais que presenciais. Talvez o exemplo mais consolidado e emblemático de cidade educadora seja o da cidade de Turim dos anos 70 e 80, teorizado por E Alfieri, quando o município obteve uma ampla colaboração dos diversos agentes culturais, sociais e produtivos para gerar recursos a serviço da coletividade; de alguma maneira, conseguiu-se que a pedagogia entrasse nos museus, oficinas artesanais, fábricas, instituições públicas, equipamentos desportivos e na natureza ... e que a cidade, por sua vez, penetrasse na escola. Em muitas outras cidades existem iniciativas que vão construindo a cidade educadora. É o caso das cidades onde se impulsiona particularmente a participação popular - Porto Alegre, mediante o orçamento participativo ou São Paulo com os conselhos escolares -; Rosário, onde escolas, bibliotecas populares, paróquias, centros de saúde, associações civis, instituições e o conjunto da vizinhança coordenam seus esforços e armam uma barraca itinerante que percorre os bairros dessa cidade argentina para orgarizar oficinas, espetáculos, conversas e discussões para impulsionar o estado de opinião e as demandas educativas para melhorar o entorno; de outras que realizam um interessante trabalho de informação, intercâmbio e participação através de uma emissora de rádio ou de uma televisão local; que tratam de recuperar a memória popular, o patrimônio histórico e artístico ou uma zona de especial valor ecológico; ou que convertem a cidade em uma biblioteca pública (mediante o empréstimos de livros em praças, parques e equipamentos desportivos) ou em um museu ao ar livre (com as portas abertas das oficinas dos artistas e esculturas embelezando jardins e ruas). Esse projeto comunitário comporta um compromisso firme com a educação e por parte dos diversos agentes sociais e culturais. Por-

106 iaume Carboneli que no território, de algum modo, todas as pessoas ensinam e aprendem: técnicos e trabalhadores de qualquer âmbito profissional; escritores e artistas; pessoas desempregadas, jovens e aposentados; pais e mães de diversa condição social; pessoas sem títulos nem credenciais acadêmicas, mas com o currículo que dá a experiência da vida; qualquer pessoa que tenha algo a contar aos alunos e que possa responder a suas perguntas que, frequentemente, os professores não podem responder. Não podem e, às vezes, também não devem, já que não é o único depositário da cultura. Nessa nova dinâmica, a função da escola é a de orientar os alunos na ordenação e seleção de dados e percepções; na associação e relação entre informações e conhecimentos; e na realização da síntese desse livro aberto que é o território. Em outras palavras, trata-se de transformar a experiência da vida em experiência cultural mediante a reflexão, a decomposição e a recomposição dos dados e a comparação sincrônica e diacrônica. Por outro lado, é uma ocasião excelente para enriquecer os projetos interdisciplinares e globalizados e qualquer tipo de inovação educativa. Mas, ao mesmo tempo, os professores devem procurar que os crescentes estímulos externos se canalizem de maneira harmoniosa dentro do projeto educativo e do processo de ensino e aprendizagem, algo que requer reflexão e certo isolamento mental; do contrário, existe o perigo de que a cultura externa atue como elemento de dispersão e distorção, diante da chuva incontrolada de mensagens e ofertas, e que a escola reaja com o habitual fechamento institucional. Os professores têm de estar conscientes de que não são os únicos agentes informativos nem formativos, mas também de que lhes compete a função de coordenar e orientar o conjunto de contribuições culturais emanadas dos diversos agentes e cenários do território. FUNÇÓES SOCIOEDUCATIVAS DO TERRITÓRlO

Para obter um maior aproveitamento do capital cultural do território - o realmente existente e o utopicamente desejado - e obter uma maior articulação entre a escola e o entorno, mais participação democrática e um incremento das oportunidades educativas para toda a população, requer-se uma série de mudanças e premissas de certa repercussão. Em uma lista de urgência, cabe assinalar as seguintes. 1. Reestruturação do território. Nem a cidade nem qualquer comunidade rural ou urbana pode ser educadora se o entorno não ofe-

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rece possibilidades e experiências educativas relevantes. Por isso, é preciso repensar e reestruturar o modelo de território com a criação de tempos e espaços que facilitem o intercâmbio entre as diversas gerações; recursos e infra-estruturas culturais, desportivas e lúdicas; e oportunidades para que os meninos e as meninas possam educar o olhar, experimentar com objetos, explorar novas realidades e fantasias, ou projetar seus desejos corporais e musicais. Tudo isso é um ecossistema mais habitável e sustentável. 2. Luta contra o fracassos e o absenteísmo escolar. A comunidade inteira, e não só a escola, tem o compromisso de garantir uma educação de qualidade para todos e todas, tratando de arbitrar quantas medidas sejam necessárias para corrigir situações de desigualdade, gerar expectativas culturais, apoiar os processos de integração de alunos com necessidades educativas específicas, facilitar a escolarização dos imigrantes recém-chegados e combater a deserção e o absenteísmo escolar. Nesta última empreitada, por exemplo, é chave a colaboração conjunta da escola com a família, os serviços e educadores sociais e a polícia municipal. Conseguir que determinados meninos e meninas em situações de extrema marginalização se escolarizem normalmente é um dos grandes desafios e conquistas comunitários.

3. Solidariedade civil, coesão social e inserção trabalhista. A solidariedade é uma condição necessária - ainda que naturalmente insuficiente - para construir um tecido social mais coeso, evitar ou neutralizar as discriminações racistas e sexistas e lutar contra a exclusão e a marginalização social. A partir da escola e da comunidade é preciso mobilizar idéias e recursos para conseguir uma formação básica e profissional sólida e adaptada às necessidades específicas e mutáveis do entorno; orientar os alunos na transição da escola para a vida ativa; buscar fórmulas imaginativas e inovadoras para a criação de emprego mediante o desenvolvimento do auto-emprego, da iniciativa social e do cooperativismo; iniciar campanhas de alfabetização e criar centros de educação de adultos; e gerar ofertas de formação contínua com o objetivo de capacitar as pessoas na aprendizagem e gestão do conhecimento nos âmbitos científico, cultural e tecnológico.

4. Elaboração do mapa educativo da cidade. A partir do município, torna-se necessário o impulso de uma política de planejamento, coordenação e otimização dos espaços e recursos educativos. A primeira tarefa é a realização de um diagnóstico ou mapa educativo de caráter qualitativo, diferentemente dos que costuma realizar a maio-

108 Jaume Carbonell ria das políticas educativas que se centram unicamente no escolar e no quantitativo. Após esse estudo inicial, convém averiguar qual é o uso real dos recursos educativos por parte dos diversos segmentos da população. Por último, analisam-se as alternativas e propostas que podem ser postas em prática para cobrir os déficits mais evidentes, gerar novos recursos e espaços formativos e fazer um uso mais intensivo e frutífero dos já existentes. 5. Criação de estruturas de apoio a inovação educativa. A cidade educativa pode criar marcos de referência e cobertura para o impulso das inovações que tratam de romper os muros escolares. Centros de recursos e pesquisa pedagógica (observatório de impacto e avaliação de diversas ofertas e atividades, apoio material e logístico aos professores, assessoria e formação...); programas de conhecimento do entorno com suas pertinentes orientações metodológicas; equipes multidisplinares formadas pelos professores e por pessoas da comunidade envolvidas em tarefas educativas; contato e trabalho conjunto entre as diversas instituições educadoras (instituições de educação formal e não-formal; serviços pedagógicos dos equipamentos culturais, desportivos e ambientais; meios de comunicação local; representações empresariais e sindicais...); redes de intercâmbio e colaboração entre centros comprometidos com inovações educativas que se projetam no território.. .

6. Conselhos educativos territoriais. Insistimos na necessidade de obter uma ampla participação democrática mediante o compromisso organizativo dos diversos agentes educativos do território. Esses conselhos educativos veiculam problemas e demandas, assim como propostas de todo tipo para converter o território em um poderoso crisol formativo.

Os Professores Inovadores

Ao longo deste livro, de forma implícita ou explícita, dissemos muitas coisas sobre a docência. Neste último capítulo não vamos tratar das causas da crise da profissão, das razões do mal-estar docente e de seu escasso reconhecimento social ou sobre as políticas em torno da formação inicial e permanente. Seu propósito, a título de rápida síntese final, é apenas destacar alguns atributos, requisitos e condições necessárias para que os professores possam desenvolver a inovação educativa, sobretudo na linha das pedagogias progressistas. VOCAÇÃO, PAIXÃO, COMPROMISSO E OUTROS ATRIBUTOS I. Goodson disse que o ensino é uma profissão maravilhosa se conseguimos equilibrar as competências técnicas com as sociais. Isso significa articular o profissionalismo com um compromisso ético e social; tentar conhecer melhor os alunos e os processos de ensino e aprendizagem e, ao mesmo tempo, entender a escola e seu entorno e torná10 compreensível aos demais para transformá-los. Por isso, os professores têm de ter um pé na escola e outro na sociedade. Algo que explica com belas e densas imagens Tavemier em Hoy empieza todo, a história real de um educador infantil vocacionado e apaixonado por seus meninos e meninas e sensível aos problemas das famílias e às causas dos menos favorecidos; ele explica em uma entrevista que, como professor, seu ofício é encher balões, já que os meninos e as meninas quando vêm à escola são como balões esvaziados, porque um está triste, outro está com dor no joelho e outros não comeram.

110 laume Carbonell O magistério, em qualquer nível de ensino, tem de recuperar seu orgulho e dignidade e reinventar o conceito de vocação, distanciando-se tanto da visão messiânica e de 'apostolado de antes como das concepções tecnocráticas e assépticas de hoje. A vocação é um compromisso com a paixão pelas diversas dimensões do conhecimento - psicológicas, epistemológicas, sociais, éticas e políticas - e pela curiosidade permanente quanto a tudo que acontece na classe, na escola e na comunidade; porque a vocação é uma decisão individual que se projeta no coletivo. A função dos professores é criar condições para provocar uma reação fluida e significativa com o conhecimento mediante o máximo desenvolvimento das potencialidade dos alunos. Esse trabalho de orientação e acompanhamento para que o aluno vá se familiarizando com a aprendizagem e descubra seu sentido está muito presente nas pedagogias inovadoras. O Quadro 8.1 contém algumas imagens e conceitualizações sobre as funções dos professores inovadores.

Quadro 8.1 Imagens e visões em torno da função docente de caráter inovador "Ensinar é uma forma de ganhar a vida, mas, sobretudo, é uma forma de ganhar a vida dos outrosn(E. Lledó). Y, melhor educação é o exemplo" (A. Einstein). "O educador deve ensinar pouco, observar muito e orientar as atividades psíquicas dos meninos e seu crescimento psicológico" (M. Montessori). "O bom professor é o que ensina os alunos a prescindir dele" (E Salvater). 'Rdocência é uma questão de comunicação e de conexão. Comporta muita diversão e muito entusiasmo" (E! Woods). "O professor deve procurar converter os dilemas em oportunidades educativas" (E! Woods). "Longe de ser técnicos ou meros transmissores do currículo, os professores são ~raticantesreflexivos aue buscam melhorar continuamente seu trabalho em nome dos interesses nos meninos a quem ensinam" (D. Schon). "O professor não está na escola para impor certas idéias ou para formar hábitos determinados na criança, mas sim como membro da comunidade com a finalidade de eleger as influências que têm de afetar a criança, ajudando-a a responder adequadamente a estas influências" (J. Dewey). "Os professores que se sobressaem transformam o processo de instrução na aventura da educação. Outros, é certo, podem adestrar-nos; mas são eles que nos ensinam a nos empenhar na aprendizagem e a nos entusiasmar com a ampliação de poderes que a aprendizagem nos proporciona" (R. Stenhouse). (continua)

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Quadro 8.1 (Cunt~iruagãu) "O ato de ensinar não se separa tão facilmente da consciência do saber. ..; o homem consagrado à cultura científica é um eterno escolar" (G. Bachelard). '%quilo que também pode fazer o leitor, deixe que o faça o leitor" (Wittgenstein). "Professor, resista e não se deixe curricular. E x e r ~ aseu poder e autonomia" (Anônimo) .

Outro dos atributos, já comentado em capítulos anteriores, é a autonomia, poder ou autoridade docente que capacite os professores para atuar com independência de critério e que reconheça seu protagonismo nas decisões em torno da seleção, organização e transmissão do currículo. Por último, apenas para recordar um fato óbvio, mas de suma importância: os alunos aprendem mais com o comportamento docente do que aprendem com seu conhecimento. Ninguém esquece um bom professor ou professora, e não o esquece não pelo que ensinava, mas pelo que era. Dai a importância da relação pedagógica afetiva, do envolvimento emocional no ato de ensinar, do valor da sedução e da comunicação e de certo encantamento; muito se falou da pedagogia do amor, porque a educação não é mais que um ato de amor compartilhado. Uma visão que se fundamenta na autoridade democrática dos professores e não no autoritarismo do modelo tradicional nem na concepção do professor-companheiro das pedagogias espontaneístas. TRES COMENTÁRIOS SOBRE FORMAÇAO PERMANENTE A formação contínua realiza-se em dois planos complementares: o individual, com a aquisição contínua de um saber sólido e atualizado nas distintas áreas de conhecimento; e o coletivo, com o intercâmbio de idéias e experiências e o trabalho cooperativo que promova uma cultura inovadora nas escolas e uma futura cidadania mais culta, crítica e solidária. Em ambos os casos, a chave está na intensidade da reflexão, sobre a teoria e sobre a prática.

1. Formaçáo pessoal e leitura crítica. O fomento do hábito de ler entre os professores é condição necessária para tirar maior proveito da experiência e da reflexão na e a partir da prática. A formação pessoal - cultural e profissional - precisa de tempos intensivos de

112 Jaume Carbonell autoformação que não podem ser substituídos pelos cursos nem diluir-se no coletivo; uma parte importante do êxito das diversas atividades formativas e da cultura colaborativa reside na potencialidade formativa das individualidades. Há textos pedagógicos básicos que todo professor e professora deveria ler e discutir no transcurso de sua formação inicial e em seu exercício. A leitura coletiva de um livro é uma fonte constante de idéias e sugestões e evita muitas vezes ter de partir do zero a toda hora, por exemplo, de abordar qualquer questão relacionada com o projeto educativo da escola e com o processo de ensino e aprendizagem. 2. Formação colaborativa ou cooperativa. Criar tempos, oportunidades, espaços e estímulos para aprender e enriquecer-se uns aos outros e avançar profissionalmente e democraticamente como coletivo. A cultura colaborativa começa na escola fortalecendo o projeto educativo e as inovações gerais mediante a participação democrática; criando pequenos grupos de professores e professoras que trabalham em um projeto de pesquisa ou sobre qualquer problema específico; abrindo as classes a outros docentes da escola ou de fora para fomentar a observação e a análise compartilhada da intervenção educativa e estabelecer estruturas de apoio entre elas. E a cultura colaborativa prossegue fora da escola com encontros para trocar experiências, discussões para ir avançando no modelo da escola desejada, seminários ou grupos de trabalho para aprofundar em alguma área temática específica e para propor alternativas ao currículo ou confeccionar materiais; visitas a outras escolas para aprender a olharse no espelho a distância; e redes, muitas redes entre os professores e as escolas para recolher, coordenar, teorizar e difundir o capital pedagógico inovador. Redes que se transformam em coletivos de renovação pedagógica que pensem e avancem em direção a uma escola diferente junto com outros movimentos sociais; a única maneira de mudar a escola. 3. Reflexão. A experiência não é suficiente. Não basta gastar muito tempo em sala de aula para gerar conhecimento formativo; a experiência deve submeter o indivíduo à autocrítica, à análise, ao questionamento, ao olhar do outro; isto é, à reflexão que proporciona uma compreensão mais profunda de nossa prática pedagógica. A reflexão ativa a memória e ajuda a comparar nossa experiência presente com a passada; a contrastá-la com a de outros professores e professoras; e a revisar a mudar nossas práticas - porque a reflexão é também experiência. A formação permanente mais sólida e frutífera é a que se aprende a partir da reflexão sobre as práticas inovado-

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ras; aquela que obriga a modificar as propostas originárias sobre as concepçóes de ensino e aprendizagem, em que a vivência produz reflexão e esta se apóia na vivência; e que, por fim, comporta uma mudança pessoal, ideológica e profissional. DECÁLOGO UTÓPICO PARA PROFESSORES INOVADORES E ADMINISTRAÇÓES RENOVADAS

Para terminar, apresentamos este decálogo no qual se expressam desejos sobre alguns requisitos e condições idôneas para que os professores possam desenvolver de forma efetiva, real e permanente a inovação educativa. 1. Reconhecimento social e auto-estima profissional. A sociedade deve reconhecer o valor da educação e a necessidade de dignificar a profissão docente; algo que se obtém com um maior conhecimento de seu trabalho, apoio de suas demandas mais justas e compromisso compartilhado na educação da infância e da juventude. Esse reconhecimento afeta a administração à qual sobra retórica e falta uma maior sensibilidade para tornar efetivas promessas amplamente anunciadas e medidas necessárias para melhorar a vida e o trabalho nas escolas. Aos professores, faltam auto-estima e orgulho e sobram complexos de inferioridade e lamentos - não críticas - que não conduzem a nada. Não se pode ficar o tempo todo falando das misérias da profissão e esquecer-se tão facilmente de suas grandezas e satisfações. 2. Formação inicial dos professores.Aumento dos estudos do magistério e conversão da diplomação em licenciatura. Não tem nenhum sentido que o professor que queira promover-se tenha de cursar necessariamente outra licenciatura. Período de formação obrigatória para os professores do ensino médio em Faculdades de Educação ou similares em substituição aos cursos atuais. Em ambos os casos, potencializar a formação cultural básica e a de caráter profissional a partir, sobretudo, da reflexão sobre a prática. Fixar uma cota mínima de docentes em exercício para oferecer a formação de professores nas escolas de magistério e Faculdades de Educação. 3. Corpo único de professores. Uma velha reivindicação de tempos pré-democráticos e que a muitos parece requentada. Essa aspiração liberal e socialista expressa em suas origens uma verdade que não perdeu um ápice de vigência: precisa-se da mesma ciência, conhecimento e dedicação para a educação infantil e para o ensino superior.

114 Iaume Carbonell Se é assim, que se aplique então integralmente a igualdade de salários e de condições de trabalho. Uma boa forma de comprovar isso seria que durante um certo tempo os professores universitários dessem aulas na educação infantil e os professores deste nível na universidade. 4. Formação permanente. Adaptada às demandas e necessidades formativas dos ciclos de vida profissional de cada docente e da dinâmica e projetos inovadores de cada escola. Este deve converter-se no principal foco de atenção como lugar no qual pode se articular a teoria com a prática para provocar a mudança. Essa formação é um direito e, portanto, devem estabelecer-se tempos e oportunidades para desenvolvê-la em tempo letivo e não-letivo; destinar-lhe uma manhã ou tarde inteira, deixando a classe na mão de substitutos, é uma boa fórmula. Também é um dever e, conseqüentemente, uma parte dela deve ser obrigatória sem receber em troca nenhum tipo de incentivo ou compensação. 5. Autonomia para decidir algumas coisas importantes. Como, por exemplo, poder eleger uma equipe docente em função do projeto educativo, de uma inovação específica ou das características singulares da escola e de seu contexto socioeconômico; tentar um currículo alternativo; ou desenvolver inovações educativas que modifiquem os tempos e espaços escolares tradicionais. Também para que os professores possam ouvir muitas opiniões e críticas sobre seu trabalho, mas sem necessidade que alguém lhe diga o que deve fazer ou deixar de fazer.

6. O professor ou a professora não está só na classe. Há muitas maneiras de vencer a solidão e o isolamento da profissão e conseguir apoios e ensinos de muitas pessoas: equipe docente; estudantes de práticas, professores interinos ou desempregados que o auxiliam em várias tarefas; assessores internos e externos que ajudam a estabelecer critérios para analisar o problema ou revisar o currículo; psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais; amigos críticos que passam um dia na classe para observá-la e comparar pareceres; mães, pais ou outras pessoas voluntárias da comunidade que lhe dêem uma mão em qualquer setor, oficina ou atividade de recuperação; avôs e avós que narram seu saber da experiência acumulada; professores universitários que propõem uma investigação compartilhada ou de interesse para a escola; e até a inspeção, quando concorda que, além de lidar com questões administrativas e burocráticas, também lhe compete a dinamização pedagógica.

A Aventura de Inovar

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7. O tempo. É preciso ganhar tempo para a reflexão e a aprendizagem permanente. Tempo para a preparação e o planejamento, para a ação de tutoria, para a coordenação e gestão da classe e da escola; tempo para estar com os outros professores e professoras, com pais e mães, com os alunos, com os outros educadores da escola e da comunidade. Tempo para tantas coisas! Liberar meia jornada letiva, além de outras horas é o mínimo recomendado. 8. Períodos sabáticos e reduções de jornadas. Todos os professores deveriam aspirar desfrutar pelo menos um ano sabático em sua longa vida de trabalho para dedicar-se ao estudo, à leitura, à escrita e a refletir sobre a prática docente. Os critérios para concedê10s podem depender de mérito e de antiguidade e, sobretudo, de projetos coletivos inovadores que requerem tempo de aprofundamento, sistematização e escrita. As reduções de jornada a partir dos 50 ou 55 anos dariam mais possibilidade de acesso a docentes mais jovens - algo saudável em uma profissão tão envelhecida - e permitiriam aos mais experientes dedicar-se a outras tarefas complementares e de apoio à escola.

9. Estímulos, promoção e controle. Incentivos para a inovação e a qualidade educativas. O reconhecimento deve traduzir-se em recompensas e estímulos que facilitem uma promoção profissional. Ao mesmo tempo, é preciso estabelecer mecanismos democráticos de controle - internos e externos - de funcionamento da escola, dos processos de ensino e aprendizagem, do trabalho dos professores e da política da administração. O primeiro acordo democrático é fixar os critérios para a continuidade, a avaliação e o controle entre todos os setores afetados. 10. Participação dos professores. Sua voz deve ser ouvida nos foros de opinião, discussão e decisão pública. Nos âmbitos territoriais do entorno escolar através de conselhos educativos com representação de todos os agentes que intervêm no processo de socialização da infância e da juventude; e nas instância superiores de gestão e governo. Muitas pessoas pensarão, com razão, que alguns desses pontos são extremamente utópicos. Mas me pergunto se não é mais utópico pensar que nas condições atuais é possível implantar uma inovação educativa sustentada e profunda. Diante da dúvida, aposto na primeira utopia, a única que algum dia poderá ajudar-nos a desfrutar de uma escola culturalmente mais sábia, pedagogicamente mais atraente, institucionalmente mais democrática e socialmente mais igualitária.

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'C* uma viagem apaixonante marcada de dificuldades, paradoxos -nas também dn -ossibiliJ-les e satisL-fies. ~ncentramseu:, pontos de referência no pensamento e na prática das pedagogias progressistas, muito críticas tanto em relacão ao ogia tradicional como as pedagogias psicologista: remissa, aborda neste livro temas tão atuais com Pnntido e a vigéncia das pedagogias inovadoras, a concepção e vl&anizaqão do conhecimento na era da informação; o projeto educative e a autonomia pedagógica; o desenvolvimento da democracia participativa; a relação da escola com o meio; e ,, ais curriculares para uma escola inovadora. O tex tprmina cnm ilm sugestivo e inédito decálogo para o nrnf~ccnradfi nara a(; adrninistr~riíícsinnvarlnrac:

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