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Portuguese Brazilian Pages [639] Year 2012
Do Sintoma
ao Diagnóstico Baseado em Casos Clínicos
O GEN | Grupo Editorial Nacional reúne as editoras Guanabara Koogan, Santos, Roca, AC Farmacêutica, Forense, Método, LTC, E.P.U. e Forense Universitária, que publicam nas áreas científica, técnica e profissional. Essas empresas, respeitadas no mercado editorial, construíram catálogos inigualáveis, com obras que têm sido decisivas na formação acadêmica e no aperfeiçoamento de
várias gerações de profissionais e de estudantes de Administração, Direito, Enferma gem, Engenharia, Fisioterapia, Medicina, Odontologia, Educação Física e muitas outras ciências, tendo se tornado sinônimo de seriedade e respeito. Nossa missão é prover o melhor conteúdo científico e distribuí-lo de maneira flexível e conveniente, a preços justos, gerando benefícios e servindo a autores, docentes, livrei ros, funcionários, colaboradores e acionistas.
Nosso comportamento ético incondicional e nossa responsabilidade social e ambiental são reforçados pela natureza educacional de nossa atividade, sem comprometer o cres cimento contínuo e a rentabilidade do grupo.
Do Sintoma ao Diagnóstico Baseado em Casos Clínicos
Organizadores
JOSÉ LUIZ PEDROSO
Neurologista pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). Doutor em Neurologia pela UNIFESP-EPM. Médico Assistente do Setor de Neurologia Geral e Ataxias da UNIFESP-EPM. Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia. Membro da The Movement Disorders Society.
Neurologista do Hospital Israelita Albert Einstein. ANTONIO CARLOS LOPES Diretor da Escola Paulista de Medicina. Professor Titular de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.
Fellow do American College of Physicians.
■ Os organizadores, os colaboradores e a editora empenharam-se para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores dos direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a possíveis acertos caso, inadvertidamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida. Não é responsabilidade da editora, nem dos organizadores e dos colaboradores, a ocorrência de eventuais perdas ou danos a pessoas ou bens que tenham origem no
uso desta publicação. ■ Apesar dos melhores esforços dos organizadores, dos colaboradores, do editor e dos revisores, é inevitável que surjam erros no texto. Assim, são bem-vindas as comunicações de usuários sobre correções ou sugestões referentes ao conteúdo ou ao nível pedagógico que auxiliem o aprimoramento de edições futuras. Os comentários dos leitores podem ser encaminhados à Editora Roca. ■ Do Sintoma ao Diagnóstico Baseado em Casos Clínicos
ISBN 978-85-4120-074-5 Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright © 2012 by Editora Roca Ltda. Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Rua Dr. Cesário Mota Jr., 73 - CEP: 01221-020 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 3331-4478 - Fax: (11) 3331-8653 www.grupogen.com.br ■ Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico,
mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na internet ou outros), sem permissão expressa da editora.
Capa: Rosangela Bego Diagramação: Renato Costa
Revisão de Texto: Breno Beneducci e Vilma Baraldi Imagens: Dayanne Café Wantuil, Denise Nogueira Moriama e Rafael Mendonça Santos
■ CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. D66 Do sintoma ao diagnóstico : baseado em casos clínicos / organizadores José Luiz Pedroso, Antonio Carlos Lopes. - São Paulo : Roca, 2012.
ISBN 978-85-4120-074-5 1. Clínica médica. 2. Diagnóstico. 3. Medicina - Prática. I. Pedroso, José Luiz.
II. Lopes, Antonio Carlos, 1945-. 12-3764.
CDD: 616.075 CDU: 616.07
Dedicatória Para todos os pacientes descritos neste livro, cuja cora gem, sofrimento e confiança serviram para todos nós como
Ao meu amor, Suellen, que abdicou de seus sonhos para realizar os meus e que esteve sempre ao meu lado,
fonte constante de estímulo e que nos ensinaram o mais
e ao meu filho, Enrico, minha nova fonte de inspiração e
sublime sentimento no momento de doença: a esperança!
motivo de constantes alegrias...
José Luiz Pedroso
Apresentação Esta é uma séria reflexão sobre a adequação do treina mento do raciocínio diagnóstico. O objetivo deste livro é
serem lidos. Cada título tem o objetivo de abordaras queixas e situações clínicas mais comuns na área médica.
levar o leitora uma viagem pela mente do examinador
São poucos os livros-texto sobre clínica médica que
gerando discussões e questionamentos frente a cada passo
reconhecem a natureza intensamente prática da medicina.
dos sintomas iniciais ao diagnóstico final. Os capítulos
Há os textos curtos, que conseguem ser breves pela ex
foram escritos por residentes das mais variadas áreas
clusão de material explicativo, e, no extremo oposto, há
médicas, pós-graduandos, clínicos experientes com anos
os compêndios, frequentemente desequilibrados pela
de prática e professores, com muito empenho e com o
objetivo de tomara leitura agradável e interessante. Mui
cobertura excessiva de doenças raras e fundamentados na presunção de que os pacientes anunciam, à sua chegada,
tos dos capítulos foram situações reais que serviram como
ser portadores de uma neoplasia, ou de um processo au
estímulo para a criação dos casos e outros dados são fic
toimune, ou de uma infecção crônica. Os pacientes
tícios. Todos os casos clínicos descritos são contemplados
apresentam-se com sintomas que necessitam, é certo, de
com história médica, exame físico e exames complemen
avaliação cuidadosa antes do exame físico e este, por sua
tares e, em cada passo da tomada de dados, é realizada
vez, deve ser baseado nas possibilidades diagnósticas
uma discussão sobre as principais hipóteses diagnósticas
sugeridas pela história clínica.
até o momento. O leitor não precisa ter uma leitura con
Uma ótima leitura e boa viagem pela mente do exa minador!
tínua do livro, mas poderá escolher capítulos pontuais para
José Luiz Pedroso
Titularidades Adriano Oliveira Seixas
Allan Valadão de Oliveira Britto
Médico formado e pós-graduado pela Universidade
Médico Radiologista. Membro Titular do Colégio
Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina
Brasileiro de Radiologia. Especialista em Radiologia
(UNIFESP/EPM). Residências em Clínica Médica e
e Diagnóstico por Imagem pelo Hospital Barão de
em Endocrinologia/Metabologia na UNIFESP/EPM.
Lucena (PE). Especialista em Ressonância Magnética
Membro do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert
pela Universidade Federal de São Paulo / Escola Pau
Einstein.
lista de Medicina.
Agessandro Abrahão
Ana Beatriz Galhardi Di Tommaso
Médico formado pela Universidade Federal do Rio de
Médica formada pela Universidade Federal de São
Janeiro. Neurologista pela Universidade Federal de
Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).
São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/
Residência em Clínica Médica na UNIFESP/EPM.
EPM). Médico Assistente do Pronto-socorro de Neu
Médica Residente da Disciplina de Geriatria e Geron
rologia do Hospital São Paulo / UNIFESP/EPM.
tologia na UNIFESP/EPM.
Colaborador do Setor de Neurologia Geral e Ataxias da UNIFESP/EPM. Alessandra Billi Falcão
Médica Neurologista e pós-graduanda do Setor de Neuroimunologia da Universidade Federal de São
Ana Beatriz Kinupe Abrahão
Médica formada pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Residência em Clínica Médica na Universida de Federal de São Paulo.
Paulo. Ana Laura de Figueiredo Bersani Alex Macedo
Médico Assistente e Mestre em Pneumologia pela
Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
Médica Especialista em Clínica Médica pela Universida
de Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina
(UNIFESP/EPM), Associação Médica Brasileira e Socie
dade Brasileira de Clínica Médica. Especialista em Geria tria pela UNIFESP/EPM.
Alexandre Wagner Silva de Souza
Assistente-doutor da Disciplina de Reumatologia da
Ana Paula Jafet Ourives
Universidade Federal de São Paulo. Responsável pelo
Residência em Infectologia na Universidade Federal
Ambulatório de Vasculites. Pós-doutorado na Rijksu-
de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Médica
niversiteit de Gronigen.
Infectologista do Hospital Bandeirantes.
Aline Pâmela Vieira de Oliveira
Ana Valéria de Melo Mendes
Médica Residente de Infectologia na Universidade
Médica formada pela Universidade Federal de Pernam
Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
buco. Especialista em Clínica Médica pela Universi
X - Titularidades
dade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medi
Bruno Teixeira Bernardes
cina (UNIFESP/EPM). Especializanda em Oncologia
Médico Ginecologista e Obstetra. Mestre pelo Depar
Clínica na UNIFESP/EPM. Preceptora da Liga Acadê
tamento de Ginecologia da Universidade Federal de
mica de Oncologia (Grupo Acadêmico em Oncologia)
São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Professor
na UNIFESP/EPM.
Assistente do Departamento de Ginecologia e Obste trícia da Universidade Federal de Uberlândia.
Anderson Rodrigues Brandão de Paiva
Médico formado pela Faculdade de Medicina da Uni
Bruno Thieme Lima
versidade Federal de Juiz de Fora. Médico Neurolo
Médico Otorrinolaringologista formado pela Univer
gista pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de
sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de
Medicina da Universidade de São Paulo.
Medicina. Especialista em Otologia pela Universidade
Federal de São Paulo. Antônio Carlos Carvalho
ProfessorTitulare chefe da Disciplina de Cardiologia
Caio Silvério de Souza
do Departamento de Medicina da Universidade Fede
Médico formado pela Pontifícia Universidade Católi
ral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNI-
ca de Campinas. Residência em Clínica Médica na
FESP/EPM).
Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Residência em Onco
Antonio Sérgio de Santis Andrade Lopes
logia Clínica na UNIFESP/EPM.
Médico Cardiologista pós-graduando da Unidade de
Valvopatias do Instituto do Coração / Hospital das
Camila Catherine Henriques de Aquino
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade
Médica Neurologista formada pela Universidade Fe
de São Paulo (InCor/HC-FMUSP). Médico plantonis
deral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina
ta da Unidade de Emergência do InCor/HC-FMUSP.
(UNIFESP/EPM). Preceptora da Residência Médica
Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasilei
em Neurologia na UNIFESP/EPM.
ra de Cardiologia. Carlos Alberto Franchin Neto Augusto Takao Akikubo Rodrigues Pereira
Médico Clínico pela Universidade Federal de São
Médico Oncologista Clínico do Hospital A. C. Camar
Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).
go (São Paulo / SP). Especialista em Clínica Médica
Cardiologista pelo Instituto do Coração / Hospital
pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Membro
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universi
do Grupo Paulistano de Apoio ao Tratamento de Cân
dade de São Paulo. Especialista em Clínica Médica
cer de Pulmão.
pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Espe cialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de
Bárbara Souza Luz Pinheiro
Médica formada pela Universidade Federal de Per
nambuco. Residência em Clínica Médica na Univer
sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de
Medicina (UNIFESP/EPM). Médica nefrologista pela UNIFESP/EPM.
Cardiologia. Preceptorda Residência em Cardiologia
do Hospital Sírio-Libanês. Médico Emergencista do Hospital Israelita Albert Einstein. Carolina Castro Porto Silva Janovsky
Médica Residente em Endocrinologia, segundo ano, na Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
Bruno Roberto Brasil Machado
Médico Nefrologista graduado pela Universidade
Catarine Teles Farias Britto
Federal de Juiz de Fora. Residência em Clínica Mé
Especialização em Endocrinologia pela Universidade
dica pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa
de São Paulo / Ribeirão Preto (SP). Especialista em
Casa de São Paulo. Residência em Nefrologia na
Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica
Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista
Médica. Residência em Clínica Médica na Universida
de Medicina.
de Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
Titularidades - XI
Cláudio Cirenza
Médico Assistente da Disciplina de Cardiologia do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
Eduardo Brandão Elkhoury
Médico Residente de Clínica Médica da Universidade
Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Eduardo Castro
Cristiano Guedes Bezerra
Médico Especialista em Clínica Médica pela Univer sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Especialista em Cardiologia pelo Instituto do Coração / Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Damiana Montes Santos
Especialista em Clínica Médica pela Universidade Fe
deral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Es pecialista em Cardiologia pela Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo. Médico Assistente da
Unidade Coronariana do Hospital Metropolitano (ES). Eduardo R. M. Lima
Médica Infectologista pela Universidade Federal de São
Residência em Clínica Médica na Universidade Fede
Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Mestranda em Hepatites e HIV na UNIFESP/EPM.
ral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNI-
FESP/EPM). Residência em Cardiologia no Instituto do Coração / Hospital das Clínicas da Faculdade de
Daniel Antunes Silva Pereira
Médico Preceptor Colaborador do Grupo de Doenças Intersticiais da Disciplina de Pneumologia da Facul dade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Medicina da Universidade de São Paulo. Médico Residente em Hemodinâmica e Cardiologia Interven cionista na UNIFESP/EPM. Ektor Onishi
Daniel Bouchabki de Almeida Diehl
Médico Otorrinolaringologista. Doutorem Medicina
Médico Residente em Clínica Médica na Universidade
pela Universidade Federal de São Paulo / Escola Pau
Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
lista de Medicina. Coordenadordo Programa de Mes trado Profissional em Reabilitação Vestibulare Inclusão
Danilo Kanashiro Segalla
Social da Universidade Bandeirante de São Paulo.
Médico Otorrinolaringologista. Eliane Reiko Alves Danyenne Rejane de Assis
Médica Infectologista. Pós-graduanda (mestrado) da
Médica Residente em Clínica Médica na Universidade
Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
Disciplina de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
Emmanuel Casotti Duque de Bárbara
Médico Oftalmologista. Especialista em Oftalmologia Denis Bernardi Bichuetti
Doutorem Ciências pela Universidade Federal de São
pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Fellow em
Retina no Instituto de Oftamologia Tadeu Cvintal.
Paulo (UNIFESP). Médico Assistente do Pronto-so
corro de Neurologia e Setor de Neuroimunologia da
UNIFESP.
Emmerson Badaró
Médico Oftalmologista.
Denison Santos Silva
Residência em Clínica Médica. Residência e título de especialista em Reumatologia pela Universidade Federal
de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Médico
Ernesto Joscelin Carneiro Pinto
Residência em Clínica Médica na Universidade Fede
ral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Resi
Colaborador em Clínica Médica e Reumatologia da
dência em Cardiologia no Instituto Dante Pazzanese
Universidade Federal de Sergipe.
de Cardiologia. Médico Assistente da Unidade de
Terapia Intensiva Cardiológica do Hospital do Coração Edson Luis Costa Zaparoli
de Natal (RN).
Médico Residente do Departamento de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.
Fabiana Guandalini Mendes
Médica Dermatologista.
XII - Titularidades
Felipe Augusto de Oliveira Souza
Incentivo ao Ensino e Pesquisa da Cardiologia (PE).
Médico graduado pela Universidade Federal de Uber
Residência em Clínica Médica no Hospital Universi
lândia. Residência em Clínica Médica na Universidade
tário Oswaldo Cruz / Universidade de Pernambuco.
Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina
Residência em Cardiologia na Universidade Federal
(UNIFESP/EPM). Residência em Cardiologia Clínica
de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
na UNIFESP/EPM. Especializando do Serviço de
Eletrofisiologia Invasiva e Arritmia da UNIFESP/EPM.
Flávia Areco
Médica formada pela Faculdade de Medicina da Uni Felipe Favorette Campanharo
Pós-graduando do Departamento de Obstetrícia da
Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Residência em Clíni
versidade Federal de Juiz de Fora. Especialista em
Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica
Médica. Geriatra pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
ca Médica na UNIFESP/EPM. Residência em Gine cologia e Obstetrícia na UNIFESP/EPM. Especialista em Medicina Fetal pela UNIFESP/EPM. Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela Federação Brasi leira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Fernanda dos Santos Britto
Residência em Neurologia na Universidade Federal
de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/
Flávio Augusto de Carvalho
Médico Neurologista formado pela Faculdade de
Medicina de Botucatu / UNESP. Residência em Neu rologia na Universidade Federal de São Paulo / Esco la Paulista de Medicina. Flávio Ferlin Arbex
Médico Residente em Clínica Médica na Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
EPM). Especialização em Epilepsia, Eletroencefalografia e Videoeletroencefalografra pelo grupo da
Flavio de Souza Brito
Unidade de Pesquisa e Tratamento das Epilepsias da
Médico Cardiologista. Especialista em transplante
UNIFESP/EPM. Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia. Área de atuação
cardíaco pela Universidade Federal de São Paulo /
em Neurofisiologia Clínica pela Sociedade Brasileira
graduando do Serviço de Miocardiopatias da UNIFESP/
de Neurofisiologia Clínica. Preceptora do Programa
EPM. Cardiologista do Setorde Emergências do Hos
de Residência Médica em Neurologia do Hospital
pital Alemão Oswaldo Cruz.
Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Pós-
Santa Izabel / Santa Casa de Misericórdia da Bahia. Francisca Delanie Bulcão de Macêdo
Fernanda Santos Lopes Teixeira
Residência em Clínica Médica e Endocrinologia na
Médica formada pela Universidade Federal do Mato
Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista
Grosso. Residência em Clínica Médica na Universi
de Medicina.
dade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medi cina. Especialista em Clínica Médica pela Sociedade
Brasileira de Clínica Médica. Especialização em Car diologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.
Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasilei
ra de Cardiologia.
Frederico Augusto Gurgel Pinheiro
Residência em Clínica Médica na Universidade Fede
ral do Ceará. Residência em Reumatologia na Univer
sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Pós-graduando (mestrado)
em Ciências da Saúde Aplicadas à Reumatologia do Departamento de Medicina da UNIFESP/EPM. Parti
Fernando José de Barros e Silva Filho
Médico Especialista em Cardiologia pela Sociedade
cipação como Preceptor dos Ambulatórios de Artrite Reumatoide e Vasculites da UNIFESP/EPM.
Brasileira de Cardiologia (SBC). Especialista em
Ecocardiografia pelo Instituto do Coração / Hospital
Gabriel Assis Lopes do Carmo
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universi
Médico Especialista em Clínica Médica pela Univer
dade de São Paulo e pela SBC. Preceptorda Residên
sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de
cia em Cardiologia da Funcordis / Fundação para o
Medicina e pela Sociedade Brasileira de Clínica Mé
Titularidades - XIII
dica. Especialista em Cardiologia pelo Instituto do Coração / Hospital das Clínicas da Faculdade de Me
Janaína Midori Goto
Médica do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar
dicina da Universidade de São Paulo e pela Sociedade
do Hospital São Paulo / Universidade Federal de São
Brasileira de Cardiologia.
Paulo. Médica do Serviço de Controle de Infecção
Hospitalardo Hospital de Transplantes Euryclides de Gerson Cesar Brasil Junior
Médico Especialista em Clínica Médica pelo Hospital
Jesus Zerbini / Setores de Hematologia e Transplante de Medula Óssea.
da Restauração (Recife / PE). Gastroenterologista
formado pelo Serviço de Gastro-hepatologia do Hos
Jean Rodrigo Tafarel
pital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de
Médico Especialista em Clínica Médica. Especialista
Pernambuco. Membro Titularda Federação Brasileira
em Gastroenterologia pela Federação Brasileira de
de Gastroenterologia. Endoscopista pelo Serviço de
Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Facul dade de Medicina da Universidade de São Paulo. Helena Fragata Torralvo
Médica Residente de Oncologia Clínica na Universida de Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Hélio Penna Guimarães
Médico Especialista em Clínica Médica pela Socieda de Brasileira de Clínica Médica/Associação Médica
Brasileira (AMB) e em Medicina Intensiva pela Asso ciação de Medicina Intensiva Brasileira/AMB. Espe cialista em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese
Gastroenterologia. Doutorem Gastroenterologia pela
Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. João Paulo Gurgel de Medeiros
Médico Cardiologista com título de especialista em
Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. Residência em Cardiologia no Instituto do Coração / Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Especialista em Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Residência em Clínica Médica na Universidade Fede
ral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
de Cardiologia. Doutorem Ciências pela Universidade
de São Paulo. Coordenador do Setor de Urgências Clínicas e UTI da Disciplina de Clínica Médica da
João Ricardo Cordeiro Fernandes
Médico formado pela Faculdade de Medicina da Uni
Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista
versidade de São Paulo (FMUSP). Especialista em
de Medicina. Coordenadordo Centro de Ensino, Trei
Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da FMUSP
namento e Simulação do Hospital do Coração. Fellow da American Heart Association e do American College
(HC-FMUSP) e pela Sociedade Brasileira de Clínica
of Physicians. Vice-presidente da Associação Brasilei
ra de Medicina de Urgência e Emergência. Ingrid de Oliveira Koehlert
Médica formada pela Escola Superiorde Ciências da
Santa Casa de Misericórdia de Vitória. Residência em Clínica Médica no Hospital Heliópolis. Reumatolo gista pela Universidade Federal de São Paulo.
Médica. Especialista em Cardiologia pelo Instituto do
Coração (InCor) do HC-FMUSP e pela Sociedade
Brasileira de Cardiologia. Médico plantonista da Uni
dade Clínica de Emergência do InCor? Médico plan tonista da Unidade de Primeiro Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein.
José Maria Soares Junior
Professor Livre-docente Doutor da Disciplina de En Ingvar Ludwig
Médico Infectologista pela Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/
EPM). Pós-graduando da Disciplina de Doenças In fectoparasitárias da UNIFESP/EPM.
docrinologia Ginecológica do Departamento de Gine cologia da Universidade Federal de São Paulo / Esco
la Paulista de Medicina.
Julio Cezar Mendes Brandão
Jamile Seixas Fukuda
Médico formado pela Universidade Federal da Bahia.
Médica formada pela Universidade Federal da Bahia.
Médico Anestesiologista com Residência Universida
Residência em Neurologia na Universidade Federal
de Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medi
de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
cina. Instrutor do curso de primeiros socorros Life
XIV - Titularidades
Savers. Membro da Sociedade Brasileira de Aneste
Lucas Monferrari Monteiro Vianna
siologia (Título de Especialista em Anestesiologia e
Médico Oftalmologista pela Universidade Federal de
Título Superior em Anestesiologia). Médico aneste
São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/
siologista do Serviço de Anestesiologia do Hospital
EPM). Pós-graduando em Córnea, Cirurgia Refrativa
Regional do Juruá.
e Lentes de Contato na UNIFESP/EPM. Orientador
cirúrgico do Instituto da Catarata / UNIFESP/EPM. Jullyana Sabrysna Morais Shinosaki
Luciana Campanatti Crema
Médica Neurologista pela Universidade Federal de
Mestre em Ciências pelo Departamento de Ginecolo
São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Membro
gia da Universidade Federal de São Paulo / Escola
Titular da Academia Brasileira de Neurologia.
Paulista de Medicina. Médica coordenadora da Equi pe de Ginecologia do Hospital do Coração.
Karen de Carvalho Lopes
Médica Otorrinolaringologista. Especialização em
Luciane Francisca Fernandes Botelho
Otoneurologia pela Universidade Federal de São Pau
Médica Dermatologista pela Universidade Federal de
lo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).
São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
Mestre em Ciências e doutoranda no Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pes
coço da UNIFESP/EPM. Kátia Emi Nakaema
Luciano Henrique Lenz Tolentino
Doutorem Gastroenterologia pela Universidade Fe deral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Luciano Rodrigues Neves
Residência em Clínica Médica na Universidade Federal
Doutorem Ciências pela Universidade Federal de São
de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/
Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).
EPM). Residente em Geriatria na UNIFESP/EPM.
Mestre em Otorrinolaringologia pela UNIFESP/EPM. Médico do Setor Interdepartamental de Laringologia
Larissa Guedes da Fonte Andrade
e Voz do Departamento de Otorrinolaringologia e
Médica Especialista em Clínica Médica pela Univer
Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP/EPM.
sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de
Chefe do Ambulatório de Disfagia e orientador do
Medicina (UNIFESP/EPM) e em Nefrologia pela
Ambulatório de Laringologia e Voz da UNIFESP/EPM.
UNIFESP/EPM e Sociedade Brasileira de Nefrologia. Luís Alberto de Pádua Covas Lage
Laura de Sena Nogueira Maehara
Dermatologista pela Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).
Especialização em Dermatoses Bolhosas e Dermato
logia Pediátrica pela UNIFESP/EPM. Doutoranda em Medicina Translacional na UNIFESP/EPM. Médica
Assistente da Clínica Dermatológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo. Lauro Figueira Pinto
Médico Hematologista e Hemoterapeuta. Residência
em Clínica Médica na Universidade Federal de São
Paulo / Escola Paulista de Medicina. Assistente da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da Facul dade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP). Assistente do Laboratório de Citometria de Fluxo do Instituto Central do Hospital das Clínicas da
FMUSP. Pós-graduando (doutorado) da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da FMUSP. Luís Gustavo Ramos
Médico Neurologista formado pela Universidade Fe
Médico Especialista em Cardiologia pela Sociedade
deral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
Brasileira de Cardiologia. Pós-graduando em Eletro fisiologia Invasiva e Arritmologia na Universidade
Lucas Cronemberger Maia Mendes
Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
Residência em Clínica Médica na Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Residência
Marcelo Alves Alvarenga
em Cardiologia no Instituto Dante Pazzanese de Car
Médico Especialista em Clínica Médica e Endocrino-
diologia.
logia/Metabologia. Pós-graduando (mestrado) da
Titularidades - XV
Disciplina de Endocrinologia da Universidade Federal
Maria Marcela Fernandes Monteiro
de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/
Graduação em Medicina pela Universidade Federal do
EPM). Médico do Centro de Diabetes da UNIFESP/
Ceará. Especialista em Clínica Médica pela Sociedade
EPM. Médico da equipe de Clínica Médica e Medici
Brasileira de Clínica Médica e Associação Médica
na de Urgência do Hospital Israelita Albert Einstein
Brasileira. Residência em Clínica Médica na Univer
(Unidade de Primeiro Atendimento Morumbi).
sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de
Medicina. Residência em Oncologia Clínica no Insti Marcelo Marinho de Figueiredo
tuto do Câncer do Ceará.
Médico formado pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. Neurologista formado pela Univer
Mariana Gomes Adas
sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de
Doutora em Medicina pela Universidade Federal de
Medicina (UNIFESP/EPM). Pós-graduando do Setor
São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/
de Neurovascular da UNIFESP/EPM.
EPM). Especialista em Clínica Médica e em Endocri nologia pela UNIFESP/EPM.
Marcio Gianotto
Médico do Setorde Arritmia e Eletrofisiologia Clíni ca da Universidade Federal de São Paulo / Escola
Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Especialista
em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardio
logia e UNIFESP/EPM. Especialista em Clínica Mé dica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica e UNIFESP/EPM.
Martha Lenardt Sulzbach
Médica Especialista em Clínica Médica e Endocrino
logia pela Universidade Federal de São Paulo / Esco la Paulista de Medicina. Matheus Cavalcante Franco
Residência em Clínica Médica na Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Pós-graduando (mestrado) da Disciplina de Gastroentero
Marcio Luiz Escorcio Bezerra
Médico Neurologista.
logia da UNIFESP/EPM. Matheus Vescovi Gonçalves
Márcio Makoto Nishida
Médico Fisiatra. Especialista em Medicina Física e
Residência em Hematologia e Hemoterapia na Univer sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Me
Reabilitação pela Associação Brasileira de Medicina
dicina (UNIFESP/EPM). Pós-graduando (doutorado)
Física e Reabilitação. Formado em Medicina pela
da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da UNIFESP/EPM.
Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
Mônica Michelle Braz Fernandes
Margareth Chiharu Iwata
Médica formada pela Universidade Federal do Rio
Médica Ginecologista e Obstetra. Pós-graduanda do
Grande do Norte. Especialista em Clínica Médica pela
Departamento de Ginecologia da Disciplina de Endocri
Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista
nologia Ginecológica da Universidade Federal de São
de Medicina (UNIFESP/EPM). Em formação em Ge
Paulo / Escola Paulista de Medicina.
riatria pela UNIFESP/EPM.
Maria Cecília Nieves Teixeira Maiorano
Noam Falbel Pondé
Médica Residente em Clínica Médica na Universidade
Médico formado pela Pontifícia Universidade Católi
Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
ca de São Paulo. Especialista em Clínica Médica pela
Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista Maria Letícia da Costa Muniz
Médica formada pela Universidade Federal de Per
de Medicina (UNIFESP/EPM). Residente em Onco
logia Clínica no Hospital Israelita Albert Einstein.
nambuco. Especialista em Clínica Médica pelo Hos
pital Municipal Dr Carmino Caricchio, São Paulo /
Patrícia Bandeira Moreira Rueda Germano
SP. Nefrologista pelo Hospital das Clínicas da Uni
Médica formada pela Universidade Federal de São
versidade Federal de Pernambuco.
Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).
XVI - Titularidades
Especialista em Clínica Médica pela UNIFESP/EPM.
Doutorando em Cardiologia pelo Instituto do Coração
Residente em Cardiologia no Instituto do Coração /
/ Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo.
Universidade de São Paulo. Renata Amaral Andrade Patrícia Rocha de Figueiredo
Médica Neurologista pela Universidade Federal de
Médica Residente em Infectologia na Universidade
São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/
Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
EPM). Especialização em doenças neuromusculares na UNIFESP/EPM.
Paulo Mitsuru Imamura
Mestre em Oftalmologia pela Universidade Federal de
São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/
EPM). Chefe do Setor de Neuroftalmologia do Insti tuto da Visão da UNIFESP/EPM e Coordenador do
Curso de Aperfeiçoamento em Neuroftalmologia da
Pro-Ex / UNIFESP/EPM. Pedro Braga Neto
Doutorem Neurologia pela Universidade Federal de
Renato Antunes dos Santos
Médico Psiquiatra. Consultor do Ministério da Edu
cação / Diretoria de Hospitais Universitários Federais e Residências em Saúde. Interconsultorde Psiquiatria
do Hospital Israelita Albert Einstein. Membro do Centro de Economia em Saúde Mental do Departa mento de Psiquiatria da Universidade Federal de São
Paulo / Escola Paulista de Medicina.
São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Médico
Neurologista do Setor de Neurologia Geral e Ataxia. Membro Titularda Academia Brasileira de Neurologia e da Movement Disorders Society.
Ricardo Araújo de Oliveira
Médico Neurologista formado pela Universidade Fe deral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Colaboradordo Setorde Neurolo
Pedro Gabriel Melo de Barros e Silva
gia Geral e Ataxias da UNIFESP/EPM.
Residência em Clínica Médica na Universidade Fede
ral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Resi dência em Cardiologia no Instituto do Coração / Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Especialista em Clínica Médica e em Medicina de Urgência pela Sociedade
Ricardo Barbosa Cintra de Souza
Graduação em Clínica Médica pela Universidade
Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Residente em Nefrologia na UNIFESP/EPM.
Brasileira de Clínica Médica. Especialista em Cardio
logia e em Ecocardiografia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. Pesquisador Associado do Instituto
Brasileiro de Pesquisa Clínica. Priscila Mimary
Ricardo Rocha Bastos
Médico. Professor de Semiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora. Rodrigo Abensur Athanazio
Médica. Residência em Clínica Médica na Universida
Médico Clínico Geral pela Universidade Federal de São
de Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
Paulo. Médico Pneumologista pela Universidade de São Paulo. Médico Assistente do Serviço de Pneumologia
Rafael Barreto Paes de Carvalho
Médico Especialista em Clínica Médica pela Univer
do Instituto do Coração / Hospital das Clínicas da Fa culdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de
Medicina. Especialista em Reumatologia pela Facul dade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Rosana de Moraes Valladares
Médica Pneumologista pela Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
Raimundo Jenner Paraíso Pessoa Júnior
Especialista em Pneumologia pela Sociedade Brasi
Sandro Félix Perazzio
leira de Pneumologia e Tisiologia. Especialista em
Médico formado em Clínica Médica e em Reumato
Medicina do Sono pela Associação Brasileira do Sono.
logia pela Universidade Federal de São Paulo / Esco
Titularidades - XVII
la Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Especialis
Thiago Xavier Carneiro
ta em Reumatologia pela Sociedade Brasileira de
Médico Hematologista pela Universidade Fede
Reumatologia. Pós-graduando em Ciências da Saúde
ral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
Aplicadas à Reumatologia na UNIFESP/EPM. Pre
Onco-hematologia e transplante de medula óssea
ceptor do Ambulatório de Artrite Reumatoide da
pelo Hospital Sírio-Libanês.
UNIFESP/EPM. Preceptordo Ambulatório de Vascu lites Primárias da UNIFESP/EPM.
Vanessa Gurgel Adeodato Médica formada pela Universidade Federal do
Stela Cezarino de Morais
Ceará. Residência em Clínica Médica e em Ne
Médica formada pela Universidade Federal de São
frologia na Universidade Federal de São Paulo /
Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).
Escola Paulista de Medicina. Médica Especialis
Especialista em Clínica Médica e Hematologia-He
ta em Clínica Médica e Nefrologia.
moterapia pela UNIFESP/EPM.
Vitor de Andrade Vahle Thaís Cruz Berti Franchin
Médico formado pela Universidade Federal de
Médica formada pela Faculdade de Medicina da Uni
Sergipe. Residência em Clínica Médica na Uni
versidade de Santo Amaro. Residência em Dermato
versidade Federal de São Paulo / Escola Paulista
logia na Faculdade de Medicina de Santo Amaro.
de Medicina. Residência em Cardiologia no Ins
Especialista em Dermatologia pela Sociedade Brasi
tituto do Coração / Hospital das Clínicas da Fa
leira de Dermatologia.
culdade de Medicina da Universidade de São
Paulo. Thiago De Bortoli Nogueira
Residência em Cirurgia Geral no Hospital Guilherme Álvaro (Santos / SP). Especialização em Endoscopia
Vivian Paz Leão Maia Doutora em Medicina pela Universidade Federal do
Digestiva pela Universidade Federal de São Paulo /
Rio de Janeiro. Residente do Hospital do Servidor
Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Espe
Público Estadual de São Paulo.
cialista em Endoscopia Digestiva pela Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva. Pós-graduando (mestrado) na UNIFESP/EPM.
Walter Moisés Tobias Braga Pós-graduando (doutorado) Na Disciplina de Hematologia e Hemoterapia na Universidade
Thiago Gonçalves Fukuda
Federal de São Paulo / Escola Paulista de Me
Médico formado em Medicina pela Universidade
dicina (UNIFESP/EPM). Residência em Hema
Federal da Bahia. Residência em Neurologia na Uni
tologia e Hemoterapia na UNIFESP/EPM. Títu
versidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de
lo de Especialista na Associação Brasileira de
Medicina.
Hematologia e Hemoterapia.
Glossário ACG = arterite de células gigantes ACLS = advanced cardiac life support ACTH = hormônio adrenocorticotrófico (adrenocor
ticotropic hormone)
BRE = bloqueio de ramo esquerdo c-ANCA = anticorpo anticitoplasma de neutrófilo clássico
(classical antineutrophil cytoplasmic antibody) CEA = antígeno carcinoembrionário (carcinoembryonic
antigen)
ADA = adenosina desaminase ADH = hormônio antidiurético (antidiuretic hormone)
CHCM = concentração de hemoglobina corpuscular média
ADM = amplitude de movimento
CIA = comunicação interatrial
AESP = atividade elétrica sem pulso
CID-10 = Classificação Estatística Internacional de
AIDS = síndrome da imunodeficiência adquirida (acquired immune deficiency syndrome)
Doenças - décima edição CIV = comunicação interventricular
AINE = anti-inflamatórios não esteroidais
CIVD = coagulação intravascular disseminada
AIT = ataque isquêmico transitório
CK = creatina quinase
ALT = alanina aminotransferase
CMV = citomegalovírus
AMP = acetato de medroxiprogesterona
COMT = catecol-O-metil transferase
ANA = anticorpo antinuclear(antinuclear antibody)
COX = ciclo-oxigenase
ANCA = anticorpo anticitoplasma de neutrófilo
CPAP = pressão positiva contínua nas vias aéreas (conti
(antineutrophil cytoplasmic antibody)
nuous positive airway pressure)
ANVISA = Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CPK = creatina fosfoquinase
AP = atividade de protrombina
CPRE = colangiopancreatografia retrógrada endoscópica
AR = artrite reumatoide
CRVP = cirurgia redutora de volume pulmonar
ASCA = anticorpo anti-Saccharomyces cerevisiae
CVF = capacidade vital forçada DAC = doença arterial coronariana
(anti-Saccharomyces cerevisiae antibody) ASLO = antiestreptolisina O
DCV = disfunção das cordas vocais
AST = aspartato aminotransferase
DHL = desidrogenase lática
ATC = angioplastia transluminal coronária AVC = acidente vascular cerebral
DMSA = ácido dimercaptosuccínico (dimercaptosuccinic
AVCh = acidente vascular cerebral hemorrágico
DMSO = dimetilsulfóxido
AVCi = acidente vascular cerebral isquêmico BAAR = bacilo ácido-álcool resistente
DNA = ácido desoxirribonucleico (deoxyribonucleic acid) DPOC = doença pulmonar obstrutiva crônica
BAL = antilewisita britânica (British anti-lewisite)
DRGE = doença do refluxo gastroesofágico
BAV = bloqueio atrioventricular BAVT = bloqueio atrioventricular total
DSM-IV = Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtor nos Mentais, quarta edição (Diagnostic and
BDAS = bloqueio divisional anterossuperior
acid)
Statistical Manual of Mental Disorders, fourth
beta-hCG = gonadotrofina coriônica humana beta (human chorionic gonadotropin beta)
edition) DST = doença sexualmente transmissível
BNF = bulha normofonética
DVO = distúrbio ventilatório obstrutivo
BNRNF = bulha normorrítmica normofonética
DvW = doença de von Willebrand
XX - Glossário
EAM = estalido de abertura da mitral EAP = edema agudo pulmonar
HHV = herpes-vírus humano (human herpesvírus)
ECA = enzima conversora de angiotensina
HIT = trombocitopenia induzida por heparina (heparin-
ECG = eletrocardiograma EDTA = ácido etilenodiaminotetracético (ethylene-
diaminetetraacetic acid) EEG = eletroencefalograma EFA = exame físico de abordagem
EFA-TP = exame físico de abordagem no tronco principal
EID = espaço intercostal direito
HIC = hipertensão intracraniana
induced thrombocytopenia) HIV = vírus da imunodeficiência humana (human immu-
nodeficiency virus) HLA = antígeno leucocitário humano (human leukocyte
antigen) HSC = hematoma subdural crônico
HTLV = vírus linfotrófico T humano (human T lympho-
tropic virus)
EIE = espaço intercostal esquerdo
ICC = insuficiência cardíaca congestiva
ELISA = ensaio imunossorvente ligado à enzima (enzyme-linked immunosorbent assay)
IECA = inibidores da enzima conversora de angiotensina
EV = endovenoso
IL = interleucina
FA = fosfatase alcalina
IMC = índice de massa corporal
FAN = fator antinuclear
INR = international normalized ratio
FC = frequência cardíaca
IPR = índice de produção de reticulócitos
FiO2 = fração inspirada de oxigênio
IRA = insuficiência renal aguda
FIV = fertilização in vitro FSH = hormônio folículo-estimulante (follicle-sti
ISRS = inibidor seletivo da recaptação de serotonina
mulating hormone) FTA-Abs = anticorpo treponêmico fluorescente absorção (fluorescent treponemal antibody
— absorption)
IFN = interferon
ITU = infecção do trato urinário IVAS = infecção das vias aéreas superiores
LDL = lipoproteína de baixa densidade (low density li-
poprotein)
LECO = litotripsia extracorporal por ondas de choque
fvW = fator de von Willebrand
LH = hormônio luteinizante (luteinizing hormone)
G6PD = glicose-6-fosfato desidrogenase
LNH = linfoma não Hodgkin
GABA = ácido gama-aminobutírico (gamma-amino
MAO = monoamina oxidase
butyric acid) GASA = gradiente ascítico soro-ascite
MPTP = l-metil-4-fenil-l,2,3,6-tetra-hidropiridina (l-methyl-4-phenyl-l,2,3,6-tetrahydropyridine)
GGT = gama-glutamiltransferase GH = hormônio do crescimento (growth hormone)
MV = murmúrio vesicular
GnRH = hormônio liberador de gonadotrofina (go
NOIA = neuropatia óptica isquêmica anterior
nadotropin-releasing hormone) GOLD = Global Initiative forChronic Obstructive
Lung Disease HAART = terapia antirretroviral altamente ativa
(highly active antiretroviral therapy)
NMDA = N-metil-D-aspartato NOIA-NA = neuropatia óptica isquêmica anterior de
causa não arterítica
NTA = necrose tubular aguda OMS = Organização Mundial da Saúde
PA = pressão arterial
HAP = hiperaldosteronismo primário
PAAF = punção aspirativa por agulha fina
HAS = hipertensão arterial sistêmica HAV = vírus da hepatite A (hepatitis A virus)
PaCO2 = pressão parcial de dióxido de carbono
HBA = hiperplasia adrenal bilateral HBc = antígeno core da hepatite B HBeAg = antígeno e da hepatite B
p-ANCA = anticorpo anticitoplasma de neutrófilo peri
nuclear(perinuclear antineutrophil cytoplasmic antibody)
PANDAS = distúrbios pediátricos neuropsiquiátricos
HBsAg = antígeno de superfície do vírus da hepati
autoimunes associados a infecções estreptocóci
te B HBV = vírus da hepatite B (hepatitis B virus)
cas (pediatric autoimmune neuropsychiatric
HCM = hemoglobina corpuscular média
tions)
disorders associated with streptococcal infec-
HCV = vírus da hepatite C (hepatitis C virus)
PaO2 = pressão parcial de oxigênio
HDL = lipoproteína de alta densidade (high density lipo
PAS = ácido periódico de Schiff (periodic acid-Schiff) PCA = persistência do canal arterial
protein)
Glossário - XXI
pCO2 = pressão de dióxido de carbono PCR = reação em cadeia da polimerase (polimerase chain
reaction) PDGF = fator de crescimento derivado de plaquetas (platelet-derived growth factor)
PEEP = pressão expiratória final positiva (positive endexpiratory pressure) PET-scan = tomografia por emissão de pósitrons (positron emission tomography scan)
síndrome HELLP = hemólise, enzimas hepáticas elevadas, baixa contagem de plaquetas síndrome SAPHO = sinovite, acne, pustulose, hiperosto se, osteíte inflamatória
SPECT = tomografia computadorizada por emissão de fóton único (single photon emission computed
tomography)
SpO2 = saturação parcial de oxigênio SRAA = sistema renina-angiotensina-aldosterona
pO2 = pressão de oxigênio
SS = sopro sistólico
PPD = derivado de proteína purificada (purified protein
T3 = tri-iodotironina
derivative)
T4 = tetraiodotironina
PPF = protoparasitológico de fezes
TB = tuberculose
PTH = paratormônio
TEP = tromboembolismo pulmonar
PTI = púrpura trombocitopênica imune
TGF = fator de transformação do crescimento (transfor
PTT = púrpura trombocitopênica trombótica RDW = amplitude de distribuição de hemácias (red cells
distribution width) REA = ruído de ejeção aórtica REE = rebordo esternal esquerdo
ming growth factor)
TIBC = capacidade de fixação de ferro total (total iron binding capacity) TIMI risk = risco de trombólise em infarto do miocárdio
(thrombolysis in myocardial infactation risk)
REP = ruído de ejeção pulmonar RHA = ruído hidroaéreo
TNF = fator de necrose tumoral (tumor necrosis factor) TNM = tumor-linfonodo-metástase
RNA = ácido ribonucleico (ribonucleic acid)
TP = tempo de protrombina
RNI = relação normalizada internacional
t-PA = ativador tecidual de plasminogênio (tissue plasmi
RR2T = ritmo regularem dois tempos
RS3PE = sinovite soronegativa simétrica remitente com
edema depressível (remitting seronegative sym metrical synovitis with pitting edema) SAF = síndrome do anticorpo fosfolipídio
SARA = síndrome da angústia respiratória aguda SBHGA = Streptococcus beta-hemolítico do grupo A
SBPT = Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia SCA = síndrome coronariana aguda
nogen activator)
TRALI = lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão
(transfusion related acute lung injury) TRH = hormônio liberador de tireotrofina (thyrotropin-
releasing hormone) TSH = hormônio estimulante da tireoide (thyroid-stimu lating hormone)
TTKG = gradiente transtubular de potássio (transtubular
potassium gradient)
SD = sopro diastólico
TTPa = tempo de tromboplastina parcial ativada
SHBG = globulina ligadora de hormônios sexuais (sex
TVP = trombose venosa profunda
hormone-binding globulin)
UTI = unidade de terapia intensiva
SHU = síndrome hemolítico-urêmica
VCM = volume corpuscular médio
SIADH = síndrome da secreção inapropriada do hormônio
VDRL = Venereal Disease Research Laboratory
antidiurético (syndrome of innappropriate anti
VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo
diuretic hormone secretion)
VHS = velocidade de hemossedimentação
síndrome CREST = calcinose, fenômeno de Raynaud, dismotilidade esofágica, esclerodactilia, telan giectasia síndrome DIDMOAD = diabetes insipidus, diabetes mellitus, atrofia óptica, surdez
VIP = peptídeo intestinal vasoativo (vasoactive intestinal peptide) VLPP = pressão de perda ao esforço (Valsalva leak point pressure) VPPB = vertigem postural paroxística benigna
Índice Capítulo 9
Capítulo 1 Introdução........................................................................
1
José Luiz Pedioso
Marcio Gianotto
Hipertensão Arterial Sistêmica .......................................
5
Ricardo Rocha Bastos
57
Antonio Sérgio de Santis Andrade Lopes e João Ricardo
Cordeiro Fernandes
Capítulo 11
Capítulo 3 Exame Físico de Abordagem............................................
51
Capítulo 10
Capítulo 2 Entrevista Médica.............................................................
Sopro Cardíaco................................................................
Eletrocardiograma Alterado............................................ 11
63
Julio CezarMendes Brandão, Luís Gustavo Ramos, Antônio
Carlos Carvalho e Cláudio Cirenza
Ricardo Rocha Bastos
Capítulo 12 Dispneia aos Esforços.....................................................
SEÇÃO 1 Doenças do Sistema Cardiovascular...............................
Ernesto Joscelin Carneiro Pinto, José Luiz Pedioso e
17
Cianose............................................................................
19
Marcio Gianotto
27
Neto e José Luiz Pedroso
30
87
Capítulo 15 Tosse e Dispneia..............................................................
Melo de Barros e Silva
94
Raimundo Jenner
Capítulo 7 35
Capítulo 16 Dispneia Súbita............................................................... 100
Priscila Mimary e Flávio de Souza Brito
Ana Beatriz Galhardi Di Tommaso e Márcio Makoto Nishida
Capítulo 8 Fernando José de Barros e Silva Filho e Pedro Gabriel Melo de Barros e Silva
85
IngvarLudwig
Fernando José de Barros e Silva Filho e Pedro Gabriel
Dor Retroesternal Intensa...............................................
Doenças do Sistema Respiratório....................................
Tosse Crônica..................................................................
Capítulo 6
Dor Aguda no Peito........................................................
Matheus Cavalcante Franco e Gabriel Assis Lopes do Carmo
Capítulo 14
Rafael Barreto Paes de Carvalho, Carlos Alberto Franchin
Dor Precordial.................................................................
78
SEÇÃO 2
Capítulo 5 Palpitação........................................................................
Mareio Gianotto
Capítulo 13
Capítulo 4 Síncope............................................................................
71
44
Capítulo 17 Dispneia e Sibilos............................................................ 105 Rosana de Moraes Valladares
XXIV - Índice
Capítulo 18
Capítulo 31
Hemoptise........................................................................ 110
Constipação Intestinal..................................................... 186
Rodrigo Abensur Athanazio
Vanessa Gurgel Adeodato, Martha Lenardt Sulzbach
Capítulo 19
Capítulo 32
Epistaxe........................................................................... 116
Hemorragia Digestiva Alta............................................. 190
Maria Marcela Fernandes Monteiro
Capítulo 20 Rouquidão........................................................................ 121
Thiago De Bortoli Nogueira
Capítulo 33 Hemorragia Digestiva Baixa........................................... 195 Thiago De Bortoli Nogueira e Ana Laura de Figueiredo Bersani
Danilo Kanashiro Segalla, Bruno Thieme Lima,
Luciano Rodrigues Neves e EktorOnishi
Capítulo 21 Dispneia e Dor Torácica.................................................. 126 Daniel Antunes Silva Pereira e José Luiz Pedroso
Capítulo 22 Derrame Pleural............................................................... 130
Capítulo 34 Aumento do Volume Abdominal..................................... 200 Carlos Alberto Franchin Neto e Lucas CronembergerMaia Mendes
Capítulo 35 Dor Epigástrica ............................................................... 205 Francisca Delanie Bulcão de Macêdo
Cristiano Guedes Bezerra, Eduardo Brandão Elkhoury e
Capítulo 36
Alex Macedo
Icterícia Indolor.............................................................. 211
Capítulo 23 Cianose e Dispneia......................................................... 135 João Paulo Gurgel de Medeiros
Patrícia Bandeira Moreira Rueda Germano
Capítulo 37 Hepatomegalia................................................................. 218 Bárbara Souza Luz Pinheiro e Felipe Augusto de Oliveira Souza
SEÇÃO 3 Doenças do Sistema Gastrointestinal............................... 145
Capítulo 24 Dor Abdominal e Vômitos............................................... 147 Jean Rodrigo Tafarel
Capítulo 38 Disfagia........................................................................... 225 Eduardo Castro, José Luiz Pedroso e Jean Rodrigo Tafarel
SEÇÃO 4 Doenças do Sistema Nervoso........................................... 229
Capítulo 25
Capítulo 39
Dor Abdominal e Icterícia.............................................. 150
Tontura............................................................................ 231
Ana Valéria de Melo Mendes
Anderson Rodrigues Brandão de Paiva e José Luiz Pedroso
Capítulo 26
Capítulo 40
Dor em Hipocôndrio Direito........................................... 155
Tremor............................................................................. 239
Noam Falbel Pondé e Thiago De Bortoli Nogueira
Capítulo 27 Dor Abdominal................................................................ 161 Ana Valéria de Melo Mendes e Hélio Penna Guimarães
Marcio Luiz Escorcio Bezerra, Pedro Braga Neto e José Luiz Pedroso
Capítulo 41 Cefaleia Súbita................................................................ 244 Anderson Rodrigues Brandão de Paiva
Capítulo 28 Dor Abdominal Intermitente........................................... 168 Camila Catherine Henriques de Aquino
Capítulo 29 Diarreia Aguda................................................................ 174 Ana Laura de Figueiredo Bersani e Thiago De Bortoli Nogueira
Capítulo 30 Diarreia Crônica.............................................................. 181 Maria Cecília Nieves Teixeira Maiorano, Jean Rodrigo Tafarel
e Luciano Henrique Lenz Tolentino
Capítulo 42 Convulsão........................................................................ 251 Ricardo Araújo de Oliveira, Fernanda dos Santos Britto e José Luiz Pedroso
Capítulo 43 Perda de Força Muscular................................................ 255 Jullyana Sabrysna Morais Shinosaki e Denis Bernardi Bichuetti
Capítulo 44 Desequilíbrio................................................................... 262 Renata Amaral Andrade e José Luiz Pedroso
Índice - XXV
Capítulo 45
SEÇÃO 7
Movimentos Anormais..................................................... 266
Doenças do Sistema Endócrino........................................ 343
Catarine Teles Farias Britto e Allan Valadão de Oliveira Britto
Capítulo 46 Cefaleia e Febre.............................................................. 270
Capítulo 57 Ganho de Peso................................................................. 345 Marcelo Alves Alvarenga e Adriano Oliveira Seixas
Luciane Francisca Fernandes Botelho, Anderson Rodrigues
Brandão de Paiva e José Luiz Pedroso
SEÇÃO 5
Capítulo 58 Ansiedade e Sudorese..................................................... 350 Adriano Oliveira Seixas
Doenças Reumatológicas................................................. 277
Capítulo 59
Capítulo 47
Poliúria............................................................................ 355
Dores pelo Corpo............................................................ 279 Ingrid de Oliveira Koehlert, Denison Santos Silva e José Luiz Pedroso
Capítulo 48 Poliartralgias................................................................... 284 Frederico Augusto Gurgel Pinheiro e Sandro Félix Perazzio
Capítulo 49
Catarine Teles Farias Britto e Allan Valadão de Oliveira Britto
Capítulo 60 Nódulo em Tireoide........................................................ 360 Augusto Takao Akikubo Rodrigues Pereira
Capítulo 61 Galactorreia .................................................................... 366 Bárbara Souza Luz Pinheiro, Maria Letícia da Costa Muniz e Gerson Cesar Brasil Junior
Poliartrite........................................................................ 289 Maria Cecília Nieves Teixeira Maiorano e Eliane Reiko Alves
Capítulo 50 Artralgias e Manchas na Pele......................................... 295 Sandro Félix Perazzio e Alexandre Wagner Silva de Souza
SEÇÃO 8 Doenças Hematológicas.................................................... 371
Capítulo 62 Palidez e Icterícia............................................................ 373
SEÇÃO 6 Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas................................................................... 307
Luís Alberto de Pádua Covas Lage
Capítulo 63 Anemia............................................................................ 379 Maria Marcela Fernandes Monteiro
Capítulo 51 Hematúria........................................................................ 309 Caio Silvério de Souza
Capítulo 64 Cansaço e Palidez............................................................ 384 Walter Moisés Tobias Braga e Matheus Vescovi Gonçalves
Capítulo 52 Disúria............................................................................. 314 Flávia Areco e José Luiz Pedroso
Capítulo 65 Manchas na Pele.............................................................. 389 Matheus Vescovi Gonçalves e Walter Moisés Tobias Braga
Capítulo 53 Fraqueza e Oligúria........................................................ 321 Mônica Michelle Braz Fernandes, Cristiano Guedes Bezerra
e José Luiz Pedroso
Capítulo 54 Hiponatremia................................................................... 326 Alessandra Billi Falcão e José Luiz Pedroso
Capítulo 66 Policitemia...................................................................... 394 Matheus Vescovi Gonçalves e Walter Moisés Tobias Braga
SEÇÃO 9 Doenças Infecciosas......................................................... 399
Capítulo 55
Capítulo 67
Hipocalemia.................................................................... 332
Mialgia e Febre............................................................... 401
Stela Cezarino de Morais e Bruno Roberto Brasil Machado
Capítulo 56 Dor Aguda em Flanco ..................................................... 337 Carolina Castro Porto Silva Janovsky, Vitorde Andrade Vahle
e Agessandro Abrahão
Vitorde Andrade Vahle, Carolina Castro Porto Silva Janovsky e Agessandro Abrahão
Capítulo 68 Esplenomegalia e Febre................................................... 407 Patrícia Bandeira Moreira Rueda Germano e Janaína Midori Goto
XXVI - Índice
Capítulo 69
Capítulo 80
Febre Intermitente.......................................................... 416
Confusão Mental.............................................................. 484 José Luiz Pedroso
Danyenne Rejane de Assis, Aline Pâmela Vieira de Oliveira e
Ana Paula Jafet Ourives
Capítulo 81
Capítulo 70
Dor Lombar..................................................................... 490
Febre e Manchas na Pele................................................ 423
Capítulo 82
Damiana Montes Santos e Laura de Sena Nogueira Maehara
Edema dos Membros Inferiores....................................... 495
Capítulo 71
Ricardo Barbosa Cintra de Souza
Febre e Icterícia.............................................................. 428 IngvarLudwig
Capítulo 83 Dorna Perna................................................................... 503
Capítulo 72
Kátia Emi Nakaema e José Luiz Pedroso
Linfoadenopatia e Febre................................................. 436 Eduardo R. M. Lima e Helena Fragata Torralvo
Capítulo 84 Cervicobraquialgia.......................................................... 509 Thiago Gonçalves Fukuda, Jamile Seixas Fukuda e José Luiz Pedroso
Capítulo 73 Febre de Origem Indeterminada..................................... 441 Gabriel Assis Lopes do Carmo e Matheus Cavalcante Franco
Capítulo 85 Surdez - Presbiacusia..................................................... 513
Capítulo 74 Febre Alta......................................................................................
Carlos Alberto Franchin Neto e José Luiz Pedroso
Bruno Thieme Lima
447
Daniel Bouchabki de Almeida Diehl e José Luiz Pedroso
SEÇÃO 10 Doenças Dermatológicas................................................... 453
Capítulo 75 Bolhas pelo Corpo.......................................................... 455 Thaís Cruz Berti Franchin
Capítulo 76 Prurido............................................................................. 459 Flávio Augusto de Carvalho e Fabiana Guandalini Mendes
SEÇÃO 11 Problemas Gerais em Clínica Médica.............................. 465
Capítulo 86 Zumbido........................................................................... 520 Alessandra Billi Falcão, Mariana Gomes Adas e Karen de Carvalho Lopes
Capítulo 87 Perda Visual.................................................................... 526 Ana Laura de Figueiredo Bersani, Emmanuel Casotti,
Duque de Bárbara e Paulo Mitsuru Imamura
Capítulo 88 Edema Generalizado ....................................................... 530 Vitorde Andrade Vahle, Carolina Castro Porto Silva Janovsky
Capítulo 89 Olho Vermelho................................................................. 536 Lucas Monferrari Monteiro Vianna, José Luiz Pedroso e Emmerson Badaró
Capítulo 90 Alargamento Mediastinal................................................ 543
Capítulo 77 Penda de Peso.................................................................. 467
Fernanda Santos Lopes Teixeira, José Luiz Pedroso e Matheus Vescovi Gonçalves
Agessandro Abrahão, Vitorde Andrade Vahle e
Capítulo 91
Catarine Teles Farias Britto
Nódulos no Pescoço........................................................ 549
Capítulo 78 Fraqueza.......................................................................... 473 Carolina Castro Porto Silva Janovsky e Flávio Ferlin Arbex
Thiago Xavier Carneiro e Larissa Guedes da Fonte Andrade
Capítulo 92 Depressão......................................................................... 554 Ana Beatriz Kinupe Abrahão, Agessandro Abrahão e
Capítulo 79 Coma............................................................................... 479 Marcelo Marinho de Figueiredo, Patrícia Rocha de Figueiredo
e José Luiz Pedroso
Vivian Paz Leão Maia
Capítulo 93 Velocidade de Hemossedimentação Aumentada............. 561 Lauro Figueira Pinto e José Luiz Pedroso
Índice - XXVII
Capítulo 94
Capítulo 97
Alucinação............................................................................. 568
Dor em Hipogastro ............................................................ 585
Renato Antunes dos Santos e José Luiz Pedroso
Capítulo 95 Etilismo............................................................................... 572 Edson Luis Costa Zaparoli e José Luiz Pedroso
Capítulo 96 Incontinência Urinária ....................................................... 577 Bruno Teixeira Bernardes
Felipe Favorette Campanharo
Capítulo 98 Amenorreia ......................................................................... 588 Margareth Chiharu Iwata, José Maria Soares Junior e Luciana Campanatti Crema
Capítulo 99 Infertilidade.......................................................................... 594
SEÇÃO 12 Doenças Ginecológicas.......................................................... 583
Bruno Teixeira Bernardes
Índice Remissivo................................................................. 598
___________________________________
CAPÍTULO
1
Introdução José Luiz Pedroso Muitas e muitas vezes eu saí para meu consultório à noite sentindo que não conseguiria
manter meus olhos abertos nem mais um momento... Mas quando eu via o paciente, tudo isso desaparecia. Num instante, os detalhes do caso começavam a se organizar num esquema
identificável, o diagnóstico começava a se decifrar ou se recusava a mostrar-se claramente e a caçada começava. Ao mesmo tempo, o próprio paciente se tornava algo que precisava de atenção, as peculiaridades dele, as reticências e a sua fraqueza. E embora eu pudesse sentir-me
atraído ou repelido, a atitude profissional que todos os médicos devem manter me sustentava
e definia em que termos eu deveria proceder.
William Carlos Williams (The Autobiography)
A história começa com um jovem de 18 anos de idade.
dia da consulta. Ele vai sozinho. O jovem é atendido pela
Queixa-se de fortes dores de cabeça, com frequentes
secretária, que pinga um colírio (não informa o nome e
episódios nos últimos seis meses. No auge de seus estudos
nem o motivo) e pede para aguardar. Em 20 minutos, é
para passarno vestibularde Medicina, é tomado por esse
levado a uma sala vazia no final do corredor e a secretá
sintoma, que muitas vezes lhe traz muita angústia. “Por
ria orienta:
que essas dores em um momento tão decisivo de minha
vida?”, pensava ele. Já teve dores de cabeça no passado,
Você pode aguardaro doutor..”
mas desta vez é persistente e limitante. A doré quase
diária e, muitas vezes, prejudica os estudos. Tem ficado
noites acordado por conta do vestibular que está próximo.
Em pouco tempo, abre-se uma outra porta e o médico entra:
Luta contra o sono e contra o cansaço para resolver os
mais difíceis problemas de Matemática, decoraras clas
Bom dia... Qual o seu problema?”
sificações da Zoologia, entender assuntos de Geopolítica
Estou com muitas dores de cabeça e gostaria de
e tentarentenderporque nunca teve êxito nas interpreta
ções de texto. Sua mãe, sempre muito atenta aos filhos,
saber se pode ser algum problema na visão.” É... Vamos ver! Vem aqui comigo...”
começa a ficar preocupada com as dores e vive imaginan do: “será que ele pode ter um aneurisma, ou um tumor
O jovem é levado a uma sala cheia de aparelhos mo dernos e, após ser avaliado por quase todos eles, sem mais
no cérebro?”. A despeito disso, um oftalmologista é pro
nenhuma palavra do médico, é convidado a se sentar.
curado, pois, afinal de contas, são muitas horas de leitura
Você tem 0,5 grau de hipermetropia no olho direi
e provavelmente a dor seja por esforço visual, ou algo
to e 0,5 grau de astigmatismo no olho esquerdo! Vamos
dessa natureza. Um oftalmologista é agendado; chega o
fazer uns óculos...”
CAPÍTULO
1
2 -
Introdução
Uma receita é dada, mas sem nenhum retomo agen dado. Muito satisfeito, o jovem pensa: “agora o problema
está resolvido! Vou mandar fazer hoje mesmo!”.
Olha, a tomografia está normal. Ele não tem nada. Pode ficar tranquila.”
A profunda ansiedade de receber essa notícia é alivia
Após três meses de uso, nenhuma melhora com os
da momentaneamente, pois certamente um tumor no cé
óculos. Começa a usar analgésicos de maneira excessiva.
rebro seja improvável, mas a dor persiste. Agora no se
O seu preferido é a dipirona!
gundo ano de faculdade, tem aulas de neurofisiologia com
Opta por nova consulta, agora com outro oftalmolo
gista (o segundo até agora):
um professor para o qual solicita ajuda. O sexto médico... Como é a sua dor?” - pergunta o doutor
Tenho fortes dores de cabeça e problema nas ‘vis
conforto e de que está no caminho certo. Uma história
tas’. Mesmo com o uso dos óculos, continuo com as
médica foi colhida por cerca de 40 minutos, desde as
dores. O que posso fazer para melhorar?”
características da dor até os seus hábitos de vida.
Os clássicos exames de refração são novamente efe
Na realidade, o seu problema é 0,25 grau de hiper metropia no olho direito e 0,25 grau de astigmatismo no olho esquerdo. Vai ter que mudarde óculos...”
ência, pelo toque, pela preocupação do médico em des cobriresse mistério e resolvero seu problema...
Saiu com diagnóstico de cefaleia tensional e por uso excessivo de analgésicos. Entre as recomendações, estava
A dor continua, mas nesse momento, nada importa:
o uso de tricíclicos, mudança do estilo de vida e suspen
passou no vestibular de Medicina... Os sonhos são outros
são dos analgésicos. Após um ou dois meses, as dores já
e as expectativas mudaram.
tinham desaparecido e tudo voltava a ser como era, com
Primeiro ano de faculdade. A dor retoma mais agres siva, persistente e agonizante. Continua com uso abusivo
mais alegria, com mais disposição e certo de que encon trara um verdadeiro médico...
de analgésicos, às vezes com dois ou três comprimidos de
dipirona ao dia. Decide por nova visita ao médico (a terceira consulta com oftalmologista): Tenho dores de cabeça frequentes. Gostaria de
DISCUSSÃO
saberse pode sera visão e se o ‘meu grau’ está errado.”
Vamos ver..”
Novos exames em aparelhos, poucas palavras...
O seu grau está correto. Você deve modificar
Durante os anos de faculdade do curso médico, ouve-se falarna importância da história médica e da relação com os pacientes. Livros e mais livros, embora meramente
a posição em que está estudando. Na realidade, não sei a
teóricos, tentam insistentemente tomar real uma enorme
causa da dor..”
dificuldade encontrada pela Medicina da atualidade. Uma
A conduta é realizada, mas nenhuma melhora. A dor
tradição de três mil anos, que envolvia o médico e o pa
é diária, como um peso na cabeça, agora mais intensa e
ciente no mesmo vínculo especial de confiança, está
sem melhora com a tão necessária dipirona. Um ano
sendo substituída porum novo tipo de relacionamento. A
e meio com dore o desespero começa. Um amigo médi
cura está sendo trocada pelo tratamento, os cuidados
co (o quarto profissional a ser procurado) diz:
médicos, suplantados pelo gerenciamento, ao mesmo
Acho que é sinusite... Vamos ter que fazer uma
radiografia de face.”
tempo em que a arte de ouvir foi superada pelos proces sos tecnológicos. Em suas palavras, Lewis Thomas escre
Não havia história de tosse, secreção nasal ou dorna
veu: “a Medicina deixou de sera aplicação das mãos;
face. Apesar disso, o médico insistiu e uma radiografia
hoje, é mais uma leitura de mostradores de máquinas”.
foi programada. O médico analisa o exame e diz, um pouco frustrado:
Os médicos já não se dedicam aos indivíduos, mas se
ocupam sim de suas partes orgânicas, fragmentadas e
Realmente você não tem sinusite! Deve serestresse...”
disfuncionais. Não podemos chegarao ponto de dizer que,
A mãe do jovem, nesse momento muito ansiosa e
para curar a ciência deve ser abandonada. Ao contrário,
preocupada, pede para um médico, amigo da família, ver
a melhor cura será aquela que souberassimilaros funda
o seu filho (o quinto até agora). Insiste por uma ida ao
mentos humanísticos na abordagem aos pacientes, aliados
consultório, mas ele julga desnecessário e resolve tudo
ao poder de evolução da ciência.
por telefone: “vamos fazer uma tomografia!”. A tomografia do crânio é agendada e, após dois dias,
uma ligação do médico:
Dois mil e quinhentos anos atrás, disse Hipócrates: “pois onde quer que haja amor humano também existe
amorà arte. Alguns pacientes, embora cientes de sua
5
tuados. Quase nenhuma palavra é dita durante eles...
No momento do exame, sentiu-se acolhido pela paci
978 85 4120-074
E tudo é diferente. Uma sensação de segurança, de
Introdução - 3
mais prováveis. Para que esse processo se transforme em realidade, algumas habilidades são cruciais ao médico e
médicos se concentram na queixa principal porque as
por isso devem fazer parte de seu treinamento profissional:
Embora se dê ênfase à história médica, na verdade nem
• Habilidade em entrevista médica e relação médico
ensinam sua obtenção e sequer a sua compilação. Entre
-paciente, além de habilidades técnicas para obtenção
os mais críticos, circula o seguinte aforismo: “se tudo o
de dados pelo exame físico. Não nos esqueçamos que
mais falhar converse com o paciente”.
os exames complementares colaboram com a obten
Após esses comentários iniciais, partimos para outra
ção desses dados: saber interpretá-los somente é
etapa: o diagnóstico. O paciente chega ao consultório ou
possível com treinamento e conhecimento científico.
hospital trazendo uma queixa. Cabe ao médico decodifi
• Reconhecimento das mais variadas enfermidades e
cá-la, transformá-la em doença. No geral, o diagnóstico
de suas manifestações clínicas, somente possível
não é obra de um momento, visto envolver todo um pro
com leitura aprofundada e incondicional dos livros
cesso dedutivo, em tudo semelhante a um romance policial,
e artigos médicos.
com o objetivo de encontrar uma pista do culpado. O
• Raciocínio lógico e habilidades de interpretação.
diagnóstico é sempre um quebra-cabeça, mas um quebra
Apesar da busca pelo raciocínio correto e perfeito,
-cabeça traiçoeiro. Estabelecer um diagnóstico é uma
a ciência e a arte da Medicina são complexas: não
operação probabilística e, portanto, deve sempre ser ba
há quem esteja a salvo de erros! Uma banal dor
seada em hipóteses diagnósticas e nunca em certezas
lombar vista centenas de vezes, legítima doença
absolutas e irrefutáveis.
comum, uma ou outra vez reserva surpresas: pode
Dessa maneira, o processo diagnóstico deve obedecer a uma sequência lógica: 1) coleta de evidências; 2) formu
ríamos estar diante de uma metástase, ou uma vér tebra corroída pela osteomielite, ou até de uma
lação de hipóteses; 3) seleção da doença ou das doenças
emergente dissecção da aorta.
1
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escolas de Medicina não lhes ensinaram a arte de ouvir
CAPÍTULO
perigosa situação, recuperam a saúde simplesmente por causa de sua satisfação com o médico”. Em geral, os
CAPÍTULO
2
Entrevista Médica Ricardo Rocha Bastos Subir ao púlpito e não dizer a verdade é contra o ofício, contra a obrigação e contra a consciência.
Padre Antônio Vieira (1653)
INTRODUÇÃO
ne) entre as cadeiras e estas se colocam não frente a fren
A entrevista com a paciente está agendada para as 16:00.
te, mas em ligeiro ângulo, a permitir que os espaços indi viduais sejam respeitados. Existe provisão de uma cadeira
Na agenda: nome, contatos (telefone, e-mail) e a obser
extra, pois a paciente poderá vir acompanhada. O médico
vação de que se trata de uma primeira consulta.
tem uma escrivaninha ao lado de sua cadeira, com material
O médico sabe que a entrevista é a ferramenta clínica
mínimo de apoio (canetas, fichas de prontuário, prancheta,
que, isoladamente, tem o melhor desempenho diagnósti
lenços de papel). Tudo colabora para que o grande poten
co e, para isto, revê mentalmente suas partes fundamentais:
cial da entrevista seja plenamente aproveitado. O médico se prepara para iniciar. Sabe que estará
• Ambientação.
utilizando a mais importante ferramenta do método clínico.
• Acolhimento. • Identificação preliminar • Primeira pergunta propiciatória. • Fala livre.
ACOLHIMENTO
• Questionamento dirigido.
O médico se desloca até a sala de espera e, pontualmen
• Questionamento geral.
te às 16:00, convida a paciente a entrar: “Dona Fulana,
• Segunda pergunta propiciatória.
por favor”. Pessoalmente a conduz até a cadeira, quando
• Medicamentos em uso.
então a cumprimenta com um “prazerem conhecê-la”, ou
• Terceira pergunta propiciatória.
um “seja bem-vinda”, “pode se sentar’. O médico sabe que expressões como “tudo bem?”, embora usadas social
mente de modo amplo, não têm lugar aqui.
AMBIENTAÇÃO O local de entrevista está preparado. Confortável mas sem
A senhora está sentada. Veio com uma acompanhan
te, que apresenta como “uma amiga”. Traz uma sacola
ostentação, tem uma cadeira firme para o paciente e uma
de exames e diz: “quero ver o senhor dar um jeito na minha perna”, ao mesmo tempo em que passa a sacola
para o médico. Não há mesa (nem computadorou telefo
de exames às mãos do médico.
6 - Entrevista Médica
Com o comentário “que bom que a senhora trouxe os
muito elucidativa sobre o que está ocorrendo ou ser ape
exames”, o médico os coloca (sem abrir) na escrivaninha
nas um confuso relato das ações médicas tomadas até
auxiliar e volta toda a sua atenção para a paciente.
agora (como foi o caso dessa senhora). Não importa, pois
CAPÍTULO
2
IDENTIFICAÇÃO PRELIMINAR
posta da ciência que, por sua vez, tem uma linguagem própria. A fala livre poderá ser longa ou curta. Poderá ser
últimas informações foram colhidas por uma secretária
lista vai sendo construída: a pauta da paciente (que cons
devidamente orientada a fazê-lo num ambiente reservado
ta de um ou mais itens).
e nunca na presença de terceiros. Conferindo o nome, o
A pauta da paciente: dor na perna direita.
médico diz: “então a senhora se chama...”, logo pergun
tando: “é nascida aqui na cidade?”. Definido o local do nascimento e conferido o local de residência, a próxima pergunta é: “e a senhora está com quantos anos agora?”,
logo seguida por “e seu aniversário cai em que mês?”.
O médico sabe que chegou a hora do atributo da precisão.
Perguntas sobre estado civil e profissão não são feitas
A menos que consiga precisar o que essa dorna perna
aqui. Não por não serem importantes, mas porque o co
quer dizer não poderá fazer suas interpretações. Inicia
nhecimento ainda é muito pequeno para informações tão
então uma série de perguntas (as chamadas sete dimensões)
pessoais. Seu tempo certo chegará durante a entrevista.
especificamente voltadas para o item da pauta. Em jogo:
A senhora tem 61 anos de idade e parece muito sociá
vel. Sempre viveu naquela cidade.
• Cronologia: “desde quando a senhora está sentindo isso?”
PRIMEIRA PERGUNTA PROPICIATÓRIA
• Localização: “exatamente em que local é a dor?”. • Qualidade: “qual é a sensação que esta dorprovoca?”. • Quantidade: “a dor chega a impedir que faça algu
ma coisa?” • Atenuação: “o que costuma aliviar?”
É hora então de perguntar “por que a senhora está me
• Agravamento: “o que costuma piorar?”
procurando hoje?”. Com toda calma, o médico se prepa
• Associação: “a dor vem junto com alguma outra
ra para ouvir. Notas serão tomadas, mas sempre de ma
coisa?”
neira resumida, a não prejudicara atenção que se presta à senhora. Muitas informações úteis virão, sem que se
Existe uma dor intensa (a ponto de acordá-la, à noi
diga nada. Tudo por conta da comunicação não verbal,
te, e com resposta apenas parcial a analgésicos) no mem
tanto da paciente para o médico (daí a importância de se
bro inferior direito, há cerca de três semanas, inicialmen
prestar mais atenção ao paciente que ao que se escreve),
te na face anterior da coxa e a seguir na face posterior
quanto do médico para a paciente (e daí o cuidado com
da perna, até o tornozelo. Nos últimos dias está tendo
o que transmitimos sem nada falar).
dificuldade em subir escadas.
A senhora conta sobre a dor na “perna direita”, que
"não vai embora”. Já se consultou com ortopedista e
Satisfeito com a precisão que imprimiu ao item da pauta, o médico se permite o próximo passo:
reumatologista e foi submetida a radiografas e tomografia. Vem fazendo fisioterapia ejá tomou vários medicamentos.
INTERPRETAÇÃO FALA LIVRE DA PACIENTE
Acontecendo apenas na mente do médico, esse passo
Nunca sabemos o que vai acontecer aqui. O certo é que
consiste em encontrarum termo técnico para o item pre cisado (será uma claudicação intermitente, ou uma dordo
uma pessoa vai falar de suas dores, de suas observações,
tipo radiculopatia, por exemplo?), resgatar sua fisiopato
de suas interpretações, de suas crenças. Essa pessoa que
logia e esboçar uma chave de diagnósticos diferenciais
fala não tem compromisso com o método clínico, pois
para a condição definida.
com grande probabilidade nunca estudou semiologia.
Isso feito, é preciso lembrar que a condição identifi
Usará sua própria linguagem e estará ali para uma res
cada (e provavelmente bem descrita pela ciência médica
5
QUESTIONAMENTO DIRIGIDO
978 85 4120-074
o nome completo e o endereço (com contatos). Essas
o médico está ouvindo e colocando em prática sua obje tividade. À medida que a fala livre se desenrola, uma
Verifica então a ficha, que não deverá trazer mais que
Entrevista Médica - 7
como uma dor em distribuição multidermatomérica de plexo lombossacral à direita, com possível déficit motor)
• Qual foi o tratamento proposto? • Qual foi o resultado do tratamento?
desconhecida. O médico quer saber então sobre que ter reno (sobre que individualidade) a situação se implanta. É tempo de:
Esse roteiro oferece uma probabilidade razoável de você acabar aprendendo que o mal de Meleda é uma
ceratodermia palmoplantar hereditária.
978-85-4120-074-5
mas ainda existem aquelas questões mais delicadas, como
QUESTIONAMENTO GERAL
status profissional e financeiro, relações familiares, ativi
Aqui temos a pauta do médico, um conjunto de perguntas
se faz esperar:
dade sexual e uso de drogas ilícitas. O próximo passo não
que começarão a desvendar aquela individualidade. Na
sequência: • Como anda seu apetite? • Como está funcionando o intestino? • Notou algo diferente com sua urina? • Tem observado alteração em seu peso? • Tem dormido bem? • Quando foi sua última menstruação? • Fuma? • Bebe bebida alcoólica? • Pratica algum tipo de exercício? • Já foi operada alguma vez? • Já esteve internada alguma vez? • Já teve alguma doença mais importante? • Existe algum remédio que não possa tomar porque
sabidamente lhe causa problemas?
SEGUNDA PERGUNTA PROPICIATÓRIA “Em sua casa, é a senhora e mais quem?”. Uma pergun ta simples, mas que abre as portas para as revelações mais íntimas, desde que cada nova informação seja devidamen te ponderada. É aqui que saberemos da profissão, do es tado civil e de qualquer outra informação tradicionalmen
te colhida na identificação, mas que explicitada aqui, o é com muito maior naturalidade. A questão das relações de dominação, a figura do cuidador as opções sexuais, tudo será revelado aqui. A senhora vive só com o marido. O casal não tem
filhos (casou-se já com 43 anos de idade). A acompa nhante é a melhor amiga.
O médico ainda sabe que nos dias atuais o uso de Ficamos sabendo de uma senhora que sempre gozou de boa saúde. As únicas novidades, além da dor, são
fármacos cresce exponencialmente. Portanto, não se es quece de questionar:
poliúria e perda de peso (não quantificada). Algumas vezes, os pacientes nos falarão de doenças
diagnosticadas ou procedimentos a que se submeteram, sobre os quais pouco ou nada conhecemos. Se isso ocor
MEDICAMENTOS EM USO
rer não deixamos de usara:
“Que remédios a senhora está usando agora?”. As res
postas são cuidadosamente anotadas, com as doses diárias
PERGUNTA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA Na verdade, é um conjunto de perguntas que nos ajudam a compreender algo que não conhecemos bem. Se, por
e o tempo de uso. Se possível, com verificação de quan to a paciente compreende a utilidade do que toma.
A senhora está usando injeções de dexametasona +
complexo B. Já usou nimesulida e diclofenaco. A entrevista está se aproximando do fim, mas algo
ainda muito importante precisa ser lembrado:
exemplo, a paciente nos fala que foi diagnosticada com
o “mal de Meleda”, sobre o qual provavelmente nunca ouvimos falar podemos seguir o roteiro:
• Quando foi o diagnóstico? • Quem fez o diagnóstico? • O que a senhora sentia quando o diagnóstico foi
feito?
TERCEIRA PERGUNTA PROPICIATÓRIA “Existe ainda alguma coisa que a senhora queira me dizer?”. Esta é a oportunidade que a paciente tem de
2
Muitas informações úteis já apareceram a essa altura,
CAPÍTULO
está acometendo uma pessoa que nos é quase totalmente
8 - Entrevista Médica
CAPÍTULO
2
contar algo que a constrangia até ali, mas que pode estar mais fácil de ser mencionado após uma entrevista cortês e interessada como esta. Pode ainda ser a chance de le
vantaralgo que havia sido realmente esquecido. A tercei
ra pergunta propiciatória pode também ser estendida a um acompanhante.
A acompanhante diz neste momento: “fala para ele de
sua tonteira”, ao que a paciente retruca: “já ia me esque cendo”.
O médico sabe o que fazer com esta (e qualquer outra) nova informação. É hora de retomar com o atributo da precisão (lembra das sete dimensões?) e investigar este
novo dado até que ele possa ser interpretado. A senhora conta então sobre a tonteira, no padrão
pré-síncope, nos últimos meses.
ATRIBUTOS Durante toda a entrevista, o médico procura aplicar os atributos essenciais de: • Respeito (aceitar aquela pessoa sem pré-julgamentos ou juízos de valor). • Sinceridade (ser quem o médico é, sem exagerar suas capacidades nem menosprezá-las). • Empatia (perceber uma reação emocional da pacien te, sinalizara percepção e se absterde compartilhá -la ou inibi-la). • Objetividade (pescar em meio a uma fala não ne cessariamente didática, aquilo que tem valor). • Precisão (buscar todas as informações necessárias à melhor compreensão daquela questão em particular).
A entrevista terminou e o médico certifica-se de que
elaborou uma:
LISTA DE PROBLEMAS • Senhora de 61 anos de idade com dor em membro
inferior direito (possível distribuição multidermato
mérica). • Déficit motor em membro inferior direito? • Poliúria e perda de peso (disfunção metabólica?). • Em uso atual de corticoide e recente de anti-infla matórios (verificar função renal).
• Tonteira tipo pré-síncope (disfunção metabólica?
ANAMNESE Observe que nada ainda se falou sobre anamnese. Isso é proposital. Finda a entrevista, com as anotações pertinen tes feitas, o médico tem condições de redigir no momen to apropriado, um documento formal, com termos técnicos e delineamento padronizado, conhecido como anamnese. Fazer uma entrevista de maneira proficiente significa reler e refletir sobre este capítulo e entrevistar inúmeros pa cientes, até que as etapas propostas sejam vencidas com suavidade. Escrever uma anamnese de maneira proficien te significa apenas organizar os dados colhidos na entre
vista, dentro da sequência:
Arritmia cardíaca?).
O médico sabe que a lista de problemas instruirá os componentes do exame físico (por exemplo, como escapar da pesquisa de motricidade e sensibilidade de membros inferiores aqui?) e as investigações laboratoriais (como
evitar uma determinação de glicemia e creatinina sérica e a obtenção de um eletrocardiograma?). O exame físico (próximo capítulo) vai começar.
• • • • • • • •
Identificação. Queixa principal. História da doença atual. História fisiológica. História social. História patológica pregressa. História familiar Outros dados.
O médico diz: “gostaria de examiná-la, agora; posso?”.
DISCUSSÃO ESTÍMULO IATROTRÓPICO Neste momento, o médico deve ter compreendido a ver dadeira razão pela qual aquela senhora procura aquele médico naquele momento, ou seja, o estímulo iatrotrópi
co, que nem sempre foi explicitado na fala livre da pa ciente. Identificaro estímulo iatrotrópico é meio caminho andado para a construção de uma forte parceria com a
paciente.
Uma entrevista assim conduzida é o cerne do método clínico e a ferramenta diagnóstica com melhordesempe nho isolado. O tempo para sua realização é naturalmente variável (não há duas pessoas iguais, não é mesmo?), mas avaliações em tempo real apontam para os limites de 10 a 30 minutos. Cumpre lembrar que uma entrevista com todos esses componentes é realizada no primeiro encontro. Apenas alguns elementos precisam ser abordados em encontros subsequentes. Esse modelo é factível em ambu
Entrevista Médica - 9
latórios, consultórios e admissões hospitalares e pode ser aplicado a pacientes a partir da idade escolar com partici te das tecnologias para investigação diagnóstica tem produ
zido um descrédito quanto à validade da entrevista. A emblemática frase, “há necessidade de correlação clínica”,
complementares, é um sóbrio lembrete de que só quem conhece aquela pessoa pode fazer o melhor uso daquelas informações impressas. E como conhecer sem entrevistar?
REFERÊNCIA (COM COMENTÁRIOS DO AUTOR) 1. VIEIRA, A. SffmãodaPrfandraDαnir^daQtCTeanaraCir dadedeS. LrjsdoMa-a+ãoroArDdelSB Lisboa: Revista
BASTOS, R. R. MétcdocMrico Disponível em: www.medicinatual. com.br (Casos clínicos mensais, em que o autorilustra a aplicação dos métodos de entrevista médica) COULEHAN, J. L; BLOCK, M. R. TLemαlicáirteviβv - masta irg ddllsfαr cliricá pratice Philadelphia: FA Davis Company. 4. ed., 2001,304p. (Excelente livro em que os autores ilustram com inúmeros exemplos as situações que vivenciamos em nossas entrevistas)
2
sempre presente no final de elaborados laudos de exames
LEITURA COMPLEMENTAR (COM COMENTÁRIOS DO AUTOR)
CAPÍTULO
pação variável do acompanhante. O crescimento permanen
de Portugal, 1946, 126p. (Arrebatado orador católico do século XVII, padre Antônio Vieira tem muito a nos ensinai; com a clarivi dência e a surpreendente atualidade de seus sermões)
CAPÍTULO
3
Exame Físico de Abordagem Ricardo Rocha Bastos Inopinadamente, os valores mudavam de sinal, o transitório
sobrepunha-se ao eterno, e só uma coisa se mantinha firme diante dos seus olhos de homem: a moleira estendida no leito...
Miguel Torga (1945)
INTRODUÇÃO
OLHOS
A senhora foi convidada ao exame físico. Antes, foi-lhe ofe
O médico examina os olhos: pupilas, movimento ocular, conjuntivas. Com o oftalmoscópio, verifica o clarão pupilar.
recida uma oportunidade pai a ir ao banheiro, a qual aceitou.
O exame físico de abordagem é uma sequência de
Não há alterações.
procedimentos que garantem um exame abrangente e ao mesmo tempo factível. Factível no sentido de que pode ser realizado com o mínimo de recursos e dentro das
restrições de espaço geralmente encontradas.
OUVIDOS Uma otoscopia é providenciada. O pavilhão auricular é
TROCA DE ROUPAS E PROCEDIMENTOS INICIAIS Uma auxiliaré chamada. Solicita à paciente que tire toda
tracionado para cima e para trás, para retificação do con duto auditivo externo. A otoscopia é normal.
a roupa, fique apenas de calcinha e vista um quimono que
PESCOÇO
lhe é oferecido. A senhora calça ainda chinelos fornecidos.
A atenção se volta agora para o pescoço, no qual se pro
A auxiliar pesa e mede a senhora, obtendo o índice
curam massas e o pulso jugular. A presença de pulso jugular visível com a pessoa na posição sentada sugere
de massa corporal (peso dividido pela altura ao quadrado). A seguir posiciona-a sentada sobre a mesa de exames.
A senhora está sentada sobre a mesa de exames, ves tida com um quimono. O médico se aproxima munido de
uma folha sobre uma prancheta, para anotações. Sempre diz preliminarmente à senhora o que vai fazer. Começa
com: “deixe-me ver seus olhos”.
pré-carga aumentada. A proeminência laríngea e a carti lagem cricóidea são identificadas, pedindo-se à pessoa que faça leve extensão do pescoço. O local da tireoide é palpado. Todo o pescoço é palpado em busca das cadeias linfonodais.
O pescoço está normal.
12 -
Exame Físico de Abordagem
CAPÍTULO
3
BOCA Com uma lanterna e uma espátula, toda a cavidade oral
MEMBRO SUPERIOR DIREITO
é examinada: as gengivas, o palato, a orofaringe com o
inevitável “diga um ah prolongado”, a língua e o soalho
Colocando-se à direita da senhora, o médico inspeciona
da boca. Pede-se ainda que a senhora faça a protrusão da
o membro superior direito, pesquisa o reflexo bicipital e
língua e mostre os dentes com a boca fechada.
afere a pressão arterial (PA). O reflexo bicipital avalia a
A boca está normal.
integridade de bíceps braquial, nervo musculocutâneo e
PULSOS RADIAIS Os pulsos radiais são agora palpados simultaneamente,
valor de pelo menos 80% do perímetro braquial daquela pessoa. Insufla-se o manguito enquanto se palpa o pulso braquial, até que este desapareça (PA sistólica pelo mé
radiais fala a favor de integridade anatômica do arco
todo palpatório), insuflando-se cerca de 20mmHg a mais.
aórtico e subclávias.
Coloca-se o estetoscópio sobre a artéria braquial enquan
Os pulsos radiais são simétricos.
to se desinsufla vagarosamente o manguito. O início dos
sons de Korotkoff marca a PA sistólica e seu desapareci
mento, a PA diastólica. Fazendo-se inicialmente a palpa
REFLEXO PATELAR
ção como descrito, não se corre o risco de ser enganado por um hiato auscultatório.
O reflexo patelar é pesquisado bilateralmente, com o re sultado sendo assim expresso: • Ausente.
O reflexo bicipital é grau II e a PA é 180 × 98mmHg.
• Presente grau II.
MEMBRO SUPERIOR ESQUERDO
• Presente grau III. • Presença de clônus (repetição do movimento com
Mudando de lado, o médico repete o procedimento ante
• Presente grau I (só aparece se uma manobra de re forço for empregada).
uma única pesquisa).
rior agora no membro superior esquerdo. O reflexo bicipital é grau II e a PA é 186 × 100mmHg.
A pesquisa tem em mente a integridade de quadríceps femoral, nervo femoral e raiz L4, principalmente.
Não há patelar à direita e este está presente (grau II)
A diferença entre as pressões sistólicas de ambos os membros superiores é de 6mmHg. Diferenças acima de
15mmHg aumentam o risco cardiovascular
à esquerda. A senhora é convidada a adotar o decúbito dorsal. Ficará inicialmente coberta com um lençol e se prestará atenção à necessidade de elevação da cabeceira ou ajus te de travesseiro para maior conforto.
AUSCULTA CERVICAL Solicitando que a senhora faça extensão do pescoço, o médico ausculta a região cervical em busca de sopros.
MEMBROS INFERIORES
Um sopro cervical tem baixa sensibilidade para diagnós tico de lesões hemodinamicamente significativas na cir
O médico se posta aos pés da mesa de exame e, sempre anunciando o que vai fazer pesquisa os pulsos tibiais e procura edemas, descrevendo qualquer alteração cutânea que sua inspeção revele. Os pulsos tibiais estão presentes bilateralmente, não
há edemas e a inspeção dos membros inferiores parece normal.
culação carotídea ou vertebral, mas sua presença sempre obriga a uma investigação mais detalhada. A ausculta cervical também pode encontrar um sopro irradiado a
partir do precórdio (às vezes, é nossa primeira suspeita de estenose aórtica).
O pescoço da senhora é silencioso.
5
anotando-se qualquer assimetria. Simetria dos pulsos
braçadeira cujo manguito tenha, de comprimento, um
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raiz C5, principalmente. A PA é aferida utilizando-se uma
A auxiliar agora ajuda a senhora a desabotoaro quimono para exposição da face anterior do tórax, que será cober ta com uma pequena toalha, a ser removida de setores específicos à medida que são auscultados. O médico ajusta o estetoscópio aos ouvidos, seleciona a membrana como peça auscultatória, palpa o ângulo do manúbrio do esterno e corre o dedo levemente para baixo e para a direita. Pronto: está no segundo espaço intercostal direito (2º EID) junto ao esterno. Palpa então um pulso arterial
o desdobramento inspiratório de B2. É “tum-tá” que vira
(carotídeo, braquial ou radial) e, auscultando e palpando o pulso simultaneamente, inicia a ausculta cardíaca.
“tum-tlá” no final da inspiração, por atraso no componen
te pulmonar da segunda bulha. Vale lembrar que B2
3
AUSCULTA CARDÍACA: A PREPARAÇÃO
a respiração não forçada da paciente (nada de solicitar respirações mais fortes aqui) modifica B2. É de se espe
CAPÍTULO
978-85-4120-074-5
Exame Físico de Abordagem - 13
rar que B2 se tome um som duplo mais para o final da inspiração, voltando a ser um som único à expiração. É
consiste no componente aórtico (A2) e pulmonar (P2). Ocorre que o componente pulmonar de B2 (P2) só é ouvido no segundo espaço intercostal esquerdo (2º EIE)
e, por esta razão, só neste local existe o desdobramento inspiratório de B2. A conclusão é que B2 ouvida em outras áreas do precórdio significa apenas A2. À medida que a pessoa envelhece, o desdobramento inspiratório de B2 se toma menos discernível. B2 que só se desdobra à
expiração (desdobramento invertido de B2) é patológica
AUSCULTA CARDÍACA: SEGUNDO ESPAÇO INTERCOSTAL DIREITO Inicialmente, identifica as duas bulhas: B1 pouco antes (ou quase simultânea) do pulso arterial e B2 logo após este. B1 coincide com o fechamento das valvas atrioven triculares (mitral e tricúspide) e introduz a sístole. B2 coincide com o fechamento das valvas semilunares (aór tica e pulmonar) e introduz a diástole. Acostuma-se com a cadência: B1-pulso-B2, o popular “tum-tá”, com a sensação de pulso no meio. Observa-se B1 < B2 em in tensidade. Certifica-se de que o intervalo B1-B2 (interva lo sistólico) é mais curto que o intervalo B2-B1 (intervalo diastólico). Verifica que os intervalos são silenciosos e que B1 e B2 são sons únicos. A presença de som duplo de B1 nesse local sugere ruído de ejeção aórtica (REA). A presença de som duplo de B2 nesse local sugere esta lido de abertura da mitral (EAM). Conta a frequência cardíaca e a compara com a frequência de pulso, para se assegurar de que não exista déficit de pulso (frequência de pulso menor que a frequência cardíaca). A senhora tem ritmo regular em dois tempos (RR2T), as bulhas são normofonéticas (BNF), B1 (quase inaudí vel) é bem menos intensa que B2 (B1 < B2), B1 e B2 são sons únicos e os intervalos sistólico e diastólico são silenciosos.
e pode estar associada a situações como o bloqueio de
ramo esquerdo (BRE) ou disfunção grave do ventrículo
esquerdo (VE). O desdobramento invertido de B2 é sinal de dessincronia ventricular sendo por si só um fator de
risco cardíaco. B1 dupla exclusivamente nesse local su gere ruído de ejeção pulmonar (REP). A senhora apresenta desdobramento invertido de B2.
AUSCULTA CARDÍACA: REBORDO ESTERNAL BAIXO O médico continua auscultando, à medida que desce o rebordo esternal esquerdo (REE) até a região paraxifoi
de. O ritmo B1-B2 deve continuar inalterado, com a seguinte modificação: B1 vai aumentando de intensida
de, a ponto de igualar ou mesmo ultrapassara intensi
dade de B2. No caso da senhora, B1 continua bem menos intensa que B2.
AUSCULTA CARDÍACA: PONTA O médico chegou à ponta do coração. Normalmente no 4° ou 5º EIE, em sua intercessão com a linha hemiclavi cular esquerda, a ponta do coração pode ser palpada em
AUSCULTA CARDÍACA: SEGUNDO ESPAÇO INTERCOSTAL ESQUERDO
algumas pessoas (é o impulso cardíaco apical ou ictus cordis). É ali que o médico ausculta nesse momento. O
Agora as referências já estão mais firmes e chegou o momento de se concentrarem B2. O médico observa se
intensa que B2. Os intervalos sistólico e diastólico são
ritmo “tum-tá” deve se manter com o crescimento de
intensidade de B1. Na ponta do coração, a senhora tem B1 bem menos silenciosos.
CAPÍTULO
3
14 -
Exame Físico de Abordagem
AUSCULTA CARDÍACA: PESQUISA DE TERCEIRA E QUARTA BULHAS Ainda na ponta, o médico faz a seleção da campânula como peça auscultatória e com mínima pressão (apenas
colocando a campânula sobre a ponta) pesquisa se B1 é
som único ou duplo. Um som duplo de B1 agora, que desaparece após compressão firme da campânula, define
INTERVALOS RUIDOSOS Os intervalos sistólico e diastólico devem ser silenciosos.
Intervalo sistólico ruidoso sugere sopro sistólico (SS) e intervalo diastólico ruidoso sugere sopro diastólico (SD). Se, por um lado, SS pode ser funcional (não ligado à doença cardíaca, como em anemia ou tireotoxicose) ou decorrente de doença cardíaca, SD sempre obriga a uma
investigação detalhada das anatomia e fisiologia cardíacas (na prática: ecocardiografia Doppler).
a quarta bulha (B4). B4 aponta para disfunção ventricular
diastólica. O médico pesquisa ainda se B2 é som único ou duplo. Um som duplo de B2 agora, que desaparece após
ABDOME
compressão firme da campânula, define a terceira bulha
(B3). B3, fisiológica em jovens sem outros achados, pode
O abdome agora é exposto e inspecionado. Auscultam-se
indicar disfunção ventricular sistólica numa pessoa com
as regiões periumbilicais em busca de sopros. A tensão
sintomas. Se B4/B3 não forem identificadas assim, a se
abdominal é avaliada por palpação suave em faixas trans versais, da esquerda para a direita e de baixo para cima.
nhora ainda deve ser colocada em decúbito lateral esquer
do e o procedimento repetido. Som duplo de B1 em ponta, além de B4, pode sugerir REA. Som duplo de B2
em ponta, além de B3, pode sugerir EAM. De notável,
temos que REA e EAM são sons de alta frequência, mais bem audíveis com a membrana, em oposição a B4 e B3. Na ponta, a senhora tem complexo duplo de B1.
A interseção da linha axilar média esquerda com o último
espaço intercostal é identificada (ponto de Castell) e uma
percussão é feita aí. Timpanismo durante a inspiração afasta esplenomegalia. Macicez durante a inspiração obri ga à tentativa de palpação do baço (mão esquerda sobre as costelas posteriores do lado esquerdo, forçando o hi
pocôndrio esquerdo para frente, e a mão direita palpando
superficialmente, na parede anterior,à inspiração). Busca-
AUSCULTA CARDÍACA: COMPLEXOS DUPLOS DE B1 E B2
se a palpação do fígado sob o gradil costal direito duran
Quando B1 for ouvido como complexo duplo, as opções são:
trio, fossa ilíaca direita, flanco direito e mesogástrio) em
te a inspiração. Faz-se palpação profunda do abdome nas
nove áreas (hipocôndrio direito, epigástrio, hipocôndrio esquerdo, flanco esquerdo, fossa ilíaca esquerda, hipogás
busca de massas e com identificação de aorta abdominal • Ruído de ejeção aórtica (em todo o precórdio).
(epigástrio/mesogástrio), sigmoide (fossa ilíaca esquerda)
• Ruído de ejeção pulmonar (só no 2º EIE).
e ceco (fossa ilíaca direita).
• B4 (só em ponta). • Desdobramento fisiológico de B1 (REE baixo, na área paraxifoide).
Quando B2 for ouvido como complexo duplo, as
opções são:
O abdome está livre, com tensão normal e sem massas palpáveis. A senhora é convidada a sentar-se na mesa de exames, com os pés pendentes. O quimono tem sua porção supe
rior abaixada, de forma a expor o dorso. A face anterior
do tórax é protegida com pequeno babador.
• Desdobramento de B2 (só no 2º EIE). • B3 (só em ponta). • EAM (em todo o precórdio).
AUSCULTA RESPIRATÓRIA Posicionando-se atrás da paciente e solicitando respirações
Às vezes, se ausculta um tempo extra, exatamente
mais profundas, pela boca, mas “sem fazer barulho”, o
entre B1 e B2 (ou seja, não podemos definir um comple
médico faz a ausculta respiratória. Procura um som suave,
xo duplo de B1 nem de B2). Se isso ocorrer na ponta e
mais duradouro à inspiração que à expiração, e sem in
REE baixo, estamos na presença do clique mesossistólico
tervalo silencioso entre as duas fases: o murmúrio vesi
do prolapso de válvula mitral. A senhora tem B4.
cular (MV).
O MV é universalmente presente e simétrico.
Exame Físico de Abordagem - 15
JUNTANDO AS PEÇAS
Foram incluídos então os seguintes galhos:
• Fundoscopia.
CAPÍTULO
• Eletrocardiograma (ECG).
3
O exame físico de abordagem (EFA) está encenado na
• Força muscular em membros inferiores.
quilo que chamamos de tronco principal (EFA-TP). Vale
• Reflexo aquileu.
a revisão dos 13 passos principais.
• Reflexo cutâneo-plantar
• Medidas preliminares: peso e altura (índice de mas
sa corporal) A força dos membros inferiores é testada numa esca • Paciente sentada:
la de 0 a 5 graus, contemplando os três movimentos do
chute e os três movimentos do coice, a saber
1. Olhos (pupilas, conjuntivas, clarão pupilar). 2. Ouvidos (otoscopia).
• Chute: flexão da coxa (L2-L3).
3. Pescoço (pulso venoso, tireoide, linfonodos).
• Chute: extensão da perna (L3-L4).
4. Boca.
• Chute: dorsiflexão do pé (L4-L5).
5. Pulsos radiais (buscar simetria).
• Coice: extensão da coxa (L4-L5).
6. Reflexo patelar
• Coice: flexão da perna (L5-S1). • Coice: flexão plantar do pé (S1-S2).
• Paciente deitada: A senhora tem diminuição da força de vários movi
7. Membros inferiores (pulsos tibiais e edemas).
mentos do membro inferior direito, mas principalmente
8. Membro superior direito (PA e reflexo bicipital).
dos movimentos de flexão da coxa e dorsiflexão do pé. No
9. Membro superior esquerdo (PA e reflexo bicipital).
membro inferior esquerdo a força muscular está total
10. Ausculta cervical. 11. Ausculta cardíaca.
mente preservada.
O reflexo aquileu é preferencialmente testado com a
12. Abdome.
paciente com um joelho fletido sobre uma cadeira. A
13. Ausculta respiratória.
pesquisa investiga a integridade da força do tríceps sural,
do nervo tibial e da raiz S1, principalmente. Os sistemas orgânicos foram abordados e já temos razoá
A senhora tem o reflexo aquileu abolido à direita.
vel familiaridade com o corpo dessa pessoa. Muitas outras
O reflexo cutâneo-plantar é pesquisado com a pessoa
manobras poderão ser realizadas, entretanto. Chamamo-las
deitada, correndo-se um objeto rombo pela planta do pé,
de “galhos” (pois saem do tronco) e serão incluídas de
desde a borda medial do calcanhar até a base do primei
acordo com a sugestão de nossa lista de problemas (ob
ro pododáctilo, sem tocá-lo. A flexão do primeiro podo
tida da entrevista) e dos achados quando da execução do
dáctilo é o que se espera normalmente (cutâneo-plantar
EFA-TP.
em flexão). A extensão desse dedo (cutâneo-plantar em
No caso da senhora, foram os seguintes os achados
significativos de exame físico:
extensão ou sinal de Babinski) é sinal de liberação pira
midal (lesão do neurônio motor superior). A senhora tem cutâneo-plantares em flexão.
• Abolição de reflexo patelar à direita.
A fundoscopia é feita num exame físico de abordagem
• Elevação da pressão arterial.
sem midríase farmacológica, apenas tomando-se o cuida
• Hipofonese de B1.
do de diminuira iluminação da sala de exame. Do clarão
• Desdobramento invertido de B2.
pupilar passa-se à papila óptica, com especial atenção a
• B4.
suas bordas, coloração e dimensão da escavação fisioló gica. A seguiros vasos, nas quatro divisões que divergem
Num contexto de dor em membro inferior direito e
da papila (nasais superiore inferiore temporais superior
tropeções, precisaremos de galhos que cubram ao menos
e inferior). Atenção para as arteríolas menos calibrosas
a abordagem neurológica dos membros inferiores.
que as veias (2:3), porém mais brilhantes. Os cruzamen
A elevação de PA obriga à avaliação de órgãos-alvo.
tos arteriovenosos devem ser oblíquos e sem esmagamen
As alterações de ausculta cardíaca obrigam a uma
tos. Termina-se com a pesquisa de hemorragias e manchas
avaliação do sistema de condução.
(exsudatos e drusas).
16 -
Exame Físico de Abordagem
lar e duas hemorragias retinianas pequenas, próximas à
ções específicas. Por exemplo, uma insuficiência cardíaca diastólica pode ser definida na ecocardiografia Doppler
papila esquerda.
muito antes de alguma alteração se tomar perceptível ao
CAPÍTULO
3
A senhora tem alguma diminuição do calibre arterio
O ECG revela bloqueio atrioventricular (BAV) de
exame físico. Embora isso seja verdade, a especificidade
primeiro grau e bloqueio de ramo esquerdo de terceiro
dos achados costuma ser muito alta e definitiva em algu
grau.
mas situações: B3 e dispneia têm alto valor preditivo para
Os achados do exame físico enriquecem a lista de
fração de ejeção diminuída. Em certas ocasiões, um acha
problemas obtida ao final da entrevista (você se lembra
do de exame físico pode mudar o ramo de uma investi
do final do capítulo anterior?):
gação: uma pessoa com ascite e elevação do pulso veno
so jugular deve ser inicialmente submetida a uma • Senhora de 61 anos de idade com dor em membro
investigação cardiológica. Adaptar o exame físico às su
inferior direito (possível distribuição multidermato
gestões da lista de problemas e escolher manobras com
mérica).
múltiplos níveis, no padrão síndrome do neurônio
o potencial de responder perguntas específicas são os fundamentos dessa habilidade clínica no terceiro milênio. É válido ainda lembrar que o exame físico é de baixo
motor inferior.
custo e tem o potencial de criar um forte vínculo com o
• Déficit motorem membro inferior direito? Sim, em
• Poliúria e perda de peso (disfunção metabólica?).
paciente, com benefícios terapêuticos de montante des
• Em uso atual de corticoide e recente de anti-infla
conhecido, mas certamente não inexistente.
matórios (verificar função renal).
Os capítulos de entrevista e exame físico ilustram (por
• Tonteira tipo pré-síncope (disfunção metabólica?
meio de um caso real) a aplicação dos componentes mais
Arritmia cardíaca?). Disfunção do sistema de con
importantes do método clínico. Dominar essas ferramen
dução (BAV + BRE).
tas ajuda muito a acurácia diagnóstica e, ainda mais im portante, o estabelecimento de uma parceria com o pa
• Hipertensão arterial sistêmica com dano retiniano
(avaliar função renal) e B4 (disfunção diastólica de VE?).
O próximo passo neste contexto, ainda no exame fí sico, é a obtenção da glicemia capilar A glicemia capilar da senhora é 480mg/dL.
O conjunto dos dados aponta para um diagnóstico inescapável: amiotrofia diabética (plexopatia lombossacral funcional, com sintomas dolorosos seguidos por uma
síndrome do neurônio motor inferior quase sempre uni
ciente, fundamento sem o qual não se consegue praticar Medicina digna de seu nome.
REFERÊNCIA (COM COMENTÁRIOS DO AUTOR) 1. TORGA, M. Ncrcsccrícsdamcrta+a Lisboa: Publicações Dom Quixote. 2007,2. ed., 172p. (Miguel Toiga foi um médico português que viveu entre 1907 e 1995. Sua ficção é um retrato vivo das pessoas pobres em sua luta pela sobrevivência. Muito podemos aprendersobre a arte de lidarcom gente, lendo seus contos).
lateral), que se soma à hipertensão arterial sistêmica significativa com lesão de órgãos-alvo e doença do siste
ma de condução cardíaco. E tudo isso numa mesma consulta, com o raciocínio de um único médico proficien
te no método clínico. Existe necessidade imperiosa de se avaliaras funções renal e cardíaca. Deve-se consultar um arritmologista sobre a relação entre a doença do sistema de condução e
os episódios de pré-síncope. A senhora recebe solicitações
dos exames complementares e referências pertinentes e, acima de tudo, uma explicação sobre o que tem.
DISCUSSÃO O exame físico foi por muito tempo vilipendiado, pela constatação de sua baixa sensibilidade frente a investiga-
LEITURA COMPLEMENTAR (COM COMENTÁRIOS DO AUTOR) BASTOS, R. R. Métcdoclírico Disponível em: www.medicinatual. com.br (Casos clínicos mensais, em que o autorilustra a aplicação dos métodos de entrevista médica) MCGEE, S. EvidciTebéKil pfyacaldiagxris St. Louis: SaundersElsevier 2007, 2. ed., 856p. (Neste livro absolutamente original, o autorse preocupa em mostrara validade das manobras diagnósticas, principalmente a partirde seus valores de sensibilidade, especifici dade e razão de verossimilhança) SIMEL, D. L.; RENNIE, D. Thôiííicnai clirical cxaniritkn New York: McGraw Hill/JAMA. 2009, 744p. (Documento importantís simo sobre a famosa série que trouxe a semiologia para o século XXI)
Doenças do Sistema Cardiovascular
CAPÍTULO
Síncope Marcio Gianotto Acreditar na Medicina seria a maior das loucuras, não fosse loucura ainda maior descrer dela.
Marcel Proust
Mulher negra, 53 anos de idade, viúva, apresenta -se sem acompanhantes ao setor de emergências com queixa de desmaios eventuais há duas semanas (três episódios). Refere que tais episódios são precedidos de sensação de mal-estar súbito, seguido, após alguns segundos, de perda abrupta do nível de consciência e queda da própria altura. Segundo ela, os episódios não estão associados a situações ou locais específicos, ocor rendo em momentos variados, inclusive em vias pú blicas, quando já chegou a ser socorrida por transeuntes. Em nenhum desses episódios a paciente procurou as sistência médica, pois sempre recobra a consciência rapidamente após a queda (menos de 10 segundos) e, assintomática, continua a realizar suas atividades. Nega liberação de esfíncteres ou outros sintomas associados aos episódios de queda. Não sabe informar quanto tempo permanece inconsciente ou se apresenta movi mentos tônico-clônicos durante os episódios. Questio nada sobre pessoas que possam ter presenciado tais episódios, refere ter uma filha que presenciou um deles, porém esta se encontra ausente no momento. Natural de Jequié, BA e residente em São Paulo, SP, desde os 30 anos de idade. Nunca trabalhou fora de casa e vive com a pensão que recebe por falecimento do marido. Desconhece qualquer doença prévia e faz uso apenas eventual de paracetamol para dores de cabeça.
na perda transitória da consciência e do tônus postural com recuperação espontânea, sendo este episódio provo
cado por redução no fluxo sanguíneo ao sistema nervoso central.
Por esse motivo, nosso principal objetivo na avaliação
inicial da paciente é caracterizar, com detalhes, tais epi sódios, a fim de enquadrá-los em dois grandes grupos:
• Síncope propriamente dita (Quadro 4.1): os episódios de queda são provocados por redução do fluxo san
guíneo ao sistema nervoso central. • Episódios que podem simular síncope (Quadro 4.2):
provocados por outros motivos. A síncope de etiologia vascular é a mais comum, se
guida da síncope de etiologia cardíaca. Em indivíduos jovens predomina a síncope neuromediada, enquanto em indivíduos idosos as causas predominantes incluem: hi potensão ortostática, hipotensão pós-prandial, síncope
medicamentosa, estenose aórtica, hipersensibilidade do seio carotídeo e bradiarritmias. Dentre as diversas causas
de síncope, discutiremos algumas delas no Quadro 4.3.
A definição precisa da causa dos episódios sincopais A queixa da paciente é enquadrada por muitos profissio
no caso descrito é uma tarefa desafiadora, pois são epi
nais na seguinte expressão: “síncope a esclarecer”. Entre
sódios que ocorrem de forma esporádica e dificilmente
tanto, nem todo episódio de perda transitória da consci
conseguiremos examinara paciente e obterum eletrocar
ência enquadra-se na definição de síncope, que consiste
diograma (ECG) na vigência de sintomas.
20 -
Doenças do Sistema Cardiovascular
CAPÍTULO 4
QUADRO 4.1 ‒ Causas de síncope Vasculares
• Anatômicas - Síndromes de roubo do fluxo vascular (por exemplo: síndrome do desfiladeiro torácico) • Ortostáticas - Disfunção autonômica - Idiopática - Hipovolemia - Induzida por drogas, álcool ou medicamentos • Reflexas - Hipersensibilidade do seio carotídeo - Síncope reflexa neuromediada - Síncope glossofaríngea - Situacional (tosse, espirros, deglutição, micção, pós-prandial)
Cardíacas
• Anatômicas - Estenose valvar - Dissecção aórtica - Mixoma atrial - Tamponamento pericárdico - Cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva - Isquemia miocárdica - Embolia pulmonar - Hipertensão pulmonar • Arritmias - Bradiarritmias - Doença do nó sinusal - Bloqueios atrioventriculares - Taquiarritmias supraventriculares - Taquiarritmias ventriculares - Disfunção de marca-passo e/ou cardiodesfibrilador implantável em uso
Síncope de oriαem desconhecida
QUADRO 4.2 - Causas que podem simular síncope • • • • •
Malformação de Arnold-Chiari Enxaqueca Convulsões Ataque isquêmico transitório Insuficiência vertebrobasilar
Metabólicas
• • • •
Álcool Outras drogas e medicamentos Hipoglicemia Hipoxemia
Psicogênicas
• Ansiedade • Transtorno do pânico • Transtorno de somatização
Nessa tarefa, a anamnese e o exame físico detalhado conseguem sozinhos definir uma provável causa em boa parte dos casos. Para isso, é importante determinar na história clínica, os seguintes aspectos:
1. Há na família antecedente de doenças cardíacas, síncope ou morte súbita? 2. Paciente faz ou fez uso de alguma substância que possa desencadear tais episódios? 3. Definir com precisão os sintomas premonitórios, a duração da perda de consciência e os sintomas apresentados após a recuperação.
• Hipotensão ortostática - Na posição ortostática, 500 a 800mL de sangue são deslocados para a circulação esplâncnica e para os membros inferiores, provocando uma redução abrupta do retorno venoso. Essa redução ocasiona a queda do débito cardíaco e a estimulação dos barorreceptores aórticos, carotídeos e cardiopulmonares, levando à estimulação simpática. Como resposta, há aumento da frequência cardíaca, da contratilidade miocárdica e da resistência vascular para que a pressão arterial mantenha-se estável - A hipotensão ortostática define-se como a queda de no mínimo 20mmHg da pressão arterial sistólica ou 10mmHg da pressão arterial diastólica após 3min na posição ortostática. Esse fenômeno pode ser assintomático ou provocar sintomas como tonturas, lipotimias, borramentos visuais, fraqueza, palpitações, tremores ou síncopes. Tais sintomas são piores pela manhã, logo após acordar e depois das refeições. - A principal causa de hipotensão ortostática é medicamentosa, provocada por drogas vasodilatadoras ou que levem à depleção de volume, sendo a população idosa a mais afetada. Outras causas são neurogênica (falência autonômica primária ou secundária) e a síndrome da taquicardia ortostática postural, que consiste numa forma mais leve e crônica de falência autonômica caracterizada por sintomas de intolerância ortostática associados ao aumento da frequência cardíaca em pelo menos 28bpm, com ausência de alterações significativas da pressão arterial nos 5min seguintes • Hipotensão neuromediada (síncope vasovagal) - Consiste numa alteração na regulação pressórica que leva à ocorrência súbita de hipotensão com ou sem bradicardia. Os gatilhos para tal fenômeno estão associados à redução do enchimento ventricular ou aumento na secreção de catecolaminas e incluem: viscosidade sanguínea, dor, posição ortostática prolongada, ambientes ou banhos muito quentes e situações estressantes • Hipersensibilidade do seio carotídeo - Há estimulação dos barorreceptores carotídeos localizados na artéria carótida interna, logo após a bifurcação da artéria carótida comum. O diagnóstico é feito pela aplicação de uma leve pressão sobre a pulsação carotídea, logo abaixo do ângulo da mandíbula, onde se localiza a bifurcação da carótida comum. A pressão deve ser mantida em apenas um dos lados por aproximadamente 5 a 10s (não realizar esta manobra em pacientes com antecedentes de acidente isquêmico transitório, acidente vascular encefálico ou com sopros carotídeos) - A resposta normal a essa manobra é a queda transitória da frequência cardíaca e/ou a lentificação da condução atrioventricular no eletrocardiograma. A hipersensibilidade do seio carotídeo é definida pela ocorrência de pausa sinusal com duração maior que 3s associada à queda da pressão arterial sistólica em 50mmHg ou mais - A hipersensibilidade do seio carotídeo pode ser encontrada em até um terço dos idosos após um episódio de queda. Porém, é importante ressaltar que também aparece em muitos idosos assintomáticos. Por isso, nem sempre é possível atribuir os episódios sincopais a essa doença, devendo-se excluir outras causas - Uma vez confirmada, a colocação de marca-passo dupla câmara está indicada para aqueles com síncopes recorrentes resultantes de hipersensibilidade do seio carotídeo
4. Obter detalhes dos episódios com testemunhas que tenham presenciado algum desses eventos. No caso em discussão, apesar de não haver acompa nhantes que possam trazer maiores informações sobre o caso, as informações fornecidas até o presente momento pela paciente, como ausência de sintomas premonitórios, recuperação rápida do nível de consciência (poucos se-
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Neurológicas e cerebrovasculares
QUADRO 4.3 - Algumas causas de síncope
Síncope - 21
100/70mmHg na posição supina, 95/70mmHg na po
sição sentada e 95/65mmHg na posição ortostática. Pulso regular fino e simétrico em ambos os membros, com frequência de 78bpm na posição supina e 85bpm na posição ortostática. Pescoço sem linfonodomegalias com tireoide palpável e ausência de nódulos ou altera
crise convulsiva menos provável e nos direcionam para o diagnóstico de síncope propriamente dita.
Entretanto, é importante ressaltar que a paciente pode muito bem ter apresentado confusão mental e outros sintomas no pré ou pós-queda e não se lembrar disso. Por
ções na forma e na consistência. Jugulares ingurgitadas até 4cm da fúrcula esternal na posição supina com ca
beça inclinada 45°. Ausência de sopros carotídeos. A expansibilidade torácica apresentava preservada, sem alterações da elasticidade ou do diâmetro anteropos
isso, mesmo sem queixas que nos façam pensarem con vulsão, tal hipótese ainda deve ser considerada.
Uma história mórbida familiar bem detalhada e o exame físico completo com certeza ajudarão a definir melhor um provável diagnóstico para a paciente. A Tabela 4.1 auxilia clinicamente na diferenciação entre síncope neuromediada, arritmia e convulsão.
terior. Murmúrio vesicular presente com estertores crepitantes inspiratórios em terço inferior de ambos os hemitórax, sem alterações com o ato de tossirou o de cúbito. O íctus apresenta-se no sexto espaço intercostal esquerdo sobre a linha axilar anterior, propulsivo e
Questionada sobre episódios semelhantes em fami liares, a paciente os desconhece. Refere ter apenas duas
abrangendo duas polpas digitais. As bulhas cardíacas são rítmicas, hipofonéticas com sopro sistólico mais audível
filhas e que ambas são saudáveis. Não conheceu o pai e perdeu a mãe quando tinha 19 anos de idade por
em foco mitral, cuja intensidade não se altera com a inspiração profunda. Abdome plano, flácido, sem deformidades visíveis,
doença que não sabe informar.O marido faleceu há dez anos, com 60 anos de idade, por problema de “coração inchado”.
dolorido à palpação profunda em epigástrio e hipocôn drio direito com fígado palpável a 3cm do rebordo
costal direito, sem irregularidades no seu contorno. Não há outras massas ou órgãos palpáveis. Ruídos hidroaé reos presentes.
Ao exame físico apresenta-se em bom estado geral, orientada, calma e colaborativa. Deambula com certa lentidão, sem maiores dificuldades. Pressão arterial:
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TABELA 4.1 - Diferenciação entre síncope neuromediada, arritmias e convulsões
Parâmetros
Neuromediada
Arritmia
Convulsão
Epidemiologia e clínica inicial
Mulher > homem < 55 anos de idade Vários episódios (> 2) Gatilhos: posição ortostática prolongada, ambientes quentes, estresse emocional
Homem > mulher > 54 anos de idade Poucos episódios (< 3) Ocorrência durante exercícios ou em posição supina
< 45 anos de idade
Sintomas premonitórios
Duração prolongada (> 5s) Palpitações Borramentos visuais Náuseas Diaforese Tonturas
Curta duração (< 5s) Palpitações são pouco frequentes
Início súbito com aura breve (déjà-vu, parestesias olfatórias, gustativas ou visuais)
Clínica durante o evento
Palidez Diaforese Dilatação pupilar Bradicardia Hipotensão Pode haver incontinência Podem ocorrer breves momentos de movimentos tônico-clônicos
Cianose sem palidez Pode haver incontinência Podem ocorrer breves momentos de movimentos tônico-clônicos
Cianose sem palidez Salivação excessiva Perda prolongada do nível de consciência (> 5min) Mordedura da língua Desvio do olhar Hipertensão Taquicardia Incontinência Movimentos tônico-clônicos
Sintomas residuais
Sintomas residuais são comuns Fadiga prolongada (> 90%) Orientado
Sintomas residuais são raros Orientado
Sintomas residuais são comuns Dores musculares Desorientação Fadiga Cefaleia Lenta recuperação
CAPÍTULO 4
gundos) e sem sintomas como sonolência, dores muscu lares, lesões de língua, desorientação, cefaleia ou perda esfincteriana no período pós-queda, tomam a hipótese de
22 -
Doenças do Sistema Cardiovascular
CAPÍTULO 4
Ao exame de extremidades, a paciente apresenta membros quentes e bem perfundidos com edema +/IV simétrico em pés e pernas.
O exame neurológico completo foi realizado e
TABELA 4.2 - Base etiológica das cardiopatias primárias e secundárias na população estudada
Diagnóstico
Proporção (%)
Cardiomiopatia idiopática
50
Miocardite
9
Doença isquêmica do coração
7
5
direciona para uma provável etiologia cardíaca. Apesar
Cardiomiopatia secundária à doença infiltrativa do miocárdio (amiloidose, sarcoidose, hemocromatose)
da ausência de queixas como dispneia aos esforços ou
Cardiomiopatia periparto
4
ortopneia, o achado de edema de membros inferiores,
Cardiomiopatia hipertensiva
4
Cardiomiopatia do HIV
4
Cardiomiopatia secundária à doença do tecido conjuntivo (esclerodermia, lúpus, Marfan, poliarterite nodosa, dermatopolimiosite, espondilite anquilosante, artrite reumatoide, Wegener, doença mista do tecido conjuntivo, etc.)
3
3
pressão arterial ou frequência cardíaca entre as posições
Cardiomiopatia secundária ao abuso de substâncias (álcool e cocaína)
supinas e ortostáticas, o que toma a hipótese de hipoten
Outras causas
11
são ortostática menos provável. Apesarde o exame físico
HIV = vírus da imunodeficiência humana.
mostrou-se inalterado. Com altura de 1,55m e peso de 55kg, apresenta índice de massa corporal (IMC) de 22,9.
O exame físico extremamente rico em achados nos
associado à estase de jugulares, hepatomegalia e a crepi
tações em bases pulmonares levanta a possibilidade de um quadro congestivo cuja etiologia cardíaca, com pro vável dilatação de câmaras cardíacas, é fortemente suge
rida pela presença do ictus cordis desviado, dilatado e propulsivo. Não observamos alterações significativas de
rico em achados, o quadro oligossintomático pode ser explicado por uma provável evolução mais arrastada que tenha permitido à paciente se adaptar à doença.
de possíveis fatores etiológicos. Felker et al. publicaram,
53 anos, com episódios de síncope, sem outros sintomas,
em 2000, um estudo com 1.230 portadores de cardiomio patias em que observaram a prevalência de cada fator etiológico para aquela população (Tabela 4.2).
e que se apresenta ao exame físico com sinais de conges
Mesmo considerando que 50% dos pacientes, após
tão cardíaca direita e esquerda associada a sinais de dila
uma investigação exaustiva, receberão o diagnóstico de
tação ventricular sugerindo uma cardiomiopatia dilatada
cardiomiopatia idiopática, a busca de um fator etiológico
de etiologia ainda não definida.
não deve ser desencorajada, principalmente quando tais
Até o momento, o que podemos deduzir da história clínica dessa paciente é que se trata de uma senhora de
Antes de prosseguirmos a discussão, algumas perguntas fazem-se necessárias para guiar o nosso raciocínio clínico e nossa busca de maiores informações:
fatores podem ser eliminados ou tratados (por exemplo, abuso de substâncias, hipertensão, isquemia, etc.).
A ausência de história de precordialgia ou fatores de risco conhecidos para doença aterosclerótica coronariana,
1. A provável cardiomiopatia é a causa dos episódios
como obesidade, diabetes, hipertensão ou tabagismo, fala
sincopais da paciente ou estes são apenas achados
contra (mas não exclui) etiologia isquêmica. Neste mo
de exame?
mento, é importante enfatizar que o marido faleceu pre
2. Qual é a etiologia dessa cardiomiopatia?
cocemente com uma história pouco explicada de “coração
3. Como prosseguirna investigação da paciente?
inchado”, cuja etiologia pode ou não ser a mesma que
nos leva a observar esses achados de exame físico na
Não há como afirmar que os achados de exame físico
paciente. Associamos a esse dado a informação de que
tenham relação com os episódios sincopais, porém, todo
a paciente é proveniente do interior da Bahia, região
o esforço deve ser feito para unir história clínica, exame
endêmica para doença de Chagas, e que viveu lá com seu
físico e raciocínio clínico em uma só doença. Lembramos
falecido marido até os 30 anos de idade. Tal fato deve ser
que cardiopatias dilatadas podem predispor a episódios
considerado numa futura investigação etiológica.
sincopais por uma série de mecanismos, entre eles baixo
Para investigação inicial, guiados pela história clínica e
débito, mecanismos obstrutivos, bradiarritmias, taquiar
pelo exame físico, foram solicitados dois exames de rápida
ritmias e outros.
e fácil realização na maioria dos serviços de saúde: radio
Em relação à etiologia, lembramos que a cardiomio
grafia de tórax (Fig. 4.1) e ECG de 12 derivações (Fig. 4.2).
patia dilatada é vista como uma via final das diversas
Pela radiografia de tórax (Fig. 4.1) confirmamos o que
outras formas de cardiomiopatias, o que amplia o leque
já havia sido observado ao exame físico:
• Cefalização da circulação pulmonar com apareci mento de linhas B de Kerley próximo aos seios costofrênicos direito e esquerdo, confirmando a
hipótese de congestão pulmonar. Ao ECG (Fig. 4.2) observamos:
• Ritmo sinusal (ondas P positivas em DII e negativas em aVR seguida de complexos QRS). • Frequência cardíaca de 75bpm. • Onda P bifásica em V1 e dicrótica em DI com du ração > 0,12s, sugerindo sobrecarga atrial à custa
do átrio esquerdo (Tabela 4.3). • Todas as ondas P são seguidas de complexo QRS, mas o intervalo P-QRS > 0,2s indica bloqueio atrio ventricularde 1º grau.
Figura 4.1 - Radiografia de tórax anteroposterior.
• Aumento da área cardíaca com predomínio de au
mento do ventrículo esquerdo e átrio esquerdo (sugerido pelo desvio cranial do brônquio-fonte esquerdo e aparecimento do quarto arco na silhueta mediastinal esquerda, logo abaixo do tronco da ar
téria pulmonar Tal achado é provocado pelo aumen to da aurícula atrial esquerda).
Figura 4.2 - Eletrocardiograma.
• Complexo QRS com duração > 0,12s e padrão RSR’
em derivações precordiais direitas, indicando blo queio de condução ventricular do ramo direito do feixe de His. • Eixo elétrico do complexo QRS nas derivações periféricas (Quadro 4.3 e Fig. 4.3) encontra-se entre -90 e -120° (desvio para a esquerda), indicando hemibloqueio da porção anteriordo ramo esquerdo
do feixe de His. • Ausência de ondas Q patológicas que possam suge rir algum evento isquêmico prévio.
24 - Doenças do Sistema Cardiovascular
CAPÍTULO 4
TABELA 4.3 - Duração normal das ondas e dos intervalos
Intervalos e ondas
Duração normal
PR
0,12 ‒ 0,2s
QRS
55%
nóstico em cardiopatia chagásica.
Índice de massa do ventrículo esquerdo
98,98g/m2
< 135g/m2 (homem) < 111g/m2 (mulher)
Espessura da parede do ventrículo esquerdo
28%
26 - 34mm
estrutural e síncope associada a BAV 2:1 e BAVT inter
100bpm
2
Killip II-IV
2
Peso < 67kg
1
Elevação de ST na parede anterior ou bloqueio do ramo esquerdo
1
Tempo de apresentação > 4h
1
temos que avaliara dor (Tabela 7.1), que pode ser típica ou
sos e mulheres, dificulta o diagnóstico de IAM. Definido bem o quadro clínico, o próximo passo é o eletrocardiograma (ECG) (12 derivações e especiais di
reitas e posteriores, se necessário), que deve ser obtido
num prazo máximo de 10min após a admissão e as enzi mas cardíacas. Monitorizar sinais vitais, colher exames
gerais (pressão parcial de oxigênio [pO2], saturação de Oxigênio2, enzimas, função renal, etc.) e ecocardiograma de urgência para avaliar disfunção contrátil. A disfunção contrátil é o primeiro evento na isquemia, seguido das alterações eletrocardiográficas e só depois a angina.
Pontuação
DM = diabetes mellitus; FC = frequência cardíaca; HAS = hipertensão arterial sistêmica; IAM = infarto agudo do miocárdio; PAS = pressão arterial sistólica; TIMI risk = risco de trombólise em infarto do miocárdio.
Dor Aguda no Peito - 37
TABELA 7.4 - Avaliação da probabilidade de isquemia coronariana
História prévia de coronariopatia
Dor ou desconforto torácico ou no membro superior esquerdo como principal sintoma
Dor torácica reproduzida à palpação
Dor torácica sugestiva ou irradiação para membro superior esquerdo ou semelhante à dor anginosa prévia
Diabetes mellitus
ECG normal ou onda T retificada
Diaforese
Sexo masculino
Edema pulmonar ou crepitações
Idade > 70 anos
Hipotensão
Presença de doença vascular extracardíaca (AVC)
Insuficiência mitral transitória
Ondas Q patológicas
Alterações do segmento ST transitórias (≥ 0,05mV)
Anormalidades fixas no ECG (segmento ST ou onda T)
7
Probabilidade intermediária (presença de um deles) Baixa probabilidade
Inversão de onda T com sintoma (≥ 0,2mV)
Enzimas cardíacas normais
Elevação de enzimas cardíacas
Enzimas cardíacas normais
AVC = acidente vascular cerebral; ECG = eletrocardiograma.
TABELA 7.5 - Avaliação do risco para óbito ou infarto agudo do miocárdio não fatal em curto na síndrome coronariana aguda com IAM sem supra-ST *: basta apenas um dos fatores por risco
Alto risco
Médio risco
Baixo risco
Dor anginosa > 20min, presente ao atendimento
Dor anginosa > 20min ausente ao atendimento ou aliviada por nitrato; angina noturna ou dor anginosa grave < 2 semanas sem angina prévia
Angina "em crescendo" ou angina grave < 2 meses sem angina prévia
Sinais de congestão pulmonar, terceira bulha, hipotensão arterial e taquicardia, sopro de insuficiência mitral (novo)
Alterações isquêmicas dinâmicas da onda T, onda Q patológica ou infradesnível ST < 0,5mm
ECG normal ou com mesmo padrão anterior
> 75 anos de idade
> 65 anos de idade
Infradesnível ST ≥ 0,05mm ou bloqueio de ramo esquerdo recente Taquicardia ventricular sustentada, fibrilação ventricular
Troponina I ou T > 0,1ng/mL (IAM) * De acordo com American College of Cardiology/American Heart Association)
ECG = eletrocardiograma; IAM = infarto agudo do miocárdio
TABELA 7.6 - Classificação de Killip e Kimball do risco para mortalidade de pacientes com infarto agudo do miocárdio
Classe
Risco
Mortalidade hospitalar (%)
Killip I
Sem congestão pulmonar ou choque
6
Killip II
Edema pulmonar leve ou só terceira bulha (B3) com galope
17
Killip III
Edema pulmonar, disfunção importante de ventrículo esquerdo ou insuficiência mitral aguda
38
Killip IV
Hipotensão, choque cardiogênico
81
Pelo ECG, poderemos dividirem SCA com e sem supradesnivelamento de ST. Podemos fazer a subdivisão de acordo com quadro clínico, ECG e enzimas cardíacas (Tabela 7.7). Realizados imediatamente glicemia capilar com resultado de 242 e ECG que revelou supradesnivela mento do segmento ST em D2, D3 e aVF com derivações direitas sem alteração (Fig. 7.1). Radiogra
CAPÍTULO
Alta probabilidade (presença de um deles)
fia de tórax sem alterações, sem alargamento do mediastino ou da aorta. Paciente recebe ácido acetilsa licílico (AAS), 300mg, mastigado, cateter com oxigênio; solicitados exames gerais e acionado o grupo da hemodinâmica. Não foi introduzido betabloqueador nem nitrato, já que a paciente está sem dore com ins tabilidade hemodinâmica. Realizado ecocardiograma no leito, que revelou hipocinesia ventricular direita moderada. Solicitados exames gerais.
38 - Doenças do Sistema Cardiovascular
CAPÍTULO
7
TABELA 7.7 - Divisão em síndrome coronariana aguda
Dor
Eletrocardiograma
Enzimas cardíacas
Infarto agudo do miocárdio com supra-ST
Anginosa/equivalente isquêmico > 20min
Supra-ST > 1mm ou bloqueio de ramo esquerdo novo
Alteradas
Infarto agudo do miocárdio sem supra-ST
Anginosa/equivalente isquêmico > 20min
Normal; alterações da angina (abaixo) ou infra ST > 0,5mm
Alteradas
Angina instável
Anginosa/equivalente isquêmico > 20min
Normal; ondas T apiculadas e simétricas; ondas T negativas e simétricas e infradesnivel ST > 0,5mm novo
Normais ou discretamente elevadas
Angina de Prinzmetal
Anginosa/equivalente isquêmico > 20min
Supradesnível de ST transitório (no momento da dor)
Normais
Figura 7.1 - Eletrocardiograma evidenciando supra-ST compatível com corrente de lesão na parede inferolateral (DII, DIII, aVF e V4, V5, V6); possível território de artéria circunflexa dominante.
Com a glicemia capilar deixamos de lado o diagnós
Nesse caso, o quadro não está compatível, além de
tico de um estado hiperosmolar que evidenciaria estado
haver glicemia abaixo do risco (< 250) e ECG alterado
confusional, com possíveis náuseas e vômitos associados,
que explica o quadro. Uma gasometria venosa seria mui
polidipsia e poliúria precedendo o quadro e desidratação
to útil.
de leve a grave (Tabela 7.8). Além disso, não podemos
Com o ECG em mãos, confirmamos a principal hipó
esquecer que paciente idosa com tempo longo de diabetes
tese: IAM. O supradesnivelamento do segmento ST de
mellitus pode se transformarem insulino-dependente por
D2, D3 e aVF revela infarto de parede inferior ou seja,
esgotamento pancreático, provocando um quadro de ce
da coronária direita ou da artéria circunflexa, dependendo
toacidose diabética pela glicemia mal controlada.
da dominância. Com esse diagnóstico temos de obter as
978-85-4120-074-5
Síndrome coronariana aguda
Dor Aguda no Peito - 39
fazer diagnósticos diferenciais (processos pulmonares e da aorta torácica). No ecocardiograma transtorácico,
devemos seriaro ECG (a cada 30min) e solicitar enzimas
podemos visualizar déficit contrátil do ventrículo esquer
cardíacas. Com a radiografia podemos avaliarse há con
do e complicações (comunicações intraventriculares,
gestão pulmonar cardiogênica, avaliara área cardíaca e
aneurismas, derrame pericárdico, insuficiência mitral,
ruptura de cordoalhas).
5
978 85 4120 074
TABELA 7.8 - Comparação entre as alterações causadas pela cetoacidose diabética e pelo estado hiperosmolar não cetótico
(Tabela 7.9): morfina se houver dor, oxigênio, AAS (300mg), clopidogrel, nitrato sublingual se não houver
contraindicações, betabloqueadorse não houvercontrain
Parâmetros
Cetoacidose diabética
Estado hiperosmolar
Glicemia
> 250mg/dL
> 600mg/dL
pH plasmático
7,30
mente a terapia (Tabela 7.10 e Quadro 7.2): há terapias de
Bicarbonato plasmático
< 10mEq/L
> 20mEq/L
reperfusão com trombolíticos ou pela angioplastia primá
Sódio
130- 140mEq/L
145- 155mEq/L
ria, terapia de revascularização e tratamento conservador.
Potássio
5-6mEq/L
4-5mEq/L
Cetonúria
≥3+
dicações. Uma vez iniciado o tratamento, deve-se definirrapida
Os resultados laboratoriais revelam: troponina de 55ng/mL (valor de referência: < 0,1ng/mL), glicemia
≤ 2+
TABELA 7.9 - Drogas na fase aguda do infarto
Drogas
Ação
Via e melhor evidência
Observação
Ácido acetilsalicílico (AAS)
Bloqueia a enzima cicloxigenase causando inibição direta do tromboxano e prostaglandinas (vasoconstritores e pró-agregantes) Diminui agregação plaquetária Inibição imediata e quase total
VO, 162-325mg, mastigado
Substituir o AAS, em casos de alergia, por clopidogrel ou ticlopidina
Clopidogrel
Bloqueia receptor de membrana da plaqueta
VO, em conjunto com AAS na dose de 75mg/dia
A menos que haja indicação à revascularização cirúrgica nos 5 dias subsequentes
Iniciar após coronariografia
Nitratos
Antianginosos: vasodilatação venosa, mas dilata também a coronária, diminui retorno e consumo de oxigênio
SL, isordil, 5mg (máximo de 3 doses a cada 5min) EV, nitroglicerina 5 - 10μg/ min (máximo de 100 -200μg/min)
Muito utilizados quando há isquemia persistente ou recidivante, congestão pulmonar, infarto anterior extenso e hipertensão arterial
Hipotensão e taquicardia
Opioides
Controlam a dor
EV, sulfato de morfina, 2-4mg
Com incremento de 2 - 8mg, EV, a cada 5- 15min
Sedação excessiva e hipotensão arterial
Betabloqueadores
Reduz frequência cardíaca (FC), pressão arterial (PA), contratilidade e consumo de O2. Reduz isquemia/ necrose. Antianginoso
VO, metoprolol, 50mg, a cada 6h inicialmente Pode ser usado também propranolol, 20 - 80mg, VO, a cada 8h, ou atenolol, 50 - 200mg/dia
São recomendados nas primeiras 24h
Contraindicados: FC < 55, PA sistólica < 100 Insuficiência cardíaca moderada, sinais de baixo débito, DPOC
Inibidores da glicoproteína IIb/llla
Bloqueiam receptores de membrana plaquetária; são os mais potentes
EV
Indicados para angina instável e IAM sem supra-ST
—
Oxigênio
Para anormalidades da ventilação-perfusão pós-IAM (disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, aumento da PA diastólica causando congestão pulmonar, dispneia, taquipneia e hipóxia). Deve ser mantido após 6h somente se houver congestão pulmonar ou saturação de O2 % < 90
Heparina
Preferencialmente HBPM para pacientes que receberam fibrinolíticos (inclusive estreptoquinase) por no mínimo 48h ou até alta hospitalar (enoxaparina, 1mg/kg, a cada 12h)
IECA e estatinas
IECA: nas primeiras 24h para IAM anterior, FE < 40%, congestão pulmonar, hipertensos, diabéticos ou com insuficiência renal crônica Estatinas: atorvastatina, 80mg, com ideal LDL 70mg/dL, na fase aguda (< 24h)
Cuidados
DPOC = doença pulmonar obstrutiva crônica; EV = endovenosa; FE = fração de ejeção; HBPM = heparina de baixo peso molecular; IAM = infarto agudo do miocár dio; IECA = inibidores da enzima conversora de angiotensina; LDL = colesterol de lipoproteína de baixa densidade; SL = sublingual; VO = via oral.
7
Com o diagnóstico de IAM iniciamos o tratamento
CAPÍTULO
derivações direitas para checara extensão do infarto; neste caso se limitou à parede inferior. Pensado em IAM,
40 - Doenças do Sistema Cardiovascular
CAPÍTULO
7
TABELA 7.10 - Terapias de reperfusão e revascularização Droga/ATC
Vantagens
Desvantagens
Estreptoquinase
Mais barato, mais difundida (idosos)
Efeitos colaterais: sangramento, hipotensão, bradicardia e alergia
Ativador tecidual de plasminogênio (t-PA)
Fluxo é mais rápido, porém o custo é alto
Maior risco de hemorragia intracraniana
Tenecteplase
Infusão em bolus de acordo com o peso, menor risco de AVC. Ideal para trombólise pré -hospitalar
Elevado custo e pequena disponibilidade no Brasil
Angioplastia primária (ATC)
Maior taxa de reperfusão (comparada com a trombólise) Menor mortalidade e reinfarto O uso de stents diminui a taxa de oclusão aguda e de reestenose pós-angioplastia Menor tempo de recuperação e hospitalização
Hemorragia, lesão, trombose local, infecção, arritmias, ruptura coronária
Reperfusão
Recomendada nas primeiras 12h Risco maior de sangramento para > 75 anos de idade ou com baixo peso
Revascularização
Quando há falha na angioplastia Nos IAM com isquemia persistente ou recorrente Pacientes em estado grave Pacientes com cateterismo recente
ATC = angioplastia transluminal coronária; AVC = acidente vascular cerebral; IAM = infarto agudo do miocárdio.
QUADRO 7.2 - Contraindicações à trombólise química • Contraindicações absolutas -
AVC hemorrágico em qualquer tempo AVC isquêmico nos últimos 6 meses Trauma ou cirurgia recentes (< 3 meses) Sangramento gastrointestinal no último mês Discrasia sanguínea ou sangramento ativo (exceto menstruação) Suspeita de dissecção de aorta Doença terminal
• Contraindicações relativas -
Ataque isquêmico transitório < 6 meses Terapia com anticoagulante oral Ressuscitação cardiopulmonar traumática Doença hepática avançada Gravidez ou período pós-parto na última semana Pressão sistólica > 180mmHg ou diastólica > 110mmHg Endocardite infecciosa Úlcera péptica ativa Exposição prévia à estreptoquinase (> 5 dias)
AVC = acidente vascular cerebral.
plasmática de 232mg/dL, gasometria venosa com pH 7,35, bicarbonato de 21mmol/L, sódio de 138mmol/L, potássio de 4,5mmol/L, creatina quinase (CK) de 198U/L (entre 38 e 174U/L) e CKMB de 32U/L (< 25U/L), he moglobina de 11,6g/dL com hematócrito de 31,1%, leucócitos: 9.400U/L (0% bastões; 65% segmentados; 20% linfócitos; 10% monócitos), creatinina 0,8mg/dL, ureia 25mg/dL, urina simples com pH 5,5 e densidade de 1.020, com 8 leucócitos e 5 hemácias, velocidade de hemossedimentação de 14mm (< 8mm). Como a troponina inicia seu aumento por volta de 4 a
6h após o infarto (Tabela 7.11), deduz-se que a paciente infartou durante a madrugada, enquanto dormia, antes do
quadro de dor que a fez despertar com no mínimo 4h de evolução da entrada e não apenas 2h. A gasometria está
normal, sem sinais de acidemia ou acidose, com eletróli
tos também normais, com osmolaridade de 289mOsm/L
(há sonolência pelo estado hiperosmolar não cetótico com osmolaridade acima de 320mOsm/L). Sua função renal
está preservada com clearance estimado de 59mL/min. Paciente aparentemente sem sinais de infecção com leu
cócitos plasmáticos normais, urina sem alterações. Sem pre lembrar das miocardites que podem cursar com supra-
ST no ECG, além de elevação das enzimas cardíacas por lesão das fibras miocárdicas. Após 30min da chegada, a paciente evolui com queda da pressão arterial (80 × 50mmHg, taquicardia (FC; 120bpm); realizado volume com 1L de soro fisio lógico a 0,9%, sem resposta, mais 1L sem resposta. A pressão arterial cai para 70 × 40mmHg, pulsos abolidos em membros inferiores. Administrada dobutamina (10μg/kg/min), com melhora da PA para 100 × 60mmHg e da FC para 98bpm.
Dor Aguda no Peito - 41
TABELA 7.11 - Concentração plasmática das enzimas cardíacas ao longo do tempo
Aparecimento (h)
Pico (h)
Normal (dias)
Observação
Mioglobulina
1 -4
—
24
Baixa especificidade e curta duração
CKeCKMB
4-6
12-24
2-4
CKMB: mais específica, baixo custo
DHL
8-24
—
5-10
Baixa especificidade
TroponinasT/I
4-6
24
5-10
Muito sensível e específica (necrose miocárdica mínima)
CAPÍTULO
Enzimas
7
CK = creatina quinase; CKMB = creatina quinase MB; DHL = desidrogenase lática.
Paciente em instabilidade hemodinâmica, não respon siva a volume, com choque cardiogênico. Necessita de
drogas vasoativas para estabilização. Neste momento, podemos ter uma ampliação da extensão do infarto, pro
vocando instabilidade. Paciente necessita de intervenção
hemodinâmica de urgência (Quadro 7.3). Paciente admitida no setor de hemodinâmica após 50min da entrada, com quadro de IAM com suprades nivelamento do segmento ST (SST) inferior em evolução com instabilidade hemodinâmica. Realizada angiografia que mostrou artéria circunflexa dominante ocluída em terço médio antes das emergências de seus ramos posterolaterais. Procedida à angioplastia com implante de stent Liberté 2,5 × 20mm em primeiro grande ramo posterolateral, com sucesso e fluxo TIMI 3. Procedeu-se à angioplastia transluminal coronária (ATC) com implante de stent Liberté 2,5 × 24mm em terço médio da artéria circunflexa, sem sucesso devido ao fenômeno de no reflow. Déficit grave de ventrículo esquerdo por discinesia inferoapical. Porções inferoba sais e anterobasais com contratilidade preservada. Evolui com instabilidade hemodinâmica durante exame; administrados ondansetrona (2mg), atropina (8mg) e midazolam (3mg). Colocado balão intra-aórtico. Gli cemia capilarde 265. Término do exame com paciente sob ventilação mecânica e saturação de O2 99%, estável, PA 130 × 70mmHg, já em desmame das drogas vaso ativas. Administrado clopidogrel (300mg). Encaminhada para unidade de terapia intensiva (UTI). Realizado ECG pós-ATC (Fig. 7.2).
O balão intra-aórtico é um dispositivo de contrapulsação instalado dentro da aorta, via artéria femoral, que estabili za hemodinamicamente o paciente, pois, ao inflar na diás tole, aumenta a pressão de perfusão coronariana e, ao de sinsuflar na sístole, reduz a pós-carga ventricular. Suas indicações são: (1) instabilidade hemodinâmica em pacien tes que precisam ser submetidos a cateterismo para deter minar condutas de revascularização; (2) choque cardiogê nico não responsivo ao tratamento com agentes inotrópicos e vasoativos; (3) angina refratária ao tratamento clínico completo. Reduz 150 óbitos para cada 1.000 pacientes tratados. Suas complicações compreendem desde isquemia de membros inferiores e de vísceras abdominais, até per furação da aorta, embolia periférica e hemorragias. Na UTI, a paciente está em uso de dobutamina, noradrenalina e midazolam. Após 8h da entrada, entra em atividade elétrica sem pulso (AESP). Reanimação cardiorrespiratória segundo o Advanced Cardiac Life Support (ACLS), com atropina e adrenalina, mas sem sucesso. Óbito.
Infelizmente, o risco de óbito da paciente era elevado, classificada como de alto risco. Apresentava TIMI risk de 12 pontos, representando 36% de mortalidade em 30 dias pós-IAM. A parada cardiorrespiratória em AESP corresponde a uma assistolia com atividade elétrica sem pulso, cujo tra tamento é com drogas vasoativas e nunca por choque. Dentre suas causas (Tabela 7.12), podemos citar várias
QUADRO 7.3 - Indicações à angioplastia transluminal coronária (ATC) de emergência • IAM com elevação de ST - Dor contínua e persistência do ST elevado após 90min da trombólise - Choque cardiogênico ou arritmias graves e refratárias ou fração de ejeção < 0,4 - IAM da coronária descendente anterior esquerda - Isquemia refratária ou recorrente com o tratamento clínico - Contraindicação ao uso dos trombolíticos
IAM = infarto agudo do miocárdio.
• Angina instável ou IAM sem ST
- Angina/isquemia recorrente em repouso ou esforço leve ou angina/ isquemia recorrente grave - Troponina elevada - Angina e sintomas de insuficiência cardíaca progressiva - Fração de ejeção < 40% pela coronariopatia - Depressão de ST - Instabilidade hemodinâmica - Taquicardia ventricular sustentada - Teste de esforço com padrão de alto risco - Angioplastia anterior recente nos últimos 6 meses - Antes de cirurgia de ponte de safena/mamária
CAPÍTULO
7
42 - Doenças do Sistema Cardiovascular
Figura 7.2 - Eletrocardiograma pós-angioplastia transluminal coronária.
que podem ter cursado com o óbito: trombose coronária
mações sobre causas de morte ainda afeta sobremaneira
por reestenose pós-stent ou por desprendimento de êm
a análise da mortalidade por causas no país e, em parti
bolo para região distal da coronária acometida; hipóxia e
cular para a população idosa. A proporção de óbitos por
hipovolemia pela instabilidade hemodinâmica apresenta
causas mal definidas é elevada.
da anteriormente. Para seu tratamento, além da correção
do fator causal, realizar cinco ciclos (30 compressões torácicas: duas ventilações assistidas) em 1min de reani mação cardiorrespiratória, seguido de epinefrina endove
TABELA 7.12 - Causas de atividade elétrica sem pulso (AESP) e assistolia (6H e 6T)
nosa, 1mg, a cada 3 a 5min ou vasopressina 40UI/dose.
Se houver bradicardia (FC < 60) iniciar atropina, 1mg, a
6H
cada 3min, no máximo três doses ou 0,04mg/kg (Fig. 7.3).
DIAGNÓSTICO FINAL Infarto do miocárdio com supradesnivelamento do seg mento ST.
DISCUSSÃO As cinco mais importantes causas de morte da população
6T
Causas
Tratamento
Hipovolemia
Volume
Hipóxia
Oxigênio
H+ → acidose metabólica
Bicarbonato de sódio
Hipotermia
Reaquecimento
Hipo/hipercalemia
Reposição de potássio/ medidas para hipercalemia
Hipoglicemia
Reposição de glicose
Tamponamento cardíaco
Punção pericárdica
Tromboembolia pulmonar
Tratar a parada cardiorrespiratória; considerar trombólise
Trombose coronária
Tratar a parada cardiorrespiratória; considerar tratamento de reperfusão
Pneumotórax hipertensivo
Punção de alívio/drenagem do tórax
Tóxico
Antagonista específico
Trauma
Estabilização
idosa são doenças cardiovasculares, respiratórias, endócri
nas nutricionais, neoplásicas e mal definidas (Tabela 7.13).
Destaca-se, em primeiro lugar que a qualidade das infor
Dor Aguda no Peito - 43
TABELA 7.13 - Taxas de mortalidade por 100.000 entre homens e mulheres idosos (> 60 anos) no Brasil, nos anos de 1980,1991 e 2000. H
M
H
M
H
M
Cardiovasculares
1.901,2
1.666,1
1.635,3
1.357,6
1.474,9
1.200,7
Mal definidas
991,6
797,6
899,0
687,8
688,6
523,9
Neoplasias
549,5
375,8
588,7
386,6
652,3
416,3
CAPÍTULO
Respiratórias
339,1
232,6
436,1
286,7
522,3
360,6
7
Endócrinas, nutricionais
109,9
145,3
143,1
180,0
207,9
247,7
1991
1980
Causas
2000
Fonte: www.datasus.gov.br. H = homens; M = mulheres.
A doença do aparelho circulatório é a principal causa de morte entre idosos de ambos os sexos e em todo o mun do. Nessa faixa etária, os fatores de risco quase sempre estão presentes, tais como doenças crônicas, sedentarismo, tabagismo, além da reserva funcional diminuída conforme as alterações fisiológicas da idade. Essas mesmas alterações fisiológicas da idade podem levara modificações nos sinais e sintomas das doenças cardiovasculares, como no caso que apresentamos ‒ paciente idosa, com dor torácica atípica, de curta duração, mas que no pronto-socorro sua principal queixa era mal-estar.Idosos, diabéticos e mulheres já foram considerados, em publicações e diretrizes, como grupos especiais. O caso relatado elucida bem esses três fatores. Com o crescimento da população idosa, torna-se necessário, mais do que nunca, que o conjunto da sociedade tome consciência da série de problemas e peculiaridades dessa população. Desse modo, é fundamental reconhecero quadro, diagnosticá-lo e tratá-lo com agilidade e eficiência.
BIBLIOGRAFIA AMERICAN COLLEGE OF CARDIOLOGY/AMERICAN HEART ASSOCIATION. Focused update of the American College of Cardiology/American Heart Association 2004. GtiddirEsfcr the m t < f pítiαtswrôiSTdcvêíkrunycf adiíi irfavtfcn A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Piactice Guidelines, 2007. BRAUNWALD, E. Tr^adodeDoHTçasCa^dkvasciiaes Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. GOLDMAN, L. Cecil: Tratado de Medicina Interna. Rio de Janeiro: Elsevieç 2005. INTERNATIONAL LIAISON COMMITTEE ON RESUSCITATION. Intemational consensus on carriiopulmonaiy resuscitation and emergency cardiovascularcare science with treatment recommendations. Crcdíticnv. 112, n. 22, 2005. KANE, R. L. Gβ-i^riaclírica Rio de Janeiro: McGraw Hill, 2004. LOPES, A. C. TrdadodecMricamédica São Paulo: Roca, 2006. MARTINS, H. S. Emtr^ciasclírxas São Paulo: Manole, 2007. STEFANINI, E. Ca-didq^a São Paulo: Manole, 2004.
Figura 7.3 - Basic Life
Support (BLS) e Advanced Life
Support (ACLS). AESP = atividade elétrica sem pulso;
FV = fibrilação ventricular; IOT = intubação orotraqueal; RCP = ressuscitação cardiopulmonar; TV = taquicardia ventricular.
SITE INDICADO www.datasus.gov.br- Ministério da Saúde. Irfcrmaçõesdβnqg-áftas esαricHcrrâiicas Brasília: Ministério da Saúde.
___________________________________
CAPÍTULO
8
Dor Retroesternal Intensa Fernando José de Barros e Silva Filho • Pedro Gabriel Melo de Barros e Silva
Senhora de 49 anos de idade é trazida ao pronto -socorro pelo filho, durante a madrugada, devido a episódio de dor torácica intensa iniciado há 20min, mas resolvido espontaneamente durante trajeto ao hospital há 5min.
Dor torácica é umas das principais causas de urgência
clínica, respondendo por 10% de todos os atendimentos em pronto-socorro. Esse sintoma costuma ser a manifestação principal de várias doenças graves, algumas com risco de
morte imediato, como síndrome coronariana aguda (SCA), pericardite, dissecção aguda da aorta, tromboembolia pul
monar(TEP) e pneumotórax. O diagnóstico preciso e rápido possibilita a instituição de medidas terapêuticas específicas
Na avaliação inicial na sala de emergência, enquan to se inicia a monitorização, a paciente descreve sua dor como retroesternal sem irradiação em aperto, de início gradual rápido e forte intensidade contínua por 15min. Informou que a dor começou quando em repou so, associada a sudorese fria, náuseas e sensação de morte iminente. Relata crises álgicas semelhantes re correntes há quatro meses, geralmente durante a madrugada e com menor duração, tendo ido ao PS al gumas vezes, mas nesses episódios anteriores houve resolução da dor antes mesmo da avaliação médica, permanecendo sem diagnóstico até o momento. É tabagista (um maço/dia há 20 anos), sem história
familiarde infarto agudo do miocárdio (IAM) ou outros antecedentes pessoais de risco para doença cardiovas cular (fez check-up ambulatorial há um mês em razão
e com possibilidade efetiva de salvar vidas. O diagnóstico
diferencial deve incluir além dessas situações graves, outras comuns, porém de menor risco, como dispepsia, transtorno
QUADRO 8.1 - Causas de dor torácica
conversivo, neuralgias e dores osteomusculares. No caso apresentado, a queixa principal da paciente é um sinal de alerta que deve ser valorizado por todo
médico, pois, como já explicado, pode se tratar de doen
ças potencialmente fatais em que uma rápida intervenção é fundamental. Uma anamnese direcionada que nos traga
informações sobre localização, caráter início, duração e
intensidade da dor, além de fatores desencadeantes e de alívio, é fundamental para confirmação e exclusão diag
nóstica. Deve-se questionar também sobre sintomas as
sociados à dor torácica e presença ou não de fatores de risco para aterosclerose. No Quadro 8.1 podemos veras
principais causas de dor torácica, as quais representam
situações clínicas de prognóstico bastante variado.
• Cardíacas - Isquêmicas: angina estável, angina instável e infarto agudo do miocárdio - Não isquêmicas: pericardite, cardiomiopatia hipertrófica e valvopatia (estenose aórtica, prolapso da valva mitral) • Não cardíacas - Digestivas: dispepsia funcional, doença do refluxo gastroesofágico (com ou sem esofagite), espasmo esofágico, ruptura de esôfago, úlcera péptica, litíase biliar e pancreatite - Mediastinais: tumores, enfisema mediastínico e aneurisma/ dissecção de aorta torácica - Neuralgias: herpes-zóster, síndrome do escaleno anterior e compressões radiculares - Psicogênica - Pleuropulmonares: pneumonia, bronquite, neoplasia, pneumotórax, pleurisia, embolia pulmonar e hipertensão arterial pulmonar - Osteomusculares: osteocondrite (por exemplo: síndrome de Tietze), metástase óssea e miosite
Dor Retroesternal Intensa - 45
paciente, a partir de agora, seriam exame físico, eletro cardiograma (ECG) e radiografia de tórax. Lembrar que em situação de emergência podem-se fazer avaliações
Pela história relatada, é muito pouco provável que se
simultâneas (por exemplo: anamnese associada a exame físico, direcionados, enquanto se prepara a paciente para
trate de pneumotórax, TEP ou dissecção de aorta, uma
o ECG).
vez que a dor não foi súbita e se apresenta de forma re ventilatório-dependente e dispneia também diminuem a
probabilidade de TEP e pneumotórax. Não há história de melhora na posição genupeitoral e irradiação para trapézio, características de pericardite. A dor descrita pela pacien
te é típica de isquemia miocárdica e por ter-se iniciado em repouso, com duração prolongada, demonstra um
quadro de maior gravidade (angina instável).
8
corrente e autolimitada há quatro meses. Ausência de dor
O exame físico geral, o cardiovasculare o respira tório da paciente estavam sem alterações, exceto pela pressão arterial de 146 × 90mmHg (simétrica nos dois membros). Durante o exame, não apresentou dorà palpação da caixa torácica e à movimentação de mem bros/coluna cervical. Antes mesmo do ECG foram administrados 200mg de ácido acetilsalicílico (AAS) macerado. A radiografia de tórax no leito foi normal e o traçado do ECG é o demonstrado na Figura 8.1.
A ausência de fatores de risco (exceto tabagismo) e
um teste ergométrico normal recente falam contra coro
O exame físico é de pouca ajuda no diagnóstico de
nariopatia obstrutiva e nos chamam atenção para que se proceda à melhor avaliação da paciente por exames com
SCA, pois muitas vezes está normal ou com alterações inespecíficas, tendo maior importância para avaliação
plementares. A sequência lógica de abordagem a essa
prognóstica e diagnóstico diferencial que propriamente
Figura 8.1 - Eletrocardiograma.
CAPÍTULO
da queixa de dor torácica recorrente e, na avaliação, pressão arterial, glicemia, perfil lipídico e teste ergo métrico estavam sem alterações).
46 - Doenças do Sistema Cardiovascular
CAPÍTULO
8
para o diagnóstico de SCA. As alterações do exame físi
co mais comuns pela SCA são: abafamento de bulhas,
quarta bulha (B4), fácies de dor, sinal de Levine (punho cerrado contra o peito durante angina), sudorese, palidez, taquipneia, além de alterações da PA. Devem-se buscar também evidências de doença aterosclerótica (doença
arterial periférica, carotídea, aneurisma de aorta abdomi
nal). O exame físico é fundamental para definir se há
alterações que indiquem pior prognóstico: congestão
A primeira dosagem de creatina quinase MB (CKMB) e troponina (ainda sem tempo hábil para diagnóstico de IAM) foi normal (assim como função renal, hemograma, eletrólitos, glicemia e coagulogra ma). O ECG após 3h da entrada não mostrou alteração dinâmica. Na quarta hora de observação, a enfermeira chama a equipe médica, pois a paciente se encontra pálida, com queixa de forte dor no peito. Imediatamente é feito um ECG, cujo traçado está demonstrado na Figura 8.2.
pulmonar, B3, sopro regurgitativo mitral novo ou inten
sificação de sopro pré-existente, sinais de choque, presen ça de taqui ou bradiarritmias. Deve-se pesquisar sempre,
no contexto de dor torácica em emergência, a assimetria de pulso e de pressão arterial (PA), pois diferença maior que 20mmHg de PA sistólica (PAS) e que 10mmHg de PA diastólica (PAD) indica doença arterial em ramos de
membros superiores que, na vigência de quadro clínico suspeito, é característica da dissecção de aorta. Devem-se buscar também sopro diastólico em foco aórtico, sinais
de tamponamento (abafamento de bulhas, turgência jugu
Esse traçado eletrocardiográfico classifica a paciente, a princípio, como tendo uma SCA com elevação do seg
mento ST, cujo tratamento emergencial deve ser a reca nalização da artéria responsável, além de terapia anti
-isquêmica e antitrombótica adjuvante. Entretanto, chama
atenção a paciente ter quadro recorrente, ECG normal sem dore baixo risco de eventos aterotrombóticos de
acordo com estratificação ambulatorial prévia (teste ergo métrico normal e tabagismo como único fator de risco
identificado).
A conduta inicial para a paciente abrange:
lar, pulso paradoxal) e alterações de sistema nervoso
central (SNC) em casos de extensão da dissecção para
• Mantê-la monitorizada, com acesso venoso e oferta
carótida (em todo paciente com dor torácica seguida de déficit neurológico, deve-se pesquisar dissecção de aorta).
de oxigênio. • Controle de dor,pressão arterial e frequência cardíaca.
Hipertimpanismo torácico à percussão e abolição do
• Acionar equipe de hemodinâmica para provável
murmúrio vesicular local indicam pneumotórax. Em pe
angioplastia primária. • RepetirECG após administração de nitrato sublingual.
ricardite, pode-se identificar atrito pericárdico e/ou sinais
de tamponamento. Como não houve reprodução da dor após palpação e mobilização de tórax, coluna cervical e
A elevação do segmento ST não ocorre apenas em
membros superiores, afecções osteomusculares e neuro
IAM, pois pode surgirem outras situações relacionadas
páticas são improváveis causas da referida dor
ou não à isquemia miocárdica, as quais têm padrão ele
No caso da paciente, não há achados específicos, o
que de certa forma fala a favor de isquemia miocárdica,
sem critérios de mau prognóstico pelo exame físico.
Radiografia de tórax normal exclui pneumotórax e
toma ainda menos provável a dissecção de aorta, em que
geralmente se encontra alargamento do mediastino.
trocardiográfico distinto, como se vê no Quadro 8.2. Lembrar que o ECG é apenas um exame complemen tar e que, além do padrão eletrocardiográfico, devem-se associar seus achados ao contexto clínico. No caso da paciente, o ECG inicial era normal, o que
afasta repolarização precoce, bloqueio de ramo esquerdo
Eletrocardiograma normal não exclui o diagnóstico de
(BRE) antigo e sobrecarga ventricular esquerda. O padrão
SCA, especialmente se o paciente não tinha dor durante
de ECG é distinto daquele da hipercalemia e a dosagem
sua realização, mas indica, a princípio, uma situação de
normal de eletrólitos afasta definitivamente esta hipótese.
menor gravidade pelo ECG. Em caso de dor persistente
As características clínicas e eletrocardiográficas não são
com ECG inicial normal, devemos repeti-lo após 5 a 10 min
compatíveis com pericardite e, porterhavid o alteração
para avaliar possíveis alterações dinâmicas. A conduta sequencial mais adequada para essa pacien
te seria mantê-la em observação na unidade de dor
torácica, com realização seriada de ECG (3, 6, 9h e quando
houver dor ou piora clínica) e obtenção marcadores de necrose miocárdica, para avaliação diagnóstica e estrati
ficação prognóstica.
dinâmica relacionada à dor torácica, que por sua vez era definitivamente anginosa, pode-se confirmar o diagnósti co de SCA.
A paciente, após receber 5mg de isossorbida sub lingual, teve melhora completa do quadro anginoso. Foi submetida a novo ECG, cujo traçado é o apresentado na Figura 8.3.
Dor Retroesternal Intensa - 47
CAPÍTULO 8
Figura 8.2 - Eletrocardiograma.
A primeira descrição clara de angina variante foi feita porPrinzmetal e colaboradores em 1959. Descreve
frequência de pacientes jovens, fumantes, sem outros fatores de risco, com angina sem relação com esforço,
ram pacientes que apresentavam dor torácica ao repouso e supradesnivelamento do segmento ST transitório no
especialmente durante a madrugada (entre meia-noite e 8h da manhã) e com crises recorrentes. Em 30% dos pacientes pode estar associada a exercício. A angina va
ECG. O mecanismo mais comum em angina variante é o espasmo arterial coronariano focal e intenso, que pode ocorrer tanto em vasos angiograficamente normais quan
riante pode ser manifestação isolada, fazer parte de um distúrbio vasoespástico generalizado (por exemplo, mi
to nos que apresentam estenose. Embora os espasmos coronarianos tenham tendência à resolução espontânea
grânea, Raynaud) ou ser precipitada por drogas lícitas e ilícitas (por exemplo, cocaína) e abstinência alcoólica. O
causando apenas angina, quando prolongados podem conduzira infarto do miocárdio, arritmias e morte súbita (vasoespasmo é a causa mais frequente de IAM com
ECG durante a crise de angina demonstra supra-ST tipi camente transitório, que cede com a resolução do sintoma (espontâneo ou após uso de nitrato). Outras alterações de
coronárias angiograficamente normais). O quadro clínico difere daquele das outras formas de SCA, pela maior
isquemia ou lesão miocárdica podem surgir no ECG, mantendo a característica relação temporal com a angina.
48 -
Doenças do Sistema Cardiovascular
CAPÍTULO
8
QUADRO 8.2 - Diagnóstico diferencial entre causas de elevação do segmento ST • Síndrome coronariana aguda (SCA): é a principal hipótese, a princípio, no contexto de dor torácica. Sua identificação tem implicações diagnósticas, prognosticas e terapêuticas na vigência de uma SCA. O critério de positividade é ≥ 1mm em duas ou mais derivações consecutivas. Pode apresentar quatro padrões morfológicos: côncavo (isquemia ou pericardite), oblíquo (isquemia hiperaguda), convexo (isquemia aguda) e platô (isquemia ou discinesia) • Pericardite: elevação difusa do segmento ST, em geral com concavidade para cima e onda T positiva. O segmento PR pode estar infradesnivelado (curva de lesão atrial). A seguir, o segmento ST volta à linha de base. Posteriormente, as ondas T vão se tornando negativas, caracterizando a fase subaguda da pericardite. A identificação das alterações depende do período evolutivo da pericardite, estando o eletrocardiograma alterado em 80% dos casos e, com a regressão da doença, o ECG tende a voltar ao normal • Repolarização precoce: achado benigno, comum em pacientes jovens com tônus vagal exacerbado, exibindo supra-ST mais proeminente em derivações precordiais médias • Sobrecarga ventricular esquerda (padrão strain): apresenta discreto supra-ST de V1-V3 associado a infradesnivelamento de segmento ST de convexidade superior e onda T negativa assimétrica em V5 e V6 • Hipercalemia: ocorre em fase avançada de hiperpotassemia. Provavelmente seja causada por repolarização não homogênea em diferentes regiões do miocárdio. Nas fases iniciais, identifica-se no ECG onda T apiculada com base estreita (em tenda), onda P achatada que posteriormente desaparece e alargamento do QRS com QT curto (ECG de padrão sinusoidal) • Bloqueio de ramo esquerdo (BRE): o desenvolvimento de BRE de forma aguda tem o mesmo valor prognóstico da SCA com elevação do segmento ST. No contexto de com suspeita de SCA com BRE sabidamente antigo, podem-se utilizar os critérios de Sgarbosa, os quais têm baixa sensibilidade e elevada especificidade; também podem ser utilizados em portadores de marca-passo: - Supradesnível do segmento ST ≥ 1mm em concordância com o QRS - Infradesnível do segmento ST ≥ 1mm em V1, V2 e V3 - Supradesnível do segmento ST ≥ 5mm em discordância com o QRS • Outro: aneurisma de ventrículo esquerdo
O cateterismo deve ser feito nos pacientes em que não há o diagnóstico conhecido de angina de Prinzmetal ou
mesmo naqueles que já tenham história documentada de
angina variante, mas que apresentem dor prolongada e ECG com supradesnivelamento do segmento ST mantido após uso de nitrato. O cateterismo, em angina vasoespás
tica, pode evidenciar coronárias angiograficamente normais
ou lesões não significativas. Em alguns casos, o próprio cateter dentro da coronária pode induzir vasoespasmo;
tabagismo. Em ataques agudos, os espasmos coronários devem ser tratados imediatamente, pois põem em risco a vida do paciente. Nitrato sublingual geralmente alivia a dor torácica e normaliza o ECG em poucos minutos, sendo a estabilização clínica inicial conseguida com ad
ministração de nitroglicerina endovenosa. Na terapia a longo prazo, os bloqueadores do canal de cálcio (nifedi pina, diltiazem, verapamil) são considerados os agentes de escolha para tratamento da angina vasoespástica. A associação com nitratos é eficaz. Em geral, são exigidas
doses elevadas nos primeiros três a quatro meses de tra tamento e deve-se ajustar cada medicação para minimizar efeitos adversos. Pode-se considerara retirada dos agen tes em pacientes que não têm arritmias graves ou episódios de síncope durante as crises e que permanecem assinto
máticos após 12 a 18 meses de seguimento. Como o espasmo reflete disfunção endotelial (mais fatores vasoconstritores em relação aos vasodilatadores), é importante o uso de estatina e alguns especialistas ad vogam o AAS (apesar de relato de piora do espasmo com AAS em alguns casos, pela inibição da síntese de pros taciclina, que é vasodilatador coronariano). O efeito do betabloqueador sobre a angina de Prinzmetal é variável, pois pode precipitar espasmo por deixar receptores alfa livres e bloquear receptores beta; deve ser usado com cautela, especialmente naqueles que têm coronárias normais ou aterosclerose leve, e nunca administrá-los em mono
terapia. Alfabloqueadores podem trazer algum benefício, principalmente a doentes com resposta incompleta aos bloqueadores do canal de cálcio e nitratos.
A paciente foi submetida à cineangiocoronariogra fia, que não evidenciou lesões obstrutivas; apresentou espasmo proximal durante cateterização de coronária direita, revertido com nitroglicerina intracoronária (Fig. 8.4). Permaneceu 24h com nitroglicerina endovenosa, substituída por isossorbida e diltiazem por via oral, os quais foram mantidos após alta hospitalar No ambula tório, foi submetida a tratamento para cessação de tabagismo com bupropiona e psicoterapia, com suces so. A paciente mantém acompanhamento semestral e após essas intervenções não houve recorrência das crises anginosas.
caso não seja demonstrado espasmo no cateterismo comum, testes de indução (ergonovina, acetilcolina, hiperventila ção, coldtest) podem confirmá-lo, embora geralmente não
DIAGNÓSTICO FINAL
sejam necessários. Esses testes expõem o paciente a risco de complicações graves e têm sido cada vez menos utili zados. A coronária acometida com mais frequência é a direita e o tratamento inicial no cateterismo com espasmo
evidente é com nitrato intracoronário. As medidas de maior
benefício para controle dos espasmos são antagonistas do
canal de cálcio de qualquer classe, nitratos e cessação do
Angina de Prinzmetal (angina variante).
DISCUSSÃO Como descrito, dor torácica reflete algumas situações de risco iminente de morte e uma anamnese bem feita é
Dor Retroesternal Intensa - 49
CAPÍTULO 8
Figura 8.3 - Eletrocardiograma.
Figura 8.4- (A) Demonstra inicialmente espasmo de coronária direita e (B) sua reversão com nitrato intracoronário.
50 -
Doenças do Sistema Cardiovascular
CAPÍTULO
8
fundamental para a correta elaboração de suspeita diag nóstica e, consequentemente, adequada investigação e rápido tratamento. O exame físico ajuda no diagnóstico diferencial e os exames complementares simples reforçam e afastam algumas hipóteses. O principal diagnóstico a
ser buscado em paciente com dor torácica aguda é o de
SCA e este se baseia em quatro pilares: anamnese, exame físico, ECG e marcadores de necrose miocárdica.
Como visto no caso em questão, apesar de o ECG ser
uma importante ferramenta na investigação, o principal
elemento para o diagnóstico de isquemia miocárdica
aguda é a anamnese, pois angina típica em repouso defi ne SCA, mesmo com ECG inicial normal.
Este capítulo reforça um conceito fundamental em clínica médica, que é a valorização da dor torácica, espe
cialmente em ambiente de pronto-socorro.
BIBLIOGRAFIA ANDERSON, J. L; et ai. ACC/AHA 2007 guidelines forthe management of patients with unstable angina/non-ST-elevation myocardial infarction: a report of the American College of Caidiology/American Heart Association Task Force on Piactice Guidelines (Writing Committee to Revise the 2002 Guidelines forthe Management ofPatients With Unstable Angina/Non-ST-Elevation Myocardial Infarction): developed in collaboration with the American College of Emergency Physicians, American College of Physicians, Society for Academic Emergency Medicine, Society for CardiovascularAngiography and Interventions, and Society of Thoracic Surgeons. J. Am. Cdl Ca-dkl, v. 50, p. 1-157, 2007. BRAUNWALD, E.; ZIPES, D. P.; et al. O. Unstable angina and non-ST elevation myocardial infarction. In: BranveàTshaa-tdisEeBe a textbook of cardiovascularmedicine. 7 ed. Saunders Company, 2005. CUTLER, P. et al. CcHicHdrxkra- prcklαnasαn clíricamédica- dos dados ao diagnóstico. 3 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. PASTORE, C. A.; et al. Eldrctadkkj^icírEi: curso do serviço de eletrocardiologia do Incor São Paulo: Atheneu, 2006. LOPES, A. C.; AMATO NETO, V. Tr^adodeclíricamédica- doen ças cardiovasculares (seção 6). São Paulo: Roca, 2006.
___________________________________
CAPÍTULO
9
Sopro Cardíaco Marcio Gianotto
Mulher negra, 29 anos de idade, solteira, apresentase em consulta ambulatorial para avaliação de sopro cardíaco detectado há duas semanas durante consulta médica em academia para realização de atividade físi ca. É procedente de São Paulo e trabalha como vendedora. Até então desconhecia qualquer doença cardíaca ou sopro prévio. Quando questionada, queixa-se de dis creta dispneia aos grandes esforços nos últimos cinco anos, cuja investigação nunca foi feita, pois tal sintoma nunca atrapalhou suas atividades diárias. Nega ortop neia, dispneia paroxística noturna ou edema de extremidades. Nega qualquerdoenças ou uso de me dicações diariamente. Também nega tabagismo ou etilismo.
outros); localização (apical, paraesternal direito, paraes
ternal esquerdo) e irradiação (fúrcula, axila, dorso). Também é importante avaliar o ictus cordis, procurando sinais de dilatação ou hipertrofia miocárdica, além de obser
var atentamente a existência de sinais de congestão ve nosa pulmonar (estertores crepitantes, ortopneia, derrame
pleural) ou sistêmica (estase de jugular, ascite, hepatome galia, edema de membros inferiores).
te neste caso, em que a paciente apresenta dispneia aos
Ao exame físico observamos, à inspeção, uma pa ciente aparentemente hígida, em bom estado geral, corada, anictérica, acianótica, eupneica e discretamente acima do peso. Pressão arterial (PA) de 120 × 70mmHg, frequência cardíaca (FC) de 88bpm, frequência respi ratória (FR) de 12ipm, afebril. Sem estase de veias jugulares ou alterações no formato ou consistência da glândula tireoide. Ao exame do precórdio, observamos ictus normal sobre o quinto espaço intercostal na linha hemiclavicular esquerda, ausência de frêmitos, bulhas rítmicas com B1 proeminente, estalido de abertura e sopro mesotelediastólico em ruflar, mais audível sobre o ictus cordis, cuja intensidade diminui com a inspira ção profunda e aumenta com o decúbito lateral esquerdo. Não observamos sinais de congestão venosa sistêmica ou outras alterações.
esforços, o que aumenta a possibilidade de haver alterações cardíacas estruturais. Também não podemos esquecer que
Ao nos depararmos com um sopro cardíaco diastólico,
se trata de paciente adulta jovem, que pode apresentar
nossa atenção para com alguma doença estrutural deve
cardiopatia congênita não diagnosticada ao nascimento.
ser redobrada. A imensa maioria dos sopros considerados
Ao examinara paciente, é importante definir bem as características do sopro com relação à fase do ciclo em
inocentes é de sopros ejetivos mesossistólicos, não pro
Estamos diante de uma mulher adulta jovem que procura atendimento para avaliação de um achado de exame físi co (sopro cardíaco). A maioria dos sopros encontrados na
população em geral é considerada “inocente”, ou seja, ocorre na ausência de doença cardíaca estrutural (como
doenças valvares ou cardiopatias congênitas). Entretanto, como a maior parte dos pacientes com doença valvar
significativa é diagnosticada a partirda ausculta de sopro
cardíaco, tal achado não pode ser ignorado, principalmen
vocam frêmitos e não estão associados a outros achados
que ocorre (sístole, diástole, ou ambas); intensidade (grau I a VI, associado a frêmito palpável a partir do grau III); configuração (crescendo, decrescendo, crescendo-decres
anormais. Geralmente provocados pelo hiperfluxo sanguí
cendo, ou em platô); timbre (musical, ruflar, ejetivo, entre
tireotoxicose. Muito raramente, tais situações podem
neo sobre as valvas semilunares, podem ser desencadea
dos por alterações sistêmicas como gravidez, anemia ou
CAPÍTULO
9
52 - Doenças do Sistema Cardiovascular
provocar sopros mesodiastólicos pelo hiperfluxo mitral,
Até o presente, a febre reumática continua sendo
mas nunca tão prolongados a ponto de se manterem até
responsável por mais de 90% dos casos de estenose mitral
o final da diástole.
no mundo, principalmente na população de baixo nível
No caso, pela localização do sopro em região de ictus
socioeconômico dos países em desenvolvimento. Calcifi
cordis (área do foco mitral), com redução da intensidade
cação do anel mitral, uso de drogas anorexígenas, síndro
à inspiração (característico de sopros de câmaras esquer
mes paraneoplásicas e endocardite infecciosa são etiolo
das) e aumento da intensidade no decúbito lateral esquer
gias menos frequentes de estenose mitral.
do (característico de sopros mitrais), devemos direcionar
Se retornarmos à história clínica e ao exame físico
nossa investigação clínica para avaliação de provável
inicial, não observamos qualquer evidência que nos dire
estenose mitral (Quadro 9.1).
cione para possíveis etiologias. Talvez, aprofundara in
A comunicação interatrial (CIA) associada à hiperten
vestigação sobre o uso de drogas ilícitas endovenosas
são pulmonar pode causar shunt sanguíneo do átrio direito
(risco de endocardite) ou anorexígenas e investigar com
para o esquerdo, ocasionando hiperfluxo pela valva mitral
detalhes os antecedentes mórbidos da paciente possam
e, consequentemente, sopro mesodiastólico. Entretanto,
nos indicar para a provável etiologia.
outros sinais como hiperfonese de P2 e desdobramento fixo de B2 deveriam estar presentes. Além disso, a existência
do estalido de abertura da valva mitral com hiperfonese de B1 nos direciona para o diagnóstico de estenose mitral.
citação de exames complementares que confirmem a hi
pótese de estenose mitral, é importante explorar ao má ximo a história clínica e o exame físico a fim de definir
sua etiologia.
QUADRO 9.1 - Manobras utilizadas para alterar a intensidade dos sopros cardíacos • Respiração - Sopros das câmaras direitas geralmente aumentam com a inspiração. Sopros das câmaras esquerdas geralmente ficam mais intensos durante a expiração • Manobra de Valsalva - A maioria dos sopros diminui em duração e intensidade. Duas exceções: sopro sistólico da cardiomiopatia hipertrófica, que fica muito mais intenso; sopro do prolapso de valva mitral, que fica mais longo e intenso - Após a Valsalva, sopros das câmaras direitas tendem a voltar ao normal mais cedo que os das câmaras esquerdas • Exercícios - Sopros ocasionados pela passagem de sangue por barreiras (por exemplo, estenose mitral ou pulmonar) tornam-se mais intensos com o esforço isotônico ou isométrico (manobra de Hand grip) - Sopros de insuficiência mitral, comunicação interventricular (CIV) e insuficiência aórtica também ficam mais intensos com o esforço isométrico • Mudanças de decúbito - Na posição ortostática, a maioria dos sopros fica menos intensa. Duas exceções: o sopro da cardiomiopatia hipertrófica (ganha intensidade) e o sopro do prolapso de valva mitral (ganha duração e intensidade) - Na posição de cócoras, a maioria dos sopros ganha intensidade, exceto os sopros da cardiomiopatia hipertrófica e do prolapso de valva mitral, que perdem intensidade e podem até desaparecer • Após extrassístoles ventriculares ou fibrilação atrial - Sopros originados de valvas semilunares normais ou estenóticas ficam mais intensos no ciclo cardíaco após a extrassístole ou após certo período em fibrilação atrial. Já os sopros sistólicos oriundos das valvas atrioventriculares não mudam (exceto sopro do prolapso de valva mitral, que fica mais curto, e o sopro da disfunção do músculo papilar, que perde intensidade)
Quando associamos a suspeita clínica de estenose mitral a relatos de artrite de curta duração na infância e
episódios de amigdalite de repetição, chegamos à hipóte se diagnóstica de provável estenose mitral secundária à
febre reumática.
O diagnóstico da febre reumática é clínico, não exis tindo sinal patognomônico ou exame específico. Os cri
térios de Jones, estabelecidos em 1944, tiveram a sua
última modificação em 1992 e continuam sendo conside
rados o “padrão-ouro” para o diagnóstico do primeiro surto da febre reumática (Quadro 9.2). A probabilidade
de febre reumática é alta quando há evidência de infecção estreptocócica anterior, determinada pela elevação dos
títulos da antiestreptolisina O (ASLO), além da presença de pelo menos dois critérios maiores ou um critério maior e dois menores.
Neste caso, infelizmente, não é possível comprovara relação do quadro articular com a infecção estreptocócica.
Uma vez que outros diagnósticos sejam excluídos, o
diagnóstico pode ser feito sem que os critérios de Jones
sejam rigorosamente respeitados, pois em cardite indo lente as manifestações clínicas iniciais são pouco expres sivas e, quando o paciente procura o médico, as alterações
978-85-4120-074-5
Neste momento, antes de liberara paciente com soli
Questionada novamente, a paciente nega o uso de qualquer medicação anorexígena ou droga ilícita. En tretanto, refere ter apresentado repetidos episódios de amigdalite na infância e quadro articular aos quatro anos de idade, que não soube detalhar Solicitamos então a entrada da mãe, que aguardava fora do consul tório. A mãe relata que com cerca de quatro anos de idade a paciente apresentou quadro de dore edema em joelho direito, seguido de sintomas semelhantes em joelho esquerdo, que cessaram com uso de anti-infla matórios em menos de duas semanas. Nunca chegou a procurar assistência médica naquele período e desde então nunca apresentou episódios semelhantes.
Sopro Cardíaco - 53
QUADRO 9.2 - Critérios de Jones modificados em 1992 para o diagnóstico de febre reumática
- Cardite
- Febre
- Artrite
- Artralgia
- Coreia de Sydenham
- Elevação dos reagentes de fase aguda (VHS, PCR)
- Eritema marginado
- Intervalo PR prolongado no eletrocardiograma
- Nódulos subcutâneos
• Evidência de infecção pelo estreptococo do grupo A por meio de cultura de orofaringe, teste rápido para EBGA e elevação dos títulos de anticorpos (ASLO) ASLO = antiestreptolisina O; EBGA = estreptococo beta-hemolítico do grupo A; PCR = proteína C-reativa; VHS = velocidade de hemossedimentação.
do átrio para o ventrículo esquerdo somente quando im pulsionado por gradiente de pressão adequado. Esse au
9
• Critérios menores
com abertura reduzida. A valva mitral normal possui área de 4 a 5cm2 e sua redução para valores abaixo de 2,5cm2
CAPÍTULO
• Critérios maiores
lha. O resultado é um aparato valvar em forma de funil,
geralmente ocorre antes do aparecimento de sintomas. Com a redução da área valvar o sangue passa a fluir
mento do gradiente diastólico transmitral é o mecanismo
fundamental de toda a clínica da estenose mitral, levando ao aumento da pressão atrial esquerda, que se reflete em toda a circulação pulmonar.
A história natural da estenose mitral não tratada é de
progressão contínua do quadro ao longo da vida. Estável e indolente nos primeiros anos, evolui com aparecimento
de sintomas leves cerca de 20 a 40 anos depois e sintomas
incapacitantes com mais uma década de evolução.
978 85 4120 074
5
cardíacas podem seras únicas manifestações e os exames de fase aguda, assim como os títulos de anticorpos para o estreptococo, podem estar normais.
Quando assintomática, a sobrevida média é superior
a 80% em dez anos. Entretanto, se não tratada, a sobre
vida cai para 0 a 15% em dez anos com sintomas inca
Com o objetivo de excluir outros diagnósticos dife renciais e confirmara hipótese clínica, o primeiro passo
pacitantes.
seria avaliar a função tireoidiana pelo hormônio estimu lante da tireoide (TSH), além do hemograma para excluir anemia. Eletrocardiograma (ECG), radiografia de tórax e
mente sintomáticos têm o tratamento intervencionista
ecocardiograma com Doppler também seriam extrema mente úteis para avaliação da valva mitral e demais câ
à valvoplastia por balão. A viabilidade para valvoplastia
maras cardíacas.
No retomo com os exames solicitados, a paciente mantém quadro clínico sem alterações. A função tireoi diana e a renal e o hemograma não apresentam alterações. A radiografia de tórax (Fig. 9.1) mostra área cardíaca normal, com sinais de aumento do átrio es querdo e abaulamento do arco da artéria pulmonar sugerindo elevação da pressão arterial pulmonar. O ECG (Fig. 9.2) mostra ritmo sinusal, bloqueio de ramo direito com sinais de sobrecarga atrial esquerda e ventricular direita. O ecocardiograma evidencia função normal das cavidades ventriculares, com dilatação discreta do ven trículo direito; aumento moderado do átrio esquerdo; valva mitral estenótica com sinais de calcificação leve, área estimada de 1,5cm2 e gradiente médio entre átrio esquerdo e ventrículo esquerdo de 7mmHg; escore de Block: 4; pressão sistólica de artéria pulmonar estimada em 50mmHg (valores de referência na Tabela 9.1).
Por isso, mesmo pacientes assintomáticos ou minima
indicado quando a estenose mitral é considerada mode rada ou grave e a morfologia da valva mitral é favorável
por balão é vista por ecocardiograma bidimensional trans
torácico e transesofágico, com o qual avaliamos o espes
samento valvar e do aparelho subvalvar, a mobilidade e
Todos os exames confirmam a hipótese de estenose mitral moderada, além de o ecocardiograma sugerirpro vável etiologia reumática.
Nos pacientes com estenose mitral secundária à febre reumática, o processo patológico provoca espessamento e calcificação das cúspides, fusão comissural e da cordoa
Figura 9.1 - Radiografia de tórax.
CAPÍTULO
9
54 - Doenças do Sistema Cardiovascular
Figura 9.2 - Eletrocardiograma.
Leve
Moderada
Grave
hídrica quanto a taquicardia podem pioraros sintomas da estenose mitral. Também foi orientada a manter uso re
Gradiente entre átrio e ventrículo médio (mmHg)
10
gular de penicilina G benzatina a cada 21 dias.
Pressão sistólica de artéria pulmonar (mmHg)
50
Em alguns casos, drogas cronotrópicas negativas como betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio
Área valvar (cm2)
>1,5
TABELA 9.1 - Classificação da gravidade da estenose mitral
30-50
podem ser usadas para controle da frequência cardíaca, 1-1,5
120ms) é compatível com bloqueio de ramo direito ou
ritmo de escape abaixo do feixe de His (de foco à direita).
Percebe-se também tendência à formação do padrão clás sico específico, porém, pouco sensível para tromboembolia pulmonar S1Q3T3. Pode-se ainda observar um padrão
QUADRO 12.2 - Fatores precipitantes da insuficiência cardíaca • • • • • • • • • • •
Infecção Interrupção de medicação Ingestão hídrica ou salina excessiva Isquemia miocárdica Embolia pulmonar Drogas (anti-inflamatórios, bloqueadores de canais de cálcio, tiazolidinedionas) Insuficiência renal Anemia Hipertensão arterial Arritmias Álcool
CAPÍTULO 12
• Classe I: ausência de sintomas (dispneia) durante atividades cotidianas. A limitação para esforços é
No Brasil, a principal etiologia da insuficiência cardía
- Doenças do Sistema Cardiovascular
CAPÍTULO 12
74
Figura 12.1 - Eletrocardiograma de 12 derivações.
Figura 12.2 - Eletrocardiograma em sequência prolongada e com ganho 2N, em derivações I, II, III em duas repetições.
Dispneia aos Esforços - 75
tassemia, hipomagnesemia e hipocalcemia) e, quando
Todos esses padrões elétricos aliados aos achados da ra
digitálica.
diografia de tórax (Fig. 12.3) podem nos sugerir vários diagnósticos para a etiologia da bradicardia e da cardiopa tia de base do paciente, os quais serão discutidos adiante.
Os exames laboratoriais iniciais revelam ausência de anemia (hemoglobina: 15g/dL), leucograma com 6.300 células (60% segmentados, 1% eosinófilos, 27% linfócitos e 2% monócitos), plaquetas de 180.000, creatinina 1mg/dL, ureia 38mg/dL, sódio 133mEq/L, potássio 3,1mEq/L, cálcio ionizado l,2mg/dL, magné sio 2mg/dL, albumina sérica 3,6g/dL, proteína C-reativa menor que 1 (normal), dímero-D 250mg/dL (normal), marcadores de lesão miocárdica (creatina fosfoquinase, massa e troponinas normais) normais, urina tipo I sem alterações. A digoxinemia (dosagem dos níveis séricos de digoxina) mostra valores acima do recomendado.
Em posse dessas informações, é pouco provável que causas como isquemia miocárdica, sangramentos ou in
fecções estejam entre os possíveis fatores desencadeantes.
Já os valores séricos elevados de digoxina toma a hipó tese de intoxicação digitálica plausível e justifica as alte rações eletrocardiográficas encontradas, podendo ter
contribuído para a piora acentuada do paciente nas últimas semanas.
disponível, utilizar anticorpo específico para intoxicação
Na indisponibilidade do anticorpo antidigoxina específico, o paciente recebe marca-passo transvenoso provisório, tem os níveis séricos dos eletrólitos corri gidos, levando uma semana em monitorização contínua até melhora do ritmo de base. Retoma ao ritmo sinusal, com bloqueio atrioventricularde primeiro grau. Duran te o uso do marca-passo provisório houve melhora clínica expressiva, com redução da anasarca e melhora do status funcional. O ecocardiograma transtorácico bidimensional (Fig. 12.4) e, posteriormente, tridimensional (Fig. 12.5) revela fração de ejeção de 39%, átrio esquerdo de 40mm, ligeira disfunção da valva tricúspide (insufi ciência tricúspide leve), espessura da parede do ventrículo esquerdo normal, com cavidade normal, porém com imagens de difícil avaliação próximo à ponta dos ventrículos, podendo ser compatível com trabeculações ou com trombos. Há hipocinesia difusa leve em paredes de ambas as câmaras. A sorologia para doença de Chagas é negativa e a cineangiocoronario grafia não evidencia lesões coronarianas obstrutivas. O estudo de ressonância cardíaca (Fig. 12.6) deste doente fecha o diagnóstico etiológico da cardiopatia de base, revelando lesão estrutural congênita na parede do ventrículo, conhecida como miocárdio não compactado.
Neste caso, além de provermos suporte hemodinâmi co com o marca-passo, devemos suspender o digitálico,
corrigir distúrbios eletrolíticos (principalmente hipopo-
DIAGNÓSTICO FINAL • Insuficiência cardíaca secundária à disfunção sistó lica ventricular.
Figura 12.3 - Radiografia de tórax compatível com quadro de insuficiência cardíaca descompensada, em pacientes com opacidades heterogêneas em campos pulmonares inferiores, além de índice cardiotorácico normal semelhante ao paciente deste caso clínico.
Figura 12.4- Ecocardiograma bidimensional.
CAPÍTULO 12
conhecido como sinal de Peñalosa-Tranchesi entre as derivações V1 e V2, sugerindo aumento de átrio direito.
76 - Doenças do Sistema Cardiovascular
comum no ventrículo esquerdo e a localização é predomi
CAPÍTULO 12
nantemente apical. Em adultos, pode evoluir desde a forma
assintomática até três tipos de manifestações clínicas:
• Disfunção sistólica e/ou diastólica, provocando in
suficiência cardíaca. • Trombos endocárdicos com embolização sistêmica e/ou pulmonar
• Arritmias ventriculares.
O ecocardiograma é o método de escolha para o diag nóstico de miocárdio não compactado; a ressonância
magnética cardíaca é uma modalidade alternativa exce
Figura 12.5 - Ecocardiograma tridimensional.
lente para avaliação não invasiva de pacientes com mio cárdio não compactado, apresentando diversas vantagens, tais como alta resolução espacial, grande campo de visão e capacidade para detectar trombo e áreas de cicatriz
miocárdica. A estratificação familiar por meio de ecocardiograma
deve ser considerada para parentes de paciente com diag
nóstico de miocárdio não compactado. No diagnóstico diferencial estão endomiocardiofibro
se, cardiomiopatias hipertrófica apical ou restritiva, trom
bos apicais e displasia arritmogênica do ventrículo direito. Os pacientes com miocárdio não compactado podem apresentar em até 80% das vezes, doenças neuromuscu
Figura 12.6 - Ressonância cardíaca.
lares associadas às alterações cardíacas. Não existem
estudos sobre tratamentos específicos para a insuficiência cardíaca decorrente dessa etiologia. Assim, o tratamento
inclui as drogas convencionais utilizadas em pacientes • Etiologia: miocárdio não compactado.
com insuficiência cardíaca. Não existe estudo testando a
• Fator desencadeante: intoxicação digitálica.
efetividade de anticoagulante para essa etiologia. Vários
centros advogam anticoagulação oral em casos de disfun
DISCUSSÃO Miocárdio não compactado é uma malformação congêni
ta, recém-descrita, normalmente detectada de maneira incidental. Inicialmente, acreditava-se ser uma desordem
rara ao extremo (prevalência de 0,014 a 0,045%). Contu
do, estudos recentes estimaram maior prevalência: 0,25 a 5%. Resulta de falha no processo de compactação normal
do miocárdio ventricular no feto em desenvolvimento. Com isso, a parede ventricular torna-se visivelmente es
pessada com trabeculações proeminentes e recessos in tratrabeculares profundos que se comunicam livremente com a cavidade ventricular. A etiologia é desconhecida. O padrão de herança mais
conhecido é autossômico dominante. A ocorrência é mais
ção ventricular além das indicações usuais como fibrila ção atrial ou episódios embólicos prévios.
BIBLIOGRAFIA BOCCHI, E. A.; et al. III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq. Bras Ca^dki. v. 92, n. 6, supl. 1, p. 1-71, 2009. FELKER, G. M.; et al. Underiying causes and long-term survival in patients with initially unexplained caidiomyopathy. N. Er^J. J. Med.. v. 342, p. 1077, 2000. FRAGATA FILHO, A. A. In: LOPES, A. C. Tretadodeclíricamé dica- Insuficiência caidíaca. v. I, cap. 51, p. 489-498, Sào Paulo: Roca, 2006. JESSUP, M.; BROZENA, S. Heart failure. N. Erg. J. Med., v. 348, n. 20, p. 2007-18, 2003. NOHRIA, A.; LEWIS, E.; STEVENSON, L. W. Medicai management of advanced heart failure. JAMA, v. 287, p. 628-40, 2002.
Dispneia aos Esforços - 77
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CAPÍTULO 12
OLMOS, R. D.; MARTINS, H. S. In: Prcrtosαtcrro condutas no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Insuficiência Cardíaca Congestiva, cap. 20, p. 151-161, São Paulo: Manole, 2007.
___________________________________
CAPÍTULO
13
Cianose Matheus Cavalcante Franco • Gabriel Assis Lopes do Carmo
Paciente masculino, 58 anos de idade, branco, ca sado, ex-zelador,natural de Vitória da Conquista ‒ BA, em São Paulo há 35 anos, trazido ao pronto-socorro amparado por familiares. À entrada, chama atenção uma cianose generalizada. A cianose generalizada não nos remete a qualquer diag
nóstico específico, mas nos abre um leque de diagnósticos que deverão ser lembrados inicialmente.
Cianose é a coloração azulada da pele e das mucosas e tal coloração ocorre quando a hemoglobina reduzida no sangue ultrapassa 5,2g por 100mL de sangue1. A
quantidade fisiológica de hemoglobina reduzida é de 2,6g
por 100mL.
Quanto à fisiopatologia, há três tipos de cianose: cen
tral, periférica e mista (Quadro 13.1). A cianose central é universal, acomete pele e mucosas. É evidenciada principalmente no lobo das orelhas, em
lábios, língua e leito ungueal. Apresenta-se com extremi
dades frias. Pode ser reconhecida em doenças que com prometam a:
•
Ventilação pulmonar: por obstrução das vias aéreas (corpo estranho, neoplasia), por aumento da resis
tência nas vias aéreas (doença pulmonar obstrutiva
crônica, crise asmática), por depressão do centro respiratório (drogas, trauma) ou por atelectasia
pulmonar (derrame pleural, pneumotórax). • Difusão pulmonar: nos casos de pneumonia, con
gestão pulmonar e fibrose pulmonar • Perfusão pulmonar: como em cardiopatias congê
nitas e tromboembolia pulmonar. A cianose periférica não é tão universal e se localiza preferencialmente nas extremidades, que são frias. A
aplicação de bolsa de água quente pode fazê-la desapare
cer Pode surgirem situações que provoquem estase ve QUADRO 13.1 - Causas de cianose • Cianose central - Doença pulmonar obstrutiva crônica - Tromboembolia pulmonar - Crise asmática grave - Cardiopatia congênita - Pneumonia - Neoplasia pulmonar - Atelectasia pulmonar - Pneumotórax - Drogas depressoras do centro respiratório - Trauma torácico • Cianose periférica - Fenômeno de Raynaud - Trombose venosa profunda - Tromboflebite • Cianose mista - Insuficiência cardíaca congestiva grave
nosa, ou diminuição da perfusão tecidual (trombose ve nosa profunda, fenômeno de Raynaud).
Na cianose mista associam-se mecanismos da central e da periférica. Ocorre em insuficiência cardíaca congestiva grave, na qual o componente central é representado pela
congestão pulmonar e pela broncoestase passiva e o com
ponente periférico é dado pela vasoconstrição arteriolar.
Outra situação que produz cianose generalizada é
quando a hemoglobina se combina com outros radicais formando a meta-hemoglobina, que tem menor afinidade pelo oxigênio; alteração que se dá pela ingestão ou ina lação de substâncias tóxicas que contenham nitritos, fe
nacetina, anilinas e sulfanilamida (constituindo a sulfa -hemoglobina).
Cianose - 79
Ao exame:
• Regular estado geral, descorado 1+/4+, hidratado, taquidispneico (frequência respiratória [FR]: 36ipm), cianose generalizada, anictérico, afebril (temperatu ra: 36,5°C). Pressão arterial (PA): 100 × 60mmHg. Saturação de O2 em ar ambiente (AA): 67%. • Presença de estase jugulara 45° e de onda “v” gi gante no pulso venoso jugular. • Ausculta respiratória (AR): expansibilidade e elas ticidade preservadas, frêmito toracovocal aumenta do em base direita, som maciço à percussão de base direita, murmúrio vesicular diminuído em base di reita, com estertores crepitantes difusos. Pectorilóquia áfona em base direita. • Ausculta cardiovascular (ACV): ictus amplo com
três polpas digitais, no sexto espaço intercostal, medial à linha hemiclavicular Bulhas rítmicas com hiperfonia de P2, com sopro sistólico, 3+/4+, regur gitativo em área tricúspide, e sopro diastólico, 2+/4+, aspirativo, em área pulmonar. • Abdome: semigloboso, ruídos hidroaéreos presentes e com timbre normal, flácido, com macicez à percus são de hipocôndrio e flanco direito, fígado palpável a 5cm do rebordo costal direito, homogêneo, fibroe
lástico e com bordas regulares, baço não palpável. • Baqueteamento digital em membros superiores, edema de membros inferiores, 2+/4+, até joelhos, frio, indolor, compressível (sinal de Godet +). Após obtenção da história clínica, realizamos o diag
nóstico de cardiopatia congênita acianótica que posterior mente evoluiu com síndrome de Eisenmenger, pois o paciente era assintomático ao nascimento e durante toda a infância, evoluindo com sintomas/sinais típicos de hi pertensão pulmonarna fase adulta, fato este que exclui o diagnóstico de cardiopatia congênita cianótica ao nasci mento, como a tetralogia de Fallot e a transposição das grandes artérias.
Mitchell et al.2 definiram cardiopatia congênita como
uma malformação anatômica grosseira do coração ou dos grandes vasos intratorácicos, que apresenta real ou poten cial importância funcional. No Brasil, a prevalência de cardiopatias congênitas varia de 5,5 a 13,2 por 1.000 nascidos vivos3-5. As cardiopatias congênitas podem ser divididas clas
sicamente em cianóticas ou acianóticas, de acordo com a presença ou não de cianose ao exame físico. As cardiopatias congênitas acianóticas que habitual mente podem evoluir para síndrome de Eisenmengersão: comunicação interventricular (CIV), que representa 34% dos casos de síndrome de Eisenmenger; comunicação interatrial (CIA), com 30% dos casos; e persistência do canal arterial (PCA), com 14%6. A CIA é a malformação cardíaca mais prevalente em adultos, respondendo por um terço dos casos diagnosti cados nessa faixa etária7. É duas a três vezes mais fre
quente em mulheres89. Anatomicamente, pode serclassi ficada em: tipo ostium secundum, quando o defeito se encontra na região da fossa oval; tipo ostium primum,
quando o defeito reside na parte baixa do septo interatrial; ou tipo seio venoso, quando o defeito se encontra no alto do septo atrial na junção da veia cava superior. O defeito de tipo ostium secundum responde por75% dos casos de CIA, o tipo ostium primum por 15% e o tipo seio venoso por 10%7. A repercussão clínica irá depender do tamanho do
defeito cardíaco. A maioria dos pacientes com CIA é oligossintomática até a terceira década de vida e porvol ta da quinta década mais de 70% tornam-se sintomáticos. Os sintomas iniciais são intolerância ao exercício, dispneia ao esforço e fadiga, com hipodesenvolvimento somático. Ao exame clínico, destaca-se o desdobramento amplo e fixo da segunda bulha cardíaca, pois o fechamento valvar pulmonar refletido pela P2, fica atrasado devido à
sobrecarga volumétrica imposta às câmaras direitas. O eletrocardiograma (ECG) mostra bloqueio de ramo direi to (BRD). A radiografia de tórax apresenta aumento da área cardíaca, à custa das câmaras direitas, dilatação do tronco da artéria pulmonar e de seus ramos, e pletora
vascular pulmonar bilateralmente indicando hiperfluxo pulmonar.A CIA de tipos ostium primum e ostium secun dum são facilmente diagnosticadas pelo ecocardiograma transtorácico; a CIA tipo seio venoso é mais bem visua
lizada pelo ecocardiograma transesofágico. A CIV é o defeito cardíaco congênito mais comum até a infância7. Em 70% dos casos o defeito está localizado na parte membranosa do septo interventricular em 20% na parte musculare em 10% em outros locais10. A consequên
cia patológica da CIV dependerá do tamanho do defeito
cardíaco e da resistência vascular nos leitos pulmonar e
CAPÍTULO 13
O paciente refere piora da falta de arhá um dia, no momento, com dispneia ao repouso. Escarro com laivos de sangue há uma semana. Nega febre. Interrogatório sobre diversos aparelhos (ISDA): cefaleia latejante occipital, com episódios recorrentes. Antecedentes pessoais: hipertensão arterial há dez anos. Ex-tabagista, fumou dois maços/dia por20 anos e parou há 25 anos. Conta que tem sopro no coração diagnosticado aos 8 anos de idade e desde os 24 anos sabe que tem malformação cardíaca. Relata que era assintomático até os 50 anos, quando foi internado com quadro de pneumonia e de insuficiência cardíaca con gestiva descompensada. Refere internação em 2007 por quadro de endocardite infecciosa.
CAPÍTULO 13
80 - Doenças do Sistema Cardiovascular
sistêmico. Varia desde quadros assintomáticos, em que o defeito é pequeno, a quadros de importante hipertensão
e pressão arterial com diferencial aumentado, em razão
pulmonar decorrente de grandes defeitos cardíacos.
do volume de sangue desviado para a circulação pulmonar
Ao exame clínico, destacam-se pulso periférico amplo
Diferentemente das CIA, o tamanho de uma CIV pode
Há frêmito sistodiastólico palpável na região infraclavi
diminuir com o passardo tempo. Cerca de 25 a 40% dos
cular esquerda e o clássico sopro “em maquinaria” no
defeitos septais fecham-se espontaneamente até os dois
segundo espaço intercostal abaixo da clavícula esquerda.
anos. As maiores taxas de fechamento são observadas na
O ECG mostrará sobrecarga de câmaras esquerdas. A
primeira década de vida, sendo atípico o fechamento em idade adulta11,12.
radiografia de tórax mostra acentuação da trama vascular
Ao exame clínico destaca-se um frêmito palpável na borda esternal esquerda e o sopro pansistólico audível,
principalmente no terceiro ou quarto espaço intercostal à esquerda. O ECG mostra sobrecarga atrial esquerda e de tórax mostra aumento da vascularização pulmonar com átrio esquerdo e ventrículos aumentados inicialmente. O
ecocardiograma transtorácico pode identificaro defeito e a significância do shunt (Fig. 13.1).
O canal arterial conecta a aorta descendente (depois da saída da artéria subclávia esquerda) à artéria pulmonar esquerda. No feto, essa comunicação permitia que o san gue se desviasse dos pulmões ainda não expandidos e
amputação da aorta descendente. O ecocardiograma trans torácico com Doppler contribui de forma significativa para
o diagnóstico. ECG: Ritmo sinusal, eixo em -90°, presença de BRD e bloqueio divisional anterossuperior(BDAS). Radiografia de tórax: ectasia da artéria pulmonare de seus ramos, aumento global da área cardíaca e pre sença de opacidade homogênea em base pulmonar direita. Ecocardiograma a beira do leito: CIV subaórtica de 13mm, dilatação grave e hipocinesia difusa de ventrí culo direito.
entrasse na aorta para oxigenação na placenta. Normal
mente, 80% dos canais arteriais fecham-se até a oitava
As cardiopatias anteriormente citadas (CIA, CIV e
semana de vida extrauterina e os 20% restantes poderão
PCA) apresentam em comum o fato de possuirinicialmen
se obliterar até o final do primeiro ano de vida. A PCA
te um shunt da esquerda para a direita que provoca hiper
apresenta maior incidência em gestações complicadas com
fluxo no leito vascular pulmonar. Cronicamente, esse
hipóxia perinatal e nos casos de rubéola gestacional.
hiperfluxo produz alterações morfológicas na microvas
A repercussão clínica da PCA irá dependerdo tamanho
e do comprimento do canal arterial, assim como da resis
tência vascular sistêmica e pulmonar. Os sintomas, quando presentes, abrangem dispneia,
palpitação e intolerância ao exercício.
cularização pulmonar evoluindo de hipertrofia e prolife
ração arteriolar para fibrose nos estágios avançados, que resultam em aumento da resistência vascular pulmonar.
Esse aumento da resistência provoca aumento progressi
vo da pressão arterial pulmonar, que em determinado momento reverte o shunt para da direita para a esquerda.
Com a reversão do shunt, o sangue venoso que retorna
para o lado direito do coração passa pela comunicação e
reduz a saturação de oxigênio do sangue arterial prove niente do lado esquerdo, causando a cianose central. A tríade de comunicação sistêmico-pulmonar, hipertensão
pulmonare cianose caracteriza a síndrome de Eisenmenger. As alterações morfológicas na vascularização pulmo
nar na síndrome de Eisenmenger usualmente acontecem
no começo da infância, mas os sintomas podem aparecer apenas no início da fase adulta7. Os sintomas mais frequentes são dispneia progressiva e intolerância aos esforços; e eles podem ficar bem com
pensados por muitos anos13. Outros sintomas são fadiga,
Figura 13.1 - Ecocardiograma Doppler mostrando grande comunicação interventricular com fluxo san guíneo da esquerda para a direita.
palpitações, síncope e sintomas de hiperviscosidade oriun dos da eritrocitose decorrente da dessaturação (cefaleia,
tontura, distúrbios visuais, parestesias).
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sobrecarga predominantemente esquerda. A radiografia
pulmonar, aumento de átrio e ventrículo esquerdos e
Cianose - 81
Ao exame físico dos pacientes com essa síndrome
mento digital, hepatomegalia, ascite, edema de membros
caracterização do defeito cardíaco, a análise da resistência
inferiores. O pulso venoso jugular é normal quando a
vascular pulmonar.
comunicação é posterior à válvula tricúspide (por exem plo, PCA). Nos outros casos, uma onda “a” proeminente
pode ser observada em decorrência da contração atrial elevando ainda mais a pressão atrial direita. Nos estágios
posteriores pode-se notar onda “v” gigante, devido à in suficiência tricúspide. À palpação sente-se ictus cordis aumentado, com forte impulsão ventricular direita. À
ausculta nota-se P2 hiperfonética. O murmúrio causado
978 85 4120 074
5
por CIA, CIV ou PCA desaparece quando a síndrome de Eisenmengerse desenvolve. Muitos pacientes, como o do caso apresentado, têm sopro decrescente diastólico cau sado pela insuficiência pulmonare/ou sopro holossistóli
co causado por insuficiência tricúspide.
O ECG mostra hipertrofia ventricular direita ou biven
Pela história clínica de piora súbita da dispneia há um dia, presença de escarros hemoptoicos, hipotensão e dessaturação significativa num paciente com síndrome de Eisenmenger,pensou-se em tromboembolia pulmo nar, sendo solicitada tomografia computadorizada de tórax com contraste. Entretanto, o paciente evoluiu com piora rápida e progressiva, com parada cardiorrespira tória em assistolia que não se reverteu após as medidas preconizadas pelo advanced cardiac life support (ACLS). Constatado óbito horas após a internação. Encaminhado ao Serviço de Verificação de Óbito, que emitiu a seguinte declaração de óbito: infarto he morrágico do pulmão direito, devido à trombose de artéria pulmonar direita e cor pulmonale crônico, se cundários à CIV (causa básica de morte).
tricular.A radiografia de tórax (Fig. 13.2) mostra dilatação da artéria pulmonare de seus ramos, diminuição da vascu larização pulmonar periférica e aumento da área cardíaca.
DIAGNÓSTICO FINAL
O ecocardiograma irá mostrar sinais crônicos de hi pertensão pulmonar, dilatação e hipocinesia ventricular
Síndrome de Eisenmenger.
direita, refluxo pulmonare tricúspide, além do defeito
cardíaco, em muitos casos.
DISCUSSÃO De fato, as alterações estruturais e funcionais que ocorrem na síndrome de Eisenmenger aumentam a incidência de
trombose. A dilatação arterial aneurismal favorece a es tase sanguínea e aumenta o risco de trombose14. O estres se celular devido à agressão endotelial e a hipoxemia
crônica produzem hiperviscosidade sanguínea, contribuin do para um estado protrombótico15,16.
Estudos confirmam a alta prevalência de tromboem
bolia pulmonarna síndrome de Eisenmenger,variando de 20 a 29%17-19. A trombose maciça e o infarto parenquimatoso, como no caso apresentado, provocam aumento da resistência pulmonare maior desvio de sangue pelo shunt da direita para a esquerda, com morte por asfixia.
A tomografia computadorizada de tórax com contra
taste e a angiografia são exames que podem confirmar o local de trombose na artéria pulmonar. A anticoagulação de rotina não é recomendada a pa
Figura 13.2 - Radiografia de tórax de um paciente com síndrome de Eisenmenger. Observam-se cardio megalia, atenuação da vascularização periférica, dilatação da artéria pulmonar (seta da direita) e de seus ramos (seta da esquerda).
cientes com síndrome de Eisenmenger, exceto quando houver fibrilação atrial, tromboembolia pulmonar, ataque
isquêmico transitório, acidente vascular cerebral isquêmi co ou trombos intracardíacos. A profilaxia para endocardite infecciosa tem sido re
comendada a pacientes com síndrome de Eisenmenger,
CAPÍTULO 13
observa-se caracteristicamente cianose central, baquetea
Em alguns pacientes, a confirmação diagnóstica ne cessita de cateterismo cardíaco, que possibilita, além da
CAPÍTULO 13
82 -
Doenças do Sistema Cardiovascular
pelo alto risco de infecção existente, especialmente das valvas pulmonar e tricúspide. Segundo os guidelines da
American Heart Association de 2007, a profilaxia para
endocardite infecciosa é recomendada a todos os pacien tes com síndrome de Eisenmengerque tenham um defei to cardíaco congênito não reparado20.
Recomenda-se também, aos pacientes com síndrome de Eisenmenger, por aumentar o risco de complicações,
evitar altitude, desidratação e prática de exercícios físicos extenuantes. A gravidez na síndrome de Eisenmenger
apresenta mortalidade materna de cerca de 30 a 50% e apenas 15 a 25% das gestações chegam ao termo21-23. Devido ao elevado risco de mortalidade materna, gravidez é contraindicada às pacientes com síndrome de Eisenmen
ger24 e, ocorrendo, recomenda-se o aborto nas fases iniciais da gestação25.
Apesar de nenhuma terapia clínica ter sido recomen dada para redução da resistência vascular pulmonar, o uso de vasodilatadores pulmonares pode ser benéfico. Bosentan (antagonista seletivo do receptor de endotelina) e epoprostenol (prostaciclina) têm sido testados com bons resultados26-29.
Flebotomia com reposição isovolumétrica é recomen dada nos pacientes com moderados a graves sintomas de hiperviscosidade30. Transplante duplo cardíaco-pulmonar ou transplante
pulmonar com reparação do defeito cardíaco são opções para o tratamento dos pacientes com síndrome de Eisen
menger entretanto, devem ser reservados apenas para os pacientes com sintomas graves31-33. A idade média de morte dos pacientes com síndrome
de Eisenmenger é de 37 anos. A maioria morre por pro
gressão da doença cardiovascular para falência cardíaca, por morte súbita cardíaca ou hemorragia/trombose pul monar Relatam-se casos de sobrevida até os 60 anos de idade14,34.
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Cianose - 83
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CAPÍTULO 13
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SEÇÃO
Doenças do Sistema Respiratório
CAPÍTULO
14
Tosse Crônica Ingvar Ludwig
Um homem de 35 anos procura o pronto-socorro com queixa de tosse e dispneia. Refere que a tosse foi o primeiro sintoma e se iniciou há pouco mais de dois meses, com piora em intensidade e frequência nas úl timas quatro semanas. Nesse período, a tosse que era não produtiva passou a ser acompanhada de secreção hialina que, ocasionalmente, continha traços de sangue, além de desenvolver dispneia aos médios esforços. O paciente procurou atendimento médico em outro servi ço por volta de quatro semanas atrás, quando os sin tomas começaram a piorar. Nessa ocasião, foi tratado como se tivesse uma infecção respiratória, com amo xicilina, 500mg, três vezes/dia, prednisona, 20mg/dia e nebulizações com fenoterol e ipratrópio para alívio da dispneia. Mesmo fazendo uso correto das medica ções, apresentou apenas melhora parcial. Notou ainda febre episódica e calafrios, que eram acompanhados de sudorese, principalmente no período noturno. Há cinco dias do atendimento houve piora da dispneia, agora proeminente aos esforços habituais, e os episódios de hemoptise se tomaram mais frequentes.
corpo estranho também são causas frequentes que devem
ser consideradas. Ocasionalmente, relacionam-se a condi ções graves, tais como embolia pulmonar, edema agudo de pulmão e pneumonia. Febre e dispneia são importantes
fatores observados e indicam probabilidade de até 50% de
infecção pulmonarem pacientes com apresentação aguda. Quadros agudos podem ainda persistir e tornam-se um problema crônico.
Tosse com duração superiora três semanas é também denominada tosse crônica. Estima-se que até 90% dos
casos estejam relacionados a asma, doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), gotejamento nasal posterior
(secundário a processos crônicos envolvendo os seios da face e a mucosa nasal) e bronquite crônica relacionada ao
tabaco. Entre as causas menos frequentes, mas que devem
ser consideradas, estão os casos secundários a drogas (por exemplo, uso de inibidores da enzima conversora de an
giotensina [IECA] e betabloqueadores), bronquiectasia, infecções crônicas, carcinoma broncogênico, pneumoco nioses, doenças pulmonares intersticiais e causas extra
Apesar de ser um mecanismo de defesa que auxilia na
pulmonares como disfunção ventricular esquerda. A
proteção da integridade das vias aéreas, a tosse é um dos
anamnese é crucial na avaliação inicial, sugerindo em até
sintomas que mais levam pacientes a procurar atendimen
70% das vezes um diagnóstico provável. Alguns aspectos
to médico; afinal, além de ser facilmente observada, afeta
associados à história clínica devem ser ativamente inves
de modo objetivo a qualidade de vida.
tigados. O Quadro 14.1 lista esses dados.
A duração do sintoma talvez seja o principal fator que
Hemoptise é definida como a eliminação de sangue
auxilia na avaliação de pacientes que se queixam de tosse.
com origem abaixo das cordas vocais. Usualmente, indi
A apresentação aguda da tosse tem duração inferiora três
ca algum processo que acomete as vias aéreas, como
semanas em geral está relacionada a infecções das vias
bronquiectasias ou lesão brônquica, mas também pode
aéreas. Infecções virais como a gripe e o resfriado comum
resultar de carcinoma broncogênico e outras neoplasias
são responsáveis pela maioria dos casos. Sinusite bacte
pulmonares ou secundárias a metástases de outros locais.
riana, traqueobronquite (como na doença pulmonar obs
O parênquima pulmonar também pode ser a origem do
trutiva crônica exacerbada), rinite alérgica e aspiração de
sangramento em doenças intersticiais e autoimunes, in-
CAPÍTULO 14
88 -
Doenças do Sistema Respiratório
QUADRO 14.1 - Dados importantes na avaliação de tosse crônica • • • • • • • • • •
Tabagismo Mudança recente do padrão de tosse Presença e quantidade de escarro Hemoptise Queimação retroesternal Exposição ocupacional História de alergia ou atopia Tosse noturna Cefaleia e sintomas de sinusopatia Introdução de novas drogas (especialmente inibidores da enzima conversora de angiotensina e betabloqueadores) • Uso de drogas ilícitas (crack e cocaína)
fecções crônicas (fúngicas, abscessos) e causas exógenas como inalação de agentes tóxicos ou drogas, como coca
ína. Pelo fato de o pulmão ser uma estrutura extensamen
te vascularizada, o acometimento dos vasos pode resultar
em hemoptise, como em embolia pulmonar, malformações
arteriovenosas, estenose mitral e congestão pulmonar
grave em caso de insuficiência ventricular esquerda grave, resultando em edema agudo de pulmão.
Febre e calafrios são sintomas amiúde correlatos, exibindo estágios diferentes de um mesmo processo. Ambos estão relacionados a processos infecciosos diver
sos (bacteriano, fúngico, viral), doenças autoimunes, doenças malignas (linfoma, leucemia, neoplasias pulmo
nares e renais) e neurológicas. Sudorese noturna é muito sugestiva de algumas doenças como linfomas, tuberculo se, abscessos, infecções virais (HIV) e endocardite. É um
dado importante a ser considerado.
O paciente considera sua saúde satisfatória até quatro meses atrás. Relata episódios isolados de tosse nos últimos seis meses, que não cursavam com secreção e melhoravam espontaneamente. Nega secreção nasal posteriorou eliminação de grande quantidade de secre ção pela manhã (higiene matinal).
O Quadro 14.2 lista as principais causas de tosse de acordo com a duração. O paciente nega história de queimação retroesternal, sibilos, dor torácica ou dispneia noturna ou incapaci tante durante sua vida adulta. Nunca havia manifestado hemoptise. Observou perda não motivada de 5kg nos últimos dois meses e não notou alterações no sono ou no apetite. Havia sido internado duas vezes, aos seis e aos nove anos de idade, uma delas para tratamento de pneumonia. Permaneceu sem necessidade de internação até dois anos atrás, quando precisou se submetera uma artroscopia de joelho esquerdo para correção de lesão traumática de menisco lateral. Refere ter procurado auxí lio médico em poucas ocasiões, desde a adolescência.
QUADRO 14.2 - Principais causas de tosse (conforme duração) • Aguda e subaguda (duração < 3 semanas) - Infecções das vias aéreas superiores ■ Gripe e resfriado ■ Sinusite bacteriana aguda ■ Infecção por Bordetella pertusis - Exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica - Pneumonia - Edema agudo de pulmão - Embolia pulmonar • Crônica (duração > 3 semanas) - Asma - Doença do refluxo gastroesofágico - Gotejamento nasal posterior: ■ Rinite alérgica ■ Rinite vasomotora ■ Sinusite bacteriana crônica - Bronquite crônica relacionada ao tabaco - Drogas ■ Inibidores da enzima conversora de angiotensina ■ Betabloqueadores ■ Cocaína ■ Crack - Insuficiência ventricular esquerda - Doença pulmonar obstrutiva crônica - Bronquiectasias - Infecções crônicas ■ Abscessos pulmonares ■ Bactérias ■ Fungos - Pneumoconioses - Neoplasias ■ Carcinoma broncogênico ■ Metástases pulmonares - Doenças pulmonares intersticiais ■ Sarcoidose ■ Pneumonite por hipersensibilidade ■ Fibrose pulmonar idiopática ■ Colagenoses (lúpus eritematoso sistêmico, esclerodermia, Sjögren, artrite reumatoide, doença mista do tecido conjuntivo) - Vasculites ■ Granulomatose de Wegener ■ Síndrome de Goodpasture - Aspiração de corpo estranho
Não faz uso crônico de medicações, no entanto, utiliza analgésicos simples (dipirona ou paracetamol) ocasio nalmente. É solteiro, vive sozinho e sem parceira fixa. Nega relações homossexuais. Nega tabagismo, é etilista social (ingere cerca de quatro a seis doses por semana), oca sionalmente utiliza maconha como droga recreativa (frequência estimada de uma vez a cada dois meses), porém, nega uso de outras drogas. Refere que o pai é hipertenso e foi submetido a uma revascularização miocárdica aos 62 anos de idade. A mãe faleceu aos 59 anos, vítima de um câncerde ovário. É filho único e não informa outros antecedentes familiares dignos de nota.
O paciente não melhorou significativamente após o tratamento antimicrobiano proposto. Esse dado ajuda a
descartar um processo agudo de etiologia infecciosa. A ausência de sibilos, queimação retroesternal e gotejamento
Tosse Crônica - 89
crônica. A resposta ao corticoide é importante para ava
liação do tratamento do gotejamento nasal posterior, presente em sinusopatias crônicas. No entanto, quadros autoimunes, neoplasias e infecções crônicas também podem apresentar algum tipo de melhora mediante essa droga. É
importante considerá-los antes de instituir essa terapia.
O paciente é jovem, não é tabagista nem teve exposi ção prolongada ao tabaco, o que afasta as hipóteses de bronquite relacionada ao tabaco e carcinoma broncogê nico, mesmo o carcinoma de pequenas células (oat cell), um tipo de neoplasia pulmonar que afeta pacientes mais jovens e pode cursar com hemoptise. Não existe exposição
de 92%. Temperatura axilarde 37,3°C. Não se observam lesões em cavidade oral, massas cervicais ou adenome galia cervical, clavicular, axilar ou inguinal. Não são observadas alterações necessariamente patológicas na propedêutica cardiovascular e abdominal. A ausculta pulmonar mostra murmúrio vesicular diminuído em terço superior do pulmão esquerdo, em que também se notam estertores subcrepitantes nos terços superiores e alguns roncos difusos em ambos os pulmões. Não se notam alterações na expansibilidade. As extremidades apresentam boa perfusão periférica, com pulsos distais cheios e simétricos; não há edema. O exame neurológico é normal. Não se observam lesões cutâneas características, tampouco sangramento ativos.
ocupacional para relacionara pneumoconioses. O pacien
O exame físico mostra-se alterado. A ausência de sibilos
te não apresenta história frequente de internações nem outros sinais de imunossupressão. Tem como fator de risco a exposição a drogas ilícitas, que podem mediar
é pouco compatível com os diagnósticos de asma ou obstru
lesões no parênquima pulmonar e um comportamento que deve ser investigado para doenças sexualmente trans
O estado de conservação dentário é bom, diminuindo a hi
missíveis. Não devemos esquecer que com o advento da
infecção pelo HIV e sua evolução consequente para AIDS,
alguns processos infecciosos menos frequentes voltaram a ter importância e devem ser apropriadamente investiga dos em casos de imunossupressão. Essa abordagem tam bém deve ser estender aos pacientes transplantados, os quais, devido ao desenvolvimento de novas drogas e
técnicas e a um ganho exponencial de conhecimento sobre os mecanismos de rejeição, estão cada vez mais presentes na rotina da prática médica. Muitos desses pacientes fazem
ção de vias aéreas. Não se notam alterações na cavidade oral,
o que auxilia a afastar sinusopatia e gotejamento posterior. pótese de pneumonia aspirativa. A propedêutica cardíaca é normal, sem sinais de congestão pulmonar. Dessa forma, o
diagnóstico de descompensação cardíaca não parece o mais provável, tampouco de estenose mitral. No entanto, o pacien
te apresenta-se taquipneico e hipoxêmico. A redução da ausculta pulmonarde forma localizada favorece o diagnósti
co de um processo envolvendo diretamente o parênquima
pulmonar e apenas parte dele, observação esta que torna
pouco provável um processo difuso como pneumopatias in tersticiais. Vale lembrar que algumas infecções têm localiza
uso de potentes imunossupressores e estão suscetíveis a processos infecciosos, bem como a alterações da homeos tase imunológica.
ção preferencial. Tuberculose geralmente acomete os ápices,
Pela anamnese observamos que se trata de um pacien
aspirações tendem a se instalarno segmento posteriordo lobo
te previamente hígido, masculino, jovem, queixando-se de tosse crônica com eventual hemoptise, associada a
superiore no segmento superior do lobo inferior.Apesardo
dispneia, febre e sudorese noturna. Outro dado valioso é
físico são sinais presentes em embolia pulmonar que tem
a perda de peso, que pode indicar doença crônica e con sumptiva. É importante notar que o paciente possui um
evolução potencialmente letal, e devem ser sempre avaliados
quadro progressivo em que se observam tanto piora dos
podem ser uma ferramenta útil para avaliação de pacientes
sintomas como aparecimento de outros novos. Isso auxi lia a excluir causas agudas e facilmente identificadas.
com quadro clínico sugestivo de embolia pulmonar.
Esses elementos apontam para uma provável etiologia
diografia torácica é uma ferramenta indispensável e parte
pulmonar,envolvendo processos crônicos como infecções
inicial do algoritmo para avaliação de tosse crônica apre
ou inflamações.
sentado pelas Diretrizes para o Manejo da Tosse Crônica
devido a uma relação ventilação/perfusão que favorece a proliferação do bacilo, ao passo que infecções resultantes de
quadro clínico arrastado, hipoxemia e taquipneia ao exame
com cautela, sobretudo com hemoptise. Os critérios de Wells
Na avaliação de um paciente com tosse crônica, a ra
da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (Fig.
Ao exame físico, o paciente apresenta-se vígil, orientado em tempo e espaço e colaborativo. Seu esta do geral é regular, apresentando taquipneia, com frequência respiratória (FR) de 27irpm, frequência cardíaca (FC) de 98bpm, pressão arterial (PA) medindo 126 × 84mmHg, com saturação periférica de oxigênio
14.1). Uma radiografia normal num paciente imunocompe
tente toma pouco provável tuberculose, bronquiectasias, massas tumorais, sarcoidose e outras doenças intersticiais,
além de fornecer informações sobre a área cárdica, os gran
des vasos e o mediastino.
CAPÍTULO 14
posterior vai contra o diagnóstico de asma, DRGE e sinu site crônica, que são as causas mais comuns de tosse
CAPÍTULO 14
90 - Doenças do Sistema Respiratório
Figura 14.1 - Algoritmo proposto para avaliação de tosse crônica (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Ti siologia). DRGE = doença do refluxo gastroesofágico; EDA = endoscopia digestiva alta; GNP = gotejamento nasal posterior; IECA = inibidor da enzima conversora de angiotensina; LBA = lavado broncoalveolar; TC = to mografia computadorizada; TCAR = tomografia computadorizada de alta resolução.
Tosse Crônica - 91
Observa-se elevação dos marcadores inflamatórios
inespecíficos VHS e proteína C-reativa. Provas inflama
tórias têm valores aumentados em doenças autoimunes, neoplasias e quadros infecciosos. A análise gasométrica
revela hipoxemia, visto que PaO2 se encontra ligeiramen te abaixo do esperado para a idade (92,5 ± 5mmHg) e a
saturação de oxigênio também está alterada. Os dados
provenientes dos exames laboratoriais não revelam qual queranomalia característica de alguma doença específica, mas indicam existir uma anormalidade que já comprome
te a oxigenação sanguínea, com necessidade de investi
gação imediata do quadro. O parênquima pulmonar mostra alterações em ambos os terços superiores dos pulmões. No pulmão esquerdo nota-se uma região de opacificação no terço superior com áreas de condensação, além de infiltrado que circunda uma área de cavitação. No pulmão direi
to observa-se também uma caverna, isolada no terço superior do pulmão direito. O paciente submete-se à tomografia computadorizada do tórax, que também revelou lesões em ambos os parênquimas, caracteriza das por áreas de condensação difusa, infiltrados micronodulares com áreas em vidro fosco e cavitações com paredes espessadas em ambos os pulmões, sem presença de nível hidroaéreo.
QUADRO 14.3 - Resultados dos exames laboratoriais solicitados Hemoglobina: 14,1 g/dL Hematócrito: 42% Plaquetas: 382.000 células/mm3 Leucócitos totais: 7.820 células/mm3 - Promielócitos: 0 - Mielócitos: 0 - Metamielócitos: 0 - Bastonetes: 2% (156 células/mm3) - Segmentados: 68% (5.317 células/mm3) - Eosinófilos: 2% (157 células/mm3) - Basófilos: 1% (79 células/mm3) - Linfócitos: 18% (1.408 células/mm3) - Linfócitos atípicos: 0 - Monócitos: 9% (704 células/mm3) • Velocidade de hemossedimentação: 23nm • Proteína C-reativa: 27,6mg/dL • Gasometria arterial - pH: 7,36 - PaO2: 86mmHg - PaCO2: 39mmHg - Bicarbonato: 21mEq - Excesso de bases: -1 - Saturação de O2: 93% • • • •
Figura 14.2 - Exames de imagem: (A) radiografia de tórax e (B) tomografia computadorizada de tórax. A ra diografia de tórax mostra comprometimento importante do pulmão esquerdo, com uma área de condensação no segmento superior, onde também se observa lesão cavitária com infiltrado adjacente. A tomografia compu tadorizada revela áreas de condensação, infiltrado micronodular na região peribrônquica bilateral com áreas em vidro fosco, além de uma caverna de grandes dimensões e parede espessada que se comunica diretamente com o brônquio inferior esquerdo.
CAPÍTULO 14
Após ter sido avaliado clinicamente, o paciente é submetido a exames complementares, solicitando-se hemograma para avaliara possibilidade de quadro in feccioso, gasometria arterial para avaliara oxigenação sanguínea, provas inflamatórias, velocidade de hemos sedimentação (VHS) e proteína C-reativa, e radiografia torácica como exame de imagem inicial (Fig. 14.2). Os resultados dos exames laboratoriais são apresentados no Quadro 14.3.
CAPÍTULO 14
92 - Doenças do Sistema Respiratório
Os principais achados nos exames de imagem são
como alcoolismo, uso de drogas e epilepsia, são fatores
cavitações em ambos os pulmões, além das áreas de
de risco importantes, já que grande parte dos abscessos
condensação. As lesões cavitárias são incomuns e restrin
acontecem de aspirações. No entanto, microaspirações,
gem os diagnósticos diferenciais, que ainda assim incluem
que ocorrem em até 40% dos indivíduos sadios, também
neoplasias, doenças autoimunes, infecções e lesões me
podem contribuir para a formação de um abscesso. Myco
cânicas. O Quadro 14.4 lista as principais causas que
bacterium tuberculosis e certos fungos (Aspergillus,
podem provocara formação de lesões cavitárias intrapul
Blastomyces, coccioides, histoplasma) e outros patógenos
monares.
(micobactérias atípicas, criptococos) podem provocar
O paciente é jovem e não tem história significativa de tabagismo, nem outros sintomas que possam indicar al
guma neoplasia portanto, carcinoma broncogênico e metástases não parecem ser o principal diagnóstico. Al
gumas doenças reumatológicas, entre elas sarcoidose,
artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico, podem cursar com lesões no parênquima pulmonar mas nestes
casos o acometimento de outros sistemas é mais eviden te, o que não se observa na avaliação do paciente. Outras entidades também possuem capacidade de desenvolver
cavernas pela formação de abscessos pulmonares, como obstruções por corpo estranho, infartos pulmonares de
correntes de embolismos (sépticos ou tromboembolia) e bronquiectasias. Infecções fúngicas e por micobactérias,
por meio de inflamação crônica, podem promover des
truição de parênquima e formação de cavitações.
lesões pulmonares crônicas e, apesar de possuírem viru lência intermediária, indivíduos imunocompetentes podem
desenvolver estas infecções se expostos frequentemente
ou dependendo da quantidade inoculada. A cavidade pulmonar é a lesão mais característica em tuberculose
pulmonar.
O paciente é então submetido à análise do escarro com cultura para bactérias, fungos e micobactérias, além de pesquisa para bacilo álcool ácido resistente (BAAR; coloração de Ziehl-Neelsen) (Fig. 14.3). A análise do escarro foi positiva para BAAR e o paciente foi diag nosticado com tuberculose pulmonar. Instituiu-se tratamento com isoniazida, rifampicina e pirazinamida e o paciente teve alta após melhora dos sintomas iniciais, sendo encaminhado para atendimento ambulatorial.
Os abscessos pulmonares podem se manifestar com
uma história de mau estado geral, associada a alguns
episódios de febre e tosse crônica, mas geralmente pro dutiva e com expectoração purulenta. Conservação den tária ruim e condições que alterem o estado de consciência,
DIAGNÓSTICO FINAL Tuberculose pulmonar.
QUADRO 14.4- Diagnóstico diferencial de lesões cavitárias • Infecções - Bactérias (micobactérias, nocardiose, Burkholderia pseudomallei) - Abscessos pulmonares (polimicrobianos) - Fungos (aspergilose, criptococose, blastomicose, paracoccidioidomicose) - Parasitas (amebíase, equinococose, toxoplasmose) • Vasculopatias - Êmbolo séptico (com abscesso secundário) - Infarto pulmonar • Neoplasias - Carcinoma broncogênico - Adenocarcinoma brônquico - Metástases pulmonares - Linfoma • Vasculites - Granulomatose de Wegener - Síndrome de Goodpasture - Lúpus eritematoso sistêmico • Doenças intersticiais - Sarcoidose - Linfangioleiomiomatose • Cisto broncogênico • Obstrução brônquica - Aspiração de corpo estranho - Neoplasias obstrutivas
Figura 14.3 - Pesquisa de bacilo álcool ácido resis tente (BAAR) em escarro revela bacilos filiformes correspondendo a Mycobacterium tuberculosis.
Tosse Crônica - 93
A tuberculose é uma infecção crônica causada pelo Myco
como ferramentas diagnósticas a radiografia simples de
bacterium tuberculosis. Segundo estimativa da Organiza
tórax, que pode indicar lesões sugestivas de tuberculose,
ção Mundial da Saúde (OMS), dois bilhões de pessoas
a prova tuberculínica (técnica de Mantoux), pesquisa da
estão infectados pelo M. tuberculosis. O Brasil ocupa o
micobactéria no escarro induzido ou no lavado broncoal
décimo quarto lugar entre os 23 países responsáveis por
veolar (padrões de sensibilidade e especificidade seme
80% dos casos no mundo, com aproximadamente cinco
lhantes), tomografia computadorizada de tórax e técnicas
milhões de infectados, 111.000 casos novos e 6.000 óbi
tos anuais. A apresentação da tuberculose pode ser pul
de biologia molecular ainda não totalmente padronizadas e validadas (QuantiFERON®-TB test).
monar, extrapulmonarou disseminada, dependendo basi
O tratamento requer acompanhamento ambulatorial e
camente da resposta imunológica do hospedeiro. A tosse e a expectoração são sintomas cardinais da
tuberculose e por elas se deve começara investigação para
é feito de acordo com a situação e o local acometido pela
tuberculose, com esquemas sugeridos pelo Ministério da
Saúde. O Quadro 14.5 mostra essas recomendações.
que os casos pulmonares sejam diagnosticados e tratados
A tuberculose ainda representa um problema de saúde
precocemente. A tosse em geral tem duração superiora
prioritário no Brasil, em razão de sua prevalência e plu
três semanas e inicialmente é seca, passando a produtiva
ralidade de apresentação. Doença de notificação compul
com escarros mucoides ou purulentos e, por vezes, com
sória e de investigação obrigatória, deve sempre ser
raias de sangue, ou mesmo hemoptise. Outros sintomas
lembrada pelo médico na prática clínica.
surgem com o tempo: anorexia, febre, emagrecimento,
hemoptise, astenia e sudorese noturna. O diagnóstico diferencial deve ser feito em portadores de tosse subagu
da e crônica e deve incluir abscesso pulmonar por aspi ração, pneumonias, micoses pulmonares (paracoccidioi
domicose, histoplasmose), sarcoidose e carcinoma
brônquico. A avaliação diagnóstica é feita pela pesquisa direta da
micobactéria no escarro pela coloração de Ziehl-Neelsen.
O diagnóstico microbiológico envolve ainda a cultura da
QUADRO 14.5 - Esquemas de tratamento padronizados para tuberculose no Brasil • RHZ (2RHZ/4RH): diário por 6 meses para todas as formas pulmonares e extrapulmonares, todas as idades e na coinfecção com o HIV/AIDS • RHZ (2RHZ/7RH): diário por 9 meses para a meningoencefalite tuberculosa • RHZE (2RHZE/4RHE): diário por 9 meses para retratamento por recidiva após cura ou reinicio do tratamento por abandono • SEEtZ (3SEEtZ/9EEt): 12 meses para falência bacteriológica aos anteriores _______________________________________________________________
2RHZ = rifampicina, 600mg, isoniazida, 300mg, e pirazinamida, 2g, diariamente pelo período de 2 meses; 4RH = rifampicina, 600mg, e isoniazida, 300mg, diariamente pelo período de 4 meses; 7RH = rifampicina, 600mg, e isoniazida, 300mg, diariamente pelo período de 7 meses; 2RHZE = rifampicina, 600mg, isoniazida, 300mg, pirazinamida, 2g, e etambutol, 1,2g, diariamente pelo período de 2 meses; 4RHE = rifampicina, 600mg, isoniazida, 300mg, e etambutol, 1,2g, diariamente pelo período de 4 meses; 3SEEtZ = estreptomicina, 1g, etionamida, 750mg, etambutol, 1,2g, e pirazinamida, 2g, pelo período de 3 meses; 9EEt = etionamida, 750mg, e etambutol, 1,2g, diariamente pelo período de 9 meses. Doses para adultos com mais de 45kg com função renal adequada.
BIBLIOGRAFIA BADEN, L. R.; ELLIOTT, D. D. Case 4-2003: a 42-year-old woman with cough, fever and abnomralities on thoracoabdominal computed tomography. N. ErgJ. J. Mβd., v. 348, p. 447, 2003. BEIGELMAN, C.; SELLAMI, D.; BRAUNER, M. CT of parenchymal and bronchial tuberculosis. Etr. Radki, v. 10, p. 699-709, 2000. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. DEPARTAMENTO DE VIGILÂNCIA EPIDEMIO LÓGICA. DGmçasirfβeckBasepa-aHtá-ias guia de bolso.
7. ed. ampl. Brasília: Ministério Saúde, 2008. IRWIN, R. S.; et al. Managing cough as a defense mechanism and as a symptom: a consensus panei leport of the American College of Chest Physicians. Chest v. 114, suppl. 23, p. 133S-181S, 1998. IRWIN, R. S.; MADISON, J. M. The diagnosis and treatment of cough. N. Erg. J. Mβd., v. 343, p. 1715, 2000. IRWIN, R. S.; MADISON, J. M. The persistently troublesome cough. Am. J. Reqrir. Crit Ca-eMβd., v. 165, p. 1469-1474, 2002. MOREIRA, J. S.; et al. Lung abscess: analysis of 252 consecutive case diagnosed between 1968 and 2004. J. Bras Preund, v. 32, n. 2, p. 136-43, 2006. RICHARD, S.; IRWINAND, J.; MADISON, M. The persistently troublesome cough. Am. J. Reqrr. Crit Ca^eMβd., v. 165, p. 1469-1474, 2002. SMALL, P.M.; FUJIWARA, P. I. Management of tuberculosis in the United States. N. ErjsJ. J. Mβd., v. 345, n. 3, p. 189-200, 2001. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA. II Consenso de Tuberculose - Diretrizes Brasileiras para Tuber culose. J. Preund, v. 30, supl. 1, 2004. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA. II Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Tosse Crônica. J. Bras Preund., v. 32, supl. 6, p. S403-S446, 2006.
CAPÍTULO 14
DISCUSSÃO
micobactéria e o teste do perfil de sensibilidade desta para as drogas disponíveis tratamento. Utilizam-se também
___________________________________
CAPÍTULO
15
Tosse e Dispneia Raimundo Jenner
Paciente masculino, 43 anos de idade, natural do interior do Ceará e procedente de São Paulo, onde mora há dez anos. Casado, tem dois filhos e atualmente tra balha como cobrador de ônibus. Procurou assistência médica com queixa de dispneia e tosse há dez anos. Relata início de tosse há mais de 20 anos, associada por ele ao tabagismo, com piora há 10 anos. Sempre seca, não tinha um horário do dia que incomodava mais, sendo exacerbada quando apresentava infecção de vias aéreas superiores ou quando o ambiente ficava seco. No momento, a tosse chega a atrapalhar seu sono e o de sua esposa. Quando a tosse piorou, o paciente passou a perceber também dispneia aos grandes esforços. A dispneia piorou lentamente até chegar, no momento atual, aos mínimos esforços. No interrogatório sobre os diversos sistemas, queixa-se de azia e regurgitação alimentar; anorexia e astenia e perda de peso de 10kg no último ano (12% do peso anterior). Quanto aos an tecedentes pessoais: ex-tabagista (36 maços/ano), tendo parado há 10 anos; além disso, foi cavador de poços de água dos 14 aos 32 anos de idade, no interior do Ceará e relata tratamento de várias pneumonias durante esse período.
sugestivos de DRGE (azia e regurgitação alimentar), o que pode perfeitamente explicar a tosse seca crônica. A
tosse relacionada à DRGE não tem um padrão definido.
Além dos sintomas digestivos do próprio refluxo, a au sência de outros diagnósticos que possam justificar a
tosse (inibidores da enzima conversora de angiotensina
[IECA], tabagismo, exposição a substâncias irritativas, etc.) é o principal marcador. É importante lembrar que a ausência de sintomas típicos de DRGE não afasta o seu diagnóstico. Em vista da gama de possibilidades causa
doras, é comum encontrarmos no mesmo paciente mais de uma causa possível de tosse. Por vezes, é necessário
o tratamento de prova de alguma dessas causas para elu cidação diagnóstica. Para esse paciente, além da possibi lidade de DRGE, temos ainda o tabagismo prévio e a
poluição (poeiras em suspensão, irritantes de vias aéreas). Vale ressaltar que a tosse crônica não deve ser banalizada como um sintoma simples e sem importância. Tem im
plicações diagnósticas e também pode prejudicar, e mui
to, a qualidade de vida do paciente, dependendo de sua intensidade e frequência.
Tosse é sintoma muito comum na prática clínica com
Em vista da prevalência de tuberculose em nosso meio,
uma enormidade de causas, pulmonares ou extrapulmo
o Ministério da Saúde preconiza a solicitação de uma
nares. Temporalmente é classificada em aguda (até três
radiografia de tórax para todo paciente com tosse há mais
semanas), subaguda (entre três e oito semanas) e crônica
de três semanas, além de bacterioscopia de escarro em
(período superior a oito semanas). No caso, podemos
pacientes com tosse produtiva. A radiografia de tórax é
classificá-la como crônica.
importante para o controle e a prevenção dessa morbida
Há diversas causas de tosse crônica (Quadro 15.1),
de e serve também para investigação de outros diagnós
sendo as mais encontradas na prática pneumológica am
ticos. Portanto, é obrigatória a obtenção de radiografia de
bulatorial asma, rinossinusite e doença do refluxo gastro
tórax, em posição posteroanterior e em perfil, em todo
esofágico (DRGE). Em atenção primária prevalecem asma
paciente sob investigação de tosse crônica.
e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) (dados
A associação com dispneia deixa mais estreitas as
europeus). No referido caso, o paciente apresenta sintomas
possibilidades anatômicas da morbidade no caso em
Tosse e Dispneia - 95
QUADRO 15.1 - Causas de tosse crônica Asma Doença do refluxo gastroesofágico Rinossinusite Tabagismo Doença pulmonar obstrutiva crônica Neoplasias/tumores pulmonares e de vias aéreas Infecções crônicas Corpo estranho Aspiração Tumores mediastinais Aneurisma de aorta Insuficiência de ventrículo esquerdo Inibidores da enzima conversora de angiotensina Doenças intersticiais pulmonares inflamatórias e/ou fibrosantes
Ao exame físico podemos encontrar dados importan
tes como, por exemplo, baqueteamento ou hipocratismo digital. Este pode ser adquirido (mais comum) ou here
ditário. A presença desse sinal leva-nos a pensar prima riamente em morbidades intratorácicas, porém também
pode ser observado em doenças do trato gastrointestinal/ hepático e em pacientes com paresias/plegias. É menos frequente em doenças granulomatosas, como tuberculose e sarcoidose, e em doenças ocupacionais, embora possa ser eventualmente encontrado. É importante lembrar que
questão. Por definição, dispneia é a sensação desagradável
ou difícil ao respirar, sendo por isso uma queixa subjeti va e, muitas vezes, não tem relação com a gravidade da
doença. Assim como a tosse, trata-se de um sintoma bastante comum entre pacientes nos setores de emergên cia ou ambulatório e apresenta diversas causas (Quadro 15.2). Seu aparecimento resulta na limitação de um des
tes sistemas: cardíaco, pulmonar ou muscular. Pela pre
sença da tosse, as causas cardíacas e pulmonares aparecem com maior probabilidade. A dispneia pode e deve ser
quantificada, principalmente quando se trata de um sin
a simples presença do hipocratismo digital denotará,
quase sempre, doença grave, com estreita relação com
neoplasias. Há relatos de baqueteamento precedendo doença pulmonar. Outros dados importantes encontrados
ao exame físico são os estertores crepitantes: sons pul
monares descontínuos que expressam a reabertura de pequenas vias aéreas, habitualmente encontrados em fi
brose pulmonar, bronquiolite, pneumonia e outras doenças de pequenas vias aéreas. Numa primeira análise, as principais hipóteses diag
nósticas neste caso são pneumopatias e doenças cardíacas.
toma crônico, para que possamos avaliar a piora, a res
A presença do baqueteamento digital e dos estertores
posta ao tratamento ou a estabilização da doença. No
crepitantes não exclui as causas cardíacas, mas as deixam
presente caso, o paciente vem apresentando dispneia len
em segundo plano. A perda de peso e o hipocratismo
tamente progressiva, sendo difícil diferenciar causa cardí
digital levantam a suspeita de neoplasias. Além disso,
aca ou pulmonar. No momento, o paciente apresenta
percebemos tratar-se de uma doença progressiva e grave
dispneia aos pequenos esforços (quantificação subjetiva),
num paciente jovem.
dado este relevante, já que denota progressão da doença, gravidade e importante prejuízo na qualidade de vida.
Ao exame físico inicial, encontram-se em bom estado geral, taquipneico em repouso, eutrófico, índi ce de massa corporal de 22,8; ritmo cardíaco regular em 2T; frequência cardíaca: 100bpm; pressão arterial: 130 × 90mmHg; tórax sem deformidades e sem au mento do diâmetro anteroposterior. Murmúrio vesicular + com crepitações ao final da inspiração,
QUADRO 15.2 - Causas de dispneia crônica • • • • • • • • • • •
Fibrose pulmonar Asma Doença pulmonar obstrutiva crônica Anemia Derrame pleural Estenose de traqueia Dispneia psicogênica Insuficiência cardíaca Doenças da vasculatura pulmonar Doenças neuromusculares Descondicionamento físico
Foram solicitados exames séricos gerais, radiogra fia de tórax e gasometria arterial (Quadro 15.3).
Pelos exames séricos observamos anemia normocítica e normocrômica, comum em doenças crônicas, como no
QUADRO 15.3 - Resultados dos exames • Hemograma - Hemoglobina/hematócrito: 10,1/31 normocítica/normocrômica - Leucograma: 5.200 (2/72) - Plaquetas: 180.000 • Eletrólitos e função renal - Sódio: 135 - Potássio: 4 - Ureia: 42 - Creatinina: 1,1 • Gasometria arterial em ar ambiente - pH: 7,36 - PO2: 57mmHg - PCO2: 34mmHg - HCO3: 22 - Excesso de bases: 0 - Saturação de O2: 88%
CAPÍTULO 15
• • • • • • • • • • • • • •
principalmente em terço médio. Baqueteamento digi tal +, sem cianose ou edemas.
- Doenças do Sistema Respiratório
caso desse paciente. A hipóxia crônica poderia deixar a
A importância de se dar o diagnóstico fisiológico da
hemoglobina em níveis normais ou até mesmo aumenta
hipoxemia está no fato de podermos diferenciar as hipó
dos, caracterizando policitemia, por meio do estímulo à
teses diagnósticas e definir o tratamento ideal. Por exem
eritropoese.
plo, se a hipoventilação fosse considerada a responsável
Na gasometria em ar ambiente observa-se hipoxemia
pela hipoxemia, pensaríamos como principais hipóteses
arterial sem hipercapnia. Calculando-se o gradiente alvéo
em doenças neuromusculares ou uso de drogas depresso
lo-arterial de oxigênio (considerando pressão barométrica de 695mmHg para São Paulo, capital), temos 45mmHg
ras do centro respiratório e poderíamos tentar aumentar
(normal < 20mmHg). Isso significa doença parenquima
siva, em casos agudos.
tosa pulmonar causando ou contribuindo para a hipóxia. Ao ofertar oxigênio suplementar, a saturação subiu para
o volume corrente do paciente com ventilação não inva
95% com l,5L/min de oxigênio em cateter de O2.
Optou-se pela radiografia de tórax em posição posteroanterior (Figs. 15.1 e 15.2).
As causas para hipoxemia são diversas. Quando esta mos diante de um paciente com hipoxemia, é importante
A Figura 15.1 mostra a radiografia de tórax em posi
observar o valor da hemoglobina e o estado hemodinâmi
ção posteroanterior, na qual se observa um infiltrado
co, pois sabidamente esses são fatores que podem causar ou contribuir para a queda dos níveis de oxigênio no san
predominantemente nodular, difuso com algumas reticu
gue arterial. Os dois parâmetros citados estão dentro de
cidades mal definidas em campos médios e superior
uma faixa aceitável. As causas pulmonares para baixo oxigênio arterial podem-se dever a quatro situações:
direito formadas pela coalescência desses nódulos (con
lações, principalmente em pulmão direito, além de opa
glomerados); periferia um pouco mais preservada; perda do volume pulmonar e locais com distorção da arquitetu
1. Hipoventilação: em que se observam hipóxia e hipercapnia, com gradiente alvéolo-arterial normal.
2. Diminuição da difusão: quando a molécula de oxigênio encontra dificuldade para ultrapassar a barreira alvéolo-capilar, por exemplo, em situações
de congestão pulmonar. Na prática clínica, a queda da difusão dificilmente é causadora de
hipoxemia, pois a hemácia, no seu trajeto pelos capilares pulmonares, já alcançou um alto nível de saturação de oxigênio no terço inicial do tra
ra; e alargamento do mediastino. A Figura 15.2 é uma radiografia antiga trazida pelo paciente e, segundo este,
na época tinha como sintoma único a tosse seca. Tratou-
se como se fosse tuberculose por dois meses, pois o pa
ciente abandonou o tratamento. A Figura 15.2 mostra micronódulos bilaterais difusos principalmente em pulmão
esquerdo, poupando os seios costofrênicos, com predo mínio em campos médios, além de aumento hilar. Perife
ria pulmonar preservada.
jeto, mostrando grande reserva fisiológica contra esses distúrbios.
3. Shunt: passagem direta do sangue dessaturado do lado arterial pulmonar para o lado venoso, sem
passagem pelo capilar ou com passagem por um capilar de um alvéolo não ventilado. Caracteris
ticamente não responde à oferta suplementar de oxigênio.
4. Alteração na relação ventilação/perfusão: neste distúrbio há áreas pouco ventiladas e bem per fundidas e vice-versa. Trata-se da causa mais comum de hipoxemia de origem pulmonar, seja ela aguda, seja crônica. Tem como característica responder à oferta suplementar de oxigênio, assim como hipoventilação e distúrbios de difusão.
No caso em tela, o distúrbio predominante é a alteração ventilação/perfusão, já que o gradiente alvéolo-arterial está aumentado e o distúrbio da difusão tem pouca importância
clínica. Vale lembrar que esses distúrbios podem coexistir.
Figura 15.1 - Radiografia de tórax em posição pos teroanterior. Imagem gentilmente cedida pelo Professor Doutor Ubiratan de Paula Santos, do Serviço de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Universi dade de São Paulo/Instituto do Coração.
978-85-4120-074-5
CAPÍTULO 15
96
Tosse e Dispneia - 97
ter um curso arrastado, é pouco provável que a evolução centes, excluindo-se também essa hipótese. Há de se re latar a estreita relação entre doenças ocupacionais e tu berculose, especialmente a silicose. Portanto, é importante
978-85-4120-074-5
sempre monitorizar tais pacientes. A talcose é uma doença ocupacional causada pelo talco puro ou associada a outras poeiras (incluindo sílica e asbestos), podendo ser adquirida por via venosa pelos usuários de drogas ilícitas. Tem evolução crônica; pode evoluir para fibrose maciça pulmonar. Um dado que aju da a diferenciá-la da silicose seria a maior atenuação (mais
Figura 15.2 - Radiografia de tórax antiga, trazida pelo paciente. Imagem gentilmente cedida pelo Pro fessor Doutor Ubiratan de Paula Santos, do Serviço de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo/Instituto do Coração.
Pela comparação entre as radiografias, é clara a evo
lução da doença. Inicialmente, havia um infiltrado micro
nodular bilateral em campos médios pulmonares em pa ciente jovem. Sem levar em consideração a exposição, os
diagnósticos diferenciais poderiam ser sarcoidose, silico se, beriliose, talcose, tuberculose, pneumonite de hiper sensibilidade e metástase (principalmente, cânceres de
tireoide, renal e melanoma) ‒ que são algumas das pos sibilidades quando se aborda um infiltrado micronodular. A evolução crônica da doença foi fundamental para excluir
alguns diagnósticos e, junto com a radiografia atual, foi concluído o diagnóstico. As metástases pulmonares do carcinoma de tireoide e
melanoma ‒ e pode-se também incluir o câncer renal ‒ podem se apresentar como micronódulos pulmonares.
Porém, é mais comum observá-los principalmente nas
bases pulmonares, porque a circulação pulmonar é mais proeminente em tais regiões. Outro aspecto é a evolução lentamente progressiva da doença, o que exclui essas
possibilidades malignas. A pneumonite de hipersensibilidade é uma doença que
também necessita de exposição a um antígeno. Sua apre
sentação pode ser aguda, subaguda ou crônica, como
doença fibrosante. Micronódulos podem ser vistos em pneumonite de hipersensibilidade, principalmente em
próximo da calcificação) da fibrose maciça pulmonar vista na tomografia computadorizada. Falta, porém, uma exposição convincente no caso apresentado.
Beriliose é uma doença ocupacional menos frequente que a silicose e a asbestose. No Brasil, a principal ativi
dade que pode expor o trabalhador ao berílio é a confec ção de material protético dentário. Cinquenta por cento dos casos crônicos possuem radiografia de tórax normal. Pode apresentar evolução crônica, com achados radiográ ficos muito próximos aos vistos no presente caso (con
glomerados acontecem em 7% das atinge). Assim como na talcose, falta uma história ocupacional. Sarcoidose é uma enfermidade que acomete mais as mulheres que os homens, os negros mais que os cauca sianos e não necessita de exposição. Acomete principal
mente os pulmões, embora possa atingir qualquer órgão. Os achados radiográficos do tórax são muito variáveis. Desde alargamento mediastinal até doença fibrosante pulmonar. É comum observar micronódulos em campos
superiores na radiografia de tórax. Porém, não se notam conglomerados pulmonares na sua evolução. Portanto, sarcoidose é um diagnóstico pouco provável.
Silicose é o diagnóstico final para o caso. O paciente tem radiografia típica de silicose associada a um quadro arrastado característico da silicose crônica. A evolução radiográfica é compatível. As primeiras imagens denotam silicose simples e a atual, silicose complicada com fibro
se pulmonar maciça. E, além disso, existe uma exposição de alto risco, que é a perfuração de poços, na qual 27% dos trabalhadores adquirem a doença ocupacional em questão. Apesar do afastamento da exposição, a doença continuou a progredir, chegando a um estágio avançado
num adulto em pleno período produtivo. Trata-se de doen ça incurável e progressiva que não responde ao tratamen to clínico.
campos médios pulmonares. No entanto, não apresenta
conglomerados na sua evolução. Isso a deixa como hipó tese secundária.
Tuberculose é mais uma morbidade que pode se apre
sentar como micronódulos na radiografia. Embora possa
O paciente é encaminhado ao ambulatório de trans plante pulmonar, avaliado e incluído em lista de espera de um novo órgão (o Quadro 14.4 mostra as indicações de transplante em doenças fibrosantes pulmonares,
CAPÍTULO 15
seja tão longa. E, ainda, não apresenta nódulos coales
CAPÍTULO 15
98
- Doenças do Sistema Respiratório
QUADRO 15.4 - Indicação a transplante pulmonar em doenças fibrosantes, exceto fibrose pulmonar idiopática • • • •
Difusão pulmonar do monóxido de carbono < 35% ou Hipoxemia em repouso ou Hipertensão pulmonar ou Redução > 10% da capacidade vital forçada ou > 15% da difusão pulmonar do monóxido de carbono em 6 meses
suspeita maior ou um achado nos exames que apontassem
para esta direção, embora os exames de imagem requeri dos para diagnóstico de silicose acabem servindo como uma triagem. A radiografia de tórax é necessária para o diagnóstico da silicose. Além de oferecer o tratamento
correto, o diagnóstico de silicose tem importância epide miológica porque identifica o local de trabalho do aco metido e ajuda a determinar outros trabalhadores com
excluindo fibrose pulmonar idiopática). Não foi obser vada qualquer neoplasia pulmonar. Iniciou-se oxigenioterapia suplementar em domicílio, além de orientações médicas, nutricionais e fisioterapêuticas. Prescreveu-se omeprazol e pró-cinético para DRGE com bom controle dos sintomas dispépticos.
doença precoce ou em risco de adquiri-la. A silicose é uma doença pulmonar ocupacional defi
nida por fibrose pulmonar causada pela inalação de poei ra contendo sílica cristalina, sendo a mais prevalente das pneumoconioses. É a principal causa de invalidez entre as doenças respiratórias. Apesar dos riscos conhecidos, a
exposição à sílica continua elevada, mesmo nos países
DIAGNÓSTICO FINAL HIPÓTESES FINAIS
desenvolvidos. No Brasil, não se sabe sua real prevalência. Algumas atividades de risco estão no Quadro 15.5. Os riscos para desenvolvimento de silicose são con
centração da sílica no ar inspirado, superfície e tamanho
• Insuficiência respiratória crônica. • Doença pulmonar fibrosante. • Silicose pulmonar na forma crônica/complicada.
da partícula, duração da exposição, forma da sílica, partí
culas recém-quebradas (mais tóxicas e presentes em ex
posições como jateamento de areia e perfuração de poços). Em estudo entre perfuradores de poços no Ceará, foi en
DISCUSSÃO O quadro descrito é de doença pulmonar com apresenta ção na forma de tosse e dispneia. Esses sintomas são muito prevalentes nas morbidades pulmonares e também
na clínica médica como um todo. Tosse e dispneia levam
a uma série de diagnósticos diferenciais limitados ao
tórax, por motivos de origem pulmonar, cardíaca ou me diastinais. A ausência de outros sintomas ou fatores de
riscos e a baixa idade fazem com que tenhamos de dar grande importância às exposições relatadas pelo paciente. Um paciente jovem com passado de exposição ocupacio nal à sílica e sintomas respiratórios necessita ser investi gado para pneumoconiose. Um fator de confusão no caso foi a presença do baqueteamento digital, pouco frequen
contrada prevalência de 27% de silicose entre 687 traba lhadores, denotando alto risco desta ocupação. A silicose pulmonar pode se apresentar sob três formas
clínicas: aguda (exposição por menos de cinco anos);
acelerada (exposição entre cinco e dez anos); crônica ou clássica (quando maior que dez anos). Por definição, o caso citado trata-se de um quadro crônico ou clássico. É
notável também sua gravidade, já que o paciente está hipoxêmico e isso já é indicação de avaliação pela equipe de transplante pulmonar. O diagnóstico de silicose, em geral, não mostra maio
res dificuldades. Basta uma história clínica compatível,
exposição adequada e radiografia sugestiva. As alterações
radiológicas no caso apresentado são típicas e há exposi ção à sílica (furador de poços). É importante saber que a
te em pneumoconioses: trata-se de um achado constitu
silicose pode deflagrar algumas doenças autoimunes com
cional preexistente ou é causado pela doença pulmonar,
comprometimento pulmonar, como a sarcoidose, além de
embora isso não seja comum. Esse dado acrescido de
favorecer o aparecimento de tuberculose, podendo assim
perda de peso faz com que pensemos em neoplasia pul
complicar o diagnóstico e alterar ou provocar sintomas
monar associada, embora a perda de peso possa acontecer
dentro do quadro clássico e piorar o prognóstico do paciente. É importante lembrar que a própria silicose é
também em pneumopatas graves, sendo isso por si só indício de mau prognóstico. Há trabalhos evidenciando
um fator de risco para câncer de pulmão. Pelo baquetea
que pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica
mento digital e pela perda de peso, e se houvesse maior
que perdem peso ao longo do tempo têm evolução desfa
suspeita de câncer, esse diagnóstico deveria ser excluído.
vorável em relação àqueles que ganham peso, embora não
Biópsia pode ser considerada em ocorrências duvidosas
exista tal evidência para doentes com silicose. Só estaria
de silicose como, por exemplo, quando a exposição não
indicada a pesquisa de neoplasia pulmonar se houvesse
está bem clara ou em casos atípicos e, ainda, no diagnós-
Tosse e Dispneia - 99
QUADRO 15.5 - Atividades de risco para silicose Perfuração de poços Jateamento de areia Extração e beneficiamento de rochas Confecção de prótese dentária Indústria de cerâmica e materiais de construção Fabricação de vidro Indústria de fertilizantes de rocha fosfática
Muitas atividades que o homem faz trazem consigo ex posição à sílica e, consequentemente, levam ao risco de
silicose. Mesmos aqueles trabalhadores que utilizam equipamentos de proteção no trabalho podem adoecer, pois as medidas de segurança não conseguem anular a
exposição dos pulmões à sílica. A silicose acomete homens
jovens normalmente em idade produtiva, acarretando tico diferencial com beriliose. A preferência seria inicial
prejuízos financeiros ao Estado e provocando sofrimento
mente pela biópsia transbrônquica, já que a silicose
aos familiares e, claro, ao próprio paciente.
acomete a região do interstício peribroncovascular. Não
havendo sucesso nesse procedimento, poderíamos indicar biópsia por via cirúrgica. A espirometria não serve para
diagnóstico. Sua função é basicamente avaliar o dano causado pela sílica e a evolução do quadro. Podemos
encontrar distúrbios restritivos (mais vistos nos quadros agudos), obstrutivos e também distúrbios mistos. Esses
achados se dão porque a sílica, além de causar fibrose no
parênquima pulmonar (levando à restrição), pode provo
car inflamação brônquica relacionada à poeira e também
distorção da árvore brônquica, promovendo a obstrução. Sabe-se que o Brasil é um país rico em minérios e
possui muitos trabalhadores expostos a essas poeiras. Apesar de nem todos os expostos à sílica desenvolverem silicose, trata-se de uma doença incurável e progressiva.
BIBLIOGRAFIA CHONG, S. et al. Pneumoconiosis: comparison of imaging and pathologic findings; Radiographics, v. 26, p. 59-77,2006. CRINER, G. J.; D’ALONZO, G. E. Fisiopatologia pulmonar. São
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LOPEZ, M.; LAURENTYS-MEDEIRO, J. Semiologia médica - as bases do diagnóstico clínico. Rio de Janeiro: Revinter, 4. ed., 1999, p.593-619. MORICE, A. H.; MCGARVEY, L.; PAVORD, I. Recommendations for the managemment of cough in adults; BTS Guidelines. Thorax, v. 61, suppl. I, p. il-i24, 2006.
CAPÍTULO 15
• • • • • •
Por isso, merece uma atenção especial quanto à prevenção.
___________________________________
CAPÍTULO
16
Dispneia Súbita Ana Beatriz Galhardi Di Tommaso • Márcio Makoto Nishida
Um homem de 80 anos de idade, internado há um mês em enfermaria de clínica médica para investigar o aparecimento de nódulos pelo corpo há sete meses (um deles em coxa esquerda, ressecado há cinco me ses, porém com recidiva local), queixa-se de dor precordial de duração menor que 60s, a qual melhorou com o uso de mononitrato de isossorbida. Logo em seguida, evolui com dispneia súbita ao repouso. Des de a internação apresenta empastamento e dor à movimentação da panturrilha esquerda, bem como edema de membros inferiores mais acentuado à es querda. Realizada ultrassonografia (US) de membros inferiores para pesquisa de trombose venosa profunda (TVP) há quatro dias, que descartou trombos. O pa ciente é hipertenso há seis anos, tem história de dois infartos agudos do miocárdio (IAM), o primeiro há 13 anos, sendo submetido à revascularização; o segundo há cinco anos, sendo submetido à colocação de stent; e é tabagista (80 anos/maço).
QUADRO 16.1 - Algumas causas de dispneia súbita • Causas pulmonares - Asma - Doença pulmonar obstrutiva crônica exacerbada - Infecções virais ou bacterianas - Aspiração de corpo estranho - Pneumotórax • Causas cardiovasculares - Infarto agudo do miocárdio - Insuficiência cardíaca congestiva - Tromboembolismo pulmonar • Dispneia psicogênica - Síndrome do pânico - Outros transtornos de ansiedade • Condições metabólicas - Acidose metabólica - Uremia
corpo estranho é outra causa de dispneia súbita
descartada pela ausência de história compatível.
Descarta-se também a ocorrência de pneumotórax, Diante desse quadro, devemos ter em mente as diver
tanto espontâneo (mais comum em jovens, longilí
sas causas de dispneia súbita (Quadro 16.1), sendo as mais
neos) quanto traumático ou iatrogênico (inserção de
comuns as que se seguem:
acesso venoso central prévio ou qualquer outra in
tervenção) . • Causas pulmonares: o paciente deveria ter história
• Causas cardiovasculares: poderíamos pensar na
prévia de dispneia ou de sibilos para pensarmos em
possibilidade de o paciente ter evoluído com um
quadro de asma. Infecções virais agudas podem
novo IAM, sendo necessários, portanto, exames
também levar à hiper-responsividade das vias aéreas,
complementares. Insuficiência cardíaca congestiva
porém o paciente não apresenta tosse, febre ou co
(ICC) é também uma boa hipótese, porém, a radio
riza. Pela ausência dessas alterações, descartaríamos
grafia de tóraxàadmissão está normal (sem cardio
também pneumonia em um primeiro momento.
megalia) e o paciente não apresenta outros sinais de
Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica
ICC (ingurgitamento jugular, hepatomegalia dolo
(DPOC) em exacerbação evoluem com dispneia, no
rosa, refluxo hepatojugular, ascite, noctúria).
entanto não havia relato de sintomas prévios de
• Dispneia psicogênica: ansiedade ou pânico, tonturas,
DPOC (tosse, expectoração, sibilos). Aspiração de
palpitações, parestesias, tremores nas mãos e suspi
Dispneia Súbita - 101
ros frequentes sugerem distúrbios psicológicos ou • Condições metabólicas: acidose metabólica e uremia
pode se afigurarde maneira vaga e contenciosa e os sinais
podem levar à dispneia, porém o paciente não apre
e sintomas, na maior parte das vezes, dependem das con
senta alterações laboratoriais compatíveis.
dições cardiovasculares e pulmonares prévias do pacien te. Apenas 20 a 30% apresentam a tríade dispneia, dor
O diagnóstico clínico de tromboembolia pulmonar é difícil, principalmente em pacientes com doença car
díaca ou pulmonar prévia. Não podemos descartar tal hipótese nesse caso, apesar de o resultado da US não
indicar trombos em membros inferiores. A sensibilida de do exame varia de acordo com a técnica utilizada,
torácica e hemoptise. Três síndromes clínicas podem ser observadas: colapso circulatório (se a embolia for maciça),
dispneia não explicada (embolia submaciça) e dortoráci ca do tipo pleurítica (indicando infarto pulmonar). Nas embolias maciças, o paciente apresenta síncope, hipoten
são arterial/choque, taquicardia, dispneia, cianose. Nas
submaciças, nota-se dor torácica, dor pleurítica, dispneia,
bem como com a experiência do médico que o realiza.
taquipneia, tosse, hemoptise, taquicardia, febre e cianose.
Estudos recentes demonstram que os melhores resulta
A dor torácica do tipo pleurítica explica-se pela emboli
dos obtidos não chegam a detectar 100% dos casos (a
zação da periferia do pulmão, causando infarto ou hemor
sensibilidade da US para TVP de membros inferiores
ragia pulmonar. A dor torácica com características de
proximal varia em torno de 96%; para TVP distal, 75%;
angina ocorre quando há sobrecarga do ventrículo direito
com especificidade de aproximadamente 94% em am
com consequente isquemia miocárdica secundária.
bos os casos).
Ao exame físico, o paciente apresenta-se taquip neico (frequência respiratória de 24rpm), com frequência cardíaca de 80bpm, pressão arterial de 80 × 60mmHg, afebril (temperatura de 36°C), com sibilos difusos à ausculta pulmonar e com ausculta cardíaca normal. Nota-se edema importante no membro inferioresquer do (Fig. 16.1), que se encontra doloroso à movimentação. A panturrilha esquerda está indolor à palpação e não apresenta empastamento.
Devido à diversidade de apresentações, torna-se fun
damental o conhecimento dos fatores de risco para TEP (Quadro 16.2) no auxílio diagnóstico. No sentido de auxiliar o profissional de saúde no
diagnóstico e na rápida instituição da terapêutica, foram desenvolvidos alguns critérios para avaliar o risco de
ocorrência da doença, sendo o mais citado atualmente o escore de Wells (Tabela 16.1).
Diante da suspeita clínica solicitam-se alguns exa mes complementares. Eletrocardiogramas seriados e enzimas cardíacas não mostram alterações. Colhida gasometria arterial, a qual evidencia hipoxemia (pH: 7,54; pCO2: 30; pO2: 42). O ecocardiograma transtorá cico evidencia hipocinesia de ventrículo direito, disfunção diastólica do ventrículo esquerdo, hipertensão pulmonar(pressão estimada em 48mmHg) e movimen tação anômala do septo ventricular.Com o fortalecimento
QUADRO 16.2 - Fatores de risco para tromboembolia pulmonar
Figura 16.1 - Notam-se edema significativo do mem bro inferior esquerdo, cicatriz em região de coxa esquerda compatível com a retirada prévia de nódulo e cicatriz em região distal medial da mesma perna por conta de safenectomia prévia.
• Idade maior que 40 anos • Doença maligna • Trauma cirúrgico (cirurgia abdominal, pélvica ou ortopédica) ou não cirúrgico • Imobilização/paralisia de membros inferiores • Gestação e puerpério • História anterior de trombose venosa profunda ou tromboembolia pulmonar • Varizes em membros inferiores • Terapia hormonal com estrogênio • Infarto do miocárdio/insuficiência cardíaca congestiva/acidente vascular cerebral • Doença pulmonar obstrutiva crônica • Obesidade • Tabagismo
CAPÍTULO 16
psiquiátricos, também descartados nesse caso.
A apresentação clínica da embolia pulmonar quando não manifesta as importantes repercussões sistêmicas,
102 - Doenças do Sistema Respiratório
Critérios
Pontos
Suspeita de tromboembolia venosa
3,0
Embolia pulmonar mais provável que qualquer outro diagnóstico
3,0
Frequência cardíaca maior que 100bpm
1,5
Imobilização ou cirurgia nas 4 semanas anteriores
1,5
Trombose venosa profunda ou tromboembolia pulmonar prévias
1,5
Hemoptise
1,0
Presença de neoplasia
1,0
Escore
Probabilidade de embolia pulmonar (%)
Risco
6
66,7
Alto
da hipótese de TEP, solicita-se tomografia helicoidal (angiotomografia arterial pulmonar e venotomografia de abdome e membros inferiores ‒ protocolo TEP), que evidencia falha de enchimento na artéria pulmonar principal direita (Fig. 16.2), bem como trombo em veia femoral à esquerda.
978-85-4120-074-5
CAPÍTULO 16
TABELA 16.1 - Escore de Wells
Figura 16.2 - Falha de enchimento na artéria pulmo nar direita (seta). Imagem cedida pelo Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina.
• US de membros inferiores para pesquisa de TVP:
US positiva, associada à suspeita clínica de TEP, representa a possibilidade de se iniciar imediata
mente a terapêutica. • Cintilografia pulmonar de ventilação/perfusão: defeitos de perfusão com ventilação preservada falam
Podemos recorrera diversas ferramentas diagnósticas
a favor de TEP.
na suspeita de TEP. A seguir, os exames complementares
• Ecocardiograma: importante para avaliação do
mais solicitados e os achados específicos de cada um deles:
ventrículo direito e, eventualmente, visualização de trombos (nesse caso, o eco transesofágico apresen
• Radiografia de tórax: geralmente, as alterações são
ta maior sensibilidade que o transtorácico). Os
pouco específicas, porém, podemos encontrar áreas
achados ecocardiográficos em geral incluem ventrí
de hipoperfusão pulmonar, dilatação da artéria pul
culo direito dilatado e hipocinético, dilatação das
monar, imagens cuneiformes correspondentes à área
artérias pulmonares, intensificação do fluxo de re
de infarto pulmonar (giba de Hampton), diminuição
gurgitação tricúspide, alteração da velocidade do
do volume pulmonardo lado da embolia e elevação
fluxo de saída do ventrículo direito e desvio do septo
do diafragma. • Eletrocardiograma (ECG): alterações referentes à
sobrecarga aguda de ventrículo direito ‒ bloqueio de ramo direito, desvio do eixo para a direita, padrão
S1Q3T3 (onda S em DI; onda Q e inversão de onda T em DIII), inversão de onda T em derivações pre
cordiais de v1 a v4.
• Gasometria arterial: podemos encontrar hipoxemia e hipocapnia.
• D-dímero: porpossuiralto valor preditivo negativo,
valores baixos excluem o diagnóstico.
interventricular da direita para a esquerda (efeito Berheim inverso). • Tomografia computadorizada helicoidal: é um mé todo não invasivo que permite a visualização tanto
dos vasos centrais e periféricos como do mediastino,
do parênquima e da pleura. Com uma única dose de contraste, pode-se pesquisar também trombos em membros inferiores.
• Arteriografia pulmonar: apesar de serpadrão-ouro para o diagnóstico, já que permite visualização da
circulação pulmonar após a injeção de contraste, é pouco utilizada, por ser muito invasiva.
• Marcadores de necrose miocárdica: podem estar
• Ressonância nuclear magnética: permite visualização
elevados em TEP, sendo frutos de infarto ou disfun
das artérias pulmonares sem necessidade de injeção
ção do ventrículo direito.
de contraste iodado e sem exposição à radiação.
978 85 4120 074
Uma vez feito o diagnóstico de TEP, inicia-se ime diatamente a administração de oxigênio via máscara de O2 para mantera PaO2 acima de 60 a 70mmHg; inicia -se a infusão de cristaloides e prescreve-se heparinização plena com heparina de baixo peso molecular.O pacien te evolui com melhora da dor precordial e da taquipneia, melhora dos parâmetros da gasometria arterial e é submetido a cateterismo cardíaco, o qual não mostra obstruções. Vale lembrar que o paciente vinha sendo submetido à profilaxia de TVP/TEP desde o início da internação. Diante de um paciente com esse diagnóstico, é funda mental mantê-lo clínica e hemodinamicamente estável. Para tanto, devemos nos preocuparem ofertar oxigênio (em máscara de O2 ou, eventualmente, após intubação orotra queal), corrigir hipotensão (a princípio, com a infusão de
cristaloides e depois com drogas vasoativas, se necessário) e promover analgesia. Concomitantemente, deve-se realizar anticoagulação com heparina de baixo peso molecular ou heparina não fracionada (ambas apresentam igual eficácia ‒ nível A de evidência) e proceder à prescrição de antico agulantes orais a fim de prevenir recorrências. Trombolíti cos estão indicados a pacientes que apresentam TEP aguda
CAPÍTULO 16
5
Dispneia Súbita - 103
Figura 16.3 - Nodulação em coxa esquerda: recidiva tumoral com infiltração da derme, com reação desmo plásica (aumento de 10 vezes). Imagem cedida pela Dra. Ana Paula de Souza Carvalho (Departamento de Patologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina).
maciça, após serem excluídas as contraindicações; o seu uso em pacientes com disfunção ventricular direita e esta bilidade hemodinâmica é controverso. Continua a investigação clínica por conta das lesões de pele/subcutâneo que o fizeram procurar nosso ser viço, quais sejam: dois nódulos em região tricipital esquerda (um de 2cm e outro de 1,5cm de diâmetro); nódulo de 8 × 13cm em região tricipital direita; dois nódulos no dorso do pé direito, de 0,5cm de diâmetro cada; dois nódulos superficiais na região de cicatriz cirúrgica em coxa esquerda, com 1cm e 2cm de diâme tro, respectivamente. Palpa-se massa linfonodal em região inguinal esquerda, confluente, com três nódulos de 4, 2 e 4cm de diâmetro, endurecidos e aderidos aos planos profundos. A tomografia computadorizada cita da anteriormente mostra também espessamento da pele e heterogeneidade do tecido celular subcutâneo da coxa esquerda, de caráter infiltrativo. Realizada exérese da tumoração desse local e retirada de linfonodos de região inguinal esquerda, ambos encaminhados para análise à equipe de patologia. Os resultados anatomopatológicos e imuno-histoquímicos revelam carcinoma de células de Merkel (Figs. 16.3 e 16.4) com metástase em linfo nodos de região inguinal.
Figura 16.4 - Células tumorais com características neuroendócrinas e raras mitoses (aumento de 40 vezes). Imagem cedida pela Dra. Ana Paula de Souza Carvalho (Departamento de Patologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina).
O carcinoma de células de Merkel é uma forma rara de carcinoma cutâneo de origem neuroendócrina, sendo descrito como a neoplasia cutânea mais agressiva que
existe. Acredita-se que a célula de origem seja a célula
DIAGNÓSTICO FINAL
de Merkel (receptorde pressão da pele). O carcinoma de
células de Merkel geralmente se apresenta na forma de
• Carcinoma de células de Merkel.
lesões elevadas, firmes, indolores, que incidem com mais
• TVP em veia femoral esquerda. • TEP.
frequência em pacientes idosos. Apresenta comportamen to de invasão dermolinfática com metástase linfonodal e
CAPÍTULO 16
104 - Doenças do Sistema Respiratório
Nos últimos anos, muitos ensaios clínicos foram rea
hematogênica. Fatores relacionados ao seu aparecimento incluem exposição ao sol e imunossupressão. O tumor é
lizados para estudar formas de prevenção e de tratamen
muito semelhante ao carcinoma de pequenas células do
to da TEP em pacientes com câncer. Diversas opções de
pulmão, com sensibilidade à radioterapia e à quimiotera
tratamento surgiram, mas há muito a ser feito, principal
pia, e com agressivo potencial metastático. O melhor
mente no que diz respeito à educação das equipes de
tratamento advém da combinação de um diagnóstico rá
saúde, a fim de se otimizara abordagem terapêutica e
pido associado à cirurgia de exérese das lesões, radiote
profilática a tais casos.
rapia e quimioterapia. O grande desafio do médico assis
tente é a doença acometer idosos e as lesões surgirem em locais de difícil abordagem, como pescoço, cabeça e região
BIBLIOGRAFIA
distal de membros inferiores.
BRANDÃO NETO, R. A.; MARTINS, H. S.; SCALABRINI NETO,
DISCUSSÃO A associação entre tromboembolia pulmonar e câncer é bem conhecida há mais de um século. Durante todo esse
período, um grande número de estudos foi desenvolvido
para se comprovar que a presença de uma neoplasia não altera simplesmente a crase sanguínea; provou-se que as
células tumorais precisam desse estado de hipercoagulabi lidade para crescer e se espalhar. Nesse sentido, uma do ença maligna pode levar à formação de trombos em veias
profundas, ao mesmo tempo em que esse estado prótrombótico alimenta o crescimento tumoral. A maiorinci dência de formação de trombos em pacientes com neopla
sias se dá por uma série de fatores: imobilidade por internações hospitalares, cirurgias frequentes para se diag nosticarou retiraro tumor,liberação de fatores pró-coagu
lantes pelas células tumorais, ativação exacerbada de ma crófagos, lesão endotelial causada pela inserção de acessos
venosos centrais, radioterapia, quimioterapia, dentre outros. Por isso, de todos os pacientes que apresentam TEP, 15 a 20% são portadores de algum tipo de neoplasia.
A.; VELASCO, I. T. Emαgfrrias dirias- drcrda^n prá tica 3. ed. ampliada e revisada. São Paulo: Manole, 2007. GOMES, L. M.; MARCHIORI, E.; RODRIGUES, R. S. Deep venous thiombosis with suspected pulmonaiy embolism: simultaneous evaluation using combined CT venography and pulmonaiy CT
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___________________________________
CAPÍTULO
17
Dispneia e Sibilos Rosana de Moraes Valladares
Estudante, sexo feminino, 20 anos de idade, procu ra o setor de emergência devido à falta de are chiado no peito. Há dois anos, vem apresentando crises de dispneia e sibilância. No último ano, esteve internada por duas vezes em decorrência de quadros semelhantes, com melhora parcial dos sintomas.
Este poderia ser mais um caso comum de crise asmática.
Em paciente jovem, com quadro recorrente, é a primeira hipótese que nos vem à cabeça. Como diagnóstico dife
rencial entre sibilos, temos uma lista extensa (Quadro 17.1).
QUADRO 17.1 - Causas de sibilância • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
Asma Anel vascular Apneia obstrutiva do sono Aspergilose broncopulmonar alérgica Aspiração de corpo estranho Bronquite Bronquiolite Bronquiectasias Cardiopatias congênitas Doença pulmonar obstrutiva crônica Disfunção de cordas vocais Estreitamento de laringe Estenose mitral Fibrose cística Infecções de vias aéreas Insuficiência cardíaca Inalantes químicos Infiltrados eosinofílicos Linfangioleiomiomatose Neoplasias brônquicas malignas e benignas Obstrução traqueal Reações alérgicas e anafiláticas Refluxo gastroesofágico Tuberculose brônquica Tromboembolia pulmonar Uso de betabloqueadores, drogas colinérgicas Vasculites: Churg-Strauss
Entre as causas possíveis de sibilância, a condição extrapulmonar mais comum é a insuficiência cardíaca. Em edema pulmonar cardiogênico, os pulmões tornam-se menos complacentes, a resistência das pequenas vias respiratórias aumenta e há congestão do fluxo linfático. Uma causa pouco lembrada, mas não menos impor tante, é a disfunção das cordas vocais (DCV). Esta pode ser caracterizada como adução anormal das cordas vocais durante o ciclo respiratório, especialmente durante a inspiração, obstruindo o fluxo aéreo ao nível da laringe. Exercícios e situações estressantes podem desencadeá-la. A DCV frequentemente imita um quadro de asma persis tente, chegando a ser tratada com altas doses de corticoi des sistêmicos ou inaláveis. Chieira, chiado ou sibilância é como o paciente se refere a um ruído que pode percebere está quase sempre acompanhado de dispneia. Com timbre elevado, muitas vezes é comparado com o miado de gato. Sibilos, roncos e estridores são sons adventícios pulmo nares musicais frequentemente confundidos. Os primeiros são contínuos, sendo os sibilos agudos e os roncos graves. Os sibilos traduzem limitação ao fluxo aéreo. Em geral, são difusos, mas, quando único, pode indicar obs trução localizada das vias aéreas. Quanto maiora duração e a frequência, maior é a obstrução. Quando audíveis durante manobra expiratória forçada são destituídos de valor clínico. Estridores são resultantes do fluxo turbulento de arna via aérea superior.Indicam uma obstrução grave anatômica ou funcional da laringe ou da traqueia. Exame físico à chegada ao pronto-socorro:
• Regular estado geral, taquipneica, taquicárdica, acia nótica, anictérica, afebril, sem edemas, orientada, pouco ansiosa.
106 - Doenças do Sistema Respiratório
Saturação de oxigênio: 96% em arambiente; frequên cia respiratória = 24irm; frequência cardíaca: 90bpm; pressão arterial: 130 × 90mmHg. • Tiragem intercostal bilateral discreta. Ausculta pulmo narcom murmúrio vesicular presente, reduzido bilate ralmente, sem ruídos adventícios. • Ausculta cardíaca sem alterações.
chiado no peito, com intensidade e frequência variável.
• Abdome sem alterações.
noturnos. É uma doença de alta prevalência e alto custo, pois é
CAPÍTULO 17
•
A ausência de tratamento de manutenção regular propicia
progressão do processo inflamatório, que pode ocasionar crises graves, inclusive com risco de morte.
As crises progridem em semanas, dias ou horas, causando limitação das atividades diárias e despertares
estarsibilando no momento do exame, devido à variabili
responsável pela terceira ou quarta causa de internação no Sistema Único de Saúde (SUS). Por isso, em geral, se
dade da obstrução ou porque uma obstrução intensa im
superdiagnostica, mas, infelizmente, se subtrata essa
pede o fluxo de arde produzir o som característico do ar
doença.
Seria apenas ansiedade? O paciente asmático pode não
passando por um tubo estreito (tórax silencioso). Neste caso, a paciente não está em franca insuficiência respira
tória. A medida do pico do fluxo expiratório com o medi dor do pico (peak-flow) ajudaria na quantificação da obstrução, entretanto poucos serviços de emergência uti
lizam esta estratégia de avaliação. Interrogando um pouco melhora paciente, esta nega qualquer antecedente respiratório e alérgico na infância. Sem história familiar relevante. Fumou cigarros de tabaco por cinco anos, um maço por dia. Abstinente há um ano. Em uso atual de inalações com beta-agonistas de curta duração, com melhora parcial dos sintomas. O plantonista acha um pouco estranho a falta de história familiar de antecedentes na infância e de atopias. Questiona ainda sobre possível refluxo, rinite asso ciada ou meio ambiente com alérgenos não reconhecidos; porém, não encontra nada que explique. A principal característica dos ataques agudos de asma
é o estreitamento progressivo das vias aéreas, em virtude
de inflamação e/ou aumento do tônus da musculatura lisa
Mesmo sem todas as características, encarou-se como uma crise de asma. Medicada com broncodilata dores e um curso de cinco dias de corticoide oral. Após uma semana, a paciente retoma com os mes mos sintomas. Desta vez, o plantonista resolve solicitar uma radiografia de tórax posteroanterior não visuali zando nada que justificasse a manutenção dos sintomas. Como estava em um hospital terciário, solicita in terconsulta da Pneumologia e uma prova de função pulmonar. Na espirometria (Tabela 17.1), vieram os valores numéricos e o seguinte laudo: distúrbio ventilatório obstrutivo moderado, com redução da capacidade vital forçada (CVF) e com resposta ao broncodilatador. Lembra que a asma respondia bem aos broncodila tadores e que, a princípio, era uma obstrução reversível. Por isso, estranha o fato de a obstrução ser moderada e persistente, sem retomo ao normal após o uso de bron codilatadores. Em paciente jovem e com história de curta duração (dois anos), a probabilidade de remode lamento das vias aéreas é pequena. Portanto, o quadro espirométrico não correspondia ao esperado para um asmático jovem pós-tratamento adequado da crise.
dos brônquios, resultando em aumento na resistência ao
fluxo aéreo, hiperinsuflação pulmonar e desequilíbrio da
O distúrbio ventilatório obstrutivo (DVO) é caracteri zado pela relação volume expiratório forçado no primeiro
relação ventilação/perfusão. A asma é uma doença inflamatória crônica que se
segundo (VEF1)/capacidade vital forçada (CVF) reduzida,
manifesta por episódios recorrentes de dispneia, tosse e
refletindo a redução da velocidade de esvaziamento pul
TABELA 17.1 - Espirometria Pré-broncodilatador
LIN
CVF (L)
2,78
2,95
79
3,43
23,38
VEF1 (L)
1,37
2,57
46
1,69
23,36
49
76
58
49
0
0,73
2,05
21
1,3
78,08
1,9
0,76
397
1,07
-43,68
VEF1/CVF (%)
FEF 25-75% (L/s)
FET 25-75% (s)
% Previsto
Pós- broncodilatador
% Variação
CVF = capacidade vital forçada; FEF 25-75% = fluxo expiratório forçado na parte média da CVF; FET 25-75%= tempo expiratório forçado médio entre 25 e 75% da CVF; LIN= limite inferior da normalidade; VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo; VEF1/CVF (%)= porcentagem da CVF expirada no primeiro segundo.
Dispneia e Sibilos - 107
latadorquando ocorre aumento do VEF1 acima de 0,2L ou
da CVF acima de 0,35L. A resposta ao broncodilatador é
característica da asma, mas pode ser progressivamente
Para fazerum laudo adequadamente de uma prova de
perdida com o processo de remodelamento das vias aéreas.
função pulmonaré necessário visualizaras curvas das
manobras (Fig. 17.3). Quando a interconsulta chegou, foi solicitada uma nova radiografia, com projeções posteroanteriore em perfil (Fig. 17.1), e foi impressa a prova de função pulmonar completa, com os valores numéricos e com a representação gráfica. Mais uma radiografia sem alterações? Veja melhora projeção em perfil na Figura 17.2.
A curva de fluxo-volume mostra achados característi
cos da obstrução de vias aéreas superiores. As alterações funcionais aparecem, geralmente, quando a via aérea se
reduz a menos de 8mm. Essa é uma curva típica de obstrução alta fixa, que passaria despercebida apenas pelos valores numéricos.
Figura 17.1 - Radiografia de tórax em projeção posteroanterior (A) e em perfil (B).
Figura 17.2 - Radiografia de tórax (perfil) em maior aumento.
CAPÍTULO 17
Existe algo obstruindo a região traqueal. O laudo anteriorda espirometria estava correto?
monar. Existe reversibilidade da obstrução após broncodi
Doenças do Sistema Respiratório
CAPÍTULO 17
108 -
Figura 17.3
- (A e B) Curvas de fluxo-volume da prova de função pulmonar.
Diante desses achados, solicitaram-se tomografia computadorizada de tórax (Figs. 17.4 e 17.5) e endos copia respiratória com biópsia (Fig. 17.6). Laudo da endoscopia: lesão polipoide 0,5cm acima da carina, com base de implantação em parede esquerda da traqueia, com superfície edemaciada e ectasias di fusas. Oclusão de 95% do lúmen traqueal. Anatomopatológico: carcinoma mucoepidermoide. Os tumores de traqueia predominam a partirda tercei
ra década, sem predileção por sexo. Correspondem a 1% das neoplasias da árvore traqueobrônquica. Os principais
sintomas são dispneia, hemoptise, tosse, chiado, disfonia e disfagia, sendo o chiado o sintoma mais frequente.
DIAGNÓSTICO FINAL
- Tomografia computadorizada de tórax: corte do mediastino. Figura 17.4
Carcinoma mucoepidermoide da traqueia.
DISCUSSÃO Quando o quadro clínico é atípico (caracterizado por ausência de chiado recorrente desde a infância e não re conhecimento de fatores desencadeantes ou agravantes) e a resposta ao tratamento adequado é insatisfatória, é
preciso revisar cuidadosamente o diagnóstico, lembrando os diagnósticos diferenciais.
Nunca se esquecer da radiografia de perfil. Avaliara
coluna de ar traqueal faz parte da análise de uma radio grafia. É muito importante avaliara curva de fluxo-volu me, principalmente a alça inspiratória, se houversuspei
ta de obstrução extratorácica. Nem tudo que chia é asma!
- Tomografia computadorizada de tórax: reconstrução tridimensional.
Figura 17.5
Dispneia e Sibilos - 109
CAPÍTULO 17
Figura 17.6 - (A e B) Imagem da endoscopia respiratória com a lesão polipoide.
BIBLIOGRAFIA BRAUNWALD, E.; et al. (eds.). HarisαisPriiTiplesei Irterd Medicine 17. ed. New York: McGraw Hill, 2008. MCGREGOR, C. G. A.; HERRICK, M. I; HARDY, L; HIGENBOTTAM, T. I. M. Variable intrathoracic airways obstiuction masqueiading as asthma. BMJ, v. 287, p. 1457-8, 1983. MCSHARRY, D. G.; MCELWAINE, P.; SEGADAL, L; MCNICHOLAS, W. T. Ali that wheezes is not asthma. TheLsrret v. 370, n. 9589, p. 800, 2007. PEREIRA, C. A. C.; NEDER, J. A. (eds.). Diretrizes para testes de funçào pulmonar J. Preundc^a v. 28, supl. 3, p. 46-50, 2002.
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CAPÍTULO
18
Hemoptise Rodrigo Abensur Athanazio
Paciente do sexo masculino, 42 anos de idade, ja teadorde areia, natural da Bahia e procedente de São Paulo, dá entrada ao pronto-socorro com queixa de hemoptise. Refere que há três meses apresentou piora do padrão da tosse, com discretos filamentos de sangue à expectoração há três dias, com piora progressiva. Durante o dia, a quantidade de sangue perdida é de aproximadamente 50mL. A definição de hemoptise consiste em tosse com expec toração com sangue. A definição de hemoptise maciça
engloba o conceito de um evento que seja potencialmen te fatal. Diversas definições tentam mensurar esse evento com valores, na literatura, que variam entre 100 e 600mL
de sangue num período de 24h. A distinção entre hemoptise e hematêmese geralmente
etiologia. Diversas doenças podem cursar com hemoptise
(Quadro 18.1), porém, nunca podem ser esquecidas as principais causas em nosso meio: tuberculose, bronquiec
tasias e câncer pulmonar.
O paciente apresenta-se, ao exame físico, corado, emagrecido, hidratado e afebril (refere nunca ter tido temperatura elevada desde o início dos sintomas). Pressão arterial de 150 × 80mmHg, frequência cardía ca de 96bpm e frequência respiratória de 18ipm. A ausculta do tórax revelava sons e ritmo cardíacos nor mais e murmúrio vesicular presente com roncos bilaterais. O exame abdominal não demonstra viscero megalias. Apresenta, apenas, abdome discretamente escavado e indolor. Restante do exame segmentar não revela alterações cutâneas ou sinais de artrite.
não é difícil, sobretudo se o paciente for observado duran te a manifestação hemorrágica. É importante lembrar que
o sangue proveniente do trato respiratório pode serdeglu tido e, depois, vomitado. Caso haja dúvida sobre a origem
do sangramento pode ser necessário proceder-se a uma investigação adicional do tubo gastrointestinal, bem como
do sistema respiratório. A origem sanguínea do trato respiratório é proveniente
Durante a avaliação inicial de um paciente com hemop tise, é muito importante definirse o caso em questão pode
serclassificado como hemoptise maciça. A literatura mostra
diversos valores que tentam mensurar em mL, a quantida de necessária para definirum episódio de hemoptise maci
ça; entretanto, a melhor definição prática é aquela que
tanto das artérias brônquicas como das pulmonares. Virtual
classifica um evento maciço como o que está relacionado à
mente, todo débito cardíaco circula pelas artérias pulmo
instabilidade hemodinâmica. O paciente em foco apresenta
nares num sistema de baixa pressão. As artérias brônquicas
dados vitais estáveis, permitindo uma investigação sem
são responsáveis pela oxigenação das vias aéreas, linfo
necessidade de medidas emergenciais.
nodos, pleura visceral e algumas porções do mediastino.
Sua idade fala contra o diagnóstico de câncer de pul
Carregam uma pequena parcela do débito cardíaco, mas
mão, que tem maior incidência a partir da quinta década
por estarem submetidas a um sistema de alta pressão são
de vida e está intimamente relacionado ao tabagismo. Em
responsáveis pela maior parte da origem das hemoptises.
nosso meio, tuberculose pulmonare bronquiectasias (ge
Após ter chegado à conclusão de que realmente se trata de um paciente com hemoptise, deve-se buscar sua
ralmente como sequelas de prévia infecção pulmonar incluindo tuberculose) são as causas mais frequentes.
Hemoptise - 111
QUADRO 18.1 - Causas de hemoptise
O quadro clínico de tosse seca e dispneia associado ao trabalho como jateador de areia sugere fortemente o
diagnóstico de silicose pulmonar como responsável pelos sintomas crônicos do paciente. As partículas de sílica
induzem uma resposta inflamatória pulmonar com desen volvimento de nódulos pulmonares coalescentes, em sua forma crônica.
A silicose está intimamente relacionada à infecção por tuberculose pulmonar. Acredita-se que esses pacientes
apresentem desequilíbrio imunológico devido à resposta inflamatória induzida pela sílica, que lhes aumenta a in cidência de tuberculose nestes pacientes. O diagnóstico de tuberculose corrobora a suspeita de silicose.
Apesardo tratamento efetivo por seis meses, o desen volvimento de sequelas com alteração da arquitetura do
parênquima e das vias aéreas pulmonares é uma compli
cação comum. Neste momento, duas hipóteses se mantêm
em evidência: reativação de uma infecção por Mycobac terium tuberculosis ou bronquiectasias sequelares. Outra possível etiologia para o caso é infecção fúngi
Apesar de não excluira possibilidade, o sexo mascu
ca. Muitos pacientes com passado de tuberculose trazem
lino desfavorece as doenças autoimunes, que têm maior
como sequelas cavidades pulmonares, principalmente nos
incidência aumentada em mulheres. Diversas doenças
ápices. Essas áreas são fatores de risco importantes para
autoimunes como lúpus eritematoso sistêmico, síndrome
colonização por fungos trazidos por via inalatória, que lá
de Goodpasture e capilarite pauci-imune podem se apre
encontram ambiente propício para seu desenvolvimento.
sentar com hemoptise após um episódio de hemorragia alveolar. A ausência de sinais de artrite também fala
Aspergillus é o principal fungo colonizador dessas cavi dades, podendo se apresentar clinicamente tanto em formas
contra esse diagnóstico, visto que o acometimento articu
assintomáticas como em hemoptise maciça.
lar é uma manifestação comum dessas desordens.
A ausência de história de tabagismo fala contra o
A ausência de sopro à ausculta cardíaca, principal
diagnóstico de neoplasia pulmonar maligna, assim como
mente diastólico em foco mitral, desfavorece o diagnós
a ausência de história de uso de drogas ilícitas descarta a
tico de estenose mitral. O diagnóstico de endocardite de
possibilidade de hemorragia alveolar secundária ao uso
tricúspide com embolização também é pouco provável,
de cocaína. O paciente não utilizam anticoagulantes e não
pela ausência de sopro, história de febre ou uso de drogas
havia história de eventos hemorrágicos anteriores, toman
endovenosas. A falta de outros locais de sangramento ou
do pouco prováveis as doenças relacionadas à hemostase
equimoses fala contra distúrbios da coagulação.
sistêmica.
CAPÍTULO 18
• Hemostase sistêmica - Terapia com anticoagulante - Coagulação intravascular disseminada - Trombocitopenia • Doenças de vias aéreas - Traqueobronquite aguda - Adenoma brônquico - Bronquiectasia - Carcinoma broncogênico - Broncolitíase - Fibrose cística - Bronquite crônica - Metástase endobrônquica - Tuberculose endobrônquica - Aspiração de corpo estranho - Trauma traqueobrônquico • Infecciosas - Aspergiloma (bola fúngica) - Pneumonia fúngica - Abscesso pulmonar - Pneumonia bacteriana - Tuberculose pulmonar - Pneumonia viral • Doenças parenquimatosas - Granulomatose de Wegener - Doença de Behçet - Pneumonite lúpica aguda - Síndrome de Goodpasture - Hemossiderose pulmonar idiopática • Doenças cardiovasculares - Aneurisma aórtico - Insuficiência cardíaca - Estenose mitral - Malformação arteriovenosa pulmonar - Embolia pulmonar - Esquistossomose - Endocardite de tricúspide - Doença congênita - Hipertensão pulmonar • Iatrogênicas - Ruptura de artéria pulmonar, traqueostomia - Broncoscopia - Cateter de Swan-Ganz - Contusão pulmonar
Quando questionado sobre comorbidades prévias, refere que há dez anos vinha em acompanhamento médico por dispneia aos esforços e tosse seca. Refere que seus sintomas estavam relacionados ao trabalho (jateamento de areia), do qual estava afastado há oito anos. Refere tratamento para tuberculose pulmonarhá cinco anos, após ter iniciado quadro de febre diária vespertina, tosse e perda de peso. Relata ter feito trata mento por seis meses mas, mesmo tendo seguido corretamente as instruções médicas evoluiu com tosse produtiva persistente, dispneia aos moderados esforços e diversos episódios de infecção pulmonar. Nega hipertensão arterial sistêmica, diabetes ou outras comor bidades. Nega etilismo, tabagismo ou uso de drogas ilícitas.
112 - Doenças do Sistema Respiratório
CAPÍTULO 18
Fibrose cística também cursa com hemoptise, mas a
história se arrasta com grande predomínio dos sintomas surgindo na infância e/ou adolescência. Além disso, o principal sintoma é tosse produtiva com expectoração
purulenta em decorrência das bronquiectasias por múltiplas infecções pulmonares bacterianas. Outros estigmas da fibrose cística estão ausentes neste caso, como diarreia
crônica e diabetes.
O paciente em estudo não tem fatores de risco para desenvolvimento de abscesso pulmonar. Abscessos pul monares habitualmente cursam com quadro de febre
prolongada associado à tosse com expectoração fétida,
porém pode ocorrer hemoptise. Não há descrição de má conservação dentária, história de etilismo ou imunossu
pressão, que são alguns dos fatores de maior associação com o desenvolvimento de abscesso pulmonar.
As pneumonias virais também podem cursar com hemoptise, apesarde este não sero achado mais frequen
Figura 18.1 - Radiografia de tórax, posteroanterior,
te. No presente caso, faltam outros estigmas de infecção
revelando infiltrado reticulonodular bilateral associa do a opacidades apicais e hilar à direita.
viral, como febre e quadro de infecção de vias aéreas
superiores antes dos sintomas pulmonares. As doenças inflamatórias que podem cursar com he
moptise e hemorragia alveolar também são menos prová
A ausência de alterações na função renal e no exame
veis em nosso paciente, visto que granulomatose de Wegener, doença de Behçet, pneumonite lúpica e síndro
de urina, juntamente com os outros dados da história
clínica, nos permite afastaras causas de síndrome pulmão
me de Goodpasture geralmente estão acompanhadas de
-rim (granulomatose de Wegenere síndrome de Goodpas
outras manifestações clínicas sistêmicas.
ture). Quando os achados clínicos sugerem tal etiologia,
alguns exames laboratoriais são fundamentais para o Os exames laboratoriais iniciais revelam: hemoglo bina = 12,2mg/dL; hematócrito = 36,5%; leucograma = 9.600 com diferencial normal; e plaquetas = 215.000. Tempo de protrombina (TP) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) normais. Função renal e hepática sem alterações e urina I dentro dos limites da normali dade. A radiografia de tórax (Fig. 18.1) mostra infiltrado reticulonodular bilateral associado à opacificação de ambos os ápices (mais proeminente à direita) e de hilo pulmonar direito. O paciente trazia, ainda, um ecocar diograma ambulatorial realizado há dois meses, sem sinais de hipertensão pulmonar disfunção de ventrículo esquerdo ou valvulopatias.
diagnóstico. A granulomatose de Wegener caracteristica
mente tem alta positividade para anticorpo anticitoplasma de neutrófilo clássico (c-ANCA), que está associado a uma alta especificidade para o diagnóstico. Já a síndrome
de Goodpasture apresenta positividade para anticorpos
antimembrana basal glomerular.
O ecocardiograma normal exclui doenças cardíacas como causa da hemoptise. Apesar de o melhor exame para
avaliação de endocardite sero ecocardiograma transeso
fágico, o exame transtorácico num paciente de baixo risco e sem outros estigmas para suspeita de endocardite
nos permite excluir esta possibilidade. Além disso, este nose mitral é outra doença que pode ser afastada. Hiper
O hemograma é um importante exame para avaliação inicial do paciente com hemoptise. Apesar de não se saber
tensão pulmonar também pode cursar com hemoptise, apesar de não seresta um achado comum. Em casos mais
o anterior nível de hemoglobina do paciente, o caso clíni
avançados, o paciente pode apresentar sinais de falência
co traz um exame dentro da normalidade que fala contra
de ventrículo direito, como edema de membros inferiores
o diagnóstico de hemorragia alveolar (infiltrado pulmonar
e aumento de volume abdominal. O ecocardiograma é um
novo associado à queda dos níveis de hemoglobina e he
excelente exame de screening, podendo estimaros níveis
matócrito). As plaquetas normais juntamente com provas
de pressão sistólica de artéria pulmonar. Entretanto, a
inalteradas de TP e TTPa afastam distúrbio de coagulação.
elevados níveis da pressão da circulação pulmonar devem,
O leucograma dentro da normalidade também toma menos
sempre que possível, ser confirmados com estudos hemo
prováveis enfermidades infecciosas bacterianas e virais.
dinâmicos (cateterismo).
Hemoptise - 113
A radiografia de tórax praticamente confirma o diag nóstico de silicose pulmonar diante do achado do infiltra
precisam de confirmação etiológica. O tratamento da bola
do reticulonodular difuso. Em silicose pulmonar crônica,
fúngica não deve ser realizado com antifúngicos, visto não
outros achados comuns são linfonodomegalia mediastinal
haver penetração do medicamento no interiorda cavidade.
e massas retráteis decorrentes da coalescência dos nódu
Muitos pacientes se apresentam de maneira assintomática,
los. As opacidades apicais sugerem alterações decorrentes
não necessitando de qualquer tratamento. Contudo, lobec
tanto da hipótese de silicose como da história pregressa
tomia muitas vezes é necessária, quando complicações re
de tuberculose. Desta forma, reativação de tuberculose,
infecção fúngica e sangramento secundário a sequelas
lacionadas à bola fúngica acontecem, como é o caso da hemoptise.
pulmonares como bronquiectasias ainda permanecem como
A tomografia computadorizada também tem papel muito importante mesmo quando, porsi só, não consegue
determinaro diagnóstico. Trata-se de um excelente exame
Paciente submetido à tomografia computadorizada de tórax (Fig. 18.2), que confirma cavidade em lobo superiordireito associada à imagem densa no seu inte riore micronódulos parenquimatosos. Apresenta, ainda, opacificação em lobo superior esquerdo com caracte rísticas retráteis. A broncoscopia não mostra sinais de sangramento ativo ou alteração na arquitetura anatômi ca da árvore brônquica.
para identificação de fístulas arteriovenosas, bronquiec
tasias e abscesso pulmonar.Desta forma, diversas doenças podem ser excluídas diante dos achados tomográficos.
A broncoscopia é um exame fundamental na análise
do paciente com hemoptise. Além de identificar o seg
mento pulmonar relacionado à origem do sangramento, também pode controlar o sangramento por meio de me
didas como instilação de soro fisiológico gelado ou adre A tomografia computadorizada mais uma vez corro
nalina. Um resultado normal afasta lesões endobrônquicas
bora os achados sugestivos de silicose pulmonar e toma
nas vias observadas. Outra vantagem do exame é permi
mais evidente o diagnóstico. Cavidade em ápice pulmonar sugere sequela pulmonar decorrente de infecção pulmonar
tira avaliação do grau de atividade do sangramento.
por micobactéria. Entretanto, a origem do sangramento parece estar mais relacionada às alterações encontradas
no interior da cavidade pulmonar em ápice direito. A imagem densa, arredondada e móvel à movimentação
em uma cavitação secundária a infecção por tuberculose permite um diagnóstico de micetoma (bola fúngica por
O paciente evolui sem novos episódios de hemop tise durante a observação no pronto-socorro. Após avaliação pré-operatória, é submetido à ressecção pul monarde lobo superior direito. A histologia revela que a imagem densa no interiorda cavidade ressecada eram formas multicelulares filamentosas, caracterizadas como hifas septadas.
Aspergillus). O exame padrão-ouro é a visualização direta
DIAGNÓSTICO FINAL • Bola fúngica (aspergiloma). • Sequela de tuberculose pulmonar. • Silicose pulmonar crônica.
DISCUSSÃO As vias aéreas são os mais importantes locais de origem
de hemoptise. Geralmente, as artérias pulmonares e brôn
quicas estão envolvidas, sendo mais comum a participação
das brônquicas em decorrência de alteração arquitetural
Figura 18.2
- Tomografia computadorizada (parên quima e mediastino) revelando micronódulos parenquimatosos difusos e cavidade em lobo superior direito em associação com a imagem densa no seu interior.
secundária a sequelas cicatriciais. Os casos mais graves
também estão relacionados às artérias brônquicas pois, apesar de comportarem uma pequena parcela do débito
cardíaco, estão submetidas a um sistema de alta pressão. Doenças inflamatórias das vias aéreas como bronquite
CAPÍTULO 18
as principais hipóteses para o caso.
do agente etiológico por biópsia, mas nem todos os casos
CAPÍTULO 18
114 - Doenças do Sistema Respiratório
(aguda ou crônica) ou bronquiectasias, assim como neo plasias (incluindo carcinoma broncogênico primário, car
A broncoscopia deve ser realizada em todo paciente hemodinamicamente estável, principalmente naqueles com
cinoma endobrônquico metastático em geral secundário a
radiografia de tórax normal quando a chance de lesão
melanoma ou câncer de mama e carcinoide brônquico).
Carcinoide brônquico é um tumor altamente vascular não
endobrônquica aumenta. Quanto mais cedo for feita, maior a chance de localizar o sangramento, permitindo melhor
relacionado ao tabagismo, que deve ser considerado num
intervenção terapêutica. Ela deve ser priorizada, em até
adulto jovem, não tabagista, com hemoptise recorrente.
24h do evento, de preferência nas primeiras 12h. Além da broncoscopia, outro exame de imagem ex tremamente importante é a tomografia computadorizada
Outras enfermidades que acometem a via aérea e podem desencadear hemoptise são fístulas, trauma, corpo estranho e sarcoma de Kaposi em paciente com AIDS.
Doenças parenquimatosas responsáveis por hemoptise são inúmeras e podem ser classificadas em alguns grupos principais: infecção (tuberculose, pneumonia, aspergiloma e abscesso pulmonar), inflamação (síndrome de Goodpas
ture, hemossiderose pulmonar idiopática, pneumonite
lúpica, granulomatose de Wegener), coagulopatia (trom bocitopenia ou uso de anticoagulantes) e iatrogênico
(principalmente biópsia pulmonar).
Outras causas de hemoptise ainda devem serconside radas, a depender da história do paciente. Hemorragia
pulmonar induzida por cocaína foi relatada em até 6% dos usuários de cocaína/crack. Hemoptises recorrentes
relacionadas ao ciclo menstrual levantam a possibilidade de endometriose pulmonar.
Doenças vasculares também são responsáveis por muitos casos de hemoptise. Tromboembolia pulmonar,
malformação arteriovenosa e estenose mitral com aumen to da pressão capilar pulmonar podem, inclusive, cursar
com hemoptise maciça.
Mesmo após extensa investigação, até 30% dos pa
cientes não possuem um diagnóstico etiológico estabele cido como causador do sangramento. Apesar do bom
prognóstico que apresentam, preconiza-se acompanha
mento regular. A história clínica e o exame físico devem sempre
apontar para hipóteses mais prováveis que irão direcionar a investigação etiológica. Diante de um quadro de hemop
tise maciça, muitas vezes são necessárias intervenções de urgência como arteriografia com embolização ou cirurgia
de ressecção pulmonar. Entretanto, frente a um paciente
estável, alguns exames complementares sequenciais devem ser solicitados, na busca do determinante causal do san gramento.
Todo paciente com hemoptise deve ser submetido à radiografia de tórax para avaliação inicial. Pacientes com hemoptise secundária a neoplasias apresentam alteração
no exame em até 90% das vezes. Além disso, é de suma importância na tentativa de localizar o sangramento. Os exames laboratoriais deverão ser direcionados de acordo com a história clínica para se encontrara etiologia da
hemoptise.
de tórax, a qual também deve ser realizada em todo pa ciente estável que se apresente com hemoptise. Diversas
lesões parenquimatosas poderão ser evidenciadas, como bronquiectasias, massas pulmonares, abscesso pulmonar e malformações arteriovenosas, além de lesões endobrôn quicas. A imagem em “vidro fosco”, correspondente a preenchimento incompleto de espaços alveolares pelo conteúdo patológico sanguíneo, tem grande importância no direcionamento da lesão, servindo de guia para possí
veis intervenções por procedimento cirúrgico ou arterio grafia. A identificação de um processo difuso sugere he morragia alveolar como origem da hemoptise, devendo
guiara investigação para causas específicas (Quadro 18.2). O uso da arteriografia no tratamento dos pacientes com hemoptise diminuiu muito a necessidade de inter venções cirúrgicas para controle do sangramento. Apesar de alguns centros utilizarem-na como exame de primeira
linha devido à alta acurácia em localizar o sangramento e à possibilidade de controle do evento com embolização, esta prática rotineira ainda não deve ser adotada. Seu uso deve ser precedido de broncoscopia e tomografia compu tadorizada de tórax, sempre que a estabilidade hemodi nâmica do paciente permitir. Mais de 90% dos sangra mentos têm origem nas artérias brônquicas, sendo estas os principais ramos a investigarno exame. Apresenta taxa de sucesso de até 90% no controle da hemoptise, porém não é isenta de complicações como embolização do cor no espinhal associada ao desenvolvimento de paraplegia (menos de 1% dos casos) e necrose da parede brônquica. Todo paciente que chega com queixa de hemoptise deve ter uma avaliação inicial para se determinara esta
bilidade do quadro: dados vitais, garantir proteção de via aérea e manter bom status cardiovascular. Mesmo os quadros que não se apresentam como eventos maciços devem ser analisados com cuidado, porque a evolução do sangramento é imprevisível. A cirurgia de urgência deve ser evitada, porque está associada à maior mortalidade quando comparada com o procedimento realizado de maneira eletiva. Entretanto, muitas vezes, a cirurgia de urgência é a única forma de controlar o sangramento. O pré-operatório, quando pos sível, deve ser cuidadoso, com análise de função e perfu são pulmonar além do controle das comorbidades.
Hemoptise - 115
• Capilarite - Vasculites sistêmicas ■ Granulomatose de Wegener ■ Poliangeíte microscópica ■ Púrpura de Henoch-Schönlein ■ Crioglobulinemia ■ Doença de Behçet - Doença vascular colagenosa ■ Lúpus eritematoso sistêmico * ■ Polimiosite ■ Artrite reumatoide ■ Esclerodermia ■ Doença mista do tecido conjuntivo - Outras Capilarite pulmonar isolada ■ Síndrome de Goodpasture * ■ Síndrome do anticorpo antifosfolipídio primária ■ Glomerulonefrite pauci-imune ■ Transplante autólogo de medula óssea ■ Rejeição de transplante de pulmão ■ Fibrose pulmonar idiopática ■ Endocardite infecciosa ■ Síndrome do ácido retinoico ■ Propiltiuracil ■ Fenitoína • Hemorragia branda - Síndrome de Goodpasture * - Lúpus eritematoso sistêmico * - Hemossiderose pulmonar idiopática - Coagulopatias graves - Estenose mitral ■ Inalação de anidridotrimelítico ■ Penicilamina, nitrofurantoína, amiodarona ■ Rapamicina • Dano alveolar difuso - Síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) (qualquer etiologia) - Toxicidade mediada por droga citotóxica - Polimiosite - Lúpus eritematoso sistêmico - Inalação de cocaína ou crack - Infecções em pacientes imunocomprometidos • Condições diversas - Linfangioleiomiomatose - Esclerose tuberosa - Doença veno-oclusiva pulmonar - Hemangiomatose capilar pulmonar - Infarto pulmonar * Tanto capilarite como hemorragia branda podem ser vistas nestas doenças.
No presente caso, os dados de história e o exame fí sico foram muito importantes para guiar o raciocínio clínico dentre as múltiplas etiologias para a origem dos
quadros de hemoptise. Os exames de imagem são extre mamente úteis para a confirmação diagnóstica e para auxiliarno tratamento cirúrgico ou por arteriografia.
BIBLIOGRAFIA ABAL, A. T.; NAIR, P. C.; CHERIAN, J. Haemoptysis: aetiology, evaluation and outcome - a prospective study in a third-woiid countiy. Reçir. Mβd., v. 95, n. 7, p. 548-52, 2001.
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CAPÍTULO 18
QUADRO 18.2 - Causas de hemorragia alveolar difusa (classificadas apresentação histológica)
___________________________________
CAPÍTULO
19
Epistaxe Maria Marcela Fernandes Monteiro
Paciente com 51 anos de idade, sexo feminino, parda, secretária doméstica, comparece ao consultório médico com queixa de sangramento nasal, que nos últimos anos vem se tomando mais frequente. Relata que desde a infância apresenta sangramento nasal, ora bilateral, ora unilateral, espontâneo, de pequeno volume e que cessa após alguns minutos com compressão local. Os episódios eram raros até cinco anos atrás, quando se tomaram mais frequentes.
é autolimitada e somente 6 a 10% dos casos necessitam
de atendimento médico. A epistaxe deve ser encarada não como um sintoma isolado, mas como parte de um con junto de alterações que leva à perda da integridade da mucosa nasal ou do sistema de hemostasia (Tabela 19.1). Assim devem ser investigados os seguintes dados à ana
mnese e ao exame físico: idade, sexo, profissão, uso de medicamentos (ácido acetilsalicílico [AAS], anti-inflama tórios não esteroidais [AINE], anticoagulantes), história
A paciente em questão apresenta sintomas característicos
de trauma, doenças nasais, hepatopatias, coagulopatias,
de epistaxe, a qual é definida como sangramento origina
do da mucosa nasal, representando uma alteração da
vasculopatias, hipertensão arterial sistêmica (HAS), re percussão hemodinâmica e local do sangramento (anterior
hemostasia normal do nariz. A hemostasia pode estar
ou posterior).
comprometida devido a anormalidades na mucosa nasal, à perda da integridade vascular ou a alterações nas pla
quetas ou nos fatores de coagulação. Estima-se que aproximadamente 60% da população tenham pelo menos
um episódio de epistaxe durante a vida. Geralmente, ela
Quando interrogada sobre outros sangramentos, a paciente diz que na menarca apresentava ciclos mens truais de sete a dez dias, com fluxo considerável, durante todo seu período fértil. Procurou assistência médica, sendo prescritos contraceptivos orais. Fez uso
TABELA 19.1 - Etiologia da epistaxe Causas locais
Causas sistêmicas
Corpo estranho
Vasculopatias
Traumáticas
Coagulopatias (hemofilias, doença de von Willebrand, leucemias, púrpuras plaquetopênicas)
Inflamatórias (quadros alérgicos e atróficos ou infecciosos)
Hipertensão arterial sistêmica
Medicamentos tópicos (vasoconstritores, entorpecentes, corticosteroides)
Drogas (AAS, ticlopidina; anticoagulantes orais; heparina; AINE)
Cirurgia nasal (turbinectomias, iatrogênica)
Infecções ou doenças sistêmicas graves
Alterações anatômicas (desvio de septo, perfurações septais)
Desnutrição
Tumores (nasoangiofibroma, carcinomas espinocelulares, hemangiomas nasais)
Alcoolismo crônico
AAS = ácido acetilsalicílico: AINE = anti-inflamatórios não esteroidais.
Epistaxe - 117
A epistaxe de origem na infância é a principal queixa
da paciente, além de outros sangramentos e de uma histó
ria familiar positiva, o que induz a acreditar que se trata de uma coagulopatia hemorrágica hereditária, que pode se
originarde diminuição da contagem de plaquetas, disfun
QUADRO 19.1 - Distúrbios da hemostasia primária2 • Trombocitopenia - Redução da produção medular de megacariócitos: ■ Infiltração medular com tumor, fibrose ■ Infiltração medular - anemias aplásica, hipoplásica; efeitos de drogas/fármacos - Sequestro esplênico das plaquetas circulantes ■ Esplenomegalia decorrente de infiltração tumoral ■ Congestão esplênica decorrente de hipertensão portal - Destruição aumentada das plaquetas circulantes ■ Destruição não imune: • Próteses vasculares, valvas cardíacas • Coagulação intravascular disseminada • Sepse • Vasculite ■ Destruição imune ■ Autoanticorpos contra antígenos plaquetários • Anticorpos associados a fármacos • Imunocomplexos circulantes (lúpus eritematoso sistêmico, agentes virais, sepse bacteriana) • Defeitos na aderência plaquetária - Doença de von Willebrand - Síndrome de Bernard-Soulier (ausência ou disfunção do complexo GpIb/IX)
ção plaquetária ou deficiência dos fatores de coagulação.
O processo de hemostasia, que pode ser dividido
• Defeitos da agregação plaquetária - Tromboastenia de Glanzmann (ausência ou disfunção de GpIIb/IIa)
didaticamente em componentes primário e secundário,
inicia-se quando o revestimento endotelial vascular é lesado e o sangue é exposto ao tecido conjuntivo suben
dotelial. A hemostasia primária (Quadro 19.1) refere-se ao processo de formação do tampão plaquetário nos locais de lesão (aderência plaquetária, liberação dos grânulos e
agregação das plaquetas). Ocorre poucos segundos após a lesão e é de suma importância para a interrupção da
perda sanguínea por capilares, pequenas arteríolas e vênulas. A hemostasia secundária consiste nas reações
do sistema plasmático da coagulação que resultam na
• Defeitos da liberação das plaquetas - Diminuição da atividade da ciclo-oxigenase: ■ Medicamentos-ácido acetilsalicílico, anti-inflamatórios não esteroidais ■ Congênita - Defeitos no compartimento de armazenamento dos grânulos: ■ Congênitos ■ Adquiridos - Uremia - Revestimento das plaquetas (por exemplo, penicilina ou paraproteínas) • Defeito na atividade coagulante das plaquetas: - Síndrome de Scott
formação de fibrina, cuja conclusão demora vários mi nutos. A hemostasia primária e a secundária estão inti
mamente ligadas.
uma triagem da via intrínseca do sistema de coagulação e
O sangramento decorrente de um distúrbio plaquetário
avalia os fatores XII, XI, IX e VIII. O TP é um teste de
em geral se localiza em áreas superficiais, como a pele e
triagem para via extrínseca e avalia o fatorVII. Ambos os
as mucosas, surge imediatamente um traumatismo ou ci
testes também avaliam a via da coagulação comum (após
rurgia e pode ser controlado facilmente com medidas locais,
ativação do fatorX) (Fig. 19.1).
como no presente caso clínico. Em contraste, o sangra
mento ocasionado por defeitos hemostáticos secundários ocorre horas após a lesão. É mais frequente em tecidos
ativada (TTPa), de protrombina (TP) e de trombina e
Paciente relata que, devido a dores articulares fre quentes e lombalgia, vem fazendo uso, nos últimos cinco anos, de AINE regularmente. Refere HAS con trolada com anti-hipertensivo oral (enalapril, 10mg, duas vezes ao dia) e diabetes mellitus diagnosticado há quatro anos controlado com dieta alimentare metfor mina (500mg, no almoço e no café da manhã). Comenta ainda uso de AAS, 100mg/dia, prescrito pelo médico do posto de saúde, desde então; e colecistecto mia, há oito anos, sem intercorrências. Nega etilismo,
determinação quantitativa do fibrinogênio. O TTPa faz
tabagismo e história prévia de transfusão sanguínea.
subcutâneos profundos, músculos e articulações ou cavi
dades corporais. Os testes de triagem mais importantes do sistema
hemostático primário são o tempo de sangramento (me
dida sensível da função plaquetária) e a contagem de
plaquetas. A função da coagulação plasmática é facilmen te avaliada por meio dos tempos de tromboplastina parcial
CAPÍTULO 19
de contraceptivo oral porquatro anos não consecutivos. Afirma que no segundo e no terceiro parto cesariano, (por indicação obstétrica), o médico informou que, durante a cirurgia, apresentara sangramento discreta mente maior que o habitual. Na ocasião, não necessitou de transfusão de concentrado de hemácias. Relata ainda que, na última visita ao dentista, após extração dentária, teve sangramento prolongado e que ultimamente vem sofrendo de gengivorragia ao escovaros dentes. Quando questionada sobre a sintomas semelhantes em parentes de primeiro grau, informa que a mãe teve sangramento durante os partos normais e que uma irmã de 29 anos de idade tem menorragia.
118 -
Doenças do Sistema Respiratório
CAPÍTULO 19
fica-se contagem de plaquetas normal com tempo de sangramento prolongado e TTPa alargado. Essa combi nação de tempo de sangramento prolongado e TTPa alargado, com o restante das provas hemostáticas normais, sugere doença de von Willebrand (DvW). O eventual
alargamento do TTPa pode ser explicado, dentre outras razões, pela deficiência parcial do fator VIII. O uso de AAS e AINE pode exacerbar os sintomas
em pacientes com distúrbio da hemostasia primária devi do à inibição da enzima ciclo-oxigenase responsável pela
últimos anos, após introdução dessas medicações.
Figura 19.1 - Cascata
simplificada da coagulação.
Quanto ao exame físico, a paciente encontra-se em regular estado geral, com mucosas descoradas +/4+,
hidratada, eupneica (frequência respiratória de 14ipm), temperatura axilar de 36,2°C, frequência cardíaca de
80bpm, pressão arterialde 126 × 74mmHg e índice de
Dando continuidade à investigação diagnóstica, foram solicitados os seguintes exames: dosagem do fator VIII - normal; atividade do cofatorde ristocetina e quantificação do antígeno do fatorde von Willebrand - ambos diminuídos. A eletroforese dos multímeros do fatorde von Willebrand evidencia ausência dos multí meros de alto peso molecular caracterizando o subtipo 2A. Paciente foi orientada a evitar drogas antiplaque tárias e a procurar médico hematologista, quando indicado algum procedimento cirúrgico, para a profila xia adequada.
massa corporal de 28,76kg/m2. Detectada ausência de linfadenomegalia palpável e de lesões cutâneas. A ti
reoide não é palpável. Ausculta cardiopulmonar sem alterações significativas. O abdome apresenta cicatriz
DIAGNÓSTICO Doença de von Willebrand tipo 2A
cirúrgica subcostal direita, está semigloboso, com ruídos
hidroaéreos, fígado não palpável, espaço de Traube livre à percussão. O exame neurológico e de extremidades
não apresenta alterações significativas. Exames complementares iniciais revelam hemo globina de 11,2g/dL, hematócrito de 33%, volume corpuscularmédio de 78,1fL, hemoglobina corpuscular média de 25,9pg, concentração de hemoglobina cor puscularmédia de 33,1g/dL, amplitude de distribuição de hemácias de 16,4%, 3.900 leucócitos com 0% bas tonetes, 61% segmentados, 2% eosinófilos, 0% basófilos, 29% linfócitos típicos, 0% linfócitos atípicos, 8% monócitos; 187.000 plaquetas; Na: 137; K: 4,1; Ca I:1,2; Mg: 1,9; ureia: 33; creatinina: 0,6; albumina: 3,8; atividade de protrombina: 97%; relação normalizada internacional 1,02; TTPa: 34,2s; relação de 1,28 (normal até 1,24); tempo de sangramento (Ivy): 16min (normal de 3 a 9min); ferro sérico: 35mcg/dL (valores de refe rência [VR]: 37 a 170μcg/dL); transferrina: 300mg/dL (VR: 200 a 360mg/dL); ferritina: 45ng/mL (VR: 24 a 155ng/mL); glicemia: 97. A paciente apresenta exame físico sem alterações
significativas, porém, nos exames complementares veri
DISCUSSÃO A doença de von Willebrand é o distúrbio hereditário da
função plaquetária mais comum na população geral, com prevalência de 1 a 2% (Tabela 19.2).
O fatorde von Willebrand (fvW) é uma glicoproteína multimérica plasmática codificada por um gene presente no cromossomo 12, sendo sintetizada pelas células endo teliais e megacariócitos, armazenada nos corpos de WeibelPalade e secretada no plasma e na matriz extracelular subendotelial. Tem duas funções principais na hemostasia:
facilitara adesão plaquetária ao endotélio vascular lesado, ligando-se à membrana da plaqueta, e atuar como trans portadore estabilizadordo fator VIII no plasma. A redução na quantidade do fvW ou o funcionamento inadequado
desta proteína resulta em dificuldade de coagulação. A DvW é classificada como quantitativa, tipos 1 e 3, quando há, respectivamente, diminuição e ausência do fvW; e em qualitativa, quando há disfunção do fvW que caracteriza a doença do tipo 2.
978-85-4120-074-5
formação de tromboxano A2 a partir do ácido araquidô nico, que estimula a ativação e a secreção de plaquetas. Isso explica a piora clínica apresentada pela paciente nos
Epistaxe - 119
978 85 4120-074
O ensaio da atividade do fvW ou atividade do cofator
Deficiência
Prevalência
Cromossomo
ristocetina - FvW:CoR - (antibiótico que induz à agluti
I
1:1.000.000
4
nação de plaquetas inativas usando como “ponte” o fvW)
II
1:2.000.000
11
é o exame mais específico para avaliara função do fvW
V
1:1.000.000
1
na aderência plaquetária, mas pode estar apenas discreta
Ve VIII
1:1.000.000
18
mente diminuído na DvW leve. A quantificação do antí
VII
1: 500.000
13
geno do fvW mede a expressão imunológica do fvW e
VIII
1:10.000
X
IX
1:40.000
X
1:1.000.000
X
13
em geral é feita poreletroimunoensaio ou ensaio imunos sorvente enzimático. Está discretamente reduzido na DvWB leve e suas variantes e praticamente ausente no tipo 3. A
quantificação do fvW e a atividade do FvW:CoR são XI
1:1.000.000
4
XIII
1:2.000.000
4-6
von Willebrand
1:100
12
reagentes da fase aguda da doença e aumentam em situ ações de estresse, hepatopatias e alterações hormonais (gravidez, uso de anticoncepcional oral), porém sofrem
diminuição em hipotireoidismo e em pacientes com san
O tipo 1, herdado como caráter autossômico dominan te com penetrância incompleta, observado em 60 a 80%
dos casos, é caracterizado por deficiência quantitativa leve a moderada do fvW. É a forma branda da doença, na qual o indivíduo pode apresentar sintomas clínicos geralmen
te brandos. Contudo, o grau de manifestações hemorrá gicas e sua magnitude podem variar entre os indivíduos.
O tipo 3, herdado como caráter recessivo e extrema mente raro, corresponde a 5% dos casos e é caracterizado por ausência quase total de fvW no plasma (1 a 10% dos
níveis plasmáticos normais), apresentando quadro clínico mais grave.
O tipo 2, herdado como padrão dominante ou reces
gue do tipo O.
O estudo dos múltimeros do fvW por eletroforese de sulfato de dodecil sódico-agarose) é essencial para deter minar o subtipo da DvW. Os ensaios baseados em gene são os mais específicos
para diagnosticaras variantes do fvW por mapeamento de enzima de restrição do gene fvW.
A profilaxia do sangramento operatório pode serfeita com 1-desamino 8-D-arginina vasopressina-desmopressi
na (DDAVP), por via endevenosa, subcutânea ou intrana
sal, um agente que aumenta a síntese endotelial do fvW. Nos tipos 2 e 3 da DvW, o efeito da DDAVP é menos
confiável, sendo contraindicado ao tipo 2B (risco de pla
sivo, observado em 10 a 30% dos casos, é caracteriza
quetopenia). A terapia mais eficaz da DvW, independen
do por uma anormalidade qualitativa no fvW e apresen
temente do tipo, é a reposição de concentrados ricos de
ta os subtipos 2A, 2B, 2M e 2N, sendo o 2A o mais
fvW. Alguns concentrados de fator VIII estabilizados com
comum, com redução da função da ligação plaquetária
fvW apresentam resposta clínica adequada. O criopreci
associada à ausência dos multímeros de alto peso mo
pitado é um componente do sangue rico em fvW, tendo
lecular. Já o 2B apresenta mais afinidade pela glicopro
a desvantagem do risco maior de transmissão infecciosa,
teína 1b. O subtipo 2M também mostra redução da liga
mas a vantagem do baixo custo. No entanto, desde janei
ção plaquetária não associada à ausência dos multímeros
ro de 2002, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
de alto peso molecular. O 2N, o mais raro, apresenta
(ANVISA), pela Resolução de Diretoria Colegiada nú
redução na afinidade pelo fator VIII e assemelha-se à
mero 23, veda a utilização de crioprecipitado para trata
hemofilia A.
mento da dvW, salvo em pacientes que não têm indicação
As principais manifestações clínicas da DvW são o
a DDAVP ou não respondem ao seu uso, quando não se
sangramento prolongado e excessivo após cirurgia (típico
dispuser de concentrados de fvW ou de concentrados de
de coagulopatias) e as hemorragias cutâneo-mucosas como
fator VIII ricos em multímeros de von Willebrand. Os
epistaxe, gengivorragia e menorragia (típicas de trombo
concentrados ricos em fvW são prescritos para controle
citopatias).
de hemorragias, durante o trauma ou no perioperatório,
O tempo de sangramento está prolongado de forma
sendo infundidos uma vez ao dia ou em dias alternados.
variada nesses pacientes. O TTPa também mostra aumen
Para pacientes com a forma branda da doença, existe
to em diferentes gradações devido, dentre outras razões,
a opção dos agentes antifibrinolíticos (ácido epsilon-
à deficiência do fator VIII. Todavia, um TTPa normal não
aminocaproico e ácido tranexâmico) para procedimentos
exclui o diagnóstico de DvW.
pouco invasivos ou para pequenas hemorragias.
CAPÍTULO 19
5
TABELA 19.2 - Prevalência das coagulopatias hereditárias7
120 - Doenças do Sistema Respiratório
CAPÍTULO 19
BIBLIOGRAFIA BEUTLER, E. et. al. WiüiansHenáricg'. 7. ed. New Yoik: McGraw-Hill, 2005. CECIL, R. TrífcdodeincdkiiTiirtura 23. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. KASPER, D. L. et al. Hariscrisprirrçlescf iitend medicine 16. ed., NewYoik: McGraw-Hill, 2006. MANNUCCI, P. M. et al. Management of inherited von Willebrand
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___________________________________
CAPÍTULO
20
Rouquidão Danilo Kanashiro Segalla • Bruno Thieme Lima • Luciano Rodrigues Neves • Ektor Onishi
Paciente LRN, sexo masculino, 48 anos de idade, nascido em e procedente de São Paulo, refere que ini ciou quadro de rouquidão há quatro meses, após episódio de gripe (sic). Cita que inicialmente a voz ficou fraca, junto com sintomas de obstrução nasal, coriza e tosse, associados a febre, inapetência, mialgia e mal-estar Procurou atendimento ambulatorial, no qual recebeu diagnóstico de infecção das vias aéreas superiores (IVAS) de etio logia viral (infecção de via aérea superior), sendo medicado com sintomáticos (antipirético, desconges tionante nasal e analgésico). Após três dias, já se encontrava em adequado estado geral, contudo manti nha quadro de rouquidão intermitente. Procurou novamente atendimento em pronto-so corro, onde foi informado que apresentava quadro clínico compatível com laringite bacteriana, sendo medicado com anti-inflamatório não esteroidal (ibupro feno, 600mg, a cada 12h, por quatro dias) e antibiótico (amoxicilina, 500mg, a cada 8h, por sete dias). Ao longo de dois meses, continuou a apresentar rouquidão, a qual se tomou constante, alterando-se com períodos de afonia. Nega outros sintomas relacio nados à laringe, tais como pirose faríngea, tosse (seca ou produtiva), disfagia, odinofagia ou dispneia. Nega abuso vocal tanto no trabalho como em casa e não re fere uso de bebidas geladas. Cita que eventualmente ficava rouco, mas que este sintoma estava associado a dores de garganta e que, em média, apresentava dois episódios por ano e duração de três a sete dias. Como não apresenta melhora do quadro clínico de rouquidão, o paciente foi orientado a procurar atendi mento especializado com otorrinolaringologista.
disfonias agudas entre as populações adulta e infantil é alta e quando apresentam instalação rápida com sinais e sintomas exuberantes têm como principais causas as
IVAS, as faringolaringites agudas virais ou bacterianas e
o uso abusivo ou inadequado da voz (gritar, falar alto). As IVAS e as faringolaringites agudas, na grande
maioria das vezes, são causadas por infecções virais, as
quais apresentam como principais agentes etiológicos o vírus sincicial respiratório, o adenovírus, o mixovírus, parainfluenza, etc., e têm duração média de cinco a sete
dias. Por apresentar comportamento autolimitado, o tra tamento baseia-se no emprego de medicamentos sintomá ticos para que os incômodos sintomas sejam minimizados
em intensidade e em duração. Porvezes, trata-se de uma faringolaringite de etiologia
bacteriana, em que os principais agentes são Streptococ-
cus pneumoniae, Streptococcussp., Moraxella catarrhalis, Haemophilus influenza tipo B. Nesse caso, além do tratamento sintomatológico, devem-se utilizar antibióticos com espectro de cobertura para os patógenos mencionados.
A disfonia também pode decorrer de uso abusivo ou
inadequado da voz, como gritar falar alto, cantar sem
técnica. Nessas situações, compete ao médico assistente encaminharo paciente ao otorrinolaringologista, para que
possa ser avaliado e iniciada a terapêutica adequada. Os quadros disfônicos podem ser divididos, de acordo
com o período de acometimento, em agudos e crônicos. As disfonias agudas são aquelas até 15 dias de duração,
Casos clínicos com queixas disfônicas são comuns nos prontos-socorros e ambulatórios gerais. A prevalência das
ao passo que as crônicas são as que apresentam período maior que 30 dias de acometimento.
122 -
Doenças do Sistema Respiratório
CAPÍTULO 20
No caso descrito, houve manutenção da disfonia por
mais de um mês, associada à evolução significativa dos
sintomas tanto em intensidade quanto em duração, carac terizando quadro de disfonia crônica. As principais causas
de disfonia crônica são citadas no Quadro 20.1.
Outros sintomas podem decorrerou estar associados
Foi submetido à amigdalectomia na infância e apresenta, como antecedente familiar, a referência de um tio paterno falecido porcâncerno pulmão. Quando perguntado sobre as queixas vocais, refere trabalharcomo vendedore mostra sempre voz adequa da, sendo convidado para ser orador nas festas da empresa (sic).
à disfonia crônica; dentre eles há de se salientara disfagia e a dispneia. Ambos os sintomas podem predizer tanto o
Antecedentes pessoais quanto a tabagismo e a etilismo
grau de acometimento como a provável localização deste,
devem ser questionados e, se positivos, deve-se avaliara possibilidade de que o acometimento laríngeo possa ter
como exemplifica o esquema seguinte:
etiologia neoplásica. • Disfagia: acometimento supraglótico. • Disfonia: acometimento glótico. • Dispneia: acometimento subglótico.
Sabe-se que o câncer da laringe tem como principais fatores de risco o tabagismo e o etilismo, principalmente quando o período, a frequência e a intensidade dos hábi
tos são altos. Para adequada resolução dos casos de disfonia crôni ca, devem-se colher maiores informações na anamnese e
Decorrente do ato tabágico, cujo índice vem aumen tando entre a população feminina, a proporção de neopla
encaminhar o paciente a exame otorrinolaringológico
sia de laringe entre homens e mulheres diminuiu nos
adequado.
últimos anos de 15:1 para menos de 4:1. Outro fator de risco seria a exposição a fatores ambientais e ocupacionais, tais como hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, níquel,
Como antecedentes pessoais, é tabagista há 45 anos, com consumo diário de 20 cigarros, e etilista há 35 anos, ingerindo em média três doses de destilados diariamente. Não usa medicamentos regularmente, não tem alergia a medicamentos, internações; não usa drogas ilícitas.
cromo, produtos de madeira e pesticidas. O histórico familiar de câncer; principalmente em sistema respiratório ou digestório, deve ser valorizado, pois
estudos recentes da literatura sinalizam fatores genéticos para tal comportamento. As referências anteriores do padrão vocal são importan
QUADRO 20.1 - Causas de disfonia crônica • Infecciosas - Virais - Bacterianas - Fúngicas • Reumatológicas - Artrite reumatoide - Lúpus eritematoso sistêmico • Granulomatosas - Tuberculose laríngea - Paracoccidioidomicose - Sarcoidose - Sífilis • Neurológicas - Distonia laríngea - Paralisia de pregas vocais - Doença de Parkinson • Endócrinas - Hipopituitarismo - Hipo/hipertireoidismo - Doença de Addison • Neoplásicas: - Carcinoma espinocelular - Carcinoma verrucoso - Papilomatose laríngea • Outras - Lesões fonotraumáticas - Alterações estruturais mínimas - Efeitos adversos de medicamentos - Doença do refluxo gastroesofágico
tes para que o médico avaliador tenha dimensão das carac terísticas da voz, da frequência e da intensidade de uso. No caso clínico em questão, um paciente que faz uso
profissional da voz (vendedor) e apresenta alteração do padrão vocal por período ou intensidade de grau mode
rado a intenso deve ser encaminhado à avaliação otorri nolaringológica, com ênfase no exame da região laríngea.
Ao exame físico geral, apresenta-se em bom estado geral, corado, hidratado, eupneico e afebril. Ausculta pulmonar com murmúrio vesicular+ difusamente, sem ruídos adventícios. Escuta cardíaca em dois tempos sem detecção de sopros. Avaliação abdominal e de extremi dades não denota alterações. Ao exame no pronto-socorro otorrinolaringológico, não são detectadas alterações ouvidos (otoscopia), ca vidade nasal (rinoscopia anterior) e da cavidade oral (oroscopia). A palpação cervical não evidencia altera ções, lesões ou a de linfonodomegalia cervical. Então, o paciente é submetido ao exame de larin goscopia indireta com laringoscópio rígido, sendo detectada lesão vegetante e infiltrativa acometendo toda a extensão da prega vocal esquerda (Fig. 20.1). Durante a fonação, percebe-se que a lesão impede que haja adequado fechamento glótico e adequada vi bração da onda mucosa.
Rouquidão - 123
TABELA 20.1 - Drenagem dos linfonodos cervicais Linfonodos
Locais de drenagem
IA
Queixo, lábio inferior, bochecha, assoalho da boca, ponta da língua
IB
Lábios, bochecha, nariz, gengivas, palato, língua, assoalho da boca, glândulas submandibulares e sublinguais
II
Palato, rinofaringe, orofaringe, supraglote, hipofaringe.
mais precisamente em região das pregas vocais, o médico
III
Orofaringe, supraglote, glote, hipofaringe
deve executar o exame otorrinolaringológico completo e
IV
Orofaringe, glote, hipofaringe
minucioso (otoscopia, rinoscopia anterior oroscopia
V
Regiões occipital e parietal do couro cabeludo; regiões lateral do pescoço, ombro e superior do tórax
VI
Pele e músculos da região anterior do pescoço, laringe, glândula tireoide e recesso traqueoesofágico
Apesarda queixa do paciente serde origem laríngea,
e palpação cervical), pois além de obter maiores dados
quanto ao paciente, pode detectar outros sinais ou lesões que corroborarem o diagnóstico a ser estabelecido. A palpação cervical deve ser efetuada em todos os
pacientes com suspeita de lesões em região cervicofacial,
pois de acordo com a localização do linfonodo acometido é possível suspeitarda topografia da lesão primária, como
demonstram a Tabela 20.1 e a Figura 20.2.
Nas queixas de disfonia, torna-se de fundamental importância o exame da laringe, com particular atenção às pregas vocais. A detecção de lesão com característica vegetante e
ulcerada em toda a extensão da prega vocal esquerda
sugere acometimento neoplásico. Contudo, pode haver outras possibilidades de doenças, tais como papilomatose laríngea, tuberculose, paracoccidioidomicose, granuloma tose de Wegener entre outras. Para elucidação diagnóstica, a conduta adequada é a
realização de laringoscopia direta em centro cirúrgico, sob anestesia geral. Esse procedimento permite ao otor
rinolaringologista identificar, analisar palpar e retirar fragmentos da lesão para diagnóstico.
Figura 20.2 - Níveis de drenagem dos linfonodos cervicais.
Quando existe suspeita de acometimento neoplásico, deve-se procederá biópsia excisional com margens de se gurança e à análise do espécime por patologista experiente.
Figura 20.1 - Lesão vegetante e infiltrativa acome tendo a prega vocal esquerda.
O paciente é submetido à microcirurgia de laringe, cujo resultado revela carcinoma espinocelular invasivo, sendo definido o estadiamento oncológico como T1a N0 M0 (Fig. 20.3). No mesmo ato operatório, opta-se pela ressecção do tumor por via aberta com a técnica cirúrgica da la ringectomia parcial frontolateral com reconstrução vocal, utilizando a prega vestibulare o abaixamento da cartilagem epiglótica. O espécime retirado foi avaliado por patologista e apresentou-se com margens livres de lesão tumoral.
CAPÍTULO 20
A hipótese diagnóstica é definida como lesão leu coplásica a esclarecer, e como conduta a realização de microcirurgia de laringe (biópsia excisional com mar gens de segurança) em centro cirúrgico, sob anestesia geral, e o espécime retirado avaliado por médico pato logista com análise histopatológica pelo método de congelação.
124 - Doenças do Sistema Respiratório
O objetivo do tratamento do câncerde laringe é curar
CAPITULO 20
a doença com o mínimo de sequelas funcionais, de acor
do com o estadiamento clínico oncológico do paciente. Obtém-se o estadiamento oncológico tumor-linfonodo-
metástase (TNM) ao se analisarem três fatores clínicos:
características do tumor características dos linfonodos cervicais e presença de metástases a distância. A seguir as definições para o estadiamento dos tumo
res glóticos: T = tumor inicial:
- T1: limitado às pregas vocais:
Figura 20.3 - Corte histológico revelando achados
■ T1a: limitado a uma prega vocal.
compatíveis com carcinoma espinocelular; coloração por hematoxilina-eosina, aumento de 40 vezes.
■ T1b: envolve ambas as pregas vocais.
- T2: estende-se à supraglote ou à subglote, e/ou
mobilidade diminuída da prega vocal. - T3: limitado à laringe, com fixação da prega
O paciente recebe sonda nasoenteral para alimen tação e traqueotomizado, retiradas em quatro dias e nove dias, respectivamente. No período pós-operatório, o paciente foi avaliado periodicamente e após 32 meses do procedimento ci rúrgico, não apresenta sinais de recidiva tumoral, sinais de linfonodomegalia ou outras alterações cervicais (Fig. 20.4).
vocal.
- T4: invade a cartilagem tireóidea e/ou estende-se às partes moles do pescoço, tireoide e/ou esôfago.
• N = linfonodos cervicais: - N0: ausência de linfonodos palpáveis. - N1: único linfonodo homolateral, com 3cm ou menos.
Em região laríngea, mais precisamente na região gló tica, mais de 90% das neoplasias malignas originam-se do
- N2: linfonodos maiores que 3cm e menores que
6cm:
epitélio de revestimento das pregas vocais e são do tipo
■ N2a: único linfonodo homolateral.
carcinoma espinocelular. Geralmente, são lesões vegetan
■ N2b: linfonodos homolaterais múltiplos.
tes e infiltrativas, mas também podem ser ulceradas.
■ N2c: linfonodos bilaterais ou contralaterais.
Apresentam crescimento lento e tendem a expandir-se ao longo da prega vocal e, de acordo com sua evolução,
podem acometera musculatura intrínseca da laringe, fi xando a prega vocal e impedindo a adequada fonação.
- N3: linfonodo maior que 6cm em sua maior di mensão.
• M = metástase a distância: - M0: ausência de metástase a distância. - M1: presença de metástase a distância. Para o adequado tratamento neste caso clínico optou-se
pela conduta cirúrgica com reconstrução utilizando retalhos locais, os quais foram deslocados para cobriras falhas
provenientes da cirurgia e promover melhor fonação. Após a recuperação pós-operatória e com a retirada
da sonda nasoenteral e da cânula de traqueotomia, o pa
ciente foi encaminhado para fonoterapia e segue em acompanhamento ambulatorial sistemático.
DIAGNÓSTICO Figura 20.4 - Laringoscopia após 32 meses da cirurgia,
Carcinoma espinocelular invasivo em prega vocal (cân
sem evidências de recidiva tumoral.
cerde laringe).
Rouquidão - 125
DISCUSSÃO de procedimentos com o objetivo de identificar prováveis
laringe o mais precocemente possível. Isso aumenta de
fatores causais, desencadeantes e mantenedores da disfo
modo significativo as chances de cura e, ao mesmo tem
nia. Conhecero comportamento vocal do indivíduo, assim
po, permite um tratamento mais conservador garantindo
como definir o início, a duração e a progressão dos sin
menor morbidade e menor prejuízo funcional ao pacien
tomas, é de extrema importância para o manejo do pa
te. Dessa forma, todo paciente com queixa de rouquidão
ciente disfônico.
superiora quatro semanas deve ser avaliado quanto a
Em pacientes com acometimento neoplásico, o início
câncerde laringe.
dos sintomas e o grau de gravidade destes vão depender da localização, do tamanho, da velocidade de crescimen to e da infiltração do tumor em estruturas adjacentes.
Os tumores glóticos manifestam-se inicialmente com
disfonia evolução lenta, sendo os sintomas de dispneia e disfagia evolutivos e decorrentes da direção do crescimen
to. Se o crescimento se fizerno sentido superior o sintoma de disfagia estará presente; se o tumor invadir a região
subglótica, o sintoma será dispneia. Nos tumores supraglóticos iniciais, a disfagia e a odi nofagia geralmente serão os primeiros sintomas a surgir ao passo que a dispneia, o estridorexpiratório e a disfonia
aparecerão em tumores subglóticos. Um aspecto interessante a ser lembrado é a caracte rística peculiar da drenagem linfática da laringe. As regiões supraglótica e subglótica da laringe possuem
rica drenagem linfática e, em tumores supraglóticos, os
primeiros níveis a serem acometidos são II e III, nos tu
mores subglóticos, III e IV. No entanto, a região glótica
possui drenagem linfática pobre. Essas características justificam a menor incidência de metástases cervicais e o melhor prognóstico dos tumores
glóticos iniciais. Metástase cervical em tumores glóticos
aparece em fase avançada, estendendo-se às regiões su
praglótica ou subglótica. Felizmente, a maioria dos tumores da laringe localiza
-se na glote (aproximadamente 59%), sendo incidências
BIBLIOGRAFIA ADAMS, G. L.; MAISEL R. H. Malignant tumois of the larynx and hypopharynx. In: CUMMINGS, C. W. Cunmir^- Otda,yn - Heed ail rHcksLrgpy 13. ed. London: Mosby, 1999. ALTMAN, K. W. Vocal fold masses. Otda-yrgi CHn NcrthAm., v. 40, n. 5, p. 1091-108, viii, 2007. CONCUS, A. P. Malignant laiyngeal lesions. In: LALWANI, A. K. Cerrei diagras 2cm - T3, além do pâncreas - T4, plexo celíaco ou artéria mesentérica superior ‒ N1, regional Adaptado do Instituto Nacional do Câncer
agressividade do tumor.
Muitas vezes, os métodos de imagem podem não ser cópica no intuito de definir melhor a lesão e o grau de
reduzido o índice de mortalidade relacionada ao procedi mento cirúrgico de 20% para aproximadamente 5%7,8.
agressividade, bem como o estadiamento. Vale ressaltar
A pancreatectomia geralmente não é recomendada,
que mesmo a laparoscopia é questionável, uma vez que
pois se perde a produção total de insulina e glucagon,
a intervenção da laparotomia oferece um estadiamento
resultando em desequilíbrio orgânico e metabólico9. A
mais definido e ainda com possibilidade de abordagem
cirurgia de Whipple é um procedimento que apresenta
paliativa.
bom sucesso terapêutico, contudo, somente 20% dos
tão precisos, havendo necessidade da abordagem laparos
A classificação tumor-linfonodo-metástase (TNM) (Qua
pacientes têm lesão potencialmente ressecável. Metástases
dro 25.2) é fundamental para o manuseio clínico dos pacien
peritoneais e hepáticas são as mais comuns e, quando
tes, podendo estabelecer propostas terapêuticas e paliativas.
presentes, tomam impossível a cura pela cirurgia10.
A classificação divide os pacientes nos grupos que têm a
Esse tipo de neoplasia tem prognóstico bastante redu
doença ressecável, naqueles em que são localmente avança
zido, já que mais de 50% dos pacientes portam metástases
das e nos que apresentam metástases associadas.
associadas e mais de um terço da doença é localmente
A divisão por estágios é mostrada no Quadro 25.3.
avançado, o que limita muito a resposta e a sobrevida.
O procedimento cirúrgico mais comum em pacientes
Existem possibilidades terapêuticas que são capazes
com câncer de pâncreas é a pancreatoduodenectomia ou
de adequar cada estadiamento a uma melhor resposta do
cirurgia de Whipple. Técnicas cirúrgicas avançadas têm
paciente:
QUADRO 25.2 - Classificação clínica tumor-linfonodometástase (TNM)
• Terapia neoadjuvante: quimioterapia combinada com
• T tumor primário - TX: o tumor primário não pode ser avaliado - T0: não há evidência de tumor primário - Tis: carcinoma in situ - T1: tumor limitado ao pâncreas, com 2cm ou menos em sua maior dimensão - T2: tumor limitado ao pâncreas, com mais de 2cm em sua maior dimensão - T3: tumor que se estende além do pâncreas, mas sem envolvimento do plexo celíaco ou da artéria mesentérica superior - T4: tumor que envolve o plexo celíaco ou a artéria mesentérica superior • N linfonodos regionais - NX: os linfonodos regionais não podem ser avaliados - N0: ausência de metástase em linfonodos regionais - N1: metástase em linfonodos regionais • M metástase a distância - MX: a presença de metástase a distância não pode ser avaliada - M0: ausência de metástase a distância - M1: metástase a distância
• Terapia adjuvante: na falência dos procedimentos
Adaptado do Instituto Nacional do Câncer
radioterapia.
cirúrgicos, como a cirurgia de Whipple, associa-se a quimioterapia e a radioterapia combinada.
• Radioterapia e quimioterapia em lesão localmente avançada: o tratamento usa essas duas modalidades
lesões irressecáveis, em na tentativa de oferecer qualidade de vida ao paciente. • Quimioterapia doença avançada: nos casos em avançados, com doença metastática associada, esse tipo de tratamento pode garantir controle parcial da
doença, oferecendo melhora da qualidade de vida.
O controle da dor para alguns pacientes, pode ser feito somente com analgesia potente. Em alguns pacien
tes, durante a intervenção cirúrgica, procede-se ao bloqueio
CAPÍTULO 25
sonografia e a tomografia computadorizada não são capa
QUADRO 25.3 ‒ Estadiamento do câncer pancreático
CAPÍTULO 25
154 -
Doenças do Sistema Gastrointestinal
químico poralcoolização no plexo celíaco, o que garante um período de analgesia duradoura. Esse procedimento
pode ser também por via percutânea, guiado por ultras sonografia ou tomografia.
Infelizmente, a sobrevida é de apenas cerca de 5% em cinco anos. Nos pacientes com intervenção cirúrgica te rapêutica, ela pode atingir até 30% dos pacientes10. Des sa forma, o mais importante é procedera uma investiga ção agressiva dos sintomas inespecíficos em pacientes
acima de 60 anos de idade, com história familiar positiva e em diabéticos. A prevenção ainda é uma grande aliada
na luta contra o câncer.
REFERÊNCIAS 1.
2.
NATIONAL CÂNCER INSTITUTE OF CANADA. Caulim caiu sfcüstics Canada: National Câncer Institute of Canada, 2004. WOLFF, R. A.; ABBRUZZESE, J. L.; EVANS, D. B. Neoplasms of the exocrine pancreas. In: HOLLAND, J. E; et al. (eds.). Care-medicine 6. ed. Ontario: B.C. Decker;2003, p. 1585-614.
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___________________________________
CAPÍTULO
26
Dor em Hipocôndrio Direito Noam Falbel Pondé • Thiago De Bortoli Nogueira
E. N. R., sexo feminino, 59 anos de idade, natural e procedente de São Paulo, procura atendimento médi co com dor abdominal há um mês, inicialmente de leve intensidade e com piora progressiva, estendendo-se como uma “barra pesada” em andarsuperiordo abdo me e irradiando para as costas. Sem fatores de piora ou melhora. Refere febre diária há três semanas, com medidas que variavam entre 38 e 39°C, associada à prostração, sensação de mal-estar e anorexia. Nega náuseas, vômitos ou alterações de hábito intestinal. Não refere relação entre o quadro álgico e a ingesta alimen tar. Apresenta perda de 10kg nos últimos meses. Portadora de hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus tipo II há 15 anos, fazendo uso de captopril, 50mg/dia, e metformina, 850mg/dia. Há sete anos foi diagnosticada com artrite reumatoide, fazendo uso re gular há seis meses, de leflunomida, 20mg/dia. Relatava utilizar diclofenaco de potássio com frequência para controle de lombalgia esporádica. Nega outras comor bidades ou antecedentes cirúrgicos. Em relação aos antecedentes familiares, reporta que seu irmão havia falecido há três anos por neoplasia de cólon. Diz ser etilista há 12 anos (50g de destilado por dia) e nega tabagismo.
A paciente apresenta, como um dos sintomas principais, dor no andarsuperiordo abdome. Doenças em diversos órgãos podem causar dor nessa localização, com vários diagnósticos diferenciais, que são descritos no Quadro 26.1. Discutiremos as principais hipóteses diagnósticas
para este caso:
alimentos, aliviada pela anteflexão do tronco sobre os joelhos e podendo ser acompanhada de náuseas
e vômitos. Apresenta evolução mais rápida, que pode
ocorrerem dias ou horas. Embora a paciente em
questão exiba algumas dessas sintomatologias, a
evolução arrastada do quadro álgico (com evolução de um mês) toma esse diagnóstico pouco provável.
A pancreatite crônica tem como principal etiologia a ingestão de bebidas alcoólicas e se manifesta com
um quadro clínico bastante semelhante ao de pan creatite aguda, exceto pela evolução geralmente mais prolongada. Outros sintomas que podem surgir são
emagrecimento (redução da ingestão alimentar de
vido ao agravamento da dor após refeições), estea torreia (tardiamente) e aparecimento de diabetes mellitus (habitualmente após 20 anos do início da
doença). Complicações dessa doença podem levar a um quadro febril, como em de pseudocisto de pâncreas infectado, evoluindo para abscesso.
A paciente em questão mostra características que
podem ser sugestivas de pancreatite crônica, como
o etilismo de longa data, a evolução crônica do quadro álgico, o emagrecimento, o fato de ser por
tadora de diabetes mellitus e estar apresentando
febre (manifestação de complicação de pancreatite crônica). Porém, outros fatores falam contra esse
diagnóstico, como a ausência de quadro semelhante anterior (não justificando que a cronicidade da do
• Pancreatite aguda/crônica: o quadro clínico da
ença seja a causa do diabetes mellitus), e, além
pancreatite aguda caracteriza-se pordorabdominal
disso, o principal motivo do emagrecimento nessa
em faixa irradiada para o dorso ou para a região interescapular, sendo agravada pela ingestão de
paciente é a anorexia, e não a piora da dor após ingestão alimentar.
CAPÍTULO 26
156 -
Doenças do Sistema Gastrointestinal
• Doença ulcerosa gastroduodenal: apresenta como
emagrecimento e a icterícia deve ser avaliada ao
fatores etiopatogênicos a infecção pelo Helicobacter pylori, o uso de anti-inflamatórios não esteroidais
exame físico. Esse diagnóstico pode serconside
(AINE) e ácido acetilsalicílico e situações de estres
manifestação comum em neoplasia pancreática
se. Os AINE favorecem lesões desse tipo por vários
(exceto em situações casos de manifestação pa
mecanismos, como inibição da ciclo-oxigenase 1
raneoplásica).
(COX1) e da COX2, sendo que a inibição da via
rado neste caso, embora a febre não seja uma
- Neoplasias do estômago: podem promover dor
COX1 provoca inibição da síntese de prostaglandi
abdominal, perda ponderal, náuseas, anorexia,
na, que é importante para proteção da mucosa
saciedade precoce e dor semelhante à úlcera
gastroduodenal.
péptica. A dor costuma ser constante, sem irra
Quanto ao quadro clínico, a principal manifes
diação e não aliviada com a ingestão de alimen
tação da úlcera duodenal é dor abdominal epigástri
to. A paciente apresenta sintomatologia seme
ca, que ocorre cerca de 2 a 3h após refeições e à
lhante, devendo ser lembrada neste caso.
noite, sendo aliviada por antiácidos ou alimento. Na
- Neoplasias hepáticas: primárias ou secundárias,
úlcera gástrica, os sintomas costumam serdesenca
são enfermidades de alta incidência e podem
deados pelo alimento. Febre não faz parte do quadro de úlcera péptica, exceto nos casos de perfuração que, ao contrário da paciente em questão (febre há
três semanas), apresentariam um quadro agudo. Quanto aos antecedentes, a paciente é portadora
de artrite reumatoide (AR), doença sistêmica que
quando em atividade pode causar febre alta diária decorrente da liberação de mediadores inflamatórios. Pode haverdorabdominal decorrente ao uso crônico de AINE para controle sintomático, bem como de leflunomida (droga utilizada para tratamento da AR), que possui importantes efeitos colaterais, incluindo
lesões gástricas. Diante disso, embora a dor relatada não indique relação com a ingestão alimentar, a pa
ciente faz uso de medicamentos que podem serlesi
vos à mucosa gastroduodenal (diclofenaco e lefluno
apresentar-se com quadro de dor abdominal (pela
distensão da cápsula) e febre (diretamente ‒ pa
raneoplásica ‒ ou por infecção secundária dos focos tumorais). Pacientes previamente hepato
patas, por etilismo ou hepatites virais crônicas,
são de alto risco para o hepatocarcinoma. A pa ciente tem história de câncer de cólon na família, não devendo ser descartada a hipótese desta doen
ça associada à metástase hepática e, por conse quência, a sintomatologia descrita. O anteceden
te de etilismo de longa data pode causar quadro de cirrose alcoólica e assim progredir para neo
plasia hepática, visto que mostra sintomas seme
lhantes. Logo, esse diagnóstico não deve ser descartado.
mida) causar dor no andar superior do abdome. A
• Colecistopatia calculosa/colecistite/colangite: a
febre, embora não acometa portadores de doença
colecistopatia calculosa tem maior prevalência em
gastroduodenal, poderia ser explicada como manifes
mulheres de meia-idade, manifestando-se como dor
tação da AR. Logo, essa hipótese não deve ser des
em epigástrio ou hipocôndrio direito, podendo ser
cartada neste caso.
irradiada para o dorso ou ombro direito (irritação
• Neoplasias: dentre as neoplasias que podem simular quadro clínico de dor em localização de andar su
diafragmática), bem como anorexia, náuseas e vô
periordo abdome estão os cânceres de pâncreas, de
evolução para colecistite aguda, coledocolitíase e
estômago e hepático.
esta desenvolvendo quadro de colangite aguda. A
- Neoplasia pancreática: manifesta-se com sintomas como anorexia, perda de peso e desconforto ab
colecistite aguda, além de dor persistente no andar
dominal alto. A dor costuma ser constante, irra diada para o epigástrico e para o dorso. É causa
patia calculosa), pode também causar febre. A co
da pela invasão tumoral do plexo celíaco e
icterícia e dor abdominal), podendo ocorrera pên
mesentério. A perda de peso deve-se principal
tade de Reynould nos casos de colangite supurativa,
mente à anorexia. O surgimento súbito de diabe
em que, além dos sintomas anteriores, o paciente
tes mellitus atípico também pode fazer parte do
tem hipotensão e alteração do nível de consciência.
quadro. A icterícia pode surgir principalmente em
Essas morbidades costumam surgirem horas, dias,
neoplasia de cabeça de pâncreas. A paciente des
diferentemente do que acontece com a paciente em
crita apresenta sabidamente dor abdominal e
discussão, que, embora sofra de dor característica e
mitos. A principal complicação dessa doença é a
superior do abdome (semelhantemente à colecisto
langite é caracterizada pela tríade de Charcot (febre,
Dor em Hipocôndrio Direito - 157
ção crônica da paciente e o quadro agudo dessas
morbidades, deve-se observar icterícia ao exame físico e, caso exista essa alteração, é importante considerar principalmente colecistite aguda e colan gite aguda como possíveis diagnósticos. • Abscessos intra-abdominais: incluindo abscesso es plênico ou abscesso hepático. Os abscessos bacte
rianos costumam ter evolução mais rápida e o pa ciente é francamente séptico à chegada. Já abscessos amebianos podem se apresentarde maneira subagu
QUADRO 26.1 - Diagnóstico diferencial de dor no andar superior do abdome • Pancreatite aguda/crônica • Úlcera péptica • • • • • • • • • • •
Neoplasias Colecistopatia calculosa/colecistite/colangite Abscessos intra-abdominais Isquemia mesentérica crônica Hepatites virais/alcoólica Doenças pulmonares: pneumonia, abscesso subfrênico, pneumotórax, embolia, derrame pleural Doenças renais: pielonefrite, abscesso perinefrético Doenças esofágicas: doença do refluxo gastroesofágico, esofagite Doenças cardíacas: pericardite, infarto agudo do miocárdio, angina Aneurisma aorta abdominal: dissecção, ruptura Doenças esplênicas: infarto e ruptura
da, ao longo de semanas ou meses. Os abscessos intra-abdominais em geral podem provocar dor abdominal, febre intermitente, astenia, anorexia e perda de peso. Esse quadro clínico é muito seme
lhante ao apresentado por nossa paciente, o que faz
dessa doença um diagnóstico bastante provável. • Isquemia mesentérica crônica: provoca quadro de
angina abdominal, que se manifesta com dor epi gástrica intermitente, que surge geralmente de 15 a 30min após as refeições e dura 1 a 2h. Como a dor
dolorido à palpação. O baço não é percutível ou palpá vel. A pesquisa da descompressão brusca é negativa, assim como os sinais de Murphy e de Giordano. As articulações e os membros inferiores não estão edema ciados ou doloridos à palpação. Não são observados sinais de hepatopatia crônica. Exame neurológico sem alterações relevantes.
se relaciona à alimentação, o paciente diminui a
A paciente manifesta critérios de sepse. Isso pode ser
ingestão alimentar levando ao emagrecimento. Essa
observado avaliando-se alterações como taquicardia, febre
morbidade não costuma causar febre. Os sintomas
e taquipneia. Neste caso, é primordial que seja realizada
referidos em nosso estudo são dor com duração mais
reposição volêmica rápida e vigorosa para que ocorra
prolongada, não apresentando piora com a ingestão
aumento da perfusão tecidual. O volume aumentará a
alimentar e quadro de febre associado; logo, esses
pré-carga e o débito cardíaco, elevando a oferta de oxi
critérios fazem desta doença um diagnóstico pouco
gênio. Pode ser utilizado coloide, em combinação com
provável.
cristaloide. Drogas vasoativas devem ser reservadas para
• Hepatites virais/alcoólica: podem causar dor e hi
os pacientes sépticos, nos quais a reposição volêmica não
persensibilidade no quadrante superior do abdome,
foi suficiente para restaurara pressão de perfusão a níveis
além de febre, icterícia, anorexia e náuseas. A dife
compatíveis com adequadas funções renal e cerebral.
renciação entre esta afecção e outras se faz com as
Como a paciente se encontra hipotensa, se feita a reposi
provas de função hepática e marcadores virais. A
ção volêmica sem obtenção de melhora do quadro, deve -se considerara condição de choque séptico. A propedêu
hepatite alcoólica pode exibir sintomas semelhantes,
podendo se associar à hepatomegalia dolorosa, suspeitando-se dela em pacientes com história de
grande ingesta etílica. Nossa paciente apresenta história de etilismo de longa data e quadro clínico semelhante ao desta morbidade, logo esta deve ser
considerada como possível hipótese diagnóstica.
tica pulmonar demonstra provável afecção de parênquima pulmonar, podendo-se pensarem derrame pleural, que
pode decorrer de alguma doença de origem abdominal,
afetando principalmente o fígado e manifestando compro metimento pulmonar indiretamente. A hepatomegalia
dolorosa pode sugerir uma variedade de doenças, deven do-se evidenciar, neste caso, pela associação com febre
Ao exame físico de admissão, a paciente mostra-se em mau estado geral, pálida 3+/4+, desidratada 2+/4+, ictérica +/4+ e febril (39,3°C). Pressão arterial de 84 × 46mmHg sentada e em pé, frequência cardíaca de 114bpm e frequência respiratória de 26ipm. O exame físico específico evidencia redução do murmúrio vesi cular no hemitórax direito, com macicez à percussão local e ausculta cardíaca sem alterações. À palpação abdominal, o fígado está a 6cm do rebordo costal e
por período prolongado e quadros infecciosos como, por exemplo, abscesso hepático e hepatite.
Obtém acesso venoso calibroso e infundem-se 2.000mL de solução cristaloide. A paciente apresenta estabilização parcial dos sinais vitais, com pressão ar terial 100 × 65mmHg. Os exames de urgência revelam: hemoglobina: 8,2; hematócrito: 22%; volume corpus cular médio: 86; concentração de hemoglobina
CAPÍTULO 26
febre, a mostra evolução do quadro de um mês. Ainda que não exista concordância quanto à evolu
CAPÍTULO 26
158 - Doenças do Sistema Gastrointestinal
corpuscular média: 34; hemoglobina corpuscular média: 31; leucócitos: 16.100 com desvio para a esquerda; plaquetas: 140.000; ureia: 68; creatinina: 1,54; proteínas totais e frações: 5,7 com albumina de 2,4; bilirrubina total de 3,10, à custa de direta 2,10; aspartato amino transferase: 41; alanina aminotransferase: 44; fosfatase alcalina: 186; gama-glutamiltransferase: 159; amilase: 90. O coagulograma demonstra atividade da protrombi na de 50% com normalizada relação internacional de 1,33 e tempo de tromboplastina parcial ativada de 34,8 com relação normalizada de 1,42. Urina I sem alterações.
nifestarisquemia cardíaca por meio de sintomas atípicos e simular quadro de origem abdominal. Em infarto agudo
do miocárdio, principalmente de parede inferior, pode
ocorrer dor em localização epigástrica e ele deve ser descartado neste caso. Radiografias de abdome em três incidências devem ser rotina na investigação de dor
ab dominal, pois podem demonstrar alterações que direcionam
o diagnóstico, como pneumoperitôneo em casos perfura tivos, nível hidroaéreo em abscessos e aerobilia nas fís tulas bileodigestivas. Radiografia de tórax, especificamen te neste caso, deve ser solicitada, visto que a paciente
Os exames demonstram mais um critério de sepse,
apresenta alterações da propedêutica pulmonar, devendo
dado pela leucocitose, confirmando mais uma vez um
ser método de confirmação diagnóstica. A ultrassonogra
quadro infeccioso instalado. A paciente apresenta quadro
fia de abdome deve ser método de escolha para avaliação
de anemia normocítica, normocrômica, podendo sercau
sada por várias etiologias, como perda de sangue aguda, doença crônica ou falha em produzir quantidade suficien te de células vermelhas. Problema renal crônico e no fí
gado causam anemia normocítica. Em anemia decorrente
de alteração renal, a causa é diminuição da produção do
hormônio eritropoietina. A paciente não tem alteração importante da função renal que justifique ser portadora de insuficiência renal e, por consequência, portar anemia. Ao contrário, problemas do funcionamento hepático ob
servados nos exames podem justificar o quadro anêmico. A alteração da função hepática pode decorrerde medica
ção hepatotóxica, como leflunomida ou até mesmo a in suficiência hepática por quadro alcoólico (etilista de longa data), ou quadro de infecção hepática. Os níveis de bilirrubina encontram-se ligeiramente elevados, à custa de
bilirrubina direta, podendo-se pensarem doenças que
comprometam o fígado e as vias biliares, incluindo qua dro infeccioso ou neoplásico. A amilase normal descarta
Figura 26.1 - Derrame pleural à direita.
algumas hipóteses diagnósticas, como pancreatite aguda, por exemplo, que geralmente cursa com amilasemia.
Realizado eletrocardiograma à admissão, que se encontra normal. As radiografias de abdome em pé e deitado não evidenciam alterações. A radiografia de tórax demonstra pequeno derrame pleural em hemitórax direito (Fig. 26.1). A paciente é submetida à ultrasso nografia de abdome, que demonstrou lesão hipoecoica, ovalar em lobo hepático direito (Fig. 26.2). Posterior mente, realiza-se tomografia computadorizada (TC) de abdome contrastada, que demonstra lesão de baixa densidade, bem delimitada, ovalada, de grande propor ção em lobo hepático direito (Fig. 26.3).
O eletrocardiograma para avaliar isoladamente a dor em andar superior de abdome é de extrema importância, principalmente em pacientes com comorbidades como diabetes mellitus, como nossa paciente, que podem ma-
Figura 26.2 - Imagem hipoecoica, ovalar, em lobo direito.
Dor em Hipocôndrio Direito - 159
DISCUSSÃO do e fragmentos proteináceos dentro do parênquima hepá tico circundado por um halo de inflamação granulomatosa causado por trofozoítos invasores da Entamoeba histolytica.
A E. histolytica é um protozoário patogênico de gran de importância em países em desenvolvimento. É etiologia comum de diarreia colônica quando a infecção é restrita
ao trato gastrointestinal, muito embora possa acometer outros órgãos (fígado, pulmão, sistema nervoso central).
Sua transmissão é fecal-oral, predominantemente depen dente de má higiene pessoal e da manipulação de alimen tos. Os mecanismos exatos da patogenia desse micro
organismo ainda são desconhecidos, porém, sabe-se que
Figura 26.3 - Lesão de baixa densidade, bem delimi tada, ovalada, em lobo hepático direito.
nem todos os trofozoítos são capazes de invadira muco
sa intestinal. Aqueles produtores de enzimas proteolíticas
mais eficientes e capazes de resistir à resposta imune do hospedeiro penetram na mucosa e atingem a circulação da paciente, por ser de baixo custo, de fácil realização, se tratar de método não invasivo e que pode demonstrar
sistêmica a partir do sistema porta. Uma vez no fígado,
alterações que identifiquem a etiologia da doença, bem como avaliar complicações associadas. Ao serevidencia
ticas denominadas abscessos. Frequentemente são lesões
da imagem com as características descritas pela ultrasso nografia é importante que seja realizada tomografia, de abdome, para melhor avaliação. As imagens descritas por ambos os métodos de imagem são características de abs cesso hepático.
A paciente é submetida à drenagem percutânea do abscesso guiada por ultrassonografia, sendo retirada grande quantidade de líquido espesso, vermelho -achocolatado. Introduziu-se um dreno no local e realizou-se biópsia da parede, com os materiais envia dos, respectivamente, para cultura e anatomopatológica. A paciente refere melhora significativa da dorabdomi nal após o procedimento. Iniciou-se antibioticoterapia com ceftriaxona e metronidazol, apesar da indefinição diagnóstica. A paciente evolui bem, com desapareci mento total da febre após seis dias de antibioticoterapia. As culturas periféricas apresentam resultados negativos, assim como as culturas do conteúdo do abscesso. A biópsia da parede do abscesso evidencia trofozoítos de Entamoeba histolytica. A dor desaparece progressiva mente durante o tratamento. A paciente tem alta após um mês de tratamento, com resolução completa dos sintomas.
causam áreas de necrose focal, formando as lesões hepá volumosas, únicas, repletas de exsudato de cor variada e
localizadas no lobo direito. Os antecedentes da paciente não continham fatores de risco clássicos para abscesso piogênico, como manipula
ção cirúrgica, ou infecções locorregionais, como colangi
te. Por outro lado, não apresentava história de diarreia para se pensarem abscesso amebiano, embora nem sem pre a diarreia esteja presenteem tais casos. O quadro
séptico da paciente sugere etiologia bacteriana, ou então abscesso originalmente amebiano, apresentando superin fecção por bactérias. Os exames laboratoriais não dife
renciam entre etiologias amebiana e piogênica. As imagens tomográficas obtidas, mostrando lesão única em lobo hepático direito, são sugestivas de abscesso amebiano. Os sintomas típicos dessa doença são dor abdominal, febre, náuseas, vômitos e perda de peso, normalmente com piora progressiva ao longo de um a dois meses, embora
quadros mais agudos sejam possíveis. Diarreia pode ou não estar presente, associada a outros sintomas. O exame físico comumente revela hepatomegalia de grande monta, dolo
rida à palpação. Icterícia é incomum, porém indica pior prognóstico. Sintomas pulmonares podem estar associados,
devido à extensão do processo inflamatório. A paciente em questão apresentou quadro clínico bastante semelhante ao
descrito pela literatura, embora não tenha manifestado
DIAGNÓSTICO FINAL
quadro diarreico. Quanto aos dados do exame físico, as
• Abscesso hepático amebiano.
pleural à direita, que direcionou o diagnóstico para afecção
• Derrame pleural à direita.
hepática como causa indireta da pneumopatia.
alterações foram muito características, inclusive o derrame
CAPÍTULO 26
Abscesso hepático amebiano é um acúmulo focal de líqui
CAPÍTULO 26
160
- Doenças do Sistema Gastrointestinal
Exames laboratoriais são inespecíficos nos casos de
de escolha é o metronidazol, preferencialmente por via
abscesso hepático. Hemograma com leucocitose e anemia
parenteral, por um período de dez dias. O esquema esco
normocítica e normocrômica são alterações comumente
lhido, neste caso, ceftriaxona e metronidazol, é uma boa
encontradas. Pequenas elevações nas enzimas hepáticas
escolha para abscessos piogênicos e tem a vantagem de
são prevalentes, embora raramente ocorra alteração na
também tratar o amebiano, que está adequadamente abor
função hepática. Nossa paciente mostrou alterações labo
dado somente com metronidazol.
ratoriais que sugeriram quadro de abscesso hepático.
Em que pesem as dificuldades diagnósticas, a história,
Os dois principais exames de imagem utilizados para
os antecedentes, o exame físico e os exames laboratoriais
diagnóstico de abscesso hepático são a ultrassonografia e a tomografia de abdome com contraste. À ultrassonogra
forneceram indícios para que se suspeitasse da doença.
fia aparecem lesões hipoecoicas ovais e há a grande
essenciais para definição diagnóstica e terapêutica específica.
Contudo, os exames de imagem e anatomopatológico foram
vantagem de permitir a drenagem percutânea do abscesso,
alternativa útil de tratamento em certas circunstâncias. Na TC contrastada aparece como lesão arredondada, com
interior septado de bordas bem definidas, associada a uma
zona de edema periférica à lesão. A forma mais segura, apesar de invasiva, de determinar a etiologia do abscesso é a biópsia da parede para a, como é o caso da paciente,
qual a confirmação etiológica foi dada dessa maneira.
Quanto ao tratamento do abscesso hepático, pode-se
proceder à drenagem percutânea com ultrassonografia. A drenagem está indicada quando o volume estimado do abscesso ultrapassa 150cm3 ou quando não há diminuição
de seu tamanho apenas com antibióticos. A drenagem cirúrgica aberta raramente é indicada e
está reservada somente a pacientes com múltiplos absces
sos, abscesso único volumoso (em especial quando se localiza no lobo esquerdo do fígado), falhas na drenagem
percutânea ou ruptura espontânea. O tratamento antibió tico empírico visa às bactérias Gram-negativas (anaeróbias e aeróbias), Gram-positivas e Entamoeba histolytica, podendo incluir antibióticos como cefalotina e metroni
dazol ou cefalotina, amicacina e metronidazol. Essa conduta inicial poderá ser modificada se o diagnóstico
etiológico for estabelecido. A duração do tratamento por
antibióticos é empírica e sempre está relacionada à res posta clínica e laboratorial, geralmente em tomo de três a quatro semanas. Para abscesso amebiano, o antibiótico
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CAPÍTULO
27
Dor Abdominal Ana Valéria de Melo Mendes • Hélio Penna Guimarães
Paciente do sexo feminino, raça branca, 39 anos de idade, admitida no serviço de emergência com refe rência de dor persistente e de forte intensidade em quadrante superior direito do abdome, irradiando-se para o epigástrio e a região interescapular.Relata início da dorhá mais ou menos um dia. Fez uso domiciliarde medicamentos sintomáticos, sem sucesso, procurando o atendimento médico de urgência.
auxiliara elaboração do diagnóstico, como topografia,
irradiação da dor, sexo e exame físico. O Quadro 27.2
relaciona a dor abdominal topograficamente. Topografia e irradiação da dor: uma dor localizada
em andarsuperiordo abdome alerta para uma possível origem hepática e biliar.A dor relacionada à cólica biliar,
em geral, é constante, com piora progressiva pós-prandial e com irradiação para a região subescapular. A exame
Dor abdominal aguda é um diagnóstico diferencial amplo
físico, sinal de Murphy positivo é bastante característico
e com intensidade variável, associada ou não a outros sin
de colecistite aguda. Essa manobra clínica foi analisada,
tomas. A incidência desse quadro clínico nas unidades de
em um estudo anterior, que apresentou, quando positiva,
pronto atendimento é frequente e pode se traduzirem sin
odds ratio (OR) de 2,8 e 95% de intervalo de confiança
toma de uma série de doenças musculares, gastrointestinais,
(IC) de 0,8 para 8,6, quando comparado com o sinal
ginecológicas, urológicas, vasculares, psicossomáticas,
negativo, OR de 0,4 e 95% de IC de 0,2 para 1,12.
cardíacas, parasitárias e pulmonares. O Quadro 27.1 mostra algumas das causas de dor abdominal aguda.
A colangite aguda também manifesta dor nessa topo grafia. Os pacientes em geral apresentam significativa
Diante das vastas possibilidades etiológicas para uma
dor abdominal não traumática, algumas proposições podem QUADRO 27.2 - Classificação topográfica da dor abdominal QUADRO 27.1 - Classificação de abdome agudo por causas abdominais • Gastrointestinais: apendicite, obstrução intestinal, perfuração intestinal, isquemia mesentérica, úlcera perfurada, diverticulite de Meckel, diverticulite de cólon, doença inflamatória intestinal • Pâncreas, vias biliares, fígado e baço: pancreatite, colecistite aguda, colangite, hepatite, abscesso hepático, ruptura esplênica, tumores hepáticos hemorrágicos • Peritoneais: peritonite bacteriana espontânea, peritonites secundárias a doenças agudas de órgãos abdominais e/ou pélvicos • Urológicas: cálculo ureteral, cistite e pielonefrite • Retroperitoneais: aneurisma de aorta e hemorragias • Ginecológicas: cisto de ovário roto, gravidez ectópica, endometriose, torção ovariana, salpingite e rotura uterina • Parede abdominal: hematoma do músculo reto abdominal Adaptada de Flasar e Goldberg1
• Difusa - Gastroenterite - Obstrução intestinal - Peritonite - Isquemia mesentérica - Doença inflamatória - Cetoacidose diabética - Uremia - Hipercalcemia - Vasculites - Intoxicação por metal pesado - Crise falciforme • Suprapúbica - Doença intestinal - Doença inflamatória - Doenças urinárias - Doenças ginecológicas - Dismenorreia
CAPÍTULO 27
162
- Doenças do Sistema Gastrointestinal
icterícia e aumento dos níveis das enzimas hepáticas. Em
des que possam ajudar no diagnóstico ou contribuir para
hepatite, a dor é menos intensa e o fígado apresenta-se
o quadro.
palpável ao exame físico.
O exame físico é de grande importância diante dessa queixa. A postura de defesa e a contração voluntária da parede abdominal sugerem doença inflamatória que acom panha a dor à palpação. Rigidez abdominal é indicada pelo endurecimento involuntário da parede abdominal e
pode ser generalizada ou voluntária. A rigidez localizada sobre um determinado órgão sugere envolvimento perito
neal local, como por exemplo, em colecistite aguda ou apendicite. A percussão abdominal é útil sob vários aspectos,
sugere líquido intraperitoneal, massas e aumento do vo
lume abdominal. A distensão de um abdome timpânico é observada em obstrução. Perda de gás livre na cavidade abdominal sugere o rompimento de vísceras ocas. É de grande importância examinar os orifícios herniários,
inspecioná-los e palpá-los. Ausência de ruídos e sons abdominais sugere peritonite. O toque retal não deve ser
esquecido, para avaliar de sinais de sangramento, massas
ou fístulas. Dor torácica, relacionada às síndromes isquêmicas
coronarianas, pode provocar irradiação para o dorso e o
A paciente nega episódios anteriores de dor seme lhante; até então, também não referiu passado de intercorrências clínicas ou idas a serviços de emergência. Foi internada apenas uma vez, há dez anos, no final da gestação, para parto a termo e por via vaginal. Re fere uso apenas de contraceptivos orais há 12 anos. Relata somente idas anuais ao ginecologista para con sultas de rotina. Os ciclos menstruais sempre foram regulares, com a última menstruação na semana que antecedeu o quadro. Tem história de perda de peso de mais ou menos 7kg em um mês, por conta de dieta hipocalórica, além de longos intervalos de jejum prolongado. Paciente com antecedente de obesidade na infância e na adolescência, associada a oscilações ponderais em decorrência de regimes para emagrecimento. Nega história de obstipa ção intestinal, de epigastralgias ou refluxo gastroeso fágico e há eliminação de flatos. A única alteração frequentemente encontrada em seus exames era hipercolesterolemia e, até então, nun ca havia usado medicação hipolipemiante, controlando apenas com a dieta. Sem antecedentes de etilismo, ta bagismo e drogas ilícitas. Sem história pregressa de exposição a fatores relevantes para a saúde.
abdome, sobretudo em região epigástrica e de hipocôndrio direito. Dor pleurítica, associada a um quadro de infecção
A obesidade predispõe a diversas alterações metabólicas
respiratória, pode intensificar-se e irradiar-se para hipo
que, costumeiramente, repercutem em modificações fisio
côndrio direito ou esquerdo, dependendo do grau de in fecção.
patológicas associadas a maior risco para doenças cardio
A isquemia mesentérica manifesta dor semelhante à
O relato de perda de peso em pouco tempo e história
da cólica biliar, dependendo, principalmente, do local
pregressa de prováveis ganhos e perdas ponderais contri
isquemiado e da extensão da lesão. Esses agravantes in tensificam a dor, tornando-a mais difusa.
buem para a variação do colesterol sérico. Essa condição
A localização da dor em pancreatite aguda inicia-se,
em bile supersaturada e contribuindo para a formação de
em geral, no quadrante superior esquerdo e intensifica-se
conforme o tempo de evolução, tomando-se difusa e com ampla alteração da amilase e da lipase3.
vasculares, gastrointestinais, endócrinas, entre outras.
aumenta a produção de colesterol pelo fígado, resultando cálculos de colesterol.
Os cálculos podem permanecer na vesícula biliar ou
No sexo feminino, particularmente em idade reprodu
impactar no ducto cístico ou no colédoco. Na maioria das vezes, são assintomáticos, mas podem desenvolver sinto
tiva, as causas de dor abdominal relacionadas ao trato
matologia aguda e recorrente, com relatos de crises, so
geniturinário devem sempre ser consideradas, como a prenhez tubária, a rotura de cisto, o abortamento espon
bretudo após a ingestão de alimentos mais gordurosos. A obstrução dos ductos pelos cálculos biliares contribui para
tâneo, dentre outras4.
episódios de dor espasmódica, vômitos e febre. Também
Diante da suspeita de abdome agudo, o ideal é tomar
condutas iniciais como internação hospitalar, melhorar a
nos períodos de jejum prolongado, a vesícula recebe menor quantidade de colecistoquinina, o que dificulta o
abordagem complementar com exames diagnósticos e
esvaziamento, promovendo cada vez mais a estase biliar.
estabelecer a terapêutica adequada. Deve-se manter o paciente em jejum e iniciar hidratação endovenosa cau
O uso prolongado de contraceptivos orais ou terapia de reposição hormonal dobra ou triplica os riscos para
telosa, de acordo com cada condição clínica e os antece
formação de cálculos vesiculares. No sexo feminino, a
dentes mórbidos pessoais. A história clínica e o exame físico cautelosos ajudam a avaliar as condições clínicas
incidência de cálculos vesiculares é duas a três vezes maior do que nos homens5. O estrogênio isolado aumen
do paciente, bem como a avaliar presença de comorbida
ta mais o risco quando comparado com a associação com
Dor Abdominal - 163
de cálculos.
to do abdome. Algumas vezes, pode-se palpar uma massa
Na pancreatite aguda, a dor pode se manifestar de
em hipocôndrio direito. Essas características ajudam a
maneira parecida com a referida pela paciente no entanto,
pensarem provável quadro de origem hepatobiliar. Os
é mais localizada no epigástrio e nos flancos, podendo
exames que auxiliam no diagnóstico do abdome agudo em
irradiar para o dorso, caracterizando dordo tipo em bar
geral são simples, rápidos e de fácil obtenção. A avaliação
ra, contínua e associada ou não à icterícia. A distensão
inicial deve consistirem hematológico completo, exame
abdominal também é comum e, nos quadros graves, pode evoluir com sepse6.
qualitativo de urina (rotina), amilase, aspartato aminotrans
A paciente apresenta fatores de risco para o desenvol
alcalina (FA), desidrogenase lática, gama-glutamiltransfe
vimento de cálculos biliares, como obesidade, hiperco
rase, bilirrubinas e teste de gravidez (mulheres em idade
lesterolemia e uso prolongado de contraceptivo oral. A
fértil). Após essa avaliação laboratorial, se não foi possível
perda de peso acentuada associada a jejum prolongado
a confirmação diagnóstica, deve-se seguir para avaliação
também se relaciona à incidência dos cálculos.
radiológica, partindo da radiografia abdominal em decú
ferase (AST), alanina aminotransferase (ALT), fosfatase
Esses mesmos fatores também contribuem para a ar
bito dorsal e ortostático, avançando-se para ultrassonogra
teriosclerose, que em algumas de suas manifestações pode
fia de abdome, tomografia computadorizada e, em alguns
cursar com síndromes isquêmicas e evoluir com isquemia
casos, arteriografia e ressonância magnética. A Figura 27.1
mesentérica, por exemplo, caracterizando um quadro
mostra um algoritmo do manejo da dor abdominal.
clínico de dor abdominal súbita e intensa na região pe
Enquanto os exames estavam sendo programados, a
riumbilical, que evolui para abdome agudo franco. A
paciente inicia o tratamento com suporte clínico adequado.
hemoconcentração decorrente do sequestro intestinal as
sociada à hipovolemia e distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos são detectados clínica e laboratorialmente6.
Ao exame físico, a paciente apresenta-se com es tado geral regular,fácies de dor,anictérica, temperatura de 38,5°C. Frequência cardíaca (FC) de 87bpm e fre quência respiratória (FR) de 18irm. Pressão arterial de 120 × 90mmHg. À inspeção do abdome não há sinais de abaulamen to, hiperemia, edema localizado ou massa pulsátil. À ausculta, os ruídos hidroaéreos estão presentes. À pal pação, o abdome está tenso, com sinais de peritonite mais localizada em hipocôndrio direito e sinal de Mur phy positivo. À percussão, não há sinais de ascite. Palpa-se discreta massa dolorida em hipocôndrio direito. Os pulsos estão todos palpáveis e amplos. A gaso metria arterial mostra valores dentro dos limites da normalidade. A paciente já apresenta FR e FC acima da normalidade e temperatura elevada. Preenchia os crité rios para síndrome da resposta inflamatória sistêmica. A síndrome da resposta inflamatória sistêmica é diag nóstico sindrômico frequente em pronto-socorro e unida
de de terapia intensiva, com resposta sistêmica a quadros
agudos de agressão tecidual. Pelo exame físico geral, a paciente já necessita de intervenção. Um processo isquêmi
Os exames laboratoriais colhidos mostram leuco citose com desvio à esquerda (18.000/mm3 com 85% de granulócitos). AST, ALT, FA e bilirrubinas com discreto aumento. Amilase com aumento de mais ou menos duas vezes o da normalidade. A paciente passa a apresentar episódios de náuseas e vômitos, além da persistência da dor.Solicita-se radio grafia de abdome em decúbito dorsal e ortostático. A radiografia mostrou imagem hiperdensa em vesí cula biliar, sugerindo possível cálculo (Fig. 27.2). Por causa do achado à radiografia, solicita-se ultrassonogra fia de abdome para avaliar hipocôndrio direito e provável cálculo vesicular.Pela ultrassonografia obser va espessamento da parede da vesícula, com espessura maior que 4mm. Imagem hiperecogênica e hiper-refrin gente, com visualização de sombra acústica posterior confirma a suspeita de imagem calculosa na radiografia (Fig. 27.3 e 27.4). Durante o exame, o sinal de Murphy foi positivo com uso do transdutor.
De acordo com o quadro clínico e a imagem sugesti va pela ultrassonografia, a paciente apresenta um provável quadro de colecistite aguda litiásica. Essa entidade, em
geral, manifesta com dor semelhante à descrita pela pa ciente. É definida como inflamação e espessamento da
mucosa vesicular e pode ainda se associar à infecção
co mesentérico caracteriza-se por dor abdominal grave
secundária e evoluir com complicações. Em geral, inicia-
em cólica, inicialmente mais localizada em região perium bilical e depois difusa e constante. Há vômitos e diarreia,
se de forma mais súbita e sem associações com crises de
seguidos de constipação. Evolui para gangrena e perito
destaque por se tratar de condições usualmente mais
nite difusa, podendo levar à sepse e ao choque.
graves e que podem não corresponder à apresentação
recorrência. Algumas situações clínicas especiais merecem
CAPÍTULO 27
triglicerídeos e, consequentemente, os riscos de formação
Sinal de Murphy positivo caracteriza um processo inflamatório mais delimitado ao quadrante superiordirei
progesterona. O estrogênio tem o efeito de aumentar os
164 -
Doenças do Sistema Gastrointestinal
CAPÍTULO 27
clássica da doença. Essas condições referem-se à colecis
tite enfisematosa, à colecistite gangrenosa, à forma alitiá sica e à síndrome de Mirizzi.
Em geral, a colecistite apresenta febre baixa em torno
Inicia-se antibiótico profilático, já que a paciente evoluía com menos de 48h de dore na cirurgia não houve complicações associadas. Administrada-se cefoxitina por 24h. A paciente não apresentou intercorrências durante a cirurgia e nem no pós-operatório, com resolução do caso.
de 37,5 a 38°C e o aumento da temperatura pode serin
dicativo de complicação. Após os resultados dos exames, a paciente é enca minhada ao centro cirúrgico; opta por tratamento cirúrgico, videolaparoscópico.
DIAGNÓSTICO Colecistite aguda litiásica.
Figura 27.1 - Algoritmo do diagnóstico de abdome agudo. Adaptado do XXVI Congresso Brasileiro de Cirurgia.
Dor Abdominal - 165
CAPÍTULO 27
Figura 27.4 - Vesícula biliar com discreto espessamen to em parede e sombra acústica posterior.
DISCUSSÃO A colecistite aguda litiásica é responsável por aproxima damente 90 a 95% dos casos de colecistite7-9. Apresenta-
Figura 27.2 - Radiografia mostrando imagem hiper densa, provável cálculo vesicular.
se como resultado da dificuldade mecânica para esvazia mento da vesícula biliar, caracterizando-a como uma doenças de caráter obstrutivo. Os processos infecciosos podem surgir como complicação em 50% dos casos, mas frequentemente são os determinantes do quadro inicial da doença; em 90% das vezes, é o cálculo vesicular que obstrui o ducto cístico vesicular. Cerca de 20% da população geral podem desenvolver cálculo vesicular, geralmente mais frequente em mulheres obesas, com mais de 40 anos de idade e multíparas. Cer ca de 80 a 90% dos cálculos são de colesterol e os res tantes são pigmentados ou mistos, resultantes de defici ência dos estabilizantes biliares (ácidos biliares e lecitina) em relação aos solutos (colesterol, bilirrubinas ou carbo nato de cálcio)10.
O quadro clínico é caracterizado por cólica biliar, que resulta do espasmo funcional do ducto cístico dilatado e obstruído e em geral por febre baixa. Febre acima de 38°C
pode ser vista em metade dos pacientes. Náuseas e vômi tos estão presentes em aproximadamente 86% deles. Ao exame físico, a paciente queixava-se de hipersen sibilidade no ponto cístico. Geralmente, há uma súbita exacerbação da dor com a suspensão da inspiração du
Figura 27.3 - Imagem hiperecogênica e hiper-refrin gente, com sombra acústica posterior. Evidência de cálculo vesicular.
rante a compressão (sinal de Murphy). Só existe palpação de massa em hipocôndrio direito em um terço dos casos11. A colecistite pode evoluir para situações mais graves, devendo-se atentar para essas particularidades: colecisti
te enfisematosa, colecistite gangrenosa, a forma alitiásica e a síndrome de Mirizzi. Peritonite generalizada é um
CAPÍTULO 27
166
- Doenças do Sistema Gastrointestinal
Antibiótico deve ser indicado de forma profilática e
quadro raro, mas pode ser vista em até 7% dos pacientes, o que aumenta as suspeitas de perfuração da vesícula11,12.
em monoterapia. Colecistite aguda não é uma doença
Colecistite gangrenosa refere-se a uma forma mais
infecciosa. Em 30 a 60% dos pacientes, não há indício de
grave de inflamação, em que ocorre necrose parietal, au
infecção. Culturas positivas são mais vistas em pacientes
mentando o risco de perfuração em mais de 10% das
que apresentam comorbidades associadas ou história
ocorrências. O sinal de Murphy é menos observado, pois
prévia de cirurgia vesicular. Quando a temperatura se
pode haver a denervação da parede vesicular nesse cenário.
encontra acima de 37,3°C, a bilirrubina sérica acima de
A forma enfisematosa da doença é secundária à infec
8,6mol/L e os leucócitos acima de 14.000/L há aumento
ção por organismos produtores de gás, que, em um terço
das chances de infecção associada. Pacientes com uma
dos pacientes, são representados pelo Clostridium per fringens. É mais usual em idosos, sobretudo nos portado
dessas condições ou nenhuma recebem somente doses profiláticas de antibiótico. Com duas ou três dessas con
res de diabetes mellitus. A insuficiência vascular da ve
dições, aumentam as chances de infecção e de cuidados
sícula parece ser o mecanismo principal. O risco de
na avaliação pós-operatória e na possibilidade de extensão do uso de antimicrobianos15.
perfuração aqui aumenta em cinco vezes quando compa rado com o da colecistite não complicada10. A síndrome de Mirizzi é sugerida quando, além da
constatação dos sintomas que compõem o quadro da co lecistite aguda, se sobrepõem sinais de obstrução da via
biliar. Esta decorre da impactação do cálculo no ducto
cístico com acentuada inflamação local, podendo provocar necrose, se não tratada.
Existe ainda a colecistite que se manifesta sem cálculos (forma alitiásica). Sua incidência é relativamente alta (5 a 10%) e, em geral, pode acometer pacientes imunossu
primidos, com comorbidades e pacientes críticos em cuidados intensivos11.
O diagnóstico é feito por ultrassonografia, que se mostra um método bastante objetivo, direto e rápido na
avaliação do paciente. A sensibilidade e a especificidade
desse método diagnóstico são, respectivamente, de 90 a 95% e de 70 a 98%, lembrando que é um exame operadordependente10,11. Os exames laboratoriais não são especí
ficos para o diagnóstico2,3,11. Os leucócitos, em geral, se
elevam. As enzimas hepáticas e a bilirrubina sérica au mentam, provavelmente em razão da reação inflamatória em torno da vesícula biliar10. A radiografia, método bastante comum na maioria das
emergências, tem pouca sensibilidade diagnóstica, não ultrapassando 15%, em razão de a maioria dos cálculos
A escolha do antibiótico baseia-se nos tipos de pató genos mais comuns presentes na topografia da lesão, como
por exemplo: E. coli, Klebsiella, Enterobacter, Proteus, Streptococcus e Staphylococcusfaecalis16. Cefalosporinas
de primeira (cefazolina) ou de segunda geração (cefoxi
tina) estão indicadas por um período não superior a 24h de pós-operatório, desde que a colecistectomia confirme a suspeita clínica de colecistite aguda não complicada17.
Para colecistite gangrenosa, enfisematosa ou compli cada com empiema, perfuração, ou coledocolitíase, podese usar antibioticoterapia, como cefalosporinas de tercei
ra geração/quinolonas e metronidazol. O tratamento de escolha é a colecistectomia. Vários estudos randomizados foram realizados com o intuito de observar a melhor abordagem cirúrgica, se dentro das
primeiras 48h de início do quadro, ou mais tardia. Não houve diferença na mortalidade dos grupos, mas o índice
de complicações e de tempo de internação foi bem menor
nos pacientes abordados previamente17. A abordagem cirúrgica pode ser feita por via laparos
cópica ou por laparotomia. A laparoscópica, em vários estudos, mostrou vantagens em relação ao pós-operatório, à recuperação do paciente e à diminuição dos índices de complicações quando comparada com a laparotomia17,18.
não ser radiopaca. Opta-se pelas incidências em decúbito dorsal e ortostática13.
No entanto, a laparoscopia deve ser feita por um profissio
A tomografia não tem papel importante na avaliação da colecistite aguda, exceto em situações especiais, quan
técnicas de laparotomia, pois, eventualmente, pode haver
do a apresentação é atípica e a ultrassonografia, não conclusiva14.
Dor abdominal é uma das queixas mais frequentes em todos os serviços de emergência, daí a importância
Existem outros métodos menos usados, como colecin
de saber raciocinar diante do quadro, avaliar o tipo de
tigrafia e colangioressonância magnética.
nal que domine a técnica e que saiba dominar também as
conversão de laparoscopia para laparotomia.
dor, a topografia relacionada, a faixa etária e os possíveis
A terapêutica da colecistite aguda é cirúrgica. Vários
fatores envolvidos. O raciocínio clínico e o grau de sus
estudos mostram evidência das vantagens da colecistec
peição são elementos básicos para a formulação de hi
tomia precoce, tanto sob o ponto de vista clínico-cirúrgi co, quanto em relação aos custos para a instituição.
póteses, a definição diagnóstica e a conduta apropriada para cada caso.
Dor Abdominal - 167
REFERÊNCIAS
LEITURA COMPLEMENTAR LA VECCHIA, C.; et al. v. 46, 234-236,1992.
J. Epidemiol. Community Health,
CAPÍTULO 27
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CAPÍTULO
28
Dor Abdominal Intermitente Camila Catherine Henriques de Aquino
Um homem de 34 anos de idade, pardo, casado, iniciou há um mês quadro de dor abdominal difusa, mais intensa na fossa ilíaca direita, em pontada, de forte intensidade, com períodos de piora espontânea, sem alívio com analgésicos simples, acompanhada de mudança do hábito intestinal para constipação (uma evacuação a cada cinco dias).
• Distúrbios vasculares: nem sempre assumem o
padrão súbito e intenso esperado, podendo começar de forma insidiosa, evoluindo para sinais de toxemia e descompensação hemodinâmica. Pode haver de
sencontro entre as queixas de dor intensa do pacien te e a pobreza de achados à palpação abdominal. • Alterações da parede abdominal: provoca dorcons
Ao atendero paciente com dor abdominal, o médico deve
tante e diminuição de movimentos corporais. Ocor
fazer a anamnese de forma sistemática e cuidadosa, ex plorando o início da dor, progressão, localização, carac
re, por exemplo, em hematomas da bainha do reto
terística e intensidade, fatores de alívio, sintomas asso ciados, presença de náusea, vômitos e alterações do hábito intestinal, episódios anteriores e comorbidades. A partirda anamnese consegue-se distinguir algumas síndromes abdominais:
abdominal. • Dor referida: geralmente secundária a doenças to rácicas, como pneumonia, infarto pulmonar, infarto agudo do miocárdio, espasmo esofagiano, pericar
dite, entre outras.
• Crises metabólicas: a dorde origem metabólica pode mimetizar quaisquer dos padrões descritos anterior
• Inflamação peritoneal: dor constante e bem locali zada, acompanhada de sinais de irritação peritoneal
mente, podendo sertão intensa a ponto de levar à
como espasmo tônico da musculatura da parede abdominal, agravada por alterações na tensão do
cetoacidose diabética, angioedema (deficiência de
peritônio, o que leva o paciente a ficar imóvel e com respiração superficial ou torácica.
intoxicação por chumbo, picadas de aranha viúva
• Obstrução de vísceras ocas: classicamente descrita como cólica, em geral mal localizada, periumbilical, no caso de obstrução do delgado, infraumbilical
• Dor neurogênica: relacionada a lesões de raízes ou
quando o intestino grosso é acometido. A dor de origem biliar, incorretamente chamada de cólica
nervo. Tem caráterem queimação e pode serdesen
biliar, costuma ser constante e localizada no hipo côndrio direito. A obstrução da saída da bexiga vesical caracteriza-se por dor suprapúbica mal de finida e nos pacientes torporosos pode manifestar-se apenas como inquietude ou agitação. A obstrução
região afetada. Ocorre em herpes-zóster, compressão
ureteral causa cólica irradiada para a genitália.
laparotomia exploradora. Pode surgirem uremia, inibidorde C1 esterase), porfiria intermitente aguda,
-negra e febre familiar do Mediterrâneo. nervos sensitivos, geralmente em padrão de dermá tomos, ou no território de distribuição de algum cadeada por toque ou outro estímulo sensitivo na
de raízes por tumores, hérnias e também com tabes
dorsalis.
Ao ser questionado sobre diversos aparelhos, o paciente nega febre. Apresenta anorexia e emagreci-
Dor Abdominal Intermitente - 169
A história apresentada pelo paciente até o momento evidencia dor abdominal difusa, porém mais intensa na
fossa ilíaca direita, acompanhada de emagrecimento, e sem outras características marcantes que pudessem orien
tar um diagnóstico específico. Neste caso, vejamos os
diagnósticos diferenciais de dor abdominal nessas topo grafias em homens e mulheres (Quadro 28.1).
O exame físico inicial revela: • • • • •
Peso: 64,6kg (peso habitual: 75kg). Pressão arterial: 122 × 82mmHg. Frequência cardíaca: l10bpm. Frequência respiratória: 22ipm. Temperatura: 37°C.
Estado geral regular, emagrecido, hipocorado +/4, hidratado, acianótico, anictérico, afebril, sem edemas. Linfonodomegalia inguinal bilateral, direita (2cm) maior que esquerda, sem sinais flogísticos. Exame do tórax e ausculta cardíaca e pulmonar normais. Ao exa me abdominal, ruídos hidroaéreos normais, abdome
QUADRO 28.1 - Causas de dor abdominal • Fossa ilíaca direita - Apendicite - Diverticulite cecal - Gravidez ectópica - Cisto de ovário (ruptura ou torção) - Doença inflamatória pélvica - Endometriose - Cálculo ureteral ‒ Abscesso de psoas ‒ Hérnia inguinal ‒ Adenite mesentérica - Tuberculose intersticial ‒ Doença inflamatória intestinal (Crohn e retocolite ulcerativa) - Linfoma - Divertículo de Meckel - Câncer de cólon - Infecção urinária • Dor difusa - Peritonite (diversas etiologias) - Obstrução intestinal - Infarto mesentérico - Anemia falciforme - Crises metabólicas (diversas etiologias) - Outros
plano, flácido, dolorido à palpação da fossa ilíaca di reita, sem massas ou visceromegalias. Punho-percussão lombar negativa e toque retal normal. Sendo assim, opta-se por iniciar investigação clíni ca com exames complementares, mostrados a seguir (Quadro 28.2).
Antes de prosseguirmos a investigação, cabe uma pergunta: poderia se tratarde um quadro funcional, como a síndrome do intestino irritável? A síndrome do intestino irritável é caracterizada por dor abdominal recorrente ou desconforto, acompanhada de mudança no hábito intestinal. É um dos diagnósticos mais frequentes nos consultórios de gastroenterologia, com prevalência entre 10 e 15% da população mundial. O diagnóstico de síndromes funcionais só pode ser feito na ausência de causas orgânicas que justifiquem os sin tomas. Algum dos sinais de alarme descritos a seguir faz com que esse diagnóstico seja menos provável e indica investigação apropriada e cautelosa. Sinais de alarme para dor abdominal crônica ou re corrente: • Idade maior que 50 anos. • Emagrecimento.
QUADRO 28.2 - Exames laboratoriais • Hemograma - Hemoglobina: 9,0 - Hematócrito: 27 - Volume corpuscular médio: 81,8 - Hemoglobina corpuscular média: 27 - Leucócitos: 6.700 - Basófilos: 3; segmentados: 77; eosinófilos: 4; linfócitos: 11 - Plaquetas: 151.000 • Velocidade de hemossedimentação: 29 • Proteína C-reativa: 0,02 • Ferro: 157 (49- 175) • Ferritina: 491 • Transferrina: 147 • Vitamina B12: 1.717 • Ácido fólico: > 24 • Desidrogenase lática: 331 • Aspartato aminotransferase: 25 • Alanina aminotransferase: 25 • Fosfatase alcalina: 105 • Bilirrubina total: 1,5; bilirrubina direta: 0,7 • Amilase: 30 • Albumina: 4,4 • Creatinina: 0,9 • Ureia: 36 • Creatina quinase: 27 • Sódio: 134 • Potássio: 4,4 • Fósforo: 3,5 • Magnésio: 1,6 • Cálcio I: 1,26 • Hormônio estimulante da tireoide: 3,1 • Glicose: 97 • Urina 1: normal • Protoparasitológico de fezes: S. stercoralis +
CAPÍTULO 28
mento de 10kg em um mês. Nega dispneia, dor precordial e tosse. Nega disfagia, náusea e vômitos. Refere boa diurese. Nega alterações cutâneas. Sobre antecedentes pessoais, o paciente nega doen ças concomitantes, uso de medicações e cirurgias prévias. A mãe faleceu por acidente vascular cerebral aos 68 anos e o pai está hígido aos 70 anos de idade. Tem um irmão de 26 anos, usuário de drogas. Nega tabagismo, etilismo e uso de drogas ilícitas. É solteiro e nega relações sexuais sem preservativos.
170 -
Doenças do Sistema Gastrointestinal
• Anemia.
CAPÍTULO 28
• Febre. • História familiarde câncer intestinal em parente de
primeiro grau. • Sangramento.
O diagnóstico para síndrome do intestino irritável é baseado nos critérios de Roma (Quadro 28.3).
978-85-4120-074-5
Apesarde se tratarde um paciente jovem, há sinais de alarme que justificam uma investigação mais elabo rada, pois o paciente tem emagrecimento significativo e anemia. Segue-se, então, a investigação complemen tar(Quadro 28.4).
Após todos os esforços para o diagnóstico, não se chegou à etiologia. Pode-se perceber que neste caso foi feita investigação extensa e invasiva. Durante a internação,
o paciente foi submetido à anamnese e a exame físico
completo várias vezes, inclusive durante atividades aca
Figura 28.1 - Fraqueza para extensão do punho.
dêmicas, sem se acrescentar outros dados importantes à
história; ao exame físico notava-se emagrecimento impor tante e fraqueza progressiva dos membros, marcadamen te os superiores para extensão do punho (Fig. 28.1). Nesse momento, o exame neurológico mostra: te traparesia flácida de predomínio distal, com força grau 4 proximal e grau 2 distal nos quatro membros; arrefle xia global; hipoestesia térmica e dolorosa com distri buição em luvas e botas.
QUADRO 28.3 - Critérios de Roma para síndrome do intestino irritável • Dor abdominal recorrente ou desconforto, pelo menos três dias por mês, nos últimos três meses, associado a dois ou mais dos seguintes sintomas: - Melhora após evacuação - Início associado à mudança na frequência das evacuações - Início associado à mudança na aparência das fezes Observação: os critérios devem ser preenchidos nos últimos três meses, mas o início dos sintomas deve ter ocorrido há pelo menos seis meses. Pode ser síndrome do intestino irritável com diarreia, síndrome do intestino irritável com constipação, ou ambos
QUADRO 28.4 - Exames complementares Estudo do trânsito gastrointestinal: inconclusivo Tomografia de abdome e pelve: normal Colonoscopia: exame normal Laparoscopia exploradora: estômago, jejuno, íleo e cólon normais. Fígado e baço normais. Líquido na cavidade normal • Biópsia de íleo: infiltrado linfocitário de padrão reacional • Biópsia hepática: normal • Biópsia do linfonodo mesentérico: normal
• • • •
Diagnóstico sindrômico: síndrome sensitiva + síndro me de unidade motora. Diagnóstico topográfico: nervos periféricos, caracte rizando polineuropatia periférica sensitivomotora. Etiológico: faremos uma discussão a seguir É interessante discutiras possibilidades para esse quadro. Poder-se-ia pensar inicialmente em polineuropatia carencial, relacionada à deficiência de vitaminas, já que o paciente apresentou emagrecimento significativo, anorexia, além de
um quadro gastrointestinal ainda não esclarecido. Para isso, foi realizada dosagem de vitaminas, que foi normal. Quanto à possibilidade de doenças inflamatórias, como vasculites sistêmicas, estas doenças usualmente apresen tam-se como mononeurite múltipla, ao invés de polineu ropatia, e isso também serve para hanseníase e sarcoido se. Doenças do colágeno como lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica e Sjögren podem evoluir com polineu ropatia. No caso da síndrome de Sjögren, um aspecto que chama a atenção é o acometimento sensitivo e a marcada dor. O paciente tinha provas de atividade inflamatória e perfil de autoanticorpos normais. Diabetes mellitus pode cursar com quadro abdominal, como gastroparesia, dor abdominal e diarreia e, inclusive,
simular abdome agudo em casos de descompensação. Além disso, pode cursar com várias formas de acometi mento dos nervos periféricos. São elas: • Polineuropatias simétricas: sensitivomotora ou sensitiva distal, de fibras finas, autonômica, e de
fibras grossas.
Dor Abdominal Intermitente - 171
e narcóticos. Clinicamente, os ataques de porfiria
múltipla), do tronco (radiculopatia torácica), radi
intermitente aguda manifestam-se por dor abdominal
culoplexopatia lombossacral, neuropatia por com
intensa, com distensão e íleo paralítico, disautonomia
pressão (entrapment).
com taquicardia, hipertensão e outros sinais de hi
• Combinações: polirradiculoneuropatia, neuropatia
da caquexia.
peratividade simpática, dor nos membros e fraqueza
muscular com neuropatia por degeneração axonal,
978 85 4120 074
5
e alteração do estado mental, que pode variar desde
O paciente definitivamente não apresentava diabetes
agitação até delirium e coma. O tratamento das
mellitus, nem intolerância à glicose, afastando-se essa
crises é feito com oferta de carboidratos, principal
hipótese.
mente glicose endovenosa (300g/dia) e administra
Neoplasias de diversas origens podem mostrar aco
ção do heme, que pode ser na forma de hematina
metimento de nervos durante seu curso. Esse dano pode
ou heme-arginato. São muito importantes as medidas
ocorrer por compressão e invasão direta do tecido nervo
para prevenção das crises, principalmente evitando
so, bem como por metástases ou síndromes paraneoplá
o jejum e as drogas precipitantes.
sicas, e até mesmo como consequência do tratamento por
• Coproporfiria hereditária: herança autossômica do
quimioterápicos e radioterápicos. Vale lembrar que as
minante, levando à deficiência da copro-oxidase. Os
síndromes paraneoplásicas podem se iniciar antes da
sintomas são semelhantes aos da porfiria intermi
manifestação do tumor primário, sendo algumas vezes
tente aguda, ocorrendo também fotossensibilidade.
difícil esse diagnóstico. Felizmente, existem anticorpos
• Porfiria cutânea tardia: pode ocorrer de forma es
onconeurais que podem ser pesquisados em suspeita de
porádica, por herança autossômica dominante ou
síndromes paraneoplásicas, de acordo com a epidemiolo
recessiva, e por exposição a hidrocarbonetos aromá
gia do paciente, como faixa etária, gênero e antecedentes.
ticos halogenados, levando à deficiência da URO-
Englobando a dor abdominal e a polineuropatia numa
-descarboxilase. Manifesta-se por fotossensibilidade
mesma doença, podemos pensarem porfiria. Esta é uma
doença hereditária da biossíntese do heme. As porfirias
com formação de vesículas e bolhas nas áreas ex postas ao sol. É a forma mais comum de porfiria.
podem ser divididas em hepáticas, que frequentemente
• Porfiria variegada: autossômico dominante, causan
levam a sintomas neurológicos, e eritropoiéticas, que levam
do a deficiência da enzima proto-oxidase. Exibe ma
a manifestações cutâneas, principalmente a fotossensibi
nifestações cutâneas e neurológicas.
lidade. Neste caso, devemos considerar as porfirias hepá ticas, as quais estão resumidas a seguir:
De modo geral, o diagnóstico das porfirias é feito pela dosagem de protoporfirina, coproporfirina, ácido delta-
• Porfiria com deficiência de ácido delta-aminolevu
aminolevulínico e porfobilinogênio urinários.
línico: doença de herança autossômica recessiva,
O diagnóstico diferencial das porfirias inclui intoxi
que pode se manifestar com dor abdominal e neu ropatia de apresentação variável. É uma forma rara,
cação por chumbo. Saturnismo é o nome que se dá à
com poucos casos descritos.
intoxicação crônica por esse metal pesado.
Diante de um paciente com polineuropatia, a eletro
• Porfiria intermitente aguda: herança autossômica
neuromiografia tem papel importante, por exemplo: defi
dominante, de expressão clínica variável. Costuma
ne o predomínio motor ou sensitivo da polineuropatia,
manifestar-se após a puberdade e as crises podem
bem como substrato desmielinizante ou axonal, evidencia
ser precipitadas por hormônios esteroides, fármacos,
bloqueio de condução, entre outros. Sendo assim, com
dieta, infecções e cirurgias. A American Porphyria
base no tipo de fibra acometida, no padrão, no predomínio
Foundation emite uma listagem das drogas que são
distal ou proximal, ou nos membros superiores ou infe
contraindicadas a esses pacientes, algumas delas
riores, e na presença de alteração autonômica, será pos
citadas aqui: álcool, fenitoína, carbamazepina, ácido
sível direcionara investigação para determinadas causas.
valproico, barbitúricos, anticoncepcionais orais,
O Quadro 28.5 mostra diagnósticos etiológicos diferenciais
nifedipino, carisoprodol, diclofenaco, clonazepam,
entre polineuropatias.
derivados do ergot, griseofulvina, pirazinamida, ri fampicina, metoclopramida, sulfonamidas. São
consideradas seguras: acetaminofeno, aspirina, gli
cocorticoides, penicilinas, estreptomicina, atropina
Resultado da eletroneuromiografia: polineuropatia sensitivomotora, predominantemente motora, com en volvimento axonal.
CAPÍTULO 28
• Polineuropatias assimétricas: craniana (única ou
172 - Doenças do Sistema Gastrointestinal
CAPÍTULO 28
QUADRO 28.5 - Principais causas etiológicas de polineuropatias • Infecciosas: HIV, Hansen, Lyme • Metabólicas: diabetes mellitus, hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12, piridoxina, uremia, porfiria • Tóxicas: amiodarona, hidralazina, metronidazol, isoniazida, antirretrovirais, arsênico, chumbo, tálio • Inflamatórias: polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica, Sjögren, crioglobulina, vasculites • Paraneoplásicas: linfomas, carcinomas, gamopatias monoclonais • Hereditárias: Charcot-Marie-Tooth, Krabbe, adrenoleucodistrofias, polineuropatia amiloide familiar
Apesar de não haver dados epidemiológicos que apon
Figura 28.3 - Projétil retirado.
tassem para intoxicação pelo chumbo, a eletroneuromiogra
fia sugerindo lesão axonal, comprometimento característico do radial manifestando-se com queda do pulso, somado à dor abdominal e à anemia, suscitou a dosagem do chumbo
O paciente foi submetido a uma cirurgia ortopédica para retirada do projétil (Fig. 28.3).
no sangue total: • Chumbo sanguíneo: 98μcg/dL. • Valorde referência: 40μcg/dL. • Limite biológico máximo permitido: 60μcg/dL.
DIAGNÓSTICO FINAL Intoxicação crônica por chumbo ou saturnismo, manifes tando-se como porfiria plúmbica.
Dessa forma, foi confirmado o diagnóstico de intoxicação
por chumbo. Uma pergunta ainda não havia sido respondida: de onde
DISCUSSÃO
veio o chumbo? Nesse momento, o paciente foi submetido a um extenso questionário sobre ocupações e exposições prévias,
A intoxicação pelo chumbo pode mimetizaros quadros de
quando informou que há dois anos havia sofrido ferimento
porfiria intermitente aguda. Epidemiologicamente, consi deram-se população de risco para essa doença pessoas
por arma de fogo no pé direito, durante uma briga com o irmão. Durante toda a internação ele não havia contado tal
episódio com medo de que o irmão fosse denunciado e de tido. Não sabia informarse o projétil havia sido retirado. Foi solicitada uma radiografia simples do pé (Fig. 28.2).
envolvidas na produção de baterias, tintas, soldas, munições, radiadores, cabos, cosméticos, cerâmicas e gasolina aditi vada com chumbo. O chumbo é absorvido por ingestão
(40%), inalação (10%) ou por contato com a sinóvia. Após absorção, é transportado para o plasma, no qual se equi
libra com o líquido extracelular, atravessa membranas, inclusive a barreira hematoencefálica, e acumula-se nos tecidos. Até 90% são incorporados aos ossos e, do restan te, cerca de 95% são transportados nas hemácias, ligados à hemoglobina. Outra parte será encontrada em cabelos, unhas, suor saliva e leite materno. A meia-vida do chumbo é diferente em cada tecido, sendo de 25 dias no sangue, 40 dias em tecidos moles e até 25 anos nos ossos. Sua eliminação se dá por vias urinária (80%) e fecal (15%).
Figura 28.2 - Radiografia simples do pé direito: au mento da opacidade dos ossos do tarso e, ao centro, material radiopaco, compatível com metal.
A fisiopatologia clínica do saturnismo está relacionada à inibição das enzimas ácido delta-aminolevulínico desi dratase e ferroquelatase pelo chumbo, desta forma preju dicando a biossíntese do heme, como ocorre em porfirias. As manifestações clínicas são variáveis, podendo haver dor abdominal, constipação, dor articular, anorexia, impo tência sexual, nefropatia intersticial, hipertensão, inferti
lidade, neuropatia periférica, encefalopatia e anemia.
Dor Abdominal Intermitente - 173
lamina. O tratamento requer monitorização rigorosa,
quelação de outros íons, levando a distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos potencialmente graves.
Figura 28.4 - Pontilhados basofílicos nas hemácias, vistos em intoxicação por chumbo.
À hematoscopia podem-se detectar pontilhados baso fílicos característicos (Fig. 28.4).
O diagnóstico é feito pela dosagem do chumbo no sangue total ou chumbo urinário, podendo também ser feito pela dosagem do ácido delta-aminolevulínico uriná
rio, ou pela dosagem da protoporfirina eritrocitária livre,
ou zinco-protoporfirina.
O tratamento inclui afastamento da fonte de contami nação, bem como o uso de quelantes como o ácido etile
nodiaminotetracético (EDTA) de cálcio por via endove nosa, ou o succímer (ácido dimercaptosuccínico [DMSA])
por via oral. Outros agentes menos eficazes também podem ser tentados, como o dimercaprol (BAL) ou a D-penici
O paciente foi submetido à cirurgia para retirada do projétil e ao tratamento com DMSA, evoluindo com melhora clínica gradual, atualmente com nível de chumbo dentro da normalidade, melhora completa da dor abdominal, mantendo discreta sequela motora da polineuropatia. Como havia impregnação óssea pelo metal, deve permanecer em monitorização dos níveis sanguíneos por longo período.
BIBLIOGRAFIA DESNICK, R. J. Porfirias. In: BRAUNWALD, E. et al. Medicina in terna. 15. ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill Interamericana do
Brasil, 2002, p. 2404-11. HARATI, Y; BOSH, P. E. Disorders of peripheral nerves. In: BRAD-
LEY, W. G. et al. Neurology in clinicai practice. 5. ed. Philadelphia: Butterworth-Heinemann-Elsevier, 2008, p. 2249-355. MAYER, E. A. Irritable bowel syndrome. NEJM, v. 358, n. 16, p. 1692-99, 2008.
RUTKOVE, S. B. Overview of polyneuropathy. UpToDate, 2007. SILEN, W. Dor abdominal. In: BRAUNWALD, E. et al. Medicina interna. 15. ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill Interamericana do Brasil, 2002, p. 73-76.
CAPÍTULO 28
pelos efeitos colaterais das medicações e pelo risco de
___________________________________
CAPÍTULO
29
Diarreia Aguda Ana Laura de Figueiredo Bersani • Thiago De Bortoli Nogueira
Um homem de 66 anos chega ao pronto-socorro queixando-se de fezes líquidas, dor abdominal e febre há dois dias. Descreve as evacuações como frequentes, 10 a 12 vezes por dia, em pequenos volumes sem sangue visível. A dor é em cólica, difusa e de intensidade mo derada, que não se alivia após a defecação. Apresenta também dois episódios de febre não aferida associados a náuseas. Nega vômitos. Após dois dias de fezes aquo sas, apresenta fezes mucossanguinolentas associadas a tenesmo e vômitos, com piora do estado geral. Não tem antecedente pessoal importante, não toma medicamen tos. Nega alteração da dieta diária. Não viajou recente mente para outro país e nem teve contato com pessoas com sintomas semelhantes. É aposentado e mora num asilo; não é etilista e nem tabagista. Não há ninguém na família com doença gastrointestinal.
• Diarreia dos viajantes: a ausência de características
típicas de diarreia secretória por E. coli enterotoxi
gênica (aquosa, explosiva, sem muco ou sangue e sem febre ou dor abdominal significativo) e a ausên
cia de viagem recente na história epidemiológica do paciente tornam esta doença também improvável.
• Cólera: a infecção vai desde quadro assintomático até uma diarreia explosiva fatal com fezes do tipo “água de arroz” e rápida desidratação. A ausência
de surtos na localidade do paciente é importante, o que torna essa opção pouco provável. • Enterocolite por Clostridium difficile: na maioria
das vezes associada ao uso de antibióticos, constitui a principal causa de colite infecciosa em pacientes hospitalizados ou institucionalizados. A diarreia pode
Os sintomas do paciente condizem com um quadro de
ser aquosa ou sanguinolenta e costuma vir associa
diarreia aguda caracterizada pela eliminação de fezes amolecidas, de consistência líquida, que geralmente vem
da com dor abdominal e febre. Sendo o paciente
acompanhada de: aumento do número de evacuações
idoso institucionalizado com clínica compatível, esta hipótese não deve ser descartada e merece melhor
investigação.
diárias (três ou mais vezes) e aumento da massa fecal diária (acima de 200g), com duração menor que 14 dias.
• Colite hemorrágica: E. coli entero-hemorrágica
A diarreia ocorre quando o equilíbrio entre absorção e
sorotipo O157:H7 costuma provocar uma diarreia
secreção de fluidos pelos intestinos (delgado e/ou cólon)
aquosa que se toma mucossanguinolenta, num pe
está prejudicado, por redução da absorção e/ou aumento da secreção. Pode estar associada a náuseas, vômitos, dor abdominal, sinais e sintomas sistêmicos (desidratação,
ríodo de horas a dias, acompanhada de cólica abdo
hipovolemia, choque e hipocalemia) e/ou má nutrição. O diagnóstico diferencial de diarreia aguda é amplo e
relatado. Complicações graves como síndrome he
inclui causas infecciosas e não infecciosas (Tabela 29.1).
surgir com esse tipo de diarreia.
minal intensa, vômitos e febre baixa. Clinicamente não se pode afastar essa causa da diarreia do caso molítico-urêmica e púrpura trombocitopênica podem
• Giardíase: manifesta-se com diarreia aquosa asso • Intoxicação alimentar: diarreia sanguinolenta e persistência por mais de 12h de seu início tornam
esta hipótese improvável.
ciada a esteatorreia, fezes mal-cheirosas, flatulência, distensão e dor abdominal, perda ponderal, náuseas, vômitos e fadiga. A diarreia costuma durar mais de
Diarreia Aguda - 175
sete dias. Os cistos da Giardia lamblia podem ser
mossexual). Apesar dessa epidemiologia de contato
mente, telangiectasias, sibilos e hipotensão arterial; apesar de possível, pouco provável.
interpessoal ser presente no caso clínico, os sintomas são diferentes, não sugerindo tal hipótese.
• Colite isquêmica: acomete mais a população idosa, em virtude da maior incidência de doenças vascu
• Rotavirose e Norwalk: muito frequentes, com trans
lares nessa população. Cursa com dor nos quadran tes inferiores e diarreia mucossanguinolenta ou sangramento retal, evoluindo com dilatação do cólon
missão fecal-oral, embora também possam ocorrer surtos oriundos de água e alimentos. O rotavírus
tipicamente se dissemina em meses de inverno e em
crianças de quatro meses a quatro anos de idade; os
e risco de perfuração. Pode ocorrer no pós-operató rio imediato de prótese aórtica. Difícil diferenciar
cos ou oligossintomáticos. O vírus Norwalk é res
de outras doenças que causam colite. • Diabetes mellitus: a diarreia diabética é, em geral,
ponsável por surtos em crianças em idade escolar,
noturna ou pós-prandial e quase sempre associada
contatos familiares e adultos. O período de incuba ção é de um a dois dias, surgindo então diarreia
à incontinência fecal. A incontinência fecal, em razão de um controle ruim do esfíncter anal, é rela
autolimitada (um a dois dias), náuseas, cólica abdo
tivamente comum, podendo estar associada à diarreia
minal leve, vômitos ocasionais, mialgia, anorexia, cefaleia e mal-estar sem febre. Pouco provável pela
ou constituir um evento independente. Pela história clínica, não há dados que nos façam pensar nesse
clínica apresentada no caso.
diagnóstico.
adultos infectados frequentemente são assintomáti
• Shigelose: transmissão oral-fecal, com dor abdomi
• Tireotoxicose: geralmente, mulher jovem ou de
nal em cólica seguida rapidamente de febre alta e
meia-idade relata história de insônia, cansaço extre
diarreia sanguinolenta nos casos mais graves, po
mo, agitação psicomotora, incapacidade de concen
dendo ser a causa da diarreia relatada.
tração, nervosismo, dificuldade em controlar emoções, agressividade com membros da família, sudorese
• Salmonella sp.: período de incubação de 8 a 48h, adquirida por intermédio de comidas e bebidas
excessiva, intolerância ao calor, hiperdefecação
contaminadas (aves e derivados), quadro clínico
(aumento do número de evacuações diárias) e ame
típico com náuseas, vômitos, febre, dor abdominal
norreia ou oligomenorreia.
em cólica e diarreia ocasionalmente com muco e
• Doença inflamatória intestinal: pode manifestar os
sangue, com duração de cinco a oito dias, sendo
mesmos sintomas da colite pseudomembranosa;
assim importante de ser lembrada no caso relatado.
pacientes com doença inflamatória intestinal que
• Campylobacter (jejuni e fetus): transmissão oral-fe
tenham feito uso recente de antibiótico fazem pensar
cal, sendo as aves os principais reservatórios dessas
em um episódio de doença inflamatória intestinal
bactérias; manifestação típica com diarreia sangui
ou colite pseudomembranosa. A ausência de achados
nolenta e, assim, outro diagnóstico diferencial ainda
como perda de peso e manifestações extraintestinais
não excluído.
como artrite, fístula perianal e doença ocular tornam
• Yersinia enterocolítica: afeta o íleo terminal e os
a doença inflamatória intestinal menos provável.
gânglios linfáticos mesentéricos, sobretudo em ado
• Diverticulite: deve-se suspeitar de diverticulite em
lescentes e adultos jovens; pode causar dor em fossa
todo paciente com dor em quadrante inferior esquer
ilíaca direita com pouca ou nenhuma diarreia, mi
do, que piora com defecação e eventualmente asso
metizando apendicite aguda e, raramente, perfuração
ciada a sinais de irritação peritoneal e alterações do
de íleo distal. A diarreia é inflamatória e indiferen
trânsito intestinal.
ciável daquela provocada por outras bactérias inva
• Diarreia medicamentosa: a diarreia, a náusea e o vô
sivas; ocasionalmente, a diarreia e a dor abdominal
mito são efeitos colaterais comuns de muitos medica
podem persistir por mais de duas semanas. Outro
mentos, como antiácidos que contêm magnésio, anti
importante diagnóstico diferencial para o caso em
bióticos, drogas antineoplásicas, colchicina, digitálicos
questão. • Entamoeba histolytica: início abrupto de febre,
e laxantes. O uso abusivo de laxantes pode acarretar
cólica abdominal intensa, diarreia sanguinolenta e
conhecer que um medicamento seja a causa da diarreia
tenesmo; não pode ser excluída apenas pela história
é uma tarefa difícil e, neste caso, não há relato de uso
do paciente.
prévio de medicamentos e nem de uso diário.
fraqueza, vômito, diarreia e perda de eletrólitos. Re
CAPÍTULO 29
adquiridos pela água contaminada ou pelo contato interpessoal (creches, casas de saúde, contato ho
• Síndrome carcinoide: representada por diarreia, doença orovalvar cardíaca, flushing e, menos comu
176
- Doenças do Sistema Gastrointestinal
CAPÍTULO 29
TABELA 29.1 - Causas de diarreias infecciosas e não infecciosas
Diarreias infecciosas Mecanismo
Causas
Ingestão de toxinas alimentares
S. aureus, Bacillus cereus, Clostridium perfringens
Produção intestinal de enterotoxinas
Vibrio cholerae, Escherichia coli enterotoxigênica, Aeromonas sp.
Produção intestinal de citotoxinas
Clostridium difficile, Escherichia coli entero-hemorrágica
Patógenos enteroaderentes
Escherichia coli enteropatogênica, helmintos, espécies de Cryptosporidium, Giardia sp.
Patógenos minimamente invasivos
Norwalk, rotavírus
Patógenos altamente invasivos
E. coli enteroinvasiva, Entamoeba histolytica, Shigella sp
Patógenos variavelmente invasivos
Salmonella, Yersinia, Campylobacter, Vibrio parahaemolyticus, Aeromonas sp.
Diarreias não infecciosas Mecanismo
Causas
Inflamação e/ou lesão intestinal
Retocolite ulcerativa, doença de Crohn, quimioterapia
Isquemia ou alteração vascular
Colite isquêmica, colite por radiação
Neuropatia autonômica
Diabetes, amiloidose
Medicações e/ou tóxicos
Laxativos, metais pesados, intoxicação colinérgica, transtornos psiquiátricos
Alterações de motilidade, absorção, digestão ou secreção
Síndrome do intestino irritável, intolerância à lactose, insuficiência pancreática, hipertireoidismo, doença celíaca, vipomas, gastrinoma, adenoma viloso
Ao exame físico apresenta-se em regular aspecto geral, corado, moderadamente desidratado, febril (39°C), acianótico, anictérico, eupneico, frequência cardíaca de 112bpm, pressão arterial de 120 × 70mmHg sentado e 110 × 70mmHg em pé, bulhas rítmicas nor mofonéticas em dois tempos sem sopros audíveis, murmúrio vesicular presente simetricamente sem ruídos adventícios, abdome flácido dolorido à palpação difu samente, sem visceromegalias ou massas palpáveis, sem descompressão brusca dolorosa, ruídos hidroaéreos aumentados, extremidades sem edema, pulsos perifé ricos presentes e simétricos.
terais, dietas enterais excessivamente concentradas,
fecaloma com diarreia paradoxal e íleo paralítico. O diagnóstico de diarreia não apresenta, em geral, difi culdades: em alguns casos o próprio paciente o firma
corretamente. Ao médico, cabe: • Confirmar o diagnóstico, certificando-se de que a
diarreia relatada é real e não apenas a passagem frequente de fezes formadas.
• Avaliar a gravidade com atenção para volume das perdas, estado de hidratação, presença de febre, hematoquezia (sangue nas fezes), dor abdominal e
Esse paciente com diarreia aguda sanguinolenta, fre
envolvimento simultâneo de outros órgãos ou sistemas.
quente e em pequeno volume, associada a tenesmo,
• Esclarecer se o comprometimento é de segmentos
febre e dor abdominal, apresenta características com
distais (evacuações muito frequentes, com sangue
patíveis com diarreia inflamatória. Os micro-organis
vivo, urgência ou tenesmo) ou proximais (evacuações
mos causadores induzem uma reação inflamatória
em pequeno número, volumosas) do tubo digestivo.
aguda no intestino delgado ou grosso, resultando em
• Obter evidências sobre a etiopatogenia (infecciosa,
maior número de leucócitos nas fezes e sangue. Quan
por toxina pré-formada, iatrogênica com laxativos,
to maior o número de leucócitos, maior a probabili
antibióticos, procinéticos, diuréticos, alopurinol,
dade de o foco inflamatório ser colônico. E assim
colchicina, teofilina e anti-inflamatórios).
devemos pensar, principalmente em causas infecciosas
por bactérias enteroinvasivas como Salmonella, Shi
gella, Campylobacter, E. coli entero-hemorrágica, E.
Um dos principais objetivos da abordagem ao pacien te com suspeita de diarreia aguda infecciosa é determinar
histolytica e Yersinia. Lembrar também das causas
a gravidade do quadro. Assim, deve-se diferenciar o pa
não infecciosas como colite isquêmica, doença infla
ciente que apresenta quadro clínico grave ou potencial
matória intestinal e diarreia medicamentosa. Conside
mente grave do paciente com quadro clínico benigno e
rando esse paciente idoso e institucionalizado, incluem-
doença autolimitada. Em termos de conduta, é importan
se como diagnósticos diferenciais infecção por
te definir a necessidade de exames complementares e de
Clostridium difficile, imunossupressão, recidiva de
tratamento em ambiente hospitalar, levando em conside
condição prévia, uso de medicamentos e efeitos cola
ração o custo-benefício. Na grande maioria das vezes, o
Diarreia Aguda - 177
duração superior a sete dias), recomenda-se a investigação
inclui medidas gerais de suporte. Além da anamnese e do
do agente etiológico.
exame físico, outros aspectos importantes na caracteriza ção dos fatores de risco e que podem indicar o agente
causal são (Tabela 29.2): história de viagens, histórico alimentar, ingestão de alimentos potencialmente contami nados (carne crua, ovos, leite não pasteurizado, água não
potável), local de moradia e condições de higiene, hospi
talizações recentes, uso de medicamentos e antibióticos, contato com pessoas ou animais domésticos com quadro semelhante, fatores de risco para doenças infectoconta giosas, como a síndrome da imunodeficiência adquirida,
uso de drogas e antecedentes sexuais, bem como a pre sença de existência sistêmicas (diabetes mellitus). Assim, é importante salientar que os pacientes que apresentam febre com temperatura acima de 38,5°C, hi
potensão postural e/ou pré-síncope, diarreia sanguinolen ta, dor abdominal de forte intensidade e antecedentes pessoais de imunossupressão são considerados portadores de quadros graves e requerem maiores cuidados. Nos casos de diarreia inflamatória em que haja febre, sinais
O paciente é submetido à hidratação endovenosa com soro fisiológico a 0,9%, 2.000mL nas primeiras 2 a 4h, considerando diarreia grave com desidratação moderada num paciente idoso, além de redução da ingesta alimen tar (pequenas porções com maior frequência), priorizan do o consumo de dieta leve e de fácil digestão, evitando derivados do leite, já que pode ocorrer deficiência tran sitória de lactase. Paralelamente, solicita-se hemograma completo, eletrólitos, função renal, pesquisa nas fezes de leucócitos e sangue, coprocultura para Salmonella, Shi gella, Campylobacter, E. coli entero-hemorrágica e pesquisa das toxinas A e B do C. difficile. Os exames de urgência revelam leucocitose de 14.000 com diferencial normal, ausência de alterações em série eritrocítica e contagem de plaquetas normal, creatinina de 1,2 e ureia de 43, dando clearance de crea tinina de 56mL/min, potássio de 3,1, sódio de 137, sangue nas fezes positivo e grande aumento do número de leucócitos fecais.
de desidratação e/ou produtos patológicos nas fezes de diarreia nosocomial (início após três dias de hospitaliza
nas se confirmou a diarreia inflamatória pela presença de
ção) e de diarreia persistente (diarreia com tempo de
maior número leucócitos nas fezes, podendo ser causada
Esses resultados não nos ajudaram muito, já que ape
por qualquer uma dessas bactérias enteroinvasivas (Shigella, Salmonella, Campylobacter, E. coli entero-hemorrágica, TABELA 29.2 - Dicas epidemiológicas para diarreias infecciosa
Yersinia, Entamoeba histolytica e Clostridium difficile),
Veículo
Patógeno clássico
colite isquêmica ou doença inflamatória intestinal. A
Água e alimentos lavados por esta água
Vibrio cholerae, Norwalk, Giardia sp. e Cryptosporidium sp.
pesquisa de leucócitos ou da lactoferrina nas fezes é um
Aves domésticas
Salmonella, Campylobacter e Shigella sp.
Carne bovina
E. coli entero-hemorrágica, Taenia saginata
Carne suína
Tênia
Frutos do mar
Vibrio cholerae, Vibrio parahaemolyticus e Vibrio vulnificus, Salmonella sp. e tênia
Queijos
Listeria sp.
Ovos
Salmonella sp.
Alimentos contendo maionese
Intoxicações alimentares por Staphylococcus e Clostridium, Salmonella
Tortas
Salmonella, Campylobacter, Cryptosporidium e Giardia sp.
Zoonoses (animais de estimação e gado)
Maioria das bactérias, vírus e parasitas entéricos
Creches
Shigella, Campylobacter, Cryptosporidium e Giardia sp; vírus, Clostridium difficile
Hospital, antibióticos ou quimioterapia
Clostridium difficile
Piscina
Giardia e Cryptosporidium sp.
Viagem ao exterior
E. coli de vários tipos, Salmonella, Shigella, Campylobacter, Giardia e Cryptosporidium sp; Entamoeba histolytica
exame utilizado para caracterizar a diarreia inflamatória e, eventualmente, fazer a triagem dos casos em que a coprocultura pode ser útil. A pesquisa da lactoferrina é
preferível à dos leucócitos, pois a lactoferrina é uma proteína estável, ao passo que os leucócitos facilmente se degeneram. Em países desenvolvidos, a sensibilidade e a
especificidade de leucócitos fecais para diarreia inflama
tória são de 73% e 84%, respectivamente, e a sensibili
dade e a especificidade da lactoferrina para diarreia infla matória são de 92% e 79%, respectivamente. Em países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, as variações são maiores. Os exames laboratoriais mostraram aumento de ureia e creatinina, em decorrência de insuficiência renal provavelmente pré-renal por hipovolemia. E ainda hipo
calemia pela desidratação.
O paciente permanece internado, sendo feita repo sição oral de potássio em paralelo à hidratação; e horas
depois as coproculturas para todas essas bactérias soli
citadas vieram negativas, excluindo-as como causadoras da diarreia. Opta-se por investigação rápida com retos sigmoidoscopia (Fig. 29.1) com biópsia para
CAPÍTULO 29
tratamento da diarreia aguda infecciosa é domiciliar e
178
- Doenças do Sistema Gastrointestinal
De maneira geral, o quadro de diarreia aguda infecciosa
CAPÍTULO 29
é autolimitado, em decorrência dos mecanismos de defesa
humoral e celular do próprio hospedeiro. Entretanto, a anti bioticoterapia tem sido recomendada de forma empírica, em
situações particulares e preferencialmente no início do qua dro clínico. Em diarreia inflamatória grave, com febre ele
vada, tenesmo e produtos patológicos nas fezes, em que não haja suspeita de E. coli produtora de toxina Shiga, a antibio ticoterapia está indicada enquanto se aguardam os resultados
dos exames complementares. Apesar de a antibioticoterapia
adequada ser efetiva no tratamento de shigelose, diarreia do viajante, diarreia associada a C. difficile e, se dada precoce
mente, campilobacteriose, os antibióticos podem prolongar a duração da infecção por Salmonella ou C. difficile e podem
Figura 29.1 - Retossigmoidoscopia com placas ama reladas aderentes à mucosa colônica e algumas áreas com pseudomembranas coalescentes. Eritema na mu cosa colônica entre as pseudomembranas, porém, com epitélio intacto.
aumentar os riscos de complicações graves a partir das in fecções por E. coli produtora de toxina Shiga. O benefício
clínico poderia ser pesado contra o custo, o risco de efeitos
colaterais e o risco de erradicação nociva da flora ou de indução da produção de toxina Shiga.
diferenciação diagnóstica de colite isquêmica, doença inflamatória intestinal e diarreia medicamentosa (coli te pseudomembranosa), comum em idosos, evitando demora do diagnóstico e, consequentemente, algumas possíveis complicações. Após esse exame complementar sugestivo de coli te pseudomembranosa, iniciou-se antibioticoterapia empírica com metronidazol por via oral.
No segundo dia de internação do paciente, sua filha aparece no hospital e acrescenta informações importan tes, de que seu pai fez uso de cefalexina durante sete dias,
para tratamento de lesão de pele há duas semanas, após
queda da própria altura, sem outras lesões. Nesse mesmo dia, a pesquisa da toxina do C. difficile veio positiva, confirmando colite pseudomembranosa por C. difficile e
o resultado da biópsia mostrado na Figura 29.2.
Figura 29.2 - Microscopia do fragmento da biópsia mostrando colite pseudomembranosa. Ulceração focal da mucosa colônica é evidente (seta inferior), com exsudato da pseudomembrana formado por células inflamató rias, fibrina e debris de necrose (seta superior) e mucosa adjacente intacta.
Diarreia Aguda - 179
DIAGNÓSTICO • Insuficiência renal aguda (pré-renal). • Desidratação. • Hipocalemia.
C. difficile para o duodeno e, consequentemente, para o cólon. O quadro clínico é variável; colite pseudomembrano
sa, colite relacionada a antibióticos sem pseudomembra nas e diarreia relacionada a antibióticos. A colite pseudo membranosa pode cursar com diarreia e cólicas
abdominais logo na primeira semana após o início da
DISCUSSÃO - INFECÇÃO POR CLOSTRIDIUM DIFFICILE
antibioticoterapia ou até a sexta semana. Náuseas, vômi tos, tenesmo, desidratação e febre fazem parte do quadro,
embora a diarreia com sangue não seja frequente. A pior complicação das formas graves é o megacólon tóxico. A
Diarreia é a primeira ou segunda enfermidade nosocomial
colite relacionada a antibióticos sem pseudomembranas
mais comum entre pacientes hospitalizados e residentes
caracteriza-se por início insidioso de dor abdominal,
em instituições de tratamento prolongado. Cerca de 7 a
diarreia aquosa, mal-estar e febre. A diarreia relacionada
21% dos doentes internados são portadores de C. difficile
a antibióticos sem colite caracteriza-se por diarreia aquo
e a diarreia manifesta-se em cerca de um terço dos casos.
sa que se resolve com a suspensão dos antibióticos. A
Os idosos estão em maior risco de contrair a infecção
infecção por C. difficile pode complicar a evolução da
nosocomial, uma vez que estão mais internados em hos
doença inflamatória intestinal, sendo importante afastar
pitais ou residindo em lares comparativamente com os
indivíduos mais novos. A colite pseudomembranosa é
causada pela toxina do Clostridium difficile, cujo cresci mento é facilitado pela mudança da flora bacteriana do cólon induzida por antimicrobianos. O C. difficile é um
micro-organismo anaeróbio Gram-positivo que coloniza
o trato digestivo se a microflora endógena bacteriana for alterada por antibióticos, citostáticos ou se houver outro agente patogênico como Salmonella ou Shigella. O C. difficile produz duas toxinas que causam diarreia por mecanismos diferentes: a toxina A (enterotoxina) induz
secreção intestinal e inflamação que levam à lesão da mucosa, em modelos animais; a toxina B (citotoxina)
induz alteração no citoesqueleto da actina. A transmissão do C. difficile se dá pelas mãos das pessoas que trabalham nessas instituições ou entre os próprios pacientes. Os
esporos do C. difficile não são erradicados com soluções
de limpeza à base de álcool. Qualquer antibiótico pode
esta infecção em casos de agudização da doença inflama tória, especialmente se houver história de exposição re
cente a antibióticos. O exame de fezes revela leucócitos em cerca de 50%
dos pacientes com colite pseudomembranosa. O diagnós tico é confirmado pela toxina nas fezes e/ou pelo encon
tro, na retossigmoidoscopia, de placas amareladas, ade rentes à mucosa, que se destacam facilmente quando
biopsiadas. Esse aspecto endoscópico, embora não patog nomônico da colite pseudomembranosa, é bastante suges
tivo, devendo ser complementado com o estudo anatomo
patológico. Pseudomembranas são placas de cor esbran
quiçada, com 2 a 5mm de diâmetro, que tendem a ser confluentes nos casos mais graves. A biópsia de uma pseu domembrana revela lesão acuminada com exsudado de fibrina, muco e células inflamatórias que fazem erupção
a partir de uma microúlcera epitelial. Essa faixa etária apresenta maior número de compli cações, como depleção de volume, distúrbio eletrolítico,
causar infecção por C. difficile, inclusive aqueles usados
delirium, quedas e fraturas por hipotensão, curso prolon
no seu tratamento (metronidazol e vancomicina). Os
gado de infecção por imunodepressão e má nutrição as
principais envolvidos nessa infecção são clindamicina,
sociada à perda de apetite.
fluoroquinolonas e cefalosporinas de terceira geração. O
A terapêutica em idosos é baseada nos mesmos prin
principal fator de risco para desenvolvimento de diarreia
cípios das outras faixas etárias. Hidratação e suspensão
aguda por C. difficile é o uso de antibiótico, seguida de
de antibioticoterapia, se possível. Metronidazol, 1,6g/dia,
clindamicina, diurético e idade avançada. Outros fatores
ou, se necessário, vancomicina oral, 2g/dia, durante 14
predisponentes incluem: emprego regular de inibidores
dias ou mais, havendo recorrência, são os antibióticos de
da bomba de prótons, anti-histamínicos, cirurgia gastroin
escolha. Em recidivas parece haver benefício com a uti
testinal, alta gravidade da doença durante admissão hos pitalar, internação em UTI cardíaca, dieta enteral e con
lização de probióticos. Apesar de essa infecção ser mais frequente em idosos, não parece haver mortalidade supe
tato com paciente com diarreia aguda por C. difficile. Isso
rior desses indivíduos quando comparados com pacientes
mostrou que as medicações antiácidas diminuem a con
mais jovens.
CAPÍTULO 29
• Colite pseudomembranosa.
centração ácida do estômago e permitem a passagem do
180
- Doenças do Sistema Gastrointestinal
CAPÍTULO 29
No caso relatado, o quadro clínico foi primordial para
serem elaboradas hipóteses diagnósticas, porém, para con
firmação, foram essenciais os exames complementares, como a pesquisa da toxina do Clostridium difficile e o
anatomopatológico.
BIBLIOGRAFIA ASLAM, S.; MUSHER, D. M. An update on diagnosis, treatment and prevention of Clostridium difficile-associated disease. Gastroenterol. Clin. N. Am., v. 35, p. 315-335,2006. FELDMAN, M. et al. Sleisenger & Fordtran’s Gastrointestinal and liver disease, 8. ed., Philadelphia: Saunders, 2006. GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. Cecil - Tratado de medicina inter na. 22. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
JUNIOR, O. A. Diarréias. Medicina atual, jan./2007. Disponível em ww w.medicinaatual .com .br. KOSEK, M.; BEM, C.; GUERRANT, R. L. The global burden of diarrheal disease, as estimated from studies published between 1992 and 2000. Bull. World Health Organ., v. 81, p. 197-204,2003. LOPES, A. C. Diagnóstico e tratamento, v. 1. São Paulo: Manole,2006. OLIVEIRA, R. B. Diarréia aguda. Medicina Ribeirão Preto - Sim pósio Urgências e Emergências Digestivas, v. 36, p. 257-260, 2003. THIELMAN, N. M.; GUERRANT, R. L. Acute infectious diarrhea. N. Engl. J. Med., v. 350, p. 38-47, 2004. TRINH, C.; PROBHAKAR, K. Diarrheal diseases in the elderly. Clin. Geriatr. Med., v. 23, p. 833-856, 2007. WORLD GASTROENTEROLOGY ORGANISATION. World Gastroenterology Organisation practice guideline: Acute diarrhea in adults. WGO, 2008.
___________________________________
CAPÍTULO
30
Diarreia Crônica Maria Cecília Nieves Teixeira Maiorano • Jean Rodrigo Tafarel Luciano Henrique Lenz Tolentino
Homem, branco, 36 anos de idade, apresenta-se com quadro de diarreia há oito meses. Relata quatro a cinco episódios de evacuações diárias, de grande volu me, com odor fétido, sem sangue, muco ou pus, ou restos alimentares; sem febre, mas com perda ponderal de 11kg nesse período. Associados ao quadro, refere tam bém dor e distensão abdominais difusas e prejuízo do sono, por episódios de evacuação noturna. Nega uso de substâncias laxativas, vômitos ou artralgias. Há três meses fez tratamento empírico com antiparasitários sem melhora do quadro.
Quanto ao tempo, as diarreias podem ser classificadas em agudas, subagudas e crônicas (duração maior que quatro semanas). Quanto à origem, podem ser divididas em alta
e baixa. A diarreia alta caracteriza-se por fezes volumosas e amolecidas podendo ser francamente líquidas, sendo
frequente a presença de restos alimentares nas dejeções. Podem-se apresentar mais claras, brilhantes, leves e es pumosas e as evacuações podem ser acompanhadas de
eliminação de grande quantidade de gases. A diarreia
baixa caracteriza-se por fezes em menor quantidade e com
um maior número de evacuações. Algumas vezes, é difí cil fazer essa diferenciação clinicamente. No entanto, se levarmos em consideração suas características, também
intestinal e a deficiência de lactase, visto que a lac tose não digerida permanece no lúmen intestinal, exercendo também efeito osmótico.
• Secretória: caracteriza-se pelo gap osmolar fecal menor que 50mOsm/L. Dentre suas causas estão os tumores produtores de hormônios ‒ síndrome de Werner-Morrison, a qual resulta da produção exces siva de peptídeo intestinal vasoativo por tumores das
ilhotas pancreáticas, ganglioneuromas, tumor carci noide, carcinoma medular da tireoide, produtor de calcitonina e adenoma viloso, produtor de prosta glandinas. • Inflamatória: retocolite ulcerativa e doença de Crohn,
apresentando sangue, muco e pus nas fezes. • Infecciosas: E. coli enteropatogênica, Giardia lam blia, Entamoeba histolytica, Cryptosporidium, Ae romonas e Yersinia enterocolítica. • Disabsortivas: pancreatite crônica, gastrinoma,
colestase, supercrescimento bacteriano, deficiência congênita de enteroquinase, abetalipoproteinemia, doença celíaca, espru tropical, doença de Whipple, síndrome do intestino curto, gastroenterite eosino
fílica e tuberculose. • Funcional: síndrome do intestino irritável.
podem ser categorizadas como (Quadro 30.1):
•
Osmótica: presença de gap osmolar fecal alto (maior
que 125mOsm/L) e sintomas que desaparecem com
o jejum e reaparecem após a alimentação. Dentre suas causas, citam-se substâncias (sorbitol e manitol)
que causam efeito osmótico quando presentes na luz
Dessa forma, percebe-se que o paciente em questão possui um quadro diarreico crônico de provável origem alta.
Em seu histórico pregresso relata tireoidite de Hashimoto (há dez anos), epilepsia (há três anos), anemia ferropriva (há dois anos) e osteoporose, esta diagnosticada há um ano, após fratura de fêmur direito
182
- Doenças do Sistema Gastrointestinal
CAPÍTULO 30
QUADRO 30.1 - Causas de diarreia crônica
presença de doenças autoimunes em sua família também é importante, pois grande parte delas possui penetrância em outros descendentes, como as doenças inflamatórias
intestinais e a doença celíaca. A própria cirrose biliar primária pode provocar diarreia, por diminuição da sín tese e liberação de sais biliares. Nessas situações predo
minam as deficiências de vitamina K e D, com conse quentes coagulopatia e osteopatia. Pancreatite crônica pode ocorrer mesmo sem alcoolismo, como por exemplo,
a pancreatite tropical, de causa desconhecida, a pancrea tite crônica hereditária, além dos casos idiopáticos. Ao exame físico apresenta-se em regular estado geral, descorado, hidratado e com os seguintes dados vitais: temperatura axilar: 36,6°C; frequência cardí aca: 96bpm; frequência respiratória: 16ipm; pressão arterial (PA): 110 × 75mmHg; peso: 51kg; altura: 1,74m; índice de massa corporal: 16,84kg/m2. Há fissuras nas comissuras labiais, língua lisa e lesões aftosas em mucosa oral. Seus cabelos são quebradiços e não há linfadenomegalias. A tireoide é normopal pável. Apresenta discreto sopro sistólico panfocal e ausculta pulmonar normal. O abdome é plano, com ruídos hidroaéreos aumentados, flácido,indolor e sem visceromegalias. Há coiloníquia nas extremidades e equimoses em abdome e membros. Observam-se, na nuca, pápulas eritematosas erosadas e papulovesícu las, que segundo o paciente eram extremamente pruriginosas. Não há sinais de artrite e o exame neu rológico é normal.
Estamos diante de a um paciente desnutrido e com vários indícios clínicos de dificuldade de absorção de nu trientes, o que deixa improvável tratar-se de um quadro de
devido à queda da própria altura. Está em uso de levo tiroxina, fenobarbital, sulfato ferroso, carbonato de cálcio, vitamina D e alendronato. Relata relações sexu ais desprotegidas. Nega cirurgias pregressas, tabagismo, etilismo ou drogadição. Na família, a mãe faleceu aos 48 anos de idade por linfoma intestinal, seu irmão possui diabetes mellitus tipo 1 e uma tia materna tem cirrose biliar primária. Os sintomas atuais associados ao seu histórico podem
ter uma única origem. Diarreia que provoca dificuldade de absorção de vitamina D e ferro pode ter levado o pa
ciente ao desenvolvimento de osteoporose e anemia fer ropriva. Tal associação é possível, mesmo que aquela tenha se manifestado posteriormente a estas. O relato de
relações sexuais desprotegidas traz o risco da contamina ção por HIV, que pode se manifestar com enteropatias e infecções intestinais oportunistas (Cryptosporidium par vum,Isospora belli, Microsporidia e Micobacterium avium
diarreia funcional. Fissuras nas comissuras labiais, língua lisa e coiloníquia sugerem anemia carencial. Já o sopro sistólico panfocal encontrado pode decorrer dessa anemia.
O cabelo quebradiço é um sinal indireto de desnutrição e as equimoses sugerem distúrbio de coagulação, possivel mente por deficiência de vitamina K. Destaca-se que na
nuca a lesão descrita tem características de dermatite her
petiforme, frequentemente associada à doença celíaca, mas não patognomônica desta. Doença de Whipple também se
manifesta com diarreia, emagrecimento e alterações neu
rológicas, mas tende a ter associadas artrite, febre e linfa denomegalia, ausentes no paciente em questão. Além disso, as manifestações neurológicas da doença de Whipple são
nistagmo, disfunção cognitiva e oftalmoplegia e não crises convulsivas. Pacientes com AIDS que desenvolvem diarreia oportunista podem também se mostrar desnutridos, sendo mais comum naqueles não aderentes à terapia antirretrovi
ral altamente ativa (HAART) ou nos que não se sabem
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• Diarreia osmótica: uso de laxativos à base de magnésio, fosfato ou sulfato. Ingestão de sorbitol, lactulose ou manitol. Deficiência de lactase • Diarreia secretória: - Tumores endócrinos: vipoma (secreção de peptídeo intestinal vasoativo [VIP] por adenoma pancreático), síndrome carcinoide (tumor carcinoide metastático do trato gastrointestinal ou tumores carcinoides primários não metastáticos do epitélio brônquico), carcinoma medular da tireoide (produção de calcitonina), gastrinoma (grande volume de secreção de cloreto e má digestão de gorduras pela inativação da lipase pancreática pelo pH e precipitação de sais biliares) - Malignidades não endócrinas: adenomas vilosos, mastocitose sistêmica • Diarreia infecciosa prolongada e persistente: E. coli enteropatogênica, Giardia lamblia, Entamoeba histolytica, Cryptosporidium, Aeromonas e Yersinia enterocolítica • Síndromes de má absorção - Condições que comprometem a mistura: gastrectomia parcial com gastrojejunostomia, cirurgia de bypass gástrico - Condições que comprometem a lipólise: pancreatite crônica, câncer de pâncreas, insuficiência pancreática congênita, deficiência congênita de colípase - Condições que comprometem a formação de micelas: hepatopatia crônica grave, hepatopatia colestática, ressecção ileal - Condições que comprometem a absorção pela mucosa: deficiência congênita de enteroquinase, abetalipoproteinemia, giardíase, doença celíaca, espru tropical, agamaglobulinemia, amiloidose, ligadas à AIDS (infecções, enteropatias), doença de Whipple, supercrescimento bacteriano, síndrome do intestino curto - Condições que comprometem o transporte de nutrientes: linfangiectasia intestinal congênita, linfoma, tuberculose, pericardite constritiva, insuficiência cardíaca congestiva grave • Diarreia funcional: síndrome do intestino irritável • Diarreia factícia: ingestão de laxativos e diuréticos • Diarreia diabética: neuropatia autonômica com distúrbio da motilidade • Diarreia alcoólica • Diarreia inflamatória: doença de Crohn, retocolite ulcerativa, gastroenterite eosinofílica, intolerância às proteínas do leite e da soja e alergia alimentar, colite colagenosa, enteropatia perdedora de proteína e enterite por radiação
intracelulare) quando do desenvolvimento de AIDS. A
Diarreia Crônica - 183
simples de abdome (ausência de calcificações em topo
nos remetem à doença de Crohn. Ausência de icterícia e
grafia de pâncreas) e glicemia de jejum normais tornam
sinais clínicos de prurido deixam cirrose biliar primária
menos provável o diagnóstico de pancreatite crônica, mas
como hipótese pouco provável. Novamente, percebemos
não o excluem. O trânsito intestinal sugere alterações no
que os sinais e sintomas desse paciente podem estar todos
relevo mucoso duodenal, podendo ser decorrente de do
relacionados a uma mesma doença.
ença celíaca. Alterações em delgado proximal podem
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justificar a anemia ferropriva, já que esta é a região de Os exames complementares revelam níveis hema timétricos com: hemoglobina, 8,1g/dL; hematócrito, 24%; volume corpuscular médio, 65; hemoglobina corpuscular média, 22,1; concentração de hemoglobina corpuscular média, 31; amplitude de distribuição de hemácias, 25; 13.200 leucócitos/mm3, sem desvios, 350.000 plaquetas/mm3. Ferro sérico baixo, ferritina baixa, transferrina em níveis elevados, capacidade total de ligação do ferro elevada, saturação de transferrina reduzida. Avaliação nefrometabólica mostra função renal sem alterações, cálcio sérico 7,4, magnésio 1,7, sódio 140 e potássio 3,2. Há hipocolesterolemia. Bio química hepática apenas com alterações nos níveis de albumina (2,7g/dL), transaminase glutâmica oxaloacé tica (72), transaminase glutâmica pirúvica (57) e ativi dade de protrombina (TAP 63%, RNI1,32). Tempo de tromboplastina tecidual ativada, glicemia de jejum, amilase, desidrogenase lática e função tireoidiana nor mais. Provas inflamatórias com velocidade de hemos sedimentação de 23mm, alfa1-glicoproteína ácida 127,3 e proteína C-reativa 0,21. Devido ao relato de relações sexuais sem preservativo solicitam-se sorologias para as hepatites A, B e C,bem como anti-HIV ELISA (todos negativos). Protoparasitológico fecal (três amostras), coprocultura e pesquisa de leucócitos fecais negativos. Radiografia simples de abdome sem alterações. O trân sito intestinal revela arco duodenal com apagamento do relevo mucoso e espessamento do pregueado, com raros sinais de hipotonia de alças de delgado. Eletroencefalo grama normal e tomografia computadorizada de crânio, realizada há cinco anos, mostra calcificações em região occipital.
maior absorção do ferro. Realizada pesquisa de gordura fecal com corante Sudan, havendo detecção de ácidos graxos livres. O teste quantitativo de gordura fecal foi positivo, revelan do 17g de gordura/dia nas fezes. Realiza-se teste da D-xilose urinária, com excreção, após 5h, de 1g de Dxilose na urina. A pesquisa de gordura fecal com Sudan (teste quali
tativo) tem altas sensibilidade e especificidade para detecção de esteatorreia, sendo positiva em casos de má
absorção superior a 10g de gordura em 24h. O teste quantitativo é precedido de ingestão de dieta rica em
gordura (> 100g) e coleta das fezes durante três dias.
Espera-se excreção de menos de 7g de gordura em 24h.
Neste paciente os dois testes mostraram-se positivos, confirmando esteatorreia. Assim, tanto a coagulopatia
quanto a osteoporose podem ser manifestações secundá
rias à má absorção de vitamina K e D, respectivamente.
Dado fundamental neste momento é definir a etiologia da esteatorreia. O teste da D-xilose urinária diferencia má absorção de origem pancreática daquela decorrente
de alterações no lúmen intestinal, seja por lesão mucosa,
seja por supercrescimento bacteriano. Havendo alterações
no lúmen intestinal, a D-xilose não é absorvida e não
aparece em quantidades significativas na urina. Se houver doença pancreática, a excreção urinária geralmente será
superior a 4g. Neste caso, o teste foi sugestivo de alte rações do lúmen intestinal.
Os exames iniciais indicam anemia microcítica e hi
de se tratar de cirrose biliar primária. O anti-HIV ELISA
A análise respiratória de hidrogênio (normal) des carta supercrescimento bacteriano. Faz-se endoscopia digestiva alta, que mostrou segunda porção duodenal com mucosa com redução do pregueamento e aspecto em mosaico associado a serrilhamento de pregas. As biópsias revelaram duodenite crônica com focos de reagudização (abscesso críptico), aumento dos linfóci tos intraepiteliais, intensa atrofia vilositária com hipertrofia críptica acentuada e denso infiltrado linfo plasmocitário na lâmina própria (Figs. 30.1 e 30.2). A pesquisa para micro-organismos pelas colorações pra ta, ácido periódico de Schiff (PAS) e Ziehl foram negativas. Dosados anticorpos antigliadina imunoglo bulinas A e G (IgA e IgG), antiendomísio IgA e
negativo afasta a presença do retrovírus. A radiografia
antitransglutaminase tecidual IgA positivos.
pocrômica, com índice de anisocitose (RDW) alto, e
ferropenia, compatíveis com anemia ferropriva. Hipoal buminemia e hipocolesterolemia são encontradas nas
síndromes disabsortivas. A alteração isolada do TAP é
compatível com deficiência de vitamina K, visto que o
fator VII é seu dependente. A discreta elevação das enzi mas hepatocíticas pode estar presente tanto em doença
celíaca quanto em doenças inflamatórias intestinais. No entanto, os testes fecais tomam menos provável o diag nóstico de diarreia invasiva, como em doenças inflama
tórias intestinais. Não há também indícios bioquímicos
CAPÍTULO 30
portadores do retrovírus. Lesões aftosas em mucosa oral
184
- Doenças do Sistema Gastrointestinal
Estabelece-se assim resposta clínica ao tratamento da Doença Celíaca. É muito provável que a mãe do pacien te também fosse portadora da mesma doença, visto ter
falecido por linfoma intestinal. O irmão e a tia do pacien te devem ser rastreados, pois a doença associa-se a outras
doenças autoimunes.
DIAGNÓSTICO FINAL Doença celíaca.
DISCUSSÃO Figura 30.1 - Aspecto de biópsia duodenal, com atrofia de vilosidades (seta vermelha) e criptas hiper plásicas (seta preta).
Doença celíaca, espru celíaco ou espru não tropical é uma doença autoimune, caracterizada pela má absorção resul
tante de lesão inflamatória da mucosa após a ingestão do glúten (antígeno), presente no trigo, no centeio e na ce vada. Após a ingestão do antígeno, este é apresentado a
um linfócito T, havendo subsequente resposta celular
inflamatória. A doença está associada ao antígeno leucocitário
humano (HLA) DQ2 ou DQ8, mas a sua presença de
maneira isolada não é suficiente para desencadeá-la, vis to que fatores ambientais exercem papel importante no
seu desenvolvimento. Entre esses fatores estão a época de introdução do glúten na dieta de lactentes e infecções
gastrointestinais, como infecção por rotavírus. Gravidez, gastroenterite ou cirurgia do trato gastrointestinal podem
ser gatilhos para o início dos sintomas. A manifestação clássica apresenta diarreia, perda de
peso e fadiga. A má absorção de vitaminas lipossolúveis,
Figura 30.2 - Infiltrado inflamatório intenso.
ferro, ácido fólico e cálcio são sintomas relativamente
comuns. No entanto, nos adultos, a anemia ferropriva isolada é o sinal mais comum, o que justifica lembrar-se
A associação dos achados laboratoriais, endoscópicos e histológicos (Figs. 30.1 e 30.2) confirma o diagnóstico de doença celíaca. No entanto, sua avaliação isolada deve
levantar outras hipóteses como giardíase, espru colágeno, espru tropical, gastroenterite eosinofílica, intolerância ao leite, entre outros.
do diagnóstico mesmo em pacientes oligossintomáticos.
O rastreamento de parentes de primeiro grau de e daque les ditos de risco, como portadores de doenças autoimunes ou síndrome de Down, também é obrigatório. Dentre as manifestações extraintestinais citam-se de
feitos no esmalte dentário, lesões aftosas orais, artrite, elevação de enzimas hepáticas, dermatite herpetiforme,
Instituída dieta isenta de glúten, reposição de ferro e de vitaminas. O paciente apresenta melhora clínica significativa após quatro semanas, com remissão da diarreia, das lesões aftosas em mucosa oral e das lesões cutâneas. A densidade mineral óssea melhora de manei ra substancial e as enzimas hepáticas dosadas novamente já se encontram dentro dos limites da normalidade. A dosagem de anticorpos foi repetida após seis meses: negativa.
osteopatia, infertilidade, dispepsia e manifestações neu
rológicas (ataxia, epilepsia com calcificações cerebrais occipitais, deterioração intelectual, atrofia cerebral e
neuropatia periférica). Destas, destaca-se a dermatite
herpetiforme, caracterizada por lesões papulovesiculares
pruriginosas, que acometem preferencialmente as faces
extensoras dos membros, devido a depósito granular de IgA na junção dermoepidérmica da pele.
Diarreia Crônica - 185
complementares para se chegar a um único diagnóstico
através dos anticorpos antiendomísio, antigliadina e anti
final, em vez de abordar separadamente as diversas com
transglutaminase. Deve-se lembrar, no entanto, que até
plicações da mesma doença.
10% dos celíacos possuem deficiência de IgA, o que pode
resultar em testes falso-negativos. Nesses casos pode-se
dosar a IgA sérica total ou realizar testes com IgG. O diagnóstico definitivo é feito pela avaliação histopatoló
gica intestinal (no caso, duodenal), com achados caracte rísticos de infiltrado linfocitário intraepitelial, hiperplasia
de criptas e/ou atrofia vilositária. No passado, após intro
dução de dieta isenta de glúten, nova biópsia duodenal era realizada para documentar regressão dos achados
histopatológicos. No entanto, atualmente a resposta é
vista por meio da negativação dos autoanticorpos. O tratamento é feito com dieta isenta de glúten. Casos gra ves de dermatite herpetiforme podem exigir tratamento com dapsona. A adesão ao tratamento dietético é impor
tante para redução das complicações, como linfoma in testinal e adenocarcinoma do intestino delgado.
Analisando retrospectivamente o caso, percebe-se que
o paciente possuía tanto manifestações clássicas da do ença, como a diarreia disabsortiva, quanto manifestações
mais incomuns, como alterações da bioquímica hepática e dermatite herpetiforme. Seu histórico pregresso e fami
liar também ajudavam, devido à presença de doenças
autoimunes. Conclui-se, portanto, que é fundamental estar atento às manifestações clínicas apresentadas pelo
paciente e tentar estabelecer uma relação entre todos os dados disponíveis na anamnese, exame físico e exames
BIBLIOGRAFIA BINDER, H. J. Causes of chronic diarrhea. N. Engl. J. Med., v. 355, p. 236-239, 2006. CUTLER, P. Como solucionar problemas em clínica médica (dos dados ao diagnóstico). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. DONOWITZ, M.; KOKKE, F. T.; SAIDI, R. Evaluation of patients with chronic diarrhea. N. Engl. J. Med., v. 332, p. 725-729,1995. FARRELL, R. J.; CIARÁN, K. P. Diagnosis of celiac sprue. American J. Gastroenterol., v. 96, p. 3237-46,2001. GHELLER-RIGONI, A. L; YALE, S. H.; ABDULKARIM, A. S. Ce liac disease: celiac sprue, glúten-sensitive enteropathy. Clin. Med. Res., v. 2, p. 71-2, 2004. GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. Tratado de medicina interna. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. GREEN, P. H. R.; CELLIER, C. Celiac Disease. N. Engl. J. Med., v. 357, p.1731-1743,2007. GREEN, P. H. R.; JABRI, B. Coeliac disease. Lancet, v. 362, p. 383391,2003. ISRAEL, E. J.; et al. Case 3-2005: A 14-year-old boy with recent slowing of growth and delayed puberty. N. Engl. J. Med., v. 352, p. 393-403, 2005. LEE, S. K.; GREEN, P. H. R. Celiac sprue (the great modem-day imposter). Curr. Opin. Rheumatol., v. 18, p. 101-107,2006. MÃKI, M.; COLLIN, P. Coeliac disease. Lancet, v. 349, p. 1755-1759, 1997. SCULLY, R. E. et al. Case 23-2001. N. Engl. J. Med., v. 345, p. 276281,2001. SCULLY, R. E. et al. Case 5-2001. N. Engl. J. Med., v. 344, p. 510517,2001.
CAPÍTULO 30
O screening pode ser feito com exames laboratoriais,
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CAPÍTULO
31
Constipação Intestinal Vanessa Gurgel Adeodato • Martha Lenardt Sulzbach
Homem de 35 anos de idade, previamente hígido, chega ao pronto-socorro com história de constipação intestinal há quatro meses. As fezes tinham consistência endurecida, em pequeno volume, com evacuação a cada quatro dias, e anteriormente apresentava evacuação diária. Refere sangue vivo nas fezes por duas vezes, em pequena quantidade. Relata que antes de iniciar a obs tipação apresentou episódio de diarreia por uma semana. Apresentava ainda dor abdominal de padrão em cólica no andar inferior do abdome. Nega vômitos, febre, distensão abdominal ou ausência de flatos. Re fere perda de 10kg em quatro meses, adinamia, hiporexia e dor em peso na região lombar. Nega outras queixas ou morbidades anteriores, uso de medicações e cirurgias prévias. Nega história de doença inflamató ria intestinal, neoplasias ou quaisquer outras doenças na família.
Devem-se levantar algumas hipóteses que fazem par te do diagnóstico diferencial entre constipações crônicas.
Podem ser divididas por três principais causas: extraco lônicas, mecânicas e funcionais (Quadro 31.1): A constipação funcional está entre as principais etio logias da constipação e é definida pelo critérios diagnós
ticos Roma III com sintomas no mínimo por 12 semanas,
nos últimos seis meses. Deve incluir dois ou mais critérios dos seguintes:
• Esforço evacuatório em, no mínimo, 25% das eva cuações.
• Fezes endurecidas ou em cíbalos no mínimo em 25% das evacuações.
• Sensação de evacuação incompleta em, no mínimo, 25% das evacuações.
O paciente apresenta obstipação intestinal há quatro meses. Constipação intestinal é um sintoma comum na população,
mas geralmente permanece não reconhecida até que o pa
• Manobras manuais para facilitar a evacuação em, no mínimo, 25% das evacuações.
• Menos de três evacuações por semana.
ciente desenvolva sequelas como desordens anorretais ou doença diverticular. Muitas definições são dadas, porém a
Atenção deve ser dada para os sinais de alarme da
definição mais útil de constipação é a mudança do hábito
constipação intestinal que em geral indicam uma doenças
intestinal que resulta em sintomas agudos ou crônicos, ou
mais grave, como câncer do cólon. Esses sinais são de
doenças, que podem ser resolvidos com o alívio da consti
perda ponderal significativa, sangramento intestinal, apa
pação. A mudança do hábito intestinal pode ser definida com os seguintes critérios: evacuações infrequentes (tipicamente
recimento de constipação em pacientes acima de 50 anos de idade, história familiar de doença colorretal. Estes pa
menos de três vezes por semana), dificuldade para evacuar
cientes devem ser investigados no mínimo com uma sig
ou sensação de evacuação incompleta.
moidoscopia.
A prevalência da constipação aumenta exponencial
Há indícios na história clínica que nos fazem descartar
mente em adultos com mais de 65 anos de idade. Isso pode
algumas hipóteses, como constipação por medicamentos,
ser reflexo da combinação de alterações da dieta, diminui
distúrbios neurológicos e hábitos alimentares, pela falta de
ção do tônus muscular e de exercício e uso de medicações
dados compatíveis e por que estas não costumam cursar com
que podem causar desidratação ou dismotilidade colônica.
hematoquezia e nem perda ponderal significativa.
Constipação Intestinal - 187
QUADRO 31.1 - Diagnóstico diferencial entre constipações intestinais
o paciente ser jovem e sem qualquer relato de doenças intestinal na família, neoplasia de cólon não é uma hipó
31
associados a outros sinais e sintomas, porém não podem
CAPÍTULO
• Extracolônicas - Hábitos alimentares ■ Dieta pobre em fibras ■ Consumo inadequado de líquidos ■ Baixa ingestão alimentar - Medicamentos ■ Antiácidos ■ Anticolinérgicos ■ Anticonvulsivantes ■ Antidepressivos ■ Antagonistas 5-HT3 ■ Bloqueadores de canal de cálcio ■ Diuréticos ■ Antiparkinsonianos ■ Arsênio, ferro e chumbo ■ Narcóticos ■ Psicotrópicos ■ Laxativos (uso abusivo) - Distúrbios neurológicos ■ Esclerose múltipla ■ Neuropatia autonômica ■ Doença de Parkinson ■ Doença de Chagas ■ Acidente vascular cerebral ■ Doença de von Recklinghausen ■ Tumores intracranianos ■ Lesões da medula espinhal ■ Sífilis terciária - Distúrbios metabólicos, endócrinos e do tecido conjuntivo ■ Hipercalcemia, hipocalemia ■ Insuficiência renal ■ Hipotireoidismo ■ Hiperparatireoidismo ■ Hipopituitarismo ■ Diabetes mellitus ■ Porfiria ■ Gravidez ■ Amiloidose • Mecânicas - Estreitamento do cólon, reto ou ânus ■ Câncer de cólon/reto ■ Radioterapia ■ Colite isquêmica ■ Doença diverticular ■ Complicações cirúrgicas ■ Estenose anal - Prolapso retal ou retocele - Doença de Hirschsprung (aganglionose segmentar congênita) • Constipação funcional - Constipação por trânsito lento - Disfunção do assoalho pélvico - Síndrome do intestino irritável
vocar perda ponderal de tal monta e geralmente vêm ser descartados de início. Assim, restavam ainda algumas
hipóteses: causas mecânicas como estreitamento do cólon, reto ou ânus e constipação funcional. Devido ao fato de
tese plausível até então. Porém, para o diagnóstico de constipação intestinal funcional necessita-se de exclusão
de outras causas. O paciente foi transferido para a enfer
maria da gastroenterologia para iniciar investigação
diagnóstica com exames complementares. Solicitados exames para investigação de distúrbios metabólicos: eletrólitos, função renal, glicemia de jejum e hormônio estimulante da tireoide, os quais se apre sentam sem alterações. Nesse momento, indica-se colonoscopia. Durante o preparo para colonoscopia, o paciente passa a apresentar piora da dor abdominal, distensão e vômitos. Há ruídos hidroaéreos flatos e ausência de dor à descompressão abdominal brusca. Passada sonda nasogástrica, porém sem melhora do quadro. Realizada radiografia de abdome (Fig. 31.1), que evidenciou grande distensão de cólon e delgado com nível líquido.
Ao exame físico, o paciente se encontra em bom estado geral, emagrecido (índice de massa corporal de 17), hidratado, eupneico, corado, anictérico, nor motenso, afebril. Sem linfonodomegalias. Ausculta cardiopulmonar sem anormalidades. Abdome: escava do, flácido, algo dolorido em hipogástrio, sem vis ceromegalias ou massas palpáveis, ruídos hidroaéreos positivos (RHA +).
O exame físico veio confirmar o quadro consumptivo significativo. Distúrbios metabólicos não costumam pro
Figura 31.1 - Radiografia de abdome com distensão de alças de delgado.
CAPÍTULO 31
188 - Doenças do Sistema Gastrointestinal
QUADRO 31.2 - Classificação do abdome agudo segundo a natureza do processo determinante • Inflamatório: apendicite aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda, diverticulite do cólon, doença inflamatória pélvica, abscessos intracavitários, peritonites primárias e secundárias, febre do Mediterrâneo • Perfurante: úlcera péptica, câncer gastrointestinal, febre tifoide, amebíase, divertículos de cólons, perfuração do apêndice, perfuração da vesícula biliar • Obstrutivo: obstrução pilórica, hérnia estrangulada, bridas, áscaris, corpos estranhos, cálculo biliar, volvo, intussuscepção, tumores • Hemorrágico: gravidez ectópica, rotura de aneurisma abdominal, cisto hemorrágico de ovário, rotura de baço, endometriose, necrose tumoral • Vascular: trombose da artéria mesentérica, torção do grande omento, torção do pedículo de cisto ovariano, infarto esplênico
Figura 31.2 - Lesão metastática na base do pulmão A situação clínica anterior sugere diagnóstico de ab dome agudo, cujas principais causas estão listadas no
Quadro 31.1. O quadro de distensão abdominal e vômitos, associado ao achado de dilatação de alças à radiografia favorece uma etiologia obstrutiva para o quadro apresen tado pelo paciente.
Nesse momento é feito, toque retal. Ao exame, fica evidente à palpação uma massa endurecida em parede lateral direita a aproximadamente 5cm da margem anal, fixa, ocupando metade da circunferência. Ao ultrapas sar essa região, toca-se massa estenosante, dolorida à palpação. Porse tratar de emergência cirúrgica (abdome agudo obstrutivo), o paciente é submetido a uma lapa rotomia exploradora. As hipóteses diagnósticas restringiram-se a causas que
direito.
mília. Realizada uma nova colonoscopia para afastar polipose adenomatosa familiar. Encontrada apenas a massa estenosante, sem pólipos nos demais segmentos colônicos. Decidiu-se iniciar esquema de quimioterapia e ra dioterapia neoadjuvantes. Após o primeiro ciclo de quimioterapia, o paciente recebeu alta para continuaro tratamento ambulatorial mente.
DIAGNÓSTICO FINAL Adenocarcinoma de cólon.
podem cursar com massas obstrutivas, como câncer de cólon e/ou reto.
No intraoperatório foi encontrada grande massa em retroperitônio envolvendo sigmoide e reto, adenome galias e implantes em mesodelgado. Realizadas biópsias de implantes, gânglios e da massa, além de colostomia. O exame anatomopatológico definiu então o diag nóstico: adenocarcinoma com células em anel de sinete. Solicitado antígeno carcinoembrionário e tomogra fias de tórax e abdome para estadiamento. A tomografia computadorizada de tórax mostrou metástase pulmonar na base direita (Fig. 31.2).
DISCUSSÃO O caso presente aborda um tema com grande relevância
clínica, uma vez que o câncer colorretal é o terceiro tipo de tumor mais frequente nos Estados Unidos e o quinto
em homens no Brasil, além de ser o segundo em morta lidade. Adenocarcinomas compreendem a maioria dos
casos de câncer colorretal (98%). Outros tipos raros in
cluem o carcinoide (0,1%), linfoma (1,3%) e sarcoma (0,3%). Em dois terços dos casos, o tumorse localiza no cólon, e em um terço, no reto.
Como o paciente era jovem, causas genéticas para o câncer colorretal devem ser aventadas, sendo as duas prin
cipais a polipose adenomatosa familiare o câncercolorre tal hereditário não poliposo (síndrome de Lynch).
No entanto, a idade do paciente fez com que esse
diagnóstico não fosse aventado logo no início do quadro, pois o câncer colorretal é raro antes dos 45 anos, com
média de idade de 68 anos ao diagnóstico. A hereditarieda de é responsável por 3 a 5% das ocorrências de câncer
Conversa-se com familiares, que negam novamen te história de doenças intestinal ou qualquer neoplasia. Orienta-se rastreamento de câncer colônico para a fa-
colorretal. O fato de o paciente ser jovem faz com que a
hipótese de desordens genéticas, como a polipose adeno
matosa familiare a síndrome de Lynch, sejam reforçadas.
Constipação Intestinal - 189
QUADRO 31.3 - Síndrome de Lynch
seria esse um caso de câncer esporádico ou ocorreu mutação e ele seria o primeiro da linhagem hereditária a desenvolver
a neoplasia? Desse modo, torna-se imperioso fazer o ras treamento e o acompanhamento de todos os seus parentes
próximos, a fim de se detectar casos novos na família.
Porém, isso não se confirmou, uma vez que ele não apre sentava pólipos à colonoscopia e nem havia critérios
suficientes para câncer retal não polipomatoso hereditário
(Quadro 31.3). A família sempre negou qualquer doença intestinal ou história de câncer.
Quando o paciente deu entrada no hospital com quei xa de constipação, foram corretamente aventadas algumas
hipóteses diagnósticas já comentadas. Porém, houve um erro grave no exame físico à entrada. Não foi feito o toque
retal. Esse exame é capaz de detectar lesões até 8cm da margem anal, como era o caso do paciente. Consequen temente, não foi visto que apresentava uma massa este
nosante e, assim, não deveria ter sido submetido ao pre paro da colonoscopia, fato que provocou abdome agudo obstrutivo. A maioria dos casos de câncer colorretal surge a par
tirde lesões pré-malignas, como os pólipos adenomatosos.
Na população geral, o risco de uma pessoa ter um ade noma colorretal é de cerca de 19% e 2 a 5% desses póli
pos esporádicos irão se transformarem lesão maligna. Os pólipos hiperplásicos não são considerados lesões pré-
malignas. No presente caso, não se pode afirmar que o
tumor veio de uma lesão precursora, pois não havia qual
querexame anterior que evidenciasse um adenoma. Além
BIBLIOGRAFIA BALLINGER, A. B. et al. Patients with chronic dianhea. NEJM, v. 333, p. 257-258, 1995. BAUDENDISTEL, T. E.; HAASE, A. K.; FITZGERALD, F. The leading diagnosis - a 23-year-old black woman presented to the emeigency depaitment with diffuse, colicky abdominal pain of 1 houfs duration. N. Erjj. J. Med., v. 357, p. 2389, 2007. BROWINING, S. M. Constipation, dianhea and initable bowel syndrome. Prim. Caev. 26, n. 13, 1999. BURT, R. W. Familial risk and colorectal câncer Gastroaiad. Clin NcrthAm., v. 25, n. 4, p. 793-803, 1996. DAGHER, R. N.; PAZDUR, R. Colorectal câncer N. ErjçJ. J. Med., v. 347, p. 1987, 2002. JEMAL, A.; et al. Câncerstatistics, 2002. CA Caru J. Clin, v. 52, p. 23-47, 2002 [enatum, CA CâncerJ. Clin. v. 52, n. 119,181-2, 2002], LONGSTRETH, G. F. et al. Functional bowel disorders. Gastroateo kg, v. 130, p. 1480-1491, 2006. LYNCH, H. T. Family information service and hereditary câncer Caiu, v. 91, p. 625-628, 2001. LYNCH, H. T; DE LA CHAPELLE, A. Hereditaiy colorectal câncer N. Erg. J. Med., v. 348, p. 919-932, 2003. RANSOHOFF, D. F.; SANDLER, R. S. Screening forcolorectal câncer N. Erg. J. Med., v. 346, p. 40, 2002. SCHILLER, L. R. Chronic dianhea of obscure origin. In: FIELD, M. (ed.). Diarhcd discascs New Yoik: Elsevier 1991, p. 219-38. VENOOK, A. P. Colorectal câncer N. ErgJ. J. Med., v. 352, p. 476, 2005.
CAPÍTULO 31
• Presença de câncer colônico diagnosticado histologicamente em três ou mais familiares, e um deles tem que ser obrigatoriamente parente de primeiro grau dos outros dois • Pelo menos um caso de câncer colorretal se desenvolvendo antes dos 50 anos de idade • Câncer colorretal envolvendo pelo menos duas gerações • Ausência de uma síndrome poliposa hereditária
disso, a massa tumoral identificada já apresentava mais de 10cm de extensão. Permanece assim a seguinte dúvida:
___________________________________
CAPÍTULO
32
Hemorragia Digestiva Alta Thiago De Bortoli Nogueira
Homem de 45 anos de idade, branco, apresenta-se no setor de emergência com epigastralgia intensa e vômitos repetidos, que posteriormente mostram aspec to sanguinolento há 24h. O próprio paciente, sem acompanhante no momento, refere que no último ano teve epigastralgia esporadicamente e também um epi sódio de fezes enegrecidas e de odor fétido, porém, não se importou com o quadro e não procurou atendimento médico nesse período. É natural e procedente de São Paulo e trabalha como sapateiro. Refere lombalgia frequente e faz uso de diclofenaco de potássio sempre que se intensifica o quadro álgico. Nega outras doenças ou antecedentes cirúrgicos. É tabagista de longa data, em média 20 cigarros por dia, e refere fazer uso de bebida alcoólica com frequência há 15 anos, após um divórcio.
pylori, uso de anti-inflamatórios não esteroidais
(AINE) e ácido acetilsalicílico e situações de estres se. Essa hipótese deve ser levada em conta, visto
que o paciente relata episódios anterior de epigas
tralgia, bem como ter apresentado melena. O uso de AINE (diclofenaco, no caso deste paciente) favore
ce lesões desse tipo por vários mecanismos, como
inibição da ciclo-oxigenase 1 (COX 1) e COX 2, e a inibição da via COX 1 causa inibição da síntese de prostaglandina, que é fundamental para o bicar
bonato da mucosa e a secreção de muco, sendo
importante para sua proteção. •
Varizes de esôfago e gástricas: nos meios urbanos, a hemorragia por varizes de esôfago e gástricas
secundárias à hipertensão portal e à cirrose alcoóli ciente caracteriza-se como hematêmese, que se enquadra
ca constitui a segunda fonte mais frequente, identi ficada em 10 a 20% dos pacientes. Para este pode-se
como manifestação de hemorragia digestiva alta, definida
valorizar tal hipótese, pelo fato de ser etilista, poden
como qualquer sangramento proximal ao ligamento de
do apresentar cirrose hepática alcoólica e, porcon
Treitz, considerada uma doença comum e potencialmen
sequência, hipertensão portal e varizes de esôfago
te letal, respondendo por aproximadamente 85% das in
e gástricas.
O quadro de vômitos com sangue exteriorizado pelo pa
ternações hospitalares por da hemorragia digestiva. O
• Lesões mucosas agudas: globalmente caracterizadas
sangramento pode exteriorizar-se sob a forma de hema
como gastrite ou duodenite, são observadas em 15
têmese, melena, hematoquezia (sangue vivo nas fezes) ou
a 30% dos pacientes com hemorragia, em ambientes
sangue oculto nas fezes. O diagnóstico diferencial para
tanto urbanos quanto não urbanos. Há forte suspei
hemorragia digestiva alta é extenso (Quadro 32.1) e deve
ta no paciente em foco, pelos motivos mencionados
englobaras seguintes possibilidades:
nos casos das doenças ulcerosas. O uso crônico de anti-inflamatório e álcool favorece lesão mucosa,
• Doença ulcerosa gastroduodenal: as úlceras pépticas, gástricas ou duodenais, representam cerca de 50 a
podendo provocar lesões e sangramento, exteriori
zando-se como hematêmese.
60% dos casos de hemorragia digestiva alta, junta
• Lacerações de mucosa de Mallory-Weiss na junção
mente com a gastrite erosiva. Os fatores etiopatogê
gastroesofágica (8 a 10%): comum após ingestão
nicos considerados são infecção por Helicobacter
abusiva de álcool, provocando um quadro importan
Hemorragia Digestiva Alta - 191
• Doença de Crohn: doença inflamatória que pode
brada nesse caso, visto que o paciente relata inges
atingir qualquer porção do trato gastrointestinal.
tão de bebida alcoólica.
Causa formação de granulomas e inflamação em
• Esofagite (3 a 5%): processo inflamatório, geral
áreas distintas, intercaladas de forma bem delimitada
mente secundário ao refluxo gastroesofágico, po
por outras completamente saudáveis. Pode raramen
dendo provocar em casos muito intensos, sangra
te causar sangramento digestivo alto, visto que na
mento da mucosa esofágica. Esse paciente refere
maioria das vezes compromete íleo terminal e cólon.
epigastralgia esporádica prévia bastante inespecífica,
• Hemobilia: significa o sangramento através do trato
não demonstrando quadro característico de doença
hepatobiliar e é uma causa rara de sangramento
do refluxo e consequente esofagite, tornando este
digestivo agudo. Deve ser considerada em pacientes
diagnóstico pouco provável.
com hemorragia digestiva e história recente de
• Doença maligna (3%): as neoplasias do esôfago e
trauma hepático ou biliar incluindo biópsias hepá
estômago apresentam sintomas característicos, como
ticas, colangiografia trans-hepática percutânea e
disfagia, dor epigástrica, regurgitação ou vômitos e
outros procedimentos sobre o fígado e vias biliares.
emagrecimento. A hemorragia digestiva alta é de
Uma outra causa de hemobilia é o aneurisma da
pequena monta, porém, persistente, levando a um
artéria hepática. A tríade clássica que a caracteriza
quadro de anemia crônica. O paciente em questão,
inclui cólica biliar,icterícia obstrutiva e sangramen
embora não relatasse emagrecimento, manifestou
to gastrointestinal, ainda que oculto. Essa morbida
epigastralgia, com melena previamente, podendo
de não se enquadra ao caso relatado, dificilmente
ser embora mais incomum, a etiologia do sangra
sendo a etiologia do sangramento do paciente.
mento. • Lesão de Dieulafoy: as úlceras de Dieulafoy são
Ao exame físico apresenta palidez cutâneo-
erosões de mucosa em deformidade arterial na sub
mucosa, está ictérico (+1/+4) orientado, pouco an
mucosa de fundo gástrico, sendo responsáveis por
sioso, sudoreico, referindo sede. Pressão arterial de
cerca de 0,3% das hemorragias digestivas, geral
100 × 70mmHg sentado e em pé, com frequência
mente de grande intensidade. Pode ser pensado como
cardíaca de 100bpm, ausculta cardíaca e respiratória sem alterações, com frequência respiratória de 18ipm.
etiologia do sangramento nesse paciente, sendo muito importante o exame físico para avaliara re
percussão hemodinâmica. • Ectasia vascular antral gástrica ou watermelon
O exame do abdome está normotenso, sem massas
palpáveis, sem dorà descompressão brusca. O fíga
do é palpável a 3cm do rebordo costal e sem sinais
stomach (estômago em melancia) é uma causa rara (1 a 2%), porém importante, de hemorragia diges tiva alta e deve ser pensada no caso desse paciente. • Fístula aortoduodenal: é uma comunicação entre a aorta abdominal e uma alça intestinal. É uma entida
de rara, cuja incidência varia entre 0,6 e 2,4% em indivíduos sujeitos à cirurgia da aorta abdominal.
Classifica-se como primária, se não existir cirurgia
aórtica prévia; ou secundária, se ocorrer após proce
dimento cirúrgico, sendo esta última variante a mais frequente. A apresentação clínica mais comum é
hemorragia digestiva, sob forma de hematêmese, melena, ou hematoquezia, podendo surgir como he morragia maciça com repercussão hemodinâmica e choque hipovolêmico ou como hemorragia de peque na magnitude autolimitada a que se pode seguir uma
hemorragia de grande magnitude. O paciente em questão não apresentava antecedente cirúrgico, que é
uma das causas mais comuns de fístula aortoduodenal,
o que torna essa hipótese diagnóstica pouco provável.
QUADRO 32.1 - Diagnóstico diferencial de hemorragia digestiva alta aguda • Doenças pépticas - Úlcera duodenal - Úlcera gástrica - Esofagite de refluxo - Gastrite - Duodenite • Doenças associadas a medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais • Lesões agudas da mucosa gástrica • Causas relacionadas à hipertensão portal - Varizes de esôfago - Varizes gástricas - Gastropatia portal hipertensiva - Estômago em melancia • Laceração de Mallory-Weiss • Neoplasia de esôfago, estômago, duodeno • Esofagite devido à infecção • Lesão de Dieulafoy • Fístula aortoduodenal • Angiodisplasias • Doença de Crohn • Hemobilia • Hemorragia de origem pancreática (hemosucus pancreaticus)
CAPÍTULO 32
te de hemorragia digestiva alta e que deve ser lem
192 -
Doenças do Sistema Gastrointestinal
CAPÍTULO 32
de esplenomegalia. Toque retal demonstra fezes de
consistência amolecida em ampola retal, sem sangue
ou tumoração palpável. Sinais de hepatopatia crô nica, como eritema palmare telangiectasias. Exame neurológico sem alterações relevantes. Durante o atendimento, o paciente teve um episódio de hema
têmese em moderado volume. Esse paciente demonstra manifestações de perda volê
mica. Isso pode ser avaliado graças às manifestações como
palidez cutâneo-mucosa, ansiedade e sede. Mostra também sinais de hepatopatia crônica, de provável origem alcoóli
glicemia: 110; cálcio: 8,3; aspartato aminotransferase (AST): 305; alanina aminotransferase: 320; gamaglutamiltransferase: 40; fosfatase alcalina: 100; amilase: 90; creatinina: 0,9; ureia: 32; atividade de protrombina: 56%; relação normalizada internacional: 3,2; proteínas totais: 4; albumina: 3,3; bilirrubinas to tais: 3,5; direta: 2,2; indireta: 1,3; radiografias de tórax e de abdome e eletrocardiograma sem alterações.
Alteração de transaminases, albumina, bilirrubina e coagulograma, aliada às manifestações observadas ao
exame físico confirmam o quadro de hepatopatia crônica, que constitui forte hipótese que levaria ao sangramento
pertensão portal e às suas consequências, como varizes
digestivo alto. O paciente manifestou sinais de perda volêmica que podem ocorrer com varizes de esôfago, lesão de Dieulafoy, úlceras pépticas e até mesmo gastrite
esofagogástrica, com rotura e sangramento. É obrigatório, em casos de hemorragia digestiva alta,
erosiva hemorrágica intensa. Todas essas hipóteses devem ser consideradas. Síndromes neoplásicas podem causar
que se obtenha acesso periférico calibroso e que seja
sangramento digestivo alto, porém em pequena quantida de, raramente causando instabilidade hemodinâmica, o
ca (refere uso de bebida alcoólica há vários anos), poden do-se pensarem doenças secundárias a cirrose, como hi
infundida solução cristaloide, visto que o risco de insta bilização é factível. A hemorragia digestiva alta é arbitra riamente dividida em três classes: maciça, manifesta e
oculta. Sangramento maciço é aquele que se acompanha de alterações circulatórias indicativas de perdas volêmicas expressivas, tais como hipotensão arterial, taquicardia,
oligúria, sede e sinais de vasoconstrição periférica; habi tualmente, é necessária a perda de no mínimo 20% do
volume intravascular para que se observem tais manifes
tações. Igualmente, qualquer paciente que necessite de mais de 2L de hemotransfusão em 24h é portador de processo hemorrágico maciço. Sangramento manifesto (moderado) é aquele no qual se evidencia hematêmese
e/ou melena e/ou hematoquezia, porém, sem comprome timento hemodinâmico: tais pacientes não desenvolvem
hipotensão arterial postural nem requerem hemotransfusões volumosas. O paciente em questão se enquadra nesse
grupo. E, finalmente, sangramento oculto, detectado por
pesquisa positiva de sangue oculto nas fezes, com ou sem anemia, porém, não se traduzindo por hematêmese, me lena, hematoquezia ou repercussão hemodinâmica aguda.
Dada à imprevisibilidade da evolução do quadro hemor
rágico, todo paciente com hemorragia digestiva alta não
oculta deve ser considerado como portador de patologia de alto risco e hospitalizado, para acompanhamento clí
nico-cirúrgico e elucidação diagnóstica.
O paciente recebe 2.000mL de solução cristaloide, infundidos rapidamente. Os exames de urgência reve lam: hemoglobina: 9,2g/dL; hematócrito: 30%; volume corpuscular médio: 90; leucócitos: 9.000 com diferen cial normal; plaquetas: 315.000; velocidade de hemossedimentação: 80; sódio: 130; potássio: 4,2;
que faz dessa hipótese, neste caso, pouco provável. Ra diografias de tórax e abdome não vão identificara fonte de sangramento, mas pelo quadro de epigastralgia e he
matêmese são importantes para descartar rotura esofágica (síndrome de Boerhaave). No caso, pela normalidade radiológica, essa hipótese pode ser descartada.
O paciente é submetido imediatamente à endosco pia digestiva alta. O exame demonstra, a 25cm da arcada dentária superior três cordões varicosos (Fig. 32.1) de fino calibre, azulados, retilíneos, sem redspots, e com interrupção acima da transição escamocolunar Evidencia-se também laceração linear (Fig. 32.2), longitudinal, profunda, com cerca de 2cm de extensão em mucosa comprometendo a transição esofagogástri ca, com sangramento contínuo em moderada quantidade. Administrada injeção de adrenalina (3mL de solução decimal) com agulha de injeção no local da laceração da mucosa na transição esofagogástrica, cessando o sangramento (Fig. 32.3). Em região de fundo gástrico evidenciam coágulo e, em antro gástrico, erosões reco bertas de fibrina (Fig. 32.4), em número de cinco a dez por campo de grande aumento. Após o procedimento, houve estabilização dos sinais vitais e dos exames la boratoriais do paciente, que recebeu alta hospitalar depois 48h de observação, fazendo uso de omeprazol em dose plena e recebendo encaminhamento para au xílio ambulatorial para pacientes etilistas.
DIAGNÓSTICO FINAL • Síndrome de Mallory-Weiss. • Varizes de esôfago de fino calibre. • Gastrite endoscópica erosiva moderada de antro.
Hemorragia Digestiva Alta - 193
CAPÍTULO 32
Figura 32.1 - Varizes no esôfago.
Figura 32.3 - Laceração da mucosa esofagogástrica (Mallory-Weiss) - aspecto pós-adrenalização.
Figura 32.2 - Laceração da mucosa esofagogástrica
Figura 32.4 - Gastrite erosiva moderada de antro.
(Mallory-Weiss) com sangramento em atividade.
DISCUSSÃO
quência como melena isoladamente ou hematoquezia.
O sintoma mais comum em pacientes com síndrome de
cosa da junção gastroesofágica, representando 8 a 10%
Mallory-Weiss é a hemorragia digestiva alta, geralmente
das causas de hemorragia digestiva alta. Em geral, o
manifestada na forma de hematêmese, e com menos fre
quadro se manifesta após episódios repetidos de vômitos,
Essa síndrome caracteriza-se por laceração linearda mu
CAPÍTULO 32
194 -
Doenças do Sistema Gastrointestinal
que pelo esforço provocam laceração da mucosa e san gramento.
sangramento, deve ser realizada laparotomia para rafia da laceração mucosa, por uma gastrostomia alta. Esse pacien
Costuma haver história de uso excessivo de álcool
te enquadrou-se na minoria dos casos, pois manifestou
precedendo o episódio de sangramento. O paciente em
alteração hemodinâmica e necessidade de intervenção
foco apresentava história muito característica, pois rela
terapêutica. Porém, apresentava hepatopatia crônica, al
tava uso de álcool por longo período e episódios repetidos
terações consideráveis de coagulação, fator essencial para
de vômitos e, posteriormente, hematêmese. Outros fatores,
que houvesse sangramento contínuo e mais intenso, des
além do uso abusivo de álcool, que são predisponentes
ta forma afastando-se da normalidade dos relatos na lite
para laceração da mucosa esofagogástrica são hiperême
ratura. A história e o exame físico foram elementos pri
se gravídica, hérnia de hiato, doenças respiratórias com
mordiais para a elaboração do raciocínio clínico e a
tosse intensa; distúrbios de coagulação; uso de anticoa
investigação diagnóstica, porém, a confirmação endoscó
gulantes; vômitos induzidos, como em bulimia.
pica foi essencial para o diagnóstico definitivo e a tera
Havia alguns fatores que dificultaram o diagnóstico.
pêutica adequada.
Por exemplo, o fato de o paciente apresentar alterações clínicas e laboratoriais de hepatopatia crônica falava for
temente a favorde varizes esofagogástricas com provável rotura e sangramento. Antecedentes de epigastralgia, uso de AINE e manifestação de melena também sugeriam
lesão aguda de mucosa gastroduodenal, como gastrite erosiva hemorrágica, ou até mesmo úlcera péptica. Outras situações mais raras, como ectasia vascular antral gástri ca (estômago em melancia) e lesão de Dieulafoy, também
poderiam causar hemorragia digestiva alta. A endoscopia digestiva alta é o padrão-ouro para
confirmação diagnóstica de hemorragia digestiva alta. Apresenta finalidade diagnóstica e terapêutica, como no
caso relatado, em que coibiu o sangramento. Em 90% das ocorrências de Mallory-Weiss o sangramento é autolimi tado, com prognóstico favorável (recorrência de sangra
mento de 0 a 5%), não havendo necessidade de interven ção terapêutica endoscópica; na maioria das vezes o
sangramento não é intenso, não provocando alterações
hemodinâmicas. Em algumas situações existe necessida de de intervenção, podendo-se optar pela injeção de so
lução de adrenalina, ou termocoagulação. Havendo falha endoscópica, opta-se pela angiografia e, não cessando o
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___________________________________
CAPÍTULO
33
Hemorragia Digestiva Baixa Thiago De Bortoli Nogueira • Ana Laura de Figueiredo Bersani
Mulher de 72 anos de idade, branca, apresenta-se no setorde emergência com três episódios de fezes li quefeitas, de coloração vermelho-vivo, com início há 24h. O esposo refere que, nos últimos meses, ela se encontrava em tratamento para anemia com sulfato ferroso e que havia perdido peso, embora não soubesse quantificar.Relata episódios de epigastralgia esporádi cos e nega alterações de hábito intestinal. É natural e procedente de São Paulo, e aposentada. Portadora de hipertensão arterial sistêmica há 20 anos, fazendo uso de captopril, 50mg/dia. Nega outras doenças ou ante cedentes cirúrgicos. Em relação aos antecedentes familiares, refere que irmã havia falecido há um ano por neoplasia de cólon. Nega tabagismo ou etilismo.
• Diverticulose: representa a fonte mais comum de
hemorragia digestiva baixa, responsável por 40 a 55% das ocorrências. Os divertículos de cólon são
lesões adquiridas comuns no cólon. Embora 40% dos pacientes, na quinta década de vida, apresentem divertículos, esta incidência sobe para 80% na nona
década. A hemorragia aparece em 3 a 5% dos pa
cientes com diverticulose. Esse tipo de doença pode
ser a provável etiologia do sangramento da pacien te em questão, visto que tem idade avançada e san
gramento vivo por via retal. • Neoplasias: as neoplasias de cólon, inclusive pólipos
adenomatosos, pólipos juvenis e carcinoma, possuem
O quadro de eliminação de fezes sanguinolentas, de sangue ou de coágulos sanguíneos pelo reto, da paciente em ques
diversas formas de apresentação. O sangramento por
tão, caracteriza-se como hematoquezia, que se enquadra, geralmente, como manifestação de hemorragia digestiva
anemia secundária. No entanto, essas neoplasias
baixa, definida como qualquer sangramento que surge dis talmente ao ligamento de Treitz. Se o sangramento for lento ou de menor volume, pode também ser encontrada
até 20% se traduzem por hemorragia aguda prove
melena, embora esta seja mais característica da hemorragia digestiva alta. Semelhantemente, até 15% dos pacientes com hemorragia maciça do problema digestivo alto podem apre sentarhematoquezia. O cólon é a origem da hemorragia em mais de 95 a 97% dos casos, com os 3 a 5% restantes sur
gindo em localizações do intestino delgado. O sangramen to digestivo baixo corresponde a 15% dos principais episó
essas lesões traduz-se por sangramento oculto e
podem exibir sangramento rápido e. algumas vezes,
niente de pólipos colônicos ou câncer. A paciente em foco apresenta perda ponderal, anemia, sangra
mento por via retal e história familiar de neoplasia de cólon. Esses itens fazem dessa doença um diag
nóstico bastante provável. • Doenças inflamatórias: incluem retocolite ulcerati
va, doença de Crohn, colite infecciosa e outras que podem causar hemorragia digestiva baixa aguda.
dios de hemorragia digestiva e por isso é muito mais raro do que a hemorragia digestiva alta. A incidência de sangra
Raramente a hemorragia é o primeiro sinal; surge
mento digestivo baixo aumenta com a idade, refletindo aumento paralelo de doenças adquiridas responsáveis por
causa com base na história do paciente. Até 20%
sangramento do cólon. O diagnóstico diferencial de hemor
decorrer de uma dessas doenças inflamatórias. Ge
ragia digestiva baixa é demonstrado no Quadro 33.1.
ralmente, essas morbidades cursam com alteração
durante a evolução da doença, suspeitando-se de sua das hemorragias digestivas baixas agudas podem
196 -
Doenças do Sistema Gastrointestinal
CAPÍTULO 33
do hábito intestinal, como diarreia mucossanguino lenta precedendo os fenômenos hemorrágicos agudos.
gia de pequena magnitude autolimitada a que se pode seguir uma hemorragia de grande magnitude.
A paciente não refere alteração prévia do hábito in
A paciente não apresenta antecedente cirúrgico, que
testinal, tendo apresentado apenas sangramento diges
é uma das causas mais comuns de fístula aortoduo
tivo súbito, tomando esse diagnóstico pouco provável.
denal, o que toma essa hipótese diagnóstica pouco
provável.
• Causas vasculares: incluem as angiodisplasias,
flebectasias, hemangiomas, varizes do cólon, vascu
• Causas raras: úlcera retal solitária, colopatia portal,
lites (poliarterite nodosa, granulomatose de Wegener
medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais
e artrite reumatoide, por exemplo). Os sangramentos
(AINE) e intussuscepção. O uso de AINE não é relatado pela paciente, tomando esta causa impro
causados por essas alterações vasculares podem ser
vável; porém, as demais afecções, embora sejam
crônicos, intermitentes ou agudos e intensos. As
raras, podem ser causas do sangramento.
angiodisplasias e flebectasias acometem mais a
• Hemorragia digestiva alta: aproximadamente 10 a
população idosa, podendo sera etiologia do sangra
15% dos pacientes com enterorragia moderada ou
mento deste caso. Os hemangiomas geralmente são
maciça têm, no trato digestivo alto, isto é, acima do
congênitos podendo, assim, causar sangramentos
ângulo de Treitz, a causa do sangramento ao efeito
prévios, manifestados até mesmo na infância, dife
catártico do sangue que, por ser em grande quanti
rentemente da história da paciente. As varizes do
dade, acaba se exteriorizando por via retal como
cólon costuma surgirem pacientes com hipertensão
hematoquezia. Essa hipótese deve ser considerada,
portal logo, são necessárias avaliações física e labo
e é essencial que seja a primeira a ser descartada
ratorial para verificar sinais ou alterações que possam
antes de se iniciara investigação de afecções de
justificar esse diagnóstico.
origem abaixo do ligamento de Treitz.
• Afecções anorretais: as afecções anorretais benignas
podem manifestar hemorragia digestiva baixa, a qual
À admissão, o exame físico demonstra uma pacien te em mau estado geral, hipocorada, astênica, com a pele fria. A pressão arterial de 80 × 50mmHg, sentada e em pé, com frequência cardíaca de 120bpm, auscultas cardíaca e respiratória sem alterações, com frequência respiratória de 22ipm. Exame do abdome normotenso, sem massas palpáveis, sem visceromegalia, ausência de dorà descompressão brusca, com ruídos hidroaére os presentes. Toque retal demonstrando sangue de coloração vermelho-vivo em ampola retal, não se pal pando tumorações.
pode variarde leve a intensa, sendo em geral obser
vada, ao exame físico, em mais da metade dos pa cientes com hemorragia digestiva baixa. Nesse caso, é de extrema importância a avaliação proctológica
antes de se definira causa do sangramento. • Lesão de Dieulafoy: as úlceras de Dieulafoy são
erosões de mucosa em deformidade arterial, mais
comuns na submucosa do fundo gástrico, embora possam ser encontradas no trato digestivo baixo, e responsáveis por cerca de 0,3% das hemorragias
digestivas, geralmente de grande intensidade. Apesar de raras, podem sera etiologia do sangramento da
paciente, visto que podem causar sangramento di gestivo baixo de grande monta. • Fístula aortoentérica: é uma comunicação entre a aorta abdominal e uma alça intestinal. É uma enti
dade rara, cuja incidência varia entre 0,6 e 2,4% em
QUADRO 33.1 - Diagnóstico diferencial de hemorragia digestiva baixa aguda • • • • • •
indivíduos sujeitos à cirurgia da aorta abdominal.
Classifica-se como primária, se não existir cirurgia
aórtica prévia; ou secundária, se ocorrer após pro
• •
cedimento cirúrgico, sendo esta última variante a
mais frequente. A apresentação clínica mais comum é a hemorragia digestiva, sob a forma de hematê mese, melena, ou hematoquezia, podendo surgir como hemorragia maciça com repercussão hemodi
nâmica e choque hipovolêmico, ou como hemorra
• • • • • • •
Diverticulose Angiodisplasia Neoplasia Pólipos Divertículos de Meckel Doenças inflamatórias - Colite ulcerativa - Doença de Crohn - Colite infecciosa Doenças induzidas por radiação Doenças associadas a medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais Afecções anorretais Varizes Lesões de Dieulafoy Síndrome de Osler-Weber-Rendu Fístula aortoentérica Vasculite Isquemia mesentérica
Hemorragia Digestiva Baixa - 197
(Fig. 33.2), sem sinais de sangramento local. Em ceco
ca significativa. Isso pode ser notado avaliando-se altera
observa sangramento ativo (Fig. 33.3), sendo realizada
ções como hipotensão, taquicardia, palidez cutâneo-mu
lavagem com solução fisiológica e verificada formação
cosa. Por esses dados, é possível supor um quadro de
aracniforme compatível com angiodisplasia (Fig. 33.4).
sangramento maciço, na maioria das vezes sendo neces
Realizada terapêutica da lesão sangrante utilizando-se
sária a perda de, no mínimo, 20% do volume intravascu
termocoagulação com plasma de argônio, cessando o
lar para que se observem tais manifestações. É primordial, assim como em qualquer quadro de
sangramento (Fig. 33.5). Apresentou boa evolução e
recebeu alta hospitalar após 72h.
hemorragia digestiva baixa, que se obtenha acesso peri férico calibroso e que seja infundida solução cristaloide,
pois há risco de instabilização progressiva e evolução para choque hipovolêmico grave. Devido à imprevisibilidade da evolução do quadro he
DIAGNÓSTICO FINAL • Angiodisplasia de cólon.
morrágico, todo paciente com hemorragia digestiva baixa
• Divertículos em cólon sigmoide.
não oculta deve ser considerado como portador de morbi
• Gastrite endoscópica enantematosa leve de antro.
dade de alto risco, devendo ser hospitalizado para acompa nhamento clínico cirúrgico e elucidação diagnóstica.
Os exames de urgência revelam: hemoglobina: 8,3g/ dL; hematócrito 24%; volume corpuscular médio: 85; concentração de hemoglobina corpuscular média: 33; hemoglobina corpuscular média: 30; leucócitos: 8.000, com diferencial normal; plaquetas: 350.000; atividade de protrombina: 80%; relação normalizada internacio nal: 1,2. A paciente recebe 2.000mL de solução cristaloide infundidos rapidamente, bem como duas unidades de concentrado de hemácias. A diminuição de hemoglobina e hematócrito mostra
quadro de anemia, que no caso é normocítica, normocrô
mica. Isso demonstra perda volêmica, que poderia ser crônica, ocorrendo de maneira oculta levando ao quadro
anêmico, e que no momento se exteriorizou de forma
Figura 33.1 - Enantema discreto de antro gástrico.
súbita, mas também poderia ser por causa aguda. Afecções como neoplasias devem ser aventadas, visto que causam
perda sanguínea oculta, provocando a anemia. Ao mesmo tempo, a perda volêmica aguda e abundante poderia oca
sionara queda da hemoglobina, levando a esses valores.
Nesse caso, inúmeras doenças podem ser consideradas, como doença diverticular, muito comum em idosos e
causa de sangramento de grande volume. A paciente
manifestou sinais de perda volêmica que podem surgir em doença diverticular dos cólons, angiodisplasia. Todas
essas hipóteses devem ser consideradas.
A paciente é submetida imediatamente à endosco pia digestiva alta. O exame demonstra enantema discreto de antro (Fig. 33.1), não se observando sinais de sangramento. Faz-se colonoscopia e constatam-se divertículos em cólon sigmoide com base estreita
Figura 33.2 - Divertículos em cólon sigmoide.
CAPÍTULO 33
A paciente apresenta manifestações de perda volêmi
198 - Doenças do Sistema Gastrointestinal
CAPÍTULO 33
DISCUSSÃO Angiodisplasias são lesões vasculares degenerativas, ad
quiridas, geralmente encontradas na parede intestinal de pacientes idosos. Essas malformações vasculares carac
terizam-se por dilatações tortuosas do plexo vascular submucoso que, por contínua e repetida distensão e con
tração do cólon, provocam dilatação do plexo sanguíneo, bem como aumento da pressão no interior dos vasos que, por sua vez, sofrem rupturas espontâneas e causam san
gramento para o interior do lúmen intestinal. A enfermi dade representa uma das principais causas de hemorragia digestiva baixa em indivíduos entre a sexta e a sétima
Figura 33.3 - Angiodisplasia de ceco com sangramen to ativo.
décadas de vida, surgindo com maior frequência no ceco, pelo fato de ser o segmento do intestino grosso que pos
sui maior diâmetro, o que determina, ao longo do tempo, maior tensão em sua parede. O acometimento de adultos
jovens é excepcional e raramente descrito. Os doentes queixam-se de um ou mais episódios de sangramento digestivo baixo, algumas vezes de grande monta. Muitos enfermos evoluem com anemia crônica
decorrente de perdas sanguíneas detectáveis apenas pela pesquisa de sangue oculto nas fezes, sem exibir um qua dro de hemorragia digestiva franca. É o caso da paciente em questão, que inicialmente apresentou anemia crônica de causa desconhecida, por provável perda sanguínea oculta pelas fezes, originária da angiodisplasia, e que posteriormente se manifestou como hemorragia aguda,
em grande volume. Havia alguns fatores que dificultaram o diagnóstico. Por exemplo, o fato de a paciente ser idosa, ter história
Figura 33.4 - Aspecto da lesão após lavagem com
familiar de neoplasia de cólon, anemia crônica, emagre
solução fisiológica.
cimento e sangramento por via retal levava a uma forte suspeita de neoplasia de cólon. Ao mesmo tempo, o qua dro de sangramento de grande monta com repercussão
hemodinâmica, associado à idade avançada, levaria a pensarem doença diverticular dos cólons.
O diagnóstico da malformação vascular na maioria das vezes, é obtido durante o exame endoscópico, como
neste caso, em que pela colonoscopia foram possíveis o diagnóstico e a terapêutica específica. Havendo hemorra
gia digestiva baixa de grande volume, é primordial que sejam inicialmente descartadas as afecções no trato di gestivo alto que, pelo efeito catártico do sangue, podem se exteriorizar como sangramento vivo por via retal. A conduta aqui, realizando-se a endoscopia digestiva alta como primeiro exame para investigação, foi correta. Após
excluir causas de origem acima do ligamento de Treitz,
a investigação deve ser por colonoscopia, a qual permite
Figura 33.5 - Aspecto da lesão após coagulação com
métodos para coibiro sangramento, como injeção de subs
plasma de argônio.
tâncias esclerosantes, e métodos térmicos de coagulação,
Hemorragia Digestiva Baixa - 199
doscópica foi conclusiva para o diagnóstico definitivo e a terapêutica específica.
opta-se pela arteriografia, que demonstra utilidade não só para o diagnóstico da doença, bem como para sua exata
localização (íleo terminal, ceco e segmento proximal do cólon direito). A arteriografia assume maior importância
em enfermos com sangramento ativo, conferindo segu
rança à indicação a tratamento cirúrgico. Nos doentes que não apresentam sangramento ativo, embora o exame
mostre menor acuidade diagnóstica, permite identificar corretamente a lesão. A arteriografia pode ainda se reve lar uma alternativa terapêutica, por permitir a infusão de
drogas vasopressoras ou a embolização seletiva arterial
no ponto de sangramento. Havendo falha pela angiografia e não cessando o san
gramento, deve ser realizada laparotomia. Em virtude de as angiodisplasias não serem visíveis ou palpáveis pela
superfície serosa da parede intestinal, bem como porapre sentarem diminutas dimensões, sua correta identificação durante a cirurgia poderá ser problemática. A realização
imediata de arteriografia no espécime cirúrgico extirpado confere ao cirurgião a certeza da malformação vascularno
segmento ressecado.
O prognóstico de sangramento por angiodisplasia de cólon é bom e cerca de 80 a 85% cessam espontaneamen
te, mesmo que nenhuma atitude terapêutica seja iniciada. A história e o exame físico foram fundamentais para
elaborar hipóteses diagnósticas, porém, a avaliação en
BIBLIOGRAFIA AMERICAN GASTROENTEROLOGICAL ASSOCIATION. AGA guideline: evaluation and management of occult and obscure gas trointestinal bleeding. Gastrostodcg'. v. 118, p. 197, 2000. DANI, R.; CASTRO, L. P. et al. Gastrααtodc^aclírica 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993, p. 103. DEL CLARO, R. P. et al. Angiodisplasia de cólon: relato de caso e atualização da literatura. Rev. Bras Cdqwαt, v. 19, n. 2, p. 108, 1999. FOUTCH, P. G. et al. Prevalence and natural history of colonic angyodisplasia among healthy asymptomatic. Am. J. Gastroatod., v. 90, n. 4, p. 564-7, 1995. HYPPOLITO, J. Mard decdq rαtdc^a * São Paulo: Associação Paulista de Medicina, 2000. MARGARIDO, N. F. et al. Angiodisplasia do ceco na terceira década de vida. Rev. Bras Cckprαt, v. 27, n. 2, p. 202-206, 2007. NEUMANN, H.; MÖNKEMÜLLER, K.; MALFERTHEINER, P. Obscure overt GI bleeding secondary to angiodysplasias at the hepaticojejunostomy diagnosed and successfully treated with double-balloon enteroscopy. GastrdrtestirEi ondcKcpy, v. 67, n. 3, p. 563-565, 2008. HI SAKAI, P; ISHIOKA, S.; MALUF FILHO, F. Trdalodeeilc«q>ia digstivadiíyxsticaetaqrcLtica São Paulo: Atheneu, 2002, p. 660. SAKAI, P; ISHIOKA, S.; MALUF FILHO, F. Trétalodecrdcaqiia digstivadi¾TÍsticaetaqjêLtica São Paulo: Atheneu, 2002, v. 4. TOWNSEND, M. C. Sdristn- Trstedodeciruga 16. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003, p. 892.
CAPÍTULO 33
como o plasma de argônio, por exemplo. Havendo falha endoscópica para localização e terapia do local sangrante,
___________________________________
CAPÍTULO
Aumento do Volume Abdominal Carlos Alberto Franchin Neto • Lucas Cronemberger Maia Mendes
Paciente F. G., sexo masculino, 26 anos de idade, negro, casado, metalúrgico, natural e procedente de São Paulo, procura nosso serviço com queixa principal de aumento da barriga há 20 dias. Refere que nesse perío do iniciou quadro de aumento progressivo de volume abdominal, acompanhado de distensão e dor abdominal de leve intensidade, responsiva a analgésicos simples. Inicialmente, o que mais chama a atenção é o aumento
do volume abdominal em paciente jovem, que não tem histórico de viagens recentes. Abre-se, assim, um leque imenso de diagnósticos diferenciais. De maneira prática, sabemos de cinco grandes causas de distensão generalizada do abdome: líquido, gordura, feto, fezes, gases ‒ os “5 F” do inglês fluid, fat, fetus, feces, flatus1. Destes, o mais plausível para o paciente
toneal, pelo crescimento secundário de nódulos, comu mente associado à ascite4,5. No Quadro 34.11,4,5 apresen
ta-se o diagnóstico diferencial de aumento do volume
abdominal. Dentre todas as possibilidades, nota-se que a maioria pode ser excluída facilmente com dados de anamnese e exame físico bem feitos3.
No interrogatório sobre diversos aparelhos refere perda de 5kg nos últimos três meses, acompanhada de inapetência. Refere hábito intestinal anteriorregulare que evoluiu com obstipação nas últimas semanas. Pa ciente nega internações ou doenças prévias. Nega tabagismo, etilismo ou uso de drogas ilícitas. Mãe hi pertensa, pai falecido de causa acidental e dois filhos hígidos.
seria o “primeiro F” e, em se confirmando, seria bastante
útil dividirmos as possibilidades diagnósticas de acordo com a diferença dos níveis de albumina entre o soro e o
Perda de peso não intencional pode significargravida de de doença, como em pacientes com neoplasia maligna,
líquido ascítico (discutido adiante), sabendo de antemão que, em mais de 90% dos casos, iremos nos deparar com cirrose, neoplasia ou tuberculose2,3. Podemos observar
cardiopatia e pneumopatia avançada, ou representar algum
ainda organomegalias levando ao quadro, mais comumen te hepato/esplenomegalia, pensando-se em causas infec
adultos; porém, pode-se dizer que uma perda de 4 a 5%
ciosas (mononucleose e afins, HIV agudo, esquistosso mose, leishmaniose visceral, malária, etc.); anemia hemolítica crônica; neoplasias hematológicas (leucemias e linfomas); insuficiência cardíaca ou hepática (com cir rose e hipertensão portal); doenças reumatológicas como lúpus e artrite reumatoide (síndrome de Felty); metástases; doença policística renal ou hepática; doenças infiltrativas como amiloidose e sarcoidose ou no acúmulo de líquido livre na cavidade abdominal e suas inúmeras causas. Lembrar também de neoplasias com acometimento peri
distúrbio ainda não diagnosticado. Sua definição é variável,
o que faz a incidência oscilar entre 1,3 e 8% dos pacientes do peso em um ano ou de 10% em cinco a dez anos está relacionada a maior morbimortalidade6. Podemos dividiras causas de perda de peso não in
tencional em orgânicas, psicossociais e idiopáticas. Das causas orgânicas, cânceré a mais frequente (corresponde a até um terço de todos os casos de perda de peso não
intencional), sendo os do trato gastrointestinal os mais prevalentes. Distúrbios psiquiátricos usualmente são sub diagnosticados, mas certamente representam importante
parcela dos casos. Em geral, a etiologia da perda de peso não intencional é descoberta sem extensas avaliações, a
Aumento do Volume Abdominal - 201
QUADRO 34.1 - Causas de aumento do volume abdominal1,4,5
____________________________________________________
Neste ponto já podemos descartar com certa seguran
ça, boa parte dos diagnósticos diferenciais apresentados
no início, ficando claro tratar-se de acúmulo de líquido livre no abdome. A partir daí, lançamos mão de um exa
me fundamental para orientar o raciocínio clínico: a análise do líquido ascítico.
Ascite corresponde ao acúmulo de líquido livre na cavidade abdominal. A cirrose é responsável por aproxi
madamente 80% das ocorrências, o que contribui para o
fato de, em 90% das vezes, a ascite abranger o desenvol vimento de hipertensão portal8. Evidentemente, deve-se enquadrara ascite no contex to clínico do paciente, buscando outros dados como his
tória de abuso de álcool e sinais de hepatopatia crônica,
insuficiência cardíaca ou de síndrome consumptiva, doen ças prévias, contato com tuberculosos. Os exames gerais estão demonstrados no Quadro 34.2.
Realizada radiografia de abdome, não trazendo informações adicionais. Procedeu-se em seguida à paracentese, cuja análise do líquido ascítico evidenciou: • • • • •
depender de uma boa anamnese/exame físico. Mesmo
assim, em até 25% das vezes não se chega a uma causa identificável, sendo esses pacientes de melhorprognósti
co quando comparados com os que têm etiologia, em es pecial câncer6,7. No caso em discussão, temos então um paciente com
perda de peso não intencional associada a quadro de alte ração do hábito intestinal e aumento de volume abdominal,
o que faz pensar fortemente em causa orgânica.
• • • • •
Aspecto: amarelo turvo. Proteína total: 4,5. Albumina: 2,7. Gradiente ascítico soro-ascite: 0,6mg/dL. Células: 240 - Neutrófilos: 14%. - Linfócitos: 63%. - Eosinófilos: 5%. - Macrófagos: 1%. - Mesoteliais: 11%. Desidrogenase lática (DHL): 1.673. Glicose: 43. Adenosina desaminase (ADA): 35. Células neoplásicas: ainda não liberado. Cultura: em andamento.
CAPÍTULO 34
• Distensão global - Ascite - Obesidade - Gravidez - Fecaloma - Obstrução gasosa (volvo de sigmoide, obstrução crônica, megacólon) • Distensão de segmentos - Causas gerais: abscesso em qualquer parte do abdome; ascite encistada; cisto hidático (por Taenia echinococcus) - Hipocôndrio direito: aumento da vesícula biliar (neoplasias, por exemplo) e aumento do fígado: lobo de Riedel (massa lingulada no lobo direito; é variação anatômica); infecções agudas (hepatites, mononucleose, malária); congestão venosa hepática (cardiopatias, doença pulmonar crônica); abscesso hepático (geralmente quando grande e único provoca aumento significativo do fígado); obstrução do ducto biliar comum (por qualquer motivo, leva à tumefação do fígado); cirrose (antes do quadro final, em que há diminuição de tamanho); doença venooclusiva (síndrome de Budd-Chiari, policitemia vera, anemia falciforme); hemocromatose; sífilis (estágio secundário às vezes acomete o fígado); neoplasias (primárias ou secundárias); fígado gorduroso (excesso de álcool, emagrecimento rápido, kwashiorkor); amiloidose; tuberculose; sarcoidose; doença de Gaucher; esquistossomose; leishmaniose visceral - Hipocôndrio esquerdo: aumento do baço ‒ tuberculose, leishmaniose visceral, malária, policitemia vera, doença de Gaucher, hipertensão portal, leucemias, linfomas, amiloidose, sarcoidose, hemocromatose, púrpura trombocitopênica idiopática, doença de Felty, distúrbios hemolíticos, mielofibrose, infecções agudas (HIV, mononucleose, citomegalovírus, histoplasmose) - Região lombar direita: cólon ascendente ‒ intussuscepção, tumoração (seja por tuberculose, doença de Crohn ou malignidade), acúmulo de fezes; rim direito ‒ neoplasia maligna, doença renal policística; suprarrenais ‒ tumores - Região lombar esquerda: causas semelhantes às descritas para região lombar direita, lembrando que o baço pode ser palpado neste local - Fossa ilíaca direita: ceco ‒ tumorações; ovário e tubas uterinas ‒ cistos, tumores - Fossa ilíaca esquerda: cólon descendente e sigmoide ‒ carcinoma de cólon, acúmulo de fezes (por exemplo, fecaloma) - Região epigástrica: estômago ‒ tricobezoar e outros corpos estranhos, estenose pilórica, tumores (mais raramente); cólon transverso ‒ obstruções intestinais, neoplasias, acúmulo de fezes; omento: peritonite tuberculosa ou infiltração neoplásica; pâncreas ‒ cistos, pseudocistos, carcinomas; linfonodos paraaórticos e mesentéricos ‒ tuberculose, neoplasias malignas - Região mesogástrica: aneurisma de aorta abdominal e todas as afecções descritas para o epigástrio podem ser causas de aumento desta região - Região hipogástrica: bexiga distendida; útero e anexos ‒ gravidez, tumores
Ao exame físico apresenta-se em bom estado geral, corado, hidratado, anictérico, acianótico, afebril, eup neico, orientado, consciente. Pressão arterial de 120 × 70mmHg e frequência cardíaca era de 68bpm. Ausência de estase jugular, tireoide não palpável, linfonodos cervicais não palpáveis. Murmúrios vesicu lares presentes sem ruídos adventícios. Bulhas rítmicas em dois tempos sem sopros. O abdome encontra-se globoso, sem cicatrizes, abaulamentos ou retrações, sem circulação colateral visível, parede abdominal distendida, tensa, indolor, piparote negativo, semicírculo de Skoda positivo, sem visceromegalias, ruídos hidroaéreos presentes. Membros com boa perfusão periférica, pulsos presentes, simétricos, sem edema. Exame neurológico com pupilas isocóricas, fotorreagentes, sem déficits motores ou sensitivos, sem sinais meníngeos.
202 - Doenças do Sistema Gastrointestinal
• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
Hemoglobina: 14,8 Hematócrito: 44,3 Volume corpuscular médio: 80,5 Hemoglobina corpuscular média: 26,9 Plaquetas: 400.000 Leucócitos: 6.010 Bastões/segmentados (B/S): 0/71,6 Eosinófilos/linfócitos (E/L): 0,4/23,8 Glicose: 95 Sódio: 135 Potássio: 5,1 Creatinina: 1,3 Ureia: 35 Aspartato aminotransferase (AST): 19 Alanina aminotransferase (ALT): 33 Atividade de protrombina (AP): 89% Albumina: 4,1 Gama-glutamiltransferase: 31 Fosfatase alcalina: 110 Bilirrubina total: 0,5 Bilirrubina direta/bilirrubina indireta: 0,2/0,3 Desidrogenase lática: 365 Tempo de tromboplastina parcial ativada: 28 Proteína total: 6,5
infecção associada2,3,9. ADA limítrofe, predomínio de
linfócitos e pesquisa de células neoplásicas ainda sem
liberação pela patologia não permitem diferenciar, com exatidão, neoplasia de tuberculose.
Além da dosagem de albumina, é imperioso solicitar contagem de células (total e diferencial) e cultura do lí quido ascítico, já que o objetivo principal da paracentese é tentardescobrira causa da ascite, assim como investigar
a possibilidade de infecção do líquido ascítico, sendo que
o Gram também ajuda2,3,9. Em relação ao presente caso, é necessário solicitar ainda: citologia oncótica; glicose, DHL; e ADA ‒ aumentada em peritonite tuberculosa, geralmente acima de 40 (excelente para diagnóstico)2.
Como seguimento investigativo solicita-se tomo grafia computadorizada de abdome (Figs. 34.1 e 34.2), que mostrou espessamento de peritônio e cólon descen dente; hipóteses diagnósticas: carcinomatose ou tuberculose peritoneal.
Na primeira imagem, é impossível diferenciar entre As indicações à paracentese diagnóstica são basica
as duas hipóteses apresentadas. Porém, quando se obser
mente para pacientes com ascite de início recente, como
va a Figura 34.2, tendemos a pensar mais em neoplasia
o paciente em questão, ou aqueles que, embora a apre
pela localização da lesão, já que tuberculose, quando
sentem cronicamente, se nota deterioração do quadro clínico, incluindo suspeita de infecção do líquido ascítico2,9.
acomete o cólon, é quase exclusivamente limitada ao ceco,
Vários autores recomendam o procedimento em qualquer
massa. Já o adenocarcinoma acomete tanto o cólon es
internação hospitalarde pacientes com ascite porcirrose,
querdo quanto o direito e também pode ser visto como
tendo em vista que em 10 a 30% é feito o diagnóstico de
espessamento da parede colônica, com massa intramural
peritonite bacteriana espontânea sem indicadores clínicos como febre ou dorabdominal2.
ou intraluminal. Não há como distinguir neoplasia primá ria de doença metastática pela tomografia10. A confirma
O aspecto do líquido retirado já fornece importante
ção da suspeita só será obtida com exame endoscópico
dado para o raciocínio etiológico. O clássico encontrado
com espessamento de parede, raramente com lesão em
associado à biópsia.
em cirróticos é o amarelo-citrino. Outros padrões incluem fluidos turvos, sanguinolentos, quilosos, ou mesmo tons mais escuros de amarelo, fazendo pensarem causas de
base que elevam o conteúdo proteico e/ou celular da amostra, como o observado em nosso paciente2. Em se quência, procede-se à análise do líquido peritoneal, que
irá dividiros pacientes em dois grandes grupos etiológicos, de acordo com o GASA (albumina sérica ‒ albumina do
líquido ascítico). GASA maior que 1,1 tem acurácia de 97% para o diagnóstico de hipertensão portal2,3. Temos
um material turvo, indicando possível alto conteúdo pro teico, confirmado pelo GASA menor que 1,1, o que sem
dúvida limita nossas possibilidades diagnósticas. Em um país como o Brasil, frente a esse resultado, temos a obri
gação de pensarem tuberculose, além de neoplasia, esta última a de maior prevalência dentre as de GASA baixo.
Com um número de polimorfonucleares menor que 250/ mm3 e cultura negativa, descarta-se a possibilidade de
Figura 34.1 - Tomografia computadorizada de abdo me evidenciando ascite e espessamento peritoneal.
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CAPÍTULO 34
QUADRO 34.2 - Exames laboratoriais
Aumento do Volume Abdominal - 203
benefício. Preferencialmente, punciona-se no quadrante inferior esquerdo, 2 a 3cm acima e 2 a 3cm medialmente
à crista ilíaca anterossuperior, em razão da menor espes
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5
sura desse local aliada a maior quantidade de líquido acumulado3. É sempre importante lembrar que, na maioria das
vezes, estaremos diante de pacientes hepatopatas que não
raro apresentam coagulopatia ou trombocitopenia, e isto
de maneira alguma contraindica o procedimento. Basta citarum estudo com 1.400 paracenteses, em que compli
cações hemorrágicas graves foram observadas em menos
Figura 34.2 - Tomografia computadorizada de abdo me evidenciando espessamento de cólon descendente.
de 0,2% dos pacientes. Não há necessidade, portanto, de preocupação com transfusão profilática de plasma fresco congelado ou concentrado de plaquetas2,3,9.
O GASA é o melhor meio de categorizara ascite, Frente a tais hipóteses, o paciente é submetido à colonoscopia, que mostrou, a 20cm da borda anal, uma lesão ulcerada, infiltrativa e vegetante, de limites im precisos, friável, circunferencial, estenosante e que impede a passagem do aparelho, com lúmen de 4mm ‒ realizadas várias biópsias. O exame anatomopatológico confirmou a hipótese inicial.
superando o antigo conceito de exsudato/transudato de acordo com o nível total de proteína no líquido ascítico. Lembrar que, para possibilitaro cálculo, deve-se solicitar
dosagem de albumina no soro no mesmo dia em que se manda para análise o líquido ascítico. Nas situações em que o paciente apresenta hipertensão portal e mais uma
causa de ascite, o GASA também é maior ou igual a 1,1, o que nos permite concluir que se o GASA vier menor
do que 1,1, como no paciente em foco, a chance de haver hipertensão portal é reduzida a quase zero2,3.
DIAGNÓSTICO Adenocarcinoma mucinoso de sigmoide.
Podemos dividiras causas de ascite em dois grupos antagônicos de acordo com o GASA (Quadro 34.3), restringindo as possibilidades diagnósticas2 9. Se maior que 1,1, temos como exemplos: cirrose, hepatite alcoó
lica, ascite cardíaca, trombose de veia porta, síndrome
DISCUSSÃO Quando às causas de distensão abdominal (“5 F”), difi cilmente se consegue palpar uma massa abdominal se houver obesidade; distensão gasosa é observada especial mente nas obstruções intestinais, com hipertimpanismo à percussão e até visualização dos contornos das vísceras
distendidas; com histórias de constipação crônica, pode ser palpada massa endurecida (fecaloma) em fossa ilíaca esquerda, confirmada pelo toque retal1. Clinicamente, só é possível constatar ascite quando o volume é maior que 1.500mL, observando-se macicez móvel (sua ausência diminui a chance de encontrar ascite por meio de outras manobras a menos de 10%), semicírculos de Skoda, pi
parote positivo, dentre outros. Em pacientes com suspeita mantida mesmo com sinais clínicos frustros, pode-se lançar mão de ultrassonografia abdominal ou tomografia computadorizada de abdome2,3.
de Budd-Chiari, metástases hepáticas que causem à hi-
QUADRO 34.3 - Etiologia da ascite a partir do valor do gradiente ascítico soro-ascite (GASA)2,9 • GASA > 1,1 - Cirrose - Hepatite alcoólica - Trombose de veia porta - Síndrome de Budd-Chiari - Metástases hepáticas - Hepatocarcinoma - Ascite cardíaca - Causas mistas (cirrose + outra) • GASA < 1,1 - Carcinomatose peritoneal - Peritonite tuberculosa - Síndrome nefrótica - Ascite biliar - Ascite pancreática - Serosites - Linfoma peritoneal - Peritonite bacteriana secundária
CAPÍTULO 34
A paracentese abdominal com análise do líquido as cítico certamente é o mais rápido método para o diagnós tico etiológico da ascite, apresentando o melhor custo/
CAPÍTULO 34
204
- Doenças do Sistema Gastrointestinal
pertensão portal. Se menor que 1,1, as hipóteses são:
forte suspeita de neoplasia autorizou a realização direta de
carcinomatose peritoneal, peritonite tuberculosa, ascite pancreática, ascite biliar, síndrome nefrótica, serosites9.
colonoscopia para melhor avaliação de todo o cólon.
Já a infecção no líquido ascítico é conhecida como peri
tipo de câncer é a dor abdominal (50%), seguida de alte
tonite bacteriana espontânea se não houver uma causa
ração do hábito intestinal (35%), sangue oculto nas fezes positivo (30%) e obstrução intestinal (15%). É importan
secundária como perfuração de vísceras, por exemplo, e
Quando sintomática, a queixa mais prevalente nesse
se a contagem de polimorfonucleares for maior que 250/ mm3. Para punção traumática, com grande quantidade de
te lembrar que tumores de cólon direito costumam ser
sangue, desconta-se um neutrófilo para cada 250 hemácias encontradas3’9.
do tendem a se apresentar de menor tamanho e levando
Vimos que, de rotina, é obrigatório pedir no exame
pletamente normal, ou pode revelar perda ponderal,
laboratorial do líquido ascítico: proteína total, albumina e contagem de células total e diferencial. Outros exames
desconforto ou massa abdominal à palpação, sangramen to retal e/ou ascite2,3,11.
podem ser úteis de acordo com a suspeita clínica, como
Temos um paciente em que a história de perda pon
culturas e Gram, na hipótese de infecção; amilase, pen
deral e aumento de volume abdominal relativamente re
sando em perfuração de vísceras ou ascite pancreática;
cente; o exame físico apontando para acúmulo de líquido
DHL, uma enzima liberada após destruição celular, logo,
livre na cavidade abdominal; a imagem tomográfica su
aumentada em situações de alta celularidade no líquido
gestiva e o líquido ascítico turvo revelando GASA baixo
ascítico, como carcinomatose peritoneal; glicose, que pode
com DHL/glicose baixa (< 50mg/dL) fazem com que a
estar diminuída quando existe um meio disposto a con
probabilidade pré-teste para neoplasia da colonoscopia
sumi-la, seja por meio de bactérias ou de células neoplá
associada à biópsia aumente sobremaneira.
maiores e sangram mais, ao passo que os do lado esquer
tardiamente à obstrução. O exame físico pode ser com
sicas. Citologia oncótica também é importante quando se
pensa em carcinomatose peritoneal, em razão da positi vidade em quase 96,7% das vezes. Pacientes com tal diagnóstico geralmente têm como local primário mama,
cólon, estômago ou pâncreas. Entre os exames pouco usados estão dosagem de bilirrubina e triglicérides do
líquido ascítico. Por fim, os que não devem ser solicitados,
por simplesmente não ajudarem em nada: pH, lactato, colesterol, fibronectina, glicosaminoglicanos2,3.
Câncer colorretal é o terceiro câncer mais frequente dos Estados Unidos, com mais de 100.000 novos casos
por ano, e a maior parte constitui-se de adenocarcinoma. Dentre os fatores de risco, citam-se dieta rica em gordu
ra e colesterol, doença inflamatória intestinal e predispo
sição genética (histórico de polipose familiar e casos na família, por exemplo). Estima-se que o risco de desenvol
ver câncer colorretal para a população geral durante a
vida seja de 5 a 6%11. No Brasil, a projeção é de que
sejam diagnosticados mais de 26.000 novos casos no ano de 2008, sendo o quarto mais frequente entre homens e
o terceiro entre mulheres, excluindo-se o câncer de pele12. Trata-se de uma neoplasia perfeitamente curável se descoberta precocemente, com sobrevida global de 60% em cinco anos11. Normalmente, é assintomática, diagnosticada
em exames de triagem. Os principais são a pesquisa de sangue oculto nas fezes e a retossigmoidoscopia. Inúmeros estudos caso-controle sugerem fortemente que o uso desta
última no rastreamento diminui a mortalidade por cânceres localizados no retossigmoide13. No caso em questão, a
REFERÊNCIAS 1. HART, F. D. et al. French - Diagnóstico diferencial. 10 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1979, p. 1-6 (Abdome, distensão do). 2. MARTINS, H. S. et al. Ascite no pronto socorro. In: MARTINS, H. S. et al. Emergências clínicas - abordagem prática. 3. ed. Barueri: Manole, 2007, p. 316-334. 3. RUNYON, B. A. Management of adult patients with ascites due to cirrhosis. Hepatology, v. 39, n. 3,2004. 4. HART, F. D. et al. French - Diagnóstico diferencial. 10 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1979, p. 106-112 (Baço, aumento do). 5. HART, F. D. et al. French - Diagnóstico diferencial. 10 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1979,p. 319-325 (Fígado, aumento do). 6. ALIBHAI, S. M. H. An approach to the management of unintentional weight loss in elderly people. Canadian Medicai Association Journal. v. 172, n. 6, 2005. 7. BOURAS, E. P. et al. Rational approach to patients with unintentional weight loss. Mayo Clin. Proc., v. 76, p. 923-929,2001. 8. GOLDMAN, L. et al. Doenças do peritôneo, mesentério e omento. In: Cecil - Tratado de medicina interna. 21. ed. Rio de Janei ro: Guanabara Koogan, v. 1, p. 841-846,2001. 9. THOMSEN, T. W. et al. Paracentesis. N. Engl. J. Med., v. 355, e21, 2006. 10. BURGENER, F. A.; KORMANO, M. Differential diagnosis in computed tomography. Stuttgart: Georg Thieme Verlag, 1996, section VI, p. 304-308 (Abdômen and pélvis). 11. LYNCH, H. T. et al. Hereditary colorectal câncer. N. Eng. J. Med., v. 348, n. 919, p. 32,2003. 12. INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER. Estimativa 2008 - In
cidência de câncer no Brasil. Disponível em http://www.inca. gov.br/estimativa/2008/index .asp?link=tabelaestados.asp&UF=BR. 13. AHLQUIST, D. A. et al. Triage by flexible sigmoidoscopy inevitably “short-sighted”. Gastroenterology, v. 115, n. 3, p. 777-780.
CAPÍTULO
35
Dor Epigástrica Francisca Delanie Bulcão de Macêdo
Homem negro, 35 anos de idade, apresenta-se ao serviço de emergência com uma semana de dor em andar superior do abdome, em faixa, de forte intensida de, associada a náuseas e vômitos, sem febre. A dor piora após alimentação e não cede com analgésicos endovenosos. Acompanhante relata ingesta de bebida alcoólica anteriorao quadro. Nega internações prévias. Desconhece outras doenças. É etilista (1L de destilado/ dia por 24 anos) e tabagista (20 maços-ano). Não faz uso de medicações outras, exceto analgésicos comuns. Sem antecedente familiar significativo.
pode correspondera um quadro mais grave, como
colangite ou colecistite supurativa. Ao exame, pode ser encontrado o sinal de Murphy, presente em
metade dos pacientes.
• Colangite: nesse caso, o paciente exibe a conhecida
tríade de Charcot, caracterizada por icterícia, dor
abdominal e febre com calafrios. • Hepatite: a dor raramente tem início agudo. A pal
pação do fígado contra o gradil costal pode causar dor, devido à inflamação do parênquima hepático.
• Abscesso hepático: o quadro clínico é mais insidio
Dor abdominal é uma queixa frequente na prática clínica,
so, instalando-se por mais de duas semanas e mar
sendo responsável por 25% das admissões em unidades
cado por febre intermitente, dor abdominal em hi
de emergência nos Estados Unidos. Apesar da alta inci
pocôndrio direito ou difusa e alterações infecciosas
dência, seu manejo mostra-se difícil e, independentemen
te dos recursos utilizados, 30% dos casos permanecem
no hemograma. • Angina mesentérica: pode ser difícil distinguir de
sem um diagnóstico específico. O diagnóstico diferencial
cólica biliar e da pancreatite aguda, principalmente
de dor abdominal é extenso (Quadro 35.1). As dores em
se a dor for em epigástrio. Geralmente, o paciente
abdome superior ‒ especificamente em quadrante superior
refere dor após a alimentação, associada a náuseas.
direito ‒ quase sempre estão relacionadas a doenças bi liares e hepáticas, devendo-se excluir também angina
Dores no quadrante superior esquerdo geralmente
mesentérica, cólica renal e os quadros de inflamação do
estão relacionadas a afecções pancreáticas ou esplênicas.
apêndice.
• Pancreatite aguda: a dor tem início agudo e irradia • Dor biliar: geralmente descrita como uma cólica que piora poucas horas após a alimentação e depois
ção para o dorso. Geralmente, aparece ou se acentua
regride paulatinamente, podendo haver distensão
de náuseas e vômitos, semelhantemente à dor da
epigástrica e sintomas de plenitude. Náuseas e vô
angina mesentérica. Tipicamente, ocorre após 1 a
mitos também podem ocorrer. • Colecistite: apresenta-se como dor intensa, que
3h da ingesta alcoólica ou relacionada à colelitíase.
normalmente persiste por mais de 6h, com irradiação
minutos depois da ingestão alimentar, acompanhada
Nesse caso, relato de consumo recente de álcool torna esta hipótese possível.
para a região subescapular, associada a náuseas,
• Infarto esplênico: é mais comum em pacientes com
vômitos biliosos e anorexia. Febre com calafrios
história de anemia falciforme e traço falciforme.
206
- Doenças do Sistema Gastrointestinal
CAPÍTULO 35
• Rotura esplênica: normalmente está relacionada à
história de trauma, manifestando-se com dor no quadrante superior esquerdo e irradiação para es cápula esquerda (Sinal de Kehr). Porém, não há
relato de acidentes na história.
Outras causas possíveis: • Pneumonia do lobo inferior: a ausência de tosse, a febre e a queda do estado geral parecem tomar tal
hipótese menos provável. • Dispepsia: como quadro agudo, poderia ocorrer como exacerbação de uma condição crônica, como doença do refluxo gastrointestinal, doença inflamatória intes
tinal, síndrome do intestino irritável, gastroparesia diabética, uso de medicações ou causas psiquiátricas. Contudo, não há relato compatível com essas condi
ções na história.
A admissão, o paciente se encontra em bom estado geral, com frequência cardíaca de 80bpm e pressão arterial (PA) de 140 × 90mmHg, sem sinais de icterícia ou palidez cutâneo-mucosa. A ausculta cardiorrespira tória não revela alterações. O exame do abdome mostra ausência de cicatrizes cirúrgicas à inspeção, discreta distensão gasosa, com dor à palpação difusa, ruídos hidroaéreos positivos, sem sinais de irritação peritone al, sem visceromegalias ou massas palpáveis. Ausência de macicez móvel. Não há evidências de lesões de pele. Não há sinais de hepatopatia crônica, como telangiecta sias e aranhas vasculares, eritema palmar, ginecomastia. O toque retal não evidencia alterações.
Esse paciente mostra-se clinicamente estável, sem sinais que sugiram septicemia ou choque, ao exame inicial. A avaliação do abdome não revela indícios de peritonite,
o que afasta a necessidade de intervenção cirúrgica de urgência. A ausência de sinais de hepatopatia crônica e ascite ‒ em um paciente etilista importante ‒ torna menos
provável a hipótese de complicações da cirrose, como peritonite bacteriana espontânea. Alterações de pele como
equimoses periumbilical e em flancos poderiam explicar um quadro de hemorragia retroperitoneal, porém, são
raros e não estão presentes, bem como também não há evidências de lesões compatíveis com herpes-zóster, que poderia ser causa de dor abdominal em faixa. Nenhum
exame do abdome seria completo sem o toque retal, fun damental para ajudar no diagnóstico de massas e sangra
mentos intra-abdominais. Medicado com Buscopan composto e Tramal, com alívio parcial e temporário da dor. Hidratação venosa com soro fisiológico a 0,9%, 2L, além de jejum.
QUADRO 35.1 - Causas de dor abdominal • Quadrante superior direito - Hepatite - Pancreatite aguda - Colangite - Colecistite - Colelitíase - Úlcera duodenal - Dispepsia - Abscesso hepático - Herpes-zóster - Pericardite - Pneumonia - Apendicite retrocecal • Quadrante inferior direito - Apendicite - Obstrução intestinal - Diverticulite - Gravidez ectópica - Endometriose - Hérnia - Doença inflamatória intestinal - Síndrome do intestino irritável - Nefrolitíase - Adenite mesentérica - Divertículo de Meckel - Cisto ovariano - Torção de ovário - Doença inflamatória pélvica - Abscesso em psoas - Aborto • Quadrante superior esquerdo - Pancreatite aguda - Úlcera duodenal - Dispepsia - Úlcera gástrica - Gastrite - Infarto miocárdico - Pericardite - Pneumonia - Abscesso esplênico - Infarto esplênico - Rotura esplênica • Quadrante inferior esquerdo - Obstrução intestinal - Diverticulite - Gravidez ectópica - Endometriose - Hérnia - Doença inflamatória intestinal - Síndrome do intestino irritável - Nefrolitíase - Cisto ovariano - Torção de ovário - Doença inflamatória pélvica - Abscesso tubo-ovariano - Abscesso em psoas - Aborto • Difusa - Pancreatite aguda - Obstrução intestinal - Dissecção de aorta - Apendicite (fase inicial) - Gastroenterite - Doença inflamatória intestinal - Síndrome do intestino irritável - Isquemia mesentérica - Peritonite - Rotura de aneurisma de aorta abdominal
Dor Epigástrica - 207
CAPÍTULO 35
Os exames de urgência revelam: hemoglobina: 15,8; hematócrito: 40,5; leucócitos: 10.500, sem desvio à esquerda; amilase: 403; lipase: 194; cálcio: 9; bilirru binas totais: 1,3; (I); direta: 0,3; (I); aspartato amino transferase: 14; alanina aminotransferase 8; fosfatase alcalina: 95; gama-glutamiltransferase: 318; albumina: 4,8; atividade de protrombina: 73%; glicose: 115; de sidrogenase lática: 280; proteína C-reativa: 81,2. Função renal e eletrólitos sem alterações. A urina I mostra 2+ de bilirrubinas. Eletrocardiograma e radiografia de tórax normais. Os exames mostram elevação das enzimas pancreáti
cas, apresentando amilase e lipase com valor três vezes
superiorao da normalidade, tornando provável o diagnós
Figura 35.1 - Tomografia computadorizada de abdo me mostrando calcificação pancreática.
tico de pancreatite aguda. A lipase mostra-se mais sensí
vel que a amilase nos casos de pancreatite aguda induzi da por álcool. As provas de função e as enzimas hepáticas
estão normais, demonstrando não haver agressão ao pa
rênquima hepático. A atividade da gama-glutamiltransfe rase pode ser exacerbada por alguns medicamentos indu tores de enzimas ou pelo álcool. O hemograma não revela
quadro infeccioso. A proteína C-reativa, quando superior a 150mg/L, é indicativa de mau prognóstico, não sendo
o caso desse paciente. A radiografia normal toma menos provável a hipótese de pneumonia. Ausência de alterações eletrocardiográficas como supra difuso de ST e infra de
PR praticamente afasta o diagnóstico de pericardite. Ultrassonografia abdominal evidencia colelitíase. A tomografia computadorizada de abdome revela pân creas atrofiado, calcificações, Wirsung dilatado e cole ções peripancreáticas (Figs. 35.1, a 35.3). Submetido à colecistectomia videolaparoscópica sem intercor rências. Recebe alta assintomático, com orientações para pararde bebere encaminhamento para tratamento psicoterápico.
Figura 35.2 - Tomografia computadorizada de abdo me revelando dilatação do ducto pancreático principal (Wirsung).
Os exames de imagem revelam um quadro compatível
com pancreatite crônica, com exacerbação aguda tanto
pela litíase como pelo consumo de álcool. A ultrassono
grafia abdominal é útil para detectar litíase biliar, a causa mais comum de pancreatite aguda, embora de
baixa sensibilidade tanto para diagnóstico como para detecção de necrose. Por ser de baixo custo e de fácil
acesso, está sempre indicada. Nesse caso, diante do achado ultrassonográfico de litíase biliar foi realizada
colecistectomia. O momento exato de se realizara cirur gia em casos de pancreatite aguda ainda é controverso.
Figura 35.3 - Tomografia computadorizada de abdo
De modo geral, nos quadros moderados, a maioria dos
me com contraste venoso revelando atrofia significativa e coleção peripancreática.
cirurgiões prefere realizara colecistectomia na mesma
208 - Doenças do Sistema Gastrointestinal
CAPÍTULO 35
internação, para evitar recorrências. Por outro lado, nos
processos mais graves, é preferível aguardara resolução
do processo inflamatório e a melhora do estado nutricio nal do paciente. Em pancreatite por álcool, os pacientes
devem ser incentivados a parar de beber para melhor controle da dor.
978-85-4120-074-5
Após sete meses, o paciente retorna ao setor de emergência queixando-se de novo episódio de dorem abdome superior, náuseas e vômitos, além de diarreia pastosa, três a quatro vezes ao dia, sem muco ou sangue, com fezes que grudam ao vaso. Na ocasião, em absti nência alcoólica há sete meses apresenta: amilase: 419; glicemia: 128. Já nesse momento foi iniciado tratamen to com enzimas pancreáticas (20.000U), durante as refeições, três vezes ao dia.
O paciente apresenta um quadro de pancreatite crôni ca agudizada. A pancreatopatia crônica está caracterizada por diarreia disabsortiva do tipo esteatorreia e intolerância à glicose, que pode culminar com um quadro de diabetes
mellitus secundário à destruição das células beta das ilho tas de Langerhans, produtoras de insulina. Nos exames de
imagem, observam-se alterações compatíveis com doença
Figura 35.4 - Pancreatografia revelando dilatação e tortuosidade do Wirsung e calcificação em sua porção cefálica.
avançada, como atrofia e calcificações pancreáticas. O
paciente está em abstinência há alguns meses, tornando o
álcool fator menos provável de exacerbação. Outras causas possíveis para essa piora são obstrução por cálculos, uso de drogas, etc.
Diante da suspeita, o paciente é submetido à colan giopancreatorressonância, para melhor elucidação da causa. O exame revela atrofia difusa do parênquima pancreático com heterogeneidade do sinal associada à acentuada dilatação e irregularidade do ducto de Wir sung, apresentando falha de sinal, arredondada, medindo até 4mm na sua porção proximal, compatível com calcificação, que se projeta no interiordo sistema ductal (Figs. 35.4 e 35.5). O paciente evolui com melhora da diarreia após o uso das enzimas, porém, queixa-se de dores abdominais esporádicas, de moderada intensidade, muitas vezes associadas a náuseas, que pioravam muito a sua qualida de de vida. Foi então encaminhado para avaliação com a cirurgia, sendo submetido a uma pancreatojejunoa nastomose em Y de Roux (cirurgia de Puestow).
Figura 35.5 - Colangiorressonância magnética de monstrando dilatação e tortuosidade do Wirsung.
cirúrgica, como no caso deste paciente. Uma opção cirúr gica viável, e também a mais realizada em pacientes com pancreatite crônica e com diâmetro do Wirsung dilatado
(maior que 1cm), é a cirurgia de Puestow (pancreatojeju A dor em pancreatite crônica, é muito variável. Alguns
nostomia laterolateral em Y de Roux).
pacientes costumam responder bem à terapêutica clínica,
especialmente se não apresentam calcificações ou estea torreia. Outros, no entanto, têm dor intensa, refratária às
medidas clínicas e que interferem negativamente na qua lidade de vida. Nesses casos, pode-se optar por conduta
Achados cirúrgicos compatíveis com pancreatite crônica e cálculo pancreático cefálico. A biópsia do pâncreas evidencia pancreatite crônica com intensa atrofia do parênquima exócrino e esclerose.
Dor Epigástrica - 209
Pancreatite crônica agudizada.
langiorressonância magnética com pancreatografia tornase uma alternativa útil, tendo a vantagem de ser menos invasiva. A tomografia computadorizada helicoidal com contraste venoso tem sensibilidade de 75 a 90% para diagnóstico da pancreatite crônica. É útil para detecção
DISCUSSÃO 978-85-4120-074-5
Episódios de pancreatite aguda podem ocorrerem um
pâncreas cronicamente doente. Muitas vezes, o paciente
abre o quadro como, pancreatite aguda e, com a evolução, observa-se o caráter crônico da doença. Por ser caracte
rizada por inflamação e fibrose progressivas, irreversíveis, essa doença evolui, em fases mais avançadas, para insu
ficiência pancreática, marcada por uma síndrome de má digestão dos alimentos ‒ com desnutrição e esteatorreia
‒ e diabetes mellitus.
Classicamente, a causa mais comum de pancreatite crônica é o consumo de álcool, correspondendo a 80%
dos casos. Outras etiologias menos comuns são forma hereditária (2%), mais frequente em jovens; idiopática
(10 a 30%), além de trauma, pâncreas divisum, neoplasia,
radioterapia e hiperparatireoidismo (10 a 15%).
O sintoma mais frequente da doença é a dor abdomi nal que, como nesse caso, se localiza em abdome superior (epigástrio, quadrante superiordireito ou esquerdo), com
irradiação para o dorso. A dor tem intensidade variável, podendo ser leve a intensa e, muitas vezes, necessitando de analgésicos potentes para o controle álgico. Costuma
piorar minutos após a alimentação e ter início cerca de
dois a três dias após uma libação alcoólica. No início da doença, os episódios de dor aparecem em crises, tornan do-se cada vez mais frequentes com a evolução. Alguns,
no entanto, podem ter até melhora da dorà medida que o parênquima vai progressivamente se atrofiando. Nesses casos, piora da dor pode sugerir complicações como
pseudocistos, abscessos, outros. Paciente com dor acaba não se alimentando, o que acarreta perda de peso signi
ficativa. A esteatorreia aparece como manifestação da insuficiência exócrina e costuma surgir quando cerca de 90% do parênquima foram destruídos. O diabetes mellitus é uma alteração tardia e decorre da atrofia das células das
de aumento pancreático, atrofia, calcificações, dilatações ductais, cálculos pancreáticos e complicações (pseudocis to, trombose de veias esplênica e porta, etc.). Embora a ultrassonografia abdominal seja um exame barato e facil mente disponível, tem baixa sensibilidade para detecção precoce da doença, sendo um método bom para diagnós tico de complicações como pseudocisto. Por sua vez, o
achado de calcificações pancreáticas em radiografia sim ples de abdome praticamente fecha o diagnóstico da doença; porém, sua ausência não afasta o quadro (sensi bilidade: 25 a 75%). O tratamento consiste no controle dos sintomas, principalmente dor. A abordagem da dor em pancrea tite crônica depende muito da frequência e da intensida de do quadro, podendo variar desde o uso de analgésicos comuns até a necessidade de opiáceos, bloqueio de ple xo celíaco e/ou intervenções cirúrgicas. O tratamento intervencionista da dor, que consiste em procedimentos de drenagem e ablativos, além de descompressões endos cópicas, fica reservado para aqueles pacientes cuja doré intensa, refratária ao tratamento clínico e cuja qualidade de vida está afetada; também para tratamento das com plicações. A cirurgia mais realizada é a de Puestow, à qual o paciente foi submetido. Consiste em drenagem do Wirsung para o jejuno e tem a vantagem de preservar o parênquima pancreático. Os demais procedimentos têm finalidade ablativa, com índice de melhora da dor que varia entre 40 e 80%: pancreatectomia subtotal, pancre atoduodenectomia, pancreatectomia distal. O uso de enzimas pancreáticas parece ter algum benefício ao con trole da dor, pois a tripsina exógena inativaria a liberação de colecistoquinina ‒ hormônio que estimula secreção pancreática. A octreotida também atua inibindo a libera ção desse hormônio, porém, o seu benefício é questio nável. O tratamento da esteatorreia, por sua vez, baseia-
pancreatite baseia-se nos exames radiológicos e testes de
se na reposição das enzimas, especialmente a lipase pancreática, que deve ser administrada junto às refeições. Já o controle do diabetes mellitus é com insulinoterapia, geralmente em doses menores que as utilizadas para o diabetes primário.
função exócrina, como o teste da secretina, que é o mais
A pancreatite crônica pode se complicar por diversas
sensível e específico para pancreatite crônica, e o teste da
causas, caracterizando as exacerbações da doença. Pseu
bentiromida. Quanto ao diagnóstico radiológico, a colan
docistos, abscessos, obstrução duodenal, obstrução do
giopancreatografia retrógrada endoscópica é o padrão
colédoco e trombose de veia esplênica são complicações
-ouro para diagnóstico e estadiamento, com sensibilidade
possíveis.
ilhotas de Langerhans.
Devido à dificuldade de se obter amostra de tecido pancreático para análise histológica, o diagnóstico de
CAPÍTULO 35
DIAGNÓSTICO FINAL
entre 75 e 95% e especificidade de 90%. Entretanto, pela significativa morbidade e mortalidade (0,1 a 1%), a co
210 -
Doenças do Sistema Gastrointestinal
CAPÍTULO 35
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___________________________________
CAPÍTULO
36
Icterícia Indolor Patrícia Bandeira Moreira Rueda Germano
Paciente do sexo feminino, branca, 50 anos de idade, casada, natural de Sergipe, procedente de São Paulo (há 20 anos), procura o hospital contando que pas sava bem quando notou um caroço em local que aponta como sendo hipocôndrio direito, acompanhado de sensação de peso há 20 dias. Há cinco dias, notou os olhos amarelos, a urina escura, manchando as roupas íntimas, e fezes ligeiramente mais claras. Além disso, emagreceu 9kg em aproximadamente quatro meses. Nega náuseas ou vômitos, febre ou outros sintomas. Nega ter diagnóstico de outras doenças e refere cirurgia abdominal para correção de hérnia de parede há três anos. Engravidou sete vezes e todos os partos foram por via vaginal, sem intercorrências e sem abor tos. Nega alergias ou transfusões de sangue. Refere atividade sexual com parceiro fixo, porém sem preser vativo ou método anticoncepcional. A paciente conta ser tabagista (30 anos-maço) e ingerir bebida alcoólica moderadamente, apenas em situações sociais. Nega uso de medicamentos ou outras drogas, mas refere terusa do diversos chás, nos últimos dias, para melhorar o funcionamento intestinal. Em sua família existiam casos de diabetes mellitus, sem casos de doença hepática, cardíaca, hematológica ou câncer.
heme oxigenase e biliverdina redutase. Forma-se a bilir rubina não conjugada ou indireta que circula ligada à
albumina, não pode ser eliminada pelos rins e é captada
pelos hepatócitos. Ocorre então a conjugação entre a bi lirrubina e o ácido glicurônico, formando a bilirrubina
conjugada ou direta, hidrossolúvel pronta para serexcre tada pelas vias biliares. No cólon, transforma-se em
urobilinogênio e estercobilinogênio, é excretada princi
palmente nas fezes e outra pequena parte é reabsorvida e excretada pelos rins. Qualquer falha nesse processo jus
tifica o aparecimento de icterícia. Identificara falha da qual resulta a icterícia é fundamental para a formulação
de hipóteses diagnósticas.
Outras condições clínicas que não a icterícia podem
levar ao achado de pele amarelada. Ressaltamos a caro tenemia e a licopenemia. Carotenemia é a pigmentação
amarelada da pele associada ao aumento sérico dos níveis de caroteno (precursorda vitamina A; convertido na mu cosa do intestino delgado). Na maioria das vezes, está associada ao aumento de seu consumo na dieta (derivado
de frutas e vegetais), mas também à incapacidade de
converter o caroteno em vitamina A. Outras causas raras de carotenemia são hipotireoidismo, diabetes mellitus,
Icterícia denota coloração amarelada de pele, mucosas e
anorexia nervosa, doença renal e hepática e familiar. A
esclerótica, decorrente do depósito de bilirrubina nos
licopenemia resulta do acúmulo de licopeno, considerado
tecidos, sendo evidente clinicamente a partir de níveis
a substância formadora de todos os pigmentos carotenoi
séricos acima de 3mg/dL. A elevação da bilirrubina séri
des, derivado principalmente de tomates e frutas. A prin
ca se dá por alterações no metabolismo (produção, cap
cipal diferença clínica entre icterícia e carotenemia ou
tação ou conjugação), doença hepática ou obstrução de
licopenemia é que nas últimas não há pigmentação da
vias biliares.
esclera.
A bilirrubina resulta da degradação do composto heme
A Figura 36.1 apresenta um organograma para abor
(encontrado na hemoglobina e em outras proteínas como
dagem sistemática a pacientes com icterícia. Ao longo do
mioglobina e peroxidase) por duas principais enzimas:
texto, diversos aspectos do diagrama serão abordados.
CAPÍTULO 36
212 - Doenças do Sistema Gastrointestinal
Figura 36.1 - Orientações para investigação de icterícia. ALT = alanina aminotransferase; AST = aspartato ami notransferase; CPRE = colangiopancreatografia retrógrada endoscópica;DHL = desidrogenase lática; FA = fosfatase alcalina; GGT = gama-glutamiltransferase; TC = tomografia computadorizada.
Alterações no metabolismo da bilirrubina são respon
e resulta em atividade reduzida da enzima UDP-glicuro
sáveis pelo aumento de sua fração indireta e por doenças
nil transferase, responsável pela transformação da bilir
hepatocelulares e aquelas que causam obstrução do fluxo
rubina indireta em direta. Graus variados de atividade
biliar elevam a bilirrubina direta ou ambas. A Tabela 36.1
enzimática são observados entre os indivíduos e, por isso,
e os Quadros 36.1 e 36.2 relacionam as principais causas para os diferentes tipos de icterícia.
as manifestações clínicas são muito variáveis. Em situações em que há redução mais acentuada da atividade da enzi
A síndrome de Gilbert aparece em cerca de 5% da
ma, como na adolescência (fatores hormonais), após
população, é causada por uma mutação no gene UGT-1A1
exercícios físicos, durante a menstruação e episódios de
Icterícia Indolor - 213
Mecanismo
Causas
Aumento na produção de bilirrubina
Hemólise
Eritropoiese ineficaz Transfusão sanguínea
Reabsorção de hematomas Diminuição na captação hepática
Drogas (rifampicina, contraste colecistográfico) Síndromes de Gilbert e de Crigler-Najjar
Diminuição na conjugação hepática em adultos
Drogas (gentamicina, inibidor de protease) Hipertireoidismo
infecções e em jejum prolongado, a bilirrubina indireta no sangue pode aumentar o suficiente para que ocorra icterícia. Drogas metabolizadas por essa enzima, como paracetamol, rifampicina, inibidores de protease e agentes
quimioterápicos também têm sua meia-vida aumentada. A síndrome tem comportamento benigno e não há altera ção da função hepática ou laboratorial além da hiperbi
lirrubinemia. O diagnóstico é de exclusão, o tratamento se restringe aos casos em que há comprometimento esté tico e baseia-se no uso de fenobarbital, o qual aumenta a atividade da UDP-glicuronil transferase. A deficiência total ou muito grave da enzima UGT-1A1 resulta na sín
drome de Crigler-Najjar, cuja principal complicação é o desenvolvimento de kernicterus. As doenças hepáticas podem ser agudas ou crônicas e a evolução clínica do paciente e o nível das transami
nases são importantes para a discriminação entre ambas. Algumas alterações hepatocelulares podem cursar com perfil laboratorial semelhante ao das doenças colestáticas obstrutivas das vias biliares ‒ doenças colestáticas intra -hepáticas (Quadro 36.1).
Obstruções extra-hepáticas podem ser causadas por fa tores intrínsecos ou extrínsecos às vias biliares (Quadro 36.2).
Ao exame, a paciente apresenta-se vígil, orientada no tempo e no espaço, sem limitações físicas, corada, hidratada, afebril e ictérica ++++/4. Não se palpam lin fonodos. Pulsos eram cheios e simétricos; não há edema. Pressão arterial de 130 × 80mmHg e frequência cardíaca era de 72bpm. Pesa 72kg, com 1,5m de altura, resultan do em índice de massa corporal (IMC) de 32kg/m2. A propedêutica cardiopulmonar está inalterada. Abdome era globoso, com cicatriz mediana, horizontal, em epigástrio, de 5cm. Ruídos hidroaéreos presentes e com timbre normal. Palpa-se massa lobulada em hipo côndrio direito e epigástrio, contínua ao fígado, pouco dolorida e endurecida, maciça à percussão. Espaço de Traube estava livre e à percussão o som é timpânico no restante do abdome.
QUADRO 36.1 - Lesão hepatocelular ‒ aumento de bilirrubina direta • Infecciosas - Vírus (hepatites virais, herpes-vírus) - Bactérias (tuberculose, leptospirose, sífilis, abscessos hepáticos, etc.) - Parasitas (helmintos, protozoários) - Fungos (cândida, histoplasmose, criptococose) • Tóxicas - Álcool - Drogas (paracetamol, clorpromazina *, rifampicina, isoniazida, arsênico, ervas chinesas) - Aflatoxina B1 • Imunológicas - Hepatite autoimune - Cirrose biliar primária * - Colangite esclerosante * • Neoplásicas: - Carcinoma hepatocelular - Metástases hepáticas - Linfomas • Metabólicas - Doença de Wilson (cobre) - Deficiência de alfa-1-antitripsina - Esteato-hepatite não alcoólica - Hemocromatose (ferro) - Nutrição parenteral total • Sistêmicas - Isquemia aguda - Sepse - Insuficiência cardíaca - Pericardite constritiva - Síndrome de Budd-Chiari - Doença veno-oclusiva hepática * - Amiloidose - Sarcoidose
* Padrão laboratorial de doença colestática obstrutiva.
QUADRO 36.2 - Obstrução de vias biliares extra-hepáticas aumento de bilirrubina direta • Causas intrínsecas - Colelitíase - Carcinoma de vias biliares - Colangite esclerosante - Colangiopatia da AIDS (citomegalovírus, Criptosporidium, HIV) - Cisto de colédoco - Disfunção do esfíncter de Oddi - Infestações parasitárias - Pós-procedimento em vias biliares - Histiocitose de células de Langerhans • Causas extrínsecas - Câncer de pâncreas - Carcinoma periampular - Pancreatite - Linfadenomegalia portal peri-hepática (metástases, linfoma, tuberculose) - Síndrome de Mirizzi
Durante a anamnese e o exame físico, é importante detectar características que direcionem o raciocínio clínico
para causas prováveis da icterícia. Dados importantes são: • Fatores de risco para hepatite viral ou HIV. • Uso de medicações ou álcool.
CAPÍTULO 36
TABELA 36.1 - Alterações no metabolismo da bilirrubina aumento de bilirrubina indireta
CAPÍTULO 36
214 -
Doenças do Sistema Gastrointestinal
• Epidemiologia para doenças ictero-hemorrágicas. • Antecedentes pessoais ou familiares de doenças hepáticas, de vias biliares ou hemolíticas. • Transfusão de sangue recente. • Cirurgias prévias. • Gestação (síndrome HELLP). • Idade; sintomas paraneoplásicos.
agora importantes as dosagens de desidrogenase lática
• Febre, dor abdominal, colúria ou acolia, massa ab dominal palpável.
níveis de albumina estão presentes em cirrose hepática.
(DHL) e de reticulócitos. Ambas estarão elevadas nessa situação. O coagulograma estará normal em doenças por
alteração do metabolismo da bilirrubina, mas estará alte rado em casos de colestase (deficiência na absorção de
vitamina D) ou comprometimento da função hepática (de ficiência na formação dos fatores de coagulação). Baixos Exames laboratoriais foram solicitados (Quadro 36.3). Nota-se aumento preferencial de GGT e FA em relação
Dor abdominal referida ou ao exame, febre/calafrio, cirurgia biliar pregressa, idade avançada e massa abdo
às aminotransferases, levando-nos ao diagnóstico de co
minal palpável indicam icterícia obstrutiva. Anorexia, mal-estar geral, mialgia (pródromo viral), exposição a fatores de risco para hepatites virais ou tóxicas, ascite e estigmas de doença hepática crônica (circulação colateral abdominal, ginecomastia, telangiectasias, etc.) sugerem doença hepatocelular. No caso apresentado, temos uma paciente relativamen
tocelular ou de pequenos e médios ductos biliares por
te jovem, com icterícia de início recente, com colúria, não associada à dor abdominal, porém com massa palpável em topografia de fígado e vias biliares e emagrecimento. Dentre os fatores de risco investigados se destacam o uso de chás e relações sexuais sem preservativo. É interessante ressaltar que apenas a bilirrubina dire
ta pode ser excretada pelos rins e só o aumento nessa fração pode gerar achado clínico de colúria. Somando-se esse dado aos outros discutidos até então, podemos pen sarnum quadro de icterícia por aumento da fração direta ou mista da bilirrubina. Mais adiante devemos fazer o diagnóstico diferencial entre hepatocelular(devido ao uso de chás e não uso de preservativos) e obstrutiva (massa abdominal palpável). Exames iniciais bioquímicos e de imagem são agora necessários para prosseguira investigação: bilirrubina total e frações, enzimas canaliculares e hepatocelulares, hemograma, albumina e coagulograma. A dosagem da bilirrubina total e das frações confirma a icterícia e seu tipo. Enzimas hepatocelulares (aspartato aminotransferase [AST] e alanina aminotransferase [ALT]) alteradas favorecem o diagnóstico de doença hepática. Seus níveis estão cerca de dez vezes acima do limite superior da normalidade em hepatites agudas. Já em hepatites crônicas, as transaminases podem ser normais e raramen te atingem níveis tão altos como nas agudas. Nas hepatites tóxicas (drogas ou álcool) há um aumento mais pronun ciado da AST em relação à ALT (AST/ALT > 2). As lesões
obstrutivas cursam com aumento significativo das enzimas canaliculares (fosfatase alcalina [FA] e gama-glutamil transferase em relação às transaminases.
Anemia ao hemograma associada à hiperbilirrubinemia indireta deve remeter ao diagnóstico de hemólise, sendo
lestase. A colestase pode ser intra-hepática (lesão hepa vírus, medicamentos ou álcool) ou extra-hepática (fator
obstrutivo geralmente mecânico). Observa-se ainda au mento de marcadores tumorais que, embora não sejam
definitivos para o diagnóstico de câncer, nos guiam em direção a esta hipótese.
Para avaliação inicial da massa abdominal e de pos sível fator obstrutivo, dá-se preferência à ultrassonografia, sendo esta pouco invasiva e de baixo custo. A tomografia
computadorizada (Fig. 36.2) é essencial para determinar invasão local e presença de metástases. Vale ressaltar que
a ultrassonografia é melhor que a tomografia computado
rizada para detecção de cálculos biliares. Para confirmação diagnóstica, a paciente é subme tida à biópsia guiada por ultrassonografia, que mostra
QUADRO 36.3 - Exames realizados no início da investigação (em destaque, os exames alterados) • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
Hemoglobina/hematócrito: 12,4/35,9 Leucócitos: 7.440 Plaquetas: 254.000 Creatinina: 0,68 Ureia: 20 Sódio: 136 Potássio: 3,9 Magnésio: 2 Aspartato aminotransferase: 172 Alanina aminotransferase: 203 Fosfatase alcalina: 1.354 Gama-glutamiltransferase: 1.735 Desidrogenase lática: 376 Bilirrubina total: 14,1 Bilirrubina direta: 6,6 Bilirrubina indireta: 7,5 Ácido úrico: 4,7 Albumina: 3,9 Atividade de protrombina: > 100% Relação normalizada internacional (RNI): 0,95 Tempo de tromboplastina parcial ativada: 20,4 Relação: 0,8 Alfa-fetoproteína: 4 Antígeno carcinoembrionário: 20,6 CA19-9: 4.046,7 Sorologia de hepatites B e C: não reagentes
Icterícia Indolor - 215
CAPÍTULO 36 Figura 36.2 - (A a F) Tomografia computadorizada de abdome mostrando processo expansivo envolvendo vesí cula biliar (massa hipovascularizada), medindo 10cm de diâmetro, com sinais de infiltração hepática multifocal e extensão para hilo hepático, provocando dilatação das vias biliares intra-hepáticas e associada à extensa lin fonodomegalia regional. A massa invade também o gradil costal. Nota-se um cálculo dentro da vesícula biliar.
infiltração do parênquima por adenocarcinoma bem diferenciado, com extensas áreas necróticas e intensa desmoplasia. Ao longo da evolução, a paciente apresentou dor leve em hipocôndrio direito e incômodo ao deitar sobre a região, dez dias após a entrada no hospital. Quinze dias depois da busca pelo serviço de saúde, desenvolveu prurido generalizado.
dos pacientes, o diagnóstico é feito em estádios avançados, como no caso em questão. Os tumores em estádios iniciais, em geral, são diagnosticados incidentalmente em colecis tectomias eletivas por colelitíase, por exemplo. A neoplasia de vesícula afeta preferencialmente mu
lheres (cerca de quatro mulheres para cada homem), com mais frequência acima dos 65 anos de idade. Destaca-se como principal fatorde risco a colelitíase. Alguns autores
DIAGNÓSTICO FINAL
sugerem que, pela associação entre neoplasia de vesícula e litíase vesicular, mesmo em casos assintomáticos, se
proceda à colecistectomia eletiva. Porém, o assunto per
• Neoplasia maligna de vesícula. • Invasão hepática e de gradil costal. • Litíase vesicular.
manece sem consenso. O sobrepeso e a obesidade também se associam a maior incidência do câncer de vesícula, sendo esta associação mais evidente nas mulheres. Outros
fatores de risco para a neoplasia são infecção crônica da
DISCUSSÃO
vesícula biliar dieta, anormalidades anatômicas das vias
O câncer de vesícula biliar raro e altamente letal, repre
vesícula em porcelana (calcificação na parede do órgão)
senta a neoplasia mais comum do trato biliar e a sétima
e os pólipos vesiculares são também considerados de alto
dentre as neoplasias do trato gastrointestinal. Na maioria
risco para transformação maligna.
biliares e exposição a agentes químicos específicos. A
CAPÍTULO 36
216 -
Doenças do Sistema Gastrointestinal
Observamos no caso o sexo feminino, a obesidade e a presença de cálculo dentro da vesícula biliar.
bilita detectar invasão da artéria hepática e veia porta em
Acredita-se que a neoplasia de vesícula e do trato
Utilizar marcadores bioquímicos para melhorar o
biliar se origine de lesões epiteliais displásicas que gra
diagnóstico do câncer de vesícula está sendo estudado. O
dualmente progridem para hiperplasia atípica e carcinoma
antígeno carcinoembrionário, quando maior que 4ng/mL,
in situ, além de carcinoma invasivo. A relação entre in
tem especificidade de 93%, mas baixa sensibilidade (50%).
flamação e câncer está bem estabelecida e diversas subs
O CA19-9 acima de 20U/mL tem sensibilidade e especi
tâncias secretadas por células inflamatórias contribuem
ficidade em torno de 80%. Apesar disso, o uso desses
para proliferação, diferenciação e sobrevida celular. Mu
marcadores não contribui para o diagnóstico.
quase 90% das ocorrências.
tação ou hiperexpressão de fatores de crescimento, além
O estadiamento consiste num passo importante na
de mutação ou expressão anormal de genes supressores
investigação do câncer de vesícula, pois determinará a
de tumor estão envolvidas na carcinogênese do tumorde
possibilidade de intervenção cirúrgica curativa. O tamanho
vesícula. Estudos ainda são necessários para elucidaras
do tumor é fator prognóstico muito relevante. Diversas
alterações moleculares, incrementando os recursos diag
classificações foram propostas, porém, a mais aceita in
nósticos e terapêuticos, mas p53, erb-B2, EGFR e COX-
ternacionalmente é a tumor-linfonodo-metástase (TNM)
2 são os genes clinicamente mais relevantes implicados
(Tabela 36.2). A maioria delas leva em conta a profundi
no processo. A progressão de displasia para carcinoma de vesícula
dade do tumor primário e a invasão linfonodal ou metás tases. Estudos mostram sobrevida superiora 85% para
é estimada em 10 a 15 anos. A maioria das neoplasias é
tumores classificados como T1. Sugere-se ainda sobrevi
do tipo adenocarcinoma (90%) e origina-se no fundo vesicular (60%). A vesícula biliar pode ser sede de me
da de até 75% para o estádio II.
tástases, principalmente de neoplasia primária do pulmão
determinar sua ressecabilidade. A única chance de cura
e melanoma.
para essa neoplasia ainda é a ressecção cirúrgica. Como
O importante no tratamento do tumorde vesícula é
Dor abdominal é o principal sintoma associado ao
em geral é detectada em fases tardias, apenas 30% dos
carcinoma de vesícula (73%), seguido de náusea e vômi
pacientes são potencialmente candidatos à cirurgia. Con
to (43%), icterícia (37%), anorexia (35%) e emagrecimen
traindicações ao tratamento cirúrgico são invasão de
to (35%). Sintomas constitucionais, ascite e massa palpá
grandes vasos, ascite, envolvimento hepático extenso,
vel são sintomas de doença avançada e mau prognóstico.
metástases ou capacidade funcional ruim.
Em situações mais raras, pode haver obstrução duodenal, hemorragia gastrointestinal e hematobilia.
cosa (Tis ou T1) a colecistectomia simples é suficiente.
Em geral, o primeiro exame solicitado na avaliação
Se o tumor invade o tecido perimuscular pelo menos, ou
de sintomas hepatobiliares é a ultrassonografia, por sua
há acometimento linfonodal, é necessária a colecistectomia
Quando há apenas envolvimento até a muscular mu
alta sensibilidade e baixo custo. Porém, em alguns casos a ultrassonografia não fornece informações suficientes
para o diagnóstico diferencial entre neoplasia vesicular e
colecistite crônica, principalmente em estádios iniciais. A
TABELA 36.2 - Estadiamento do tumor de vesícula segundo a classificação tumor-linfonodo-metástase (TNM)
sensibilidade média da ultrassonografia para o câncer de vesícula é de aproximadamente 44%, sendo mais elevada
Estádio
T
N
M
Sobrevida em 5 anos (%)
nos casos mais avançados. Há ainda o recurso da ecoen
0
Tis
N0
M0
60
doscopia, possibilitando obtenção de amostras do tumor
IA
T1
N0
M0
39
para análise cito-histológica, sendo responsável por au
IB
T2
N0
M0
mentara sensibilidade diagnóstica para 74 a 90%.
IIA
T3
N0
M0
A tomografia computadorizada possibilita o estadia
mento locorregional, como também investiga metástases
15 IIB
T1-3
N1
M0
III
T4
Qualquer N
M0
5
IV
Qualquer T
Qualquer N
M1
1
linfonodais e a distância. A acurácia da tomografia com
putadorizada é de 71% segundo estudo recente, sendo maior também em casos avançados. O uso de contraste
ajuda na distinção entre colecistite crônica e neoplasia.
Outra opção seria a tomografia por emissão de pósitrons (PET-scan) para as mesmas funções. A associação angio
grafia e colangiografia por ressonância magnética possi
Classificação TNM para câncer de vesícula: T = tamanho do tumor primário; N = acometimento linfonodal; M = metástases a distância. Tis denota tumor in situ; T1 denota tumor que invade a lâmina própria e a muscular mucosa; T2 invade tecido perimuscular; T3 invade serosa ou fígado/órgãos adjacen tes; T4 invade a veia porta ou a artéria hepática ou múltiplas estruturas extra-hepáticas. N0 denota ausência e N1 denota presença de invasão lin fonodal, assim como M0 e M1 denotam ausência e presença de metástases, respectivamente.
Icterícia Indolor - 217
paliativos, sendo principalmente importante no controle da dor por metástases ósseas ou de partes moles e no
cula é diagnosticado incidentalmente em colecistectomias
controle de sangramentos de tumores primários localmen
laparoscópicas, deve-se convertera cirurgia para aberta
te avançados. Bloqueio nervoso também é opção para
com exploração da cavidade. Tumores maiores que T2 ou
tratamento da dor, além dos fármacos largamente utiliza
N1, apesar de tecnicamente algumas vezes poderem ser
dos em cuidados paliativos.
ressecados, não oferecem incremento na sobrevida após
o procedimento. Nenhuma droga tem eficácia provada para tratamento
Podemos reafirmar com o caso apresentado, a importân
cia da anamnese e do exame físico para a formulação de
hipóteses diagnósticas e direcionamento do raciocínio clínico.
do câncer de vesícula. Radioterapia conjunta também tem sido utilizada, mesmo sem comprovação oficial. Estudos
iniciais conferem ganho de sobrevida para os estádios I a III, não mostrando efeito sobre o estádio IV. Outras
drogas têm sido testadas, porém ainda em fases iniciais de pesquisa. A sobrevida média em tumores irressecáveis
ou recidivas é menor que seis meses. Para esses casos, nenhuma terapia se mostrou eficaz, apesar de tentativas
com quimioterapia, radioterapia e braquiterapia serem
realizadas com certa frequência. A icterícia obstrutiva pode causar vários sintomas: ano rexia; perda de peso pormá absorção de gordura; coagulo
patia por má absorção de vitamina K, impedindo procedi
mentos cirúrgicos ou aumentando o risco de sangramentos; prurido de difícil controle e constrangimento social. Colan gite não é tão frequente e seu risco aumenta após manipu lação da árvore biliar. Controlara icterícia melhora a qua
lidade de vida dos pacientes fora de possibilidade terapêutica. Existem três métodos paliativos para derivação da via biliar: bypass cirúrgico (hepaticojejunostomia em Y de Roux),
inserção percutânea e endoscópica de stents. Obstrução gástrica pela invasão tumoral é frequente
(50%), sendo opção a gastrojejunostomia. Pode-se usara
radioterapia como recurso para pacientes em cuidados
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CAPÍTULO 36
radical (além da vesícula, são retirados o leito vesicular e os linfonodos regionais). Quando o carcinoma de vesí
CAPÍTULO
37
Hepatomegalia Bárbara Souza Luz Pinheiro • Felipe Augusto de Oliveira Souza
Homem negro de 30 anos de idade comparece ao ambulatório de Gastroenterologia com queixas de plenitude pós-prandial há cerca de três anos. O pacien te refere que após as refeições, independentemente do horário ou das características destas, vem apresentando distensão abdominal e eructações que melhoram com a movimentação. Nega dor abdominal, náuseas, vômi tos, pirose ou febre. Relata também alternância do hábito intestinal com episódios de diarreia mucossan guinolenta de início concomitante ao quadro álgico pós-prandial. Refere ter usado, sem melhora, inibidor de bomba de prótons por dois meses. É procedente de São Paulo (SP), onde vive há cinco anos, e natural de Carpina (PE). Trabalha como zeladorde condomínio residencial, tendo sido agricultorem sua cidade natal. Nega uso de medicações, bem como de drogas ilícitas, desconhece qualquer comorbidade. Refere perda de 1,5kg em seis meses. Nega tabagismo e etilismo. Não sabe informar sobre antecedentes familiares.
• Dispepsia causada por doença estrutural ou bioquí
mica: - Doença ulcerosa péptica. - Doença do refluxo gastroesofágico. - Cólica biliar. - Dor de parede abdominal crônica. - Câncer gástrico ou esofágico. - Gastroparesia. - Pancreatite. - Síndrome de má absorção (carboidratos). - Medicações (incluindo suplementos de potássio,
digitálicos, ferro, teofilina, antibióticos orais [especialmente ampicilina e eritromicina], anti inflamatórios não esteroidais, corticosteroides,
niacina, genfibrozila, narcóticos, colchicina, qui
nidina, estrogênios, levodopa). - Doenças gástricas infiltrativas (por exemplo,
A princípio, pela história do paciente podemos considerar o diagnóstico sindrômico para dispepsia de acordo com os critérios do Rome III Committee, que define o quadro quando um ou mais dos seguintes critérios estão presen tes: plenitude pós-prandial, satisfação precoce e dor ou queimação epigástrica. Esses critérios devem serobser vados nos últimos três meses, sendo o início dos sintomas há pelo menos seis meses antes do diagnóstico. Duas subcategorias (síndrome do estresse pós-prandial e sín drome da dor epigástrica) são também reconhecidas, mas seu verdadeiro valor ainda está em estudo. Como diag nósticos diferenciais, evidenciamos:
doença de Crohn, sarcoidose). - Distúrbios metabólicos (hipercalcemia, hiperca lemia).
- Hepatoma. - Doença isquêmica intestinal. - Desordens sistêmicas (diabetes mellitus, disfun ções de tireoide ou paratireoide, colagenoses).
- Parasitoses intestinais (Giardia, Strongyloides,
Schistosoma). - Câncer abdominal, especialmente de pâncreas.
Quanto ao quadro disentérico apresentado pelo pa • Dispepsia funcional (mais de 60% dos casos): quan do não se evidencia doença estrutural (incluindo à endoscopia digestiva alta) que explique os sintomas.
ciente, trata-se de um quadro crônico, visto que a duração
já é superiora um mês, e várias são as possíveis causas (ver Capítulo 30 ‒ Diarreia crônica ‒ doença celíaca).
Hepatomegalia - 219
Ao exame físico, o paciente encontra-se em bom estado geral, anictérico, acianótico e afebril, eupneico, com palidez cutâneo-mucosa leve, hidratado, conscien te e orientado. Peso: 68kg; altura: 1,66m. Não apresenta lesões de pele, fâneros ou mucosas. Pressão arterial de 130 × 80mmHg, com frequência cardíaca de 80bpm, pulsos presentes e simétricos com auscultas cardíaca e respiratória normais. O abdome mostra-se plano, sem deformidades, ruídos hidroaéreos presentes, indolor à palpação superficial e levemente dolorido à palpação profunda em região epigástrica. À hepatometria obser va-se hepatomegalia, à custa de lobo esquerdo, que se encontra cerca de 4cm abaixo do apêndice xifoide, de consistência elástica, indolore com borda romba e re gular. Não se observam tumorações, bem como esplenomegalia. Sinais de Murphy e de Bloomberg negativos. Sem sinais de ascite. Traube timpânico. Ao exame proctológico não se evidencia se doença hemor roidária; ao toque o esfíncter apresenta-se normotônico, indolore sem tumorações palpáveis, ampola retal com fezes sem sangue. Exame neurológico normal e o pa ciente não apresenta edemas.
QUADRO 37.1 - Causas de hepatomegalia
• • • • • • • • •
Metástases Esteato-hepatite não alcoólica Síndrome mielodisplásica Insuficiência cardíaca direita Hepatocarcinoma Hemocromatose Doença hematológica ‒ por exemplo, leucemia mieloide crônica, linfoma Esteatose hepática - por exemplo, secundária ao diabetes mellitus Infiltração ‒ por exemplo, amiloidose Hepatite Obstrução biliar Infecção por HIV Abscesso hepático Síndrome de Budd-Chiari Esquistossomose Febre tifoide
pocôndrio e flanco direitos, além do epigástrio, desde a
cicatriz umbilical até o rebordo costal. Logo após, proce
de-se à palpação junto à reborda, coordenando-a com os movimentos respiratórios (manobra de Lemos Torres). Algumas vezes emprega-se a manobra de Chauffard a fim
Hepatomegalia é um achado importante do exame
de aproximar o fígado da parede abdominal, facilitando,
físico, que nos leva a um grande número de hipóteses
deste modo, sua palpação: colocara mão esquerda sobre
(Quadro 37.1), todavia, é sempre importante diferenciá-la
a loja renal direita, forçando-a para cima. As informações
de um achado normal em pessoas mais magras ou de
clínicas são retiradas das características da borda e da
ptose hepática.
superfície do órgão. Quanto à borda, pode-se avaliar sua
O exame do fígado é parte fundamental na semiotéc
distância em relação ao rebordo costal, a espessura (fina
nica do abdome (Tabela 37.1) e o paciente deve estar bem posicionado em decúbito dorsal, relaxando o mais possí
ou romba), a superfície (lisa ou irregular), a consistência
vel a parede abdominal. A hepatimetria é realizada pela
(reduzida normal ou aumentada) e a sensibilidade (indo
percussão hepática, com valores de 6 a 12cm, na linha
lorou dolorosa). No que diz respeito à superfície, pode-se
hemiclavicular direita, e 4 a 8cm, na linha média esternal,
determinar sua textura (lisa ou nodular); no último caso,
aqueles referidos como normais. Em seguida, realiza-se
cumpre caracterizar também os nódulos (quantidade,
a palpação, em que, a princípio, devem ser palpados hi-
consistência e sensibilidade).
TABELA 37.1 - Características semiológicas do fígado nas principais síndromes que cursam com hepatomegalia Volume Síndrome
Superfície
Lisa Aumentado
Reduzido
+
+
Colestase EH benigna
+
+
Colestase EH maligna
+ + ou +
Cirrose
Micro
Normal
Aumentada
Dor
+ ou +
+
+ ou +
+
+
Esteatose
+
+
Esquistossomose
+
+
+
Neoplasias primárias
+
+
+
Linfomas
+
Indolor
+
+
+
+
+
+
+
+
Romba +
+
+
+ ou +
Fina
+
+
+
+
EH = extra-hepática; ICC = insuficiência cardíaca congestiva.
Reduzida
+
Hepatite
+
Borda
Nodular Macro
ICC
Sensibilidade
Consistência
+ +
+ +
+
+
+
+
CAPÍTULO 37
• • • • • • •
Após uma semana o paciente retorna trazendo exames: hemoglobina: 11; volume corpuscular médio: 78; hemoglobina corpuscular média: 27; amplitude de distribuição de hemácias: 16; leucócitos totais: 10.000 com eosinofilia discreta (850/mm3) e sem outras alte rações; plaquetas: 174.000; creatinina: 1,2; ureia: 49; sódio: 136; potássio: 4,4; Cálcio Total: 8; eletroforese de proteínas: PT-7,5, Alb 3, gama 3,3, relação A/G 0,9; glicemia 85; aspartato aminotransferase: 23; alanina aminotransferase: 23; fosfatase alcalina: 280; gamaglutamiltransferase (GGT): 90; amilase: 50; atividade de protrombina (AP): 85%, relação normalizada inter nacional (RNI): 1,1; bilirrubinas totais 1; bilirrubina direta: 0,5; bilirrubina indireta: 0,5; perfil lipídico nor mal; radiografia de tórax, urina I e eletrocardiograma sem alterações. Parasitológico de fezes (Hoffman) se riado negativo e Kato-Katz negativo, lâmina direta sem alterações, pesquisa de gorduras negativa e coprocul tura também negativa.
À ultrassonografia de abdome superior observam-se fígado com retração volumétrica de lobo direito, con tornos lobulados com textura homogênea, lobo esquerdo com aumento de volume, medindo 10 × 6cm, áreas hiperecogênicas de espessamento periportal su gestivo de fibrose, medindo 0,4 × 0,5 × 0,4cm. Grau I C (Fig. 37.1). A veia porta mede 0,7cm e a veia esplê nica, 0,5cm. Baço de tamanho normal.
A fibrose hepática é um achado patológico que oca
siona grande morbidade. Dentre suas causas, citamos as mais prevalentes: • Metabólicos (galactosemia, tirosinemia). • Fibrose congênita secundária à agressão hepática na
vida intrauterina, como malformações biliares e in fecções (principalmente, citomegalovírus). • Doença de Wilson (degeneração hepatolenticular): há acúmulo de cobre no fígado, no cérebro, nos rins
Pela análise laboratorial é possível acrescentar ao quadro do paciente: anemia microcítica e hipocrômica
e na córnea; a deposição excessiva provoca danos
hepáticos.
com eosinofilia discreta. Faz-se importante, nesse mo
• Hemocromatose.
mento, observar que os exames laboratoriais não demons
• Esteato-hepatite não alcoólica.
tram disfunção hepática (bilirrubinas, fosfatase alcalina e
• Deficiência de alfa-1-antitripsina: doença autossô
albumina normais).
mica recessiva, causa comum de cirrose na infância e na adolescência, rara em adultos.
O paciente refere persistência dos sintomas sem sinais de melhora ou piora do quadro. Acompanhado por sua mãe, que relatou que o esposo faleceu por hemorragia digestiva alta, antes da mudança da família para São Paulo, e que a família morava em casa de taipa, na ocasião, sem água encanada ou esgoto, e que o filho costumava banhar-se no riacho local. Atualmente, a família vive em casa de alvenaria, com água encanada, luz elétrica e es goto. Os demais membros da família são saudáveis. Refere visitas esporádicas a Pernambuco, tendo sido a última há um ano. O paciente é submetido à endoscopia digestiva alta (EDA), com achados normais e pesquisa de H pylori negativa. A princípio, as indicações formais para EDA em pacientes com dispepsia seriam idade acima de 45 anos ou sintomas de alarme (perda de peso sem causa aparente, vômitos persistentes, disfagia progressiva, odinofagia, anemia, hematêmese, massa abdominal ou linfadenopatia palpável, anemia ferropriva inexplicável, história familiarde câncerdo trato gastrointestinal alto, cirurgia gástrica prévia e icterícia). Apesar do alto valor preditivo negativo dos sintomas de alarme, alguns au tores advogam a realização de EDA mesmo em pacientes jovens que não responderam a curso de qua tro a oito semanas com inibidores da bomba de prótons, exatamente o caso do nosso paciente. Paciente submetido à colonoscopia, que também não evidencia alterações.
• Virais (B e C): o vírus da hepatite B pode causar
hepatite aguda ou crônica, a resolução ocorre em 90% dos casos, estado de portadorem 5%, evolução para hepatite crônica persistente em 3,5% e para hepatite crônica ativa em 1,5%. Às vezes, a hepati
te crônica persistente evolui para a forma ativa e esta, em geral, progride para cirrose, nem sempre
Figura 37.1 - Ultrassonografia hepática, mostrando sinais de fibrose periportal (seta).
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CAPÍTULO 37
220 - Doenças do Sistema Gastrointestinal
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havendo relação direta com as formas mais sinto
o espessamento periportal detectado à ultrassonografia se
máticas. Evoluindo para cirrose, a sobrevida após
cinco anos é de 55%. A transmissão do vírus C
correlaciona com a fibrose periportal encontrada nas bi ópsias em 100% dos casos1. A avaliação ultrassonográfi
geralmente atinge usuários de drogas endovenosas
ca da fibrose periportal em pacientes esquistossomóticos
ou é pós-transfusional e costuma evoluir para hepa
foi composta de uma graduação subjetiva (análise quali
tite crônica na maioria das vezes, principalmente
tativa, comparando-se o fígado examinado com determi
nos casos sem tratamento.
nados padrões de acometimento pela fibrose periportal
• Alcoólica: é a principal etiologia em adultos, mas
‒ classificação de Niamey, Tabela 37.2) e objetiva (aná
somente 20% dos etilistas desenvolvem cirrose.
lise quantitativa, medindo-se a espessura da fibrose peri
• Hepatocarcinoma.
portal ‒ Cairo Working Group 1992 ‒ graus I, II e III).
• Drogas: amiodarona, clorpromazina, isoniazida,
Já é conhecido que a fibrose de Symmers pode ocor
metildopa, metotrexato, nitrofurantoína, acetamino
rer mesmo em pacientes sem esplenomegalia e hiperten
feno, sulfonamidas, etc.
são portal, fato este frequente em áreas endêmicas. A fi
• Autoimune: afetando mulheres jovens ou na pós
-menopausa.
brose periportal e a infiltração celular podem ser vistas
nos espaços portais e, embora mais frequentes em esquis
• Biliar: é o processo final de doenças crônicas que
tossomóticos, também já foram reportadas em pacientes
acometem a árvore biliar com colangites de repetição,
não esquistossomóticos. É muito importante não esquecer
como em colangite esclerosante e obstruções das vias
isso ao se avaliar o achado de fibrose em pacientes de
biliares, bem como da cirrose biliar primária.
áreas endêmicas, já que a fibrose de Symmers pode ser
• Criptogênicas.
reversível com o tratamento da parasitose, se realizado
em fases iniciais.
Vários estudos demonstram que a célula-chave na
Como o paciente apresentava fibrose hepática carac
produção da fibrose no fígado é a célula estrelada de Ito, situada no espaço de Disse. É uma célula armazenadora
terística de esquistossomose, a fibrose de Symmers, bem
de gordura e vitamina A que, sob a ação de citocinas fi
positiva e achados clínicos e laboratoriais sugestivos, mas
brogênicas, (fator de transformação do crescimento beta
com parasitológico de fezes negativo, foi submetido à
[TGF-beta], TNF-alfa, fator de crescimento derivado de
biópsia retal para pesquisa de ovos de Schistosoma spp.
como era natural de zona endêmica com epidemiologia
plaquetas [PDGF] e outras), se diferencia em miofibro
No histopatológico da biópsia retal encontram-se vários ovos viáveis, com espícula lateral, característicos de Schistosoma mansoni (Fig. 37.2). Paciente tratado com praziquantel, 40mg/kg, em dose única, com con trole de cura por parasitológicos de fezes negativos no primeiro, terceiro e sexto mês após o tratamento; na última ocasião também foi repetida a biópsia retal, que não mostrou mais ovos do parasita. Uma ultrassono grafia realizada um ano depois mostrou diminuição da espessura da fibrose, bem como regressão da hepato megalia.
blasto e fibroblasto, se engajando na ativa síntese dos elementos da matriz (colágenos, elastina, proteoglicanos e proteínas de constituição).
Embora alguns estudos tenham tentado utilizar mar cadores externos da fibrose, com aparente sucesso nos em
dosagens séricas do telopeptídeo do pró-colágeno I, do hialuran, do TGF-beta ou da excreção da hidroxiprolina urinária, o presente consenso é de que ainda não estão
disponíveis marcadores confiáveis de fibrose hepática. A fibrose periportal se correlaciona diretamente com
as condições clínicas e os riscos de complicação pela
doença. A hematêmese, a escleroterapia, a transfusão sanguínea e o edema de membros inferiores ocorrem, com
TABELA 37.2 - Classificação de Niamey
frequência mais elevada, em pacientes com espessamen
Padrão
Imagem ultrassonográfica
to periportal maior. Outros parâmetros relacionados à
A
Normal
intensidade da fibrose periportal são a esplenomegalia, os
B
Céu estrelado (focos ecogênicos difusos)
calibres da veia porta e da veia esplênica, a presença de
C
Ecos anelares e em haste de cachimbo
circulação colateral e o número e o tamanho das varizes
D
Hiperecogenicidade junto à bifurcação portal
esofágicas vistas à endoscopia.
E
Focos altamente ecogênicos estendendo-se dos vasos portais para o parênquima
F
Bandas altamente ecogênicas estendendo-se para a periferia do fígado e retraindo o parênquima subjacente
A ultrassonografia permite avaliação da extensão, da evolução e da possível regressão da doença após seu
tratamento. Homeida et al., em 1989, demonstraram que
CAPÍTULO 37
5
Hepatomegalia - 221
CAPÍTULO 37
222 - Doenças do Sistema Gastrointestinal
Figura 37.2 - Ovo de
Schistosoma mansoni viável no
histopatológico retal.
O paciente refere melhora significativa dos sinto mas. Orientado a evitar contato com água nas próximas visitas à cidade natal e toda a família foi orientada a procuraro serviço de saúde a fim de buscar outros casos.
Figura 37.3 - Prevalência de infecção por esquistos Dados sobre a eficácia do tratamento da esquistosso mose apareceram nos trabalhos experimentais de Gonnert, Cameron e Ganguly e de Warren, que mostraram que os granulomas, a hepatite reacional e a fibrose desapareciam do fígado dos camundongos tratados. Mas logo surgiram estudos demonstrando que tais dados só eram válidos para a esquistossomose recente (8 a 10 semanas após a expo sição cercariana), pois a fibrose das infecções tardias (16 a 20 semanas) era irreversível. Os trabalhos clínicos bem controlados se seguiram e consolidaram a noção da possibilidade de reversão ou diminuição da fibrose hepática humana avançada, alguns anos após o tratamento. Quando o tratamento é feito em indivíduos jovens com a forma hepatoesplênica da esquis tossomose, a reversibilidade do quadro clínico já pode ser notada seis meses mais tarde.
somose no Brasil, de acordo com a região2,3
Os focos e a transmissão da doença estão relacionados
às condições precárias de higiene e saneamento básico da população, favorecendo a viabilidade dos ovos e a manu tenção do ciclo do parasita. Os ovos em contato com a
água eclodem, dando origem aos miracídios (larvas cilia das). No interior do caramujo Biomphalaria glabrata
(hospedeiro intermediário) haverá o desenvolvimento dos
miracídios até cercárias, em de quatro a seis semanas. As cercárias penetram ativamente na pele do hospedeiro definitivo (homem em contato com água contaminada)
até se transformarem no verme adulto (digenético), que
fará a deposição dos ovos nas vênulas mesentéricas do
sigmoide e do reto. Alguns ovos conseguem atravessaros
DIAGNÓSTICO FINAL
capilares e alcançara mucosa retal, ao passo que outros seguem em direção ao sistema portal. A fase aguda da doença divide-se em pré-postural e
Esquistossomose.
postural. A primeira compreende quatro a seis semanas após o contato com as cercárias e pode manifestar-se com
DISCUSSÃO No Brasil, a esquistossomose ainda é um importante pro blema dentro do espectro da saúde pública nacional. A infecção pelo Schistosoma mansoni acomete cerca de 12 a 14 milhões de pessoas no país2,3 e 70% dos casos concen tram-se nos estados de Minas Gerais e Bahia (Fig. 37.3).
quadro semelhante ao da infecção das vias aéreas supe
riores (“IVAS-like”), prurido, dermatite cercariana e
edema angioneurótico. A segunda fase caracteriza-se por
febre (Katayama), diarreia com desidratação leve, hepa tomegalia dolorosa (100%) e esplenomegalia (60%). A
resolução espontânea dos sinais e sintomas pode variar de dias a meses. Deve-se diferenciá-la de quadros alérgi
Hepatomegalia - 223
cos, IVAS, mononucleose infecciosa na fase pré-postural,
mica prolongada, febre tifoide e paratifoide, disenteria
• Forma pulmonar: causada pela endarterite granulo
bacilar, tuberculose miliar, abdome agudo, tumor abdo minal, polineurite, leptospirose, hepatite. Na fase de transição da doença, o paciente pode apresen tar hepatoesplenomegalia persistente por4 a 36 meses, com
matosa desencadeada pelos ovos do esquistossoma.
ao passo que na fase postural consideram-se outros diag
regressão total ou parcial desta. Pode haver aparecimento de varizes esofágicas incipientes, que regridem. Leucocitose com eosinofilia, alterações da mucosa retal, sintomas intestinais e granulomas esquistossomóticos no fígado são outros achados que podem estar associados ao quadro. Após seis meses da infecção, diversas formas clínicas da doença podem se desenvolver: • Forma intestinal: desconforto e algia abdominal
•
•
•
•
esporádica associadas à diarreia crônica, às vezes com evacuações mucossanguinolentas; a muitas os pacientes são assintomáticos. Forma hepatointestinal: com epigastralgia (simu lando síndrome dispéptica) e diarreia. Hepatomega lia com nodulações (fibrose de Symmers) ao exame pode ser notada em fases mais avançadas. Forma hepatoesplênica compensada: a característi ca principal é a hepatoesplenomegalia causada por lesões perivasculares intra-hepáticas, desenvolvendo hipertensão portal com consequente congestão pas siva do baço e varizes esofágicas por sobrecarga da circulação colateral. Forma hepatoesplênica descompensada: estágios avançados da doença com ascite, fígado fibrótico e de pequeno volume (contraído pela fibrose perivas cular) concomitante com esplenomegalia de grande monta, varizes de esôfago, episódios de hemorragia digestiva alta e hiperesplenismo. Enterobacteriose septicêmica prolongada: as entero bactérias, após translocação fisiológica, alcançam a superfície ou o intestino do verme adulto, criando um status de bacteremia persistente caracterizado clinica mente por febre de longa duração, esplenomegalia, hipoalbuminemia, hipergamaglobulinemia, entre outros.
• Glomerulopatia esquistossomótica: desenvolve-se pela formação de imunocomplexos que se depositam nos glomérulos, causando desde proteinúria até síndrome nefrótica. • Neuroesquistossomose: os ovos do S. mansoni podem acometer diversas localizações. A lesão mais carac terística da doença compromete a medula espinhal toracolombar, causando mielite transversa. • Forma pseudotumoral: são lesões (vegetações, pó lipos, estenoses) provocadas pela reação inflamató
Classifica-se em hipertensiva e cianótica.
Em esquistossomose, nota-se o acometimento mesen
quimal do fígado poupando a arquitetura dos lobos e dos sinusoides hepáticos em contraposição ao que acontece
no órgão cirrótico4. A remodelação do colágeno nos es paços portais não constitui a única lesão responsável pela Symmers. Mesmo com a terapêutica usual para a doença, a obstrução, a perda parcial da musculatura da camada
elástica dos ramos portais e as lesões arteriais não desa parecem5. Esse fato justifica a não regressão e até mesmo a evolução de alguns casos, apesar do tratamento.
O tempo de infecção e o grau de deposição dos ovos estão intimamente ligados ao grau de fibrose periportal, contudo, nota-se que mesmo em pacientes com alta pa
rasitemia não há correlação entre as ultrassonográficas e o aumento da GGT6. A infecção por S. mansoni, sobretudo na forma hepa
toesplênica, cursa com altos níveis de TNF-alfa com ativa ção da resposta inflamatória e controle do parasita. Em
contraposição a essa citocina, a interleucina 10 (IL-10) desempenha importante papel na contrarregulação da res posta imune, aumentando a resistência e a intensidade da infecção pelo parasita, indicando, assim, piorprognóstico7,8.
Embora seja provável que algum grau de imunidade
ocorra após exposição maciça e prolongada, parece que a relação ambiental entre o homem e o parasita ainda
permanece como fator crucial a determinara intensidade e a prevalência nas populações.
O diagnóstico geralmente é realizado pelo método Kato-Katz (método quantitativo) para os ovos do parasi
ta nas fezes do paciente, que se dá logo após a sexta se mana. A sensibilidade de um exame de fezes isolado não é boa (por volta dos 45%), logo são necessárias várias
amostras para o diagnóstico. Os testes sorológicos ou a reação em cadeia da polimerase apresentam relevância para pacientes de áreas com baixa prevalência da doença, com baixa parasitemia e/ou imunodeprimidos9. Em pa
cientes com suspeita clínica da doença e com exame parasitológico de fezes negativo (baixa parasitemia), a
biópsia retal ou hepática pode ser de bastante ajuda.
O tratamento, além de se mostrar curativo, tem o ob jetivo de diminuira carga parasitária dos doentes e impedir o desenvolvimento das formas mais graves
da doença. No Brasil, em virtude da maior relação custo/
CAPÍTULO 37
nósticos como infecções intestinais, salmonelose septicê
ria local dos granulomas esquistossomóticos na mucosa intestinal, o que macroscopicamente pode se confundir com neoplasias.
CAPÍTULO 37
224 -
Doenças do Sistema Gastrointestinal
beneficio, o praziquantel é a droga de escolha (dose única:
REFERÊNCIAS
60mg/kg para crianças até 15 anos e 50mg/kg para adultos
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‒ comprimidos sulcados de 600mg). Já a terapêutica com o oxaminiquine é recomendada na dosagem única de
15mg/kg para adultos e 20mg/kg para crianças até 15 anos de idade. A efetividade dessa terapêutica é equivalente; o praziquantel em uma só tomada obteve 87,5% e, em duas tomadas, 90% de cura, ao passo que o oxaminiquine
apresentou 82,5%10. Ambas as medicações têm alguns efeitos colaterais relevantes: vômitos, cefaleia, sonolência,
náuseas e tonturas (mais frequentes com oxaminiquine). É importante considerar as contraindicações ao esquema antiesquistossomótico9:
• Gestação. • Durante aleitamento materno (se o risco/benefício
compensar o tratamento da mulher nutriz, esta só
deve amamentara criança 24h após a administração da medicação). • Criança menor de dois anos de idade (não deve ser
tratada devido à imaturidade do fígado). • Desnutrição ou anemia acentuada. • Infecções agudas ou crônicas intercorrentes. • Insuficiência hepática grave (fase descompensada
da forma hepatoesplênica). • Insuficiência renal ou cardíaca descompensada. • Estados de hipersensibilidade e doenças do colágeno.
p. 297-306 (Série A. Normas e manuais técnicos). 10. FERNANDES, P.; OLIVEIRA, C. C. Estudo comparativo da efi cácia do praziquantel, em dois esquemas posológicos, e da oxaminiquina no tratamento da esquistossomose mansônica. FdhaMed., v. 93, n. 5/6, p. 389-93, 1986.
• História de epilepsia (convulsão) ou de doença
mental (com uso de medicamentos anticonvulsivan tes ou neurolépticos). • Qualquer doença associada que seja mais grave ou incapacitante do que a própria esquistossomose.
• Adulto com mais de 70 anos de idade (somente se,
à avaliação médica, o risco/benefício compensar o tratamento).
O controle de cura é feito no quarto mês de quimio terapia específica com três amostras colhidas em dias
sucessivos. Caso alguma das amostras se encontre posi
tiva, é necessário repetir o tratamento. A principal complicação da esquistossomose é o de
senvolvimento de hipertensão portal evoluindo com a formação de varizes esofágicas e com risco de hemorragia
digestiva alta. Desse modo, a doença apresenta altos ín
dices de morbimortalidade, visto ser uma comorbidade facilmente controlada por medidas higiênico-sanitárias de qualidade.
LEITURA COMPLEMENTAR AMARAL, R. S.; PORTO, M. A. S. Evolução e situação atual do controle da esquistossomose no Brasil. Rev. Sα. Bras Med. Trq»., v. 27, supl. 3, p. 73-90, 1994. ANDRADE, Z. A.; PEIXOTO, E. Pathology of periportal fibrosis involution in human schistosomiasis. Rei'. Irrst Med. Trqr. S. Paiov .34, n. 4, p. 263-272, 1992. BARBOSA, C. S. et al. Spatial distribution of schistosomiasis foci on Itamaracá Island, Pernambuco, Brazil. Mβn. Irrst OsvádoCrix, v. 99, suppl. 1, p. 79-83, 2004. KLOETZEL, K. Reinfection aftertreatment of schistosomiasis: environment or“predisposition”? Rev. Irrst Med. Trq». S. Paiov. 32, n. 2, p. 138-146, 1990. RABELLO, A. L. T. et al. Stool examination and rectal biopsy in the diagnosis and evaluation of therapy of schistosomiasis mansoni. Rev. Irrst Med. Trq». S. Paio v. 34, n. 6, p. 601-608, 1992. SARVEL, A. K. et al. Comparison between morphological and staining characteristics of live and dead eggs of Schistosoma mansoni. Mβn. Irrst OswádoCrtr, v. 101, suppl. 1, p. 289-292, 2006. SILVA, Y P. et al. Circulating antigens leveis in different clinicai forms of the Schistosoma mansoni infection. Mβn. Irrst OsvddcCrix, v. 94, n. 1, 1999.
CAPÍTULO
38
Disfagia Eduardo Castro • José Luiz Pedroso • Jean Rodrigo Tafarel
Homem de 64 anos de idade procura pronto-socor ro com queixa de “dificuldade para engolir”. Refere que há 40 dias se iniciou uma disfagia progressiva de sólidos para líquidos, sem dificuldades para iniciaro processo de deglutição. Aponta a região retroesternal (entre os mamilos) como local onde sente que “a comida para". Nega regurgitação, febre, calafrios ou sudorese noturna. Apesar de manter o apetite, alega perda de 14kg no período em razão do “medo de comer”. Refere também hipertensão arterial grave, insuficiência arterial corona riana, com revascularização miocárdica há cinco anos, e tabagismo (40 anos-maço). Está em uso regular de ácido acetilsalicílico (100mg/dia), captopril (50mg, duas vezes ao dia) e hidroclorotiazida (50mg/dia). Disfagia é uma palavra de origem grega que denota difi culdade (dys) para engolir ou comer (phagien). Na práti ca clínica, representa sensação subjetiva de anormalidade orgânica que prejudica a passagem de líquidos e/ou sóli dos da cavidade oral até o estômago. É sempre um sinal
QUADRO 38.1 - Causas de disfagia • Causas orofaríngeas ou de transferência - Doenças neuromusculares: esclerose lateral amiotrófica, miastenia gravis e doença de Parkinson - Acidente vascular encefálico - Disfunção cricofaríngea - Causas obstrutivas cervicais: osteófitos cervicais, divertículo de Zenker, neoplasias cricofaríngeas • Causas esofagianas - Mecânicas intrínsecas ■ Tumores benignos ■ Divertículos esofagianos ■ Membranas e anéis esofagianos ■ Esofagites (refluxo, infecciosas ou por radiação) e úlceras (refluxo, infecciosas ou por contato) ■ Neoplasias esofagogástricas - Mecânicas extrínsecas: ■ Anomalias cardiovasculares (aumento de átrio esquerdo, aneurismas de aorta torácica, artéria subclávia aberrante) ■ Massas mediastinais: linfomas ou bócio mergulhante de tireoide ■ Anomalias de coluna vertebral • Motilidade ■ Acalasia e esfíncter esofagiano inferior hipertensivo ■ Espasmo esofagiano difuso e esôfago em quebra-nozes ■ Esofagopatia chagásica e esclerose sistêmica (CREST)
de alarme e deve ser investigada. Do ponto de vista anatômico, pode ser classificada como disfagia orofaríngea (de transferência ou alta) e disfagia esofagiana (baixa), que engloba doenças que
acometem o corpo esofagiano, seja pelo comprometimen to de sua motilidade, seja por obstrução mecânica (intrín seca ou extrínseca). O tipo de alimento que iniciou o quadro clínico nos ajuda nessa diferenciação. Disfagias
les com disfagia esofagiana queixam-se de alimento im pactado ou que “não desceu”. Alguns pacientes conseguem identificar no tórax o local de parada do bolo alimentar
Na construção do raciocínio diagnóstico todos os dados da história clínica são essenciais. Raça negra, sexo
para sólidos sugerem anomalias mecânicas e as para lí quidos e sólidos, anomalias neuromusculares. As diferen tes causas estão listadas no Quadro 38.1.
masculino, histórico prévio de ingestão de cáusticos e
Pacientes com disfagia orofaríngea tipicamente des crevem dificuldade para iniciaro processo de deglutição.
tante de sintomas de doença do refluxo gastroesofágico
São comuns os sintomas de regurgitação ou broncoaspi
como a formação de úlceras, estenoses ou esôfago de
ração, fala anasalada, tosse e regurgitação nasal. Já aque-
Barrett associado a adenocarcinoma.
hábito de tabagismo e etilismo associam-se a uma inci dência maiorde câncer de esôfago. A presença concomi deve levantara suspeita de complicações desta condição,
CAPÍTULO 38
226 -
Doenças do Sistema Gastrointestinal
O Quadro 38.2 apresenta algumas perguntas funda mentais na história clínica desses pacientes.
movimento. O exame da cavidade orofaríngea possibilita
também avaliação de massas ou lesões ulcerosas locais. Nas disfagias esofagianas, linfonodomegalias cervicais
Ao exame físico, encontra-se emagrecido, desidra tado (++/IV) e hipocorado (+/IV), mas eupneico e acianótico. Dados vitais: • Pressão arterial: 160 × 100mmHg (em ambos os membros superiores). • Frequência cardíaca: 108bpm. • Frequência respiratória: 20ipm. • Saturação parcial de oxigênio (SpO2): 92% (ar ambiente). • Temperatura axilar 36,6°C.
ou axilares, emagrecimento e/ou visceromegalias abdo
minais mostram possibilidade de neoplasia. Queilose palmoplantar está associada ao câncer de esôfago.
Membranas esofágicas associam-se à tríade de anemia ferropriva (mucosas hipocoradas), glossite e disfagia. As
membranas são dobras na mucosa esofágica revestidas de
epitélio escamoso, localizadas preferencialmente no esô fago superior, acima do arco aórtico; predominam em
mulheres (4:1) em torno de 50 anos de idade. Fazem
parte da síndrome de Plummer-Vinson ou Peterson-Kelly.
O exame de fundo de olho mostra estreitamento arteriolare cruzamentos arteriovenosos aumentados, mas sem edema de papila. Possuia cicatriz vertical medioes ternal e ritmo cardíaco regular com hiperfonese de A2 (sem sopros). Ausculta carotídea com sopro discreto bilateral. Exame pulmonar com raros sibilos expiratórios. Abdome escavado, com ruídos hidroaéreos presentes, flácido, sem visceromegalias e indolor.Suas extremida des distais revelam distrofia ungueal e sinais de insuficiência arterial periférica nos membros inferiores (pulsos pedio sos filiformes). Pulsos radiais cheios e simétricos. Exame neurológico normal.
Na síndrome, o tratamento da anemia ferropriva promove o seu desaparecimento. Lesões de pele, como esclerodactilia, calcinose, telan
giectasias e fenômeno de Raynaud, associam-se à escle rose sistêmica (síndrome CREST).
O exame físico do paciente em questão é pouco ex pressivo para identificara etiologia da disfagia, o que não é raro naqueles com tal queixa. Seu emagrecimento
pode sugerir tanto doença neoplásica quanto a própria
restrição alimentar pelo desconforto do ato de deglutir. Destacam-se, no entanto, em seu exame, os sinais de
O objetivo do exame físico é confirmar ou afastaras hipóteses diagnósticas já levantadas na história clínica. Dessa forma, sua meticulosa realização é imperiosa para um bom desfecho terapêutico. Buscamos sinais de alerta para algumas etiologias específicas. Em disfagias orofaríngeas, devemos atentar para os sinais neurológicos, como alterações da fala, dificuldade em lidar com a saliva, fraqueza muscularou distúrbios do
QUADRO 38.2 - Perguntas importantes para a história clínica de disfagia • Há quanto tempo vem apresentando esses sintomas? • Há problemas para iniciar a deglutição ou sente que a comida para em algum ponto? • Os sintomas são progressivos ou intermitentes? • Com que tipo de alimento percebeu pela primeira vez dificuldade para engolir (líquidos ou sólidos)? • Percebe sintomas associados como tosse, engasgos, regurgitação alimentar ou pirose, náuseas ou vômitos, alteração da voz ou odinofagia? • Está emagrecendo? • Há histórico pregresso de doenças do tecido conjuntivo, doenças neuromusculares, câncer, AIDS, tuberculose ou doença de Chagas? • Há histórico pregresso de cirurgias de cabeça ou pescoço, coluna vertebral ou esofagogástrica? • Há histórico pregresso de radioterapia ou uso constante de alguma medicação (especialmente alendronato ou imunossupressores)? • Há histórico pregresso de tentativa de suicídio ou ingestão acidental, na infância, de substâncias cáusticas? • É tabagista ou etilista (tempo e quantidade)? • Há histórico familiar de doença esofágica ou neoplasias?
doença cardiovascular não controlada. O fundo de olho
com retinopatia hipertensiva, a hiperfonese de A2 e os
pulsos diminuídos à palpação indicam lesão hipertensiva de órgão-alvo e doença aterosclerótica. Até o momento, não é possível estabelecer uma causa bem definida para a
queixa de disfagia, e exames complementares devem ser programados.
Paciente submetido a exames laboratoriais gerais (hemograma, eletrólitos, bioquímica renal e glicemia), não só para avaliaro grau de anemia (mucosas hipoco radas ao exame físico), mas também distúrbios hidroeletrolíticos (pela desidratação). Os exames mos tram apenas discreta anemia hipocrômica e microcítica. Solicita-se então endoscopia digestiva alta para averi guar causas obstrutivas esofagianas (já que não tem dificuldade para iniciaro ato de deglutição). Esta reve la esôfago de forma e distensibilidade normal, recoberto mucosa de aparência também normal, mas com calibre reduzido em seu terço médio, devido à compressão extrínseca pulsátil. Procede-se imediatamente à radiografia torácica (Fig. 38.1), observando-se alargamento mediastinal, o qual poderia estar relacionado a aneurisma de aorta torácica. Com esses dados em mãos, submete-se o paciente à tomografia computadorizada toracoabdomi nal contrastada e se encontra volumoso aneurisma de aorta torácica tipo B de Stanford ou tipo III de De-
Disfagia - 227
Os exames laboratoriais são de pouca valia nos casos
de disfagia e visam basicamente avaliaras complicações
metabólicas desta condição. Havendo suspeita de doença de Chagas, a sorologia para T cruzi e eletrocardiograma
podem fazer parte do arsenal diagnóstico. Pacientes com disfagia faríngea devem ser submetidos a estudo videofluoroscópico dinâmico da deglutição ou
exame baritado da região faringoesofágica. Nas disfagias
esofágicas, opta-se pela endoscopia digestiva alta ou esofagograma baritado, sendo a primeira mais sensível e
específica para as anormalidades mucosas. Em distúrbios de motilidade, o esofagograma baritado pode sugerir o diagnóstico, mas a manometria é o exame padrão-ouro.
Quando há suspeita de compressão extrínseca, optam-se pelos exames radiológicos simples à tomografia compu
tadorizada e ressonância nuclear magnética.
Em nosso paciente, a endoscopia digestiva alta suge riu compressão extrínseca e a tomografia computadoriza
aneurisma. Seu pós-operatório ocorreu de forma tran quila e com resolução da disfagia. As massas de origem vascular perfazem aproximada mente 10% das massas de mediastino posterior, sendo as alterações do calibre da aorta torácica e seus ramos a prin cipal causa. Os aneurismas de aorta geralmente estão rela cionados a doença aterosclerótica, tabagismo e hipertensão arterial sistêmica. Outros fatores também são descritos: trauma, sífilis, degeneração medial cística e micoses. A história natural dos aneurismas de aorta foi estuda da porDavies et al.1 com acompanhamento de 304 pa
cientes com aneurisma de aorta torácica com tamanho médio de 3,5cm e seguidos, em média, por 31 meses. A taxa de crescimento foi de 0,1cm/ano, sendo significati vamente maior em pacientes com aneurismas de aorta descendente (0,19cm/ano) e pacientes com síndrome de Marfan. O risco relativo (RR) de ruptura do aneurisma entre 5 e 5,9cm foi de 2,5/ano, ao passo que nos aneuris mas com mais de 6cm o RR era de 5,2/ano. Nos pacien tes com síndrome de Marfan, o RR era de 3,7/ano. Além dos aneurismas, outras anomalias vasculares podem acarretar disfagia:
da de tórax confirmou a etiologia do quadro de disfagia. Como não havia comprometimento aneurismático dos
vasos da base e dos vasos femorais, os pulsos radiais e pediosos eram simétricos, fato este que dificultou, de início, relacionar sua disfagia às causas cardiovasculares.
Paciente orientado sobre aspossibilidades terapêu ticas e risco cirúrgico; opta pela correção cirúrgica do
• Disfagia lusória: é uma anomalia rara em que a artéria subclávia direita surge do arco aórtico, distal à artéria subclávia esquerda, atravessando a linha média acima do esôfago. Normalmente, não causa sintomas, mas quando estes ocorrem, o mais comum é a disfagia (principalmente em indivíduos com mais de 40 anos de idade). • Anel vascular: anormalidade congênita rara (< 0,2%) que causa obstrução parcial ou completa do esôfago e/ou traqueia. Pode ser formado pelo arco aórtico direito, ducto arterioso esquerdo que não regrediu ou por uma artéria subclávia esquerda aberrante. • Divertículo de Kommerell: é uma dilatação da origem da aorta (remanescente do arco aórtico embrionário), sendo uma das anomalias mais comuns da raiz aórtica. • Arco aórtico duplo e dextroposição da aorta: também cursam com disfagia, mas são mais comuns na infância.
DIAGNÓSTICO FINAL Aneurisma de aorta torácica com apresentação clínica de disfagia.
DISCUSSÃO Figura 38.1 - Radiografia de tórax, revelando alar
A disfagia aórtica foi descrita por Pape em 1932. Os pacientes são tipicamente idosos, hipertensos, do sexo
gamento mediastinal.
feminino e de baixa estatura com cifose.
CAPÍTULO 38
Bakey, sem comprometimento dos vasos da base ou das artérias renais.
228 -
Doenças do Sistema Gastrointestinal
CAPÍTULO 38
Nomura et al.2 demonstraram a associação entre cito cinas, fatores da cascata da coagulação e das moléculas de adesão e o aparecimento de aneurisma de aorta. No
Na literatura, há poucos relatos de pacientes que so breviveram à hemorragia por fístula aorticoesofágica. O grupo de cirurgia torácica do Methodist Hospital em
estudo, o dímero D, a antitrombina III e a interleucina 2R
Houston, Texas, foi o primeiro a descrever uma abordagem
tiveram seus níveis séricos aumentados em relação ao
cirúrgica com sucesso em 1983. Hoje, 26 anos após o
grupo-controle, havendo relação direta com o volume
primeiro relato, há grupos que preferem esofagectomia
aneurismático.
inicial, uma vez que na maioria dos casos os pacientes
Não há consenso na literatura sobre a melhoraborda gem propedêutica para se investigara disfagia aórtica.
necessitaram de um novo procedimento para esofagecto mia em razão da mediastinite pós-operatória.
Nesses casos, os achados radiológicos, tanto à radiografia simples de tórax quanto ao esofagograma baritado, podem
ser inespecíficos e inconstantes.
Uma vez que a ruptura é o evento mais catastrófico que
pode ocorrerno paciente portadorde aneurismas, inúmeros autores têm estudado a história natural da doença e os fa
tores relacionados à chance de ruptura ou dissecção.
De acordo com a equação de Laplace para cilindros,
REFERÊNCIAS 1. DAVIES, R. R.; et al. Yearty ruptuie ordissection rates forthoracic aortic aneuiysms: simple piediction based on size. AmThcra. Scrg v. 73, p. 17-28, 2002. 2. NOMURA, E; et al. Relationship between coagulation cascade, cytocine, adhesion molecule and aortic aneuiysm. Etr. J. Cadicflxra. Scrg, v. 23, p. 1034-1039, 2003.
a variação da pressão transmural está diretamente rela
cionada à tensão parietal e inversamente relacionada ao raio. O aumento do volume do vaso aumenta a tensão sobre sua parede com lesão da vasa vasorum e a possibi
lidade de erosão gradual do esôfago. A fístula aortoeso fágica é um evento catastrófico e tem como principal causa o aneurisma de aorta. Aproximadamente 5 a 10%
dos aneurismas de aorta torácica perfuram para dentro do esôfago. Chiari et al. foram os primeiros a descrever em 1914, a síndrome típica de fístula aorticoesofágica, carac
terizada pordortorácica medioesternal, seguida de breve período livre de sintomas e hemorragia fatal. A única abordagem que pode salvara vida do pacien
te é a cirurgia de emergência, o que na maioria das vezes não é possível em função do rápido choque hipovolêmico. Uma opção paliativa é o uso de balão de Sengstaken-
Blakemore ou da embolização da fístula como forma de contenção da hemorragia até que a abordagem cirúrgica
seja realizada.
LEITURA COMPLEMENTAR COCKERAM, A. W. Canadian Association of Gastroenterology practice guidelines: evaluation of dysphagia. Cai J. Gastroated, v. 12, n. 6, p. 409-414, 1998. DUWE, B. V.; STERMAN, D. H.; MUSANI, A. I. Tumois of the mediastinum. Chest v. 128, p. 2893-2909, 2006. GIRON, J. et al. Diagnostic appioach to mediastinal masses. Eu,q»eai Jαrrrid Ralkkg v. 42, p. 21-42, 1998. LEVINE, M. S.; RUBESIN, S. E. Radiologic investigation of dyspha gia. AJR, v. 154, p. 1157-1163, 1990. SHAUMBUREK, R. D.; FARRAR, J. T. Disoideis of the digestive system in the elderly. NEJM, v. 322, p. 438-443, 1990. TRATE, D. M.; PARKMAN, H. P.; FISHER, R. S. Dysphagia: evolution, diagnosis and tieatment. Prim. Cae v. 23, p. 417-443, 1996. UNOSAWA, S.; et al. Successful surgical treatment foran aortoesophageal fístula due to a descending aortic aneuiysm. Am Tho ra. Cadkvasc. Scrg. v. 9, n. 4, p. 257-260, 2003. WINN, R. A.; et al. Dysphagia, chest pain and refractoiy asthma in a 42-year-old woman. Chest v. 126, p. 1694-1697, 2004.
SEÇÃO
Doenças do Sistema Nervoso
CAPÍTULO
39
Tontura Anderson Rodrigues Brandão de Paiva • José Luiz Pedroso É mais importante saber que espécie de pessoa tem uma doença que saber que espécie de doença a pessoa tem.
Hipócrates
Um homem de 42 anos de idade procura atendi mento médico com queixa de tontura. Trata-se de um homem divorciado, autônomo (vendedor de móveis usados), que sempre viveu na área urbana. Relata início de tontura há cerca de um mês, caracterizada pordese quilíbrio. Seus amigos o acusavam de estar andando bêbado, embora negasse etilismo. Chegou a se chocar com o poste, algumas vezes, enquanto caminhava pela rua. Passou por atendimento médico recebendo fluna rizina, sem melhora. Na realidade, vem apresentado piora progressiva dos sintomas. A tontura é um sintoma extremamente comum na prática
médica diária e pode ter inúmeros significados. Sua etio logia pode variar desde doenças neurológicas sérias, como os eventos vasculares cerebrais, até situações transitórias e benignas, como as labirintopatias. Muito provavelmente, poucos sintomas em Medicina causam tanto desconforto ao médico como a tontura, devido a vários fatores: queixas inespecíficas, exigência
Uma boa ferramenta para abordara tontura é a clas
sificação de Drachman, que utiliza a entrevista médica como elemento diagnóstico. Com base na história, tenta
-se encaixara tontura do paciente em uma das quatro categorias (o Quadro 39.1 apresenta as etiologias para cada tipo de tontura). Para cada um dos tipos, utiliza-se uma pergunta propiciatória:
Tipo I: tontura rotatória ou vertiginosa
Pergunta: o(a) sr(a) tem a sensação de que os objetos ou as paredes estão girando ou estão em movimento? Ou o(a) sr(a) parece estarem movimento, mesmo estando parado?
O paciente relata sensação de movimento ou rotação do ambiente ou de que ele próprio está rodando. Tal sin toma aponta um distúrbio vestibular periférico ou central
de história clínica coerente e detalhada, necessidade de exame neurológico bem realizado e vasta gama de possi bilidades diagnósticas. Além disso, exames laboratoriais são pouco expressivos na investigação da tontura, salvo em algumas exceções. O melhor método para a abordagem diagnóstica de tontura são a entrevista médica e o exame físico. Muitas
- a duração e os fatores desencadeantes fazem o diagnós
vezes, os sintomas são inespecíficos e mal interpretados, e tal dificuldade pode ser minimizada pela entrevista médica bem realizada.
adaptação e fatigabilidade - a sugerir uma síndrome pe
tico diferencial. A vertigem pode se acompanhar de náu
seas, vômitos e nistagmo. Pode ocorrer oscilopsia espon tânea, a ilusão não provocada de movimento unidirecional
ou rotacional do ambiente, pode ocorrer. Para diferenciar
o distúrbio vestibular periférico do central deve-se atentar para os seguintes sintomas: hipoacusia, acúfenos, latência,
riférica; disartria, diplopia, ataxia, síndrome de Horner,
dor facial e déficit motor- a sugerir uma síndrome central.
232 -
Doenças do Sistema Nervoso
CAPÍTULO 39
Vale lembrar que os fatores de risco cardiovascularclássi
Pergunta: o (a) sr.(a) tem a sensação de desequilíbrio,
lar central. A causa mais comum desse tipo de tontura é a
como se estivesse sendo jogado ou puxado para um dos lados? O (a) sr.(a) tem alguma dificuldade para deambular
vertigem paroxística posicional benigna. Esta é uma verti
por causa da tontura?
cos colocam o paciente em maior risco de doença vestibu
gem periférica desencadeada por movimentos bruscos da cabeça - como virar na cama ou levantara cabeça ao co
O paciente refere que está andando desequilibrado,
de curta duração, com latência,
com possíveis quedas - como o nosso paciente. Tal
fatigabilidade e adaptação, mais comum em idosos e que
queixa aponta distúrbios motores, com várias etiologias
é provocada por um deslocamento transitório dos otólitos
possíveis. Pode ser secundária a acometimento de vias
no ouvido interno.
motoras, cerebelares, funiculares posteriores e até mesmo
locaruma roupa no varal
de nervos periféricos. O exame físico será fundamental
Tipo II: tontura do tipo pré-síncope
para tal definição. Como dica geral, vale lembrar que tonturas do tipo vertigem costumam ser muito sintomá
Pergunta: o (a) sr.(a) tem a sensação de visão escura
ou de que vai perdera consciência ou desmaiar? Os sin tomas são precipitados ao se levantar bruscamente?
ticas com relativamente poucos achados ao exame físico,
ao passo que as tonturas do tipo desequilíbrio levam a
queixas menos intensas, não referidas na cabeça, e a
exame físico com achados mais consistentes - embora
O paciente refere uma sensação de “como se fosse desmaiar”. Tal sintoma nos obriga a pensar nos seguin
tes diagnósticos diferenciais: arritmias cardíacas, hipo tensão postural, hipoglicemia e anemia. Deve-se pergun
tar sobre síncopes e em que condições a pré-síncope/ síncope ocorreram. É fundamental esclarecer se a pré
-síncope é posição-dependente - sugerindo hipotensão postural - ou posição-independente - sugerindo arritmia
cardíaca ou distúrbio metabólico como hipoglicemia.
Em caso de síncope, saber se houve ou não sintomas
possam ser sutis!
Tipo IV: tontura do tipo “cabeça oca ”
Pergunta: o(a) sr.(a) tem a sensação de “cabeça vazia” ou “cabeça oca”? Aqui as descrições dos pacientes são mais variadas e
mais vagas, imprecisas. Geralmente referidas como “ca
beça oca”, “cabeça leve”, “cabeça esquisita” e até descri
prodrômicos, ou seja, se foi precedida porpré-síncope.
ções mais pitorescas como “parece que minha cabeça é uma folha de papel ao vento”. É a categoria em que se
Síncope sem pródromos tipo desliga-liga, fala fortemen
colocam as tonturas que não se consegue identificar com
te a favor de arritmias cardíacas. Outros sintomas asso
clareza em nenhum dos três tipos anteriores. Tal tipo de
ciados como dore palpitações também sugerem etiolo
tontura indica distúrbios psiquiátricos, geralmente trans
gia cardíaca. Caso a pré-síncope seja induzida pelo
tornos ansiosos, síndrome de hiperventilação, encefalo
esforço, não se pode esquecer de investigar estenose
patias, tontura por múltiplos déficits sensitivos (especial
aórtica (valvar supravalvar ou infravalvar). O curioso
sinal do sapo (sensação de batimentos no pescoço no
mente em idosos) ou formas frustras dos três tipos anteriores.
momento da pré-síncope e/ou das palpitações) sugere
O nosso paciente parece ter uma tontura do tipo de
bloqueio cardíaco (átrios contraindo contra valvas atrio
sequilíbrio, o que é reforçado pelo fato de ele estar “an
ventriculares fechadas). Em caso de hipotensão postural
dando que nem bêbado” - será uma ataxia cerebelar? Ou
- pesquisada com a medida de pressão arterial (PA)
uma ataxia sensitiva (por comprometimento do funículo
deitado e imediatamente após se levantar e com 3, 5 e
posterior da medula)? - e por se chocar com postes na
10min após se levantar diagnosticada quando há sintomas
rua. Um exame neurológico é imprescindível nessa situa
associados à queda de 20mmHg na PA sistólica e/ou
ção! A prescrição de flunarizina, um antagonista de cálcio
10mmHg na PA diastólica - deve-se perguntar sobre
com ação anti-histamínica geralmente indicado como
medicamentos em uso e considerar disautonomia (que
sedativo vestibular infelizmente é um ato quase reflexo
geralmente se acompanha dos seguintes sintomas: dis
de alguns médicos quando se deparam com um paciente
túrbios esfincterianos, disfunção erétil, queixas gastroin
que se queixa de tontura - como se todo paciente que se
testinais do tipo empachamento e constipação, podendo
queixa de tontura tivesse vertigem! Os efeitos colaterais
haver diarreia paradoxal).
mais comuns dessa medicação são sonolência, síndrome extrapiramidal e discinesia tardia. Não há qualquer indi
Tipo III: tontura do tipo desequilíbrio
cação de antivertiginoso para esse paciente até que se
Tontura - 233
dos olhos, a visão dupla persiste. Caso persista, está-se
Tipos de tontura
Etiologias
lidando com uma diplopia monocular sugerindo afecções
Tipo 1: tontura rotatória ou vertiginosa
Vertigem posicional paroxística benigna Neuronite vestibular ("labirintite") Neurinoma do nervo acústico Acidente vascular ou ataque isquêmico transitório de tronco cerebral Doença de Ménière Labirintopatia por fármacos Doença desmielinizante (esclerose múltipla) Psicogênica Hemicrania Vertigem pós-traumática Causas incomuns: malformações arteriovenosas, fístulas.
dos meios refrativos, ou seja, uma doença eminentemen
Tipo 2: tontura do tipo pré-síncope
Tipo 3: tontura do tipo desequilíbrio
Tipo 4: tontura com sensação de "cabeça oca"
Reação vasovagal Hipocapnia (hiperventilação, ansiedade, síndrome do pânico) Hipotensão postural Anemia Distúrbios metabólicos (hipoglicemia) Arritmia cardíaca Cardiopatias (doença coronariana, estenose aórtica, hipertensão pulmonar) Hipersensibilidade do seio carotídeo Manobra de Valsalva
Lesões do cerebelo ou vias cerebelares e vestibulares (acidente vascular cerebelar, acidente vascular de tronco cerebral, neoplasias, intoxicações por fármacos - por exemplo, hidantal -, cerebelites, neuronite vestibular, esclerose múltipla) Lesões da via piramidal (acidente vascular cerebral, lesões medulares, neoplasias, esclerose múltipla) Labirintopatias Psicogênica (depressão, ansiedade) Distúrbios metabólicos Uso de fármacos
te oftalmológica. Se a diplopia se resolve quando um dos
olhos é tampado, está-se diante de uma enfermidade neurológica, geralmente por acometimento da muscula
tura ocular extrínseca, embora possa ocorrer também em
casos de defeitos assimétricos de campo visual em que a imagem em foco cai em pontos não correspondentes da
retina. Perguntar se há alguma direção do olharem que a diplopia é pior nos dá uma dica dos possíveis músculos
acometidos. Por exemplo, uma diplopia preferencialmen
te na mirada horizontal pode indicar acometimento de músculos retos medial e/ou lateral, ao passo que uma
diplopia preferencialmente na mirada vertical mostra acometimento de músculos retos superior e/ou inferior
O exame físico, mais uma vez, será crucial para se definir essa questão - embora nem sempre seja fácil. A queixa de cefaleia deve ser abordada sempre com os sinais de alarme para cefaleia secundária em mente (ver Capítulo 41 - Cefaleia súbita - hemorragia suba
racnóidea). O paciente apresenta alguns sinais de alarme: déficits neurológicos focais (tontura do tipo desequilíbrio e diplopia, a serem mais bem definidos ao exame físico),
perda ponderal (embora pequena, neste contexto deve ser valorizada - será que ele tem uma neoplasia ou HIV?),
piora progressiva e confusão mental. O fato de a cefaleia piorar com o decúbito, por si só, não é um sinal de alar
me! Ao contrário do que a maioria dos clínicos pensa, cefaleia que piora com o decúbito raramente se associa a
cefaleias secundárias, não sendo incomum em enxaqueca tenha pelo menos um diagnóstico sindrômico - o qual não parece que será de uma síndrome vestibular. Há cerca de duas semanas, além da tontura, relata também estar enxergando duas imagens ao mesmo tempo, de forma persistente. Em seguida, desenvolveu cefaleia holocraniana, persistente, com piora ao decú bito, associada a náuseas e vômitos. A irmã do paciente tem notado piora significativa dos sintomas nas últimas semanas, além de confusão mental e sono lência nos últimos dias. Perda de 2kg em dois meses. O paciente é etilista social (cerveja nos finais de sema na). Nega uso de drogas. Apresentou pneumonia há dois anos, com tratamento ambulatorial. Nega outras doen ças ou uso de outras medicações.
e fazendo parte da descrição clássica de cefaleia em sal vas. Trata-se mais de uma descrição histórica - não se fie
nesse dado para diagnosticar hipertensão intracraniana!
Este paciente precisará de imagem do encéfalo - pelo menos uma tomografia! Os antecedentes de etilismo social e de pneumonia há
dois anos pouco ajudam diagnóstico diferencial. Todavia, toda vez que se atende um paciente relativamente jovem com pneumonia, deve perguntar por que aquele paciente
teve tal quadro. Será que ele tem alguma imunodepressão
de base ou adquirida? Será que ele já foi um etilista pe sado no passado? Tais quadros foram investigados naque
la oportunidade? Também seria importante obter uma
história de sua vida sexual - será que ele tem epidemio
O paciente apresenta diplopia, um sintoma extrema mente significativo e que deve ser minuciosamente explo rado. Diante de um paciente com diplopia, a primeira pergunta que se deve tentar responder é se é monocular
ou binocular. Pergunta-se ao paciente se, ao tampar um
logia para HIV? O exame físico apresenta as seguintes característi cas: discreta palidez cutâneo-mucosa, com ritmo cardíaco regulare sem sopros, ausculta respiratória sem
CAPÍTULO 39
TABELA 39.1 - Tipos de tontura com as possíveis etiologias
CAPÍTULO 39
234 -
Doenças do Sistema Nervoso
alterações, abdome sem alterações e membros inferio res normais. O exame neurológico se caracteriza por achados relevantes: sonolência, desorientação temporal e espacial, ataxia, com dismetria e disdiadococinesia à direita, semiptose à direita, com paresia do globo ocu lar para cima, para baixo e na adução, com discreta anisocoria (direito > esquerdo).
Palidez cutâneo-mucosa sugere a possibilidade de anemia, embora se saiba que a sensibilidade do exame físico para anemia é baixa, principalmente em atendimen tos em pronto-socorro. O restante do exame físico geral está normal, o que é extremamente significativo, ao con trário do que muitos possam pensar. Até antes do exame físico estávamos diante de um paciente com sinais de alarme para cefaleia secundária, principalmente a neopla sias e HIV. Ausência de sinais como flebite migratória, empastamento de panturrilha, lesões cutâneas sugestivas de melanoma, massas palpáveis, entre muitos outros sinais possíveis, embora não exclua por completo, reduz pelo menos um pouco a possibilidade de uma neoplasia mais avançada. Também não são relatadas lesões compatíveis com o diagnóstico de HIV, como sarcoma de Kaposi e dermatite seborreica, por exemplo. No entanto, tais diag nósticos continuam altos na nossa lista de diagnóstico diferencial. O exame neurológico está bastante alterado, conforme nossas expectativas. Sonolência e desorientação de início relativamente agudo sugerem delirium. O diagnóstico diferencial de delirium é muito amplo - ver capítulo 80, Confusão mental. Raramente, o diagnóstico da causa do delirium aparece na tomografia, mas neste caso, devido aos sinais focais, a tomografia não pode ser postergada! A orientação espacial de uma pessoa normal depende de cinco modalidades sensitivas: visão, aferências vesti bulares, propriocepção inconsciente, tato e pressão e audição - em ordem decrescente de importância. O aco metimento de qualquerum desses cinco componentes bem como falhas na integração central dessas sensibilidades e acometimentos motores neurológicos ou ortopédicos, podem alterar o equilíbrio. A ataxia em geral é dividida em ataxia cerebelar e ataxia sensitiva. Na ataxia sensitiva, que decorre de aco metimento da propriocepção, seja por lesão em nervos periféricos, seja por lesão em funículo posterior, o pacien te tende a andar com os calcanhares batendo forte no chão - o que é conhecido como marcha talonante ou marcha tabética. É o recurso que o paciente desenvolve para
tentar aumentar a propriocepção. Em casos mais graves, ele pode andar olhando para o chão, pela impossibilidade de saber onde está pisando somente com base na proprio cepção. Quando se testa o equilíbrio estático desse pa ciente, observa-se piora significativa do equilíbrio com o
fechar dos olhos - é o famoso sinal de Romberg. Isso ocorre porque nessa situação o paciente só terá as aferên
cias vestibulares e cerebelares, o que não é suficiente para
mantero equilíbrio. No passado, a causa mais comum de ataxia sensitiva era o tabes dorsalis, causado pela sífilis. Hoje, a etiologia mais comum é carência de vitamina B12
- não se esqueça de considerar este diagnóstico em pa cientes com antecedente de gastrectomia parcial ou total! Já a ataxia cerebelar geralmente se acompanha de outros sinais cerebelares, como dismetria, disdiadococi nesia e rechaço. A marcha cerebelaré também conhecida como marcha ébria, porque é exatamente a marcha que as pessoas que estão sob efeito de álcool apresentam. É
uma marcha de base alargada que pode ter ou não o de
sequilíbrio em uma direção preferencial - a dependerda
região do cerebelo acometida. Lembre-se que as lesões cerebelares hemisféricas causam déficits ipsilaterais. Quando se avalia o equilíbrio estático desses pacientes, não se verificamos o sinal de Romberg. Em casos mais discretos, o paciente pode não mostrar desequilíbrio óbvio,
mas, se lhe examinaros pés descalços, observa-se que ele mexe os dedos constantemente, o que é conhecido como
dança dos tendões. Nosso paciente tem uma ataxia cerebelar, o que é corroborado pelos achados de dismetria e de disdiadoco
cinesia. A lesão deve será direita, pois é o lado em que os achados são piores e, conforme já foi dito, as lesões
cerebelares causam déficits ipsilaterais.
Semiptose palpebral direita, paresia do olhar para cima,
para baixo e em adução, bem como a anisocoria com pupila direita maior do que a esquerda apontam lesão do
nervo oculomotor direito (III par craniano). O oculomotor
inerva o levantador da pálpebra superior, os músculos retos superior, inferior, medial e oblíquo inferior, bem
como o músculo ciliar- responsável pela contração pu
pilar. Lembre-se da inervação dos dois outros músculos
oculares extrínsecos: o músculo reto lateral é inervado pelo nervo abducente (VI par) e o músculo oblíquo supe
rior pelo nervo troclear (IV par). Os achados nesse paciente justificam sua diplopia,
bem como a ataxia cerebelarjustifica sua queixa de ton
tura do tipo desequilíbrio. No entanto, o delirium pode se devera algum distúrbio metabólico ou hidroeletrolítico, bem como à lesão cerebral mais difusa ou de sistema
reticular ativador ascendente. Os pacientes com alteração da marcha (ataxia), nis
tagmo ou sinais cerebelares ao exame físico (dismetria e disdiadococinesia) necessitam de investigação com imagem
da fossa posterior. A Tabela 39.2 apresenta alguns ele
mentos do exame neurológico que são essenciais à pes quisa de lesões centrais.
Tontura - 235
achado inespecífico, porém, muito significativo. A VHS acelera-se em qualquer processo inflamatório, podendo também se elevarem processos infecciosos ou neoplásicos. VHS acima de 100mm/h, embora ainda inespecífica,
sugere alguns diagnósticos: arterite de células gigantes, tireoidite de De Quervain, gamopatias monoclonais e
endocardite infecciosa - todos pouco prováveis em nosso paciente. A arterite de células gigantes é a vasculite pri
mária mais comum na comunidade e, caracteristicamente, acomete pessoas acima de 50 anos de idade. Os sintomas
mais comuns são cefaleia e/ou dores pelo corpo, especial
O paciente de fato apresenta anemia, conforme suspei
mente nas cinturas escapular e pélvica. Um achado mais
ta ao exame físico. O VCM é normal, ou seja, trata-se de
específico, embora não seja sensível, é a claudicação
anemia normocítica. Nesses casos, deve-se primeiramente
mandibular - o paciente se queixa de dor e/ou cansaço
excluir carência de ferro, pedindo um perfil da cinética do
ao mastigar.A tireoidite de De Quervain é acompanhada
feno, pois anemias ferroprivas em fases iniciais têm VCM
por dor em topografia de tireoide. As gamopatias mono
normal - pena não termos a amplitude de distribuição de
clonais - mieloma múltiplo é a mais comum - só podem
hemácias (RDW), que geralmente se altera antes do VCM
ser completamente descartadas pela imunoeletroforese de
em anemias ferroprivas. No entanto, no contexto desse
proteínas, mas é pouco provável que este seja o diagnós
paciente, uma anemia ferropriva é pouco provável, pois
tico de nosso paciente, pois não são comuns achados
não há relatos de perda sanguínea. Deve-se também excluir
neurológicos focais de sistema nervoso central suprasseg
hemólise antes de consideraro diagnóstico de anemia por
mentar. Em geral, as manifestações neurológicas do
doença crônica. Nesse paciente, deve-se tratar de anemia
mieloma múltiplo se devem à hipercalcemia, ou compressão
por doença crônica.
medular por fratura patológica de vértebras, ou síndrome
A VHS está muito acelerada - o valor normal é idade/2
para homens e (idade + 10)/2 para mulheres - o que é um
de hiperviscosidade ou mononeurite múltipla. A endocar
dite, ainda que seja uma consideração diagnóstica, é pouco
TABELA 39.2 - Quais os pontos fundamentais do exame neurológico em um paciente com tontura?
Manobra
Descrição
Achado
Significado
Avaliação da marcha
Solicitar ao paciente para andar em linha reta
Alargamento da base de sustentação e ataxia
Lesão do cerebelo ou vias cerebelares (acidente vascular cerebral, tumor, esclerose múltipla)
Dismetria
Prova índex-nariz (solicitar ao paciente que coloque alternadamente o indicador na ponta do nariz)
Decomposição do movimento e erro do alvo
Lesão do cerebelo ou vias cerebelares (acidente vascular cerebral, tumor, esclerose múltipla)
Disdiadococinesia
Solicitar ao paciente que faça movimentos alternantes, com a palma e o dorso da mão sobre o lado oposto
Incapacidade de coordenar os movimentos
Lesão do cerebelo ou vias cerebelares (acidente vascular cerebral, tumor, esclerose múltipla)
Avaliação do reflexo córneo-palpebral
Percussão leve com algodão na região da córnea
Perda do piscamento reflexo do mesmo lado
Lesão do nervo trigêmeo (tumores do ângulo pontocerebelar)
Avaliação da musculatura ocular extrínseca
Solicitar ao paciente que acompanhe o movimento do dedo indicador do examinador com o olhar para todos os lados
Paresia do olhar (para qualquer um dos lados)
Lesão de nervos cranianos responsáveis pela musculatura ocular extrínseca (acidente vascular cerebral)
Avaliar a presença de nistagmo
Solicitar ao paciente que acompanhe o movimento do dedo indicador do examinador com o olhar para todos os lados
Presença de nistagmo
Lesão das vias vestibulares (acidente vascular cerebral)
Avaliar simetria de face
Solicitar ao paciente que dê um sorriso forçado. Pedir ao paciente para franzir a testa
Paralisia facial
Lesão do nervo facial (tumores do ângulo pontocerebelar)
Teste de Rinne e Weber
Estímulo com diapasão
Hipoacusia
Lesão do nervo vestibulococlear (tumores do ângulo pontocerebelar)
CAPÍTULO 39
Exames gerais revelam os seguintes resultados: hemoglobina: 10,5; leucócitos: 11.600; neutrófilos: 74%; bastonetes: 1%; linfócitos: 17%; volume corpus cular médio (VCM): 85; plaquetas: 165.000; velocidade de hemossedimentação (VHS): 110; creati nina: 0,9; cálcio: 8,9; aspartato aminotransferase: 41; alanina aminotransferase: 46; amilase: 75; ureia: 32; magnésio: 1,8; relação normalizada internacional (RNI): 1,1; atividade de protrombina: 87%; sódio: 138; potássio: 3,6; creatina quinase: 108; gama-glutamiltransferase: 54; fósforo: 87%; desidrogenase lática: 213; fosfatase alcalina: 128. Radiografia de tórax: normal.
CAPÍTULO 39
236 - Doenças do Sistema Nervoso
provável, pela ausência de febre, sopros cardíacos, fenôme nos embólicos periféricos e esplenomegalia.
Há ainda leucocitose à custa de neutrofilia, sem desvio
sífilis são importantes em pacientes portadores do HIV, pois a positividade de uma delas os coloca em maior
risco de complicações do tipo reativação de doença.
para esquerda, função renal e eletrólitos normais e dis
creta elevação de enzimas hepáticas. A leucocitose com neutrofilia é muito inespecífica e não acrescenta nem
exclui nenhum dos diagnósticos diferenciais. A função renal e os eletrólitos normais, embora não excluam com
pletamente, diminuem a probabilidade de gamopatia
monoclonal. O aumento de enzimas hepáticas é discreto e inespecífico. É possível que seja secundário ao uso de
álcool ou seja por hepatite transinfecciosa. A radiografia de tórax normal praticamente exclui a possibilidade de uma neoplasia intratorácica. Vale lembrar que em inves
tigações de neoplasia sem local primário definido, outro exame fundamental seria a tomografia de abdome e pelve. No entanto, antes disso, esse paciente precisa de uma
tomografia de crânio.
A tomografia computadorizada de crânio (Fig. 39.1) revela lesão hiperdensa, com discreta captação por contraste, em tálamo direito e mesencéfalo, com edema perilesional significativo. A ressonância nuclearmag nética de crânio (Fig. 39.2) demonstra que a lesão é única, com realce anelar pelo contraste. As sorologias para toxoplasmose revelam os seguintes resultados: IgM toxoplasmose: negativa; IgG toxoplasmose: positiva. Os linfócitos CD4 são 24. Sorologias para hepatites A, B e C: negativas; VDRL: negativo; antigenemia para citomegalovírus: negativa.
A sorologia para HIV (ELISA) foi positiva. O pa ciente obteve melhora progressiva do exame neurológico com sulfadiazina, pirimetamina, ácido folínico e corti costeroides (dexametasona). Após um ano, apresenta-se sem déficits neurológicos e em uso de antirretrovirais, com acompanhamento ambulatorial. A evolução da doença demonstra que o diagnóstico é de toxoplasmose cerebral. Provavelmente, na vigência de um linfoma não Hodgkin do sistema nervoso central, novos sintomas já teriam surgido. O uso de corticosteroi
des não é recomendado para tratamento da neurotoxo plasmose de pacientes em que possa haver dúvida diag
nóstica com linfoma não Hodgkin. Isso porque ambas as doenças podem melhorar com a medicação. O corticos teroide é reservado para casos em que há edema cerebral ou déficits focais. Eventualmente, é necessária biópsia
cerebral para definição diagnóstica.
DIAGNÓSTICO FINAL • AIDS. • Neurotoxoplasmose.
A lesão descrita é bastante sugestiva de neurotoxo
plasmose e a sorologia com IgM negativa não invalida tal
consideração diagnóstica. A neurotoxoplasmose é a cau sa mais comum de lesão focal em pacientes com HIV. Tipicamente, causa múltiplas lesões em gânglios da base, de vários tamanhos, com captação anelar de contraste e
edema perilesional. Outras possibilidades diagnósticas
seriam abscesso cerebral e linfoma primário de sistema nervoso central, que também é comum em HIV, mas a
neurotoxoplasmose é ainda mais comum. O diagnóstico de linfoma sempre deve ser considerado na vigência de
lesões únicas, e não pode ser afastado até o momento. A
neurotoxoplasmose porsi só é doença definidora da sín drome da imunodeficiência adquirida (AIDS), o que significa ser este um paciente HIV-positivo que já deve
iniciar o uso de antirretrovirais. Geralmente, a resposta ao tratamento da neurotoxoplasmose é boa. Quando não
responde bem, deve-se aumentaro índice de suspeição de
linfoma primário do sistema nervoso central - este cos tuma ocorrer quando o CD4 é menor do que 50 células. As sorologias para hepatites virais, citomegalovírus e
Figura 39.1 - Lesão hiperdensa, em tálamo direito e mesencéfalo, com significativo edema perilesional, com acometimento de cápsula interna esquerda e desvio de linha média.
Tontura - 237
CAPÍTULO 39
Figura 39.2 - Lesão hipointensa em T1 na região do tálamo e mesencéfalo, de aspecto anelar, com captação de contraste. A sequência FLAIR (free liquid atenuated inversion recovery) demonstra edema perilesional intenso.
DISCUSSÃO Este caso suscita muitas discussões e nos traz muitos aprendizados. A queixa inicial de tontura pode deixar o médico perdido, “meio tonto” também, caso ele não tenha ferramentas clínicas para auxiliá-lo. Isso é compreensível,
visto que existem mais de 60 causas possíveis de tontura e que esta pode ser secundária a distúrbios de sistema vestibular; sistema nervoso central e periférico, estados
emocionais, olhos, coração, sistema vascular periférico,
pulmões, rins, sangue ou articulações de membros infe riores ou de coluna cervical. Vale ressaltar que pratica mente qualquer fármaco pode causar tontura como efeito colateral. Apesar dessas múltiplas possibilidades, 90% das
tonturas para as quais se encontra uma causa - 10% per sistem sem diagnóstico - são devidas a apenas sete dis túrbios (Quadro 39.1).
Como muitas vezes o paciente tem dificuldade de
explicar como é a sua tontura, alguns testes que desenca deiam tontura dos diferentes tipos podem ser úteis. O
QUADRO 39.1 - Causas mais comuns de tontura (adaptado de Drachman)3 • • • • • • •
Distúrbios vestibulares periféricos Síndrome de hiperventilação Múltiplos déficits sensitivos Distúrbios psiquiátricos (pânico, agorafobia, depressão e ansiedade) Insuficiência vertebrobasilar Distúrbios neurológicos (parkinsonismo, esclerose múltipla, etc.) Distúrbios cardiovasculares
paciente é submetido a manobras e questionado se sua tontura espontânea se assemelha à tontura desencadeada por uma delas. A rotação de Báràny, na qual o paciente
roda sentado dez voltas em uma cadeira giratória com a cabeça fletida a 30°, produz vertigem em todas as pesso as. A manobra de Valsalva potencializada, na qual o pa
ciente permanece agachado por30s e depois levanta e sopra contra o dorso da mão na boca, produz pré-síncope
pordiminuiro retomo venoso para o coração. Já a hiper ventilação por cerca de 30s gera uma tontura do tipo IV. Obviamente, a pesquisa de hipotensão postural é obriga tória em todo paciente com tontura, bem como o exame neurológico. A manobra de Dix-Hallpike (ou Nylèn-Báràny) causa vertigem em pacientes com vertigem posicional, sendo a vertigem postural paroxística benigna (VPPB) a causa
mais comum. O paciente deve se sentar na mesa de exa mes e se deitar rapidamente, com a cabeça para fora da maca, com um ouvido para baixo. O médico deve segurar -lhe a cabeça durante a manobra, que deve ser rápida,
porém, suave. O paciente deve manteros olhos abertos e relatar qualquer sensação de vertigem, enquanto o exa minador procura nistagmo. A manobra é então repetida com o outro ouvido para baixo. Em casos de VPPB, aparece vertigem após um pequeno atraso de cerca de 5 a 10s. Esta dura menos de 1min e geralmente é acompa nhada de nistagmo horizontal ou rotatório que não muda de direção enquanto o paciente permanece na mesma
posição. Sintomas sistêmicos, como náuseas, podem ocorrer embora vômitos sejam raros.
CAPÍTULO 39
238 -
Doenças do Sistema Nervoso
O diagnóstico final de neurotoxoplasmose + AIDS, ao qual a tomografia de crânio muito ajudou, não deve deixar, em hipótese alguma, a impressão de que a tomografia seja exame fundamental em pacientes com queixa de tontura - na verdade, segundo Drachman, esta só é diagnóstica em menos de 1% dos casos! Este caso reforça, mais uma vez, que o mais impor tante para um diagnóstico correto é a história bem colhi da - a ponto de alguns médicos mais experientes afirma rem que “o exame físico é mera formalidade, o que realmente importa é a história”. Certamente, esta afirma tiva é uma hipérbole, pois é claro que o exame físico é importante, mas nada se compara à história.
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Janeiro: Revinter 2002.
CAPÍTULO
40
Tremor Marcio Luiz Escorcio Bezerra • Pedro Braga Neto • José Luiz Pedroso
Paciente de 72 anos de idade, sexo masculino, branco, iniciou há um ano quadro de tremor nas mãos, mais proeminente à esquerda e em repouso. O tremor se acentuava em situações de estresse, mas não preju dicava as tarefas habituais de vida diária, tais como escrever.Vinha, no entanto, apresentando um incômodo significativo no contato social, já que era frequentemente questionado se estava muito ansioso. Em consulta médica, após um mês, foi dito que os sintomas se de viam ao uso de medicação antidepressiva, pois estava em uso de fluoxetina há mais de um ano. A conduta inicial foi trocara medicação por amitriptilina, sem, contudo, apresentar melhora clínica. Os transtornos do movimento são constituídos de um amplo espectro de apresentações semiológicas, tendo como
principal representante, porsermais prevalente, o tremor. Outros transtornos do movimento: distonias, coreias, discinesias, tiques, mioclonias, atetose e balismos. Tremor é um sintoma e sinal clínico frequente em
ambulatórios e sua etiologia é muito variada, podendo se constituir de doenças neurológicas ou sistêmicas. Carac teriza-se por oscilações rítmicas acometendo um ou mais
segmentos do corpo. Sua frequência, em hertz, varia com a etiologia. O Quadro 40.1 ilustra o diagnóstico diferencial de
tremor com as suas principais etiologias. Certas drogas podem causar diversos tipos de tremo res. Os que mais provocam tremor são os simpaticomi
méticos e antidepressivos (tricíclicos ou inibidores da recaptação de serotonina), atuando como exacerbadores de um tremor fisiológico subjacente2. Percebemos, então, que essa troca de medicações provavelmente não tenha
QUADRO 40.1 - Principais causas de tremor1 • • • • • • • • •
Doença de Parkinson e outras síndromes parkinsonianas Tremor essencial Tremor fisiológico, podendo ser exacerbado por diversos fatores Tremor induzido por drogas Tremor cerebelar ou secundário a lesões nas vias cerebelares (diversas etiologias) Tremor rubral ou tremor de Holmes (de certa forma, por lesão de parte da via cerebelar) Tremor neuropático (devido à neuropatia periférica, principalmente neuropatias desmielinizantes) Outros distúrbios de movimento (tremor distônico, asterixe, clônus, etc.) Tremor psicogênico
sido a mais adequada, já que ambos estão entre os fárma cos que causam com maior frequência o sintoma. No
entanto, geralmente só a mudança de fármaco é suficien te para resolução do quadro, o que não ocorreu no caso. O tremor induzido por drogas varia de 2 a 12Hz e o tipo difere conforme a medicação (Tabela 40.1)3. Os neuro
lépticos (haloperidol, risperidona, etc.) e as drogas anti dopaminérgicas (reserpina, flunarizina, etc.) podem causar
um tremor semelhante ao da doença de Parkinson com predomínio em repouso, porém, quase sempre simétrico3. Vale ressaltar que cerca de 30% dos pacientes em uso de
valproato têm início de tremor postural após 3 a 12 meses do começo da terapia4. Em nova consulta, mantém sintomatologia, apesar da troca de medicação. Evolui com lentificação para realização das tarefas diárias, o que atribuí ao tremor Mantida a medicação antidepressiva e iniciado propra nolol com aumento progressivo da dosagem, até 120mg/
240 - Doenças do Sistema Nervoso
CAPÍTULO 40
TABELA 40.1 - Diferentes tipos de tremor medicamentoso
Drogas que mais comumente induzem tremor
TABELA 40.2 - Diferenças clínicas entre tremor por doença de Parkinson e tremor essencial
Tipo de tremor
Característica
Doença de Parkinson
Amiodarona, anfetaminas, agonistas beta-adrenérgicos, cafeína, calcitonina, cocaína, ciclosporina, dopamina, lítio, procainamida, esteroides, teofilina, hormônios tireoidianos, antidepressivos tricíclicos, ácido valproico
Tremor postural
Idade de início
> 50 anos
Bimodal: adolescentes e 50 anos
Gênero
Predomina o masculino
Homens e mulheres igualmente
Uso crônico de álcool, intoxicação por lítio
Tremor intencional
História familiar
> 25%
> 90%
Metoclopramida, neurolépticos (haldol)
Tremor de repouso
Simetria
Assimétrico
Simétrico
Frequência
4-6Hz
4-8Hz
Distribuição
Mãos e pernas
Mãos, cabeça, voz
Efeito do álcool no tremor
Sem efeito
Tremor melhora com ingestão
Sintomas associados
Bradicinesia, rigidez, instabilidade postural
Geralmente, tremor isolado
Tipo do tremor
De repouso
Postural e cinético
Curso
Estável ou lenta progressão
Lenta progressão
O tremor essencial é uma consideração diagnóstica importante e certamente é pertinente a realização de tes te terapêutico, já que muitos casos podem sersoluciona
dos desta forma. Acredita-se que seja até 20 vezes mais comum que a doença de Parkinson e tenda a piorar com a idade2. Em 60% dos casos é uma condição transmitida
tireoidismo. Antecedentes psiquiátricos, como ansiedade,
de forma autossômica dominante5. Caracteriza-se como
ser avaliados na entrevista médica, pois podem sugerira
um tremor de predomínio postural, simétrico, com fre
etiologia do tremor.
quência de 4 a 8Hz e padrão em flexão-extensão, além de predomínio em membros superiores6. Como dificuldade diagnóstica, é importante lembrar que alguns pacientes com tremor essencial podem apresentar sinais leves de parkinsonismo e cerca de 50% deles têm dificuldade de
andarem linha reta3. Por outro lado, o tremorda doença de Parkinson é tipicamente assimétrico, de repouso, com
frequência um pouco mais baixa (4 a 6Hz), com padrão supinação-pronação, distribuição de predomínio distal e
costuma vir acompanhado de outros sintomas como rigi dez, bradicinesia e instabilidade postural (Tabela 40.2)7.
Em relação ao tremor essencial, o tratamento inicial cos tuma ser propranolol ou primidona. Habitualmente, podemse tentar doses ainda mais altas de propranolol (até 240mg/
dia), ou mesmo associá-la à primidona, caso a resposta clínica seja parcial7. Outros medicamentos também podem ser tentados, como topiramato e clonazepam. Cerca de 75% desses casos respondem pelo menos inicialmente à
terapêutica, o que toma menos provável o diagnóstico nesse paciente3. Devemos ainda considerar outros diag nósticos diferenciais menos prováveis, tais como tremor
cerebelar, tremor fisiológico exacerbado, doença tireoi diana, doença de Wilson, atrofia de múltiplos sistemas e
síndromes Parkinson-plus. Pacientes com início de tremor recente, especialmente jovens, devem ser submetidos a exame de hormônio estimulante da tireoide (TSH) e te
traiodotironina (T4) livre, para afastar hipótese de hiper
ou sintomas compatíveis com síndrome do pânico, devem
O paciente volta a procurar ajuda médica após um ano do início do quadro. Dessa vez, além do tremorjá relatado, refere dificuldade progressiva de deambulação, associada a dois episódios de queda por desequilíbrio. Relata ainda lentificação para tudo, como se todo o corpo estivesse endurecido. Familiares perceberam que estava com a voz diferente e se engasgava com fre quência, ao se alimentar. Em relação ao antecedente patológico, vinha em tratamento para depressão há mais de um ano, nunca tinha se submetido a nenhum tipo de cirurgia; nega outras comorbidades. Não apresenta história familiar importante. Ao exame físico geral, mostrava-se normotenso e sem hipotensão postural. Ao exame neurológico exibe marcha em pequenos passos, redução do balançar dos braços bilateralmente e tron co em leve flexão para frente. O equilíbrio estático está preservado e a manobra de retropulsão, negativa. Expressão facial bem reduzida (hipomimia), força muscular preservada, assim como reflexos profundos e superficiais. Há rigidez em cano de chumbo, difusa mente (com predomínio axial) e em roda denteada em punhos, bilateralmente. Tremorde repouso em ambas as mãos e mais acentuado à esquerda, com padrão em supinação-pronação. Nota-se também bradicinesia. Solicitados tomografia computadorizada de crânio, que não demonstrou alterações, e exames gerais (in clusive dosagem de hormônios tireoidianos), também inalterados. Estabelecido o diagnóstico de doença de Parkinson e iniciado tratamento com levodopa/carbi dopa. Após cerca de um mês, em nova avaliação, é
978-85-4120-074-5
dia. A hipótese é de tremor essencial. Não apresenta novamente, resposta clínica e o paciente perde o seg mento ambulatorial.
Tremor essencial
Tremor - 241
O paciente em questão apresenta sinais clínicos mui to compatíveis com parkinsonismo, que é um termo usado quando o paciente tem dois ou mais dos seguintes
978 85 4120 074
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achados: tremorde repouso, bradicinesia, rigidez e insta
QUADRO 40.2 - Principais síndromes parkinsonianas • Doença de Parkinson • Parkinsonismos atípicos (paralisia supranuclear progressiva, atrofia de múltiplos sistemas) • Demência com corpos de Lewy • Medicamentos (neurolépticos, bloqueadores do canal de cálcio, procinéticos) • Hidrocefalia de pressão normal (HPN) • Outras: infecções do sistema nervoso, vascular e traumas
bilidade postural, sendo bradicinesia um sintoma obriga tório, critério proposto pelo Banco de Cérebro de Londres8. A doença de Parkinson é responsável por mais de 80%
dos casos de parkinsonismo (Quadro 40.2). Esse diagnós tico pode ser definido uma vez que a história e os exames
gerais e de imagem excluam outras formas de parkinso
nismo como diagnóstico diferencial. A excelente respos
exame neurológico, solicita-se ao paciente a realização de tarefas rápidas e repetitivas, como abrire fecharas
mãos, bateros dedos polegares e indicadores ou pronação
-supinação das mãos. A rigidez é definida pelo aumento da resistência ao
ta terapêutica ao uso de levodopa também confirma a
movimento passivo de determinado membro, gerando o
nossa hipótese.
fenômeno de “roda denteada”. Pode estar presente tanto
em musculatura distal como proximal. Em rigidez leve, pode-se realizara manobra de Froment14, que consiste no
DIAGNÓSTICO Doença de Parkinson.
aumento da rigidez quando solicitamos ao paciente mo vimentar o membro contralateral.
A instabilidade postural normalmente é manifestação de estágios avançados da doença causados por perda dos reflexos de readaptação postural15. O teste da retropulsão
DISCUSSÃO A doença de Parkinson é considerada a segunda doença neurodegenerativa mais comum após a doença de Alzheimer O achado neuropatológico consiste em perda de neurônios dopaminérgicos na substância negra pars compacta.
No entanto, existe um período assintomático de cerca de quatro a seis anos9, na qual a perda neuronal supera os 50%, limiar clínico para manifestações motoras da doença10.
O tremorde repouso é o sintoma mais comum e fa cilmente reconhecido na doença de Parkinson11, ocorren
consiste em empurraro paciente, pelos ombros, para trás. É considerado positivo quando ele der mais de dois pas sos para trás ou se houver tendência à queda, se não for segurado. Os sintomas não motores da doença são, muitas vezes,
subestimados. Entretanto, alguns deles têm início anos antes dos sintomas motores: hiposmia, disautonomia,
transtornos do sono e transtornos do humore de ansieda de16. Por outro lado, alterações cognitivas iniciam-se após cerca de 15 anos da doença17.
do em cerca de 75% dos casos. Geralmente, mantém-se
A Figura 40.1 mostra o SPECT com TRODAT de um
em um membro por meses a anos, quando então pode se generalizar o que não aconteceu neste caso e, certa
paciente hígido (A) e outro com doença de Parkinson em
mente, foi fator confundidor na abordagem inicial. Além
atividade do transportador da dopamina. A levodopa foi introduzida na medicina ocidental na década de 196018. Tomou-se o principal medicamento
do tremor em repouso, mais de 40% dos pacientes apre sentam também tremorde ação e postural12. Portanto, o tremor por si só não diagnostica doença de Parkinson, devendo estar associado aos outros sintomas. A bradicinesia, por sua vez, consiste na dificuldade
em planejamento, início e execução de movimentos do tipo sequenciados e simultâneos13. A manifestação inicial
costuma ser de lentificação na realização das atividades de vida diária, como abotoar uma camisa, vestir-se ou pegar algum objeto. Podemos citar ainda como manifes
tações clínicas da bradicinesia: diminuição de movimen tos espontâneos, hipomimia facial, diminuição dos pisca mentos dos olhos, diminuição do balançar de braços. Ao
um estágio inicial (B). Em 40.1 B, o exame mostra menor
para tratamento da doença de Parkinson, sendo ainda a droga mais potente para tratamento dos sintomas motores com atuação no tremor, na rigidez e na bradicinesia19. Podemos ainda citar os agonistas dopaminérgicos como alternativa, particularmente em pacientes mais jovens, pois podem reduziras complicações motoras20. Os inibi
dores da catecol-O-metil transferase, entacapone e tolca pone, também podem ser utilizados associados à levodo
pa, com o objetivo de diminuira dose da levodopa e, consequentemente, as complicações motoras, além da proposta de aumentara meia-vida da levodopa19. Os
CAPÍTULO 40
constatada grande melhora. O paciente se move com muito mais facilidade e há apenas discreto tremor bilateral.
242 - Doenças do Sistema Nervoso
CAPÍTULO 40
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Figura 40.1 - SPECT com TRODAT de um paciente hígido (A) e de outro com doença de Parkinson em estágio inicial (B).
inibidores da monoamina oxidase, selegilina e rasagilina, são utilizados como terapêutica inicial em pacientes com sintomas motores leves, retardando o uso da levodopa e com possível efeito neuroprotetor19. A amantadina, por sua vez, é utilizada como alternativa no tratamento e possui ação de diminuiras discinesias induzidas pela levodopa21. Por último, os anticolinérgicos são empregados em pacien
tes mais jovens e com tremor como sintoma predominante. O tremor é, portanto, um sintoma e um sinal de ex
tremo valor clínico, que deve ser valorizado. Investigação rigorosa por meio da anamnese associada a exames físico e neurológico detalhados não deve ser desprezada e, quando necessário, exames complementares para melhor
esclarecimento diagnóstico.
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Tremor - 243
21. DA SILVA-JÚNIOR, F. P.; et al. Amantadine reduces the dura-
LEITURA COMPLEMENTAR BAIN, P. G. The management of tremor J. Neird Narcarg P^clidry, v. 72, suppl. 1, p. i3-i9, 2002.
CAPÍTULO 40
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___________________________________
CAPÍTULO
41
Cefaleia Súbita Anderson Rodrigues Brandão de Paiva
Uma senhora parda, de 78 anos de idade, natural do interiorde São Paulo, procura o pronto-socorro por ter-se iniciado quadro de cefaleia pulsátil, holocraniana, porém piorna nuca, de intensidade moderada a grave, enquanto tomava banho. Não conseguiu identificar fatores agravantes ou atenuantes. Acompanhando a dor apresenta epigastralgia urente e pirose, náuseas, um episódio de vômito bilioso e sudorese. Chega ao pronto-socorro com 1h30min do início do quadro, ainda sintomática. Nega sintomas semelhantes anterio res, bem como dispneia, ortopneia, palpitações, tontura do tipo pré-síncope, síncope, tosse, trauma, alterações visuais, auditivas, motoras, sensitivas ou de coordenação.
QUADRO 41.1 - Sinais de alarme para cefaleia secundária • • • • • • • • • •
Início após os 50 anos de idade Início súbito Piora com o decúbito e melhora na posição ortostática Acorda o paciente durante a noite Ausência de história prévia de cefaleia Mudança recente no padrão da cefaleia Sinais de doença sistêmica - febre, meningismo, rash cutâneo Sinais neurológicos focais Papiledema História anterior de neoplasia ou HIV
os sintomas da paciente podem ser atribuídos à HSA,
embora epigastralgia não seja tão comum. A paciente em questão apresenta cefaleia súbita - que, por definição, é uma cefaleia que já começa intensa ou
• Cefaleia sentinela: entre 15 e 60% dos pacientes
que rapidamente atinge o seu pico de intensidade. O fato de ser súbita já é um sinal de alarme. Os sinais de alarme
quadro de cefaleia recente anteriorao episódio que
para uma possível cefaleia secundária são: cefaleia de início após os 50 anos de idade; cefaleia súbita; cefaleias aumentando em frequência e intensidade; cefaleia nova
sentinela têm dor muito semelhante àquela apresen
em paciente com fatores de risco para HIV ou neoplasia; sinais de doença sistêmica (febre, meningismo, rash
hipótese para esta paciente.
com HSA por ruptura de aneurisma referem um levou ao diagnóstico de HSA. Pacientes com cefaleia
tada pelos pacientes com HSA, mas não HSA do cumentada. Deve ser fortemente considerada essa • Trombose de seio venoso cerebral: pode se apresen
cutâneo); sinais focais; papiledema; cefaleia subsequente a trauma craniano (Quadro 41.1). Qualquer um desses sinais nos obriga a pelo menos um exame de imagem
tarcomo cefaleia súbita sem outros comemorativos, indistinguível de HSA, porém, o mais comum é uma
inicial, que geralmente é a tomografia computadorizada. A paciente apresenta pelo menos dois sinais de alarme
como crises convulsivas, papiledema, alteração do
- a idade e a subitaneidade do quadro. O diagnóstico diferencial de cefaleia súbita é extenso
menos provável neste caso.
e inclui (Quadro 41.2):
evolução subaguda e associada a outros sintomas, nível de consciência e sinais focais, o que a toma
• Dissecção de artéria cervical: a cefaleia é o sintoma
mais comum, mas apenas 20% dos pacientes têm cefaleia súbita, o que a toma menos provável neste
• Hemorragia subaracnóidea (HSA): é a causa mais
caso. Outra característica da cefaleia da dissecção
comum de cefaleia em trovoada secundária. Todos
de artéria cervical é que raramente é difusa e bila
Cefaleia Súbita - 245
secções de vertebrais. Raramente, a cefaleia é um
• Síndrome de vasoconstrição cerebral reversível:
sintoma isolado, embora possa preceder outros sin
pacientes com esta síndrome se apresentam com
tomas e sinais neurológicos - em até quatro dias nas
cefaleia em trovoada isolada ou associada a sinais
dissecções de carótida e em até 14h30min nas dis
focais, líquor normal e vasoconstrição segmentar
secções de vertebral.
reversível de vasos do polígono de Willis. Essa
• Hipotensão intracraniana espontânea: causa uma
síndrome tem sido descrita em pacientes com his
cefaleia posicional, que piora na posição ortostática e melhora com o decúbito. É comum a história de
tórico de hemicrania, mulheres no puerpério e em
pequenos traumas precedendo o início dos sintomas.
inibidores seletivos da recaptação de serotonina,
Cerca de 15% destes pacientes se apresentam com
pseudoefedrina, cocaína, anfetaminas, ecstasy e
cefaleia súbita, que pode estar associada à dore
bromocriptina. A paciente em questão nega cefaleias
rigidez de nuca, o que leva à confusão diagnóstica
prévias que possam sugerirhemicrania e obviamen
com HSA. A tomografia e o liquor são normais na
te não está no puerpério, pela sua idade. Quanto ao
pessoas expostas a certas drogas como triptanos,
uso de fármacos, ainda não sabemos.
imensa maioria dos casos. A ressonância nuclear
magnética de encéfalo pode ajudar no diagnóstico. • Apoplexia pituitária: é o infarto ou hemorragia da
hipófise, que ocorre em geral com adenoma de hi
pófise. As apresentações são muito variadas, mas a cefaleia súbita e intensa é o sintoma mais comum e pode dominaro quadro. Outros sintomas comumen
te associados são náuseas, diminuição da acuidade visual, oftalmoplegia e perda de campos visuais.
Além de menos prevalente, a ausência destes outros sinais a toma menos provável, embora ainda não
possa ser afastada. • Hematoma retroclival: é uma síndrome rara que
cursa com cefaleia intensa e lesões cervicais que
resultam em deslocamento da articulação atlantoaxial. • Acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi): em
•
Cisto coloide de terceiro ventrículo: tipicamente,
começa com dor abrupta, dura de segundos até um dia e depois se resolve rapidamente. Afeta mais homens do que mulheres e entre a terceira e a quin
ta década de vida. As localizações frontal, fronto parietal e fronto-occipital são mais comuns. Outros sintomas que podem estar presentes são náuseas,
vômitos, rebaixamento do nível de consciência, alterações cognitivas e crises convulsivas. O diag
nóstico é feito por tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética. Pelos dados epide
miológicos e pelas características da cefaleia, esse diagnóstico é menos provável.
• Infecções do sistema nervoso central: raramente podem se apresentar com cefaleia súbita - início
gradual é o mais comum. A ausência de outros sin
bora a cefaleia seja mais característica de acidentes
tomas que sugiram infecção afasta esse diagnóstico.
vasculares cerebrais hemorrágicos (AVCh), até 25%
• Cefaleia em trovoada primária: é necessariamente
dos pacientes com AVCi têm cefaleia e em metade
um diagnóstico de exclusão. Características clínicas
destes ela se manifesta antes dos demais sintomas.
que sugerem esse diagnóstico são o início súbito e
Nesses casos, a cefaleia raramente é súbita. Os AVCi
intenso, atingindo a maior dor em menos de 1 mi
que mais se associam à cefaleia são os extensos, os
nuto, durando de 1h a 10 dias, e a não recorrência
de circulação posterior os que acometem pacientes
do quadro nas semanas e meses seguintes.
com história de hemicrania e os ocorridos em pa cientes jovens. É uma possibilidade que ainda não pode ser afastada neste caso. • Crise hipertensiva aguda: raramente se apresenta como cefaleia súbita. Cerca de 20% dos pacientes
• Cefaleia primária associada à atividade física e sexual e à tosse: possui uma história bem caracte
rística e deve ser diagnosticada quando tiver sido feita uma adequada abordagem voltada para a ex
clusão de cefaleias secundárias.
com crise hipertensiva se queixam de cefaleia, ge ralmente na região nucal, e é comum a presença de
outros sintomas associados, como vertigem, dispneia, dor torácica, agitação psicomotora, déficits neuro
lógicos focais e epistaxe - todos ausentes nesta
paciente. Esse diagnóstico pode facilmente passar despercebido nos casos de cefaleia súbita quando a
O restante da história revela uma senhora hiperten sa, diabética, dislipidêmica, ex-fumante de cachimbo, tendo parado há 30 anos, não etilista e que há cerca de 50 dias havia sido submetida a hemicolectomia direita (curativa) por adenocarcinoma. Levava desde então uma vida independente e ativa. Fazia uso domiciliar de hi droclorotiazida, captopril, metformina e glibenclamida.
CAPÍTULO 41
carótidas e quase sempre em região nucal nas dis
elevação dos níveis pressóricos for atribuída à res posta ao estresse.
teral, sendo sempre unilateral nas dissecções de
246 -
Doenças do Sistema Nervoso
CAPÍTULO 41
QUADRO 41.2 - Causas de cefaleia súbita. • Hemorragia subaracnóidea • Cefaleia sentinela • Trombose de seio venoso cerebral • Dissecção de artéria cervical • Hipotensão intracraniana espontânea • Apoplexia pituitária • Hematoma retroclival • Acidente vascular cerebral isquêmico • Crise hipertensiva aguda • Síndrome de vasoconstrição cerebral reversível
Ao exame físico de chegada, a senhora está vígil, orientada, em regular estado geral, com fácies de dor, temperatura axilar de 36,6°C, frequência cardíaca de 98bpm, frequência respiratória de 20irpm, pressão arte rial de 170 × 90mmHg em ambos os membros superi ores e saturação parcial de oxigênio de 96%. O exame físico de abordagem nada revela além de extrassístoles isoladas à ausculta cardíaca. Exame neurológico a in teiramente normal e não se observou papiledema à fundoscopia.
• Cisto coloide de terceiro ventrículo • Infecção intracraniana • Cefaleia em trovoada primária • Cefaleia primária associada a atividade física e sexual e à tosse Modificado de Schwedt et al. 1
O exame físico geral e o exame neurológico normais não devem tranquilizar o médico. A ausência de papile
dema e de sinais meníngeos de forma alguma exclui a possibilidade de HSA. Já a ausência de sinais focais tor na improváveis as hipóteses de AVC, dissecção de artéria
A paciente mostra vários fatores de risco cardiovas
cular preenchendo critérios para síndrome metabólica, e uma neoplasia recentemente abordada e provavelmente
cervical e síndrome de vasoconstrição cerebral reversível. A ausência de febre e de sinais meníngeos praticamente
exclui a hipótese de meningite infecciosa.
curada. Diante de um paciente com dor torácica e múlti
Os níveis pressóricos não estão tão elevados a ponto de
plos fatores de risco para doença coronariana, devemos
explicarem uma crise hipertensiva. Outras causas de dor
sempre pensarem síndrome coronariana aguda (SCA).
torácica, além de SCA, que já eram pouco prováveis pelos
Todavia, cefaleia propriamente dita não é esperada num
dados de história, como pneumotórax e dissecção de aorta,
contexto de SCA, exceto após o uso de nitrato para con
podem ser excluídas por não haver alterações ao exame
trole da dor torácica - o que não foi feito aqui. Já algumas
físico do aparelho respiratório, como ausência de murmúrio
causas de cefaleia podem cursar com quadro gastrointes
vesicular associada a timpanismo à percussão e assimetria
tinal (náuseas e vômitos quase sempre acompanham a
de pulsos arteriais radiais e de membros inferiores e de
cefaleia da hemicrania, por exemplo) e até mesmo dor
medida de pressão arterial entre os dois membros superiores.
torácica - em uma interessante revisão sobre como evitar
Nesse momento, as principais hipóteses diagnósticas
erros no diagnóstico de HSA, Edlow et al.2 relatam que
são HSA, cefaleia sentinela e cefaleia em trovoada primá
até 6% dos casos não diagnosticados de HSA recebiam
ria. Outras hipóteses menos prováveis, que ainda não podem
um diagnóstico de causa cardíaca para seus sintomas
ser completamente excluídas, são trombose de seio venoso
(infarto do miocárdio, arritmias e síncope)!
cerebral, hipotensão intracraniana espontânea, apoplexia
A neoplasia recente nos alerta para a possibilidade de
recidiva da doença como metástase em sistema nervoso
pituitária e cisto coloide de terceiro ventrículo. A tomogra fia de crânio é essencial agora.
central (SNC) - um tumor, seja primário ou secundário, de SNC pode ter como primeira manifestação uma cefa
leia súbita, quando sangra. Sabemos também que neopla sias de modo geral podem gerar um estado trombofílico,
nos levando a considerara possibilidade de uma causa isquêmica (AVCi, embora o que mais se associe à cefaleia
seja o hemorrágico) ou trombótica (como a trombose de
seios venosos cerebrais) para esta cefaleia. Vale lembrar que as trombofilias, em geral, têm preferência pelo terri
tório venoso, embora a síndrome antifosfolipídica e a
hiper-homocisteinemia cursem tanto com trombose veno sa como arterial.
Entre os fármacos citados, a hidroclorotiazida e até mesmo o captopril são reconhecidos como possíveis cau
sas de cefaleia, mas este seria um diagnóstico de exclusão.
Os exames de urgência revelam: hemoglobina: 13,1; volume corpuscular médio 88; leucócitos: 9.000 com diferencial normal; plaquetas: 350.000; creatina: 0,9 e ureia: 40; sódio: 139, potássio: 4,1 e cálcio: 8,7; glice mia: 192; aspartato aminotransferase: 30; alanina aminotransferase: 28; gama-glutamiltransferase: 50; fosfatase alcalina: 175; atividade de protrombina: 90%; proteínas totais: 5,7; albumina: 3,6; bilirrubinas totais: 0,9; creatina quinase MB: 6,2 (normal até 5); troponina I:0,98 (normal até 0,2); dímero D: negativo; radiografia de tórax, eletrocardiograma e tomografia compu tadorizada de crânio sem contraste normais. A paciente receber dipirona e metoclopramida endovenosa para controle de sintomas e permanece desde então assinto mática.
Cefaleia Súbita - 247
dores cardíacos foram repetidos: creatina quinase MB: 6; e troponina I: 0,8.
HSA quando realizada precocemente - se obtida em até 12h do início dos sintomas, tem especificidade de 98% e
sensibilidade de quase 100% quando analisada porneu rorradiologistas experientes. À medida que o tempo passa, a sensibilidade cai, chegando a cerca de 58% após
cinco dias. Apesar de a paciente ter sido submetida pre cocemente à tomografia computadorizada, o resultado
normal não afasta completamente o diagnóstico de HSA, sendo necessária uma análise do líquor. A trombose de
seio venoso cerebral, a apoplexia pituitária e o cisto co loide de terceiro ventrículo podem não aparecerna tomo
grafia computadorizada, sendo diagnosticados somente por ressonância nuclear magnética.
Dentre os demais exames, chama a atenção a elevação discreta de marcadores de necrose miocárdica. As condi ções que mais elevam tais marcadores, além de infarto agudo do miocárdio, são:
• Tromboembolia pulmonar (TEP) aguda, geralmente TEP maciça ou de moderada a grande monta. • Insuficiência cardíaca aguda ou grave, sendo um preditor independente de pior prognóstico nesses pacientes. • Miocardites.
• Sepse, sendo um marcador independente de disfun
ção ventricular e correlacionando-se com o grau de hipotensão e o escore APACHE II. • Insuficiência renal, por mecanismos ainda não com pletamente entendidos, porém também se correla cionando com pior prognóstico.
• Hemorragia subaracnóidea, provavelmente poresti mulação hipotalâmica e secreção de catecolaminas. • Falsos-positivos (causados por erros laboratoriais,
presença de anticorpos heterofílicos ou de fator reumatoide, excesso de fibrina ou micropartículas). Podemos descartar insuficiência cardíaca, miocardite
e sepse por não encontrarmos história ou sinais físicos que sugiram tais diagnósticos. Também excluímos TEP e
Em suspeita de HSA, um resultado de liquor normal obriga a uma ressonância nuclear magnética, que poderia revelar aneurisma intracraniano não rompido, HSA, AVCi, hipotensão intracraniana espontânea, apoplexia pituitária, cisto coloide de terceiro ventrículo ou hematoma retroclival. Esse exame normal nos permite excluiras hipóteses de AVCi, apoplexia pituitária, cisto coloide de terceiro ventrículo e hipotensão intracraniana espontânea. A pressão de abertura normal (normal até 20cmH2O em punção lombar com pa ciente em decúbito lateral) exclui o diagnóstico de trombo se de seio venoso cerebral. Como a ressonância nuclear
magnética não foi diagnóstica, o próximo passo é uma an
giorressonância, que pode mostrar aneurisma ou dissecção ou vasoespasmo. Caso essa também venha normal, ficamos com o diagnóstico de cefaleia em trovoada primária. A elevação discreta de creatina quinase MB e tropo nina I pode ocorrerem HSA, não indicando necessaria mente infarto do miocárdio. O ecocardiograma com dis função diastólica pode ser explicado por miocardiopatia
hipertensiva e/ou associada à síndrome metabólica que essa paciente apresenta, embora infartos menores também possam não se expressar com disfunção segmentar da contratilidade do ventrículo esquerdo. A angiorressonância revela aneurisma de topo de artéria basilar de 6mm, sem outras anormalidades. A paciente permanece internada com as medidas de su porte para aneurisma cerebral, porém, enquanto aguardava um tratamento definitivo, no segundo dia de internação, apresenta cefaleia súbita e intensa, ficando inquieta e sudoreica. Ao exame físico, encontra-se vígil e orientada, com PA de 210 × 120mmHg, frequência cardíaca = frequência de pulso: 72bpm, e cutâneoplantarem extensão bilateralmente. Glicemia capilar 220mg/dL. Eletrocardiograma conforme Figura 41.1. Enquanto se providencia, uma tomografia computado rizada de crânio de emergência a paciente apresenta parada cardíaca em atividade elétrica sem pulso que não responde às manobras de ressuscitação cardiopul monar A necropsia mostrou hemorragia meníngea de grande monta em base de crânio.
insuficiência renal por termos dímero D e creatinina nor mais. Ainda nos preocupa a possibilidade de HSA e uma análise do líquor é imperiosa neste contexto.
A punção lombar revela: pressão de abertura de 18cmH2O; líquor límpido e incolor 2 células/mm3; proteínas totais: 30mg/dL; glicose: 122mg/dL; adeno sina desaminase (ADA): 3UI; reação de Pandy negativa. Ressonância nuclear magnética considerada normal para a idade. Ecocardiograma transtorácico normal, exceto por disfunção diastólica moderada. Os marca
A paciente tinha uma cefaleia sentinela e não teve o aneurisma abordado antes que este ressangrasse. O ECG é muito interessante porque mostra inversão de onda T, com ondas profundas e largas, em DI, DII, DIII, aVF e de V3 a V6. O diagnóstico diferencial básico desse traçado são isquemia miocárdica, cardiomiopatia hipertrófica e lesão aguda de sistema nervoso central - a antiga “onda T cerebral”. Nesse contexto, não há dúvidas de que se trata de lesão aguda de sistema nervoso central.
CAPÍTULO 41
A tomografia computadorizada de crânio sem contras te é altamente sensível e específica para o diagnóstico de
CAPÍTULO 41
248 - Doenças do Sistema Nervoso
Figura 41.1 - Eletrocardiograma da paciente, mostrando onda T cerebral em derivações precordiais.
Sabe-se que a HSA pode causar virtualmente qualquer
anos. Dentre as HSA não traumáticas, cerca de 85% dos
alteração eletrocardiográfica, embora as mais comuns
casos se devem à ruptura de aneurismas, 10% a um padrão conhecido como hemorragia perimesencefálica não aneu rismática e 5% a causas raras - lesões inflamatórias de
sejam as alterações de ritmo - taquicardia e bradicardia sinusais e as mais sugestivas, as alterações do segmen to ST, de onda T e aumento do QTc. A fisiopatologia
dessas alterações ainda não é completamente entendida, mas se acredita que, como as elevações de marcadores de
necrose miocárdica, se deva à estimulação hipotalâmica e à secreção de catecolaminas. A necropsia dessa paciente mostrou, além da HSA,
que não havia alterações sugestivas de infarto agudo do
miocárdio e que as coronárias mostravam pequenas placas
ateroscleróticas não obstrutivas.
DIAGNÓSTICO FINAL Cefaleia sentinela seguida de hemorragia subaracnóidea por ruptura de aneurisma cerebral.
artérias cerebrais, como aneurismas micóticos, doença de Behçet, borreliose e vasculites; lesões não inflamatórias de artérias cerebrais, como dissecções de artérias, mal formações arteriovenosas e doença de Moyamoya; coa gulopatias, uso de anticoagulantes, abuso de cocaína,
tumores e anemia falciforme. No caso ora relatado, a angiorressonância demonstrou o aneurisma e não foram mencionados sintomas ou sinais que nos apontasse qualquer uma das causas mais raras de HSA. O risco de ruptura de um aneurisma aumenta com o seu tamanho, com a presença de hipertensão, tabagismo, etilismo e história prévia de cefaleia sentinela. A pacien
te em questão apresentava um aneurisma pequeno, isto é, menor que 1cm, mas era hipertensa, o que quase duplica o risco de ruptura, e teve uma cefaleia súbita precedendo o evento final, que foi uma cefaleia sentinela - esta, por si só, aumenta em dez vezes o risco de sangramento nas qua
DISCUSSÃO
tro semanas subsequentes, sendo o risco maior nos pri meiros dias.
A hemorragia subaracnóidea responde por 5% de todos os AVC e metade de suas vítimas tem idade inferior a 55
Cefaleia súbita é o sintoma mais característico de HSA e, em até um terço dos pacientes, é a única manifestação.
Cefaleia Súbita - 249
Geralmente, é uma cefaleia difusa e com frequência é
CAPÍTULO 41
descrita pelos pacientes como a pior cefaleia da vida. No entanto, não é a intensidade da dore sim a sua subitanei
dade o aspecto mais característico - uma informação que os pacientes geralmente esquecem de mencionar, pois
procuram atendimento pela dor intensa. História de crise convulsiva é um forte indicador de possível ruptura de
aneurisma como causa da dor uma vez que pacientes com
cefaleia em trovoada primária e hemorragia perimesence fálica não aneurismática não exibem este sintoma. Alte rações de nível e conteúdo de consciência podem ocorrer. Sinais meníngeos são comuns, mas podem levar de 3 a 12h para aparecerem e podem estar ausentes em pacien
tes com rebaixamento grave do nível de consciência ou
naqueles com pequenas HSA. A fundoscopia é fundamen tal ao exame físico, podendo revelar hemorragias intrao
culares, especialmente naqueles com rebaixamento do
nível de consciência - mas somente um em cada sete pacientes com ruptura de aneurisma tem alterações no fundo de olho. Sinais focais também podem aparecer
Figura 41.2 - Note a hiperdensidade preenchendo os sulcos cerebrais na fissura longitudinal do cérebro.
tomando o diagnóstico diferencial entre HSA, AVCi e AVCh praticamente impossível somente com bases clínicas.
Grandes elevações de pressão arterial, hipoxemia e alte
traste nas primeiras 12h normal, o liquor mostra metabó
rações eletrocardiográficas também podem ocorrer.
litos de hemoglobina, fechando o diagnóstico de HSA.
Nesta paciente, somente a cefaleia súbita estava pre sente à chegada ao hospital, o que por si só justifica toda
Vale ressaltar que essa amostra de líquordeve ser colhida
a investigação feita. Felizmente, a elevação dos marcado
pelo menos 6h - e de preferência 12h -, após o início da cefaleia, pois, se colhida antes e houver um acidente de
res de necrose miocárdica não foi interpretada como in
punção, será impossível distinguir uma hemorragia suba
dicativa de infarto sem supra de ST - o que seria um erro
racnóidea genuína de um sangramento por trauma da
nefasto neste contexto. Mesmo com diagnóstico correto,
agulha. Somente após este intervalo haverá formação de
não foi possível corrigiro aneurisma antes que este rom pesse. Tais casos são usados por alguns pesquisadores
bilirrubina no liquor que o dá o aspecto xantocrômico. O
como argumento para indicar uma intervenção ultrapre
hemácias em tubos subsequentes, não é confiável. Caso
coce quando há diagnóstico de aneurisma cerebral - con
ocorra um acidente de punção, o líquor deve sercentrifu
duta ainda debatida na literatura.
gado e o sobrenadante analisado - se estiver amarelo, isto
teste dos três tubos, em que há redução do número de
A tomografia computadorizada de crânio sem contras
é, xantocrômico, o diagnóstico de HSA pode ser pratica
te é o primeiro exame a ser pedido em suspeita de HSA.
mente fechado, embora formalmente a presença de bilir
A sensibilidade da tomografia computadorizada varia com
rubina precise ser demonstrada porespectrofotometria (o
a quantidade de sangue no espaço subaracnóideo, com o
que não foi feito neste caso).
intervalo entre o início dos sintomas e a realização do
A ressonância nuclear magnética não é o método
exame e com a habilidade do médico que o interpreta a
ideal para detectar sangramentos na fase aguda, pois, além
tomografia computadorizada. No primeiro dia, a sensibi
de ser menos disponível do que a tomografia, não de
lidade é quase 100%, quando a tomografia é analisada
monstra melhor sensibilidade do que esta. Entretanto, tem
porneurorradiologistas experientes, e cai bastante com o
seu valor para exclusão de diagnósticos alternativos à HSA
passar dos dias. A Figura 41.2 mostra tomografia de crâ
e após os primeiros dias, quando a tomografia com
nio de um paciente de 45 anos de idade que apresentou
putadorizada perde muito em sensibilidade. As melhores
cefaleia súbita após acesso de tosse - o diagnóstico final foi de HSA por ruptura de aneurisma de artéria comuni
sequências para essa avaliação são FLAIR e T2. O padrão-ouro para a detecção de aneurismas é a angio
cante anterior.
grafia convencional, mas este não é um procedimento
Na minoria de pacientes (cerca de 3%) com cefaleia
inócuo, com risco de complicações neurológicas isquêmi
súbita e tomografia computadorizada de crânio sem con-
cas. As angiografias por tomografia computadorizada e por
CAPÍTULO 41
250 -
Doenças do Sistema Nervoso
ressonância nuclear magnética são parecidas em termos de sensibilidade e especificidade, mas a tomografia tem a vantagem de sermais rápida - o que é útil para pacientes
agitados e/ou intubados - ao passo que a ressonância
nuclear magnética a vantagem de não usar contraste ou
radiação. No caso, uma história adequadamente obtida permitiu
alto índice de suspeição de uma doença grave, a condu
ção adequada e a correta interpretação de exames com
plementares.
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___________________________________
CAPÍTULO
Convulsão Ricardo Araújo de Oliveira • Fernanda dos Santos Britto José Luiz Pedroso
Homem de 39 anos de idade é levado por sua es posa para uma consulta médica devido a “desmaios”. Apresentou cerca de quatro episódios de perda da consciência no período de três meses, sendo o último há dois dias, presenciado pela esposa, que disse a se guinte frase: “acho que ele teve uma convulsão”. Relata que o marido apresentou episódio súbito de postura estendida dos membros superiores, e caiu ao solo, com perda da consciência. Houve desvio do olhar e abalos musculares nos quatro membros, além de sa livação excessiva, liberação esfincteriana e mordedura de língua. Duração de 3min, com período de sonolência excessiva após o episódio. Recuperou totalmente a consciência após 30min.
QUADRO 42.1 - Diagnóstico diferencial entre distúrbios neurológicos paroxísticos • Crise epiléptica • Síncope - Cardiogênica - Não cardiogênica • Distúrbio psicogênico • Hemicrania • Ataque isquêmico transitório • Hipoglicemia • Vertigem paroxística • Narcolepsia/cataplexia • Hiperecplexia
dos braços. Essa resposta pode surgir quando o paciente Diante de um paciente com queixa de desmaios, a lista
permanece na posição original, por exemplo, quando as
de diagnósticos diferenciais é grande (Quadro 42.1).
pessoas que prestam socorro o colocam sentado, em vez
Entretanto, a maioria dos casos com essa apresentação
de deitá-lo imediatamente. Também pode acontecer quan
está incluída em três categorias: crises epilépticas, sínco
do o evento decorre de arritmia cardíaca grave.
pe e síndrome conversiva (crise não epiléptica ou distúr
No caso descrito há elementos que favorecem o diag
bio psicogênico). Dependendo do quadro clínico, a clas sificação nessas categorias pode ser difícil.
nóstico de crises epilépticas recorrentes (ou simplesmen
Mordedura da língua, versão cefálica, cianose, perda
das crises epilépticas inicialmente em focais (parciais) ou
de consciência por mais que 5min, confusão pós-ictal ou
generalizadas (Quadro 42.2). As crises generalizadas não
dor muscular são sugestivas de crise epiléptica. O diag
nóstico de síncope é favorecido quando o evento aconte
apresentam evidência de início localizado e as manifes tações clínicas implicam o envolvimento de ambos os
ce enquanto o paciente se mantém em posição sentada ou
hemisférios cerebrais desde o início. Além disso, as des
em pé e quando há palidez, sudorese, náusea ou outros
cargas epilépticas são bilaterais, com acometimento
sintomas pré-sincopais.
precoce do sistema ativador reticular ascendente, o que
A perda do controle esfincteriano pode ocorrer no
te epilepsia). Nessa situação, é importante a classificação
provoca comprometimento da consciência.
contexto da síncope. Quando a hipóxia é mais acentuada
As manifestações clínicas das crises focais indicam o
ou persistente, pode haver atividade muscular tônica com
envolvimento de uma determinada região em um dos
extensão da cabeça e do tronco, além de extensão ou flexão
hemisférios cerebrais. Nas crises focais simples não há
252
- Doenças do Sistema Nervoso
• Crises focais ou parciais - Crises parciais simples: ■ Com sintomas motores ■ Com sintomas somatossensitivos ou sensoriais ■ Com sintomas autonômicos ■ Com sintomas psíquicos - Crises parciais complexas ■ Parcial simples no início ■ Com comprometimento da consciência desde o início - Crise tônico-clônica com generalização secundária • Crises generalizadas - Ausência ■ Típica ■ Atípica - Mioclônica - Clônica - Tônica - Tônico-clônica (primária) - Atônica ou astática • Não classificável
tal (15 a 30mg/kg), ou mesmo midazolam ou propofol contínuo devem ser administradas e deve ser realizada a
intubação orotraqueal.
Ao exame físico geral, não se observam alterações: corado, hidratado, afebril; ausculta cardíaca e pulmonar normais; abdome e membros inferiores sem alterações. Exame neurológico detalhado inteiramente normal: não há déficits de força muscular. Reflexos normoativos, linguagem e avaliação cognitiva normais. Ao exame físico geral deve-se dar atenção à pele em
busca de alterações sugestivas de síndromes neurocutâ neas (por exemplo, neurofibromatose) que comumente cursam com crises epilépticas. É importante pesquisar
sinais sugestivos de doenças sistêmicas que podem estar associadas (doenças da tireoide, lúpus eritematoso sistê mico, insuficiência renal, HIV/AIDS, etc.). O exame
alteração da consciência, ao passo que nas crises focais complexas há evidências de seu comprometimento. O eletroencefalograma pode evidenciar descargas focais, que algumas vezes podem se propagar e evoluir para crises
tônico-clônicas generalizadas (crise focal com generali zação secundária). O paciente em discussão apresentou desvio do olhar durante a crise, o que é uma evidência de início focal com generalização secundária. Outros elementos que poderiam sugerir início focal são versão cefálica, postura tônica ou distônica assimétrica, automatismos oroalimentares, au tomatismos motores unilaterais, além de fraqueza unila teral pós-ictal (paralisia de Todd). Por definição, epilepsia é uma condição caracterizada por crises epilépticas recorrentes (duas ou mais), não provocadas por qualquer causa imediata. Cerca de 25 a 30% das primeiras crises são provocadas (crise sintomá tica aguda). Crises epilépticas são comuns em distúrbios metabólicos (por exemplo, uremia, hipoglicemia, insufi ciência hepática), infecções (meningoencefalites) e intoxicações/abstinência. Dessa forma, quando a crise não está associada a um fator já estabelecido, é necessária a investigação de outras causas. Na emergência, a maioria dos pacientes chega após a crise ter cessado, em razão de a duração habitual ser de 2 a 3min. Entretanto, quando há sinais de persistência da atividade epiléptica, medidas adequadas devem ser toma das. Objetivamente, deve-se verificar a permeabilidade de vias aéreas, administrar oxigênio quando necessário,
aplicar monitorização cardíaca e estabelecer acesso ve noso periférico. Inicialmente, pode-se administrar diaze pam, 10mg, endovenoso (em 1min), e repetir, se preciso. Se o paciente permanecer em estado de mal epiléptico, outras drogas como fenitoína (15 a 20mg/kg), fenobarbi
neurológico é muito importante para evidenciar sinais
localizatórios, além de sinais meníngeos, que sugerem natureza sintomática para as crises epilépticas. A investigação diagnóstica da epilepsia deve conside rar uma série de causas prováveis (Quadro 42.3). É im
portante ainda ressaltar fatores desencadeantes ou facili tadores de crises epilépticas em indivíduos com maior
suscetibilidade, inclusive portadores de epilepsia primária. Alguns desses fatores são alterações bruscas de intensi
dade luminosa, privação de sono, ingestão alcoólica, febre, algumas drogas e estresse emocional. Dessa forma, são importantes os exames laboratoriais com dosagem de eletrólitos, funções renal e hepática, he
mograma, testes de atividade inflamatória, provas reuma tológicas, quando adequado, e exames de imagem. Depen dendo do contexto, está indicada a coleta de líquor com
pesquisa de antígenos, anticorpos e proteína C-reativa. Opta-se por coletar exames de sangue, fazer eletro cardiograma e tomografia computadorizada de crânio. Os exames gerais são normais: hemoglobina: 13,7;
QUADRO 42.3 - Causas de crises epilépticas sintomáticas • Neoplasias: primárias ou metastáticas • Vasculares: acidente vascular cerebral isquêmico, hemorragias intraparenquimatosas ou hemorragia subaracnóidea • Traumatismo cranioencefálico • Infecções: bacterianas, virais, fúngicas e parasitárias • Doenças neurodegenerativas: doença de Alzheimer • Doenças autoimunes: lúpus eritematoso sistêmico, síndrome do anticorpo antifosfolipídio, Behçet, etc. • Malformações cerebrais • Distúrbios hidroeletrolíticos: Na, K, Ca, Mg • Drogas: neurolépticos, penicilinas, carbapenêmicos, opioides, antidepressivos, cocaína, anfetaminas, etc. • Abstinência: álcool, benzodiazepínicos, etc.
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CAPÍTULO 42
QUADRO 42.2 - Classificação das crises epilépticas
Convulsão - 253
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DISCUSSÃO Neurocisticercose é uma infecção do sistema nervoso
central pela Taenia solium em seu estágio larvário (Cysticercus cellulosae) e constitui uma das principais causas
Pequenas calcificações, únicas ou múltiplas, são comuns em populações em que a Taenia solium é endêmica, e exis te boa evidência de que se trata de granulomas de cisticer co calcificados. Além disso, outras doenças infecciosas cerebrais dificilmente cursam com calcificações dessa na tureza, exceto certas infecções congênitas (toxoplasmose,
rubéola, citomegalovírus), mas apresentam história clínica e aspectos radiológicos distintos. Dessa forma, considerando a apresentação clínica, o exame físico e os exames complementares, podemos concluir que o paciente apresenta neurocisticercose intra parenquimatosa com múltiplos cistos calcificados.
de epilepsia adquirida no mundo. O ciclo de vida da T. solium inclui o ser humano como hospedeiro definitivo e
o porco como hospedeiro intermediário. Os porcos inge rem ovos ou proglótides procedentes de fezes humanas e desenvolvem cisticercos, principalmente no músculo es
quelético. O homem é infectado quando ingere a carne
suína mal cozida contendo cisticercos viáveis. Ao atingir
o intestino delgado, o escólex adere à mucosa e começa a liberar proglótides contendo milhares de ovos. A cisti cercose é contraída quando o homem ingere água ou
alimentos contaminados com ovos. Nesse caso, o homem é o hospedeiro intermediário. Os ovos são digeridos no estômago e liberam oncosferas, que penetram na parede
Opta-se por iniciar administração de anticonvulsi vantes. O paciente encontra-se em uso de oxcarbazepina, 300mg, três vezes ao dia, e há um ano está sem crises.
DIAGNÓSTICO FINAL Neurocisticercose.
intestinal e alcançam a corrente sanguínea. As oncosferas
se desenvolvem em cisticercos e se alojam em qualquer órgão, principalmente cérebro, olhos e tecido subcutâneo. A neurocisticercose é considerada endêmica em diversos países em desenvolvimento da Ásia, da África e da Améri
ca Latina. No Brasil, sua frequência sua varia entre 0,12 e 3,6%, sendo mais localizada no sistema nervoso central. As manifestações clínicas da neurocisticercose dependem de
número, tamanho, estágio e localização das lesões, além do
estado de imunidade do hospedeiro. A apresentação varia de infecção assintomática até morte súbita.
Na forma parenquimatosa, o parasita forma cistos no parênquima cerebral, que podem ser únicos ou múltiplos. Epilepsia sintomática é a manifestação clínica mais comum e resulta da formação de granuloma associada à inflama ção pericística. A forma meníngea apresenta-se comu mente com hipertensão intracraniana secundária à arac
noidite, obstrução do fluxo liquórico e hidrocefalia. Podem ocorrer déficits focais decorrentes de vasculite e disfunção de nervos cranianos. Na forma intraventricular/subarac
nóidea, pode haver migração de cisticercos para o sistema ventricular com obstrução dos forames comunicantes e episódios de ventriculomegalia aguda, resultando em coma.
Existe ainda a forma espinhal, em que o parasita pode se alojar na leptomeninge (extramedular) ou, mais raramen te, na medula (intramedular). O tratamento da neurocisticercose inclui agentes cis
Figura 42.1 - Tomografia computadorizada de crânio, sem contraste, revelando pequenas calcificações cere brais, compatíveis com diagnóstico de neurocisticercose. Imagem cedida gentilmente pelo Dr. Antonio José da Rocha (Instituto Fleury - Medicina e Saúde).
ticidas, corticoides, drogas antiepilépticas e procedimen tos cirúrgicos (Tabela 42.1). Pode-se utilizar albendazol, na dose de 15mg/kg/dia (dividido em duas doses) por 8 a 15 dias ou praziquantel, na dose 50mg/kg/dia (dividido em três doses) por 15 dias. Entretanto, o uso dessas dro gas deve ser individualizado, considerando-se a viabili-
CAPÍTULO 42
leucócitos: 7.800; plaquetas: 186.000; creatinina: 1,1; ureia: 34; sódio: 138; potássio: 3,9; aspartato amino transferase: 37; alanina aminotransferase: 32. ECG com ritmo sinusal, sem alterações. TC de crânio revela várias calcificações em regiões justacorticais (Fig. 42.1).
CAPÍTULO 42
254 -
Doenças do Sistema Nervoso
TABELA 42.1 - Tratamento da neurocisticercose
pode provocar hipertensão intracraniana aguda. Nesses
Formas clínicas
casos, as drogas cisticidas devem ser administradas com
Tratamento
cautela.
Parenquimatosa
Cistos viáveis Cistos calcificados Lesões com realce
Encefalite
Droga cisticida + corticoides Somente drogas antiepilépticas
Única - drogas antiepilépticas (droga cisticida caso persistente) Múltiplas - drogas antiepilépticas, droga cisticida + corticoides Corticoides + diuréticos osmóticos ou imunossupressor + droga cisticida
Em geral, uma única droga antiepiléptica de primeira linha, como a carbamazepina ou a fenitoína, é capaz de promover um bom controle das crises em paciente com
neurocisticercose. A duração da manutenção do tratamen to com drogas antiepilépticas ainda é tema de debate.
Entretanto, em pacientes com cistos não viáveis ou lesões
calcificadas, o tratamento deve ser mantido até ser alcan çado um período de dois anos sem crises epilépticas.
Extraparenquimatosas Cisto intraventricular
Remoção neuroendoscópica
Cisto subaracnóideo
Droga cisticida + corticoides; derivação ventriculoperitoneal, se necessário
Hidrocefalia sem cisto viável
Derivação ventriculoperitoneal
Hidrocefalia + cisto intracraniano
Derivação antes do tratamento com cisticidas
Cisticercose ocular
Tratamento cirúrgico (evitar cisticidas)
Cisticercose espinhal
Tratamento cirúrgico
dade, o número e a localização dos parasitas. Em resumo, existe benefício aparente para pacientes com cistos intra
parenquimatosos viáveis ou lesões que se realçam ao contraste radiológico. Exceção deve serfeita para aqueles pacientes com muitas lesões, em que a reação inflamató
ria secundária à morte dos parasitas após o tratamento
BIBLIOGRAFIA COSTA-CRUZ, J. M.; et al. Ocorrência de cisticercose em necrópsias realizadas em Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. Arq. Narcpáqciíír., v. 53, p. 227-232, 1995. GARCIA, H. H.; et al. Neurocysticercosis: some of the essentials. Pract Nard., v. 6, p. 288-297, 2006. HOEFNAGELS, W. A. J.; et al. Transient loss of consciousness: the value of the histoiy fordistinguishing seizure from syncope. J. Nardcg', v. 238, p. 39-43, 1991. KOTSOPOULOS, I. A.; et al. The diagnosis of epileptic and nonepileptic seizures. Epilqiíy Res, v. 57, p. 59-67, 2003. PLUG, L.; REUBER, M. Making the diagnosis in patients with blackouts: it's ali in the history. Pract Nard., v. 9, p. 4-15, 2009. SHELDON, R.; et al. Historical criteria that distinguish syncope from seizures. J. Am. Cdl Cadid, v. 40, p. 142-8, 2002. SINHA, S.; SHARMA, B. S. Neurocysticercosis: a review of current status and management. J. Clin Naraci, v. 16, p. 867-876, 2009.
___________________________________
CAPÍTULO
Perda de Força Muscular Jullyana Sabrysna Morais Shinosaki • Denis Bernardi Bichuetti
Mulher de 37 anos de idade é levada ao setor de emergência com a queixa de “fraqueza no lado direito do corpo e fala enrolada há 15min”. A paciente é negra, corretora de imóveis e vive com o marido e os quatro filhos. É tabagista de cinco cigarros/dia há 20 anos e faz uso de contraceptivo oral há 11 anos. Como ante cedentes, apresenta enxaqueca há 22 anos, tristeza e insônia inicial há três semanas. Tem um irmão com enxaqueca e pais hipertensos. Encontrava-se em reunião no local de trabalho quando percebeu perda súbita de força muscular no hemicorpo direito e dificuldade na articulação das palavras, com duração de 15min. A entrada no pronto-socorro, mostra remissão espontânea dos sintomas.
rações de sensibilidade, pares cranianos, provas cerebelares, provas meníngeas, fundoscopia ou marcha. Recebe alta hospitalar com o diagnóstico de transtorno conversivo e orientação de retomo imediato, se reapa recerem os sintomas. A paciente não é diabética, hipertensa, dislipidêmica,
etilista, obesa e nem apresenta doença cardíaca. Tais fatos,
somados ao bom estado geral, à atenção preservada, à
ausência de sinais motores evidentes, à idade e às carac
terísticas clínico-epidemiológicas para transtorno conver
sivo - sexo feminino, jovem, apresentação neurológica transitória, exame físico normal e situação de dificuldade psicológica associada temporalmente aos sintomas3-,
Trata-se de uma paciente jovem com déficit motor súbito,
conduziram ao diagnóstico dado no momento da alta
focal e transitório. O diagnóstico dos déficits transitórios
hospitalar. De fato, os itens citados podem justificar a
pode ser bastante problemático em razão da gama de
conduta tomada, mas também são potenciais fatores de
possíveis diagnósticos diferenciais, uma vez que o racio
confusão. O raciocínio clínico em um setor de emergên
cínio clínico se baseia somente na história relatada pelo
cia, no qual a obtenção de diagnósticos neurológicos e
paciente. Para a situação descrita, o ataque isquêmico
psiquiátricos é uma tarefa complexa, pode ser um grande
transitório (AIT) é uma boa hipótese. Entretanto, episódios
desafio e exige calma e colaboração interdisciplinar, uma
de hemicrania com aura motora, crises epilépticas focais
vez que até 13% dos sintomas neurológicos são diagnos
com paralisia de Todd, hematoma subdural, neoplasia
ticados, inicialmente, como funcionais3. Essa paciente não
intracraniana e transtornos conversivos ou histriônicos
relata prévios sintomas conversivos, antecedente familiar
também podem se apresentar com déficits focais transitórios1-2.
positivo ou história de abuso sexual na infância, que au
mentariam a possibilidade de conversão. Mesmo que essa situação possa ocorrer em qualquer idade, em geral ma
Ao exame, a paciente encontra-se vígil, ansiosa, orientada no espaço e no tempo, fala, escreve, compre ende, repete e nomeia, com atenção preservada, sem alterações nos exames físicos geral e segmentar. A força motora é simétrica e grau V nos quatro membros, com reflexos profundos normoativos e simétricos, e cutâneo-plantar em flexão bilateralmente. Não há alte
nifesta-se no fim da adolescência ou no início da idade adulta; quando ocorre mais tardiamente, deve aumentar a suspeita de doença orgânica4. Doença encefalovascular (DEV) não é esperada em pacientes jovens, pois a idade é um fator de risco impor
tante; de fato, a incidência de acidente vascular cerebral
CAPÍTULO 43
256
- Doenças do Sistema Nervoso
(AVC) dobra a cada década após os 55 anos de idade, e metade acomete maiores de 70 anos1. Além disso, a pa ciente não exibe os fatores de risco clássicos citados an
nética (RNM) poderiam utilizá-la, mas é um exame mais
teriormente para DEV. Contudo, é tabagista, apresenta
Em casos selecionados, como suspeita de hemiparesia
antecedente de hemicrania e usa contraceptivo oral. O contraceptivo é fator de risco independente para eventos
pós-crise epiléptica, também seria aconselhável um ele troencefalograma5 .
custo. Serviços que dispõem de ressonância nuclear mag demorado e caro, muitas vezes não disponível na urgência.
isquêmicos, particularmente nas mulheres tabagistas acima
de 35 anos ou hipertensas, e a hemicrania aumenta as chances de AVC5. Sendo o AIT a presença de sintomas
neurológicos decorrentes de DEV com duração inferior a 24h ou ausência de alterações nos exames de imagem2 e os fatores de risco os mesmos para o AVC, este constitui um diagnóstico diferencial importante neste caso.
Apesar de menos comum do que a forma familiar, a
forma esporádica da hemicrania hemiplégica também pode se apresentar como no caso descrito. A frequência das
crises é variável e o estresse emocional é um gatilho
frequente. Os episódios podem cursar com auras não hemiplégicas, assim como crises de dor sem aura. A di
Decorridas 12h do primeiro atendimento, a pacien te retoma ao pronto-socorro, desta vez sem precisar o tempo de instalação dos sintomas (havia dormido e notado os mesmos sintomas relatados anteriormente ao acordar), com pressão arterial de 130 × 90mmHg, pulso de 92 pulsações/minuto, frequência respiratória de 24 respirações/minuto, saturação de 96% e glicemia capilar de 94mg/dL. Ao exame neurológico, notam-se as seguintes alterações: afasia de compreensão, disartria, paralisia facial central à direita, miose e ptose palpebral à esquerda, força muscular grau IV no hemicorpo di reito, reflexo cutâneo-plantar em extensão à direita e marcha parética à direita.
ferenciação entre AIT e hemicrania hemiplégica pode ser
difícil, pois o AIT pode se acompanhar de cefaleia e a
Neste momento, a paciente apresenta síndrome pira
aura pode ocorrer sem a cefaleia subsequente. Mas, ge
midal de déficit e liberação caracterizada por hemiparesia
ralmente, o AIT não se manifesta com sintomas de pro
completa e proporcionada à direita, disartria, afasia de
gressão gradual, como na maioria das auras migranosas.
compreensão e síndrome de Horner incompleta (ausência
Além disso, a duração da aura frequentemente é maior
de anidrose associada à miose e à ptose) à esquerda, sem
do que a dos AIT, cuja duração costuma ser menor do que
duração definida, mas, possivelmente, maior do que 1
1h. A paciente tem história de hemicrania, porém, a he miparesia não foi seguida por cefaleia e não se instalou
hora. O AVC deve ser a principal hipótese diagnóstica.
de forma progressiva, o que desfavorece a hipótese de hemicrania hemiplégica1,5.
outras doenças de etiologia vascular dentre os diferenciais,
A paralisia de Todd, caracterizada por plegia ou pare
morragia subaracnóidea (HSA) ou malformação arterio
sia de duração média de 30min a 24h após a crise epilép
venosa (MAV). Porém, não há cefaleia, náuseas, vômitos,
tica, é um diagnóstico possível. Todavia, não há relato de
alteração do nível de consciência ou sinais meníngeos,
abalos clônicos ou posturas tônicas, focais ou generaliza
comuns em HSA, em que a TC de crânio confirmaria o
das, nem de perda da consciência, o que afasta a possibi lidade de um evento epiléptico6.
diagnóstico com 90% de sensibilidade se realizada nas primeiras 24h1. Quanto à MAV, não existe um quadro
Apesar de se manifestarem raramente como sintomas
clínico típico, mas é comum que a hemorragia intracra
transitórios, hematoma subdural e neoplasias intracranianas,
niana se manifeste com cefaleia e crises epilépticas; dé
primárias ou secundárias, poderiam causar os sintomas descritos2. Entretanto, a paciente não tem história de trau
ficits neurológicos focais por isquemia (“fenômeno do roubo”), hidrocefalia e compressão de nervos cranianos
ma, etilismo ou uso de medicação anticoagulante, causas
são menos frequentes. O exame inicial também seria a
de hematoma subdural. Também não relata mudança no
TC de crânio, que evidenciaria a hemorragia, com refor
padrão ou na intensidade da cefaleia, perda ponderal,
ço serpiginoso típico na fase contrastada. A RNM mos
história pessoal ou familiar de neoplasias ou sintomas de
traria o tamanho e a localização da MAV, e a angiorres
hipertensão intracraniana, como vômitos em jato, alterações
sonância nuclear magnética detalharia os vasos envolvidos1.
visuais ou cefaleia que piora com o decúbito, fatores que
O envolvimento do trato corticoespinhal é comum em
aumentam a suspeita de doença neoplásica.
A instalação súbita do quadro, entretanto, abrange
como hematoma intraparenquimatoso decorrente de he
esclerose múltipla, que habitualmente acomete mulheres
Para todos os casos citados deveriam ser realizados
entre 20 e 40 anos de idade. Todavia, em esclerose múltipla,
exames de imagem para descartar lesões estruturais.
o déficit é de instalação progressiva e costuma ser recorren
Dentre eles, a tomografia computadorizada (TC) de crânio
te. O déficit anterior de curta duração, na mesma topografia
é o exame preferencial, devido ao fácil acesso e ao menor
do atual, desfavorece esse diagnóstico para a paciente.
Perda de Força Muscular - 257
Os processos infecciosos, como abscesso, encefalite
toxicológicos qualitativos ou quantitativos7.
relato de febre ou cefaleia, além de se apresentarem de
forma subaguda, em dias ou semanas. Ao exame físico, não há sinais de toxemia, rigidez de nuca ou alteração do
nível de consciência. Outra possível etiologia para os
déficits focais são os distúrbios metabólicos e eletrolíticos, como a hipo ou a hiperglicemia, e os distúrbios do sódio
e do cálcio. A glicemia capilar está dentro da normalida de, e as demais possibilidades podem ser descartadas
pelos exames laboratoriais.
Por fim, para todos os pacientes que cheguem ao pronto-socorro com uma doença aguda, deve-se incluir a intoxicação exógena nos diferenciais. Esta representa 5 a 10% dos atendimentos no setor de emergência; em geral,
as alterações neurológicas são monofásicas e difusas, mas, eventualmente, podem ser focais e progredir por algumas
semanas após a descontinuação do agente. Usualmente, são tentativas de suicídio ou abuso de múltiplas medica
Admitida com a hipótese de AVC e pontuação 6 na escala de AVC dos National Institutes of Health8, sub mete-se à TC de crânio (Fig. 43.1) e aos exames apresentados na Tabela 43.1. A TC revela hipodensidade frontal subcortical esquerda, sem realce com de contras te. Em seguida, a RNM de crânio (Fig. 43.2) evidencia lesão frontoparietal com hipersinal na sequência FLAIR e restrição à difusão, caracterizando evento vascular agudo. Trata-se de um AVC isquêmico e sua investigação
etiológica depende da idade e da apresentação clínica do
paciente. Em idosos, a causa mais comum é ateroscleró tica. Portanto, a avaliação é dirigida para a identificação
de fatores de risco vasculares e áreas de aterosclerose significativa nas artérias cervicais e intracranianas por meio
de exames de imagem. Já nos adultos menores de 45 anos
ções em pacientes com metabolização reduzida, como
de idade, grupo em que a prevalência de AVC é de 8 a 23 por 100.000 (5 a 10% do total de AVC)9, a abordagem é
insuficiência renal ou doenças hepáticas. Apesar de vir
distinta, visto que o espectro de etiologias é mais amplo
apresentando tristeza e insônia, a paciente não tinha idea
(Tabela 43.2) e o diagnóstico constitui, frequentemente,
ções suicidas nem fazia uso de indutores do sono ou
um desafio clínico.
antidepressivos. Além disso, seu quadro clínico geral não
A história clínica da paciente não inclui os fatores de
era compatível com nenhuma das principais síndromes
risco para as causas menos comuns de AVC, como trau
de intoxicação, como hiperatividade adrenérgica (anfeta
mas de crânio ou pescoço recentes, abuso de álcool ou
minas, ergotamínicos, cocaína, hormônio tireoidiano),
drogas ilícitas, distúrbios de coagulação, doença autoi
colinérgica (organofosforados, pilocarpina, carbamatos),
mune ou evidência pessoal ou familiar de aterosclerose
anticolinérgica (tricíclicos, anti-histamínicos, antiparkin
precoce ou cardiopatia. Entretanto, devem-se destacar em
sonianos), dissociativa (ácido lisérgico) ou de abstinência
isquemia encefálica e síndrome de Horner incompleta
(álcool, antidepressivos, hipnótico-sedativos, opioides). A
contralateral à hemiparesia, dois dos elementos da tríade
maioria das intoxicações não requer exames adicionais,
(completa com dor facial/craniana unilateral) que geram
Figura 43.1 - (A a C) Tomografia computadorizada de crânio, sem contraste, evidenciando hipodensidade frontal subcortical esquerda (seta).
CAPÍTULO 43
ou infecção aguda pelo HIV são diferenciais, mas não há
contudo, podem ser necessários exames gerais e testes
258
- Doenças do Sistema Nervoso
CAPÍTULO 43
TABELA 43.1 - Exames iniciais Exame
Resultado
Hemoglobina/hematócrito
12,5/37,4
Leucócitos
12.100
Plaquetas
215.000
Tempo de atividade de protrombina
117%
Glicemia
117
Creatinina/ureia
0,8/30
Na/K
136/3,6
Ca/Mg
8,1/2,1
Velocidade de hemossedimentação
8
Colesterol/triglicérides
153/89
Lipoproteínas de alta densidade (HDL)
38
Lipoproteínas de baixa densidade (LDL)
98
Sorologia para sífilis
Não reagente
Sorologia para HIV
Não reagente
Sorologia para vírus da hepatite C
Não reagente
Sorologia para vírus da hepatite B
Não reagente
Eletrocardiograma
Normal
Radiografia de tórax
Normal
Ca = cálcio; K = potássio; Mg = magnésio; Na = sódio
Figura 43.2 - (A a
alto grau de suspeição para dissecção da artéria carótida interna. Mesmo quando isoladas, a miose e a ptose pal pebral, sem anidrose (pela preservação da inervação simpática, oriunda da artéria carótida externa), são sinais de alerta sugestivos de dissecção desta artéria. Nesses casos, a investigação deve ser feita com angiorressonân cia nuclear magnética e ultrassonografia Doppler dos vasos cervicais11.
O estudo Doppler de carótidas evidencia redução do fluxo e da velocidade de pico sistólico (10cm/s). A angiorressonância nuclear magnética mostra dissecção da artéria carótida interna esquerda (Fig. 43.3). A paciente foi encaminhada à unidade de terapia intensiva para observação neurológica, controle de pressão arterial, glicemia e suporte fisioterápico. Logo depois, recebeu anticoagulação com heparina não fracionada endovenosa, seguida de warfarina. Evoluiu com plegia do membro superior direito, força muscu lar grau II no membro inferior direito e manutenção da disartria, da paralisia facial direita e da síndrome de Horner incompleta à esquerda. Recebeu alta hospitalar em uso de warfarina e sinvastatina, para seguimento ambulatorial.
F) Cortes axiais de ressonância nuclear de crânio. Nas sequências FLAIR (A e D) e mapa-ADC (C e F), hiper e hipossinal, respectivamente, na região frontal esquerda. Na sequência de difusão (B e E), restri
ção à difusão no local da lesão.
Perda de Força Muscular - 259
TABELA 43.2 - Causas e mecanismos de acidente vascular cerebral (AVC) em jovens10 Etiologia
Trombose de grandes vasos
Trombose in situ ou embolia arterioarterial Fatores de risco: hipertensão arterial, diabetes, tabagismo, etilismo, obesidade, dislipidemia
Prótese valvar (mecânica > biológica) Estenose mitral com fibrilação atrial Trombo no átrio ou ventrículo esquerdo Arritmias, principalmente fibrilação atrial Infarto há menos de quatro semanas Cardiomiopatia dilatada e/ou insuficiência cardíaca com fração de ejeção < 35% Segmento acinético do ventrículo esquerdo Mixoma atrial Endocardite infecciosa
Cardioembólico
Lacunar (lesão < 15mm)
Outras etiologias
Lipo-hialinose de vasos perfurantes Fatores de risco: hipertensão arterial, diabetes, tabagismo, etilismo, obesidade, dislipidemia
Vasculopatias não arteriais
Dissecção arterial cervicocefálica, trauma, vasculopatia induzida por radiação, doença de Moya-Moya, displasia fibromuscular, vasculite, infarto migranoso
Coagulopatias
Primárias: deficiência de antitrombina III, deficiência de proteína C, deficiência de proteína S, mutação do fator V de Leiden, mutação do gene 20210 da protrombina; a-, dis- ou hipofibrinogenemia, deficiência de ativadores do plasminogênio, anticorpos anticardiolipina e anticoagulante lúpico
Secundárias: neoplasia, puerpério, uso de contraceptivo oral, síndrome nefrótica, policitemia vera, trombocitemia essencial, hemoglobinúria paroxística noturna, homocistinúria, anemia falciforme, púrpura trombocitopênica trombótica, quimioterapia
Etiologia indeterminada
Doenças hereditárias/miscelânea
Homocistinúria, doença de Fabry, síndrome de Marfan, síndrome de Osler-Rendu-Weber, síndrome de Ehlers-Danlos, síndrome de Susac, síndrome hipereosinofílica, angiopatia amiloide cerebral; embolia gasosa, gordurosa, de líquido amniótico e de corpos estranhos
Doenças inflamatórias ou infecciosas
Lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, doença de Behçet, infecção por HIV, HCV, HBV ou sífilis
Duas ou mais causas identificadas Investigação negativa
HBV = vírus da hepatite B; HCV = vírus da hepatite C; HIV = vírus da imunodeficiência adquirida.
Figura 43.3 - Angiorressonância nuclear magnética evidenciando: (A) ausência de fluxo na artéria carótida interna esquerda intracraniana; (B) dissecção da artéria carótida interna esquerda (seta).
CAPÍTULO 43
Mecanismo do AVC
260 -
Doenças do Sistema Nervoso
CAPÍTULO 43
DIAGNÓSTICO FINAL AVC isquêmico secundário à dissecção espontânea da artéria carótida interna.
amaurose fugaz também podem precedero AVC determi nado por dissecção carotídea. Apenas um quinto dos pacientes não tem sintomas prévios11.
O diagnóstico é confirmado por exames de imagem. O Doppleré capaz de confirmarde hematoma intramural e padrão anormal de fluxo em mais de 90%, mas a dis
DISCUSSÃO
secção é detectada em menos de um terço das ocorrências.
A oclusão da artéria carótida interna por dissecção causa
axiais T1 e T2 com supressão de gordura podem confirmar
cerca de 2% de todos os AVC isquêmicos e representa até
a hipótese de dissecção espontânea de artérias carótidas
20% dos AVC em jovens. A dissecção pode ser traumá
tica, iatrogênica ou espontânea, esta representando a
e vertebrais (DEACV). Com a angiorressonância nuclear magnética, a sensibilidade e a especificidade são, respec
maioria dos casos. Dentre os possíveis fatores relaciona
tivamente, de 95% e 99%. A angiografia ainda mantém
dos à sua ocorrência está o defeito estrutural da parede
sua importância nos casos duvidosos, principalmente para
arterial, exemplificado pelas doenças do colágeno here
eventual terapêutica endovascular A estenose arterial,
ditárias (síndromes de Ehlers-Danlos tipo IV e Marfan,
tipicamente irregular a cerca de 2 a 3cm distais ao bulbo
doença renal policística autossômica dominante e osteo
carotídeo, é o padrão típico das dissecções. A oclusão é
gênese imperfeita tipo I). No entanto, essas doenças só
foram identificadas em 1 a 5% dos pacientes que apre
um padrão comum na fase aguda, apresentando-se seme lhante à chama de vela, como visto no caso apresentado12.
sentaram dissecção espontânea. Outros possíveis fatores
Como é uma situação incomum, não há trabalhos
são o tabagismo, a hipertensão, a hemicrania e o uso de
randomizados duplo-cegos que definam o tratamento da
contraceptivos orais, mas sua relação causal não foi esta
DEACV, este permanecendo embasado em trabalhos re
belecida definitivamente12.
trospectivos e opinião de especialistas. O estado neuroló
O quadro clínico pode simular o acometimento de outros territórios vasculares, pelo que é fundamental
considerá-la como diagnóstico diferencial no contexto de isquemia de qualquer território arterial cerebral. Como os
segmentos extracranianos das artérias carótida e vertebral são mais suscetíveis à dissecção do que os intracranianos
ou as artérias extracranianas de tamanho similar há des crição de casos associados a diversas situações tidas como precipitantes, como movimentos de rotação e hiperexten são súbitos da cabeça, vômito, tosse, pintura de teto, atividade sexual e prática de esportes, entre outros que podem causar estiramento arterial11. O paciente pode
permanecer assintomático ou apresentar déficit imediato,
algumas horas, ou até dias após a dissecção, devido ao tipo de lesão arterial e ao grau de circulação colateral.
Cefaleia hemicraniana ou dor facial unilateral aparecem
em até 80% dos casos; geralmente é gradual, mas pode ser súbita, mimetizando HSA, e costuma ser a manifes
tação inicial, precedendo em até quatro dias o apareci
mento do déficit neurológico. Miose e ptose ipsilaterais à dissecção são comuns e paralisia de nervos cranianos,
particularmente do hipoglosso, pode ser encontrada em
cerca de 12% dos casos. Sintomas isquêmicos retinianos
ou cerebrais, atribuíveis ao comprometimento hemodinâ mico secundário à estenose, oclusão luminal ou embolia
A RNM evidencia lesões sugestivas de isquemia e cortes
gico do paciente, as lesões associadas e a propedêutica
de imagem são fatores importantes a considerar na deci
são terapêutica. O tratamento na fase aguda segue as mesmas recomendações para o AVC isquêmico. Antico
agulação por três a seis meses é recomendada para todos os pacientes, com a finalidade de prevenir complicações
tromboembólicas, exceto para aqueles com traumatismo
cranioencefálico grave, hemorragia intracraniana, extensão
intracraniana da dissecção ou outras lesões sistêmicas com
potencial de sangramento. Um exame de imagem vascu lar deve ser repetido após seis meses de anticoagulação
para comprovara recanalização. A maioria resolve-se
espontaneamente nesse período e a anticoagulação pode ser substituída por medicação antiagregante. O tratamen to cirúrgico ou endovascular deve ser reservado para os
pacientes com sintomas isquêmicos persistentes apesar da anticoagulação9.
O prognóstico depende da gravidade do evento isquê mico inicial e da extensão da circulação colateral. A mortalidade é menor do que 5%, e cerca de três quartos têm boa recuperação. Raramente há recorrência de dis secção na mesma artéria. Apesar dos avanços no diagnós tico, ainda permanecem dúvidas quanto ao melhor trata mento e ao prognóstico para esses casos. Em razão da maior ocorrência de DEACV em jovens
arterioarterial ocorrem em 50 a 95%. Assim como em
e, portanto, do impacto socioeconômico a ela relacionado, é importante que neurologistas, emergencistas e clínicos
estenose carotídea por doença aterosclerótica, AIT e
de diferentes especialidades estejam familiarizados com
Perda de Força Muscular - 261
REFERÊNCIAS 1.
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CAPÍTULO 43
seu quadro clínico e diagnósticos diferenciais; o reconhe cimento precoce de um AIT pode colaborar para a mu dança na história natural da doença.
___________________________________
CAPÍTULO
4
Desequilíbrio Renata Amaral Andrade • José Luiz Pedroso
Homem branco de 22 anos de idade se apresentou em serviço de pronto atendimento com dificuldade para deambularhá quatro meses. Refere início insidioso e progressivo dos sintomas com piora significativa há um mês. O paciente tem tontura rotatória, com sensa ção de movimentação dos objetos ao redor.Queixa-se também de desequilíbrio, com traumas frequentes, pois vinha se chocando com os objetos ao andar pela casa. Relata tendência de queda para os lados, como se es tivesse sendo empurrado ou jogado, com dificuldades para deambularem linha reta. O paciente também se queixa de cefaleia de leve intensidade, iniciada há dois meses, com piora progressiva. Durante esse período, não fez uso de qualquer medicação ou procurou assis tência médica.
O paciente tem como queixa principal uma sensação de desequilíbrio e dificuldade para deambular.Na abordagem inicial a este caso, é necessário caracterizar com clareza os sintomas apresentados. Certamente, estamos diante de um transtorno da marcha, que pode ser mais bem carac
terizado pelo exame físico. Transtornos da marcha podem ser provocados por doenças do sistema nervoso central (encéfalo, medula e cerebelo), dos nervos periféricos, musculares (miopatias), doenças osteomusculares (como osteoartrose, por exemplo),
distúrbios metabólicos ou mesmo por problemas psicogê nicos. Torna-se fundamental, nesse momento, observara postura do paciente, a atitude e a postura dominantes do tronco e dos membros, presença de deformidades ósseas, movimentação e função articulares (Tabela 44.1).
O paciente relata sintomas constantes de desequilíbrio, com início insidioso e curso progressivo, acompanhados de tontura com características vertiginosas. Atenção especial deve ser dada para as doenças cerebelares e vestibulares.
Exame físico geral inteiramente normal. Ao exame neurológico, significativo nistagmo multidirecional, marcha atáxica (alargamento importante da base de sustentação) com tendência à queda para a direita, dis metria e disdiadococinesia à direita. Não há outros déficits neurológicos. O exame de fundo de olho reve lou edema de papila óptica bilateralmente.
O paciente apresenta uma síndrome cerebelar clássica, caracterizada por ataxia, dismetria, disdiadococinesia e nistagmo multidirecional. Cefaleia e papiledema associa dos ao quadro clínico permite-nos caracterizar também uma síndrome de hipertensão intracraniana. As síndromes cerebelares podem ter inúmeras etiolo gias, que devem ser preferencialmente divididas em ad quiridas e hereditárias (Tabela 44.2). Doenças desmielinizantes como esclerose múltipla e acidente vascular cerebral não se caracterizam como hipóteses prováveis no caso em questão devido ao padrão agudo de instalação encontrado nessas doenças. Apesardis so, algumas doenças desmielinizantes possuem caráter progressivo, como a forma primariamente progressiva da esclerose múltipla. As ataxias espinocerebelares são doenças hereditárias com padrão dominante de herança genética. Podem se manifestar somente com ataxia progressiva ou com uma enorme variedade de sintomas. A ausência de história familiare a presença de sinais de hipertensão intracrania na tomam a hipótese de ataxia espinocerebelar imprová vel. As ataxias recessivas são improváveis devido à ine xistências de outros achados como malformações ósseas, neuropatias e alterações oculares. Ataxias podem ser causadas por agentes tóxicos incluin do álcool, mercúrio, chumbo, solventes e pesticidas. No entanto, não há referência de exposição a esses agentes.
Desequilíbrio - 263
TABELA 44.1 - Subtipos de marcha Doenças características
Marcha cerebelar ou atáxica
Base de sustentação alargada e aspecto cambaleante. Presença de outros sinais cerebelares: dismetria, disdiadococinesia, nistagmo e reflexos pendulares
Ataxias hereditárias; lesões cerebelares de qualquer natureza: vascular, neoplásica, infecciosa, tóxica
Marcha parkinsoniana
Postura de flexão geral, diminuição do balanço dos braços, passos curtos, festinação, bradicinesia, rigidez em roda denteada, tremor de repouso e hipomimia
Doença de Parkinson, parkinsonismos atípicos, parkinsonismo induzido por fármacos, parkinsonismo vascular
Marcha miopática ou anserina
Movimento amplo da pelve, com oscilações da bacia e hiperlordose lombar; sinal de Gowers (levantar miopático, escápula alada)
Miopatias (congênitas e adquiridas), distrofias musculares, algumas neuropatias
Marcha em tesoura
Lenta e rígida, com passadas regulares e curtas, coxas aduzidas, pernas esticadas ou ligeiramente flexionadas; sinais de liberação piramidal (hiper-reflexia, reflexo plantar em extensão e espasticidade)
Paraparesia espástica tropical; paraparesia espástica hereditária; lesões medulares; paralisia cerebral
Marcha hemiparética ou ceifante
Perna acometida em extensão, circundação, perda de oscilação normal do braço; sinais de liberação piramidal (hiper-reflexia, reflexo plantar em extensão e espasticidade)
Acidente vascular cerebral, neoplasias, sequelas de trauma craniano ou neurocirurgias
Marcha talonante
O paciente caminha olhando para o chão, com passos desordenados, com elevação demasiada da perna, toca bruscamente o solo com os calcanhares; perda proprioceptiva (sensibilidades vibratória e cinético-postural reduzidas ou abolidas); sinal de Romberg
Síndrome cordonal posterior: deficiência de vitamina B12, neurossífilis, HTLV e HIV, causas compressivas
Marcha escarvante
Flexão acentuada da coxa, com elevação demasiada da perna e queda do pé
Neuropatias acometendo o nervo fibular
Marcha coreica
Passos irregulares, com movimentos involuntários, arrítmicos e bruscos dos membros; movimentos coreiformes ao exame neurológico
Coreia de Huntington; coreia de Sydenham; lesões em núcleos da base (acidente vascular cerebral, neurotoxoplasmose)
HIV = vírus da imunodeficiência humana; HTLV = vírus linfotrófico T humano.
QUADRO 44.1 - Diagnóstico diferencial da síndrome cerebelar • Ataxias hereditárias - Ataxias espinocerebelares - Ataxias recessivas • Ataxias adquiridas - Lesões estruturais (neoplasias primárias, metástases, malformações arteriais e venosas, fístulas) - Doença cerebrovascular - Doenças infecciosas e cerebelites - Drogas (antiepilépticos, benzodiazepínicos, lítio, ciclosporina, metronidazol, nitrofurantoína, procainamida) - Exposição a metais pesados (chumbo, mercúrio), pesticidas e solventes - Endocrinopatia (hipotireoidismo) - Má absorção (doença celíaca, deficiência de vitamina E, abetaliproteinemia) - Síndromes paraneoplásicas - Doenças desmielinizantes
sugere uma lesão expansiva em fossa posterior como pro vável etiologia do quadro clínico. Nesse momento, é fun
damental um exame de imagem do sistema nervoso central.
O paciente é submetido à tomografia computado rizada de crânio que evidenciou lesão hipodensa acometendo vérmis cerebelar e hemisfério cerebelar direito, além de dilatação de ventrículos laterais e ter ceiro ventrículo (hidrocefalia) (Fig. 44.1).
A imagem é compatível com uma lesão neoplásica de
fossa posterior e cerebelo, comprimindo o quarto ventrí culo e cursando com hidrocefalia obstrutiva, devido à
interrupção do fluxo liquórico. A síndrome cerebelar é
facilmente explicada pela lesão expansiva, ao passo que a hidrocefalia justifica os sinais de hipertensão intracraniana. Algumas drogas também estão relacionadas ao surgi
mento de síndromes cerebelares: carbamazepina, fenitoína, ácido valproico, agentes quimioterápicos, drogas sedativas, lítio, antidepressivos, amiodarona, ciclosporina, isoniazida,
metronidazol, nitrofurantoína e procainamida. Não há relatos de uso de medicações para justificar os sintomas.
O paciente evoluiu com sinais e sintomas de hiperten são intracraniana, além das alterações cerebelares, o que
Em ressonância nuclear magnética (RNM) de en céfalo (Fig. 44.2) evidenciam-se lesões nodulares sólidas com hipersinal, aspecto infiltrativo, localizadas em fossa posteriorà direita, envolvendo cerebelo. Essas lesões causam importante efeito de massa local, notan do-se nítido rechaço e compressão do IV ventrículo, caracterizando-se por focos de hipossinal em T1 e hi persinal em T2, com realce anelar perilesional.
CAPÍTULO 44
Características e sinais ao exame físico
Transtorno da marcha
Doenças do Sistema Nervoso
CAPÍTULO 44
264 -
Figura 44.1 - (A e B) Tomografia computadorizada de crânio, evidenciando lesão hipodensa em fossa posterior, com compressão de quarto ventrículo e hidrocefalia obstrutiva.
As lesões exibidas em RNM levantam a hipótese
riza por hemangioblastomas capilares do sistema nervoso
diagnóstica de doença neoplásica, o que é compatível com
central e/ou retina, carcinoma de células renais, feocro
a história clínica de déficits neurológicos progressivos e
mocitoma e cistos viscerais, o que não é descrito no
presença de hidrocefalia obstrutiva.
quadro clínico, no exame físico e na investigação diag
Neoplasias primárias de fossa posterior são mais co
nóstica do paciente.
muns na infância. Nessa localização podem serencontra
Astrocitomas cerebelares são tumores que se originam
das lesões benignas, como tumores dermoides e papilomas
mais comumente de hemisférios cerebelares laterais, com
do plexo coroide, ou malignas, como os astrocitomas,
pico de incidência na segunda década de vida. Podem se
meduloblastomas e ependimomas. Podem ser encontradas
apresentar à RNM com imagem cística ou sólida e cons
também lesões metastáticas, que apresentam como locais
tituem também hipótese diagnóstica compatível com o
primários mais frequentes: pulmão, mama, rim, cólon e
caso apresentado.
pele (melanoma). Ependimomas são tumores gliais com pico de incidên
cia aos cinco anos de idade e, em adultos, 75% acometem medula espinhal. Em RNM surgem como lesão bem de
marcada, são frequentes áreas císticas e de calcificação e apresentam como local mais comum infratentorial o quar to ventrículo. Devido a essas características, não se toma
a hipótese mais provável no caso apresentado.
Meduloblastoma é o tumor de sistema nervoso central
mais comum na infância e até 70% das vezes são diagnos ticados até os 20 anos de idade. É um tumorparamediano que frequentemente comprime o quarto ventrículo; em
adultos acomete mais os hemisférios cerebelares, mostrando descrição compatível com imagem de RNM do paciente.
Hemangioblastomas representam cerca de 7% de tu
mores encontrados na força posterior e podem estar as sociados à doença de von Hippel-Lindau, que se caracte
O paciente evolui com piora significativa da cefaleia e rebaixamento do nível de consciência; submetido à derivação ventricular peritoneal, sem intercorrências. Submetido em três dias à craniectomia de fossa poste rior com exérese microcirúrgica subtotal da lesão expansiva, aproximadamente a totalidade do hemisfério cerebelar direito, sangrante, de coloração violácea, infiltrativa, com ressecção interrompida em locais de infiltração do tronco cerebral. Fragmentos da lesão de 2,7cm × 2,5cm × 1,4cm foram submetidos a exame anatomopatológico, que evidenciou: em macroscopia, material de coloração acastanhada de superfície finamente granulosa e con sistência firme e elástica, e em exame microscópico, quadro histológico correspondente a astrocitoma ana plásico (grau III), diagnóstico confirmado por imuno-histoquímica.
Desequilíbrio - 265
CAPÍTULO 44
Figura 44.2 -
(A a C) Ressonância nuclear magnética de encéfalo.
DIAGNÓSTICO Astrocitoma anaplásico.
DISCUSSÃO A incidência de tumores no sistema nervoso central apre senta importante variação com a idade e com o tipo his
tológico. Em adultos, gliomas malignos, em particular o astrocitoma, são responsáveis por cerca de 50% dos casos
sicos mostram-se como lesões hipertensas à RNM, po dendo haver componentes císticos e sólidos, e com real ce pelo contraste. A sobrevida mediana para pacientes com astrocitoma anaplásico é de 36 meses e o principal fator prognóstico está o grau de ressecção cirúrgica. Devido à natureza
infiltrativa dos gliomas malignos, mesmo uma ressecção total é associada com inevitável recorrência do tumor. A recomendação atual para o tratamento é a ressecção cirúrgica, seguida de radioterapia adjuvante com a adição de quimioterapia, em alguns casos.
e sua localização costuma seré supratentorial.
Os astrocitomas cerebelares representam 30 a 40%
dos tumores da fossa posterior e devem ser suspeitados em adultos jovens com a apresentação de uma síndrome cerebelar. Em geral, sintomas de incoordenação e dificul
dade à marcha, com déficits progressivos, podem estar
presentes há meses e por ocasião do diagnóstico comu
mente já há evidências de hipertensão intracraniana, como relatado.
Pacientes com astrocitomas de baixo grau podem exibir sintomas como crises convulsivas, durante anos,
sem estudo diagnóstico. Esse tipo de tumor costuma aparecer como lesões hipointensas à RNM, geralmente
homogêneos e bem delimitados. Os astrocitomas anaplá
BIBLIOGRAFIA AMERICAN SOCIETY FOR THE THERAPEUTIC RADIOLOGY AND ONCOLOGY. 4311 Arriei Meetirgcf tiheAmβ-icaa Sαiety fcr tliOTnípiiíic Radidcg' íiú Oirdcg', 2004. BRUCE, E.; MAAT-KIEVIT, J. A.; VAN SWIETEN, J. C. Diagnosis and management of early - and late-onset cerebellarataxia. Clin GíTEt, V. 71, p. 12-14, 2007. CAMPBELL, W. Marcha e postura. In: CAMPBELL, W. Dgcrg o «anenardc^co Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007, p. 440-446. KIERAN, M. W. Epeilyinαna Disponível em: www.uptodate.com. MICHAUD, D.; et al. Iirjderecf p rim ay brantuncrs Disponí vel em: www.uptodate.com. ROWLAND, L. P. Mβrit- Tr ítalo de Nardc^a 10. ed. São Paulo: Manole, 2002.
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CAPÍTULO
45
Movimentos Anormais Catarine Teles Farias Britto • Allan Valadão de Oliveira Britto
Homem, 50 anos de idade, aposentado, analfabeto, natural do nordeste do Brasil, é levado pela família para assistência médica com queixa de movimentos anormais há quatro anos. Refere movimentos involuntários, irre gulares, abruptos de membros superiores e inferiores com progressão gradual durante esse período. A famí lia relata ainda alteração do comportamento caracterizada por irritabilidade e agressividade e também disfagia para sólidos e líquidos, sem história de pirose, dorto rácica, perda ponderal ou ingestão de agentes cáusticos.
QUADRO 45.1 - Movimentos anormais mais comuns • • • • • • • • •
Asterixe Atetose Bradicinesia Coreia Distonia Hemibalismo Mioclonia Tiques Tremores (repouso, postural, de intenção)
A primeira etapa na avaliação do distúrbio de movimento
Coreia faz parte do quadro clínico de diversas doenças,
é classificá-lo em hipercinético ou hipocinético. Os distúr bios hipercinéticos dividem-se em rítmicos e irregulares.
podendo estar associada a desordens genéticas (doença de Huntington, neuroacantocitose, síndrome de MacLeod, atrofia dentatorrubral-palidoluisiana, coreia hereditária
Os movimentos involuntários irregulares são ainda carac
terizados de acordo com velocidade e localização e pelo fato de poderem ou não ser suprimidos voluntariamente, podendo caracterizaratetose, distonia, tiques, hemibalismo, coreia ou mioclonia. Coreia consiste em movimento espon tâneo, irregular, abrupto e de localização aleatória. Coreia de início agudo ou subagudo deve-se às etiologias tóxicas, como doses excessivas de levodopa ou dopamina, neuro lépticos, contraceptivos orais, gravidez, hipertireoidismo
ou síndrome do anticorpo antifosfolipídio. Por outro lado, coreia de início gradual é típica das doenças neurológicas
degenerativas (Quadro 45.1).
O paciente refere etilismo esporádico e nega taba gismo. Não usa medicamentos regularmente nem houve exposição prévia a neurolépticos. Uma irmã, cuja causa mortis era desconhecida pela família, apresenta ra movimentos anormais semelhantes. Outra irmã de 42 anos também apresenta movimentos anormais há um ano. Ambos foram caracterizados como portadores de coreia pela descrição dos familiares.
benigna, doença de Wilson), doenças sistêmicas (lúpus eritematoso sistêmico, síndrome do anticorpo antifosfo lipídio, tireotoxicose, policitemia vera, estado hiperosmo lar hiperglicêmico não cetótico, síndrome da imunodefi ciência adquirida, paraneoplásica), uso de drogas (neurolé
pticos, contraceptivos orais, fenitoína, doses excessivas de levodopa e agonistas dopaminérgicos, cocaína), tumor,
infarto, malformação vascular, gravidez e estado pós-in feccioso (coreia de Sydenham, encefalite por Herpes sim plex). História familiar de coreia direciona a investigação para os diagnósticos diferenciais de causas genéticas (Quadro 45.2).
O paciente encontra-se em bom estado geral, com temperatura de 36,5°C, frequência cardíaca de 84bpm, frequência respiratória de 18irpm e pressão arterial de 130 × 80mmHg. O exame físico de pele, aparelho cardiovas cular, aparelho respiratório e abdominal não revela anormalidades. Ao exame neurológico, apresentava-se alerta, com déficit de atenção, comprometimento da
Movimentos Anormais - 267
superiores. Não mostra alteração de tônus e força mus culare dos reflexos profundos e superficiais. Ausência de anormalidades ao exame da sensibilidade e dos nervos cranianos. Escore do miniexame do estado mental de 6/30, sendo o paciente analfabeto.
QUADRO 45.2 - Causas hereditárias e adquiridas de coreia
O exame físico do paciente apoia diagnóstico de coreia.
• Causas hereditárias - Doença de Huntington - Neuroacantocitose - Síndrome de MacLeod - Atrofia dentatorrubral-palidoluisiana - Coreia hereditária benigna - Ataxia espinocerebelar tipos 1, 2 e 17 - Desordens mitocondriais - Doença priônica hereditária incluindo doença Huntington-like tipo 1 - Doença Huntington-liketipo 2 - Doença Huntington-like tipo 3 - Doença de Wilson - Ataxia de Friedreich - Neurodegeneração com acúmulo cerebral de ferro - Ataxia-telangiectasia - Neuroferritinopatia - Desordens de estoque lisossomal - Desordens de aminoácidos - Esclerose tuberosa • Causas adquiridas - Patologia estriatal focal (infarto, lesão ocupadora de espaço) - Induzida por drogas (neurolépticos, contraceptivos orais, fenitoína, doses excessivas de levodopa e agonistas dopaminérgicos, cocaína) - Coreia gravídica - Tireotoxicose - Lúpus eritematoso sistêmico/síndrome do anticorpo antifosfolipídio - Pós-infecciosa (coreia de Sydenham, distúrbios pediátricos neuropsiquiátricos autoimunes associados a infecções estreptocócicas [PANDAS], encefalite por Herpes simplex) - Policitemia vera - Infecciosa (AIDS, variante da doença de Creutzfeldt-Jakob)
A ausência de sinais de outras doenças sistêmicas e do
uso de medicamentos reduz a possibilidade de essas etio
logias serem responsáveis pelo quadro clínico e, mais uma vez, nos induz a investigar desordens genéticas que cursam com coreia de início gradual, demência e alteração do
comportamento. A doença de Alzheimer, principal causa de demência nos países ocidentais, é improvável, uma vez que se caracteriza essencialmente por demência lentamente
progressiva que evolui ao longo de vários anos e as altera
ções motoras apresentadas pelos pacientes consistem em marcha arrastada, rigidez muscular generalizada associada à lentidão e inadequação do movimento. Da mesma forma, a progressão gradual e não escalonada da demência torna
menos provável o diagnóstico de demência vascular. Paciente internado para investigação. Não há alte ração dos níveis de hemoglobina, leucócitos, plaquetas, glicemia, hormônio tireoestimulante, tiroxina livre e ceruloplasmina. Apresenta sorologias negativas para hepatites B e C e para o vírus da imunodeficiência humana (HIV). A tomografia computadorizada de crânio e a ressonância nuclear magnética demonstram atrofia cortical difusa, aumento dos ventrículos laterais e atrofia do núcleo caudado e do putâmen (Fig. 45.1).
Figura 45.1 - Cortes transversais do crânio ao nível dos núcleos da base por tomografia computadorizada (A) e ressonância nuclear magnética ponderada em T2 (B) e FLAIR (C), sem a infusão endovenosa do meio de contras te iodado ou paramagnético, demonstram: acentuada atrofia e hipersinal em T2 e FLAIR dos núcleos estriados (cabeça do núcleo caudado e putâmen), sinais de redução volumétrica encefálica difusa, caracterizados por acen tuação dos sulcos corticais, fissuras cerebrais e cisternas basais, além de dilatação compensatória do sistema ventricular supratentorial e abaulamento dos cornos anteriores dos ventrículos laterais.
CAPÍTULO 45
memória, déficit cognitivo, disartria e estado afetivo instável. Apresenta marcha dançante (coreica), prova de Romberg negativa, movimentos descoordenados, abrup tos e arrítmicos em segmento cefálico e membros
CAPÍTULO 45
268 -
Doenças do Sistema Nervoso
QUADRO 45.3 - Exames laboratoriais a serem considerados na investigação de coreia • • • • • • •
• • • • • •
Hemograma (policitemia) Esfregaço do sangue periférico (neuroacantocitose) Testes de função tireoidiana (tireotoxicose) Teste de gravidez (coreia gravídica do primeiro trimestre) Sorologia de HIV (AIDS) Fator antinuclear, anti-DNA (lúpus eritematoso sistêmico) Anticardiolipina e anticoagulante lúpico (síndrome do anticorpo antifosfolipídio) Antiestreptolisina O (coreia de Sydenham, pós-infecciosa) Ceruloplasmina, cobre urinário (doença de Wilson) Anticorpos antinúcleos da base (coreia pós-infecciosa, gravídica e induzida por contraceptivos orais) Punção liquórica (causas neoplásicas e inflamatórias) Biópsia muscular (doença mitocondrial) Ressonância nuclear magnética (doenças priônicas, acidente vascular cerebral ou outras doenças focais dos núcleos da base, distúrbios com acúmulo de ferro, doença de Wilson)
velmente consistia em uma forma de coreia histérica que ocorria no contexto do fervor religioso e supersticioso.
Thomas Sydenham (1624-1689), ao estudara dança de São Vito, identificou uma forma de coreia infantil que
agora recebe seu nome. A coreia pode ser hereditária ou adquirida (ver Quadro 45.2).
Em 1872, George Huntington (1850-1916) descreveu uma coreia com início na vida adulta e associada a ma
nifestações cognitivas e psiquiátricas, que ficou conheci da como doença de Huntington, a forma hereditária mais comum de coreia.
A doença de Huntington é um distúrbio cerebral ge nético degenerativo autossômico dominante, cuja preva
lência é de 4 a 10/100.000 nas populações da Europa ocidental. Inicia-se, em média, em torno dos 40 anos de idade, apesar de já ter sido descrita tanto em idades mais
Os exames laboratoriais iniciais arguem contra doen
ças sistêmicas. A continuação da investigação deveria, então, incluir exames de imagem. Os exames de imagem corroboram o quadro de demência do paciente, afastando
neoplasias cerebrais primárias ou secundárias, infartos,
doença difusa da substância branca, hidrocefalia normo bárica e atrofia do hipocampo. A investigação visando à principal causa genética de coreia, a doença de Huntington, deveria então prosseguir (Quadro 45.3). Após esclarecimentos quanto à importância e às consequências do exame genético e consentimento do paciente e da família, faz-se exame de DNA, que cons tata 40 repetições CAG no gene IT15, correspondente à doença de Huntington. Inicia-se tratamento sintomá tico com haloperidol e explica-se à família a origem genética da doença.
precoces como em mais avançadas. As duas características clínicas da doença de Hunting
ton são coreia e distúrbios do comportamento. Inicialmen te, muitos pacientes apresentam problemas psiquiátricos
ou sintomas cognitivos antes das alterações motoras. Sin tomas psiquiátricos são comuns, particularmente depressão, ansiedade, irritabilidade e agressividade. Podem ocorrer
delírios e comportamento obsessivo-compulsivo. Suicídio e tentativa de suicídio são cerca de quatro vezes mais co
muns do que na população geral, sendo que suicídio é a causa mortis de cerca de 5% dos pacientes. A função exe
cutiva é afetada com pobreza de planejamento e julgamen to, comportamento impulsivo, desorganização e dificulda
de em lidar com múltiplas tarefas e em manter a atenção e a concentração. Muitos pacientes exibem lentificação
psicomotora com apatia, ausência de autocuidado e perda
de iniciativa. A coreia pode iniciar-se como uma inquietu de sutil, passando despercebida pelo paciente e pelos fa
O defeito genético na doença de Huntington consiste
miliares. Entretanto, com a progressão, o distúrbio do
na expansão das repetições do trinucleotídeo CAG, codi
movimento torna-se incapacitante. Ocorrem abalos e mo
ficando repetições da poliglutamina dentro da proteína
vimentos frequentes, irregulares e bruscos de todos os
huntingtina.
membros ou do tronco. Pode haver ainda acentuação de caretas, gemidos e alteração da articulação das palavras. A
DIAGNÓSTICO FINAL
marcha fica desarticulada e incoordenada e tem caracterís
tica dançante (coreica). Disartria e disfagia são comuns. Após 10 a 15 anos, a maioria dos pacientes atinge um estado ve
Doença de Huntington.
getativo. A doença de Huntington juvenil associa-se a maior
gravidade e menor expectativa de vida.
DISCUSSÃO O termo coreia foi originado do grego khoreía, signifi
A doença de Huntington acomete predominantemente o estriado. Há atrofia dos núcleos caudados e putâmen,
em estudos de neuroimagem, nos estágios intermediário
cando uma dança. Foi usado inicialmente no meio médi
e avançado da doença. Pode-se observar também atrofia cortical mais difusa em doença avançada.
co pelo alquimista Paracelsus (1493-1541), para descrever
As alterações bioquímicas da doença estão começan
a coreia de São Vito (dança de São Vito), a qual prova
do a ser esclarecidas. Em alguns estudos tem sido notada
Movimentos Anormais - 269
alteração do metabolismo da glicose no núcleo caudado,
mentos anormais da doença de Huntington representam
uma hipersensibilidade dos receptores dopaminérgicos do
estriado. Há distúrbios do metabolismo de outros neuro
transmissores (norepinefrina, ácido glutâmico descarbo xilase, colina-acetiltransferase, ácido gama-aminobutírico
[GABA], acetilcolina, somatostatina), entretanto, seu
significado é desconhecido. Do ponto de vista molecular, a patogênese da doença é consequência direta, mas pou
co elucidada, da expansão da região de poliglutamina da huntingtina (proteína codificada pelo gene da doença de
Huntington - IT15 - localizado no cromossomo 4p). A
expansão das repetições no DNA é a base para exame de sangue diagnóstico para o gene da doença. Pessoas com
38 ou mais repetições CAG no gene da doença de Hun tington herdaram a mutação patológica e terminarão por desenvolver sintomas, se viverem até uma idade avançada.
Devido à inexistência de terapia efetiva que previna a progressão da doença de Huntington, medicamentos sin
tomáticos constituem sua base terapêutica. Assim, diver sas classes de drogas têm sido usadas para controle de seus sintomas, incluindo neurolépticos típicos e atípicos,
depletores dopaminérgicos, antidepressivos, antiglutama térgicos, agonistas GABAérgicos, antiepilépticos, inibi dores da acetilcolinesterase e toxina botulínica. Recentemen
BIBLIOGRAFIA ADAM, O. R.; JANKOVIC, J. Symptomatic treatment of Huntington disease. NmciLn'q>αJics v. 5, p. 181-97, 2008. DORMONT, D.; SEIDENWURM, D. J. Dementia and movement disoiders. Am. J. Radkl, v. 29, p. 204-6, 2008. KASPER, D. L.; BRAUNWALD, E.; HAUSER, S.; LONGO, D.; JAMESON, J. L.; FAUCI, A. S. Hariscrisprirriplesd' irta1rdmedicirE 16. ed. New York: McGraw-Hill Professional, 2004. MARTIN, J. B. Molecularbasis of the neurodegenerative disoideis. N. Erg. J. Med., v. 340, p. 1970-80, 1999. PANEGYRES, P. K.; MCGRATH, F. Huntington disease in indigenous Austialians. IrtenMβd. J., v. 38, p. 130-2, 2008. ROPPER, A. H.; BROWN, R. H. Adansad VKtasprirrçksd nardcg'. 8. ed. New Yoik: McGraw-Hill Professional, 2005. WILD, E. I; TABRIZI, S. J. The diffeiential diagnosis of chorea. Pract Neu-d., v. 7, p. 360-73, 2007.
CAPÍTULO 45
precedendo sua atrofia. Tem-se postulado que os movi
te, técnicas cirúrgicas incluindo palidotomia, estimulação cerebral profunda e transplante de células fetais têm sido usadas como tratamento sintomático. A terapia seleciona da deve ser adaptada de acordo com as necessidades de cada paciente, minimizando os potenciais efeitos adversos. No caso em questão, o paciente apresentava quadro clínico de coreia e alteração do comportamento. A histó ria familiar de coreia orientou a investigação diagnóstica para causas hereditárias. Entretanto, só após a exclusão de doenças sistêmicas e causas adquiridas de coreia de veria ser considerado o seguimento para confirmação da doença de Huntington.
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CAPÍTULO
Cefaleia e Febre Luciane Francisca Fernandes Botelho • Anderson Rodrigues Brandão de Paiva • José Luiz Pedroso A medicina, antes de mais nada, é conhecimento humano.
Pedro Nava
Homem branco de 31 anos de idade, natural e pro cedente de São Paulo, casado, com segundo grau completo, taxista, dá entrada no pronto-socorro com queixa de cefaleia progressiva holocraniana há 15 dias. Relata dor em aperto, sem fatores de melhora ou piora, sem alívio com medicação e intensidade moderada. Apresenta ainda febre diária, variando entre 37,6oC e 38,2°C. Nega fonofobia, fotofobia, náuseas, vômitos, viagens recentes ou outros sintomas associados, exceto perda ponderal de cerca de 5kg em um mês.
Estamos diante de um homem jovem que procura o pronto-socorro por cefaleia, situação extremamente corri queira para quem trabalha em setores de urgência e para a qual devemos estar bem preparados. Uma abordagem me tódica de tal queixa evita erros diagnósticos grosseiros, gastos desnecessários com exames complementares sem indicação, iatrogenias e negligências. Num paciente com
cefaleia, devemos sempre buscar sinais de alarme para cefaleia secundária e tais sinais são quase todos obtidos da história clínica - ver Capítulo 41 - Cefaleia súbita. A maioria dos pacientes que vamos atender em unidades de emergência, e mesmo em ambulatórios, será de portado res de cefaleias primárias - principalmente cefaleia do tipo tensional e enxaqueca. Tal dado epidemiológico não pode, de modo algum, nos deixar relaxar e assumir uma postura de que toda cefaleia é primária até prova em contrário! O raciocínio deve ser exatamente o oposto: primeiro devemos excluir a possibilidade de cefaleia secundária.
As cefaleias primárias e secundárias estão resumidas no Quadro 46.1. Dos dados de que dispomos até agora, esse paciente
já apresenta três sinais de alarme: dor progressiva, febre e perda ponderal não planejada recente. Vale ressaltar também que as cefaleias primárias requerem, para seu diagnóstico, um padrão de recorrência, o que nem sempre é possível estabelecer numa primeira consulta. De qualquer forma, a história desse paciente deixa muitas dúvidas quanto à benignidade ou não do quadro, o que toma o restante da história ainda mais importante. Os ritmos excretores estão preservados. Nega epi sódios anteriores de cefaleia, bem como qualquer doença conhecida prévia, alergias, internações, trans fusões, cirurgias ou uso de qualquer fármaco. Etilista social e ex-tabagista. Nega uso de drogas ilícitas e re fere contato eventual com profissionais do sexo, porém, nega relações sexuais desprotegidas com elas. Vive com a esposa em um apartamento na periferia de São Paulo, com quem mantém relações sem preservativos. Não tem irmãos, seus pais são vivos e saudáveis. O restante da história aumenta nossa preocupação quanto à possibilidade de cefaleia secundária, pois não
há um padrão de cefaleia recorrente e há exposição de risco para HIV - embora negue relações desprotegidas, o
fato de haver envolvimento com prostitutas não pode ser ignorado e deve ser considerado como fator epidemioló-
Cefaleia e Febre - 271
QUADRO 46.1 - Cefaleias primárias e secundárias
Em resumo, nosso paciente é um homem jovem com
cefaleia de início recente, progressiva, associada à febre,
rigidez de nuca, perda ponderal e linfonodomegalia ge neralizada, com fatores de risco para HIV. Antes de as
sumir que esse paciente é realmente portador do HIV, devemos fazer algumas considerações diagnósticas. A tríade febre, emagrecimento e linfonodopatia deve
sempre levar à suspeita de doenças linfoproliferativas,
bem como de outras neoplasias, infecções crônicas e até mesmo de doenças inflamatórias. Dentre as doenças lin foproliferativas, a que mais cursa com linfonodopatia
periférica é o linfoma de Hodgkin. Um sintoma pouco comum, porém bastante característico dessa doença, é a
dor em linfonodos cervicais após a ingesta de bebidas alcoólicas. No entanto, as características à palpação dos
linfonodos é bem diferente da descrita para esse paciente.
Em geral, são linfonodos endurecidos e maiores. Já dentre as doenças inflamatórias, a que pode cursar com essa tríade com mais frequência é o lúpus eritema toso sistêmico. No entanto, este é mais comum em mu
lheres e, geralmente, se acompanha de outros achados que
não temos aqui - principalmente manifestações cutâneas e/ou articulares. Outra hipótese seria sarcoidose, mas esta
não costuma cursar com tantos linfonodos periféricos, sendo mais comum o encontro de linfonodos peri-hilares. As infecções crônicas de que não podemos nos esque
cer aqui são tuberculose e doenças fúngicas, principal
mente paracoccidioidomicose. Os casos de tuberculose gico positivo. Do ponto de vista diagnóstico e estritamen
ganglionar costumam ter um achado bastante caracterís
te médico, é saudável colocar em dúvida a fidelidade da
tico, que é a fistulização dos linfonodos, mas que nem
esposa - embora não seja aconselhável expor este dado
sempre está presente. Não se deve esquecer também de
para o paciente num primeiro momento... Um exame fí
que os linfonodos da tuberculose ganglionar e das infec
sico abrangente em busca de sinais de doença sistêmica
ções fúngicas costumam ser maiores do que os descritos
e de sinais focais é o próximo passo.
para esse paciente.
Outras doenças infecciosas que provocam linfonodo Ao exame, o paciente se encontra em bom estado geral, sem sinais de doença aguda descompensada, corado, levemente desidratado, anictérico, eupneico, vígil e consciente, com temperatura axilar de 37,8°C, frequência cardíaca de 90bpm, frequência respiratória de 18irpm, pressão arterial de 150 × 100mmHg e SpO2 de 97% em ar ambiente. Os exames dos sistemas car diovascular e respiratório, do abdome e de pele e fâneros não revelam nada digno de nota. Há linfonodos cervicais posteriores, axilares e inguinais palpáveis, indolores, móveis, fibroelásticos, agrupados, de no máximo 1cm. Ao exame neurológico não são encontra
patia generalizada são aquelas responsáveis pela síndrome da mononucleose - vírus Epstein-Barr, toxoplasmose,
citomegalovírus e HIV são os principais. E a cefaleia, como se enquadra neste contexto? Demos
“uma volta” excluindo a cefaleia para mostrar que, con forme o quadro é emoldurado, o raciocínio pode ser
completamente diferente. As considerações feitas ante riormente são importantes neste caso, mas o caminho
mais curto para o diagnóstico desse paciente é abrir o diagnóstico diferencial de febre mais cefaleia em pacien te adulto jovem.
CAPÍTULO 46
• Cefaleias primárias - Enxaqueca - Cefaleia do tipo tensional - Cefaleia em salvas - Cefaleias autonômicas trigeminais - Cefaleia primária do esforço - Cefaleia primária da tosse - Cefaleia primária associada à atividade sexual - Cefaleia em trovoada primária - Hemicrania contínua • Cefaleias secundárias - Cefaleia secundária a trauma de cabeça e pescoço (pós -traumática aguda ou crônica, por hematoma epidural ou subdural, etc.) - Cefaleia secundária a transtornos vasculares cervicais e cranianos (por acidente vascular cerebral isquêmico ou hemorrágico, por hemorragia subaracnóidea, por angioma cavernoso, etc.) - Cefaleia secundária a transtornos intracranianos não vasculares (cefaleia por hipertensão intracraniana idiopática, por fístula liquórica, por doenças inflamatórias não infecciosas como neurossarcoidose, hipofisite linfocítica, etc.) - Cefaleia atribuível a substâncias ou por abstinência de substâncias (nitratos, inibidores de fosfodiesterases, álcool, cocaína, histamina, abuso de analgésicos, abuso de opioides, contraceptivos orais, abstinência de cafeína, abstinência de opioides, etc.) - Cefaleia secundária a infecções (meningite bacteriana, encefalites, abscessos cerebrais, empiema subdural, infecções sistêmicas bacterianas ou virais, cefaleia atribuível ao HIV, etc.) - Cefaleia secundária a distúrbios da homeostase (hipóxia, hipercapnia, apneia do sono, feocromocitoma, encefalopatia hipertensiva, hipotireoidismo, jejum prolongado, etc.) - Cefaleia ou dor facial secundária a distúrbios de crânio, pescoço, olhos, ouvidos, nariz, seios nasais, dentes, boca ou outras estruturas craniofaciais (cefaleia cervicogênica, cefaleia por distonia craniocervical, glaucoma agudo, cefaleia por erros de refração, rinossinusite, desordens da articulação temporomandibular, etc.) - Cefaleia secundária a transtornos psiquiátricos (transtornos somatoformes e transtornos psicóticos)
dos sinais focais, mas há rigidez de nuca e os sinais de Kernig e de Brudzinski não estão presentes. Fundo de olho normal.
272
- Doenças do Sistema Nervoso
CAPÍTULO 46
A primeira preocupação diante de tal quadro é saber
se estamos diante de um paciente imunocompetente ou
não. O nosso paciente era previamente hígido, porém,
exibe fatores de risco para infecção pelo HIV. Portanto, essa pergunta só será respondida mais adiante.
O primeiro diagnóstico que nos deve vir à mente e que deve ser buscado a todo custo é o de uma infecção
do sistema nervoso central, ou seja, meningite ou menin goencefalite, sem esquecer que qualquer quadro infeccio so pode gerar febre e cefaleia - desde uma simples infec
ção viral de vias aéreas superiores até síndrome de Weil. A ausência de sinais meníngeos não afasta o diagnóstico
de meningite, pois estes podem estar ausentes ou reduzi
dos em pacientes muito jovens ou idosos, imunocompro
metidos, ou com nível de consciência muito deprimido. A sensibilidade e a especificidade dos famosos sinais
de Kernig e de Brudzinski são desconhecidas, porém,
acredita-se que sejam baixas. O sinal de Brudzinski é
pesquisado com a flexão rápida da cabeça sobre o tórax
do paciente, que deve estar em decúbito dorsal horizontal. Quando essa manobra desencadeia a flexão da coxa sobre
o quadril e dos joelhos, diz-se que o sinal de Brudzinski está presente. Já para a pesquisa do sinal de Kernig, o paciente também deve estar em decúbito dorsal horizon
tal, enquanto o examinador lhe flete a coxa sobre o qua
dril, formando um ângulo reto e o joelho, para formar outro ângulo reto. Em seguida, faz-se a extensão passiva da perna. Quando há flexão do joelho contralateral, diz-se que o sinal de Kernig está presente. Nosso paciente não
os apresenta, mas tem rigidez de nuca, o que já é sufi
ciente para nos certificar do acometimento meníngeo embora não seja sinônimo de meningite infecciosa, pois
outras substâncias podem causar irritação meníngea, como agentes exógenos e hemorragia. Pedidos hemograma, funções renal e hepática, eletrólitos e coagulograma - todos normais. Uma to mografia computadorizada de crânio é providenciada. Exames iniciais normais não afastam por completo uma causa potencialmente grave para os sintomas, mas tomam algumas menos prováveis. Um leucograma normal
diminui a possibilidade de infecção aguda grave, bem como a ausência de alterações renais e/ou hepáticas fala
contra processos mais disseminados. Não sabemos se a desidrogenase lática (DHL) foi dosada, o que seria inte
ressante termos em mãos, porque, embora inespecífica,
uma DHL muito elevada fala a favor de doenças linfo
proliferativas e/ou doenças fúngicas. Plaquetas e coagu lograma normais também afastam a possibilidade de um quadro agudo grave. A ausência de anemia, que é comum
em quadros crônicos, de modo algum afasta a possibili dade de uma doença crônica potencialmente grave. Temos agora um homem jovem, previamente hígido, com febre, cefaleia e linfonodopatia generalizada há alguns
dias. Nada sabemos sobre o status imunológico do pa ciente. Sorologia para HIV e liquor são fundamentais neste momento - será que estamos diante de uma menin gite ou meningoencefalite? É pouco provável que a to mografia computadorizada de crânio seja diagnóstica neste caso, mas deve ser pedida porque suspeitamos de que nosso paciente tenha algum grau de imunossupressão - imagem do cérebro, por tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética, deve sempre ser obti da antes da punção lombar de pacientes que tiveram traumatismo cranioencefálico recente, sejam imunodefi cientes, possuam neoplasias malignas conhecidas, papi ledema, sinais focais ou rebaixamento do nível de cons ciência.
Após tomografia computadorizada de crânio nor mal, a hipótese diagnóstica é meningite crônica, consequente a uma tuberculose meníngea. Colhido lí quido cefalorraquidiano, o resultado é: aspecto límpido, pressão inicial de 22cm de H2O,58 células, sendo 82% de linfócitos e 18% de monócitos, sete hemácias, pro teína 50mg/dL e glicose 47mg/dL. É tentador fazer um diagnóstico etiológico precoce, mas
esta é uma armadilha perigosíssima, principalmente em neurologia. O fechamento precoce pode deixar nosso racio cínio enviesado, fazendo-nos buscar evidências para susten tar nossa hipótese inicial e minimizar pistas relevantes para diagnósticos alternativos. A hipótese de meningite tubercu losa é pertinente, embora não seja a única. As infecções do sistema nervoso central podem cons tituir síndromes clínicas distintas: meningites bacterianas agudas, meningites virais, encefalites, lesões focais como abscessos cerebrais e empiemas subdurais, e trombofle bites infecciosas (que são, em geral, secundárias a me ningites bacterianas agudas). Meningite crônica é diag
nosticada quando há sintomas característicos por mais de quatro semanas associados à resposta inflamatória persis tente no liquor, ou seja, celularidade maior que cinco células/dL. Portanto, a rigor, estamos diante de um quadro inflamatório subagudo de sistema nervoso central, que pode ser de natureza infecciosa ou não. Ver no Quadro 46.2 outros diagnósticos diferenciais. A ausência de sinais focais ao exame físico e a tomo grafia computadorizada de crânio normal afastam os diagnósticos de abscesso cerebral, empiema subdural ou epidural e meningoencefalites - estas podem apresentar, além de qualquer sinal focal, alterações do nível de cons ciência (de letargia ao coma) e crises convulsivas.
Cefaleia e Febre - 273
QUADRO 46.2 - Diagnóstico diferencial entre meningites
tico de regiões desérticas do sudoeste dos Estados Unidos,
nordeste do México e da Argentina e não temos relatos de que ele tenha estado em qualquer um destes lugares. T. pallidum, agente etiológico da sífilis, embora sempre
entre no diagnóstico diferencial, é uma causa rara de doença do sistema nervoso central após o advento da
penicilina. H. capsulatum, embora endêmico em algumas regiões da América Central e da América do Sul, não é
uma causa tão comum de meningite subaguda/crônica quanto M. tuberculosis e C. neoformans. O diferencial entre essas duas condições será feito basicamente pela
análise do liquor.
Classicamente, o liquor da meningite tuberculosa se apresenta com: pressão de abertura elevada; pleiocitose
linfocítica (10 a 500 células); hiperproteinorraquia (até 500mg/dL); e glicorraquia baixa (entre 20 e 40mg/dL). A
pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente (BAAR) só é positiva em 10 a 40% dos casos de meningite tuberculo
sa em adultos. A cultura do liquor ainda é o padrão-ouro
para o diagnóstico, embora demore de quatro a oito se As meningites bacterianas agudas em geral se apre
manas para identificar o organismo e só é positiva em
sentam com quadro florido de febre alta e cefaleia inten
cerca de 50% das vezes. A pesquisa do DNA de M. tu
sa, que pode ou não se acompanhar de achados ao exame
berculosis por reação em cadeia da polimerase (PCR) tem
físico de abordagem - como petéquias, púrpuras palpáveis
boa sensibilidade (70 a 80%), porém, tem alta taxa de
e até necrose de extremidades, em casos de vasculites
falso-positivos.
secundárias. Costumam também causar alterações labo
As características do liquor de meningites fúngicas
ratoriais típicas de síndrome da resposta inflamatória
são bem semelhantes às da meningite tuberculosa, com
sistêmica. O liquor tipicamente é bem diferente, com
pleiocitose linfocítica, podendo ser à custa de células
celularidade alta, em geral maior do que 100, com pre
mononucleares, hiperproteinorraquia e hipoglicorraquia.
domínio de neutrófilos, com proteína elevada e glicose
Há coloração pelo nanquim, embora a sensibilidade de
baixa - às vezes, glicose zero! Portanto, meningite bac
tal teste não seja boa.
teriana aguda é pouco provável aqui. Já as meningites virais cursam com quadro mais leve de cefaleia, febre baixa, irritação meníngea e por vezes náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia. No entanto, nosso paciente mostra duas características clínicas que
nos fazem refutar a hipótese de meningite viral não com plicada - dor progressiva e emagrecimento. Seu liquor poderia até nos deixar em dúvida, porque as meningites virais causam pleiocitose com predomínio de linfomono
nucleares, proteinorraquia discretamente elevada e glico se normal. Porém, a celularidade é tipicamente mais alta do que a apresentada pelo paciente, girando em torno de
Optou-se por realizar sorologia para HIV (ELISA) após serem explicadas as possibilidades diagnósticas ao paciente. O resultado foi positivo. Nesse momento, o
técnico do laboratório informa ao médico do paciente que
a microbiologia com pesquisa de BAAR foi negativa e a tinta da China, positiva (Fig. 46.1). Nosso paciente apresenta liquor com pleiocitose com
predomínio de células linfomononucleares, hiperprotei norraquia discreta, hipoglicorraquia discreta (infelizmen
25 a 500 células. A tinta da China é negativa. Sindromicamente, paciente tem meningite subaguda, que em termos de diagnóstico diferencial se comporta como meningite crônica. Sendo assim, os possíveis agen
te não dispomos da glicose sérica para comparação) e
tes etiológicos são Mycobacterium tuberculosis, Criptococcus neoformans, Histoplasma capsulatum, Coccidio idis immitis e Treponema pallidum. Dentre estes, C.
pesquisa de imunodeficiência é essencial em tais casos,
coloração positiva com tinta da China, ou seja, diante
deste quadro clínico e deste liquor, a primeira hipótese
diagnóstica é meningite fúngica por C. neoformans. Uma embora exista meningite fúngica em pacientes imunocom
petentes, especialmente por C. neoformans variante gatti.
CAPÍTULO 46
• Infecciosas - Meningite bacteriana aguda - Meningite viral (enterovírus, arbovírus, vírus do herpes simples tipo 2 [HSV-2], varicela-zóster, vírus Epstein-Barr, HIV, etc.) - Meningoencefalites virais (destaque para encefalite herpética HSV) - Rickettsioses - Infecções supurativas focais - empiemas epidural e subdural; abscessos cerebrais - Meningite tuberculosa - Neurocriptococose - Meningite por Histoplasma capsulatum - Meningite por Coccidioidis immitis - Neurossífilis • Não infecciosas - Hemorragia subaracnóidea - Meningite química (por ruptura de tumores no espaço subaracnóideo) - Meningite por hipersensibilidade induzida por drogas - Meningite linfomatosa ou carcinomatosa - Meningites associadas a doenças inflamatórias (sarcoidose, lúpus, Behçet, etc.) - Apoplexia pituitária - Síndromes úveo-meningíticas (síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada)
immitis é o menos provável, pois este fungo é caracterís
274
- Doenças do Sistema Nervoso
Os blastoconídeos são inalados e podem produzir
CAPÍTULO 46
comprometimento primário do trato respiratório inferior. A partir do pulmão, as espécies se disseminam por via hematogênica e por tropismo se alojam no sistema ner
voso central. A fisiopatogênese desse tropismo não está totalmente esclarecida.
C. neoformans variante neoformans e variante grubii
ao ser corada por tinta da China.
C. gattii predomina em regiões tropicais e subtropicais, em indivíduos sem evidência de imunossupressão. C.
gattii é isolado em espécies de eucaliptos, madeiras em encaminhado para tratamento em centro de referência. O
decomposição e ocos de árvores na Austrália, nos Estados Unidos, México, Brasil, na Espanha e África Central.
teste foi oferecido à sua esposa, que também se mostrou
As manifestações neurológicas relacionadas à infecção
O paciente teve sorologia positiva para HIV e foi
soropositiva.
pelo HIV são frequentes, variadas e podem ocorrer em qualquer estágio da infecção. Os quadros são os mais di versificados: mononeuropatia múltipla, déficits focais
DIAGNÓSTICO
geralmente progressivos, mielopatias, polineuropatias, miopatias, demência, meningoencefalites, entre outras.
Neurocriptococose como primeira manifestação em pa
Médicos mais antigos, da “era pré-HIV”, costumavam
ciente HIV-positivo.
dizer que, em neurologia, dever-se-ia pensar “sifiliticamente”, em razão da prevalência e da variedade dos quadros de neurolues. Atualmente, se tal pérola for adaptada para
DISCUSSÃO
o HIV, muitos erros e atrasos diagnósticos talvez possam
Este caso nos ensina como a abordagem sistemática de
Dada essa plêiade de possíveis manifestações do HIV e de doenças oportunistas, uma abordagem sistematizada
uma queixa comum como a cefaleia, com diagnóstico
ser evitados.
gressiva, perda ponderal e fatores de risco para HIV nos
facilita o raciocínio clínico. Dividiremos as infecções do sistema nervoso central nos pacientes HIV-positivos em três síndromes que nos direcionarão para o diagnóstico
chamou a atenção para uma possível cefaleia secundária,
etiológico (Tabela 46.1).
diferencial tão amplo, pode evitar erros e atrasos poten
cialmente fatais. Sinais de alarme como febre, dor pro
guiando-nos para uma investigação adequada.
A apresentação clínica da criptococose em pacientes
O quadro de cefaleia e febre arrastadas, sugerindo
com AIDS geralmente é diferente dos não infectados pelo
meningite subaguda/crônica, abre um extenso diagnóstico
HIV. A imunossupressão na AIDS resulta numa prolife
diferencial, mas os demais comemorativos clínicos e a
ração acelerada do micro-organismo e diminuição da resposta inflamatória3.
epidemiologia nos ajudam a restringi-lo a poucas hipóte ses diagnósticas.
Pacientes não infectados pelo HIV têm sintomas por
O termo meningoencefalite é mais apropriado que
um longo período antes do diagnóstico. Cerca de 70 a
meningite, uma vez que o exame anatomopatológico mostra, na maioria das vezes, envolvimento do parênqui
90% têm sinais e sintomas de meningite subaguda ou
meningoencefalite. Cefaleia, febre, letargia, coma, mu
ma cerebral. A doença é causada por duas espécies fún
dança de comportamento e perda de memória se instalam
gicas: Cryptococcus gatti (sorotipos B e C) e Cryptococ
em dias a quatro semanas. Entretanto, existe uma grande
cus neoformans, que possui duas variantes: C. neoformans
variabilidade na apresentação dos sintomas. A cefaleia
variante grubii (sorotipo A), C. neoformans variante neo
pode ser branda ou extremamente incapacitante4.
formans (sorotipos D) e a forma híbrida (sorotipo AD) .
O diagnóstico é difícil, pois os sintomas são comuns a
O reconhecimento de duas espécies se deu após diversos
estudos mostrarem diferenças ecológicas, epidemiológicas, patológicas, bioquímicas e genéticas entre os isolados de
muitas doenças. Deve ser presumido em pacientes com quadros de imunossupressão ou riscos para desenvolvê-la e que se apresentem com cefaleia e febre4. O exame do
Cryptococcus neoformans1.
liquor é fundamental para o diagnóstico etiológico.
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Figura 46.1 - Lâmina do liquor revelando criptococos,
são cosmopolitas e relacionam-se a habitats de pombos em ambientes urbanos, onde sua disseminação é ampla e a exposição humana é um evento cotidiano2.
Cefaleia e Febre - 275
Síndrome
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Meníngea
Sem sinais focais
Etiologias mais comuns
Considerações importantes
Cryptococcus neoformans Mycobacterium tuberculosis Treponema pallidum
Contagem de células TCD4+ Terapias profiláticas PPD, VDRL, radiografia de tórax e pesquisa de antígeno de criptococo no liquor
infecção pelo HIV, lesões visualizadas em exames de
imagem são raras e outras hipóteses diagnósticas devem ser consideradas, dentre as quais: toxoplasmose, linfoma, tuberculose e sífilis3. O tratamento depende da melhora da função imune, portanto, além de antifúngicos, é importante associar te
rapia antirretroviral. Alguns pacientes apresentam complicações como hi pertensão intracraniana, que deve ser corretamente con
duzida, pois é uma das principais causas de mortalidade e morbidade dessa infecção. As opções de tratamento para
Demência pelo HIV Encefalite por citomegalovírus
Contagem de células TCD4+ Retinite
Toxoplasma gondii Mycobacterium tuberculosis Linfoma primário de SNC (EBV) Leucoencefalopatia multifocal progressiva
Contagem de células TCD4+ Terapias profiláticas Achados de neuroimagem Sorologia para toxoplasma
quóricas diárias, derivação lombar ou ventriculoperitoneal. Corticoides, acetazolamida e manitol não se mostraram efetivos para redução da pressão intracraniana6.
EBV = vírus Epstein-Barr; HIV = vírus da imunodeficiência humana; PPD = derivado de proteína purificada; SNC = sistema nervoso central; VDRL = Venereal Disease Research Laboratory. Adaptado de Continnum11.
1. COX, G. M., Perfect, J. R. Microbiology and epidemiology of cryptococcal infection. Up to date, November 2007. 2. SIDRIN, J. J. C.; ROCHA, M. F. G. Micologia médica à luz de autores contemporâneos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 3. COX, G. M.; PERFECT, J. R. AIDS-associated cryptococcal meningoencephalitis. Up to date, march 2008. 4. COX,G. M.; PERFECT,J. R. Cryptococcal meningoencephalitis in non-HIV-infected patients. Up to date, march 2008. 5. POWDERLY,W. G.; et al. Measurement ofcryptococcal antigen in serum and cerebrospinal fluid: value in the management of AIDS-associated cryptococcal meningitis. Clin. Infect. Dis., v. 18, n. 5, p. 789-92,1994. 6. SAAG, M. S.; et al. Practice guidelines for the management of cryptococcal disease. Infectious Diseases Society of América. Clin. Infect. Dis., v. 30, n. 4, p. 710-8,2000.
Com sinais focais
À coleta do liquor deve-se observar a pressão intra
craniana, enviar o material para a análise em preparação com tinta nanquim e cultivo para confirmação. A cultura,
na maioria dos pacientes com AIDS, é positiva; já em
imunocompetentes, sua positividade é de 90%4. A hemo cultura é positiva em dois terços dos casos de AIDS e
meningoencefalite3. A pesquisa de antígenos capsulares no liquor por
aglutinação de partículas de látex sensibilizadas é uma
diminuição da hipertensão intracraniana são punções li
REFERÊNCIAS
ferramenta diagnóstica importante; nos infectados pelo HIV o resultado é positivo em mais de 90% dos pacientes.
O exame de látex positivo sugere criptococose, mesmo antes do resultado da cultura3. Entretanto, não há corre lação entre prognóstico e redução dos títulos do antígeno
no soro dos indivíduos infectados pelo HIV durante o tratamento na fase aguda da meningoencefalite ou na fase de supressão5. Exames de imagem como tomografia computadoriza
da e ressonância nuclear magnética são úteis se houver
sinais neurológicos focais ou papiledema. Lesão expan
siva, com efeito de massa, aparece em 10% dos casos de criptococose em imunocompetentes4. Nos pacientes com
LEITURA COMPLEMENTAR DIAMOND, R. D.; et al. The role of classical and altemate complement pathways in host defenses against Cryptococcus neoformans infection. J. Immunol., v. 112, p. 2260,1974. IGEL, H. J.; BOLANDE, R. P. Humoral defense mechanisms in cryptococcosis: substances in normal human serum, saliva, and cere brospinal fluid affecting the growth of Cryptococcus neoformans. J. Infectious Disease, v. 116, p. 75,1966. KWON-CHUNG, K. J.; RHODES, J. C. Encapsulation and melanin formation as indicators of virulence in Cryptococcus neoformans. Infect. Immun., v. 51, p. 218,1986. ROSS, K.; TYLER, K. Meningitis, encephalitis, brain abscess, and empyema. In: Harrinson’s Principies of Internai Medicine. 16. ed., New York: McGraw-Hill Professional, 2005.
CAPÍTULO 46
TABELA 46.1 - Infecções do sistema nervoso central em pacientes HIV-positivos
SEÇÃO
Doenças Reumatológicas
___________________________________
CAPÍTULO
Dores pelo Corpo Ingrid de Oliveira Koehlert • Denison Santos Silva • José Luiz Pedroso
Paciente do sexo feminino, 69 anos de idade, cor branca, natural de Santa Catarina, com queixa de mal -estar generalizado e dor muscular significativa, que algumas vezes se apresenta em todo o corpo, mas, na maioria das vezes, se localiza em região próxima aos ombros e cervical posterior, há cerca de dois meses. A dor é pior pela manhã, com rigidez matinal de 40min. Refere dores articulares associadas, algumas vezes até com sinais flogísticos, principalmente em articulações das mãos e dos punhos, de forma assimétrica, de cará ter progressivo e não aditivo. Nega trauma nos locais de dor mais intensa, nega processos infecciosos. Apre senta cefaleia ocasional, que não tem correlação temporal com os picos de dor muscular. Antecedente de hipertensão arterial sistêmica, em uso de hidroclorotiazida; nega diabetes, doenças da tireoide e história pessoal de neoplasias conhecidas. Nega etilismo; ex-tabagista há 20 anos (15 anos-maço). Não pratica atividade física regularmente. História fa miliar positiva para câncer de mama (mãe) e pulmão (pai). Descendente de terceira geração de noruegueses. A paciente em questão apresenta dores musculares difusas,
predominando em cintura escapular (ombros e pescoço),
com rigidez matinal de 40min, não associada à cefaleia e associada à poliartrite assimétrica. Muitas doenças se
manifestam dessa forma e, inicialmente, o tempo de evo
lução dos sintomas e o exame físico poderão direcionar a pesquisa etiológica (Quadro 47.1). Cabe ainda notar as comorbidades que a paciente apresenta, além da história e origem familiar.
Pelo quadro, temos que afastar doenças infecciosas crônicas como endocardite infecciosa, reumatológicas
QUADRO 47.1 - Causas de dores pelo corpo • Musculares: fibromialgia, miopatias inflamatórias, polimialgia reumática, miopatias paraneoplásicas, miopatias parainfecciosas • Articulares: doenças do colágeno como lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, artrites infecciosas, poliartralgia de significado inespecífico • Síndromes dolorosas regionais: bursites, tendinites, epicondilites (medial e lateral), síndromes de compressão nervosa (síndrome do túnel do carpo, síndrome do canal de Guyon), neuromas (Morton), ganglioneuromas, radiculopatias • Ósseas: fraturas patológicas, osteoartrite generalizada, tumores ósseos, doença de Paget • Vasculites: grandes vasos (arterite de Takayasu, arterite de células gigantes), médios vasos (poliarterite nodosa), pequenos vasos (crioglobulinemia, vasculites infecciosas) • Doenças metabólicas: hipo/hipertireoidismo, doenças de depósito (amiloidose, doença de Gaucher, hemocromatose), diabetes • Uso de medicações: estatinas, corticoides, antimicrobianos
como fibromialgia, polimialgia reumática, polimiosite e artrite reumatoide, entre outras, como hipotireoidismo e neoplasias. A endocardite infecciosa tem como principal manifes tação clínica a febre, além de anorexia, perda de peso, mialgias, artralgias e, ao exame físico, o mais caracterís tico é o sopro cardíaco novo. O hipotireoidismo é mais frequente em mulheres adultas e é caracterizado por aco metimento dos vários sistemas, com ganho ponderal, ar tralgias, câimbras, entre outros. Neoplasias também podem cursar com sintomas gerais (perda de peso, mialgia). A fibromialgia é mais comum em mulheres jovens e pessoas de nível socioeconômico desfavorecido e é mar cada por dor generalizada há mais de três meses, tanto proximal quanto distal, fadiga, distúrbios do sono, alte rações na personalidade e no humor e múltiplos sintomas
CAPÍTULO 47
280 - Doenças Reumatológicas
inespecíficos. Polimialgia reumática acomete principal mente mulheres acima dos 50 anos de idade, com dore rigidez no pescoço e nos ombros (cintura escapular) e região de cintura pélvica há. pelo menos, quatro semanas, sendo mais frequente em escandinavos. A polimiosite é mais frequente em mulheres e se manifesta de forma insidiosa (três a seis meses) com fraqueza muscular pro ximal (cinturas pélvica e escapular) e geralmente simé trica. Artrite reumatoide tem incidência maiorem mulheres em idade fértil e em geral se nota poliartrite simétrica, cumulativa, envolvendo predominantemente mãos e punhos, associada à rigidez matinal, quase sempre superiora 1 hora. Ao exame físico apresenta-se em bom estado geral, hipocorada 1+/4+. hidratada, anictérica, afebril, sem alterações de força muscular,sensibilidade e equilíbrio ao exame neurológico. Ausculta cardíaca sem altera ções, com frequência cardíaca de 88bpm e pressão arterial de 140 × 90mmHg. Ausculta respiratória com raros estertores subcrepitantes bibasais, frequência respiratória de 11irpm, saturação parcial de oxigênio de 95%, sem cianose de extremidades. Abdome plano, flácido, indolor à palpação, sem visceromegalias. Ao exame osteoarticular apresenta mialgia difusa com dor que se reproduz à palpação, principalmente em ombros e região cervical posterior (musculatura de trapézio); dorà movimentação dos ombros, especialmente eleva ção e abdução; sinovite em segunda, terceira e quinta articulações metacarpofalângicas da mão direita e do punho direito; coluna cervical com limitação de flexão principalmente devido à dor, sem sinais de compressão radicular.A inspeção cutânea não mostra lesões atípicas em face e membros. Palpação de regiões temporais sem alterações.
Ao exame físico notam-se, como sinais principais, sinovite em mão e punho, assimétrica, mialgia especial
mente em ombros e região cervical posterior(cintura esca pular), sem alteração de força muscular, e sem alteração em artérias temporais. Na endocardite infecciosa, o principal achado seria sopro cardíaco novo ou piora de sopro já existente. No hipotireoidismo não existem achados específicos ao exa me físico. Nas neoplasias, em geral, os pacientes apre sentam perda de peso e estão emagrecidos, com artralgias, mas sem artrite. Na fibromialgia pode haver sensação de aumento de volume articular mas não se confirma sinovite ao exame físico, e a mialgia é generalizada, acima e abaixo da linha da cintura e em ambos os lados do corpo. Na polimialgia reumática a dor costuma ser simétrica, inicialmente nos ombros, e são comuns sinovites em extremidades, além de inflamação em partes moles, como bursas e tendões.
A polimiosite manifesta-se com fraqueza muscular das cinturas pélvica e escapular mas sinovite é incomum. Na artrite reumatoide qualquer articulação sinovial pode ser acometida, mas e mais comum em mãos e punhos, de
forma simétrica. As características do exame físico indicam as doenças
reumatológicas como mais prováveis para o diagnóstico. Os exames laboratoriais mostram: hemoglobina: 10,8 (perfil normocítico/normocrômico); hematócrito: 30%; leucócitos totais: 6.500, sem desvio em sua série diferencial; linfócitos: 1.980; plaquetas: 504.000; cre atina fosfoquinase (CPK): 107 (normal até 250); desidrogenase lática: 98 (normal até 200); velocidade de hemossedimentação (VHS): 110mm/h; proteína C-reativa: 57; ureia, creatinina, aspartato aminotrans ferase, alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina, gama-glutamiltransferase, cálcio iônico, hor mônio estimulante da tireoide, tetraiodotironina livre e gasometria arterial dentro dos limites da normalidade. Fatorantinuclear(FAN), antígenos nucleares extraíveis, fator reumatoide e anticorpo antipeptídio citrulinado negativos. Ultrassonografia de ombros confirma bursite no ombro direito e sinais de tendinopatia dos tendões do subescapular, infraespinhal e bicipital; no ombro es querdo, apenas tendinopatia do supraespinhal, sem sinais de ruptura intrassubstancial, parcial ou completa dos tendões. A radiografia de tórax demonstra apenas retificação do diafragma, aumento dos espaços intercostais, sem nódulos, massas e infiltrados intersticiais. Nos exames, notamos anemia normocítica e normo
crômica. aumento de VHS e proteína C-reativa (provas de atividade inflamatória) e autoanticorpos negativos. Bursi te e tendinopatia aos exames de imagem e radiografia de tórax que demonstra alterações relativas ao tabagismo. Em geral, todas as doenças crônicas podem evoluir com esse tipo de anemia. Endocardite e neoplasias podem provocar anemia e aumento de provas de atividade infla matória (VHS e proteína C-reativa). mas não essas alte rações de imagem. O hipotireoidismo não costuma evoluir com tais alterações hematológicas e de imagem. Dentre as doenças reumatológicas, a fibromialgia não causa alterações nos exames. Polimialgia reumática apre senta elevação característica da VHS, muitas vezes maior que 100mm/h, proteína C-reativa aumentada, anemia normocítica e normocrômica e contagem de plaquetas quase sempre elevada inespecificamente por distúrbio inflamatório, além de inflamação de estruturas periarticu lares (tendinite e bursite). Em polimiosite, o principal marcadorde lesão musculoesquelética é a CPK, ao passo que em artrite reumatoide o principal achado laboratorial
Dores pelo Corpo - 281
considerada como uma arterite de células gigantes (ACG)
de fase aguda (VHS e proteína C-reativa) podem estar
em que falta o completo desenvolvimento de vasculite.
elevados, mas esses achados descritos à ultrassonografia
Na realidade, esse é um dos grandes problemas no diag
não são observados.
nóstico da polimialgia reumática: o quanto não é apenas
o começo de uma ACG. A paciente inicialmente é submetida a tratamento com analgesia à base de anti-inflamatórios não esteroi dais, apresentando melhora apenas discreta da mialgia e nenhuma da rigidez matinal. Então, foi introduzido tratamento com prednisona, 20mg/dia, via oral, obten do-se completa remissão dos sintomas, tanto de dor muscular quanto dos sintomas de rigidez matinal. O restante da investigação descarta infecção de foco obscuro, como endocardite, e também neoplasia de qualquer etiologia. Permaneceu usando essa dose de corticoide duran te duas semanas, quando foi tentada a retirada da medicação, diminuindo-se a dose em 10% a cada cinco dias, com retomo dos sintomas. Decide-se, então, por manter a corticoterapia por um período mais prolonga do, com boa resposta, mantendo-se a paciente sem sintomas.
Polimialgia reumática afeta a mesma população que
a ACG, mas numa frequência duas a três vezes maior.
Mulheres são mais afetadas que os homens e o surgimen to em idade inferior a 50 anos é extremamente incomum. As populações de maior risco são os escandinavos e outros
de países do norte da Europa. Nessas populações, a inci
dência anual é estimada em 20 a 53 por 100 mil habitan tes acima dos 50 anos, podendo a chegar a extremos como
700 por 100 mil habitantes. Em populações de menor risco, como os italianos, essa incidência gira em torno de
10 casos por 100 mil. Em outras populações não originá rias dos países nórdicos, como os chineses, as caracterís ticas clínicas são semelhantes.
Pacientes queixam-se de dores nos músculos de pes coço, ombro, coluna lombar, quadris, coxas e, algumas vezes, no tronco. Nos casos típicos, o início é abrupto e
Após análise de todo o quadro, levando em considera
as mialgias simétricas, afetando inicialmente os ombros.
ção que a paciente é descendente de escandinavos, tem
Na maioria das vezes, os pacientes têm dor à noite e di
mais de 50 anos de idade, dor contínua há mais de um
ficuldade para se vestir. Perda de peso, mal-estar, depres
mês no pescoço e nos ombros, com VHS superior a 40
são e anorexia são comuns. Polimialgia reumática é fre
mm/h, com resposta rápida ao tratamento com corticoide
quentemente de difícil distinção de poliartrites soronegativas.
em doses baixas e que foram excluídas outras doenças,
Particularmente, pacientes do sexo masculino podem
chegamos ao diagnóstico de polimialgia reumática.
apresentar fraqueza proximal e edema difuso de mãos e pés, os quais oferecem resposta significativa a corticoides.
Pacientes com polimialgia reumática devem ser inves
DIAGNÓSTICO FINAL
tigados cuidadosamente em relação à concomitância de
Polimialgia reumática.
a possibilidade de vasculite de grandes vasos, que atinge
ACG. Uma biópsia de artéria temporal negativa não exclui primariamente as artérias subclávia e axilar. Sinais de
insuficiência vascular, como claudicação de extremidades,
DISCUSSÃO
sopros nas artérias e diferença das pressões entre os membros devem alertar para ACG. Um pico de febre alta
Polimialgia reumática é diagnosticada em pacientes com
pode ocorrer na ACG, mas é incomum em polimialgia
dor e rigidez na musculatura do pescoço, cintura escapu
reumática. Pode ser necessária uma ressonância nuclear
lar e cintura pélvica por, pelo menos, quatro semanas. As
magnética para descartar o diagnóstico concomitante das
mialgias são combinadas com sinais inflamatórios sistê
duas entidades.
micos como mal-estar, perda de peso, sudorese e febre
São comuns sinovites em extremidades (punhos, mãos
baixa. A maioria dos pacientes tem alterações laboratoriais
e metacarpofalângicas), na maioria das vezes de leve
como elevação de VHS e proteína C-reativa e anemia de
intensidade, de caráter transitório, apesar de os achados
doença crônica. Não existe um teste patognomônico para
mais característicos serem inflamações de partes moles,
polimialgia reumática, sendo sempre necessária a exclusão
como bursas e tendões. Tenossinovite pode acontecer,
de outros diagnósticos. A síndrome inflamatória sistêmi
provocando um quadro de síndrome do túnel do carpo na
ca associada à polimialgia reumática é extremamente
proporção de 10 a 14% dos pacientes.
sensível à corticoterapia, a ponto dessa pronta resposta
Fraqueza muscular não é um achado comum e, quan
funcionar até como um critério diagnóstico. Pode ser
do acontece, na maioria das vezes é secundária à dor.
CAPÍTULO 47
é o fator reumatoide positivo e, em ambas, os reagentes
282
- Doenças Reumatológicas
CAPÍTULO 47
Miosite com elevação de enzimas musculares também não
faz parte do quadro clínico. Os achados laboratoriais incluem uma característica
elevação da VHS, muitas vezes maior do que 100mm/h,
apesar de os valores inferiores a 40mm/h poderem ser encontrados em 7 a 22% dos pacientes e não descartarem
o diagnóstico. Valores normais são muito mais raros, ocorrendo em apenas 1,2% dos pacientes. A dosagem
desse marcador serve tanto como diagnóstico quanto como seguimento desses pacientes. Outros achados inespecíficos são anemia normocítica/ normocrômica, algumas vezes trombocitose, com autoanti
corpos como FAN e fator reumatoide geralmente negativos.
Nos pacientes com inflamação de estruturas periarti culares, os achados mais proeminentes são bursites suba cromial e subdeltóidea. Tendinite bicipital e sinovite
glenoumeral podem também estar presentes. Ultrassono grafia revela acúmulo de líquido na bursa; e a ressonância nuclear magnética na sequência T2 mostra espessamento
e edema. Um estudo demonstrou que 96 pacientes e 114 controles foram submetidos a ultrassonografias de ombros
e foram encontrados 96% de bursite nos pacientes e ape
nas 4% nos controles. Essas áreas comprometidas mostram aumento da captação na tomografia por emissão de pósi
trons (PET-scan). A maioria dos portadores de polimialgia
reumática não necessitará de exames de imagem para
QUADRO 47.3 — Diagnóstico diferencial de polimialgia reumática • Artrite reumatoide: na polimialgia reumática, o número de articulações acometidas é menor que na artrite reumatoide, com resposta mais eficaz aos corticoides • Hipotireoidismo: hiporreflexia, baixos níveis de tetraiodotironina (T4) livre e elevados níveis de hormônio estimulante da tireoide (TSH) não são encontrados em polimialgia reumática • Endocardite infecciosa: febre que não diminui com corticoide, além das manifestações típicas de endocardite como sopro cardíaco novo, hemoculturas positivas e ecocardiograma com vegetação em válvulas devem chamar atenção para não se tratar de polimialgia reumática • Fibromialgia: a maioria dos pacientes com fibromialgia tem dor difusa, início dos sintomas antes dos 50 anos de idade e tem velocidade de hemossedimentação (VHS) normal • Neoplasias: polimialgia reumática sozinha não tem correlação com malignidade, mas miosites paraneoplásicas podem simular os sintomas de polimialgia reumática, sendo que a retirada do tumor melhora os sintomas, e não o uso de corticoides • Poliomiosite: esses pacientes se apresentam com fraqueza muscular, enzimas musculares elevadas, eletroneuromiografia alterada e biópsia muscular compatível com miopatia, ao passo que em polimialgia reumática o que predomina são rigidez e dor nas cinturas escapular e pélvica • Bursites e tendinites: polimialgia reumática normalmente acontece de forma bilateral, com tendinopatia menos relevante do que nas formas primárias de bursites, como síndrome de impacto nos ombros. Nessa última, normalmente não existem elevação de VHS e sintomas constitucionais • Síndrome RS3PE (remitting seronegative symmetrical synovitis with pitting edema): confundem-se os diagnósticos, já que as duas entidades têm seus sintomas iniciados após os 50 anos de idade; em RS3PE, o quadro de poliartrite é mais proeminente do que o quadro muscular e surge de forma súbita
comprovar seu diagnóstico, mas estes exames servirão para os diagnósticos diferenciais. Não existem critérios diagnósticos validados interna
cionalmente, mas algumas recomendações para o diag nóstico podem ser dadas (Quadro 47.2).
com corticoide deve reforçar a necessidade de revisar o diagnóstico de polimialgia reumática. A polimialgia reumática é drasticamente responsiva à
Os sintomas clínicos de polimialgia reumática podem
corticoterapia. Nunca foram feitos trabalhos clínicos
ser confundidos com um número grande de artropatias,
controlados comparando prednisona ou prednisolona com
afecções do ombro, miopatias inflamatórias e hipotireoi
placebo, mas o uso durante décadas e a observação clíni
dismo, além de doença de Parkinson. Portanto, no início
ca tomaram o tratamento consagrado. Normalmente, uma
dos sintomas, deve-se ter em mente uma série de diag
dose entre 7,5 e 20mg/dia de prednisona já é suficiente
nósticos diferenciais (Quadro 47.3).
para controlar os sintomas. Alguns pacientes necessitarão
Não existem orientações claras do quanto um portador
de polimialgia reumática deve ser investigado para neo
plasias. A falta de resposta após o início do tratamento
dividir a dose do corticoide quando seus sintomas forem
piores à noite. Dois terços respondem bem ao tratamento, com dimi
nuição da dor e rigidez quando se inicia com 20mg/dia ou menos de prednisona, uma dose bem menor do que a QUADRO 47.2 - Recomendações para diagnóstico de polimialgia reumática
necessária para a remissão dos sintomas de ACG. Alguns
• Idade ≥ 50 anos no início dos sintomas • Dor e rigidez matinal bilateral (pelo menos 30min), envolvendo pelo menos duas de três das seguintes áreas: pescoço ou dorso, ombros ou região proximal dos braços, cintura pélvica ou região proximal das coxas • Velocidade de hemossedimentação ≥ 40mm/h Observação: alguns autores incluem a ausência de resposta ao tratamento com glicocorticoides como um critério diagnóstico
ou mais. Esses últimos têm um grande risco de sobrepo
pacientes necessitarão de doses maiores, como 40mg/dia sição com ACG. Pacientes inicialmente controlados com
20mg de prednisona podem diminuir a dose em 2,5mg a
cada 10 a 14 dias. O ajuste deve ser baseado principal
mente na evolução clínica e não exclusivamente nas alte rações laboratoriais. Em muitos casos, portadores de
Dores pelo Corpo - 283
polimialgia reumática podem ficar longos períodos em
O índice de recorrência dos sintomas pode sertão alto quanto 5 a 20% se o desmame do corticoide formais rá
pido do que o necessário. Nessas recaídas, deve-se aumen tar ou reiniciara dose dos corticoides, com boa resposta. Ocasionalmente, uma bem-sucedida supressão da
mialgia e da rigidez requer longo período de baixas doses de prednisona. Pacientes devem ser alertados sobre o
potencial risco de progressão da polimialgia reumática para ACG e devem ser monitorizados quanto a complica
ções vasculares, particularmente quando a corticoterapia for interrompida. Também se deve estar atento à prevenção dos efeitos
colaterais do uso crônico de corticoides, principalmente
osteoporose, hipertensão arterial e diabetes.
O prognóstico dos pacientes com polimialgia reumá tica é bom. Na maioria deles, a condição é autolimitada.
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CAPÍTULO 47
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___________________________________
CAPÍTULO
48
Poliartralgias Frederico Augusto Gurgel Pinheiro • Sandro Félix Perazzio
Homem de 28 anos de idade refere que há cerca de três semanas procurou assistência médica porapresen tar quadro de dor migratória na segunda e na quarta articulação metacarpofalângica direita, na terceira es querda, no punho esquerdo e no joelho direito. Havia piora da dorem repouso e alívio ao realizar atividades. Relata ter sido orientado a fazer uso de paracetamol e gelo no local.
- Bacterianas: geralmente, apresentam acometimen to monoarticular, porém, em cerca de 10 a 20%
dos adultos, podem comprometer duas ou mais articulações. Nas artrites sépticas gonocócicas, que costumam acometer indivíduos jovens com
vida sexual ativa, apresentam um padrão de po
liartralgia, tenossinovite e lesões cutâneas vesi copustulares. A cultura deve ser realizada em
Em termos de classificação semiológica, esse paciente se apresenta com um padrão de dor poliarticular (acometi
meio específico (Thayer-Martin). Se houver qua
mento de cinco ou mais articulações) e com características
avaliação pelo método de Gram, em que podem
inflamatórias (piora com repouso e alívio com o uso arti
ser observados os diplococos Gram-negativos.
cular, associado à rigidez matinal maior que 30 a 60min).
Respondem bem à terapia antimicrobiana e são
Além disso, o padrão de distribuição é assimétrico, já que
bem menos destrutivas quando comparadas com
não há correlação entre o acometimento articular quando
se comparam os dois dimídios. Outro fator importante é
as não gonocócicas. - Fungos e micobactérias: em geral, causam mo
a avaliação da duração do acometimento articular, nos
noartrite crônica, principalmente em indivíduos
quais processos agudos são aqueles com duração de até
imunossuprimidos, e é raro causarem oligo ou
seis semanas e os crônicos, aqueles que passam desse
poliartrite.
dro de uretrite, deve ser colhido material para
- Endocardite bacteriana: deve sempre serlembra
período.
Inúmeras são as causas de poliartralgias (Quadro 48.1).
da no contexto de febre e artrite. Pode também
No contexto de uma poliartralgia assimétrica, devemos
estar associada a quadro de dor lombar (espondi
levantaras seguintes hipóteses:
lodiscite). As culturas do líquido sinovial geral mente são estéreis e o fator reumatoide pode estar
• Infecciosas - Virais: fazem parte desse grupo as artrites asso ciadas às hepatites B e C, rubéola, parvovírus
positivo. Hemoculturas têm grande valor.Torna-se
B19, caxumba e HIV. Todas essas infecções podem mimetizarum quadro reumatoide-símile, devido
• Artrite microcristalina: em geral são monoarticula
à possibilidade de acometimento poliarticular simétrico em grandes e pequenas articulações e
cular agudo, comumente associado à febre. A dor
até mesmo elevações temporárias de autoanticor pos, especialmente o fator reumatoide.
sidade em poucas horas. A artrite gotosa tem prefe
imperativa essa hipótese diagnóstica em pacientes com febre, artrite e sopro cardíaco.
res, mas podem apresentar acometimento oligoarti inicia-se de forma intensa, atingindo máxima inten
rência pelos pés, especialmente a primeira metacarpo-
Poliartralgias - 285
falângica (podagra); pode haver tofos, principalmente
pirofosfato de cálcio (também conhecida porpseu
dogota ou condrocalcinose) acomete pessoas mais idosas, de preferência em punhos e joelhos. As ra
diografias podem ajudarem ambas. Podem-se visu
alizar erosões e/ou os depósitos de pirofosfato de
cálcio no interior das cartilagens. • Doenças reumatológicas
- Espondiloartrites: fazem parte desse grupo espon dilite anquilosante, artrite reativa, artrite psoriási
ca, artrite enteropática e espondiloartrite indife
renciada. Geralmente, acometem esqueleto axial (coluna e sacroilíacas), com características infla matórias, entesopatia (acometimento das ênteses, que são os locais de inserção dos tendões nos
ossos), dactilite, uveíte anterior, associação com antígeno leucocitário humano (HLA) B27 e auto anticorpos negativos (fator antinuclear [FAN] e
fator reumatoide). Quando atingem articulações periféricas, costumam levara oligoartrites com
predomínio em membros inferiores. Artrites rea
tivas em geral ocorrem após quadros intestinais
ou genitourinários ou, mais raramente, infecções de vias aéreas superiores. Podem apresentar dac
tilite, conjuntivite, ceratoderma blenorrágico. Há uma forma rara de artrite reativa à tuberculose chamada de doença de Poncet, que pode se apre
sentarcom um padrão normalmente de poliartral
gias difusas, ou até mesmo poliartrite. Esta é outra hipótese, levando-se em consideração a
endemicidade dessa infecção. - Reumatismo palindrômico: crises recorrentes de sinovites em uma a cinco articulações, com alívio
dos sintomas por intervalos variáveis. Geralmen te, tendem a manterum mesmo padrão individual.
• Infecção - Virais (parvovírus B19, hepatites B e C, HIV, vírus Epstein-Barr, rubéola) - Artrite gonocócica - Meningococcemia - Doença de Lyme (fase tardia) - Artrite fúngica e micobacteriana - Endocardite bacteriana - Doença de Whipple • Pós-infecciosa ou artrite reativa - Febre reumática - Artrite reativa (entérica, urogenital, etc.) • Reumatismo palindrômico • Espondiloartrite (geralmente com comprometimento axial) - Artrite psoriástica - Espondilite anquilosante - Enteroartropatia - SAPHO (sinovite, acne, pustulose, hiperostose, osteíte) - Espondiloartrite indiferenciada • Doença reumática sistêmica - Lúpus eritematoso sistêmico - Artrite reumatoide - Artrite idiopática juvenil - Síndrome de Sjögren - Esclerose sistêmica - Poli/dermatomiosite - Doença mista do tecido conjuntivo - Doença de Still - Polimialgia reumática - Vasculites sistêmicas primárias - Policondrite recidivante • Osteoartrite • Doenças induzidas por cristais - Doença por depósito de pirofosfato de cálcio (pseudogota) - Doença por depósito de hidroxiapatita • Distúrbios metabólicos - Hemocromatose - Doença de Wilson - Doença de Gaucher • Endocrinopatias - Artropatia mixedematosa • Doenças hematológicas - Amiloidose - Hemoglobinopatias - Leucemias agudas • Outras doenças sistêmicas - Doença celíaca - Sarcoidose - Retículo-histiocitose multicêntrica - Febre familiar do Mediterrâneo - Neoplasias
Os ataques são súbitos e intensos. Em alguns pa
cientes, esse acometimento faz parte de um quadro precoce de artrite reumatoide ou lúpus eritemato
so sistêmico, principalmente naqueles com fator
reumatoide ou FAN positivos.
Refere ainda lombalgia com início há três meses, piorada ao deitar-se e, por vezes, despertando-o à noite, associada à rigidez matinal com duração de 60min e fadiga. Há duas semanas, notou dor em calcâneo ao deambular. Nega história de febre, diarreia, uretrite, uveíte, conjuntivite ou lesões cutâneas. Seu avô paterno apresentava quadro de diarreias sanguinolentas de re petição, mas sem diagnóstico preciso, tendo falecido de infarto agudo do miocárdio. Ao exame físico geral,
não havia qualquer anormalidade. Exame articular: joelho direito: edema articular, limitação à movimen tação ativa e passiva globalmente, dorà palpação da articulação, sinovite e calor local; tornozelo esquerdo: edema articular, limitação à movimentação ativa e passiva globalmente, dorà palpação da articulação; mãos/punhos: prova de squeeze positiva (compressão de metacarpofalângicas) e sinovite de punho esquerdo, segunda e quarta articulações direitas e terceira articu lação esquerda. Coluna cervical: boa amplitude de movimento. Distância trágus-parede (equivalente a occipício-parede): 13cm (normal). Coluna torácica e lombossacral: ausência de dorà palpação dos processos
CAPÍTULO 48
nos casos de longa data. A artrite por depósito de
QUADRO 48.1 - Causas de poliartralgias/poliartrites
Doenças Reumatológicas
espinhosos e musculatura paravertebral, limitação de movimento à flexão e extensão. Teste de Schober:3cm (normal: maiorou igual a 5cm). Patrick: doloroso em avaliação de sacroilíacas bilateralmente. A lombalgia é um dos sintomas mais frequentes na
pratica médica, sendo descrita como segunda causa de consultas médicas nos Estados Unidos. Cerca de 84% dos
adultos apresentarão em algum momento das suas vidas
um quadro sintomático em região lombar. O diagnóstico diferencial é amplo (Quadro 48.2), mas, na maioria das
QUADRO 48.3 - Red flags em lombalgia • • • • • • • • • • •
Trauma recente ou leve em idade superior a 50 anos Perda de peso inexplicada Febre inexplicada Imunossupressão História prévia de neoplasias Uso de drogas endovenosas História de osteoporose Uso prolongado de corticosteroides Idade maior que 70 anos Déficit neurológico focal progressivo ou sintomas incapacitantes Duração maior que seis semanas
vezes, é ocasionada por causas mecânicas ou não especí
ficas. Pode ser classificada em agudas, com duração de até quatro semanas, subagudas, entre quatro e seis sema
tes com quadro de estenose do canal, observa-se, além de
nas, e crônicas, quando perduram por mais de seis sema
ricos normais, chamada de neurogênica. Está associada a
nas. O mais importante em pacientes com quadros de lombalgia são uma boa anamnese e exame físico, em
espessamento do ligamento amarelo à artrose de articu
virtude de as imagens apresentarem intensa dissociação
O restante dos casos, apesar de menos frequentes,
de queixas clínicas. Um exemplo bem clássico é são osteófitos nos corpos vertebrais, que nem sempre são
depende de pronto reconhecimento e intervenção. Na
responsáveis pelo quadro álgico. As imagens devem ser
senta também disfunção esfincteriana, paresia de membros
solicitadas e avaliadas conforme a clínica do paciente e geralmente são desnecessárias em lombalgias agudas ou
inferiores e anestesia em sela. Ocorre em função de com
subagudas, excetuando-se os casos com para red flags
equina) por algum processo expansivo central, como
(Quadro 48.3), os quais devem ser solicitadas prontamente.
neoplasia, infecção, hérnia de disco, dentre outros. Ne
Cerca de 85% dos pacientes têm lombalgias inespecí ficas, geralmente ocasionadas por causas mecânicas com
cessita de intervenção cirúrgica imediata, sob risco de
difícil elucidação diagnóstica específica, mas com curso
benigno e autolimitado. Aqueles com dorlombarassocia da à radiculopatia costumam apresentar sintomas sensitivos em dermátomo específico à raiz acometida. Com frequên cia, a irradiação é pelo trajeto do nervo ciático (ciatalgia),
em face posterolateral do membro inferior com presença de sinal de Lasègue. Pode ser provocada por compressão radicular associada a transtornos degenerativos (artrose
nas articulações interfacetárias, o que provoca a obliteração
do forame intervertebral) ou hérnias de disco. Em pacien-
dor lombar, claudicação intermitente, com pulsos perifé
lações interfacetárias e/ou a espondilolisteses.
síndrome da cauda equina, por exemplo, o paciente apre
pressão das raízes terminais da medula espinhal (cauda
lesão neurológica irreversível. Os processos neoplásicos em geral mostram quadro
de síndrome consumptiva, além do quadro álgico e fre
quentemente são secundários a metástases. São locais de investigação de local primário as neoplasias que costumam apresentar metástases ósseas: tireoide, mamas, pulmão,
trato gastrointestinal, rins, sarcomas e próstata. Ainda no
grupo dos processos neoplásicos, encontra-se o mieloma
múltiplo que, além das alterações ósseas, pode exibir
hipercalcemia, insuficiência renal e anemia.
Apenas dois ou mais sintomas flogísticos ao exame físico (dor, calor, ruborou edema) é o que define artrite.
QUADRO 48.2 - Causas de dores lombares • • • • • • • • • • • • • • • •
Contratura muscular Espondilose Síndrome miofascial Hérnia de disco Síndrome facetária Estenose do canal vertebral Espondilodiscite bacteriana piogênica Mal de Pott Espondiloartrites soronegativas Metástases ósseas Mieloma múltiplo Síndrome da cauda equina Fraturas vertebrais Nefrolitíase Aneurisma aórtico Pancreatite aguda
Por essa razão, pode-se resumirno momento que o quadro
do paciente consiste em poliartrite (como visto ao exame
físico) migratória de pequenas e grandes articulações, preferencialmente de membros inferiores, associada a uma
lombalgia de características inflamatórias. Administrado ao paciente apenas analgésico co mum, pois ainda não há esclarecimento da etiologia da enfermidade, e foram solicitados exames para melhor esclarecimento do quadro. Ao retornar não apresenta melhora articular.Houve migração da artrite para outras articulações dos membros inferiores. Hemograma, enzimas hepáticas e função renal normais, assim como sorologias virais negativas. Velocidade de hemossedi-
978-85-4120-074-5
CAPÍTULO 48
286 -
mentação de 60mm e proteína C-reativa ultrassensível de 10,01mg/dL. Exames radiológicos: edema de partes moles em joelhos e punhos e metacarpofalângicas, sem evidência de erosões ou cistos subcondrais; radiografias de coluna dorsal e lombaranteroposteriore perfil, assim como de sacroilíacas em Ferguson e oblíquas normais. O paciente refere no retomo, que há cerca de cinco dias iniciaram-se episódios de hematoquezia e dores abdo minais em cólica. Ao se avaliar com mais cuidado a história do pacien
te, percebe-se que o quadro é compatível com espondilo artrite, na qual se evidencia dor lombar com característi cas inflamatórias, com início há mais de três meses e rigidez matinal (Quadro 48.4). Isso justifica também o
padrão articular periférico encontrado. O que aconteceu neste é o que geralmente ocorre em casos de dor lombar
achados são semelhantes aos da espondilite anquilosante, com vértebras quadradas (squaring), sindesmófitos, colu na em bambu e sacroiliite bilateral. Por conta da indefinição diagnóstica, solicitam-se ressonância nuclear magnética de sacroilíacas e coluna lombossacral, pesquisa do HLA-B27, colonoscopia, anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA) e anti corpo anti-Saccharomyces cerevisiae (ASCA). Após uma semana, o paciente trouxe os resultados: colonos copia - ulcerações lineares e serpiginosas com processo inflamatório salteado em sigmoide, com as pecto final em paralelepípedo, compatível com doença de Crohn; HLA-B27 positivo; ANCA negativo; ASCA positivo. Na ressonância nuclear magnética de sacroi líacas foi evidenciado hipersinal em STIR e T2 e realce em T1 após administração do contraste, compatível com edema ósseo e ausência de alterações em coluna.
quando não se investiga o caráterda dore se assume como tendo características mecânicas, atrasando o diagnóstico.
HLA-B27 tem sido encontrado em 50 a 75% dos
Podem-se utilizaros critérios da Assessment of Spon-
pacientes com espondiloartrite. Entretanto, só deve ser
diloarthritis International Society (ASAS) para se definir o quadro como espondiloartrite. Há vários critérios de
solicitado quando a suspeita é moderada ou grave. Sua ausência de forma alguma exclui o diagnóstico e sua
classificação já descritos, porém esses são os mais recen
presença apenas o sugere. A avaliação combinada de
tes (2009) e com maior acurácia para os casos iniciais,
ANCA e ASCA ajuda na diferenciação entre retocolite
como o deste paciente.
ulcerativa e doença de Crohn. Presença de ASCA e au
A radiografia convencional é o principal exame para
sência de ANCA com padrão atípico levam a pensarem
investigação de espondiloartrites; entretanto, tem baixa
um quadro de doença de Crohn (sensibilidade de 49% e
sensibilidade de detecção de anormalidades nos estágios
especificidade de 97%).
iniciais. Os sinais radiográficos de sacroiliite aparecem
Na avaliação da ressonância nuclear magnética (Fig.
cerca de três a sete anos após início dos sintomas. Os
48.1) percebe-se edema ósseo em articulação sacroilíaca
esquerda, o que é sugestivo de sacroiliite em estágios
iniciais, geralmente não observado à radiografia conven QUADRO 48.4 - Critérios de classificação da Assessment of Spondiloarthritis International Society (ASAS) para espondiloartrite axial (pacientes com lombalgia por três meses ou mais e com mais de 45 anos) Sacroiliite à imagem* + ao menos 1 critério clínico** OU HLA-B27 + ao menos 2 critérios clínicos**
• Critérios radiográficos* - Inflamação ativa/aguda à ressonância nuclear magnética altamente sugestiva de sacroiliite associada à espondiloartrite OU - Sacroiliite bilateral grau 2 - 4 ou unilateral grau 3-4 (0 = normal; 1 = possível sacroiliite; 2 = mínima; 3 = moderada; 4 = anquilose) • Critérios clínicos** - Lombalgia inflamatória - Artrite - Entesite - Uveíte - Dactilite - Psoríase - Doença inflamatória intestinal - Boa resposta a anti-inflamatórios não esteroidais - História familiar de espondiloartrite - Antígeno leucocitário humano (HLA) B27 - Proteína C-reativa aumentada
cional. Os principais achados à ressonância nuclear magnética na fase inflamatória são: líquido intra-articular,
edema medular ósseo subcondral, realce pós-gadolínio articular e periarticular e edema de tecidos moles. Já na fase pós-inflamatória, pode haver reconversão medular
óssea (acúmulo de gordura), substituição da cartilagem articular por pannus, erosão óssea, esclerose subcondral, alargamento ou redução do espaço articular e anquilose.
DIAGNÓSTICO FINAL • Doença de Crohn. • Espondiloartrite enteropática.
DISCUSSÃO Artrite pode acometerem 9 a 53% dos pacientes com doen
ça inflamatória intestinal, com mais frequência aqueles
CAPÍTULO 48
978-85-4120-074-5
Poliartralgias - 287
CAPÍTULO 48
288 - Doenças Reumatológicas
Figura 48.1 - Ressonância nuclear magnética de sa croilíaca em corte coronal, com imagem ponderada em STIR, apresentando hipersinal em região de sacroi líaca esquerda (seta), denotando edema ósseo. Imagem gentilmente cedida por Dr. André Rosenfeld.
que apresentam comprometimento de intestino grosso ou
complicações como abscessos, doença perianal, eritema
O acometimento articular tipo II tem padrão poliarti cular comprometendo principalmente as metacarpofalân gicas, e em menor grau, joelhos, tornozelos, cotovelos, ombros, punhos, interfalângicas proximais e metatarso falângicas. Apresenta padrão migratório em metade dos pacientes. Compromete 3 a 4% dos pacientes com doen ça inflamatória intestinal. Sinovite ativa pode persistir meses, com episódios de exacerbações e remissões du rante anos. O envolvimento articular raramente precede o diagnóstico de doença inflamatória intestinal, como o caso descrito, e geralmente não exibe paralelo com a atividade intestinal. Além do acometimento articular existem outras formas de acometimentos extraintestinais associados à doença inflamatória intestinal, que são eritema nodoso, pioderma gangrenoso, uveíte, irite, episclerite, tromboembolia ar terial e venosa e amiloidose secundária. A chave para uma boa evolução de doenças reumatológicas é um diagnósti co preciso, associado à terapêutica precoce e à educação adequada do paciente. Uma possibilidade terapêutica para este paciente seria o uso de antifatorde necrose tumoral (anti-TNF) (infliximabe ou adalimumabe) associado ou não ao metotrexato, por exemplo.
nodoso, uveíte, pioderma gangrenoso e hemorragia ma ciça. Homens e mulheres são afetados igualmente. Nos
pacientes com doença de Crohn, o quadro articular cos tuma ser mais frequente nos que apresentam doenças em
região dos cólons e pode comprometer o esqueleto axial, incluindo sacroilíacas e articulações periféricas, de forma
isolada ou concomitante. A artrite periférica pode ser
aguda e remitente (tipo I) ou apresentarum padrão crôni co ou com frequentes recidivas (tipo II). A espondiloartrite e a sacroiliite atingem mais homens.
Quadro de espondilite ocorre em 1 a 26% dos pacientes com doença inflamatória intestinal. Sacroiliites assinto
máticas, em 4 a 18% daqueles com doença inflamatória
intestinal. Uma radiografia com alteração de sacroilíacas não define maior risco de espondiloartrite. A artropatia tipo I apresenta padrão agudo, oligoarti
cular (duas a quatro articulações), geralmente associada a
crises intestinais, com início precoce no curso da doença
inflamatória intestinal, autolimitada (90% melhoram em seis meses), não deformante. A articulação mais acometi
da é o joelho. Em torno de 5% dos pacientes com doença
inflamatória intestinal apresentam esse padrão articular Os sintomas articulares podem preceder os intestinais.
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___________________________________
CAPÍTULO
49
Poliartrite Maria Cecília Nieves Teixeira Maiorano • Eliane Reiko Alves
Mulher, branca, 41 anos de idade, apresenta-se ao serviço de saúde com queixa de artralgia em várias articulações, edema e calor local há um ano. Relata também fadiga e perda de 10kg no período de um ano, além de febre não aferida e rigidez matinal. No início, procurou atendimento médico e lhe foi prescrito um anti-inflamatório não esteroidal, ocorrendo melhora do quadro, mas após alguns meses voltou a apresentaros mesmos sintomas. Fez uso de diversos analgésicos e anti-inflamatórios por conta própria, e nos últimos dias fez uso abusivo dessas medicações devido às dores intensas.
Pela descrição dos sintomas, temos um quadro de poliar trite somado a manifestações constitucionais, como febre
cotovelos e punhos, além de calor local. Conta que a ri gidez matinal tem aproximadamente 1h de duração. Há dois meses vem tendo as mesmas manifestações nos tornozelos e interfalângicas proximais e notou uma dis creta deformidade nas articulações das mãos. Quando falamos em artrite, é importante inicialmente lembrar quais doenças cursam com monoartrite e quais se manifestam com poliartrite. Uma monoartrite nos le
varia a pensarem artropatia por cristais, como é o caso da gota, que decorre de depósito de cristais de urato mo nossódico e da pseudogota, devida a cristais de pirofos
fato de cálcio. Outra possibilidade para um quadro de monoartrite seria a artrite infecciosa: bacteriana, fúngica
dores articulares estão presentes sinais inflamatórios como
ou tuberculosa. Mas, no caso, essas possibilidades tornamse remotas visto que a paciente apresenta uma poliartrite. Entre as doenças que cursam com poliartrite (Quadro
calor, rubor e edema. A rigidez matinal é uma alteração que acontece devido ao acúmulo de substâncias produzidas
49.1) podemos destacara artrite reumatoide, o lúpus eritematoso sistêmico, a febre reumática, a artrite psori
por um processo inflamatório. O fato de ser uma mulher
ásica, a artrite hansênica e a policondrite recidivante. Existe também uma forma subaguda de artropatia por
e perda de peso. O termo artralgia refere-se apenas à dor articular. Nesse caso trata-se de artrite, pois além das
de meia-idade toma provável a hipótese de doença autoi mune e as manifestações sistêmicas sugerem doenças de natureza inflamatória, como artrite reumatoide, lúpus
eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica progressiva, dermatopolimiosite e as angiites necrosantes. Em doenças articulares degenerativas e metabólicas, não é habitual o
encontro de manifestações sistêmicas; pois o problema encontra-se restrito à articulação sem manifestações sistê
micas, portanto, essas doenças tornam-se menos prováveis neste contexto.
Quando a paciente é questionada sobre as caracterís ticas dos sintomas, relata que tem episódios intermitentes de artralgia intensa e aumento de volume dos joelhos,
pirofosfato de cálcio que pode cursar com comprometi mento poliarticular, semelhante ao da artrite reumatoide. A síndrome de Reiter (uma forma de artrite reativa) cos
tuma ser acompanhada de manifestações constitucionais, embora classicamente se apresente com quadro de oligo artrite acompanhado de uretrite e conjuntivite. Artrites virais também podem causar poliartrite, ainda que tenham um curso autolimitado. Algumas doenças intestinais podem se manifestar com artrite, como é a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa; mas então ocorre uma poliartrite migratória aguda assimétrica, geralmente de início abrup to, que acomete grandes articulações de membros infe riores. A doença de Whipple cursa caracteristicamente
CAPÍTULO 49
290 -
Doenças Reumatológicas
QUADRO 49.1 - Causas de poliartrite e suas manifestações mais típicas • Artrite reumatoide: poliartrite simétrica crônica não migratória de pequenas articulações periféricas, com rigidez articular superior a 1 h • Lúpus eritematoso sistêmico: padrão assimétrico, distal e migratório, com rigidez articular de duração inferior a 1h • Artrite viral: mais comum em crianças e adultos jovens; geralmente não dura mais que seis semanas • Artrite hansênica: pode se manifestar de várias formas - poliartrite aguda com eritema nodoso hansênico; poliartrite insidiosa (como a artrite reumatoide); tenossinovite granulomatosa; artrite com vasculite cutânea • Pseudogota, forma subaguda: acomete geralmente pessoas com mais de 60 anos de idade, com características semelhantes às da artrite reumatoide • Policondrite recidivante: poliartrite, condrite, disfunção vestibulococlear, inflamação ocular • Febre reumática: maior incidência entre 5 e 15 anos de idade, caracterizada por poliartrite migratória assimétrica de grandes articulações periféricas • Artrite psoriásica: pode se apresentar com poliartrite simétrica de pequenas articulações de mãos, punhos, joelhos e cotovelos muito semelhante à da artrite reumatoide
A episclerite é uma manifestação ocular que pode estar presente tanto em lúpus eritematoso sistêmico quan to em artrite reumatoide, sendo uma condição autolimi
tada. Devemos pensarem causas renais, hepáticas ou cardíacas que expliquem a síndrome edemigênica. Nesse
caso, a urina espumosa pode representara existência de proteinúria que, associada a manifestações articulares,
toma o lúpus eritematoso sistêmico uma hipótese a ser
considerada, visto que o lúpus pode acometer os rins de diversas maneiras. A característica dos sintomas respira
tórios apresentados pela paciente nos faz pensar em acometimento pleural, pois a dor tem caráter pleurítico. O acometimento de serosas como pleura, pericárdio e
peritônio pode ser visto tanto em doenças autoimunes
quanto em infecciosas, como é a tuberculose. O uso abusivo de AINE pode comprometer os rins de diversas formas, podendo provocar insuficiência renal pré-renal,
nefrite intersticial aguda, síndrome nefrótica por lesão mínima e necrose de papila. A síndrome edemigênica com artrite, serosite, diarreia, perda ponderal, linfadeno
presente pode resultarde uma síndrome nefrótica secun
patia e hiperpigmentação cutânea. A doença celíaca
dária ao uso de anti-inflamatórios. A artrite reumatoide
também pode se manifestar com artrite, conquanto se
tem diversas formas de acometimento renal, dentre os
apresente com síndrome disabsortiva, que está ausente no
quais podemos citar nefropatia membranosa, glomerulo
caso em questão. A artrite reativa surge por uma infecção
nefrite mesangial, vasculite e amiloidose. A ausência de
a distância e o quadro articular clássico é uma oligoartri
te assimétrica de membros inferiores. Para este caso,
devemos direcionaras hipóteses diagnósticas para as doen
ças que tipicamente se manifestem com poliartrite, fazen do com que as outras doenças citadas sejam improváveis. A paciente exibe acometimento simétrico das articulações,
mas o envolvimento é tanto de grandes quanto de peque
nas articulações.
A paciente conta que há seis meses procurou um oftalmologista devido a dor ocular e eritema, e na época foi feito o diagnóstico de episclerite; alguns dias depois houve melhora espontânea do quadro ocular. Nos últimos dez dias notou aparecimento de edema palpebral e em membros inferiores e urina espumosa. Relata também dor torácica significativa, do tipo pon tada, que piora à inspiração profunda, acompanhada de dispneia em repouso há aproximadamente 20 dias. Ela paciente trabalha como garçonete, relata relações sexuais com parceiro único e faz uso regular de pre servativos. Nega tabagismo, etilismo ou uso de drogas ilícitas. Nega uso de outras medicações além dos analgésicos e anti-inflamatórios. Nega lesões cutâneomucosas, fotossensibilidade, diarreia, antecedente de amigdalite ou infecção viral. Nega tratamento dentário, assim como qualquer outro procedimento cirúrgico nos últimos anos. Quanto aos antecedentes familiares, a mãe é hipertensa, o pai é portador de gota e uma de suas tias maternas tem síndrome de Sjögren.
lesões cutâneas e em mucosas, como rash malar úlceras
orais e fotossensibilidade, toma o lúpus eritematoso sistêmico menos provável, mas somente esses dados não
são suficientes para descartara doença. A ausência de diarreia praticamente descarta artrite enteropática como
o diagnóstico mais provável, assim como a ausência de lesões cutâneas torna a artrite hansênica uma possibili
dade muito remota. Muitas doenças virais, como hepati tes B e C, parvovírus, rubéola e Epstein-Barr podem cursar com poliartrite, mas geralmente a artrite reativa é
precedida por um quadro clínico sistêmico e, além do mais, essas artrites reativas em geral duram, no máximo,
seis semanas e não deixam sequelas. A síndrome de Sjögren é um dos diagnósticos diferenciais que deve ser
lembrado, pois pode se manifestar com artrite e, no caso em questão, a paciente tem história familiar dessa doença, mas não apresenta sintomas clássicos como xerostomia e ceratoconjuntivite seca. Outras doenças do colágeno
podem se apresentar com artrite, e entre elas podemos
citara doença mista do tecido conjuntivo, a esclerodermia e a dermatopolimiosite, mas nestas, a artrite vem acom
panhada de sinais e sintomas que não estão presentes em
nossa paciente. Gota não é uma hipótese muito provável, apesarda história familiar positiva, já que essa artropatia é mais comum em homens adultos e classicamente se
manifesta com monoartrite.
Poliartrites - 291
O exame físico traz algumas alterações importantes. A palidez cutâneo-mucosa pode refletir anemia que,
nesse caso, considerando as hipóteses diagnósticas mais
prováveis, deve se tratar de anemia por doença crônica. Febre pode nos levara pensarem endocardite bacteriana, embora de sopro à ausculta cardíaca e a ausência de fatores predisponentes, como tratamentos dentários e
lesões cardíacas prévias, tornem essa hipótese menos provável. Derrame pleural amplia as hipóteses diagnós
ticas, podendo ser observado em pleurites, pneumonias,
neoplasias, doenças renais, hepáticas e insuficiência cardíaca. Sinais inflamatórios nas articulações indicam artrite, que pode estar presente em afecções reumáticas e infecciosas, como já foi dito. A deformidade articular é característica da osteoartrite e da artrite reumatoide,
não sendo a osteoartrite uma hipótese a ser considerada,
(VCM): 89; hemoglobina corpuscular média: 28; reti culócitos: 1%; leucograma: 8.720 leucócitos, com diferencial normal; plaquetas: 256.000; ureia: 35; crea tinina: 0,86; aspartato aminotransferase: 21; alanina aminotransferase: 13; bilirrubina total: 0,5; bilirrubina direta: 0,2; bilirrubina indireta: 0,3; albumina 4,1; co agulograma normal; velocidade de hemossedimentação (VHS): 80mm. Fator reumatoide positivo 1:80. Fator antinuclear positivo 1:120. Hemoculturas negativas. Urina 1 mostra proteinúria sem outras alterações signi ficativas. Dosagem de proteínas na urina de 24h de 4,2g. A radiografia de mãos e punhos (Fig. 49.1) evidencia erosões em ossos de punhos.
Pelos exames solicitados foi diagnosticada anemia
normocítica e normocrômica. As anemias com esse padrão morfológico ocorrem por mecanismos distintos: hemor ragia aguda, deficiência de produção de hemácias e he
mólise. No caso, não há história de sangramentos e a
contagem de reticulócitos e bilirrubina indireta normais descartam hemólise. No lúpus eritematoso sistêmico, um
dos critérios diagnósticos é a anemia hemolítica com
reticulocitose; portanto, a anemia dessa paciente não pode
ser considerada um critério diagnóstico de lúpus. Prova velmente ocorra uma deficiência de produção de hemácias,
podendo decorrer de diferentes situações, como aplasia
de medula, insuficiência renal crônica, endocrinopatias e
doenças crônicas. Aplasia medular é improvável, pois o
leucograma e a contagem plaquetária estão dentro dos limites normais e a insuficiência renal está descartada, pois a função renal é normal. Não há, na história ou no
exame clínico, sinais que indiquem endocrinopatia. O leucograma não revelou sinais de infecção, o que torna
pois se trata de uma doença degenerativa que não se associa a sintomas constitucionais e se manifesta tipica
mente com acometimento de interfalângicas distais. A crepitação é um sinal característico de comprometimen to da cartilagem articular e está presente em artropatias
degenerativas como a osteoartrite. A artrite de Jaccoud
também é uma possibilidade. Trata-se de deformidade
resultante de lesão tendinosa, embora não seja erosiva como artrite reumatoide. Pode existir com lúpus eritema
toso sistêmico, síndrome de Sjögren e febre reumática. As lesões acastanhadas nos dígitos das mãos podem ser
manifestações de vasculite cutânea ou que pode acom
panhar tanto lúpus quanto artrite reumatoide, podem resultar de vasculite ou embolização séptica secundárias à endocardite infecciosa.
Solicitados exames gerais que revelam: hemoglo bina: 9,6; hematócrito: 28,4; volume corpuscular médio
Figura 49.1 - Radiografia de mãos e punhos revelan do erosões ósseas, osteopenia e deformidade articular.
CAPÍTULO 49
Ao exame físico, a paciente encontra-se em bom estado geral, consciente, orientada no tempo e no espa ço, taquidispneica, com frequência respiratória de 24ipm; pôde-se notar uma discreta palidez cutâneomucosa. Temperatura de 37,9°, pressão arterial de 134 × 88mmHg e a frequência cardíaca de 96bpm, sem linfadenomegalia. Exame cardíaco normal. A ausculta pulmonarhá abolição do murmúrio vesicularem bases, além de macicez à percussão dessa área. O exame do abdome não mostra ascite nem visceromegalias. Joe lhos, cotovelos, punhos, tornozelos e interfalângicas proximais edemaciados, com aumento de temperatura local e dorà movimentação, porém, sem limitação da amplitude dos movimentos e sem crepitação. Nota-se discreta deformidade nas interfalângicas proximais. Na pele, existem pequenos infartos acastanhados nas pon tas dos dedos. Exame neurológico é normal.
CAPÍTULO 49
292 -
Doenças Reumatológicas
pouco provável uma infecção bacteriana. A VHS aumen
caso, temos dispneia insidiosa e progressiva, que é mais
tada indica atividade inflamatória inespecífica, podendo
bem explicada pelo derrame pleural.
estarpresente em diversas doenças. O fator reumatoide e o fatorantinuclearpositivos reforçam a hipótese de doen
ça reumatológica, entretanto esses marcadores não são
específicos para nenhuma doença (Quadro 49.2). Ausên cia de sopro cardíaco, hemoculturas negativas e hemogra
ma não infeccioso tomam a endocardite bacteriana uma hipótese pouco provável. Diante do exposto, temos duas
hipóteses mais prováveis, que são lúpus eritematoso sis
têmico e artrite reumatoide. A proteinúria de 24h maior que 3,5g confirma à síndrome nefrótica e a presença de
erosões ósseas à radiografia sugere artrite reumatoide.
A paciente permanece algumas semanas sem acom panhamento. Volta ao serviço de saúde com piora do quadro articular além de mantero quadro de edema e urina espumosa. Começa a apresentardore edema mais acentuado em membro inferior direito e piora da disp neia. Radiografia de tórax revela velamento dos ângulos costofrênicos bilateralmente. A persistência e a piora do quadro clínico confirmam
uma doença progressiva. O surgimento de dore de edema
de membro inferior direito direciona a investigação para
trombose venosa profunda. A associação de doença reu
matológica com eventos tromboembólicos é compatível com síndrome do anticorpo fosfolipídio (SAF), que pode
Para descartar trombose venosa profunda, realizase ultrassonografia com Doppler de membro inferior direito, que não aponta sinais de trombose, demons trando acúmulo de líquido no espaço poplíteo (cisto sinovial). Punção do líquido pleural evidencia um exsudato, com proteínas aumentadas; desidrogenase lática aumentada; leucócitos: 2.940, com predomínio linfocitário; fator reumatoide positivo e glicose de 13mg/dL. Dosados anticorpos anticardiolipina e anti coagulante lúpico, além do VDRL (Venereal Disease Research Laboratory), para pesquisa de SAF, os quais foram todos negativos. Devido à manutenção do quadro renal, opta-se pela biópsia renal, sendo a microscopia óptica normal, e a microscopia eletrônica revela fusão dos processos podocitários, sendo compatível com lesão mínima.
A ultrassonografia com Doppler excluiu a possibili dade de trombose venosa em membro inferior tomado a hipótese de SAF improvável. O acúmulo de líquido no
espaço poplíteo pode ser devido a um cisto sinovial, de corrente da produção excessiva de líquido, formando uma bolsa que pode invadir tecidos musculares da panturrilha, dissecando suas fáscias. Esse tipo de acometimento pode ocorrerna evolução da artrite reumatoide (cisto de Baker), que clinicamente pode simular um quadro de trombose
venosa profunda. O derrame pleural tem características
ser secundária ao lúpus eritematoso sistêmico ou a algu
de exsudato, o que afasta origem cardíaca. A glicose
ma outra doença autoimune, podendo também aparecer de forma isolada (primária). A dispneia também poderia
baixa fala a favor de um processo infeccioso ou de artri te reumatoide. Níveis tão baixos normalmente não são
ser explicada nesse contexto, pois a trombose de membro
encontrados em tuberculose, sendo um achado caracterís
inferior poderia ter provocado tromboembolia pulmonar causando dispneia súbita, embora o derrame pleural por
tico da artrite reumatoide. Fator reumatoide positivo no líquido pleural é um achado comum em artrite reumatoi
si só pudesse ocasionar o desconforto respiratório. No
de. A nefropatia por lesão mínima, conforme já discutido,
pode decorrer do uso de AINE, pois à biópsia não há indícios de acometimento secundário a lúpus eritematoso QUADRO 49.2 - Doenças com fator reumatoide positivo • Doenças não infecciosas - Artrite reumatoide - Lúpus eritematoso sistêmico - Hepatopatias crônicas - Sarcoidose - Mieloma múltiplo - Fibrose pulmonar idiopática - Síndrome de Sjögren • Doenças infecciosas - Endocardite bacteriana subaguda - Mononucleose infecciosa - Tuberculose - Hanseníase - Sífilis - Calazar - Esquistossomose - Malária
sistêmico ou artrite reumatoide. Colhido antipeptídeo citrulinado, o qual se mostrou positivo.
DIAGNÓSTICO FINAL Artrite reumatoide.
DISCUSSÃO Artrite reumatoide é uma doença inflamatória de caráter crônico, que acomete principalmente os tecidos sinoviais,
Poliartrites - 293
Tem prevalência de 0,5 a 1% em adultos, variando de
antirreumáticas modificadoras de doença, as quais têm
acordo com a raça, devido a genes predisponentes como o alelo HLA-DR4. Acomete principalmente mulheres.
um efeito imunomoduladore alteram o potencial inca pacitante da artrite reumatoide. Em alguns casos, podem
Pode se manifestarem qualquer idade, mas é mais comum
ser necessários imunossupressores e, caso não haja res
entre os 40 e 70 anos. Trata-se de doença sistêmica, com
posta às drogas antirreumáticas modificadoras de doen ça, os agentes biológicos neutralizadores do fator de
instalação insidiosa, de apresentação clínica diversa, va
riando desde artrite moderada até uma inflamação sistê
mica progressiva e destruição articular caracterizada por
necrose tumoral alfa (TNF-alfa) podem ser utilizados. A paciente em foco apresentou manifestações pulmo nares, sendo o acometimento de pleura uma manifestação
erosão óssea progressiva. Essa destruição articular pode
clássica. O derrame pleural costuma serum exsudato com
ocorrer de maneira rápida e precoce.
nível de glicose muito baixo, o que é justificado pelo
Acomete especialmente pequenas articulações de mãos
comprometimento do transporte dessa substância através
e pés, punhos, ombros, cotovelos, joelhos e articulações
da pleura inflamada. Além disso, tem complemento baixo,
coxofemorais, podendo, mais raramente, atingirarticula
com baixa contagem de leucócitos e fator reumatoide
ções temporomandibulares e cricoaritenoides. Nas mulhe
positivo. No início do quadro clínico, a paciente não
res, costuma envolver mais as pequenas articulações das mãos e dos punhos, e nos homens é mais comum o aco
preenchia os critérios necessários para o diagnóstico de artrite reumatoide, exibindo apenas a artrite como sintoma
metimento de joelhos e quadris. Outra característica
mais característico.
dessa doença é a rigidez matinal, usualmente com duração de mais de 1h.
Critérios para diagnóstico da artrite reumatoide (American College of Rheumatology):
A inflamação da membrana sinovial é o principal
mecanismo fisiopatológico da doença, sendo caracteriza da por hiperplasia, formação de um tecido sinovial inva
sivo (pannus), aumento da vascularização e infiltrado de células inflamatórias. Geralmente, as manifestações arti
1. Rigidez matinal: por pelo menos 1h.
2. Artrite em três ou mais articulações. 3. Artrite de articulações de mãos ou punhos. 4. Artrite simétrica. 5. Nódulos reumatoides subcutâneos.
culares são acompanhadas de sintomas constitucionais
6. Fator reumatoide positivo.
como febre, adinamia, anorexia e perda de peso. Sintomas
7. Alterações radiográficas em mãos ou punhos.
extra-articulares também podem estar presentes, como as
manifestações cutâneas (nódulos, fragilidade, vasculite e
Para o diagnóstico de artrite reumatoide são necessá
pioderma gangrenoso), oftalmológicas (ceratoconjuntivi te seca, episclerite, esclerite, escleromalácia perfurante e
rios quatro dos sete critérios, sendo que os quatro primei ros devem estar presentes por pelo menos, seis semanas.
ceratopatia ulcerativa periférica), pulmonares (derrames
Com a evolução da doença, outros sintomas foram se
pleurais, doença pulmonar intersticial, bronquiolite obli
manifestando, como o acometimento pleural, a rigidez
terante, nódulos reumatoides e vasculite), cardíacas (pe
matinal e o surgimento do cisto de Bakerem membro
ricardite, aterosclerose prematura, vasculite e nódulos nos
anéis valvares), neurológicas (neuropatia por aprisiona mento, mielopatia cervical, mononeurite múltipla por
vasculite e neuropatia periférica), renais (amiloidose,
vasculite), ósseas (osteopenia) e hematológicas (anemia, trombocitose e linfadenopatia). Quando envolve outros
inferior direito. O cisto de Bakeré uma das complicações
do acometimento articular que resulta de cistos sinoviais extensos, que podem dissecar os tecidos moles dentro da panturrilha, causando desde sintomas mínimos como sen
sação de plenitude, até dore edema significativos que
podem simular um quadro de trombose venosa profunda
órgãos, a morbidade e a gravidade da doença são maiores,
como aqui ocorreu (Fig. 49.2). O fator reumatoide mostra sensibilidade de 60 a 80%,
diminuindo a expectativa de vida. Associa-se a aumento
mas tem baixa especificidade, podendo estar presente em
do risco de doença arterial coronariana, infecção e linfo ma. Com a progressão da doença, os pacientes desenvol
outras doenças reumáticas, infecções e em indivíduos ido sos saudáveis. Por outro lado, o anticorpo antipeptídio ci
vem incapacidade para atividades de vida diária e profis
trulinado cíclico é um teste de alta especificidade e maior
sional, acarretando um impacto significativo sobre a
custo, com sensibilidade semelhante à do fator reumatoide,
qualidade de vida.
podendo ser solicitado em situações de dúvida diagnóstica.
CAPÍTULO 49
interação entre fatores genéticos, ambientais e imunológicos.
O tratamento é basicamente uma combinação de anti-inflamatórios esteroidais, não esteroidais e drogas
e sua etiologia permanece incerta. Parece resultar de uma
294 - Doenças Reumatológicas
CAPÍTULO 49
Esse caso mostra que devemos sempre atentar aos principais diagnósticos diferenciais, pois muitas doenças podem ter manifestações semelhantes, que inúmeras vezes nos confundem, podendo levara erros no diagnóstico e consequente prejuízo ao paciente.
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CAPÍTULO
50
Artralgias e Manchas na Pele Sandro Félix Perazzio • Alexandre Wagner Silva de Souza
Paciente homem, branco, 45 anos de idade, apre senta-se ao pronto atendimento com queixa de artralgias migratórias em tornozelos, joelhos, cotovelos e punhos, de características inflamatórias, mas com história de edema articularem joelhos e tornozelos, ocasionalmen te, há cerca de dois meses, com piora matinal e rigidez de cerca de 30min após período prolongado de repouso. Associado a esse quadro, o paciente refere perda de 3kg nesse período, manchas em membros inferiores, eleva das, indolores e progressivas, com início em torno de uma semana, bem como mialgias, adinamia e febrícula ocasional. Era previamente sadio, nunca apresentou queixas semelhantes e não relata quaisquer outros sintomas. É médico e procedente de São Paulo. Nos últimos três meses visitou Rio de Janeiro, Salvadore Maceió, de férias e algumas cidades do interiorde São Paulo, a trabalho. Não tem história de exposição a animais ou contato com tuberculose. É etilista apenas socialmente e tabagista de cerca de 20 maços-ano. Nega uso de outros tipos de drogas e refere ter parceira fixa há 15 anos.
inespecíficos como mialgias, adinamia, febre baixa e até mesmo artralgias, como descrito anteriormen
te. No entanto, essas condições são autolimitadas e não costumam perdurar tanto tempo e nem evoluir
com lesões cutâneas como as descritas. A sífilis, por
exemplo, poderia explicaro quadro geral e as lesões na pele; no entanto, o paciente não tem história de
promiscuidade e as lesões não são as características roséolas sifilíticas, que acometem regiões palmares e plantares. A artrite gonocócica poderia também
justificaro quadro se estivesse na fase poliarticular, a qual, entretanto, não costuma durar tanto tempo.
Além disso, após esta fase, há tendência de a infec ção concentrar-se em uma única articulação. A ru
béola é uma infecção cuja memória imunológica tende a se reduzir com o passardo tempo em homens,
razão pela qual há a necessidade de revacinação. Cerca de 30% dos pacientes acometidos pela rubéo
la desenvolvem um quadro de poliartrite, especial
O paciente descrito apresenta queixas inespecíficas, porém observamos alguns sinais de alerta, especialmente perda de peso e lesões cutâneas. Devido à diversidade de sinto mas, provavelmente estamos diante de uma doença sistê mica. Várias doenças podem cursar com artralgias e lesões cutâneas como manifestações secundárias, especialmente infecções. É interessante resumiro que temos de positivo até agora da história do paciente: quadro arrastado de poliartrite migratória em um paciente possivelmente con sumido e com lesões cutâneas. O diagnóstico diferencial está resumido no Quadro 50.1 e deve incluir:
mente mulheres, inclusive após a vacina, provavel
mente por reação mediada por imunocomplexos, uma forma de artrite reacional. Ademais, esses pa
cientes também costumam rash cutâneo que tende a ser característico, descrito como rubeoliforme,
razão pela qual fica esta como uma hipótese razoá vel. Contudo, esse quadro dura de duas a quatro
semanas no máximo, período parecido com o do quadro articular “reumatoide-like” da infecção por
parvovírus B19. Este último é mais comum em
crianças e costuma provocar também um exantema na face (“fácies esbofeteada”), motivo do outro nome
• Infecções: viroses em geral por adenovírus, influen za, dentre outros podem levara sinais sistêmicos
da infecção, eritema infeccioso. Quando a infecção aguda ocorre em adultos, há maior frequência de
CAPÍTULO 50
296 -
Doenças Reumatológicas
manifestações articulares. As hepatites B e C são também causas de poliartralgias e até mesmo artri
são mais associadas a esse quadro. As leucemias de células T podem desenvolver ainda a síndrome de
tes, podendo ocorrer tanto na fase aguda quanto na
Sézary, com lesões cutâneas difusas e maculares,
cronificação da doença. A hepatite C ainda pode
que não estão relacionadas ao caso descrito. Uma
estar associada à crioglobulinemia e provocar lesões
vez que o paciente é tabagista de longa data e vem
cutâneas, especialmente em extremidades, como as
apresentando perda de peso nos últimos meses, o
descritas pelo paciente. Ambas podem cursar com
câncer de pulmão é um diagnóstico diferencial im
sinais gerais inespecíficos, como febre baixa, perda
portante, mesmo que ele não apresente outros sin
de peso e adinamia. Da mesma forma, a infecção
tomas como tosse, hemoptise ou dispneia. No en
recente pelo HIV pode causar um quadro absoluta
tanto, esse tipo de neoplasia não justificaria, por
mente pleomórfico, podendo cursar com vasculite
exemplo, as lesões cutâneas.
cutânea leucocitoclástica e poliartrites migratórias.
• Doenças reumáticas autoimunes: apesarde o pacien
Endocardite infecciosa subaguda é outro diagnósti
te em questão ser homem e com faixa etária mais
co que não deve ser esquecido, apesarde o pacien
avançada, ainda assim há a chance de se desenvolver
te não apresentar história anterior de valvulopatia
alguma doença do tecido conjuntivo. Um quadro
ou uso de drogas endovenosas. Como ele havia
poliarticular simétrico de pequenas e grandes arti
viajado para o interiorde São Paulo, onde há alguns
culações sempre levanta a hipótese de artrite reu
relatos de doença de Lyme-símile, um tipo de bor
matoide. Como toda doença inflamatória sistêmica,
reliose transmitida por carrapato, esta também entra
a artrite reumatoide também acaba provocando
no diagnóstico diferencial deste caso. Apesarde
sintomas, como adinamia, mialgia, perda de peso e
incomum, essa infecção é classicamente divida em três fases: 1) reação flu-like e lesões cutâneas erite
febre. Além disso, alguns pacientes podem desen volver vasculite reumatoide, a qual acomete vasos
matosas, por vezes parecidas com larva migrans,
de pequeno e médio calibres, com manifestações
porém, com uma lesão principal (circunferencial,
cutâneas, como gangrena de dígitos, infartos de
com halo eritematoso e centro claro, onde houve a picada do carrapato) e várias lesões satélites, geral
extremidades, púrpura palpável, dentre outras. Ape
mente em membros; 2) estágio neurológico, cursan do com paralisia de Bell, cefaleia que não costuma
após longo tempo de doença, raros casos podem-se
ceder com anti-inflamatórios não esteroidais (AINE)
abertura do quadro de poliartrite, geralmente com
e meningite asséptica; 3) manifestações musculoes
nódulos subcutâneos e altos títulos de fator reuma
queléticas, dentre as quais artrite de grandes articu
toide, indicando um prognóstico mais reservado para
lações. Apesarde o paciente não descreveras três
tais pacientes. O lúpus eritematoso sistêmico, doen
fases, é muito comum o aparecimento de artralgias
ça com espectro amplo de sinais e sintomas, também
na primeira fase, bem como artrite reativa à infecção
deve ser considerado como diagnóstico diferencial.
nesse mesmo estágio. Em nosso meio, tuberculose
Essa condição também pode provocar sintomas ar
deve ser sempre lembrada em qualquer paciente que
ticulares, como poliartrite, em geral não erosiva,
apresente perda ponderal. Essa micobacteriose pode
sintomas sistêmicos e lesões cutâneas diversas (vas
acarretar lesões cutâneas a distância (tuberculítides),
culite, fotossensibilidade/eritema malar lúpus dis
incluindo eritema nodoso, além de haver também a
coide, paniculite lúpica, etc.). Da mesma forma, a
chamada tuberculose cutânea. No entanto, nosso
síndrome de Sjögren também pode causar esses
paciente não apresenta qualquer sintoma respiratório
sintomas, mas nosso paciente não apresenta qualquer
nem história de contato com tuberculose, o que diminui a chance de explicar o quadro.
história de síndrome seca, o que diminui a chance desse diagnóstico.
• Neoplasias: as manifestações articulares de doenças
sar de a vasculite reumatoide geralmente ocorrer
apresentar associados à vasculite reumatoide na
•
Vasculites sistêmicas: as vasculites associadas a
neoplásicas geralmente são frustras, consistindo em
anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA),
um quadro de oligo ou poliartralgia e, em raras
incluindo a granulomatose de Wegener(GW), a
vezes, pode-se observar discreta sinovite em peque
poliangiite microscópica (PAM) e a síndrome de
nas articulações, que designamos como “síndrome
Churg-Strauss (SCS), a poliarterite nodosa (PAN),
reumatoide”. Virtualmente, qualquer tipo de neopla
a crioglobulinemia e a doença de Behçet, podem
sia poderia evoluir com essa forma de manifestação
cursar com poliartralgias e lesões cutâneas. Porém,
paraneoplásica, porém, as neoplasias hematológicas
o paciente não apresenta qualquer sintoma de vias
Artralgias e Manchas na Pele - 297
cia gravitacional e de pequenos vasos também su gerem púrpura de Henoch-Schönlein, porém, o
ou úlceras orais e/ou genitais de repetição (o que
paciente não se encontra na faixa etária esperada
fala contra doença de Behçet). Especificamente
(até os 18 anos) e nem sofre de dor abdominal ou
sobre esta última condição, em geral as alterações
hematúria visível, bem como tem história anterior
cutâneas são eritema nodoso, lesões papulopustulo
de infecção, como por exemplo, de vias aéreas su
sas e lesões acneiformes, o que não parece ser o
periores.
caso do paciente. Lesões cutâneas com predominân-
QUADRO 50.1 - Causas de poliartralgias/poliartrites • Infecções - Hepatites B e C - Parvovírus B19 - Vírus da imunodeficiência humana - Vírus Epstein-Barr - Rubéola - Gonocócica/meningocócica - Doença de Lyme - Sífilis secundária - Endocardite bacteriana - Doença de Whipple - Fungos - Micobactérias • Doenças reumáticas autoimunes - Artrite reumatoide - Lúpus eritematoso sistêmico - Esclerose sistêmica - Síndrome de Sjögren - Polimiosite/dermatomiosite - Sinovite soronegativa simétrica remitente com edema depressível (RS3PE) - Doença de Still do adulto - Doença mista do tecido conjuntivo - Síndrome SAPHO (sinovite, acne, prestulose, hipecostose, osteíte) - Febre reumática • Espondiloartrites - Artrite psoriástica - Espondilite anquilosante - Artrite enteropática - Artrites reativas • Vasculites sistêmicas - Granulomatose de Wegener - Poliangiite microscópica - Arterite temporal/polimialgia reumática - Síndrome de Churg-Strauss - Poliartrite paraneoplásica - Doença de Behçet - Policondrite recidivante • Doenças induzidas por cristais - Doença por depósito de pirofosfato de cálcio - Gota • Doenças por depósito - Hemocromatose - Doença de Wilson - Doença de Gaucher • Osteoartrite primária generalizada • Doenças hematológicas - Amiloidose - Hemoglobinopatias - Hemofilias • Sarcoidose • Hiperlipoproteinemia • Retículo-histiocitose multicêntrica • Artrite paraneoplásica - Neoplasias pulmonares - Neoplasias linfo e mieloproliferativas
Ao exame físico, o paciente apresenta-se levemen te hipocorado, com peso de 70kg e altura de 1,72m, pressão arterial de 120 × 70mmHg, frequência cardíaca de 82bpm, saturação de O2 de 97% em arambiente. Na pele, havia púrpura palpável nos membros inferiores (Fig. 50.1) e pequenas máculas em polpas digitais. Havia ainda nódulos subcutâneos de cerca de 0,5cm de diâmetro, dolorosos, nos cotovelos, bilateralmente, sendo alguns com aspecto necrosante. Ao exame articu lar discreta sinovite nos joelhos e punhos bilateralmente, sem crepitações, instabilidades ou comprometimento da amplitude dos movimentos. Tanto a ausculta respirató ria quanto a palpação abdominal são normais. A ausculta cardíaca mostra discreto sopro sistólico (+/4+) em borda esternal esquerda. Ao exame neurológico observa-se hipoestesia tátil e dolorosa em botas, a qual o paciente nem havia notado, até cerca do terço inferior das pernas, sem déficits motores, com reflexo aquileu diminuído bilateralmente. Agora não temos dúvida de estar diante de alguém com alguma doença sistêmica. As lesões cutâneas sugerem
fortemente ser secundárias à vasculite, porém, ainda não conhecemos a causa desta última. Nódulos subcutâneos
em cotovelos falam a favorde artrite reumatoide compli
cada com vasculite reumatoide, porém o quadro articular é bastante frustro. Geralmente, a artrite reumatoide cursa
com poliartrite de pequenas e grandes articulações, simé-
Figura 50.1 - Púrpura palpável em membros inferiores.
CAPÍTULO 50
aéreas superiores (o que fala contra GW), nem de asma/rinite alérgica crônicas (o que fala contra SCS)
CAPÍTULO 50
298 -
Doenças Reumatológicas
trica e aditiva. No entanto, como é uma doença espectral, há casos de oligoartrite e mesmo monoartrite de etiologia reumatoide. Costumeiramente, a maioria desses casos
evolui após algum tempo para o quadro clássico de artri
TABELA 50.1 - Classificação e causas da crioglobulinemia Exemplos
Tipo I (IgG e IgM monoclonais)
Linfomas não Hodgkin e Hodgkin Mieloma múltiplo Macroglobulinemia de Waldenström Leucemia linfoide crônica Leucemia mieloide crônica Doença de Castleman
Tipo II (IgG policlonal e IgM monoclonal)
Hepatite C Hepatite B Hepatopatias crônicas Lúpus eritematoso sistêmico Artrite reumatoide Síndrome de Sjögren Poliarterite nodosa Esclerose sistêmica Sarcoidose Vírus da imunodeficiência humana
Tipo III (IgG e IgM policlonais)
Endocardite bacteriana subaguda Doença de Lyme Sífilis Hanseníase virchowiana Esquistossomose Doença de Chagas Lúpus eritematoso sistêmico Artrite reumatoide Síndrome de Sjögren Poliarterite nodosa Esclerose sistêmica Sarcoidose
te reumatoide. Portanto, artrite reumatoide ainda é um diagnóstico a ser considerado, seguido por lúpus eritema
toso sistêmico, um dos seus principais diagnósticos dife renciais, que também deve ser mantido na nossa lista.
Apesarde as lesões cutâneas secundárias ao lúpus erite matoso sistêmico serem diversas e incluírem vasculites,
nódulos subcutâneos em cotovelos não são esperados. A paniculite lúpica (ou lúpus profundo), apesarde acometer com mais frequência membros inferiores e região infra
mamária com eritema e nódulos dolorosos, pode entrar
no diagnóstico diferencial neste caso. A granulomatose de Wegener também pode cursar com nódulos subcutâ neos, porém de etiologia diferente: são granulomas cutâ
neos extravasculares. Isso também pode ocorrer na sín
drome de Churg-Strauss, mas não é descrito em poliangiite microscópica. No entanto, esta última costuma cursar muito mais com lesões de extremidades, em especial a necrose de dígitos. A crioglobulinemia também se apre
senta classicamente com lesões cutâneas semelhantes às
observadas aqui. As causas de crioglobulinemia são várias, sendo a mais clássica a associação com o vírus da hepa
Observação: A IgM nesses casos tem atividade de fator reumatoide, ou seja, é anti-IgG.lgG = imunoglobulina G: IgM = imungαlobulina M.
tite C, mas o vírus da hepatite B, hepatopatias crônicas, doenças difusas do tecido conjuntivo, neoplasias linfo proliferativas, mieloma múltiplo, endocardite bacteriana e outras inúmeras outras causas podem evoluir com crio
globulinemia (Tabela 50.1). Como a pele é um órgão de fácil acesso e a biópsia cutânea é um procedimento rela
tivamente simples, foi realizada biópsia das lesões dos
membros inferiores e dos nódulos subcutâneos.
Todas as manifestações clínicas observadas em nosso paciente poderiam ser explicadas pela endocardite infec
ciosa, sugerida pelo sopro cardíaco encontrado ao exame físico. Porém, esse achado também pode ser secundário
vasculite de vasos de médio calibre, sendo muito frequen te em poliarterite nodosa e geralmente se manifesta com mononeurite múltipla. No entanto, as vasculites associa
das a ANCA também cursam com muito frequência com polineuropatia periférica. A hipótese de síndrome para
neoplásica aventada dificilmente justificaria todos os sinais e sintomas desse paciente, ficando, portanto, em segundo
plano. Da mesma forma, as doenças infecciosas de origem viral descritas normalmente são autolimitadas e, dificil
mente evoluiriam com um quadro significativo de vascu
à anemia do paciente, o qual se encontra descorado, ou
lite. As lesões cutâneas da sífilis e da doença de Lyme-
seja, um sopro funcional, o que também pode ser expli cado pelas outras doenças citadas. De qualquer forma,
símile são completamente diferentes das apresentadas por
devido a todas as manifestações sistêmicas que ele apre
póteses diagnósticas mais remotas.
senta, a hipótese de endocardite bacteriana deve ser lembrada e poderia justificara maioria dos achados. Esse tipo de infecção pode, por mecanismos imunológicos de
deposição de imunocomplexos, desencadear vasculite secundária com lesões cutâneas clássicas (por exemplo,
manchas de Janeway). Uma provável polineuropatia pe
riférica ao exame físico em um paciente sem história de diabetes mellitus, alcoolismo, hipovitaminose ou doença renal crônica é outro achado que sugere vasculite. O
acometimento de nervos periféricos é bastante comum em
nosso paciente, razão pela qual também ficam como hi
Como o paciente se encontra clinicamente estável, foi feita apenas analgesia em razão do quadro de poliar tralgias e foram solicitados diversos exames comple mentares para investigação. Os exames iniciais apre sentaram os seguintes achados: hemoglobina (Hb): 10,3; volume corpuscular médio: 90; concentração de hemo globina corpuscular média: 32; leucócitos: 10.400, com diferencial normal; plaquetas; 375.000; velocidade de hemossedimentação: 92; proteína C-reativa: 32 (normal < 1,1); alfa-1-glicoproteína ácida: 7 (normal < 4); crea-
978-85-4120-074-5
Classificação
978 85 4120 074
tinina: 2,1; ureia: 90; sódio: 136; potássio; 4,6; magnésio: 1,9; Cálcio: 9; albumina: 3; proteínas totais: 7,2; ele troforese de proteínas: pico policlonal de gamaglobu lina; glicemia: 115; aspartato aminotransferase: 30; alanina aminotransferase: 28; gama-glutamiltransfera se: 60; fosfatase alcalina: 100; atividade de protrombi na: 90%; relação normalizada internacional (RNI): 1,02; bilirrubinas totais: 0,9 (direta: 0,7; indireta: 0,2); reti culócitos: 1,2; desidrogenase lática: 250; ferritina: 1.250 (normal 8 a 310μg/L); ferro sérico: 58; creatina quina se: 120; imunoglobulinas G, A e E (IgG, IgA e IgE) séricas: normais para a idade. Urina I: pH: 6, densidade: 1.015, proteínas: 3+, leucócitos: 50, hemácias: > 100 (dismorfismo +), presença de cilindros hemáticos. Eletrocardiograma normal. Ultrassonografia de rins e vias urinárias: rins de tamanho normal e com boa dife renciação corticomedular, sem evidência de cálculos ou dilatações ureterais. Ecocardiograma transesofágico: pequenas vegetações em válvula mitral, com refluxo valvar leve e mínimo derrame pericárdico. Realizada radiografia de tórax mostrando uma lesão nodularca vitada e discreto infiltrado alveolar ao redor em lobo inferior esquerdo (Fig. 50.2). Pesquisa de bacilo álcool ácido resistente (BAAR) em duas amostras de escarro: negativa.
O paciente tem anemia normocítica e normocrômica provavelmente devido à doença crônica, pois o ferro sé rico encontra-se normal e a ferritina elevada. Ainda
CAPÍTULO 50
5
Artralgias e Manchas na Pele - 299
Figura 50.2 - Radiografia de tórax em incidência posteroanterior, mostrando borramento de silhueta cardíaca à esquerda e lesão nodular cavitada em lobo inferior esquerdo. Notar ainda lesão nodular aparen temente em lobo médio, ainda não cavitada.
apresenta insuficiência renal aguda (IRA), já que a relação
ureia/creatinina é superiora 40 (clearence estimado de 44mL/min) e a ultrassonografia mostra rins de tamanhos
lação sistêmica. Uma boa forma de tentarevidenciaroutras
normais. O sedimento urinário mostra leucocitúria, he
embolias sépticas é procurar infartos esplênicos, um dos principais locais, por meio de ultrassonografia ou tomo
matúria dismórfica e cilindros hemáticos, portanto, há um quadro de inflamação glomerular associado, provável
grafia computadorizada. Por essa razão, foram solicitadas uro e hemocultura e iniciado, empiricamente, esquema
causa da IRA. As provas inflamatórias estão todas altera
para endocardite infecciosa, consistindo em oxacilina e gentamicina endovenosas, com o cuidado de infusão de dose única diária para este último antibiótico e monitori
das e há ainda um pico policlonal de gamaglobulina, ou seja, existe intenso quadro inflamatório. Não há sinais de hepatopatia e o diagnóstico de mieloma múltiplo foi ex
cluído, os quais poderiam estar associados à crioglobuli nemia, o que toma essa hipótese também menos provável,
zação da função renal, a fim de se evitar nefrotoxicidade. Entretanto, a endocardite infecciosa não justificaria,
tese para este caso, tendo em vista que o ecocardiograma
por exemplo, o derrame pericárdico. A glomerulopatia associada à endocardite infecciosa é, usualmente, um quadro nefrítico com hipertensão arterial e retenção hi
mostrou vegetação mitral. Além disso, essa doença também pode cursar com crioglobulinemia. Outras causas e a
drossalina, mas isso não exclui nossa hipótese. Artrite reumatoide também não costuma evoluir com glomeru
classificação da crioglobulinemia são descritas no Quadro 50.1. No entanto, apesar de apresentar febre, lesões vas
lopatia, apesarde ser possível. Também de forma interes
culíticas e vegetações ao ecocardiograma, é importante tentar isolar o micro-organismo em hemoculturas. As al
de mais comum depois do derrame pleural é exatamente
terações radiográficas pulmonares poderiam ser explicadas, por exemplo, por uma embolização séptica. Apesarde não haver comprometimento de valvas tricúspide ou pulmonar
podem até cavitare mesmo, causar pneumotórax ou he
nesse caso, a embolização séptica pulmonar pode se seguir pelas artérias brônquicas, que são provenientes da circu-
como é o caso, sendo também um critério de mau prog
mas ainda possível. Endocardite infecciosa é outra hipó
sante, o comprometimento pulmonar da artrite reumatoi
o aparecimento de nódulos reumatoides pulmonares, que
moptise. Esse quadro é mais comum justamente em homens,
em especial naqueles que possuem nódulos subcutâneos, nóstico. Lúpus eritematoso sistêmico justificaria todos os
CAPÍTULO 50
300 -
Doenças Reumatológicas
achados, inclusive com um quadro de endocardite de
vitações são bacilíferos. No entanto, a imagem é muito
Libman-Sachs, mas o paciente ainda não preenche crité
sugestiva e vale a pena continuar investigando, inclusive
rios para este diagnóstico (Tabela 50.2) e, geralmente, em
com broncoscopia e lavado brônquico/biópsia transbrôn
pacientes com atividade do lúpus eritematoso sistêmico
quica, para tentar evidenciar alguma micobactéria ou de
costumam-se ver níveis elevados de VHS, como no caso,
granulomas não caseosos.
porém, a proteína C-reativa costuma se alterar pouco. Esse
marcador costuma aumentar nesses níveis em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e infecção grave. As vasculites sistêmicas já descritas são hipóteses bastante
plausíveis, exceto a púrpura de Henoch-Schönlein, tendo em vista que esta não cursa com comprometimento car
díaco e muito raramente evolui com IRA. Além disso, a dosagem de imunoglobulinas séricas não mostrou predo mínio de IgA, como é de se esperarna maioria dos casos,
excluindo, portanto, essa hipótese. A radiografia de tórax mostra uma imagem que pode
sugerir vasculite, no paciente, a GW. Insuficiência renal
aguda, como no caso em questão, é um fator de mau prognóstico. É bom lembrar que todas as vasculites asso
ciadas a ANCA podem cursar com comprometimento cardíaco, sendo este mais frequente na SCS. Nessa última, é até a principal causa de óbito. Entretanto, como o pa
ciente não apresenta eosinofilia ou história de atopia, esta hipótese se toma remota. Uma vez que o paciente se encontra potencialmente com quadro infeccioso e não
mostra qualquer evidência objetiva de autoimunidade,
optou-se por não, imunossuprimir, por enquanto. A hipótese de tuberculose ainda permanece, apesarde ser menos provável, haja vista que ele tem duas amostras
de escarro negativas e, usualmente, os pacientes com ca-
Paciente evolui com parestesia em botas e mão em garra à direita. Eletroneuromiografia evidencia poli neuropatia periférica em membros inferiores, sensitiva, de natureza axonal e comprometimento do nervo me diano direito, sugerindo mononeuropatia em membro superior direito. Novos exames mostram: hemoglobi na: 9,2; VCM: 85; CHCM: 33; leucócitos: 13.500, com diferencial normal; plaquetas: 475.000; creatinina: 3,5; ureia: 110; potássio: 5; sódio: 143; gasometria venosa: pH: 7,32; bicarbonato: 22. Pesquisa de eosinófilos na urina: negativa. Ultrassonografia de abdome total: normal. Sorologias: hepatite B negativa; hepatite C negativa; HIV negativo; VDRL negativo; rubéola: IgG positivo e IgM negativo; citomegalovírus: IgG positivo e IgM negativo; vírus Epstein-Barr negativo; Lyme: IgG e IgM negativos e western-blotting negativo; par vovírus B19: IgG e IgM negativos. Hemoculturas (duas amostras) negativas e urocultura negativa. Derivado de proteína purificada (PPD): 0mm. Resultado da biópsia de pele: fragmento de pele dos membros inferiores: vasculite cutânea inespecífica com leucocitoclasia; fragmento do cotovelo: infiltrado inflamatório rico em linfomononucleares e com granulomas, sem necrose caseoide (Fig. 50.3). Pesquisa de BAAR na biópsia: negativa. Radiografia de mãos/punhos, joelhos com carga e pés/tomozelos: sem sinais de erosões ou cistos. Broncoscopia: árvore brônquica normal e colhida bió
TABELA 50.2 - Critérios de classificação atualizados para lúpus eritematoso sistêmico Critérios
Descrição
Erupção malar
Rash malar em asa de borboleta
Lúpus discoide
Máculas eritematosas elevadas com evolução para fibrose atrófica
Fotossensibilidade
Erupção cutânea quando exposto à luz solar
Úlceras orais
Úlceras orais e nasofaríngeas
Artrite
Não erosiva, com comprometimento de ao menos duas articulações
Serosite
Pleurite (derrame ou atrito pleural ou relato convincente de dor pleurítica) ou pericardite (derrame ou atrito pericárdico)
Nefrite lúpica
Proteinúria superior a 500mg/dia ou cilindros celulares no sedimento
Alterações neurológicas
Convulsões ou psicose, ambas após exclusão de drogas e distúrbios metabólicos
Alterações hematológicas
Anemia hemolítica com reticulocitose ou leucopenia (< 4.000/mm3 em duas ou mais vezes) ou linfopenia (< 1500/mm3 em duas ou mais vezes) ou trombocitopenia (< 100.000/mm3 em duas ou mais vezes)
Distúrbio imunológico
Anticardiolipina IgM ou IgG, anticoagulante lúpico, VDRL falso-positivo, anti-DNAou anti-Sm
Fator antinuclear
Fator antinuclear positivo na ausência de medicamentos responsáveis
Fonte: Hochberg, 1997.
Observação: Para a classificação, deve haver a presença de pelo menos quatro critérios. Ig = imunoglobulina: VDRL = Venereal Disease Research Laboratory.
Artralgias e Manchas na Pele - 301
Mesmo a hipótese de endocardite infecciosa se toma mais remota, apesarde vegetações, haja vista que doenças autoimunes também podem levara este quadro. Ultras sonografia de abdome total normal exclui a possibilidade
Agora estamos, provavelmente, diante de um pacien
de abscesso esplênico. Apesarde haver lesão pulmonar
te com síndrome pulmão-rim clássica, o que restringe o
nodular e cavitada à radiografia, o PPD não reator e a
nosso leque de diagnóstico diferencial às causas dessa
pesquisa de BAAR negativa praticamente excluem o
síndrome (Tabela 50.3). O fato de haver infiltrado pulmo
diagnóstico de tuberculose. A leptospirose, outra causa
nar associado à queda da hemoglobina em pouco tempo
de síndrome pulmão-rim, também deve ser lembrada,
sugere capilarite pulmonar com hemorragia alveolar,
porém o paciente nega contato com água de enchente ou
apenas sem a exteriorização para fechara tríade caracte
ratos. Ademais, as formas que evoluem com tal gravidade
rística. Além disso, esse paciente evoluiu muito rapida
(por exemplo, síndrome de Weil) são ictero-hemorrágicas
mente com piora da função renal, o que nos sugere uma
e o paciente não apresenta alteração da função hepática.
glomerulopatia rapidamente progressiva (clearence esti
Além disso, ele não tem história de evolução aguda e com
mado, no momento, de 26,3mL/min), que só poderá ser
sintomas respiratórios para se pensarem pneumonia atí
evidenciada por meio do histopatológico. Mesmo com a utilização de um antibiótico nefrotóxico, a chance de esta
pica ou legionelose, nem diarreia ou qualquer sinal de hemólise para se pensarem infecção intestinal (principal
alteração da função renal decorrer de nefrite intersticial
mente por E. coliou Shigella) levando à síndrome hemo
aguda é pequena, pois não houve eosinofilia ou eosinofi lúria. De qualquer forma, as doses dos antibióticos foram
lítico-urêmica.
ajustadas e foi realizada biópsia renal. Como o quadro
o paciente não havia utilizado nenhuma, o que exclui tal
Das drogas que poderiam causar síndrome pulmão-rim,
clínico sugere uma condição grave com risco à vida e há indícios mais fortes de que se trate de uma doença autoi mune, foi realizada pulsoterapia com metilprednisolona, 1g ao dia, por via endovenosa, durante três dias, bem como profilaxia para estrongiloidíase disseminada com
TABELA 50.3 - Causas de síndrome pulmão-rim
Diagnóstico diferencial______ Exemplos_________ Infecções
Leptospirose
tiabendazol. Em razão da forte suspeita de manifestação de doença autoimune e da ausência de indícios de doen
Pneumonia atípica
ça infecciosa devido às sorologias e culturas negativas, foi suspensa a antibioticoterapia.
Síndrome hemolítico-urêmica
Legionelose
Tuberculose
Endocardite bacteriana
Doenças autoimunes
Lúpus eritematoso sistêmico
Artrite reumatoide Polimiosite
Doença mista do tecido conjuntivo
Microangiopatia trombótica
Síndrome do anticorpo antifosfolipídio Púrpura trombocitopênica trombótica
Associadas a anticorpo antimembrana basal
Síndrome de Goodpasture
Vasculites associadas a ANCA
Granulomatose de Wegener Poliangiite microscópica
Síndrome de Churg-Strauss Vasculites não associadas a ANCA
Púrpura de Henoch-Schönlein/doença de Berger
Crioglobulinemia Doença de Behçet Drogas
Propiltiouracila
Figura 50.3 - Fotografia em menor aumento da bió
D-penicilamina
psia cutânea do paciente (fragmento do cotovelo). Notar material hialino intravascular obstruindo parte do lúmen da vênula (seta grande), bem como infiltra do rico em linfomononucleares e células multinucleadas. Notar ainda a riqueza de leucocitoclasia (setas meno res), ou seja, núcleos degenerados de polimorfonucleares.
Hidralazina
Alopurinol Sulfassalazina
Síndrome associada a ANCA sem vasculite sistêmica
Síndrome pulmão-rim idiopática associada a ANCA
ANCA = anticorpo anticitoplasma de neutrófilo.
CAPÍTULO 50
psia transbrônquica às cegas; lavado broncoalveolar. culturas negativas, ausência de fungos ou BAAR na amostra.
302 -
Doenças Reumatológicas
CAPÍTULO 50
possibilidade. Também não apresenta história de trombo ses de repetição ou eventos vasculares arteriais para se pensarem síndrome antifosfolipídio. Não foram encon
trados esquizócitos no esfregaço sanguíneo ou sinais de hemólise, petéquias/equimoses ou alterações neurológicas
centrais para se levantara hipótese de púrpura tromboci topênica trombótica. Realmente, somos impelidos a pensarem alguma doen
ça autoimune como etiologia. O resultado da biópsia da pele, apesarde inespecífico, demonstra um processo vas culítico inequívoco. A eletroneuromiografia mostra poli
neuropatia em membros inferiores e mononeurite no
membro superior direito e ambas podem ser atribuídas a manifestações de vasculite de vasa nervorum. Ao longo
do tempo e sem tratamento específico, a neuropatia tende a acometer outros nervos periféricos. As principais causas
de crioglobulinemia foram descartadas, incluindo hepatites B e C e HIV, como também foram descartadas a púrpura
de Henoch-Schönlein e a doença de Behçet. Em relação à artrite reumatoide, radiografias sem erosões ou cistos
O paciente evolui com os seguintes exames bio químicos: creatinina: 4; ureia: 130; potássio: 6,1; sódio: 132; gasometria venosa: pH: 7,27; bicarbonato: 18. Novo ECG: normal. Os resultados dos autoanticorpos colhidos revelam: fatorantinuclearnegativo; anti-DNA negativo; anti-ENA (RNP, SSA/Ro, SSB/La, Sm) ne gativo; anticardiolipina IgG e IgM negativos; anticoagulante lúpico negativo; anti-beta-2 glicopro teína I negativo; fator reumatoide negativo; anticorpo anti-peptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP) negativo; crioglobulina negativa; anticorpo anticitoplasma de neutrófilo clássico (c-ANCA) positivo com padrão citoplasmático à imunofluorescência e título de 1/160. Pesquisa de antiproteinase-3 (anti-PR3) por ELISA positiva e a de anticorpo antimembrana basal glome rular (AMBG), negativa. Sorologia para leptospirose negativa. Biópsia de rim: material suficiente com 12 glomérulos mostrando áreas de glomerulonefrite focal e segmentar com necrose fibrinoide e formação de crescentes; imunofluorescência direta: ausência de depósitos de IgG, IgM, IgA e C3. Biópsia transbrôn quica: infiltrado linfomononuclear inespecífico, sem evidência de BAAR.
não exclui o diagnóstico, até porque a sintomatologia é relativamente recente; apesarde o paciente apresentar
vários sinais de mau prognóstico, o quadro clínico não é
típico dessa entidade e a descrição do anatomopatológico
do nódulo subcutâneo não é sugestiva de nódulo reuma toide: necrose fibrinoide com histiócitos em paliçada e fibroblastos periféricos. O lúpus eritematoso sistêmico
ainda poderia explicar todos os achados, especialmente se complicado com uma vasculite secundária. O achado de
granulomas à biópsia fala muito a favor de duas formas de vasculites primárias granulomatosas: a GW e a SCS. Por essa razão, pode-se descartar poliangeíte microscópi
ca apesarde cursar mais comumente com alterações
neurológicas periféricas do que as outras vasculites asso ciadas a ANCA. A SCS pode ser descartada, nesse caso, devido à ausência de manifestações típicas (por exemplo,
asma e eosinofilia) e ao fato de a biópsia não ter eviden ciado infiltrado eosinofílico. Entre as vasculites associadas a ANCA, a SCS é a que apresenta menor prevalência.
Neste momento, um diagnóstico diferencial até então
Devido à piora do quadro renal, o paciente evoluiu com hipercalemia e acidose metabólica, porém, sem ur
gência dialítica, pois não havia alteração cardíaca. Realiza das condutas para redução do potássio sérico com furosemi
da e resina trocadora colônica, bem como glicoinsulinoterapia, e iniciada hemodiálise convencional. A pesquisa de auto
anticorpos excluiu as hipóteses de crioglobulinemia e
lúpus eritematoso sistêmico; apesarda possibilidade remo
ta de lúpus eritematoso sistêmico com fator antinuclear negativo, não foram detectados anticorpos anti-SSA/Ro.
Além disso, a investigação para a síndrome antifosfolipí
dio e para a síndrome de Goodpasture (AMBG) foi ne gativa. Aproximadamente, 20% dos casos de artrite reu matoide podem apresentar fator reumatoide negativo, porém o anti-CCP, que é mais específico, pode ser posi tivo em metade deles. Portanto, a ausência de quadro
clínico típico, de alterações radiográficas e de sorologia
compatível praticamente descarta a hipótese de artrite reumatoide. Nesse paciente com tantos sinais de mau
não discutido deve ser lembrado: a síndrome de Goodpas-
prognóstico, era de se esperar que, em se tratando de
ture. Essa doença rara acomete principalmente homens jovens
artrite reumatoide, os níveis de fator reumatoide fossem
e leva a um quadro hemorrágico em pulmões e glomerulopatia
bastante elevados. Um resultado nos chama a atenção: o
rapidamente progressiva. Essas manifestações são mediadas
por um autoanticorpo dirigido contra a membrana basal
padrão citoplasmático do ANCA. O c-ANCA com anti corpos anti-PR3 é muito sugestivo de GW e dá uma es
glomerular e pulmonar provocando uma capilarite grave.
pecificidade em torno de 98% para este diagnóstico, caso
Por essa razão, é um dos diagnósticos diferenciais mais
haja sintomas de vias aéreas superiores e comprometi
importantes nesse caso. O seu tratamento consiste basica
mente em plasmaférese, a fim de se retirar esses anticorpos
mentos renal e pulmonar associados. Porém, até 10% dos pacientes com c-ANCA positivo podem ter na verdade,
da circulação.
PAM. Nosso paciente não apresenta, até o momento,
Artralgias e Manchas na Pele - 303
globina) e, tendo em vista que o leito capilarpulmonaré muito extenso, uma hemorragia nesse local pode ser ca
agora apenas podemos classificá-lo como acometido por uma vasculite sistêmica associada a ANCA. A biópsia
dinâmica por choque hipovolêmico, como é o caso. Além
renal confirma a hipótese de glomerulopatia rapidamente progressiva, mas este padrão descrito pauci-imune pode ser visto em qualquer uma das vasculites sistêmicas as
troca gasosa adequada. Como o CO2 é 44 vezes mais
sociadas a ANCA. A biópsia transbrônquica para estes casos não tem grande valia, devido ao acometimento de
diante de granulomatose de Wegener A imagem radio
ordem geral ser predominantemente periférico. Se hou vesse evidência de macrófagos com hemossiderina e/ou hemácias fagocitadas, fecharíamos o diagnóstico de he
muito sugestiva dessa doença. Entretanto, curiosamente,
tastrófica e, até mesmo, evoluir com instabilidade hemo
disso, o inundamento dos alvéolos com sangue impede a
difusível que o O2, há hipoxemia significativa mesmo sem hipercapnia. O quadro clínico não deixa dúvidas: estamos
gráfica demonstrando nódulos pulmonares cavitados é
o paciente não apresentou sintomas de envolvimento de vias aéreas superiores. A leucocitose vista com predomí
morragia pulmonar tendo em vista que tais achados são patognomônicos. Porém, a associação das manifestações
nio de formas maduras pode ser puramente decorrente da
clínicas sugestivas de vasculite sistêmica e c-ANCA com anti-PR3 nos autoriza a fechar o diagnóstico de GW;
Esse paciente agora preenche critério para síndrome
portanto, iniciamos tratamento com prednisona na dose de 1mg/kg e ciclofosfamida, 2mg/kg/dia, por via oral, após as pulsoterapias com metilprednisolona.
O paciente evolui com hipotensão grave (PA: 80 × 50mmHg) e perfusão capilar lentificada, piora do padrão respiratório e insuficiência respiratória hipoxêmica, não respondendo à pressão positiva contínua nas vias aéreas (saturação de O2: 85% em máscara de Venturi a 50%). Procedida à ressuscitação volêmica com 2.000mL de solução fisiológica a 0,9%, mas sem resposta pressóri ca, e intubação orotraqueal e, logo após o procedimento, eliminação de grande quantidade de sangue pela cânu la. pressão venosa central: 2cmH2O. Solicitada transfusão de três concentrados de hemácia e adminis trada noradrenalina, titulada até 0,5μg/kg/min, com manutenção da PA em 100 × 60mmHg. Gasometria arterial: pH: 7,27; pO2: 50; pCO2: 29; bicarbonato: 15; saturação de O2: 84%. hemoglobina: 6,8; VCM: 75; CHCM: 27; leucócitos: 17.000, sendo 7% de bastões, 60% de segmentados, 0% de eosinófilos e basófilos, 25% de linfócitos e 8% de monócitos; plaquetas: 500.000; potássio: 4,5; sódio: 130; lactato: 15 (normal: < 5). Nova radiografia de tórax: múltiplos nódulos em campos pulmonares, alguns cavitados, e infiltrado alve olar difuso pelos quatro quadrantes. Tomografia computadorizada de tórax: múltiplas lesões nodulares cavitadas, subpleurais e peribroncovasculares, com es pessamento de parede brônquica e áreas de consolidação difusamente pelo parênquima, entremeadas com áreas de vidro fosco. Biópsia de pulmão a céu aberto: capilarite pulmonar com infiltrado linfomononucleare polimorfo nuclearcom granulomas bem formados e necrose fibrinoide, com hemácias no espaço alveolar culturas da biópsia negativas e pesquisa de BAAR negativa.
O paciente agora completou a tríade clássica da he morragia alveolar (inclusive com nova queda da hemo
pulsoterapia com corticosteroide. da angústia respiratória aguda (SARA), já que possui uma
causa grave identificável de lesão pulmonar mais de três
quadrantes da radiografia de tórax comprometidos, hipo
xemia importante e, se considerarmos uma fração inspi rada de oxigênio (FiO2) de 50% dada pela máscara de Venturi, uma relação pressão parcial de oxigênio (PaO2)/
FiO2 de 100 (portanto < 250). Por essa razão, iniciou-se estratégia protetora para SARA com volume corrente de
6mL/kg, pressão expiratória final positiva elevada e fre
quência respiratória não muito alta. Como a terapia imu nossupressora já estava sendo administrada e o paciente
ainda permanecia em estado grave, uma opção seria a plasmaférese, na tentativa de se retirar os ANCA circu
lantes. Porém, diferentemente da púrpura trombocitopê nica trombótica e da síndrome de Goodpasture, em que
o valor desse procedimento já está amplamente estabele cido, o nível de evidência para as vasculites ainda é III, ou seja, há apenas dois estudos controlados e várias séries de casos. Como uma hemodiálise, a plasmaférese também
retira grandes volumes do paciente e depois repõe com
plasma fresco ou albumina, razão pela qual é essencial uma estabilidade hemodinâmica mínima, o que, no mo mento, o paciente não apresenta. Por isso, apesarde in
dicada, a plasmaférese não pôde ser realizada e nem a hemodiálise, a qual o paciente já estava fazendo, por
falta de condições clínicas. Outra opção mais cara e com menor evidência científica para tais quadros é a imuno globulina endovenosa na dose de 400mg/kg/dia por cinco dias. É a preferida exatamente quando a plasmaférese é
contraindicada, seja por instabilidade hemodinâmica, seja por infecção.
A esposa do paciente traz uma informação impor tante que não havia sido relatada antes porque não a associavam à doença: há cerca de três anos ele vinha
CAPÍTULO 50
nenhuma história de sinusopatia, rinite, nariz em sela, perfuração de septo nasal, úlceras orais ou quaisquer outros sintomas de vias aéreas superiores. Portanto, até o
CAPÍTULO 50
304 -
Doenças Reumatológicas
apresentando, esporadicamente, rinorreia hialina, uma vez até havendo episódio sanguinolento. Porém, como é médico, tratava com descongestionante e corticoste roide tópico, associando esses sintomas a quadro alérgico. A esposa refere ainda que, nos últimos seis meses, o paciente apresentou três episódios de sinusite, mas sempre se automedicando com levofloxacino por dez dias, com melhora. Com essas informações, solici tou-se tomografia computadorizada de seios da face, que mostrou relevante espessamento de mucosa em seios maxilar frontal, etmoidal e esfenoidal. Biópsia de nasofaringe: granulomas não caseosos e infiltrado linfomononuclear na parede dos vasos com necrose fibrinoide. Realizada infusão de imunoglobulina endovenosa, mas no quarto dia o paciente evolui com petéquias difusas e equimoses. Nesse momento, os exames mostram: hemoglobina: 7,9; VCM: 82; CHCM: 27; leucócitos: 20.000, sendo 10% de bastões, 70% de segmentados, 0% de eosinófilos e basófilos, 12% de linfócitos e 8% de monócitos; plaquetas: 40.000 e presença de esquizócitos; atividade de protrombina: 8); tempo de tromboplastina parcial ativada: > 8s (RNI: > 8). Administrados plasma fresco e crioprecipitado. Contudo, o paciente evolui para êxito letal, sem responder à terapia.
positividade do ANCA: granulomatose de Wegener, po liangiite microscópica e síndrome de Churg-Strauss. Nenhum teste único é capaz de distinguir essas condições,
de forma que o diagnóstico é feito pela combinação de
achados clínicos, sorológicos e histopatológicos. A GW é uma vasculite granulomatosa cuja prevalên
cia é estimada em torno de 30 casos/milhão e a incidência
anual em 10 casos/milhão, segundo dados americanos.
Acomete homens e mulheres em igual proporção com pico entre 30 e 50 anos de idade. É mais frequente em caucasianos, mas pode afetar qualquer raça.
Apresenta classicamente envolvimento recidivante de vias aéreas superiores, manifestando-se por epistaxe, ulce ração nasal e oral (podendo até evoluir para necrose), si
nusopatia e perda da audição. A perfuração do septo nasal pode fazerdesabara cartilagem nasal, levando ao nariz em
sela. Há acometimento pulmonar em até 90% dos pacien
tes, sendo o mais comum o aparecimento de nódulos múltiplos cavitados; no entanto, um terço dos pacientes é assintomático. A capilarite pulmonar pode causar hemor ragia pulmonar, uma complicação grave da doença, que
pode ser extensa antes da exteriorização da hemoptise. Deve-se também terem mente a grande possibilidade
Infelizmente, mesmo com os esforços, nem sempre o paciente responde à terapia afinal a hemorragia alveolar é um quadro muito grave. A ciclofosfamida, por via oral
ou em pulsoterapia, pode levar 10 a 15 dias para iniciar seu efeito, mas é a droga mais indicada a induzira remis são da GW em atividade. Para ação rápida, a pulsoterapia com corticosteroide é a melhor opção. Nesse caso, o paciente ainda evoluiu com coagulação intravascular
disseminada secundária ao processo inflamatório sistêmi co grave, representado por plaquetopenia, esquizócitos no
sangue periférico e coagulopatia. Como agora todos os critérios de GW foram preenchidos, o paciente recebeu atestado e não necessitou de necrópsia.
desses pacientes desenvolverem trombose venosa profunda e/ou tromboembolia pulmonar resultados do envolvimen to inflamatório das veias, bem como de outros fatores de
risco, como síndrome nefrótica, por exemplo. Cerca de 80% dos pacientes evoluem com algum
comprometimento renal, variando desde glomerulonefri te subclínica até uma forma rapidamente progressiva.
Normalmente, aparece sedimento urinário ativo (em es pecial, hematúria dismórfica e proteinúria) e aumento da creatinina sérica. Eventualmente, pode-se desenvolver síndrome nefrótica. A PAM apresenta incidência anual de cerca de seis
casos/milhão, sendo mais comum em homens e com pico entre 65 e 75 anos de idade. Há menor predisposição de
DIAGNÓSTICO FINAL
envolvimento pulmonar (50%), porém, também podem
• Granulomatose de Wegener
Geralmente, a evolução posterior acaba sendo para fibrose
• Glomerulopatia rapidamente progressiva e insuficiên
pulmonar.Até 95% dos pacientes com PAM e comprome
cia renal aguda dialítica.
ocorrer hemorragia pulmonar(30%) e infiltrados migratórios.
timento pulmonar apresentam clínica muito semelhante à
• Hemorragia pulmonar
da granulomatose de Wegener.Porém, é muito mais comum
• Coagulação intravascular disseminada.
o aparecimento de glomerulonefrite rapidamente progressi va e insuficiência renal aguda dialítica.
A SCS também é uma vasculite granulomatosa, com
DISCUSSÃO
incidência anual entre 0,9 e 4 casos/milhão. Inúmeros
Reunidas em único tópico devido à semelhança no diag
variando desde antígenos inalados até vacinações e me
nóstico e no tratamento, são três as vasculites com maior
dicações, como os inibidores de leucotrienos. A história
fatores precipitantes têm sido apontados na etiologia,
Artralgias e Manchas na Pele - 305
ainda pode apresentar, muito raramente, hemorragia
subaracnóidea e infarto cerebral decorrente de vasculite, que podem ser fatais. O envolvimento ocular(episclerite,
• Fase prodrômica: pode perdurar mais de 30 anos e
esclerite, uveíte) é mais comum em GW. Já o cutâneo
consiste em sintomas de asma (95%) e/ou outras
(púrpura palpável, úlceras, infartos digitais, etc.) pode
manifestações alérgicas, como por exemplo rinite
ocorrer nas três, porém é mais frequente GW e em SCS.
alérgica (55 a 70%) e polipose nasal. • Fase eosinofílica: várias recorrências de eosinofilia periférica (> 1.500/mm3 ou > 10% do diferencial) e tecidual, incluindo pneumonia eosinofílica crôni
ca e gastroenterite eosinofílica. • Fase vasculítica: recrudescimento dos sintomas
alérgicos e aparecimento da vasculite sistêmica, com
média de oito anos após início da asma, sendo que quanto menor este tempo, pioré o prognóstico. As fases podem não ocorrer necessariamente nessa
Granulomas, infiltrados pulmonares ou hemorragia pulmonar podem ser identificados à radiografia, porém a
sensibilidade é muito maiorem tomografia computadori zada, especialmente de alta resolução. A tomografia de seios
paranasais pode ser útil também para o diagnóstico de
GW, na qual o espessamento da mucosa, a destruição óssea e a infiltração orbitária podem aparecer, de SCS, na qual pode haver sinusite crônica. A biópsia dos tecidos
afetados deve ser feita sempre que possível, e a descrição clássica é a mesma encontrada no caso clínico descrito.
O ANCA é importante para o diagnóstico e a pato
ordem. As alterações pulmonares podem variar de infil trados alveolares transitórios até um padrão intersticial
gênese dessas vasculites. A imunofluorescência indireta
difuso com ou sem nódulos e surgem em torno de 40%
identifica dois padrões principais: c-ANCA (citoplasmá
dos casos. Hemorragia alveolar é rara. O comprometi
tico) e o p-ANCA (perinuclear), respectivamente consti
mento renal é muito comum (80%), exibindo desde pro
tuídos de anti-PR-3 e anti-mieloperoxidase (anti-MPO).
teinúria subclínica até falência renal. A lesão glomerular
Esses autoanticorpos podem ainda ser medidos porELI
usual é a glomerulonefrite segmentare focal, normalmen
SA, aumentando muito a sensibilidade diagnóstica.
te associada à positividade do ANCA, assim como nas
Cerca de 85% dos pacientes com GW, 50% dos portado
outras vasculites associadas a ANCA. Entretanto, a insu
res SCS e 75% daqueles com PAM têm ANCA positivo,
ficiência renal é relativamente rara (10%). Sintomas do
sendo o padrão c-ANCA clássico do primeiro e o p-
trato gastrointestinal incluem dor abdominal, diarreia e
ANCA dos últimos. Os valores preditivo positivo máxi
sangramentos, aparecendo em cerca de 50% dos pacientes.
mo e preditivo negativo mínimo se encontram quando o
Geralmente, decorrem de vasculites nos vasos mesenté
paciente tem a apresentação clínica típica. Os critérios
ricos e há o risco de perfuração intestinal. Apesarde inespecífica, uma eosinofilia periférica é o achado labo ratorial mais comum em fases de atividade da doença. É
para classificação da GW e da SCS são descritos nos
flutuante e pode ser normalizada facilmente se forem
Chapel Hill, de 1994.
Quadros 50.2 e 50.3. Não há critérios de classificação para
PAM, apenas a definição da doença pela conferência de
administrados corticosteroides para a asma. Os níveis de IgE também são tipicamente elevados.
O tratamento dos casos graves consiste em pulsotera pia com metilprednisolona por três dias associada à
Pode existir envolvimento cardíaco nas três doenças,
pulsoterapia com ciclofosfamida em altas doses, ou à
sendo mais raro na GW e na PAM (3 a 10%) e mais frequente na SCS (50%). Nesta última, é a principal
ciclofosfamida por via oral, 1 a 2mg/kg/dia, tendo o pri
causa de morte. Manifesta-se por miocardite, arterite
meiro esquema aparentemente menos efeitos colaterais do que o segundo. É aconselhável também o uso de plas
coronariana, endocardite, pericardite ou distúrbio de condução. Especificamente na SCS, pode haver infiltração
maférese em situações selecionadas.
eosinofílica e/ou granulomatosa, seguida de formação de
tecido cicatricial e evoluindo para endomiocardiopatia. A pericardite pode evoluir rapidamente para tampona
mento, outra complicação grave das doenças. Sintomas
sistêmicos (febre, mialgia, artralgia, perda de peso) tam bém acontecem nessas patologias. O envolvimento neu rológico (mononeurite múltipla, neuropatia craniana e
polineuropatia) é descrito, sendo mais comum o acome timento periférico, especialmente em SCS (60%), a qual
QUADRO 50.2 - Critérios para classificação da granulomatose de Wegener Úlceras orais e/ou rinorreia purulenta ou sanguinolenta Infiltrados, nódulos ou cavitações à radiografia de tórax Sedimento urinário com hematúria ou cilindros hemáticos Biópsia com inflamação granulomatosa na parede de artérias ou arteríolas ou perivascular Observação: Para a classificação, deve haver pelo menos dois critérios. • • • •
Fonte: Leavitt etal., 1990.
CAPÍTULO 50
natural da síndrome de Churg-Strauss consiste classica mente em três fases:
CAPÍTULO 50
306 -
Doenças Reumatológicas
QUADRO 50.3 - Critérios para classificação da síndrome de Churg-Strauss • História prévia de asma • Eosinofilia periférica > 10% do diferencial • Mononeuropatia, mononeurite múltipla ou polineuropatia atribuível à vasculite sistêmica • Infiltrados pulmonares migratórios ou transitórios • Alterações agudas ou crônicas nos seios paranasais (dor, espessamento de mucosa) • Biópsia com eosinofilia perivascular Observação: Para a classificação, deve haver a presença de pelo menos quatro critérios. ____________________________________________________________ Fonte: Mais etal., 1990.
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SEÇÃO
Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas
CAPÍTULO
51
Hematúria Caio Silvério de Souza
J. P. S., sexo masculino, 71 anos de idade, não branco, natural de Pernambuco, procedente do Paraná, aposentado, ex-operário de indústria têxtil, casado, evangélico. Tabagista de longa data, com quadro de urina com coloração avermelhada há nove meses, acompanhada de disúria, polaciúria e gotejamento terminal também neste período.
Hematúria é definida como aumento na eliminação de hemácias pela urina, apresentando diversas propostas de classificação. Quanto à localização, as hematúrias podem
ser classificadas em glomerulares (origem no glomérulo
renal) ou não glomerulares; quanto à intensidade, podem ser classificadas em macroscópicas, quando a coloração da urina sugere a presença de sangue, ou microscópicas,
quando as hemácias são detectadas somente em exame laboratorial de urina (sedimentoscopia). A prevalência de hematúria na população geral varia
de 0,5 a 22%, dependendo da idade da população estuda da e dos valores de hemácias considerados normais à sedimentoscopia. A investigação de hematúria exige anamnese e exame físico detalhados, bem como exames complementares
laboratoriais e de imagem adequados, evitando procedi mentos onerosos e invasivos desnecessários. A hematúria possui diversas etiologias (Quadro 51.1),
QUADRO 51.1 - Principais etiologias das hematúrias • Glomerular - Glomerulonefrite pós-estreptocócica - Glomerulonefrite membranoproliferativa - Nefropatia por imunoglobulina A (IgA) - Púrpura de Henoch-Schönlein - Nefrite lúpica - Nefropatia membranosa - Doença por lesão mínima - Glomeruloesclerose segmentar focal - Glomerulonefrite rapidamente progressiva - Vasculites - Nefroesclerose - Nefrite hereditária progressiva - Síndrome de Alport - Síndrome hemolítico-urêmica - Púrpura trombocitopênica trombótica - Crioglobulinemia • Não glomerular - Causas hematológicas - Corpo estranho (cateteres) - Trombose de veia renal - Fístula arteriovenosa - Hematúria de exercício - Infecções do trato urinário - Tuberculose - Malformações renais (cistos) - Hipercalciúria/hiperuricosúria - Medicamentos - Nefrolitíase - Trauma abdominal/cirurgias - Neoplasias - Obstrução do trato urinário - Hipertrofia prostática - Hemangioma renal/vesical
destacando-se as causas nefrológicas e urológicas. A macroscópica tem como etiologias mais comuns:
infecção do trato urinário, litíase renal, neoplasias do trato
urinário e as neoplasias do trato geniturinário, sendo, nesta
geniturinário e glomerulopatias. O paciente em questão é um idoso tabagista com hema
faixa etária, o mais prevalente o adenocarcinoma de prósta
túria macroscópica e sintomas urinários irritativos. Quando
restando ainda como diagnóstico possível a litíase renal, que
associada a sintomas irritativos (disúria e polaciúria), as
poderia causar esse quadro quando da eliminação de um
hipóteses diagnósticas mais prováveis são infecção do trato
cálculo pela uretra.
ta, seguido de carcinoma de células transicionais da bexiga,
CAPÍTULO
51
310 -
Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas
Refere ainda dor abdominal em cólica contínua, em hipogástrio e fossa ilíaca esquerda, com irradiação para dorso e perna esquerda, acompanhada de inapetência e de náuseas sem vômitos há cinco meses. Emagreceu aproximadamente 10kg nesse período. A dor abdominal em cólica localizada em hipogástrio
e fossa ilíaca esquerda com essas irradiações infere a
presença de um fator obstrutivo no trato urinário, poden
do correspondera um cálculo ou até mesmo a uma neo plasia. O emagrecimento significativo nesse período nos alerta para um processo consumptivo, reforçando a hipó tese de neoplasia.
Quanto a este paciente, vale salientar ainda que o ta baco atualmente é o principal fatorde risco para o desen volvimento do câncerde células transicionais ou urotelial,
o tipo histológico mais comum do câncerde bexiga. Exame físico: regular estado geral, emagrecido, contatuante, descorado +, hidratado, acianótico, anic térico, taquipneico, afebril. Pulmonar: murmúrio vesicular diminuído globalmente, com roncos e ester tores subcrepitantes difusos. Cardiovascular: ictus no quinto espaço intercostal esquerdo, na linha hemicla vicular, bulhas rítmicas, normofonéticas, sem sopros. Abdome: globoso, timpânico à percussão, sem sinais de ascite, baço não percutível, fígado palpável a 6cm da borda costal, endurecido e com superfície irregular, ruídos hidroaéreos presentes. Membros: pulsos presen tes, simétricos. Ausência de edema ou sinais de trombose venosa profunda.
Exames gerais:
• Urina tipo I - Densidade: 1.018. - pH: 5,5. - Proteínas: 20. - Glicose: negativa. - Nitratos: negativa. - Hemácias: 450.000. - Leucócitos: 40.000. - Cilindros: negativos. - Células epiteliais: moderadas. - Bactérias: moderadas. • Urocultura: negativa. • Pesquisa de dismorfismo eritrocitário: negativa.
O exame de urina I revela hematúria significativa com dismorfismo eritrocitário negativo. A urocultura neste caso
se mostrou negativa, afastando o diagnóstico de infecção
do trato urinário. A hematúria não glomerular caracteriza-se porhemá
cias urinárias isomórficas, ao passo que na hematúria
glomerulares hemácias urinárias se encontram dismórfi cas, ou seja, apresentam alterações em forma, volume e
quantidade de hemoglobina. Traumatismo mecânico das hemácias ao atravessarem a membrana basal glomerular alterada, com consequente deformação de membrana e
redução de volume, é a teoria mais aceita para o dismor fismo eritrocitário.
Além do dismorfismo eritrocitário, outros marcadores laboratoriais sugerem origem glomerularda hematúria, como
por exemplo, cilindros hemáticos positivos e proteinúria. Os cilindros hemáticos são estruturas formadas no
O exame físico desse paciente nos direciona para hi pótese diagnóstica que cursa com síndrome consumptiva,
já que foram demonstrados emagrecimento, anemia e
interior dos túbulos renais pelo aprisionamento de hemá cias pela mucoproteína de Tamm-Horsfall em precipitação, e sua presença é altamente sugestiva de hematúria glo
hepatomegalia que pode correspondera metástases hepá
merular,embora sua ausência não exclua este diagnóstico.
ticas, tendo em vista a superfície irregular e consistência
Proteinúria inferior a 0,5g em 24h é sugestiva de he
endurecida à palpação. A ausculta pulmonar demonstra roncos (secreção em
matúria não glomerular, ao passo que acima de 0,5g em
24h indica lesão glomerular
brônquios e bronquíolos de grande calibre), estertoração
Havendo hematúria de origem glomerular, outros
subcrepitante (secreção em bronquíolos de pequeno cali
exames diagnósticos devem ser realizados racionalmente
bre) que podem estar relacionados ao tabagismo de longa
e de acordo com o quadro clínico, na tentativa de eluci
data, ou mesmo a metástases pulmonares.
dação diagnóstica, como ureia, creatinina, hemograma,
proteínas totais e frações de complemento, fator antinu Ao toque retal, a próstata apresenta-se normal, sem nodulações, com peso estimado de 15g.
clear, antiestreptolisina O, sorologias para HIV, hepatites B e C, ultrassonografia de rins e vias.
Por outro lado, encontradas hemácias isomórficas, os
O toque retal é indispensável neste caso, tendo em
exames complementares devem direcionar racionalmente
vista a sintomatologia do paciente, que poderia serexpli
para etiologias não glomerulares, sendo eles urocultura,
cada tanto por hiperplasia prostática benigna como por
calciúria, uricosúria, eletroforese de hemoglobina, ultras
adenocarcinoma de próstata.
sonografia de rins e vias, tomografia computadorizada de
Hematúria - 311
A biópsia renal, embora invasiva, pode ser necessária
para confirmação do diagnóstico de inúmeras entidades
nefrológicas (Fig. 51.1).
Leucócitos: 7.100. Bastonetes: 0. Segmentados: 76,4% (5.400). Eosinófilos: 2,7% (190). Basófilos: 0,5% (40). Linfócitos: 16,4% (1.160). Monócitos: 4% (280).
• • • • •
Hemoglobina: 11,1. Hematócrito: 34,9. Volume corpuscular médio: 73. Amplitude de distribuição de hemácias: 23,4. Plaquetas: 222.000.
51
Hemograma:
CAPÍTULO
• • • • • • •
abdome e/ou pelve, ureterocistoscopia, cintilografia renal, urografia excretora e arteriografia renal.
O hemograma evidencia anemia microcítica com ín dice de anisocitose aumentado, o que fala a favor de anemia ferropriva, que seria explicada neste caso pela perda crônica de sangue pela urina (hematúria macroscó pica há nove meses).
Figura 51.1 - Fluxograma para investigação das hematúrias.
312 - Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas
CAPÍTULO
51
Demais exames: • • • • • • • • • • • •
Ureia: 48. Creatinina: 1,1. Sódio: 148. Potássio: 4,2. Cálcio: 7,2. Magnésio: 2,2. Albumina: 1,8. Tempo de protrombina/atividade de protrombina: 16/65. Relação normalizada internacional (RNI): 1,23. Aspartato aminotransferase: 381. Alanina aminotransferase: 190. Desidrogenase lática: 943.
Figura 51.2 - Tomografia computadorizada de abdo A albumina baixa reflete o estado de consumo apre
sentado pelo paciente. Corrigindo-se o cálcio total de
acordo com a albumina sérica, o valordo cálcio se apre senta na faixa da normalidade: (4 - 1,8) × 0,8 = 1,76 +
me evidenciando hidronefrose à esquerda. Imagem cedida pelo Grupo de Estudo em Correlação Anátomo-clínica (GECAC) da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
7,2 = 8,96. As transaminases podem estar aumentadas neste caso
por acometimento hepático pelas metástases hepáticas,
observando-se ainda que a função hepática se encontra normal (RNI =1,23). Solicitada uma tomografia computadorizada de abdome e pelve, que mostra hidronefrose à esquerda e metástases hepáticas (Fig. 51.2). Radiografia pulmonar evidencia imagens nodulares sugestivas de metástases pulmonares.
A presença de hidronefrose nos direciona para o diag
nóstico de fatores obstrutivos com causa de hematúria, como, por exemplo, neoplasias de trato geniturinário e
litíase urinária, porém, as metástases pulmonares e hepá
ticas reforçam a hipótese de neoplasia. Durante a internação, o paciente evolui com piora do nível de consciência, anúria e insuficiência respira tória por pneumonia hospitalare choque séptico, sendo necessária intubação orotraqueal e uso de drogas vaso ativas. Evolução hemodinamicamente instável, seguida de parada cardiorrespiratória. Realizada necropsia (Figs. 51.3 e 51.4).
DIAGNÓSTICO FINAL Carcinoma urotelial ou carcinoma de células transicionais
metastático de ureter.
Figura 51.3 - Hidroureteronefrose à esquerda e mas sa tumoral envolvendo ureter, rim esquerdo e aorta. Imagem cedida pelo Grupo de Estudo em Correlação Anátomo-clínica (GECAC) da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Hematúria - 313
emagrecimento são raros e geralmente associados à do
são os linfonodos regionais, pulmões, fígado e ossos.
Massa em flanco está presente em 5 a 10% dos casos, podendo corresponder ao próprio tumorou à hidronefrose. São exames utilizados para diagnóstico, estadiamento
tomografia computadorizada, ressonância nuclearmagné tica e ureteropieloscopia que permite biópsia e/ou ressec ção com visualização direta, podendo ser realizada por
via ureteral ou percutânea. Estadiamento tumor-linfonodos-metástases (TNM):
Figura 51.4- Microscopia óptica evidenciando invasão do lúmen ureteral por células neoplásicas sugestivas de carcinoma de células transicionais. Imagem cedida pelo Grupo de Estudo em Correlação Anátomo-clínica (GECAC) da Faculdade de Medicina da Pontifícia Uni versidade Católica de Campinas.
• Restrito à mucosa: Tis, T0. • Invasão da lâmina própria: T1. • Invasão da muscular T2. • Invasão do tecido adiposo ou parênquima renal: T3. • Invasão de órgãos vizinhos: T4 • Linfonodos acometidos: N1 ou N2. • Metástases a distância: M1.
DISCUSSÃO
O tratamento depende do estadiamento, do grau his tológico, da posição do tumore de sua multiplicidade. As
O tumorurotelial maligno mais comum é o câncerde bexiga.
estratégias terapêuticas possíveis são ressecção endoscó
Os carcinomas da pelve renal e do ureter são raros,
pica, cirurgia, radioterapia, quimioterapia intravesical ou sistêmica.
representando 4% de todos os cânceres uroteliais. Noventa e sete porcento dos tumores de ureter são
carcinomas de células de transição. A idade média ao diagnóstico é 65 anos, sendo o sexo masculino mais acometido que o feminino em uma pro
porção de 4:1. São fatores de risco para o desenvolvimento de carci noma de células uroteliais: tabagismo, exposição a aminas
aromáticas (indústrias de borracha, elétrica, corantes,
tintas e têxtil), infestação pelo Schistosoma haematobium, uso de ciclofosfamida, uso crônico do analgésico fenace
tina, infecções do trato urinário, contraste radiológico,
litíase renal. Anormalidades do cromossomo 9,11p, 17p, tais como
no gene p53, estão relacionadas ao câncerde células transicionais. A hematúria macroscópica é relatada em 70 a 90%
das vezes, sendo a manifestação clínica mais comum do
carcinoma de células transicionais do ureter. Há dor no
flanco em cólica em 50% dos pacientes , sugerindo obs
trução ureteral. Sintomas miccionais irritativos podem estar presentes em 5 a 10% das ocorrências. Anorexia e
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51
e tratamento: urografia excretora, pielografia retrógrada (permite coleta de amostras citológicas), ultrassonografia,
CAPÍTULO
ença metastática. Os locais de metástases mais comuns
CAPÍTULO
52
Disúria Flávia Areco • José Luiz Pedroso
Mulherde 33 anos de idade procura consulta médi ca devido à dor para urinar, com sensação de queimação, caracterizadas como disúria. Relata também aumento na frequência urinária e pequeno volume de urina, ca racterizados como polaciúria, e urgência para ir ao banheiro. Apresenta dor em região suprapúbica de pequena a moderada intensidade, juntamente com a disúria e a polaciúria. Esses sintomas surgiram há cer ca de três semanas, de maneira intermitente. Nega alterações no odorda urina. Eventualmente, apresenta urina avermelhada. Disúria pode ser definida como a sensação de dor,
queimação, ou formigamento na região perineal durante ou logo após o ato de urinar É extremamente comum na mulher adulta; quase 25% das mulheres adultas têm um
episódio de disúria a cada ano. A disúria pode ocorrer por inflamação acometendo a
uretra e o trígono da bexiga, em que a doré desencadeada pela passagem da urina na uretra, ou por inflamação en volvendo o lábio vaginal, em que a doré desencadeada
quando um fluxo de urina atinge a região inflamada duran
te a micção. A história apresentada parece ser compatível com o
quadro clínico de infecção urinária baixa ou cistite. Os sintomas típicos da cistite são: polaciúria (caracterizada
pela paciente como aumento da frequência urinária), disúria (caracterizada por queimação ao urinar), dorem
região suprapúbica e hematúria. Em infecção urinária alta também pode haver esses sintomas, porém, é comum
o aparecimento de febre, dor lombar mal-estar geral e indisposição. Aproximadamente 50 a 60% das mulheres
adultas relatam ter tido uma infecção urinária durante a vida.
O que não é muito característico da cistite é a duração dos sintomas relatados pela paciente (três semanas). O início dos sintomas em cistite normalmente é de 24h, com duração de três a cinco dias. Nas mulheres sexualmente ativas, os sintomas podem aparecer 24 a 48h após uma relação sexual, se não houvera prática do esvaziamento vesical pós-coito - esta é a denominada “cistite da lua de mel”. Um estudo encontrou uma média para cada episó dio de infecção urinária em mulheres jovens: 6,1 dias de sintomas, dos quais 2,4 provocando restrição nas ativida des, 1,2 como causa de falta à aula ou ao trabalho e 0,4 deixando a paciente acamada.
Devemos lembraras causas de cistites não bacterianas, como as virais (adenovírus), fúngicas, neoplásicas, por presença de corpo estranho (cateteres), radiação, uso de medicamentos (ciclofosfamida) e imunológicas. A dor suprapúbica relatada caracteriza a dor vesical decorrente da distensão da bexiga por urina, inflamações crônicas ou agudas, como acontece em cistites com cál culos na bexiga ou na existência de tumores. O quadro clínico citado também é descrito nos casos
de uretrite e vaginite, em que os sintomas são os mesmos de
cistite geralmente ocasionada por germes que não crescem em meios de cultura habituais, como Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae, Mycoplasma, Mycobacte
ria, Trychomonase Candida. O uso de medicamentos simpaticomiméticos, a hiper trofia do colo vesical e as neuropatias podem também ser causas de polaciúria e disúria. A urgência definida como o súbito e imperioso desejo de urinar pode ser secundária a processos inflamatórios e/ou infecciosos da bexiga, a hiper-reflexia de um quadro de bexiga neurogênica, a obs
trução urinária infravesical grave ou se devera ansiedade e a distúrbios psíquicos.
Disúria - 315
do paciente com disúria. Teste de gravidez e pesquisa de agentes para DST são realizados conforme a história clínica.
cistite com mais de 90% de probabilidade. Na maioria dos casos de cistite aguda, a história direcionada e o exame físico fornecem dados suficientes para a formula ção do diagnóstico.
é considerada normal, para mulheres.
A paciente nega outros sintomas, como prurido ou secreção vaginal, perda de peso, alterações intestinais, febre ou dor lombar. Nega infecção urinária pregressa ou litíase urinária. Há relatos de ansiedade e episódio depressivo tratado há dois anos com fluoxetina, porum ano. Nega uso de medicações. Não há história de taba gismo, etilismo ou uso de drogas. Seu ciclo menstrual é regular (28 dias), menarca aos 11 anos de idade. Primeira relação sexual aos 17 anos, com preservativo. A paciente é solteira e não teve relações sexuais no último ano. Exame físico é inteiramente normal, a despeito de dorà palpação de região suprapúbica. Exame especulare toque normais.
Fala-se em leucocitúria ou piúria quando, à urinálise
(estudo microscópico de sedimentos), há contagens supe riores a 10.000 leucócitos/mL, independentemente da sua morfologia. Em laboratórios que utilizam tecnologia mais avançada, em que se faz exame microscópico de urina porci
tometria de fluxo, a contagem de leucócitos de até 30.000/mL Leucócitos na urina indicam geralmente processo
supurativo situado em qualquer segmento do aparelho urinário, ou seja, infecção (pielonefrites agudas, cistites, ou uretrites de qualquer etiologia). Somente a inclusão
dos piócitos em cilindros pode ser considerada como
indício convincente de sua origem renal. Os dipsticks (fitas reagentes) são úteis para triagem de
casos suspeitos de ITU, principalmente em nível ambu latorial ou no consultório. As fitas detectam esterase
leucocitária (indicativa de piúria) ou atividade redutora de nitrato. A redução de nitrato para nitrito é tempo-de pendente e só é positiva em ITU causada por enterobac térias, pois estas apresentam essa atividade. O valor ne
gativo da fita é o mais importante, pois quando negativas
podem excluir ITU, quando a sintomatologia não for fortemente sugestiva desse diagnóstico. Eritrócitos e
Nos casos de vaginites normalmente há história com patível com doenças sexualmente transmissíveis (DST), por exemplo, mudança de parceiro nas últimas semanas, história prévia de DST, parceiro com algum sintoma uretral; além do aparecimento dos sintomas de forma gradual dentro de várias semanas. A vaginite deve ser considerada na presença conco mitante de um ou mais dos seguintes sintomas: corrimen to vaginal, prurido, secreção com odor fétido, dispaurenia. Assim, parece pouco provável que a paciente do caso apresente esses sintomas devido a uma vaginite. Vale a pena lembrar que há uma estreita relação entre a dor pélvica crônica e a depressão, e esta última pode dificultar ou mesmo impedir o tratamento da primeira. Ainda, causas orgânicas e sociais que justifiquem o quadro depressivo devem ser questionadas na história clínica. Exame simples de urina (urina I) mostrou o seguin te resultado: leucócitos: 13.000 (até 10.000); eritrócitos: 41.000 (até 10.000); ausência de proteinúria ou outros elementos anormais. Mesmo com o resultado normal, a paciente recebeu tratamento para infecção do trato urinário (ITU) baixo.
Juntamente com a história clínica e o exame físico, exames laboratoriais são apropriados para investigação
leucócitos são lisados em urinas com pH maior que 6,
com reduzida osmolaridade ou em análises tardias. Por
tanto, falso-negativo na fita é mais difícil no que em
microscopia. O pH urinário maior que 7,5, detectado por
fitas reagentes, também sugere fortemente ITU. A sensi bilidade dos dipsticks não é tão alta quanto a pesquisa
microscópica de sedimento. Porém, a existência de leucocitúria não sela o diag
nóstico de ITU devido a inúmeras causas de leucocitúria estéril (achado de leucócitos ao exame microscópico e urinocultura negativa), como tuberculose, infecção por fungos, Chlamydia, Gonococcus, Leptospira, Haemophi-
lus, anaeróbios, vírus, etc. Dentre as causas de leucocitú
ria estéril não infecciosa estão: nefrite intersticial, litíase, corpo estranho, rejeição a transplante, terapia com ciclo
fosfamida, trauma geniturinário, glomerulonefrites aguda e crônica, neoplasias, contaminação vaginal, etc. Segundo a quantidade de sangue presente na urina, fala-se em hematúria macroscópica (visível a olho nu) ou
microscópica (visível em pesquisa de sedimento). As principais causas de hematúria são:
• Origem renal: glomerulonefrite aguda ou crônica, nefrite intersticial, pielonefrite aguda e crônica, papilite renal, hidronefrose, rins policísticos, tumo-
CAPÍTULO 52
Cálculos ou tumores em qualquer nível do trato uri nário podem originar hematúria e dor suprapúbica. A pseudo-hematúria deve serdescartada pormeio do ques tionamento sobre consumo de possíveis alimentos (beter raba, amora, etc.) ou de medicamentos (hidrocloreto de fenazopiridina) com corantes que deixam a urina rósea ou de cor avermelhada. Em uma revisão sistemática, a disúria sem corrimen to ou irritação vaginal direciona para o diagnóstico de
CAPÍTULO 52
316 -
Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas
res, trauma, litíase, trombose de veia renal, periar terite nodosa, lúpus eritematoso, púrpura anafilac
toide, tuberculose renal.
necer na maioria dos casos, o agente etiológico causador da infecção e trazer subsídio para a conduta terapêutica.
Confirmada a suspeita clínica e considerando que 85%
• Origem vesical: litíase vesical, corpo estranho, cis
das ITU agudas sintomáticas são causadas porEscherichia coliem mulheres jovens, a terapia da cistite não compli
tite aguda ou crônica, tuberculose vesical, tumor,
cada pode ser instituída. Os antimicrobianos mais utili
traumatismo vesical. • Origem uretral: traumatismo, corpo estranho ou
zados contra cistite não complicada são: sulfametoxazoltrimetoprim, as quinolonas como nitrofurantoína, ácido
litíase, uretrite aguda, prolapso da uretra, ulceração
nalidíxico, ácido pipemídico e as novas quinolonas como
do meato uretral. • Origem sistêmica: púrpuras, hemofilias, leucemias,
norfloxacino e ciprofloxacino. Antibioticoterapia profilá tica tem indicação limitada em infecções do trato urinário
hematúria transitória durante estados febris e outras.
complicadas e, como regra geral, a terapia profilática não
A hematúria como achado isolado em geral está mais
deve serinstituída a não serque estudos clínicos contro lados e randomizados mostrem efetividade em grupos
• Origem ureteral: litíase, tumor
relacionada a cálculos, tumores, tuberculose e infecção
específicos.
fúngica do trato urinário. Quando há hematúria em pa cientes com disúria sem evidência de infecção, é indica
Uma vez pensado em infecção urinária complicada, é necessária a investigação por imagem, buscando-se anor
da citologia da urina e em cistoscopia. A hematúria não
malidades urológicas que predisponham à ITU.
aparece nas uretrites e vaginites de modo geral.
A ultrassonografia é útil para identificar alterações na morfologia do rim (rins policísticos, tumoração, abscessos)
Algumas mulheres com disúria aguda não têm bacte
riúria nem piúria, porém, os sintomas geralmente são
resolvidos após tratamento antimicrobiano. Causas não infecciosas incluem trauma, pós-meno
e a presença de cálculos no trato urinário.
A urografia excretora é questionável, pois em 85% das
pausa, deficiência de estrogênio, ressecamento da muco
mulheres com ITU recorrente tem resultados normais. Pode ser realizada para se obter informações sobre alte
sa uretral e vaginal.
rações anatômicas como dilatação pielocalicial, estenose
pielonefrite aguda, história de infecções recorrentes (três
de junção ureterocalicial, adequação de esvaziamento vesical e presença de obstrução ou cálculo.
ou mais ITU no último ano), e em suspeita de infecção
A uretrocistografia miccional é mais útil para diag
urinária complicada. Fala-se em ITU complicada quando
nóstico de refluxo vesicoureteral em crianças, e em adul tos no pós-transplante renal para afastar refluxo ao rim
A cultura da urina é claramente valiosa em suspeita de
existe um ou mais dos seguintes fatores associados:
transplantado. • Uropatógenos multirresistentes. • Obstrução (tumores, urolitíase, estenose da junção
A cistoscopia tem indicação a casos de bacteriúria estéril e hematúria de origem vesical.
ureteropiélica). • Gravidez. • História de infecção urinária na infância. • Pielonefrite no ano anterior • ITU adquirida no ambiente hospitalar • Anormalidade anatômica ou funcional do trato uri nário (divertículos vesicais, bexiga neurogênica, refluxo vesicoureteral, nefrocalcinose).
• Uso de cateter de demora. • Instrumentação recente do trato urinário. • Alterações metabólicas (diabetes mellitus, insuficiên
cia renal, rim transplantado). • Sintomas por sete dias ou mais antes de buscar
A paciente é vista novamente após dois anos. Re lata que nesse período apresentou os mesmos sintomas: disúria, polaciúria, urgência urinária e dor suprapúbica, agora também noctúria. Os sintomas estão presentes há cerca de um ano, quase diariamente. Já recebeu trata mento para infecção urinária por mais de dez vezes, com norfloxacino, ciprofloxacino e, inclusive, profilaxia com macrodantina, sem melhora alguma. Apresenta vários exames de urina em mãos, todos com resultados semelhantes: pequeno aumento de leucócitos e hema túria. Traz também resultado de três uroculturas, sendo todas normais. A mãe diz que a paciente é muito ansio sa e parece estar novamente com depressão, devido a choro frequente, anedonia e insônia.
cuidados. • Tratamento antimicrobiano recente (último mês).
Resumindo, o caso descrito pode ser definido clinica mente como uma ITU complicada, em que as causas uro
A cultura de urina quantitativa, avaliada em amostra
de urina colhida assepticamente, jato médio, poderá for
lógicas associadas devem ser pesquisadas laboratorialmen te, como existência leucocitúria estéril e hematúria.
Disúria - 317
Assim, é necessário investigara existência de uropa trato urinário e fatores obstrutivos (tumores, litíase).
Uma hipótese a ser considerada neste caso, dentre as
causas infecciosas de cistite crônica, é a tuberculose
vesical, sustentada pela presença de leucocitúria estéril e pela alta incidência do bacilo na população brasileira. A tuberculose urogenital decorre da disseminação he
matogênica de um foco pulmonar ou um gânglio infec tado e raramente se origina de lesão genital. É uma
doença tipicamente de adultos entre 20 e 40 anos de idade predominantemente do sexo masculino (2:1). O envolvimento do trato urinário médio e inferior faz-se por via canalicular descendente. A tuberculose vesical
inicia-se com lesões próximas aos meatos ureterais sob a forma de edema, hiperemia e pequenas úlceras; com a progressão, toda a bexiga é afetada, o que provoca
redução da capacidade vesical. O exame mais importan
• Infecciosas - Glândulas periuretrais e divertículos de uretra (mulher) - Prostatites - Monilíase - Uretrites (Neisseria, clamídia, Trichomonas, herpes) - Tuberculose vesical • Inflamatórias - Cistite intersticial - Litíase vesical e uretral - Pericistite (diverticulite, anexite) - Radioterapia - Endometriose • Neoplásicas - Tumores vesicais infiltrativos - Carcinoma in situ vesical • Outras - Hipoestrogenismo - Bexiga neurogênica (parkinsonismo, acidente vascular cerebral) - Bexiga miogênica (idade) - Ciclofosfamida - Vaginismo
te para a investigação da tuberculose no trato urinário é a urocultura para Mycobacterium tuberculosis, que faz
o diagnóstico em 95% dos casos, porém, a pesquisa deve
Novos exames são programados:
ser feita em três amostras diferentes de urina, já que o
aparecimento de M. tuberculosis na urina se dá de ma neira intermitente. O derivado de proteína purificada
(PPD) (reação intradérmica com tuberculina purificada) é positivo em aproximadamente 95% dos pacientes com
tuberculose urogenital.
Em termos de diagnóstico radiológico da tuberculose,
podemos encontrar evidência da doença ativa ou antiga à radiografia de pulmão; áreas de calcificação na loja renal à radiografia de abdome; deformidade calicial, fibrose de
ureter (ureter em rosário) à urografia excretora e lesões
eritematosas e úlceras rasas junto ao ureter à cistoscopia de bexiga.
Conforme descrito no Quadro 52.1, outras causas de leucocitúria estéril consideradas como hipótese diagnós
Hemoglobina: 13,2. Leucócitos: 8.300. Bastonetes: 2%. Neutrófilos: 76%. Linfócitos: 32%. Plaquetas: 287.000. Velocidade de hemossedimentação: 16. Creatinina: 0,9. Ureia: 24. Sódio: 135. Potássio: 4,1. Cálcio: 9,2. Urina 1: leucócitos: 35.000; eritrócitos: 15.000; proteína: 0. • PPD: não reagente. • Cultura para tuberculose na urina: negativa. • • • • • • • • • • • • •
tica deste caso são as de origens inflamatórias, neoplási
cas, uso de drogas, alteração hormonal e alterações fun
cionais do trato urinário.
Dentre as causas infecciosas, as uretrites e as afecções
Nova urocultura teve resultado negativo.
• Ultrassonografia de rins e vias urinárias: normal. • Urografia excretora: normal.
periuretrais foram descartadas pela história e exame físi co ginecológicos. Assim, resta investigara tuberculose
vesical.
Os novos exames excluem tuberculose e litíase, tor
Das causas inflamatórias, a história clínica nos permi
nando mais provável o diagnóstico de cistite intersticial. A origem neoplásica ainda não deve ser deixada de lado,
te considerara radioterapia, a endometriose e a pericardite
pois é necessário afastaro diagnóstico de câncerem todos
menos prováveis. Então, devemos levarem conta as hipó
os pacientes, independentemente da idade, devido à alta morbidade do câncer de bexiga.
teses de litíase e cistite intersticial. O hipoestrogenismo, a bexiga neurogênica e a bexiga miogênica podem ser
Neste momento, é importantíssima para o esclarecimen
descartados, pelo fato de acometerem pessoas de idade
to do diagnóstico uma cistoscopia, que permite a inspeção
avançada.
visual da bexiga e da uretra no mesmo procedimento.
CAPÍTULO 52
tógenos resistentes, anormalidades anatomofuncionais do
QUADRO 52.1 - Disúria e polaciúria com culturas de urina negativas
CAPÍTULO 52
318 -
Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas
Programa-se uma cistoscopia foi programada. O exame revela pequenas áreas superficiais de hemorragia e pequena ulceração (úlcera de Hunner). Biópsia de várias topografias da bexiga negativa para células neo plásicas. Não há achados, à histopatologia, compatíveis com tuberculose. A paciente recebe amitriptilina com aumento progressivo da dose, chegando a 75mg ao dia. Relata melhora significativa dos sintomas nos seis meses seguintes.
prevalência quando comparado com uma população nor mal; além de existir maior concordância entre gêmeos monozigóticos que entre dizigóticos.
A patogenia da cistite intersticial não está estabelecida e é controversa. A maior parte das evidências sustenta que
os sintomas estão associados a uma anormalidade na per
meabilidade do epitélio da bexiga.
O defeito primário pode ser um aumento da permea bilidade da camada de glicosaminoglicanos, permitindo
Úlceras de Hunner, petéquias e glomerulações na mu
que elementos tóxicos afetem a camada de nervos e a
cosa da bexiga sugerem o diagnóstico de cistite intersticial, porém a simples ausência destes sinais, por si só, não
musculatura da parede da bexiga e causem dore irritação
exclui o diagnóstico. Na cistite intersticial, o diagnóstico
minado fator de antiproliferação (APF) produzido pelo
na fase inicial pode ser essencialmente clínico, apoiado no conjunto de sintomas apresentados e na ausência de outras
epitélio da bexiga doente e que inibe a produção de fato
afecções que justifiquem as queixas.
crescimento e funcionamento do uroepitélio. Fatores
Discorreremos, a seguir sobre cistite intersticial.
na micção. Evidências identificaram um marcador deno
res de crescimento e outras proteínas envolvidas no linfáticos, infecciosos, neurogênicos, autoimunes, hormo nais e vasculares podem estar implicados na patogenia da
DIAGNÓSTICO FINAL
cistite intersticial, porém com menor evidência.
Cistite intersticial.
tabelecido numa fase tardia, quando os sintomas são mais
O diagnóstico de cistite intersticial é comumente es frequentes e intensos. O início é por volta dos 20 anos de idade, de forma intermitente, o que facilita a confusão do
DISCUSSÃO
diagnóstico. Quando os sintomas urinários estão presentes,
A cistite intersticial acomete principalmente pacientes entre 30 e 40 anos de idade, numa proporção entre mu
mais marcante, a confusão pode ser feita com quadros
lheres e homens de 5 a 10:1. A taxa de prevalência tem
sintomas pode surgir após a ingesta de certas bebidas e
variação conforme a definição utilizada, mas há um au mento crescente devido à maior consciência da afecção
comidas (laranja, framboesa, cerveja, café), na fase pré
pelos médicos. A avaliação da incidência incluindo apenas
e longos períodos na posição sentada, como viagens.
os casos avançados subestima a verdadeira frequência da doença. Estudos populacionais relatam prevalência de 10
Muitas vezes, a exacerbação da cistite intersticial é trata
a 865 casos por 100.000 mulheres. A prevalência de dia
no caso relatado, e a melhora se dá pela própria história
gnóstico de cistite intersticial numa população foi de 197 casos por 100.000 mulheres e 41 casos por 100.000 ho
natural da doença e não pelo tratamento antimicrobiano.
mens, ao passo que a prevalência de sintomas correlacio
devem estar presentes há pelo menos seis meses. Há noctúria em 90% das vezes e piora com a progressão
nados com a doença nessa mesma população foi muito mais alta, qual seja: 11% nas mulheres e 5% nos homens.
Análises multivariadas mostram que os sintomas são significantemente mais comuns em mulheres, indivíduos de meia-idade (40 a 59 anos) e com status social mais
pensa-se em cistite bacteriana, e quando a dor pélvica é como endometriose ou vulvovaginite. A exacerbação dos
-menstrual, depois de estresse emocional, atividade sexual
da com antibióticos pensando-se em ITU, como ocorreu
Para o estabelecimento do diagnóstico, esses sintomas
da doença. Polaciúria e urgência miccional são queixas comuns; em média ocorrem 16 micções diurnas, com pe quenos volumes. A dor está presente em 85% dos casos e pode ser sentida na região suprapúbica, períneo, vulva, va
baixo. Pacientes com cistite intersticial têm mais infecções
gina ou na região sacral. Aproximadamente 30% dos quadros
urinárias (risco relativo = 5,1), desordens ginecológicas como endometriose (RR = 7,4), dor pélvica crônica (RR
de dor pélvica crônica em mulheres têm etiologia urológica. Nos homens, a dor pode ser percebida no escroto.
= 5,8), vulvovaginites (RR = 6,9) e doenças crônicas como
Os pacientes com cistite intersticial, principalmente
doença inflamatória intestinal, síndrome do cólon irritável,
aqueles com evolução crônica dos sintomas, comumente
lúpus eritematoso, fibromialgia e alergia atópica. Existe alguma predisposição genética para cistite intersticial,
apresentam depressão secundária. Acredita-se que o es
justificada pelo fato de que um grupo de mulheres adultas,
tratamento da depressão pode ajudaro paciente a conviver
com parentes de primeiro grau com a doença, tem maior
melhor com a doença. Portadores de cistite intersticial
tresse emocional ou físico pode agravar os sintomas. O
Disúria - 319
A urodinâmica pode ser útil para descartarhiperativi dade do detrusor. A sensação de urgência com pequeno
Em média, tais pacientes exibem à os sintomas cor
enchimento vesical é característica e a maioria dos pa
relacionados com a doença sete anos antes do diagnósti
cientes não suporta volumes acima de 350mL. Uma pe
co estabelecido.
quena parcela dos portadores de cistite intersticial (5%)
Em 1987, estudiosos criaram critérios (Quadro 52.2)
pode desenvolver hipotrofia do detrusor em fase avança
na tentativa de padronizar o diagnóstico de cistite inters
da da doença, o que provoca redução da contratilidade da
ticial. Hoje, esses critérios são considerados restritos,
bexiga e, consequentemente, dificuldade de micção.
porém, podem ainda ser úteis em uma abordagem inicial,
O teste de sensibilidade do potássio é um procedimen
para descartar outras possíveis doenças que causam os
to menos invasivo quando comparado com a cistoscopia
mesmos sintomas.
e a hiperdistensão. Apesar de não ser específico e ser
Alguns centros utilizam escalas de sintomas para
doloroso para pacientes com cistite intersticial, esse teste
ajudar no diagnóstico de cistite intersticial, mas, na prá
pode indicar uma boa resposta clínica ao tratamento com
tica, as escalas pouco acrescentam e seu uso é pouco
polissulfato pentosano sódico (PPS). Para realização do
difundido. Entretanto, essas escalas podem ser usadas na
teste, utiliza-se inicialmente a infusão de 40mL de água
monitorização dos sintomas durante o tratamento. Três
destilada na bexiga e após 5min o paciente relata se per
escalas são conhecidas: índice de O’Leary-Sant, para
cebeu urgência e dor pélvica. Depois instila-se na bexiga
avaliar sintomas; escala de dor pélvica, urgência e frequ
uma solução de 40mL com 40mEq de KCl e, passados
ência (PUF) e escala de cistite intersticial da Universida
5min, o paciente relata e quantifica a disúria e/ou a ur
de de Wisconsin.
gência. Medida maior ou igual a 2 no teste com KCl é
A urinálise microscópica e a cultura de urina devem ser
solicitadas a todos os pacientes com disúria, urgência e dor pélvica, para excluir outras possíveis causas de hematúria e infecção.
considerada positiva quando não há sintomas relatados à instilação com água destilada.
O diário miccional pode ser uma ferramenta útil para estabelecero diagnóstico e para avaliaro tratamento. Um
A cistoscopia é indicada, como já dito a casos de hema
estudo mostrou que 97% dos pacientes com cistite inters
túria associada aos sintomas da cistite, para descartar outras
ticial apresentaram, em média, micções com volume in
causas, como neoplasias. Achados precoces à cistoscopia
feriora 100mL.
podem ser glomerulações (pontos hemorrágicos, petéquias) e linhas de hipervascularização. As úlceras de Hunner,
A terapia não farmacológica pode sera base do trata mento. Constitui-se de:
circunscritas por hiperemia de mucosa e centro fibrinoso, sugerem fortemente o diagnóstico de cistite intersticial.
• Educação dos pacientes sobre os sintomas. • Modificações comportamentais para a urgência e a
QUADRO 52.2 - Critérios de inclusão e exclusão para diagnóstico de cistite intersticial • Exclusões - Idade abaixo de 18 anos - Cálculo de bexiga ou ureter pélvico - Tumor vesical - Polaciúria, menos que oito micções ao dia - Cistite pós-radioterapia - Ausência de noctúria - Tuberculose - Duração dos sintomas inferior a nove meses - Cistite bacteriana - Contrações não inibidas (urodinâmica) - Vulvovaginite - Ausência de forte desejo de micção com 150mL (urodinâmica) - Divertículo uretral - Capacidade vesical maior que 350mL (urodinâmica) - Herpes genital ativo - Câncer de útero, colo uterino ou uretra • Inclusões - Úlcera de Hunner - Dor suprapúbica, perineal, uretral, vaginal ou pélvica - Dor durante o enchimento vesical aliviada com o esvaziamento - Glomerulações à cistoscopia após distensão vesical
frequência, como aumentar espontaneamente o número de micções. É o que chamamos de treina
mento vesical. • Redução dos fatores desencadeadores de estresse. • Controle dietético evitando ingesta de alimentos ricos em potássio, que provocam irritação da bexiga, como tomate, chocolate, sucos e frotas cítricas, ál
cool, café, refrigerantes e outros. Os objetivos da terapia farmacológica são restaurara
integridade da superfície da bexiga, modulara disfunção neuronal e reduzir qualquer inflamação coexistente.
O polissulfato de pentosano sódico (PPS) é a única droga oral aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento da cistite intersticial. Essa droga
tem uma estrutura similar à dos componentes da camada
de glicosaminoglicanos da superfície vesical e atua na
restauração da barreira lesionada. A dose utilizada é 100mg, três vezes por dia. O alívio dos sintomas pode aparecer
CAPÍTULO 52
recebem cinco vezes mais tratamento para distúrbios emocionais do que pacientes sem a doença.
CAPÍTULO 52
320 - Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas
vários meses após o início do tratamento e, por esse motivo, o PPS deve ser usado por, no mínimo, seis meses. A hidroxizina é um anti-histamínico oral que diminui
Cistectomia com derivação urinária é a cirurgia radical mais indicada, mas alguns pacientes podem desenvolver dor no reservatório continente, necessitando de PPS oral
a desgranulação dos mastócitos, reduzindo parte da res posta inflamatória.
e/ou heparina intrarreservatório para controle da queixa. Concluindo, cistite intersticial é uma síndrome diag
A dose utilizada desse medicamento é de 25mg, poden
do ser aumentada para 100mg nas exacerbações. A ami triptilina, um antidepressivo tricíclico, controla a dore a
nosticada basicamente por exclusão de outras doenças. Porém, deve ser sempre lembrada à abordagem ao pacien te com quadro de disúria, urgência e dor vesical com
urgência nos pacientes com cistite intersticial, pela neuro
duração superiora uma semana e episódios de recorrência.
modulação. Um recente estudo mostrou que a amitriptilina, na dose de 25 a 75mg por dia, controlou a dor em 60 a 90% dos portadores de com cistite intersticial. Os inibido
res seletivos da recaptação da serotonina, como a fluoxeti na e a sertralina, também são considerados opções válidas. Outro recente estudo randomizado mostrou que a
amitriptilina pode ser segura e efetiva para pacientes com cistite intersticial por mais de quatro meses.
Alguns pacientes podem se beneficiar com a terapia
tripla (PPS, hidroxizina e amitriptilina). Havendo falha do tratamento oral, deve ser conside rada a terapia intravesical. O dimetilsulfóxido (DMSO) é
um solvente orgânico, aprovado pela FDA, que reduz a
inflamação e dessensibiliza as vias aferentes. Pode existir melhora entre 50 e 95% dos casos, porém, a taxa de re missão dos sintomas é alta (40%).
O bacilo Calmette-Guérin (BCG) intravesical deve ser levado em conta quando outras terapias intravesicais fa lharem. Estudos mostraram 21% de melhora, comparados com 12% do grupo-placebo. Pacientes refratários a outras modalidades terapêuticas
podem se beneficiar das intervenções cirúrgicas. A neu romodulação sacral é, atualmente, a abordagem cirúrgica menos invasiva. Consiste na implantação de um gerador de impulso que estimula eletricamente as raízes nervosas sacrais. Em um estudo retrospectivo, 21 pacientes com
falha terapêutica relataram melhora moderada ou impor
tante da dor após o uso da neuromodulação sacral.
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___________________________________
CAPÍTULO
53
Fraqueza e Oligúria Mônica Michelle Braz Fernandes • Cristiano Guedes Bezerra • José Luiz Pedroso
Um homem de 52 anos de idade, divorciado, co merciante informal de perfumes, se apresenta ao pronto-socorro com queixa de fraqueza. Relata que há cerca de três meses vem apresentando desânimo e fraqueza, além de episódios de vômitos, com piora progressiva nas duas últimas semanas. A fraqueza é generalizada, sem relação com os esforços, e vem limi tando suas atividades diárias. Há mais ou menos sete dias notou redução significativa do volume urinário. Relata ainda emagrecimento de 10kg em cinco meses, com inapetência. Portador de hipertensão arterial sis têmica, em uso de enalapril e anlodipino, além de diabetes tipo 2, em uso de metformina. Fez tratamento para depressão com fluoxetina, interrompido há dois anos. Nega tabagismo ou etilismo. Seu filho tem observado que, nos últimos dias, ele vem apresentando períodos de sonolência e apatia, com redução relevante das atividades diárias. O paciente acha que sua memória está prejudicada nas últimas semanas, uma vez que as pessoas com quem convive no trabalho afirmam que repete a mesma coisa várias vezes ao dia e não se lembra de alguns fatos recentes. Nega febre, sudorese ou alterações intestinais nesse período.
Deve-se procurar sempre diferenciara fadiga orgâni
ca da fadiga psicogênica. A fadiga psicogênica é mais prevalente, sendo caracteristicamente mais intensa pela
manhã, e a fadiga orgânica mais intensa ao final do dia e podendo estar relacionada a alguma doença sistêmica. A
fraqueza generalizada apresenta diversas causas, listadas
no Quadro 53.1. Neste caso, a queixa pode corresponder à fadiga (psi
cogênica ou orgânica) ou à fraqueza muscular generali zada. Pode-se inicialmente pensar na hipótese de fadiga psicogênica, já que o paciente tem história de depressão
e, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Trans tornos Mentais (DSM-IV), apresenta alguns dos critérios
diagnósticos de episódio depressivo maior (desânimo,
inapetência, perda ponderal), podendo essa condição estar associada ao quadro de fadiga. No entanto, para fecharo
diagnóstico deste quadro psíquico, é obrigatório excluir que os sintomas façam parte de outra doença orgânica, hipótese fortalecida por outros indícios clínicos (diminuição
QUADRO 53.1 - Causas de fraqueza generalizada
Na abordagem inicial ao paciente com queixa de “fraque za”, é importante o diagnóstico diferencial entre fraqueza
muscular generalizada e fadiga. Fraqueza generalizada é consequência direta do comprometimento da força mus
cular e pode ser confirmada objetivamente por dados do
exame físico ou exames complementares (eletroneuro miografia); ao passo que fadiga é um sintoma subjetivo de mal-estar aversão à atividade física, denotando aspec
tos físicos e mentais.
• Doenças neurológicas (doenças da placa mioneural - miastenia gravis, polineuropatias, polirradiculoneurite aguda - síndrome de Guillain-Barré, polirradiculoneurite crônica, miopatias, paralisia periódica hipocalêmica, esclerose lateral amiotrófica) • Doenças crônicas: insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), anemia crônica, neoplasias, doenças autoimunes, hipotireoidismo, hipertireoidismo • Infecções (endocardite subaguda, hepatites) • Distúrbios metabólicos (uremia, hipercalcemia, hipocalemia) • Drogas (sedativos, betabloqueadores) • Doenças psicológicas (depressão, transtornos somatoformes)
322 -
Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas
CAPÍTULO 53
do volume urinário, vômitos, emagrecimento). Portanto, é essencial um exame físico detalhado para elucidação
diagnóstica.
Ao exame físico, nota-se palidez cutâneo-mucosa moderada, sem demais alterações à inspeção. Ritmo cardíaco regularem dois tempos, sem sopros ou atrito pericárdico, com frequência cardíaca de 88bpm e pres são arterial de 150 × 90mmHg. Ausência de turgência jugular.Propedêutica pulmonare abdominal sem altera ções. Sem edema de membros inferiores. Discretamente sonolento ao exame neurológico, com prejuízo da atenção e da memória. Nervos cranianos sem alterações, sem déficits focais motores ou sensitivos. Força no mínimo grau IV globalmente. Reflexos presentes e si métricos. Flapping presente.
alcalina: 153; tempo de atividade de protrombina/RNI: 13s/1,1; bilirrubinas totais: 0,5; hormônio estimulante da tireoide e tetraiodotironina livre: normais. Os exames revelam hipercalcemia grave, provavelmen
te implicada no quadro de fraqueza musculargeneraliza da que o paciente apresentava há meses; além de retenção de escórias nitrogenadas, anemia normocítica e normo
crômica (padrão de anemia de doenças crônicas) e acido se metabólica que explicam o quadro de encefalopatia/ delirium, oligúria e vômitos de repetição confirmando o
diagnóstico de insuficiência renal. A insuficiência renal
pode ser aguda ou crônica agudizada (uma vez que o paciente apresentava comorbidades como hipertensão
arterial sistêmica e diabetes mellitus e não era conhecida
Diante de um paciente com queixas de oligúria, é
imperioso descartar, ao exame físico, complicações de
grafia de rins e vias urinárias para a diferenciação. O quadro clínico de hipercalcemia é bastante variável.
evidenciam sinais de pericardite ou hipervolemia (não se
Nos casos de hipercalcemia grave e, especialmente, quan do a elevação da calcemia se dá de forma rápida, pode
observa hipertensão grave ou sinais de congestão pulmo
haver sintomas envolvendo sistema nervoso central (con
nar), não foi palpado bexigoma (poderia estar implicado
fusão mental, alterações comportamentais, coma), trato
em insuficiência renal aguda pós-renal devido à hipertro
gastrointestinal (anorexia, náuseas, vômitos, constipação),
fia prostática benigna em homens). No entanto, o exame
renal (poliúria, insuficiência renal), muscular (arritmias,
neurológico associado à anamnese é compatível com um
fraqueza muscular), sintomas estes altamente compatíveis
quadro de delirium hipoativo (início agudo - últimos dias,
com o quadro clínico exposto. Contudo, vale salientar que
segundo os familiares, flutuante, diminuição do nível de
alguns desses sintomas fazem interseção com quadro
consciência, déficit de atenção e pensamento desorgani
clínico de uremia (sintomas gastrointestinais, neurológicos
zado). A presença de flapping associado à queixa de
e constitucionais) e hipercalcemia.
possível síndrome urêmica associada: neste caso não se
oligúria importante sugere encefalopatia urêmica como responsável pelo quadro de delirium hipoativo. Voltando à história clínica, o paciente apresentava episódios de vômitos de repetição que poderiam corresponder à gas
tropatia urêmica. A diminuição de força muscular cons
tatada ao exame físico não parece decorrer de quadro miopático ou neurológico, podendo ser compatível com
padrão metabólico. A queixa de fraqueza antecede em
meses as queixas de oligúria, vômitos e sonolência, po dendo sugerir alteração metabólica anterior ao provável
quadro de insuficiência renal. Para complementação da investigação, são feitos exames iniciais: hemoglobina: 10,1; hematócrito: 29; volume corpuscular médio: 85; plaquetas: 242.000; leucograma: 12.500 (diferencial normal); velocidade de hemossedimentação (VHS): 30; desidrogenase lática: 292; ureia: 276; creatinina: 6,9; sódio: 132; potássio: 5,1; cálcio iônico: 2,1; cálcio sérico: 13,9; fósforo: 4,1; glicose: 105; gasometria venosa: pH, 7,29; bicarbonato, 18; creatina fosfoquinase: 19; albumina: 4,5; globulina: 3,8; aspartato aminotransferase: 23; alanina aminotrans ferase: 18; gama-glutamiltransferase: 45; fosfatase
Após identificação das alterações laboratoriais iniciais, novos exames são realizados: eletroforese de proteínas: hipergamaglobulinemia policlonal; sorolo gias para hepatite B e C: negativas; anti-HIV (ELISA): negativa; urina 1: proteínas: 1+, sem leucocitúria ou hematúria microscópica e de cristais de oxalato de cálcio, presença de cilindros granulosos. Pesquisa de proteína de Bence-Jones na urina: negativa, ausência de dismorfismo eritrocitário ou eosinofilúria. Parator mônio (PTH) sérico: normal. Ultrassonografia de rins e vias urinárias mostra rins de tamanho normal e relação corticomedular preservada. A carência de achados ultrassonográficos sugestivos de nefropatia crônica é compatível com deterioração aguda da função renal, provavelmente secundária à hiper
calcemia. As principais causas de hipercalcemia são o hiperpa ratireoidismo primário e neoplasias (cerca de 90% de todos os casos). O primeiro corresponde à maioria dos
casos ambulatoriais, sendo responsável por níveis de hi percalcemia leve a moderada, cujo quadro clínico é bran
do ou assintomático, ao passo que as neoplasias respondem
978-85-4120-074-5
função renal prévia), sendo necessária uma ultrassono
Fraqueza e Oligúria - 323
QUADRO 53.2 - Causas de hipercalcemia
CAPÍTULO 53
• Aumento do paratormônio: hiperparatireoidismo, produção ectópica do PTH • Aumento da vitamina D (calcitriol): aumento excessivo da ingesta, aumento da conversão do calcitriol em tecidos granulomatosos (sarcoidose, tuberculose, hanseníase, granulomatose de Wegener) e no linfoma • Aumento da reabsorção óssea: metástases ósseas, mieloma múltiplo, doença óssea de alto turnover (Paget), imobilização prolongada • Ingesta excessiva de cálcio: síndrome álcali-leite • Distúrbios endócrinos: hipoaldosteronismo, síndrome de Cushing, feocromocitoma, acromegalia, tireotoxicose • Drogas: diuréticos tiazídicos, lítio, ganciclovir, tamoxifeno • Hipercalcemia hipocalciúrica familiar
pela maioria das elevações do cálcio em pacientes inter
978 85 4120 074
5
nados, em que o quadro costuma ser mais sintomático, por
geralmente corresponder à hipercalcemia grave. As diver sas causas de hipercalcemia estão listadas no Quadro 53.2.
Na abordagem à hipercalcemia, deve-se solicitar ini
Figura 53.1 - Radiografia de tórax, posteroanterior: adenopatia hilar bilateral.
cialmente o PTH, para se descartar hiperparatireoidismo, etiologia pouco provável neste caso, por se tratar de hi percalcemia grave e não estar associada à hipofosfatemia. Sendo o PTH normal, devem-se posteriormente descartar
as causas neoplásicas, fazendo-se o rastreio poranamne se, exame físico e exames complementares, visando aos
tumores mais comumente relacionados (pulmão, mama, mieloma múltiplo, rim). Ainda dentro das causas neoplá sicas, podem-se diferenciaras causas de hipercalcemia
QUADRO 53.3 - Causas de adenopatia hilar bilateral • Neoplásicas: linfoma (em 50% na doença de Hodgkin), metástase, leucemia, carcinoma broncogênico, plasmocitoma • Inflamatórias: sarcoidose (em 70 a 90% dos casos), silicose, histiocitose X • Infecciosas: tuberculose, histoplasmose, paracoccidioidomicose, criptococose, infecções virais mono-like, brucelose, tularemia • Outras: pneumoconiose
por produção ectópica de PTH, em que há aumento séri co do marcadorPTHrp, e aquelas que produzem hiperca
lemia por metástases ósseas, que podem ser visualizadas em exames de imagem (radiografia simples, cintilografia óssea). Uma vez descartadas causas mais prevalentes,
devem-se investigar etiologias mais raras. Detectados novos achados importantes nos exames de imagem preliminares: a radiografia de tórax (Fig. 53.1) revela aumento dos linfonodos hilares bilateral mente e a radiografia simples de abdome é sugestiva de nefrocalcinose.
Adenopatia hilar bilateral é um achado típico, mas não
específico de sarcoidose; portanto, é necessário pensarem
outras causas possíveis (Quadro 53.3). A sarcoidose pode envolver diretamente os rins através
de granulomas sarcoídicos, o que ocorre em menos de
5% das vezes. A principal causa de comprometimento renal é a hipercalcemia (hipótese fortalecida pela presen
ça de nefrocalcinose).
Como o paciente se encontrava em urgência dialí tica (azotemia aguda, confusão mental, flapping
presente e oligúria), foi indicada hemodiálise de urgên cia e feito tratamento específico para hipercalcemia, incluindo corticoterapia sistêmica devido à suspeita clínica de sarcoidose. O paciente evolui bem, com re cuperação completa da função renal, não necessitando de terapia renal substitutiva permanente. Após estabilização inicial do quadro, amplia-se a investigação com solicitação de novos exames: a to mografia computadorizada do tórax confirma a linfa denopatia hilar bilateral e evidencia infiltrado intersti cial difuso de padrão reticular.A dosagem da enzima conversora de angiotensina (ECA) está elevada. Após informação de possível doença pulmonar intersticial associada, o paciente relata que seu irmão fora tratado para tuberculose há aproximadamente 20 anos e que há quatro meses apresentava tosse seca que atribuía a uma “gripe mal curada”. Diante dessas novas informações, solicitam-se três amostras de pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente (BAAR) no escarro indu zido por inalação de salina a 3%, que resultam negativas; apresenta resposta anérgica ao PPD.
O padrão tomográfico é compatível com sarcoidose e nos permite, inclusive, classificara doença como grau II
324 - Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas
CAPÍTULO 53
(adenopatia hilar associada a comprometimento parenqui
matoso). O PTH normal e a dosagem da ECA elevada também corroboram esse diagnóstico e praticamente
DISCUSSÃO
afastam o hiperparatireoidismo como causa da hipercal
A sarcoidose é uma doença granulomatosa sistêmica, de etiologia indefinida, que acomete normalmente indivíduos
cemia. Após insistência à anamnese, o paciente revelou
de 20 a 40 anos de idade, mais comum em mulheres e
informações importantes anteriormente desconhecidas, e
não fumantes.
mesmo depois de contato com tuberculose, o paciente
A sintomatologia é muito variada, pois a doença pode
apresenta resposta anérgica à tuberculina. Nesse momen
afetaros mais diversos órgãos, podendo tero espectro de
to, é imperiosa uma biópsia pulmonar, uma vez que po
doença assintomática, apenas com manifestação radioló
deríamos estar diante de tuberculose miliar (tuberculose
gica, até de doença aguda, que se apresenta com quadro
de reativação no imunocomprometido, que caracteristica
constitucional, eritema nodoso, artralgias e febre. O aco metimento e, portanto, os sintomas mais comuns são os
mente se manifesta com baciloscopias negativas e PPD não reagente) ou, o que é mais provável devido aos outros
achados clínicos, de sarcoidose.
gangliopulmonares, porém, podem ocorrer envolvimentos
hepático (colestase, hipertensão portal, síndrome de Budd-
Chiari), ocular (uveíte anterior ou posterior), cutâneos Procede-se, então, à broncoscopia com lavado broncoalveolar e à biópsia transbrônquica, que revela granulomas não caseosos, sendo a pesquisa de BAAR e fungos negativa e, portanto, compatível com granu lomas sarcoídicos - granuloma seco (Fig. 53.2). O paciente recebe alta para acompanhamento ambulatorial com indicação clínica de corticoterapia sistêmica.
(eritema nodoso, lúpus pérnio, nódulos subcutâneos, pla cas cutâneas), osteoarticulares (artralgia, cistos ósseos em
falanges), neurológicos (paralisia facial, meningite, lesões expansivas) e até cardíacos (distúrbios de condução, ar
ritmias, insuficiência cardíaca). De acordo com a apre
sentação clínica, a sarcoidose pode ser dividida em aguda ou crônica. Na forma aguda (com menos de dois anos),
o curso tende a ser autolimitado e ter resolução espontâ nea, podendo-se definir duas síndromes clássicas, acom
DIAGNÓSTICO FINAL
panhando o quadro de febre, astenia, anorexia e sintomas
pulmonares (tosse, dispneia): síndrome de Löefgren, em
• Hipercalcemia secundária à sarcoidose.
que se apresentam uveíte, eritema nodoso, artrite ou ar
• Insuficiência renal aguda com nefrocalcinose.
tralgia e adenopatia hilar, e síndrome de Heerfordt-Wal-
• Sarcoidose.
denström, caracterizada por febre, aumento de parótida,
paralisia do nervo facial e uveíte anterior.A forma crôni ca, apesar de ser mais oligossintomática, marcada por sintomas predominantemente respiratórios, tem maior propensão de evoluir para acometimento irreversível dos
órgãos afetados, em especial o pulmão (fibrose pulmonar). Um indício essencial em sarcoidose, para guiardiagnós tico, tratamento e estadiamento, é a radiografia de tórax.
O diagnóstico de sarcoidose é baseado em três pilares: quadro clínico-radiológico compatível, comprovação de acometimento orgânico por granulomas sarcoides por
meio de biópsia e exclusão de outras etiologias de doen ça granulomatosa difusa. Alguns achados laboratoriais podem ser comumente encontrados, apesar de não haver qualquer achado específico. Os mais comuns são alterações
Figura 53.2 - Granuloma em biópsia transbrônquica. Nódulo parenquimatoso com células gigantes (seta), poucos linfócitos ao redor e ausência de necrose (gra nuloma seco). Imagem cedida pelo Professor Dr. Rimarcs Ferreira, do Departamento de Patologia da Universi dade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP - EPM).
no hemograma (leucopenia, anemia, plaquetopenia, mo nocitose e eosinofilia) aumento da VHS, hipergamaglo bulinemia, alterações no hepatograma, aumento da ECA e hipercalcemia. O aumento da ECA pode ser encontrado com frequência de 40 a 90% nessa doença, porém não é
específica, podendo estar elevada em outras doenças (tu berculose, linfoma, silicose, asbestose, hanseníase, pneu
monia de hipersensibilidade), além de não ter valor
Fraqueza e Oligúria - 325
fígado, baço) ou muito intensas e deformantes (pele, parótida, osteoarticulares, vias aéreas). As lesões pulmo
nhamento durante o tratamento, tendendo a se normalizar
nares de graus I e II podem ser inicialmente acompanha
quando a doença está inativa. A hipercalcemia, decorren
das (têm chance de regressão espontânea). Porém, se não
te do aumento de produção de calcitriol no tecido granu
houver regressão ou ocorrer piora do quadro, a corticote
lomatoso, pode ser encontrada em 11 a 60% dos pacien
rapia em geral é indicada. Já a lesão pulmonar de grau
tes acometidos e geralmente reflete atividade de doença
III, porteruma chance baixa de regressão espontânea, é
e demanda tratamento específico, em especial se for per
quase sempre tratada assim que diagnosticada. No grau
sistente, neste caso podendo provocar hipercalciúria
IV há fibrose instalada, resposta terapêutica frustra, po
persistente, nefrocalcinose e insuficiência renal. Hipercal
dendo existir regressão apenas parcial. Muitas vezes, o
ciúria sem hipercalcemia é frequente. A classificação
tratamento contínuo torna-se necessário pelo comprome
radiológica da sarcoidose é fundamental, pois junto às
timento sistêmico associado.
manifestações clínicas dita o tratamento:
BIBLIOGRAFIA • Grau 0: radiografia de tórax normal, com evidência
de lesão extrapulmonar • Grau I: linfonodomegalia hilar bilateral, com ou sem
adenopatia paratraqueal, sem acometimento paren quimatoso. • Grau II: linfonodomegalia hilar associada ao aco
metimento parenquimatoso. • Grau III: acometimento parenquimatoso pulmonar
isolado. • Grau IV: acometimento parenquimatoso com sinais
de fibrose pulmonar como retrações e formações
bolhosas.
O tratamento da sarcoidose se baseia em corticoterapia sistêmica, o que comprovadamente previne a evolução para cegueira, fibrose pulmonar, hipertensão pulmonar, reverte a hipercalcemia e alivia a sintomatologia. Devem
ser tratados pacientes com manifestações extrapulmonares
em órgãos nobres (olhos, coração, sistema nervoso central,
BAUGHMAN, R. P.; SELROOS, O.: Evidence-based approach to treatment of sarcoidosis. In: GIBSON, P. G. et al. (eds.): Evidere basal reçkárry mβdkire Oxfoid: BMJ Books Blackwell, 2005, p. 491-508. BETHLEM, E. P. Sarcoidose. In: LOPES, A. C. et al. Tr^adode ChrkaMélka São Paulo: Roca, 2006. p. 2737-44. BILEZIKIAN, J. P. et al. Summary statement from a woikshop on asymptomatic primaiy hypeipaiathyroidism: a perspective forthe 21st centuiy. J. BcneMin Res, v. 17, suppl. 2, N2, 2002. HUNNINGHAKE, G. W. et al. ATS/ERS/WASOG statement on sarcoid osis. American Thoracic Society/European Respiratoiy Society/ World Association of Sarcoidosis and other Granulomatous Disotders. SarddcàsVaBC. DifftBeLcrgDis, v. 16, p. 149, 1999. JUDSON, M. A.; ACCESS RESEARCH GROUP. Defining organ involvement in sarcoidosis: The ACCESS proposed instrument. SavddcHsVas. DiffiBeLtrgDis, v. 16, p. 75, 1999. NEWMAN, L. S. et al. A case control etiologic study of sarcoidosis: Environmental and occupational risk factors. Am. J. Re^rir. Crit Ca-eMβl., v. 170, p. 1324, 2004. YEAGER, H. et al. Pulmonary and psychosocial findings at enrollment in the ACCESS study. SarddcasVas. DífvseLirgDis, v. 22, p. 147, 2005.
CAPÍTULO 53
prognóstico, refletindo apenas maior acometimento gra nulomatoso, sendo usada mais comumente no acompa
___________________________________
CAPÍTULO
Hiponatremia Alessandra Billi Falcão • José Luiz Pedroso
Um homem de 39 anos de idade é encaminhado para internação devido à hiponatremia identificada na vigência de confusão mental. O paciente começou a ficar confuso há duas semanas, quando a esposa per cebeu atitudes estranhas, como riso imotivado, fala desconexa e respostas inadequadas, além de dificulda de para realizaras tarefas diárias em casa. Por duas vezes, chegou a se perder pelo bairro onde mora. Pas sou por consulta em pronto-socorro, sendo identificada hiponatremia. O paciente não tem qualquer doença prévia. Nega episódios anteriores de confusão mental e uso de medicações. Não é etilista e tabagista. A espo sa nega que o paciente faça uso de drogas. Nega viagens recentes ou contato com qualquer tipo de animal.
A hiponatremia com hipo-osmolalidade pode resultar da depleção de solutos (nomeadamente sódio) relativa
mente à água corporal, ou da retenção primária de água no organismo, com consequente diluição dos solutos
(Quadro 54.1). Pode ser hipovolêmica quando a perda de sódio for maior do que a de água, como em casos de
diarreia, vômitos, uso de diuréticos e insuficiência adrenal; hipervolêmica, quando a retenção de água for maior do que a de sódio, como em insuficiência cardíaca conges
tiva, cirrose hepática e estados edematosos; ou ainda isovolêmica, quando não houver alteração do volume, como em estados de aumento da secreção de hormônio
antidiurético (ADH) e na síndrome da secreção inapro
priada do ADH (SIADH). Os sintomas do paciente se encaixam em uma síndrome
O paciente em questão não tem cirurgias anteriores, o
neurocomportamental causada pelo comprometimento
que descarta a hipótese de hiponatremia pós-operatória.
transitório da atividade cerebral, invariavelmente secun
Por não fazer uso de medicações diariamente e não apre
dário a distúrbios sistêmicos, denominada delirium. Ca
sentarem sua história ingesta excessiva de líquidos ou
racteriza-se por início súbito, curso flutuante e por se
quadro de vômitos e diarreia, estas causas também se tor
manifestar com comprometimento global das funções
nam improváveis. Como não possui doenças prévias, insu
cognitivas, distúrbio da atenção e do ciclo sono-vigília e
ficiência cardíaca congestiva, doença hepática e nefropatia
atividade psicomotora anormalmente elevada ou reduzida.
são menos prováveis, embora não possam ser descartadas
O delirium é uma síndrome de etiologia multifatorial
sem a realização dos exames físico e laboratorial. Dessa
que combina variáveis individuais, situacionais e farma
forma, dentre as principais causas de hiponatremia, a mais
cológicas. As principais causas são: doenças do sistema
provável é a de SIADH. Porém, para que isso se confirme,
nervoso central (epilepsia, traumatismo cranioencefálico,
alguns exames têm de ser feitos, pois serão úteis para
infecções), doenças sistêmicas (insuficiência cardíaca,
avaliação de tal hipótese.
encefalopatia hepática e urêmica, pós-operatório), distúr bios hidroeletrolíticos (distúrbios do cálcio, hipernatremia
ou hiponatremia, sendo esta última encontrada no pacien te em questão) e intoxicação ou abstinência de agentes
farmacológicos ou tóxicos (sedativos, antiacetilcolina,
álcool, insulina).
A esposa informa dados importantes: o paciente vinha apresentando cefaleia diária há cerca de três se manas, holocraniana, com piora progressiva e preju dicando o sono. Não há história pregressa de cefaleia. Há cerca de uma semana, vem apresentando episódios de febre quase diários, chegando a 38°C. Nega tosse,
Hiponatremia - 327
QUADRO 54.1 - Causas de hiponatremia
sas. O trauma e o AVC tornam-se menos prováveis
diante dos novos dados fornecidos pela esposa as
sociados à história inicial. Já as lesões com efeito de massa e doenças inflamatórias e infecciosas
continuam sendo boas hipóteses, devido aos novos dados fornecidos: de cefaleia progressiva, febre e
perda ponderal. • Doença pulmonar: insuficiência respiratória aguda,
ventilação mecânica, tuberculose e abscessos pul monares. A ausência de tosse ou dispneia toma
essas hipóteses pouco prováveis, embora o quadro de tuberculose não possa ser descartado porcomple to, uma vez que o paciente exibe quadro de perda ponderal e febre diária há cerca de uma semana,
compatível com esta enfermidade. • Câncer: pulmão, mediastino, rins, outros. A hipóte
se de neoplasia também não pode ser afastada
diante da história relatada pelo paciente, porém, exames precisam ser realizados para sua investigação. • Pós-operatório: esta possibilidade está descartada, pois o paciente não passou por procedimentos ci
rúrgicos.
dor abdominal ou alterações urinárias. Houve perda de 4kg no último mês, com inapetência discreta. Nega contato com pessoas enfermas e internações recentes. É natural e procedente de São Paulo e não tem contato com o meio rural.
O exame físico revela: inspeção sem alterações (corado e hidratado), com pressão arterial de 130 × 80mmHg e frequência cardíaca de 90bpm, ausculta cardiovascular com RR2T e BNF; ausculta respiratória sem alterações; abdome com ruídos, tensão normal, com baço e fígado não palpáveis; pulsos presentes e sem edemas. O exame neurológico evidencia desorien tação no tempo e no espaço, com confusão mental significativa e sonolência, além de discreta rigidez de nuca. Não há outras alterações ou déficits focais ao exame neurológico. Fundo de olho e pupilas normais.
A SIADH é a principal causa de sódio sérico reduzido.
Pelo exame físico ficamos com a hipótese principal
Seu diagnóstico se toma mais provável quando as outras
de hiponatremia hipotônica euvolêmica, uma vez que o
causas de hiponatremia hipotônica euvolêmica são afas
paciente não apresenta sinais compatíveis com desidrata-
tadas. Dentre elas temos o hipotireoidismo, a insuficiência
ção/hipovolemia, nem com hipervolemia/estados edemato
adrenal e os transtornos psiquiátricos (polidipsia primária),
sos, o que toma pouco provável que insuficiências cardíaca,
estando praticamente descartadas para o paciente em ques
hepática ou renal sejam responsáveis pelo quadro clínico
tão, visto que este não apresenta sintomas sugestivos de
do paciente. Dentre as causas de hiponatremia hipotônica euvolê
tais enfermidades e nem faz uso de medicações que sugi
ram que já fosse portador de alguma dessas afecções. Considerando-se a SIADH como a principal hipótese
para essa hiponatremia o diagnóstico diferencial deve incluiras seguintes possibilidades:
mica, a principal hipótese continua a ser a de SIADH, embora ainda não haja até o momento exames laboratoriais que a confirmem. Por sua vez, entre as principais causas de SIADH, a
mais compatível com o exame físico do paciente é a de • Doença do sistema nervoso central: acidente vas
infecção do sistema nervoso central, pois se observa um
cularcerebral isquêmico, acidente vascular cerebral
quadro de rigidez de nuca, sonolência e confusão mental
hemorrágico, hemorragia, lesões com efeito de
em paciente com história de cefaleia progressiva, febre
CAPÍTULO 54
• Causas tóxicas - Secundárias à ingestão excessiva de água ■ Fluidos orais excessivos ■ Fluidos endovenosos hipotônicos - Secundária à perda de sódio excessiva ■ Diuréticos ■ Síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIADH) desencadeada por drogas ■ Amitriptilina e outros antidepressivos tricíclicos ■ Carbamazepina ■ Clorpropamida e tolbutamida ■ Clofibrato ■ Ciclofosfamida e vincristina ■ Fluoxetina ■ Inibidores da monoamina oxidase ■ Anti-inflamatórios não esteroidais ■ Oxitocina ■ Fenotiazínicos ■ Somatostatina ■ Tiotixeno • Causas não tóxicas - Insuficiência cardíaca congestiva - Diarreia - Hipotireoidismo - Doença hepática - Deficiência de mineralocorticoide (doença de Addison) - Nefropatia - Polidipsia psicogênica - Hiponatremia pós-operatória - Reidratação com fluidos hipotônicos - SIADH por causas não tóxicas - Síndrome da imunodeficiência adquirida - Carcinomas - Alterações do sistema nervoso central - Dor ou estresse pós-operatórios - Infecções e lesões pulmonares - Vômitos
massa, trauma e doenças inflamatórias ou infeccio
CAPÍTULO 54
328 - Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas
diária e perda ponderal. Dentre as infecções do sistema
hiponatremia significativa e sintomática, sendo a faixa de
nervoso central as que devem ser avaliadas com mais
normalidade do sódio sérico entre 135 e 145mEq/L, iniciou-
atenção são as subagudas e as crônicas, devido ao quadro
se a reposição de sódio com NaCl a 3%.
mais arrastado. Como o paciente tem alteração do nível e conteúdo da consciência (sonolência e confusão mental),
devemos utilizaro termo encefalite. As causas mais prová veis nesse contexto seriam encefalite herpética (apesarda
história um pouco mais arrastada para tal etiologia), tuber culose e criptococose. Lesões com efeito de massa no siste
ma nervoso central são menos prováveis frente à ausência de sinais localizatórios ou de hipertensão intracraniana,
neurotoxoplasmose em paciente imunossuprimido (HIV), também deve ser considerada. Ainda assim não podemos afastara hipótese de neoplasias em outros locais, uma vez
que o paciente pode apresentar uma carcinomatose menín gea que pode se comportarde forma semelhante em relação à história e à sintomatologia descritas anteriormente.
Alguns exames solicitados: hemoglobina: 11,5; volume corpuscular médio: 80; velocidade de hemos sedimentação: 65; leucócitos: 8.700, com diferencial normal; plaquetas: 198.000; creatinina: 0,9; ureia: 32; sódio: 119; potássio: 4; cálcio: 8,6; magnésio: 1,8; as partato aminotransferase: 23; alanina aminotransferase: 34; gama-glutamiltransferase: 45; fosfatase alcalina: 126; bilirrubina direta: 0,5; bilirrubina indireta: 0,4; atividade de protrombina: 98%; relação normalizada internacional (RNI): 1,1; albumina: 3,4; globulina: 2,1; ácido úrico: l,5mg/mL; osmolaridade sérica efetiva: 260mOsm/kg. A urina I tem resultado normal, assim como a radiografia de tórax. O sódio urinário é de 45mEq/L, osmolaridade urinária: 123mosmol/kg. Ini ciada a reposição de sódio.
A principal hipótese após a coleta de líquoré de uma síndrome meníngea subaguda ou crônica caracterizada porpleocitose linfocítica, baixa concentração de glicose e alta quantidade de proteínas. Os principais diagnósti-
Diante dos exames laboratoriais, algumas causas podem
ser excluídas definitivamente, como insuficiências hepá
tica e renal, uma vez que o paciente apresenta tanto a
função hepática quanto a renal dentro dos valores de normalidade. Infecções pulmonare urinária também podem
ser postas em segundo plano, pois ele tem leucograma,
radiografia torácica e urina I sem alterações. Podemos ainda fechar o diagnóstico de SIADH para
este paciente, pois ele exibe as principais características da SIADH, que são: hiponatremia euvolêmica, ureia e
creatinina normais, concentração sérica de ácido úrico baixa, osmolaridade sérica efetiva menor que 275mOsm/kg e urina concentrada e hipertônica (osmolaridade urinária
superiora 100mosmol/kg e sódio urinário maior que
20mEq/L); e, segundo, porque outras causas de hiponatre mia euvolêmica já foram excluídas. Porém, ainda é neces sário que se chegue à causa da SIADH. Pelo quadro de
Figura 54.1 - Ressonância nuclear magnética com ponderação em T1, revelando pequenas lesões na base do crânio com captação de gadolínio.
978-85-4120-074-5
mas precisam ser afastadas com exames de imagem. A
A tomografia computadorizada revela pequenas alterações na base do crânio. A ressonância nuclear magnética (Fig. 54.1) evidencia pequenas lesões expan sivas na base do crânio, com captação de contraste. O líquido cefalorraquidiano tem o seguinte resultado: células: 127 células/mm3; linfócitos: 87%; monócitos: 10%; neutrófilos; 3%; proteínas: 345mg/dL; glicose: 17mg/dL; adenosina desaminase (ADA): 17U/l. Rea ções para toxoplasmose, herpes, citomegalovírus e cisticerco negativas. Cultura para bactérias e Gram também negativas. VDRL não reagente. Ausência de células neoplásicas. Sorologia para HIV (ELISA) ne gativa. O paciente recebe tratamento empírico para tuberculose com esquema RIP (rifampicina, isoniazida e pirazinamida) e prednisona, com discreta melhora. Persiste sonolento e confuso, com sódio sérico reduzi do, a despeito da reposição.
Hiponatremia - 329
978 85 4120 074
5
também não foram diagnosticados pelo líquido cefalor raquidiano, embora as reações diretas apresentem baixa
que o núcleo do abscesso piogênico é composto de pus e
numerosos bacilos tuberculosos, em oposição ao tuber culoma, que tem caseificação sólida e poucos ou nenhum bacilo. À tomografia computadorizada de crânio, o abs
cesso piogênico tem paredes delgadas, lisas e é muito
sensibilidade. O método mais específico e sensível para a pesquisa de herpes e citomegalovírus é a reação em cadeia da polimerase (PCR). Celularidade aumentada,
traste, frequentemente são observados realce das paredes
com predomínio de linfócitos, proteína elevada e glico se baixa são altamente sugestivas de infecção meníngea
presente. Já no tuberculoma, a lesão pode apresentar-se
pelo bacilo da tuberculose. A PCR para tuberculose tem alta especificidade, mas sua sensibilidade está em torno de 30 a 70%. Culturas de repetição do líquido cefalor
sidade variável, na qual, após a administração do contras
raquidiano podem ser úteis para identificação do bacilo. A Tabela 54.1 permite diferenciara etiologia das principais causas de meningites (bacterianas, virais, ou tuberculosa). Ao se realizarem os exames de imagem, observaram
-se à tomografia computadorizada de crânio pequenas lesões na base do crânio e à ressonância nuclearmagné tica com ponderação em T1, lesões na base do crânio com
captação de gadolínio. O líquor associado a essas imagens (sugestivas de tuberculoma) localizadas na base do crânio
toma a hipótese de tuberculose do sistema nervoso central a mais provável. O diagnóstico diferencial dos tubercu lomas se faz com toxoplasmose, criptococose, sífilis,
regular na sua espessura. Após a administração do con da lesão e limitação do edema periférico, que está sempre de forma redonda ou lobulada, imagem sólida com den
te, pode ser observada alguma irregularidade na espessu ra da parede. A ressonância nuclear magnética com Gd-GDTA é o exame de escolha para detecção de com
prometimento cerebral mínimo.
Uma vez que se suspeitou de tuberculose do sistema
nervoso central, foi introduzido prontamente o esquema RIP, pois a terapia tuberculostática precoce, além de efi
caz, melhora o prognóstico. Associado ao esquema RIP, utiliza-se corticoide, pois se acredita que os corticoides interrompam o seguinte processo: a expansão dos tuber culomas teria base imunológica e as drogas tuberculostá
ticas causariam destruição das estruturas das micobactérias e liberação de proteínas do bacilo que, por sua vez, pro
vocariam reação de hipersensibilidade. Os pacientes com
sarcoidose, histoplasmose, nocardiose, linfoma primário
tuberculose sem tratamento fatalmente evoluem para
do sistema nervoso central e abscessos piogênicos. Toxo plasmose e criptococose no sistema nervoso central são
óbito em poucos meses.
improváveis, pois o paciente tem sorologia negativa para HIV. Linfoma primário do sistema nervoso central também é mais observado em pacientes com imunodeficiência,
geralmente se mostra como uma lesão única periventri culare é na verdade um diagnóstico de exclusão. Quanto à diferenciação com os abscessos piogênicos, observa-se
Novas coletas de líquido cefalorraquidiano são realizadas. Em uma delas, identifica-se crescimento de Mycobacterium tuberculosis. Com a manutenção do tratamento, o paciente tem melhora progressiva do nível de consciência. Persiste hoje, após o tratamen to, com déficit cognitivo moderado como sequela neurológica.
TABELA 54.1 - Classificação das características do líquido cefalorraquidiano de acordo com cada etiologia Meningite
Pressão (cmH2O)
Leucócitos (mm3)
Proteínas (mg/dL)
Glicose (mg/dL)
Normal
5-20
Até 4 linfócitos (50 - 70%) e monócitos (30-50%)
Ventricular: até 25mg/dL Suboccipital deitada: até 30mg/dL Lombar: até 40mg/dL
2/3 da glicemia
Bacteriana
Geralmente elevada
>500 Predomínio de neutrófilos
Aumentada 100-500 (às vezes, > 1.000)
Muito diminuída (< 40)
Viral
Normal ou moderadamente elevada
45: altamente sugestivo de crise tireotóxica
Náusea/vômitos Dor abdominal
Severa
20
Icterícia inexplicável
• Aumento do cálcio e da fosfatase alcalina pelo au
mento da atividade osteoclástica. • Hipocalemia pela hiperatividade simpática. • Aumento de AST, ALT e bilirrubinas. • Eletrocardiografia com taquiarritmia (fibrilação
atrial). • Aumento dos níveis séricos de T3 e T4 livres e TSH
suprimido.
EVOLUÇÃO Depois de confirmados os diagnósticos de pneumonia e crise tireotóxica secundária a bócio multinodular, foram
continuados os tratamentos instituídos: antibioticoterapia e tratamento para a crise tireotóxica, descrito a seguir
TRATAMENTO O tratamento da crise tireotóxica baseia-se em três princí pios: a correção da tireotoxicose, visando à diminuição da produção e da secreção de hormônios tireoidianos, além de sua ação em órgãos e sistemas; a correção das alterações clínicas já instaladas; e o tratamento da causa precipitante. Para o bloqueio da síntese e da secreção hormonal, as drogas mais indicadas são as tionamidas, capazes de bloqueara organificação do iodo já na primeira hora após a sua administração. A droga de escolha é a propiltioura cila (PTU) que, quando administrada em altas doses, é capaz de inibira conversão de T4 em T3, levando à re dução mais rápida dos níveis hormonais. O metimazol (MMI), com menor ação na conversão periférica dos hormônios, é a segunda droga utilizada. As doses reco mendadas são (via oral, por sonda ou via retal):
Vale observar que após instituído o tratamento específico,
o ritmo cardíaco permaneceu sinusal, fato muito comum de acontecer sendo raros os casos em que a fibrilação
permanece.
• PTU: ataque de 600 a 1.000mg, seguido de 200 a 300mg a cada 6 ou 4h (dose máxima recomendada: 2.400mg/dia).
CAPÍTULO 58
Disfunção cardíaca
Termorregulação
CAPÍTULO 58
354
- Doenças do Sistema Endócrino
• MMI: 20mg a cada 4 ou 6h (dose máxima recomen dada: 120mg/dia).
Apesar de bloquear a síntese e a secreção hormonal, tanto a PTU como o MMI são incapazes de inibir o hormônio tireoidiano pré-formado, exigindo, assim, outras formas de tratamento. A inibição da proteólise do coloide e a consequente não liberação de T4 e T3 na corrente sanguínea podem ser obtidas pela administração de iodo inorgânico (efeito Wolff-Chaikojf). Esse efeito paradoxal da sobrecarga de iodetos é transitório, por isso, fica restrito à fase aguda, devendo ser administrado 1h após o uso do antitireoidiano, impedindo assim um aumento indesejável inicial da produção e da secreção dos hormônios tireoidianos. As drogas são (vias oral, retal, parenteral): solução saturada de iodeto de potássio; solução de lugol; ácido iopanoico ou ipodato de sódio; contraste iodado. O bloqueio hormonal periférico deve se realizado com duas classes de drogas: betabloqueadores ou bloqueadores de canais de cálcio e corticoides. Os betabloqueadores agem reduzindo a sudorese, a ansiedade e os tremores, controlam arritmias e reduzem a pressão arterial. Se usado o propranolol, este ainda possui o efeito de reduzir a conversão periférica de T4 em T3. Se contraindicado o uso de betabloqueadores, podem ser empregados os bloqueadores de canal de cálcio dil tiazem ou verapamil. Os corticoides entram nesse cenário tratando um pos
sível hipocortisolismo relativo, inibindo também a con versão periférica de T4 em T3 e a liberação, pela tireoide, de hormônios já formados.
DIAGNÓSTICO FINAL Tireotoxicose/bócio multinodular tóxico.
DISCUSSÃO A crise tireotóxica é um quadro que, como podemos ver, tem vários estigmas que exigem do médico emergencista uma ampla visão, de modo que descarte diagnósticos diferenciais antes de iniciar o tratamento específico. É muito comum, no serviço de emergência, haver pacien tes com sinais de hiperativação adrenérgica, o que faz
com que doenças que atingem especificamente este sistema devam fazer parte do repertório de diagnósticos possíveis, as quais são muitas. O que ajuda bastante nesses casos são a anamnese e o exame físico, permi tindo até o início do tratamento antes da confirmação laboratorial, o que em muitos lugares pode demorar, ou mesmo não estar disponível.
BIBLIOGRAFIA TONACCHERA, M. et al. Hyperfunctioning thyroid nodules in toxic multinodular goiter share activating thyrotropin receptor mutations with solitary toxic adenoma. J. Clin. Endocrinol. Metab., v. 83, p. 492,1998. UPTODATE. Treatment of toxic adenoma and toxic multinodular goiter. Versão 18.2,2010. VILAR, L. Endocrinologia clínica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.
___________________________________
CAPÍTULO
59
Poliúria Catarine Teles Farias Britto • Allan Valadão de Oliveira Britto
Mulher, 54 anos de idade, branca, casada, natural e procedente do Sudeste do Brasil, apresenta-se para consulta médica com queixa de aumento do volume urinário há seis meses, associado à intensificação da sensação de sede.
Até 15% dos pacientes encaminhados para investigação de poliúria apresentam volume urinário dentro da norma
lidade. O primeiro passo consiste, então, em determinar se a paciente está realmente poliúrica.
Poliúria é definida como a eliminação de grandes vo lumes de urina, acima de 3L/24h, em adultos e 2L/m2/24h, em crianças. Portanto, para definirse há aumento da diu rese, deve-se mediro volume urinário durante 24h. Simul
taneamente, deve-se determinar se a poliúria decorre de agente osmótico, como a glicose ou de doença renal in trínseca. Para a diferenciação entre diurese osmótica e hídrica, observa-se então a osmolaridade urinária.
A paciente nega tabagismo e etilismo. Refere diabetes mellitus há 6 meses em tratamento com metformina, além de transtorno bipolar do humor tratado com lítio há 18 meses. Apresenta antecedente familiarde hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus, negando caso de poliúria e polidipsia na família. Está alerta, orientada, cooperativa, normo corada, hidratada e demonstra sede intensa. Pressão arterial de 120 × 80mmHg e peso de 74,5kg. O exa me físico da pele, do aparelho cardiovascular do aparelho respiratório e abdominal não revela anor malidades. Tireoide normopalpável; sem alteração ao exame neurológico. A paciente apresenta algumas condições que poderiam
justificar poliúria. Diabetes mellitus é a principal causa
de diurese osmótica, apresentando-se com poliúria e po
lidipsia, quando não controlado. Distúrbios psiquiátricos
podem cursar com ingestão excessiva de água, denomi nada polidipsia psicogênica. Além disso, a poliúria é descrita como um dos possíveis efeitos metabólicos ad
versos da terapia com lítio (Quadros 59.1 e 59.2). A quantificação da urina de 24h revela diurese de 6L com osmolaridade urinária de 141mmol/kg. A pa ciente tem glicemia de jejum de 120mg/dL, creatinina sérica de l,3mg/dL, concentração plasmática de sódio de 149mmol/L, potássio de 4,6mmol/L, cálcio de 9,8mg/dL, hormônio estimulante da tireoide (TSH) de 1,11μU/mL e osmolaridade sérica de 294mmol/kg. O nível sérico de lítio é de 2,8ng/dL. A osmolaridade urinária da paciente caracteriza uma
diurese hídrica. Ao afastar diurese osmótica secundária ao diabetes mellitus, segue-se o diagnóstico diferencial entre as causas de poliúria não osmótica (diabetes insipidus cen
tral, diabetes insipidus nefrogênico e polidipsia primária). Diurese hídrica pode ocorrerem consequência de hipona tremia e reduzida osmolaridade plasmática, que inibem a
secreção de vasopressina e caracterizam a polidipsia primá ria (diabetesinsipidusdipsogênico e psicogênico). Os níveis de sódio e osmolaridade plasmática da paciente tornam improvável esse diagnóstico. Para fazer a distinção entre
aqueles dois outros tipos de diabetes insipidus é necessário realizar o teste de restrição hídrica. A paciente é admitida em hospital para submeter -se a teste de restrição hídrica durante 8h, cujo resulta do está demonstrado na Tabela 59.1. Subsequentemen te, administram-se 2μg de desmopressina (DDAVP®) intramuscular.
356
- Doenças do Sistema Endócrino
CAPÍTULO 59
QUADRO 59.1 - Classificação das causas de poliúria • Polidipsia primária: - Compulsiva ou habitual - Associada a distúrbios psiquiátricos - Drogas (lítio, carbamazepina) - Lesões hipotalâmicas • Diabetes insipidus central: - Familiar: ■ Autossômico dominante ■ Autossômico recessivo (síndrome DIDMOAD) - Malformações cerebrais: ■ Displasia septo-óptica ■ Microcefalia, porencefalia, hidrocefalia, holoprosencefalia, hidranencefalia ■ Síndrome de Laurence-Moon-Biedl - Adquirido: ■ Trauma (neurocirurgia, traumatismo craniano) ■ Tumores (craniofaringioma, germinoma suprasselar, glioma) ■ Idiopático ■ Dano cerebral hipóxico-isquêmico ■ Granuloma (tuberculose, sarcoidose, histiocitose) ■ Infeccioso (toxoplasmose e infecção por citomegalovírus congênitas, encefalite, meningite) ■ Neuro-hipofisite linfocítica ■ Vascular (aneurismas, malformações) • Diabetes insipidus nefrogênico: - Familiar: ■ Ligado ao cromossomo X (mutações no gene do receptor V2) ■ Autossômico recessivo ou dominante (mutações no gene da aquaporina-2) - Adquirido: ■ Distúrbios metabólicos (hipercalcemia, hipocalemia) ■ Doenças renais crônicas ■ Drogas (lítio, demeclociclina, cisplatina, gentamicina, rifampicina, etc.) ■ Uropatia obstrutiva ■ Doenças sistêmicas (anemia falciforme, mieloma múltiplo, doença de Sjögren, amiloidose, sarcoidose, cistinose) ■ Após transplante ou necrose tubular aguda ■ Neoplasias (sarcoma) ■ Gravidez ■ Idiopático
QUADRO 59.2 - Efeitos metabólicos adversos do lítio • • • • • •
Hipotireoidismo Hipertireoidismo Hiperparatireoidismo Alteração da função renal Diabetes insipidus nefrogênico Ganho de peso
TABELA 1 - Resultado do teste de restrição hídrica
Parâmetro
Antes da restrição hídrica
Após restrição hídrica
Após vasopressina
Peso (kg)
74,5
73
-
Osmolaridade sérica (mmol/kg)
294
305
304
Osmolaridade urinária (mmol/kg)
141
124
143
tação e haverá aumento marcante desse parâmetro em resposta à administração da desmopressina (de pelo menos
50%). No diabetes insipidus nefrogênico também ocorre uma pequena concentração urinária, apesar da desidratação, mas a osmolaridade urinária irá apresentar nenhuma ou pequena resposta à desmopressina. A paciente mostrou um
teste compatível com diabetes insipidus nefrogênico. Segue a busca de sua etiologia.
O diabetes insipidus nefrogênico pode ser congênito
ou adquirido. A idade de aparecimento dos sintomas da paciente afasta as formas hereditárias. Entre as causas
primárias já podem ser afastados distúrbios metabólicos (hipercalcemia e hipocalemia), nefropatias crônicas, uro patia obstrutiva, doenças sistêmicas e gravidez. O lítio, a
principal causa de diabetes insipidus nefrogênico, repre senta o fator etiológico mais provável do diabetes insipi
dus da paciente.
Devido à possibilidade de o lítio constituir a etio logia do diabetes insipidus nefrogênico, optou-se pela sua suspensão e por acompanhamento da paciente.
DIAGNÓSTICO FINAL Diabetes insipidus nefrogênica (poliúria/polidpsia) por
uso de lítio.
DISCUSSÃO Diabetes insipidus é uma síndrome caracterizada por
O teste de privação hídrica é a maneira mais confiável de estabelecer a etiologia do diabetes insipidus, tendo
poliúria, urina diluída e hipotônica e polidipsia, podendo resultar de quatro mecanismos fisiopatológicos:
como finalidade maior verificar se o paciente é capaz de
secretar hormônio antidiurético (ADH) e concentrar a urina em resposta ao aumento da osmolaridade plasmática,
secundário à restrição hídrica. Não há dificuldade em
determinar o diagnóstico de diabetes insipidus central ou
nefrogênico graves. No primeiro, a osmolaridade urinária apresentará uma concentração mínima, apesar da desidra-
• Deficiência na síntese e secreção de ADH (diabetes insipidus hipotalâmico ou central).
• Resposta renal inapropriada ao ADH (diabetes in sipidus nefrogênico ou periférico).
• Diabetes insipidus transitório durante a gestação,
causado pelo metabolismo acelerado de ADH.
Poliúria - 357
da sede (polidipsia dipsinogênica).
nária se o ADH plasmático aumentar para níveis suprafi siológicos. Poliúria causada pela resistência ao ADH é vista primariamente em quatro situações: diabetesinsipidus
nefrogênico hereditário ligado ao cromossomo X (muta Dessa forma, para o diagnóstico de diabetes insipidus
ções no gene do receptorV2), diabetes insipidus nefro
é necessária a confirmação de poliúria, definida como
gênico autossômico recessivo ou dominante (mutações no
volume urinário maior do que 3L/24h, em adultos e 2L/m2/24h, em crianças, por meio da quantificação do
gene da aquaporina-2), uso crônico de lítio (que pode
volume urinário no período de 24h.
tes) e hipercalcemia (ver Quadro 59.1).
provocar poliúria em aproximadamente 20% dos pacien
No diabetes insipidus central há redução da secreção
O uso do lítio é a causa mais comum de diabetes in
do ADH em resposta à estimulação osmótica, manifesta
sipidus nefrogênico induzido por drogas, que está rela
da como redução na inclinação ou sensibilidade da relação
cionado com a duração da terapia. Tem sido observado
entre o ADH plasmático e a osmolaridade ou sódio plas
que o lítio reduz os níveis celulares de aquaporina-2,
máticos. Quando essa deficiência atinge um nível sufi
proteína localizada nas células tubulares renais e impli
ciente, a quantidade de ADH secretado sob condições de
cada na reabsorção de água do filtrado glomerular ao
hidratação normal começa a ser insuficiente para manter
reduzir os níveis de seu RNA-mensageiro. Além disso,
a concentração urinária. Consequentemente, a taxa de
outros mecanismos podem estar envolvidos, como a
fluxo urinário aumenta de maneira exponencial. O declí
downregulation dos receptores de ADH e de duas subu
nio resultante na água corporal produz um discreto au
nidades do canal de sódio no ducto coletor.
mento na osmolaridade plasmática, que estimula a sede.
Em polidipsia primária, um aumento anormal da in
Logo, a maior ingestão de água contribui para equilibrar o balanço hídrico e, posteriormente, para preveniraumen
gestão hídrica expande a água corporal total, reduzindo a osmolaridade plasmática. A diminuição resultante da se
to da desidratação hipertônica. Se o diabetes insipidus for
creção de ADH causa diluição urinária e aumento da
acompanhado de hiperosmolaridade e hipernatremia basais,
diurese. A polidipsia psicogênica é mais frequente em
o paciente apresenta a associação de defeito no mecanis
mulheres ansiosas, de meia-idade e em pacientes com
mo da sede ou algum impedimento à ingestão de água.
desordens psiquiátricas, podendo também ser motivada
Devido à eficiência do mecanismo da sede em preve
primariamente por outras disfunções cognitivas, como
nir desidratação hipertônica, a deficiência de ADH não precisa ser completa para ocorrer diabetes insipidus. É
crença irracional no valor terapêutico da água. A polidip sia dipsinogênica é induzida por lesões hipotalâmicas que
necessário apenas que a quantidade de ADH secretada
afetam diretamente o centro da sede, podendo surgirem
seja insuficiente para concentrara urina. Sob condições
doenças infiltrativas como a sarcoidose.
de ingestão hídrica irrestrita, a poliúria inicia-se quando
Exames preliminares como glicemia, cálcio e potássio
a capacidade secretória é reduzida a aproximadamente
séricos devem ser realizados para afastar outras causas
25% do normal. Assim, muitos pacientes com diabetes
de poliúria (como diurese osmótica) e causas comuns de
insipidus central têm alguma capacidade residual de
diabetes insipidus nefrogênico. Segue-se, então, a inves
secreção de ADH e é realizado quando um teste de pri
vação hídrica, o aumento resultante da desidratação hi
tigação de diabetes insipidus. Em polidipsia primária, a poliúria é uma resposta
pertônica pode estimularo remanescente neuro-hipofisá
apropriada à ingestão hídrica aumentada. Já no diabetes
rio a secretarADH suficiente para concentrara urina.
insipidus, a perda de água é inapropriada. Assim, num
Geralmente, o diabetes insipidus central é idiopático,
paciente poliúrico, uma concentração plasmática de sódio reduzida usualmente é indicativa de polidipsia primária,
podendo ser causado ainda por trauma, cirurgia hipofi
sária, encefalopatia hipóxico-isquêmica, ou serhereditá rio (verQuadro 59.1).
ao passo que um nível normal ou alto de sódio aponta
O diabetes insipidus nefrogênico é caracterizado pela
dus e sem impedimento cognitivo, pode não haverhiper
secreção normal de ADH e por graus variáveis de resis
natremia devido ao estímulo do mecanismo da sede pela
tência renal à sua ação antidiurética. O ADH plasmático basal encontra-se elevado em proporção ao leve aumento
perda inicial de água. No entanto, quando o diabetes in
da osmolaridade plasmática, e a administração do hormô
sando hipodipsia ou adipsia, a concentração de sódio
nio não corrige o defeito na concentração urinária. Entre
atinge níveis elevados.
para diabetes insipidus. Em adultos com diabetes insipi
sipidus decorre de lesão central que impede a sede, cau
tanto, em razão de a resistência renal ao efeito do ADH
A apresentação clínica é importante para o diagnósti
geralmente ser incompleta, pode haver concentração uri
co diferencial de diabetes insipidus. Em um paciente com
CAPÍTULO 59
• Ingestão excessiva de água devida à alteração psi cológica (polidipsia psicogênica) ou no mecanismo
CAPÍTULO 59
358 -
Doenças do Sistema Endócrino
poliúria e polidipsia instaladas imediatamente após cirur gia na área hipotalâmica/hipofisária ou após traumatismo cranioencefálico, o diagnóstico de diabetes insipidus cen tral é muito provável. Pacientes com diabetes insipidus central costumam sofrerde instalação súbita dos sinto mas e sede persistente durante o dia e à noite, associada à preferência por líquidos frios.
com diabetes insipidus nefrogênico sintomático perma
O exame-padrão para o diagnóstico de diabetes insi pidus é o teste de privação hídrica, que tem como maior finalidade verificarse o paciente é capaz de secretarADH e concentrara urina em resposta ao aumento da osmola ridade plasmática, secundário à restrição hídrica. Envolve medidas de volume e osmolaridade urinárias e concentra ção de sódio e osmolaridade plasmática. O teste é conti
concentração encontra-se prejudicada, resultando numa
nuado até a ocorrência de um dos eventos seguintes:
• Osmolaridade urinária alcança um valor claramente normal (indicando que tanto a secreção como o efeito do ADH estão intactos). • Osmolaridade urinária mantém-se estável em duas ou três medidas consecutivas, apesar da osmolari
dade plasmática crescente. • Osmolaridade plasmática excede 295 a 300mosmol/kg.
necem com urina diluída, que se concentra, mas mantém a osmolaridade bem abaixo desse nível após o ADH. Polidipsia primária associa-se à ascensão da osmola ridade urinária, geralmente acima de 500mosmol/kg, e à
ausência de resposta ao ADH exógeno, desde que a libe
ração de ADH esteja intacta. A capacidade máxima de osmolaridade urinária máxima que pode alcançar 500 a
600mosmol/kg, provavelmente devido a dois efeitos de polidipsia e poliúria crônicas: perda parcial do gradiente
intersticial medulare downregulation da secreção do ADH. Se a história clínica e o teste de restrição hídrica for necerem resultados contraditórios, amostras de plasma no tempo basal e durante a restrição podem ser coletadas
para mensuração do ADH. Diabetes insipidus nefrogênico
é excluído se houver uma relação apropriada entre a as
censão da osmolaridade urinária e a do ADH plasmático. Diabetes insipidus central é excluído se houver aumento apropriado do ADH associado a aumento do sódio ou da
osmolaridade plasmática.
O maior objetivo do tratamento do diabetes insipidus é reduzira sede e a poliúria a um nível aceitável que
Nas duas últimas situações, administra-se ADH exó
permita ao paciente manter um estilo de vida normal. A
geno e são monitorizados a osmolaridade e o volume urinários. Cada causa de poliúria reproduz um perfil dis tinto de resposta ao teste de restrição hídrica e à adminis
droga de escolha para o diabetes insipidus central é a
tração de ADH exógeno. Como em diabetes insipidus central o defeito geralmente é parcial, tanto a liberação
grandes problemas, exceto para as formas induzidas por
de ADH como a osmolaridade urinária podem aumentar com o crescimento da osmolaridade plasmática, mas em
rada da droga ou a correção do distúrbio metabólico ge
nível submáximo. ADH exógeno leva a um crescimento da osmolaridade urinária de mais de 100%, em diabetes insipiduscentral total e de 15 a 20%, em diabetes insipidus
isso pode demandar algum tempo. Em 1977, vários rela
central parcial. Diabetes insipidus nefrogênico também se associa a aumento submáximo da osmolaridade uriná
mostrada a persistência de um defeito de concentração
ria em resposta à restrição hídrica. Sabendo-se que a maior parte dos pacientes com diabetes insipidus é parcialmen te resistente ao ADH, a elevação da osmolaridade plas mática estimula a secreção de ADH, que pode induzira aumento discreto da osmolaridade urinária. A administra
ção de ADH exógeno produz:
desmopressina (análogo sintético do ADH). O tratamento efetivo do diabetes insipidus nefrogênico ainda enfrenta
drogas ou relacionadas a distúrbios metabólicos. A reti ralmente reverte a resistência renal ao ADH; entretanto,
tos sugeriram que o lítio poderia induzir à nefropatia crônica irreversível. Nas últimas duas décadas tem-se renal de longa duração após cessação do tratamento com
lítio. Uma metanálise sugeriu que o ponto de transição entre um defeito reversível e parcialmente reversível/irre versível nunca ocorre antes de um a dois anos de trata
mento. A poliúria causada pelo diabetes insipidus nefro
gênico familiar é de difícil manejo. Restrição salina associada a diurético tiazídico pode reduzir o volume
• Nenhuma elevação da osmolaridade urinária em diabetes insipidus nefrogênico total.
urinário em 40%, em crianças. Diuréticos tiazídicos agem
• Pequena elevação da osmolaridade urinária (até 45%) em diabetes insipidus nefrogênico parcial.
filtração glomerular, podendo ser necessário o uso con
aumentando a excreção de sódio e reduzindo a taxa de comitante de diurético poupadorde potássio, como ami
lorida ou reposição de potássio. Há um efeito adicional Pacientes com diabetes insipidus central usualmente alcançam osmolaridade urinária maiorou igual a 300mosmol/kg após o teste de restrição, ao passo que aqueles
obtido com a coadministração de indometacina. Uma tentativa relativamente nova e promissora é a combinação
de diurético tiazídico, indometacina e desmopressina, que
Poliúria - 359
pode reduzir o volume urinário em mais de 80%. É es adequado de fluidos para saciara sede. Retrospectivamente, a paciente apresentou-se com os
principais sintomas de diabetes insipidus: poliúria e po
lidipsia. Confirmado seu diagnóstico através do teste de restrição hídrica, a anamnese ainda foi essencial para
direcionarà etiologia: lítio.
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CAPÍTULO 59
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CAPÍTULO
60
Nódulo em Tireoide Augusto Takao Akikubo Rodrigues Pereira
Mulher branca, 65 anos de idade, advogada, pro cura o consultório referindo que, após o diagnóstico de carcinoma de tireoide de sua irmã, durante um autoe xame notou uma nodulação pequena, indolore endu recida, palpável em região cervical lateral direita, há uma semana. Apresenta rouquidão desde os 45 anos de idade. Nega alteração ponderal nos últimos meses. Sem outros sintomas. Refere ser tabagista (40 anos/maço). Obesa e portadora de hipertensão arterial sistêmica há 20 anos. Faz uso de hidroclorotiazida, 25mg/dia, e captopril, 25mg a cada 8h. Nega etilismo e uso de drogas ilícitas. Nega contato íntimo com pacientes portadores de tuberculose e outras doenças infecciosas. Nega exposição a irradiações. Nega antecedentes de câncer na família, exceto a irmã que foi recém-diag nosticada como portadora de carcinoma folicular de tireoide e está em programação de tireoidectomia total.
reoidianos lobares, adenomas de paratireoide, linfoma ou metástase linfonodal. Existem ainda os lipomas e os abs cessos, que podem acometer qualquer região da cabeça e
do pescoço, e os nódulos de glândulas salivares em regiões
parotídea e submandibular. Sendo assim, para uma pacien te de 65 anos com um nódulo em localização lateral no
pescoço, isso nos faz pensarem comprometimento linfono dal (reacional ou neoplásico), cistos ou abscessos cutâneos, nódulo tireoidiano em lobo direito (benigno ou maligno), adenoma de paratireoide, lipoma ou paraganglioma.
A rouquidão pode ser causada por laringite crônica
secundária ao tabagismo, assim como lesão do nervo laríngeo recorrente no caso de neoplasia, ou mesmo neo
plasia primária de laringe. A associação de hipertensão
arterial sistêmica, tabagismo e obesidade pode estar rela cionada à doença aterosclerótica, desencadeando a for
Os nódulos cervicais são afecções comuns na população e compreendem um vasto leque de doenças, gerando
mação de aneurisma carotídeo manifesto por nódulo
dúvidas e ansiedades tanto nos médicos como nos pacien
tuberculose, não é possível excluir acometimento ganglio
tes. Para o correto diagnóstico é preciso correlacionar anamnese, exame físico e exames complementares.
nar ou tireoideo por essa moléstia.
pulsátil. Apesar de não haver contato com portadores de
Nódulos tireoidianos acometem, principalmente, pa
Inicialmente, devem-se avaliaras doenças mais inci
cientes do sexo feminino e na faixa etária acima de 60
dentes segundo a faixa etária do paciente. A paciente tem acima de 40 anos, o que aumenta a incidência de nódulos neoplásicos em relação aos nódulos inflamatórios ou
anos, como a paciente em questão, sendo que em achados
congênitos, cujas incidências são maiores em pacientes pediátricos e adultos jovens.
nódulos sejam malignos, o que toma sua investigação
Outro ponto importante é determinara localização do
de maneira acidental ao autoexame, de modo semelhante
nódulo. Afecções em linha média podem sugerir cisto tireo
à paciente em questão, pelo médico durante exame físico
glosso, cisto dermoide, tireoide ectópica ou nódulos tireoi
de rotina, por familiares ou por exames de imagem de
dianos em istmo, ao passo que na porção lateral do pesco
região cervical (incidentalomas). Vale lembrar que os
ço podem sugerir cisto branquial, laringocele, hemangioma,
nódulos devem ter pelo menos 1cm de diâmetro para que
higroma cístico, paraganglioma, schwannoma, nódulos ti
possam ser palpáveis.
ultrassonográficos a prevalência nesse grupo pode chegar a 67%, em alguns estudos. Estima-se que 5 a 10% desses obrigatória (Quadro 60.1). A detecção geralmente ocorre
Nódulo em Tireoide - 361
As características que conferem alto risco de maligni dade são baseadas nos seguintes dados da história e do
• Cisto - Simples - Misto • Adenoma tireoidiano - Funcionante ou autônomo - Não funcionante ou hipofuncionante • Neoplasia - Primária de tireoide (papilífero, folicular, células de Hürthle, medular, anaplásico) - Metastático (carcinoma de mama, hipernefroma, melanoma, carcinoma pulmonar de pequenas células) - Outros: linfoma (geralmente do tipo não Hodgkin), teratoma, schwannoma, paraganglioma, lipoma, adenoma de paratireoide • Tireoidite - De Hashimoto - Linfocítica - Granulomatosa - Aguda - De Riedel • Infecção - Doença granulomatosa - Abscesso • Nódulo coloide • Anomalias do desenvolvimento - Higroma cístico - Teratoma - Cisto tireoglosso - Cisto branquial - Cisto dermoide • Vasculares - Aneurisma carotídeo - Malformação arteriovenosa
exame físico: crescimento rápido do nódulo, fixação a
Durante a avaliação inicial de um nódulo tireoidiano, dois pontos principais devem ser considerados: se há disfunção tireoidiana e se existe suspeita de malignidade.
Quanto ao hipotireoidismo, deve-se questionara pa ciente quanto à astenia, adinamia, intolerância ao frio, sonolência excessiva, fala lenta ou arrastada, parestesias,
déficit de memória ou de audição, inchaço nas pernas, aumento do volume abdominal (ascite), constipação, au
mento da língua (macroglossia), artralgias, câimbras, queda de cabelos, unhas quebradiças, alterações menstruais
(metrorragia ou amenorreia), redução da libido e ganho
ponderal. Quanto ao hipertireoidismo, deve-se pesquisar insônia, cansaço extremo, agitação psicomotora, incapa cidade de concentração, nervosismo, dificuldade de con trolar emoções, agressividade, sudorese excessiva, into lerância ao calor hiperdefecação, alterações menstruais
estruturas adjacentes, nódulo muito endurecido, paralisia
de prega vocal ipsilateral ao nódulo, adenomegalia regio
nal ipsilateral, história de irradiação de cabeça e/ou pes
coço ou irradiação total para transplante de medula, his toria familiarde câncerde tireoide ou neoplasia endócrina
múltipla. Outras características atribuem risco moderado
de malignidade, como: idade superiora 60 anos ou inferior
a 20 anos, sexo masculino, diâmetro nodular maior que
4cm, consistência nodular cística. A paciente apresenta, a princípio, três critérios de alto risco e um de moderado risco: nódulo endurecido que será mais bem avaliado ao
exame físico; rouquidão, apesarde a evolução estar mais relacionada ao tabagismo; uma irmã com carcinoma foli
cular de tireoide; idade superiora 60 anos. Ao exame físico, apresenta-se em bom estado geral, corada, hidratada, eupneica, pressão arterial sistólica de 132mmHg e diastólica de 86mmHg, fre quência cardíaca de 72bpm, temperatura axilar de 36,5°C, índice de massa corporal de 32kg/m2. Sem alterações de pele e fâneros na face. Sem linfadenome galias em cadeias ganglionares cervicais e claviculares. Nota-se, na topografia do lobo tireoidiano direito, um nódulo único, com dimensões de 1,5cm por2cm, ar redondado, endurecido, indolor de superfície lisa, sem sinais de infiltração cutânea local, não aderido a planos profundos, sem frêmitos ou sopros, sem elevação com a protrusão da língua e sem alterações da circulação venosa cervical com a elevação dos membros supe riores (sinal de Pemberton negativo). Tireoide com dimensões e consistência dentro dos padrões da nor malidade e sem outros nódulos. Ausculta cardíaca revela bulhas rítmicas, normofonéticas, em dois tempos e com discreto sopro sistólico em foco aórtico. Aus culta pulmonar com murmúrio vesicular presente sem ruídos adventícios. Abdome plano, sem cicatrizes ou herniações de parede, indolorà palpação superficial e difusa, fígado e baço não palpáveis, ruídos hidroaéreos presentes e sem sopros patológicos. Pulsos presentes e simétricos nos membros inferiores e superiores, sem edemas ou sinais de trombose venosa profunda. Exame neurológico sem alterações.
(amenorreia ou oligomenorreia) e perda ponderal. Alte
É importante procurar sinais infecciosos como toxe
rações ponderais podem sugerir neoplasias ou doenças
mia, febre, taquicardia e taquipneia, que falam a favor
crônicas. A paciente refere ser obesa, porém, sem altera
de tireoidite infecciosa, abscessos ou cistos infectados
ções ponderais recentes e sem outros sintomas de hiper
e sinais de doença consumptiva crônica como caquexia e
ou hipofunção tireoidiana. Nesse caso, é necessária a
palidez cutâneo-mucosa (anemia de doença crônica), que
dosagem de hormônio estimulante da tireoide (TSH) sé
sugerem infecções como tuberculose e paracoccidioi
rico para a detecção de hiper ou hipotireoidismo subclí
domicose, neoplasias e doenças autoimunes. A paciente não tem alteração do estado geral e nem dos sinais vitais.
nico, que cursam sem os sintomas supracitados.
CAPÍTULO 60
QUADRO 60.1 - Diagnóstico diferencial de nódulo tireoidiano solitário
CAPÍTULO 60
362 -
Doenças do Sistema Endócrino
OIMC de 32kg/m2 caracteriza obesidade grau I. Os níveis
seus principais sinais clínicos. Em hipotireoidismo, podem
pressóricos parecem bem controlados com as medicações.
ser notados alguns sinais como pele seca, fria e grossa;
Sopro em foco aórtico sugere estenose aórtica, comum
edema facial; edema de mãos e pés; alopécia difusa;
em pacientes idosos devido à calcificação dos folhetos
madarose lateral (rarefação de pelos no terço distal das
valvares.
sobrancelhas); hipertensão arterial; bradicardia; edema
Os nódulos cervicais devem ser avaliados quanto aos
periférico; retardo na recuperação do reflexo tendinoso;
seguintes aspectos: localização, forma, bordas, dimensão,
síndrome do túnel do carpo; derrame pleural ou pericár
consistência, sensibilidade dolorosa, superfície, mobili
dico. Em hipertireoidismo, os sinais clínicos são taqui
dade (inclusive durante a deglutição), pulsação e acome
cardia, bócio (aumento da massa da glândula tireóidea),
timento cutâneo subjacente.
tremorem mãos, pele quente e úmida, alterações oculares
Quanto aos nódulos cervicais congênitos podemos
citar o cisto tireoglosso, formado por persistência do
(exoftalmo), pulso arrítmico (fibrilação arterial), espleno
megalia, ginecomastia e eritema palmar.
ducto tireoglosso, que se mostra como nódulo cervical
Pela descrição do nódulo, a topografia sugere locali
anterior de consistência cística, indolor, móvel no sentido
zação em lobo tireoidiano direito, com dimensões maio
vertical com a deglutição e a protrusão da língua; o cisto
res que 1cm e consistência endurecida (critério de alto
dermoide que se situa na linha média, indolor e pode
risco para malignidade). Não se observa alteração no
conter pelos; o cisto branquial, geralmente derivado de anomalias da segunda fenda branquial, encontra-se na
restante da glândula. Não há sinais clínicos de disfunção tireoidiana. É necessário prosseguira investigação com
borda anteriordo músculo esternocleidomastóideo, indolor
propedêutica armada.
arredondado, liso e de consistência elástica; o higroma
gulo cervical posterior, indolor, flutuante, de consistência
amolecida e limites imprecisos. Quanto aos nódulos cer vicais benignos: o bócio geralmente é indolor, de cresci
mento lento, acompanha o movimento da traqueia duran te a deglutição e pode apresentar apenas um aumento
difuso da glândula ou conter nódulos; o paraganglioma, tumor benigno de tecido extra-adrenal paraganglionar localiza-se em bifurcação de artérias carotídeas, de con sistência firme, móvel apenas no sentido lateral e pode exibir sopro ou pulsação; o schwannoma localiza-se em
porção lateral do pescoço, tem consistência endurecida e crescimento lento; o lipoma, tumor benigno de tecido
adiposo, é indolor,amolecido e de limites precisos. Quan to aos nódulos cervicais malignos: os linfomas se apre sentam com aumento dos linfonodos de cadeia cervical,
indolores, endurecidos e podem estar fixados a estruturas adjacentes; o câncer de tireoide pode se mostrar como nódulo único ou múltiplo, geralmente endurecido, indolor, de limites bem definidos e crescimento lento; os nódulos metastáticos usualmente têm crescimento rápido, consis tência endurecida, superfície irregular, mobilidade dimi
nuída por aderência a planos profundos e podem ser do
lorosos, em casos avançados. Nódulos dolorosos podem sugerir tireoidite aguda, tireoidite granulomatosa ou he
morragia para o interior de um cisto ou carcinoma de ti reoide com crescimento rápido. O sinal de Pemberton está presente em bócio retroesternal grande.
Além dos sintomas, relacionados à disfunção tireoi diana, já citados na anamnese, devemos estar atentos para
Os exames séricos iniciais revelam hemoglobina de 12,1g/dL, hematócrito de 35%, volume corpuscular médio de 89pg, hemoglobina corpuscular média 33fL, concentração de hemoglobina corpuscular média de 31%, amplitude de distribuição de hemácias de 13%, 5.600 leucócitos com 0% de bastonetes, 64% de seg mentados, 1% de eosinófilos, 0% de basófilos, 28% de linfócitos típicos, 0% de linfócitos atípicos, 7% de monócitos; 270.000 plaquetas; sódio: 135; potássio: 4,5; cálcio ionizado: 1,2; fósforo: 3; magnésio: 1,9; ureia: 34; creatinina: 0,9; atividade de protrombina: 98%; relação normalizada internacional (RNI): 1,15; tempo de tromboplastina parcial ativada: 36s; relação de 1,02; TSH 3,15; tetraiodotironina livre: 0,8. Radiografia de tórax não mostra alterações no pa rênquima pulmonar e no arcabouço ósseo. Eletrocar diograma dentro dos padrões da normalidade. A nasofibroscopia revela pregas vocais hiperemia das e espessas, com bordas irregulares, compatível com edema de Reinke secundário ao tabagismo. A ultrassonografia cervical (Fig. 60.1) mostra ti reoide tópica, com forma, contornos e dimensões preservadas, ecotextura difusamente heterogênea, no tando-se um nódulo em seu parênquima, junto à borda inferior do lobo direito, se estendendo até a região da fúrcula esternal, de limites parcialmente definidos, contornos lobulados, heterogêneo, predominantemente hipoecogênico com áreas anecoicas de permeio, me dindo cerca de 3,1cm × 2,7cm × 3,2cm. Ao estudo Doppler colorido, observa-se fluxo central e periférico, predominantemente central, em grande quantidade. Devido à localização desse nódulo, não é possível descartara possibilidade de paratireoide local com aumento de volume. Glândulas submandibulares e parótida tópica com forma, contornos e dimensões
978-85-4120-074-5
cístico, formado por desenvolvimento incompleto e obs trução sistema linfático, em geral se manifesta em triân
Nódulo em Tireoide - 363
marse o nódulo é hiperfuncionante (quente). Se positivo, (PAAF). Se detectar nódulo hipofuncionante (frio), preci
sa-se de ultrassonografia cervical e PAAF, se indicada, pois existe risco de 10% de malignidade. Se a dosagem
de TSH estiver aumentada, deve-se solicitar dosagem de anticorpo antitireoperoxidase (anti-TPO), para confirmar
tireoidite de Hashimoto e, ainda, ultrassonografia cervical e PAAF, se indicada, devido à associação de 5% de neopla
sias de tireoide com as tireoidites. Se o TSH estiver normal,
também se deve realizara ultrassonografia cervical. A
grande maioria dos pacientes com carcinoma de tireoide é eutireoidiana. O resultado do TSH da paciente está nor
mal, sendo necessário seguir para o próximo passo.
Figura 60.1 - Ultrassonografia da tireoide, revelando
Depois de a dosagem de TSH detectar nível normal
nódulo único no lobo direito. Imagem cedida pelo Dr. Conrado Chipoch - Medicina Diagnóstica Fleury.
ou aumentado, o próximo passo é a ultrassonografia cer
vical para caracterizaro nódulo e identificar sinais suges tivos de malignidade, para que seja realizada a PAAF.
978 85 4120 074
5
Porém, não permite distinguir com certeza, lesões benig
preservadas e ecotextura homogênea. Estruturas vascu lares visualizadas tópicas e de calibre normal. Planos musculares preservados. Linfonodos cervicais com tamanho e características preservados.
nas de malignas. Se o nódulo for menor ou igual a 1cm, a PAAF só estará indicada se houver suspeita clínica ou ultrassonográfica de malignidade. Quanto aos nódulos maiores que 1cm, todos devem serpuncionados.
Nos exames iniciais, o hemograma não apresenta
Os achados ultrassonográficos que conferem maior
anemia e nem alterações dos índices hematimétricos,
risco de malignidade são hipoecogenicidade, microcalcifi
porém, pelo fato de a paciente ser tabagista de longa data,
cações, margens irregulares, fluxo sanguíneo intranodular
o esperado seria maior contagem eritrocítica, sugerindo,
ao Doppler (vascularização periférica e central), aumento
assim, que haja alguma doença crônica. Nas disfunções
do diâmetro anteroposteriorem relação ao transverso em
tireoidianas, a anemia é classicamente normocrômica e
nódulos não palpáveis e adenomegalia regional. A ultras
normocítica. Em hipertireoidismo, pode ocorrer uma leve
sonografia cervical da paciente revela dois critérios de
anemia hipocrômica microcítica, assim como em hipoti
alto risco: hipoecogenicidade e fluxo central e periférico.
reoidismo, secundário à metrorragia. Anemia macrocítica
Não há acometimento de linfonodos regionais e a naso
pode estar relacionada à tireoidite de Hashimoto na presen
fibroscopia descarta paralisia de prega vocal como causa
ça de anticorpos anticélulas parietais da mucosa gástrica,
da rouquidão. Sendo um nódulo não funcionante, maior
que cursa com anemia perniciosa. As contagens leucocitá
que 1cm e com critérios de alto risco de malignidade, a
ria e plaquetária estão normais. Com isso, podem-se afastar
PAAF é obrigatória para excluir neoplasia (Fig. 60.2).
processos infecciosos agudos como abscessos ou cistos infectados. Leucopenia pode estar relacionada ao hiper tireoidismo. Os eletrólitos e a função renal estão normais. Hipercalcemia e hipofosfatemia podem sugerir hiperpa
ratireoidismo primário por adenoma de paratireoide.
Na investigação com propedêutica armada do nódulo tireoidiano, o primeiro passo é solicitar dosagem de TSH. Se esta estiver baixa ou suprimida, aponta para autonomia
funcional com ou sem tireotoxicidade. Diversas situações clínicas e interações medicamentosas também podem
causar redução dos níveis séricos de TSH. Em seguida,
devem-se solicitar tri-iodotironina (T3) e T4 livres, para caracterizara existência e o grau de hipertireoidismo, e mapeamento da tireoide com iodo radioativo, para confir-
Prossegue-se a investigação diagnóstica com PAAF do nódulo, guiada por ultrassonografia que revela, na análise do esfregaço do material, adequada celularida de e citologia compatível com neoplasia de tireoide, fortemente sugestiva de carcinoma papilífero. Opta-se pela tireoidectomia total sem ressecção de cadeias ganglionares. O exame anatomopatológico demonstra carcinoma papilífero de tireoide em lobo direito, variante folicular,pouco delimitado, com dimen sões de 3cm × 1,1cm × 1,5cm, extensão para partes moles extratireoidianas, necrose e calcificações distró ficas, ausência de invasão angiolinfática e margens cirúrgicas livres. Estadiamento patológico: pT3 pNx pMx. A paciente evolui sem intercorrências cirúrgicas e recebe alta hospitalarno terceiro dia de pós-operatório.
CAPÍTULO 60
não é necessário realizar punção aspirativa por agulha fina
Doenças do Sistema Endócrino
CAPÍTULO 60
364 -
Figura 60.2 - Algoritmo de conduta para um ou mais nódulos de tireoide. PAAF = punção aspirativa por agulha fina; TSH = hormônio estimulante da tireoide; US = ultrassonografia.
A PAAF é o método mais acurado disponível no mo
vical ou durante exploração cirúrgica, está indicada a dis
mento para distinguir nódulos benignos dos malignos.
secção das cadeias comprometidas. Tomografia computa
Porém, não é capaz de diferenciar entre o adenoma e o
dorizada, ressonância nuclear magnética, esofagoscopia,
carcinoma folicular ou o carcinoma de células de Hürth-
laringotraqueoscopia, calcitonina e tireoglobulina não devem
le. Os resultados da PAAF são classificados em quatro
ser solicitadas de rotina, apenas quando houveras devidas
categorias: benigna, maligna, suspeita de malignidade
indicações (Fig. 60.3).
(neoplasia folicular e de Hürthle) ou não diagnóstica.
Após a tireoidectomia, é necessário proceder ao esta
Nódulos benignos devem ser seguidos com ultrasso
diamento segundo o sistema tumor-linfonodo-metástase
nografia cervical a intervalos regulares (6 a 12 meses) e
(TNM), para determinar o prognóstico e o risco de reci
não necessitam de nova punção. Na PAAF não diagnós
diva. Aos casos de muito baixo risco (T1a ou T1b, único
tica, a conduta é repuncionaro nódulo guiado porultras
N0 M0), não está indicada a terapia com iodo radioativo.
sonografia cervical e, se inadequada novamente, faz-se
Nos de baixo (T1 multifocal ou T2 N0 M0) e alto risco
acompanhamento rigoroso com ultrassonografia cervical,
(T3, T4, N1, M1 ou ressecção incompleta), deve-se pro
ou mesmo cirurgia. Para nódulos suspeitos de malignida
ceder à radiodoterapia.
de, o mapeamento com iodo radioativo deve serconside
O resultado da PAAF da paciente evidenciou lesão
rado. Se for nódulo frio ou morno, a conduta é proceder
maligna, compatível com carcinoma papilífero de tireoi
à tireoidectomia total. Pode-se considerar lobectomia para
de, sendo então indicada a tireoidectomia total. Como a
tumores foliculares menores que 4cm e tumores papilífe
dissecção profilática dos linfonodos da cadeia central não
ros menores que 1cm, únicos e isolados e sem acometi
foi realizada, por se tratar de carcinoma papilífero, con
mento linfonodal. Para nódulo quente, impõe-se o diag
firmado pelo exame anatomopatológico, estadiamento
nóstico de adenoma folicular hipercaptante, cuja conduta
pT3 N0 M0 (alto risco), deve-se programar radiodoterapia
é radioablação com iodo. Para nódulos malignos, procede-
no pós-operatório.
se à tireoidectomia total, que é o tratamento de escolha. A
dissecção profilática de linfonodos da cadeia central (nível VI) deve ser considerada para carcinoma papilífero e de
células de Hürthle que não sofrerão radiodoterapia. As metástases linfonodais, detectadas à ultrassonografia cer
DIAGNÓSTICO FINAL Carcinoma papilífero de tireoide, variante folicular.
Nódulo em Tireoide - 365
CAPÍTULO 60 Figura 60.3 - Algoritmo de conduta após citologia por punção aspirativa por agulha fina (PAAF). US = ultrasso nografia.
DISCUSSÃO O carcinoma de tireoide é a neoplasia endócrina mais comum, embora corresponda a 1% de todas as neoplasias malignas. Pode ser dividido em dois grupos: bem dife renciados (carcinomas papilífero, folicular e de células de Hürthle), que são a maioria e apresentam bom prog
nóstico, e pouco diferenciados (carcinomas medular e anaplásico) de prognóstico reservado. Existem ainda outros tipos de neoplasias que podem ser encontradas na
alterações genéticas envolvidas na patogênese deste car cinoma devem ser citadas, como a mutação do gene BRAF e os rearranjos RET/PTC.
Semelhantemente à apresentação clínica da paciente, os cânceres de tireoide se manifestam, na maioria das vezes, como um nódulo cervical assintomático, achado muito comum na população adulta, mas que é também o quadro de várias outras doenças benignas. A maior parte
dos pacientes com carcinoma diferenciado de tireoide apresenta, em geral, um bom prognóstico quando tratada
tireoide, como carcinomas metastáticos do hipernefroma, pulmão, mama ou melanoma; linfomas, geralmente não
adequadamente, com índices de mortalidade similares aos da população geral. Por esse motivo, a investigação do
Hodgkin difuso de grandes células B; teratoma e outros. O carcinoma papilífero é a malignidade mais comum da tireoide, correspondendo a 75 a 85% dos casos. Aco
nódulo de tireoide é extremamente importante para a detecção precoce dessas neoplasias malignas.
mete mais o sexo feminino (3:1) e a faixa etária mais jovem, entre 10 e 40 anos. Tem como características:
BIBLIOGRAFIA
crescimento lento; baixo grau de malignidade; bom prog nóstico de pelo menos 80% de sobrevida, com tratamen
to, em dez anos; disseminação linfática regional que não confere pior prognóstico em indivíduos jovens; raras metástases a distância (5% dos casos), sendo os pulmões os órgãos mais acometidos, seguidos dos ossos e do sis tema nervoso central. Em pacientes após a quinta década
de vida, a propagação local do tumoré mais agressiva, o que toma o fator idade uma variável independente para alto risco de malignidade. É o carcinoma mais associado à história prévia de irradiação da região cervical. Algumas
ABRAHÃO, M.; HADDAD, L. Nódulos cervicais. In: DO PRADO, F. C.; RAMOS, J.; DO VALLE, J. R. Atu=iizaçã)T(rq)âiica São Paulo: Artes Médicas, 2005. p. 1392-1394. FITZGERALD, P. A. Diseases of the thyroid gland. In: TIERNEY, L. M.; MCPHEE, S. J.; PAPADAKIS, M. A. Ctrrcrt medicíi diagacásard treeíniert New York: McGraw-Hill, 2005. p. 1084-1112. FURLANETTO, R. Ncdtiodetreâde Disponível em http://www. medicinaatual.com.br Acesso em junho de 2007. HAGEDÜS, L. The thyroid nodule. N. Engj. J. Med., v. 351, p. 1764-71, 2004. MAIA, A. L. et al. Thyroid nodules and differentiated thyroid câncer Brazilian consensus. Arq. Bras Erdctrird. Metáid., v. 51, n. 5, p. 867-93, 2007.
CAPÍTULO
61
Galactorreia Bárbara Souza Luz Pinheiro • Maria Letícia da Costa Muniz • Gerson Cesar Brasil Junior
Mulher branca, 35 anos de idade, casada, bancária, vem encaminhada ao ambulatório devido ao surgimento de secreção esbranquiçada pelos mamilos, sobretudo após manipulação destes, há aproximadamente três meses. Refere ser previamente hígida e que os sintomas vieram associados à diminuição da libido e de maior intervalo de tempo entre uma menstruação e outra. Relata ainda que passou a colidir com pessoas e objetos com maior fre quência no trabalho. É natural do Recife, porém reside em São Paulo há dez anos. Não tem filhos e nega uso de quaisquer medicações, bem como de drogas ilícitas. Não é diabética, hipertensa, tabagista ou etilista. Já traz, na primeira consulta, o resultado de um exame negativo de gonadotrofina coriônica humana beta (beta-hCG). A descarga mamilar apresentada pela paciente é compa tível com galactorreia (Fig. 61.1) que, apesar de não ser claramente definida na literatura, pode ser aceita como a
secreção não puerperal de líquido leitoso pelas mamas. A coloração da secreção normalmente é branca ou hialina, todavia pode ser amarela ou marrom e, eventualmente, faz-se necessário um exame microscópico dela para con firmara existência de gordura. A drenagem da secreção pode ser persistente ou intermitente, espontânea ou pro vocada (compressão mamilar), uni ou bilateral.
Figura 61.1 - Galactorreia.
Galactorreia pode estar presente em 5 a 10% das
mulheres com ciclo menstrual habitual, mas na sua maio ria os níveis séricos de prolactina são normais. A causa de galactorreia normoprolactinêmica em mulheres com
A galactorreia pode ser manifestação de hiperprolacti nemia. A prevalência com que é encontrada depende par cialmente da intensidade com que é buscada. Em mulheres com galactorreia, em forma de 50% têm hiperprolactinemia. Já em homens, a frequência é ainda menor cerca de 30%, provavelmente em virtude da menor quantidade de estró genos na circulação. Assim, quanto mais grave o hipogo
ciclos regulares é desconhecida, devendo ser descartada
nadismo, menor a incidência da galactorreia, visto ser preciso estrogênio para a produção do leite.
pamina. Devemos, portanto, considerara galactorreia como uma consequência da perturbação fisiológica da
doença hipofisária.
A prolactina é produzida e secretada principalmente
pelas células lactotróficas da hipófise anterior O hipotála
mo exerce uma influência predominantemente inibitória sobre a secreção da prolactina por meio dos fatores hipo
talâmicos inibitórios, cujo principal componente é a do
Galactorreia - 367
TABELA 61.1 - Exames sanguíneos colhidos à internação
I. Ausência da inibição hipotalâmica normal da liberação da prolactina • Seção do pedículo hipofisário • Fármacos (fenotiazinas, butirofenonas, metildopa, antidepressivos tricíclicos, opiáceos, reserpina, verapamil, paroxetina, risperidona, metoclopramida, sertralina) • Doenças do sistema nervoso central, incluindo tumores extrahipofisários e adenomas de células nulas da hipófise II. Aumento da liberação de prolactina • Hipotireoidismo • Reflexo de sucção e traumatismo da mama III. Liberação autônoma de prolactina • Tumores da hipófise - Tumores secretores de prolactina - Tumores mistos secretores de hormônio do crescimento e prolactina - Adenoma de células nulas • Produção ectópica de lactogênio placentário humano e/ou prolactina - Molas hidatiformes e coriocarcinomas - Carcinoma broncogênico e hipernefroma IV. Idiopática
Exame
Valor
Valor de referência
Hemoglobina
13g/dL
12 — 15,5g/dL
Hematócrito
40%
34,9 - 44,5%
VCM
82μ3
81,6-98,3μ3
HCM
28pg
26-34pg
Leucócitos
5.800/mm3
3.500 -10.500/mm3
Neutrófilos bastonetes
1%
1 - 4%
Neutrófilos segmentados
57%
50-65%
Plaquetas
210.000/mm3
150.000 - 450.000/mm3
Creatinina
0,7mg/dL
0,6-1mg/dL
Ureia
34mg/dL
10-50mg/dL
Sódio
142mEq/L
135- 146mEq/L
Potássio
3,8mEq/L
3,5 - 5mEq/L
AST
24U/L
Até 40U/L
ALT
21U/L
Até 40U/L
prolactina e, na abordagem ao diagnóstico diferencial,
Albumina
3,8g/dL
3,5 - 5g/dL
suas causas podem ser classificadas como: (1) falha da
TSH
2,8μU/mL
0,5 - 5μU/mL
T4 livre
1,2ng/100mL
0,87-1,56ng/100mL
Prolactina
220ng/mL
2,5 - 14,6ng/mL
Glicemia de jejum
91mg/dL
70-110mg/dL
inibição hipotalâmica normal da liberação de prolactina;
(2) aumento dos fatores de liberação da prolactina; (3) secreção autônoma de prolactina por tumores; ou (4) idiopática (Quadro 61.1).
Ao exame físico, apresenta-se com estado geral bom, orientada, normocorada, hidratada, eupneica, anictérica e com extremidades bem perfundidas. Aus culta cardíaca sem alterações, com frequência cardía ca de 88bpm e pressão arterial de 110 × 60mmHg. Ausculta respiratória normal, frequência respirató ria de 14ipm. O exame do abdome não evidencia visceromegalias ou quaisquer alterações. Ao exame ginecológico, exibe mamas simétricas, sem defor midades, porém com descarga papilar branca à ex pressão, bilateralmente. A genitália externa tem pilificação normal e sem anormalidades. Toque va ginal combinado sem tumorações palpáveis ou alte rações. À avaliação de campos por confrontação, evidencia-se hemianopsia bitemporal. Exame neuro lógico com sensibilidade e motricidade preservadas, bem como reflexos superficiais e profundos. Restan te do exame físico normal. Peso: 68kg; altura: 1,55m; índice de massa corporal: 28,3kg/m2. Encaminhada à avaliação oftalmológica, realizada campimetria visual que confirma a hemianopsia bitemporal. So licitados exames laboratoriais no centro encaminhador(Tabela 61.1).
ALT = alanina aminotransferase; AST = aspartato aminotransferase; HCM = hemoglobina corpuscular média; T4 = tetraiodotironina; TSH = hormônio estimulante da tireoide; VCM = volume corpuscular médio.
exames laboratoriais trazidos pela paciente encontram-se normais, à exceção do nível sérico de prolactina, que foi
de 220ng/mL. Tal valor é compatível com hiperprolacti
nemia, uma situação que pode ser causada por inúmeras
condições dentre fatores fisiológicos ou patológicos (Qua dro 61.2). O nível sérico da prolactina permite a sepa
ração dos pacientes em três grupos principais: (1) causas não tumorais, microprolactinomas e pseudoprolactino mas (prolactina = 25 a 150ng/mL); (2) microprolactinomas
(prolactina = 151 a 200ng/mL); e (3) macroprolactino mas (prolactina > 200ng/mL).
Em pacientes com níveis de prolactina entre 25 e 150ng/mL, a exclusão de causas não hipotalâmico-hipo
fisárias pode ser feita por meio de anamnese detalhada (por exemplo, uso de drogas lícitas ou ilícitas), exame
físico minucioso (por exemplo, bócio, lesão de parede torácica) e exames laboratoriais (clearancede creatinina, provas de função hepática, cortisol, hormônio estimulan
Na análise do exame físico da paciente ficou verifi
te da tireoide [TSH] e tetraiodotironina livre, relação
cou-se descarga papilar bilateral em associação com he
hormônio folículo-estimulante/hormônio luteinizante
mianopsia bitemporal e exame neurológico normal. Os
[FSH/LH]).
CAPÍTULO 61
QUADRO 61.1 - Classificação da galactorreia
368 - Doenças do Sistema Endócrino
CAPÍTULO 61
QUADRO 61.2 - Etiologia da hiperprolactinemia • Hipersecreção fisiológica - Gestação - Lactação - Estimulação da parede torácica - Sono - Estresse • Lesão do pedículo hipotalâmico-hipofisário - Tumores ■ Craniofaringioma ■ Extensão suprasselar de massa hipofisária ■ Meningioma ■ Disgerminoma ■ Metástase - Sela vazia - Hipofisite linfocítica - Adenoma com compressão do pedículo - Granulomas - Cisto de Rathke - Irradiação - Traumatismo ■ Seção do pedículo hipofisário ■ Cirurgia suprasselar • Hipersecreção hipofisária - Prolactinoma - Acromegalia • Distúrbios sistêmicos - Insuficiência renal crônica - Hipotireoidismo - Cirrose - Pseudociese - Convulsões epilépticas • Hipersecreção induzida por fármaco - Bloqueadores do receptor de dopamina ■ Fenotiazinas: clorpromazina, ferfenazina ■ Butirofenonas: haloperidol ■ Tioxantenos ■ Metoclopramida - Inibidores da síntese de dopamina ■ Alfa-metildopa - Depletores de catecolamina ■ Reserpina - Opiáceos - Antagonistas H2 ■ Cimetidina, ranitidina - Imipraminas ■ Amitriptilina, amoxapina - Inibidores da recaptação de serotonina ■ Fluoxetina - Bloqueadores dos canais de cálcio ■ Verapamil - Hormônios ■ Estrogênios ■ Antiandrogênios
A causa mais comum de hiperprolactinemia, excluindo drogas, é um tumor hipofisário, que pode ser macroade noma (maior que 10mm de diâmetro) ou microadenoma (menor que 10mm de diâmetro). O achado de hemianopsia bitemporal (Fig. 61.2) nessa paciente infere a possibilidade de lesão do quiasma óptico por expansão suprasselar de massa, corroborando a hipótese de tumor hipofisário.
Neste momento da investigação, é imperiosa a realização de ressonância nuclear magnética de encéfalo para defi nição diagnóstica. As manifestações clínicas da hiperprolactinemia estão relacionadas à disfunção gonadal e aos efeitos decorrentes da compressão tumoral (Quadro 61.3). O hipogonadismo hipogonadotrófico é induzido pelo se guinte mecanismo: ↑ prolactina → ↓ secreção pulsátil do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH) pelo hipotálamo → ↓ dos níveis séricos das gonadotrofinas (LH, FSH) → ↓ dos esteroides sexuais (estrogênio e testosterona). Já os efeitos da compressão tumoral de pendem da localização da extensão da massa, se supras selar ou lateral.
No presente caso, com a confirmação da hiperprolac
tinemia de 220ng/mL, a avaliação diagnóstica é direcio
nada a um tumor hipofisário, uma vez que foram excluí das outras causas como drogas, pois a paciente não relatou uso de qualquer medicação. Mesmo quando uma causa específica não é identificada e o diagnóstico de galactorreia idiopática é firmado por exclusão, convém lembrar que os tumores hipofisários podem, subsequen
Figura 61.2 -
temente, se tomar manifestos.
temporal.
(A
e B) Ilustração da hemianopsia bi
Galactorreia - 369
CAPÍTULO 61
QUADRO 61.3 - Manifestações clínicas da hiperprolactinemia • Mulheres - Galactorreia - Amenorreia - Oligomenorreia - Infertilidade - ↓ da libido - Dispareunia - Osteoporose - Acne/hirsutismo - Ganho de peso • Homens - Galactorreia - Ginecomastia - Disfunção erétil - Infertilidade - ↓ da libido - Osteoporose - Ganho de peso • Efeitos da compressão tumoral - Cefaleia - Defeitos do campo visual (tipicamente hemianopsia bilateral) - Atrofia de nervo óptico - Paralisia de nervos cranianos - III, IV e VI (extensão lateral do tumor)
TABELA 61.2 - Exames sanguíneos colhidos na internação Exame
Valor
Valor de Referência
FSH
2,1mUI/mL
3,9 - 13,3mUI/mL
LH
7,9mUI/mL
13,8 - 71,8mUI/mL
Estradiol
102pg/mL
195- 572pg/mL
FSH = hormônio folículo-estimulante; LH = hormônio luteinizante.
Após 15 dias, a paciente retoma para a segunda consulta ambulatorial, com queixas clínicas e exame físico inalterados. Traz resultados de novos exames laboratoriais solicitados, bem como de ressonância nuclear magnética de sela túrcica (Tabela 61.2). A ressonância nuclear magnética de encéfalo revelou uma lesão de 20mm em região selar e suprasselar que causa compressão moderada do quiasma óptico (Fig. 61.3), o que confirma o diagnóstico de prolactinoma (macroa denoma) como responsável pela sintomatologia apresen
tada pela paciente. Os valores baixos de FSH, LH e estradiol são compa tíveis com o hipogonadismo hipogonadotrófico induzido pelo prolactinoma, bem como responsáveis pela sintoma tologia de oligomenorreia e diminuição da libido.
Figura 61.3 - Cortes coronal (A) e axial (B), respecti vamente, evidenciando grande tumor selar e suprasselar, que causa compressão do quiasma óptico.
DISCUSSÃO Adenomas hipofisários são as causas mais comuns de
massas selares a partir da terceira década de vida, repre
sentando 10% de todas as neoplasias intracranianas. Os adenomas são classificados pelo tamanho e pela célula de origem. Lesões menores que 1cm são classificadas como microadenomas e lesões maiores que 1cm são macroade nomas. Os tumores podem ter origem em qualquer tipo
de célula da hipófise anteriore resultarem aumento da
DIAGNÓSTICO FINAL
secreção do hormônio produzido por essa célula, ou em
Macroadenoma hipofisário - prolactinoma.
compressão de outros tipos de células. Há ainda tumores
diminuição da secreção de outros hormônios devido à
CAPÍTULO 61
370 -
Doenças do Sistema Endócrino
mistos que podem secretar combinações de hormônio do crescimento (GH) e prolactina, hormônio adrenocortico
Tem-se, por isso, recomendado a suspensão do tratamento a cada 12 ou 24 meses, para avaliarse a hiperprolactinemia
trófico (ACTH) e prolactina e TSH e prolactina.
persistirá ou não. Para grandes adenomas responsivos a
Os tumores que se originam das células lactotrópicas
cabergolina ou bromocriptina, essa suspensão deve ser
(prolactinomas) são responsáveis por cerca de metade de
gradual, devendo-se interrompê-la se ocorrer aumento dos
todos os tumores hipofisários funcionantes, predominam
níveis de prolactina ou das dimensões tumorais.
no sexo feminino e têm incidência anual de 3/100.000
A cirurgia transesfenoidal deve ser considerada em
pessoas. Os microprolactinomas são mais frequentes nas
casos de falha dos agonistas dopaminérgicos em reduzir
mulheres, ao passo que os macroadenomas são mais
a concentração sérica de prolactina, o tamanho e os sin
frequentes nos homens.
tomas do tumor ou ainda quando houver intolerância à
Antes do advento da farmacoterapia com agonistas
medicação. A radioterapia é reservada para tumores agres
dopaminérgicos, a abordagem terapêutica aos prolactino
sivos que não respondem aos agonistas da dopamina to
mas consistia em ressecção cirúrgica e/ou irradiação hi
lerados ao máximo e/ou à cirurgia.
pofisária. Atualmente, as primeiras opções terapêuticas
No presente caso, a paciente fez uso de cabergolina
para pacientes com micro e macroprolactinomas são os
por seis meses na dose inicial de 0,25mg, duas vezes por
agonistas da dopamina, particularmente bromocriptina e
semana, com reajustes semanais da dose até atingir 1mg
cabergolina, altamente efetivos para normalização dos
semanal. Não houve sintomas adversos importantes e
níveis séricos de prolactina e restauração da função go
obteve-se desaparecimento da galactorreia, restauração
nadal em mais de 90% dos casos. Mesmo diante de
dos ciclos menstruais, normalização dos valores de pro
grandes tumores que causam sintomas visuais, o trata
lactina e redução significativa do tamanho do tumor A
mento primário com agonistas da dopamina pode ser
instituído, com os pacientes apresentando considerável
paciente ainda se encontra em uso da medicação, com programação de redução da dose após completar 12 me
melhora dos sintomas em horas a dias.
ses de terapia.
A cabergolina, atualmente, é a droga de primeira linha para o tratamento de micro e macroprolactinomas. É mais
efetiva, tem duração de ação muito longa (7 a 21 dias) e precisa ser administrada somente uma ou duas vezes por semana. Além disso, os efeitos colaterais (hipotensão
postural, tontura, náuseas, vômitos, constipação, fraqueza, sonolência e sintomas psicológicos) são menos comuns
quando comparados com os da bromocriptina, justificando
sua maior tolerabilidade. Após o início da terapia, a res posta clínica é obtida em semanas a meses. A dose inicial
da cabergolina é de 0,25mg por semana, ao passo que a da bromocriptina é de 0,625 a 1,25mg por dia, as quais
devem ser ajustadas periodicamente, mediante a tolerabi
lidade e a resposta ao tratamento. A duração da terapia com os agonistas dopaminérgicos
ainda é controversa. Apesarde as doses serem frequente mente reduzidas nos pacientes em que a concentração sérica de prolactina se mantém normal por pelo menos
um ano, o risco de recorrência da hiperprolactinemia ou da reexpansão tumoral após a suspensão da droga é incerto.
BIBLIOGRAFIA BILLER, B. M. Diagnostic evalution of hiperprolactinemia. J. Rqrrcd. Med., v. 44, suppl. 12, p. 1095-9, 1999. COLAO, A. et al. Tratamento dos prolactinomas. In: VILAR, L. Er> dorrirriç^aClírica Recife: Medsi, 2001, p. 33-44. COLAO, A. et al. New medicai approaches pituitary adenomas. Hcrm. Res, v. 53, suppl. 3, p. 76-87, 2000. GADELHA, M. R.; UNE, K. Avaliação diagnóstica da hiperprolacti nemia. In: VILAR, L. Erdarirrk^aClírica Recife: Medsi, 2001, p. 23-31. KORBONITZ, M. et al. Hiperprolactinemia. In: BANDEIRA, F. En darirdc^aeDidretes Recife: Medsi, 2003, p. 105-116. MELMED, S. Distúrbios da adeno-hipófise e do hipotálamo. In: HARRISON, T. R. Medicinalrtena Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 2002, v.II, p. 2163-2166. MOLITCH, M. E. Medicai treatment of prolactinomas. Erdarird Meteb. Clin NcrthAm., v. 28, p. 143-69, 1999. SYNDER, P. J. Treatment of hyperprolactinemia due to lactotroph adenoma and othercauses. In: UpTcDdse http://www.uptodate. com. Software 16.3; 2008. WEBSTER, J. Clinicai management of prolactinomas. BaUieesBest Pra:t Res CKn Erdarird Mcteb., v. 13, n. 3, p. 395-408,1999.
SEÇÃO
Doenças Hematológicas
8
___________________________________
CAPÍTULO
62
Palidez e Icterícia Luis Alberto de Pádua Covas Lage
Mulher caucasiana com 57 anos de idade apresen ta-se no consultório queixando-se de astenia com piora progressiva há três meses. Relata ainda a ocorrência de cefaleia holocraniana ocasional acompanhada de ton tura e sonolência excessiva, dispneia aos grandes esforços e palpitação frequente, algumas vezes acom panhada de precordialgia de duração efêmera. Refere também ter notado discreto emagrecimento (3kg) no mesmo período, apesar de o apetite estar preservado. Quando inquerida mais profundamente pelo examina dor diz que seus familiares têm notado palidez cutânea e episódios intermitentes de coloração amarelada das escleras com duração de aproximadamente uma sema na, além de sensação desconfortável em quadrante superior esquerdo do abdome. Relata febre baixa inter mitente e sudorese noturna profusa, porém nega artralgia, aumento do volume cervical, lesões cutâneas ou sangramento exteriorizado. Há um ano, durante consulta em ginecologista devido a sintomas climaté ricos, foi diagnosticada anemia e realizado tratamento com sulfato ferroso e ácido fólico.
camente, as anemias são caracterizadas por três mecanis mos principais: perda sanguínea aguda ou crônica (por
exemplo, hemorragias agudas, anemia ferropriva induzida
por neoplasias de cólon direito); produção inadequada de eritrócitos (por exemplo, anemia aplásica, ocupação ou
substituição medular por células neoplásicas de origem hematológica ou não hematológica, como em leucemias agudas e doenças mieloproliferativas crônicas, anemia associada a desordens endocrinológicas como hipotireoi dismo ou insuficiência adrenocortical, déficit na produção
de eritropoietina como em anemia associada à insuficiên
cia renal crônica, entre outras) e sobrevida reduzida dos eritrócitos pordestruição excessiva de tais células, poden
do ocorrerem ambiente intramedular (por exemplo, eri tropoiese ineficaz associada à anemia megaloblástica e a talassemias) ou extramedular (por exemplo, anemias he molíticas intra ou extravasculares). Icterícia é o termo utilizado para traduzira pigmentação amarelada da pele,
da esclerótica e do frênulo da língua em decorrência de
níveis elevados de bilirrubina circulante que apresenta alta A paciente apresenta dois sinais cardinais que orientarão
afinidade com elastina presente em tais regiões. A icterí
a investigação diagnóstica inicial: palidez e icterícia de
cia pode resultar de aumento da produção de bilirrubina,
caráter intermitente. Palidez cutâneo-mucosa acrescida
como visto nos estados associados à hemólise crônica ou
de sintomas ocasionados por hipoxemia crônica como
eritropoiese ineficaz; pode decorrer da diminuição da
cefaleia, vertigem, lipotimia, zumbido, fadigabilidade,
dispneia e angina desencadeados por situações em que
captação bilirrubínica (por exemplo, ação de medicamen tos ou jejum prolongado); diminuição do processo de
ocorre aumento do consumo tecidual de oxigênio (por
conjugação (por exemplo, deficiências enzimáticas como
exemplo, exercício físico ) nos remete à possibilidade
as observadas nas síndromes de Gilbert ou Crigler-Najjar
diagnóstica de anemia. O termo anemia refere-se a uma
tipos I e II); alteração da excreção bilirrubínica, como em
síndrome clínica e a um quadro laboratorial caracterizado
doenças que cursam com alteração da função hepatoce
por queda da hemoglobina do sangue e, na verdade, não
lular e, finalmente, por obstrução biliar decorrente de
encena uma doença propriamente dita, mas sim um sinal
situações que levam à colestase extra-hepática (por
de que existe doença orgânica subjacente. Fisiopatologi-
exemplo, tumores de vias biliares ou coledocolitíase). A pa-
CAPÍTULO 62
374 -
Doenças Hematológicas
ciente em questão sem associação de sintomas e sinais anêmicos e icterícia indolor intermitente, fazendo com
Provas de função tireoidiana dentro da normalidade afastam
que atentemos para a possibilidade diagnóstica de ane
Apesar de não haver exposição bem documentada a con
mia hemolítica.
tatantes de tuberculose ou relato de viagens a áreas endê
a possibilidade de hipotireoidismo como causa dos sintomas.
micas de malária, ambas as condições poderiam justificar o aparecimento de anemia, icterícia, febre intermitente e desconforto no quadrante superior esquerdo do abdome,
em decorrência de possível esplenomegalia. Os anteceden
tes familiares de lúpus eritematoso sistêmico e leucemia
linfoide crônica devem nos alertar para a possibilidade de doenças autoimunes sistêmicas (como o próprio lúpus) ou anemia hemolítica autoimune, também associada a tais
condições clínicas. Observarno Quadro 62.1, as principais causas de anemia hemolítica, uma forte possibilidade diag nóstica para o caso em questão.
Ao exame físico nota-se a paciente em regulares tado geral, descorada 3+/4+, hidratada, temperatura axilarde 37,9°C, frequência cardíaca de 102bpm, fre quência respiratória de 22ipm, pressão arterial de 128 × 72mmHg, índice de massa corporal de 24,76kg/m2. Apresenta palidez cutâneo-mucosa significativa e icterícia 2+/4+. Ausência de linfadenomegalia patolo gicamente palpável. Ao exame dermatológico notam-se lesões lineares, de aproximadamente 4 a 5cm, recobertas de crosta hemática, sem sinais importantes de flogose,
Diante do que foi exposto até o momento, notamos
tratar-se de mulher de meia-idade com sintomas sugesti vos de anemia, icterícia flutuante não acompanhada de
QUADRO 62.1 - Causas de anemia hemolítica adquirida
dor abdominal, febre intermitente e sensação desconfor
• Hemólise extravascular - Hiperesplenismo ■ Cirrose hepática ■ Esquistossomose hepatoesplênica ■ Síndrome de Banti (fibrose portal não cirrótica idiopática) - Anemia hemolítica com acantócito ■ Associada à cirrose hepática avançada ■ Abetalipoproteinemia (síndrome de Bassen-Kornswig) - Anemia hemolítica autoimune por anticorpos quentes (imunoglobulina G [IgG]) ■ Idiopática ■ Secundária a drogas (alfa-metildopa) ■ Lúpus eritematoso sistêmico ■ Leucemia linfoide crônica ■ Linfomas não Hodgkin ■ Outras neoplasias (mieloma múltiplo, timoma, carcinomas) ■ Infecções sistêmicas (tuberculose, citomegalovirose) - Anemia hemolítica autoimune por anticorpos frios (IgM) ■ Doenças linfoproliferativas (linfoma não Hodgkin e macroglobulinemia de Waldestrom) ■ Infecção por Mycoplasma pneumoniae ■ Mononucleose infecciosa - Anemia hemolítica autoimune por anticorpo Donath-Landsteiner - Anemia hemolítica autoimune induzida por drogas • Hemólise intravascular - Induzida por incompatibilidade ABO - Hemoglobinúria paroxística noturna - Doenças infectoparasitárias: babesiose, malária, bartonelose, infecção por Clostridium welchii - Hemólise associada à prótese valvar cardíaca - Anemia hemolítica microangiopática
tável em hipocôndrio e flanco esquerdos. Devemos pensar em uma única doença que justifique todos esses achados. Sintomas anêmicos e icterícia intermitente podem tradu
zir episódios hemolíticos. Como o quadro ictérico não é acompanhado de dor abdominal relevante e a paciente
tem antecedente de colecistectomia com documentação
de via biliar livre de litíase residual, podemos excluira
possibilidade de coledocolitíase, apesar do caráter flutu
ante da icterícia, comum nesta entidade. A possibilidade de tratar-se de neoplasia periampular (por exemplo, neo
plasia de papila duodenal) é forte pelos dados clínicos encontrados, o que justificaria o quadro de icterícia inter
mitente, pois o tumor tem alta taxa mitótica com cresci
mento rápido e necrose central por déficit de vasculariza ção, ocasionando ciclos de obstrução-desobstrução do
esfíncter de Oddi; a anemia poderia ser explicada pelo sangramento do trato gastrointestinal alto associado à
neoplasia, e a febre e o emagrecimento poderiam decorrer da produção de citocinas como fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa, tumor necrosis factor alpha) (caquexina) e interleucina 1 (IL-1) (associada à termorregulação).
978-85-4120-074-5
Há quinze anos apresentou episódio de pancreatite aguda biliar sendo submetida a tratamento clínico e posterior colecistectomia na mesma internação. Na ocasião, foi realizada colangiografia intraoperatória e não houve evidência de calculose residual nas vias bi liares extra-hepáticas. Há seis anos foi diagnosticada doença de Basedow-Graves refratária a uso de tioureias. Realizada tireoidectomia total e posteriortratamen to com radioiodo, sem intercorrências. Faz seguimento com endocrinologista e atualmente possui provas de função tireoidiana dentro da normalidade devido à re posição hormonal com 125μg/dia de levotiroxina. Nega etilismo, tabagismo, história prévia de transfusão san guínea, drogadição ou promiscuidade sexual. Nega contato íntimo com portadores de tuberculose ou outras doenças infectocontagiosas manifestas. Nega viagens recentes. Tem uma irmã de 40 anos de idade com diag nóstico de lúpus eritematoso sistêmico há quatro anos, em tratamento com prednisona e difosfato de cloroqui na, e o pai de 79 anos teve diagnóstico de leucemia linfoide crônica (Binet A) há dois meses, em seguimen to conservador com hematologista.
978- 85 4120 074
distribuídas em abdome e raiz de membros, compatíveis com escoriações por coçadura. Apresenta ainda xante lasma bipalpebral inferior sem evidência de xantomas tuberosos. Tireoide não palpável e cicatriz horizontal de aproximadamente 7cm sobre a topografia tireoidia na habitual. Verificado sopro cardíaco panfocal 3+/6+ à ausculta cardíaca. Ausculta pulmonar não revela al terações. O abdome mostra cicatriz subcostal direita compatível com status pós-cirúrgico de colecistectomia; fígado palpável ao nível do rebordo costal direito, in dolor liso e com bordas finas; espaço de Traube ocupado à percussão e a chanfradura esplênica ultra passa a cicatriz umbilical, com bordo esplênico palpável a 20cm do rebordo costal esquerdo e o órgão tem consistência pétrea. Não há evidências de circula ção colateral abdominal, telangiectasias, eritema palmar,hipotrofia muscularou alteração de pilificação. O exame neurológico e o exame de extremidades não revelam alterações significativas.
Pelos achados de exame físico verificamos que a pa ciente encontrava-se com grau leve de desnutrição, febre
baixa e palidez cutâneo-mucosa, o que nos leva a pensar em uma entidade sistêmica com comprometimento con
sumptivo, o que poderia ser explicado por condições neoplásicas (por exemplo, tumores periampulares), infla
matórias de natureza autoimune (lúpus eritematoso sis têmico, cirrose biliar primária) ou infecciosas (tubercu
lose). A elevação da frequência cardíaca e da frequência
respiratória e o sopro cardíaco panfocal poderiam ser justificados por cor anêmico ou pelo estado hiperdinâmi
co associado à elevação da temperatura corpórea. Icterícia leve, como visto anteriormente, pode resultarde diversas
condições, porém, lembrando dos dados fornecidos na anamnese como ausência de colúria e acolia fecal, deve
mos pensarem condições que decorram de hiperbilirru
binemia indireta, como por exemplo os estados hemolíti cos, tornando menos provável tratar-se de neoplasia
periampularou cirrose biliar primária, doenças associadas à colestase, manifestando, portanto, acolia fecal e colúria.
Escoriações resultantes de coçadura, sem lesões derma tológicas elementares, devem remetera prurido secundá rio a neoplasias, uremia ou impregnação bilirrubínica
cutânea (frequentemente observada em condições que
cursam com síndrome colestática). Xantelasmas podem aparecerem portadores de cirrose biliar primária (con
dição associada a distúrbios autoimunes tireoidianos ‒ lembrar que a paciente tem antecedente de doença de
Basedow!) ou dislipidemias primárias. A ausência de estigmas de cirrose e de hipertensão portal ao exame
físico toma pouco provável tratar-se de hepatopatia, como por exemplo, cirrose biliar primária. Dado de grande relevância ao exame clínico foi o encontro de esplenome-
QUADRO 62.2 - Causas de esplenomegalia de grande monta • • • • • • • • • •
Leishmaniose visceral Malária Esquistossomose mansônica forma hepatoesplênica Leucemia mieloide crônica Mielofibrose primária Fase terminal da policitemia rubra vera e trombocitemia essencial Leucemia de células cabeludas Linfoma esplênico Doença de Gaucher Síndrome de Felty
galia de grande monta. Neste momento, devemos terem
mente as principais etiologias de esplenomegalia volumo sa, a fim de procurarmos elucidaro diagnóstico. Observar
o Quadro 62.2. Exames complementares iniciais revelaram: hemo globina (Hb) de 5,8g/dL, hematócrito (Ht) de 18%, volume corpuscular médio (VCM) de 104pg, hemo globina corpuscular média (HCM) de 27fl, concentra ção de HCM de 33%, amplitude de distribuição de hemácias de 13%, 2.800 leucócitos com 0% de pró mielócitos, 0% de mielócitos, 0% de metamielócitos, 3% de bastonetes, 54% de segmentados, 1% de eosi nófilos, 0% de basófilos, 38% de linfócitos típicos, 0% de linfócitos atípicos, 7% de monócitos; 77.000 plaque tas; sódio: 137; potássio: 4,1; cálcio ionizado: 1,22; fósforo: 3,7; magnésio: 1,9; ureia; 44; creatinina: 0,8; albumina: 3,3; atividade de protrombina: 98%; rela ção normalizada internacional (RNI): 1,15; tempo de tromboplastina parcial ativada: 38s; relação de 1,07; gama-glutamiltransferase: 9; fosfatase alcalina: 56; bilirrubina total: 5,4; bilirrubina direta: 0,8; bilirrubina indireta: 4,6; desidrogenase lática (DHL): 2.075; reti culócitos: 14%; índice de produção reticulocitária (IPR) = 2,66; haptoglobina: 18mg/dL; teste de Coombs dire to positivo (Coombs anti-IgG positivo/Coombs anti-C3 positivo), velocidade de hemossedimentação (VHS): 170mm/h; proteína C-reativa: 25,22; ferro sérico: 67; transferrina: 300; capacidade total ligante de ferro: 315; ferritina sérica; 700; vitamina B12: 679; folato sérico: 15,6; aspartato aminotransferase: 10; alanina amino transferase: 12; glicemia: 77; triglicérides: 215; coles terol total: 270; lipoproteína de alta densidade: 70; lipoproteína de baixa densidade: 145; creatina fosfo quinase: 40; hormônio estimulante da tireoide: 2,13; tetraiodotironina (T4) livre: 0,97; anti-HIV ELISA não reagente; anti-HIV IgG e IgM não reagentes; HbsAg não reagente; anti-HBs reagente; anti-HBc IgM e IgG não reagentes; HbeAg e anti-HBe não reagentes; VDRL positivo 1:4; FTAbs negativo; fator reumatoide negativo; fatorantinuclear(FAN) positivo 1:20 padrão homogêneo; gota espessa negativa para pesquisa de hematozoários; anticorpo antimitocôndria negativo; eletrocardiograma e radiografia de tórax sem alterações;
CAPÍTULO 62
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Palidez e Icterícia - 375
CAPÍTULO 62
376 -
Doenças Hematológicas
elementos anormais e sedimentares com pH 6,5; den sidade: 1.025; proteínas -; glicose -; bilirrubina -; corpos cetônicos -; urobilinogênio < 2; 7 leucócitos porcam po; 2 eritrócitos por campo; dismorfismo eritrocitário negativo; derivado de proteína purificada: 8mm; ultras sonografia de abdome revelando baço de dimensões aumentadas, caráter homogêneo com esplenometria de 36cm, sem imagens sugestivas de nodulações ou calci ficações; endoscopia digestiva alta revela integridade de mucosa gástrica com redução do lúmen gástrico à custa de abaulamento da grande curvatura por com pressão visceral extrínseca. Tomografia computadori zada de abdome revela esplenomegalia homogênea de grande monta e aumento de linfonodos do hilo es plênico, sem linfonodomegalia em outras cadeias in tra-abdominais ou retroperitoneais. Os exames iniciais revelam pancitopenia com um componente anêmico macrocítico e normocrômico; obser
vamos ainda provas de hemólise positivas (hiperbilirru binemia à custa da fração indireta, DHL elevada, aumen to da contagem reticulocitária e redução dos níveis séricos de haptoglobina). Diante destes dados laboratoriais con
tundentes, podemos afirmar que a paciente apresenta
anemia hemolítica. O teste de Coombs direto positivo vai nos traduzir que o soro da paciente contém anticorpos e/ou complemento ligados à superfície de suas próprias hemácias, confirmando anemia hemolítica autoimune por
anticorpos quentes (IgG). A função renal está conservada e os níveis de eletrólitos encontram-se dentro da norma
a testes considerados falso-positivos, os quais podem ser frequentemente encontrados nas mais diversas condições clínicas (de natureza inflamatória/infecciosa ou neoplási
ca). O teste de Mantoux reator traduz baixa probabilida de para tuberculose miliar, acrescido ao padrão de nor
malidade da radiografia torácica. Os métodos de imagem (ultrassonografia e tomografia computadorizada de abdo
me) confirmam esplenomegalia volumosa observada ao exame físico e a redução luminal gástrica à custa de abaulamento da grande curvatura do estômago pode ser atribuída à compressão extrínseca de tal órgão pelo baço com dimensões elevadas. Adenomegalia hilar esplênica, sem evidência de comprometimento linfonodal de outras cadeias ganglionares, indica que a doença de base apre sentada pela paciente pode se encontrar no baço. Sendo assim, pelo que foi observado até o momento, estamos frente a uma paciente com pancitopenia, esplenomegalia
de grande monta, febre e consumpção, devendo-se, por tanto, pensarem tricoleucemia; distúrbios mieloprolife rativos crônicos em fase terminal (spent phase); mielo
fibrose primária, linfoma não Hodgkin esplênico ou leishmaniose visceral (embora ela não tenha dados epi
demiológicos compatíveis). Lembrando por fim que, associadamente a todos esses dados, a paciente tem ane mia hemolítica autoimune por anticorpos quentes, o diagnóstico mais provável recairia sobre o linfoma não Hodgkin esplênico!
pouco provável a uma hepatopatia primária que possa ter
Procede-se à investigação diagnóstica com hema toscopia, a qual revela alto grau de policromasia à custa de grandes hemácias azuladas (shift cells) e alguns microesferócitos. O aspirado de medula óssea foi seco; realizada biópsia de medula óssea que evidencia celu laridade de 90%, com hiperplasia do setor eritroide, 70% de infiltração medular por pequenos linfócitos atípicos e hipoplasia do setormegacariocítico. A aná lise imuno-histoquímica revela antígeno leucocitário comum positivo na maioria das células, CD20 positivo na maioria dos linfócitos, CD45-RO positivo em vários linfócitos, BCL-2 positivo na maioria dos linfócitos, CD10 e ciclina D1 negativos.
progredido para cirrotização. Outro fato que reforça essa afirmação é o perfil sorológico para hepatites virais com
A presença das chamadas shift cells no esfregaço de
lidade. A elevação da VHS pode ser explicada pela própria anemia ou por uma condição de base de natureza infecciosa/inflamatória ou neoplásica que justifique todos os achados. A elevação da proteína C-reativa e da ferritina
poderão correspondera reagentes de fase aguda secundá rias à doença de base. A dosagem de vitamina B12 e fo lato sérico dentro da normalidade afastam a possibilidade
de anemia megaloblástica, condição associada à pancito
penia com VCM elevado. Testes de função e lesão hepá tica normais com hiperbilirrubinemia indireta tornam
patível com status vacinal prévio e a negativação do an
ticorpo antimitocondrial, associado à maior parte dos
sangue periférico significa que está ocorrendo uma res posta medular compensatória à destruição excessiva e
casos de cirrose biliar primária. A hipertrigliceridemia e a hipercolesterolemia podem ser resultantes de dislipide
precoce dos eritrócitos na periferia, com a liberação de
mia primária, o que explicaria os xantelasmas evidencia dos ao exame físico. A pesquisa de hematozoários nega
o que justifica o aumento do VCM da paciente, pois tais
tiva no teste da gota espessa toma pouco provável o diagnóstico de malária, aliando-se à epidemiologia nega
turação ainda maiores que o próprio reticulócito. O en
tiva para doença apresentada pela paciente. VDRL e FAN positivos em baixos títulos possivelmente correspondam
hemácias jovens e bastante imaturas pela medula óssea,
células se caracterizam por ter tamanho e tempo de ma contro de microesferócitos está em grande parte associa do às anemias hemolíticas autoimunes. O mielograma dito
“seco” pode serjustificado pela medula óssea hipercelu
Palidez e Icterícia - 377
lare atapetada por pequenos linfócitos. A biópsia de de toda anemia hemolítica e a infiltração medular por
Anemia hemolítica autoimune por anticorpos quentes
pequenos linfócitos atípicos sugere doença linfoproli
secundária a linfoma não Hodgkin de zona marginal es
ferativa com invasão medular apresentando um perfil
plênica.
imuno-histoquímico compatível com linfoma não Hodgkin de zona marginal esplênica. A plaquetopenia observada
no hemograma pode ser explicada pela verificação de hipoplasia megacariocítica à biópsia de medula óssea
DISCUSSÃO
(substituição medular pelo clone neoplásico), bem como
Anemia hemolítica autoimune é um distúrbio caracteri
pela própria esplenomegalia gerando quadro de hiperes
zado pela destruição precoce das hemácias devido à liga
plenismo com sequestro esplênico plaquetário.
ção de imunoglobulinas ou complemento na superfície da
membrana dos eritrócitos. A anemia hemolítica autoimu
Instituído tratamento para anemia hemolítica au toimune com prednisona, na dose de 1mg/kg/dia e realizada esplenectomia como tratamento do linfoma. A análise anatomopatológica do baço revela, à micros copia, tecido esplênico com expansão de seu tecido linfoide, com folículos contendo zona do manto e zona marginal proeminentes, infiltradas de linfócitos pequenos e células monocitoides, respectivamente (Fig. 62.1). Após esplenectomia, a paciente apresenta hemograma com hemoglobinas de 9,2g/dL; hemató crito de 27,8%; 6.800 leucócitos (0/0/0/0/52/2/1/38/7) e 207.000 plaquetas.
ne é composta de duas síndromes distintas: por anticorpos quentes e por anticorpos frios (crioaglutininas). Na pri meira, os autoanticorpos são do tipo IgG, sendo fracos
ativadores do sistema complemento e a hemólise proces sa-se fundamentalmente no leito esplênico. Na segunda, os autoanticorpos são do tipo IgM, reagindo com as he
mácias em baixas temperaturas (crioaglutininas) e o local de destruição dos eritrócitos acaba sendo o tecido hepá tico, por intermédio das células de Kuppfer.
A anemia hemolítica autoimune por anticorpos quen
tes (caso da paciente em questão) corresponde a 60 a 70%
das anemias hemolíticas autoimunes e pode ser classifi Com isso fica estabelecido o diagnóstico de linfoma
cada como primária (forma idiopática ‒ 50% dos casos)
não Hodgkin de zona marginal esplênica e anemia hemo
ou secundária (por exemplo, à alfa-metildopa, ao lúpus
lítica autoimune secundária. A paciente é estadiada, pelo
eritematoso sistêmico, à leucemia linfoide crônica, ao
sistema de Ann Arbor modificado por Costwalds, como
linfoma não Hodgkin).
estádio IV S B - invasão de medula óssea (IV); compro
A destruição extravascular das hemácias favorece o
metimento esplênico (S: spleen); apresentando febre,
aparecimento dos sinais e sintomas característicos da
prurido e sudorese (ditos sintomas B). Houve controle dos
doença; palidez, fadiga, icterícia, hepatoesplenomegalia.
fenômenos hemolíticos com glicocorticoide e remissão
Laboratorialmente, além da redução dos níveis de
hematológica (ao menos parcial) após esplenectomia.
hemoglobina, a hematoscopia revela policromatofilia,
Figura 62.1 - Aspecto microscópico do linfoma não Hodgkin de zona marginal esplênica.
CAPÍTULO 62
medula óssea revela hiperplasia eritroide característica
DIAGNÓSTICO FINAL
CAPÍTULO 62
378 -
Doenças Hematológicas
pontilhado basofílico, microesferocitose, associados à reticulocitose absoluta e hiperplasia eritroide no aspirado
de diagnósticos diferenciais. Porém, um exame físico
medular. Hiperbilirrubinemia indireta, elevação da DHL
detalhada forneceram importantes pistas para o diagnós
e queda dos níveis de haptoglobina são achados clássicos.
tico final. Se realmente 90% dos diagnósticos em medici
O exame confirmatório da natureza autoimune do proces
na interna são obtidos por coleta de uma boa anamnese e
so hemolítico é o teste de Coombs direto que demonstra
exame físico detalhado, definitivamente este caso encontra-
sensibilização das hemácias in vivo.
se naqueles 10% em que os exames complementares são
minucioso e a investigação laboratorial complementar
O tratamento deve ser iniciado com glicocorticoides
essenciais para a elaboração do diagnóstico. Esta é a rea
em dose imunossupressora (preferencialmente prednisona,
lidade de um dos ramos da clínica médica: a hematologia.
1 a 2mg/kg/dia). Aproximadamente 30% dos indivíduos
mostram-se refratários à terapia inicial e podem necessi tar de esplenectomia, para reduzir o sequestro esplênico
BIBLIOGRAFIA
das hemácias opsonizadas por anticorpos ou componentes
CAMPBELL, R.; MARIK, P. E. Severe autoimmune hemolytic anemia
do complemento. Casos que não respondem às terapias
tieated by paralysis, induced hypothemria, and splenic emboliza-
supracitadas podem ser tratados com agentes imunossu
tion. Chest v. 127, p. 678-681, 2005.
pressores como ciclofosfamida, azatioprina, imunoglobu lina endovenosa ou ciclosporina. A imunofenotipagem dos linfócitos presentes no san
gue periférico ou na medula óssea pode ser realizada para
confirmar doença linfoproliferativa clonal como causa de
anemia hemolítica autoimune secundária, como visto no caso relatado.
HARRIS, N. L. et al. World Health Organization classification of
neoplastic diseases of the hematopoietic and lymphoid tissues: Report of the Clinicai Advisoiy Committee meeting - Airlie House, Virgínia, Novemberl997. J. ClinOixd., v. 17, p. 3835, 1999.
OFFIT, K. et al. Cytogenetic analysis of 434 consecutively ascertained
specimens of non Hodgkin's lymphoma: clinicai conelations. Blccd. v. 77, p. 1508, 1991.
Concluímos, portanto, que a paciente em questão
SHILPI, G. et al. Severe refractory autoimmune hemolytic anemia with
apresentava história clínica com sintomas amplos e ines
both warm and cold autoantibodies: complete response with
pecíficos, indicativos de várias entidades patológicas, fa
rituximab. Blocd (ASH Anui MeetirgAbstract^, v. 110,
zendo com que o médico assistente obtivesse extenso leque
p. 4030, 2007.
___________________________________
CAPÍTULO
63
Anemia Maria Marcela Fernandes Monteiro Para melhor servir à arte e à ciência do exame clínico, o instrumento que o médico mais precisa aperfeiçoar é a si próprio.
Alvan Feinstein
Mulher de 21 anos de idade, natural e procedente de São Paulo, branca, solteira, desempregada, é enca minhada para uma consulta médica devido à “anemia”. A paciente relata que, em rotina de exames pré -admissionais, constatou-se anemia, mas não souberam explicara causa. Foi encaminhada do Posto de Saúde para o Ambulatório de Hematologia, para investigação do quadro. Nega outras queixas. No interrogatório sucinto dos diversos aparelhos, a paciente não apresenta nenhuma queixa, negando tam bém exteriorização de sangramentos ou hipermenorreia.
Fisiologicamente, as anemias são classificadas em três
grupos: defeitos na produção medular (hipoproliferativa), defeitos na maturação eritrocitária (eritropoiese ineficaz) e diminuição da sobrevida dos eritrócitos (perda de
sangue/hemólise). A anemia hipoproliferativa reflete uma
resposta insuficiente da medula óssea e pode resultar de
lesão medular(infiltração/fibrose, aplasia), deficiência de ferro ou estimulação inadequada pela EPO (doença renal). Em geral, é normocrômica e normocítica, embora nos
casos com deficiência de ferro leve ou doença inflamató
ria crônica possa se apresentar com microcitose e hipo Anemia é definida como a redução no número de eritró citos. É importante ressaltar que não é uma doença e sim
cromia. A anemia por defeito da maturação deve-se à
um sinal ou achado laboratorial que necessita ser inves
maturação nuclear (deficiência de vitamina B12 ou ácido
tigado. A consequência primária da anemia é a hipóxia
fólico, lesão medicamentosa) e da maturação citoplasmá
tecidual. Suas manifestações clínicas dependem de cinco
tica (deficiência grave de ferro, anormalidades na síntese
fatores, que são respostas fisiológicas compensatórias para
de globina ou do heme). Anemia com índice de produção
a depleção de hemácias do organismo:
de reticulócitos (IPR) baixo associado a anormalidades
eritropoiese ineficaz e pode ser dividida em defeitos da
nos índices eritrocitários sugere um distúrbio da matura
1. Vasoconstrição periférica e vasodilatação central
ção. A anemia hemolítica está associada a um IPR eleva
para preservaro fluxo de sangue para órgãos vitais.
do. O sangramento agudo não está relacionado ao aumen
2. Aumento da frequência e do débito cardíacos.
to do IPR, devido ao tempo necessário para aumentara
3. Aumento de 2,3-difosfoglicerato no interior das
produção de EPO. Devido à perda de ferro concomitan
hemácias, aumentando a liberação de oxigênio
te à redução de eritrócitos, o sangramento subagudo pode
nos tecidos.
apresentar reticulocitose moderada. Já a anemia por per
4. Aumento do volume plasmático.
da sanguínea crônica manifesta-se com mais frequência
5. Estímulo da produção de eritropoietina (EPO).
como deficiência de ferro.
CAPÍTULO 63
380 -
Doenças Hematológicas
Os sinais e sintomas variam amplamente entre os pa cientes com mesmo grau e duração da anemia. A taxa de hemoglobina absoluta não é determinante único para os
ram-se glossite e estomatite angular.A pesquisa de linfono dos em planos profundos é necessária para o diagnóstico
sintomas do paciente, pois dependem da velocidade de instalação da anemia e da capacidade de resposta dos
do aparelho cardiovascular encontram-se taquicardia, hipotensão postural e sinais de má perfusão periférica em
mecanismos compensatórios. Dentre outros fatores deter minantes da resposta específica de cada indivíduo estão a gravidade da anemia, a idade e as comorbidades asso
casos de instalação aguda. Em casos crônicos, pode-se
diferencial entre as diversas causas de anemia. Ao exame
perceber sopro sistólico em foco pulmonar. Ao exame
abdominal, é importante verificara presença de espleno
ciadas. A paciente, no momento da consulta, era assinto mática e isto talvez se deva ao fato de apresentar os
megalia. No sistema musculoesquelético, as deformidades
mecanismos compensatórios preservados, já que se trata de uma paciente previamente hígida e com processo pro vavelmente crônico.
Quando existe suspeita de anemia pela história clínica, inicialmente deve-se solicitar um hemograma. O primei
Um quadro de anemia crônica se manifesta com sin tomas inespecíficos como fraqueza, fadiga, taquicardia,
bina. Os valores de referência variam de acordo com sexo,
palpitações, dispneia e tontura rotatória. Esses sintomas podem estar ausentes se o quadro for leve e o paciente
anemia valores de hemoglobina inferiores a 13g/dL, em
tiver os mecanismos compensatórios adequados.
o diagnóstico pela redução dos níveis de hemoglobina, o
Como antecedentes familiares, a paciente relata que o pai tem “úlcera no estômago” e que a mãe é saudável. Não tem irmãos. Avó faleceu de “velhice” aos 81 anos e o avô, de acidente vascular cerebral. Ao exame físico, está em bom estado geral, mucosas hipocoradas (+/4+), hidratada, orientada e consciente, acianótica, anictéri ca, afebril, com boa perfusão periférica, sem edemas, sem alteração de fâneros. Não apresenta alterações à oroscopia, nem adenomegalias em região cervical, supraclavicular,axilarou inguinal. Sem alterações nos sistemas cardiovascular e respiratório, como também nenhuma alteração ao exame abdominal. Em pacientes com anemia sem causa óbvia imediata, é fundamental investigar minuciosamente seus históricos familiare pessoal (Quadro 63.1).
Ao exame físico, ectoscopia, o achado mais comum é a palidez cutâneo-mucosa, que também pode sera queixa principal do paciente. Também se pode encontrar alteração
ósseas em face e crânio podem sugerir talassemia.
ro parâmetro a ser avaliado no hemograma é a hemoglo
idade e raça. Entretanto, de forma geral, consideram-se homens e 11,5g/dL, em mulheres. Depois de estabelecido
próximo passo é classificá-la. As anemias são classificadas conforme os índices hematimétricos, principalmente o
volume corpuscular médio (VCM) que representa o ta manho médio das hemácias e varia de 80 fentolitros (fL) a 100fL. A classificação da anemia de acordo com o VCM é crucial para elaboração do diagnóstico diferencial e
interpretação das possíveis causas da anemia (Tabela 63.1). A hemoglobina corpuscular média (HCM) e a concentra ção de HCM (CHCM) refletem defeitos na síntese de
hemoglobina. Também é importante a análise da ampli-
TABELA 63.1 - Causas de anemia de acordo com a classificação pelo volume corpuscular médio
Anemia
Classificação
Deficiência de ferro grave Microcítica
Talassemia
Anemia da doença crônica (algumas) Anemia sideroblástica
nos cabelos (perda de brilho, cabelos grisalhos precoces) e nas unhas (quebradiças, côncavas). À oroscopia, observa-
Intoxicação por chumbo
Anemia aplástica Anemia da doença crônica (maioria)
QUADRO 63.1 - Dados da anamnese importantes para diagnóstico diferencial das anemias • Origem étnica • Doenças associadas (renal, hepática, cardíaca, doença celíaca, colagenoses, doenças da tireoide, colelitíase) • Infecções • Neoplasias • História de transfusão • Cirurgia pregressa • História de sangramentos • Medicamentos/substâncias tóxicas • Histórico nutricional • Uso de álcool ou drogas • Histórico familiar de anemia
Normocítica
Anemia secundária à insuficiência renal crônica Infiltração medular Deficiência de ferro leve a moderada
Mielodisplasia (maioria)
Anemia megaloblástica (deficiência de vitamina B12 e/ou ácido fólico) Macrocítica
Anemia secundária à doença hepática Anemia secundária ao hipotireoidismo Relacionada a drogas (zidovudina, hidroxiureia, metotrexato, fenitoína)
Anemia hemolítica com reticulocitose acentuada Relacionada ao abuso de álcool
Anemia - 381
maior que 2,5, muito provavelmente indica hemólise. Quando menor que 2, sugere anemia porhipoproliferação ou por defeito da maturação, os quais podem serdiferen ciados pelos índices eritrocitários (em geral, normais em anemia por hipoproliferação) e pelo esfregaço do sangue periférico ou da medula óssea. O cálculo do IPR se baseia nas seguintes fórmulas:
[(Hemoglobina do paciente/15) × Reticulócitos] 2 Ou [(Hematócrito do paciente/40) × Reticulócitos]
2 O esfregaço do sangue periférico é um exame impor tante para avaliação de um paciente com anemia, podendo sugerir doenças específicas pela análise morfológica. A presença de hemácias em foice é sinal de doença falciforme ou suas formas variantes. Hemácias em alvo podem suge rir talassemia, doença hepática e hemoglobinopatia C. Acantócitos também são observados em insuficiência hepática. Policromasia e granulações basófilas são sinais de hemólise. A existência de microesferócitos é bastante sugestiva de esferocitose hereditária, assim como a de eliptócitos de eliptocitose hereditária. Esquizócitos e cé lulas fragmentadas indicam ruptura de hemácias (proces so microangiopático), vista em hemólise por próteses valvares ou em coagulação intravascular disseminada.
A paciente entrega ao médico seus exames para interpretação. Hemograma: • • • • • • • • • • • • • • •
Eritrócitos: 5,38 (valorde referência [VR]: 3,8 a 4,8). Hemoglobina: 11,5 (VR: 12 a 15). VCM: 64,4 (VR: 80 a 100fL). HCM: 21,3 (VR: 27 a 32pg). CHCM: 33,1 (VR: 31,5 a 36%). RDW: 15,2% (VR: 11,9 a 15,4%). Plaquetas: 267.000 (VR: 150.000 a 400.000). Leucócitos: 5.530 (VR: 4.500 a 11.000). Segmentados: 2.900 - 52,2% (VR: 1.800 a 7.200). Eosinófilos: 200 - 2,8% (VR: 0 a 500). Basófilos: 40 - 0,8% (VR: 0 a 200). Linfócitos típicos: 2.070 - 37,4% (VR: 1.000 a 4.000). Monócitos: 380 - 6,9% (VR: 0 a 800). IPR: 2,2. Esfregaço do sangue periférico: presença de hemá cias microcíticas e hipocrômicas.
De acordo com esse hemograma, podemos afirmar que ela tem uma anemia microcítica, cujos diagnósticos di ferenciais principais são anemia ferropriva, anemia de doença crônica e talassemia. Para diferenciá-las, o próxi mo passo é avaliara cinética do ferro.
A ferritina é a principal proteína intracelular respon sável pela reserva de ferro do organismo, tendo uma re lação direta com a quantidade de ferro armazenado.
Valores abaixo da normalidade indicam ferropenia. A ferritina é proteína de fase aguda e, consequentemente, pode estar elevada devido a processos inflamatórios, in fecciosos ou traumáticos. A anemia ferropriva é a mais comum das anemias no
mundo e tem como causas principais deficiência de ferro na dieta, aumento da demanda de ferro no organismo (gravidez, por exemplo), perdas sanguíneas crônicas (hi permenorreia, sangramento em trato gastrointestinal, he matúria) e má absorção intestinal. A deficiência de ferro no adulto, na maioria das vezes, é causada porsangramen to crônico. Laboratorialmente, se apresenta como anemia microcítica com valores de ferritina reduzidos (é incomum anemia ferropriva com valores normais ou elevados de fer
ritina). O exame padrão-ouro para o diagnóstico de anemia ferropriva é o mielograma com determinação do depósito de ferro medular. Outros exames do perfil do ferro, como ferro sérico (diminuído em anemia ferropriva), capacidade total de ligação do ferro (aumentada em anemia ferropriva) e saturação da transferrina (reduzida em anemia ferropri va), não são bons parâmetros para distinguir a anemia
ferropriva da anemia de doença crônica.
Ferritina: 59ng/mL (VR: 20 a 200ng/mL). Quando os níveis de ferritina são normais, é necessá rio prosseguira investigação. A anemia de doença crôni ca normalmente é normocítica, mas pode se apresentar também como microcítica. Encontramos essa anemia associada a doenças crônicas infecciosas, inflamatórias, câncer e doenças hepáticas. Sua patogênese deve-se a
alterações da homeostase do ferro no organismo, decor rente da produção de citocinas, que também alteram a proliferação dos precursores eritroides na medula óssea, a produção de EPO e a meia-vida das hemácias. Nesse tipo de anemia, o habitual é que se encontrem os níveis
séricos do ferro reduzidos.
Ferro sérico: 80 μg/mL (VR: 50 a 150 μg/mL).
Na Tabela 63.2, apresenta-se o diagnóstico laboratorial das anemias ferroprivas e da doença crônica. A paciente apresentava dosagem do ferro sérico den tro da normalidade. Dessa forma, restam excluir causas
CAPÍTULO 63
tude de distribuição de hemácias (RDW), que representa a variação de tamanho das hemácias em relação ao VCM da amostra, avaliando a heterogeneidade das hemácias em relação ao seu tamanho, normalmente entre 11,5 e 14,5%. Outro ponto importante no diagnóstico diferencial entre anemias é o IPR, que reflete a resposta da medula óssea, com aumento da produção eritroide. Quando o IPR for
CAPÍTULO 63
382 -
Doenças Hematológicas
TABELA 63.2 - Diagnóstico laboratorial das anemias ferroprivas e da doença crônica
ções têm sido descritas em pacientes com beta-talassemia, embora apenas cerca de 20 destas sejam responsáveis por
Anemia da doença crônica
80% dos casos no mundo. Todas essas mutações resultam
Exame
Anemia ferropriva
Ferritina
< 15ng/mL
30-200ng/mL
talassemia) ou em redução da sua síntese (beta+-talasse-
Ferro sérico
< 30μg/dL
< 50μg/dL
mia). Assim, os genótipos possíveis são: ββ (indivíduo
Saturação de transferrina (VR: 30 - 40%)
< 15%
10-20%
normal), β0β0 e β+β+ (homozigotos), β0β+ (duplo he
Capacidade total de ligação do ferro (VR: 250 - 360μg/dL)
> 360μg/dL
em ausência da síntese de cadeia de globina beta (beta0-
terozigoto), β0β e β+β (heterozigotos). O quadro clíni < 300μg/dL
co varia amplamente. A doença apresenta-se sob três
formas clínicas: VR = valor de referência.
• Talassemia major (anemia de Cooley): forma ho
mozigótica (β0β0) ou duplo heterozigoto (β0β+), de anemia microcítica que cursam com ferritina e dosa
gem do ferro sérico normais, que são as talassemias, cujo diagnóstico é feito por eletroforese de hemoglobina.
Eletroforese de hemoglobina: • Grupo A ‒ 93,7% (VR: 95 a 98%). • Hemoglobina F ‒ 2,3% (VR: 0,5 a 2%). • Grupo A2 ‒ 4% (VR: 1 a 3,5%).
extremas gravidade e letalidade, anemia intensa,
necessitando de suporte transfusional intensivo para sobrevivência.
• Talassemia minor estado heterozigótico (β0β e β+β),
geralmente assintomático, com anemia discreta. • Talassemia intermédia: forma homozigótica para o gene β+, moderadamente grave. Embora sintomáti
ca, as transfusões são ocasionalmente necessárias.
Como podemos observar há elevação dos níveis de
A fisiopatologia da talassemia deve-se aos efeitos
hemoglobina fetal (F) e hemoglobina A2, com diminuição
deletérios da excessiva produção das cadeias alfas. Essas
dos níveis de hemoglobina A, compatíveis com um quadro
cadeias são insolúveis e formam corpúsculos de inclusão
de beta-talassemia minor.
tóxicos que destroem os eritroblastos na medula óssea (eritropoiese ineficaz). As hemácias que não são destruí
das na medula óssea carregam consigo os corpúsculos de
DIAGNÓSTICO FINAL
inclusão, que as tomam suscetíveis aos macrófagos do
Beta-talassemia minor.
a redução ou ausência da cadeia beta diminui a síntese de
baço, resultando em hemólise extravascular.Além disso, hemoglobina, justificando a hipocromia e a microcitose, características de todas as formas clínicas.
DISCUSSÃO
A anemia resultante estimula a liberação de EPO e a hiperplasia eritroide compensatória. A expansão maciça
Talassemias são distúrbios hereditários caracterizados por deficiência na síntese das cadeias de globina, sendo classi
da medula óssea desordena o crescimento e o desenvol vimento, culminando com as clássicas deformidades ós
ficadas de acordo com o tipo de cadeia globínica deficiente:
seas talassêmicas (proeminência dos maxilares, aumento
beta-talassemia (deficiência na produção de cadeia beta)
da arcada dentária superior com separação dos dentes e
e alfa-talassemia (deficiência na produção de cadeia alfa).
bossa frontal). As reservas metabólicas são utilizadas para
A talassemia é a doença monogênica mais comum na humanidade. É verificada principalmente na população
manter a eritropoiese levando à baixa estatura, inanição,
do Mediterrâneo, do Oriente Médio, das regiões da Índia
mólise é responsável por hepatoesplenomegalia, úlceras
e do Paquistão, e do sudeste asiático.
maleolares e litíase biliar. A hepatoesplenomegalia é
O tipo mais comum de talassemia no Brasil e no
disfunção endócrina e suscetibilidade a infecções. A he
também explicada pela eritropoiese extramedular.
mundo é a beta-talassemia, que será aqui considerada. A
A eritropoiese ineficaz estimula ainda a absorção de
prevalência do gene beta-talassêmico no Brasil é maior
ferro pelo intestino, provocando hemossiderose (hemo
nas áreas de colonização italiana (São Paulo e região Sul).
cromatose eritropoiética). As transfusões crônicas promo
As mutações geralmente afetam a regulação ou ex
vem sobrecarga de ferro (hemocromatose transfusional)
pressão do gene produtor da cadeia beta, presente no
e provocam disfunção orgânica (insuficiências endócrinas,
cromossomo 11. Aproximadamente 200 diferentes muta
fibrose hepática e insuficiência cardíaca, principalmente).
Anemia - 383
forma clínica, e de hemólise extravascular: hiperbilirru
Os pacientes com beta-talassemia intermédia devem ser acompanhados e continuamente avaliados em relação
binemia indireta, aumento da desidrogenase lática, redu
aos seus sintomas. A terapia quelante de ferro está indi cada, pois mesmo sem transfusões regulares há acúmulo
ção da haptoglobina e reticulocitose. O esfregaço do
de ferro. Transfusões regulares são recomendadas se
sangue periférico apresenta anisopoiquilocitose, com
houver deformidades ósseas importantes, aumento pro
predomínio de hemácias microcíticas e hipocrômicas e
gressivo do baço, úlceras de membros inferiores ou insu
de hemácias em alvo, e presença de eritroblastos.
ficiência cardíaca. Alguns pacientes podem se beneficiar da esplenectomia, indicada quando houver plaquetopenia
O exame padrão-ouro para o diagnóstico das beta -talassemias é a eletroforese de hemoglobina. As hemo globinas formadas por outras cadeias não beta estão em
níveis elevados, como a HbA2 (α2δ2) e a HbF (α2γ2).
O tratamento conservador da talassemia major se baseia em: •
Transfusão sanguínea: manteros níveis de hemoglo bina superiores a 10g/dL. A hipertransfusão crônica tem efeitos favoráveis sobre o crescimento e a ati
vidade física, reduz a hiperplasia da medula óssea e, consequentemente, resulta em redução ou ausên cia de deformidades ósseas e de esplenomegalia. • Quelação do ferro: utilização de quelantes orais (deferiprona e deferasirox) ou parenteral (desferro xamina). A terapêutica quelante deve ser iniciada
cerca de um ano após o início do programa regular de transfusões, quando a ferritina sérica atinge va
lores acima de 1.000 a 1.500μg/L. • Esplenectomia: as indicações aceitas são plaqueto
penia e elevado consumo transfusional de sangue (maior que 240mL/kg/ano).
• Apoio psicológico.
O transplante alogênico de medula óssea tem excelen tes resultados para a beta-talassemia quando indicado corretamente.
ou sintomas devido à esplenomegalia. Os portadores de beta-talassemia minor, como já des
crito, são clinicamente assintomáticos e habitualmente não necessitam de tratamento. O aconselhamento genético e a orientação do paciente são fundamentais.
BIBLIOGRAFIA BARROS, E.; STEFANI, S. D. CMricaMédfca- CcrBdtaRqjida 3. ed., São Paulo: Artmed, 2007. BEUTLER, E. et al. WilliaiisHαnárkg'. 7. ed. New Yoik: McGrawHill, 2005. GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. Ceeil: Tr^adodeMedkiralrta ra 23. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. KASPER, D. L. et al. HariscrisPriiTiplescf Iγíuγeí Mαlkire
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CAPÍTULO 63
Os achados laboratoriais são de anemia microcítica e hipocrômica, variando na intensidade de acordo com a
___________________________________
CAPÍTULO
Cansaço e Palidez Walter Moisés Tobias Braga • Matheus Vescovi Gonçalves
Paciente do sexo feminino, 52 anos de idade, cozi nheira aposentada, casada, natural e residente em São Paulo-SP, dá entrada em um pronto-socorro local com queixa de cansaço fácil, dificultando o desempenho das atividades diárias, com caráter progressivo, há cerca de um mês. Seus familiares a descrevem como pessoa muito ativa, mas que recentemente apresenta episódios de pré-síncope, tontura não rotatória aos esforços e sonolência excessiva, além de estar muito pálida. Re fere ainda febre não aferida há cerca de uma semana junto com sintomas gripais, com tosse produtiva e ex pectoração esverdeada. Apresenta antecedente mórbido de hipertensão arterial sistêmica, em uso de captopril, 25mg, três vezes por dia, há dez anos. Nega diabetes, dislipidemia ou outros antecedentes. Refere cirurgia de laqueadura tu bária há 15 anos. Internação recente há três meses por quadro de hepatite.
Um quadro de cansaço pode ser explicado por diversas situações na prática clínica (Quadro 64.1). Na apresenta
ção inicial, os pacientes podem usaro termo cansaço para
descrever tanto estados de dispneia, em que se tem a impressão nítida de “fome de ar”, quanto para descrever estados de fadiga ou fraqueza generalizada. Distinguir
entre essas duas entidades nem sempre é fácil, já que
ambas possuem um ponto em comum: pouco oxigênio está chegando aos tecidos. Por outro lado, essas sensações diferentes se explicam porque os mecanismos da baixa
oxigenação tecidual diferem. A sensação de dispneia em geral se refere a uma inca
pacidade pulmonarde oxigenaro sangue. Tal incapacida de pode serporalterações das vias aéreas (como estreita
mentos por compressão extrínseca ou broncoespasmo), alterações do parênquima pulmonar (pneumonias, absces
sos, síndrome da angústia respiratória aguda e edema pulmonar), compressão extrínseca dos pulmões (derrames
pleurais), ou alterações da vascularização (tromboembolia pulmonare hipertensão pulmonar). Nesses casos, muitas
vezes a sensação relatada pelo paciente é estimulada pelo acúmulo de CO2 que pode existire também por estímulo
mecânico de receptores pulmonares.
— QUADRO 64.1 - Causas de cansaço
• Origem pulmonar (dispneia) - Obstrução de vias aéreas ■ Tumores do mediastino ■ Tumores endobrônquicos ■ Broncoespasmo ■ Corpo estranho - Compressão pulmonar ■ Derrame pleural ■ Tumores torácicos - Alteração do parênquima pulmonar ■ Pneumonia ■ Edema pulmonar ■ Abscessos pulmonares ■ Síndrome da angustia respiratória (por sepse, TRALI, grandes traumas/queimaduras, membrana hialina no recém-nascido) - Alterações da vascularização pulmonar ■ Tromboembolia pulmonar ■ Hipertensão pulmonar • Síndromes sistêmicas (astenia) - Atividade inflamatória ■ Sepse ■ Doenças autoimunes sistêmicas - Anemia - Cardiopatias ■ Miocardiopatias com ICC ■ Cardiopatias congênitas • Outras - Depressão - Apneia do sono ICC = insuficiência cardíaca congestiva; TRALI = lesão pulmonar aguda rela cionada à transfusão.
Cansaço e Palidez - 385
anemia, cardiopatia ou pneumopatia? Estertores crepitan
uma fraqueza generalizada, que traduziríamos por“indis-
tes, febre e tosse produtiva sugerem pneumonia de base
posição geral”. Nesses casos, geralmente não há problemas
direita. Esta, porém, surgiu depois do quadro inicial de
na capacidade pulmonarde troca de gases, mas há outros
cansaço e deve, na verdade, estar agravando o quadro
fatores que diminuem a capacidade do sangue de trans
sintomático da paciente, talvez até antecipando sua pro
portar oxigênio, ou diminuem a capacidade das células
cura de atendimento.
de extraírem este oxigênio. Assim, pacientes anêmicos ou
Sopro sistólico não necessariamente nos induz a pen
com débito cardíaco muito baixo geralmente referem esse
sarem doenças cardíacas. Na verdade, quadros de anemia
tipo de cansaço. Como os pacientes com insuficiência
grave induzem a aumento da frequência cardíaca, na
cardíaca congestiva (ICC) também podem ter congestão
tentativa de melhorara perfusão e a oxigenação tecidual.
pulmonar, as causas de cansaço se somam. Pacientes com
Isso gera um estado hiperdinâmico em que o sangue
respostas inflamatórias sistêmicas, em que há excesso de
passa com mais velocidade pelas valvas cardíacas, cau
citocinas circulantes, também podem referir fraqueza.
sando um sopro sistólico ejetivo. Caso se tratasse de um
Outra causa de astenia é a depressão, muitas vezes sub
quadro de ICC pura, precisaríamos de maioracometimen
diagnosticada e até menosprezada.
to pulmonar (crepitação em mais áreas) para que o pa
cipais: oxiemoglobina, carboxiemoglobina, melanina e
ciente seja sintomático, e esperar-se-ia uma pressão arte rial mais baixa. É claro que quando há anemia, pneumo
outros pigmentos (carotenos, bilirrubina, entre outros).
patia e ICC combinadas serão necessárias menores
Porém, uma palidez generalizada e de rápida evolução
amplitudes de disfunção de cada órgão, isoladamente,
deve sempre alertar o médico para um quadro de baixa quantidade de hemoglobina, ou seja, anemia. É importante
para gerarum sintoma maior Além disso, bulhas normo
ressaltar que anemia não é alteração da quantidade de
ausência de atrito pericárdico.
A corda pele é determinada por quatro fatores prin
hemácias, mas sim redução da hemoglobina.
fonéticas falam contra tamponamento, assim como a
Assim, o exame físico nos mostra uma paciente anêmi
Num quadro anêmico, outros sintomas da baixa oxige
ca com infecção pulmonar concomitante, cujas outras
nação tecidual podem estar presentes, como sensações de
alterações (taquicardia, febre, taquipneia) são consequên
tonturas não rotatórias, pré-síncope e sonolência excessiva.
cias desta.
Assim, um quadro como o desta paciente deve nos
alertar para um quadro anêmico, que pode ser facilmente reconhecido ao exame físico e com exames laboratoriais simples.
O exame físico mostra regular estado geral, febril, temperatura axilar de 37,9°C, acianótica, anictérica, hipocorada +++/4+, taquipneica, frequência respirató ria de 24irpm, frequência cardíaca de 118bpm e pressão arterial de 120 × 80mmHg. Ausculta pulmonar com estertores crepitantes em base direita, ausculta cardíaca com ritmo regularem dois tempos e bulhas normo fonéticas, discreto sopro sistólico, o abdome sem visceromegalias e linfonodos não palpáveis.
Nos exames complementares verifica-se imagem de condensação alveolarna base do hemitórax direito. Hemograma: hemoglobina = 6,5; hematócrito = 19; velocidade corpuscular média = 90; hemoglobina cor puscular média = 26; amplitude de distribuição de hemácias = 14; leucócitos: 450/mm3 (neutrófilos: 40%; eosinófilos: 1%; linfócitos: 50%; monócitos: 9%); plaquetas: 30.000/mm3. Diante desses dados, opta-se pela internação hospitalar para investigação. Os exames mostraram, então, um quadro de diminui
ção dos valores das três séries sanguíneas: anemia, leu copenia e plaquetopenia. Apesar de a anemia ter sido
diagnosticada pelo exame físico, só poderia se suspeitar
O exame físico revela uma paciente bastante descora
de leucopenia caso a pneumonia se mostrasse dentro de
da, o que fala a favor do diagnóstico de anemia. Para
um quadro de infecções de repetição; mesmo assim,
falarmos em pacientes descorados, devemos examinaras
poderíamos suporum quadro de imunodeficiência, mas o
mucosas, pois não sofrem influência dos outros pigmen
tipo de imunodeficiência é sempre difícil de diagnosticar
tos da pele e sua coré derivada da quantidade e saturação
sem investigações adicionais. Aparentemente, essa é a
da hemoglobina. O exame da língua também mostrara um
primeira infecção da paciente. Além disso, há plaqueto
tom mais pálido, mas a presença da mioglobina muscular
penia, que pode até ser diagnosticada por um quadro de
pode subestimara intensidade da anemia.
púrpura associada, mas este quadro comumente só surge
Entretanto, a paciente mostra sopro e crepitações. Como, então, distinguir qual a causa primária do cansaço:
com valores muito baixos de plaquetometria, em geral abaixo de 10.000 a 20.000/mm3.
CAPÍTULO 64
Por outro lado, o paciente pode referir cansaço como
386 -
Doenças Hematológicas
CAPÍTULO 64
Na investigação de um quadro de pancitopenia, alguns dados precisam ser levados em consideração (Quadro 64.2). É importante diferenciarse a pancitopenia se ex
plica porum quadro de consumo periférico ou porfalên cia na produção medular. O consumo periférico pode ser
verificado em situações de sequestro esplênico, como em
linfomas esplênicos e hipertensão portal, além de fenô menos autoimunes, quando há formação de anticorpos
contra eritrócitos, neutrófilos e/ou plaquetas. Já as situa ções de falência de produção medular são justificadas pela
substituição do conteúdo medularporfibrose ou porcélu las neoplásicas, como em leucemias, linfomas avançados, mieloma e mielodisplasias. Além da substituição medular
tem-se as situações de falência medular com hipoplasia
das células hematopoiéticas, como em deficiências de
vitamina B12 e folato, aplasias de medula e síndromes mielodisplásicas hipoplásicas. Para se fazer essa diferen ciação entre consumo periférico e falência de produção
QUADRO 64.2 - Causas de pancitopenia • Consumo periférico - Hiperesplenismo (sequestro esplênico: hipertensão portal, linfoma esplênico) - Doenças autoimunes - Sepse grave com coagulação intravascular disseminada • Falência medular - Idiopática - Anemia de Fanconi - Hemoglobinúria paroxística noturna - Infiltração tumoral (tumores hematológicos e não hematológicos) - Fibrose medular (primária ou secundária) - Infecções ■ Micobactérias ■ Virais (HIV, EBV, parvovírus, hepatites B e C, outros) ■ Leishmaniose - Deficiência de vitamina B12 e folato - Citotoxicidade por drogas ■ Dose-relacionada (quimioterapia) ■ Idiossincrática (colchicina, AINE, sulfonamidas, antitireoidianos, benzeno, arsênio, sais de ouro) - Mielodisplasia (hiper ou hipoplásica)
AINE = anti-inflamatórios não esteroidais; EBV = vírus Epstein-Barr; HIV = vírus da imunodeficiência humana.
medular, dois exames são fundamentais: a contagem de reticulócitos e o estudo da medula óssea (aspirado/biópsia).
Quando há destruição periférica, a medula funciona bem e trabalha no sentido de compensara deficiência
periférica (padrão regenerativo). Há aumento do número de reticulócitos e a medula, caso examinada microscopi camente, vai se mostrar hipercelular Entretanto, quando
há funcionamento mim da medula, encontraremos baixa
quantidade de reticulócitos circulantes, refletindo essa
baixa produção celular. Entretanto, não necessariamente a microscopia revelará uma medula pobre. Em muitos casos,
Opta-se pela realização do aspirado (mielograma) e da biópsia de medula óssea. O aspirado foi seco com baixa representação de células hematopoiéticas, de di fícil interpretação, porém, não houve evidência de célu las anormais em seu conteúdo. Em seguida, faz-se es tudo anatomopatológico associado à pesquisa de marcadores imuno-histoquímicos, que evidenciou me dula hipocelularcom celularidade de 15%, lipossubsti tuída, sem sinais de fibrose e com redução absoluta de células precursoras hematopoiéticas, compatível com o diagnóstico de aplasia medular(Fig. 64.1).
o problema não é a multiplicação das células progenitoras, mas sim seu amadurecimento. Assim, em casos em que
há mutações que levem à displasia da célula-tronco (sín drome mielodisplásica), a medula pode estar bastante
povoada, mas não há produção eficaz de células maduras.
DIAGNÓSTICO FINAL Aplasia medular.
Em casos de deficiência de vitamina B12 ou folato, vemos um quadro de medula rica, mas com eritropoiese ineficaz
e, portanto, pancitopenia. Doenças infiltrativas mostram medula rica, mas à custa da doença agressora. Até casos
DISCUSSÃO
de leucemia, em que a medula pode estar abarrotada de
A maioria dos pacientes com aplasia medular procura
células neoplásicas (blastos), podem se manifestar como
atenção médica devido aos sintomas da pancitopenia:
pancitopenia, sem exibir, ao hemograma, aumento dos
sangramentos por plaquetopenia, desde leves sufusões a
leucócitos. Por outro lado, existem situações em que a
hemorragias graves, infecções pela neutropenia intensa
medula pode estar “vazia”.
(< 500/mm3) e anemia, a qual é de início insidioso, sen
Foi então solicitada a contagem reticulocitária, que re
do que alguns pacientes toleram baixos níveis de hemo
sultou em um número absoluto de 15.000/mm3 (considera
globina sem queixas. Os achados de exame físico refletem
mos reticulocitose quando superior a 110.000/mm3). Dian
a gravidade da pancitopenia e o paciente pode apresentar
te desse resultado, pôde-se observarum quadro de anemia
desde sutis variações do normal até alterações graves com
com padrão não regenerativo e que, provavelmente, o caso
sangramento e toxemia. A obtenção de uma história clí
se tratava de algum fator de origem medular, descartando
nica cuidadosa pode revelar exposição a agentes químicos,
as possibilidades de consumo celular periférico.
drogas ou infecções virais.
Cansaço e Palidez - 387
CAPÍTULO 64
Figura 64.1 - Aplasia medular. (A) Medula óssea normal. (B) Medula hipocelular, lipossubstituída.
Os critérios para definição de um caso de anemia aplásica tradicionalmente envolvem:
• Pancitopenia. • Medula óssea hipocelular.
O diagnóstico de aplasia medular deve ser acompanhado da pesquisa de várias entidades nosológicas que, eventual mente, cursam com hipoplasia medular, o que pode levar
a uma abordagem terapêutica direcionada. São causas de
aplasia medular que precisam ser investigadas:
• Tecido hematopoiético substituído por tecido gor duroso.
• Ausência de infiltrados anormais ou aumento de
reticulina (fibrose).
Todos os critérios acima precisam estar presentes e associados a pelo menos dois dos seguintes: • Hb < 10g/dL. • Plaquetas < 100.000/mm3. • Neutrófilos < 1.500/mm3.
De acordo com a gravidade, a anemia aplásica é clas sificada em:
• Anemia de Fanconi e síndrome mielodisplásica hi poplásica: estudos de citogenética, como cariótipo clássico, podem evidenciar alteração clonal de uma
síndrome mielodisplásica e pode-se responder com drogas específicas para esta doença; a pesquisa de
instabilidade cromossômica com indutores de que bras, como mitomicina e diepoxibutano (deb test), deve serfeita para o diagnóstico de anemia de Fan coni (mais comum em crianças). • Hemoglobinúria paroxística noturna: pesquisada pelo teste de Ham e pela pesquisa de clone CD59 e CD55 por citometria de fluxo. A hemoglobinúria paroxística noturna sempre deve ser pesquisada em casos de aplasia medular.É uma associação frequen
te e subdiagnosticada. • Anemia aplásica não grave: neutrófilos > 500/mm3. • Anemia aplásica grave: celularidade medular < 25%
ou entre 25 e 50%, com menos de 30% de células hematopoiéticas residuais, associada a dois dos três critérios: neutrófilos < 500mm3; plaquetas < 20.000/ mm3; reticulócitos < 20.000/mm3.
• Anemia aplásica muito grave: os mesmos critérios da grave, exceto pela contagem de neutrófilos < 200/mm3.
• Anemia megaloblástica: dosagem de vitamina B12 e folato. • Infecções virais: sorologias para vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, vírus da imunodeficiência humana, parvovírus, hepatites A, B e C. • Gravidez: gonadotrofina coriônica humana beta (beta-hCG) em todas as mulheres (causa bastante
rara de aplasia). • Leucemia de grandes células granulares T: imuno fenotipagem (CD3+, CD8+ e CD57+).
De acordo com os critérios descritos, a paciente em questão recebeu o diagnóstico de anemia aplásica muito grave.
Todas essas entidades foram pesquisadas e os resul
tados foram negativos.
CAPÍTULO 64
388 - Doenças Hematológicas
A patogenia da anemia aplásica não está completa mente demonstrada, porém se acredita que alterações no microambiente medulare na própria célula-tronco pode riam explicara destruição das células hematopoiéticas na medula. Tem-se verificado, em anemia aplásica, uma re lação causal entre o aumento da expressão de linfócitos T supressores e a diminuição das células hematopoiéticas
na medula óssea. Essa teoria é sustentada pelos dados que apontam recuperação medular sustentada em 30 a 80% dos pacientes submetidos à terapia imunossupressora. Os protocolos de abordagem terapêutica para anemia aplásica em pacientes adultos separam os pacientes em dois grupos: os maiores de 40 anos de idade e os menores de 40 anos. Segundo esses protocolos, aprovados pela Socie
dade Americana de Hematologia e também pela Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, os pacientes com menos de 40 anos, com irmão doador com antígeno leu cocitário humano (HLA) compatível, devem ser submetidos ao transplante de medula óssea (TMO) alogênico como tratamento inicial, com sobrevida média em torno de 70% em 15 anos. Já os pacientes com mais de 40 anos de idade
apresentam menor sobrevida quando submetidos ao TMO (< 50% em 15 anos) e para estes a terapia imunossupres sora estaria indicada inicialmente, deixando o TMO reser vado como último recurso terapêutico. A terapia imunossupressora baseia-se em ciclosporina (CsA), 5mg/kg/dia, por seis meses, associada à imuno
globulina antitimócito, de cavalo ou coelho (ATGAM® e
Thymoglobulin®, respectivamente). O tempo de resposta esperada é de quatro a seis meses e, na ausência de res
posta medular pode-se repetira globulina antitimócito e CsA, antes de se sugerir o TMO.
A paciente é submetida ao tratamento imunossu pressor,já que tinha 52 anos. Realizado tratamento com CsA e globulina antitimócito de coelho; após quatro meses não foi observada resposta, sendo repetida a globulina antitimócito sem resposta satisfatória. Opta -se, então, pelo TMO alogênico com doador irmão HLA idêntico após seis meses do início do quadro. A pacien te evolui com enxertia medularem 21 dias do TMO, recebendo alta no trigésimo dia. Mantém acompanha mento ambulatorial regular sem mais intercorrências.
BIBLIOGRAFIA BACIGALUPO, A. Aplastic anemia: pathogenesis and treatment. He nicfckg' (Am. Sα. Hαnétri Edix. Prçg-an), p. 23-28, 2007.
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CAPÍTULO
65
Manchas na Pele Matheus Vescovi Gonçalves • Walter Moisés Tobias Braga
Uma jovem de 18 anos de idade, previamente hígi da, operadora de telemarketing, comparece ao pronto atendimento queixando-se de surgimento de manchas arroxeadas pelo corpo, ora espontaneamente, ora com traumas de leve intensidade, há cerca de dez dias. Além disso, refere que várias “pintinhas” vermelhas haviam aparecido nos membros inferiores. As lesões são indo lores, não pruriginosas e não descamam. Nega febre, emagrecimento e dor, mas também se queixa de que há duas semanas vinha apresentando sangramento gengi val, inicialmente apenas ao usar fio dental e depois ao escovaros dentes normalmente.
O surgimento de manchas na pele pode representar um pro blema dermatológico puro ou a manifestação de um processo
sistêmico. Quando a manifestação é puramente tegumen tar, o paciente pode procurar ajuda por alterações apenas de cunho estético, como um hemangioma, ou por causa de sintomas desconfortáveis, como prurido. Por outro lado, lesões podem representar processos generalizados, como no surgimento de acantose nigricans, em que pode
representar lesão maligna oculta. Assim, é fundamental
diante de uma queixa dermatológica identificarmos se o paciente apresenta repercussões sistêmicas ou outros sinais e sintomas associados.
As alterações de cor ocorrem sem alteração da pele
ou da sua textura, sendo chamadas de máculas ou manchas.
Quatro elementos determinam a corda pele normal: me lanina; outros pigmentos (como carotenos e outros); concentração sanguínea de oxiemoglobina; e concentração
sanguínea de carboxiemoglobina. Assim, combinações diferentes desses elementos darão diferentes cores de pele e de lesões, que podem ser divididas em máculas pigmen
tares (alteração dos pigmentos) e vasculossanguíneas (alteração da oxigenação do sangue ou depósito de he
moglobina na pele), conforme visto no Quadro 65.1.
Ao exame, a paciente apresenta bom estado geral, acianótica e anictérica, sem febre, sem sinais de emagre cimento, sem edemas, sem alterações à oroscopia, sem gânglios e sem visceromegalias. Ao exame dermatoló gico exibe fâneros normais, porém, dois tipos de lesão tegumentar.Há lesões de cerca de 1mm, puntiformes e vermelhas, múltiplas e de localização preferencial nos membros inferiores e que não desaparecem à digitopres são: as petéquias. Além dessas lesões maiores, entre 2 e 3cm, arroxeadas e com algumas áreas esverdeadas e até amareladas nos membros superiores e inferiores, que também não desaparecem à digitopressão: equimoses em diversas fases de evolução (Fig. 65.1).
As lesões de pele podem se dividirem seis tipos de
lesões elementares:
A existência de manchas que não desaparecem à digi
topressão e possuem como característica a deposição de • Alterações de cor.
hemoglobina na pele caracteriza um quadro de púrpura.
• Elevações edematosas.
A púrpura pode ser causada por entidades muito variáveis
• Formações sólidas.
e fisiopatologicamente pode representar um distúrbio
• Coleções líquidas.
plaquetário, da cascata de coagulação, ou da integridade
• Alterações de espessura.
vascular (por exemplo, vasculites inflamatórias e infec
• Perdas de tecido e reparações.
ciosas) (Quadro 65.2). Ainda, as púrpuras podem ser
CAPÍTULO 65
390 - Doenças Hematológicas
QUADRO 65.2 - Classificação e causas de púrpura
• Máculas vasculossanguíneas - Eritema: é vermelho, causado por vasodilatação e, portanto, desaparece à digitopressão ■ Exantema: eritema disseminado. Divide-se em • Morbiliforme (rubeoliforme): pele normal entremeando as manchas • Escarlatiniforme: máculas confluem, sem pele normal aparente entre elas ■ Enantema: exantema das mucosas ■ Cianose: eritema arroxeado por aumento de carboxiemoglobina ■ Rubor: eritema vermelho-vivo por aumento de oxiemoglobina ■ Eritema figurado: bordas bem definidas e até elevadas, formas variáveis ■ Eritrodermia: eritema crônico com descamação ■ Mancha angiomatosa: mancha estrutural, causada por aumento dos capilares locais ■ Mancha anêmica: mancha branca por redução do número de capilares locais - Púrpura: mancha causada por extravasamento de sangue, que não desaparece à digitopressão. Sua cor varia de acordo com a decomposição de hemoglobina: arroxeado-verde-amarelada ■ Petéquias: lesões puntiformes ■ Equimoses: púrpuras maiores, geralmente acima de 1cm ■ Víbices: púrpuras lineares, em geral acompanhadas de rupturas de fibras da derme. Após reabsorção da hemoglobina resulta em atrofia branca linear • Manchas pigmentares (discrômicas) - Leucodérmicas: redução da melanina - Acrômicas: ausência de melanina - Hipocrômicas: redução de melanina - Hiperpigmentares: aumento de melanina ou outros pigmentos, podendo ser localizadas ou difusas. Exemplos: icterícia, carotenodermia
• Quanto à apresentação - Púrpura palpável ■ Vasculite leucocitoclástica: vasculite necrosante de pequenos vasos acompanhada de sintomas sistêmicos. Geralmente induzida por ♦ Drogas (AINE, fenotiazidas) ♦ Infecções: meningococo, hepatites ♦ Crioglobulinemia, criofibrinogenemia ■ Colagenoses ♦ Lúpus eritematoso sistêmico ♦ Sjögren ♦ Artrite reumatoide ♦ Poliarterite nodosa ♦ Wegener, Churg-Strauss ■ Neoplasias: mieloma múltiplo, leucemia ■ Drogas: aspirina, AINE, warfarina - Púrpura não palpável ■ Trauma ■ Senilidade (púrpura senil) ■ Estase venosa ■ Escorbuto ■ Alterações da coagulação ♦ Trombocitopenias ♦ Tromboastenias ♦ Coagulopatias * • Quanto à fisiopatologia - Perda da integridade vascular ■ Trauma ■ Infecção ■ Henoch-Schönlein ■ Drogas ■ Escorbuto ■ Síndrome de Ehlers-Danlos, histiocitose de Langerhans, telangiectasia hereditária (síndrome de Osler-Weber-Rendu) - Trombocitopenia ■ Destruição aumentada das plaquetas (PTI, PTT, CIVD, outras) ■ Produção diminuída (infecção, aplasia medular) ■ Sequestro plaquetário (hiperesplenismo, grandes ** hemangiomas) - Alterações da função plaquetária ■ Tromboastenia de Glanzmann ■ Bernard-Soulier (síndrome das plaquetas gigantes) ■ Uremia, aspirina - Coagulopatias *: hemofilias, doença de von Willebrand, insuficiência hepática, deficiência de vitamina K
* Geralmente, as coagulopatias ‒ problemas na cascata de coagulação ‒ cur sam com hematomas mais do que com quadro purpúrico.
** Causa rara de sangramento ou púrpura.
AINE = anti-inflamatórios não esteroidais; CIVD = coagulação intravascular disseminada; PTI = púrpura trombocitopênica imune; PTT = púrpura trom bocitopênica trombótica.
Figura 65.1 - Pequenas equimoses e petéquias nos membros superiores, que não desapareciam à digito pressão.
mas inflamatórios sistêmicos como febre, emagrecimento
ou alteração do estado geral falava contra doença sistêmica. Por outro lado, também não era uma lesão primária de pele, por não apresentar história de traumas maiores,
classificadas como palpáveis ou não palpáveis. Na maioria
exposição solar fora do habitual ou uso de esteroides.
das vezes, serão não palpáveis, planas. A púrpura é palpá
A ausência de sinais inflamatórios associados a quadro
vel quando existe edema associado, o que geralmente ocorre quando há infiltrado inflamatório na parede vascu
de púrpura não palpável diminui a chance de ser quadro
lar, por isso também chamada de púrpura vascular.
púrpura não palpável sem sintomas sistêmicos nos faz
No caso da paciente, o exame físico mostrava apenas
lesões purpúricas não palpáveis e a falta de outros sinto
inflamatório sistêmico (como uma colagenose). Na verdade, pensar fortemente em distúrbio plaquetário, que deve ser
investigado com exames laboratoriais.
978-85-4120-074-5
QUADRO 65.1 - Tipos de manchas de pele
Manchas na Pele - 391
Os exames de entrada mostram uma paciente com pla quetopenia significativa; sem outras alterações. Entretanto,
978 85 4120 074
5
muitas considerações podem ser feitas. Ao mostrar função renal normal, já afastamos uremia como causa de disfunção plaquetária. As outras síndromes de disfunção plaquetária (Glanzmann, por exemplo) são congênitas e, portanto, deveriam se manifestar desde o nascimento, o que não é
o caso. Além disso, tendem à contagem plaquetária pró xima da normalidade. Como a cascata da coagulação também está normal (RNI e TTPa) o foco recai sobre o
valor quantitativo das plaquetas como causa da púrpura. Diversas situações podem causar queda na contagem plaquetária, conforme detalhado no Quadro 65.3. Os principais mecanismos incluem destruição periférica, se questro periférico e redução na produção. Clinicamente, as trombocitopenias se manifestam com sangramento de mucosa (conjuntivas, gengivas, eventual
mente intestino e metrorragia) e púrpura não palpável. Sangramentos espontâneos só são vistos em contagens muito baixas, como inferiores a 10.000 a 20.000/mm3,
QUADRO 65.3 - Causas de plaquetopenia • Destruição aumentada - Imunomediada ■ Trombocitopenia aloimune neonatal ■ Trombocitopenia materna autoimune ■ Púrpura trombocitopênica imune ■ Doenças autoimunes-colagenoses ■ Trombocitopenia induzida por drogas - Infecção - Síndrome hemolítico-urêmica - Púrpura trombocitopênica trombótica - Coagulação intravascular disseminada - Síndrome de Wiskott-Aldrich • Produção diminuída - Infecção - Aplasia medular/mielossupressão - Anemia megaloblástica • Sequestro plaquetário - Hiperesplenismo - Grandes hemangiomas • Pseudoplaquetopenia - Induzida por ácido etilenodiaminotetracético (EDTA): plaquetopenia desaparece quando o exame é colhido em tubo com citrato) - Satelitismo plaquetário (visto ao microscópio)
com contagens muito baixas (< 5.000/mm3) ou quando
há disfunção plaquetária.
apesar de pacientes com disfunção plaquetária associada (uremia, uso de aspirina) poderem sangrar com contagens
(1:1.000 nascimentos), causada pela sensibilização da mãe
mais altas. Sangramentos do sistema nervoso central são
por antígenos fetais plaquetários adquiridos do pai. O
consequências graves, mas raras e em geral só acontecem
quadro clínico é grave, com 10% de mortalidade e 20% de
A trombocitopenia imune neonatal é condição rara
sequelas neurológicas por sangramento intracraniano. O
tratamento é complexo e deve começar in utero, com cor TABELA 65.1 - Resultados dos exames laboratoriais de entrada Valor de referência
docenteses profiláticas para tentar antecipar a trombocito penia naqueles casos com história de parto anterior com
Exame
Resultado
Hemoglobina (g/dL)
13,2
12-15,5
trombocitopenia neonatal. Em geral, envolve imunoglobu
Leucócitos totais
6.520
4.000- 10.500
lina, corticoides e transfusão de plaquetas. Após o nasci mento, geralmente a contagem plaquetária sobe de modo
Diferencial (%) Bastões Segmentados Eosinófilos Basófilos Linfócitos Monócitos
1 57 1 0 36 5
Plaquetas
8.000
RNI
1,01
rápido. Obviamente, esse não é o caso da nossa paciente.
A paciente também não estava usando qualquer me
dicação. Diversas medicações podem induzirtrombocito
penia e o mecanismo inclui a produção de anticorpos 150.000-450.000
< 1,25
antiplaquetários. As principais drogas estão no Quadro
65.4. O tratamento inclui a retirada da droga e a transfu são de plaquetas nos casos mais graves.
TTPa (s)
36
49% ou hematimetria >5,7 milhões/mm3 para homens (e 16, 45% e 5,1 milhões/mm3 para mulheres, respectivamente).
A policitemia relativa é encontrada em nosso meio espe cialmente em pacientes que têm Ht normal, mas se en contram desidratados. Já a policitemia absoluta ocorre
quando o aumento na massa eritrocitária é real. A polici temia deve ser sempre investigada a despeito de sua causa, pois pequenos aumentos do Ht já podem aumentar a viscosidade sanguínea. O impacto da viscosidade se dá
no fluxo sanguíneo e na oxigenação tecidual. A viscosi dade sanguínea depende do número e da flexibilidade das hemácias e da viscosidade do próprio plasma. Quando o Ht aumenta além de 55%, há aumento exponencial da viscosidade sanguínea, especialmente nos capilares e nas vênulas, reduzindo o fluxo e a oxigenação. A policitemia real ou absoluta pode ser causada por um problema intrínseco da medula óssea que leva à pro dução exagerada de hemácias, independentemente da necessidade corporal, ou pode ser provocada por fatores
extrínsecos à medula óssea. Dessa forma, para darmos o
diagnóstico, precisamos investigar todas essas causas. As principais estão listadas no Quadro 66.1. É interessante
iniciara investigação buscando as causas mais comuns,
as causas mais graves (que podem pôrem risco a vida do doente) e aquelas reversíveis.
Ao se iniciara entrevista médica, o paciente relata ter notado que sua panturrilha esquerda estava com volume aumentado ao despertar. Não refere qualquer queixa de dispneia ao repouso, mas apenas aos grandes esforços. Nega também outros sintomas agudos, mas no interrogatório complementar diz que perdeu 2kg nos últimos três meses, sem causa aparente. Ex-tabagista de 25 anos-maço, tendo abandonado o vício há cinco anos. Além disso, é hipertenso em uso de captopril, 25mg, a cada 8h, e hidroclorotiazida, 25mg, pela manhã. Aumento assimétrico de membros pode representar
diversas entidades diferentes e que, inclusive, podem se associar. Basicamente, podemos dividiras causas em
processos expansivos locais ou edemas. Processos expan sivos incluem traumas locais, tumores (osteossarcoma,
QUADRO 65.1 - Causas de policitemia primária e secundária • Primária - Policitemia vera - Policitemia familiar • Secundária - Policitemia hipóxica ■ Altitudes elevadas ■ Cardiopatias congênitas cianóticas ■ Doença pulmonar intersticial ■ Doença pulmonar obstrutiva crônica ■ Síndrome de Pickwick - Hemoglobinas de baixa afinidade ao oxigênio - Meta-hemoglobinemias
Policitemia - 395
vezes, a TVP/TEP passa despercebida em pacientes cri ticamente enfermos. Pacientes com pneumonia grave,
(infecciosas como artrite séptica bacteriana, ou inflama
síndrome da angústia respiratória aguda, imobilizados no
tórias como gota e artrite reumatoide). Essas causas locais
leito, anasarcados pela ressuscitação volêmica podem
costumam provocar aumento local, relativamente bem
apresentar TVP/TEP, que são encaradas como evolução
delimitado e acompanhado de sinais flogísticos e/ou dor.
do quadro clínico infeccioso e não como um evento novo.
Já edemas mais difusos e sem tantas características infla
matórias são características de obstruções à circulação de
sangue ou linfa, ou ambos. Entre as causas mais comuns estão trombose venosa profunda (TVP), filariose e res secção ganglionar na raiz do membro. Como dito ante
riormente, esses fatores podem vir associados, como no caso mais clássico de um tumor com trombose.
Ao exame físico de entrada, apresenta-se em bom estado geral, hidratado, hipercorado com fácies ple tórica, acianótico, afebril e anictérico, sem gânglios palpáveis. Avaliação cardiovascular normal. Propedêu tica pulmonar não mostra alterações dignas de nota e a saturação de oxigênio é de 95%. Ao exame abdominal, chama atenção o espaço de Traube submaciço à per cussão. A perna esquerda apresenta edema ++/4+ até o joelho, panturrilha empastada e dolorida à flexão do pé. Perna direita sem alterações.
Opta-se pela realização de ultrassonografia com Doppler dos membros inferiores, que confirma o diag nóstico de trombose. O paciente começa a seranticoa gulado com enoxaparina, 1mg/kg, a cada 12h. Além disso, introduz-se warfarina sódica. Os exames labora toriais iniciais mostram: hemoglobinas de 19,5mg/mL; leucócitos: 13.500/mm3 com 80% de neutrófilos e 600.000 plaquetas. Creatinina, ureia, sódio, potássio, enzimas hepáticas e bilirrubinas normais. Conforme discutido anteriormente, a TVP não surge de maneira isolada, mas é precipitada por um ou mais fatores e todo paciente deve ser investigado em busca
desses fatores, em especial neoplasias. Alguns dados
chamam atenção no quadro: ex-tabagista, emagrecimento,
hipercorado, pletora facial e Traube ocupado, sugerindo
esplenomegalia. Além disso, apresentava pancitose, ou seja, aumento de todas as séries no hemograma. Leuco
A fácies pletórica mostra vermelhidão, mais comum
citose e plaquetose até podem ser esperadas em quadros
no nariz e nas bochechas, representando aumento na
de estresse orgânico agudo; no entanto, aumento da he
circulação local. Pode ter causas temporárias de vasodi
moglobina não é achado rotineiro.
latação periférica, como gravidez, etilismo, psicogênica
Uma das causas mais comuns da policitemia é a hi
(vergonha, culpa) e até rashes, mas uma vermelhidão fixa
póxia. Classicamente, portadores de doença pulmonar
geralmente significa aumento real da massa total de he
obstrutiva crônica (DPOC), ou outras doenças pulmonares
mácias circulantes. Nesse caso, é comum encontrarmos
crônicas, são submetidos à hipoxemia crônica. A hipoxe
também hiperemia conjuntival associada.
mia induz o rim a produzir mais eritropoietina (EPO) e
Como dito antes, edema assimétrico difuso de membros,
esta estimula a medula óssea a produzir mais eritrócitos.
superiores ou inferiores, faz pensarem algum fatorobstru
Dessa forma, faz-se mister diante de um paciente com
tivo local à circulação de sangue ou linfa, ou ambos.
Nossa preocupação no momento é a seguinte: será que
policitemia, investigar se esta pode ser causada pela hi póxia: prova de função pulmonare gasometria arterial são
esse paciente tem trombose venosa profunda?
necessárias. DPOC leve e saturação de oxigênio acima de
A formação do trombo não surge isoladamente, mas
depende de uma série de fatores, resumidos na tríade de
92% não devem ser consideradas, a princípio, como cau
sas da policitemia.
Virchow: lesão vascular, estase sanguínea e hipercoagu
Pessoas que moram em regiões de elevada altitude são
labilidade. Cada um desses fatores tem diversas causas
submetidas a baixas tensões de oxigênio atmosférico e
diferentes, de forma que vários fatores de risco podem
essa hipóxia também estimula aumento da produção de
ser listados: idade avançada (principalmente acima de 60
EPO e consequente policitemia. O mesmo raciocínio vale
anos), imobilismo, obesidade, tratamento hormonal com
para hemoglobinopatias de baixa afinidade pelo oxigênio.
estrógenos, traumas ou grandes cirurgias, neoplasias,
A meta-hemoglobinemia se refere à hemoglobina cujo
fatores genéticos raciais (por exemplo: afrodescendentes
átomo de ferro é oxidado de ferroso para férrico. Com
têm maior risco de trombose que os caucasianos) e fato
isso, a hemoglobina fica com maior afinidade pelo oxigênio,
res genéticos individuais (por exemplo, fatorV de Leiden).
tendo menor liberação tecidual deste e, consequentemente,
A TVP é doença relacionada a maior mortalidade, che
gando a 6 a 10% em um mês se associada a tromboem
provocando hipóxia tecidual. As principais drogas que cau sam meta-hemoglobinemia são fenacetina, paracetamol,
bolia pulmonar (TEP). Mais preocupante é que, muitas
nitroprussiato, anestésicos locais, sulfonamidas. Por fim,
CAPÍTULO 66
sarcomas), infecções (abscessos, osteomielite, eumiceto ses) e outras condições como cisto de Backere artrites
CAPÍTULO 66
396 -
Doenças Hematológicas
causas mais raras de policitemia incluem tumores produ tores de EPO (especialmente tumores renais e hepáticos) e as policitemias familiares.
nemia devido à basofilia (lembrar que todas as séries estarão aumentadas).
Ao exame físico podemos notar pletora facial, esple
nomegalia (70% das vezes, causada por congestão pelo excesso de sangue), hepatomegalia, ingurgitamento dos
vasos da retina, que podem até apresentar sangramentos, e eritrocianose de extremidades. Esses pacientes podem
sofrer de sangramentos gastrointestinais frequentes e ocultos. Nesses casos, a ferropenia resultante pode redu
zir o hematócrito, trazendo-o para a faixa normal, mas
com microcitose. Deve-se tratara úlcera, mas não suple mentar ferro. O paciente ainda pode apresentar hiperuri
Até agora, temos um paciente policitêmico (Hb >18,5,
cemia e pseudo-hipercalemia. “Pseudo” porque, na ver
com pletora facial) e com trombose venosa que apresenta esplenomegalia ao exame físico e à ultrassonografia. Es
dade, como há muitas células no tubo de sangue colhido para exame, o potássio liberado com o tempo de espera
plenomegalia é um sinal encontrado em um sem número de situações clínicas. Às vezes, um processo expansivo
na bancada do laboratório pode falsear o resultado. Entretanto, as maiores complicações da policitemia
iniciado no próprio baço pode ser sua causa (por exemplo, linfoma). Entretanto, muitas vezes ele será “vítima” de um
vera são os eventos trombóticos, como aconteceu com
processo sistêmico: hipertensão portal causando congestão, infiltração por neoplasias ou doenças de depósito, infec ções, entre outras. Uma terceira causa de que lembramos
nosso paciente, provavelmente justificados por hipervis
cosidade e trombocitose. E esta pode ser arterial ou ve nosa, com quadros de acidente vascular cerebral, infarto agudo do miocárdio e TVP. Para o paciente, que é hiper
pouco é o aumento reacional do baço a situações de ane
tenso e tabagista, esses riscos são ainda maiores.
mia intensa, fazendo hematopoiese extramedular, como se o organismo estivesse reativando a função fetal de hemato
Mas como fechar o diagnóstico? Até pouco tempo atrás, o diagnóstico era feito por critérios laboratoriais e
poiese que o baço possuía (por exemplo, em mielofibrose).
clínicos. Entretanto, uma importante descoberta mudou a
No paciente em questão, não parece que a policitemia
maneira como podemos diagnosticara policitemia vera.
seja secundária (gasometria, espirometria e EPO normais).
O receptor de EPO é ligado a uma proteína quinase de
A policitemia vera é uma doença clonal da célula-tronco
uma família conhecida como janus. Essa janus quinase é
hematopoiética, mas que tem diferenciação preferencial
ativada quando a EPO se liga ao seu receptor na célula
em hemácias independentemente da presença de EPO.
hematopoiética. Uma vez ativada, envia sinais ao núcleo
Esse conceito é fundamental para a compreensão da
celular, induzindo à multiplicação e diferenciação da
doença. Sendo uma doença de células-tronco, afeta todas
célula. Cerca de 95% dos pacientes com policitemia vera
as linhagens e não só a série vermelha. Assim, também
possuem mutação no gene que codifica essa quinase, de
haverá aumento de glóbulos brancos e de plaquetas. Os valores de plaquetas podem ser, inclusive, acima de 1.000.000/mm3 e confundem o diagnóstico com trombo
maneira que ela se encontra constitucionalmente ativada.
citemia essencial. Além disso, sendo doença clonal, tem
propostos para o diagnóstico de policitemia vera pela
a capacidade de se perpetuare tendência a ocupar todo o
Organização Mundial da Saúde estão no Quadro 66.2. O
espaço da medula óssea, até todas as células precursoras
diagnóstico é feito com a presença dos dois critérios
serem derivadas do clone neoplásico.
maiores ou com um critério maior e dois menores.
A mutação mais comum é chamada JAK2V617F, mas há outras mutações da de JAK2. Os critérios atualmente
Sem qualquer intervenção externa, a tendência da
Hoje em dia, o número de plaquetas e de leucócitos e
doença é só aumentar o número de células e, portanto,
o tamanho do baço não são mais critérios diagnósticos
aumentar progressivamente a viscosidade sanguínea. Esta é a principal responsável pelos sintomas mais frequentes
como o foram por muitos anos. Vale ressaltar também que, antes da descoberta do JAK2 mutado, era fundamental
da doença: tonturas, cefaleia, alterações visuais e pares
excluir causas secundárias, ou seja, se o paciente fosse
tesias. Fraqueza e perda ponderal podem ocorrer O au
hipoxêmico crônico, o diagnóstico de policitemia vera na
mento da volemia também pode causar hipertensão e
presença de poliglobulia se tomava mais difícil. Será que
sobrecarga cardíaca. Um achado relativamente frequente
um paciente com DPOC grave não poderia ter também
é o prurido quando o paciente toma banho quente, cha
policitemia vera? Com os critérios atuais propostos por
mado de prurido aquagênico, causado pela hiper-histami-
Tefferi e Vardiman, tal diferenciação fica mais fácil.
978-85-4120-074-5
Com objetivo de avaliar hipóxia e doenças pulmo nares como causa de policitemia, realizam-se radiogra fia de tórax, gasometria arterial e espirometria, as quais mostram resultados normais. A dosagem de EPO tem resultado normal, o que afasta tumores produtores de EPO, como tumores renais. A ultrassonografia de abdo me também está normal, exceto por esplenomegalia moderada e homogênea.
Policitemia - 397
QUADRO 65.2 - Critérios para diagnóstico de policitemia vera
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• Critérios menores 1) Proliferação das três linhagens na biópsia de medula óssea 2) Níveis baixos de eritropoietina 3) Positividade do ensaio de crescimento de colônias de eritrócitos
com objetivo de reduziro hematócrito para menos de 45,
em homens e 42, em mulheres. A flebotomia reduz os
sintomas da hiperviscosidade e melhora a qualidade de
vida do paciente, embora dados sobre redução na inci dência de trombose ao se mantero hematócrito nos níveis recomendados ainda não sejam claros. A eficácia do AAS foi comprovada em um estudo europeu de 2005 (ECLAP ‒ European Collaboration on Low-dose Aspirin in Polycythemia), em que se observou redução estatis
ticamente significante na mortalidade geral e cardiovascular
em 46 e 59%, respectivamente. Pacientes com sangramen Opta-se pela pesquisa de mutação JAK2, bem como pela biópsia de medula óssea. Ambas confirmam poli citemia vera. Como já tinha EPO baixa, o paciente tem agora dois critérios maiores e dois menores. Assim, não foi realizado o ensaio de crescimento de eritrócitos que, em termos simples, é uma cultura in vitrode eritroblas tos para verse proliferam sem a EPO.
to digestivo não representam contraindicação eterna
ao AAS, mas sim indicação ao uso concomitante de ini bidores de bomba de prótons.
Pacientes com alto risco e aqueles que necessitam de flebotomias com grande frequência devem receber terapia mielossupressora. A principal droga usada é a hidroxiureia
(HU), em dose inicial de 15 a 20mg/kg/dia e com objetivo de reduziro hematócrito para menos de 45%. Há importan
DIAGNÓSTICO FINAL
te redução do risco de trombose e dos sintomas. O me
Policitemia vera.
sanguínea pela redução do hematócrito, provavelmente
canismo de ação, além da redução direta da viscosidade envolva mudanças qualitativas dos leucócitos, redução da
expressão de moléculas de adesão endoteliais e aumento
DISCUSSÃO
da produção de óxido nítrico. O principal efeito colate
O tratamento da policitemia vera abrange duas interven
ral da HU é a neutropenia e o ideal é não reduzir os leu cócitos para menos de 3.000/mm3. Portanto, o paciente deve
ções principais: prevenção da trombose e redução do
ser acompanhado com hemogramas periódicos, conforme
hematócrito. Infelizmente, ainda não há tratamento cura
a necessidade. Outras drogas mielossupressoras são o
tivo, mas com essas medidas já aumentamos significati
bussulfano e o fósforo radioativo mas, por seu potencial
vamente a sobrevida desses pacientes (de cerca de 1,5 a
leucemogênico, são usados mais em pacientes acima de
2 anos para mais de 10 a 15 anos), além de reduzira mor
75 anos de idade com baixa tolerância à hidroxiureia.
Outra questão é o controverso efeito leucemogênico
bidade, principalmente no que diz respeito às complicações trombóticas arteriais e venosas. Para iniciarmos o trata
da HU. Apesarde não ser confirmado quando usada como
mento, devemos antes estratificar o paciente conforme o
única terapia, parece que a HU aumenta o risco de leu
seu risco de apresentar trombose. Essa estratificação é
cemia aguda em pacientes que já utilizaram algum outro
simples, conforme a Tabela 66.1.
agente quimioterápico no passado. Assim, em pacientes jovens, com menos de 40 anos de idade, pode-se consi
deraro uso do interferon-alfa, pois também tem atividade TABELA 66.1 - Estratificação de risco para trombose em policitemia vera
mielossupressora. Seu maior inconveniente, além do
preço e de ser parenteral, são os efeitos colaterais gripais em quase todos os pacientes, além de cronicamente poder
Categoria de risco
Idade > 60 anos ou história de trombose
Fatores de risco cardiovascular*
Baixo
Não
Não
a melhor opção se a paciente tiver alto risco de trombose
Intermediário
Não
Sim
ou já tiver tido complicações em gestações anteriores,
Alto
Sim
Sim ou não
uma vez que há possível efeito teratogênico da hidroxiureia;
* Fatores: tabagismo, insuficiência cardíaca congestiva, diabetes mellitus, hipertensão e hipercolesterolemia.
causar mialgia e astenia. Entretanto, em grávidas, essa é
para grávidas de alto risco, introduzir também profilaxia de trombose com AAS e heparina e manter hematócrito
CAPÍTULO 66
• Critérios maiores 1) Hemoglobina > 18,5g/dL (homens) ou 16,5g/dL (mulheres) ou Hematócrito > percentil 99 para referencial local de altitude, idade e sexo ou Hemoglobina > 17 (homens) ou 15 (mulheres) se associada com aumento mantido de 2g/dL que não pode ser atribuído à reposição de ferro ou Aumento da massa de hemácias acima de 25% do valor de referência 2) Presença da mutação da JAK2
Os pacientes com risco baixo ou intermediário devem ser tratados com baixas doses de ácido acetilsalicílico (AAS) (aspirina), 100mg por dia, além de flebotomias
CAPÍTULO 66
398 - Doenças Hematológicas
abaixo de 45%. Paia grávidas de baixo risco, são reco mendados AAS, hematócrito inferior a 45% e heparina, mas agora apenas nas seis semanas pós-parto. A Figura
66.1 resume a estratégia terapêutica.
O paciente enquadra-se no grupo de alto risco, sendo então tratado com flebotomias, HU e AAS (100mg/dia), obtendo bom controle da doença e não apresentando mais episódios de TVP por oito anos, quando mudou de Estado e perdeu seguimento. Três anos depois, agora já com 11 anos de doença e 67 anos de idade, retoma ao pronto-socorro do serviço onde fez o diagnóstico de policitemia vera com queixa de astenia significativa há uma semana, epistaxe e febre há três dias. Ao exame físico de entrada apresenta frequência cardíaca de 125bpm, frequência respiratória de 32ipm, saturação de O2 de 92%, estertores crepitantes na base direita. A radiografia mostra infiltrado na base direita compatível com pneumonia. O hemograma mostra hemoglobina: 12; plaquetas: 30.000; e leucograma: 54.000, sendo 15% de blastos. Um mielograma demons trou 38% de blastos mieloides, caracterizando leucemia
mieloide aguda (LMA), o que foi confirmado pela ci tometria de fluxo. Colhido cariótipo dessa medula doente, que se mostrou complexo, com várias translo cações, além de marcadores (ou seja, pedaços de cromossomos que não se consegue identificar de qual parfaziam parte). Iniciadas terapêutica antimicrobiana com cefepima, 2g a cada 8h e terapia de indução para LMA. Apesarde melhora inicial do quadro pulmonar durante o período de neutropenia o paciente evolui com pneumonia por adenovírus, vindo a falecer23 dias após o início da quimioterapia. Com a melhora do tratamento da policitemia vera, os pacientes tiveram mortalidade por trombose e sangramen to reduzidos e a expectativa de vida aumentou. Com isso,
notou-se que depois de anos de doença eles podem evoluir
para mielofibrose ou leucemia aguda, sendo estas causas importantes de morte desses pacientes nos dias atuais. Acabam tendo prognóstico bastante reservado. O trata
mento segue as diretrizes para LMA de outras etiologias, levando em conta que, muitas vezes, esses pacientes são idosos e não têm estado geral adequado para quimiotera
pia agressiva, entrando então em protocolos paliativos.
BIBLIOGRAFIA
Figura 66.1 - Estratégia terapêutica para policitemia vera (PV). AAS = ácido acetilsalicílico; Ht = hematócrito;
HU = hidroxiureia; IFN-alfa = interferon-alfa; P = fósforo.
FINAZZI, G.; BARBUI, T. How I treat patients with polycythemia vera. Blαod, v. 109, p. 5004-5011, 2007. FINAZZI, G.; BARBUI, T. Risk-adapted therapy in essential thrombocythemia and polycythemia vera. Blcrri Reviews v. 19, p. 243-252, 2005. FINAZZI, G.; BARBUI, T. The treatment of polycythemia vera: an update in the JAK2 era. IrtenEmβ-gMβd., v. 2, p. 13-18, 2007. HILMAN, R.; AULT, K.; RINDER, H. Hβnífckg' inclirfcápractice 4. ed. New Yoik: McGraw-Hill Lange, 2005. HOFFMAN, R. et al. Hαnctíkg: baàc prirciplesard practice 4. ed. Philadelphia: Elsevier 2007. TEFFERI, A. Essential thrombocythemia, polycythemia vera, and myelofibrosis: cunent management and the prospect of taigeted therapy. Am. J. Hβnád., v. 83, p. 491-497, 2008. TEFFERI, A.; VARDIMAN, J. W. Classification and diagnosis of myeloproliferative neoplasms: the 2008 Woild Health Oiganization criteria and point-of-care diagnostic algorithms. Lα-fcαnia v. 22, p. 14-22, 2008.
SEÇÃO
Doenças Infecciosas
CAPITULO
Mialgia e Febre Vitor de Andrade Vahle • Carolina Castro Porto Silva Janovsky • Agessandro Abrahão
Um homem de 18 anos de idade chega ao pronto -socorro queixando-se de febre e dorportodo o corpo há dois dias. Afirma que estava completamente assin tomático até dois dias atrás, quando subitamente se iniciaram os sintomas atuais. Refere que a febre é con tínua, com temperatura em torno de 38,5°C e está associada à dor muscular difusa, além de cefaleia de moderada intensidade, náuseas e queda do estado geral. É estudante, procedente de São Paulo e nega doenças prévias. Não faz uso de nenhum tipo de medicamento ou drogas ilícitas e refere viagem recente à Serra do Mar para campeonato de canoagem.
O quadro clínico descrito é compatível com uma síndro me febril aguda. Febre pode ser definida como elevação da temperatura corporal acima de 37,8°C e constitui-se
em marcador útil de inflamação. Ao contrário do que muitos pensam, nem sempre um episódio febril estará associado a um processo infeccioso. A história da doença
queixas localizadas para a região acometida. O
paciente apresenta febre de início súbito, o que re
força a hipótese de uma etiologia infecciosa para
esta. Os sintomas associados (dor generalizada, cefaleia e náuseas) são inespecíficos e devem ser
mais bem investigados ao exame físico. A tríade
febre, cefaleia e vômitos fala a favor de meningite, cuja suspeita clínica poderá ser confirmada por
exame físico e estudo do líquor. A fase aguda da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana
(HIV) deve ser lembrada no diagnóstico diferencial entre síndromes febris agudas e tem como sintomas
mais comuns febre, rash cutâneo, faringite, linfade nomegalia e úlceras orais. Desses sintomas, apenas a febre está presente no paciente. Doenças sexual
mente transmissíveis não podem ser descartadas,
mesmo não havendo sintomas geniturinários.
em questão, os sinais e os sintomas adjacentes e um exa
• Causas inflamatórias: as doenças do colágeno, como
me físico detalhado direcionarão a investigação da etio
lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide (em
logia da síndrome febril, que pode englobar diversas
particular a doença de Still) e vasculites, podem
doenças (Tabela 67.1):
causar síndrome febril, contudo, esta tem início
insidioso e é acompanhada de manifestações osteo • Causas infecciosas: são as principais causas de febre
articulares e dermatológicas importantes que o pa
na prática de clínica médica. Infecções do trato
ciente não possui, além de marcadores reumatoló
respiratório (desde o resfriado comum até a pneu
gicos (fator antinuclear fator reumatoide, anti-DNA,
monia) podem cursar com febre, porém, a ausência,
etc.) positivos. Também merecem destaque os pro
no paciente em questão, de sinais como tosse, ex
cessos granulomatosos, como sarcoidose e doença
pectoração e dor torácica toma distante este diag
inflamatória intestinal, que podem acometer indiví
nóstico. Infecções do trato urinário são causas
duos da mesma faixa etária do paciente, porém com
bastante comuns de febre, principalmente em mu
curso clínico mais crônico e manifestações mais
lheres. Infecções de partes moles (abscessos, celu
específicas, como eritema nodoso, hipercalcemia e
lite, etc.) causam febre de início recente, mas com
alterações do hábito intestinal.
402 -
Doenças Infecciosas
CAPÍTULO 67
• Doenças neoplásicas: leucemias e linfomas são as
principais neoplasias a serem lembradas em virtude da idade do paciente. Geralmente, causam síndromes
febris crônicas, com acometimento do estado geral e nutricional do paciente, bem como linfadenome
colateral, teleangiectasias, eritema palmar ou gineco mastia. Não há linfonodos palpáveis, as extremidades estão bem perfundidas, sem edema. Exame neurológi co normal, com Glasgow de 15, Kernig e Brudzinski ausentes e sem rigidez nucal.
galia, hepatoesplenomegalia e manifestações hemor rágicas. O paciente exibe um quadro febril agudo e
era totalmente hígido até então, o que fala contra
um quadro neoplásico consumptivo. Neoplasias do sistema nervoso central também acometem bastante
os pacientes jovens, mas, a ausência de sintomas
neurológicos e de sinais localizatórios praticamente descarta tal possibilidade.
O exame físico traz dados importantes para o raciocí nio diagnóstico. Causas inflamatórias ou infecciosas do trato biliar devem fazer parte da investigação. A colecis
tite aguda é causada por aumento da pressão dentro da vesícula biliar, devido à obstrução geralmente calculosa
do ducto cístico e cursa com dor em hipocôndrio direito e febre, porém com sinal de Murphy presente e icterícia
• Causas medicamentosas: sulfonamidas, penicilinas,
ausente. Já a colangite bacteriana aguda é causada por
barbitúricos e alguns laxativos podem causar febre em
infecção dos ductos biliares secundária à obstrução calcu
quem faz uso dessas medicações. O paciente em
losa do trato biliar comum, sendo caracterizada pela tría
questão nega utilizarqualquermedicamento.
de de Charcot (febre, icterícia e dor abdominal) e consti tui uma boa hipótese para o quadro do paciente, mesmo
Ao exame, o paciente está em regular estado geral, prostrado, com fácies dolorosa, ictérico (2+/4+) e hi pocorado (2+/4+). Temperatura de 39°C, pressão arterial de 110 × 68mmHg, frequência cardíaca de 116bpm e ausculta cardíaca com sopro sistólico panfo cal (+/4+). Está taquipneico (frequência respiratória de 22irpm) e a ausculta respiratória não encontra ruídos adventícios. Abdome bastante dolorido à palpação, principalmente em hipocôndrio direito, com fígado palpável a 3cm do rebordo costal direito e baço não palpável. Não há dorà descompressão brusca do abdo me e os ruídos hidroaéreos estão presentes. Não há sinais de insuficiência hepática crônica, como circulação
sem história de colelitíase pregressa. Abscesso hepático,
principalmente o amebiano, deve ser lembrado pela alta prevalência da população mundial colonizada por E. histolytica, todavia, raramente cursa com icterícia.
A hepatite aguda é um diagnóstico diferencial impor
tante para este paciente. A intoxicação medicamentosa
(principalmente por acetaminofeno) é causa comum de hepatite aguda, mas pode ser excluída das possibilidades
diagnósticas, já que o paciente nega uso de medicamentos. Hepatites virais podem causar icterícia de instalação aguda, dor abdominal mais proeminente em hipocôndrio direito e
febre, além de elevação marcante das enzimas hepáticas
que, portanto, deverão ser investigadas laboratorialmente. Um novo conjunto de doenças infecciosas que podem TABELA 67.1 - Causas de febre
Causas
Patologias
Infecciosas
Abscessos (hepático, esplênico, pélvico, etc.) Doenças granulomatosas (tuberculose, micobacteriose atípica, micose profunda) Intravasculares (endocardite, meningococemia, infecção relacionada a cateter) Virais (citomegalovírus, mononucleose, vírus da imunodeficiência humana, hepatite, hantavírus, febre amarela, dengue) Bacterianas (meningite, pneumonia, infecção do trato urinário, faringite, leptospirose, colangite) Parasitárias (toxoplasmose, malária, estrongiloidíase)
Inflamatórias
Neoplásicas
Colagenoses (lúpus eritematoso sistêmico, doença de Still, vasculites) Doenças granulomatosas (sarcoidose, doença de Crohn)
Leucemias, linfomas, mixoma atrial, carcinomas (renal, pancreático, pulmonar, hepático), sistema nervoso central
causar síndrome febril ictérica aguda deve serconsidera
do, especialmente pela epidemiologia do paciente (canoa gem em águas fluviais na mata atlântica). Febre amarela
poderia explicaros sintomas, porém seu curto período de incubação (três a seis dias) e ausência do sinal de Faget (bradicardia relativa e febre) são pontos contra este diag nóstico. Leptospirose seria um diagnóstico plausível
frente ao quadro clínico e, embora não haja relato de contato com ratos ou enchentes, somente a exposição a
águas fluviais dentro da mata já configura uma epidemio
logia positiva. Febre maculosa brasileira, em suas formas graves, pode cursar com icterícia, edema de membros
inferiores, hepatoesplenomegalia, mas, na maioria das vezes, vem acompanhada de exantema maculopapular,
principalmente palmoplantar A dengue em estágios avan
çados poderia causar icterícia à custa de bilirrubina indi reta por hemólise marcante e viria acompanhada de he
Medicamentosas
Sulfonamidas, penicilinas, laxativos, barbitúricos
Factícias
Síndrome de Munchausen, troca de termômetros
moconcentração e manifestações hemorrágicas, as quais
o paciente não apresenta. A infecção aguda pelo HIV está
Mialgia e Febre - 403
O hemograma traz à tona uma anemia já esperada
recente de risco para tal, bem como inexistência de lin
devido à palidez cutâneo-mucosa encontrada ao exame
fonodomegalia ao exame.
físico. O padrão microcítico é comum em anemias por
O sopro cardíaco encontrado deve ser mais bem inter
deficiência de ferro, seja por uma dieta pobre neste mi
pretado, em vista de ser um achado isolado no exame
neral, seja por perdas crônicas (sangramentos). Reticuló
cardiopulmonar.A febre associada ao sopro traz à tona a
citos e DHL normais falam contra hemólise e a bilirrubi
possibilidade de endocardite bacteriana, mas a ausência
na indireta elevada neste caso, poderia ser justificada por
de esplenomegalia e fatores de risco (malformações car
insuficiência hepática aguda com redução da conjugação
diovasculares, uso de drogas endovenosas) fala contra este
biliarno fígado. Outros sinais sugestivos de falência he
diagnóstico. Em contrapartida, o paciente encontrava-se
pática aguda são a albumina e a atividade de protrombina
em um estado hipercatabólico e com palidez cutâneo-
baixas. A leucocitose com desvio à esquerda direciona a
mucosa ao exame físico, o que sugere se tratar de sopro
investigação para quadros infecciosos agudos e estaria
funcional, provavelmente secundário à anemia. A ausência de baço e linfonodos palpáveis e a de ma
nifestações hemorrágicas tornam distante o diagnóstico de leucemia e linfoma. A icterícia também não seria jus
tificada por essas entidades. Tumores do sistema nervoso central causariam alteração do exame neurológico e jus tificariam icterícia e dor abdominal somente se houvesse
metástases para o fígado, o que descarta essa hipótese. A rigidez nucal e os sinais de Kernig e Brudzinski são
achados do exame físico que sugerem irritação meníngea e, se estivessem presentes juntamente com febre e sinais de hipertensão intracraniana (cefaleia, vômitos e alteração
do nível de consciência), seriam bastante sugestivos de infecção do sistema nervoso central.
presente tanto na colangite aguda quanto em infecções icterofebris (febre amarela, febre maculosa brasileira, leptospirose, hantavirose).
O exame de urina nos mostra hematúria e leucocitúria. Este achado, com proteinúria, sugere lesão glomerular, cuja etiologia (infecciosa, autoimune, etc.) deverá ser pesquisada.
A ultrassonografia de abdome é um exame bastante sensível para visualizar dilatação da árvore biliar e mos
trou apenas hepatomegalia, sem sinais de dilatação ou cálculos, o que praticamente afasta a hipótese de colan gite e colecistite agudas. GGT e FA elevadas, ainda que moderadamente, sugerem colestase e devem-se procurar
outras causas para tal (infecção, doença hepática paren quimatosa), já que as obstrutivas foram afastadas. Os vírus das hepatites B ou C e da febre amarela podem
O paciente recebe suporte clínico inicial e é interna do para investigação diagnóstica. Os exames iniciais mostram: hemoglobina: 10,5; hematócrito: 29,8; volume corpuscular médio: 78; leucócitos: 17.800 com 15% de bastões; plaquetas: 130.000; ureia: 50; creatinina: 1,4; potássio: 3,8; sódio; 145; cálcio ionizado: 1,26; fósforo: 3,2; glicemia: 89; aspartato aminotransferase: 167; ala nina aminotransferase: 132; gama-glutamiltransferase (GGT): 226; fosfatase alcalina (FA): 493; bilirrubina total: 9,3; bilirrubina direta: 6,8; bilirrubina indireta: 2,5; amilase: 32; albumina: 2,9; atividade de protrombina: 54%; relação normalizada internacional (RNI): 2,3; re ticulócitos: 1,3; desidrogenase lática (DHL): 235; radiografia de tórax: normal; hemoculturas em andamen to; eletrocardiograma: alteração da repolarização em região anterior. Protoparasitológico de fezes negativo. Urina 1: proteína ++; 43 hemácias; 68 leucócitos; ausên cia de bactérias, presença de cilindros granulosos. Ultrassonografia abdominal exibe fígado com ecotextu ra homogênea e dimensões aumentadas, vesícula biliar normodistendida, sem cálculos no seu interior,ausência de dilatação de vias biliares. Baço homogêneo, de di mensões normais e presença de baço acessório. Colhidas sorologias para hepatites A, B e C, além de leptospirose, dengue, febre maculosa brasileira, febre amarela e HIV.
causar hepatite aguda fulminante, porém mostrariam uma elevação bem mais marcante das transaminases, com níveis
chegando a mais de 10 a 20 vezes os valores de referên
cia. A febre hemorrágica da dengue poderia cursar com icterícia e elevação moderada das transaminases, porém,
a esta altura já haveria manifestações hemorrágicas signi ficativas e hemoconcentração, dados estes ausentes no
paciente em questão.
O achado de insuficiência renal aguda com potássio normal é bastante característico de algumas entidades que
acometem seletivamente o túbulo proximal do sistema coletor renal, dentre as quais a leptospirose merece des
taque. A hantavirose mostraria sinais importantes de
acometimento cardiopulmonar, como hipoxemia grave e infiltrado intersticial, à radiografia de tórax. Febre macu losa brasileira pode cursar com icterícia em suas fases
mais graves e o exantema pode estar ausente, tomando-se
um diagnóstico diferencial importante para este quadro. Nos três dias seguintes, o paciente evolui com rá pida piora do estado geral, rebaixamento do nível de consciência, sufusões hemorrágicas pelo corpo, aumen to da icterícia, tosse com escarro hemoptoico e dispneia.
CAPÍTULO 67
praticamente descartada, devido à ausência de situação
CAPÍTULO 67
404 - Doenças Infecciosas
Hipotenso e oligúrico. Novos exames indicam: hemo globina = 8,7; hematócrito = 39%; plaquetas = 50.000; ureia = 126; creatinina = 3; potássio = 3,9; sódio = 147; flapping presente, edema de membros inferiores e ra diografia de tórax mostrando infiltrado peri-hilar bilateral em asa de borboleta (Fig. 67.1). A gasometria arterial traz uma relação pressão parcial de oxigênio/ fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2) de 150. Todas as sorologias colhidas inicialmente estão negativas, bem como as hemoculturas. Diante da gravidade do quadro, o paciente é transferido para a UTI, intubado, subme tido a hemodiálise e terapia empírica com doxiciclina e penicilina G cristalina. A associação entre febre, icterícia, manifestações
hemorrágicas e insuficiência renal aguda lembra a famo
sa síndrome de Weil, que é uma forma de apresentação grave da leptospirose. Essa síndrome geralmente vem acompanhada de um estado inflamatório difuso dos capi lares sanguíneos (capilarite), responsável pelas diversas
manifestações típicas da doença. Por estarem inflamados, os capilares sanguíneos perdem a contiguidade de seu
endotélio, promovendo extravasamento de sangue e plas
ma para o terceiro espaço e causando uma doença da microvasculatura esplâncnica que pode provocar disfunção
o do paciente, com instalação de insuficiência respiratória aguda e hipoxemia grave com infiltrado intersticial bila
teral na radiografia de tórax.
Além da hantavirose e da síndrome de Weil, o apare cimento de manifestações hemorrágicas na vigência de febre reforça outras hipóteses que já estão em investigação, como a febre hemorrágica da dengue e a febre amarela.
Arenovirose (causada porarenovírus) seria outra etiologia, embora rara na América do Sul, de febre hemorrágica.
Esta última tem mortalidade elevada e associa-se a sinto mas neurológicos como meningite asséptica, encefalite
ou meningoencefalite. As sorologias negativas, nessa fase inicial, não afastam
as causas infecciosas em questão (leptospirose, hantavi
rose e febre maculosa brasileira), pois irão se positivar
apenas cerca de uma a duas semanas após o início dos sintomas.
Rebaixamento do nível de consciência acompanhado de flapping e níveis elevados de ureia plasmática sugerem
uremia e, como a etiologia da insuficiência renal aguda ainda não foi confirmada, optou-se pela terapia renal substitutiva precoce com hemodiálise até a estabilização
do quadro.
de múltiplos órgãos. Nos pulmões, a capilarite leva ao
A radiografia de tórax demonstra um padrão típico de
extravasamento de sangue para os alvéolos, causando
SARA, o que foi confirmado pela relação PaO2/FiO2 (
65 anos, desnutrição grave, comorbidades, icterícia, fenômenos hemorrágicos (exceto epistaxe), anasarca, sinais de toxemia ou instabilidade
• Sinais de alerta para gravidade: idade entre 6 meses e 1 ano ou entre 50 e 65 anos, recidiva, diarreia/vômitos, infecção bacteriana suspeita ou febre há mais de 60 dias • Critérios laboratoriais: leucócitos < 1.000/mL ou neutrófilos < 500/mm3, plaquetas < 50.000/mL, hemoglobina < 7g/dL, albumina < 2,5mg/mL, atividade de protrombina < 70%, aumento de
nodos. Esse aspecto parece ser comum entre as diversas
bilirrubinas, enzimas hepáticas > 5 vezes o limite da normalidade,
formas de apresentação do calazar. Com a hepatoesple
creatinina < 2 vezes o limite da normalidade, radiografia de tórax
nomegalia, o paciente pode referirdore distensão abdo
suspeita para infecção ou edema pulmonar
minal. Anemia decorre do estado inflamatório persisten
te, hiperesplenismo e, às vezes, sangramento. Pancitopenia e hipergamaglobulinemia (IgG) com hipoalbuminemia
são encontradas. A hiperpigmentação da pele, sinal que provavelmente tenha dado o nome à doença (kala-azar
policlonal também é encontrada, mas os testes disponíveis são pouco sensíveis e seu uso tem sido desencorajado. A visualização da forma amastigota do parasita, a
= “febre negra”), reserva-se a formas avançadas e não
microscopia, em aspirados de medula óssea, linfonodos
tratadas da leishmaniose visceral, sendo raramente ob
ou baço é a maneira clássica de confirmação diagnóstica.
servada nos dias de hoje.
A especificidade é alta, já a sensibilidade varia de acordo
Infecções bacterianas secundárias (pneumonia, diarreia,
com o órgão estudado. O aspirado do baço tem maior
tuberculose) podem ocorrer dificultando o diagnóstico
sensibilidade (93 a 99%), mas o risco de sangramento
inicial e agravando as condições clínicas do paciente,
associado ao procedimento é muito alto (0,1%). O aspi
representando sua principal causa de óbito.
rado de medula óssea tem sensibilidade variando entre 53
Durante, ou até após três anos, o tratamento, pode
haver o desenvolvimento da leishmaniose dérmica pós
e 86%, sendo o procedimento de escolha para a maioria
dos pacientes, e o de linfonodo varia entre 53 e 65%.
-calazar, caracterizada por rash macular, maculopapular
A detecção do parasita em culturas do sangue ou
ou nodular.As lesões cutâneas contêm muitos parasitas e
outros órgãos ou por técnicas de proteína C-reativa é mais
possuem alto potencial infectivo, comportando-se como
sensível que o exame microscópico direto, sendo o recur
reservatório e possibilitando o ciclo antroponótico de
so padrão-ouro para diagnóstico, mas elas são dispendio
transmissão.
sas e ainda indisponíveis em muitos locais.
Em pacientes imunossuprimidos, principalmente na
O diagnóstico sorológico encontra duas grandes limi
queles com AIDS, descrevem-se manifestações clínicas
tações: não há negativação dos anticorpos após a cura,
não usuais como comprometimento de trato gastrointes
impedindo detecção de recidivas ou reinfecções e indiví
tinal, pulmão e pleura. Na coinfecção leishmaniose/HIV,
duos saudáveis podem ser sorologicamente positivos em
a recidiva é mais comum e a letalidade, maior.
decorrência de infecções assintomáticas curadas. Técnicas
Devido ao aumento da letalidade da leishmaniose e como
de imunofluorescência indireta, ELISA e western blot
parte da estratégia nacional de controle da doença, o Mi
mostraram alta acurácia no diagnóstico do calazar.Outros
nistério da Saúde, em 2006, redigiu um manual de normas
dois testes ‒ aglutinação direta e o emprego do antígeno
e condutas para leishmaniose visceral grave (Quadro 68.2).
recombinante k39 em técnicas de imunocromatografia ‒
Em situações específicas, o diagnóstico pode serpre
estão em fase de validação.
suntivo, principalmente em áreas endêmicas. No entanto,
A detecção de antígenos poderia discriminar entre
o diagnóstico comprobatório deve ser obtido sempre que
infecções pregressas e atuais e seria mais específica que
possível, pois o tratamento apresenta efeitos colaterais
a detecção de anticorpos (sorologias), além de monitorar
relevantes.
tratamento e cura. O teste de aglutinação no látex reali
A pancitopenia é um achado muito específico (98%)
zado com amostras de urina mostra resultados promisso
da leishmaniose visceral em pacientes com suspeita clí
res, sendo ainda moderadamente sensível e de reproduti
nica, porém pouco sensível (16%). Hipergamaglobulina
bilidade difícil.
CAPÍTULO 68
dois a seis meses, mas que pode variar de dez dias a
QUADRO 68.2 - Indicação de hospitalização a pacientes com calazar segundo o Manual de Normas e Condutas do Ministério da Saúde (2006)
CAPÍTULO 68
414 -
Doenças Infecciosas
O controle de vetores é a estratégia mais eficaz para
Os antimoniais foram os primeiros medicamentos usados para tratamento da leishmaniose visceral e ainda
doenças vetor-dependentes, porém, no caso da L. longi
são muito empregados em diversas áreas, provavelmente
palpis, este controle é muito difícil, uma vez que seus
pelo baixo custo e boa efetividade. A anfotericina B é
criadouros têm distribuição rural e urbana e são difíceis
opção em locais onde a resistência aos antimoniais é
de rastrear. Inseticidas como o DDT continuam sendo
elevada. As formulações lipídicas da anfotericina B apre
utilizados e são eficazes, mas certo grau de resistência é
sentam maior eficácia e menos efeitos colaterais. A anfo
descrito em áreas de maior uso. Outra opção são coleiras
tericina B lipossomal é considerada droga de primeira
impregnadas de inseticidas (deltametrinas) nos cães de
linha na Europa e nos Estados Unidos, sendo limitação
áreas endêmicas.
para seu uso o alto custo.
A proteção individual, com telas protetoras em portas
Miltefosina, droga antineoplásica, é a única droga
e janelas e repelentes de insetos, também pode ser uma
administrada por via oral eficaz para tratamento da leish
estratégia para diminuira chance da picada pelo vetor. O
maniose visceral (cura superiora 94%), mas a adesão
envolvimento e a educação da população no controle de
inadequada ao tratamento aumenta os índices de resistên
criadouros são de suma importância.
cia. Paromomicina e sitamaquina também são medicações
Essas estratégias são aplicadas desde 1950, contudo
utilizadas. A terapia combinada parece ser o futuro do
não têm sido eficazes para controlara doença, reforçando
tratamento da leishmaniose visceral, promovendo maiores
a importância da leishmaniose visceral como problema
taxas de cura, em tempo reduzido, com menores efeitos
de saúde pública no Brasil. O diagnóstico e o tratamento
colaterais e menor indução de resistência. Sempre que houver suspeita de infecções bacterianas
precoces são passos importantes para o controle da doen
secundárias, devem ser realizados coleta de culturas e
e da transmissão antroponótica, e se desenvolvem pesqui
exames de rastreamento, assim como deve ser instituído o tratamento antibiótico empírico. Indica-se o uso profi
sas na tentativa de produção de vacina eficaz.
lático de antibióticos aqueles pacientes com idade inferior a dois meses e para que apresentam 500 neutrófilos/mm3
ou menos. A hemoterapia constitui parte importante do tratamento, principalmente daqueles indivíduos com sinais
de gravidade, e segue os mesmos critérios e indicações para outras doenças clínicas.
O controle de cura da leishmaniose visceral é eminen temente clínico. Os sintomas entram em remissão depois tratamento e o estado geral do paciente melhora. A vis
ceromegalia regride em alguns meses. O paciente deverá ser seguido ambulatorialmente durante um ano, com avaliações clínica e laboratorial (mensal nos primeiros seis meses e trimestral a partir do sexto mês). A recidiva é definida como o retorno de sinais e sintomas, com con
firmação laboratorial ou devido à prova terapêutica posi
tiva, no período de até 12 meses após resposta adequada ao tratamento anterior desde que eliminada a possibili
dade de reinfecção. O Programa Brasileiro de Controle de Leishmanioses baseia-se em três principais estratégias: diagnóstico e tratamento precoces, rastreamento imunológico e busca
de reservatórios caninos, e aplicação de inseticidas contra
o mosquito flebótomo. O sacrifício de cães infectados tem impacto discutível sobre o controle da doença, além do alto custo e do con
flito com as entidades responsáveis, e o tratamento dos
animais infectados não é medida recomendada, por não causas impacto sobre a incidência da doença.
ça, diminuindo a chance da contaminação de mosquitos
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Esplenomegalia e Febre - 415
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CAPÍTULO 68
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___________________________________
CAPÍTULO
69
Febre Intermitente Danyenne Rejane de Assis • Aline Pâmela Vieira de Oliveira • Ana Paula Jafet Ourives
Homem de 30 anos de idade, previamente hígido, vem ao serviço de pronto-socorro com queixa de mal -estargeral, cefaleia, mialgia e vômitos. Há cinco dias iniciou febre não aferida, intermitente, sem horário predominante, seguida de calafrios, sudorese e astenia significativa. Relata ainda dispneia progressiva, colo ração amarelada dos olhos há dois dias e diminuição do volume urinário. Procurou assistência médica há três dias, tendo sido feito diagnóstico de “virose” e prescri tos, sintomáticos, sem melhora significativa. Como antecedentes mórbidos, refere hipertensão arterial, em uso de hidroclorotiazida, 25mg/dia. Como hábitos de vida, é tabagista (10 anos/maço) e etilista social. Quan to à história epidemiológica, cita viagem à Amazônia há duas semanas, a passeio.
O paciente em questão apresenta quadro de síndrome febril, o qual deve ser avaliado de acordo com início, duração, intensidade e modo de evolução dos sinais e
sintomas. Deve-se considerar o histórico de viagem para área endêmica e direcionara investigação diagnóstica de
acordo com as doenças prevalentes na região. Durante a investigação de doença febril, é importante levarem conta os achados clínicos e as possíveis comor
bidades que, como esplenectomia, alcoolismo, insuficiên cia hepática, uso de drogas endovenosas, imunodeficiên
cias e tratamento quimioterápico para neoplasias. Essas
condições podem predispor a doenças específicas e/ou aumentara sua gravidade. O paciente deve ser questio
nado sobre fatores que possam ajudara identificar um
foco infeccioso ou uma porta de entrada, tais como in fecção de vias aéreas superiores, varicela, trauma grave, quebra da barreira cutâneo-mucosa, queimaduras, cirurgias,
restrição ao leito e presença de corpos estranhos. Viagens
ou atividades ocupacionais que possam resultarem expo
sição devem ser valorizadas. Devem-se pesquisar contato com indivíduos doentes, histórico vacinal e contato sexual.
Além disso, devemos interrogar sobre sintomas respira tórios, gastrointestinais e geniturinários. Feito isso, pros
seguiremos a investigação. No caso descrito, o paciente apresenta algumas pecu liaridades em relação ao quadro febril. Características como intermitência da febre e associação com calafrios, esta última geralmente relacionada à elevação significa tiva da temperatura corporal, conduzem a alguns diagnós ticos que serão debatidos a seguir. Sintomas mais inespe cíficos, como mialgia, cefaleia e mal-estar podem estar incluídos na síndrome febril ou podem ser pródromos de uma doença infecciosa aguda. A febre é uma resposta de defesa do organismo a agressões específicas e é um dos achados mais frequentes na prática clínica. Pode estar presente em doenças de diversas origens. Dentre estas, destacam-se as infectoparasitárias, nas quais a febre ge ralmente é o primeiro sintoma. Indivíduos com febre intermitente e provenientes da Amazônia Legal podem apresentar determinadas moléstias como febre amarela, hepatites virais, febre tifoide, calazar e dengue. Devemos considerar ainda outros diagnósticos diferenciais para esse caso, como leptospirose, endocar dite bacteriana, tuberculose miliar e leucoses. As carac terísticas propedêuticas, se bem investigadas, são capazes de identificar diferenças existentes entre as principais possibilidades diagnósticas. A febre amarela deve ser considerada neste contexto. É caracterizada por apresentar quadro clínico bifásico.
Febre Intermitente - 417
Ao exame físico, nota-se nível de consciência pre servado, palidez cutâneo-mucosa, icterícia leve, ausência de lesões na pele, temperatura axilarde 39,5°C,
pressão arterial de 90 × 50mmHg, frequência respira tória de 30ipm, frequência cardíaca de 100bpm, saturação de O2 de 90% em ar ambiente. Apresenta ausculta pulmonar sem ruídos adventícios, ausculta cardíaca regular com sopro sistólico +/+4 em foco mitral e palpação abdominal com esplenomegalia, li geiramente abaixo do rebordo costal esquerdo, linha hemiclavicular. A avaliação do estado geral do paciente e dos sinais vitais e os exames dermatológico e neurológico são de
particularimportância. O paciente pode se mostra ansioso e agitado ou letárgico e apático. Pacientes idosos e imu nocomprometidos, como urêmicos e cirróticos, ou em uso de corticoides podem estar afebris mesmo na vigência de infecção grave. Os sinais vitais ajudam a determinaro grau de comprometimento hemodinâmico e metabólico. O diagnóstico etiológico pode ficar evidente por meio de exame dermatológico detalhado, observando-se rash, lesões de pele e dor focal ou difusa. O exame neurológico deve incluir avaliação do status mental à procura de sinais precoces de encefalopatia. Pacientes febris encontram-se em estado hiperdinâmi co, o que explica taquicardia e sopro sistólico. Existem algumas doenças, como febre amarela e febre tifoide, nas quais pode haver discordância entre a temperatura e o pulso, ou seja, a presença concomitante de hipertermia e bradicardia (sinal de Faget). Dentre os achados de exame físico, os doentes com malária caracterizam-se por palidez cutâneo-mucosa e hepatoesplenomegalia. Nos casos de hepatite, é mais frequente o quadro de icterícia cutâneo-mucosa e hepa tomegalia isolada. Fenômenos embólicos são observados em endocardite infecciosa, bem como sopro cardíaco e, em alguns casos, esplenomegalia. Em pacientes com calazar também se encontram palidez e hepatoespleno megalia importante, podendo cursar com aumento do volume abdominal. O exame físico do paciente com febre amarela geral mente revela prostração, sinais de desidratação, dor epi gástrica intensa que dificulta a palpação, hepatomegalia moderada, icterícia de grau variado, com congestão con juntival, podendo haver manifestações hemorrágicas. Já no indivíduo com malária, destaca-se a palidez cutâneomucosa e há menortendência a fenômenos hemorrágicos. Nos casos de dengue, o comprometimento do estado geral é importante. O paciente pode-se encontrar toxe miado e pode haver exantema; a forma hemorrágica apresenta-se de modo agressivo, com de sangramentos mucocutâneos. O paciente com tuberculose miliargeral mente está emagrecido, com comprometimento significa-
CAPÍTULO 69
As duas fases são separadas por curto período de remissão. Na primeira, quando ocorre a viremia, o quadro clínico é inespecífico e corresponde às formas leves e moderadas. Os sintomas iniciam-se de maneira abrupta, com febre alta, cefaleia intensa, dores musculares, náuseas e vômitos, prostração e, às vezes, calafrios. No terceiro ou quarto dia. há remissão da doença ou esta evolui para a forma grave, que se caracteriza por aumento da febre, diarreia e reaparecimento dos vômitos. Nessa fase, surgem mani festações hemorrágicas. A hepatite viral é um importante diagnóstico diferen cial de febre intermitente na região amazônica. Em por tadores de hepatite aguda, a febre costuma ser de leve a moderada intensidade e, muitas vezes, só aparece nos primeiros dois ou três dias de doença; ao contrário da malária, por exemplo. em que há persistência do quadro febril na medida em que a doença evolui. Sintomas di gestivos associados à colúria devem induzir à suspeita de hepatite durante a investigação diagnóstica. Na dengue, a mialgia é grave, a febre geralmente tem início súbito e a cefaleia é referida como retro-orbitária. Exantema e prurido podem estar presentes. Na leptospi rose e na febre tifoide, a dormusculartambém é intensa, sendo que na primeira é mais localizada na região lombar e nas panturrilhas. Com a febre tifoide, a temperatura corporal eleva-se gradativamente com a evolução da do ença, podendo atingir níveis de até 39 a 40°C, a partirda segunda semana. Além disso, observam-se petéquias na pele ou na mucosa, comumente presentes em ambas as doenças. Outras situações são associadas a rash cutâneo, corno a meningococemia, o exantema viral e reação a drogas. Em casos de malária, raramente há esse achado. Quando há icterícia, além das hepatites virais, deve-se pensarem sepse grave, mas, a existência de portas de entrada, a identificação de um foco infeccioso e a hemo cultura positiva fecham o diagnóstico de infecção bacte riana. O diagnóstico clínico de leishmaniose visceral (calazar), bem corno de leucoses, deve ser objeto de sus peita se houver febre e esplenomegalia com ou sem he patomegalia. Essas doenças podem ter apresentações clínicas muito variadas, porém, com curso mais insidioso. A febre costuma ser mais prolongada e, nos casos de calazar,o paciente pode referir diarreia e tosse sem com prometimento do estado geral. Na Tabela 69.1 estão os principais diagnósticos dife renciais para febre intermitente.
418 -
Doenças Infecciosas
CAPÍTULO 69
TABELA 69.1 - Principais diagnósticos diferenciais para febre intermitente
Período de incubação
Principais manifestações clínicas
Febre amarela
3-6 dias
Período de infecção: início abrupto; febre alta, às vezes acompanhada de bradicardia (sinal de Faget); calafrios, cefaleia intensa, dor lombossacral, mialgia generalizada Período de remissão: ocorre melhora dos sintomas e dura, em média, 24h Período de intoxicação: vômitos, epigastralgia, prostração, icterícia, diátese hemorrágica (hematêmese, melena, metrorragia, petéquias, equimoses, sangramento pelas mucosas)
Dengue
2-8 dias
Dengue clássica: início abrupto, febre alta, cefaleia intensa, dor retro-ocular, mialgia, artralgia, vômitos, anorexia. No terceiro ou quarto dia pode aparecer exantema significativo e, em alguns casos, fenômenos hemorrágicos discretos. A febre tem duração média de 6 dias Dengue hemorrágica: também se apresenta de forma aguda, com febre alta, náuseas, vômitos, mialgias, artralgias. A diátese hemorrágica geralmente se dá no segundo ou terceiro dia de doença, podendo evoluir para síndrome do choque da dengue
Hepatites virais agudas
VHA: 2-6 semanas VHB: 2-6 meses VHC: 2 semanas - 5 meses VHD: 2-6 meses VHE: 2-8 semanas
Fase pré-ictérica: pode estar presente em alguns casos. Cursa com anorexia, náuseas, diarreia, febre baixa, cefaleia, mal-estar, astenia e fadiga. O quadro pode durar de 3 a 10 dias Fase ictérica: inicia-se com icterícia. O paciente mostra hepatomegalia discreta e dolorosa; fezes claras e prurido cutâneo, urina escura. As hepatites A e C raramente cursam com icterícia; a hepatite B aguda apresenta-a em 30 a 50% das vezes. A hepatite D somente cursa com a hepatite B. A hepatite E somente cursa com icterícia em gestantes
Febre tifoide
1 - 3 semanas (em média 10 dias)
Período inicial: febre com aumento progressivo diário, dor abdominal, vômitos, anorexia, astenia, cefaleia Período de estado: segunda à terceira semana de infecção. A febre se estabiliza entre 39 e 40°C. Cursa com prostração, cefaleia constante e intensa, alteração do nível de consciência, desidratação grave, diarreia esverdeada ou constipação, "roséolas tíficas" na pele, bradicardia associada à febre (sinal de Faget); 60 a 70% dos casos cursam com hepatoesplenomegalia Período de declínio: diminuição da febre em lise, recuperação do nível de consciência e da sintomatologia geral Convalescença: como consequência da infecção, podem-se observar sinais de desnutrição, queda capilar, atrofia muscular Complicações: hemorragia maciça e perfuração intestinal
Leptospirose
1 - 24 dias
Forma anictérica: febre alta e remitente, calafrios, cefaleia intensa, mialgia (músculos paravertebrais, abdominais e panturrilhas), náuseas, vômitos, tosse seca ou produtiva, exantema macular Forma ictérica ou síndrome de Weil: trata-se da forma clínica mais frequente em nosso meio. Cursa com todos os sintomas anteriormente descritos, porém mais intensificados. Além de icterícia rubínica (avermelhada), observam-se disfunção renal, fenômenos hemorrágicos, urina escura, alterações pulmonares, hemodinâmicas e no nível de consciência, resultando em taxa de mortalidade elevada
Calazar
10 dias-24 meses
Trata-se de doença insidiosa, com febre irregular de longa duração (2 a 3 picos diários ou febre intermitente), emagrecimento significativo, palidez cutâneo-mucosa, hepatoesplenomegalia acentuada, anemia, leucopenia e trombocitopenia. Pode cursar, inicialmente, com tosse seca e diarreia
Endocardite infecciosa
Em média 2 semanas
Febre prolongada, < 39°C; astenia, fadiga, anorexia, perda de peso, sudorese noturna, sopro cardíaco, esplenomegalia (aparece mais tardiamente), lesões de Janeway (lesões planas, embólicas, vistas nas plantas dos pés e nas palmas das mãos), nódulos de Osler (localizados em quirodáctilos e pododáctilos); petéquias conjuntivais e em mãos e pés
Tuberculose miliar
Semanas a décadas
Febre, adinamia, perda de peso, cefaleia, dor abdominal. Se houver comprometimento pulmonar, pode cursar com dispneia progressiva e, às vezes, tosse seca. Sistema nervoso central acometido em 30% dos casos
Malária
P. vivax: 12-16 dias P. falciparum: 8-12 dias
P. vivax: febre diária que evolui para dias alternados (febre terçã) e que pode estar acompanhada de calafrios significativos, sudorese, náuseas, vômitos, cefaleia, palidez cutâneo-mucosa, icterícia, hepatoesplenomegalia P. falciparum: as infecções causadas por esse parasita são mais graves e podem cursar com a mesma sintomatologia da infecção pelo P vivax, porém, com maior chance de complicações
Doença de Chagas aguda
4-10 dias Obs.: transmissão por transfusão sanguínea, até 40 dias
Febre diária, às vezes acima de 39°C e que pode se elevar no decorrer do dia e tem duração prolongada de 1 a 2 meses. É acompanhada de prostração, mialgia, astenia,
cefaleia, linfonodomegalia generalizada, hepatoesplenomegalia, miocardite aguda; conjuntivite aguda com edema bipalpebral, unilateral e indolor (sinal de Romaña)
VHA, VHB, VHC, VHD e VHE = vírus das hepatites A, B, C, D e E, respectivamente.
Febre Intermitente - 419
tivo do estado geral. Havendo comprometimento pulmo
intensa e plaquetopenia nos pacientes com malária. Con
Devem-se obter exames como hemocultura, hemogra
tagem baixa de plaquetas também é vistaem dengue e
ma com velocidade de hemossedimentação (VHS), ele
febre amarela. Pancitopenia é característica de leishma
trólitos, glicemia, funções renal e hepática. Havendo
niose visceral e leucoses. Nas hepatites virais, o aumento
suspeita de endocardite, recomenda-se a coleta de três
das aminotransferases chega a atingir níveis superiores a
pares de hemocultura de locais diferentes. Esfregaços de
1.000mg/dL. As bilirrubinas podem estar elevadas tanto
sangue de pacientes com risco de doença parasitária devem
em hepatites quanto em malária, porém nesta predomina
ser examinados para diagnóstico e quantificação da para
a fração não conjugada, devido à hemólise. O aumento
sitemia. Pacientes com possível meningite devem ter o
de fosfatase alcalina e de gama-glutamiltransferase é in
líquido cefalorraquidiano colhido antes da antibioticote
dicativo de colestase hepática, ocorrendo pequena altera
rapia, se possível. Exames de imagem devem ser obtidos
ção em hepatites virais e valores geralmente normais, em
de acordo com a suspeita diagnóstica. Em casos selecio
malária.
nados, considerar análise de urina, ecocardiograma trans
torácico ou transesofágico.
Diante da elevada incidência de malária na região amazônica, torna-se obrigatória a suspeição desse diag
nóstico para qualquer doente febril procedente da locali
Coletadas duas amostras de hemoculturas e exames gerais. Glicemia casual de 50mg/dL. Apresenta anemia normocítica e normocrômica (hemoglobina/hematócrito [Hb/Ht]: 9/27); plaquetas de 102.000; sódio sérico = 131; potássio = 3,7; ureia = 90; creatinina = 1,5; bilir rubina total = 4; indireta = 3; desidrogenase lática (DHL) = 600; aspartato aminotransferase = 70; alanina aminotransferase = 90; com enzimas canaliculares normais e VHS = 85. A hipoglicemia pode ser explicada pelo quadro de
anorexia que geralmente acompanha as doenças infecciosas agudas. A desidratação secundária à taquipneia, febre e
vômitos justifica o sódio sérico baixo e a elevação das escórias nitrogenadas, caracterizando insuficiência renal
dade. A multiplicidade de doenças que têm clínica seme lhante e a pouca familiaridade dos profissionais de saúde
pertencentes a regiões não endêmicas dificultam o diag
nóstico da doença. O exame de gota espessa é primordial em qualquer suspeita. Realizada pesquisa de parasitas da malária pelo exame de sangue em gota espessa e esfregaço, resultan do negativa. Instituída antibioticoterapia empírica sem que houvesse melhora. Não houve crescimento bacte riano nas duas amostras de hemocultura e o paciente continua apresentando picos febris intermitentes Ao se consideraro quadro clínico e a procedência do paciente, insisti-se no diagnóstico de malária. Faz-se nova coleta de sangue da polpa digital durante a fase de calafrios, sendo visualizados os parasitas.
aguda (IRA) pré-renal. A lesão renal pode também ser secundária à necrose tubular aguda ocasionada por hipo volemia e alterações na microcirculação que eventualmen
te possam estar presentes em algumas doenças infecciosas
DIAGNÓSTICO FINAL
febris. Os valores de Hb/Ht encontrados são compatíveis
Malária.
com achado de palidez cutâneo-mucosa ao exame físico.
Os índices hematimétricos são sugestivos de anemia de
doença crônica, perda sanguínea, ou hemólise. A icterícia
discreta ao exame físico é compatível com hiperbilirrubi nemia com predomínio da fração indireta que, associada
DISCUSSÃO
ao aumento de DHL, sugere hemólise. A plaquetopenia
Malária é uma protozoonose transmitida pela picada de mosquito Anopheles infectado. É uma das doenças parasi
pode acompanhar doenças como febre amarela, dengue e
tárias mais importantes em humanos, com transmissão em
malária. A elevação das enzimas hepáticas é discreta, in
107 países, acometendo cerca de 3 bilhões de pessoas e
dicando lesão dos hepatócitos não associada à colestase, já
causando óbito de 1 a 3 milhões de indivíduos a cada ano.
que não houve aumento de enzimas canaliculares. O acha
O período de incubação varia de acordo com a espécie de
do de VHS elevado, apesarde inespecífico, indica proces
plasmódio. Para o Plasmodium falciparum, de 8 a 12 dias;
so inflamatório ativo. Nos casos de febre amarela, a VHS
P. vivax, de 13 a 17 dias; e P. malariae, de 18 a 30 dias.
tende a zero. Com malária, há aumento discreto de transa
O mosquito é infectado ao se alimentar do sangue de
minases, diferentemente da febre amarela e das hepatites
indivíduos com gametócitos circulantes. Os gametócitos
virais, em que a elevação é marcante.
surgem na corrente sanguínea em períodos que variam de
CAPÍTULO 69
nar, podemos notar sinais de insuficiência respiratória.
A avaliação dos valores hematimétricos mostra anemia
420 - Doenças Infecciosas
CAPÍTULO 69
48h, para P. vivax e de 7 a 12 dias, para P. falciparum. A
pessoa pode ser fonte de infecção para malária causada pelo P. falciparum por até um ano; pelo P. vivax, por até três anos e pelo P. malariae, por mais de três anos. A transmissão da malária no Brasil está concentrada
típica de 72h para P. malariae (quartã) e 48h para P. falciparum e P. vivax é pouco comum atualmente. É fre
quente que infecções múltiplas em dias diferentes tomem a febre diária. Os quadros mais brandos costumam ser causados por
na Amazônia Legal, onde se registram 99,5% do total das
P. malariae e P. vivax e as formas clínicas mais graves se
ocorrências. Observa-se aumento nas notificações de casos
devem ao P. falciparum, em especial em adultos não imu
da doença no segundo semestre do ano, provavelmente
nes, crianças e gestantes. A doença pode evoluir para
associado ao período pós-chuvas, pois estas propiciam
formas clínicas graves e complicadas, destacando-se forte
condições para maior proliferação do mosquito responsá
cefaleia, hipertermia, vômitos, rebaixamento do nível de
vel pela transmissão da doença. Todo caso de malária é
consciência, convulsões e coma (malária cerebral); IRA,
de notificação obrigatória às autoridades legais na região
edema agudo pulmonar hipoglicemia, disfunção hepática,
extra-amazônica. A investigação epidemiológica do caso
hemoglobinúria (hemólise intravascular aguda e maciça)
suspeito deve ser realizada em até 48h depois da notifica
e choque são complicações relatadas. A coagulação intra
ção, para avaliara necessidade de adoção de medidas de
vascular disseminada e a síndrome do desconforto respi
controle, e deverá ser encenada até 60 dias depois.
ratório agudo têm alta letalidade, mas, são de ocorrência
A malária é uma doença infecciosa febril aguda que
incomum no Brasil.
se caracteriza por febre alta acompanhada de calafrios,
A pesquisa dos protozoários da malária é realizada
sudorese e cefaleia, que ocorrem em padrões cíclicos a
pelo exame de sangue em esfregaços ou gotas espessas
depender da espécie do parasita infectante. Geralmente,
que devem ser coradas por quaisquer um dos processos
há uma fase sintomática inicial precedendo a febre clás
derivados do método Romanowsky, sendo o Giemsa o
sica, com mal-estar, astenia, mialgia e dor de cabeça. A
método preferencial para confirmaro diagnóstico e quan
febre é irregular no início, podendo atingir 40°C, asso
tificara parasitemia.
ciada a taquicardia e delirium. O paroxismo febril inicia-
Ressalte-se que, nas síndromes febris agudas, é muito
se com temperatura corporal bastante elevada. Após um
importante a correlação clínico-epidemiológica para de finição do diagnóstico. É obrigatório levantara hipótese
período de 2 a 6h, há defervescência da febre, com sudo rese profusa e astenia intensa. Passada a fase inicial
descrita, a febre torna-se intermitente. A periodicidade
de malária para paciente febril procedente de áreas endêmi cas (Figs. 69.1 e 69.2), como Amazônia Legal, África
Figura 69.1 - Áreas de maior risco no mundo para transmissão da malária.
Febre Intermitente - 421
CAPÍTULO 69
Figura 69.2 - Áreas endêmicas de malária no Brasil. Subsaariana, Nova Guiné, Haiti e leste da Ásia. O início
lumefantrine (Coartem®). Não se deve associarprimaqui
precoce da terapêutica pode definira evolução do pacien
na como gametocida para P. falciparum, pois o tratamen
te, e todo caso suspeito deve ser exaustivamente investi
to com artemisinina e lumefantrine já proporcionará queda do número de gametócitos. Como segunda linha
gado e notificado.
Essa doença exige um tratamento que atue nas dife rentes fases do ciclo do Plasmodium e com isto evite
de tratamento, recomenda-se a associação entre quinino, doxiciclina e primaquina.
recidivas da infecção e elimine os gametócitos. Dentre os medicamentos, existem os esquizonticidas teciduais, que
BIBLIOGRAFIA
agem na forma pré-eritrocítica impedindo a invasão das
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hemácias. São empregados fundamentalmente para P. vivax e P. ovale. Na Amazônia Brasileira utiliza-se pri maquina, 0,5mg/kg/dia (30mg para adultos), durante sete
dias seguidos, com o intuito de reduzir o tempo de uso e
evitar abandonos. Para agir na fase eritrocítica, os medi
camentos mais empregados para P. vivax e P. ovale são cloroquina e amodiaquina. A cloroquina é utilizada du rante os três primeiros dias do tratamento, nas doses de
600mg (quatro comprimidos) no primeiro dia e 450mg
(três comprimidos) nos dois últimos dias, para adultos.
Para crianças, a dose é 10mg/kg no primeiro dia e 7,5mg/kg nos demais. O esquema mais usado é cloroquina nos
primeiros três dias e primaquina nos sete dias seguintes. Para parasitemias importantes, deve-se avaliar o uso de derivados de artemisinina em associação com primaquina.
O tratamento de primeira linha recomendado para P falciparum é a associação de derivados de artemisinina e
422 -
Doenças Infecciosas
CAPÍTULO 69
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___________________________________
CAPÍTULO
70
Febre e Manchas na Pele Damiana Montes Santos • Laura de Sena Nogueira Maehara
Uma jovem de 21 anos de idade procura um pron to atendimento médico com quadro de manchas na face e no pescoço. Há três dias apresenta discreta diminuição do apetite e desânimo, dois episódios de sensação febril (temperatura não aferida), com melhora nas últimas 24h. Há um dia, eritema na face, não pruriginoso, não doloroso, sem descamação, sem outras lesões como vesículas ou úlceras, que se estendeu à região cervical nas últimas horas, sem outros sintomas associados. A paciente não possui história de doenças significativas anteriores e nem quadros semelhantes prévios. Não faz uso de quaisquer medicamentos ou drogas ilícitas. Não se lembra de contatos próximos que apresentassem os mesmos sinais ou sintomas. É estudante, procedente de São Paulo, sem história de viagens para outras regiões nos últimos meses.
prodrômico se tomam ainda piores, diferentemente
do que aconteceu no caso em tela. • Rubéola: causada por um vírus da família Togaviridae. Período prodrômico com duração de um a
cinco dias, sendo este mais comum em adolescentes e adultos do que em crianças. Esses sintomas consti
tucionais se resolvem à medida que o rash surge em
direção craniocaudal. Geralmente, o exantema se re solve em três ou quatro dias, diferentemente do sa rampo, cujo rash pode persistirmais de uma semana.
• Escarlatina: infecção estreptocócica caracterizada por faringoamigdalite e exantema que também tem
início na face e no pescoço, se espalhando para tórax, axilas, abdome e membros. São observadas palidez perioral (sinal de Filatov) e estrias petequiais linea res nas regiões flexores (sinal de Pastia). Em segui
A paciente iniciou quadro com rash cutâneo, febre e sintomas constitucionais, que pode ser definido como
da, ocorre descamação, mais pronunciada em palmas, plantas e nos lábios, desaparecendo dentro de sete
exantema. Esta é uma manifestação usual com doenças
dias. A paciente, no entanto, não possuía sintomas
infecciosas ou em reações adversas a drogas, sendo que
nas vias aéreas superiores.
o uso destas últimas é negado pela paciente. Os exantemas
• Exantema súbito: o herpes-vírus tipo 6 é o agente
são mais frequentes durante a infância do que na idade
responsável por esta infecção, que predomina em
adulta e as causas infecciosas clássicas são:
crianças entre três meses e quatro anos, sendo de muito baixa incidência em adultos. Em crianças, o
• Sarampo: a etiologia é um vírus do gênero Morbilli-
rash geralmente tem início na região cervical e es
viras, família Paramyxoviridae. Apresenta período
palha-se para o tórax e os membros. Em adultos, as
prodrômico rico em sintomas, o que geralmente
manifestações são semelhantes às da mononucleose.
permite fazer diagnóstico diferencial entre outras
• Eritema infeccioso: manifestação clínica mais comum
doenças exantemáticas. O exantema tem distribuição
da infecção pelo parvovírus B19, predominante na
craniocaudal, porém, é precedido de febre com
infância. Inicialmente, surgem leves sintomas in
elevadas temperaturas, tosse produtiva, secreções
fluenza-like durante a fase de parvoviremia. O pa
nasais e oculares, conjuntivite, fotofobia. Após o
ciente permanece assintomático por cerca de uma
aparecimento do rash, todos os sintomas do período
semana quando, então, aparece o exantema. Cerca
Doenças Infecciosas
de duas a três semanas após a infecção inicial, quando já existem anticorpos antivirais circulantes,
rágicas, como epistaxe, petéquias e gengivorragia. Essa é uma possibilidade diagnóstica importante
surge um rash malar, com aspecto de “face esbofe-
para nossa paciente, pois no Brasil a presença do
teada”. O exantema progride com aspecto rendilha
principal vetorda doença, o mosquito Aedes aegypti,
do e simétrico para o tronco e os membros inferio
é significativa. Síndrome da mononucleose: caracterizada por febre,
res. Posteriormente, o rash desaparece, porém, pode
recorrer quando há exposição à luz, ao calor ou a exercícios. Em adultos, o rash é menos caracterís
tico e pode não ser observado. No entanto, é nos
adultos, particularmente em mulheres de meia-idade, que a infecção pelo parvovírus B19 pode provocar significativa artropatia. É importante lembrar ainda que a infecção pelo parvovírus B19 também pode
causar crise aplásica eritrocitária transitória em pacientes que apresentam eritropoiese aumentada previamente (como em esferocitose hereditária) e anemia persistente em pacientes imunocomprome
tidos. A paciente não relatou manifestações articu lares em sua entrevista inicial. •
Varicela: infecção pelo vírus varicela-zoster. O pe ríodo prodrômico é discreto e quase concomitante ao surgimento de um rash vesicular e muito pruri
ginoso. Inicia-se com máculas que progridem para pápulas, vesículas e, finalmente, para crostas num curto período de tempo (24 a 48h). Essas lesões em
diferentes estágios de evolução (polimorfismo) são
observadas simultaneamente em todo o corpo. Têm distribuição centrípeta, sendo mais frequentes em
tronco e face do que em membros. As crostas tendem a desaparecerem uma a duas semanas, deixando
manchas hipopigmentadas que podem persistir meses
ou cicatrizes persistentes. O rash descrito pela jovem não é vesicular e nem pruriginoso.
Outras etiologias também devem ser consideradas em adultos com exantema: • Dengue: infecção causada pelo vírus da dengue com
seus quatro sorotipos (1, 2, 3, e 4). A dengue clás
sica tem início abrupto, com febre alta, cefaleia, prostração, mialgia, artralgia e dor retro-orbitária; sintomas gastrointestinais também são possíveis.
Cerca de metade dos pacientes com dengue apre senta exantema classicamente descrito como macu lopapular intenso, que atinge inicialmente o tronco, podendo se espalhar para as extremidades ou para
a face; porém, a erupção considerada típica da den
gue é um intenso eritema com ilhas de pele sã, durando dois a três dias. Após a fase aguda, pode haver prurido e descamação residual. No final do período febril podem surgir manifestações hemor
linfonodomegalia e faringite em mais de 50% dos pacientes. Esplenomegalia, hepatomegalia e petéquias no palato surgem em mais de 10% deles. Manifes tações ainda menos comuns são anemia hemolítica, trombocitopenia, anemia aplásica, miocardite, he patite, úlceras genitais, ruptura esplênica, compli cações neurológicas (síndrome de Guillain-Barré, encefalite, meningite), rash cutâneo (mais comum após uso de ampicilina ou outros betalactâmicos). São várias as etiologias para essa síndrome: vírus Epstein-Barr,citomegalovírus, toxoplasmose, infec ção aguda pelo HIV, rubéola, hepatite A, infecção pelo herpes-vírus 6 e pelo adenovírus, brucelose, além de linfomas, leucemias e intoxicações por drogas que podem mimetizar o quadro. Sífilis: agente etiológico é o espiroqueta Treponema pallidum. É uma doença de transmissão sexual ou
vertical, sendo necessárias, portanto, mais informa ções sobre a atividade sexual dessa paciente. Há um período de incubação de 10 a 90 dias antes do sur
gimento do cancro duro ou sífilis primária. Essa lesão se caracteriza por uma úlcera indolor, com base rasa e limpa, bordas elevadas e induradas, que surge no local da inoculação (genital ou oral), com linfonodomegalia regional. A lesão pode não ser notada pela paciente e se resolve em duas a seis semanas, sem tratamento. A sífilis secundária se desenvolve quatro a oito semanas depois do surgi mento do cancro; algumas vezes pode serconcomi tante à lesão primária, com os seguintes sintomas: febre, linfonodomegalia, cefaleia, adinamia, rash cutâneo. O exantema costuma ser maculopapular não pruriginoso, róseo, disseminado, envolvendo particularmente a genitália, a face, as regiões pal
mares e plantares. Podem ainda ser observadas lesões nas mucosas, alopecia em clareira, alterações un gueais e manifestações também em outros órgãos. Enteroviroses: coxsackievírus e enterovírus podem determinara doença da mão, pé e boca. O exantema é mais frequente em mãos e pés, vesicular com pródromos febris e enantema na mucosa oral com
lesões ulcerativas. Síndrome do choque tóxico: agente etiológico Staphylococcus aureus. Instalação fulminante em indi víduos previamente sadios. O quadro se desenvolve com febre alta, exantema com subsequente desca-
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CAPÍTULO 70
424 -
mação, hipotensão, alteração do nível e/ou conteúdo
estas três enfermidades. Apesar dos leves sintomas pro
de consciência, comprometimento multissistêmico.
drômicos e da ausência da queixa de mialgia, dengue
Associa-se quase sempre ao uso de tampões vaginais
ainda é uma importante hipótese a ser excluída, pela
hiperabsorventes durante o período menstrual. No
epidemiologia da paciente. Exantema, possíveis episódios
entanto, o número de casos sem relação com o pe
febris e a linfonodomegalia revelada ao exame físico re
ríodo menstrual vem crescendo. Estes são associados
forçam a ideia de uma síndrome de mononucleose num
a infecções locais e cirúrgicas. A gravidade desse
adulto jovem. A ausência de relações sexuais desprotegi
quadro não corresponde ao que é descrito pela pa
das toma menos possível uma doença sexualmente trans
ciente.
missível como causa, porém, é importante a pesquisa com
exames laboratoriais (sífilis e AIDS). Devem ser destaca Não apresenta tosse, rinorreia, alterações oculares, perda ponderal, mialgia, alterações articulares, dor abdominal, diarreia ou quaisquer dados significativos recentes. Não possui mais seu cartão vacinal e não sabe in formarsobre vacinação prévia contra rubéola. Nega infecções cutâneas, traumas ou cirurgias re centes. Não está no período menstrual. Não são observadas alterações neurológicas. A paciente teve um único parceiro sexual nos últi mos dois anos e nega relações sexuais sem preservativos nesse período ou anteriormente. Não foram notadas lesões genitais nas últimas semanas. Não observou al terações em seu parceiro. Ao exame físico, a inspeção revela algumas mácu las róseas, pequenas na face e no pescoço, sem descamação. No tronco, observam-se máculas e pápu las, róseas, confluentes, formando quase um eritema difuso. Nos membros, poucas e esparsas máculas róse as, muito pequenas. Não há outras lesões cutâneas. Não se notam alterações nas conjuntivas ou secreções ocu lares. À palpação, percebe-se linfonodomegalia nas cadeias suboccipital, cervical posteriore retroauricular, não dolorida, móvel, linfonodos de aproximadamente 1cm de diâmetro, sem alterações em outras cadeias. Não há lesões na mucosa oral ou na orofaringe. A pressão arterial medida é 110 × 70mmHg; temperatura axilar37,2°C; frequência cardíaca de 84bpm; frequên cia respiratória de 16irpm; sem alterações às auscultas cardíaca e respiratória. O exame do abdome é indolor, sem esplenomegalia ou hepatomegalia. Não são encon tradas lesões genitais e nem linfonodomegalia inguinal. Não há sinais flogísticos articulares. A jovem conta que houve melhora significativa das lesões da face e do pescoço, porém as do tronco lhe parecem novas, não tendo sido notadas até o momento do exame.
dos os seguintes dados: linfonodomegalias retroauricula
res, cervical posteriore suboccipital; rash com início na
face e que se distribui rapidamente para o tronco. Essas
são características muito comuns em rubéola, mas que
também podem ser observadas em infecções por parvo vírus B19 e por enterovírus.
Colhidos exames laboratoriais e a paciente retoma para casa com uma receita de analgésicos e antitérmicos, se necessário. Foi orientada a retomar para nova con sulta ambulatorial em três dias, porém deveria voltarao pronto atendimento se novas alterações fossem notadas antes. Houve melhora significativa das lesões cutâneas, sem novos episódios de febre, contudo, nas últimas horas, notou dore edema discretos nas articulações das mãos. Ao exame são observadas ainda esparsas mácu las no tronco, sem descamação, sem lesões na face ou cervicais ou em quaisquer outras regiões. A linfonodo megalia é palpável nas mesmas cadeias, sem modificações. Nas mãos, nota-se discreto edema, dolo roso nas articulações interfalângicas distais e proximais, simétrico, sem eritema, sem acometimento de outras articulações. Todas as hipóteses consideradas podem causar artro patias como complicações, mas, o parvovírus B19 e o
vírus da rubéola são os agentes que mais determinam esta evolução. O parvovírus B19 leva a um comprometimento articular simétrico, principalmente nas mãos, mas pode
afetar tornozelos, joelhos e punhos. O quadro pode ser confundido com o da artrite reumatoide, o fator reuma
toide também pode ser positivo. As manifestações articu lares geralmente se resolvem em poucas semanas e,
mesmo que persistam meses ou anos, não há destruição A evolução desse exantema sem outros sintomas sig
articularporinfecção pelo parvovírus B19. Na rubéola, a
nificativos associados toma menos prováveis infecções
artralgia ou uma artrite franca são incomuns na infância,
como sarampo e escarlatina. Acompanhara evolução
mas ocorrem em mais de 60% das mulheres após a pu
desse rash, especialmente a duração (persiste maiortem po com sarampo) e o possível aparecimento de descama
berdade. Estes sintomas persistem três a quatro dias e,
ção (muito frequente em escarlatina, pode também apa
às vezes com um curso flutuante, surgindo quando o rash
recer com dengue), também será importante para excluir
já quase desapareceu.
ocasionalmente, podem durar até um mês ou mais tempo,
CAPÍTULO 70
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Febre e Manchas na Pele - 425
CAPÍTULO 70
426 - Doenças Infecciosas
Os resultados dos exames mostram: hemoglobina: 12,5; velocidade corpuscular média: 85; leucócitos: 4.500; neutrófilos: 2.025 (45%), sem desvio à esquerda; linfócitos: 1.890 (42%); linfócitos atípicos: 180 (4%); plaquetas: 260.000; VHS: 50; ureia: 10; creatinina: 0,6; sódio: 138; potássio; 3,7; aspartato aminotransferase: 25; alanina aminotransferase: 22; glicemia: 80; testes não treponêmicos para sífilis, VDRL e RPR: negativos; anti-HIV: não reagente; sorologias para vírus EpsteinBarr toxoplasmose, citomegalovírus, parvovírus B19, hepatite A: imunoglobulina M (IgM): negativa; sorolo gia para rubéola: IgM reagente.
• Uso de drogas antes do surgimento do rash? As
lesões se resolverão geralmente em dois ou três dias depois de interrompido o uso e, por fim, as sorolo gias para causas infecciosas serão negativas.
• Sintomas constitucionais antes das lesões? Relacio nados às infecções. Dentre estes, os mais comuns
são fadiga, cefaleia, dor de garganta, diarreia e dor
abdominal. • Há prurido? Mais intenso quando há reação adversa a drogas. Ao exame físico, algumas características ou a ausência
A leucopenia com linfocitose e os poucos linfócitos
atípicos são dados significativos para se pensar numa etio
logia viral. As sorologias confirmaram a suspeita clínica.
destas serão sugestivas de determinada etiologia, como já
discutido. Nesta paciente, chamam atenção a linfonodo megalia cervical e a artropatia nas mãos após o exantema. A rubéola se propaga pela via respiratória e o vírus pode ser excretado por uma a duas semanas, às vezes até
DIAGNÓSTICO FINAL Rubéola.
por mais tempo, após o exantema (representado na Fig. 70.1), mas pode ser também encontrado no trato respira tório durante a semana que precede o quadro cutâneo. O
rash aparece quando a resposta imunológica humoral se
inicia e a viremia termina. A linfadenopatia pode persis tir semanas depois do exantema. A relação entre as evo
DISCUSSÃO
luções clínica, virológica e sorológica da infecção pela rubéola é apresentada na Figura 70.2.
A investigação de um exantema deve começar pela sus
A definição etiológica de um exantema é importante
peita de etiologia medicamentosa ou infecciosa para o
não só para o paciente, mas também para a comunidade
quadro. Alguns questionamentos serão úteis:
em que este vive, pois permite definir possível tempo de
Figura 70.1 - (A e B) Exantema causado pela rubéola. Imagens cedidas pelo Dr. Paulo Sérgio Emerich Nogueira.
Febre e Manchas na Pele - 427
CAPÍTULO 70
Figura 70.2 - Representação das evoluções clínica, virológica e imunológica em infecção por rubéola (Banatvala e Brown, 2004). IgG = imunoglobulina G; IgM = imunoglobulina M.
afastamento do doente de seu trabalho ou da escola, di
recionarmetas de imunização, estimar riscos para gestan tes e pacientes imunocomprometidos. Decidir qual a etiologia mais provável nesses quadros não é fácil porque exige habilidades menos aperfeiçoadas e mais negligen
ciadas pelo estudante e pelo médico.
Quase toda a descrição anterior do caso se constitui de dados relatados pela paciente e de impressões obtidas pelo examinador.Apenas no último parágrafo os resulta
dos de exames laboratoriais surgem, porém, estes não são surpreendentes, porque o exame clínico já indicava o
diagnóstico mais provável. Diante de um quadro de exan
tema, as habilidades de entrevista e exame clínico quase sempre serão capazes de nos permitir adotar condutas acertadas, mesmo ainda sem resultados do laboratório.
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CAPÍTULO
71
Febre e Icterícia
Uma jovem de 26 anos de idade procura o pronto -socorro queixando-se de febre, mal-estar geral e náuseas. Refere que os sintomas começaram há aproxi madamente quatro dias. Notou, então, que há dois dias estava “amarela”. A febre não cedeu, mesmo com duas doses de dipirona (500mg/dose) nas últimas 24h e a paciente procurou atendimento médico de urgência.
Após a degradação de hemoproteínas dá-se a formação
da bilirrubina por meio da ação das enzimas heme-oxi
dase e biliverdina redutase. O produto bilirrubina é secre
tado no plasma, no qual permanece ligado a proteínas
plasmáticas até ser captado pelos hepatócitos. No ambien
te intracelular ocorre o processo de conjugação, realizado pela enzima uridina-difosfato glicuronil transferase. A bi
O diagnóstico diferencial para pele amarela é limitado. Além da icterícia, inclui a carotenodermia e a exposição excessiva a fenóis. Carotenodermia é resultado do acú mulo de caroteno e surge em indivíduos sadios que con somem quantidades excessivas de vegetais e frutas que contêm a substância, como cenoura, mamão, laranjas e abóboras. Diferentemente da icterícia, a coloração da pele não é uniforme concentrando-se em palmas, plantas, fronte e pregas nasolabiais. Outra diferença importante é que poupa as escleras, o que não se dá com icterícia. A exposição a fenóis pode ser facilmente identificada du rante a anamnese. O termo icterícia refere-se à coloração amarelada da pele, das escleras e das mucosas, decorrente do acúmulo de bilirrubina. A bilirrubina é um pigmento resultante do metabolismo do heme. A destruição de eritrócitos senis é responsável pela produção de até 70% de toda a bilirru bina; o restante provém do metabolismo de outras hemo proteínas, como as enzimas do complexo citocromo P-450 e a mioglobina. Após a formação de bilirrubina, esta atinge o plasma, no qual permanece ligado à albumina. Posteriormente, é captada pelos hepatócitos, sofre o pro cesso de conjugação e é então secretada na bile e excre tada no intestino delgado. A maior parte da bilirrubina é eliminada pelas fezes e apenas uma pequena parte é ex cretada na urina. A Figura 71.1 ilustra as principais etapas do metabolismo da bilirrubina.
lirrubina conjugada é então secretada nos canalículos bi liares e excretada, pela bile, no intestino delgado. Ao atingir o íleo terminal e o cólon, bactérias da flora intes
tinal hidrolisam a bilirrubina conjugada, e a transformam na forma não conjugada que é rapidamente transformada
em urobilinogênio por estas mesmas bactérias. Aproxima damente 90% dessa substância são excretados diretamen
te nas fezes; os 10% restantes são absorvidos passivamen te e atingem a circulação entero-hepática. A maior parte é recaptada e excretada pelo fígado, mas uma pequena
parte, próximo de 2% de toda a bilirrubina produzida, é submetida à filtração glomerulare excretada na urina como
urobilinogênio.
O acúmulo de bilirrubina pode acontecerem qualquer etapa do seu metabolismo, ou seja, pode haver aumento da produção, diminuição da conjugação ou alterações na
excreção. Tanto em aumento da produção como nas alte rações de conjugação existe uma elevação predominante da dosagem sérica de bilirrubina não conjugada; é o caso
das anemias hemolíticas. Quando existe aumento da for ma conjugada, a alteração está relacionada ao transporte de bilirrubina para os canalículos biliares ou extravasa
mento retrógrado do pigmento por impedimento da ex creção da bile. Dessa forma, a avaliação inicial do pacien te ictérico inclui, após anamnese e exame físico,
Febre e Icterícia - 429
CAPÍTULO 71
Figura 71.1 - Metabolismo da bilirrubina. UDP = uridina-difosfato. diferenciação dos padrões de hiperbilirrubinemia e anor malidade de outros exames, principalmente a bioquímica
hepática. A anamnese deve ser cuidadosa e verificar causas
diretas, como intoxicação por drogas, possíveis contami
nações (parenterais, sexuais, alimentares), contato com pessoas ictéricas, viagens recentes, duração da icterícia e
sintomas associados. Ainda que febre, dor abdominal e perda de peso sejam sintomas inespecíficos, sua presen
ça pode auxiliara identificação de outras etiologias. O Quadro 71.1 expõe alguns dados que devem serobjetiva
mente identificados durante a anamnese e que auxiliam o
raciocínio diagnóstico.
QUADRO 71.1 - Informações que auxiliam a avaliação inicial da icterícia • Viagens recentes • Drogas ilícitas • Contato com pessoas ictéricas ou doentes • Promiscuidade sexual • Contato frequente com animais • Histórico vacinal • Comorbidades
• Uso de medicações (prescritas ou não) • Antecedente de hemotransfusão • Etilismo • Contato com crianças • Ocupação • Tatuagens • Alimentação
Todos os sintomas começaram há dois dias e antes deste período a paciente sentia-se perfeitamente bem. Há um dia, além da febre e do mal-estar notou dor abdominal leve no andar superior do abdome. Nega diarreia ou alteração no hábito intestinal; no entanto, percebeu que nas duas últimas evacuações suas fezes estavam mais claras; assim como sua urina parecia mais escura que o usual. Não percebeu lesões cutâneas e pequenos sangramentos. Nas últimas 24h o mal-estar piorou e a paciente começou a se queixar de dor em algumas articulações. A paciente era previamente hígida e nunca teve outros episódios de icterícia. Não relata nenhuma en fermidade crônica. A única medicação utilizada é um contraceptivo oral composto de estradiol e acetato de ciproterona. Não sabe fornecer informações precisas sobre as vacinas que tomou. Nunca usou nenhuma droga ilícita. Nega transfusões sanguíneas. Como ex posição parenteral tem uma tatuagem feita há seis anos em ambiente supostamente adequado. Mora com o esposo, seu parceiro fixo há quatro anos, e nega uso de preservativos às relações. Etilista social com duas a quatro doses a cada mês. Não tem filhos e seu animal doméstico é um peixe. Não teve contato com nenhuma pessoa ictérica ou sabidamente doente. No entanto, viajou para uma cidade praiana há duas semanas, onde permaneceu na casa da irmã e três sobrinhos, de três, cinco e seis anos, respectivamente. Nega ter ingerido
430 -
Doenças Infecciosas
CAPÍTULO 71
água de origem discutível, porém fez várias refeições em estabelecimentos locais. A distinção entre icterícia obstrutiva e hepatopatia
colestática constitui, em geral, um dos aspectos mais im portantes do diagnóstico diferencial. A paciente apresenta
um quadro agudo caracterizado por icterícia, febre, mal rúrgicas ou doenças biliares, como colecistopatia calculo sa, além de serjovem. Essa apresentação fala a favor de
hepatite aguda colestática, ao invés de icterícia obstrutiva.
O diagnóstico diferencial entre hepatites agudas está lis tado no Quadro 71.2. A febre, o mal-estar e a anorexia
ressaltam a possibilidade de uma doença infecciosa, como hepatites virais ou infecções bacterianas. Doenças autoi
munes com acometimento hepático também podem cursar com icterícia e sintomas constitucionais, inclusive febre,
sendo mais frequentes em mulheres jovens. Analisando a
história referida pela paciente observamos alguns dados
que devem ser valorizados. Ela faz uso de contraceptivos
• Infecções bacterianas - Leptospirose - Febre tifoide - Sífilis secundária - Rickettsioses - Sepse grave • Infecções virais - Hepatites A, B, C, D e E - Febre amarela - Citomegalovirose - Herpes-vírus - Vírus Epstein-Barr • Hepatite alcoólica • Doença de Wilson • Reações a drogas - Acetaminofeno (paracetamol) - Isoniazida - Rifampicina - Contraceptivos orais - Anticonvulsivantes - Sulfa • Infecções por parasitas - Malária - Toxocaríase • Doenças autoimunes: - Hepatite autoimune - Lúpus eritematoso sistêmico
orais que podem cursar com trombose dos vasos hepáticos
(síndrome de Budd-Chiari) e sintomas de alteração hepá tica, além de poderem mediar diretamente uma hepatite
tóxica induzida por drogas. Não há antecedentes de práti
cas sexuais de risco, porém, nega o uso de preservativos e pode, desta forma, estar exposta a doenças sexualmente
transmissíveis, como a hepatite B. Tatuagens ainda são
relacionadas com maior prevalência de hepatites virais, especialmente porvírus B e C. A paciente tem história de
alterações na propedêutica cardiovascular. Abdome pouco dolorido, com hepatomegalia a 3cm do rebordo costal direito. Não se constata esplenomegalia ou sinais de irritação abdominal. Não houve resposta à descom pressão brusca e o sinal de Murphy foi negativo. Exame neurológico normal, e não se encontrou nenhuma lesão cutânea à ectoscopia.
viagem recente e contato com crianças, que se mostraram, em alguns estudos, como fatores de risco para intoxicação
O exame físico confirma a icterícia e a febre. Além
alimentarporbactérias e vírus, incluindo o vírus da hepa
dos sinais inespecíficos, deve-se estar atento para achados
tite A. Algumas áreas praianas do país, principalmente
próprios de doenças hepatobiliares. Não se observam
aquelas com mata atlântica, ainda têm índices significan
massas abdominais, ou sinais de abordagens cirúrgicas,
tes de malária, protozoária que causa importante hemólise
o que sugere alguma alteração que possa cursar com
e, portanto, aumento das bilirrubinas. Ausência de morde
obstrução. Tampouco são encontrados estigmas de doen
duras de animais ou insetos toma menos prováveis leptos
ça hepática crônica e insuficiência hepática, como eritema
pirose ou rickettsioses, mas também devem ser levadas em
palmar, telangiectasias e spiders, esplenomegalia, circu
consideração. Os casos de icterícia obstrutiva, por sua vez,
lação colateral, além de ascite. A paciente é eutrófica, sem
estão amiúde relacionados à idade avançada. Febre e dor
sinais de perda ponderal que pudessem sugerir uma pos
em hipocôndrio direito são observadas em colangite, porém,
sível neoplasia. A hepatomegalia levemente dolorosa
o padrão de febre costuma ser mais alto, com calafrios e
corrobora o diagnóstico sindrômico de hepatite aguda.
a dor abdominal é mais relevante. História prévia de cál
culos ou cirurgia abdominal são importantes achados que a paciente não possui, mas podem sugerir obstrução nas
Solicitados exames laboratoriais, listados no Qua dro 71.3.
vias biliares.
A análise laboratorial é fundamental para o paciente
O exame físico revela icterícia, acometendo pele e escleras. Estado geral regular, temperatura axilar de 38,1°C e frequência cardíaca de 96bpm. Não se obser vam lesões na cavidade oral, adenomegalias ou
com icterícia e febre. São essenciais hemograma, provas hepáticas, incluindo aminotransferases, fosfatase alcalina
(FA), gama-glutamiltransferase (GGT), dosagem das bi
lirrubinas e testes de função hepática. Outros exames
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-estare anorexia, sem história anterior de abordagens ci
QUADRO 71.2 - Diagnóstico diferencial entre hepatites agudas
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Hemoglobina: 14,3g/dL Hematócrito: 46% Plaquetas: 332.000 células/mm3 Leucócitos totais: 4.630 células/mm3: - Pró-mielócitos: 0 - Mielócitos: 0 - Metamielócitos: 0 Bastonetes: 2% (156 células/mm3) Segmentados: 68% (5.317 células/mm3) Eosinófilos: 2% (157 células/mm3) Basófilos: 1% (79 células/mm3) Linfócitos: 18% (1.408 células/mm3) - Linfócitos atípicos: 0 Monócitos: 9% (704 células/mm3) Velocidade de hemossedimentação: 29nm Proteína C-reativa: 37,6mg/dL Aspartato aminotransferase: 850UI/L Alanina aminotransferase: 1.077UI/L Gama-glutamiltransferase: 68UI/L Fosfatase alcalina: 259UI/L Creatinina: 0,67mg/dL Ureia: 19mg/dL Bilirrubinas totais: 3,9mg/dL: - Bilirrubinas indiretas: 0,6mg/dL - Bilirrubinas diretas: 3,3mg/dL Atividade de protrombina/relação normalizada internacional: 89%/1,13 Tempo de tromboplastina parcial ativada/relação normalizada: 19,4s/0,8
biliar que, na maioria das vezes, cursam com elevação leve a moderada das enzimas. As enzimas ditas colestá ticas, FA e GGT, estão presentes em diversos tecidos e
aumentam em inúmeras situações, inclusive nas alterações
hepatobiliares. Devido à sua presença nos canalículos biliares, esses marcadores se elevam com maior signifi
cados nos processos que envolvem acometimento das vias biliares, como em icterícia obstrutiva. Podem ainda estar relacionados ao consumo de álcool e à lesão mediada por
medicamentos. Esse aumento costuma ser menos pronun
ciado em doenças hepáticas propriamente ditas. São im portantes exames, visto que possuem excelente especifi cidade, porém sua sensibilidade é limitada. A elevação de bilirrubinas já era esperada, pois são necessários, em
média, níveis superiores a 3mg/dL para promovera pre sença de icterícia clínica, ou seja, acometimento de pele e escleras. Não se observa aumento na fração indireta, o que auxilia a excluir causas que cursam com anemia
hemolítica, como aquela secundária à malária. Os testes que avaliam a função hepática também são importantes ferramentas diagnósticas. A análise da atividade de pro trombina (AP) e do tempo de tromboplastina parcial
ativada (TTPa) reflete a função hepática, porque estão alteradas quando há diminuição da produção dos fatores de coagulação, que são todos sintetizados no fígado. Nos
podem ser importantes, como avaliação da função renal,
casos de icterícia obstrutiva costuma estar normais, ou
que pode estar alterada em algumas condições como lúpus,
podem estar discretamente alterados por diminuição da
leptospirose, febre amarela, sepse grave, entre outras.
absorção de gorduras e, consequentemente, de vitamina
O hemograma está normal, anemia ou leucocitose,
K, essencial para a produção dos fatores de coagulação.
fator importante a se considerarem suspeita de infecções
Assim a reposição de vitamina K é capaz de corrigir essas
bacterianas. Observa-se aumento das provas inflamatórias
alterações. Em hepatopatias, as alterações do TTPa e da
inespecíficas, como velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C-reativa. Esses achados só confirmam
AP decorrem da incapacidade do fígado de produzir os
processo inflamatório agudo, mas são incapazes de dis
K não altera o resultado do exame.
tinguir entre alterações autoimunes, infecciosas ou neo plásicas. Um novo marcador, a procalcitonina, pode ser
A apresentação clínica e o perfil laboratorial com elevados níveis das enzimas hepáticas, aumento modera
útil para casos em que é necessária a diferenciação entre
do das enzimas colestáticas, hiperbilirrubinemia direta e
um processo infeccioso e outras etiologias. Notam-se
ainda importantes alterações no perfil hepático. Os níveis
discreta alteração das provas de função hepática implicam em que as causas mais frequentes de hepatite aguda devam
das aminotransferases estão muito acima do normal, su
ser investigadas. Entre as causas mais comuns destacam
gerindo intensa destruição dos hepatócitos, visto que
-se as infecciosas, principalmente hepatites virais, hepa
geralmente valores acima de dez vezes os normais indicam
tite tóxica mediada por droga, hepatites autoimunes ou
necrose hepatocelular. Hepatite autoimune pode cursar
hepatite alcoólica. A fraca epidemiologia e a função renal
com intensa inflamação e destruição hepática, proporcio
normal tomam menos prováveis os diagnósticos de lep
nando níveis igualmente elevados. Hepatites virais também
tospirose e de febre amarela.
cursam com quadro agudo responsável por níveis de
fatores de coagulação; portanto, a reposição de vitamina
As hepatites virais agudas são doenças causadas por
elevação das aminotransferases, que vão desde 5 até 50
diferentes agentes etiológicos (vírus A, B, C, D e E) que
vezes os valores da normalidade. Já os casos de hepatite
apresentam características epidemiológicas, clínicas e
alcoólica não produzem padrões tão elevados das enzimas
laboratoriais muito semelhantes, exceto pela hepatite C,
hepáticas e geralmente ficam menores que cinco vezes os
que pode ser assintomática durante a infecção aguda. As
valores normais, o que também ocorre com obstrução
hepatites A e E têm ciclo de transmissão oral-fecal, com
CAPÍTULO 71
QUADRO 71.3 - Resultados dos exames laboratoriais solicitados
CAPÍTULO 71
432 -
Doenças Infecciosas
disseminação relacionada a condições de saneamento básico e práticas de higiene. A hepatite B é transmitida
-Chiari) até algumas neoplasias. Quando sob a forma de hepatite aguda, as lesões induzidas por drogas têm apre
por via paraenteral e pela via sexual, sendo considerada
sentação semelhante às de hepatites virais, com aumento
uma doença sexualmente transmissível. A hepatite C é transmitida por via paraenteral. Os quadros clínicos agu
importante das enzimas hepáticas. Um padrão colestático também pode ser observado, sendo um diagnóstico dife
dos das hepatites virais são muito diversificados, varian
rencial relevante entre os casos de icterícia obstrutiva.
do desde formas subclínicas ou oligossintomáticas até formas de insuficiência hepática aguda grave. A maioria
Fatores que sugerem hepatite tóxica incluem o fato de o paciente estar assintomático antes de ingerira medicação
dos casos cursa com predominância de fadiga, anorexia,
e ocorrer melhora dos sintomas com sua suspensão. No
náuseas, mal-estar geral e adinamia. Nos pacientes sinto máticos, o período de doença aguda pode se caracterizar
entanto, a relação entre a droga e a toxicidade nem sempre é clara e precisa. No presente caso, a paciente faz uso
por colúria, hipocolia fecal e icterícia. A grande parte dos
crônico de contraceptivos orais à base de estrógeno, medi
casos de hepatite tem apresentação clínica sem icterícia, portanto, a ausência deste sintoma não justifica excluir
cação que pode cursar com hepatite tóxica. Como não há etiologia definida, a suspensão dos contraceptivos e a in
hepatites virais como diagnóstico diferencial. As amino
vestigação de trombose dos vasos hepáticos são justificáveis
transferases (ALT/TGP e AST/TGO) são marcadores sensíveis de lesão do parênquima hepático, porém, não
pelo quadro clínico e laboratorial. Uma investigação cuidadosa ainda incluiria exame de
são específicas para nenhum tipo de hepatite. A elevação
imagem capaz de avaliara hepatomegalia demonstrada
da alanina aminotransferase (ALT) geralmente é maior
ao exame físico. A ultrassonografia de abdome é um exa me simples, de baixo custo e com boa sensibilidade e
que a da aspartato aminotransferase (AST) e já é encon
trada durante o período prodrômico. Níveis mais elevados de ALT não guardam correlação direta com a gravidade
especificidade para avaliação das vias biliares, fornecendo
ainda mais evidências para se excluir icterícia obstrutiva.
da doença. As aminotransferases, na fase mais aguda da
específicas para avaliação da suspeita de hepatite viral.
A ultrassonografia de abdome total mostra fígado com dimensões aumentadas, com parênquima com dis creta heterogenicidade, ausência de dilatações intra ou extra-hepáticas, vesícula biliar sem imagens ecogênicas e com paredes normais. Não se observa esplenomegalia. A análise do fluxo dos vasos hepáticos não demonstra sinal de obstrução, nem alterações do fluxo.
A hepatite autoimune é uma condição encontrada usualmente em mulheres jovens. É uma forma crônica e
Fígado aumentado e heterogêneo também é compatí
seu diagnóstico é baseado em elevação das aminotrans
vel com os quadros de hepatite aguda. O exame foi útil,
ferases, ausência de outras causas de hepatites crônicas e
pois evidenciou as vias biliares e não demonstrou sinais
agudas e presença de autoanticorpos específicos, hiperga
de dilatação destas. A ausência de imagens na vesícula
maglobulinemia e achados histológicos próprios. O qua
biliar ajuda a afastara hipótese de litíase biliar obstrutiva.
dro clínico pode ter apresentação variável, desde casos
No entanto, podem existir microcálculos não visualizados
assintomáticos até hepatite fulminante.
pelo método, mas que podem ser etiologias de processos
doença, podem-se elevar dez vezes acima do limite supe
rior da normalidade. Também são encontradas outras al
terações inespecíficas, como elevação de bilirrubinas, fosfatase alcalina e discreta linfocitose ‒ eventualmente
com atipia linfocitária. São fundamentais as sorologias
Hepatite alcoólica é resultado de toxicidade direta do
agudos, como pancreatites. Não há esplenomegalia, que
álcool e seus metabólitos nas células hepáticas. Além do
se desenvolve em processos crônicos secundários à hiper
significativo consumo de álcool, observa-se um padrão
tensão portal, como em cirrose hepática, tampouco sinais
específico da relação entre AST e ALT. A relação AST/
de hipertensão portal identificáveis pelo método. O exame
ALT é de pelo menos 2:1 em hepatite alcoólica e os níveis de AST raramente ultrapassam 300UI/mL. A ausência de
também não demonstrou obstrução do fluxo nos vasos
hepáticos.
um padrão de etilismo evidente e os valores de AST e ALT apresentados pela paciente tomam esse diagnóstico muito pouco provável. As hepatites mediadas por drogas podem ter apresen
tações muito variadas, assim como causas igualmente di
Solicitam-se perfil sorológico de hepatites virais (A, B e C), marcadores imunológicos relacionados a hepatopatias. Os resultados dos exames estão dispostos no Quadro 71.4.
versas. As apresentações clínicas podem ir de quadros
assintomáticos, hepatites agudas, crônicas, síndrome coles táticas, doenças vasculares (por exemplo, síndrome Budd-
Os perfis de autoanticorpos se mostram todos negati
vos, exceto pelo anticorpo antinuclear (ANA, FAN), que
Febre e Icterícia - 433
• • • • • • • • • • •
Anti-HAV (total): positivo Anti-HAV (IgM): positivo HBsAg: negativo Anti-HBsAg: positivo Anti-HBc (total): positivo Anti-HBc (IgM): negativo Anti-HCV: negativo Antimúsculo liso: negativo Anti-LMK1: negativo Anti-LC1: negativo ANA: 1:16
ANA = anticorpo antinuclear; HAV = vírus da hepatite A; HBc = antígeno core da hepatite B; HBsAg = antígeno de superfície do vírus da hepatite B; HCV = vírus da hepatite C; IgM = imunoglobulina M; LC1 = citosol hepático; LMK1 = microssomal de fíαado e rim.
crônicas, em que somente o anti-HBc total permanece positivo. O perfil sorológico apresentado é compatível
com uma infecção prévia e resolvida pelo vírus B.
Existe ainda a sorologia para hepatite A, resultado da dosagem dos anticorpos contra o vírus da hepatite A (anti-HAV) e da fração IgM destes. A presença de anti-
HAV IgM indica doença aguda pelo vírus da hepatite A. Quando o anti-HAV total é positivo sem anti-HAV IgM,
estamos diante de uma infecção pregressa. A ausência de ambos os anticorpos indica suscetibilidade à doença. Observa-se que no perfil sorológico da paciente, além da anterior infecção por hepatite B, existem marcadores
sorológicos para hepatite aguda pelo vírus A, que, soma
dos aos quadros clínicos e laboratorial descritos, confirmam o diagnóstico de hepatite aguda pelo vírus A. foi fracamente positivo. Valores acima 1:80 são conside rados positivos. Isso tem uma importância ainda maior,
visto que os casos de hepatites autoimunes são confirma
dos e classificados de acordo com o padrão de autoanti corpos encontrados em cada um. Presenças de FAN e de
antimúsculo liso são relacionadas à hepatite autoimune
A paciente é então internada para observação hos pitalare tratamento de suporte. Após 72h de internação, é liberada, com remissão da febre e dos sintomas clíni cos, exceto icterícia, e com queda dos níveis de AST e ALT e diminuição da hiperbilirrubinemia.
tipo 1, ao passo que anticorpo antimicrossomal de fígado
e rim tipo 1 (anti-LMK1) e anticorpo anticitosol hepático
(anti-LC1) caracterizam o tipo 2. Podem ainda ocorrer
DIAGNÓSTICO FINAL
formas sobrepostas de hepatites autoimunes com outras
etiologias, como cirrose biliar primária, o que altera estes
Hepatite A.
padrões de distribuição dos anticorpos.
O perfil sorológico de hepatites virais mostra anticor pos contra os vírus A e B, sendo negativo para vírus C.
Em infecção aguda sintomática pelo vírus C, os anticorpos
DISCUSSÃO
caso, para o diagnóstico de hepatite C aguda é necessário
A hepatite A é causada por um RNA-vírus que infecta somente primatas. É um vírus resistente, permanecendo
um exame que confirme a presença do vírus no corpo,
longos períodos como contaminante do solo e de fontes
como a reação em cadeia da polimerase (PCR) para o
RNA do vírus da hepatite C, além da ausência de anti
de água. A infecção ocorre principalmente por inoculação oral dos vírus que são transmitidos pelas fezes de porta
corpos para hepatites A ou B.
dores, seja por contaminação de água e alimentos, seja
podem demorar até seis semanas para se positivar. Nesse
A interpretação da sorologia para hepatite B inclui a
por transmissão direta, inclusive algumas práticas sexuais.
análise dos antígenos de superfície (HBsAg), core e do
O período de incubação vai de 15 até 50 dias, com a
antígeno “e”, este último útil para identificaras fases e
média entre 25 e 30 dias. A transmissibilidade do vírus
direcionar o tratamento de hepatite crônica. O HBsAg
vai de duas semanas antes dos sintomas clínicos, até três
é o marcador da infecção por vírus B e sua positividade
semanas depois. A presença de sintomas está intimamen
por mais de seis meses indica a forma crônica da doença.
te relacionada com a idade. A icterícia é observada em
A presença do anticorpo contra o antígeno de superfície
até 70% dos adultos infectados, ao passo que somente
(anti-HBsAg) indica imunidade contra a infecção pelo
30% das crianças desenvolvem sintomas, o que auxilia a
vírus B, que pode decorrerde imunização ativa porvaci nação ou por clareamento espontâneo da doença, o que
perpetuara transmissão, já que mesmo assintomáticas elas
pode acontecerem 80 a 90% dos casos de hepatite B
Sua disseminação está relacionada a condições de
aguda. O anti-HBc é o marcador de exposição à doença e sua positividade indica doença pelo vírus B. A fração
sanitarismo básico e práticas adequadas de higiene, sendo
de imunoglobulina M (IgM) é positiva nos casos de in
No Brasil, a prevalência de hepatite A em menores de dez
fecção aguda, ao passo que é negativa em infecções
anos de idade gira em tomo de 32%. A hepatite A repre
transmitem o vírus.
mais prevalente nas áreas com maior déficit de recursos.
CAPÍTULO 71
QUADRO 71.4 - Resultados dos exames laboratoriais solicitados
CAPÍTULO 71
434 - Doenças Infecciosas
Figura 71.2 - Curso clínico e laboratorial da hepatite A. ALT = alanina aminotransferase; HAV = vírus da hepa tite A; IgA = imunoglobulina A; IgM = imunoglobulina M.
senta ainda uma importante causa de surtos de intoxicação
alimentar, consequência de manejo de alimentos por pessoas contaminadas ou por consumo de alimentos crus.
A hepatite A pode ser evitada por meio da administração da vacina, composta de vírus vivos atenuados. É altamente eficaz e de baixa reatogenicidade, com taxas de sorocon
Os fatores de risco identificados são: contato íntimo
versão entre 94 e 100%. A proteção é de longa duração após
ou sexual com pessoa infectada, homem que mantém
a aplicação de duas doses. Não está disponível no calendá
relações sexuais com homens, viagens recentes, exposição
rio vacinal de rotina, mas é indicada a hepatopatias crônicas,
a surtos alimentares e contato com crianças ou pessoas
coagulopatias, portadores do HIV, uso de drogas imunos
que trabalham com crianças.
supressoras, candidatos a transplante e transplantados de
A apresentação clínica nos adultos se assemelha mui
órgãos sólidos ou medula óssea.
to àquela descrita anteriormente. Pode existir uma fase
pré-ictérica com sintomas constitucionais que geralmente surge de três a sete dias antes da fase ictérica, que cursa
com aumento de bilirrubinas, icterícia podendo ter colú
ria e acolia fecal associada. Essa fase pode durar de 4 a
30 dias. A Figura 71.2 ilustra o curso clínico e o período de transmissibilidade da doença.
Não há infecção crônica pelo vírus A, porém, alguns pacientes podem desenvolver uma forma prolongada ou
reativação da doença, mantendo o quadro clínico por até seis meses. Menos de 1% dos casos evoluem para hepa
tite fulminante e estes são mais frequentes em pacientes
adultos, com idade avançada e comorbidades como hepa
tite crônica. A fatalidade é rara em crianças, mas pode chegara 2% dos pacientes acima de 50 anos.
O tratamento consiste em suporte com hidratação adequada, repouso, dieta balanceada, sintomáticos e pri vação de exposição a hepatotoxinas como álcool e drogas
sabidamente hepatotóxicas (por exemplo, paracetamol). Cerca de 30% dos pacientes necessitam de internação por
complicações leves, como desidratação ou graves, como insuficiência hepática.
BIBLIOGRAFIA BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. GbiadeVi^lâriaEpidβnidq^ca 6. ed. Brasí lia: Ministério da Saúde, 2005. Disponível em: http://bvsms. saude.gov.bi/bvs/publicacoes/Guia_Vig_Epid_novo2.pdf. Acesso em 31/08/2009. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. Maiu≈idcsCelrcsdeRdeêTiapaalmtrD bidç^ccsE^ecicisICRIE). Brasília, 2006. Disponível em: http://www.infectologia.oig.br/anexos/MS_PNI_manual%20 CRIE%202006.pdf. Acesso em 31/08/2009. BRUNDAGE, S. C.; FITZPATRICK, A. N. Hepatitis A. Am. Fan. PLyáciaiv. 73, n. 12, p. 2162-8, 2006. CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Diíg iriisíiil niaigiiiGl 20% células); esterase não específica positiva
M6
5
Eritroleucemia aguda (eritroblastos)
Precursores eritroides megaloblásticos
M7
1
Leucemia megacariocítica aguda (megacarioblastos)
Megacarioblastos; fator de von Willebrand e Gptn IIb/Iia na membrana
CAPÍTULO 77
se valor. É importante avaliara neutropenia pela alta
CAPÍTULO 77
472 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
Por ser uma doença rapidamente progressiva e com manifestações clínicas de gravidade, a leucemia deve ser
aguda. A manutenção é a última fase do tratamento e im
prontamente tratada (em geral, nas primeiras 48h do diag
em base diária ou semanal, em ambulatório, por longos
nóstico). O foco do tratamento é erradicar o clone de célu
períodos. Em portadores de leucemia mieloide aguda nos
las leucêmicas e restaurara hematopoiese normal na me
quais não se consegue remissão inicial, ou naqueles com
dula óssea. Porém, muitas vezes esse tratamento específico
recidiva depois da quimioterapia, o transplante de medula
será adiado, tendo em vista as situações de emergência em
óssea (TMO) de irmão ou irmã com antígeno leucocitário
que se encontra o paciente, como hemorragias graves se
humano (HLA) idêntico fornece a melhor chance de cura.
plica na administração de quimioterapia em baixas doses,
cundárias à plaquetopenia, infecções de difícil controle
secundárias a neutropenia, dentre outras. Nesses casos, deverá ser prestado todo o suporte necessário ao tratamen
to das complicações em detrimento de um tratamento es pecífico contra a leucemia em si. Após a estabilização do
quadro clínico, então, o tratamento da leucemia mieloide
aguda deve ser iniciado visando à remissão da doença.
O tratamento específico da leucemia mieloide aguda é feito por várias fases. A primeira, chamada de indução, constitui-se de quimioterapia agressiva visando à remissão completa do clone leucêmico, o que é atingido em cerca de 60 a 80% dos pacientes. Após essa fase, é a vez da con solidação com vários ciclos curtos e repetidos de quimio terápicos, visando evitar recidiva da leucemia mieloide
BIBLIOGRAFIA BRITISH COMMITTEE FOR STANDARDS IN HAEMATOLOGY; et al. Guidelines on the management of acute myeloid leukaemia in adults. Br. J. Haanárl, v. 135, n. 4, p. 450-74, 2006. ESTEY, E.; DÖHNER, H. Acute myeloid leukaemia. Laret v. 368, n. 9550, p. 1894-907, 2006 Nov 25. FAUCI, A. S. eta al. HarisαisPrinciplescf Iγíste! Medicine 17. ed. New York: McGiaw-Hill Professional, 2008. FERRARA, F. Unanswered questions in acute myeloid leukaemia. LaretOncd., v. 5, n. 7, p. 443-50, 2004 Jul. GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. A. CailMedfcine 23. ed. Philadelphia: Elseviei; 2007. SMITH, M. et al. Adult acute myeloid leukaemia. Crit Rev. Orrd. Henífcl, v. 50, n. 3, p. 197-222, 2004.
___________________________________
CAPÍTULO
78
Fraqueza Carolina Castro Porto Silva Janovsky • Flávio Ferlin Arbex
Um senhor de 61 anos de idade, encaminhado de uma consulta de rotina no cardiologista, chega ao setor de emergência devido a fraqueza progressiva há seis meses. O paciente, que apresenta cardiomiopatia cha gásica conhecida em acompanhamento, vem com fra queza progressiva para realizar suas atividades habitu ais no barem que trabalha. O paciente refere estarto mando as medicações prescritas para insuficiência cardíaca corretamente ‒ captopril, espironolactona, furosemida, carvedilol, digoxina e varfarina sódica. Nega abuso de sal ou água no período. Refere também emagrecimento significativo nesse período. Como an tecedente pessoal, paciente natural do interiorde Minas Gerais, tinha diagnóstico de cardiomiopatia chagásica há cinco anos, em acompanhamento ambulatorial des de então. Relata tabagismo, cessado há 5 anos (aproxi madamente 30 anos-maço). Nega outras doenças. Na família, relata casos de Chagas em dois irmãos ‒ um com acometimento cardíaco e outro colônico ‒ e câncer do trato gastrointestinal em um primo. Estamos frente a um paciente com uma comorbidade que afeta sua qualidade de vida de modo relevante, porém, que parece estar compensada. A queixa que o leva ao pronto-socorro é basicamente fraqueza, diferentemente do cansaço basal que já apresentava, mas que nunca o impediu de trabalhar como caixa de bar
Fraqueza, na linguagem leiga, frequentemente confun de-se com astenia, fadiga ou dispneia. Nesse caso, o pa ciente nega falta de ar refere apenas “falta de forças” e mal-estar indefinido que só melhora com repouso. É comum menosprezar essa queixa, principalmente em pacientes com diversas comorbidades ou poliqueixo sos. É preciso saber que os pacientes dão a ela muita importância, pois, além da sensação desagradável, a fra queza impede a execução de atividades rotineiras.
Essa queixa, apesar de vaga, nos leva a pensarem alguns diagnósticos diferenciais (Quadro 78.1).
Ao exame físico, o paciente encontra-se conscien te, orientado, com palidez significativa de pele e mu cosas, hidratado, emagrecido, anictérico, acianótico e afebril, taquidispneico (frequência respiratória = 24irpm). Apresenta turgência jugular bilateral. Ausên cia de linfonodos palpáveis em cadeias cervicais, occi pitais ou supraclaviculares. À ausculta cardíaca, bulhas arrítmicas, normofonéticas, em três tempos, com sopro sistólico panfocal. Frequência cardíaca = 90bpm, apro ximadamente. Pressão arterial = 110 × 70mmHg. À ausculta pulmonar, murmúrios vesiculares presentes, sem ruídos adventícios, bilateralmente. Alguns sibilos em bases. Abdome plano, flácido, com fígado a 2cm do rebordo costal direito, indolor à palpação, baço não palpável e não percutível. Paciente refere dor à palpação
QUADRO 78.1 - Causas de fraqueza • • • • • • • • • • • • • • •
Miastenia gravis Doenças infecciosas e parasitárias Neoplasias Síndrome da imunodeficiência adquirida terminal Desidratação Hipoglicemia Artrite reumatoide Insuficiência cardíaca Doença pulmonar obstrutiva crônica Insuficiência renal Insuficiência suprarrenal Hipotireoidismo Insuficiência hepática Hipotensão arterial Utilização de medicamentos tranquilizantes por períodos prolongados • Depressão • Anemia grave • Polimiosite
CAPÍTULO 78
474 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
de epigástrio. Toque retal revela próstata aumentada para 30g, sem nodulações, ausência de sangramento ao dedo de luva. Os membros inferiores encontram-se com edema leve perimaleolar. Sem alterações no exame neurológico.
O exame físico relatado condiz com um paciente idoso, com insuficiência cardíaca compensada. O que chama a atenção é o achado do descoramento de pele e encontra-se com a frequência cardíaca elevada demais, o que poderia decorrer de anemia, pois esta costuma ser
acompanhada de ativação do sistema nervoso simpático,
aumentando o débito cardíaco, pelo aumento da frequên cia cardíaca. O sopro sistólico pode ser por estiramento
ventricular e consequente disfunção valvar ou pode cor roborara hipótese de anemia (cor anemico).
alterações em hemogramas anteriores, devemos buscaras causas por deficiência de ferro ou doença crônica. Sabe
-se que pacientes que desenvolvem quadros carenciais de ferro são aqueles que apresentam perda sanguínea repe
tida e crônica. Para o nosso paciente, poderia serjustifi cado por episódios hemorrágicos de pequena monta
(comumente gastrointestinais) e em verminoses como a
ancilostomíase. A deficiência de ferro no indivíduo adul to é quase sempre causada por sangramento. Deficiência
dietética e verminose raramente podem ser consideradas como causas primárias, podendo, no entanto, agravar o
problema ou interferirna terapêutica. Como já se sabe, a anemia ferropriva na maioria das
vezes não é o diagnóstico final. Por trás de um quadro anêmico sempre existe uma doença de base que deve ser
investigada.
A suspeita de anemia já ficou bem evidente com esse
exame, só restando a confirmação laboratorial.
Os exames, já solicitados pelo médico do ambula tório, revelavam: hemoglobina: 6,8mg/dL; hematócrito: 20,2%; volume corpuscular médio: 67fL; hemoglobina corpuscular média: 22pg; concentração de hemoglobi na corpuscular média: 28g/dL; leucograma: 12.000/ mm3 (sem desvio); plaquetas: 205.000/mm3; velocida de de hemossedimentação: 26mm; creatinina: 1,2mg/ dL; ureia: 64mg/dL; sódio: 139mEq/L; potássio: 4,9mEq/L; cálcio: 8,5mg/dL; glicemia: 96mg/dL; aspar tato aminotransferase: 11; alanina aminotransferase: 5; albumina: 2,3mg/dL; tempo de protrombina: 14,5s; atividade de protrombina: 71%; relação normalizada internacional (RNI): 1,22; tempo de tromboplastina parcial ativada = 29s e relação normalizada = 1,07. Radiografia de tórax com índice cardiotorácico aumentado, infiltrados pulmonares discretos bilaterais, sem sinais focais. Eletrocardiograma com ritmo de fibrilação atrial, padrão de bloqueio de ramo direito e alterações da re polarização.
Complementando o interrogatório do paciente, este nega dieta restrita em ferro, alimentando-se normal mente com carnes e verduras (exceto folhas verdes devido ao uso de varfarina). No contexto da alimenta ção, a família só ressaltou que, estranhamente, nos últimos meses o paciente está com o hábito de mastigar gelo, pelo menos uma vez ao dia. Quando questionado sobre sangramentos, ele nega exteriorização em tosse, vômitos ou fezes. Refere, entretanto, que há mais ou menos um mês e meio vem apresentando, esporadica mente, fezes mais escuras, com odor muito forte. Nega tontura, dispneia ou síncope ao evacuar. A perversão do apetite, representada pela pica, isto é,
desejo de comer alimentos de baixo valor nutricional como amido, gelo e terra, constitui um sintoma clássico de ane
mia ferropriva.
A referência sobre fezes enegrecidas, ou em borra de
café, nos sugere presença de melena. Esta se caracteriza por sangue nas fezes, geralmente do trato digestório alto
(esôfago, estômago ou duodeno). Em geral, vem conco
mitantemente com hematêmese, pois o sangue é irritativo Com esses resultados em mãos, fica como principal hipótese para a queixa de fraqueza a anemia.
Não havia relatos de anemia previamente. Como foi observado nos exames laboratoriais que se tratava de uma
para a mucosa gastrointestinal. Mas quando o sangramen to é crônico e de pequena monta, pode passardespercebi
do pelo paciente, apenas como alteração devido ao hábi to alimentar.
anemia hipocrômica e microcítica, vale lembraras prin cipais etiologias desse tipo de anemia: • Anemia por deficiência de ferro. • Outras alterações no metabolismo do ferro: anemias
sideroblásticas. • Alterações na síntese de hemoglobina: talassemias. • Anemias da doença crônica.
Pensando em sangramento do trato gastrointestinal, foi solicitada pesquisa de sangue oculto nas fezes, além de perfil férrico. Realizados também exame protopara sitológico e coprocultura, que vieram negativos. Resultados dos exames demonstram: pesquisa de sangue oculto nas fezes positiva (três amostras); ferro: 19μcg/dL (49 a 175); ferritina: 37,8ng/mL (28 a 397); transferrina: 188mg/dL (200 a 400).
978-85-4120-074-5
mucosas. Além disso, para um paciente betabloqueado,
Considerando a idade do paciente e que nunca houve
Fraqueza - 475
• Primeiro estágio: ocorre diminuição da ferritina
sérica, elemento do sangue que está diretamente
relacionado às reservas de ferro. • Segundo estágio: a diminuição fica por conta da
concentração de ferro sérico e do aumento da capa
978 85 4120 074-5
cidade de ligação do ferro. •
Terceiro estágio: restrição da síntese de hemoglobi na, instalando-se a anemia.
QUADRO 78.2 - Alterações na ferritina • Elevação - Infecções - Traumas - Múltiplas transfusões sanguíneas - Neoplasias - Hemocromatose - Anemia hemolítica, sideroblástica - Hepatite alcoólica • Redução - Hemorragias digestivas - Hemorroidas - Ulcerações digestivas - Diarreias - Gastrectomias - Neoplasias
O ferro sérico reflete principalmente a quantidade de ferro ligado à transferrina. O ferro é armazenado no tecido ligado a uma proteína chamada ferritina. A hemostasia do ferro é regulada principalmente pela absorção e não pela excreção. Nos estados patológicos, as elevações do
exceção da ligação com o cobre, não há significado fisio lógico. É responsável pelo transporte do ferro do seu
ferro sérico podem ser vistas em condições de maior destruição de eritrócitos (anemia hemolítica); formação
local de absorção, no nível intestinal ou nos locais de
sanguínea diminuída (envenenamento por chumbo ou
lulas vermelhas na medula óssea ou para os locais de
deficiência de piridoxina); maior liberação de ferro dos
estocagem de ferro no sistema reticuloendotelial na me
armazenamentos do corpo (liberação de ferritina em ne
dula óssea, no fígado e no baço.
catabolismo da hemoglobina, para os precursores de cé
crose celular hepática aguda); armazenamento defeituoso de ferro (anemia perniciosa); e velocidade aumentada de absorção (hemocromatose e siderose transfusional). A diminuição de ferro sérico é consequência de su
primento inadequado; aumento da demanda (gravidez, crianças até cinco anos); perda sanguínea; ou combinação
destes. Em condições como infecções e malignidade, o ferro também está reduzido. A ferritina só é dosada quando está ligada ao ferro.
Seu valor normal no sangue varia de 10 a 80μg/L. Um
grama de ferritina pode estocar até 8mg de ferro. A fer ritina é uma proteína de estocagem que sequestra o ferro e pode transformar o ferro bivalente em ferro trivalente
ativo. Proteína de maior importância no armazenamento
Devido ao quadro descrito até o momento, fez-se necessária uma investigação detalhada das causas de sangramento, principalmente pelo trato gastrointestinal, principal responsável por sangramentos ocultos, a fim de excluir possíveis lesões do trato gastrointestinal (benignas ou malignas).
O sangramento do trato gastrointestinal (TGI) pode se dividirem sangramento agudo do trato superior(proximal ao ligamento de Treitz), sangramento agudo do trato in
ferior (distal ao ligamento de Treitz) ou como evidência de sangramento oculto por anemia ferropriva ou teste
fecal positivo para sangue. No caso, observamos perda de sangue oculta nas fezes,
de ferro, normalmente aparece em pequenas quantidades no soro. Em adultos sadios, os níveis séricos de ferritina
ou seja, detecção da perda assintomática de sangue pelo
são diretamente relacionados à quantidade de ferro dis
TGI. A abordagem inicial deve ser feita por endoscopia
ponível armazenado no corpo e pode ser medida, com precisão, por radioimunoensaio.
digestiva, tanto baixa quanto alta. Recomenda-se iniciar
O valor da ferritina sérica (Quadro 78.2) pode ter
pela colonoscopia devido à maior incidência de afecções
colônicas nessa faixa etária.
aumento de duas a quatro vezes em infecções e processos inflamatórios, o que faz diminuiro seu valor diagnóstico.
Transferrina é uma proteína plasmática do sangue que
transporta o íon ferro, é uma proteína de transporte e carreia o ferro no plasma e no líquido extracelular para
suprir as necessidades teciduais. A ligação com o ferro é estável em condições fisiológicas, mas a dissociação pode ocorrerem meio ácido. É capaz de se ligara outros ele
mentos, como cobre, zinco, cobalto e cálcio, mas, com
Realizados exame proctológico e colonoscopia, que não evidenciam qualquer alteração. Solicitada, então, endoscopia digestiva alta (Fig. 78.1). Visualizado esôfago com calibre, trajeto e dis tensibilidade normais. Mucosa íntegra em toda a extensão, sem alterações. Transição esofagogástrica coincidente com pinçamento diafragmático. Não há sinais de hérnia de hiato ou varizes. Estômago com lago mucoso em pequena quantidade, sem resíduos alimen-
CAPÍTULO 78
O déficit de ferro processa-se no organismo em três estágios:
CAPÍTULO 78
476 - Problemas Gerais em Clínica Médica
tares. Em pequena curvatura e parede posterior do corpo gástrico observa-se extensa lesão ulceroinfiltra tiva (Borrmann III), medindo cerca de 8cm, irregulare friável ao toque do aparelho (Fig. 78.1). Realizadas múltiplas biópsias. Mucosa de antro sem alterações. O hiato é ajustado ao aparelho quando observado em re trovisão. O piloro é centrado e pérvio, sem lesões. Duodeno possui primeira porção com forma preserva da e mucosa de aspecto normal e segunda porção sem alterações. Teste da urease para pesquisa de Helicobac terpylori positivo. Resultado da biópsia: adenocarcinoma tubular de estômago bem diferenciado (tipo intestinal).
Figura 78.2 - Borrmann I: lesão polipoide ou vege tante, bem delimitada.
O recurso endoscópico é importante para o diagnós tico e a avaliação do câncer gástrico.
O diagnóstico de acuidade da endoscopia digestiva
Figura 78.3 - Borrmann II: lesão ulcerada, bem deli mitada, de bordas elevadas.
alta com biópsia e citologia chega a 95 a 99% para câncer
gástrico. Uma úlcera maligna se caracteriza por massa em torno da lesão com pregas irregulares e base irregular.A
localização mais comum é na transição de corpo e antro,
na pequena curvatura (incisura angularis). A apresentação macroscópica do câncer gástrico avan
çado é bastante variável. A classificação de Borrmann é
Figura 78.4 - Borrmann III: lesão ulcerada, infiltrati
a mais utilizada entre os endoscopistas (Figs. 78.2 a 78.5).
va em parte ou em todas as suas bordas.
O estadiamento desse tipo de cânceré baseado na clas sificação tumor-linfonodo-metástase (TNM) ‒ Tabela 78.1. A partirda classificação TNM, define-se o estadiamen to dos tumores gástricos, procedimento essencial para se estabelecero prognóstico de cada paciente ‒ Tabela 78.2. Nos exames complementares para estadiamento, não foram localizadas metástases a distância.
Figura 78.5 - Borrmann IV: lesão difusamente infil trativa, não se notando limite entre o tumor e a mu cosa normal.
Solicitada avaliação da gastrocirurgia, que indicou tratamento cirúrgico após estabilização clínica.
A endoscopia já nos mostrou tamanho do tumor, lo calização, características macroscópicas e tipo histológi
co. Uma tomografia computadorizada nos auxiliará na investigação da ressecabilidade da lesão, invasão de órgãos adjacentes e detecção de metástases. A tomografia heli
coidal aumentou a acurácia da avaliação da invasão da
parede gástrica (T), que se encontra em torno de 77% com o método, e o índice de subestadiamento está em torno de 19%. Já a ultrassonografia endoscópica parece
sero método mais adequado para se avaliara profundi dade da lesão. Quando as lesões não são ulceradas, sua
acurácia é de 91% em tumores precoces. O método tam bém é de grande importância para avaliara ressecabili
Figura 78.1 - Lesão uIceroinfiItrativa em corpo gástrico.
dade. O comprometimento linfonodal (N) pode serava-
Fraqueza - 477
Classificação
Descrição
T
Tumor primário (grau de penetração da parede gástrica)
T0
Sem evidências de tumor primário
Tis
Carcinoma in situ: tumores intraepiteliais sem invasão da lâmina própria
T1
Tumor invade lâmina própria ou submucosa
T2
Tumor afeta mucosa e submucosa, sem ultrapassar a serosa
Após duas semanas da internação, o paciente foi submetido à gastrectomia total, com reconstrução a Billroth 2 (gastrojejunoanastomose laterolateral). Evo luiu de modo estável. A remoção cirúrgica do tumor oferece a única chance de cura, que só é possível em 25 a 30% dos casos. Pode-se
realizar gastrectomia subtotal se o tumor estiver na parte
distal do estômago, com ressecção de linfonodos na porta hepatis e cabeça do pâncreas. Se o tumor for proximal,
Tumor ultrapassa serosa sem invasão de órgãos vizinhos
proceder à gastrectomia total para obter margem cirúrgica
T4
Tumor afeta toda a parede gástrica e invade estruturas adjacentes
e a esplenectomia podem ser feitas como parte desse
TX
Grau de invasão indeterminado
N
Gânglios linfáticos regionais
NO
Sem metástases para linfonodos
N1
Metástases para gânglios linfáticos perigástricos a < 3cm do tumor primário
N2
Metástases para gânglios linfáticos perigástricos a > 3cm do tumor primário ou linfáticos ao longo das artérias gástrica esquerda, esplênica, tronco celíaco e artéria hepática
T3
NX
Metástases ganglionares desconhecidas
M
Metástases a distância
MO
Sem metástases a distância
M1
Com evidências de metástases a distância (exceto por continuidade)
adequada e remover linfonodos. A pancreatectomia distal
procedimento.
DIAGNÓSTICO FINAL • Câncer gástrico. • Doença de Chagas (acometimento cardíaco). • Fibrilação atrial crônica. • Anemia ferropriva.
DISCUSSÃO Observamos um paciente sabidamente portador de car
diomiopatia chagásica com insuficiência cardíaca, enca minhado ao pronto-socorro devido a quadro de fraqueza TABELA 78.2 - Estadiamento do câncer gástrico com base na classificação tumor-linfonodo-metástase (TNM)
Estádios evolutivos
Grupos TNM correspondentes
0
Tis, N0, M0
IA
T1, N0, M0
IB
T1, N1, M0 T2, N0, M0
II
T1, N2, M0 T2, N1, M0 T3, N0, M0
IIIA
IIIB
IV
T2, N2, M0 T3, N1, M0 T4, N0, M0 T3, N2, M0 T4, N1, M0 T4, N2, M0 Qualquer T, Qualquer N, M1
progressiva, sem sinais de descompensação aguda da doença de base. Nessa situação, é necessário investigar,
principalmente com história e exame físico, as prováveis causas de uma queixa tão inespecífica, como fraqueza, guiando-se assim a pesquisa com exames complementares.
Neste caso, foram excluídas as causas comuns de piora da classe funcional em pacientes com insuficiência car díaca. Abusos dietéticos e má adesão ao tratamento foram
excluídos apenas com a historia, e infecção, com exames
físico e subsidiários. Estes, no entanto, nos mostraram
anemia significativa sem causa aparente, tornando-se prioritária a busca pela etiologia, já que a anemia é apenas
um sintoma e não uma doença propriamente dita. Base ando-se nos índices hematimétricos, ficou clara a etiolo gia ferropriva da anemia. É sabido que, principalmente na faixa etária do paciente, sangramentos ocultos do
trato gastrointestinal estão relacionados à anemia, por liado pela tomografia computadorizada (acurácia de 25 a
causas malignas ou benignas, fazendo-se necessária a
51%) e pela ultrassonografia endoscópica (acurácia de 74
investigação detalhada desse sistema. Inicia-se com exa
a 87%). A laparoscopia também é de grande importância
me abdominal e proctológico até exames subsidiários
para a avaliação do estádio do câncer gástrico, principal
como pesquisa de sangue oculto nas fezes e imagens
mente em cânceres avançados.
(colonoscopia e endoscopia digestiva alta). Neste caso, a
CAPÍTULO 78
TABELA 78.1 - Classificação tumor-linfonodo-metástase (TNM) aplicada ao câncer gástrico
478 - Problemas Gerais em Clínica Médica
BIBLIOGRAFIA
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CAPÍTULO 78
endoscopia digestiva alta indicou lesão em região gástri ca que, o estudo anatomopatológico concluiu ser um adenocarcinoma tubular de estômago bem diferenciado
(tipo intestinal). A partir desse momento, é necessário fazer o primordial ao se diagnosticar qualquer neoplasia
maligna: estadiamento. Com ele em mãos estamos aptos para avaliara melhor forma de tratamento, curativo ou
paliativo. No caso, foi possível optar pela cirurgia, sendo esta a única possibilidade de tentativa de cura em câncer
gástrico.
Coma Marcelo Marinho de Figueiredo José Luiz Pedroso
Paciente do sexo feminino, 58 anos de idade, é le vada pelo filho ao setorde emergências, pois há cerca de 20min encontrou a mãe inconsciente no banheiro de sua casa. Como antecedentes, relata apenas depressão e hipertensão arterial. A lista de medicações utilizadas inclui: dipirona, diclofenaco, propranolol e amitriptili na. Foram encontrados comprimidos de propranolol e amitriptilina na pia do banheiro, mas os familiares não sabem especificar sobre ingestão da medicação.
O caso clínico relata sua paciente admitida em setorde emergências com quadro de rebaixamento do nível de consciência (RNC), coma, de etiologia a esclarecer. O
coma pode ser definido como um estado de irresponsivi dade, em que o paciente permanece com os olhos fecha
dos e não pode ser despertado ao estímulo vigoroso; en tretanto, pode-se observar resposta motora inespecífica e
Patrícia Rocha de Figueiredo •
focais no início do quadro e relato de parada cardíaca. No caso em foco destacam-se a hipertensão arterial sistêmica, fatorde risco para diversas causas de coma mostradas no Quadro 79.1 e o antecedente de depressão associado à
existência de comprimidos no domicílio da paciente, sugerindo um quadro de intoxicação. Ao exame, a paciente está em coma: sem abertura ocular, não obedece aos comandos e sem resposta ao estímulo doloroso (escala de coma de Glasgow: 3). Frequência respiratória = 10ipm; frequência cardíaca = 40bpm; pressão arterial = 100 × 70mmHg; saturação de O2 = 94% aa; temperatura axilar= 37°C; glicemia capilarde 85mg/dL; pupilas isocóricas e fotorreagentes, sem sinais de irritação meníngea, sem desvio do olhar. Avaliação dos nervos cranianos normal. Não há altera ções à ausculta pulmonar ou cardíaca. O exame do abdome é normal. Não há sinais de trauma.
careta, sem, no entanto ter uma resposta defensiva direta
contra o estímulo. Trata-se de uma situação com extenso
O exame físico geral é uma importante fonte de infor
diagnóstico diferencial (Quadro 79.1) e tempo limitado para ação, desafiando o médico que, rapidamente, deve
mações na investigação diagnóstica, devendo-se dar ên fase a alguns pontos fundamentais. Na avaliação dos sinais
iniciaras medidas para salvara vida e investigar se a
vitais, hipertensão pode sugerir encefalopatia hipertensi
causa é metabólica ou estrutural.
Nessa situação, existe impossibilidade de fornecimen
va, hipertensão intracraniana (HIC) quando associado à bradicardia, intoxicação (cocaína, anfetamina, anticoli
to de informações pelo paciente, ganhando importância o
nérgicos) ou acidente vascular cerebral. Hipotensão surge
relato obtido de familiares, paramédicos, acompanhantes
ou policiais, tendo por objetivo principalmente esclarecer
em casos de sepse, cardiomiopatia ou intoxicação (anti hipertensivos, álcool, barbitúricos). Hipertermia usual
a etiologia. Deve-se questionar sobre sintomas anteriores
mente significa infecção, mas intoxicação com anticoli
ao RNC, forma de instalação do quadro (súbito ou insi
nérgico é outra possibilidade. Deve-se seguir com a
dioso), presença de comorbidades (hipertensão, diabetes, epilepsia, depressão, tentativas de suicídio, uso de drogas,
busca por traumas, mordedura de língua (convulsão),
hepatopatia, nefropatia), medicações em uso, sintomas
petéquias (meningite bacteriana), alterações na coloração
alterações no hálito (por exemplo, etílico ou urêmico),
480 - Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 79
QUADRO 79.1 - Causas de coma • Simétrico não estrutural - Toxinas - Drogas - Distúrbios metabólicos ■ Hipóxia ■ Hipercapnia ■ Hiper ou hiponatremia ■ Hipoglicemia ■ Cetoacidose diabética ■ Hipotermia ■ Hipocalcemia ■ Hipermagnesemia - Encefalopatia hepática - Uremia - Hipotireoidismo - Encefalopatia de Wernicke - Acidose lática - Infecções do sistema nervoso central ou sistêmicas - Catatonia - Pós-ictal de crise convulsiva - Encefalopatia hipertensiva • Simétrica estrutural - Supratentorial ■ Oclusão carotídea bilateral ■ Trombose de seio sagital ■ Hemorragia subaracnóideo ■ Hemorragia talâmica ■ Trauma cranioencefálico ■ Hidrocefalia - Infratentorial ■ Oclusão basilar ■ Mielinólise pontina ■ Hemorragia pontina • Assimétrica estrutural - Supratentorial ■ Abscesso cerebral ■ Tumor unilateral com herniação ■ Embolia gordurosa ■ Hemorragia subdural ■ Hemorragia intraparenquimatosa ■ Acidente vascular cerebral isquêmico extenso ■ Endocardite bacteriana ■ Coagulação intravascular disseminada ■ Esclerose múltipla ■ Empiema subdural ■ Encefalomielite disseminada aguda - Infratentorial ■ Infarto de tronco cerebral ■ Hemorragia em tronco ■ Encefalite de tronco
• Pupilas médio-fixas (4 a 6mm): lesão mesencefálica. • Pupilas dilatadas fixas (maior que 8mm): lesões no mesencéfalo, no terceiro nervo craniano ou seu
núcleo bilateral, encefalopatia anóxica ou intoxica ção por atropina.
• Pupila dilatada e fixa (unilateral): lesão do terceiro nervo craniano ou seu núcleo unilateral.
• Pupila miótica com fotomotor preservado unilateral:
síndrome de Claude-Bernard-Horner (miose, ptose e enoftalmia), lesões da cadeia simpática ou tálamo
ipsilateral.
A posição ocular mostrando desvio horizontal do olhar
para um lado significa lesão do lobo frontal (desvio para
o lado da lesão), lesão pontina (desvio para o lado opos to à lesão) ou atividade epileptiforme (desvio do olhar
contralateralmente ao foco epileptogênico). Na avaliação
do olhar vertical, o desnivelamento dos olhos, skew de viation, sugere lesão no tronco encefálico e o desvio conjugado para baixo (sinal de Parinaud) indica lesão do teto mesencefálico. À movimentação podemos ter bobbing ocular(movimento rápido para baixo seguido por elevação
lenta) nas lesões pontinas e movimentação ocular em varredura (pingue-pongue) significando disfunção hemis
férica bilateral. O fundo de olho pode mostrar papiledema
em HIC, meningite ou encefalopatia hipertensiva. Os reflexos de tronco podem ser avaliados no paciente co
matoso.
O exame motor deve avaliar postura, reflexos osteo tendíneos, movimentação espontânea ou reflexa, tônus, reflexos cutâneo-plantar e cutâneo-abdominal. A postura
em decorticação se relaciona a distúrbio funcional dos
hemisférios cerebrais ou tálamo. Pode haver descerebra ção em lesões na ponte ou no diencéfalo.
A presença de sinais de irritação meníngea sugere
meningite, meningoencefalite ou hemorragia subaracnói dea. Mioclonias estão presentes principalmente na ence falopatia hipóxico-isquêmica, mas deve-se lembrar de
intoxicação por lítio, cefalosporinas ou pesticidas.
da pele (intoxicações), sinais de doença hepática crônica,
Na paciente citada, o exame físico confirma uma pa
sudorese profusa (intoxicação colinérgica, síndrome se
ciente comatosa, sem sinais focais ao exame neurológico,
rotoninérgica ou síndrome neuroléptica maligna) e alte
afebril, sem sinais meníngeos, euglicêmica, bradicárdica
rações no padrão respiratório.
e hipotensa. Na ausência de sinais localizatórios ao exame
A avaliação neurológica é breve e direcionada para
neurológico, é menos provável ter uma causa estrutural
determinar se a causa é estrutural ou por disfunção me
como etiologia para o quadro; entretanto, somente por
tabólica. O exame pupilar pode evidenciar:
meio da complementação com um exame de imagem esta
causa poderá ser descartada. As infecções do sistema • Pupilas mióticas com reflexo fotomotor: encefalopa
nervoso central ainda não estão descartadas; numa menin
tia metabólica ou intoxicação por opioides; se menores
gite bacteriana, não há rigidez de nuca em 70% dos pa
que 2mm (puntiformes) indicam lesões pontinas.
cientes, porém, 94% deles apresentam febre à admissão.
Coma - 481
renal, eletrólitos, enzimas e função hepática, gasometria
arterial, testes toxicológicos e eletrocardiograma. Em pacientes febris devem-se coletar culturas. Após estabili
Realizada intubação orotraqueal (com ventilação mecânica) devido ao rebaixamento significativo do nível de consciência. Paciente foi submetida à monito rização cardíaca e respiratória. Providenciado acesso venoso. Administrada tiamina por via venosa (300mg), sem melhora do nível de consciência.
dade hemodinâmica, pode-se aprofundara investigação com de tomografia do crânio.
Neste caso, a investigação inicial com eletrocardio
grama mostrou bradiarritmia com instabilidade hemodi nâmica (BAV de terceiro grau com QRS alargado). A
terapia do BAV de terceiro grau de causa indefinida con A abordagem inicial ao paciente comatoso deve ser
siste em evitar medicações que diminuam a condução
feita com o ABC primário: manejo de vias aéreas (entu bação orotraqueal, se houver insuficiência respiratória ou
atrioventricular,uso de atropina para revertera diminuição
necessidade de proteção de vias aéreas), oxigenação su
e implantação de marca-passo.
da condução atrioventricular induzida pela resposta vagal
plementar para manter saturação de oxigênio maior que
Diversas drogas podem causar bradicardia e hipoten
90%, acesso venoso adequado com correção das alterações hemodinâmicas e monitorização cardíaca. A administração
são, entre elas bloqueadores dos canais de cálcio, beta
bloqueadores, digoxina, clonidina e agentes colinérgicos.
de 25g de glicose a 50% (50mL) após acesso periférico estabelecido poderia ser realizada mesmo não havendo
hipoglicemia, juntamente com tiamina, 100mg (a admi nistração da glicose pode precipitar encefalopatia de
Wernicke), uma vez que o emprego de glicose num pa ciente comatoso previamente hiperglicêmico dificilmente
Enquanto se aguardava os exames, opta-se, em caráter de urgência, pela passagem de sonda nasogás trica e administração de carvão ativado, além de hidratação vigorosa. Nesse momento, um dos filhos relata que a mãe já havia tentado suicídio com ingestão de uma cartela de diazepam.
será prejudicial.
Neste momento, caso houvesse suspeita de intoxicação por opioides, poderia ser administrada empiricamente naloxona na dose de 0,4 a 2mg, por via endovenosa, em
3min, com manutenção de 0,8mg/kg/h, restaurando o nível de consciência rapidamente. O flumazenil (0,2mg, via intravenosa, em 1min, podendo-se repetira cada minuto
até dose máxima de 1mg) deveria ser administrado em suspeita de intoxicação por benzodiazepínicos, entretanto, não deve ser administrado em pacientes com história de
convulsões, que fazem uso de antidepressivos tricíclicos, ou com eletrocardiograma com alargamento de QRS.
Após as medidas do ABCD primário, podem-se tomar
medidas específicas. Diante de uma paciente em uso de antidepressivo, tendo sido encontrados comprimidos da medicação na pia, ao exame sem sinais localizatórios,
com arritmia, relato de tentativa anterior de suicídio, a intoxicação exógena é a principal hipótese diagnóstica e deve-se iniciar seu manejo. Procede-se à hidratação ve
nosa vigorosa e ao uso do carvão ativado, uma vez que havia no mínimo 20min de instalação do quadro com possível tempo de ingestão menor que 1h.
Na vigência de sinais e sintomas de herniação cerebral
Havendo suspeita de intoxicação exógena é importan
é necessário manejo urgente, mesmo sem imagem do
te solicitar auxílio do centro de referência em toxicologia
crânio, que inclui uso de manitol (0,5 a 1g/kg, via endo venosa) e hiperventilação.
responsável pela região. A administração de um antídoto,
Opta-se pela realização de eletrocardiograma, o qual revela bloqueio atrioventricular(BAV) de terceiro grau e alargamento do QRS. A paciente evolui com hipotensão (PA = 80 × 50mmHg). Iniciada expansão volêmica. Administrada atropina, 1mg a cada 5min até a dose de 0,03mg/kg, com resposta transitória. Opta-se pormarca-passo transcutâneo provisório, com estabi lização da FC em 70bpm e pressão arterial média de 80mmHg. Implantado acesso venoso central. Coletados exames gerais, incluindo perfil toxicológico. Simultaneamente ao manejo inicial devem sercoleta dos exames gerais como hemograma, glicose, função
quando disponível, pode ser crucial na evolução dos casos.
Os exames iniciais revelam: hemoglobina de 11,8; hematócrito de 35,4%; leucócitos: 7.500, sem desvio; plaquetas: 160.000; creatinina: 1,5; ureia: 50; eletrólitos sem alterações (sódio, magnésio, cálcio e fósforo), exceto potássio de 6,5 (eletrocardiograma sem sinais de hiperpotassemia). Alanina aminotransferase: 25; aspartato aminotransferase (AST): 32; gama-glutamil transferase: 100; fosfatase alcalina: 68; bilirrubinas totais: 1,5; atividade de protrombina: 90%; tempo de tromboplastina parcial ativada relação: 1,26; glicemia: 100; creatina quinase, CKMB e troponina nos limites da normalidade; urina I: cetonúria ausente. Gasometria arterial com fração inspirada de oxigênio 100%:
CAPÍTULO 79
As principais etiologias para o quadro são intoxicação exógena e distúrbio metabólico.
CAPÍTULO 79
482 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
pH = 7,35; pressão de dióxido de carbono = 30; pressão de oxigênio = 290; BIC = 18; BE - 5; saturação de O2 = 98%, lactato = 8. Tomografia computadorizada do crânio sem alterações.
alucinações, confusão, convulsões (antagonismo GABA) ou delirium, além de arritmias, atrasos de condução car díaca, hipotensão e efeitos anticolinérgicos (hipertermia,
flushing, midríase, pele e mucosas secas, taquicardia,
retenção urinária e constipação). Diante das etiologias possíveis para o paciente coma
toso, os exames gerais podem ser decisivos na definição da causa e no diagnóstico das complicações. O leucogra
ma sem alterações torna improvável uma causa infeccio
sa e os eletrólitos (sódio, magnésio, cálcio e fósforo)
normais os excluem da etiologia. Hipercalemia e acidose metabólica são características da intoxicação porbetablo
queador; a elevação discreta da creatinina poderia refletir
insuficiência renal crônica secundária à hipertensão; a euglicemia não é característica de intoxicação por beta
bloqueador, que cursa com hipoglicemia; e a normalida de das enzimas cardíacas não exclui ainda lesão miocár dica, pois não houve tempo hábil para sua elevação. A
tomografia normal torna improvável o diagnóstico de
lesões estruturais, mas em casos de elevada suspeita devese solicitar ressonância nuclear magnética do crânio. Após uma semana de cuidados intensivos (UTI), a paciente foi extubada e liberada para o quarto. Depois de acordar revelou ter ingerido 20 comprimidos de amitriptilina e 10 comprimidos de propranolol.
A alteração eletrocardiográfica mais comum é o alar
gamento do QRS, podendo-se observar taquicardia sinu sal pelo efeito anticolinérgico ou devido à instabilidade hemodinâmica. O tratamento específico é lavagem gástri
ca na primeira hora, seguida de carvão ativado em múl tiplas doses e, havendo QRS alargado ou arritmia, deve-se infundir bicarbonato de sódio (850mL de soro glicosado
+ 150mEq de bicarbonato de sódio a 8,4%), 200 a 300mL/h, via endovenosa, e monitorizar o pH sérico (maior que 7,5). As arritmias ventriculares que não respondem à al calinização podem ser tratadas com lidocaína. Em pacien
tes com convulsão, devem-se usar benzodiazepínicos. A diálise não é efetiva. Os vasopressores estão indicados à
hipotensão refratária à expansão volêmica e à terapia com bicarbonato. Os betabloqueadores são medicações usadas em
larga escala na população brasileira, pois são emprega
dos no tratamento de hipertensão, insuficiência corona riana, arritmias, enxaqueca e tremor essencial, por
exemplo. O propranolol possui atividade estabilizadora da membrana do miocárdio (inibição dos canais rápidos de sódio) e pode causar alargamento do QRS e poten
DIAGNÓSTICO FINAL
cializar outras arritmias. O quadro clínico é composto
Intoxicação exógena por antidepressivo tricíclico e beta
potensão e, pela sua elevada solubilidade lipídica, cruza
bloqueador
a barreira hematoencefálica causando convulsões e de
de náuseas, vômitos, pele fria e pálida, bradicardia, hi
lirium. O eletrocardiograma pode demonstrar também BAV de primeiro, segundo e terceiro graus, bloqueios
DISCUSSÃO
de ramo ou assistolia. Na avaliação laboratorial observam
A abordagem sistemática ao paciente comatoso na emer
elevação de lactato.
-se hipercalemia, hipoglicemia e acidose metabólica com
gência é fundamental para melhor desfecho clínico e
O manejo específico consiste na descontaminação do
neurológico. A investigação da etiologia segue todas as
trato gastrointestinal com carvão ativado; a hipoglicemia,
etapas feitas para outras condições clínicas, entretanto, se
com reposição glicêmica e a hipotensão e a bradicardia
juntam ao manejo inicial e oferecem ao médico menor
são tratadas com atropina (1mg, via endovenosa, até três
tempo para ação.
doses), marca-passo e drogas vasoativas. As medicações
Os antidepressivos tricíclicos possuem boa absorção
relatadas podem não reverter totalmente os efeitos car
pelo trato gastrointestinal e atingem pico sérico entre 2 e
diotóxicos, podendo-se utilizar seu antídoto, o glucagon
8h. A intoxicação afeta principalmente o sistema nervoso
(bolus de 5mg, via endovenosa; caso não haja resposta
central e cardiovascular, pois essas drogas têm ação an
hemodinâmica após 10 a 15min, novo bolus; não haven
ticolinérgica, bloqueia os canais de sódio cardíacos (quinidina-like), antagoniza os receptores de histamina
do boa resposta, manter infusão contínua de 1 a 5mg/h,
via endovenosa). Outras opções são solução polarizante
(H1), ácido gama-aminobutírico (GABA) e alfa-adrenér
ou gliconato de cálcio a 10% (10mL = 1g, diluído em
gicos. O quadro clínico habitual é composto de RNC (efeito anti-histamínico), entretanto, podem-se observar
2min, podendo-se repetir quatro doses, seguido por ma nutenção com 0,2mL/kg/h, máximo de 10mL/h.
Coma - 483
BIBLIOGRAFIA
CAPÍTULO 79
KERR, G. W.; MCGUFFIE, A. C.; WILKIE, S. Tricyclic antidepressant oveidose: a review. Emαgrry MedieineJorrei v. 18, n. 4, p. 236-241, 2001. MARTINS, H. S. Em α^riasC líricas Abcrda^n Prática 4. ed., São Paulo: Manole, 2009. MOKHLESI, B.; LEIKEN, J. B. et ai. Adult toxicology in criticai care. Pari I: general approach to the intoxicated patient. Chestlorrei v. 123, p. 577-592, 2003.
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CAPÍTULO
80
Confusão Mental José Luiz Pedroso Quanto mais sofisticada a Medicina, maior a necessidade de clínicos gerais.
José Luiz Pedroso
Um homem branco de 66 anos de idade se apresen ta ao setor de emergência devido à sonolência e confu são mental. O paciente vem dizendo coisas desconexas há três dias, com alteração do ciclo sono-vigília (agita ção psicomotora durante a noite e sonolência diurna) e confundindo os nomes dos familiares. Chegou a chamar por pessoas da família que já morreram. A esposa rela ta que o encontrou extremamente sonolento, sem conseguir entender o que estava sendo dito e verbali zando menos, com rápida piora do nível de consciência. Nunca apresentou tais sintomas antes, sendo sempre muito ativo. É procedente de São Paulo e trabalha como alfaiate. Nega qualquer doenças ou uso de medicações diariamente. A esposa julga improvável qualquer tipo de intoxicação exógena e relata que o paciente não é usuário de drogas ilícitas.
• Intoxicação exógena: a intoxicação por drogas ou
fármacos como benzodiazepínicos, anticonvulsivan tes, antidepressivos e neurolépticos pode ser a
causa de delirium. O paciente em questão não usa medicações diariamente e essa hipótese torna-se
menos provável. O local onde o paciente mora e os bolsos devem ser examinados à procura de medica
mentos ou outras drogas. A esposa nega uso de drogas ilícitas pelo paciente.
• Abstinência de drogas: os psicofármacos são drogas altamente passíveis de abstinência. Não há evidências
de uso ou abuso de psicofármacos, fato que toma
essa hipótese improvável.
• Infecções: pacientes com infecção do trato urinário, pneumonia ou outras infecções podem se apresentar
Os sintomas se encaixam em uma síndrome denominada
com delirium. A ausência de tosse, febre ou alterações
delirium, muitas vezes usada como sinônimo de confusão
mental. De forma característica, os pacientes com delirium
urinárias parece tornaressa hipótese pouco provável. • Distúrbios metabólicos: principalmente a hipogli
apresentam distúrbios do pensamento, transtornos da
cemia, mas também a hiperglicemia (em especial
percepção, agitação psicomotora ou sonolência, com al
em um contexto de estado hiperosmolar não cetóti
teração do ciclo sono-vigília, e eventualmente, alucinações
co), pode cursar com delirium. Hipotireoidismo ou
visuais e auditivas. O diagnóstico diferencial de delirium
hipertireoidismo, hipóxia, entre outros, também
é extenso (Quadro 80.1) e deve englobaras seguintes
podem contribuir como causas. O paciente não tem
possibilidades:
história de diabetes e nem usa hipoglicemiantes orais, dados contra hipoglicemia. A hiperglicemia
• Distúrbios hidroeletrolíticos: os transtornos do sódio,
com estado hiperosmolar não cetótico não pode ser
tanto hiponatremia como hipernatremia, podem cur
afastada e a dosagem de glicose será fundamental.
sarcom delirium, assim como distúrbios do cálcio.
As doenças hepáticas e as doenças renais podem
Confusão Mental - 485
QUADRO 80.1 - Causas de delirium Drogas Sedativos e hipnóticos Narcóticos Drogas anticolinérgicas Álcool ou abstinência alcoólica
• • • • • • • • •
Acidente vascular cerebral (hemorrágico ou isquêmico) Meningite ou encefalite Infecções (pneumonia, infecção urinária, etc.) Hipóxia Febre ou hipotermia Anemia Desidratação Desnutrição grave Transtornos metabólicos (hipoglicemia e hiperglicemia, hipo ou hipertireoidismo, doença hepática, encefalopatia urêmica) • Mudança no ambiente (hospitalização, unidade de terapia intensiva) • Doenças do coração (baixo fluxo cerebral por infarto agudo do miocárdio ou insuficiência cardíaca congestiva) • Abscesso cerebral ou tumores do cérebro
Esse paciente desenvolveu rebaixamento do nível de
consciência de rápida evolução e apresenta-se em estado de coma. Medidas de suporte iniciais como infusão de tiamina e glicose devem ser consideradas, além, é claro,
cursarcom alteração do nível de consciência (ence falopatia hepática e encefalopatia urêmica). Os exames
físicos e laboratoriais podem ser úteis para avaliar tais hipóteses, embora o paciente nem etilista e não
seja portadorde hipertensão arterial ou diabetes, que são os maiores fatores de risco para as doenças he
pática e renal, respectivamente. •
de assistência ventilatória. Ascite, icterícia e rebaixamen to da consciência de evolução rápida, antes inexistentes, levam-nos a considerar seriamente a hipótese de hepatite
fulminante. O reflexo cutâneo-plantar em extensão bila teral e a forma rápida de evolução podem causar certa confusão e levantara possibilidade de um evento vascular
cerebral agudo, especialmente quadros de hemorragia.
Transtornos intracranianos: como acidente vascular
Embora acidente vascular cerebral seja uma hipótese a ser considerada, não justificaria a ascite e a icterícia. O
cerebral, tumores cerebrais, abscessos e meningites
sopro cardíaco pode simplesmente decorrer da anemia,
também podem ser causas de delirium, especialmen
isto é, um sopro funcional, em especial na ausência de
te em um contexto de déficits focais. O paciente em questão não apresenta déficits focais, o que torna
outros achados. Um sopro cardíaco também levanta a possibilidade de endocardite bacteriana, contudo, esta
essa hipótese menos provável, embora uma infecção
hipótese torna-se menos provável na ausência de febre e
do sistema nervoso central não possa ser afastada.
esplenomegalia. Os quadros de encefalopatia metabólica (urêmica ou hepática) podem cursar com reflexo cutâneo-plantar em
• Doenças cardíacas: infarto agudo do miocárdio ou
insuficiência cardíaca congestiva podem contribuir para o desenvolvimento de delirium. Como não há história de dispneia ou dor precordial, essa hipótese
é improvável. • Pacientes idosos com modificação de ambiente, como
internação ou permanência em unidade de terapia
intensiva, podem desenvolver delirium. O paciente
não tem história de internações ou mudança de ambiente, o que afasta essa hipótese. Pacientes com alterações urinárias, como retenção urinária ou distúrbios da próstata, especialmente após ressecção
transuretral da próstata, estão sob alto risco de de
senvolver delirium. Não há história de alterações urinárias ou da próstata em nosso paciente.
Já na inspeção, o exame físico revelou dados im portantes: presença de icterícia com distensão abdo minal, além de palidez cutâneo-mucosa. Pressão arterial
extensão bilateral. A icterícia associada a um quadro de delirium pode sugerir uma síndrome infecciosa como
colangite. Outras causas como as encefalites infecciosas (como por exemplo, herpes simples e citomegalovírus) também poderiam justificar o quadro neurológico, mas não a ascite e a icterícia, a não ser que o mesmo agente possa estar causando hepatite. Outras infecções, como
pulmonar e urinária, são improváveis. Distúrbios hidroeletrolíticos, principalmente alterações
no sódio e no cálcio, devem ser avaliados, contudo não justificariam os outros achados de exame físico. Alguns quadros neurológicos como infecções e hemorragias po dem cursar com síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético (ADH) e consequente hiponatremia com rebaixamento do nível de consciência. O paciente não tem história de abuso de álcool ou drogas, tornando
as possibilidades de cirrose alcoólica ou de abstinência
CAPÍTULO 80
• • • • •
de 130 × 80mmHg, com frequência cardíaca de 88bpm e sopro mesossistólico +/6 em rebordo esternal esquer do. A ausculta respiratória é normal, com frequência respiratória de 14irpm. O exame do abdome revela teste da macicez móvel com decúbito positivo, sugerin do ascite. O fígado é palpável a 3cm do rebordo costal e não há sinais de esplenomegalia. O exame neuroló gico apresenta alterações relevantes: abertura ocular espontânea, sem resposta à dore sem resposta verbal (Glasgow: 6), com sinal de Babinski bilateralmente, sem outros déficits focais. As pupilas são isocóricas e fotorreagentes. Não há sinais de hepatopatia crônica, como telangiectasias e aranhas vasculares, eritema palmarou ginecomastia.
486 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 80
pouco prováveis. Além disso, não há marcadores de do
ença hepática crônica ao exame físico, o que nos leva a considerar que o paciente aparentemente está desenvol vendo uma doença hepática aguda e grave.
O paciente é então submetido à intubação orotra queal, para proteção de vias aéreas. Os exames de urgência revelam: hemoglobina = 8,9; volume corpus cularmédio = 88; leucócitos = 13.000, com diferencial normal; plaquetas = 412.000; velocidade de hemosse dimentação (VHS) = 85; creatinina = 1,2; ureia = 45; sódio = 132; potássio = 4,1; cálcio = 8,7; glicemia = 122; aspartato aminotransferase = 1.530; alanina ami notransferase = 1.780; gama-glutamiltransferase (GGT) = 850; fosfatase alcalina (FA) = 475; amilase = 65; atividade de protrombina (AP) menordo que 10%; re lação normalizada internacional (RNI) = 5,45; proteínas totais = 4,7; albumina = 2,6; bilirrubinas totais = 6,9; bilirrubina direta = 4,8; bilirrubina indireta = 2,1; reti culócitos = 1,7; desidrogenase lática =189; radiografia de tórax e eletrocardiograma normais. O paciente rece beu ceftriaxona endovenosa, lactulona e vitamina K.
ca, como neoplasias ou infecções. Reticulócitos e desi drogenase láctica (DHL) normais praticamente afastam a
hipótese de hemólise, tomando afecções como púrpura trombocitopênica trombótica e anemia hemolítica autoi mune pouco prováveis.
Medidas para encefalopatia hepática grau 4 foram tomadas, com infusão de plasma fresco congelado, lactu lona e manutenção dos padrões hemodinâmicos (pressão arterial e assistência ventilatória). A única opção terapêu tica definitiva é o transplante hepático. O paciente estava sendo considerado para o transplante enquanto a etiologia era identificada. A esposa do paciente acrescenta informações im portantes enquanto alguns exames são analisados com urgência: ele vinha apresentando cansaço aos esforços nos últimos dois meses, com perda de 8kg nesse perí odo. Queixava-se de dorlombarà direita, persistente, que prejudicava o sono e não melhorava com repouso. Os dados são importantes, pois cansaço aos esforços e emagrecimento significativo precedendo o quadro clí
O paciente certamente não está na vigência de uremia.
nico do paciente devem despertara hipótese de doença crônica, como neoplasias, infecções crônicas, doenças
O sódio e o cálcio normais descartam um distúrbio hidro
autoimunes (como as vasculites sistêmicas), pneumopatias
eletrolítico importante. A glicose normal afasta hipogli cemia. As enzimas hepáticas estão intensamente elevadas,
e cardiopatias. Quanto à dor lombar, a primeira questão a ser considerada é o sinal de alarme de lombalgia, que
sugerindo uma lesão hepatocelular aguda. FA e GGT
deve despertara possibilidade de doenças potencialmen
elevadas de forma moderada são dados contra colestase,
embora esta hipótese não possa ser descartada. O diag
te grave: febre, emagrecimento, dor que piora ao repouso, dor noturna, incontinência urinária, anestesia perineal,
nóstico de hepatite fulminante com encefalopatia hepáti
irradiação para a face anteriorda coxa, VHS elevada e ane
ca agora é praticamente certo. AP diminuída e RNI ele vada, associadas à hipoalbuminemia, são altamente
mia. O paciente em questão mostra emagrecimento, anemia, VHS elevada e dor persistente mesmo ao repou
sugestivas de insuficiência hepática. A investigação da
so. Esses dados associados são altamente sugestivos de
causa da hepatite aguda agora é primordial. A causa mais
doença crônica. A possibilidade de neoplasias intra-abdo minais como tumores retroperitoneais, de rim, fígado e
comum de hepatite fulminante é o vírus da hepatite B, tornando a sorologia agora primordial para o diagnóstico, não só para o vírus B como também para A e C. Em
segundo lugar estão as hepatites medicamentosas, espe
cialmente pelas seguintes drogas: paracetamol, halotano, isoniazida, rifampicina, anti-inflamatórios não esteroidais
(AINE), sulfonamidas, flutamida, valproato, carbamaze pina, ecstasy. Não há indícios de envenenamento ou uso
dessas drogas, o que toma a hipótese de hepatite medi
pâncreas não pode ser afastada. Algumas neoplasias, es
pecialmente o tumor renal, podem estar associadas à trombose de veias supra-hepáticas, tanto por trombofilia paraneoplásica como por invasão direta do tumor. Doen ças hematológicas também devem ser investigadas, espe cialmente mieloma múltiplo, já que o paciente tem anemia
normocítica, VHS aumentada, emagrecimento e dorlom bar. A dor óssea por fratura patológica devido a uma
camentosa bem improvável. Causas vasculares como
doença subjacente também deve ser considerada, como metástases ósseas, osteomielite ou tuberculose óssea (mal
trombose de veias supra-hepáticas ou veia porta (síndro
de Pott), tomando o exame de imagem fundamental.
me de Budd-Chiari) também devem ser investigadas com
Exames de imagem do abdome, assim como sorologias, para os vírus da hepatite são agora essenciais.
urgência. A avaliação do líquido ascítico será fundamen
tal para a diferenciação entre hipertensão portal e doenças peritoneais, como neoplasias e infecções. A VHS elevada
na vigência de anemia normocítica sugere doença crôni
O paciente sempre viveu na área urbana da cidade de São Paulo e não frequentava áreas rurais. Não pare
Confusão Mental - 487
cico evidencia massa vegetante de aspecto irregular em átrio direito. O paciente mantinha-se em coma após dois
dias de internação. As dosagens do fatorV de Leiden e do
gene de mutação da protrombina também foram normais.
A trombose de veia cava inferior associada à hepati
te fulminante com padrão de hipertensão portal é alta
mente sugestiva da síndrome de Budd-Chiari. O diagnós tico diferencial de massa intracardíaca inclui infecções e neoplasias, assim como trombos e anormalidades es
truturais, como falsos tendões e ruptura de cordoalha A epidemiologia do paciente fala contra síndromes
tendínea. As causas infecciosas incluem endocardite
infecciosas como hepatite A, febre amarela ou dengue. A
bacteriana, abscesso miocárdico e endocardite por fungos.
avaliação oftalmológica normal (ausência do sinal de
A hemocultura negativa e a ausência de febre são dados
KayserFleicher) é um dado contra doença de Wilson. O
importantes contra o diagnóstico de endocardite infec
gradiente soro-ascite define a causa da ascite como de
ciosa ou abscesso miocárdico. Linfoma não Hodgkin e
corrente de hipertensão portal. Portanto, causas infeccio
sarcoma de Kaposi são causas a considerarem imunos
sas como tuberculose, peritonite bacteriana espontânea
suprimidos, especialmente em portadores de HIV, o que
ou neoplasias malignas infiltrando o peritônio se tornam
não é o caso desse paciente, pois o anti-HIV ELISA foi
improváveis. A celularidade baixa afasta a possibilidade
negativo.
de peritonite bacteriana espontânea. Como as sorologias
Como há evidências de trombose em veia cava inferior
para as hepatites virais são negativas, uma outra causa
é sensato pensar que a massa intracardíaca seja um trom
deve ser investigada, embora as hepatites agudas possam
bo, embora devamos considerara hipótese de tumor in
demorar semanas para desenvolverem sorologia positiva.
tracardíaco. Dentre as neoplasias que cursam com massa
O paciente certamente é portador de uma doença
intracardíaca, a causa mais prevalente é metástase para o
crônica que cursou com hepatite fulminante. Deve-se
coração, especialmente proveniente do rim ou do pâncreas.
atentar para causas vasculares, como a trombose de veias
Os tumores primários benignos como mixoma atrial tam
supra-hepáticas ou de veia porta (síndrome de Budd-
bém devem ser incluídos no diferencial, mas não neste
Chiari). A síndrome de Budd-Chiari caracteriza-se por
caso, pois isso não justificaria os outros dados clínicos.
obstrução ao fluxo venoso em nível hepático. A tríade
Tendo em vista as manifestações clínicas desse paciente
clássica (dor em hipocôndrio direito, ascite e hepatome
até agora, deveríamos considerar seriamente as hipóteses
galia) somente está presente em pequena parte dos casos.
de trombose paraneoplásica ou metástase intracardíaca.
As causas mais comuns da síndrome são as doenças mie
Embora o fatorV de Leiden e o gene de mutação da pro
loproliferativas, como policitemia vera e trombocitose
trombina tenham sido analisados, é pouco provável que
essencial. A ausência de eritrocitose descarta policitemia
um paciente de 66 anos de idade tenha uma trombofilia
vera e o nível de plaquetas elevado pode apenas decorrer
congênita sem qualquer história pregressa de trombose.
de doença crônica. Os quadros de trombofilias, tanto ad
A tomografia computadorizada de abdome (Fig. 80.1)
quirida quanto congênita, são causas importantes. Na vi
revela massa renal direita de 9cm, de formato irregular
gência de anemia normocítica, emagrecimento e VHS
com invasão de fígado e de veia cava inferior. O trans
elevada, uma síndrome paraneoplásica cursando com
plante de fígado foi contraindicado. O paciente começou
hipercoagulabilidade deve ser considerada. Um exame de
a apresentar piora progressiva com hipotensão grave,
ultrassonografia com Doppler do abdome agora é funda
pneumonia relacionada ao ventilador e choque séptico,
mental para avaliação do fluxo em veia porta e veias
evoluindo para óbito.
supra-hepáticas. Na vigência de hepatite fulminante, o único tratamento salvador é o transplante de fígado.
A tomografia do abdome foi fundamental para iden tificarum tumor renal, provavelmente carcinoma de célu
de vasos portais, que revela: fígado de forma e dimensões
las renais (hipernefroma). À autópsia, evidenciou-se massa tumoral de 10 × 7 ×
normais, de ecotextura homogênea; ascite moderada;
4 cm em polo superiordo rim direito (Fig. 80.2), com
conteúdo ecogênico intraluminal em veia renal direita,
invasão de suprarrenal ipsilateral e trombose tumoral
com extensão para veia cava inferior até átrio direito,
da veia renal direita, ascendendo pela veia porta, cava
compatível com trombose. Um ecocardiograma transtorá
inferior e chegando ao átrio direito. Foram observadas
Solicitada ultrassonografia de abdome com Doppler
CAPÍTULO 80
ce ter tido contato com pessoas doentes. Não há surtos de doenças na região. A análise do líquido ascítico re vela: proteína = 2,1; albumina = 0,9; glicose = 145; DHL = 287; adenosina desaminase (ADA) = 5,1; ami lase = 13; células = 210; neutrófilos = 72%; linfócitos = 10%; albumina sérica = 2,6. O gradiente soro-ascite é de 1,7; as sorologias para vírus A, B e C são negativas. Sorologia para HIV também negativa. Hemocultura e a urocultura foram negativas. A avaliação oftalmológi ca não revela qualquer alteração.
488 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 80
DISCUSSÃO Historicamente, o sintoma mais comum em pacientes com tumor renal é a hematúria: 60% dos pacientes com hiper
nefroma apresentam-se com sintoma inicial caracterizado por sangramento na urina. A hematúria geralmente é
macroscópica e indolor.A tríade clássica descrita na lite
ratura constitui-se de hematúria, dor em flanco e massa abdominal. Dor em flanco ou massa abdominal foram detectadas em apenas 30% dos pacientes com tumor renal.
A tríade completa foi vista em não mais do que 10%.
Dentre os tumores malignos primários do rim, o carcino
ma de células renais corresponde a 86% dos casos, ao
passo que o tumor de Wilms corresponde a 12% e o sar
Figura 80.1
- Tomografia computadorizada de abdo me revelando massa renal à direita.
coma de células renais, a 2%. O rim também pode ser acometido por metástases, principalmente do pulmão,
câncer de pele (melanoma) e mama.
áreas extensas de necrose e calcificações centrolobula
res no fígado, compatíveis com insuficiência hepática.
O estudo anatomopatológico revelou carcinoma de cé lulas renais.
As síndromes paraneoplásicas não são incomuns em
pacientes com carcinoma de células renais. Eritrocitose, hipercalcemia, trombofilia, hipertensão arterial, febre,
anemia e alterações da função hepática são as mais comuns.
Outras situações mais raras, como neuromiopatia e ami
loidose, também podem ocorrer. A VHS aumentada é
DIAGNÓSTICO FINAL • Carcinoma de células renais. • Síndrome de Budd-Chiari com hepatite fulminante,
insuficiência hepática aguda e encefalopatia hepáti ca grau 4. • Metástase para átrio direito.
achado comum em pacientes com carcinoma de células
renais. Dor óssea (por metástase para os ossos) e varico
cele aguda também podem surgir. Devido à sua grande variedade na forma de apresentação clínica, o hipernefro
ma recebeu a denominação de “o grande imitador’. No caso ora relatado, não havia uma apresentação
clássica do tumor renal, o que dificultou o diagnóstico. Dor lombar, anemia normocítica, VHS aumentada e trom bose de veias porta e supra-hepáticas foram os elementos
que sugeriam uma neoplasia intra-abdominal. Os exames de imagem, como a ultrassonografia e,
principalmente, a tomografia, são os principais elementos
diagnósticos complementares para a confirmação do diagnóstico.
A síndrome de Budd-Chiari caracteriza-se por trom
bose das veias supra-hepáticas, veia cava inferior ou ambas. A tríade clássica, que pode não estar presente,
principalmente na forma aguda, caracteriza-se por dor
abdominal, ascite e hepatomegalia. Existem três formas de apresentação: aguda, subaguda e crônica. Na forma aguda e grave, pode ocorrer hepatite fulminante e insufi
ciência hepática, como no caso em questão. As doenças mieloproliferativas, especialmente a poli
citemia vera e a trombocitose essencial, são responsáveis por cerca de 50% dos casos da síndrome. As neoplasias
Figura 80.2
- Necropsia revelando massa renal com invasão da veia cava inferior e das veias hepáticas.
relacionadas à trombofilia e consequente trombose de veias supra-hepáticas e cava inferior são: carcinoma de células
Confusão Mental - 489
BIBLIOGRAFIA
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por trombofilia. Outras causas menos comuns da síndro
me de Budd-Chiari incluem: estados de hipercoagulabi
lidade (como fator V de Leiden, gene de mutação da protrombina, deficiência de proteína S e proteína C, de
ficiência de antitrombina III, síndrome do anticorpo an
tifosfolipídico, hemoglobinúria paroxística noturna, entre outras), uso de contraceptivos orais, infecções hepáticas como abscessos e doença de Behçet. Cerca de 20% das
ocorrências não têm causa definida. A análise do líquido ascítico é importante como diagnós
tico diferencial. O gradiente soro-ascite revela padrão de
hipertensão portal na síndrome de Budd-Chiari. A ultrasso nografia com Doppler é o exame de maior custo-benefício, com sensibilidade e especificidade de 85%, sendo um exce
lente exame inicial quando há suspeita da síndrome. A tomo
grafia e a ressonância nuclear magnética têm sensibilidade maior do que a ultrassonografia. O padrão-ouro para identi
ficação da trombose na circulação hepática é a venografia. No presente caso, os dados de história e exame físico
foram elementos essenciais para a elaboração do raciocí nio clínico e a investigação do diagnóstico, posteriormen te confirmado pelos exames de imagem.
CAPÍTULO 80
renais e hepatocarcinoma. O tumor renal pode causara
CAPÍTULO
81
Dor Lombar Carlos Alberto Franchin Neto • José Luiz Pedroso
Paciente de 55 anos de idade, sexo feminino, bran ca, natural de Pernambuco, em São Paulo há 32 anos, procura o pronto-socorro referindo que há seis meses se iniciou quadro de dor lombar, contínua, piorando com esforço, melhorando com repouso, sem irradiação. Procurou outro serviço médico, recebendo anti-infla matórios, sendo posteriormente liberada para casa sem melhora dos sintomas. A lombalgia chega a afetar65 a 85% da população mun
dial ao longo dos anos. As causas de lombalgia podem ser divididas em mecânicas, não mecânicas (inflamatória, infecciosa, neoplásica, metabólicas), ou psicogênicas1. A dorde caráter mecânico é intimamente relacionada às atividades físicas e posturais do indivíduo1. As causas
QUADRO 81.1 - Sinais de alerta de dor em coluna1 • • • • • • • • • • • • • • • • •
Febre/calafrios < 18 e > 55 anos de idade História de trauma violento Dor constante, progressiva e noturna História de câncer Corticosteroides sistêmicos Abuso de drogas HlV-positivo Perda de peso Doenças sistêmicas Restrição de mobilidade Deformidade estrutural Perda de controle dos esfíncteres Fraqueza muscular/atrofia associada Rigidez matinal Envolvimento articular periférico História familiar de doença reumatológica
mecânicas, em que há um substrato anatomopatológico,
abrangem as alterações discais, osseocartilaginosas ou
capsuloligamentares. Lombalgias secundárias normalmente apresentam sinais
de-se como fadiga a sensação de exaustão durante ou após atividades cotidianas1.
de alerta (Quadro 81.1), como febre por discite ou até pie
A queixa de fadiga em pronto-socorro, além de comum,
lonefrite, história de câncer nos fazendo pensarem metás
é muito pouco valorizada pelos médicos. Uma história de
tases ósseas, rigidez matinal, como ocorre em sacroileítes, entre outros1.
cansaço suficiente para gerar mudanças no estilo de vida
A descrição da nossa paciente nos faz pensarem uma
dor mecânica e são notórios alguns sinais de alerta, como idade e perda da mobilidade.
A paciente refere ainda cansaço e sono excessivo com início há um ano. Relata que há um ano se iniciou um quadro de astenia e fadiga intensa, sendo medicada por diversas vezes com polivitamínicos, sem melhora. Estima-se que até 30% dos pacientes que procuram serviços de saúde manifestem fadiga significativa. Enten-
confere importância clínica ao sintoma2. Apesar de inespecífica, essa queixa deve alertar o médico para uma série de causas, incluindo infecções,
doenças psiquiátricas, neuroendócrinas, hematológicas e
reumatológicas. Associadas à fadiga, cita dispneia aos grandes esforços e palpitações. Procurou serviço médico, em que foram solicitados exames gerais, sendo medicada com sulfato ferroso, transfusão de dois concentrados de glóbulos vermelhos, sem melhora. Refere ainda perda de 8kg, com inapetência, nesse período.
Dor Lombar - 491
Manifestações comuns em pacientes com anemia
ção do vigor, palpitações, dispneia aos esforços e vertigem postural3. Embora até o momento não tenham sido vistos o
exame físico e os exames laboratoriais, fica claro, pelos
sintomas (fadiga, dispneia, palpitações) e pela história de transfusões sanguíneas e uso de sulfato ferroso, que em
algum momento foi pensado no diagnóstico de anemia para nossa paciente.
O peso corporal de um indivíduo, influenciado porum componente genético, é o resultado do balanço entre in gesta de calorias, níveis de atividade e gastos metabólicos. A perda de peso é uma queixa comum, principalmente em idosos, cuja prevalência varia entre 10 e 20%1.
Definimos perda de peso clinicamente significativa como diminuição de ao menos 5kg, ou maior do que 5%
do peso de base, durante um período de 6 a 12 meses1. A perda de peso involuntária deve ser diferenciada em
causas com aumento do apetite das com diminuição do apetite.
Entre as causas com aumento do apetite incluem-se hipertireoidismo, diabetes mellitus, feocromocitoma, síndrome de má absorção e grande aumento de atividade
física. Nossa paciente apresentava perda de peso com dimi nuição do apetite, o que nos remete a diagnósticos dife
O exame físico descrito nos confirma algumas hipó teses e nos alerta para definições importantes.
A perda de peso pode ser observada clinicamente pelo emagrecimento, muito embora o seguimento do peso
medido e o índice de massa corporal (IMC) sejam as
únicas maneiras objetivas de documentá-la.
renciais como neoplasias, doenças crônicas (doença
A síndrome anêmica também foi confirmada no exame
pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca con
físico pela mucosa descorada, taquicardia em repouso e
gestiva, insuficiência renal crônica, infecções crônicas
sopro sistólico panfocal. Ausência de icterícia e espleno
(HIV, tuberculose, endocardite, parasitoses), doença in
megalia falam contra anemia hemolítica, mas é evidente
flamatória intestinal, depressão, distúrbio de ansiedade e
que é necessária uma abordagem laboratorial específica
outros.
para definir o tipo de anemia e suas prováveis etiologias.
A associação de anemia com a maioria dessas doenças
As áreas localizadas de hipersensibilidade nas vértebras
é clara e inquestionável. Além disso, a perda de peso com
lombares são motivos de grave preocupação. Embora
inapetência pode ser a causa da provável anemia.
possam ser causadas por osteoporose benigna com fratu
Chama atenção o acréscimo de alguns sinais de alerta
ras compressivas das vértebras, áreas dolorosas localiza
à queixa principal de lombalgia e destacam-se a perda de
das e isoladas sempre levantam a possibilidade de doen ça neoplásica maligna2.
peso e os sinais de doença associada a síndrome anêmica. A associação de síndrome anêmica com perda de peso
e dor lombar nos faz pensar em uma doença crônica
progressiva.
Os sintomas até aqui apresentados são inespecíficos e
não indicam órgão ou enfermidade em particular, entre
tanto, está clara a presença de uma doença orgânica e que
adequada anamnese e exame físico se fazem necessários para seguimento do caso. Deu entrada no nosso serviço com os mesmos sintomas: fadiga, dispneia, perda de peso e dor lombar sem qualquer melhora após as medidas previamente adotadas.
Realizados exames gerais: hemoglobina = 4,4; hematócrito = 13,7%; volume corpuscular médio = 79; hemoglobina corpuscular média = 25,1; hemácias em rouleaux; ferro sérico = 45; saturação transferrina = 15%; ferritina sérica = 58; capacidade de fixação de ferro total (TIBC) = 202; reticulócitos corrigidos = 2%; bilirrubina total = 0,4; bilirrubina indireta = 0,2; desi drogenase lática (DHL) = 250; leucócitos = 4.030, com diferencial normal; plaquetas = 65.000; creatinina = 0,7; ureia = 72; sódio = 132; potássio = 3,9; cálcio iônico = 1,67; velocidade de hemossedimentação
CAPÍTULO 81
crônica consistem em fraqueza, fadiga, letargia, diminui
Paciente nega antecedentes mórbidos, tabagismo, etilismo menopausa aos 40 anos de idade; nega uso de qualquer medicamento. Antecedentes familiares: pai e mãe falecidos aos 86 e 90 anos, respectivamente, de causa desconhecida, uma irmã com diabetes, uma filha hígida. Ao exame físico, encontra-se em bom estado geral, emagrecida, descorada +++/4+, hidratada, afebril, eupneica. Pressão arterial: 130 × 80mmHg; frequência cardíaca: 102bpm; frequência respiratória: 14ipm; satu ração de O2: 96% em arambiente; dextrose: 89mg/dL. Sem gânglios palpáveis, tireoide não palpável, sem estase jugular. Ausculta pulmonar com murmúrios vesiculares presentes sem ruídos adventícios, ausculta cardíaca com bulhas rítmicas normofonéticas em dois tempos, com sopro sistólico panfocal ++/4+. Apresenta abdome com ruídos hidroaéreo, plano, flácido, indolor,baço não percutível, fígado no rebordo costal direito. Sem dorà palpação de musculatura pa ravertebral, com relevante dorà palpação da coluna lombar nível L2-L3. Paciente vígil, orientada, sem déficits sensitivos ou motores, sem sinais meníngeos. Membros com boa perfusão periférica, pulsos simétricos, sem edemas.
CAPÍTULO 81
492 - Problemas Gerais em Clínica Médica
(VHS) = 148; hormônio estimulante da tireoide (TSH) = 4; proteínas totais = 10,2; albumina = 3,1; globulina = 7 (imunoglobulina G: 6.520; IgM: 4; IgA: 6). Soro logias e provas reumatológicas negativas; urina I: ausência de glicose ou proteínas, ausência de células ou bactérias. Radiografia de coluna lombar(Fig. 81.1) demonstra erosões e lesões líticas nos corpos vertebrais de L2 e L4.
afastam a hipótese de carência de ferro. Tais exames as
sociados à grave queda dos níveis de hemoglobina com uma síndrome anêmica leve sugerem anemia de início
insidioso, o que favorece o diagnóstico de anemia de doença crônica. Anemia e plaquetopenia, sem sinais de hemólise ou consumo periférico, indicam falência medular2. A VHS
aumentada sugere doença maligna, infecciosa ou inflama Os exames confirmam a hipótese de anemia microcí
tória ativa.
tica e hipocrômica. Dentro dos diagnósticos diferenciais
As hemácias em rouleaux são muito sugestivas de
nesse tipo de anemia estão anemia ferropriva, anemia de
aumento de paraproteínas, como ocorre em mieloma
doença crônica, anemia sideroblástica hereditária, anemia
múltiplo. As paraproteínas anulam as cargas negativas da
do hipertireoidismo e talassemia.
membrana das hemácias, levando a um “empilhamento
O TSH normal e a ausência de queixa clínica compa
de hemácias” denominado rouleaux. Entretanto, esse fe
tível afastam hipertireoidismo; anemia sideroblástica só
nômeno pode ser simplesmente um artefato do esfregaço
pode ser confirmada após exame da medula evidenciando sideroblastos em anel; para diagnosticar talassemia ne
do sangue periférico.
cessita-se de uma eletroforese de hemoglobina. Reticuló
responder à paraproteína do mieloma. Lesões líticas em
citos, bilirrubinas e DHL normais afastam hemólise, como
corpos vertebrais corrobora o diagnóstico de mieloma
previamente esperado.
múltiplo.
Os níveis muito elevados de globulina poderiam cor
O perfil de ferro evidencia ferro sérico e saturação de transferrina baixos, encontrados em anemia ferropriva e doença crônica; entretanto, ferritina alta e TIBC baixa
Faz-se a hipótese diagnóstica de mieloma múltiplo e solicita eletroforese de proteínas no sangue (Fig. 81.2). Imunofixação: IgG com cadeias leves k. Mielogra ma evidenciou número aumentado de plasmócitos (> 10%) com displasia plasmocitária (plasmócitos bi nucleados). Proteinúria de Bence Jones: positiva. Beta-2 microglobulina: 5. A eletroforese de proteínas mostrou pico monoclonal de base estreita na região das gamaglobulinas. A imuno fixação definiu que se tratava de uma IgG com cadeias leves k. As anormalidades nas imunoglobulinas são a marca
registrada do mieloma múltiplo. Setenta e cinco porcen to dos pacientes apresentam pico de imunoglobulinas na eletroforese de proteínas2.
O mielograma da nossa paciente confirma essa hipó tese ao apresentar mais de 10% de plasmócitos na medu
la, critério diagnóstico obrigatório. A radiografia de coluna justifica as dores relatadas e confirmadas ao exame físico. A proliferação plasmocitá
ria do mieloma justifica as lesões ósseas, a hipercalcemia e a falência medular encontradas.
Em 80% dos casos de mieloma pode ser identificada a cadeia leve da imunoglobulina (proteína de Bence Jones) na urina. Porsertóxica aos túbulos pode causar insufici
ência renal.
Figura 81.1 - Radiografia de coluna lombar em per
Nossa paciente apresenta proteína de Bence Jones na
fil, demonstrando erosões e lesões líticas nos corpos vertebrais de L2 e L4.
urina, entretanto, sem alterações da função renal até o
momento. A ausência de proteínas no exame de urina
Dor Lombar - 493
osso adjacente produzindo extensa destruição do esque
leto, com consequentes dor óssea, fraturas e hipercalcemia. A anemia, causada por ocupação medular e redução da eritropoiese, provoca fraqueza e fadiga, sendo a palidez
o achado mais frequente ao exame físico desses pacientes. Embora ausente no caso em questão, a insuficiência renal comumente acompanha os quadros de mieloma
múltiplo. Esta pode ser decorrente do depósito de cadeias leves (proteínas de Bence Jones), hipercalcemia (nefro
calcinose) e raramente decorrente da amiloidose existen
te em 10 a 15% dos casos. A imunoglobulina produzida não tem função fisioló gica, tomando os indivíduos suscetíveis à infecção, sendo a infecção bacteriana a maior causa de morte desses pacientes. Pode haver diátese hemorrágica portromboci topenia.
Com o achado de anemia e dor óssea e a consequente
suspeita clínica foi solicitada eletroforese de proteínas séricas, que evidenciou pico monoclonal, presente em 80%
dos pacientes com mieloma múltiplo. A quantificação
dessa paraproteína é fundamental para o diagnóstico (ge ralmente > 3g/dL) e nossa paciente mostrou 4,24g/dL.
Figura 81.2 - Eletroforese de proteínas evidenciando
A imunofixação é primordial para tipara paraproteína,
pico monoclonal de base estreita à custa de gamaglo bulinas.
no caso foi identificada a IgG, coincidente com a litera tura que indica IgG em 53% dos casos.
Na medula óssea dos pacientes com mieloma múltiplo, inicial deve-se à insensibilidade do teste rotineiro às cadeias leves de imunoglobulina2. Finalmente, a presença de beta-2 microglobulina ele
vada, proteína secretada pelas células do mieloma, indicam mau prognóstico.
DIAGNÓSTICO FINAL Mieloma múltiplo.
os plasmócitos constituem habitualmente 10% ou mais das células nucleadas3. Esse critério é obrigatório para o
diagnóstico e estava claramente presente na paciente. As indicações para tratamento são desenvolvimento
de anemia significativa, hipercalcemia, insuficiência renal, lesões ósseas ou plasmocitomas extramedulares3.
Nossa paciente foi submetida a transplante de células autólogas após ciclo de quimioterapia com esquema VAD (vincristina, adriamicina, dexametasona). Em um estudo
prospectivo randomizado comparando transplante autólogo com a quimioterapia convencional, a sobrevida mediana foi maior com o transplante do que com a quimioterapia3.
DISCUSSÃO O mieloma múltiplo caracteriza-se pela proliferação neo plásica de um único clone de plasmócitos envolvidos na produção de uma imunoglobulina monoclonal, sendo responsável por 1% das neoplasias malignas e por mais de 10% das neoplasias malignas hematológicas3.
De etiologia incerta, o mieloma tem maior incidência em negros do sexo masculino com idade média de 65 anos3. Curiosamente, nossa paciente não se enquadra
nesse perfil epidemiológico.
O transplante alogênico tem a vantagem de o enxerto não conter células tumorais; entretanto, 95% dos pacientes não podem recebê-lo em razão de sua idade, da falta de
irmão com antígeno leucocitário humano compatível e de função renal, pulmonar ou cardíaca inadequada3. Pela presença de lesões ósseas ao diagnóstico, ela foi medicada com 90mg de pamidronato a cada quatro sema nas. Essa medicação é recomendada para pacientes por tadores de mieloma com comprometimento esquelético3.
O mieloma múltiplo tem evolução progressiva, com sobrevida mediana de cerca de três anos. O índice de
CAPÍTULO 81
Como observado no caso, o clone de plasmócitos se prolifera na medula óssea e, com frequência, invade o
CAPÍTULO 81
494 - Problemas Gerais em Clínica Médica
marcação de plasmócitos e os níveis de beta-2-microglobulina constituem os fatores prognósticos mais importan tes3. Nota-se que a paciente em questão apresenta prog
REFERÊNCIAS 1.
nóstico reservado com alta massa tumoral. 2. 3.
CAVALCANTI, E. E A.; MARTINS, H. S. Clínica Médica dos sinais e sintomas ao diagnóstico e tratamento. São Paulo: Manole, 2007. CUTLER, P. Como solucionar problemas em clínica médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. GOLDMAN, L; AUSIELLO, D. Cecil - Tratado de medicina interna. 23. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009.
___________________________________
CAPÍTULO
82
Edema dos Membros Inferiores Ricardo Barbosa Cintra de Souza
R. B. S., sexo masculino, 53 anos de idade, procu ra o serviço de pronto-socorro queixando-se de edema em membros inferiores há cerca de três meses, que melhora parcialmente ao repouso e piora ao longo do dia. Relata que há cerca de 15 dias vem apresentando inchaço abdominal progressivo (atualmente de mode rada intensidade). Nega edema palpebral associado. Ao interrogatório sobre diversos aparelhos, relata apenas sintomas inespecíficos como astenia, perda de peso (de 70kg para 60kg) e de apetite há cerca de três a quatro anos, que não o incomodavam. Nega alteração no ciclo sono-vigília. Como antecedentes patológicos, nega fatores de risco para doença cardiovascular (hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, dislipidemia, tabagismo, infarto agudo do miocárdio/acidente vascular cerebral prévios), nega fatores de risco para hepatopatias (etilismo, hepatites, uso de medicamentos hepatotóxicos, compor tamento de risco para doenças sexualmente transmissíveis, uso de drogas endovenosas, transfusões sanguíneas) e doenças associadas às glomerulopatias (epidemiologia negativa para Chagas, esquistossomose, sífilis; nega hepatites, diabetes mellitus, faringoamigdalite ou infec ção de pele anteriores ao quadro); nega também qualquer outra doença. Refere não fazer acompanhamento médi co regular por se sentir saudável até então.
• Edema causados por aumento da pressão hidrostá tica no polo capilar venular: são, em geral, moles,
quentes e levemente cianóticos, como ocorre em
insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e trombo flebite (neste último caso, costuma haver edema assimétrico entre os membros). Causas relacionadas à hipervolemia/retenção hídrica cursam com edemas duros ou moles, vermelhos ou não, quentes.
• Edema por diminuição da pressão oncótica do plasma: são em geral moles, frios e pálidos, como
em hepatopatias, síndrome nefrótica, enteropatias perdedoras de proteínas, síndromes de má absorção, desnutrição, infecção prolongada, etc.
• Aumento da permeabilidade capilar: como em casos de inflamação, quando o edema vem acompanhado
dos demais sinais flogísticos. • Diminuição da drenagem linfática: linfedemas qua se sempre são volumosos, pálidos, moles e frios.
A Tabela 82.1 mostra as mais diversas causas de ede
ma em membros inferiores, ressaltando-se que a ICC, as alterações renais (síndrome nefrótica, insuficiência renal e síndrome nefrítica) e a cirrose hepática são as causas
mais frequentes de edema simétrico em membros inferio Edema é o estado de excesso de líquido intersticial nos
res. Nessas causas sistêmicas, muitas vezes há retenção
tecidos, sendo necessário acúmulo de litros até que a detec
hidrossalina por mecanismos que aumentam a água cor
ção clínica seja possível, como no subcutâneo dos membros,
poral total, podendo caracterizar-se o estado de anasarca,
nas cavidades serosas e alveolares. O edema pode acarre
às vezes observado nesses pacientes. Edemas assimétricos
tar diminuição da circulação venosa por meios mecânicos,
devem levantara suspeita das causas locais demonstradas na Tabela 82.1. É importante observar se o edema é de
diminuição da nutrição tissular e da eficiência celular. As características semiológicas do edema guardam
pressível (cacifo +: interstício infiltrado de água que se
certa relação com a fisiopatologia do edema e devem ser
mobiliza à digitopressão, formando o cacifo) ou não, uma
sempre exploradas:
vez que edema não depressível denota grande quantidade
496 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 82
de proteínas misturadas com ácido hialurônico e coindroi
tinossulfato (mixedema: tipicamente em região pré-tibial, pálpebras e dorsos de mãos e pés), ou exsudação de gran de quantidade de proteínas para espaços tissulares onde
percussão dos flancos e semicírculo e Skoda positivo, compatível com ascite de moderada intensidade, além de sinais de circulação colateral à inspeção. Extremidades: edema 2+/4, simétrico, depressível, mole, frio e pálido.
elas se coagulam (infecções, edema por obstrução linfáti
ca), ou ainda edema celular.
Além disso, o tecido palpebral é frouxo e com pouca ro aparecimento nas pálpebras. Edema palpebral também é comum no mixedema e em processos alérgicos (urticá
ria). A insuficiência venosa crônica é sugerida pelo acha
do de edema gravitacional de longa data, melhora ao se deitar, podendo ser discretamente assimétrico, com veias varicosas e hiperpigmentação de pele (pela destruição crônica de hemácias no local). Algumas medicações podem causar edema em membros inferiores por vasoconstrição
renal (anti-inflamatórios não esteroidais, ciclosporina), por vasodilatação arteriolar (anti-hipertensivos vasodila
tadores), por aumento da reabsorção renal de sódio (cor ticosteroides, hormônios sexuais) e por dano capilar (ci
closporina). Pacientes com acidente vascular cerebral
podem apresentar aumento da pressão capilar por altera ção da vasomotricidade na hemiplegia e edema no mem bro acometido.
físico de um paciente com edema de membros inferiores é fundamental que se procurem elementos para o diag
nóstico diferencial entre essas condições. Nesse caso, a ausência de fatores de risco para doen ça cardiovascular, a ausência de outros sinais e sintomas que sugiram insuficiência ventricular esquerda, a ausência
de estase jugular, a qual é um elemento clínico de valor
para se estimara pressão venosa central à beira do leito,
tomam este diagnóstico menos provável.
Em relação à síndrome nefrótica, o paciente negava condições ou fatores de risco para glomerulopatias secun
dárias, apresentava idade avançada para glomerulopatias primárias (exceto pela glomerulonefrite membranosa),
negava edema palpebral, urina espumosa e alteração do
hábito urinário recente ou da corda urina recentes, o que torna este diagnóstico menos provável, mas difícil de ser
excluído clinicamente devido à apresentação frustra de
Ao exame físico, o paciente encontra-se em bom estado, levemente emagrecido (altura = 1,68m e 59kg, índice de massa corporal = 20,9kg/m²), lúcido e orien tado, anictérico; pulso = frequência cardíaca = 72bpm; frequência respiratória = 16irpm; saturação de O2 em arambiente = 97%; pressão arterial = 100 × 60mmHg; temperatura = 36,3°C; presença de telangiectasias em tronco. Neurológico: ausência de flapping ou outras alterações. Aparelho cardiovascular: bulhas rítmicas e normofonéticas, em dois tempos e sem sopros audíveis. Sem estase jugular a 30°. Ausculta respiratória: mur múrio vesicular presente em todos os campos e simétrico, sem ruídos adventícios. Abdome; fígado palpável a 2cm do rebordo costal direito, endurecido e com borda romba; baço percutível e palpável no rebor do costal esquerdo ao final da inspiração; macicez à
muitas condições associadas às glomerulonefrites e das próprias glomerulonefrites per se. Quanto à possível cirrose, o paciente apresenta algumas
alterações na história clínica que nos remetem mais a este diagnóstico, como fígado com consistência alterada, es
plenomegalia, ascite, edema de membros inferiores, te
langiectasia, apesarde, até o momento, não haver indícios da possível etiologia. Vale ressaltar que a hepatite crônica é uma condição
oligossintomática e sinais e sintomas aparecem em doen ça avançada. Os sinais e sintomas da doença hepática
decorrem, sobretudo, da insuficiência hepática (encefalo patia, icterícia, ascite, anemia, alteração da coagulação,
edema de membros inferiores e hiperestrogenismo, sendo que este último resulta em telangiectasia, alteração na distribuição de pelos, ginecomastia, eritema palmar e
atrofia testicular) ou por consequência da hipertensão TABELA 82.1 - Causas de edema generalizado e localizado
portal (varizes esofágicas e gástricas, esplenomegalia,
Edema
Causas
circulação colateral ‒ caput medusae, encefalopatia, as
Edema generalizado cacifo +
Insuficiência cardíaca, insuficiência renal, síndrome nefrítica, síndrome nefrótica, estados hipoalbuminêmicos, medicações
cite e edema, citopenias por hiperesplenismo).
Edema generalizado cacifo -
Mixedema
Edema localizado cacifo +
Trombose venosa profunda, insuficiência venosa crônica
Edema localizado cacifo -
Linfedema, celulite, angioedema
Diante do quadro clínico, solicitam-se exames para confirmara provável doença hepática e para avaliar alterações renais ou evidências de insuficiência cardíaca que justifiquem o edema: hemoglobina/hematócrito = 11,2/32 (normocrômica e normocítica); leucograma = 6.400 (0 0 0 80); linfócitos = 10; monócitos = 8;
978-85-4120-074-5
resistência e o edema por doenças renais tem seu primei
O edema é condição frequente em diversas condições clínicas, sobretudo em insuficiência cardíaca congestiva, alterações renais e hepatopatia. À anamnese e ao exame
978 85 4120 074
eosinófilos = 2; plaquetas = 120.000; alanina amino transferase (ALT) = 80; aspartato aminotransferase (AST) = 95; fosfatase alcalina = 146U/L; atividade de protrombina (AP) = 37%; relação normalizada interna cional (RNI) = 1,63; albumina = 3,1g/dL; bilirrubinas totais = 1,8 (direta = 1,1); creatinina = 0,8; ureia = 30; sódio = 137; potássio = 4,2. Radiografia de tórax (para avaliar evidências de insuficiência cardíaca congestiva): sem alterações do parênquima pulmonar,sem aumento da área cardíaca, sem alterações do mediastino e em partes moles. Eletrocardiograma (para avaliar evidências de in suficiência cardíaca): frequência cardíaca = 68bpm, ritmo sinusal, eixo cardíaco 30°, intervalos PR e QT sem alterações, sem alterações de repolarização, sem sinais de sobrecarga em câmeras cardíacas, sem sinais de área inativa. Ultrassonografia (para avaliar evidências de hepato patia crônica e sinais indiretos de hipertensão portal): fígado com discreto aumento de tamanho, alteração de ecogenicidade e contorno levemente irregular com nodu laridades discretas, sem nódulos parenquimatosos visíveis e aumento do lóbulo esquerdo, aumento do baço em cerca de duas vezes o seu tamanho e ascite moderada. Urina I para excluir glomerulopatias (que inclusive podem acompanhar algumas doenças hepáticas, como hepatites B e C): E = 3; L = 10; proteína: ausente, sem dismorfismo eritrocitário. Paracentese diagnóstica (excluir peritonite bacte riana espontânea e avaliar relação da ascite com hipertensão portal): líquido ascítico de aspecto citrino, cuja bioquímica evidenciou: 10 hemácias, 20 células nucleares por milímetro cúbico, albumina = l,2g/dL (gradiente de albumina sérica-ascite = 3,1 ‒ 1,2 = 1,9), Gram e cultura sem alterações.
to das aminotransferases) e da função hepática (alterações
de albumina, tempo de protrombina/RNI), além de cito
penias que são importantes indícios de hipertensão portal, sobretudo quando há quedas em medidas seriadas. Vale recordar ainda que o aumento proporcionalmente maior
da AST em relação ao da ALT sugere etiologia alcoólica ou cirrose hepática já instalada. A ultrassonografia também
evidencia alterações no parênquima hepático, sugestivas de cirrose incipiente, com alterações no seu contorno,
alteração da ecogenicidade e sinais hipertensão portal incipiente, como aumento discreto do baço e ascite mo
derada. Não há evidências de insuficiência cardíaca con
gestiva ou de síndrome nefrótica associadas que justifiquem a queixa de edema.
Diante do quadro clínico apresentado e dos exames realizados, podemos sugerir estar diante de uma provável
cirrose descompensada com ascite, cuja etiologia ainda
precisa ser determinada. Ressalte-se aqui que, apesar de
o quadro clínico-laboratorial sugerir cirrose, o diagnósti co de cirrose hepática é histológico: presença de fibrose
com nódulos de regeneração. Até o momento, não há outros sinais de descompensação da provável cirrose, como encefalopatia (flapping ausente, sem alterações no
ciclo sono-vigília, sinal de Babinski negativo), síndrome
hepatorrenal (condição grave, caracterizada por oligúria depleção intravascular, ou sem resposta à administração empírica de albumina, e sem sódio urinário muito baixo,
em geral < 10meq/L) e sem sinais de hemorragia diges tiva alta por rupturas de varizes esofágicas ou de fundo
gástrico (melena ou hematêmese). Pela classificação de Child-Turcotte modificada por
Na avaliação laboratorial, observamos que o paciente
Pugh (Tabela 82.2), validada para avaliar prognóstico,
apresenta alterações sugestivas de lesão hepática (aumen
classificamos o paciente como child B (7 pontos).
TABELA 82.2 - Classificação de Child-Turcotte modificada por Pugh
1 ponto
2 pontos
3 pontos
Ascite
Nenhum
Leve
Moderado/grave
Encefalopatia
Nenhum
Grau 1 - 2
Grau 3-4
Bilirrubina
3
Albumina
>3,5
2,8-3,5
50% 6 < 30% >2,3
Pontuação
Sobrevida em 1 ano %
Sobrevida em 2 anos %
Child A
5-6
100
85
Child B
7-9
80
60
Child C
10-15
45
35
AP = atividade de protrombina; RNI = relação normalizada internacional; TP = tempo de protrombina.
CAPÍTULO 82
5
Edema dos Membros Inferiores - 497
498 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 82
Sorologias para hepatite evidenciaram os seguintes
resultados:
de hepatite B crônica HBeAg-negativa diferenciam-se dos
estados de portador de HBsAg inativo pela presença de aminotransferases aumentadas, de HBeAg no fígado e
• Hepatite A: imune. Diagnóstico pela presença de
níveis mais elevados de DNA do HBV (Tabela 82.4).
anticorpo para vírus da hepatite A (anti-HAV) imu
O paciente realizou pesquisa de carga viral (HBV-DNA
noglobulina M (IgM), que surge no início do quadro
pela técnica de reação em cadeia da polimerase que evi
clínico e persiste por 4 a 12 meses; anti-HAV total
denciou 400.000.000 cópias/mL. Vale recordar que ensaios
é útil para avaliar imunização; profilaxia com vaci
de hibridização convencional não detectam cargas virais
na (0 e 6 meses) para indivíduos suscetíveis, sobre
menores que 500.000 cópias/mL, de forma que não de
tudo idosos e portadores de hepatite crônica. Assim,
tectam carga viral em portadores inativos, podendo não
o paciente em questão não necessitará de vacina.
detectar carga viral em portadores assintomáticos da he
• Hepatite C: não reagente (anti-HCV não reagente).
patite B (Tabela 82.4). Nesse momento, a biópsia hepática para fins diagnós ticos e terapêuticos teria indicação precisa. A biópsia pode ser indicada a pacientes com critérios de hepatite crônica,
Apresenta peculiaridades significativas quanto ao
diagnóstico: o anti-HCV não se desenvolve por semanas a meses após a enfermidade e as amino
transferases, embora mais comumente elevadas, mostram curso flutuante e podem, inclusive, ser
normais, mesmo com viremia. Assim, anti-HCV na convalescença ou pesquisa de RNA-HCV são ne cessários para excluir hepatite C aguda em paciente
com marcadores sorológicos inicialmente negativos. • Hepatite B: antígeno de superfície do vírus da he
patite B (HBsAg) positivo; anti-HBsAg negativo; anti-HBc total positivo (à custa de IgG); HBeAg negativo; anti-HBe positivo.
• Carga viral: 400.000.000 cópias/mL.
Vera seguir as possíveis interpretações para os resul tados de sorologias para hepatite B (Tabela 82.3).
Os resultados da sorologia indicam que o paciente tem
hepatite B crônica, uma vez que apresenta HbsAg posi tivo e não produziu anti-HBs. Ausência de antígeno e da
hepatite B (HBeAg) e presença de anti-HBeAg sugerem que o paciente saiu da fase replicativa e entrou na fase não replicativa da doença. Entretanto, o aumento de ami
notransferases e a possível exacerbação clínica alertam para a possibilidade de mutação na região pré-core do
vírus, a qual é responsável pela síntese do HBeAg e do
HBeAg viral. Assim, podemos dizer que os portadores
isto é, HBsAg positivo por mais de seis meses, HBV DNA sérico > 100.000 cópias/mL, elevações persistentes ou intermitentes das aminotransferases (maior que duas vezes o valor normal de referência), mas é imperativa para aqueles que não preenchem estes critérios. Como já dito, o diagnóstico da cirrose hepática é histológico. O fígado normal mostra o lóbulo hepático (parênquima hepático), a placa limitante (linha imaginária que limita o espaço porta e o parênquima hepático) e o espaço porta (forma do por veia porta, artéria hepática, ducto biliar e tecido conjuntivo). Na hepatite aguda, há grande predomínio de
alterações lobulares e a inflamação portal é bem menos pronunciada. Na hepatite crônica, há predomínio de alte rações no espaço portal, podendo haver fibrose e alterações que sugiram cirrose hepática. No fígado normal, há apenas um tipo de colágeno (tipo IV), presente na membrana basal, entre sinusoides hepá ticos e hepatócitos (região chamada de espaço de Disse), permitindo a troca entre hepatócitos e sinusoides. Em cirrose, temos o depósito de colágeno tipos I e III e célu las inflamatórias no espaço de Disse, o que forma septos no meio do parênquima e prejudica a troca de substâncias entre hepatócitos e os sinusoides (provenientes da veia porta), fazendo com que o sangue chegue às veias centro lobulares (no centro do espaço porta) sem serem filtradas.
TABELA 82.3 - Diagnóstico sorológico para vírus da hepatite B (HBV)
HBsAg
HBeAg
Anti-HBc IgM
Anti-HBc IgG
Anti-HBs IgG
Anti-HBe
Aguda
+
+
+
-
-
-
Crônica ativa
+
+
-
+
-
-
Crônica inativa ou crônica HBeAg negativo (distinção na Tabela 82.4)
+
-
-
+
-
+
Curado
-
-
-
+
+
+
Pós-vacina
-
-
-
-
+
-
HBeAg = antígeno e da hepatite B; HBc = antígeno core da hepatite B; HBsAg = antígeno de superfície do vírus da hepatite B; Ig = imunoglobulina.
Edema dos Membros Inferiores - 499
TABELA 82.4 - Três formas de infecção crônica pelo vírus da hepatite B
HBsAg
HBeAg
DNA HBV
HBcAg no fígado
Hepatite crônica
Hepatite crônica típica
Positivo
Positivo
107-1.011
Positivo (nuclear)
Ativa
Hepatite B crônica HBeAg-negativa
Positivo
Negativo
105-109
Positivo (citoplasmático)
Ativa
Estado de portador de HBsAg inativo
Positivo
Negativo
101 -103
Negativo
Inativa
HBeAg = antígeno e da hepatite B; HBcAg = antígeno core da hepatite B; HBsAg = antígeno de superfície do vírus da hepatite B.
A biópsia hepática no paciente com hepatite crônica/ cirrose é de fundamental importância tanto para o diag
até o momento, sugerindo que o paciente possa se bene
nóstico quanto para estagiar o grau de fibrose e determi
O acúmulo de substâncias vasoativas no território
nar se há áreas de infiltração e agressão inflamatória no
esplâncnico, devido à deficiente metabolização hepática,
espaço periportal (denominadas lesão em saca-bocado ao
leva a aumento do fluxo sanguíneo e da permeabilidade
microscópio), as quais denotam doença em atividade com
vascular no território esplâncnico, com redução subse
agressão do parênquima adjacente e formação de novos
quente da volemia para as demais regiões do organismo.
septos no tecido hepático, além de determinar necrose e
Isso gera importante ativação do sistema nervoso simpá
inflamação lobular. Vale recordar que hoje o sucesso te
tico, hipoperfusão renal e consequente ativação do siste
rapêutico no tratamento das hepatites B e C e imunolo
ma renina-angiotensina-aldosterona, responsáveis pela
gicamente mediadas pode resultarem reversão da fibrose
grande retenção de sódio (Na) no túbulo distal e formação
hepática já instalada. Essas informações permitem ao médico mensurara proporção de tecido viável que se
ficiar do tratamento antiviral.
de edema e ascite nesses pacientes. Pacientes com excre
ção de Na urinário > 80mEq/dia podem ser tratados ini-
beneficiará de tratamento e a atividade da doença, isto é, se a doença está ou não progredindo no momento do diagnóstico, além de avaliara resposta ao tratamento. Segundo a Sociedade Brasileira de Patologia, a classifi
cação histopatológica da cirrose hepática deve seguir os critérios elencados na Tabela 82.5. A biópsia do paciente evidenciou HBcAg no tecido
porimuno-histoquímica, estadiamento grau 4 e atividade periportal grau 2 e portal grau 3.
O resultado sugere cirrose (Fig. 82.1) por hepatite B crônica com replicação viral (HBcAg tecidual) e progres
Figura 82.1 - Biópsia hepática demonstrando cirrose,
são da doença em um fígado com bastante tecido viável
nesse caso, por vírus B.
TABELA 82.5 - Estadiamento histológico de cirrose hepática segundo a intensidade da fibrose portal e a atividade da doença
Grau ou atividade da doença (necroinflamação)
Fibrose portal (estadiamento) Atividade periportal
Atividade portal
Atividade lobular (parenquimatosa)
0: ausência de fibrose
0: ausente
0: ausente
0: ausente
1: fibrose portal
1: presença apenas de spill over ("extravasamento linfocitário")
1: discreta
1: tumefação, infiltrado linfocitário sinusoidal e ocasionais focos de necrose lítica hepatocitária
2: fibrose periportal
2: necrose em saca-bocados discreta ‒ focos ocasionais em alguns espaços porta
2: moderada
2: numerosos focos de necrose lítica hepatocitária
3: fibrose com septos porta-porta e porta-centro, esboçando formação de nódulos
3: necrose em saca-bocados moderada ‒ focos ocasionais em muitos espaços porta ou numerosos focos em poucos espaços porta
3: acentuada
3: áreas de necrose confluente ocasionais
4: Cirrose
4: necrose em saca-bocados acentuada ‒ numerosos focos em muitos espaços porta
4: muito acentuada
4: numerosas áreas de necrose confluente ou áreas de necrose pan-acinar
CAPÍTULO 82
Padrão
CAPÍTULO 82
500 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
cialmente apenas com restrição de Na dietético (até 2g de sal por dia). Caso o paciente apresente baixa excreção
histológicos avançados. O objetivo do tratamento é a
de Na, isso denota grande ativação neuro-humoral para a
so um ano após esta, o que ocorre em poucos casos. O
retenção de Na, de forma que esses pacientes se beneficiam
tratamento deve ser mantido em pacientes que conservarem
de diuréticos, sobretudo a espironolactona, a qual age no
supressão viral apesarde persistirem anti-HBeAg negativos.
túbulo distal renal. Em geral, inicia-se com dose de 50mg/
Os benefícios do tratamento prolongado estão claros em
dia, atingindo um máximo de 400mg/dia. Entretanto, do
pacientes com doença avançada, mas são mais controver
ses maiores que 200mg não costumam ser bem toleradas.
sos naqueles com doença leve, mesmo se HBeAg-positivos
Se preciso, pode-se associar diurético tiazídico, com uma
e/ou com altos níveis de HBV DNA, de forma que não estão
dose corrigida para a função renal do paciente. A diurese
indicados de rotina a este subgrupo.
HBeAg-soroconversão, podendo o tratamento sersuspen
continuando inadequada, pode-se ainda associar o diuré
Pacientes com HBeAgnegativo e hepatite crônica (ALT
tico de alça à espironolactona. Vale ressaltar que pacien
maior que duas vezes o valor normal e HBV DNA maior
tes cirróticos apresentam menor resposta diurética aos
que 20.000IU/mL) devem iniciaro tratamento no momen
diuréticos de alça que pacientes normais, por motivos
to do diagnóstico, uma vez que raramente ocorre remissão
ainda não claramente conhecidos. A resposta do paciente
sustentada sem ele. Importante ressaltaro curso flutuante
cirrótico grave pode sera excreção de 30mmol de sódio,
da hepatite B crônica nesses pacientes, de modo que é
ao passo que pacientes normais excretam até 250mmol.
necessário um seguimento próximo para diferenciá-los
O aumento da dose não traz muito benefício, a não ser
dos portadores crônicos inativos; então, muitas vezes
que haja insuficiência renal associada, o que acarreta me
deve-se considerara biópsia em pacientes com mais de
nor aporte do diurético ao seu sítio de ação (alça espessa
2.000 cópias/mL e ALT normais ou pouco aumentadas
do túbulo renal). Porém, o número maior de tomadas ao dia e a associação com tiazídicos parecem ser efetivos.
para avaliarse o tratamento é aconselhável. O tratamento
No caso em foco, o paciente colheu urina de 24h, que
evidenciou proteinúria de 0,1g/L e Na urinário de 85mEq/
dia e recebeu apenas restrição de Na dietético com me lhora significativa do edema em membros inferiores e da
ascite, mensurado pelo controle do volume abdominal e pela perda de peso. Pacientes com edema em membros inferiores devem perder até 1kg/dia, ao passo que pacien
tes sem edema devem perder até 500g/dia de peso.
Em relação ao tratamento antiviral para hepatite B,
vamos ressaltar alguns pontos importantes. Antes de tudo, é preciso compreender que o ciclo viral não é maléfico
aos hepatócitos per se. A lesão hepática deve-se sobretu
do à agressão imunológica do organismo mediada por linfócitos T via apresentação de antígenos contra hepató citos infectados. Esse fato explica portadores crônicos
assintomáticos com mínima lesão hepática, apesarda gran de replicação viral intra-hepática.
O tratamento está indicado a pacientes com hepatite
pode ser descontinuado caso desapareça o HBsAg por dois meses, mas isto só se dá em menos de 5% dos pa
cientes. Assim, mantém-se o tratamento por tempo inde
terminado em pacientes com supressão virológica, lem brando que a retirada da medicação geralmente se associa
a recaídas. Da mesma forma que nos pacientes HBeAg-
positivos, os agentes orais por tempo prolongado devem
ser evitados em pacientes com doença leve. Os marcadores de sucesso terapêutico classicamente
são perda de HBeAg, soroconversão para anti-HBeAg, que em geral é acompanhada de exacerbação com aumen to das aminotransferases em até três vezes o valor basal
(sobretudo no tratamento com interferon, devido ao efei to imunomodulador desta droga, que por isso não deve
ser usada em casos de cirrose com descompensação pré via ou atual), coincidindo com queda súbita nos níveis de
DNA do HBV. Apesarde a cura completa, definida como
desaparecimento do HBsAg, o qual ocorre meses a anos
B crônica com HBsAg e DNA do HBV no soro (em
após perda do HBeAg, e da viremia, ser mais rara (menos
geral, > 20.000 cópias/mL) e elevações nos níveis séricos de aminotransferases, além dos pacientes com cirrose
de 10% dos pacientes), os marcadores de resposta descri
descompensada e HBV DNA detectável pela PCR, inde
histológicos e de forma sustentada, sendo incomum a
pendentemente dos níveis das aminotransferases.
reativação viral (retorno do HBeAG e aumento de títulos
Pacientes com HBeAgpositivo podem seracompanha dos de perto por três a seis meses, para avaliar possível
de DNA do HBV). São preditores de boa resposta ao
HBeAg-soroconversão espontânea. Também podem ser
ao início do tratamento, doença hepática ativa ao estudo
apenas observados caso apresentem ALT menor que duas
histológico, baixos níveis de replicação viral, aquisição
vezes o valor normal, iniciando-se o tratamento quando
da infecção em idade adulta, ausência de cirrose hepática
há aumentos da ALT, exacerbações recorrentes ou achados
estabelecida.
tos anteriormente estão associados à melhora dos achados
tratamento antiviral: níveis elevados de aminotransferases
Edema dos Membros Inferiores - 501
• Interferon-alfa: droga classicamente usada no trata
venientes a sua posologia (5 milhões de unidades
adefovir nesses casos de resistência. Como pode
via subcutânea por dia, durante quatro a seis meses e por período superiora 12 meses nas formas com
fazer parte da terapia antirretroviral de alta eficácia para paciente com HIV, tem grande importância para
mutação pré-core e cargas virais acima de 10.000
os pacientes com coinfecção HIV e HBV.
cópias/mL) e seus efeitos colaterais diversos, que prejudicam o uso em pacientes com doença de base
grave, como febre, trombocitopenia, leucopenia,
• Adefovir ‒ dipivoxil: eficaz no tratamento da hepa tite B crônica tanto em pacientes com HBeAg po sitivos quanto negativos. É eficaz contra HBV re
ritmias. Seu efeito imunomodulador é responsável
sistentes à lamivudina (principal papel desta droga no momento), sobretudo quando usado em associa
pelas exacerbações observadas durante o início do
ção com a lamivudina (sem a retirada desta).
queda de cabelos, depressão, emagrecimento e ar
droga a pacientes com descompensação da cirrose
• Entecavir: extremamente seletivo contra a HBV polimerase e não apresenta atividade contra o HIV.
hepática atual ou prévia (ascite, hemorragia digesti
Apesar de raros casos de resistência em pacientes
va, encefalopatia ou icterícia) e a transplantados de órgãos sólidos. Interferon peguilado: semelhante ao
sem uso prévio de nucleosídeo, observa-se até 40% de resistência em pacientes refratários ao tratamen
interferon-alfa, mas com a vantagem de poder ser
to com lamivudina. Vem se mostrando superior à
administrado uma vez por semana, por períodos de
24 meses, mostra melhores resultados que o inter
lamivudina em pacientes virgens de tratamento com nucleosídeo para supressão virológica e melhora
feron convencional. Pacientes sem resposta ao in
histológica, em HBeAg negativos ou positivos.
tratamento da lesão hepática, o que contraindica essa
terferon devem ser considerados para os agentes • Lamivudina e outros análogos do nucleotídeo: apre
Como o paciente já apresentou uma descompensação da cirrose, optou-se pelo início do tratamento com lami
sentam como alvo a transcriptase reversa, bloquean
vudina e ele evoluiu com redução na carga viral em seis
do diretamente a replicação do genoma do HBV. A lamivudina é uma droga extremamente bem tolera
meses de 4 log, melhora dos níveis de aminotransferases (ALT = 50; e AST = 60) e histológica (estrutural = grau
da e o início do tratamento está associado à queda
4; e atividade periportal = grau 1), mas, como era espera
extremamente rápida de cerca de 4 a 6 log do DNA
do HBV nos primeiros três a seis meses de trata
do em um paciente HBeAg-negativo, continua com HBsAgpositivo. Evoluiu com melhora do edema e da ascite com
mento. A maioria dos pacientes permanece HBeAg-
restrição de sal, atualmente discretos. Faz seguimento
positivo com o tratamento prolongado, mas com
clínico para acompanhar resposta ao antiviral e para vigi lância do hepatocarcinoma com ultrassonografia e alfa
orais descritos adiante.
melhora nos níveis do DNA do HBV e das amino
transferases, o que persiste mesmo quando o HBV desenvolve resistência ao agente, sugerindo que o HBV mutante seja menos patogênico e menos efi ciente na replicação que o HBV selvagem, de forma que muitos mantêm o tratamento prolongado nestes pacientes, desde que não haja evidências clínicas de
falha no tratamento (e muitos continuam a apresen tarsoroconversão após o desenvolvimento de cepas
fetoproteína a cada seis meses, lembrando-se que o risco para esta neoplasia persiste mesmo em portadores assin tomáticos (ou inativos), apesarde ser maior em cirróticos.
DIAGNÓSTICO FINAL Cirrose hepática pelo vírus da hepatite B.
mutantes). Pacientes com negativação do HBeAg e
soroconversão para o anti-HBeAg devem ter o tra
BIBLIOGRAFIA
tamento descontinuado para evitar resistência à
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medicação. Pacientes HBeAg-negativos têm melho
ra histológica e nos níveis das aminotransferases em dois terços dos casos, mas recaídas após suspensão da medicação são frequentes; logo, costuma-se manter o tratamento prolongado com os agentes orais. O grande problema dessa droga é o desenvol vimento de resistência viral por mutação no amino
CAPÍTULO 82
mento da hepatite B crônica, apresenta como incon
ácido no gene da polimerase (YMDD), até 67% no quarto ano de tratamento. Hoje, muitos associam o
CAPÍTULO 82
502 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
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CAPÍTULO
83
Dorna Perna Kátia Emi Nakaema • José Luiz Pedroso A Medicina é a ciência da incerteza e
a arte da probabilidade. WlLLIAM OSLER
Paciente de 28 anos de idade, sexo masculino, procura ambulatório de Clínica Médica com dores nas pernas há seis meses. Doré uma experiência sensorial e emocional desagradável, uma manifestação subjetiva, variando sua apreciação de um indivíduo para outro e até em um mesmo indivíduo,
guindo mais trabalhar ou realizar suas atividades rotineiras. Nega qualquer antecedente de traumas, febre, inapetência ou emagrecimento. Fez uso de analgésicos comuns, sem obter melhora.
Neste caso, a dor na perna aparece como um sinal de alerta de que algo não está funcionando adequadamente
em circunstâncias, doenças ou causas externas distintas. A dor pode ser classificada em aguda ou crônica. A dor aguda é um importante sinal de alerta e em geral desaparece com a remoção do fator causal e a resolução do processo patológico ou, mesmo, com o envolvimento de outros mecanismos fisiopatológicos que levam à sua cronificação. A dor crônica é a que persiste por período
e chega a ser relevante a ponto de motivara procura por
superior àquele necessário para a cura de um processo mórbido, ou aquela associada a afecções crônicas (câncer, artrite reumatoide, osteoartrose, insuficiência vascular, aterosclerose de membros inferiores, neuropatia diabética). Este tipo de dordetermina acentuado estresse, sofrimen to e perda na qualidade de vida.
festações concomitantes.
serviço médico. A dor na perna é um sintoma que pode sercaracteri
zado pelo tipo de dor sua localização anatômica e/ou sua irradiação. A evolução dessa dor pode ter fatores desen
cadeantes e/ou agravantes e ainda atenuantes e/ou mani Inúmeras são as causas possíveis de dores em membros inferiores (Quadro 83.1): musculoesqueléticas e reuma
tológicas, distúrbios periarticulares (ligamentos, tendões, bursas), causas traumáticas, neoplásicas, vasculares (dis
túrbios venosos, arteriais e linfáticos), neurológicas, psico
gênicas, endócrinas, metabólicas e infecciosas. Assim, são
O paciente conta que, inicialmente, a dor acometia somente os pés, ao final do dia e melhorava após repou sar. Relacionava a dor ao fato de seu novo emprego exigir que ficasse o dia todo em pé. Notou que passou a sentira dor cada vez mais cedo quanto ao horário e que ela foi subindo para tornozelos e panturrilhas, principalmente à deambulação. A dor reduzia a distân cia percorrida, ultimamente até 50m. Há uma semana, a dor passou a surgir mesmo em repouso, não conse
diversas as causas em a se deve pensar para melhor abor
dagem de um paciente com dor em membros inferiores.
O paciente conta que nasceu e sempre viveu na cida de de São Paulo, é solteiro, estudante de supletivo e trabalha há dois anos em uma lanchonete de fast-food. Nega qualquer doença prévia ou cirurgia. Refere serta bagista desde os 15 anos de idade, cerca de um maço por
CAPÍTULO 83
504 - Problemas Gerais em Clínica Médica
QUADRO 83.1 - Principais causas de dores em membros inferiores • Musculoesqueléticas - Articular não inflamatória ■ Osteoartrite - Articulares inflamatória ■ Artrite reumatoide ■ Lúpus eritematoso sistêmico ■ Febre reumática ■ Gota ■ Pseudogota ■ Artrite infecciosa ■ Espondiloartropatias soronegativas ■ Polimialgia reumática ■ Infecções virais e bacterianas - Distúrbios periarticulares ■ Lesões pós-traumáticas ■ Ligamentares • Bursite • Tendinite • Entesite • Neoplásicas - Osteossarcoma - Doença de Paget • Vasculares - Trombose venosa profunda - Insuficiência venosa crônica ■ Varizes ■ Flebites - Doença arterial periférica ■ Oclusão arterial crônica ■ Vasculites inflamatórias • Poliangiite microscópica • Poliarterite nodosa • Wegener - Tromboangiite obliterante - Embolia arterial - Displasia fibromuscular - Linfedema • Neurológicas - Neuropatia periférica ■ Diabética ■ Alcoólica - Radiculopatias ■ Hérnia de disco • Endócrinas e metabólicas - Diabetes mellitus - Erros inatos do metabolismo - Porfiria intermitente aguda - Hipotireoidismo • Afecções cutâneas - Celulite - Erisipela - Úlceras venosas, traumáticas - Eritema nodoso • Psicogênicas - Fibromialgia - Síndrome da fadiga crônica - Síndrome de dor miofascial ____________________________________________________________
Ao considerarmos os diagnósticos diferenciais de dor na perna, a osteoartrite torna-se improvável pelo fato de
esta doença acometer indivíduos mais idosos e estar lo
calizada em articulações. Não há sintomas compatíveis com artrite reumatoide, como dor articular principalmen
te de interfalangeanas proximais, metacarpofalangeanas e punho ou rigidez matinal. O paciente não preenche critérios para o diagnóstico de lúpus eritematoso, o que
torna esta doença improvável: não há artralgias, manifes
tações cutâneas (eritema em “asa de borboleta”), lesões purpúreas, alopecia, úlceras nas pernas e vasculites.
Dentre as espondiloartropatias soronegativas, a espon
dilite anquilosante afeta jovens e adultos, entre 15 e 40 anos, principalmente do sexo masculino. Manifesta-se como rigidez matinal e dor localizada na região lombar
pelo comprometimento das articulações sacroilíacas, podendo progredire comprometertoda a coluna vertebral
(coluna em bambu). Pode haver comprometimento de
articulações de membros inferiores como calcaneodinia, tendinite e artrite. A princípio, acomete as articulações
sacroilíacas, com piora ao repouso e melhora com ativi dade física. O paciente poderia, pela faixa etária, apre sentar esse comprometimento, porém, ao exame clínico não exibe nenhuma dessas características, sendo impor
tante um exame físico osteoarticular cuidadoso. As varizes são causas muito frequentes de dores em
membros inferiores. A dor piora na posição ortostática e se alivia com o decúbito elevado das pernas. Embora
tenha história familiar, esse é um diagnóstico improvável, pois não há varizes presentes à inspeção dos membros. A
hipótese de trombose venosa profunda também é impro vável, pois tal doença possui classicamente envolvimento
assimétrico, associado a edema e calor do membro.
Doença arterial obstrutiva crônica tem como principal causa a aterosclerose. Os principais fatores de risco en
volvidos são: diabetes mellitus, hipertensão arterial sistê mica, obesidade, dislipidemias. O paciente em questão não tem tais fatores de risco e é muito jovem para pen sarmos nessa doença.
Tromboangiite obliterante é um diagnóstico a ser considerado, pois o paciente é jovem e tabagista. As manifestações clínicas são isquemia leve até lesões ulce radas como gangrenas de extremidades, podendo ser
acompanhadas de fenômeno de Raynaud e tromboflebites. dia, e etilista social. Não é usuário de drogas e nega pro miscuidade sexual ou doenças sexualmente transmissíveis. Dos antecedentes familiares, o pai faleceu aos 56 anos por infarto agudo do miocárdio. A mãe é viva, tem 60 anos e diagnóstico de diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, obesidade e varizes de membros in feriores. O único irmão de 37 anos teve diagnóstico recente de gota.
Seu quadro clínico é de dor com características de clau dicação intermitente, a dor melhora com o membro pen
dente e piora ao repouso elevado do membro. Existem outras vasculites que são acompanhadas por
sinais clínicos de púrpura, fenômeno de Raynaud e aco
metem jovens. Uma delas é a doença de Takayasu, em que existe comprometimento de grandes vasos, o que pode
Dor na Perna - 505
como a angiografia, poderá mostrar alterações típicas da
sinais sistêmicos como febre, perda de peso ao exame
doença e diferenciá-la da doença aterosclerótica.
clínico e ausência de pulsos periféricos.
O diagnóstico de neuropatia periférica continua sendo
A poliarterite nodosa é uma vasculite inflamatória
possível, pois temos uma alteração da sensibilidade tátil,
crônica, acomete vasos de médios e pequenos calibres e
devendo-se investigar possíveis causas de neuropatia
pode cursar com claudicação. Acomete com mais frequên
periférica de origem não vascular, como a neuropatia de
cia mulheres jovens.
causa alcoólica. O paciente também se encontra eutrófico,
Neuropatia periférica é uma síndrome que se caracte
sem sinais de deficiência nutricional, por exemplo, de
riza por comprometimento do nervo periférico, podendo
vitaminas do complexo B (atrofias cutâneas, musculares,
causar sintomas sensitivos, como dore parestesias, sin
gengivites, cabelos e unhas quebradiços).
tomas motores, como fraqueza musculare disautonômicos,
como sudorese e sensação de edema. As causas para neuropatia periférica são: medicamentos, diabetes melli tus, hipotireoidismo, etilismo crônico, doenças infecciosas (como coxsackie, hepatites virais) e vasculites sistêmicas.
Suspeita-se dela pelo comprometimento de dores em membros inferiores, simetria, associada ou não a pares
tesias, iniciando-se em região plantar até joelhos (padrão em botas) e não tem relação com movimento ou repouso.
Ao exame físico, apresenta-se com pressão arterial de 128 × 86mmHg em membro superior direito, com frequência cardíaca de 78bpm, rítmico, frequência res piratória de 18irpm, com saturação de oxigênio em ar ambiente de 97%, e índice de massa corporal de 24. Encontra-se em bom estado geral, corado, acianótico, anictérico, hidratado e afebril. Não apresenta gânglios palpáveis. Sem sinais de estase jugular.Tireoide normo palpável. Aparelho cardiovascular: bulhas rítmicas, normofonéticas, em dois tempos, sem sopros, sem frê mitos e ictus normal. Propedêutica pulmonare abdominal sem alterações. Ao exame das extremidades: à inspeção, mostra rarefação de pelos na face anterior das pernas, coloração cianótica nos pés, sem edema. À palpação, diminuição de temperatura, pulsos pediosos e tibiais posteriores diminuídos (+/4+) e dorao toque do exame. Paciente sem sinais de varizes ou flebites. Panturrilhas livres. Propedêutica osteoarticular sem alterações.
O exame físico é compatível com doença arterial, devido ao achado de redução dos pulsos periféricos, dimi
nuição de temperatura e cianose. A presença de tabagismo na história é fator predisponente para doença vascular.
Em pacientes jovens e tabagistas, com sinais de doença
Solicitados exames de sangue: hemograma ‒ hemoglobina/hematócrito = 16,5/50; leucócitos = 7.100/ mm3 (68% de neutrófilos e 22% de linfócitos); plaque tas = 249.000/mm3; ureia = 26mg/dL; creatinina = 0,7mg/dL; ácido úrico = 6mg/dL; albumina = 4,5; ati vidade de protrombina = 90%; glicemia de jejum = 81mg/dL; velocidade de hemossedimentação = 45mm; proteína C-reativa = 0,1; alfa-1 glicoproteína ácida = 60; colesterol de lipoproteína de baixa densidade = 85; colesterol de lipoproteína de alta densidade = 70; tri glicérides = 110; hormônio estimulante da tireoide = 3. Urina tipo 1 sem alterações. Posteriormente, os resul tados de sorologias foram para HIV, hepatites B e C e HTLV I e II não reagentes. Perfil de autoanticorpos: anti-DNA, fator antinuclear, anticorpo anticitoplasma de neutrófilo, fator reumatoide, anticorpo antifosfolipí dio e complemento sérico normais. A radiografia simples das pernas e pés não mostrou nenhum sinal de lesões osteoarticulares. Com esses exames, podemos ver que o paciente não
apresenta um quadro de vasculite sistêmica inflamatória ou de doenças de risco cardiovascular como diabetes mellitus e dislipidemias ou neuropatia metabólica, doen
ças tumorais ou infecciosas.
Das outras causas menos frequentes de neuropatia, como as vasculites sistêmicas, podem ser afastadas com
estes exames infecção pelo HIV e pelo HTLV e doenças
autoimunes como lúpus, Wegenere poliarterite nodosa.
Em relação aos tumores, com osteossarcoma poderia haver deformidade óssea notável pela palpação e a radio
grafia mostraria reação periosteal do tipo espiculado ou
arterial, deve-se pensar na possibilidade de uma vasculi
em raios de sol e poderia acometer com aumento de par
te, como a tromboangiite obliterante.
tes moles, o que não ocorreu neste caso, afastando tal
A semiologia é compatível com o diagnóstico de
hipótese diagnóstica.
tromboangiite obliterante, com pulsos diminuídos, alte
O quadro é mais compatível com tromboangiite oblite
ração de sensibilidade e temperatura. O diagnóstico pode
rante: o paciente é jovem, a história é de claudicação inter
ser confirmado excluindo-se outras causas que possam
mitente crônica, tem antecedente de tabagismo e o exame
mimetizar seu quadro clínico. O exame complementar,
físico é compatível com sinais de obstrução arterial.
CAPÍTULO 83
levar à obstrução de seus ramos. O indivíduo apresenta
Tendo excluído diversas hipóteses diagnósticas por meio de anamnese, exame físico e exames complementa res, ficamos com a hipótese de tromboangiite obliterante. O paciente foi orientado a cessaro tabagismo com pletamente e encaminhado para grupos de apoio e orientado em relação a medidas de proteção do membro (sapatos confortáveis, proteção térmica, repouso). Foi solicitada arteriografia dos membros inferiores. O paciente retornou após duas semanas com o exame que mostrava artérias (tibial anterior, posterior, fibular) lisas com obstrução distal e com pouca circu lação colateral, enoveladas e de fino calibre (aspecto de saca-rolhas) e foi novamente orientado quanto à impor tância de cessar completamente o tabagismo e à proteção do membro.
DIAGNÓSTICO FINAL Tromboangiite obliterante.
DISCUSSÃO A tromboangiite obliterante ou doença de Buergeré uma
978-85-4120-074-5
CAPÍTULO 83
506 - Problemas Gerais em Clínica Médica
Figura 83.1 - Tromboangiite obliterante ou doença de Winiwarter-Buerger. Observa-se uma veia com trombose recente já iniciando o processo de organi zação. As fibras musculares lisas da camada média são arranjadas frouxamente e, entre elas, há infiltrado inflamatório crônico inespecífico, constituído princi palmente de linfócitos (portanto, flebite). Imagem cedida gentilmente pelo Professor Luciano Queiroz, do Departamento de Anatomia Patológica da Facul dade de Medicina da Universidade de Campinas.
doença inflamatória, não aterosclerótica, que acomete artérias e veias de pequeno e médio calibres e nervos das extremidades. Foi descrita em 1908 porLeo Buerger em
ção oclusiva do trombo com extensa recanalização deste,
Nova York, Estados Unidos.
com vascularização proeminente das camadas média e
Predomina em indivíduos de sexo masculino (4 a 9
adventícia e fibrose perivascular(Fig. 83.1).
homens ‒ 1 mulher), jovens (antes de 35 anos de idade)
Entre as manifestações clínicas, observa-se acometi
e tem intensa relação com o hábito de fumar.A doença é
mento inicial de artérias distais, de médio e pequeno
mais prevalente nos países mediterrâneos, Oriente Médio e Ásia e vem apresentando declínio em sua prevalência
calibre, com obstrução das artérias digitais, plantares e
nos países ocidentais e no Japão, nas últimas décadas. A
mais avançados da doença. A lesão arterial apresenta-se
taxa de incidência na América do Norte é estimada em 8
com progressiva isquemia leve, com palidez, esfriamento
a 11,6 por 100.000 habitantes por ano.
e claudicação, no princípio no pé e no tornozelo, passan
Diversas teorias a respeito de sua etiologia e patogê
nese têm sido estudadas, porém, ainda se conhece muito pouco sobre os mecanismos da doença. O tabaco apresen ta forte associação com ela, incluindo o fumo mastigado, mas, não é o fator etiológico e, sim, o fator desencadean
tibiais, ocorrendo lesão em femorais e ilíacas nos estágios
do para a panturrilha, até exibir isquemia grave, com
gangrena e perda da extremidade. Outros sinais e sintomas presentes no momento do diagnóstico foram descritos por
diversos trabalhos (Tabela 83.1).
O envolvimento de membros superiores (Fig. 83.2)
te da tromboangiite obliterante. Todas as artérias podem ser acometidas, comprometen
pode ser observado, com a evolução da doença, em mais
do a vasodilatação endotélio-dependente até mesmo de
de 50% dos casos, havendo progressivamente lesões em
membros não afetados clinicamente pela doença. Na fase
digitais até a artéria subclávia.
aguda, ocorre hiperplasia da camada elástica, acompanha
A literatura a respeito da doença de Buergernos mos
da da formação de trombo intraluminal com infiltrado in
tra diversos critérios diagnósticos (Tabela 83.1), porém
flamatório periférico de leucócitos polimorfonucleares e
com muita controvérsia. Os achados mais clássicos (Qua
células gigantes, com aspecto de microabscessos. Na fase
dro 83.2) (sexo masculino, idade inferior a 35 anos, ta
intermediária, há progressiva organização do trombo acom
bagismo, claudicação intermitente de membros inferiores)
panhada de intensa infiltração celular por dentro do trom
indicam que o diagnóstico clínico é correto. Papa e Adar
bo. O estágio final é caracterizado por completa organiza-
propuseram critérios diagnósticos utilizando pontuações
Dor na Perna - 507
Critérios Positivos
978 85 4120 074-5
Idade
< 30/30-40 anos
Pontos +2/+1
QUADRO 83.2 - Sinais e sintomas ao diagnóstico de tromboangiite obliterante • Dor ao repouso: 91 (81%) • Úlceras isquêmicas: 85 (76%) • • • • • • • •
Alterações sensoriais: 77 (69%) Claudicação intermitente: 70 (63%) Teste de Allen alterado: 71 (63%) Fenômeno de Raynaud: 49 (44%) Tromboflebite: 43 (38%) Extremidade inferior: 39 (46%) Extremidade superior: 24 (28%) Ambas as extremidades: 22 (26%)
Claudicação de membros inferiores
Presente/evolução
+2/+1
Acometimento de membros superiores
Sintomático/ assintomático
+2/+1
Tromboflebite superficial migratória
Presente/evolução somente
+2/+1
Fenômeno de Raynaud
Presente/evolução somente
+2/+1
Angiografia/biópsia
Ambos/apenas um
+2/+1
Os estudos angiográficos podem revelar alterações típicas da tromboangiite obliterante, porém não são pa
Idade
45 - 50/>50 anos
-1/-2
Sexo/hábito de fumar
Feminino/não tabagista
-1/-2
tognomônicas. Encontram-se artérias (tibial anterior, posterior, fibular) lisas com obstrução distal e com pou
Membro único/não acomete membros inferiores
-1/-2
Critérios Negativos
Localização
Ausência de pulsos
Braquial/femoral
ca circulação colateral, enovelada e de fino calibre. A circulação colateral em “saca-rolha” é o aspecto mais
típico, devendo ser observada no trajeto da artéria obs -1/-2
truída, formando-se talvez pela dilatação da vasa vasorum
dessa artéria. Arteriosclerose, diabetes, hipertensão, dislipidemia
Diagnosticados depois de 5 a 10 anos/2 a 5 anos
-1/-2
Em relação ao tratamento da tromboangiite obliteran te, várias terapias medicamentosas ou cirúrgicas já foram propostas, porém nenhuma delas foi satisfatória. A completa abstinência de fumo, em qualquerde suas
que incluem ou excluem a hipótese diagnóstica, com a
formas, permanece como a única maneira de impedira
vantagem de ser um critério que pode classificar objeti
progressão da doença. Cooper et al. demonstraram que o
vamente os pacientes (Quadro 83.2). A certeza diagnós
risco de amputação é eliminado após oito anos da cessa
tica pode ser classificada como “certa” com 6 ou mais
ção do tabagismo.
pontos, “provável” com 4 a 5 pontos, “questionável” com
O tratamento do paciente com tromboangiite oblite
2 a 3 pontos e “excluída”, com 0 a 1 ponto. Há testes laboratoriais não específicos que podem
rante inclui, além da cessação do tabagismo, o estímulo
para os pacientes com claudicação realizarem caminhadas,
ajudara excluir doenças que possam mimetizar a trom
cuidados com os pés, tratamento de úlceras e de suas
boangiite obliterante: hemograma completo, função he pática, função renal, glicemia de jejum, análise de sedi mento urinário, provas inflamatórias de fase aguda,
infecções. Vasodilatação com bloqueadores de canais de
pesquisa de autoanticorpo como anticorpo antinuclear,
indicadas quando há risco de perda do membro compro
ANCA, fator reumatoide, complemento sérico, provas de distúrbios da coagulação.
metido ou para delimitar melhor o local anatômico de
cálcio podem melhorar os sintomas. Revascularização distal ou simpatectomias lombares e cervicotorácicas são
amputação. E, como última escolha, a amputação. A tromboangiite obliterante completa 100 anos da sua primeira descrição e poucos foram os avanços em relação à etiologia, ao diagnóstico e ao tratamento da doença. É
um diagnóstico que não pode ser esquecido quando esta mos diante de um paciente com dor em membros, pois
somente poderemos estudar e tentar compreender esta doença e pensar melhores tratamentos se conseguirmos
diagnosticá-la. Quando estamos diante de um paciente que se queixa de dor na perna, uma infinidade de causas deve virà nos
Figura 83.2 - Necrose em dedos, observada em pa
sa mente para que possamos formarum raciocínio clínico
ciente com diagnóstico de tromboangiite obliterante.
coerente que direcionará anamnese, exame físico e exames
CAPÍTULO 83
TABELA 83.1 - Critérios diagnósticos para tromboangiite obliterante
CAPÍTULO 83
508 - Problemas Gerais em Clínica Médica
complementares. Assim, será possível pensar nos principais diagnósticos diferenciais para este sintoma tão frequente na prática médica e a melhor maneira de abordá-lo.
BIBLIOGRAFIA BURIHAN, E.; RAMOS, R. R. Ccrdttasβn cirtr^a São Paulo: Atheneu, 2001. KRÖGER, K. Bueigefs disease: what has the last decade taught us?
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___________________________________
CAPÍTULO
Cervicobraquialgia Thiago Gonçalves Fukuda • Jamile Seixas Fukuda • José Luiz Pedroso Tenho a velha crença de que um bom observador significa,
na realidade, um bom teórico.
Charles Darwin
Mulher branca, 43 anos de idade, destra, natural de Pernambuco, procedente de São Paulo há 15 anos, costureira por20 anos, apresenta para consulta ambu latorial com queixa de que há cerca de sete meses se iniciou quadro de dor na mão direita, de caráter pro gressivo, estendendo-se até braço e antebraço, em queimação, moderada intensidade, sem variações du rante o dia ou irradiações perceptíveis. Refere que, apesarda dor nesse local, vem apresen tando diminuição de sensibilidade, inclusive com alguns ferimentos locais nesse período. Associada ao quadro inicial, queixa-se de dor cervical em peso, de leve a moderada intensidade, diária, com piora à tosse e à movimentação cervical, e não nota irradiação. Tem antecedente apenas de hipertensão arterial sistêmica controlada com 25mg de hidroclorotiazida. Nega taba gismo, etilismo ou uso de substâncias ilícitas.
ticos diferenciais, em cada topografia, encontra-se no Quadro 84.1. Quando estamos diante de um paciente dorno braço e em região do pescoço, o primeiro diagnóstico que nos
vem à mente é o de lesões de raízes nervosas, no entanto,
o quadro clínico clássico de uma radiculopatia é de dor cervical em choque ou queimação com irradiação para os membros superiores seguindo o trajeto de um ou mais
dermátomos radiculares específicos (Fig. 84.1), seja de
vido a uma compressão foraminal ou radicular (maligna,
discal), seja por uma radiculite inflamatória ou infecciosa. A paciente não tem irradiação de dor típica, não sugerin do, a princípio, uma dor radicular. Ao pensarmos em lesões do plexo braquial, é impor
tante citar algumas entidades clínicas como tumores apicais
de pulmão (tumor de Pancoust) ou linfomas torácicos, a Os sintomas apresentados pela paciente em questão são
síndrome do desfiladeiro torácico e a neurite braquial
compatíveis com uma síndrome de cervicobraquialgia. Os diagnósticos possíveis em um paciente com essa sintoma
(síndrome de Parsonage-Turner). Nas entidades malignas
pulmonares, geralmente a história é acompanhada de
tologia são diversos, transpassando muitas vezes o campo
perda de peso significativa, tosse, dor torácica e relato de
clínico de múltiplas especialidades neurológicas, ortopé
tabagismo prévio; em linfomas, febre e sudorese podem
dicas, reumatológicas e até psiquiátricas.
fazer parte do quadro clínico. A síndrome do desfiladeiro
Uma abordagem útil para esses casos é considerar o
torácico é uma entidade descrita em pacientes jovens com
problema com base nas estruturas dolorosas da região dos
sintomatologia de compressão neurovascular (plexo bra
membros superiores e pescoço. As principais são a me
quial e artéria ou veia subclávia), cervicobraquialgia, associa
dula espinhal, as raízes nervosas sensitivas, os nervos
dos ou não a sinais de trombose ou gangrena digital, de
periféricos, o plexo braquial, partes articulares, ligamen
etiologia variada que pode ser anatômica, traumática,
tos e músculos. Um esquema com os principais diagnós
neoplásica e ocupacional. A síndrome de Parsonage-Turner
510 - Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 84
QUADRO 84.1 - Diagnóstico diferencial de cervicobraquialgia • Medula e raiz nervosa - Intramedular ■ Tumores (ependimomas, gliomas e linfomas) ■ Mielite cervical (inflamatória, desmielinizantes) ■ Siringomielia - Extramedular ■ Degeneração discal cervical ■ Hipertrofia de ligamentos espinhais ■ Osteófitos hipertróficos ■ Hérnia discal ■ Espondilose cervical ■ Tumores metastáticos ■ Tumores primários (schwannomas, meningiomas) ■ Abscesso epidural ■ Espondilodiscite ■ Hemorragia epidural medular ■ Radiculite • Nervos periféricos e plexo braquial - Plexo braquial ■ Neurite braquial (Parsonage-Turner) ■ Tumores torácicos (pulmão, linfomas) ■ Síndrome do desfiladeiro torácico ■ Encarceramento escapular ■ Traumatismo - Nervos periféricos ■ Síndrome túnel do carpo ■ Encarceramento do nervo ulnar ■ Síndrome do nervo radial e interósseo posterior ■ Distrofia simpática reflexa • Causas não neurológicas - Tenossinovite de Quervain - Epicondilite - Bursite - Fibromialgia - Síndrome miofascial - Polimialgia reumática
é uma afecção do plexo braquial acompanhada de dor
relevante que predomina no período noturno, de caráter agudo ou subagudo, mais frequente em homens jovens e
que pode ter origem inflamatória, autoimune, paraneoplá sica e hereditária. É importante lembrar que as plexopatias
podem vir acompanhadas de diminuição de força muscu-
lar, atrofia e fasciculação que não estavam presentes na história da paciente.
O histórico ocupacional é de fundamental importância para o raciocínio clínico em casos de cervicobraquialgia.
Para a paciente, que é costureira por 20 anos, dois diag nósticos podem ser aventados: síndrome do túnel do
carpo e tenossinovite de Quervain. O túnel do carpo é uma afecção de nervo periférico (nervo mediano) que se
caracteriza pordore parestesia na mão (primeiro, segun
do e terceiro dedos), antebraço e algumas vezes até ombro, com predomínio noturno. A tenossinovite de Quervain, conhecida como “tendinite da lavadeira”, caracteriza-se por dor na extensão do punho e do primeiro quirodáctilo,
com irradiação para o braço e hipersensibilidade à palpa
ção, devido à inflamação da bainha do abdutor longo e
extensor curto do polegar.
Ao exame físico, apresenta-se em bom estado geral, calma, orientada, corada, hidratada, acianótica, afebril. Pressão arterial: 140 × 90mmHg na posição sentada. Pulso regular, simétrico em ambos os membros, com frequência de 80bpm. Ausência de linfonodos palpáveis ou sopros carotídeos. Murmúrios vesiculares presentes e simétricos sem ruídos adventícios, as bulhas rítmicas em dois tempos sem sopros cardíacos. O abdome está flácido, sem visceromegalias, com ruídos presentes. Extremidades bem perfundidas e sem sinais de edema; sinal de lesão térmica recente em região palmar do primeiro quirodáctilo da mão direita não há dorà pal pação de musculatura cervical ou paravertebral, nem dorà abdução, extensão ou rotação de ombro. Sinais de Tinel, Phalen e Finkelstein ausentes. Ao exame neurológico, a paciente mostra-se vígil, sem alterações em funções corticais superiores, marcha e equilíbrio estático sem alterações, normotônica, força muscular5/5 em todos os grupamentos musculares, os reflexos tendinosos ++/4 globalmente, com exceção do tricipital, bicipital e estilorradial do membro superior direito, que são +/4. Há sinal de Babinski à direita. Sem alteração em provas cerebelares. Hipoestesia tátil, do lorosa e térmica em toda a mão direita, não poupando nenhuma região. As pupilas estão isocóricas, normor reativas sem alteração ao exame de outros nervos cranianos ou presença de sinais meníngeos.
O exame físico da paciente não sugere afecções arti culares ou mesmo tenossinovites, como a doença de Quervain, devido à ausência de dorà mobilização e sinal de Finkelstein ausente (consiste em dorà altura do pro cesso estiloide, quando é feito o desvio ulnar passivo da mão, enquanto o polegar está fletido e aduzido sobre a região palmar e sobre ele se fletem os demais dedos).
Figura 84.1 - Dermátomos radiculares cervicais.
Também não é sugestivo de doenças compressivas ao nível do túnel do carpo, pois não respeita a topografia da lesão
Cervicobraquialgia - 511
do nervo, inclusive com acometimento da face palmarda que passa fora do túnel do carpo, além da ausência dos
sinais de Tinel (é pesquisado com a percussão do punho, sendo positivo com dorou formigamento no polegare no
indicador ou entre os dedos médios) e de Phalen (pesqui
sado com a flexão a 90° do punho; se os sintomas forem
reproduzidos em 60s, é considerado positivo).
Não foram achados sinais sugestivos de doenças ma lignas torácicas e síndrome do desfiladeiro torácico, pois a paciente tem ausculta pulmonar normal, não tem sinais
autonômicos simpáticos, e nenhuma alteração vascular
em extremidades de membro superior A possibilidade de lesões de plexo e as afecções radiculares isoladas também
ficam um pouco mais distantes devido à ausência de al teração típica de dermátomos radiculares e à existência
de um sinal de liberação piramidal (sinal de Babinski), apesarde assimetria nos reflexos que pode sugerir alguma
alteração de arco reflexo dos membros superiores.
O passo seguinte da investigação foi a realização de radiografia de coluna cervical em incidências posteroan terior de perfil e oblíqua, para afastar alterações ósseas significativas. Em seguida, foi solicitada ressonância nu clearmagnética de coluna cervical como exame de esco lha para investigação de doenças medulares. Exames complementares: radiografias de coluna cer vical em incidências posteroanterior de perfil e oblíqua não exibem anormalidades. Após da ressonância nuclear magnética com hipossinal
em T1 e hipersinal em T2 compatível com sinal do líquor e com dilatação intramedular foi fechado o diagnóstico de siringomielia (Figs. 84.2 e 84.3), não sendo necessário prosseguira investigação com estudo do líquorpra inves tigar doenças inflamatórias ou infecciosas, nem biópsia medularem de suspeita de doenças neoplásicas. A paciente foi então encaminhada ao serviço de neu rocirurgia para correção cirúrgica, evoluindo de modo estável após o procedimento e evitando, assim, a progres são dos sintomas apresentados.
DIAGNÓSTICO FINAL Siringomielia e malformação de Chiari tipo I.
Figura 84.2 - Ressonância nuclear magnética da co luna cervical ponderada em T2, em corte sagital, mostrando invaginação das tonsilas cerebelares para o canal vertebral - malformação de Arnold-Chiari (A) e grande dilatação do canal central da medula - sirin gomielia (B).
Figura 84.3 - Ressonância nuclear magnética de co luna cervical T2, corte axial, demonstrando hipersinal intramedular compatível com dilatação de preenchi mento de canal intramedular por líquor.
CAPÍTULO 84
mão, que é inervada pelo ramo externo do nervo mediano
Com sinais de acometimento de sistema nervoso cen tral fica mais provável um acometimento de medula espi nhal, que pode se devera uma lesão primária extra ou intramedular.As principais doenças extramedulares são os tumores primários ou metastáticos e as protrusões discais e intramedulares são as doenças inflamatórias/desmielinizantes, neoplásicas e siringomielia.
512 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 84
DISCUSSÃO Siringomielia é o desenvolvimento de uma cavidade ou sírinx dentro da medula espinhal. Essa cavidade pode se expandire alongarao longo do tempo, destruindo a medu la. Sua prevalência estimada é de 8,4 casos por 100.000 pessoas. A doença geralmente se manifesta na terceira ou quarta década de vida. Nenhuma diferença geográfica na prevalência é conhecida e afeta mais pacientes do sexo masculino. A siringomielia costuma ter evolução progres siva e lenta, porém, em alguns casos, pode ter evolução mais aguda, principalmente quando o tronco cerebral é afetado (siringobulbia). Na maioria das vezes, envolve a medula cervical. Os sintomas desenvolvidos dependem da localização da lesão. O paciente pode cursar com:
A malformação de Chiari tipo I é caracterizada por alongamento do cerebelo e deslocamento caudal das
amígdalas cerebelares através do forame magno, podendo
levara sintomas como cefaleia nucal, perda de força (principalmente nas mãos), dormência. É muito frequen
te a associação com siringomielia e muitos acreditam que a presença do Chiari tipo I pode formar um bloqueio li quórico criando um fluxo anormal intramedular sendo parte da gênese da siringomielia.
O tratamento da siringomielia consiste na drenagem da cavidade por meio cirúrgico com a correção da condi ção-base que provocou o surgimento da sírinx, como
ressecção de uma neoplasia ou correção de uma malfor
mação de Chiari.
O tratamento da malformação de Chiari tipo I consis • Perda sensitiva dissociada: o paciente cursa com re dução da sensibilidade à dore à temperatura devido à lesão na decussação das fibras espinotalâmicas (as quais medeiam a temperatura e a sensibilidade dolo rosa), enquanto sensibilidade vibratória, posicional e tato epicrítico são preservados. Quando a cavidade cresce e acomete o funículo posterior,o paciente pode cursar com alteração da sensibilidade profunda. • A disestesia referida pelos pacientes, geralmente, envolve o pescoço e os ombros, porém, pode ter uma distribuição radicular em braços e tronco. O paciente pode cursar com sintomas decorrentes de lesão de neurônio motor inferior quando a sírinx atinge o corno anterior da medula (como atrofia muscular, diminuição dos reflexos osteotendíneos no nível da lesão). • Sinais de tronco encefálico são comuns em pacientes que cursam com siringomielia associada à malfor mação de Chiari, que é um deslocamento das tonsi las cerebelares abaixo do forame magno e está rela cionado a 20 a 25% dos casos de siringomielia.
te essencialmente em remover o osso na região da her niação tonsilar (suboccipital) junto com a margem poste riordo forame magno e, geralmente, do anel posteriorda vértebra C1 e fechamento com um enxerto dural coloca
do para aumentaro espaço entre as estruturas intradurais.
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CAPÍTULO
85
Surdez Bruno Thieme Lima
Paciente de 68 anos de idade, do sexo feminino, com queixa de surdez. Refere que a surdez se iniciou há cinco anos, lentamente progressiva, bilateral, seme lhante em ambas as orelhas, constante, que piora em ambientes ruidosos. Relata dificuldade principalmente para compreendero que as pessoas falam.
As perdas auditivas podem ser divididas em conduti
vas, neurossensoriais ou mistas. As alterações em orelhas
externa e média geralmente levam a perdas condutivas, ao passo que as alterações de orelha interna e vias audi tivas levam a perdas neurossensoriais.
A paciente em questão está na faixa etária em que se A surdez é uma queixa frequente na população, princi
dá a maior prevalência de perdas auditivas. Essas perdas
palmente em idosos. Uma grande variedade de causas
podem decorrer de alguma doença específica ou, mais
pode levara esse sintoma, desde doenças da orelha ex
frequentemente, de uma associação de fatores. O quadro
terna até doenças do sistema nervoso central (Quadro
insidioso apresentado pela paciente, com evolução por
. 85.1) Nos Estados Unidos, aproximadamente 10% da
anos, e o fato de acometeras orelhas simetricamente
população adulta apresenta algum tipo perda auditiva.
sugerem doença degenerativa ou sistêmica.
Essa incidência aumenta ainda mais na população idosa, chegando a 30% dos americanos com mais de 65 anos.
Um quadro que ocorre com relativa frequência em idosos e que pode ser prontamente excluído apenas pela
QUADRO 85.1 - Causas de perda auditiva Doenças da orelha externa - Cerume - Otite externa - Corpo estranho - Tumores do conduto auditivo externo Doenças da orelha média - Otite média aguda - Otite média serosa - Otite média crônica - Alterações da cadeia ossicular Congênitas e hereditárias - Síndrome de Alport - Síndrome de Usher - Síndrome do aqueduto vestibular alargado Infecciosas - Neurite viral - Sífilis terciária Medicamentosa - Aminoglicosídeos - Diuréticos de alça - Salicilatos
• Traumáticas - Barotrauma - Perda auditiva induzida pelo ruído - Traumas cranioencefálicos • Neurológicas - Esclerose múltipla • Vascular/hematológica - Migrânea - Crioglobulinemia • Imunológicas - Poliarterite nodosa - Lúpus eritematoso sistêmico • Alterações ósseas - Otosclerose - Doença de Paget • Degenerativas - Presbiacusia • Idiopáticas - Doença de Ménière • Neoplásicas - Schwannoma vestibular
CAPÍTULO 85
514 - Problemas Gerais em Clínica Médica
queixa de evolução insidiosa é o de surdez súbita. A
A queixa de tontura deve sempre ser investigada em
surdez súbita é uma entidade em que a perda auditiva,
pacientes com perdas auditivas, devido à íntima relação
geralmente unilateral, é de instalação súbita ou rapida
da cóclea com o aparelho vestibular e pelo fato de que
mente progressiva. Pode ter causa identificável, porém a
diversas doenças afetam ambos, concomitantemente. Uma
grande maioria é idiopática. Normalmente, é atribuída a
doença prevalente que pode causarhipoacusia é a doença
infecção viral, distúrbios microcirculatórios da orelha
de Ménière, caracterizada pela tontura rotatória em crises
interna, processo autoimune, entre outros. Deve serpron
associada à perda auditiva, a zumbido e plenitude aural
tamente identificada, pois o tratamento na fase inicial
(sensação de pressão em ouvidos). A hipoacusia é carac
aumenta as chances de recuperação auditiva. O tratamen
teristicamente flutuante, mas pode se tomar permanente
to consiste em corticosteroides em altas doses, associados
com a evolução do quadro. A doença de Ménière pode
a agentes hemorreológicos (porexemplo, pentoxifilina) e
ser afastada pela ausência de sintomas vestibulares.
antivirais.
A perda auditiva em idosos não se dá exclusivamente
A piora da hipoacusia em ambientes ruidosos é comum
pelo processo de envelhecimento celular.Diversos fatores
devido ao mascaramento dos sons pelo ruído ambiente.
característicos da idade podem funcionar como desenca
Apenas em quadros de otosclerose pode havero fenôme
deantes ou potencializadoras, como hipertensão arterial,
no inverso, pois o interlocutor precisa aumentara inten
diabetes, dislipidemias, alterações vasculares e insufici
sidade vocal. Além disso, a diminuição da inteligibilida
ência renal, entre outras. Além disso, muitos desses pa
de das palavras é característica no idoso com presbiacusia.
cientes utilizam medicações que podem ser ototóxicas.
Isso decorre da degeneração progressiva de células cilia
As drogas mais empregadas na prática clínica que podem
das externas, de células ganglionares do nervo auditivo e
induzirototoxicidade são os antibióticos aminoglicosíde
também de fatores centrais, como diminuição das funções
os, salicilatos, diuréticos de alça e drogas quimioterápicas
cognitivas.
(em especial, a cisplatina). Geralmente, a ototoxicidade
A otosclerose anteriormente citada também apresenta
se manifesta no início do tratamento, com piora gradual.
um quadro de hipoacusia lentamente progressiva, em geral bilateral e assimétrica. É uma doença óssea primária res
Essa paciente não faz uso de drogas tipicamente ototóxi
trita à cápsula ótica em que existe reabsorção e neoformação
tamento anti-hipertensivo.
cas e a hipoacusia instalou-se anos após o início do tra
óssea de forma desorganizada. Esse processo tem predi
A exposição a ruídos é outro fator que sempre deve
leção pela janela oval, levando à fixação da cadeia ossi
serinvestigado. Os pacientes raramente referem esse dado
cular, o que resulta em perda auditiva condutiva, mas pode
por não valorizarem ou não relacionarem a exposição à
se estender à cóclea, provocando perda auditiva neuros
causa da surdez. Exposição a sons com intensidade maior
sensorial. Costuma acometerindivíduos mais jovens, entre
que 85dB por longos períodos pode provocar perda audi
20 e 45 anos.
tiva do tipo neurossensorial e evolução progressiva com a manutenção da exposição. Está relacionada a atividades
A paciente relata também quadro de zumbido bila teral, discreto, intermitente, tipo chiado, há cerca de um ano. Nega tontura ou plenitude aural. Apresenta hiper tensão arterial sistêmica há cerca de 15 anos, controlada, fazendo uso de hidroclorotiazida e captopril. Trabalha va como empregada doméstica, negando exposição ambiental a ruídos intensos. Nega casos familiares de surdez.
ocupacionais, principalmente em indústrias e atividades militares, mas pode decorrer de atividades de lazer
A história familiar também deve ser pesquisada. Casos de surdez na família sugerem etiologia genética. Diversas síndromes mostram a hipoacusia como uma de suas mani
festações. Geralmente, a perda auditiva está presente ao nascimento, mas pode se manifestar numa fase mais tardia
(início da adolescência e idade adulta, raramente em idosos).
O zumbido é outra queixa frequente na população, atingindo cerca de 15% da população americana. Frequen temente está associado a perdas auditivas de diversas
etiologias. Pode estarpresente, de forma intermitente, em
Sabe-se que os fatores genéticos contribuem de forma
importante para a sensibilidade individual a fatores am bientais, sendo comum a ocorrência de presbiacusia de grau
acentuado em algumas famílias.
20 a 40% dos pacientes com presbiacusia. Manifesta-se
À otoscopia, observa-se conduto auditivo externo
também em pacientes com otosclerose, schwannoma
sem alterações e membrana timpânica íntegra, de co loração normal e triângulo luminoso presente. Não há alterações de outros pares cranianos.
vestibular e doença de Ménière, não sendo de grande valorpara indicaruma ou outra doença.
Surdez - 515
levara alterações de outros pares cranianos, em especial
de doenças de orelha externa e orelha média. Pode reve
os nervos trigêmeo, abducente e facial, devido à sua re
larcerume impactado, que é uma causa comum de hipo
lação com o oitavo par craniano.
acusia, ou outras alterações que provocam diminuição do
Nesse caso em especial não se observam alterações à
seu lúmen (por exemplo, osteoma de conduto auditivo,
otoscopia, sugerindo não existir acometimento das orelhas
proliferação óssea benigna que acarreta estreitamento do
externa e média, com exceção da otosclerose (que aco
meato acústico).
mete cadeia ossicular), em que a otoscopia geralmente
A otoscopia também pode revelar perfurações de
não apresenta alterações.
membrana timpânica devidos a processos infecciosos crô nicos da orelha média (otite média crônica) e perdas au ditivas condutivas em consequência. Porém, nesses casos, a perda auditiva geralmente é estável e está associada à
história de otorreia purulenta contínua ou de repetição. Opacidade ou retração da membrana timpânica ou
ainda nível líquido à otoscopia são sugestivos de otite
média serosa, em que há acúmulo de secreção na cavida de timpânica, também causando perdas auditivas condu
tivas. Esse acúmulo de secreção decorre de uma disfunção
A audiometria (Fig. 85.1) mostra perda auditiva neurossensorial de leve a moderada, mais acentuada em frequências agudas, e simétrica. Apresenta índice de reconhecimento de fala de 80% à direita e 84% à es querda (Fig. 85.2). Curva timpanométrica tipo A bilateral, com reflexo estapediano presente, com recru tamento (Fig. 85.3). Os exames laboratoriais revelam hipercolesterolemia, sem alterações da função renal, curva glicêmica ou níveis de hormônio estimulante da tireoide e tetraiodotironina livre. VDRL negativo.
da tuba auditiva, por diversas razões, desde simples in
fecções de vias aéreas superiores até tumores localizados em rinofaringe, ocluindo os óstios das tubas auditivas.
A avaliação da audição em um paciente com queixa de hipoacusia pode ser realizada clinicamente já no início
O exame neurológico, com a investigação de acome
da anamnese, quando podemos verificar dificuldade na
timento de outros pares cranianos, pode revelar achados
comunicação, e por meio de diapasões e testes de acume
que sugerem doenças que acometem o sistema nervoso
tria para determinara existência da perda auditiva e sua
central. Dentre as causas de hipoacusia estão doenças
natureza (condutiva ou neurossensorial). Porém, é impres
desmielinizantes, como esclerose múltipla, em que pode
cindível uma avaliação audiológico completa, com audio
mos encontrar ataxia, redução de acuidade visual, oftal
metria e imitanciometria. Desse modo, podemos avaliar
moplegia, disartria e outros achados. Tumores localizados
e determinar o tipo de perda auditiva e reunir indícios
no ângulo ponto-cerebelarou em tronco cerebral podem
topográficos do acometimento do aparelho auditivo.
Figura 85.1 - Audiometria. dB = decibéis; SDT = limiar de detectabilidade da fala; SRT = limiar de recepção da fala.
CAPÍTULO 85
A otoscopia é de grande importância para avaliação
CAPÍTULO 85
516 - Problemas Gerais em Clínica Médica
Figura 85.2 - Índice de reconhecimento de fala. dB = decibéis; OD = orelha direita; OE = orelha esquerda.
Figura 85.3 - Imitanciometria. OD = orelha direita; OE = orelha esquerda.
A audiometria é um exame em que se avalia subjeti
e 8.000kHz) a uma intensidade de até 110dB, reduzindo
vamente a audição (depende de respostas do examinado)
-se a intensidade progressivamente até se detectara mí
por meio de tons puros e emissões vocais, avaliando-se
nima intensidade em que o examinado percebe o som,
tanto a via aérea (por fones de ouvido) quanto a via óssea
determinando seu limiar auditivo. Podemos então gradu
(porvibradores ósseos). São expostos tons puros em di versas frequências (250, 500, 1.000, 2.000, 4.000, 6.000
aras perdas auditivas em: leves, de 25 a 40dB; moderadas, de 40 a 70dB; graves, de 70 a 90dB; e profundas, a par
Surdez - 517
transdutor. É um exame de grande valor para avaliaras
to dos limiares tanto na via aérea (representados no grá
três tipos de curva: a curva A, caracterizada porum pico
fico por O à direita e X à esquerda) quanto na via óssea
máximo entre +100 e -100daPa; curva B, em que a curva
(representados no gráfico por< à direita e > à esquerda),
se mostra inalterável (plana); e a curva C, em que o pico
na mesma intensidade; se há perda auditiva condutiva,
se encontra abaixo de -100daPa. A curva de tipo A carac
quando existe aumento nos limiares da via aérea, man
teriza uma orelha média normal. As curvas de tipos B e
tendo-se os limiares da via óssea dentro da normalidade;
C mostram um acometimento de orelha média e são en
ou se a perda é mista, quando há aumento dos limiares
contradas, principalmente, nos quadros de disfunção tu
nas duas vias com dissociação entre as curvas.
bária e otite média secretora. Essa paciente não tem in
A audiometria da paciente revelou perda auditiva
condições funcionais da orelha média. Podemos encontrar
dícios de transtornos da orelha média.
neurossensorial bilateral, pior nas frequências agudas,
Outro dado importante da imitanciometria é a avalia
simétrica, o que é um achado bastante sugestivo de pres
ção do reflexo do músculo estapediano (tensordo estribo).
biacusia. Isso ocorre porque a doença afeta primeiramen
Quando a orelha é exposta a sons intensos, ocorre a con
te a região basal da cóclea (sua região mais sensível),
tração do músculo estapediano e o aumento da impedân
responsável pela captação das frequências agudas. Esse
cia da cadeia ossicular com função de proteção por ate
achado é sugestivo, mas não é exclusivo dessa doença.
nuar a transmissão do som à orelha interna. A contração
Diversas doenças podem apresentar o mesmo padrão,
do músculo estapediano pode ser avaliada indiretamente
como a ototoxicidade e a perda auditiva induzida pelo
pela imitanciometria. Esse reflexo normalmente é desen
ruído. Numa fase mais tardia, a audiometria mostra perda
cadeado por sons com intensidade acima de 60dB dos
de intensidade semelhante nas diversas frequências (cur va plana). É sempre importante observar o caráter simé
limiares auditivos. Quando esse reflexo é desencadeado com intensidades menores, está ocorrendo o fenômeno de
trico das duas orelhas. Perdas simétricas sugerem doenças
recrutamento. Esse achado indica lesão coclear sendo
sistêmicas, que afetam igualmente as duas orelhas, como
comum em pacientes com presbiacusia e outras perdas
as citadas anteriormente. Perdas auditivas neurossensoriais
neurossensoriais decorrentes de acometimento da orelha
assimétricas são mais preocupantes, devendo-se sempre
interna.
afastara possibilidade de tumores como o schwannoma
O quadro clínico, a idade da paciente e os achados ao
vestibular. Em otosclerose seria esperada perda auditiva
exame físico e à audiometria nos levam à confirmação do
condutiva ou mista, com a progressão da doença.
diagnóstico de presbiacusia. Os diagnósticos diferenciais
Na audiometria vocal são apresentadas palavras mono
principais para esse tipo de perda e com essa evolução
ou dissílabas, inicialmente em diferentes intensidades,
são ototoxicidade e perda auditiva induzida por ruído,
confirmando-se os limiares tonais e, em seguida, em uma
afastadas pela anamnese minuciosa, já que os achados ao
intensidade acima dos limiares do paciente, caracterizando o grau de reconhecimento de fala do examinado. É consi
exame físico e audiométricos são semelhantes nessas
derado normal o índice de reconhecimento de fala acima de 90%. O índice de reconhecimento da fala representa o grau de compreensão do indivíduo em uma situação de
comunicação, podendo estar alterado devido à deficiência na aferência ou seu processamento no sistema nervoso
central. Espera-se que esteja alterado em perdas auditivas que comprometam principalmente as frequências da fala (250 a 1.000kHz). Entretanto, essa paciente demonstra limiares normais nessas frequências, mostrando uma dis
cordância entre a discriminação vocal e a audiometria. Isso é comum em presbiacusia, que, como já citado, demonstra
doenças. Portanto, não são necessários exames adicionais. Poderiam ser realizados outros exames para avaliação
do aparelho auditivo, como as otoemissões acústicas e os potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (audio metria de tronco cerebral). A otoemissão acústica avalia a integridade das células ciliadas externas e os potenciais evocados auditivos de tronco encefálico avaliam a via au
ditiva desde o nervo auditivo até os núcleos auditivos em tronco cerebral. Esses exames também se mostram altera dos em pacientes com presbiacusia, ajudando a topografar a lesão que costuma ser mista (tanto coclear quanto em vias auditivas), porém, essas alterações são inespecíficas e
o comprometimento da audição em idosos não apenas decorrente de alterações na orelha interna, mas também de
não acrescentam mais dados importantes para o diagnós
outros fatores como as vias auditivas e funções cognitivas.
neste caso, só sendo justificados se existirem alterações
A imitanciometria é um exame em que se avalia o
neurológicas associadas, perdas auditivas assimétricas ou
grau de mobilidade da membrana timpânica por meio da
outros indícios de etiologia tumoral ou doenças do sistema
aplicação de pressão no meato acústico externo por um
nervoso central, como a esclerose múltipla.
tico. Os exames de imagem também não são necessários
CAPÍTULO 85
tirde 90dB. Por meio da audiometria podemos determinar se a perda auditiva é neurossensorial, na qual há aumen
518 - Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 85
Foram solicitados exames laboratoriais para avaliação metabólica. Como já mencionado, pacientes idosos cos
tumam apresentar associação de doenças, principalmente disfunções metabólicas, que podem atuar como fatores desencadeantes ou agravantes da presbiacusia. Esses fa tores devem ser adequadamente tratados, pois interferem na evolução da presbiacusia. É importante sempre realizar
a pesquisa de infecção por sífilis, pois sua forma terciária
pode cursar com perda auditiva neurossensorial de insta
lação lenta e insidiosa, ou como surdez súbita. Iniciou-se tratamento com modificações na dieta para
dislipidemia e reabilitação auditiva com aparelho de am
plificação sonora (prótese auditiva), para o qual a pacien te demonstrou boa adaptação.
DIAGNÓSTICO FINAL Presbiacusia.
de impacto na vida social do indivíduo. Afeta de forma relevante as atividades diárias e pode estar associada à depressão, principalmente quando ligada a outras alterações sensoriais, em especial da visão. Apresenta evolução lenta, acometendo as orelhas de forma simétrica, com perda auditiva neurossensorial que inicialmente é piorem frequências agudas e mostra com prometimento desproporcional do reconhecimento da fala. É importante ressaltar que essas alterações ocorrem sem
evidência de outras doenças ou fatores causais, como a
perda auditiva induzida pelo ruído. Pode serdiagnostica da por anamnese detalhada e por um simples estudo au diológico, sem necessidade de outros exames.
O tratamento desses pacientes envolve o controle dos fatores associados à presbiacusia na tentativa de retardar a progressão da perda auditiva, já que não há tratamento capaz de restabelecera audição normal do indivíduo.
Drogas que melhoram o metabolismo cerebral por meio de redução da hipóxia celular, características he morreológicas, de vasodilatação e ação antiagregante
plaquetária (como o Ginkgo biloba) e agentes antioxidan tes podem serutilizados, porém, sem comprovação cien
DISCUSSÃO A presbiacusia é apontada como a principal causa de
perda auditiva na população idosa, podendo levara difi
tífica de melhora ou redução na progressão do quadro. A principal medida a ser adotada para esses pacientes é a reabilitação auditiva com aparelhos de amplificação
culdades na comunicação e na interação social. Estudos
sonora. Essa reabilitação nem sempre é simples, pois a doença não afeta somente as vias auditivas, mas também
mostram que afeta o sexo masculino com maiorfrequên cia. É problema crescente em nosso país, devido ao au
funções cognitivas e deve envolver uma terapia de reedu cação auditiva, e não apenas a protetização. Além das
mento da população idosa, que se estima alcançar 32
próteses individuais, podem ser utilizados aparelhos am plificadores adaptados ao telefone e a televisores, que são muito úteis para auxiliar o idoso em suas atividades. A
milhões de pessoas com mais de 60 anos em 2020.
Essa doença faz parte do processo natural do envelhe nada a alterações degenerativas. Estudos mostram que
cada dia surgem aparelhos mais modernos que facilitam essa adaptação.
nesses pacientes há perda de células sensoriais do órgão de
O implante coclear é uma outra modalidade de trata
Corti, atrofia da estria vascular e redução na população
mento utilizada. Trata-se de um dispositivo eletrônico
de neurônios do nervo cocleare não ocorrem isoladamen
implantado cirurgicamente para estimularo nervo auditi
te na orelha interna e nas vias auditivas, estando relacio
vo. Apresenta um papel crescente em pacientes com
nadas ao processo de envelhecimento cerebral total.
perdas auditivas graves e profundas, mas ainda com alto
cimento, sendo caracterizada pela perda auditiva relacio
Os indícios da doença começam por volta da quarta
custo e restrito a centros de referência.
década de vida e diversos fatores contribuem para o pe ríodo de início e progressão. Está relacionada ao envelhe
BIBLIOGRAFIA
cimento, mas apresenta uma etiologia multifatorial (fato
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res genéticos, dieta, níveis de colesterol, pressão arterial,
tabagismo, exposição a ruídos e drogas ototóxicas). Já foi demonstrado que indivíduos com menor exposição a esses
fatores têm níveis de audição significativamente melhores que os mais expostos. A queixa de hipoacusia em pacientes idosos deve sempre ser avaliada e investigada, não apenas por estar associada a doenças potencialmente graves, mas pelo grau
Surdez - 519
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___________________________________
CAPÍTULO
86
Zumbido Alessandra Billi Falcão • Mariana Gomes Adas • Karen de Carvalho Lopes
Mulher, branca, 50 anos de idade, chega ao pronto atendimento com queixa de zumbido associado a qua dro de tontura há 1h.
O zumbido é um sintoma que pode causar impacto sig nificativo na vida de um indivíduo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Associação Americana de Zumbido estima
que cerca de 50 milhões de pessoas apresentem zumbido crônico e para 12 milhões este é grave o suficiente para
interferir nas atividades diárias. Por isso, é de fundamen tal importância que saibamos o que é esse sintoma e o que pode ocasioná-lo, para que então possamos tomar
medidas adequadas para solucionar ou ao menos ameni zar esse problema.
O zumbido pode ser definido como uma sensação sonora não relacionada a uma fonte externa de estimula ção. A classificação mais empregada é a que divide os zumbidos em objetivos (identificados também pelo exa minador) e subjetivos idiopáticos (aqueles audíveis so mente pelos pacientes), sendo estes últimos divididos em otológicos e neuro-otológicos. Outra classificação fre quentemente utilizada é aquela que divide os zumbidos
QUADRO 86.1 - Causas de zumbidos de origem auditiva • Orelha externa - Rolha de cerume - Otites externas - Tumores do meato auditivo externo • Orelha interna - Trauma acústico - Disacusias metabólicas - Presbiacusia - Doença de Ménière - Otosclerose - Disacusias autoimunes - Anemias crônicas - Ototoxicidade - Doenças isquêmicas da orelha interna - Fístula perilinfática - Sequelas de fraturas de ossos temporais • Orelha média - Otites médias agudas e crônicas - Otosclerose - Disfunções tubárias - Disjunções de cadeia ossicular - Tumores da orelha média - Timpanosclerose • Vias auditivas - Schwannoma do acústico - Presbiacusia - Esclerose múltipla - Tumores do sistema nervoso central
em origem auditiva (Quadro 86.1) e para-auditiva (Quadro , 86.2) sendo os últimos de origem vascular ou muscular
(mioclônica). Essa divisão tem mais utilidade por ser paralela à anatomofisiologia das vias auditivas e por apresentar investigação diagnóstica e tratamento diferen tes para ambos os grupos. No caso em questão, apenas pelos dados fornecidos
A paciente, ao ser questionada, descreve o zumbido como sendo unilateral (apenas do lado direito), de tom baixo e que parece com um “ronco ”. A natureza do zumbido pode fornecer indícios diag
nósticos quanto à sua origem. Um zumbido pulsátil ou de
ainda não há possibilidade de exclusão das causas citadas. São necessários mais dados da anamnese para que aven
som abafado sugere distúrbio vasculare, nesses casos, os
temos uma hipótese mais consistente.
pacientes frequentemente descrevem aumento na frequência
Zumbido - 521
• Vasculares ou pulsáteis - Neoplasias vasculares ■ Tumores glômicos - Malformações arteriais ■ Trajeto aberrante da carótida ■ Estenose ou aneurisma da artéria braquiocefálica ■ Persistência da artéria estapediana - Malformações venosas ■ Bulbo jugular deiscente - Hum venoso (turbulência do fluxo da veia jugular) • Musculares - Mioclonia de músculos da orelha média - Mioclonia palatal
e na intensidade com o exercício físico e alguns até reco
nhecem a relação com o pulso. Aqueles descritos como sons rápidos de estalidos, por sua vez, falam mais a favor
de disfunção neuromuscular. O zumbido de tom alto nor
Frente aos antecedentes, causas traumáticas, cirúrgicas
malmente está associado a acometimento da cóclea, ner
e ototóxicas (Quadro 86.3) podem ser excluídas. Causas
vo coclear ou distúrbio auditivo central, ao passo que o de tom baixo se associa com maior frequência, a alguma
centrais também se tomam menos prováveis, visto que a paciente não apresenta sintomas neurológicos.
afecção da orelha externa ou média, o que acarreta uma
Para auxiliarna elucidação da origem do zumbido, é
perda auditiva condutiva; exceção a isso é o zumbido
baixo em rugido classicamente associado à hidropsia
importante que se tenha conhecimento dos seis sintomas cardinais de disfunção otológica que fornecem evidências
endolinfática. O zumbido unilateral é um sinal de alerta,
de que o zumbido possa ser secundário a algum distúrbio
de forma que uma avaliação diagnóstica mais ampla deve ser realizada, especialmente pela possibilidade deste sin
originado no ouvido ou nas vias auditivas. São eles: per da auditiva, vertigem, plenitude auricular,otalgia, otorreia
toma ser ocasionado por um tumor acústico. Por outro
e diplacusia. A paciente apresenta três desses sintomas,
lado, um zumbido que se inicia no meio da cabeça, dife rente do descrito pela paciente em questão, pode sugerir
distúrbio metabólico, tóxico ou degenerativo generalizado.
Pela natureza do zumbido informado pela paciente, uma hipótese que ganha força é de alguma afecção da
orelha externa ou média ou, ainda, de hidropsia endolin fática. Porém, outras hipóteses, como por exemplo, um tumor acústico, não podem ser afastadas apenas pela
descrição do zumbido fornecida pela paciente. Outro sinal de alerta que exige investigação mais
apurada é o de zumbido associado à vertigem, uma vez que neste caso as principais hipóteses seriam de hidropsia endolinfática ou de tumor acústico. É imperativo, portan
to, que prossigamos a investigação. Paciente refere episódios de tontura e “ouvido en tupido” há aproximadamente cinco anos. Informa que os episódios de tontura são rotatórios (vertigem), de forte intensidade, com duração de cerca de 30min, sempre antecedidos por quadro de plenitude aural bi lateral, piorà direita. Relata também diminuição da acuidade auditiva na orelha direita (com piora durante as crises) e zumbido do mesmo lado. Não atribui ne nhum fator desencadeante para o início da crise. Diz, ainda, que os episódios são acompanhados de intenso
QUADRO 86.3 - Drogas que causam ou exacerbam o zumbido • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •
Ácido valproico Aminoglicosídeos Antidepressivos tricíclicos Anti-inflamatórios não esteroidais Benzodiazepínicos Bismuto Bloqueadores do canal de cálcio Carbamazepina Ciclobenzaprina Cisplatina Claritromicina Clordiazepóxido Dapsona Diuréticos de alça Doxazosina Drogas antimaláricas (por exemplo, cloroquina) Fluoroquinolonas Inibidores da bomba de prótons Inibidores da ciclo-oxigenase 2 Inibidores da enzima conversora de angiotensina Isotretinoína Lidocaína e outros anestésicos locais Nitroprussiato Prazosina Quinidina Salicilatos Sertralina Sibutramina
CAPÍTULO 86
mal-estar geral e náuseas, obrigando-a a interromper suas atividades laborais. Já apresentou episódios isolados de quedas, sem perdera consciência, machucando-se em algumas oportunidades. Depois da crise, tem restabeleci mento parcial da normalidade após repouso, uma vez que a sensação de desequilíbrio perdura alguns dias. Essas crises ocorrem com intervalo aproximado de três meses, há cerca de cinco anos. A paciente é natural e procedente de São Paulo, é costureira há 30 anos e nega antecedentes de hiperten são arterial sistêmica, diabetes mellitus, dislipidemia, tireoidopatia, doenças neuropsiquiátricas, doença reu matológica ou autoimune/alérgica, doença infecciosa grave no passado, doenças oftalmológicas, trauma cranioencefálico, história de cirurgia otológica ou uso de medicações. Sobre os antecedentes familiares, rela ta somente mãe com diabetes tipo II.
QUADRO 86.2 - Causas de zumbidos de origem para-auditiva
522 - Problemas Gerais em Clínica Médica
tríade clássica é de zumbido, vertigem e hipoacusia, ob
endolinfa no labirinto membranoso, e que é confirmada somente pelo estudo histopatológico do osso temporal. É
servados no caso em questão.
caracterizada por episódios recorrentes e espontâneos de
Porém, não estamos com o diagnóstico completamen
vertigem, perda auditiva flutuante, do tipo neurossensorial,
te elucidado, visto que a hidropsia endolinfática, caracte
zumbido e plenitude aural. De acordo com os critérios da
rizada pelo aumento da endolinfa no labirinto membra
American Academy of Otolaringology - Head and Neck
noso, pode apresentar inúmeros diagnósticos diferenciais:
Surgery (AAO-HNS), indivíduos com dois ou mais epi
idiopática (doença de Ménière) ou secundária (síndrome
sódios espontâneos de vertigem, com duração ou maior
de Ménière): sífilis otológica, hidropsia endolinfática
igual a 20min com perda auditiva documentada em pelo
tardia, doença de Cogan, vestibulopatia recorrente, autoi
menos uma ocasião e presença de zumbido ou plenitude
mune, distúrbio tireoidiano, metabólico, alergia alimentar
aural são classificados clinicamente como portadores
e dislipidemia.
de doença da Ménière definida. O zumbido e a sensação de
Alergia alimentar pode ser excluída, pois a paciente
plenitude aural podem ser episódicos junto com as alte
refere não ter quadros de alergia. Causas hormonais,
rações auditivas (podendo haver flutuação da audição),
metabólicas e autoimunes também são menos prováveis,
ocorrer antes ou depois das crises ou ser constantes. As
pelo fato de a paciente não apresentar comorbidades.
crises, principalmente em fase inicial, são acompanhadas
Porém, exames clínico e laboratorial poderiam fornecer
de náuseas e vômitos. Pode-se observar ainda nistagmo
melhores evidências sobre essas hipóteses.
horizontal ou horizonto-rotatório com olhos abertos (mais
intenso com os olhos fechados), como na paciente deste Ao exame físico, a paciente apresenta: pressão ar terial de 120 × 80mmHg (nos quatro membros em pé, deitada ou sentada); frequência cardíaca = pulso = 90bpm; frequência respiratória = 18irpm, sem altera ções ao exame clínico geral. Em relação ao exame otorrinolaringológico:
relato, com regressão juntamente com a resolução da
crise, porém, ainda presente por alguns dias com os olhos fechados. O desequilíbrio intenso sentido pelo paciente
resulta do nistagmo e da vertigem e vai diminuindo pro
gressivamente, ainda podendo permanecer alguns dias após a crise.
• Rinoscopia: sem alterações. • Oroscopia: sem alterações. • Otoscopia: sem alterações bilateralmente.
Exame neurológico:
Dentre as causas secundárias de hidropsia endolinfá
tica, tem-se a sífilis otológica, cujo diagnóstico é confir mado por testes sorológicos e, que por este motivo, é uma
hipótese que no momento ainda não pode ser desprezada,
embora a paciente não apresente antecedentes ou hábitos • Avaliação dos pares cranianos: sem alterações. • Provas cerebelares: sem dismetria e eudiadococi nesia. • Avaliação dos equilíbrios estático e dinâmico: sem alterações (testes de Romberg e UnterbergerFukuda negativos). • Nistagmo horizonto-rotatório, mais intenso com os olhos fechados. • Exame oftalmológico: sem alterações.
de vida que nos levem a pensar nela como uma das hipó
teses mais prováveis. Outro diagnóstico diferencial seria
o de hidropsia endolinfática tardia, caracterizada por
crises de vertigem semelhantes às de Ménière, porém em pacientes que já apresentavam perda auditiva profunda,
uni ou bilateral, sendo que o tempo entre surdez e vertigem varia de 1 a 74 anos. Este não é o caso da paciente, visto
que a diminuição da acuidade auditiva foi percebida após
o início da vertigem. A síndrome de Cogan, por sua vez, Dentre as causas de hidropsia endolinfática, nossa
apresenta provável etiologia autoimune e é caracterizada
hipótese mais provável seria a de doença de Ménière
por ceratite intersticial não sifilítica, perda auditiva Mé-
(hidropsia endolinfática idiopática), uma das vestibulopa
nière-like e sintomas vestibulares intensos, com VDRL e
tias mais frequentes, cujo diagnóstico é clínico, porém,
anticorpo treponêmico fluorescente (FTA) negativos. A
de exclusão. Por esse motivo, é necessário que causas
paciente não apresenta nenhum sinal de acometimento
secundárias de síndrome de Ménière, caracterizada pela
ocular nem na história nem ao exame oftalmológico, o
tríade de perda auditiva, zumbido e vertigem, sejam des
que também toma esta hipótese menos provável. Já a
cartadas antes de se firmar tal diagnóstico.
vestibulopatia recorrente, outro diagnóstico a ser pensado,
A doença de Ménière é uma vestibulopatia de origem
também não se enquadra no quadro em questão, pois,
periférica de etiologia idiopática, cujo substrato fisiopa
embora o quadro vertiginoso seja semelhante ao de Mé
tológico é a hidropsia endolinfática, isto é, o aumento da
nière, não são encontrados sintomas auditivos. Quanto às
978-85-4120-074-5
CAPÍTULO 86
o que nos fala a favor de hidropsia endolinfática, cuja
Zumbido - 523
especial importância no diagnóstico de hidropsia endolin
causas, mas exames laboratoriais seriam de grande valia
gerados no momento da transdução do estímulo sonoro.
para que as hipótese fossem descartadas com segurança.
Os potenciais mais utilizados para esta finalidade são o
fática. Consiste no registro dos potenciais endococleares,
978 85 4120-074
5
potencial de somação (SP) e o potencial de ação (AP). O
Solicitados hemograma completo com leucograma, coagulograma, glicemia de jejum, colesterol total e frações, triglicérides, TSH, VDRL, FTA-Abs, todos sem alterações.
SP reflete a atividade das células ciliadas e, consequente
mente, os movimentos não lineares (assimetrias vibratórias) da membrana basilar. O AP retrata o somatório dos diver
sos potenciais de ação das neurofibrilas, que constituem o Diante dos exames realizados, as hipóteses de sífilis otológica, dislipidemia, distúrbios tireoidianos, diabetes
ramo auditivo do oitavo par craniano.
O parâmetro de maior confiabilidade é a relação per
e hipoglicemia podem ser descartadas.
centual entre a amplitude do potencial de somação e a
Assim, pela história clínica e pelo exame físico, tem -se agora a hipótese diagnóstica de doença de Ménière
amplitude do potencial de ação (relação SP/AP). Na do
como a provável responsável pela sintomatologia da pa
dades físicas da membrana basilar devido à distensão da
ciente. Assim, ela foi compensada do quadro de vertigem
escala média, provocam modificações nas respostas elé
que a levou ao pronto-socorro e, em seguida, foi encami
tricas desencadeadas pelos estímulos sonoros. Como re
nhada para acompanhamento ambulatorial e realização de
sultado, a relação SP/AP se altera em função do aumento
investigação diagnóstica com um otorrinolaringologista,
da amplitude do SP. A relação está alterada quando valo
quando foram realizadas as avaliações do sistema auditi
res maiores que 30% são encontrados com o uso do
vo e vestibular
eletrodo transtimpânico. Assim, como podemos observar
ença de Ménière, as alterações nos mecanismos e proprie
Quanto à avaliação do sistema auditivo, a Figura 86.1,
no caso da paciente, a relação é de 47%, sendo essa alte
A mostra a configuração audiométrica mais frequente em
ração de relação percentual a tradução eletrofisiológica
doença de Ménière com perda auditiva neurossensorial
do quadro histológico da hidropsia endolinfática relatada
(via aérea e via óssea) unilateral nas frequências graves
anteriormente.
e curva de tipo ascendente. Na Figura 86.1, B, a orelha
Para avaliação do sistema vestibular utilizou-se o
esquerda apresenta-se dentro dos critérios de normalida
exame vestibular (vectoeletronistagmografia), o qual
de do exame, o que é compatível com a queixa da pacien
permite constatar alterações funcionais das vestibulopatias
te de redução da acuidade auditiva apenas à direita.
periféricas e centrais e localizar o lado acometido. No
A eletrococleografia (Fig. 86.2) é o teste de escolha
caso em questão, esse exame mostrou uma preponderân
para o diagnóstico de hidropsia endolinfática, sendo ex
cia labiríntica de 36% à esquerda, porém este achado não
tremamente eficaz em seu diagnóstico precoce. Reflete
é específico, já que na doença de Ménière a função do
principalmente o potencial de ação do nervo coclear com
labirinto vai variar de acordo com a fase da doença.
Figura 86.1 - (A e B) Audiometria. OD = orelha direita; OE = orelha esquerda.
CAPÍTULO 86
causas metabólicas e hormonais, não foi encontrado ne nhum dado no exame clínico que sugira alguma dessas
CAPÍTULO 86
524 - Problemas Gerais em Clínica Médica
Figura 86.2 - Eletrococleografia. AP = potencial de ação; BSL = linha de base; SP = potencial de somação.
Após conclusão diagnóstica, a paciente recebe orientações nutricionais para evitar alimentos ricos em cafeína, bebidas alcoólicas, alimentos ricos em carboi dratos de absorção rápida, jejum prolongado que supere 3h durante o dia e tabagismo. Além disso, reco mendou-se atividade física frequente.
anos de idade. Está entre as causas mais frequentes de
zumbido originário da orelha interna.
Trata-se de um caso frequentemente encontrado no atendimento em serviços de clínica médica. Inicialmente,
o clínico geral pode fazer a suspeita diagnóstica, porém, é necessária a complementação com exames específicos
O tratamento de escolha é a betaistina, droga que pode ser associada a outras medicações, a depender da sintoma tologia, como ao clonazepam e à medizina e, eventualmen
te, a outros inibidores labirínticos como flunarizina e cina rizina. Exercícios de reabilitação vestibular também podem
ser recomendados para a doença, de forma que o controle
do equilíbrio possa ser restabelecido. Esse programa deve
da área de otorrinolaringologia. Dessa forma, a abordagem
à doença deve ter o auxílio do otorrinolaringologista e do fonoaudiólogo em complementação à participação do
clínico que atende o caso. Uma das principais dificuldades da abordagem ao
paciente com doença de Ménière tem sido estabelecer a correlação objetiva entre os sintomas clínicos, a evolução
ser individualizado para cada paciente e também de acordo
da doença e a eletrococleografia. Caracteristicamente, a
com os achados dos exames complementares.
doença manifesta-se por períodos de remissão e de exa
O tratamento cirúrgico é reservado para casos de
cerbação com variações na frequência, na intensidade e
vertigem incapacitante e persistente, mesmo após trata
na duração das crises vertiginosas. Os sintomas podem
mento medicamentoso e exercícios de reabilitação, com
estar presentes de maneira simultânea ou isolada, princi
as opções de cirurgias conservadoras ou não conservado ras em relação à audição.
palmente nas fases iniciais da doença, retardando o diag nóstico e a terapêutica apropriada. Por outro lado, a
partir da segunda década de evolução dos sintomas, há estabilização da vertigem, com sensível diminuição da
DIAGNÓSTICO FINAL
periodicidade das crises, com progressão da perda audi
Doença de Ménière.
graves, posteriormente as agudas e persiste após as crises
tiva, que atinge, num primeiro momento, as frequências de vertigem. Isso também ocorre com o zumbido. Quan to maior o tempo de evolução da doença, maior a preva
DISCUSSÃO
lência de envolvimento bilateral e menor a percepção pelo
A doença de Ménière representa uma das vestibulopatias mais frequentes, com prevalência de 46 a 200 casos em
quentes. Além disso, o tempo de evolução parece estar
cada 100.000 indivíduos. Não há diferença na distribuição entre os sexos e manifesta-se geralmente a partir da quar ta década de vida, tipicamente iniciando-se entre 20 e 50
paciente do início da crise, tomando as quedas mais fre relacionado à gravidade dos sintomas, demonstrando que pacientes com desenvolvimento tardio têm perda auditiva e limitação física menos intensa que pacientes com início
mais precoce.
Zumbido - 525
• • • • • • • • • • • • • • •
Imunopatias e alergias Otossífilis Traumas otológicos Pós-caxumba Síndrome de Cogan Hiperinsulinemia Hipoglicemia Tumoração do ângulo ponto-cerebelar Hipoadrenalismo Hipotireoidismo Hipopituitarismo Distúrbios vasculares Osteodistrofia da cápsula ótica Deficiências nutricionais Estreitamento do meato acústico interno
Finalmente, é importante sempre lembrar dos diag
nósticos diferenciais da doença de Ménière, uma vez que este é um diagnóstico de exclusão (Quadro 86.4).
BIBLIOGRAFIA CHAVES, A. G.; BOARI, L.; MUNHOZ, M. S. L. Evolução clínica de pacientes com doença de Ménière. Rev. Bras. Otorr., v. 73, n. 3, p. 346-50,2007.
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CAPÍTULO 86
QUADRO 86.4 - Diagnósticos diferenciais da doença de Ménière
CAPÍTULO
87
Perda Visual Ana Laura de Figueiredo Bersani • Emmanuel Casotti Duque de Bárbara • Paulo Mitsuru Imamura
Paciente do sexo masculino, 65 anos de idade, branco, vem ao pronto-socorro com queixa de perda súbita de visão no olho esquerdo, ao acordarhá 6h, sem piora ou melhora neste período. Notou dificuldade na visão central e embaçamento na região inferior do campo visual. Nega sintomas associados como dor ocular, cefaleia e fotopsias. Nega episódios anteriores de turvação visual ou perda transitória de visão. Nega claudicação da mandíbula, dores escapulares e articu lares, febrícula, déficits motores na face e nos membros superiores e inferiores. Nega uso de inibidores da fos fodiesterase 5 e nega traumatismo prévio. Relata diabetes mellitus, dislipidemia e síndrome coronariana prévia. Em uso de beta-bloqueador,inibidores da enzi ma conversora de angiotensina e estatina. Tabagista de 40 maços-ano até há dez anos. Nega traumatismo ou cirurgias oculares, glaucoma ou uveíte. Nega quaisquer doenças oculares nos parentes mais próximos. Mãe tem hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus des controlados.
O acidente vascular cerebral (AVC) e o ataque isquê mico transitório (AIT) são quadros patológicos que devem ser descartados em caráter de urgência, pelo fato de o
paciente ter apresentado um quadro abrupto de anormali dade neuro-oftalmológica. Poderíamos pensar num aco
metimento da artéria carótida interna e, consequentemen
te, da artéria oftálmica, resultando em baixa da acuidade
visual e perda de campo visual monoculares. Se o paciente tivesse história de traumatismo cranio encefálico, com lesão do nervo óptico (segundo nervo
craniano), poderia ocorrer cegueira unilateral completa ou diminuição importante da acuidade e do campo visuais.
Um episódio de hemorragia vítrea decorrente de reti nopatia diabética proliferativa é compatível com o sinto
ma exibido por esse paciente e, dessa forma, o diagnós tico de diabetes deve ser confirmado. Glaucoma agudo cursa com baixa da acuidade visual,
porém, na maioria das vezes associada à hiperemia e dor
A redução da acuidade visual e a perda da parte inferior
ocular, a náuseas e vômitos, dados ausentes na história clínica relatada.
do campo visual no olho esquerdo são os sintomas prin
O diagnóstico de neurite óptica idiopática torna-se
cipais desse paciente. Podem decorrer de opacidade de
pouco provável por ser uma perda visual indolor. Além
meios (córnea, humor aquoso, cristalino e humor vítreo),
disso, o paciente é do sexo masculino, tem mais de 60
que obstrui a passagem de luz até a retina, ou pelo com
anos de idade e não tem outras queixas neurológicas.
prometimento da retina e da via óptica pré-quiasmática.
A neuropatia óptica isquêmica anterior arterítica,
O fato de o paciente ser idoso, declarar-se diabético
causada pela arterite de células gigantes, é pouco provável
e hipertenso arterial e apresentar quadro súbito de perda
pela história clínica (nega episódios anteriores de turvação
visual central e do campo visual inferior nos abre uma variedade de diagnósticos possíveis, decorrentes de doen
visual e ausência de dores escapulares, febrícula, cefaleia, claudicação de mandíbula ou episódios de amaurose fugaz),
ças metabólicas, vasculares, cardíacas, neurológicas ou
porém, para ser excluída necessita de outros achados
oculares, que devem ser excluídas.
clínico-laboratoriais. Já a neuropatia óptica isquêmica
Perda Visual - 527
QUADRO 87.1 - Causas de perda súbita da visão em idosos
CAPÍTULO 87
• • • • • • • • • •
Acidente vascular cerebral/ataque isquêmico transitório Hipo/hiperglicemia Glaucoma agudo Oclusão da artéria central da retina Oclusão da veia central da retina Neuropatia óptica isquêmica anterior Hemorragia vítrea Trauma cranioencefálico Trauma ocular Neurite óptica idiopática
anterior não arterítica e outras alterações vasculares reti
nianas devem ser mais bem investigadas pelos exames clínico e oftalmológico. Ver no Quadro 87.1, as principais causas de perda
visual súbita em idosos. Exame físico: bom aspecto geral, corado, hidratado, acianótico, anictérico, afebril; frequência cardíaca = 74bpm; frequência respiratória = 18irpm; pressão arte rial = 134 × 86mmHg; boa perfusão periférica, Dextro® = 150mg/dL; ausculta cardíaca e respiratória, além de exame abdominal sem alterações. Pulsos palpáveis em membros inferiores. Exame neurológico normal, exce to pelas alterações oculares. Exame oftalmológico de olho direito (OD), olho esquerdo (OE) e ambos os olhos (AO):
Figura 87.1 - Retinografia do olho esquerdo do pa ciente, demonstrando edema de disco óptico e hemorragia peridiscal em região nasal inferior.
pouco prováveis. Da mesma forma, pelo exame neuroló gico se toma improvável a esclerose múltipla e sua ma nifestação como neurite óptica devido à idade. Palidez do disco óptico, característica que o paciente
não possuía, fala contra arterite de células gigantes. Apesar de o paciente ser diabético e apresentar bor
• Acuidade visual com correção, para longe (para
perto): OD: 20/20 (J1); OE: 20/70 (>J6). • Campo visual de confrontação: OD normal e OE
com déficit no hemicampo inferior • Reflexos pupilares fotomotores direto e consensual:
OD: normais: OE: reduzidos (defeito pupilar aferente).
À biomicroscopia observam-se em AO: nenhum sinal flogístico, córnea clara, câmara anterior profunda, ausência de reação de câmara anteriore cristalino com transparência própria da idade. A pressão intraocular está normal em AO: 12mmHg. A oftalmoscopia indireta revela ausência de turva ção vítrea, retina colada e mácula preservada em AO. Em OD, apenas uma relação escavação/disco pequena e sem alterações na retina. Em OE observa-se disco do nervo óptico com borramento da margem, discreta elevação, coloração um pouco avermelhada, hemorra gias peridiscais e sem exsudatos duros e algodonosos (Fig. 87.1).
ramento do disco óptico e hemorragias, não foram encon
tradas alterações semelhantes no olho contralateral. Também não foram encontradas opacidade vítrea e alte
rações maculares ou da retina periférica, o que toma improvável a retinopatia diabética com envolvimento do
disco óptico. A glicemia, dentro de limites toleráveis, praticamente
afasta hiperou hipoglicemia como responsáveis poralte
rações neuro-oftalmológicas agudas, descartadas com glicemia de jejum e hemoglobina glicosilada normais.
O exame oftalmológico não mostrou características de oclusão dos vasos da retina, pois não encontramos áreas
de retina isquêmica ou mácula “em cereja”, que são sinais característicos da oclusão da artéria central da retina. Já na
oclusão da veia central da retina observamos grandes áreas de hemorragia nos quatro quadrantes da retina e o nosso
paciente não tem lesões com essa característica. A pressão intraocular normal e a ausência de outros
sinais descartam glaucoma agudo.
O exame cardiovascular, incluindo pressão arterial
O borramento e a discreta elevação do disco óptico e
normal, pulso rítmico, ausência de sopros cardíacos e
as hemorragias peridiscais são lesões características da
carótidas sem alterações, associado a um exame neuroló gico praticamente normal, com exceção do exame oftal
neuropatia óptica isquêmica anterior que, quando acome tem o paciente diabético, geralmente cursam também com
mológico, são indícios iniciais de que AVC e AIT são
quadro de dilatação vascular e microtelangiectasia.
528 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 87
Dessa forma, como a hipótese mais provável era a
neuropatia óptica isquêmica anterior (NOIA) de causa não
devido ao aumento da pressão intraocularou a uma que da transitória na pressão arterial abaixo do nível crítico
arterítica, solicitamos o exame de campo visual, para
nesses vasos, o que, em indivíduos predispostos, pode
constatara perda detectada no exame de confrontação e
desencadeara neuropatia óptica isquêmica anterior.
uma ultrassonografia Dopplerde carótidas, para descartar
Dentre os fatores de risco sistêmicos mais importantes
a possibilidade de origem tromboembólica da lesão. Os
para o desenvolvimento dessa condição estão a hiperten
resultados dos exames de velocidade de hemossedimen
são arterial sistêmica, o diabetes mellitus, a hipercoleste
tação (VHS) e da dosagem da proteína C-reativa foram
rolemia, o tabagismo e a hipotensão arterial noturna. Esta
esperados dentro dos limites da normalidade para se so
última é ainda mais agravada pelo uso de beta-bloquea
marem às nossas evidências de que a causa seria não
dores (por via oral ou colírio), inibidores da enzima
arterítica.
conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores do
VHS e proteína C-reativa normais tomam improvável
o diagnóstico de arterite de células gigantes.
Campo visual manual de boa confiabilidade mostrou,
no olho esquerdo, defeito altitudinal inferior típico da NOIA e coroa o nosso diagnóstico. A ultrassonografia Dopplerde carótidas não evidenciou
lesões ateromatosas, o que dispensa de antiagregantes
plaquetários para o paciente.
canal de cálcio, amitriptilina e outros, principalmente
quando ingeridos na hora de dormir. Isso faz de alguns casos de NOIA-NA uma doença iatrogênica. Dentre os fatores de risco locais, destacam-se a pres
são intraocular aumentada, a pequena relação escavação-
disco e alterações vasculares locais.
O diagnóstico é clínico e inclui os seguintes dados: perda visual unilateral, súbita e indolor, borramento e dis
Em razão disso, orientamos o nosso paciente quanto
creta elevação do disco óptico, de coloração levemente
à sua doença e seu caráter autolimitado, sobre a ausência
avermelhada, que se resolve deixando uma palidez no disco,
de tratamento específico eficaz e o bom prognóstico vi
defeito de campo visual altitudinal, ausência de achados
sual da variante não arterítica.
sugestivos de outra desordem que possa estar causando os sintomas, exclusão de NOIA arterítica (NOIA-A) por his
tória clínica, exame físico e exame laboratorial de VHS
DIAGNÓSTICO FINAL
e proteína C-reativa.
Neuropatia óptica isquêmica anterior de causa não arte
NOIA-NA, visto que os pacientes podem mostrarAV ≥
rítica.
20/20 em 32% ou ≤ 20/20 em 23% das vezes.
O teste de acuidade visual (AV) não é sensível para
A perimetria ou exame de campo visual é o teste mais
importante para avaliara perda visual em NOIA. Carac
DISCUSSÃO
teristicamente, apresenta um defeito altitudinal em campo nasal inferior ou em todo o hemicampo inferior.
A neuropatia óptica isquêmica anterior de causa não ar
A oftalmoscopia revela borramento do disco óptico,
terítica (NOIA-NA) é a neuropatia óptica aguda mais
localizado ou generalizado, nos estágios iniciais. Também
comum em pacientes maiores de 50 anos de idade.
pode vir acompanhada de hemorragias na margem dele.
Acomete homens e mulheres sem distinção, em uma
incidência de 10,2/100.000 habitantes.
Essa entidade representa uma desordem isquêmica na circulação das artérias ciliares posteriores que suprem o
Em dois a três meses o edema dá lugar à palidez. A NOIA-NA não tem tratamento eficaz até o momen to. O uso de corticosteroides é sugerido por muitos auto
res, mas, na maioria dos casos, não tem valor benéfico.
disco do nervo óptico, levando à perda visual unilateral
Os pacientes acometidos por essa doença têm sua
súbita e indolor acompanhada de alteração campimétrica,
visão estabilizada depois do desaparecimento do borra
geralmente altitudinal, e defeito pupilar aferente no olho
mento do disco óptico e não há mudanças significativas
acometido.
na função visual após seis meses do evento inicial.
A variante de causa não arterítica engloba todas as
causas que não a arterite de células gigantes.
A chance de recorrência no mesmo olho é de 6% e de 25% de o evento ocorrerno olho contralateral.
Os mecanismos de desenvolvimento da NOIA-NA são basicamente três: trombose, embolia e perda transitória
BIBLIOGRAFIA
do fluxo sanguíneo nos vasos do disco do nervo óptico.
BALCER, L. J. Clinicai practice. Optic neuritis. N. ErgJ. J. Mel., v. 354, n. 12, p. 1273-80, 2006. Review.
Este é, de longe, o mecanismo comum e pode ocorrer
Perda Visual - 529
DUONG, D. K.; LEO, M. M.; MITCHELL, E. L. Neuro-ophthalmol-
Review. GIVRE, S.; STAVERN, G. P. V. Amaurosis fugax. Up tod 2mm, observada no local das micropunturas, 48h após sua aplicação, feita com agulha
estéril de calibre 20-22, penetrada obliquamente, em pelo avascular, com 5mm de profundidade * Aftas menores: atingem menos de 1cm de diâmetro, são recorrentes, mo deradamente dolorosas, afetando partes não queratinizadas da mucosa oral. Duram de 4 a 14 dias, não deixando cicatrizes, e aparecendo em nú mero de uma ou duas lesões.
** Aftas maiores: têm mais de 1cm de diâmetro, são muito dolorosas e epi telizam, deixando sequelas cicatriciais. Têm início com um nódulo mucoso profundo, eritema e edema e se ulceram, sendo a necrose maciça e profun da. Epitelizam, deixando sequelas cicatriciais, e, em geral, surgem apenas um ou dois elementos.
*** Ulcerações herpetiformes: são lesões ulcerosas pequenas, de 1 a 2mm de diâmetro, dolorosas, muito superficiais e não infiltradas.
dro 89.5. A doença ocular acomete até 95% dos homens e 70%
das mulheres, surgindo em média dois anos após o início
das ulcerações orais. Em 10% das vezes, há uveíte no início da doença. É pouco comum que as manifestações sistêmicas e oculares ocorram simultaneamente. Em geral, o acometimento ocular é bilateral, em apenas 6% dos
casos permanecendo unilateral. Além de quadro ocular articular e úlceras orogenitais, a doença pode causar tromboflebites, tromboses venosas profundas, oclusões
arteriais e aneurismas, alterações neurológicas e do trato gastrointestinal.
Apesardo diagnóstico feito com base em critérios clínicos, opta-se por iniciar o tratamento apenas com colírios de acetato de prednisolona a 1%, a cada 1h, e tropicamida a 1%, a cada 8h, aguardando o resultado do PPD (por segurança, devido à alta prevalência da
doença em nosso meio e à possibilidade de associação com a doença de Behçet) e do exame de fezes solicita do para início de corticoterapia. Após três dias, com PPD negativo e exame de fezes normal, administrou-se prednisona, 1mg/kg/dia, com programação de desma me, e ciclosporina, 5mg/kg/dia. Sorologias, provas reumatológicas e dosagem da enzima conversora de angiotensina tiveram resultados negativos.
A gravidade e o prognóstico da doença de Behçet são muito variáveis. Na maioria dos pacientes, apresenta-se
com períodos de exacerbação e remissão. O acometimen to ocular pode se tornar um importante risco à visão
(cerca de 20% dos olhos ficam cegos, a despeito do tra tamento). O acometimento vasculare do sistema nervoso
central constituem as manifestações de maior risco à vida
do paciente.
CAPÍTULO 89
normal e foi solicitado também um PPD, a ser realizado no
QUADRO 89.5 ‒ Critérios diagnósticos para doença de Behçet
542 - Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 89
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___________________________________
CAPÍTULO
90
Alargamento Mediastinal Fernanda Santos Lopes Teixeira • José Luiz Pedroso • Matheus Vescovi Gonçalves
Uma mulher de 30 anos de idade procura consulta médica para realizar um check-up. Encontra-se assinto mática. Nega história de cirurgia ou outras doenças. Ex-tabagista, 20 anos-maço (parou há cinco anos). Etilista social: duas latas de cerveja por semana. Pratica exercícios físicos regularmente (três vezes por semana). Pai portador de hipertensão arterial e mãe com enxaqueca. O exame físico é completamente normal: corada, hidratada, anictérica, acianótica. Não são palpados linfonodos. Tireoide de tamanho e consistência normais e sem nódulos. Auscultas cardíaca e respiratória sem alterações. Exame abdominal: ruídos hidroaéreos pre
sentes, abdome flácido à palpação. Baço e fígado normais. Pulsos distais presentes e sem edemas. Devi do à história de tabagismo, solicita-se uma radiografia de tórax (Fig. 90.1).
Na cavidade torácica, as duas regiões pleuropulmonares são divididas pelo mediastino. O mediastino estende-se do esterno e das cartilagens costais à coluna vertebral
(faces anteriores das vértebras torácicas) e da raiz do pescoço ao diafragma. Abrange todas as vísceras torácicas, exceto pulmões e pleuras. É dividido em superiore infe-
Figura 90.1 - (A) Radiografia de tórax, posteroanterior, revelando massa mediastinal anterior esquerda. (B) Radiografia de tórax, em perfil, revelando obliteração do espaço retroesternal por massa mediastinal anterior.
544 - Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 90
riorporum plano imaginário que passa anteriormente pelo
ângulo esternal e posteriormente pela margem inferiorda IV vértebra torácica, localizando-se acima do pericárdio.
O mediastino inferioré limitado anteriormente pelo corpo do esterno e posteriormente pelas oito últimas vértebras torácicas. O mediastino pode ainda ser dividido em ante
rior (entre o pericárdio e o esterno), médio e posterior
(entre o pericárdio e a coluna vertebral). Os principais órgãos contidos em cada setor são: • No mediastino anterior localizam-se o timo, a aorta
extrapericárdica e seus ramos, as grandes veias e
tecido linfático. • No mediastino médio localizam-se o coração, os
vasos intrapericárdicos, o pericárdio e a traqueia. • No mediastino posterior encontram-se o esôfago, o
QUADRO 90.1 - Causas de alargamento mediastinal • Teratoma* (benigno), outros tumores de células germinativas (malignos) • Timoma*, outras lesões tímicas (hiperplasia, carcinoide, timolipoma) • Aumento linfonodal - Linfoma* (Hodgkin ou não Hodgkin) - Metástases linfonodais - Infecções (tuberculose, paracoccidioidomicose, histoplasmose, outras) - Outras condições (silicose, amiloidose, doença de Castleman) • Tireoide ectópica ou bócio mergulhante* • Tumores de paratireoide • Mediastinite fibrosante • Aneurismas vasculares e dilatação de veias calibrosas • Tumores cardíacos • Tumores neurogênicos • Hérnia hiatal • Hérnia de Morgagni • Cisto pericárdico • Lipomas * Principais causas de aumento de mediastino anterior.
nervo vago, o ducto torácico, a cadeia simpática e
o sistema venoso ázigos.
no como lesão primária isolada surge em 5 a 10% dos
O alargamento mediastinal é um achado radiológico causado por aumento de qualquer região do mediastino, mas pode ter pouca correlação com exame físico. Tanto a ausculta como a percussão do mediastino são limitadas, pois já se trata de região sem grandes estruturas ocas.
Apenas em casos nos quais há um efeito de massa signi ficativo que a compressão das estruturas mediastinais pode revelar alguma suspeita diagnóstica, como estreitamento
de brônquio fonte, compressão do laríngeo recorrente e
síndrome de compressão da veia cava superior.
Dessa forma, as causas de alargamento mediastinal
envolvem duas etiologias básicas: aumento de uma estru tura do próprio mediastino ou invasão deste por órgão/ entidades de outra origem. Geralmente, os alargamentos são causados por aumento do compartimento anterior. É
casos. A maioria dos pacientes com linfoma exibe um dos
seguintes sintomas: febre, perda de peso e sudorese no
turna, denominados sintomas B. Pode haver, como em todo caso de massa mediastínica, compressão traqueal ou brônquica. Embora a paciente esteja assintomática, doença
linfoproliferativa deve permanecer como hipótese diagnóstica importante, por se tratar de paciente jovem. A hipótese de timoma também deve ser considerada.
Em 50% dos casos o timoma se mostra como alteração na radiografia de tórax em pacientes assintomáticos. Pode se manifestar como síndrome paraneoplásica: síndrome
miastênica, aplasia eritroide pura ou hipogamaglobuline mia. Não há relatos de diplopia, ptose palpebral, fraque
za muscular ou infecções de repetição, o que torna as síndromes paraneoplásicas do timoma improváveis.
Além disso, o teratoma também requer uma abordagem
importante notar que, para um aumento da área cardíaca
precoce, visto que, apesarde benigno, na maior parte dos
(por cardiomiopatia dilatada ou derrame pericárdico), não
casos tem uma chance de cerca de 25% de apresentarcé
usamos o termo “alargamento mediastinal” na prática
lulas imaturas, tendo prognóstico mais reservado. Os tera
clínica diária para descrever o achado, apesar de concei
tomas benignos são vistos em adultos entre 20 e 40 anos
tualmente serum alargamento do mediastino. Reservamos
de idade, com distribuição igual entre os sexos, o que
a expressão para outros aumentos que não sejam nitida
coincide com a faixa etária da paciente. Assim como acon
mente relacionados ao coração. As principais causas de
tece no caso descrito, os teratomas geralmente são assin
alargamento mediastinal estão descritas no Quadro 90.1.
tomáticos, sendo descobertos acidentalmente em exames
Uma dica importante é relembraras principais causas
solicitados por outras razões. Também podem surgirsinto
de massa mediastinal por meio de um método mnemôni
mas decorrentes de obstrução de estruturas adjacentes. Se
co caracterizado pelos quatro “T”: timoma, teratoma, ti
a paciente apresentasse expectoração de cabelo ou debris
reoide e linfoma (“terrível linfoma”).
sebáceos, o diagnóstico estaria firmado, já que estes sinais
O linfoma corresponde a 10 a 20% das massas me
são patognomônicos da doença, pois o teratoma é justa
diastinais anteriores. Apesarde os pacientes com linfoma
mente formado por um mix de tecidos ectodérmicos, en
em estágio avançado frequentemente apresentarem envol
dodérmicos e mesodérmicos, podendo ser encontrados no
vimento mediastinal, a ocorrência de massa no mediasti-
seu interior dentes, osso, cabelo, gordura e outros. Alguns
Alargamento Mediastinal - 545
O surgimento de novos sintomas mostra progressão
que, além do alargamento de mediastino, pode conter
da doença. Como se trata de sintomas constitucionais e
calcificações em 26% das ocorrências.
com aumento linfonodal cervical, ficamos fortemente
Tireoide ectópica pode surgir através da extensão in
inclinados a pensarem moléstias proliferativas ou infec
tratorácica da tireoide ou de restos intratorácicos de ti
ciosas antes mesmo de veras imagens. Chamam muita
reoide. Em ambos os casos, pode ser assintomático, sem
atenção as hipóteses de linfoma e tuberculose. Aneurismas,
evidências de atividade tireoidiana exacerbada ou reduzi
lipomas e hérnias não causam sintomas constitucionais.
da. Também continua como causa possível.
Da mesma forma, estes não são frequentes em tumores
Conforme discutido anteriormente, os alargamentos
mediastinais são um grupo muito heterogêneo de doenças
do tipo carcinoma e as metástases destes tipos de tumor tendem a ter consistência pétrea, e não borrachosa.
e seu diagnóstico quase sempre é muito difícil apenas com
Apesar de a paciente não ter epidemiologia positiva
exame físico e radiografias que, apesar de poderem indi
para infecções fúngicas ou tuberculose, estas podem serde
car um caminho, muitas vezes serão insuficientes. A in
evolução caprichosa e, a depender da taxa de endemia da
vestigação posterior deve incluir um exame de imagem
região a que a paciente pertence, não devem ser excluídas.
mais acurado (tomografia computadorizada ou ressonân
Ao olhara imagem, alguns dados podem falara favor
cia nuclear magnética), além de exames de sangue. Uma
de uma ou outra doença, ou até fechar o diagnóstico.
cintilografia eventualmente pode mostrar captação de iodo
Primeiramente, a própria localização da massa. A visua
pela massa e sugerir lesão de origem tireoidiana, mas não
lização ectópica de órgãos intestinais já vai mostrar hérnias
costuma ser a primeira abordagem.
hiatais ou de Morgagni. Lesões podem ser brônquicas, linfonodais ou esofágicas, pode haver aneurisma aórtico
Foi então solicitada uma tomografia computadori zada tórax para mediastino com contraste, a qual a paciente realizou cerca de dois meses após a primeira consulta (Fig. 90.2). Hemograma e análises bioquímicas para função renal, enzimas hepáticas, hormônios tireoi dianos e hormônio estimulante da tireoide também foram solicitados e vieram normais. Houve aumento da desi drogenase lática (DHL), duas vezes maior que o valor de referência. No intervalo entre as duas consultas, a paciente refere episódios eventuais de febre baixa ves pertina (37,8 a 38°C). Ao exame físico, surgiram três linfonodos cervicais anteriores, móveis, indolores, bor rachosos, com cerca de 1,5cm cada.
ou dilatação da cava, ou até trombose desta. Se porven
tura a lesão apresentasse densidades diferentes sugerindo gordura, material sebáceo ou cístico, a hipótese diagnós tica de teratoma se fortaleceria. No caso, não havia calcificação e a origem da massa
era de difícil determinação, mas possivelmente linfonodal.
Mesmo assim, ainda sobram hipóteses. Não existe um marcador sérico que determine com certeza o diagnóstico: uma biópsia se impõe. As biópsias de mediastino podem ser realizadas tanto
via toracoscopia ou a céu aberto, esta uma abordagem mais
agressiva. Entretanto, havendo possibilidade de biópsias de gânglios periféricos, estes podem ser analisados antes, porse tratarde conduta menos agressiva. Com biópsia por congelação, o resultado ‒ se o gânglio é ou não adequado
para diagnóstico ‒ pode ser dado em menos de 30min após
a sua exérese. Um ponto fundamental: quando houver suspeita de doença linfoproliferativa (linfoma) sempre se
deve tentar uma biópsia excisional (tirar todo o linfonodo)
ou, no mínimo, incisional (retirar parte do linfonodo). A punção aspirativa por agulha fina (PAAF) não é adequada e pode gerar atrasos adicionais desnecessários ao diagnós
tico. Para diagnóstico de linfoma é fundamental estudara arquitetura do gânglio para vero padrão de infiltração:
folicularou difuso. A PAAF, como todo esfregaço citoló gico, obviamente não fornece este dado.
Figura 90.2 - Massa no mediastino anterior e, além disso, múltiplas adenomegalias e derrame pleural bi lateral.
A paciente é submetida à biópsia de gânglio cer vical sem intercorrências e o laudo do anatomopatológico é linfoma de Hodgkin do tipo esclerose nodular.O re sultado da lâmina pode ser conferido na Figura 90.3.
CAPÍTULO 90
sinais podem sugerira doenças na radiografia de tórax
546 - Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 90
muitas células de Reed Sternberg. Estádio geral mente avançado. Muito comum a concomitância com vírus Epstein-Barr(EBV). - Forma rica em linfócitos (5% dos casos): como o nome diz, é abundante em linfócitos. Compor tamento similar à forma de celularidade mista. - Forma nodular com predomínio linfocitário (5% dos casos): em contraste com as formas clássicas, a célula RS é difícil de encontrar. Em seu lugar
são vistas muitas células com núcleos que lembram
pipoca e são negativas para CD15 e CD30. • Não clássico: forma nodular com predomínio linfo
Figura 90.3 - Célula de Reed Stemberg com "pano
citário.
de fundo" inflamatório. A doença tem um pico bimodal entre 15 e 30 anos e após os 50 anos de idade, sendo discretamente maior entre
DIAGNÓSTICO FINAL
os homens (em crianças, a diferença se acentua: 85%
Linfoma de Hodgkin.
pessoas/ano, com menor incidência em asiáticos. Em países
masculino). A incidência é de cerca de 2,8 casos por 100.000 em desenvolvimento, a incidência pode ser maior, espe cialmente da forma com celularidade mista e depleção
DISCUSSÃO
linfocitária, podendo refletira maior incidência de casos
relacionados à infecção por EBV.
O linfoma de Hodgkin é uma doença linfoproliferativa
Na verdade, a causa do linfoma de Hodgkin não é
potencialmente curável com características histológicas, clínicas e biológicas particulares, descrito inicialmente
conhecida, mas 50% dos casos apresentam DNA do EBV
porThomas Hodgkin em 1832. Histologicamente se caracteriza pelo achado das célu las de Reed-Sternberg (RS) em um pano de fundo de
subtipos com celularidade mista e menor no subtipo es
infiltrado inflamatório. Na maioria das ocorrências de Hodgkin, a célula de Reed-Sternberg é originária do lin
para EBV .
fócito B do centro germinativo e incapaz de produzir anticorpos, apesar de 1 a 2% dos casos apresentarem origem T possível. As células geralmente expressam os
de distribuição para linfonodos contíguos. Acometimento
marcadores de superfície CD30 e CD15. O linfoma tam bém é subdividido, pela Organização Mundial da Saúde
lia e o acometimento mediastinal à radiografia é frequen
em cinco subtipos (quatro clássicos e um não clássico):
tação da doença. Podem ser grandes e mesmo assim não
associado à célula neoplásica. Essa proporção é maior nos clerose nodular. Quase 100% dos pacientes HIV-positivos
(em que a incidência de Hodgkin é maior) são positivos A doença se inicia nos linfonodos, tendo um padrão
extranodal pode ocorrer mas não é muito frequente. Os pacientes apresentam-se ao diagnóstico com adenomega te. Massas mediastinais são a segunda forma de apresen produzirem sintomas. Ocasionalmente, causam sintomas
• Clássicos: esclerose nodular, celularidade mista, depleção linfocitária, rico em linfócitos:
compressivos como dispneia, estridor, tosse. Podem pro
- Esclerose nodular(60 a 80% dos casos): bandas de fibrose dividem o tumor dando um aspecto nodular. Mais frequente em adolescentes e qua
associado não é incomum. O acometimento cervical é
se sempre envolve mediastino e locais supradia fragmáticos.
Cerca de 40% dos pacientes portam os sintomas B,
vocarsíndrome da veia cava superiore o derrame pleural comum (60 a 80% das vezes), mas axilas e regiões ingui
nais são infrequentes (6 a 20% em ambas as regiões).
que incluem febre, suores noturnos e perda de peso. As
- Celularidade mista (15 a 30% dos casos): infiltra do difuso; afeta locais intra-abdominais e baço. Em geral, apresenta-se em estádio avançado. É a
tenia e prurido, apesarde não serem sintomas B, costumam
forma mais encontrada em pacientes HIV-positivos. - Depleção linfocitária (menos de 1% dos casos):
com o tempo, acometendo cerca de 35% dos pacientes ao
infiltrado difuso e de aparência hipocelular com
incomum e se caracteriza por febre intermitente que re
acompanhar o quadro.
A febre é mais comum à noite e se toma mais grave diagnóstico. A febre de Pel-Ebstein é característica, mas
Alargamento Mediastinal - 547
medula óssea é desigual e, por isso, a biópsia de
precedero diagnóstico por meses, apesarde não seroni
mentara sensibilidade diagnóstica. Nos linfomas
presente. Surge em cerca de 15% dos pacientes, geral
não Hodgkin, a biópsia é unilateral.
medula óssea deve ser bilateral (bicrista) para au
mente generalizado e pode ser intenso o suficiente para
• Pacientes com sintomas B têm esta letra adicionada
provocar escoriações. Pode haver dor abdominal decor
ao seu estadiamento porque a presença deles confe
rente de esplenomegalia, adenomegalia retroperitoneal,
re prognóstico menos favorável. Se não houver
entre outros, e muito raramente pode haver colestase intra-
sintomas, denotamos a letra A. A letra X pode ser
hepática. Raramente pode haver dor nos locais acometidos
adicionada ao estadiamento em caso de doença bulky,
pela doença. Um sintoma curioso, presente em até 10%
ou seja, massas maiores que 10cm em seu maior
dos pacientes, é a dor nos locais acometidos pela doença
diâmetro. Envolvimento de locais extranodais por
após ingestão alcoólica.
contiguidade (por exemplo, acometimento do parên
Pode haver lesões de pele dos mais variados tipos e
quima pulmonar direto por infiltração da massa
paraneoplasias provocando síndromes neurológicas como
mediastinal) não é considerado estádio IV, mas re
coreia, encefalite límbica, síndrome de Guillain-Barré e
cebem o sufixo E, por exemplo, IIBSE.
síndrome nefrótica. O acometimento do sistema nervoso
No caso da paciente, o estadiamento será IIB.
central por células malignas é muito raro.
Outros sinais podem ser hipercalcemia, anemia nor
Hoje em dia, a PET é considerada fundamental no
mocrômica e normocítica, eosinofilia, leucocitose, trom
acompanhamento e seguimento da doença de Hodgkin. Além de alta sensibilidade no diagnóstico de locais de
bocitose, linfopenia e hipoalbuminemia. Por fim, pode haver aumento da DHL, que se relaciona com o tamanho da massa tumoral.
pequenas dimensões, é o método que melhor distingue
A paciente é então encaminhada para um onco -hematologista para iniciar acompanhamento. Além de exames rotineiros como hemograma, função renal, enzimas hepáticas e íons como sódio, potássio, cálcio e magnésio, solicitam-se sorologia para HIV, tomogra fias computadorizadas de tórax, abdome e pelve, tomografia por emissão de pósitrons (PET) e biópsia de medula óssea de ambas as cristas ilíacas.
terapia isolada ou radioterapia com quimioterapia com
focos cicatriciais de massas ativas após tratamento. O tratamento, dependendo do estágio, envolve radio diferentes esquemas. Havendo recidiva, pode-se tentar ainda nova quimioterapia ou transplante autólogo. Como a paciente não apresentou, no estadiamento,
outros locais acometidos, seu estádio foi IIB, já que tem sintomas B com acometimento cervical e mediastinal.
Neste caso, o tratamento tem uma chance de cura de cerca de 85%. O linfoma de Hodgkin hoje é considerado
além do subtipo histológico, do estadiamento que é dado
uma neoplasia com alta chance de cura. Na verdade, até em estádios avançados a curabilidade pode ser maior que
pelo sistema de Ann Harbor:
60%; portanto, o clínico deve estar atento para seu diag
O tratamento e o prognóstico da doença dependem,
• No estádio I há acometimento de uma única cadeia linfonodal, ou estrutura linfoide, ou de um local extralinfático.
• No estádio II há acometimento de duas ou mais
cadeias linfonodais ou estruturas linfoides do mesmo lado do diafragma (acima ou abaixo), com ou sem
contiguidade com local extralinfático. • No estágio III há acometimento de cadeias linfono dais ou estruturas linfoides em ambos os lados do diafragma.
• No estádio IV há acometimento extranodal não
decorrente da extensão direta de local linfonodal acometido. Fígado e medula óssea denotam estádio
IV, se acometidos. Baço é considerado área nodal
e, se acometido, coloca-se um sufixo S após o esta diamento (por exemplo, IIBS). O acometimento da
nóstico precoce e deve sempre valorizar sintomas eventu almente inespecíficos, como sudorese ou febre arrastadas.
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CAPÍTULO 90
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CAPÍTULO 90
548 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
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___________________________________
CAPÍTULO
91
Nódulos no Pescoço Thiago Xavier Carneiro • Larissa Guedes da Fonte Andrade
Homem de 26 anos de idade é trazido para atendi mento no pronto-socorro com quadro clínico de um mês de evolução, caracterizado por agravamento progressivo de febre não aferida, diária, perda de peso (cerca de 7kg), dor epigástrica inespecífica, anorexia, astenia, associado ao surgimento de caroços em diversas regiões do corpo, sendo os maiores localizados no pescoço.
Um paciente jovem com quadro de febre e nódulos no cor po. Com um exame inicial, geralmente já é possível de terminar-se esses nódulos são, na verdade, linfonodos de tamanho aumentado. Em casos como este, é importante buscar, já em um primeiro momento, diferenciar adeno
megalia generalizada de doença localizada. O quadro
generalizado usualmente decorre de processo inflamatório sistêmico infeccioso, autoimune, endócrino ou neoplásico.
Linfonodomegalias localizadas devem sempre ser inves tigadas de modo a avaliar o local de drenagem da cadeia acometida, tendo como causa mais comum um processo
infeccioso local, mas podendo também ser resultante de neoplasia com metástase para cadeia linfática adjacente. Essa diferenciação permite ordenar o direcionamento da anamnese e a formulação de adequadas hipóteses diag
nósticas. É necessário lembrar, no entanto, que acometimento
O paciente nega desconforto ao deglutir, secreção nasal e tosse. Nega ainda lesões de pele na região da face, pavilhão auricularou pescoço. Causas óbvias devem sempre ser excluídas logo no primeiro momento. No caso de adenopatia cervical, cui dadoso exame de boca, orofaringe, cavidade nasal e pele da face e do pescoço deve ser realizado à procura de in fecção localizada nesses locais. De modo geral, essa é a causa mais comum de adenopatia cervical, devendo, portanto, ser exaustivamente investigada. O paciente, no entanto, não parece se encaixar neste perfil.
O paciente nega ainda alterações visuais ou auditi vas. Queixa-se de dor leve no pescoço. Refere não ter apresentado lesões cutâneas no resto do corpo. Alega não apresentar artralgias, mucosas secas ou lesões cutâneas após exposição solar. Refere não apresentar lesões em região genital no momento, ou antes. Diz ser previamente hígido, sem antecedentes de tratamentos médicos. Nunca esteve internado, ou fez tratamento crônico para outra doença. Residente em São Manuel, interiorde São Paulo, trabalha como me cânico em Botucatu, mas ajuda o pai na lavoura. É tabagista e etilista ocasional. Refere ser heterossexual, com várias parceiras, ocasionalmente mantendo rela ções sem o uso de preservativos.
localizado pode ter como causas processos sistêmicos em
fase ainda inicial, ou já em fase mais tardia. Por esse
motivo, alguns outros dados clínicos são essenciais para auxiliaro médico nessa diferenciação. No caso citado, os múltiplos nódulos e a febre são dados sugestivos de doen
ça sistêmica. Entretanto, o predomínio de acometimento da região do pescoço pode sugerir doença mais localizada.
O interrogatório sintomatológico pode ser importante neste momento.
Aparentemente, o quadro pode ser descrito como de doença febril subaguda associada à linfadenopatia gene ralizada, com poucos dados clínicos adicionais, o que dificulta uma única possibilidade diagnóstica apenas com a história clínica inicial. No momento, apenas um ade quado domínio dos diagnósticos diferenciais permitirá ao médico realizar interrogatório sintomatológico ou de an tecedentes adequado e fundamental.
CAPÍTULO 91
550 - Problemas Gerais em Clínica Médica
Talvez, a principal causa da síndrome clínica caracte rizada por febre, linfadenopatia generalizada e apresen
sendo importante ressaltara possibilidade de adenopatia difusa causada pela infecção por micobactérias, sendo
tação variável de rash cutâneo seja aquela amplamente
epidemiologicamente mais importante a infecção pelo
conhecida na literatura como “mononucleose-like”, tendo
Mycobacterium tuberculosis. A tuberculose ganglionar
como causas mais usuais a infecção pelo citomegalovírus,
possui evolução mais arrastada e linfonodos de maiores
herpes-vírus humano 6, adenovírus, vírus do herpes sim
dimensões. Infecções fúngicas, como a paracoccidioidomi
ples, vírus da rubéola, Toxoplasma gondii. Isso se toma
cose, a criptococose e a histoplasmose também devem ser
particularmente verdadeiro para pacientes mais jovens,
lembradas quando houver evolução mais prolongada,
como o citado. O aparecimento de rash cutâneo caracte
devendo-se suspeitar delas sempre que houver história
rístico favoreceria muito esse diagnóstico, mas sua ausên
epidemiológica sugestiva.
cia de modo algum o exclui. A apresentação clínica
Além das doenças infecciosas, algumas colagenoses
dessas infecções pode ser extremamente variável e muito
devem ser lembradas. O lúpus eritematoso sistêmico pode
semelhante, tornando esses diagnósticos quase exclusiva
cursar com adenopatia generalizada, associada à febre,
mente laboratoriais. Nessa síndrome, os linfonodos são
sendo, devido à idade do paciente, outra hipótese possível.
caracteristicamente fibroelásticos, móveis, pequenos,
Devemos terem mente que, em síndrome de Sjögren e
múltiplos, não aderidos a planos profundos. Essas carac
artrite reumatoide, a linfadenopatia difusa pode ser um
terísticas são consideradas benignas, pois usualmente
achado inicial.
estão associadas a doenças autolimitadas como as citadas.
Quadro semelhante ao citado pode ainda ser causado
A mononucleose infecciosa propriamente dita, causada
por medicações. O médico deve saber que principalmen
pelo vírus Epstein-Barr, é frequente em pessoas jovens,
te a fenitoína, mas também a carbamazepina e a minoci
acompanhada por febre elevada e sinais e sintomas exu berantes de faringite, aparentemente discretos no caso.
clina podem ser associadas a essas manifestações clínicas.
Caso nossa investigação clínica sugira esses diagnósticos,
pacientes com linfadenopatia febril é extremamente ampla,
a observação e o tratamento sintomático são as condutas
contemplando mais de 100 diagnósticos diferenciais em algumas revisões. É importante a procura de causas mais
mais aceitáveis.
Devemos terem mente que a lista de diagnósticos de
Causas infecciosas mais graves também podem ser
comuns e a exclusão de doenças mais graves. Outras
compatíveis com esse quadro. Em pacientes jovens, com
causas mais raras podem ser verdadeiros desafios diag
vida sexual ativa, a infecção primária aguda sintomática
nósticos. No Quadro 91.1 estão listadas algumas causas
pelo vírus da imunodeficiência humana deve ser pensada
de linfadenopatia periférica.
e também pode cursar com adenomegalia generalizada
De modo geral, o aumento generalizado de linfonodos
em até 45% dos casos, coincidindo com o momento do
está associado à doença sistêmica. Caso uma investigação
surgimento de resposta imune específica contra o vírus.
clínica inicial não aponte para evidente diagnóstico e não
Algumas doenças infecciosas são menos comuns, mas
sejam verificados sinais de alarme para doenças mais
devem ser lembradas, pois têm tratamento específico. A
brucelose também cursa com adenopatia difusa e febre, mas apresenta um curso em geral mais arrastado, com
clínica menos exuberante. Classicamente, a ingestão de leite não pasteurizado é o principal fator de risco, mas o
simples contato com animais hospedeiros pode ser o suficiente. Outro diagnóstico possível seria doença de
Lyme, causada pela espiroqueta Borrelia burgdorferi, pois na fase inicial da doença a febre, o mal-estar e a adeno megalia difusa são os achados mais comuns. Entretanto, a ausência do característico eritema crônico migratório
toma a hipótese um pouco menos provável. A ausência
de lesões cutâneas também toma pouco provável o diag
nóstico de sífilis secundária que também cursa com ade nomegalia difusa e febre baixa, mas usualmente quadro cutâneo polimorfo associado.
O tempo de duração do quadro febril em questão fa laria contra algumas das hipóteses citadas anteriormente,
QUADRO 91.1 - Causas de linfadenopatia periférica • Bacterianas - Localizadas: faringite estreptocócica; infecções de pele; tularemia; difteria; doença da arranhadura do gato - Generalizadas: brucelose; leptospirose; linfogranuloma venéreo; febre tifoide • Vírus: vírus da imunodeficiência humana; vírus Epstein-Barr; vírus do herpes simples; citomegalovírus; caxumba; catapora; rubéola; hepatite B; dengue; enteroviroses; tularemia • Micobactérias: Mycobacterium tuberculosis; micobacteriose atípica • Fungos: histoplasmose; paracoccidioidomicose; criptococose • Protozoários: toxoplasmose; leishmaniose • Espiroquetas: sífilis secundária; doença de Lyme • Câncer: carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço; linfomas; leucemias • Imunológicas: doença do soro; reações a drogas (fenitoína) • Endocrinopatias: hipotireoidismo; doença de Addison • Miscelânea: sarcoidose; amiloidose; histiocitose; doença de Castleman; doença de Kikuchi; doença de Rosai-Dorfman; doença de Kawasaki; lúpus eritematoso sistêmico; artrite reumatoide; doença de Still; síndrome de Churg-Strauss; hemofagocitose
Nódulos no Pescoço - 551
epitelial, doenças linfoproliferativas, doenças granuloma
as doenças nas quais o diagnóstico é essencial para o
tosas e infecções por fungos ou micobactérias. É fundamental avaliar clinicamente a possibilidade de
tratamento, essa janela de tempo seria segura e evitaria
neoplasia epitelial de cabeça e pescoço, pois caso haja
procedimentos desnecessários.
forte suspeita, a investigação complementar se desenvol ve com algumas particularidades. Essas doenças estão
Ao exame físico, o paciente apresenta-se emagre cido, febril (temperatura axilar 37,9°C). Verificados linfonodos móveis, fibroelásticos, alguns dolorosos, não aderidos a planos profundos, localizados em ca deias inguinais, axilares, poplíteos e retroauriculares, possuindo em sua maioria cerca de 1cm, sendo os maiores localizados em região cervical, o maior com 5cm de diâmetro, podendo ser individualizados em cadeia cervical direita (Fig. 91.1). Não são observadas lesões cutâneas. Ao exame abdominal verifica-se baço palpável a 5cm do rebordo costal esquerdo e fígado a 6cm do rebordo costal direito, bordas rombas, com dor à palpação.
fundamentalmente associadas ao tabagismo de longa data. No caso em questão, a idade do paciente, a reduzida car
ga tabágica e a apresentação com febre e hepatoespleno
megalia são dados que contrariam essa hipótese.
O diagnóstico mais temeroso para esse caso, portanto, é o de doença linfoproliferativa. Esse diagnóstico é com
patível com as mais diversas apresentações clínicas, sendo praticamente impossível distingui-lo de diversas
das afecções citadas anteriormente. Devemos terem
mente que os “sintomas B” característicos das doenças linfoides são a febre, a perda de 10% do peso nos últimos seis meses e a sudorese noturna. Portanto, esse diagnós
Os achados de hepatoesplenomegalia e um linfonodo
tico é plausível para o caso em questão.
grande ao exame físico nos permitem descartar várias das hipóteses formuladas anteriormente. Nesse momento,
quadros virais e doenças reumatológicas podem segura mente ser deixados em segundo plano. O nódulo cervical
grande têm como causa um grupo mais limitado de doen ças que incluem, quase sempre, neoplasias de linhagem
Investigação laboratorial mostra: hemograma com hemoglobina de 14,3g/dL, leucócitos de 22.400/mL, eosinofilia de 18% (4.032/mL), plaquetometria de 448.000/mL, proteína C-reativa de 10mg/dL, velocida de de hemossedimentação de 51mm. VDRL negativo, sorologias para HIV, hepatite B e hepatite C negativas. Radiografia de tórax sem alterações. A investigação laboratorial do paciente com linfade nopatia generalizada deve ser orientada pela clínica e pelo
exame físico. Inicialmente, o hemograma e a radiografia de tórax são os exames essenciais. As doenças virais podem cursar com leucopenia; o achado de linfócitos com
morfologia atípica em número elevado, quando associado ao quadro clínico, pode sercompatível com mononucle
ose infecciosa. Linfocitose com células anormais pode ser encontrada em doenças linfoproliferativas. As anemias
devem ser investigadas e tanto os achados de hemólise como os de doença crônica podem serde grande auxílio.
No caso apresentado, foi verificada eosinofilia significa
tiva. O diagnóstico diferencial desse achado também é muito extenso e vai além do escopo deste capítulo, mas
classicamente está vinculado a doenças infecciosas. A
alteração é, no entanto, também compatível com doenças granulomatosas e linfoproliferativas, não sendo, portanto,
possível descartar estas entidades. A radiografia de tórax abre um importantíssimo leque de hipóteses mais relacionadas às doenças do parênquima
pulmonar e é o exame inicial para a descoberta de doen
Figura 91.1 direita.
- Linfonodomegalias em região cervical
ça linfática hilarou mediastinal direcionando a investiga ção para sarcoidose ou linfomas, por exemplo.
C A P ÍT U L O 91
graves, a maioria dos autores considera segura a obser vação clínica por até quatro semanas, pois mesmo para
C A P ÍT U L O 91
552 - Problemas Gerais em Clínica Médica
No caso citado, faltam dados clínicos que sugiram doença reumatológica, o que torna possível adiar essa investigação para um segundo momento. Os testes imu nológicos para doenças virais devem sempre ser conside rados, principalmente nos casos agudos de curta duração e realizados de acordo com a disponibilidade. É necessá
critérios que indiquem a investigação invasiva nessas si tuações. Até hoje, não há recomendação forte o suficien
rio terem mente, ao se solicitar alguns exames, que pro
as características citadas devem ser consideradas como
vavelmente não haverá conduta terapêutica para várias doenças autolimitadas. Não é possível descartar uma do ença sexualmente transmissível, portanto sorologia para o HIV e reação sorológica para sífilis são de extrema valia. Os exames de imagem que podem serutilizados neste momento são a ultrassonografia e a tomografia computa dorizada. A primeira é mais usada em serviços europeus,
indicações absolutas, mas devem pesar na decisão do
ao passo que a segunda faz parte do estudo inicial para alguns autores americanos. No entanto, nenhum estudo foi capaz demonstrara utilidade desses exames para investi gação diagnóstica de linfadenopatias. Apesar da melhor caracterização dos linfonodos acometidos, não há carac terísticas que possibilitem, com certeza, distinção entre essas doenças. Portanto, é necessário guardar o conceito de que esses exames são dispensáveis. As situações nas quais esses métodos se tomam fundamentais são suspeita de neoplasia epitelial ou após diagnóstico de linfomas, principalmente para estadiamento. O exame fundamental para o diagnóstico deste caso é a biópsia excisional do maior linfonodo. A análise morfológica e imuno-histoquímica é o melhor método para o diagnóstico de doenças linfoproliferativas. Além disso, o estudo histopatológico possibilita verificar o padrão granulomatoso da sarcoidose e da tuberculose, com a pesquisa de agentes infecciosos no tecido. Vários centros adotam, entretanto, uma sequência diagnóstica rígida de punção aspirativa por agulha fina (PAAF) precedendo a biópsia excisional. Essa conduta
objetiva evitara alteração anatômica da drenagem linfá tica causada pela excisão linfonodal, o que seria extrema
mente prejudicial para posterior ressecção de um tumor de origem epitelial. A análise citológica após PAAF é um procedimento de elevada especificidade, mas de compro
te para possibilitara criação de diretrizes para a investi
gação da linfadenopatia. Existem, entretanto, alguns achados clínicos associados estatisticamente a doenças
mais graves, principalmente neoplasias. De modo algum
clínico em favorde uma abordagem mais agressiva, prin cipalmente se achadas em conjunto:
• Linfadenopatia maior que 2cm. • Linfadenopatia supraclavicular. • Prurido cutâneo. • Idade superiora 40 anos. • Linfonodos endurecidos, aderidos a planos profundos. • Ausência de história recente de infecção de vias aéreas.
• Radiografia de tórax com linfadenopatia ou aumen to de mediastino.
Realizada biópsia excisional do linfonodo. À mi croscopia, foram visualizadas células esféricas ou ovais de tamanhos variáveis, com paredes grossas, dupla membrana, com múltiplos brotos. Faz-se o diagnóstico de paracoccidioidomicose. Inicia-se tratamento com itraconazol. Paciente evolui com progressiva remissão da febre e redução do volume de linfonodos. Segue em acompanhamento ambulatorial.
DIAGNÓSTICO FINAL Paracoccidioidomicose.
DISCUSSÃO A paracoccidioidomicose, na sua forma aguda/subaguda, é responsável por 3 a 5% dos casos da doença, predomi
metida sensibilidade. Havendo resultados inconclusivos, a biópsia não deve ser adiada por tempo prolongado.
nando em crianças e adolescentes, mas podendo, eventual
Outros autores defendem que a PAAF pode ser feita de acordo com o julgamento clínico, já que, a exemplo do
forma clínica caracteriza-se por evolução mais rápida, em
caso em discussão, existem várias situações clínicas nas quais a possibilidade de tumor epitelial é bastante reduzida. Em determinado momento da investigação de um
4 e 12 semanas de instalação. As principais manifestações clínicas, ao contrário da forma crônica, consistem em
quadro de linfadenopatia generalizada, torna-se essencial diferenciar dois grandes grupos: aquele de causas autoli
nomegalia, envolvimento osteoarticulare lesões cutâneas.
mitadas e aquele de causas mais graves, que requerem tratamento específico com rapidez ou apresentarão evo
de risco a infecção são as profissões ou atividades rela
lução ominosa. Diversos estudos já buscaram validar
como por exemplo, atividades agrícolas, terraplanagem,
mente, acometer indivíduos até os 35 anos de idade. Essa
que o paciente geralmente procura o serviço médico entre
linfadenomegalia, manifestações digestivas, hepatoesple A doença é endêmica no sudeste do país e o grande fator cionadas ao manejo do solo contaminado com o fungo,
Nódulos no Pescoço - 553
BIBLIOGRAFIA
dutos vegetais, entre outros.
FERRER, R. Lymphadenopathy: diffeiential diagnosis and evaluation. Am. Fan. PFyáciaiv. 58, p. 1313, 1998. HABERMANN, T. M.; STEENSMA, D. P. Lymphadenopathy. M^o Clin Pra., v. 75, p. 723, 2000. MOHAN, A. et ai. Aetiology of peripheral lymphadenopathy in adults: Analysis of 1724 cases seen at a tertiaiy care teaching hospital in southem índia. Nál Med. J. Irdia v. 20, p. 78, 2007. SHIKANAI-YASUDA, M. A. et ai. Consenso em paracoccidioidomi cose. Rcv. Ser. Bras Mal. Trcp. [criinj, v. 39, n. 3, p. 297-310, 2006. Disponível em: http://www.scielo.bi/scielo.php? script=sci_ aittext&pid=S0037-86822006000300017&lng=en&nrm=iso. Acesso em 18/04/2010. SLAP, G. B.; BROOKS, J. S.; SCHWARTZ, J. S. When to perfoim biopsies of enlaiged peripheral lymph nodes in young patients. JAMA, v. 252, p. 1321, 1984.
A abordagem a um paciente com linfadenopatia ge
neralizada sem causa evidente pode ser extremamente
difícil. Entre os diversos diagnósticos diferenciais possíveis existem aqueles graves e potencialmente curáveis, justi
ficando, portanto, abordagem diagnóstica agressiva. En tretanto, quadros autolimitados são comuns e não justifi
cam procedimentos invasivos potencialmente iatrogênicos. Para adequada avaliação, é imprescindível terem mente os principais diagnósticos diferenciais, sendo possível
decidir,na maioria das vezes, a melhor abordagem apenas com detalhada anamnese e cuidadoso exame físico, antes
mesmo de qualquer avaliação complementar.
C A P ÍT U L O 91
preparo de solo, práticas de jardinagem, transporte de pro
___________________________________
CAPÍTULO
92
Depressão Ana Beatriz Kinupe Abrahão • Agessandro Abrahão • Vivian Paz Leão Maia
Uma senhora de 71 anos de idade é trazida por sua filha ao ambulatório de Clínica Médica, onde faz acom panhamento por hipertensão arterial sistêmica, há dois anos. A paciente queixa-se de profunda tristeza e choro fácil há quatro meses. Diz que sua vida é “um vazio” e não tem vontade de fazer suas tarefas habituais em casa, a não seraguardar“a hora da morte”. Há cinco anos ficou viúva, passou por um longo período de tristeza, com ideações de morte, mas sem tentativas de suicídio, perda de apetite e emagrecimento. Recu perou-se, mas agora não sabe o motivo atual de tamanha tristeza. Nega outros episódios semelhantes. Nega episódio anterior de humor eufórico, incomumente alegre ou expansivo, com pensamento acelerado e ideias de grandeza. A filha relata que, no mesmo período, sua mãe vem apresentando dificuldade para “fixar na memória as coisas do dia a dia”. Ela era capaz de fazeras compras do supermercado sem necessidade de “listinha” e sem erros. Desde então, tem sido incapaz de realizar tal tarefa, com piora progressiva, sendo agora “incapaz de guardarna cabeça duas ou três coisas”.
A queixa de tristeza e choro fácil, referida pelo próprio
paciente como “depressão”, é comum nos consultórios de
Clínica Médica e Geriatria. Frente a essa queixa, o racio cínio clínico deve ser direcionado para um provável
transtorno do humor, com destaque para o transtorno depressivo ou bipolar em episódio atual depressivo. A depressão é uma síndrome que reflete alterações em
diversos domínios da função cerebral. Por definição, é caracterizada como humor diminuído, ou desinteresse, ou perda do prazer pelas atividades antes prazerosas (anedonia) por duas semanas ou mais.
A paciente relata que há cinco anos, após um evento
deflagrador (a perda do marido), apresentou um longo
período de tristeza, acompanhado de perda do apetite e emagrecimento, levantando a hipótese de um primeiro
episódio depressivo. Na história da doença atual, mostra novamente um quadro de tristeza aparentemente imotiva da e sem um evento deflagrador.
A American Psychiatric Association preconiza a clas sificação Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, atualmente na quarta revisão (DSM-IV-TR), para o diagnóstico dos transtornos psiquiátricos1. Os critérios
para episódio de depressão maior são mostrados a seguir e servirão como guias para o interrogatório complementar
da anamnese (Tabela 92.1).
Além da ferramenta diagnóstica proposta pelo DSM,
um importante método de rastreio de depressão em aten ção primária à saúde pode ser realizado por meio de uma
escala simplificada que inclui os seguintes itens: 1) dis túrbio do sono; 2) anedonia; 3) baixa autoestima; 4) di
minuição do apetite. Na língua inglesa, estes são lembra dos pelo mnemônico SALSA: Sleep, Anhedonia, Low
Self-esteem, decreased Appetite.
O médico deve questionar sobre esses quatro sintomas no último mês e a presença de pelo menos dois pode indicar com boa acurácia, o diagnóstico de depressão.
Interrogatório complementar nega febre, tosse ou diarreia ao longo de toda a evolução. Refere insônia terminal (acorda por volta de quatro horas da manhã e não volta a dormir) há um mês. Nega alteração do há bito intestinal, exteriorização de sangramento ou perda de peso. Faz uso de hidroclorotiazida, 25mg, pela ma-
Depressão - 555
A. No mínimo cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes concomitantemente durante período de duas semanas e representam uma alteração a partir do funcionamento anterior. Pelo menos um dos sintomas é: (1) Humor deprimido ou (2) Perda do interesse ou prazer Nota: não incluir sintomas nitidamente decorrentes de uma condição médica geral ou alucinações ou delírios incongruentes com o humor (1) Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo (por exemplo, sente-se triste ou vazio) ou observação feita por outros (por exemplo, chora muito). (2) Interesse ou prazer acentuadamente diminuídos por todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (indicado por relato subjetivo ou observação feita por outros) (3) Perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta (por exemplo, mais de 5% do peso corporal em um mês) ou diminuição ou aumento do apetite quase todos os dias Nota: em crianças, considerar falha em apresentar os ganhos de peso esperados (4) Insônia ou hipersonia quase todos os dias
(5) Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outros, não meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento) (6) Fadiga ou perda de energia quase todos os dias (7) Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada (que pode ser delirante), quase todos os dias (não meramente autorrecriminação ou culpa por estar doente) (8) Capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se ou ainda indecisão, quase todos os dias (por relato subjetivo ou observação feita por outros) (9) Pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio
B. Os sintomas não satisfazem os critérios para um episódio misto C. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo D. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de substâncias (abuso de drogas, medicações) ou condições médicas gerais (hipotireoidismo)
E. Os sintomas não são mais bem explicados por luto, ou seja, após a perda de um ente querido, os sintomas persistem por mais de dois meses ou são caracterizados por acentuado prejuízo funcional, preocupação mórbida com desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo psicomotor
nhã, e enalapril, 5mg, duas vezes ao dia. Graduada em Serviço Social aos 25 anos de idade, dedicou-se à as sistência social hospitalar até se aposentarhá oito anos. Nega tabagismo e consumo de bebida alcoólica e dro gas ilícitas. Ao exame ‒ pressão arterial: 130 × 80mmHg; pulso: 76bpm; temperatura axilar 36,6°C; frequência respiratória: 14irpm. Tireoide impalpável. Mucosas coradas e hidratadas, acianótica. Exames cardiovascu lar e respiratório sem alterações. Abdome escavado, ruídos hidroaéreos audíveis, timpânico, indolore sem massas. Sem edemas de extremidades. Exame neurológico: o miniexame do estado mental está detalhado na Tabela 92.2 e a pontuação obtida foi de 20 em 30. A força musculare o tônus estão normais e simétricos, reflexos profundos normoativos, ausência de reflexos patológicos, coordenação e nervos cranianos sem alterações, sem sinais meníngeos. Exame psíquico: vígil, parcialmente desorientada no tempo e no espaço, apresentação algo inadequada (cabelo e unhas descuidados), atenção voluntária e espontânea sem alterações, memória de fixação preju dicada, humor deprimido, afeto sintônico ao humor, pensamento com curso lentificado, agregado, com ideias prevalentes de menos valia, psicomotricidade reduzida,
sensopercepção sem alterações, hipobulia e insight (critica sobre sua condição) prejudicado.
O exame físico geral não apresenta alterações dignas de nota.
O miniexame do estado mental (do inglês, mini men tal state examination, descrito porFolstein etal. em 1975) é uma forma prática de avaliação das funções corticais, permitindo avaliações qualitativas e quantitativas2. A
pontuação varia entre 0 e 30, sendo seu resultado influen ciado, dentre outros fatores, pelo grau de escolaridade do paciente.
A paciente em questão tem o ensino superiorcomple to e trabalhou ativamente até oito anos atrás. A pontuação
obtida foi de 20 (esperado acima de 24), com destaque
para desorientação temporal e espacial e incapacidade de
evocação da memória de curta duração (Tabela 92.2).
Ao ser questionada sobre sua “pouca memória”, a paciente refere que sempre foi “meio esquecida” e não percebeu nenhuma alteração. Ao contrário, sua filha informa que “o esquecimento tem sido tão grande” a ponto de ter motivado a contratação de uma acompa
CAPÍTULO 92
TABELA 92.1 - Critérios para episódio depressivo maior, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quarta edição, texto revisado (DSM-IV-TR)1
556 - Problemas Gerais em Clínica Médica
Item
Erros
Pontuação
Obtido
Orientação temporal: ano - estação - mês - dia do mês - dia da semana
0-5
Dia do mês; dia da semana, mês
2
Orientação espacial: estado - rua - cidade - local -andar
0-5
Local; andar
3
Registro: nomear: pente - rua - caneta
0-3
Não obteve erros
3
Cálculo: subtrair 7 de 100-93-86-79-65
0-5
Obteve um erro
4
Evocação: três palavras anteriores: pente - rua - caneta
0-3
Não se lembrou de nenhuma palavra
0
Linguagem 1: nomear um relógio e uma caneta que são mostrados
0-2
Não obteve erros
2
Linguagem 2: repetir: nem aqui, nem ali, nem lá
0-2
Não obteve erros
2
Linguagem 3: siga o comando "pegue o papel com a mão direita, dobre-o ao meio, coloque-o em cima da mesa"
0-3
Não obteve erros
3
Linguagem 4: ler e obedecer: "feche os olhos"
0-1
1
Linguagem 5: escreva uma frase completa
0-1
1
Linguagem 6: copiar o desenho
0-1
1
30
20
TOTAL
nhante/cuidadora para a mãe. Entretanto, a paciente reforça as queixas de tristeza e diz ser este seu único problema. A filha também relata que a mãe anda “meio des cuidada”, pois sempre fora muito vaidosa e, atualmente, não se preocupa com a aparência.
Pacientes com depressão podem apresentarcomprome
timento cognitivo, um fenômeno descrito como pseudode
mência. Nessa condição, o comprometimento da memória é secundário ao déficit de atenção e à perda do interesse e/ou anedonia. O tratamento farmacológico do distúrbio
investigação de comorbidades clínicas associadas (item D dos critérios DSM-IV-TR). Agendado breve retorno breve com os exames e iniciado tratamento com inibidor seletivo da recaptação de serotonina. A paciente e a filha trazem os exames solicitados: hemograma, funções renal e hepática, eletrólitos (sódio, potássio, cloreto, cálcio), dosagem de vitamina B12 e ácido fólico, função tireoidiana (T4 livre e TSH) dentro da normalidade. VDRL não reagente.
Em tomo de 30% dos casos de demência resultam de doenças ou condições sistêmicas que, secundariamente,
de humor pode retomara função cognitiva, porém, isso
pode ocorrer de forma incompleta (Tabela 92.3). Entretanto, o exame psíquico e o miniexame do esta
do mental apontam para um transtorno do humor, asso
TABELA 92.3 - Diagnóstico diferencial entre déficit de memória em demência e em depressão (pseudodemência).
ciado à alteração acentuada da memória e à desorientação,
Demência
Pseudodemência
sem prejuízo significativa da atenção. Além disso, outros
Início gradual
Início mais rápido
dados desfavorecem a hipótese de pseudodemência: o
Humor: deprimido/não deprimido
Sempre deprimido
Ausência de desvalia e desesperança, mesmo se deprimido
Presença de desvalia e desesperança
ma, o diagnóstico diferencial entre demência e pseudode
Dificuldades são minimizadas
Dificuldades são supervalorizadas
mência deve ser considerado, conforme a Tabela 92.3. Com base na hipótese de transtorno depressivo maior, associado a um déficit cognitivo (demência? pseudode mência?), foram solicitados exames complementares para
Insight diminuído
Insight aumentado
Engaja-se nas tarefas propostas na avaliação
Não se engaja nas tarefas propostas
insight reduzido sobre o déficit de memória (paciente não
percebe tal prejuízo) está comumente presente em demên cia, bem como o início gradual dos sintomas. Dessa for
Adaptado de Bertolucci e Okamoto3
978-85-4120-074-5
CAPÍTULO 92
TABELA 92.2 - Miniexame do estado mental
978 85 4120 074
Outros exames laboratoriais devem ser solicitados
atingem o sistema nervoso central. A análise laboratorial na investigação inicial de uma síndrome demencial é impor
quando houver indicações clínicas específicas como:
tante para excluir causas tratáveis ou interrompíveis, como
teste de HIV, dosagem de nível sérico de substâncias
as decorrentes de distúrbios metabólicos, endócrinos e
tóxicas/fármacos entre outros.
substâncias tóxicas. Uma dosagem de hormônio estimulan
As condições metabólicas, endócrinas e tóxicas que po
te da tireoide, por exemplo, para investigação de hipotireoi
dem estar relacionadas à demência e a investigação diag
dismo é fundamental na avaliação de pacientes com depres
nóstica associada estão resumidas na Tabela 92.4.
são e/ou demência, especialmente em idosos. Além disso, é importante afastar alterações do estado mental induzidas
por fármacos, álcool e drogas ilícitas (negados anamnese).
Três meses após a última consulta, a filha refere melhora do humore do padrão de sono, mas com piora
TABELA 92.4 - Causas tratáveis de demência e investigação básica relacionada. Causas importantes
Investigação básica
Endocrinopatias Hipotireoidismo Hipertireoidismo Doença de Addison Síndrome de Cushing Hiperparatireoidismo Hipoparatireoidismo Hipopituitarismo
TSH, T4 livre Sódio, potássio Cálcio, fósforo Glicemia
Nefropatias Uremia Demência da diálise
Creatinina, ureia
Hematológicas Anemia Síndromes de hiperviscosidade
Hemograma, VHS
Hepatopatias Encefalopatia hepática Degeneração hepatocerebral crônica
Marcadores de lesão e função hepática
Deficiências Tiamina Niacina Cianocobalamina Ácido fólico
Dosagem de vitamina B12 e ácido fólico
Infecciosas Sífilis HIV
Reações sorológicas para sífilis e HIV
Cardiopatias Hipóxia grave transitória Insuficiência cardíaca congestiva Pneumopatias Doença pulmonar obstrutiva crônica
Álcool
Fármacos Ansiolíticos e hipnóticos Antidepressivos tricíclicos Neurolépticos Carbonato de lítio Anticonvulsivantes (fenobarbital, Anticolinérgicos Digitálicos Clonidina, alfa-metildopa Propranolol Antineoplásicos
Anamnese, exame físico, investigação específica, se necessário
hidantal, valproato)
Metais Pesados Chumbo, mercúrio, ouro e outros Adaptado de Nitrini4
HIV = vírus da imunodeficiência humana; T4 = tetraiodotironina; TSH = hormônio estimulante da tireoide; VHS = velocidade de hemossedimentação.
CAPÍTULO 92
5
Depressão - 557
558 - Problemas Gerais em Clínica Médica
forma aguda, com perturbação da consciência e/ou aten
CAPÍTULO 92
ção e alteração da cognição que tende a oscilar durante o curso do dia. No delirium há evidência de que tais per
turbações sejam causadas por uma condição orgânica.
Nesta óptica, devem ser afastados os transtornos am nésticos, como por exemplo, perda de memória causada
por traumatismo encefálico ou uso de substâncias, amné
sia global transitória, síndrome de Korsakoff (deficiência de tiamina), entre outros. Contudo, os transtornos amnés
ticos podem também estar relacionados a uma condição médica geral ou aos efeitos persistentes de uma substância. Ainda é importante fazer diagnóstico diferencial entre
doença de Alzheimere declínio cognitivo leve. Este aco
mete idosos essencialmente com função cognitiva normal,
Figura 92.1 - Ressonância nuclear magnética do crâ nio em corte coronal ponderada em T1 mostrando atrofia cortical difusa.
mas com déficit de memória com queixa do próprio pa
ciente ou de pessoas próximas. Tais pacientes, entretanto, não apresentam demência e não têm prejuízo em suas
atividades cotidianas. Portadores de declínio cognitivo leve possivelmente possuam maior risco de desenvolverem
da memória e da desorientação no tempo, com signifi cativo prejuízo no convívio social. Um novo teste do miniexame do estado mental pontuou 18 (houve piora da função executiva e de cálculo). Uma ressonância nuclear magnética do crânio foi solicitada e mostrou discreta atrofia cortical difusa (Fig. 92.1).
Nesta fase, estamos diante de uma idosa com hiper
tensão arterial sistêmica controlada com síndrome depres siva e suspeita diagnóstica de demência, especificamente doença de Alzheimer. A neuroimagem, por tomografia computadorizada de
doença de Alzheimer. A perda progressiva de memória mostrada no caso,
associada a pelo menos uma alteração de outra função cognitiva (linguagem, gnosias, praxias ou função execu
tiva), sugere doença de Alzheimer. Embora os sintomas e a evolução da paciente em
questão sejam sugestivos de doença de Alzheimer, deve
-se sempre estar atento para os diagnósticos diferenciais
entre demências. A Tabela 92.5 revela achados de história e exame físico típicos de cada uma das demências primá
rias. A presença desses sinais de alarme deve despertara
crânio ou ressonância nuclear magnética, sendo a última mais sensível, é indicada à grande maioria dos casos, como avaliação inicial para exclusão de lesões estruturais, como neoplasias, hemorragias ou acidente vascularcere
bral. A atrofia de estruturas médias dos lobos temporais, como o hipocampo, pode ser encontrada em doença de Alzheimer. No entanto, a atrofia hipocampal não é espe
cífica dessa doença, podendo ser encontrada em outras patologias do sistema nervoso central. A depressão pode ser considerada uma das alterações
mais precoces do comportamento em pacientes com do ença de Alzheimer, sendo observada em até 80% dos
pacientes. Deve-se suspeitar da depressão como sintoma de demência principalmente se o primeiro surto depres sivo ocorrerem pessoas com idade avançada e sem de
história familiar de depressão. Já os transtornos cognitivos representam um grupo heterogêneo de síndromes clínicas com alterações da
função cognitiva, como na memória. Dentre tais transtor nos é fundamental afastar delirium, que se apresenta de
TABELA 92.5 - Sinais de alarme em demências que apontam diagnósticos distintos da doença de Alzheimer. Sinal de alarme
Considerações diagnósticas
Início abrupto
Demência vascular
Deterioração cognitiva e piora "em degraus"
Demência vascular
Mudança comportamental proeminente
Demência frontotemporal
Apatia profunda
Demência frontotemporal
Afasia
Demência vascular Demência frontotemporal
Proeminente flutuação do nível de consciência e/ou labilidade cognitiva
Delirium Demência com corpos de Lewy
Alucinação
Delirium Demência com corpos de Lewy
Sinais extrapiramidais (rigidez, tremor, bradicinesia e outros sinais de parkinsonismo)
Síndromes parkinsonianas Demência vascular Demência com corpos de Lewy
Adaptado de Kawas5
Depressão - 559
possibilidade de outras causas de demência que não a
Nessa mesma consulta, iniciou-se uso de inibidor de acetilcolinesterase ‒ donepezila ‒ junto com o anta gonista do receptor de N-metil-D-aspartato (NMDA) ‒ memantina, uma vez que tal associação tem demons trado melhores resultados para a função cognitiva, comportamental e funcional comparada com o uso isolado de donepezila. Mantido o ISRS até a remissão completa do distúrbio de humor. O tratamento não farmacológico junto a uma equipe multidisciplinar ‒ terapeuta ocupacional, enfermeiro, nutricionista ‒ foi iniciado paralelamente.
CAPÍTULO 92
doença de Alzheimer.
Figura 92.2 - Estratégias de manejo da doença de Alzheimer. NMDA = N-metil-D-aspartato.
O tratamento da doença de Alzheimer visa retardara
DIAGNÓSTICO FINAL
progressão das perdas cognitivas, melhorara qualidade de
vida com o tratamento das alterações de humore compor tamento. A abordagem deve ser multidisciplinar, englo
Doença de Alzheimer.
bando tratamento não farmacológico e farmacológico.
O tratamento não farmacológico tenta promover o
DISCUSSÃO A doença de Alzheimer caracteriza-se por um processo
degenerativo ‒ com depósito beta-amiloide, placas neu
ríticas e substâncias neurofibrilares ‒ que acomete inicial
mente a região hipocampal, com posterior acometimento de áreas corticais. Essa distribuição do processo patoló
bem-estar emocional e social do paciente, respeitando sua individualidade. Médicos e outros profissionais devem
trabalharem conjunto com a família para obter melhores resultados. O tratamento visa tornar o ambiente mais se
guro para evitar acidentes, assim como o estabelecimento de rotinas para estimulara execução de tarefas compatíveis com o grau de demência.
gico repercute em um quadro clínico com alterações
O tratamento farmacológico específico da doença de
cognitivas e comportamentais, com preservação do fun
Alzheimer deve ser feito com inibidores de acetilcolines
cionamento motore sensorial até as fases mais avançadas
terase e antagonistas do receptor de NMDA. Tais medi
da doença. Esta se caracteriza marcadamente pela perda
camentos tendem a melhorara função cognitiva e retardar
insidiosa da memória, apesarde áreas cognitivas estarem
a progressão da doença, entretanto, é necessário expor
presentes durante o exame.
aos familiares que, embora haja melhora na qualidade de
Depressão é uma condição comum em pacientes com doença de Alzheimer,cuja prevalência de sintomas depres
vida, não há cura, a fim de evitar falsas expectativas e frustrações (Fig. 92.2).
sivos depende da gravidade da demência existente. Assim, diagnosticar transtorno de humorem pacientes com doen ça de Alzheimer é fundamental, pois o tratamento pode
melhorar significativamente sua qualidade de vida.
REFERÊNCIAS 1.
Alguns sintomas são comuns em ambas as doenças, dificultando sua distinção, como perda de interesse por
2.
atividades (anedonia), retração social, dificuldade de con centração, insônia ou hipersonia e problemas de memória.
Além de distúrbios de humor, podem associar-se dis túrbios de comportamento. As alterações do comporta
3.
mento variam desde um comportamento passivo até
acentuada hostilidade e agressividade. Até 50% dos pa cientes podem apresentar delírios paranoides, exteriori
4.
zados principalmente como delírio de perseguição e acusação de roubo. Predominantemente, tais distúrbios
aparecem em fases avançadas da doença.
5.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Di^xstic ari St^isticciMaiEicf MβlziDiscrdffs 4. ed., Text Revision. Washington, DC: American Psychiatric Press, 2000. FOLSTEIN, M. E; FOLSTEIN, S. E.; MCHUGH, P. R. Mini mental state: a practical method forgiading the cognitive state of patients for the clinician. J. P^cH^r. Res, v. 12, n. 3, p. 189-98, 1975. BERTOLUCCI, P. H. E; OKAMOTO, I. H. MaxrideccraT ta- Doa^çadeAfahams- ecLirasdβnêrcias 1. ed., São Paulo: Lemos, 2003. NITRINI, R. Demências metabólicas. In: Melo-Souza, S. E. Tr^aneíodasDoa^asNardq^cas 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2008. KAWAS, C. H. Clinicai piactice. Early Alzheimeris disease. N. Erg. J. Mβd., v. 349, n. 11, p. 1056-63, 2003.
CAPÍTULO 92
560 - Problemas Gerais em Clínica Médica
LEITURA COMPLEMENTAR
MCKHANN, G. et al. Clinicai diagnosis of Alzheimefs disease:
AREOSA, A. S.; SHERRIFF, E; MCSHANE, R. Memantine fordementia. CαFraned^±aseSyst Rev. 2005; CD003154. BRODY, D. S. et al. Identifying patients with depression in the primaiy caie setting: a more efficient method. Arch Irton Mβd., v. 158, n. 22, p. 2469-75, 1998. COREY-BLOOM, I; YAARI, R.; WEISMAN, D. Managing paüents with Alzheimers disease. PracticáNβndcg', v. 6, p. 78-89, 2006.
report of the NINCDS-ADRDA Work Group underthe auspices of Depaitment of Health and Human Services Task Force on Alzheimefs Disease. Nardcg', v. 34, n. 7, p. 939-44, 1984. TARIOT, P. N. et al. Memantine treatment in patients with moderate to severe Alzheimer disease already receiving donepezil. A randomized controlled trial. JAMA, v. 291, p. 317-24, 2004.
___________________________________
CAPÍTULO
93
Velocidade de Hemossedimentação Aumentada Lauro Figueira Pinto • José Luiz Pedroso
Homem, idoso, branco, 74 anos de idade, trazido para consulta em pronto-socorro devido a alterações de exames laboratoriais de rotina solicitados por médico da família, em ambulatório. Dentre os exames, chama va atenção a velocidade de hemossedimentação (VHS) de 115mm/h. Os familiares, assustados com os resul tados, optaram por consulta de urgência. A VHS é um teste laboratorial simples, barato e ampla
mente disponível. Nesse teste verifica-se a altura da cama da de hemácias sedimentadas de um tubo contendo sangue e anticoagulante colocado em repouso, após um dado pe
ríodo de tempo (em geral, 1h). Seu principal uso é o de marcador de resposta infla matória. Embora suas sensibilidade e especificidade não
sejam elevadas, valores de VHS muito elevados suscitam a suspeita de doença sistêmica, e seu significado deverá
ser investigado de forma adequada.
Há vários fatores que alteram a agregação das hemá cias, o que, em última análise, determina a VHS. Dentre
Situações corriqueiras como menstruação, gestação,
obesidade e, em particular, idade avançada podem cursar com elevações da VHS. O valor máximo esperado para idade e sexo pode ser calculado pela fórmula mostrada na Tabela 93.1. As condições patológicas afetam a VHS de diversas formas, quer seja por hemodiluição (gerando anemia), quer
seja por redução da repulsão das hemácias (presença de proteínas de fase aguda no plasma), ou uma combinação
destes fatores. Algumas situações patológicas que classicamente aumentam a VHS são anemia, infecções (particularmente endocardite infecciosa e tuberculose), doenças reumato lógicas (lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide e outras vasculites sistêmicas) e neoplasias (em especial as
doenças linfoproliferativas e as gamopatias monoclonais). O Quadro 93.1 exemplifica algumas situações relaciona das ao aumento da VHS. Outras situações estão relacionadas à redução da VHS, dificultando sua análise. As mais frequentes são insufici
ência cardíaca, insuficiência hepática, uso de medicações
esses, podemos citar volume e forma das hemácias, sua
(anti-inflamatórios e esteroides) e alterações hematológi
diluição no plasma e o balanço entre cargas elétricas do
cas (poliglobulia, hemoglobinopatias, leucocitoses extre
plasma e eritrócitos.
fibrinogênio, imunoglobulinas e proteínas de fase aguda
mas e hipofibrinogenemia hereditária ou por consumo). Como teste diagnóstico, a VHS é útil para avaliação da gravidade e da extensão de processos infecciosos, neoplásicos e inflamatórios. É especialmente importante
neutralizam essas cargas, reduzindo a repulsão e aumen
para avaliação diagnóstica de casos de arterite temporal
tando a VHS.
e de polimialgia reumática.
As hemácias tendem a se afastar umas das outras devido a cargas elétricas na sua superfície. A presença de
CAPÍTULO 93
562 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
TABELA 93.1 - Fórmula para cálculo de valores máximos esperados e valores de referência para a velocidade de hemossedimentação, de acordo com idade e sexo Faixa etária (anos)
Sexo masculino
Sexo feminino
85
Até 30mm/h
Até 42mm/h
VHS ≤ idade (anos) + 10 (se sexo feminino) ÷ 2
Valores de VHS extremamente elevados têm um bom
Contudo, há evidência de que, em decorrência de sua
valor preditivo positivo para doença grave. Quando acima de 50 e, particularmente, acima de 100mm/h, se associam a um risco elevado para moléstia infecciosa, neoplásica
baixa especificidade e variação com processos fisiológicos, a VHS não deve ser solicitada como exame de rotina (scre ening) em pacientes assintomáticos. Seu uso como indica
ou reumatológica grave. Em pacientes com câncer, a VHS nessa faixa em geral está associada à doença metastática.
dor de saúde ou doença de forma rotineira é equivocado. A entrevista médica adequada e o exame físico deta lhado são ferramentas essenciais para elaboração do ra ciocínio clínico e devem ser colocados como primeira
QUADRO 93.1 - Algumas condições associadas ao aumento da velocidade de hemossedimentação • Fisiológicas - Sexo feminino - Idade avançada - Menstruação - Gravidez - Obesidade • Patológicas - Doenças reumatológicas e autoimunes ■ Lúpus eritematoso sistêmico e outras vasculites ■ Arterite temporal ■ Polimialgia reumática ■ Artrite reumatoide ■ Esclerose sistêmica ■ Tireoidite e hepatite autoimune ■ Febre reumática ■ Artrite gotosa - Doenças infecciosas ■ Endocardite infecciosa ■ Osteomielite ■ Erisipela ■ Doença inflamatória pélvica ■ Sífilis ■ Tuberculose - Doenças neoplásicas ■ Tumores sólidos ■ Neoplasias hematológicas ■ Neoplasias metastáticas - Miscelânea ■ Alcoolismo ■ Hipo e hipertireoidismo ■ Diabetes mellitus ■ Anemias graves ■ Queimaduras graves ■ Politraumatismo ■ Infarto do miocárdio ■ Acidente vascular cerebral ■ Cirrose hepática ■ Insuficiência renal crônica • Medicamentosas: - Contraceptivos orais - Heparina • Relacionados ao método - Diluição incorreta - Temperatura inadequada - Tubo não verticalizado
etapa na abordagem diagnóstica, independentemente dos resultados laboratoriais. A história do paciente revela perda ponderal pro gressiva, não intencional, nos últimos três meses (pesava 73kg com 175cm de altura e hoje está com 67kg), havendo relato de alguns picos febris não ter mometrados. A família refere que o paciente era hígido e possuía vida ativa e independente. Nunca tomou nenhuma me dicação continuamente e somente usa analgésicos comuns para dor que vem apresentando com frequência. As dores no corpo se localizam principalmente ao longo do pescoço e da coluna, associadas a alguma li mitação do movimento pela manhã. São acompanhadas de cansaço, o qual ocorre o dia todo. Há cerca de duas semanas, o paciente passou a se queixarde dorde cabeça forte, pulsátil, à direita, sem fatores de piora ou melhora. Nega náuseas, vômitos ou outros fatores associados. Nega história de quedas ou trauma, ou ainda de cefaleia habitual prévia. A queixa de febre pelo paciente, apesar de ser um importante dado na história, é inespecífica, não ajudando na confirmação ou na exclusão de diagnósticos. A perda involuntária de mais de 5% do peso (síndro me consumptiva) em geral está associada a sérias doenças físicas ou psíquicas. As principais condições envolvidas são câncer (cerca de um terço dos casos), distúrbios gas trointestinais (15%), depressão e demência (outros 15%).
Outras causas frequentes são doenças infecciosas (como a tuberculose) e doenças inflamatórias (lúpus eritematoso sistêmico e outras vasculites sistêmicas). Queixas álgicas e astenia são comuns a várias entida des clínicas que variam muito quanto ao tipo e à gravi
dade. Podem acompanhar infecções, neoplasias e doenças
Velocidade de Hemossedimentação Aumentada - 563
reumatológicas. Dentre as causas reumatológicas para dor se, fibromialgia e polimialgia reumática. A cefaleia, como sintoma, acompanha uma infinidade
de entidades nosológicas. Como doenças em si, as cefaleias
primárias (como enxaqueca, cefaleia do tipo tensional, cefaleia em salvas e outras cefaleias trigêmino-autonômicas) são as mais prevalentes em todas as faixas etárias. Entretanto, a chance de uma cefaleia ser secundária à alteração orgâ
Cefaleia nova, pior da vida, ou mudança do padrão de cefaleia Início súbito, atingindo intensidade máxima no primeiro minuto Ocorrência durante exercício físico, atividade sexual ou tosse Início após os 50 anos de idade Ocorrência em indivíduos imunossuprimidos ou infectados pelo HIV Cefaleia com intensidade crescente, progressiva e que piora com o decúbito • Associada a febre, convulsões ou perda de peso • Associada a alterações do exame físico-neurológico (pressão muito alta, rigidez de nuca, sinais focais, confusão mental, alterações cognitivas ou comportamentais) • • • • • •
nica cresce progressivamente com a idade.
O simples achado de cefaleia nova em paciente com mais de 50 anos de idade indica investigação. A febre e a perda de peso também devem ser encaradas como sinais de
alarme, tomando necessário verificara hipótese de cefaleia secundária. O Quadro 93.2 enumera os principais sinais de
alarme a serem considerados em um paciente com cefaleia.
Há várias causas de cefaleia secundária em idosos, sendo as principais neoplasias, traumas, eventos vasculares,
doenças infecciosas e reumatológicas. No Quadro 93.3 as causas secundárias de cefaleia em idosos são subdivididas por grupo de doenças.
O paciente mostra-se descorado (++/4+), afebril, acianótico, anictérico, hidratado e sem edema de mem bros inferiores. Os dados vitais estão normais: pulso = 80bpm; pressão arterial = 130 × 80mmHg; frequência respiratória = 15irpm; temperatura = 37°C. Não se notam alterações a exame da pele ou à palpação de cadeias ganglionares. O exame da orofa ringe está normal, não evidenciando goteira pós-nasal. Não há anormalidades ao exame dos aparelhos cardio vasculare respiratório e do abdome. O paciente está vígil e orientado. Não há rigidez de nuca ou sinais meníngeos. O exame neurológico não alterações em linguagem, pares cranianos, força, refle xos, coordenação ou marcha. O fundo de olho não exibe papiledema e o paciente não se queixa de altera ções visuais. Os exames laboratoriais solicitados pelo médico da família estão listados na Tabela 93.2. Os exames apontaram, além da VHS elevada, anemia normocítica e normocrômica, componente clássico de doenças crônicas. Essas alterações são inespecíficas, podendo ocorrerem diversas doenças infecciosas, reuma
tológicas e neoplásicas. Vale notar que até este momento possuímos uma série de dados inespecíficos que nos leva a crer que o paciente é portadorde uma doença crônica, a ponto de gerarane mia, e grave o suficiente para elevara VHS, gerando
sintomas sistêmicos e perda de peso. Abre-se um leque de doenças cuja apresentação pode
se manifestar com esse padrão. Cefaleia com sinais de
QUADRO 93.3 - Causas de cefaleia secundária em idosos, por grupo • Neoplásicas - Tumores primários - Metástases • Traumáticas - Trauma cranioencefálico - Trauma raquimedular • Vasculares - Hematoma subdural crônico - Acidente vascular cerebral - Hemorragia subaracnóidea • Infecciosas - Meningite e meningoencefalite - Infecções de vias aéreas superiores - Sinusopatias • Reumatológicas - Arterite temporal ____________________________________________________________
alarme desperta a atenção para o diagnóstico diferencial entre cefaleias secundárias em idosos, que agora será
analisado. As neoplasias do sistema nervoso central (primárias e metastáticas) provocam hipertensão intracraniana (HIC), a qual resulta em cefaleia lentamente progressiva e de intensidade variável, tipicamente mais forte pela manhã e que melhora com vômitos e piora com o decúbito. Podem surgir sinais sistêmicos como perda de peso e anemia. Apesar de o paciente não mostrar sinais de HIC, este diagnóstico não pode ser afastado, pois a apresentação clássica é rara. É prudente a realização de exame de ima
gem para a exclusão de neoplasias. A ausência de história de trauma e a duração do qua dro excluem trauma cranioencefálico e trauma raquime dularcomo causas da dor.Contudo, o hematoma subdural crônico (HSC), afecção comum em idosos, pode se originar
de um trauma ocorrido meses antes do início dos sintomas. A maior prevalência do HSC em idosos é explicada pela atrofia cortical advinda com a idade. A atrofia faz com que as veias pontes, que drenam o córtex em direção aos seios durais, fiquem mais retificadas e estiradas, o que favorece sua ruptura em situações de trauma ou de aceleração-desa
celeração da cabeça. A idade é um fator de risco indepen dente para o HSC. Outros fatores são uso de anticoagulan-
CAPÍTULO 93
e astenia nessa faixa etária, as mais frequentes são artro
QUADRO 93.2 - Sinais de alarme para cefaleia secundária
564 - Problemas Gerais em Clínica Médica
Hemograma completo Eritrograma
Resultado
Referência
Eritrócitos
3,46M/uL
3,9-5
Hemoglobina
9,4g/dL
12-15,5
Hematócrito
28,4%
35-45
VCM
82,1fL
82-98
RDW
15,1%
11,9-15,5
HCM
27,2pg
26-34
CHCM
33,1g/dL
31-36
Leucócitos
6.640
3.500- 10.500
Bastonetes Neutrófilos Eosinófilos Basófilos Linfócitos Monócitos
0% 70,9% (4.708) 0,2% (13) 0,6% (40) 21,8% (1.448) 6,6% (438)
Até 840 1.700-8.000 50 - 500 0-100 900-2.900 300 - 900
Plaquetas
380.000
150.000-450.000
Item
Resultado
Referência
Creatinina
1,1mg/dL
0,6-1
Ureia
28mg/dL
10-50
Sódio
145mmol/L
137-148
Potássio
4,1mmol/dL
3,5-5
Magnésio
2,1mg/dL
1,8-2,5
Cálcio
1,2mmol/L
1,15-1,32
Ácido úrico
5,5mg/dL
2,4-6
Glicemia de jejum
85mg/dl
70-99
AST
28U/L
Até 32
ALT
25U/L
Até 31
VHS
115mm/h
Até 50
978-85-4120-074-5
CAPÍTULO 93
TABELA 93.2 - Exames laboratoriais
Bioquímica
Colesterol Item
Resultado
Colesterol total
159mg/dL
HDL
37mg/dL
LDL
86mg/dL
VLDL
36mg/dL
Triglicérides
178mg/dL
Referência Limítrofe: 200 - 239
Desejável: < 200
Alto: > 60
Baixo:< 40 Ótimo: > 100
Desejável: 100- 129
Elevado: > 239
Limítrofe: 130-159
Elevado: 160- 189
Muito elevado: >189
50 anos • Cefaleia localizada de início recente • Artéria temporal dolorida ao toque, ou diminuição do pulso na artéria temporal • Velocidade de hemossedimentação > 50 na primeira hora • Biópsia de artéria temporal diagnóstica**
* O achado de 3 dos 5 critérios foi associado à sensibilidade de 93,5% e à especificidade de 91,2% para o diagnóstico de arterite temporal.
** Arterite necrosante com predomínio de infiltrado inflamatório mononu clear ou processo αranulomatoso com células giαantes multinucleadas.
CAPÍTULO 93
nível de consciência, náuseas e vômitos, tontura e con vulsões. O exame neurológico pode mostrar rigidez de
CAPÍTULO 93
566 - Problemas Gerais em Clínica Médica
idade. Não havia sinais de hipertensão intracraniana, neoplasias ou sangramentos. A radiografia de tórax não mostrou nódulos, massas, ou cavernas. Não havia cardiomegalia. A radiografia de coluna não mostrou desalinhamento de vértebras, re dução de espaços discais, ou qualquer alteração que justificasse a dor lombar da paciente. O líquor apresentou pressão normal, sem pleocito se, hipoglicorraquia ou hiperproteinorraquia. A tomografia computadorizada de crânio normal pra
ticamente exclui a possibilidade de sangramento ou neo plasia do sistema nervoso central. O líquor normal afasta a possibilidade de meningite.
Os sintomas do paciente (cefaleia, astenia, perda de peso, febre e dor no trajeto da artéria temporal), com tomografia e líquor normais e VHS > 50, corroboram o diagnóstico
clínico de arterite temporal. Iniciou-se pulsoterapia com metilprednisolona, 1.000mg/ dia, por três dias, a fim de prevenir amaurose e outras
consequências desfavoráveis.
Para confirmaro diagnóstico, foram solicitadas ultras sonografia Doppler e biópsia de artéria temporal.
DIAGNÓSTICO FINAL Arterite temporal.
DISCUSSÃO A ACG (também conhecida como arterite temporal e
arterite de Horton) é uma vasculite sistêmica que afeta vasos de médio e grande calibre, em particular os ramos da artéria carótida externa. Sua causa permanece desconhecida, a despeito de melhorias recentes na compreensão de sua fisiopatologia. É provável que a etiologia seja multifatorial, com envol vimento tanto do meio ambiente como da hereditariedade. A maior prevalência na população branca, em particular do norte da Europa, corrobora essa suspeita. A ACG é uma doença relativamente rara, com inci dência anual variando de 7 a 29 casos para cada grupo de 100.000 pessoas com mais de 50 anos. O pico de inci dência ocorre aos 72 anos e o acometimento de jovens é excepcional. É duas a três vezes mais prevalente em mu
lheres do que em homens. Como na maior parte das doenças reumatológicas, o diagnóstico da ACG se faz por critérios (já expostos no Quadro 93.4). Contudo, estes não devem ser considerados estáticos. O achado de VHS em uma faixa normal fala contra a doença, mas não a exclui. Por outro lado, o uso de outras provas inflamatórias (como proteína C-reativa e interleucina-6) e da ultrassonografia de artéria temporal no diagnóstico é promissor. Há estudos demonstrando que claudicação de mandí bula e diplopia aumentam a chance de que a biópsia de artéria temporal seja positiva em suspeita de ACG. A inflamação da artéria temporal levando à cefaleia é frequente, mas não obrigatória. A ACG pode atingir várias partes do corpo e não causar cefaleia. Estudos de imagem têm demonstrado o acometimento de outras artérias como aorta, subclávias e coronárias, que podem causar febre de
origem indeterminada em idosos. Alguns autores defendem a angiorressonância magnética para diagnóstico diferencial
Figura 93.1 - Artéria temporal direita espessada. Fotografia gentilmente cedida pelo Dr. Alexandre Wagner Silva de Souza, da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina, e pela Dra. Lívia Almeida Dutra, da Dis ciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.
nestes casos. As principais manifestações clínicas da arterite tem poral, segundo o sistema, são resumidas no Quadro 93.5.
Cerca de metade dos pacientes diagnosticados com
arterite temporal preenche o critério para polimialgia reumática e cerca de 10% daqueles com diagnóstico de
polimialgia reumática desenvolverão arterite temporal. Tal
Velocidade de Hemossedimentação Aumentada - 567
• Sistêmicas: febre, anorexia e perda de peso • Oftalmológicas: neuropatia óptica isquêmica anterior e posterior, oclusão de artéria central da retina, oclusão de artérias ciliares, amaurose fugaz e dor ocular • Neurológicas: cefaleia, diplopia, acidente vascular cerebral, mononeuropatia e polineuropatia • Grandes vasos: aneurisma de aorta torácica e abdominal, provocando claudicação de membros, infartos intestinais, isquemia coronariana e trombose da artéria pulmonar • Outros: dor em trajetos vasculares, claudicação de mandíbula, insuficiência renal, tosse, dor de garganta e amiloidose secundária
fato associado à fisiopatologia semelhante leva a crer que as duas entidades possam ser, na verdade, espectros da
mesma doença. Os objetivos principais do tratamento da ACG são:
suprimira atividade da doença, restaurara visão e evitar
o acometimento do olho contralateral nos casos de aco metimento oftalmológico. A baixa acuidade visual asso
ciada à ACG é uma emergência oftalmológica que, se não
prontamente tratada, pode ocasionar perda visual.
O uso de corticoides está bem estabelecido em arte rite temporal. Contudo, dose e via de administração
ainda são fontes de debate. Em geral, utiliza-se um pul so de metilprednisolona (1g/dia, por três a cinco dias),
via endovenosa, seguido de manutenção com prednisona
oral nos casos mais graves, em especial os com acome timento oftalmológico. Os menos graves podem ser manejados com prednisona oral, com doses que variam
de 40 a 60mg/dia. A retirada da corticoterapia deve ser lenta e gradual,
a fim de evitar recidivas da doença (retirando-se 10mg a
cada duas semanas, por exemplo). Algumas vezes, é pre ciso utilizar poupadores de corticoide como metotrexato.
O emprego prolongado de esteroides em dose alta toma necessária a profilaxia para úlcera péptica, uso de vitamina D e reposição de cálcio. Recomendam bifosfo nados para pacientes com osteoporose.
A arterite temporal parece não afetara sobrevida dos
pacientes, contudo, é uma das principais emergências oftal mológicas, podendo levar à perda visual bilateral em mais
de um terço dos pacientes. Isso torna necessário o alto ín dice de suspeição para o diagnóstico, devendo ser lembrada como doença causadora de febre de origem indeterminada,
de cefaleia e de VHS elevada na população idosa.
BIBLIOGRAFIA BIRCHAL, G.; VIDIGAL, P. G. Recomendações para o uso da velo cidade de hemossedimentação. Rev. Med. MirBsGffás v. 14, p. 52-57, 2004. BRIDGEN, M. L. Clinicai Utility of the Erythrocyte Sedimentation Rate. Ame-icaiFanily PFysciai v. 60, n. 5, p. 1443, 1999. CALVO-ROMERO, J. M. Giant cell arteritis. Pcstgad. Med. Jorrei, v. 79, p. 511-515, 2003. CAMPBELL, W. W. Ddcrg O ExaneNardcgco 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. GABAY, C.; KUSHNER, I. Acute-phase proteins and othersystemic responses to inflammation. NEJM, v. 340, p. 448-454, 1999. HIGA, E. M. S.; ATALLAH, A. N. GuasdeMediciraAmbdáCTid MedicinadeUr^ria 1. ed. São Paulo: Manole, 2004. v. 1.683 p. LEE, C. H.; HAMMEL, J. M. Tonpoai ataitis Emedicine/ Medscape. Disponível em: http://emedicine.medscape.com/ article/809492-overview. MARTINS, H. S. et al. Cefaléia. In: Eme-^xiasClíricas Abcrdagpn Prática 2. ed. Barueri: Manole, 2006. MILLER, A.; GREEN, M.; ROB1NSON, D. Simple rale for calculating normal erythrocyte sedimentation rate. Br. Med. J. (Clin. Res. Ed.), v. 286, n. 6361, p. 266, 1983. NITRINI, R.; BACHESCHI, L. A. Cefaléias. In: A NardcgaqtE tadoIIlélicode^'esd)e•. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2003. SALVARANI, C. et al. Medicai progress: polymyalgia rheumatica and giant-cell arteritis. N. ErgJ. J. Med., v. 347, n. 4, p. 261-71,2002. SOUZA, J. A.; MOREIRA FILHO, P. F.; JEVOUX, C.C. Cefaléia em idosos. Eirstdn(Sãr)PaJc) v. 2, n. supl. 1, p. 80-86, 2004. WAGNER, A. D. et al. Standardised work-up programme forfeverof unknown origin and contribution of magnetic resonance imaging for the diagnosis of hidden systemic vasculitis. Am Rheun. Dis, v. 64, p. 105-110, 2005. WEYAND, C. M.; GORONZY, J. J. Médium- and large-vessel vascu litis. NEJM, v. 349, p. 160-169, 2003.
CAPÍTULO 93
QUADRO 93.5 - Sinais e sintomas associados à arterite de células gigantes
Alucinação Renato Antunes dos Santos • José Luiz Pedroso Nosso cérebro é o melhor brinquedo já criado; nele se
encontram todos os segredos, inclusive o da felicidade.
Charles Chaplin
Mulher de 36 anos de idade é levada ao setor de emergências do hospital pela unidade avançada de atendimento do corpo de bombeiros. Foi encontrada em um shopping center após discussão em uma loja. Há relatos de grande alteração do comportamento, caracterizada por gritos descontrolados, atitudes intem pestivas, como subir na mesa, cuspir no chão, fazer gestos com as mãos e observá-las atentamente como se algo saísse delas. Foi necessário ser contida e sedada, pois não queria ser levada ao hospital. Ao chegar ao pronto-socorro, o rosto da paciente parecia transfigura do. Falava sozinha e apresentava grande agitação psicomotora, além de maneirismos.
consumo de drogas ilícitas, alterações cardiovasculares e alterações da homeostase bioquímica, como cálcio, mag nésio, sódio, que também podem precipitara síndrome.
Não há evidência de nenhum dos elementos mencionados, embora uma história detalhada, exame físico e exames
laboratoriais sejam necessários para se chegara uma
conclusão diagnóstica. Outras hipóteses a considerar são epilepsia e tumores intracranianos (especialmente consi derando lesões do lobo frontal). Em epilepsia, sobretudo
do lobo temporal, são comuns os distúrbios do compor tamento. Nessa situação, as crises podem ser percebidas
por elementos muitas vezes negligenciados, como gesti
culações, movimentos estereotipados e maneirismos. Uma Ao nos depararmos com uma paciente com distúrbio de
história mais apurada e o exame eletroencefalográfico
comportamento, devemos pensarem cinco diagnósticos
seriam fundamentais para a elucidação diagnóstica, em
diferenciais principais: demência primária, demência
bora a ausência de história de crises convulsivas torne tal
secundária, delirium, distúrbios psicóticos e drogas.
hipótese improvável.
A demência se caracteriza por quadro clínico crônico
Além das causas orgânicas citadas, alterações agudas
e progressivo, o que não ocorre no caso em questão. Além
do comportamento, associadas a alucinações, podem ser
disso, a maioria das causas de demência acomete indiví
duos da terceira idade. O delirium é uma síndrome que
sintomas de doença psiquiátrica, caracterizando as síndro mes psicóticas. Dentre as causas mais comuns, encontram-
se caracteriza por alterações do comportamento e confu
se a esquizofrenia e o transtorno afetivo bipolar. Nesse
são mental de início agudo, tendo diversas etiologias, tais
momento, a história psiquiátrica prévia pode colaborarde
como infecções (vias urinárias, pneumonia, encefalites,
maneira significativa para o diagnóstico. O Quadro 94.1
meningites); distúrbios metabólicos (hipoglicemia ou
lista as principais causas das síndromes psicóticas.
hiperglicemia, alterações tireoidianas, alterações da função renal ou hepática), abstinência de drogas, uso de alguns
medicamentos (como corticosteroides, por exemplo),
Ao exame, a paciente encontra-se em prancha longa, sem colar cervical, sedada e contida mecanicamente. Não
Alucinação - 569
vel, mas não a exclui. Uma avaliação detalhada da história seria fundamental para determinação do diagnóstico. Nes
• • • • •
se momento, o contato com familiares poderia ser revelador.
Encefalites Infecção urinária ou pneumonia em idosos (delirium) Lúpus eritematoso sistêmico Febre Drogas (cocaína, LSD, heroína, cannabis, sedativos e hipnóticos, drogas colinérgicas e dopaminérgicas, álcool, plantas tóxicas, solventes) • Epilepsia • Tumores do sistema nervoso central • Demências (demência por corpos de Lewy, doença de Alzheimer) • Transtorno afetivo bipolar (depressivo ou maníaco) • Transtorno delirante persistente • Transtorno de estresse pós-traumático • Alucinose • Transtorno esquizotípico • Transtorno esquizoafetivo • Transtorno psicótico agudo transitório • Transtorno depressivo • Transtorno dissociativo • Esquizofrenia ____________________________________________________________
Solicitados exames gerais: hemograma, eletrólitos, ureia, creatinina, transaminases (aspartato aminotransfe rase e alanina aminotransferase, glicemia, gama-glu tamiltransferase, bilirrubinas totais e frações direta e indireta, creatina quinase total e CKMB: todos sem alte rações. Radiografia de tórax e eletrocardiografia também normais. Tomografia computadorizada de crânio reali zada na urgência: sem sinais de traumatismo, edema, hemorragias ou massas intracranianas. Opta-se porco leta de líquido cefalorraquidiano (LCR): normal.
Pacientes com alterações agudas do comportamento, com exames laboratoriais e radiológicos normais, incluin
do LCR, devem ser investigados para causas psiquiátricas. Nesse momento, merecem atenção especial as síndro mes psicóticas, que têm como maior representante a es
foram encontradas medicações ou drogas em sua bolsa ou próximo ao local de origem. Corada, hidratada, acia nótica, eupneica (frequência respiratória = 14irpm), anictérica, afebril e nutrida. Não há sinais de trauma de crânio ou em coluna cervical. Bulhas cardíacas rítmicas, normofonéticas em dois tempos e sem sopros audíveis. Frequência cardíaca = 78bpm. À ausculta pulmonar, os murmúrios vesiculares estão presentes, sem ruídos ad ventícios. Pressão arterial = 140 × 80mmHg. Abdome globoso, flácido, indolor, sem visceromegalias e sem dor à palpação superficial ou profunda (paciente sedada), não havendo também sinal de irritação peritoneal. O enchi mento capilar não tem alterações. Não há linfonodos palpáveis ou sinais de trombose em membros inferiores. Pulsos palpáveis. Exame neurológico: sonolenta (devido à sedação), sem sinais meníngeos, sem déficits focais e sem alterações pupilares. Reflexos normoativos e cutâ neo-plantarem flexão bilateralmente.
quizofrenia. Essa doença tem prevalência semelhante entre os sexos. O início dos sintomas ocorre geralmente na adolescência, com pico para homens entre 10 e 25 anos de idade e mais tardia para as mulheres, entre 25 e 35
anos. As alterações psiquiátricas estão presentes princi palmente na esfera do pensamento. Nota-se alteração da forma do pensamento, muitas vezes com desagregação
deste. O conteúdo do pensamento também sofre alterações.
Em grande parte dos casos observam-se sintomas perse
cutórios. As alucinações também são frequentes e podem
ser principalmente auditivas e/ou visuais. Eventualmente, pode haver apenas a sensação de uma alucinação (pacien
te sente que há alguém atrás de si, mas não consegue ver ou ouvir), ou sensações mais complexas, como presença
de uma imagem que conversa com o paciente.
Uma das maneiras de obtero diagnóstico de esquizo
frenia é pelos critérios de Kurt Schneider:
O exame físico geral não revelou alterações. Não havia evidência de doença hepática. A ausência de febre torna
• Critérios de primeira ordem:
uma infecção menos provável, embora as infecções do sistema nervoso central continuem como hipóteses diag
- Pensamentos audíveis.
nósticas. As meningites bacterianas agudas e as meningo
- Vozes que fazem comentários.
encefalites (especialmente a encefalite herpética) podem cursar com acometimento do nível de consciência e con
- Experiência de passividade somática.
fusão mental, mesmo sem febre. O exame neurológico está
- Transmissão de pensamento.
prejudicado pela sedação, fato que comprometeu a avalia ção do nível de consciência, embora a ausência de déficits
- Percepções delirantes.
- Vozes que conversam ou discutem.
- Roubo ou influência do pensamento.
- Experiências envolvendo volição (vontade), afe
focais e sinais meníngeos sejam, até certo ponto, tranqui
tos e impulsos fabricados.
lizadores. Não havia evidências de intoxicação exógena, tanto por drogas ilícitas como por fármacos. A paciente poderia estarem estado pós-ictal (pós-convulsão). A au sência de abalos musculares torna essa hipótese imprová
• Critérios de segunda ordem: - Outros transtornos da percepção. - Ideias delirantes súbitas. - Perplexidade.
CAPÍTULO 94
QUADRO 94.1 - Algumas das possíveis causas de síndromes psicóticas
CAPÍTULO 94
570 - Problemas Gerais em Clínica Médica
- Alterações do humor depressivas ou eufóricas. - Sentimentos de empobrecimento emocional.
O diagnóstico hoje abrange não apenas estes achados clássicos, mas também critérios apresentados pela Clas sificação Estatística Internacional de Doenças ‒ décima edição (CID-10) e pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quarta edição (DSM-IV). O transtorno é classificado pela CID-10 em: • Paranoide. • Residual. • Hebefrênica. • Catatônica. • Indiferenciada. • Simples.
Seu diagnóstico compreende pelo menos um dos sinais e sintomas seguintes por pelo menos um mês, na maior parte do tempo durante um episódio psicótico:
• Eco, bloqueio, inserção ou transmissão de pensa
mento. • Delírios de controle, influência ou passividade. • Vozes que comentam entre si ou sobre o paciente. • Delírios de outros tipos culturalmente impróprios (controle da morte, conversa com alienígenas, con trole da gravidade). Ou pelo menos dois dos seguintes:
• Alucinações persistentes de qualquer modalidade. • Neologismos, quebra ou interpretação do curso do pensamento, resultando em incoerência. • Comportamento catatônico. • Apatia, pobreza de fala, embotamento, incongruên
cia emocional da fala.
Em geral, notamos em esquizofrenia o empobreci
mento do afeto ao longo do tratamento. No caso da nossa paciente não temos dados de exame psíquico, nem mesmo o histórico familiar para podermos identificar tal doença. Após a tomografia computadorizada notamos que a paciente está mais acordada, sendo possível estabe lecer um diálogo com ela, porém, ainda com alguma dificuldade, pois se encontra bastante agressiva e agi tada. Neste momento, sua irmã chega ao setor dizendo que ela havia fugido de casa há cerca de 1h. Conta também que a paciente estava, nas últimas duas sema nas, mais agitada, saindo muitas vezes para bares e festas, não sendo este o seu hábito. Discute com fre quência no trânsito e, apesarde aparentemente irritada,
diz sempre estar muito feliz, chegando a cantare dançar na rua há uma semana, para provar o quanto estava contente. História de dois episódios depressivos, sendo um não tratado e um medicado com fluoxetina, 20mg, porum ano, com remissão completa há mais ou menos 18 meses. Não possui vícios e a família é bastante reli giosa, sendo a paciente a mais fiel e praticante das normas de sua crença. Na família há uma tia materna com diagnóstico de depressão grave e um tio com diag nóstico de depressão, com períodos graves de mania. A paciente tem história clínica compatível com trans torno afetivo bipolar períodos de depressão e episódio de mania. Tal diagnóstico é reforçado pela história fami liar de transtorno afetivo bipolar que em alguns casos possui constituição genética. Os surtos de mania podem ter início espontâneo e pode ser difícil ou impossível determinar o que os precipitou, ou mesmo ser inexistente o fator precipitante; no entanto,
diversos trabalhos relacionam eventos estressores da vida (perda de ente querido, separação, demissão, etc.) como fatores relacionados (algumas vezes com certo intervalo, como três meses, do evento ao surto) à crise. Alguns fato res como privação de sono, uso de substância, com espe cial atenção às anfetaminas, e de medicamentos antide pressivos também podem desencadear uma crise de mania.
A paciente, já bem acordada e bastante agitada, grita com a equipe para ser retirada da maca. Quando iniciamos conversa ela se indigna por estar amarrada, afirmando sera deusa suprema de todos os seres. Con ta que os raios que saem de suas mãos são capazes de queimar todo aquele lugar bastando para isso que tenha vontade. Diz que não matará o médico interlocutor neste momento porque gostou dele e que dará a honra de abraçá-lo assim que retirar sua contenção mecânica. Não reconhece a irmã e se nega a datar o dia, pois o tempo não tem importância para ela. Fala palavras impróprias e começa a assoviar para os enfermeiros que passam e a gritar com as enfermeiras. Apresenta em sua fala uma velocidade impressionante, que por diversas vezes a toma ininteligível, e os assuntos se misturam. A equipe de psiquiatria é chamada e a paciente inter nada nesse setor.Recebes inicialmente haloperidol, 2mg ao dia, durante este período, e carbonato de lítio, cuja dose sérica foi ajustada para níveis terapêuticos em 300mg a cada 8h. Após um mês estava bem, assintomática e em tra tamento ambulatorial, em que permanecia apenas com o carbonato de lítio.
DIAGNÓSTICO FINAL Transtorno afetivo bipolar.
Alucinação - 571
DISCUSSÃO humore que muitas vezes acaba poratingiro pensamen
to, a fala e a volição. A CID-10 caracteriza os seguintes critérios para o
diagnóstico de transtorno afetivo bipolar: transtorno ca
racterizado por dois ou mais episódios nos quais o humor e o nível de atividade do sujeito estão profundamente
perturbados, consistindo este distúrbio, em algumas oca
siões, em elevação do humore aumento da energia e da atividade (hipomania ou mania), e em outras, em rebai
xamento do humore redução da energia e da atividade (depressão). Pacientes que sofrem somente de episódios
repetidos de hipomania ou mania são classificados como bipolares; ou seja, não é necessário identificaro episódio depressivo para o diagnóstico.
Já o DSM (classificação da Academia Americana de Psiquiatria) divide o transtorno bipolar em tipos I e II: o tipo I, com episódios maníacos (que podem ser isolados
ou não), e o tipo II, em que há variação entre depressão e hipomania, sem relatos de episódio maníaco.
No caso atual, o diagnóstico é estabelecido pelas ca
racterísticas do delírio: humor exaltado e expandido, com
sentimentos de grandeza (a paciente é poderosa e possui “dons” sobrenaturais). Outras características do episódio
maníaco são a hipersexualidade e a irritação associada a
uma “alegria que não cabe dentro do paciente”. Há ainda aceleração da fala (pressão para falar) proveniente do
pensamento de curso demasiadamente acelerado e que chega a desagregara linearidade deste.
O tratamento do evento agudo deve ser com antipsicó ticos e estabilizadores de humor, sendo que os primeiros devem ser retirados assim que o paciente estiver estável.
BIBLIOGRAFIA AZORIN, J. M.; AKISKAL, H.; HANTOUCHE, E. The mood-instability hypothesis in the origin of mood-congnient versus moodincongruent psychotic distinction in mania: validation in a French National Study of 1090 patients. Jclγγeí cf Affative Dixrdffs v. 96, n. 3, p. 215-223, 2006. JONES JR, H. R. Neirdc^adeNetta’. Porto Alegre: Artmed, 2006. KECK JR, P. E. et al. Psychosis in bipolar disorder phenomenology and impact on morbidity and course of illness. Cαnpr. P^cTia try, v. 4, n. 44, p. 263-269, 2003. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. ClasHftaçãjEs½tica
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CAPÍTULO 94
O transtorno afetivo bipolaré uma alteração na esfera do
A preferência é pela monoterapia e utilização de es tabilizadores de humor (como carbonato de lítio, ou os anticonvulsivantes como ácido valproico ou carbamaze pina), ou mesmo alguns antipsicóticos atípicos que de monstraram poderde estabilização em diversos trabalhos. Deve-se ponderar o tempo de tratamento, os efeitos co laterais e os custos (para o paciente ou principalmente para o sistema de saúde) na escolha da droga. A prevalência do transtorno afetivo bipolar na popu lação em geral está em torno de 1%. Atualmente, há au mento no número de indivíduos diagnosticados com a doença, porém as discussões sobre mudanças nos critérios diagnósticos (tornando-os mais amplos), bem como a maior divulgação e o conhecimento geral sobre o trans torno, podem ter influenciado este aumento. Devemos analisar esses dados com parcimônia, bem como reavaliar nossos critérios diagnósticos, visando não superestimar ou mesmo subestimar o transtorno.
___________________________________
CAPÍTULO
95
Etilismo Edson Luis Costa Zaparoli • José Luiz Pedroso
Um homem de 55 anos de idade, moradorde rua e etilista, é levado por alguns amigos ao pronto-socorro, devido à “confusão mental”. Relatam que o paciente vem bebendo muito nos últimos meses e que já foi le vado várias vezes ao setorde emergência, com traumas, crises convulsivas e às vezes confusão mental, mas sempre era liberado. Há dois dias vem apresentando alucinações visuais, fala desconexa e desorientação. É etilista há mais de 25 anos. Hoje, seu consumo de ál cool gira em torno de 1L de destilados ao dia.
pacionais, grande demanda de tempo na obtenção, no
consumo e na recuperação do consumo e manutenção do consumo, apesar de doenças físicas e psicológicas rela cionadas ao álcool.
O consumo do álcool leva, inicialmente, à liberação de opioides endógenos. No entanto, o reforço no consumo cau sado por esses mediadores promove ativação de receptores
ácido gama-aminobutírico (GABA) A, que determinam, portanto, os sintomas sedativos relacionados ao álcool. As complicações neurológicas podem ser agudas ou
O consumo de álcool no Brasil é influenciado por inúmeros
crônicas, associadas diretamente à ação sedativa do álco
fatores socioeconômicos e culturais. O consumo implica,
ol ou indiretamente, por meio da má absorção de alguns
no entanto, em um elevado custo para a produtividade do
elementos essenciais ao indivíduo. Estão listadas no Qua
país, visto que o álcool está associado a absenteísmo no trabalho, aposentadoria por invalidez e/ou dependência,
dro 95.1 algumas complicações neurológicas e não neu rológicas relacionadas ao álcool.
acidentes de trânsito e violência interpessoal.
O consumo de álcool varia desde a experimentação e
Ao exame físico, está corado, levemente desidrata do, com auscultas cardíaca e respiratória normais, exceto pela frequência cardíaca de 125bpm. A pressão arterial no momento é 180 × l10mmHg. Observa-se
o uso eventual, passando por uso diário e abuso, até a dependência. O abuso é caracterizado como um padrão desadaptado de consumo que determine prejuízo ou alte
ração clínica significativa, avaliado em 12 meses, como:
incapacidade de desenvolveras atividades habituais do trabalho, da casa ou da escola; consumo em situações
perigosas, continuação do uso não obstante os problemas sociais e pessoais relacionados ao álcool; e envolvimento em situações legais. A dependência também é caracteri zada como um padrão desadaptado de consumo que de
termine prejuízo ou alteração clínica significativa, avalia
do em 12 meses, desde que apresente três dos seguintes sintomas: tolerância, abstinência, desejo persistente ou falha na tentativa de cessar o uso, uso de doses maiores
ou por tempo maior que o planejado, deixar de realizar ou diminuiras atividades sociais, recreacionais ou ocu
QUADRO 95.1 - Complicações do etilismo • • • • • • • • • • • •
Hepatite alcoólica Cirrose hepática Pancreatite Abstinência alcoólica (delirium tremens, crises convulsivas) Encefalopatia de Wernicke-Korsakoff Deficiência vitamínica (deficiência de vitamina B12 e ácido fólico, pelagra) Coagulopatia Insuficiência cardíaca (cardiomiopatia alcoólica) Degeneração cerebelar Alterações cognitivas Neuropatia Traumas frequentes
Etilismo - 573
A solicitação de exames complementares deve ser guiada pelo quadro clínico do paciente. O médico que
assiste um paciente com quadro clínico de síndrome de abstinência deve sempre considerar no seu raciocínio,
que esse paciente, em geral, teve algum fator que dificul
tasse o acesso e/ou o consumo da substância. Logo, du rante o exame físico e a anamnese, deve sempre buscar
queixas, sinais ou sintomas que sugiram ou levantem A avaliação do paciente com quadro clínico sugestivo
suspeita do fator desencadeante daquele evento. Quadros
de intoxicação exógena e alteração do nível de consciên
infecciosos, agravamento de condições psiquiátricas,
cia deve sempre ser conduzida de forma rigorosa, com
traumatismos e intoxicações por substâncias são exemplos
anamnese minuciosa e exame físico detalhado, preferen
dessas situações relacionadas a seguir e os exames diag
cialmente em sala de emergência, com obtenção imedia
nósticos cabíveis sugeridos.
ta dos sinais vitais, oferta de oxigênio, se a saturação
O exame clínico é, além de guia para solicitação de
estiver inadequada; obtenção de acesso venoso para co
exames, diagnóstico de algumas afecções. A tríade des
leta de exames e administração de drogas, se necessário; além do teste de glicemia capilar. O emprego de soluções
crita anteriormente durante o exame (confusão mental,
para hidratação desses pacientes deve ser sempre caute
de Wernicke. A encefalopatia de Wernicke decorre do
loso; em especial, soluções glicosadas em pacientes com
déficit de tiamina secundário ao déficit nutricional desses
quadros sugestivos de intoxicação alcoólica, pois, afora
pacientes. Esse quadro pode também evoluir com a psi
a correção imediata de quadros hipoglicêmicos, estas
cose de Korsakoff, que tem como quadro clínico caracte
soluções devem sempre ser precedidas da administração
rístico perda de memória e psicose confabulatória. Essas
de tiamina. Isso porque usuários crônicos de álcool apre
duas afecções podem ser precipitadas, como já discutido,
sentam déficit dessa vitamina em consequência da inges tão inadequada. A síndrome de abstinência alcoólica é um quadro clínico frequentemente vivenciado pelo médico emergen cista. Os sintomas e sinais mais precoces são aqueles
nistagmo e ataxia) sugere o diagnóstico da encefalopatia
pelo uso inadvertido de soluções glicosadas sem a prévia
administração de tiamina para pacientes usuários crônicos de álcool nos locais de pronto atendimento.
tanto, causara sedação. O tratamento deve ser realizado,
Alguns exames solicitados: hemoglobina = 11,5; leucócitos = 7.560; plaquetas = 116.000; creatinina = 0,75; ureia = 38; sódio = 135; potássio = 3,9; aspartato aminotransferase = 93; alanina aminotransferase = 72; gama-glutamiltransferase = 369; fosfatase alcalina = 129; amilase = 178; bilirrubina direta = 1,2; bilirrubina indireta = 0,8; atividade de protrombina = 60%; albumi na = 2,9. Radiografia de tórax: normal. Eletrocardiografia: normal. Ultrassonografia de abdome revela fígado au mentado e heterogêneo.
preferencialmente, em ambiente tranquilo, com monito rização adequada do equilíbrio hidroeletrolítico e benzo
A resposta hepática a agressões tóxicas é bastante
diazepínicos. O uso desses medicamentos deve ser de
ampla, mas limitada. A resposta inicial à agressão alcoó
maneira titulada, de acordo com a avaliação clínica peri ódica e o nível de consciência, sendo preconizado diaze
lica é a esteatose hepática, descrita histologicamente como
pam endovenoso com dose variando entre 5 e 10mg, até
quais se encontra a enzima de maior importância para o
a cada 1h. O controle adequado da síndrome de abstinência visa
metabolismo do álcool: a álcool-desidrogenase. Esta fase
não só ao controle dos sintomas, mas também evitar o
ainda pode ser totalmente revertida, se houver interrupção
desenvolvimento de quadros clínicos mais graves, como o delirium tremens. Esse quadro, além dos sintomas au
do uso do álcool.
tonômicos, apresenta confusão mental, agitação e tremo
álcool não for interrompido, é a hepatite alcoólica, carac
res. Em geral, está relacionado a pacientes com comor
terizada pela lesão e morte do hepatócito, levando à ne
bidades clínicas mais graves.
crose focal, invasão de polimorfonucleares e fibrose do
relacionados à síndrome adrenérgica e incluem hiperten são, taquicardia e sintomas gastrointestinais, além de tremores e sudorese. Esses sinais e sintomas decorrem da adaptação ao consumo crônico de álcool, em que ocorre diminuição dos receptores GABA A e aumento dos re
ceptores excitatórios. O tratamento da síndrome de abstinência deve ter como objetivo o controle dos sintomas do paciente sem, no en
acúmulo de gordura nos hepatócitos perivenulares, nos
de agressão hepática, a despeito da distorção histológica,
O próximo estágio de agressão hepática, se o uso do
CAPÍTULO 95
sudorese profusa. Abdome com fígado levemente au mentado e dolorido à palpação. Membros e face mostram evidências de traumas prévios, devido várias cicatrizes. Ao exame neurológico, mostra-se confuso, desorientado no tempo e no espaço, com dificuldade de deambulação e base alargada, além de nistagmo bila teralmente. Aparente hemiparesia esquerda, mas de difícil definição.
574 -
Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 95
espaço de Disse perivenulare perissinusoidal. Este estágio
também pode ser revertido com a interrupção do uso do álcool; no entanto, a cirrose pode estar nesses pacientes, inviabilizando a reversão.
O último estágio da agressão é a cirrose hepática, caracterizada, inicialmente, por fibrose fina e difusa, com
perda uniforme de hepatócitos e nódulos regenerativos. Este quadro pode ainda evoluir para formação de cirrose
macronodular.
O paciente recebe hidratação, tiamina e diazepam. Após dois dias hospitalizado, houve melhora da hiper tensão, frequência cardíaca e sudorese. Permanece com discreta confusão mental. Porém, há dificuldade na deambulação, com sonolência excessiva e hemiparesia esquerda, agora mais evidente. Ainda durante a inter nação, apresentou crise convulsiva com duração de 3min, aparentemente generalizada. Recebeu diazepam endovenoso durante a crise e hidantal em seguida. Programada tomografia computadorizada de crânio.
Todos os estágios da agressão hepática podem ser
visualizados à ultrassonografia. Os achados variam do
Sinais focais ao exame clínico neurológico deve sem
aumento difuso com aumento da ecogenicidade, passando
pre alertaro médico para a presença de lesões expansivas
por um fígado de características heterogêneas (hepatite/
intracranianas. Isso, portanto, determina que se realize,
cirrose micronodular), até os estágios terminais da cirro
imediatamente, um exame de imagem. Devido à disponi
se, em que macronódulos e extensas traves de fibrose,
bilidade, custo, tempo de realização e acessibilidade, a
além de sinais ultrassonográficos de aumento da pressão
tomografia computadorizada consagrou-se como método
da veia porta, podem ser visualizados.
de escolha para o diagnóstico inicial dessas lesões.
A lesão do hepatócito, além de alterações citoarqui
No entanto, antes de solicitaro exame complementar
teturais, também leva a alterações enzimáticas e metabó
o médico deve, com base na anamnese e no exame físico,
licas. A lesão do hepatócito eleva a dosagem sérica de
formular suas hipóteses diagnósticas. Considerando a
aspartato aminotransferase (AST) e de alanina amino
anamnese em geral e, como no caso em discussão, que
transferase (ALT), em geral com relação AST/ALT > 1.
pacientes etilistas crônicos têm história de múltiplas que
A GGT é uma enzima facilmente indutível, não sendo
das e traumatismos cranioencefálicos leves, associados à
específica para o álcool, estando elevada em todas as
redução volumétrica encefálica, consequentes da idade e
formas de esteatose hepática. As bilirrubinas se elevam
do alto consumo de álcool, leva a formulara primeira
em hepatite alcoólica; todavia, os valores de fosfatase
hipótese diagnóstica: hematoma subdural crônico. Ava
alcalina podem estar discretamente alterados ou normais.
liando-se os exames complementares, o paciente com
Mais importante que as alterações enzimáticas séricas
quadro de cirrose hepática apresenta algum grau de coa
decorrentes da lesão hepática é a disfunção metabólica
gulopatia, que associado a um quadro de síndrome de
do fígado. A falha na produção de fatores (proteínas) de
abstinência (hipertensão e taquicardia) pode nos guiara
coagulação dependentes de vitamina K reflete-se no pro
uma segunda hipótese para o caso clínico em discussão:
longamento do tempo de protrombina. Além dos fatores
acidente vascular cerebral hemorrágico. Por último, doen
de coagulação, existe uma falha na síntese de todas as
ças de ocorrência frequente também devem ser incluídas
proteínas hepáticas, o que se traduz na dosagem sérica
na lista de hipóteses diagnósticas, como acidente vascular
reduzida de albumina. Acredita-se que a hiperglobulinemia
cerebral isquêmico, neoplasias malignas e benignas e,
encontrada é secundária à estimulação inespecífica do
menos comuns, coleções infecciosas (abscessos fúngicos
sistema reticuloendotelial.
e bacterianos, por exemplo).
O álcool é descrito como importante fatorna etiogenia das lesões pancreáticas, traduzidas, laboratorialmente, como alterações séricas da amilase e da lipase. No entanto, o
mecanismo exato da lesão ainda não é bem elucidado. A anemia no paciente usuário crônico de álcool pode
ter várias etiogenias e mais de uma pode ocorrerno mes
mo paciente. Dentre essas: as perdas gastrointestinais agudas e crônicas; a deficiência nutricional, acarretando déficit de ácido fólico e vitamina B12; o hiperesplenismo,
secundário à hipertensão portal; o efeito supressor do álcool sobre a medula; e a hemólise, provavelmente se
cundária aos efeitos da hipercolesterolemia sobre a mem
brana celular das hemácias (acantocitose).
As crises convulsivas em paciente etilista podem ter
várias etiologias. A mais comum é a abstinência alcoólica. As convulsões secundárias a quadros de abstinência alcoó
lica são, geralmente, do tipo tônico-clônicas (ou “grande mal”), únicas, e incidem nas primeiras 48h (com pico entre 13 e 24h) após a suspensão ou redução do consumo
de álcool. A suspeita de lesões estruturais como hematoma subdural, hemorragias intraparenquimatosas e abscessos
deve ser considerada na vigência de crises parciais. Submetido à tomografia computadorizada de crânio, esta revelou hematoma subdural crônico extenso à direita (Fig. 95.1). Realizada drenagem cirúrgica, sem intercorrências.
Etilismo - 575
tionamento sobre o seu hábito de consumo de álcool pode
aplicação e apresenta boa especificidade e sensibilidade
no rastreamento de pacientes com consumo abusivo de álcool. A interpretação deve ser feita de forma individu
alizada. Todavia, a resposta positiva a dois ou mais dos
questionamentos já deve alertar o médico para uma abor
dagem mais específica do consumo, com a aplicação, por exemplo, do questionário AUDIT (alcohol use disorders
identification test) da Organização Mundial da Saúde. As consequências do consumo abusivo, agudo ou
crônico de álcool são vivenciadas diariamente nos servi ços de pronto atendimento de todo o país. Traumas auto mobilísticos, violência interpessoal, intoxicação/coma alcoólico, delirium, síndromes convulsivas, hepatites,
cirrose, hemorragia digestiva, etc. são situações diárias
nos serviços de emergência. Não raro, mais de uma com
Figura 95.1 -Tomografia computadorizada de crânio,
plicação clínica associada a complicações cirúrgicas pode
revelando extenso hematoma subdural crônico à di reita, com compressão dos ventrículos laterais e desvio de linha média.
ser vista no mesmo paciente. Isso denota a importância da multidisciplinaridade na abordagem a esses pacientes
(clínica médica, neurologia, neurocirurgia, ortopedia,
cirurgia geral, gastroenterologia, psiquiatria, psicologia e Melhora completa da força musculare da sonolência. Rece beu alta com lorazepam e tiamina, além de encaminhamento psicológico.
assistência social). A abstinência alcoólica, em especial,
tem abordagem específica e complicações neurológicas
graves se não tratada adequadamente. O correto manejo dessa situação deve visar à evolução clínica sem intercor
O paciente foi encaminhado para tratamento cirúrgico para drenagem do hematoma. Houve melhora completa
rências além de ser oportunidade para discussão de trata
mento específico para o alcoolismo.
dos sinais e sintomas neurológicos. Recebeu alta hospi
A anamnese e o exame físico são partes cruciais do
talar uma semana depois, em uso de tiamina, lorazepam
exame clínico de qualquer paciente, sobretudo de depen
e fenitoína. Encaminhado para acompanhamento regular
dentes do álcool, que nem sempre possuem condições de
com grupo de apoio aos etilistas.
informar adequadamente, obrigando o médico a colher
sua história com familiares, amigos ou pessoas de conví vio próximo. Durante o exame físico, alguns sinais ou
DIAGNÓSTICO FINAL
sintomas devem sempre ser procurados de forma ativa
Etilismo, abstinência alcoólica, síndrome de Wernicke,
como sinais de hepatopatia, hematomas e escoriações em
hematoma subdural.
diversos estágios de evolução, déficits motores e pares
pelo médico, atentando-se para suas causas e complicações,
dos nervos cranianos e sangramentos. Lesões focais trau
máticas agudas ou crônicas são frequentes nesses pacien
DISCUSSÃO
tes, em princípio sintomáticas, devendo sempre se discu tira conduta junto à equipe neurocirúrgica.
O etilismo, como já discutido, é uma afecção de alto
A abordagem e o tratamento dos pacientes que apre
custo social e elevada prevalência na população. Segundo
sentem consumo abusivo de álcool devem ser feitos de
dados do DATASUS, por meio de inquérito telefônico,
forma detalhada e contínua, buscando-se sempre detalhes
17,6% da população (IC 16,8 - 18,4) relataram consumo
de anamnese e exame físico que direcionem o raciocínio
abusivo de álcool.
clínico do médico para o correto diagnóstico e tratamen
Dados como esses devem ser sempre lembrados no
atendimento a pacientes em geral, pois o simples ques
to do paciente, visando sempre à evolução clínica favo
rável e à interrupção definitiva do consumo.
CAPÍTULO 95
ser determinante para a abordagem terapêutica. O ques tionário CAGE (cut/annoyed/guilty/eye-opener) é de fácil
576 - Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 95
BIBLIOGRAFIA SURIANO, I. C.; BENITES, V. M. Traumatismo cranioencefálico. In: Neirdc^a- GiiasdeMαlicirEiAmbiiétryiai eHopitaki daUrifeç-EPM. 1. ed. São Paulo: Manole; 2011. p. 481-506.
VERNOOIJ, M. W. et al. Incidental findings on brain MRI in the general population. N. Engl. J. Med., v. 357, n. 18, p. 18218, 2007.
CAPÍTULO
96
Incontinência Urinária Bruno Teixeira Bernardes
Paciente com 40 anos de idade, sexo feminino, apresenta-se com queixa de perda urinária ao tossir, espirrar, dar risadas, há sete anos, com piora progressi va após a última gestação, comprometendo de forma significativa sua qualidade de vida, tendo que utilizar vários protetores higiênicos ao dia. Tem ainda urgência miccional (forte desejo de micção) sem horários pre determinados, além de esporádicos sintomas de disúria (ardência no canal uretral ao urinar), sensação de esva ziamento incompleto da bexiga, com aumento de frequência urinária e noctúria, sendo acordada durante o sono para urinar.
O primeiro passo na investigação em um quadro de in continência urinária é uma adequada anamnese, caracte
rizando todos os sintomas da paciente, quantificando sua
perda urinária, horários e frequência, se urgência ou não, paridade, cirurgias vaginais anteriores, se é menopausada
ou não, tosse crônica, obesidade e se a perda urinária atrapalha sua vida diária.
QUADRO 96.1 - Causas de incontinência urinária • Transitória - Obstipação intestinal, fecaloma - Medicamentos - Infecção urinária - Vaginite atrófica - Distúrbios psicológicos - Dificuldade de locomoção - Ingestão de líquidos em excesso • Persistente - Urge-incontinência (bexiga hiperativa) - Incontinência associada ao esvaziamento vesical incompleto - Incontinência urinária de esforço com defeito esfincteriano
A história clínica mostra ainda que a paciente é hipertensa e diabética, tabagista (40 anos/maço), por tadora de doença pulmonar obstrutiva crônica, com menarca aos 12 anos, ciclos regulares de 28 dias e duração de cinco dias com fluxo normal, cinco partos por via vaginal, dos quais em dois foi necessário o auxílio de fórceps, sendo o último há três anos, com três dos recém-nascidos pesando acima de 4.000g.
Dentre os diagnósticos diferenciais de uma paciente com incontinência urinária (Quadro 96.1), devemos incluir
Epidemiologicamente, estudos já comprovaram que a
infecção urinária, obstipação intestinal, medicamentos,
incontinência urinária é mais incidente em pacientes com
atrofia vaginal, ingestão de líquido em excesso, distúrbios
partos vaginais em relação a partos cesarianos, com au
psicológicos e dificuldade de locomoção, a qual se apre
xílio de fórceps, em fetos macrossômicos, devido a lesões
senta com quadro agudo, ao passo que em quadros per
do assoalho pélvico, e todos estes fatores foram apresen
sistentes a bexiga hiperativa, o esvaziamento vesical
tados pela paciente em estudo. Prosseguindo a investiga
inadequado e o defeito esfincteriano uretral são os prin
ção clínica, devemos realizar diagnóstico diferencial das
cipais diagnósticos diferenciais, o primeiro com predo
três principais doenças prováveis para o caso descrito, que
mínio dos sintomas de urge-incontinência, o segundo com
são a incontinência urinária de esforço, a mista e a bexi
dificuldade de esvaziamento vesical com obstruções ao
ga hiperativa.
fluxo urinário e o último de incontinência aos médios e pequenos esforços.
A seguir, devemos fazer um detalhado exame físico,
verificando sua capacidade de locomoção e a presença de
CAPÍTULO 96
578 - Problemas Gerais em Clínica Médica
doenças sistêmicas, que predispõem à incontinência uri
que aumentem a pressão intra-abdominal, pesando-se o
nária, como doenças pulmonares crônicas, neurológicas
absorvente antes e depois. Diferença de peso acima de 2g
e insuficiência cardíaca. Depois faz-se o exame gineco
toma o teste positivo, comprovando a perda urinária.
lógico visando reproduziro quadro de incontinência, além
A avaliação neurológica do arco reflexo sacral demons
de avaliara integridade do assoalho pélvico, verificando
tra a integridade do componente motordo nervo pudendo,
também sinais de hipoestrogenismo (mucosa fina e friável,
feita por meio dos testes de três reflexos: o bulbocaverno
estenose dos fórnices vaginais e diminuição da rugosida
so (estímulo clitoridiano leva à contração do músculo
de), o que pode acentuar o quadro clínico da paciente.
bulbocavernoso); da tosse, levando à contração da muscu
A pesquisa da perda urinária é feita solicitando-se que
latura do assoalho pélvico; e o anocutâneo (estímulo da
a paciente realize uma manobra de Valsalva, aumentando a
pele próxima ao ânus leva à contração do esfíncter anal).
pressão intra-abdominal, verificando se haverá perda; se
Ao examinara contração musculardo assoalho pélvi
houver, considerar como diagnóstico provável o defeito
co, caracteriza-se o funcionamento deste, que se classifi
esfincteriano. A pesquisa de distopias urogenitais e rotu
ca em: grau 0 (sem função perineal objetiva, nem mesmo
ra perineal é imprescindível, já que a incontinência pode
à palpação); grau 1 (função perineal objetiva e débil à
estar associada a distopias dos órgãos genitais, verifican
palpação); grau 2 (função perineal objetiva débil, reco
do a existência de prolapso uterino, de parede vaginal
nhecida à palpação); grau 3 (função perineal objetiva e
anteriore posterior, além de rotura perineal.
resistência opositora não mantida à palpação); grau 4
(função perineal objetiva e resistência opositora mantida
Ao exame físico, a paciente mostra perda urinária relevante à manobra de Valsalva com jato forte, teste do cotonete mostrando um ângulo de 40° e um padtest positivo com 12g, além de prolapso de parede vaginal anterior, atingindo o introito vaginal ao esforço (grau II), rotura perineal de segundo grau, avaliação funcional do assoalho pélvico grau 3, ausência de prolapso ute rino e de parede vaginal posteriore integridade do arco reflexo sacral. Não exibe lesões de colo uterino ao exame especular nem alterações sugestivas de hipoes trogenismo. Ao toque vaginal: útero intrapélvico, colo grosso, posterior, impérvio, de consistência fibroelás tica e anexos pequenos, palpáveis bilateralmente. A classificação dos prolapsos resumidamente se faz da
seguinte forma: quanto à uretrocistocele: grau I (procidên
cia de parede vaginal anterior [PVA], sem atingir o introi to vaginal ao esforço); grau II (procidência de PVA que
atinge o introito ao esforço); grau III (PVA ultrapassa o introito ao esforço); grau IV (PVA ultrapassa o introito ao repouso). Já quanto ao prolapso uterino, classifica-se em:
grau I (o colo uterino, pinçado e tracionado, atinge o terço inferior da vagina); grau II (o colo e parte do corpo
uterino ultrapassam o introito vaginal); e grau III (todo o corpo uterino ultrapassa o introito vaginal). Por último,
quanto à rotura perineal: grau I (laceração atinge pele e
mucosa); grau II (até o plano músculo-aponeurótico); grau III (esfíncter anal e/ou reto e canal anal). No exame físico inclui-se o teste do cotonete, que visa
à palpação por mais de 5s).
Depois de adequados anamnese e exame físico, o
primeiro exame laboratorial a ser feito é de urina de ro tina com Gram de gota e urocultura, visando descartar o
diagnóstico de infecção do trato urinário (ITU), a qual pode gerar todos os sintomas relatados pela paciente. Para
o diagnóstico de ITU deve-se ter piúria na urianálise com mais de dez piócitos por campo, teste do nitrito positivo e, eventualmente, hematúria, a qual pode estar presente
em até 50% a casos. No entanto, o padrão-ouro para diagnóstico de ITU é a urocultura, que está indicada
principalmente nos casos de exames anteriores duvidosos ou de infecções recorrentes com clínica de infecção alta e tem como valor de referência 100.000UFC/mL para o
diagnóstico de infecção. Quanto à bacteriúria assintomá tica (urocultura com menos de 100.000UFC/mL, sem
sintomas), a maioria dos casos tem resolução espontânea sem tratamento com antibióticos, mas em gestantes o
tratamento é obrigatório, devido a potenciais complicações. Os antibióticos de escolha são quinolonas, sulfametoxazol-
trimetoprim e nitrofurantoína e os de segunda escolha, ampicilina e cefalosporinas, as últimas mais usadas em
gestantes. Uma urocultura positiva não afasta outras causas que seriam responsáveis pelos sintomas da paciente, mas essa infecção deve ser tratada primeiro, antes de se prosseguir a investigação. Já uma negativa afasta infecção urinária como responsável pela incontinência.
determinara mobilidade do colo vesical, caracterizando
hipermobilidade se a diferença dos ângulos entre repouso e após manobra de Valsalva superar 30°; o pad test, pelo
qual a paciente utiliza um absorvente e durante 1h é so
licitada a ingerir líquidos, deambular, realizar manobras
A paciente tem exame de urina rotina com 5 piócitos/campo, 3 eritrócitos/campo, teste do nitrito negativo, urocultura sem crescimento de colônias bacterianas. Demais exames, como hemograma, ele-
Incontinência Urinária - 579
Os exames de urina 1 e urocultura normais afastam
uma infecção urinária vigente. O padrão-ouro para diagnóstico diferencial da incon
detrusor, e cistite crônica intersticial, nos casos em que há baixa complacência (capacidade cistométrica < 350mL), urgência sensorial (sem associação com contrações detrusoras).
O tratamento da incontinência urinária é diversificado
tinência urinária como exame subsidiário é o estudo urodinâmico, que é composto basicamente de três etapas:
diante dos diferentes diagnósticos, dentre os quais desta
a fluxometria, a cistometria e o estudo miccional. A fluxometria, realizada com volume acima de 150mL, analisa o fluxo urinário, o que avalia as características do
genuína, a bexiga hiperativa e a cistite crônica intersticial.
esvaziamento vesical, tendo como parâmetros normais: curva contínua, com fluxo máximo maior que 15mL/s,
tômica. As técnicas cirúrgicas utilizadas podem servia
camos como principais a incontinência urinária de esforço A incontinência urinária de esforço genuína tem o tratamento basicamente cirúrgico, pois sua causa é ana
vaginal, endoscópicas, retropúbicas, slings e injeções
tempo total de micção superiora 20s, tempo para atingir o fluxo máximo menor que 10s e resíduo pós-miccional abaixo de 100mL.
periuretrais. Via vaginal inclui a cirurgia de Kelly-Ken
A cistometria analisa a fase de armazenamento vesical, na qual ocorre a maioria dos distúrbios urinários. Verifica
lizadas com uma sutura entre a fáscia vaginal e a aponeu
-se a pressão e a complacência vesical e detectam-se con trações não inibidas do músculo detrusor. Os valores consi
com maior taxa de recidivas em relação às retropúbicas,
derados normais nessa etapa incluem: urina residual < 50 mL; primeiro desejo miccional entre 150 e 200mL; forte desejo miccional entre 300 e 400 mL; capacidade máxima entre 400 e 600mL; ausência de dor, urgência, inconti nência e contrações involuntárias do detrusor. Realiza-se
o teste de pressão de perda de esforço: infundem-se 200mL de líquido e, com a paciente em pé, solicita-se que faça uma manobra de Valsalva, verificando-se qual a menor pressão em que ocorre a perda urinária; esta é a pressão de perda ao esforço (VLPP). Valores de VLPP abaixo de
60cmH2O sugerem deficiência esfincteriana intrínseca; acima de 90cmH2O, são associados à hipermobilidade do colo vesical.
O estudo miccional é a parte final do urodinâmico e avalia o esvaziamento vesical, o qual é importante para detecção de casos em que existe obstrução ao fluxo uri nário, registrando-se com a bexiga na sua capacidade
máxima a pressão de contração do detrusor e o fluxo máximo, tendo como valores normais, respectivamente, 50cmH2O e 15mL/s.
nedy, em desuso por baixas taxas de cura, mas ainda utilizada em casos de prolapso. As endoscópicas são rea rose do reto abdominal e apresentam curta durabilidade, que incluem as cirurgias de Burch e de Marshall-Mar
chetti-Krantz, as quais se diferenciam pelo fato de a primeira unira fáscia vaginal ao ligamento de Coopere
a segunda, ao periósteo da sínfise púbica. Os slings são os preferidos atualmente, podendo ser de material autó
logo, com a fáscia do músculo reto abdominal ou heteró logo, o mais usado, a faixa de prolene (TVT), tendo a função de sustentare alongara uretra, corrigindo o de feito esfincteriano. As injeções periuretrais são usadas em
casos com ausência de mobilidade do colo vesical para aumentara pressão uretral e podem ser feitas com Teflon®, colágeno e gordura autóloga. Atualmente, técnicas de
fisioterapia, as quais incluem cinesioterapia e eletroesti mulação, que visam à reeducação do assoalho pélvico, reaprendendo-se o reflexo de contração da musculatura
pélvica diante de um aumento da pressão abdominal, podem alcançar, em casos de incontinência leve, taxas de cura de até 90%, além de terem como vantagem a ausên
cia de efeito colateral. A bexiga hiperativa tem seu tratamento essencialmen
te clínico, pois a afecção é funcional e não anatômica, em
A paciente é submetida a estudo urodinâmico, e que não mostrou alterações na fluxometria e no estudo miccional (Fig. 96.1). No entanto, a cistometria de monstrou VLPP, com 200mL de líquido infundido, de 57cmH2O, ausência de contrações não inibidas do músculo detrusor, sendo então incontinência urinária aos esforços genuína. O diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente com bexiga hiperativa ou hi peratividade do detrusor, na qual apresenta contrações não inibidas no músculo detrusor com VLPP normal, incontinência urinária mista, se houver associadas perda urinária ao esforço e contrações não inibidas do
que a incontinência decorre de contrações não inibidas
do músculo detrusor, gerando uma pressão intravesical que supera a pressão uretral. As principais classes medi
camentosas usadas para bexiga hiperativa são os anties
pasmódicos (cloridrato de oxibutinina ‒ primeira escolha),
antidepressivos tricíclicos (cloridrato de amitriptilina ‒ segunda escolha), anticolinérgicos, bloqueadores de canal de cálcio e inibidores de canais de cálcio. Pode serasso
ciado tratamento não medicamentoso, que inclui terapia comportamental, retreinamento vesical, biofeedback,
eletroestimulação, psicoterapia e hipnose.
CAPÍTULO 96
trólitos, funções hepática e renal, normais, assim como a velocidade de hemossedimentação.
CAPÍTULO 96
580 - Problemas Gerais em Clínica Médica
Figura 96.1 - Medida da pressão de perda. À manobra de Valsalva (linhas tracejadas), houve perda com pres são vesical (PV) de 57cmH2O, sugerindo defeito esfincteriano. PR = pressão abdominal; PV-PR = pressão do detrusor; VOL = volume infundido.
A cistite crônica intersticial, menos prevalente que a
incontinência urinária de esforço genuína e a bexiga hi
perativa, é uma doença crônica com períodos de crise e
DISCUSSÃO
três parâmetros principais: diário miccional, pad test e
A incontinência urinária é mais prevalente em pacientes multíparas, com história de uso de fórceps e fetos ma crossômicos. Em sua avaliação, primeiramente deve ser feita uma detalhada história clínica, além de adequado exame físico, buscando evidenciar distopias genitais e existência de perda urinária à manobra de Valsalva. Os
questionário de qualidade de vida.
primeiros exames devem serurinanálise e urocultura para
acalmia e tem seu tratamento feito com drogas adstrin
gentes (dimetilsulfóxido) e anti-histamínicos (hidroxizina), mas sua taxa de cura não supera os 70%. A avaliação do resultado do tratamento baseia-se em
descartaro diagnóstico de infecção do trato urinário, que
Tratamento proposto para a paciente em estudo: correção de prolapso vaginal anterior associada ao sling (TVT), com o uso de faixa de prolene, sem necessida de de abertura da parede abdominal, sustentando a uretra, sem tensão e não se fixando em nenhuma estru tura. Foi utilizada raquianestesia, no entanto; algumas equipes cirúrgicas têm proposto apenas anestesia local. Realizada cistoscopia, que não evidenciou lesões vesi cais. Após dois meses em reavaliação ambulatorial, a paciente não tinha queixas de incontinência urinária comprovada por meio do padteste ao exame físico não se evidenciou uretrocistocele, quadro que se manteve após um ano.
pode gerar o sintoma de perda ao esforço. Caso sejam
normais, faz-se teste de esforço diário para quantificara
perda urinária. O diagnóstico diferencial definitivo é feito por estudo urodinâmico e os principais são a incon
tinência urinária de esforço pura, a hiperatividade do
detrusor, a incontinência urinária mista e a cistite crônica intersticial. O tratamento é diverso, sendo essencialmen
te cirúrgico em incontinência urinária de esforço pura ou genuína, e clínico em hiperatividade do detrusor e em
cistite crônica intersticial. Já em incontinência urinária mista, pode ser clínico, cirúrgico ou ambos, dependendo
do componente mais prevalente. A avaliação de melhora ou cura é baseada no exame pad test, no questionário de
DIAGNÓSTICO FINAL Incontinência urinária de esforço com defeito esfincteriano.
qualidade de vida e no diário miccional. Diante de diferentes entidades clínicas possíveis com queixa de perda urinária ao esforço, é imprescindível o correto diagnóstico diferencial para que seja proposto o
Incontinência Urinária - 581
BIBLIOGRAFIA GIRÃO, M. J. B.; SARTORI, M. G. E; BARACAT, E. C. (eds.). Cr erga Vqs^rd eUrq^nadq^a 2. ed. São Paulo: Artes Médicas, 2002.
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CAPÍTULO 96
adequado tratamento e, consequentemente, aumentem as chances de melhora ou até de cura dessa paciente.
SEÇÃO
Doenças Ginecológicas
Dor em Hipogastro Felipe Favorette Campanharo
Uma jovem de 22 anos comparece ao pronto-so corro com queixa de dorem hipogástrio e fossa ilíaca direita há quatro dias, caracterizada como “cólica menstrual diferente”. A doré progressiva, de intensi dade 8/10, e há um dia está impossibilitada de exercer suas atividades. Refere ainda febre e calafrios, acompanhados de mal-estar geral, astenia, inapetência, hiporexia e náu seas. Há dois dias notou alteração no hábito intestinal, com aumento no número de evacuações, negando, no entanto, diarreia. A dor abdominal constitui um desafio diagnóstico e tera
pêutico, podendo caracterizar desde doenças benignas até
situações de risco iminente de morte, como nos diversos tipos de abdome agudo.
Fato que deve chamara atenção é o da paciente ca
vagina (bartholinite?) ambulatorialmente, tendo sido prescrito um ciclo de antibióticos, dos quais não fez uso. Antecedentes ginecológicos: menarca aos 12 anos de idade, precedida de desenvolvimento adequado dos caracteres sexuais secundários. Ciclos de 30/30 dias e duração de 5 dias. Coitarca aos 14 anos de idade, oito parceiros sexuais. Nunca colheu citologia oncótica. Nega tensão pré-menstrual ou dismenorreia. Método anticoncepcional atual: dispositivo intrauterino (DIU) de cobre, inserido no puerpério (há dois anos). Pacien te admite relações sexuais desprotegidas atualmente e com parceiros anteriores. Antecedentes obstétricos: duas gestações (IIG), um parto (IP) e um aborto (IA), primeira gestação não plane jada, tendo evoluído com abortamento espontâneo (primeiro trimestre) e sendo submetida à curetagem ute rina. Segunda gravidez desejada, realizou pré-natal, evoluindo para parto normal de termo, sem intercorrências.
racterizar sua dor como “diferente da habitual” (a doré uma experiência subjetiva e sua mudança de padrão deve
As queixas mais comuns nos consultórios de gineco
ser considerada como um sinal de alerta). As caracterís
logia são sangramento uterino anormal, dor pélvica e
ticas da dore a intensidade dos sintomas associados
corrimento vaginal. Estariam a dor abdominal e o corri
fornecem subsídios diagnósticos sobre as possíveis causas
mento vaginal associados?
envolvidas.
A dor abdominal em mulheres no menacma deve ser
sempre correlacionada às fases do ciclo menstrual, pois
Ao interrogatório sobre diversos aparelhos, a pa ciente refere corrimento amarelo-esverdeado, de longa data, sem odor.Disse estarno quarto dia do ciclo mens trual (ciclos estes regulares, com intervalo de aproximadamente 30 dias e duração de 5 dias). Sobre antecedentes patológicos, nega qualquer doença sistêmica, uso de medicamentos ou drogas. É tabagista (3 anos/maço). Apresenta apenas duas inter nações hospitalares prévias, sendo uma para curetagem uterina (há quatro anos) e a outra para parto. Há dois meses foi submetida a uma “drenagem” de tumor na
esta relação pode fornecer indícios da doença em questão. A dor abdominal na época da menstruação, com história
pregressa de dismenorreia progressiva sugere endometrio se. A ocorrência de dor na metade do ciclo pode revelar
alterações anexiais (ovulação ‒ dor do meio ‒ “cistos”
foliculares, hemorrágicos, etc.). Atraso menstrual asso
ciado à dor abdominal numa paciente em idade fértil deve sempre aventar hipótese de gestação ectópica. Note ainda que a paciente em questão teve sua pri meira relação sexual aos 14 anos de idade (início preco-
CAPÍTULO 97
586 - Problemas Gerais em Clínica Médica
ce da atividade sexual), um abortamento há quatro anos (gravidez na adolescência), história de “drenagem” de um tumorna vagina (bartholinite ‒ doença sexualmente trans missível) e uso de DIU (método anticoncepcional sabida mente relacionado a algumas afecções) (Fig. 97.1).
Os achados do exame físico são indicativos de uma síndrome clínica conhecida como abdome agudo inflama tório (AAI).
Desde a história podemos observar aspectos como a
descrição da dor (localizada) sugestiva de afecção parie tal ‒ característica da peritonite ‒ a tendência à imobili
Ao exame:
dade e a posição antálgica. Corrobora o diagnóstico o fato de o quadro clínico ser precedido de sensação vaga de
• Sinais vitais: pressão arterial de 106 × 60mmHg; frequência cardíaca de 92bpm; temperatura axilar de 37,6°C; frequência respiratória de 22irpm. • Paciente em posição antálgica com flexão das coxas sobre o tronco, fácies de dor, corada, desidratada ++/4, sem lesões de pele, ausência de edemas. • Os exames minuciosos dos aparelhos cardiovascu lar, respiratório e neurológico não revelaram anor malidades. • Abdome distendido +/4, atípico, em que não foram notados abaulamentos ou cicatrizes. Ruídos hidro aéreos diminuídos. Timpanismo leve à percussão. À palpação, nota-se contratura do quadrante inferior
desconforto, febre, mal-estar e náuseas.
direito, sinal de Blumberg e sinal do obturador presentes. • Ao exame ginecológico, os órgãos genitais externos não demonstram alteração. O exame especular evidencia conteúdo vaginal aumentado hemático (paciente menstruada!), sem sangramento ativo. O fio do DIU foi visualizado e, aparentemente, está normoinserido. Colo epitelizado sem lesões apa rentes. Ao toque, nota-se discreto aumento da temperatura vaginal. Colo impérvio, dolorido à mobilização lateral. Anexo direito dolorido e com volume duas vezes aumentado.
é um forte indício de peritonite. Quando há aumento da tensão muscular secundário a dor/desconforto, não sendo
Diagnósticos diferenciais: • Condições ginecológicas: cistos/endometriose. • Condições obstétricas: abortamento/gestação ectó pica.
• Afecções gastrointestinais: apendicite/diverticulite. • Afecções urinárias: cistite/pielonefrite/litíase. • Afecções musculoesqueléticas: psoíte/discopatias. A contratura involuntária da musculatura abdominal
esta constante, damos o nome de defesa, sendo esta, po rém, um ato voluntário.
Sinais descritos: • Blumberg. diz-se positivo quando há descompressão brusca dolorosa sobre o ponto de MacBurn. É indi
cativo de peritonite, encontrando-se positivo em até 75% dos casos de apendicite.
• Obturador: pesquisa-se o sinal com a flexão máxima
das coxas sobre o tronco, seguida de sua rotação interna. Considera-se positivo se o paciente refere dorem região de hipogástrio, sendo indício de aco
metimento das fáscias do músculo obturador, com
ponente este do assoalho pélvico. E quanto ao exame ginecológico?
O conteúdo vaginal aumentado, hemático, prejudica a análise do corrimento, que é um achado negativo em 50% dos casos de doença inflamatória pélvica. O abaula
mento do fundo de saco posterior é um indicativo de
coleção. O toque vaginal evidencia dorà mobilização do colo (que juntamente com a dor abdominal são os achados
mais encontrados em doença inflamatória pélvica) e um
anexo direito aumentado e dolorido (presente em 70%
Figura 97.1 - Causa comum de dor abdominal em mulheres no menacma. As setas apontam gestação ectópica rota. Em detalhe, cisto teca luteínico. Pacien te tratada com salpingectomia.
dos casos). Foi notado também aumento da temperatura vaginal, que pode ser encontrado em diversos processos
inflamatórios do abdome inferior, como apendicite, sal pingite, diverticulite e abscessos pélvicos.
Dor em Hipogastro - 587
Exames complementares: • Hemograma: hemoglobina: 13,2; hematócrito: 45;
Objetivo do tratamento
plaquetas: 262.000; leucócitos: 16.820 (9 bastões,
Estádio
Acometimento
76 segmentados, 10 linfócitos e 5 monócitos); cre
I
Endometrite e salpingite
Tratar a infecção
II
Salpingite e peritonite
Preservar a função tubária
III
Abscesso tubário íntegro
Preservar o ovário
IV
Abscesso roto
Preservar a vida
atinina: 0,9; ureia: 49; função hepática, incluindo enzimas e bilirrubinas, normal; amilase: 68; veloci
dade de hemossedimentação: 80; urina I: pH 6,
densidade de 1.024, eritrócitos de 45 (normal até 10) e leucócitos de 84 (normal até 10). Gonadotro
fina coriônica humana beta: negativa. • Ultrassonografia transvaginal: tuba uterina direita dilatada, com limites imprecisos e borrados e com conteúdo líquido em seu interior (sugestiva de pios salpinge). Útero de aspecto normal. Líquido livre
em cavidade pélvica.
• Alteração da VHS e da proteína C-reativa. • Cultura + gonococo/clamídia. • Massa pélvica. • Hemograma infeccioso. • Mais de cinco leucócitos por campo ‒ imersão em
DIAGNÓSTICO Doença inflamatória pélvica.
secreção de endocérvice. Critérios elaborados: • Ultrassonografia compatível com abscesso de tubo ovariano.
DISCUSSÃO
• Evidência histopatológica de endometrite. • Achados laparoscópicos compatíveis.
A doença inflamatória pélvica é uma síndrome clínica
caracterizada pelo acometimento infeccioso do trato ge
nital superior (acima do orifício interno do colo), poden
Na Tabela 97.1, encontra-se a classificação e o trata
mento da doença inflamatória pélvica.
do acometer desde o útero até os ovários/peritônio ‒ en
Para todas as pacientes, independentemente do grau
dometrite, salpingite, salpingooforite e pelviperitonite ‒,
de acometimento, cabem medidas gerais que incluem
sendo estes espectros evolutivos de uma mesma doença.
repouso relativo, abstinência sexual e suporte sintomático,
A infecção em geral é polimicrobiana, porém, as bactérias
além de antibioticoterapia específica, a dependerdo grau
responsáveis pelo insulto inicial são, em geral, gonococo e Chlamydia.
de acometimento do trato genital.
Importante: a doença inflamatória pélvica é conside
Para o diagnóstico dessa afecção são necessários os
rada uma DST, logo, o tratamento dos parceiros é obri
três critérios maiores e pelo menos um critério menor ou
gatório! Opta-se por esquema oral em dose única (azitro
elaborado.
micina, 1g + ofloxacino, 400mg) para melhor adesão ao tratamento.
Critérios maiores: • Dor abdominal infraumbilical. • Dorà mobilização de colo uterino. • Dorà palpação anexial.
Critérios menores: • Febre. • Secreção vaginal ou cervical anormal.
BIBLIOGRAFIA CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. SscrDy TiíiHiiittul DiscasEsTrcdnie±Gijde Clifton: CDC, 2002. HALBE, H. W. Tr^adodeGirEEdc^a Rio de Janeiro: Revinter; 1998. SOGIMIG. GirEEdc^aeObstEtrícia 4. ed. Rio de Janeiro: Guana bara Koogan, 2007. p. 267.
CAPÍTULO 97
TABELA 97.1 - Classificação e tratamento da doença inflamatória pélvica
___________________________________
CAPÍTULO
98
Amenorreia Margareth Chiharu Iwata • José Maria Soares Junior • Luciana Campanatti Crema
Paciente, 17 anos de idade, procurou a Unidade Básica de Saúde referindo não ter tido a primeira mens truação. Nega outra sintomatologia. Nascida de parto normal a termo, apresentou desenvolvimento neurop sicomotor normal, sem antecedentes de traumas ou cirurgias. Relata desenvolvimento de mamas a partir dos 10 anos e aparecimento de pelos pubianos aos 11 anos. Nega casos semelhantes na família. A amenorreia é definida como primária quando há ausên
Ao exame físico, a paciente mostra estatura adequa da para a idade, envergadura menor que a estatura, eutró fica, com fenótipo feminino, sem estigmas turnerianos. O exame do campo visual é normal. Não são palpados nódulos em região inguinal. Estádio puberal (Tanner) M5 P5. À avaliação da genitália externa (tipicamente femini na), observa-se vagina encurtada (vaginometria de 4cm), sem outras alterações. Não foi realizado o toque vaginal, já que a paciente não havia iniciado a atividade sexual, nem o toque retal, pois a paciente não consentiu.
cia de menstruação aos 16 anos de idade em meninas que
apresentam o desenvolvimento de caracteres sexuais se
O exame físico é de grande valia para avaliação da
cundários, ou aos 14 anos, quando estes estão ausentes;
amenorreia, sobretudo a primária. Envergadura maior que
é dita secundária quando não há menstruação por um
a estatura (padrão eunucoide) é comum em disgenesia
período superiora três ciclos menstruais prévios conse
gonadal. A baixa estatura é frequente na síndrome de
cutivos ou a 180 dias, após a menarca. Dessa forma,
Turnere, nesta, encontram-se ainda estigmas como pes
pode-se considerar que a paciente do caso clínico em
coço alado, linfedema ao nascimento, múltiplos nevos
questão apresenta um quadro de amenorreia primária.
pigmentados, cúbito valgo, tórax em escudo. O desenvol
Para que haja fluxo menstrual normal é necessário um
vimento puberal normal com genitália não ambígua vai
endométrio adequadamente desenvolvido por ação de
contrariamente à hipótese de pseudo-hermafroditismo
estrogênio e progesterona secretados pelo ovário em
(forma completa de deficiência enzimática da suprarrenal
quantidades variáveis ao longo do ciclo, sob estímulo das
ou formas parciais de insensibilidade androgênica). Ain
gonadotrofinas hipofisárias, as quais sofrem influência do
da, se a pilificação fosse escassa, poder-se-ia pensarem
hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) secretado
insensibilidade androgênica. O campo visual normal faz
em pulsos pelo hipotálamo. Assim, a ausência de mens
diminuira chance de macroadenomas de hipófise, sem
truação pode ter como causa uma alteração em qualquer
descartaros microadenomas. Nódulos em região inguinal
ponto do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, além de uma
poderiam indicara localização de uma gônada ectópica,
alteração no trato genital que impeça a exteriorização do
nos casos de pseudo-hermafroditismo masculino. Com
fluxo. A sua investigação deve, portanto, abranger cada
exame dos genitais externos foi possível descartaro hímen
um destes pontos. O Quadro 98.1 cita as principais causas
imperfurado, mas não outras malformações como o septo
de amenorreia.
transverso. Nesta paciente, a alteração evidente é a vagina
Amenorreia - 589
QUADRO 98.1 - Causas de amenorreia1
dora de hormônios sexuais (SHBG) e assim aumenta o
estradiol plasmático e, consequentemente, os níveis de
hormônio luteinizante (LH), o que pode levar à anovula
ção ou à amenorreia. O hipotireoidismo provoca amenor reia pela redução dos níveis de hormônios tireoidianos,
alterando a função ovariana, e também pela elevação secundária de hormônio liberador de tireotrofina (TRH), que estimula a produção de prolactina. Níveis altos de
prolactina alteram os pulsos de GnRH, causando desde
um defeito de fase lútea até amenorreia. Cerca de um terço das pacientes com hiperprolactinemia pode apresen tar galactorreia, ou seja, saída de secreção láctea bilateral e poliductal. O teste provocativo do endométrio visa
avaliar o trato genital, especificamente a resposta endo metrial. Quando o resultado é positivo, ou seja, ocorre
sangramento de qualquer volume dois a sete dias após o término da medicação, em geral existe deficiência na
produção de progesterona com produção estrogênica
suficiente (anovulação crônica). Também indica que o
sistema canalicular do trato genital permite a passagem
do sangue menstrual. Se não há sangramento (teste nega tivo), isto pode sugerir diminuição da produção estrogê
nica (hipogonadismo) ‒ o que não parece ser o caso
desta paciente, já que ela tem caracteres sexuais secun
dários ‒ ou uma alteração no trato genital que não está permitindo o fluxo. Nesses casos, recomenda-se o uso do
teste estroprogestativo ou avaliação do trato genital. A paciente retorna após 14 dias, relatando não ter apresentado sangramento após uso do acetato de me droxiprogesterona (AMP). Os exames indicam níveis de TSH e prolactina normais. Foram então ministrados estrogênios conjugados, 1,25mg/dia por21 dias, asso ciados com AMP, 10mg/dia, nos últimos dez dias, e a paciente retoma sem ter apresentado menstruação.
Não havendo sangramento após estímulo com estrogê nio e progestogênio, conclui-se que podem existiranorma curta, indicando possivelmente uma alteração no desen volvimento dos ductos de Müller que dão origem às tubas,
ao útero e os dois terços superiores da vagina. Ainda, que
houve estímulo estrogênico, pois há desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários.
A paciente é encaminhada para investigação com plementarem hospital terciário de referência. Enquanto aguardava a consulta, foram solicitadas dosagens de hormônio estimulante da tireoide e prolactina; e foram ministrados 10mg de acetato de medroxiprogesterona, via oral, por dez dias ‒ teste provocativo do endométrio.
lidades no trato genital ou no endométrio (síndrome da resposta estrogênica). Nesta paciente, adolescente e sem
vida sexual, além do exame físico, no qual é observado se há hímen imperfurado, septo transverso, agenesia de vagi na ou colo, é importante pesquisar antecedentes de doenças que levem à destruição endometrial, tais como tuberculose
pélvica e esquistossomose. Vagina encurtada é um achado que torna previsível uma resposta negativa ao teste de es
trogênio e progestogênio nesta paciente, visto que em tais
casos pode haver agenesia de parte da vagina e/ou ausência de útero.
CAPÍTULO 98
• Hiperprolactinemia - Insuficiência hepática ou renal - Produção ectópica (tumores) - Amamentação - Estímulo mamário - Hipotireoidismo - Medicações (antidepressivos, antipsicóticos, pílulas contraceptivas, anti-hipertensivos, opioides) - Síndrome da sela vazia - Adenoma hipofisário • Hipogonadismo - Hipergonadotrófico ■ Disgenesia gonadal ■ Síndrome de Turner ■ Insuficiência ovariana (pós-menopausa ou prematura) ■ Quimioterapia/irradiação pélvica ■ Galactosemia ■ Deficiência da 21-hidroxilase ■ Caxumba - Hipogonadotrófico ■ Anorexia/bulimia ■ Tumor do sistema nervoso central ■ Atraso constitucional ■ Insuficiência renal ou hepática crônica ■ Diabetes, doença tireoidiana ■ Depressão grave ■ Imunodeficiência ■ Excesso de exercício ■ Perda de peso excessiva ou desnutrição ■ Lesão hipotalâmica ou hipofisária ■ Síndrome de Kallmann ■ Síndrome de Sheehan - Normogonadotrófico ■ Causas congênitas ■ Síndrome da insensibilidade androgênica ■ Agenesia mülleriana • Anovulação hiperandrogênica - Acromegalia - Tumor secretor de androgênio - Doença de Cushing - Androgênios exógenos - Deficiência enzimática da suprarrenal - Síndrome dos ovários policísticos - Doença tireoidiana • Obstrução da via de saída do trato genital - Síndrome de Asherman - Estenose cervical - Hímen imperfurado - Septo vaginal transverso - Gestação
O hipertireoidismo eleva os níveis de globulina liga
CAPÍTULO 98
590 - Problemas Gerais em Clínica Médica
Caso a paciente tivesse apresentado sangramento após o estímulo, concluir-se-ia que não há estímulo estrogêni
qual a gonadectomia profilática é postergada até a puberdade (entre 16 e 18 anos), pois permite um de
co adequado, podendo este defeito serde origem ovaria
senvolvimento mais adequado e a incidência de tu
na (periférica), ou do eixo hipófise-hipotálamo (central).
mores aumenta significativamente após a puberdade.
Para essa diferenciação são dosados hormônio folículoestimulante (FSH) e LH. Gonadotrofinas elevadas indicam
Dentre as causas hipofisárias estão:
origem periférica (hipogonadismo hipergonadotrófico); diminuídas indicam origem central (hipogonadismo hipo
• Adenomas de hipófise: os mais comuns são os pro
Dentre as causas ovarianas estão:
lactinomas (50%) e os tumores não funcionantes (30 a 40%). São identificados pelos exames de imagem
do crânio, sendo a ressonância nuclear magnética a que apresenta maior sensibilidade.
• Disgenesias gonadais. são as causas mais comuns de amenorreia primária (30 a 40% dos casos), carac
• Síndrome de Sheehan: infarto hipofisário em conse
terizadas por gônadas em fita sem elementos ger
quência de choque hemorrágico durante o parto,
minativos e sem produção hormonal. Cariótipo é variável, sendo 45,X responsável por50% das ocor
levando ao hipopituitarismo. A primeira manifesta
rências. As gônadas disgenéticas em pacientes com
axilares e pubianos e não retorno das menstruações
ção é a falha na amamentação; diminuição dos pelos são outros dados.
cariótipo XY devem ser retiradas, pelo risco de malignização. • Falência ovariana prematura: acomete 1% das mu
• Síndrome da sela turca vazia: diafragma selar in
lheres. Pode ocorrer secundariamente à quimiotera pia com agentes alquilantes e radioterapia, com maior
preenchida pela subaracnoide. A hipófise fica acha tada e separada do hipotálamo.
completo que permite que a fossa pituitária seja
efeito sobre a fertilidade quanto maior a idade na
época do tratamento. Nos demais casos, sua etiologia é desconhecida, podendo estar relacionada a proces sos autoimunes, anomalias cromossômicas numéricas (45,X; 47,XXY), estruturais, síndrome do X frágil (e esta última geralmente está relacionada a uma deficiência no desenvolvimento intelectual). • Síndrome de Savage: ou dos ovários resistentes, não responsivos às gonadotrofinas, caracteriza-se por
níveis altos de gonadotrofinas e biópsia de ovário mostrando folículos e ausência de infiltrado infla
matório. • Insensibilidade androgênica: não é uma causa ova
riana, porém leva a um aumento das gonadotrofinas. Caracteriza-se pela resistência parcial ou completa (síndrome de Morris) à ação dos androgênios na
periferia. Assim, as pacientes apresentam cariótipo
XY, mas são fenotipicamente femininas, com desen volvimento de mamas (com mamilos pequenos e
aréola pálida) e poucos pelos pubianos e axilares. Não desenvolvem útero e têm deficiência no desen volvimento da vagina (curta ou ausente), visto que
existe a ação normal do fator antimülleriano. Tal fatoré produzido pelas células de Sertoli logo após a diferenciação testicular, que se inicia entre a sex
ta e a sétima semana de gestação, e é responsável
pela regressão ipsilateral dos ductos de Müllerou
paramesonéfricos que dariam origem ao útero e às tubas. A síndrome de Morris é a única situação na
Por fim, dentre as causas hipotalâmicas estão:
• Desnutrição grave: a privação alimentar acarreta aumento do neuropeptídeo Y e diminui a leptina,
causando inibição da pulsatilidade do GnRH. Além disso, a diminuição de tecido celular subcutâneo aumenta a conversão de estrógeno biologicamente
ativo para catecolestrogênios (inativos). Com base na relação entre amenorreia e distúrbios alimentares, deve-se atentar para o fato de que a prevalência de
transtornos alimentares precoces ou parciais é duas vezes maior que a síndrome propriamente dita (ano rexia) e a progressão dos sintomas pode ocorrer tão rápido quanto um a dois anos; com isso, deve-se
buscaro diagnóstico para uma intervenção precoce. • Exercícios exagerados ou extenuantes: aumentam a secreção noturna de melatonina, endorfinas e corti sol, que irão inibira pulsatilidade de GnRH.
• Estresse emocional, depressão, anorexia nervosa: aumentam o cortisol.
• Pós-pílula: deve ser investigada caso persista após 6 meses (para anticoncepcionais orais) e 12 meses (para acetato de medroxiprogesterona) de depósito da suspensão. • Síndrome de Kallman: amenorreia e anosmia que ocorrem por falha na migração de neurônios secre tores de GnRH e axônios olfatórios para o hipotála mo. O cariótipo é normal.
978-85-4120-074-5
gonadotrófico).
Amenorreia - 591
As Figuras 98.1 e 98.2 mostram algoritmos para in
5
978 85 4120 074
Na primeira consulta no hospital terciário foram solicitados cariótipo, ultrassonografia pélvica transab dominal e ressonância nuclear magnética de abdome e pelve, cujos resultados foram: cariótipo XX, ultrasso nografia mostrando útero rudimentar com ovários normais e suspeita de rim ectópico (pélvico) à direita; ressonância nuclear magnética (Fig. 98.3) confirmando os achados da ultrassonografia, mostrando além deles ausência dos dois terços superiores da vagina.
Em resumo, trata-se de uma paciente com quadro de amenorreia primária com desenvolvimento normal dos
DIAGNÓSTICO FINAL Síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser.
Figura 98.1 - Algoritmo para avaliação de amenorreia primária1. FSH = hormônio folículo-estimulante; LH = hormônio luteinizante.
CAPÍTULO 98
vestigação de amenorreias primária e secundária.
caracteres sexuais secundários e vagina curta ao exame físico. Testes provocativos com progesterona isolada e depois combinada com estrogênio foram negativos, indi cando anormalidade na via de saída ou alteração endo metrial. Dosagens hormonais normais. Exames comple mentares mostraram cariótipo 46,XX, ovários normais e não desenvolvimento dos ductos de Müller representado por útero rudimentare agenesia dos dois terços superiores da vagina. O quadro sugere ser um caso de síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser.
Problemas Gerais em Clínica Médica
CAPÍTULO 98
592 -
Figura 98.2 - Algoritmo para avaliação de amenorreia secundária1. FSH = hormônio folículo-estimulante; LH = hormônio luteinizante; RNM = ressonância nuclear magnética; TSH = hormônio estimulante da tireoide.
Figura 98.3 - (A e
B) Ressonância nuclear magnética mostrando rim pélvico.
DISCUSSÃO
causa mais comum de amenorreia primária. Consideram-se
A síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser está
20% de casos familiares. Nestes, é descrito um equivalente
relacionada a uma malformação inibitória dos ductos de
masculino chamado ARCS (azoospermia, renal anomalies,
Müller (paramesonéfricos), ocasionando um útero rudi
cervicothoracicspine displasia). O padrão de herança é tido
mentar bipartido com uma vagina sólida. A incidência
como multifatorial/poligênico ou autossômico dominante com
está entre 1/4.000 e 1/5.000 nascimentos e é a segunda
grau de penetrância incompleta e expressividade variável.
os casos como esporádicos, porém há descrição de cerca de
Amenorreia - 593
CAPÍTULO 98
Figura 98.4 -
(A
e
B)
Radiografia da coluna cervical mostrando fusão vertebral em paciente com a síndrome.
As pacientes com a síndrome típica apresentam fenótipo feminino, cariótipo XX, telarca e pubarca normais e ame norreia primária. Ao exame físico e nos exames comple mentares são observados útero rudimentar e septado, aplasia da cérvix e dos dois terços superiores da vagina, tubas normais ou hipoplásicas, ovários normais.
Os ductos pronéfricos e o blastema dos somitos cer vicotorácicos têm uma relação espacial, justificando a associação com malformações renais e esqueléticas. Schmid-Tannwald e Hauser em 1977 e Duncan et al., em 1979 elaboraram uma classificação da síndrome de acor do com as malformações associadas: • Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser típica: sem mal formações associadas, com defeito na porção distal dos ductos de Müller. • Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser atípica: malfor mações nos ovários ou renais associadas. • MURCS (Müllerian duct aplasia, renal aplasia and cervicothoracic somite dysplasia): malformações esqueléticas (Fig. 98.4) e/ou cardíacas e renais, fraqueza muscular. É a forma mais grave.
Alguns autores2 dividem a síndrome em dois tipos: tipo 1, quando isolada, também chamada de sequência de Rokitansky; e tipo 2, quando há de outras malforma ções, considerando este como MURCS, conforme des crito anteriormente. A investigação mínima, portanto, requer dosagens hormonais, cariótipo, ressonância nuclear magnética de abdômen e pelve e avaliação do trato urinário.
O tratamento visa à confecção de uma neovagina em momento adequado, considerando sua maturidade para
realizar adequadamente o tratamento e para ter vida se xual ativa. Além disso, é necessário suporte psicológico
adequado que permita melhor aceitação e entendimento da paciente e de seus familiares sobre sua imagem física,
feminilidade e fertilidade.
REFERÊNCIAS 1.
2.
MASTER-HUNTER, T; HEIMAN, D. L. Amenonhea: evaluation and treatment. Am. Fan. PFysciai v. 73, n. 8, p. 1374-82,1387, 2006. MORCEL, K.; CAMBORIEUX, L. ; PROGRAMME DE RECHERCHES SUR LES APLASIES MÜLLERIENNES ; GUER-
RIER, D. Mayer-Rokitansky-Küster-Hausersyndrome. OrphanEt J. Ra^eDis, v. 2, p. 13, 2007.
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CAPÍTULO
99
Infertilidade Bruno Teixeira Bernardes
Paciente do sexo feminino, 32 anos de idade, nuli gesta, e seu esposo com 35 anos, também sem filhos, apresentam-se no consultório do ginecologista com queixa de dificuldade pra engravidar desde o casamen to, ocorrido há dez anos, associada à significativa dor do tipo cólica ao menstruare às relações sexuais, além de intenso fluxo menstrual, com duração de sete dias, o que a faz perder vários dias de trabalho ao ano. Rela ta ainda esporádicos episódios de hematúria e dorà eliminação de gases. Infertilidade conjugal é definida como ausência de gravi
dez após período de um ano sem uso de qualquer método
anticoncepcional, com relações sexuais frequentes e em diferentes períodos do ciclo menstrual. Durante a investigação inicial de infertilidade primária
deve-se realizar uma detalhada anamnese do casal. Nesta, verificam-se os antecedentes pessoais, dentre eles diabe
tes, hipertensão arterial, hipotireoidismo; os menstruais, como idade da menarca e duração, regularidade, interva
lo, quantidade e sintomas associados ao fluxo menstrual;
femininas, doenças ginecológicas, primárias ou secundárias, naturais ou adquiridas podem seras causas de tal incapa cidade de conseguir uma gestação de forma espontânea. Ver,no Quadro 99.1, as principais causas de infertilidade.
A paciente nega ser hipertensa, diabética ou ter distúrbios tireoidianos. Relata menarca aos nove anos de idade, com intenso fluxo e dor, associados a sintomas típicos de tensão pré-menstrual. Apresenta histórico de dois parceiros e o marido, quatro parceiras, mas sem infecções genitais como vaginose bacteriana, tricomo níase, sífilis ou gonorreia. Fez uso de anticoncepcionais no primeiro ano de casamento, durante o qual houve importante melhora dos sintomas menstruais, além da melhora do quadro doloroso às relações sexuais. A frequência de relações é de duas a três por semana e é nuligesta, negando abortos anteriores. Após a anamnese, um minucioso exame físico é rea
lizado, com avaliação cardíaca, respiratória, abdominal e
genital do casal.
os sexuais, como infecções genitais, tanto masculina como feminina, resultados de citologias oncóticas anteriores e
tratamentos realizados, uso de métodos anticoncepcionais,
número de parceiros(as) anteriores e atuais e frequência de relações sexuais. Por fim, os obstétricos, sendo eles o
número de filhos com este e com parceiros(as) anteriores, características do parto (peso fetal, idade gestacional,
normal, ou cesariana), abortos, espontâneos ou provocados,
tendo sido realizadas curetagens ou não, e duração da amamentação.
Essa análise deve ser feita em busca de fatores que possam justificar a infertilidade do casal, já que essas comorbidades citadas, infecções prévias, masculinas ou
QUADRO 99.1 - Causas de infertilidade • Fatores femininos (30%) - Ovulatório - Tubo peritoneal - Endometriose - Uterino - Deficiência de fase lútea - Deficiência do muco • Fatores masculinos (30%) - Ausência total ou parcial de espermatozoides - Alteração na motilidade e na forma dos espermatozoides - Anticorpos antiespermáticos - Varicocele • Fatores masculinos e femininos (30%) • Idiopática (infertilidade sem causa aparente - 10%)
Infertilidade - 595
Os exames do casal mostram dosagens hormonais e sorologias normais para ambos. O espermograma demonstra volume seminal, concentração, motilidade, morfologia e vitalidade espermática adequados com reprodução espontânea. A ultrassonografia transvaginal mostra útero de volume normal, mediovertido, latera lizado à direita, anexo direito com imagem hipoecogênica com maior diâmetro de 4cm, com anexo esquerdo normal. A histerossalpingografia indica útero fixo à direita, tubas pouco permeáveis fixas, dilatadas, com passagem do contraste para a cavidade abdominal bastante reduzida. Diante da história clínica e dos exames laboratoriais apresentados pelo casal, a principal hipótese diagnóstica é de endometriose feminina. Os dados que reforçam tal
hipótese são o exame físico, discutido anteriormente, e, Até o momento, pouco se afasta em relação aos diag nósticos diferenciais. Um exame físico normal em relação a caracteres sexuais secundários femininos toma a função ovulatória pouco provável, mas todos os outros fatores permanecem como possíveis: tubo peritoneal (aderências por infecções prévias com oclusões tubárias), endome triose que já se impõe como a mais provável pelos nódu los palpáveis em fundo de saco vaginal e ao distúrbio menstrual, uterino (útero didelfo, bicorno), deficiências de fase lútea e de muco. Quanto a fatores masculinos como responsáveis pela infertilidade em estudo, a varico cele pelo exame físico foi afastada, mas exame físico normal não afasta as outras causas apontadas no Quadro 99.1 (alterações em número, forma e motilidade dos es permatozoides).
Assim, foram solicitados os exames iniciais para avaliação da infertilidade conjugal primária, já que nenhum dos cônjuges tem filhos. Os exames para ambos foram dosagens hormonais, como hormônio folículoestimulante (FSH), hormônio luteinizante (LH), prolactina e estradiol; sorologias (hepatite B e C, VDRL, HIV, rubéola, toxoplasmose). A esposa fez ultrassono grafia transvaginal e histerossalpingografia e o marido, espermograma.
agora, os exames laboratoriais, com a imagem ovariana sugerindo endometrioma, o que gera distúrbios ovulatórios e alterações à histerossalpingografia (útero fixo, tubas
pouco pérvias, fixas e dilatadas) típicas de endometriose
de tubo peritoneal.
A endometriose, atualmente, é uma das principais
causas de infertilidade conjugal e sua gênese ainda é alvo de diversas discussões. A primeira das teorias é a de trans-
porte/implantação, em que os implantes endometrióticos
seriam provenientes do refluxo menstrual retrógrado em que células endometriais provenientes da cavidade uterina alcançariam a cavidade pélvica e nela se implantariam. O
que contraria tal hipótese é a existência de raros casos de focos de endometriose fora da cavidade abdominal e pél
vica. Outra teoria defendida é a de metaplasia celômica, na qual células peritoneais e ovarianas se transformariam
em células endometriais por metaplasia, mas é contrariada pelo fato de que endometriose acomete apenas pacientes
do sexo feminino, em idade reprodutiva e com endométrio funcionante. Essa doença acomete mulheres principalmen
te de 20 a 40 anos de idade, tendo a menarca precoce e as
malformações uterinas como fatores predisponentes e gestação, lactação, uso prolongado de anticoncepcionais e obesidade como fatores protetores. Em relação aos fa
Os exames solicitados são os principais nessa inves tigação que encontra a causa de cerca de 90% dos casos de infertilidade conjugal. As dosagens hormonais visam identificar o adequado funcionamento ovariano; as soro logias, para orientação pré-natal; a ultrassonografia trans vaginal mostra a morfologia uterina que identifica fatores
tores protetores, estes são justificados por ausência de
uterinos, a histerossalpingografia verifica permeabilidade tubária, aderências entre a tuba e outras estruturas pélvi cas, a chamada fixação tubária, e o espermograma permi te diagnosticar os principais fatores masculinos e suas alterações espermáticas.
endometriose no interiordo miométrio uterino denomina
estímulo estrogênico na lactação, gestação e uso de anti
concepcionais e da menor taxa de estrogênio nas obesas.
Quanto à localização, é mais frequente em ovários, septos retovaginal e vesicouterino, trompas, superfície
externa do útero, reto e bexiga. A presença de focos de
-se adenomiose, afecção com características particulares, que não serão discutidas no presente caso clínico.
O quadro clínico da endometriose é baseado em algia pélvica, dismenorreia, dispareunia e infertilidade. O qua-
CAPÍTULO 99
O exame físico do casal mostra-se sem alterações cardíacas, respiratórias e abdominais. O marido possui volume testicular normal com 20cm3 em ambos os testículos, ausência de varicocele, hidrocele e secreções penianas, sem dorà palpação dos testículos e epidídi mos. A esposa tem pilificação e formações vestibu lolabiais adequadas para idade e sexo, ausência de procidência de paredes vaginais, conteúdo vaginal fisio lógico, sem corrimentos ou sangramentos anormais, colo epitelizado e sem lesões visíveis. No entanto, significa tiva dor à mobilização do colo uterino, sendo este grosso, posteriorizado, impérvio, útero intrapélvico, tamanho normal, mediovertido, pouco móvel, anexo direito pouco aumentado de tamanho e anexo esquerdo sem alterações. Ao toque de fundo de saco vaginal no tam-se dois nódulos bastante dolorosos, endurecidos, também ocorrendo ao toque retal.
CAPÍTULO 99
596 - Problemas Gerais em Clínica Médica
dro álgico pode ser localizado ou difuso, de caráter pro gressivo, mais intenso durante o período menstrual, mas que pode aparecerem outros momentos do ciclo mens trual, além da dispareunia de profundidade. O exame fí sico pode mostrar dor de forte intensidade à mobilização do colo uterino, com nódulos dolorosos, mais frequente mente encontrados em fundo de saco posterior, aumento de volume ovariano, além de raros casos com hematúria e enterorragia por envolvimento vesical e retal. A infertilidade causada pela endometriose é multifa torial, já que promove alteração das funções tubária (hi drossalpinge, distúrbios de motilidade tubária), ovariana (distúrbios ovulatórios), espermática, fertilização e im plantação embrionária na cavidade uterina.
Figura 99.1 - Endometrioma.
O diagnóstico de endometriose pode ser feito porultras sonografia, na qual se visualizam endometriomas a partir de 5mm em seu maior diâmetro, sendo feito diagnóstico diferencial com cisto de corpo lúteo hemorrágico; resso nância nuclear magnética está dificultada devido ao seu alto custo. O padrão-ouro é a videolaparoscopia, em que há visualização direta dos implantes endometrióticos, grau de envolvimento pélvico, presença ou não de aderências pélvicas, correto estadiamento da doença e tratamento imediato das lesões. Com o surgimento da videolaparos copia percebeu-se que não há correlação direta entre o grau de envolvimento dos órgãos pélvicos e os sintomas apre sentados pela paciente. A dosagem de CA-125, por suas baixas especificidade e sensibilidade, não é usada para
diagnóstico de endometriose, sendo útil para seguimento, pesquisa de recidivas e verificação do sucesso terapêutico.
A paciente é submetida à videolaparoscopia, na qual foram visualizadas pequenas nodulações arroxeadas em reflexões reto e vesicouterina, além de grande número de aderências, o que mantinha o corpo uterino e as tubas uterinas pouco móveis às tentativas de manipulação. No ovário direito identificou-se endometrioma (Fig. 99.1) com cerca de 5cm em seu maior diâmetro, com cápsula íntegra, também de cor escurecida. Foram também identificados focos peritoneais (Fig. 99.2). Durante o procedimento já foi realizado o tratamento adequado, com eletrocauterização dos focos de endometriose em reflexões vesico e retouterina, sem envolvimento de reto e bexiga, lise das aderências pélvicas, o que melhorou tal mobilidade uterina. O endometrioma no ovário di reito foi ressecado, juntamente com sua cápsula, perma necendo nele o parênquima ovariano viável. Além do tratamento cirúrgico conservadora que foi submetida a paciente, existem outros tipos de tratamentos possíveis, tanto medicamentoso como cirúrgico radical.
O tratamento medicamentoso é útil para melhora dos sintomas, como pré-operatório para redução do tamanho
Figura 99.2 - Endometriose peritoneal.
dos focos, pós-operatório em que não foi possível a res secção completa dos focos e para prevenção de recidivas
pós-tratamento cirúrgico. Existem diversas linhas de me dicamentos utilizadas; a primeira delas é a dos anti-infla matórios não esteroidais para alívio da dor Os anticon
cepcionais orais combinados podem ser usados de forma
contínua por seis meses a um ano, com o objetivo prin cipal de evitar recidivas, pois com o repouso ovariano não há estímulo hormonal para o desenvolvimento dos focos de endometriose.
Os progestagênios geram atrofia endometrial, podendo
ser usados na forma oral, contínua, ou intramuscular de depósito. Eles geram bom alívio dos sintomas, mas estudos mostram que não há grande melhora na fertilidade das
pacientes. Os análogos de hormônio liberador de gonado trofina (GnRH) têm sido amplamente utilizados como tra tamento pré-operatório para diminuir o tamanho dos im plantes e se tentar realizar cirurgias mais conservadoras. O
mecanismo de ação deles é baseado na supressão da pro dução de FSH, LH e esteroides sexuais por meio do bloqueio dos receptores de GnRH, o que faz com que os ovários não sejam estimulados, consequentemente com menor estímulo endometrial. O grande inconveniente dessa terapêutica é,
Infertilidade - 597
dismenorreia e dispareunia, especialmente de profundi
sintomas, e principalmente a perda óssea, fato este que faz
do colo uterino, com corpo uterino fixo, e aumento de
com que seja recomendada a reposição de cálcio durante a terapêutica, além de pequenas doses de estrógenos.
volume ovariano devido a endometriomas, além da própria
O tratamento radical é indicado a estádios mais avan
retal podem ocorrer hematúria e hemorragia intestinal.
çados, com grande implantação pélvica, principalmente nos casos com envolvimento vesical e retal, em pacientes
Há várias teorias para o surgimento, dentre as quais se
com prole definida e sem desejo reprodutivo. Pode ser
celômica. O diagnóstico pode ser sugerido a partir de
realizada, a dependerdo caso, histerectomia com ooforec tomia bilateral, além de ressecções vesicais e intestinais.
ultrassonografia transvaginal, histerossalpingografia, sen
dade, podendo haverdorao toque vaginal na manipulação
infertilidade. Em raros casos de envolvimento vesical e
destacam a do transporte/implantação e a da metaplasia
do a videolaparoscopia o padrão-ouro em que se faz a
visualização direta dos focos de endometriose, podendo Após o tratamento cirúrgico ao qual foi submetida, a paciente aguardou dois meses para recuperação e assim foi proposto o tratamento para infertilidade. Como ela não deseja tentarde forma espontânea uma gestação pós-tratamento da endometriose, opta-se por técnicas de reprodução assistida. Devido à má permea bilidade tubária evidenciada à histerossalpingografia, foi contraindicada a inseminação intrauterina e reali zada fertilização in vitro (FIV). Com estímulo ovariano, a resposta foi satisfatória, sendo feita a coleta de oóci tos, realizada a FIV e transferidos, dois dias depois, três embriões para o interior da cavidade intrauterina de qualidade adequada. Decorridos 15 dias da transfe rência, foi feita a dosagem de gonadotrofina coriônica humana beta (beta-hCG), a qual se mostrou positiva. Foi mantido o acompanhamento no setorde infertili dade até se completarem 14 semanas de gestação, com o uso de progesterona via vaginal, ácido fólico e sul fato ferroso, sem sangramentos de primeiro trimestre ou outras intercorrências, recebendo alta para o setor de pré-natal. Decorridas 39 semanas de gestação, a paciente iniciou quadro de trabalho de parto, evoluin do para parto via vaginal, com recém-nascido pesando 3.350g, Apgar9/9, com puerpério sem complicações. Após um ano do nascimento do recém-nascido, per manece quadro de dor pélvica de leve intensidade, sendo feito o seguimento atualmente no ambulatório de algia pélvica crônica.
DIAGNÓSTICO FINAL Endometriose.
DISCUSSÃO A endometriose é uma das principais causas de infertili
dade feminina. Seus sintomas são algia pélvica, incluindo
ser feita a cauterização imediata desses focos, além da lise de aderências possivelmente provocadas. Na investi
gação do casal infértil é necessária a solicitação de dosa gens hormonais, sorologias, espermograma, ultrassono
grafia transvaginal e histerossalpingografia. Em casos de endometriose podem ser vistas, à histerossalpingografia,
tubas dilatadas, com pouca dispersão do contraste para a cavidade abdominal com útero desviado. O diagnóstico
diferencial de histerossalpingografia com essas caracte
rísticas deve ser feito principalmente com antecedentes de infecções anexiais, que levam a quadros recorrentes de inflamações de órgãos pélvicos com lesões tubárias, múl
tiplas aderências e, consequentemente, infertilidade. O tratamento pode ser tanto medicamentoso quanto cirúrgi
co, sendo o primeiro com anti-inflamatórios não esteroi
dais, anticoncepcionais orais, progestagênios e análogos de GnRH, ao passo que o último compreende desde vi
deolaparoscopia com eletrocauterização de focos endo metrióticos e lise de aderências até ressecções vesicais e
intestinais, em caso de envolvimento de reto e bexiga. Diante de quadros graves de endometriose feminina as
sociados à infertilidade é necessário, na maioria das vezes,
o tratamento prévio da endometriose e, posteriormente, a utilização de métodos de reprodução assistida.
BIBLIOGRAFIA BARACAT, E. C.; LIMA, G. R. Giradc^a- GuasdeMβdkira Ambiictoial eHopitakr - UNIFESP-EscdaPaüstade Medfcira Sào Paulo: Manole, 1. ed., 2005. GIRÃO, M. J. B.; LIMA, G. R.; BARACAT, E. C. Giradcgade Ccraitódo São Paulo: Projetos Médicos, 2003. GIRIBELA, C. R. G.; GIRIBELA, A. H. G. Ccnkiasen Girado g£a São Paulo: Segmento Famia, 2008. SOGIMIG. Giradc^aeObstEírkia- MaiEipa-acαTcrsGS Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 4. ed., 2007.
CAPÍTULO 99
além do alto custo, a contraindicação ao seu uso prolonga do, pois causa uma menopausa artificial, com todos os seus
Índice remissivo A Abdome, 14 agudo algoritmo do diagnóstico, 164f classificação, 161q inflamatório, 586 dor, 147, 150, 161, 168, 169, 206q volume, aumento, 200 causas, 201q Abetalipoproteinemia, 181 Abortamento espontâneo, 162 Abortos, 82, 457 Abscessos, 159, 395, 401, 443, 574 críptico, 183 hepático, 402 amebiano, 159 miocárdico, 487 piogênicos, 329 pulmonar, 112 Acantocitose, 574 Acantose nigricans, 389 Acidente vascular cerebral, 147, 245, 255, 262, 352, 479, 526, 574 Ácidos acetilsalicílico, 33, 339 biliar, 150 fólico, 379 glicurônico, 211 hialurônico, 496 lisérgico, 257 valproico, 571 Acidose metabólica, 302, 322, 482 tubular renal, 334 Acolia, 434 Acúfenos, 231 Acuidade visual, 526, 536 Adenocarcinoma, 188, 216, 225 ductal de cabeça, pâncreas, 152 próstata, 309 tubular, 476 Adenomas, 60 adrenal, 59 hipofisários, 369, 590 paratireoide, 360 Adenomiose, 595 Adenopatia, 437 hilar, 324 bilateral, causas, 323q
Adenovírus, 424, 550 Adinamia, 293, 424, 432, 438 Adipsia, 357 Adrenalectomia, 59 Aedes aegypti, 424 Aerofagia, 35 Afecções anorretais, 196 Agressividade, 268, 361 Albumina, 150,211,214, 531 Alcalose metabólica, 334 Álcool, 257, 262
abuso e dependência, 572 Alcoolismo, 298, 416 Aldosterona, 60 Alergia alimentar, 522 atópica, 318 Alopecia, 362, 424, 438 Alucinações, 482, 568 Amaurose, 260, 565 Amenorreia, 361, 588, 590 causas, 589q primária, avaliação, algoritmo, 591f secundária, avaliação, algoritmo, 592f Amígdalas, 436 Amigdalite, 52 Amiloidose, 200, 288, 290, 293, 410, 488, 493, 533 Anafilaxia, 135 Anamnese, 8 Anasarca, 495, 530 Ancilostomíase, 474 Anedonia, 554, 559 Anel vascular, 227 Anemia, 51, 200, 232, 280, 286, 293, 324, 373, 379, 385, 403, 424, 439, 460, 474, 492, 493, 496, 547, 561, 574 aplásica, 392 de Cooley, 382 de Fanconi, 387, 470 falciforme, 205, 248 ferropriva, 181, 184, 226, 311, 381, 457, 474 hemolítica, 407, 410, 428 adquirida, causas, 374q autoimune, 374, 486 por anticorpos quentes, 376, 377 Anergia, 132 Aneurisma, 46, 191, 244, 545 aorta, 227 abdominal, 340 carotídeo, 360
As letras f, te qque se seguem aos números de páginas significam, respectivamente, figura, tabelae quadro.
Índice remissivo - 599
Aneurisma (cont.) micóticos, 248 ruptura, 248 Anfetaminas, 257, 350 Angiites necrosantes, 289 Angina, 373 de Plaut-Vicent, 437 de Prinzmetal, 48 herpética, 436, 437 mesentérica, 205 pectoris, 30 variante, 47 Angiodisplasias, 197, 198 Angioedema, 168 Angiografia, 249 Angioplastia transluminal coronária, 41q Anisopoiquilocitose, 383 Anopheles, 419 Anorexia, 93, 155, 156, 168, 293, 322, 324, 338, 430, 432, 439 nervosa, 151, 211, 335, 590 Anosmia, 590 Anovulação crônica, 589 Ansiedade, 57, 240, 268, 350, 354 Anticorpos antiplaquetários, 391 Antidepressivos, 257, 462 Antimoniais, 414 Antitireoglobulina, 346 Antitireoperoxidase, 346 Aorta, 80 abdominal, 340 aneurismas, 227, 340 coarctação, 58 dextroposição, 227 dissecção, 35, 46, 66 aguda, 44 Apendicite, 162, 586 Apetite, perversão, 474 Aplasia eritroide, 544 medular, 386 Apoplexia pituitária, 245 Aporte calórico, 467 Ar, falta, 462 Aracnoidite, 253 Arco aórtico, 36 duplo, 227 Arenovirose, 404 Arenovírus, 404 Arritmias, 21, 27, 35, 232, 322, 324, 332, 354, 482 ventriculares, 25 Artéria cervical, dissecção, 244 coronariana, 293 pulmonar, 80 Arterite coronariana, 305 de células gigantes, 235, 281, 526, 565 de Horton, 566 temporal, 566 critérios, 565q Artralgia, 289, 305, 324, 361, 392, 425, 436 manchas na pele, 295 Artrite, 52, 55, 289, 395, 425, 504 de Jaccoud, 291 gonocócica, 295 microcristalina, 284 reumatoide, 32, 92, 196, 279, 280, 289, 292, 296, 401, 410, 448, 451, 457, 504, 550, 561 sépticas, 284 Artropatia, 424 Artrose, 286, 563 Asbestose, 97, 324
Ascite, 72, 81, 131, 200, 201, 203, 361, 430, 485, 496, 499, 531 Asfixia, 81 Asma, 87, 94, 106, 137, 302, 305 Aspergillus, 111 Aspergiloma, 113 Assistolia, 42t Astenia, 93, 324, 385, 397, 420, 436, 438, 447, 546 Astrocitomas, 264 anaplásico, 265 Ataque isquêmico transitório, 255, 526 Ataxia, 231,262, 448,515 Atelectasia, 531 pulmonar, 78 Aterosclerose, 44, 257, 293, 504 Atetose, 266 Atresia, 147 Atrofia dentatorrubral-palidoluisiana, 266 testicular, 496 vaginal, 577 Audiometria, 516, 517 Aura, 256 Ausculta cardíaca, 13 cervical, 12 respiratória, 14 Autoanticorpos, 392
B Bacilo Calmette-Guérin, 320 Baço, 407 acessório, 393 Bacteremia, 450 Balão de Sengstaken-Blakemore, 228 intra-aórtico, 41 valvopatia, 53 Baqueteamento digital, 81 Barbitúricos, 479 Bastonete de Auer, 469 Bentiromida, 209 Beriliose, 97, 99 Betaistina, 524 Beta-talassemia, 382 Bexiga carcinoma, 309, 488 hiperativa, 577, 579 neurogênica, 314, 316 Bexigoma, 322 Bezoares, 147 Bicarbonato, 332 Bilirrubina, 150, 211, 428 Biomphalaria glabrata, 222 Biópsia hepática, 498 Blebs, 128 Blefarite, 538 Bloqueio atrioventricular, 334 cardíaco, 232 ramo esquerdo, 64 Bócio, 347, 362 multinodular, 353 tóxico, 351, 354 Bola fúngica, 113 Bolhas, 455 Borrelia burgdorferi, 550 Borreliose, 248, 296 Bradiarritmia, 481 Bradicardia, 334, 417, 481 Bridas, 147 Broncoaspiração, 225
600 - Índice remissivo
Broncoespasmo, 29, 135, 384 Broncoestase, 78 Broncopneumonia, 126 Bronquiectasias, 87, 110 Bronquiolite, 95 obliterante, 293 Bronquite, 87 crônica, 141, 142 Brucelose, 329, 409, 424, 443, 550 Bulhas, 14, 46 Bulimia, 335 Bursite, 280
c Cabelos, 380 queda, 361, 460 Cacifo, 495 Câimbras, 332, 361 Calafrios, 392, 416, 436 Calazar, 410, 411, 416, 442, 443 Calázio, 538 Calcaneodinia, 504 Calcificações, 339 Cálcio, 484, 568 Cálculos biliares, 147 Caliurese, 332 Caloria, gasto, 467 Câncer, 98, 448, 563 colorretal, 147, 188, 204 gástrico, 476 laringe, 122 pâncreas, 152 pulmão, 110 tireoide, 362 vesícula biliar, 215 Cancro, 424 Candidíase esofágica, 443 Cansaço, causas, 384q Capilarite, 404 pauci-imune, 111 pulmonar, 304 Capsaicina, 463 Cápsula de Tenon, 538 Caput medusae, 496 Caquexia, 361 Caquexina, 374 Carbamazepina, 571 Carboxiemoglobina, 389 Carcinoide, 175 brônquico, 114 Carcinoma, 60, 97, 195 broncogênico, 87 de células de Merkel, 103 renais, bexiga, 488 transicionais, bexiga, 309 papilífero, 364, 365 variante folicular, 363 renal, 448 urotelial, 312 Carcinomatose peritoneal, 204 Cardiomiopatia, 544 Cardiopatia chagásica, 25 congênita, 79 isquêmica crônica, 73 reumática crônica, 55 valvular reumática, 73 Cardite, 55 Carotenemia, 211 Carotenodermia, 428
Carotenos, 389 Carótida interna, dissecção, 258 Carvão ativado, 482 Cateterismo, 112 Caxumba, 284 Cefaleia, 57, 80, 233, 262, 271q, 296, 350, 373, 392, 396, 401, 416, 420, 424, 436, 438, 565 sentinela, 248 súbita, 244 causas, 246q Células de Kuppfer, 377 de Merkel, 103 de Reed-Sternberg, 546 de Sertoli, 590 M, 69 Celulite, 401 Ceratite, 539 Ceratoconjuntivite seca, 290, 293, 539 Ceratoderma blenorrágico, 285 Ceratopatia ulcerativa periférica, 293 Cervicobraquialgia, 509 Cetoacidose diabética, 38, 147, 168, 352 Chiado, 105 Chieira, 105 Choque, 46, 163, 420 hipovolêmico, 228, 303 tóxico, 424 Choro, 554 Chumbo, 168, 262 envenenamento, 475 Cianose, 136, 141, 505 dispneia, 135 Ciatalgia, 286 Ciclo sono-vigília, 326 Cifose, 227 Circulação colateral, 531 Cirrose, 141, 200, 201, 392, 407, 410, 443, 457, 496, 530, 574 alcoólica, 156, 190 biliar, 183 primária, 375 hepática, 131, 214, 326, 345, 432, 450, 495 estadiamento histológico, 499t Cirurgia de Puestow, 208 deWhipple, 153 Cisticerco, 253 Cistite, 314-316, 448 intersticial, 318 crônica, 580 Cisto, 360, 362, 395 coloide, 245 de Baker, 292, 293 sinovial, 292 Cistometria, 579 Cistoscopia, 317 Citocinas, 381, 385 Citologia, 316 Citomegalovirose, 437 Citomegalovírus, 253, 271, 329, 424, 437, 485, 550 Citometria de fluxo, 387 Citotoxina, 179 Classificação de Child-Turcotte modificada porPugh, 497t Claudicação, 506 Clônus, 12 Cloromas, 471 Clostridium perfringens, 166 Coagulação cascata, 389 distúrbios, 111 fatores, 214, 393 intravascular disseminada, 304, 381, 392, 420
Índice remissivo - 601
Coagulograma, 214 Coagulopatias, 119t, 339 Cocaína, 111, 248, 257, 350, 479 Coceira, 460 Coindroitinossulfato, 496 Colágeno, 223 doenças, 260, 392, 533 Colagenoses, 32, 134, 390, 407 Colangiografia endoscópica, 153 Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica, 209 Colangite, 161, 205, 443, 485 bacteriana aguda, 402 Cold test, 48 Colecistectomia, 166, 215 Colecistite, 35, 161, 205 aguda, 402 litiásica, 164 Colecistopatia calculosa, 148 Colecistoquinina, 162, 209 Coledocolitíase, 373 Colelitíase, 148 Cólera, 174 Colestase, 214, 324, 486 Colesterol, 162 Cólica, 168 biliar, 161, 205 Colite hemorrágica, 174 infecciosa, 195 isquêmica, 175 pseudomembranosa, 179 ulcerativa, 457 Cólon, 147 angiodisplasia, 197 divertículos, 195 irritável, 318 Coluna em bambu, 504 Colúria, 432, 434 Coma, 272, 420, 479 Complexo QRS, 63 Comportamento, distúrbios, 268 Comunicação interatrial, 79 interventricular, 79 não verbal, 6 Condrocalcinose, 285 Confusão mental, 328, 338, 484 Congestão pulmonar, 46, 385 Conjuntiva tarsal, folículos, 537f Conjuntivite, 285, 289, 423, 437, 438 adenoviral, 537 Consciência, rebaixamento, 485 Constipação, 322, 338, 361, 482 intestinal, 186 Contraceptivos orais, 162 Convulsões, 21, 420, 482 Cor anemico, 474 pulmonale, 65, 72, 137 Coração em bota, 138 em gota, 137 transição elétrica, 64 Cordas vocais, disfunção, 105 Cordocenteses, 391 Coreia, 266, 547 causas, 267q de Sydenham, 56 exames, 268q Coriza, 437, 438 Córnea, 526 Corpo estranho, 537
Corpúsculos de Howell-Jolly, 407 Corticoterapia, 282 Costocondrite, 35 Coxsackievírus, 424 Crioaglutininas, 377 Crioglobulinemia, 296, 298, 299 Crioprecipitado, 119 Criptococose, 328, 329, 550 Crises epilépticas, 251, 252q tireotóxica, 351, 353 Cristalino, 526 Curvas térmicas, 443
D Dactilite, 285 Dança de São Vito, 268 dos tendões, 234 Declínio cognitivo leve, 558 Delírios, 268 Delirium, 234, 322, 326, 420, 482, 484, 558, 568 tremens, 573 Demência, 267, 556, 568 causas tratáveis, 557/ Dengue, 402, 416, 424, 442, 443 Depressão, 268, 385, 448, 457, 479, 554, 558, 571, 590 Dermatite, 222 herpetiforme, 182 de Duhring, 457 Dermatopolimiosite, 289 Dermatoses bolhosas primárias, 455 Derrames, 384 pericárdico, 299, 544 pleural, 126, 130, 133, 340, 531 Descerebração, 480 Descompensação diabética, 36 Desconforto torácico, 66 Desdobramento invertido, 13 Desequilíbrio, 262 Desidratação, 36, 179, 350, 417, 434 Desmopressina, 358 Desnutrição, 411 grave, 590 Dessaturação, 80 Diabetes, 283, 455, 485 insipidus, 356 mellitus, 126, 151, 166, 170, 175, 208, 209, 211, 298, 355, 467, 491, 504, 528 Diagnóstico, 3 diferenciais, 6 Diálise, 32 Diário miccional, 319 Diarreia, 222, 290, 305, 326, 392, 467 aguda, 174 causas, 176t, 182q crônica, 181, 182q Diátese hemorrágica, 493 Difteria, 436, 437 Difusão pulmonar, 78 Diplacusia, 521 Diplopia, 231, 233, 544, 565 Disartria, 231, 515 Discinesia, 232 Discite, 490 Disdiadococinesia, 262, 448 Disfagia, 122, 225, 467 lusória, 227 Disfonia, 121 crônica, causas, 122 Disfunção ventricular, 14
602 - Índice remissivo
Disgenesias gonadais, 588, 590 Dislipidemia, 375, 504, 522 obesidade, 126 Dismenorreia, 585 Dismetria, 262 Dismorfismo eritrocitário, 310 Dispepsia, 44, 206 Dispneia, 27, 94, 106, 122, 135, 140, 245, 296, 324, 373, 384, 392, 485, 546 causas, 141 cianose, 135 crônica, causas, 95q dor torácica, 126 esforços, causas, 71q paroxística noturna, 72 sibilos, 105 súbita, 100 tosse, 94 Distonia, 266 Distúrbios coagulação, 111 comportamento, 268 hemostasia primária, 117q hidroeletrolíticos, 326 humor, 559 neurológicos paroxísticos, 251q psiquiátricos, 200 ventilatório obstrutivo, 106 vestibular, 231 visuais, 80 Disúria, 314 Diuréticos, 500 Diverticulite, 175 Divertículos, 197, 316 cólon, 195 de Kommerell, 227 Doenças arterial coronariana, 30 autoimunes, 392, 447 cardíaca estrutural, 72 cardiovasculares, fatores de risco, 35q celíaca, 181, 182, 184, 290, 455, 457 da mão, pé e boca, 424, 437 de Addison, 457 de Alzheimer, 267, 558, 559 de Basedow, 375 de Behçet, 112, 248, 296, 302, 489 de Buerger, 506 de Chagas, 26, 73, 227, 409, 438 de Cogan, 522 de Crohn, 147, 181, 183, 287, 289, 455 de Gaucher, 410 de Graves, 352 de hipersensibilização, 407 de Hodgkin, 443 de Huntington, 266, 268 de Kikuchi, 443 de Lyme, 550 -símile, 296, 298 de Ménière, 514, 522, 524 de Moyamoya, 248 de Paget, 565 de Parkinson, 240, 282 de Poncet, 285 de Still, 401 de Takayasu, 504 de von Hippel-Lindau, 264 de von Willebrand, 118 de Whipple, 181, 182, 289 de Wilson, 240, 266, 487 do colágeno, 260, 392, 533
Doenças (cont.) do refluxo, 35 gastroesofágico, 87, 94, 225 gastrointestinal, 206 do sono, 409 encefalovascular, 255 evolução afebril e febril habitual, 408t falciforme, 381 hepática, 381 inflamatória pélvica, 587 linfoproliferativas, 561 pulmonar obstrutiva crônica, 94, 135, 141, 142, 395 renal policística, 57 sexualmente transmissíveis, 315, 401, 432, 448 Dopamina, 366 Dor abdominal, 161 causas, 169, 206q icterícia, 150 intermitente, 168 vômitos, 147 aguda, peito, 35 corpo, 279 do meio, 585 epigástrica, 205 flanco, 337 garganta, 437 hipocôndrio direito, 155 lombar, 490 causas, 286q membros inferiores, causas, 504q óssea, 493 perna, 503 precordial, 30 retroesternal, 44 torácica, 30, 126 causas, 44q Drogas, 484 abstinência, 568 ilícitas, 447 reação de hipersensibilidade, 438 Drusas, 15 Ductos biliares, obstrução, causas, 150q de Müller, 590 Duodenite, 190
E Ecocardiografia Doppler, 14 Ecocardiograma, 112 Edema, 72, 81, 462, 495, 499, 504, 505, 530 agudo pulmonar, 420 de Reinke, 362 membros inferiores, 495 palpebral, 496 causas, 345q Efeito Berheim, 102 Wolff-Chaikoff, 354 Egofonia, 131 Eletrocardiograma, 63 Eletrococleografia, 523 Eletroestimulação, 579 Eliptocitose, 381 Emagrecimento, 93 Embolia, 528 pulmonar; 35, 135, 352 sépticas, 299 Embolização, 228 séptica, 299
Índice remissivo - 603
Empiema, 32, 130 pleural, 132 subdurais, 272 Encefalite, 272, 328, 404, 424, 439, 568 herpética, 329 límbica, 547 Encefalopatia, 232, 326, 417, 479, 485, 496 deWernicke, 481,573 hepática, 488 urêmica, 322 Endocardite, 52, 88, 111, 131, 235, 305, 443, 487 bacteriana, 284, 298, 403, 409, 416, 485 de Libman-Sachs, 300 infecciosa, critérios de Dukes modificados, 79, 81, 279, 298, 299, 448, 450, 451q, 561 Endocrinopatias, 447 Endolinfa, 522 Endometriose, 318, 585, 595 pulmonar, 114 Endometrite, 587 Endomiocardiofibrose, 73 Energia, alimentos, 467 Enfisema pulmonar, 31, 142 Entamoeba histolytica, 159, 402 Enterite, 141 Enterobacter, 166 Enterobacteriose, 409 Enterococcusspp, 451 Enterocolite, 174 Enterolitotomia, 149 Enterotoxina, 179 Enteroviroses, 424 Entesopatia, 285 Entrevista médica, 3, 5 Enxaqueca, 233 Enzimas cardíacas, 41t hepatocelulares, 214 pancreáticas, 209 Eosinofilia, 324, 547 Ependimomas, 264 Epífora, 539 Epilepsia, 181, 252, 326, 568 Episclerite, 288, 290, 293, 305, 538 Episódio depressivo maior, critérios, 555t Epistaxe, 116, 245, 424, 471 Equimoses, 471 Eritema, 288, 496 em “asa de borboleta”, 504 malar, 296 marginatum, 56 nodoso, 324, 401 palmar, 362 Eritrocianose, 396 Eritrocitose, 80 Eritropoiese ineficaz, 373, 379, 382 Eritropoietina, 373, 379, 395 Escarlatina, 423, 436, 437 Escherichia coli, 166, 301, 316, 392 Esclerite, 293, 305 Escleromalácia perfurante, 293 Esclerose múltipla, 256, 262, 515 sistêmica, 170, 226 progressiva, 289 Escore de Block, 54 deWells, 101, 102t Esferocitose, 381 hereditária, 424 Esfíncter de Oddi, 374
Esôfago de Barrett, 225 espasmo, 35 Esofagograma baritado, 227 Espaço de Disse, 498 Espectrofotometria, 249 Espirometria, 99, 142 Esplenectomia, 383, 393, 416 Esplenomegalia, 222, 362, 396, 407, 443, 471, 496 Espondilite anquilosante, 285, 287, 504 Espondiloartrites, 285, 287 Espondiloartropatias, 504 Espondilodiscite, 284 Espondilolisteses, 286 Espru celíaco, 184 tropical, 181 Esquistossomose, 200, 221, 407, 409, 589 Esquizofrenia, 568, 569 Estado mental, miniexame, 556t Estalido de abertura da mitral, 13 Estase biliar, 162 jugular, 496 Esteatorreia, 183, 209, 455 Esteatose hepática, 573, 574 Estenose, 147 aórtica, 232 mitral, 52, 55, 111 gravidade, 54/ Estercobilinogênio, 211 Estetoscópio, 12 Estímulo iatrotrópico, 8 Estômago em melancia, 191 Estomatite angular, 380 Estreptococo beta-hemolítico, 55 Estresse, 126, 156, 503 emocional, 70, 590 Estridor, 105, 546 Estrogênio, 588 Estrógenos, 395 Estudo eletrofisiológico, 25 miccional, 579 Etilismo, 122, 447, 575 complicações, 572q Eumicetoses, 395 Exame físico, 11 Exantema, 417, 423 maculopapular, 402 Exercícios físicos, 70 Exoftalmo, 362 Expectoração, 110 Exsudatos, 130, 132
F Fácies cushingoide, 57 pletórica, 395 Fadiga, 80, 321, 384, 432, 439, 457, 490 Fadigabilidade, 373 Falência ovariana prematura, 590 renal, 305 Faringite, 401, 424, 438, 439 Faringoamigdalite, 55, 423, 436 Faringolaringites, 121 Fatores de antiproliferação, 318 de von Willebrand, 118, 392 de coagulação, 393
604 - Índice remissivo
Fatores (cont.) reumatoide, 292q V de Leiden, 395 Febre, 93, 222, 244, 305, 392, 401, 407, 424, 430, 436, 438, 444t, 509 alta, 447 amarela silvestre, 402, 416, 442, 443 causas, 402/ de Pel-Ebstein, 443, 546 de origem indeterminada, 441 causas, 442/ familiar do Mediterrâneo, 168 icterícia, 428 intermitente, diagnósticos diferenciais, 416, 418/ linfoadenopatia, 436 maculosa brasileira, 402 manchas na pele, 423 negra, 413 reumática, 52, 289 critérios de Jones, 53q tifoide, 409,416, 443 Fecaloma, 203 Feixe de His, 65 Fenômeno de no reflow, 41 de Raynaud, 78, 504 de recrutamento, 517 Feocromocitoma, 57, 350, 491 Ferritina, 381, 475 Ferro, 474 deficiência, 379 quelação, 383 Ferropenia, 381, 396 Fibras de Purkinje, 64 Fibrilação, 334 arterial, 362 atrial, 27, 81, 351 Fibrina, 117 Fibromialgia, 279, 318, 448, 563 Fibrose, 220, 221 cística, 141 de Symmers, 221 hepática, 382 pulmonar, 78, 95, 304, 324 maciça, 97 Filariose, 395 Fístula, 148, 196 aortoesofágica, 228 Flebotomia, 397 Flictênulas, 538 Flushing, 482 Fluxometria, 579 Força muscular, perda, 255 Fotofobia, 423 Fotossensibilidade, 290, 296 Fraqueza, 321, 384, 473 muscular, 57, 505 Fungos, 441
G Galactorreia, 366 classificação, 367q Gamopatias monoclonais, 235, 561 Gangrenas, 163, 296, 504, 506, 509 Gasometria, 38 Gastrinoma, 181 Gastrite, 190, 197 Gastroenterite eosinofílica, 305 Gastroparesia diabética, 206 Gengivite, 439 Gengivorragia, 424, 471 Gestação ectópica, 585
Giardíase, 174 Giba de Hampton, 102 Ginecomastia, 362, 496 Ginkgo biloba, 518 Glaucoma, 526 agudo, 539 Glicemia capilar, 16 Glicosúria, 58 Globina, 382 síntese, 379 Glomerulações, 319 Glomerulonefrite, 290, 304, 305, 315, 345, 530 membranosa, 496 Glomerulopatia, 299, 304 Glossite, 226, 380 Glúten, 184, 457 Goma, 448 Gota, 289, 290, 395 Goteira pós-nasal, 565 Grandes vasos, dissecção, 126 Granuloma, 33, 191 Granulomatose critérios para classificação, 305q de Wegener, 112,196, 296, 298, 303, 304 Gravidez, 51, 316, 339 Gripe, 87
H Hábito intestinal, 186 Hálito, alterações, 479 Halitose, 437 Hanseníase, 170, 324 Hantavirose, 404 Haptoglobina, 383 Helicobacterpylori, 476 Hemácias em alvo, 383 em rouleaux, 492 Hemangioma, 360 Hematêmese, 110, 190, 193, 474 Hematoma renal, 339 retroclival, 245 subdural crônico, 564 Hematoquezia, 190, 193 Hematoscopia, 469 Hematúria, 299, 304, 309, 314, 339, 381 investigação, 311f Heme, 428 síntese, 379 Hemibalismo, 266 Hemocromatose, 347, 460, 475 eritropoiética, 382 Hemodiálise, 302, 323, 392, 404 Hemofilia, 119,316 Hemoglobina, 78, 135 eletroforese, 382 Hemoglobinopatia, 381, 562 Hemoglobinúria, 420 Hemólise, 379, 381 Hemoptise, 87, 93, 110, 296, 304 causas, 111\q Hemorragias alveolar, 112, 303 difusa, causas, 115q digestiva alta, 190 aguda, diagnóstico diferencial, 191q baixa, 195 aguda, diagnóstico diferencial, 196q gengival, 468
Índice remissivo - 605
Hemorragias (cont.) pulmonar, 304 subaracnóidea, 147, 244, 248, 256, 305, 480 subconjuntival, 538 vítrea, 526 Hemossedimentação, velocidade, 561 Hemostasia, 116 primária, distúrbios, 117q Hemoterapia, 414 Heparina, 391 Hepatite, 162, 203, 205, 284, 296, 302, 416, 424, 439, 533 A, vacina, 434 aguda, 402, 486 diagnóstico diferencial, 430q alcoólica, 573 autoimune, 432
B, vírus, 486 C, 130, 298 vírus, 132 crônica, 496 fulminante, 485, 488 granulomatosa, 443 Hepatocarcinoma, 156, 489, 501 Hepatoesplenomegalia, 382, 402, 413, 436 Hepatomegalia, 72, 81, 222, 443 causas, 219q Hérnias, 147, 545 de disco, 286 Herpangina, 437 Herpes, 329 simples, 455, 485, 550 vírus, 423 humano, 550 zóster, 35, 168, 337, 455 Hiato auscultatório, 12 Hidrocefalia, 253, 256, 263 Hidrodistensão, 319 Hidronefrose, 315 Hidropsia endolinfática, 521, 522 Higroma cístico, 362 Hímen imperfurado, 588 Hiperaldosteronismo, 57, 333, 334 paraneoplásico, 60 primário, 58 investigação e tratamento, 61f Hipercalcemia, 235, 286, 322, 324, 338, 356, 363, 401, 547 causas, 323q Hipercalciúria, 342 Hipercalemia, 302, 482 Hipercapnia, 96 Hipercoagulabilidade, 392 Hipercolesterolemia, 528 Hipercortisolismo, 57 Hiperdefecação, 361 Hiperemia, 537 Hiperesplenismo, 392, 413, 496 Hiperestrogenismo, 496 Hipergamaglobulinemia, 413 Hiperglicemia, 484, 568 Hiper-homocisteinemia, 246 Hipermenorreia, 381 Hipermetabolismo, 467 Hipernatremia, 326, 484 Hipernefroma, 487, 488 Hiperparatireoidismo, 338, 342, 363 primário, 341 Hiperplasia adrenal bilateral, 60 eritroide, 378 gengival, 449
Hiperplasia (cont.) prostática benigna, 310 Hiperprolactinemia, 366 etiologia, 368q manifestações clínicas, 369q Hiper-reninemia, 334 Hipersexualidade, 571 Hipersonia, 559 Hipertensão, 339, 350, 392, 479, 573, 574 arterial, 73, 126, 283, 485 sistêmica, 57, 504, 528 secundária, causas, 58q maligna, 334 portal, 190, 200, 224, 324, 375, 392, 432, 496 pulmonar, 54, 126, 384 Hipertermia, 417, 479 Hipertireoidismo, 151, 240, 342, 361, 362, 467, 484, 491 Hipertireoxinemia, 350 Hiperuricemia, 396 Hiperviscosidade, 80, 235, 397 Hipnose, 579 Hipoacusia, 231, 514 Hipoalbuminemia, 413, 531, 547 Hipoaldosteronismo, 333 Hipocalcemia, 341, 342 Hipocalemia, 58, 147, 179, 332, 356 causas, 333q investigação, 334 Hipocolia fecal, 432 Hipocortisolismo, 354 Hipocratismo digital, 95, 141 Hipocromia, 382 Hipodipsia, 357 Hipófise, 366, 590 Hipofosfatemia, 363 Hipofibrinogenemia hereditária, 562 Hipogamaglobulinemia, 544 Hipoglicemia, 232, 252 Hipogonadismo, 346, 366, 589, 590 Hipomania, 571 Hiponatremia, 147, 326, 330, 484 Hipoperfusão renal, 499 Hipópio, 540f Hiporreflexia, 338 Hiporrexia, 438 Hipotensão, 350, 479, 482 arterial noturna, 528 intracraniana, 245 postural, 232 Hipóteses diagnósticas, 3 Hipotireoidismo, 32, 211, 279, 327, 345, 346q, 361, 362, 373, 460, 484 causas, 347q Hipovitaminose, 298 Hipovolemia, 333 Hipoxemia, 96, 137, 303, 373, 404 Hipóxia, 96, 379, 395, 484 Histamina, 459 Histerectomia, 597 Histiocitose, 347 Histoplasmose, 329, 550 Hordéolo, 537, 538 Hormônio antidiurético, 326 do crescimento, 345 Humor, 571 aquoso, 526 distúrbios, 559 transtorno, 556 vítreo, 526 Huntingtina, 269
606 - Índice remissivo
I Icterícia, 150, 156, 205, 211, 373, 417, 428, 433, 485, 496 investigação, 212f obstrutiva, 430 Ictus cordis, 13, 52, 72, 81 Ianose, 78 Íleo biliar, 148 paralítico, 147 Ilhotas de Langerhans, 208 Imitanciometria, 517 Imobilismo, 395 Impetigo bolhoso, 455 Imunocromatografia, 413 Imunofenotipagem, 378 Imunofluorescência, 456 indireta, 413 Inapetência, 150, 436, 491 Incidentalomas, 360 Incontinência fecal, 175 urinária, 577 de esforço com defeito esfincteriano, 580 genuína, 579 Índice de massa corporal, 11 Infarto agudo do miocárdio, 30, 36t cerebral, 305 fase aguda, drogas, 39/ Infecção, 447 trato urinário, 315 urinária, 339, 450, 577 baixa, 314 vias aéreas superiores, 121, 565 Infertilidade, 457 conjugal, 594 Infradesnivelamento, 64 Insensibilidade androgênica, 590 Inseticidas, 414 Insônia, 257, 559 Instabilidade hemodinâmica, 27 Insuficiência adrenal, 326, 346 adrenocortical, 373 cardíaca, 105, 324, 326, 382 aguda, 247 congestiva, 135, 326, 345, 352, 385, 485, 495 esquerda, 72 fatores precipitantes e etiológicos, 73qt hepática, 252, 416, 434, 531 renal, 32, 247, 286, 305, 316, 324, 345, 482, 495 aguda, 179, 299, 419 dialítica, 304 tricúspide, 81 venosa periférica, 531 Insulina, 58, 208, 326, 345 resistência, 152 glucagon, 153 Interferon, 500 alfa, 397 Intervalos PR e QT, 64 Intestino delgado, 147 perfuração, 305 Intoxicação, 479, 484 alimentar, 174 chumbo, 168 digitálica, 75 exógena, 257 Intussuscepção, 147
Iodo, 353 radioativo, 347, 363 Irite, 288 Irritabilidade, 268 Isquemia, 256, 504, 506 cardíaca, 126 coronariana, probabilidade, 37/ mesentérica, 36, 162, 352 miocárdica, 30, 66
K Kernicterus, 213 Kiebsiella, 166
L Labirintopatias, 231 Lactose, 181 Laringocele, 360 Legionelose, 443 Leishmaniose, 200, 376, 443 visceral, 409, 417, 442 ciclo, 412 recidiva, 414 Leptomeninge, 253 Leptospira, 405 Leptospirose, 402, 404, 416, 430, 443 Lesão cavitárias, diagnóstico diferencial, 92q em saca-bocado, 499 focais, 272 hepatocelular, 213q pontina, 480 Letargia, 272, 338 Leucemias, 200, 316, 402, 424, 443, 448, 532 de grandes células granulares T, 387 linfoide, 410 crônica, 374 mieloide, 469 aguda, 470 Leucocitose, 395, 547, 562 Leucocitúria, 299, 315 Leucopenia, 324, 385 Leucoses, 416 Levodopa, 241 Licopenemia, 211 Ligamento de Treitz, 475 Light, critérios, 132 Linfadenomegalia, 401 Linfadenopatia, 290, 293, 549 periférica, causas, 550q Linfedema, 530 Linfomas, 132, 200, 293, 324, 329, 360, 362, 402, 424, 443, 448, 509, 551,544 de Hodgkin, 271, 410, 460, 462, 546 não Hodgkin, 131, 236, 377, 462, 487 esplênico, 376 Linfonodomegalias, 424, 471, 549 Linfonodos cervicais, drenagem, 123 Linfopenia, 547 Língua em framboesa, 437 Lipoma, 360, 362, 545 Lipotimia, 373 Líquido cefalorraquidiano, características, 329/ Líquor, 249, 272, 273 Litíase, 316 biliar, 339, 382 obstrutiva, 432 renal, 309 urinária, 337 vesicular, 215
Índice remissivo - 607
Lítio, 355 carbonato, 571 efeitos metabólicos adversos, 356çr Litotripsia, 149 extracorporal, 339 Leucoplaquia pilosa, 443 Lombalgia, 490 red flags, 286q Lúpus eritematoso, 504 discoide, 534f sistêmico, 92, 111, 170, 252, 266, 271, 289, 296, 298, 299, 375, 401, 410, 448, 457, 531, 532, 550, 561, 563 classificação, critérios, 300t diagnósticos, critérios, 532t pérnio, 324 Lutzmya longipalpis, 411
M Maconha, 442 Macroadenomas, 369 Macroglobulinemia de Waldenström, 410 Macroglossia, 361 Macroprolactinomas, 367 Máculas, 389 em cereja, 527 Madarose, 362 Magnésio, 568 Malária, 200, 376, 409, 419, 420f, 430, 442 áreas endêmicas, 421f Mal -estar, 430 de Meleda, 7 de Pott, 486 Malformação arteriovenosa, 256 de Chiari tipo I, 512 Manchas de Janeway, 298 de Koplick, 436, 437 Maneirismos, 568 Mania, 571 Manobra de Valsalva, 237, 538 Manometria, 227 Marca-passo, 340, 481 Marcha ébria, 234 subtipos, 263t transtornos, 262 talonante, 234 Mastectomia, 30 Mediastinite, 32 Mediastino, alargamento, 543 Medula, 253 óssea, 434 transplante, 383, 472 Meduloblastomas, 264 Megacólon tóxico, 179 Meibomite, 537 Melanina, 389 Melanoma, 216, 264, 488 Melena, 190, 193, 474 Memória, 556 perda, 573 Meningismo, 244 Meningite, 272, 296, 324, 401, 424, 480, 565, 568 asséptica, 404, 439 leucêmica, 471 tuberculosa, 443 Meningococemia, 417 Meningoencefalites, 252, 272, 274, 404, 480, 565
Mercúrio, 262 Meta-hemoglobina, 78 Meta-hemoglobinemia, 395 Metaplasia celômica, 595 Metástases, 35 ósseas, 490 Metimazol, 353 Metrorragia, 361 Mialgia, 305, 332, 397, 401, 416, 420, 436, 447 Micetoma, 113 Micoses, 227 Microadenomas, 369 Microcitose, 382 Microesferocitose, 378 Microprolactinomas, 367 Midríase, 482, 539 Mielofibrose, 376, 396, 410 Mielograma, 381, 410 Mieloma, 410 múltiplo, 235, 286, 298, 486, 492, 493 Mielotoxicidade, 392 Miocárdio infarto agudo, 30, 36/ não compactado, 75, 76 Miocardite, 35, 247, 305, 424, 439 chagásica, 26 Mioclonia, 266 Miopatias, 262 Miose, 260 Mixedema, 496, 530 Mixoma atrial, 487 Monoartrite, 284, 289 Monocitose, 324 Mononeurite, 293, 305 múltipla, 235 Mononucleose, 200, 271, 423, 424, 436, 437 -like, 550 Morfina, 139 Movimento anormais, 266 transtornos, 239 Mucosa nasal, 116 Mycobacterium tuberculosis, 317, 330, 550
N Nariz em sela, 304 Náuseas, 126, 322, 401 Necrose, 159, 437 tubular, 339 aguda, 419 Nefrite, 439 intersticial, 315, 338 lúpica, classificação, 534q Nefrocalcinose, 316, 323, 324, 338, 493 Nefrolitíase, 334, 338, 449 Nefrolitotripsia percutânea, 340 Nefropatia perdedora de proteína, 531 Neoplasia, 574 indolente de linfócitos B, 410 maligna, vesículas, 215 Neurite braquial, 509 óptica idiopática, 526 Neuroacantocitose, 266 Neurocisticercose intraparenquimatosa, 253 tratamento, 254/ Neurocriptococose, 274 Neurofibromatose, 57, 252 Neurolues, 274 Neuromiopatia, 488
608 - Índice remissivo
Neuromodulação sacral, 320 Neuropatia óptica isquêmica anterior, 528 periférica, 505 Neurossífilis, 329 Neurotoxoplasmose, 236, 328 Neurotuberculose, 330 Nistagmo, 231, 262 Nitrato, 48 Nitroglicerina, 48 Nocardiose, 329 Nódulos, 293 mamário, 30 pescoço, 549 tireoide, 360 algoritmo de conduta, 364f
O Obesidade, 162, 215, 340, 342, 395, 504 dislipidemia, 126 Obstipação intestinal, 577 Octreotida, 209 Odinofagia, 436, 437, 467 Oftalmoplegia, 515 Oftalmoscópio, 11 Ogiva de Hampton, 532 Olho seco, 539 vermelho, 536 Oligoemia, 532 Oligomenorreia, 361 Oligoryzomys nigripes, 404 Oligúria, 321 Onda P, 63 U, 64 Ooforectomia, 597 Opioides, 257 Organofosforados, 257 Orofaringe, cultura, 55 Oroscopia, 122 Ortopneia, 72 Oscilopsia, 231 Osteoartrite, 504 Osteoartrose, 262 Osteófitos, 286 Osteoma, 515 Osteomielite, 395, 486 Osteopenia, 293 Osteoporose, 181, 283, 342, 457, 567 Osteossarcoma, 394 Ostium, 79 Otalgia, 521 reflexa, 436 Otite média crônica, 515 Otoemissão acústica, 517 Otorreia, 515, 521 Otosclerose, 514, 515 Otoscopia, 11, 122 Ototoxicidade, 514 Oxiemoglobina, 389 Oximetria, 142
p Pad test, 578 Palidez, 46, 373 Palidotomia, 269 Palpitações, 27, 57, 80 Pancardite, 56 Pancitopenia, 376, 392, 413, 469, 532 causas, 386q
Pancreatectomia, 153 Pancreatite, 35, 155, 162, 181, 205, 432 Pancreatoduodenectomia, 152 Pancreatopatia crônica, 208 Paniculite lúpica, 296, 298 Pannus, 293 Papiledema, 244, 262, 480 Papilite renal, 315 Papilomatose laríngea, 123 Parábola de Damoiseau, 131 Paracentese, 202, 497 Paracoccidioidomicose, 123, 271, 361, 550, 552 Parada cardiorrespiratória, 41 Paraganglioma, 360, 362 Paralisia de Bell, 296 de Todd, 252, 256 Paraplegia, 114 Paraproteínas, 492 Paratireoidectomia, 341 Paratormônio, 340 Parestesias, 80, 332, 361, 396, 505 Parvovírus, 284, 423, 425 Pele hiperpigmentação, 290, 413 manchas, 389 artralgia, 295 febre, 423 tipos, 390q Pelviperitonite, 587 Penfigoides, 455 Pênfigos, 455 Penicilina benzatina, 55 Pêntade de Reynould, 156 Peptídeo natriurético cerebral, 140 Perda auditiva, 521 causas, 513q visual, 526 Perfusão pulmonare tecidual, 78 Periarterite nodosa, 316 Pericardiectomia, 34 Pericardite, 30, 44, 46, 126, 127, 293, 305, 439, 532 causas, 32q Perimetria, 528 Peristalse, 147 Peritonite, 162, 163, 165, 586 Persistência do canal arterial, 79 Peso ganho, 345 perda, 467, 491 causas, 469q Pesquisa de clone, 387 Pesticidas, 262 Petéquias, 424, 439, 468, 471 Pica, 474 Pielonefrite, 315, 337, 443, 448, 490 Pill-in-the-pocket treatment, 29 Pingueculite, 538 Pioderma, 288 gangrenoso, 293 Piúria, 315 Plaquetopenia, 119, 324, 385 causas, 391q Plaquetose, 395 Plasma de argônio, 199 Plasmaférese, 302, 392 Plasmodium falciparum, 419 Plenitude aural, 514 auricular, 521 Pletora facial, 395
Índice remissivo - 609
Pleurites, 126 Pleurodese, 129 Pneumoconioses, 87 Pneumonia, 32, 35, 78, 95, 353, 384, 385, 395, 401, 532, 568 eosinofílica, 305 pneumocócica, 443 Pneumonite de hipersensibilidade, 97 lúpica, 112 Pneumotórax, 35, 44, 46, 135, 340 espontâneo primário, 128 Podagra, 285 Polaciúria, 314 Poliangiite microscópica, 296, 298 Poliarterite nodosa, 196, 296, 505 Poliartralgia, 438 causas, 285q, 297 Poliartrite, 289 causas, 290q migratória, 295 Policitemia, 96, 394 vera, 266, 396, 397q, 410, 460, 487 Policondrite, 289 Policromatofilia, 377 Polidipsia, 58, 356 primária, 327 psicogênica, 355 Poliglobulia, 562 Polígono de Willis, 245 Polimialgia, 279 reumática, 281, 563, 565 diagnóstico diferencial, 282q Polimiosite, 279, 280 Polineuropatia, 170, 305 causas, 172q Pólipos adenomatosos, 195 Polipose adenomatosa familiar, 188 Polissulfato de pentosano sódico, 319 Poliúria, 58, 322, 332, 355 causas, 356q Pontilhado basofílico, 378 Ponto de Castell, 14 Porfiria, 168, 171, 477 plúmbica, 172 Porta hepatis, 477 Potássio, gradiente transtubular, 333 Prednisolona, 282 Prednisona, 282 Pregas vocais, 123 Prenhez tubária, 162 Presbiacusia, 513, 514, 517 Pressão arterial, 12 Primatas, 433 Procalcitonina, 431 Progesterona, 588 Prolactina, 366 Prolactinomas, 347 Prolapso uterino, 578 válvula mitral, 14 Propiltiouracila, 353 Proteína de Bence Jones, 492 eletroforese, 493 Proteinúria, 304 Próteses valvares, 381 Proteus, 166 Prurido, 222, 417, 459, 537, 546 aquagênico, 396, 460 senil, 460 Pseudodemência, 556 Pseudogota, 285, 289
Pseudo-hermafroditismo, 588 Pseudo-hipercalemia, 396 Pseudomembrana, 179, 538f Pseudo-obstrução colônica, 147 Pseudo-onda S, 28 Pseudoprolactinomas, 367 Pseudossíndrome de Bartter, 336 Psicose confabulatória e de Korsakoff, 573 Psitacose, 443 Pterígio e pinguécula, 538 Pterigite, 538 Ptose, 260 palpebral, 544 Pulso, 12 atividade elétrica sem, 42t jugular, 11 periféricos, 505 Punção aspirativa por agulha fina, 363 Púrpura, 296, 305, 389, 504 anafilactoide, 316 classificação e causas, 390q de Henoch-Schönlein, 297, 300, 302 trombocitopênica trombótica, 302, 392, 486
Q Queilose, 226 Queixa, 3 Quilotórax, 134 Quimioterapia, 392, 462
R Raciocínio, 3 Radioablação, 364 Radiodoterapia, 364 Rash cutâneo, 244, 417, 423, 438, 442, 550 malar, 290, 448 Reabilitação pulmonar, 142 Reação autoimune, 33 Reflexo bicipital e patelar, 12 Refluxo vesicoureteral, 316 Regurgitação, 225 aórtica e mitral, 56 Relação médico-paciente, 3 Reperfusão e revascularização, 40t Repolarização ventricular, 64 Resfriado, 87, 401 Reticulocitose, 378, 383 Retina, 526 Retinopatia diabética proliferativa, 526 hipertensiva, classificação, 58q Retocolite ulcerativa, 181, 195, 287, 289 Reumatismo palindrômico, 285 Rickettsioses, 430 Rigidez, 241 matinal, 284, 289 Rinite alérgica, 87 Rinoscopia, 122 Rinossinusite, 94 Rins policísticos, 315 RNA-vírus, 433 Roncos, 105 Roséolas sifilíticas, 437, 438 Rotação de Báràny, 237 Rotavírus, 175 Rotura esplênica, 206 perineal, 578 Rouquidão, 121, 360
610 - Índice remissivo
Rubéola, 253, 284, 295, 423, 438, 550 Ruído de ejeção aórtica, 13
s Sacroileítes, 490 Sacroiliite, 287 Salmonella typhi, 409, 444 Salpingite, 587 Salpingooforite, 587 Sangramento, profilaxia, 119 Sangue, viscosidade, 394, 396 Sarampo, 423, 436, 437 Sarcoidose, 92, 97, 134, 170, 200, 323, 324, 329, 342, 347, 357, 401, 443, 449, 457, 460, 551 Sarcomas, 395 de Kaposi, 114, 487 Saturnismo, 171, 172 Schistosoma mansoni, 222, 445 Schwannoma, 360, 362 vestibular, 517 Secretina, 209 Sede, 357 Sedentarismo, 342, 345 Senilidade, 346 Sepse, 32, 157, 158, 163, 247, 417, 448, 467, 479 Sequência de Rokitansky, 593 Serosites, 32, 204, 290 Shift cells, 376 Shigatoxina, 392 Shigella, 301 Shigelose, 175 Sibilância, causas, 105q Siderose transfusional, 475 Sífilis, 234, 273, 295, 298, 329, 409, 424, 437, 438, 448, 449, 451, 518, 533, 540, 550 otológica, 522 Sigmoidoscopia, 186 Silicose, 97, 111,324 atividades de risco, 99q pulmonar, 98 Sinais de Babinski, 15, 511 de Brudzinski, 272 de Faget, 402,417, 443 de Filatov, 423 de Finkelstein, 510 de KayserFleicher, 487 de Kehr, 206 de Lasègue, 286 de Lemos Torres, 131 de Levine, 46 de Murphy, 165, 205, 402 de Parinaud, 480 de Pastia, 423 de Pemberton, 361 de Peñalosa-Tranchesi, 75 de Phalen, 511 de Romberg, 234 de Tinel, 511 do sapo, 28, 232 Síncope, 19, 27, 65, 80, 251 causas, 20q neuromediada, 21 Síndrome antifosfolipídica, 246 antifosfolipídio, 266, 302 carcinoide, 175 cerebelar, 263 conversiva, 251 coronariana aguda, 36, 44, 66, 135, 246, 350 CREST, 226
Síndrome (cont.) da angústia respiratória aguda, 303, 384, 395, 404 da cauda equina, 286 da imunodeficiência adquirida, 182, 236 febre, 444t da mononucleose, 424, 437 da pele escaldada estafilocócica, 455 da resposta estrogênica, 589 inflamatória sistêmica, 163, 273 da sela turca vazia, 590 da veia cava superior, 462, 546 de abstinência alcoólica, 573 de Bartter, 334, 335 de Behçet, 541 de Boerhaave, 192 de Bouveret, 148 de Budd-Chiari, 203, 324, 407, 430, 486, 487, 488, 489 de Churg-Strauss, 296, 298, 306 de Cogan, 522 de Conn, 334 de Crigler-Najjar, 213, 373 de Cushing, 345 de Down, 470 de Dressler, 33 de Eisenmenger, 79, 80 de Felty, 200, 410 de Gilbert, 212, 373 de Gitelman, 334, 335 de Goodpasture, 111, 112, 302 de Guillain-Barré, 424, 439, 547 de Heerfordt-Waldenström, 324 de hiperventilação, 232 de hiperviscosidade, 235 de Horner, 231 de Kallman, 590 de Korsakoff, 558 de Liddle, 334 de Löefgren, 324 de Lynch, 188, 189 de má absorção, 491 de MacLeod, 266 de Mallory-Weiss, 193 de Marfam, 227 de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser, 591 de Ménière, 522 de Mirizzi, 165, 166 de Morris, 590 de obstrução intestinal, 147 de Ogilvie, 147 de Parsonage-Turner, 509 de Reiter, 289 de secreção inapropriada do hormônio antidiurético, 326, 485 de Sézary, 296 de Sheehan, 347, 590 de Sjögren, 290, 296, 539, 550 de Turner, 588 de vasoconstrição cerebral reversível, 245 deWeil, 272, 301, 404 de Werner-Morrison, 181 de Zollinger-Ellison, 456 disabsortivas, 467 do anticorpo fosfolipídio, 292, 531 do choque tóxico, 424 do cólon irritável, 318 do desconforto respiratório agudo, 420 do desfiladeiro torácico, 509 do intestino curto, 181 irritável, 169, 181, 206 critérios de Roma, 170q do pânico, 35, 240, 350
Índice remissivo - 611
Síndrome (cont.) do QT longo, 69 do túnel do carpo, 281, 362, 510 do X frágil, 590 edemigênica, 290 extrapiramidal, 232 febril, 416 hemolítico-urêmica, 301, 392 metabólica, 246 miastênica, 544 mielodisplásica, 386, 460 hipoplásica, 387 monolike, 437 nefrítica, 495 nefrótica, 204, 290, 345, 495, 496, 531, 533, 547 parkinsonianas, 241q pulmão-rim, 301t reumatoide, 296 urêmica, 32 Sinusite, 305, 565 bacteriana, 87 Siringobulbia, 512 Siringomielia, 511, 512 Sírinx, 512 Sistema renina-angiotensina-aldosterona, 332, 499 Skew deviation, 480 Slings, 579 Sobrecarga ventricular, 65 Sobrepeso, 215 Sódio, 568 Solventes, 262 Sonolência, 232, 328, 361 Sons de Korotkoff, 12 Sopro, 12 cardíaco, 51, 485 intensidade, 52 regurgitativo mitral, 46 Spiders, 430 Staphylococcus, 451 faecalis, 166 Steinstrasse, 340 Streptococcus, 166, 451 bovis, 449 Sudorese, 46, 57, 88, 126, 350, 354, 361, 392, 420, 480, 505, 509, 573 noturna, 93 Sufusão conjuntival, 471 Suicídio, 268 ideações, 257 Sulfa-hemoglobina, 78 Supradesnivelamento, 64 Surdez, 513
T Tabaco, 506 Tabagismo, 110, 122, 126, 152, 227, 509 Tabes dorsalis, 234, 448 Taenia solium, 253 Talassemia, 373, 380-382, 492 Talcose, 97 Tampão plaquetário, 117 Tamponamento, 305 cardíaco, 36, 135 pericárdico, 31 Taquicardia, 25, 334, 361, 362, 392, 417, 482, 573, 574 paroxística supraventricular, 29 ventricular, 69 Taquipneia, 46, 361 Telangiectasias, 430, 496, 531 Tempestade tireoidiana, 351 Tendinite, 280, 504 da lavadeira, 510
Tenossinovite, 281 de Quervain, 510 Terapia comportamental, 579 de reposição hormonal, 162 Teratoma, 544 Terçol, 537, 538 Termocoagulação, 194 Teste de Coombs, 378 de Ham, 387 de restrição hídrica, 355 do cotonete, 578 postural, 59 Tetania, 57 Tetralogia de Fallot, 79 Timoma, 544 Tiques, 266 Tireoide câncer, 362 carcinoma papilífero, 364, 365 ectópica, 545 nódulo, 360 algoritmo de conduta, 364f Tireoidectomia, 347, 364 Tireoidite, 362 de De Quervain, 235 de Hashimoto, 181, 346, 363 Tireotoxicose, 51, 175, 266, 342, 351, 353, 354 Tonsilite, 439 Tontura, 80, 231, 396, 514 causas, 237q tipos, 233t Toque retal, 162, 445 Toracocentese, 128, 129 Toracoscopia, 129 Toracotomia, 129 Torsades de pointes, 68 Tosse, 106, 110, 225, 296, 324, 437, 438, 462, 509, 538, 546 dispneia, 94 causas, 88q, 95q crônica, 87, 95q Toxemia, 361, 448 gravídica, 352 Toxina botulínica, 269 Toxoplasma gondii, 437, 550 Toxoplasmose, 253, 271, 329, 409, 424, 437, 540 Transferrina, 475 Transplante, 411, 434 Transtorno afetivo bipolar, 568, 571 amnésticos, 558 bipolares, 352 cognitivos, 558 conversivo, 44 humor, 556 marcha, 262 movimento, 239 somatoformes, 35 Transudatos, 130 Trauma, 35, 227, 316, 352 craniano, 244 Traumatismo cranioencefálico, 326, 526 Treinamento vesical, 319 Tremor, 239, 354, 573 medicamentoso, 240/ Treponema pallidum, 424, 438 Tríade de Charcot, 156, 205, 402 de Rigler, 149 de Virchow, 395 Tricoleucemia, 376
612 - Índice remissivo
Tripanossomíase africana, 409 Tristeza, 554 Trombo, 506 Tromboangiite obliterante, 504-506 Trombocitopatias, 119 Trombocitopenias, 391, 424, 439, 493 Trombocitose, 293, 547 essencial, 410, 487 Tromboembolia, 126, 288 pulmonar, 44, 247, 304, 384, 392, 532 Trombofilias, 246, 489 paraneoplásica, 486 Tromboflebites, 504 infecciosas, 272 Trombólise química, contraindicações, 40q risco, 36t Trombose, 81, 316, 407, 489, 509, 528 veia porta, 203 venosa, 292 profunda, 78, 304, 392, 395, 504, 531 Trypanossoma cruzi, 438 Tuberculina purificada, 317 Tuberculítides, 296 Tuberculoma, 329 Tuberculose, 33, 88, 92, 97, 123, 147, 151, 181, 296, 328, 329, 347, 360, 361, 409, 437, 442, 443, 449, 540, 545, 550, 561 ganglionar, 271 miliar, 416 óssea, 486 pélvica, 589 pleural, 133 pulmonar, 110 renal, 316 tratamento, 93q Tumor, 316 de Pancoust, 509 dermoides e papilomas, 264 marcadores, 152 polipoides, 147 Turgência jugular, 131, 450 Turvação visual, 537
u Úlceras, 538
de Dieulafoy, 196 de Hunner, 318, 319 orais, 401 péptica, 35, 190, 567 Unhas, 380 em vidro de relógio, 141 quebradiças, 361 Uremia, 147, 168, 252, 322, 404 Ureterem rosário, 317 Uretra, 316 Uretrite, 284, 289, 314-316 Uretrocistocele, 578
Urobilinogênio, 150,211,428 Urossepse, 339, 340 Uveíte, 285, 288, 305, 324 causas, 540q
V Vaginite, 314, 316 Valva mitral, 52 Valvopatia, 127 por balão, 53 Varicela, 416, 424 Varicocele, 488 Varizes, 496, 504 esofágicas, 224 Vasculite, 248, 253, 290, 293, 389, 401, 540, 561, 563 reumatoide, 296 Vasoconstrição, 78 Vectoeletronistagmografia, 523 Vegetação mitral, 299 Venografia, 489 Ventilação pulmonar, 78 Ventriculomegalia, 253 Vertigem, 231, 245, 373, 521 Vesículas, 455 em porcelana, 215 Vestibulopatia, 522 Vias biliares extra-hepáticas, obstrução, 213q Vírus da imunodeficiência humana, 401, 443, 550 sorologia, 273 Epstein-Barr, 271, 424, 437, 550 hepatite, 132, 486 herpes, 423, 550 Norwalk, 175 varicela-zoster, 424 Vitamina B12, 234, 379, 392 D,214,342, 567 K, 431,574 deficiência, 182 Vitiligo, 457 Volvo, 147 Vômitos, 147, 322, 401 Vulvovaginites, 318
w Warfarina, 392 Western blot, 413
X Xantelasmas, 375 Xerose cutânea, 460 Xerostomia, 290
z Zumbido, 373, 514, 520, 524