Do Sintoma ao Diagnóstico. Baseado em Casos Clínicos 8541200744, 9788541200745

O objetivo deste livro é levar o leitor a uma viagem pela mente do examinador, gerando discussões e questionamentos em c

456 119 189MB

Portuguese Brazilian Pages [639] Year 2012

Report DMCA / Copyright

DOWNLOAD PDF FILE

Table of contents :
Índice
1 Introdução
2 Entrevista Médica
3 Exame Físico de Abordagem
Seção 1 Doenças do Sistema Cardiovascular
4 Síncope
5 Palpitação
6 Dor Precordial
7 Dor Aguda no Peito
8 Dor Retroesternal Intensa
9 Sopro Cardíaco
10 Hipertensão Arterial Sistêmica
11 Eletrocardiograma Alterado
12 Dispneia aos Esforços
13 Cianose
Seção 2 Doenças do Sistema Respiratório
14 Tosse Crônica
15 Tosse e Dispneia
16 Dispneia Súbita
17 Dispneia e Sibilos
18 Hemoptise
19 Epistaxe
20 Rouquidão
21 Dispneia e Dor Torácica
22 Derrame Pleural
23 Cianose e Dispneia
Seção 3 Doenças do Sistema Gastrointestinal
24 Dor Abdominal e Vômitos
25 Dor Abdominal e Icterícia
26 Dor em Hipocôndrio Direito
27 Dor Abdominal
28 Dor Abdominal Intermitente
29 Diarreia Aguda
30 Diarreia Crônica
31 Constipação Intestinal
32 Hemorragia Digestiva Alta
33 Hemorragia Digestiva Baixa
34 Aumento do Volume Abdominal
35 Dor Epigástrica
36 Icterícia Indolor
37 Hepatomegalia
38 Disfagia
Seção 4 Doenças do Sistema Nervoso
39 Tontura
40 Tremor
41 Cefaleia Súbita
42 Convulsão
43 Perda de Força Muscular
44 Desequilíbrio
45 Movimentos Anormais
46 Cefaleia e Febre
Seção 5 Doenças Reumatológicas
47 Dores pelo Corpo
48 Poliartralgias
49 Poliartrite
50 Artralgias e Manchas na Pele
Seção 6 Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas
51 Hematúria
52 Disúria
53 Fraqueza e Oligúria
54 Hiponatremia
55 Hipocalemia
56 Dor Aguda em Flanco
Seção 7 Doenças do Sistema Endócrino
57 Ganho de Peso
58 Ansiedade e Sudorese
59 Poliúria
60 Nódulo em Tireoide
61 Galactorreia
Seção 8 Doenças Hematológicas
62 Palidez e Icterícia
63 Anemia
64 Cansaço e Palidez
65 Manchas na Pele
66 Policitemia
Seção 9 Doenças Infecciosas
67 Mialgia e Febre
68 Esplenomegalia e Febre
69 Febre Intermitente
70 Febre e Manchas na Pele
71 Febre e Icterícia
72 Linfoadenopatia e Febre
73 Febre de Origem Indeterminada
74 Febre Alta
Seção 10 Doenças Dermatológicas
75 Bolhas pelo Corpo
76 Prurido
Seção 11 Problemas Gerais em Clínica Médica
77 Perda de Peso
78 Fraqueza
79 Coma
80 Confusão Mental
81 Dor Lombar
82 Edema dos Membros Inferiores
83 Dor na Perna
84 Cervicobraquialgia
85 Surdez
86 Zumbido
87 Perda Visual
88 Edema Generalizado
89 Olho Vermelho
90 Alargamento Mediastinal
91 Nódulos no Pescoço
92 Depressão
93 Velocidade de Hemossedimentação Aumentada
94 Alucinação
95 Etilismo
96 Incontinência Urinária
Seção 12 Doenças Ginecológicas
97 Dor em Hipogastro
98 Amenorreia
99 Infertilidade
Índice remissivo
Recommend Papers

Do Sintoma ao Diagnóstico. Baseado em Casos Clínicos
 8541200744, 9788541200745

  • 0 0 0
  • Like this paper and download? You can publish your own PDF file online for free in a few minutes! Sign Up
File loading please wait...
Citation preview

Do Sintoma

ao Diagnóstico Baseado em Casos Clínicos

O GEN | Grupo Editorial Nacional reúne as editoras Guanabara Koogan, Santos, Roca, AC Farmacêutica, Forense, Método, LTC, E.P.U. e Forense Universitária, que publicam nas áreas científica, técnica e profissional. Essas empresas, respeitadas no mercado editorial, construíram catálogos inigualáveis, com obras que têm sido decisivas na formação acadêmica e no aperfeiçoamento de

várias gerações de profissionais e de estudantes de Administração, Direito, Enferma­ gem, Engenharia, Fisioterapia, Medicina, Odontologia, Educação Física e muitas outras ciências, tendo se tornado sinônimo de seriedade e respeito. Nossa missão é prover o melhor conteúdo científico e distribuí-lo de maneira flexível e conveniente, a preços justos, gerando benefícios e servindo a autores, docentes, livrei­ ros, funcionários, colaboradores e acionistas.

Nosso comportamento ético incondicional e nossa responsabilidade social e ambiental são reforçados pela natureza educacional de nossa atividade, sem comprometer o cres­ cimento contínuo e a rentabilidade do grupo.

Do Sintoma ao Diagnóstico Baseado em Casos Clínicos

Organizadores

JOSÉ LUIZ PEDROSO

Neurologista pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). Doutor em Neurologia pela UNIFESP-EPM. Médico Assistente do Setor de Neurologia Geral e Ataxias da UNIFESP-EPM. Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia. Membro da The Movement Disorders Society.

Neurologista do Hospital Israelita Albert Einstein. ANTONIO CARLOS LOPES Diretor da Escola Paulista de Medicina. Professor Titular de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.

Fellow do American College of Physicians.

■ Os organizadores, os colaboradores e a editora empenharam-se para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores dos direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a possíveis acertos caso, inadvertidamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida. Não é responsabilidade da editora, nem dos organizadores e dos colaboradores, a ocorrência de eventuais perdas ou danos a pessoas ou bens que tenham origem no

uso desta publicação. ■ Apesar dos melhores esforços dos organizadores, dos colaboradores, do editor e dos revisores, é inevitável que surjam erros no texto. Assim, são bem-vindas as comunicações de usuários sobre correções ou sugestões referentes ao conteúdo ou ao nível pedagógico que auxiliem o aprimoramento de edições futuras. Os comentários dos leitores podem ser encaminhados à Editora Roca. ■ Do Sintoma ao Diagnóstico Baseado em Casos Clínicos

ISBN 978-85-4120-074-5 Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright © 2012 by Editora Roca Ltda. Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Rua Dr. Cesário Mota Jr., 73 - CEP: 01221-020 - São Paulo - SP

Tel.: (11) 3331-4478 - Fax: (11) 3331-8653 www.grupogen.com.br ■ Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico,

mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na internet ou outros), sem permissão expressa da editora.

Capa: Rosangela Bego Diagramação: Renato Costa

Revisão de Texto: Breno Beneducci e Vilma Baraldi Imagens: Dayanne Café Wantuil, Denise Nogueira Moriama e Rafael Mendonça Santos

■ CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. D66 Do sintoma ao diagnóstico : baseado em casos clínicos / organizadores José Luiz Pedroso, Antonio Carlos Lopes. - São Paulo : Roca, 2012.

ISBN 978-85-4120-074-5 1. Clínica médica. 2. Diagnóstico. 3. Medicina - Prática. I. Pedroso, José Luiz.

II. Lopes, Antonio Carlos, 1945-. 12-3764.

CDD: 616.075 CDU: 616.07

Dedicatória Para todos os pacientes descritos neste livro, cuja cora­ gem, sofrimento e confiança serviram para todos nós como

Ao meu amor, Suellen, que abdicou de seus sonhos para realizar os meus e que esteve sempre ao meu lado,

fonte constante de estímulo e que nos ensinaram o mais

e ao meu filho, Enrico, minha nova fonte de inspiração e

sublime sentimento no momento de doença: a esperança!

motivo de constantes alegrias...

José Luiz Pedroso

Apresentação Esta é uma séria reflexão sobre a adequação do treina­ mento do raciocínio diagnóstico. O objetivo deste livro é

serem lidos. Cada título tem o objetivo de abordaras queixas e situações clínicas mais comuns na área médica.

levar o leitora uma viagem pela mente do examinador

São poucos os livros-texto sobre clínica médica que

gerando discussões e questionamentos frente a cada passo

reconhecem a natureza intensamente prática da medicina.

dos sintomas iniciais ao diagnóstico final. Os capítulos

Há os textos curtos, que conseguem ser breves pela ex­

foram escritos por residentes das mais variadas áreas

clusão de material explicativo, e, no extremo oposto, há

médicas, pós-graduandos, clínicos experientes com anos

os compêndios, frequentemente desequilibrados pela

de prática e professores, com muito empenho e com o

objetivo de tomara leitura agradável e interessante. Mui­

cobertura excessiva de doenças raras e fundamentados na presunção de que os pacientes anunciam, à sua chegada,

tos dos capítulos foram situações reais que serviram como

ser portadores de uma neoplasia, ou de um processo au­

estímulo para a criação dos casos e outros dados são fic­

toimune, ou de uma infecção crônica. Os pacientes

tícios. Todos os casos clínicos descritos são contemplados

apresentam-se com sintomas que necessitam, é certo, de

com história médica, exame físico e exames complemen­

avaliação cuidadosa antes do exame físico e este, por sua

tares e, em cada passo da tomada de dados, é realizada

vez, deve ser baseado nas possibilidades diagnósticas

uma discussão sobre as principais hipóteses diagnósticas

sugeridas pela história clínica.

até o momento. O leitor não precisa ter uma leitura con­

Uma ótima leitura e boa viagem pela mente do exa­ minador!

tínua do livro, mas poderá escolher capítulos pontuais para

José Luiz Pedroso

Titularidades Adriano Oliveira Seixas

Allan Valadão de Oliveira Britto

Médico formado e pós-graduado pela Universidade

Médico Radiologista. Membro Titular do Colégio

Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina

Brasileiro de Radiologia. Especialista em Radiologia

(UNIFESP/EPM). Residências em Clínica Médica e

e Diagnóstico por Imagem pelo Hospital Barão de

em Endocrinologia/Metabologia na UNIFESP/EPM.

Lucena (PE). Especialista em Ressonância Magnética

Membro do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert

pela Universidade Federal de São Paulo / Escola Pau­

Einstein.

lista de Medicina.

Agessandro Abrahão

Ana Beatriz Galhardi Di Tommaso

Médico formado pela Universidade Federal do Rio de

Médica formada pela Universidade Federal de São

Janeiro. Neurologista pela Universidade Federal de

Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).

São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/

Residência em Clínica Médica na UNIFESP/EPM.

EPM). Médico Assistente do Pronto-socorro de Neu­

Médica Residente da Disciplina de Geriatria e Geron­

rologia do Hospital São Paulo / UNIFESP/EPM.

tologia na UNIFESP/EPM.

Colaborador do Setor de Neurologia Geral e Ataxias da UNIFESP/EPM. Alessandra Billi Falcão

Médica Neurologista e pós-graduanda do Setor de Neuroimunologia da Universidade Federal de São

Ana Beatriz Kinupe Abrahão

Médica formada pela Universidade Federal do Rio de

Janeiro. Residência em Clínica Médica na Universida­ de Federal de São Paulo.

Paulo. Ana Laura de Figueiredo Bersani Alex Macedo

Médico Assistente e Mestre em Pneumologia pela

Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

Médica Especialista em Clínica Médica pela Universida­

de Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina

(UNIFESP/EPM), Associação Médica Brasileira e Socie­

dade Brasileira de Clínica Médica. Especialista em Geria­ tria pela UNIFESP/EPM.

Alexandre Wagner Silva de Souza

Assistente-doutor da Disciplina de Reumatologia da

Ana Paula Jafet Ourives

Universidade Federal de São Paulo. Responsável pelo

Residência em Infectologia na Universidade Federal

Ambulatório de Vasculites. Pós-doutorado na Rijksu-

de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Médica

niversiteit de Gronigen.

Infectologista do Hospital Bandeirantes.

Aline Pâmela Vieira de Oliveira

Ana Valéria de Melo Mendes

Médica Residente de Infectologia na Universidade

Médica formada pela Universidade Federal de Pernam­

Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

buco. Especialista em Clínica Médica pela Universi­

X - Titularidades

dade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medi­

Bruno Teixeira Bernardes

cina (UNIFESP/EPM). Especializanda em Oncologia

Médico Ginecologista e Obstetra. Mestre pelo Depar­

Clínica na UNIFESP/EPM. Preceptora da Liga Acadê­

tamento de Ginecologia da Universidade Federal de

mica de Oncologia (Grupo Acadêmico em Oncologia)

São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Professor

na UNIFESP/EPM.

Assistente do Departamento de Ginecologia e Obste­ trícia da Universidade Federal de Uberlândia.

Anderson Rodrigues Brandão de Paiva

Médico formado pela Faculdade de Medicina da Uni­

Bruno Thieme Lima

versidade Federal de Juiz de Fora. Médico Neurolo­

Médico Otorrinolaringologista formado pela Univer­

gista pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de

sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de

Medicina da Universidade de São Paulo.

Medicina. Especialista em Otologia pela Universidade

Federal de São Paulo. Antônio Carlos Carvalho

ProfessorTitulare chefe da Disciplina de Cardiologia

Caio Silvério de Souza

do Departamento de Medicina da Universidade Fede­

Médico formado pela Pontifícia Universidade Católi­

ral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNI-

ca de Campinas. Residência em Clínica Médica na

FESP/EPM).

Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Residência em Onco­

Antonio Sérgio de Santis Andrade Lopes

logia Clínica na UNIFESP/EPM.

Médico Cardiologista pós-graduando da Unidade de

Valvopatias do Instituto do Coração / Hospital das

Camila Catherine Henriques de Aquino

Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade

Médica Neurologista formada pela Universidade Fe­

de São Paulo (InCor/HC-FMUSP). Médico plantonis­

deral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina

ta da Unidade de Emergência do InCor/HC-FMUSP.

(UNIFESP/EPM). Preceptora da Residência Médica

Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasilei­

em Neurologia na UNIFESP/EPM.

ra de Cardiologia. Carlos Alberto Franchin Neto Augusto Takao Akikubo Rodrigues Pereira

Médico Clínico pela Universidade Federal de São

Médico Oncologista Clínico do Hospital A. C. Camar­

Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).

go (São Paulo / SP). Especialista em Clínica Médica

Cardiologista pelo Instituto do Coração / Hospital

pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Membro

das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universi­

do Grupo Paulistano de Apoio ao Tratamento de Cân­

dade de São Paulo. Especialista em Clínica Médica

cer de Pulmão.

pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Espe­ cialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de

Bárbara Souza Luz Pinheiro

Médica formada pela Universidade Federal de Per­

nambuco. Residência em Clínica Médica na Univer­

sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de

Medicina (UNIFESP/EPM). Médica nefrologista pela UNIFESP/EPM.

Cardiologia. Preceptorda Residência em Cardiologia

do Hospital Sírio-Libanês. Médico Emergencista do Hospital Israelita Albert Einstein. Carolina Castro Porto Silva Janovsky

Médica Residente em Endocrinologia, segundo ano, na Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

Bruno Roberto Brasil Machado

Médico Nefrologista graduado pela Universidade

Catarine Teles Farias Britto

Federal de Juiz de Fora. Residência em Clínica Mé­

Especialização em Endocrinologia pela Universidade

dica pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa

de São Paulo / Ribeirão Preto (SP). Especialista em

Casa de São Paulo. Residência em Nefrologia na

Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica

Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista

Médica. Residência em Clínica Médica na Universida­

de Medicina.

de Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

Titularidades - XI

Cláudio Cirenza

Médico Assistente da Disciplina de Cardiologia do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

Eduardo Brandão Elkhoury

Médico Residente de Clínica Médica da Universidade

Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Eduardo Castro

Cristiano Guedes Bezerra

Médico Especialista em Clínica Médica pela Univer­ sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Especialista em Cardiologia pelo Instituto do Coração / Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Damiana Montes Santos

Especialista em Clínica Médica pela Universidade Fe­

deral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Es­ pecialista em Cardiologia pela Faculdade de Medicina

da Universidade de São Paulo. Médico Assistente da

Unidade Coronariana do Hospital Metropolitano (ES). Eduardo R. M. Lima

Médica Infectologista pela Universidade Federal de São

Residência em Clínica Médica na Universidade Fede­

Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Mestranda em Hepatites e HIV na UNIFESP/EPM.

ral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNI-

FESP/EPM). Residência em Cardiologia no Instituto do Coração / Hospital das Clínicas da Faculdade de

Daniel Antunes Silva Pereira

Médico Preceptor Colaborador do Grupo de Doenças Intersticiais da Disciplina de Pneumologia da Facul­ dade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Medicina da Universidade de São Paulo. Médico Residente em Hemodinâmica e Cardiologia Interven­ cionista na UNIFESP/EPM. Ektor Onishi

Daniel Bouchabki de Almeida Diehl

Médico Otorrinolaringologista. Doutorem Medicina

Médico Residente em Clínica Médica na Universidade

pela Universidade Federal de São Paulo / Escola Pau­

Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

lista de Medicina. Coordenadordo Programa de Mes­ trado Profissional em Reabilitação Vestibulare Inclusão

Danilo Kanashiro Segalla

Social da Universidade Bandeirante de São Paulo.

Médico Otorrinolaringologista. Eliane Reiko Alves Danyenne Rejane de Assis

Médica Infectologista. Pós-graduanda (mestrado) da

Médica Residente em Clínica Médica na Universidade

Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

Disciplina de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

Emmanuel Casotti Duque de Bárbara

Médico Oftalmologista. Especialista em Oftalmologia Denis Bernardi Bichuetti

Doutorem Ciências pela Universidade Federal de São

pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Fellow em

Retina no Instituto de Oftamologia Tadeu Cvintal.

Paulo (UNIFESP). Médico Assistente do Pronto-so­

corro de Neurologia e Setor de Neuroimunologia da

UNIFESP.

Emmerson Badaró

Médico Oftalmologista.

Denison Santos Silva

Residência em Clínica Médica. Residência e título de especialista em Reumatologia pela Universidade Federal

de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Médico

Ernesto Joscelin Carneiro Pinto

Residência em Clínica Médica na Universidade Fede­

ral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Resi­

Colaborador em Clínica Médica e Reumatologia da

dência em Cardiologia no Instituto Dante Pazzanese

Universidade Federal de Sergipe.

de Cardiologia. Médico Assistente da Unidade de

Terapia Intensiva Cardiológica do Hospital do Coração Edson Luis Costa Zaparoli

de Natal (RN).

Médico Residente do Departamento de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo.

Fabiana Guandalini Mendes

Médica Dermatologista.

XII - Titularidades

Felipe Augusto de Oliveira Souza

Incentivo ao Ensino e Pesquisa da Cardiologia (PE).

Médico graduado pela Universidade Federal de Uber­

Residência em Clínica Médica no Hospital Universi­

lândia. Residência em Clínica Médica na Universidade

tário Oswaldo Cruz / Universidade de Pernambuco.

Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina

Residência em Cardiologia na Universidade Federal

(UNIFESP/EPM). Residência em Cardiologia Clínica

de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

na UNIFESP/EPM. Especializando do Serviço de

Eletrofisiologia Invasiva e Arritmia da UNIFESP/EPM.

Flávia Areco

Médica formada pela Faculdade de Medicina da Uni­ Felipe Favorette Campanharo

Pós-graduando do Departamento de Obstetrícia da

Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Residência em Clíni­

versidade Federal de Juiz de Fora. Especialista em

Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica

Médica. Geriatra pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

ca Médica na UNIFESP/EPM. Residência em Gine­ cologia e Obstetrícia na UNIFESP/EPM. Especialista em Medicina Fetal pela UNIFESP/EPM. Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela Federação Brasi­ leira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Fernanda dos Santos Britto

Residência em Neurologia na Universidade Federal

de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/

Flávio Augusto de Carvalho

Médico Neurologista formado pela Faculdade de

Medicina de Botucatu / UNESP. Residência em Neu­ rologia na Universidade Federal de São Paulo / Esco­ la Paulista de Medicina. Flávio Ferlin Arbex

Médico Residente em Clínica Médica na Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

EPM). Especialização em Epilepsia, Eletroencefalografia e Videoeletroencefalografra pelo grupo da

Flavio de Souza Brito

Unidade de Pesquisa e Tratamento das Epilepsias da

Médico Cardiologista. Especialista em transplante

UNIFESP/EPM. Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia. Área de atuação

cardíaco pela Universidade Federal de São Paulo /

em Neurofisiologia Clínica pela Sociedade Brasileira

graduando do Serviço de Miocardiopatias da UNIFESP/

de Neurofisiologia Clínica. Preceptora do Programa

EPM. Cardiologista do Setorde Emergências do Hos­

de Residência Médica em Neurologia do Hospital

pital Alemão Oswaldo Cruz.

Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Pós-

Santa Izabel / Santa Casa de Misericórdia da Bahia. Francisca Delanie Bulcão de Macêdo

Fernanda Santos Lopes Teixeira

Residência em Clínica Médica e Endocrinologia na

Médica formada pela Universidade Federal do Mato

Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista

Grosso. Residência em Clínica Médica na Universi­

de Medicina.

dade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medi­ cina. Especialista em Clínica Médica pela Sociedade

Brasileira de Clínica Médica. Especialização em Car­ diologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasilei­

ra de Cardiologia.

Frederico Augusto Gurgel Pinheiro

Residência em Clínica Médica na Universidade Fede­

ral do Ceará. Residência em Reumatologia na Univer­

sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Pós-graduando (mestrado)

em Ciências da Saúde Aplicadas à Reumatologia do Departamento de Medicina da UNIFESP/EPM. Parti­

Fernando José de Barros e Silva Filho

Médico Especialista em Cardiologia pela Sociedade

cipação como Preceptor dos Ambulatórios de Artrite Reumatoide e Vasculites da UNIFESP/EPM.

Brasileira de Cardiologia (SBC). Especialista em

Ecocardiografia pelo Instituto do Coração / Hospital

Gabriel Assis Lopes do Carmo

das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universi­

Médico Especialista em Clínica Médica pela Univer­

dade de São Paulo e pela SBC. Preceptorda Residên­

sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de

cia em Cardiologia da Funcordis / Fundação para o

Medicina e pela Sociedade Brasileira de Clínica Mé­

Titularidades - XIII

dica. Especialista em Cardiologia pelo Instituto do Coração / Hospital das Clínicas da Faculdade de Me­

Janaína Midori Goto

Médica do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar

dicina da Universidade de São Paulo e pela Sociedade

do Hospital São Paulo / Universidade Federal de São

Brasileira de Cardiologia.

Paulo. Médica do Serviço de Controle de Infecção

Hospitalardo Hospital de Transplantes Euryclides de Gerson Cesar Brasil Junior

Médico Especialista em Clínica Médica pelo Hospital

Jesus Zerbini / Setores de Hematologia e Transplante de Medula Óssea.

da Restauração (Recife / PE). Gastroenterologista

formado pelo Serviço de Gastro-hepatologia do Hos­

Jean Rodrigo Tafarel

pital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de

Médico Especialista em Clínica Médica. Especialista

Pernambuco. Membro Titularda Federação Brasileira

em Gastroenterologia pela Federação Brasileira de

de Gastroenterologia. Endoscopista pelo Serviço de

Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Facul­ dade de Medicina da Universidade de São Paulo. Helena Fragata Torralvo

Médica Residente de Oncologia Clínica na Universida­ de Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Hélio Penna Guimarães

Médico Especialista em Clínica Médica pela Socieda­ de Brasileira de Clínica Médica/Associação Médica

Brasileira (AMB) e em Medicina Intensiva pela Asso­ ciação de Medicina Intensiva Brasileira/AMB. Espe­ cialista em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese

Gastroenterologia. Doutorem Gastroenterologia pela

Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. João Paulo Gurgel de Medeiros

Médico Cardiologista com título de especialista em

Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. Residência em Cardiologia no Instituto do Coração / Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo. Especialista em Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Residência em Clínica Médica na Universidade Fede­

ral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

de Cardiologia. Doutorem Ciências pela Universidade

de São Paulo. Coordenador do Setor de Urgências Clínicas e UTI da Disciplina de Clínica Médica da

João Ricardo Cordeiro Fernandes

Médico formado pela Faculdade de Medicina da Uni­

Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista

versidade de São Paulo (FMUSP). Especialista em

de Medicina. Coordenadordo Centro de Ensino, Trei­

Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da FMUSP

namento e Simulação do Hospital do Coração. Fellow da American Heart Association e do American College

(HC-FMUSP) e pela Sociedade Brasileira de Clínica

of Physicians. Vice-presidente da Associação Brasilei­

ra de Medicina de Urgência e Emergência. Ingrid de Oliveira Koehlert

Médica formada pela Escola Superiorde Ciências da

Santa Casa de Misericórdia de Vitória. Residência em Clínica Médica no Hospital Heliópolis. Reumatolo­ gista pela Universidade Federal de São Paulo.

Médica. Especialista em Cardiologia pelo Instituto do

Coração (InCor) do HC-FMUSP e pela Sociedade

Brasileira de Cardiologia. Médico plantonista da Uni­

dade Clínica de Emergência do InCor? Médico plan­ tonista da Unidade de Primeiro Atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein.

José Maria Soares Junior

Professor Livre-docente Doutor da Disciplina de En­ Ingvar Ludwig

Médico Infectologista pela Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/

EPM). Pós-graduando da Disciplina de Doenças In­ fectoparasitárias da UNIFESP/EPM.

docrinologia Ginecológica do Departamento de Gine­ cologia da Universidade Federal de São Paulo / Esco­

la Paulista de Medicina.

Julio Cezar Mendes Brandão

Jamile Seixas Fukuda

Médico formado pela Universidade Federal da Bahia.

Médica formada pela Universidade Federal da Bahia.

Médico Anestesiologista com Residência Universida­

Residência em Neurologia na Universidade Federal

de Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medi­

de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

cina. Instrutor do curso de primeiros socorros Life

XIV - Titularidades

Savers. Membro da Sociedade Brasileira de Aneste­

Lucas Monferrari Monteiro Vianna

siologia (Título de Especialista em Anestesiologia e

Médico Oftalmologista pela Universidade Federal de

Título Superior em Anestesiologia). Médico aneste­

São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/

siologista do Serviço de Anestesiologia do Hospital

EPM). Pós-graduando em Córnea, Cirurgia Refrativa

Regional do Juruá.

e Lentes de Contato na UNIFESP/EPM. Orientador

cirúrgico do Instituto da Catarata / UNIFESP/EPM. Jullyana Sabrysna Morais Shinosaki

Luciana Campanatti Crema

Médica Neurologista pela Universidade Federal de

Mestre em Ciências pelo Departamento de Ginecolo­

São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Membro

gia da Universidade Federal de São Paulo / Escola

Titular da Academia Brasileira de Neurologia.

Paulista de Medicina. Médica coordenadora da Equi­ pe de Ginecologia do Hospital do Coração.

Karen de Carvalho Lopes

Médica Otorrinolaringologista. Especialização em

Luciane Francisca Fernandes Botelho

Otoneurologia pela Universidade Federal de São Pau­

Médica Dermatologista pela Universidade Federal de

lo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).

São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

Mestre em Ciências e doutoranda no Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pes­

coço da UNIFESP/EPM. Kátia Emi Nakaema

Luciano Henrique Lenz Tolentino

Doutorem Gastroenterologia pela Universidade Fe­ deral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Luciano Rodrigues Neves

Residência em Clínica Médica na Universidade Federal

Doutorem Ciências pela Universidade Federal de São

de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/

Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).

EPM). Residente em Geriatria na UNIFESP/EPM.

Mestre em Otorrinolaringologia pela UNIFESP/EPM. Médico do Setor Interdepartamental de Laringologia

Larissa Guedes da Fonte Andrade

e Voz do Departamento de Otorrinolaringologia e

Médica Especialista em Clínica Médica pela Univer­

Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP/EPM.

sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de

Chefe do Ambulatório de Disfagia e orientador do

Medicina (UNIFESP/EPM) e em Nefrologia pela

Ambulatório de Laringologia e Voz da UNIFESP/EPM.

UNIFESP/EPM e Sociedade Brasileira de Nefrologia. Luís Alberto de Pádua Covas Lage

Laura de Sena Nogueira Maehara

Dermatologista pela Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).

Especialização em Dermatoses Bolhosas e Dermato­

logia Pediátrica pela UNIFESP/EPM. Doutoranda em Medicina Translacional na UNIFESP/EPM. Médica

Assistente da Clínica Dermatológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo. Lauro Figueira Pinto

Médico Hematologista e Hemoterapeuta. Residência

em Clínica Médica na Universidade Federal de São

Paulo / Escola Paulista de Medicina. Assistente da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da Facul­ dade de Medicina da Universidade de São Paulo

(FMUSP). Assistente do Laboratório de Citometria de Fluxo do Instituto Central do Hospital das Clínicas da

FMUSP. Pós-graduando (doutorado) da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da FMUSP. Luís Gustavo Ramos

Médico Neurologista formado pela Universidade Fe­

Médico Especialista em Cardiologia pela Sociedade

deral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

Brasileira de Cardiologia. Pós-graduando em Eletro­ fisiologia Invasiva e Arritmologia na Universidade

Lucas Cronemberger Maia Mendes

Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

Residência em Clínica Médica na Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Residência

Marcelo Alves Alvarenga

em Cardiologia no Instituto Dante Pazzanese de Car­

Médico Especialista em Clínica Médica e Endocrino-

diologia.

logia/Metabologia. Pós-graduando (mestrado) da

Titularidades - XV

Disciplina de Endocrinologia da Universidade Federal

Maria Marcela Fernandes Monteiro

de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/

Graduação em Medicina pela Universidade Federal do

EPM). Médico do Centro de Diabetes da UNIFESP/

Ceará. Especialista em Clínica Médica pela Sociedade

EPM. Médico da equipe de Clínica Médica e Medici­

Brasileira de Clínica Médica e Associação Médica

na de Urgência do Hospital Israelita Albert Einstein

Brasileira. Residência em Clínica Médica na Univer­

(Unidade de Primeiro Atendimento Morumbi).

sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de

Medicina. Residência em Oncologia Clínica no Insti­ Marcelo Marinho de Figueiredo

tuto do Câncer do Ceará.

Médico formado pela Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Neurologista formado pela Univer­

Mariana Gomes Adas

sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de

Doutora em Medicina pela Universidade Federal de

Medicina (UNIFESP/EPM). Pós-graduando do Setor

São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/

de Neurovascular da UNIFESP/EPM.

EPM). Especialista em Clínica Médica e em Endocri­ nologia pela UNIFESP/EPM.

Marcio Gianotto

Médico do Setorde Arritmia e Eletrofisiologia Clíni­ ca da Universidade Federal de São Paulo / Escola

Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Especialista

em Cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardio­

logia e UNIFESP/EPM. Especialista em Clínica Mé­ dica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica e UNIFESP/EPM.

Martha Lenardt Sulzbach

Médica Especialista em Clínica Médica e Endocrino­

logia pela Universidade Federal de São Paulo / Esco­ la Paulista de Medicina. Matheus Cavalcante Franco

Residência em Clínica Médica na Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Pós-graduando (mestrado) da Disciplina de Gastroentero­

Marcio Luiz Escorcio Bezerra

Médico Neurologista.

logia da UNIFESP/EPM. Matheus Vescovi Gonçalves

Márcio Makoto Nishida

Médico Fisiatra. Especialista em Medicina Física e

Residência em Hematologia e Hemoterapia na Univer­ sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Me­

Reabilitação pela Associação Brasileira de Medicina

dicina (UNIFESP/EPM). Pós-graduando (doutorado)

Física e Reabilitação. Formado em Medicina pela

da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da UNIFESP/EPM.

Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

Mônica Michelle Braz Fernandes

Margareth Chiharu Iwata

Médica formada pela Universidade Federal do Rio

Médica Ginecologista e Obstetra. Pós-graduanda do

Grande do Norte. Especialista em Clínica Médica pela

Departamento de Ginecologia da Disciplina de Endocri­

Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista

nologia Ginecológica da Universidade Federal de São

de Medicina (UNIFESP/EPM). Em formação em Ge­

Paulo / Escola Paulista de Medicina.

riatria pela UNIFESP/EPM.

Maria Cecília Nieves Teixeira Maiorano

Noam Falbel Pondé

Médica Residente em Clínica Médica na Universidade

Médico formado pela Pontifícia Universidade Católi­

Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

ca de São Paulo. Especialista em Clínica Médica pela

Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista Maria Letícia da Costa Muniz

Médica formada pela Universidade Federal de Per­

de Medicina (UNIFESP/EPM). Residente em Onco­

logia Clínica no Hospital Israelita Albert Einstein.

nambuco. Especialista em Clínica Médica pelo Hos­

pital Municipal Dr Carmino Caricchio, São Paulo /

Patrícia Bandeira Moreira Rueda Germano

SP. Nefrologista pelo Hospital das Clínicas da Uni­

Médica formada pela Universidade Federal de São

versidade Federal de Pernambuco.

Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).

XVI - Titularidades

Especialista em Clínica Médica pela UNIFESP/EPM.

Doutorando em Cardiologia pelo Instituto do Coração

Residente em Cardiologia no Instituto do Coração /

/ Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo.

Universidade de São Paulo. Renata Amaral Andrade Patrícia Rocha de Figueiredo

Médica Neurologista pela Universidade Federal de

Médica Residente em Infectologia na Universidade

São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/

Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

EPM). Especialização em doenças neuromusculares na UNIFESP/EPM.

Paulo Mitsuru Imamura

Mestre em Oftalmologia pela Universidade Federal de

São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/

EPM). Chefe do Setor de Neuroftalmologia do Insti­ tuto da Visão da UNIFESP/EPM e Coordenador do

Curso de Aperfeiçoamento em Neuroftalmologia da

Pro-Ex / UNIFESP/EPM. Pedro Braga Neto

Doutorem Neurologia pela Universidade Federal de

Renato Antunes dos Santos

Médico Psiquiatra. Consultor do Ministério da Edu­

cação / Diretoria de Hospitais Universitários Federais e Residências em Saúde. Interconsultorde Psiquiatria

do Hospital Israelita Albert Einstein. Membro do Centro de Economia em Saúde Mental do Departa­ mento de Psiquiatria da Universidade Federal de São

Paulo / Escola Paulista de Medicina.

São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Médico

Neurologista do Setor de Neurologia Geral e Ataxia. Membro Titularda Academia Brasileira de Neurologia e da Movement Disorders Society.

Ricardo Araújo de Oliveira

Médico Neurologista formado pela Universidade Fe­ deral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Colaboradordo Setorde Neurolo­

Pedro Gabriel Melo de Barros e Silva

gia Geral e Ataxias da UNIFESP/EPM.

Residência em Clínica Médica na Universidade Fede­

ral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina. Resi­ dência em Cardiologia no Instituto do Coração / Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo. Especialista em Clínica Médica e em Medicina de Urgência pela Sociedade

Ricardo Barbosa Cintra de Souza

Graduação em Clínica Médica pela Universidade

Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Residente em Nefrologia na UNIFESP/EPM.

Brasileira de Clínica Médica. Especialista em Cardio­

logia e em Ecocardiografia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. Pesquisador Associado do Instituto

Brasileiro de Pesquisa Clínica. Priscila Mimary

Ricardo Rocha Bastos

Médico. Professor de Semiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora. Rodrigo Abensur Athanazio

Médica. Residência em Clínica Médica na Universida­

Médico Clínico Geral pela Universidade Federal de São

de Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

Paulo. Médico Pneumologista pela Universidade de São Paulo. Médico Assistente do Serviço de Pneumologia

Rafael Barreto Paes de Carvalho

Médico Especialista em Clínica Médica pela Univer­

do Instituto do Coração / Hospital das Clínicas da Fa­ culdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

sidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de

Medicina. Especialista em Reumatologia pela Facul­ dade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Rosana de Moraes Valladares

Médica Pneumologista pela Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

Raimundo Jenner Paraíso Pessoa Júnior

Especialista em Pneumologia pela Sociedade Brasi­

Sandro Félix Perazzio

leira de Pneumologia e Tisiologia. Especialista em

Médico formado em Clínica Médica e em Reumato­

Medicina do Sono pela Associação Brasileira do Sono.

logia pela Universidade Federal de São Paulo / Esco­

Titularidades - XVII

la Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Especialis­

Thiago Xavier Carneiro

ta em Reumatologia pela Sociedade Brasileira de

Médico Hematologista pela Universidade Fede­

Reumatologia. Pós-graduando em Ciências da Saúde

ral de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

Aplicadas à Reumatologia na UNIFESP/EPM. Pre­

Onco-hematologia e transplante de medula óssea

ceptor do Ambulatório de Artrite Reumatoide da

pelo Hospital Sírio-Libanês.

UNIFESP/EPM. Preceptordo Ambulatório de Vascu­ lites Primárias da UNIFESP/EPM.

Vanessa Gurgel Adeodato Médica formada pela Universidade Federal do

Stela Cezarino de Morais

Ceará. Residência em Clínica Médica e em Ne­

Médica formada pela Universidade Federal de São

frologia na Universidade Federal de São Paulo /

Paulo / Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).

Escola Paulista de Medicina. Médica Especialis­

Especialista em Clínica Médica e Hematologia-He­

ta em Clínica Médica e Nefrologia.

moterapia pela UNIFESP/EPM.

Vitor de Andrade Vahle Thaís Cruz Berti Franchin

Médico formado pela Universidade Federal de

Médica formada pela Faculdade de Medicina da Uni­

Sergipe. Residência em Clínica Médica na Uni­

versidade de Santo Amaro. Residência em Dermato­

versidade Federal de São Paulo / Escola Paulista

logia na Faculdade de Medicina de Santo Amaro.

de Medicina. Residência em Cardiologia no Ins­

Especialista em Dermatologia pela Sociedade Brasi­

tituto do Coração / Hospital das Clínicas da Fa­

leira de Dermatologia.

culdade de Medicina da Universidade de São

Paulo. Thiago De Bortoli Nogueira

Residência em Cirurgia Geral no Hospital Guilherme Álvaro (Santos / SP). Especialização em Endoscopia

Vivian Paz Leão Maia Doutora em Medicina pela Universidade Federal do

Digestiva pela Universidade Federal de São Paulo /

Rio de Janeiro. Residente do Hospital do Servidor

Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Espe­

Público Estadual de São Paulo.

cialista em Endoscopia Digestiva pela Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva. Pós-graduando (mestrado) na UNIFESP/EPM.

Walter Moisés Tobias Braga Pós-graduando (doutorado) Na Disciplina de Hematologia e Hemoterapia na Universidade

Thiago Gonçalves Fukuda

Federal de São Paulo / Escola Paulista de Me­

Médico formado em Medicina pela Universidade

dicina (UNIFESP/EPM). Residência em Hema­

Federal da Bahia. Residência em Neurologia na Uni­

tologia e Hemoterapia na UNIFESP/EPM. Títu­

versidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de

lo de Especialista na Associação Brasileira de

Medicina.

Hematologia e Hemoterapia.

Glossário ACG = arterite de células gigantes ACLS = advanced cardiac life support ACTH = hormônio adrenocorticotrófico (adrenocor­

ticotropic hormone)

BRE = bloqueio de ramo esquerdo c-ANCA = anticorpo anticitoplasma de neutrófilo clássico

(classical antineutrophil cytoplasmic antibody) CEA = antígeno carcinoembrionário (carcinoembryonic

antigen)

ADA = adenosina desaminase ADH = hormônio antidiurético (antidiuretic hormone)

CHCM = concentração de hemoglobina corpuscular média

ADM = amplitude de movimento

CIA = comunicação interatrial

AESP = atividade elétrica sem pulso

CID-10 = Classificação Estatística Internacional de

AIDS = síndrome da imunodeficiência adquirida (acquired immune deficiency syndrome)

Doenças - décima edição CIV = comunicação interventricular

AINE = anti-inflamatórios não esteroidais

CIVD = coagulação intravascular disseminada

AIT = ataque isquêmico transitório

CK = creatina quinase

ALT = alanina aminotransferase

CMV = citomegalovírus

AMP = acetato de medroxiprogesterona

COMT = catecol-O-metil transferase

ANA = anticorpo antinuclear(antinuclear antibody)

COX = ciclo-oxigenase

ANCA = anticorpo anticitoplasma de neutrófilo

CPAP = pressão positiva contínua nas vias aéreas (conti­

(antineutrophil cytoplasmic antibody)

nuous positive airway pressure)

ANVISA = Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CPK = creatina fosfoquinase

AP = atividade de protrombina

CPRE = colangiopancreatografia retrógrada endoscópica

AR = artrite reumatoide

CRVP = cirurgia redutora de volume pulmonar

ASCA = anticorpo anti-Saccharomyces cerevisiae

CVF = capacidade vital forçada DAC = doença arterial coronariana

(anti-Saccharomyces cerevisiae antibody) ASLO = antiestreptolisina O

DCV = disfunção das cordas vocais

AST = aspartato aminotransferase

DHL = desidrogenase lática

ATC = angioplastia transluminal coronária AVC = acidente vascular cerebral

DMSA = ácido dimercaptosuccínico (dimercaptosuccinic

AVCh = acidente vascular cerebral hemorrágico

DMSO = dimetilsulfóxido

AVCi = acidente vascular cerebral isquêmico BAAR = bacilo ácido-álcool resistente

DNA = ácido desoxirribonucleico (deoxyribonucleic acid) DPOC = doença pulmonar obstrutiva crônica

BAL = antilewisita britânica (British anti-lewisite)

DRGE = doença do refluxo gastroesofágico

BAV = bloqueio atrioventricular BAVT = bloqueio atrioventricular total

DSM-IV = Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtor­ nos Mentais, quarta edição (Diagnostic and

BDAS = bloqueio divisional anterossuperior

acid)

Statistical Manual of Mental Disorders, fourth

beta-hCG = gonadotrofina coriônica humana beta (human chorionic gonadotropin beta)

edition) DST = doença sexualmente transmissível

BNF = bulha normofonética

DVO = distúrbio ventilatório obstrutivo

BNRNF = bulha normorrítmica normofonética

DvW = doença de von Willebrand

XX - Glossário

EAM = estalido de abertura da mitral EAP = edema agudo pulmonar

HHV = herpes-vírus humano (human herpesvírus)

ECA = enzima conversora de angiotensina

HIT = trombocitopenia induzida por heparina (heparin-

ECG = eletrocardiograma EDTA = ácido etilenodiaminotetracético (ethylene-

diaminetetraacetic acid) EEG = eletroencefalograma EFA = exame físico de abordagem

EFA-TP = exame físico de abordagem no tronco principal

EID = espaço intercostal direito

HIC = hipertensão intracraniana

induced thrombocytopenia) HIV = vírus da imunodeficiência humana (human immu-

nodeficiency virus) HLA = antígeno leucocitário humano (human leukocyte

antigen) HSC = hematoma subdural crônico

HTLV = vírus linfotrófico T humano (human T lympho-

tropic virus)

EIE = espaço intercostal esquerdo

ICC = insuficiência cardíaca congestiva

ELISA = ensaio imunossorvente ligado à enzima (enzyme-linked immunosorbent assay)

IECA = inibidores da enzima conversora de angiotensina

EV = endovenoso

IL = interleucina

FA = fosfatase alcalina

IMC = índice de massa corporal

FAN = fator antinuclear

INR = international normalized ratio

FC = frequência cardíaca

IPR = índice de produção de reticulócitos

FiO2 = fração inspirada de oxigênio

IRA = insuficiência renal aguda

FIV = fertilização in vitro FSH = hormônio folículo-estimulante (follicle-sti­

ISRS = inibidor seletivo da recaptação de serotonina

mulating hormone) FTA-Abs = anticorpo treponêmico fluorescente absorção (fluorescent treponemal antibody

— absorption)

IFN = interferon

ITU = infecção do trato urinário IVAS = infecção das vias aéreas superiores

LDL = lipoproteína de baixa densidade (low density li-

poprotein)

LECO = litotripsia extracorporal por ondas de choque

fvW = fator de von Willebrand

LH = hormônio luteinizante (luteinizing hormone)

G6PD = glicose-6-fosfato desidrogenase

LNH = linfoma não Hodgkin

GABA = ácido gama-aminobutírico (gamma-amino­

MAO = monoamina oxidase

butyric acid) GASA = gradiente ascítico soro-ascite

MPTP = l-metil-4-fenil-l,2,3,6-tetra-hidropiridina (l-methyl-4-phenyl-l,2,3,6-tetrahydropyridine)

GGT = gama-glutamiltransferase GH = hormônio do crescimento (growth hormone)

MV = murmúrio vesicular

GnRH = hormônio liberador de gonadotrofina (go­

NOIA = neuropatia óptica isquêmica anterior

nadotropin-releasing hormone) GOLD = Global Initiative forChronic Obstructive

Lung Disease HAART = terapia antirretroviral altamente ativa

(highly active antiretroviral therapy)

NMDA = N-metil-D-aspartato NOIA-NA = neuropatia óptica isquêmica anterior de

causa não arterítica

NTA = necrose tubular aguda OMS = Organização Mundial da Saúde

PA = pressão arterial

HAP = hiperaldosteronismo primário

PAAF = punção aspirativa por agulha fina

HAS = hipertensão arterial sistêmica HAV = vírus da hepatite A (hepatitis A virus)

PaCO2 = pressão parcial de dióxido de carbono

HBA = hiperplasia adrenal bilateral HBc = antígeno core da hepatite B HBeAg = antígeno e da hepatite B

p-ANCA = anticorpo anticitoplasma de neutrófilo peri­

nuclear(perinuclear antineutrophil cytoplasmic antibody)

PANDAS = distúrbios pediátricos neuropsiquiátricos

HBsAg = antígeno de superfície do vírus da hepati­

autoimunes associados a infecções estreptocóci­

te B HBV = vírus da hepatite B (hepatitis B virus)

cas (pediatric autoimmune neuropsychiatric

HCM = hemoglobina corpuscular média

tions)

disorders associated with streptococcal infec-

HCV = vírus da hepatite C (hepatitis C virus)

PaO2 = pressão parcial de oxigênio

HDL = lipoproteína de alta densidade (high density lipo­

PAS = ácido periódico de Schiff (periodic acid-Schiff) PCA = persistência do canal arterial

protein)

Glossário - XXI

pCO2 = pressão de dióxido de carbono PCR = reação em cadeia da polimerase (polimerase chain

reaction) PDGF = fator de crescimento derivado de plaquetas (platelet-derived growth factor)

PEEP = pressão expiratória final positiva (positive endexpiratory pressure) PET-scan = tomografia por emissão de pósitrons (positron emission tomography scan)

síndrome HELLP = hemólise, enzimas hepáticas elevadas, baixa contagem de plaquetas síndrome SAPHO = sinovite, acne, pustulose, hiperosto­ se, osteíte inflamatória

SPECT = tomografia computadorizada por emissão de fóton único (single photon emission computed

tomography)

SpO2 = saturação parcial de oxigênio SRAA = sistema renina-angiotensina-aldosterona

pO2 = pressão de oxigênio

SS = sopro sistólico

PPD = derivado de proteína purificada (purified protein

T3 = tri-iodotironina

derivative)

T4 = tetraiodotironina

PPF = protoparasitológico de fezes

TB = tuberculose

PTH = paratormônio

TEP = tromboembolismo pulmonar

PTI = púrpura trombocitopênica imune

TGF = fator de transformação do crescimento (transfor­

PTT = púrpura trombocitopênica trombótica RDW = amplitude de distribuição de hemácias (red cells

distribution width) REA = ruído de ejeção aórtica REE = rebordo esternal esquerdo

ming growth factor)

TIBC = capacidade de fixação de ferro total (total iron binding capacity) TIMI risk = risco de trombólise em infarto do miocárdio

(thrombolysis in myocardial infactation risk)

REP = ruído de ejeção pulmonar RHA = ruído hidroaéreo

TNF = fator de necrose tumoral (tumor necrosis factor) TNM = tumor-linfonodo-metástase

RNA = ácido ribonucleico (ribonucleic acid)

TP = tempo de protrombina

RNI = relação normalizada internacional

t-PA = ativador tecidual de plasminogênio (tissue plasmi­

RR2T = ritmo regularem dois tempos

RS3PE = sinovite soronegativa simétrica remitente com

edema depressível (remitting seronegative sym­ metrical synovitis with pitting edema) SAF = síndrome do anticorpo fosfolipídio

SARA = síndrome da angústia respiratória aguda SBHGA = Streptococcus beta-hemolítico do grupo A

SBPT = Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia SCA = síndrome coronariana aguda

nogen activator)

TRALI = lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão

(transfusion related acute lung injury) TRH = hormônio liberador de tireotrofina (thyrotropin-

releasing hormone) TSH = hormônio estimulante da tireoide (thyroid-stimu­ lating hormone)

TTKG = gradiente transtubular de potássio (transtubular

potassium gradient)

SD = sopro diastólico

TTPa = tempo de tromboplastina parcial ativada

SHBG = globulina ligadora de hormônios sexuais (sex

TVP = trombose venosa profunda

hormone-binding globulin)

UTI = unidade de terapia intensiva

SHU = síndrome hemolítico-urêmica

VCM = volume corpuscular médio

SIADH = síndrome da secreção inapropriada do hormônio

VDRL = Venereal Disease Research Laboratory

antidiurético (syndrome of innappropriate anti­

VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo

diuretic hormone secretion)

VHS = velocidade de hemossedimentação

síndrome CREST = calcinose, fenômeno de Raynaud, dismotilidade esofágica, esclerodactilia, telan­ giectasia síndrome DIDMOAD = diabetes insipidus, diabetes mellitus, atrofia óptica, surdez

VIP = peptídeo intestinal vasoativo (vasoactive intestinal peptide) VLPP = pressão de perda ao esforço (Valsalva leak point pressure) VPPB = vertigem postural paroxística benigna

Índice Capítulo 9

Capítulo 1 Introdução........................................................................

1

José Luiz Pedioso

Marcio Gianotto

Hipertensão Arterial Sistêmica .......................................

5

Ricardo Rocha Bastos

57

Antonio Sérgio de Santis Andrade Lopes e João Ricardo

Cordeiro Fernandes

Capítulo 11

Capítulo 3 Exame Físico de Abordagem............................................

51

Capítulo 10

Capítulo 2 Entrevista Médica.............................................................

Sopro Cardíaco................................................................

Eletrocardiograma Alterado............................................ 11

63

Julio CezarMendes Brandão, Luís Gustavo Ramos, Antônio

Carlos Carvalho e Cláudio Cirenza

Ricardo Rocha Bastos

Capítulo 12 Dispneia aos Esforços.....................................................

SEÇÃO 1 Doenças do Sistema Cardiovascular...............................

Ernesto Joscelin Carneiro Pinto, José Luiz Pedioso e

17

Cianose............................................................................

19

Marcio Gianotto

27

Neto e José Luiz Pedroso

30

87

Capítulo 15 Tosse e Dispneia..............................................................

Melo de Barros e Silva

94

Raimundo Jenner

Capítulo 7 35

Capítulo 16 Dispneia Súbita............................................................... 100

Priscila Mimary e Flávio de Souza Brito

Ana Beatriz Galhardi Di Tommaso e Márcio Makoto Nishida

Capítulo 8 Fernando José de Barros e Silva Filho e Pedro Gabriel Melo de Barros e Silva

85

IngvarLudwig

Fernando José de Barros e Silva Filho e Pedro Gabriel

Dor Retroesternal Intensa...............................................

Doenças do Sistema Respiratório....................................

Tosse Crônica..................................................................

Capítulo 6

Dor Aguda no Peito........................................................

Matheus Cavalcante Franco e Gabriel Assis Lopes do Carmo

Capítulo 14

Rafael Barreto Paes de Carvalho, Carlos Alberto Franchin

Dor Precordial.................................................................

78

SEÇÃO 2

Capítulo 5 Palpitação........................................................................

Mareio Gianotto

Capítulo 13

Capítulo 4 Síncope............................................................................

71

44

Capítulo 17 Dispneia e Sibilos............................................................ 105 Rosana de Moraes Valladares

XXIV - Índice

Capítulo 18

Capítulo 31

Hemoptise........................................................................ 110

Constipação Intestinal..................................................... 186

Rodrigo Abensur Athanazio

Vanessa Gurgel Adeodato, Martha Lenardt Sulzbach

Capítulo 19

Capítulo 32

Epistaxe........................................................................... 116

Hemorragia Digestiva Alta............................................. 190

Maria Marcela Fernandes Monteiro

Capítulo 20 Rouquidão........................................................................ 121

Thiago De Bortoli Nogueira

Capítulo 33 Hemorragia Digestiva Baixa........................................... 195 Thiago De Bortoli Nogueira e Ana Laura de Figueiredo Bersani

Danilo Kanashiro Segalla, Bruno Thieme Lima,

Luciano Rodrigues Neves e EktorOnishi

Capítulo 21 Dispneia e Dor Torácica.................................................. 126 Daniel Antunes Silva Pereira e José Luiz Pedroso

Capítulo 22 Derrame Pleural............................................................... 130

Capítulo 34 Aumento do Volume Abdominal..................................... 200 Carlos Alberto Franchin Neto e Lucas CronembergerMaia Mendes

Capítulo 35 Dor Epigástrica ............................................................... 205 Francisca Delanie Bulcão de Macêdo

Cristiano Guedes Bezerra, Eduardo Brandão Elkhoury e

Capítulo 36

Alex Macedo

Icterícia Indolor.............................................................. 211

Capítulo 23 Cianose e Dispneia......................................................... 135 João Paulo Gurgel de Medeiros

Patrícia Bandeira Moreira Rueda Germano

Capítulo 37 Hepatomegalia................................................................. 218 Bárbara Souza Luz Pinheiro e Felipe Augusto de Oliveira Souza

SEÇÃO 3 Doenças do Sistema Gastrointestinal............................... 145

Capítulo 24 Dor Abdominal e Vômitos............................................... 147 Jean Rodrigo Tafarel

Capítulo 38 Disfagia........................................................................... 225 Eduardo Castro, José Luiz Pedroso e Jean Rodrigo Tafarel

SEÇÃO 4 Doenças do Sistema Nervoso........................................... 229

Capítulo 25

Capítulo 39

Dor Abdominal e Icterícia.............................................. 150

Tontura............................................................................ 231

Ana Valéria de Melo Mendes

Anderson Rodrigues Brandão de Paiva e José Luiz Pedroso

Capítulo 26

Capítulo 40

Dor em Hipocôndrio Direito........................................... 155

Tremor............................................................................. 239

Noam Falbel Pondé e Thiago De Bortoli Nogueira

Capítulo 27 Dor Abdominal................................................................ 161 Ana Valéria de Melo Mendes e Hélio Penna Guimarães

Marcio Luiz Escorcio Bezerra, Pedro Braga Neto e José Luiz Pedroso

Capítulo 41 Cefaleia Súbita................................................................ 244 Anderson Rodrigues Brandão de Paiva

Capítulo 28 Dor Abdominal Intermitente........................................... 168 Camila Catherine Henriques de Aquino

Capítulo 29 Diarreia Aguda................................................................ 174 Ana Laura de Figueiredo Bersani e Thiago De Bortoli Nogueira

Capítulo 30 Diarreia Crônica.............................................................. 181 Maria Cecília Nieves Teixeira Maiorano, Jean Rodrigo Tafarel

e Luciano Henrique Lenz Tolentino

Capítulo 42 Convulsão........................................................................ 251 Ricardo Araújo de Oliveira, Fernanda dos Santos Britto e José Luiz Pedroso

Capítulo 43 Perda de Força Muscular................................................ 255 Jullyana Sabrysna Morais Shinosaki e Denis Bernardi Bichuetti

Capítulo 44 Desequilíbrio................................................................... 262 Renata Amaral Andrade e José Luiz Pedroso

Índice - XXV

Capítulo 45

SEÇÃO 7

Movimentos Anormais..................................................... 266

Doenças do Sistema Endócrino........................................ 343

Catarine Teles Farias Britto e Allan Valadão de Oliveira Britto

Capítulo 46 Cefaleia e Febre.............................................................. 270

Capítulo 57 Ganho de Peso................................................................. 345 Marcelo Alves Alvarenga e Adriano Oliveira Seixas

Luciane Francisca Fernandes Botelho, Anderson Rodrigues

Brandão de Paiva e José Luiz Pedroso

SEÇÃO 5

Capítulo 58 Ansiedade e Sudorese..................................................... 350 Adriano Oliveira Seixas

Doenças Reumatológicas................................................. 277

Capítulo 59

Capítulo 47

Poliúria............................................................................ 355

Dores pelo Corpo............................................................ 279 Ingrid de Oliveira Koehlert, Denison Santos Silva e José Luiz Pedroso

Capítulo 48 Poliartralgias................................................................... 284 Frederico Augusto Gurgel Pinheiro e Sandro Félix Perazzio

Capítulo 49

Catarine Teles Farias Britto e Allan Valadão de Oliveira Britto

Capítulo 60 Nódulo em Tireoide........................................................ 360 Augusto Takao Akikubo Rodrigues Pereira

Capítulo 61 Galactorreia .................................................................... 366 Bárbara Souza Luz Pinheiro, Maria Letícia da Costa Muniz e Gerson Cesar Brasil Junior

Poliartrite........................................................................ 289 Maria Cecília Nieves Teixeira Maiorano e Eliane Reiko Alves

Capítulo 50 Artralgias e Manchas na Pele......................................... 295 Sandro Félix Perazzio e Alexandre Wagner Silva de Souza

SEÇÃO 8 Doenças Hematológicas.................................................... 371

Capítulo 62 Palidez e Icterícia............................................................ 373

SEÇÃO 6 Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas................................................................... 307

Luís Alberto de Pádua Covas Lage

Capítulo 63 Anemia............................................................................ 379 Maria Marcela Fernandes Monteiro

Capítulo 51 Hematúria........................................................................ 309 Caio Silvério de Souza

Capítulo 64 Cansaço e Palidez............................................................ 384 Walter Moisés Tobias Braga e Matheus Vescovi Gonçalves

Capítulo 52 Disúria............................................................................. 314 Flávia Areco e José Luiz Pedroso

Capítulo 65 Manchas na Pele.............................................................. 389 Matheus Vescovi Gonçalves e Walter Moisés Tobias Braga

Capítulo 53 Fraqueza e Oligúria........................................................ 321 Mônica Michelle Braz Fernandes, Cristiano Guedes Bezerra

e José Luiz Pedroso

Capítulo 54 Hiponatremia................................................................... 326 Alessandra Billi Falcão e José Luiz Pedroso

Capítulo 66 Policitemia...................................................................... 394 Matheus Vescovi Gonçalves e Walter Moisés Tobias Braga

SEÇÃO 9 Doenças Infecciosas......................................................... 399

Capítulo 55

Capítulo 67

Hipocalemia.................................................................... 332

Mialgia e Febre............................................................... 401

Stela Cezarino de Morais e Bruno Roberto Brasil Machado

Capítulo 56 Dor Aguda em Flanco ..................................................... 337 Carolina Castro Porto Silva Janovsky, Vitorde Andrade Vahle

e Agessandro Abrahão

Vitorde Andrade Vahle, Carolina Castro Porto Silva Janovsky e Agessandro Abrahão

Capítulo 68 Esplenomegalia e Febre................................................... 407 Patrícia Bandeira Moreira Rueda Germano e Janaína Midori Goto

XXVI - Índice

Capítulo 69

Capítulo 80

Febre Intermitente.......................................................... 416

Confusão Mental.............................................................. 484 José Luiz Pedroso

Danyenne Rejane de Assis, Aline Pâmela Vieira de Oliveira e

Ana Paula Jafet Ourives

Capítulo 81

Capítulo 70

Dor Lombar..................................................................... 490

Febre e Manchas na Pele................................................ 423

Capítulo 82

Damiana Montes Santos e Laura de Sena Nogueira Maehara

Edema dos Membros Inferiores....................................... 495

Capítulo 71

Ricardo Barbosa Cintra de Souza

Febre e Icterícia.............................................................. 428 IngvarLudwig

Capítulo 83 Dorna Perna................................................................... 503

Capítulo 72

Kátia Emi Nakaema e José Luiz Pedroso

Linfoadenopatia e Febre................................................. 436 Eduardo R. M. Lima e Helena Fragata Torralvo

Capítulo 84 Cervicobraquialgia.......................................................... 509 Thiago Gonçalves Fukuda, Jamile Seixas Fukuda e José Luiz Pedroso

Capítulo 73 Febre de Origem Indeterminada..................................... 441 Gabriel Assis Lopes do Carmo e Matheus Cavalcante Franco

Capítulo 85 Surdez - Presbiacusia..................................................... 513

Capítulo 74 Febre Alta......................................................................................

Carlos Alberto Franchin Neto e José Luiz Pedroso

Bruno Thieme Lima

447

Daniel Bouchabki de Almeida Diehl e José Luiz Pedroso

SEÇÃO 10 Doenças Dermatológicas................................................... 453

Capítulo 75 Bolhas pelo Corpo.......................................................... 455 Thaís Cruz Berti Franchin

Capítulo 76 Prurido............................................................................. 459 Flávio Augusto de Carvalho e Fabiana Guandalini Mendes

SEÇÃO 11 Problemas Gerais em Clínica Médica.............................. 465

Capítulo 86 Zumbido........................................................................... 520 Alessandra Billi Falcão, Mariana Gomes Adas e Karen de Carvalho Lopes

Capítulo 87 Perda Visual.................................................................... 526 Ana Laura de Figueiredo Bersani, Emmanuel Casotti,

Duque de Bárbara e Paulo Mitsuru Imamura

Capítulo 88 Edema Generalizado ....................................................... 530 Vitorde Andrade Vahle, Carolina Castro Porto Silva Janovsky

Capítulo 89 Olho Vermelho................................................................. 536 Lucas Monferrari Monteiro Vianna, José Luiz Pedroso e Emmerson Badaró

Capítulo 90 Alargamento Mediastinal................................................ 543

Capítulo 77 Penda de Peso.................................................................. 467

Fernanda Santos Lopes Teixeira, José Luiz Pedroso e Matheus Vescovi Gonçalves

Agessandro Abrahão, Vitorde Andrade Vahle e

Capítulo 91

Catarine Teles Farias Britto

Nódulos no Pescoço........................................................ 549

Capítulo 78 Fraqueza.......................................................................... 473 Carolina Castro Porto Silva Janovsky e Flávio Ferlin Arbex

Thiago Xavier Carneiro e Larissa Guedes da Fonte Andrade

Capítulo 92 Depressão......................................................................... 554 Ana Beatriz Kinupe Abrahão, Agessandro Abrahão e

Capítulo 79 Coma............................................................................... 479 Marcelo Marinho de Figueiredo, Patrícia Rocha de Figueiredo

e José Luiz Pedroso

Vivian Paz Leão Maia

Capítulo 93 Velocidade de Hemossedimentação Aumentada............. 561 Lauro Figueira Pinto e José Luiz Pedroso

Índice - XXVII

Capítulo 94

Capítulo 97

Alucinação............................................................................. 568

Dor em Hipogastro ............................................................ 585

Renato Antunes dos Santos e José Luiz Pedroso

Capítulo 95 Etilismo............................................................................... 572 Edson Luis Costa Zaparoli e José Luiz Pedroso

Capítulo 96 Incontinência Urinária ....................................................... 577 Bruno Teixeira Bernardes

Felipe Favorette Campanharo

Capítulo 98 Amenorreia ......................................................................... 588 Margareth Chiharu Iwata, José Maria Soares Junior e Luciana Campanatti Crema

Capítulo 99 Infertilidade.......................................................................... 594

SEÇÃO 12 Doenças Ginecológicas.......................................................... 583

Bruno Teixeira Bernardes

Índice Remissivo................................................................. 598

___________________________________

CAPÍTULO

1

Introdução José Luiz Pedroso Muitas e muitas vezes eu saí para meu consultório à noite sentindo que não conseguiria

manter meus olhos abertos nem mais um momento... Mas quando eu via o paciente, tudo isso desaparecia. Num instante, os detalhes do caso começavam a se organizar num esquema

identificável, o diagnóstico começava a se decifrar ou se recusava a mostrar-se claramente e a caçada começava. Ao mesmo tempo, o próprio paciente se tornava algo que precisava de atenção, as peculiaridades dele, as reticências e a sua fraqueza. E embora eu pudesse sentir-me

atraído ou repelido, a atitude profissional que todos os médicos devem manter me sustentava

e definia em que termos eu deveria proceder.

William Carlos Williams (The Autobiography)

A história começa com um jovem de 18 anos de idade.

dia da consulta. Ele vai sozinho. O jovem é atendido pela

Queixa-se de fortes dores de cabeça, com frequentes

secretária, que pinga um colírio (não informa o nome e

episódios nos últimos seis meses. No auge de seus estudos

nem o motivo) e pede para aguardar. Em 20 minutos, é

para passarno vestibularde Medicina, é tomado por esse

levado a uma sala vazia no final do corredor e a secretá­

sintoma, que muitas vezes lhe traz muita angústia. “Por

ria orienta:

que essas dores em um momento tão decisivo de minha

vida?”, pensava ele. Já teve dores de cabeça no passado,

Você pode aguardaro doutor..”

mas desta vez é persistente e limitante. A doré quase

diária e, muitas vezes, prejudica os estudos. Tem ficado

noites acordado por conta do vestibular que está próximo.

Em pouco tempo, abre-se uma outra porta e o médico entra:

Luta contra o sono e contra o cansaço para resolver os

mais difíceis problemas de Matemática, decoraras clas­

Bom dia... Qual o seu problema?”

sificações da Zoologia, entender assuntos de Geopolítica

Estou com muitas dores de cabeça e gostaria de

e tentarentenderporque nunca teve êxito nas interpreta­

ções de texto. Sua mãe, sempre muito atenta aos filhos,

saber se pode ser algum problema na visão.” É... Vamos ver! Vem aqui comigo...”

começa a ficar preocupada com as dores e vive imaginan­ do: “será que ele pode ter um aneurisma, ou um tumor

O jovem é levado a uma sala cheia de aparelhos mo­ dernos e, após ser avaliado por quase todos eles, sem mais

no cérebro?”. A despeito disso, um oftalmologista é pro­

nenhuma palavra do médico, é convidado a se sentar.

curado, pois, afinal de contas, são muitas horas de leitura

Você tem 0,5 grau de hipermetropia no olho direi­

e provavelmente a dor seja por esforço visual, ou algo

to e 0,5 grau de astigmatismo no olho esquerdo! Vamos

dessa natureza. Um oftalmologista é agendado; chega o

fazer uns óculos...”

CAPÍTULO

1

2 -

Introdução

Uma receita é dada, mas sem nenhum retomo agen­ dado. Muito satisfeito, o jovem pensa: “agora o problema

está resolvido! Vou mandar fazer hoje mesmo!”.

Olha, a tomografia está normal. Ele não tem nada. Pode ficar tranquila.”

A profunda ansiedade de receber essa notícia é alivia­

Após três meses de uso, nenhuma melhora com os

da momentaneamente, pois certamente um tumor no cé­

óculos. Começa a usar analgésicos de maneira excessiva.

rebro seja improvável, mas a dor persiste. Agora no se­

O seu preferido é a dipirona!

gundo ano de faculdade, tem aulas de neurofisiologia com

Opta por nova consulta, agora com outro oftalmolo­

gista (o segundo até agora):

um professor para o qual solicita ajuda. O sexto médico... Como é a sua dor?” - pergunta o doutor

Tenho fortes dores de cabeça e problema nas ‘vis­

conforto e de que está no caminho certo. Uma história

tas’. Mesmo com o uso dos óculos, continuo com as

médica foi colhida por cerca de 40 minutos, desde as

dores. O que posso fazer para melhorar?”

características da dor até os seus hábitos de vida.

Os clássicos exames de refração são novamente efe­

Na realidade, o seu problema é 0,25 grau de hiper­ metropia no olho direito e 0,25 grau de astigmatismo no olho esquerdo. Vai ter que mudarde óculos...”

ência, pelo toque, pela preocupação do médico em des­ cobriresse mistério e resolvero seu problema...

Saiu com diagnóstico de cefaleia tensional e por uso excessivo de analgésicos. Entre as recomendações, estava

A dor continua, mas nesse momento, nada importa:

o uso de tricíclicos, mudança do estilo de vida e suspen­

passou no vestibular de Medicina... Os sonhos são outros

são dos analgésicos. Após um ou dois meses, as dores já

e as expectativas mudaram.

tinham desaparecido e tudo voltava a ser como era, com

Primeiro ano de faculdade. A dor retoma mais agres­ siva, persistente e agonizante. Continua com uso abusivo

mais alegria, com mais disposição e certo de que encon­ trara um verdadeiro médico...

de analgésicos, às vezes com dois ou três comprimidos de

dipirona ao dia. Decide por nova visita ao médico (a terceira consulta com oftalmologista): Tenho dores de cabeça frequentes. Gostaria de

DISCUSSÃO

saberse pode sera visão e se o ‘meu grau’ está errado.”

Vamos ver..”

Novos exames em aparelhos, poucas palavras...

O seu grau está correto. Você deve modificar

Durante os anos de faculdade do curso médico, ouve-se falarna importância da história médica e da relação com os pacientes. Livros e mais livros, embora meramente

a posição em que está estudando. Na realidade, não sei a

teóricos, tentam insistentemente tomar real uma enorme

causa da dor..”

dificuldade encontrada pela Medicina da atualidade. Uma

A conduta é realizada, mas nenhuma melhora. A dor

tradição de três mil anos, que envolvia o médico e o pa­

é diária, como um peso na cabeça, agora mais intensa e

ciente no mesmo vínculo especial de confiança, está

sem melhora com a tão necessária dipirona. Um ano

sendo substituída porum novo tipo de relacionamento. A

e meio com dore o desespero começa. Um amigo médi­

cura está sendo trocada pelo tratamento, os cuidados

co (o quarto profissional a ser procurado) diz:

médicos, suplantados pelo gerenciamento, ao mesmo

Acho que é sinusite... Vamos ter que fazer uma

radiografia de face.”

tempo em que a arte de ouvir foi superada pelos proces­ sos tecnológicos. Em suas palavras, Lewis Thomas escre­

Não havia história de tosse, secreção nasal ou dorna

veu: “a Medicina deixou de sera aplicação das mãos;

face. Apesar disso, o médico insistiu e uma radiografia

hoje, é mais uma leitura de mostradores de máquinas”.

foi programada. O médico analisa o exame e diz, um pouco frustrado:

Os médicos já não se dedicam aos indivíduos, mas se

ocupam sim de suas partes orgânicas, fragmentadas e

Realmente você não tem sinusite! Deve serestresse...”

disfuncionais. Não podemos chegarao ponto de dizer que,

A mãe do jovem, nesse momento muito ansiosa e

para curar a ciência deve ser abandonada. Ao contrário,

preocupada, pede para um médico, amigo da família, ver

a melhor cura será aquela que souberassimilaros funda­

o seu filho (o quinto até agora). Insiste por uma ida ao

mentos humanísticos na abordagem aos pacientes, aliados

consultório, mas ele julga desnecessário e resolve tudo

ao poder de evolução da ciência.

por telefone: “vamos fazer uma tomografia!”. A tomografia do crânio é agendada e, após dois dias,

uma ligação do médico:

Dois mil e quinhentos anos atrás, disse Hipócrates: “pois onde quer que haja amor humano também existe

amorà arte. Alguns pacientes, embora cientes de sua

5

tuados. Quase nenhuma palavra é dita durante eles...

No momento do exame, sentiu-se acolhido pela paci­

978 85 4120-074

E tudo é diferente. Uma sensação de segurança, de

Introdução - 3

mais prováveis. Para que esse processo se transforme em realidade, algumas habilidades são cruciais ao médico e

médicos se concentram na queixa principal porque as

por isso devem fazer parte de seu treinamento profissional:

Embora se dê ênfase à história médica, na verdade nem

• Habilidade em entrevista médica e relação médico­

ensinam sua obtenção e sequer a sua compilação. Entre

-paciente, além de habilidades técnicas para obtenção

os mais críticos, circula o seguinte aforismo: “se tudo o

de dados pelo exame físico. Não nos esqueçamos que

mais falhar converse com o paciente”.

os exames complementares colaboram com a obten­

Após esses comentários iniciais, partimos para outra

ção desses dados: saber interpretá-los somente é

etapa: o diagnóstico. O paciente chega ao consultório ou

possível com treinamento e conhecimento científico.

hospital trazendo uma queixa. Cabe ao médico decodifi­

• Reconhecimento das mais variadas enfermidades e

cá-la, transformá-la em doença. No geral, o diagnóstico

de suas manifestações clínicas, somente possível

não é obra de um momento, visto envolver todo um pro­

com leitura aprofundada e incondicional dos livros

cesso dedutivo, em tudo semelhante a um romance policial,

e artigos médicos.

com o objetivo de encontrar uma pista do culpado. O

• Raciocínio lógico e habilidades de interpretação.

diagnóstico é sempre um quebra-cabeça, mas um quebra­

Apesar da busca pelo raciocínio correto e perfeito,

-cabeça traiçoeiro. Estabelecer um diagnóstico é uma

a ciência e a arte da Medicina são complexas: não

operação probabilística e, portanto, deve sempre ser ba­

há quem esteja a salvo de erros! Uma banal dor

seada em hipóteses diagnósticas e nunca em certezas

lombar vista centenas de vezes, legítima doença

absolutas e irrefutáveis.

comum, uma ou outra vez reserva surpresas: pode­

Dessa maneira, o processo diagnóstico deve obedecer a uma sequência lógica: 1) coleta de evidências; 2) formu­

ríamos estar diante de uma metástase, ou uma vér­ tebra corroída pela osteomielite, ou até de uma

lação de hipóteses; 3) seleção da doença ou das doenças

emergente dissecção da aorta.

1

978-85-4120-074-5

escolas de Medicina não lhes ensinaram a arte de ouvir

CAPÍTULO

perigosa situação, recuperam a saúde simplesmente por causa de sua satisfação com o médico”. Em geral, os

CAPÍTULO

2

Entrevista Médica Ricardo Rocha Bastos Subir ao púlpito e não dizer a verdade é contra o ofício, contra a obrigação e contra a consciência.

Padre Antônio Vieira (1653)

INTRODUÇÃO

ne) entre as cadeiras e estas se colocam não frente a fren­

A entrevista com a paciente está agendada para as 16:00.

te, mas em ligeiro ângulo, a permitir que os espaços indi­ viduais sejam respeitados. Existe provisão de uma cadeira

Na agenda: nome, contatos (telefone, e-mail) e a obser­

extra, pois a paciente poderá vir acompanhada. O médico

vação de que se trata de uma primeira consulta.

tem uma escrivaninha ao lado de sua cadeira, com material

O médico sabe que a entrevista é a ferramenta clínica

mínimo de apoio (canetas, fichas de prontuário, prancheta,

que, isoladamente, tem o melhor desempenho diagnósti­

lenços de papel). Tudo colabora para que o grande poten­

co e, para isto, revê mentalmente suas partes fundamentais:

cial da entrevista seja plenamente aproveitado. O médico se prepara para iniciar. Sabe que estará

• Ambientação.

utilizando a mais importante ferramenta do método clínico.

• Acolhimento. • Identificação preliminar • Primeira pergunta propiciatória. • Fala livre.

ACOLHIMENTO

• Questionamento dirigido.

O médico se desloca até a sala de espera e, pontualmen­

• Questionamento geral.

te às 16:00, convida a paciente a entrar: “Dona Fulana,

• Segunda pergunta propiciatória.

por favor”. Pessoalmente a conduz até a cadeira, quando

• Medicamentos em uso.

então a cumprimenta com um “prazerem conhecê-la”, ou

• Terceira pergunta propiciatória.

um “seja bem-vinda”, “pode se sentar’. O médico sabe que expressões como “tudo bem?”, embora usadas social­

mente de modo amplo, não têm lugar aqui.

AMBIENTAÇÃO O local de entrevista está preparado. Confortável mas sem

A senhora está sentada. Veio com uma acompanhan­

te, que apresenta como “uma amiga”. Traz uma sacola

ostentação, tem uma cadeira firme para o paciente e uma

de exames e diz: “quero ver o senhor dar um jeito na minha perna”, ao mesmo tempo em que passa a sacola

para o médico. Não há mesa (nem computadorou telefo­

de exames às mãos do médico.

6 - Entrevista Médica

Com o comentário “que bom que a senhora trouxe os

muito elucidativa sobre o que está ocorrendo ou ser ape­

exames”, o médico os coloca (sem abrir) na escrivaninha

nas um confuso relato das ações médicas tomadas até

auxiliar e volta toda a sua atenção para a paciente.

agora (como foi o caso dessa senhora). Não importa, pois

CAPÍTULO

2

IDENTIFICAÇÃO PRELIMINAR

posta da ciência que, por sua vez, tem uma linguagem própria. A fala livre poderá ser longa ou curta. Poderá ser

últimas informações foram colhidas por uma secretária

lista vai sendo construída: a pauta da paciente (que cons­

devidamente orientada a fazê-lo num ambiente reservado

ta de um ou mais itens).

e nunca na presença de terceiros. Conferindo o nome, o

A pauta da paciente: dor na perna direita.

médico diz: “então a senhora se chama...”, logo pergun­

tando: “é nascida aqui na cidade?”. Definido o local do nascimento e conferido o local de residência, a próxima pergunta é: “e a senhora está com quantos anos agora?”,

logo seguida por “e seu aniversário cai em que mês?”.

O médico sabe que chegou a hora do atributo da precisão.

Perguntas sobre estado civil e profissão não são feitas

A menos que consiga precisar o que essa dorna perna

aqui. Não por não serem importantes, mas porque o co­

quer dizer não poderá fazer suas interpretações. Inicia

nhecimento ainda é muito pequeno para informações tão

então uma série de perguntas (as chamadas sete dimensões)

pessoais. Seu tempo certo chegará durante a entrevista.

especificamente voltadas para o item da pauta. Em jogo:

A senhora tem 61 anos de idade e parece muito sociá­

vel. Sempre viveu naquela cidade.

• Cronologia: “desde quando a senhora está sentindo isso?”

PRIMEIRA PERGUNTA PROPICIATÓRIA

• Localização: “exatamente em que local é a dor?”. • Qualidade: “qual é a sensação que esta dorprovoca?”. • Quantidade: “a dor chega a impedir que faça algu­

ma coisa?” • Atenuação: “o que costuma aliviar?”

É hora então de perguntar “por que a senhora está me

• Agravamento: “o que costuma piorar?”

procurando hoje?”. Com toda calma, o médico se prepa­

• Associação: “a dor vem junto com alguma outra

ra para ouvir. Notas serão tomadas, mas sempre de ma­

coisa?”

neira resumida, a não prejudicara atenção que se presta à senhora. Muitas informações úteis virão, sem que se

Existe uma dor intensa (a ponto de acordá-la, à noi­

diga nada. Tudo por conta da comunicação não verbal,

te, e com resposta apenas parcial a analgésicos) no mem­

tanto da paciente para o médico (daí a importância de se

bro inferior direito, há cerca de três semanas, inicialmen­

prestar mais atenção ao paciente que ao que se escreve),

te na face anterior da coxa e a seguir na face posterior

quanto do médico para a paciente (e daí o cuidado com

da perna, até o tornozelo. Nos últimos dias está tendo

o que transmitimos sem nada falar).

dificuldade em subir escadas.

A senhora conta sobre a dor na “perna direita”, que

"não vai embora”. Já se consultou com ortopedista e

Satisfeito com a precisão que imprimiu ao item da pauta, o médico se permite o próximo passo:

reumatologista e foi submetida a radiografas e tomografia. Vem fazendo fisioterapia ejá tomou vários medicamentos.

INTERPRETAÇÃO FALA LIVRE DA PACIENTE

Acontecendo apenas na mente do médico, esse passo

Nunca sabemos o que vai acontecer aqui. O certo é que

consiste em encontrarum termo técnico para o item pre­ cisado (será uma claudicação intermitente, ou uma dordo

uma pessoa vai falar de suas dores, de suas observações,

tipo radiculopatia, por exemplo?), resgatar sua fisiopato­

de suas interpretações, de suas crenças. Essa pessoa que

logia e esboçar uma chave de diagnósticos diferenciais

fala não tem compromisso com o método clínico, pois

para a condição definida.

com grande probabilidade nunca estudou semiologia.

Isso feito, é preciso lembrar que a condição identifi­

Usará sua própria linguagem e estará ali para uma res­

cada (e provavelmente bem descrita pela ciência médica

5

QUESTIONAMENTO DIRIGIDO

978 85 4120-074

o nome completo e o endereço (com contatos). Essas

o médico está ouvindo e colocando em prática sua obje­ tividade. À medida que a fala livre se desenrola, uma

Verifica então a ficha, que não deverá trazer mais que

Entrevista Médica - 7

como uma dor em distribuição multidermatomérica de plexo lombossacral à direita, com possível déficit motor)

• Qual foi o tratamento proposto? • Qual foi o resultado do tratamento?

desconhecida. O médico quer saber então sobre que ter­ reno (sobre que individualidade) a situação se implanta. É tempo de:

Esse roteiro oferece uma probabilidade razoável de você acabar aprendendo que o mal de Meleda é uma

ceratodermia palmoplantar hereditária.

978-85-4120-074-5

mas ainda existem aquelas questões mais delicadas, como

QUESTIONAMENTO GERAL

status profissional e financeiro, relações familiares, ativi­

Aqui temos a pauta do médico, um conjunto de perguntas

se faz esperar:

dade sexual e uso de drogas ilícitas. O próximo passo não

que começarão a desvendar aquela individualidade. Na

sequência: • Como anda seu apetite? • Como está funcionando o intestino? • Notou algo diferente com sua urina? • Tem observado alteração em seu peso? • Tem dormido bem? • Quando foi sua última menstruação? • Fuma? • Bebe bebida alcoólica? • Pratica algum tipo de exercício? • Já foi operada alguma vez? • Já esteve internada alguma vez? • Já teve alguma doença mais importante? • Existe algum remédio que não possa tomar porque

sabidamente lhe causa problemas?

SEGUNDA PERGUNTA PROPICIATÓRIA “Em sua casa, é a senhora e mais quem?”. Uma pergun­ ta simples, mas que abre as portas para as revelações mais íntimas, desde que cada nova informação seja devidamen­ te ponderada. É aqui que saberemos da profissão, do es­ tado civil e de qualquer outra informação tradicionalmen­

te colhida na identificação, mas que explicitada aqui, o é com muito maior naturalidade. A questão das relações de dominação, a figura do cuidador as opções sexuais, tudo será revelado aqui. A senhora vive só com o marido. O casal não tem

filhos (casou-se já com 43 anos de idade). A acompa­ nhante é a melhor amiga.

O médico ainda sabe que nos dias atuais o uso de Ficamos sabendo de uma senhora que sempre gozou de boa saúde. As únicas novidades, além da dor, são

fármacos cresce exponencialmente. Portanto, não se es­ quece de questionar:

poliúria e perda de peso (não quantificada). Algumas vezes, os pacientes nos falarão de doenças

diagnosticadas ou procedimentos a que se submeteram, sobre os quais pouco ou nada conhecemos. Se isso ocor­

MEDICAMENTOS EM USO

rer não deixamos de usara:

“Que remédios a senhora está usando agora?”. As res­

postas são cuidadosamente anotadas, com as doses diárias

PERGUNTA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA Na verdade, é um conjunto de perguntas que nos ajudam a compreender algo que não conhecemos bem. Se, por

e o tempo de uso. Se possível, com verificação de quan­ to a paciente compreende a utilidade do que toma.

A senhora está usando injeções de dexametasona +

complexo B. Já usou nimesulida e diclofenaco. A entrevista está se aproximando do fim, mas algo

ainda muito importante precisa ser lembrado:

exemplo, a paciente nos fala que foi diagnosticada com

o “mal de Meleda”, sobre o qual provavelmente nunca ouvimos falar podemos seguir o roteiro:

• Quando foi o diagnóstico? • Quem fez o diagnóstico? • O que a senhora sentia quando o diagnóstico foi

feito?

TERCEIRA PERGUNTA PROPICIATÓRIA “Existe ainda alguma coisa que a senhora queira me dizer?”. Esta é a oportunidade que a paciente tem de

2

Muitas informações úteis já apareceram a essa altura,

CAPÍTULO

está acometendo uma pessoa que nos é quase totalmente

8 - Entrevista Médica

CAPÍTULO

2

contar algo que a constrangia até ali, mas que pode estar mais fácil de ser mencionado após uma entrevista cortês e interessada como esta. Pode ainda ser a chance de le­

vantaralgo que havia sido realmente esquecido. A tercei­

ra pergunta propiciatória pode também ser estendida a um acompanhante.

A acompanhante diz neste momento: “fala para ele de

sua tonteira”, ao que a paciente retruca: “já ia me esque­ cendo”.

O médico sabe o que fazer com esta (e qualquer outra) nova informação. É hora de retomar com o atributo da precisão (lembra das sete dimensões?) e investigar este

novo dado até que ele possa ser interpretado. A senhora conta então sobre a tonteira, no padrão

pré-síncope, nos últimos meses.

ATRIBUTOS Durante toda a entrevista, o médico procura aplicar os atributos essenciais de: • Respeito (aceitar aquela pessoa sem pré-julgamentos ou juízos de valor). • Sinceridade (ser quem o médico é, sem exagerar suas capacidades nem menosprezá-las). • Empatia (perceber uma reação emocional da pacien­ te, sinalizara percepção e se absterde compartilhá­ -la ou inibi-la). • Objetividade (pescar em meio a uma fala não ne­ cessariamente didática, aquilo que tem valor). • Precisão (buscar todas as informações necessárias à melhor compreensão daquela questão em particular).

A entrevista terminou e o médico certifica-se de que

elaborou uma:

LISTA DE PROBLEMAS • Senhora de 61 anos de idade com dor em membro

inferior direito (possível distribuição multidermato­

mérica). • Déficit motor em membro inferior direito? • Poliúria e perda de peso (disfunção metabólica?). • Em uso atual de corticoide e recente de anti-infla­ matórios (verificar função renal).

• Tonteira tipo pré-síncope (disfunção metabólica?

ANAMNESE Observe que nada ainda se falou sobre anamnese. Isso é proposital. Finda a entrevista, com as anotações pertinen­ tes feitas, o médico tem condições de redigir no momen­ to apropriado, um documento formal, com termos técnicos e delineamento padronizado, conhecido como anamnese. Fazer uma entrevista de maneira proficiente significa reler e refletir sobre este capítulo e entrevistar inúmeros pa­ cientes, até que as etapas propostas sejam vencidas com suavidade. Escrever uma anamnese de maneira proficien­ te significa apenas organizar os dados colhidos na entre­

vista, dentro da sequência:

Arritmia cardíaca?).

O médico sabe que a lista de problemas instruirá os componentes do exame físico (por exemplo, como escapar da pesquisa de motricidade e sensibilidade de membros inferiores aqui?) e as investigações laboratoriais (como

evitar uma determinação de glicemia e creatinina sérica e a obtenção de um eletrocardiograma?). O exame físico (próximo capítulo) vai começar.

• • • • • • • •

Identificação. Queixa principal. História da doença atual. História fisiológica. História social. História patológica pregressa. História familiar Outros dados.

O médico diz: “gostaria de examiná-la, agora; posso?”.

DISCUSSÃO ESTÍMULO IATROTRÓPICO Neste momento, o médico deve ter compreendido a ver­ dadeira razão pela qual aquela senhora procura aquele médico naquele momento, ou seja, o estímulo iatrotrópi­

co, que nem sempre foi explicitado na fala livre da pa­ ciente. Identificaro estímulo iatrotrópico é meio caminho andado para a construção de uma forte parceria com a

paciente.

Uma entrevista assim conduzida é o cerne do método clínico e a ferramenta diagnóstica com melhordesempe­ nho isolado. O tempo para sua realização é naturalmente variável (não há duas pessoas iguais, não é mesmo?), mas avaliações em tempo real apontam para os limites de 10 a 30 minutos. Cumpre lembrar que uma entrevista com todos esses componentes é realizada no primeiro encontro. Apenas alguns elementos precisam ser abordados em encontros subsequentes. Esse modelo é factível em ambu­

Entrevista Médica - 9

latórios, consultórios e admissões hospitalares e pode ser aplicado a pacientes a partir da idade escolar com partici­ te das tecnologias para investigação diagnóstica tem produ­

zido um descrédito quanto à validade da entrevista. A emblemática frase, “há necessidade de correlação clínica”,

complementares, é um sóbrio lembrete de que só quem conhece aquela pessoa pode fazer o melhor uso daquelas informações impressas. E como conhecer sem entrevistar?

REFERÊNCIA (COM COMENTÁRIOS DO AUTOR) 1. VIEIRA, A. SffmãodaPrfandraDαnir^daQtCTeanaraCir dadedeS. LrjsdoMa-a+ãoroArDdelSB Lisboa: Revista

BASTOS, R. R. MétcdocMrico Disponível em: www.medicinatual. com.br (Casos clínicos mensais, em que o autorilustra a aplicação dos métodos de entrevista médica) COULEHAN, J. L; BLOCK, M. R. TLemαlicáirteviβv - masta irg ddllsfαr cliricá pratice Philadelphia: FA Davis Company. 4. ed., 2001,304p. (Excelente livro em que os autores ilustram com inúmeros exemplos as situações que vivenciamos em nossas entrevistas)

2

sempre presente no final de elaborados laudos de exames

LEITURA COMPLEMENTAR (COM COMENTÁRIOS DO AUTOR)

CAPÍTULO

pação variável do acompanhante. O crescimento permanen­

de Portugal, 1946, 126p. (Arrebatado orador católico do século XVII, padre Antônio Vieira tem muito a nos ensinai; com a clarivi­ dência e a surpreendente atualidade de seus sermões)

CAPÍTULO

3

Exame Físico de Abordagem Ricardo Rocha Bastos Inopinadamente, os valores mudavam de sinal, o transitório

sobrepunha-se ao eterno, e só uma coisa se mantinha firme diante dos seus olhos de homem: a moleira estendida no leito...

Miguel Torga (1945)

INTRODUÇÃO

OLHOS

A senhora foi convidada ao exame físico. Antes, foi-lhe ofe­

O médico examina os olhos: pupilas, movimento ocular, conjuntivas. Com o oftalmoscópio, verifica o clarão pupilar.

recida uma oportunidade pai a ir ao banheiro, a qual aceitou.

O exame físico de abordagem é uma sequência de

Não há alterações.

procedimentos que garantem um exame abrangente e ao mesmo tempo factível. Factível no sentido de que pode ser realizado com o mínimo de recursos e dentro das

restrições de espaço geralmente encontradas.

OUVIDOS Uma otoscopia é providenciada. O pavilhão auricular é

TROCA DE ROUPAS E PROCEDIMENTOS INICIAIS Uma auxiliaré chamada. Solicita à paciente que tire toda

tracionado para cima e para trás, para retificação do con­ duto auditivo externo. A otoscopia é normal.

a roupa, fique apenas de calcinha e vista um quimono que

PESCOÇO

lhe é oferecido. A senhora calça ainda chinelos fornecidos.

A atenção se volta agora para o pescoço, no qual se pro­

A auxiliar pesa e mede a senhora, obtendo o índice

curam massas e o pulso jugular. A presença de pulso jugular visível com a pessoa na posição sentada sugere

de massa corporal (peso dividido pela altura ao quadrado). A seguir posiciona-a sentada sobre a mesa de exames.

A senhora está sentada sobre a mesa de exames, ves­ tida com um quimono. O médico se aproxima munido de

uma folha sobre uma prancheta, para anotações. Sempre diz preliminarmente à senhora o que vai fazer. Começa

com: “deixe-me ver seus olhos”.

pré-carga aumentada. A proeminência laríngea e a carti­ lagem cricóidea são identificadas, pedindo-se à pessoa que faça leve extensão do pescoço. O local da tireoide é palpado. Todo o pescoço é palpado em busca das cadeias linfonodais.

O pescoço está normal.

12 -

Exame Físico de Abordagem

CAPÍTULO

3

BOCA Com uma lanterna e uma espátula, toda a cavidade oral

MEMBRO SUPERIOR DIREITO

é examinada: as gengivas, o palato, a orofaringe com o

inevitável “diga um ah prolongado”, a língua e o soalho

Colocando-se à direita da senhora, o médico inspeciona

da boca. Pede-se ainda que a senhora faça a protrusão da

o membro superior direito, pesquisa o reflexo bicipital e

língua e mostre os dentes com a boca fechada.

afere a pressão arterial (PA). O reflexo bicipital avalia a

A boca está normal.

integridade de bíceps braquial, nervo musculocutâneo e

PULSOS RADIAIS Os pulsos radiais são agora palpados simultaneamente,

valor de pelo menos 80% do perímetro braquial daquela pessoa. Insufla-se o manguito enquanto se palpa o pulso braquial, até que este desapareça (PA sistólica pelo mé­

radiais fala a favor de integridade anatômica do arco

todo palpatório), insuflando-se cerca de 20mmHg a mais.

aórtico e subclávias.

Coloca-se o estetoscópio sobre a artéria braquial enquan­

Os pulsos radiais são simétricos.

to se desinsufla vagarosamente o manguito. O início dos

sons de Korotkoff marca a PA sistólica e seu desapareci­

mento, a PA diastólica. Fazendo-se inicialmente a palpa­

REFLEXO PATELAR

ção como descrito, não se corre o risco de ser enganado por um hiato auscultatório.

O reflexo patelar é pesquisado bilateralmente, com o re­ sultado sendo assim expresso: • Ausente.

O reflexo bicipital é grau II e a PA é 180 × 98mmHg.

• Presente grau II.

MEMBRO SUPERIOR ESQUERDO

• Presente grau III. • Presença de clônus (repetição do movimento com

Mudando de lado, o médico repete o procedimento ante­

• Presente grau I (só aparece se uma manobra de re­ forço for empregada).

uma única pesquisa).

rior agora no membro superior esquerdo. O reflexo bicipital é grau II e a PA é 186 × 100mmHg.

A pesquisa tem em mente a integridade de quadríceps femoral, nervo femoral e raiz L4, principalmente.

Não há patelar à direita e este está presente (grau II)

A diferença entre as pressões sistólicas de ambos os membros superiores é de 6mmHg. Diferenças acima de

15mmHg aumentam o risco cardiovascular

à esquerda. A senhora é convidada a adotar o decúbito dorsal. Ficará inicialmente coberta com um lençol e se prestará atenção à necessidade de elevação da cabeceira ou ajus­ te de travesseiro para maior conforto.

AUSCULTA CERVICAL Solicitando que a senhora faça extensão do pescoço, o médico ausculta a região cervical em busca de sopros.

MEMBROS INFERIORES

Um sopro cervical tem baixa sensibilidade para diagnós­ tico de lesões hemodinamicamente significativas na cir­

O médico se posta aos pés da mesa de exame e, sempre anunciando o que vai fazer pesquisa os pulsos tibiais e procura edemas, descrevendo qualquer alteração cutânea que sua inspeção revele. Os pulsos tibiais estão presentes bilateralmente, não

há edemas e a inspeção dos membros inferiores parece normal.

culação carotídea ou vertebral, mas sua presença sempre obriga a uma investigação mais detalhada. A ausculta cervical também pode encontrar um sopro irradiado a

partir do precórdio (às vezes, é nossa primeira suspeita de estenose aórtica).

O pescoço da senhora é silencioso.

5

anotando-se qualquer assimetria. Simetria dos pulsos

braçadeira cujo manguito tenha, de comprimento, um

978 85 4120-074

raiz C5, principalmente. A PA é aferida utilizando-se uma

A auxiliar agora ajuda a senhora a desabotoaro quimono para exposição da face anterior do tórax, que será cober­ ta com uma pequena toalha, a ser removida de setores específicos à medida que são auscultados. O médico ajusta o estetoscópio aos ouvidos, seleciona a membrana como peça auscultatória, palpa o ângulo do manúbrio do esterno e corre o dedo levemente para baixo e para a direita. Pronto: está no segundo espaço intercostal direito (2º EID) junto ao esterno. Palpa então um pulso arterial

o desdobramento inspiratório de B2. É “tum-tá” que vira

(carotídeo, braquial ou radial) e, auscultando e palpando o pulso simultaneamente, inicia a ausculta cardíaca.

“tum-tlá” no final da inspiração, por atraso no componen­

te pulmonar da segunda bulha. Vale lembrar que B2

3

AUSCULTA CARDÍACA: A PREPARAÇÃO

a respiração não forçada da paciente (nada de solicitar respirações mais fortes aqui) modifica B2. É de se espe­

CAPÍTULO

978-85-4120-074-5

Exame Físico de Abordagem - 13

rar que B2 se tome um som duplo mais para o final da inspiração, voltando a ser um som único à expiração. É

consiste no componente aórtico (A2) e pulmonar (P2). Ocorre que o componente pulmonar de B2 (P2) só é ouvido no segundo espaço intercostal esquerdo (2º EIE)

e, por esta razão, só neste local existe o desdobramento inspiratório de B2. A conclusão é que B2 ouvida em outras áreas do precórdio significa apenas A2. À medida que a pessoa envelhece, o desdobramento inspiratório de B2 se toma menos discernível. B2 que só se desdobra à

expiração (desdobramento invertido de B2) é patológica

AUSCULTA CARDÍACA: SEGUNDO ESPAÇO INTERCOSTAL DIREITO Inicialmente, identifica as duas bulhas: B1 pouco antes (ou quase simultânea) do pulso arterial e B2 logo após este. B1 coincide com o fechamento das valvas atrioven­ triculares (mitral e tricúspide) e introduz a sístole. B2 coincide com o fechamento das valvas semilunares (aór­ tica e pulmonar) e introduz a diástole. Acostuma-se com a cadência: B1-pulso-B2, o popular “tum-tá”, com a sensação de pulso no meio. Observa-se B1 < B2 em in­ tensidade. Certifica-se de que o intervalo B1-B2 (interva­ lo sistólico) é mais curto que o intervalo B2-B1 (intervalo diastólico). Verifica que os intervalos são silenciosos e que B1 e B2 são sons únicos. A presença de som duplo de B1 nesse local sugere ruído de ejeção aórtica (REA). A presença de som duplo de B2 nesse local sugere esta­ lido de abertura da mitral (EAM). Conta a frequência cardíaca e a compara com a frequência de pulso, para se assegurar de que não exista déficit de pulso (frequência de pulso menor que a frequência cardíaca). A senhora tem ritmo regular em dois tempos (RR2T), as bulhas são normofonéticas (BNF), B1 (quase inaudí­ vel) é bem menos intensa que B2 (B1 < B2), B1 e B2 são sons únicos e os intervalos sistólico e diastólico são silenciosos.

e pode estar associada a situações como o bloqueio de

ramo esquerdo (BRE) ou disfunção grave do ventrículo

esquerdo (VE). O desdobramento invertido de B2 é sinal de dessincronia ventricular sendo por si só um fator de

risco cardíaco. B1 dupla exclusivamente nesse local su­ gere ruído de ejeção pulmonar (REP). A senhora apresenta desdobramento invertido de B2.

AUSCULTA CARDÍACA: REBORDO ESTERNAL BAIXO O médico continua auscultando, à medida que desce o rebordo esternal esquerdo (REE) até a região paraxifoi­

de. O ritmo B1-B2 deve continuar inalterado, com a seguinte modificação: B1 vai aumentando de intensida­

de, a ponto de igualar ou mesmo ultrapassara intensi­

dade de B2. No caso da senhora, B1 continua bem menos intensa que B2.

AUSCULTA CARDÍACA: PONTA O médico chegou à ponta do coração. Normalmente no 4° ou 5º EIE, em sua intercessão com a linha hemiclavi­ cular esquerda, a ponta do coração pode ser palpada em

AUSCULTA CARDÍACA: SEGUNDO ESPAÇO INTERCOSTAL ESQUERDO

algumas pessoas (é o impulso cardíaco apical ou ictus cordis). É ali que o médico ausculta nesse momento. O

Agora as referências já estão mais firmes e chegou o momento de se concentrarem B2. O médico observa se

intensa que B2. Os intervalos sistólico e diastólico são

ritmo “tum-tá” deve se manter com o crescimento de

intensidade de B1. Na ponta do coração, a senhora tem B1 bem menos silenciosos.

CAPÍTULO

3

14 -

Exame Físico de Abordagem

AUSCULTA CARDÍACA: PESQUISA DE TERCEIRA E QUARTA BULHAS Ainda na ponta, o médico faz a seleção da campânula como peça auscultatória e com mínima pressão (apenas

colocando a campânula sobre a ponta) pesquisa se B1 é

som único ou duplo. Um som duplo de B1 agora, que desaparece após compressão firme da campânula, define

INTERVALOS RUIDOSOS Os intervalos sistólico e diastólico devem ser silenciosos.

Intervalo sistólico ruidoso sugere sopro sistólico (SS) e intervalo diastólico ruidoso sugere sopro diastólico (SD). Se, por um lado, SS pode ser funcional (não ligado à doença cardíaca, como em anemia ou tireotoxicose) ou decorrente de doença cardíaca, SD sempre obriga a uma

investigação detalhada das anatomia e fisiologia cardíacas (na prática: ecocardiografia Doppler).

a quarta bulha (B4). B4 aponta para disfunção ventricular

diastólica. O médico pesquisa ainda se B2 é som único ou duplo. Um som duplo de B2 agora, que desaparece após

ABDOME

compressão firme da campânula, define a terceira bulha

(B3). B3, fisiológica em jovens sem outros achados, pode

O abdome agora é exposto e inspecionado. Auscultam-se

indicar disfunção ventricular sistólica numa pessoa com

as regiões periumbilicais em busca de sopros. A tensão

sintomas. Se B4/B3 não forem identificadas assim, a se­

abdominal é avaliada por palpação suave em faixas trans­ versais, da esquerda para a direita e de baixo para cima.

nhora ainda deve ser colocada em decúbito lateral esquer­

do e o procedimento repetido. Som duplo de B1 em ponta, além de B4, pode sugerir REA. Som duplo de B2

em ponta, além de B3, pode sugerir EAM. De notável,

temos que REA e EAM são sons de alta frequência, mais bem audíveis com a membrana, em oposição a B4 e B3. Na ponta, a senhora tem complexo duplo de B1.

A interseção da linha axilar média esquerda com o último

espaço intercostal é identificada (ponto de Castell) e uma

percussão é feita aí. Timpanismo durante a inspiração afasta esplenomegalia. Macicez durante a inspiração obri­ ga à tentativa de palpação do baço (mão esquerda sobre as costelas posteriores do lado esquerdo, forçando o hi­

pocôndrio esquerdo para frente, e a mão direita palpando

superficialmente, na parede anterior,à inspiração). Busca-

AUSCULTA CARDÍACA: COMPLEXOS DUPLOS DE B1 E B2

se a palpação do fígado sob o gradil costal direito duran­

Quando B1 for ouvido como complexo duplo, as opções são:

trio, fossa ilíaca direita, flanco direito e mesogástrio) em

te a inspiração. Faz-se palpação profunda do abdome nas

nove áreas (hipocôndrio direito, epigástrio, hipocôndrio esquerdo, flanco esquerdo, fossa ilíaca esquerda, hipogás­

busca de massas e com identificação de aorta abdominal • Ruído de ejeção aórtica (em todo o precórdio).

(epigástrio/mesogástrio), sigmoide (fossa ilíaca esquerda)

• Ruído de ejeção pulmonar (só no 2º EIE).

e ceco (fossa ilíaca direita).

• B4 (só em ponta). • Desdobramento fisiológico de B1 (REE baixo, na área paraxifoide).

Quando B2 for ouvido como complexo duplo, as

opções são:

O abdome está livre, com tensão normal e sem massas palpáveis. A senhora é convidada a sentar-se na mesa de exames, com os pés pendentes. O quimono tem sua porção supe­

rior abaixada, de forma a expor o dorso. A face anterior

do tórax é protegida com pequeno babador.

• Desdobramento de B2 (só no 2º EIE). • B3 (só em ponta). • EAM (em todo o precórdio).

AUSCULTA RESPIRATÓRIA Posicionando-se atrás da paciente e solicitando respirações

Às vezes, se ausculta um tempo extra, exatamente

mais profundas, pela boca, mas “sem fazer barulho”, o

entre B1 e B2 (ou seja, não podemos definir um comple­

médico faz a ausculta respiratória. Procura um som suave,

xo duplo de B1 nem de B2). Se isso ocorrer na ponta e

mais duradouro à inspiração que à expiração, e sem in­

REE baixo, estamos na presença do clique mesossistólico

tervalo silencioso entre as duas fases: o murmúrio vesi­

do prolapso de válvula mitral. A senhora tem B4.

cular (MV).

O MV é universalmente presente e simétrico.

Exame Físico de Abordagem - 15

JUNTANDO AS PEÇAS

Foram incluídos então os seguintes galhos:

• Fundoscopia.

CAPÍTULO

• Eletrocardiograma (ECG).

3

O exame físico de abordagem (EFA) está encenado na­

• Força muscular em membros inferiores.

quilo que chamamos de tronco principal (EFA-TP). Vale

• Reflexo aquileu.

a revisão dos 13 passos principais.

• Reflexo cutâneo-plantar

• Medidas preliminares: peso e altura (índice de mas­

sa corporal) A força dos membros inferiores é testada numa esca­ • Paciente sentada:

la de 0 a 5 graus, contemplando os três movimentos do

chute e os três movimentos do coice, a saber

1. Olhos (pupilas, conjuntivas, clarão pupilar). 2. Ouvidos (otoscopia).

• Chute: flexão da coxa (L2-L3).

3. Pescoço (pulso venoso, tireoide, linfonodos).

• Chute: extensão da perna (L3-L4).

4. Boca.

• Chute: dorsiflexão do pé (L4-L5).

5. Pulsos radiais (buscar simetria).

• Coice: extensão da coxa (L4-L5).

6. Reflexo patelar

• Coice: flexão da perna (L5-S1). • Coice: flexão plantar do pé (S1-S2).

• Paciente deitada: A senhora tem diminuição da força de vários movi­

7. Membros inferiores (pulsos tibiais e edemas).

mentos do membro inferior direito, mas principalmente

8. Membro superior direito (PA e reflexo bicipital).

dos movimentos de flexão da coxa e dorsiflexão do pé. No

9. Membro superior esquerdo (PA e reflexo bicipital).

membro inferior esquerdo a força muscular está total­

10. Ausculta cervical. 11. Ausculta cardíaca.

mente preservada.

O reflexo aquileu é preferencialmente testado com a

12. Abdome.

paciente com um joelho fletido sobre uma cadeira. A

13. Ausculta respiratória.

pesquisa investiga a integridade da força do tríceps sural,

do nervo tibial e da raiz S1, principalmente. Os sistemas orgânicos foram abordados e já temos razoá­

A senhora tem o reflexo aquileu abolido à direita.

vel familiaridade com o corpo dessa pessoa. Muitas outras

O reflexo cutâneo-plantar é pesquisado com a pessoa

manobras poderão ser realizadas, entretanto. Chamamo-las

deitada, correndo-se um objeto rombo pela planta do pé,

de “galhos” (pois saem do tronco) e serão incluídas de

desde a borda medial do calcanhar até a base do primei­

acordo com a sugestão de nossa lista de problemas (ob­

ro pododáctilo, sem tocá-lo. A flexão do primeiro podo­

tida da entrevista) e dos achados quando da execução do

dáctilo é o que se espera normalmente (cutâneo-plantar

EFA-TP.

em flexão). A extensão desse dedo (cutâneo-plantar em

No caso da senhora, foram os seguintes os achados

significativos de exame físico:

extensão ou sinal de Babinski) é sinal de liberação pira­

midal (lesão do neurônio motor superior). A senhora tem cutâneo-plantares em flexão.

• Abolição de reflexo patelar à direita.

A fundoscopia é feita num exame físico de abordagem

• Elevação da pressão arterial.

sem midríase farmacológica, apenas tomando-se o cuida­

• Hipofonese de B1.

do de diminuira iluminação da sala de exame. Do clarão

• Desdobramento invertido de B2.

pupilar passa-se à papila óptica, com especial atenção a

• B4.

suas bordas, coloração e dimensão da escavação fisioló­ gica. A seguiros vasos, nas quatro divisões que divergem

Num contexto de dor em membro inferior direito e

da papila (nasais superiore inferiore temporais superior

tropeções, precisaremos de galhos que cubram ao menos

e inferior). Atenção para as arteríolas menos calibrosas

a abordagem neurológica dos membros inferiores.

que as veias (2:3), porém mais brilhantes. Os cruzamen­

A elevação de PA obriga à avaliação de órgãos-alvo.

tos arteriovenosos devem ser oblíquos e sem esmagamen­

As alterações de ausculta cardíaca obrigam a uma

tos. Termina-se com a pesquisa de hemorragias e manchas

avaliação do sistema de condução.

(exsudatos e drusas).

16 -

Exame Físico de Abordagem

lar e duas hemorragias retinianas pequenas, próximas à

ções específicas. Por exemplo, uma insuficiência cardíaca diastólica pode ser definida na ecocardiografia Doppler

papila esquerda.

muito antes de alguma alteração se tomar perceptível ao

CAPÍTULO

3

A senhora tem alguma diminuição do calibre arterio­

O ECG revela bloqueio atrioventricular (BAV) de

exame físico. Embora isso seja verdade, a especificidade

primeiro grau e bloqueio de ramo esquerdo de terceiro

dos achados costuma ser muito alta e definitiva em algu­

grau.

mas situações: B3 e dispneia têm alto valor preditivo para

Os achados do exame físico enriquecem a lista de

fração de ejeção diminuída. Em certas ocasiões, um acha­

problemas obtida ao final da entrevista (você se lembra

do de exame físico pode mudar o ramo de uma investi­

do final do capítulo anterior?):

gação: uma pessoa com ascite e elevação do pulso veno­

so jugular deve ser inicialmente submetida a uma • Senhora de 61 anos de idade com dor em membro

investigação cardiológica. Adaptar o exame físico às su­

inferior direito (possível distribuição multidermato­

gestões da lista de problemas e escolher manobras com

mérica).

múltiplos níveis, no padrão síndrome do neurônio

o potencial de responder perguntas específicas são os fundamentos dessa habilidade clínica no terceiro milênio. É válido ainda lembrar que o exame físico é de baixo

motor inferior.

custo e tem o potencial de criar um forte vínculo com o

• Déficit motorem membro inferior direito? Sim, em

• Poliúria e perda de peso (disfunção metabólica?).

paciente, com benefícios terapêuticos de montante des­

• Em uso atual de corticoide e recente de anti-infla­

conhecido, mas certamente não inexistente.

matórios (verificar função renal).

Os capítulos de entrevista e exame físico ilustram (por

• Tonteira tipo pré-síncope (disfunção metabólica?

meio de um caso real) a aplicação dos componentes mais

Arritmia cardíaca?). Disfunção do sistema de con­

importantes do método clínico. Dominar essas ferramen­

dução (BAV + BRE).

tas ajuda muito a acurácia diagnóstica e, ainda mais im­ portante, o estabelecimento de uma parceria com o pa­

• Hipertensão arterial sistêmica com dano retiniano

(avaliar função renal) e B4 (disfunção diastólica de VE?).

O próximo passo neste contexto, ainda no exame fí­ sico, é a obtenção da glicemia capilar A glicemia capilar da senhora é 480mg/dL.

O conjunto dos dados aponta para um diagnóstico inescapável: amiotrofia diabética (plexopatia lombossacral funcional, com sintomas dolorosos seguidos por uma

síndrome do neurônio motor inferior quase sempre uni­

ciente, fundamento sem o qual não se consegue praticar Medicina digna de seu nome.

REFERÊNCIA (COM COMENTÁRIOS DO AUTOR) 1. TORGA, M. Ncrcsccrícsdamcrta+a Lisboa: Publicações Dom Quixote. 2007,2. ed., 172p. (Miguel Toiga foi um médico português que viveu entre 1907 e 1995. Sua ficção é um retrato vivo das pessoas pobres em sua luta pela sobrevivência. Muito podemos aprendersobre a arte de lidarcom gente, lendo seus contos).

lateral), que se soma à hipertensão arterial sistêmica significativa com lesão de órgãos-alvo e doença do siste­

ma de condução cardíaco. E tudo isso numa mesma consulta, com o raciocínio de um único médico proficien­

te no método clínico. Existe necessidade imperiosa de se avaliaras funções renal e cardíaca. Deve-se consultar um arritmologista sobre a relação entre a doença do sistema de condução e

os episódios de pré-síncope. A senhora recebe solicitações

dos exames complementares e referências pertinentes e, acima de tudo, uma explicação sobre o que tem.

DISCUSSÃO O exame físico foi por muito tempo vilipendiado, pela constatação de sua baixa sensibilidade frente a investiga-

LEITURA COMPLEMENTAR (COM COMENTÁRIOS DO AUTOR) BASTOS, R. R. Métcdoclírico Disponível em: www.medicinatual. com.br (Casos clínicos mensais, em que o autorilustra a aplicação dos métodos de entrevista médica) MCGEE, S. EvidciTebéKil pfyacaldiagxris St. Louis: SaundersElsevier 2007, 2. ed., 856p. (Neste livro absolutamente original, o autorse preocupa em mostrara validade das manobras diagnósticas, principalmente a partirde seus valores de sensibilidade, especifici­ dade e razão de verossimilhança) SIMEL, D. L.; RENNIE, D. Thôiííicnai clirical cxaniritkn New York: McGraw Hill/JAMA. 2009, 744p. (Documento importantís­ simo sobre a famosa série que trouxe a semiologia para o século XXI)

Doenças do Sistema Cardiovascular

CAPÍTULO

Síncope Marcio Gianotto Acreditar na Medicina seria a maior das loucuras, não fosse loucura ainda maior descrer dela.

Marcel Proust

Mulher negra, 53 anos de idade, viúva, apresenta­ -se sem acompanhantes ao setor de emergências com queixa de desmaios eventuais há duas semanas (três episódios). Refere que tais episódios são precedidos de sensação de mal-estar súbito, seguido, após alguns segundos, de perda abrupta do nível de consciência e queda da própria altura. Segundo ela, os episódios não estão associados a situações ou locais específicos, ocor­ rendo em momentos variados, inclusive em vias pú­ blicas, quando já chegou a ser socorrida por transeuntes. Em nenhum desses episódios a paciente procurou as­ sistência médica, pois sempre recobra a consciência rapidamente após a queda (menos de 10 segundos) e, assintomática, continua a realizar suas atividades. Nega liberação de esfíncteres ou outros sintomas associados aos episódios de queda. Não sabe informar quanto tempo permanece inconsciente ou se apresenta movi­ mentos tônico-clônicos durante os episódios. Questio­ nada sobre pessoas que possam ter presenciado tais episódios, refere ter uma filha que presenciou um deles, porém esta se encontra ausente no momento. Natural de Jequié, BA e residente em São Paulo, SP, desde os 30 anos de idade. Nunca trabalhou fora de casa e vive com a pensão que recebe por falecimento do marido. Desconhece qualquer doença prévia e faz uso apenas eventual de paracetamol para dores de cabeça.

na perda transitória da consciência e do tônus postural com recuperação espontânea, sendo este episódio provo­

cado por redução no fluxo sanguíneo ao sistema nervoso central.

Por esse motivo, nosso principal objetivo na avaliação

inicial da paciente é caracterizar, com detalhes, tais epi­ sódios, a fim de enquadrá-los em dois grandes grupos:

• Síncope propriamente dita (Quadro 4.1): os episódios de queda são provocados por redução do fluxo san­

guíneo ao sistema nervoso central. • Episódios que podem simular síncope (Quadro 4.2):

provocados por outros motivos. A síncope de etiologia vascular é a mais comum, se­

guida da síncope de etiologia cardíaca. Em indivíduos jovens predomina a síncope neuromediada, enquanto em indivíduos idosos as causas predominantes incluem: hi­ potensão ortostática, hipotensão pós-prandial, síncope

medicamentosa, estenose aórtica, hipersensibilidade do seio carotídeo e bradiarritmias. Dentre as diversas causas

de síncope, discutiremos algumas delas no Quadro 4.3.

A definição precisa da causa dos episódios sincopais A queixa da paciente é enquadrada por muitos profissio­

no caso descrito é uma tarefa desafiadora, pois são epi­

nais na seguinte expressão: “síncope a esclarecer”. Entre­

sódios que ocorrem de forma esporádica e dificilmente

tanto, nem todo episódio de perda transitória da consci­

conseguiremos examinara paciente e obterum eletrocar­

ência enquadra-se na definição de síncope, que consiste

diograma (ECG) na vigência de sintomas.

20 -

Doenças do Sistema Cardiovascular

CAPÍTULO 4

QUADRO 4.1 ‒ Causas de síncope Vasculares

• Anatômicas - Síndromes de roubo do fluxo vascular (por exemplo: síndrome do desfiladeiro torácico) • Ortostáticas - Disfunção autonômica - Idiopática - Hipovolemia - Induzida por drogas, álcool ou medicamentos • Reflexas - Hipersensibilidade do seio carotídeo - Síncope reflexa neuromediada - Síncope glossofaríngea - Situacional (tosse, espirros, deglutição, micção, pós-prandial)

Cardíacas

• Anatômicas - Estenose valvar - Dissecção aórtica - Mixoma atrial - Tamponamento pericárdico - Cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva - Isquemia miocárdica - Embolia pulmonar - Hipertensão pulmonar • Arritmias - Bradiarritmias - Doença do nó sinusal - Bloqueios atrioventriculares - Taquiarritmias supraventriculares - Taquiarritmias ventriculares - Disfunção de marca-passo e/ou cardiodesfibrilador implantável em uso

Síncope de oriαem desconhecida

QUADRO 4.2 - Causas que podem simular síncope • • • • •

Malformação de Arnold-Chiari Enxaqueca Convulsões Ataque isquêmico transitório Insuficiência vertebrobasilar

Metabólicas

• • • •

Álcool Outras drogas e medicamentos Hipoglicemia Hipoxemia

Psicogênicas

• Ansiedade • Transtorno do pânico • Transtorno de somatização

Nessa tarefa, a anamnese e o exame físico detalhado conseguem sozinhos definir uma provável causa em boa parte dos casos. Para isso, é importante determinar na história clínica, os seguintes aspectos:

1. Há na família antecedente de doenças cardíacas, síncope ou morte súbita? 2. Paciente faz ou fez uso de alguma substância que possa desencadear tais episódios? 3. Definir com precisão os sintomas premonitórios, a duração da perda de consciência e os sintomas apresentados após a recuperação.

• Hipotensão ortostática - Na posição ortostática, 500 a 800mL de sangue são deslocados para a circulação esplâncnica e para os membros inferiores, provocando uma redução abrupta do retorno venoso. Essa redução ocasiona a queda do débito cardíaco e a estimulação dos barorreceptores aórticos, carotídeos e cardiopulmonares, levando à estimulação simpática. Como resposta, há aumento da frequência cardíaca, da contratilidade miocárdica e da resistência vascular para que a pressão arterial mantenha-se estável - A hipotensão ortostática define-se como a queda de no mínimo 20mmHg da pressão arterial sistólica ou 10mmHg da pressão arterial diastólica após 3min na posição ortostática. Esse fenômeno pode ser assintomático ou provocar sintomas como tonturas, lipotimias, borramentos visuais, fraqueza, palpitações, tremores ou síncopes. Tais sintomas são piores pela manhã, logo após acordar e depois das refeições. - A principal causa de hipotensão ortostática é medicamentosa, provocada por drogas vasodilatadoras ou que levem à depleção de volume, sendo a população idosa a mais afetada. Outras causas são neurogênica (falência autonômica primária ou secundária) e a síndrome da taquicardia ortostática postural, que consiste numa forma mais leve e crônica de falência autonômica caracterizada por sintomas de intolerância ortostática associados ao aumento da frequência cardíaca em pelo menos 28bpm, com ausência de alterações significativas da pressão arterial nos 5min seguintes • Hipotensão neuromediada (síncope vasovagal) - Consiste numa alteração na regulação pressórica que leva à ocorrência súbita de hipotensão com ou sem bradicardia. Os gatilhos para tal fenômeno estão associados à redução do enchimento ventricular ou aumento na secreção de catecolaminas e incluem: viscosidade sanguínea, dor, posição ortostática prolongada, ambientes ou banhos muito quentes e situações estressantes • Hipersensibilidade do seio carotídeo - Há estimulação dos barorreceptores carotídeos localizados na artéria carótida interna, logo após a bifurcação da artéria carótida comum. O diagnóstico é feito pela aplicação de uma leve pressão sobre a pulsação carotídea, logo abaixo do ângulo da mandíbula, onde se localiza a bifurcação da carótida comum. A pressão deve ser mantida em apenas um dos lados por aproximadamente 5 a 10s (não realizar esta manobra em pacientes com antecedentes de acidente isquêmico transitório, acidente vascular encefálico ou com sopros carotídeos) - A resposta normal a essa manobra é a queda transitória da frequência cardíaca e/ou a lentificação da condução atrioventricular no eletrocardiograma. A hipersensibilidade do seio carotídeo é definida pela ocorrência de pausa sinusal com duração maior que 3s associada à queda da pressão arterial sistólica em 50mmHg ou mais - A hipersensibilidade do seio carotídeo pode ser encontrada em até um terço dos idosos após um episódio de queda. Porém, é importante ressaltar que também aparece em muitos idosos assintomáticos. Por isso, nem sempre é possível atribuir os episódios sincopais a essa doença, devendo-se excluir outras causas - Uma vez confirmada, a colocação de marca-passo dupla câmara está indicada para aqueles com síncopes recorrentes resultantes de hipersensibilidade do seio carotídeo

4. Obter detalhes dos episódios com testemunhas que tenham presenciado algum desses eventos. No caso em discussão, apesar de não haver acompa­ nhantes que possam trazer maiores informações sobre o caso, as informações fornecidas até o presente momento pela paciente, como ausência de sintomas premonitórios, recuperação rápida do nível de consciência (poucos se-

978-85-4120-074-5

Neurológicas e cerebrovasculares

QUADRO 4.3 - Algumas causas de síncope

Síncope - 21

100/70mmHg na posição supina, 95/70mmHg na po­

sição sentada e 95/65mmHg na posição ortostática. Pulso regular fino e simétrico em ambos os membros, com frequência de 78bpm na posição supina e 85bpm na posição ortostática. Pescoço sem linfonodomegalias com tireoide palpável e ausência de nódulos ou altera­

crise convulsiva menos provável e nos direcionam para o diagnóstico de síncope propriamente dita.

Entretanto, é importante ressaltar que a paciente pode muito bem ter apresentado confusão mental e outros sintomas no pré ou pós-queda e não se lembrar disso. Por

ções na forma e na consistência. Jugulares ingurgitadas até 4cm da fúrcula esternal na posição supina com ca­

beça inclinada 45°. Ausência de sopros carotídeos. A expansibilidade torácica apresentava preservada, sem alterações da elasticidade ou do diâmetro anteropos­

isso, mesmo sem queixas que nos façam pensarem con­ vulsão, tal hipótese ainda deve ser considerada.

Uma história mórbida familiar bem detalhada e o exame físico completo com certeza ajudarão a definir melhor um provável diagnóstico para a paciente. A Tabela 4.1 auxilia clinicamente na diferenciação entre síncope neuromediada, arritmia e convulsão.

terior. Murmúrio vesicular presente com estertores crepitantes inspiratórios em terço inferior de ambos os hemitórax, sem alterações com o ato de tossirou o de­ cúbito. O íctus apresenta-se no sexto espaço intercostal esquerdo sobre a linha axilar anterior, propulsivo e

Questionada sobre episódios semelhantes em fami­ liares, a paciente os desconhece. Refere ter apenas duas

abrangendo duas polpas digitais. As bulhas cardíacas são rítmicas, hipofonéticas com sopro sistólico mais audível

filhas e que ambas são saudáveis. Não conheceu o pai e perdeu a mãe quando tinha 19 anos de idade por

em foco mitral, cuja intensidade não se altera com a inspiração profunda. Abdome plano, flácido, sem deformidades visíveis,

doença que não sabe informar.O marido faleceu há dez anos, com 60 anos de idade, por problema de “coração inchado”.

dolorido à palpação profunda em epigástrio e hipocôn­ drio direito com fígado palpável a 3cm do rebordo

costal direito, sem irregularidades no seu contorno. Não há outras massas ou órgãos palpáveis. Ruídos hidroaé­ reos presentes.

Ao exame físico apresenta-se em bom estado geral, orientada, calma e colaborativa. Deambula com certa lentidão, sem maiores dificuldades. Pressão arterial:

978 85 4120 074

5

TABELA 4.1 - Diferenciação entre síncope neuromediada, arritmias e convulsões

Parâmetros

Neuromediada

Arritmia

Convulsão

Epidemiologia e clínica inicial

Mulher > homem < 55 anos de idade Vários episódios (> 2) Gatilhos: posição ortostática prolongada, ambientes quentes, estresse emocional

Homem > mulher > 54 anos de idade Poucos episódios (< 3) Ocorrência durante exercícios ou em posição supina

< 45 anos de idade

Sintomas premonitórios

Duração prolongada (> 5s) Palpitações Borramentos visuais Náuseas Diaforese Tonturas

Curta duração (< 5s) Palpitações são pouco frequentes

Início súbito com aura breve (déjà-vu, parestesias olfatórias, gustativas ou visuais)

Clínica durante o evento

Palidez Diaforese Dilatação pupilar Bradicardia Hipotensão Pode haver incontinência Podem ocorrer breves momentos de movimentos tônico-clônicos

Cianose sem palidez Pode haver incontinência Podem ocorrer breves momentos de movimentos tônico-clônicos

Cianose sem palidez Salivação excessiva Perda prolongada do nível de consciência (> 5min) Mordedura da língua Desvio do olhar Hipertensão Taquicardia Incontinência Movimentos tônico-clônicos

Sintomas residuais

Sintomas residuais são comuns Fadiga prolongada (> 90%) Orientado

Sintomas residuais são raros Orientado

Sintomas residuais são comuns Dores musculares Desorientação Fadiga Cefaleia Lenta recuperação

CAPÍTULO 4

gundos) e sem sintomas como sonolência, dores muscu­ lares, lesões de língua, desorientação, cefaleia ou perda esfincteriana no período pós-queda, tomam a hipótese de

22 -

Doenças do Sistema Cardiovascular

CAPÍTULO 4

Ao exame de extremidades, a paciente apresenta membros quentes e bem perfundidos com edema +/IV simétrico em pés e pernas.

O exame neurológico completo foi realizado e

TABELA 4.2 - Base etiológica das cardiopatias primárias e secundárias na população estudada

Diagnóstico

Proporção (%)

Cardiomiopatia idiopática

50

Miocardite

9

Doença isquêmica do coração

7

5

direciona para uma provável etiologia cardíaca. Apesar

Cardiomiopatia secundária à doença infiltrativa do miocárdio (amiloidose, sarcoidose, hemocromatose)

da ausência de queixas como dispneia aos esforços ou

Cardiomiopatia periparto

4

ortopneia, o achado de edema de membros inferiores,

Cardiomiopatia hipertensiva

4

Cardiomiopatia do HIV

4

Cardiomiopatia secundária à doença do tecido conjuntivo (esclerodermia, lúpus, Marfan, poliarterite nodosa, dermatopolimiosite, espondilite anquilosante, artrite reumatoide, Wegener, doença mista do tecido conjuntivo, etc.)

3

3

pressão arterial ou frequência cardíaca entre as posições

Cardiomiopatia secundária ao abuso de substâncias (álcool e cocaína)

supinas e ortostáticas, o que toma a hipótese de hipoten­

Outras causas

11

são ortostática menos provável. Apesarde o exame físico

HIV = vírus da imunodeficiência humana.

mostrou-se inalterado. Com altura de 1,55m e peso de 55kg, apresenta índice de massa corporal (IMC) de 22,9.

O exame físico extremamente rico em achados nos

associado à estase de jugulares, hepatomegalia e a crepi­

tações em bases pulmonares levanta a possibilidade de um quadro congestivo cuja etiologia cardíaca, com pro­ vável dilatação de câmaras cardíacas, é fortemente suge­

rida pela presença do ictus cordis desviado, dilatado e propulsivo. Não observamos alterações significativas de

rico em achados, o quadro oligossintomático pode ser explicado por uma provável evolução mais arrastada que tenha permitido à paciente se adaptar à doença.

de possíveis fatores etiológicos. Felker et al. publicaram,

53 anos, com episódios de síncope, sem outros sintomas,

em 2000, um estudo com 1.230 portadores de cardiomio­ patias em que observaram a prevalência de cada fator etiológico para aquela população (Tabela 4.2).

e que se apresenta ao exame físico com sinais de conges­

Mesmo considerando que 50% dos pacientes, após

tão cardíaca direita e esquerda associada a sinais de dila­

uma investigação exaustiva, receberão o diagnóstico de

tação ventricular sugerindo uma cardiomiopatia dilatada

cardiomiopatia idiopática, a busca de um fator etiológico

de etiologia ainda não definida.

não deve ser desencorajada, principalmente quando tais

Até o momento, o que podemos deduzir da história clínica dessa paciente é que se trata de uma senhora de

Antes de prosseguirmos a discussão, algumas perguntas fazem-se necessárias para guiar o nosso raciocínio clínico e nossa busca de maiores informações:

fatores podem ser eliminados ou tratados (por exemplo, abuso de substâncias, hipertensão, isquemia, etc.).

A ausência de história de precordialgia ou fatores de risco conhecidos para doença aterosclerótica coronariana,

1. A provável cardiomiopatia é a causa dos episódios

como obesidade, diabetes, hipertensão ou tabagismo, fala

sincopais da paciente ou estes são apenas achados

contra (mas não exclui) etiologia isquêmica. Neste mo­

de exame?

mento, é importante enfatizar que o marido faleceu pre­

2. Qual é a etiologia dessa cardiomiopatia?

cocemente com uma história pouco explicada de “coração

3. Como prosseguirna investigação da paciente?

inchado”, cuja etiologia pode ou não ser a mesma que

nos leva a observar esses achados de exame físico na

Não há como afirmar que os achados de exame físico

paciente. Associamos a esse dado a informação de que

tenham relação com os episódios sincopais, porém, todo

a paciente é proveniente do interior da Bahia, região

o esforço deve ser feito para unir história clínica, exame

endêmica para doença de Chagas, e que viveu lá com seu

físico e raciocínio clínico em uma só doença. Lembramos

falecido marido até os 30 anos de idade. Tal fato deve ser

que cardiopatias dilatadas podem predispor a episódios

considerado numa futura investigação etiológica.

sincopais por uma série de mecanismos, entre eles baixo

Para investigação inicial, guiados pela história clínica e

débito, mecanismos obstrutivos, bradiarritmias, taquiar­

pelo exame físico, foram solicitados dois exames de rápida

ritmias e outros.

e fácil realização na maioria dos serviços de saúde: radio­

Em relação à etiologia, lembramos que a cardiomio­

grafia de tórax (Fig. 4.1) e ECG de 12 derivações (Fig. 4.2).

patia dilatada é vista como uma via final das diversas

Pela radiografia de tórax (Fig. 4.1) confirmamos o que

outras formas de cardiomiopatias, o que amplia o leque

já havia sido observado ao exame físico:

• Cefalização da circulação pulmonar com apareci­ mento de linhas B de Kerley próximo aos seios costofrênicos direito e esquerdo, confirmando a

hipótese de congestão pulmonar. Ao ECG (Fig. 4.2) observamos:

• Ritmo sinusal (ondas P positivas em DII e negativas em aVR seguida de complexos QRS). • Frequência cardíaca de 75bpm. • Onda P bifásica em V1 e dicrótica em DI com du­ ração > 0,12s, sugerindo sobrecarga atrial à custa

do átrio esquerdo (Tabela 4.3). • Todas as ondas P são seguidas de complexo QRS, mas o intervalo P-QRS > 0,2s indica bloqueio atrio­ ventricularde 1º grau.

Figura 4.1 - Radiografia de tórax anteroposterior.

• Aumento da área cardíaca com predomínio de au­

mento do ventrículo esquerdo e átrio esquerdo (sugerido pelo desvio cranial do brônquio-fonte esquerdo e aparecimento do quarto arco na silhueta mediastinal esquerda, logo abaixo do tronco da ar­

téria pulmonar Tal achado é provocado pelo aumen­ to da aurícula atrial esquerda).

Figura 4.2 - Eletrocardiograma.

• Complexo QRS com duração > 0,12s e padrão RSR’

em derivações precordiais direitas, indicando blo­ queio de condução ventricular do ramo direito do feixe de His. • Eixo elétrico do complexo QRS nas derivações periféricas (Quadro 4.3 e Fig. 4.3) encontra-se entre -90 e -120° (desvio para a esquerda), indicando hemibloqueio da porção anteriordo ramo esquerdo

do feixe de His. • Ausência de ondas Q patológicas que possam suge­ rir algum evento isquêmico prévio.

24 - Doenças do Sistema Cardiovascular

CAPÍTULO 4

TABELA 4.3 - Duração normal das ondas e dos intervalos

Intervalos e ondas

Duração normal

PR

0,12 ‒ 0,2s

QRS

55%

nóstico em cardiopatia chagásica.

Índice de massa do ventrículo esquerdo

98,98g/m2

< 135g/m2 (homem) < 111g/m2 (mulher)

Espessura da parede do ventrículo esquerdo

28%

26 - 34mm

estrutural e síncope associada a BAV 2:1 e BAVT inter­

100bpm

2

Killip II-IV

2

Peso < 67kg

1

Elevação de ST na parede anterior ou bloqueio do ramo esquerdo

1

Tempo de apresentação > 4h

1

temos que avaliara dor (Tabela 7.1), que pode ser típica ou

sos e mulheres, dificulta o diagnóstico de IAM. Definido bem o quadro clínico, o próximo passo é o eletrocardiograma (ECG) (12 derivações e especiais di­

reitas e posteriores, se necessário), que deve ser obtido

num prazo máximo de 10min após a admissão e as enzi­ mas cardíacas. Monitorizar sinais vitais, colher exames

gerais (pressão parcial de oxigênio [pO2], saturação de Oxigênio2, enzimas, função renal, etc.) e ecocardiograma de urgência para avaliar disfunção contrátil. A disfunção contrátil é o primeiro evento na isquemia, seguido das alterações eletrocardiográficas e só depois a angina.

Pontuação

DM = diabetes mellitus; FC = frequência cardíaca; HAS = hipertensão arterial sistêmica; IAM = infarto agudo do miocárdio; PAS = pressão arterial sistólica; TIMI risk = risco de trombólise em infarto do miocárdio.

Dor Aguda no Peito - 37

TABELA 7.4 - Avaliação da probabilidade de isquemia coronariana

História prévia de coronariopatia

Dor ou desconforto torácico ou no membro superior esquerdo como principal sintoma

Dor torácica reproduzida à palpação

Dor torácica sugestiva ou irradiação para membro superior esquerdo ou semelhante à dor anginosa prévia

Diabetes mellitus

ECG normal ou onda T retificada

Diaforese

Sexo masculino

Edema pulmonar ou crepitações

Idade > 70 anos

Hipotensão

Presença de doença vascular extracardíaca (AVC)

Insuficiência mitral transitória

Ondas Q patológicas

Alterações do segmento ST transitórias (≥ 0,05mV)

Anormalidades fixas no ECG (segmento ST ou onda T)

7

Probabilidade intermediária (presença de um deles) Baixa probabilidade

Inversão de onda T com sintoma (≥ 0,2mV)

Enzimas cardíacas normais

Elevação de enzimas cardíacas

Enzimas cardíacas normais

AVC = acidente vascular cerebral; ECG = eletrocardiograma.

TABELA 7.5 - Avaliação do risco para óbito ou infarto agudo do miocárdio não fatal em curto na síndrome coronariana aguda com IAM sem supra-ST *: basta apenas um dos fatores por risco

Alto risco

Médio risco

Baixo risco

Dor anginosa > 20min, presente ao atendimento

Dor anginosa > 20min ausente ao atendimento ou aliviada por nitrato; angina noturna ou dor anginosa grave < 2 semanas sem angina prévia

Angina "em crescendo" ou angina grave < 2 meses sem angina prévia

Sinais de congestão pulmonar, terceira bulha, hipotensão arterial e taquicardia, sopro de insuficiência mitral (novo)

Alterações isquêmicas dinâmicas da onda T, onda Q patológica ou infradesnível ST < 0,5mm

ECG normal ou com mesmo padrão anterior

> 75 anos de idade

> 65 anos de idade

Infradesnível ST ≥ 0,05mm ou bloqueio de ramo esquerdo recente Taquicardia ventricular sustentada, fibrilação ventricular

Troponina I ou T > 0,1ng/mL (IAM) * De acordo com American College of Cardiology/American Heart Association)

ECG = eletrocardiograma; IAM = infarto agudo do miocárdio

TABELA 7.6 - Classificação de Killip e Kimball do risco para mortalidade de pacientes com infarto agudo do miocárdio

Classe

Risco

Mortalidade hospitalar (%)

Killip I

Sem congestão pulmonar ou choque

6

Killip II

Edema pulmonar leve ou só terceira bulha (B3) com galope

17

Killip III

Edema pulmonar, disfunção importante de ventrículo esquerdo ou insuficiência mitral aguda

38

Killip IV

Hipotensão, choque cardiogênico

81

Pelo ECG, poderemos dividirem SCA com e sem supradesnivelamento de ST. Podemos fazer a subdivisão de acordo com quadro clínico, ECG e enzimas cardíacas (Tabela 7.7). Realizados imediatamente glicemia capilar com resultado de 242 e ECG que revelou supradesnivela­ mento do segmento ST em D2, D3 e aVF com derivações direitas sem alteração (Fig. 7.1). Radiogra­

CAPÍTULO

Alta probabilidade (presença de um deles)

fia de tórax sem alterações, sem alargamento do mediastino ou da aorta. Paciente recebe ácido acetilsa­ licílico (AAS), 300mg, mastigado, cateter com oxigênio; solicitados exames gerais e acionado o grupo da hemodinâmica. Não foi introduzido betabloqueador nem nitrato, já que a paciente está sem dore com ins­ tabilidade hemodinâmica. Realizado ecocardiograma no leito, que revelou hipocinesia ventricular direita moderada. Solicitados exames gerais.

38 - Doenças do Sistema Cardiovascular

CAPÍTULO

7

TABELA 7.7 - Divisão em síndrome coronariana aguda

Dor

Eletrocardiograma

Enzimas cardíacas

Infarto agudo do miocárdio com supra-ST

Anginosa/equivalente isquêmico > 20min

Supra-ST > 1mm ou bloqueio de ramo esquerdo novo

Alteradas

Infarto agudo do miocárdio sem supra-ST

Anginosa/equivalente isquêmico > 20min

Normal; alterações da angina (abaixo) ou infra ST > 0,5mm

Alteradas

Angina instável

Anginosa/equivalente isquêmico > 20min

Normal; ondas T apiculadas e simétricas; ondas T negativas e simétricas e infradesnivel ST > 0,5mm novo

Normais ou discretamente elevadas

Angina de Prinzmetal

Anginosa/equivalente isquêmico > 20min

Supradesnível de ST transitório (no momento da dor)

Normais

Figura 7.1 - Eletrocardiograma evidenciando supra-ST compatível com corrente de lesão na parede inferolateral (DII, DIII, aVF e V4, V5, V6); possível território de artéria circunflexa dominante.

Com a glicemia capilar deixamos de lado o diagnós­

Nesse caso, o quadro não está compatível, além de

tico de um estado hiperosmolar que evidenciaria estado

haver glicemia abaixo do risco (< 250) e ECG alterado

confusional, com possíveis náuseas e vômitos associados,

que explica o quadro. Uma gasometria venosa seria mui­

polidipsia e poliúria precedendo o quadro e desidratação

to útil.

de leve a grave (Tabela 7.8). Além disso, não podemos

Com o ECG em mãos, confirmamos a principal hipó­

esquecer que paciente idosa com tempo longo de diabetes

tese: IAM. O supradesnivelamento do segmento ST de

mellitus pode se transformarem insulino-dependente por

D2, D3 e aVF revela infarto de parede inferior ou seja,

esgotamento pancreático, provocando um quadro de ce­

da coronária direita ou da artéria circunflexa, dependendo

toacidose diabética pela glicemia mal controlada.

da dominância. Com esse diagnóstico temos de obter as

978-85-4120-074-5

Síndrome coronariana aguda

Dor Aguda no Peito - 39

fazer diagnósticos diferenciais (processos pulmonares e da aorta torácica). No ecocardiograma transtorácico,

devemos seriaro ECG (a cada 30min) e solicitar enzimas

podemos visualizar déficit contrátil do ventrículo esquer­

cardíacas. Com a radiografia podemos avaliarse há con­

do e complicações (comunicações intraventriculares,

gestão pulmonar cardiogênica, avaliara área cardíaca e

aneurismas, derrame pericárdico, insuficiência mitral,

ruptura de cordoalhas).

5

978 85 4120 074

TABELA 7.8 - Comparação entre as alterações causadas pela cetoacidose diabética e pelo estado hiperosmolar não cetótico

(Tabela 7.9): morfina se houver dor, oxigênio, AAS (300mg), clopidogrel, nitrato sublingual se não houver

contraindicações, betabloqueadorse não houvercontrain­

Parâmetros

Cetoacidose diabética

Estado hiperosmolar

Glicemia

> 250mg/dL

> 600mg/dL

pH plasmático

7,30

mente a terapia (Tabela 7.10 e Quadro 7.2): há terapias de

Bicarbonato plasmático

< 10mEq/L

> 20mEq/L

reperfusão com trombolíticos ou pela angioplastia primá­

Sódio

130- 140mEq/L

145- 155mEq/L

ria, terapia de revascularização e tratamento conservador.

Potássio

5-6mEq/L

4-5mEq/L

Cetonúria

≥3+

dicações. Uma vez iniciado o tratamento, deve-se definirrapida­

Os resultados laboratoriais revelam: troponina de 55ng/mL (valor de referência: < 0,1ng/mL), glicemia

≤ 2+

TABELA 7.9 - Drogas na fase aguda do infarto

Drogas

Ação

Via e melhor evidência

Observação

Ácido acetilsalicílico (AAS)

Bloqueia a enzima cicloxigenase causando inibição direta do tromboxano e prostaglandinas (vasoconstritores e pró-agregantes) Diminui agregação plaquetária Inibição imediata e quase total

VO, 162-325mg, mastigado

Substituir o AAS, em casos de alergia, por clopidogrel ou ticlopidina

Clopidogrel

Bloqueia receptor de membrana da plaqueta

VO, em conjunto com AAS na dose de 75mg/dia

A menos que haja indicação à revascularização cirúrgica nos 5 dias subsequentes

Iniciar após coronariografia

Nitratos

Antianginosos: vasodilatação venosa, mas dilata também a coronária, diminui retorno e consumo de oxigênio

SL, isordil, 5mg (máximo de 3 doses a cada 5min) EV, nitroglicerina 5 - 10μg/ min (máximo de 100 -200μg/min)

Muito utilizados quando há isquemia persistente ou recidivante, congestão pulmonar, infarto anterior extenso e hipertensão arterial

Hipotensão e taquicardia

Opioides

Controlam a dor

EV, sulfato de morfina, 2-4mg

Com incremento de 2 - 8mg, EV, a cada 5- 15min

Sedação excessiva e hipotensão arterial

Betabloqueadores

Reduz frequência cardíaca (FC), pressão arterial (PA), contratilidade e consumo de O2. Reduz isquemia/ necrose. Antianginoso

VO, metoprolol, 50mg, a cada 6h inicialmente Pode ser usado também propranolol, 20 - 80mg, VO, a cada 8h, ou atenolol, 50 - 200mg/dia

São recomendados nas primeiras 24h

Contraindicados: FC < 55, PA sistólica < 100 Insuficiência cardíaca moderada, sinais de baixo débito, DPOC

Inibidores da glicoproteína IIb/llla

Bloqueiam receptores de membrana plaquetária; são os mais potentes

EV

Indicados para angina instável e IAM sem supra-ST



Oxigênio

Para anormalidades da ventilação-perfusão pós-IAM (disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, aumento da PA diastólica causando congestão pulmonar, dispneia, taquipneia e hipóxia). Deve ser mantido após 6h somente se houver congestão pulmonar ou saturação de O2 % < 90

Heparina

Preferencialmente HBPM para pacientes que receberam fibrinolíticos (inclusive estreptoquinase) por no mínimo 48h ou até alta hospitalar (enoxaparina, 1mg/kg, a cada 12h)

IECA e estatinas

IECA: nas primeiras 24h para IAM anterior, FE < 40%, congestão pulmonar, hipertensos, diabéticos ou com insuficiência renal crônica Estatinas: atorvastatina, 80mg, com ideal LDL 70mg/dL, na fase aguda (< 24h)

Cuidados

DPOC = doença pulmonar obstrutiva crônica; EV = endovenosa; FE = fração de ejeção; HBPM = heparina de baixo peso molecular; IAM = infarto agudo do miocár­ dio; IECA = inibidores da enzima conversora de angiotensina; LDL = colesterol de lipoproteína de baixa densidade; SL = sublingual; VO = via oral.

7

Com o diagnóstico de IAM iniciamos o tratamento

CAPÍTULO

derivações direitas para checara extensão do infarto; neste caso se limitou à parede inferior. Pensado em IAM,

40 - Doenças do Sistema Cardiovascular

CAPÍTULO

7

TABELA 7.10 - Terapias de reperfusão e revascularização Droga/ATC

Vantagens

Desvantagens

Estreptoquinase

Mais barato, mais difundida (idosos)

Efeitos colaterais: sangramento, hipotensão, bradicardia e alergia

Ativador tecidual de plasminogênio (t-PA)

Fluxo é mais rápido, porém o custo é alto

Maior risco de hemorragia intracraniana

Tenecteplase

Infusão em bolus de acordo com o peso, menor risco de AVC. Ideal para trombólise pré­ -hospitalar

Elevado custo e pequena disponibilidade no Brasil

Angioplastia primária (ATC)

Maior taxa de reperfusão (comparada com a trombólise) Menor mortalidade e reinfarto O uso de stents diminui a taxa de oclusão aguda e de reestenose pós-angioplastia Menor tempo de recuperação e hospitalização

Hemorragia, lesão, trombose local, infecção, arritmias, ruptura coronária

Reperfusão

Recomendada nas primeiras 12h Risco maior de sangramento para > 75 anos de idade ou com baixo peso

Revascularização

Quando há falha na angioplastia Nos IAM com isquemia persistente ou recorrente Pacientes em estado grave Pacientes com cateterismo recente

ATC = angioplastia transluminal coronária; AVC = acidente vascular cerebral; IAM = infarto agudo do miocárdio.

QUADRO 7.2 - Contraindicações à trombólise química • Contraindicações absolutas -

AVC hemorrágico em qualquer tempo AVC isquêmico nos últimos 6 meses Trauma ou cirurgia recentes (< 3 meses) Sangramento gastrointestinal no último mês Discrasia sanguínea ou sangramento ativo (exceto menstruação) Suspeita de dissecção de aorta Doença terminal

• Contraindicações relativas -

Ataque isquêmico transitório < 6 meses Terapia com anticoagulante oral Ressuscitação cardiopulmonar traumática Doença hepática avançada Gravidez ou período pós-parto na última semana Pressão sistólica > 180mmHg ou diastólica > 110mmHg Endocardite infecciosa Úlcera péptica ativa Exposição prévia à estreptoquinase (> 5 dias)

AVC = acidente vascular cerebral.

plasmática de 232mg/dL, gasometria venosa com pH 7,35, bicarbonato de 21mmol/L, sódio de 138mmol/L, potássio de 4,5mmol/L, creatina quinase (CK) de 198U/L (entre 38 e 174U/L) e CKMB de 32U/L (< 25U/L), he­ moglobina de 11,6g/dL com hematócrito de 31,1%, leucócitos: 9.400U/L (0% bastões; 65% segmentados; 20% linfócitos; 10% monócitos), creatinina 0,8mg/dL, ureia 25mg/dL, urina simples com pH 5,5 e densidade de 1.020, com 8 leucócitos e 5 hemácias, velocidade de hemossedimentação de 14mm (< 8mm). Como a troponina inicia seu aumento por volta de 4 a

6h após o infarto (Tabela 7.11), deduz-se que a paciente infartou durante a madrugada, enquanto dormia, antes do

quadro de dor que a fez despertar com no mínimo 4h de evolução da entrada e não apenas 2h. A gasometria está

normal, sem sinais de acidemia ou acidose, com eletróli­

tos também normais, com osmolaridade de 289mOsm/L

(há sonolência pelo estado hiperosmolar não cetótico com osmolaridade acima de 320mOsm/L). Sua função renal

está preservada com clearance estimado de 59mL/min. Paciente aparentemente sem sinais de infecção com leu­

cócitos plasmáticos normais, urina sem alterações. Sem­ pre lembrar das miocardites que podem cursar com supra-

ST no ECG, além de elevação das enzimas cardíacas por lesão das fibras miocárdicas. Após 30min da chegada, a paciente evolui com queda da pressão arterial (80 × 50mmHg, taquicardia (FC; 120bpm); realizado volume com 1L de soro fisio­ lógico a 0,9%, sem resposta, mais 1L sem resposta. A pressão arterial cai para 70 × 40mmHg, pulsos abolidos em membros inferiores. Administrada dobutamina (10μg/kg/min), com melhora da PA para 100 × 60mmHg e da FC para 98bpm.

Dor Aguda no Peito - 41

TABELA 7.11 - Concentração plasmática das enzimas cardíacas ao longo do tempo

Aparecimento (h)

Pico (h)

Normal (dias)

Observação

Mioglobulina

1 -4



24

Baixa especificidade e curta duração

CKeCKMB

4-6

12-24

2-4

CKMB: mais específica, baixo custo

DHL

8-24



5-10

Baixa especificidade

TroponinasT/I

4-6

24

5-10

Muito sensível e específica (necrose miocárdica mínima)

CAPÍTULO

Enzimas

7

CK = creatina quinase; CKMB = creatina quinase MB; DHL = desidrogenase lática.

Paciente em instabilidade hemodinâmica, não respon­ siva a volume, com choque cardiogênico. Necessita de

drogas vasoativas para estabilização. Neste momento, podemos ter uma ampliação da extensão do infarto, pro­

vocando instabilidade. Paciente necessita de intervenção

hemodinâmica de urgência (Quadro 7.3). Paciente admitida no setor de hemodinâmica após 50min da entrada, com quadro de IAM com suprades­ nivelamento do segmento ST (SST) inferior em evolução com instabilidade hemodinâmica. Realizada angiografia que mostrou artéria circunflexa dominante ocluída em terço médio antes das emergências de seus ramos posterolaterais. Procedida à angioplastia com implante de stent Liberté 2,5 × 20mm em primeiro grande ramo posterolateral, com sucesso e fluxo TIMI 3. Procedeu-se à angioplastia transluminal coronária (ATC) com implante de stent Liberté 2,5 × 24mm em terço médio da artéria circunflexa, sem sucesso devido ao fenômeno de no reflow. Déficit grave de ventrículo esquerdo por discinesia inferoapical. Porções inferoba­ sais e anterobasais com contratilidade preservada. Evolui com instabilidade hemodinâmica durante exame; administrados ondansetrona (2mg), atropina (8mg) e midazolam (3mg). Colocado balão intra-aórtico. Gli­ cemia capilarde 265. Término do exame com paciente sob ventilação mecânica e saturação de O2 99%, estável, PA 130 × 70mmHg, já em desmame das drogas vaso­ ativas. Administrado clopidogrel (300mg). Encaminhada para unidade de terapia intensiva (UTI). Realizado ECG pós-ATC (Fig. 7.2).

O balão intra-aórtico é um dispositivo de contrapulsação instalado dentro da aorta, via artéria femoral, que estabili­ za hemodinamicamente o paciente, pois, ao inflar na diás­ tole, aumenta a pressão de perfusão coronariana e, ao de­ sinsuflar na sístole, reduz a pós-carga ventricular. Suas indicações são: (1) instabilidade hemodinâmica em pacien­ tes que precisam ser submetidos a cateterismo para deter­ minar condutas de revascularização; (2) choque cardiogê­ nico não responsivo ao tratamento com agentes inotrópicos e vasoativos; (3) angina refratária ao tratamento clínico completo. Reduz 150 óbitos para cada 1.000 pacientes tratados. Suas complicações compreendem desde isquemia de membros inferiores e de vísceras abdominais, até per­ furação da aorta, embolia periférica e hemorragias. Na UTI, a paciente está em uso de dobutamina, noradrenalina e midazolam. Após 8h da entrada, entra em atividade elétrica sem pulso (AESP). Reanimação cardiorrespiratória segundo o Advanced Cardiac Life Support (ACLS), com atropina e adrenalina, mas sem sucesso. Óbito.

Infelizmente, o risco de óbito da paciente era elevado, classificada como de alto risco. Apresentava TIMI risk de 12 pontos, representando 36% de mortalidade em 30 dias pós-IAM. A parada cardiorrespiratória em AESP corresponde a uma assistolia com atividade elétrica sem pulso, cujo tra­ tamento é com drogas vasoativas e nunca por choque. Dentre suas causas (Tabela 7.12), podemos citar várias

QUADRO 7.3 - Indicações à angioplastia transluminal coronária (ATC) de emergência • IAM com elevação de ST - Dor contínua e persistência do ST elevado após 90min da trombólise - Choque cardiogênico ou arritmias graves e refratárias ou fração de ejeção < 0,4 - IAM da coronária descendente anterior esquerda - Isquemia refratária ou recorrente com o tratamento clínico - Contraindicação ao uso dos trombolíticos

IAM = infarto agudo do miocárdio.

• Angina instável ou IAM sem ST

- Angina/isquemia recorrente em repouso ou esforço leve ou angina/ isquemia recorrente grave - Troponina elevada - Angina e sintomas de insuficiência cardíaca progressiva - Fração de ejeção < 40% pela coronariopatia - Depressão de ST - Instabilidade hemodinâmica - Taquicardia ventricular sustentada - Teste de esforço com padrão de alto risco - Angioplastia anterior recente nos últimos 6 meses - Antes de cirurgia de ponte de safena/mamária

CAPÍTULO

7

42 - Doenças do Sistema Cardiovascular

Figura 7.2 - Eletrocardiograma pós-angioplastia transluminal coronária.

que podem ter cursado com o óbito: trombose coronária

mações sobre causas de morte ainda afeta sobremaneira

por reestenose pós-stent ou por desprendimento de êm­

a análise da mortalidade por causas no país e, em parti­

bolo para região distal da coronária acometida; hipóxia e

cular para a população idosa. A proporção de óbitos por

hipovolemia pela instabilidade hemodinâmica apresenta­

causas mal definidas é elevada.

da anteriormente. Para seu tratamento, além da correção

do fator causal, realizar cinco ciclos (30 compressões torácicas: duas ventilações assistidas) em 1min de reani­ mação cardiorrespiratória, seguido de epinefrina endove­

TABELA 7.12 - Causas de atividade elétrica sem pulso (AESP) e assistolia (6H e 6T)

nosa, 1mg, a cada 3 a 5min ou vasopressina 40UI/dose.

Se houver bradicardia (FC < 60) iniciar atropina, 1mg, a

6H

cada 3min, no máximo três doses ou 0,04mg/kg (Fig. 7.3).

DIAGNÓSTICO FINAL Infarto do miocárdio com supradesnivelamento do seg­ mento ST.

DISCUSSÃO As cinco mais importantes causas de morte da população

6T

Causas

Tratamento

Hipovolemia

Volume

Hipóxia

Oxigênio

H+ → acidose metabólica

Bicarbonato de sódio

Hipotermia

Reaquecimento

Hipo/hipercalemia

Reposição de potássio/ medidas para hipercalemia

Hipoglicemia

Reposição de glicose

Tamponamento cardíaco

Punção pericárdica

Tromboembolia pulmonar

Tratar a parada cardiorrespiratória; considerar trombólise

Trombose coronária

Tratar a parada cardiorrespiratória; considerar tratamento de reperfusão

Pneumotórax hipertensivo

Punção de alívio/drenagem do tórax

Tóxico

Antagonista específico

Trauma

Estabilização

idosa são doenças cardiovasculares, respiratórias, endócri­

nas nutricionais, neoplásicas e mal definidas (Tabela 7.13).

Destaca-se, em primeiro lugar que a qualidade das infor­

Dor Aguda no Peito - 43

TABELA 7.13 - Taxas de mortalidade por 100.000 entre homens e mulheres idosos (> 60 anos) no Brasil, nos anos de 1980,1991 e 2000. H

M

H

M

H

M

Cardiovasculares

1.901,2

1.666,1

1.635,3

1.357,6

1.474,9

1.200,7

Mal definidas

991,6

797,6

899,0

687,8

688,6

523,9

Neoplasias

549,5

375,8

588,7

386,6

652,3

416,3

CAPÍTULO

Respiratórias

339,1

232,6

436,1

286,7

522,3

360,6

7

Endócrinas, nutricionais

109,9

145,3

143,1

180,0

207,9

247,7

1991

1980

Causas

2000

Fonte: www.datasus.gov.br. H = homens; M = mulheres.

A doença do aparelho circulatório é a principal causa de morte entre idosos de ambos os sexos e em todo o mun­ do. Nessa faixa etária, os fatores de risco quase sempre estão presentes, tais como doenças crônicas, sedentarismo, tabagismo, além da reserva funcional diminuída conforme as alterações fisiológicas da idade. Essas mesmas alterações fisiológicas da idade podem levara modificações nos sinais e sintomas das doenças cardiovasculares, como no caso que apresentamos ‒ paciente idosa, com dor torácica atípica, de curta duração, mas que no pronto-socorro sua principal queixa era mal-estar.Idosos, diabéticos e mulheres já foram considerados, em publicações e diretrizes, como grupos especiais. O caso relatado elucida bem esses três fatores. Com o crescimento da população idosa, torna-se necessário, mais do que nunca, que o conjunto da sociedade tome consciência da série de problemas e peculiaridades dessa população. Desse modo, é fundamental reconhecero quadro, diagnosticá-lo e tratá-lo com agilidade e eficiência.

BIBLIOGRAFIA AMERICAN COLLEGE OF CARDIOLOGY/AMERICAN HEART ASSOCIATION. Focused update of the American College of Cardiology/American Heart Association 2004. GtiddirEsfcr the m t < f pítiαtswrôiSTdcvêíkrunycf adiíi irfavtfcn A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Piactice Guidelines, 2007. BRAUNWALD, E. Tr^adodeDoHTçasCa^dkvasciiaes Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. GOLDMAN, L. Cecil: Tratado de Medicina Interna. Rio de Janeiro: Elsevieç 2005. INTERNATIONAL LIAISON COMMITTEE ON RESUSCITATION. Intemational consensus on carriiopulmonaiy resuscitation and emergency cardiovascularcare science with treatment recommendations. Crcdíticnv. 112, n. 22, 2005. KANE, R. L. Gβ-i^riaclírica Rio de Janeiro: McGraw Hill, 2004. LOPES, A. C. TrdadodecMricamédica São Paulo: Roca, 2006. MARTINS, H. S. Emtr^ciasclírxas São Paulo: Manole, 2007. STEFANINI, E. Ca-didq^a São Paulo: Manole, 2004.

Figura 7.3 - Basic Life

Support (BLS) e Advanced Life

Support (ACLS). AESP = atividade elétrica sem pulso;

FV = fibrilação ventricular; IOT = intubação orotraqueal; RCP = ressuscitação cardiopulmonar; TV = taquicardia ventricular.

SITE INDICADO www.datasus.gov.br- Ministério da Saúde. Irfcrmaçõesdβnqg-áftas esαricHcrrâiicas Brasília: Ministério da Saúde.

___________________________________

CAPÍTULO

8

Dor Retroesternal Intensa Fernando José de Barros e Silva Filho • Pedro Gabriel Melo de Barros e Silva

Senhora de 49 anos de idade é trazida ao pronto­ -socorro pelo filho, durante a madrugada, devido a episódio de dor torácica intensa iniciado há 20min, mas resolvido espontaneamente durante trajeto ao hospital há 5min.

Dor torácica é umas das principais causas de urgência

clínica, respondendo por 10% de todos os atendimentos em pronto-socorro. Esse sintoma costuma ser a manifestação principal de várias doenças graves, algumas com risco de

morte imediato, como síndrome coronariana aguda (SCA), pericardite, dissecção aguda da aorta, tromboembolia pul­

monar(TEP) e pneumotórax. O diagnóstico preciso e rápido possibilita a instituição de medidas terapêuticas específicas

Na avaliação inicial na sala de emergência, enquan­ to se inicia a monitorização, a paciente descreve sua dor como retroesternal sem irradiação em aperto, de início gradual rápido e forte intensidade contínua por 15min. Informou que a dor começou quando em repou­ so, associada a sudorese fria, náuseas e sensação de morte iminente. Relata crises álgicas semelhantes re­ correntes há quatro meses, geralmente durante a madrugada e com menor duração, tendo ido ao PS al­ gumas vezes, mas nesses episódios anteriores houve resolução da dor antes mesmo da avaliação médica, permanecendo sem diagnóstico até o momento. É tabagista (um maço/dia há 20 anos), sem história

familiarde infarto agudo do miocárdio (IAM) ou outros antecedentes pessoais de risco para doença cardiovas­ cular (fez check-up ambulatorial há um mês em razão

e com possibilidade efetiva de salvar vidas. O diagnóstico

diferencial deve incluir além dessas situações graves, outras comuns, porém de menor risco, como dispepsia, transtorno

QUADRO 8.1 - Causas de dor torácica

conversivo, neuralgias e dores osteomusculares. No caso apresentado, a queixa principal da paciente é um sinal de alerta que deve ser valorizado por todo

médico, pois, como já explicado, pode se tratar de doen­

ças potencialmente fatais em que uma rápida intervenção é fundamental. Uma anamnese direcionada que nos traga

informações sobre localização, caráter início, duração e

intensidade da dor, além de fatores desencadeantes e de alívio, é fundamental para confirmação e exclusão diag­

nóstica. Deve-se questionar também sobre sintomas as­

sociados à dor torácica e presença ou não de fatores de risco para aterosclerose. No Quadro 8.1 podemos veras

principais causas de dor torácica, as quais representam

situações clínicas de prognóstico bastante variado.

• Cardíacas - Isquêmicas: angina estável, angina instável e infarto agudo do miocárdio - Não isquêmicas: pericardite, cardiomiopatia hipertrófica e valvopatia (estenose aórtica, prolapso da valva mitral) • Não cardíacas - Digestivas: dispepsia funcional, doença do refluxo gastroesofágico (com ou sem esofagite), espasmo esofágico, ruptura de esôfago, úlcera péptica, litíase biliar e pancreatite - Mediastinais: tumores, enfisema mediastínico e aneurisma/ dissecção de aorta torácica - Neuralgias: herpes-zóster, síndrome do escaleno anterior e compressões radiculares - Psicogênica - Pleuropulmonares: pneumonia, bronquite, neoplasia, pneumotórax, pleurisia, embolia pulmonar e hipertensão arterial pulmonar - Osteomusculares: osteocondrite (por exemplo: síndrome de Tietze), metástase óssea e miosite

Dor Retroesternal Intensa - 45

paciente, a partir de agora, seriam exame físico, eletro­ cardiograma (ECG) e radiografia de tórax. Lembrar que em situação de emergência podem-se fazer avaliações

Pela história relatada, é muito pouco provável que se

simultâneas (por exemplo: anamnese associada a exame físico, direcionados, enquanto se prepara a paciente para

trate de pneumotórax, TEP ou dissecção de aorta, uma

o ECG).

vez que a dor não foi súbita e se apresenta de forma re­ ventilatório-dependente e dispneia também diminuem a

probabilidade de TEP e pneumotórax. Não há história de melhora na posição genupeitoral e irradiação para trapézio, características de pericardite. A dor descrita pela pacien­

te é típica de isquemia miocárdica e por ter-se iniciado em repouso, com duração prolongada, demonstra um

quadro de maior gravidade (angina instável).

8

corrente e autolimitada há quatro meses. Ausência de dor

O exame físico geral, o cardiovasculare o respira­ tório da paciente estavam sem alterações, exceto pela pressão arterial de 146 × 90mmHg (simétrica nos dois membros). Durante o exame, não apresentou dorà palpação da caixa torácica e à movimentação de mem­ bros/coluna cervical. Antes mesmo do ECG foram administrados 200mg de ácido acetilsalicílico (AAS) macerado. A radiografia de tórax no leito foi normal e o traçado do ECG é o demonstrado na Figura 8.1.

A ausência de fatores de risco (exceto tabagismo) e

um teste ergométrico normal recente falam contra coro­

O exame físico é de pouca ajuda no diagnóstico de

nariopatia obstrutiva e nos chamam atenção para que se proceda à melhor avaliação da paciente por exames com­

SCA, pois muitas vezes está normal ou com alterações inespecíficas, tendo maior importância para avaliação

plementares. A sequência lógica de abordagem a essa

prognóstica e diagnóstico diferencial que propriamente

Figura 8.1 - Eletrocardiograma.

CAPÍTULO

da queixa de dor torácica recorrente e, na avaliação, pressão arterial, glicemia, perfil lipídico e teste ergo­ métrico estavam sem alterações).

46 - Doenças do Sistema Cardiovascular

CAPÍTULO

8

para o diagnóstico de SCA. As alterações do exame físi­

co mais comuns pela SCA são: abafamento de bulhas,

quarta bulha (B4), fácies de dor, sinal de Levine (punho cerrado contra o peito durante angina), sudorese, palidez, taquipneia, além de alterações da PA. Devem-se buscar também evidências de doença aterosclerótica (doença

arterial periférica, carotídea, aneurisma de aorta abdomi­

nal). O exame físico é fundamental para definir se há

alterações que indiquem pior prognóstico: congestão

A primeira dosagem de creatina quinase MB (CKMB) e troponina (ainda sem tempo hábil para diagnóstico de IAM) foi normal (assim como função renal, hemograma, eletrólitos, glicemia e coagulogra­ ma). O ECG após 3h da entrada não mostrou alteração dinâmica. Na quarta hora de observação, a enfermeira chama a equipe médica, pois a paciente se encontra pálida, com queixa de forte dor no peito. Imediatamente é feito um ECG, cujo traçado está demonstrado na Figura 8.2.

pulmonar, B3, sopro regurgitativo mitral novo ou inten­

sificação de sopro pré-existente, sinais de choque, presen­ ça de taqui ou bradiarritmias. Deve-se pesquisar sempre,

no contexto de dor torácica em emergência, a assimetria de pulso e de pressão arterial (PA), pois diferença maior que 20mmHg de PA sistólica (PAS) e que 10mmHg de PA diastólica (PAD) indica doença arterial em ramos de

membros superiores que, na vigência de quadro clínico suspeito, é característica da dissecção de aorta. Devem-se buscar também sopro diastólico em foco aórtico, sinais

de tamponamento (abafamento de bulhas, turgência jugu­

Esse traçado eletrocardiográfico classifica a paciente, a princípio, como tendo uma SCA com elevação do seg­

mento ST, cujo tratamento emergencial deve ser a reca­ nalização da artéria responsável, além de terapia anti­

-isquêmica e antitrombótica adjuvante. Entretanto, chama

atenção a paciente ter quadro recorrente, ECG normal sem dore baixo risco de eventos aterotrombóticos de

acordo com estratificação ambulatorial prévia (teste ergo­ métrico normal e tabagismo como único fator de risco

identificado).

A conduta inicial para a paciente abrange:

lar, pulso paradoxal) e alterações de sistema nervoso

central (SNC) em casos de extensão da dissecção para

• Mantê-la monitorizada, com acesso venoso e oferta

carótida (em todo paciente com dor torácica seguida de déficit neurológico, deve-se pesquisar dissecção de aorta).

de oxigênio. • Controle de dor,pressão arterial e frequência cardíaca.

Hipertimpanismo torácico à percussão e abolição do

• Acionar equipe de hemodinâmica para provável

murmúrio vesicular local indicam pneumotórax. Em pe­

angioplastia primária. • RepetirECG após administração de nitrato sublingual.

ricardite, pode-se identificar atrito pericárdico e/ou sinais

de tamponamento. Como não houve reprodução da dor após palpação e mobilização de tórax, coluna cervical e

A elevação do segmento ST não ocorre apenas em

membros superiores, afecções osteomusculares e neuro­

IAM, pois pode surgirem outras situações relacionadas

páticas são improváveis causas da referida dor

ou não à isquemia miocárdica, as quais têm padrão ele­

No caso da paciente, não há achados específicos, o

que de certa forma fala a favor de isquemia miocárdica,

sem critérios de mau prognóstico pelo exame físico.

Radiografia de tórax normal exclui pneumotórax e

toma ainda menos provável a dissecção de aorta, em que

geralmente se encontra alargamento do mediastino.

trocardiográfico distinto, como se vê no Quadro 8.2. Lembrar que o ECG é apenas um exame complemen­ tar e que, além do padrão eletrocardiográfico, devem-se associar seus achados ao contexto clínico. No caso da paciente, o ECG inicial era normal, o que

afasta repolarização precoce, bloqueio de ramo esquerdo

Eletrocardiograma normal não exclui o diagnóstico de

(BRE) antigo e sobrecarga ventricular esquerda. O padrão

SCA, especialmente se o paciente não tinha dor durante

de ECG é distinto daquele da hipercalemia e a dosagem

sua realização, mas indica, a princípio, uma situação de

normal de eletrólitos afasta definitivamente esta hipótese.

menor gravidade pelo ECG. Em caso de dor persistente

As características clínicas e eletrocardiográficas não são

com ECG inicial normal, devemos repeti-lo após 5 a 10 min

compatíveis com pericardite e, porterhavid o alteração

para avaliar possíveis alterações dinâmicas. A conduta sequencial mais adequada para essa pacien­

te seria mantê-la em observação na unidade de dor

torá­cica, com realização seriada de ECG (3, 6, 9h e quando

houver dor ou piora clínica) e obtenção marcadores de necrose miocárdica, para avaliação diagnóstica e estrati­

ficação prognóstica.

dinâmica relacionada à dor torácica, que por sua vez era definitivamente anginosa, pode-se confirmar o diagnósti­ co de SCA.

A paciente, após receber 5mg de isossorbida sub­ lingual, teve melhora completa do quadro anginoso. Foi submetida a novo ECG, cujo traçado é o apresentado na Figura 8.3.

Dor Retroesternal Intensa - 47

CAPÍTULO 8

Figura 8.2 - Eletrocardiograma.

A primeira descrição clara de angina variante foi feita porPrinzmetal e colaboradores em 1959. Descreve­

frequência de pacientes jovens, fumantes, sem outros fatores de risco, com angina sem relação com esforço,

ram pacientes que apresentavam dor torácica ao repouso e supradesnivelamento do segmento ST transitório no

especialmente durante a madrugada (entre meia-noite e 8h da manhã) e com crises recorrentes. Em 30% dos pacientes pode estar associada a exercício. A angina va­

ECG. O mecanismo mais comum em angina variante é o espasmo arterial coronariano focal e intenso, que pode ocorrer tanto em vasos angiograficamente normais quan­

riante pode ser manifestação isolada, fazer parte de um distúrbio vasoespástico generalizado (por exemplo, mi­

to nos que apresentam estenose. Embora os espasmos coronarianos tenham tendência à resolução espontânea

grânea, Raynaud) ou ser precipitada por drogas lícitas e ilícitas (por exemplo, cocaína) e abstinência alcoólica. O

causando apenas angina, quando prolongados podem conduzira infarto do miocárdio, arritmias e morte súbita (vasoespasmo é a causa mais frequente de IAM com

ECG durante a crise de angina demonstra supra-ST tipi­ camente transitório, que cede com a resolução do sintoma (espontâneo ou após uso de nitrato). Outras alterações de

coronárias angiograficamente normais). O quadro clínico difere daquele das outras formas de SCA, pela maior

isquemia ou lesão miocárdica podem surgir no ECG, mantendo a característica relação temporal com a angina.

48 -

Doenças do Sistema Cardiovascular

CAPÍTULO

8

QUADRO 8.2 - Diagnóstico diferencial entre causas de elevação do segmento ST • Síndrome coronariana aguda (SCA): é a principal hipótese, a princípio, no contexto de dor torácica. Sua identificação tem implicações diagnósticas, prognosticas e terapêuticas na vigência de uma SCA. O critério de positividade é ≥ 1mm em duas ou mais derivações consecutivas. Pode apresentar quatro padrões morfológicos: côncavo (isquemia ou pericardite), oblíquo (isquemia hiperaguda), convexo (isquemia aguda) e platô (isquemia ou discinesia) • Pericardite: elevação difusa do segmento ST, em geral com concavidade para cima e onda T positiva. O segmento PR pode estar infradesnivelado (curva de lesão atrial). A seguir, o segmento ST volta à linha de base. Posteriormente, as ondas T vão se tornando negativas, caracterizando a fase subaguda da pericardite. A identificação das alterações depende do período evolutivo da pericardite, estando o eletrocardiograma alterado em 80% dos casos e, com a regressão da doença, o ECG tende a voltar ao normal • Repolarização precoce: achado benigno, comum em pacientes jovens com tônus vagal exacerbado, exibindo supra-ST mais proeminente em derivações precordiais médias • Sobrecarga ventricular esquerda (padrão strain): apresenta discreto supra-ST de V1-V3 associado a infradesnivelamento de segmento ST de convexidade superior e onda T negativa assimétrica em V5 e V6 • Hipercalemia: ocorre em fase avançada de hiperpotassemia. Provavelmente seja causada por repolarização não homogênea em diferentes regiões do miocárdio. Nas fases iniciais, identifica-se no ECG onda T apiculada com base estreita (em tenda), onda P achatada que posteriormente desaparece e alargamento do QRS com QT curto (ECG de padrão sinusoidal) • Bloqueio de ramo esquerdo (BRE): o desenvolvimento de BRE de forma aguda tem o mesmo valor prognóstico da SCA com elevação do segmento ST. No contexto de com suspeita de SCA com BRE sabidamente antigo, podem-se utilizar os critérios de Sgarbosa, os quais têm baixa sensibilidade e elevada especificidade; também podem ser utilizados em portadores de marca-passo: - Supradesnível do segmento ST ≥ 1mm em concordância com o QRS - Infradesnível do segmento ST ≥ 1mm em V1, V2 e V3 - Supradesnível do segmento ST ≥ 5mm em discordância com o QRS • Outro: aneurisma de ventrículo esquerdo

O cateterismo deve ser feito nos pacientes em que não há o diagnóstico conhecido de angina de Prinzmetal ou

mesmo naqueles que já tenham história documentada de

angina variante, mas que apresentem dor prolongada e ECG com supradesnivelamento do segmento ST mantido após uso de nitrato. O cateterismo, em angina vasoespás­

tica, pode evidenciar coronárias angiograficamente normais

ou lesões não significativas. Em alguns casos, o próprio cateter dentro da coronária pode induzir vasoespasmo;

tabagismo. Em ataques agudos, os espasmos coronários devem ser tratados imediatamente, pois põem em risco a vida do paciente. Nitrato sublingual geralmente alivia a dor torácica e normaliza o ECG em poucos minutos, sendo a estabilização clínica inicial conseguida com ad­

ministração de nitroglicerina endovenosa. Na terapia a longo prazo, os bloqueadores do canal de cálcio (nifedi­ pina, diltiazem, verapamil) são considerados os agentes de escolha para tratamento da angina vasoespástica. A associação com nitratos é eficaz. Em geral, são exigidas

doses elevadas nos primeiros três a quatro meses de tra­ tamento e deve-se ajustar cada medicação para minimizar efeitos adversos. Pode-se considerara retirada dos agen­ tes em pacientes que não têm arritmias graves ou episódios de síncope durante as crises e que permanecem assinto­

máticos após 12 a 18 meses de seguimento. Como o espasmo reflete disfunção endotelial (mais fatores vasoconstritores em relação aos vasodilatadores), é importante o uso de estatina e alguns especialistas ad­ vogam o AAS (apesar de relato de piora do espasmo com AAS em alguns casos, pela inibição da síntese de pros­ taciclina, que é vasodilatador coronariano). O efeito do betabloqueador sobre a angina de Prinzmetal é variável, pois pode precipitar espasmo por deixar receptores alfa livres e bloquear receptores beta; deve ser usado com cautela, especialmente naqueles que têm coronárias normais ou aterosclerose leve, e nunca administrá-los em mono­

terapia. Alfabloqueadores podem trazer algum benefício, principalmente a doentes com resposta incompleta aos bloqueadores do canal de cálcio e nitratos.

A paciente foi submetida à cineangiocoronariogra­ fia, que não evidenciou lesões obstrutivas; apresentou espasmo proximal durante cateterização de coronária direita, revertido com nitroglicerina intracoronária (Fig. 8.4). Permaneceu 24h com nitroglicerina endovenosa, substituída por isossorbida e diltiazem por via oral, os quais foram mantidos após alta hospitalar No ambula­ tório, foi submetida a tratamento para cessação de tabagismo com bupropiona e psicoterapia, com suces­ so. A paciente mantém acompanhamento semestral e após essas intervenções não houve recorrência das crises anginosas.

caso não seja demonstrado espasmo no cateterismo comum, testes de indução (ergonovina, acetilcolina, hiperventila­ ção, coldtest) podem confirmá-lo, embora geralmente não

DIAGNÓSTICO FINAL

sejam necessários. Esses testes expõem o paciente a risco de complicações graves e têm sido cada vez menos utili­ zados. A coronária acometida com mais frequência é a direita e o tratamento inicial no cateterismo com espasmo

evidente é com nitrato intracoronário. As medidas de maior

benefício para controle dos espasmos são antagonistas do

canal de cálcio de qualquer classe, nitratos e cessação do

Angina de Prinzmetal (angina variante).

DISCUSSÃO Como descrito, dor torácica reflete algumas situações de risco iminente de morte e uma anamnese bem feita é

Dor Retroesternal Intensa - 49

CAPÍTULO 8

Figura 8.3 - Eletrocardiograma.

Figura 8.4- (A) Demonstra inicialmente espasmo de coronária direita e (B) sua reversão com nitrato intracoronário.

50 -

Doenças do Sistema Cardiovascular

CAPÍTULO

8

fundamental para a correta elaboração de suspeita diag­ nóstica e, consequentemente, adequada investigação e rápido tratamento. O exame físico ajuda no diagnóstico diferencial e os exames complementares simples reforçam e afastam algumas hipóteses. O principal diagnóstico a

ser buscado em paciente com dor torácica aguda é o de

SCA e este se baseia em quatro pilares: anamnese, exame físico, ECG e marcadores de necrose miocárdica.

Como visto no caso em questão, apesar de o ECG ser

uma importante ferramenta na investigação, o principal

elemento para o diagnóstico de isquemia miocárdica

aguda é a anamnese, pois angina típica em repouso defi­ ne SCA, mesmo com ECG inicial normal.

Este capítulo reforça um conceito fundamental em clínica médica, que é a valorização da dor torácica, espe­

cialmente em ambiente de pronto-socorro.

BIBLIOGRAFIA ANDERSON, J. L; et ai. ACC/AHA 2007 guidelines forthe management of patients with unstable angina/non-ST-elevation myocardial infarction: a report of the American College of Caidiology/American Heart Association Task Force on Piactice Guidelines (Writing Committee to Revise the 2002 Guidelines forthe Management ofPatients With Unstable Angina/Non-ST-Elevation Myocardial Infarction): developed in collaboration with the American College of Emergency Physicians, American College of Physicians, Society for Academic Emergency Medicine, Society for CardiovascularAngiography and Interventions, and Society of Thoracic Surgeons. J. Am. Cdl Ca-dkl, v. 50, p. 1-157, 2007. BRAUNWALD, E.; ZIPES, D. P.; et al. O. Unstable angina and non-ST elevation myocardial infarction. In: BranveàTshaa-tdisEeBe a textbook of cardiovascularmedicine. 7 ed. Saunders Company, 2005. CUTLER, P. et al. CcHicHdrxkra- prcklαnasαn clíricamédica- dos dados ao diagnóstico. 3 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. PASTORE, C. A.; et al. Eldrctadkkj^icírEi: curso do serviço de eletrocardiologia do Incor São Paulo: Atheneu, 2006. LOPES, A. C.; AMATO NETO, V. Tr^adodeclíricamédica- doen­ ças cardiovasculares (seção 6). São Paulo: Roca, 2006.

___________________________________

CAPÍTULO

9

Sopro Cardíaco Marcio Gianotto

Mulher negra, 29 anos de idade, solteira, apresentase em consulta ambulatorial para avaliação de sopro cardíaco detectado há duas semanas durante consulta médica em academia para realização de atividade físi­ ca. É procedente de São Paulo e trabalha como vendedora. Até então desconhecia qualquer doença cardíaca ou sopro prévio. Quando questionada, queixa-se de dis­ creta dispneia aos grandes esforços nos últimos cinco anos, cuja investigação nunca foi feita, pois tal sintoma nunca atrapalhou suas atividades diárias. Nega ortop­ neia, dispneia paroxística noturna ou edema de extremidades. Nega qualquerdoenças ou uso de me­ dicações diariamente. Também nega tabagismo ou etilismo.

outros); localização (apical, paraesternal direito, paraes­

ternal esquerdo) e irradiação (fúrcula, axila, dorso). Também é importante avaliar o ictus cordis, procurando sinais de dilatação ou hipertrofia miocárdica, além de obser­

var atentamente a existência de sinais de congestão ve­ nosa pulmonar (estertores crepitantes, ortopneia, derrame

pleural) ou sistêmica (estase de jugular, ascite, hepatome­ galia, edema de membros inferiores).

te neste caso, em que a paciente apresenta dispneia aos

Ao exame físico observamos, à inspeção, uma pa­ ciente aparentemente hígida, em bom estado geral, corada, anictérica, acianótica, eupneica e discretamente acima do peso. Pressão arterial (PA) de 120 × 70mmHg, frequência cardíaca (FC) de 88bpm, frequência respi­ ratória (FR) de 12ipm, afebril. Sem estase de veias jugulares ou alterações no formato ou consistência da glândula tireoide. Ao exame do precórdio, observamos ictus normal sobre o quinto espaço intercostal na linha hemiclavicular esquerda, ausência de frêmitos, bulhas rítmicas com B1 proeminente, estalido de abertura e sopro mesotelediastólico em ruflar, mais audível sobre o ictus cordis, cuja intensidade diminui com a inspira­ ção profunda e aumenta com o decúbito lateral esquerdo. Não observamos sinais de congestão venosa sistêmica ou outras alterações.

esforços, o que aumenta a possibilidade de haver alterações cardíacas estruturais. Também não podemos esquecer que

Ao nos depararmos com um sopro cardíaco diastólico,

se trata de paciente adulta jovem, que pode apresentar

nossa atenção para com alguma doença estrutural deve

cardiopatia congênita não diagnosticada ao nascimento.

ser redobrada. A imensa maioria dos sopros considerados

Ao examinara paciente, é importante definir bem as características do sopro com relação à fase do ciclo em

inocentes é de sopros ejetivos mesossistólicos, não pro­

Estamos diante de uma mulher adulta jovem que procura atendimento para avaliação de um achado de exame físi­ co (sopro cardíaco). A maioria dos sopros encontrados na

população em geral é considerada “inocente”, ou seja, ocorre na ausência de doença cardíaca estrutural (como

doenças valvares ou cardiopatias congênitas). Entretanto, como a maior parte dos pacientes com doença valvar

significativa é diagnosticada a partirda ausculta de sopro

cardíaco, tal achado não pode ser ignorado, principalmen­

vocam frêmitos e não estão associados a outros achados

que ocorre (sístole, diástole, ou ambas); intensidade (grau I a VI, associado a frêmito palpável a partir do grau III); configuração (crescendo, decrescendo, crescendo-decres­

anormais. Geralmente provocados pelo hiperfluxo sanguí­

cendo, ou em platô); timbre (musical, ruflar, ejetivo, entre

tireotoxicose. Muito raramente, tais situações podem

neo sobre as valvas semilunares, podem ser desencadea­

dos por alterações sistêmicas como gravidez, anemia ou

CAPÍTULO

9

52 - Doenças do Sistema Cardiovascular

provocar sopros mesodiastólicos pelo hiperfluxo mitral,

Até o presente, a febre reumática continua sendo

mas nunca tão prolongados a ponto de se manterem até

responsável por mais de 90% dos casos de estenose mitral

o final da diástole.

no mundo, principalmente na população de baixo nível

No caso, pela localização do sopro em região de ictus

socioeconômico dos países em desenvolvimento. Calcifi­

cordis (área do foco mitral), com redução da intensidade

cação do anel mitral, uso de drogas anorexígenas, síndro­

à inspiração (característico de sopros de câmaras esquer­

mes paraneoplásicas e endocardite infecciosa são etiolo­

das) e aumento da intensidade no decúbito lateral esquer­

gias menos frequentes de estenose mitral.

do (característico de sopros mitrais), devemos direcionar

Se retornarmos à história clínica e ao exame físico

nossa investigação clínica para avaliação de provável

inicial, não observamos qualquer evidência que nos dire­

estenose mitral (Quadro 9.1).

cione para possíveis etiologias. Talvez, aprofundara in­

A comunicação interatrial (CIA) associada à hiperten­

vestigação sobre o uso de drogas ilícitas endovenosas

são pulmonar pode causar shunt sanguíneo do átrio direito

(risco de endocardite) ou anorexígenas e investigar com

para o esquerdo, ocasionando hiperfluxo pela valva mitral

detalhes os antecedentes mórbidos da paciente possam

e, consequentemente, sopro mesodiastólico. Entretanto,

nos indicar para a provável etiologia.

outros sinais como hiperfonese de P2 e desdobramento fixo de B2 deveriam estar presentes. Além disso, a existência

do estalido de abertura da valva mitral com hiperfonese de B1 nos direciona para o diagnóstico de estenose mitral.

citação de exames complementares que confirmem a hi­

pótese de estenose mitral, é importante explorar ao má­ ximo a história clínica e o exame físico a fim de definir

sua etiologia.

QUADRO 9.1 - Manobras utilizadas para alterar a intensidade dos sopros cardíacos • Respiração - Sopros das câmaras direitas geralmente aumentam com a inspiração. Sopros das câmaras esquerdas geralmente ficam mais intensos durante a expiração • Manobra de Valsalva - A maioria dos sopros diminui em duração e intensidade. Duas exceções: sopro sistólico da cardiomiopatia hipertrófica, que fica muito mais intenso; sopro do prolapso de valva mitral, que fica mais longo e intenso - Após a Valsalva, sopros das câmaras direitas tendem a voltar ao normal mais cedo que os das câmaras esquerdas • Exercícios - Sopros ocasionados pela passagem de sangue por barreiras (por exemplo, estenose mitral ou pulmonar) tornam-se mais intensos com o esforço isotônico ou isométrico (manobra de Hand grip) - Sopros de insuficiência mitral, comunicação interventricular (CIV) e insuficiência aórtica também ficam mais intensos com o esforço isométrico • Mudanças de decúbito - Na posição ortostática, a maioria dos sopros fica menos intensa. Duas exceções: o sopro da cardiomiopatia hipertrófica (ganha intensidade) e o sopro do prolapso de valva mitral (ganha duração e intensidade) - Na posição de cócoras, a maioria dos sopros ganha intensidade, exceto os sopros da cardiomiopatia hipertrófica e do prolapso de valva mitral, que perdem intensidade e podem até desaparecer • Após extrassístoles ventriculares ou fibrilação atrial - Sopros originados de valvas semilunares normais ou estenóticas ficam mais intensos no ciclo cardíaco após a extrassístole ou após certo período em fibrilação atrial. Já os sopros sistólicos oriundos das valvas atrioventriculares não mudam (exceto sopro do prolapso de valva mitral, que fica mais curto, e o sopro da disfunção do músculo papilar, que perde intensidade)

Quando associamos a suspeita clínica de estenose mitral a relatos de artrite de curta duração na infância e

episódios de amigdalite de repetição, chegamos à hipóte­ se diagnóstica de provável estenose mitral secundária à

febre reumática.

O diagnóstico da febre reumática é clínico, não exis­ tindo sinal patognomônico ou exame específico. Os cri­

térios de Jones, estabelecidos em 1944, tiveram a sua

última modificação em 1992 e continuam sendo conside­

rados o “padrão-ouro” para o diagnóstico do primeiro surto da febre reumática (Quadro 9.2). A probabilidade

de febre reumática é alta quando há evidência de infecção estreptocócica anterior, determinada pela elevação dos

títulos da antiestreptolisina O (ASLO), além da presença de pelo menos dois critérios maiores ou um critério maior e dois menores.

Neste caso, infelizmente, não é possível comprovara relação do quadro articular com a infecção estreptocócica.

Uma vez que outros diagnósticos sejam excluídos, o

diagnóstico pode ser feito sem que os critérios de Jones

sejam rigorosamente respeitados, pois em cardite indo­ lente as manifestações clínicas iniciais são pouco expres­ sivas e, quando o paciente procura o médico, as alterações

978-85-4120-074-5

Neste momento, antes de liberara paciente com soli­

Questionada novamente, a paciente nega o uso de qualquer medicação anorexígena ou droga ilícita. En­ tretanto, refere ter apresentado repetidos episódios de amigdalite na infância e quadro articular aos quatro anos de idade, que não soube detalhar Solicitamos então a entrada da mãe, que aguardava fora do consul­ tório. A mãe relata que com cerca de quatro anos de idade a paciente apresentou quadro de dore edema em joelho direito, seguido de sintomas semelhantes em joelho esquerdo, que cessaram com uso de anti-infla­ matórios em menos de duas semanas. Nunca chegou a procurar assistência médica naquele período e desde então nunca apresentou episódios semelhantes.

Sopro Cardíaco - 53

QUADRO 9.2 - Critérios de Jones modificados em 1992 para o diagnóstico de febre reumática

- Cardite

- Febre

- Artrite

- Artralgia

- Coreia de Sydenham

- Elevação dos reagentes de fase aguda (VHS, PCR)

- Eritema marginado

- Intervalo PR prolongado no eletrocardiograma

- Nódulos subcutâneos

• Evidência de infecção pelo estreptococo do grupo A por meio de cultura de orofaringe, teste rápido para EBGA e elevação dos títulos de anticorpos (ASLO) ASLO = antiestreptolisina O; EBGA = estreptococo beta-hemolítico do grupo A; PCR = proteína C-reativa; VHS = velocidade de hemossedimentação.

do átrio para o ventrículo esquerdo somente quando im­ pulsionado por gradiente de pressão adequado. Esse au­

9

• Critérios menores

com abertura reduzida. A valva mitral normal possui área de 4 a 5cm2 e sua redução para valores abaixo de 2,5cm2

CAPÍTULO

• Critérios maiores

lha. O resultado é um aparato valvar em forma de funil,

geralmente ocorre antes do aparecimento de sintomas. Com a redução da área valvar o sangue passa a fluir

mento do gradiente diastólico transmitral é o mecanismo

fundamental de toda a clínica da estenose mitral, levando ao aumento da pressão atrial esquerda, que se reflete em toda a circulação pulmonar.

A história natural da estenose mitral não tratada é de

progressão contínua do quadro ao longo da vida. Estável e indolente nos primeiros anos, evolui com aparecimento

de sintomas leves cerca de 20 a 40 anos depois e sintomas

incapacitantes com mais uma década de evolução.

978 85 4120 074

5

cardíacas podem seras únicas manifestações e os exames de fase aguda, assim como os títulos de anticorpos para o estreptococo, podem estar normais.

Quando assintomática, a sobrevida média é superior

a 80% em dez anos. Entretanto, se não tratada, a sobre­

vida cai para 0 a 15% em dez anos com sintomas inca­

Com o objetivo de excluir outros diagnósticos dife­ renciais e confirmara hipótese clínica, o primeiro passo

pacitantes.

seria avaliar a função tireoidiana pelo hormônio estimu­ lante da tireoide (TSH), além do hemograma para excluir anemia. Eletrocardiograma (ECG), radiografia de tórax e

mente sintomáticos têm o tratamento intervencionista

ecocardiograma com Doppler também seriam extrema­ mente úteis para avaliação da valva mitral e demais câ­

à valvoplastia por balão. A viabilidade para valvoplastia

maras cardíacas.

No retomo com os exames solicitados, a paciente mantém quadro clínico sem alterações. A função tireoi­ diana e a renal e o hemograma não apresentam alterações. A radiografia de tórax (Fig. 9.1) mostra área cardíaca normal, com sinais de aumento do átrio es­ querdo e abaulamento do arco da artéria pulmonar sugerindo elevação da pressão arterial pulmonar. O ECG (Fig. 9.2) mostra ritmo sinusal, bloqueio de ramo direito com sinais de sobrecarga atrial esquerda e ventricular direita. O ecocardiograma evidencia função normal das cavidades ventriculares, com dilatação discreta do ven­ trículo direito; aumento moderado do átrio esquerdo; valva mitral estenótica com sinais de calcificação leve, área estimada de 1,5cm2 e gradiente médio entre átrio esquerdo e ventrículo esquerdo de 7mmHg; escore de Block: 4; pressão sistólica de artéria pulmonar estimada em 50mmHg (valores de referência na Tabela 9.1).

Por isso, mesmo pacientes assintomáticos ou minima­

indicado quando a estenose mitral é considerada mode­ rada ou grave e a morfologia da valva mitral é favorável

por balão é vista por ecocardiograma bidimensional trans­

torácico e transesofágico, com o qual avaliamos o espes­

samento valvar e do aparelho subvalvar, a mobilidade e

Todos os exames confirmam a hipótese de estenose mitral moderada, além de o ecocardiograma sugerirpro­ vável etiologia reumática.

Nos pacientes com estenose mitral secundária à febre reumática, o processo patológico provoca espessamento e calcificação das cúspides, fusão comissural e da cordoa­

Figura 9.1 - Radiografia de tórax.

CAPÍTULO

9

54 - Doenças do Sistema Cardiovascular

Figura 9.2 - Eletrocardiograma.

Leve

Moderada

Grave

hídrica quanto a taquicardia podem pioraros sintomas da estenose mitral. Também foi orientada a manter uso re­

Gradiente entre átrio e ventrículo médio (mmHg)

10

gular de penicilina G benzatina a cada 21 dias.

Pressão sistólica de artéria pulmonar (mmHg)

50

Em alguns casos, drogas cronotrópicas negativas como betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio

Área valvar (cm2)

>1,5

TABELA 9.1 - Classificação da gravidade da estenose mitral

30-50

podem ser usadas para controle da frequência cardíaca, 1-1,5

120ms) é compatível com bloqueio de ramo direito ou

ritmo de escape abaixo do feixe de His (de foco à direita).

Percebe-se também tendência à formação do padrão clás­ sico específico, porém, pouco sensível para tromboembolia pulmonar S1Q3T3. Pode-se ainda observar um padrão

QUADRO 12.2 - Fatores precipitantes da insuficiência cardíaca • • • • • • • • • • •

Infecção Interrupção de medicação Ingestão hídrica ou salina excessiva Isquemia miocárdica Embolia pulmonar Drogas (anti-inflamatórios, bloqueadores de canais de cálcio, tiazolidinedionas) Insuficiência renal Anemia Hipertensão arterial Arritmias Álcool

CAPÍTULO 12

• Classe I: ausência de sintomas (dispneia) durante atividades cotidianas. A limitação para esforços é

No Brasil, a principal etiologia da insuficiência cardía­

- Doenças do Sistema Cardiovascular

CAPÍTULO 12

74

Figura 12.1 - Eletrocardiograma de 12 derivações.

Figura 12.2 - Eletrocardiograma em sequência prolongada e com ganho 2N, em derivações I, II, III em duas repetições.

Dispneia aos Esforços - 75

tassemia, hipomagnesemia e hipocalcemia) e, quando

Todos esses padrões elétricos aliados aos achados da ra­

digitálica.

diografia de tórax (Fig. 12.3) podem nos sugerir vários diagnósticos para a etiologia da bradicardia e da cardiopa­ tia de base do paciente, os quais serão discutidos adiante.

Os exames laboratoriais iniciais revelam ausência de anemia (hemoglobina: 15g/dL), leucograma com 6.300 células (60% segmentados, 1% eosinófilos, 27% linfócitos e 2% monócitos), plaquetas de 180.000, creatinina 1mg/dL, ureia 38mg/dL, sódio 133mEq/L, potássio 3,1mEq/L, cálcio ionizado l,2mg/dL, magné­ sio 2mg/dL, albumina sérica 3,6g/dL, proteína C-reativa menor que 1 (normal), dímero-D 250mg/dL (normal), marcadores de lesão miocárdica (creatina fosfoquinase, massa e troponinas normais) normais, urina tipo I sem alterações. A digoxinemia (dosagem dos níveis séricos de digoxina) mostra valores acima do recomendado.

Em posse dessas informações, é pouco provável que causas como isquemia miocárdica, sangramentos ou in­

fecções estejam entre os possíveis fatores desencadeantes.

Já os valores séricos elevados de digoxina toma a hipó­ tese de intoxicação digitálica plausível e justifica as alte­ rações eletrocardiográficas encontradas, podendo ter

contribuído para a piora acentuada do paciente nas últimas semanas.

disponível, utilizar anticorpo específico para intoxicação

Na indisponibilidade do anticorpo antidigoxina específico, o paciente recebe marca-passo transvenoso provisório, tem os níveis séricos dos eletrólitos corri­ gidos, levando uma semana em monitorização contínua até melhora do ritmo de base. Retoma ao ritmo sinusal, com bloqueio atrioventricularde primeiro grau. Duran­ te o uso do marca-passo provisório houve melhora clínica expressiva, com redução da anasarca e melhora do status funcional. O ecocardiograma transtorácico bidimensional (Fig. 12.4) e, posteriormente, tridimensional (Fig. 12.5) revela fração de ejeção de 39%, átrio esquerdo de 40mm, ligeira disfunção da valva tricúspide (insufi­ ciência tricúspide leve), espessura da parede do ventrículo esquerdo normal, com cavidade normal, porém com imagens de difícil avaliação próximo à ponta dos ventrículos, podendo ser compatível com trabeculações ou com trombos. Há hipocinesia difusa leve em paredes de ambas as câmaras. A sorologia para doença de Chagas é negativa e a cineangiocoronario­ grafia não evidencia lesões coronarianas obstrutivas. O estudo de ressonância cardíaca (Fig. 12.6) deste doente fecha o diagnóstico etiológico da cardiopatia de base, revelando lesão estrutural congênita na parede do ventrículo, conhecida como miocárdio não compactado.

Neste caso, além de provermos suporte hemodinâmi­ co com o marca-passo, devemos suspender o digitálico,

corrigir distúrbios eletrolíticos (principalmente hipopo-

DIAGNÓSTICO FINAL • Insuficiência cardíaca secundária à disfunção sistó­ lica ventricular.

Figura 12.3 - Radiografia de tórax compatível com quadro de insuficiência cardíaca descompensada, em pacientes com opacidades heterogêneas em campos pulmonares inferiores, além de índice cardiotorácico normal semelhante ao paciente deste caso clínico.

Figura 12.4- Ecocardiograma bidimensional.

CAPÍTULO 12

conhecido como sinal de Peñalosa-Tranchesi entre as derivações V1 e V2, sugerindo aumento de átrio direito.

76 - Doenças do Sistema Cardiovascular

comum no ventrículo esquerdo e a localização é predomi­

CAPÍTULO 12

nantemente apical. Em adultos, pode evoluir desde a forma

assintomática até três tipos de manifestações clínicas:

• Disfunção sistólica e/ou diastólica, provocando in­

suficiência cardíaca. • Trombos endocárdicos com embolização sistêmica e/ou pulmonar

• Arritmias ventriculares.

O ecocardiograma é o método de escolha para o diag­ nóstico de miocárdio não compactado; a ressonância

magnética cardíaca é uma modalidade alternativa exce­

Figura 12.5 - Ecocardiograma tridimensional.

lente para avaliação não invasiva de pacientes com mio­ cárdio não compactado, apresentando diversas vantagens, tais como alta resolução espacial, grande campo de visão e capacidade para detectar trombo e áreas de cicatriz

miocárdica. A estratificação familiar por meio de ecocardiograma

deve ser considerada para parentes de paciente com diag­

nóstico de miocárdio não compactado. No diagnóstico diferencial estão endomiocardiofibro­

se, cardiomiopatias hipertrófica apical ou restritiva, trom­

bos apicais e displasia arritmogênica do ventrículo direito. Os pacientes com miocárdio não compactado podem apresentar em até 80% das vezes, doenças neuromuscu­

Figura 12.6 - Ressonância cardíaca.

lares associadas às alterações cardíacas. Não existem

estudos sobre tratamentos específicos para a insuficiência cardíaca decorrente dessa etiologia. Assim, o tratamento

inclui as drogas convencionais utilizadas em pacientes • Etiologia: miocárdio não compactado.

com insuficiência cardíaca. Não existe estudo testando a

• Fator desencadeante: intoxicação digitálica.

efetividade de anticoagulante para essa etiologia. Vários

centros advogam anticoagulação oral em casos de disfun­

DISCUSSÃO Miocárdio não compactado é uma malformação congêni­

ta, recém-descrita, normalmente detectada de maneira incidental. Inicialmente, acreditava-se ser uma desordem

rara ao extremo (prevalência de 0,014 a 0,045%). Contu­

do, estudos recentes estimaram maior prevalência: 0,25 a 5%. Resulta de falha no processo de compactação normal

do miocárdio ventricular no feto em desenvolvimento. Com isso, a parede ventricular torna-se visivelmente es­

pessada com trabeculações proeminentes e recessos in­ tratrabeculares profundos que se comunicam livremente com a cavidade ventricular. A etiologia é desconhecida. O padrão de herança mais

conhecido é autossômico dominante. A ocorrência é mais

ção ventricular além das indicações usuais como fibrila­ ção atrial ou episódios embólicos prévios.

BIBLIOGRAFIA BOCCHI, E. A.; et al. III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq. Bras Ca^dki. v. 92, n. 6, supl. 1, p. 1-71, 2009. FELKER, G. M.; et al. Underiying causes and long-term survival in patients with initially unexplained caidiomyopathy. N. Er^J. J. Med.. v. 342, p. 1077, 2000. FRAGATA FILHO, A. A. In: LOPES, A. C. Tretadodeclíricamé dica- Insuficiência caidíaca. v. I, cap. 51, p. 489-498, Sào Paulo: Roca, 2006. JESSUP, M.; BROZENA, S. Heart failure. N. Erg. J. Med., v. 348, n. 20, p. 2007-18, 2003. NOHRIA, A.; LEWIS, E.; STEVENSON, L. W. Medicai management of advanced heart failure. JAMA, v. 287, p. 628-40, 2002.

Dispneia aos Esforços - 77

YBARRA, L. E; et al. * daa iIrBLÍTÍâTÍaca íacasBeundá rêoccHipactaçãodovelríciloesqisdo Congresso Bra­ sileiro de Clínica Médica, 2009. ZIPES, D. P; et al. (eds.). Braunwald’s heart disease. 8. ed., Philadelphia: ElsevierSaunders, 2008.

CAPÍTULO 12

OLMOS, R. D.; MARTINS, H. S. In: Prcrtosαtcrro condutas no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Insuficiência Cardíaca Congestiva, cap. 20, p. 151-161, São Paulo: Manole, 2007.

___________________________________

CAPÍTULO

13

Cianose Matheus Cavalcante Franco • Gabriel Assis Lopes do Carmo

Paciente masculino, 58 anos de idade, branco, ca­ sado, ex-zelador,natural de Vitória da Conquista ‒ BA, em São Paulo há 35 anos, trazido ao pronto-socorro amparado por familiares. À entrada, chama atenção uma cianose generalizada. A cianose generalizada não nos remete a qualquer diag­

nóstico específico, mas nos abre um leque de diagnósticos que deverão ser lembrados inicialmente.

Cianose é a coloração azulada da pele e das mucosas e tal coloração ocorre quando a hemoglobina reduzida no sangue ultrapassa 5,2g por 100mL de sangue1. A

quantidade fisiológica de hemoglobina reduzida é de 2,6g

por 100mL.

Quanto à fisiopatologia, há três tipos de cianose: cen­

tral, periférica e mista (Quadro 13.1). A cianose central é universal, acomete pele e mucosas. É evidenciada principalmente no lobo das orelhas, em

lábios, língua e leito ungueal. Apresenta-se com extremi­

dades frias. Pode ser reconhecida em doenças que com­ prometam a:



Ventilação pulmonar: por obstrução das vias aéreas (corpo estranho, neoplasia), por aumento da resis­

tência nas vias aéreas (doença pulmonar obstrutiva

crônica, crise asmática), por depressão do centro respiratório (drogas, trauma) ou por atelectasia

pulmonar (derrame pleural, pneumotórax). • Difusão pulmonar: nos casos de pneumonia, con­

gestão pulmonar e fibrose pulmonar • Perfusão pulmonar: como em cardiopatias congê­

nitas e tromboembolia pulmonar. A cianose periférica não é tão universal e se localiza preferencialmente nas extremidades, que são frias. A

aplicação de bolsa de água quente pode fazê-la desapare­

cer Pode surgirem situações que provoquem estase ve­ QUADRO 13.1 - Causas de cianose • Cianose central - Doença pulmonar obstrutiva crônica - Tromboembolia pulmonar - Crise asmática grave - Cardiopatia congênita - Pneumonia - Neoplasia pulmonar - Atelectasia pulmonar - Pneumotórax - Drogas depressoras do centro respiratório - Trauma torácico • Cianose periférica - Fenômeno de Raynaud - Trombose venosa profunda - Tromboflebite • Cianose mista - Insuficiência cardíaca congestiva grave

nosa, ou diminuição da perfusão tecidual (trombose ve­ nosa profunda, fenômeno de Raynaud).

Na cianose mista associam-se mecanismos da central e da periférica. Ocorre em insuficiência cardíaca congestiva grave, na qual o componente central é representado pela

congestão pulmonar e pela broncoestase passiva e o com­

ponente periférico é dado pela vasoconstrição arteriolar.

Outra situação que produz cianose generalizada é

quando a hemoglobina se combina com outros radicais formando a meta-hemoglobina, que tem menor afinidade pelo oxigênio; alteração que se dá pela ingestão ou ina­ lação de substâncias tóxicas que contenham nitritos, fe­

nacetina, anilinas e sulfanilamida (constituindo a sulfa­ -hemoglobina).

Cianose - 79

Ao exame:

• Regular estado geral, descorado 1+/4+, hidratado, taquidispneico (frequência respiratória [FR]: 36ipm), cianose generalizada, anictérico, afebril (temperatu­ ra: 36,5°C). Pressão arterial (PA): 100 × 60mmHg. Saturação de O2 em ar ambiente (AA): 67%. • Presença de estase jugulara 45° e de onda “v” gi­ gante no pulso venoso jugular. • Ausculta respiratória (AR): expansibilidade e elas­ ticidade preservadas, frêmito toracovocal aumenta­ do em base direita, som maciço à percussão de base direita, murmúrio vesicular diminuído em base di­ reita, com estertores crepitantes difusos. Pectorilóquia áfona em base direita. • Ausculta cardiovascular (ACV): ictus amplo com

três polpas digitais, no sexto espaço intercostal, medial à linha hemiclavicular Bulhas rítmicas com hiperfonia de P2, com sopro sistólico, 3+/4+, regur­ gitativo em área tricúspide, e sopro diastólico, 2+/4+, aspirativo, em área pulmonar. • Abdome: semigloboso, ruídos hidroaéreos presentes e com timbre normal, flácido, com macicez à percus­ são de hipocôndrio e flanco direito, fígado palpável a 5cm do rebordo costal direito, homogêneo, fibroe­

lástico e com bordas regulares, baço não palpável. • Baqueteamento digital em membros superiores, edema de membros inferiores, 2+/4+, até joelhos, frio, indolor, compressível (sinal de Godet +). Após obtenção da história clínica, realizamos o diag­

nóstico de cardiopatia congênita acianótica que posterior­ mente evoluiu com síndrome de Eisenmenger, pois o paciente era assintomático ao nascimento e durante toda a infância, evoluindo com sintomas/sinais típicos de hi­ pertensão pulmonarna fase adulta, fato este que exclui o diagnóstico de cardiopatia congênita cianótica ao nasci­ mento, como a tetralogia de Fallot e a transposição das grandes artérias.

Mitchell et al.2 definiram cardiopatia congênita como

uma malformação anatômica grosseira do coração ou dos grandes vasos intratorácicos, que apresenta real ou poten­ cial importância funcional. No Brasil, a prevalência de cardiopatias congênitas varia de 5,5 a 13,2 por 1.000 nascidos vivos3-5. As cardiopatias congênitas podem ser divididas clas­

sicamente em cianóticas ou acianóticas, de acordo com a presença ou não de cianose ao exame físico. As cardiopatias congênitas acianóticas que habitual­ mente podem evoluir para síndrome de Eisenmengersão: comunicação interventricular (CIV), que representa 34% dos casos de síndrome de Eisenmenger; comunicação interatrial (CIA), com 30% dos casos; e persistência do canal arterial (PCA), com 14%6. A CIA é a malformação cardíaca mais prevalente em adultos, respondendo por um terço dos casos diagnosti­ cados nessa faixa etária7. É duas a três vezes mais fre­

quente em mulheres89. Anatomicamente, pode serclassi­ ficada em: tipo ostium secundum, quando o defeito se encontra na região da fossa oval; tipo ostium primum,

quando o defeito reside na parte baixa do septo interatrial; ou tipo seio venoso, quando o defeito se encontra no alto do septo atrial na junção da veia cava superior. O defeito de tipo ostium secundum responde por75% dos casos de CIA, o tipo ostium primum por 15% e o tipo seio venoso por 10%7. A repercussão clínica irá depender do tamanho do

defeito cardíaco. A maioria dos pacientes com CIA é oligossintomática até a terceira década de vida e porvol­ ta da quinta década mais de 70% tornam-se sintomáticos. Os sintomas iniciais são intolerância ao exercício, dispneia ao esforço e fadiga, com hipodesenvolvimento somático. Ao exame clínico, destaca-se o desdobramento amplo e fixo da segunda bulha cardíaca, pois o fechamento valvar pulmonar refletido pela P2, fica atrasado devido à

sobrecarga volumétrica imposta às câmaras direitas. O eletrocardiograma (ECG) mostra bloqueio de ramo direi­ to (BRD). A radiografia de tórax apresenta aumento da área cardíaca, à custa das câmaras direitas, dilatação do tronco da artéria pulmonar e de seus ramos, e pletora

vascular pulmonar bilateralmente indicando hiperfluxo pulmonar.A CIA de tipos ostium primum e ostium secun­ dum são facilmente diagnosticadas pelo ecocardiograma transtorácico; a CIA tipo seio venoso é mais bem visua­

lizada pelo ecocardiograma transesofágico. A CIV é o defeito cardíaco congênito mais comum até a infância7. Em 70% dos casos o defeito está localizado na parte membranosa do septo interventricular em 20% na parte musculare em 10% em outros locais10. A consequên­

cia patológica da CIV dependerá do tamanho do defeito

cardíaco e da resistência vascular nos leitos pulmonar e

CAPÍTULO 13

O paciente refere piora da falta de arhá um dia, no momento, com dispneia ao repouso. Escarro com laivos de sangue há uma semana. Nega febre. Interrogatório sobre diversos aparelhos (ISDA): cefaleia latejante occipital, com episódios recorrentes. Antecedentes pessoais: hipertensão arterial há dez anos. Ex-tabagista, fumou dois maços/dia por20 anos e parou há 25 anos. Conta que tem sopro no coração diagnosticado aos 8 anos de idade e desde os 24 anos sabe que tem malformação cardíaca. Relata que era assintomático até os 50 anos, quando foi internado com quadro de pneumonia e de insuficiência cardíaca con­ gestiva descompensada. Refere internação em 2007 por quadro de endocardite infecciosa.

CAPÍTULO 13

80 - Doenças do Sistema Cardiovascular

sistêmico. Varia desde quadros assintomáticos, em que o defeito é pequeno, a quadros de importante hipertensão

e pressão arterial com diferencial aumentado, em razão

pulmonar decorrente de grandes defeitos cardíacos.

do volume de sangue desviado para a circulação pulmonar

Ao exame clínico, destacam-se pulso periférico amplo

Diferentemente das CIA, o tamanho de uma CIV pode

Há frêmito sistodiastólico palpável na região infraclavi­

diminuir com o passardo tempo. Cerca de 25 a 40% dos

cular esquerda e o clássico sopro “em maquinaria” no

defeitos septais fecham-se espontaneamente até os dois

segundo espaço intercostal abaixo da clavícula esquerda.

anos. As maiores taxas de fechamento são observadas na

O ECG mostrará sobrecarga de câmaras esquerdas. A

primeira década de vida, sendo atípico o fechamento em idade adulta11,12.

radiografia de tórax mostra acentuação da trama vascular

Ao exame clínico destaca-se um frêmito palpável na borda esternal esquerda e o sopro pansistólico audível,

principalmente no terceiro ou quarto espaço intercostal à esquerda. O ECG mostra sobrecarga atrial esquerda e de tórax mostra aumento da vascularização pulmonar com átrio esquerdo e ventrículos aumentados inicialmente. O

ecocardiograma transtorácico pode identificaro defeito e a significância do shunt (Fig. 13.1).

O canal arterial conecta a aorta descendente (depois da saída da artéria subclávia esquerda) à artéria pulmonar esquerda. No feto, essa comunicação permitia que o san­ gue se desviasse dos pulmões ainda não expandidos e

amputação da aorta descendente. O ecocardiograma trans­ torácico com Doppler contribui de forma significativa para

o diagnóstico. ECG: Ritmo sinusal, eixo em -90°, presença de BRD e bloqueio divisional anterossuperior(BDAS). Radiografia de tórax: ectasia da artéria pulmonare de seus ramos, aumento global da área cardíaca e pre­ sença de opacidade homogênea em base pulmonar direita. Ecocardiograma a beira do leito: CIV subaórtica de 13mm, dilatação grave e hipocinesia difusa de ventrí­ culo direito.

entrasse na aorta para oxigenação na placenta. Normal­

mente, 80% dos canais arteriais fecham-se até a oitava

As cardiopatias anteriormente citadas (CIA, CIV e

semana de vida extrauterina e os 20% restantes poderão

PCA) apresentam em comum o fato de possuirinicialmen­

se obliterar até o final do primeiro ano de vida. A PCA

te um shunt da esquerda para a direita que provoca hiper­

apresenta maior incidência em gestações complicadas com

fluxo no leito vascular pulmonar. Cronicamente, esse

hipóxia perinatal e nos casos de rubéola gestacional.

hiperfluxo produz alterações morfológicas na microvas­

A repercussão clínica da PCA irá dependerdo tamanho

e do comprimento do canal arterial, assim como da resis­

tência vascular sistêmica e pulmonar. Os sintomas, quando presentes, abrangem dispneia,

palpitação e intolerância ao exercício.

cularização pulmonar evoluindo de hipertrofia e prolife­

ração arteriolar para fibrose nos estágios avançados, que resultam em aumento da resistência vascular pulmonar.

Esse aumento da resistência provoca aumento progressi­

vo da pressão arterial pulmonar, que em determinado momento reverte o shunt para da direita para a esquerda.

Com a reversão do shunt, o sangue venoso que retorna

para o lado direito do coração passa pela comunicação e

reduz a saturação de oxigênio do sangue arterial prove­ niente do lado esquerdo, causando a cianose central. A tríade de comunicação sistêmico-pulmonar, hipertensão

pulmonare cianose caracteriza a síndrome de Eisenmenger. As alterações morfológicas na vascularização pulmo­

nar na síndrome de Eisenmenger usualmente acontecem

no começo da infância, mas os sintomas podem aparecer apenas no início da fase adulta7. Os sintomas mais frequentes são dispneia progressiva e intolerância aos esforços; e eles podem ficar bem com­

pensados por muitos anos13. Outros sintomas são fadiga,

Figura 13.1 - Ecocardiograma Doppler mostrando grande comunicação interventricular com fluxo san­ guíneo da esquerda para a direita.

palpitações, síncope e sintomas de hiperviscosidade oriun­ dos da eritrocitose decorrente da dessaturação (cefaleia,

tontura, distúrbios visuais, parestesias).

978-85-4120-074-5

sobrecarga predominantemente esquerda. A radiografia

pulmonar, aumento de átrio e ventrículo esquerdos e

Cianose - 81

Ao exame físico dos pacientes com essa síndrome

mento digital, hepatomegalia, ascite, edema de membros

caracterização do defeito cardíaco, a análise da resistência

inferiores. O pulso venoso jugular é normal quando a

vascular pulmonar.

comunicação é posterior à válvula tricúspide (por exem­ plo, PCA). Nos outros casos, uma onda “a” proeminente

pode ser observada em decorrência da contração atrial elevando ainda mais a pressão atrial direita. Nos estágios

posteriores pode-se notar onda “v” gigante, devido à in­ suficiência tricúspide. À palpação sente-se ictus cordis aumentado, com forte impulsão ventricular direita. À

ausculta nota-se P2 hiperfonética. O murmúrio causado

978 85 4120 074

5

por CIA, CIV ou PCA desaparece quando a síndrome de Eisenmengerse desenvolve. Muitos pacientes, como o do caso apresentado, têm sopro decrescente diastólico cau­ sado pela insuficiência pulmonare/ou sopro holossistóli­

co causado por insuficiência tricúspide.

O ECG mostra hipertrofia ventricular direita ou biven­

Pela história clínica de piora súbita da dispneia há um dia, presença de escarros hemoptoicos, hipotensão e dessaturação significativa num paciente com síndrome de Eisenmenger,pensou-se em tromboembolia pulmo­ nar, sendo solicitada tomografia computadorizada de tórax com contraste. Entretanto, o paciente evoluiu com piora rápida e progressiva, com parada cardiorrespira­ tória em assistolia que não se reverteu após as medidas preconizadas pelo advanced cardiac life support (ACLS). Constatado óbito horas após a internação. Encaminhado ao Serviço de Verificação de Óbito, que emitiu a seguinte declaração de óbito: infarto he­ morrágico do pulmão direito, devido à trombose de artéria pulmonar direita e cor pulmonale crônico, se­ cundários à CIV (causa básica de morte).

tricular.A radiografia de tórax (Fig. 13.2) mostra dilatação da artéria pulmonare de seus ramos, diminuição da vascu­ larização pulmonar periférica e aumento da área cardíaca.

DIAGNÓSTICO FINAL

O ecocardiograma irá mostrar sinais crônicos de hi­ pertensão pulmonar, dilatação e hipocinesia ventricular

Síndrome de Eisenmenger.

direita, refluxo pulmonare tricúspide, além do defeito

cardíaco, em muitos casos.

DISCUSSÃO De fato, as alterações estruturais e funcionais que ocorrem na síndrome de Eisenmenger aumentam a incidência de

trombose. A dilatação arterial aneurismal favorece a es­ tase sanguínea e aumenta o risco de trombose14. O estres­ se celular devido à agressão endotelial e a hipoxemia

crônica produzem hiperviscosidade sanguínea, contribuin­ do para um estado protrombótico15,16.

Estudos confirmam a alta prevalência de tromboem­

bolia pulmonarna síndrome de Eisenmenger,variando de 20 a 29%17-19. A trombose maciça e o infarto parenquimatoso, como no caso apresentado, provocam aumento da resistência pulmonare maior desvio de sangue pelo shunt da direita para a esquerda, com morte por asfixia.

A tomografia computadorizada de tórax com contra­

taste e a angiografia são exames que podem confirmar o local de trombose na artéria pulmonar. A anticoagulação de rotina não é recomendada a pa­

Figura 13.2 - Radiografia de tórax de um paciente com síndrome de Eisenmenger. Observam-se cardio­ megalia, atenuação da vascularização periférica, dilatação da artéria pulmonar (seta da direita) e de seus ramos (seta da esquerda).

cientes com síndrome de Eisenmenger, exceto quando houver fibrilação atrial, tromboembolia pulmonar, ataque

isquêmico transitório, acidente vascular cerebral isquêmi­ co ou trombos intracardíacos. A profilaxia para endocardite infecciosa tem sido re­

comendada a pacientes com síndrome de Eisenmenger,

CAPÍTULO 13

observa-se caracteristicamente cianose central, baquetea­

Em alguns pacientes, a confirmação diagnóstica ne­ cessita de cateterismo cardíaco, que possibilita, além da

CAPÍTULO 13

82 -

Doenças do Sistema Cardiovascular

pelo alto risco de infecção existente, especialmente das valvas pulmonar e tricúspide. Segundo os guidelines da

American Heart Association de 2007, a profilaxia para

endocardite infecciosa é recomendada a todos os pacien­ tes com síndrome de Eisenmengerque tenham um defei­ to cardíaco congênito não reparado20.

Recomenda-se também, aos pacientes com síndrome de Eisenmenger, por aumentar o risco de complicações,

evitar altitude, desidratação e prática de exercícios físicos extenuantes. A gravidez na síndrome de Eisenmenger

apresenta mortalidade materna de cerca de 30 a 50% e apenas 15 a 25% das gestações chegam ao termo21-23. Devido ao elevado risco de mortalidade materna, gravidez é contraindicada às pacientes com síndrome de Eisenmen­

ger24 e, ocorrendo, recomenda-se o aborto nas fases iniciais da gestação25.

Apesar de nenhuma terapia clínica ter sido recomen­ dada para redução da resistência vascular pulmonar, o uso de vasodilatadores pulmonares pode ser benéfico. Bosentan (antagonista seletivo do receptor de endotelina) e epoprostenol (prostaciclina) têm sido testados com bons resultados26-29.

Flebotomia com reposição isovolumétrica é recomen­ dada nos pacientes com moderados a graves sintomas de hiperviscosidade30. Transplante duplo cardíaco-pulmonar ou transplante

pulmonar com reparação do defeito cardíaco são opções para o tratamento dos pacientes com síndrome de Eisen­

menger entretanto, devem ser reservados apenas para os pacientes com sintomas graves31-33. A idade média de morte dos pacientes com síndrome

de Eisenmenger é de 37 anos. A maioria morre por pro­

gressão da doença cardiovascular para falência cardíaca, por morte súbita cardíaca ou hemorragia/trombose pul­ monar Relatam-se casos de sobrevida até os 60 anos de idade14,34.

REFERÊNCIAS 1.

2.

3.

4.

5.

LUNDSGAARD, C.; VAN SLYKE, D. D. Cyanosis. Mβdfcine v. 2, p. 1-76, 1923. MITCHELL, S. C.; KORONES, S. B.; BERENDES, H. W. Congenital heart disease in 56,109 births. Incidence and natural history. Circdríicn v. 43, p. 323-32, 1971. GUITTI, J. C. S. Aspectos epidemiológicos das cardiopatias congênitas em Londrina, Paraná. Arq. Bras Ca^did., v. 74, p. 395-9, 2000. MIYAGUE, N. L; et al. Estudo epidemiológico de cardiopatias congênitas na infância e adolescência. Análise de 4.538 casos. Arq. Bras Cadki, v. 80, p. 269-73, 2003. RIVERA, I. R.; et al. Cardiopatia congênita no recém-nascido: da solicitação do pediatra à avaliação do cardiologista. Arq. Bras Cadid, v. 89, n. 1, p. 6-10, 2007.

SAHA, A.; et al. Prognosis forpatients with Eisenmengersyndrome of various aetiology. Irt J. Cadid, v. 45, p. 199, 1994. 7. BRICKNER, M. E.; HILLIS, L. D.; LANGE, R. A. Congenital heart disease in adults. N. ErjgJ. J. Med., v. 342, p. 256-263, 2000. 8. FELDT, R. H.; et al. Incidence of congenital heart disease in children bom to residents of Olmsted County, Minnesota, 19501969. MêyoClin Prα., v. 46, n. 12, p. 794-9, 1971. 9. CAMPBELL, M. Natural history of atrial septal defect. Br. Hca-tJ., v. 32, p. 820-6, 1970. 10. GRAHAM JR, T. P.; GUTGESELL, H. P. Ventricular septal defects. In: EMMANOUILIDES, G. C.; et al. (eds.). Mcssard Adéins hea-tdisEasainirfafe cliklrcrj ard addescαís Baltimore: Williams & Wilkins, 1995, p. 724-46. 11. PERLOFF, J. K. Survival pattems without cardiac surgery or interventional catheterization: a narrowing base. In: PERLOFF, J. K.; CHILDS, J. S. (eds.). Ccrj^rtaiFEaTdisEBseinadiits 2. ed. Philadelphia: W. B. Saunders, 1998, p. 15-53. 12. WEIDMAN, W. H.; DUSHANE, J. W.; ELLISON, R. C. Clinicai course in adults with ventricular septal defect. Circvtóicrj v. 56, suppl. I, p. I-78-I-79, 1977. 13. SAHA, A.; et al. Prognosis forpatients with Eisenmengersyndrome of various aetiology. Irt J. Caxlkl, v. 45, p. 199-207, 1994. 14. NIWA, K.; et al. Eisenmengersyndrome in adults: ventricular septal defect, truncus arteriosus, univentricularheart. J. Am. Cdl Cadid, v. 34, p. 223, 1999. 15. ALTMAN, R.; et al. Coagulation and fibrinolytic parameters in patients with pulmonary hypertension. Clin Cadid, v. 19, p. 549, 1996. 16. HASSELL, K. L. Altered hemostasis in pulmonary hypertension. Blαcd Cαgi Fibrirdyss v. 9, p. 107, 1998. 17. BROBERG, C. S.; UJITA, M.; et al. Pulmonary arterial thrombosis in Eisenmenger syndrome is associated with biventricular dysfunction and decreased pulmonary flow velocity. JACC, v. 50, p. 634-42, 2007. 18. PERLOFF, J. K.; et al. Proximal pulmonary arterial and intrapulmonary radiologic features of Eisenmenger syndrome and pri­ mary pulmonary hypertension. Am. J. Cadid, v. 92, p. 182, 2003. 19. SILVERSIDES, C. K.; et al. Pulmonary thrombosis in adults with Eisenmenger syndrome. J. Am. CdL Cadki, v. 42, p. 1982, 2003. 20. WILSON, W.; TAUBERT, K. A.; et al. Prevention of infective endocarditis. Guidelines from the American Heart Association. Circddicn April 19, 2007. 21. GLEICHER, N.; MIDWALL, J.; HOCHBERGER, D.; JAFFIN, H. Eisenmenger syndrome and pregnancy. Obstet GyrEcd. Svrv., v. 34, p. 721, 1979. 22. YENTIS, S. M.; STEER, P. J.; PLAAT, F. Eisenmengerssyndrome in pregnancy: maternal and fetal mortality in the 1990s. Br. J. Obstet Gynaad., v. 105, p. 921, 1998. 23. DRENTHEN, W.; et al. Outcome of pregnancy in women with congenital heart disease: a literature review. J. Am. Cdl Ca-did, v. 49, p. 2303, 2007. 24. VONGPATANASIN, W.; et al. The Eisenmengersyndrome in adults. Am Irtan Med., v. 128, p. 745, 1998. 25. ELKAYAM, U.; GLEICHER, N. Cardiac problems in pregnancy. I. Maternal aspects: the approach to the pregnant patient with heart disease. JAMA, v. 251, p. 2838, 1984. 6.

Cianose - 83

31. WADDELL, T. K.; et al. Heart-lung orlung tiansplantation for Eisenmengersyndrome. J. HeatLtrgTrmçlat v. 21, p. 731, 2002. 32. STOICA, S. C.; et al. Heart-lung tiansplantation forEisenmenger syndrome: eaily and long-teim iesults. Am TFrra:. Scrg, v. 72, p. 1887, 2001. 33. HOPKINS, W. E.; OCHOA, L. L.; RICHARDSON, G. W.; TRULOCK, E. P. Comparison of the hemodynamics and survival of adults with severo primaiy pulmonaiy hypertension or Eisenmengersyndrome. J. He≈tLmgTrsrqilErt v. 15, p. 100, 1996. 34. DALIENTO, L; et al. Eisenmengersyndrome. Factois relating to deterioiation and death. Eu1. HeatJ., v. 19, p. 1845, 1998.

CAPÍTULO 13

26. GALIE, N.; et al. Bosentan theiapy in patients with Eisenmenger syndrome: a multicentei; double-blind, randomized, placebocontrolled study. Circtidicn v. 114, p. 48, 2006. 27. CHRISTENSEN, D. D.; MCCONNELL, M. E.; BOOK, W. M.; MAHLE, W. T. Initial experience with bosentan theiapy in patients with the Eisenmengersyndrome. Am. J. Cadfci, v. 94, p. 261,2004. 28. ROSENZWEIG, E. B.; KERSTEIN, D.; BARST, R. J. Long-teim prostacyclin forpulmonaiy hypertension with associated con­ genital heart defects. Circiidkn v. 99, p. 1858, 1999. 29. FERNANDES, S. M.; et al. Usefulness of epoprostenol theiapy in the seveiely ill adolescent/adult with Eisenmengerphysiology. Am. J. Cadid., v. 91, p. 632, 2003. 30. PERLOFF, J. K.; ROSOVE, M. H.; CHILD, J. S.; WRIGHT, G. B. Adults with cyanotic congenital heart disease: hematologic management. Am Iiten Med., v. 109, p. 406-13, 1988.

SEÇÃO

Doenças do Sistema Respiratório

CAPÍTULO

14

Tosse Crônica Ingvar Ludwig

Um homem de 35 anos procura o pronto-socorro com queixa de tosse e dispneia. Refere que a tosse foi o primeiro sintoma e se iniciou há pouco mais de dois meses, com piora em intensidade e frequência nas úl­ timas quatro semanas. Nesse período, a tosse que era não produtiva passou a ser acompanhada de secreção hialina que, ocasionalmente, continha traços de sangue, além de desenvolver dispneia aos médios esforços. O paciente procurou atendimento médico em outro servi­ ço por volta de quatro semanas atrás, quando os sin­ tomas começaram a piorar. Nessa ocasião, foi tratado como se tivesse uma infecção respiratória, com amo­ xicilina, 500mg, três vezes/dia, prednisona, 20mg/dia e nebulizações com fenoterol e ipratrópio para alívio da dispneia. Mesmo fazendo uso correto das medica­ ções, apresentou apenas melhora parcial. Notou ainda febre episódica e calafrios, que eram acompanhados de sudorese, principalmente no período noturno. Há cinco dias do atendimento houve piora da dispneia, agora proeminente aos esforços habituais, e os episódios de hemoptise se tomaram mais frequentes.

corpo estranho também são causas frequentes que devem

ser consideradas. Ocasionalmente, relacionam-se a condi­ ções graves, tais como embolia pulmonar, edema agudo de pulmão e pneumonia. Febre e dispneia são importantes

fatores observados e indicam probabilidade de até 50% de

infecção pulmonarem pacientes com apresentação aguda. Quadros agudos podem ainda persistir e tornam-se um problema crônico.

Tosse com duração superiora três semanas é também denominada tosse crônica. Estima-se que até 90% dos

casos estejam relacionados a asma, doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), gotejamento nasal posterior

(secundário a processos crônicos envolvendo os seios da face e a mucosa nasal) e bronquite crônica relacionada ao

tabaco. Entre as causas menos frequentes, mas que devem

ser consideradas, estão os casos secundários a drogas (por exemplo, uso de inibidores da enzima conversora de an­

giotensina [IECA] e betabloqueadores), bronquiectasia, infecções crônicas, carcinoma broncogênico, pneumoco­ nioses, doenças pulmonares intersticiais e causas extra­

Apesar de ser um mecanismo de defesa que auxilia na

pulmonares como disfunção ventricular esquerda. A

proteção da integridade das vias aéreas, a tosse é um dos

anamnese é crucial na avaliação inicial, sugerindo em até

sintomas que mais levam pacientes a procurar atendimen­

70% das vezes um diagnóstico provável. Alguns aspectos

to médico; afinal, além de ser facilmente observada, afeta

associados à história clínica devem ser ativamente inves­

de modo objetivo a qualidade de vida.

tigados. O Quadro 14.1 lista esses dados.

A duração do sintoma talvez seja o principal fator que

Hemoptise é definida como a eliminação de sangue

auxilia na avaliação de pacientes que se queixam de tosse.

com origem abaixo das cordas vocais. Usualmente, indi­

A apresentação aguda da tosse tem duração inferiora três

ca algum processo que acomete as vias aéreas, como

semanas em geral está relacionada a infecções das vias

bronquiectasias ou lesão brônquica, mas também pode

aéreas. Infecções virais como a gripe e o resfriado comum

resultar de carcinoma broncogênico e outras neoplasias

são responsáveis pela maioria dos casos. Sinusite bacte­

pulmonares ou secundárias a metástases de outros locais.

riana, traqueobronquite (como na doença pulmonar obs­

O parênquima pulmonar também pode ser a origem do

trutiva crônica exacerbada), rinite alérgica e aspiração de

sangramento em doenças intersticiais e autoimunes, in-

CAPÍTULO 14

88 -

Doenças do Sistema Respiratório

QUADRO 14.1 - Dados importantes na avaliação de tosse crônica • • • • • • • • • •

Tabagismo Mudança recente do padrão de tosse Presença e quantidade de escarro Hemoptise Queimação retroesternal Exposição ocupacional História de alergia ou atopia Tosse noturna Cefaleia e sintomas de sinusopatia Introdução de novas drogas (especialmente inibidores da enzima conversora de angiotensina e betabloqueadores) • Uso de drogas ilícitas (crack e cocaína)

fecções crônicas (fúngicas, abscessos) e causas exógenas como inalação de agentes tóxicos ou drogas, como coca­

ína. Pelo fato de o pulmão ser uma estrutura extensamen­

te vascularizada, o acometimento dos vasos pode resultar

em hemoptise, como em embolia pulmonar, malformações

arteriovenosas, estenose mitral e congestão pulmonar

grave em caso de insuficiência ventricular esquerda grave, resultando em edema agudo de pulmão.

Febre e calafrios são sintomas amiúde correlatos, exibindo estágios diferentes de um mesmo processo. Ambos estão relacionados a processos infecciosos diver­

sos (bacteriano, fúngico, viral), doenças autoimunes, doenças malignas (linfoma, leucemia, neoplasias pulmo­

nares e renais) e neurológicas. Sudorese noturna é muito sugestiva de algumas doenças como linfomas, tuberculo­ se, abscessos, infecções virais (HIV) e endocardite. É um

dado importante a ser considerado.

O paciente considera sua saúde satisfatória até quatro meses atrás. Relata episódios isolados de tosse nos últimos seis meses, que não cursavam com secreção e melhoravam espontaneamente. Nega secreção nasal posteriorou eliminação de grande quantidade de secre­ ção pela manhã (higiene matinal).

O Quadro 14.2 lista as principais causas de tosse de acordo com a duração. O paciente nega história de queimação retroesternal, sibilos, dor torácica ou dispneia noturna ou incapaci­ tante durante sua vida adulta. Nunca havia manifestado hemoptise. Observou perda não motivada de 5kg nos últimos dois meses e não notou alterações no sono ou no apetite. Havia sido internado duas vezes, aos seis e aos nove anos de idade, uma delas para tratamento de pneumonia. Permaneceu sem necessidade de internação até dois anos atrás, quando precisou se submetera uma artroscopia de joelho esquerdo para correção de lesão traumática de menisco lateral. Refere ter procurado auxí­ lio médico em poucas ocasiões, desde a adolescência.

QUADRO 14.2 - Principais causas de tosse (conforme duração) • Aguda e subaguda (duração < 3 semanas) - Infecções das vias aéreas superiores ■ Gripe e resfriado ■ Sinusite bacteriana aguda ■ Infecção por Bordetella pertusis - Exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica - Pneumonia - Edema agudo de pulmão - Embolia pulmonar • Crônica (duração > 3 semanas) - Asma - Doença do refluxo gastroesofágico - Gotejamento nasal posterior: ■ Rinite alérgica ■ Rinite vasomotora ■ Sinusite bacteriana crônica - Bronquite crônica relacionada ao tabaco - Drogas ■ Inibidores da enzima conversora de angiotensina ■ Betabloqueadores ■ Cocaína ■ Crack - Insuficiência ventricular esquerda - Doença pulmonar obstrutiva crônica - Bronquiectasias - Infecções crônicas ■ Abscessos pulmonares ■ Bactérias ■ Fungos - Pneumoconioses - Neoplasias ■ Carcinoma broncogênico ■ Metástases pulmonares - Doenças pulmonares intersticiais ■ Sarcoidose ■ Pneumonite por hipersensibilidade ■ Fibrose pulmonar idiopática ■ Colagenoses (lúpus eritematoso sistêmico, esclerodermia, Sjögren, artrite reumatoide, doença mista do tecido conjuntivo) - Vasculites ■ Granulomatose de Wegener ■ Síndrome de Goodpasture - Aspiração de corpo estranho

Não faz uso crônico de medicações, no entanto, utiliza analgésicos simples (dipirona ou paracetamol) ocasio­ nalmente. É solteiro, vive sozinho e sem parceira fixa. Nega relações homossexuais. Nega tabagismo, é etilista social (ingere cerca de quatro a seis doses por semana), oca­ sionalmente utiliza maconha como droga recreativa (frequência estimada de uma vez a cada dois meses), porém, nega uso de outras drogas. Refere que o pai é hipertenso e foi submetido a uma revascularização miocárdica aos 62 anos de idade. A mãe faleceu aos 59 anos, vítima de um câncerde ovário. É filho único e não informa outros antecedentes familiares dignos de nota.

O paciente não melhorou significativamente após o tratamento antimicrobiano proposto. Esse dado ajuda a

descartar um processo agudo de etiologia infecciosa. A ausência de sibilos, queimação retroesternal e gotejamento

Tosse Crônica - 89

crônica. A resposta ao corticoide é importante para ava­

liação do tratamento do gotejamento nasal posterior, presente em sinusopatias crônicas. No entanto, quadros autoimunes, neoplasias e infecções crônicas também podem apresentar algum tipo de melhora mediante essa droga. É

importante considerá-los antes de instituir essa terapia.

O paciente é jovem, não é tabagista nem teve exposi­ ção prolongada ao tabaco, o que afasta as hipóteses de bronquite relacionada ao tabaco e carcinoma broncogê­ nico, mesmo o carcinoma de pequenas células (oat cell), um tipo de neoplasia pulmonar que afeta pacientes mais jovens e pode cursar com hemoptise. Não existe exposição

de 92%. Temperatura axilarde 37,3°C. Não se observam lesões em cavidade oral, massas cervicais ou adenome­ galia cervical, clavicular, axilar ou inguinal. Não são observadas alterações necessariamente patológicas na propedêutica cardiovascular e abdominal. A ausculta pulmonar mostra murmúrio vesicular diminuído em terço superior do pulmão esquerdo, em que também se notam estertores subcrepitantes nos terços superiores e alguns roncos difusos em ambos os pulmões. Não se notam alterações na expansibilidade. As extremidades apresentam boa perfusão periférica, com pulsos distais cheios e simétricos; não há edema. O exame neurológico é normal. Não se observam lesões cutâneas características, tampouco sangramento ativos.

ocupacional para relacionara pneumoconioses. O pacien­

O exame físico mostra-se alterado. A ausência de sibilos

te não apresenta história frequente de internações nem outros sinais de imunossupressão. Tem como fator de risco a exposição a drogas ilícitas, que podem mediar

é pouco compatível com os diagnósticos de asma ou obstru­

lesões no parênquima pulmonar e um comportamento que deve ser investigado para doenças sexualmente trans­

O estado de conservação dentário é bom, diminuindo a hi­

missíveis. Não devemos esquecer que com o advento da

infecção pelo HIV e sua evolução consequente para AIDS,

alguns processos infecciosos menos frequentes voltaram a ter importância e devem ser apropriadamente investiga­ dos em casos de imunossupressão. Essa abordagem tam­ bém deve ser estender aos pacientes transplantados, os quais, devido ao desenvolvimento de novas drogas e

técnicas e a um ganho exponencial de conhecimento sobre os mecanismos de rejeição, estão cada vez mais presentes na rotina da prática médica. Muitos desses pacientes fazem

ção de vias aéreas. Não se notam alterações na cavidade oral,

o que auxilia a afastar sinusopatia e gotejamento posterior. pótese de pneumonia aspirativa. A propedêutica cardíaca é normal, sem sinais de congestão pulmonar. Dessa forma, o

diagnóstico de descompensação cardíaca não parece o mais provável, tampouco de estenose mitral. No entanto, o pacien­

te apresenta-se taquipneico e hipoxêmico. A redução da ausculta pulmonarde forma localizada favorece o diagnósti­

co de um processo envolvendo diretamente o parênquima

pulmonar e apenas parte dele, observação esta que torna

pouco provável um processo difuso como pneumopatias in­ tersticiais. Vale lembrar que algumas infecções têm localiza­

uso de potentes imunossupressores e estão suscetíveis a processos infecciosos, bem como a alterações da homeos­ tase imunológica.

ção preferencial. Tuberculose geralmente acomete os ápices,

Pela anamnese observamos que se trata de um pacien­

aspirações tendem a se instalarno segmento posteriordo lobo

te previamente hígido, masculino, jovem, queixando-se de tosse crônica com eventual hemoptise, associada a

superiore no segmento superior do lobo inferior.Apesardo

dispneia, febre e sudorese noturna. Outro dado valioso é

físico são sinais presentes em embolia pulmonar que tem

a perda de peso, que pode indicar doença crônica e con­ sumptiva. É importante notar que o paciente possui um

evolução potencialmente letal, e devem ser sempre avaliados

quadro progressivo em que se observam tanto piora dos

podem ser uma ferramenta útil para avaliação de pacientes

sintomas como aparecimento de outros novos. Isso auxi­ lia a excluir causas agudas e facilmente identificadas.

com quadro clínico sugestivo de embolia pulmonar.

Esses elementos apontam para uma provável etiologia

diografia torácica é uma ferramenta indispensável e parte

pulmonar,envolvendo processos crônicos como infecções

inicial do algoritmo para avaliação de tosse crônica apre­

ou inflamações.

sentado pelas Diretrizes para o Manejo da Tosse Crônica

devido a uma relação ventilação/perfusão que favorece a proliferação do bacilo, ao passo que infecções resultantes de

quadro clínico arrastado, hipoxemia e taquipneia ao exame

com cautela, sobretudo com hemoptise. Os critérios de Wells

Na avaliação de um paciente com tosse crônica, a ra­

da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (Fig.

Ao exame físico, o paciente apresenta-se vígil, orientado em tempo e espaço e colaborativo. Seu esta­ do geral é regular, apresentando taquipneia, com frequência respiratória (FR) de 27irpm, frequência cardíaca (FC) de 98bpm, pressão arterial (PA) medindo 126 × 84mmHg, com saturação periférica de oxigênio

14.1). Uma radiografia normal num paciente imunocompe­

tente toma pouco provável tuberculose, bronquiectasias, massas tumorais, sarcoidose e outras doenças intersticiais,

além de fornecer informações sobre a área cárdica, os gran­

des vasos e o mediastino.

CAPÍTULO 14

posterior vai contra o diagnóstico de asma, DRGE e sinu­ site crônica, que são as causas mais comuns de tosse

CAPÍTULO 14

90 - Doenças do Sistema Respiratório

Figura 14.1 - Algoritmo proposto para avaliação de tosse crônica (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Ti­ siologia). DRGE = doença do refluxo gastroesofágico; EDA = endoscopia digestiva alta; GNP = gotejamento nasal posterior; IECA = inibidor da enzima conversora de angiotensina; LBA = lavado broncoalveolar; TC = to­ mografia computadorizada; TCAR = tomografia computadorizada de alta resolução.

Tosse Crônica - 91

Observa-se elevação dos marcadores inflamatórios

inespecíficos VHS e proteína C-reativa. Provas inflama­

tórias têm valores aumentados em doenças autoimunes, neoplasias e quadros infecciosos. A análise gasométrica

revela hipoxemia, visto que PaO2 se encontra ligeiramen­ te abaixo do esperado para a idade (92,5 ± 5mmHg) e a

saturação de oxigênio também está alterada. Os dados

provenientes dos exames laboratoriais não revelam qual­ queranomalia característica de alguma doença específica, mas indicam existir uma anormalidade que já comprome­

te a oxigenação sanguínea, com necessidade de investi­

gação imediata do quadro. O parênquima pulmonar mostra alterações em ambos os terços superiores dos pulmões. No pulmão esquerdo nota-se uma região de opacificação no terço superior com áreas de condensação, além de infiltrado que circunda uma área de cavitação. No pulmão direi­

to observa-se também uma caverna, isolada no terço superior do pulmão direito. O paciente submete-se à tomografia computadorizada do tórax, que também revelou lesões em ambos os parênquimas, caracteriza­ das por áreas de condensação difusa, infiltrados micronodulares com áreas em vidro fosco e cavitações com paredes espessadas em ambos os pulmões, sem presença de nível hidroaéreo.

QUADRO 14.3 - Resultados dos exames laboratoriais solicitados Hemoglobina: 14,1 g/dL Hematócrito: 42% Plaquetas: 382.000 células/mm3 Leucócitos totais: 7.820 células/mm3 - Promielócitos: 0 - Mielócitos: 0 - Metamielócitos: 0 - Bastonetes: 2% (156 células/mm3) - Segmentados: 68% (5.317 células/mm3) - Eosinófilos: 2% (157 células/mm3) - Basófilos: 1% (79 células/mm3) - Linfócitos: 18% (1.408 células/mm3) - Linfócitos atípicos: 0 - Monócitos: 9% (704 células/mm3) • Velocidade de hemossedimentação: 23nm • Proteína C-reativa: 27,6mg/dL • Gasometria arterial - pH: 7,36 - PaO2: 86mmHg - PaCO2: 39mmHg - Bicarbonato: 21mEq - Excesso de bases: -1 - Saturação de O2: 93% • • • •

Figura 14.2 - Exames de imagem: (A) radiografia de tórax e (B) tomografia computadorizada de tórax. A ra­ diografia de tórax mostra comprometimento importante do pulmão esquerdo, com uma área de condensação no segmento superior, onde também se observa lesão cavitária com infiltrado adjacente. A tomografia compu­ tadorizada revela áreas de condensação, infiltrado micronodular na região peribrônquica bilateral com áreas em vidro fosco, além de uma caverna de grandes dimensões e parede espessada que se comunica diretamente com o brônquio inferior esquerdo.

CAPÍTULO 14

Após ter sido avaliado clinicamente, o paciente é submetido a exames complementares, solicitando-se hemograma para avaliara possibilidade de quadro in­ feccioso, gasometria arterial para avaliara oxigenação sanguínea, provas inflamatórias, velocidade de hemos­ sedimentação (VHS) e proteína C-reativa, e radiografia torácica como exame de imagem inicial (Fig. 14.2). Os resultados dos exames laboratoriais são apresentados no Quadro 14.3.

CAPÍTULO 14

92 - Doenças do Sistema Respiratório

Os principais achados nos exames de imagem são

como alcoolismo, uso de drogas e epilepsia, são fatores

cavitações em ambos os pulmões, além das áreas de

de risco importantes, já que grande parte dos abscessos

condensação. As lesões cavitárias são incomuns e restrin­

acontecem de aspirações. No entanto, microaspirações,

gem os diagnósticos diferenciais, que ainda assim incluem

que ocorrem em até 40% dos indivíduos sadios, também

neoplasias, doenças autoimunes, infecções e lesões me­

podem contribuir para a formação de um abscesso. Myco­

cânicas. O Quadro 14.4 lista as principais causas que

bacterium tuberculosis e certos fungos (Aspergillus,

podem provocara formação de lesões cavitárias intrapul­

Blastomyces, coccioides, histoplasma) e outros patógenos

monares.

(micobactérias atípicas, criptococos) podem provocar

O paciente é jovem e não tem história significativa de tabagismo, nem outros sintomas que possam indicar al­

guma neoplasia portanto, carcinoma broncogênico e metástases não parecem ser o principal diagnóstico. Al­

gumas doenças reumatológicas, entre elas sarcoidose,

artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico, podem cursar com lesões no parênquima pulmonar mas nestes

casos o acometimento de outros sistemas é mais eviden­ te, o que não se observa na avaliação do paciente. Outras entidades também possuem capacidade de desenvolver

cavernas pela formação de abscessos pulmonares, como obstruções por corpo estranho, infartos pulmonares de­

correntes de embolismos (sépticos ou tromboembolia) e bronquiectasias. Infecções fúngicas e por micobactérias,

por meio de inflamação crônica, podem promover des­

truição de parênquima e formação de cavitações.

lesões pulmonares crônicas e, apesar de possuírem viru­ lência intermediária, indivíduos imunocompetentes podem

desenvolver estas infecções se expostos frequentemente

ou dependendo da quantidade inoculada. A cavidade pulmonar é a lesão mais característica em tuberculose

pulmonar.

O paciente é então submetido à análise do escarro com cultura para bactérias, fungos e micobactérias, além de pesquisa para bacilo álcool ácido resistente (BAAR; coloração de Ziehl-Neelsen) (Fig. 14.3). A análise do escarro foi positiva para BAAR e o paciente foi diag­ nosticado com tuberculose pulmonar. Instituiu-se tratamento com isoniazida, rifampicina e pirazinamida e o paciente teve alta após melhora dos sintomas iniciais, sendo encaminhado para atendimento ambulatorial.

Os abscessos pulmonares podem se manifestar com

uma história de mau estado geral, associada a alguns

episódios de febre e tosse crônica, mas geralmente pro­ dutiva e com expectoração purulenta. Conservação den­ tária ruim e condições que alterem o estado de consciência,

DIAGNÓSTICO FINAL Tuberculose pulmonar.

QUADRO 14.4- Diagnóstico diferencial de lesões cavitárias • Infecções - Bactérias (micobactérias, nocardiose, Burkholderia pseudomallei) - Abscessos pulmonares (polimicrobianos) - Fungos (aspergilose, criptococose, blastomicose, paracoccidioidomicose) - Parasitas (amebíase, equinococose, toxoplasmose) • Vasculopatias - Êmbolo séptico (com abscesso secundário) - Infarto pulmonar • Neoplasias - Carcinoma broncogênico - Adenocarcinoma brônquico - Metástases pulmonares - Linfoma • Vasculites - Granulomatose de Wegener - Síndrome de Goodpasture - Lúpus eritematoso sistêmico • Doenças intersticiais - Sarcoidose - Linfangioleiomiomatose • Cisto broncogênico • Obstrução brônquica - Aspiração de corpo estranho - Neoplasias obstrutivas

Figura 14.3 - Pesquisa de bacilo álcool ácido resis­ tente (BAAR) em escarro revela bacilos filiformes correspondendo a Mycobacterium tuberculosis.

Tosse Crônica - 93

A tuberculose é uma infecção crônica causada pelo Myco­

como ferramentas diagnósticas a radiografia simples de

bacterium tuberculosis. Segundo estimativa da Organiza­

tórax, que pode indicar lesões sugestivas de tuberculose,

ção Mundial da Saúde (OMS), dois bilhões de pessoas

a prova tuberculínica (técnica de Mantoux), pesquisa da

estão infectados pelo M. tuberculosis. O Brasil ocupa o

micobactéria no escarro induzido ou no lavado broncoal­

décimo quarto lugar entre os 23 países responsáveis por

veolar (padrões de sensibilidade e especificidade seme­

80% dos casos no mundo, com aproximadamente cinco

lhantes), tomografia computadorizada de tórax e técnicas

milhões de infectados, 111.000 casos novos e 6.000 óbi­

tos anuais. A apresentação da tuberculose pode ser pul­

de biologia molecular ainda não totalmente padronizadas e validadas (QuantiFERON®-TB test).

monar, extrapulmonarou disseminada, dependendo basi­

O tratamento requer acompanhamento ambulatorial e

camente da resposta imunológica do hospedeiro. A tosse e a expectoração são sintomas cardinais da

tuberculose e por elas se deve começara investigação para

é feito de acordo com a situação e o local acometido pela

tuberculose, com esquemas sugeridos pelo Ministério da

Saúde. O Quadro 14.5 mostra essas recomendações.

que os casos pulmonares sejam diagnosticados e tratados

A tuberculose ainda representa um problema de saúde

precocemente. A tosse em geral tem duração superiora

prioritário no Brasil, em razão de sua prevalência e plu­

três semanas e inicialmente é seca, passando a produtiva

ralidade de apresentação. Doença de notificação compul­

com escarros mucoides ou purulentos e, por vezes, com

sória e de investigação obrigatória, deve sempre ser

raias de sangue, ou mesmo hemoptise. Outros sintomas

lembrada pelo médico na prática clínica.

surgem com o tempo: anorexia, febre, emagrecimento,

hemoptise, astenia e sudorese noturna. O diagnóstico diferencial deve ser feito em portadores de tosse subagu­

da e crônica e deve incluir abscesso pulmonar por aspi­ ração, pneumonias, micoses pulmonares (paracoccidioi­

domicose, histoplasmose), sarcoidose e carcinoma

brônquico. A avaliação diagnóstica é feita pela pesquisa direta da

micobactéria no escarro pela coloração de Ziehl-Neelsen.

O diagnóstico microbiológico envolve ainda a cultura da

QUADRO 14.5 - Esquemas de tratamento padronizados para tuberculose no Brasil • RHZ (2RHZ/4RH): diário por 6 meses para todas as formas pulmonares e extrapulmonares, todas as idades e na coinfecção com o HIV/AIDS • RHZ (2RHZ/7RH): diário por 9 meses para a meningoencefalite tuberculosa • RHZE (2RHZE/4RHE): diário por 9 meses para retratamento por recidiva após cura ou reinicio do tratamento por abandono • SEEtZ (3SEEtZ/9EEt): 12 meses para falência bacteriológica aos anteriores _______________________________________________________________

2RHZ = rifampicina, 600mg, isoniazida, 300mg, e pirazinamida, 2g, diariamente pelo período de 2 meses; 4RH = rifampicina, 600mg, e isoniazida, 300mg, diariamente pelo período de 4 meses; 7RH = rifampicina, 600mg, e isoniazida, 300mg, diariamente pelo período de 7 meses; 2RHZE = rifampicina, 600mg, isoniazida, 300mg, pirazinamida, 2g, e etambutol, 1,2g, diariamente pelo período de 2 meses; 4RHE = rifampicina, 600mg, isoniazida, 300mg, e etambutol, 1,2g, diariamente pelo período de 4 meses; 3SEEtZ = estreptomicina, 1g, etionamida, 750mg, etambutol, 1,2g, e pirazinamida, 2g, pelo período de 3 meses; 9EEt = etionamida, 750mg, e etambutol, 1,2g, diariamente pelo período de 9 meses. Doses para adultos com mais de 45kg com função renal adequada.

BIBLIOGRAFIA BADEN, L. R.; ELLIOTT, D. D. Case 4-2003: a 42-year-old woman with cough, fever and abnomralities on thoracoabdominal computed tomography. N. ErgJ. J. Mβd., v. 348, p. 447, 2003. BEIGELMAN, C.; SELLAMI, D.; BRAUNER, M. CT of parenchymal and bronchial tuberculosis. Etr. Radki, v. 10, p. 699-709, 2000. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. DEPARTAMENTO DE VIGILÂNCIA EPIDEMIO­ LÓGICA. DGmçasirfβeckBasepa-aHtá-ias guia de bolso.

7. ed. ampl. Brasília: Ministério Saúde, 2008. IRWIN, R. S.; et al. Managing cough as a defense mechanism and as a symptom: a consensus panei leport of the American College of Chest Physicians. Chest v. 114, suppl. 23, p. 133S-181S, 1998. IRWIN, R. S.; MADISON, J. M. The diagnosis and treatment of cough. N. Erg. J. Mβd., v. 343, p. 1715, 2000. IRWIN, R. S.; MADISON, J. M. The persistently troublesome cough. Am. J. Reqrir. Crit Ca-eMβd., v. 165, p. 1469-1474, 2002. MOREIRA, J. S.; et al. Lung abscess: analysis of 252 consecutive case diagnosed between 1968 and 2004. J. Bras Preund, v. 32, n. 2, p. 136-43, 2006. RICHARD, S.; IRWINAND, J.; MADISON, M. The persistently troublesome cough. Am. J. Reqrr. Crit Ca^eMβd., v. 165, p. 1469-1474, 2002. SMALL, P.M.; FUJIWARA, P. I. Management of tuberculosis in the United States. N. ErjsJ. J. Mβd., v. 345, n. 3, p. 189-200, 2001. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA. II Consenso de Tuberculose - Diretrizes Brasileiras para Tuber­ culose. J. Preund, v. 30, supl. 1, 2004. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA. II Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Tosse Crônica. J. Bras Preund., v. 32, supl. 6, p. S403-S446, 2006.

CAPÍTULO 14

DISCUSSÃO

micobactéria e o teste do perfil de sensibilidade desta para as drogas disponíveis tratamento. Utilizam-se também

___________________________________

CAPÍTULO

15

Tosse e Dispneia Raimundo Jenner

Paciente masculino, 43 anos de idade, natural do interior do Ceará e procedente de São Paulo, onde mora há dez anos. Casado, tem dois filhos e atualmente tra­ balha como cobrador de ônibus. Procurou assistência médica com queixa de dispneia e tosse há dez anos. Relata início de tosse há mais de 20 anos, associada por ele ao tabagismo, com piora há 10 anos. Sempre seca, não tinha um horário do dia que incomodava mais, sendo exacerbada quando apresentava infecção de vias aéreas superiores ou quando o ambiente ficava seco. No momento, a tosse chega a atrapalhar seu sono e o de sua esposa. Quando a tosse piorou, o paciente passou a perceber também dispneia aos grandes esforços. A dispneia piorou lentamente até chegar, no momento atual, aos mínimos esforços. No interrogatório sobre os diversos sistemas, queixa-se de azia e regurgitação alimentar; anorexia e astenia e perda de peso de 10kg no último ano (12% do peso anterior). Quanto aos an­ tecedentes pessoais: ex-tabagista (36 maços/ano), tendo parado há 10 anos; além disso, foi cavador de poços de água dos 14 aos 32 anos de idade, no interior do Ceará e relata tratamento de várias pneumonias durante esse período.

sugestivos de DRGE (azia e regurgitação alimentar), o que pode perfeitamente explicar a tosse seca crônica. A

tosse relacionada à DRGE não tem um padrão definido.

Além dos sintomas digestivos do próprio refluxo, a au­ sência de outros diagnósticos que possam justificar a

tosse (inibidores da enzima conversora de angiotensina

[IECA], tabagismo, exposição a substâncias irritativas, etc.) é o principal marcador. É importante lembrar que a ausência de sintomas típicos de DRGE não afasta o seu diagnóstico. Em vista da gama de possibilidades causa­

doras, é comum encontrarmos no mesmo paciente mais de uma causa possível de tosse. Por vezes, é necessário

o tratamento de prova de alguma dessas causas para elu­ cidação diagnóstica. Para esse paciente, além da possibi­ lidade de DRGE, temos ainda o tabagismo prévio e a

poluição (poeiras em suspensão, irritantes de vias aéreas). Vale ressaltar que a tosse crônica não deve ser banalizada como um sintoma simples e sem importância. Tem im­

plicações diagnósticas e também pode prejudicar, e mui­

to, a qualidade de vida do paciente, dependendo de sua intensidade e frequência.

Tosse é sintoma muito comum na prática clínica com

Em vista da prevalência de tuberculose em nosso meio,

uma enormidade de causas, pulmonares ou extrapulmo­

o Ministério da Saúde preconiza a solicitação de uma

nares. Temporalmente é classificada em aguda (até três

radiografia de tórax para todo paciente com tosse há mais

semanas), subaguda (entre três e oito semanas) e crônica

de três semanas, além de bacterioscopia de escarro em

(período superior a oito semanas). No caso, podemos

pacientes com tosse produtiva. A radiografia de tórax é

classificá-la como crônica.

importante para o controle e a prevenção dessa morbida­

Há diversas causas de tosse crônica (Quadro 15.1),

de e serve também para investigação de outros diagnós­

sendo as mais encontradas na prática pneumológica am­

ticos. Portanto, é obrigatória a obtenção de radiografia de

bulatorial asma, rinossinusite e doença do refluxo gastro­

tórax, em posição posteroanterior e em perfil, em todo

esofágico (DRGE). Em atenção primária prevalecem asma

paciente sob investigação de tosse crônica.

e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) (dados

A associação com dispneia deixa mais estreitas as

europeus). No referido caso, o paciente apresenta sintomas

possibilidades anatômicas da morbidade no caso em

Tosse e Dispneia - 95

QUADRO 15.1 - Causas de tosse crônica Asma Doença do refluxo gastroesofágico Rinossinusite Tabagismo Doença pulmonar obstrutiva crônica Neoplasias/tumores pulmonares e de vias aéreas Infecções crônicas Corpo estranho Aspiração Tumores mediastinais Aneurisma de aorta Insuficiência de ventrículo esquerdo Inibidores da enzima conversora de angiotensina Doenças intersticiais pulmonares inflamatórias e/ou fibrosantes

Ao exame físico podemos encontrar dados importan­

tes como, por exemplo, baqueteamento ou hipocratismo digital. Este pode ser adquirido (mais comum) ou here­

ditário. A presença desse sinal leva-nos a pensar prima­ riamente em morbidades intratorácicas, porém também

pode ser observado em doenças do trato gastrointestinal/ hepático e em pacientes com paresias/plegias. É menos frequente em doenças granulomatosas, como tuberculose e sarcoidose, e em doenças ocupacionais, embora possa ser eventualmente encontrado. É importante lembrar que

questão. Por definição, dispneia é a sensação desagradável

ou difícil ao respirar, sendo por isso uma queixa subjeti­ va e, muitas vezes, não tem relação com a gravidade da

doença. Assim como a tosse, trata-se de um sintoma bastante comum entre pacientes nos setores de emergên­ cia ou ambulatório e apresenta diversas causas (Quadro 15.2). Seu aparecimento resulta na limitação de um des­

tes sistemas: cardíaco, pulmonar ou muscular. Pela pre­

sença da tosse, as causas cardíacas e pulmonares aparecem com maior probabilidade. A dispneia pode e deve ser

quantificada, principalmente quando se trata de um sin­

a simples presença do hipocratismo digital denotará,

quase sempre, doença grave, com estreita relação com

neoplasias. Há relatos de baqueteamento precedendo doença pulmonar. Outros dados importantes encontrados

ao exame físico são os estertores crepitantes: sons pul­

monares descontínuos que expressam a reabertura de pequenas vias aéreas, habitualmente encontrados em fi­

brose pulmonar, bronquiolite, pneumonia e outras doenças de pequenas vias aéreas. Numa primeira análise, as principais hipóteses diag­

nósticas neste caso são pneumopatias e doenças cardíacas.

toma crônico, para que possamos avaliar a piora, a res­

A presença do baqueteamento digital e dos estertores

posta ao tratamento ou a estabilização da doença. No

crepitantes não exclui as causas cardíacas, mas as deixam

presente caso, o paciente vem apresentando dispneia len­

em segundo plano. A perda de peso e o hipocratismo

tamente progressiva, sendo difícil diferenciar causa cardí­

digital levantam a suspeita de neoplasias. Além disso,

aca ou pulmonar. No momento, o paciente apresenta

percebemos tratar-se de uma doença progressiva e grave

dispneia aos pequenos esforços (quantificação subjetiva),

num paciente jovem.

dado este relevante, já que denota progressão da doença, gravidade e importante prejuízo na qualidade de vida.

Ao exame físico inicial, encontram-se em bom estado geral, taquipneico em repouso, eutrófico, índi­ ce de massa corporal de 22,8; ritmo cardíaco regular em 2T; frequência cardíaca: 100bpm; pressão arterial: 130 × 90mmHg; tórax sem deformidades e sem au­ mento do diâmetro anteroposterior. Murmúrio vesicular + com crepitações ao final da inspiração,

QUADRO 15.2 - Causas de dispneia crônica • • • • • • • • • • •

Fibrose pulmonar Asma Doença pulmonar obstrutiva crônica Anemia Derrame pleural Estenose de traqueia Dispneia psicogênica Insuficiência cardíaca Doenças da vasculatura pulmonar Doenças neuromusculares Descondicionamento físico

Foram solicitados exames séricos gerais, radiogra­ fia de tórax e gasometria arterial (Quadro 15.3).

Pelos exames séricos observamos anemia normocítica e normocrômica, comum em doenças crônicas, como no

QUADRO 15.3 - Resultados dos exames • Hemograma - Hemoglobina/hematócrito: 10,1/31 normocítica/normocrômica - Leucograma: 5.200 (2/72) - Plaquetas: 180.000 • Eletrólitos e função renal - Sódio: 135 - Potássio: 4 - Ureia: 42 - Creatinina: 1,1 • Gasometria arterial em ar ambiente - pH: 7,36 - PO2: 57mmHg - PCO2: 34mmHg - HCO3: 22 - Excesso de bases: 0 - Saturação de O2: 88%

CAPÍTULO 15

• • • • • • • • • • • • • •

principalmente em terço médio. Baqueteamento digi­ tal +, sem cianose ou edemas.

- Doenças do Sistema Respiratório

caso desse paciente. A hipóxia crônica poderia deixar a

A importância de se dar o diagnóstico fisiológico da

hemoglobina em níveis normais ou até mesmo aumenta­

hipoxemia está no fato de podermos diferenciar as hipó­

dos, caracterizando policitemia, por meio do estímulo à

teses diagnósticas e definir o tratamento ideal. Por exem­

eritropoese.

plo, se a hipoventilação fosse considerada a responsável

Na gasometria em ar ambiente observa-se hipoxemia

pela hipoxemia, pensaríamos como principais hipóteses

arterial sem hipercapnia. Calculando-se o gradiente alvéo­

em doenças neuromusculares ou uso de drogas depresso­

lo-arterial de oxigênio (considerando pressão barométrica de 695mmHg para São Paulo, capital), temos 45mmHg

ras do centro respiratório e poderíamos tentar aumentar

(normal < 20mmHg). Isso significa doença parenquima­

siva, em casos agudos.

tosa pulmonar causando ou contribuindo para a hipóxia. Ao ofertar oxigênio suplementar, a saturação subiu para

o volume corrente do paciente com ventilação não inva­

95% com l,5L/min de oxigênio em cateter de O2.

Optou-se pela radiografia de tórax em posição posteroanterior (Figs. 15.1 e 15.2).

As causas para hipoxemia são diversas. Quando esta­ mos diante de um paciente com hipoxemia, é importante

A Figura 15.1 mostra a radiografia de tórax em posi­

observar o valor da hemoglobina e o estado hemodinâmi­

ção posteroanterior, na qual se observa um infiltrado

co, pois sabidamente esses são fatores que podem causar ou contribuir para a queda dos níveis de oxigênio no san­

predominantemente nodular, difuso com algumas reticu­

gue arterial. Os dois parâmetros citados estão dentro de

cidades mal definidas em campos médios e superior

uma faixa aceitável. As causas pulmonares para baixo oxigênio arterial podem-se dever a quatro situações:

direito formadas pela coalescência desses nódulos (con­

lações, principalmente em pulmão direito, além de opa­

glomerados); periferia um pouco mais preservada; perda do volume pulmonar e locais com distorção da arquitetu­

1. Hipoventilação: em que se observam hipóxia e hipercapnia, com gradiente alvéolo-arterial normal.

2. Diminuição da difusão: quando a molécula de oxigênio encontra dificuldade para ultrapassar a barreira alvéolo-capilar, por exemplo, em situações

de congestão pulmonar. Na prática clínica, a queda da difusão dificilmente é causadora de

hipoxemia, pois a hemácia, no seu trajeto pelos capilares pulmonares, já alcançou um alto nível de saturação de oxigênio no terço inicial do tra­

ra; e alargamento do mediastino. A Figura 15.2 é uma radiografia antiga trazida pelo paciente e, segundo este,

na época tinha como sintoma único a tosse seca. Tratou-

se como se fosse tuberculose por dois meses, pois o pa­

ciente abandonou o tratamento. A Figura 15.2 mostra micronódulos bilaterais difusos principalmente em pulmão

esquerdo, poupando os seios costofrênicos, com predo­ mínio em campos médios, além de aumento hilar. Perife­

ria pulmonar preservada.

jeto, mostrando grande reserva fisiológica contra esses distúrbios.

3. Shunt: passagem direta do sangue dessaturado do lado arterial pulmonar para o lado venoso, sem

passagem pelo capilar ou com passagem por um capilar de um alvéolo não ventilado. Caracteris­

ticamente não responde à oferta suplementar de oxigênio.

4. Alteração na relação ventilação/perfusão: neste distúrbio há áreas pouco ventiladas e bem per­ fundidas e vice-versa. Trata-se da causa mais comum de hipoxemia de origem pulmonar, seja ela aguda, seja crônica. Tem como característica responder à oferta suplementar de oxigênio, assim como hipoventilação e distúrbios de difusão.

No caso em tela, o distúrbio predominante é a alteração ventilação/perfusão, já que o gradiente alvéolo-arterial está aumentado e o distúrbio da difusão tem pouca importância

clínica. Vale lembrar que esses distúrbios podem coexistir.

Figura 15.1 - Radiografia de tórax em posição pos­ teroanterior. Imagem gentilmente cedida pelo Professor Doutor Ubiratan de Paula Santos, do Serviço de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Universi­ dade de São Paulo/Instituto do Coração.

978-85-4120-074-5

CAPÍTULO 15

96

Tosse e Dispneia - 97

ter um curso arrastado, é pouco provável que a evolução centes, excluindo-se também essa hipótese. Há de se re­ latar a estreita relação entre doenças ocupacionais e tu­ berculose, especialmente a silicose. Portanto, é importante

978-85-4120-074-5

sempre monitorizar tais pacientes. A talcose é uma doença ocupacional causada pelo talco puro ou associada a outras poeiras (incluindo sílica e asbestos), podendo ser adquirida por via venosa pelos usuários de drogas ilícitas. Tem evolução crônica; pode evoluir para fibrose maciça pulmonar. Um dado que aju­ da a diferenciá-la da silicose seria a maior atenuação (mais

Figura 15.2 - Radiografia de tórax antiga, trazida pelo paciente. Imagem gentilmente cedida pelo Pro­ fessor Doutor Ubiratan de Paula Santos, do Serviço de Pneumologia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo/Instituto do Coração.

Pela comparação entre as radiografias, é clara a evo­

lução da doença. Inicialmente, havia um infiltrado micro­

nodular bilateral em campos médios pulmonares em pa­ ciente jovem. Sem levar em consideração a exposição, os

diagnósticos diferenciais poderiam ser sarcoidose, silico­ se, beriliose, talcose, tuberculose, pneumonite de hiper­ sensibilidade e metástase (principalmente, cânceres de

tireoide, renal e melanoma) ‒ que são algumas das pos­ sibilidades quando se aborda um infiltrado micronodular. A evolução crônica da doença foi fundamental para excluir

alguns diagnósticos e, junto com a radiografia atual, foi concluído o diagnóstico. As metástases pulmonares do carcinoma de tireoide e

melanoma ‒ e pode-se também incluir o câncer renal ‒ podem se apresentar como micronódulos pulmonares.

Porém, é mais comum observá-los principalmente nas

bases pulmonares, porque a circulação pulmonar é mais proeminente em tais regiões. Outro aspecto é a evolução lentamente progressiva da doença, o que exclui essas

possibilidades malignas. A pneumonite de hipersensibilidade é uma doença que

também necessita de exposição a um antígeno. Sua apre­

sentação pode ser aguda, subaguda ou crônica, como

doença fibrosante. Micronódulos podem ser vistos em pneumonite de hipersensibilidade, principalmente em

próximo da calcificação) da fibrose maciça pulmonar vista na tomografia computadorizada. Falta, porém, uma exposição convincente no caso apresentado.

Beriliose é uma doença ocupacional menos frequente que a silicose e a asbestose. No Brasil, a principal ativi­

dade que pode expor o trabalhador ao berílio é a confec­ ção de material protético dentário. Cinquenta por cento dos casos crônicos possuem radiografia de tórax normal. Pode apresentar evolução crônica, com achados radiográ­ ficos muito próximos aos vistos no presente caso (con­

glomerados acontecem em 7% das atinge). Assim como na talcose, falta uma história ocupacional. Sarcoidose é uma enfermidade que acomete mais as mulheres que os homens, os negros mais que os cauca­ sianos e não necessita de exposição. Acomete principal­

mente os pulmões, embora possa atingir qualquer órgão. Os achados radiográficos do tórax são muito variáveis. Desde alargamento mediastinal até doença fibrosante pulmonar. É comum observar micronódulos em campos

superiores na radiografia de tórax. Porém, não se notam conglomerados pulmonares na sua evolução. Portanto, sarcoidose é um diagnóstico pouco provável.

Silicose é o diagnóstico final para o caso. O paciente tem radiografia típica de silicose associada a um quadro arrastado característico da silicose crônica. A evolução radiográfica é compatível. As primeiras imagens denotam silicose simples e a atual, silicose complicada com fibro­

se pulmonar maciça. E, além disso, existe uma exposição de alto risco, que é a perfuração de poços, na qual 27% dos trabalhadores adquirem a doença ocupacional em questão. Apesar do afastamento da exposição, a doença continuou a progredir, chegando a um estágio avançado

num adulto em pleno período produtivo. Trata-se de doen­ ça incurável e progressiva que não responde ao tratamen­ to clínico.

campos médios pulmonares. No entanto, não apresenta

conglomerados na sua evolução. Isso a deixa como hipó­ tese secundária.

Tuberculose é mais uma morbidade que pode se apre­

sentar como micronódulos na radiografia. Embora possa

O paciente é encaminhado ao ambulatório de trans­ plante pulmonar, avaliado e incluído em lista de espera de um novo órgão (o Quadro 14.4 mostra as indicações de transplante em doenças fibrosantes pulmonares,

CAPÍTULO 15

seja tão longa. E, ainda, não apresenta nódulos coales­

CAPÍTULO 15

98

- Doenças do Sistema Respiratório

QUADRO 15.4 - Indicação a transplante pulmonar em doenças fibrosantes, exceto fibrose pulmonar idiopática • • • •

Difusão pulmonar do monóxido de carbono < 35% ou Hipoxemia em repouso ou Hipertensão pulmonar ou Redução > 10% da capacidade vital forçada ou > 15% da difusão pulmonar do monóxido de carbono em 6 meses

suspeita maior ou um achado nos exames que apontassem

para esta direção, embora os exames de imagem requeri­ dos para diagnóstico de silicose acabem servindo como uma triagem. A radiografia de tórax é necessária para o diagnóstico da silicose. Além de oferecer o tratamento

correto, o diagnóstico de silicose tem importância epide­ miológica porque identifica o local de trabalho do aco­ metido e ajuda a determinar outros trabalhadores com

excluindo fibrose pulmonar idiopática). Não foi obser­ vada qualquer neoplasia pulmonar. Iniciou-se oxigenioterapia suplementar em domicílio, além de orientações médicas, nutricionais e fisioterapêuticas. Prescreveu-se omeprazol e pró-cinético para DRGE com bom controle dos sintomas dispépticos.

doença precoce ou em risco de adquiri-la. A silicose é uma doença pulmonar ocupacional defi­

nida por fibrose pulmonar causada pela inalação de poei­ ra contendo sílica cristalina, sendo a mais prevalente das pneumoconioses. É a principal causa de invalidez entre as doenças respiratórias. Apesar dos riscos conhecidos, a

exposição à sílica continua elevada, mesmo nos países

DIAGNÓSTICO FINAL HIPÓTESES FINAIS

desenvolvidos. No Brasil, não se sabe sua real prevalência. Algumas atividades de risco estão no Quadro 15.5. Os riscos para desenvolvimento de silicose são con­

centração da sílica no ar inspirado, superfície e tamanho

• Insuficiência respiratória crônica. • Doença pulmonar fibrosante. • Silicose pulmonar na forma crônica/complicada.

da partícula, duração da exposição, forma da sílica, partí­

culas recém-quebradas (mais tóxicas e presentes em ex­

posições como jateamento de areia e perfuração de poços). Em estudo entre perfuradores de poços no Ceará, foi en­

DISCUSSÃO O quadro descrito é de doença pulmonar com apresenta­ ção na forma de tosse e dispneia. Esses sintomas são muito prevalentes nas morbidades pulmonares e também

na clínica médica como um todo. Tosse e dispneia levam

a uma série de diagnósticos diferenciais limitados ao

tórax, por motivos de origem pulmonar, cardíaca ou me­ diastinais. A ausência de outros sintomas ou fatores de

riscos e a baixa idade fazem com que tenhamos de dar grande importância às exposições relatadas pelo paciente. Um paciente jovem com passado de exposição ocupacio­ nal à sílica e sintomas respiratórios necessita ser investi­ gado para pneumoconiose. Um fator de confusão no caso foi a presença do baqueteamento digital, pouco frequen­

contrada prevalência de 27% de silicose entre 687 traba­ lhadores, denotando alto risco desta ocupação. A silicose pulmonar pode se apresentar sob três formas

clínicas: aguda (exposição por menos de cinco anos);

acelerada (exposição entre cinco e dez anos); crônica ou clássica (quando maior que dez anos). Por definição, o caso citado trata-se de um quadro crônico ou clássico. É

notável também sua gravidade, já que o paciente está hipoxêmico e isso já é indicação de avaliação pela equipe de transplante pulmonar. O diagnóstico de silicose, em geral, não mostra maio­

res dificuldades. Basta uma história clínica compatível,

exposição adequada e radiografia sugestiva. As alterações

radiológicas no caso apresentado são típicas e há exposi­ ção à sílica (furador de poços). É importante saber que a

te em pneumoconioses: trata-se de um achado constitu­

silicose pode deflagrar algumas doenças autoimunes com

cional preexistente ou é causado pela doença pulmonar,

comprometimento pulmonar, como a sarcoidose, além de

embora isso não seja comum. Esse dado acrescido de

favorecer o aparecimento de tuberculose, podendo assim

perda de peso faz com que pensemos em neoplasia pul­

complicar o diagnóstico e alterar ou provocar sintomas

monar associada, embora a perda de peso possa acontecer

dentro do quadro clássico e piorar o prognóstico do paciente. É importante lembrar que a própria silicose é

também em pneumopatas graves, sendo isso por si só indício de mau prognóstico. Há trabalhos evidenciando

um fator de risco para câncer de pulmão. Pelo baquetea­

que pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica

mento digital e pela perda de peso, e se houvesse maior

que perdem peso ao longo do tempo têm evolução desfa­

suspeita de câncer, esse diagnóstico deveria ser excluído.

vorável em relação àqueles que ganham peso, embora não

Biópsia pode ser considerada em ocorrências duvidosas

exista tal evidência para doentes com silicose. Só estaria

de silicose como, por exemplo, quando a exposição não

indicada a pesquisa de neoplasia pulmonar se houvesse

está bem clara ou em casos atípicos e, ainda, no diagnós-

Tosse e Dispneia - 99

QUADRO 15.5 - Atividades de risco para silicose Perfuração de poços Jateamento de areia Extração e beneficiamento de rochas Confecção de prótese dentária Indústria de cerâmica e materiais de construção Fabricação de vidro Indústria de fertilizantes de rocha fosfática

Muitas atividades que o homem faz trazem consigo ex­ posição à sílica e, consequentemente, levam ao risco de

silicose. Mesmos aqueles trabalhadores que utilizam equipamentos de proteção no trabalho podem adoecer, pois as medidas de segurança não conseguem anular a

exposição dos pulmões à sílica. A silicose acomete homens

jovens normalmente em idade produtiva, acarretando tico diferencial com beriliose. A preferência seria inicial­

prejuízos financeiros ao Estado e provocando sofrimento

mente pela biópsia transbrônquica, já que a silicose

aos familiares e, claro, ao próprio paciente.

acomete a região do interstício peribroncovascular. Não

havendo sucesso nesse procedimento, poderíamos indicar biópsia por via cirúrgica. A espirometria não serve para

diagnóstico. Sua função é basicamente avaliar o dano causado pela sílica e a evolução do quadro. Podemos

encontrar distúrbios restritivos (mais vistos nos quadros agudos), obstrutivos e também distúrbios mistos. Esses

achados se dão porque a sílica, além de causar fibrose no

parênquima pulmonar (levando à restrição), pode provo­

car inflamação brônquica relacionada à poeira e também

distorção da árvore brônquica, promovendo a obstrução. Sabe-se que o Brasil é um país rico em minérios e

possui muitos trabalhadores expostos a essas poeiras. Apesar de nem todos os expostos à sílica desenvolverem silicose, trata-se de uma doença incurável e progressiva.

BIBLIOGRAFIA CHONG, S. et al. Pneumoconiosis: comparison of imaging and pathologic findings; Radiographics, v. 26, p. 59-77,2006. CRINER, G. J.; D’ALONZO, G. E. Fisiopatologia pulmonar. São

Paulo: Atheneu, 1. ed., 2002, p. 35-114. FISHMAN, A. P. et al. Fishman’s pulmonary disease and disorders. New York: MacGraw Hill, 4. ed., 2008, p. 388-425. GURNEY et al. Chest: diagnostic imaging. Salt Lake City: Amirsys, 1. ed., 2006, p. i2 42, ii4 34, v. 1 26.

LOPEZ, M.; LAURENTYS-MEDEIRO, J. Semiologia médica - as bases do diagnóstico clínico. Rio de Janeiro: Revinter, 4. ed., 1999, p.593-619. MORICE, A. H.; MCGARVEY, L.; PAVORD, I. Recommendations for the managemment of cough in adults; BTS Guidelines. Thorax, v. 61, suppl. I, p. il-i24, 2006.

CAPÍTULO 15

• • • • • •

Por isso, merece uma atenção especial quanto à prevenção.

___________________________________

CAPÍTULO

16

Dispneia Súbita Ana Beatriz Galhardi Di Tommaso • Márcio Makoto Nishida

Um homem de 80 anos de idade, internado há um mês em enfermaria de clínica médica para investigar o aparecimento de nódulos pelo corpo há sete meses (um deles em coxa esquerda, ressecado há cinco me­ ses, porém com recidiva local), queixa-se de dor precordial de duração menor que 60s, a qual melhorou com o uso de mononitrato de isossorbida. Logo em seguida, evolui com dispneia súbita ao repouso. Des­ de a internação apresenta empastamento e dor à movimentação da panturrilha esquerda, bem como edema de membros inferiores mais acentuado à es­ querda. Realizada ultrassonografia (US) de membros inferiores para pesquisa de trombose venosa profunda (TVP) há quatro dias, que descartou trombos. O pa­ ciente é hipertenso há seis anos, tem história de dois infartos agudos do miocárdio (IAM), o primeiro há 13 anos, sendo submetido à revascularização; o segundo há cinco anos, sendo submetido à colocação de stent; e é tabagista (80 anos/maço).

QUADRO 16.1 - Algumas causas de dispneia súbita • Causas pulmonares - Asma - Doença pulmonar obstrutiva crônica exacerbada - Infecções virais ou bacterianas - Aspiração de corpo estranho - Pneumotórax • Causas cardiovasculares - Infarto agudo do miocárdio - Insuficiência cardíaca congestiva - Tromboembolismo pulmonar • Dispneia psicogênica - Síndrome do pânico - Outros transtornos de ansiedade • Condições metabólicas - Acidose metabólica - Uremia

corpo estranho é outra causa de dispneia súbita

descartada pela ausência de história compatível.

Descarta-se também a ocorrência de pneumotórax, Diante desse quadro, devemos ter em mente as diver­

tanto espontâneo (mais comum em jovens, longilí­

sas causas de dispneia súbita (Quadro 16.1), sendo as mais

neos) quanto traumático ou iatrogênico (inserção de

comuns as que se seguem:

acesso venoso central prévio ou qualquer outra in­

tervenção) . • Causas pulmonares: o paciente deveria ter história

• Causas cardiovasculares: poderíamos pensar na

prévia de dispneia ou de sibilos para pensarmos em

possibilidade de o paciente ter evoluído com um

quadro de asma. Infecções virais agudas podem

novo IAM, sendo necessários, portanto, exames

também levar à hiper-responsividade das vias aéreas,

complementares. Insuficiência cardíaca congestiva

porém o paciente não apresenta tosse, febre ou co­

(ICC) é também uma boa hipótese, porém, a radio­

riza. Pela ausência dessas alterações, descartaríamos

grafia de tóraxàadmissão está normal (sem cardio­

também pneumonia em um primeiro momento.

megalia) e o paciente não apresenta outros sinais de

Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica

ICC (ingurgitamento jugular, hepatomegalia dolo­

(DPOC) em exacerbação evoluem com dispneia, no

rosa, refluxo hepatojugular, ascite, noctúria).

entanto não havia relato de sintomas prévios de

• Dispneia psicogênica: ansiedade ou pânico, tonturas,

DPOC (tosse, expectoração, sibilos). Aspiração de

palpitações, parestesias, tremores nas mãos e suspi­

Dispneia Súbita - 101

ros frequentes sugerem distúrbios psicológicos ou • Condições metabólicas: acidose metabólica e uremia

pode se afigurarde maneira vaga e contenciosa e os sinais

podem levar à dispneia, porém o paciente não apre­

e sintomas, na maior parte das vezes, dependem das con­

senta alterações laboratoriais compatíveis.

dições cardiovasculares e pulmonares prévias do pacien­ te. Apenas 20 a 30% apresentam a tríade dispneia, dor

O diagnóstico clínico de tromboembolia pulmonar é difícil, principalmente em pacientes com doença car­

díaca ou pulmonar prévia. Não podemos descartar tal hipótese nesse caso, apesar de o resultado da US não

indicar trombos em membros inferiores. A sensibilida­ de do exame varia de acordo com a técnica utilizada,

torácica e hemoptise. Três síndromes clínicas podem ser observadas: colapso circulatório (se a embolia for maciça),

dispneia não explicada (embolia submaciça) e dortoráci­ ca do tipo pleurítica (indicando infarto pulmonar). Nas embolias maciças, o paciente apresenta síncope, hipoten­

são arterial/choque, taquicardia, dispneia, cianose. Nas

submaciças, nota-se dor torácica, dor pleurítica, dispneia,

bem como com a experiência do médico que o realiza.

taquipneia, tosse, hemoptise, taquicardia, febre e cianose.

Estudos recentes demonstram que os melhores resulta­

A dor torácica do tipo pleurítica explica-se pela emboli­

dos obtidos não chegam a detectar 100% dos casos (a

zação da periferia do pulmão, causando infarto ou hemor­

sensibilidade da US para TVP de membros inferiores

ragia pulmonar. A dor torácica com características de

proximal varia em torno de 96%; para TVP distal, 75%;

angina ocorre quando há sobrecarga do ventrículo direito

com especificidade de aproximadamente 94% em am­

com consequente isquemia miocárdica secundária.

bos os casos).

Ao exame físico, o paciente apresenta-se taquip­ neico (frequência respiratória de 24rpm), com frequência cardíaca de 80bpm, pressão arterial de 80 × 60mmHg, afebril (temperatura de 36°C), com sibilos difusos à ausculta pulmonar e com ausculta cardíaca normal. Nota-se edema importante no membro inferioresquer­ do (Fig. 16.1), que se encontra doloroso à movimentação. A panturrilha esquerda está indolor à palpação e não apresenta empastamento.

Devido à diversidade de apresentações, torna-se fun­

damental o conhecimento dos fatores de risco para TEP (Quadro 16.2) no auxílio diagnóstico. No sentido de auxiliar o profissional de saúde no

diagnóstico e na rápida instituição da terapêutica, foram desenvolvidos alguns critérios para avaliar o risco de

ocorrência da doença, sendo o mais citado atualmente o escore de Wells (Tabela 16.1).

Diante da suspeita clínica solicitam-se alguns exa­ mes complementares. Eletrocardiogramas seriados e enzimas cardíacas não mostram alterações. Colhida gasometria arterial, a qual evidencia hipoxemia (pH: 7,54; pCO2: 30; pO2: 42). O ecocardiograma transtorá­ cico evidencia hipocinesia de ventrículo direito, disfunção diastólica do ventrículo esquerdo, hipertensão pulmonar(pressão estimada em 48mmHg) e movimen­ tação anômala do septo ventricular.Com o fortalecimento

QUADRO 16.2 - Fatores de risco para tromboembolia pulmonar

Figura 16.1 - Notam-se edema significativo do mem­ bro inferior esquerdo, cicatriz em região de coxa esquerda compatível com a retirada prévia de nódulo e cicatriz em região distal medial da mesma perna por conta de safenectomia prévia.

• Idade maior que 40 anos • Doença maligna • Trauma cirúrgico (cirurgia abdominal, pélvica ou ortopédica) ou não cirúrgico • Imobilização/paralisia de membros inferiores • Gestação e puerpério • História anterior de trombose venosa profunda ou tromboembolia pulmonar • Varizes em membros inferiores • Terapia hormonal com estrogênio • Infarto do miocárdio/insuficiência cardíaca congestiva/acidente vascular cerebral • Doença pulmonar obstrutiva crônica • Obesidade • Tabagismo

CAPÍTULO 16

psiquiátricos, também descartados nesse caso.

A apresentação clínica da embolia pulmonar quando não manifesta as importantes repercussões sistêmicas,

102 - Doenças do Sistema Respiratório

Critérios

Pontos

Suspeita de tromboembolia venosa

3,0

Embolia pulmonar mais provável que qualquer outro diagnóstico

3,0

Frequência cardíaca maior que 100bpm

1,5

Imobilização ou cirurgia nas 4 semanas anteriores

1,5

Trombose venosa profunda ou tromboembolia pulmonar prévias

1,5

Hemoptise

1,0

Presença de neoplasia

1,0

Escore

Probabilidade de embolia pulmonar (%)

Risco

6

66,7

Alto

da hipótese de TEP, solicita-se tomografia helicoidal (angiotomografia arterial pulmonar e venotomografia de abdome e membros inferiores ‒ protocolo TEP), que evidencia falha de enchimento na artéria pulmonar principal direita (Fig. 16.2), bem como trombo em veia femoral à esquerda.

978-85-4120-074-5

CAPÍTULO 16

TABELA 16.1 - Escore de Wells

Figura 16.2 - Falha de enchimento na artéria pulmo­ nar direita (seta). Imagem cedida pelo Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina.

• US de membros inferiores para pesquisa de TVP:

US positiva, associada à suspeita clínica de TEP, representa a possibilidade de se iniciar imediata­

mente a terapêutica. • Cintilografia pulmonar de ventilação/perfusão: defeitos de perfusão com ventilação preservada falam

Podemos recorrera diversas ferramentas diagnósticas

a favor de TEP.

na suspeita de TEP. A seguir, os exames complementares

• Ecocardiograma: importante para avaliação do

mais solicitados e os achados específicos de cada um deles:

ventrículo direito e, eventualmente, visualização de trombos (nesse caso, o eco transesofágico apresen­

• Radiografia de tórax: geralmente, as alterações são

ta maior sensibilidade que o transtorácico). Os

pouco específicas, porém, podemos encontrar áreas

achados ecocardiográficos em geral incluem ventrí­

de hipoperfusão pulmonar, dilatação da artéria pul­

culo direito dilatado e hipocinético, dilatação das

monar, imagens cuneiformes correspondentes à área

artérias pulmonares, intensificação do fluxo de re­

de infarto pulmonar (giba de Hampton), diminuição

gurgitação tricúspide, alteração da velocidade do

do volume pulmonardo lado da embolia e elevação

fluxo de saída do ventrículo direito e desvio do septo

do diafragma. • Eletrocardiograma (ECG): alterações referentes à

sobrecarga aguda de ventrículo direito ‒ bloqueio de ramo direito, desvio do eixo para a direita, padrão

S1Q3T3 (onda S em DI; onda Q e inversão de onda T em DIII), inversão de onda T em derivações pre­

cordiais de v1 a v4.

• Gasometria arterial: podemos encontrar hipoxemia e hipocapnia.

• D-dímero: porpossuiralto valor preditivo negativo,

valores baixos excluem o diagnóstico.

interventricular da direita para a esquerda (efeito Berheim inverso). • Tomografia computadorizada helicoidal: é um mé­ todo não invasivo que permite a visualização tanto

dos vasos centrais e periféricos como do mediastino,

do parênquima e da pleura. Com uma única dose de contraste, pode-se pesquisar também trombos em membros inferiores.

• Arteriografia pulmonar: apesar de serpadrão-ouro para o diagnóstico, já que permite visualização da

circulação pulmonar após a injeção de contraste, é pouco utilizada, por ser muito invasiva.

• Marcadores de necrose miocárdica: podem estar

• Ressonância nuclear magnética: permite visualização

elevados em TEP, sendo frutos de infarto ou disfun­

das artérias pulmonares sem necessidade de injeção

ção do ventrículo direito.

de contraste iodado e sem exposição à radiação.

978 85 4120 074

Uma vez feito o diagnóstico de TEP, inicia-se ime­ diatamente a administração de oxigênio via máscara de O2 para mantera PaO2 acima de 60 a 70mmHg; inicia­ -se a infusão de cristaloides e prescreve-se heparinização plena com heparina de baixo peso molecular.O pacien­ te evolui com melhora da dor precordial e da taquipneia, melhora dos parâmetros da gasometria arterial e é submetido a cateterismo cardíaco, o qual não mostra obstruções. Vale lembrar que o paciente vinha sendo submetido à profilaxia de TVP/TEP desde o início da internação. Diante de um paciente com esse diagnóstico, é funda­ mental mantê-lo clínica e hemodinamicamente estável. Para tanto, devemos nos preocuparem ofertar oxigênio (em máscara de O2 ou, eventualmente, após intubação orotra­ queal), corrigir hipotensão (a princípio, com a infusão de

cristaloides e depois com drogas vasoativas, se necessário) e promover analgesia. Concomitantemente, deve-se realizar anticoagulação com heparina de baixo peso molecular ou heparina não fracionada (ambas apresentam igual eficácia ‒ nível A de evidência) e proceder à prescrição de antico­ agulantes orais a fim de prevenir recorrências. Trombolíti­ cos estão indicados a pacientes que apresentam TEP aguda

CAPÍTULO 16

5

Dispneia Súbita - 103

Figura 16.3 - Nodulação em coxa esquerda: recidiva tumoral com infiltração da derme, com reação desmo­ plásica (aumento de 10 vezes). Imagem cedida pela Dra. Ana Paula de Souza Carvalho (Departamento de Patologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina).

maciça, após serem excluídas as contraindicações; o seu uso em pacientes com disfunção ventricular direita e esta­ bilidade hemodinâmica é controverso. Continua a investigação clínica por conta das lesões de pele/subcutâneo que o fizeram procurar nosso ser­ viço, quais sejam: dois nódulos em região tricipital esquerda (um de 2cm e outro de 1,5cm de diâmetro); nódulo de 8 × 13cm em região tricipital direita; dois nódulos no dorso do pé direito, de 0,5cm de diâmetro cada; dois nódulos superficiais na região de cicatriz cirúrgica em coxa esquerda, com 1cm e 2cm de diâme­ tro, respectivamente. Palpa-se massa linfonodal em região inguinal esquerda, confluente, com três nódulos de 4, 2 e 4cm de diâmetro, endurecidos e aderidos aos planos profundos. A tomografia computadorizada cita­ da anteriormente mostra também espessamento da pele e heterogeneidade do tecido celular subcutâneo da coxa esquerda, de caráter infiltrativo. Realizada exérese da tumoração desse local e retirada de linfonodos de região inguinal esquerda, ambos encaminhados para análise à equipe de patologia. Os resultados anatomopatológicos e imuno-histoquímicos revelam carcinoma de células de Merkel (Figs. 16.3 e 16.4) com metástase em linfo­ nodos de região inguinal.

Figura 16.4 - Células tumorais com características neuroendócrinas e raras mitoses (aumento de 40 vezes). Imagem cedida pela Dra. Ana Paula de Souza Carvalho (Departamento de Patologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina).

O carcinoma de células de Merkel é uma forma rara de carcinoma cutâneo de origem neuroendócrina, sendo descrito como a neoplasia cutânea mais agressiva que

existe. Acredita-se que a célula de origem seja a célula

DIAGNÓSTICO FINAL

de Merkel (receptorde pressão da pele). O carcinoma de

células de Merkel geralmente se apresenta na forma de

• Carcinoma de células de Merkel.

lesões elevadas, firmes, indolores, que incidem com mais

• TVP em veia femoral esquerda. • TEP.

frequência em pacientes idosos. Apresenta comportamen­ to de invasão dermolinfática com metástase linfonodal e

CAPÍTULO 16

104 - Doenças do Sistema Respiratório

Nos últimos anos, muitos ensaios clínicos foram rea­

hematogênica. Fatores relacionados ao seu aparecimento incluem exposição ao sol e imunossupressão. O tumor é

lizados para estudar formas de prevenção e de tratamen­

muito semelhante ao carcinoma de pequenas células do

to da TEP em pacientes com câncer. Diversas opções de

pulmão, com sensibilidade à radioterapia e à quimiotera­

tratamento surgiram, mas há muito a ser feito, principal­

pia, e com agressivo potencial metastático. O melhor

mente no que diz respeito à educação das equipes de

tratamento advém da combinação de um diagnóstico rá­

saúde, a fim de se otimizara abordagem terapêutica e

pido associado à cirurgia de exérese das lesões, radiote­

profilática a tais casos.

rapia e quimioterapia. O grande desafio do médico assis­

tente é a doença acometer idosos e as lesões surgirem em locais de difícil abordagem, como pescoço, cabeça e região

BIBLIOGRAFIA

distal de membros inferiores.

BRANDÃO NETO, R. A.; MARTINS, H. S.; SCALABRINI NETO,

DISCUSSÃO A associação entre tromboembolia pulmonar e câncer é bem conhecida há mais de um século. Durante todo esse

período, um grande número de estudos foi desenvolvido

para se comprovar que a presença de uma neoplasia não altera simplesmente a crase sanguínea; provou-se que as

células tumorais precisam desse estado de hipercoagulabi­ lidade para crescer e se espalhar. Nesse sentido, uma do­ ença maligna pode levar à formação de trombos em veias

profundas, ao mesmo tempo em que esse estado prótrombótico alimenta o crescimento tumoral. A maiorinci­ dência de formação de trombos em pacientes com neopla­

sias se dá por uma série de fatores: imobilidade por internações hospitalares, cirurgias frequentes para se diag­ nosticarou retiraro tumor,liberação de fatores pró-coagu­

lantes pelas células tumorais, ativação exacerbada de ma­ crófagos, lesão endotelial causada pela inserção de acessos

venosos centrais, radioterapia, quimioterapia, dentre outros. Por isso, de todos os pacientes que apresentam TEP, 15 a 20% são portadores de algum tipo de neoplasia.

A.; VELASCO, I. T. Emαgfrrias dirias- drcrda^n prá tica 3. ed. ampliada e revisada. São Paulo: Manole, 2007. GOMES, L. M.; MARCHIORI, E.; RODRIGUES, R. S. Deep venous thiombosis with suspected pulmonaiy embolism: simultaneous evaluation using combined CT venography and pulmonaiy CT

angiogiaphy. Radid. Bras, v.39, n. 1, 2006. GOODACRE, S.; et al. Systematic review and meta-analysis of the diagnostic accuiacy of ultrasonogiaphy fordeep vein thiombosis. BMC Med. Imaging, v. 5, n. 6, 2005. HASEMBER, U.; et al. Câncerpacients and chaiacteristics of pulmo­ naiy embolism. EucpcmJcwrri cf Ralkk^ 2007. HIGA, E. M. S.; ATALLAH, A. N. Giiademediciradeirgrria 2. ed. (Guias de Medicina Ambulatorial e Hospitalar UNIFESP/ EPM). São Paulo: Manole, 2008. IDOWU, M. O. et al. Meikel cell carcinoma - a report of gastrointes­ tinal metastasis and review of the liteiature. Arch Párl Ld>.

Med., v. 127, March 2003. MICHAEL, P. Meikel-cell carcinoma of the skin. TheLaretOrrd., v. 5, p. 593-599, 2004. OZLEM, E.; ZACHARSKI, L. Management of câncer-associated venous thiombosis. Vasctia- Hαitliíiri RidcMa^mαl; v. 2, n. 4, p. 351-356, 2006. PRADO, F. C. et al. AtLEÜzaçãitaqiêLÜca 23. ed. São Paulo: Artes Médicas, 2007. SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. Diretriz de EmbcüaPtimcra', 2004.

___________________________________

CAPÍTULO

17

Dispneia e Sibilos Rosana de Moraes Valladares

Estudante, sexo feminino, 20 anos de idade, procu­ ra o setor de emergência devido à falta de are chiado no peito. Há dois anos, vem apresentando crises de dispneia e sibilância. No último ano, esteve internada por duas vezes em decorrência de quadros semelhantes, com melhora parcial dos sintomas.

Este poderia ser mais um caso comum de crise asmática.

Em paciente jovem, com quadro recorrente, é a primeira hipótese que nos vem à cabeça. Como diagnóstico dife­

rencial entre sibilos, temos uma lista extensa (Quadro 17.1).

QUADRO 17.1 - Causas de sibilância • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

Asma Anel vascular Apneia obstrutiva do sono Aspergilose broncopulmonar alérgica Aspiração de corpo estranho Bronquite Bronquiolite Bronquiectasias Cardiopatias congênitas Doença pulmonar obstrutiva crônica Disfunção de cordas vocais Estreitamento de laringe Estenose mitral Fibrose cística Infecções de vias aéreas Insuficiência cardíaca Inalantes químicos Infiltrados eosinofílicos Linfangioleiomiomatose Neoplasias brônquicas malignas e benignas Obstrução traqueal Reações alérgicas e anafiláticas Refluxo gastroesofágico Tuberculose brônquica Tromboembolia pulmonar Uso de betabloqueadores, drogas colinérgicas Vasculites: Churg-Strauss

Entre as causas possíveis de sibilância, a condição extrapulmonar mais comum é a insuficiência cardíaca. Em edema pulmonar cardiogênico, os pulmões tornam-se menos complacentes, a resistência das pequenas vias respiratórias aumenta e há congestão do fluxo linfático. Uma causa pouco lembrada, mas não menos impor­ tante, é a disfunção das cordas vocais (DCV). Esta pode ser caracterizada como adução anormal das cordas vocais durante o ciclo respiratório, especialmente durante a inspiração, obstruindo o fluxo aéreo ao nível da laringe. Exercícios e situações estressantes podem desencadeá-la. A DCV frequentemente imita um quadro de asma persis­ tente, chegando a ser tratada com altas doses de corticoi­ des sistêmicos ou inaláveis. Chieira, chiado ou sibilância é como o paciente se refere a um ruído que pode percebere está quase sempre acompanhado de dispneia. Com timbre elevado, muitas vezes é comparado com o miado de gato. Sibilos, roncos e estridores são sons adventícios pulmo­ nares musicais frequentemente confundidos. Os primeiros são contínuos, sendo os sibilos agudos e os roncos graves. Os sibilos traduzem limitação ao fluxo aéreo. Em geral, são difusos, mas, quando único, pode indicar obs­ trução localizada das vias aéreas. Quanto maiora duração e a frequência, maior é a obstrução. Quando audíveis durante manobra expiratória forçada são destituídos de valor clínico. Estridores são resultantes do fluxo turbulento de arna via aérea superior.Indicam uma obstrução grave anatômica ou funcional da laringe ou da traqueia. Exame físico à chegada ao pronto-socorro:

• Regular estado geral, taquipneica, taquicárdica, acia­ nótica, anictérica, afebril, sem edemas, orientada, pouco ansiosa.

106 - Doenças do Sistema Respiratório

Saturação de oxigênio: 96% em arambiente; frequên­ cia respiratória = 24irm; frequência cardíaca: 90bpm; pressão arterial: 130 × 90mmHg. • Tiragem intercostal bilateral discreta. Ausculta pulmo­ narcom murmúrio vesicular presente, reduzido bilate­ ralmente, sem ruídos adventícios. • Ausculta cardíaca sem alterações.

chiado no peito, com intensidade e frequência variável.

• Abdome sem alterações.

noturnos. É uma doença de alta prevalência e alto custo, pois é

CAPÍTULO 17



A ausência de tratamento de manutenção regular propicia

progressão do processo inflamatório, que pode ocasionar crises graves, inclusive com risco de morte.

As crises progridem em semanas, dias ou horas, causando limitação das atividades diárias e despertares

estarsibilando no momento do exame, devido à variabili­

responsável pela terceira ou quarta causa de internação no Sistema Único de Saúde (SUS). Por isso, em geral, se

dade da obstrução ou porque uma obstrução intensa im­

superdiagnostica, mas, infelizmente, se subtrata essa

pede o fluxo de arde produzir o som característico do ar

doença.

Seria apenas ansiedade? O paciente asmático pode não

passando por um tubo estreito (tórax silencioso). Neste caso, a paciente não está em franca insuficiência respira­

tória. A medida do pico do fluxo expiratório com o medi­ dor do pico (peak-flow) ajudaria na quantificação da obstrução, entretanto poucos serviços de emergência uti­

lizam esta estratégia de avaliação. Interrogando um pouco melhora paciente, esta nega qualquer antecedente respiratório e alérgico na infância. Sem história familiar relevante. Fumou cigarros de tabaco por cinco anos, um maço por dia. Abstinente há um ano. Em uso atual de inalações com beta-agonistas de curta duração, com melhora parcial dos sintomas. O plantonista acha um pouco estranho a falta de história familiar de antecedentes na infância e de atopias. Questiona ainda sobre possível refluxo, rinite asso­ ciada ou meio ambiente com alérgenos não reconhecidos; porém, não encontra nada que explique. A principal característica dos ataques agudos de asma

é o estreitamento progressivo das vias aéreas, em virtude

de inflamação e/ou aumento do tônus da musculatura lisa

Mesmo sem todas as características, encarou-se como uma crise de asma. Medicada com broncodilata­ dores e um curso de cinco dias de corticoide oral. Após uma semana, a paciente retoma com os mes­ mos sintomas. Desta vez, o plantonista resolve solicitar uma radiografia de tórax posteroanterior não visuali­ zando nada que justificasse a manutenção dos sintomas. Como estava em um hospital terciário, solicita in­ terconsulta da Pneumologia e uma prova de função pulmonar. Na espirometria (Tabela 17.1), vieram os valores numéricos e o seguinte laudo: distúrbio ventilatório obstrutivo moderado, com redução da capacidade vital forçada (CVF) e com resposta ao broncodilatador. Lembra que a asma respondia bem aos broncodila­ tadores e que, a princípio, era uma obstrução reversível. Por isso, estranha o fato de a obstrução ser moderada e persistente, sem retomo ao normal após o uso de bron­ codilatadores. Em paciente jovem e com história de curta duração (dois anos), a probabilidade de remode­ lamento das vias aéreas é pequena. Portanto, o quadro espirométrico não correspondia ao esperado para um asmático jovem pós-tratamento adequado da crise.

dos brônquios, resultando em aumento na resistência ao

fluxo aéreo, hiperinsuflação pulmonar e desequilíbrio da

O distúrbio ventilatório obstrutivo (DVO) é caracteri­ zado pela relação volume expiratório forçado no primeiro

relação ventilação/perfusão. A asma é uma doença inflamatória crônica que se

segundo (VEF1)/capacidade vital forçada (CVF) reduzida,

manifesta por episódios recorrentes de dispneia, tosse e

refletindo a redução da velocidade de esvaziamento pul­

TABELA 17.1 - Espirometria Pré-broncodilatador

LIN

CVF (L)

2,78

2,95

79

3,43

23,38

VEF1 (L)

1,37

2,57

46

1,69

23,36

49

76

58

49

0

0,73

2,05

21

1,3

78,08

1,9

0,76

397

1,07

-43,68

VEF1/CVF (%)

FEF 25-75% (L/s)

FET 25-75% (s)

% Previsto

Pós- broncodilatador

% Variação

CVF = capacidade vital forçada; FEF 25-75% = fluxo expiratório forçado na parte média da CVF; FET 25-75%= tempo expiratório forçado médio entre 25 e 75% da CVF; LIN= limite inferior da normalidade; VEF1 = volume expiratório forçado no primeiro segundo; VEF1/CVF (%)= porcentagem da CVF expirada no primeiro segundo.

Dispneia e Sibilos - 107

latadorquando ocorre aumento do VEF1 acima de 0,2L ou

da CVF acima de 0,35L. A resposta ao broncodilatador é

característica da asma, mas pode ser progressivamente

Para fazerum laudo adequadamente de uma prova de

perdida com o processo de remodelamento das vias aéreas.

função pulmonaré necessário visualizaras curvas das

manobras (Fig. 17.3). Quando a interconsulta chegou, foi solicitada uma nova radiografia, com projeções posteroanteriore em perfil (Fig. 17.1), e foi impressa a prova de função pulmonar completa, com os valores numéricos e com a representação gráfica. Mais uma radiografia sem alterações? Veja melhora projeção em perfil na Figura 17.2.

A curva de fluxo-volume mostra achados característi­

cos da obstrução de vias aéreas superiores. As alterações funcionais aparecem, geralmente, quando a via aérea se

reduz a menos de 8mm. Essa é uma curva típica de obstrução alta fixa, que passaria despercebida apenas pelos valores numéricos.

Figura 17.1 - Radiografia de tórax em projeção posteroanterior (A) e em perfil (B).

Figura 17.2 - Radiografia de tórax (perfil) em maior aumento.

CAPÍTULO 17

Existe algo obstruindo a região traqueal. O laudo anteriorda espirometria estava correto?

monar. Existe reversibilidade da obstrução após broncodi­

Doenças do Sistema Respiratório

CAPÍTULO 17

108 -

Figura 17.3

- (A e B) Curvas de fluxo-volume da prova de função pulmonar.

Diante desses achados, solicitaram-se tomografia computadorizada de tórax (Figs. 17.4 e 17.5) e endos­ copia respiratória com biópsia (Fig. 17.6). Laudo da endoscopia: lesão polipoide 0,5cm acima da carina, com base de implantação em parede esquerda da traqueia, com superfície edemaciada e ectasias di­ fusas. Oclusão de 95% do lúmen traqueal. Anatomopatológico: carcinoma mucoepidermoide. Os tumores de traqueia predominam a partirda tercei­

ra década, sem predileção por sexo. Correspondem a 1% das neoplasias da árvore traqueobrônquica. Os principais

sintomas são dispneia, hemoptise, tosse, chiado, disfonia e disfagia, sendo o chiado o sintoma mais frequente.

DIAGNÓSTICO FINAL

- Tomografia computadorizada de tórax: corte do mediastino. Figura 17.4

Carcinoma mucoepidermoide da traqueia.

DISCUSSÃO Quando o quadro clínico é atípico (caracterizado por ausência de chiado recorrente desde a infância e não re­ conhecimento de fatores desencadeantes ou agravantes) e a resposta ao tratamento adequado é insatisfatória, é

preciso revisar cuidadosamente o diagnóstico, lembrando os diagnósticos diferenciais.

Nunca se esquecer da radiografia de perfil. Avaliara

coluna de ar traqueal faz parte da análise de uma radio­ grafia. É muito importante avaliara curva de fluxo-volu­ me, principalmente a alça inspiratória, se houversuspei­

ta de obstrução extratorácica. Nem tudo que chia é asma!

- Tomografia computadorizada de tórax: reconstrução tridimensional.

Figura 17.5

Dispneia e Sibilos - 109

CAPÍTULO 17

Figura 17.6 - (A e B) Imagem da endoscopia respiratória com a lesão polipoide.

BIBLIOGRAFIA BRAUNWALD, E.; et al. (eds.). HarisαisPriiTiplesei Irterd Medicine 17. ed. New York: McGraw Hill, 2008. MCGREGOR, C. G. A.; HERRICK, M. I; HARDY, L; HIGENBOTTAM, T. I. M. Variable intrathoracic airways obstiuction masqueiading as asthma. BMJ, v. 287, p. 1457-8, 1983. MCSHARRY, D. G.; MCELWAINE, P.; SEGADAL, L; MCNICHOLAS, W. T. Ali that wheezes is not asthma. TheLsrret v. 370, n. 9589, p. 800, 2007. PEREIRA, C. A. C.; NEDER, J. A. (eds.). Diretrizes para testes de funçào pulmonar J. Preundc^a v. 28, supl. 3, p. 46-50, 2002.

PORTO, C. C. Exaneclírico bases para a prática médica. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA. IV Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma. J. Bras Pγeu md, v. 32, supl. 7, p. S447-74, 2006. WEST, J. B. (ed.). Pdmcrtry physdcg' ari p^hrpTysdçg'. 2. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2007, p. 53-65. WONG, C. Y; et al. Ali that wheezes is not asthma. HcrgKcrgMed. J., v. 9, n. 1, p. 39-42, 2003. ZAMBONI, M.; PEREIRA, C. A. C. (ed.). Preundc^a diagristico etretancrio São Paulo: Atheneu, 2007.

CAPÍTULO

18

Hemoptise Rodrigo Abensur Athanazio

Paciente do sexo masculino, 42 anos de idade, ja­ teadorde areia, natural da Bahia e procedente de São Paulo, dá entrada ao pronto-socorro com queixa de hemoptise. Refere que há três meses apresentou piora do padrão da tosse, com discretos filamentos de sangue à expectoração há três dias, com piora progressiva. Durante o dia, a quantidade de sangue perdida é de aproximadamente 50mL. A definição de hemoptise consiste em tosse com expec­ toração com sangue. A definição de hemoptise maciça

engloba o conceito de um evento que seja potencialmen­ te fatal. Diversas definições tentam mensurar esse evento com valores, na literatura, que variam entre 100 e 600mL

de sangue num período de 24h. A distinção entre hemoptise e hematêmese geralmente

etiologia. Diversas doenças podem cursar com hemoptise

(Quadro 18.1), porém, nunca podem ser esquecidas as principais causas em nosso meio: tuberculose, bronquiec­

tasias e câncer pulmonar.

O paciente apresenta-se, ao exame físico, corado, emagrecido, hidratado e afebril (refere nunca ter tido temperatura elevada desde o início dos sintomas). Pressão arterial de 150 × 80mmHg, frequência cardía­ ca de 96bpm e frequência respiratória de 18ipm. A ausculta do tórax revelava sons e ritmo cardíacos nor­ mais e murmúrio vesicular presente com roncos bilaterais. O exame abdominal não demonstra viscero­ megalias. Apresenta, apenas, abdome discretamente escavado e indolor. Restante do exame segmentar não revela alterações cutâneas ou sinais de artrite.

não é difícil, sobretudo se o paciente for observado duran­ te a manifestação hemorrágica. É importante lembrar que

o sangue proveniente do trato respiratório pode serdeglu­ tido e, depois, vomitado. Caso haja dúvida sobre a origem

do sangramento pode ser necessário proceder-se a uma investigação adicional do tubo gastrointestinal, bem como

do sistema respiratório. A origem sanguínea do trato respiratório é proveniente

Durante a avaliação inicial de um paciente com hemop­ tise, é muito importante definirse o caso em questão pode

serclassificado como hemoptise maciça. A literatura mostra

diversos valores que tentam mensurar em mL, a quantida­ de necessária para definirum episódio de hemoptise maci­

ça; entretanto, a melhor definição prática é aquela que

tanto das artérias brônquicas como das pulmonares. Virtual­

classifica um evento maciço como o que está relacionado à

mente, todo débito cardíaco circula pelas artérias pulmo­

instabilidade hemodinâmica. O paciente em foco apresenta

nares num sistema de baixa pressão. As artérias brônquicas

dados vitais estáveis, permitindo uma investigação sem

são responsáveis pela oxigenação das vias aéreas, linfo­

necessidade de medidas emergenciais.

nodos, pleura visceral e algumas porções do mediastino.

Sua idade fala contra o diagnóstico de câncer de pul­

Carregam uma pequena parcela do débito cardíaco, mas

mão, que tem maior incidência a partir da quinta década

por estarem submetidas a um sistema de alta pressão são

de vida e está intimamente relacionado ao tabagismo. Em

responsáveis pela maior parte da origem das hemoptises.

nosso meio, tuberculose pulmonare bronquiectasias (ge­

Após ter chegado à conclusão de que realmente se trata de um paciente com hemoptise, deve-se buscar sua

ralmente como sequelas de prévia infecção pulmonar incluindo tuberculose) são as causas mais frequentes.

Hemoptise - 111

QUADRO 18.1 - Causas de hemoptise

O quadro clínico de tosse seca e dispneia associado ao trabalho como jateador de areia sugere fortemente o

diagnóstico de silicose pulmonar como responsável pelos sintomas crônicos do paciente. As partículas de sílica

induzem uma resposta inflamatória pulmonar com desen­ volvimento de nódulos pulmonares coalescentes, em sua forma crônica.

A silicose está intimamente relacionada à infecção por tuberculose pulmonar. Acredita-se que esses pacientes

apresentem desequilíbrio imunológico devido à resposta inflamatória induzida pela sílica, que lhes aumenta a in­ cidência de tuberculose nestes pacientes. O diagnóstico de tuberculose corrobora a suspeita de silicose.

Apesardo tratamento efetivo por seis meses, o desen­ volvimento de sequelas com alteração da arquitetura do

parênquima e das vias aéreas pulmonares é uma compli­

cação comum. Neste momento, duas hipóteses se mantêm

em evidência: reativação de uma infecção por Mycobac­ terium tuberculosis ou bronquiectasias sequelares. Outra possível etiologia para o caso é infecção fúngi­

Apesar de não excluira possibilidade, o sexo mascu­

ca. Muitos pacientes com passado de tuberculose trazem

lino desfavorece as doenças autoimunes, que têm maior

como sequelas cavidades pulmonares, principalmente nos

incidência aumentada em mulheres. Diversas doenças

ápices. Essas áreas são fatores de risco importantes para

autoimunes como lúpus eritematoso sistêmico, síndrome

colonização por fungos trazidos por via inalatória, que lá

de Goodpasture e capilarite pauci-imune podem se apre­

encontram ambiente propício para seu desenvolvimento.

sentar com hemoptise após um episódio de hemorragia alveolar. A ausência de sinais de artrite também fala

Aspergillus é o principal fungo colonizador dessas cavi­ dades, podendo se apresentar clinicamente tanto em formas

contra esse diagnóstico, visto que o acometimento articu­

assintomáticas como em hemoptise maciça.

lar é uma manifestação comum dessas desordens.

A ausência de história de tabagismo fala contra o

A ausência de sopro à ausculta cardíaca, principal­

diagnóstico de neoplasia pulmonar maligna, assim como

mente diastólico em foco mitral, desfavorece o diagnós­

a ausência de história de uso de drogas ilícitas descarta a

tico de estenose mitral. O diagnóstico de endocardite de

possibilidade de hemorragia alveolar secundária ao uso

tricúspide com embolização também é pouco provável,

de cocaína. O paciente não utilizam anticoagulantes e não

pela ausência de sopro, história de febre ou uso de drogas

havia história de eventos hemorrágicos anteriores, toman­

endovenosas. A falta de outros locais de sangramento ou

do pouco prováveis as doenças relacionadas à hemostase

equimoses fala contra distúrbios da coagulação.

sistêmica.

CAPÍTULO 18

• Hemostase sistêmica - Terapia com anticoagulante - Coagulação intravascular disseminada - Trombocitopenia • Doenças de vias aéreas - Traqueobronquite aguda - Adenoma brônquico - Bronquiectasia - Carcinoma broncogênico - Broncolitíase - Fibrose cística - Bronquite crônica - Metástase endobrônquica - Tuberculose endobrônquica - Aspiração de corpo estranho - Trauma traqueobrônquico • Infecciosas - Aspergiloma (bola fúngica) - Pneumonia fúngica - Abscesso pulmonar - Pneumonia bacteriana - Tuberculose pulmonar - Pneumonia viral • Doenças parenquimatosas - Granulomatose de Wegener - Doença de Behçet - Pneumonite lúpica aguda - Síndrome de Goodpasture - Hemossiderose pulmonar idiopática • Doenças cardiovasculares - Aneurisma aórtico - Insuficiência cardíaca - Estenose mitral - Malformação arteriovenosa pulmonar - Embolia pulmonar - Esquistossomose - Endocardite de tricúspide - Doença congênita - Hipertensão pulmonar • Iatrogênicas - Ruptura de artéria pulmonar, traqueostomia - Broncoscopia - Cateter de Swan-Ganz - Contusão pulmonar

Quando questionado sobre comorbidades prévias, refere que há dez anos vinha em acompanhamento médico por dispneia aos esforços e tosse seca. Refere que seus sintomas estavam relacionados ao trabalho (jateamento de areia), do qual estava afastado há oito anos. Refere tratamento para tuberculose pulmonarhá cinco anos, após ter iniciado quadro de febre diária vespertina, tosse e perda de peso. Relata ter feito trata­ mento por seis meses mas, mesmo tendo seguido corretamente as instruções médicas evoluiu com tosse produtiva persistente, dispneia aos moderados esforços e diversos episódios de infecção pulmonar. Nega hipertensão arterial sistêmica, diabetes ou outras comor­ bidades. Nega etilismo, tabagismo ou uso de drogas ilícitas.

112 - Doenças do Sistema Respiratório

CAPÍTULO 18

Fibrose cística também cursa com hemoptise, mas a

história se arrasta com grande predomínio dos sintomas surgindo na infância e/ou adolescência. Além disso, o principal sintoma é tosse produtiva com expectoração

purulenta em decorrência das bronquiectasias por múltiplas infecções pulmonares bacterianas. Outros estigmas da fibrose cística estão ausentes neste caso, como diarreia

crônica e diabetes.

O paciente em estudo não tem fatores de risco para desenvolvimento de abscesso pulmonar. Abscessos pul­ monares habitualmente cursam com quadro de febre

prolongada associado à tosse com expectoração fétida,

porém pode ocorrer hemoptise. Não há descrição de má conservação dentária, história de etilismo ou imunossu­

pressão, que são alguns dos fatores de maior associação com o desenvolvimento de abscesso pulmonar.

As pneumonias virais também podem cursar com hemoptise, apesarde este não sero achado mais frequen­

Figura 18.1 - Radiografia de tórax, posteroanterior,

te. No presente caso, faltam outros estigmas de infecção

revelando infiltrado reticulonodular bilateral associa­ do a opacidades apicais e hilar à direita.

viral, como febre e quadro de infecção de vias aéreas

superiores antes dos sintomas pulmonares. As doenças inflamatórias que podem cursar com he­

moptise e hemorragia alveolar também são menos prová­

A ausência de alterações na função renal e no exame

veis em nosso paciente, visto que granulomatose de Wegener, doença de Behçet, pneumonite lúpica e síndro­

de urina, juntamente com os outros dados da história

clínica, nos permite afastaras causas de síndrome pulmão­

me de Goodpasture geralmente estão acompanhadas de

-rim (granulomatose de Wegenere síndrome de Goodpas­

outras manifestações clínicas sistêmicas.

ture). Quando os achados clínicos sugerem tal etiologia,

alguns exames laboratoriais são fundamentais para o Os exames laboratoriais iniciais revelam: hemoglo­ bina = 12,2mg/dL; hematócrito = 36,5%; leucograma = 9.600 com diferencial normal; e plaquetas = 215.000. Tempo de protrombina (TP) e tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) normais. Função renal e hepática sem alterações e urina I dentro dos limites da normali­ dade. A radiografia de tórax (Fig. 18.1) mostra infiltrado reticulonodular bilateral associado à opacificação de ambos os ápices (mais proeminente à direita) e de hilo pulmonar direito. O paciente trazia, ainda, um ecocar­ diograma ambulatorial realizado há dois meses, sem sinais de hipertensão pulmonar disfunção de ventrículo esquerdo ou valvulopatias.

diagnóstico. A granulomatose de Wegener caracteristica­

mente tem alta positividade para anticorpo anticitoplasma de neutrófilo clássico (c-ANCA), que está associado a uma alta especificidade para o diagnóstico. Já a síndrome

de Goodpasture apresenta positividade para anticorpos

antimembrana basal glomerular.

O ecocardiograma normal exclui doenças cardíacas como causa da hemoptise. Apesar de o melhor exame para

avaliação de endocardite sero ecocardiograma transeso­

fágico, o exame transtorácico num paciente de baixo risco e sem outros estigmas para suspeita de endocardite

nos permite excluir esta possibilidade. Além disso, este­ nose mitral é outra doença que pode ser afastada. Hiper­

O hemograma é um importante exame para avaliação inicial do paciente com hemoptise. Apesar de não se saber

tensão pulmonar também pode cursar com hemoptise, apesar de não seresta um achado comum. Em casos mais

o anterior nível de hemoglobina do paciente, o caso clíni­

avançados, o paciente pode apresentar sinais de falência

co traz um exame dentro da normalidade que fala contra

de ventrículo direito, como edema de membros inferiores

o diagnóstico de hemorragia alveolar (infiltrado pulmonar

e aumento de volume abdominal. O ecocardiograma é um

novo associado à queda dos níveis de hemoglobina e he­

excelente exame de screening, podendo estimaros níveis

matócrito). As plaquetas normais juntamente com provas

de pressão sistólica de artéria pulmonar. Entretanto, a

inalteradas de TP e TTPa afastam distúrbio de coagulação.

elevados níveis da pressão da circulação pulmonar devem,

O leucograma dentro da normalidade também toma menos

sempre que possível, ser confirmados com estudos hemo­

prováveis enfermidades infecciosas bacterianas e virais.

dinâmicos (cateterismo).

Hemoptise - 113

A radiografia de tórax praticamente confirma o diag­ nóstico de silicose pulmonar diante do achado do infiltra­

precisam de confirmação etiológica. O tratamento da bola

do reticulonodular difuso. Em silicose pulmonar crônica,

fúngica não deve ser realizado com antifúngicos, visto não

outros achados comuns são linfonodomegalia mediastinal

haver penetração do medicamento no interiorda cavidade.

e massas retráteis decorrentes da coalescência dos nódu­

Muitos pacientes se apresentam de maneira assintomática,

los. As opacidades apicais sugerem alterações decorrentes

não necessitando de qualquer tratamento. Contudo, lobec­

tanto da hipótese de silicose como da história pregressa

tomia muitas vezes é necessária, quando complicações re­

de tuberculose. Desta forma, reativação de tuberculose,

infecção fúngica e sangramento secundário a sequelas

lacionadas à bola fúngica acontecem, como é o caso da hemoptise.

pulmonares como bronquiectasias ainda permanecem como

A tomografia computadorizada também tem papel muito importante mesmo quando, porsi só, não consegue

determinaro diagnóstico. Trata-se de um excelente exame

Paciente submetido à tomografia computadorizada de tórax (Fig. 18.2), que confirma cavidade em lobo superiordireito associada à imagem densa no seu inte­ riore micronódulos parenquimatosos. Apresenta, ainda, opacificação em lobo superior esquerdo com caracte­ rísticas retráteis. A broncoscopia não mostra sinais de sangramento ativo ou alteração na arquitetura anatômi­ ca da árvore brônquica.

para identificação de fístulas arteriovenosas, bronquiec­

tasias e abscesso pulmonar.Desta forma, diversas doenças podem ser excluídas diante dos achados tomográficos.

A broncoscopia é um exame fundamental na análise

do paciente com hemoptise. Além de identificar o seg­

mento pulmonar relacionado à origem do sangramento, também pode controlar o sangramento por meio de me­

didas como instilação de soro fisiológico gelado ou adre­ A tomografia computadorizada mais uma vez corro­

nalina. Um resultado normal afasta lesões endobrônquicas

bora os achados sugestivos de silicose pulmonar e toma

nas vias observadas. Outra vantagem do exame é permi­

mais evidente o diagnóstico. Cavidade em ápice pulmonar sugere sequela pulmonar decorrente de infecção pulmonar

tira avaliação do grau de atividade do sangramento.

por micobactéria. Entretanto, a origem do sangramento parece estar mais relacionada às alterações encontradas

no interior da cavidade pulmonar em ápice direito. A imagem densa, arredondada e móvel à movimentação

em uma cavitação secundária a infecção por tuberculose permite um diagnóstico de micetoma (bola fúngica por

O paciente evolui sem novos episódios de hemop­ tise durante a observação no pronto-socorro. Após avaliação pré-operatória, é submetido à ressecção pul­ monarde lobo superior direito. A histologia revela que a imagem densa no interiorda cavidade ressecada eram formas multicelulares filamentosas, caracterizadas como hifas septadas.

Aspergillus). O exame padrão-ouro é a visualização direta

DIAGNÓSTICO FINAL • Bola fúngica (aspergiloma). • Sequela de tuberculose pulmonar. • Silicose pulmonar crônica.

DISCUSSÃO As vias aéreas são os mais importantes locais de origem

de hemoptise. Geralmente, as artérias pulmonares e brôn­

quicas estão envolvidas, sendo mais comum a participação

das brônquicas em decorrência de alteração arquitetural

Figura 18.2

- Tomografia computadorizada (parên­ quima e mediastino) revelando micronódulos parenquimatosos difusos e cavidade em lobo superior direito em associação com a imagem densa no seu interior.

secundária a sequelas cicatriciais. Os casos mais graves

também estão relacionados às artérias brônquicas pois, apesar de comportarem uma pequena parcela do débito

cardíaco, estão submetidas a um sistema de alta pressão. Doenças inflamatórias das vias aéreas como bronquite

CAPÍTULO 18

as principais hipóteses para o caso.

do agente etiológico por biópsia, mas nem todos os casos

CAPÍTULO 18

114 - Doenças do Sistema Respiratório

(aguda ou crônica) ou bronquiectasias, assim como neo­ plasias (incluindo carcinoma broncogênico primário, car­

A broncoscopia deve ser realizada em todo paciente hemodinamicamente estável, principalmente naqueles com

cinoma endobrônquico metastático em geral secundário a

radiografia de tórax normal quando a chance de lesão

melanoma ou câncer de mama e carcinoide brônquico).

Carcinoide brônquico é um tumor altamente vascular não

endobrônquica aumenta. Quanto mais cedo for feita, maior a chance de localizar o sangramento, permitindo melhor

relacionado ao tabagismo, que deve ser considerado num

intervenção terapêutica. Ela deve ser priorizada, em até

adulto jovem, não tabagista, com hemoptise recorrente.

24h do evento, de preferência nas primeiras 12h. Além da broncoscopia, outro exame de imagem ex­ tremamente importante é a tomografia computadorizada

Outras enfermidades que acometem a via aérea e podem desencadear hemoptise são fístulas, trauma, corpo estranho e sarcoma de Kaposi em paciente com AIDS.

Doenças parenquimatosas responsáveis por hemoptise são inúmeras e podem ser classificadas em alguns grupos principais: infecção (tuberculose, pneumonia, aspergiloma e abscesso pulmonar), inflamação (síndrome de Goodpas­

ture, hemossiderose pulmonar idiopática, pneumonite

lúpica, granulomatose de Wegener), coagulopatia (trom­ bocitopenia ou uso de anticoagulantes) e iatrogênico

(principalmente biópsia pulmonar).

Outras causas de hemoptise ainda devem serconside­ radas, a depender da história do paciente. Hemorragia

pulmonar induzida por cocaína foi relatada em até 6% dos usuários de cocaína/crack. Hemoptises recorrentes

relacionadas ao ciclo menstrual levantam a possibilidade de endometriose pulmonar.

Doenças vasculares também são responsáveis por muitos casos de hemoptise. Tromboembolia pulmonar,

malformação arteriovenosa e estenose mitral com aumen­ to da pressão capilar pulmonar podem, inclusive, cursar

com hemoptise maciça.

Mesmo após extensa investigação, até 30% dos pa­

cientes não possuem um diagnóstico etiológico estabele­ cido como causador do sangramento. Apesar do bom

prognóstico que apresentam, preconiza-se acompanha­

mento regular. A história clínica e o exame físico devem sempre

apontar para hipóteses mais prováveis que irão direcionar a investigação etiológica. Diante de um quadro de hemop­

tise maciça, muitas vezes são necessárias intervenções de urgência como arteriografia com embolização ou cirurgia

de ressecção pulmonar. Entretanto, frente a um paciente

estável, alguns exames complementares sequenciais devem ser solicitados, na busca do determinante causal do san­ gramento.

Todo paciente com hemoptise deve ser submetido à radiografia de tórax para avaliação inicial. Pacientes com hemoptise secundária a neoplasias apresentam alteração

no exame em até 90% das vezes. Além disso, é de suma importância na tentativa de localizar o sangramento. Os exames laboratoriais deverão ser direcionados de acordo com a história clínica para se encontrara etiologia da

hemoptise.

de tórax, a qual também deve ser realizada em todo pa­ ciente estável que se apresente com hemoptise. Diversas

lesões parenquimatosas poderão ser evidenciadas, como bronquiectasias, massas pulmonares, abscesso pulmonar e malformações arteriovenosas, além de lesões endobrôn­ quicas. A imagem em “vidro fosco”, correspondente a preenchimento incompleto de espaços alveolares pelo conteúdo patológico sanguíneo, tem grande importância no direcionamento da lesão, servindo de guia para possí­

veis intervenções por procedimento cirúrgico ou arterio­ grafia. A identificação de um processo difuso sugere he­ morragia alveolar como origem da hemoptise, devendo

guiara investigação para causas específicas (Quadro 18.2). O uso da arteriografia no tratamento dos pacientes com hemoptise diminuiu muito a necessidade de inter­ venções cirúrgicas para controle do sangramento. Apesar de alguns centros utilizarem-na como exame de primeira

linha devido à alta acurácia em localizar o sangramento e à possibilidade de controle do evento com embolização, esta prática rotineira ainda não deve ser adotada. Seu uso deve ser precedido de broncoscopia e tomografia compu­ tadorizada de tórax, sempre que a estabilidade hemodi­ nâmica do paciente permitir. Mais de 90% dos sangra­ mentos têm origem nas artérias brônquicas, sendo estas os principais ramos a investigarno exame. Apresenta taxa de sucesso de até 90% no controle da hemoptise, porém não é isenta de complicações como embolização do cor­ no espinhal associada ao desenvolvimento de paraplegia (menos de 1% dos casos) e necrose da parede brônquica. Todo paciente que chega com queixa de hemoptise deve ter uma avaliação inicial para se determinara esta­

bilidade do quadro: dados vitais, garantir proteção de via aérea e manter bom status cardiovascular. Mesmo os quadros que não se apresentam como eventos maciços devem ser analisados com cuidado, porque a evolução do sangramento é imprevisível. A cirurgia de urgência deve ser evitada, porque está associada à maior mortalidade quando comparada com o procedimento realizado de maneira eletiva. Entretanto, muitas vezes, a cirurgia de urgência é a única forma de controlar o sangramento. O pré-operatório, quando pos­ sível, deve ser cuidadoso, com análise de função e perfu­ são pulmonar além do controle das comorbidades.

Hemoptise - 115

• Capilarite - Vasculites sistêmicas ■ Granulomatose de Wegener ■ Poliangeíte microscópica ■ Púrpura de Henoch-Schönlein ■ Crioglobulinemia ■ Doença de Behçet - Doença vascular colagenosa ■ Lúpus eritematoso sistêmico * ■ Polimiosite ■ Artrite reumatoide ■ Esclerodermia ■ Doença mista do tecido conjuntivo - Outras Capilarite pulmonar isolada ■ Síndrome de Goodpasture * ■ Síndrome do anticorpo antifosfolipídio primária ■ Glomerulonefrite pauci-imune ■ Transplante autólogo de medula óssea ■ Rejeição de transplante de pulmão ■ Fibrose pulmonar idiopática ■ Endocardite infecciosa ■ Síndrome do ácido retinoico ■ Propiltiuracil ■ Fenitoína • Hemorragia branda - Síndrome de Goodpasture * - Lúpus eritematoso sistêmico * - Hemossiderose pulmonar idiopática - Coagulopatias graves - Estenose mitral ■ Inalação de anidridotrimelítico ■ Penicilamina, nitrofurantoína, amiodarona ■ Rapamicina • Dano alveolar difuso - Síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) (qualquer etiologia) - Toxicidade mediada por droga citotóxica - Polimiosite - Lúpus eritematoso sistêmico - Inalação de cocaína ou crack - Infecções em pacientes imunocomprometidos • Condições diversas - Linfangioleiomiomatose - Esclerose tuberosa - Doença veno-oclusiva pulmonar - Hemangiomatose capilar pulmonar - Infarto pulmonar * Tanto capilarite como hemorragia branda podem ser vistas nestas doenças.

No presente caso, os dados de história e o exame fí­ sico foram muito importantes para guiar o raciocínio clínico dentre as múltiplas etiologias para a origem dos

quadros de hemoptise. Os exames de imagem são extre­ mamente úteis para a confirmação diagnóstica e para auxiliarno tratamento cirúrgico ou por arteriografia.

BIBLIOGRAFIA ABAL, A. T.; NAIR, P. C.; CHERIAN, J. Haemoptysis: aetiology, evaluation and outcome - a prospective study in a third-woiid countiy. Reçir. Mβd., v. 95, n. 7, p. 548-52, 2001.

BHATIA, R; 0’REILLY, J. E; KARTHIK, S.; KATIRA, R. Massive haemoptysis: causes and management. Ir. Mβd. J. (review), v. 97, n. 2, p. 52-3, 2004. BURDON, J. Cough and haemoptysis. Atet Fan. Plysciai v. 31, n. 3, p. 269, 272, 2002. FARTOUKH, M.; et al. An integrated approach to diagnosis and management of seveie haemoptysis in patients admitted to the intensive caie unit: a case series from a refenal centre. Rβspir. Res, v. 15, n. 8, p. 11, 2007. FARTOUKH, M.; PARROT, A.; KHALIL, A. Aetiology, diagnosis and management of infective causes of seveie haemoptysis in intensive caie units. Ctrr. OpinPdm. Mβd., v. 14, n. 3, p. 195-202, 2008. HÂKANSON, E.; KONSTANTINOV, I. E.; FRANSSON, S. G.; SVEDJEHOLM, R. Management of life-threatening haemoptysis. Br. J. Anacstb. v. 88, n. 2, p. 291-5, 2002. LEE, S.; et al. Bronchial aiteiy embolisation can be equally safe and effective in the management of chronic recurrent haemoptysis. HcrgKcrgMβd J., v. 14, n. 1, p. 14-20, 2008. TSAI, S. H.; CHANG, W. C.; CHU, S. J.; HSU, H. H. Haemoptysis from the pulmonaiy aiteiy. Emβ-g Mβd. J., v. 24, n. 8, p. 593, 2007. TUNÇÖZGÜR, B.; et al. Dilemma on the treatment of haemoptysis: an analysis of 249 patients. ActaCHr. Bdg. v. 107, n. 3, p. 302-6, 2007. WONG, C. M.; LIM, K. H.; LIAM, C. K. The causes of haemoptysis in Malaysian patients aged over 60 and the diagnostic yield of diffeient investigations. Reçirdcg', v. 8, n. 1, p. 65-8, 2003.

CAPÍTULO 18

QUADRO 18.2 - Causas de hemorragia alveolar difusa (classificadas apresentação histológica)

___________________________________

CAPÍTULO

19

Epistaxe Maria Marcela Fernandes Monteiro

Paciente com 51 anos de idade, sexo feminino, parda, secretária doméstica, comparece ao consultório médico com queixa de sangramento nasal, que nos últimos anos vem se tomando mais frequente. Relata que desde a infância apresenta sangramento nasal, ora bilateral, ora unilateral, espontâneo, de pequeno volume e que cessa após alguns minutos com compressão local. Os episódios eram raros até cinco anos atrás, quando se tomaram mais frequentes.

é autolimitada e somente 6 a 10% dos casos necessitam

de atendimento médico. A epistaxe deve ser encarada não como um sintoma isolado, mas como parte de um con­ junto de alterações que leva à perda da integridade da mucosa nasal ou do sistema de hemostasia (Tabela 19.1). Assim devem ser investigados os seguintes dados à ana­

mnese e ao exame físico: idade, sexo, profissão, uso de medicamentos (ácido acetilsalicílico [AAS], anti-inflama­ tórios não esteroidais [AINE], anticoagulantes), história

A paciente em questão apresenta sintomas característicos

de trauma, doenças nasais, hepatopatias, coagulopatias,

de epistaxe, a qual é definida como sangramento origina­

do da mucosa nasal, representando uma alteração da

vasculopatias, hipertensão arterial sistêmica (HAS), re­ percussão hemodinâmica e local do sangramento (anterior

hemostasia normal do nariz. A hemostasia pode estar

ou posterior).

comprometida devido a anormalidades na mucosa nasal, à perda da integridade vascular ou a alterações nas pla­

quetas ou nos fatores de coagulação. Estima-se que aproximadamente 60% da população tenham pelo menos

um episódio de epistaxe durante a vida. Geralmente, ela

Quando interrogada sobre outros sangramentos, a paciente diz que na menarca apresentava ciclos mens­ truais de sete a dez dias, com fluxo considerável, durante todo seu período fértil. Procurou assistência médica, sendo prescritos contraceptivos orais. Fez uso

TABELA 19.1 - Etiologia da epistaxe Causas locais

Causas sistêmicas

Corpo estranho

Vasculopatias

Traumáticas

Coagulopatias (hemofilias, doença de von Willebrand, leucemias, púrpuras plaquetopênicas)

Inflamatórias (quadros alérgicos e atróficos ou infecciosos)

Hipertensão arterial sistêmica

Medicamentos tópicos (vasoconstritores, entorpecentes, corticosteroides)

Drogas (AAS, ticlopidina; anticoagulantes orais; heparina; AINE)

Cirurgia nasal (turbinectomias, iatrogênica)

Infecções ou doenças sistêmicas graves

Alterações anatômicas (desvio de septo, perfurações septais)

Desnutrição

Tumores (nasoangiofibroma, carcinomas espinocelulares, hemangiomas nasais)

Alcoolismo crônico

AAS = ácido acetilsalicílico: AINE = anti-inflamatórios não esteroidais.

Epistaxe - 117

A epistaxe de origem na infância é a principal queixa

da paciente, além de outros sangramentos e de uma histó­

ria familiar positiva, o que induz a acreditar que se trata de uma coagulopatia hemorrágica hereditária, que pode se

originarde diminuição da contagem de plaquetas, disfun­

QUADRO 19.1 - Distúrbios da hemostasia primária2 • Trombocitopenia - Redução da produção medular de megacariócitos: ■ Infiltração medular com tumor, fibrose ■ Infiltração medular - anemias aplásica, hipoplásica; efeitos de drogas/fármacos - Sequestro esplênico das plaquetas circulantes ■ Esplenomegalia decorrente de infiltração tumoral ■ Congestão esplênica decorrente de hipertensão portal - Destruição aumentada das plaquetas circulantes ■ Destruição não imune: • Próteses vasculares, valvas cardíacas • Coagulação intravascular disseminada • Sepse • Vasculite ■ Destruição imune ■ Autoanticorpos contra antígenos plaquetários • Anticorpos associados a fármacos • Imunocomplexos circulantes (lúpus eritematoso sistêmico, agentes virais, sepse bacteriana) • Defeitos na aderência plaquetária - Doença de von Willebrand - Síndrome de Bernard-Soulier (ausência ou disfunção do complexo GpIb/IX)

ção plaquetária ou deficiência dos fatores de coagulação.

O processo de hemostasia, que pode ser dividido

• Defeitos da agregação plaquetária - Tromboastenia de Glanzmann (ausência ou disfunção de GpIIb/IIa)

didaticamente em componentes primário e secundário,

inicia-se quando o revestimento endotelial vascular é lesado e o sangue é exposto ao tecido conjuntivo suben­

dotelial. A hemostasia primária (Quadro 19.1) refere-se ao processo de formação do tampão plaquetário nos locais de lesão (aderência plaquetária, liberação dos grânulos e

agregação das plaquetas). Ocorre poucos segundos após a lesão e é de suma importância para a interrupção da

perda sanguínea por capilares, pequenas arteríolas e vênulas. A hemostasia secundária consiste nas reações

do sistema plasmático da coagulação que resultam na

• Defeitos da liberação das plaquetas - Diminuição da atividade da ciclo-oxigenase: ■ Medicamentos-ácido acetilsalicílico, anti-inflamatórios não esteroidais ■ Congênita - Defeitos no compartimento de armazenamento dos grânulos: ■ Congênitos ■ Adquiridos - Uremia - Revestimento das plaquetas (por exemplo, penicilina ou paraproteínas) • Defeito na atividade coagulante das plaquetas: - Síndrome de Scott

formação de fibrina, cuja conclusão demora vários mi­ nutos. A hemostasia primária e a secundária estão inti­

mamente ligadas.

uma triagem da via intrínseca do sistema de coagulação e

O sangramento decorrente de um distúrbio plaquetário

avalia os fatores XII, XI, IX e VIII. O TP é um teste de

em geral se localiza em áreas superficiais, como a pele e

triagem para via extrínseca e avalia o fatorVII. Ambos os

as mucosas, surge imediatamente um traumatismo ou ci­

testes também avaliam a via da coagulação comum (após

rurgia e pode ser controlado facilmente com medidas locais,

ativação do fatorX) (Fig. 19.1).

como no presente caso clínico. Em contraste, o sangra­

mento ocasionado por defeitos hemostáticos secundários ocorre horas após a lesão. É mais frequente em tecidos

ativada (TTPa), de protrombina (TP) e de trombina e

Paciente relata que, devido a dores articulares fre­ quentes e lombalgia, vem fazendo uso, nos últimos cinco anos, de AINE regularmente. Refere HAS con­ trolada com anti-hipertensivo oral (enalapril, 10mg, duas vezes ao dia) e diabetes mellitus diagnosticado há quatro anos controlado com dieta alimentare metfor­ mina (500mg, no almoço e no café da manhã). Comenta ainda uso de AAS, 100mg/dia, prescrito pelo médico do posto de saúde, desde então; e colecistecto­ mia, há oito anos, sem intercorrências. Nega etilismo,

determinação quantitativa do fibrinogênio. O TTPa faz

tabagismo e história prévia de transfusão sanguínea.

subcutâneos profundos, músculos e articulações ou cavi­

dades corporais. Os testes de triagem mais importantes do sistema

hemostático primário são o tempo de sangramento (me­

dida sensível da função plaquetária) e a contagem de

plaquetas. A função da coagulação plasmática é facilmen­ te avaliada por meio dos tempos de tromboplastina parcial

CAPÍTULO 19

de contraceptivo oral porquatro anos não consecutivos. Afirma que no segundo e no terceiro parto cesariano, (por indicação obstétrica), o médico informou que, durante a cirurgia, apresentara sangramento discreta­ mente maior que o habitual. Na ocasião, não necessitou de transfusão de concentrado de hemácias. Relata ainda que, na última visita ao dentista, após extração dentária, teve sangramento prolongado e que ultimamente vem sofrendo de gengivorragia ao escovaros dentes. Quando questionada sobre a sintomas semelhantes em parentes de primeiro grau, informa que a mãe teve sangramento durante os partos normais e que uma irmã de 29 anos de idade tem menorragia.

118 -

Doenças do Sistema Respiratório

CAPÍTULO 19

fica-se contagem de plaquetas normal com tempo de sangramento prolongado e TTPa alargado. Essa combi­ nação de tempo de sangramento prolongado e TTPa alargado, com o restante das provas hemostáticas normais, sugere doença de von Willebrand (DvW). O eventual

alargamento do TTPa pode ser explicado, dentre outras razões, pela deficiência parcial do fator VIII. O uso de AAS e AINE pode exacerbar os sintomas

em pacientes com distúrbio da hemostasia primária devi­ do à inibição da enzima ciclo-oxigenase responsável pela

últimos anos, após introdução dessas medicações.

Figura 19.1 - Cascata

simplificada da coagulação.

Quanto ao exame físico, a paciente encontra-se em regular estado geral, com mucosas descoradas +/4+,

hidratada, eupneica (frequência respiratória de 14ipm), temperatura axilar de 36,2°C, frequência cardíaca de

80bpm, pressão arterialde 126 × 74mmHg e índice de

Dando continuidade à investigação diagnóstica, foram solicitados os seguintes exames: dosagem do fator VIII - normal; atividade do cofatorde ristocetina e quantificação do antígeno do fatorde von Willebrand - ambos diminuídos. A eletroforese dos multímeros do fatorde von Willebrand evidencia ausência dos multí­ meros de alto peso molecular caracterizando o subtipo 2A. Paciente foi orientada a evitar drogas antiplaque­ tárias e a procurar médico hematologista, quando indicado algum procedimento cirúrgico, para a profila­ xia adequada.

massa corporal de 28,76kg/m2. Detectada ausência de linfadenomegalia palpável e de lesões cutâneas. A ti­

reoide não é palpável. Ausculta cardiopulmonar sem alterações significativas. O abdome apresenta cicatriz

DIAGNÓSTICO Doença de von Willebrand tipo 2A

cirúrgica subcostal direita, está semigloboso, com ruídos

hidroaéreos, fígado não palpável, espaço de Traube livre à percussão. O exame neurológico e de extremidades

não apresenta alterações significativas. Exames complementares iniciais revelam hemo­ globina de 11,2g/dL, hematócrito de 33%, volume corpuscularmédio de 78,1fL, hemoglobina corpuscular média de 25,9pg, concentração de hemoglobina cor­ puscularmédia de 33,1g/dL, amplitude de distribuição de hemácias de 16,4%, 3.900 leucócitos com 0% bas­ tonetes, 61% segmentados, 2% eosinófilos, 0% basófilos, 29% linfócitos típicos, 0% linfócitos atípicos, 8% monócitos; 187.000 plaquetas; Na: 137; K: 4,1; Ca I:1,2; Mg: 1,9; ureia: 33; creatinina: 0,6; albumina: 3,8; atividade de protrombina: 97%; relação normalizada internacional 1,02; TTPa: 34,2s; relação de 1,28 (normal até 1,24); tempo de sangramento (Ivy): 16min (normal de 3 a 9min); ferro sérico: 35mcg/dL (valores de refe­ rência [VR]: 37 a 170μcg/dL); transferrina: 300mg/dL (VR: 200 a 360mg/dL); ferritina: 45ng/mL (VR: 24 a 155ng/mL); glicemia: 97. A paciente apresenta exame físico sem alterações

significativas, porém, nos exames complementares veri­

DISCUSSÃO A doença de von Willebrand é o distúrbio hereditário da

função plaquetária mais comum na população geral, com prevalência de 1 a 2% (Tabela 19.2).

O fatorde von Willebrand (fvW) é uma glicoproteína multimérica plasmática codificada por um gene presente no cromossomo 12, sendo sintetizada pelas células endo­ teliais e megacariócitos, armazenada nos corpos de WeibelPalade e secretada no plasma e na matriz extracelular subendotelial. Tem duas funções principais na hemostasia:

facilitara adesão plaquetária ao endotélio vascular lesado, ligando-se à membrana da plaqueta, e atuar como trans­ portadore estabilizadordo fator VIII no plasma. A redução na quantidade do fvW ou o funcionamento inadequado

desta proteína resulta em dificuldade de coagulação. A DvW é classificada como quantitativa, tipos 1 e 3, quando há, respectivamente, diminuição e ausência do fvW; e em qualitativa, quando há disfunção do fvW que caracteriza a doença do tipo 2.

978-85-4120-074-5

formação de tromboxano A2 a partir do ácido araquidô­ nico, que estimula a ativação e a secreção de plaquetas. Isso explica a piora clínica apresentada pela paciente nos

Epistaxe - 119

978 85 4120-074

O ensaio da atividade do fvW ou atividade do cofator

Deficiência

Prevalência

Cromossomo

ristocetina - FvW:CoR - (antibiótico que induz à agluti­

I

1:1.000.000

4

nação de plaquetas inativas usando como “ponte” o fvW)

II

1:2.000.000

11

é o exame mais específico para avaliara função do fvW

V

1:1.000.000

1

na aderência plaquetária, mas pode estar apenas discreta­

Ve VIII

1:1.000.000

18

mente diminuído na DvW leve. A quantificação do antí­

VII

1: 500.000

13

geno do fvW mede a expressão imunológica do fvW e

VIII

1:10.000

X

IX

1:40.000

X

1:1.000.000

X

13

em geral é feita poreletroimunoensaio ou ensaio imunos­ sorvente enzimático. Está discretamente reduzido na DvWB leve e suas variantes e praticamente ausente no tipo 3. A

quantificação do fvW e a atividade do FvW:CoR são XI

1:1.000.000

4

XIII

1:2.000.000

4-6

von Willebrand

1:100

12

reagentes da fase aguda da doença e aumentam em situ­ ações de estresse, hepatopatias e alterações hormonais (gravidez, uso de anticoncepcional oral), porém sofrem

diminuição em hipotireoidismo e em pacientes com san­

O tipo 1, herdado como caráter autossômico dominan­ te com penetrância incompleta, observado em 60 a 80%

dos casos, é caracterizado por deficiência quantitativa leve a moderada do fvW. É a forma branda da doença, na qual o indivíduo pode apresentar sintomas clínicos geralmen­

te brandos. Contudo, o grau de manifestações hemorrá­ gicas e sua magnitude podem variar entre os indivíduos.

O tipo 3, herdado como caráter recessivo e extrema­ mente raro, corresponde a 5% dos casos e é caracterizado por ausência quase total de fvW no plasma (1 a 10% dos

níveis plasmáticos normais), apresentando quadro clínico mais grave.

O tipo 2, herdado como padrão dominante ou reces­

gue do tipo O.

O estudo dos múltimeros do fvW por eletroforese de sulfato de dodecil sódico-agarose) é essencial para deter minar o subtipo da DvW. Os ensaios baseados em gene são os mais específicos

para diagnosticaras variantes do fvW por mapeamento de enzima de restrição do gene fvW.

A profilaxia do sangramento operatório pode serfeita com 1-desamino 8-D-arginina vasopressina-desmopressi­

na (DDAVP), por via endevenosa, subcutânea ou intrana­

sal, um agente que aumenta a síntese endotelial do fvW. Nos tipos 2 e 3 da DvW, o efeito da DDAVP é menos

confiável, sendo contraindicado ao tipo 2B (risco de pla­

sivo, observado em 10 a 30% dos casos, é caracteriza­

quetopenia). A terapia mais eficaz da DvW, independen­

do por uma anormalidade qualitativa no fvW e apresen­

temente do tipo, é a reposição de concentrados ricos de

ta os subtipos 2A, 2B, 2M e 2N, sendo o 2A o mais

fvW. Alguns concentrados de fator VIII estabilizados com

comum, com redução da função da ligação plaquetária

fvW apresentam resposta clínica adequada. O criopreci­

associada à ausência dos multímeros de alto peso mo­

pitado é um componente do sangue rico em fvW, tendo

lecular. Já o 2B apresenta mais afinidade pela glicopro­

a desvantagem do risco maior de transmissão infecciosa,

teína 1b. O subtipo 2M também mostra redução da liga­

mas a vantagem do baixo custo. No entanto, desde janei­

ção plaquetária não associada à ausência dos multímeros

ro de 2002, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária

de alto peso molecular. O 2N, o mais raro, apresenta

(ANVISA), pela Resolução de Diretoria Colegiada nú­

redução na afinidade pelo fator VIII e assemelha-se à

mero 23, veda a utilização de crioprecipitado para trata­

hemofilia A.

mento da dvW, salvo em pacientes que não têm indicação

As principais manifestações clínicas da DvW são o

a DDAVP ou não respondem ao seu uso, quando não se

sangramento prolongado e excessivo após cirurgia (típico

dispuser de concentrados de fvW ou de concentrados de

de coagulopatias) e as hemorragias cutâneo-mucosas como

fator VIII ricos em multímeros de von Willebrand. Os

epistaxe, gengivorragia e menorragia (típicas de trombo­

concentrados ricos em fvW são prescritos para controle

citopatias).

de hemorragias, durante o trauma ou no perioperatório,

O tempo de sangramento está prolongado de forma

sendo infundidos uma vez ao dia ou em dias alternados.

variada nesses pacientes. O TTPa também mostra aumen­

Para pacientes com a forma branda da doença, existe

to em diferentes gradações devido, dentre outras razões,

a opção dos agentes antifibrinolíticos (ácido epsilon-

à deficiência do fator VIII. Todavia, um TTPa normal não

aminocaproico e ácido tranexâmico) para procedimentos

exclui o diagnóstico de DvW.

pouco invasivos ou para pequenas hemorragias.

CAPÍTULO 19

5

TABELA 19.2 - Prevalência das coagulopatias hereditárias7

120 - Doenças do Sistema Respiratório

CAPÍTULO 19

BIBLIOGRAFIA BEUTLER, E. et. al. WiüiansHenáricg'. 7. ed. New Yoik: McGraw-Hill, 2005. CECIL, R. TrífcdodeincdkiiTiirtura 23. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. KASPER, D. L. et al. Hariscrisprirrçlescf iitend medicine 16. ed., NewYoik: McGraw-Hill, 2006. MANNUCCI, P. M. et al. Management of inherited von Willebrand

Disease. BestPractice& ResEarhCliricei Haanádcg', v. 14, n. 2, p. 455-462, 2001. MANNUCCI, P. M. Treatment of von Willebrand’s disease. N. ErgJ. J. Med., v. 351, p. 683-94, 2004. PEYVANDI, F.; DUGA, S.; AKHAVAN, S.; MANNUCCI, P. M. Raie coagulation deficiencies. Haencplilia v. 8, p. 309, 2002. SCHNEPPENHEIM, R. et al. A molecularapproach to the classification of von Willebrand disease. BestPractice& ResEwchCliricd Haaiictícg', v. 14, n. 2, p. 281-298, 2001.

___________________________________

CAPÍTULO

20

Rouquidão Danilo Kanashiro Segalla • Bruno Thieme Lima • Luciano Rodrigues Neves • Ektor Onishi

Paciente LRN, sexo masculino, 48 anos de idade, nascido em e procedente de São Paulo, refere que ini­ ciou quadro de rouquidão há quatro meses, após episódio de gripe (sic). Cita que inicialmente a voz ficou fraca, junto com sintomas de obstrução nasal, coriza e tosse, associados a febre, inapetência, mialgia e mal-estar Procurou atendimento ambulatorial, no qual recebeu diagnóstico de infecção das vias aéreas superiores (IVAS) de etio­ logia viral (infecção de via aérea superior), sendo medicado com sintomáticos (antipirético, desconges­ tionante nasal e analgésico). Após três dias, já se encontrava em adequado estado geral, contudo manti­ nha quadro de rouquidão intermitente. Procurou novamente atendimento em pronto-so­ corro, onde foi informado que apresentava quadro clínico compatível com laringite bacteriana, sendo medicado com anti-inflamatório não esteroidal (ibupro­ feno, 600mg, a cada 12h, por quatro dias) e antibiótico (amoxicilina, 500mg, a cada 8h, por sete dias). Ao longo de dois meses, continuou a apresentar rouquidão, a qual se tomou constante, alterando-se com períodos de afonia. Nega outros sintomas relacio­ nados à laringe, tais como pirose faríngea, tosse (seca ou produtiva), disfagia, odinofagia ou dispneia. Nega abuso vocal tanto no trabalho como em casa e não re­ fere uso de bebidas geladas. Cita que eventualmente ficava rouco, mas que este sintoma estava associado a dores de garganta e que, em média, apresentava dois episódios por ano e duração de três a sete dias. Como não apresenta melhora do quadro clínico de rouquidão, o paciente foi orientado a procurar atendi­ mento especializado com otorrinolaringologista.

disfonias agudas entre as populações adulta e infantil é alta e quando apresentam instalação rápida com sinais e sintomas exuberantes têm como principais causas as

IVAS, as faringolaringites agudas virais ou bacterianas e

o uso abusivo ou inadequado da voz (gritar, falar alto). As IVAS e as faringolaringites agudas, na grande

maioria das vezes, são causadas por infecções virais, as

quais apresentam como principais agentes etiológicos o vírus sincicial respiratório, o adenovírus, o mixovírus, parainfluenza, etc., e têm duração média de cinco a sete

dias. Por apresentar comportamento autolimitado, o tra­ tamento baseia-se no emprego de medicamentos sintomá­ ticos para que os incômodos sintomas sejam minimizados

em intensidade e em duração. Porvezes, trata-se de uma faringolaringite de etiologia

bacteriana, em que os principais agentes são Streptococ-

cus pneumoniae, Streptococcussp., Moraxella catarrhalis, Haemophilus influenza tipo B. Nesse caso, além do tratamento sintomatológico, devem-se utilizar antibióticos com espectro de cobertura para os patógenos mencionados.

A disfonia também pode decorrer de uso abusivo ou

inadequado da voz, como gritar falar alto, cantar sem

técnica. Nessas situações, compete ao médico assistente encaminharo paciente ao otorrinolaringologista, para que

possa ser avaliado e iniciada a terapêutica adequada. Os quadros disfônicos podem ser divididos, de acordo

com o período de acometimento, em agudos e crônicos. As disfonias agudas são aquelas até 15 dias de duração,

Casos clínicos com queixas disfônicas são comuns nos prontos-socorros e ambulatórios gerais. A prevalência das

ao passo que as crônicas são as que apresentam período maior que 30 dias de acometimento.

122 -

Doenças do Sistema Respiratório

CAPÍTULO 20

No caso descrito, houve manutenção da disfonia por

mais de um mês, associada à evolução significativa dos

sintomas tanto em intensidade quanto em duração, carac­ terizando quadro de disfonia crônica. As principais causas

de disfonia crônica são citadas no Quadro 20.1.

Outros sintomas podem decorrerou estar associados

Foi submetido à amigdalectomia na infância e apresenta, como antecedente familiar, a referência de um tio paterno falecido porcâncerno pulmão. Quando perguntado sobre as queixas vocais, refere trabalharcomo vendedore mostra sempre voz adequa­ da, sendo convidado para ser orador nas festas da empresa (sic).

à disfonia crônica; dentre eles há de se salientara disfagia e a dispneia. Ambos os sintomas podem predizer tanto o

Antecedentes pessoais quanto a tabagismo e a etilismo

grau de acometimento como a provável localização deste,

devem ser questionados e, se positivos, deve-se avaliara possibilidade de que o acometimento laríngeo possa ter

como exemplifica o esquema seguinte:

etiologia neoplásica. • Disfagia: acometimento supraglótico. • Disfonia: acometimento glótico. • Dispneia: acometimento subglótico.

Sabe-se que o câncer da laringe tem como principais fatores de risco o tabagismo e o etilismo, principalmente quando o período, a frequência e a intensidade dos hábi­

tos são altos. Para adequada resolução dos casos de disfonia crôni­ ca, devem-se colher maiores informações na anamnese e

Decorrente do ato tabágico, cujo índice vem aumen­ tando entre a população feminina, a proporção de neopla­

encaminhar o paciente a exame otorrinolaringológico

sia de laringe entre homens e mulheres diminuiu nos

adequado.

últimos anos de 15:1 para menos de 4:1. Outro fator de risco seria a exposição a fatores ambientais e ocupacionais, tais como hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, níquel,

Como antecedentes pessoais, é tabagista há 45 anos, com consumo diário de 20 cigarros, e etilista há 35 anos, ingerindo em média três doses de destilados diariamente. Não usa medicamentos regularmente, não tem alergia a medicamentos, internações; não usa drogas ilícitas.

cromo, produtos de madeira e pesticidas. O histórico familiar de câncer; principalmente em sistema respiratório ou digestório, deve ser valorizado, pois

estudos recentes da literatura sinalizam fatores genéticos para tal comportamento. As referências anteriores do padrão vocal são importan­

QUADRO 20.1 - Causas de disfonia crônica • Infecciosas - Virais - Bacterianas - Fúngicas • Reumatológicas - Artrite reumatoide - Lúpus eritematoso sistêmico • Granulomatosas - Tuberculose laríngea - Paracoccidioidomicose - Sarcoidose - Sífilis • Neurológicas - Distonia laríngea - Paralisia de pregas vocais - Doença de Parkinson • Endócrinas - Hipopituitarismo - Hipo/hipertireoidismo - Doença de Addison • Neoplásicas: - Carcinoma espinocelular - Carcinoma verrucoso - Papilomatose laríngea • Outras - Lesões fonotraumáticas - Alterações estruturais mínimas - Efeitos adversos de medicamentos - Doença do refluxo gastroesofágico

tes para que o médico avaliador tenha dimensão das carac­ terísticas da voz, da frequência e da intensidade de uso. No caso clínico em questão, um paciente que faz uso

profissional da voz (vendedor) e apresenta alteração do padrão vocal por período ou intensidade de grau mode­

rado a intenso deve ser encaminhado à avaliação otorri­ nolaringológica, com ênfase no exame da região laríngea.

Ao exame físico geral, apresenta-se em bom estado geral, corado, hidratado, eupneico e afebril. Ausculta pulmonar com murmúrio vesicular+ difusamente, sem ruídos adventícios. Escuta cardíaca em dois tempos sem detecção de sopros. Avaliação abdominal e de extremi­ dades não denota alterações. Ao exame no pronto-socorro otorrinolaringológico, não são detectadas alterações ouvidos (otoscopia), ca­ vidade nasal (rinoscopia anterior) e da cavidade oral (oroscopia). A palpação cervical não evidencia altera­ ções, lesões ou a de linfonodomegalia cervical. Então, o paciente é submetido ao exame de larin­ goscopia indireta com laringoscópio rígido, sendo detectada lesão vegetante e infiltrativa acometendo toda a extensão da prega vocal esquerda (Fig. 20.1). Durante a fonação, percebe-se que a lesão impede que haja adequado fechamento glótico e adequada vi­ bração da onda mucosa.

Rouquidão - 123

TABELA 20.1 - Drenagem dos linfonodos cervicais Linfonodos

Locais de drenagem

IA

Queixo, lábio inferior, bochecha, assoalho da boca, ponta da língua

IB

Lábios, bochecha, nariz, gengivas, palato, língua, assoalho da boca, glândulas submandibulares e sublinguais

II

Palato, rinofaringe, orofaringe, supraglote, hipofaringe.

mais precisamente em região das pregas vocais, o médico

III

Orofaringe, supraglote, glote, hipofaringe

deve executar o exame otorrinolaringológico completo e

IV

Orofaringe, glote, hipofaringe

minucioso (otoscopia, rinoscopia anterior oroscopia

V

Regiões occipital e parietal do couro cabeludo; regiões lateral do pescoço, ombro e superior do tórax

VI

Pele e músculos da região anterior do pescoço, laringe, glândula tireoide e recesso traqueoesofágico

Apesarda queixa do paciente serde origem laríngea,

e palpação cervical), pois além de obter maiores dados

quanto ao paciente, pode detectar outros sinais ou lesões que corroborarem o diagnóstico a ser estabelecido. A palpação cervical deve ser efetuada em todos os

pacientes com suspeita de lesões em região cervicofacial,

pois de acordo com a localização do linfonodo acometido é possível suspeitarda topografia da lesão primária, como

demonstram a Tabela 20.1 e a Figura 20.2.

Nas queixas de disfonia, torna-se de fundamental importância o exame da laringe, com particular atenção às pregas vocais. A detecção de lesão com característica vegetante e

ulcerada em toda a extensão da prega vocal esquerda

sugere acometimento neoplásico. Contudo, pode haver outras possibilidades de doenças, tais como papilomatose laríngea, tuberculose, paracoccidioidomicose, granuloma­ tose de Wegener entre outras. Para elucidação diagnóstica, a conduta adequada é a

realização de laringoscopia direta em centro cirúrgico, sob anestesia geral. Esse procedimento permite ao otor­

rinolaringologista identificar, analisar palpar e retirar fragmentos da lesão para diagnóstico.

Figura 20.2 - Níveis de drenagem dos linfonodos cervicais.

Quando existe suspeita de acometimento neoplásico, deve-se procederá biópsia excisional com margens de se­ gurança e à análise do espécime por patologista experiente.

Figura 20.1 - Lesão vegetante e infiltrativa acome­ tendo a prega vocal esquerda.

O paciente é submetido à microcirurgia de laringe, cujo resultado revela carcinoma espinocelular invasivo, sendo definido o estadiamento oncológico como T1a N0 M0 (Fig. 20.3). No mesmo ato operatório, opta-se pela ressecção do tumor por via aberta com a técnica cirúrgica da la­ ringectomia parcial frontolateral com reconstrução vocal, utilizando a prega vestibulare o abaixamento da cartilagem epiglótica. O espécime retirado foi avaliado por patologista e apresentou-se com margens livres de lesão tumoral.

CAPÍTULO 20

A hipótese diagnóstica é definida como lesão leu­ coplásica a esclarecer, e como conduta a realização de microcirurgia de laringe (biópsia excisional com mar­ gens de segurança) em centro cirúrgico, sob anestesia geral, e o espécime retirado avaliado por médico pato­ logista com análise histopatológica pelo método de congelação.

124 - Doenças do Sistema Respiratório

O objetivo do tratamento do câncerde laringe é curar

CAPITULO 20

a doença com o mínimo de sequelas funcionais, de acor­

do com o estadiamento clínico oncológico do paciente. Obtém-se o estadiamento oncológico tumor-linfonodo-

metástase (TNM) ao se analisarem três fatores clínicos:

características do tumor características dos linfonodos cervicais e presença de metástases a distância. A seguir as definições para o estadiamento dos tumo­

res glóticos: T = tumor inicial:

- T1: limitado às pregas vocais:

Figura 20.3 - Corte histológico revelando achados

■ T1a: limitado a uma prega vocal.

compatíveis com carcinoma espinocelular; coloração por hematoxilina-eosina, aumento de 40 vezes.

■ T1b: envolve ambas as pregas vocais.

- T2: estende-se à supraglote ou à subglote, e/ou

mobilidade diminuída da prega vocal. - T3: limitado à laringe, com fixação da prega

O paciente recebe sonda nasoenteral para alimen­ tação e traqueotomizado, retiradas em quatro dias e nove dias, respectivamente. No período pós-operatório, o paciente foi avaliado periodicamente e após 32 meses do procedimento ci­ rúrgico, não apresenta sinais de recidiva tumoral, sinais de linfonodomegalia ou outras alterações cervicais (Fig. 20.4).

vocal.

- T4: invade a cartilagem tireóidea e/ou estende-se às partes moles do pescoço, tireoide e/ou esôfago.

• N = linfonodos cervicais: - N0: ausência de linfonodos palpáveis. - N1: único linfonodo homolateral, com 3cm ou menos.

Em região laríngea, mais precisamente na região gló­ tica, mais de 90% das neoplasias malignas originam-se do

- N2: linfonodos maiores que 3cm e menores que

6cm:

epitélio de revestimento das pregas vocais e são do tipo

■ N2a: único linfonodo homolateral.

carcinoma espinocelular. Geralmente, são lesões vegetan­

■ N2b: linfonodos homolaterais múltiplos.

tes e infiltrativas, mas também podem ser ulceradas.

■ N2c: linfonodos bilaterais ou contralaterais.

Apresentam crescimento lento e tendem a expandir-se ao longo da prega vocal e, de acordo com sua evolução,

podem acometera musculatura intrínseca da laringe, fi­ xando a prega vocal e impedindo a adequada fonação.

- N3: linfonodo maior que 6cm em sua maior di­ mensão.

• M = metástase a distância: - M0: ausência de metástase a distância. - M1: presença de metástase a distância. Para o adequado tratamento neste caso clínico optou-se

pela conduta cirúrgica com reconstrução utilizando retalhos locais, os quais foram deslocados para cobriras falhas

provenientes da cirurgia e promover melhor fonação. Após a recuperação pós-operatória e com a retirada

da sonda nasoenteral e da cânula de traqueotomia, o pa­

ciente foi encaminhado para fonoterapia e segue em acompanhamento ambulatorial sistemático.

DIAGNÓSTICO Figura 20.4 - Laringoscopia após 32 meses da cirurgia,

Carcinoma espinocelular invasivo em prega vocal (cân­

sem evidências de recidiva tumoral.

cerde laringe).

Rouquidão - 125

DISCUSSÃO de procedimentos com o objetivo de identificar prováveis

laringe o mais precocemente possível. Isso aumenta de

fatores causais, desencadeantes e mantenedores da disfo­

modo significativo as chances de cura e, ao mesmo tem­

nia. Conhecero comportamento vocal do indivíduo, assim

po, permite um tratamento mais conservador garantindo

como definir o início, a duração e a progressão dos sin­

menor morbidade e menor prejuízo funcional ao pacien­

tomas, é de extrema importância para o manejo do pa­

te. Dessa forma, todo paciente com queixa de rouquidão

ciente disfônico.

superiora quatro semanas deve ser avaliado quanto a

Em pacientes com acometimento neoplásico, o início

câncerde laringe.

dos sintomas e o grau de gravidade destes vão depender da localização, do tamanho, da velocidade de crescimen­ to e da infiltração do tumor em estruturas adjacentes.

Os tumores glóticos manifestam-se inicialmente com

disfonia evolução lenta, sendo os sintomas de dispneia e disfagia evolutivos e decorrentes da direção do crescimen­

to. Se o crescimento se fizerno sentido superior o sintoma de disfagia estará presente; se o tumor invadir a região

subglótica, o sintoma será dispneia. Nos tumores supraglóticos iniciais, a disfagia e a odi­ nofagia geralmente serão os primeiros sintomas a surgir ao passo que a dispneia, o estridorexpiratório e a disfonia

aparecerão em tumores subglóticos. Um aspecto interessante a ser lembrado é a caracte­ rística peculiar da drenagem linfática da laringe. As regiões supraglótica e subglótica da laringe possuem

rica drenagem linfática e, em tumores supraglóticos, os

primeiros níveis a serem acometidos são II e III, nos tu­

mores subglóticos, III e IV. No entanto, a região glótica

possui drenagem linfática pobre. Essas características justificam a menor incidência de metástases cervicais e o melhor prognóstico dos tumores

glóticos iniciais. Metástase cervical em tumores glóticos

aparece em fase avançada, estendendo-se às regiões su­

praglótica ou subglótica. Felizmente, a maioria dos tumores da laringe localiza­

-se na glote (aproximadamente 59%), sendo incidências

BIBLIOGRAFIA ADAMS, G. L.; MAISEL R. H. Malignant tumois of the larynx and hypopharynx. In: CUMMINGS, C. W. Cunmir^- Otda,yn - Heed ail rHcksLrgpy 13. ed. London: Mosby, 1999. ALTMAN, K. W. Vocal fold masses. Otda-yrgi CHn NcrthAm., v. 40, n. 5, p. 1091-108, viii, 2007. CONCUS, A. P. Malignant laiyngeal lesions. In: LALWANI, A. K. Cerrei diagras 2cm - T3, além do pâncreas - T4, plexo celíaco ou artéria mesentérica superior ‒ N1, regional Adaptado do Instituto Nacional do Câncer

agressividade do tumor.

Muitas vezes, os métodos de imagem podem não ser cópica no intuito de definir melhor a lesão e o grau de

reduzido o índice de mortalidade relacionada ao procedi­ mento cirúrgico de 20% para aproximadamente 5%7,8.

agressividade, bem como o estadiamento. Vale ressaltar

A pancreatectomia geralmente não é recomendada,

que mesmo a laparoscopia é questionável, uma vez que

pois se perde a produção total de insulina e glucagon,

a intervenção da laparotomia oferece um estadiamento

resultando em desequilíbrio orgânico e metabólico9. A

mais definido e ainda com possibilidade de abordagem

cirurgia de Whipple é um procedimento que apresenta

paliativa.

bom sucesso terapêutico, contudo, somente 20% dos

tão precisos, havendo necessidade da abordagem laparos­

A classificação tumor-linfonodo-metástase (TNM) (Qua­

pacientes têm lesão potencialmente ressecável. Metástases

dro 25.2) é fundamental para o manuseio clínico dos pacien­

peritoneais e hepáticas são as mais comuns e, quando

tes, podendo estabelecer propostas terapêuticas e paliativas.

presentes, tomam impossível a cura pela cirurgia10.

A classificação divide os pacientes nos grupos que têm a

Esse tipo de neoplasia tem prognóstico bastante redu­

doença ressecável, naqueles em que são localmente avança­

zido, já que mais de 50% dos pacientes portam metástases

das e nos que apresentam metástases associadas.

associadas e mais de um terço da doença é localmente

A divisão por estágios é mostrada no Quadro 25.3.

avançado, o que limita muito a resposta e a sobrevida.

O procedimento cirúrgico mais comum em pacientes

Existem possibilidades terapêuticas que são capazes

com câncer de pâncreas é a pancreatoduodenectomia ou

de adequar cada estadiamento a uma melhor resposta do

cirurgia de Whipple. Técnicas cirúrgicas avançadas têm

paciente:

QUADRO 25.2 - Classificação clínica tumor-linfonodometástase (TNM)

• Terapia neoadjuvante: quimioterapia combinada com

• T tumor primário - TX: o tumor primário não pode ser avaliado - T0: não há evidência de tumor primário - Tis: carcinoma in situ - T1: tumor limitado ao pâncreas, com 2cm ou menos em sua maior dimensão - T2: tumor limitado ao pâncreas, com mais de 2cm em sua maior dimensão - T3: tumor que se estende além do pâncreas, mas sem envolvimento do plexo celíaco ou da artéria mesentérica superior - T4: tumor que envolve o plexo celíaco ou a artéria mesentérica superior • N linfonodos regionais - NX: os linfonodos regionais não podem ser avaliados - N0: ausência de metástase em linfonodos regionais - N1: metástase em linfonodos regionais • M metástase a distância - MX: a presença de metástase a distância não pode ser avaliada - M0: ausência de metástase a distância - M1: metástase a distância

• Terapia adjuvante: na falência dos procedimentos

Adaptado do Instituto Nacional do Câncer

radioterapia.

cirúrgicos, como a cirurgia de Whipple, associa-se a quimioterapia e a radioterapia combinada.

• Radioterapia e quimioterapia em lesão localmente avançada: o tratamento usa essas duas modalidades

lesões irressecáveis, em na tentativa de oferecer qualidade de vida ao paciente. • Quimioterapia doença avançada: nos casos em avançados, com doença metastática associada, esse tipo de tratamento pode garantir controle parcial da

doença, oferecendo melhora da qualidade de vida.

O controle da dor para alguns pacientes, pode ser feito somente com analgesia potente. Em alguns pacien­

tes, durante a intervenção cirúrgica, procede-se ao bloqueio

CAPÍTULO 25

sonografia e a tomografia computadorizada não são capa­

QUADRO 25.3 ‒ Estadiamento do câncer pancreático

CAPÍTULO 25

154 -

Doenças do Sistema Gastrointestinal

químico poralcoolização no plexo celíaco, o que garante um período de analgesia duradoura. Esse procedimento

pode ser também por via percutânea, guiado por ultras­ sonografia ou tomografia.

Infelizmente, a sobrevida é de apenas cerca de 5% em cinco anos. Nos pacientes com intervenção cirúrgica te­ rapêutica, ela pode atingir até 30% dos pacientes10. Des­ sa forma, o mais importante é procedera uma investiga­ ção agressiva dos sintomas inespecíficos em pacientes

acima de 60 anos de idade, com história familiar positiva e em diabéticos. A prevenção ainda é uma grande aliada

na luta contra o câncer.

REFERÊNCIAS 1.

2.

NATIONAL CÂNCER INSTITUTE OF CANADA. Caulim caiu sfcüstics Canada: National Câncer Institute of Canada, 2004. WOLFF, R. A.; ABBRUZZESE, J. L.; EVANS, D. B. Neoplasms of the exocrine pancreas. In: HOLLAND, J. E; et al. (eds.). Care-medicine 6. ed. Ontario: B.C. Decker;2003, p. 1585-614.

TREDE, M.; SCHWALL, G.; SAEGER, H. D. Suivival after pancreaticoduodenectomy: 188 consecutive iesections without an operative mortality. AmSirg, v. 211, p. 447-58, 1990. 4. TSAO, J. I.; ROSSI, R. L.; LOWELL, J. A. Pylonis-pieserving pancreatoduodenectomy: is it an adequate canceropeiation? Arch Su-g v. 129, p. 405-12, 1994. 5. YEO, C. J.; CAMERON, J. L.; et al. Pancreaticoduodenectomy for câncer of the head of the pancreas. Am Su-g v. 221, p. 721-33, 1995. 6. KUBRUSLY, M. S.; et al. Detection of K-ras point mutation at codon 12 in pancreatic diseases: study in Brazilian casuistic. J. O. P. J. Parrees v. 3, n. 5, p. 144-155, 2002. 7. GUDJONSSON, B. Cancerof the pancreas: 50 yeais of surgeiy. Carn, v. 60, p. 2284-303, 1987. 8. NITECKI, S. S.; et al. Long-teim survival after resection for ductal adenocarcinoma of the pancreas: is it really improving? Am Su-g v. 221, p. 59-66, 1995. 9. SARR, M. G.; BEHRNS, K. E.; VAN HEERDEN, J. A. Total pancreatectomy: an objective analysis of its use in pancreatic câncer Hqjcíígistrcrrrcrckg. v. 40, p. 418-21, 1993. 10. WADE, T. P.; EL-GHAZZAWY,A. G.;VIRGO, K. S.;JOHNSON, F. E. The Whipple resection for câncer in U.S. Depaitment of Veteians Affaiis Hospitais. AmSug v. 221, p. 241-248,1995. 3.

___________________________________

CAPÍTULO

26

Dor em Hipocôndrio Direito Noam Falbel Pondé • Thiago De Bortoli Nogueira

E. N. R., sexo feminino, 59 anos de idade, natural e procedente de São Paulo, procura atendimento médi­ co com dor abdominal há um mês, inicialmente de leve intensidade e com piora progressiva, estendendo-se como uma “barra pesada” em andarsuperiordo abdo­ me e irradiando para as costas. Sem fatores de piora ou melhora. Refere febre diária há três semanas, com medidas que variavam entre 38 e 39°C, associada à prostração, sensação de mal-estar e anorexia. Nega náuseas, vômitos ou alterações de hábito intestinal. Não refere relação entre o quadro álgico e a ingesta alimen­ tar. Apresenta perda de 10kg nos últimos meses. Portadora de hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus tipo II há 15 anos, fazendo uso de captopril, 50mg/dia, e metformina, 850mg/dia. Há sete anos foi diagnosticada com artrite reumatoide, fazendo uso re­ gular há seis meses, de leflunomida, 20mg/dia. Relatava utilizar diclofenaco de potássio com frequência para controle de lombalgia esporádica. Nega outras comor­ bidades ou antecedentes cirúrgicos. Em relação aos antecedentes familiares, reporta que seu irmão havia falecido há três anos por neoplasia de cólon. Diz ser etilista há 12 anos (50g de destilado por dia) e nega tabagismo.

A paciente apresenta, como um dos sintomas principais, dor no andarsuperiordo abdome. Doenças em diversos órgãos podem causar dor nessa localização, com vários diagnósticos diferenciais, que são descritos no Quadro 26.1. Discutiremos as principais hipóteses diagnósticas

para este caso:

alimentos, aliviada pela anteflexão do tronco sobre os joelhos e podendo ser acompanhada de náuseas

e vômitos. Apresenta evolução mais rápida, que pode

ocorrerem dias ou horas. Embora a paciente em

questão exiba algumas dessas sintomatologias, a

evolução arrastada do quadro álgico (com evolução de um mês) toma esse diagnóstico pouco provável.

A pancreatite crônica tem como principal etiologia a ingestão de bebidas alcoólicas e se manifesta com

um quadro clínico bastante semelhante ao de pan­ creatite aguda, exceto pela evolução geralmente mais prolongada. Outros sintomas que podem surgir são

emagrecimento (redução da ingestão alimentar de­

vido ao agravamento da dor após refeições), estea­ torreia (tardiamente) e aparecimento de diabetes mellitus (habitualmente após 20 anos do início da

doença). Complicações dessa doença podem levar a um quadro febril, como em de pseudocisto de pâncreas infectado, evoluindo para abscesso.

A paciente em questão mostra características que

podem ser sugestivas de pancreatite crônica, como

o etilismo de longa data, a evolução crônica do quadro álgico, o emagrecimento, o fato de ser por­

tadora de diabetes mellitus e estar apresentando

febre (manifestação de complicação de pancreatite crônica). Porém, outros fatores falam contra esse

diagnóstico, como a ausência de quadro semelhante anterior (não justificando que a cronicidade da do­

• Pancreatite aguda/crônica: o quadro clínico da

ença seja a causa do diabetes mellitus), e, além

pancreatite aguda caracteriza-se pordorabdominal

disso, o principal motivo do emagrecimento nessa

em faixa irradiada para o dorso ou para a região interescapular, sendo agravada pela ingestão de

paciente é a anorexia, e não a piora da dor após ingestão alimentar.

CAPÍTULO 26

156 -

Doenças do Sistema Gastrointestinal

• Doença ulcerosa gastroduodenal: apresenta como

emagrecimento e a icterícia deve ser avaliada ao

fatores etiopatogênicos a infecção pelo Helicobacter pylori, o uso de anti-inflamatórios não esteroidais

exame físico. Esse diagnóstico pode serconside­

(AINE) e ácido acetilsalicílico e situações de estres­

manifestação comum em neoplasia pancreática

se. Os AINE favorecem lesões desse tipo por vários

(exceto em situações casos de manifestação pa­

mecanismos, como inibição da ciclo-oxigenase 1

raneoplásica).

(COX1) e da COX2, sendo que a inibição da via

rado neste caso, embora a febre não seja uma

- Neoplasias do estômago: podem promover dor

COX1 provoca inibição da síntese de prostaglandi­

abdominal, perda ponderal, náuseas, anorexia,

na, que é importante para proteção da mucosa

saciedade precoce e dor semelhante à úlcera

gastroduodenal.

péptica. A dor costuma ser constante, sem irra­

Quanto ao quadro clínico, a principal manifes­

diação e não aliviada com a ingestão de alimen­

tação da úlcera duodenal é dor abdominal epigástri­

to. A paciente apresenta sintomatologia seme­

ca, que ocorre cerca de 2 a 3h após refeições e à

lhante, devendo ser lembrada neste caso.

noite, sendo aliviada por antiácidos ou alimento. Na

- Neoplasias hepáticas: primárias ou secundárias,

úlcera gástrica, os sintomas costumam serdesenca­

são enfermidades de alta incidência e podem

deados pelo alimento. Febre não faz parte do quadro de úlcera péptica, exceto nos casos de perfuração que, ao contrário da paciente em questão (febre há

três semanas), apresentariam um quadro agudo. Quanto aos antecedentes, a paciente é portadora

de artrite reumatoide (AR), doença sistêmica que

quando em atividade pode causar febre alta diária decorrente da liberação de mediadores inflamatórios. Pode haverdorabdominal decorrente ao uso crônico de AINE para controle sintomático, bem como de leflunomida (droga utilizada para tratamento da AR), que possui importantes efeitos colaterais, incluindo

lesões gástricas. Diante disso, embora a dor relatada não indique relação com a ingestão alimentar, a pa­

ciente faz uso de medicamentos que podem serlesi­

vos à mucosa gastroduodenal (diclofenaco e lefluno­

apresentar-se com quadro de dor abdominal (pela

distensão da cápsula) e febre (diretamente ‒ pa­

raneoplásica ‒ ou por infecção secundária dos focos tumorais). Pacientes previamente hepato­

patas, por etilismo ou hepatites virais crônicas,

são de alto risco para o hepatocarcinoma. A pa­ ciente tem história de câncer de cólon na família, não devendo ser descartada a hipótese desta doen­

ça associada à metástase hepática e, por conse­ quência, a sintomatologia descrita. O anteceden­

te de etilismo de longa data pode causar quadro de cirrose alcoólica e assim progredir para neo­

plasia hepática, visto que mostra sintomas seme­

lhantes. Logo, esse diagnóstico não deve ser descartado.

mida) causar dor no andar superior do abdome. A

• Colecistopatia calculosa/colecistite/colangite: a

febre, embora não acometa portadores de doença

colecistopatia calculosa tem maior prevalência em

gastroduodenal, poderia ser explicada como manifes­

mulheres de meia-idade, manifestando-se como dor

tação da AR. Logo, essa hipótese não deve ser des­

em epigástrio ou hipocôndrio direito, podendo ser

cartada neste caso.

irradiada para o dorso ou ombro direito (irritação

• Neoplasias: dentre as neoplasias que podem simular quadro clínico de dor em localização de andar su­

diafragmática), bem como anorexia, náuseas e vô­

periordo abdome estão os cânceres de pâncreas, de

evolução para colecistite aguda, coledocolitíase e

estômago e hepático.

esta desenvolvendo quadro de colangite aguda. A

- Neoplasia pancreática: manifesta-se com sintomas como anorexia, perda de peso e desconforto ab­

colecistite aguda, além de dor persistente no andar

dominal alto. A dor costuma ser constante, irra­ diada para o epigástrico e para o dorso. É causa­

patia calculosa), pode também causar febre. A co­

da pela invasão tumoral do plexo celíaco e

icterícia e dor abdominal), podendo ocorrera pên­

mesentério. A perda de peso deve-se principal­

tade de Reynould nos casos de colangite supurativa,

mente à anorexia. O surgimento súbito de diabe­

em que, além dos sintomas anteriores, o paciente

tes mellitus atípico também pode fazer parte do

tem hipotensão e alteração do nível de consciência.

quadro. A icterícia pode surgir principalmente em

Essas morbidades costumam surgirem horas, dias,

neoplasia de cabeça de pâncreas. A paciente des­

diferentemente do que acontece com a paciente em

crita apresenta sabidamente dor abdominal e

discussão, que, embora sofra de dor característica e

mitos. A principal complicação dessa doença é a

superior do abdome (semelhantemente à colecisto­

langite é caracterizada pela tríade de Charcot (febre,

Dor em Hipocôndrio Direito - 157

ção crônica da paciente e o quadro agudo dessas

morbidades, deve-se observar icterícia ao exame físico e, caso exista essa alteração, é importante considerar principalmente colecistite aguda e colan­ gite aguda como possíveis diagnósticos. • Abscessos intra-abdominais: incluindo abscesso es­ plênico ou abscesso hepático. Os abscessos bacte­

rianos costumam ter evolução mais rápida e o pa­ ciente é francamente séptico à chegada. Já abscessos amebianos podem se apresentarde maneira subagu­

QUADRO 26.1 - Diagnóstico diferencial de dor no andar superior do abdome • Pancreatite aguda/crônica • Úlcera péptica • • • • • • • • • • •

Neoplasias Colecistopatia calculosa/colecistite/colangite Abscessos intra-abdominais Isquemia mesentérica crônica Hepatites virais/alcoólica Doenças pulmonares: pneumonia, abscesso subfrênico, pneumotórax, embolia, derrame pleural Doenças renais: pielonefrite, abscesso perinefrético Doenças esofágicas: doença do refluxo gastroesofágico, esofagite Doenças cardíacas: pericardite, infarto agudo do miocárdio, angina Aneurisma aorta abdominal: dissecção, ruptura Doenças esplênicas: infarto e ruptura

da, ao longo de semanas ou meses. Os abscessos intra-abdominais em geral podem provocar dor abdominal, febre intermitente, astenia, anorexia e perda de peso. Esse quadro clínico é muito seme­

lhante ao apresentado por nossa paciente, o que faz

dessa doença um diagnóstico bastante provável. • Isquemia mesentérica crônica: provoca quadro de

angina abdominal, que se manifesta com dor epi­ gástrica intermitente, que surge geralmente de 15 a 30min após as refeições e dura 1 a 2h. Como a dor

dolorido à palpação. O baço não é percutível ou palpá­ vel. A pesquisa da descompressão brusca é negativa, assim como os sinais de Murphy e de Giordano. As articulações e os membros inferiores não estão edema­ ciados ou doloridos à palpação. Não são observados sinais de hepatopatia crônica. Exame neurológico sem alterações relevantes.

se relaciona à alimentação, o paciente diminui a

A paciente manifesta critérios de sepse. Isso pode ser

ingestão alimentar levando ao emagrecimento. Essa

observado avaliando-se alterações como taquicardia, febre

morbidade não costuma causar febre. Os sintomas

e taquipneia. Neste caso, é primordial que seja realizada

referidos em nosso estudo são dor com duração mais

reposição volêmica rápida e vigorosa para que ocorra

prolongada, não apresentando piora com a ingestão

aumento da perfusão tecidual. O volume aumentará a

alimentar e quadro de febre associado; logo, esses

pré-carga e o débito cardíaco, elevando a oferta de oxi­

critérios fazem desta doença um diagnóstico pouco

gênio. Pode ser utilizado coloide, em combinação com

provável.

cristaloide. Drogas vasoativas devem ser reservadas para

• Hepatites virais/alcoólica: podem causar dor e hi­

os pacientes sépticos, nos quais a reposição volêmica não

persensibilidade no quadrante superior do abdome,

foi suficiente para restaurara pressão de perfusão a níveis

além de febre, icterícia, anorexia e náuseas. A dife­

compatíveis com adequadas funções renal e cerebral.

renciação entre esta afecção e outras se faz com as

Como a paciente se encontra hipotensa, se feita a reposi­

provas de função hepática e marcadores virais. A

ção volêmica sem obtenção de melhora do quadro, deve­ -se considerara condição de choque séptico. A propedêu­

hepatite alcoólica pode exibir sintomas semelhantes,

podendo se associar à hepatomegalia dolorosa, suspeitando-se dela em pacientes com história de

grande ingesta etílica. Nossa paciente apresenta história de etilismo de longa data e quadro clínico semelhante ao desta morbidade, logo esta deve ser

considerada como possível hipótese diagnóstica.

tica pulmonar demonstra provável afecção de parênquima pulmonar, podendo-se pensarem derrame pleural, que

pode decorrer de alguma doença de origem abdominal,

afetando principalmente o fígado e manifestando compro­ metimento pulmonar indiretamente. A hepatomegalia

dolorosa pode sugerir uma variedade de doenças, deven­ do-se evidenciar, neste caso, pela associação com febre

Ao exame físico de admissão, a paciente mostra-se em mau estado geral, pálida 3+/4+, desidratada 2+/4+, ictérica +/4+ e febril (39,3°C). Pressão arterial de 84 × 46mmHg sentada e em pé, frequência cardíaca de 114bpm e frequência respiratória de 26ipm. O exame físico específico evidencia redução do murmúrio vesi­ cular no hemitórax direito, com macicez à percussão local e ausculta cardíaca sem alterações. À palpação abdominal, o fígado está a 6cm do rebordo costal e

por período prolongado e quadros infecciosos como, por exemplo, abscesso hepático e hepatite.

Obtém acesso venoso calibroso e infundem-se 2.000mL de solução cristaloide. A paciente apresenta estabilização parcial dos sinais vitais, com pressão ar­ terial 100 × 65mmHg. Os exames de urgência revelam: hemoglobina: 8,2; hematócrito: 22%; volume corpus­ cular médio: 86; concentração de hemoglobina

CAPÍTULO 26

febre, a mostra evolução do quadro de um mês. Ainda que não exista concordância quanto à evolu­

CAPÍTULO 26

158 - Doenças do Sistema Gastrointestinal

corpuscular média: 34; hemoglobina corpuscular média: 31; leucócitos: 16.100 com desvio para a esquerda; plaquetas: 140.000; ureia: 68; creatinina: 1,54; proteínas totais e frações: 5,7 com albumina de 2,4; bilirrubina total de 3,10, à custa de direta 2,10; aspartato amino­ transferase: 41; alanina aminotransferase: 44; fosfatase alcalina: 186; gama-glutamiltransferase: 159; amilase: 90. O coagulograma demonstra atividade da protrombi­ na de 50% com normalizada relação internacional de 1,33 e tempo de tromboplastina parcial ativada de 34,8 com relação normalizada de 1,42. Urina I sem alterações.

nifestarisquemia cardíaca por meio de sintomas atípicos e simular quadro de origem abdominal. Em infarto agudo

do miocárdio, principalmente de parede inferior, pode

ocorrer dor em localização epigástrica e ele deve ser descartado neste caso. Radiografias de abdome em três incidências devem ser rotina na investigação de dor

ab­ dominal, pois podem demonstrar alterações que direcionam

o diagnóstico, como pneumoperitôneo em casos perfura­ tivos, nível hidroaéreo em abscessos e aerobilia nas fís­ tulas bileodigestivas. Radiografia de tórax, especificamen­ te neste caso, deve ser solicitada, visto que a paciente

Os exames demonstram mais um critério de sepse,

apresenta alterações da propedêutica pulmonar, devendo

dado pela leucocitose, confirmando mais uma vez um

ser método de confirmação diagnóstica. A ultrassonogra­

quadro infeccioso instalado. A paciente apresenta quadro

fia de abdome deve ser método de escolha para avaliação

de anemia normocítica, normocrômica, podendo sercau­

sada por várias etiologias, como perda de sangue aguda, doença crônica ou falha em produzir quantidade suficien­ te de células vermelhas. Problema renal crônico e no fí­

gado causam anemia normocítica. Em anemia decorrente

de alteração renal, a causa é diminuição da produção do

hormônio eritropoietina. A paciente não tem alteração importante da função renal que justifique ser portadora de insuficiência renal e, por consequência, portar anemia. Ao contrário, problemas do funcionamento hepático ob­

servados nos exames podem justificar o quadro anêmico. A alteração da função hepática pode decorrerde medica­

ção hepatotóxica, como leflunomida ou até mesmo a in­ suficiência hepática por quadro alcoólico (etilista de longa data), ou quadro de infecção hepática. Os níveis de bilirrubina encontram-se ligeiramente elevados, à custa de

bilirrubina direta, podendo-se pensarem doenças que

comprometam o fígado e as vias biliares, incluindo qua­ dro infeccioso ou neoplásico. A amilase normal descarta

Figura 26.1 - Derrame pleural à direita.

algumas hipóteses diagnósticas, como pancreatite aguda, por exemplo, que geralmente cursa com amilasemia.

Realizado eletrocardiograma à admissão, que se encontra normal. As radiografias de abdome em pé e deitado não evidenciam alterações. A radiografia de tórax demonstra pequeno derrame pleural em hemitórax direito (Fig. 26.1). A paciente é submetida à ultrasso­ nografia de abdome, que demonstrou lesão hipoecoica, ovalar em lobo hepático direito (Fig. 26.2). Posterior mente, realiza-se tomografia computadorizada (TC) de abdome contrastada, que demonstra lesão de baixa densidade, bem delimitada, ovalada, de grande propor­ ção em lobo hepático direito (Fig. 26.3).

O eletrocardiograma para avaliar isoladamente a dor em andar superior de abdome é de extrema importância, principalmente em pacientes com comorbidades como diabetes mellitus, como nossa paciente, que podem ma-

Figura 26.2 - Imagem hipoecoica, ovalar, em lobo direito.

Dor em Hipocôndrio Direito - 159

DISCUSSÃO do e fragmentos proteináceos dentro do parênquima hepá­ tico circundado por um halo de inflamação granulomatosa causado por trofozoítos invasores da Entamoeba histolytica.

A E. histolytica é um protozoário patogênico de gran­ de importância em países em desenvolvimento. É etiologia comum de diarreia colônica quando a infecção é restrita

ao trato gastrointestinal, muito embora possa acometer outros órgãos (fígado, pulmão, sistema nervoso central).

Sua transmissão é fecal-oral, predominantemente depen­ dente de má higiene pessoal e da manipulação de alimen­ tos. Os mecanismos exatos da patogenia desse micro­

organismo ainda são desconhecidos, porém, sabe-se que

Figura 26.3 - Lesão de baixa densidade, bem delimi­ tada, ovalada, em lobo hepático direito.

nem todos os trofozoítos são capazes de invadira muco­

sa intestinal. Aqueles produtores de enzimas proteolíticas

mais eficientes e capazes de resistir à resposta imune do hospedeiro penetram na mucosa e atingem a circulação da paciente, por ser de baixo custo, de fácil realização, se tratar de método não invasivo e que pode demonstrar

sistêmica a partir do sistema porta. Uma vez no fígado,

alterações que identifiquem a etiologia da doença, bem como avaliar complicações associadas. Ao serevidencia­

ticas denominadas abscessos. Frequentemente são lesões

da imagem com as características descritas pela ultrasso­ nografia é importante que seja realizada tomografia, de abdome, para melhor avaliação. As imagens descritas por ambos os métodos de imagem são características de abs­ cesso hepático.

A paciente é submetida à drenagem percutânea do abscesso guiada por ultrassonografia, sendo retirada grande quantidade de líquido espesso, vermelho­ -achocolatado. Introduziu-se um dreno no local e realizou-se biópsia da parede, com os materiais envia­ dos, respectivamente, para cultura e anatomopatológica. A paciente refere melhora significativa da dorabdomi­ nal após o procedimento. Iniciou-se antibioticoterapia com ceftriaxona e metronidazol, apesar da indefinição diagnóstica. A paciente evolui bem, com desapareci­ mento total da febre após seis dias de antibioticoterapia. As culturas periféricas apresentam resultados negativos, assim como as culturas do conteúdo do abscesso. A biópsia da parede do abscesso evidencia trofozoítos de Entamoeba histolytica. A dor desaparece progressiva­ mente durante o tratamento. A paciente tem alta após um mês de tratamento, com resolução completa dos sintomas.

causam áreas de necrose focal, formando as lesões hepá­ volumosas, únicas, repletas de exsudato de cor variada e

localizadas no lobo direito. Os antecedentes da paciente não continham fatores de risco clássicos para abscesso piogênico, como manipula­

ção cirúrgica, ou infecções locorregionais, como colangi­

te. Por outro lado, não apresentava história de diarreia para se pensarem abscesso amebiano, embora nem sem­ pre a diarreia esteja presenteem tais casos. O quadro

séptico da paciente sugere etiologia bacteriana, ou então abscesso originalmente amebiano, apresentando superin­ fecção por bactérias. Os exames laboratoriais não dife­

renciam entre etiologias amebiana e piogênica. As imagens tomográficas obtidas, mostrando lesão única em lobo hepático direito, são sugestivas de abscesso amebiano. Os sintomas típicos dessa doença são dor abdominal, febre, náuseas, vômitos e perda de peso, normalmente com piora progressiva ao longo de um a dois meses, embora

quadros mais agudos sejam possíveis. Diarreia pode ou não estar presente, associada a outros sintomas. O exame físico comumente revela hepatomegalia de grande monta, dolo­

rida à palpação. Icterícia é incomum, porém indica pior prognóstico. Sintomas pulmonares podem estar associados,

devido à extensão do processo inflamatório. A paciente em questão apresentou quadro clínico bastante semelhante ao

descrito pela literatura, embora não tenha manifestado

DIAGNÓSTICO FINAL

quadro diarreico. Quanto aos dados do exame físico, as

• Abscesso hepático amebiano.

pleural à direita, que direcionou o diagnóstico para afecção

• Derrame pleural à direita.

hepática como causa indireta da pneumopatia.

alterações foram muito características, inclusive o derrame

CAPÍTULO 26

Abscesso hepático amebiano é um acúmulo focal de líqui­

CAPÍTULO 26

160

- Doenças do Sistema Gastrointestinal

Exames laboratoriais são inespecíficos nos casos de

de escolha é o metronidazol, preferencialmente por via

abscesso hepático. Hemograma com leucocitose e anemia

parenteral, por um período de dez dias. O esquema esco­

normocítica e normocrômica são alterações comumente

lhido, neste caso, ceftriaxona e metronidazol, é uma boa

encontradas. Pequenas elevações nas enzimas hepáticas

escolha para abscessos piogênicos e tem a vantagem de

são prevalentes, embora raramente ocorra alteração na

também tratar o amebiano, que está adequadamente abor­

função hepática. Nossa paciente mostrou alterações labo­

dado somente com metronidazol.

ratoriais que sugeriram quadro de abscesso hepático.

Em que pesem as dificuldades diagnósticas, a história,

Os dois principais exames de imagem utilizados para

os antecedentes, o exame físico e os exames laboratoriais

diagnóstico de abscesso hepático são a ultrassonografia e a tomografia de abdome com contraste. À ultrassonogra­

forneceram indícios para que se suspeitasse da doença.

fia aparecem lesões hipoecoicas ovais e há a grande

essenciais para definição diagnóstica e terapêutica específica.

Contudo, os exames de imagem e anatomopatológico foram

vantagem de permitir a drenagem percutânea do abscesso,

alternativa útil de tratamento em certas circunstâncias. Na TC contrastada aparece como lesão arredondada, com

interior septado de bordas bem definidas, associada a uma

zona de edema periférica à lesão. A forma mais segura, apesar de invasiva, de determinar a etiologia do abscesso é a biópsia da parede para a, como é o caso da paciente,

qual a confirmação etiológica foi dada dessa maneira.

Quanto ao tratamento do abscesso hepático, pode-se

proceder à drenagem percutânea com ultrassonografia. A drenagem está indicada quando o volume estimado do abscesso ultrapassa 150cm3 ou quando não há diminuição

de seu tamanho apenas com antibióticos. A drenagem cirúrgica aberta raramente é indicada e

está reservada somente a pacientes com múltiplos absces­

sos, abscesso único volumoso (em especial quando se localiza no lobo esquerdo do fígado), falhas na drenagem

percutânea ou ruptura espontânea. O tratamento antibió­ tico empírico visa às bactérias Gram-negativas (anaeróbias e aeróbias), Gram-positivas e Entamoeba histolytica, podendo incluir antibióticos como cefalotina e metroni­

dazol ou cefalotina, amicacina e metronidazol. Essa conduta inicial poderá ser modificada se o diagnóstico

etiológico for estabelecido. A duração do tratamento por

antibióticos é empírica e sempre está relacionada à res­ posta clínica e laboratorial, geralmente em tomo de três a quatro semanas. Para abscesso amebiano, o antibiótico

BIBLIOGRAFIA AKAMINE, N. et al. Choque séptico. In: KNOBEL, E. Condutas no paciente grave. São Paulo: Atheneu, 1994, cap. 15, p. 175-210. BISCEGLIE, A. M.; SEGAL, I. Cirrhosis and chronic pancreatitis in alcoholics. J. Clin. Gastroenterol., v. 26, p. 882-87,1984. FERREIRO SEOANE, J. L. The coexistence of rheumatoid arthritis, ankylosing spondylitis and intestinal necrotizing vasculitis. J. L. An. Med. Interna, v. 10, n. 9, p. 452-4,1993. FLASAR, M. Abdominal pain. Med. Clin. N. Am., v. 90, p. 481-503, 2006. FONSECA, J. C. F. Abscessos hepáticos. In: PARISE, E. R.; PORTA, G. Manual de diagnóstico e tratamento das doenças hepáticas. São Paulo: Francolor, 1999, p. 249-256. HURTADO, R. M. Case 9-2006: a 35-year-old woman with recurrent right-upper-quadrant pain. N. Engl. J. Med., v. 354, p. 1295-303, 2006. JACOBSEN, S. E. Acute abdômen in rheumatoid arthritis due to mesenteric arteritis. A case report and review. Dan. Med. Bull., v. 32, n. 3,p. 191-3,1985. KUCIK, C. J. et al. Common intestinal parasites. Am. Fam. Phys., v. 69, n. 5, p. 1161-8,2004. LYON, C. Diagnosis of acute abdominal pain in older patients. Am. Fam. Physician, v. 74, n. 9, p. 1530-44, 2006. PELTON, S. I. Case 27-2006: a 17-year-old boy with fever and lesions in the liver and spleen. N. Engl. J. Med., v. 355, p. 9, 2006. RASHIDUL HAQUE, M. B. et al. Amebiasis. N. Engl. J. Med., v. 348, p. 1565-73,2003. SALLES, J. M. Hepatic amebiasis. BJID, v. 7, n. 2, p. 96-110,2003. SAVASSI ROCHA, P. R.; ANDRADE, J. L; SOUZA, C. Abdômen agudo - diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro: Medsi, 1993.

CAPÍTULO

27

Dor Abdominal Ana Valéria de Melo Mendes • Hélio Penna Guimarães

Paciente do sexo feminino, raça branca, 39 anos de idade, admitida no serviço de emergência com refe­ rência de dor persistente e de forte intensidade em quadrante superior direito do abdome, irradiando-se para o epigástrio e a região interescapular.Relata início da dorhá mais ou menos um dia. Fez uso domiciliarde medicamentos sintomáticos, sem sucesso, procurando o atendimento médico de urgência.

auxiliara elaboração do diagnóstico, como topografia,

irradiação da dor, sexo e exame físico. O Quadro 27.2

relaciona a dor abdominal topograficamente. Topografia e irradiação da dor: uma dor localizada

em andarsuperiordo abdome alerta para uma possível origem hepática e biliar.A dor relacionada à cólica biliar,

em geral, é constante, com piora progressiva pós-prandial e com irradiação para a região subescapular. A exame

Dor abdominal aguda é um diagnóstico diferencial amplo

físico, sinal de Murphy positivo é bastante característico

e com intensidade variável, associada ou não a outros sin­

de colecistite aguda. Essa manobra clínica foi analisada,

tomas. A incidência desse quadro clínico nas unidades de

em um estudo anterior, que apresentou, quando positiva,

pronto atendimento é frequente e pode se traduzirem sin­

odds ratio (OR) de 2,8 e 95% de intervalo de confiança

toma de uma série de doenças musculares, gastrointestinais,

(IC) de 0,8 para 8,6, quando comparado com o sinal

ginecológicas, urológicas, vasculares, psicossomáticas,

negativo, OR de 0,4 e 95% de IC de 0,2 para 1,12.

cardíacas, parasitárias e pulmonares. O Quadro 27.1 mostra algumas das causas de dor abdominal aguda.

A colangite aguda também manifesta dor nessa topo­ grafia. Os pacientes em geral apresentam significativa

Diante das vastas possibilidades etiológicas para uma

dor abdominal não traumática, algumas proposições podem QUADRO 27.2 - Classificação topográfica da dor abdominal QUADRO 27.1 - Classificação de abdome agudo por causas abdominais • Gastrointestinais: apendicite, obstrução intestinal, perfuração intestinal, isquemia mesentérica, úlcera perfurada, diverticulite de Meckel, diverticulite de cólon, doença inflamatória intestinal • Pâncreas, vias biliares, fígado e baço: pancreatite, colecistite aguda, colangite, hepatite, abscesso hepático, ruptura esplênica, tumores hepáticos hemorrágicos • Peritoneais: peritonite bacteriana espontânea, peritonites secundárias a doenças agudas de órgãos abdominais e/ou pélvicos • Urológicas: cálculo ureteral, cistite e pielonefrite • Retroperitoneais: aneurisma de aorta e hemorragias • Ginecológicas: cisto de ovário roto, gravidez ectópica, endometriose, torção ovariana, salpingite e rotura uterina • Parede abdominal: hematoma do músculo reto abdominal Adaptada de Flasar e Goldberg1

• Difusa - Gastroenterite - Obstrução intestinal - Peritonite - Isquemia mesentérica - Doença inflamatória - Cetoacidose diabética - Uremia - Hipercalcemia - Vasculites - Intoxicação por metal pesado - Crise falciforme • Suprapúbica - Doença intestinal - Doença inflamatória - Doenças urinárias - Doenças ginecológicas - Dismenorreia

CAPÍTULO 27

162

- Doenças do Sistema Gastrointestinal

icterícia e aumento dos níveis das enzimas hepáticas. Em

des que possam ajudar no diagnóstico ou contribuir para

hepatite, a dor é menos intensa e o fígado apresenta-se

o quadro.

palpável ao exame físico.

O exame físico é de grande importância diante dessa queixa. A postura de defesa e a contração voluntária da parede abdominal sugerem doença inflamatória que acom­ panha a dor à palpação. Rigidez abdominal é indicada pelo endurecimento involuntário da parede abdominal e

pode ser generalizada ou voluntária. A rigidez localizada sobre um determinado órgão sugere envolvimento perito­

neal local, como por exemplo, em colecistite aguda ou apendicite. A percussão abdominal é útil sob vários aspectos,

sugere líquido intraperitoneal, massas e aumento do vo­

lume abdominal. A distensão de um abdome timpânico é observada em obstrução. Perda de gás livre na cavidade abdominal sugere o rompimento de vísceras ocas. É de grande importância examinar os orifícios herniários,

inspecioná-los e palpá-los. Ausência de ruídos e sons abdominais sugere peritonite. O toque retal não deve ser

esquecido, para avaliar de sinais de sangramento, massas

ou fístulas. Dor torácica, relacionada às síndromes isquêmicas

coronarianas, pode provocar irradiação para o dorso e o

A paciente nega episódios anteriores de dor seme­ lhante; até então, também não referiu passado de intercorrências clínicas ou idas a serviços de emergência. Foi internada apenas uma vez, há dez anos, no final da gestação, para parto a termo e por via vaginal. Re­ fere uso apenas de contraceptivos orais há 12 anos. Relata somente idas anuais ao ginecologista para con­ sultas de rotina. Os ciclos menstruais sempre foram regulares, com a última menstruação na semana que antecedeu o quadro. Tem história de perda de peso de mais ou menos 7kg em um mês, por conta de dieta hipocalórica, além de longos intervalos de jejum prolongado. Paciente com antecedente de obesidade na infância e na adolescência, associada a oscilações ponderais em decorrência de regimes para emagrecimento. Nega história de obstipa­ ção intestinal, de epigastralgias ou refluxo gastroeso­ fágico e há eliminação de flatos. A única alteração frequentemente encontrada em seus exames era hipercolesterolemia e, até então, nun­ ca havia usado medicação hipolipemiante, controlando apenas com a dieta. Sem antecedentes de etilismo, ta­ bagismo e drogas ilícitas. Sem história pregressa de exposição a fatores relevantes para a saúde.

abdome, sobretudo em região epigástrica e de hipocôndrio direito. Dor pleurítica, associada a um quadro de infecção

A obesidade predispõe a diversas alterações metabólicas

respiratória, pode intensificar-se e irradiar-se para hipo­

que, costumeiramente, repercutem em modificações fisio­

côndrio direito ou esquerdo, dependendo do grau de in­ fecção.

patológicas associadas a maior risco para doenças cardio­

A isquemia mesentérica manifesta dor semelhante à

O relato de perda de peso em pouco tempo e história

da cólica biliar, dependendo, principalmente, do local

pregressa de prováveis ganhos e perdas ponderais contri­

isquemiado e da extensão da lesão. Esses agravantes in­ tensificam a dor, tornando-a mais difusa.

buem para a variação do colesterol sérico. Essa condição

A localização da dor em pancreatite aguda inicia-se,

em bile supersaturada e contribuindo para a formação de

em geral, no quadrante superior esquerdo e intensifica-se

conforme o tempo de evolução, tomando-se difusa e com ampla alteração da amilase e da lipase3.

vasculares, gastrointestinais, endócrinas, entre outras.

aumenta a produção de colesterol pelo fígado, resultando cálculos de colesterol.

Os cálculos podem permanecer na vesícula biliar ou

No sexo feminino, particularmente em idade reprodu­

impactar no ducto cístico ou no colédoco. Na maioria das vezes, são assintomáticos, mas podem desenvolver sinto­

tiva, as causas de dor abdominal relacionadas ao trato

matologia aguda e recorrente, com relatos de crises, so­

geniturinário devem sempre ser consideradas, como a prenhez tubária, a rotura de cisto, o abortamento espon­

bretudo após a ingestão de alimentos mais gordurosos. A obstrução dos ductos pelos cálculos biliares contribui para

tâneo, dentre outras4.

episódios de dor espasmódica, vômitos e febre. Também

Diante da suspeita de abdome agudo, o ideal é tomar

condutas iniciais como internação hospitalar, melhorar a

nos períodos de jejum prolongado, a vesícula recebe menor quantidade de colecistoquinina, o que dificulta o

abordagem complementar com exames diagnósticos e

esvaziamento, promovendo cada vez mais a estase biliar.

estabelecer a terapêutica adequada. Deve-se manter o paciente em jejum e iniciar hidratação endovenosa cau­

O uso prolongado de contraceptivos orais ou terapia de reposição hormonal dobra ou triplica os riscos para

telosa, de acordo com cada condição clínica e os antece­

formação de cálculos vesiculares. No sexo feminino, a

dentes mórbidos pessoais. A história clínica e o exame físico cautelosos ajudam a avaliar as condições clínicas

incidência de cálculos vesiculares é duas a três vezes maior do que nos homens5. O estrogênio isolado aumen­

do paciente, bem como a avaliar presença de comorbida­

ta mais o risco quando comparado com a associação com

Dor Abdominal - 163

de cálculos.

to do abdome. Algumas vezes, pode-se palpar uma massa

Na pancreatite aguda, a dor pode se manifestar de

em hipocôndrio direito. Essas características ajudam a

maneira parecida com a referida pela paciente no entanto,

pensarem provável quadro de origem hepatobiliar. Os

é mais localizada no epigástrio e nos flancos, podendo

exames que auxiliam no diagnóstico do abdome agudo em

irradiar para o dorso, caracterizando dordo tipo em bar­

geral são simples, rápidos e de fácil obtenção. A avaliação

ra, contínua e associada ou não à icterícia. A distensão

inicial deve consistirem hematológico completo, exame

abdominal também é comum e, nos quadros graves, pode evoluir com sepse6.

qualitativo de urina (rotina), amilase, aspartato aminotrans­

A paciente apresenta fatores de risco para o desenvol­

alcalina (FA), desidrogenase lática, gama-glutamiltransfe­

vimento de cálculos biliares, como obesidade, hiperco­

rase, bilirrubinas e teste de gravidez (mulheres em idade

lesterolemia e uso prolongado de contraceptivo oral. A

fértil). Após essa avaliação laboratorial, se não foi possível

perda de peso acentuada associada a jejum prolongado

a confirmação diagnóstica, deve-se seguir para avaliação

também se relaciona à incidência dos cálculos.

radiológica, partindo da radiografia abdominal em decú­

ferase (AST), alanina aminotransferase (ALT), fosfatase

Esses mesmos fatores também contribuem para a ar­

bito dorsal e ortostático, avançando-se para ultrassonogra­

teriosclerose, que em algumas de suas manifestações pode

fia de abdome, tomografia computadorizada e, em alguns

cursar com síndromes isquêmicas e evoluir com isquemia

casos, arteriografia e ressonância magnética. A Figura 27.1

mesentérica, por exemplo, caracterizando um quadro

mostra um algoritmo do manejo da dor abdominal.

clínico de dor abdominal súbita e intensa na região pe­

Enquanto os exames estavam sendo programados, a

riumbilical, que evolui para abdome agudo franco. A

paciente inicia o tratamento com suporte clínico adequado.

hemoconcentração decorrente do sequestro intestinal as­

sociada à hipovolemia e distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos são detectados clínica e laboratorialmente6.

Ao exame físico, a paciente apresenta-se com es­ tado geral regular,fácies de dor,anictérica, temperatura de 38,5°C. Frequência cardíaca (FC) de 87bpm e fre­ quência respiratória (FR) de 18irm. Pressão arterial de 120 × 90mmHg. À inspeção do abdome não há sinais de abaulamen­ to, hiperemia, edema localizado ou massa pulsátil. À ausculta, os ruídos hidroaéreos estão presentes. À pal­ pação, o abdome está tenso, com sinais de peritonite mais localizada em hipocôndrio direito e sinal de Mur­ phy positivo. À percussão, não há sinais de ascite. Palpa-se discreta massa dolorida em hipocôndrio direito. Os pulsos estão todos palpáveis e amplos. A gaso­ metria arterial mostra valores dentro dos limites da normalidade. A paciente já apresenta FR e FC acima da normalidade e temperatura elevada. Preenchia os crité­ rios para síndrome da resposta inflamatória sistêmica. A síndrome da resposta inflamatória sistêmica é diag­ nóstico sindrômico frequente em pronto-socorro e unida­

de de terapia intensiva, com resposta sistêmica a quadros

agudos de agressão tecidual. Pelo exame físico geral, a paciente já necessita de intervenção. Um processo isquêmi­

Os exames laboratoriais colhidos mostram leuco­ citose com desvio à esquerda (18.000/mm3 com 85% de granulócitos). AST, ALT, FA e bilirrubinas com discreto aumento. Amilase com aumento de mais ou menos duas vezes o da normalidade. A paciente passa a apresentar episódios de náuseas e vômitos, além da persistência da dor.Solicita-se radio­ grafia de abdome em decúbito dorsal e ortostático. A radiografia mostrou imagem hiperdensa em vesí­ cula biliar, sugerindo possível cálculo (Fig. 27.2). Por causa do achado à radiografia, solicita-se ultrassonogra­ fia de abdome para avaliar hipocôndrio direito e provável cálculo vesicular.Pela ultrassonografia obser­ va espessamento da parede da vesícula, com espessura maior que 4mm. Imagem hiperecogênica e hiper-refrin­ gente, com visualização de sombra acústica posterior confirma a suspeita de imagem calculosa na radiografia (Fig. 27.3 e 27.4). Durante o exame, o sinal de Murphy foi positivo com uso do transdutor.

De acordo com o quadro clínico e a imagem sugesti­ va pela ultrassonografia, a paciente apresenta um provável quadro de colecistite aguda litiásica. Essa entidade, em

geral, manifesta com dor semelhante à descrita pela pa­ ciente. É definida como inflamação e espessamento da

mucosa vesicular e pode ainda se associar à infecção

co mesentérico caracteriza-se por dor abdominal grave

secundária e evoluir com complicações. Em geral, inicia-

em cólica, inicialmente mais localizada em região perium­ bilical e depois difusa e constante. Há vômitos e diarreia,

se de forma mais súbita e sem associações com crises de

seguidos de constipação. Evolui para gangrena e perito­

destaque por se tratar de condições usualmente mais

nite difusa, podendo levar à sepse e ao choque.

graves e que podem não corresponder à apresentação

recorrência. Algumas situações clínicas especiais merecem

CAPÍTULO 27

triglicerídeos e, consequentemente, os riscos de formação

Sinal de Murphy positivo caracteriza um processo inflamatório mais delimitado ao quadrante superiordirei­

progesterona. O estrogênio tem o efeito de aumentar os

164 -

Doenças do Sistema Gastrointestinal

CAPÍTULO 27

clássica da doença. Essas condições referem-se à colecis­

tite enfisematosa, à colecistite gangrenosa, à forma alitiá­ sica e à síndrome de Mirizzi.

Em geral, a colecistite apresenta febre baixa em torno

Inicia-se antibiótico profilático, já que a paciente evoluía com menos de 48h de dore na cirurgia não houve complicações associadas. Administrada-se cefoxitina por 24h. A paciente não apresentou intercorrências durante a cirurgia e nem no pós-operatório, com resolução do caso.

de 37,5 a 38°C e o aumento da temperatura pode serin­

dicativo de complicação. Após os resultados dos exames, a paciente é enca­ minhada ao centro cirúrgico; opta por tratamento cirúrgico, videolaparoscópico.

DIAGNÓSTICO Colecistite aguda litiásica.

Figura 27.1 - Algoritmo do diagnóstico de abdome agudo. Adaptado do XXVI Congresso Brasileiro de Cirurgia.

Dor Abdominal - 165

CAPÍTULO 27

Figura 27.4 - Vesícula biliar com discreto espessamen­ to em parede e sombra acústica posterior.

DISCUSSÃO A colecistite aguda litiásica é responsável por aproxima­ damente 90 a 95% dos casos de colecistite7-9. Apresenta-

Figura 27.2 - Radiografia mostrando imagem hiper­ densa, provável cálculo vesicular.

se como resultado da dificuldade mecânica para esvazia­ mento da vesícula biliar, caracterizando-a como uma doenças de caráter obstrutivo. Os processos infecciosos podem surgir como complicação em 50% dos casos, mas frequentemente são os determinantes do quadro inicial da doença; em 90% das vezes, é o cálculo vesicular que obstrui o ducto cístico vesicular. Cerca de 20% da população geral podem desenvolver cálculo vesicular, geralmente mais frequente em mulheres obesas, com mais de 40 anos de idade e multíparas. Cer­ ca de 80 a 90% dos cálculos são de colesterol e os res­ tantes são pigmentados ou mistos, resultantes de defici­ ência dos estabilizantes biliares (ácidos biliares e lecitina) em relação aos solutos (colesterol, bilirrubinas ou carbo­ nato de cálcio)10.

O quadro clínico é caracterizado por cólica biliar, que resulta do espasmo funcional do ducto cístico dilatado e obstruído e em geral por febre baixa. Febre acima de 38°C

pode ser vista em metade dos pacientes. Náuseas e vômi­ tos estão presentes em aproximadamente 86% deles. Ao exame físico, a paciente queixava-se de hipersen­ sibilidade no ponto cístico. Geralmente, há uma súbita exacerbação da dor com a suspensão da inspiração du­

Figura 27.3 - Imagem hiperecogênica e hiper-refrin­ gente, com sombra acústica posterior. Evidência de cálculo vesicular.

rante a compressão (sinal de Murphy). Só existe palpação de massa em hipocôndrio direito em um terço dos casos11. A colecistite pode evoluir para situações mais graves, devendo-se atentar para essas particularidades: colecisti­

te enfisematosa, colecistite gangrenosa, a forma alitiásica e a síndrome de Mirizzi. Peritonite generalizada é um

CAPÍTULO 27

166

- Doenças do Sistema Gastrointestinal

Antibiótico deve ser indicado de forma profilática e

quadro raro, mas pode ser vista em até 7% dos pacientes, o que aumenta as suspeitas de perfuração da vesícula11,12.

em monoterapia. Colecistite aguda não é uma doença

Colecistite gangrenosa refere-se a uma forma mais

infecciosa. Em 30 a 60% dos pacientes, não há indício de

grave de inflamação, em que ocorre necrose parietal, au­

infecção. Culturas positivas são mais vistas em pacientes

mentando o risco de perfuração em mais de 10% das

que apresentam comorbidades associadas ou história

ocorrências. O sinal de Murphy é menos observado, pois

prévia de cirurgia vesicular. Quando a temperatura se

pode haver a denervação da parede vesicular nesse cenário.

encontra acima de 37,3°C, a bilirrubina sérica acima de

A forma enfisematosa da doença é secundária à infec­

8,6mol/L e os leucócitos acima de 14.000/L há aumento

ção por organismos produtores de gás, que, em um terço

das chances de infecção associada. Pacientes com uma

dos pacientes, são representados pelo Clostridium per­ fringens. É mais usual em idosos, sobretudo nos portado­

dessas condições ou nenhuma recebem somente doses profiláticas de antibiótico. Com duas ou três dessas con­

res de diabetes mellitus. A insuficiência vascular da ve­

dições, aumentam as chances de infecção e de cuidados

sícula parece ser o mecanismo principal. O risco de

na avaliação pós-operatória e na possibilidade de extensão do uso de antimicrobianos15.

perfuração aqui aumenta em cinco vezes quando compa­ rado com o da colecistite não complicada10. A síndrome de Mirizzi é sugerida quando, além da

constatação dos sintomas que compõem o quadro da co­ lecistite aguda, se sobrepõem sinais de obstrução da via

biliar. Esta decorre da impactação do cálculo no ducto

cístico com acentuada inflamação local, podendo provocar necrose, se não tratada.

Existe ainda a colecistite que se manifesta sem cálculos (forma alitiásica). Sua incidência é relativamente alta (5 a 10%) e, em geral, pode acometer pacientes imunossu­

primidos, com comorbidades e pacientes críticos em cuidados intensivos11.

O diagnóstico é feito por ultrassonografia, que se mostra um método bastante objetivo, direto e rápido na

avaliação do paciente. A sensibilidade e a especificidade

desse método diagnóstico são, respectivamente, de 90 a 95% e de 70 a 98%, lembrando que é um exame operadordependente10,11. Os exames laboratoriais não são especí­

ficos para o diagnóstico2,3,11. Os leucócitos, em geral, se

elevam. As enzimas hepáticas e a bilirrubina sérica au­ mentam, provavelmente em razão da reação inflamatória em torno da vesícula biliar10. A radiografia, método bastante comum na maioria das

emergências, tem pouca sensibilidade diagnóstica, não ultrapassando 15%, em razão de a maioria dos cálculos

A escolha do antibiótico baseia-se nos tipos de pató­ genos mais comuns presentes na topografia da lesão, como

por exemplo: E. coli, Klebsiella, Enterobacter, Proteus, Streptococcus e Staphylococcusfaecalis16. Cefalosporinas

de primeira (cefazolina) ou de segunda geração (cefoxi­

tina) estão indicadas por um período não superior a 24h de pós-operatório, desde que a colecistectomia confirme a suspeita clínica de colecistite aguda não complicada17.

Para colecistite gangrenosa, enfisematosa ou compli­ cada com empiema, perfuração, ou coledocolitíase, podese usar antibioticoterapia, como cefalosporinas de tercei­

ra geração/quinolonas e metronidazol. O tratamento de escolha é a colecistectomia. Vários estudos randomizados foram realizados com o intuito de observar a melhor abordagem cirúrgica, se dentro das

primeiras 48h de início do quadro, ou mais tardia. Não houve diferença na mortalidade dos grupos, mas o índice

de complicações e de tempo de internação foi bem menor

nos pacientes abordados previamente17. A abordagem cirúrgica pode ser feita por via laparos­

cópica ou por laparotomia. A laparoscópica, em vários estudos, mostrou vantagens em relação ao pós-operatório, à recuperação do paciente e à diminuição dos índices de complicações quando comparada com a laparotomia17,18.

não ser radiopaca. Opta-se pelas incidências em decúbito dorsal e ortostática13.

No entanto, a laparoscopia deve ser feita por um profissio­

A tomografia não tem papel importante na avaliação da colecistite aguda, exceto em situações especiais, quan­

técnicas de laparotomia, pois, eventualmente, pode haver

do a apresentação é atípica e a ultrassonografia, não conclusiva14.

Dor abdominal é uma das queixas mais frequentes em todos os serviços de emergência, daí a importância

Existem outros métodos menos usados, como colecin­

de saber raciocinar diante do quadro, avaliar o tipo de

tigrafia e colangioressonância magnética.

nal que domine a técnica e que saiba dominar também as

conversão de laparoscopia para laparotomia.

dor, a topografia relacionada, a faixa etária e os possíveis

A terapêutica da colecistite aguda é cirúrgica. Vários

fatores envolvidos. O raciocínio clínico e o grau de sus­

estudos mostram evidência das vantagens da colecistec­

peição são elementos básicos para a formulação de hi­

tomia precoce, tanto sob o ponto de vista clínico-cirúrgi­ co, quanto em relação aos custos para a instituição.

póteses, a definição diagnóstica e a conduta apropriada para cada caso.

Dor Abdominal - 167

REFERÊNCIAS

LEITURA COMPLEMENTAR LA VECCHIA, C.; et al. v. 46, 234-236,1992.

J. Epidemiol. Community Health,

CAPÍTULO 27

1. FLASAR, M. H.; GOLDBERG, E. Acute abdominal pain. Med. Clin. North Am., v. 90, n. 2, p. 481-503,2006. 2. TROWBRIDGE, R. L.; RUTKOWSKI, N. K.; SHOJANIA, K. G. Does this patient have acute cholecystitis? JAMA, v. 289, p. 80-86,2003. 3. SILEN, W. Cope’s Early diagnosis of the acute abdômen. 20. ed. New York, NY: Oxford University Press, 2000. 4. TARRAZA, H. M.; MOORE, R. D. Gynecologic causes of the acute abdômen and the acute abdômen in pregnancy. Surg. Clin. North Am., v. 77, p. 1371-1394,1997. 5. ARONSON, M. D.; FISHMAN, M. B. Approach to the patient with abdominal pain. In: ROSE, B. D. (ed.). UpToDate. Wellesley, Mass: UpToDate; 2003. 6. BRUNETTI, A.; SCARPELINI, S. Abdômen agudo. Cirurgia de urgência e trauma, Medicina (Ribeirão Preto) v. 40, n. 3, p. 358-67, 2007. Disponível em http://www.fmrp.usp.br/revista, acesso em 25/05/2008. 7. MACK, E. Role of surgery in the management of gallstones. Seminars in liver disease, v. 10, p. 222-231,1990. 8. HERMANN, R. E. Surgery for acute and chronic cholecystitis. Surg. Clin. North Am., v. 70, p. 1263-1275,1990. 9. SHARP, K. W. Acute cholecystitis. Surg. Clin. North Am., v. 8, p. 269-279,1988. 10. LOPES, A. C.; AMATO, V. N. Tratado de clínica médica. São Paulo: Roca, 2006, v. 2, p. 1435-1446.

11. HOPPENBROUWER, F. H.; GOUMA, D. J. Early cholecystectomy for acute cholecystitis; effect of length of symptoms on morbidity and mortality. Ned. Tidschr. Geneeskd., v. 134, n. 47, p. 2293-2296,1990. 12. GOUMA, D. J.; OBERTOP, H. Acute calculous cholecystitis. HPB Surgery, v. 6, p. 69-78,1992. 13. MARTON, K. L; DOUBILET, P. How to image the gallbladder in suspected cholecystitis. Ann. Intem.Med., v. 1119, p. 722-729,1988. 14. MIRVIS, S. E.; et al. The diagnosis of acute acalculous cholecys­ titis: a comparison of sonography, scintigraphy, and CT. AJR, v. 147,p.1171-1175,1986. 15. THOMPSON, J. E.; et al. Predictive factors for bactibilia in acute cholecystitis. Arch. Surg., v. 125, p. 261-264,1990. 16. MEIJER, W. S.; SCHMITZ, P. I. M.; JEEKEL, J. Meta-analysis of randomized, controlled clinicai trials of antibiotic prophylaxis in biliary tract surgery. Br. J. Surg., v. 77, p. 283-290,1990. 17. VAN DER LINDEN, W.; SUNZEL, H. Early versus delayed operation for acute cholecystitis. A controlled clinicai trial. Am. J. Surg., v. 120, p. 7-13,1970. 18. MIRVI, S. E.; VAINRIGHT, J. R.; GERALD, A. W. N.; SHORR, S. J. R. The diagnosis of acute acalculous cholecystitis: a com­ parison of sonography, scintigraphy, and CT. AJR, v. 147, p.1171-1175,1986.

___________________________________

CAPÍTULO

28

Dor Abdominal Intermitente Camila Catherine Henriques de Aquino

Um homem de 34 anos de idade, pardo, casado, iniciou há um mês quadro de dor abdominal difusa, mais intensa na fossa ilíaca direita, em pontada, de forte intensidade, com períodos de piora espontânea, sem alívio com analgésicos simples, acompanhada de mudança do hábito intestinal para constipação (uma evacuação a cada cinco dias).

• Distúrbios vasculares: nem sempre assumem o

padrão súbito e intenso esperado, podendo começar de forma insidiosa, evoluindo para sinais de toxemia e descompensação hemodinâmica. Pode haver de­

sencontro entre as queixas de dor intensa do pacien­ te e a pobreza de achados à palpação abdominal. • Alterações da parede abdominal: provoca dorcons­

Ao atendero paciente com dor abdominal, o médico deve

tante e diminuição de movimentos corporais. Ocor­

fazer a anamnese de forma sistemática e cuidadosa, ex­ plorando o início da dor, progressão, localização, carac­

re, por exemplo, em hematomas da bainha do reto

terística e intensidade, fatores de alívio, sintomas asso­ ciados, presença de náusea, vômitos e alterações do hábito intestinal, episódios anteriores e comorbidades. A partirda anamnese consegue-se distinguir algumas síndromes abdominais:

abdominal. • Dor referida: geralmente secundária a doenças to­ rácicas, como pneumonia, infarto pulmonar, infarto agudo do miocárdio, espasmo esofagiano, pericar­

dite, entre outras.

• Crises metabólicas: a dorde origem metabólica pode mimetizar quaisquer dos padrões descritos anterior­

• Inflamação peritoneal: dor constante e bem locali­ zada, acompanhada de sinais de irritação peritoneal

mente, podendo sertão intensa a ponto de levar à

como espasmo tônico da musculatura da parede abdominal, agravada por alterações na tensão do

cetoacidose diabética, angioedema (deficiência de

peritônio, o que leva o paciente a ficar imóvel e com respiração superficial ou torácica.

intoxicação por chumbo, picadas de aranha viúva­

• Obstrução de vísceras ocas: classicamente descrita como cólica, em geral mal localizada, periumbilical, no caso de obstrução do delgado, infraumbilical

• Dor neurogênica: relacionada a lesões de raízes ou

quando o intestino grosso é acometido. A dor de origem biliar, incorretamente chamada de cólica

nervo. Tem caráterem queimação e pode serdesen­

biliar, costuma ser constante e localizada no hipo­ côndrio direito. A obstrução da saída da bexiga vesical caracteriza-se por dor suprapúbica mal de­ finida e nos pacientes torporosos pode manifestar-se apenas como inquietude ou agitação. A obstrução

região afetada. Ocorre em herpes-zóster, compressão

ureteral causa cólica irradiada para a genitália.

laparotomia exploradora. Pode surgirem uremia, inibidorde C1 esterase), porfiria intermitente aguda,

-negra e febre familiar do Mediterrâneo. nervos sensitivos, geralmente em padrão de dermá­ tomos, ou no território de distribuição de algum cadeada por toque ou outro estímulo sensitivo na

de raízes por tumores, hérnias e também com tabes

dorsalis.

Ao ser questionado sobre diversos aparelhos, o paciente nega febre. Apresenta anorexia e emagreci-

Dor Abdominal Intermitente - 169

A história apresentada pelo paciente até o momento evidencia dor abdominal difusa, porém mais intensa na

fossa ilíaca direita, acompanhada de emagrecimento, e sem outras características marcantes que pudessem orien­

tar um diagnóstico específico. Neste caso, vejamos os

diagnósticos diferenciais de dor abdominal nessas topo­ grafias em homens e mulheres (Quadro 28.1).

O exame físico inicial revela: • • • • •

Peso: 64,6kg (peso habitual: 75kg). Pressão arterial: 122 × 82mmHg. Frequência cardíaca: l10bpm. Frequência respiratória: 22ipm. Temperatura: 37°C.

Estado geral regular, emagrecido, hipocorado +/4, hidratado, acianótico, anictérico, afebril, sem edemas. Linfonodomegalia inguinal bilateral, direita (2cm) maior que esquerda, sem sinais flogísticos. Exame do tórax e ausculta cardíaca e pulmonar normais. Ao exa­ me abdominal, ruídos hidroaéreos normais, abdome

QUADRO 28.1 - Causas de dor abdominal • Fossa ilíaca direita - Apendicite - Diverticulite cecal - Gravidez ectópica - Cisto de ovário (ruptura ou torção) - Doença inflamatória pélvica - Endometriose - Cálculo ureteral ‒ Abscesso de psoas ‒ Hérnia inguinal ‒ Adenite mesentérica - Tuberculose intersticial ‒ Doença inflamatória intestinal (Crohn e retocolite ulcerativa) - Linfoma - Divertículo de Meckel - Câncer de cólon - Infecção urinária • Dor difusa - Peritonite (diversas etiologias) - Obstrução intestinal - Infarto mesentérico - Anemia falciforme - Crises metabólicas (diversas etiologias) - Outros

plano, flácido, dolorido à palpação da fossa ilíaca di­ reita, sem massas ou visceromegalias. Punho-percussão lombar negativa e toque retal normal. Sendo assim, opta-se por iniciar investigação clíni­ ca com exames complementares, mostrados a seguir (Quadro 28.2).

Antes de prosseguirmos a investigação, cabe uma pergunta: poderia se tratarde um quadro funcional, como a síndrome do intestino irritável? A síndrome do intestino irritável é caracterizada por dor abdominal recorrente ou desconforto, acompanhada de mudança no hábito intestinal. É um dos diagnósticos mais frequentes nos consultórios de gastroenterologia, com prevalência entre 10 e 15% da população mundial. O diagnóstico de síndromes funcionais só pode ser feito na ausência de causas orgânicas que justifiquem os sin­ tomas. Algum dos sinais de alarme descritos a seguir faz com que esse diagnóstico seja menos provável e indica investigação apropriada e cautelosa. Sinais de alarme para dor abdominal crônica ou re­ corrente: • Idade maior que 50 anos. • Emagrecimento.

QUADRO 28.2 - Exames laboratoriais • Hemograma - Hemoglobina: 9,0 - Hematócrito: 27 - Volume corpuscular médio: 81,8 - Hemoglobina corpuscular média: 27 - Leucócitos: 6.700 - Basófilos: 3; segmentados: 77; eosinófilos: 4; linfócitos: 11 - Plaquetas: 151.000 • Velocidade de hemossedimentação: 29 • Proteína C-reativa: 0,02 • Ferro: 157 (49- 175) • Ferritina: 491 • Transferrina: 147 • Vitamina B12: 1.717 • Ácido fólico: > 24 • Desidrogenase lática: 331 • Aspartato aminotransferase: 25 • Alanina aminotransferase: 25 • Fosfatase alcalina: 105 • Bilirrubina total: 1,5; bilirrubina direta: 0,7 • Amilase: 30 • Albumina: 4,4 • Creatinina: 0,9 • Ureia: 36 • Creatina quinase: 27 • Sódio: 134 • Potássio: 4,4 • Fósforo: 3,5 • Magnésio: 1,6 • Cálcio I: 1,26 • Hormônio estimulante da tireoide: 3,1 • Glicose: 97 • Urina 1: normal • Protoparasitológico de fezes: S. stercoralis +

CAPÍTULO 28

mento de 10kg em um mês. Nega dispneia, dor precordial e tosse. Nega disfagia, náusea e vômitos. Refere boa diurese. Nega alterações cutâneas. Sobre antecedentes pessoais, o paciente nega doen­ ças concomitantes, uso de medicações e cirurgias prévias. A mãe faleceu por acidente vascular cerebral aos 68 anos e o pai está hígido aos 70 anos de idade. Tem um irmão de 26 anos, usuário de drogas. Nega tabagismo, etilismo e uso de drogas ilícitas. É solteiro e nega relações sexuais sem preservativos.

170 -

Doenças do Sistema Gastrointestinal

• Anemia.

CAPÍTULO 28

• Febre. • História familiarde câncer intestinal em parente de

primeiro grau. • Sangramento.

O diagnóstico para síndrome do intestino irritável é baseado nos critérios de Roma (Quadro 28.3).

978-85-4120-074-5

Apesarde se tratarde um paciente jovem, há sinais de alarme que justificam uma investigação mais elabo­ rada, pois o paciente tem emagrecimento significativo e anemia. Segue-se, então, a investigação complemen­ tar(Quadro 28.4).

Após todos os esforços para o diagnóstico, não se chegou à etiologia. Pode-se perceber que neste caso foi feita investigação extensa e invasiva. Durante a internação,

o paciente foi submetido à anamnese e a exame físico

completo várias vezes, inclusive durante atividades aca­

Figura 28.1 - Fraqueza para extensão do punho.

dêmicas, sem se acrescentar outros dados importantes à

história; ao exame físico notava-se emagrecimento impor­ tante e fraqueza progressiva dos membros, marcadamen­ te os superiores para extensão do punho (Fig. 28.1). Nesse momento, o exame neurológico mostra: te­ traparesia flácida de predomínio distal, com força grau 4 proximal e grau 2 distal nos quatro membros; arrefle­ xia global; hipoestesia térmica e dolorosa com distri­ buição em luvas e botas.

QUADRO 28.3 - Critérios de Roma para síndrome do intestino irritável • Dor abdominal recorrente ou desconforto, pelo menos três dias por mês, nos últimos três meses, associado a dois ou mais dos seguintes sintomas: - Melhora após evacuação - Início associado à mudança na frequência das evacuações - Início associado à mudança na aparência das fezes Observação: os critérios devem ser preenchidos nos últimos três meses, mas o início dos sintomas deve ter ocorrido há pelo menos seis meses. Pode ser síndrome do intestino irritável com diarreia, síndrome do intestino irritável com constipação, ou ambos

QUADRO 28.4 - Exames complementares Estudo do trânsito gastrointestinal: inconclusivo Tomografia de abdome e pelve: normal Colonoscopia: exame normal Laparoscopia exploradora: estômago, jejuno, íleo e cólon normais. Fígado e baço normais. Líquido na cavidade normal • Biópsia de íleo: infiltrado linfocitário de padrão reacional • Biópsia hepática: normal • Biópsia do linfonodo mesentérico: normal

• • • •

Diagnóstico sindrômico: síndrome sensitiva + síndro­ me de unidade motora. Diagnóstico topográfico: nervos periféricos, caracte­ rizando polineuropatia periférica sensitivomotora. Etiológico: faremos uma discussão a seguir É interessante discutiras possibilidades para esse quadro. Poder-se-ia pensar inicialmente em polineuropatia carencial, relacionada à deficiência de vitaminas, já que o paciente apresentou emagrecimento significativo, anorexia, além de

um quadro gastrointestinal ainda não esclarecido. Para isso, foi realizada dosagem de vitaminas, que foi normal. Quanto à possibilidade de doenças inflamatórias, como vasculites sistêmicas, estas doenças usualmente apresen­ tam-se como mononeurite múltipla, ao invés de polineu­ ropatia, e isso também serve para hanseníase e sarcoido­ se. Doenças do colágeno como lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica e Sjögren podem evoluir com polineu­ ropatia. No caso da síndrome de Sjögren, um aspecto que chama a atenção é o acometimento sensitivo e a marcada dor. O paciente tinha provas de atividade inflamatória e perfil de autoanticorpos normais. Diabetes mellitus pode cursar com quadro abdominal, como gastroparesia, dor abdominal e diarreia e, inclusive,

simular abdome agudo em casos de descompensação. Além disso, pode cursar com várias formas de acometi­ mento dos nervos periféricos. São elas: • Polineuropatias simétricas: sensitivomotora ou sensitiva distal, de fibras finas, autonômica, e de

fibras grossas.

Dor Abdominal Intermitente - 171

e narcóticos. Clinicamente, os ataques de porfiria

múltipla), do tronco (radiculopatia torácica), radi­

intermitente aguda manifestam-se por dor abdominal

culoplexopatia lombossacral, neuropatia por com­

intensa, com distensão e íleo paralítico, disautonomia

pressão (entrapment).

com taquicardia, hipertensão e outros sinais de hi­

• Combinações: polirradiculoneuropatia, neuropatia

da caquexia.

peratividade simpática, dor nos membros e fraqueza

muscular com neuropatia por degeneração axonal,

978 85 4120 074

5

e alteração do estado mental, que pode variar desde

O paciente definitivamente não apresentava diabetes

agitação até delirium e coma. O tratamento das

mellitus, nem intolerância à glicose, afastando-se essa

crises é feito com oferta de carboidratos, principal­

hipótese.

mente glicose endovenosa (300g/dia) e administra­

Neoplasias de diversas origens podem mostrar aco­

ção do heme, que pode ser na forma de hematina

metimento de nervos durante seu curso. Esse dano pode

ou heme-arginato. São muito importantes as medidas

ocorrer por compressão e invasão direta do tecido nervo­

para prevenção das crises, principalmente evitando

so, bem como por metástases ou síndromes paraneoplá­

o jejum e as drogas precipitantes.

sicas, e até mesmo como consequência do tratamento por

• Coproporfiria hereditária: herança autossômica do­

quimioterápicos e radioterápicos. Vale lembrar que as

minante, levando à deficiência da copro-oxidase. Os

síndromes paraneoplásicas podem se iniciar antes da

sintomas são semelhantes aos da porfiria intermi­

manifestação do tumor primário, sendo algumas vezes

tente aguda, ocorrendo também fotossensibilidade.

difícil esse diagnóstico. Felizmente, existem anticorpos

• Porfiria cutânea tardia: pode ocorrer de forma es­

onconeurais que podem ser pesquisados em suspeita de

porádica, por herança autossômica dominante ou

síndromes paraneoplásicas, de acordo com a epidemiolo­

recessiva, e por exposição a hidrocarbonetos aromá­

gia do paciente, como faixa etária, gênero e antecedentes.

ticos halogenados, levando à deficiência da URO-

Englobando a dor abdominal e a polineuropatia numa

-descarboxilase. Manifesta-se por fotossensibilidade

mesma doença, podemos pensarem porfiria. Esta é uma

doença hereditária da biossíntese do heme. As porfirias

com formação de vesículas e bolhas nas áreas ex­ postas ao sol. É a forma mais comum de porfiria.

podem ser divididas em hepáticas, que frequentemente

• Porfiria variegada: autossômico dominante, causan­

levam a sintomas neurológicos, e eritropoiéticas, que levam

do a deficiência da enzima proto-oxidase. Exibe ma­

a manifestações cutâneas, principalmente a fotossensibi­

nifestações cutâneas e neurológicas.

lidade. Neste caso, devemos considerar as porfirias hepá­ ticas, as quais estão resumidas a seguir:

De modo geral, o diagnóstico das porfirias é feito pela dosagem de protoporfirina, coproporfirina, ácido delta-

• Porfiria com deficiência de ácido delta-aminolevu­

aminolevulínico e porfobilinogênio urinários.

línico: doença de herança autossômica recessiva,

O diagnóstico diferencial das porfirias inclui intoxi­

que pode se manifestar com dor abdominal e neu­ ropatia de apresentação variável. É uma forma rara,

cação por chumbo. Saturnismo é o nome que se dá à

com poucos casos descritos.

intoxicação crônica por esse metal pesado.

Diante de um paciente com polineuropatia, a eletro­

• Porfiria intermitente aguda: herança autossômica

neuromiografia tem papel importante, por exemplo: defi­

dominante, de expressão clínica variável. Costuma

ne o predomínio motor ou sensitivo da polineuropatia,

manifestar-se após a puberdade e as crises podem

bem como substrato desmielinizante ou axonal, evidencia

ser precipitadas por hormônios esteroides, fármacos,

bloqueio de condução, entre outros. Sendo assim, com

dieta, infecções e cirurgias. A American Porphyria

base no tipo de fibra acometida, no padrão, no predomínio

Foundation emite uma listagem das drogas que são

distal ou proximal, ou nos membros superiores ou infe­

contraindicadas a esses pacientes, algumas delas

riores, e na presença de alteração autonômica, será pos­

citadas aqui: álcool, fenitoína, carbamazepina, ácido

sível direcionara investigação para determinadas causas.

valproico, barbitúricos, anticoncepcionais orais,

O Quadro 28.5 mostra diagnósticos etiológicos diferenciais

nifedipino, carisoprodol, diclofenaco, clonazepam,

entre polineuropatias.

derivados do ergot, griseofulvina, pirazinamida, ri­ fampicina, metoclopramida, sulfonamidas. São

consideradas seguras: acetaminofeno, aspirina, gli­

cocorticoides, penicilinas, estreptomicina, atropina

Resultado da eletroneuromiografia: polineuropatia sensitivomotora, predominantemente motora, com en­ volvimento axonal.

CAPÍTULO 28

• Polineuropatias assimétricas: craniana (única ou

172 - Doenças do Sistema Gastrointestinal

CAPÍTULO 28

QUADRO 28.5 - Principais causas etiológicas de polineuropatias • Infecciosas: HIV, Hansen, Lyme • Metabólicas: diabetes mellitus, hipotireoidismo, deficiência de vitamina B12, piridoxina, uremia, porfiria • Tóxicas: amiodarona, hidralazina, metronidazol, isoniazida, antirretrovirais, arsênico, chumbo, tálio • Inflamatórias: polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica, Sjögren, crioglobulina, vasculites • Paraneoplásicas: linfomas, carcinomas, gamopatias monoclonais • Hereditárias: Charcot-Marie-Tooth, Krabbe, adrenoleucodistrofias, polineuropatia amiloide familiar

Apesar de não haver dados epidemiológicos que apon­

Figura 28.3 - Projétil retirado.

tassem para intoxicação pelo chumbo, a eletroneuromiogra­

fia sugerindo lesão axonal, comprometimento característico do radial manifestando-se com queda do pulso, somado à dor abdominal e à anemia, suscitou a dosagem do chumbo

O paciente foi submetido a uma cirurgia ortopédica para retirada do projétil (Fig. 28.3).

no sangue total: • Chumbo sanguíneo: 98μcg/dL. • Valorde referência: 40μcg/dL. • Limite biológico máximo permitido: 60μcg/dL.

DIAGNÓSTICO FINAL Intoxicação crônica por chumbo ou saturnismo, manifes­ tando-se como porfiria plúmbica.

Dessa forma, foi confirmado o diagnóstico de intoxicação

por chumbo. Uma pergunta ainda não havia sido respondida: de onde

DISCUSSÃO

veio o chumbo? Nesse momento, o paciente foi submetido a um extenso questionário sobre ocupações e exposições prévias,

A intoxicação pelo chumbo pode mimetizaros quadros de

quando informou que há dois anos havia sofrido ferimento

porfiria intermitente aguda. Epidemiologicamente, consi­ deram-se população de risco para essa doença pessoas

por arma de fogo no pé direito, durante uma briga com o irmão. Durante toda a internação ele não havia contado tal

episódio com medo de que o irmão fosse denunciado e de­ tido. Não sabia informarse o projétil havia sido retirado. Foi solicitada uma radiografia simples do pé (Fig. 28.2).

envolvidas na produção de baterias, tintas, soldas, munições, radiadores, cabos, cosméticos, cerâmicas e gasolina aditi­ vada com chumbo. O chumbo é absorvido por ingestão

(40%), inalação (10%) ou por contato com a sinóvia. Após absorção, é transportado para o plasma, no qual se equi­

libra com o líquido extracelular, atravessa membranas, inclusive a barreira hematoencefálica, e acumula-se nos tecidos. Até 90% são incorporados aos ossos e, do restan­ te, cerca de 95% são transportados nas hemácias, ligados à hemoglobina. Outra parte será encontrada em cabelos, unhas, suor saliva e leite materno. A meia-vida do chumbo é diferente em cada tecido, sendo de 25 dias no sangue, 40 dias em tecidos moles e até 25 anos nos ossos. Sua eliminação se dá por vias urinária (80%) e fecal (15%).

Figura 28.2 - Radiografia simples do pé direito: au­ mento da opacidade dos ossos do tarso e, ao centro, material radiopaco, compatível com metal.

A fisiopatologia clínica do saturnismo está relacionada à inibição das enzimas ácido delta-aminolevulínico desi­ dratase e ferroquelatase pelo chumbo, desta forma preju­ dicando a biossíntese do heme, como ocorre em porfirias. As manifestações clínicas são variáveis, podendo haver dor abdominal, constipação, dor articular, anorexia, impo­ tência sexual, nefropatia intersticial, hipertensão, inferti­

lidade, neuropatia periférica, encefalopatia e anemia.

Dor Abdominal Intermitente - 173

lamina. O tratamento requer monitorização rigorosa,

quelação de outros íons, levando a distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos potencialmente graves.

Figura 28.4 - Pontilhados basofílicos nas hemácias, vistos em intoxicação por chumbo.

À hematoscopia podem-se detectar pontilhados baso­ fílicos característicos (Fig. 28.4).

O diagnóstico é feito pela dosagem do chumbo no sangue total ou chumbo urinário, podendo também ser feito pela dosagem do ácido delta-aminolevulínico uriná­

rio, ou pela dosagem da protoporfirina eritrocitária livre,

ou zinco-protoporfirina.

O tratamento inclui afastamento da fonte de contami­ nação, bem como o uso de quelantes como o ácido etile­

nodiaminotetracético (EDTA) de cálcio por via endove­ nosa, ou o succímer (ácido dimercaptosuccínico [DMSA])

por via oral. Outros agentes menos eficazes também podem ser tentados, como o dimercaprol (BAL) ou a D-penici­

O paciente foi submetido à cirurgia para retirada do projétil e ao tratamento com DMSA, evoluindo com melhora clínica gradual, atualmente com nível de chumbo dentro da normalidade, melhora completa da dor abdominal, mantendo discreta sequela motora da polineuropatia. Como havia impregnação óssea pelo metal, deve permanecer em monitorização dos níveis sanguíneos por longo período.

BIBLIOGRAFIA DESNICK, R. J. Porfirias. In: BRAUNWALD, E. et al. Medicina in­ terna. 15. ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill Interamericana do

Brasil, 2002, p. 2404-11. HARATI, Y; BOSH, P. E. Disorders of peripheral nerves. In: BRAD-

LEY, W. G. et al. Neurology in clinicai practice. 5. ed. Philadelphia: Butterworth-Heinemann-Elsevier, 2008, p. 2249-355. MAYER, E. A. Irritable bowel syndrome. NEJM, v. 358, n. 16, p. 1692-99, 2008.

RUTKOVE, S. B. Overview of polyneuropathy. UpToDate, 2007. SILEN, W. Dor abdominal. In: BRAUNWALD, E. et al. Medicina interna. 15. ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill Interamericana do Brasil, 2002, p. 73-76.

CAPÍTULO 28

pelos efeitos colaterais das medicações e pelo risco de

___________________________________

CAPÍTULO

29

Diarreia Aguda Ana Laura de Figueiredo Bersani • Thiago De Bortoli Nogueira

Um homem de 66 anos chega ao pronto-socorro queixando-se de fezes líquidas, dor abdominal e febre há dois dias. Descreve as evacuações como frequentes, 10 a 12 vezes por dia, em pequenos volumes sem sangue visível. A dor é em cólica, difusa e de intensidade mo­ derada, que não se alivia após a defecação. Apresenta também dois episódios de febre não aferida associados a náuseas. Nega vômitos. Após dois dias de fezes aquo­ sas, apresenta fezes mucossanguinolentas associadas a tenesmo e vômitos, com piora do estado geral. Não tem antecedente pessoal importante, não toma medicamen­ tos. Nega alteração da dieta diária. Não viajou recente­ mente para outro país e nem teve contato com pessoas com sintomas semelhantes. É aposentado e mora num asilo; não é etilista e nem tabagista. Não há ninguém na família com doença gastrointestinal.

• Diarreia dos viajantes: a ausência de características

típicas de diarreia secretória por E. coli enterotoxi­

gênica (aquosa, explosiva, sem muco ou sangue e sem febre ou dor abdominal significativo) e a ausên­

cia de viagem recente na história epidemiológica do paciente tornam esta doença também improvável.

• Cólera: a infecção vai desde quadro assintomático até uma diarreia explosiva fatal com fezes do tipo “água de arroz” e rápida desidratação. A ausência

de surtos na localidade do paciente é importante, o que torna essa opção pouco provável. • Enterocolite por Clostridium difficile: na maioria

das vezes associada ao uso de antibióticos, constitui a principal causa de colite infecciosa em pacientes hospitalizados ou institucionalizados. A diarreia pode

Os sintomas do paciente condizem com um quadro de

ser aquosa ou sanguinolenta e costuma vir associa­

diarreia aguda caracterizada pela eliminação de fezes amolecidas, de consistência líquida, que geralmente vem

da com dor abdominal e febre. Sendo o paciente

acompanhada de: aumento do número de evacuações

idoso institucionalizado com clínica compatível, esta hipótese não deve ser descartada e merece melhor

investigação.

diárias (três ou mais vezes) e aumento da massa fecal diária (acima de 200g), com duração menor que 14 dias.

• Colite hemorrágica: E. coli entero-hemorrágica

A diarreia ocorre quando o equilíbrio entre absorção e

sorotipo O157:H7 costuma provocar uma diarreia

secreção de fluidos pelos intestinos (delgado e/ou cólon)

aquosa que se toma mucossanguinolenta, num pe­

está prejudicado, por redução da absorção e/ou aumento da secreção. Pode estar associada a náuseas, vômitos, dor abdominal, sinais e sintomas sistêmicos (desidratação,

ríodo de horas a dias, acompanhada de cólica abdo­

hipovolemia, choque e hipocalemia) e/ou má nutrição. O diagnóstico diferencial de diarreia aguda é amplo e

relatado. Complicações graves como síndrome he­

inclui causas infecciosas e não infecciosas (Tabela 29.1).

surgir com esse tipo de diarreia.

minal intensa, vômitos e febre baixa. Clinicamente não se pode afastar essa causa da diarreia do caso molítico-urêmica e púrpura trombocitopênica podem

• Giardíase: manifesta-se com diarreia aquosa asso­ • Intoxicação alimentar: diarreia sanguinolenta e persistência por mais de 12h de seu início tornam

esta hipótese improvável.

ciada a esteatorreia, fezes mal-cheirosas, flatulência, distensão e dor abdominal, perda ponderal, náuseas, vômitos e fadiga. A diarreia costuma durar mais de

Diarreia Aguda - 175

sete dias. Os cistos da Giardia lamblia podem ser

mossexual). Apesar dessa epidemiologia de contato

mente, telangiectasias, sibilos e hipotensão arterial; apesar de possível, pouco provável.

interpessoal ser presente no caso clínico, os sintomas são diferentes, não sugerindo tal hipótese.

• Colite isquêmica: acomete mais a população idosa, em virtude da maior incidência de doenças vascu­

• Rotavirose e Norwalk: muito frequentes, com trans­

lares nessa população. Cursa com dor nos quadran­ tes inferiores e diarreia mucossanguinolenta ou sangramento retal, evoluindo com dilatação do cólon

missão fecal-oral, embora também possam ocorrer surtos oriundos de água e alimentos. O rotavírus

tipicamente se dissemina em meses de inverno e em

crianças de quatro meses a quatro anos de idade; os

e risco de perfuração. Pode ocorrer no pós-operató­ rio imediato de prótese aórtica. Difícil diferenciar

cos ou oligossintomáticos. O vírus Norwalk é res­

de outras doenças que causam colite. • Diabetes mellitus: a diarreia diabética é, em geral,

ponsável por surtos em crianças em idade escolar,

noturna ou pós-prandial e quase sempre associada

contatos familiares e adultos. O período de incuba­ ção é de um a dois dias, surgindo então diarreia

à incontinência fecal. A incontinência fecal, em razão de um controle ruim do esfíncter anal, é rela­

autolimitada (um a dois dias), náuseas, cólica abdo­

tivamente comum, podendo estar associada à diarreia

minal leve, vômitos ocasionais, mialgia, anorexia, cefaleia e mal-estar sem febre. Pouco provável pela

ou constituir um evento independente. Pela história clínica, não há dados que nos façam pensar nesse

clínica apresentada no caso.

diagnóstico.

adultos infectados frequentemente são assintomáti­

• Shigelose: transmissão oral-fecal, com dor abdomi­

• Tireotoxicose: geralmente, mulher jovem ou de

nal em cólica seguida rapidamente de febre alta e

meia-idade relata história de insônia, cansaço extre­

diarreia sanguinolenta nos casos mais graves, po­

mo, agitação psicomotora, incapacidade de concen­

dendo ser a causa da diarreia relatada.

tração, nervosismo, dificuldade em controlar emoções, agressividade com membros da família, sudorese

• Salmonella sp.: período de incubação de 8 a 48h, adquirida por intermédio de comidas e bebidas

excessiva, intolerância ao calor, hiperdefecação

contaminadas (aves e derivados), quadro clínico

(aumento do número de evacuações diárias) e ame­

típico com náuseas, vômitos, febre, dor abdominal

norreia ou oligomenorreia.

em cólica e diarreia ocasionalmente com muco e

• Doença inflamatória intestinal: pode manifestar os

sangue, com duração de cinco a oito dias, sendo

mesmos sintomas da colite pseudomembranosa;

assim importante de ser lembrada no caso relatado.

pacientes com doença inflamatória intestinal que

• Campylobacter (jejuni e fetus): transmissão oral-fe­

tenham feito uso recente de antibiótico fazem pensar

cal, sendo as aves os principais reservatórios dessas

em um episódio de doença inflamatória intestinal

bactérias; manifestação típica com diarreia sangui­

ou colite pseudomembranosa. A ausência de achados

nolenta e, assim, outro diagnóstico diferencial ainda

como perda de peso e manifestações extraintestinais

não excluído.

como artrite, fístula perianal e doença ocular tornam

• Yersinia enterocolítica: afeta o íleo terminal e os

a doença inflamatória intestinal menos provável.

gânglios linfáticos mesentéricos, sobretudo em ado­

• Diverticulite: deve-se suspeitar de diverticulite em

lescentes e adultos jovens; pode causar dor em fossa

todo paciente com dor em quadrante inferior esquer­

ilíaca direita com pouca ou nenhuma diarreia, mi­

do, que piora com defecação e eventualmente asso­

metizando apendicite aguda e, raramente, perfuração

ciada a sinais de irritação peritoneal e alterações do

de íleo distal. A diarreia é inflamatória e indiferen­

trânsito intestinal.

ciável daquela provocada por outras bactérias inva­

• Diarreia medicamentosa: a diarreia, a náusea e o vô­

sivas; ocasionalmente, a diarreia e a dor abdominal

mito são efeitos colaterais comuns de muitos medica­

podem persistir por mais de duas semanas. Outro

mentos, como antiácidos que contêm magnésio, anti­

importante diagnóstico diferencial para o caso em

bióticos, drogas antineoplásicas, colchicina, digitálicos

questão. • Entamoeba histolytica: início abrupto de febre,

e laxantes. O uso abusivo de laxantes pode acarretar

cólica abdominal intensa, diarreia sanguinolenta e

conhecer que um medicamento seja a causa da diarreia

tenesmo; não pode ser excluída apenas pela história

é uma tarefa difícil e, neste caso, não há relato de uso

do paciente.

prévio de medicamentos e nem de uso diário.

fraqueza, vômito, diarreia e perda de eletrólitos. Re­

CAPÍTULO 29

adquiridos pela água contaminada ou pelo contato interpessoal (creches, casas de saúde, contato ho­

• Síndrome carcinoide: representada por diarreia, doença orovalvar cardíaca, flushing e, menos comu­

176

- Doenças do Sistema Gastrointestinal

CAPÍTULO 29

TABELA 29.1 - Causas de diarreias infecciosas e não infecciosas

Diarreias infecciosas Mecanismo

Causas

Ingestão de toxinas alimentares

S. aureus, Bacillus cereus, Clostridium perfringens

Produção intestinal de enterotoxinas

Vibrio cholerae, Escherichia coli enterotoxigênica, Aeromonas sp.

Produção intestinal de citotoxinas

Clostridium difficile, Escherichia coli entero-hemorrágica

Patógenos enteroaderentes

Escherichia coli enteropatogênica, helmintos, espécies de Cryptosporidium, Giardia sp.

Patógenos minimamente invasivos

Norwalk, rotavírus

Patógenos altamente invasivos

E. coli enteroinvasiva, Entamoeba histolytica, Shigella sp

Patógenos variavelmente invasivos

Salmonella, Yersinia, Campylobacter, Vibrio parahaemolyticus, Aeromonas sp.

Diarreias não infecciosas Mecanismo

Causas

Inflamação e/ou lesão intestinal

Retocolite ulcerativa, doença de Crohn, quimioterapia

Isquemia ou alteração vascular

Colite isquêmica, colite por radiação

Neuropatia autonômica

Diabetes, amiloidose

Medicações e/ou tóxicos

Laxativos, metais pesados, intoxicação colinérgica, transtornos psiquiátricos

Alterações de motilidade, absorção, digestão ou secreção

Síndrome do intestino irritável, intolerância à lactose, insuficiência pancreática, hipertireoidismo, doença celíaca, vipomas, gastrinoma, adenoma viloso

Ao exame físico apresenta-se em regular aspecto geral, corado, moderadamente desidratado, febril (39°C), acianótico, anictérico, eupneico, frequência cardíaca de 112bpm, pressão arterial de 120 × 70mmHg sentado e 110 × 70mmHg em pé, bulhas rítmicas nor­ mofonéticas em dois tempos sem sopros audíveis, murmúrio vesicular presente simetricamente sem ruídos adventícios, abdome flácido dolorido à palpação difu­ samente, sem visceromegalias ou massas palpáveis, sem descompressão brusca dolorosa, ruídos hidroaéreos aumentados, extremidades sem edema, pulsos perifé­ ricos presentes e simétricos.

terais, dietas enterais excessivamente concentradas,

fecaloma com diarreia paradoxal e íleo paralítico. O diagnóstico de diarreia não apresenta, em geral, difi­ culdades: em alguns casos o próprio paciente o firma

corretamente. Ao médico, cabe: • Confirmar o diagnóstico, certificando-se de que a

diarreia relatada é real e não apenas a passagem frequente de fezes formadas.

• Avaliar a gravidade com atenção para volume das perdas, estado de hidratação, presença de febre, hematoquezia (sangue nas fezes), dor abdominal e

Esse paciente com diarreia aguda sanguinolenta, fre­

envolvimento simultâneo de outros órgãos ou sistemas.

quente e em pequeno volume, associada a tenesmo,

• Esclarecer se o comprometimento é de segmentos

febre e dor abdominal, apresenta características com­

distais (evacuações muito frequentes, com sangue

patíveis com diarreia inflamatória. Os micro-organis­

vivo, urgência ou tenesmo) ou proximais (evacuações

mos causadores induzem uma reação inflamatória

em pequeno número, volumosas) do tubo digestivo.

aguda no intestino delgado ou grosso, resultando em

• Obter evidências sobre a etiopatogenia (infecciosa,

maior número de leucócitos nas fezes e sangue. Quan­

por toxina pré-formada, iatrogênica com laxativos,

to maior o número de leucócitos, maior a probabili­

antibióticos, procinéticos, diuréticos, alopurinol,

dade de o foco inflamatório ser colônico. E assim

colchicina, teofilina e anti-inflamatórios).

devemos pensar, principalmente em causas infecciosas

por bactérias enteroinvasivas como Salmonella, Shi­

gella, Campylobacter, E. coli entero-hemorrágica, E.

Um dos principais objetivos da abordagem ao pacien­ te com suspeita de diarreia aguda infecciosa é determinar

histolytica e Yersinia. Lembrar também das causas

a gravidade do quadro. Assim, deve-se diferenciar o pa­

não infecciosas como colite isquêmica, doença infla­

ciente que apresenta quadro clínico grave ou potencial­

matória intestinal e diarreia medicamentosa. Conside­

mente grave do paciente com quadro clínico benigno e

rando esse paciente idoso e institucionalizado, incluem-

doença autolimitada. Em termos de conduta, é importan­

se como diagnósticos diferenciais infecção por

te definir a necessidade de exames complementares e de

Clostridium difficile, imunossupressão, recidiva de

tratamento em ambiente hospitalar, levando em conside­

condição prévia, uso de medicamentos e efeitos cola­

ração o custo-benefício. Na grande maioria das vezes, o

Diarreia Aguda - 177

duração superior a sete dias), recomenda-se a investigação

inclui medidas gerais de suporte. Além da anamnese e do

do agente etiológico.

exame físico, outros aspectos importantes na caracteriza­ ção dos fatores de risco e que podem indicar o agente

causal são (Tabela 29.2): história de viagens, histórico alimentar, ingestão de alimentos potencialmente contami­ nados (carne crua, ovos, leite não pasteurizado, água não

potável), local de moradia e condições de higiene, hospi­

talizações recentes, uso de medicamentos e antibióticos, contato com pessoas ou animais domésticos com quadro semelhante, fatores de risco para doenças infectoconta­ giosas, como a síndrome da imunodeficiência adquirida,

uso de drogas e antecedentes sexuais, bem como a pre­ sença de existência sistêmicas (diabetes mellitus). Assim, é importante salientar que os pacientes que apresentam febre com temperatura acima de 38,5°C, hi­

potensão postural e/ou pré-síncope, diarreia sanguinolen­ ta, dor abdominal de forte intensidade e antecedentes pessoais de imunossupressão são considerados portadores de quadros graves e requerem maiores cuidados. Nos casos de diarreia inflamatória em que haja febre, sinais

O paciente é submetido à hidratação endovenosa com soro fisiológico a 0,9%, 2.000mL nas primeiras 2 a 4h, considerando diarreia grave com desidratação moderada num paciente idoso, além de redução da ingesta alimen­ tar (pequenas porções com maior frequência), priorizan­ do o consumo de dieta leve e de fácil digestão, evitando derivados do leite, já que pode ocorrer deficiência tran­ sitória de lactase. Paralelamente, solicita-se hemograma completo, eletrólitos, função renal, pesquisa nas fezes de leucócitos e sangue, coprocultura para Salmonella, Shi­ gella, Campylobacter, E. coli entero-hemorrágica e pesquisa das toxinas A e B do C. difficile. Os exames de urgência revelam leucocitose de 14.000 com diferencial normal, ausência de alterações em série eritrocítica e contagem de plaquetas normal, creatinina de 1,2 e ureia de 43, dando clearance de crea­ tinina de 56mL/min, potássio de 3,1, sódio de 137, sangue nas fezes positivo e grande aumento do número de leucócitos fecais.

de desidratação e/ou produtos patológicos nas fezes de diarreia nosocomial (início após três dias de hospitaliza­

nas se confirmou a diarreia inflamatória pela presença de

ção) e de diarreia persistente (diarreia com tempo de

maior número leucócitos nas fezes, podendo ser causada

Esses resultados não nos ajudaram muito, já que ape­

por qualquer uma dessas bactérias enteroinvasivas (Shigella, Salmonella, Campylobacter, E. coli entero-hemorrágica, TABELA 29.2 - Dicas epidemiológicas para diarreias infecciosa

Yersinia, Entamoeba histolytica e Clostridium difficile),

Veículo

Patógeno clássico

colite isquêmica ou doença inflamatória intestinal. A

Água e alimentos lavados por esta água

Vibrio cholerae, Norwalk, Giardia sp. e Cryptosporidium sp.

pesquisa de leucócitos ou da lactoferrina nas fezes é um

Aves domésticas

Salmonella, Campylobacter e Shigella sp.

Carne bovina

E. coli entero-hemorrágica, Taenia saginata

Carne suína

Tênia

Frutos do mar

Vibrio cholerae, Vibrio parahaemolyticus e Vibrio vulnificus, Salmonella sp. e tênia

Queijos

Listeria sp.

Ovos

Salmonella sp.

Alimentos contendo maionese

Intoxicações alimentares por Staphylococcus e Clostridium, Salmonella

Tortas

Salmonella, Campylobacter, Cryptosporidium e Giardia sp.

Zoonoses (animais de estimação e gado)

Maioria das bactérias, vírus e parasitas entéricos

Creches

Shigella, Campylobacter, Cryptosporidium e Giardia sp; vírus, Clostridium difficile

Hospital, antibióticos ou quimioterapia

Clostridium difficile

Piscina

Giardia e Cryptosporidium sp.

Viagem ao exterior

E. coli de vários tipos, Salmonella, Shigella, Campylobacter, Giardia e Cryptosporidium sp; Entamoeba histolytica

exame utilizado para caracterizar a diarreia inflamatória e, eventualmente, fazer a triagem dos casos em que a coprocultura pode ser útil. A pesquisa da lactoferrina é

preferível à dos leucócitos, pois a lactoferrina é uma proteína estável, ao passo que os leucócitos facilmente se degeneram. Em países desenvolvidos, a sensibilidade e a

especificidade de leucócitos fecais para diarreia inflama­

tória são de 73% e 84%, respectivamente, e a sensibili­

dade e a especificidade da lactoferrina para diarreia infla­ matória são de 92% e 79%, respectivamente. Em países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, as variações são maiores. Os exames laboratoriais mostraram aumento de ureia e creatinina, em decorrência de insuficiência renal provavelmente pré-renal por hipovolemia. E ainda hipo­

calemia pela desidratação.

O paciente permanece internado, sendo feita repo­ sição oral de potássio em paralelo à hidratação; e horas

depois as coproculturas para todas essas bactérias soli­

citadas vieram negativas, excluindo-as como causadoras da diarreia. Opta-se por investigação rápida com retos­ sigmoidoscopia (Fig. 29.1) com biópsia para

CAPÍTULO 29

tratamento da diarreia aguda infecciosa é domiciliar e

178

- Doenças do Sistema Gastrointestinal

De maneira geral, o quadro de diarreia aguda infecciosa

CAPÍTULO 29

é autolimitado, em decorrência dos mecanismos de defesa

humoral e celular do próprio hospedeiro. Entretanto, a anti­ bioticoterapia tem sido recomendada de forma empírica, em

situações particulares e preferencialmente no início do qua­ dro clínico. Em diarreia inflamatória grave, com febre ele­

vada, tenesmo e produtos patológicos nas fezes, em que não haja suspeita de E. coli produtora de toxina Shiga, a antibio­ ticoterapia está indicada enquanto se aguardam os resultados

dos exames complementares. Apesar de a antibioticoterapia

adequada ser efetiva no tratamento de shigelose, diarreia do viajante, diarreia associada a C. difficile e, se dada precoce­

mente, campilobacteriose, os antibióticos podem prolongar a duração da infecção por Salmonella ou C. difficile e podem

Figura 29.1 - Retossigmoidoscopia com placas ama­ reladas aderentes à mucosa colônica e algumas áreas com pseudomembranas coalescentes. Eritema na mu­ cosa colônica entre as pseudomembranas, porém, com epitélio intacto.

aumentar os riscos de complicações graves a partir das in­ fecções por E. coli produtora de toxina Shiga. O benefício

clínico poderia ser pesado contra o custo, o risco de efeitos

colaterais e o risco de erradicação nociva da flora ou de indução da produção de toxina Shiga.

diferenciação diagnóstica de colite isquêmica, doença inflamatória intestinal e diarreia medicamentosa (coli­ te pseudomembranosa), comum em idosos, evitando demora do diagnóstico e, consequentemente, algumas possíveis complicações. Após esse exame complementar sugestivo de coli­ te pseudomembranosa, iniciou-se antibioticoterapia empírica com metronidazol por via oral.

No segundo dia de internação do paciente, sua filha aparece no hospital e acrescenta informações importan­ tes, de que seu pai fez uso de cefalexina durante sete dias,

para tratamento de lesão de pele há duas semanas, após

queda da própria altura, sem outras lesões. Nesse mesmo dia, a pesquisa da toxina do C. difficile veio positiva, confirmando colite pseudomembranosa por C. difficile e

o resultado da biópsia mostrado na Figura 29.2.

Figura 29.2 - Microscopia do fragmento da biópsia mostrando colite pseudomembranosa. Ulceração focal da mucosa colônica é evidente (seta inferior), com exsudato da pseudomembrana formado por células inflamató­ rias, fibrina e debris de necrose (seta superior) e mucosa adjacente intacta.

Diarreia Aguda - 179

DIAGNÓSTICO • Insuficiência renal aguda (pré-renal). • Desidratação. • Hipocalemia.

C. difficile para o duodeno e, consequentemente, para o cólon. O quadro clínico é variável; colite pseudomembrano­

sa, colite relacionada a antibióticos sem pseudomembra­ nas e diarreia relacionada a antibióticos. A colite pseudo­ membranosa pode cursar com diarreia e cólicas

abdominais logo na primeira semana após o início da

DISCUSSÃO - INFECÇÃO POR CLOSTRIDIUM DIFFICILE

antibioticoterapia ou até a sexta semana. Náuseas, vômi­ tos, tenesmo, desidratação e febre fazem parte do quadro,

embora a diarreia com sangue não seja frequente. A pior complicação das formas graves é o megacólon tóxico. A

Diarreia é a primeira ou segunda enfermidade nosocomial

colite relacionada a antibióticos sem pseudomembranas

mais comum entre pacientes hospitalizados e residentes

caracteriza-se por início insidioso de dor abdominal,

em instituições de tratamento prolongado. Cerca de 7 a

diarreia aquosa, mal-estar e febre. A diarreia relacionada

21% dos doentes internados são portadores de C. difficile

a antibióticos sem colite caracteriza-se por diarreia aquo­

e a diarreia manifesta-se em cerca de um terço dos casos.

sa que se resolve com a suspensão dos antibióticos. A

Os idosos estão em maior risco de contrair a infecção

infecção por C. difficile pode complicar a evolução da

nosocomial, uma vez que estão mais internados em hos­

doença inflamatória intestinal, sendo importante afastar

pitais ou residindo em lares comparativamente com os

indivíduos mais novos. A colite pseudomembranosa é

causada pela toxina do Clostridium difficile, cujo cresci­ mento é facilitado pela mudança da flora bacteriana do cólon induzida por antimicrobianos. O C. difficile é um

micro-organismo anaeróbio Gram-positivo que coloniza

o trato digestivo se a microflora endógena bacteriana for alterada por antibióticos, citostáticos ou se houver outro agente patogênico como Salmonella ou Shigella. O C. difficile produz duas toxinas que causam diarreia por mecanismos diferentes: a toxina A (enterotoxina) induz

secreção intestinal e inflamação que levam à lesão da mucosa, em modelos animais; a toxina B (citotoxina)

induz alteração no citoesqueleto da actina. A transmissão do C. difficile se dá pelas mãos das pessoas que trabalham nessas instituições ou entre os próprios pacientes. Os

esporos do C. difficile não são erradicados com soluções

de limpeza à base de álcool. Qualquer antibiótico pode

esta infecção em casos de agudização da doença inflama­ tória, especialmente se houver história de exposição re­

cente a antibióticos. O exame de fezes revela leucócitos em cerca de 50%

dos pacientes com colite pseudomembranosa. O diagnós­ tico é confirmado pela toxina nas fezes e/ou pelo encon­

tro, na retossigmoidoscopia, de placas amareladas, ade­ rentes à mucosa, que se destacam facilmente quando

biopsiadas. Esse aspecto endoscópico, embora não patog­ nomônico da colite pseudomembranosa, é bastante suges­

tivo, devendo ser complementado com o estudo anatomo­

patológico. Pseudomembranas são placas de cor esbran­

quiçada, com 2 a 5mm de diâmetro, que tendem a ser confluentes nos casos mais graves. A biópsia de uma pseu­ domembrana revela lesão acuminada com exsudado de fibrina, muco e células inflamatórias que fazem erupção

a partir de uma microúlcera epitelial. Essa faixa etária apresenta maior número de compli­ cações, como depleção de volume, distúrbio eletrolítico,

causar infecção por C. difficile, inclusive aqueles usados

delirium, quedas e fraturas por hipotensão, curso prolon­

no seu tratamento (metronidazol e vancomicina). Os

gado de infecção por imunodepressão e má nutrição as­

principais envolvidos nessa infecção são clindamicina,

sociada à perda de apetite.

fluoroquinolonas e cefalosporinas de terceira geração. O

A terapêutica em idosos é baseada nos mesmos prin­

principal fator de risco para desenvolvimento de diarreia

cípios das outras faixas etárias. Hidratação e suspensão

aguda por C. difficile é o uso de antibiótico, seguida de

de antibioticoterapia, se possível. Metronidazol, 1,6g/dia,

clindamicina, diurético e idade avançada. Outros fatores

ou, se necessário, vancomicina oral, 2g/dia, durante 14

predisponentes incluem: emprego regular de inibidores

dias ou mais, havendo recorrência, são os antibióticos de

da bomba de prótons, anti-histamínicos, cirurgia gastroin­

escolha. Em recidivas parece haver benefício com a uti­

testinal, alta gravidade da doença durante admissão hos­ pitalar, internação em UTI cardíaca, dieta enteral e con­

lização de probióticos. Apesar de essa infecção ser mais frequente em idosos, não parece haver mortalidade supe­

tato com paciente com diarreia aguda por C. difficile. Isso

rior desses indivíduos quando comparados com pacientes

mostrou que as medicações antiácidas diminuem a con­

mais jovens.

CAPÍTULO 29

• Colite pseudomembranosa.

centração ácida do estômago e permitem a passagem do

180

- Doenças do Sistema Gastrointestinal

CAPÍTULO 29

No caso relatado, o quadro clínico foi primordial para

serem elaboradas hipóteses diagnósticas, porém, para con­

firmação, foram essenciais os exames complementares, como a pesquisa da toxina do Clostridium difficile e o

anatomopatológico.

BIBLIOGRAFIA ASLAM, S.; MUSHER, D. M. An update on diagnosis, treatment and prevention of Clostridium difficile-associated disease. Gastroenterol. Clin. N. Am., v. 35, p. 315-335,2006. FELDMAN, M. et al. Sleisenger & Fordtran’s Gastrointestinal and liver disease, 8. ed., Philadelphia: Saunders, 2006. GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. Cecil - Tratado de medicina inter­ na. 22. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

JUNIOR, O. A. Diarréias. Medicina atual, jan./2007. Disponível em ww w.medicinaatual .com .br. KOSEK, M.; BEM, C.; GUERRANT, R. L. The global burden of diarrheal disease, as estimated from studies published between 1992 and 2000. Bull. World Health Organ., v. 81, p. 197-204,2003. LOPES, A. C. Diagnóstico e tratamento, v. 1. São Paulo: Manole,2006. OLIVEIRA, R. B. Diarréia aguda. Medicina Ribeirão Preto - Sim­ pósio Urgências e Emergências Digestivas, v. 36, p. 257-260, 2003. THIELMAN, N. M.; GUERRANT, R. L. Acute infectious diarrhea. N. Engl. J. Med., v. 350, p. 38-47, 2004. TRINH, C.; PROBHAKAR, K. Diarrheal diseases in the elderly. Clin. Geriatr. Med., v. 23, p. 833-856, 2007. WORLD GASTROENTEROLOGY ORGANISATION. World Gastroenterology Organisation practice guideline: Acute diarrhea in adults. WGO, 2008.

___________________________________

CAPÍTULO

30

Diarreia Crônica Maria Cecília Nieves Teixeira Maiorano • Jean Rodrigo Tafarel Luciano Henrique Lenz Tolentino

Homem, branco, 36 anos de idade, apresenta-se com quadro de diarreia há oito meses. Relata quatro a cinco episódios de evacuações diárias, de grande volu­ me, com odor fétido, sem sangue, muco ou pus, ou restos alimentares; sem febre, mas com perda ponderal de 11kg nesse período. Associados ao quadro, refere tam­ bém dor e distensão abdominais difusas e prejuízo do sono, por episódios de evacuação noturna. Nega uso de substâncias laxativas, vômitos ou artralgias. Há três meses fez tratamento empírico com antiparasitários sem melhora do quadro.

Quanto ao tempo, as diarreias podem ser classificadas em agudas, subagudas e crônicas (duração maior que quatro semanas). Quanto à origem, podem ser divididas em alta

e baixa. A diarreia alta caracteriza-se por fezes volumosas e amolecidas podendo ser francamente líquidas, sendo

frequente a presença de restos alimentares nas dejeções. Podem-se apresentar mais claras, brilhantes, leves e es­ pumosas e as evacuações podem ser acompanhadas de

eliminação de grande quantidade de gases. A diarreia

baixa caracteriza-se por fezes em menor quantidade e com

um maior número de evacuações. Algumas vezes, é difí­ cil fazer essa diferenciação clinicamente. No entanto, se levarmos em consideração suas características, também

intestinal e a deficiência de lactase, visto que a lac­ tose não digerida permanece no lúmen intestinal, exercendo também efeito osmótico.

• Secretória: caracteriza-se pelo gap osmolar fecal menor que 50mOsm/L. Dentre suas causas estão os tumores produtores de hormônios ‒ síndrome de Werner-Morrison, a qual resulta da produção exces­ siva de peptídeo intestinal vasoativo por tumores das

ilhotas pancreáticas, ganglioneuromas, tumor carci­ noide, carcinoma medular da tireoide, produtor de calcitonina e adenoma viloso, produtor de prosta­ glandinas. • Inflamatória: retocolite ulcerativa e doença de Crohn,

apresentando sangue, muco e pus nas fezes. • Infecciosas: E. coli enteropatogênica, Giardia lam­ blia, Entamoeba histolytica, Cryptosporidium, Ae­ romonas e Yersinia enterocolítica. • Disabsortivas: pancreatite crônica, gastrinoma,

colestase, supercrescimento bacteriano, deficiência congênita de enteroquinase, abetalipoproteinemia, doença celíaca, espru tropical, doença de Whipple, síndrome do intestino curto, gastroenterite eosino­

fílica e tuberculose. • Funcional: síndrome do intestino irritável.

podem ser categorizadas como (Quadro 30.1):



Osmótica: presença de gap osmolar fecal alto (maior

que 125mOsm/L) e sintomas que desaparecem com

o jejum e reaparecem após a alimentação. Dentre suas causas, citam-se substâncias (sorbitol e manitol)

que causam efeito osmótico quando presentes na luz

Dessa forma, percebe-se que o paciente em questão possui um quadro diarreico crônico de provável origem alta.

Em seu histórico pregresso relata tireoidite de Hashimoto (há dez anos), epilepsia (há três anos), anemia ferropriva (há dois anos) e osteoporose, esta diagnosticada há um ano, após fratura de fêmur direito

182

- Doenças do Sistema Gastrointestinal

CAPÍTULO 30

QUADRO 30.1 - Causas de diarreia crônica

presença de doenças autoimunes em sua família também é importante, pois grande parte delas possui penetrância em outros descendentes, como as doenças inflamatórias

intestinais e a doença celíaca. A própria cirrose biliar primária pode provocar diarreia, por diminuição da sín­ tese e liberação de sais biliares. Nessas situações predo­

minam as deficiências de vitamina K e D, com conse­ quentes coagulopatia e osteopatia. Pancreatite crônica pode ocorrer mesmo sem alcoolismo, como por exemplo,

a pancreatite tropical, de causa desconhecida, a pancrea­ tite crônica hereditária, além dos casos idiopáticos. Ao exame físico apresenta-se em regular estado geral, descorado, hidratado e com os seguintes dados vitais: temperatura axilar: 36,6°C; frequência cardí­ aca: 96bpm; frequência respiratória: 16ipm; pressão arterial (PA): 110 × 75mmHg; peso: 51kg; altura: 1,74m; índice de massa corporal: 16,84kg/m2. Há fissuras nas comissuras labiais, língua lisa e lesões aftosas em mucosa oral. Seus cabelos são quebradiços e não há linfadenomegalias. A tireoide é normopal­ pável. Apresenta discreto sopro sistólico panfocal e ausculta pulmonar normal. O abdome é plano, com ruídos hidroaéreos aumentados, flácido,indolor e sem visceromegalias. Há coiloníquia nas extremidades e equimoses em abdome e membros. Observam-se, na nuca, pápulas eritematosas erosadas e papulovesícu­ las, que segundo o paciente eram extremamente pruriginosas. Não há sinais de artrite e o exame neu­ rológico é normal.

Estamos diante de a um paciente desnutrido e com vários indícios clínicos de dificuldade de absorção de nu­ trientes, o que deixa improvável tratar-se de um quadro de

devido à queda da própria altura. Está em uso de levo­ tiroxina, fenobarbital, sulfato ferroso, carbonato de cálcio, vitamina D e alendronato. Relata relações sexu­ ais desprotegidas. Nega cirurgias pregressas, tabagismo, etilismo ou drogadição. Na família, a mãe faleceu aos 48 anos de idade por linfoma intestinal, seu irmão possui diabetes mellitus tipo 1 e uma tia materna tem cirrose biliar primária. Os sintomas atuais associados ao seu histórico podem

ter uma única origem. Diarreia que provoca dificuldade de absorção de vitamina D e ferro pode ter levado o pa­

ciente ao desenvolvimento de osteoporose e anemia fer­ ropriva. Tal associação é possível, mesmo que aquela tenha se manifestado posteriormente a estas. O relato de

relações sexuais desprotegidas traz o risco da contamina­ ção por HIV, que pode se manifestar com enteropatias e infecções intestinais oportunistas (Cryptosporidium par­ vum,Isospora belli, Microsporidia e Micobacterium avium

diarreia funcional. Fissuras nas comissuras labiais, língua lisa e coiloníquia sugerem anemia carencial. Já o sopro sistólico panfocal encontrado pode decorrer dessa anemia.

O cabelo quebradiço é um sinal indireto de desnutrição e as equimoses sugerem distúrbio de coagulação, possivel­ mente por deficiência de vitamina K. Destaca-se que na

nuca a lesão descrita tem características de dermatite her­

petiforme, frequentemente associada à doença celíaca, mas não patognomônica desta. Doença de Whipple também se

manifesta com diarreia, emagrecimento e alterações neu­

rológicas, mas tende a ter associadas artrite, febre e linfa­ denomegalia, ausentes no paciente em questão. Além disso, as manifestações neurológicas da doença de Whipple são

nistagmo, disfunção cognitiva e oftalmoplegia e não crises convulsivas. Pacientes com AIDS que desenvolvem diarreia oportunista podem também se mostrar desnutridos, sendo mais comum naqueles não aderentes à terapia antirretrovi­

ral altamente ativa (HAART) ou nos que não se sabem

978-85-4120-074-5

• Diarreia osmótica: uso de laxativos à base de magnésio, fosfato ou sulfato. Ingestão de sorbitol, lactulose ou manitol. Deficiência de lactase • Diarreia secretória: - Tumores endócrinos: vipoma (secreção de peptídeo intestinal vasoativo [VIP] por adenoma pancreático), síndrome carcinoide (tumor carcinoide metastático do trato gastrointestinal ou tumores carcinoides primários não metastáticos do epitélio brônquico), carcinoma medular da tireoide (produção de calcitonina), gastrinoma (grande volume de secreção de cloreto e má digestão de gorduras pela inativação da lipase pancreática pelo pH e precipitação de sais biliares) - Malignidades não endócrinas: adenomas vilosos, mastocitose sistêmica • Diarreia infecciosa prolongada e persistente: E. coli enteropatogênica, Giardia lamblia, Entamoeba histolytica, Cryptosporidium, Aeromonas e Yersinia enterocolítica • Síndromes de má absorção - Condições que comprometem a mistura: gastrectomia parcial com gastrojejunostomia, cirurgia de bypass gástrico - Condições que comprometem a lipólise: pancreatite crônica, câncer de pâncreas, insuficiência pancreática congênita, deficiência congênita de colípase - Condições que comprometem a formação de micelas: hepatopatia crônica grave, hepatopatia colestática, ressecção ileal - Condições que comprometem a absorção pela mucosa: deficiência congênita de enteroquinase, abetalipoproteinemia, giardíase, doença celíaca, espru tropical, agamaglobulinemia, amiloidose, ligadas à AIDS (infecções, enteropatias), doença de Whipple, supercrescimento bacteriano, síndrome do intestino curto - Condições que comprometem o transporte de nutrientes: linfangiectasia intestinal congênita, linfoma, tuberculose, pericardite constritiva, insuficiência cardíaca congestiva grave • Diarreia funcional: síndrome do intestino irritável • Diarreia factícia: ingestão de laxativos e diuréticos • Diarreia diabética: neuropatia autonômica com distúrbio da motilidade • Diarreia alcoólica • Diarreia inflamatória: doença de Crohn, retocolite ulcerativa, gastroenterite eosinofílica, intolerância às proteínas do leite e da soja e alergia alimentar, colite colagenosa, enteropatia perdedora de proteína e enterite por radiação

intracelulare) quando do desenvolvimento de AIDS. A

Diarreia Crônica - 183

simples de abdome (ausência de calcificações em topo­

nos remetem à doença de Crohn. Ausência de icterícia e

grafia de pâncreas) e glicemia de jejum normais tornam

sinais clínicos de prurido deixam cirrose biliar primária

menos provável o diagnóstico de pancreatite crônica, mas

como hipótese pouco provável. Novamente, percebemos

não o excluem. O trânsito intestinal sugere alterações no

que os sinais e sintomas desse paciente podem estar todos

relevo mucoso duodenal, podendo ser decorrente de do­

relacionados a uma mesma doença.

ença celíaca. Alterações em delgado proximal podem

978-85-4120-074-5

justificar a anemia ferropriva, já que esta é a região de Os exames complementares revelam níveis hema­ timétricos com: hemoglobina, 8,1g/dL; hematócrito, 24%; volume corpuscular médio, 65; hemoglobina corpuscular média, 22,1; concentração de hemoglobina corpuscular média, 31; amplitude de distribuição de hemácias, 25; 13.200 leucócitos/mm3, sem desvios, 350.000 plaquetas/mm3. Ferro sérico baixo, ferritina baixa, transferrina em níveis elevados, capacidade total de ligação do ferro elevada, saturação de transferrina reduzida. Avaliação nefrometabólica mostra função renal sem alterações, cálcio sérico 7,4, magnésio 1,7, sódio 140 e potássio 3,2. Há hipocolesterolemia. Bio­ química hepática apenas com alterações nos níveis de albumina (2,7g/dL), transaminase glutâmica oxaloacé­ tica (72), transaminase glutâmica pirúvica (57) e ativi­ dade de protrombina (TAP 63%, RNI1,32). Tempo de tromboplastina tecidual ativada, glicemia de jejum, amilase, desidrogenase lática e função tireoidiana nor­ mais. Provas inflamatórias com velocidade de hemos­ sedimentação de 23mm, alfa1-glicoproteína ácida 127,3 e proteína C-reativa 0,21. Devido ao relato de relações sexuais sem preservativo solicitam-se sorologias para as hepatites A, B e C,bem como anti-HIV ELISA (todos negativos). Protoparasitológico fecal (três amostras), coprocultura e pesquisa de leucócitos fecais negativos. Radiografia simples de abdome sem alterações. O trân­ sito intestinal revela arco duodenal com apagamento do relevo mucoso e espessamento do pregueado, com raros sinais de hipotonia de alças de delgado. Eletroencefalo­ grama normal e tomografia computadorizada de crânio, realizada há cinco anos, mostra calcificações em região occipital.

maior absorção do ferro. Realizada pesquisa de gordura fecal com corante Sudan, havendo detecção de ácidos graxos livres. O teste quantitativo de gordura fecal foi positivo, revelan­ do 17g de gordura/dia nas fezes. Realiza-se teste da D-xilose urinária, com excreção, após 5h, de 1g de Dxilose na urina. A pesquisa de gordura fecal com Sudan (teste quali­

tativo) tem altas sensibilidade e especificidade para detecção de esteatorreia, sendo positiva em casos de má

absorção superior a 10g de gordura em 24h. O teste quantitativo é precedido de ingestão de dieta rica em

gordura (> 100g) e coleta das fezes durante três dias.

Espera-se excreção de menos de 7g de gordura em 24h.

Neste paciente os dois testes mostraram-se positivos, confirmando esteatorreia. Assim, tanto a coagulopatia

quanto a osteoporose podem ser manifestações secundá­

rias à má absorção de vitamina K e D, respectivamente.

Dado fundamental neste momento é definir a etiologia da esteatorreia. O teste da D-xilose urinária diferencia má absorção de origem pancreática daquela decorrente

de alterações no lúmen intestinal, seja por lesão mucosa,

seja por supercrescimento bacteriano. Havendo alterações

no lúmen intestinal, a D-xilose não é absorvida e não

aparece em quantidades significativas na urina. Se houver doença pancreática, a excreção urinária geralmente será

superior a 4g. Neste caso, o teste foi sugestivo de alte­ rações do lúmen intestinal.

Os exames iniciais indicam anemia microcítica e hi­

de se tratar de cirrose biliar primária. O anti-HIV ELISA

A análise respiratória de hidrogênio (normal) des­ carta supercrescimento bacteriano. Faz-se endoscopia digestiva alta, que mostrou segunda porção duodenal com mucosa com redução do pregueamento e aspecto em mosaico associado a serrilhamento de pregas. As biópsias revelaram duodenite crônica com focos de reagudização (abscesso críptico), aumento dos linfóci­ tos intraepiteliais, intensa atrofia vilositária com hipertrofia críptica acentuada e denso infiltrado linfo­ plasmocitário na lâmina própria (Figs. 30.1 e 30.2). A pesquisa para micro-organismos pelas colorações pra­ ta, ácido periódico de Schiff (PAS) e Ziehl foram negativas. Dosados anticorpos antigliadina imunoglo­ bulinas A e G (IgA e IgG), antiendomísio IgA e

negativo afasta a presença do retrovírus. A radiografia

antitransglutaminase tecidual IgA positivos.

pocrômica, com índice de anisocitose (RDW) alto, e

ferropenia, compatíveis com anemia ferropriva. Hipoal­ buminemia e hipocolesterolemia são encontradas nas

síndromes disabsortivas. A alteração isolada do TAP é

compatível com deficiência de vitamina K, visto que o

fator VII é seu dependente. A discreta elevação das enzi­ mas hepatocíticas pode estar presente tanto em doença

celíaca quanto em doenças inflamatórias intestinais. No entanto, os testes fecais tomam menos provável o diag­ nóstico de diarreia invasiva, como em doenças inflama­

tórias intestinais. Não há também indícios bioquímicos

CAPÍTULO 30

portadores do retrovírus. Lesões aftosas em mucosa oral

184

- Doenças do Sistema Gastrointestinal

Estabelece-se assim resposta clínica ao tratamento da Doença Celíaca. É muito provável que a mãe do pacien­ te também fosse portadora da mesma doença, visto ter

falecido por linfoma intestinal. O irmão e a tia do pacien­ te devem ser rastreados, pois a doença associa-se a outras

doenças autoimunes.

DIAGNÓSTICO FINAL Doença celíaca.

DISCUSSÃO Figura 30.1 - Aspecto de biópsia duodenal, com atrofia de vilosidades (seta vermelha) e criptas hiper­ plásicas (seta preta).

Doença celíaca, espru celíaco ou espru não tropical é uma doença autoimune, caracterizada pela má absorção resul­

tante de lesão inflamatória da mucosa após a ingestão do glúten (antígeno), presente no trigo, no centeio e na ce­ vada. Após a ingestão do antígeno, este é apresentado a

um linfócito T, havendo subsequente resposta celular

inflamatória. A doença está associada ao antígeno leucocitário

humano (HLA) DQ2 ou DQ8, mas a sua presença de

maneira isolada não é suficiente para desencadeá-la, vis­ to que fatores ambientais exercem papel importante no

seu desenvolvimento. Entre esses fatores estão a época de introdução do glúten na dieta de lactentes e infecções

gastrointestinais, como infecção por rotavírus. Gravidez, gastroenterite ou cirurgia do trato gastrointestinal podem

ser gatilhos para o início dos sintomas. A manifestação clássica apresenta diarreia, perda de

peso e fadiga. A má absorção de vitaminas lipossolúveis,

Figura 30.2 - Infiltrado inflamatório intenso.

ferro, ácido fólico e cálcio são sintomas relativamente

comuns. No entanto, nos adultos, a anemia ferropriva isolada é o sinal mais comum, o que justifica lembrar-se

A associação dos achados laboratoriais, endoscópicos e histológicos (Figs. 30.1 e 30.2) confirma o diagnóstico de doença celíaca. No entanto, sua avaliação isolada deve

levantar outras hipóteses como giardíase, espru colágeno, espru tropical, gastroenterite eosinofílica, intolerância ao leite, entre outros.

do diagnóstico mesmo em pacientes oligossintomáticos.

O rastreamento de parentes de primeiro grau de e daque­ les ditos de risco, como portadores de doenças autoimunes ou síndrome de Down, também é obrigatório. Dentre as manifestações extraintestinais citam-se de­

feitos no esmalte dentário, lesões aftosas orais, artrite, elevação de enzimas hepáticas, dermatite herpetiforme,

Instituída dieta isenta de glúten, reposição de ferro e de vitaminas. O paciente apresenta melhora clínica significativa após quatro semanas, com remissão da diarreia, das lesões aftosas em mucosa oral e das lesões cutâneas. A densidade mineral óssea melhora de manei­ ra substancial e as enzimas hepáticas dosadas novamente já se encontram dentro dos limites da normalidade. A dosagem de anticorpos foi repetida após seis meses: negativa.

osteopatia, infertilidade, dispepsia e manifestações neu­

rológicas (ataxia, epilepsia com calcificações cerebrais occipitais, deterioração intelectual, atrofia cerebral e

neuropatia periférica). Destas, destaca-se a dermatite

herpetiforme, caracterizada por lesões papulovesiculares

pruriginosas, que acometem preferencialmente as faces

extensoras dos membros, devido a depósito granular de IgA na junção dermoepidérmica da pele.

Diarreia Crônica - 185

complementares para se chegar a um único diagnóstico

através dos anticorpos antiendomísio, antigliadina e anti­

final, em vez de abordar separadamente as diversas com­

transglutaminase. Deve-se lembrar, no entanto, que até

plicações da mesma doença.

10% dos celíacos possuem deficiência de IgA, o que pode

resultar em testes falso-negativos. Nesses casos pode-se

dosar a IgA sérica total ou realizar testes com IgG. O diagnóstico definitivo é feito pela avaliação histopatoló­

gica intestinal (no caso, duodenal), com achados caracte­ rísticos de infiltrado linfocitário intraepitelial, hiperplasia

de criptas e/ou atrofia vilositária. No passado, após intro­

dução de dieta isenta de glúten, nova biópsia duodenal era realizada para documentar regressão dos achados

histopatológicos. No entanto, atualmente a resposta é

vista por meio da negativação dos autoanticorpos. O tratamento é feito com dieta isenta de glúten. Casos gra­ ves de dermatite herpetiforme podem exigir tratamento com dapsona. A adesão ao tratamento dietético é impor­

tante para redução das complicações, como linfoma in­ testinal e adenocarcinoma do intestino delgado.

Analisando retrospectivamente o caso, percebe-se que

o paciente possuía tanto manifestações clássicas da do­ ença, como a diarreia disabsortiva, quanto manifestações

mais incomuns, como alterações da bioquímica hepática e dermatite herpetiforme. Seu histórico pregresso e fami­

liar também ajudavam, devido à presença de doenças

autoimunes. Conclui-se, portanto, que é fundamental estar atento às manifestações clínicas apresentadas pelo

paciente e tentar estabelecer uma relação entre todos os dados disponíveis na anamnese, exame físico e exames

BIBLIOGRAFIA BINDER, H. J. Causes of chronic diarrhea. N. Engl. J. Med., v. 355, p. 236-239, 2006. CUTLER, P. Como solucionar problemas em clínica médica (dos dados ao diagnóstico). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. DONOWITZ, M.; KOKKE, F. T.; SAIDI, R. Evaluation of patients with chronic diarrhea. N. Engl. J. Med., v. 332, p. 725-729,1995. FARRELL, R. J.; CIARÁN, K. P. Diagnosis of celiac sprue. American J. Gastroenterol., v. 96, p. 3237-46,2001. GHELLER-RIGONI, A. L; YALE, S. H.; ABDULKARIM, A. S. Ce­ liac disease: celiac sprue, glúten-sensitive enteropathy. Clin. Med. Res., v. 2, p. 71-2, 2004. GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. Tratado de medicina interna. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. GREEN, P. H. R.; CELLIER, C. Celiac Disease. N. Engl. J. Med., v. 357, p.1731-1743,2007. GREEN, P. H. R.; JABRI, B. Coeliac disease. Lancet, v. 362, p. 383391,2003. ISRAEL, E. J.; et al. Case 3-2005: A 14-year-old boy with recent slowing of growth and delayed puberty. N. Engl. J. Med., v. 352, p. 393-403, 2005. LEE, S. K.; GREEN, P. H. R. Celiac sprue (the great modem-day imposter). Curr. Opin. Rheumatol., v. 18, p. 101-107,2006. MÃKI, M.; COLLIN, P. Coeliac disease. Lancet, v. 349, p. 1755-1759, 1997. SCULLY, R. E. et al. Case 23-2001. N. Engl. J. Med., v. 345, p. 276281,2001. SCULLY, R. E. et al. Case 5-2001. N. Engl. J. Med., v. 344, p. 510517,2001.

CAPÍTULO 30

O screening pode ser feito com exames laboratoriais,

___________________________________

CAPÍTULO

31

Constipação Intestinal Vanessa Gurgel Adeodato • Martha Lenardt Sulzbach

Homem de 35 anos de idade, previamente hígido, chega ao pronto-socorro com história de constipação intestinal há quatro meses. As fezes tinham consistência endurecida, em pequeno volume, com evacuação a cada quatro dias, e anteriormente apresentava evacuação diária. Refere sangue vivo nas fezes por duas vezes, em pequena quantidade. Relata que antes de iniciar a obs­ tipação apresentou episódio de diarreia por uma semana. Apresentava ainda dor abdominal de padrão em cólica no andar inferior do abdome. Nega vômitos, febre, distensão abdominal ou ausência de flatos. Re­ fere perda de 10kg em quatro meses, adinamia, hiporexia e dor em peso na região lombar. Nega outras queixas ou morbidades anteriores, uso de medicações e cirurgias prévias. Nega história de doença inflamató­ ria intestinal, neoplasias ou quaisquer outras doenças na família.

Devem-se levantar algumas hipóteses que fazem par­ te do diagnóstico diferencial entre constipações crônicas.

Podem ser divididas por três principais causas: extraco­ lônicas, mecânicas e funcionais (Quadro 31.1): A constipação funcional está entre as principais etio­ logias da constipação e é definida pelo critérios diagnós­

ticos Roma III com sintomas no mínimo por 12 semanas,

nos últimos seis meses. Deve incluir dois ou mais critérios dos seguintes:

• Esforço evacuatório em, no mínimo, 25% das eva­ cuações.

• Fezes endurecidas ou em cíbalos no mínimo em 25% das evacuações.

• Sensação de evacuação incompleta em, no mínimo, 25% das evacuações.

O paciente apresenta obstipação intestinal há quatro meses. Constipação intestinal é um sintoma comum na população,

mas geralmente permanece não reconhecida até que o pa­

• Manobras manuais para facilitar a evacuação em, no mínimo, 25% das evacuações.

• Menos de três evacuações por semana.

ciente desenvolva sequelas como desordens anorretais ou doença diverticular. Muitas definições são dadas, porém a

Atenção deve ser dada para os sinais de alarme da

definição mais útil de constipação é a mudança do hábito

constipação intestinal que em geral indicam uma doenças

intestinal que resulta em sintomas agudos ou crônicos, ou

mais grave, como câncer do cólon. Esses sinais são de

doenças, que podem ser resolvidos com o alívio da consti­

perda ponderal significativa, sangramento intestinal, apa­

pação. A mudança do hábito intestinal pode ser definida com os seguintes critérios: evacuações infrequentes (tipicamente

recimento de constipação em pacientes acima de 50 anos de idade, história familiar de doença colorretal. Estes pa­

menos de três vezes por semana), dificuldade para evacuar

cientes devem ser investigados no mínimo com uma sig­

ou sensação de evacuação incompleta.

moidoscopia.

A prevalência da constipação aumenta exponencial­

Há indícios na história clínica que nos fazem descartar

mente em adultos com mais de 65 anos de idade. Isso pode

algumas hipóteses, como constipação por medicamentos,

ser reflexo da combinação de alterações da dieta, diminui­

distúrbios neurológicos e hábitos alimentares, pela falta de

ção do tônus muscular e de exercício e uso de medicações

dados compatíveis e por que estas não costumam cursar com

que podem causar desidratação ou dismotilidade colônica.

hematoquezia e nem perda ponderal significativa.

Constipação Intestinal - 187

QUADRO 31.1 - Diagnóstico diferencial entre constipações intestinais

o paciente ser jovem e sem qualquer relato de doenças intestinal na família, neoplasia de cólon não é uma hipó­

31

associados a outros sinais e sintomas, porém não podem

CAPÍTULO

• Extracolônicas - Hábitos alimentares ■ Dieta pobre em fibras ■ Consumo inadequado de líquidos ■ Baixa ingestão alimentar - Medicamentos ■ Antiácidos ■ Anticolinérgicos ■ Anticonvulsivantes ■ Antidepressivos ■ Antagonistas 5-HT3 ■ Bloqueadores de canal de cálcio ■ Diuréticos ■ Antiparkinsonianos ■ Arsênio, ferro e chumbo ■ Narcóticos ■ Psicotrópicos ■ Laxativos (uso abusivo) - Distúrbios neurológicos ■ Esclerose múltipla ■ Neuropatia autonômica ■ Doença de Parkinson ■ Doença de Chagas ■ Acidente vascular cerebral ■ Doença de von Recklinghausen ■ Tumores intracranianos ■ Lesões da medula espinhal ■ Sífilis terciária - Distúrbios metabólicos, endócrinos e do tecido conjuntivo ■ Hipercalcemia, hipocalemia ■ Insuficiência renal ■ Hipotireoidismo ■ Hiperparatireoidismo ■ Hipopituitarismo ■ Diabetes mellitus ■ Porfiria ■ Gravidez ■ Amiloidose • Mecânicas - Estreitamento do cólon, reto ou ânus ■ Câncer de cólon/reto ■ Radioterapia ■ Colite isquêmica ■ Doença diverticular ■ Complicações cirúrgicas ■ Estenose anal - Prolapso retal ou retocele - Doença de Hirschsprung (aganglionose segmentar congênita) • Constipação funcional - Constipação por trânsito lento - Disfunção do assoalho pélvico - Síndrome do intestino irritável

vocar perda ponderal de tal monta e geralmente vêm ser descartados de início. Assim, restavam ainda algumas

hipóteses: causas mecânicas como estreitamento do cólon, reto ou ânus e constipação funcional. Devido ao fato de

tese plausível até então. Porém, para o diagnóstico de constipação intestinal funcional necessita-se de exclusão

de outras causas. O paciente foi transferido para a enfer­

maria da gastroenterologia para iniciar investigação

diagnóstica com exames complementares. Solicitados exames para investigação de distúrbios metabólicos: eletrólitos, função renal, glicemia de jejum e hormônio estimulante da tireoide, os quais se apre­ sentam sem alterações. Nesse momento, indica-se colonoscopia. Durante o preparo para colonoscopia, o paciente passa a apresentar piora da dor abdominal, distensão e vômitos. Há ruídos hidroaéreos flatos e ausência de dor à descompressão abdominal brusca. Passada sonda nasogástrica, porém sem melhora do quadro. Realizada radiografia de abdome (Fig. 31.1), que evidenciou grande distensão de cólon e delgado com nível líquido.

Ao exame físico, o paciente se encontra em bom estado geral, emagrecido (índice de massa corporal de 17), hidratado, eupneico, corado, anictérico, nor­ motenso, afebril. Sem linfonodomegalias. Ausculta cardiopulmonar sem anormalidades. Abdome: escava­ do, flácido, algo dolorido em hipogástrio, sem vis­ ceromegalias ou massas palpáveis, ruídos hidroaéreos positivos (RHA +).

O exame físico veio confirmar o quadro consumptivo significativo. Distúrbios metabólicos não costumam pro­

Figura 31.1 - Radiografia de abdome com distensão de alças de delgado.

CAPÍTULO 31

188 - Doenças do Sistema Gastrointestinal

QUADRO 31.2 - Classificação do abdome agudo segundo a natureza do processo determinante • Inflamatório: apendicite aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda, diverticulite do cólon, doença inflamatória pélvica, abscessos intracavitários, peritonites primárias e secundárias, febre do Mediterrâneo • Perfurante: úlcera péptica, câncer gastrointestinal, febre tifoide, amebíase, divertículos de cólons, perfuração do apêndice, perfuração da vesícula biliar • Obstrutivo: obstrução pilórica, hérnia estrangulada, bridas, áscaris, corpos estranhos, cálculo biliar, volvo, intussuscepção, tumores • Hemorrágico: gravidez ectópica, rotura de aneurisma abdominal, cisto hemorrágico de ovário, rotura de baço, endometriose, necrose tumoral • Vascular: trombose da artéria mesentérica, torção do grande omento, torção do pedículo de cisto ovariano, infarto esplênico

Figura 31.2 - Lesão metastática na base do pulmão A situação clínica anterior sugere diagnóstico de ab­ dome agudo, cujas principais causas estão listadas no

Quadro 31.1. O quadro de distensão abdominal e vômitos, associado ao achado de dilatação de alças à radiografia favorece uma etiologia obstrutiva para o quadro apresen­ tado pelo paciente.

Nesse momento é feito, toque retal. Ao exame, fica evidente à palpação uma massa endurecida em parede lateral direita a aproximadamente 5cm da margem anal, fixa, ocupando metade da circunferência. Ao ultrapas­ sar essa região, toca-se massa estenosante, dolorida à palpação. Porse tratar de emergência cirúrgica (abdome agudo obstrutivo), o paciente é submetido a uma lapa­ rotomia exploradora. As hipóteses diagnósticas restringiram-se a causas que

direito.

mília. Realizada uma nova colonoscopia para afastar polipose adenomatosa familiar. Encontrada apenas a massa estenosante, sem pólipos nos demais segmentos colônicos. Decidiu-se iniciar esquema de quimioterapia e ra­ dioterapia neoadjuvantes. Após o primeiro ciclo de quimioterapia, o paciente recebeu alta para continuaro tratamento ambulatorial­ mente.

DIAGNÓSTICO FINAL Adenocarcinoma de cólon.

podem cursar com massas obstrutivas, como câncer de cólon e/ou reto.

No intraoperatório foi encontrada grande massa em retroperitônio envolvendo sigmoide e reto, adenome­ galias e implantes em mesodelgado. Realizadas biópsias de implantes, gânglios e da massa, além de colostomia. O exame anatomopatológico definiu então o diag­ nóstico: adenocarcinoma com células em anel de sinete. Solicitado antígeno carcinoembrionário e tomogra­ fias de tórax e abdome para estadiamento. A tomografia computadorizada de tórax mostrou metástase pulmonar na base direita (Fig. 31.2).

DISCUSSÃO O caso presente aborda um tema com grande relevância

clínica, uma vez que o câncer colorretal é o terceiro tipo de tumor mais frequente nos Estados Unidos e o quinto

em homens no Brasil, além de ser o segundo em morta­ lidade. Adenocarcinomas compreendem a maioria dos

casos de câncer colorretal (98%). Outros tipos raros in­

cluem o carcinoide (0,1%), linfoma (1,3%) e sarcoma (0,3%). Em dois terços dos casos, o tumorse localiza no cólon, e em um terço, no reto.

Como o paciente era jovem, causas genéticas para o câncer colorretal devem ser aventadas, sendo as duas prin­

cipais a polipose adenomatosa familiare o câncercolorre­ tal hereditário não poliposo (síndrome de Lynch).

No entanto, a idade do paciente fez com que esse

diagnóstico não fosse aventado logo no início do quadro, pois o câncer colorretal é raro antes dos 45 anos, com

média de idade de 68 anos ao diagnóstico. A hereditarieda­ de é responsável por 3 a 5% das ocorrências de câncer

Conversa-se com familiares, que negam novamen­ te história de doenças intestinal ou qualquer neoplasia. Orienta-se rastreamento de câncer colônico para a fa-

colorretal. O fato de o paciente ser jovem faz com que a

hipótese de desordens genéticas, como a polipose adeno­

matosa familiare a síndrome de Lynch, sejam reforçadas.

Constipação Intestinal - 189

QUADRO 31.3 - Síndrome de Lynch

seria esse um caso de câncer esporádico ou ocorreu mutação e ele seria o primeiro da linhagem hereditária a desenvolver

a neoplasia? Desse modo, torna-se imperioso fazer o ras­ treamento e o acompanhamento de todos os seus parentes

próximos, a fim de se detectar casos novos na família.

Porém, isso não se confirmou, uma vez que ele não apre­ sentava pólipos à colonoscopia e nem havia critérios

suficientes para câncer retal não polipomatoso hereditário

(Quadro 31.3). A família sempre negou qualquer doença intestinal ou história de câncer.

Quando o paciente deu entrada no hospital com quei­ xa de constipação, foram corretamente aventadas algumas

hipóteses diagnósticas já comentadas. Porém, houve um erro grave no exame físico à entrada. Não foi feito o toque

retal. Esse exame é capaz de detectar lesões até 8cm da margem anal, como era o caso do paciente. Consequen­ temente, não foi visto que apresentava uma massa este­

nosante e, assim, não deveria ter sido submetido ao pre­ paro da colonoscopia, fato que provocou abdome agudo obstrutivo. A maioria dos casos de câncer colorretal surge a par­

tirde lesões pré-malignas, como os pólipos adenomatosos.

Na população geral, o risco de uma pessoa ter um ade­ noma colorretal é de cerca de 19% e 2 a 5% desses póli­

pos esporádicos irão se transformarem lesão maligna. Os pólipos hiperplásicos não são considerados lesões pré-

malignas. No presente caso, não se pode afirmar que o

tumor veio de uma lesão precursora, pois não havia qual­

querexame anterior que evidenciasse um adenoma. Além

BIBLIOGRAFIA BALLINGER, A. B. et al. Patients with chronic dianhea. NEJM, v. 333, p. 257-258, 1995. BAUDENDISTEL, T. E.; HAASE, A. K.; FITZGERALD, F. The leading diagnosis - a 23-year-old black woman presented to the emeigency depaitment with diffuse, colicky abdominal pain of 1 houfs duration. N. Erjj. J. Med., v. 357, p. 2389, 2007. BROWINING, S. M. Constipation, dianhea and initable bowel syndrome. Prim. Caev. 26, n. 13, 1999. BURT, R. W. Familial risk and colorectal câncer Gastroaiad. Clin NcrthAm., v. 25, n. 4, p. 793-803, 1996. DAGHER, R. N.; PAZDUR, R. Colorectal câncer N. ErjçJ. J. Med., v. 347, p. 1987, 2002. JEMAL, A.; et al. Câncerstatistics, 2002. CA Caru J. Clin, v. 52, p. 23-47, 2002 [enatum, CA CâncerJ. Clin. v. 52, n. 119,181-2, 2002], LONGSTRETH, G. F. et al. Functional bowel disorders. Gastroateo kg, v. 130, p. 1480-1491, 2006. LYNCH, H. T. Family information service and hereditary câncer Caiu, v. 91, p. 625-628, 2001. LYNCH, H. T; DE LA CHAPELLE, A. Hereditaiy colorectal câncer N. Erg. J. Med., v. 348, p. 919-932, 2003. RANSOHOFF, D. F.; SANDLER, R. S. Screening forcolorectal câncer N. Erg. J. Med., v. 346, p. 40, 2002. SCHILLER, L. R. Chronic dianhea of obscure origin. In: FIELD, M. (ed.). Diarhcd discascs New Yoik: Elsevier 1991, p. 219-38. VENOOK, A. P. Colorectal câncer N. ErgJ. J. Med., v. 352, p. 476, 2005.

CAPÍTULO 31

• Presença de câncer colônico diagnosticado histologicamente em três ou mais familiares, e um deles tem que ser obrigatoriamente parente de primeiro grau dos outros dois • Pelo menos um caso de câncer colorretal se desenvolvendo antes dos 50 anos de idade • Câncer colorretal envolvendo pelo menos duas gerações • Ausência de uma síndrome poliposa hereditária

disso, a massa tumoral identificada já apresentava mais de 10cm de extensão. Permanece assim a seguinte dúvida:

___________________________________

CAPÍTULO

32

Hemorragia Digestiva Alta Thiago De Bortoli Nogueira

Homem de 45 anos de idade, branco, apresenta-se no setor de emergência com epigastralgia intensa e vômitos repetidos, que posteriormente mostram aspec­ to sanguinolento há 24h. O próprio paciente, sem acompanhante no momento, refere que no último ano teve epigastralgia esporadicamente e também um epi­ sódio de fezes enegrecidas e de odor fétido, porém, não se importou com o quadro e não procurou atendimento médico nesse período. É natural e procedente de São Paulo e trabalha como sapateiro. Refere lombalgia frequente e faz uso de diclofenaco de potássio sempre que se intensifica o quadro álgico. Nega outras doenças ou antecedentes cirúrgicos. É tabagista de longa data, em média 20 cigarros por dia, e refere fazer uso de bebida alcoólica com frequência há 15 anos, após um divórcio.

pylori, uso de anti-inflamatórios não esteroidais

(AINE) e ácido acetilsalicílico e situações de estres­ se. Essa hipótese deve ser levada em conta, visto

que o paciente relata episódios anterior de epigas­

tralgia, bem como ter apresentado melena. O uso de AINE (diclofenaco, no caso deste paciente) favore­

ce lesões desse tipo por vários mecanismos, como

inibição da ciclo-oxigenase 1 (COX 1) e COX 2, e a inibição da via COX 1 causa inibição da síntese de prostaglandina, que é fundamental para o bicar­

bonato da mucosa e a secreção de muco, sendo

importante para sua proteção. •

Varizes de esôfago e gástricas: nos meios urbanos, a hemorragia por varizes de esôfago e gástricas

secundárias à hipertensão portal e à cirrose alcoóli­ ciente caracteriza-se como hematêmese, que se enquadra

ca constitui a segunda fonte mais frequente, identi­ ficada em 10 a 20% dos pacientes. Para este pode-se

como manifestação de hemorragia digestiva alta, definida

valorizar tal hipótese, pelo fato de ser etilista, poden­

como qualquer sangramento proximal ao ligamento de

do apresentar cirrose hepática alcoólica e, porcon­

Treitz, considerada uma doença comum e potencialmen­

sequência, hipertensão portal e varizes de esôfago

te letal, respondendo por aproximadamente 85% das in­

e gástricas.

O quadro de vômitos com sangue exteriorizado pelo pa­

ternações hospitalares por da hemorragia digestiva. O

• Lesões mucosas agudas: globalmente caracterizadas

sangramento pode exteriorizar-se sob a forma de hema­

como gastrite ou duodenite, são observadas em 15

têmese, melena, hematoquezia (sangue vivo nas fezes) ou

a 30% dos pacientes com hemorragia, em ambientes

sangue oculto nas fezes. O diagnóstico diferencial para

tanto urbanos quanto não urbanos. Há forte suspei­

hemorragia digestiva alta é extenso (Quadro 32.1) e deve

ta no paciente em foco, pelos motivos mencionados

englobaras seguintes possibilidades:

nos casos das doenças ulcerosas. O uso crônico de anti-inflamatório e álcool favorece lesão mucosa,

• Doença ulcerosa gastroduodenal: as úlceras pépticas, gástricas ou duodenais, representam cerca de 50 a

podendo provocar lesões e sangramento, exteriori­

zando-se como hematêmese.

60% dos casos de hemorragia digestiva alta, junta­

• Lacerações de mucosa de Mallory-Weiss na junção

mente com a gastrite erosiva. Os fatores etiopatogê­

gastroesofágica (8 a 10%): comum após ingestão

nicos considerados são infecção por Helicobacter

abusiva de álcool, provocando um quadro importan­

Hemorragia Digestiva Alta - 191

• Doença de Crohn: doença inflamatória que pode

brada nesse caso, visto que o paciente relata inges­

atingir qualquer porção do trato gastrointestinal.

tão de bebida alcoólica.

Causa formação de granulomas e inflamação em

• Esofagite (3 a 5%): processo inflamatório, geral­

áreas distintas, intercaladas de forma bem delimitada

mente secundário ao refluxo gastroesofágico, po­

por outras completamente saudáveis. Pode raramen­

dendo provocar em casos muito intensos, sangra­

te causar sangramento digestivo alto, visto que na

mento da mucosa esofágica. Esse paciente refere

maioria das vezes compromete íleo terminal e cólon.

epigastralgia esporádica prévia bastante inespecífica,

• Hemobilia: significa o sangramento através do trato

não demonstrando quadro característico de doença

hepatobiliar e é uma causa rara de sangramento

do refluxo e consequente esofagite, tornando este

digestivo agudo. Deve ser considerada em pacientes

diagnóstico pouco provável.

com hemorragia digestiva e história recente de

• Doença maligna (3%): as neoplasias do esôfago e

trauma hepático ou biliar incluindo biópsias hepá­

estômago apresentam sintomas característicos, como

ticas, colangiografia trans-hepática percutânea e

disfagia, dor epigástrica, regurgitação ou vômitos e

outros procedimentos sobre o fígado e vias biliares.

emagrecimento. A hemorragia digestiva alta é de

Uma outra causa de hemobilia é o aneurisma da

pequena monta, porém, persistente, levando a um

artéria hepática. A tríade clássica que a caracteriza

quadro de anemia crônica. O paciente em questão,

inclui cólica biliar,icterícia obstrutiva e sangramen­

embora não relatasse emagrecimento, manifestou

to gastrointestinal, ainda que oculto. Essa morbida­

epigastralgia, com melena previamente, podendo

de não se enquadra ao caso relatado, dificilmente

ser embora mais incomum, a etiologia do sangra­

sendo a etiologia do sangramento do paciente.

mento. • Lesão de Dieulafoy: as úlceras de Dieulafoy são

Ao exame físico apresenta palidez cutâneo-

erosões de mucosa em deformidade arterial na sub­

mucosa, está ictérico (+1/+4) orientado, pouco an­

mucosa de fundo gástrico, sendo responsáveis por

sioso, sudoreico, referindo sede. Pressão arterial de

cerca de 0,3% das hemorragias digestivas, geral­

100 × 70mmHg sentado e em pé, com frequência

mente de grande intensidade. Pode ser pensado como

cardíaca de 100bpm, ausculta cardíaca e respiratória sem alterações, com frequência respiratória de 18ipm.

etiologia do sangramento nesse paciente, sendo muito importante o exame físico para avaliara re­

percussão hemodinâmica. • Ectasia vascular antral gástrica ou watermelon

O exame do abdome está normotenso, sem massas

palpáveis, sem dorà descompressão brusca. O fíga­

do é palpável a 3cm do rebordo costal e sem sinais

stomach (estômago em melancia) é uma causa rara (1 a 2%), porém importante, de hemorragia diges­ tiva alta e deve ser pensada no caso desse paciente. • Fístula aortoduodenal: é uma comunicação entre a aorta abdominal e uma alça intestinal. É uma entida­

de rara, cuja incidência varia entre 0,6 e 2,4% em indivíduos sujeitos à cirurgia da aorta abdominal.

Classifica-se como primária, se não existir cirurgia

aórtica prévia; ou secundária, se ocorrer após proce­

dimento cirúrgico, sendo esta última variante a mais frequente. A apresentação clínica mais comum é

hemorragia digestiva, sob forma de hematêmese, melena, ou hematoquezia, podendo surgir como he­ morragia maciça com repercussão hemodinâmica e choque hipovolêmico ou como hemorragia de peque­ na magnitude autolimitada a que se pode seguir uma

hemorragia de grande magnitude. O paciente em questão não apresentava antecedente cirúrgico, que é

uma das causas mais comuns de fístula aortoduodenal,

o que torna essa hipótese diagnóstica pouco provável.

QUADRO 32.1 - Diagnóstico diferencial de hemorragia digestiva alta aguda • Doenças pépticas - Úlcera duodenal - Úlcera gástrica - Esofagite de refluxo - Gastrite - Duodenite • Doenças associadas a medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais • Lesões agudas da mucosa gástrica • Causas relacionadas à hipertensão portal - Varizes de esôfago - Varizes gástricas - Gastropatia portal hipertensiva - Estômago em melancia • Laceração de Mallory-Weiss • Neoplasia de esôfago, estômago, duodeno • Esofagite devido à infecção • Lesão de Dieulafoy • Fístula aortoduodenal • Angiodisplasias • Doença de Crohn • Hemobilia • Hemorragia de origem pancreática (hemosucus pancreaticus)

CAPÍTULO 32

te de hemorragia digestiva alta e que deve ser lem­

192 -

Doenças do Sistema Gastrointestinal

CAPÍTULO 32

de esplenomegalia. Toque retal demonstra fezes de

consistência amolecida em ampola retal, sem sangue

ou tumoração palpável. Sinais de hepatopatia crô­ nica, como eritema palmare telangiectasias. Exame neurológico sem alterações relevantes. Durante o atendimento, o paciente teve um episódio de hema­

têmese em moderado volume. Esse paciente demonstra manifestações de perda volê­

mica. Isso pode ser avaliado graças às manifestações como

palidez cutâneo-mucosa, ansiedade e sede. Mostra também sinais de hepatopatia crônica, de provável origem alcoóli­

glicemia: 110; cálcio: 8,3; aspartato aminotransferase (AST): 305; alanina aminotransferase: 320; gamaglutamiltransferase: 40; fosfatase alcalina: 100; amilase: 90; creatinina: 0,9; ureia: 32; atividade de protrombina: 56%; relação normalizada internacional: 3,2; proteínas totais: 4; albumina: 3,3; bilirrubinas to­ tais: 3,5; direta: 2,2; indireta: 1,3; radiografias de tórax e de abdome e eletrocardiograma sem alterações.

Alteração de transaminases, albumina, bilirrubina e coagulograma, aliada às manifestações observadas ao

exame físico confirmam o quadro de hepatopatia crônica, que constitui forte hipótese que levaria ao sangramento

pertensão portal e às suas consequências, como varizes

digestivo alto. O paciente manifestou sinais de perda volêmica que podem ocorrer com varizes de esôfago, lesão de Dieulafoy, úlceras pépticas e até mesmo gastrite

esofagogástrica, com rotura e sangramento. É obrigatório, em casos de hemorragia digestiva alta,

erosiva hemorrágica intensa. Todas essas hipóteses devem ser consideradas. Síndromes neoplásicas podem causar

que se obtenha acesso periférico calibroso e que seja

sangramento digestivo alto, porém em pequena quantida­ de, raramente causando instabilidade hemodinâmica, o

ca (refere uso de bebida alcoólica há vários anos), poden­ do-se pensarem doenças secundárias a cirrose, como hi­

infundida solução cristaloide, visto que o risco de insta­ bilização é factível. A hemorragia digestiva alta é arbitra­ riamente dividida em três classes: maciça, manifesta e

oculta. Sangramento maciço é aquele que se acompanha de alterações circulatórias indicativas de perdas volêmicas expressivas, tais como hipotensão arterial, taquicardia,

oligúria, sede e sinais de vasoconstrição periférica; habi­ tualmente, é necessária a perda de no mínimo 20% do

volume intravascular para que se observem tais manifes­

tações. Igualmente, qualquer paciente que necessite de mais de 2L de hemotransfusão em 24h é portador de processo hemorrágico maciço. Sangramento manifesto (moderado) é aquele no qual se evidencia hematêmese

e/ou melena e/ou hematoquezia, porém, sem comprome­ timento hemodinâmico: tais pacientes não desenvolvem

hipotensão arterial postural nem requerem hemotransfusões volumosas. O paciente em questão se enquadra nesse

grupo. E, finalmente, sangramento oculto, detectado por

pesquisa positiva de sangue oculto nas fezes, com ou sem anemia, porém, não se traduzindo por hematêmese, me­ lena, hematoquezia ou repercussão hemodinâmica aguda.

Dada à imprevisibilidade da evolução do quadro hemor­

rágico, todo paciente com hemorragia digestiva alta não

oculta deve ser considerado como portador de patologia de alto risco e hospitalizado, para acompanhamento clí­

nico-cirúrgico e elucidação diagnóstica.

O paciente recebe 2.000mL de solução cristaloide, infundidos rapidamente. Os exames de urgência reve­ lam: hemoglobina: 9,2g/dL; hematócrito: 30%; volume corpuscular médio: 90; leucócitos: 9.000 com diferen­ cial normal; plaquetas: 315.000; velocidade de hemossedimentação: 80; sódio: 130; potássio: 4,2;

que faz dessa hipótese, neste caso, pouco provável. Ra­ diografias de tórax e abdome não vão identificara fonte de sangramento, mas pelo quadro de epigastralgia e he­

matêmese são importantes para descartar rotura esofágica (síndrome de Boerhaave). No caso, pela normalidade radiológica, essa hipótese pode ser descartada.

O paciente é submetido imediatamente à endosco­ pia digestiva alta. O exame demonstra, a 25cm da arcada dentária superior três cordões varicosos (Fig. 32.1) de fino calibre, azulados, retilíneos, sem redspots, e com interrupção acima da transição escamocolunar Evidencia-se também laceração linear (Fig. 32.2), longitudinal, profunda, com cerca de 2cm de extensão em mucosa comprometendo a transição esofagogástri­ ca, com sangramento contínuo em moderada quantidade. Administrada injeção de adrenalina (3mL de solução decimal) com agulha de injeção no local da laceração da mucosa na transição esofagogástrica, cessando o sangramento (Fig. 32.3). Em região de fundo gástrico evidenciam coágulo e, em antro gástrico, erosões reco­ bertas de fibrina (Fig. 32.4), em número de cinco a dez por campo de grande aumento. Após o procedimento, houve estabilização dos sinais vitais e dos exames la­ boratoriais do paciente, que recebeu alta hospitalar depois 48h de observação, fazendo uso de omeprazol em dose plena e recebendo encaminhamento para au­ xílio ambulatorial para pacientes etilistas.

DIAGNÓSTICO FINAL • Síndrome de Mallory-Weiss. • Varizes de esôfago de fino calibre. • Gastrite endoscópica erosiva moderada de antro.

Hemorragia Digestiva Alta - 193

CAPÍTULO 32

Figura 32.1 - Varizes no esôfago.

Figura 32.3 - Laceração da mucosa esofagogástrica (Mallory-Weiss) - aspecto pós-adrenalização.

Figura 32.2 - Laceração da mucosa esofagogástrica

Figura 32.4 - Gastrite erosiva moderada de antro.

(Mallory-Weiss) com sangramento em atividade.

DISCUSSÃO

quência como melena isoladamente ou hematoquezia.

O sintoma mais comum em pacientes com síndrome de

cosa da junção gastroesofágica, representando 8 a 10%

Mallory-Weiss é a hemorragia digestiva alta, geralmente

das causas de hemorragia digestiva alta. Em geral, o

manifestada na forma de hematêmese, e com menos fre­

quadro se manifesta após episódios repetidos de vômitos,

Essa síndrome caracteriza-se por laceração linearda mu­

CAPÍTULO 32

194 -

Doenças do Sistema Gastrointestinal

que pelo esforço provocam laceração da mucosa e san­ gramento.

sangramento, deve ser realizada laparotomia para rafia da laceração mucosa, por uma gastrostomia alta. Esse pacien­

Costuma haver história de uso excessivo de álcool

te enquadrou-se na minoria dos casos, pois manifestou

precedendo o episódio de sangramento. O paciente em

alteração hemodinâmica e necessidade de intervenção

foco apresentava história muito característica, pois rela­

terapêutica. Porém, apresentava hepatopatia crônica, al­

tava uso de álcool por longo período e episódios repetidos

terações consideráveis de coagulação, fator essencial para

de vômitos e, posteriormente, hematêmese. Outros fatores,

que houvesse sangramento contínuo e mais intenso, des­

além do uso abusivo de álcool, que são predisponentes

ta forma afastando-se da normalidade dos relatos na lite­

para laceração da mucosa esofagogástrica são hiperême­

ratura. A história e o exame físico foram elementos pri­

se gravídica, hérnia de hiato, doenças respiratórias com

mordiais para a elaboração do raciocínio clínico e a

tosse intensa; distúrbios de coagulação; uso de anticoa­

investigação diagnóstica, porém, a confirmação endoscó­

gulantes; vômitos induzidos, como em bulimia.

pica foi essencial para o diagnóstico definitivo e a tera­

Havia alguns fatores que dificultaram o diagnóstico.

pêutica adequada.

Por exemplo, o fato de o paciente apresentar alterações clínicas e laboratoriais de hepatopatia crônica falava for­

temente a favorde varizes esofagogástricas com provável rotura e sangramento. Antecedentes de epigastralgia, uso de AINE e manifestação de melena também sugeriam

lesão aguda de mucosa gastroduodenal, como gastrite erosiva hemorrágica, ou até mesmo úlcera péptica. Outras situações mais raras, como ectasia vascular antral gástri­ ca (estômago em melancia) e lesão de Dieulafoy, também

poderiam causar hemorragia digestiva alta. A endoscopia digestiva alta é o padrão-ouro para

confirmação diagnóstica de hemorragia digestiva alta. Apresenta finalidade diagnóstica e terapêutica, como no

caso relatado, em que coibiu o sangramento. Em 90% das ocorrências de Mallory-Weiss o sangramento é autolimi­ tado, com prognóstico favorável (recorrência de sangra­

mento de 0 a 5%), não havendo necessidade de interven­ ção terapêutica endoscópica; na maioria das vezes o

sangramento não é intenso, não provocando alterações

hemodinâmicas. Em algumas situações existe necessida­ de de intervenção, podendo-se optar pela injeção de so­

lução de adrenalina, ou termocoagulação. Havendo falha endoscópica, opta-se pela angiografia e, não cessando o

BIBLIOGRAFIA DANI, R.; CASTRO, L. P. et al. Gastrαatedc^aclírica 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993, p. 103. FAIVRE, J. et al. Mailoy Wciss ‘yrdrone A stuly cf 25 cases Nouv. Presse Med., v. 6, n. 31, p. 2765-8, 1977. FELDMAN, M. et al. Sldscrgr arl Fcrdtrads^strdrtEstirEia^ fivβ1 disGese 7. ed. Philadelphia: WB Saunders, 2002, p. 215. HARRIS, J. M.; DIPALMA, J. A. Clinicai significance of Malloiy-Weiss teais. Am. J. Gastroatod, v. 88, p. 2056-8, 1993. LLACH, J. et al. Endoscopic injection therapy in bleeding MalloiyWeiss syndrome: a randomized controlled trial. GastrdríEst Erdαc., v. 54, p. 679-81, 2001. MEARIN MANRIQUE, F. Maflcry-Wdss^rrircme Ccrridαa ticrscn 27c ases Arq. Gastroenterol., v. 18, n. 3, p. 1137, 1981. NORTON, I. et al. Endoscopic management of non variceal upper gastrointestinal haemonhage. ANZ JcltγeI cf Strgpy, v. 77, n. 4, p. 222-230, 2007. SILVERSTEIN, F. E.; TYTGAT, G. N. J. Gash drtestird (rdcaqiy 3. ed. London: Mosby-Wolf, 1997. TERADA, R. Malloiy-Weiss syndrome with severe bleeding: treatment by endoscopic ligation. Am. J. Emαg Mβd., v. 18n 7 230D TOWNSEND, M. C. Sdiistn- Tráadodeciruga 16. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003, p. 892.

___________________________________

CAPÍTULO

33

Hemorragia Digestiva Baixa Thiago De Bortoli Nogueira • Ana Laura de Figueiredo Bersani

Mulher de 72 anos de idade, branca, apresenta-se no setorde emergência com três episódios de fezes li­ quefeitas, de coloração vermelho-vivo, com início há 24h. O esposo refere que, nos últimos meses, ela se encontrava em tratamento para anemia com sulfato ferroso e que havia perdido peso, embora não soubesse quantificar.Relata episódios de epigastralgia esporádi­ cos e nega alterações de hábito intestinal. É natural e procedente de São Paulo, e aposentada. Portadora de hipertensão arterial sistêmica há 20 anos, fazendo uso de captopril, 50mg/dia. Nega outras doenças ou ante­ cedentes cirúrgicos. Em relação aos antecedentes familiares, refere que irmã havia falecido há um ano por neoplasia de cólon. Nega tabagismo ou etilismo.

• Diverticulose: representa a fonte mais comum de

hemorragia digestiva baixa, responsável por 40 a 55% das ocorrências. Os divertículos de cólon são

lesões adquiridas comuns no cólon. Embora 40% dos pacientes, na quinta década de vida, apresentem divertículos, esta incidência sobe para 80% na nona

década. A hemorragia aparece em 3 a 5% dos pa­

cientes com diverticulose. Esse tipo de doença pode

ser a provável etiologia do sangramento da pacien­ te em questão, visto que tem idade avançada e san­

gramento vivo por via retal. • Neoplasias: as neoplasias de cólon, inclusive pólipos

adenomatosos, pólipos juvenis e carcinoma, possuem

O quadro de eliminação de fezes sanguinolentas, de sangue ou de coágulos sanguíneos pelo reto, da paciente em ques­

diversas formas de apresentação. O sangramento por

tão, caracteriza-se como hematoquezia, que se enquadra, geralmente, como manifestação de hemorragia digestiva

anemia secundária. No entanto, essas neoplasias

baixa, definida como qualquer sangramento que surge dis­ talmente ao ligamento de Treitz. Se o sangramento for lento ou de menor volume, pode também ser encontrada

até 20% se traduzem por hemorragia aguda prove­

melena, embora esta seja mais característica da hemorragia digestiva alta. Semelhantemente, até 15% dos pacientes com hemorragia maciça do problema digestivo alto podem apre­ sentarhematoquezia. O cólon é a origem da hemorragia em mais de 95 a 97% dos casos, com os 3 a 5% restantes sur­

gindo em localizações do intestino delgado. O sangramen­ to digestivo baixo corresponde a 15% dos principais episó­

essas lesões traduz-se por sangramento oculto e

podem exibir sangramento rápido e. algumas vezes,

niente de pólipos colônicos ou câncer. A paciente em foco apresenta perda ponderal, anemia, sangra­

mento por via retal e história familiar de neoplasia de cólon. Esses itens fazem dessa doença um diag­

nóstico bastante provável. • Doenças inflamatórias: incluem retocolite ulcerati­

va, doença de Crohn, colite infecciosa e outras que podem causar hemorragia digestiva baixa aguda.

dios de hemorragia digestiva e por isso é muito mais raro do que a hemorragia digestiva alta. A incidência de sangra­

Raramente a hemorragia é o primeiro sinal; surge

mento digestivo baixo aumenta com a idade, refletindo aumento paralelo de doenças adquiridas responsáveis por

causa com base na história do paciente. Até 20%

sangramento do cólon. O diagnóstico diferencial de hemor­

decorrer de uma dessas doenças inflamatórias. Ge­

ragia digestiva baixa é demonstrado no Quadro 33.1.

ralmente, essas morbidades cursam com alteração

durante a evolução da doença, suspeitando-se de sua das hemorragias digestivas baixas agudas podem

196 -

Doenças do Sistema Gastrointestinal

CAPÍTULO 33

do hábito intestinal, como diarreia mucossanguino­ lenta precedendo os fenômenos hemorrágicos agudos.

gia de pequena magnitude autolimitada a que se pode seguir uma hemorragia de grande magnitude.

A paciente não refere alteração prévia do hábito in­

A paciente não apresenta antecedente cirúrgico, que

testinal, tendo apresentado apenas sangramento diges­

é uma das causas mais comuns de fístula aortoduo­

tivo súbito, tomando esse diagnóstico pouco provável.

denal, o que toma essa hipótese diagnóstica pouco

provável.

• Causas vasculares: incluem as angiodisplasias,

flebectasias, hemangiomas, varizes do cólon, vascu­

• Causas raras: úlcera retal solitária, colopatia portal,

lites (poliarterite nodosa, granulomatose de Wegener

medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais

e artrite reumatoide, por exemplo). Os sangramentos

(AINE) e intussuscepção. O uso de AINE não é relatado pela paciente, tomando esta causa impro­

causados por essas alterações vasculares podem ser

vável; porém, as demais afecções, embora sejam

crônicos, intermitentes ou agudos e intensos. As

raras, podem ser causas do sangramento.

angiodisplasias e flebectasias acometem mais a

• Hemorragia digestiva alta: aproximadamente 10 a

população idosa, podendo sera etiologia do sangra­

15% dos pacientes com enterorragia moderada ou

mento deste caso. Os hemangiomas geralmente são

maciça têm, no trato digestivo alto, isto é, acima do

congênitos podendo, assim, causar sangramentos

ângulo de Treitz, a causa do sangramento ao efeito

prévios, manifestados até mesmo na infância, dife­

catártico do sangue que, por ser em grande quanti­

rentemente da história da paciente. As varizes do

dade, acaba se exteriorizando por via retal como

cólon costuma surgirem pacientes com hipertensão

hematoquezia. Essa hipótese deve ser considerada,

portal logo, são necessárias avaliações física e labo­

e é essencial que seja a primeira a ser descartada

ratorial para verificar sinais ou alterações que possam

antes de se iniciara investigação de afecções de

justificar esse diagnóstico.

origem abaixo do ligamento de Treitz.

• Afecções anorretais: as afecções anorretais benignas

podem manifestar hemorragia digestiva baixa, a qual

À admissão, o exame físico demonstra uma pacien­ te em mau estado geral, hipocorada, astênica, com a pele fria. A pressão arterial de 80 × 50mmHg, sentada e em pé, com frequência cardíaca de 120bpm, auscultas cardíaca e respiratória sem alterações, com frequência respiratória de 22ipm. Exame do abdome normotenso, sem massas palpáveis, sem visceromegalia, ausência de dorà descompressão brusca, com ruídos hidroaére­ os presentes. Toque retal demonstrando sangue de coloração vermelho-vivo em ampola retal, não se pal­ pando tumorações.

pode variarde leve a intensa, sendo em geral obser­

vada, ao exame físico, em mais da metade dos pa­ cientes com hemorragia digestiva baixa. Nesse caso, é de extrema importância a avaliação proctológica

antes de se definira causa do sangramento. • Lesão de Dieulafoy: as úlceras de Dieulafoy são

erosões de mucosa em deformidade arterial, mais

comuns na submucosa do fundo gástrico, embora possam ser encontradas no trato digestivo baixo, e responsáveis por cerca de 0,3% das hemorragias

digestivas, geralmente de grande intensidade. Apesar de raras, podem sera etiologia do sangramento da

paciente, visto que podem causar sangramento di­ gestivo baixo de grande monta. • Fístula aortoentérica: é uma comunicação entre a aorta abdominal e uma alça intestinal. É uma enti­

dade rara, cuja incidência varia entre 0,6 e 2,4% em

QUADRO 33.1 - Diagnóstico diferencial de hemorragia digestiva baixa aguda • • • • • •

indivíduos sujeitos à cirurgia da aorta abdominal.

Classifica-se como primária, se não existir cirurgia

aórtica prévia; ou secundária, se ocorrer após pro­

• •

cedimento cirúrgico, sendo esta última variante a

mais frequente. A apresentação clínica mais comum é a hemorragia digestiva, sob a forma de hematê­ mese, melena, ou hematoquezia, podendo surgir como hemorragia maciça com repercussão hemodi­

nâmica e choque hipovolêmico, ou como hemorra­

• • • • • • •

Diverticulose Angiodisplasia Neoplasia Pólipos Divertículos de Meckel Doenças inflamatórias - Colite ulcerativa - Doença de Crohn - Colite infecciosa Doenças induzidas por radiação Doenças associadas a medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais Afecções anorretais Varizes Lesões de Dieulafoy Síndrome de Osler-Weber-Rendu Fístula aortoentérica Vasculite Isquemia mesentérica

Hemorragia Digestiva Baixa - 197

(Fig. 33.2), sem sinais de sangramento local. Em ceco

ca significativa. Isso pode ser notado avaliando-se altera­

observa sangramento ativo (Fig. 33.3), sendo realizada

ções como hipotensão, taquicardia, palidez cutâneo-mu­

lavagem com solução fisiológica e verificada formação

cosa. Por esses dados, é possível supor um quadro de

aracniforme compatível com angiodisplasia (Fig. 33.4).

sangramento maciço, na maioria das vezes sendo neces­

Realizada terapêutica da lesão sangrante utilizando-se

sária a perda de, no mínimo, 20% do volume intravascu­

termocoagulação com plasma de argônio, cessando o

lar para que se observem tais manifestações. É primordial, assim como em qualquer quadro de

sangramento (Fig. 33.5). Apresentou boa evolução e

recebeu alta hospitalar após 72h.

hemorragia digestiva baixa, que se obtenha acesso peri­ férico calibroso e que seja infundida solução cristaloide,

pois há risco de instabilização progressiva e evolução para choque hipovolêmico grave. Devido à imprevisibilidade da evolução do quadro he­

DIAGNÓSTICO FINAL • Angiodisplasia de cólon.

morrágico, todo paciente com hemorragia digestiva baixa

• Divertículos em cólon sigmoide.

não oculta deve ser considerado como portador de morbi­

• Gastrite endoscópica enantematosa leve de antro.

dade de alto risco, devendo ser hospitalizado para acompa­ nhamento clínico cirúrgico e elucidação diagnóstica.

Os exames de urgência revelam: hemoglobina: 8,3g/ dL; hematócrito 24%; volume corpuscular médio: 85; concentração de hemoglobina corpuscular média: 33; hemoglobina corpuscular média: 30; leucócitos: 8.000, com diferencial normal; plaquetas: 350.000; atividade de protrombina: 80%; relação normalizada internacio­ nal: 1,2. A paciente recebe 2.000mL de solução cristaloide infundidos rapidamente, bem como duas unidades de concentrado de hemácias. A diminuição de hemoglobina e hematócrito mostra

quadro de anemia, que no caso é normocítica, normocrô­

mica. Isso demonstra perda volêmica, que poderia ser crônica, ocorrendo de maneira oculta levando ao quadro

anêmico, e que no momento se exteriorizou de forma

Figura 33.1 - Enantema discreto de antro gástrico.

súbita, mas também poderia ser por causa aguda. Afecções como neoplasias devem ser aventadas, visto que causam

perda sanguínea oculta, provocando a anemia. Ao mesmo tempo, a perda volêmica aguda e abundante poderia oca­

sionara queda da hemoglobina, levando a esses valores.

Nesse caso, inúmeras doenças podem ser consideradas, como doença diverticular, muito comum em idosos e

causa de sangramento de grande volume. A paciente

manifestou sinais de perda volêmica que podem surgir em doença diverticular dos cólons, angiodisplasia. Todas

essas hipóteses devem ser consideradas.

A paciente é submetida imediatamente à endosco­ pia digestiva alta. O exame demonstra enantema discreto de antro (Fig. 33.1), não se observando sinais de sangramento. Faz-se colonoscopia e constatam-se divertículos em cólon sigmoide com base estreita

Figura 33.2 - Divertículos em cólon sigmoide.

CAPÍTULO 33

A paciente apresenta manifestações de perda volêmi­

198 - Doenças do Sistema Gastrointestinal

CAPÍTULO 33

DISCUSSÃO Angiodisplasias são lesões vasculares degenerativas, ad­

quiridas, geralmente encontradas na parede intestinal de pacientes idosos. Essas malformações vasculares carac­

terizam-se por dilatações tortuosas do plexo vascular submucoso que, por contínua e repetida distensão e con­

tração do cólon, provocam dilatação do plexo sanguíneo, bem como aumento da pressão no interior dos vasos que, por sua vez, sofrem rupturas espontâneas e causam san­

gramento para o interior do lúmen intestinal. A enfermi­ dade representa uma das principais causas de hemorragia digestiva baixa em indivíduos entre a sexta e a sétima

Figura 33.3 - Angiodisplasia de ceco com sangramen­ to ativo.

décadas de vida, surgindo com maior frequência no ceco, pelo fato de ser o segmento do intestino grosso que pos­

sui maior diâmetro, o que determina, ao longo do tempo, maior tensão em sua parede. O acometimento de adultos

jovens é excepcional e raramente descrito. Os doentes queixam-se de um ou mais episódios de sangramento digestivo baixo, algumas vezes de grande monta. Muitos enfermos evoluem com anemia crônica

decorrente de perdas sanguíneas detectáveis apenas pela pesquisa de sangue oculto nas fezes, sem exibir um qua­ dro de hemorragia digestiva franca. É o caso da paciente em questão, que inicialmente apresentou anemia crônica de causa desconhecida, por provável perda sanguínea oculta pelas fezes, originária da angiodisplasia, e que posteriormente se manifestou como hemorragia aguda,

em grande volume. Havia alguns fatores que dificultaram o diagnóstico. Por exemplo, o fato de a paciente ser idosa, ter história

Figura 33.4 - Aspecto da lesão após lavagem com

familiar de neoplasia de cólon, anemia crônica, emagre­

solução fisiológica.

cimento e sangramento por via retal levava a uma forte suspeita de neoplasia de cólon. Ao mesmo tempo, o qua­ dro de sangramento de grande monta com repercussão

hemodinâmica, associado à idade avançada, levaria a pensarem doença diverticular dos cólons.

O diagnóstico da malformação vascular na maioria das vezes, é obtido durante o exame endoscópico, como

neste caso, em que pela colonoscopia foram possíveis o diagnóstico e a terapêutica específica. Havendo hemorra­

gia digestiva baixa de grande volume, é primordial que sejam inicialmente descartadas as afecções no trato di­ gestivo alto que, pelo efeito catártico do sangue, podem se exteriorizar como sangramento vivo por via retal. A conduta aqui, realizando-se a endoscopia digestiva alta como primeiro exame para investigação, foi correta. Após

excluir causas de origem acima do ligamento de Treitz,

a investigação deve ser por colonoscopia, a qual permite

Figura 33.5 - Aspecto da lesão após coagulação com

métodos para coibiro sangramento, como injeção de subs­

plasma de argônio.

tâncias esclerosantes, e métodos térmicos de coagulação,

Hemorragia Digestiva Baixa - 199

doscópica foi conclusiva para o diagnóstico definitivo e a terapêutica específica.

opta-se pela arteriografia, que demonstra utilidade não só para o diagnóstico da doença, bem como para sua exata

localização (íleo terminal, ceco e segmento proximal do cólon direito). A arteriografia assume maior importância

em enfermos com sangramento ativo, conferindo segu­

rança à indicação a tratamento cirúrgico. Nos doentes que não apresentam sangramento ativo, embora o exame

mostre menor acuidade diagnóstica, permite identificar corretamente a lesão. A arteriografia pode ainda se reve­ lar uma alternativa terapêutica, por permitir a infusão de

drogas vasopressoras ou a embolização seletiva arterial

no ponto de sangramento. Havendo falha pela angiografia e não cessando o san­

gramento, deve ser realizada laparotomia. Em virtude de as angiodisplasias não serem visíveis ou palpáveis pela

superfície serosa da parede intestinal, bem como porapre­ sentarem diminutas dimensões, sua correta identificação durante a cirurgia poderá ser problemática. A realização

imediata de arteriografia no espécime cirúrgico extirpado confere ao cirurgião a certeza da malformação vascularno

segmento ressecado.

O prognóstico de sangramento por angiodisplasia de cólon é bom e cerca de 80 a 85% cessam espontaneamen­

te, mesmo que nenhuma atitude terapêutica seja iniciada. A história e o exame físico foram fundamentais para

elaborar hipóteses diagnósticas, porém, a avaliação en­

BIBLIOGRAFIA AMERICAN GASTROENTEROLOGICAL ASSOCIATION. AGA guideline: evaluation and management of occult and obscure gas­ trointestinal bleeding. Gastrostodcg'. v. 118, p. 197, 2000. DANI, R.; CASTRO, L. P. et al. Gastrααtodc^aclírica 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993, p. 103. DEL CLARO, R. P. et al. Angiodisplasia de cólon: relato de caso e atualização da literatura. Rev. Bras Cdqwαt, v. 19, n. 2, p. 108, 1999. FOUTCH, P. G. et al. Prevalence and natural history of colonic angyodisplasia among healthy asymptomatic. Am. J. Gastroatod., v. 90, n. 4, p. 564-7, 1995. HYPPOLITO, J. Mard decdq rαtdc^a * São Paulo: Associação Paulista de Medicina, 2000. MARGARIDO, N. F. et al. Angiodisplasia do ceco na terceira década de vida. Rev. Bras Cckprαt, v. 27, n. 2, p. 202-206, 2007. NEUMANN, H.; MÖNKEMÜLLER, K.; MALFERTHEINER, P. Obscure overt GI bleeding secondary to angiodysplasias at the hepaticojejunostomy diagnosed and successfully treated with double-balloon enteroscopy. GastrdrtestirEi ondcKcpy, v. 67, n. 3, p. 563-565, 2008. HI SAKAI, P; ISHIOKA, S.; MALUF FILHO, F. Trdalodeeilc«q>ia digstivadiíyxsticaetaqrcLtica São Paulo: Atheneu, 2002, p. 660. SAKAI, P; ISHIOKA, S.; MALUF FILHO, F. Trétalodecrdcaqiia digstivadi¾TÍsticaetaqjêLtica São Paulo: Atheneu, 2002, v. 4. TOWNSEND, M. C. Sdristn- Trstedodeciruga 16. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003, p. 892.

CAPÍTULO 33

como o plasma de argônio, por exemplo. Havendo falha endoscópica para localização e terapia do local sangrante,

___________________________________

CAPÍTULO

Aumento do Volume Abdominal Carlos Alberto Franchin Neto • Lucas Cronemberger Maia Mendes

Paciente F. G., sexo masculino, 26 anos de idade, negro, casado, metalúrgico, natural e procedente de São Paulo, procura nosso serviço com queixa principal de aumento da barriga há 20 dias. Refere que nesse perío­ do iniciou quadro de aumento progressivo de volume abdominal, acompanhado de distensão e dor abdominal de leve intensidade, responsiva a analgésicos simples. Inicialmente, o que mais chama a atenção é o aumento

do volume abdominal em paciente jovem, que não tem histórico de viagens recentes. Abre-se, assim, um leque imenso de diagnósticos diferenciais. De maneira prática, sabemos de cinco grandes causas de distensão generalizada do abdome: líquido, gordura, feto, fezes, gases ‒ os “5 F” do inglês fluid, fat, fetus, feces, flatus1. Destes, o mais plausível para o paciente

toneal, pelo crescimento secundário de nódulos, comu­ mente associado à ascite4,5. No Quadro 34.11,4,5 apresen­

ta-se o diagnóstico diferencial de aumento do volume

abdominal. Dentre todas as possibilidades, nota-se que a maioria pode ser excluída facilmente com dados de anamnese e exame físico bem feitos3.

No interrogatório sobre diversos aparelhos refere perda de 5kg nos últimos três meses, acompanhada de inapetência. Refere hábito intestinal anteriorregulare que evoluiu com obstipação nas últimas semanas. Pa­ ciente nega internações ou doenças prévias. Nega tabagismo, etilismo ou uso de drogas ilícitas. Mãe hi­ pertensa, pai falecido de causa acidental e dois filhos hígidos.

seria o “primeiro F” e, em se confirmando, seria bastante

útil dividirmos as possibilidades diagnósticas de acordo com a diferença dos níveis de albumina entre o soro e o

Perda de peso não intencional pode significargravida­ de de doença, como em pacientes com neoplasia maligna,

líquido ascítico (discutido adiante), sabendo de antemão que, em mais de 90% dos casos, iremos nos deparar com cirrose, neoplasia ou tuberculose2,3. Podemos observar

cardiopatia e pneumopatia avançada, ou representar algum

ainda organomegalias levando ao quadro, mais comumen­ te hepato/esplenomegalia, pensando-se em causas infec­

adultos; porém, pode-se dizer que uma perda de 4 a 5%

ciosas (mononucleose e afins, HIV agudo, esquistosso­ mose, leishmaniose visceral, malária, etc.); anemia hemolítica crônica; neoplasias hematológicas (leucemias e linfomas); insuficiência cardíaca ou hepática (com cir­ rose e hipertensão portal); doenças reumatológicas como lúpus e artrite reumatoide (síndrome de Felty); metástases; doença policística renal ou hepática; doenças infiltrativas como amiloidose e sarcoidose ou no acúmulo de líquido livre na cavidade abdominal e suas inúmeras causas. Lembrar também de neoplasias com acometimento peri­

distúrbio ainda não diagnosticado. Sua definição é variável,

o que faz a incidência oscilar entre 1,3 e 8% dos pacientes do peso em um ano ou de 10% em cinco a dez anos está relacionada a maior morbimortalidade6. Podemos dividiras causas de perda de peso não in­

tencional em orgânicas, psicossociais e idiopáticas. Das causas orgânicas, cânceré a mais frequente (corresponde a até um terço de todos os casos de perda de peso não

intencional), sendo os do trato gastrointestinal os mais prevalentes. Distúrbios psiquiátricos usualmente são sub­ diagnosticados, mas certamente representam importante

parcela dos casos. Em geral, a etiologia da perda de peso não intencional é descoberta sem extensas avaliações, a

Aumento do Volume Abdominal - 201

QUADRO 34.1 - Causas de aumento do volume abdominal1,4,5

____________________________________________________

Neste ponto já podemos descartar com certa seguran­

ça, boa parte dos diagnósticos diferenciais apresentados

no início, ficando claro tratar-se de acúmulo de líquido livre no abdome. A partir daí, lançamos mão de um exa­

me fundamental para orientar o raciocínio clínico: a análise do líquido ascítico.

Ascite corresponde ao acúmulo de líquido livre na cavidade abdominal. A cirrose é responsável por aproxi­

madamente 80% das ocorrências, o que contribui para o

fato de, em 90% das vezes, a ascite abranger o desenvol­ vimento de hipertensão portal8. Evidentemente, deve-se enquadrara ascite no contex­ to clínico do paciente, buscando outros dados como his­

tória de abuso de álcool e sinais de hepatopatia crônica,

insuficiência cardíaca ou de síndrome consumptiva, doen­ ças prévias, contato com tuberculosos. Os exames gerais estão demonstrados no Quadro 34.2.

Realizada radiografia de abdome, não trazendo informações adicionais. Procedeu-se em seguida à paracentese, cuja análise do líquido ascítico evidenciou: • • • • •

depender de uma boa anamnese/exame físico. Mesmo

assim, em até 25% das vezes não se chega a uma causa identificável, sendo esses pacientes de melhorprognósti­

co quando comparados com os que têm etiologia, em es­ pecial câncer6,7. No caso em discussão, temos então um paciente com

perda de peso não intencional associada a quadro de alte­ ração do hábito intestinal e aumento de volume abdominal,

o que faz pensar fortemente em causa orgânica.

• • • • •

Aspecto: amarelo turvo. Proteína total: 4,5. Albumina: 2,7. Gradiente ascítico soro-ascite: 0,6mg/dL. Células: 240 - Neutrófilos: 14%. - Linfócitos: 63%. - Eosinófilos: 5%. - Macrófagos: 1%. - Mesoteliais: 11%. Desidrogenase lática (DHL): 1.673. Glicose: 43. Adenosina desaminase (ADA): 35. Células neoplásicas: ainda não liberado. Cultura: em andamento.

CAPÍTULO 34

• Distensão global - Ascite - Obesidade - Gravidez - Fecaloma - Obstrução gasosa (volvo de sigmoide, obstrução crônica, megacólon) • Distensão de segmentos - Causas gerais: abscesso em qualquer parte do abdome; ascite encistada; cisto hidático (por Taenia echinococcus) - Hipocôndrio direito: aumento da vesícula biliar (neoplasias, por exemplo) e aumento do fígado: lobo de Riedel (massa lingulada no lobo direito; é variação anatômica); infecções agudas (hepatites, mononucleose, malária); congestão venosa hepática (cardiopatias, doença pulmonar crônica); abscesso hepático (geralmente quando grande e único provoca aumento significativo do fígado); obstrução do ducto biliar comum (por qualquer motivo, leva à tumefação do fígado); cirrose (antes do quadro final, em que há diminuição de tamanho); doença venooclusiva (síndrome de Budd-Chiari, policitemia vera, anemia falciforme); hemocromatose; sífilis (estágio secundário às vezes acomete o fígado); neoplasias (primárias ou secundárias); fígado gorduroso (excesso de álcool, emagrecimento rápido, kwashiorkor); amiloidose; tuberculose; sarcoidose; doença de Gaucher; esquistossomose; leishmaniose visceral - Hipocôndrio esquerdo: aumento do baço ‒ tuberculose, leishmaniose visceral, malária, policitemia vera, doença de Gaucher, hipertensão portal, leucemias, linfomas, amiloidose, sarcoidose, hemocromatose, púrpura trombocitopênica idiopática, doença de Felty, distúrbios hemolíticos, mielofibrose, infecções agudas (HIV, mononucleose, citomegalovírus, histoplasmose) - Região lombar direita: cólon ascendente ‒ intussuscepção, tumoração (seja por tuberculose, doença de Crohn ou malignidade), acúmulo de fezes; rim direito ‒ neoplasia maligna, doença renal policística; suprarrenais ‒ tumores - Região lombar esquerda: causas semelhantes às descritas para região lombar direita, lembrando que o baço pode ser palpado neste local - Fossa ilíaca direita: ceco ‒ tumorações; ovário e tubas uterinas ‒ cistos, tumores - Fossa ilíaca esquerda: cólon descendente e sigmoide ‒ carcinoma de cólon, acúmulo de fezes (por exemplo, fecaloma) - Região epigástrica: estômago ‒ tricobezoar e outros corpos estranhos, estenose pilórica, tumores (mais raramente); cólon transverso ‒ obstruções intestinais, neoplasias, acúmulo de fezes; omento: peritonite tuberculosa ou infiltração neoplásica; pâncreas ‒ cistos, pseudocistos, carcinomas; linfonodos paraaórticos e mesentéricos ‒ tuberculose, neoplasias malignas - Região mesogástrica: aneurisma de aorta abdominal e todas as afecções descritas para o epigástrio podem ser causas de aumento desta região - Região hipogástrica: bexiga distendida; útero e anexos ‒ gravidez, tumores

Ao exame físico apresenta-se em bom estado geral, corado, hidratado, anictérico, acianótico, afebril, eup­ neico, orientado, consciente. Pressão arterial de 120 × 70mmHg e frequência cardíaca era de 68bpm. Ausência de estase jugular, tireoide não palpável, linfonodos cervicais não palpáveis. Murmúrios vesicu­ lares presentes sem ruídos adventícios. Bulhas rítmicas em dois tempos sem sopros. O abdome encontra-se globoso, sem cicatrizes, abaulamentos ou retrações, sem circulação colateral visível, parede abdominal distendida, tensa, indolor, piparote negativo, semicírculo de Skoda positivo, sem visceromegalias, ruídos hidroaéreos presentes. Membros com boa perfusão periférica, pulsos presentes, simétricos, sem edema. Exame neurológico com pupilas isocóricas, fotorreagentes, sem déficits motores ou sensitivos, sem sinais meníngeos.

202 - Doenças do Sistema Gastrointestinal

• • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

Hemoglobina: 14,8 Hematócrito: 44,3 Volume corpuscular médio: 80,5 Hemoglobina corpuscular média: 26,9 Plaquetas: 400.000 Leucócitos: 6.010 Bastões/segmentados (B/S): 0/71,6 Eosinófilos/linfócitos (E/L): 0,4/23,8 Glicose: 95 Sódio: 135 Potássio: 5,1 Creatinina: 1,3 Ureia: 35 Aspartato aminotransferase (AST): 19 Alanina aminotransferase (ALT): 33 Atividade de protrombina (AP): 89% Albumina: 4,1 Gama-glutamiltransferase: 31 Fosfatase alcalina: 110 Bilirrubina total: 0,5 Bilirrubina direta/bilirrubina indireta: 0,2/0,3 Desidrogenase lática: 365 Tempo de tromboplastina parcial ativada: 28 Proteína total: 6,5

infecção associada2,3,9. ADA limítrofe, predomínio de

linfócitos e pesquisa de células neoplásicas ainda sem

liberação pela patologia não permitem diferenciar, com exatidão, neoplasia de tuberculose.

Além da dosagem de albumina, é imperioso solicitar contagem de células (total e diferencial) e cultura do lí­ quido ascítico, já que o objetivo principal da paracentese é tentardescobrira causa da ascite, assim como investigar

a possibilidade de infecção do líquido ascítico, sendo que

o Gram também ajuda2,3,9. Em relação ao presente caso, é necessário solicitar ainda: citologia oncótica; glicose, DHL; e ADA ‒ aumentada em peritonite tuberculosa, geralmente acima de 40 (excelente para diagnóstico)2.

Como seguimento investigativo solicita-se tomo­ grafia computadorizada de abdome (Figs. 34.1 e 34.2), que mostrou espessamento de peritônio e cólon descen­ dente; hipóteses diagnósticas: carcinomatose ou tuberculose peritoneal.

Na primeira imagem, é impossível diferenciar entre As indicações à paracentese diagnóstica são basica­

as duas hipóteses apresentadas. Porém, quando se obser­

mente para pacientes com ascite de início recente, como

va a Figura 34.2, tendemos a pensar mais em neoplasia

o paciente em questão, ou aqueles que, embora a apre­

pela localização da lesão, já que tuberculose, quando

sentem cronicamente, se nota deterioração do quadro clínico, incluindo suspeita de infecção do líquido ascítico2,9.

acomete o cólon, é quase exclusivamente limitada ao ceco,

Vários autores recomendam o procedimento em qualquer

massa. Já o adenocarcinoma acomete tanto o cólon es­

internação hospitalarde pacientes com ascite porcirrose,

querdo quanto o direito e também pode ser visto como

tendo em vista que em 10 a 30% é feito o diagnóstico de

espessamento da parede colônica, com massa intramural

peritonite bacteriana espontânea sem indicadores clínicos como febre ou dorabdominal2.

ou intraluminal. Não há como distinguir neoplasia primá­ ria de doença metastática pela tomografia10. A confirma­

O aspecto do líquido retirado já fornece importante

ção da suspeita só será obtida com exame endoscópico

dado para o raciocínio etiológico. O clássico encontrado

com espessamento de parede, raramente com lesão em

associado à biópsia.

em cirróticos é o amarelo-citrino. Outros padrões incluem fluidos turvos, sanguinolentos, quilosos, ou mesmo tons mais escuros de amarelo, fazendo pensarem causas de

base que elevam o conteúdo proteico e/ou celular da amostra, como o observado em nosso paciente2. Em se­ quência, procede-se à análise do líquido peritoneal, que

irá dividiros pacientes em dois grandes grupos etiológicos, de acordo com o GASA (albumina sérica ‒ albumina do

líquido ascítico). GASA maior que 1,1 tem acurácia de 97% para o diagnóstico de hipertensão portal2,3. Temos

um material turvo, indicando possível alto conteúdo pro­ teico, confirmado pelo GASA menor que 1,1, o que sem

dúvida limita nossas possibilidades diagnósticas. Em um país como o Brasil, frente a esse resultado, temos a obri­

gação de pensarem tuberculose, além de neoplasia, esta última a de maior prevalência dentre as de GASA baixo.

Com um número de polimorfonucleares menor que 250/ mm3 e cultura negativa, descarta-se a possibilidade de

Figura 34.1 - Tomografia computadorizada de abdo­ me evidenciando ascite e espessamento peritoneal.

978-85-4120-074-5

CAPÍTULO 34

QUADRO 34.2 - Exames laboratoriais

Aumento do Volume Abdominal - 203

benefício. Preferencialmente, punciona-se no quadrante inferior esquerdo, 2 a 3cm acima e 2 a 3cm medialmente

à crista ilíaca anterossuperior, em razão da menor espes­

978 85 4120 074

5

sura desse local aliada a maior quantidade de líquido acumulado3. É sempre importante lembrar que, na maioria das

vezes, estaremos diante de pacientes hepatopatas que não

raro apresentam coagulopatia ou trombocitopenia, e isto

de maneira alguma contraindica o procedimento. Basta citarum estudo com 1.400 paracenteses, em que compli­

cações hemorrágicas graves foram observadas em menos

Figura 34.2 - Tomografia computadorizada de abdo­ me evidenciando espessamento de cólon descendente.

de 0,2% dos pacientes. Não há necessidade, portanto, de preocupação com transfusão profilática de plasma fresco congelado ou concentrado de plaquetas2,3,9.

O GASA é o melhor meio de categorizara ascite, Frente a tais hipóteses, o paciente é submetido à colonoscopia, que mostrou, a 20cm da borda anal, uma lesão ulcerada, infiltrativa e vegetante, de limites im­ precisos, friável, circunferencial, estenosante e que impede a passagem do aparelho, com lúmen de 4mm ‒ realizadas várias biópsias. O exame anatomopatológico confirmou a hipótese inicial.

superando o antigo conceito de exsudato/transudato de acordo com o nível total de proteína no líquido ascítico. Lembrar que, para possibilitaro cálculo, deve-se solicitar

dosagem de albumina no soro no mesmo dia em que se manda para análise o líquido ascítico. Nas situações em que o paciente apresenta hipertensão portal e mais uma

causa de ascite, o GASA também é maior ou igual a 1,1, o que nos permite concluir que se o GASA vier menor

do que 1,1, como no paciente em foco, a chance de haver hipertensão portal é reduzida a quase zero2,3.

DIAGNÓSTICO Adenocarcinoma mucinoso de sigmoide.

Podemos dividiras causas de ascite em dois grupos antagônicos de acordo com o GASA (Quadro 34.3), restringindo as possibilidades diagnósticas2 9. Se maior que 1,1, temos como exemplos: cirrose, hepatite alcoó­

lica, ascite cardíaca, trombose de veia porta, síndrome

DISCUSSÃO Quando às causas de distensão abdominal (“5 F”), difi­ cilmente se consegue palpar uma massa abdominal se houver obesidade; distensão gasosa é observada especial­ mente nas obstruções intestinais, com hipertimpanismo à percussão e até visualização dos contornos das vísceras

distendidas; com histórias de constipação crônica, pode ser palpada massa endurecida (fecaloma) em fossa ilíaca esquerda, confirmada pelo toque retal1. Clinicamente, só é possível constatar ascite quando o volume é maior que 1.500mL, observando-se macicez móvel (sua ausência diminui a chance de encontrar ascite por meio de outras manobras a menos de 10%), semicírculos de Skoda, pi­

parote positivo, dentre outros. Em pacientes com suspeita mantida mesmo com sinais clínicos frustros, pode-se lançar mão de ultrassonografia abdominal ou tomografia computadorizada de abdome2,3.

de Budd-Chiari, metástases hepáticas que causem à hi-

QUADRO 34.3 - Etiologia da ascite a partir do valor do gradiente ascítico soro-ascite (GASA)2,9 • GASA > 1,1 - Cirrose - Hepatite alcoólica - Trombose de veia porta - Síndrome de Budd-Chiari - Metástases hepáticas - Hepatocarcinoma - Ascite cardíaca - Causas mistas (cirrose + outra) • GASA < 1,1 - Carcinomatose peritoneal - Peritonite tuberculosa - Síndrome nefrótica - Ascite biliar - Ascite pancreática - Serosites - Linfoma peritoneal - Peritonite bacteriana secundária

CAPÍTULO 34

A paracentese abdominal com análise do líquido as­ cítico certamente é o mais rápido método para o diagnós­ tico etiológico da ascite, apresentando o melhor custo/

CAPÍTULO 34

204

- Doenças do Sistema Gastrointestinal

pertensão portal. Se menor que 1,1, as hipóteses são:

forte suspeita de neoplasia autorizou a realização direta de

carcinomatose peritoneal, peritonite tuberculosa, ascite pancreática, ascite biliar, síndrome nefrótica, serosites9.

colonoscopia para melhor avaliação de todo o cólon.

Já a infecção no líquido ascítico é conhecida como peri­

tipo de câncer é a dor abdominal (50%), seguida de alte­

tonite bacteriana espontânea se não houver uma causa

ração do hábito intestinal (35%), sangue oculto nas fezes positivo (30%) e obstrução intestinal (15%). É importan­

secundária como perfuração de vísceras, por exemplo, e

Quando sintomática, a queixa mais prevalente nesse

se a contagem de polimorfonucleares for maior que 250/ mm3. Para punção traumática, com grande quantidade de

te lembrar que tumores de cólon direito costumam ser

sangue, desconta-se um neutrófilo para cada 250 hemácias encontradas3’9.

do tendem a se apresentar de menor tamanho e levando

Vimos que, de rotina, é obrigatório pedir no exame

pletamente normal, ou pode revelar perda ponderal,

laboratorial do líquido ascítico: proteína total, albumina e contagem de células total e diferencial. Outros exames

desconforto ou massa abdominal à palpação, sangramen­ to retal e/ou ascite2,3,11.

podem ser úteis de acordo com a suspeita clínica, como

Temos um paciente em que a história de perda pon­

culturas e Gram, na hipótese de infecção; amilase, pen­

deral e aumento de volume abdominal relativamente re­

sando em perfuração de vísceras ou ascite pancreática;

cente; o exame físico apontando para acúmulo de líquido

DHL, uma enzima liberada após destruição celular, logo,

livre na cavidade abdominal; a imagem tomográfica su­

aumentada em situações de alta celularidade no líquido

gestiva e o líquido ascítico turvo revelando GASA baixo

ascítico, como carcinomatose peritoneal; glicose, que pode

com DHL/glicose baixa (< 50mg/dL) fazem com que a

estar diminuída quando existe um meio disposto a con­

probabilidade pré-teste para neoplasia da colonoscopia

sumi-la, seja por meio de bactérias ou de células neoplá­

associada à biópsia aumente sobremaneira.

maiores e sangram mais, ao passo que os do lado esquer­

tardiamente à obstrução. O exame físico pode ser com­

sicas. Citologia oncótica também é importante quando se

pensa em carcinomatose peritoneal, em razão da positi­ vidade em quase 96,7% das vezes. Pacientes com tal diagnóstico geralmente têm como local primário mama,

cólon, estômago ou pâncreas. Entre os exames pouco usados estão dosagem de bilirrubina e triglicérides do

líquido ascítico. Por fim, os que não devem ser solicitados,

por simplesmente não ajudarem em nada: pH, lactato, colesterol, fibronectina, glicosaminoglicanos2,3.

Câncer colorretal é o terceiro câncer mais frequente dos Estados Unidos, com mais de 100.000 novos casos

por ano, e a maior parte constitui-se de adenocarcinoma. Dentre os fatores de risco, citam-se dieta rica em gordu­

ra e colesterol, doença inflamatória intestinal e predispo­

sição genética (histórico de polipose familiar e casos na família, por exemplo). Estima-se que o risco de desenvol­

ver câncer colorretal para a população geral durante a

vida seja de 5 a 6%11. No Brasil, a projeção é de que

sejam diagnosticados mais de 26.000 novos casos no ano de 2008, sendo o quarto mais frequente entre homens e

o terceiro entre mulheres, excluindo-se o câncer de pele12. Trata-se de uma neoplasia perfeitamente curável se descoberta precocemente, com sobrevida global de 60% em cinco anos11. Normalmente, é assintomática, diagnosticada

em exames de triagem. Os principais são a pesquisa de sangue oculto nas fezes e a retossigmoidoscopia. Inúmeros estudos caso-controle sugerem fortemente que o uso desta

última no rastreamento diminui a mortalidade por cânceres localizados no retossigmoide13. No caso em questão, a

REFERÊNCIAS 1. HART, F. D. et al. French - Diagnóstico diferencial. 10 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1979, p. 1-6 (Abdome, distensão do). 2. MARTINS, H. S. et al. Ascite no pronto socorro. In: MARTINS, H. S. et al. Emergências clínicas - abordagem prática. 3. ed. Barueri: Manole, 2007, p. 316-334. 3. RUNYON, B. A. Management of adult patients with ascites due to cirrhosis. Hepatology, v. 39, n. 3,2004. 4. HART, F. D. et al. French - Diagnóstico diferencial. 10 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1979, p. 106-112 (Baço, aumento do). 5. HART, F. D. et al. French - Diagnóstico diferencial. 10 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1979,p. 319-325 (Fígado, aumento do). 6. ALIBHAI, S. M. H. An approach to the management of unintentional weight loss in elderly people. Canadian Medicai Association Journal. v. 172, n. 6, 2005. 7. BOURAS, E. P. et al. Rational approach to patients with unintentional weight loss. Mayo Clin. Proc., v. 76, p. 923-929,2001. 8. GOLDMAN, L. et al. Doenças do peritôneo, mesentério e omento. In: Cecil - Tratado de medicina interna. 21. ed. Rio de Janei­ ro: Guanabara Koogan, v. 1, p. 841-846,2001. 9. THOMSEN, T. W. et al. Paracentesis. N. Engl. J. Med., v. 355, e21, 2006. 10. BURGENER, F. A.; KORMANO, M. Differential diagnosis in computed tomography. Stuttgart: Georg Thieme Verlag, 1996, section VI, p. 304-308 (Abdômen and pélvis). 11. LYNCH, H. T. et al. Hereditary colorectal câncer. N. Eng. J. Med., v. 348, n. 919, p. 32,2003. 12. INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER. Estimativa 2008 - In­

cidência de câncer no Brasil. Disponível em http://www.inca. gov.br/estimativa/2008/index .asp?link=tabelaestados.asp&UF=BR. 13. AHLQUIST, D. A. et al. Triage by flexible sigmoidoscopy inevitably “short-sighted”. Gastroenterology, v. 115, n. 3, p. 777-780.

CAPÍTULO

35

Dor Epigástrica Francisca Delanie Bulcão de Macêdo

Homem negro, 35 anos de idade, apresenta-se ao serviço de emergência com uma semana de dor em andar superior do abdome, em faixa, de forte intensida­ de, associada a náuseas e vômitos, sem febre. A dor piora após alimentação e não cede com analgésicos endovenosos. Acompanhante relata ingesta de bebida alcoólica anteriorao quadro. Nega internações prévias. Desconhece outras doenças. É etilista (1L de destilado/ dia por 24 anos) e tabagista (20 maços-ano). Não faz uso de medicações outras, exceto analgésicos comuns. Sem antecedente familiar significativo.

pode correspondera um quadro mais grave, como

colangite ou colecistite supurativa. Ao exame, pode ser encontrado o sinal de Murphy, presente em

metade dos pacientes.

• Colangite: nesse caso, o paciente exibe a conhecida

tríade de Charcot, caracterizada por icterícia, dor

abdominal e febre com calafrios. • Hepatite: a dor raramente tem início agudo. A pal­

pação do fígado contra o gradil costal pode causar dor, devido à inflamação do parênquima hepático.

• Abscesso hepático: o quadro clínico é mais insidio­

Dor abdominal é uma queixa frequente na prática clínica,

so, instalando-se por mais de duas semanas e mar­

sendo responsável por 25% das admissões em unidades

cado por febre intermitente, dor abdominal em hi­

de emergência nos Estados Unidos. Apesar da alta inci­

pocôndrio direito ou difusa e alterações infecciosas

dência, seu manejo mostra-se difícil e, independentemen­

te dos recursos utilizados, 30% dos casos permanecem

no hemograma. • Angina mesentérica: pode ser difícil distinguir de

sem um diagnóstico específico. O diagnóstico diferencial

cólica biliar e da pancreatite aguda, principalmente

de dor abdominal é extenso (Quadro 35.1). As dores em

se a dor for em epigástrio. Geralmente, o paciente

abdome superior ‒ especificamente em quadrante superior

refere dor após a alimentação, associada a náuseas.

direito ‒ quase sempre estão relacionadas a doenças bi­ liares e hepáticas, devendo-se excluir também angina

Dores no quadrante superior esquerdo geralmente

mesentérica, cólica renal e os quadros de inflamação do

estão relacionadas a afecções pancreáticas ou esplênicas.

apêndice.

• Pancreatite aguda: a dor tem início agudo e irradia­ • Dor biliar: geralmente descrita como uma cólica que piora poucas horas após a alimentação e depois

ção para o dorso. Geralmente, aparece ou se acentua

regride paulatinamente, podendo haver distensão

de náuseas e vômitos, semelhantemente à dor da

epigástrica e sintomas de plenitude. Náuseas e vô­

angina mesentérica. Tipicamente, ocorre após 1 a

mitos também podem ocorrer. • Colecistite: apresenta-se como dor intensa, que

3h da ingesta alcoólica ou relacionada à colelitíase.

normalmente persiste por mais de 6h, com irradiação

minutos depois da ingestão alimentar, acompanhada

Nesse caso, relato de consumo recente de álcool torna esta hipótese possível.

para a região subescapular, associada a náuseas,

• Infarto esplênico: é mais comum em pacientes com

vômitos biliosos e anorexia. Febre com calafrios

história de anemia falciforme e traço falciforme.

206

- Doenças do Sistema Gastrointestinal

CAPÍTULO 35

• Rotura esplênica: normalmente está relacionada à

história de trauma, manifestando-se com dor no quadrante superior esquerdo e irradiação para es­ cápula esquerda (Sinal de Kehr). Porém, não há

relato de acidentes na história.

Outras causas possíveis: • Pneumonia do lobo inferior: a ausência de tosse, a febre e a queda do estado geral parecem tomar tal

hipótese menos provável. • Dispepsia: como quadro agudo, poderia ocorrer como exacerbação de uma condição crônica, como doença do refluxo gastrointestinal, doença inflamatória intes­

tinal, síndrome do intestino irritável, gastroparesia diabética, uso de medicações ou causas psiquiátricas. Contudo, não há relato compatível com essas condi­

ções na história.

A admissão, o paciente se encontra em bom estado geral, com frequência cardíaca de 80bpm e pressão arterial (PA) de 140 × 90mmHg, sem sinais de icterícia ou palidez cutâneo-mucosa. A ausculta cardiorrespira­ tória não revela alterações. O exame do abdome mostra ausência de cicatrizes cirúrgicas à inspeção, discreta distensão gasosa, com dor à palpação difusa, ruídos hidroaéreos positivos, sem sinais de irritação peritone­ al, sem visceromegalias ou massas palpáveis. Ausência de macicez móvel. Não há evidências de lesões de pele. Não há sinais de hepatopatia crônica, como telangiecta­ sias e aranhas vasculares, eritema palmar, ginecomastia. O toque retal não evidencia alterações.

Esse paciente mostra-se clinicamente estável, sem sinais que sugiram septicemia ou choque, ao exame inicial. A avaliação do abdome não revela indícios de peritonite,

o que afasta a necessidade de intervenção cirúrgica de urgência. A ausência de sinais de hepatopatia crônica e ascite ‒ em um paciente etilista importante ‒ torna menos

provável a hipótese de complicações da cirrose, como peritonite bacteriana espontânea. Alterações de pele como

equimoses periumbilical e em flancos poderiam explicar um quadro de hemorragia retroperitoneal, porém, são

raros e não estão presentes, bem como também não há evidências de lesões compatíveis com herpes-zóster, que poderia ser causa de dor abdominal em faixa. Nenhum

exame do abdome seria completo sem o toque retal, fun­ damental para ajudar no diagnóstico de massas e sangra­

mentos intra-abdominais. Medicado com Buscopan composto e Tramal, com alívio parcial e temporário da dor. Hidratação venosa com soro fisiológico a 0,9%, 2L, além de jejum.

QUADRO 35.1 - Causas de dor abdominal • Quadrante superior direito - Hepatite - Pancreatite aguda - Colangite - Colecistite - Colelitíase - Úlcera duodenal - Dispepsia - Abscesso hepático - Herpes-zóster - Pericardite - Pneumonia - Apendicite retrocecal • Quadrante inferior direito - Apendicite - Obstrução intestinal - Diverticulite - Gravidez ectópica - Endometriose - Hérnia - Doença inflamatória intestinal - Síndrome do intestino irritável - Nefrolitíase - Adenite mesentérica - Divertículo de Meckel - Cisto ovariano - Torção de ovário - Doença inflamatória pélvica - Abscesso em psoas - Aborto • Quadrante superior esquerdo - Pancreatite aguda - Úlcera duodenal - Dispepsia - Úlcera gástrica - Gastrite - Infarto miocárdico - Pericardite - Pneumonia - Abscesso esplênico - Infarto esplênico - Rotura esplênica • Quadrante inferior esquerdo - Obstrução intestinal - Diverticulite - Gravidez ectópica - Endometriose - Hérnia - Doença inflamatória intestinal - Síndrome do intestino irritável - Nefrolitíase - Cisto ovariano - Torção de ovário - Doença inflamatória pélvica - Abscesso tubo-ovariano - Abscesso em psoas - Aborto • Difusa - Pancreatite aguda - Obstrução intestinal - Dissecção de aorta - Apendicite (fase inicial) - Gastroenterite - Doença inflamatória intestinal - Síndrome do intestino irritável - Isquemia mesentérica - Peritonite - Rotura de aneurisma de aorta abdominal

Dor Epigástrica - 207

CAPÍTULO 35

Os exames de urgência revelam: hemoglobina: 15,8; hematócrito: 40,5; leucócitos: 10.500, sem desvio à esquerda; amilase: 403; lipase: 194; cálcio: 9; bilirru­ binas totais: 1,3; (I); direta: 0,3; (I); aspartato amino­ transferase: 14; alanina aminotransferase 8; fosfatase alcalina: 95; gama-glutamiltransferase: 318; albumina: 4,8; atividade de protrombina: 73%; glicose: 115; de­ sidrogenase lática: 280; proteína C-reativa: 81,2. Função renal e eletrólitos sem alterações. A urina I mostra 2+ de bilirrubinas. Eletrocardiograma e radiografia de tórax normais. Os exames mostram elevação das enzimas pancreáti­

cas, apresentando amilase e lipase com valor três vezes

superiorao da normalidade, tornando provável o diagnós­

Figura 35.1 - Tomografia computadorizada de abdo­ me mostrando calcificação pancreática.

tico de pancreatite aguda. A lipase mostra-se mais sensí­

vel que a amilase nos casos de pancreatite aguda induzi­ da por álcool. As provas de função e as enzimas hepáticas

estão normais, demonstrando não haver agressão ao pa­

rênquima hepático. A atividade da gama-glutamiltransfe­ rase pode ser exacerbada por alguns medicamentos indu­ tores de enzimas ou pelo álcool. O hemograma não revela

quadro infeccioso. A proteína C-reativa, quando superior a 150mg/L, é indicativa de mau prognóstico, não sendo

o caso desse paciente. A radiografia normal toma menos provável a hipótese de pneumonia. Ausência de alterações eletrocardiográficas como supra difuso de ST e infra de

PR praticamente afasta o diagnóstico de pericardite. Ultrassonografia abdominal evidencia colelitíase. A tomografia computadorizada de abdome revela pân­ creas atrofiado, calcificações, Wirsung dilatado e cole­ ções peripancreáticas (Figs. 35.1, a 35.3). Submetido à colecistectomia videolaparoscópica sem intercor­ rências. Recebe alta assintomático, com orientações para pararde bebere encaminhamento para tratamento psicoterápico.

Figura 35.2 - Tomografia computadorizada de abdo­ me revelando dilatação do ducto pancreático principal (Wirsung).

Os exames de imagem revelam um quadro compatível

com pancreatite crônica, com exacerbação aguda tanto

pela litíase como pelo consumo de álcool. A ultrassono­

grafia abdominal é útil para detectar litíase biliar, a causa mais comum de pancreatite aguda, embora de

baixa sensibilidade tanto para diagnóstico como para detecção de necrose. Por ser de baixo custo e de fácil

acesso, está sempre indicada. Nesse caso, diante do achado ultrassonográfico de litíase biliar foi realizada

colecistectomia. O momento exato de se realizara cirur­ gia em casos de pancreatite aguda ainda é controverso.

Figura 35.3 - Tomografia computadorizada de abdo­

De modo geral, nos quadros moderados, a maioria dos

me com contraste venoso revelando atrofia significativa e coleção peripancreática.

cirurgiões prefere realizara colecistectomia na mesma

208 - Doenças do Sistema Gastrointestinal

CAPÍTULO 35

internação, para evitar recorrências. Por outro lado, nos

processos mais graves, é preferível aguardara resolução

do processo inflamatório e a melhora do estado nutricio­ nal do paciente. Em pancreatite por álcool, os pacientes

devem ser incentivados a parar de beber para melhor controle da dor.

978-85-4120-074-5

Após sete meses, o paciente retorna ao setor de emergência queixando-se de novo episódio de dorem abdome superior, náuseas e vômitos, além de diarreia pastosa, três a quatro vezes ao dia, sem muco ou sangue, com fezes que grudam ao vaso. Na ocasião, em absti­ nência alcoólica há sete meses apresenta: amilase: 419; glicemia: 128. Já nesse momento foi iniciado tratamen­ to com enzimas pancreáticas (20.000U), durante as refeições, três vezes ao dia.

O paciente apresenta um quadro de pancreatite crôni­ ca agudizada. A pancreatopatia crônica está caracterizada por diarreia disabsortiva do tipo esteatorreia e intolerância à glicose, que pode culminar com um quadro de diabetes

mellitus secundário à destruição das células beta das ilho­ tas de Langerhans, produtoras de insulina. Nos exames de

imagem, observam-se alterações compatíveis com doença

Figura 35.4 - Pancreatografia revelando dilatação e tortuosidade do Wirsung e calcificação em sua porção cefálica.

avançada, como atrofia e calcificações pancreáticas. O

paciente está em abstinência há alguns meses, tornando o

álcool fator menos provável de exacerbação. Outras causas possíveis para essa piora são obstrução por cálculos, uso de drogas, etc.

Diante da suspeita, o paciente é submetido à colan­ giopancreatorressonância, para melhor elucidação da causa. O exame revela atrofia difusa do parênquima pancreático com heterogeneidade do sinal associada à acentuada dilatação e irregularidade do ducto de Wir­ sung, apresentando falha de sinal, arredondada, medindo até 4mm na sua porção proximal, compatível com calcificação, que se projeta no interiordo sistema ductal (Figs. 35.4 e 35.5). O paciente evolui com melhora da diarreia após o uso das enzimas, porém, queixa-se de dores abdominais esporádicas, de moderada intensidade, muitas vezes associadas a náuseas, que pioravam muito a sua qualida­ de de vida. Foi então encaminhado para avaliação com a cirurgia, sendo submetido a uma pancreatojejunoa­ nastomose em Y de Roux (cirurgia de Puestow).

Figura 35.5 - Colangiorressonância magnética de­ monstrando dilatação e tortuosidade do Wirsung.

cirúrgica, como no caso deste paciente. Uma opção cirúr­ gica viável, e também a mais realizada em pacientes com pancreatite crônica e com diâmetro do Wirsung dilatado

(maior que 1cm), é a cirurgia de Puestow (pancreatojeju­ A dor em pancreatite crônica, é muito variável. Alguns

nostomia laterolateral em Y de Roux).

pacientes costumam responder bem à terapêutica clínica,

especialmente se não apresentam calcificações ou estea­ torreia. Outros, no entanto, têm dor intensa, refratária às

medidas clínicas e que interferem negativamente na qua­ lidade de vida. Nesses casos, pode-se optar por conduta

Achados cirúrgicos compatíveis com pancreatite crônica e cálculo pancreático cefálico. A biópsia do pâncreas evidencia pancreatite crônica com intensa atrofia do parênquima exócrino e esclerose.

Dor Epigástrica - 209

Pancreatite crônica agudizada.

langiorressonância magnética com pancreatografia tornase uma alternativa útil, tendo a vantagem de ser menos invasiva. A tomografia computadorizada helicoidal com contraste venoso tem sensibilidade de 75 a 90% para diagnóstico da pancreatite crônica. É útil para detecção

DISCUSSÃO 978-85-4120-074-5

Episódios de pancreatite aguda podem ocorrerem um

pâncreas cronicamente doente. Muitas vezes, o paciente

abre o quadro como, pancreatite aguda e, com a evolução, observa-se o caráter crônico da doença. Por ser caracte­

rizada por inflamação e fibrose progressivas, irreversíveis, essa doença evolui, em fases mais avançadas, para insu­

ficiência pancreática, marcada por uma síndrome de má digestão dos alimentos ‒ com desnutrição e esteatorreia

‒ e diabetes mellitus.

Classicamente, a causa mais comum de pancreatite crônica é o consumo de álcool, correspondendo a 80%

dos casos. Outras etiologias menos comuns são forma hereditária (2%), mais frequente em jovens; idiopática

(10 a 30%), além de trauma, pâncreas divisum, neoplasia,

radioterapia e hiperparatireoidismo (10 a 15%).

O sintoma mais frequente da doença é a dor abdomi­ nal que, como nesse caso, se localiza em abdome superior (epigástrio, quadrante superiordireito ou esquerdo), com

irradiação para o dorso. A dor tem intensidade variável, podendo ser leve a intensa e, muitas vezes, necessitando de analgésicos potentes para o controle álgico. Costuma

piorar minutos após a alimentação e ter início cerca de

dois a três dias após uma libação alcoólica. No início da doença, os episódios de dor aparecem em crises, tornan­ do-se cada vez mais frequentes com a evolução. Alguns,

no entanto, podem ter até melhora da dorà medida que o parênquima vai progressivamente se atrofiando. Nesses casos, piora da dor pode sugerir complicações como

pseudocistos, abscessos, outros. Paciente com dor acaba não se alimentando, o que acarreta perda de peso signi­

ficativa. A esteatorreia aparece como manifestação da insuficiência exócrina e costuma surgir quando cerca de 90% do parênquima foram destruídos. O diabetes mellitus é uma alteração tardia e decorre da atrofia das células das

de aumento pancreático, atrofia, calcificações, dilatações ductais, cálculos pancreáticos e complicações (pseudocis­ to, trombose de veias esplênica e porta, etc.). Embora a ultrassonografia abdominal seja um exame barato e facil­ mente disponível, tem baixa sensibilidade para detecção precoce da doença, sendo um método bom para diagnós­ tico de complicações como pseudocisto. Por sua vez, o

achado de calcificações pancreáticas em radiografia sim­ ples de abdome praticamente fecha o diagnóstico da doença; porém, sua ausência não afasta o quadro (sensi­ bilidade: 25 a 75%). O tratamento consiste no controle dos sintomas, principalmente dor. A abordagem da dor em pancrea­ tite crônica depende muito da frequência e da intensida­ de do quadro, podendo variar desde o uso de analgésicos comuns até a necessidade de opiáceos, bloqueio de ple­ xo celíaco e/ou intervenções cirúrgicas. O tratamento intervencionista da dor, que consiste em procedimentos de drenagem e ablativos, além de descompressões endos­ cópicas, fica reservado para aqueles pacientes cuja doré intensa, refratária ao tratamento clínico e cuja qualidade de vida está afetada; também para tratamento das com­ plicações. A cirurgia mais realizada é a de Puestow, à qual o paciente foi submetido. Consiste em drenagem do Wirsung para o jejuno e tem a vantagem de preservar o parênquima pancreático. Os demais procedimentos têm finalidade ablativa, com índice de melhora da dor que varia entre 40 e 80%: pancreatectomia subtotal, pancre­ atoduodenectomia, pancreatectomia distal. O uso de enzimas pancreáticas parece ter algum benefício ao con­ trole da dor, pois a tripsina exógena inativaria a liberação de colecistoquinina ‒ hormônio que estimula secreção pancreática. A octreotida também atua inibindo a libera­ ção desse hormônio, porém, o seu benefício é questio­ nável. O tratamento da esteatorreia, por sua vez, baseia-

pancreatite baseia-se nos exames radiológicos e testes de

se na reposição das enzimas, especialmente a lipase pancreática, que deve ser administrada junto às refeições. Já o controle do diabetes mellitus é com insulinoterapia, geralmente em doses menores que as utilizadas para o diabetes primário.

função exócrina, como o teste da secretina, que é o mais

A pancreatite crônica pode se complicar por diversas

sensível e específico para pancreatite crônica, e o teste da

causas, caracterizando as exacerbações da doença. Pseu­

bentiromida. Quanto ao diagnóstico radiológico, a colan­

docistos, abscessos, obstrução duodenal, obstrução do

giopancreatografia retrógrada endoscópica é o padrão­

colédoco e trombose de veia esplênica são complicações

-ouro para diagnóstico e estadiamento, com sensibilidade

possíveis.

ilhotas de Langerhans.

Devido à dificuldade de se obter amostra de tecido pancreático para análise histológica, o diagnóstico de

CAPÍTULO 35

DIAGNÓSTICO FINAL

entre 75 e 95% e especificidade de 90%. Entretanto, pela significativa morbidade e mortalidade (0,1 a 1%), a co­

210 -

Doenças do Sistema Gastrointestinal

CAPÍTULO 35

BIBLIOGRAFIA KATIE COOK, P. A.-C. Evaluating acute abdominal pain in adults. JAAPA, v. 18, n. 3, p. 22-9, 2005. LANKISCH, P. G.; et al. The couise of pain is the same in alcohol- and nonalcohol-induced chronic pancreatitis. Parreas v. 10, p. 338- 41, 1995. LECESNE, R.; et al. Acute pancreatitis: interobserveragreement and coirelation of CT and MR cholangiopancreatogiaphy with outcome. Radickg', v. 211, p. 727-35, 1999.

SANTOS, I. S. Dorabdominal. In: BENSENOR, I. M. et al. Medicina βn anbvictóio- diagxsticoetráanelo São Paulo: Sarvier; 2006, p. 750-3. STEER, M. L.; WAXMAN, L; FREEDMAN, S. Chronic pancreatitis. N. Erg. J. Med., v. 332, p. 1482, 1995.

___________________________________

CAPÍTULO

36

Icterícia Indolor Patrícia Bandeira Moreira Rueda Germano

Paciente do sexo feminino, branca, 50 anos de idade, casada, natural de Sergipe, procedente de São Paulo (há 20 anos), procura o hospital contando que pas­ sava bem quando notou um caroço em local que aponta como sendo hipocôndrio direito, acompanhado de sensação de peso há 20 dias. Há cinco dias, notou os olhos amarelos, a urina escura, manchando as roupas íntimas, e fezes ligeiramente mais claras. Além disso, emagreceu 9kg em aproximadamente quatro meses. Nega náuseas ou vômitos, febre ou outros sintomas. Nega ter diagnóstico de outras doenças e refere cirurgia abdominal para correção de hérnia de parede há três anos. Engravidou sete vezes e todos os partos foram por via vaginal, sem intercorrências e sem abor­ tos. Nega alergias ou transfusões de sangue. Refere atividade sexual com parceiro fixo, porém sem preser­ vativo ou método anticoncepcional. A paciente conta ser tabagista (30 anos-maço) e ingerir bebida alcoólica moderadamente, apenas em situações sociais. Nega uso de medicamentos ou outras drogas, mas refere terusa­ do diversos chás, nos últimos dias, para melhorar o funcionamento intestinal. Em sua família existiam casos de diabetes mellitus, sem casos de doença hepática, cardíaca, hematológica ou câncer.

heme oxigenase e biliverdina redutase. Forma-se a bilir­ rubina não conjugada ou indireta que circula ligada à

albumina, não pode ser eliminada pelos rins e é captada

pelos hepatócitos. Ocorre então a conjugação entre a bi­ lirrubina e o ácido glicurônico, formando a bilirrubina

conjugada ou direta, hidrossolúvel pronta para serexcre­ tada pelas vias biliares. No cólon, transforma-se em

urobilinogênio e estercobilinogênio, é excretada princi­

palmente nas fezes e outra pequena parte é reabsorvida e excretada pelos rins. Qualquer falha nesse processo jus­

tifica o aparecimento de icterícia. Identificara falha da qual resulta a icterícia é fundamental para a formulação

de hipóteses diagnósticas.

Outras condições clínicas que não a icterícia podem

levar ao achado de pele amarelada. Ressaltamos a caro­ tenemia e a licopenemia. Carotenemia é a pigmentação

amarelada da pele associada ao aumento sérico dos níveis de caroteno (precursorda vitamina A; convertido na mu­ cosa do intestino delgado). Na maioria das vezes, está associada ao aumento de seu consumo na dieta (derivado

de frutas e vegetais), mas também à incapacidade de

converter o caroteno em vitamina A. Outras causas raras de carotenemia são hipotireoidismo, diabetes mellitus,

Icterícia denota coloração amarelada de pele, mucosas e

anorexia nervosa, doença renal e hepática e familiar. A

esclerótica, decorrente do depósito de bilirrubina nos

licopenemia resulta do acúmulo de licopeno, considerado

tecidos, sendo evidente clinicamente a partir de níveis

a substância formadora de todos os pigmentos carotenoi­

séricos acima de 3mg/dL. A elevação da bilirrubina séri­

des, derivado principalmente de tomates e frutas. A prin­

ca se dá por alterações no metabolismo (produção, cap­

cipal diferença clínica entre icterícia e carotenemia ou

tação ou conjugação), doença hepática ou obstrução de

licopenemia é que nas últimas não há pigmentação da

vias biliares.

esclera.

A bilirrubina resulta da degradação do composto heme

A Figura 36.1 apresenta um organograma para abor­

(encontrado na hemoglobina e em outras proteínas como

dagem sistemática a pacientes com icterícia. Ao longo do

mioglobina e peroxidase) por duas principais enzimas:

texto, diversos aspectos do diagrama serão abordados.

CAPÍTULO 36

212 - Doenças do Sistema Gastrointestinal

Figura 36.1 - Orientações para investigação de icterícia. ALT = alanina aminotransferase; AST = aspartato ami­ notransferase; CPRE = colangiopancreatografia retrógrada endoscópica;DHL = desidrogenase lática; FA = fosfatase alcalina; GGT = gama-glutamiltransferase; TC = tomografia computadorizada.

Alterações no metabolismo da bilirrubina são respon­

e resulta em atividade reduzida da enzima UDP-glicuro­

sáveis pelo aumento de sua fração indireta e por doenças

nil transferase, responsável pela transformação da bilir­

hepatocelulares e aquelas que causam obstrução do fluxo

rubina indireta em direta. Graus variados de atividade

biliar elevam a bilirrubina direta ou ambas. A Tabela 36.1

enzimática são observados entre os indivíduos e, por isso,

e os Quadros 36.1 e 36.2 relacionam as principais causas para os diferentes tipos de icterícia.

as manifestações clínicas são muito variáveis. Em situações em que há redução mais acentuada da atividade da enzi­

A síndrome de Gilbert aparece em cerca de 5% da

ma, como na adolescência (fatores hormonais), após

população, é causada por uma mutação no gene UGT-1A1

exercícios físicos, durante a menstruação e episódios de

Icterícia Indolor - 213

Mecanismo

Causas

Aumento na produção de bilirrubina

Hemólise

Eritropoiese ineficaz Transfusão sanguínea

Reabsorção de hematomas Diminuição na captação hepática

Drogas (rifampicina, contraste colecistográfico) Síndromes de Gilbert e de Crigler-Najjar

Diminuição na conjugação hepática em adultos

Drogas (gentamicina, inibidor de protease) Hipertireoidismo

infecções e em jejum prolongado, a bilirrubina indireta no sangue pode aumentar o suficiente para que ocorra icterícia. Drogas metabolizadas por essa enzima, como paracetamol, rifampicina, inibidores de protease e agentes

quimioterápicos também têm sua meia-vida aumentada. A síndrome tem comportamento benigno e não há altera­ ção da função hepática ou laboratorial além da hiperbi­

lirrubinemia. O diagnóstico é de exclusão, o tratamento se restringe aos casos em que há comprometimento esté­ tico e baseia-se no uso de fenobarbital, o qual aumenta a atividade da UDP-glicuronil transferase. A deficiência total ou muito grave da enzima UGT-1A1 resulta na sín­

drome de Crigler-Najjar, cuja principal complicação é o desenvolvimento de kernicterus. As doenças hepáticas podem ser agudas ou crônicas e a evolução clínica do paciente e o nível das transami­

nases são importantes para a discriminação entre ambas. Algumas alterações hepatocelulares podem cursar com perfil laboratorial semelhante ao das doenças colestáticas obstrutivas das vias biliares ‒ doenças colestáticas intra­ -hepáticas (Quadro 36.1).

Obstruções extra-hepáticas podem ser causadas por fa­ tores intrínsecos ou extrínsecos às vias biliares (Quadro 36.2).

Ao exame, a paciente apresenta-se vígil, orientada no tempo e no espaço, sem limitações físicas, corada, hidratada, afebril e ictérica ++++/4. Não se palpam lin­ fonodos. Pulsos eram cheios e simétricos; não há edema. Pressão arterial de 130 × 80mmHg e frequência cardíaca era de 72bpm. Pesa 72kg, com 1,5m de altura, resultan­ do em índice de massa corporal (IMC) de 32kg/m2. A propedêutica cardiopulmonar está inalterada. Abdome era globoso, com cicatriz mediana, horizontal, em epigástrio, de 5cm. Ruídos hidroaéreos presentes e com timbre normal. Palpa-se massa lobulada em hipo­ côndrio direito e epigástrio, contínua ao fígado, pouco dolorida e endurecida, maciça à percussão. Espaço de Traube estava livre e à percussão o som é timpânico no restante do abdome.

QUADRO 36.1 - Lesão hepatocelular ‒ aumento de bilirrubina direta • Infecciosas - Vírus (hepatites virais, herpes-vírus) - Bactérias (tuberculose, leptospirose, sífilis, abscessos hepáticos, etc.) - Parasitas (helmintos, protozoários) - Fungos (cândida, histoplasmose, criptococose) • Tóxicas - Álcool - Drogas (paracetamol, clorpromazina *, rifampicina, isoniazida, arsênico, ervas chinesas) - Aflatoxina B1 • Imunológicas - Hepatite autoimune - Cirrose biliar primária * - Colangite esclerosante * • Neoplásicas: - Carcinoma hepatocelular - Metástases hepáticas - Linfomas • Metabólicas - Doença de Wilson (cobre) - Deficiência de alfa-1-antitripsina - Esteato-hepatite não alcoólica - Hemocromatose (ferro) - Nutrição parenteral total • Sistêmicas - Isquemia aguda - Sepse - Insuficiência cardíaca - Pericardite constritiva - Síndrome de Budd-Chiari - Doença veno-oclusiva hepática * - Amiloidose - Sarcoidose

* Padrão laboratorial de doença colestática obstrutiva.

QUADRO 36.2 - Obstrução de vias biliares extra-hepáticas aumento de bilirrubina direta • Causas intrínsecas - Colelitíase - Carcinoma de vias biliares - Colangite esclerosante - Colangiopatia da AIDS (citomegalovírus, Criptosporidium, HIV) - Cisto de colédoco - Disfunção do esfíncter de Oddi - Infestações parasitárias - Pós-procedimento em vias biliares - Histiocitose de células de Langerhans • Causas extrínsecas - Câncer de pâncreas - Carcinoma periampular - Pancreatite - Linfadenomegalia portal peri-hepática (metástases, linfoma, tuberculose) - Síndrome de Mirizzi

Durante a anamnese e o exame físico, é importante detectar características que direcionem o raciocínio clínico

para causas prováveis da icterícia. Dados importantes são: • Fatores de risco para hepatite viral ou HIV. • Uso de medicações ou álcool.

CAPÍTULO 36

TABELA 36.1 - Alterações no metabolismo da bilirrubina aumento de bilirrubina indireta

CAPÍTULO 36

214 -

Doenças do Sistema Gastrointestinal

• Epidemiologia para doenças ictero-hemorrágicas. • Antecedentes pessoais ou familiares de doenças hepáticas, de vias biliares ou hemolíticas. • Transfusão de sangue recente. • Cirurgias prévias. • Gestação (síndrome HELLP). • Idade; sintomas paraneoplásicos.

agora importantes as dosagens de desidrogenase lática

• Febre, dor abdominal, colúria ou acolia, massa ab­ dominal palpável.

níveis de albumina estão presentes em cirrose hepática.

(DHL) e de reticulócitos. Ambas estarão elevadas nessa situação. O coagulograma estará normal em doenças por

alteração do metabolismo da bilirrubina, mas estará alte­ rado em casos de colestase (deficiência na absorção de

vitamina D) ou comprometimento da função hepática (de­ ficiência na formação dos fatores de coagulação). Baixos Exames laboratoriais foram solicitados (Quadro 36.3). Nota-se aumento preferencial de GGT e FA em relação

Dor abdominal referida ou ao exame, febre/calafrio, cirurgia biliar pregressa, idade avançada e massa abdo­

às aminotransferases, levando-nos ao diagnóstico de co­

minal palpável indicam icterícia obstrutiva. Anorexia, mal-estar geral, mialgia (pródromo viral), exposição a fatores de risco para hepatites virais ou tóxicas, ascite e estigmas de doença hepática crônica (circulação colateral abdominal, ginecomastia, telangiectasias, etc.) sugerem doença hepatocelular. No caso apresentado, temos uma paciente relativamen­

tocelular ou de pequenos e médios ductos biliares por

te jovem, com icterícia de início recente, com colúria, não associada à dor abdominal, porém com massa palpável em topografia de fígado e vias biliares e emagrecimento. Dentre os fatores de risco investigados se destacam o uso de chás e relações sexuais sem preservativo. É interessante ressaltar que apenas a bilirrubina dire­

ta pode ser excretada pelos rins e só o aumento nessa fração pode gerar achado clínico de colúria. Somando-se esse dado aos outros discutidos até então, podemos pen­ sarnum quadro de icterícia por aumento da fração direta ou mista da bilirrubina. Mais adiante devemos fazer o diagnóstico diferencial entre hepatocelular(devido ao uso de chás e não uso de preservativos) e obstrutiva (massa abdominal palpável). Exames iniciais bioquímicos e de imagem são agora necessários para prosseguira investigação: bilirrubina total e frações, enzimas canaliculares e hepatocelulares, hemograma, albumina e coagulograma. A dosagem da bilirrubina total e das frações confirma a icterícia e seu tipo. Enzimas hepatocelulares (aspartato aminotransferase [AST] e alanina aminotransferase [ALT]) alteradas favorecem o diagnóstico de doença hepática. Seus níveis estão cerca de dez vezes acima do limite superior da normalidade em hepatites agudas. Já em hepatites crônicas, as transaminases podem ser normais e raramen­ te atingem níveis tão altos como nas agudas. Nas hepatites tóxicas (drogas ou álcool) há um aumento mais pronun­ ciado da AST em relação à ALT (AST/ALT > 2). As lesões

obstrutivas cursam com aumento significativo das enzimas canaliculares (fosfatase alcalina [FA] e gama-glutamil­ transferase em relação às transaminases.

Anemia ao hemograma associada à hiperbilirrubinemia indireta deve remeter ao diagnóstico de hemólise, sendo

lestase. A colestase pode ser intra-hepática (lesão hepa­ vírus, medicamentos ou álcool) ou extra-hepática (fator

obstrutivo geralmente mecânico). Observa-se ainda au­ mento de marcadores tumorais que, embora não sejam

definitivos para o diagnóstico de câncer, nos guiam em direção a esta hipótese.

Para avaliação inicial da massa abdominal e de pos­ sível fator obstrutivo, dá-se preferência à ultrassonografia, sendo esta pouco invasiva e de baixo custo. A tomografia

computadorizada (Fig. 36.2) é essencial para determinar invasão local e presença de metástases. Vale ressaltar que

a ultrassonografia é melhor que a tomografia computado­

rizada para detecção de cálculos biliares. Para confirmação diagnóstica, a paciente é subme­ tida à biópsia guiada por ultrassonografia, que mostra

QUADRO 36.3 - Exames realizados no início da investigação (em destaque, os exames alterados) • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

Hemoglobina/hematócrito: 12,4/35,9 Leucócitos: 7.440 Plaquetas: 254.000 Creatinina: 0,68 Ureia: 20 Sódio: 136 Potássio: 3,9 Magnésio: 2 Aspartato aminotransferase: 172 Alanina aminotransferase: 203 Fosfatase alcalina: 1.354 Gama-glutamiltransferase: 1.735 Desidrogenase lática: 376 Bilirrubina total: 14,1 Bilirrubina direta: 6,6 Bilirrubina indireta: 7,5 Ácido úrico: 4,7 Albumina: 3,9 Atividade de protrombina: > 100% Relação normalizada internacional (RNI): 0,95 Tempo de tromboplastina parcial ativada: 20,4 Relação: 0,8 Alfa-fetoproteína: 4 Antígeno carcinoembrionário: 20,6 CA19-9: 4.046,7 Sorologia de hepatites B e C: não reagentes

Icterícia Indolor - 215

CAPÍTULO 36 Figura 36.2 - (A a F) Tomografia computadorizada de abdome mostrando processo expansivo envolvendo vesí­ cula biliar (massa hipovascularizada), medindo 10cm de diâmetro, com sinais de infiltração hepática multifocal e extensão para hilo hepático, provocando dilatação das vias biliares intra-hepáticas e associada à extensa lin­ fonodomegalia regional. A massa invade também o gradil costal. Nota-se um cálculo dentro da vesícula biliar.

infiltração do parênquima por adenocarcinoma bem diferenciado, com extensas áreas necróticas e intensa desmoplasia. Ao longo da evolução, a paciente apresentou dor leve em hipocôndrio direito e incômodo ao deitar sobre a região, dez dias após a entrada no hospital. Quinze dias depois da busca pelo serviço de saúde, desenvolveu prurido generalizado.

dos pacientes, o diagnóstico é feito em estádios avançados, como no caso em questão. Os tumores em estádios iniciais, em geral, são diagnosticados incidentalmente em colecis­ tectomias eletivas por colelitíase, por exemplo. A neoplasia de vesícula afeta preferencialmente mu­

lheres (cerca de quatro mulheres para cada homem), com mais frequência acima dos 65 anos de idade. Destaca-se como principal fatorde risco a colelitíase. Alguns autores

DIAGNÓSTICO FINAL

sugerem que, pela associação entre neoplasia de vesícula e litíase vesicular, mesmo em casos assintomáticos, se

proceda à colecistectomia eletiva. Porém, o assunto per­

• Neoplasia maligna de vesícula. • Invasão hepática e de gradil costal. • Litíase vesicular.

manece sem consenso. O sobrepeso e a obesidade também se associam a maior incidência do câncer de vesícula, sendo esta associação mais evidente nas mulheres. Outros

fatores de risco para a neoplasia são infecção crônica da

DISCUSSÃO

vesícula biliar dieta, anormalidades anatômicas das vias

O câncer de vesícula biliar raro e altamente letal, repre­

vesícula em porcelana (calcificação na parede do órgão)

senta a neoplasia mais comum do trato biliar e a sétima

e os pólipos vesiculares são também considerados de alto

dentre as neoplasias do trato gastrointestinal. Na maioria

risco para transformação maligna.

biliares e exposição a agentes químicos específicos. A

CAPÍTULO 36

216 -

Doenças do Sistema Gastrointestinal

Observamos no caso o sexo feminino, a obesidade e a presença de cálculo dentro da vesícula biliar.

bilita detectar invasão da artéria hepática e veia porta em

Acredita-se que a neoplasia de vesícula e do trato

Utilizar marcadores bioquímicos para melhorar o

biliar se origine de lesões epiteliais displásicas que gra­

diagnóstico do câncer de vesícula está sendo estudado. O

dualmente progridem para hiperplasia atípica e carcinoma

antígeno carcinoembrionário, quando maior que 4ng/mL,

in situ, além de carcinoma invasivo. A relação entre in­

tem especificidade de 93%, mas baixa sensibilidade (50%).

flamação e câncer está bem estabelecida e diversas subs­

O CA19-9 acima de 20U/mL tem sensibilidade e especi­

tâncias secretadas por células inflamatórias contribuem

ficidade em torno de 80%. Apesar disso, o uso desses

para proliferação, diferenciação e sobrevida celular. Mu­

marcadores não contribui para o diagnóstico.

quase 90% das ocorrências.

tação ou hiperexpressão de fatores de crescimento, além

O estadiamento consiste num passo importante na

de mutação ou expressão anormal de genes supressores

investigação do câncer de vesícula, pois determinará a

de tumor estão envolvidas na carcinogênese do tumorde

possibilidade de intervenção cirúrgica curativa. O tamanho

vesícula. Estudos ainda são necessários para elucidaras

do tumor é fator prognóstico muito relevante. Diversas

alterações moleculares, incrementando os recursos diag­

classificações foram propostas, porém, a mais aceita in­

nósticos e terapêuticos, mas p53, erb-B2, EGFR e COX-

ternacionalmente é a tumor-linfonodo-metástase (TNM)

2 são os genes clinicamente mais relevantes implicados

(Tabela 36.2). A maioria delas leva em conta a profundi­

no processo. A progressão de displasia para carcinoma de vesícula

dade do tumor primário e a invasão linfonodal ou metás­ tases. Estudos mostram sobrevida superiora 85% para

é estimada em 10 a 15 anos. A maioria das neoplasias é

tumores classificados como T1. Sugere-se ainda sobrevi­

do tipo adenocarcinoma (90%) e origina-se no fundo vesicular (60%). A vesícula biliar pode ser sede de me­

da de até 75% para o estádio II.

tástases, principalmente de neoplasia primária do pulmão

determinar sua ressecabilidade. A única chance de cura

e melanoma.

para essa neoplasia ainda é a ressecção cirúrgica. Como

O importante no tratamento do tumorde vesícula é

Dor abdominal é o principal sintoma associado ao

em geral é detectada em fases tardias, apenas 30% dos

carcinoma de vesícula (73%), seguido de náusea e vômi­

pacientes são potencialmente candidatos à cirurgia. Con­

to (43%), icterícia (37%), anorexia (35%) e emagrecimen­

traindicações ao tratamento cirúrgico são invasão de

to (35%). Sintomas constitucionais, ascite e massa palpá­

grandes vasos, ascite, envolvimento hepático extenso,

vel são sintomas de doença avançada e mau prognóstico.

metástases ou capacidade funcional ruim.

Em situações mais raras, pode haver obstrução duodenal, hemorragia gastrointestinal e hematobilia.

cosa (Tis ou T1) a colecistectomia simples é suficiente.

Em geral, o primeiro exame solicitado na avaliação

Se o tumor invade o tecido perimuscular pelo menos, ou

de sintomas hepatobiliares é a ultrassonografia, por sua

há acometimento linfonodal, é necessária a colecistectomia

Quando há apenas envolvimento até a muscular mu­

alta sensibilidade e baixo custo. Porém, em alguns casos a ultrassonografia não fornece informações suficientes

para o diagnóstico diferencial entre neoplasia vesicular e

colecistite crônica, principalmente em estádios iniciais. A

TABELA 36.2 - Estadiamento do tumor de vesícula segundo a classificação tumor-linfonodo-metástase (TNM)

sensibilidade média da ultrassonografia para o câncer de vesícula é de aproximadamente 44%, sendo mais elevada

Estádio

T

N

M

Sobrevida em 5 anos (%)

nos casos mais avançados. Há ainda o recurso da ecoen­

0

Tis

N0

M0

60

doscopia, possibilitando obtenção de amostras do tumor

IA

T1

N0

M0

39

para análise cito-histológica, sendo responsável por au­

IB

T2

N0

M0

mentara sensibilidade diagnóstica para 74 a 90%.

IIA

T3

N0

M0

A tomografia computadorizada possibilita o estadia­

mento locorregional, como também investiga metástases

15 IIB

T1-3

N1

M0

III

T4

Qualquer N

M0

5

IV

Qualquer T

Qualquer N

M1

1

linfonodais e a distância. A acurácia da tomografia com­

putadorizada é de 71% segundo estudo recente, sendo maior também em casos avançados. O uso de contraste

ajuda na distinção entre colecistite crônica e neoplasia.

Outra opção seria a tomografia por emissão de pósitrons (PET-scan) para as mesmas funções. A associação angio­

grafia e colangiografia por ressonância magnética possi­

Classificação TNM para câncer de vesícula: T = tamanho do tumor primário; N = acometimento linfonodal; M = metástases a distância. Tis denota tumor in situ; T1 denota tumor que invade a lâmina própria e a muscular mucosa; T2 invade tecido perimuscular; T3 invade serosa ou fígado/órgãos adjacen­ tes; T4 invade a veia porta ou a artéria hepática ou múltiplas estruturas extra-hepáticas. N0 denota ausência e N1 denota presença de invasão lin­ fonodal, assim como M0 e M1 denotam ausência e presença de metástases, respectivamente.

Icterícia Indolor - 217

paliativos, sendo principalmente importante no controle da dor por metástases ósseas ou de partes moles e no

cula é diagnosticado incidentalmente em colecistectomias

controle de sangramentos de tumores primários localmen­

laparoscópicas, deve-se convertera cirurgia para aberta

te avançados. Bloqueio nervoso também é opção para

com exploração da cavidade. Tumores maiores que T2 ou

tratamento da dor, além dos fármacos largamente utiliza­

N1, apesar de tecnicamente algumas vezes poderem ser

dos em cuidados paliativos.

ressecados, não oferecem incremento na sobrevida após

o procedimento. Nenhuma droga tem eficácia provada para tratamento

Podemos reafirmar com o caso apresentado, a importân­

cia da anamnese e do exame físico para a formulação de

hipóteses diagnósticas e direcionamento do raciocínio clínico.

do câncer de vesícula. Radioterapia conjunta também tem sido utilizada, mesmo sem comprovação oficial. Estudos

iniciais conferem ganho de sobrevida para os estádios I a III, não mostrando efeito sobre o estádio IV. Outras

drogas têm sido testadas, porém ainda em fases iniciais de pesquisa. A sobrevida média em tumores irressecáveis

ou recidivas é menor que seis meses. Para esses casos, nenhuma terapia se mostrou eficaz, apesar de tentativas

com quimioterapia, radioterapia e braquiterapia serem

realizadas com certa frequência. A icterícia obstrutiva pode causar vários sintomas: ano­ rexia; perda de peso pormá absorção de gordura; coagulo­

patia por má absorção de vitamina K, impedindo procedi­

mentos cirúrgicos ou aumentando o risco de sangramentos; prurido de difícil controle e constrangimento social. Colan­ gite não é tão frequente e seu risco aumenta após manipu­ lação da árvore biliar. Controlara icterícia melhora a qua­

lidade de vida dos pacientes fora de possibilidade terapêutica. Existem três métodos paliativos para derivação da via biliar: bypass cirúrgico (hepaticojejunostomia em Y de Roux),

inserção percutânea e endoscópica de stents. Obstrução gástrica pela invasão tumoral é frequente

(50%), sendo opção a gastrojejunostomia. Pode-se usara

radioterapia como recurso para pacientes em cuidados

BIBLIOGRAFIA ADSAY, N. V. Neoplastic precuisois of the gallbladderand extrahepatic biliaiy system. Gastrcsted. Clin N. Am., v. 36, p. 889-900, 2007. AHRENS, W.; et al. Risk factors for extrahepatic biliaiy tract carci­ noma in men: medicai conditions and lifestyle. Results from a European multicentie case-control study. EcrcycaiJcLrrd cf Gastrαrtadcg & Hqjddcg. v. 19, p. 623-630, 2007. BARON, T. H. Palliation of malignant obstmctive jaundice. Gastro crta d. Clin N. Am., v. 35, p. 101-112, 2006. CHOWDURY, N. R.; CHOUDURY, J. R. Diagnostic approach to the patient with jaundice or asymptomatic hyperbilinubinemia. UpTcDéte 2008. CLEARY, S.P. et al. Câncerof the gallbladderand extrahepatic bile ducts. Cur. Prdbe Strg v. 44, p. 396-482, 2007 GOLDMAN, L; AUSIELLO, D. Cgeü - Trdadodemβdfcirairta-rn 22. ed. Rio de Janeiro: Elsevier 2005. MEKEEL, K. L.; HEMMING, A. W. Suigical management of gallbladdercarcinoma: a review. J. Gastrdrtest Srrg v. 11, p. 11881193, 2007. REID, K. M.; MEDINA, A. R.; DONOHUE, J. H. Diagnosis and surgical management of gallbladder câncer a review. J. Gas trdrtest Su-g, v. 11, p. 671-681, 2007. THOMAS, M. B. Biological characteristics of canceis in the gallblad­ derand biliaiy tract and taigeted therapy. Criticgi Reviews in Onckg/Honítrkg v. 61, p. 44-51, 2007.

CAPÍTULO 36

radical (além da vesícula, são retirados o leito vesicular e os linfonodos regionais). Quando o carcinoma de vesí­

CAPÍTULO

37

Hepatomegalia Bárbara Souza Luz Pinheiro • Felipe Augusto de Oliveira Souza

Homem negro de 30 anos de idade comparece ao ambulatório de Gastroenterologia com queixas de plenitude pós-prandial há cerca de três anos. O pacien­ te refere que após as refeições, independentemente do horário ou das características destas, vem apresentando distensão abdominal e eructações que melhoram com a movimentação. Nega dor abdominal, náuseas, vômi­ tos, pirose ou febre. Relata também alternância do hábito intestinal com episódios de diarreia mucossan­ guinolenta de início concomitante ao quadro álgico pós-prandial. Refere ter usado, sem melhora, inibidor de bomba de prótons por dois meses. É procedente de São Paulo (SP), onde vive há cinco anos, e natural de Carpina (PE). Trabalha como zeladorde condomínio residencial, tendo sido agricultorem sua cidade natal. Nega uso de medicações, bem como de drogas ilícitas, desconhece qualquer comorbidade. Refere perda de 1,5kg em seis meses. Nega tabagismo e etilismo. Não sabe informar sobre antecedentes familiares.

• Dispepsia causada por doença estrutural ou bioquí­

mica: - Doença ulcerosa péptica. - Doença do refluxo gastroesofágico. - Cólica biliar. - Dor de parede abdominal crônica. - Câncer gástrico ou esofágico. - Gastroparesia. - Pancreatite. - Síndrome de má absorção (carboidratos). - Medicações (incluindo suplementos de potássio,

digitálicos, ferro, teofilina, antibióticos orais [especialmente ampicilina e eritromicina], anti­ inflamatórios não esteroidais, corticosteroides,

niacina, genfibrozila, narcóticos, colchicina, qui­

nidina, estrogênios, levodopa). - Doenças gástricas infiltrativas (por exemplo,

A princípio, pela história do paciente podemos considerar o diagnóstico sindrômico para dispepsia de acordo com os critérios do Rome III Committee, que define o quadro quando um ou mais dos seguintes critérios estão presen­ tes: plenitude pós-prandial, satisfação precoce e dor ou queimação epigástrica. Esses critérios devem serobser­ vados nos últimos três meses, sendo o início dos sintomas há pelo menos seis meses antes do diagnóstico. Duas subcategorias (síndrome do estresse pós-prandial e sín­ drome da dor epigástrica) são também reconhecidas, mas seu verdadeiro valor ainda está em estudo. Como diag­ nósticos diferenciais, evidenciamos:

doença de Crohn, sarcoidose). - Distúrbios metabólicos (hipercalcemia, hiperca­ lemia).

- Hepatoma. - Doença isquêmica intestinal. - Desordens sistêmicas (diabetes mellitus, disfun­ ções de tireoide ou paratireoide, colagenoses).

- Parasitoses intestinais (Giardia, Strongyloides,

Schistosoma). - Câncer abdominal, especialmente de pâncreas.

Quanto ao quadro disentérico apresentado pelo pa­ • Dispepsia funcional (mais de 60% dos casos): quan­ do não se evidencia doença estrutural (incluindo à endoscopia digestiva alta) que explique os sintomas.

ciente, trata-se de um quadro crônico, visto que a duração

já é superiora um mês, e várias são as possíveis causas (ver Capítulo 30 ‒ Diarreia crônica ‒ doença celíaca).

Hepatomegalia - 219

Ao exame físico, o paciente encontra-se em bom estado geral, anictérico, acianótico e afebril, eupneico, com palidez cutâneo-mucosa leve, hidratado, conscien­ te e orientado. Peso: 68kg; altura: 1,66m. Não apresenta lesões de pele, fâneros ou mucosas. Pressão arterial de 130 × 80mmHg, com frequência cardíaca de 80bpm, pulsos presentes e simétricos com auscultas cardíaca e respiratória normais. O abdome mostra-se plano, sem deformidades, ruídos hidroaéreos presentes, indolor à palpação superficial e levemente dolorido à palpação profunda em região epigástrica. À hepatometria obser­ va-se hepatomegalia, à custa de lobo esquerdo, que se encontra cerca de 4cm abaixo do apêndice xifoide, de consistência elástica, indolore com borda romba e re­ gular. Não se observam tumorações, bem como esplenomegalia. Sinais de Murphy e de Bloomberg negativos. Sem sinais de ascite. Traube timpânico. Ao exame proctológico não se evidencia se doença hemor­ roidária; ao toque o esfíncter apresenta-se normotônico, indolore sem tumorações palpáveis, ampola retal com fezes sem sangue. Exame neurológico normal e o pa­ ciente não apresenta edemas.

QUADRO 37.1 - Causas de hepatomegalia

• • • • • • • • •

Metástases Esteato-hepatite não alcoólica Síndrome mielodisplásica Insuficiência cardíaca direita Hepatocarcinoma Hemocromatose Doença hematológica ‒ por exemplo, leucemia mieloide crônica, linfoma Esteatose hepática - por exemplo, secundária ao diabetes mellitus Infiltração ‒ por exemplo, amiloidose Hepatite Obstrução biliar Infecção por HIV Abscesso hepático Síndrome de Budd-Chiari Esquistossomose Febre tifoide

pocôndrio e flanco direitos, além do epigástrio, desde a

cicatriz umbilical até o rebordo costal. Logo após, proce­

de-se à palpação junto à reborda, coordenando-a com os movimentos respiratórios (manobra de Lemos Torres). Algumas vezes emprega-se a manobra de Chauffard a fim

Hepatomegalia é um achado importante do exame

de aproximar o fígado da parede abdominal, facilitando,

físico, que nos leva a um grande número de hipóteses

deste modo, sua palpação: colocara mão esquerda sobre

(Quadro 37.1), todavia, é sempre importante diferenciá-la

a loja renal direita, forçando-a para cima. As informações

de um achado normal em pessoas mais magras ou de

clínicas são retiradas das características da borda e da

ptose hepática.

superfície do órgão. Quanto à borda, pode-se avaliar sua

O exame do fígado é parte fundamental na semiotéc­

distância em relação ao rebordo costal, a espessura (fina

nica do abdome (Tabela 37.1) e o paciente deve estar bem posicionado em decúbito dorsal, relaxando o mais possí­

ou romba), a superfície (lisa ou irregular), a consistência

vel a parede abdominal. A hepatimetria é realizada pela

(reduzida normal ou aumentada) e a sensibilidade (indo­

percussão hepática, com valores de 6 a 12cm, na linha

lorou dolorosa). No que diz respeito à superfície, pode-se

hemiclavicular direita, e 4 a 8cm, na linha média esternal,

determinar sua textura (lisa ou nodular); no último caso,

aqueles referidos como normais. Em seguida, realiza-se

cumpre caracterizar também os nódulos (quantidade,

a palpação, em que, a princípio, devem ser palpados hi-

consistência e sensibilidade).

TABELA 37.1 - Características semiológicas do fígado nas principais síndromes que cursam com hepatomegalia Volume Síndrome

Superfície

Lisa Aumentado

Reduzido

+

+

Colestase EH benigna

+

+

Colestase EH maligna

+ + ou +

Cirrose

Micro

Normal

Aumentada

Dor

+ ou +

+

+ ou +

+

+

Esteatose

+

+

Esquistossomose

+

+

+

Neoplasias primárias

+

+

+

Linfomas

+

Indolor

+

+

+

+

+

+

+

+

Romba +

+

+

+ ou +

Fina

+

+

+

+

EH = extra-hepática; ICC = insuficiência cardíaca congestiva.

Reduzida

+

Hepatite

+

Borda

Nodular Macro

ICC

Sensibilidade

Consistência

+ +

+ +

+

+

+

+

CAPÍTULO 37

• • • • • • •

Após uma semana o paciente retorna trazendo exames: hemoglobina: 11; volume corpuscular médio: 78; hemoglobina corpuscular média: 27; amplitude de distribuição de hemácias: 16; leucócitos totais: 10.000 com eosinofilia discreta (850/mm3) e sem outras alte­ rações; plaquetas: 174.000; creatinina: 1,2; ureia: 49; sódio: 136; potássio: 4,4; Cálcio Total: 8; eletroforese de proteínas: PT-7,5, Alb 3, gama 3,3, relação A/G 0,9; glicemia 85; aspartato aminotransferase: 23; alanina aminotransferase: 23; fosfatase alcalina: 280; gamaglutamiltransferase (GGT): 90; amilase: 50; atividade de protrombina (AP): 85%, relação normalizada inter­ nacional (RNI): 1,1; bilirrubinas totais 1; bilirrubina direta: 0,5; bilirrubina indireta: 0,5; perfil lipídico nor­ mal; radiografia de tórax, urina I e eletrocardiograma sem alterações. Parasitológico de fezes (Hoffman) se­ riado negativo e Kato-Katz negativo, lâmina direta sem alterações, pesquisa de gorduras negativa e coprocul­ tura também negativa.

À ultrassonografia de abdome superior observam-se fígado com retração volumétrica de lobo direito, con­ tornos lobulados com textura homogênea, lobo esquerdo com aumento de volume, medindo 10 × 6cm, áreas hiperecogênicas de espessamento periportal su­ gestivo de fibrose, medindo 0,4 × 0,5 × 0,4cm. Grau I C (Fig. 37.1). A veia porta mede 0,7cm e a veia esplê­ nica, 0,5cm. Baço de tamanho normal.

A fibrose hepática é um achado patológico que oca­

siona grande morbidade. Dentre suas causas, citamos as mais prevalentes: • Metabólicos (galactosemia, tirosinemia). • Fibrose congênita secundária à agressão hepática na

vida intrauterina, como malformações biliares e in­ fecções (principalmente, citomegalovírus). • Doença de Wilson (degeneração hepatolenticular): há acúmulo de cobre no fígado, no cérebro, nos rins

Pela análise laboratorial é possível acrescentar ao quadro do paciente: anemia microcítica e hipocrômica

e na córnea; a deposição excessiva provoca danos

hepáticos.

com eosinofilia discreta. Faz-se importante, nesse mo­

• Hemocromatose.

mento, observar que os exames laboratoriais não demons­

• Esteato-hepatite não alcoólica.

tram disfunção hepática (bilirrubinas, fosfatase alcalina e

• Deficiência de alfa-1-antitripsina: doença autossô­

albumina normais).

mica recessiva, causa comum de cirrose na infância e na adolescência, rara em adultos.

O paciente refere persistência dos sintomas sem sinais de melhora ou piora do quadro. Acompanhado por sua mãe, que relatou que o esposo faleceu por hemorragia digestiva alta, antes da mudança da família para São Paulo, e que a família morava em casa de taipa, na ocasião, sem água encanada ou esgoto, e que o filho costumava banhar-se no riacho local. Atualmente, a família vive em casa de alvenaria, com água encanada, luz elétrica e es­ goto. Os demais membros da família são saudáveis. Refere visitas esporádicas a Pernambuco, tendo sido a última há um ano. O paciente é submetido à endoscopia digestiva alta (EDA), com achados normais e pesquisa de H pylori negativa. A princípio, as indicações formais para EDA em pacientes com dispepsia seriam idade acima de 45 anos ou sintomas de alarme (perda de peso sem causa aparente, vômitos persistentes, disfagia progressiva, odinofagia, anemia, hematêmese, massa abdominal ou linfadenopatia palpável, anemia ferropriva inexplicável, história familiarde câncerdo trato gastrointestinal alto, cirurgia gástrica prévia e icterícia). Apesar do alto valor preditivo negativo dos sintomas de alarme, alguns au­ tores advogam a realização de EDA mesmo em pacientes jovens que não responderam a curso de qua­ tro a oito semanas com inibidores da bomba de prótons, exatamente o caso do nosso paciente. Paciente submetido à colonoscopia, que também não evidencia alterações.

• Virais (B e C): o vírus da hepatite B pode causar

hepatite aguda ou crônica, a resolução ocorre em 90% dos casos, estado de portadorem 5%, evolução para hepatite crônica persistente em 3,5% e para hepatite crônica ativa em 1,5%. Às vezes, a hepati­

te crônica persistente evolui para a forma ativa e esta, em geral, progride para cirrose, nem sempre

Figura 37.1 - Ultrassonografia hepática, mostrando sinais de fibrose periportal (seta).

978-85-4120-074-5

CAPÍTULO 37

220 - Doenças do Sistema Gastrointestinal

978 85 4120 074

havendo relação direta com as formas mais sinto­

o espessamento periportal detectado à ultrassonografia se

máticas. Evoluindo para cirrose, a sobrevida após

cinco anos é de 55%. A transmissão do vírus C

correlaciona com a fibrose periportal encontrada nas bi­ ópsias em 100% dos casos1. A avaliação ultrassonográfi­

geralmente atinge usuários de drogas endovenosas

ca da fibrose periportal em pacientes esquistossomóticos

ou é pós-transfusional e costuma evoluir para hepa­

foi composta de uma graduação subjetiva (análise quali­

tite crônica na maioria das vezes, principalmente

tativa, comparando-se o fígado examinado com determi­

nos casos sem tratamento.

nados padrões de acometimento pela fibrose periportal

• Alcoólica: é a principal etiologia em adultos, mas

‒ classificação de Niamey, Tabela 37.2) e objetiva (aná­

somente 20% dos etilistas desenvolvem cirrose.

lise quantitativa, medindo-se a espessura da fibrose peri­

• Hepatocarcinoma.

portal ‒ Cairo Working Group 1992 ‒ graus I, II e III).

• Drogas: amiodarona, clorpromazina, isoniazida,

Já é conhecido que a fibrose de Symmers pode ocor­

metildopa, metotrexato, nitrofurantoína, acetamino­

rer mesmo em pacientes sem esplenomegalia e hiperten­

feno, sulfonamidas, etc.

são portal, fato este frequente em áreas endêmicas. A fi­

• Autoimune: afetando mulheres jovens ou na pós­

-menopausa.

brose periportal e a infiltração celular podem ser vistas

nos espaços portais e, embora mais frequentes em esquis­

• Biliar: é o processo final de doenças crônicas que

tossomóticos, também já foram reportadas em pacientes

acometem a árvore biliar com colangites de repetição,

não esquistossomóticos. É muito importante não esquecer

como em colangite esclerosante e obstruções das vias

isso ao se avaliar o achado de fibrose em pacientes de

biliares, bem como da cirrose biliar primária.

áreas endêmicas, já que a fibrose de Symmers pode ser

• Criptogênicas.

reversível com o tratamento da parasitose, se realizado

em fases iniciais.

Vários estudos demonstram que a célula-chave na

Como o paciente apresentava fibrose hepática carac­

produção da fibrose no fígado é a célula estrelada de Ito, situada no espaço de Disse. É uma célula armazenadora

terística de esquistossomose, a fibrose de Symmers, bem

de gordura e vitamina A que, sob a ação de citocinas fi­

positiva e achados clínicos e laboratoriais sugestivos, mas

brogênicas, (fator de transformação do crescimento beta

com parasitológico de fezes negativo, foi submetido à

[TGF-beta], TNF-alfa, fator de crescimento derivado de

biópsia retal para pesquisa de ovos de Schistosoma spp.

como era natural de zona endêmica com epidemiologia

plaquetas [PDGF] e outras), se diferencia em miofibro­

No histopatológico da biópsia retal encontram-se vários ovos viáveis, com espícula lateral, característicos de Schistosoma mansoni (Fig. 37.2). Paciente tratado com praziquantel, 40mg/kg, em dose única, com con­ trole de cura por parasitológicos de fezes negativos no primeiro, terceiro e sexto mês após o tratamento; na última ocasião também foi repetida a biópsia retal, que não mostrou mais ovos do parasita. Uma ultrassono­ grafia realizada um ano depois mostrou diminuição da espessura da fibrose, bem como regressão da hepato­ megalia.

blasto e fibroblasto, se engajando na ativa síntese dos elementos da matriz (colágenos, elastina, proteoglicanos e proteínas de constituição).

Embora alguns estudos tenham tentado utilizar mar­ cadores externos da fibrose, com aparente sucesso nos em

dosagens séricas do telopeptídeo do pró-colágeno I, do hialuran, do TGF-beta ou da excreção da hidroxiprolina urinária, o presente consenso é de que ainda não estão

disponíveis marcadores confiáveis de fibrose hepática. A fibrose periportal se correlaciona diretamente com

as condições clínicas e os riscos de complicação pela

doença. A hematêmese, a escleroterapia, a transfusão sanguínea e o edema de membros inferiores ocorrem, com

TABELA 37.2 - Classificação de Niamey

frequência mais elevada, em pacientes com espessamen­

Padrão

Imagem ultrassonográfica

to periportal maior. Outros parâmetros relacionados à

A

Normal

intensidade da fibrose periportal são a esplenomegalia, os

B

Céu estrelado (focos ecogênicos difusos)

calibres da veia porta e da veia esplênica, a presença de

C

Ecos anelares e em haste de cachimbo

circulação colateral e o número e o tamanho das varizes

D

Hiperecogenicidade junto à bifurcação portal

esofágicas vistas à endoscopia.

E

Focos altamente ecogênicos estendendo-se dos vasos portais para o parênquima

F

Bandas altamente ecogênicas estendendo-se para a periferia do fígado e retraindo o parênquima subjacente

A ultrassonografia permite avaliação da extensão, da evolução e da possível regressão da doença após seu

tratamento. Homeida et al., em 1989, demonstraram que

CAPÍTULO 37

5

Hepatomegalia - 221

CAPÍTULO 37

222 - Doenças do Sistema Gastrointestinal

Figura 37.2 - Ovo de

Schistosoma mansoni viável no

histopatológico retal.

O paciente refere melhora significativa dos sinto­ mas. Orientado a evitar contato com água nas próximas visitas à cidade natal e toda a família foi orientada a procuraro serviço de saúde a fim de buscar outros casos.

Figura 37.3 - Prevalência de infecção por esquistos­ Dados sobre a eficácia do tratamento da esquistosso­ mose apareceram nos trabalhos experimentais de Gonnert, Cameron e Ganguly e de Warren, que mostraram que os granulomas, a hepatite reacional e a fibrose desapareciam do fígado dos camundongos tratados. Mas logo surgiram estudos demonstrando que tais dados só eram válidos para a esquistossomose recente (8 a 10 semanas após a expo­ sição cercariana), pois a fibrose das infecções tardias (16 a 20 semanas) era irreversível. Os trabalhos clínicos bem controlados se seguiram e consolidaram a noção da possibilidade de reversão ou diminuição da fibrose hepática humana avançada, alguns anos após o tratamento. Quando o tratamento é feito em indivíduos jovens com a forma hepatoesplênica da esquis­ tossomose, a reversibilidade do quadro clínico já pode ser notada seis meses mais tarde.

somose no Brasil, de acordo com a região2,3

Os focos e a transmissão da doença estão relacionados

às condições precárias de higiene e saneamento básico da população, favorecendo a viabilidade dos ovos e a manu­ tenção do ciclo do parasita. Os ovos em contato com a

água eclodem, dando origem aos miracídios (larvas cilia­ das). No interior do caramujo Biomphalaria glabrata

(hospedeiro intermediário) haverá o desenvolvimento dos

miracídios até cercárias, em de quatro a seis semanas. As cercárias penetram ativamente na pele do hospedeiro definitivo (homem em contato com água contaminada)

até se transformarem no verme adulto (digenético), que

fará a deposição dos ovos nas vênulas mesentéricas do

sigmoide e do reto. Alguns ovos conseguem atravessaros

DIAGNÓSTICO FINAL

capilares e alcançara mucosa retal, ao passo que outros seguem em direção ao sistema portal. A fase aguda da doença divide-se em pré-postural e

Esquistossomose.

postural. A primeira compreende quatro a seis semanas após o contato com as cercárias e pode manifestar-se com

DISCUSSÃO No Brasil, a esquistossomose ainda é um importante pro­ blema dentro do espectro da saúde pública nacional. A infecção pelo Schistosoma mansoni acomete cerca de 12 a 14 milhões de pessoas no país2,3 e 70% dos casos concen­ tram-se nos estados de Minas Gerais e Bahia (Fig. 37.3).

quadro semelhante ao da infecção das vias aéreas supe­

riores (“IVAS-like”), prurido, dermatite cercariana e

edema angioneurótico. A segunda fase caracteriza-se por

febre (Katayama), diarreia com desidratação leve, hepa­ tomegalia dolorosa (100%) e esplenomegalia (60%). A

resolução espontânea dos sinais e sintomas pode variar de dias a meses. Deve-se diferenciá-la de quadros alérgi­

Hepatomegalia - 223

cos, IVAS, mononucleose infecciosa na fase pré-postural,

mica prolongada, febre tifoide e paratifoide, disenteria

• Forma pulmonar: causada pela endarterite granulo­

bacilar, tuberculose miliar, abdome agudo, tumor abdo­ minal, polineurite, leptospirose, hepatite. Na fase de transição da doença, o paciente pode apresen­ tar hepatoesplenomegalia persistente por4 a 36 meses, com

matosa desencadeada pelos ovos do esquistossoma.

ao passo que na fase postural consideram-se outros diag­

regressão total ou parcial desta. Pode haver aparecimento de varizes esofágicas incipientes, que regridem. Leucocitose com eosinofilia, alterações da mucosa retal, sintomas intestinais e granulomas esquistossomóticos no fígado são outros achados que podem estar associados ao quadro. Após seis meses da infecção, diversas formas clínicas da doença podem se desenvolver: • Forma intestinal: desconforto e algia abdominal









esporádica associadas à diarreia crônica, às vezes com evacuações mucossanguinolentas; a muitas os pacientes são assintomáticos. Forma hepatointestinal: com epigastralgia (simu­ lando síndrome dispéptica) e diarreia. Hepatomega­ lia com nodulações (fibrose de Symmers) ao exame pode ser notada em fases mais avançadas. Forma hepatoesplênica compensada: a característi­ ca principal é a hepatoesplenomegalia causada por lesões perivasculares intra-hepáticas, desenvolvendo hipertensão portal com consequente congestão pas­ siva do baço e varizes esofágicas por sobrecarga da circulação colateral. Forma hepatoesplênica descompensada: estágios avançados da doença com ascite, fígado fibrótico e de pequeno volume (contraído pela fibrose perivas­ cular) concomitante com esplenomegalia de grande monta, varizes de esôfago, episódios de hemorragia digestiva alta e hiperesplenismo. Enterobacteriose septicêmica prolongada: as entero­ bactérias, após translocação fisiológica, alcançam a superfície ou o intestino do verme adulto, criando um status de bacteremia persistente caracterizado clinica­ mente por febre de longa duração, esplenomegalia, hipoalbuminemia, hipergamaglobulinemia, entre outros.

• Glomerulopatia esquistossomótica: desenvolve-se pela formação de imunocomplexos que se depositam nos glomérulos, causando desde proteinúria até síndrome nefrótica. • Neuroesquistossomose: os ovos do S. mansoni podem acometer diversas localizações. A lesão mais carac­ terística da doença compromete a medula espinhal toracolombar, causando mielite transversa. • Forma pseudotumoral: são lesões (vegetações, pó­ lipos, estenoses) provocadas pela reação inflamató­

Classifica-se em hipertensiva e cianótica.

Em esquistossomose, nota-se o acometimento mesen­

quimal do fígado poupando a arquitetura dos lobos e dos sinusoides hepáticos em contraposição ao que acontece

no órgão cirrótico4. A remodelação do colágeno nos es­ paços portais não constitui a única lesão responsável pela Symmers. Mesmo com a terapêutica usual para a doença, a obstrução, a perda parcial da musculatura da camada

elástica dos ramos portais e as lesões arteriais não desa­ parecem5. Esse fato justifica a não regressão e até mesmo a evolução de alguns casos, apesar do tratamento.

O tempo de infecção e o grau de deposição dos ovos estão intimamente ligados ao grau de fibrose periportal, contudo, nota-se que mesmo em pacientes com alta pa­

rasitemia não há correlação entre as ultrassonográficas e o aumento da GGT6. A infecção por S. mansoni, sobretudo na forma hepa­

toesplênica, cursa com altos níveis de TNF-alfa com ativa­ ção da resposta inflamatória e controle do parasita. Em

contraposição a essa citocina, a interleucina 10 (IL-10) desempenha importante papel na contrarregulação da res­ posta imune, aumentando a resistência e a intensidade da infecção pelo parasita, indicando, assim, piorprognóstico7,8.

Embora seja provável que algum grau de imunidade

ocorra após exposição maciça e prolongada, parece que a relação ambiental entre o homem e o parasita ainda

permanece como fator crucial a determinara intensidade e a prevalência nas populações.

O diagnóstico geralmente é realizado pelo método Kato-Katz (método quantitativo) para os ovos do parasi­

ta nas fezes do paciente, que se dá logo após a sexta se­ mana. A sensibilidade de um exame de fezes isolado não é boa (por volta dos 45%), logo são necessárias várias

amostras para o diagnóstico. Os testes sorológicos ou a reação em cadeia da polimerase apresentam relevância para pacientes de áreas com baixa prevalência da doença, com baixa parasitemia e/ou imunodeprimidos9. Em pa­

cientes com suspeita clínica da doença e com exame parasitológico de fezes negativo (baixa parasitemia), a

biópsia retal ou hepática pode ser de bastante ajuda.

O tratamento, além de se mostrar curativo, tem o ob­ jetivo de diminuira carga parasitária dos doentes e impedir o desenvolvimento das formas mais graves

da doença. No Brasil, em virtude da maior relação custo/

CAPÍTULO 37

nósticos como infecções intestinais, salmonelose septicê­

ria local dos granulomas esquistossomóticos na mucosa intestinal, o que macroscopicamente pode se confundir com neoplasias.

CAPÍTULO 37

224 -

Doenças do Sistema Gastrointestinal

beneficio, o praziquantel é a droga de escolha (dose única:

REFERÊNCIAS

60mg/kg para crianças até 15 anos e 50mg/kg para adultos

1. SANTOS, G. T. et al. Reprodutibilidade da classificação ultrassono­ gráfica de Niamey na avaliação da fibrose periportal na esquistos­ somose mansônica. Radid. Bras, v. 40, n. 6, p. 377-381, 2007. 2. ANDRADE, Z. The situation of hepatosplenic schistosomiasis in Brazil. Mβn. Irrst OsvádoCrix, v. 93, suppl. I, p. 58-75,1998. 3. COURA, J. R.; AMARAL, R. S. Epidemiological and control aspects of schistosomiasis in Brazilian endemic areas. Mβn. Irrst OswádoCrix, v. 99, suppl. I, p. 13-19, 2004. 4. EL-GAREM, A. A. Schistosomiasis. Digslknv. 59, p. 589-605,1998. 5. CHAPADEIRO, E.; PITANGA, L. C. Sobre a reversão da fibrose hepática esquistossomótica após terapêutica específica. Estudo histológico. RevistadaSciiedadeBraáleradeMedicirra Trq»fcd v. 30, p. 53-56, 1997. 6. AMARAL, A. C. C. et al. Elevação da gama-glutamiltransferase sérica na hepatopatia esquistossomótica não se correlaciona com a carga parasitária e precede alterações ultrassonográficas. Arq. Gastroβted., v. 39, n. 1, p. 27-31, 2002. 7. CALLERY, M. P.; KAMEI, T.; FLYE, M. W. Kupffercell tumor necrosis factor-alpha production is suppressed during liverregeneration. J. StrgRes, v. 50, n. 5, p. 515-519, 1991. 8. MIYAMOTO, K.; et al. Suppressive effects of E3330, a novel quinine derivative, on tumornecrosis factor-alpha generation from monocytes and macrophages. AgpisActiαrs v. 37, n. 3-4, p. 297403,1992. 9. MINISTÉRIO DA SAÚDE - SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. Giiadevi^lâxia qrklcmicic^ca 6. ed., 2005,

‒ comprimidos sulcados de 600mg). Já a terapêutica com o oxaminiquine é recomendada na dosagem única de

15mg/kg para adultos e 20mg/kg para crianças até 15 anos de idade. A efetividade dessa terapêutica é equivalente; o praziquantel em uma só tomada obteve 87,5% e, em duas tomadas, 90% de cura, ao passo que o oxaminiquine

apresentou 82,5%10. Ambas as medicações têm alguns efeitos colaterais relevantes: vômitos, cefaleia, sonolência,

náuseas e tonturas (mais frequentes com oxaminiquine). É importante considerar as contraindicações ao esquema antiesquistossomótico9:

• Gestação. • Durante aleitamento materno (se o risco/benefício

compensar o tratamento da mulher nutriz, esta só

deve amamentara criança 24h após a administração da medicação). • Criança menor de dois anos de idade (não deve ser

tratada devido à imaturidade do fígado). • Desnutrição ou anemia acentuada. • Infecções agudas ou crônicas intercorrentes. • Insuficiência hepática grave (fase descompensada

da forma hepatoesplênica). • Insuficiência renal ou cardíaca descompensada. • Estados de hipersensibilidade e doenças do colágeno.

p. 297-306 (Série A. Normas e manuais técnicos). 10. FERNANDES, P.; OLIVEIRA, C. C. Estudo comparativo da efi­ cácia do praziquantel, em dois esquemas posológicos, e da oxaminiquina no tratamento da esquistossomose mansônica. FdhaMed., v. 93, n. 5/6, p. 389-93, 1986.

• História de epilepsia (convulsão) ou de doença

mental (com uso de medicamentos anticonvulsivan­ tes ou neurolépticos). • Qualquer doença associada que seja mais grave ou incapacitante do que a própria esquistossomose.

• Adulto com mais de 70 anos de idade (somente se,

à avaliação médica, o risco/benefício compensar o tratamento).

O controle de cura é feito no quarto mês de quimio­ terapia específica com três amostras colhidas em dias

sucessivos. Caso alguma das amostras se encontre posi­

tiva, é necessário repetir o tratamento. A principal complicação da esquistossomose é o de­

senvolvimento de hipertensão portal evoluindo com a formação de varizes esofágicas e com risco de hemorragia

digestiva alta. Desse modo, a doença apresenta altos ín­

dices de morbimortalidade, visto ser uma comorbidade facilmente controlada por medidas higiênico-sanitárias de qualidade.

LEITURA COMPLEMENTAR AMARAL, R. S.; PORTO, M. A. S. Evolução e situação atual do controle da esquistossomose no Brasil. Rev. Sα. Bras Med. Trq»., v. 27, supl. 3, p. 73-90, 1994. ANDRADE, Z. A.; PEIXOTO, E. Pathology of periportal fibrosis involution in human schistosomiasis. Rei'. Irrst Med. Trqr. S. Paiov .34, n. 4, p. 263-272, 1992. BARBOSA, C. S. et al. Spatial distribution of schistosomiasis foci on Itamaracá Island, Pernambuco, Brazil. Mβn. Irrst OsvádoCrix, v. 99, suppl. 1, p. 79-83, 2004. KLOETZEL, K. Reinfection aftertreatment of schistosomiasis: environment or“predisposition”? Rev. Irrst Med. Trq». S. Paiov. 32, n. 2, p. 138-146, 1990. RABELLO, A. L. T. et al. Stool examination and rectal biopsy in the diagnosis and evaluation of therapy of schistosomiasis mansoni. Rev. Irrst Med. Trq». S. Paio v. 34, n. 6, p. 601-608, 1992. SARVEL, A. K. et al. Comparison between morphological and staining characteristics of live and dead eggs of Schistosoma mansoni. Mβn. Irrst OswádoCrtr, v. 101, suppl. 1, p. 289-292, 2006. SILVA, Y P. et al. Circulating antigens leveis in different clinicai forms of the Schistosoma mansoni infection. Mβn. Irrst OsvddcCrix, v. 94, n. 1, 1999.

CAPÍTULO

38

Disfagia Eduardo Castro • José Luiz Pedroso • Jean Rodrigo Tafarel

Homem de 64 anos de idade procura pronto-socor­ ro com queixa de “dificuldade para engolir”. Refere que há 40 dias se iniciou uma disfagia progressiva de sólidos para líquidos, sem dificuldades para iniciaro processo de deglutição. Aponta a região retroesternal (entre os mamilos) como local onde sente que “a comida para". Nega regurgitação, febre, calafrios ou sudorese noturna. Apesar de manter o apetite, alega perda de 14kg no período em razão do “medo de comer”. Refere também hipertensão arterial grave, insuficiência arterial corona­ riana, com revascularização miocárdica há cinco anos, e tabagismo (40 anos-maço). Está em uso regular de ácido acetilsalicílico (100mg/dia), captopril (50mg, duas vezes ao dia) e hidroclorotiazida (50mg/dia). Disfagia é uma palavra de origem grega que denota difi­ culdade (dys) para engolir ou comer (phagien). Na práti­ ca clínica, representa sensação subjetiva de anormalidade orgânica que prejudica a passagem de líquidos e/ou sóli­ dos da cavidade oral até o estômago. É sempre um sinal

QUADRO 38.1 - Causas de disfagia • Causas orofaríngeas ou de transferência - Doenças neuromusculares: esclerose lateral amiotrófica, miastenia gravis e doença de Parkinson - Acidente vascular encefálico - Disfunção cricofaríngea - Causas obstrutivas cervicais: osteófitos cervicais, divertículo de Zenker, neoplasias cricofaríngeas • Causas esofagianas - Mecânicas intrínsecas ■ Tumores benignos ■ Divertículos esofagianos ■ Membranas e anéis esofagianos ■ Esofagites (refluxo, infecciosas ou por radiação) e úlceras (refluxo, infecciosas ou por contato) ■ Neoplasias esofagogástricas - Mecânicas extrínsecas: ■ Anomalias cardiovasculares (aumento de átrio esquerdo, aneurismas de aorta torácica, artéria subclávia aberrante) ■ Massas mediastinais: linfomas ou bócio mergulhante de tireoide ■ Anomalias de coluna vertebral • Motilidade ■ Acalasia e esfíncter esofagiano inferior hipertensivo ■ Espasmo esofagiano difuso e esôfago em quebra-nozes ■ Esofagopatia chagásica e esclerose sistêmica (CREST)

de alarme e deve ser investigada. Do ponto de vista anatômico, pode ser classificada como disfagia orofaríngea (de transferência ou alta) e disfagia esofagiana (baixa), que engloba doenças que

acometem o corpo esofagiano, seja pelo comprometimen­ to de sua motilidade, seja por obstrução mecânica (intrín­ seca ou extrínseca). O tipo de alimento que iniciou o quadro clínico nos ajuda nessa diferenciação. Disfagias

les com disfagia esofagiana queixam-se de alimento im­ pactado ou que “não desceu”. Alguns pacientes conseguem identificar no tórax o local de parada do bolo alimentar

Na construção do raciocínio diagnóstico todos os dados da história clínica são essenciais. Raça negra, sexo

para sólidos sugerem anomalias mecânicas e as para lí­ quidos e sólidos, anomalias neuromusculares. As diferen­ tes causas estão listadas no Quadro 38.1.

masculino, histórico prévio de ingestão de cáusticos e

Pacientes com disfagia orofaríngea tipicamente des­ crevem dificuldade para iniciaro processo de deglutição.

tante de sintomas de doença do refluxo gastroesofágico

São comuns os sintomas de regurgitação ou broncoaspi­

como a formação de úlceras, estenoses ou esôfago de

ração, fala anasalada, tosse e regurgitação nasal. Já aque-

Barrett associado a adenocarcinoma.

hábito de tabagismo e etilismo associam-se a uma inci­ dência maiorde câncer de esôfago. A presença concomi­ deve levantara suspeita de complicações desta condição,

CAPÍTULO 38

226 -

Doenças do Sistema Gastrointestinal

O Quadro 38.2 apresenta algumas perguntas funda­ mentais na história clínica desses pacientes.

movimento. O exame da cavidade orofaríngea possibilita

também avaliação de massas ou lesões ulcerosas locais. Nas disfagias esofagianas, linfonodomegalias cervicais

Ao exame físico, encontra-se emagrecido, desidra­ tado (++/IV) e hipocorado (+/IV), mas eupneico e acianótico. Dados vitais: • Pressão arterial: 160 × 100mmHg (em ambos os membros superiores). • Frequência cardíaca: 108bpm. • Frequência respiratória: 20ipm. • Saturação parcial de oxigênio (SpO2): 92% (ar ambiente). • Temperatura axilar 36,6°C.

ou axilares, emagrecimento e/ou visceromegalias abdo­

minais mostram possibilidade de neoplasia. Queilose palmoplantar está associada ao câncer de esôfago.

Membranas esofágicas associam-se à tríade de anemia ferropriva (mucosas hipocoradas), glossite e disfagia. As

membranas são dobras na mucosa esofágica revestidas de

epitélio escamoso, localizadas preferencialmente no esô­ fago superior, acima do arco aórtico; predominam em

mulheres (4:1) em torno de 50 anos de idade. Fazem

parte da síndrome de Plummer-Vinson ou Peterson-Kelly.

O exame de fundo de olho mostra estreitamento arteriolare cruzamentos arteriovenosos aumentados, mas sem edema de papila. Possuia cicatriz vertical medioes­ ternal e ritmo cardíaco regular com hiperfonese de A2 (sem sopros). Ausculta carotídea com sopro discreto bilateral. Exame pulmonar com raros sibilos expiratórios. Abdome escavado, com ruídos hidroaéreos presentes, flácido, sem visceromegalias e indolor.Suas extremida­ des distais revelam distrofia ungueal e sinais de insuficiência arterial periférica nos membros inferiores (pulsos pedio­ sos filiformes). Pulsos radiais cheios e simétricos. Exame neurológico normal.

Na síndrome, o tratamento da anemia ferropriva promove o seu desaparecimento. Lesões de pele, como esclerodactilia, calcinose, telan­

giectasias e fenômeno de Raynaud, associam-se à escle­ rose sistêmica (síndrome CREST).

O exame físico do paciente em questão é pouco ex­ pressivo para identificara etiologia da disfagia, o que não é raro naqueles com tal queixa. Seu emagrecimento

pode sugerir tanto doença neoplásica quanto a própria

restrição alimentar pelo desconforto do ato de deglutir. Destacam-se, no entanto, em seu exame, os sinais de

O objetivo do exame físico é confirmar ou afastaras hipóteses diagnósticas já levantadas na história clínica. Dessa forma, sua meticulosa realização é imperiosa para um bom desfecho terapêutico. Buscamos sinais de alerta para algumas etiologias específicas. Em disfagias orofaríngeas, devemos atentar para os sinais neurológicos, como alterações da fala, dificuldade em lidar com a saliva, fraqueza muscularou distúrbios do

QUADRO 38.2 - Perguntas importantes para a história clínica de disfagia • Há quanto tempo vem apresentando esses sintomas? • Há problemas para iniciar a deglutição ou sente que a comida para em algum ponto? • Os sintomas são progressivos ou intermitentes? • Com que tipo de alimento percebeu pela primeira vez dificuldade para engolir (líquidos ou sólidos)? • Percebe sintomas associados como tosse, engasgos, regurgitação alimentar ou pirose, náuseas ou vômitos, alteração da voz ou odinofagia? • Está emagrecendo? • Há histórico pregresso de doenças do tecido conjuntivo, doenças neuromusculares, câncer, AIDS, tuberculose ou doença de Chagas? • Há histórico pregresso de cirurgias de cabeça ou pescoço, coluna vertebral ou esofagogástrica? • Há histórico pregresso de radioterapia ou uso constante de alguma medicação (especialmente alendronato ou imunossupressores)? • Há histórico pregresso de tentativa de suicídio ou ingestão acidental, na infância, de substâncias cáusticas? • É tabagista ou etilista (tempo e quantidade)? • Há histórico familiar de doença esofágica ou neoplasias?

doença cardiovascular não controlada. O fundo de olho

com retinopatia hipertensiva, a hiperfonese de A2 e os

pulsos diminuídos à palpação indicam lesão hipertensiva de órgão-alvo e doença aterosclerótica. Até o momento, não é possível estabelecer uma causa bem definida para a

queixa de disfagia, e exames complementares devem ser programados.

Paciente submetido a exames laboratoriais gerais (hemograma, eletrólitos, bioquímica renal e glicemia), não só para avaliaro grau de anemia (mucosas hipoco­ radas ao exame físico), mas também distúrbios hidroeletrolíticos (pela desidratação). Os exames mos­ tram apenas discreta anemia hipocrômica e microcítica. Solicita-se então endoscopia digestiva alta para averi­ guar causas obstrutivas esofagianas (já que não tem dificuldade para iniciaro ato de deglutição). Esta reve­ la esôfago de forma e distensibilidade normal, recoberto mucosa de aparência também normal, mas com calibre reduzido em seu terço médio, devido à compressão extrínseca pulsátil. Procede-se imediatamente à radiografia torácica (Fig. 38.1), observando-se alargamento mediastinal, o qual poderia estar relacionado a aneurisma de aorta torácica. Com esses dados em mãos, submete-se o paciente à tomografia computadorizada toracoabdomi­ nal contrastada e se encontra volumoso aneurisma de aorta torácica tipo B de Stanford ou tipo III de De-

Disfagia - 227

Os exames laboratoriais são de pouca valia nos casos

de disfagia e visam basicamente avaliaras complicações

metabólicas desta condição. Havendo suspeita de doença de Chagas, a sorologia para T cruzi e eletrocardiograma

podem fazer parte do arsenal diagnóstico. Pacientes com disfagia faríngea devem ser submetidos a estudo videofluoroscópico dinâmico da deglutição ou

exame baritado da região faringoesofágica. Nas disfagias

esofágicas, opta-se pela endoscopia digestiva alta ou esofagograma baritado, sendo a primeira mais sensível e

específica para as anormalidades mucosas. Em distúrbios de motilidade, o esofagograma baritado pode sugerir o diagnóstico, mas a manometria é o exame padrão-ouro.

Quando há suspeita de compressão extrínseca, optam-se pelos exames radiológicos simples à tomografia compu­

tadorizada e ressonância nuclear magnética.

Em nosso paciente, a endoscopia digestiva alta suge­ riu compressão extrínseca e a tomografia computadoriza­

aneurisma. Seu pós-operatório ocorreu de forma tran­ quila e com resolução da disfagia. As massas de origem vascular perfazem aproximada­ mente 10% das massas de mediastino posterior, sendo as alterações do calibre da aorta torácica e seus ramos a prin­ cipal causa. Os aneurismas de aorta geralmente estão rela­ cionados a doença aterosclerótica, tabagismo e hipertensão arterial sistêmica. Outros fatores também são descritos: trauma, sífilis, degeneração medial cística e micoses. A história natural dos aneurismas de aorta foi estuda­ da porDavies et al.1 com acompanhamento de 304 pa­

cientes com aneurisma de aorta torácica com tamanho médio de 3,5cm e seguidos, em média, por 31 meses. A taxa de crescimento foi de 0,1cm/ano, sendo significati­ vamente maior em pacientes com aneurismas de aorta descendente (0,19cm/ano) e pacientes com síndrome de Marfan. O risco relativo (RR) de ruptura do aneurisma entre 5 e 5,9cm foi de 2,5/ano, ao passo que nos aneuris­ mas com mais de 6cm o RR era de 5,2/ano. Nos pacien­ tes com síndrome de Marfan, o RR era de 3,7/ano. Além dos aneurismas, outras anomalias vasculares podem acarretar disfagia:

da de tórax confirmou a etiologia do quadro de disfagia. Como não havia comprometimento aneurismático dos

vasos da base e dos vasos femorais, os pulsos radiais e pediosos eram simétricos, fato este que dificultou, de início, relacionar sua disfagia às causas cardiovasculares.

Paciente orientado sobre aspossibilidades terapêu­ ticas e risco cirúrgico; opta pela correção cirúrgica do

• Disfagia lusória: é uma anomalia rara em que a artéria subclávia direita surge do arco aórtico, distal à artéria subclávia esquerda, atravessando a linha média acima do esôfago. Normalmente, não causa sintomas, mas quando estes ocorrem, o mais comum é a disfagia (principalmente em indivíduos com mais de 40 anos de idade). • Anel vascular: anormalidade congênita rara (< 0,2%) que causa obstrução parcial ou completa do esôfago e/ou traqueia. Pode ser formado pelo arco aórtico direito, ducto arterioso esquerdo que não regrediu ou por uma artéria subclávia esquerda aberrante. • Divertículo de Kommerell: é uma dilatação da origem da aorta (remanescente do arco aórtico embrionário), sendo uma das anomalias mais comuns da raiz aórtica. • Arco aórtico duplo e dextroposição da aorta: também cursam com disfagia, mas são mais comuns na infância.

DIAGNÓSTICO FINAL Aneurisma de aorta torácica com apresentação clínica de disfagia.

DISCUSSÃO Figura 38.1 - Radiografia de tórax, revelando alar­

A disfagia aórtica foi descrita por Pape em 1932. Os pacientes são tipicamente idosos, hipertensos, do sexo

gamento mediastinal.

feminino e de baixa estatura com cifose.

CAPÍTULO 38

Bakey, sem comprometimento dos vasos da base ou das artérias renais.

228 -

Doenças do Sistema Gastrointestinal

CAPÍTULO 38

Nomura et al.2 demonstraram a associação entre cito­ cinas, fatores da cascata da coagulação e das moléculas de adesão e o aparecimento de aneurisma de aorta. No

Na literatura, há poucos relatos de pacientes que so­ breviveram à hemorragia por fístula aorticoesofágica. O grupo de cirurgia torácica do Methodist Hospital em

estudo, o dímero D, a antitrombina III e a interleucina 2R

Houston, Texas, foi o primeiro a descrever uma abordagem

tiveram seus níveis séricos aumentados em relação ao

cirúrgica com sucesso em 1983. Hoje, 26 anos após o

grupo-controle, havendo relação direta com o volume

primeiro relato, há grupos que preferem esofagectomia

aneurismático.

inicial, uma vez que na maioria dos casos os pacientes

Não há consenso na literatura sobre a melhoraborda­ gem propedêutica para se investigara disfagia aórtica.

necessitaram de um novo procedimento para esofagecto­ mia em razão da mediastinite pós-operatória.

Nesses casos, os achados radiológicos, tanto à radiografia simples de tórax quanto ao esofagograma baritado, podem

ser inespecíficos e inconstantes.

Uma vez que a ruptura é o evento mais catastrófico que

pode ocorrerno paciente portadorde aneurismas, inúmeros autores têm estudado a história natural da doença e os fa­

tores relacionados à chance de ruptura ou dissecção.

De acordo com a equação de Laplace para cilindros,

REFERÊNCIAS 1. DAVIES, R. R.; et al. Yearty ruptuie ordissection rates forthoracic aortic aneuiysms: simple piediction based on size. AmThcra. Scrg v. 73, p. 17-28, 2002. 2. NOMURA, E; et al. Relationship between coagulation cascade, cytocine, adhesion molecule and aortic aneuiysm. Etr. J. Cadicflxra. Scrg, v. 23, p. 1034-1039, 2003.

a variação da pressão transmural está diretamente rela­

cionada à tensão parietal e inversamente relacionada ao raio. O aumento do volume do vaso aumenta a tensão sobre sua parede com lesão da vasa vasorum e a possibi­

lidade de erosão gradual do esôfago. A fístula aortoeso­ fágica é um evento catastrófico e tem como principal causa o aneurisma de aorta. Aproximadamente 5 a 10%

dos aneurismas de aorta torácica perfuram para dentro do esôfago. Chiari et al. foram os primeiros a descrever em 1914, a síndrome típica de fístula aorticoesofágica, carac­

terizada pordortorácica medioesternal, seguida de breve período livre de sintomas e hemorragia fatal. A única abordagem que pode salvara vida do pacien­

te é a cirurgia de emergência, o que na maioria das vezes não é possível em função do rápido choque hipovolêmico. Uma opção paliativa é o uso de balão de Sengstaken-

Blakemore ou da embolização da fístula como forma de contenção da hemorragia até que a abordagem cirúrgica

seja realizada.

LEITURA COMPLEMENTAR COCKERAM, A. W. Canadian Association of Gastroenterology practice guidelines: evaluation of dysphagia. Cai J. Gastroated, v. 12, n. 6, p. 409-414, 1998. DUWE, B. V.; STERMAN, D. H.; MUSANI, A. I. Tumois of the mediastinum. Chest v. 128, p. 2893-2909, 2006. GIRON, J. et al. Diagnostic appioach to mediastinal masses. Eu,q»eai Jαrrrid Ralkkg v. 42, p. 21-42, 1998. LEVINE, M. S.; RUBESIN, S. E. Radiologic investigation of dyspha­ gia. AJR, v. 154, p. 1157-1163, 1990. SHAUMBUREK, R. D.; FARRAR, J. T. Disoideis of the digestive system in the elderly. NEJM, v. 322, p. 438-443, 1990. TRATE, D. M.; PARKMAN, H. P.; FISHER, R. S. Dysphagia: evolution, diagnosis and tieatment. Prim. Cae v. 23, p. 417-443, 1996. UNOSAWA, S.; et al. Successful surgical treatment foran aortoesophageal fístula due to a descending aortic aneuiysm. Am Tho ra. Cadkvasc. Scrg. v. 9, n. 4, p. 257-260, 2003. WINN, R. A.; et al. Dysphagia, chest pain and refractoiy asthma in a 42-year-old woman. Chest v. 126, p. 1694-1697, 2004.

SEÇÃO

Doenças do Sistema Nervoso

CAPÍTULO

39

Tontura Anderson Rodrigues Brandão de Paiva • José Luiz Pedroso É mais importante saber que espécie de pessoa tem uma doença que saber que espécie de doença a pessoa tem.

Hipócrates

Um homem de 42 anos de idade procura atendi­ mento médico com queixa de tontura. Trata-se de um homem divorciado, autônomo (vendedor de móveis usados), que sempre viveu na área urbana. Relata início de tontura há cerca de um mês, caracterizada pordese­ quilíbrio. Seus amigos o acusavam de estar andando bêbado, embora negasse etilismo. Chegou a se chocar com o poste, algumas vezes, enquanto caminhava pela rua. Passou por atendimento médico recebendo fluna­ rizina, sem melhora. Na realidade, vem apresentado piora progressiva dos sintomas. A tontura é um sintoma extremamente comum na prática

médica diária e pode ter inúmeros significados. Sua etio­ logia pode variar desde doenças neurológicas sérias, como os eventos vasculares cerebrais, até situações transitórias e benignas, como as labirintopatias. Muito provavelmente, poucos sintomas em Medicina causam tanto desconforto ao médico como a tontura, devido a vários fatores: queixas inespecíficas, exigência

Uma boa ferramenta para abordara tontura é a clas­

sificação de Drachman, que utiliza a entrevista médica como elemento diagnóstico. Com base na história, tenta­

-se encaixara tontura do paciente em uma das quatro categorias (o Quadro 39.1 apresenta as etiologias para cada tipo de tontura). Para cada um dos tipos, utiliza-se uma pergunta propiciatória:

Tipo I: tontura rotatória ou vertiginosa

Pergunta: o(a) sr(a) tem a sensação de que os objetos ou as paredes estão girando ou estão em movimento? Ou o(a) sr(a) parece estarem movimento, mesmo estando parado?

O paciente relata sensação de movimento ou rotação do ambiente ou de que ele próprio está rodando. Tal sin­ toma aponta um distúrbio vestibular periférico ou central

de história clínica coerente e detalhada, necessidade de exame neurológico bem realizado e vasta gama de possi­ bilidades diagnósticas. Além disso, exames laboratoriais são pouco expressivos na investigação da tontura, salvo em algumas exceções. O melhor método para a abordagem diagnóstica de tontura são a entrevista médica e o exame físico. Muitas

- a duração e os fatores desencadeantes fazem o diagnós­

vezes, os sintomas são inespecíficos e mal interpretados, e tal dificuldade pode ser minimizada pela entrevista médica bem realizada.

adaptação e fatigabilidade - a sugerir uma síndrome pe­

tico diferencial. A vertigem pode se acompanhar de náu­

seas, vômitos e nistagmo. Pode ocorrer oscilopsia espon­ tânea, a ilusão não provocada de movimento unidirecional

ou rotacional do ambiente, pode ocorrer. Para diferenciar

o distúrbio vestibular periférico do central deve-se atentar para os seguintes sintomas: hipoacusia, acúfenos, latência,

riférica; disartria, diplopia, ataxia, síndrome de Horner,

dor facial e déficit motor- a sugerir uma síndrome central.

232 -

Doenças do Sistema Nervoso

CAPÍTULO 39

Vale lembrar que os fatores de risco cardiovascularclássi­

Pergunta: o (a) sr.(a) tem a sensação de desequilíbrio,

lar central. A causa mais comum desse tipo de tontura é a

como se estivesse sendo jogado ou puxado para um dos lados? O (a) sr.(a) tem alguma dificuldade para deambular

vertigem paroxística posicional benigna. Esta é uma verti­

por causa da tontura?

cos colocam o paciente em maior risco de doença vestibu­

gem periférica desencadeada por movimentos bruscos da cabeça - como virar na cama ou levantara cabeça ao co­

O paciente refere que está andando desequilibrado,

de curta duração, com latência,

com possíveis quedas - como o nosso paciente. Tal

fatigabilidade e adaptação, mais comum em idosos e que

queixa aponta distúrbios motores, com várias etiologias

é provocada por um deslocamento transitório dos otólitos

possíveis. Pode ser secundária a acometimento de vias

no ouvido interno.

motoras, cerebelares, funiculares posteriores e até mesmo

locaruma roupa no varal

de nervos periféricos. O exame físico será fundamental

Tipo II: tontura do tipo pré-síncope

para tal definição. Como dica geral, vale lembrar que tonturas do tipo vertigem costumam ser muito sintomá­

Pergunta: o (a) sr.(a) tem a sensação de visão escura

ou de que vai perdera consciência ou desmaiar? Os sin­ tomas são precipitados ao se levantar bruscamente?

ticas com relativamente poucos achados ao exame físico,

ao passo que as tonturas do tipo desequilíbrio levam a

queixas menos intensas, não referidas na cabeça, e a

exame físico com achados mais consistentes - embora

O paciente refere uma sensação de “como se fosse desmaiar”. Tal sintoma nos obriga a pensar nos seguin­

tes diagnósticos diferenciais: arritmias cardíacas, hipo­ tensão postural, hipoglicemia e anemia. Deve-se pergun­

tar sobre síncopes e em que condições a pré-síncope/ síncope ocorreram. É fundamental esclarecer se a pré­

-síncope é posição-dependente - sugerindo hipotensão postural - ou posição-independente - sugerindo arritmia

cardíaca ou distúrbio metabólico como hipoglicemia.

Em caso de síncope, saber se houve ou não sintomas

possam ser sutis!

Tipo IV: tontura do tipo “cabeça oca ”

Pergunta: o(a) sr.(a) tem a sensação de “cabeça vazia” ou “cabeça oca”? Aqui as descrições dos pacientes são mais variadas e

mais vagas, imprecisas. Geralmente referidas como “ca­

beça oca”, “cabeça leve”, “cabeça esquisita” e até descri­

prodrômicos, ou seja, se foi precedida porpré-síncope.

ções mais pitorescas como “parece que minha cabeça é uma folha de papel ao vento”. É a categoria em que se

Síncope sem pródromos tipo desliga-liga, fala fortemen­

colocam as tonturas que não se consegue identificar com

te a favor de arritmias cardíacas. Outros sintomas asso­

clareza em nenhum dos três tipos anteriores. Tal tipo de

ciados como dore palpitações também sugerem etiolo­

tontura indica distúrbios psiquiátricos, geralmente trans­

gia cardíaca. Caso a pré-síncope seja induzida pelo

tornos ansiosos, síndrome de hiperventilação, encefalo­

esforço, não se pode esquecer de investigar estenose

patias, tontura por múltiplos déficits sensitivos (especial­

aórtica (valvar supravalvar ou infravalvar). O curioso

sinal do sapo (sensação de batimentos no pescoço no

mente em idosos) ou formas frustras dos três tipos anteriores.

momento da pré-síncope e/ou das palpitações) sugere

O nosso paciente parece ter uma tontura do tipo de­

bloqueio cardíaco (átrios contraindo contra valvas atrio­

sequilíbrio, o que é reforçado pelo fato de ele estar “an­

ventriculares fechadas). Em caso de hipotensão postural

dando que nem bêbado” - será uma ataxia cerebelar? Ou

- pesquisada com a medida de pressão arterial (PA)

uma ataxia sensitiva (por comprometimento do funículo

deitado e imediatamente após se levantar e com 3, 5 e

posterior da medula)? - e por se chocar com postes na

10min após se levantar diagnosticada quando há sintomas

rua. Um exame neurológico é imprescindível nessa situa­

associados à queda de 20mmHg na PA sistólica e/ou

ção! A prescrição de flunarizina, um antagonista de cálcio

10mmHg na PA diastólica - deve-se perguntar sobre

com ação anti-histamínica geralmente indicado como

medicamentos em uso e considerar disautonomia (que

sedativo vestibular infelizmente é um ato quase reflexo

geralmente se acompanha dos seguintes sintomas: dis­

de alguns médicos quando se deparam com um paciente

túrbios esfincterianos, disfunção erétil, queixas gastroin­

que se queixa de tontura - como se todo paciente que se

testinais do tipo empachamento e constipação, podendo

queixa de tontura tivesse vertigem! Os efeitos colaterais

haver diarreia paradoxal).

mais comuns dessa medicação são sonolência, síndrome extrapiramidal e discinesia tardia. Não há qualquer indi­

Tipo III: tontura do tipo desequilíbrio

cação de antivertiginoso para esse paciente até que se

Tontura - 233

dos olhos, a visão dupla persiste. Caso persista, está-se

Tipos de tontura

Etiologias

lidando com uma diplopia monocular sugerindo afecções

Tipo 1: tontura rotatória ou vertiginosa

Vertigem posicional paroxística benigna Neuronite vestibular ("labirintite") Neurinoma do nervo acústico Acidente vascular ou ataque isquêmico transitório de tronco cerebral Doença de Ménière Labirintopatia por fármacos Doença desmielinizante (esclerose múltipla) Psicogênica Hemicrania Vertigem pós-traumática Causas incomuns: malformações arteriovenosas, fístulas.

dos meios refrativos, ou seja, uma doença eminentemen­

Tipo 2: tontura do tipo pré-síncope

Tipo 3: tontura do tipo desequilíbrio

Tipo 4: tontura com sensação de "cabeça oca"

Reação vasovagal Hipocapnia (hiperventilação, ansiedade, síndrome do pânico) Hipotensão postural Anemia Distúrbios metabólicos (hipoglicemia) Arritmia cardíaca Cardiopatias (doença coronariana, estenose aórtica, hipertensão pulmonar) Hipersensibilidade do seio carotídeo Manobra de Valsalva

Lesões do cerebelo ou vias cerebelares e vestibulares (acidente vascular cerebelar, acidente vascular de tronco cerebral, neoplasias, intoxicações por fármacos - por exemplo, hidantal -, cerebelites, neuronite vestibular, esclerose múltipla) Lesões da via piramidal (acidente vascular cerebral, lesões medulares, neoplasias, esclerose múltipla) Labirintopatias Psicogênica (depressão, ansiedade) Distúrbios metabólicos Uso de fármacos

te oftalmológica. Se a diplopia se resolve quando um dos

olhos é tampado, está-se diante de uma enfermidade neurológica, geralmente por acometimento da muscula­

tura ocular extrínseca, embora possa ocorrer também em

casos de defeitos assimétricos de campo visual em que a imagem em foco cai em pontos não correspondentes da

retina. Perguntar se há alguma direção do olharem que a diplopia é pior nos dá uma dica dos possíveis músculos

acometidos. Por exemplo, uma diplopia preferencialmen­

te na mirada horizontal pode indicar acometimento de músculos retos medial e/ou lateral, ao passo que uma

diplopia preferencialmente na mirada vertical mostra acometimento de músculos retos superior e/ou inferior

O exame físico, mais uma vez, será crucial para se definir essa questão - embora nem sempre seja fácil. A queixa de cefaleia deve ser abordada sempre com os sinais de alarme para cefaleia secundária em mente (ver Capítulo 41 - Cefaleia súbita - hemorragia suba­

racnóidea). O paciente apresenta alguns sinais de alarme: déficits neurológicos focais (tontura do tipo desequilíbrio e diplopia, a serem mais bem definidos ao exame físico),

perda ponderal (embora pequena, neste contexto deve ser valorizada - será que ele tem uma neoplasia ou HIV?),

piora progressiva e confusão mental. O fato de a cefaleia piorar com o decúbito, por si só, não é um sinal de alar­

me! Ao contrário do que a maioria dos clínicos pensa, cefaleia que piora com o decúbito raramente se associa a

cefaleias secundárias, não sendo incomum em enxaqueca tenha pelo menos um diagnóstico sindrômico - o qual não parece que será de uma síndrome vestibular. Há cerca de duas semanas, além da tontura, relata também estar enxergando duas imagens ao mesmo tempo, de forma persistente. Em seguida, desenvolveu cefaleia holocraniana, persistente, com piora ao decú­ bito, associada a náuseas e vômitos. A irmã do paciente tem notado piora significativa dos sintomas nas últimas semanas, além de confusão mental e sono­ lência nos últimos dias. Perda de 2kg em dois meses. O paciente é etilista social (cerveja nos finais de sema­ na). Nega uso de drogas. Apresentou pneumonia há dois anos, com tratamento ambulatorial. Nega outras doen­ ças ou uso de outras medicações.

e fazendo parte da descrição clássica de cefaleia em sal­ vas. Trata-se mais de uma descrição histórica - não se fie

nesse dado para diagnosticar hipertensão intracraniana!

Este paciente precisará de imagem do encéfalo - pelo menos uma tomografia! Os antecedentes de etilismo social e de pneumonia há

dois anos pouco ajudam diagnóstico diferencial. Todavia, toda vez que se atende um paciente relativamente jovem com pneumonia, deve perguntar por que aquele paciente

teve tal quadro. Será que ele tem alguma imunodepressão

de base ou adquirida? Será que ele já foi um etilista pe­ sado no passado? Tais quadros foram investigados naque­

la oportunidade? Também seria importante obter uma

história de sua vida sexual - será que ele tem epidemio­

O paciente apresenta diplopia, um sintoma extrema­ mente significativo e que deve ser minuciosamente explo­ rado. Diante de um paciente com diplopia, a primeira pergunta que se deve tentar responder é se é monocular

ou binocular. Pergunta-se ao paciente se, ao tampar um

logia para HIV? O exame físico apresenta as seguintes característi­ cas: discreta palidez cutâneo-mucosa, com ritmo cardíaco regulare sem sopros, ausculta respiratória sem

CAPÍTULO 39

TABELA 39.1 - Tipos de tontura com as possíveis etiologias

CAPÍTULO 39

234 -

Doenças do Sistema Nervoso

alterações, abdome sem alterações e membros inferio­ res normais. O exame neurológico se caracteriza por achados relevantes: sonolência, desorientação temporal e espacial, ataxia, com dismetria e disdiadococinesia à direita, semiptose à direita, com paresia do globo ocu­ lar para cima, para baixo e na adução, com discreta anisocoria (direito > esquerdo).

Palidez cutâneo-mucosa sugere a possibilidade de anemia, embora se saiba que a sensibilidade do exame físico para anemia é baixa, principalmente em atendimen­ tos em pronto-socorro. O restante do exame físico geral está normal, o que é extremamente significativo, ao con­ trário do que muitos possam pensar. Até antes do exame físico estávamos diante de um paciente com sinais de alarme para cefaleia secundária, principalmente a neopla­ sias e HIV. Ausência de sinais como flebite migratória, empastamento de panturrilha, lesões cutâneas sugestivas de melanoma, massas palpáveis, entre muitos outros sinais possíveis, embora não exclua por completo, reduz pelo menos um pouco a possibilidade de uma neoplasia mais avançada. Também não são relatadas lesões compatíveis com o diagnóstico de HIV, como sarcoma de Kaposi e dermatite seborreica, por exemplo. No entanto, tais diag­ nósticos continuam altos na nossa lista de diagnóstico diferencial. O exame neurológico está bastante alterado, conforme nossas expectativas. Sonolência e desorientação de início relativamente agudo sugerem delirium. O diagnóstico diferencial de delirium é muito amplo - ver capítulo 80, Confusão mental. Raramente, o diagnóstico da causa do delirium aparece na tomografia, mas neste caso, devido aos sinais focais, a tomografia não pode ser postergada! A orientação espacial de uma pessoa normal depende de cinco modalidades sensitivas: visão, aferências vesti­ bulares, propriocepção inconsciente, tato e pressão e audição - em ordem decrescente de importância. O aco­ metimento de qualquerum desses cinco componentes bem como falhas na integração central dessas sensibilidades e acometimentos motores neurológicos ou ortopédicos, podem alterar o equilíbrio. A ataxia em geral é dividida em ataxia cerebelar e ataxia sensitiva. Na ataxia sensitiva, que decorre de aco­ metimento da propriocepção, seja por lesão em nervos periféricos, seja por lesão em funículo posterior, o pacien­ te tende a andar com os calcanhares batendo forte no chão - o que é conhecido como marcha talonante ou marcha tabética. É o recurso que o paciente desenvolve para

tentar aumentar a propriocepção. Em casos mais graves, ele pode andar olhando para o chão, pela impossibilidade de saber onde está pisando somente com base na proprio­ cepção. Quando se testa o equilíbrio estático desse pa­ ciente, observa-se piora significativa do equilíbrio com o

fechar dos olhos - é o famoso sinal de Romberg. Isso ocorre porque nessa situação o paciente só terá as aferên­

cias vestibulares e cerebelares, o que não é suficiente para

mantero equilíbrio. No passado, a causa mais comum de ataxia sensitiva era o tabes dorsalis, causado pela sífilis. Hoje, a etiologia mais comum é carência de vitamina B12

- não se esqueça de considerar este diagnóstico em pa­ cientes com antecedente de gastrectomia parcial ou total! Já a ataxia cerebelar geralmente se acompanha de outros sinais cerebelares, como dismetria, disdiadococi­ nesia e rechaço. A marcha cerebelaré também conhecida como marcha ébria, porque é exatamente a marcha que as pessoas que estão sob efeito de álcool apresentam. É

uma marcha de base alargada que pode ter ou não o de­

sequilíbrio em uma direção preferencial - a dependerda

região do cerebelo acometida. Lembre-se que as lesões cerebelares hemisféricas causam déficits ipsilaterais. Quando se avalia o equilíbrio estático desses pacientes, não se verificamos o sinal de Romberg. Em casos mais discretos, o paciente pode não mostrar desequilíbrio óbvio,

mas, se lhe examinaros pés descalços, observa-se que ele mexe os dedos constantemente, o que é conhecido como

dança dos tendões. Nosso paciente tem uma ataxia cerebelar, o que é corroborado pelos achados de dismetria e de disdiadoco­

cinesia. A lesão deve será direita, pois é o lado em que os achados são piores e, conforme já foi dito, as lesões

cerebelares causam déficits ipsilaterais.

Semiptose palpebral direita, paresia do olhar para cima,

para baixo e em adução, bem como a anisocoria com pupila direita maior do que a esquerda apontam lesão do

nervo oculomotor direito (III par craniano). O oculomotor

inerva o levantador da pálpebra superior, os músculos retos superior, inferior, medial e oblíquo inferior, bem

como o músculo ciliar- responsável pela contração pu­

pilar. Lembre-se da inervação dos dois outros músculos

oculares extrínsecos: o músculo reto lateral é inervado pelo nervo abducente (VI par) e o músculo oblíquo supe­

rior pelo nervo troclear (IV par). Os achados nesse paciente justificam sua diplopia,

bem como a ataxia cerebelarjustifica sua queixa de ton­

tura do tipo desequilíbrio. No entanto, o delirium pode se devera algum distúrbio metabólico ou hidroeletrolítico, bem como à lesão cerebral mais difusa ou de sistema

reticular ativador ascendente. Os pacientes com alteração da marcha (ataxia), nis­

tagmo ou sinais cerebelares ao exame físico (dismetria e disdiadococinesia) necessitam de investigação com imagem

da fossa posterior. A Tabela 39.2 apresenta alguns ele­

mentos do exame neurológico que são essenciais à pes­ quisa de lesões centrais.

Tontura - 235

achado inespecífico, porém, muito significativo. A VHS acelera-se em qualquer processo inflamatório, podendo também se elevarem processos infecciosos ou neoplásicos. VHS acima de 100mm/h, embora ainda inespecífica,

sugere alguns diagnósticos: arterite de células gigantes, tireoidite de De Quervain, gamopatias monoclonais e

endocardite infecciosa - todos pouco prováveis em nosso paciente. A arterite de células gigantes é a vasculite pri­

mária mais comum na comunidade e, caracteristicamente, acomete pessoas acima de 50 anos de idade. Os sintomas

mais comuns são cefaleia e/ou dores pelo corpo, especial­

O paciente de fato apresenta anemia, conforme suspei­

mente nas cinturas escapular e pélvica. Um achado mais

ta ao exame físico. O VCM é normal, ou seja, trata-se de

específico, embora não seja sensível, é a claudicação

anemia normocítica. Nesses casos, deve-se primeiramente

mandibular - o paciente se queixa de dor e/ou cansaço

excluir carência de ferro, pedindo um perfil da cinética do

ao mastigar.A tireoidite de De Quervain é acompanhada

feno, pois anemias ferroprivas em fases iniciais têm VCM

por dor em topografia de tireoide. As gamopatias mono­

normal - pena não termos a amplitude de distribuição de

clonais - mieloma múltiplo é a mais comum - só podem

hemácias (RDW), que geralmente se altera antes do VCM

ser completamente descartadas pela imunoeletroforese de

em anemias ferroprivas. No entanto, no contexto desse

proteínas, mas é pouco provável que este seja o diagnós­

paciente, uma anemia ferropriva é pouco provável, pois

tico de nosso paciente, pois não são comuns achados

não há relatos de perda sanguínea. Deve-se também excluir

neurológicos focais de sistema nervoso central suprasseg­

hemólise antes de consideraro diagnóstico de anemia por

mentar. Em geral, as manifestações neurológicas do

doença crônica. Nesse paciente, deve-se tratar de anemia

mieloma múltiplo se devem à hipercalcemia, ou compressão

por doença crônica.

medular por fratura patológica de vértebras, ou síndrome

A VHS está muito acelerada - o valor normal é idade/2

para homens e (idade + 10)/2 para mulheres - o que é um

de hiperviscosidade ou mononeurite múltipla. A endocar­

dite, ainda que seja uma consideração diagnóstica, é pouco

TABELA 39.2 - Quais os pontos fundamentais do exame neurológico em um paciente com tontura?

Manobra

Descrição

Achado

Significado

Avaliação da marcha

Solicitar ao paciente para andar em linha reta

Alargamento da base de sustentação e ataxia

Lesão do cerebelo ou vias cerebelares (acidente vascular cerebral, tumor, esclerose múltipla)

Dismetria

Prova índex-nariz (solicitar ao paciente que coloque alternadamente o indicador na ponta do nariz)

Decomposição do movimento e erro do alvo

Lesão do cerebelo ou vias cerebelares (acidente vascular cerebral, tumor, esclerose múltipla)

Disdiadococinesia

Solicitar ao paciente que faça movimentos alternantes, com a palma e o dorso da mão sobre o lado oposto

Incapacidade de coordenar os movimentos

Lesão do cerebelo ou vias cerebelares (acidente vascular cerebral, tumor, esclerose múltipla)

Avaliação do reflexo córneo-palpebral

Percussão leve com algodão na região da córnea

Perda do piscamento reflexo do mesmo lado

Lesão do nervo trigêmeo (tumores do ângulo pontocerebelar)

Avaliação da musculatura ocular extrínseca

Solicitar ao paciente que acompanhe o movimento do dedo indicador do examinador com o olhar para todos os lados

Paresia do olhar (para qualquer um dos lados)

Lesão de nervos cranianos responsáveis pela musculatura ocular extrínseca (acidente vascular cerebral)

Avaliar a presença de nistagmo

Solicitar ao paciente que acompanhe o movimento do dedo indicador do examinador com o olhar para todos os lados

Presença de nistagmo

Lesão das vias vestibulares (acidente vascular cerebral)

Avaliar simetria de face

Solicitar ao paciente que dê um sorriso forçado. Pedir ao paciente para franzir a testa

Paralisia facial

Lesão do nervo facial (tumores do ângulo pontocerebelar)

Teste de Rinne e Weber

Estímulo com diapasão

Hipoacusia

Lesão do nervo vestibulococlear (tumores do ângulo pontocerebelar)

CAPÍTULO 39

Exames gerais revelam os seguintes resultados: hemoglobina: 10,5; leucócitos: 11.600; neutrófilos: 74%; bastonetes: 1%; linfócitos: 17%; volume corpus­ cular médio (VCM): 85; plaquetas: 165.000; velocidade de hemossedimentação (VHS): 110; creati­ nina: 0,9; cálcio: 8,9; aspartato aminotransferase: 41; alanina aminotransferase: 46; amilase: 75; ureia: 32; magnésio: 1,8; relação normalizada internacional (RNI): 1,1; atividade de protrombina: 87%; sódio: 138; potássio: 3,6; creatina quinase: 108; gama-glutamiltransferase: 54; fósforo: 87%; desidrogenase lática: 213; fosfatase alcalina: 128. Radiografia de tórax: normal.

CAPÍTULO 39

236 - Doenças do Sistema Nervoso

provável, pela ausência de febre, sopros cardíacos, fenôme­ nos embólicos periféricos e esplenomegalia.

Há ainda leucocitose à custa de neutrofilia, sem desvio

sífilis são importantes em pacientes portadores do HIV, pois a positividade de uma delas os coloca em maior

risco de complicações do tipo reativação de doença.

para esquerda, função renal e eletrólitos normais e dis­

creta elevação de enzimas hepáticas. A leucocitose com neutrofilia é muito inespecífica e não acrescenta nem

exclui nenhum dos diagnósticos diferenciais. A função renal e os eletrólitos normais, embora não excluam com­

pletamente, diminuem a probabilidade de gamopatia

monoclonal. O aumento de enzimas hepáticas é discreto e inespecífico. É possível que seja secundário ao uso de

álcool ou seja por hepatite transinfecciosa. A radiografia de tórax normal praticamente exclui a possibilidade de uma neoplasia intratorácica. Vale lembrar que em inves­

tigações de neoplasia sem local primário definido, outro exame fundamental seria a tomografia de abdome e pelve. No entanto, antes disso, esse paciente precisa de uma

tomografia de crânio.

A tomografia computadorizada de crânio (Fig. 39.1) revela lesão hiperdensa, com discreta captação por contraste, em tálamo direito e mesencéfalo, com edema perilesional significativo. A ressonância nuclearmag­ nética de crânio (Fig. 39.2) demonstra que a lesão é única, com realce anelar pelo contraste. As sorologias para toxoplasmose revelam os seguintes resultados: IgM toxoplasmose: negativa; IgG toxoplasmose: positiva. Os linfócitos CD4 são 24. Sorologias para hepatites A, B e C: negativas; VDRL: negativo; antigenemia para citomegalovírus: negativa.

A sorologia para HIV (ELISA) foi positiva. O pa­ ciente obteve melhora progressiva do exame neurológico com sulfadiazina, pirimetamina, ácido folínico e corti­ costeroides (dexametasona). Após um ano, apresenta-se sem déficits neurológicos e em uso de antirretrovirais, com acompanhamento ambulatorial. A evolução da doença demonstra que o diagnóstico é de toxoplasmose cerebral. Provavelmente, na vigência de um linfoma não Hodgkin do sistema nervoso central, novos sintomas já teriam surgido. O uso de corticosteroi­

des não é recomendado para tratamento da neurotoxo­ plasmose de pacientes em que possa haver dúvida diag­

nóstica com linfoma não Hodgkin. Isso porque ambas as doenças podem melhorar com a medicação. O corticos­ teroide é reservado para casos em que há edema cerebral ou déficits focais. Eventualmente, é necessária biópsia

cerebral para definição diagnóstica.

DIAGNÓSTICO FINAL • AIDS. • Neurotoxoplasmose.

A lesão descrita é bastante sugestiva de neurotoxo­

plasmose e a sorologia com IgM negativa não invalida tal

consideração diagnóstica. A neurotoxoplasmose é a cau­ sa mais comum de lesão focal em pacientes com HIV. Tipicamente, causa múltiplas lesões em gânglios da base, de vários tamanhos, com captação anelar de contraste e

edema perilesional. Outras possibilidades diagnósticas

seriam abscesso cerebral e linfoma primário de sistema nervoso central, que também é comum em HIV, mas a

neurotoxoplasmose é ainda mais comum. O diagnóstico de linfoma sempre deve ser considerado na vigência de

lesões únicas, e não pode ser afastado até o momento. A

neurotoxoplasmose porsi só é doença definidora da sín­ drome da imunodeficiência adquirida (AIDS), o que significa ser este um paciente HIV-positivo que já deve

iniciar o uso de antirretrovirais. Geralmente, a resposta ao tratamento da neurotoxoplasmose é boa. Quando não

responde bem, deve-se aumentaro índice de suspeição de

linfoma primário do sistema nervoso central - este cos­ tuma ocorrer quando o CD4 é menor do que 50 células. As sorologias para hepatites virais, citomegalovírus e

Figura 39.1 - Lesão hiperdensa, em tálamo direito e mesencéfalo, com significativo edema perilesional, com acometimento de cápsula interna esquerda e desvio de linha média.

Tontura - 237

CAPÍTULO 39

Figura 39.2 - Lesão hipointensa em T1 na região do tálamo e mesencéfalo, de aspecto anelar, com captação de contraste. A sequência FLAIR (free liquid atenuated inversion recovery) demonstra edema perilesional intenso.

DISCUSSÃO Este caso suscita muitas discussões e nos traz muitos aprendizados. A queixa inicial de tontura pode deixar o médico perdido, “meio tonto” também, caso ele não tenha ferramentas clínicas para auxiliá-lo. Isso é compreensível,

visto que existem mais de 60 causas possíveis de tontura e que esta pode ser secundária a distúrbios de sistema vestibular; sistema nervoso central e periférico, estados

emocionais, olhos, coração, sistema vascular periférico,

pulmões, rins, sangue ou articulações de membros infe­ riores ou de coluna cervical. Vale ressaltar que pratica­ mente qualquer fármaco pode causar tontura como efeito colateral. Apesar dessas múltiplas possibilidades, 90% das

tonturas para as quais se encontra uma causa - 10% per­ sistem sem diagnóstico - são devidas a apenas sete dis­ túrbios (Quadro 39.1).

Como muitas vezes o paciente tem dificuldade de

explicar como é a sua tontura, alguns testes que desenca­ deiam tontura dos diferentes tipos podem ser úteis. O

QUADRO 39.1 - Causas mais comuns de tontura (adaptado de Drachman)3 • • • • • • •

Distúrbios vestibulares periféricos Síndrome de hiperventilação Múltiplos déficits sensitivos Distúrbios psiquiátricos (pânico, agorafobia, depressão e ansiedade) Insuficiência vertebrobasilar Distúrbios neurológicos (parkinsonismo, esclerose múltipla, etc.) Distúrbios cardiovasculares

paciente é submetido a manobras e questionado se sua tontura espontânea se assemelha à tontura desencadeada por uma delas. A rotação de Báràny, na qual o paciente

roda sentado dez voltas em uma cadeira giratória com a cabeça fletida a 30°, produz vertigem em todas as pesso­ as. A manobra de Valsalva potencializada, na qual o pa­

ciente permanece agachado por30s e depois levanta e sopra contra o dorso da mão na boca, produz pré-síncope

pordiminuiro retomo venoso para o coração. Já a hiper­ ventilação por cerca de 30s gera uma tontura do tipo IV. Obviamente, a pesquisa de hipotensão postural é obriga­ tória em todo paciente com tontura, bem como o exame neurológico. A manobra de Dix-Hallpike (ou Nylèn-Báràny) causa vertigem em pacientes com vertigem posicional, sendo a vertigem postural paroxística benigna (VPPB) a causa

mais comum. O paciente deve se sentar na mesa de exa­ mes e se deitar rapidamente, com a cabeça para fora da maca, com um ouvido para baixo. O médico deve segurar -lhe a cabeça durante a manobra, que deve ser rápida,

porém, suave. O paciente deve manteros olhos abertos e relatar qualquer sensação de vertigem, enquanto o exa­ minador procura nistagmo. A manobra é então repetida com o outro ouvido para baixo. Em casos de VPPB, aparece vertigem após um pequeno atraso de cerca de 5 a 10s. Esta dura menos de 1min e geralmente é acompa­ nhada de nistagmo horizontal ou rotatório que não muda de direção enquanto o paciente permanece na mesma

posição. Sintomas sistêmicos, como náuseas, podem ocorrer embora vômitos sejam raros.

CAPÍTULO 39

238 -

Doenças do Sistema Nervoso

O diagnóstico final de neurotoxoplasmose + AIDS, ao qual a tomografia de crânio muito ajudou, não deve deixar, em hipótese alguma, a impressão de que a tomografia seja exame fundamental em pacientes com queixa de tontura - na verdade, segundo Drachman, esta só é diagnóstica em menos de 1% dos casos! Este caso reforça, mais uma vez, que o mais impor­ tante para um diagnóstico correto é a história bem colhi­ da - a ponto de alguns médicos mais experientes afirma­ rem que “o exame físico é mera formalidade, o que realmente importa é a história”. Certamente, esta afirma­ tiva é uma hipérbole, pois é claro que o exame físico é importante, mas nada se compara à história.

BIBLIOGRAFIA BALOH, R. W. Vertigo. Laret v. 352, p. 1841-6, 1998. BLUMENFELD, H. NeLrciritrmy tFrcq^icliricEi cases 1. ed. Sundertand: Sinauec 2002. DRACHMAN, D. A 69-year-old man with chronic dizziness. JAMA, v. 280, p. 2111-18, 1998. HAERER, A. F. Ddcr^sthenardç^c cxanirEtkn 5. ed. Philadelphia: Lippincott, 1992. HOTSON, J. R.; BALOH, R. W. Acute vestibular syndrome. NEJM, v. 339, p. 680-5, 1998. OSBORN, A. Dkçjrrfk Imí^rgBrán 1. ed. Salt Lake City: Amirsys, 2004. PATTEN, J. DiagTÍsticodifCTaTiai en nardc^a 2. ed. Rio de

Janeiro: Revinter 2002.

CAPÍTULO

40

Tremor Marcio Luiz Escorcio Bezerra • Pedro Braga Neto • José Luiz Pedroso

Paciente de 72 anos de idade, sexo masculino, branco, iniciou há um ano quadro de tremor nas mãos, mais proeminente à esquerda e em repouso. O tremor se acentuava em situações de estresse, mas não preju­ dicava as tarefas habituais de vida diária, tais como escrever.Vinha, no entanto, apresentando um incômodo significativo no contato social, já que era frequentemente questionado se estava muito ansioso. Em consulta médica, após um mês, foi dito que os sintomas se de­ viam ao uso de medicação antidepressiva, pois estava em uso de fluoxetina há mais de um ano. A conduta inicial foi trocara medicação por amitriptilina, sem, contudo, apresentar melhora clínica. Os transtornos do movimento são constituídos de um amplo espectro de apresentações semiológicas, tendo como

principal representante, porsermais prevalente, o tremor. Outros transtornos do movimento: distonias, coreias, discinesias, tiques, mioclonias, atetose e balismos. Tremor é um sintoma e sinal clínico frequente em

ambulatórios e sua etiologia é muito variada, podendo se constituir de doenças neurológicas ou sistêmicas. Carac­ teriza-se por oscilações rítmicas acometendo um ou mais

segmentos do corpo. Sua frequência, em hertz, varia com a etiologia. O Quadro 40.1 ilustra o diagnóstico diferencial de

tremor com as suas principais etiologias. Certas drogas podem causar diversos tipos de tremo­ res. Os que mais provocam tremor são os simpaticomi­

méticos e antidepressivos (tricíclicos ou inibidores da recaptação de serotonina), atuando como exacerbadores de um tremor fisiológico subjacente2. Percebemos, então, que essa troca de medicações provavelmente não tenha

QUADRO 40.1 - Principais causas de tremor1 • • • • • • • • •

Doença de Parkinson e outras síndromes parkinsonianas Tremor essencial Tremor fisiológico, podendo ser exacerbado por diversos fatores Tremor induzido por drogas Tremor cerebelar ou secundário a lesões nas vias cerebelares (diversas etiologias) Tremor rubral ou tremor de Holmes (de certa forma, por lesão de parte da via cerebelar) Tremor neuropático (devido à neuropatia periférica, principalmente neuropatias desmielinizantes) Outros distúrbios de movimento (tremor distônico, asterixe, clônus, etc.) Tremor psicogênico

sido a mais adequada, já que ambos estão entre os fárma­ cos que causam com maior frequência o sintoma. No

entanto, geralmente só a mudança de fármaco é suficien­ te para resolução do quadro, o que não ocorreu no caso. O tremor induzido por drogas varia de 2 a 12Hz e o tipo difere conforme a medicação (Tabela 40.1)3. Os neuro­

lépticos (haloperidol, risperidona, etc.) e as drogas anti­ dopaminérgicas (reserpina, flunarizina, etc.) podem causar

um tremor semelhante ao da doença de Parkinson com predomínio em repouso, porém, quase sempre simétrico3. Vale ressaltar que cerca de 30% dos pacientes em uso de

valproato têm início de tremor postural após 3 a 12 meses do começo da terapia4. Em nova consulta, mantém sintomatologia, apesar da troca de medicação. Evolui com lentificação para realização das tarefas diárias, o que atribuí ao tremor Mantida a medicação antidepressiva e iniciado propra­ nolol com aumento progressivo da dosagem, até 120mg/

240 - Doenças do Sistema Nervoso

CAPÍTULO 40

TABELA 40.1 - Diferentes tipos de tremor medicamentoso

Drogas que mais comumente induzem tremor

TABELA 40.2 - Diferenças clínicas entre tremor por doença de Parkinson e tremor essencial

Tipo de tremor

Característica

Doença de Parkinson

Amiodarona, anfetaminas, agonistas beta-adrenérgicos, cafeína, calcitonina, cocaína, ciclosporina, dopamina, lítio, procainamida, esteroides, teofilina, hormônios tireoidianos, antidepressivos tricíclicos, ácido valproico

Tremor postural

Idade de início

> 50 anos

Bimodal: adolescentes e 50 anos

Gênero

Predomina o masculino

Homens e mulheres igualmente

Uso crônico de álcool, intoxicação por lítio

Tremor intencional

História familiar

> 25%

> 90%

Metoclopramida, neurolépticos (haldol)

Tremor de repouso

Simetria

Assimétrico

Simétrico

Frequência

4-6Hz

4-8Hz

Distribuição

Mãos e pernas

Mãos, cabeça, voz

Efeito do álcool no tremor

Sem efeito

Tremor melhora com ingestão

Sintomas associados

Bradicinesia, rigidez, instabilidade postural

Geralmente, tremor isolado

Tipo do tremor

De repouso

Postural e cinético

Curso

Estável ou lenta progressão

Lenta progressão

O tremor essencial é uma consideração diagnóstica importante e certamente é pertinente a realização de tes­ te terapêutico, já que muitos casos podem sersoluciona­

dos desta forma. Acredita-se que seja até 20 vezes mais comum que a doença de Parkinson e tenda a piorar com a idade2. Em 60% dos casos é uma condição transmitida

tireoidismo. Antecedentes psiquiátricos, como ansiedade,

de forma autossômica dominante5. Caracteriza-se como

ser avaliados na entrevista médica, pois podem sugerira

um tremor de predomínio postural, simétrico, com fre­

etiologia do tremor.

quência de 4 a 8Hz e padrão em flexão-extensão, além de predomínio em membros superiores6. Como dificuldade diagnóstica, é importante lembrar que alguns pacientes com tremor essencial podem apresentar sinais leves de parkinsonismo e cerca de 50% deles têm dificuldade de

andarem linha reta3. Por outro lado, o tremorda doença de Parkinson é tipicamente assimétrico, de repouso, com

frequência um pouco mais baixa (4 a 6Hz), com padrão supinação-pronação, distribuição de predomínio distal e

costuma vir acompanhado de outros sintomas como rigi­ dez, bradicinesia e instabilidade postural (Tabela 40.2)7.

Em relação ao tremor essencial, o tratamento inicial cos­ tuma ser propranolol ou primidona. Habitualmente, podemse tentar doses ainda mais altas de propranolol (até 240mg/

dia), ou mesmo associá-la à primidona, caso a resposta clínica seja parcial7. Outros medicamentos também podem ser tentados, como topiramato e clonazepam. Cerca de 75% desses casos respondem pelo menos inicialmente à

terapêutica, o que toma menos provável o diagnóstico nesse paciente3. Devemos ainda considerar outros diag­ nósticos diferenciais menos prováveis, tais como tremor

cerebelar, tremor fisiológico exacerbado, doença tireoi­ diana, doença de Wilson, atrofia de múltiplos sistemas e

síndromes Parkinson-plus. Pacientes com início de tremor recente, especialmente jovens, devem ser submetidos a exame de hormônio estimulante da tireoide (TSH) e te­

traiodotironina (T4) livre, para afastar hipótese de hiper­

ou sintomas compatíveis com síndrome do pânico, devem

O paciente volta a procurar ajuda médica após um ano do início do quadro. Dessa vez, além do tremorjá relatado, refere dificuldade progressiva de deambulação, associada a dois episódios de queda por desequilíbrio. Relata ainda lentificação para tudo, como se todo o corpo estivesse endurecido. Familiares perceberam que estava com a voz diferente e se engasgava com fre­ quência, ao se alimentar. Em relação ao antecedente patológico, vinha em tratamento para depressão há mais de um ano, nunca tinha se submetido a nenhum tipo de cirurgia; nega outras comorbidades. Não apresenta história familiar importante. Ao exame físico geral, mostrava-se normotenso e sem hipotensão postural. Ao exame neurológico exibe marcha em pequenos passos, redução do balançar dos braços bilateralmente e tron­ co em leve flexão para frente. O equilíbrio estático está preservado e a manobra de retropulsão, negativa. Expressão facial bem reduzida (hipomimia), força muscular preservada, assim como reflexos profundos e superficiais. Há rigidez em cano de chumbo, difusa­ mente (com predomínio axial) e em roda denteada em punhos, bilateralmente. Tremorde repouso em ambas as mãos e mais acentuado à esquerda, com padrão em supinação-pronação. Nota-se também bradicinesia. Solicitados tomografia computadorizada de crânio, que não demonstrou alterações, e exames gerais (in­ clusive dosagem de hormônios tireoidianos), também inalterados. Estabelecido o diagnóstico de doença de Parkinson e iniciado tratamento com levodopa/carbi­ dopa. Após cerca de um mês, em nova avaliação, é

978-85-4120-074-5

dia. A hipótese é de tremor essencial. Não apresenta novamente, resposta clínica e o paciente perde o seg­ mento ambulatorial.

Tremor essencial

Tremor - 241

O paciente em questão apresenta sinais clínicos mui­ to compatíveis com parkinsonismo, que é um termo usado quando o paciente tem dois ou mais dos seguintes

978 85 4120 074

5

achados: tremorde repouso, bradicinesia, rigidez e insta­

QUADRO 40.2 - Principais síndromes parkinsonianas • Doença de Parkinson • Parkinsonismos atípicos (paralisia supranuclear progressiva, atrofia de múltiplos sistemas) • Demência com corpos de Lewy • Medicamentos (neurolépticos, bloqueadores do canal de cálcio, procinéticos) • Hidrocefalia de pressão normal (HPN) • Outras: infecções do sistema nervoso, vascular e traumas

bilidade postural, sendo bradicinesia um sintoma obriga­ tório, critério proposto pelo Banco de Cérebro de Londres8. A doença de Parkinson é responsável por mais de 80%

dos casos de parkinsonismo (Quadro 40.2). Esse diagnós­ tico pode ser definido uma vez que a história e os exames

gerais e de imagem excluam outras formas de parkinso­

nismo como diagnóstico diferencial. A excelente respos­

exame neurológico, solicita-se ao paciente a realização de tarefas rápidas e repetitivas, como abrire fecharas

mãos, bateros dedos polegares e indicadores ou pronação­

-supinação das mãos. A rigidez é definida pelo aumento da resistência ao

ta terapêutica ao uso de levodopa também confirma a

movimento passivo de determinado membro, gerando o

nossa hipótese.

fenômeno de “roda denteada”. Pode estar presente tanto

em musculatura distal como proximal. Em rigidez leve, pode-se realizara manobra de Froment14, que consiste no

DIAGNÓSTICO Doença de Parkinson.

aumento da rigidez quando solicitamos ao paciente mo­ vimentar o membro contralateral.

A instabilidade postural normalmente é manifestação de estágios avançados da doença causados por perda dos reflexos de readaptação postural15. O teste da retropulsão

DISCUSSÃO A doença de Parkinson é considerada a segunda doença neurodegenerativa mais comum após a doença de Alzheimer O achado neuropatológico consiste em perda de neurônios dopaminérgicos na substância negra pars compacta.

No entanto, existe um período assintomático de cerca de quatro a seis anos9, na qual a perda neuronal supera os 50%, limiar clínico para manifestações motoras da doença10.

O tremorde repouso é o sintoma mais comum e fa­ cilmente reconhecido na doença de Parkinson11, ocorren­

consiste em empurraro paciente, pelos ombros, para trás. É considerado positivo quando ele der mais de dois pas­ sos para trás ou se houver tendência à queda, se não for segurado. Os sintomas não motores da doença são, muitas vezes,

subestimados. Entretanto, alguns deles têm início anos antes dos sintomas motores: hiposmia, disautonomia,

transtornos do sono e transtornos do humore de ansieda­ de16. Por outro lado, alterações cognitivas iniciam-se após cerca de 15 anos da doença17.

do em cerca de 75% dos casos. Geralmente, mantém-se

A Figura 40.1 mostra o SPECT com TRODAT de um

em um membro por meses a anos, quando então pode se generalizar o que não aconteceu neste caso e, certa­

paciente hígido (A) e outro com doença de Parkinson em

mente, foi fator confundidor na abordagem inicial. Além

atividade do transportador da dopamina. A levodopa foi introduzida na medicina ocidental na década de 196018. Tomou-se o principal medicamento

do tremor em repouso, mais de 40% dos pacientes apre­ sentam também tremorde ação e postural12. Portanto, o tremor por si só não diagnostica doença de Parkinson, devendo estar associado aos outros sintomas. A bradicinesia, por sua vez, consiste na dificuldade

em planejamento, início e execução de movimentos do tipo sequenciados e simultâneos13. A manifestação inicial

costuma ser de lentificação na realização das atividades de vida diária, como abotoar uma camisa, vestir-se ou pegar algum objeto. Podemos citar ainda como manifes­

tações clínicas da bradicinesia: diminuição de movimen­ tos espontâneos, hipomimia facial, diminuição dos pisca­ mentos dos olhos, diminuição do balançar de braços. Ao

um estágio inicial (B). Em 40.1 B, o exame mostra menor

para tratamento da doença de Parkinson, sendo ainda a droga mais potente para tratamento dos sintomas motores com atuação no tremor, na rigidez e na bradicinesia19. Podemos ainda citar os agonistas dopaminérgicos como alternativa, particularmente em pacientes mais jovens, pois podem reduziras complicações motoras20. Os inibi­

dores da catecol-O-metil transferase, entacapone e tolca­ pone, também podem ser utilizados associados à levodo­

pa, com o objetivo de diminuira dose da levodopa e, consequentemente, as complicações motoras, além da proposta de aumentara meia-vida da levodopa19. Os

CAPÍTULO 40

constatada grande melhora. O paciente se move com muito mais facilidade e há apenas discreto tremor bilateral.

242 - Doenças do Sistema Nervoso

CAPÍTULO 40

3. PALMER, P. E. Tremores. In: JONES JR., H. R. Neirdq^ade Neto. Porto Alegre: Aitmed, 2006. 4. RINNERTHALER, M. et al. Brief communications computerized tremoranalysis of valproate-induced tremor a compaiative study of controlled-release versus conventional valproate. Epilqrsa v. 46, p. 320-323, 2005. 5. DEUSCHL, G.; VOLKMANN, J.; RAETHJEN, J. Tremois: differential diagnosis, pathophysiology, and threrapy. In: JANKOVIC, J.; TOLOSA, E. Pa-kirBcrisDisea8e& McrenertDiscrdffs 5. ed., Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2007, p. 298-320. 6. DEUSCHL, G.; BAIN, P.; BRIN, M. Consensus statement of the Movement DisorderSociety on tremor Ad Hoc Scientific Committee. Mcr. Discrd., v. 13 (suppl.), p. 2-23, 1998. 7. DELIGTISCH, A.; et al. Movement disorders. In: BRUST, J. C. M. CirrcrtDiagxjisíiil TrerfmertinNeirdcg'. Intemational McGraw-Hill Companies, 2007. 8. HUGHES, A. J.; DANIEL, S. E.; et al. Accuracy of clinicai diagno­ sis of idiopathic Parkinson’s disease: a clinical-pathological of 100 cases. J. Neird. Ncwcarg P^cFidry, v. 55, p. 181-84, 1992. 9. FEARNLEY, J. M.; LESS, A. J. Ageing and Parkinson’s disease: substantia nigra regional selectivity. Bránv. 114, p. 2282-301, 1991.

Figura 40.1 - SPECT com TRODAT de um paciente hígido (A) e de outro com doença de Parkinson em estágio inicial (B).

inibidores da monoamina oxidase, selegilina e rasagilina, são utilizados como terapêutica inicial em pacientes com sintomas motores leves, retardando o uso da levodopa e com possível efeito neuroprotetor19. A amantadina, por sua vez, é utilizada como alternativa no tratamento e possui ação de diminuiras discinesias induzidas pela levodopa21. Por último, os anticolinérgicos são empregados em pacien­

tes mais jovens e com tremor como sintoma predominante. O tremor é, portanto, um sintoma e um sinal de ex­

tremo valor clínico, que deve ser valorizado. Investigação rigorosa por meio da anamnese associada a exames físico e neurológico detalhados não deve ser desprezada e, quando necessário, exames complementares para melhor

esclarecimento diagnóstico.

REFERÊNCIAS 1. BRADLEY, W. G.; DAROFF, R. B.; et al. J. Nardcg' inCHricd Practice 5. ed. Butterworth Heinemann Elsevier 2008. 2. LOIUS, E. D.; WENDT, K. J.; FORD, B. Senile tremor What is the prevalence and severity of tremorin olderadults? Ge,crídcg', v. 46, n. 1, p. 12-6, 2000.

10. BRAAK, H.; et al. Stages in the development of Parkinson’s disease-related pathology. CdlTisBLERes, v. 318, p. 121-34, 2004. 11. JANKOVIC, J. Parkinson’s disease: clinicai features and diagnosis. J. Neird. Neu^carg P^cH^ry, v. 79, p. 368-376, 2008. 12. FINDLEY, L. J.; GRESTY, M. A.; HALMAGYI, G. M. Tremor; the cogwheel phenomenon and clônus in Parkinson’s disease. J. Neird Neucxrg P^cHííry, v. 44, p. 534-546, 1981. 13. BERADELLI, A.; et al. Pathophysiology of bradykinesia in Parkinson’s disease. Brárjv. 124, p. 2131-46, 2001. 14. BROUSSOLLE, E.; KRACK, P.; THOBOIS, S.; XIE-BRUSTOLIN, J.; POLLAK, P.; GOETZ, C. G. Contribution of Jules Froment to the study of parkinsonian rigidity. Mcy. Discrd., v. 22, p. 909-14, 2007. 15. BARBOSA, M. T.; CARDOSO, F. E. C. Epidemiologia e quadro clínico da doença de Parkinson. In: FERRAZ, H. B. Doa^ade Pa-kirBcnPráticaClíricaeTa qrâtica São Paulo: Atheneu, 2005, p. 103-119. 16. TOLOSA, E.; COMPTA, Y.; GAIG, C. The premotorphase of Parkinson’s disease. Pa-kinscrian Rdcí. Discrd., v. 13, suppl., p. S2-7, Sep. 2007. Epub 2007 Jul. 27. 17. HELY, M. A.; et al. Sydrry Miiticote’ Stuly cf PakirKris disease non-L-dopa-responsive problems dominate at 15 years, v. 20, n. 2, p. 190-9, 2005. 18. COTZIAS, G. C.; VAN WOERT, M. H.; SCHIFFER, L. M. Aromatic amino acids and modification of parkinsonism. N. Er^. J. Med., v. 276, p. 374-79, 1967. 19. TOLOSA, E.; KATZENSCHLAGER, R. Pharmacological management of Parkinson’s disease disease-modifying strategies in Parkinsons disease. In: JANKOVIC, J.; TOLOSA, E. Pa-kirBcris Disaase& McrenotDiscrdffs 5. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2007, p. 110-145. 20. NATIONAL INSTITUTE FOR HEALTH AND CLINICAL EXCELLENCE. P a-kinaris Disease National clinicai guideline for diagnosis and management in primary and secondary care. London: National Institute for Health and Clinicai Excellence, 2006. ReflD: 210508.

Tremor - 243

21. DA SILVA-JÚNIOR, F. P.; et al. Amantadine reduces the dura-

LEITURA COMPLEMENTAR BAIN, P. G. The management of tremor J. Neird Narcarg P^clidry, v. 72, suppl. 1, p. i3-i9, 2002.

CAPÍTULO 40

tion of levodopa-induced dyskinesia: a randomized, double-blind, placebo-controlled study. PakfrwrÍHii Rdcí. Discrd., v. 11, n. 7, p. 449-52, 2005.

CLARKE, C. E. Medicai management of Parkinson disease. Nard. NarcargP^cHdry, v. 72, suppl. 1, p. Í22-Í27, 2002. MUMANTHALER, M.; MATTLE, H. Nardcga 4. ed. Rio de Ja­ neiro: Guanabara-Koogan, 2007. VLAAR, A. M.; et al. Diagnostic value of 1231-ioflupane and 1231iodobenzamide SPECT scans in 248 patients with paikinsonian syndromes. Eu1. Neird., v. 59, n. 5, p. 258-66, 2008.

___________________________________

CAPÍTULO

41

Cefaleia Súbita Anderson Rodrigues Brandão de Paiva

Uma senhora parda, de 78 anos de idade, natural do interiorde São Paulo, procura o pronto-socorro por ter-se iniciado quadro de cefaleia pulsátil, holocraniana, porém piorna nuca, de intensidade moderada a grave, enquanto tomava banho. Não conseguiu identificar fatores agravantes ou atenuantes. Acompanhando a dor apresenta epigastralgia urente e pirose, náuseas, um episódio de vômito bilioso e sudorese. Chega ao pronto-socorro com 1h30min do início do quadro, ainda sintomática. Nega sintomas semelhantes anterio­ res, bem como dispneia, ortopneia, palpitações, tontura do tipo pré-síncope, síncope, tosse, trauma, alterações visuais, auditivas, motoras, sensitivas ou de coordenação.

QUADRO 41.1 - Sinais de alarme para cefaleia secundária • • • • • • • • • •

Início após os 50 anos de idade Início súbito Piora com o decúbito e melhora na posição ortostática Acorda o paciente durante a noite Ausência de história prévia de cefaleia Mudança recente no padrão da cefaleia Sinais de doença sistêmica - febre, meningismo, rash cutâneo Sinais neurológicos focais Papiledema História anterior de neoplasia ou HIV

os sintomas da paciente podem ser atribuídos à HSA,

embora epigastralgia não seja tão comum. A paciente em questão apresenta cefaleia súbita - que, por definição, é uma cefaleia que já começa intensa ou

• Cefaleia sentinela: entre 15 e 60% dos pacientes

que rapidamente atinge o seu pico de intensidade. O fato de ser súbita já é um sinal de alarme. Os sinais de alarme

quadro de cefaleia recente anteriorao episódio que

para uma possível cefaleia secundária são: cefaleia de início após os 50 anos de idade; cefaleia súbita; cefaleias aumentando em frequência e intensidade; cefaleia nova

sentinela têm dor muito semelhante àquela apresen­

em paciente com fatores de risco para HIV ou neoplasia; sinais de doença sistêmica (febre, meningismo, rash

hipótese para esta paciente.

com HSA por ruptura de aneurisma referem um levou ao diagnóstico de HSA. Pacientes com cefaleia

tada pelos pacientes com HSA, mas não HSA do­ cumentada. Deve ser fortemente considerada essa • Trombose de seio venoso cerebral: pode se apresen­

cutâneo); sinais focais; papiledema; cefaleia subsequente a trauma craniano (Quadro 41.1). Qualquer um desses sinais nos obriga a pelo menos um exame de imagem

tarcomo cefaleia súbita sem outros comemorativos, indistinguível de HSA, porém, o mais comum é uma

inicial, que geralmente é a tomografia computadorizada. A paciente apresenta pelo menos dois sinais de alarme

como crises convulsivas, papiledema, alteração do

- a idade e a subitaneidade do quadro. O diagnóstico diferencial de cefaleia súbita é extenso

menos provável neste caso.

e inclui (Quadro 41.2):

evolução subaguda e associada a outros sintomas, nível de consciência e sinais focais, o que a toma

• Dissecção de artéria cervical: a cefaleia é o sintoma

mais comum, mas apenas 20% dos pacientes têm cefaleia súbita, o que a toma menos provável neste

• Hemorragia subaracnóidea (HSA): é a causa mais

caso. Outra característica da cefaleia da dissecção

comum de cefaleia em trovoada secundária. Todos

de artéria cervical é que raramente é difusa e bila­

Cefaleia Súbita - 245

secções de vertebrais. Raramente, a cefaleia é um

• Síndrome de vasoconstrição cerebral reversível:

sintoma isolado, embora possa preceder outros sin­

pacientes com esta síndrome se apresentam com

tomas e sinais neurológicos - em até quatro dias nas

cefaleia em trovoada isolada ou associada a sinais

dissecções de carótida e em até 14h30min nas dis­

focais, líquor normal e vasoconstrição segmentar

secções de vertebral.

reversível de vasos do polígono de Willis. Essa

• Hipotensão intracraniana espontânea: causa uma

síndrome tem sido descrita em pacientes com his­

cefaleia posicional, que piora na posição ortostática e melhora com o decúbito. É comum a história de

tórico de hemicrania, mulheres no puerpério e em

pequenos traumas precedendo o início dos sintomas.

inibidores seletivos da recaptação de serotonina,

Cerca de 15% destes pacientes se apresentam com

pseudoefedrina, cocaína, anfetaminas, ecstasy e

cefaleia súbita, que pode estar associada à dore

bromocriptina. A paciente em questão nega cefaleias

rigidez de nuca, o que leva à confusão diagnóstica

prévias que possam sugerirhemicrania e obviamen­

com HSA. A tomografia e o liquor são normais na

te não está no puerpério, pela sua idade. Quanto ao

pessoas expostas a certas drogas como triptanos,

uso de fármacos, ainda não sabemos.

imensa maioria dos casos. A ressonância nuclear

magnética de encéfalo pode ajudar no diagnóstico. • Apoplexia pituitária: é o infarto ou hemorragia da

hipófise, que ocorre em geral com adenoma de hi­

pófise. As apresentações são muito variadas, mas a cefaleia súbita e intensa é o sintoma mais comum e pode dominaro quadro. Outros sintomas comumen­

te associados são náuseas, diminuição da acuidade visual, oftalmoplegia e perda de campos visuais.

Além de menos prevalente, a ausência destes outros sinais a toma menos provável, embora ainda não

possa ser afastada. • Hematoma retroclival: é uma síndrome rara que

cursa com cefaleia intensa e lesões cervicais que

resultam em deslocamento da articulação atlantoaxial. • Acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi): em­



Cisto coloide de terceiro ventrículo: tipicamente,

começa com dor abrupta, dura de segundos até um dia e depois se resolve rapidamente. Afeta mais homens do que mulheres e entre a terceira e a quin­

ta década de vida. As localizações frontal, fronto­ parietal e fronto-occipital são mais comuns. Outros sintomas que podem estar presentes são náuseas,

vômitos, rebaixamento do nível de consciência, alterações cognitivas e crises convulsivas. O diag­

nóstico é feito por tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética. Pelos dados epide­

miológicos e pelas características da cefaleia, esse diagnóstico é menos provável.

• Infecções do sistema nervoso central: raramente podem se apresentar com cefaleia súbita - início

gradual é o mais comum. A ausência de outros sin­

bora a cefaleia seja mais característica de acidentes

tomas que sugiram infecção afasta esse diagnóstico.

vasculares cerebrais hemorrágicos (AVCh), até 25%

• Cefaleia em trovoada primária: é necessariamente

dos pacientes com AVCi têm cefaleia e em metade

um diagnóstico de exclusão. Características clínicas

destes ela se manifesta antes dos demais sintomas.

que sugerem esse diagnóstico são o início súbito e

Nesses casos, a cefaleia raramente é súbita. Os AVCi

intenso, atingindo a maior dor em menos de 1 mi­

que mais se associam à cefaleia são os extensos, os

nuto, durando de 1h a 10 dias, e a não recorrência

de circulação posterior os que acometem pacientes

do quadro nas semanas e meses seguintes.

com história de hemicrania e os ocorridos em pa­ cientes jovens. É uma possibilidade que ainda não pode ser afastada neste caso. • Crise hipertensiva aguda: raramente se apresenta como cefaleia súbita. Cerca de 20% dos pacientes

• Cefaleia primária associada à atividade física e sexual e à tosse: possui uma história bem caracte­

rística e deve ser diagnosticada quando tiver sido feita uma adequada abordagem voltada para a ex­

clusão de cefaleias secundárias.

com crise hipertensiva se queixam de cefaleia, ge­ ralmente na região nucal, e é comum a presença de

outros sintomas associados, como vertigem, dispneia, dor torácica, agitação psicomotora, déficits neuro­

lógicos focais e epistaxe - todos ausentes nesta

paciente. Esse diagnóstico pode facilmente passar despercebido nos casos de cefaleia súbita quando a

O restante da história revela uma senhora hiperten­ sa, diabética, dislipidêmica, ex-fumante de cachimbo, tendo parado há 30 anos, não etilista e que há cerca de 50 dias havia sido submetida a hemicolectomia direita (curativa) por adenocarcinoma. Levava desde então uma vida independente e ativa. Fazia uso domiciliar de hi­ droclorotiazida, captopril, metformina e glibenclamida.

CAPÍTULO 41

carótidas e quase sempre em região nucal nas dis­

elevação dos níveis pressóricos for atribuída à res­ posta ao estresse.

teral, sendo sempre unilateral nas dissecções de

246 -

Doenças do Sistema Nervoso

CAPÍTULO 41

QUADRO 41.2 - Causas de cefaleia súbita. • Hemorragia subaracnóidea • Cefaleia sentinela • Trombose de seio venoso cerebral • Dissecção de artéria cervical • Hipotensão intracraniana espontânea • Apoplexia pituitária • Hematoma retroclival • Acidente vascular cerebral isquêmico • Crise hipertensiva aguda • Síndrome de vasoconstrição cerebral reversível

Ao exame físico de chegada, a senhora está vígil, orientada, em regular estado geral, com fácies de dor, temperatura axilar de 36,6°C, frequência cardíaca de 98bpm, frequência respiratória de 20irpm, pressão arte­ rial de 170 × 90mmHg em ambos os membros superi­ ores e saturação parcial de oxigênio de 96%. O exame físico de abordagem nada revela além de extrassístoles isoladas à ausculta cardíaca. Exame neurológico a in­ teiramente normal e não se observou papiledema à fundoscopia.

• Cisto coloide de terceiro ventrículo • Infecção intracraniana • Cefaleia em trovoada primária • Cefaleia primária associada a atividade física e sexual e à tosse Modificado de Schwedt et al. 1

O exame físico geral e o exame neurológico normais não devem tranquilizar o médico. A ausência de papile­

dema e de sinais meníngeos de forma alguma exclui a possibilidade de HSA. Já a ausência de sinais focais tor­ na improváveis as hipóteses de AVC, dissecção de artéria

A paciente mostra vários fatores de risco cardiovas­

cular preenchendo critérios para síndrome metabólica, e uma neoplasia recentemente abordada e provavelmente

cervical e síndrome de vasoconstrição cerebral reversível. A ausência de febre e de sinais meníngeos praticamente

exclui a hipótese de meningite infecciosa.

curada. Diante de um paciente com dor torácica e múlti­

Os níveis pressóricos não estão tão elevados a ponto de

plos fatores de risco para doença coronariana, devemos

explicarem uma crise hipertensiva. Outras causas de dor

sempre pensarem síndrome coronariana aguda (SCA).

torácica, além de SCA, que já eram pouco prováveis pelos

Todavia, cefaleia propriamente dita não é esperada num

dados de história, como pneumotórax e dissecção de aorta,

contexto de SCA, exceto após o uso de nitrato para con­

podem ser excluídas por não haver alterações ao exame

trole da dor torácica - o que não foi feito aqui. Já algumas

físico do aparelho respiratório, como ausência de murmúrio

causas de cefaleia podem cursar com quadro gastrointes­

vesicular associada a timpanismo à percussão e assimetria

tinal (náuseas e vômitos quase sempre acompanham a

de pulsos arteriais radiais e de membros inferiores e de

cefaleia da hemicrania, por exemplo) e até mesmo dor

medida de pressão arterial entre os dois membros superiores.

torácica - em uma interessante revisão sobre como evitar

Nesse momento, as principais hipóteses diagnósticas

erros no diagnóstico de HSA, Edlow et al.2 relatam que

são HSA, cefaleia sentinela e cefaleia em trovoada primá­

até 6% dos casos não diagnosticados de HSA recebiam

ria. Outras hipóteses menos prováveis, que ainda não podem

um diagnóstico de causa cardíaca para seus sintomas

ser completamente excluídas, são trombose de seio venoso

(infarto do miocárdio, arritmias e síncope)!

cerebral, hipotensão intracraniana espontânea, apoplexia

A neoplasia recente nos alerta para a possibilidade de

recidiva da doença como metástase em sistema nervoso

pituitária e cisto coloide de terceiro ventrículo. A tomogra­ fia de crânio é essencial agora.

central (SNC) - um tumor, seja primário ou secundário, de SNC pode ter como primeira manifestação uma cefa­

leia súbita, quando sangra. Sabemos também que neopla­ sias de modo geral podem gerar um estado trombofílico,

nos levando a considerara possibilidade de uma causa isquêmica (AVCi, embora o que mais se associe à cefaleia

seja o hemorrágico) ou trombótica (como a trombose de

seios venosos cerebrais) para esta cefaleia. Vale lembrar que as trombofilias, em geral, têm preferência pelo terri­

tório venoso, embora a síndrome antifosfolipídica e a

hiper-homocisteinemia cursem tanto com trombose veno­ sa como arterial.

Entre os fármacos citados, a hidroclorotiazida e até mesmo o captopril são reconhecidos como possíveis cau­

sas de cefaleia, mas este seria um diagnóstico de exclusão.

Os exames de urgência revelam: hemoglobina: 13,1; volume corpuscular médio 88; leucócitos: 9.000 com diferencial normal; plaquetas: 350.000; creatina: 0,9 e ureia: 40; sódio: 139, potássio: 4,1 e cálcio: 8,7; glice­ mia: 192; aspartato aminotransferase: 30; alanina aminotransferase: 28; gama-glutamiltransferase: 50; fosfatase alcalina: 175; atividade de protrombina: 90%; proteínas totais: 5,7; albumina: 3,6; bilirrubinas totais: 0,9; creatina quinase MB: 6,2 (normal até 5); troponina I:0,98 (normal até 0,2); dímero D: negativo; radiografia de tórax, eletrocardiograma e tomografia compu­ tadorizada de crânio sem contraste normais. A paciente receber dipirona e metoclopramida endovenosa para controle de sintomas e permanece desde então assinto­ mática.

Cefaleia Súbita - 247

dores cardíacos foram repetidos: creatina quinase MB: 6; e troponina I: 0,8.

HSA quando realizada precocemente - se obtida em até 12h do início dos sintomas, tem especificidade de 98% e

sensibilidade de quase 100% quando analisada porneu­ rorradiologistas experientes. À medida que o tempo passa, a sensibilidade cai, chegando a cerca de 58% após

cinco dias. Apesar de a paciente ter sido submetida pre­ cocemente à tomografia computadorizada, o resultado

normal não afasta completamente o diagnóstico de HSA, sendo necessária uma análise do líquor. A trombose de

seio venoso cerebral, a apoplexia pituitária e o cisto co­ loide de terceiro ventrículo podem não aparecerna tomo­

grafia computadorizada, sendo diagnosticados somente por ressonância nuclear magnética.

Dentre os demais exames, chama a atenção a elevação discreta de marcadores de necrose miocárdica. As condi­ ções que mais elevam tais marcadores, além de infarto agudo do miocárdio, são:

• Tromboembolia pulmonar (TEP) aguda, geralmente TEP maciça ou de moderada a grande monta. • Insuficiência cardíaca aguda ou grave, sendo um preditor independente de pior prognóstico nesses pacientes. • Miocardites.

• Sepse, sendo um marcador independente de disfun­

ção ventricular e correlacionando-se com o grau de hipotensão e o escore APACHE II. • Insuficiência renal, por mecanismos ainda não com­ pletamente entendidos, porém também se correla­ cionando com pior prognóstico.

• Hemorragia subaracnóidea, provavelmente poresti­ mulação hipotalâmica e secreção de catecolaminas. • Falsos-positivos (causados por erros laboratoriais,

presença de anticorpos heterofílicos ou de fator reumatoide, excesso de fibrina ou micropartículas). Podemos descartar insuficiência cardíaca, miocardite

e sepse por não encontrarmos história ou sinais físicos que sugiram tais diagnósticos. Também excluímos TEP e

Em suspeita de HSA, um resultado de liquor normal obriga a uma ressonância nuclear magnética, que poderia revelar aneurisma intracraniano não rompido, HSA, AVCi, hipotensão intracraniana espontânea, apoplexia pituitária, cisto coloide de terceiro ventrículo ou hematoma retroclival. Esse exame normal nos permite excluiras hipóteses de AVCi, apoplexia pituitária, cisto coloide de terceiro ventrículo e hipotensão intracraniana espontânea. A pressão de abertura normal (normal até 20cmH2O em punção lombar com pa­ ciente em decúbito lateral) exclui o diagnóstico de trombo­ se de seio venoso cerebral. Como a ressonância nuclear

magnética não foi diagnóstica, o próximo passo é uma an­

giorressonância, que pode mostrar aneurisma ou dissecção ou vasoespasmo. Caso essa também venha normal, ficamos com o diagnóstico de cefaleia em trovoada primária. A elevação discreta de creatina quinase MB e tropo­ nina I pode ocorrerem HSA, não indicando necessaria­ mente infarto do miocárdio. O ecocardiograma com dis­ função diastólica pode ser explicado por miocardiopatia

hipertensiva e/ou associada à síndrome metabólica que essa paciente apresenta, embora infartos menores também possam não se expressar com disfunção segmentar da contratilidade do ventrículo esquerdo. A angiorressonância revela aneurisma de topo de artéria basilar de 6mm, sem outras anormalidades. A paciente permanece internada com as medidas de su­ porte para aneurisma cerebral, porém, enquanto aguardava um tratamento definitivo, no segundo dia de internação, apresenta cefaleia súbita e intensa, ficando inquieta e sudoreica. Ao exame físico, encontra-se vígil e orientada, com PA de 210 × 120mmHg, frequência cardíaca = frequência de pulso: 72bpm, e cutâneoplantarem extensão bilateralmente. Glicemia capilar 220mg/dL. Eletrocardiograma conforme Figura 41.1. Enquanto se providencia, uma tomografia computado­ rizada de crânio de emergência a paciente apresenta parada cardíaca em atividade elétrica sem pulso que não responde às manobras de ressuscitação cardiopul­ monar A necropsia mostrou hemorragia meníngea de grande monta em base de crânio.

insuficiência renal por termos dímero D e creatinina nor­ mais. Ainda nos preocupa a possibilidade de HSA e uma análise do líquor é imperiosa neste contexto.

A punção lombar revela: pressão de abertura de 18cmH2O; líquor límpido e incolor 2 células/mm3; proteínas totais: 30mg/dL; glicose: 122mg/dL; adeno­ sina desaminase (ADA): 3UI; reação de Pandy negativa. Ressonância nuclear magnética considerada normal para a idade. Ecocardiograma transtorácico normal, exceto por disfunção diastólica moderada. Os marca­

A paciente tinha uma cefaleia sentinela e não teve o aneurisma abordado antes que este ressangrasse. O ECG é muito interessante porque mostra inversão de onda T, com ondas profundas e largas, em DI, DII, DIII, aVF e de V3 a V6. O diagnóstico diferencial básico desse traçado são isquemia miocárdica, cardiomiopatia hipertrófica e lesão aguda de sistema nervoso central - a antiga “onda T cerebral”. Nesse contexto, não há dúvidas de que se trata de lesão aguda de sistema nervoso central.

CAPÍTULO 41

A tomografia computadorizada de crânio sem contras­ te é altamente sensível e específica para o diagnóstico de

CAPÍTULO 41

248 - Doenças do Sistema Nervoso

Figura 41.1 - Eletrocardiograma da paciente, mostrando onda T cerebral em derivações precordiais.

Sabe-se que a HSA pode causar virtualmente qualquer

anos. Dentre as HSA não traumáticas, cerca de 85% dos

alteração eletrocardiográfica, embora as mais comuns

casos se devem à ruptura de aneurismas, 10% a um padrão conhecido como hemorragia perimesencefálica não aneu­ rismática e 5% a causas raras - lesões inflamatórias de

sejam as alterações de ritmo - taquicardia e bradicardia sinusais e as mais sugestivas, as alterações do segmen­ to ST, de onda T e aumento do QTc. A fisiopatologia

dessas alterações ainda não é completamente entendida, mas se acredita que, como as elevações de marcadores de

necrose miocárdica, se deva à estimulação hipotalâmica e à secreção de catecolaminas. A necropsia dessa paciente mostrou, além da HSA,

que não havia alterações sugestivas de infarto agudo do

miocárdio e que as coronárias mostravam pequenas placas

ateroscleróticas não obstrutivas.

DIAGNÓSTICO FINAL Cefaleia sentinela seguida de hemorragia subaracnóidea por ruptura de aneurisma cerebral.

artérias cerebrais, como aneurismas micóticos, doença de Behçet, borreliose e vasculites; lesões não inflamatórias de artérias cerebrais, como dissecções de artérias, mal­ formações arteriovenosas e doença de Moyamoya; coa­ gulopatias, uso de anticoagulantes, abuso de cocaína,

tumores e anemia falciforme. No caso ora relatado, a angiorressonância demonstrou o aneurisma e não foram mencionados sintomas ou sinais que nos apontasse qualquer uma das causas mais raras de HSA. O risco de ruptura de um aneurisma aumenta com o seu tamanho, com a presença de hipertensão, tabagismo, etilismo e história prévia de cefaleia sentinela. A pacien­

te em questão apresentava um aneurisma pequeno, isto é, menor que 1cm, mas era hipertensa, o que quase duplica o risco de ruptura, e teve uma cefaleia súbita precedendo o evento final, que foi uma cefaleia sentinela - esta, por si só, aumenta em dez vezes o risco de sangramento nas qua­

DISCUSSÃO

tro semanas subsequentes, sendo o risco maior nos pri­ meiros dias.

A hemorragia subaracnóidea responde por 5% de todos os AVC e metade de suas vítimas tem idade inferior a 55

Cefaleia súbita é o sintoma mais característico de HSA e, em até um terço dos pacientes, é a única manifestação.

Cefaleia Súbita - 249

Geralmente, é uma cefaleia difusa e com frequência é

CAPÍTULO 41

descrita pelos pacientes como a pior cefaleia da vida. No entanto, não é a intensidade da dore sim a sua subitanei­

dade o aspecto mais característico - uma informação que os pacientes geralmente esquecem de mencionar, pois

procuram atendimento pela dor intensa. História de crise convulsiva é um forte indicador de possível ruptura de

aneurisma como causa da dor uma vez que pacientes com

cefaleia em trovoada primária e hemorragia perimesence­ fálica não aneurismática não exibem este sintoma. Alte­ rações de nível e conteúdo de consciência podem ocorrer. Sinais meníngeos são comuns, mas podem levar de 3 a 12h para aparecerem e podem estar ausentes em pacien­

tes com rebaixamento grave do nível de consciência ou

naqueles com pequenas HSA. A fundoscopia é fundamen­ tal ao exame físico, podendo revelar hemorragias intrao­

culares, especialmente naqueles com rebaixamento do

nível de consciência - mas somente um em cada sete pacientes com ruptura de aneurisma tem alterações no fundo de olho. Sinais focais também podem aparecer

Figura 41.2 - Note a hiperdensidade preenchendo os sulcos cerebrais na fissura longitudinal do cérebro.

tomando o diagnóstico diferencial entre HSA, AVCi e AVCh praticamente impossível somente com bases clínicas.

Grandes elevações de pressão arterial, hipoxemia e alte­

traste nas primeiras 12h normal, o liquor mostra metabó­

rações eletrocardiográficas também podem ocorrer.

litos de hemoglobina, fechando o diagnóstico de HSA.

Nesta paciente, somente a cefaleia súbita estava pre­ sente à chegada ao hospital, o que por si só justifica toda

Vale ressaltar que essa amostra de líquordeve ser colhida

a investigação feita. Felizmente, a elevação dos marcado­

pelo menos 6h - e de preferência 12h -, após o início da cefaleia, pois, se colhida antes e houver um acidente de

res de necrose miocárdica não foi interpretada como in­

punção, será impossível distinguir uma hemorragia suba­

dicativa de infarto sem supra de ST - o que seria um erro

racnóidea genuína de um sangramento por trauma da

nefasto neste contexto. Mesmo com diagnóstico correto,

agulha. Somente após este intervalo haverá formação de

não foi possível corrigiro aneurisma antes que este rom­ pesse. Tais casos são usados por alguns pesquisadores

bilirrubina no liquor que o dá o aspecto xantocrômico. O

como argumento para indicar uma intervenção ultrapre­

hemácias em tubos subsequentes, não é confiável. Caso

coce quando há diagnóstico de aneurisma cerebral - con­

ocorra um acidente de punção, o líquor deve sercentrifu­

duta ainda debatida na literatura.

gado e o sobrenadante analisado - se estiver amarelo, isto

teste dos três tubos, em que há redução do número de

A tomografia computadorizada de crânio sem contras­

é, xantocrômico, o diagnóstico de HSA pode ser pratica­

te é o primeiro exame a ser pedido em suspeita de HSA.

mente fechado, embora formalmente a presença de bilir­

A sensibilidade da tomografia computadorizada varia com

rubina precise ser demonstrada porespectrofotometria (o

a quantidade de sangue no espaço subaracnóideo, com o

que não foi feito neste caso).

intervalo entre o início dos sintomas e a realização do

A ressonância nuclear magnética não é o método

exame e com a habilidade do médico que o interpreta a

ideal para detectar sangramentos na fase aguda, pois, além

tomografia computadorizada. No primeiro dia, a sensibi­

de ser menos disponível do que a tomografia, não de­

lidade é quase 100%, quando a tomografia é analisada

monstra melhor sensibilidade do que esta. Entretanto, tem

porneurorradiologistas experientes, e cai bastante com o

seu valor para exclusão de diagnósticos alternativos à HSA

passar dos dias. A Figura 41.2 mostra tomografia de crâ­

e após os primeiros dias, quando a tomografia com­

nio de um paciente de 45 anos de idade que apresentou

putadorizada perde muito em sensibilidade. As melhores

cefaleia súbita após acesso de tosse - o diagnóstico final foi de HSA por ruptura de aneurisma de artéria comuni­

sequências para essa avaliação são FLAIR e T2. O padrão-ouro para a detecção de aneurismas é a angio­

cante anterior.

grafia convencional, mas este não é um procedimento

Na minoria de pacientes (cerca de 3%) com cefaleia

inócuo, com risco de complicações neurológicas isquêmi­

súbita e tomografia computadorizada de crânio sem con-

cas. As angiografias por tomografia computadorizada e por

CAPÍTULO 41

250 -

Doenças do Sistema Nervoso

ressonância nuclear magnética são parecidas em termos de sensibilidade e especificidade, mas a tomografia tem a vantagem de sermais rápida - o que é útil para pacientes

agitados e/ou intubados - ao passo que a ressonância

nuclear magnética a vantagem de não usar contraste ou

radiação. No caso, uma história adequadamente obtida permitiu

alto índice de suspeição de uma doença grave, a condu­

ção adequada e a correta interpretação de exames com­

plementares.

REFERÊNCIAS 1. SCHWEDT, T. J.; MATHARU, M. S.; DODICK, D. W. Thunderclap headache. LaxetNard., v. 5, p. 621-631, 2006. 2. EDLOW, J. A.; CAPLAN, L. R. Avoiding pitfalls in the diagnosis of subarachnoid hemonhage. N. ErgJ. J. Med., v. 342, n. 29-36,2000.

LEITURA COMPLEMENTAR BECK, J. et al. Sentinel headache and the risk of rebleeding after aneuiysmal subarachnoid hemonhage. Strcfe v. 37, 2006. MACMILLAN, C. S. A.; GRANT, I. S.; ANDREWS, P. J. D. Pulmonaiy and caidiac sequelae of subarachnoid haemonhage: time for active management? Int CaeMed., v. 28, p. 1012-1023, 2002. PATTEN, J. DiagxsticoDifaexid en Nardq^a 2. ed., Rio de Janeiro: Revinter; 2000. ROONGSRILONG, C. et al. Common causes of troponin elevations in the absence of acute myocardial infarction. Chest v. 125, p. 1877-1884, 2004. SAKR, Y. L. et al. Relation of ECG changes to neurological outcome in patients with aneuiysmal subarachnoid hemonhage. Irt J. Cadki, v. 96, p. 369-373, 2004. SAKR, Y. L.; GHOSN, I.; VINCENT, J. L. Cardiac manifestations after subarachnoid hemonhage: a systematic review of the lite­ ratura. Prcg-essinCadicvaBctia Dísehses v. 45, p. 67-80, 2002. SUAREZ, J. I.; TARR, R. W.; SELMAN, W. R. Cunent concepts: aneuiysmal subarachnoid hemonhage. N. Erjgj. J. Med., v. 354, p. 387-396, 2006. VAN GIJN, J.; RINKEL, G. J. E.; KERR, R. S. Subarachnoid haemorrhage. Laret v. 369, p. 306-318, 2007.

___________________________________

CAPÍTULO

Convulsão Ricardo Araújo de Oliveira • Fernanda dos Santos Britto José Luiz Pedroso

Homem de 39 anos de idade é levado por sua es­ posa para uma consulta médica devido a “desmaios”. Apresentou cerca de quatro episódios de perda da consciência no período de três meses, sendo o último há dois dias, presenciado pela esposa, que disse a se­ guinte frase: “acho que ele teve uma convulsão”. Relata que o marido apresentou episódio súbito de postura estendida dos membros superiores, e caiu ao solo, com perda da consciência. Houve desvio do olhar e abalos musculares nos quatro membros, além de sa­ livação excessiva, liberação esfincteriana e mordedura de língua. Duração de 3min, com período de sonolência excessiva após o episódio. Recuperou totalmente a consciência após 30min.

QUADRO 42.1 - Diagnóstico diferencial entre distúrbios neurológicos paroxísticos • Crise epiléptica • Síncope - Cardiogênica - Não cardiogênica • Distúrbio psicogênico • Hemicrania • Ataque isquêmico transitório • Hipoglicemia • Vertigem paroxística • Narcolepsia/cataplexia • Hiperecplexia

dos braços. Essa resposta pode surgir quando o paciente Diante de um paciente com queixa de desmaios, a lista

permanece na posição original, por exemplo, quando as

de diagnósticos diferenciais é grande (Quadro 42.1).

pessoas que prestam socorro o colocam sentado, em vez

Entretanto, a maioria dos casos com essa apresentação

de deitá-lo imediatamente. Também pode acontecer quan­

está incluída em três categorias: crises epilépticas, sínco­

do o evento decorre de arritmia cardíaca grave.

pe e síndrome conversiva (crise não epiléptica ou distúr­

No caso descrito há elementos que favorecem o diag­

bio psicogênico). Dependendo do quadro clínico, a clas­ sificação nessas categorias pode ser difícil.

nóstico de crises epilépticas recorrentes (ou simplesmen­

Mordedura da língua, versão cefálica, cianose, perda

das crises epilépticas inicialmente em focais (parciais) ou

de consciência por mais que 5min, confusão pós-ictal ou

generalizadas (Quadro 42.2). As crises generalizadas não

dor muscular são sugestivas de crise epiléptica. O diag­

nóstico de síncope é favorecido quando o evento aconte­

apresentam evidência de início localizado e as manifes­ tações clínicas implicam o envolvimento de ambos os

ce enquanto o paciente se mantém em posição sentada ou

hemisférios cerebrais desde o início. Além disso, as des­

em pé e quando há palidez, sudorese, náusea ou outros

cargas epilépticas são bilaterais, com acometimento

sintomas pré-sincopais.

precoce do sistema ativador reticular ascendente, o que

A perda do controle esfincteriano pode ocorrer no

te epilepsia). Nessa situação, é importante a classificação

provoca comprometimento da consciência.

contexto da síncope. Quando a hipóxia é mais acentuada

As manifestações clínicas das crises focais indicam o

ou persistente, pode haver atividade muscular tônica com

envolvimento de uma determinada região em um dos

extensão da cabeça e do tronco, além de extensão ou flexão

hemisférios cerebrais. Nas crises focais simples não há

252

- Doenças do Sistema Nervoso

• Crises focais ou parciais - Crises parciais simples: ■ Com sintomas motores ■ Com sintomas somatossensitivos ou sensoriais ■ Com sintomas autonômicos ■ Com sintomas psíquicos - Crises parciais complexas ■ Parcial simples no início ■ Com comprometimento da consciência desde o início - Crise tônico-clônica com generalização secundária • Crises generalizadas - Ausência ■ Típica ■ Atípica - Mioclônica - Clônica - Tônica - Tônico-clônica (primária) - Atônica ou astática • Não classificável

tal (15 a 30mg/kg), ou mesmo midazolam ou propofol contínuo devem ser administradas e deve ser realizada a

intubação orotraqueal.

Ao exame físico geral, não se observam alterações: corado, hidratado, afebril; ausculta cardíaca e pulmonar normais; abdome e membros inferiores sem alterações. Exame neurológico detalhado inteiramente normal: não há déficits de força muscular. Reflexos normoativos, linguagem e avaliação cognitiva normais. Ao exame físico geral deve-se dar atenção à pele em

busca de alterações sugestivas de síndromes neurocutâ­ neas (por exemplo, neurofibromatose) que comumente cursam com crises epilépticas. É importante pesquisar

sinais sugestivos de doenças sistêmicas que podem estar associadas (doenças da tireoide, lúpus eritematoso sistê­ mico, insuficiência renal, HIV/AIDS, etc.). O exame

alteração da consciência, ao passo que nas crises focais complexas há evidências de seu comprometimento. O eletroencefalograma pode evidenciar descargas focais, que algumas vezes podem se propagar e evoluir para crises

tônico-clônicas generalizadas (crise focal com generali­ zação secundária). O paciente em discussão apresentou desvio do olhar durante a crise, o que é uma evidência de início focal com generalização secundária. Outros elementos que poderiam sugerir início focal são versão cefálica, postura tônica ou distônica assimétrica, automatismos oroalimentares, au­ tomatismos motores unilaterais, além de fraqueza unila­ teral pós-ictal (paralisia de Todd). Por definição, epilepsia é uma condição caracterizada por crises epilépticas recorrentes (duas ou mais), não provocadas por qualquer causa imediata. Cerca de 25 a 30% das primeiras crises são provocadas (crise sintomá­ tica aguda). Crises epilépticas são comuns em distúrbios metabólicos (por exemplo, uremia, hipoglicemia, insufi­ ciência hepática), infecções (meningoencefalites) e intoxicações/abstinência. Dessa forma, quando a crise não está associada a um fator já estabelecido, é necessária a investigação de outras causas. Na emergência, a maioria dos pacientes chega após a crise ter cessado, em razão de a duração habitual ser de 2 a 3min. Entretanto, quando há sinais de persistência da atividade epiléptica, medidas adequadas devem ser toma­ das. Objetivamente, deve-se verificar a permeabilidade de vias aéreas, administrar oxigênio quando necessário,

aplicar monitorização cardíaca e estabelecer acesso ve­ noso periférico. Inicialmente, pode-se administrar diaze­ pam, 10mg, endovenoso (em 1min), e repetir, se preciso. Se o paciente permanecer em estado de mal epiléptico, outras drogas como fenitoína (15 a 20mg/kg), fenobarbi­

neurológico é muito importante para evidenciar sinais

localizatórios, além de sinais meníngeos, que sugerem natureza sintomática para as crises epilépticas. A investigação diagnóstica da epilepsia deve conside­ rar uma série de causas prováveis (Quadro 42.3). É im­

portante ainda ressaltar fatores desencadeantes ou facili­ tadores de crises epilépticas em indivíduos com maior

suscetibilidade, inclusive portadores de epilepsia primária. Alguns desses fatores são alterações bruscas de intensi­

dade luminosa, privação de sono, ingestão alcoólica, febre, algumas drogas e estresse emocional. Dessa forma, são importantes os exames laboratoriais com dosagem de eletrólitos, funções renal e hepática, he­

mograma, testes de atividade inflamatória, provas reuma­ tológicas, quando adequado, e exames de imagem. Depen­ dendo do contexto, está indicada a coleta de líquor com

pesquisa de antígenos, anticorpos e proteína C-reativa. Opta-se por coletar exames de sangue, fazer eletro­ cardiograma e tomografia computadorizada de crânio. Os exames gerais são normais: hemoglobina: 13,7;

QUADRO 42.3 - Causas de crises epilépticas sintomáticas • Neoplasias: primárias ou metastáticas • Vasculares: acidente vascular cerebral isquêmico, hemorragias intraparenquimatosas ou hemorragia subaracnóidea • Traumatismo cranioencefálico • Infecções: bacterianas, virais, fúngicas e parasitárias • Doenças neurodegenerativas: doença de Alzheimer • Doenças autoimunes: lúpus eritematoso sistêmico, síndrome do anticorpo antifosfolipídio, Behçet, etc. • Malformações cerebrais • Distúrbios hidroeletrolíticos: Na, K, Ca, Mg • Drogas: neurolépticos, penicilinas, carbapenêmicos, opioides, antidepressivos, cocaína, anfetaminas, etc. • Abstinência: álcool, benzodiazepínicos, etc.

978-85-4120-074-5

CAPÍTULO 42

QUADRO 42.2 - Classificação das crises epilépticas

Convulsão - 253

978-85-4120-074-5

DISCUSSÃO Neurocisticercose é uma infecção do sistema nervoso

central pela Taenia solium em seu estágio larvário (Cysticercus cellulosae) e constitui uma das principais causas

Pequenas calcificações, únicas ou múltiplas, são comuns em populações em que a Taenia solium é endêmica, e exis­ te boa evidência de que se trata de granulomas de cisticer­ co calcificados. Além disso, outras doenças infecciosas cerebrais dificilmente cursam com calcificações dessa na­ tureza, exceto certas infecções congênitas (toxoplasmose,

rubéola, citomegalovírus), mas apresentam história clínica e aspectos radiológicos distintos. Dessa forma, considerando a apresentação clínica, o exame físico e os exames complementares, podemos concluir que o paciente apresenta neurocisticercose intra­ parenquimatosa com múltiplos cistos calcificados.

de epilepsia adquirida no mundo. O ciclo de vida da T. solium inclui o ser humano como hospedeiro definitivo e

o porco como hospedeiro intermediário. Os porcos inge­ rem ovos ou proglótides procedentes de fezes humanas e desenvolvem cisticercos, principalmente no músculo es­

quelético. O homem é infectado quando ingere a carne

suína mal cozida contendo cisticercos viáveis. Ao atingir

o intestino delgado, o escólex adere à mucosa e começa a liberar proglótides contendo milhares de ovos. A cisti­ cercose é contraída quando o homem ingere água ou

alimentos contaminados com ovos. Nesse caso, o homem é o hospedeiro intermediário. Os ovos são digeridos no estômago e liberam oncosferas, que penetram na parede

Opta-se por iniciar administração de anticonvulsi­ vantes. O paciente encontra-se em uso de oxcarbazepina, 300mg, três vezes ao dia, e há um ano está sem crises.

DIAGNÓSTICO FINAL Neurocisticercose.

intestinal e alcançam a corrente sanguínea. As oncosferas

se desenvolvem em cisticercos e se alojam em qualquer órgão, principalmente cérebro, olhos e tecido subcutâneo. A neurocisticercose é considerada endêmica em diversos países em desenvolvimento da Ásia, da África e da Améri­

ca Latina. No Brasil, sua frequência sua varia entre 0,12 e 3,6%, sendo mais localizada no sistema nervoso central. As manifestações clínicas da neurocisticercose dependem de

número, tamanho, estágio e localização das lesões, além do

estado de imunidade do hospedeiro. A apresentação varia de infecção assintomática até morte súbita.

Na forma parenquimatosa, o parasita forma cistos no parênquima cerebral, que podem ser únicos ou múltiplos. Epilepsia sintomática é a manifestação clínica mais comum e resulta da formação de granuloma associada à inflama­ ção pericística. A forma meníngea apresenta-se comu­ mente com hipertensão intracraniana secundária à arac­

noidite, obstrução do fluxo liquórico e hidrocefalia. Podem ocorrer déficits focais decorrentes de vasculite e disfunção de nervos cranianos. Na forma intraventricular/subarac­

nóidea, pode haver migração de cisticercos para o sistema ventricular com obstrução dos forames comunicantes e episódios de ventriculomegalia aguda, resultando em coma.

Existe ainda a forma espinhal, em que o parasita pode se alojar na leptomeninge (extramedular) ou, mais raramen­ te, na medula (intramedular). O tratamento da neurocisticercose inclui agentes cis­

Figura 42.1 - Tomografia computadorizada de crânio, sem contraste, revelando pequenas calcificações cere­ brais, compatíveis com diagnóstico de neurocisticercose. Imagem cedida gentilmente pelo Dr. Antonio José da Rocha (Instituto Fleury - Medicina e Saúde).

ticidas, corticoides, drogas antiepilépticas e procedimen­ tos cirúrgicos (Tabela 42.1). Pode-se utilizar albendazol, na dose de 15mg/kg/dia (dividido em duas doses) por 8 a 15 dias ou praziquantel, na dose 50mg/kg/dia (dividido em três doses) por 15 dias. Entretanto, o uso dessas dro­ gas deve ser individualizado, considerando-se a viabili-

CAPÍTULO 42

leucócitos: 7.800; plaquetas: 186.000; creatinina: 1,1; ureia: 34; sódio: 138; potássio: 3,9; aspartato amino­ transferase: 37; alanina aminotransferase: 32. ECG com ritmo sinusal, sem alterações. TC de crânio revela várias calcificações em regiões justacorticais (Fig. 42.1).

CAPÍTULO 42

254 -

Doenças do Sistema Nervoso

TABELA 42.1 - Tratamento da neurocisticercose

pode provocar hipertensão intracraniana aguda. Nesses

Formas clínicas

casos, as drogas cisticidas devem ser administradas com

Tratamento

cautela.

Parenquimatosa

Cistos viáveis Cistos calcificados Lesões com realce

Encefalite

Droga cisticida + corticoides Somente drogas antiepilépticas

Única - drogas antiepilépticas (droga cisticida caso persistente) Múltiplas - drogas antiepilépticas, droga cisticida + corticoides Corticoides + diuréticos osmóticos ou imunossupressor + droga cisticida

Em geral, uma única droga antiepiléptica de primeira linha, como a carbamazepina ou a fenitoína, é capaz de promover um bom controle das crises em paciente com

neurocisticercose. A duração da manutenção do tratamen­ to com drogas antiepilépticas ainda é tema de debate.

Entretanto, em pacientes com cistos não viáveis ou lesões

calcificadas, o tratamento deve ser mantido até ser alcan­ çado um período de dois anos sem crises epilépticas.

Extraparenquimatosas Cisto intraventricular

Remoção neuroendoscópica

Cisto subaracnóideo

Droga cisticida + corticoides; derivação ventriculoperitoneal, se necessário

Hidrocefalia sem cisto viável

Derivação ventriculoperitoneal

Hidrocefalia + cisto intracraniano

Derivação antes do tratamento com cisticidas

Cisticercose ocular

Tratamento cirúrgico (evitar cisticidas)

Cisticercose espinhal

Tratamento cirúrgico

dade, o número e a localização dos parasitas. Em resumo, existe benefício aparente para pacientes com cistos intra­

parenquimatosos viáveis ou lesões que se realçam ao contraste radiológico. Exceção deve serfeita para aqueles pacientes com muitas lesões, em que a reação inflamató­

ria secundária à morte dos parasitas após o tratamento

BIBLIOGRAFIA COSTA-CRUZ, J. M.; et al. Ocorrência de cisticercose em necrópsias realizadas em Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. Arq. Narcpáqciíír., v. 53, p. 227-232, 1995. GARCIA, H. H.; et al. Neurocysticercosis: some of the essentials. Pract Nard., v. 6, p. 288-297, 2006. HOEFNAGELS, W. A. J.; et al. Transient loss of consciousness: the value of the histoiy fordistinguishing seizure from syncope. J. Nardcg', v. 238, p. 39-43, 1991. KOTSOPOULOS, I. A.; et al. The diagnosis of epileptic and nonepileptic seizures. Epilqiíy Res, v. 57, p. 59-67, 2003. PLUG, L.; REUBER, M. Making the diagnosis in patients with blackouts: it's ali in the history. Pract Nard., v. 9, p. 4-15, 2009. SHELDON, R.; et al. Historical criteria that distinguish syncope from seizures. J. Am. Cdl Cadid, v. 40, p. 142-8, 2002. SINHA, S.; SHARMA, B. S. Neurocysticercosis: a review of current status and management. J. Clin Naraci, v. 16, p. 867-876, 2009.

___________________________________

CAPÍTULO

Perda de Força Muscular Jullyana Sabrysna Morais Shinosaki • Denis Bernardi Bichuetti

Mulher de 37 anos de idade é levada ao setor de emergência com a queixa de “fraqueza no lado direito do corpo e fala enrolada há 15min”. A paciente é negra, corretora de imóveis e vive com o marido e os quatro filhos. É tabagista de cinco cigarros/dia há 20 anos e faz uso de contraceptivo oral há 11 anos. Como ante­ cedentes, apresenta enxaqueca há 22 anos, tristeza e insônia inicial há três semanas. Tem um irmão com enxaqueca e pais hipertensos. Encontrava-se em reunião no local de trabalho quando percebeu perda súbita de força muscular no hemicorpo direito e dificuldade na articulação das palavras, com duração de 15min. A entrada no pronto-socorro, mostra remissão espontânea dos sintomas.

rações de sensibilidade, pares cranianos, provas cerebelares, provas meníngeas, fundoscopia ou marcha. Recebe alta hospitalar com o diagnóstico de transtorno conversivo e orientação de retomo imediato, se reapa­ recerem os sintomas. A paciente não é diabética, hipertensa, dislipidêmica,

etilista, obesa e nem apresenta doença cardíaca. Tais fatos,

somados ao bom estado geral, à atenção preservada, à

ausência de sinais motores evidentes, à idade e às carac­

terísticas clínico-epidemiológicas para transtorno conver­

sivo - sexo feminino, jovem, apresentação neurológica transitória, exame físico normal e situação de dificuldade psicológica associada temporalmente aos sintomas3-,

Trata-se de uma paciente jovem com déficit motor súbito,

conduziram ao diagnóstico dado no momento da alta

focal e transitório. O diagnóstico dos déficits transitórios

hospitalar. De fato, os itens citados podem justificar a

pode ser bastante problemático em razão da gama de

conduta tomada, mas também são potenciais fatores de

possíveis diagnósticos diferenciais, uma vez que o racio­

confusão. O raciocínio clínico em um setor de emergên­

cínio clínico se baseia somente na história relatada pelo

cia, no qual a obtenção de diagnósticos neurológicos e

paciente. Para a situação descrita, o ataque isquêmico

psiquiátricos é uma tarefa complexa, pode ser um grande

transitório (AIT) é uma boa hipótese. Entretanto, episódios

desafio e exige calma e colaboração interdisciplinar, uma

de hemicrania com aura motora, crises epilépticas focais

vez que até 13% dos sintomas neurológicos são diagnos­

com paralisia de Todd, hematoma subdural, neoplasia

ticados, inicialmente, como funcionais3. Essa paciente não

intracraniana e transtornos conversivos ou histriônicos

relata prévios sintomas conversivos, antecedente familiar

também podem se apresentar com déficits focais transitórios1-2.

positivo ou história de abuso sexual na infância, que au­

mentariam a possibilidade de conversão. Mesmo que essa situação possa ocorrer em qualquer idade, em geral ma­

Ao exame, a paciente encontra-se vígil, ansiosa, orientada no espaço e no tempo, fala, escreve, compre­ ende, repete e nomeia, com atenção preservada, sem alterações nos exames físicos geral e segmentar. A força motora é simétrica e grau V nos quatro membros, com reflexos profundos normoativos e simétricos, e cutâneo-plantar em flexão bilateralmente. Não há alte­

nifesta-se no fim da adolescência ou no início da idade adulta; quando ocorre mais tardiamente, deve aumentar a suspeita de doença orgânica4. Doença encefalovascular (DEV) não é esperada em pacientes jovens, pois a idade é um fator de risco impor­

tante; de fato, a incidência de acidente vascular cerebral

CAPÍTULO 43

256

- Doenças do Sistema Nervoso

(AVC) dobra a cada década após os 55 anos de idade, e metade acomete maiores de 70 anos1. Além disso, a pa­ ciente não exibe os fatores de risco clássicos citados an­

nética (RNM) poderiam utilizá-la, mas é um exame mais

teriormente para DEV. Contudo, é tabagista, apresenta

Em casos selecionados, como suspeita de hemiparesia

antecedente de hemicrania e usa contraceptivo oral. O contraceptivo é fator de risco independente para eventos

pós-crise epiléptica, também seria aconselhável um ele­ troencefalograma5 .

custo. Serviços que dispõem de ressonância nuclear mag­ demorado e caro, muitas vezes não disponível na urgência.

isquêmicos, particularmente nas mulheres tabagistas acima

de 35 anos ou hipertensas, e a hemicrania aumenta as chances de AVC5. Sendo o AIT a presença de sintomas

neurológicos decorrentes de DEV com duração inferior a 24h ou ausência de alterações nos exames de imagem2 e os fatores de risco os mesmos para o AVC, este constitui um diagnóstico diferencial importante neste caso.

Apesar de menos comum do que a forma familiar, a

forma esporádica da hemicrania hemiplégica também pode se apresentar como no caso descrito. A frequência das

crises é variável e o estresse emocional é um gatilho

frequente. Os episódios podem cursar com auras não hemiplégicas, assim como crises de dor sem aura. A di­

Decorridas 12h do primeiro atendimento, a pacien­ te retoma ao pronto-socorro, desta vez sem precisar o tempo de instalação dos sintomas (havia dormido e notado os mesmos sintomas relatados anteriormente ao acordar), com pressão arterial de 130 × 90mmHg, pulso de 92 pulsações/minuto, frequência respiratória de 24 respirações/minuto, saturação de 96% e glicemia capilar de 94mg/dL. Ao exame neurológico, notam-se as seguintes alterações: afasia de compreensão, disartria, paralisia facial central à direita, miose e ptose palpebral à esquerda, força muscular grau IV no hemicorpo di­ reito, reflexo cutâneo-plantar em extensão à direita e marcha parética à direita.

ferenciação entre AIT e hemicrania hemiplégica pode ser

difícil, pois o AIT pode se acompanhar de cefaleia e a

Neste momento, a paciente apresenta síndrome pira­

aura pode ocorrer sem a cefaleia subsequente. Mas, ge­

midal de déficit e liberação caracterizada por hemiparesia

ralmente, o AIT não se manifesta com sintomas de pro­

completa e proporcionada à direita, disartria, afasia de

gressão gradual, como na maioria das auras migranosas.

compreensão e síndrome de Horner incompleta (ausência

Além disso, a duração da aura frequentemente é maior

de anidrose associada à miose e à ptose) à esquerda, sem

do que a dos AIT, cuja duração costuma ser menor do que

duração definida, mas, possivelmente, maior do que 1

1h. A paciente tem história de hemicrania, porém, a he­ miparesia não foi seguida por cefaleia e não se instalou

hora. O AVC deve ser a principal hipótese diagnóstica.

de forma progressiva, o que desfavorece a hipótese de hemicrania hemiplégica1,5.

outras doenças de etiologia vascular dentre os diferenciais,

A paralisia de Todd, caracterizada por plegia ou pare­

morragia subaracnóidea (HSA) ou malformação arterio­

sia de duração média de 30min a 24h após a crise epilép­

venosa (MAV). Porém, não há cefaleia, náuseas, vômitos,

tica, é um diagnóstico possível. Todavia, não há relato de

alteração do nível de consciência ou sinais meníngeos,

abalos clônicos ou posturas tônicas, focais ou generaliza­

comuns em HSA, em que a TC de crânio confirmaria o

das, nem de perda da consciência, o que afasta a possibi­ lidade de um evento epiléptico6.

diagnóstico com 90% de sensibilidade se realizada nas primeiras 24h1. Quanto à MAV, não existe um quadro

Apesar de se manifestarem raramente como sintomas

clínico típico, mas é comum que a hemorragia intracra­

transitórios, hematoma subdural e neoplasias intracranianas,

niana se manifeste com cefaleia e crises epilépticas; dé­

primárias ou secundárias, poderiam causar os sintomas descritos2. Entretanto, a paciente não tem história de trau­

ficits neurológicos focais por isquemia (“fenômeno do roubo”), hidrocefalia e compressão de nervos cranianos

ma, etilismo ou uso de medicação anticoagulante, causas

são menos frequentes. O exame inicial também seria a

de hematoma subdural. Também não relata mudança no

TC de crânio, que evidenciaria a hemorragia, com refor­

padrão ou na intensidade da cefaleia, perda ponderal,

ço serpiginoso típico na fase contrastada. A RNM mos­

história pessoal ou familiar de neoplasias ou sintomas de

traria o tamanho e a localização da MAV, e a angiorres­

hipertensão intracraniana, como vômitos em jato, alterações

sonância nuclear magnética detalharia os vasos envolvidos1.

visuais ou cefaleia que piora com o decúbito, fatores que

O envolvimento do trato corticoespinhal é comum em

aumentam a suspeita de doença neoplásica.

A instalação súbita do quadro, entretanto, abrange

como hematoma intraparenquimatoso decorrente de he­

esclerose múltipla, que habitualmente acomete mulheres

Para todos os casos citados deveriam ser realizados

entre 20 e 40 anos de idade. Todavia, em esclerose múltipla,

exames de imagem para descartar lesões estruturais.

o déficit é de instalação progressiva e costuma ser recorren­

Dentre eles, a tomografia computadorizada (TC) de crânio

te. O déficit anterior de curta duração, na mesma topografia

é o exame preferencial, devido ao fácil acesso e ao menor

do atual, desfavorece esse diagnóstico para a paciente.

Perda de Força Muscular - 257

Os processos infecciosos, como abscesso, encefalite

toxicológicos qualitativos ou quantitativos7.

relato de febre ou cefaleia, além de se apresentarem de

forma subaguda, em dias ou semanas. Ao exame físico, não há sinais de toxemia, rigidez de nuca ou alteração do

nível de consciência. Outra possível etiologia para os

déficits focais são os distúrbios metabólicos e eletrolíticos, como a hipo ou a hiperglicemia, e os distúrbios do sódio

e do cálcio. A glicemia capilar está dentro da normalida­ de, e as demais possibilidades podem ser descartadas

pelos exames laboratoriais.

Por fim, para todos os pacientes que cheguem ao pronto-socorro com uma doença aguda, deve-se incluir a intoxicação exógena nos diferenciais. Esta representa 5 a 10% dos atendimentos no setor de emergência; em geral,

as alterações neurológicas são monofásicas e difusas, mas, eventualmente, podem ser focais e progredir por algumas

semanas após a descontinuação do agente. Usualmente, são tentativas de suicídio ou abuso de múltiplas medica­

Admitida com a hipótese de AVC e pontuação 6 na escala de AVC dos National Institutes of Health8, sub­ mete-se à TC de crânio (Fig. 43.1) e aos exames apresentados na Tabela 43.1. A TC revela hipodensidade frontal subcortical esquerda, sem realce com de contras­ te. Em seguida, a RNM de crânio (Fig. 43.2) evidencia lesão frontoparietal com hipersinal na sequência FLAIR e restrição à difusão, caracterizando evento vascular agudo. Trata-se de um AVC isquêmico e sua investigação

etiológica depende da idade e da apresentação clínica do

paciente. Em idosos, a causa mais comum é ateroscleró­ tica. Portanto, a avaliação é dirigida para a identificação

de fatores de risco vasculares e áreas de aterosclerose significativa nas artérias cervicais e intracranianas por meio

de exames de imagem. Já nos adultos menores de 45 anos

ções em pacientes com metabolização reduzida, como

de idade, grupo em que a prevalência de AVC é de 8 a 23 por 100.000 (5 a 10% do total de AVC)9, a abordagem é

insuficiência renal ou doenças hepáticas. Apesar de vir

distinta, visto que o espectro de etiologias é mais amplo

apresentando tristeza e insônia, a paciente não tinha idea­

(Tabela 43.2) e o diagnóstico constitui, frequentemente,

ções suicidas nem fazia uso de indutores do sono ou

um desafio clínico.

antidepressivos. Além disso, seu quadro clínico geral não

A história clínica da paciente não inclui os fatores de

era compatível com nenhuma das principais síndromes

risco para as causas menos comuns de AVC, como trau­

de intoxicação, como hiperatividade adrenérgica (anfeta­

mas de crânio ou pescoço recentes, abuso de álcool ou

minas, ergotamínicos, cocaína, hormônio tireoidiano),

drogas ilícitas, distúrbios de coagulação, doença autoi­

colinérgica (organofosforados, pilocarpina, carbamatos),

mune ou evidência pessoal ou familiar de aterosclerose

anticolinérgica (tricíclicos, anti-histamínicos, antiparkin­

precoce ou cardiopatia. Entretanto, devem-se destacar em

sonianos), dissociativa (ácido lisérgico) ou de abstinência

isquemia encefálica e síndrome de Horner incompleta

(álcool, antidepressivos, hipnótico-sedativos, opioides). A

contralateral à hemiparesia, dois dos elementos da tríade

maioria das intoxicações não requer exames adicionais,

(completa com dor facial/craniana unilateral) que geram

Figura 43.1 - (A a C) Tomografia computadorizada de crânio, sem contraste, evidenciando hipodensidade frontal subcortical esquerda (seta).

CAPÍTULO 43

ou infecção aguda pelo HIV são diferenciais, mas não há

contudo, podem ser necessários exames gerais e testes

258

- Doenças do Sistema Nervoso

CAPÍTULO 43

TABELA 43.1 - Exames iniciais Exame

Resultado

Hemoglobina/hematócrito

12,5/37,4

Leucócitos

12.100

Plaquetas

215.000

Tempo de atividade de protrombina

117%

Glicemia

117

Creatinina/ureia

0,8/30

Na/K

136/3,6

Ca/Mg

8,1/2,1

Velocidade de hemossedimentação

8

Colesterol/triglicérides

153/89

Lipoproteínas de alta densidade (HDL)

38

Lipoproteínas de baixa densidade (LDL)

98

Sorologia para sífilis

Não reagente

Sorologia para HIV

Não reagente

Sorologia para vírus da hepatite C

Não reagente

Sorologia para vírus da hepatite B

Não reagente

Eletrocardiograma

Normal

Radiografia de tórax

Normal

Ca = cálcio; K = potássio; Mg = magnésio; Na = sódio

Figura 43.2 - (A a

alto grau de suspeição para dissecção da artéria carótida interna. Mesmo quando isoladas, a miose e a ptose pal­ pebral, sem anidrose (pela preservação da inervação simpática, oriunda da artéria carótida externa), são sinais de alerta sugestivos de dissecção desta artéria. Nesses casos, a investigação deve ser feita com angiorressonân­ cia nuclear magnética e ultrassonografia Doppler dos vasos cervicais11.

O estudo Doppler de carótidas evidencia redução do fluxo e da velocidade de pico sistólico (10cm/s). A angiorressonância nuclear magnética mostra dissecção da artéria carótida interna esquerda (Fig. 43.3). A paciente foi encaminhada à unidade de terapia intensiva para observação neurológica, controle de pressão arterial, glicemia e suporte fisioterápico. Logo depois, recebeu anticoagulação com heparina não fracionada endovenosa, seguida de warfarina. Evoluiu com plegia do membro superior direito, força muscu­ lar grau II no membro inferior direito e manutenção da disartria, da paralisia facial direita e da síndrome de Horner incompleta à esquerda. Recebeu alta hospitalar em uso de warfarina e sinvastatina, para seguimento ambulatorial.

F) Cortes axiais de ressonância nuclear de crânio. Nas sequências FLAIR (A e D) e mapa-ADC (C e F), hiper e hipossinal, respectivamente, na região frontal esquerda. Na sequência de difusão (B e E), restri­

ção à difusão no local da lesão.

Perda de Força Muscular - 259

TABELA 43.2 - Causas e mecanismos de acidente vascular cerebral (AVC) em jovens10 Etiologia

Trombose de grandes vasos

Trombose in situ ou embolia arterioarterial Fatores de risco: hipertensão arterial, diabetes, tabagismo, etilismo, obesidade, dislipidemia

Prótese valvar (mecânica > biológica) Estenose mitral com fibrilação atrial Trombo no átrio ou ventrículo esquerdo Arritmias, principalmente fibrilação atrial Infarto há menos de quatro semanas Cardiomiopatia dilatada e/ou insuficiência cardíaca com fração de ejeção < 35% Segmento acinético do ventrículo esquerdo Mixoma atrial Endocardite infecciosa

Cardioembólico

Lacunar (lesão < 15mm)

Outras etiologias

Lipo-hialinose de vasos perfurantes Fatores de risco: hipertensão arterial, diabetes, tabagismo, etilismo, obesidade, dislipidemia

Vasculopatias não arteriais

Dissecção arterial cervicocefálica, trauma, vasculopatia induzida por radiação, doença de Moya-Moya, displasia fibromuscular, vasculite, infarto migranoso

Coagulopatias

Primárias: deficiência de antitrombina III, deficiência de proteína C, deficiência de proteína S, mutação do fator V de Leiden, mutação do gene 20210 da protrombina; a-, dis- ou hipofibrinogenemia, deficiência de ativadores do plasminogênio, anticorpos anticardiolipina e anticoagulante lúpico

Secundárias: neoplasia, puerpério, uso de contraceptivo oral, síndrome nefrótica, policitemia vera, trombocitemia essencial, hemoglobinúria paroxística noturna, homocistinúria, anemia falciforme, púrpura trombocitopênica trombótica, quimioterapia

Etiologia indeterminada

Doenças hereditárias/miscelânea

Homocistinúria, doença de Fabry, síndrome de Marfan, síndrome de Osler-Rendu-Weber, síndrome de Ehlers-Danlos, síndrome de Susac, síndrome hipereosinofílica, angiopatia amiloide cerebral; embolia gasosa, gordurosa, de líquido amniótico e de corpos estranhos

Doenças inflamatórias ou infecciosas

Lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, doença de Behçet, infecção por HIV, HCV, HBV ou sífilis

Duas ou mais causas identificadas Investigação negativa

HBV = vírus da hepatite B; HCV = vírus da hepatite C; HIV = vírus da imunodeficiência adquirida.

Figura 43.3 - Angiorressonância nuclear magnética evidenciando: (A) ausência de fluxo na artéria carótida interna esquerda intracraniana; (B) dissecção da artéria carótida interna esquerda (seta).

CAPÍTULO 43

Mecanismo do AVC

260 -

Doenças do Sistema Nervoso

CAPÍTULO 43

DIAGNÓSTICO FINAL AVC isquêmico secundário à dissecção espontânea da artéria carótida interna.

amaurose fugaz também podem precedero AVC determi­ nado por dissecção carotídea. Apenas um quinto dos pacientes não tem sintomas prévios11.

O diagnóstico é confirmado por exames de imagem. O Doppleré capaz de confirmarde hematoma intramural e padrão anormal de fluxo em mais de 90%, mas a dis­

DISCUSSÃO

secção é detectada em menos de um terço das ocorrências.

A oclusão da artéria carótida interna por dissecção causa

axiais T1 e T2 com supressão de gordura podem confirmar

cerca de 2% de todos os AVC isquêmicos e representa até

a hipótese de dissecção espontânea de artérias carótidas

20% dos AVC em jovens. A dissecção pode ser traumá­

tica, iatrogênica ou espontânea, esta representando a

e vertebrais (DEACV). Com a angiorressonância nuclear magnética, a sensibilidade e a especificidade são, respec­

maioria dos casos. Dentre os possíveis fatores relaciona­

tivamente, de 95% e 99%. A angiografia ainda mantém

dos à sua ocorrência está o defeito estrutural da parede

sua importância nos casos duvidosos, principalmente para

arterial, exemplificado pelas doenças do colágeno here­

eventual terapêutica endovascular A estenose arterial,

ditárias (síndromes de Ehlers-Danlos tipo IV e Marfan,

tipicamente irregular a cerca de 2 a 3cm distais ao bulbo

doença renal policística autossômica dominante e osteo­

carotídeo, é o padrão típico das dissecções. A oclusão é

gênese imperfeita tipo I). No entanto, essas doenças só

foram identificadas em 1 a 5% dos pacientes que apre­

um padrão comum na fase aguda, apresentando-se seme­ lhante à chama de vela, como visto no caso apresentado12.

sentaram dissecção espontânea. Outros possíveis fatores

Como é uma situação incomum, não há trabalhos

são o tabagismo, a hipertensão, a hemicrania e o uso de

randomizados duplo-cegos que definam o tratamento da

contraceptivos orais, mas sua relação causal não foi esta­

DEACV, este permanecendo embasado em trabalhos re­

belecida definitivamente12.

trospectivos e opinião de especialistas. O estado neuroló­

O quadro clínico pode simular o acometimento de outros territórios vasculares, pelo que é fundamental

considerá-la como diagnóstico diferencial no contexto de isquemia de qualquer território arterial cerebral. Como os

segmentos extracranianos das artérias carótida e vertebral são mais suscetíveis à dissecção do que os intracranianos

ou as artérias extracranianas de tamanho similar há des­ crição de casos associados a diversas situações tidas como precipitantes, como movimentos de rotação e hiperexten­ são súbitos da cabeça, vômito, tosse, pintura de teto, atividade sexual e prática de esportes, entre outros que podem causar estiramento arterial11. O paciente pode

permanecer assintomático ou apresentar déficit imediato,

algumas horas, ou até dias após a dissecção, devido ao tipo de lesão arterial e ao grau de circulação colateral.

Cefaleia hemicraniana ou dor facial unilateral aparecem

em até 80% dos casos; geralmente é gradual, mas pode ser súbita, mimetizando HSA, e costuma ser a manifes­

tação inicial, precedendo em até quatro dias o apareci­

mento do déficit neurológico. Miose e ptose ipsilaterais à dissecção são comuns e paralisia de nervos cranianos,

particularmente do hipoglosso, pode ser encontrada em

cerca de 12% dos casos. Sintomas isquêmicos retinianos

ou cerebrais, atribuíveis ao comprometimento hemodinâ­ mico secundário à estenose, oclusão luminal ou embolia

A RNM evidencia lesões sugestivas de isquemia e cortes

gico do paciente, as lesões associadas e a propedêutica

de imagem são fatores importantes a considerar na deci­

são terapêutica. O tratamento na fase aguda segue as mesmas recomendações para o AVC isquêmico. Antico­

agulação por três a seis meses é recomendada para todos os pacientes, com a finalidade de prevenir complicações

tromboembólicas, exceto para aqueles com traumatismo

cranioencefálico grave, hemorragia intracraniana, extensão

intracraniana da dissecção ou outras lesões sistêmicas com

potencial de sangramento. Um exame de imagem vascu­ lar deve ser repetido após seis meses de anticoagulação

para comprovara recanalização. A maioria resolve-se

espontaneamente nesse período e a anticoagulação pode ser substituída por medicação antiagregante. O tratamen­ to cirúrgico ou endovascular deve ser reservado para os

pacientes com sintomas isquêmicos persistentes apesar da anticoagulação9.

O prognóstico depende da gravidade do evento isquê­ mico inicial e da extensão da circulação colateral. A mortalidade é menor do que 5%, e cerca de três quartos têm boa recuperação. Raramente há recorrência de dis­ secção na mesma artéria. Apesar dos avanços no diagnós­ tico, ainda permanecem dúvidas quanto ao melhor trata­ mento e ao prognóstico para esses casos. Em razão da maior ocorrência de DEACV em jovens

arterioarterial ocorrem em 50 a 95%. Assim como em

e, portanto, do impacto socioeconômico a ela relacionado, é importante que neurologistas, emergencistas e clínicos

estenose carotídea por doença aterosclerótica, AIT e

de diferentes especialidades estejam familiarizados com

Perda de Força Muscular - 261

REFERÊNCIAS 1.

2. 3.

4. 5.

BILLER, J.; LOVE, B. B. Vasculardiseases of the nervous system. In: BRADLEY, W. G.; DAROFF, R. B.; FENICHEL, G. M.; JANKOVIC, J. (eds.). Nardcg' inCliricáPracticePhiladelphia: Elsevier 2004, 4. ed., p. 1197-1298. JOHNSTON, S. C. Tiansient ischemic attack. N. EqçJ. J. Mel., 2002, v. 347, n. 21, p. 1687-1692. NEGREIROS, D. P. et al. Afasia global sem hemiparesia: AVC ou transtorno conversivo? Rev. Psq. CMn, v. 34, n. 1, p. 23-27,2007. KAY, J.; TASMAN, A.; LIEBERMAN, J. Psqurfria ciêria ccnpcrtanetdefirdanelrsclíriccsSão Paulo: Manole, 2002. NIGHTINGALE, A. L; FARMER, R. D. T. Ischemic stroke in young women - a nested case-control study using the UK gene­ ral practice research database. Strcka v. 35, p. 1574-1578,2004.

6. 7.

8.

KELLINGHAUS, C.; KOTAGAL, P. Lateralizing value of Todds palsy in patients with epilepsy. Nardcg', v. 62, p. 289-291,2004. MARTINS, H. S. Abordagem inicial das intoxicações exógenas agudas. In: Eme^riasclíricas São Paulo: Manole, 3. ed., 2007. NATIONALINSTITUTES OF HEALTH. NIH strckescáe The

Internet Stroke Center Disponível em: http://www.ninds.nih.gov/ doctors/NIH_Stroke_Scale.pdf. 9. CARDOSO, T.; FONSECA, T; COSTA, M. Acidente vascular cerebral no adulto jovem. ActaMéd. Pcrt, v. 16, p. 239-244,2003. 10. KOLOMINSKY-RABAS, P. L. Epidemiology of ischemic stroke

subtypes according to TOAST criteria. Strcke v. 32, p. 27352740, 2001. 11. PIERI, A. I) is«çã)e^)(itâxíidas crtúias ccrcridas evíT (Sí tdrrás aqratisclíriccsederELrciiiaÊpii. 2006. Universi­ dade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina, São

Paulo, 2006. 12. SCHIEVINK, W. I. Spontaneous dissection of the carotid and vertebral arteries. N. ErgJ. J. Med., v. 344, n. 12, p. 898-906, 2001.

CAPÍTULO 43

seu quadro clínico e diagnósticos diferenciais; o reconhe­ cimento precoce de um AIT pode colaborar para a mu­ dança na história natural da doença.

___________________________________

CAPÍTULO

4

Desequilíbrio Renata Amaral Andrade • José Luiz Pedroso

Homem branco de 22 anos de idade se apresentou em serviço de pronto atendimento com dificuldade para deambularhá quatro meses. Refere início insidioso e progressivo dos sintomas com piora significativa há um mês. O paciente tem tontura rotatória, com sensa­ ção de movimentação dos objetos ao redor.Queixa-se também de desequilíbrio, com traumas frequentes, pois vinha se chocando com os objetos ao andar pela casa. Relata tendência de queda para os lados, como se es­ tivesse sendo empurrado ou jogado, com dificuldades para deambularem linha reta. O paciente também se queixa de cefaleia de leve intensidade, iniciada há dois meses, com piora progressiva. Durante esse período, não fez uso de qualquer medicação ou procurou assis­ tência médica.

O paciente tem como queixa principal uma sensação de desequilíbrio e dificuldade para deambular.Na abordagem inicial a este caso, é necessário caracterizar com clareza os sintomas apresentados. Certamente, estamos diante de um transtorno da marcha, que pode ser mais bem carac­

terizado pelo exame físico. Transtornos da marcha podem ser provocados por doenças do sistema nervoso central (encéfalo, medula e cerebelo), dos nervos periféricos, musculares (miopatias), doenças osteomusculares (como osteoartrose, por exemplo),

distúrbios metabólicos ou mesmo por problemas psicogê­ nicos. Torna-se fundamental, nesse momento, observara postura do paciente, a atitude e a postura dominantes do tronco e dos membros, presença de deformidades ósseas, movimentação e função articulares (Tabela 44.1).

O paciente relata sintomas constantes de desequilíbrio, com início insidioso e curso progressivo, acompanhados de tontura com características vertiginosas. Atenção especial deve ser dada para as doenças cerebelares e vestibulares.

Exame físico geral inteiramente normal. Ao exame neurológico, significativo nistagmo multidirecional, marcha atáxica (alargamento importante da base de sustentação) com tendência à queda para a direita, dis­ metria e disdiadococinesia à direita. Não há outros déficits neurológicos. O exame de fundo de olho reve­ lou edema de papila óptica bilateralmente.

O paciente apresenta uma síndrome cerebelar clássica, caracterizada por ataxia, dismetria, disdiadococinesia e nistagmo multidirecional. Cefaleia e papiledema associa­ dos ao quadro clínico permite-nos caracterizar também uma síndrome de hipertensão intracraniana. As síndromes cerebelares podem ter inúmeras etiolo­ gias, que devem ser preferencialmente divididas em ad­ quiridas e hereditárias (Tabela 44.2). Doenças desmielinizantes como esclerose múltipla e acidente vascular cerebral não se caracterizam como hipóteses prováveis no caso em questão devido ao padrão agudo de instalação encontrado nessas doenças. Apesardis­ so, algumas doenças desmielinizantes possuem caráter progressivo, como a forma primariamente progressiva da esclerose múltipla. As ataxias espinocerebelares são doenças hereditárias com padrão dominante de herança genética. Podem se manifestar somente com ataxia progressiva ou com uma enorme variedade de sintomas. A ausência de história familiare a presença de sinais de hipertensão intracrania­ na tomam a hipótese de ataxia espinocerebelar imprová­ vel. As ataxias recessivas são improváveis devido à ine­ xistências de outros achados como malformações ósseas, neuropatias e alterações oculares. Ataxias podem ser causadas por agentes tóxicos incluin­ do álcool, mercúrio, chumbo, solventes e pesticidas. No entanto, não há referência de exposição a esses agentes.

Desequilíbrio - 263

TABELA 44.1 - Subtipos de marcha Doenças características

Marcha cerebelar ou atáxica

Base de sustentação alargada e aspecto cambaleante. Presença de outros sinais cerebelares: dismetria, disdiadococinesia, nistagmo e reflexos pendulares

Ataxias hereditárias; lesões cerebelares de qualquer natureza: vascular, neoplásica, infecciosa, tóxica

Marcha parkinsoniana

Postura de flexão geral, diminuição do balanço dos braços, passos curtos, festinação, bradicinesia, rigidez em roda denteada, tremor de repouso e hipomimia

Doença de Parkinson, parkinsonismos atípicos, parkinsonismo induzido por fármacos, parkinsonismo vascular

Marcha miopática ou anserina

Movimento amplo da pelve, com oscilações da bacia e hiperlordose lombar; sinal de Gowers (levantar miopático, escápula alada)

Miopatias (congênitas e adquiridas), distrofias musculares, algumas neuropatias

Marcha em tesoura

Lenta e rígida, com passadas regulares e curtas, coxas aduzidas, pernas esticadas ou ligeiramente flexionadas; sinais de liberação piramidal (hiper-reflexia, reflexo plantar em extensão e espasticidade)

Paraparesia espástica tropical; paraparesia espástica hereditária; lesões medulares; paralisia cerebral

Marcha hemiparética ou ceifante

Perna acometida em extensão, circundação, perda de oscilação normal do braço; sinais de liberação piramidal (hiper-reflexia, reflexo plantar em extensão e espasticidade)

Acidente vascular cerebral, neoplasias, sequelas de trauma craniano ou neurocirurgias

Marcha talonante

O paciente caminha olhando para o chão, com passos desordenados, com elevação demasiada da perna, toca bruscamente o solo com os calcanhares; perda proprioceptiva (sensibilidades vibratória e cinético-postural reduzidas ou abolidas); sinal de Romberg

Síndrome cordonal posterior: deficiência de vitamina B12, neurossífilis, HTLV e HIV, causas compressivas

Marcha escarvante

Flexão acentuada da coxa, com elevação demasiada da perna e queda do pé

Neuropatias acometendo o nervo fibular

Marcha coreica

Passos irregulares, com movimentos involuntários, arrítmicos e bruscos dos membros; movimentos coreiformes ao exame neurológico

Coreia de Huntington; coreia de Sydenham; lesões em núcleos da base (acidente vascular cerebral, neurotoxoplasmose)

HIV = vírus da imunodeficiência humana; HTLV = vírus linfotrófico T humano.

QUADRO 44.1 - Diagnóstico diferencial da síndrome cerebelar • Ataxias hereditárias - Ataxias espinocerebelares - Ataxias recessivas • Ataxias adquiridas - Lesões estruturais (neoplasias primárias, metástases, malformações arteriais e venosas, fístulas) - Doença cerebrovascular - Doenças infecciosas e cerebelites - Drogas (antiepilépticos, benzodiazepínicos, lítio, ciclosporina, metronidazol, nitrofurantoína, procainamida) - Exposição a metais pesados (chumbo, mercúrio), pesticidas e solventes - Endocrinopatia (hipotireoidismo) - Má absorção (doença celíaca, deficiência de vitamina E, abetaliproteinemia) - Síndromes paraneoplásicas - Doenças desmielinizantes

sugere uma lesão expansiva em fossa posterior como pro­ vável etiologia do quadro clínico. Nesse momento, é fun­

damental um exame de imagem do sistema nervoso central.

O paciente é submetido à tomografia computado­ rizada de crânio que evidenciou lesão hipodensa acometendo vérmis cerebelar e hemisfério cerebelar direito, além de dilatação de ventrículos laterais e ter­ ceiro ventrículo (hidrocefalia) (Fig. 44.1).

A imagem é compatível com uma lesão neoplásica de

fossa posterior e cerebelo, comprimindo o quarto ventrí­ culo e cursando com hidrocefalia obstrutiva, devido à

interrupção do fluxo liquórico. A síndrome cerebelar é

facilmente explicada pela lesão expansiva, ao passo que a hidrocefalia justifica os sinais de hipertensão intracraniana. Algumas drogas também estão relacionadas ao surgi­

mento de síndromes cerebelares: carbamazepina, fenitoína, ácido valproico, agentes quimioterápicos, drogas sedativas, lítio, antidepressivos, amiodarona, ciclosporina, isoniazida,

metronidazol, nitrofurantoína e procainamida. Não há relatos de uso de medicações para justificar os sintomas.

O paciente evoluiu com sinais e sintomas de hiperten­ são intracraniana, além das alterações cerebelares, o que

Em ressonância nuclear magnética (RNM) de en­ céfalo (Fig. 44.2) evidenciam-se lesões nodulares sólidas com hipersinal, aspecto infiltrativo, localizadas em fossa posteriorà direita, envolvendo cerebelo. Essas lesões causam importante efeito de massa local, notan­ do-se nítido rechaço e compressão do IV ventrículo, caracterizando-se por focos de hipossinal em T1 e hi­ persinal em T2, com realce anelar perilesional.

CAPÍTULO 44

Características e sinais ao exame físico

Transtorno da marcha

Doenças do Sistema Nervoso

CAPÍTULO 44

264 -

Figura 44.1 - (A e B) Tomografia computadorizada de crânio, evidenciando lesão hipodensa em fossa posterior, com compressão de quarto ventrículo e hidrocefalia obstrutiva.

As lesões exibidas em RNM levantam a hipótese

riza por hemangioblastomas capilares do sistema nervoso

diagnóstica de doença neoplásica, o que é compatível com

central e/ou retina, carcinoma de células renais, feocro­

a história clínica de déficits neurológicos progressivos e

mocitoma e cistos viscerais, o que não é descrito no

presença de hidrocefalia obstrutiva.

quadro clínico, no exame físico e na investigação diag­

Neoplasias primárias de fossa posterior são mais co­

nóstica do paciente.

muns na infância. Nessa localização podem serencontra­

Astrocitomas cerebelares são tumores que se originam

das lesões benignas, como tumores dermoides e papilomas

mais comumente de hemisférios cerebelares laterais, com

do plexo coroide, ou malignas, como os astrocitomas,

pico de incidência na segunda década de vida. Podem se

meduloblastomas e ependimomas. Podem ser encontradas

apresentar à RNM com imagem cística ou sólida e cons­

também lesões metastáticas, que apresentam como locais

tituem também hipótese diagnóstica compatível com o

primários mais frequentes: pulmão, mama, rim, cólon e

caso apresentado.

pele (melanoma). Ependimomas são tumores gliais com pico de incidên­

cia aos cinco anos de idade e, em adultos, 75% acometem medula espinhal. Em RNM surgem como lesão bem de­

marcada, são frequentes áreas císticas e de calcificação e apresentam como local mais comum infratentorial o quar­ to ventrículo. Devido a essas características, não se toma

a hipótese mais provável no caso apresentado.

Meduloblastoma é o tumor de sistema nervoso central

mais comum na infância e até 70% das vezes são diagnos­ ticados até os 20 anos de idade. É um tumorparamediano que frequentemente comprime o quarto ventrículo; em

adultos acomete mais os hemisférios cerebelares, mostrando descrição compatível com imagem de RNM do paciente.

Hemangioblastomas representam cerca de 7% de tu­

mores encontrados na força posterior e podem estar as­ sociados à doença de von Hippel-Lindau, que se caracte­

O paciente evolui com piora significativa da cefaleia e rebaixamento do nível de consciência; submetido à derivação ventricular peritoneal, sem intercorrências. Submetido em três dias à craniectomia de fossa poste­ rior com exérese microcirúrgica subtotal da lesão expansiva, aproximadamente a totalidade do hemisfério cerebelar direito, sangrante, de coloração violácea, infiltrativa, com ressecção interrompida em locais de infiltração do tronco cerebral. Fragmentos da lesão de 2,7cm × 2,5cm × 1,4cm foram submetidos a exame anatomopatológico, que evidenciou: em macroscopia, material de coloração acastanhada de superfície finamente granulosa e con­ sistência firme e elástica, e em exame microscópico, quadro histológico correspondente a astrocitoma ana­ plásico (grau III), diagnóstico confirmado por imuno-histoquímica.

Desequilíbrio - 265

CAPÍTULO 44

Figura 44.2 -

(A a C) Ressonância nuclear magnética de encéfalo.

DIAGNÓSTICO Astrocitoma anaplásico.

DISCUSSÃO A incidência de tumores no sistema nervoso central apre­ senta importante variação com a idade e com o tipo his­

tológico. Em adultos, gliomas malignos, em particular o astrocitoma, são responsáveis por cerca de 50% dos casos

sicos mostram-se como lesões hipertensas à RNM, po­ dendo haver componentes císticos e sólidos, e com real­ ce pelo contraste. A sobrevida mediana para pacientes com astrocitoma anaplásico é de 36 meses e o principal fator prognóstico está o grau de ressecção cirúrgica. Devido à natureza

infiltrativa dos gliomas malignos, mesmo uma ressecção total é associada com inevitável recorrência do tumor. A recomendação atual para o tratamento é a ressecção cirúrgica, seguida de radioterapia adjuvante com a adição de quimioterapia, em alguns casos.

e sua localização costuma seré supratentorial.

Os astrocitomas cerebelares representam 30 a 40%

dos tumores da fossa posterior e devem ser suspeitados em adultos jovens com a apresentação de uma síndrome cerebelar. Em geral, sintomas de incoordenação e dificul­

dade à marcha, com déficits progressivos, podem estar

presentes há meses e por ocasião do diagnóstico comu­

mente já há evidências de hipertensão intracraniana, como relatado.

Pacientes com astrocitomas de baixo grau podem exibir sintomas como crises convulsivas, durante anos,

sem estudo diagnóstico. Esse tipo de tumor costuma aparecer como lesões hipointensas à RNM, geralmente

homogêneos e bem delimitados. Os astrocitomas anaplá­

BIBLIOGRAFIA AMERICAN SOCIETY FOR THE THERAPEUTIC RADIOLOGY AND ONCOLOGY. 4311 Arriei Meetirgcf tiheAmβ-icaa Sαiety fcr tliOTnípiiíic Radidcg' íiú Oirdcg', 2004. BRUCE, E.; MAAT-KIEVIT, J. A.; VAN SWIETEN, J. C. Diagnosis and management of early - and late-onset cerebellarataxia. Clin GíTEt, V. 71, p. 12-14, 2007. CAMPBELL, W. Marcha e postura. In: CAMPBELL, W. Dgcrg o «anenardc^co Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007, p. 440-446. KIERAN, M. W. Epeilyinαna Disponível em: www.uptodate.com. MICHAUD, D.; et al. Iirjderecf p rim ay brantuncrs Disponí­ vel em: www.uptodate.com. ROWLAND, L. P. Mβrit- Tr ítalo de Nardc^a 10. ed. São Paulo: Manole, 2002.

___________________________________

CAPÍTULO

45

Movimentos Anormais Catarine Teles Farias Britto • Allan Valadão de Oliveira Britto

Homem, 50 anos de idade, aposentado, analfabeto, natural do nordeste do Brasil, é levado pela família para assistência médica com queixa de movimentos anormais há quatro anos. Refere movimentos involuntários, irre­ gulares, abruptos de membros superiores e inferiores com progressão gradual durante esse período. A famí­ lia relata ainda alteração do comportamento caracterizada por irritabilidade e agressividade e também disfagia para sólidos e líquidos, sem história de pirose, dorto­ rácica, perda ponderal ou ingestão de agentes cáusticos.

QUADRO 45.1 - Movimentos anormais mais comuns • • • • • • • • •

Asterixe Atetose Bradicinesia Coreia Distonia Hemibalismo Mioclonia Tiques Tremores (repouso, postural, de intenção)

A primeira etapa na avaliação do distúrbio de movimento

Coreia faz parte do quadro clínico de diversas doenças,

é classificá-lo em hipercinético ou hipocinético. Os distúr­ bios hipercinéticos dividem-se em rítmicos e irregulares.

podendo estar associada a desordens genéticas (doença de Huntington, neuroacantocitose, síndrome de MacLeod, atrofia dentatorrubral-palidoluisiana, coreia hereditária

Os movimentos involuntários irregulares são ainda carac­

terizados de acordo com velocidade e localização e pelo fato de poderem ou não ser suprimidos voluntariamente, podendo caracterizaratetose, distonia, tiques, hemibalismo, coreia ou mioclonia. Coreia consiste em movimento espon­ tâneo, irregular, abrupto e de localização aleatória. Coreia de início agudo ou subagudo deve-se às etiologias tóxicas, como doses excessivas de levodopa ou dopamina, neuro­ lépticos, contraceptivos orais, gravidez, hipertireoidismo

ou síndrome do anticorpo antifosfolipídio. Por outro lado, coreia de início gradual é típica das doenças neurológicas

degenerativas (Quadro 45.1).

O paciente refere etilismo esporádico e nega taba­ gismo. Não usa medicamentos regularmente nem houve exposição prévia a neurolépticos. Uma irmã, cuja causa mortis era desconhecida pela família, apresenta­ ra movimentos anormais semelhantes. Outra irmã de 42 anos também apresenta movimentos anormais há um ano. Ambos foram caracterizados como portadores de coreia pela descrição dos familiares.

benigna, doença de Wilson), doenças sistêmicas (lúpus eritematoso sistêmico, síndrome do anticorpo antifosfo­ lipídio, tireotoxicose, policitemia vera, estado hiperosmo­ lar hiperglicêmico não cetótico, síndrome da imunodefi­ ciência adquirida, paraneoplásica), uso de drogas (neurolé­

pticos, contraceptivos orais, fenitoína, doses excessivas de levodopa e agonistas dopaminérgicos, cocaína), tumor,

infarto, malformação vascular, gravidez e estado pós-in­ feccioso (coreia de Sydenham, encefalite por Herpes sim­ plex). História familiar de coreia direciona a investigação para os diagnósticos diferenciais de causas genéticas (Quadro 45.2).

O paciente encontra-se em bom estado geral, com temperatura de 36,5°C, frequência cardíaca de 84bpm, frequência respiratória de 18irpm e pressão arterial de 130 × 80mmHg. O exame físico de pele, aparelho cardiovas­ cular, aparelho respiratório e abdominal não revela anormalidades. Ao exame neurológico, apresentava-se alerta, com déficit de atenção, comprometimento da

Movimentos Anormais - 267

superiores. Não mostra alteração de tônus e força mus­ culare dos reflexos profundos e superficiais. Ausência de anormalidades ao exame da sensibilidade e dos nervos cranianos. Escore do miniexame do estado mental de 6/30, sendo o paciente analfabeto.

QUADRO 45.2 - Causas hereditárias e adquiridas de coreia

O exame físico do paciente apoia diagnóstico de coreia.

• Causas hereditárias - Doença de Huntington - Neuroacantocitose - Síndrome de MacLeod - Atrofia dentatorrubral-palidoluisiana - Coreia hereditária benigna - Ataxia espinocerebelar tipos 1, 2 e 17 - Desordens mitocondriais - Doença priônica hereditária incluindo doença Huntington-like tipo 1 - Doença Huntington-liketipo 2 - Doença Huntington-like tipo 3 - Doença de Wilson - Ataxia de Friedreich - Neurodegeneração com acúmulo cerebral de ferro - Ataxia-telangiectasia - Neuroferritinopatia - Desordens de estoque lisossomal - Desordens de aminoácidos - Esclerose tuberosa • Causas adquiridas - Patologia estriatal focal (infarto, lesão ocupadora de espaço) - Induzida por drogas (neurolépticos, contraceptivos orais, fenitoína, doses excessivas de levodopa e agonistas dopaminérgicos, cocaína) - Coreia gravídica - Tireotoxicose - Lúpus eritematoso sistêmico/síndrome do anticorpo antifosfolipídio - Pós-infecciosa (coreia de Sydenham, distúrbios pediátricos neuropsiquiátricos autoimunes associados a infecções estreptocócicas [PANDAS], encefalite por Herpes simplex) - Policitemia vera - Infecciosa (AIDS, variante da doença de Creutzfeldt-Jakob)

A ausência de sinais de outras doenças sistêmicas e do

uso de medicamentos reduz a possibilidade de essas etio­

logias serem responsáveis pelo quadro clínico e, mais uma vez, nos induz a investigar desordens genéticas que cursam com coreia de início gradual, demência e alteração do

comportamento. A doença de Alzheimer, principal causa de demência nos países ocidentais, é improvável, uma vez que se caracteriza essencialmente por demência lentamente

progressiva que evolui ao longo de vários anos e as altera­

ções motoras apresentadas pelos pacientes consistem em marcha arrastada, rigidez muscular generalizada associada à lentidão e inadequação do movimento. Da mesma forma, a progressão gradual e não escalonada da demência torna

menos provável o diagnóstico de demência vascular. Paciente internado para investigação. Não há alte­ ração dos níveis de hemoglobina, leucócitos, plaquetas, glicemia, hormônio tireoestimulante, tiroxina livre e ceruloplasmina. Apresenta sorologias negativas para hepatites B e C e para o vírus da imunodeficiência humana (HIV). A tomografia computadorizada de crânio e a ressonância nuclear magnética demonstram atrofia cortical difusa, aumento dos ventrículos laterais e atrofia do núcleo caudado e do putâmen (Fig. 45.1).

Figura 45.1 - Cortes transversais do crânio ao nível dos núcleos da base por tomografia computadorizada (A) e ressonância nuclear magnética ponderada em T2 (B) e FLAIR (C), sem a infusão endovenosa do meio de contras­ te iodado ou paramagnético, demonstram: acentuada atrofia e hipersinal em T2 e FLAIR dos núcleos estriados (cabeça do núcleo caudado e putâmen), sinais de redução volumétrica encefálica difusa, caracterizados por acen­ tuação dos sulcos corticais, fissuras cerebrais e cisternas basais, além de dilatação compensatória do sistema ventricular supratentorial e abaulamento dos cornos anteriores dos ventrículos laterais.

CAPÍTULO 45

memória, déficit cognitivo, disartria e estado afetivo instável. Apresenta marcha dançante (coreica), prova de Romberg negativa, movimentos descoordenados, abrup­ tos e arrítmicos em segmento cefálico e membros

CAPÍTULO 45

268 -

Doenças do Sistema Nervoso

QUADRO 45.3 - Exames laboratoriais a serem considerados na investigação de coreia • • • • • • •

• • • • • •

Hemograma (policitemia) Esfregaço do sangue periférico (neuroacantocitose) Testes de função tireoidiana (tireotoxicose) Teste de gravidez (coreia gravídica do primeiro trimestre) Sorologia de HIV (AIDS) Fator antinuclear, anti-DNA (lúpus eritematoso sistêmico) Anticardiolipina e anticoagulante lúpico (síndrome do anticorpo antifosfolipídio) Antiestreptolisina O (coreia de Sydenham, pós-infecciosa) Ceruloplasmina, cobre urinário (doença de Wilson) Anticorpos antinúcleos da base (coreia pós-infecciosa, gravídica e induzida por contraceptivos orais) Punção liquórica (causas neoplásicas e inflamatórias) Biópsia muscular (doença mitocondrial) Ressonância nuclear magnética (doenças priônicas, acidente vascular cerebral ou outras doenças focais dos núcleos da base, distúrbios com acúmulo de ferro, doença de Wilson)

velmente consistia em uma forma de coreia histérica que ocorria no contexto do fervor religioso e supersticioso.

Thomas Sydenham (1624-1689), ao estudara dança de São Vito, identificou uma forma de coreia infantil que

agora recebe seu nome. A coreia pode ser hereditária ou adquirida (ver Quadro 45.2).

Em 1872, George Huntington (1850-1916) descreveu uma coreia com início na vida adulta e associada a ma­

nifestações cognitivas e psiquiátricas, que ficou conheci­ da como doença de Huntington, a forma hereditária mais comum de coreia.

A doença de Huntington é um distúrbio cerebral ge­ nético degenerativo autossômico dominante, cuja preva­

lência é de 4 a 10/100.000 nas populações da Europa ocidental. Inicia-se, em média, em torno dos 40 anos de idade, apesar de já ter sido descrita tanto em idades mais

Os exames laboratoriais iniciais arguem contra doen­

ças sistêmicas. A continuação da investigação deveria, então, incluir exames de imagem. Os exames de imagem corroboram o quadro de demência do paciente, afastando

neoplasias cerebrais primárias ou secundárias, infartos,

doença difusa da substância branca, hidrocefalia normo­ bárica e atrofia do hipocampo. A investigação visando à principal causa genética de coreia, a doença de Huntington, deveria então prosseguir (Quadro 45.3). Após esclarecimentos quanto à importância e às consequências do exame genético e consentimento do paciente e da família, faz-se exame de DNA, que cons­ tata 40 repetições CAG no gene IT15, correspondente à doença de Huntington. Inicia-se tratamento sintomá­ tico com haloperidol e explica-se à família a origem genética da doença.

precoces como em mais avançadas. As duas características clínicas da doença de Hunting­

ton são coreia e distúrbios do comportamento. Inicialmen­ te, muitos pacientes apresentam problemas psiquiátricos

ou sintomas cognitivos antes das alterações motoras. Sin­ tomas psiquiátricos são comuns, particularmente depressão, ansiedade, irritabilidade e agressividade. Podem ocorrer

delírios e comportamento obsessivo-compulsivo. Suicídio e tentativa de suicídio são cerca de quatro vezes mais co­

muns do que na população geral, sendo que suicídio é a causa mortis de cerca de 5% dos pacientes. A função exe­

cutiva é afetada com pobreza de planejamento e julgamen­ to, comportamento impulsivo, desorganização e dificulda­

de em lidar com múltiplas tarefas e em manter a atenção e a concentração. Muitos pacientes exibem lentificação

psicomotora com apatia, ausência de autocuidado e perda

de iniciativa. A coreia pode iniciar-se como uma inquietu­ de sutil, passando despercebida pelo paciente e pelos fa­

O defeito genético na doença de Huntington consiste

miliares. Entretanto, com a progressão, o distúrbio do

na expansão das repetições do trinucleotídeo CAG, codi­

movimento torna-se incapacitante. Ocorrem abalos e mo­

ficando repetições da poliglutamina dentro da proteína

vimentos frequentes, irregulares e bruscos de todos os

huntingtina.

membros ou do tronco. Pode haver ainda acentuação de caretas, gemidos e alteração da articulação das palavras. A

DIAGNÓSTICO FINAL

marcha fica desarticulada e incoordenada e tem caracterís­

tica dançante (coreica). Disartria e disfagia são comuns. Após 10 a 15 anos, a maioria dos pacientes atinge um estado ve­

Doença de Huntington.

getativo. A doença de Huntington juvenil associa-se a maior

gravidade e menor expectativa de vida.

DISCUSSÃO O termo coreia foi originado do grego khoreía, signifi­

A doença de Huntington acomete predominantemente o estriado. Há atrofia dos núcleos caudados e putâmen,

em estudos de neuroimagem, nos estágios intermediário

cando uma dança. Foi usado inicialmente no meio médi­

e avançado da doença. Pode-se observar também atrofia cortical mais difusa em doença avançada.

co pelo alquimista Paracelsus (1493-1541), para descrever

As alterações bioquímicas da doença estão começan­

a coreia de São Vito (dança de São Vito), a qual prova­

do a ser esclarecidas. Em alguns estudos tem sido notada

Movimentos Anormais - 269

alteração do metabolismo da glicose no núcleo caudado,

mentos anormais da doença de Huntington representam

uma hipersensibilidade dos receptores dopaminérgicos do

estriado. Há distúrbios do metabolismo de outros neuro­

transmissores (norepinefrina, ácido glutâmico descarbo­ xilase, colina-acetiltransferase, ácido gama-aminobutírico

[GABA], acetilcolina, somatostatina), entretanto, seu

significado é desconhecido. Do ponto de vista molecular, a patogênese da doença é consequência direta, mas pou­

co elucidada, da expansão da região de poliglutamina da huntingtina (proteína codificada pelo gene da doença de

Huntington - IT15 - localizado no cromossomo 4p). A

expansão das repetições no DNA é a base para exame de sangue diagnóstico para o gene da doença. Pessoas com

38 ou mais repetições CAG no gene da doença de Hun­ tington herdaram a mutação patológica e terminarão por desenvolver sintomas, se viverem até uma idade avançada.

Devido à inexistência de terapia efetiva que previna a progressão da doença de Huntington, medicamentos sin­

tomáticos constituem sua base terapêutica. Assim, diver­ sas classes de drogas têm sido usadas para controle de seus sintomas, incluindo neurolépticos típicos e atípicos,

depletores dopaminérgicos, antidepressivos, antiglutama­ térgicos, agonistas GABAérgicos, antiepilépticos, inibi­ dores da acetilcolinesterase e toxina botulínica. Recentemen­

BIBLIOGRAFIA ADAM, O. R.; JANKOVIC, J. Symptomatic treatment of Huntington disease. NmciLn'q>αJics v. 5, p. 181-97, 2008. DORMONT, D.; SEIDENWURM, D. J. Dementia and movement disoiders. Am. J. Radkl, v. 29, p. 204-6, 2008. KASPER, D. L.; BRAUNWALD, E.; HAUSER, S.; LONGO, D.; JAMESON, J. L.; FAUCI, A. S. Hariscrisprirriplesd' irta1rdmedicirE 16. ed. New York: McGraw-Hill Professional, 2004. MARTIN, J. B. Molecularbasis of the neurodegenerative disoideis. N. Erg. J. Med., v. 340, p. 1970-80, 1999. PANEGYRES, P. K.; MCGRATH, F. Huntington disease in indigenous Austialians. IrtenMβd. J., v. 38, p. 130-2, 2008. ROPPER, A. H.; BROWN, R. H. Adansad VKtasprirrçksd nardcg'. 8. ed. New Yoik: McGraw-Hill Professional, 2005. WILD, E. I; TABRIZI, S. J. The diffeiential diagnosis of chorea. Pract Neu-d., v. 7, p. 360-73, 2007.

CAPÍTULO 45

precedendo sua atrofia. Tem-se postulado que os movi­

te, técnicas cirúrgicas incluindo palidotomia, estimulação cerebral profunda e transplante de células fetais têm sido usadas como tratamento sintomático. A terapia seleciona­ da deve ser adaptada de acordo com as necessidades de cada paciente, minimizando os potenciais efeitos adversos. No caso em questão, o paciente apresentava quadro clínico de coreia e alteração do comportamento. A histó­ ria familiar de coreia orientou a investigação diagnóstica para causas hereditárias. Entretanto, só após a exclusão de doenças sistêmicas e causas adquiridas de coreia de­ veria ser considerado o seguimento para confirmação da doença de Huntington.

___________________________________

CAPÍTULO

Cefaleia e Febre Luciane Francisca Fernandes Botelho • Anderson Rodrigues Brandão de Paiva • José Luiz Pedroso A medicina, antes de mais nada, é conhecimento humano.

Pedro Nava

Homem branco de 31 anos de idade, natural e pro­ cedente de São Paulo, casado, com segundo grau completo, taxista, dá entrada no pronto-socorro com queixa de cefaleia progressiva holocraniana há 15 dias. Relata dor em aperto, sem fatores de melhora ou piora, sem alívio com medicação e intensidade moderada. Apresenta ainda febre diária, variando entre 37,6oC e 38,2°C. Nega fonofobia, fotofobia, náuseas, vômitos, viagens recentes ou outros sintomas associados, exceto perda ponderal de cerca de 5kg em um mês.

Estamos diante de um homem jovem que procura o pronto-socorro por cefaleia, situação extremamente corri­ queira para quem trabalha em setores de urgência e para a qual devemos estar bem preparados. Uma abordagem me­ tódica de tal queixa evita erros diagnósticos grosseiros, gastos desnecessários com exames complementares sem indicação, iatrogenias e negligências. Num paciente com

cefaleia, devemos sempre buscar sinais de alarme para cefaleia secundária e tais sinais são quase todos obtidos da história clínica - ver Capítulo 41 - Cefaleia súbita. A maioria dos pacientes que vamos atender em unidades de emergência, e mesmo em ambulatórios, será de portado­ res de cefaleias primárias - principalmente cefaleia do tipo tensional e enxaqueca. Tal dado epidemiológico não pode, de modo algum, nos deixar relaxar e assumir uma postura de que toda cefaleia é primária até prova em contrário! O raciocínio deve ser exatamente o oposto: primeiro devemos excluir a possibilidade de cefaleia secundária.

As cefaleias primárias e secundárias estão resumidas no Quadro 46.1. Dos dados de que dispomos até agora, esse paciente

já apresenta três sinais de alarme: dor progressiva, febre e perda ponderal não planejada recente. Vale ressaltar também que as cefaleias primárias requerem, para seu diagnóstico, um padrão de recorrência, o que nem sempre é possível estabelecer numa primeira consulta. De qualquer forma, a história desse paciente deixa muitas dúvidas quanto à benignidade ou não do quadro, o que toma o restante da história ainda mais importante. Os ritmos excretores estão preservados. Nega epi­ sódios anteriores de cefaleia, bem como qualquer doença conhecida prévia, alergias, internações, trans­ fusões, cirurgias ou uso de qualquer fármaco. Etilista social e ex-tabagista. Nega uso de drogas ilícitas e re­ fere contato eventual com profissionais do sexo, porém, nega relações sexuais desprotegidas com elas. Vive com a esposa em um apartamento na periferia de São Paulo, com quem mantém relações sem preservativos. Não tem irmãos, seus pais são vivos e saudáveis. O restante da história aumenta nossa preocupação quanto à possibilidade de cefaleia secundária, pois não

há um padrão de cefaleia recorrente e há exposição de risco para HIV - embora negue relações desprotegidas, o

fato de haver envolvimento com prostitutas não pode ser ignorado e deve ser considerado como fator epidemioló-

Cefaleia e Febre - 271

QUADRO 46.1 - Cefaleias primárias e secundárias

Em resumo, nosso paciente é um homem jovem com

cefaleia de início recente, progressiva, associada à febre,

rigidez de nuca, perda ponderal e linfonodomegalia ge­ neralizada, com fatores de risco para HIV. Antes de as­

sumir que esse paciente é realmente portador do HIV, devemos fazer algumas considerações diagnósticas. A tríade febre, emagrecimento e linfonodopatia deve

sempre levar à suspeita de doenças linfoproliferativas,

bem como de outras neoplasias, infecções crônicas e até mesmo de doenças inflamatórias. Dentre as doenças lin­ foproliferativas, a que mais cursa com linfonodopatia

periférica é o linfoma de Hodgkin. Um sintoma pouco comum, porém bastante característico dessa doença, é a

dor em linfonodos cervicais após a ingesta de bebidas alcoólicas. No entanto, as características à palpação dos

linfonodos é bem diferente da descrita para esse paciente.

Em geral, são linfonodos endurecidos e maiores. Já dentre as doenças inflamatórias, a que pode cursar com essa tríade com mais frequência é o lúpus eritema­ toso sistêmico. No entanto, este é mais comum em mu­

lheres e, geralmente, se acompanha de outros achados que

não temos aqui - principalmente manifestações cutâneas e/ou articulares. Outra hipótese seria sarcoidose, mas esta

não costuma cursar com tantos linfonodos periféricos, sendo mais comum o encontro de linfonodos peri-hilares. As infecções crônicas de que não podemos nos esque­

cer aqui são tuberculose e doenças fúngicas, principal­

mente paracoccidioidomicose. Os casos de tuberculose gico positivo. Do ponto de vista diagnóstico e estritamen­

ganglionar costumam ter um achado bastante caracterís­

te médico, é saudável colocar em dúvida a fidelidade da

tico, que é a fistulização dos linfonodos, mas que nem

esposa - embora não seja aconselhável expor este dado

sempre está presente. Não se deve esquecer também de

para o paciente num primeiro momento... Um exame fí­

que os linfonodos da tuberculose ganglionar e das infec­

sico abrangente em busca de sinais de doença sistêmica

ções fúngicas costumam ser maiores do que os descritos

e de sinais focais é o próximo passo.

para esse paciente.

Outras doenças infecciosas que provocam linfonodo­ Ao exame, o paciente se encontra em bom estado geral, sem sinais de doença aguda descompensada, corado, levemente desidratado, anictérico, eupneico, vígil e consciente, com temperatura axilar de 37,8°C, frequência cardíaca de 90bpm, frequência respiratória de 18irpm, pressão arterial de 150 × 100mmHg e SpO2 de 97% em ar ambiente. Os exames dos sistemas car­ diovascular e respiratório, do abdome e de pele e fâneros não revelam nada digno de nota. Há linfonodos cervicais posteriores, axilares e inguinais palpáveis, indolores, móveis, fibroelásticos, agrupados, de no máximo 1cm. Ao exame neurológico não são encontra­

patia generalizada são aquelas responsáveis pela síndrome da mononucleose - vírus Epstein-Barr, toxoplasmose,

citomegalovírus e HIV são os principais. E a cefaleia, como se enquadra neste contexto? Demos

“uma volta” excluindo a cefaleia para mostrar que, con­ forme o quadro é emoldurado, o raciocínio pode ser

completamente diferente. As considerações feitas ante­ riormente são importantes neste caso, mas o caminho

mais curto para o diagnóstico desse paciente é abrir o diagnóstico diferencial de febre mais cefaleia em pacien­ te adulto jovem.

CAPÍTULO 46

• Cefaleias primárias - Enxaqueca - Cefaleia do tipo tensional - Cefaleia em salvas - Cefaleias autonômicas trigeminais - Cefaleia primária do esforço - Cefaleia primária da tosse - Cefaleia primária associada à atividade sexual - Cefaleia em trovoada primária - Hemicrania contínua • Cefaleias secundárias - Cefaleia secundária a trauma de cabeça e pescoço (pós­ -traumática aguda ou crônica, por hematoma epidural ou subdural, etc.) - Cefaleia secundária a transtornos vasculares cervicais e cranianos (por acidente vascular cerebral isquêmico ou hemorrágico, por hemorragia subaracnóidea, por angioma cavernoso, etc.) - Cefaleia secundária a transtornos intracranianos não vasculares (cefaleia por hipertensão intracraniana idiopática, por fístula liquórica, por doenças inflamatórias não infecciosas como neurossarcoidose, hipofisite linfocítica, etc.) - Cefaleia atribuível a substâncias ou por abstinência de substâncias (nitratos, inibidores de fosfodiesterases, álcool, cocaína, histamina, abuso de analgésicos, abuso de opioides, contraceptivos orais, abstinência de cafeína, abstinência de opioides, etc.) - Cefaleia secundária a infecções (meningite bacteriana, encefalites, abscessos cerebrais, empiema subdural, infecções sistêmicas bacterianas ou virais, cefaleia atribuível ao HIV, etc.) - Cefaleia secundária a distúrbios da homeostase (hipóxia, hipercapnia, apneia do sono, feocromocitoma, encefalopatia hipertensiva, hipotireoidismo, jejum prolongado, etc.) - Cefaleia ou dor facial secundária a distúrbios de crânio, pescoço, olhos, ouvidos, nariz, seios nasais, dentes, boca ou outras estruturas craniofaciais (cefaleia cervicogênica, cefaleia por distonia craniocervical, glaucoma agudo, cefaleia por erros de refração, rinossinusite, desordens da articulação temporomandibular, etc.) - Cefaleia secundária a transtornos psiquiátricos (transtornos somatoformes e transtornos psicóticos)

dos sinais focais, mas há rigidez de nuca e os sinais de Kernig e de Brudzinski não estão presentes. Fundo de olho normal.

272

- Doenças do Sistema Nervoso

CAPÍTULO 46

A primeira preocupação diante de tal quadro é saber

se estamos diante de um paciente imunocompetente ou

não. O nosso paciente era previamente hígido, porém,

exibe fatores de risco para infecção pelo HIV. Portanto, essa pergunta só será respondida mais adiante.

O primeiro diagnóstico que nos deve vir à mente e que deve ser buscado a todo custo é o de uma infecção

do sistema nervoso central, ou seja, meningite ou menin­ goencefalite, sem esquecer que qualquer quadro infeccio­ so pode gerar febre e cefaleia - desde uma simples infec­

ção viral de vias aéreas superiores até síndrome de Weil. A ausência de sinais meníngeos não afasta o diagnóstico

de meningite, pois estes podem estar ausentes ou reduzi­

dos em pacientes muito jovens ou idosos, imunocompro­

metidos, ou com nível de consciência muito deprimido. A sensibilidade e a especificidade dos famosos sinais

de Kernig e de Brudzinski são desconhecidas, porém,

acredita-se que sejam baixas. O sinal de Brudzinski é

pesquisado com a flexão rápida da cabeça sobre o tórax

do paciente, que deve estar em decúbito dorsal horizontal. Quando essa manobra desencadeia a flexão da coxa sobre

o quadril e dos joelhos, diz-se que o sinal de Brudzinski está presente. Já para a pesquisa do sinal de Kernig, o paciente também deve estar em decúbito dorsal horizon­

tal, enquanto o examinador lhe flete a coxa sobre o qua­

dril, formando um ângulo reto e o joelho, para formar outro ângulo reto. Em seguida, faz-se a extensão passiva da perna. Quando há flexão do joelho contralateral, diz-se que o sinal de Kernig está presente. Nosso paciente não

os apresenta, mas tem rigidez de nuca, o que já é sufi­

ciente para nos certificar do acometimento meníngeo embora não seja sinônimo de meningite infecciosa, pois

outras substâncias podem causar irritação meníngea, como agentes exógenos e hemorragia. Pedidos hemograma, funções renal e hepática, eletrólitos e coagulograma - todos normais. Uma to­ mografia computadorizada de crânio é providenciada. Exames iniciais normais não afastam por completo uma causa potencialmente grave para os sintomas, mas tomam algumas menos prováveis. Um leucograma normal

diminui a possibilidade de infecção aguda grave, bem como a ausência de alterações renais e/ou hepáticas fala

contra processos mais disseminados. Não sabemos se a desidrogenase lática (DHL) foi dosada, o que seria inte­

ressante termos em mãos, porque, embora inespecífica,

uma DHL muito elevada fala a favor de doenças linfo­

proliferativas e/ou doenças fúngicas. Plaquetas e coagu­ lograma normais também afastam a possibilidade de um quadro agudo grave. A ausência de anemia, que é comum

em quadros crônicos, de modo algum afasta a possibili­ dade de uma doença crônica potencialmente grave. Temos agora um homem jovem, previamente hígido, com febre, cefaleia e linfonodopatia generalizada há alguns

dias. Nada sabemos sobre o status imunológico do pa­ ciente. Sorologia para HIV e liquor são fundamentais neste momento - será que estamos diante de uma menin­ gite ou meningoencefalite? É pouco provável que a to­ mografia computadorizada de crânio seja diagnóstica neste caso, mas deve ser pedida porque suspeitamos de que nosso paciente tenha algum grau de imunossupressão - imagem do cérebro, por tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética, deve sempre ser obti­ da antes da punção lombar de pacientes que tiveram traumatismo cranioencefálico recente, sejam imunodefi­ cientes, possuam neoplasias malignas conhecidas, papi­ ledema, sinais focais ou rebaixamento do nível de cons­ ciência.

Após tomografia computadorizada de crânio nor­ mal, a hipótese diagnóstica é meningite crônica, consequente a uma tuberculose meníngea. Colhido lí­ quido cefalorraquidiano, o resultado é: aspecto límpido, pressão inicial de 22cm de H2O,58 células, sendo 82% de linfócitos e 18% de monócitos, sete hemácias, pro­ teína 50mg/dL e glicose 47mg/dL. É tentador fazer um diagnóstico etiológico precoce, mas

esta é uma armadilha perigosíssima, principalmente em neurologia. O fechamento precoce pode deixar nosso racio­ cínio enviesado, fazendo-nos buscar evidências para susten­ tar nossa hipótese inicial e minimizar pistas relevantes para diagnósticos alternativos. A hipótese de meningite tubercu­ losa é pertinente, embora não seja a única. As infecções do sistema nervoso central podem cons­ tituir síndromes clínicas distintas: meningites bacterianas agudas, meningites virais, encefalites, lesões focais como abscessos cerebrais e empiemas subdurais, e trombofle­ bites infecciosas (que são, em geral, secundárias a me­ ningites bacterianas agudas). Meningite crônica é diag­

nosticada quando há sintomas característicos por mais de quatro semanas associados à resposta inflamatória persis­ tente no liquor, ou seja, celularidade maior que cinco células/dL. Portanto, a rigor, estamos diante de um quadro inflamatório subagudo de sistema nervoso central, que pode ser de natureza infecciosa ou não. Ver no Quadro 46.2 outros diagnósticos diferenciais. A ausência de sinais focais ao exame físico e a tomo­ grafia computadorizada de crânio normal afastam os diagnósticos de abscesso cerebral, empiema subdural ou epidural e meningoencefalites - estas podem apresentar, além de qualquer sinal focal, alterações do nível de cons­ ciência (de letargia ao coma) e crises convulsivas.

Cefaleia e Febre - 273

QUADRO 46.2 - Diagnóstico diferencial entre meningites

tico de regiões desérticas do sudoeste dos Estados Unidos,

nordeste do México e da Argentina e não temos relatos de que ele tenha estado em qualquer um destes lugares. T. pallidum, agente etiológico da sífilis, embora sempre

entre no diagnóstico diferencial, é uma causa rara de doença do sistema nervoso central após o advento da

penicilina. H. capsulatum, embora endêmico em algumas regiões da América Central e da América do Sul, não é

uma causa tão comum de meningite subaguda/crônica quanto M. tuberculosis e C. neoformans. O diferencial entre essas duas condições será feito basicamente pela

análise do liquor.

Classicamente, o liquor da meningite tuberculosa se apresenta com: pressão de abertura elevada; pleiocitose

linfocítica (10 a 500 células); hiperproteinorraquia (até 500mg/dL); e glicorraquia baixa (entre 20 e 40mg/dL). A

pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente (BAAR) só é positiva em 10 a 40% dos casos de meningite tuberculo­

sa em adultos. A cultura do liquor ainda é o padrão-ouro

para o diagnóstico, embora demore de quatro a oito se­ As meningites bacterianas agudas em geral se apre­

manas para identificar o organismo e só é positiva em

sentam com quadro florido de febre alta e cefaleia inten­

cerca de 50% das vezes. A pesquisa do DNA de M. tu­

sa, que pode ou não se acompanhar de achados ao exame

berculosis por reação em cadeia da polimerase (PCR) tem

físico de abordagem - como petéquias, púrpuras palpáveis

boa sensibilidade (70 a 80%), porém, tem alta taxa de

e até necrose de extremidades, em casos de vasculites

falso-positivos.

secundárias. Costumam também causar alterações labo­

As características do liquor de meningites fúngicas

ratoriais típicas de síndrome da resposta inflamatória

são bem semelhantes às da meningite tuberculosa, com

sistêmica. O liquor tipicamente é bem diferente, com

pleiocitose linfocítica, podendo ser à custa de células

celularidade alta, em geral maior do que 100, com pre­

mononucleares, hiperproteinorraquia e hipoglicorraquia.

domínio de neutrófilos, com proteína elevada e glicose

Há coloração pelo nanquim, embora a sensibilidade de

baixa - às vezes, glicose zero! Portanto, meningite bac­

tal teste não seja boa.

teriana aguda é pouco provável aqui. Já as meningites virais cursam com quadro mais leve de cefaleia, febre baixa, irritação meníngea e por vezes náuseas, vômitos, dor abdominal e diarreia. No entanto, nosso paciente mostra duas características clínicas que

nos fazem refutar a hipótese de meningite viral não com­ plicada - dor progressiva e emagrecimento. Seu liquor poderia até nos deixar em dúvida, porque as meningites virais causam pleiocitose com predomínio de linfomono­

nucleares, proteinorraquia discretamente elevada e glico­ se normal. Porém, a celularidade é tipicamente mais alta do que a apresentada pelo paciente, girando em torno de

Optou-se por realizar sorologia para HIV (ELISA) após serem explicadas as possibilidades diagnósticas ao paciente. O resultado foi positivo. Nesse momento, o

técnico do laboratório informa ao médico do paciente que

a microbiologia com pesquisa de BAAR foi negativa e a tinta da China, positiva (Fig. 46.1). Nosso paciente apresenta liquor com pleiocitose com

predomínio de células linfomononucleares, hiperprotei­ norraquia discreta, hipoglicorraquia discreta (infelizmen­

25 a 500 células. A tinta da China é negativa. Sindromicamente, paciente tem meningite subaguda, que em termos de diagnóstico diferencial se comporta como meningite crônica. Sendo assim, os possíveis agen­

te não dispomos da glicose sérica para comparação) e

tes etiológicos são Mycobacterium tuberculosis, Criptococcus neoformans, Histoplasma capsulatum, Coccidio­ idis immitis e Treponema pallidum. Dentre estes, C.

pesquisa de imunodeficiência é essencial em tais casos,

coloração positiva com tinta da China, ou seja, diante

deste quadro clínico e deste liquor, a primeira hipótese

diagnóstica é meningite fúngica por C. neoformans. Uma embora exista meningite fúngica em pacientes imunocom­

petentes, especialmente por C. neoformans variante gatti.

CAPÍTULO 46

• Infecciosas - Meningite bacteriana aguda - Meningite viral (enterovírus, arbovírus, vírus do herpes simples tipo 2 [HSV-2], varicela-zóster, vírus Epstein-Barr, HIV, etc.) - Meningoencefalites virais (destaque para encefalite herpética HSV) - Rickettsioses - Infecções supurativas focais - empiemas epidural e subdural; abscessos cerebrais - Meningite tuberculosa - Neurocriptococose - Meningite por Histoplasma capsulatum - Meningite por Coccidioidis immitis - Neurossífilis • Não infecciosas - Hemorragia subaracnóidea - Meningite química (por ruptura de tumores no espaço subaracnóideo) - Meningite por hipersensibilidade induzida por drogas - Meningite linfomatosa ou carcinomatosa - Meningites associadas a doenças inflamatórias (sarcoidose, lúpus, Behçet, etc.) - Apoplexia pituitária - Síndromes úveo-meningíticas (síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada)

immitis é o menos provável, pois este fungo é caracterís­

274

- Doenças do Sistema Nervoso

Os blastoconídeos são inalados e podem produzir

CAPÍTULO 46

comprometimento primário do trato respiratório inferior. A partir do pulmão, as espécies se disseminam por via hematogênica e por tropismo se alojam no sistema ner­

voso central. A fisiopatogênese desse tropismo não está totalmente esclarecida.

C. neoformans variante neoformans e variante grubii

ao ser corada por tinta da China.

C. gattii predomina em regiões tropicais e subtropicais, em indivíduos sem evidência de imunossupressão. C.

gattii é isolado em espécies de eucaliptos, madeiras em encaminhado para tratamento em centro de referência. O

decomposição e ocos de árvores na Austrália, nos Estados Unidos, México, Brasil, na Espanha e África Central.

teste foi oferecido à sua esposa, que também se mostrou

As manifestações neurológicas relacionadas à infecção

O paciente teve sorologia positiva para HIV e foi

soropositiva.

pelo HIV são frequentes, variadas e podem ocorrer em qualquer estágio da infecção. Os quadros são os mais di­ versificados: mononeuropatia múltipla, déficits focais

DIAGNÓSTICO

geralmente progressivos, mielopatias, polineuropatias, miopatias, demência, meningoencefalites, entre outras.

Neurocriptococose como primeira manifestação em pa­

Médicos mais antigos, da “era pré-HIV”, costumavam

ciente HIV-positivo.

dizer que, em neurologia, dever-se-ia pensar “sifiliticamente”, em razão da prevalência e da variedade dos quadros de neurolues. Atualmente, se tal pérola for adaptada para

DISCUSSÃO

o HIV, muitos erros e atrasos diagnósticos talvez possam

Este caso nos ensina como a abordagem sistemática de

Dada essa plêiade de possíveis manifestações do HIV e de doenças oportunistas, uma abordagem sistematizada

uma queixa comum como a cefaleia, com diagnóstico

ser evitados.

gressiva, perda ponderal e fatores de risco para HIV nos

facilita o raciocínio clínico. Dividiremos as infecções do sistema nervoso central nos pacientes HIV-positivos em três síndromes que nos direcionarão para o diagnóstico

chamou a atenção para uma possível cefaleia secundária,

etiológico (Tabela 46.1).

diferencial tão amplo, pode evitar erros e atrasos poten­

cialmente fatais. Sinais de alarme como febre, dor pro­

guiando-nos para uma investigação adequada.

A apresentação clínica da criptococose em pacientes

O quadro de cefaleia e febre arrastadas, sugerindo

com AIDS geralmente é diferente dos não infectados pelo

meningite subaguda/crônica, abre um extenso diagnóstico

HIV. A imunossupressão na AIDS resulta numa prolife­

diferencial, mas os demais comemorativos clínicos e a

ração acelerada do micro-organismo e diminuição da resposta inflamatória3.

epidemiologia nos ajudam a restringi-lo a poucas hipóte­ ses diagnósticas.

Pacientes não infectados pelo HIV têm sintomas por

O termo meningoencefalite é mais apropriado que

um longo período antes do diagnóstico. Cerca de 70 a

meningite, uma vez que o exame anatomopatológico mostra, na maioria das vezes, envolvimento do parênqui­

90% têm sinais e sintomas de meningite subaguda ou

meningoencefalite. Cefaleia, febre, letargia, coma, mu­

ma cerebral. A doença é causada por duas espécies fún­

dança de comportamento e perda de memória se instalam

gicas: Cryptococcus gatti (sorotipos B e C) e Cryptococ­

em dias a quatro semanas. Entretanto, existe uma grande

cus neoformans, que possui duas variantes: C. neoformans

variabilidade na apresentação dos sintomas. A cefaleia

variante grubii (sorotipo A), C. neoformans variante neo­

pode ser branda ou extremamente incapacitante4.

formans (sorotipos D) e a forma híbrida (sorotipo AD) .

O diagnóstico é difícil, pois os sintomas são comuns a

O reconhecimento de duas espécies se deu após diversos

estudos mostrarem diferenças ecológicas, epidemiológicas, patológicas, bioquímicas e genéticas entre os isolados de

muitas doenças. Deve ser presumido em pacientes com quadros de imunossupressão ou riscos para desenvolvê-la e que se apresentem com cefaleia e febre4. O exame do

Cryptococcus neoformans1.

liquor é fundamental para o diagnóstico etiológico.

978-85-4120-074-5

Figura 46.1 - Lâmina do liquor revelando criptococos,

são cosmopolitas e relacionam-se a habitats de pombos em ambientes urbanos, onde sua disseminação é ampla e a exposição humana é um evento cotidiano2.

Cefaleia e Febre - 275

Síndrome

978-85-4120-074-5

Meníngea

Sem sinais focais

Etiologias mais comuns

Considerações importantes

Cryptococcus neoformans Mycobacterium tuberculosis Treponema pallidum

Contagem de células TCD4+ Terapias profiláticas PPD, VDRL, radiografia de tórax e pesquisa de antígeno de criptococo no liquor

infecção pelo HIV, lesões visualizadas em exames de

imagem são raras e outras hipóteses diagnósticas devem ser consideradas, dentre as quais: toxoplasmose, linfoma, tuberculose e sífilis3. O tratamento depende da melhora da função imune, portanto, além de antifúngicos, é importante associar te­

rapia antirretroviral. Alguns pacientes apresentam complicações como hi­ pertensão intracraniana, que deve ser corretamente con­

duzida, pois é uma das principais causas de mortalidade e morbidade dessa infecção. As opções de tratamento para

Demência pelo HIV Encefalite por citomegalovírus

Contagem de células TCD4+ Retinite

Toxoplasma gondii Mycobacterium tuberculosis Linfoma primário de SNC (EBV) Leucoencefalopatia multifocal progressiva

Contagem de células TCD4+ Terapias profiláticas Achados de neuroimagem Sorologia para toxoplasma

quóricas diárias, derivação lombar ou ventriculoperitoneal. Corticoides, acetazolamida e manitol não se mostraram efetivos para redução da pressão intracraniana6.

EBV = vírus Epstein-Barr; HIV = vírus da imunodeficiência humana; PPD = derivado de proteína purificada; SNC = sistema nervoso central; VDRL = Venereal Disease Research Laboratory. Adaptado de Continnum11.

1. COX, G. M., Perfect, J. R. Microbiology and epidemiology of cryptococcal infection. Up to date, November 2007. 2. SIDRIN, J. J. C.; ROCHA, M. F. G. Micologia médica à luz de autores contemporâneos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 3. COX, G. M.; PERFECT, J. R. AIDS-associated cryptococcal meningoencephalitis. Up to date, march 2008. 4. COX,G. M.; PERFECT,J. R. Cryptococcal meningoencephalitis in non-HIV-infected patients. Up to date, march 2008. 5. POWDERLY,W. G.; et al. Measurement ofcryptococcal antigen in serum and cerebrospinal fluid: value in the management of AIDS-associated cryptococcal meningitis. Clin. Infect. Dis., v. 18, n. 5, p. 789-92,1994. 6. SAAG, M. S.; et al. Practice guidelines for the management of cryptococcal disease. Infectious Diseases Society of América. Clin. Infect. Dis., v. 30, n. 4, p. 710-8,2000.

Com sinais focais

À coleta do liquor deve-se observar a pressão intra­

craniana, enviar o material para a análise em preparação com tinta nanquim e cultivo para confirmação. A cultura,

na maioria dos pacientes com AIDS, é positiva; já em

imunocompetentes, sua positividade é de 90%4. A hemo­ cultura é positiva em dois terços dos casos de AIDS e

meningoencefalite3. A pesquisa de antígenos capsulares no liquor por

aglutinação de partículas de látex sensibilizadas é uma

diminuição da hipertensão intracraniana são punções li­

REFERÊNCIAS

ferramenta diagnóstica importante; nos infectados pelo HIV o resultado é positivo em mais de 90% dos pacientes.

O exame de látex positivo sugere criptococose, mesmo antes do resultado da cultura3. Entretanto, não há corre­ lação entre prognóstico e redução dos títulos do antígeno

no soro dos indivíduos infectados pelo HIV durante o tratamento na fase aguda da meningoencefalite ou na fase de supressão5. Exames de imagem como tomografia computadoriza­

da e ressonância nuclear magnética são úteis se houver

sinais neurológicos focais ou papiledema. Lesão expan­

siva, com efeito de massa, aparece em 10% dos casos de criptococose em imunocompetentes4. Nos pacientes com

LEITURA COMPLEMENTAR DIAMOND, R. D.; et al. The role of classical and altemate complement pathways in host defenses against Cryptococcus neoformans infection. J. Immunol., v. 112, p. 2260,1974. IGEL, H. J.; BOLANDE, R. P. Humoral defense mechanisms in cryptococcosis: substances in normal human serum, saliva, and cere­ brospinal fluid affecting the growth of Cryptococcus neoformans. J. Infectious Disease, v. 116, p. 75,1966. KWON-CHUNG, K. J.; RHODES, J. C. Encapsulation and melanin formation as indicators of virulence in Cryptococcus neoformans. Infect. Immun., v. 51, p. 218,1986. ROSS, K.; TYLER, K. Meningitis, encephalitis, brain abscess, and empyema. In: Harrinson’s Principies of Internai Medicine. 16. ed., New York: McGraw-Hill Professional, 2005.

CAPÍTULO 46

TABELA 46.1 - Infecções do sistema nervoso central em pacientes HIV-positivos

SEÇÃO

Doenças Reumatológicas

___________________________________

CAPÍTULO

Dores pelo Corpo Ingrid de Oliveira Koehlert • Denison Santos Silva • José Luiz Pedroso

Paciente do sexo feminino, 69 anos de idade, cor branca, natural de Santa Catarina, com queixa de mal­ -estar generalizado e dor muscular significativa, que algumas vezes se apresenta em todo o corpo, mas, na maioria das vezes, se localiza em região próxima aos ombros e cervical posterior, há cerca de dois meses. A dor é pior pela manhã, com rigidez matinal de 40min. Refere dores articulares associadas, algumas vezes até com sinais flogísticos, principalmente em articulações das mãos e dos punhos, de forma assimétrica, de cará­ ter progressivo e não aditivo. Nega trauma nos locais de dor mais intensa, nega processos infecciosos. Apre­ senta cefaleia ocasional, que não tem correlação temporal com os picos de dor muscular. Antecedente de hipertensão arterial sistêmica, em uso de hidroclorotiazida; nega diabetes, doenças da tireoide e história pessoal de neoplasias conhecidas. Nega etilismo; ex-tabagista há 20 anos (15 anos-maço). Não pratica atividade física regularmente. História fa­ miliar positiva para câncer de mama (mãe) e pulmão (pai). Descendente de terceira geração de noruegueses. A paciente em questão apresenta dores musculares difusas,

predominando em cintura escapular (ombros e pescoço),

com rigidez matinal de 40min, não associada à cefaleia e associada à poliartrite assimétrica. Muitas doenças se

manifestam dessa forma e, inicialmente, o tempo de evo­

lução dos sintomas e o exame físico poderão direcionar a pesquisa etiológica (Quadro 47.1). Cabe ainda notar as comorbidades que a paciente apresenta, além da história e origem familiar.

Pelo quadro, temos que afastar doenças infecciosas crônicas como endocardite infecciosa, reumatológicas

QUADRO 47.1 - Causas de dores pelo corpo • Musculares: fibromialgia, miopatias inflamatórias, polimialgia reumática, miopatias paraneoplásicas, miopatias parainfecciosas • Articulares: doenças do colágeno como lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, artrites infecciosas, poliartralgia de significado inespecífico • Síndromes dolorosas regionais: bursites, tendinites, epicondilites (medial e lateral), síndromes de compressão nervosa (síndrome do túnel do carpo, síndrome do canal de Guyon), neuromas (Morton), ganglioneuromas, radiculopatias • Ósseas: fraturas patológicas, osteoartrite generalizada, tumores ósseos, doença de Paget • Vasculites: grandes vasos (arterite de Takayasu, arterite de células gigantes), médios vasos (poliarterite nodosa), pequenos vasos (crioglobulinemia, vasculites infecciosas) • Doenças metabólicas: hipo/hipertireoidismo, doenças de depósito (amiloidose, doença de Gaucher, hemocromatose), diabetes • Uso de medicações: estatinas, corticoides, antimicrobianos

como fibromialgia, polimialgia reumática, polimiosite e artrite reumatoide, entre outras, como hipotireoidismo e neoplasias. A endocardite infecciosa tem como principal manifes­ tação clínica a febre, além de anorexia, perda de peso, mialgias, artralgias e, ao exame físico, o mais caracterís­ tico é o sopro cardíaco novo. O hipotireoidismo é mais frequente em mulheres adultas e é caracterizado por aco­ metimento dos vários sistemas, com ganho ponderal, ar­ tralgias, câimbras, entre outros. Neoplasias também podem cursar com sintomas gerais (perda de peso, mialgia). A fibromialgia é mais comum em mulheres jovens e pessoas de nível socioeconômico desfavorecido e é mar­ cada por dor generalizada há mais de três meses, tanto proximal quanto distal, fadiga, distúrbios do sono, alte­ rações na personalidade e no humor e múltiplos sintomas

CAPÍTULO 47

280 - Doenças Reumatológicas

inespecíficos. Polimialgia reumática acomete principal­ mente mulheres acima dos 50 anos de idade, com dore rigidez no pescoço e nos ombros (cintura escapular) e região de cintura pélvica há. pelo menos, quatro semanas, sendo mais frequente em escandinavos. A polimiosite é mais frequente em mulheres e se manifesta de forma insidiosa (três a seis meses) com fraqueza muscular pro­ ximal (cinturas pélvica e escapular) e geralmente simé­ trica. Artrite reumatoide tem incidência maiorem mulheres em idade fértil e em geral se nota poliartrite simétrica, cumulativa, envolvendo predominantemente mãos e punhos, associada à rigidez matinal, quase sempre superiora 1 hora. Ao exame físico apresenta-se em bom estado geral, hipocorada 1+/4+. hidratada, anictérica, afebril, sem alterações de força muscular,sensibilidade e equilíbrio ao exame neurológico. Ausculta cardíaca sem altera­ ções, com frequência cardíaca de 88bpm e pressão arterial de 140 × 90mmHg. Ausculta respiratória com raros estertores subcrepitantes bibasais, frequência respiratória de 11irpm, saturação parcial de oxigênio de 95%, sem cianose de extremidades. Abdome plano, flácido, indolor à palpação, sem visceromegalias. Ao exame osteoarticular apresenta mialgia difusa com dor que se reproduz à palpação, principalmente em ombros e região cervical posterior (musculatura de trapézio); dorà movimentação dos ombros, especialmente eleva­ ção e abdução; sinovite em segunda, terceira e quinta articulações metacarpofalângicas da mão direita e do punho direito; coluna cervical com limitação de flexão principalmente devido à dor, sem sinais de compressão radicular.A inspeção cutânea não mostra lesões atípicas em face e membros. Palpação de regiões temporais sem alterações.

Ao exame físico notam-se, como sinais principais, sinovite em mão e punho, assimétrica, mialgia especial­

mente em ombros e região cervical posterior(cintura esca­ pular), sem alteração de força muscular, e sem alteração em artérias temporais. Na endocardite infecciosa, o principal achado seria sopro cardíaco novo ou piora de sopro já existente. No hipotireoidismo não existem achados específicos ao exa­ me físico. Nas neoplasias, em geral, os pacientes apre­ sentam perda de peso e estão emagrecidos, com artralgias, mas sem artrite. Na fibromialgia pode haver sensação de aumento de volume articular mas não se confirma sinovite ao exame físico, e a mialgia é generalizada, acima e abaixo da linha da cintura e em ambos os lados do corpo. Na polimialgia reumática a dor costuma ser simétrica, inicialmente nos ombros, e são comuns sinovites em extremidades, além de inflamação em partes moles, como bursas e tendões.

A polimiosite manifesta-se com fraqueza muscular das cinturas pélvica e escapular mas sinovite é incomum. Na artrite reumatoide qualquer articulação sinovial pode ser acometida, mas e mais comum em mãos e punhos, de

forma simétrica. As características do exame físico indicam as doenças

reumatológicas como mais prováveis para o diagnóstico. Os exames laboratoriais mostram: hemoglobina: 10,8 (perfil normocítico/normocrômico); hematócrito: 30%; leucócitos totais: 6.500, sem desvio em sua série diferencial; linfócitos: 1.980; plaquetas: 504.000; cre­ atina fosfoquinase (CPK): 107 (normal até 250); desidrogenase lática: 98 (normal até 200); velocidade de hemossedimentação (VHS): 110mm/h; proteína C-reativa: 57; ureia, creatinina, aspartato aminotrans­ ferase, alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina, gama-glutamiltransferase, cálcio iônico, hor­ mônio estimulante da tireoide, tetraiodotironina livre e gasometria arterial dentro dos limites da normalidade. Fatorantinuclear(FAN), antígenos nucleares extraíveis, fator reumatoide e anticorpo antipeptídio citrulinado negativos. Ultrassonografia de ombros confirma bursite no ombro direito e sinais de tendinopatia dos tendões do subescapular, infraespinhal e bicipital; no ombro es­ querdo, apenas tendinopatia do supraespinhal, sem sinais de ruptura intrassubstancial, parcial ou completa dos tendões. A radiografia de tórax demonstra apenas retificação do diafragma, aumento dos espaços intercostais, sem nódulos, massas e infiltrados intersticiais. Nos exames, notamos anemia normocítica e normo­

crômica. aumento de VHS e proteína C-reativa (provas de atividade inflamatória) e autoanticorpos negativos. Bursi­ te e tendinopatia aos exames de imagem e radiografia de tórax que demonstra alterações relativas ao tabagismo. Em geral, todas as doenças crônicas podem evoluir com esse tipo de anemia. Endocardite e neoplasias podem provocar anemia e aumento de provas de atividade infla­ matória (VHS e proteína C-reativa). mas não essas alte­ rações de imagem. O hipotireoidismo não costuma evoluir com tais alterações hematológicas e de imagem. Dentre as doenças reumatológicas, a fibromialgia não causa alterações nos exames. Polimialgia reumática apre­ senta elevação característica da VHS, muitas vezes maior que 100mm/h, proteína C-reativa aumentada, anemia normocítica e normocrômica e contagem de plaquetas quase sempre elevada inespecificamente por distúrbio inflamatório, além de inflamação de estruturas periarticu­ lares (tendinite e bursite). Em polimiosite, o principal marcadorde lesão musculoesquelética é a CPK, ao passo que em artrite reumatoide o principal achado laboratorial

Dores pelo Corpo - 281

considerada como uma arterite de células gigantes (ACG)

de fase aguda (VHS e proteína C-reativa) podem estar

em que falta o completo desenvolvimento de vasculite.

elevados, mas esses achados descritos à ultrassonografia

Na realidade, esse é um dos grandes problemas no diag­

não são observados.

nóstico da polimialgia reumática: o quanto não é apenas

o começo de uma ACG. A paciente inicialmente é submetida a tratamento com analgesia à base de anti-inflamatórios não esteroi­ dais, apresentando melhora apenas discreta da mialgia e nenhuma da rigidez matinal. Então, foi introduzido tratamento com prednisona, 20mg/dia, via oral, obten­ do-se completa remissão dos sintomas, tanto de dor muscular quanto dos sintomas de rigidez matinal. O restante da investigação descarta infecção de foco obscuro, como endocardite, e também neoplasia de qualquer etiologia. Permaneceu usando essa dose de corticoide duran­ te duas semanas, quando foi tentada a retirada da medicação, diminuindo-se a dose em 10% a cada cinco dias, com retomo dos sintomas. Decide-se, então, por manter a corticoterapia por um período mais prolonga­ do, com boa resposta, mantendo-se a paciente sem sintomas.

Polimialgia reumática afeta a mesma população que

a ACG, mas numa frequência duas a três vezes maior.

Mulheres são mais afetadas que os homens e o surgimen­ to em idade inferior a 50 anos é extremamente incomum. As populações de maior risco são os escandinavos e outros

de países do norte da Europa. Nessas populações, a inci­

dência anual é estimada em 20 a 53 por 100 mil habitan­ tes acima dos 50 anos, podendo a chegar a extremos como

700 por 100 mil habitantes. Em populações de menor risco, como os italianos, essa incidência gira em torno de

10 casos por 100 mil. Em outras populações não originá­ rias dos países nórdicos, como os chineses, as caracterís­ ticas clínicas são semelhantes.

Pacientes queixam-se de dores nos músculos de pes­ coço, ombro, coluna lombar, quadris, coxas e, algumas vezes, no tronco. Nos casos típicos, o início é abrupto e

Após análise de todo o quadro, levando em considera­

as mialgias simétricas, afetando inicialmente os ombros.

ção que a paciente é descendente de escandinavos, tem

Na maioria das vezes, os pacientes têm dor à noite e di­

mais de 50 anos de idade, dor contínua há mais de um

ficuldade para se vestir. Perda de peso, mal-estar, depres­

mês no pescoço e nos ombros, com VHS superior a 40

são e anorexia são comuns. Polimialgia reumática é fre­

mm/h, com resposta rápida ao tratamento com corticoide

quentemente de difícil distinção de poliartrites soronegativas.

em doses baixas e que foram excluídas outras doenças,

Particularmente, pacientes do sexo masculino podem

chegamos ao diagnóstico de polimialgia reumática.

apresentar fraqueza proximal e edema difuso de mãos e pés, os quais oferecem resposta significativa a corticoides.

Pacientes com polimialgia reumática devem ser inves­

DIAGNÓSTICO FINAL

tigados cuidadosamente em relação à concomitância de

Polimialgia reumática.

a possibilidade de vasculite de grandes vasos, que atinge

ACG. Uma biópsia de artéria temporal negativa não exclui primariamente as artérias subclávia e axilar. Sinais de

insuficiência vascular, como claudicação de extremidades,

DISCUSSÃO

sopros nas artérias e diferença das pressões entre os membros devem alertar para ACG. Um pico de febre alta

Polimialgia reumática é diagnosticada em pacientes com

pode ocorrer na ACG, mas é incomum em polimialgia

dor e rigidez na musculatura do pescoço, cintura escapu­

reumática. Pode ser necessária uma ressonância nuclear

lar e cintura pélvica por, pelo menos, quatro semanas. As

magnética para descartar o diagnóstico concomitante das

mialgias são combinadas com sinais inflamatórios sistê­

duas entidades.

micos como mal-estar, perda de peso, sudorese e febre

São comuns sinovites em extremidades (punhos, mãos

baixa. A maioria dos pacientes tem alterações laboratoriais

e metacarpofalângicas), na maioria das vezes de leve

como elevação de VHS e proteína C-reativa e anemia de

intensidade, de caráter transitório, apesar de os achados

doença crônica. Não existe um teste patognomônico para

mais característicos serem inflamações de partes moles,

polimialgia reumática, sendo sempre necessária a exclusão

como bursas e tendões. Tenossinovite pode acontecer,

de outros diagnósticos. A síndrome inflamatória sistêmi­

provocando um quadro de síndrome do túnel do carpo na

ca associada à polimialgia reumática é extremamente

proporção de 10 a 14% dos pacientes.

sensível à corticoterapia, a ponto dessa pronta resposta

Fraqueza muscular não é um achado comum e, quan­

funcionar até como um critério diagnóstico. Pode ser

do acontece, na maioria das vezes é secundária à dor.

CAPÍTULO 47

é o fator reumatoide positivo e, em ambas, os reagentes

282

- Doenças Reumatológicas

CAPÍTULO 47

Miosite com elevação de enzimas musculares também não

faz parte do quadro clínico. Os achados laboratoriais incluem uma característica

elevação da VHS, muitas vezes maior do que 100mm/h,

apesar de os valores inferiores a 40mm/h poderem ser encontrados em 7 a 22% dos pacientes e não descartarem

o diagnóstico. Valores normais são muito mais raros, ocorrendo em apenas 1,2% dos pacientes. A dosagem

desse marcador serve tanto como diagnóstico quanto como seguimento desses pacientes. Outros achados inespecíficos são anemia normocítica/ normocrômica, algumas vezes trombocitose, com autoanti­

corpos como FAN e fator reumatoide geralmente negativos.

Nos pacientes com inflamação de estruturas periarti­ culares, os achados mais proeminentes são bursites suba­ cromial e subdeltóidea. Tendinite bicipital e sinovite

glenoumeral podem também estar presentes. Ultrassono­ grafia revela acúmulo de líquido na bursa; e a ressonância nuclear magnética na sequência T2 mostra espessamento

e edema. Um estudo demonstrou que 96 pacientes e 114 controles foram submetidos a ultrassonografias de ombros

e foram encontrados 96% de bursite nos pacientes e ape­

nas 4% nos controles. Essas áreas comprometidas mostram aumento da captação na tomografia por emissão de pósi­

trons (PET-scan). A maioria dos portadores de polimialgia

reumática não necessitará de exames de imagem para

QUADRO 47.3 — Diagnóstico diferencial de polimialgia reumática • Artrite reumatoide: na polimialgia reumática, o número de articulações acometidas é menor que na artrite reumatoide, com resposta mais eficaz aos corticoides • Hipotireoidismo: hiporreflexia, baixos níveis de tetraiodotironina (T4) livre e elevados níveis de hormônio estimulante da tireoide (TSH) não são encontrados em polimialgia reumática • Endocardite infecciosa: febre que não diminui com corticoide, além das manifestações típicas de endocardite como sopro cardíaco novo, hemoculturas positivas e ecocardiograma com vegetação em válvulas devem chamar atenção para não se tratar de polimialgia reumática • Fibromialgia: a maioria dos pacientes com fibromialgia tem dor difusa, início dos sintomas antes dos 50 anos de idade e tem velocidade de hemossedimentação (VHS) normal • Neoplasias: polimialgia reumática sozinha não tem correlação com malignidade, mas miosites paraneoplásicas podem simular os sintomas de polimialgia reumática, sendo que a retirada do tumor melhora os sintomas, e não o uso de corticoides • Poliomiosite: esses pacientes se apresentam com fraqueza muscular, enzimas musculares elevadas, eletroneuromiografia alterada e biópsia muscular compatível com miopatia, ao passo que em polimialgia reumática o que predomina são rigidez e dor nas cinturas escapular e pélvica • Bursites e tendinites: polimialgia reumática normalmente acontece de forma bilateral, com tendinopatia menos relevante do que nas formas primárias de bursites, como síndrome de impacto nos ombros. Nessa última, normalmente não existem elevação de VHS e sintomas constitucionais • Síndrome RS3PE (remitting seronegative symmetrical synovitis with pitting edema): confundem-se os diagnósticos, já que as duas entidades têm seus sintomas iniciados após os 50 anos de idade; em RS3PE, o quadro de poliartrite é mais proeminente do que o quadro muscular e surge de forma súbita

comprovar seu diagnóstico, mas estes exames servirão para os diagnósticos diferenciais. Não existem critérios diagnósticos validados interna­

cionalmente, mas algumas recomendações para o diag­ nóstico podem ser dadas (Quadro 47.2).

com corticoide deve reforçar a necessidade de revisar o diagnóstico de polimialgia reumática. A polimialgia reumática é drasticamente responsiva à

Os sintomas clínicos de polimialgia reumática podem

corticoterapia. Nunca foram feitos trabalhos clínicos

ser confundidos com um número grande de artropatias,

controlados comparando prednisona ou prednisolona com

afecções do ombro, miopatias inflamatórias e hipotireoi­

placebo, mas o uso durante décadas e a observação clíni­

dismo, além de doença de Parkinson. Portanto, no início

ca tomaram o tratamento consagrado. Normalmente, uma

dos sintomas, deve-se ter em mente uma série de diag­

dose entre 7,5 e 20mg/dia de prednisona já é suficiente

nósticos diferenciais (Quadro 47.3).

para controlar os sintomas. Alguns pacientes necessitarão

Não existem orientações claras do quanto um portador

de polimialgia reumática deve ser investigado para neo­

plasias. A falta de resposta após o início do tratamento

dividir a dose do corticoide quando seus sintomas forem

piores à noite. Dois terços respondem bem ao tratamento, com dimi­

nuição da dor e rigidez quando se inicia com 20mg/dia ou menos de prednisona, uma dose bem menor do que a QUADRO 47.2 - Recomendações para diagnóstico de polimialgia reumática

necessária para a remissão dos sintomas de ACG. Alguns

• Idade ≥ 50 anos no início dos sintomas • Dor e rigidez matinal bilateral (pelo menos 30min), envolvendo pelo menos duas de três das seguintes áreas: pescoço ou dorso, ombros ou região proximal dos braços, cintura pélvica ou região proximal das coxas • Velocidade de hemossedimentação ≥ 40mm/h Observação: alguns autores incluem a ausência de resposta ao tratamento com glicocorticoides como um critério diagnóstico

ou mais. Esses últimos têm um grande risco de sobrepo­

pacientes necessitarão de doses maiores, como 40mg/dia sição com ACG. Pacientes inicialmente controlados com

20mg de prednisona podem diminuir a dose em 2,5mg a

cada 10 a 14 dias. O ajuste deve ser baseado principal­

mente na evolução clínica e não exclusivamente nas alte­ rações laboratoriais. Em muitos casos, portadores de

Dores pelo Corpo - 283

polimialgia reumática podem ficar longos períodos em

O índice de recorrência dos sintomas pode sertão alto quanto 5 a 20% se o desmame do corticoide formais rá­

pido do que o necessário. Nessas recaídas, deve-se aumen­ tar ou reiniciara dose dos corticoides, com boa resposta. Ocasionalmente, uma bem-sucedida supressão da

mialgia e da rigidez requer longo período de baixas doses de prednisona. Pacientes devem ser alertados sobre o

potencial risco de progressão da polimialgia reumática para ACG e devem ser monitorizados quanto a complica­

ções vasculares, particularmente quando a corticoterapia for interrompida. Também se deve estar atento à prevenção dos efeitos

colaterais do uso crônico de corticoides, principalmente

osteoporose, hipertensão arterial e diabetes.

O prognóstico dos pacientes com polimialgia reumá­ tica é bom. Na maioria deles, a condição é autolimitada.

BIBLIOGRAFIA BIELORY, L; OGUNKOYA, A.; FROHMAN, L. P. Temporal arteritis in blacks. Am. J. Mel., v. 86, p. 707, 1989. BROOKS, R. C.; MCGEE, S. R. Diagnostic dilemmas in polymyalgia rheumatica. Arch Irten Med., v. 157, p. 1162, 1997. CANTINI, F.; et al. Shoulder ultrasonography in the diagnosis of polymyalgia rheumatica: a case-control study. J. Rhamád., v. 28, p. 1049, 2001. CHUANG, T. Y; et al. Polymyalgia rheumatica. A 10-yearepidemiologic and clinicai study. Am Irten Med., v. 97, p. 672,1982. CIMMINO, M. A.; ZACCARIA, A. Epidemiology of polymyalgia rheumatica. ClinExp. Rhajn^d., v. 18, p. S9, 2000. DE SOCIO, G. V.; et al. Fusobacterium nucleatum endocarditis mimicking polymyalgia rheumatica. ScLthMed. J., v. 102, n. 10, p. 1082-4, 2009.

CAPÍTULO 47

remissão e a prednisona pode, inclusive, ser interrompida.

GONZALEZ-GAY, M. A.; et al. Polymyalgia rheumatica without significantly increased erythrocyte sedimentation rate. Arch Irteri Mβd., v. 157, p. 317, 1997. HELFGOTT, S. M.; KIEVAL, R. I. Polymyalgia rheumatica in patients with a normal erythrocyte sedimentation rate. ArttritisRhajn., v. 39, p. 304, 1996. KLIPPEL, J. H.; STONE, J. H.; et al. Prime- cntherhamdic dise ases 13. ed. 2008. p. 404-406. LAWRENCE, R. C.; et al. Estimates of the prevalence of arthritis and selected musculoskeletal disorders in the United States. Artíi-itis Rham., v. 41, p. 778, 1998. LEEB, B. E; et al. EULAR response criteria forpolymyalgia rheuma­ tica: results of an initiative of the European Collaborating Polymyalgia Rheumatica Group (subcommittee of ESCISIT). AmRheun. Dis, v. 62, n. 12, p. 1189-94, 2003. LI, W. L.; et al. The clinicai course of polymyalgia rheumatica in Chinese. Clin Rhajn^d., v. 29, n. 2, p. 199-203, 2010. MYKLEBUST, G.; GRAN, J. T. A prospective study of 287 patients with polymyalgia rheumatic and temporal arteritis: Clinicai and laboratory manifestations at onset of disease and at the time of diagnosis. Br. J. Rhunetd.. v. 35, p. 1161, 1996. PROVEN, A.; et al. Polymyalgia rheumatica with low erythrocyte se­ dimentation rate at diagnosis. J. Rlwnád, v. 26, p. 1333,1999. PULSATELLI, L; et al. Senim interieukin-6 receptor in polymyalgia rheumatica: a potential markerof relapse/recurrence risk. Artfrr tisRheun., v. 59, n. 8, p. 1147-54, 2008. SALVARANI, C.; et al. Polymyalgia rheumatica and giant-cell arteri­ tis. N. Erg. J. Med., v. 347, p. 261, 2002. SALVARANI, C.; et al. Polymyalgia rheumatica: a disorderof extraarticularsynovial structures? J. Rheun^d., v. 26, p. 517,1999. SANFORD, R. G.; BERNEY, S. N. Polymyalgia rheumatica and tem­ poral arteritis in blacks - clinicai features and HLA typing. J. Rlxunííri, v. 4, p. 435, 1977. SCHAEVERBEKE, T.; et al. Remitting seronegative symmetrical synovitis with pitting edema: disease orsyndrome? Am Rheun. Dis, v. 54, p. 681, 1995. SIBILIA, J.; et al. Remitting seronegative symmetrical synovitis with pitting edema (RS3PE): a form of paraneoplastic polyarthritis? J. Rlrrinjld. v. 26, p. 115, 1999.

___________________________________

CAPÍTULO

48

Poliartralgias Frederico Augusto Gurgel Pinheiro • Sandro Félix Perazzio

Homem de 28 anos de idade refere que há cerca de três semanas procurou assistência médica porapresen­ tar quadro de dor migratória na segunda e na quarta articulação metacarpofalângica direita, na terceira es­ querda, no punho esquerdo e no joelho direito. Havia piora da dorem repouso e alívio ao realizar atividades. Relata ter sido orientado a fazer uso de paracetamol e gelo no local.

- Bacterianas: geralmente, apresentam acometimen­ to monoarticular, porém, em cerca de 10 a 20%

dos adultos, podem comprometer duas ou mais articulações. Nas artrites sépticas gonocócicas, que costumam acometer indivíduos jovens com

vida sexual ativa, apresentam um padrão de po­

liartralgia, tenossinovite e lesões cutâneas vesi­ copustulares. A cultura deve ser realizada em

Em termos de classificação semiológica, esse paciente se apresenta com um padrão de dor poliarticular (acometi­

meio específico (Thayer-Martin). Se houver qua­

mento de cinco ou mais articulações) e com características

avaliação pelo método de Gram, em que podem

inflamatórias (piora com repouso e alívio com o uso arti­

ser observados os diplococos Gram-negativos.

cular, associado à rigidez matinal maior que 30 a 60min).

Respondem bem à terapia antimicrobiana e são

Além disso, o padrão de distribuição é assimétrico, já que

bem menos destrutivas quando comparadas com

não há correlação entre o acometimento articular quando

se comparam os dois dimídios. Outro fator importante é

as não gonocócicas. - Fungos e micobactérias: em geral, causam mo­

a avaliação da duração do acometimento articular, nos

noartrite crônica, principalmente em indivíduos

quais processos agudos são aqueles com duração de até

imunossuprimidos, e é raro causarem oligo ou

seis semanas e os crônicos, aqueles que passam desse

poliartrite.

dro de uretrite, deve ser colhido material para

- Endocardite bacteriana: deve sempre serlembra­

período.

Inúmeras são as causas de poliartralgias (Quadro 48.1).

da no contexto de febre e artrite. Pode também

No contexto de uma poliartralgia assimétrica, devemos

estar associada a quadro de dor lombar (espondi­

levantaras seguintes hipóteses:

lodiscite). As culturas do líquido sinovial geral­ mente são estéreis e o fator reumatoide pode estar

• Infecciosas - Virais: fazem parte desse grupo as artrites asso­ ciadas às hepatites B e C, rubéola, parvovírus

positivo. Hemoculturas têm grande valor.Torna-se

B19, caxumba e HIV. Todas essas infecções podem mimetizarum quadro reumatoide-símile, devido

• Artrite microcristalina: em geral são monoarticula­

à possibilidade de acometimento poliarticular simétrico em grandes e pequenas articulações e

cular agudo, comumente associado à febre. A dor

até mesmo elevações temporárias de autoanticor­ pos, especialmente o fator reumatoide.

sidade em poucas horas. A artrite gotosa tem prefe­

imperativa essa hipótese diagnóstica em pacientes com febre, artrite e sopro cardíaco.

res, mas podem apresentar acometimento oligoarti­ inicia-se de forma intensa, atingindo máxima inten­

rência pelos pés, especialmente a primeira metacarpo-

Poliartralgias - 285

falângica (podagra); pode haver tofos, principalmente

pirofosfato de cálcio (também conhecida porpseu­

dogota ou condrocalcinose) acomete pessoas mais idosas, de preferência em punhos e joelhos. As ra­

diografias podem ajudarem ambas. Podem-se visu­

alizar erosões e/ou os depósitos de pirofosfato de

cálcio no interior das cartilagens. • Doenças reumatológicas

- Espondiloartrites: fazem parte desse grupo espon­ dilite anquilosante, artrite reativa, artrite psoriási­

ca, artrite enteropática e espondiloartrite indife­

renciada. Geralmente, acometem esqueleto axial (coluna e sacroilíacas), com características infla­ matórias, entesopatia (acometimento das ênteses, que são os locais de inserção dos tendões nos

ossos), dactilite, uveíte anterior, associação com antígeno leucocitário humano (HLA) B27 e auto­ anticorpos negativos (fator antinuclear [FAN] e

fator reumatoide). Quando atingem articulações periféricas, costumam levara oligoartrites com

predomínio em membros inferiores. Artrites rea­

tivas em geral ocorrem após quadros intestinais

ou genitourinários ou, mais raramente, infecções de vias aéreas superiores. Podem apresentar dac­

tilite, conjuntivite, ceratoderma blenorrágico. Há uma forma rara de artrite reativa à tuberculose chamada de doença de Poncet, que pode se apre­

sentarcom um padrão normalmente de poliartral­

gias difusas, ou até mesmo poliartrite. Esta é outra hipótese, levando-se em consideração a

endemicidade dessa infecção. - Reumatismo palindrômico: crises recorrentes de sinovites em uma a cinco articulações, com alívio

dos sintomas por intervalos variáveis. Geralmen­ te, tendem a manterum mesmo padrão individual.

• Infecção - Virais (parvovírus B19, hepatites B e C, HIV, vírus Epstein-Barr, rubéola) - Artrite gonocócica - Meningococcemia - Doença de Lyme (fase tardia) - Artrite fúngica e micobacteriana - Endocardite bacteriana - Doença de Whipple • Pós-infecciosa ou artrite reativa - Febre reumática - Artrite reativa (entérica, urogenital, etc.) • Reumatismo palindrômico • Espondiloartrite (geralmente com comprometimento axial) - Artrite psoriástica - Espondilite anquilosante - Enteroartropatia - SAPHO (sinovite, acne, pustulose, hiperostose, osteíte) - Espondiloartrite indiferenciada • Doença reumática sistêmica - Lúpus eritematoso sistêmico - Artrite reumatoide - Artrite idiopática juvenil - Síndrome de Sjögren - Esclerose sistêmica - Poli/dermatomiosite - Doença mista do tecido conjuntivo - Doença de Still - Polimialgia reumática - Vasculites sistêmicas primárias - Policondrite recidivante • Osteoartrite • Doenças induzidas por cristais - Doença por depósito de pirofosfato de cálcio (pseudogota) - Doença por depósito de hidroxiapatita • Distúrbios metabólicos - Hemocromatose - Doença de Wilson - Doença de Gaucher • Endocrinopatias - Artropatia mixedematosa • Doenças hematológicas - Amiloidose - Hemoglobinopatias - Leucemias agudas • Outras doenças sistêmicas - Doença celíaca - Sarcoidose - Retículo-histiocitose multicêntrica - Febre familiar do Mediterrâneo - Neoplasias

Os ataques são súbitos e intensos. Em alguns pa­

cientes, esse acometimento faz parte de um quadro precoce de artrite reumatoide ou lúpus eritemato­

so sistêmico, principalmente naqueles com fator

reumatoide ou FAN positivos.

Refere ainda lombalgia com início há três meses, piorada ao deitar-se e, por vezes, despertando-o à noite, associada à rigidez matinal com duração de 60min e fadiga. Há duas semanas, notou dor em calcâneo ao deambular. Nega história de febre, diarreia, uretrite, uveíte, conjuntivite ou lesões cutâneas. Seu avô paterno apresentava quadro de diarreias sanguinolentas de re­ petição, mas sem diagnóstico preciso, tendo falecido de infarto agudo do miocárdio. Ao exame físico geral,

não havia qualquer anormalidade. Exame articular: joelho direito: edema articular, limitação à movimen­ tação ativa e passiva globalmente, dorà palpação da articulação, sinovite e calor local; tornozelo esquerdo: edema articular, limitação à movimentação ativa e passiva globalmente, dorà palpação da articulação; mãos/punhos: prova de squeeze positiva (compressão de metacarpofalângicas) e sinovite de punho esquerdo, segunda e quarta articulações direitas e terceira articu­ lação esquerda. Coluna cervical: boa amplitude de movimento. Distância trágus-parede (equivalente a occipício-parede): 13cm (normal). Coluna torácica e lombossacral: ausência de dorà palpação dos processos

CAPÍTULO 48

nos casos de longa data. A artrite por depósito de

QUADRO 48.1 - Causas de poliartralgias/poliartrites

Doenças Reumatológicas

espinhosos e musculatura paravertebral, limitação de movimento à flexão e extensão. Teste de Schober:3cm (normal: maiorou igual a 5cm). Patrick: doloroso em avaliação de sacroilíacas bilateralmente. A lombalgia é um dos sintomas mais frequentes na

pratica médica, sendo descrita como segunda causa de consultas médicas nos Estados Unidos. Cerca de 84% dos

adultos apresentarão em algum momento das suas vidas

um quadro sintomático em região lombar. O diagnóstico diferencial é amplo (Quadro 48.2), mas, na maioria das

QUADRO 48.3 - Red flags em lombalgia • • • • • • • • • • •

Trauma recente ou leve em idade superior a 50 anos Perda de peso inexplicada Febre inexplicada Imunossupressão História prévia de neoplasias Uso de drogas endovenosas História de osteoporose Uso prolongado de corticosteroides Idade maior que 70 anos Déficit neurológico focal progressivo ou sintomas incapacitantes Duração maior que seis semanas

vezes, é ocasionada por causas mecânicas ou não especí­

ficas. Pode ser classificada em agudas, com duração de até quatro semanas, subagudas, entre quatro e seis sema­

tes com quadro de estenose do canal, observa-se, além de

nas, e crônicas, quando perduram por mais de seis sema­

ricos normais, chamada de neurogênica. Está associada a

nas. O mais importante em pacientes com quadros de lombalgia são uma boa anamnese e exame físico, em

espessamento do ligamento amarelo à artrose de articu­

virtude de as imagens apresentarem intensa dissociação

O restante dos casos, apesar de menos frequentes,

de queixas clínicas. Um exemplo bem clássico é são osteófitos nos corpos vertebrais, que nem sempre são

depende de pronto reconhecimento e intervenção. Na

responsáveis pelo quadro álgico. As imagens devem ser

senta também disfunção esfincteriana, paresia de membros

solicitadas e avaliadas conforme a clínica do paciente e geralmente são desnecessárias em lombalgias agudas ou

inferiores e anestesia em sela. Ocorre em função de com­

subagudas, excetuando-se os casos com para red flags

equina) por algum processo expansivo central, como

(Quadro 48.3), os quais devem ser solicitadas prontamente.

neoplasia, infecção, hérnia de disco, dentre outros. Ne­

Cerca de 85% dos pacientes têm lombalgias inespecí­ ficas, geralmente ocasionadas por causas mecânicas com

cessita de intervenção cirúrgica imediata, sob risco de

difícil elucidação diagnóstica específica, mas com curso

benigno e autolimitado. Aqueles com dorlombarassocia­ da à radiculopatia costumam apresentar sintomas sensitivos em dermátomo específico à raiz acometida. Com frequên­ cia, a irradiação é pelo trajeto do nervo ciático (ciatalgia),

em face posterolateral do membro inferior com presença de sinal de Lasègue. Pode ser provocada por compressão radicular associada a transtornos degenerativos (artrose

nas articulações interfacetárias, o que provoca a obliteração

do forame intervertebral) ou hérnias de disco. Em pacien-

dor lombar, claudicação intermitente, com pulsos perifé­

lações interfacetárias e/ou a espondilolisteses.

síndrome da cauda equina, por exemplo, o paciente apre­

pressão das raízes terminais da medula espinhal (cauda

lesão neurológica irreversível. Os processos neoplásicos em geral mostram quadro

de síndrome consumptiva, além do quadro álgico e fre­

quentemente são secundários a metástases. São locais de investigação de local primário as neoplasias que costumam apresentar metástases ósseas: tireoide, mamas, pulmão,

trato gastrointestinal, rins, sarcomas e próstata. Ainda no

grupo dos processos neoplásicos, encontra-se o mieloma

múltiplo que, além das alterações ósseas, pode exibir

hipercalcemia, insuficiência renal e anemia.

Apenas dois ou mais sintomas flogísticos ao exame físico (dor, calor, ruborou edema) é o que define artrite.

QUADRO 48.2 - Causas de dores lombares • • • • • • • • • • • • • • • •

Contratura muscular Espondilose Síndrome miofascial Hérnia de disco Síndrome facetária Estenose do canal vertebral Espondilodiscite bacteriana piogênica Mal de Pott Espondiloartrites soronegativas Metástases ósseas Mieloma múltiplo Síndrome da cauda equina Fraturas vertebrais Nefrolitíase Aneurisma aórtico Pancreatite aguda

Por essa razão, pode-se resumirno momento que o quadro

do paciente consiste em poliartrite (como visto ao exame

físico) migratória de pequenas e grandes articulações, preferencialmente de membros inferiores, associada a uma

lombalgia de características inflamatórias. Administrado ao paciente apenas analgésico co­ mum, pois ainda não há esclarecimento da etiologia da enfermidade, e foram solicitados exames para melhor esclarecimento do quadro. Ao retornar não apresenta melhora articular.Houve migração da artrite para outras articulações dos membros inferiores. Hemograma, enzimas hepáticas e função renal normais, assim como sorologias virais negativas. Velocidade de hemossedi-

978-85-4120-074-5

CAPÍTULO 48

286 -

mentação de 60mm e proteína C-reativa ultrassensível de 10,01mg/dL. Exames radiológicos: edema de partes moles em joelhos e punhos e metacarpofalângicas, sem evidência de erosões ou cistos subcondrais; radiografias de coluna dorsal e lombaranteroposteriore perfil, assim como de sacroilíacas em Ferguson e oblíquas normais. O paciente refere no retomo, que há cerca de cinco dias iniciaram-se episódios de hematoquezia e dores abdo­ minais em cólica. Ao se avaliar com mais cuidado a história do pacien­

te, percebe-se que o quadro é compatível com espondilo­ artrite, na qual se evidencia dor lombar com característi­ cas inflamatórias, com início há mais de três meses e rigidez matinal (Quadro 48.4). Isso justifica também o

padrão articular periférico encontrado. O que aconteceu neste é o que geralmente ocorre em casos de dor lombar

achados são semelhantes aos da espondilite anquilosante, com vértebras quadradas (squaring), sindesmófitos, colu­ na em bambu e sacroiliite bilateral. Por conta da indefinição diagnóstica, solicitam-se ressonância nuclear magnética de sacroilíacas e coluna lombossacral, pesquisa do HLA-B27, colonoscopia, anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA) e anti­ corpo anti-Saccharomyces cerevisiae (ASCA). Após uma semana, o paciente trouxe os resultados: colonos­ copia - ulcerações lineares e serpiginosas com processo inflamatório salteado em sigmoide, com as­ pecto final em paralelepípedo, compatível com doença de Crohn; HLA-B27 positivo; ANCA negativo; ASCA positivo. Na ressonância nuclear magnética de sacroi­ líacas foi evidenciado hipersinal em STIR e T2 e realce em T1 após administração do contraste, compatível com edema ósseo e ausência de alterações em coluna.

quando não se investiga o caráterda dore se assume como tendo características mecânicas, atrasando o diagnóstico.

HLA-B27 tem sido encontrado em 50 a 75% dos

Podem-se utilizaros critérios da Assessment of Spon-

pacientes com espondiloartrite. Entretanto, só deve ser

diloarthritis International Society (ASAS) para se definir o quadro como espondiloartrite. Há vários critérios de

solicitado quando a suspeita é moderada ou grave. Sua ausência de forma alguma exclui o diagnóstico e sua

classificação já descritos, porém esses são os mais recen­

presença apenas o sugere. A avaliação combinada de

tes (2009) e com maior acurácia para os casos iniciais,

ANCA e ASCA ajuda na diferenciação entre retocolite

como o deste paciente.

ulcerativa e doença de Crohn. Presença de ASCA e au­

A radiografia convencional é o principal exame para

sência de ANCA com padrão atípico levam a pensarem

investigação de espondiloartrites; entretanto, tem baixa

um quadro de doença de Crohn (sensibilidade de 49% e

sensibilidade de detecção de anormalidades nos estágios

especificidade de 97%).

iniciais. Os sinais radiográficos de sacroiliite aparecem

Na avaliação da ressonância nuclear magnética (Fig.

cerca de três a sete anos após início dos sintomas. Os

48.1) percebe-se edema ósseo em articulação sacroilíaca

esquerda, o que é sugestivo de sacroiliite em estágios

iniciais, geralmente não observado à radiografia conven­ QUADRO 48.4 - Critérios de classificação da Assessment of Spondiloarthritis International Society (ASAS) para espondiloartrite axial (pacientes com lombalgia por três meses ou mais e com mais de 45 anos) Sacroiliite à imagem* + ao menos 1 critério clínico** OU HLA-B27 + ao menos 2 critérios clínicos**

• Critérios radiográficos* - Inflamação ativa/aguda à ressonância nuclear magnética altamente sugestiva de sacroiliite associada à espondiloartrite OU - Sacroiliite bilateral grau 2 - 4 ou unilateral grau 3-4 (0 = normal; 1 = possível sacroiliite; 2 = mínima; 3 = moderada; 4 = anquilose) • Critérios clínicos** - Lombalgia inflamatória - Artrite - Entesite - Uveíte - Dactilite - Psoríase - Doença inflamatória intestinal - Boa resposta a anti-inflamatórios não esteroidais - História familiar de espondiloartrite - Antígeno leucocitário humano (HLA) B27 - Proteína C-reativa aumentada

cional. Os principais achados à ressonância nuclear magnética na fase inflamatória são: líquido intra-articular,

edema medular ósseo subcondral, realce pós-gadolínio articular e periarticular e edema de tecidos moles. Já na fase pós-inflamatória, pode haver reconversão medular

óssea (acúmulo de gordura), substituição da cartilagem articular por pannus, erosão óssea, esclerose subcondral, alargamento ou redução do espaço articular e anquilose.

DIAGNÓSTICO FINAL • Doença de Crohn. • Espondiloartrite enteropática.

DISCUSSÃO Artrite pode acometerem 9 a 53% dos pacientes com doen­

ça inflamatória intestinal, com mais frequência aqueles

CAPÍTULO 48

978-85-4120-074-5

Poliartralgias - 287

CAPÍTULO 48

288 - Doenças Reumatológicas

Figura 48.1 - Ressonância nuclear magnética de sa­ croilíaca em corte coronal, com imagem ponderada em STIR, apresentando hipersinal em região de sacroi­ líaca esquerda (seta), denotando edema ósseo. Imagem gentilmente cedida por Dr. André Rosenfeld.

que apresentam comprometimento de intestino grosso ou

complicações como abscessos, doença perianal, eritema

O acometimento articular tipo II tem padrão poliarti­ cular comprometendo principalmente as metacarpofalân­ gicas, e em menor grau, joelhos, tornozelos, cotovelos, ombros, punhos, interfalângicas proximais e metatarso­ falângicas. Apresenta padrão migratório em metade dos pacientes. Compromete 3 a 4% dos pacientes com doen­ ça inflamatória intestinal. Sinovite ativa pode persistir meses, com episódios de exacerbações e remissões du­ rante anos. O envolvimento articular raramente precede o diagnóstico de doença inflamatória intestinal, como o caso descrito, e geralmente não exibe paralelo com a atividade intestinal. Além do acometimento articular existem outras formas de acometimentos extraintestinais associados à doença inflamatória intestinal, que são eritema nodoso, pioderma gangrenoso, uveíte, irite, episclerite, tromboembolia ar­ terial e venosa e amiloidose secundária. A chave para uma boa evolução de doenças reumatológicas é um diagnósti­ co preciso, associado à terapêutica precoce e à educação adequada do paciente. Uma possibilidade terapêutica para este paciente seria o uso de antifatorde necrose tumoral (anti-TNF) (infliximabe ou adalimumabe) associado ou não ao metotrexato, por exemplo.

nodoso, uveíte, pioderma gangrenoso e hemorragia ma­ ciça. Homens e mulheres são afetados igualmente. Nos

pacientes com doença de Crohn, o quadro articular cos­ tuma ser mais frequente nos que apresentam doenças em

região dos cólons e pode comprometer o esqueleto axial, incluindo sacroilíacas e articulações periféricas, de forma

isolada ou concomitante. A artrite periférica pode ser

aguda e remitente (tipo I) ou apresentarum padrão crôni­ co ou com frequentes recidivas (tipo II). A espondiloartrite e a sacroiliite atingem mais homens.

Quadro de espondilite ocorre em 1 a 26% dos pacientes com doença inflamatória intestinal. Sacroiliites assinto­

máticas, em 4 a 18% daqueles com doença inflamatória

intestinal. Uma radiografia com alteração de sacroilíacas não define maior risco de espondiloartrite. A artropatia tipo I apresenta padrão agudo, oligoarti­

cular (duas a quatro articulações), geralmente associada a

crises intestinais, com início precoce no curso da doença

inflamatória intestinal, autolimitada (90% melhoram em seis meses), não deformante. A articulação mais acometi­

da é o joelho. Em torno de 5% dos pacientes com doença

inflamatória intestinal apresentam esse padrão articular Os sintomas articulares podem preceder os intestinais.

BIBLIOGRAFIA BAUMGART, D. C.; SANDBORN, W. J. Inflammatory bowel disease: clinicai aspects and established and evolving therapies. Laret v. 369, n. 9573, p. 1641-57, 2007. CHOU, R.; et al. CLINICAL EFFICACY ASSESSMENT SUBCOMMITTEE OF THE AMERICAN COLLEGE OF PHYSICIANS. AMERICAN COLLEGE OF PHYSICIANS. AMERICAN PAIN SOCIETY LOW BACK PAIN GUIDELINES PANEL. Diagnosis and tieatment of low back pain: a joint clinicai practice guideline from the American College of Physicians and the American Pain Society. AmlrtenMed., v. 147, n. 7, p. 478-91, 2007 Oct 2. Enatum in: AmlrtenMβd., v. 148, n. 3, p. 247-8, 2008 Feb 5. DOUGADOS, M.; et al. The European Spondylaithropathy Study Group pieliminaiy criteria for the classification of spondylaithropathy. ArthitisRhELin., v. 34, p. 1218-27, 1991. SALVARANI, C.; FRIES, W. Clinicai features and epidemiology of spondyloarthritides associated with inflammatory bowel disease. WcrH J. Gashoαlcrd., v. 15, n. 20, p. 2449-55, 2009. SIEPER, J. et al. The Assessment of SpondyloArthritis intemational Society (ASAS) handbook: a guide to assess spondyloarthritis. AmRheun. Dis, v. 68, suppl. II, p. 1-44, 2009. VASSILOPOULOS, D.; CALABRESE, L. H. Virally associated arthritis 2008: clinicai, epidemiologic, and pathophysiologic considerations. ArtíritisRes Tha'., v. 10, n. 5, p. 215. Epub 2008 Sep 18. ZOLLO JR, A. J. Scyαloion medicirairta-rH respostas necessá­ rias ao dia-a-dia em rounds, na clínica, em exames orais e escri­ tos. 4. ed., Porto Alegre: Artmed. 2006, p.20.

___________________________________

CAPÍTULO

49

Poliartrite Maria Cecília Nieves Teixeira Maiorano • Eliane Reiko Alves

Mulher, branca, 41 anos de idade, apresenta-se ao serviço de saúde com queixa de artralgia em várias articulações, edema e calor local há um ano. Relata também fadiga e perda de 10kg no período de um ano, além de febre não aferida e rigidez matinal. No início, procurou atendimento médico e lhe foi prescrito um anti-inflamatório não esteroidal, ocorrendo melhora do quadro, mas após alguns meses voltou a apresentaros mesmos sintomas. Fez uso de diversos analgésicos e anti-inflamatórios por conta própria, e nos últimos dias fez uso abusivo dessas medicações devido às dores intensas.

Pela descrição dos sintomas, temos um quadro de poliar­ trite somado a manifestações constitucionais, como febre

cotovelos e punhos, além de calor local. Conta que a ri­ gidez matinal tem aproximadamente 1h de duração. Há dois meses vem tendo as mesmas manifestações nos tornozelos e interfalângicas proximais e notou uma dis­ creta deformidade nas articulações das mãos. Quando falamos em artrite, é importante inicialmente lembrar quais doenças cursam com monoartrite e quais se manifestam com poliartrite. Uma monoartrite nos le­

varia a pensarem artropatia por cristais, como é o caso da gota, que decorre de depósito de cristais de urato mo­ nossódico e da pseudogota, devida a cristais de pirofos­

fato de cálcio. Outra possibilidade para um quadro de monoartrite seria a artrite infecciosa: bacteriana, fúngica

dores articulares estão presentes sinais inflamatórios como

ou tuberculosa. Mas, no caso, essas possibilidades tornamse remotas visto que a paciente apresenta uma poliartrite. Entre as doenças que cursam com poliartrite (Quadro

calor, rubor e edema. A rigidez matinal é uma alteração que acontece devido ao acúmulo de substâncias produzidas

49.1) podemos destacara artrite reumatoide, o lúpus eritematoso sistêmico, a febre reumática, a artrite psori­

por um processo inflamatório. O fato de ser uma mulher

ásica, a artrite hansênica e a policondrite recidivante. Existe também uma forma subaguda de artropatia por

e perda de peso. O termo artralgia refere-se apenas à dor articular. Nesse caso trata-se de artrite, pois além das

de meia-idade toma provável a hipótese de doença autoi­ mune e as manifestações sistêmicas sugerem doenças de natureza inflamatória, como artrite reumatoide, lúpus

eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica progressiva, dermatopolimiosite e as angiites necrosantes. Em doenças articulares degenerativas e metabólicas, não é habitual o

encontro de manifestações sistêmicas; pois o problema encontra-se restrito à articulação sem manifestações sistê­

micas, portanto, essas doenças tornam-se menos prováveis neste contexto.

Quando a paciente é questionada sobre as caracterís­ ticas dos sintomas, relata que tem episódios intermitentes de artralgia intensa e aumento de volume dos joelhos,

pirofosfato de cálcio que pode cursar com comprometi­ mento poliarticular, semelhante ao da artrite reumatoide. A síndrome de Reiter (uma forma de artrite reativa) cos­

tuma ser acompanhada de manifestações constitucionais, embora classicamente se apresente com quadro de oligo­ artrite acompanhado de uretrite e conjuntivite. Artrites virais também podem causar poliartrite, ainda que tenham um curso autolimitado. Algumas doenças intestinais podem se manifestar com artrite, como é a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa; mas então ocorre uma poliartrite migratória aguda assimétrica, geralmente de início abrup­ to, que acomete grandes articulações de membros infe­ riores. A doença de Whipple cursa caracteristicamente

CAPÍTULO 49

290 -

Doenças Reumatológicas

QUADRO 49.1 - Causas de poliartrite e suas manifestações mais típicas • Artrite reumatoide: poliartrite simétrica crônica não migratória de pequenas articulações periféricas, com rigidez articular superior a 1 h • Lúpus eritematoso sistêmico: padrão assimétrico, distal e migratório, com rigidez articular de duração inferior a 1h • Artrite viral: mais comum em crianças e adultos jovens; geralmente não dura mais que seis semanas • Artrite hansênica: pode se manifestar de várias formas - poliartrite aguda com eritema nodoso hansênico; poliartrite insidiosa (como a artrite reumatoide); tenossinovite granulomatosa; artrite com vasculite cutânea • Pseudogota, forma subaguda: acomete geralmente pessoas com mais de 60 anos de idade, com características semelhantes às da artrite reumatoide • Policondrite recidivante: poliartrite, condrite, disfunção vestibulococlear, inflamação ocular • Febre reumática: maior incidência entre 5 e 15 anos de idade, caracterizada por poliartrite migratória assimétrica de grandes articulações periféricas • Artrite psoriásica: pode se apresentar com poliartrite simétrica de pequenas articulações de mãos, punhos, joelhos e cotovelos muito semelhante à da artrite reumatoide

A episclerite é uma manifestação ocular que pode estar presente tanto em lúpus eritematoso sistêmico quan­ to em artrite reumatoide, sendo uma condição autolimi­

tada. Devemos pensarem causas renais, hepáticas ou cardíacas que expliquem a síndrome edemigênica. Nesse

caso, a urina espumosa pode representara existência de proteinúria que, associada a manifestações articulares,

toma o lúpus eritematoso sistêmico uma hipótese a ser

considerada, visto que o lúpus pode acometer os rins de diversas maneiras. A característica dos sintomas respira­

tórios apresentados pela paciente nos faz pensar em acometimento pleural, pois a dor tem caráter pleurítico. O acometimento de serosas como pleura, pericárdio e

peritônio pode ser visto tanto em doenças autoimunes

quanto em infecciosas, como é a tuberculose. O uso abusivo de AINE pode comprometer os rins de diversas formas, podendo provocar insuficiência renal pré-renal,

nefrite intersticial aguda, síndrome nefrótica por lesão mínima e necrose de papila. A síndrome edemigênica com artrite, serosite, diarreia, perda ponderal, linfadeno­

presente pode resultarde uma síndrome nefrótica secun­

patia e hiperpigmentação cutânea. A doença celíaca

dária ao uso de anti-inflamatórios. A artrite reumatoide

também pode se manifestar com artrite, conquanto se

tem diversas formas de acometimento renal, dentre os

apresente com síndrome disabsortiva, que está ausente no

quais podemos citar nefropatia membranosa, glomerulo­

caso em questão. A artrite reativa surge por uma infecção

nefrite mesangial, vasculite e amiloidose. A ausência de

a distância e o quadro articular clássico é uma oligoartri­

te assimétrica de membros inferiores. Para este caso,

devemos direcionaras hipóteses diagnósticas para as doen­

ças que tipicamente se manifestem com poliartrite, fazen­ do com que as outras doenças citadas sejam improváveis. A paciente exibe acometimento simétrico das articulações,

mas o envolvimento é tanto de grandes quanto de peque­

nas articulações.

A paciente conta que há seis meses procurou um oftalmologista devido a dor ocular e eritema, e na época foi feito o diagnóstico de episclerite; alguns dias depois houve melhora espontânea do quadro ocular. Nos últimos dez dias notou aparecimento de edema palpebral e em membros inferiores e urina espumosa. Relata também dor torácica significativa, do tipo pon­ tada, que piora à inspiração profunda, acompanhada de dispneia em repouso há aproximadamente 20 dias. Ela paciente trabalha como garçonete, relata relações sexuais com parceiro único e faz uso regular de pre­ servativos. Nega tabagismo, etilismo ou uso de drogas ilícitas. Nega uso de outras medicações além dos analgésicos e anti-inflamatórios. Nega lesões cutâneomucosas, fotossensibilidade, diarreia, antecedente de amigdalite ou infecção viral. Nega tratamento dentário, assim como qualquer outro procedimento cirúrgico nos últimos anos. Quanto aos antecedentes familiares, a mãe é hipertensa, o pai é portador de gota e uma de suas tias maternas tem síndrome de Sjögren.

lesões cutâneas e em mucosas, como rash malar úlceras

orais e fotossensibilidade, toma o lúpus eritematoso sistêmico menos provável, mas somente esses dados não

são suficientes para descartara doença. A ausência de diarreia praticamente descarta artrite enteropática como

o diagnóstico mais provável, assim como a ausência de lesões cutâneas torna a artrite hansênica uma possibili­

dade muito remota. Muitas doenças virais, como hepati­ tes B e C, parvovírus, rubéola e Epstein-Barr podem cursar com poliartrite, mas geralmente a artrite reativa é

precedida por um quadro clínico sistêmico e, além do mais, essas artrites reativas em geral duram, no máximo,

seis semanas e não deixam sequelas. A síndrome de Sjögren é um dos diagnósticos diferenciais que deve ser

lembrado, pois pode se manifestar com artrite e, no caso em questão, a paciente tem história familiar dessa doença, mas não apresenta sintomas clássicos como xerostomia e ceratoconjuntivite seca. Outras doenças do colágeno

podem se apresentar com artrite, e entre elas podemos

citara doença mista do tecido conjuntivo, a esclerodermia e a dermatopolimiosite, mas nestas, a artrite vem acom­

panhada de sinais e sintomas que não estão presentes em

nossa paciente. Gota não é uma hipótese muito provável, apesarda história familiar positiva, já que essa artropatia é mais comum em homens adultos e classicamente se

manifesta com monoartrite.

Poliartrites - 291

O exame físico traz algumas alterações importantes. A palidez cutâneo-mucosa pode refletir anemia que,

nesse caso, considerando as hipóteses diagnósticas mais

prováveis, deve se tratar de anemia por doença crônica. Febre pode nos levara pensarem endocardite bacteriana, embora de sopro à ausculta cardíaca e a ausência de fatores predisponentes, como tratamentos dentários e

lesões cardíacas prévias, tornem essa hipótese menos provável. Derrame pleural amplia as hipóteses diagnós­

ticas, podendo ser observado em pleurites, pneumonias,

neoplasias, doenças renais, hepáticas e insuficiência cardíaca. Sinais inflamatórios nas articulações indicam artrite, que pode estar presente em afecções reumáticas e infecciosas, como já foi dito. A deformidade articular é característica da osteoartrite e da artrite reumatoide,

não sendo a osteoartrite uma hipótese a ser considerada,

(VCM): 89; hemoglobina corpuscular média: 28; reti­ culócitos: 1%; leucograma: 8.720 leucócitos, com diferencial normal; plaquetas: 256.000; ureia: 35; crea­ tinina: 0,86; aspartato aminotransferase: 21; alanina aminotransferase: 13; bilirrubina total: 0,5; bilirrubina direta: 0,2; bilirrubina indireta: 0,3; albumina 4,1; co­ agulograma normal; velocidade de hemossedimentação (VHS): 80mm. Fator reumatoide positivo 1:80. Fator antinuclear positivo 1:120. Hemoculturas negativas. Urina 1 mostra proteinúria sem outras alterações signi­ ficativas. Dosagem de proteínas na urina de 24h de 4,2g. A radiografia de mãos e punhos (Fig. 49.1) evidencia erosões em ossos de punhos.

Pelos exames solicitados foi diagnosticada anemia

normocítica e normocrômica. As anemias com esse padrão morfológico ocorrem por mecanismos distintos: hemor­ ragia aguda, deficiência de produção de hemácias e he­

mólise. No caso, não há história de sangramentos e a

contagem de reticulócitos e bilirrubina indireta normais descartam hemólise. No lúpus eritematoso sistêmico, um

dos critérios diagnósticos é a anemia hemolítica com

reticulocitose; portanto, a anemia dessa paciente não pode

ser considerada um critério diagnóstico de lúpus. Prova­ velmente ocorra uma deficiência de produção de hemácias,

podendo decorrer de diferentes situações, como aplasia

de medula, insuficiência renal crônica, endocrinopatias e

doenças crônicas. Aplasia medular é improvável, pois o

leucograma e a contagem plaquetária estão dentro dos limites normais e a insuficiência renal está descartada, pois a função renal é normal. Não há, na história ou no

exame clínico, sinais que indiquem endocrinopatia. O leucograma não revelou sinais de infecção, o que torna

pois se trata de uma doença degenerativa que não se associa a sintomas constitucionais e se manifesta tipica­

mente com acometimento de interfalângicas distais. A crepitação é um sinal característico de comprometimen­ to da cartilagem articular e está presente em artropatias

degenerativas como a osteoartrite. A artrite de Jaccoud

também é uma possibilidade. Trata-se de deformidade

resultante de lesão tendinosa, embora não seja erosiva como artrite reumatoide. Pode existir com lúpus eritema­

toso sistêmico, síndrome de Sjögren e febre reumática. As lesões acastanhadas nos dígitos das mãos podem ser

manifestações de vasculite cutânea ou que pode acom­

panhar tanto lúpus quanto artrite reumatoide, podem resultar de vasculite ou embolização séptica secundárias à endocardite infecciosa.

Solicitados exames gerais que revelam: hemoglo­ bina: 9,6; hematócrito: 28,4; volume corpuscular médio

Figura 49.1 - Radiografia de mãos e punhos revelan­ do erosões ósseas, osteopenia e deformidade articular.

CAPÍTULO 49

Ao exame físico, a paciente encontra-se em bom estado geral, consciente, orientada no tempo e no espa­ ço, taquidispneica, com frequência respiratória de 24ipm; pôde-se notar uma discreta palidez cutâneomucosa. Temperatura de 37,9°, pressão arterial de 134 × 88mmHg e a frequência cardíaca de 96bpm, sem linfadenomegalia. Exame cardíaco normal. A ausculta pulmonarhá abolição do murmúrio vesicularem bases, além de macicez à percussão dessa área. O exame do abdome não mostra ascite nem visceromegalias. Joe­ lhos, cotovelos, punhos, tornozelos e interfalângicas proximais edemaciados, com aumento de temperatura local e dorà movimentação, porém, sem limitação da amplitude dos movimentos e sem crepitação. Nota-se discreta deformidade nas interfalângicas proximais. Na pele, existem pequenos infartos acastanhados nas pon­ tas dos dedos. Exame neurológico é normal.

CAPÍTULO 49

292 -

Doenças Reumatológicas

pouco provável uma infecção bacteriana. A VHS aumen­

caso, temos dispneia insidiosa e progressiva, que é mais

tada indica atividade inflamatória inespecífica, podendo

bem explicada pelo derrame pleural.

estarpresente em diversas doenças. O fator reumatoide e o fatorantinuclearpositivos reforçam a hipótese de doen­

ça reumatológica, entretanto esses marcadores não são

específicos para nenhuma doença (Quadro 49.2). Ausên­ cia de sopro cardíaco, hemoculturas negativas e hemogra­

ma não infeccioso tomam a endocardite bacteriana uma hipótese pouco provável. Diante do exposto, temos duas

hipóteses mais prováveis, que são lúpus eritematoso sis­

têmico e artrite reumatoide. A proteinúria de 24h maior que 3,5g confirma à síndrome nefrótica e a presença de

erosões ósseas à radiografia sugere artrite reumatoide.

A paciente permanece algumas semanas sem acom­ panhamento. Volta ao serviço de saúde com piora do quadro articular além de mantero quadro de edema e urina espumosa. Começa a apresentardore edema mais acentuado em membro inferior direito e piora da disp­ neia. Radiografia de tórax revela velamento dos ângulos costofrênicos bilateralmente. A persistência e a piora do quadro clínico confirmam

uma doença progressiva. O surgimento de dore de edema

de membro inferior direito direciona a investigação para

trombose venosa profunda. A associação de doença reu­

matológica com eventos tromboembólicos é compatível com síndrome do anticorpo fosfolipídio (SAF), que pode

Para descartar trombose venosa profunda, realizase ultrassonografia com Doppler de membro inferior direito, que não aponta sinais de trombose, demons­ trando acúmulo de líquido no espaço poplíteo (cisto sinovial). Punção do líquido pleural evidencia um exsudato, com proteínas aumentadas; desidrogenase lática aumentada; leucócitos: 2.940, com predomínio linfocitário; fator reumatoide positivo e glicose de 13mg/dL. Dosados anticorpos anticardiolipina e anti­ coagulante lúpico, além do VDRL (Venereal Disease Research Laboratory), para pesquisa de SAF, os quais foram todos negativos. Devido à manutenção do quadro renal, opta-se pela biópsia renal, sendo a microscopia óptica normal, e a microscopia eletrônica revela fusão dos processos podocitários, sendo compatível com lesão mínima.

A ultrassonografia com Doppler excluiu a possibili­ dade de trombose venosa em membro inferior tomado a hipótese de SAF improvável. O acúmulo de líquido no

espaço poplíteo pode ser devido a um cisto sinovial, de­ corrente da produção excessiva de líquido, formando uma bolsa que pode invadir tecidos musculares da panturrilha, dissecando suas fáscias. Esse tipo de acometimento pode ocorrerna evolução da artrite reumatoide (cisto de Baker), que clinicamente pode simular um quadro de trombose

venosa profunda. O derrame pleural tem características

ser secundária ao lúpus eritematoso sistêmico ou a algu­

de exsudato, o que afasta origem cardíaca. A glicose

ma outra doença autoimune, podendo também aparecer de forma isolada (primária). A dispneia também poderia

baixa fala a favor de um processo infeccioso ou de artri­ te reumatoide. Níveis tão baixos normalmente não são

ser explicada nesse contexto, pois a trombose de membro

encontrados em tuberculose, sendo um achado caracterís­

inferior poderia ter provocado tromboembolia pulmonar causando dispneia súbita, embora o derrame pleural por

tico da artrite reumatoide. Fator reumatoide positivo no líquido pleural é um achado comum em artrite reumatoi­

si só pudesse ocasionar o desconforto respiratório. No

de. A nefropatia por lesão mínima, conforme já discutido,

pode decorrer do uso de AINE, pois à biópsia não há indícios de acometimento secundário a lúpus eritematoso QUADRO 49.2 - Doenças com fator reumatoide positivo • Doenças não infecciosas - Artrite reumatoide - Lúpus eritematoso sistêmico - Hepatopatias crônicas - Sarcoidose - Mieloma múltiplo - Fibrose pulmonar idiopática - Síndrome de Sjögren • Doenças infecciosas - Endocardite bacteriana subaguda - Mononucleose infecciosa - Tuberculose - Hanseníase - Sífilis - Calazar - Esquistossomose - Malária

sistêmico ou artrite reumatoide. Colhido antipeptídeo citrulinado, o qual se mostrou positivo.

DIAGNÓSTICO FINAL Artrite reumatoide.

DISCUSSÃO Artrite reumatoide é uma doença inflamatória de caráter crônico, que acomete principalmente os tecidos sinoviais,

Poliartrites - 293

Tem prevalência de 0,5 a 1% em adultos, variando de

antirreumáticas modificadoras de doença, as quais têm

acordo com a raça, devido a genes predisponentes como o alelo HLA-DR4. Acomete principalmente mulheres.

um efeito imunomoduladore alteram o potencial inca­ pacitante da artrite reumatoide. Em alguns casos, podem

Pode se manifestarem qualquer idade, mas é mais comum

ser necessários imunossupressores e, caso não haja res­

entre os 40 e 70 anos. Trata-se de doença sistêmica, com

posta às drogas antirreumáticas modificadoras de doen­ ça, os agentes biológicos neutralizadores do fator de

instalação insidiosa, de apresentação clínica diversa, va­

riando desde artrite moderada até uma inflamação sistê­

mica progressiva e destruição articular caracterizada por

necrose tumoral alfa (TNF-alfa) podem ser utilizados. A paciente em foco apresentou manifestações pulmo­ nares, sendo o acometimento de pleura uma manifestação

erosão óssea progressiva. Essa destruição articular pode

clássica. O derrame pleural costuma serum exsudato com

ocorrer de maneira rápida e precoce.

nível de glicose muito baixo, o que é justificado pelo

Acomete especialmente pequenas articulações de mãos

comprometimento do transporte dessa substância através

e pés, punhos, ombros, cotovelos, joelhos e articulações

da pleura inflamada. Além disso, tem complemento baixo,

coxofemorais, podendo, mais raramente, atingirarticula­

com baixa contagem de leucócitos e fator reumatoide

ções temporomandibulares e cricoaritenoides. Nas mulhe­

positivo. No início do quadro clínico, a paciente não

res, costuma envolver mais as pequenas articulações das mãos e dos punhos, e nos homens é mais comum o aco­

preenchia os critérios necessários para o diagnóstico de artrite reumatoide, exibindo apenas a artrite como sintoma

metimento de joelhos e quadris. Outra característica

mais característico.

dessa doença é a rigidez matinal, usualmente com duração de mais de 1h.

Critérios para diagnóstico da artrite reumatoide (American College of Rheumatology):

A inflamação da membrana sinovial é o principal

mecanismo fisiopatológico da doença, sendo caracteriza­ da por hiperplasia, formação de um tecido sinovial inva­

sivo (pannus), aumento da vascularização e infiltrado de células inflamatórias. Geralmente, as manifestações arti­

1. Rigidez matinal: por pelo menos 1h.

2. Artrite em três ou mais articulações. 3. Artrite de articulações de mãos ou punhos. 4. Artrite simétrica. 5. Nódulos reumatoides subcutâneos.

culares são acompanhadas de sintomas constitucionais

6. Fator reumatoide positivo.

como febre, adinamia, anorexia e perda de peso. Sintomas

7. Alterações radiográficas em mãos ou punhos.

extra-articulares também podem estar presentes, como as

manifestações cutâneas (nódulos, fragilidade, vasculite e

Para o diagnóstico de artrite reumatoide são necessá­

pioderma gangrenoso), oftalmológicas (ceratoconjuntivi­ te seca, episclerite, esclerite, escleromalácia perfurante e

rios quatro dos sete critérios, sendo que os quatro primei­ ros devem estar presentes por pelo menos, seis semanas.

ceratopatia ulcerativa periférica), pulmonares (derrames

Com a evolução da doença, outros sintomas foram se

pleurais, doença pulmonar intersticial, bronquiolite obli­

manifestando, como o acometimento pleural, a rigidez

terante, nódulos reumatoides e vasculite), cardíacas (pe­

matinal e o surgimento do cisto de Bakerem membro

ricardite, aterosclerose prematura, vasculite e nódulos nos

anéis valvares), neurológicas (neuropatia por aprisiona­ mento, mielopatia cervical, mononeurite múltipla por

vasculite e neuropatia periférica), renais (amiloidose,

vasculite), ósseas (osteopenia) e hematológicas (anemia, trombocitose e linfadenopatia). Quando envolve outros

inferior direito. O cisto de Bakeré uma das complicações

do acometimento articular que resulta de cistos sinoviais extensos, que podem dissecar os tecidos moles dentro da panturrilha, causando desde sintomas mínimos como sen­

sação de plenitude, até dore edema significativos que

podem simular um quadro de trombose venosa profunda

órgãos, a morbidade e a gravidade da doença são maiores,

como aqui ocorreu (Fig. 49.2). O fator reumatoide mostra sensibilidade de 60 a 80%,

diminuindo a expectativa de vida. Associa-se a aumento

mas tem baixa especificidade, podendo estar presente em

do risco de doença arterial coronariana, infecção e linfo­ ma. Com a progressão da doença, os pacientes desenvol­

outras doenças reumáticas, infecções e em indivíduos ido­ sos saudáveis. Por outro lado, o anticorpo antipeptídio ci­

vem incapacidade para atividades de vida diária e profis­

trulinado cíclico é um teste de alta especificidade e maior

sional, acarretando um impacto significativo sobre a

custo, com sensibilidade semelhante à do fator reumatoide,

qualidade de vida.

podendo ser solicitado em situações de dúvida diagnóstica.

CAPÍTULO 49

interação entre fatores genéticos, ambientais e imunológicos.

O tratamento é basicamente uma combinação de anti-inflamatórios esteroidais, não esteroidais e drogas

e sua etiologia permanece incerta. Parece resultar de uma

294 - Doenças Reumatológicas

CAPÍTULO 49

Esse caso mostra que devemos sempre atentar aos principais diagnósticos diferenciais, pois muitas doenças podem ter manifestações semelhantes, que inúmeras vezes nos confundem, podendo levara erros no diagnóstico e consequente prejuízo ao paciente.

BIBLIOGRAFIA ARNETT, F. C. et al. The American Rheumatism Association 1987 revised criteria for the classification of rheumatoid arthritis. ArttritisRhELin., v. 31, p. 315-324, 1988. BÉRTOLO, M. B. et al. Atualização do consenso brasileiro no diag­

Figura 49.2 - Radiografia contrastada evidenciando o cisto de Baker.

nóstico e tratamento da artrite reumatoide. Rev. Bras Reunád., v. 47, p. 151-9, 2007. CHOY, E. H. S.; PANAYI, G. S. Cytokine pathways and joint inflammation in rheumatoid arthritis. N. Er^. J. Med., v. 344, p. 907-16, 2001. CUTLER, P. CanosdixkrH1 prddenasen clírica málica (dos dados ao diagnóstico). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. FUJII, K.; TSUJI, M.; TAJIMA, M. Rheumatoid arthritis: a synovial disease? Am RhEun. Dis, v. 58, p. 727-30, 1999. GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. TráadodemedicinairtaTn Rio de Janeiro: Elsevier; 2005. HARRISON, M. J. Young women with chronic disease: a female perspective on the impact and management of riieumatoid arthri­ tis. ArttritisRham., v. 49, p. 846-52, 2003. LEE, D. M.; WEINBLATT, M. E. Rheumatoid arthritis. Laret v. 358, p. 903-911, 2001. PORTO, C. C. Sβnidc^amédica Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. SCOTT, D. L.; KINGSLEY, G. H. Tumornecrosis factorinhibitors for rheumatoid arthritis. N. Ergj. J. Mβd., v. 355, p. 704-12, 2006.

___________________________________

CAPÍTULO

50

Artralgias e Manchas na Pele Sandro Félix Perazzio • Alexandre Wagner Silva de Souza

Paciente homem, branco, 45 anos de idade, apre­ senta-se ao pronto atendimento com queixa de artralgias migratórias em tornozelos, joelhos, cotovelos e punhos, de características inflamatórias, mas com história de edema articularem joelhos e tornozelos, ocasionalmen­ te, há cerca de dois meses, com piora matinal e rigidez de cerca de 30min após período prolongado de repouso. Associado a esse quadro, o paciente refere perda de 3kg nesse período, manchas em membros inferiores, eleva­ das, indolores e progressivas, com início em torno de uma semana, bem como mialgias, adinamia e febrícula ocasional. Era previamente sadio, nunca apresentou queixas semelhantes e não relata quaisquer outros sintomas. É médico e procedente de São Paulo. Nos últimos três meses visitou Rio de Janeiro, Salvadore Maceió, de férias e algumas cidades do interiorde São Paulo, a trabalho. Não tem história de exposição a animais ou contato com tuberculose. É etilista apenas socialmente e tabagista de cerca de 20 maços-ano. Nega uso de outros tipos de drogas e refere ter parceira fixa há 15 anos.

inespecíficos como mialgias, adinamia, febre baixa e até mesmo artralgias, como descrito anteriormen­

te. No entanto, essas condições são autolimitadas e não costumam perdurar tanto tempo e nem evoluir

com lesões cutâneas como as descritas. A sífilis, por

exemplo, poderia explicaro quadro geral e as lesões na pele; no entanto, o paciente não tem história de

promiscuidade e as lesões não são as características roséolas sifilíticas, que acometem regiões palmares e plantares. A artrite gonocócica poderia também

justificaro quadro se estivesse na fase poliarticular, a qual, entretanto, não costuma durar tanto tempo.

Além disso, após esta fase, há tendência de a infec­ ção concentrar-se em uma única articulação. A ru­

béola é uma infecção cuja memória imunológica tende a se reduzir com o passardo tempo em homens,

razão pela qual há a necessidade de revacinação. Cerca de 30% dos pacientes acometidos pela rubéo­

la desenvolvem um quadro de poliartrite, especial­

O paciente descrito apresenta queixas inespecíficas, porém observamos alguns sinais de alerta, especialmente perda de peso e lesões cutâneas. Devido à diversidade de sinto­ mas, provavelmente estamos diante de uma doença sistê­ mica. Várias doenças podem cursar com artralgias e lesões cutâneas como manifestações secundárias, especialmente infecções. É interessante resumiro que temos de positivo até agora da história do paciente: quadro arrastado de poliartrite migratória em um paciente possivelmente con­ sumido e com lesões cutâneas. O diagnóstico diferencial está resumido no Quadro 50.1 e deve incluir:

mente mulheres, inclusive após a vacina, provavel­

mente por reação mediada por imunocomplexos, uma forma de artrite reacional. Ademais, esses pa­

cientes também costumam rash cutâneo que tende a ser característico, descrito como rubeoliforme,

razão pela qual fica esta como uma hipótese razoá­ vel. Contudo, esse quadro dura de duas a quatro

semanas no máximo, período parecido com o do quadro articular “reumatoide-like” da infecção por

parvovírus B19. Este último é mais comum em

crianças e costuma provocar também um exantema na face (“fácies esbofeteada”), motivo do outro nome

• Infecções: viroses em geral por adenovírus, influen­ za, dentre outros podem levara sinais sistêmicos

da infecção, eritema infeccioso. Quando a infecção aguda ocorre em adultos, há maior frequência de

CAPÍTULO 50

296 -

Doenças Reumatológicas

manifestações articulares. As hepatites B e C são também causas de poliartralgias e até mesmo artri­

são mais associadas a esse quadro. As leucemias de células T podem desenvolver ainda a síndrome de

tes, podendo ocorrer tanto na fase aguda quanto na

Sézary, com lesões cutâneas difusas e maculares,

cronificação da doença. A hepatite C ainda pode

que não estão relacionadas ao caso descrito. Uma

estar associada à crioglobulinemia e provocar lesões

vez que o paciente é tabagista de longa data e vem

cutâneas, especialmente em extremidades, como as

apresentando perda de peso nos últimos meses, o

descritas pelo paciente. Ambas podem cursar com

câncer de pulmão é um diagnóstico diferencial im­

sinais gerais inespecíficos, como febre baixa, perda

portante, mesmo que ele não apresente outros sin­

de peso e adinamia. Da mesma forma, a infecção

tomas como tosse, hemoptise ou dispneia. No en­

recente pelo HIV pode causar um quadro absoluta­

tanto, esse tipo de neoplasia não justificaria, por

mente pleomórfico, podendo cursar com vasculite

exemplo, as lesões cutâneas.

cutânea leucocitoclástica e poliartrites migratórias.

• Doenças reumáticas autoimunes: apesarde o pacien­

Endocardite infecciosa subaguda é outro diagnósti­

te em questão ser homem e com faixa etária mais

co que não deve ser esquecido, apesarde o pacien­

avançada, ainda assim há a chance de se desenvolver

te não apresentar história anterior de valvulopatia

alguma doença do tecido conjuntivo. Um quadro

ou uso de drogas endovenosas. Como ele havia

poliarticular simétrico de pequenas e grandes arti­

viajado para o interiorde São Paulo, onde há alguns

culações sempre levanta a hipótese de artrite reu­

relatos de doença de Lyme-símile, um tipo de bor­

matoide. Como toda doença inflamatória sistêmica,

reliose transmitida por carrapato, esta também entra

a artrite reumatoide também acaba provocando

no diagnóstico diferencial deste caso. Apesarde

sintomas, como adinamia, mialgia, perda de peso e

incomum, essa infecção é classicamente divida em três fases: 1) reação flu-like e lesões cutâneas erite­

febre. Além disso, alguns pacientes podem desen­ volver vasculite reumatoide, a qual acomete vasos

matosas, por vezes parecidas com larva migrans,

de pequeno e médio calibres, com manifestações

porém, com uma lesão principal (circunferencial,

cutâneas, como gangrena de dígitos, infartos de

com halo eritematoso e centro claro, onde houve a picada do carrapato) e várias lesões satélites, geral­

extremidades, púrpura palpável, dentre outras. Ape­

mente em membros; 2) estágio neurológico, cursan­ do com paralisia de Bell, cefaleia que não costuma

após longo tempo de doença, raros casos podem-se

ceder com anti-inflamatórios não esteroidais (AINE)

abertura do quadro de poliartrite, geralmente com

e meningite asséptica; 3) manifestações musculoes­

nódulos subcutâneos e altos títulos de fator reuma­

queléticas, dentre as quais artrite de grandes articu­

toide, indicando um prognóstico mais reservado para

lações. Apesarde o paciente não descreveras três

tais pacientes. O lúpus eritematoso sistêmico, doen­

fases, é muito comum o aparecimento de artralgias

ça com espectro amplo de sinais e sintomas, também

na primeira fase, bem como artrite reativa à infecção

deve ser considerado como diagnóstico diferencial.

nesse mesmo estágio. Em nosso meio, tuberculose

Essa condição também pode provocar sintomas ar­

deve ser sempre lembrada em qualquer paciente que

ticulares, como poliartrite, em geral não erosiva,

apresente perda ponderal. Essa micobacteriose pode

sintomas sistêmicos e lesões cutâneas diversas (vas­

acarretar lesões cutâneas a distância (tuberculítides),

culite, fotossensibilidade/eritema malar lúpus dis­

incluindo eritema nodoso, além de haver também a

coide, paniculite lúpica, etc.). Da mesma forma, a

chamada tuberculose cutânea. No entanto, nosso

síndrome de Sjögren também pode causar esses

paciente não apresenta qualquer sintoma respiratório

sintomas, mas nosso paciente não apresenta qualquer

nem história de contato com tuberculose, o que diminui a chance de explicar o quadro.

história de síndrome seca, o que diminui a chance desse diagnóstico.

• Neoplasias: as manifestações articulares de doenças

sar de a vasculite reumatoide geralmente ocorrer

apresentar associados à vasculite reumatoide na



Vasculites sistêmicas: as vasculites associadas a

neoplásicas geralmente são frustras, consistindo em

anticorpo anticitoplasma de neutrófilo (ANCA),

um quadro de oligo ou poliartralgia e, em raras

incluindo a granulomatose de Wegener(GW), a

vezes, pode-se observar discreta sinovite em peque­

poliangiite microscópica (PAM) e a síndrome de

nas articulações, que designamos como “síndrome

Churg-Strauss (SCS), a poliarterite nodosa (PAN),

reumatoide”. Virtualmente, qualquer tipo de neopla­

a crioglobulinemia e a doença de Behçet, podem

sia poderia evoluir com essa forma de manifestação

cursar com poliartralgias e lesões cutâneas. Porém,

paraneoplásica, porém, as neoplasias hematológicas

o paciente não apresenta qualquer sintoma de vias

Artralgias e Manchas na Pele - 297

cia gravitacional e de pequenos vasos também su­ gerem púrpura de Henoch-Schönlein, porém, o

ou úlceras orais e/ou genitais de repetição (o que

paciente não se encontra na faixa etária esperada

fala contra doença de Behçet). Especificamente

(até os 18 anos) e nem sofre de dor abdominal ou

sobre esta última condição, em geral as alterações

hematúria visível, bem como tem história anterior

cutâneas são eritema nodoso, lesões papulopustulo­

de infecção, como por exemplo, de vias aéreas su­

sas e lesões acneiformes, o que não parece ser o

periores.

caso do paciente. Lesões cutâneas com predominân-

QUADRO 50.1 - Causas de poliartralgias/poliartrites • Infecções - Hepatites B e C - Parvovírus B19 - Vírus da imunodeficiência humana - Vírus Epstein-Barr - Rubéola - Gonocócica/meningocócica - Doença de Lyme - Sífilis secundária - Endocardite bacteriana - Doença de Whipple - Fungos - Micobactérias • Doenças reumáticas autoimunes - Artrite reumatoide - Lúpus eritematoso sistêmico - Esclerose sistêmica - Síndrome de Sjögren - Polimiosite/dermatomiosite - Sinovite soronegativa simétrica remitente com edema depressível (RS3PE) - Doença de Still do adulto - Doença mista do tecido conjuntivo - Síndrome SAPHO (sinovite, acne, prestulose, hipecostose, osteíte) - Febre reumática • Espondiloartrites - Artrite psoriástica - Espondilite anquilosante - Artrite enteropática - Artrites reativas • Vasculites sistêmicas - Granulomatose de Wegener - Poliangiite microscópica - Arterite temporal/polimialgia reumática - Síndrome de Churg-Strauss - Poliartrite paraneoplásica - Doença de Behçet - Policondrite recidivante • Doenças induzidas por cristais - Doença por depósito de pirofosfato de cálcio - Gota • Doenças por depósito - Hemocromatose - Doença de Wilson - Doença de Gaucher • Osteoartrite primária generalizada • Doenças hematológicas - Amiloidose - Hemoglobinopatias - Hemofilias • Sarcoidose • Hiperlipoproteinemia • Retículo-histiocitose multicêntrica • Artrite paraneoplásica - Neoplasias pulmonares - Neoplasias linfo e mieloproliferativas

Ao exame físico, o paciente apresenta-se levemen­ te hipocorado, com peso de 70kg e altura de 1,72m, pressão arterial de 120 × 70mmHg, frequência cardíaca de 82bpm, saturação de O2 de 97% em arambiente. Na pele, havia púrpura palpável nos membros inferiores (Fig. 50.1) e pequenas máculas em polpas digitais. Havia ainda nódulos subcutâneos de cerca de 0,5cm de diâmetro, dolorosos, nos cotovelos, bilateralmente, sendo alguns com aspecto necrosante. Ao exame articu­ lar discreta sinovite nos joelhos e punhos bilateralmente, sem crepitações, instabilidades ou comprometimento da amplitude dos movimentos. Tanto a ausculta respirató­ ria quanto a palpação abdominal são normais. A ausculta cardíaca mostra discreto sopro sistólico (+/4+) em borda esternal esquerda. Ao exame neurológico observa-se hipoestesia tátil e dolorosa em botas, a qual o paciente nem havia notado, até cerca do terço inferior das pernas, sem déficits motores, com reflexo aquileu diminuído bilateralmente. Agora não temos dúvida de estar diante de alguém com alguma doença sistêmica. As lesões cutâneas sugerem

fortemente ser secundárias à vasculite, porém, ainda não conhecemos a causa desta última. Nódulos subcutâneos

em cotovelos falam a favorde artrite reumatoide compli­

cada com vasculite reumatoide, porém o quadro articular é bastante frustro. Geralmente, a artrite reumatoide cursa

com poliartrite de pequenas e grandes articulações, simé-

Figura 50.1 - Púrpura palpável em membros inferiores.

CAPÍTULO 50

aéreas superiores (o que fala contra GW), nem de asma/rinite alérgica crônicas (o que fala contra SCS)

CAPÍTULO 50

298 -

Doenças Reumatológicas

trica e aditiva. No entanto, como é uma doença espectral, há casos de oligoartrite e mesmo monoartrite de etiologia reumatoide. Costumeiramente, a maioria desses casos

evolui após algum tempo para o quadro clássico de artri­

TABELA 50.1 - Classificação e causas da crioglobulinemia Exemplos

Tipo I (IgG e IgM monoclonais)

Linfomas não Hodgkin e Hodgkin Mieloma múltiplo Macroglobulinemia de Waldenström Leucemia linfoide crônica Leucemia mieloide crônica Doença de Castleman

Tipo II (IgG policlonal e IgM monoclonal)

Hepatite C Hepatite B Hepatopatias crônicas Lúpus eritematoso sistêmico Artrite reumatoide Síndrome de Sjögren Poliarterite nodosa Esclerose sistêmica Sarcoidose Vírus da imunodeficiência humana

Tipo III (IgG e IgM policlonais)

Endocardite bacteriana subaguda Doença de Lyme Sífilis Hanseníase virchowiana Esquistossomose Doença de Chagas Lúpus eritematoso sistêmico Artrite reumatoide Síndrome de Sjögren Poliarterite nodosa Esclerose sistêmica Sarcoidose

te reumatoide. Portanto, artrite reumatoide ainda é um diagnóstico a ser considerado, seguido por lúpus eritema­

toso sistêmico, um dos seus principais diagnósticos dife­ renciais, que também deve ser mantido na nossa lista.

Apesarde as lesões cutâneas secundárias ao lúpus erite­ matoso sistêmico serem diversas e incluírem vasculites,

nódulos subcutâneos em cotovelos não são esperados. A paniculite lúpica (ou lúpus profundo), apesarde acometer com mais frequência membros inferiores e região infra­

mamária com eritema e nódulos dolorosos, pode entrar

no diagnóstico diferencial neste caso. A granulomatose de Wegener também pode cursar com nódulos subcutâ­ neos, porém de etiologia diferente: são granulomas cutâ­

neos extravasculares. Isso também pode ocorrer na sín­

drome de Churg-Strauss, mas não é descrito em poliangiite microscópica. No entanto, esta última costuma cursar muito mais com lesões de extremidades, em especial a necrose de dígitos. A crioglobulinemia também se apre­

senta classicamente com lesões cutâneas semelhantes às

observadas aqui. As causas de crioglobulinemia são várias, sendo a mais clássica a associação com o vírus da hepa­

Observação: A IgM nesses casos tem atividade de fator reumatoide, ou seja, é anti-IgG.lgG = imunoglobulina G: IgM = imungαlobulina M.

tite C, mas o vírus da hepatite B, hepatopatias crônicas, doenças difusas do tecido conjuntivo, neoplasias linfo­ proliferativas, mieloma múltiplo, endocardite bacteriana e outras inúmeras outras causas podem evoluir com crio­

globulinemia (Tabela 50.1). Como a pele é um órgão de fácil acesso e a biópsia cutânea é um procedimento rela­

tivamente simples, foi realizada biópsia das lesões dos

membros inferiores e dos nódulos subcutâneos.

Todas as manifestações clínicas observadas em nosso paciente poderiam ser explicadas pela endocardite infec­

ciosa, sugerida pelo sopro cardíaco encontrado ao exame físico. Porém, esse achado também pode ser secundário

vasculite de vasos de médio calibre, sendo muito frequen­ te em poliarterite nodosa e geralmente se manifesta com mononeurite múltipla. No entanto, as vasculites associa­

das a ANCA também cursam com muito frequência com polineuropatia periférica. A hipótese de síndrome para­

neoplásica aventada dificilmente justificaria todos os sinais e sintomas desse paciente, ficando, portanto, em segundo

plano. Da mesma forma, as doenças infecciosas de origem viral descritas normalmente são autolimitadas e, dificil­

mente evoluiriam com um quadro significativo de vascu­

à anemia do paciente, o qual se encontra descorado, ou

lite. As lesões cutâneas da sífilis e da doença de Lyme-

seja, um sopro funcional, o que também pode ser expli­ cado pelas outras doenças citadas. De qualquer forma,

símile são completamente diferentes das apresentadas por

devido a todas as manifestações sistêmicas que ele apre­

póteses diagnósticas mais remotas.

senta, a hipótese de endocardite bacteriana deve ser lembrada e poderia justificara maioria dos achados. Esse tipo de infecção pode, por mecanismos imunológicos de

deposição de imunocomplexos, desencadear vasculite secundária com lesões cutâneas clássicas (por exemplo,

manchas de Janeway). Uma provável polineuropatia pe­

riférica ao exame físico em um paciente sem história de diabetes mellitus, alcoolismo, hipovitaminose ou doença renal crônica é outro achado que sugere vasculite. O

acometimento de nervos periféricos é bastante comum em

nosso paciente, razão pela qual também ficam como hi­

Como o paciente se encontra clinicamente estável, foi feita apenas analgesia em razão do quadro de poliar­ tralgias e foram solicitados diversos exames comple­ mentares para investigação. Os exames iniciais apre­ sentaram os seguintes achados: hemoglobina (Hb): 10,3; volume corpuscular médio: 90; concentração de hemo­ globina corpuscular média: 32; leucócitos: 10.400, com diferencial normal; plaquetas; 375.000; velocidade de hemossedimentação: 92; proteína C-reativa: 32 (normal < 1,1); alfa-1-glicoproteína ácida: 7 (normal < 4); crea-

978-85-4120-074-5

Classificação

978 85 4120 074

tinina: 2,1; ureia: 90; sódio: 136; potássio; 4,6; magnésio: 1,9; Cálcio: 9; albumina: 3; proteínas totais: 7,2; ele­ troforese de proteínas: pico policlonal de gamaglobu­ lina; glicemia: 115; aspartato aminotransferase: 30; alanina aminotransferase: 28; gama-glutamiltransfera­ se: 60; fosfatase alcalina: 100; atividade de protrombi­ na: 90%; relação normalizada internacional (RNI): 1,02; bilirrubinas totais: 0,9 (direta: 0,7; indireta: 0,2); reti­ culócitos: 1,2; desidrogenase lática: 250; ferritina: 1.250 (normal 8 a 310μg/L); ferro sérico: 58; creatina quina­ se: 120; imunoglobulinas G, A e E (IgG, IgA e IgE) séricas: normais para a idade. Urina I: pH: 6, densidade: 1.015, proteínas: 3+, leucócitos: 50, hemácias: > 100 (dismorfismo +), presença de cilindros hemáticos. Eletrocardiograma normal. Ultrassonografia de rins e vias urinárias: rins de tamanho normal e com boa dife­ renciação corticomedular, sem evidência de cálculos ou dilatações ureterais. Ecocardiograma transesofágico: pequenas vegetações em válvula mitral, com refluxo valvar leve e mínimo derrame pericárdico. Realizada radiografia de tórax mostrando uma lesão nodularca­ vitada e discreto infiltrado alveolar ao redor em lobo inferior esquerdo (Fig. 50.2). Pesquisa de bacilo álcool ácido resistente (BAAR) em duas amostras de escarro: negativa.

O paciente tem anemia normocítica e normocrômica provavelmente devido à doença crônica, pois o ferro sé­ rico encontra-se normal e a ferritina elevada. Ainda

CAPÍTULO 50

5

Artralgias e Manchas na Pele - 299

Figura 50.2 - Radiografia de tórax em incidência posteroanterior, mostrando borramento de silhueta cardíaca à esquerda e lesão nodular cavitada em lobo inferior esquerdo. Notar ainda lesão nodular aparen­ temente em lobo médio, ainda não cavitada.

apresenta insuficiência renal aguda (IRA), já que a relação

ureia/creatinina é superiora 40 (clearence estimado de 44mL/min) e a ultrassonografia mostra rins de tamanhos

lação sistêmica. Uma boa forma de tentarevidenciaroutras

normais. O sedimento urinário mostra leucocitúria, he­

embolias sépticas é procurar infartos esplênicos, um dos principais locais, por meio de ultrassonografia ou tomo­

matúria dismórfica e cilindros hemáticos, portanto, há um quadro de inflamação glomerular associado, provável

grafia computadorizada. Por essa razão, foram solicitadas uro e hemocultura e iniciado, empiricamente, esquema

causa da IRA. As provas inflamatórias estão todas altera­

para endocardite infecciosa, consistindo em oxacilina e gentamicina endovenosas, com o cuidado de infusão de dose única diária para este último antibiótico e monitori­

das e há ainda um pico policlonal de gamaglobulina, ou seja, existe intenso quadro inflamatório. Não há sinais de hepatopatia e o diagnóstico de mieloma múltiplo foi ex­

cluído, os quais poderiam estar associados à crioglobuli­ nemia, o que toma essa hipótese também menos provável,

zação da função renal, a fim de se evitar nefrotoxicidade. Entretanto, a endocardite infecciosa não justificaria,

tese para este caso, tendo em vista que o ecocardiograma

por exemplo, o derrame pericárdico. A glomerulopatia associada à endocardite infecciosa é, usualmente, um quadro nefrítico com hipertensão arterial e retenção hi­

mostrou vegetação mitral. Além disso, essa doença também pode cursar com crioglobulinemia. Outras causas e a

drossalina, mas isso não exclui nossa hipótese. Artrite reumatoide também não costuma evoluir com glomeru­

classificação da crioglobulinemia são descritas no Quadro 50.1. No entanto, apesar de apresentar febre, lesões vas­

lopatia, apesarde ser possível. Também de forma interes­

culíticas e vegetações ao ecocardiograma, é importante tentar isolar o micro-organismo em hemoculturas. As al­

de mais comum depois do derrame pleural é exatamente

terações radiográficas pulmonares poderiam ser explicadas, por exemplo, por uma embolização séptica. Apesarde não haver comprometimento de valvas tricúspide ou pulmonar

podem até cavitare mesmo, causar pneumotórax ou he­

nesse caso, a embolização séptica pulmonar pode se seguir pelas artérias brônquicas, que são provenientes da circu-

como é o caso, sendo também um critério de mau prog­

mas ainda possível. Endocardite infecciosa é outra hipó­

sante, o comprometimento pulmonar da artrite reumatoi­

o aparecimento de nódulos reumatoides pulmonares, que

moptise. Esse quadro é mais comum justamente em homens,

em especial naqueles que possuem nódulos subcutâneos, nóstico. Lúpus eritematoso sistêmico justificaria todos os

CAPÍTULO 50

300 -

Doenças Reumatológicas

achados, inclusive com um quadro de endocardite de

vitações são bacilíferos. No entanto, a imagem é muito

Libman-Sachs, mas o paciente ainda não preenche crité­

sugestiva e vale a pena continuar investigando, inclusive

rios para este diagnóstico (Tabela 50.2) e, geralmente, em

com broncoscopia e lavado brônquico/biópsia transbrôn­

pacientes com atividade do lúpus eritematoso sistêmico

quica, para tentar evidenciar alguma micobactéria ou de

costumam-se ver níveis elevados de VHS, como no caso,

granulomas não caseosos.

porém, a proteína C-reativa costuma se alterar pouco. Esse

marcador costuma aumentar nesses níveis em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico e infecção grave. As vasculites sistêmicas já descritas são hipóteses bastante

plausíveis, exceto a púrpura de Henoch-Schönlein, tendo em vista que esta não cursa com comprometimento car­

díaco e muito raramente evolui com IRA. Além disso, a dosagem de imunoglobulinas séricas não mostrou predo­ mínio de IgA, como é de se esperarna maioria dos casos,

excluindo, portanto, essa hipótese. A radiografia de tórax mostra uma imagem que pode

sugerir vasculite, no paciente, a GW. Insuficiência renal

aguda, como no caso em questão, é um fator de mau prognóstico. É bom lembrar que todas as vasculites asso­

ciadas a ANCA podem cursar com comprometimento cardíaco, sendo este mais frequente na SCS. Nessa última, é até a principal causa de óbito. Entretanto, como o pa­

ciente não apresenta eosinofilia ou história de atopia, esta hipótese se toma remota. Uma vez que o paciente se encontra potencialmente com quadro infeccioso e não

mostra qualquer evidência objetiva de autoimunidade,

optou-se por não, imunossuprimir, por enquanto. A hipótese de tuberculose ainda permanece, apesarde ser menos provável, haja vista que ele tem duas amostras

de escarro negativas e, usualmente, os pacientes com ca-

Paciente evolui com parestesia em botas e mão em garra à direita. Eletroneuromiografia evidencia poli­ neuropatia periférica em membros inferiores, sensitiva, de natureza axonal e comprometimento do nervo me­ diano direito, sugerindo mononeuropatia em membro superior direito. Novos exames mostram: hemoglobi­ na: 9,2; VCM: 85; CHCM: 33; leucócitos: 13.500, com diferencial normal; plaquetas: 475.000; creatinina: 3,5; ureia: 110; potássio: 5; sódio: 143; gasometria venosa: pH: 7,32; bicarbonato: 22. Pesquisa de eosinófilos na urina: negativa. Ultrassonografia de abdome total: normal. Sorologias: hepatite B negativa; hepatite C negativa; HIV negativo; VDRL negativo; rubéola: IgG positivo e IgM negativo; citomegalovírus: IgG positivo e IgM negativo; vírus Epstein-Barr negativo; Lyme: IgG e IgM negativos e western-blotting negativo; par­ vovírus B19: IgG e IgM negativos. Hemoculturas (duas amostras) negativas e urocultura negativa. Derivado de proteína purificada (PPD): 0mm. Resultado da biópsia de pele: fragmento de pele dos membros inferiores: vasculite cutânea inespecífica com leucocitoclasia; fragmento do cotovelo: infiltrado inflamatório rico em linfomononucleares e com granulomas, sem necrose caseoide (Fig. 50.3). Pesquisa de BAAR na biópsia: negativa. Radiografia de mãos/punhos, joelhos com carga e pés/tomozelos: sem sinais de erosões ou cistos. Broncoscopia: árvore brônquica normal e colhida bió­

TABELA 50.2 - Critérios de classificação atualizados para lúpus eritematoso sistêmico Critérios

Descrição

Erupção malar

Rash malar em asa de borboleta

Lúpus discoide

Máculas eritematosas elevadas com evolução para fibrose atrófica

Fotossensibilidade

Erupção cutânea quando exposto à luz solar

Úlceras orais

Úlceras orais e nasofaríngeas

Artrite

Não erosiva, com comprometimento de ao menos duas articulações

Serosite

Pleurite (derrame ou atrito pleural ou relato convincente de dor pleurítica) ou pericardite (derrame ou atrito pericárdico)

Nefrite lúpica

Proteinúria superior a 500mg/dia ou cilindros celulares no sedimento

Alterações neurológicas

Convulsões ou psicose, ambas após exclusão de drogas e distúrbios metabólicos

Alterações hematológicas

Anemia hemolítica com reticulocitose ou leucopenia (< 4.000/mm3 em duas ou mais vezes) ou linfopenia (< 1500/mm3 em duas ou mais vezes) ou trombocitopenia (< 100.000/mm3 em duas ou mais vezes)

Distúrbio imunológico

Anticardiolipina IgM ou IgG, anticoagulante lúpico, VDRL falso-positivo, anti-DNAou anti-Sm

Fator antinuclear

Fator antinuclear positivo na ausência de medicamentos responsáveis

Fonte: Hochberg, 1997.

Observação: Para a classificação, deve haver a presença de pelo menos quatro critérios. Ig = imunoglobulina: VDRL = Venereal Disease Research Laboratory.

Artralgias e Manchas na Pele - 301

Mesmo a hipótese de endocardite infecciosa se toma mais remota, apesarde vegetações, haja vista que doenças autoimunes também podem levara este quadro. Ultras­ sonografia de abdome total normal exclui a possibilidade

Agora estamos, provavelmente, diante de um pacien­

de abscesso esplênico. Apesarde haver lesão pulmonar

te com síndrome pulmão-rim clássica, o que restringe o

nodular e cavitada à radiografia, o PPD não reator e a

nosso leque de diagnóstico diferencial às causas dessa

pesquisa de BAAR negativa praticamente excluem o

síndrome (Tabela 50.3). O fato de haver infiltrado pulmo­

diagnóstico de tuberculose. A leptospirose, outra causa

nar associado à queda da hemoglobina em pouco tempo

de síndrome pulmão-rim, também deve ser lembrada,

sugere capilarite pulmonar com hemorragia alveolar,

porém o paciente nega contato com água de enchente ou

apenas sem a exteriorização para fechara tríade caracte­

ratos. Ademais, as formas que evoluem com tal gravidade

rística. Além disso, esse paciente evoluiu muito rapida­

(por exemplo, síndrome de Weil) são ictero-hemorrágicas

mente com piora da função renal, o que nos sugere uma

e o paciente não apresenta alteração da função hepática.

glomerulopatia rapidamente progressiva (clearence esti­

Além disso, ele não tem história de evolução aguda e com

mado, no momento, de 26,3mL/min), que só poderá ser

sintomas respiratórios para se pensarem pneumonia atí­

evidenciada por meio do histopatológico. Mesmo com a utilização de um antibiótico nefrotóxico, a chance de esta

pica ou legionelose, nem diarreia ou qualquer sinal de hemólise para se pensarem infecção intestinal (principal­

alteração da função renal decorrer de nefrite intersticial

mente por E. coliou Shigella) levando à síndrome hemo­

aguda é pequena, pois não houve eosinofilia ou eosinofi­ lúria. De qualquer forma, as doses dos antibióticos foram

lítico-urêmica.

ajustadas e foi realizada biópsia renal. Como o quadro

o paciente não havia utilizado nenhuma, o que exclui tal

Das drogas que poderiam causar síndrome pulmão-rim,

clínico sugere uma condição grave com risco à vida e há indícios mais fortes de que se trate de uma doença autoi­ mune, foi realizada pulsoterapia com metilprednisolona, 1g ao dia, por via endovenosa, durante três dias, bem como profilaxia para estrongiloidíase disseminada com

TABELA 50.3 - Causas de síndrome pulmão-rim

Diagnóstico diferencial______ Exemplos_________ Infecções

Leptospirose

tiabendazol. Em razão da forte suspeita de manifestação de doença autoimune e da ausência de indícios de doen­

Pneumonia atípica

ça infecciosa devido às sorologias e culturas negativas, foi suspensa a antibioticoterapia.

Síndrome hemolítico-urêmica

Legionelose

Tuberculose

Endocardite bacteriana

Doenças autoimunes

Lúpus eritematoso sistêmico

Artrite reumatoide Polimiosite

Doença mista do tecido conjuntivo

Microangiopatia trombótica

Síndrome do anticorpo antifosfolipídio Púrpura trombocitopênica trombótica

Associadas a anticorpo antimembrana basal

Síndrome de Goodpasture

Vasculites associadas a ANCA

Granulomatose de Wegener Poliangiite microscópica

Síndrome de Churg-Strauss Vasculites não associadas a ANCA

Púrpura de Henoch-Schönlein/doença de Berger

Crioglobulinemia Doença de Behçet Drogas

Propiltiouracila

Figura 50.3 - Fotografia em menor aumento da bió­

D-penicilamina

psia cutânea do paciente (fragmento do cotovelo). Notar material hialino intravascular obstruindo parte do lúmen da vênula (seta grande), bem como infiltra­ do rico em linfomononucleares e células multinucleadas. Notar ainda a riqueza de leucocitoclasia (setas meno­ res), ou seja, núcleos degenerados de polimorfonucleares.

Hidralazina

Alopurinol Sulfassalazina

Síndrome associada a ANCA sem vasculite sistêmica

Síndrome pulmão-rim idiopática associada a ANCA

ANCA = anticorpo anticitoplasma de neutrófilo.

CAPÍTULO 50

psia transbrônquica às cegas; lavado broncoalveolar. culturas negativas, ausência de fungos ou BAAR na amostra.

302 -

Doenças Reumatológicas

CAPÍTULO 50

possibilidade. Também não apresenta história de trombo­ ses de repetição ou eventos vasculares arteriais para se pensarem síndrome antifosfolipídio. Não foram encon­

trados esquizócitos no esfregaço sanguíneo ou sinais de hemólise, petéquias/equimoses ou alterações neurológicas

centrais para se levantara hipótese de púrpura tromboci­ topênica trombótica. Realmente, somos impelidos a pensarem alguma doen­

ça autoimune como etiologia. O resultado da biópsia da pele, apesarde inespecífico, demonstra um processo vas­ culítico inequívoco. A eletroneuromiografia mostra poli­

neuropatia em membros inferiores e mononeurite no

membro superior direito e ambas podem ser atribuídas a manifestações de vasculite de vasa nervorum. Ao longo

do tempo e sem tratamento específico, a neuropatia tende a acometer outros nervos periféricos. As principais causas

de crioglobulinemia foram descartadas, incluindo hepatites B e C e HIV, como também foram descartadas a púrpura

de Henoch-Schönlein e a doença de Behçet. Em relação à artrite reumatoide, radiografias sem erosões ou cistos

O paciente evolui com os seguintes exames bio­ químicos: creatinina: 4; ureia: 130; potássio: 6,1; sódio: 132; gasometria venosa: pH: 7,27; bicarbonato: 18. Novo ECG: normal. Os resultados dos autoanticorpos colhidos revelam: fatorantinuclearnegativo; anti-DNA negativo; anti-ENA (RNP, SSA/Ro, SSB/La, Sm) ne­ gativo; anticardiolipina IgG e IgM negativos; anticoagulante lúpico negativo; anti-beta-2 glicopro­ teína I negativo; fator reumatoide negativo; anticorpo anti-peptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP) negativo; crioglobulina negativa; anticorpo anticitoplasma de neutrófilo clássico (c-ANCA) positivo com padrão citoplasmático à imunofluorescência e título de 1/160. Pesquisa de antiproteinase-3 (anti-PR3) por ELISA positiva e a de anticorpo antimembrana basal glome­ rular (AMBG), negativa. Sorologia para leptospirose negativa. Biópsia de rim: material suficiente com 12 glomérulos mostrando áreas de glomerulonefrite focal e segmentar com necrose fibrinoide e formação de crescentes; imunofluorescência direta: ausência de depósitos de IgG, IgM, IgA e C3. Biópsia transbrôn­ quica: infiltrado linfomononuclear inespecífico, sem evidência de BAAR.

não exclui o diagnóstico, até porque a sintomatologia é relativamente recente; apesarde o paciente apresentar

vários sinais de mau prognóstico, o quadro clínico não é

típico dessa entidade e a descrição do anatomopatológico

do nódulo subcutâneo não é sugestiva de nódulo reuma­ toide: necrose fibrinoide com histiócitos em paliçada e fibroblastos periféricos. O lúpus eritematoso sistêmico

ainda poderia explicar todos os achados, especialmente se complicado com uma vasculite secundária. O achado de

granulomas à biópsia fala muito a favor de duas formas de vasculites primárias granulomatosas: a GW e a SCS. Por essa razão, pode-se descartar poliangeíte microscópi­

ca apesarde cursar mais comumente com alterações

neurológicas periféricas do que as outras vasculites asso­ ciadas a ANCA. A SCS pode ser descartada, nesse caso, devido à ausência de manifestações típicas (por exemplo,

asma e eosinofilia) e ao fato de a biópsia não ter eviden­ ciado infiltrado eosinofílico. Entre as vasculites associadas a ANCA, a SCS é a que apresenta menor prevalência.

Neste momento, um diagnóstico diferencial até então

Devido à piora do quadro renal, o paciente evoluiu com hipercalemia e acidose metabólica, porém, sem ur­

gência dialítica, pois não havia alteração cardíaca. Realiza­ das condutas para redução do potássio sérico com furosemi­

da e resina trocadora colônica, bem como glicoinsulinoterapia, e iniciada hemodiálise convencional. A pesquisa de auto­

anticorpos excluiu as hipóteses de crioglobulinemia e

lúpus eritematoso sistêmico; apesarda possibilidade remo­

ta de lúpus eritematoso sistêmico com fator antinuclear negativo, não foram detectados anticorpos anti-SSA/Ro.

Além disso, a investigação para a síndrome antifosfolipí­

dio e para a síndrome de Goodpasture (AMBG) foi ne­ gativa. Aproximadamente, 20% dos casos de artrite reu­ matoide podem apresentar fator reumatoide negativo, porém o anti-CCP, que é mais específico, pode ser posi­ tivo em metade deles. Portanto, a ausência de quadro

clínico típico, de alterações radiográficas e de sorologia

compatível praticamente descarta a hipótese de artrite reumatoide. Nesse paciente com tantos sinais de mau

não discutido deve ser lembrado: a síndrome de Goodpas-

prognóstico, era de se esperar que, em se tratando de

ture. Essa doença rara acomete principalmente homens jovens

artrite reumatoide, os níveis de fator reumatoide fossem

e leva a um quadro hemorrágico em pulmões e glomerulopatia

bastante elevados. Um resultado nos chama a atenção: o

rapidamente progressiva. Essas manifestações são mediadas

por um autoanticorpo dirigido contra a membrana basal

padrão citoplasmático do ANCA. O c-ANCA com anti­ corpos anti-PR3 é muito sugestivo de GW e dá uma es­

glomerular e pulmonar provocando uma capilarite grave.

pecificidade em torno de 98% para este diagnóstico, caso

Por essa razão, é um dos diagnósticos diferenciais mais

haja sintomas de vias aéreas superiores e comprometi­

importantes nesse caso. O seu tratamento consiste basica­

mente em plasmaférese, a fim de se retirar esses anticorpos

mentos renal e pulmonar associados. Porém, até 10% dos pacientes com c-ANCA positivo podem ter na verdade,

da circulação.

PAM. Nosso paciente não apresenta, até o momento,

Artralgias e Manchas na Pele - 303

globina) e, tendo em vista que o leito capilarpulmonaré muito extenso, uma hemorragia nesse local pode ser ca­

agora apenas podemos classificá-lo como acometido por uma vasculite sistêmica associada a ANCA. A biópsia

dinâmica por choque hipovolêmico, como é o caso. Além

renal confirma a hipótese de glomerulopatia rapidamente progressiva, mas este padrão descrito pauci-imune pode ser visto em qualquer uma das vasculites sistêmicas as­

troca gasosa adequada. Como o CO2 é 44 vezes mais

sociadas a ANCA. A biópsia transbrônquica para estes casos não tem grande valia, devido ao acometimento de

diante de granulomatose de Wegener A imagem radio­

ordem geral ser predominantemente periférico. Se hou­ vesse evidência de macrófagos com hemossiderina e/ou hemácias fagocitadas, fecharíamos o diagnóstico de he­

muito sugestiva dessa doença. Entretanto, curiosamente,

tastrófica e, até mesmo, evoluir com instabilidade hemo­

disso, o inundamento dos alvéolos com sangue impede a

difusível que o O2, há hipoxemia significativa mesmo sem hipercapnia. O quadro clínico não deixa dúvidas: estamos

gráfica demonstrando nódulos pulmonares cavitados é

o paciente não apresentou sintomas de envolvimento de vias aéreas superiores. A leucocitose vista com predomí­

morragia pulmonar tendo em vista que tais achados são patognomônicos. Porém, a associação das manifestações

nio de formas maduras pode ser puramente decorrente da

clínicas sugestivas de vasculite sistêmica e c-ANCA com anti-PR3 nos autoriza a fechar o diagnóstico de GW;

Esse paciente agora preenche critério para síndrome

portanto, iniciamos tratamento com prednisona na dose de 1mg/kg e ciclofosfamida, 2mg/kg/dia, por via oral, após as pulsoterapias com metilprednisolona.

O paciente evolui com hipotensão grave (PA: 80 × 50mmHg) e perfusão capilar lentificada, piora do padrão respiratório e insuficiência respiratória hipoxêmica, não respondendo à pressão positiva contínua nas vias aéreas (saturação de O2: 85% em máscara de Venturi a 50%). Procedida à ressuscitação volêmica com 2.000mL de solução fisiológica a 0,9%, mas sem resposta pressóri­ ca, e intubação orotraqueal e, logo após o procedimento, eliminação de grande quantidade de sangue pela cânu­ la. pressão venosa central: 2cmH2O. Solicitada transfusão de três concentrados de hemácia e adminis­ trada noradrenalina, titulada até 0,5μg/kg/min, com manutenção da PA em 100 × 60mmHg. Gasometria arterial: pH: 7,27; pO2: 50; pCO2: 29; bicarbonato: 15; saturação de O2: 84%. hemoglobina: 6,8; VCM: 75; CHCM: 27; leucócitos: 17.000, sendo 7% de bastões, 60% de segmentados, 0% de eosinófilos e basófilos, 25% de linfócitos e 8% de monócitos; plaquetas: 500.000; potássio: 4,5; sódio: 130; lactato: 15 (normal: < 5). Nova radiografia de tórax: múltiplos nódulos em campos pulmonares, alguns cavitados, e infiltrado alve­ olar difuso pelos quatro quadrantes. Tomografia computadorizada de tórax: múltiplas lesões nodulares cavitadas, subpleurais e peribroncovasculares, com es­ pessamento de parede brônquica e áreas de consolidação difusamente pelo parênquima, entremeadas com áreas de vidro fosco. Biópsia de pulmão a céu aberto: capilarite pulmonar com infiltrado linfomononucleare polimorfo­ nuclearcom granulomas bem formados e necrose fibrinoide, com hemácias no espaço alveolar culturas da biópsia negativas e pesquisa de BAAR negativa.

O paciente agora completou a tríade clássica da he­ morragia alveolar (inclusive com nova queda da hemo­

pulsoterapia com corticosteroide. da angústia respiratória aguda (SARA), já que possui uma

causa grave identificável de lesão pulmonar mais de três

quadrantes da radiografia de tórax comprometidos, hipo­

xemia importante e, se considerarmos uma fração inspi­ rada de oxigênio (FiO2) de 50% dada pela máscara de Venturi, uma relação pressão parcial de oxigênio (PaO2)/

FiO2 de 100 (portanto < 250). Por essa razão, iniciou-se estratégia protetora para SARA com volume corrente de

6mL/kg, pressão expiratória final positiva elevada e fre­

quência respiratória não muito alta. Como a terapia imu­ nossupressora já estava sendo administrada e o paciente

ainda permanecia em estado grave, uma opção seria a plasmaférese, na tentativa de se retirar os ANCA circu­

lantes. Porém, diferentemente da púrpura trombocitopê­ nica trombótica e da síndrome de Goodpasture, em que

o valor desse procedimento já está amplamente estabele­ cido, o nível de evidência para as vasculites ainda é III, ou seja, há apenas dois estudos controlados e várias séries de casos. Como uma hemodiálise, a plasmaférese também

retira grandes volumes do paciente e depois repõe com

plasma fresco ou albumina, razão pela qual é essencial uma estabilidade hemodinâmica mínima, o que, no mo­ mento, o paciente não apresenta. Por isso, apesarde in­

dicada, a plasmaférese não pôde ser realizada e nem a hemodiálise, a qual o paciente já estava fazendo, por

falta de condições clínicas. Outra opção mais cara e com menor evidência científica para tais quadros é a imuno­ globulina endovenosa na dose de 400mg/kg/dia por cinco dias. É a preferida exatamente quando a plasmaférese é

contraindicada, seja por instabilidade hemodinâmica, seja por infecção.

A esposa do paciente traz uma informação impor­ tante que não havia sido relatada antes porque não a associavam à doença: há cerca de três anos ele vinha

CAPÍTULO 50

nenhuma história de sinusopatia, rinite, nariz em sela, perfuração de septo nasal, úlceras orais ou quaisquer outros sintomas de vias aéreas superiores. Portanto, até o

CAPÍTULO 50

304 -

Doenças Reumatológicas

apresentando, esporadicamente, rinorreia hialina, uma vez até havendo episódio sanguinolento. Porém, como é médico, tratava com descongestionante e corticoste­ roide tópico, associando esses sintomas a quadro alérgico. A esposa refere ainda que, nos últimos seis meses, o paciente apresentou três episódios de sinusite, mas sempre se automedicando com levofloxacino por dez dias, com melhora. Com essas informações, solici­ tou-se tomografia computadorizada de seios da face, que mostrou relevante espessamento de mucosa em seios maxilar frontal, etmoidal e esfenoidal. Biópsia de nasofaringe: granulomas não caseosos e infiltrado linfomononuclear na parede dos vasos com necrose fibrinoide. Realizada infusão de imunoglobulina endovenosa, mas no quarto dia o paciente evolui com petéquias difusas e equimoses. Nesse momento, os exames mostram: hemoglobina: 7,9; VCM: 82; CHCM: 27; leucócitos: 20.000, sendo 10% de bastões, 70% de segmentados, 0% de eosinófilos e basófilos, 12% de linfócitos e 8% de monócitos; plaquetas: 40.000 e presença de esquizócitos; atividade de protrombina: 8); tempo de tromboplastina parcial ativada: > 8s (RNI: > 8). Administrados plasma fresco e crioprecipitado. Contudo, o paciente evolui para êxito letal, sem responder à terapia.

positividade do ANCA: granulomatose de Wegener, po­ liangiite microscópica e síndrome de Churg-Strauss. Nenhum teste único é capaz de distinguir essas condições,

de forma que o diagnóstico é feito pela combinação de

achados clínicos, sorológicos e histopatológicos. A GW é uma vasculite granulomatosa cuja prevalên­

cia é estimada em torno de 30 casos/milhão e a incidência

anual em 10 casos/milhão, segundo dados americanos.

Acomete homens e mulheres em igual proporção com pico entre 30 e 50 anos de idade. É mais frequente em caucasianos, mas pode afetar qualquer raça.

Apresenta classicamente envolvimento recidivante de vias aéreas superiores, manifestando-se por epistaxe, ulce­ ração nasal e oral (podendo até evoluir para necrose), si­

nusopatia e perda da audição. A perfuração do septo nasal pode fazerdesabara cartilagem nasal, levando ao nariz em

sela. Há acometimento pulmonar em até 90% dos pacien­

tes, sendo o mais comum o aparecimento de nódulos múltiplos cavitados; no entanto, um terço dos pacientes é assintomático. A capilarite pulmonar pode causar hemor­ ragia pulmonar, uma complicação grave da doença, que

pode ser extensa antes da exteriorização da hemoptise. Deve-se também terem mente a grande possibilidade

Infelizmente, mesmo com os esforços, nem sempre o paciente responde à terapia afinal a hemorragia alveolar é um quadro muito grave. A ciclofosfamida, por via oral

ou em pulsoterapia, pode levar 10 a 15 dias para iniciar seu efeito, mas é a droga mais indicada a induzira remis­ são da GW em atividade. Para ação rápida, a pulsoterapia com corticosteroide é a melhor opção. Nesse caso, o paciente ainda evoluiu com coagulação intravascular

disseminada secundária ao processo inflamatório sistêmi­ co grave, representado por plaquetopenia, esquizócitos no

sangue periférico e coagulopatia. Como agora todos os critérios de GW foram preenchidos, o paciente recebeu atestado e não necessitou de necrópsia.

desses pacientes desenvolverem trombose venosa profunda e/ou tromboembolia pulmonar resultados do envolvimen­ to inflamatório das veias, bem como de outros fatores de

risco, como síndrome nefrótica, por exemplo. Cerca de 80% dos pacientes evoluem com algum

comprometimento renal, variando desde glomerulonefri­ te subclínica até uma forma rapidamente progressiva.

Normalmente, aparece sedimento urinário ativo (em es­ pecial, hematúria dismórfica e proteinúria) e aumento da creatinina sérica. Eventualmente, pode-se desenvolver síndrome nefrótica. A PAM apresenta incidência anual de cerca de seis

casos/milhão, sendo mais comum em homens e com pico entre 65 e 75 anos de idade. Há menor predisposição de

DIAGNÓSTICO FINAL

envolvimento pulmonar (50%), porém, também podem

• Granulomatose de Wegener

Geralmente, a evolução posterior acaba sendo para fibrose

• Glomerulopatia rapidamente progressiva e insuficiên­

pulmonar.Até 95% dos pacientes com PAM e comprome­

cia renal aguda dialítica.

ocorrer hemorragia pulmonar(30%) e infiltrados migratórios.

timento pulmonar apresentam clínica muito semelhante à

• Hemorragia pulmonar

da granulomatose de Wegener.Porém, é muito mais comum

• Coagulação intravascular disseminada.

o aparecimento de glomerulonefrite rapidamente progressi­ va e insuficiência renal aguda dialítica.

A SCS também é uma vasculite granulomatosa, com

DISCUSSÃO

incidência anual entre 0,9 e 4 casos/milhão. Inúmeros

Reunidas em único tópico devido à semelhança no diag­

variando desde antígenos inalados até vacinações e me­

nóstico e no tratamento, são três as vasculites com maior

dicações, como os inibidores de leucotrienos. A história

fatores precipitantes têm sido apontados na etiologia,

Artralgias e Manchas na Pele - 305

ainda pode apresentar, muito raramente, hemorragia

subaracnóidea e infarto cerebral decorrente de vasculite, que podem ser fatais. O envolvimento ocular(episclerite,

• Fase prodrômica: pode perdurar mais de 30 anos e

esclerite, uveíte) é mais comum em GW. Já o cutâneo

consiste em sintomas de asma (95%) e/ou outras

(púrpura palpável, úlceras, infartos digitais, etc.) pode

manifestações alérgicas, como por exemplo rinite

ocorrer nas três, porém é mais frequente GW e em SCS.

alérgica (55 a 70%) e polipose nasal. • Fase eosinofílica: várias recorrências de eosinofilia periférica (> 1.500/mm3 ou > 10% do diferencial) e tecidual, incluindo pneumonia eosinofílica crôni­

ca e gastroenterite eosinofílica. • Fase vasculítica: recrudescimento dos sintomas

alérgicos e aparecimento da vasculite sistêmica, com

média de oito anos após início da asma, sendo que quanto menor este tempo, pioré o prognóstico. As fases podem não ocorrer necessariamente nessa

Granulomas, infiltrados pulmonares ou hemorragia pulmonar podem ser identificados à radiografia, porém a

sensibilidade é muito maiorem tomografia computadori­ zada, especialmente de alta resolução. A tomografia de seios

paranasais pode ser útil também para o diagnóstico de

GW, na qual o espessamento da mucosa, a destruição óssea e a infiltração orbitária podem aparecer, de SCS, na qual pode haver sinusite crônica. A biópsia dos tecidos

afetados deve ser feita sempre que possível, e a descrição clássica é a mesma encontrada no caso clínico descrito.

O ANCA é importante para o diagnóstico e a pato­

ordem. As alterações pulmonares podem variar de infil­ trados alveolares transitórios até um padrão intersticial

gênese dessas vasculites. A imunofluorescência indireta

difuso com ou sem nódulos e surgem em torno de 40%

identifica dois padrões principais: c-ANCA (citoplasmá­

dos casos. Hemorragia alveolar é rara. O comprometi­

tico) e o p-ANCA (perinuclear), respectivamente consti­

mento renal é muito comum (80%), exibindo desde pro­

tuídos de anti-PR-3 e anti-mieloperoxidase (anti-MPO).

teinúria subclínica até falência renal. A lesão glomerular

Esses autoanticorpos podem ainda ser medidos porELI­

usual é a glomerulonefrite segmentare focal, normalmen­

SA, aumentando muito a sensibilidade diagnóstica.

te associada à positividade do ANCA, assim como nas

Cerca de 85% dos pacientes com GW, 50% dos portado­

outras vasculites associadas a ANCA. Entretanto, a insu­

res SCS e 75% daqueles com PAM têm ANCA positivo,

ficiência renal é relativamente rara (10%). Sintomas do

sendo o padrão c-ANCA clássico do primeiro e o p-

trato gastrointestinal incluem dor abdominal, diarreia e

ANCA dos últimos. Os valores preditivo positivo máxi­

sangramentos, aparecendo em cerca de 50% dos pacientes.

mo e preditivo negativo mínimo se encontram quando o

Geralmente, decorrem de vasculites nos vasos mesenté­

paciente tem a apresentação clínica típica. Os critérios

ricos e há o risco de perfuração intestinal. Apesarde inespecífica, uma eosinofilia periférica é o achado labo­ ratorial mais comum em fases de atividade da doença. É

para classificação da GW e da SCS são descritos nos

flutuante e pode ser normalizada facilmente se forem

Chapel Hill, de 1994.

Quadros 50.2 e 50.3. Não há critérios de classificação para

PAM, apenas a definição da doença pela conferência de

administrados corticosteroides para a asma. Os níveis de IgE também são tipicamente elevados.

O tratamento dos casos graves consiste em pulsotera­ pia com metilprednisolona por três dias associada à

Pode existir envolvimento cardíaco nas três doenças,

pulsoterapia com ciclofosfamida em altas doses, ou à

sendo mais raro na GW e na PAM (3 a 10%) e mais frequente na SCS (50%). Nesta última, é a principal

ciclofosfamida por via oral, 1 a 2mg/kg/dia, tendo o pri­

causa de morte. Manifesta-se por miocardite, arterite

meiro esquema aparentemente menos efeitos colaterais do que o segundo. É aconselhável também o uso de plas­

coronariana, endocardite, pericardite ou distúrbio de condução. Especificamente na SCS, pode haver infiltração

maférese em situações selecionadas.

eosinofílica e/ou granulomatosa, seguida de formação de

tecido cicatricial e evoluindo para endomiocardiopatia. A pericardite pode evoluir rapidamente para tampona­

mento, outra complicação grave das doenças. Sintomas

sistêmicos (febre, mialgia, artralgia, perda de peso) tam­ bém acontecem nessas patologias. O envolvimento neu­ rológico (mononeurite múltipla, neuropatia craniana e

polineuropatia) é descrito, sendo mais comum o acome­ timento periférico, especialmente em SCS (60%), a qual

QUADRO 50.2 - Critérios para classificação da granulomatose de Wegener Úlceras orais e/ou rinorreia purulenta ou sanguinolenta Infiltrados, nódulos ou cavitações à radiografia de tórax Sedimento urinário com hematúria ou cilindros hemáticos Biópsia com inflamação granulomatosa na parede de artérias ou arteríolas ou perivascular Observação: Para a classificação, deve haver pelo menos dois critérios. • • • •

Fonte: Leavitt etal., 1990.

CAPÍTULO 50

natural da síndrome de Churg-Strauss consiste classica­ mente em três fases:

CAPÍTULO 50

306 -

Doenças Reumatológicas

QUADRO 50.3 - Critérios para classificação da síndrome de Churg-Strauss • História prévia de asma • Eosinofilia periférica > 10% do diferencial • Mononeuropatia, mononeurite múltipla ou polineuropatia atribuível à vasculite sistêmica • Infiltrados pulmonares migratórios ou transitórios • Alterações agudas ou crônicas nos seios paranasais (dor, espessamento de mucosa) • Biópsia com eosinofilia perivascular Observação: Para a classificação, deve haver a presença de pelo menos quatro critérios. ____________________________________________________________ Fonte: Mais etal., 1990.

BIBLIOGRAFIA EZZIE, M. E. et al. Clinicai solving problems: failure to respond. NEJM, v. 358, p. 70-4, 2008. FRANKEL, S. K.; SULLIVAN, E. J.; BROWN, K. K. Vasculitis: Wegenergranulomatosis, Chuig-Strauss syndrome, microscopic polyangiitis, polyaiteritis nodosa, and Takayasu arteritis. Crit Ca-eClin. v. 18, p. 855-79, 2002.

GOLDMAN, L; AUSIELLO, D. Ceeü - Trdalodemedfcirairta rn- vdunesl e222. ed. Rio de Janeiro: Elsevier 2005. HOCHBERG, M. C. ArttritisRham., v. 40, p. 1725, 1997. HOCHBERG, M. C. et al. Rheunddçg' - vdunesl e2 4. ed. Espanha: Mosby Elseviec 2008. LEAVITT, R. Y„ et al. ArtiritisRhsun., v. 33, p. 1101-7, 1990. MAIS, AT et al. ArttritisRhEun., v. 33, p. 1094-1100, 1990. OZAKI, S. ANCA-associated vasculitis: diagnostic and therapeutic strategy. Allβ-gl Irt, v. 56, n. 2, p. 87-96, 2007. PAPIRIS, S. A. et al. Bench-to-bedside review: pulmonaiy-renal syndromes - an update forthe intensivist. Crit Cae v. 11, n. 3, p. 13-24, 2007. SEMPLE, D. et al. Clinicai review: vasculitis on the intensive care unit - part 1: diagnosis. Crit Ca1© v. 9, n. 1, p. 92-7, 2005. SEMPLE, D. et al. Clinicai review: vasculitis on the intensive care unit part 2: treatment and prognosis. Crit Ca©v. 9, n. 2, p. 193-7,2005. SPECKS, U. Diffuse alveolar hemonhage syndromes. Cur. Opin Rheundd, v. 13, p. 12-7, 2001. TEDESCHI, A. et al. Ciyoglobulinemia. Bknl Rev., v. 21, p. 183-200, 2007. VERONESI, R.; FOCACCIA, R. VffcrEH - Tr^adodeirf«tdc^a - vdunesl e21. ed. São Paulo: Atheneu, 1997.

SEÇÃO

Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas

CAPÍTULO

51

Hematúria Caio Silvério de Souza

J. P. S., sexo masculino, 71 anos de idade, não branco, natural de Pernambuco, procedente do Paraná, aposentado, ex-operário de indústria têxtil, casado, evangélico. Tabagista de longa data, com quadro de urina com coloração avermelhada há nove meses, acompanhada de disúria, polaciúria e gotejamento terminal também neste período.

Hematúria é definida como aumento na eliminação de hemácias pela urina, apresentando diversas propostas de classificação. Quanto à localização, as hematúrias podem

ser classificadas em glomerulares (origem no glomérulo

renal) ou não glomerulares; quanto à intensidade, podem ser classificadas em macroscópicas, quando a coloração da urina sugere a presença de sangue, ou microscópicas,

quando as hemácias são detectadas somente em exame laboratorial de urina (sedimentoscopia). A prevalência de hematúria na população geral varia

de 0,5 a 22%, dependendo da idade da população estuda­ da e dos valores de hemácias considerados normais à sedimentoscopia. A investigação de hematúria exige anamnese e exame físico detalhados, bem como exames complementares

laboratoriais e de imagem adequados, evitando procedi­ mentos onerosos e invasivos desnecessários. A hematúria possui diversas etiologias (Quadro 51.1),

QUADRO 51.1 - Principais etiologias das hematúrias • Glomerular - Glomerulonefrite pós-estreptocócica - Glomerulonefrite membranoproliferativa - Nefropatia por imunoglobulina A (IgA) - Púrpura de Henoch-Schönlein - Nefrite lúpica - Nefropatia membranosa - Doença por lesão mínima - Glomeruloesclerose segmentar focal - Glomerulonefrite rapidamente progressiva - Vasculites - Nefroesclerose - Nefrite hereditária progressiva - Síndrome de Alport - Síndrome hemolítico-urêmica - Púrpura trombocitopênica trombótica - Crioglobulinemia • Não glomerular - Causas hematológicas - Corpo estranho (cateteres) - Trombose de veia renal - Fístula arteriovenosa - Hematúria de exercício - Infecções do trato urinário - Tuberculose - Malformações renais (cistos) - Hipercalciúria/hiperuricosúria - Medicamentos - Nefrolitíase - Trauma abdominal/cirurgias - Neoplasias - Obstrução do trato urinário - Hipertrofia prostática - Hemangioma renal/vesical

destacando-se as causas nefrológicas e urológicas. A macroscópica tem como etiologias mais comuns:

infecção do trato urinário, litíase renal, neoplasias do trato

urinário e as neoplasias do trato geniturinário, sendo, nesta

geniturinário e glomerulopatias. O paciente em questão é um idoso tabagista com hema­

faixa etária, o mais prevalente o adenocarcinoma de prósta­

túria macroscópica e sintomas urinários irritativos. Quando

restando ainda como diagnóstico possível a litíase renal, que

associada a sintomas irritativos (disúria e polaciúria), as

poderia causar esse quadro quando da eliminação de um

hipóteses diagnósticas mais prováveis são infecção do trato

cálculo pela uretra.

ta, seguido de carcinoma de células transicionais da bexiga,

CAPÍTULO

51

310 -

Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas

Refere ainda dor abdominal em cólica contínua, em hipogástrio e fossa ilíaca esquerda, com irradiação para dorso e perna esquerda, acompanhada de inapetência e de náuseas sem vômitos há cinco meses. Emagreceu aproximadamente 10kg nesse período. A dor abdominal em cólica localizada em hipogástrio

e fossa ilíaca esquerda com essas irradiações infere a

presença de um fator obstrutivo no trato urinário, poden­

do correspondera um cálculo ou até mesmo a uma neo­ plasia. O emagrecimento significativo nesse período nos alerta para um processo consumptivo, reforçando a hipó­ tese de neoplasia.

Quanto a este paciente, vale salientar ainda que o ta­ baco atualmente é o principal fatorde risco para o desen­ volvimento do câncerde células transicionais ou urotelial,

o tipo histológico mais comum do câncerde bexiga. Exame físico: regular estado geral, emagrecido, contatuante, descorado +, hidratado, acianótico, anic­ térico, taquipneico, afebril. Pulmonar: murmúrio vesicular diminuído globalmente, com roncos e ester­ tores subcrepitantes difusos. Cardiovascular: ictus no quinto espaço intercostal esquerdo, na linha hemicla­ vicular, bulhas rítmicas, normofonéticas, sem sopros. Abdome: globoso, timpânico à percussão, sem sinais de ascite, baço não percutível, fígado palpável a 6cm da borda costal, endurecido e com superfície irregular, ruídos hidroaéreos presentes. Membros: pulsos presen­ tes, simétricos. Ausência de edema ou sinais de trombose venosa profunda.

Exames gerais:

• Urina tipo I - Densidade: 1.018. - pH: 5,5. - Proteínas: 20. - Glicose: negativa. - Nitratos: negativa. - Hemácias: 450.000. - Leucócitos: 40.000. - Cilindros: negativos. - Células epiteliais: moderadas. - Bactérias: moderadas. • Urocultura: negativa. • Pesquisa de dismorfismo eritrocitário: negativa.

O exame de urina I revela hematúria significativa com dismorfismo eritrocitário negativo. A urocultura neste caso

se mostrou negativa, afastando o diagnóstico de infecção

do trato urinário. A hematúria não glomerular caracteriza-se porhemá­

cias urinárias isomórficas, ao passo que na hematúria

glomerulares hemácias urinárias se encontram dismórfi­ cas, ou seja, apresentam alterações em forma, volume e

quantidade de hemoglobina. Traumatismo mecânico das hemácias ao atravessarem a membrana basal glomerular alterada, com consequente deformação de membrana e

redução de volume, é a teoria mais aceita para o dismor­ fismo eritrocitário.

Além do dismorfismo eritrocitário, outros marcadores laboratoriais sugerem origem glomerularda hematúria, como

por exemplo, cilindros hemáticos positivos e proteinúria. Os cilindros hemáticos são estruturas formadas no

O exame físico desse paciente nos direciona para hi­ pótese diagnóstica que cursa com síndrome consumptiva,

já que foram demonstrados emagrecimento, anemia e

interior dos túbulos renais pelo aprisionamento de hemá­ cias pela mucoproteína de Tamm-Horsfall em precipitação, e sua presença é altamente sugestiva de hematúria glo­

hepatomegalia que pode correspondera metástases hepá­

merular,embora sua ausência não exclua este diagnóstico.

ticas, tendo em vista a superfície irregular e consistência

Proteinúria inferior a 0,5g em 24h é sugestiva de he­

endurecida à palpação. A ausculta pulmonar demonstra roncos (secreção em

matúria não glomerular, ao passo que acima de 0,5g em

24h indica lesão glomerular

brônquios e bronquíolos de grande calibre), estertoração

Havendo hematúria de origem glomerular, outros

subcrepitante (secreção em bronquíolos de pequeno cali­

exames diagnósticos devem ser realizados racionalmente

bre) que podem estar relacionados ao tabagismo de longa

e de acordo com o quadro clínico, na tentativa de eluci­

data, ou mesmo a metástases pulmonares.

dação diagnóstica, como ureia, creatinina, hemograma,

proteínas totais e frações de complemento, fator antinu­ Ao toque retal, a próstata apresenta-se normal, sem nodulações, com peso estimado de 15g.

clear, antiestreptolisina O, sorologias para HIV, hepatites B e C, ultrassonografia de rins e vias.

Por outro lado, encontradas hemácias isomórficas, os

O toque retal é indispensável neste caso, tendo em

exames complementares devem direcionar racionalmente

vista a sintomatologia do paciente, que poderia serexpli­

para etiologias não glomerulares, sendo eles urocultura,

cada tanto por hiperplasia prostática benigna como por

calciúria, uricosúria, eletroforese de hemoglobina, ultras­

adenocarcinoma de próstata.

sonografia de rins e vias, tomografia computadorizada de

Hematúria - 311

A biópsia renal, embora invasiva, pode ser necessária

para confirmação do diagnóstico de inúmeras entidades

nefrológicas (Fig. 51.1).

Leucócitos: 7.100. Bastonetes: 0. Segmentados: 76,4% (5.400). Eosinófilos: 2,7% (190). Basófilos: 0,5% (40). Linfócitos: 16,4% (1.160). Monócitos: 4% (280).

• • • • •

Hemoglobina: 11,1. Hematócrito: 34,9. Volume corpuscular médio: 73. Amplitude de distribuição de hemácias: 23,4. Plaquetas: 222.000.

51

Hemograma:

CAPÍTULO

• • • • • • •

abdome e/ou pelve, ureterocistoscopia, cintilografia renal, urografia excretora e arteriografia renal.

O hemograma evidencia anemia microcítica com ín­ dice de anisocitose aumentado, o que fala a favor de anemia ferropriva, que seria explicada neste caso pela perda crônica de sangue pela urina (hematúria macroscó­ pica há nove meses).

Figura 51.1 - Fluxograma para investigação das hematúrias.

312 - Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas

CAPÍTULO

51

Demais exames: • • • • • • • • • • • •

Ureia: 48. Creatinina: 1,1. Sódio: 148. Potássio: 4,2. Cálcio: 7,2. Magnésio: 2,2. Albumina: 1,8. Tempo de protrombina/atividade de protrombina: 16/65. Relação normalizada internacional (RNI): 1,23. Aspartato aminotransferase: 381. Alanina aminotransferase: 190. Desidrogenase lática: 943.

Figura 51.2 - Tomografia computadorizada de abdo­ A albumina baixa reflete o estado de consumo apre­

sentado pelo paciente. Corrigindo-se o cálcio total de

acordo com a albumina sérica, o valordo cálcio se apre­ senta na faixa da normalidade: (4 - 1,8) × 0,8 = 1,76 +

me evidenciando hidronefrose à esquerda. Imagem cedida pelo Grupo de Estudo em Correlação Anátomo-clínica (GECAC) da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

7,2 = 8,96. As transaminases podem estar aumentadas neste caso

por acometimento hepático pelas metástases hepáticas,

observando-se ainda que a função hepática se encontra normal (RNI =1,23). Solicitada uma tomografia computadorizada de abdome e pelve, que mostra hidronefrose à esquerda e metástases hepáticas (Fig. 51.2). Radiografia pulmonar evidencia imagens nodulares sugestivas de metástases pulmonares.

A presença de hidronefrose nos direciona para o diag­

nóstico de fatores obstrutivos com causa de hematúria, como, por exemplo, neoplasias de trato geniturinário e

litíase urinária, porém, as metástases pulmonares e hepá­

ticas reforçam a hipótese de neoplasia. Durante a internação, o paciente evolui com piora do nível de consciência, anúria e insuficiência respira­ tória por pneumonia hospitalare choque séptico, sendo necessária intubação orotraqueal e uso de drogas vaso­ ativas. Evolução hemodinamicamente instável, seguida de parada cardiorrespiratória. Realizada necropsia (Figs. 51.3 e 51.4).

DIAGNÓSTICO FINAL Carcinoma urotelial ou carcinoma de células transicionais

metastático de ureter.

Figura 51.3 - Hidroureteronefrose à esquerda e mas­ sa tumoral envolvendo ureter, rim esquerdo e aorta. Imagem cedida pelo Grupo de Estudo em Correlação Anátomo-clínica (GECAC) da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

Hematúria - 313

emagrecimento são raros e geralmente associados à do­

são os linfonodos regionais, pulmões, fígado e ossos.

Massa em flanco está presente em 5 a 10% dos casos, podendo corresponder ao próprio tumorou à hidronefrose. São exames utilizados para diagnóstico, estadiamento

tomografia computadorizada, ressonância nuclearmagné­ tica e ureteropieloscopia que permite biópsia e/ou ressec­ ção com visualização direta, podendo ser realizada por

via ureteral ou percutânea. Estadiamento tumor-linfonodos-metástases (TNM):

Figura 51.4- Microscopia óptica evidenciando invasão do lúmen ureteral por células neoplásicas sugestivas de carcinoma de células transicionais. Imagem cedida pelo Grupo de Estudo em Correlação Anátomo-clínica (GECAC) da Faculdade de Medicina da Pontifícia Uni­ versidade Católica de Campinas.

• Restrito à mucosa: Tis, T0. • Invasão da lâmina própria: T1. • Invasão da muscular T2. • Invasão do tecido adiposo ou parênquima renal: T3. • Invasão de órgãos vizinhos: T4 • Linfonodos acometidos: N1 ou N2. • Metástases a distância: M1.

DISCUSSÃO

O tratamento depende do estadiamento, do grau his­ tológico, da posição do tumore de sua multiplicidade. As

O tumorurotelial maligno mais comum é o câncerde bexiga.

estratégias terapêuticas possíveis são ressecção endoscó­

Os carcinomas da pelve renal e do ureter são raros,

pica, cirurgia, radioterapia, quimioterapia intravesical ou sistêmica.

representando 4% de todos os cânceres uroteliais. Noventa e sete porcento dos tumores de ureter são

carcinomas de células de transição. A idade média ao diagnóstico é 65 anos, sendo o sexo masculino mais acometido que o feminino em uma pro­

porção de 4:1. São fatores de risco para o desenvolvimento de carci­ noma de células uroteliais: tabagismo, exposição a aminas

aromáticas (indústrias de borracha, elétrica, corantes,

tintas e têxtil), infestação pelo Schistosoma haematobium, uso de ciclofosfamida, uso crônico do analgésico fenace­

tina, infecções do trato urinário, contraste radiológico,

litíase renal. Anormalidades do cromossomo 9,11p, 17p, tais como

no gene p53, estão relacionadas ao câncerde células transicionais. A hematúria macroscópica é relatada em 70 a 90%

das vezes, sendo a manifestação clínica mais comum do

carcinoma de células transicionais do ureter. Há dor no

flanco em cólica em 50% dos pacientes , sugerindo obs­

trução ureteral. Sintomas miccionais irritativos podem estar presentes em 5 a 10% das ocorrências. Anorexia e

BIBLIOGRAFIA BASTOS, M. G.; MARTINS, G. A.; PAULA, R. B. Diagnóstico dife­ rencial na hematúria. J. Bras NdrdL, v. 20, p. 425-40, 1998. CAVALCANTI, E. E A.; MARTINS, H. S. Chrfcaniβdkadcssnãse ãrtonasaodi¾Tsticoetrdanβto São Paulo: Manole, 2007. CUTLER, P. Ccmioh lukiir prcblβnasβn chrkamédka 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. GOLDMAN, L.; BENNET, J. C. Ccril-Trííakxieinαlicirairta na 21. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. KORKES, F. et al. Carcinoma of the renal pélvis and ureter Int Bra. J. Urd., v. 32, n. 6, nov./dez. 2006. MURTA, C. B. et al. Analysis of the clinicopathological characteristics of patients with upperurinaiy tract transitional cell carcinoma. Clirics v. 63, n. 2, p. 223-228, 2008. TANAGHO, E. A.; MCANINCH, J. W. Urdcgagrd deSmith 16. ed. São Paulo: Manole, 2007. TIRABOSCHI, R. B. et al. Fatores de risco em carcinomas de células transicionais da bexiga: risk factois. ActaCir. Bras, v.17, suppl. 3, p. 20-23, 2002. VASCONCELLOS, L. S.; PENIDO, M. G. M. G.; VIDIGAL, P. G. Importância do dismorfismo eritrocitário na investigação da origem da hematúria: revisão da literatura. J. Bras Pdd. Med. Ld)., v. 41, n. 2, p. 83-94, 2005.

51

e tratamento: urografia excretora, pielografia retrógrada (permite coleta de amostras citológicas), ultrassonografia,

CAPÍTULO

ença metastática. Os locais de metástases mais comuns

CAPÍTULO

52

Disúria Flávia Areco • José Luiz Pedroso

Mulherde 33 anos de idade procura consulta médi­ ca devido à dor para urinar, com sensação de queimação, caracterizadas como disúria. Relata também aumento na frequência urinária e pequeno volume de urina, ca­ racterizados como polaciúria, e urgência para ir ao banheiro. Apresenta dor em região suprapúbica de pequena a moderada intensidade, juntamente com a disúria e a polaciúria. Esses sintomas surgiram há cer­ ca de três semanas, de maneira intermitente. Nega alterações no odorda urina. Eventualmente, apresenta urina avermelhada. Disúria pode ser definida como a sensação de dor,

queimação, ou formigamento na região perineal durante ou logo após o ato de urinar É extremamente comum na mulher adulta; quase 25% das mulheres adultas têm um

episódio de disúria a cada ano. A disúria pode ocorrer por inflamação acometendo a

uretra e o trígono da bexiga, em que a doré desencadeada pela passagem da urina na uretra, ou por inflamação en­ volvendo o lábio vaginal, em que a doré desencadeada

quando um fluxo de urina atinge a região inflamada duran­

te a micção. A história apresentada parece ser compatível com o

quadro clínico de infecção urinária baixa ou cistite. Os sintomas típicos da cistite são: polaciúria (caracterizada

pela paciente como aumento da frequência urinária), disúria (caracterizada por queimação ao urinar), dorem

região suprapúbica e hematúria. Em infecção urinária alta também pode haver esses sintomas, porém, é comum

o aparecimento de febre, dor lombar mal-estar geral e indisposição. Aproximadamente 50 a 60% das mulheres

adultas relatam ter tido uma infecção urinária durante a vida.

O que não é muito característico da cistite é a duração dos sintomas relatados pela paciente (três semanas). O início dos sintomas em cistite normalmente é de 24h, com duração de três a cinco dias. Nas mulheres sexualmente ativas, os sintomas podem aparecer 24 a 48h após uma relação sexual, se não houvera prática do esvaziamento vesical pós-coito - esta é a denominada “cistite da lua de mel”. Um estudo encontrou uma média para cada episó­ dio de infecção urinária em mulheres jovens: 6,1 dias de sintomas, dos quais 2,4 provocando restrição nas ativida­ des, 1,2 como causa de falta à aula ou ao trabalho e 0,4 deixando a paciente acamada.

Devemos lembraras causas de cistites não bacterianas, como as virais (adenovírus), fúngicas, neoplásicas, por presença de corpo estranho (cateteres), radiação, uso de medicamentos (ciclofosfamida) e imunológicas. A dor suprapúbica relatada caracteriza a dor vesical decorrente da distensão da bexiga por urina, inflamações crônicas ou agudas, como acontece em cistites com cál­ culos na bexiga ou na existência de tumores. O quadro clínico citado também é descrito nos casos

de uretrite e vaginite, em que os sintomas são os mesmos de

cistite geralmente ocasionada por germes que não crescem em meios de cultura habituais, como Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae, Mycoplasma, Mycobacte­

ria, Trychomonase Candida. O uso de medicamentos simpaticomiméticos, a hiper­ trofia do colo vesical e as neuropatias podem também ser causas de polaciúria e disúria. A urgência definida como o súbito e imperioso desejo de urinar pode ser secundária a processos inflamatórios e/ou infecciosos da bexiga, a hiper-reflexia de um quadro de bexiga neurogênica, a obs­

trução urinária infravesical grave ou se devera ansiedade e a distúrbios psíquicos.

Disúria - 315

do paciente com disúria. Teste de gravidez e pesquisa de agentes para DST são realizados conforme a história clínica.

cistite com mais de 90% de probabilidade. Na maioria dos casos de cistite aguda, a história direcionada e o exame físico fornecem dados suficientes para a formula­ ção do diagnóstico.

é considerada normal, para mulheres.

A paciente nega outros sintomas, como prurido ou secreção vaginal, perda de peso, alterações intestinais, febre ou dor lombar. Nega infecção urinária pregressa ou litíase urinária. Há relatos de ansiedade e episódio depressivo tratado há dois anos com fluoxetina, porum ano. Nega uso de medicações. Não há história de taba­ gismo, etilismo ou uso de drogas. Seu ciclo menstrual é regular (28 dias), menarca aos 11 anos de idade. Primeira relação sexual aos 17 anos, com preservativo. A paciente é solteira e não teve relações sexuais no último ano. Exame físico é inteiramente normal, a despeito de dorà palpação de região suprapúbica. Exame especulare toque normais.

Fala-se em leucocitúria ou piúria quando, à urinálise

(estudo microscópico de sedimentos), há contagens supe­ riores a 10.000 leucócitos/mL, independentemente da sua morfologia. Em laboratórios que utilizam tecnologia mais avançada, em que se faz exame microscópico de urina porci­

tometria de fluxo, a contagem de leucócitos de até 30.000/mL Leucócitos na urina indicam geralmente processo

supurativo situado em qualquer segmento do aparelho urinário, ou seja, infecção (pielonefrites agudas, cistites, ou uretrites de qualquer etiologia). Somente a inclusão

dos piócitos em cilindros pode ser considerada como

indício convincente de sua origem renal. Os dipsticks (fitas reagentes) são úteis para triagem de

casos suspeitos de ITU, principalmente em nível ambu­ latorial ou no consultório. As fitas detectam esterase

leucocitária (indicativa de piúria) ou atividade redutora de nitrato. A redução de nitrato para nitrito é tempo-de­ pendente e só é positiva em ITU causada por enterobac­ térias, pois estas apresentam essa atividade. O valor ne­

gativo da fita é o mais importante, pois quando negativas

podem excluir ITU, quando a sintomatologia não for fortemente sugestiva desse diagnóstico. Eritrócitos e

Nos casos de vaginites normalmente há história com­ patível com doenças sexualmente transmissíveis (DST), por exemplo, mudança de parceiro nas últimas semanas, história prévia de DST, parceiro com algum sintoma uretral; além do aparecimento dos sintomas de forma gradual dentro de várias semanas. A vaginite deve ser considerada na presença conco­ mitante de um ou mais dos seguintes sintomas: corrimen­ to vaginal, prurido, secreção com odor fétido, dispaurenia. Assim, parece pouco provável que a paciente do caso apresente esses sintomas devido a uma vaginite. Vale a pena lembrar que há uma estreita relação entre a dor pélvica crônica e a depressão, e esta última pode dificultar ou mesmo impedir o tratamento da primeira. Ainda, causas orgânicas e sociais que justifiquem o quadro depressivo devem ser questionadas na história clínica. Exame simples de urina (urina I) mostrou o seguin­ te resultado: leucócitos: 13.000 (até 10.000); eritrócitos: 41.000 (até 10.000); ausência de proteinúria ou outros elementos anormais. Mesmo com o resultado normal, a paciente recebeu tratamento para infecção do trato urinário (ITU) baixo.

Juntamente com a história clínica e o exame físico, exames laboratoriais são apropriados para investigação

leucócitos são lisados em urinas com pH maior que 6,

com reduzida osmolaridade ou em análises tardias. Por

tanto, falso-negativo na fita é mais difícil no que em

microscopia. O pH urinário maior que 7,5, detectado por

fitas reagentes, também sugere fortemente ITU. A sensi­ bilidade dos dipsticks não é tão alta quanto a pesquisa

microscópica de sedimento. Porém, a existência de leucocitúria não sela o diag­

nóstico de ITU devido a inúmeras causas de leucocitúria estéril (achado de leucócitos ao exame microscópico e urinocultura negativa), como tuberculose, infecção por fungos, Chlamydia, Gonococcus, Leptospira, Haemophi-

lus, anaeróbios, vírus, etc. Dentre as causas de leucocitú­

ria estéril não infecciosa estão: nefrite intersticial, litíase, corpo estranho, rejeição a transplante, terapia com ciclo­

fosfamida, trauma geniturinário, glomerulonefrites aguda e crônica, neoplasias, contaminação vaginal, etc. Segundo a quantidade de sangue presente na urina, fala-se em hematúria macroscópica (visível a olho nu) ou

microscópica (visível em pesquisa de sedimento). As principais causas de hematúria são:

• Origem renal: glomerulonefrite aguda ou crônica, nefrite intersticial, pielonefrite aguda e crônica, papilite renal, hidronefrose, rins policísticos, tumo-

CAPÍTULO 52

Cálculos ou tumores em qualquer nível do trato uri­ nário podem originar hematúria e dor suprapúbica. A pseudo-hematúria deve serdescartada pormeio do ques­ tionamento sobre consumo de possíveis alimentos (beter­ raba, amora, etc.) ou de medicamentos (hidrocloreto de fenazopiridina) com corantes que deixam a urina rósea ou de cor avermelhada. Em uma revisão sistemática, a disúria sem corrimen­ to ou irritação vaginal direciona para o diagnóstico de

CAPÍTULO 52

316 -

Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas

res, trauma, litíase, trombose de veia renal, periar­ terite nodosa, lúpus eritematoso, púrpura anafilac­

toide, tuberculose renal.

necer na maioria dos casos, o agente etiológico causador da infecção e trazer subsídio para a conduta terapêutica.

Confirmada a suspeita clínica e considerando que 85%

• Origem vesical: litíase vesical, corpo estranho, cis­

das ITU agudas sintomáticas são causadas porEscherichia coliem mulheres jovens, a terapia da cistite não compli­

tite aguda ou crônica, tuberculose vesical, tumor,

cada pode ser instituída. Os antimicrobianos mais utili­

traumatismo vesical. • Origem uretral: traumatismo, corpo estranho ou

zados contra cistite não complicada são: sulfametoxazoltrimetoprim, as quinolonas como nitrofurantoína, ácido

litíase, uretrite aguda, prolapso da uretra, ulceração

nalidíxico, ácido pipemídico e as novas quinolonas como

do meato uretral. • Origem sistêmica: púrpuras, hemofilias, leucemias,

norfloxacino e ciprofloxacino. Antibioticoterapia profilá­ tica tem indicação limitada em infecções do trato urinário

hematúria transitória durante estados febris e outras.

complicadas e, como regra geral, a terapia profilática não

A hematúria como achado isolado em geral está mais

deve serinstituída a não serque estudos clínicos contro­ lados e randomizados mostrem efetividade em grupos

• Origem ureteral: litíase, tumor

relacionada a cálculos, tumores, tuberculose e infecção

específicos.

fúngica do trato urinário. Quando há hematúria em pa­ cientes com disúria sem evidência de infecção, é indica­

Uma vez pensado em infecção urinária complicada, é necessária a investigação por imagem, buscando-se anor­

da citologia da urina e em cistoscopia. A hematúria não

malidades urológicas que predisponham à ITU.

aparece nas uretrites e vaginites de modo geral.

A ultrassonografia é útil para identificar alterações na morfologia do rim (rins policísticos, tumoração, abscessos)

Algumas mulheres com disúria aguda não têm bacte­

riúria nem piúria, porém, os sintomas geralmente são

resolvidos após tratamento antimicrobiano. Causas não infecciosas incluem trauma, pós-meno­

e a presença de cálculos no trato urinário.

A urografia excretora é questionável, pois em 85% das

pausa, deficiência de estrogênio, ressecamento da muco­

mulheres com ITU recorrente tem resultados normais. Pode ser realizada para se obter informações sobre alte­

sa uretral e vaginal.

rações anatômicas como dilatação pielocalicial, estenose

pielonefrite aguda, história de infecções recorrentes (três

de junção ureterocalicial, adequação de esvaziamento vesical e presença de obstrução ou cálculo.

ou mais ITU no último ano), e em suspeita de infecção

A uretrocistografia miccional é mais útil para diag­

urinária complicada. Fala-se em ITU complicada quando

nóstico de refluxo vesicoureteral em crianças, e em adul­ tos no pós-transplante renal para afastar refluxo ao rim

A cultura da urina é claramente valiosa em suspeita de

existe um ou mais dos seguintes fatores associados:

transplantado. • Uropatógenos multirresistentes. • Obstrução (tumores, urolitíase, estenose da junção

A cistoscopia tem indicação a casos de bacteriúria estéril e hematúria de origem vesical.

ureteropiélica). • Gravidez. • História de infecção urinária na infância. • Pielonefrite no ano anterior • ITU adquirida no ambiente hospitalar • Anormalidade anatômica ou funcional do trato uri­ nário (divertículos vesicais, bexiga neurogênica, refluxo vesicoureteral, nefrocalcinose).

• Uso de cateter de demora. • Instrumentação recente do trato urinário. • Alterações metabólicas (diabetes mellitus, insuficiên­

cia renal, rim transplantado). • Sintomas por sete dias ou mais antes de buscar

A paciente é vista novamente após dois anos. Re­ lata que nesse período apresentou os mesmos sintomas: disúria, polaciúria, urgência urinária e dor suprapúbica, agora também noctúria. Os sintomas estão presentes há cerca de um ano, quase diariamente. Já recebeu trata­ mento para infecção urinária por mais de dez vezes, com norfloxacino, ciprofloxacino e, inclusive, profilaxia com macrodantina, sem melhora alguma. Apresenta vários exames de urina em mãos, todos com resultados semelhantes: pequeno aumento de leucócitos e hema­ túria. Traz também resultado de três uroculturas, sendo todas normais. A mãe diz que a paciente é muito ansio­ sa e parece estar novamente com depressão, devido a choro frequente, anedonia e insônia.

cuidados. • Tratamento antimicrobiano recente (último mês).

Resumindo, o caso descrito pode ser definido clinica­ mente como uma ITU complicada, em que as causas uro­

A cultura de urina quantitativa, avaliada em amostra

de urina colhida assepticamente, jato médio, poderá for­

lógicas associadas devem ser pesquisadas laboratorialmen­ te, como existência leucocitúria estéril e hematúria.

Disúria - 317

Assim, é necessário investigara existência de uropa­ trato urinário e fatores obstrutivos (tumores, litíase).

Uma hipótese a ser considerada neste caso, dentre as

causas infecciosas de cistite crônica, é a tuberculose

vesical, sustentada pela presença de leucocitúria estéril e pela alta incidência do bacilo na população brasileira. A tuberculose urogenital decorre da disseminação he­

matogênica de um foco pulmonar ou um gânglio infec­ tado e raramente se origina de lesão genital. É uma

doença tipicamente de adultos entre 20 e 40 anos de idade predominantemente do sexo masculino (2:1). O envolvimento do trato urinário médio e inferior faz-se por via canalicular descendente. A tuberculose vesical

inicia-se com lesões próximas aos meatos ureterais sob a forma de edema, hiperemia e pequenas úlceras; com a progressão, toda a bexiga é afetada, o que provoca

redução da capacidade vesical. O exame mais importan­

• Infecciosas - Glândulas periuretrais e divertículos de uretra (mulher) - Prostatites - Monilíase - Uretrites (Neisseria, clamídia, Trichomonas, herpes) - Tuberculose vesical • Inflamatórias - Cistite intersticial - Litíase vesical e uretral - Pericistite (diverticulite, anexite) - Radioterapia - Endometriose • Neoplásicas - Tumores vesicais infiltrativos - Carcinoma in situ vesical • Outras - Hipoestrogenismo - Bexiga neurogênica (parkinsonismo, acidente vascular cerebral) - Bexiga miogênica (idade) - Ciclofosfamida - Vaginismo

te para a investigação da tuberculose no trato urinário é a urocultura para Mycobacterium tuberculosis, que faz

o diagnóstico em 95% dos casos, porém, a pesquisa deve

Novos exames são programados:

ser feita em três amostras diferentes de urina, já que o

aparecimento de M. tuberculosis na urina se dá de ma­ neira intermitente. O derivado de proteína purificada

(PPD) (reação intradérmica com tuberculina purificada) é positivo em aproximadamente 95% dos pacientes com

tuberculose urogenital.

Em termos de diagnóstico radiológico da tuberculose,

podemos encontrar evidência da doença ativa ou antiga à radiografia de pulmão; áreas de calcificação na loja renal à radiografia de abdome; deformidade calicial, fibrose de

ureter (ureter em rosário) à urografia excretora e lesões

eritematosas e úlceras rasas junto ao ureter à cistoscopia de bexiga.

Conforme descrito no Quadro 52.1, outras causas de leucocitúria estéril consideradas como hipótese diagnós­

Hemoglobina: 13,2. Leucócitos: 8.300. Bastonetes: 2%. Neutrófilos: 76%. Linfócitos: 32%. Plaquetas: 287.000. Velocidade de hemossedimentação: 16. Creatinina: 0,9. Ureia: 24. Sódio: 135. Potássio: 4,1. Cálcio: 9,2. Urina 1: leucócitos: 35.000; eritrócitos: 15.000; proteína: 0. • PPD: não reagente. • Cultura para tuberculose na urina: negativa. • • • • • • • • • • • • •

tica deste caso são as de origens inflamatórias, neoplási­

cas, uso de drogas, alteração hormonal e alterações fun­

cionais do trato urinário.

Dentre as causas infecciosas, as uretrites e as afecções

Nova urocultura teve resultado negativo.

• Ultrassonografia de rins e vias urinárias: normal. • Urografia excretora: normal.

periuretrais foram descartadas pela história e exame físi­ co ginecológicos. Assim, resta investigara tuberculose

vesical.

Os novos exames excluem tuberculose e litíase, tor­

Das causas inflamatórias, a história clínica nos permi­

nando mais provável o diagnóstico de cistite intersticial. A origem neoplásica ainda não deve ser deixada de lado,

te considerara radioterapia, a endometriose e a pericardite

pois é necessário afastaro diagnóstico de câncerem todos

menos prováveis. Então, devemos levarem conta as hipó­

os pacientes, independentemente da idade, devido à alta morbidade do câncer de bexiga.

teses de litíase e cistite intersticial. O hipoestrogenismo, a bexiga neurogênica e a bexiga miogênica podem ser

Neste momento, é importantíssima para o esclarecimen­

descartados, pelo fato de acometerem pessoas de idade

to do diagnóstico uma cistoscopia, que permite a inspeção

avançada.

visual da bexiga e da uretra no mesmo procedimento.

CAPÍTULO 52

tógenos resistentes, anormalidades anatomofuncionais do

QUADRO 52.1 - Disúria e polaciúria com culturas de urina negativas

CAPÍTULO 52

318 -

Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas

Programa-se uma cistoscopia foi programada. O exame revela pequenas áreas superficiais de hemorragia e pequena ulceração (úlcera de Hunner). Biópsia de várias topografias da bexiga negativa para células neo­ plásicas. Não há achados, à histopatologia, compatíveis com tuberculose. A paciente recebe amitriptilina com aumento progressivo da dose, chegando a 75mg ao dia. Relata melhora significativa dos sintomas nos seis meses seguintes.

prevalência quando comparado com uma população nor­ mal; além de existir maior concordância entre gêmeos monozigóticos que entre dizigóticos.

A patogenia da cistite intersticial não está estabelecida e é controversa. A maior parte das evidências sustenta que

os sintomas estão associados a uma anormalidade na per­

meabilidade do epitélio da bexiga.

O defeito primário pode ser um aumento da permea­ bilidade da camada de glicosaminoglicanos, permitindo

Úlceras de Hunner, petéquias e glomerulações na mu­

que elementos tóxicos afetem a camada de nervos e a

cosa da bexiga sugerem o diagnóstico de cistite intersticial, porém a simples ausência destes sinais, por si só, não

musculatura da parede da bexiga e causem dore irritação

exclui o diagnóstico. Na cistite intersticial, o diagnóstico

minado fator de antiproliferação (APF) produzido pelo

na fase inicial pode ser essencialmente clínico, apoiado no conjunto de sintomas apresentados e na ausência de outras

epitélio da bexiga doente e que inibe a produção de fato­

afecções que justifiquem as queixas.

crescimento e funcionamento do uroepitélio. Fatores

Discorreremos, a seguir sobre cistite intersticial.

na micção. Evidências identificaram um marcador deno­

res de crescimento e outras proteínas envolvidas no linfáticos, infecciosos, neurogênicos, autoimunes, hormo­ nais e vasculares podem estar implicados na patogenia da

DIAGNÓSTICO FINAL

cistite intersticial, porém com menor evidência.

Cistite intersticial.

tabelecido numa fase tardia, quando os sintomas são mais

O diagnóstico de cistite intersticial é comumente es­ frequentes e intensos. O início é por volta dos 20 anos de idade, de forma intermitente, o que facilita a confusão do

DISCUSSÃO

diagnóstico. Quando os sintomas urinários estão presentes,

A cistite intersticial acomete principalmente pacientes entre 30 e 40 anos de idade, numa proporção entre mu­

mais marcante, a confusão pode ser feita com quadros

lheres e homens de 5 a 10:1. A taxa de prevalência tem

sintomas pode surgir após a ingesta de certas bebidas e

variação conforme a definição utilizada, mas há um au­ mento crescente devido à maior consciência da afecção

comidas (laranja, framboesa, cerveja, café), na fase pré­

pelos médicos. A avaliação da incidência incluindo apenas

e longos períodos na posição sentada, como viagens.

os casos avançados subestima a verdadeira frequência da doença. Estudos populacionais relatam prevalência de 10

Muitas vezes, a exacerbação da cistite intersticial é trata­

a 865 casos por 100.000 mulheres. A prevalência de dia­

no caso relatado, e a melhora se dá pela própria história

gnóstico de cistite intersticial numa população foi de 197 casos por 100.000 mulheres e 41 casos por 100.000 ho­

natural da doença e não pelo tratamento antimicrobiano.

mens, ao passo que a prevalência de sintomas correlacio­

devem estar presentes há pelo menos seis meses. Há noctúria em 90% das vezes e piora com a progressão

nados com a doença nessa mesma população foi muito mais alta, qual seja: 11% nas mulheres e 5% nos homens.

Análises multivariadas mostram que os sintomas são significantemente mais comuns em mulheres, indivíduos de meia-idade (40 a 59 anos) e com status social mais

pensa-se em cistite bacteriana, e quando a dor pélvica é como endometriose ou vulvovaginite. A exacerbação dos

-menstrual, depois de estresse emocional, atividade sexual

da com antibióticos pensando-se em ITU, como ocorreu

Para o estabelecimento do diagnóstico, esses sintomas

da doença. Polaciúria e urgência miccional são queixas comuns; em média ocorrem 16 micções diurnas, com pe­ quenos volumes. A dor está presente em 85% dos casos e pode ser sentida na região suprapúbica, períneo, vulva, va­

baixo. Pacientes com cistite intersticial têm mais infecções

gina ou na região sacral. Aproximadamente 30% dos quadros

urinárias (risco relativo = 5,1), desordens ginecológicas como endometriose (RR = 7,4), dor pélvica crônica (RR

de dor pélvica crônica em mulheres têm etiologia urológica. Nos homens, a dor pode ser percebida no escroto.

= 5,8), vulvovaginites (RR = 6,9) e doenças crônicas como

Os pacientes com cistite intersticial, principalmente

doença inflamatória intestinal, síndrome do cólon irritável,

aqueles com evolução crônica dos sintomas, comumente

lúpus eritematoso, fibromialgia e alergia atópica. Existe alguma predisposição genética para cistite intersticial,

apresentam depressão secundária. Acredita-se que o es­

justificada pelo fato de que um grupo de mulheres adultas,

tratamento da depressão pode ajudaro paciente a conviver

com parentes de primeiro grau com a doença, tem maior

melhor com a doença. Portadores de cistite intersticial

tresse emocional ou físico pode agravar os sintomas. O

Disúria - 319

A urodinâmica pode ser útil para descartarhiperativi­ dade do detrusor. A sensação de urgência com pequeno

Em média, tais pacientes exibem à os sintomas cor­

enchimento vesical é característica e a maioria dos pa­

relacionados com a doença sete anos antes do diagnósti­

cientes não suporta volumes acima de 350mL. Uma pe­

co estabelecido.

quena parcela dos portadores de cistite intersticial (5%)

Em 1987, estudiosos criaram critérios (Quadro 52.2)

pode desenvolver hipotrofia do detrusor em fase avança­

na tentativa de padronizar o diagnóstico de cistite inters­

da da doença, o que provoca redução da contratilidade da

ticial. Hoje, esses critérios são considerados restritos,

bexiga e, consequentemente, dificuldade de micção.

porém, podem ainda ser úteis em uma abordagem inicial,

O teste de sensibilidade do potássio é um procedimen­

para descartar outras possíveis doenças que causam os

to menos invasivo quando comparado com a cistoscopia

mesmos sintomas.

e a hiperdistensão. Apesar de não ser específico e ser

Alguns centros utilizam escalas de sintomas para

doloroso para pacientes com cistite intersticial, esse teste

ajudar no diagnóstico de cistite intersticial, mas, na prá­

pode indicar uma boa resposta clínica ao tratamento com

tica, as escalas pouco acrescentam e seu uso é pouco

polissulfato pentosano sódico (PPS). Para realização do

difundido. Entretanto, essas escalas podem ser usadas na

teste, utiliza-se inicialmente a infusão de 40mL de água

monitorização dos sintomas durante o tratamento. Três

destilada na bexiga e após 5min o paciente relata se per­

escalas são conhecidas: índice de O’Leary-Sant, para

cebeu urgência e dor pélvica. Depois instila-se na bexiga

avaliar sintomas; escala de dor pélvica, urgência e frequ­

uma solução de 40mL com 40mEq de KCl e, passados

ência (PUF) e escala de cistite intersticial da Universida­

5min, o paciente relata e quantifica a disúria e/ou a ur­

de de Wisconsin.

gência. Medida maior ou igual a 2 no teste com KCl é

A urinálise microscópica e a cultura de urina devem ser

solicitadas a todos os pacientes com disúria, urgência e dor pélvica, para excluir outras possíveis causas de hematúria e infecção.

considerada positiva quando não há sintomas relatados à instilação com água destilada.

O diário miccional pode ser uma ferramenta útil para estabelecero diagnóstico e para avaliaro tratamento. Um

A cistoscopia é indicada, como já dito a casos de hema­

estudo mostrou que 97% dos pacientes com cistite inters­

túria associada aos sintomas da cistite, para descartar outras

ticial apresentaram, em média, micções com volume in­

causas, como neoplasias. Achados precoces à cistoscopia

feriora 100mL.

podem ser glomerulações (pontos hemorrágicos, petéquias) e linhas de hipervascularização. As úlceras de Hunner,

A terapia não farmacológica pode sera base do trata­ mento. Constitui-se de:

circunscritas por hiperemia de mucosa e centro fibrinoso, sugerem fortemente o diagnóstico de cistite intersticial.

• Educação dos pacientes sobre os sintomas. • Modificações comportamentais para a urgência e a

QUADRO 52.2 - Critérios de inclusão e exclusão para diagnóstico de cistite intersticial • Exclusões - Idade abaixo de 18 anos - Cálculo de bexiga ou ureter pélvico - Tumor vesical - Polaciúria, menos que oito micções ao dia - Cistite pós-radioterapia - Ausência de noctúria - Tuberculose - Duração dos sintomas inferior a nove meses - Cistite bacteriana - Contrações não inibidas (urodinâmica) - Vulvovaginite - Ausência de forte desejo de micção com 150mL (urodinâmica) - Divertículo uretral - Capacidade vesical maior que 350mL (urodinâmica) - Herpes genital ativo - Câncer de útero, colo uterino ou uretra • Inclusões - Úlcera de Hunner - Dor suprapúbica, perineal, uretral, vaginal ou pélvica - Dor durante o enchimento vesical aliviada com o esvaziamento - Glomerulações à cistoscopia após distensão vesical

frequência, como aumentar espontaneamente o número de micções. É o que chamamos de treina­

mento vesical. • Redução dos fatores desencadeadores de estresse. • Controle dietético evitando ingesta de alimentos ricos em potássio, que provocam irritação da bexiga, como tomate, chocolate, sucos e frotas cítricas, ál­

cool, café, refrigerantes e outros. Os objetivos da terapia farmacológica são restaurara

integridade da superfície da bexiga, modulara disfunção neuronal e reduzir qualquer inflamação coexistente.

O polissulfato de pentosano sódico (PPS) é a única droga oral aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento da cistite intersticial. Essa droga

tem uma estrutura similar à dos componentes da camada

de glicosaminoglicanos da superfície vesical e atua na

restauração da barreira lesionada. A dose utilizada é 100mg, três vezes por dia. O alívio dos sintomas pode aparecer

CAPÍTULO 52

recebem cinco vezes mais tratamento para distúrbios emocionais do que pacientes sem a doença.

CAPÍTULO 52

320 - Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas

vários meses após o início do tratamento e, por esse motivo, o PPS deve ser usado por, no mínimo, seis meses. A hidroxizina é um anti-histamínico oral que diminui

Cistectomia com derivação urinária é a cirurgia radical mais indicada, mas alguns pacientes podem desenvolver dor no reservatório continente, necessitando de PPS oral

a desgranulação dos mastócitos, reduzindo parte da res­ posta inflamatória.

e/ou heparina intrarreservatório para controle da queixa. Concluindo, cistite intersticial é uma síndrome diag­

A dose utilizada desse medicamento é de 25mg, poden­

do ser aumentada para 100mg nas exacerbações. A ami­ triptilina, um antidepressivo tricíclico, controla a dore a

nosticada basicamente por exclusão de outras doenças. Porém, deve ser sempre lembrada à abordagem ao pacien­ te com quadro de disúria, urgência e dor vesical com

urgência nos pacientes com cistite intersticial, pela neuro­

duração superiora uma semana e episódios de recorrência.

modulação. Um recente estudo mostrou que a amitriptilina, na dose de 25 a 75mg por dia, controlou a dor em 60 a 90% dos portadores de com cistite intersticial. Os inibido­

res seletivos da recaptação da serotonina, como a fluoxeti­ na e a sertralina, também são considerados opções válidas. Outro recente estudo randomizado mostrou que a

amitriptilina pode ser segura e efetiva para pacientes com cistite intersticial por mais de quatro meses.

Alguns pacientes podem se beneficiar com a terapia

tripla (PPS, hidroxizina e amitriptilina). Havendo falha do tratamento oral, deve ser conside­ rada a terapia intravesical. O dimetilsulfóxido (DMSO) é

um solvente orgânico, aprovado pela FDA, que reduz a

inflamação e dessensibiliza as vias aferentes. Pode existir melhora entre 50 e 95% dos casos, porém, a taxa de re­ missão dos sintomas é alta (40%).

O bacilo Calmette-Guérin (BCG) intravesical deve ser levado em conta quando outras terapias intravesicais fa­ lharem. Estudos mostraram 21% de melhora, comparados com 12% do grupo-placebo. Pacientes refratários a outras modalidades terapêuticas

podem se beneficiar das intervenções cirúrgicas. A neu­ romodulação sacral é, atualmente, a abordagem cirúrgica menos invasiva. Consiste na implantação de um gerador de impulso que estimula eletricamente as raízes nervosas sacrais. Em um estudo retrospectivo, 21 pacientes com

falha terapêutica relataram melhora moderada ou impor­

tante da dor após o uso da neuromodulação sacral.

BIBLIOGRAFIA BRUSCHINI, H.; CARNEIRO, K. S. et al. Infecção do tiato urinário complicada. In: ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA; CON­

SELHO FEDERAL DE MEDICINA. PrçjetoDiretrizes-AMB eCFM. Disponível em: www.projetodiietrizes.oig.br FITZGERALD, M. P. Cliricci fertiresari diagxHscf párfii bladde* ^rdrcmdiitesticKi cystitis Disponível em: www. uptodate.com. HEILBERG, I. P.; SCHOR, N. Abordagem diagnóstica e terapêutica na infecção do trato urinário. Rev. Asboe. Med. Bras, v. 49, n. 1, p. 109-16, 2003. KOMAROFF, L. A. DysLriainadritwcinei Disponível em: www. uptodate.com. 2007. MILLER, O.; GONÇALVES, R. R. Exame de urina. In: MULLER, O. LárcrárriopaaoClírico 8. ed. São Paulo: Atheneu, 1999, p. 133-38. NESRALLAH, L. J. Tuberculose. In: GriadeMcdicirHAmbii^cFrci UNIFESP/EPM - Urdq^aBauriSP. São Paulo: Manole, 2005, p. 41-44. NOGUEIRA, A. A.; REIS, J. C.; POLI NETO, O. B. Abordagem da dorpélvica crônica em mulheres. Rev. Bras Gins: d. Obstet, v. 28, n. 12, p. 735, 2006. NORRBY, R. Infecções do trato urinário. In: GOLDMAN, L; AUSIELLO, D. Ccrü -TréfcikMleMαliciralrtara 22. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005, v. II, p. 2228-32. ROSENBERG, M. T.; NEWMAN, K. D.; PAGE, A. S. Interstitial cystitis/painful bladdersyndrome: symptom recognition is key to early identification, treatment. Clevdail Cliric JcltγeI cf Medicine v. 74, s. 3, p. S54-61, 2007. SANSES, T. V. D. PainfuI bladder syndrome/inteistitial cystitis. J. Pdvic Medicineail Sir^py. v. 13, n. 6, p. 321-36, 2007.

___________________________________

CAPÍTULO

53

Fraqueza e Oligúria Mônica Michelle Braz Fernandes • Cristiano Guedes Bezerra • José Luiz Pedroso

Um homem de 52 anos de idade, divorciado, co­ merciante informal de perfumes, se apresenta ao pronto-socorro com queixa de fraqueza. Relata que há cerca de três meses vem apresentando desânimo e fraqueza, além de episódios de vômitos, com piora progressiva nas duas últimas semanas. A fraqueza é generalizada, sem relação com os esforços, e vem limi­ tando suas atividades diárias. Há mais ou menos sete dias notou redução significativa do volume urinário. Relata ainda emagrecimento de 10kg em cinco meses, com inapetência. Portador de hipertensão arterial sis­ têmica, em uso de enalapril e anlodipino, além de diabetes tipo 2, em uso de metformina. Fez tratamento para depressão com fluoxetina, interrompido há dois anos. Nega tabagismo ou etilismo. Seu filho tem observado que, nos últimos dias, ele vem apresentando períodos de sonolência e apatia, com redução relevante das atividades diárias. O paciente acha que sua memória está prejudicada nas últimas semanas, uma vez que as pessoas com quem convive no trabalho afirmam que repete a mesma coisa várias vezes ao dia e não se lembra de alguns fatos recentes. Nega febre, sudorese ou alterações intestinais nesse período.

Deve-se procurar sempre diferenciara fadiga orgâni­

ca da fadiga psicogênica. A fadiga psicogênica é mais prevalente, sendo caracteristicamente mais intensa pela

manhã, e a fadiga orgânica mais intensa ao final do dia e podendo estar relacionada a alguma doença sistêmica. A

fraqueza generalizada apresenta diversas causas, listadas

no Quadro 53.1. Neste caso, a queixa pode corresponder à fadiga (psi­

cogênica ou orgânica) ou à fraqueza muscular generali­ zada. Pode-se inicialmente pensar na hipótese de fadiga psicogênica, já que o paciente tem história de depressão

e, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Trans­ tornos Mentais (DSM-IV), apresenta alguns dos critérios

diagnósticos de episódio depressivo maior (desânimo,

inapetência, perda ponderal), podendo essa condição estar associada ao quadro de fadiga. No entanto, para fecharo

diagnóstico deste quadro psíquico, é obrigatório excluir que os sintomas façam parte de outra doença orgânica, hipótese fortalecida por outros indícios clínicos (diminuição

QUADRO 53.1 - Causas de fraqueza generalizada

Na abordagem inicial ao paciente com queixa de “fraque­ za”, é importante o diagnóstico diferencial entre fraqueza

muscular generalizada e fadiga. Fraqueza generalizada é consequência direta do comprometimento da força mus­

cular e pode ser confirmada objetivamente por dados do

exame físico ou exames complementares (eletroneuro­ miografia); ao passo que fadiga é um sintoma subjetivo de mal-estar aversão à atividade física, denotando aspec­

tos físicos e mentais.

• Doenças neurológicas (doenças da placa mioneural - miastenia gravis, polineuropatias, polirradiculoneurite aguda - síndrome de Guillain-Barré, polirradiculoneurite crônica, miopatias, paralisia periódica hipocalêmica, esclerose lateral amiotrófica) • Doenças crônicas: insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS), anemia crônica, neoplasias, doenças autoimunes, hipotireoidismo, hipertireoidismo • Infecções (endocardite subaguda, hepatites) • Distúrbios metabólicos (uremia, hipercalcemia, hipocalemia) • Drogas (sedativos, betabloqueadores) • Doenças psicológicas (depressão, transtornos somatoformes)

322 -

Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas

CAPÍTULO 53

do volume urinário, vômitos, emagrecimento). Portanto, é essencial um exame físico detalhado para elucidação

diagnóstica.

Ao exame físico, nota-se palidez cutâneo-mucosa moderada, sem demais alterações à inspeção. Ritmo cardíaco regularem dois tempos, sem sopros ou atrito pericárdico, com frequência cardíaca de 88bpm e pres­ são arterial de 150 × 90mmHg. Ausência de turgência jugular.Propedêutica pulmonare abdominal sem altera­ ções. Sem edema de membros inferiores. Discretamente sonolento ao exame neurológico, com prejuízo da atenção e da memória. Nervos cranianos sem alterações, sem déficits focais motores ou sensitivos. Força no mínimo grau IV globalmente. Reflexos presentes e si­ métricos. Flapping presente.

alcalina: 153; tempo de atividade de protrombina/RNI: 13s/1,1; bilirrubinas totais: 0,5; hormônio estimulante da tireoide e tetraiodotironina livre: normais. Os exames revelam hipercalcemia grave, provavelmen­

te implicada no quadro de fraqueza musculargeneraliza­ da que o paciente apresentava há meses; além de retenção de escórias nitrogenadas, anemia normocítica e normo­

crômica (padrão de anemia de doenças crônicas) e acido­ se metabólica que explicam o quadro de encefalopatia/ delirium, oligúria e vômitos de repetição confirmando o

diagnóstico de insuficiência renal. A insuficiência renal

pode ser aguda ou crônica agudizada (uma vez que o paciente apresentava comorbidades como hipertensão

arterial sistêmica e diabetes mellitus e não era conhecida

Diante de um paciente com queixas de oligúria, é

imperioso descartar, ao exame físico, complicações de

grafia de rins e vias urinárias para a diferenciação. O quadro clínico de hipercalcemia é bastante variável.

evidenciam sinais de pericardite ou hipervolemia (não se

Nos casos de hipercalcemia grave e, especialmente, quan­ do a elevação da calcemia se dá de forma rápida, pode

observa hipertensão grave ou sinais de congestão pulmo­

haver sintomas envolvendo sistema nervoso central (con­

nar), não foi palpado bexigoma (poderia estar implicado

fusão mental, alterações comportamentais, coma), trato

em insuficiência renal aguda pós-renal devido à hipertro­

gastrointestinal (anorexia, náuseas, vômitos, constipação),

fia prostática benigna em homens). No entanto, o exame

renal (poliúria, insuficiência renal), muscular (arritmias,

neurológico associado à anamnese é compatível com um

fraqueza muscular), sintomas estes altamente compatíveis

quadro de delirium hipoativo (início agudo - últimos dias,

com o quadro clínico exposto. Contudo, vale salientar que

segundo os familiares, flutuante, diminuição do nível de

alguns desses sintomas fazem interseção com quadro

consciência, déficit de atenção e pensamento desorgani­

clínico de uremia (sintomas gastrointestinais, neurológicos

zado). A presença de flapping associado à queixa de

e constitucionais) e hipercalcemia.

possível síndrome urêmica associada: neste caso não se

oligúria importante sugere encefalopatia urêmica como responsável pelo quadro de delirium hipoativo. Voltando à história clínica, o paciente apresentava episódios de vômitos de repetição que poderiam corresponder à gas­

tropatia urêmica. A diminuição de força muscular cons­

tatada ao exame físico não parece decorrer de quadro miopático ou neurológico, podendo ser compatível com

padrão metabólico. A queixa de fraqueza antecede em

meses as queixas de oligúria, vômitos e sonolência, po­ dendo sugerir alteração metabólica anterior ao provável

quadro de insuficiência renal. Para complementação da investigação, são feitos exames iniciais: hemoglobina: 10,1; hematócrito: 29; volume corpuscular médio: 85; plaquetas: 242.000; leucograma: 12.500 (diferencial normal); velocidade de hemossedimentação (VHS): 30; desidrogenase lática: 292; ureia: 276; creatinina: 6,9; sódio: 132; potássio: 5,1; cálcio iônico: 2,1; cálcio sérico: 13,9; fósforo: 4,1; glicose: 105; gasometria venosa: pH, 7,29; bicarbonato, 18; creatina fosfoquinase: 19; albumina: 4,5; globulina: 3,8; aspartato aminotransferase: 23; alanina aminotrans­ ferase: 18; gama-glutamiltransferase: 45; fosfatase

Após identificação das alterações laboratoriais iniciais, novos exames são realizados: eletroforese de proteínas: hipergamaglobulinemia policlonal; sorolo­ gias para hepatite B e C: negativas; anti-HIV (ELISA): negativa; urina 1: proteínas: 1+, sem leucocitúria ou hematúria microscópica e de cristais de oxalato de cálcio, presença de cilindros granulosos. Pesquisa de proteína de Bence-Jones na urina: negativa, ausência de dismorfismo eritrocitário ou eosinofilúria. Parator­ mônio (PTH) sérico: normal. Ultrassonografia de rins e vias urinárias mostra rins de tamanho normal e relação corticomedular preservada. A carência de achados ultrassonográficos sugestivos de nefropatia crônica é compatível com deterioração aguda da função renal, provavelmente secundária à hiper­

calcemia. As principais causas de hipercalcemia são o hiperpa­ ratireoidismo primário e neoplasias (cerca de 90% de todos os casos). O primeiro corresponde à maioria dos

casos ambulatoriais, sendo responsável por níveis de hi­ percalcemia leve a moderada, cujo quadro clínico é bran­

do ou assintomático, ao passo que as neoplasias respondem

978-85-4120-074-5

função renal prévia), sendo necessária uma ultrassono­

Fraqueza e Oligúria - 323

QUADRO 53.2 - Causas de hipercalcemia

CAPÍTULO 53

• Aumento do paratormônio: hiperparatireoidismo, produção ectópica do PTH • Aumento da vitamina D (calcitriol): aumento excessivo da ingesta, aumento da conversão do calcitriol em tecidos granulomatosos (sarcoidose, tuberculose, hanseníase, granulomatose de Wegener) e no linfoma • Aumento da reabsorção óssea: metástases ósseas, mieloma múltiplo, doença óssea de alto turnover (Paget), imobilização prolongada • Ingesta excessiva de cálcio: síndrome álcali-leite • Distúrbios endócrinos: hipoaldosteronismo, síndrome de Cushing, feocromocitoma, acromegalia, tireotoxicose • Drogas: diuréticos tiazídicos, lítio, ganciclovir, tamoxifeno • Hipercalcemia hipocalciúrica familiar

pela maioria das elevações do cálcio em pacientes inter­

978 85 4120 074

5

nados, em que o quadro costuma ser mais sintomático, por

geralmente corresponder à hipercalcemia grave. As diver­ sas causas de hipercalcemia estão listadas no Quadro 53.2.

Na abordagem à hipercalcemia, deve-se solicitar ini­

Figura 53.1 - Radiografia de tórax, posteroanterior: adenopatia hilar bilateral.

cialmente o PTH, para se descartar hiperparatireoidismo, etiologia pouco provável neste caso, por se tratar de hi­ percalcemia grave e não estar associada à hipofosfatemia. Sendo o PTH normal, devem-se posteriormente descartar

as causas neoplásicas, fazendo-se o rastreio poranamne­ se, exame físico e exames complementares, visando aos

tumores mais comumente relacionados (pulmão, mama, mieloma múltiplo, rim). Ainda dentro das causas neoplá­ sicas, podem-se diferenciaras causas de hipercalcemia

QUADRO 53.3 - Causas de adenopatia hilar bilateral • Neoplásicas: linfoma (em 50% na doença de Hodgkin), metástase, leucemia, carcinoma broncogênico, plasmocitoma • Inflamatórias: sarcoidose (em 70 a 90% dos casos), silicose, histiocitose X • Infecciosas: tuberculose, histoplasmose, paracoccidioidomicose, criptococose, infecções virais mono-like, brucelose, tularemia • Outras: pneumoconiose

por produção ectópica de PTH, em que há aumento séri­ co do marcadorPTHrp, e aquelas que produzem hiperca­

lemia por metástases ósseas, que podem ser visualizadas em exames de imagem (radiografia simples, cintilografia óssea). Uma vez descartadas causas mais prevalentes,

devem-se investigar etiologias mais raras. Detectados novos achados importantes nos exames de imagem preliminares: a radiografia de tórax (Fig. 53.1) revela aumento dos linfonodos hilares bilateral­ mente e a radiografia simples de abdome é sugestiva de nefrocalcinose.

Adenopatia hilar bilateral é um achado típico, mas não

específico de sarcoidose; portanto, é necessário pensarem

outras causas possíveis (Quadro 53.3). A sarcoidose pode envolver diretamente os rins através

de granulomas sarcoídicos, o que ocorre em menos de

5% das vezes. A principal causa de comprometimento renal é a hipercalcemia (hipótese fortalecida pela presen­

ça de nefrocalcinose).

Como o paciente se encontrava em urgência dialí­ tica (azotemia aguda, confusão mental, flapping

presente e oligúria), foi indicada hemodiálise de urgên­ cia e feito tratamento específico para hipercalcemia, incluindo corticoterapia sistêmica devido à suspeita clínica de sarcoidose. O paciente evolui bem, com re­ cuperação completa da função renal, não necessitando de terapia renal substitutiva permanente. Após estabilização inicial do quadro, amplia-se a investigação com solicitação de novos exames: a to­ mografia computadorizada do tórax confirma a linfa­ denopatia hilar bilateral e evidencia infiltrado intersti­ cial difuso de padrão reticular.A dosagem da enzima conversora de angiotensina (ECA) está elevada. Após informação de possível doença pulmonar intersticial associada, o paciente relata que seu irmão fora tratado para tuberculose há aproximadamente 20 anos e que há quatro meses apresentava tosse seca que atribuía a uma “gripe mal curada”. Diante dessas novas informações, solicitam-se três amostras de pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente (BAAR) no escarro indu­ zido por inalação de salina a 3%, que resultam negativas; apresenta resposta anérgica ao PPD.

O padrão tomográfico é compatível com sarcoidose e nos permite, inclusive, classificara doença como grau II

324 - Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas

CAPÍTULO 53

(adenopatia hilar associada a comprometimento parenqui­

matoso). O PTH normal e a dosagem da ECA elevada também corroboram esse diagnóstico e praticamente

DISCUSSÃO

afastam o hiperparatireoidismo como causa da hipercal­

A sarcoidose é uma doença granulomatosa sistêmica, de etiologia indefinida, que acomete normalmente indivíduos

cemia. Após insistência à anamnese, o paciente revelou

de 20 a 40 anos de idade, mais comum em mulheres e

informações importantes anteriormente desconhecidas, e

não fumantes.

mesmo depois de contato com tuberculose, o paciente

A sintomatologia é muito variada, pois a doença pode

apresenta resposta anérgica à tuberculina. Nesse momen­

afetaros mais diversos órgãos, podendo tero espectro de

to, é imperiosa uma biópsia pulmonar, uma vez que po­

doença assintomática, apenas com manifestação radioló­

deríamos estar diante de tuberculose miliar (tuberculose

gica, até de doença aguda, que se apresenta com quadro

de reativação no imunocomprometido, que caracteristica­

constitucional, eritema nodoso, artralgias e febre. O aco­ metimento e, portanto, os sintomas mais comuns são os

mente se manifesta com baciloscopias negativas e PPD não reagente) ou, o que é mais provável devido aos outros

achados clínicos, de sarcoidose.

gangliopulmonares, porém, podem ocorrer envolvimentos

hepático (colestase, hipertensão portal, síndrome de Budd-

Chiari), ocular (uveíte anterior ou posterior), cutâneos Procede-se, então, à broncoscopia com lavado broncoalveolar e à biópsia transbrônquica, que revela granulomas não caseosos, sendo a pesquisa de BAAR e fungos negativa e, portanto, compatível com granu­ lomas sarcoídicos - granuloma seco (Fig. 53.2). O paciente recebe alta para acompanhamento ambulatorial com indicação clínica de corticoterapia sistêmica.

(eritema nodoso, lúpus pérnio, nódulos subcutâneos, pla­ cas cutâneas), osteoarticulares (artralgia, cistos ósseos em

falanges), neurológicos (paralisia facial, meningite, lesões expansivas) e até cardíacos (distúrbios de condução, ar­

ritmias, insuficiência cardíaca). De acordo com a apre­

sentação clínica, a sarcoidose pode ser dividida em aguda ou crônica. Na forma aguda (com menos de dois anos),

o curso tende a ser autolimitado e ter resolução espontâ­ nea, podendo-se definir duas síndromes clássicas, acom­

DIAGNÓSTICO FINAL

panhando o quadro de febre, astenia, anorexia e sintomas

pulmonares (tosse, dispneia): síndrome de Löefgren, em

• Hipercalcemia secundária à sarcoidose.

que se apresentam uveíte, eritema nodoso, artrite ou ar­

• Insuficiência renal aguda com nefrocalcinose.

tralgia e adenopatia hilar, e síndrome de Heerfordt-Wal-

• Sarcoidose.

denström, caracterizada por febre, aumento de parótida,

paralisia do nervo facial e uveíte anterior.A forma crôni­ ca, apesar de ser mais oligossintomática, marcada por sintomas predominantemente respiratórios, tem maior propensão de evoluir para acometimento irreversível dos

órgãos afetados, em especial o pulmão (fibrose pulmonar). Um indício essencial em sarcoidose, para guiardiagnós­ tico, tratamento e estadiamento, é a radiografia de tórax.

O diagnóstico de sarcoidose é baseado em três pilares: quadro clínico-radiológico compatível, comprovação de acometimento orgânico por granulomas sarcoides por

meio de biópsia e exclusão de outras etiologias de doen­ ça granulomatosa difusa. Alguns achados laboratoriais podem ser comumente encontrados, apesar de não haver qualquer achado específico. Os mais comuns são alterações

Figura 53.2 - Granuloma em biópsia transbrônquica. Nódulo parenquimatoso com células gigantes (seta), poucos linfócitos ao redor e ausência de necrose (gra­ nuloma seco). Imagem cedida pelo Professor Dr. Rimarcs Ferreira, do Departamento de Patologia da Universi­ dade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP - EPM).

no hemograma (leucopenia, anemia, plaquetopenia, mo­ nocitose e eosinofilia) aumento da VHS, hipergamaglo­ bulinemia, alterações no hepatograma, aumento da ECA e hipercalcemia. O aumento da ECA pode ser encontrado com frequência de 40 a 90% nessa doença, porém não é

específica, podendo estar elevada em outras doenças (tu­ berculose, linfoma, silicose, asbestose, hanseníase, pneu­

monia de hipersensibilidade), além de não ter valor

Fraqueza e Oligúria - 325

fígado, baço) ou muito intensas e deformantes (pele, parótida, osteoarticulares, vias aéreas). As lesões pulmo­

nhamento durante o tratamento, tendendo a se normalizar

nares de graus I e II podem ser inicialmente acompanha­

quando a doença está inativa. A hipercalcemia, decorren­

das (têm chance de regressão espontânea). Porém, se não

te do aumento de produção de calcitriol no tecido granu­

houver regressão ou ocorrer piora do quadro, a corticote­

lomatoso, pode ser encontrada em 11 a 60% dos pacien­

rapia em geral é indicada. Já a lesão pulmonar de grau

tes acometidos e geralmente reflete atividade de doença

III, porteruma chance baixa de regressão espontânea, é

e demanda tratamento específico, em especial se for per­

quase sempre tratada assim que diagnosticada. No grau

sistente, neste caso podendo provocar hipercalciúria

IV há fibrose instalada, resposta terapêutica frustra, po­

persistente, nefrocalcinose e insuficiência renal. Hipercal­

dendo existir regressão apenas parcial. Muitas vezes, o

ciúria sem hipercalcemia é frequente. A classificação

tratamento contínuo torna-se necessário pelo comprome­

radiológica da sarcoidose é fundamental, pois junto às

timento sistêmico associado.

manifestações clínicas dita o tratamento:

BIBLIOGRAFIA • Grau 0: radiografia de tórax normal, com evidência

de lesão extrapulmonar • Grau I: linfonodomegalia hilar bilateral, com ou sem

adenopatia paratraqueal, sem acometimento paren­ quimatoso. • Grau II: linfonodomegalia hilar associada ao aco­

metimento parenquimatoso. • Grau III: acometimento parenquimatoso pulmonar

isolado. • Grau IV: acometimento parenquimatoso com sinais

de fibrose pulmonar como retrações e formações

bolhosas.

O tratamento da sarcoidose se baseia em corticoterapia sistêmica, o que comprovadamente previne a evolução para cegueira, fibrose pulmonar, hipertensão pulmonar, reverte a hipercalcemia e alivia a sintomatologia. Devem

ser tratados pacientes com manifestações extrapulmonares

em órgãos nobres (olhos, coração, sistema nervoso central,

BAUGHMAN, R. P.; SELROOS, O.: Evidence-based approach to treatment of sarcoidosis. In: GIBSON, P. G. et al. (eds.): Evidere basal reçkárry mβdkire Oxfoid: BMJ Books Blackwell, 2005, p. 491-508. BETHLEM, E. P. Sarcoidose. In: LOPES, A. C. et al. Tr^adode ChrkaMélka São Paulo: Roca, 2006. p. 2737-44. BILEZIKIAN, J. P. et al. Summary statement from a woikshop on asymptomatic primaiy hypeipaiathyroidism: a perspective forthe 21st centuiy. J. BcneMin Res, v. 17, suppl. 2, N2, 2002. HUNNINGHAKE, G. W. et al. ATS/ERS/WASOG statement on sarcoid­ osis. American Thoracic Society/European Respiratoiy Society/ World Association of Sarcoidosis and other Granulomatous Disotders. SarddcàsVaBC. DifftBeLcrgDis, v. 16, p. 149, 1999. JUDSON, M. A.; ACCESS RESEARCH GROUP. Defining organ involvement in sarcoidosis: The ACCESS proposed instrument. SavddcHsVas. DiffiBeLtrgDis, v. 16, p. 75, 1999. NEWMAN, L. S. et al. A case control etiologic study of sarcoidosis: Environmental and occupational risk factors. Am. J. Re^rir. Crit Ca-eMβl., v. 170, p. 1324, 2004. YEAGER, H. et al. Pulmonary and psychosocial findings at enrollment in the ACCESS study. SarddcasVas. DífvseLirgDis, v. 22, p. 147, 2005.

CAPÍTULO 53

prognóstico, refletindo apenas maior acometimento gra­ nulomatoso, sendo usada mais comumente no acompa­

___________________________________

CAPÍTULO

Hiponatremia Alessandra Billi Falcão • José Luiz Pedroso

Um homem de 39 anos de idade é encaminhado para internação devido à hiponatremia identificada na vigência de confusão mental. O paciente começou a ficar confuso há duas semanas, quando a esposa per­ cebeu atitudes estranhas, como riso imotivado, fala desconexa e respostas inadequadas, além de dificulda­ de para realizaras tarefas diárias em casa. Por duas vezes, chegou a se perder pelo bairro onde mora. Pas­ sou por consulta em pronto-socorro, sendo identificada hiponatremia. O paciente não tem qualquer doença prévia. Nega episódios anteriores de confusão mental e uso de medicações. Não é etilista e tabagista. A espo­ sa nega que o paciente faça uso de drogas. Nega viagens recentes ou contato com qualquer tipo de animal.

A hiponatremia com hipo-osmolalidade pode resultar da depleção de solutos (nomeadamente sódio) relativa­

mente à água corporal, ou da retenção primária de água no organismo, com consequente diluição dos solutos

(Quadro 54.1). Pode ser hipovolêmica quando a perda de sódio for maior do que a de água, como em casos de

diarreia, vômitos, uso de diuréticos e insuficiência adrenal; hipervolêmica, quando a retenção de água for maior do que a de sódio, como em insuficiência cardíaca conges­

tiva, cirrose hepática e estados edematosos; ou ainda isovolêmica, quando não houver alteração do volume, como em estados de aumento da secreção de hormônio

antidiurético (ADH) e na síndrome da secreção inapro­

priada do ADH (SIADH). Os sintomas do paciente se encaixam em uma síndrome

O paciente em questão não tem cirurgias anteriores, o

neurocomportamental causada pelo comprometimento

que descarta a hipótese de hiponatremia pós-operatória.

transitório da atividade cerebral, invariavelmente secun­

Por não fazer uso de medicações diariamente e não apre­

dário a distúrbios sistêmicos, denominada delirium. Ca­

sentarem sua história ingesta excessiva de líquidos ou

racteriza-se por início súbito, curso flutuante e por se

quadro de vômitos e diarreia, estas causas também se tor­

manifestar com comprometimento global das funções

nam improváveis. Como não possui doenças prévias, insu­

cognitivas, distúrbio da atenção e do ciclo sono-vigília e

ficiência cardíaca congestiva, doença hepática e nefropatia

atividade psicomotora anormalmente elevada ou reduzida.

são menos prováveis, embora não possam ser descartadas

O delirium é uma síndrome de etiologia multifatorial

sem a realização dos exames físico e laboratorial. Dessa

que combina variáveis individuais, situacionais e farma­

forma, dentre as principais causas de hiponatremia, a mais

cológicas. As principais causas são: doenças do sistema

provável é a de SIADH. Porém, para que isso se confirme,

nervoso central (epilepsia, traumatismo cranioencefálico,

alguns exames têm de ser feitos, pois serão úteis para

infecções), doenças sistêmicas (insuficiência cardíaca,

avaliação de tal hipótese.

encefalopatia hepática e urêmica, pós-operatório), distúr­ bios hidroeletrolíticos (distúrbios do cálcio, hipernatremia

ou hiponatremia, sendo esta última encontrada no pacien­ te em questão) e intoxicação ou abstinência de agentes

farmacológicos ou tóxicos (sedativos, antiacetilcolina,

álcool, insulina).

A esposa informa dados importantes: o paciente vinha apresentando cefaleia diária há cerca de três se­ manas, holocraniana, com piora progressiva e preju­ dicando o sono. Não há história pregressa de cefaleia. Há cerca de uma semana, vem apresentando episódios de febre quase diários, chegando a 38°C. Nega tosse,

Hiponatremia - 327

QUADRO 54.1 - Causas de hiponatremia

sas. O trauma e o AVC tornam-se menos prováveis

diante dos novos dados fornecidos pela esposa as­

sociados à história inicial. Já as lesões com efeito de massa e doenças inflamatórias e infecciosas

continuam sendo boas hipóteses, devido aos novos dados fornecidos: de cefaleia progressiva, febre e

perda ponderal. • Doença pulmonar: insuficiência respiratória aguda,

ventilação mecânica, tuberculose e abscessos pul­ monares. A ausência de tosse ou dispneia toma

essas hipóteses pouco prováveis, embora o quadro de tuberculose não possa ser descartado porcomple­ to, uma vez que o paciente exibe quadro de perda ponderal e febre diária há cerca de uma semana,

compatível com esta enfermidade. • Câncer: pulmão, mediastino, rins, outros. A hipóte­

se de neoplasia também não pode ser afastada

diante da história relatada pelo paciente, porém, exames precisam ser realizados para sua investigação. • Pós-operatório: esta possibilidade está descartada, pois o paciente não passou por procedimentos ci­

rúrgicos.

dor abdominal ou alterações urinárias. Houve perda de 4kg no último mês, com inapetência discreta. Nega contato com pessoas enfermas e internações recentes. É natural e procedente de São Paulo e não tem contato com o meio rural.

O exame físico revela: inspeção sem alterações (corado e hidratado), com pressão arterial de 130 × 80mmHg e frequência cardíaca de 90bpm, ausculta cardiovascular com RR2T e BNF; ausculta respiratória sem alterações; abdome com ruídos, tensão normal, com baço e fígado não palpáveis; pulsos presentes e sem edemas. O exame neurológico evidencia desorien­ tação no tempo e no espaço, com confusão mental significativa e sonolência, além de discreta rigidez de nuca. Não há outras alterações ou déficits focais ao exame neurológico. Fundo de olho e pupilas normais.

A SIADH é a principal causa de sódio sérico reduzido.

Pelo exame físico ficamos com a hipótese principal

Seu diagnóstico se toma mais provável quando as outras

de hiponatremia hipotônica euvolêmica, uma vez que o

causas de hiponatremia hipotônica euvolêmica são afas­

paciente não apresenta sinais compatíveis com desidrata-

tadas. Dentre elas temos o hipotireoidismo, a insuficiência

ção/hipovolemia, nem com hipervolemia/estados edemato­

adrenal e os transtornos psiquiátricos (polidipsia primária),

sos, o que toma pouco provável que insuficiências cardíaca,

estando praticamente descartadas para o paciente em ques­

hepática ou renal sejam responsáveis pelo quadro clínico

tão, visto que este não apresenta sintomas sugestivos de

do paciente. Dentre as causas de hiponatremia hipotônica euvolê­

tais enfermidades e nem faz uso de medicações que sugi­

ram que já fosse portador de alguma dessas afecções. Considerando-se a SIADH como a principal hipótese

para essa hiponatremia o diagnóstico diferencial deve incluiras seguintes possibilidades:

mica, a principal hipótese continua a ser a de SIADH, embora ainda não haja até o momento exames laboratoriais que a confirmem. Por sua vez, entre as principais causas de SIADH, a

mais compatível com o exame físico do paciente é a de • Doença do sistema nervoso central: acidente vas­

infecção do sistema nervoso central, pois se observa um

cularcerebral isquêmico, acidente vascular cerebral

quadro de rigidez de nuca, sonolência e confusão mental

hemorrágico, hemorragia, lesões com efeito de

em paciente com história de cefaleia progressiva, febre

CAPÍTULO 54

• Causas tóxicas - Secundárias à ingestão excessiva de água ■ Fluidos orais excessivos ■ Fluidos endovenosos hipotônicos - Secundária à perda de sódio excessiva ■ Diuréticos ■ Síndrome de secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIADH) desencadeada por drogas ■ Amitriptilina e outros antidepressivos tricíclicos ■ Carbamazepina ■ Clorpropamida e tolbutamida ■ Clofibrato ■ Ciclofosfamida e vincristina ■ Fluoxetina ■ Inibidores da monoamina oxidase ■ Anti-inflamatórios não esteroidais ■ Oxitocina ■ Fenotiazínicos ■ Somatostatina ■ Tiotixeno • Causas não tóxicas - Insuficiência cardíaca congestiva - Diarreia - Hipotireoidismo - Doença hepática - Deficiência de mineralocorticoide (doença de Addison) - Nefropatia - Polidipsia psicogênica - Hiponatremia pós-operatória - Reidratação com fluidos hipotônicos - SIADH por causas não tóxicas - Síndrome da imunodeficiência adquirida - Carcinomas - Alterações do sistema nervoso central - Dor ou estresse pós-operatórios - Infecções e lesões pulmonares - Vômitos

massa, trauma e doenças inflamatórias ou infeccio­

CAPÍTULO 54

328 - Doenças das Vias Urinárias, Renais e Metabólicas

diária e perda ponderal. Dentre as infecções do sistema

hiponatremia significativa e sintomática, sendo a faixa de

nervoso central as que devem ser avaliadas com mais

normalidade do sódio sérico entre 135 e 145mEq/L, iniciou-

atenção são as subagudas e as crônicas, devido ao quadro

se a reposição de sódio com NaCl a 3%.

mais arrastado. Como o paciente tem alteração do nível e conteúdo da consciência (sonolência e confusão mental),

devemos utilizaro termo encefalite. As causas mais prová­ veis nesse contexto seriam encefalite herpética (apesarda

história um pouco mais arrastada para tal etiologia), tuber­ culose e criptococose. Lesões com efeito de massa no siste­

ma nervoso central são menos prováveis frente à ausência de sinais localizatórios ou de hipertensão intracraniana,

neurotoxoplasmose em paciente imunossuprimido (HIV), também deve ser considerada. Ainda assim não podemos afastara hipótese de neoplasias em outros locais, uma vez

que o paciente pode apresentar uma carcinomatose menín­ gea que pode se comportarde forma semelhante em relação à história e à sintomatologia descritas anteriormente.

Alguns exames solicitados: hemoglobina: 11,5; volume corpuscular médio: 80; velocidade de hemos­ sedimentação: 65; leucócitos: 8.700, com diferencial normal; plaquetas: 198.000; creatinina: 0,9; ureia: 32; sódio: 119; potássio: 4; cálcio: 8,6; magnésio: 1,8; as­ partato aminotransferase: 23; alanina aminotransferase: 34; gama-glutamiltransferase: 45; fosfatase alcalina: 126; bilirrubina direta: 0,5; bilirrubina indireta: 0,4; atividade de protrombina: 98%; relação normalizada internacional (RNI): 1,1; albumina: 3,4; globulina: 2,1; ácido úrico: l,5mg/mL; osmolaridade sérica efetiva: 260mOsm/kg. A urina I tem resultado normal, assim como a radiografia de tórax. O sódio urinário é de 45mEq/L, osmolaridade urinária: 123mosmol/kg. Ini­ ciada a reposição de sódio.

A principal hipótese após a coleta de líquoré de uma síndrome meníngea subaguda ou crônica caracterizada porpleocitose linfocítica, baixa concentração de glicose e alta quantidade de proteínas. Os principais diagnósti-

Diante dos exames laboratoriais, algumas causas podem

ser excluídas definitivamente, como insuficiências hepá­

tica e renal, uma vez que o paciente apresenta tanto a

função hepática quanto a renal dentro dos valores de normalidade. Infecções pulmonare urinária também podem

ser postas em segundo plano, pois ele tem leucograma,

radiografia torácica e urina I sem alterações. Podemos ainda fechar o diagnóstico de SIADH para

este paciente, pois ele exibe as principais características da SIADH, que são: hiponatremia euvolêmica, ureia e

creatinina normais, concentração sérica de ácido úrico baixa, osmolaridade sérica efetiva menor que 275mOsm/kg e urina concentrada e hipertônica (osmolaridade urinária

superiora 100mosmol/kg e sódio urinário maior que

20mEq/L); e, segundo, porque outras causas de hiponatre­ mia euvolêmica já foram excluídas. Porém, ainda é neces­ sário que se chegue à causa da SIADH. Pelo quadro de

Figura 54.1 - Ressonância nuclear magnética com ponderação em T1, revelando pequenas lesões na base do crânio com captação de gadolínio.

978-85-4120-074-5

mas precisam ser afastadas com exames de imagem. A

A tomografia computadorizada revela pequenas alterações na base do crânio. A ressonância nuclear magnética (Fig. 54.1) evidencia pequenas lesões expan­ sivas na base do crânio, com captação de contraste. O líquido cefalorraquidiano tem o seguinte resultado: células: 127 células/mm3; linfócitos: 87%; monócitos: 10%; neutrófilos; 3%; proteínas: 345mg/dL; glicose: 17mg/dL; adenosina desaminase (ADA): 17U/l. Rea­ ções para toxoplasmose, herpes, citomegalovírus e cisticerco negativas. Cultura para bactérias e Gram também negativas. VDRL não reagente. Ausência de células neoplásicas. Sorologia para HIV (ELISA) ne­ gativa. O paciente recebe tratamento empírico para tuberculose com esquema RIP (rifampicina, isoniazida e pirazinamida) e prednisona, com discreta melhora. Persiste sonolento e confuso, com sódio sérico reduzi­ do, a despeito da reposição.

Hiponatremia - 329

978 85 4120 074

5

também não foram diagnosticados pelo líquido cefalor­ raquidiano, embora as reações diretas apresentem baixa

que o núcleo do abscesso piogênico é composto de pus e

numerosos bacilos tuberculosos, em oposição ao tuber­ culoma, que tem caseificação sólida e poucos ou nenhum bacilo. À tomografia computadorizada de crânio, o abs­

cesso piogênico tem paredes delgadas, lisas e é muito

sensibilidade. O método mais específico e sensível para a pesquisa de herpes e citomegalovírus é a reação em cadeia da polimerase (PCR). Celularidade aumentada,

traste, frequentemente são observados realce das paredes

com predomínio de linfócitos, proteína elevada e glico­ se baixa são altamente sugestivas de infecção meníngea

presente. Já no tuberculoma, a lesão pode apresentar-se

pelo bacilo da tuberculose. A PCR para tuberculose tem alta especificidade, mas sua sensibilidade está em torno de 30 a 70%. Culturas de repetição do líquido cefalor­

sidade variável, na qual, após a administração do contras­

raquidiano podem ser úteis para identificação do bacilo. A Tabela 54.1 permite diferenciara etiologia das principais causas de meningites (bacterianas, virais, ou tuberculosa). Ao se realizarem os exames de imagem, observaram­

-se à tomografia computadorizada de crânio pequenas lesões na base do crânio e à ressonância nuclearmagné­ tica com ponderação em T1, lesões na base do crânio com

captação de gadolínio. O líquor associado a essas imagens (sugestivas de tuberculoma) localizadas na base do crânio

toma a hipótese de tuberculose do sistema nervoso central a mais provável. O diagnóstico diferencial dos tubercu­ lomas se faz com toxoplasmose, criptococose, sífilis,

regular na sua espessura. Após a administração do con­ da lesão e limitação do edema periférico, que está sempre de forma redonda ou lobulada, imagem sólida com den­

te, pode ser observada alguma irregularidade na espessu­ ra da parede. A ressonância nuclear magnética com Gd-GDTA é o exame de escolha para detecção de com­

prometimento cerebral mínimo.

Uma vez que se suspeitou de tuberculose do sistema

nervoso central, foi introduzido prontamente o esquema RIP, pois a terapia tuberculostática precoce, além de efi­

caz, melhora o prognóstico. Associado ao esquema RIP, utiliza-se corticoide, pois se acredita que os corticoides interrompam o seguinte processo: a expansão dos tuber­ culomas teria base imunológica e as drogas tuberculostá­

ticas causariam destruição das estruturas das micobactérias e liberação de proteínas do bacilo que, por sua vez, pro­

vocariam reação de hipersensibilidade. Os pacientes com

sarcoidose, histoplasmose, nocardiose, linfoma primário

tuberculose sem tratamento fatalmente evoluem para

do sistema nervoso central e abscessos piogênicos. Toxo­ plasmose e criptococose no sistema nervoso central são

óbito em poucos meses.

improváveis, pois o paciente tem sorologia negativa para HIV. Linfoma primário do sistema nervoso central também é mais observado em pacientes com imunodeficiência,

geralmente se mostra como uma lesão única periventri­ culare é na verdade um diagnóstico de exclusão. Quanto à diferenciação com os abscessos piogênicos, observa-se

Novas coletas de líquido cefalorraquidiano são realizadas. Em uma delas, identifica-se crescimento de Mycobacterium tuberculosis. Com a manutenção do tratamento, o paciente tem melhora progressiva do nível de consciência. Persiste hoje, após o tratamen­ to, com déficit cognitivo moderado como sequela neurológica.

TABELA 54.1 - Classificação das características do líquido cefalorraquidiano de acordo com cada etiologia Meningite

Pressão (cmH2O)

Leucócitos (mm3)

Proteínas (mg/dL)

Glicose (mg/dL)

Normal

5-20

Até 4 linfócitos (50 - 70%) e monócitos (30-50%)

Ventricular: até 25mg/dL Suboccipital deitada: até 30mg/dL Lombar: até 40mg/dL

2/3 da glicemia

Bacteriana

Geralmente elevada

>500 Predomínio de neutrófilos

Aumentada 100-500 (às vezes, > 1.000)

Muito diminuída (< 40)

Viral

Normal ou moderadamente elevada

45: altamente sugestivo de crise tireotóxica

Náusea/vômitos Dor abdominal

Severa

20

Icterícia inexplicável

• Aumento do cálcio e da fosfatase alcalina pelo au­

mento da atividade osteoclástica. • Hipocalemia pela hiperatividade simpática. • Aumento de AST, ALT e bilirrubinas. • Eletrocardiografia com taquiarritmia (fibrilação

atrial). • Aumento dos níveis séricos de T3 e T4 livres e TSH

suprimido.

EVOLUÇÃO Depois de confirmados os diagnósticos de pneumonia e crise tireotóxica secundária a bócio multinodular, foram

continuados os tratamentos instituídos: antibioticoterapia e tratamento para a crise tireotóxica, descrito a seguir

TRATAMENTO O tratamento da crise tireotóxica baseia-se em três princí­ pios: a correção da tireotoxicose, visando à diminuição da produção e da secreção de hormônios tireoidianos, além de sua ação em órgãos e sistemas; a correção das alterações clínicas já instaladas; e o tratamento da causa precipitante. Para o bloqueio da síntese e da secreção hormonal, as drogas mais indicadas são as tionamidas, capazes de bloqueara organificação do iodo já na primeira hora após a sua administração. A droga de escolha é a propiltioura­ cila (PTU) que, quando administrada em altas doses, é capaz de inibira conversão de T4 em T3, levando à re­ dução mais rápida dos níveis hormonais. O metimazol (MMI), com menor ação na conversão periférica dos hormônios, é a segunda droga utilizada. As doses reco­ mendadas são (via oral, por sonda ou via retal):

Vale observar que após instituído o tratamento específico,

o ritmo cardíaco permaneceu sinusal, fato muito comum de acontecer sendo raros os casos em que a fibrilação

permanece.

• PTU: ataque de 600 a 1.000mg, seguido de 200 a 300mg a cada 6 ou 4h (dose máxima recomendada: 2.400mg/dia).

CAPÍTULO 58

Disfunção cardíaca

Termorregulação

CAPÍTULO 58

354

- Doenças do Sistema Endócrino

• MMI: 20mg a cada 4 ou 6h (dose máxima recomen­ dada: 120mg/dia).

Apesar de bloquear a síntese e a secreção hormonal, tanto a PTU como o MMI são incapazes de inibir o hormônio tireoidiano pré-formado, exigindo, assim, outras formas de tratamento. A inibição da proteólise do coloide e a consequente não liberação de T4 e T3 na corrente sanguínea podem ser obtidas pela administração de iodo inorgânico (efeito Wolff-Chaikojf). Esse efeito paradoxal da sobrecarga de iodetos é transitório, por isso, fica restrito à fase aguda, devendo ser administrado 1h após o uso do antitireoidiano, impedindo assim um aumento indesejável inicial da produção e da secreção dos hormônios tireoidianos. As drogas são (vias oral, retal, parenteral): solução saturada de iodeto de potássio; solução de lugol; ácido iopanoico ou ipodato de sódio; contraste iodado. O bloqueio hormonal periférico deve se realizado com duas classes de drogas: betabloqueadores ou bloqueadores de canais de cálcio e corticoides. Os betabloqueadores agem reduzindo a sudorese, a ansiedade e os tremores, controlam arritmias e reduzem a pressão arterial. Se usado o propranolol, este ainda possui o efeito de reduzir a conversão periférica de T4 em T3. Se contraindicado o uso de betabloqueadores, podem ser empregados os bloqueadores de canal de cálcio dil­ tiazem ou verapamil. Os corticoides entram nesse cenário tratando um pos­

sível hipocortisolismo relativo, inibindo também a con­ versão periférica de T4 em T3 e a liberação, pela tireoide, de hormônios já formados.

DIAGNÓSTICO FINAL Tireotoxicose/bócio multinodular tóxico.

DISCUSSÃO A crise tireotóxica é um quadro que, como podemos ver, tem vários estigmas que exigem do médico emergencista uma ampla visão, de modo que descarte diagnósticos diferenciais antes de iniciar o tratamento específico. É muito comum, no serviço de emergência, haver pacien­ tes com sinais de hiperativação adrenérgica, o que faz

com que doenças que atingem especificamente este sistema devam fazer parte do repertório de diagnósticos possíveis, as quais são muitas. O que ajuda bastante nesses casos são a anamnese e o exame físico, permi­ tindo até o início do tratamento antes da confirmação laboratorial, o que em muitos lugares pode demorar, ou mesmo não estar disponível.

BIBLIOGRAFIA TONACCHERA, M. et al. Hyperfunctioning thyroid nodules in toxic multinodular goiter share activating thyrotropin receptor mutations with solitary toxic adenoma. J. Clin. Endocrinol. Metab., v. 83, p. 492,1998. UPTODATE. Treatment of toxic adenoma and toxic multinodular goiter. Versão 18.2,2010. VILAR, L. Endocrinologia clínica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.

___________________________________

CAPÍTULO

59

Poliúria Catarine Teles Farias Britto • Allan Valadão de Oliveira Britto

Mulher, 54 anos de idade, branca, casada, natural e procedente do Sudeste do Brasil, apresenta-se para consulta médica com queixa de aumento do volume urinário há seis meses, associado à intensificação da sensação de sede.

Até 15% dos pacientes encaminhados para investigação de poliúria apresentam volume urinário dentro da norma­

lidade. O primeiro passo consiste, então, em determinar se a paciente está realmente poliúrica.

Poliúria é definida como a eliminação de grandes vo­ lumes de urina, acima de 3L/24h, em adultos e 2L/m2/24h, em crianças. Portanto, para definirse há aumento da diu­ rese, deve-se mediro volume urinário durante 24h. Simul­

taneamente, deve-se determinar se a poliúria decorre de agente osmótico, como a glicose ou de doença renal in­ trínseca. Para a diferenciação entre diurese osmótica e hídrica, observa-se então a osmolaridade urinária.

A paciente nega tabagismo e etilismo. Refere diabetes mellitus há 6 meses em tratamento com metformina, além de transtorno bipolar do humor tratado com lítio há 18 meses. Apresenta antecedente familiarde hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus, negando caso de poliúria e polidipsia na família. Está alerta, orientada, cooperativa, normo­ corada, hidratada e demonstra sede intensa. Pressão arterial de 120 × 80mmHg e peso de 74,5kg. O exa­ me físico da pele, do aparelho cardiovascular do aparelho respiratório e abdominal não revela anor­ malidades. Tireoide normopalpável; sem alteração ao exame neurológico. A paciente apresenta algumas condições que poderiam

justificar poliúria. Diabetes mellitus é a principal causa

de diurese osmótica, apresentando-se com poliúria e po­

lidipsia, quando não controlado. Distúrbios psiquiátricos

podem cursar com ingestão excessiva de água, denomi­ nada polidipsia psicogênica. Além disso, a poliúria é descrita como um dos possíveis efeitos metabólicos ad­

versos da terapia com lítio (Quadros 59.1 e 59.2). A quantificação da urina de 24h revela diurese de 6L com osmolaridade urinária de 141mmol/kg. A pa­ ciente tem glicemia de jejum de 120mg/dL, creatinina sérica de l,3mg/dL, concentração plasmática de sódio de 149mmol/L, potássio de 4,6mmol/L, cálcio de 9,8mg/dL, hormônio estimulante da tireoide (TSH) de 1,11μU/mL e osmolaridade sérica de 294mmol/kg. O nível sérico de lítio é de 2,8ng/dL. A osmolaridade urinária da paciente caracteriza uma

diurese hídrica. Ao afastar diurese osmótica secundária ao diabetes mellitus, segue-se o diagnóstico diferencial entre as causas de poliúria não osmótica (diabetes insipidus cen­

tral, diabetes insipidus nefrogênico e polidipsia primária). Diurese hídrica pode ocorrerem consequência de hipona­ tremia e reduzida osmolaridade plasmática, que inibem a

secreção de vasopressina e caracterizam a polidipsia primá­ ria (diabetesinsipidusdipsogênico e psicogênico). Os níveis de sódio e osmolaridade plasmática da paciente tornam improvável esse diagnóstico. Para fazer a distinção entre

aqueles dois outros tipos de diabetes insipidus é necessário realizar o teste de restrição hídrica. A paciente é admitida em hospital para submeter­ -se a teste de restrição hídrica durante 8h, cujo resulta­ do está demonstrado na Tabela 59.1. Subsequentemen­ te, administram-se 2μg de desmopressina (DDAVP®) intramuscular.

356

- Doenças do Sistema Endócrino

CAPÍTULO 59

QUADRO 59.1 - Classificação das causas de poliúria • Polidipsia primária: - Compulsiva ou habitual - Associada a distúrbios psiquiátricos - Drogas (lítio, carbamazepina) - Lesões hipotalâmicas • Diabetes insipidus central: - Familiar: ■ Autossômico dominante ■ Autossômico recessivo (síndrome DIDMOAD) - Malformações cerebrais: ■ Displasia septo-óptica ■ Microcefalia, porencefalia, hidrocefalia, holoprosencefalia, hidranencefalia ■ Síndrome de Laurence-Moon-Biedl - Adquirido: ■ Trauma (neurocirurgia, traumatismo craniano) ■ Tumores (craniofaringioma, germinoma suprasselar, glioma) ■ Idiopático ■ Dano cerebral hipóxico-isquêmico ■ Granuloma (tuberculose, sarcoidose, histiocitose) ■ Infeccioso (toxoplasmose e infecção por citomegalovírus congênitas, encefalite, meningite) ■ Neuro-hipofisite linfocítica ■ Vascular (aneurismas, malformações) • Diabetes insipidus nefrogênico: - Familiar: ■ Ligado ao cromossomo X (mutações no gene do receptor V2) ■ Autossômico recessivo ou dominante (mutações no gene da aquaporina-2) - Adquirido: ■ Distúrbios metabólicos (hipercalcemia, hipocalemia) ■ Doenças renais crônicas ■ Drogas (lítio, demeclociclina, cisplatina, gentamicina, rifampicina, etc.) ■ Uropatia obstrutiva ■ Doenças sistêmicas (anemia falciforme, mieloma múltiplo, doença de Sjögren, amiloidose, sarcoidose, cistinose) ■ Após transplante ou necrose tubular aguda ■ Neoplasias (sarcoma) ■ Gravidez ■ Idiopático

QUADRO 59.2 - Efeitos metabólicos adversos do lítio • • • • • •

Hipotireoidismo Hipertireoidismo Hiperparatireoidismo Alteração da função renal Diabetes insipidus nefrogênico Ganho de peso

TABELA 1 - Resultado do teste de restrição hídrica

Parâmetro

Antes da restrição hídrica

Após restrição hídrica

Após vasopressina

Peso (kg)

74,5

73

-

Osmolaridade sérica (mmol/kg)

294

305

304

Osmolaridade urinária (mmol/kg)

141

124

143

tação e haverá aumento marcante desse parâmetro em resposta à administração da desmopressina (de pelo menos

50%). No diabetes insipidus nefrogênico também ocorre uma pequena concentração urinária, apesar da desidratação, mas a osmolaridade urinária irá apresentar nenhuma ou pequena resposta à desmopressina. A paciente mostrou um

teste compatível com diabetes insipidus nefrogênico. Segue a busca de sua etiologia.

O diabetes insipidus nefrogênico pode ser congênito

ou adquirido. A idade de aparecimento dos sintomas da paciente afasta as formas hereditárias. Entre as causas

primárias já podem ser afastados distúrbios metabólicos (hipercalcemia e hipocalemia), nefropatias crônicas, uro­ patia obstrutiva, doenças sistêmicas e gravidez. O lítio, a

principal causa de diabetes insipidus nefrogênico, repre­ senta o fator etiológico mais provável do diabetes insipi­

dus da paciente.

Devido à possibilidade de o lítio constituir a etio­ logia do diabetes insipidus nefrogênico, optou-se pela sua suspensão e por acompanhamento da paciente.

DIAGNÓSTICO FINAL Diabetes insipidus nefrogênica (poliúria/polidpsia) por

uso de lítio.

DISCUSSÃO Diabetes insipidus é uma síndrome caracterizada por

O teste de privação hídrica é a maneira mais confiável de estabelecer a etiologia do diabetes insipidus, tendo

poliúria, urina diluída e hipotônica e polidipsia, podendo resultar de quatro mecanismos fisiopatológicos:

como finalidade maior verificar se o paciente é capaz de

secretar hormônio antidiurético (ADH) e concentrar a urina em resposta ao aumento da osmolaridade plasmática,

secundário à restrição hídrica. Não há dificuldade em

determinar o diagnóstico de diabetes insipidus central ou

nefrogênico graves. No primeiro, a osmolaridade urinária apresentará uma concentração mínima, apesar da desidra-

• Deficiência na síntese e secreção de ADH (diabetes insipidus hipotalâmico ou central).

• Resposta renal inapropriada ao ADH (diabetes in­ sipidus nefrogênico ou periférico).

• Diabetes insipidus transitório durante a gestação,

causado pelo metabolismo acelerado de ADH.

Poliúria - 357

da sede (polidipsia dipsinogênica).

nária se o ADH plasmático aumentar para níveis suprafi­ siológicos. Poliúria causada pela resistência ao ADH é vista primariamente em quatro situações: diabetesinsipidus

nefrogênico hereditário ligado ao cromossomo X (muta­ Dessa forma, para o diagnóstico de diabetes insipidus

ções no gene do receptorV2), diabetes insipidus nefro­

é necessária a confirmação de poliúria, definida como

gênico autossômico recessivo ou dominante (mutações no

volume urinário maior do que 3L/24h, em adultos e 2L/m2/24h, em crianças, por meio da quantificação do

gene da aquaporina-2), uso crônico de lítio (que pode

volume urinário no período de 24h.

tes) e hipercalcemia (ver Quadro 59.1).

provocar poliúria em aproximadamente 20% dos pacien­

No diabetes insipidus central há redução da secreção

O uso do lítio é a causa mais comum de diabetes in­

do ADH em resposta à estimulação osmótica, manifesta­

sipidus nefrogênico induzido por drogas, que está rela­

da como redução na inclinação ou sensibilidade da relação

cionado com a duração da terapia. Tem sido observado

entre o ADH plasmático e a osmolaridade ou sódio plas­

que o lítio reduz os níveis celulares de aquaporina-2,

máticos. Quando essa deficiência atinge um nível sufi­

proteína localizada nas células tubulares renais e impli­

ciente, a quantidade de ADH secretado sob condições de

cada na reabsorção de água do filtrado glomerular ao

hidratação normal começa a ser insuficiente para manter

reduzir os níveis de seu RNA-mensageiro. Além disso,

a concentração urinária. Consequentemente, a taxa de

outros mecanismos podem estar envolvidos, como a

fluxo urinário aumenta de maneira exponencial. O declí­

downregulation dos receptores de ADH e de duas subu­

nio resultante na água corporal produz um discreto au­

nidades do canal de sódio no ducto coletor.

mento na osmolaridade plasmática, que estimula a sede.

Em polidipsia primária, um aumento anormal da in­

Logo, a maior ingestão de água contribui para equilibrar o balanço hídrico e, posteriormente, para preveniraumen­

gestão hídrica expande a água corporal total, reduzindo a osmolaridade plasmática. A diminuição resultante da se­

to da desidratação hipertônica. Se o diabetes insipidus for

creção de ADH causa diluição urinária e aumento da

acompanhado de hiperosmolaridade e hipernatremia basais,

diurese. A polidipsia psicogênica é mais frequente em

o paciente apresenta a associação de defeito no mecanis­

mulheres ansiosas, de meia-idade e em pacientes com

mo da sede ou algum impedimento à ingestão de água.

desordens psiquiátricas, podendo também ser motivada

Devido à eficiência do mecanismo da sede em preve­

primariamente por outras disfunções cognitivas, como

nir desidratação hipertônica, a deficiência de ADH não precisa ser completa para ocorrer diabetes insipidus. É

crença irracional no valor terapêutico da água. A polidip­ sia dipsinogênica é induzida por lesões hipotalâmicas que

necessário apenas que a quantidade de ADH secretada

afetam diretamente o centro da sede, podendo surgirem

seja insuficiente para concentrara urina. Sob condições

doenças infiltrativas como a sarcoidose.

de ingestão hídrica irrestrita, a poliúria inicia-se quando

Exames preliminares como glicemia, cálcio e potássio

a capacidade secretória é reduzida a aproximadamente

séricos devem ser realizados para afastar outras causas

25% do normal. Assim, muitos pacientes com diabetes

de poliúria (como diurese osmótica) e causas comuns de

insipidus central têm alguma capacidade residual de

diabetes insipidus nefrogênico. Segue-se, então, a inves­

secreção de ADH e é realizado quando um teste de pri­

vação hídrica, o aumento resultante da desidratação hi­

tigação de diabetes insipidus. Em polidipsia primária, a poliúria é uma resposta

pertônica pode estimularo remanescente neuro-hipofisá­

apropriada à ingestão hídrica aumentada. Já no diabetes

rio a secretarADH suficiente para concentrara urina.

insipidus, a perda de água é inapropriada. Assim, num

Geralmente, o diabetes insipidus central é idiopático,

paciente poliúrico, uma concentração plasmática de sódio reduzida usualmente é indicativa de polidipsia primária,

podendo ser causado ainda por trauma, cirurgia hipofi­

sária, encefalopatia hipóxico-isquêmica, ou serhereditá­ rio (verQuadro 59.1).

ao passo que um nível normal ou alto de sódio aponta

O diabetes insipidus nefrogênico é caracterizado pela

dus e sem impedimento cognitivo, pode não haverhiper­

secreção normal de ADH e por graus variáveis de resis­

natremia devido ao estímulo do mecanismo da sede pela

tência renal à sua ação antidiurética. O ADH plasmático basal encontra-se elevado em proporção ao leve aumento

perda inicial de água. No entanto, quando o diabetes in­

da osmolaridade plasmática, e a administração do hormô­

sando hipodipsia ou adipsia, a concentração de sódio

nio não corrige o defeito na concentração urinária. Entre­

atinge níveis elevados.

para diabetes insipidus. Em adultos com diabetes insipi­

sipidus decorre de lesão central que impede a sede, cau­

tanto, em razão de a resistência renal ao efeito do ADH

A apresentação clínica é importante para o diagnósti­

geralmente ser incompleta, pode haver concentração uri­

co diferencial de diabetes insipidus. Em um paciente com

CAPÍTULO 59

• Ingestão excessiva de água devida à alteração psi­ cológica (polidipsia psicogênica) ou no mecanismo

CAPÍTULO 59

358 -

Doenças do Sistema Endócrino

poliúria e polidipsia instaladas imediatamente após cirur­ gia na área hipotalâmica/hipofisária ou após traumatismo cranioencefálico, o diagnóstico de diabetes insipidus cen­ tral é muito provável. Pacientes com diabetes insipidus central costumam sofrerde instalação súbita dos sinto­ mas e sede persistente durante o dia e à noite, associada à preferência por líquidos frios.

com diabetes insipidus nefrogênico sintomático perma­

O exame-padrão para o diagnóstico de diabetes insi­ pidus é o teste de privação hídrica, que tem como maior finalidade verificarse o paciente é capaz de secretarADH e concentrara urina em resposta ao aumento da osmola­ ridade plasmática, secundário à restrição hídrica. Envolve medidas de volume e osmolaridade urinárias e concentra­ ção de sódio e osmolaridade plasmática. O teste é conti­

concentração encontra-se prejudicada, resultando numa

nuado até a ocorrência de um dos eventos seguintes:

• Osmolaridade urinária alcança um valor claramente normal (indicando que tanto a secreção como o efeito do ADH estão intactos). • Osmolaridade urinária mantém-se estável em duas ou três medidas consecutivas, apesar da osmolari­

dade plasmática crescente. • Osmolaridade plasmática excede 295 a 300mosmol/kg.

necem com urina diluída, que se concentra, mas mantém a osmolaridade bem abaixo desse nível após o ADH. Polidipsia primária associa-se à ascensão da osmola­ ridade urinária, geralmente acima de 500mosmol/kg, e à

ausência de resposta ao ADH exógeno, desde que a libe­

ração de ADH esteja intacta. A capacidade máxima de osmolaridade urinária máxima que pode alcançar 500 a

600mosmol/kg, provavelmente devido a dois efeitos de polidipsia e poliúria crônicas: perda parcial do gradiente

intersticial medulare downregulation da secreção do ADH. Se a história clínica e o teste de restrição hídrica for­ necerem resultados contraditórios, amostras de plasma no tempo basal e durante a restrição podem ser coletadas

para mensuração do ADH. Diabetes insipidus nefrogênico

é excluído se houver uma relação apropriada entre a as­

censão da osmolaridade urinária e a do ADH plasmático. Diabetes insipidus central é excluído se houver aumento apropriado do ADH associado a aumento do sódio ou da

osmolaridade plasmática.

O maior objetivo do tratamento do diabetes insipidus é reduzira sede e a poliúria a um nível aceitável que

Nas duas últimas situações, administra-se ADH exó­

permita ao paciente manter um estilo de vida normal. A

geno e são monitorizados a osmolaridade e o volume urinários. Cada causa de poliúria reproduz um perfil dis­ tinto de resposta ao teste de restrição hídrica e à adminis­

droga de escolha para o diabetes insipidus central é a

tração de ADH exógeno. Como em diabetes insipidus central o defeito geralmente é parcial, tanto a liberação

grandes problemas, exceto para as formas induzidas por

de ADH como a osmolaridade urinária podem aumentar com o crescimento da osmolaridade plasmática, mas em

rada da droga ou a correção do distúrbio metabólico ge­

nível submáximo. ADH exógeno leva a um crescimento da osmolaridade urinária de mais de 100%, em diabetes insipiduscentral total e de 15 a 20%, em diabetes insipidus

isso pode demandar algum tempo. Em 1977, vários rela­

central parcial. Diabetes insipidus nefrogênico também se associa a aumento submáximo da osmolaridade uriná­

mostrada a persistência de um defeito de concentração

ria em resposta à restrição hídrica. Sabendo-se que a maior parte dos pacientes com diabetes insipidus é parcialmen­ te resistente ao ADH, a elevação da osmolaridade plas­ mática estimula a secreção de ADH, que pode induzira aumento discreto da osmolaridade urinária. A administra­

ção de ADH exógeno produz:

desmopressina (análogo sintético do ADH). O tratamento efetivo do diabetes insipidus nefrogênico ainda enfrenta

drogas ou relacionadas a distúrbios metabólicos. A reti­ ralmente reverte a resistência renal ao ADH; entretanto,

tos sugeriram que o lítio poderia induzir à nefropatia crônica irreversível. Nas últimas duas décadas tem-se renal de longa duração após cessação do tratamento com

lítio. Uma metanálise sugeriu que o ponto de transição entre um defeito reversível e parcialmente reversível/irre­ versível nunca ocorre antes de um a dois anos de trata­

mento. A poliúria causada pelo diabetes insipidus nefro­

gênico familiar é de difícil manejo. Restrição salina associada a diurético tiazídico pode reduzir o volume

• Nenhuma elevação da osmolaridade urinária em diabetes insipidus nefrogênico total.

urinário em 40%, em crianças. Diuréticos tiazídicos agem

• Pequena elevação da osmolaridade urinária (até 45%) em diabetes insipidus nefrogênico parcial.

filtração glomerular, podendo ser necessário o uso con­

aumentando a excreção de sódio e reduzindo a taxa de comitante de diurético poupadorde potássio, como ami­

lorida ou reposição de potássio. Há um efeito adicional Pacientes com diabetes insipidus central usualmente alcançam osmolaridade urinária maiorou igual a 300mosmol/kg após o teste de restrição, ao passo que aqueles

obtido com a coadministração de indometacina. Uma tentativa relativamente nova e promissora é a combinação

de diurético tiazídico, indometacina e desmopressina, que

Poliúria - 359

pode reduzir o volume urinário em mais de 80%. É es­ adequado de fluidos para saciara sede. Retrospectivamente, a paciente apresentou-se com os

principais sintomas de diabetes insipidus: poliúria e po­

lidipsia. Confirmado seu diagnóstico através do teste de restrição hídrica, a anamnese ainda foi essencial para

direcionarà etiologia: lítio.

BIBLIOGRAFIA BAYLIS, P. H.; CHEETHAM, T. Diabetes insipidus. ArchDis CHW, v. 79, p. 84-9, 1998. EDOUTE, Y; DAVIDS, M. R.; HALPERIN, M. L. An integrative physiological approach to polyuria and hyponatraemia: a “doubletake" on the diagnosis and theiapy in a patient with schizophrenia. Q. J. Med., v. 96, p. 531-40, 2003. FUJIWARA, T. M.; MORGAN, K.; BICHET, D. G. Molecular biology of diabetes insipidus. AmRa Med., v. 46, p. 331-43,1995. GAROFEANU, C. G. et al. Causes of reveisible nephiogenic diabetes insipidus: a systematic ieview. Am. J. Ridr^ Dis, v. 45, p. 626-37, 2005. HENSEN, J.; HAENELT, M.; GROSS, P. Lithium-induced polyuria and renal vasopressin receptor density. NepFrd. Dtí. Traiç., v. 11, p. 622-7, 1996. IMAM, S. K.; HASAN, A.; SHAHID, S. K. Lithium-induced nephio­ genic diabetes insipidus. J. Pdí Med. Aski., v. 55, p. 125-7,2005. KIM, G. et al. Antidiuretic effect of hydrochloiothiazide in lithiuminduced nephiogenic diabetes insipidus is associated with upregulation of aquaporin-2, Na-Cl co-tianspoitei; and epithelial sodium channel. J. Am. Sa. NqiFrd., v. 15, p. 2836-43, 2004.

CAPÍTULO 59

sencial que todos esses pacientes ingiram um volume

LAURSEN, U. H. et al. Changes of rat kidney AQP2 and Na, K-ATPase mRNA expression in lithium induced nephiogenic diabetes in­ sipidus. NqiFrcnExp. Nqihrd, v. 97, p. 1-7, 2007. LIVINGSTONE, C.; RAMPES, H. Lithium: a review of its metabolic adveise effects. J. P^cLqiLmnacd, v. 20, p. 347-55, 2006. MAKARYUS, N. A.; MCFARLANE, S. I. Diabetes insipidus: diagno­ sis and treatment of a complex disease. Clevdail Clin J. Med., v. 73, p. 65-71, 2006. MILLER, M. et al. Recognition of paitial defects in antidiuretic homione secretion. Am Iitan Med., v. 73, p. 721-9, 1970. MOORE, K.; THOMPSON, C.; TRAINER, P. Disoideis of water balance. Cliricci Medicine v. 3, p. 28-33, 2003. MOSES, A. M.; CLAYTON, B. Impaiiment of osmotically stimulated AVP release in patients with primaiy polydipsia. Am. J. PfyâdL, v. 265, p. 1247-52, 1993. NIELSEN, J. et al. Segment specific ENaC downregulation in kidney of rats with lithium induced NDI. Am. J. PLysadL Rmai PLysd, v. 285, p. 1198-209, 2003. OKSCHE, A.; ROSENTHAL, W. The molecularbasis of nephiogenic diabetes insipidus. J. Md. Med., v. 76, p. 326-37, 1998. ROBERTSON, G. L. Differential diagnosis of polyuria. Am Rev. Med., v. 39, p. 425-42, 1988. ROBINSON, A. G.; VERBALIS, J. G. Posteriorpituitaiy. In: KRONENBERG, H. M. et al. WiUiansTertbGckcf Erdarirdcg'. 11. ed. Philadelphia: Saundeis, 2008, p. 263-95. ROCHA, J. L. et al. Diabetes insipidus nefrogênico: conceitos atuais de fisiopatologia e aspectos clínicos. Arq. Bras ErdcxrindL Metí)., v. 44, p. 290-9, 2000. SIROIS, F. Lithium-induced nephiogenic diabetes insipidus in a suigical patient. P^chcrandics v. 45, p. 82-3, 2004. ZERBE, R. L.; ROBERTSON, G. L. A comparison of plasma vasopres­ sin measurements with a standaid indirect test in the differential diagnosis of polyuria. N. Eqsj. J. Med., v. 305, p. 1539-46,1981.

CAPÍTULO

60

Nódulo em Tireoide Augusto Takao Akikubo Rodrigues Pereira

Mulher branca, 65 anos de idade, advogada, pro­ cura o consultório referindo que, após o diagnóstico de carcinoma de tireoide de sua irmã, durante um autoe­ xame notou uma nodulação pequena, indolore endu­ recida, palpável em região cervical lateral direita, há uma semana. Apresenta rouquidão desde os 45 anos de idade. Nega alteração ponderal nos últimos meses. Sem outros sintomas. Refere ser tabagista (40 anos/maço). Obesa e portadora de hipertensão arterial sistêmica há 20 anos. Faz uso de hidroclorotiazida, 25mg/dia, e captopril, 25mg a cada 8h. Nega etilismo e uso de drogas ilícitas. Nega contato íntimo com pacientes portadores de tuberculose e outras doenças infecciosas. Nega exposição a irradiações. Nega antecedentes de câncer na família, exceto a irmã que foi recém-diag­ nosticada como portadora de carcinoma folicular de tireoide e está em programação de tireoidectomia total.

reoidianos lobares, adenomas de paratireoide, linfoma ou metástase linfonodal. Existem ainda os lipomas e os abs­ cessos, que podem acometer qualquer região da cabeça e

do pescoço, e os nódulos de glândulas salivares em regiões

parotídea e submandibular. Sendo assim, para uma pacien­ te de 65 anos com um nódulo em localização lateral no

pescoço, isso nos faz pensarem comprometimento linfono­ dal (reacional ou neoplásico), cistos ou abscessos cutâneos, nódulo tireoidiano em lobo direito (benigno ou maligno), adenoma de paratireoide, lipoma ou paraganglioma.

A rouquidão pode ser causada por laringite crônica

secundária ao tabagismo, assim como lesão do nervo laríngeo recorrente no caso de neoplasia, ou mesmo neo­

plasia primária de laringe. A associação de hipertensão

arterial sistêmica, tabagismo e obesidade pode estar rela­ cionada à doença aterosclerótica, desencadeando a for­

Os nódulos cervicais são afecções comuns na população e compreendem um vasto leque de doenças, gerando

mação de aneurisma carotídeo manifesto por nódulo

dúvidas e ansiedades tanto nos médicos como nos pacien­

tuberculose, não é possível excluir acometimento ganglio­

tes. Para o correto diagnóstico é preciso correlacionar anamnese, exame físico e exames complementares.

nar ou tireoideo por essa moléstia.

pulsátil. Apesar de não haver contato com portadores de

Nódulos tireoidianos acometem, principalmente, pa­

Inicialmente, devem-se avaliaras doenças mais inci­

cientes do sexo feminino e na faixa etária acima de 60

dentes segundo a faixa etária do paciente. A paciente tem acima de 40 anos, o que aumenta a incidência de nódulos neoplásicos em relação aos nódulos inflamatórios ou

anos, como a paciente em questão, sendo que em achados

congênitos, cujas incidências são maiores em pacientes pediátricos e adultos jovens.

nódulos sejam malignos, o que toma sua investigação

Outro ponto importante é determinara localização do

de maneira acidental ao autoexame, de modo semelhante

nódulo. Afecções em linha média podem sugerir cisto tireo­

à paciente em questão, pelo médico durante exame físico

glosso, cisto dermoide, tireoide ectópica ou nódulos tireoi­

de rotina, por familiares ou por exames de imagem de

dianos em istmo, ao passo que na porção lateral do pesco­

região cervical (incidentalomas). Vale lembrar que os

ço podem sugerir cisto branquial, laringocele, hemangioma,

nódulos devem ter pelo menos 1cm de diâmetro para que

higroma cístico, paraganglioma, schwannoma, nódulos ti­

possam ser palpáveis.

ultrassonográficos a prevalência nesse grupo pode chegar a 67%, em alguns estudos. Estima-se que 5 a 10% desses obrigatória (Quadro 60.1). A detecção geralmente ocorre

Nódulo em Tireoide - 361

As características que conferem alto risco de maligni­ dade são baseadas nos seguintes dados da história e do

• Cisto - Simples - Misto • Adenoma tireoidiano - Funcionante ou autônomo - Não funcionante ou hipofuncionante • Neoplasia - Primária de tireoide (papilífero, folicular, células de Hürthle, medular, anaplásico) - Metastático (carcinoma de mama, hipernefroma, melanoma, carcinoma pulmonar de pequenas células) - Outros: linfoma (geralmente do tipo não Hodgkin), teratoma, schwannoma, paraganglioma, lipoma, adenoma de paratireoide • Tireoidite - De Hashimoto - Linfocítica - Granulomatosa - Aguda - De Riedel • Infecção - Doença granulomatosa - Abscesso • Nódulo coloide • Anomalias do desenvolvimento - Higroma cístico - Teratoma - Cisto tireoglosso - Cisto branquial - Cisto dermoide • Vasculares - Aneurisma carotídeo - Malformação arteriovenosa

exame físico: crescimento rápido do nódulo, fixação a

Durante a avaliação inicial de um nódulo tireoidiano, dois pontos principais devem ser considerados: se há disfunção tireoidiana e se existe suspeita de malignidade.

Quanto ao hipotireoidismo, deve-se questionara pa­ ciente quanto à astenia, adinamia, intolerância ao frio, sonolência excessiva, fala lenta ou arrastada, parestesias,

déficit de memória ou de audição, inchaço nas pernas, aumento do volume abdominal (ascite), constipação, au­

mento da língua (macroglossia), artralgias, câimbras, queda de cabelos, unhas quebradiças, alterações menstruais

(metrorragia ou amenorreia), redução da libido e ganho

ponderal. Quanto ao hipertireoidismo, deve-se pesquisar insônia, cansaço extremo, agitação psicomotora, incapa­ cidade de concentração, nervosismo, dificuldade de con­ trolar emoções, agressividade, sudorese excessiva, into­ lerância ao calor hiperdefecação, alterações menstruais

estruturas adjacentes, nódulo muito endurecido, paralisia

de prega vocal ipsilateral ao nódulo, adenomegalia regio­

nal ipsilateral, história de irradiação de cabeça e/ou pes­

coço ou irradiação total para transplante de medula, his­ toria familiarde câncerde tireoide ou neoplasia endócrina

múltipla. Outras características atribuem risco moderado

de malignidade, como: idade superiora 60 anos ou inferior

a 20 anos, sexo masculino, diâmetro nodular maior que

4cm, consistência nodular cística. A paciente apresenta, a princípio, três critérios de alto risco e um de moderado risco: nódulo endurecido que será mais bem avaliado ao

exame físico; rouquidão, apesarde a evolução estar mais relacionada ao tabagismo; uma irmã com carcinoma foli­

cular de tireoide; idade superiora 60 anos. Ao exame físico, apresenta-se em bom estado geral, corada, hidratada, eupneica, pressão arterial sistólica de 132mmHg e diastólica de 86mmHg, fre­ quência cardíaca de 72bpm, temperatura axilar de 36,5°C, índice de massa corporal de 32kg/m2. Sem alterações de pele e fâneros na face. Sem linfadenome­ galias em cadeias ganglionares cervicais e claviculares. Nota-se, na topografia do lobo tireoidiano direito, um nódulo único, com dimensões de 1,5cm por2cm, ar­ redondado, endurecido, indolor de superfície lisa, sem sinais de infiltração cutânea local, não aderido a planos profundos, sem frêmitos ou sopros, sem elevação com a protrusão da língua e sem alterações da circulação venosa cervical com a elevação dos membros supe­ riores (sinal de Pemberton negativo). Tireoide com dimensões e consistência dentro dos padrões da nor­ malidade e sem outros nódulos. Ausculta cardíaca revela bulhas rítmicas, normofonéticas, em dois tempos e com discreto sopro sistólico em foco aórtico. Aus­ culta pulmonar com murmúrio vesicular presente sem ruídos adventícios. Abdome plano, sem cicatrizes ou herniações de parede, indolorà palpação superficial e difusa, fígado e baço não palpáveis, ruídos hidroaéreos presentes e sem sopros patológicos. Pulsos presentes e simétricos nos membros inferiores e superiores, sem edemas ou sinais de trombose venosa profunda. Exame neurológico sem alterações.

(amenorreia ou oligomenorreia) e perda ponderal. Alte­

É importante procurar sinais infecciosos como toxe­

rações ponderais podem sugerir neoplasias ou doenças

mia, febre, taquicardia e taquipneia, que falam a favor

crônicas. A paciente refere ser obesa, porém, sem altera­

de tireoidite infecciosa, abscessos ou cistos infectados

ções ponderais recentes e sem outros sintomas de hiper

e sinais de doença consumptiva crônica como caquexia e

ou hipofunção tireoidiana. Nesse caso, é necessária a

palidez cutâneo-mucosa (anemia de doença crônica), que

dosagem de hormônio estimulante da tireoide (TSH) sé­

sugerem infecções como tuberculose e paracoccidioi­

rico para a detecção de hiper ou hipotireoidismo subclí­

domicose, neoplasias e doenças autoimunes. A paciente não tem alteração do estado geral e nem dos sinais vitais.

nico, que cursam sem os sintomas supracitados.

CAPÍTULO 60

QUADRO 60.1 - Diagnóstico diferencial de nódulo tireoidiano solitário

CAPÍTULO 60

362 -

Doenças do Sistema Endócrino

OIMC de 32kg/m2 caracteriza obesidade grau I. Os níveis

seus principais sinais clínicos. Em hipotireoidismo, podem

pressóricos parecem bem controlados com as medicações.

ser notados alguns sinais como pele seca, fria e grossa;

Sopro em foco aórtico sugere estenose aórtica, comum

edema facial; edema de mãos e pés; alopécia difusa;

em pacientes idosos devido à calcificação dos folhetos

madarose lateral (rarefação de pelos no terço distal das

valvares.

sobrancelhas); hipertensão arterial; bradicardia; edema

Os nódulos cervicais devem ser avaliados quanto aos

periférico; retardo na recuperação do reflexo tendinoso;

seguintes aspectos: localização, forma, bordas, dimensão,

síndrome do túnel do carpo; derrame pleural ou pericár­

consistência, sensibilidade dolorosa, superfície, mobili­

dico. Em hipertireoidismo, os sinais clínicos são taqui­

dade (inclusive durante a deglutição), pulsação e acome­

cardia, bócio (aumento da massa da glândula tireóidea),

timento cutâneo subjacente.

tremorem mãos, pele quente e úmida, alterações oculares

Quanto aos nódulos cervicais congênitos podemos

citar o cisto tireoglosso, formado por persistência do

(exoftalmo), pulso arrítmico (fibrilação arterial), espleno­

megalia, ginecomastia e eritema palmar.

ducto tireoglosso, que se mostra como nódulo cervical

Pela descrição do nódulo, a topografia sugere locali­

anterior de consistência cística, indolor, móvel no sentido

zação em lobo tireoidiano direito, com dimensões maio­

vertical com a deglutição e a protrusão da língua; o cisto

res que 1cm e consistência endurecida (critério de alto

dermoide que se situa na linha média, indolor e pode

risco para malignidade). Não se observa alteração no

conter pelos; o cisto branquial, geralmente derivado de anomalias da segunda fenda branquial, encontra-se na

restante da glândula. Não há sinais clínicos de disfunção tireoidiana. É necessário prosseguira investigação com

borda anteriordo músculo esternocleidomastóideo, indolor

propedêutica armada.

arredondado, liso e de consistência elástica; o higroma

gulo cervical posterior, indolor, flutuante, de consistência

amolecida e limites imprecisos. Quanto aos nódulos cer­ vicais benignos: o bócio geralmente é indolor, de cresci­

mento lento, acompanha o movimento da traqueia duran­ te a deglutição e pode apresentar apenas um aumento

difuso da glândula ou conter nódulos; o paraganglioma, tumor benigno de tecido extra-adrenal paraganglionar localiza-se em bifurcação de artérias carotídeas, de con­ sistência firme, móvel apenas no sentido lateral e pode exibir sopro ou pulsação; o schwannoma localiza-se em

porção lateral do pescoço, tem consistência endurecida e crescimento lento; o lipoma, tumor benigno de tecido

adiposo, é indolor,amolecido e de limites precisos. Quan­ to aos nódulos cervicais malignos: os linfomas se apre­ sentam com aumento dos linfonodos de cadeia cervical,

indolores, endurecidos e podem estar fixados a estruturas adjacentes; o câncer de tireoide pode se mostrar como nódulo único ou múltiplo, geralmente endurecido, indolor, de limites bem definidos e crescimento lento; os nódulos metastáticos usualmente têm crescimento rápido, consis­ tência endurecida, superfície irregular, mobilidade dimi­

nuída por aderência a planos profundos e podem ser do­

lorosos, em casos avançados. Nódulos dolorosos podem sugerir tireoidite aguda, tireoidite granulomatosa ou he­

morragia para o interior de um cisto ou carcinoma de ti­ reoide com crescimento rápido. O sinal de Pemberton está presente em bócio retroesternal grande.

Além dos sintomas, relacionados à disfunção tireoi­ diana, já citados na anamnese, devemos estar atentos para

Os exames séricos iniciais revelam hemoglobina de 12,1g/dL, hematócrito de 35%, volume corpuscular médio de 89pg, hemoglobina corpuscular média 33fL, concentração de hemoglobina corpuscular média de 31%, amplitude de distribuição de hemácias de 13%, 5.600 leucócitos com 0% de bastonetes, 64% de seg­ mentados, 1% de eosinófilos, 0% de basófilos, 28% de linfócitos típicos, 0% de linfócitos atípicos, 7% de monócitos; 270.000 plaquetas; sódio: 135; potássio: 4,5; cálcio ionizado: 1,2; fósforo: 3; magnésio: 1,9; ureia: 34; creatinina: 0,9; atividade de protrombina: 98%; relação normalizada internacional (RNI): 1,15; tempo de tromboplastina parcial ativada: 36s; relação de 1,02; TSH 3,15; tetraiodotironina livre: 0,8. Radiografia de tórax não mostra alterações no pa­ rênquima pulmonar e no arcabouço ósseo. Eletrocar­ diograma dentro dos padrões da normalidade. A nasofibroscopia revela pregas vocais hiperemia­ das e espessas, com bordas irregulares, compatível com edema de Reinke secundário ao tabagismo. A ultrassonografia cervical (Fig. 60.1) mostra ti­ reoide tópica, com forma, contornos e dimensões preservadas, ecotextura difusamente heterogênea, no­ tando-se um nódulo em seu parênquima, junto à borda inferior do lobo direito, se estendendo até a região da fúrcula esternal, de limites parcialmente definidos, contornos lobulados, heterogêneo, predominantemente hipoecogênico com áreas anecoicas de permeio, me­ dindo cerca de 3,1cm × 2,7cm × 3,2cm. Ao estudo Doppler colorido, observa-se fluxo central e periférico, predominantemente central, em grande quantidade. Devido à localização desse nódulo, não é possível descartara possibilidade de paratireoide local com aumento de volume. Glândulas submandibulares e parótida tópica com forma, contornos e dimensões

978-85-4120-074-5

cístico, formado por desenvolvimento incompleto e obs­ trução sistema linfático, em geral se manifesta em triân­

Nódulo em Tireoide - 363

marse o nódulo é hiperfuncionante (quente). Se positivo, (PAAF). Se detectar nódulo hipofuncionante (frio), preci­

sa-se de ultrassonografia cervical e PAAF, se indicada, pois existe risco de 10% de malignidade. Se a dosagem

de TSH estiver aumentada, deve-se solicitar dosagem de anticorpo antitireoperoxidase (anti-TPO), para confirmar

tireoidite de Hashimoto e, ainda, ultrassonografia cervical e PAAF, se indicada, devido à associação de 5% de neopla­

sias de tireoide com as tireoidites. Se o TSH estiver normal,

também se deve realizara ultrassonografia cervical. A

grande maioria dos pacientes com carcinoma de tireoide é eutireoidiana. O resultado do TSH da paciente está nor­

mal, sendo necessário seguir para o próximo passo.

Figura 60.1 - Ultrassonografia da tireoide, revelando

Depois de a dosagem de TSH detectar nível normal

nódulo único no lobo direito. Imagem cedida pelo Dr. Conrado Chipoch - Medicina Diagnóstica Fleury.

ou aumentado, o próximo passo é a ultrassonografia cer­

vical para caracterizaro nódulo e identificar sinais suges­ tivos de malignidade, para que seja realizada a PAAF.

978 85 4120 074

5

Porém, não permite distinguir com certeza, lesões benig­

preservadas e ecotextura homogênea. Estruturas vascu­ lares visualizadas tópicas e de calibre normal. Planos musculares preservados. Linfonodos cervicais com tamanho e características preservados.

nas de malignas. Se o nódulo for menor ou igual a 1cm, a PAAF só estará indicada se houver suspeita clínica ou ultrassonográfica de malignidade. Quanto aos nódulos maiores que 1cm, todos devem serpuncionados.

Nos exames iniciais, o hemograma não apresenta

Os achados ultrassonográficos que conferem maior

anemia e nem alterações dos índices hematimétricos,

risco de malignidade são hipoecogenicidade, microcalcifi­

porém, pelo fato de a paciente ser tabagista de longa data,

cações, margens irregulares, fluxo sanguíneo intranodular

o esperado seria maior contagem eritrocítica, sugerindo,

ao Doppler (vascularização periférica e central), aumento

assim, que haja alguma doença crônica. Nas disfunções

do diâmetro anteroposteriorem relação ao transverso em

tireoidianas, a anemia é classicamente normocrômica e

nódulos não palpáveis e adenomegalia regional. A ultras­

normocítica. Em hipertireoidismo, pode ocorrer uma leve

sonografia cervical da paciente revela dois critérios de

anemia hipocrômica microcítica, assim como em hipoti­

alto risco: hipoecogenicidade e fluxo central e periférico.

reoidismo, secundário à metrorragia. Anemia macrocítica

Não há acometimento de linfonodos regionais e a naso­

pode estar relacionada à tireoidite de Hashimoto na presen­

fibroscopia descarta paralisia de prega vocal como causa

ça de anticorpos anticélulas parietais da mucosa gástrica,

da rouquidão. Sendo um nódulo não funcionante, maior

que cursa com anemia perniciosa. As contagens leucocitá­

que 1cm e com critérios de alto risco de malignidade, a

ria e plaquetária estão normais. Com isso, podem-se afastar

PAAF é obrigatória para excluir neoplasia (Fig. 60.2).

processos infecciosos agudos como abscessos ou cistos infectados. Leucopenia pode estar relacionada ao hiper­ tireoidismo. Os eletrólitos e a função renal estão normais. Hipercalcemia e hipofosfatemia podem sugerir hiperpa­

ratireoidismo primário por adenoma de paratireoide.

Na investigação com propedêutica armada do nódulo tireoidiano, o primeiro passo é solicitar dosagem de TSH. Se esta estiver baixa ou suprimida, aponta para autonomia

funcional com ou sem tireotoxicidade. Diversas situações clínicas e interações medicamentosas também podem

causar redução dos níveis séricos de TSH. Em seguida,

devem-se solicitar tri-iodotironina (T3) e T4 livres, para caracterizara existência e o grau de hipertireoidismo, e mapeamento da tireoide com iodo radioativo, para confir-

Prossegue-se a investigação diagnóstica com PAAF do nódulo, guiada por ultrassonografia que revela, na análise do esfregaço do material, adequada celularida­ de e citologia compatível com neoplasia de tireoide, fortemente sugestiva de carcinoma papilífero. Opta-se pela tireoidectomia total sem ressecção de cadeias ganglionares. O exame anatomopatológico demonstra carcinoma papilífero de tireoide em lobo direito, variante folicular,pouco delimitado, com dimen­ sões de 3cm × 1,1cm × 1,5cm, extensão para partes moles extratireoidianas, necrose e calcificações distró­ ficas, ausência de invasão angiolinfática e margens cirúrgicas livres. Estadiamento patológico: pT3 pNx pMx. A paciente evolui sem intercorrências cirúrgicas e recebe alta hospitalarno terceiro dia de pós-operatório.

CAPÍTULO 60

não é necessário realizar punção aspirativa por agulha fina

Doenças do Sistema Endócrino

CAPÍTULO 60

364 -

Figura 60.2 - Algoritmo de conduta para um ou mais nódulos de tireoide. PAAF = punção aspirativa por agulha fina; TSH = hormônio estimulante da tireoide; US = ultrassonografia.

A PAAF é o método mais acurado disponível no mo­

vical ou durante exploração cirúrgica, está indicada a dis­

mento para distinguir nódulos benignos dos malignos.

secção das cadeias comprometidas. Tomografia computa­

Porém, não é capaz de diferenciar entre o adenoma e o

dorizada, ressonância nuclear magnética, esofagoscopia,

carcinoma folicular ou o carcinoma de células de Hürth-

laringotraqueoscopia, calcitonina e tireoglobulina não devem

le. Os resultados da PAAF são classificados em quatro

ser solicitadas de rotina, apenas quando houveras devidas

categorias: benigna, maligna, suspeita de malignidade

indicações (Fig. 60.3).

(neoplasia folicular e de Hürthle) ou não diagnóstica.

Após a tireoidectomia, é necessário proceder ao esta­

Nódulos benignos devem ser seguidos com ultrasso­

diamento segundo o sistema tumor-linfonodo-metástase

nografia cervical a intervalos regulares (6 a 12 meses) e

(TNM), para determinar o prognóstico e o risco de reci­

não necessitam de nova punção. Na PAAF não diagnós­

diva. Aos casos de muito baixo risco (T1a ou T1b, único

tica, a conduta é repuncionaro nódulo guiado porultras­

N0 M0), não está indicada a terapia com iodo radioativo.

sonografia cervical e, se inadequada novamente, faz-se

Nos de baixo (T1 multifocal ou T2 N0 M0) e alto risco

acompanhamento rigoroso com ultrassonografia cervical,

(T3, T4, N1, M1 ou ressecção incompleta), deve-se pro­

ou mesmo cirurgia. Para nódulos suspeitos de malignida­

ceder à radiodoterapia.

de, o mapeamento com iodo radioativo deve serconside­

O resultado da PAAF da paciente evidenciou lesão

rado. Se for nódulo frio ou morno, a conduta é proceder

maligna, compatível com carcinoma papilífero de tireoi­

à tireoidectomia total. Pode-se considerar lobectomia para

de, sendo então indicada a tireoidectomia total. Como a

tumores foliculares menores que 4cm e tumores papilífe­

dissecção profilática dos linfonodos da cadeia central não

ros menores que 1cm, únicos e isolados e sem acometi­

foi realizada, por se tratar de carcinoma papilífero, con­

mento linfonodal. Para nódulo quente, impõe-se o diag­

firmado pelo exame anatomopatológico, estadiamento

nóstico de adenoma folicular hipercaptante, cuja conduta

pT3 N0 M0 (alto risco), deve-se programar radiodoterapia

é radioablação com iodo. Para nódulos malignos, procede-

no pós-operatório.

se à tireoidectomia total, que é o tratamento de escolha. A

dissecção profilática de linfonodos da cadeia central (nível VI) deve ser considerada para carcinoma papilífero e de

células de Hürthle que não sofrerão radiodoterapia. As metástases linfonodais, detectadas à ultrassonografia cer­

DIAGNÓSTICO FINAL Carcinoma papilífero de tireoide, variante folicular.

Nódulo em Tireoide - 365

CAPÍTULO 60 Figura 60.3 - Algoritmo de conduta após citologia por punção aspirativa por agulha fina (PAAF). US = ultrasso­ nografia.

DISCUSSÃO O carcinoma de tireoide é a neoplasia endócrina mais comum, embora corresponda a 1% de todas as neoplasias malignas. Pode ser dividido em dois grupos: bem dife­ renciados (carcinomas papilífero, folicular e de células de Hürthle), que são a maioria e apresentam bom prog­

nóstico, e pouco diferenciados (carcinomas medular e anaplásico) de prognóstico reservado. Existem ainda outros tipos de neoplasias que podem ser encontradas na

alterações genéticas envolvidas na patogênese deste car­ cinoma devem ser citadas, como a mutação do gene BRAF e os rearranjos RET/PTC.

Semelhantemente à apresentação clínica da paciente, os cânceres de tireoide se manifestam, na maioria das vezes, como um nódulo cervical assintomático, achado muito comum na população adulta, mas que é também o quadro de várias outras doenças benignas. A maior parte

dos pacientes com carcinoma diferenciado de tireoide apresenta, em geral, um bom prognóstico quando tratada

tireoide, como carcinomas metastáticos do hipernefroma, pulmão, mama ou melanoma; linfomas, geralmente não

adequadamente, com índices de mortalidade similares aos da população geral. Por esse motivo, a investigação do

Hodgkin difuso de grandes células B; teratoma e outros. O carcinoma papilífero é a malignidade mais comum da tireoide, correspondendo a 75 a 85% dos casos. Aco­

nódulo de tireoide é extremamente importante para a detecção precoce dessas neoplasias malignas.

mete mais o sexo feminino (3:1) e a faixa etária mais jovem, entre 10 e 40 anos. Tem como características:

BIBLIOGRAFIA

crescimento lento; baixo grau de malignidade; bom prog­ nóstico de pelo menos 80% de sobrevida, com tratamen­

to, em dez anos; disseminação linfática regional que não confere pior prognóstico em indivíduos jovens; raras metástases a distância (5% dos casos), sendo os pulmões os órgãos mais acometidos, seguidos dos ossos e do sis­ tema nervoso central. Em pacientes após a quinta década

de vida, a propagação local do tumoré mais agressiva, o que toma o fator idade uma variável independente para alto risco de malignidade. É o carcinoma mais associado à história prévia de irradiação da região cervical. Algumas

ABRAHÃO, M.; HADDAD, L. Nódulos cervicais. In: DO PRADO, F. C.; RAMOS, J.; DO VALLE, J. R. Atu=iizaçã)T(rq)âiica São Paulo: Artes Médicas, 2005. p. 1392-1394. FITZGERALD, P. A. Diseases of the thyroid gland. In: TIERNEY, L. M.; MCPHEE, S. J.; PAPADAKIS, M. A. Ctrrcrt medicíi diagacásard treeíniert New York: McGraw-Hill, 2005. p. 1084-1112. FURLANETTO, R. Ncdtiodetreâde Disponível em http://www. medicinaatual.com.br Acesso em junho de 2007. HAGEDÜS, L. The thyroid nodule. N. Engj. J. Med., v. 351, p. 1764-71, 2004. MAIA, A. L. et al. Thyroid nodules and differentiated thyroid câncer Brazilian consensus. Arq. Bras Erdctrird. Metáid., v. 51, n. 5, p. 867-93, 2007.

CAPÍTULO

61

Galactorreia Bárbara Souza Luz Pinheiro • Maria Letícia da Costa Muniz • Gerson Cesar Brasil Junior

Mulher branca, 35 anos de idade, casada, bancária, vem encaminhada ao ambulatório devido ao surgimento de secreção esbranquiçada pelos mamilos, sobretudo após manipulação destes, há aproximadamente três meses. Refere ser previamente hígida e que os sintomas vieram associados à diminuição da libido e de maior intervalo de tempo entre uma menstruação e outra. Relata ainda que passou a colidir com pessoas e objetos com maior fre­ quência no trabalho. É natural do Recife, porém reside em São Paulo há dez anos. Não tem filhos e nega uso de quaisquer medicações, bem como de drogas ilícitas. Não é diabética, hipertensa, tabagista ou etilista. Já traz, na primeira consulta, o resultado de um exame negativo de gonadotrofina coriônica humana beta (beta-hCG). A descarga mamilar apresentada pela paciente é compa­ tível com galactorreia (Fig. 61.1) que, apesar de não ser claramente definida na literatura, pode ser aceita como a

secreção não puerperal de líquido leitoso pelas mamas. A coloração da secreção normalmente é branca ou hialina, todavia pode ser amarela ou marrom e, eventualmente, faz-se necessário um exame microscópico dela para con­ firmara existência de gordura. A drenagem da secreção pode ser persistente ou intermitente, espontânea ou pro­ vocada (compressão mamilar), uni ou bilateral.

Figura 61.1 - Galactorreia.

Galactorreia pode estar presente em 5 a 10% das

mulheres com ciclo menstrual habitual, mas na sua maio­ ria os níveis séricos de prolactina são normais. A causa de galactorreia normoprolactinêmica em mulheres com

A galactorreia pode ser manifestação de hiperprolacti­ nemia. A prevalência com que é encontrada depende par­ cialmente da intensidade com que é buscada. Em mulheres com galactorreia, em forma de 50% têm hiperprolactinemia. Já em homens, a frequência é ainda menor cerca de 30%, provavelmente em virtude da menor quantidade de estró­ genos na circulação. Assim, quanto mais grave o hipogo­

ciclos regulares é desconhecida, devendo ser descartada

nadismo, menor a incidência da galactorreia, visto ser preciso estrogênio para a produção do leite.

pamina. Devemos, portanto, considerara galactorreia como uma consequência da perturbação fisiológica da

doença hipofisária.

A prolactina é produzida e secretada principalmente

pelas células lactotróficas da hipófise anterior O hipotála­

mo exerce uma influência predominantemente inibitória sobre a secreção da prolactina por meio dos fatores hipo­

talâmicos inibitórios, cujo principal componente é a do­

Galactorreia - 367

TABELA 61.1 - Exames sanguíneos colhidos à internação

I. Ausência da inibição hipotalâmica normal da liberação da prolactina • Seção do pedículo hipofisário • Fármacos (fenotiazinas, butirofenonas, metildopa, antidepressivos tricíclicos, opiáceos, reserpina, verapamil, paroxetina, risperidona, metoclopramida, sertralina) • Doenças do sistema nervoso central, incluindo tumores extrahipofisários e adenomas de células nulas da hipófise II. Aumento da liberação de prolactina • Hipotireoidismo • Reflexo de sucção e traumatismo da mama III. Liberação autônoma de prolactina • Tumores da hipófise - Tumores secretores de prolactina - Tumores mistos secretores de hormônio do crescimento e prolactina - Adenoma de células nulas • Produção ectópica de lactogênio placentário humano e/ou prolactina - Molas hidatiformes e coriocarcinomas - Carcinoma broncogênico e hipernefroma IV. Idiopática

Exame

Valor

Valor de referência

Hemoglobina

13g/dL

12 — 15,5g/dL

Hematócrito

40%

34,9 - 44,5%

VCM

82μ3

81,6-98,3μ3

HCM

28pg

26-34pg

Leucócitos

5.800/mm3

3.500 -10.500/mm3

Neutrófilos bastonetes

1%

1 - 4%

Neutrófilos segmentados

57%

50-65%

Plaquetas

210.000/mm3

150.000 - 450.000/mm3

Creatinina

0,7mg/dL

0,6-1mg/dL

Ureia

34mg/dL

10-50mg/dL

Sódio

142mEq/L

135- 146mEq/L

Potássio

3,8mEq/L

3,5 - 5mEq/L

AST

24U/L

Até 40U/L

ALT

21U/L

Até 40U/L

prolactina e, na abordagem ao diagnóstico diferencial,

Albumina

3,8g/dL

3,5 - 5g/dL

suas causas podem ser classificadas como: (1) falha da

TSH

2,8μU/mL

0,5 - 5μU/mL

T4 livre

1,2ng/100mL

0,87-1,56ng/100mL

Prolactina

220ng/mL

2,5 - 14,6ng/mL

Glicemia de jejum

91mg/dL

70-110mg/dL

inibição hipotalâmica normal da liberação de prolactina;

(2) aumento dos fatores de liberação da prolactina; (3) secreção autônoma de prolactina por tumores; ou (4) idiopática (Quadro 61.1).

Ao exame físico, apresenta-se com estado geral bom, orientada, normocorada, hidratada, eupneica, anictérica e com extremidades bem perfundidas. Aus­ culta cardíaca sem alterações, com frequência cardía­ ca de 88bpm e pressão arterial de 110 × 60mmHg. Ausculta respiratória normal, frequência respirató­ ria de 14ipm. O exame do abdome não evidencia visceromegalias ou quaisquer alterações. Ao exame ginecológico, exibe mamas simétricas, sem defor­ midades, porém com descarga papilar branca à ex­ pressão, bilateralmente. A genitália externa tem pilificação normal e sem anormalidades. Toque va­ ginal combinado sem tumorações palpáveis ou alte­ rações. À avaliação de campos por confrontação, evidencia-se hemianopsia bitemporal. Exame neuro­ lógico com sensibilidade e motricidade preservadas, bem como reflexos superficiais e profundos. Restan­ te do exame físico normal. Peso: 68kg; altura: 1,55m; índice de massa corporal: 28,3kg/m2. Encaminhada à avaliação oftalmológica, realizada campimetria visual que confirma a hemianopsia bitemporal. So­ licitados exames laboratoriais no centro encaminhador(Tabela 61.1).

ALT = alanina aminotransferase; AST = aspartato aminotransferase; HCM = hemoglobina corpuscular média; T4 = tetraiodotironina; TSH = hormônio estimulante da tireoide; VCM = volume corpuscular médio.

exames laboratoriais trazidos pela paciente encontram-se normais, à exceção do nível sérico de prolactina, que foi

de 220ng/mL. Tal valor é compatível com hiperprolacti­

nemia, uma situação que pode ser causada por inúmeras

condições dentre fatores fisiológicos ou patológicos (Qua­ dro 61.2). O nível sérico da prolactina permite a sepa­

ração dos pacientes em três grupos principais: (1) causas não tumorais, microprolactinomas e pseudoprolactino­ mas (prolactina = 25 a 150ng/mL); (2) microprolactinomas

(prolactina = 151 a 200ng/mL); e (3) macroprolactino­ mas (prolactina > 200ng/mL).

Em pacientes com níveis de prolactina entre 25 e 150ng/mL, a exclusão de causas não hipotalâmico-hipo­

fisárias pode ser feita por meio de anamnese detalhada (por exemplo, uso de drogas lícitas ou ilícitas), exame

físico minucioso (por exemplo, bócio, lesão de parede torácica) e exames laboratoriais (clearancede creatinina, provas de função hepática, cortisol, hormônio estimulan­

Na análise do exame físico da paciente ficou verifi­

te da tireoide [TSH] e tetraiodotironina livre, relação

cou-se descarga papilar bilateral em associação com he­

hormônio folículo-estimulante/hormônio luteinizante

mianopsia bitemporal e exame neurológico normal. Os

[FSH/LH]).

CAPÍTULO 61

QUADRO 61.1 - Classificação da galactorreia

368 - Doenças do Sistema Endócrino

CAPÍTULO 61

QUADRO 61.2 - Etiologia da hiperprolactinemia • Hipersecreção fisiológica - Gestação - Lactação - Estimulação da parede torácica - Sono - Estresse • Lesão do pedículo hipotalâmico-hipofisário - Tumores ■ Craniofaringioma ■ Extensão suprasselar de massa hipofisária ■ Meningioma ■ Disgerminoma ■ Metástase - Sela vazia - Hipofisite linfocítica - Adenoma com compressão do pedículo - Granulomas - Cisto de Rathke - Irradiação - Traumatismo ■ Seção do pedículo hipofisário ■ Cirurgia suprasselar • Hipersecreção hipofisária - Prolactinoma - Acromegalia • Distúrbios sistêmicos - Insuficiência renal crônica - Hipotireoidismo - Cirrose - Pseudociese - Convulsões epilépticas • Hipersecreção induzida por fármaco - Bloqueadores do receptor de dopamina ■ Fenotiazinas: clorpromazina, ferfenazina ■ Butirofenonas: haloperidol ■ Tioxantenos ■ Metoclopramida - Inibidores da síntese de dopamina ■ Alfa-metildopa - Depletores de catecolamina ■ Reserpina - Opiáceos - Antagonistas H2 ■ Cimetidina, ranitidina - Imipraminas ■ Amitriptilina, amoxapina - Inibidores da recaptação de serotonina ■ Fluoxetina - Bloqueadores dos canais de cálcio ■ Verapamil - Hormônios ■ Estrogênios ■ Antiandrogênios

A causa mais comum de hiperprolactinemia, excluindo drogas, é um tumor hipofisário, que pode ser macroade­ noma (maior que 10mm de diâmetro) ou microadenoma (menor que 10mm de diâmetro). O achado de hemianopsia bitemporal (Fig. 61.2) nessa paciente infere a possibilidade de lesão do quiasma óptico por expansão suprasselar de massa, corroborando a hipótese de tumor hipofisário.

Neste momento da investigação, é imperiosa a realização de ressonância nuclear magnética de encéfalo para defi­ nição diagnóstica. As manifestações clínicas da hiperprolactinemia estão relacionadas à disfunção gonadal e aos efeitos decorrentes da compressão tumoral (Quadro 61.3). O hipogonadismo hipogonadotrófico é induzido pelo se­ guinte mecanismo: ↑ prolactina → ↓ secreção pulsátil do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH) pelo hipotálamo → ↓ dos níveis séricos das gonadotrofinas (LH, FSH) → ↓ dos esteroides sexuais (estrogênio e testosterona). Já os efeitos da compressão tumoral de­ pendem da localização da extensão da massa, se supras­ selar ou lateral.

No presente caso, com a confirmação da hiperprolac­

tinemia de 220ng/mL, a avaliação diagnóstica é direcio­

nada a um tumor hipofisário, uma vez que foram excluí­ das outras causas como drogas, pois a paciente não relatou uso de qualquer medicação. Mesmo quando uma causa específica não é identificada e o diagnóstico de galactorreia idiopática é firmado por exclusão, convém lembrar que os tumores hipofisários podem, subsequen­

Figura 61.2 -

temente, se tomar manifestos.

temporal.

(A

e B) Ilustração da hemianopsia bi­

Galactorreia - 369

CAPÍTULO 61

QUADRO 61.3 - Manifestações clínicas da hiperprolactinemia • Mulheres - Galactorreia - Amenorreia - Oligomenorreia - Infertilidade - ↓ da libido - Dispareunia - Osteoporose - Acne/hirsutismo - Ganho de peso • Homens - Galactorreia - Ginecomastia - Disfunção erétil - Infertilidade - ↓ da libido - Osteoporose - Ganho de peso • Efeitos da compressão tumoral - Cefaleia - Defeitos do campo visual (tipicamente hemianopsia bilateral) - Atrofia de nervo óptico - Paralisia de nervos cranianos - III, IV e VI (extensão lateral do tumor)

TABELA 61.2 - Exames sanguíneos colhidos na internação Exame

Valor

Valor de Referência

FSH

2,1mUI/mL

3,9 - 13,3mUI/mL

LH

7,9mUI/mL

13,8 - 71,8mUI/mL

Estradiol

102pg/mL

195- 572pg/mL

FSH = hormônio folículo-estimulante; LH = hormônio luteinizante.

Após 15 dias, a paciente retoma para a segunda consulta ambulatorial, com queixas clínicas e exame físico inalterados. Traz resultados de novos exames laboratoriais solicitados, bem como de ressonância nuclear magnética de sela túrcica (Tabela 61.2). A ressonância nuclear magnética de encéfalo revelou uma lesão de 20mm em região selar e suprasselar que causa compressão moderada do quiasma óptico (Fig. 61.3), o que confirma o diagnóstico de prolactinoma (macroa­ denoma) como responsável pela sintomatologia apresen­

tada pela paciente. Os valores baixos de FSH, LH e estradiol são compa­ tíveis com o hipogonadismo hipogonadotrófico induzido pelo prolactinoma, bem como responsáveis pela sintoma­ tologia de oligomenorreia e diminuição da libido.

Figura 61.3 - Cortes coronal (A) e axial (B), respecti­ vamente, evidenciando grande tumor selar e suprasselar, que causa compressão do quiasma óptico.

DISCUSSÃO Adenomas hipofisários são as causas mais comuns de

massas selares a partir da terceira década de vida, repre­

sentando 10% de todas as neoplasias intracranianas. Os adenomas são classificados pelo tamanho e pela célula de origem. Lesões menores que 1cm são classificadas como microadenomas e lesões maiores que 1cm são macroade­ nomas. Os tumores podem ter origem em qualquer tipo

de célula da hipófise anteriore resultarem aumento da

DIAGNÓSTICO FINAL

secreção do hormônio produzido por essa célula, ou em

Macroadenoma hipofisário - prolactinoma.

compressão de outros tipos de células. Há ainda tumores

diminuição da secreção de outros hormônios devido à

CAPÍTULO 61

370 -

Doenças do Sistema Endócrino

mistos que podem secretar combinações de hormônio do crescimento (GH) e prolactina, hormônio adrenocortico­

Tem-se, por isso, recomendado a suspensão do tratamento a cada 12 ou 24 meses, para avaliarse a hiperprolactinemia

trófico (ACTH) e prolactina e TSH e prolactina.

persistirá ou não. Para grandes adenomas responsivos a

Os tumores que se originam das células lactotrópicas

cabergolina ou bromocriptina, essa suspensão deve ser

(prolactinomas) são responsáveis por cerca de metade de

gradual, devendo-se interrompê-la se ocorrer aumento dos

todos os tumores hipofisários funcionantes, predominam

níveis de prolactina ou das dimensões tumorais.

no sexo feminino e têm incidência anual de 3/100.000

A cirurgia transesfenoidal deve ser considerada em

pessoas. Os microprolactinomas são mais frequentes nas

casos de falha dos agonistas dopaminérgicos em reduzir

mulheres, ao passo que os macroadenomas são mais

a concentração sérica de prolactina, o tamanho e os sin­

frequentes nos homens.

tomas do tumor ou ainda quando houver intolerância à

Antes do advento da farmacoterapia com agonistas

medicação. A radioterapia é reservada para tumores agres­

dopaminérgicos, a abordagem terapêutica aos prolactino­

sivos que não respondem aos agonistas da dopamina to­

mas consistia em ressecção cirúrgica e/ou irradiação hi­

lerados ao máximo e/ou à cirurgia.

pofisária. Atualmente, as primeiras opções terapêuticas

No presente caso, a paciente fez uso de cabergolina

para pacientes com micro e macroprolactinomas são os

por seis meses na dose inicial de 0,25mg, duas vezes por

agonistas da dopamina, particularmente bromocriptina e

semana, com reajustes semanais da dose até atingir 1mg

cabergolina, altamente efetivos para normalização dos

semanal. Não houve sintomas adversos importantes e

níveis séricos de prolactina e restauração da função go­

obteve-se desaparecimento da galactorreia, restauração

nadal em mais de 90% dos casos. Mesmo diante de

dos ciclos menstruais, normalização dos valores de pro­

grandes tumores que causam sintomas visuais, o trata­

lactina e redução significativa do tamanho do tumor A

mento primário com agonistas da dopamina pode ser

instituído, com os pacientes apresentando considerável

paciente ainda se encontra em uso da medicação, com programação de redução da dose após completar 12 me­

melhora dos sintomas em horas a dias.

ses de terapia.

A cabergolina, atualmente, é a droga de primeira linha para o tratamento de micro e macroprolactinomas. É mais

efetiva, tem duração de ação muito longa (7 a 21 dias) e precisa ser administrada somente uma ou duas vezes por semana. Além disso, os efeitos colaterais (hipotensão

postural, tontura, náuseas, vômitos, constipação, fraqueza, sonolência e sintomas psicológicos) são menos comuns

quando comparados com os da bromocriptina, justificando

sua maior tolerabilidade. Após o início da terapia, a res­ posta clínica é obtida em semanas a meses. A dose inicial

da cabergolina é de 0,25mg por semana, ao passo que a da bromocriptina é de 0,625 a 1,25mg por dia, as quais

devem ser ajustadas periodicamente, mediante a tolerabi­

lidade e a resposta ao tratamento. A duração da terapia com os agonistas dopaminérgicos

ainda é controversa. Apesarde as doses serem frequente­ mente reduzidas nos pacientes em que a concentração sérica de prolactina se mantém normal por pelo menos

um ano, o risco de recorrência da hiperprolactinemia ou da reexpansão tumoral após a suspensão da droga é incerto.

BIBLIOGRAFIA BILLER, B. M. Diagnostic evalution of hiperprolactinemia. J. Rqrrcd. Med., v. 44, suppl. 12, p. 1095-9, 1999. COLAO, A. et al. Tratamento dos prolactinomas. In: VILAR, L. Er> dorrirriç^aClírica Recife: Medsi, 2001, p. 33-44. COLAO, A. et al. New medicai approaches pituitary adenomas. Hcrm. Res, v. 53, suppl. 3, p. 76-87, 2000. GADELHA, M. R.; UNE, K. Avaliação diagnóstica da hiperprolacti­ nemia. In: VILAR, L. Erdarirrk^aClírica Recife: Medsi, 2001, p. 23-31. KORBONITZ, M. et al. Hiperprolactinemia. In: BANDEIRA, F. En darirdc^aeDidretes Recife: Medsi, 2003, p. 105-116. MELMED, S. Distúrbios da adeno-hipófise e do hipotálamo. In: HARRISON, T. R. Medicinalrtena Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 2002, v.II, p. 2163-2166. MOLITCH, M. E. Medicai treatment of prolactinomas. Erdarird Meteb. Clin NcrthAm., v. 28, p. 143-69, 1999. SYNDER, P. J. Treatment of hyperprolactinemia due to lactotroph adenoma and othercauses. In: UpTcDdse http://www.uptodate. com. Software 16.3; 2008. WEBSTER, J. Clinicai management of prolactinomas. BaUieesBest Pra:t Res CKn Erdarird Mcteb., v. 13, n. 3, p. 395-408,1999.

SEÇÃO

Doenças Hematológicas

8

___________________________________

CAPÍTULO

62

Palidez e Icterícia Luis Alberto de Pádua Covas Lage

Mulher caucasiana com 57 anos de idade apresen­ ta-se no consultório queixando-se de astenia com piora progressiva há três meses. Relata ainda a ocorrência de cefaleia holocraniana ocasional acompanhada de ton­ tura e sonolência excessiva, dispneia aos grandes esforços e palpitação frequente, algumas vezes acom­ panhada de precordialgia de duração efêmera. Refere também ter notado discreto emagrecimento (3kg) no mesmo período, apesar de o apetite estar preservado. Quando inquerida mais profundamente pelo examina­ dor diz que seus familiares têm notado palidez cutânea e episódios intermitentes de coloração amarelada das escleras com duração de aproximadamente uma sema­ na, além de sensação desconfortável em quadrante superior esquerdo do abdome. Relata febre baixa inter­ mitente e sudorese noturna profusa, porém nega artralgia, aumento do volume cervical, lesões cutâneas ou sangramento exteriorizado. Há um ano, durante consulta em ginecologista devido a sintomas climaté­ ricos, foi diagnosticada anemia e realizado tratamento com sulfato ferroso e ácido fólico.

camente, as anemias são caracterizadas por três mecanis­ mos principais: perda sanguínea aguda ou crônica (por

exemplo, hemorragias agudas, anemia ferropriva induzida

por neoplasias de cólon direito); produção inadequada de eritrócitos (por exemplo, anemia aplásica, ocupação ou

substituição medular por células neoplásicas de origem hematológica ou não hematológica, como em leucemias agudas e doenças mieloproliferativas crônicas, anemia associada a desordens endocrinológicas como hipotireoi­ dismo ou insuficiência adrenocortical, déficit na produção

de eritropoietina como em anemia associada à insuficiên­

cia renal crônica, entre outras) e sobrevida reduzida dos eritrócitos pordestruição excessiva de tais células, poden­

do ocorrerem ambiente intramedular (por exemplo, eri­ tropoiese ineficaz associada à anemia megaloblástica e a talassemias) ou extramedular (por exemplo, anemias he­ molíticas intra ou extravasculares). Icterícia é o termo utilizado para traduzira pigmentação amarelada da pele,

da esclerótica e do frênulo da língua em decorrência de

níveis elevados de bilirrubina circulante que apresenta alta A paciente apresenta dois sinais cardinais que orientarão

afinidade com elastina presente em tais regiões. A icterí­

a investigação diagnóstica inicial: palidez e icterícia de

cia pode resultar de aumento da produção de bilirrubina,

caráter intermitente. Palidez cutâneo-mucosa acrescida

como visto nos estados associados à hemólise crônica ou

de sintomas ocasionados por hipoxemia crônica como

eritropoiese ineficaz; pode decorrer da diminuição da

cefaleia, vertigem, lipotimia, zumbido, fadigabilidade,

dispneia e angina desencadeados por situações em que

captação bilirrubínica (por exemplo, ação de medicamen­ tos ou jejum prolongado); diminuição do processo de

ocorre aumento do consumo tecidual de oxigênio (por

conjugação (por exemplo, deficiências enzimáticas como

exemplo, exercício físico ) nos remete à possibilidade

as observadas nas síndromes de Gilbert ou Crigler-Najjar

diagnóstica de anemia. O termo anemia refere-se a uma

tipos I e II); alteração da excreção bilirrubínica, como em

síndrome clínica e a um quadro laboratorial caracterizado

doenças que cursam com alteração da função hepatoce­

por queda da hemoglobina do sangue e, na verdade, não

lular e, finalmente, por obstrução biliar decorrente de

encena uma doença propriamente dita, mas sim um sinal

situações que levam à colestase extra-hepática (por

de que existe doença orgânica subjacente. Fisiopatologi-

exem­plo, tumores de vias biliares ou coledocolitíase). A pa-

CAPÍTULO 62

374 -

Doenças Hematológicas

ciente em questão sem associação de sintomas e sinais anêmicos e icterícia indolor intermitente, fazendo com

Provas de função tireoidiana dentro da normalidade afastam

que atentemos para a possibilidade diagnóstica de ane­

Apesar de não haver exposição bem documentada a con­

mia hemolítica.

tatantes de tuberculose ou relato de viagens a áreas endê­

a possibilidade de hipotireoidismo como causa dos sintomas.

micas de malária, ambas as condições poderiam justificar o aparecimento de anemia, icterícia, febre intermitente e desconforto no quadrante superior esquerdo do abdome,

em decorrência de possível esplenomegalia. Os anteceden­

tes familiares de lúpus eritematoso sistêmico e leucemia

linfoide crônica devem nos alertar para a possibilidade de doenças autoimunes sistêmicas (como o próprio lúpus) ou anemia hemolítica autoimune, também associada a tais

condições clínicas. Observarno Quadro 62.1, as principais causas de anemia hemolítica, uma forte possibilidade diag­ nóstica para o caso em questão.

Ao exame físico nota-se a paciente em regulares­ tado geral, descorada 3+/4+, hidratada, temperatura axilarde 37,9°C, frequência cardíaca de 102bpm, fre­ quência respiratória de 22ipm, pressão arterial de 128 × 72mmHg, índice de massa corporal de 24,76kg/m2. Apresenta palidez cutâneo-mucosa significativa e icterícia 2+/4+. Ausência de linfadenomegalia patolo­ gicamente palpável. Ao exame dermatológico notam-se lesões lineares, de aproximadamente 4 a 5cm, recobertas de crosta hemática, sem sinais importantes de flogose,

Diante do que foi exposto até o momento, notamos

tratar-se de mulher de meia-idade com sintomas sugesti­ vos de anemia, icterícia flutuante não acompanhada de

QUADRO 62.1 - Causas de anemia hemolítica adquirida

dor abdominal, febre intermitente e sensação desconfor­

• Hemólise extravascular - Hiperesplenismo ■ Cirrose hepática ■ Esquistossomose hepatoesplênica ■ Síndrome de Banti (fibrose portal não cirrótica idiopática) - Anemia hemolítica com acantócito ■ Associada à cirrose hepática avançada ■ Abetalipoproteinemia (síndrome de Bassen-Kornswig) - Anemia hemolítica autoimune por anticorpos quentes (imunoglobulina G [IgG]) ■ Idiopática ■ Secundária a drogas (alfa-metildopa) ■ Lúpus eritematoso sistêmico ■ Leucemia linfoide crônica ■ Linfomas não Hodgkin ■ Outras neoplasias (mieloma múltiplo, timoma, carcinomas) ■ Infecções sistêmicas (tuberculose, citomegalovirose) - Anemia hemolítica autoimune por anticorpos frios (IgM) ■ Doenças linfoproliferativas (linfoma não Hodgkin e macroglobulinemia de Waldestrom) ■ Infecção por Mycoplasma pneumoniae ■ Mononucleose infecciosa - Anemia hemolítica autoimune por anticorpo Donath-Landsteiner - Anemia hemolítica autoimune induzida por drogas • Hemólise intravascular - Induzida por incompatibilidade ABO - Hemoglobinúria paroxística noturna - Doenças infectoparasitárias: babesiose, malária, bartonelose, infecção por Clostridium welchii - Hemólise associada à prótese valvar cardíaca - Anemia hemolítica microangiopática

tável em hipocôndrio e flanco esquerdos. Devemos pensar em uma única doença que justifique todos esses achados. Sintomas anêmicos e icterícia intermitente podem tradu­

zir episódios hemolíticos. Como o quadro ictérico não é acompanhado de dor abdominal relevante e a paciente

tem antecedente de colecistectomia com documentação

de via biliar livre de litíase residual, podemos excluira

possibilidade de coledocolitíase, apesar do caráter flutu­

ante da icterícia, comum nesta entidade. A possibilidade de tratar-se de neoplasia periampular (por exemplo, neo­

plasia de papila duodenal) é forte pelos dados clínicos encontrados, o que justificaria o quadro de icterícia inter­

mitente, pois o tumor tem alta taxa mitótica com cresci­

mento rápido e necrose central por déficit de vasculariza­ ção, ocasionando ciclos de obstrução-desobstrução do

esfíncter de Oddi; a anemia poderia ser explicada pelo sangramento do trato gastrointestinal alto associado à

neoplasia, e a febre e o emagrecimento poderiam decorrer da produção de citocinas como fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa, tumor necrosis factor alpha) (caquexina) e interleucina 1 (IL-1) (associada à termorregulação).

978-85-4120-074-5

Há quinze anos apresentou episódio de pancreatite aguda biliar sendo submetida a tratamento clínico e posterior colecistectomia na mesma internação. Na ocasião, foi realizada colangiografia intraoperatória e não houve evidência de calculose residual nas vias bi­ liares extra-hepáticas. Há seis anos foi diagnosticada doença de Basedow-Graves refratária a uso de tioureias. Realizada tireoidectomia total e posteriortratamen­ to com radioiodo, sem intercorrências. Faz seguimento com endocrinologista e atualmente possui provas de função tireoidiana dentro da normalidade devido à re­ posição hormonal com 125μg/dia de levotiroxina. Nega etilismo, tabagismo, história prévia de transfusão san­ guínea, drogadição ou promiscuidade sexual. Nega contato íntimo com portadores de tuberculose ou outras doenças infectocontagiosas manifestas. Nega viagens recentes. Tem uma irmã de 40 anos de idade com diag­ nóstico de lúpus eritematoso sistêmico há quatro anos, em tratamento com prednisona e difosfato de cloroqui­ na, e o pai de 79 anos teve diagnóstico de leucemia linfoide crônica (Binet A) há dois meses, em seguimen­ to conservador com hematologista.

978- 85 4120 074

distribuídas em abdome e raiz de membros, compatíveis com escoriações por coçadura. Apresenta ainda xante­ lasma bipalpebral inferior sem evidência de xantomas tuberosos. Tireoide não palpável e cicatriz horizontal de aproximadamente 7cm sobre a topografia tireoidia­ na habitual. Verificado sopro cardíaco panfocal 3+/6+ à ausculta cardíaca. Ausculta pulmonar não revela al­ terações. O abdome mostra cicatriz subcostal direita compatível com status pós-cirúrgico de colecistectomia; fígado palpável ao nível do rebordo costal direito, in­ dolor liso e com bordas finas; espaço de Traube ocupado à percussão e a chanfradura esplênica ultra­ passa a cicatriz umbilical, com bordo esplênico palpável a 20cm do rebordo costal esquerdo e o órgão tem consistência pétrea. Não há evidências de circula­ ção colateral abdominal, telangiectasias, eritema palmar,hipotrofia muscularou alteração de pilificação. O exame neurológico e o exame de extremidades não revelam alterações significativas.

Pelos achados de exame físico verificamos que a pa­ ciente encontrava-se com grau leve de desnutrição, febre

baixa e palidez cutâneo-mucosa, o que nos leva a pensar em uma entidade sistêmica com comprometimento con­

sumptivo, o que poderia ser explicado por condições neoplásicas (por exemplo, tumores periampulares), infla­

matórias de natureza autoimune (lúpus eritematoso sis­ têmico, cirrose biliar primária) ou infecciosas (tubercu­

lose). A elevação da frequência cardíaca e da frequência

respiratória e o sopro cardíaco panfocal poderiam ser justificados por cor anêmico ou pelo estado hiperdinâmi­

co associado à elevação da temperatura corpórea. Icterícia leve, como visto anteriormente, pode resultarde diversas

condições, porém, lembrando dos dados fornecidos na anamnese como ausência de colúria e acolia fecal, deve­

mos pensarem condições que decorram de hiperbilirru­

binemia indireta, como por exemplo os estados hemolíti­ cos, tornando menos provável tratar-se de neoplasia

periampularou cirrose biliar primária, doenças associadas à colestase, manifestando, portanto, acolia fecal e colúria.

Escoriações resultantes de coçadura, sem lesões derma­ tológicas elementares, devem remetera prurido secundá­ rio a neoplasias, uremia ou impregnação bilirrubínica

cutânea (frequentemente observada em condições que

cursam com síndrome colestática). Xantelasmas podem aparecerem portadores de cirrose biliar primária (con­

dição associada a distúrbios autoimunes tireoidianos ‒ lembrar que a paciente tem antecedente de doença de

Basedow!) ou dislipidemias primárias. A ausência de estigmas de cirrose e de hipertensão portal ao exame

físico toma pouco provável tratar-se de hepatopatia, como por exemplo, cirrose biliar primária. Dado de grande relevância ao exame clínico foi o encontro de esplenome-

QUADRO 62.2 - Causas de esplenomegalia de grande monta • • • • • • • • • •

Leishmaniose visceral Malária Esquistossomose mansônica forma hepatoesplênica Leucemia mieloide crônica Mielofibrose primária Fase terminal da policitemia rubra vera e trombocitemia essencial Leucemia de células cabeludas Linfoma esplênico Doença de Gaucher Síndrome de Felty

galia de grande monta. Neste momento, devemos terem

mente as principais etiologias de esplenomegalia volumo­ sa, a fim de procurarmos elucidaro diagnóstico. Observar

o Quadro 62.2. Exames complementares iniciais revelaram: hemo­ globina (Hb) de 5,8g/dL, hematócrito (Ht) de 18%, volume corpuscular médio (VCM) de 104pg, hemo­ globina corpuscular média (HCM) de 27fl, concentra­ ção de HCM de 33%, amplitude de distribuição de hemácias de 13%, 2.800 leucócitos com 0% de pró­ mielócitos, 0% de mielócitos, 0% de metamielócitos, 3% de bastonetes, 54% de segmentados, 1% de eosi­ nófilos, 0% de basófilos, 38% de linfócitos típicos, 0% de linfócitos atípicos, 7% de monócitos; 77.000 plaque­ tas; sódio: 137; potássio: 4,1; cálcio ionizado: 1,22; fósforo: 3,7; magnésio: 1,9; ureia; 44; creatinina: 0,8; albumina: 3,3; atividade de protrombina: 98%; rela­ ção normalizada internacional (RNI): 1,15; tempo de tromboplastina parcial ativada: 38s; relação de 1,07; gama-glutamiltransferase: 9; fosfatase alcalina: 56; bilirrubina total: 5,4; bilirrubina direta: 0,8; bilirrubina indireta: 4,6; desidrogenase lática (DHL): 2.075; reti­ culócitos: 14%; índice de produção reticulocitária (IPR) = 2,66; haptoglobina: 18mg/dL; teste de Coombs dire­ to positivo (Coombs anti-IgG positivo/Coombs anti-C3 positivo), velocidade de hemossedimentação (VHS): 170mm/h; proteína C-reativa: 25,22; ferro sérico: 67; transferrina: 300; capacidade total ligante de ferro: 315; ferritina sérica; 700; vitamina B12: 679; folato sérico: 15,6; aspartato aminotransferase: 10; alanina amino­ transferase: 12; glicemia: 77; triglicérides: 215; coles­ terol total: 270; lipoproteína de alta densidade: 70; lipoproteína de baixa densidade: 145; creatina fosfo­ quinase: 40; hormônio estimulante da tireoide: 2,13; tetraiodotironina (T4) livre: 0,97; anti-HIV ELISA não reagente; anti-HIV IgG e IgM não reagentes; HbsAg não reagente; anti-HBs reagente; anti-HBc IgM e IgG não reagentes; HbeAg e anti-HBe não reagentes; VDRL positivo 1:4; FTAbs negativo; fator reumatoide negativo; fatorantinuclear(FAN) positivo 1:20 padrão homogêneo; gota espessa negativa para pesquisa de hematozoários; anticorpo antimitocôndria negativo; eletrocardiograma e radiografia de tórax sem alterações;

CAPÍTULO 62

5

Palidez e Icterícia - 375

CAPÍTULO 62

376 -

Doenças Hematológicas

elementos anormais e sedimentares com pH 6,5; den­ sidade: 1.025; proteínas -; glicose -; bilirrubina -; corpos cetônicos -; urobilinogênio < 2; 7 leucócitos porcam­ po; 2 eritrócitos por campo; dismorfismo eritrocitário negativo; derivado de proteína purificada: 8mm; ultras­ sonografia de abdome revelando baço de dimensões aumentadas, caráter homogêneo com esplenometria de 36cm, sem imagens sugestivas de nodulações ou calci­ ficações; endoscopia digestiva alta revela integridade de mucosa gástrica com redução do lúmen gástrico à custa de abaulamento da grande curvatura por com­ pressão visceral extrínseca. Tomografia computadori­ zada de abdome revela esplenomegalia homogênea de grande monta e aumento de linfonodos do hilo es­ plênico, sem linfonodomegalia em outras cadeias in­ tra-abdominais ou retroperitoneais. Os exames iniciais revelam pancitopenia com um componente anêmico macrocítico e normocrômico; obser­

vamos ainda provas de hemólise positivas (hiperbilirru­ binemia à custa da fração indireta, DHL elevada, aumen­ to da contagem reticulocitária e redução dos níveis séricos de haptoglobina). Diante destes dados laboratoriais con­

tundentes, podemos afirmar que a paciente apresenta

anemia hemolítica. O teste de Coombs direto positivo vai nos traduzir que o soro da paciente contém anticorpos e/ou complemento ligados à superfície de suas próprias hemácias, confirmando anemia hemolítica autoimune por

anticorpos quentes (IgG). A função renal está conservada e os níveis de eletrólitos encontram-se dentro da norma­

a testes considerados falso-positivos, os quais podem ser frequentemente encontrados nas mais diversas condições clínicas (de natureza inflamatória/infecciosa ou neoplási­

ca). O teste de Mantoux reator traduz baixa probabilida­ de para tuberculose miliar, acrescido ao padrão de nor­

malidade da radiografia torácica. Os métodos de imagem (ultrassonografia e tomografia computadorizada de abdo­

me) confirmam esplenomegalia volumosa observada ao exame físico e a redução luminal gástrica à custa de abaulamento da grande curvatura do estômago pode ser atribuída à compressão extrínseca de tal órgão pelo baço com dimensões elevadas. Adenomegalia hilar esplênica, sem evidência de comprometimento linfonodal de outras cadeias ganglionares, indica que a doença de base apre­ sentada pela paciente pode se encontrar no baço. Sendo assim, pelo que foi observado até o momento, estamos frente a uma paciente com pancitopenia, esplenomegalia

de grande monta, febre e consumpção, devendo-se, por­ tanto, pensarem tricoleucemia; distúrbios mieloprolife­ rativos crônicos em fase terminal (spent phase); mielo­

fibrose primária, linfoma não Hodgkin esplênico ou leishmaniose visceral (embora ela não tenha dados epi­

demiológicos compatíveis). Lembrando por fim que, associadamente a todos esses dados, a paciente tem ane­ mia hemolítica autoimune por anticorpos quentes, o diagnóstico mais provável recairia sobre o linfoma não Hodgkin esplênico!

pouco provável a uma hepatopatia primária que possa ter

Procede-se à investigação diagnóstica com hema­ toscopia, a qual revela alto grau de policromasia à custa de grandes hemácias azuladas (shift cells) e alguns microesferócitos. O aspirado de medula óssea foi seco; realizada biópsia de medula óssea que evidencia celu­ laridade de 90%, com hiperplasia do setor eritroide, 70% de infiltração medular por pequenos linfócitos atípicos e hipoplasia do setormegacariocítico. A aná­ lise imuno-histoquímica revela antígeno leucocitário comum positivo na maioria das células, CD20 positivo na maioria dos linfócitos, CD45-RO positivo em vários linfócitos, BCL-2 positivo na maioria dos linfócitos, CD10 e ciclina D1 negativos.

progredido para cirrotização. Outro fato que reforça essa afirmação é o perfil sorológico para hepatites virais com­

A presença das chamadas shift cells no esfregaço de

lidade. A elevação da VHS pode ser explicada pela própria anemia ou por uma condição de base de natureza infecciosa/inflamatória ou neoplásica que justifique todos os achados. A elevação da proteína C-reativa e da ferritina

poderão correspondera reagentes de fase aguda secundá­ rias à doença de base. A dosagem de vitamina B12 e fo­ lato sérico dentro da normalidade afastam a possibilidade

de anemia megaloblástica, condição associada à pancito­

penia com VCM elevado. Testes de função e lesão hepá­ tica normais com hiperbilirrubinemia indireta tornam

patível com status vacinal prévio e a negativação do an­

ticorpo antimitocondrial, associado à maior parte dos

sangue periférico significa que está ocorrendo uma res­ posta medular compensatória à destruição excessiva e

casos de cirrose biliar primária. A hipertrigliceridemia e a hipercolesterolemia podem ser resultantes de dislipide­

precoce dos eritrócitos na periferia, com a liberação de

mia primária, o que explicaria os xantelasmas evidencia­ dos ao exame físico. A pesquisa de hematozoários nega­

o que justifica o aumento do VCM da paciente, pois tais

tiva no teste da gota espessa toma pouco provável o diagnóstico de malária, aliando-se à epidemiologia nega­

turação ainda maiores que o próprio reticulócito. O en­

tiva para doença apresentada pela paciente. VDRL e FAN positivos em baixos títulos possivelmente correspondam

hemácias jovens e bastante imaturas pela medula óssea,

células se caracterizam por ter tamanho e tempo de ma­ contro de microesferócitos está em grande parte associa­ do às anemias hemolíticas autoimunes. O mielograma dito

“seco” pode serjustificado pela medula óssea hipercelu­

Palidez e Icterícia - 377

lare atapetada por pequenos linfócitos. A biópsia de de toda anemia hemolítica e a infiltração medular por

Anemia hemolítica autoimune por anticorpos quentes

pequenos linfócitos atípicos sugere doença linfoproli­

secundária a linfoma não Hodgkin de zona marginal es­

ferativa com invasão medular apresentando um perfil

plênica.

imuno-histoquímico compatível com linfoma não Hodgkin de zona marginal esplênica. A plaquetopenia observada

no hemograma pode ser explicada pela verificação de hipoplasia megacariocítica à biópsia de medula óssea

DISCUSSÃO

(substituição medular pelo clone neoplásico), bem como

Anemia hemolítica autoimune é um distúrbio caracteri­

pela própria esplenomegalia gerando quadro de hiperes­

zado pela destruição precoce das hemácias devido à liga­

plenismo com sequestro esplênico plaquetário.

ção de imunoglobulinas ou complemento na superfície da

membrana dos eritrócitos. A anemia hemolítica autoimu­

Instituído tratamento para anemia hemolítica au­ toimune com prednisona, na dose de 1mg/kg/dia e realizada esplenectomia como tratamento do linfoma. A análise anatomopatológica do baço revela, à micros­ copia, tecido esplênico com expansão de seu tecido linfoide, com folículos contendo zona do manto e zona marginal proeminentes, infiltradas de linfócitos pequenos e células monocitoides, respectivamente (Fig. 62.1). Após esplenectomia, a paciente apresenta hemograma com hemoglobinas de 9,2g/dL; hemató­ crito de 27,8%; 6.800 leucócitos (0/0/0/0/52/2/1/38/7) e 207.000 plaquetas.

ne é composta de duas síndromes distintas: por anticorpos quentes e por anticorpos frios (crioaglutininas). Na pri­ meira, os autoanticorpos são do tipo IgG, sendo fracos

ativadores do sistema complemento e a hemólise proces­ sa-se fundamentalmente no leito esplênico. Na segunda, os autoanticorpos são do tipo IgM, reagindo com as he­

mácias em baixas temperaturas (crioaglutininas) e o local de destruição dos eritrócitos acaba sendo o tecido hepá­ tico, por intermédio das células de Kuppfer.

A anemia hemolítica autoimune por anticorpos quen­

tes (caso da paciente em questão) corresponde a 60 a 70%

das anemias hemolíticas autoimunes e pode ser classifi­ Com isso fica estabelecido o diagnóstico de linfoma

cada como primária (forma idiopática ‒ 50% dos casos)

não Hodgkin de zona marginal esplênica e anemia hemo­

ou secundária (por exemplo, à alfa-metildopa, ao lúpus

lítica autoimune secundária. A paciente é estadiada, pelo

eritematoso sistêmico, à leucemia linfoide crônica, ao

sistema de Ann Arbor modificado por Costwalds, como

linfoma não Hodgkin).

estádio IV S B - invasão de medula óssea (IV); compro­

A destruição extravascular das hemácias favorece o

metimento esplênico (S: spleen); apresentando febre,

aparecimento dos sinais e sintomas característicos da

prurido e sudorese (ditos sintomas B). Houve controle dos

doença; palidez, fadiga, icterícia, hepatoesplenomegalia.

fenômenos hemolíticos com glicocorticoide e remissão

Laboratorialmente, além da redução dos níveis de

hematológica (ao menos parcial) após esplenectomia.

hemoglobina, a hematoscopia revela policromatofilia,

Figura 62.1 - Aspecto microscópico do linfoma não Hodgkin de zona marginal esplênica.

CAPÍTULO 62

medula óssea revela hiperplasia eritroide característica

DIAGNÓSTICO FINAL

CAPÍTULO 62

378 -

Doenças Hematológicas

pontilhado basofílico, microesferocitose, associados à reticulocitose absoluta e hiperplasia eritroide no aspirado

de diagnósticos diferenciais. Porém, um exame físico

medular. Hiperbilirrubinemia indireta, elevação da DHL

detalhada forneceram importantes pistas para o diagnós­

e queda dos níveis de haptoglobina são achados clássicos.

tico final. Se realmente 90% dos diagnósticos em medici­

O exame confirmatório da natureza autoimune do proces­

na interna são obtidos por coleta de uma boa anamnese e

so hemolítico é o teste de Coombs direto que demonstra

exame físico detalhado, definitivamente este caso encontra-

sensibilização das hemácias in vivo.

se naqueles 10% em que os exames complementares são

minucioso e a investigação laboratorial complementar

O tratamento deve ser iniciado com glicocorticoides

essenciais para a elaboração do diagnóstico. Esta é a rea­

em dose imunossupressora (preferencialmente prednisona,

lidade de um dos ramos da clínica médica: a hematologia.

1 a 2mg/kg/dia). Aproximadamente 30% dos indivíduos

mostram-se refratários à terapia inicial e podem necessi­ tar de esplenectomia, para reduzir o sequestro esplênico

BIBLIOGRAFIA

das hemácias opsonizadas por anticorpos ou componentes

CAMPBELL, R.; MARIK, P. E. Severe autoimmune hemolytic anemia

do complemento. Casos que não respondem às terapias

tieated by paralysis, induced hypothemria, and splenic emboliza-

supracitadas podem ser tratados com agentes imunossu­

tion. Chest v. 127, p. 678-681, 2005.

pressores como ciclofosfamida, azatioprina, imunoglobu­ lina endovenosa ou ciclosporina. A imunofenotipagem dos linfócitos presentes no san­

gue periférico ou na medula óssea pode ser realizada para

confirmar doença linfoproliferativa clonal como causa de

anemia hemolítica autoimune secundária, como visto no caso relatado.

HARRIS, N. L. et al. World Health Organization classification of

neoplastic diseases of the hematopoietic and lymphoid tissues: Report of the Clinicai Advisoiy Committee meeting - Airlie House, Virgínia, Novemberl997. J. ClinOixd., v. 17, p. 3835, 1999.

OFFIT, K. et al. Cytogenetic analysis of 434 consecutively ascertained

specimens of non Hodgkin's lymphoma: clinicai conelations. Blccd. v. 77, p. 1508, 1991.

Concluímos, portanto, que a paciente em questão

SHILPI, G. et al. Severe refractory autoimmune hemolytic anemia with

apresentava história clínica com sintomas amplos e ines­

both warm and cold autoantibodies: complete response with

pecíficos, indicativos de várias entidades patológicas, fa­

rituximab. Blocd (ASH Anui MeetirgAbstract^, v. 110,

zendo com que o médico assistente obtivesse extenso leque

p. 4030, 2007.

___________________________________

CAPÍTULO

63

Anemia Maria Marcela Fernandes Monteiro Para melhor servir à arte e à ciência do exame clínico, o instrumento que o médico mais precisa aperfeiçoar é a si próprio.

Alvan Feinstein

Mulher de 21 anos de idade, natural e procedente de São Paulo, branca, solteira, desempregada, é enca­ minhada para uma consulta médica devido à “anemia”. A paciente relata que, em rotina de exames pré­ -admissionais, constatou-se anemia, mas não souberam explicara causa. Foi encaminhada do Posto de Saúde para o Ambulatório de Hematologia, para investigação do quadro. Nega outras queixas. No interrogatório sucinto dos diversos aparelhos, a paciente não apresenta nenhuma queixa, negando tam­ bém exteriorização de sangramentos ou hipermenorreia.

Fisiologicamente, as anemias são classificadas em três

grupos: defeitos na produção medular (hipoproliferativa), defeitos na maturação eritrocitária (eritropoiese ineficaz) e diminuição da sobrevida dos eritrócitos (perda de

sangue/hemólise). A anemia hipoproliferativa reflete uma

resposta insuficiente da medula óssea e pode resultar de

lesão medular(infiltração/fibrose, aplasia), deficiência de ferro ou estimulação inadequada pela EPO (doença renal). Em geral, é normocrômica e normocítica, embora nos

casos com deficiência de ferro leve ou doença inflamató­

ria crônica possa se apresentar com microcitose e hipo­ Anemia é definida como a redução no número de eritró­ citos. É importante ressaltar que não é uma doença e sim

cromia. A anemia por defeito da maturação deve-se à

um sinal ou achado laboratorial que necessita ser inves­

maturação nuclear (deficiência de vitamina B12 ou ácido

tigado. A consequência primária da anemia é a hipóxia

fólico, lesão medicamentosa) e da maturação citoplasmá­

tecidual. Suas manifestações clínicas dependem de cinco

tica (deficiência grave de ferro, anormalidades na síntese

fatores, que são respostas fisiológicas compensatórias para

de globina ou do heme). Anemia com índice de produção

a depleção de hemácias do organismo:

de reticulócitos (IPR) baixo associado a anormalidades

eritropoiese ineficaz e pode ser dividida em defeitos da

nos índices eritrocitários sugere um distúrbio da matura­

1. Vasoconstrição periférica e vasodilatação central

ção. A anemia hemolítica está associada a um IPR eleva­

para preservaro fluxo de sangue para órgãos vitais.

do. O sangramento agudo não está relacionado ao aumen­

2. Aumento da frequência e do débito cardíacos.

to do IPR, devido ao tempo necessário para aumentara

3. Aumento de 2,3-difosfoglicerato no interior das

produção de EPO. Devido à perda de ferro concomitan­

hemácias, aumentando a liberação de oxigênio

te à redução de eritrócitos, o sangramento subagudo pode

nos tecidos.

apresentar reticulocitose moderada. Já a anemia por per­

4. Aumento do volume plasmático.

da sanguínea crônica manifesta-se com mais frequência

5. Estímulo da produção de eritropoietina (EPO).

como deficiência de ferro.

CAPÍTULO 63

380 -

Doenças Hematológicas

Os sinais e sintomas variam amplamente entre os pa­ cientes com mesmo grau e duração da anemia. A taxa de hemoglobina absoluta não é determinante único para os

ram-se glossite e estomatite angular.A pesquisa de linfono­ dos em planos profundos é necessária para o diagnóstico

sintomas do paciente, pois dependem da velocidade de instalação da anemia e da capacidade de resposta dos

do aparelho cardiovascular encontram-se taquicardia, hipotensão postural e sinais de má perfusão periférica em

mecanismos compensatórios. Dentre outros fatores deter­ minantes da resposta específica de cada indivíduo estão a gravidade da anemia, a idade e as comorbidades asso­

casos de instalação aguda. Em casos crônicos, pode-se

diferencial entre as diversas causas de anemia. Ao exame

perceber sopro sistólico em foco pulmonar. Ao exame

abdominal, é importante verificara presença de espleno­

ciadas. A paciente, no momento da consulta, era assinto­ mática e isto talvez se deva ao fato de apresentar os

megalia. No sistema musculoesquelético, as deformidades

mecanismos compensatórios preservados, já que se trata de uma paciente previamente hígida e com processo pro­ vavelmente crônico.

Quando existe suspeita de anemia pela história clínica, inicialmente deve-se solicitar um hemograma. O primei­

Um quadro de anemia crônica se manifesta com sin­ tomas inespecíficos como fraqueza, fadiga, taquicardia,

bina. Os valores de referência variam de acordo com sexo,

palpitações, dispneia e tontura rotatória. Esses sintomas podem estar ausentes se o quadro for leve e o paciente

anemia valores de hemoglobina inferiores a 13g/dL, em

tiver os mecanismos compensatórios adequados.

o diagnóstico pela redução dos níveis de hemoglobina, o

Como antecedentes familiares, a paciente relata que o pai tem “úlcera no estômago” e que a mãe é saudável. Não tem irmãos. Avó faleceu de “velhice” aos 81 anos e o avô, de acidente vascular cerebral. Ao exame físico, está em bom estado geral, mucosas hipocoradas (+/4+), hidratada, orientada e consciente, acianótica, anictéri­ ca, afebril, com boa perfusão periférica, sem edemas, sem alteração de fâneros. Não apresenta alterações à oroscopia, nem adenomegalias em região cervical, supraclavicular,axilarou inguinal. Sem alterações nos sistemas cardiovascular e respiratório, como também nenhuma alteração ao exame abdominal. Em pacientes com anemia sem causa óbvia imediata, é fundamental investigar minuciosamente seus históricos familiare pessoal (Quadro 63.1).

Ao exame físico, ectoscopia, o achado mais comum é a palidez cutâneo-mucosa, que também pode sera queixa principal do paciente. Também se pode encontrar alteração

ósseas em face e crânio podem sugerir talassemia.

ro parâmetro a ser avaliado no hemograma é a hemoglo­

idade e raça. Entretanto, de forma geral, consideram-se homens e 11,5g/dL, em mulheres. Depois de estabelecido

próximo passo é classificá-la. As anemias são classificadas conforme os índices hematimétricos, principalmente o

volume corpuscular médio (VCM) que representa o ta­ manho médio das hemácias e varia de 80 fentolitros (fL) a 100fL. A classificação da anemia de acordo com o VCM é crucial para elaboração do diagnóstico diferencial e

interpretação das possíveis causas da anemia (Tabela 63.1). A hemoglobina corpuscular média (HCM) e a concentra­ ção de HCM (CHCM) refletem defeitos na síntese de

hemoglobina. Também é importante a análise da ampli-

TABELA 63.1 - Causas de anemia de acordo com a classificação pelo volume corpuscular médio

Anemia

Classificação

Deficiência de ferro grave Microcítica

Talassemia

Anemia da doença crônica (algumas) Anemia sideroblástica

nos cabelos (perda de brilho, cabelos grisalhos precoces) e nas unhas (quebradiças, côncavas). À oroscopia, observa-

Intoxicação por chumbo

Anemia aplástica Anemia da doença crônica (maioria)

QUADRO 63.1 - Dados da anamnese importantes para diagnóstico diferencial das anemias • Origem étnica • Doenças associadas (renal, hepática, cardíaca, doença celíaca, colagenoses, doenças da tireoide, colelitíase) • Infecções • Neoplasias • História de transfusão • Cirurgia pregressa • História de sangramentos • Medicamentos/substâncias tóxicas • Histórico nutricional • Uso de álcool ou drogas • Histórico familiar de anemia

Normocítica

Anemia secundária à insuficiência renal crônica Infiltração medular Deficiência de ferro leve a moderada

Mielodisplasia (maioria)

Anemia megaloblástica (deficiência de vitamina B12 e/ou ácido fólico) Macrocítica

Anemia secundária à doença hepática Anemia secundária ao hipotireoidismo Relacionada a drogas (zidovudina, hidroxiureia, metotrexato, fenitoína)

Anemia hemolítica com reticulocitose acentuada Relacionada ao abuso de álcool

Anemia - 381

maior que 2,5, muito provavelmente indica hemólise. Quando menor que 2, sugere anemia porhipoproliferação ou por defeito da maturação, os quais podem serdiferen­ ciados pelos índices eritrocitários (em geral, normais em anemia por hipoproliferação) e pelo esfregaço do sangue periférico ou da medula óssea. O cálculo do IPR se baseia nas seguintes fórmulas:

[(Hemoglobina do paciente/15) × Reticulócitos] 2 Ou [(Hematócrito do paciente/40) × Reticulócitos]

2 O esfregaço do sangue periférico é um exame impor­ tante para avaliação de um paciente com anemia, podendo sugerir doenças específicas pela análise morfológica. A presença de hemácias em foice é sinal de doença falciforme ou suas formas variantes. Hemácias em alvo podem suge­ rir talassemia, doença hepática e hemoglobinopatia C. Acantócitos também são observados em insuficiência hepática. Policromasia e granulações basófilas são sinais de hemólise. A existência de microesferócitos é bastante sugestiva de esferocitose hereditária, assim como a de eliptócitos de eliptocitose hereditária. Esquizócitos e cé­ lulas fragmentadas indicam ruptura de hemácias (proces­ so microangiopático), vista em hemólise por próteses valvares ou em coagulação intravascular disseminada.

A paciente entrega ao médico seus exames para interpretação. Hemograma: • • • • • • • • • • • • • • •

Eritrócitos: 5,38 (valorde referência [VR]: 3,8 a 4,8). Hemoglobina: 11,5 (VR: 12 a 15). VCM: 64,4 (VR: 80 a 100fL). HCM: 21,3 (VR: 27 a 32pg). CHCM: 33,1 (VR: 31,5 a 36%). RDW: 15,2% (VR: 11,9 a 15,4%). Plaquetas: 267.000 (VR: 150.000 a 400.000). Leucócitos: 5.530 (VR: 4.500 a 11.000). Segmentados: 2.900 - 52,2% (VR: 1.800 a 7.200). Eosinófilos: 200 - 2,8% (VR: 0 a 500). Basófilos: 40 - 0,8% (VR: 0 a 200). Linfócitos típicos: 2.070 - 37,4% (VR: 1.000 a 4.000). Monócitos: 380 - 6,9% (VR: 0 a 800). IPR: 2,2. Esfregaço do sangue periférico: presença de hemá­ cias microcíticas e hipocrômicas.

De acordo com esse hemograma, podemos afirmar que ela tem uma anemia microcítica, cujos diagnósticos di­ ferenciais principais são anemia ferropriva, anemia de doença crônica e talassemia. Para diferenciá-las, o próxi­ mo passo é avaliara cinética do ferro.

A ferritina é a principal proteína intracelular respon­ sável pela reserva de ferro do organismo, tendo uma re­ lação direta com a quantidade de ferro armazenado.

Valores abaixo da normalidade indicam ferropenia. A ferritina é proteína de fase aguda e, consequentemente, pode estar elevada devido a processos inflamatórios, in­ fecciosos ou traumáticos. A anemia ferropriva é a mais comum das anemias no

mundo e tem como causas principais deficiência de ferro na dieta, aumento da demanda de ferro no organismo (gravidez, por exemplo), perdas sanguíneas crônicas (hi­ permenorreia, sangramento em trato gastrointestinal, he­ matúria) e má absorção intestinal. A deficiência de ferro no adulto, na maioria das vezes, é causada porsangramen­ to crônico. Laboratorialmente, se apresenta como anemia microcítica com valores de ferritina reduzidos (é incomum anemia ferropriva com valores normais ou elevados de fer­

ritina). O exame padrão-ouro para o diagnóstico de anemia ferropriva é o mielograma com determinação do depósito de ferro medular. Outros exames do perfil do ferro, como ferro sérico (diminuído em anemia ferropriva), capacidade total de ligação do ferro (aumentada em anemia ferropriva) e saturação da transferrina (reduzida em anemia ferropri­ va), não são bons parâmetros para distinguir a anemia

ferropriva da anemia de doença crônica.

Ferritina: 59ng/mL (VR: 20 a 200ng/mL). Quando os níveis de ferritina são normais, é necessá­ rio prosseguira investigação. A anemia de doença crôni­ ca normalmente é normocítica, mas pode se apresentar também como microcítica. Encontramos essa anemia associada a doenças crônicas infecciosas, inflamatórias, câncer e doenças hepáticas. Sua patogênese deve-se a

alterações da homeostase do ferro no organismo, decor­ rente da produção de citocinas, que também alteram a proliferação dos precursores eritroides na medula óssea, a produção de EPO e a meia-vida das hemácias. Nesse tipo de anemia, o habitual é que se encontrem os níveis

séricos do ferro reduzidos.

Ferro sérico: 80 μg/mL (VR: 50 a 150 μg/mL).

Na Tabela 63.2, apresenta-se o diagnóstico laboratorial das anemias ferroprivas e da doença crônica. A paciente apresentava dosagem do ferro sérico den­ tro da normalidade. Dessa forma, restam excluir causas

CAPÍTULO 63

tude de distribuição de hemácias (RDW), que representa a variação de tamanho das hemácias em relação ao VCM da amostra, avaliando a heterogeneidade das hemácias em relação ao seu tamanho, normalmente entre 11,5 e 14,5%. Outro ponto importante no diagnóstico diferencial entre anemias é o IPR, que reflete a resposta da medula óssea, com aumento da produção eritroide. Quando o IPR for

CAPÍTULO 63

382 -

Doenças Hematológicas

TABELA 63.2 - Diagnóstico laboratorial das anemias ferroprivas e da doença crônica

ções têm sido descritas em pacientes com beta-talassemia, embora apenas cerca de 20 destas sejam responsáveis por

Anemia da doença crônica

80% dos casos no mundo. Todas essas mutações resultam

Exame

Anemia ferropriva

Ferritina

< 15ng/mL

30-200ng/mL

talassemia) ou em redução da sua síntese (beta+-talasse-

Ferro sérico

< 30μg/dL

< 50μg/dL

mia). Assim, os genótipos possíveis são: ββ (indivíduo

Saturação de transferrina (VR: 30 - 40%)

< 15%

10-20%

normal), β0β0 e β+β+ (homozigotos), β0β+ (duplo he­

Capacidade total de ligação do ferro (VR: 250 - 360μg/dL)

> 360μg/dL

em ausência da síntese de cadeia de globina beta (beta0-

terozigoto), β0β e β+β (heterozigotos). O quadro clíni­ < 300μg/dL

co varia amplamente. A doença apresenta-se sob três

formas clínicas: VR = valor de referência.

• Talassemia major (anemia de Cooley): forma ho­

mozigótica (β0β0) ou duplo heterozigoto (β0β+), de anemia microcítica que cursam com ferritina e dosa­

gem do ferro sérico normais, que são as talassemias, cujo diagnóstico é feito por eletroforese de hemoglobina.

Eletroforese de hemoglobina: • Grupo A ‒ 93,7% (VR: 95 a 98%). • Hemoglobina F ‒ 2,3% (VR: 0,5 a 2%). • Grupo A2 ‒ 4% (VR: 1 a 3,5%).

extremas gravidade e letalidade, anemia intensa,

necessitando de suporte transfusional intensivo para sobrevivência.

• Talassemia minor estado heterozigótico (β0β e β+β),

geralmente assintomático, com anemia discreta. • Talassemia intermédia: forma homozigótica para o gene β+, moderadamente grave. Embora sintomáti­

ca, as transfusões são ocasionalmente necessárias.

Como podemos observar há elevação dos níveis de

A fisiopatologia da talassemia deve-se aos efeitos

hemoglobina fetal (F) e hemoglobina A2, com diminuição

deletérios da excessiva produção das cadeias alfas. Essas

dos níveis de hemoglobina A, compatíveis com um quadro

cadeias são insolúveis e formam corpúsculos de inclusão

de beta-talassemia minor.

tóxicos que destroem os eritroblastos na medula óssea (eritropoiese ineficaz). As hemácias que não são destruí­

das na medula óssea carregam consigo os corpúsculos de

DIAGNÓSTICO FINAL

inclusão, que as tomam suscetíveis aos macrófagos do

Beta-talassemia minor.

a redução ou ausência da cadeia beta diminui a síntese de

baço, resultando em hemólise extravascular.Além disso, hemoglobina, justificando a hipocromia e a microcitose, características de todas as formas clínicas.

DISCUSSÃO

A anemia resultante estimula a liberação de EPO e a hiperplasia eritroide compensatória. A expansão maciça

Talassemias são distúrbios hereditários caracterizados por deficiência na síntese das cadeias de globina, sendo classi­

da medula óssea desordena o crescimento e o desenvol­ vimento, culminando com as clássicas deformidades ós­

ficadas de acordo com o tipo de cadeia globínica deficiente:

seas talassêmicas (proeminência dos maxilares, aumento

beta-talassemia (deficiência na produção de cadeia beta)

da arcada dentária superior com separação dos dentes e

e alfa-talassemia (deficiência na produção de cadeia alfa).

bossa frontal). As reservas metabólicas são utilizadas para

A talassemia é a doença monogênica mais comum na humanidade. É verificada principalmente na população

manter a eritropoiese levando à baixa estatura, inanição,

do Mediterrâneo, do Oriente Médio, das regiões da Índia

mólise é responsável por hepatoesplenomegalia, úlceras

e do Paquistão, e do sudeste asiático.

maleolares e litíase biliar. A hepatoesplenomegalia é

O tipo mais comum de talassemia no Brasil e no

disfunção endócrina e suscetibilidade a infecções. A he­

também explicada pela eritropoiese extramedular.

mundo é a beta-talassemia, que será aqui considerada. A

A eritropoiese ineficaz estimula ainda a absorção de

prevalência do gene beta-talassêmico no Brasil é maior

ferro pelo intestino, provocando hemossiderose (hemo­

nas áreas de colonização italiana (São Paulo e região Sul).

cromatose eritropoiética). As transfusões crônicas promo­

As mutações geralmente afetam a regulação ou ex­

vem sobrecarga de ferro (hemocromatose transfusional)

pressão do gene produtor da cadeia beta, presente no

e provocam disfunção orgânica (insuficiências endócrinas,

cromossomo 11. Aproximadamente 200 diferentes muta­

fibrose hepática e insuficiência cardíaca, principalmente).

Anemia - 383

forma clínica, e de hemólise extravascular: hiperbilirru­

Os pacientes com beta-talassemia intermédia devem ser acompanhados e continuamente avaliados em relação

binemia indireta, aumento da desidrogenase lática, redu­

aos seus sintomas. A terapia quelante de ferro está indi­ cada, pois mesmo sem transfusões regulares há acúmulo

ção da haptoglobina e reticulocitose. O esfregaço do

de ferro. Transfusões regulares são recomendadas se

sangue periférico apresenta anisopoiquilocitose, com

houver deformidades ósseas importantes, aumento pro­

predomínio de hemácias microcíticas e hipocrômicas e

gressivo do baço, úlceras de membros inferiores ou insu­

de hemácias em alvo, e presença de eritroblastos.

ficiência cardíaca. Alguns pacientes podem se beneficiar da esplenectomia, indicada quando houver plaquetopenia

O exame padrão-ouro para o diagnóstico das beta­ -talassemias é a eletroforese de hemoglobina. As hemo­ globinas formadas por outras cadeias não beta estão em

níveis elevados, como a HbA2 (α2δ2) e a HbF (α2γ2).

O tratamento conservador da talassemia major se baseia em: •

Transfusão sanguínea: manteros níveis de hemoglo­ bina superiores a 10g/dL. A hipertransfusão crônica tem efeitos favoráveis sobre o crescimento e a ati­

vidade física, reduz a hiperplasia da medula óssea e, consequentemente, resulta em redução ou ausên­ cia de deformidades ósseas e de esplenomegalia. • Quelação do ferro: utilização de quelantes orais (deferiprona e deferasirox) ou parenteral (desferro­ xamina). A terapêutica quelante deve ser iniciada

cerca de um ano após o início do programa regular de transfusões, quando a ferritina sérica atinge va­

lores acima de 1.000 a 1.500μg/L. • Esplenectomia: as indicações aceitas são plaqueto­

penia e elevado consumo transfusional de sangue (maior que 240mL/kg/ano).

• Apoio psicológico.

O transplante alogênico de medula óssea tem excelen­ tes resultados para a beta-talassemia quando indicado corretamente.

ou sintomas devido à esplenomegalia. Os portadores de beta-talassemia minor, como já des­

crito, são clinicamente assintomáticos e habitualmente não necessitam de tratamento. O aconselhamento genético e a orientação do paciente são fundamentais.

BIBLIOGRAFIA BARROS, E.; STEFANI, S. D. CMricaMédfca- CcrBdtaRqjida 3. ed., São Paulo: Artmed, 2007. BEUTLER, E. et al. WilliaiisHαnárkg'. 7. ed. New Yoik: McGrawHill, 2005. GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. Ceeil: Tr^adodeMedkiralrta ra 23. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. KASPER, D. L. et al. HariscrisPriiTiplescf Iγíuγeí Mαlkire

16. ed. NewYoik: McGraw-HilI, 2006. MCAPHEE, S. J. et al. CuretMβdkáDiagxHsaJ Trceíniert 47. ed., NewYork: McGraw-Hill, 2008. OLIVIERI, N. F. The β-thalassemias. N. Erg. J. Mcd., v. 341, p. 99109, 1999. PRADO, E C.; RAMOS, J.; VALLE, J. R. Atu½açãíTcrípâika 23. ed. São Paulo: Artes Médicas, 2007. TAFFERI, A. Anemia in adults: a contemporaiy approach to diagnosis. MêyoClin Prα., v. 78, p. 1274-1280, 2003. WEISS, G.; GOODNOUGHT, L. Anemia of chronic disease. N. ErjsJ. J. Med., v. 352, p. 1011-23, 2005. YATES, J. et al. Iron deficiency anaemia in general practice: clinicai outcomes overthree yeais and factois influencing diagnostic investigations. Pcstg-al. Mβd. J., v. 80, p. 405-410, 2004.

CAPÍTULO 63

Os achados laboratoriais são de anemia microcítica e hipocrômica, variando na intensidade de acordo com a

___________________________________

CAPÍTULO

Cansaço e Palidez Walter Moisés Tobias Braga • Matheus Vescovi Gonçalves

Paciente do sexo feminino, 52 anos de idade, cozi­ nheira aposentada, casada, natural e residente em São Paulo-SP, dá entrada em um pronto-socorro local com queixa de cansaço fácil, dificultando o desempenho das atividades diárias, com caráter progressivo, há cerca de um mês. Seus familiares a descrevem como pessoa muito ativa, mas que recentemente apresenta episódios de pré-síncope, tontura não rotatória aos esforços e sonolência excessiva, além de estar muito pálida. Re­ fere ainda febre não aferida há cerca de uma semana junto com sintomas gripais, com tosse produtiva e ex­ pectoração esverdeada. Apresenta antecedente mórbido de hipertensão arterial sistêmica, em uso de captopril, 25mg, três vezes por dia, há dez anos. Nega diabetes, dislipidemia ou outros antecedentes. Refere cirurgia de laqueadura tu­ bária há 15 anos. Internação recente há três meses por quadro de hepatite.

Um quadro de cansaço pode ser explicado por diversas situações na prática clínica (Quadro 64.1). Na apresenta­

ção inicial, os pacientes podem usaro termo cansaço para

descrever tanto estados de dispneia, em que se tem a impressão nítida de “fome de ar”, quanto para descrever estados de fadiga ou fraqueza generalizada. Distinguir

entre essas duas entidades nem sempre é fácil, já que

ambas possuem um ponto em comum: pouco oxigênio está chegando aos tecidos. Por outro lado, essas sensações diferentes se explicam porque os mecanismos da baixa

oxigenação tecidual diferem. A sensação de dispneia em geral se refere a uma inca­

pacidade pulmonarde oxigenaro sangue. Tal incapacida­ de pode serporalterações das vias aéreas (como estreita­

mentos por compressão extrínseca ou broncoespasmo), alterações do parênquima pulmonar (pneumonias, absces­

sos, síndrome da angústia respiratória aguda e edema pulmonar), compressão extrínseca dos pulmões (derrames

pleurais), ou alterações da vascularização (tromboembolia pulmonare hipertensão pulmonar). Nesses casos, muitas

vezes a sensação relatada pelo paciente é estimulada pelo acúmulo de CO2 que pode existire também por estímulo

mecânico de receptores pulmonares.

— QUADRO 64.1 - Causas de cansaço

• Origem pulmonar (dispneia) - Obstrução de vias aéreas ■ Tumores do mediastino ■ Tumores endobrônquicos ■ Broncoespasmo ■ Corpo estranho - Compressão pulmonar ■ Derrame pleural ■ Tumores torácicos - Alteração do parênquima pulmonar ■ Pneumonia ■ Edema pulmonar ■ Abscessos pulmonares ■ Síndrome da angustia respiratória (por sepse, TRALI, grandes traumas/queimaduras, membrana hialina no recém-nascido) - Alterações da vascularização pulmonar ■ Tromboembolia pulmonar ■ Hipertensão pulmonar • Síndromes sistêmicas (astenia) - Atividade inflamatória ■ Sepse ■ Doenças autoimunes sistêmicas - Anemia - Cardiopatias ■ Miocardiopatias com ICC ■ Cardiopatias congênitas • Outras - Depressão - Apneia do sono ICC = insuficiência cardíaca congestiva; TRALI = lesão pulmonar aguda rela­ cionada à transfusão.

Cansaço e Palidez - 385

anemia, cardiopatia ou pneumopatia? Estertores crepitan­

uma fraqueza generalizada, que traduziríamos por“indis-

tes, febre e tosse produtiva sugerem pneumonia de base

posição geral”. Nesses casos, geralmente não há problemas

direita. Esta, porém, surgiu depois do quadro inicial de

na capacidade pulmonarde troca de gases, mas há outros

cansaço e deve, na verdade, estar agravando o quadro

fatores que diminuem a capacidade do sangue de trans­

sintomático da paciente, talvez até antecipando sua pro­

portar oxigênio, ou diminuem a capacidade das células

cura de atendimento.

de extraírem este oxigênio. Assim, pacientes anêmicos ou

Sopro sistólico não necessariamente nos induz a pen­

com débito cardíaco muito baixo geralmente referem esse

sarem doenças cardíacas. Na verdade, quadros de anemia

tipo de cansaço. Como os pacientes com insuficiência

grave induzem a aumento da frequência cardíaca, na

cardíaca congestiva (ICC) também podem ter congestão

tentativa de melhorara perfusão e a oxigenação tecidual.

pulmonar, as causas de cansaço se somam. Pacientes com

Isso gera um estado hiperdinâmico em que o sangue

respostas inflamatórias sistêmicas, em que há excesso de

passa com mais velocidade pelas valvas cardíacas, cau­

citocinas circulantes, também podem referir fraqueza.

sando um sopro sistólico ejetivo. Caso se tratasse de um

Outra causa de astenia é a depressão, muitas vezes sub­

quadro de ICC pura, precisaríamos de maioracometimen­

diagnosticada e até menosprezada.

to pulmonar (crepitação em mais áreas) para que o pa­

cipais: oxiemoglobina, carboxiemoglobina, melanina e

ciente seja sintomático, e esperar-se-ia uma pressão arte­ rial mais baixa. É claro que quando há anemia, pneumo­

outros pigmentos (carotenos, bilirrubina, entre outros).

patia e ICC combinadas serão necessárias menores

Porém, uma palidez generalizada e de rápida evolução

amplitudes de disfunção de cada órgão, isoladamente,

deve sempre alertar o médico para um quadro de baixa quantidade de hemoglobina, ou seja, anemia. É importante

para gerarum sintoma maior Além disso, bulhas normo­

ressaltar que anemia não é alteração da quantidade de

ausência de atrito pericárdico.

A corda pele é determinada por quatro fatores prin­

hemácias, mas sim redução da hemoglobina.

fonéticas falam contra tamponamento, assim como a

Assim, o exame físico nos mostra uma paciente anêmi­

Num quadro anêmico, outros sintomas da baixa oxige­

ca com infecção pulmonar concomitante, cujas outras

nação tecidual podem estar presentes, como sensações de

alterações (taquicardia, febre, taquipneia) são consequên­

tonturas não rotatórias, pré-síncope e sonolência excessiva.

cias desta.

Assim, um quadro como o desta paciente deve nos

alertar para um quadro anêmico, que pode ser facilmente reconhecido ao exame físico e com exames laboratoriais simples.

O exame físico mostra regular estado geral, febril, temperatura axilar de 37,9°C, acianótica, anictérica, hipocorada +++/4+, taquipneica, frequência respirató­ ria de 24irpm, frequência cardíaca de 118bpm e pressão arterial de 120 × 80mmHg. Ausculta pulmonar com estertores crepitantes em base direita, ausculta cardíaca com ritmo regularem dois tempos e bulhas normo­ fonéticas, discreto sopro sistólico, o abdome sem visceromegalias e linfonodos não palpáveis.

Nos exames complementares verifica-se imagem de condensação alveolarna base do hemitórax direito. Hemograma: hemoglobina = 6,5; hematócrito = 19; velocidade corpuscular média = 90; hemoglobina cor­ puscular média = 26; amplitude de distribuição de hemácias = 14; leucócitos: 450/mm3 (neutrófilos: 40%; eosinófilos: 1%; linfócitos: 50%; monócitos: 9%); plaquetas: 30.000/mm3. Diante desses dados, opta-se pela internação hospitalar para investigação. Os exames mostraram, então, um quadro de diminui­

ção dos valores das três séries sanguíneas: anemia, leu­ copenia e plaquetopenia. Apesar de a anemia ter sido

diagnosticada pelo exame físico, só poderia se suspeitar

O exame físico revela uma paciente bastante descora­

de leucopenia caso a pneumonia se mostrasse dentro de

da, o que fala a favor do diagnóstico de anemia. Para

um quadro de infecções de repetição; mesmo assim,

falarmos em pacientes descorados, devemos examinaras

poderíamos suporum quadro de imunodeficiência, mas o

mucosas, pois não sofrem influência dos outros pigmen­

tipo de imunodeficiência é sempre difícil de diagnosticar

tos da pele e sua coré derivada da quantidade e saturação

sem investigações adicionais. Aparentemente, essa é a

da hemoglobina. O exame da língua também mostrara um

primeira infecção da paciente. Além disso, há plaqueto­

tom mais pálido, mas a presença da mioglobina muscular

penia, que pode até ser diagnosticada por um quadro de

pode subestimara intensidade da anemia.

púrpura associada, mas este quadro comumente só surge

Entretanto, a paciente mostra sopro e crepitações. Como, então, distinguir qual a causa primária do cansaço:

com valores muito baixos de plaquetometria, em geral abaixo de 10.000 a 20.000/mm3.

CAPÍTULO 64

Por outro lado, o paciente pode referir cansaço como

386 -

Doenças Hematológicas

CAPÍTULO 64

Na investigação de um quadro de pancitopenia, alguns dados precisam ser levados em consideração (Quadro 64.2). É importante diferenciarse a pancitopenia se ex­

plica porum quadro de consumo periférico ou porfalên­ cia na produção medular. O consumo periférico pode ser

verificado em situações de sequestro esplênico, como em

linfomas esplênicos e hipertensão portal, além de fenô­ menos autoimunes, quando há formação de anticorpos

contra eritrócitos, neutrófilos e/ou plaquetas. Já as situa­ ções de falência de produção medular são justificadas pela

substituição do conteúdo medularporfibrose ou porcélu­ las neoplásicas, como em leucemias, linfomas avançados, mieloma e mielodisplasias. Além da substituição medular

tem-se as situações de falência medular com hipoplasia

das células hematopoiéticas, como em deficiências de

vitamina B12 e folato, aplasias de medula e síndromes mielodisplásicas hipoplásicas. Para se fazer essa diferen­ ciação entre consumo periférico e falência de produção

QUADRO 64.2 - Causas de pancitopenia • Consumo periférico - Hiperesplenismo (sequestro esplênico: hipertensão portal, linfoma esplênico) - Doenças autoimunes - Sepse grave com coagulação intravascular disseminada • Falência medular - Idiopática - Anemia de Fanconi - Hemoglobinúria paroxística noturna - Infiltração tumoral (tumores hematológicos e não hematológicos) - Fibrose medular (primária ou secundária) - Infecções ■ Micobactérias ■ Virais (HIV, EBV, parvovírus, hepatites B e C, outros) ■ Leishmaniose - Deficiência de vitamina B12 e folato - Citotoxicidade por drogas ■ Dose-relacionada (quimioterapia) ■ Idiossincrática (colchicina, AINE, sulfonamidas, antitireoidianos, benzeno, arsênio, sais de ouro) - Mielodisplasia (hiper ou hipoplásica)

AINE = anti-inflamatórios não esteroidais; EBV = vírus Epstein-Barr; HIV = vírus da imunodeficiência humana.

medular, dois exames são fundamentais: a contagem de reticulócitos e o estudo da medula óssea (aspirado/biópsia).

Quando há destruição periférica, a medula funciona bem e trabalha no sentido de compensara deficiência

periférica (padrão regenerativo). Há aumento do número de reticulócitos e a medula, caso examinada microscopi­ camente, vai se mostrar hipercelular Entretanto, quando

há funcionamento mim da medula, encontraremos baixa

quantidade de reticulócitos circulantes, refletindo essa

baixa produção celular. Entretanto, não necessariamente a microscopia revelará uma medula pobre. Em muitos casos,

Opta-se pela realização do aspirado (mielograma) e da biópsia de medula óssea. O aspirado foi seco com baixa representação de células hematopoiéticas, de di­ fícil interpretação, porém, não houve evidência de célu­ las anormais em seu conteúdo. Em seguida, faz-se es­ tudo anatomopatológico associado à pesquisa de marcadores imuno-histoquímicos, que evidenciou me­ dula hipocelularcom celularidade de 15%, lipossubsti­ tuída, sem sinais de fibrose e com redução absoluta de células precursoras hematopoiéticas, compatível com o diagnóstico de aplasia medular(Fig. 64.1).

o problema não é a multiplicação das células progenitoras, mas sim seu amadurecimento. Assim, em casos em que

há mutações que levem à displasia da célula-tronco (sín­ drome mielodisplásica), a medula pode estar bastante

povoada, mas não há produção eficaz de células maduras.

DIAGNÓSTICO FINAL Aplasia medular.

Em casos de deficiência de vitamina B12 ou folato, vemos um quadro de medula rica, mas com eritropoiese ineficaz

e, portanto, pancitopenia. Doenças infiltrativas mostram medula rica, mas à custa da doença agressora. Até casos

DISCUSSÃO

de leucemia, em que a medula pode estar abarrotada de

A maioria dos pacientes com aplasia medular procura

células neoplásicas (blastos), podem se manifestar como

atenção médica devido aos sintomas da pancitopenia:

pancitopenia, sem exibir, ao hemograma, aumento dos

sangramentos por plaquetopenia, desde leves sufusões a

leucócitos. Por outro lado, existem situações em que a

hemorragias graves, infecções pela neutropenia intensa

medula pode estar “vazia”.

(< 500/mm3) e anemia, a qual é de início insidioso, sen­

Foi então solicitada a contagem reticulocitária, que re­

do que alguns pacientes toleram baixos níveis de hemo­

sultou em um número absoluto de 15.000/mm3 (considera­

globina sem queixas. Os achados de exame físico refletem

mos reticulocitose quando superior a 110.000/mm3). Dian­

a gravidade da pancitopenia e o paciente pode apresentar

te desse resultado, pôde-se observarum quadro de anemia

desde sutis variações do normal até alterações graves com

com padrão não regenerativo e que, provavelmente, o caso

sangramento e toxemia. A obtenção de uma história clí­

se tratava de algum fator de origem medular, descartando

nica cuidadosa pode revelar exposição a agentes químicos,

as possibilidades de consumo celular periférico.

drogas ou infecções virais.

Cansaço e Palidez - 387

CAPÍTULO 64

Figura 64.1 - Aplasia medular. (A) Medula óssea normal. (B) Medula hipocelular, lipossubstituída.

Os critérios para definição de um caso de anemia aplásica tradicionalmente envolvem:

• Pancitopenia. • Medula óssea hipocelular.

O diagnóstico de aplasia medular deve ser acompanhado da pesquisa de várias entidades nosológicas que, eventual­ mente, cursam com hipoplasia medular, o que pode levar

a uma abordagem terapêutica direcionada. São causas de

aplasia medular que precisam ser investigadas:

• Tecido hematopoiético substituído por tecido gor­ duroso.

• Ausência de infiltrados anormais ou aumento de

reticulina (fibrose).

Todos os critérios acima precisam estar presentes e associados a pelo menos dois dos seguintes: • Hb < 10g/dL. • Plaquetas < 100.000/mm3. • Neutrófilos < 1.500/mm3.

De acordo com a gravidade, a anemia aplásica é clas­ sificada em:

• Anemia de Fanconi e síndrome mielodisplásica hi­ poplásica: estudos de citogenética, como cariótipo clássico, podem evidenciar alteração clonal de uma

síndrome mielodisplásica e pode-se responder com drogas específicas para esta doença; a pesquisa de

instabilidade cromossômica com indutores de que­ bras, como mitomicina e diepoxibutano (deb test), deve serfeita para o diagnóstico de anemia de Fan­ coni (mais comum em crianças). • Hemoglobinúria paroxística noturna: pesquisada pelo teste de Ham e pela pesquisa de clone CD59 e CD55 por citometria de fluxo. A hemoglobinúria paroxística noturna sempre deve ser pesquisada em casos de aplasia medular.É uma associação frequen­

te e subdiagnosticada. • Anemia aplásica não grave: neutrófilos > 500/mm3. • Anemia aplásica grave: celularidade medular < 25%

ou entre 25 e 50%, com menos de 30% de células hematopoiéticas residuais, associada a dois dos três critérios: neutrófilos < 500mm3; plaquetas < 20.000/ mm3; reticulócitos < 20.000/mm3.

• Anemia aplásica muito grave: os mesmos critérios da grave, exceto pela contagem de neutrófilos < 200/mm3.

• Anemia megaloblástica: dosagem de vitamina B12 e folato. • Infecções virais: sorologias para vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, vírus da imunodeficiência humana, parvovírus, hepatites A, B e C. • Gravidez: gonadotrofina coriônica humana beta (beta-hCG) em todas as mulheres (causa bastante

rara de aplasia). • Leucemia de grandes células granulares T: imuno­ fenotipagem (CD3+, CD8+ e CD57+).

De acordo com os critérios descritos, a paciente em questão recebeu o diagnóstico de anemia aplásica muito grave.

Todas essas entidades foram pesquisadas e os resul­

tados foram negativos.

CAPÍTULO 64

388 - Doenças Hematológicas

A patogenia da anemia aplásica não está completa­ mente demonstrada, porém se acredita que alterações no microambiente medulare na própria célula-tronco pode­ riam explicara destruição das células hematopoiéticas na medula. Tem-se verificado, em anemia aplásica, uma re­ lação causal entre o aumento da expressão de linfócitos T supressores e a diminuição das células hematopoiéticas

na medula óssea. Essa teoria é sustentada pelos dados que apontam recuperação medular sustentada em 30 a 80% dos pacientes submetidos à terapia imunossupressora. Os protocolos de abordagem terapêutica para anemia aplásica em pacientes adultos separam os pacientes em dois grupos: os maiores de 40 anos de idade e os menores de 40 anos. Segundo esses protocolos, aprovados pela Socie­

dade Americana de Hematologia e também pela Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, os pacientes com menos de 40 anos, com irmão doador com antígeno leu­ cocitário humano (HLA) compatível, devem ser submetidos ao transplante de medula óssea (TMO) alogênico como tratamento inicial, com sobrevida média em torno de 70% em 15 anos. Já os pacientes com mais de 40 anos de idade

apresentam menor sobrevida quando submetidos ao TMO (< 50% em 15 anos) e para estes a terapia imunossupres­ sora estaria indicada inicialmente, deixando o TMO reser­ vado como último recurso terapêutico. A terapia imunossupressora baseia-se em ciclosporina (CsA), 5mg/kg/dia, por seis meses, associada à imuno­

globulina antitimócito, de cavalo ou coelho (ATGAM® e

Thymoglobulin®, respectivamente). O tempo de resposta esperada é de quatro a seis meses e, na ausência de res­

posta medular pode-se repetira globulina antitimócito e CsA, antes de se sugerir o TMO.

A paciente é submetida ao tratamento imunossu­ pressor,já que tinha 52 anos. Realizado tratamento com CsA e globulina antitimócito de coelho; após quatro meses não foi observada resposta, sendo repetida a globulina antitimócito sem resposta satisfatória. Opta­ -se, então, pelo TMO alogênico com doador irmão HLA idêntico após seis meses do início do quadro. A pacien­ te evolui com enxertia medularem 21 dias do TMO, recebendo alta no trigésimo dia. Mantém acompanha­ mento ambulatorial regular sem mais intercorrências.

BIBLIOGRAFIA BACIGALUPO, A. Aplastic anemia: pathogenesis and treatment. He nicfckg' (Am. Sα. Hαnétri Edix. Prçg-an), p. 23-28, 2007.

MARSH, J. Making theiapeutic decisions in adults with aplastic anemia. Hen^dcg' (Am. Sα. Hαncíri Edix. Prcyan), p. 78-85, 2006. PITA, M. T. et al. Tratamento da anemia aplástica. PrçjetoDiretrizes AMB/CFM/SBHH, 2001, p. 01-09. SUGIMORI, C. et al. Minorpopulations of CD55-CD59-blood cells predict response to immunosuppressive therapy and prognosis in patients with aplastic anemia. Blcrd. v. 107, p. 1308-1314, 2005.

___________________________________

CAPÍTULO

65

Manchas na Pele Matheus Vescovi Gonçalves • Walter Moisés Tobias Braga

Uma jovem de 18 anos de idade, previamente hígi­ da, operadora de telemarketing, comparece ao pronto atendimento queixando-se de surgimento de manchas arroxeadas pelo corpo, ora espontaneamente, ora com traumas de leve intensidade, há cerca de dez dias. Além disso, refere que várias “pintinhas” vermelhas haviam aparecido nos membros inferiores. As lesões são indo­ lores, não pruriginosas e não descamam. Nega febre, emagrecimento e dor, mas também se queixa de que há duas semanas vinha apresentando sangramento gengi­ val, inicialmente apenas ao usar fio dental e depois ao escovaros dentes normalmente.

O surgimento de manchas na pele pode representar um pro­ blema dermatológico puro ou a manifestação de um processo

sistêmico. Quando a manifestação é puramente tegumen­ tar, o paciente pode procurar ajuda por alterações apenas de cunho estético, como um hemangioma, ou por causa de sintomas desconfortáveis, como prurido. Por outro lado, lesões podem representar processos generalizados, como no surgimento de acantose nigricans, em que pode

representar lesão maligna oculta. Assim, é fundamental

diante de uma queixa dermatológica identificarmos se o paciente apresenta repercussões sistêmicas ou outros sinais e sintomas associados.

As alterações de cor ocorrem sem alteração da pele

ou da sua textura, sendo chamadas de máculas ou manchas.

Quatro elementos determinam a corda pele normal: me­ lanina; outros pigmentos (como carotenos e outros); concentração sanguínea de oxiemoglobina; e concentração

sanguínea de carboxiemoglobina. Assim, combinações diferentes desses elementos darão diferentes cores de pele e de lesões, que podem ser divididas em máculas pigmen­

tares (alteração dos pigmentos) e vasculossanguíneas (alteração da oxigenação do sangue ou depósito de he­

moglobina na pele), conforme visto no Quadro 65.1.

Ao exame, a paciente apresenta bom estado geral, acianótica e anictérica, sem febre, sem sinais de emagre­ cimento, sem edemas, sem alterações à oroscopia, sem gânglios e sem visceromegalias. Ao exame dermatoló­ gico exibe fâneros normais, porém, dois tipos de lesão tegumentar.Há lesões de cerca de 1mm, puntiformes e vermelhas, múltiplas e de localização preferencial nos membros inferiores e que não desaparecem à digitopres­ são: as petéquias. Além dessas lesões maiores, entre 2 e 3cm, arroxeadas e com algumas áreas esverdeadas e até amareladas nos membros superiores e inferiores, que também não desaparecem à digitopressão: equimoses em diversas fases de evolução (Fig. 65.1).

As lesões de pele podem se dividirem seis tipos de

lesões elementares:

A existência de manchas que não desaparecem à digi­

topressão e possuem como característica a deposição de • Alterações de cor.

hemoglobina na pele caracteriza um quadro de púrpura.

• Elevações edematosas.

A púrpura pode ser causada por entidades muito variáveis

• Formações sólidas.

e fisiopatologicamente pode representar um distúrbio

• Coleções líquidas.

plaquetário, da cascata de coagulação, ou da integridade

• Alterações de espessura.

vascular (por exemplo, vasculites inflamatórias e infec­

• Perdas de tecido e reparações.

ciosas) (Quadro 65.2). Ainda, as púrpuras podem ser

CAPÍTULO 65

390 - Doenças Hematológicas

QUADRO 65.2 - Classificação e causas de púrpura

• Máculas vasculossanguíneas - Eritema: é vermelho, causado por vasodilatação e, portanto, desaparece à digitopressão ■ Exantema: eritema disseminado. Divide-se em • Morbiliforme (rubeoliforme): pele normal entremeando as manchas • Escarlatiniforme: máculas confluem, sem pele normal aparente entre elas ■ Enantema: exantema das mucosas ■ Cianose: eritema arroxeado por aumento de carboxiemoglobina ■ Rubor: eritema vermelho-vivo por aumento de oxiemoglobina ■ Eritema figurado: bordas bem definidas e até elevadas, formas variáveis ■ Eritrodermia: eritema crônico com descamação ■ Mancha angiomatosa: mancha estrutural, causada por aumento dos capilares locais ■ Mancha anêmica: mancha branca por redução do número de capilares locais - Púrpura: mancha causada por extravasamento de sangue, que não desaparece à digitopressão. Sua cor varia de acordo com a decomposição de hemoglobina: arroxeado-verde-amarelada ■ Petéquias: lesões puntiformes ■ Equimoses: púrpuras maiores, geralmente acima de 1cm ■ Víbices: púrpuras lineares, em geral acompanhadas de rupturas de fibras da derme. Após reabsorção da hemoglobina resulta em atrofia branca linear • Manchas pigmentares (discrômicas) - Leucodérmicas: redução da melanina - Acrômicas: ausência de melanina - Hipocrômicas: redução de melanina - Hiperpigmentares: aumento de melanina ou outros pigmentos, podendo ser localizadas ou difusas. Exemplos: icterícia, carotenodermia

• Quanto à apresentação - Púrpura palpável ■ Vasculite leucocitoclástica: vasculite necrosante de pequenos vasos acompanhada de sintomas sistêmicos. Geralmente induzida por ♦ Drogas (AINE, fenotiazidas) ♦ Infecções: meningococo, hepatites ♦ Crioglobulinemia, criofibrinogenemia ■ Colagenoses ♦ Lúpus eritematoso sistêmico ♦ Sjögren ♦ Artrite reumatoide ♦ Poliarterite nodosa ♦ Wegener, Churg-Strauss ■ Neoplasias: mieloma múltiplo, leucemia ■ Drogas: aspirina, AINE, warfarina - Púrpura não palpável ■ Trauma ■ Senilidade (púrpura senil) ■ Estase venosa ■ Escorbuto ■ Alterações da coagulação ♦ Trombocitopenias ♦ Tromboastenias ♦ Coagulopatias * • Quanto à fisiopatologia - Perda da integridade vascular ■ Trauma ■ Infecção ■ Henoch-Schönlein ■ Drogas ■ Escorbuto ■ Síndrome de Ehlers-Danlos, histiocitose de Langerhans, telangiectasia hereditária (síndrome de Osler-Weber-Rendu) - Trombocitopenia ■ Destruição aumentada das plaquetas (PTI, PTT, CIVD, outras) ■ Produção diminuída (infecção, aplasia medular) ■ Sequestro plaquetário (hiperesplenismo, grandes ** hemangiomas) - Alterações da função plaquetária ■ Tromboastenia de Glanzmann ■ Bernard-Soulier (síndrome das plaquetas gigantes) ■ Uremia, aspirina - Coagulopatias *: hemofilias, doença de von Willebrand, insuficiência hepática, deficiência de vitamina K

* Geralmente, as coagulopatias ‒ problemas na cascata de coagulação ‒ cur­ sam com hematomas mais do que com quadro purpúrico.

** Causa rara de sangramento ou púrpura.

AINE = anti-inflamatórios não esteroidais; CIVD = coagulação intravascular disseminada; PTI = púrpura trombocitopênica imune; PTT = púrpura trom­ bocitopênica trombótica.

Figura 65.1 - Pequenas equimoses e petéquias nos membros superiores, que não desapareciam à digito­ pressão.

mas inflamatórios sistêmicos como febre, emagrecimento

ou alteração do estado geral falava contra doença sistêmica. Por outro lado, também não era uma lesão primária de pele, por não apresentar história de traumas maiores,

classificadas como palpáveis ou não palpáveis. Na maioria

exposição solar fora do habitual ou uso de esteroides.

das vezes, serão não palpáveis, planas. A púrpura é palpá­

A ausência de sinais inflamatórios associados a quadro

vel quando existe edema associado, o que geralmente ocorre quando há infiltrado inflamatório na parede vascu­

de púrpura não palpável diminui a chance de ser quadro

lar, por isso também chamada de púrpura vascular.

púrpura não palpável sem sintomas sistêmicos nos faz

No caso da paciente, o exame físico mostrava apenas

lesões purpúricas não palpáveis e a falta de outros sinto­

inflamatório sistêmico (como uma colagenose). Na verdade, pensar fortemente em distúrbio plaquetário, que deve ser

investigado com exames laboratoriais.

978-85-4120-074-5

QUADRO 65.1 - Tipos de manchas de pele

Manchas na Pele - 391

Os exames de entrada mostram uma paciente com pla­ quetopenia significativa; sem outras alterações. Entretanto,

978 85 4120 074

5

muitas considerações podem ser feitas. Ao mostrar função renal normal, já afastamos uremia como causa de disfunção plaquetária. As outras síndromes de disfunção plaquetária (Glanzmann, por exemplo) são congênitas e, portanto, deveriam se manifestar desde o nascimento, o que não é

o caso. Além disso, tendem à contagem plaquetária pró­ xima da normalidade. Como a cascata da coagulação também está normal (RNI e TTPa) o foco recai sobre o

valor quantitativo das plaquetas como causa da púrpura. Diversas situações podem causar queda na contagem plaquetária, conforme detalhado no Quadro 65.3. Os principais mecanismos incluem destruição periférica, se­ questro periférico e redução na produção. Clinicamente, as trombocitopenias se manifestam com sangramento de mucosa (conjuntivas, gengivas, eventual­

mente intestino e metrorragia) e púrpura não palpável. Sangramentos espontâneos só são vistos em contagens muito baixas, como inferiores a 10.000 a 20.000/mm3,

QUADRO 65.3 - Causas de plaquetopenia • Destruição aumentada - Imunomediada ■ Trombocitopenia aloimune neonatal ■ Trombocitopenia materna autoimune ■ Púrpura trombocitopênica imune ■ Doenças autoimunes-colagenoses ■ Trombocitopenia induzida por drogas - Infecção - Síndrome hemolítico-urêmica - Púrpura trombocitopênica trombótica - Coagulação intravascular disseminada - Síndrome de Wiskott-Aldrich • Produção diminuída - Infecção - Aplasia medular/mielossupressão - Anemia megaloblástica • Sequestro plaquetário - Hiperesplenismo - Grandes hemangiomas • Pseudoplaquetopenia - Induzida por ácido etilenodiaminotetracético (EDTA): plaquetopenia desaparece quando o exame é colhido em tubo com citrato) - Satelitismo plaquetário (visto ao microscópio)

com contagens muito baixas (< 5.000/mm3) ou quando

há disfunção plaquetária.

apesar de pacientes com disfunção plaquetária associada (uremia, uso de aspirina) poderem sangrar com contagens

(1:1.000 nascimentos), causada pela sensibilização da mãe

mais altas. Sangramentos do sistema nervoso central são

por antígenos fetais plaquetários adquiridos do pai. O

consequências graves, mas raras e em geral só acontecem

quadro clínico é grave, com 10% de mortalidade e 20% de

A trombocitopenia imune neonatal é condição rara

sequelas neurológicas por sangramento intracraniano. O

tratamento é complexo e deve começar in utero, com cor­ TABELA 65.1 - Resultados dos exames laboratoriais de entrada Valor de referência

docenteses profiláticas para tentar antecipar a trombocito­ penia naqueles casos com história de parto anterior com

Exame

Resultado

Hemoglobina (g/dL)

13,2

12-15,5

trombocitopenia neonatal. Em geral, envolve imunoglobu­

Leucócitos totais

6.520

4.000- 10.500

lina, corticoides e transfusão de plaquetas. Após o nasci­ mento, geralmente a contagem plaquetária sobe de modo

Diferencial (%) Bastões Segmentados Eosinófilos Basófilos Linfócitos Monócitos

1 57 1 0 36 5

Plaquetas

8.000

RNI

1,01

rápido. Obviamente, esse não é o caso da nossa paciente.

A paciente também não estava usando qualquer me­

dicação. Diversas medicações podem induzirtrombocito­

penia e o mecanismo inclui a produção de anticorpos 150.000-450.000

< 1,25

antiplaquetários. As principais drogas estão no Quadro

65.4. O tratamento inclui a retirada da droga e a transfu­ são de plaquetas nos casos mais graves.

TTPa (s)

36

49% ou hematimetria >5,7 milhões/mm3 para homens (e 16, 45% e 5,1 milhões/mm3 para mulheres, respectivamente).

A policitemia relativa é encontrada em nosso meio espe­ cialmente em pacientes que têm Ht normal, mas se en­ contram desidratados. Já a policitemia absoluta ocorre

quando o aumento na massa eritrocitária é real. A polici­ temia deve ser sempre investigada a despeito de sua causa, pois pequenos aumentos do Ht já podem aumentar a viscosidade sanguínea. O impacto da viscosidade se dá

no fluxo sanguíneo e na oxigenação tecidual. A viscosi­ dade sanguínea depende do número e da flexibilidade das hemácias e da viscosidade do próprio plasma. Quando o Ht aumenta além de 55%, há aumento exponencial da viscosidade sanguínea, especialmente nos capilares e nas vênulas, reduzindo o fluxo e a oxigenação. A policitemia real ou absoluta pode ser causada por um problema intrínseco da medula óssea que leva à pro­ dução exagerada de hemácias, independentemente da necessidade corporal, ou pode ser provocada por fatores

extrínsecos à medula óssea. Dessa forma, para darmos o

diagnóstico, precisamos investigar todas essas causas. As principais estão listadas no Quadro 66.1. É interessante

iniciara investigação buscando as causas mais comuns,

as causas mais graves (que podem pôrem risco a vida do doente) e aquelas reversíveis.

Ao se iniciara entrevista médica, o paciente relata ter notado que sua panturrilha esquerda estava com volume aumentado ao despertar. Não refere qualquer queixa de dispneia ao repouso, mas apenas aos grandes esforços. Nega também outros sintomas agudos, mas no interrogatório complementar diz que perdeu 2kg nos últimos três meses, sem causa aparente. Ex-tabagista de 25 anos-maço, tendo abandonado o vício há cinco anos. Além disso, é hipertenso em uso de captopril, 25mg, a cada 8h, e hidroclorotiazida, 25mg, pela manhã. Aumento assimétrico de membros pode representar

diversas entidades diferentes e que, inclusive, podem se associar. Basicamente, podemos dividiras causas em

processos expansivos locais ou edemas. Processos expan­ sivos incluem traumas locais, tumores (osteossarcoma,

QUADRO 65.1 - Causas de policitemia primária e secundária • Primária - Policitemia vera - Policitemia familiar • Secundária - Policitemia hipóxica ■ Altitudes elevadas ■ Cardiopatias congênitas cianóticas ■ Doença pulmonar intersticial ■ Doença pulmonar obstrutiva crônica ■ Síndrome de Pickwick - Hemoglobinas de baixa afinidade ao oxigênio - Meta-hemoglobinemias

Policitemia - 395

vezes, a TVP/TEP passa despercebida em pacientes cri­ ticamente enfermos. Pacientes com pneumonia grave,

(infecciosas como artrite séptica bacteriana, ou inflama­

síndrome da angústia respiratória aguda, imobilizados no

tórias como gota e artrite reumatoide). Essas causas locais

leito, anasarcados pela ressuscitação volêmica podem

costumam provocar aumento local, relativamente bem

apresentar TVP/TEP, que são encaradas como evolução

delimitado e acompanhado de sinais flogísticos e/ou dor.

do quadro clínico infeccioso e não como um evento novo.

Já edemas mais difusos e sem tantas características infla­

matórias são características de obstruções à circulação de

sangue ou linfa, ou ambos. Entre as causas mais comuns estão trombose venosa profunda (TVP), filariose e res­ secção ganglionar na raiz do membro. Como dito ante­

riormente, esses fatores podem vir associados, como no caso mais clássico de um tumor com trombose.

Ao exame físico de entrada, apresenta-se em bom estado geral, hidratado, hipercorado com fácies ple­ tórica, acianótico, afebril e anictérico, sem gânglios palpáveis. Avaliação cardiovascular normal. Propedêu­ tica pulmonar não mostra alterações dignas de nota e a saturação de oxigênio é de 95%. Ao exame abdominal, chama atenção o espaço de Traube submaciço à per­ cussão. A perna esquerda apresenta edema ++/4+ até o joelho, panturrilha empastada e dolorida à flexão do pé. Perna direita sem alterações.

Opta-se pela realização de ultrassonografia com Doppler dos membros inferiores, que confirma o diag­ nóstico de trombose. O paciente começa a seranticoa­ gulado com enoxaparina, 1mg/kg, a cada 12h. Além disso, introduz-se warfarina sódica. Os exames labora­ toriais iniciais mostram: hemoglobinas de 19,5mg/mL; leucócitos: 13.500/mm3 com 80% de neutrófilos e 600.000 plaquetas. Creatinina, ureia, sódio, potássio, enzimas hepáticas e bilirrubinas normais. Conforme discutido anteriormente, a TVP não surge de maneira isolada, mas é precipitada por um ou mais fatores e todo paciente deve ser investigado em busca

desses fatores, em especial neoplasias. Alguns dados

chamam atenção no quadro: ex-tabagista, emagrecimento,

hipercorado, pletora facial e Traube ocupado, sugerindo

esplenomegalia. Além disso, apresentava pancitose, ou seja, aumento de todas as séries no hemograma. Leuco­

A fácies pletórica mostra vermelhidão, mais comum

citose e plaquetose até podem ser esperadas em quadros

no nariz e nas bochechas, representando aumento na

de estresse orgânico agudo; no entanto, aumento da he­

circulação local. Pode ter causas temporárias de vasodi­

moglobina não é achado rotineiro.

latação periférica, como gravidez, etilismo, psicogênica

Uma das causas mais comuns da policitemia é a hi­

(vergonha, culpa) e até rashes, mas uma vermelhidão fixa

póxia. Classicamente, portadores de doença pulmonar

geralmente significa aumento real da massa total de he­

obstrutiva crônica (DPOC), ou outras doenças pulmonares

mácias circulantes. Nesse caso, é comum encontrarmos

crônicas, são submetidos à hipoxemia crônica. A hipoxe­

também hiperemia conjuntival associada.

mia induz o rim a produzir mais eritropoietina (EPO) e

Como dito antes, edema assimétrico difuso de membros,

esta estimula a medula óssea a produzir mais eritrócitos.

superiores ou inferiores, faz pensarem algum fatorobstru­

Dessa forma, faz-se mister diante de um paciente com

tivo local à circulação de sangue ou linfa, ou ambos.

Nossa preocupação no momento é a seguinte: será que

policitemia, investigar se esta pode ser causada pela hi­ póxia: prova de função pulmonare gasometria arterial são

esse paciente tem trombose venosa profunda?

necessárias. DPOC leve e saturação de oxigênio acima de

A formação do trombo não surge isoladamente, mas

depende de uma série de fatores, resumidos na tríade de

92% não devem ser consideradas, a princípio, como cau­

sas da policitemia.

Virchow: lesão vascular, estase sanguínea e hipercoagu­

Pessoas que moram em regiões de elevada altitude são

labilidade. Cada um desses fatores tem diversas causas

submetidas a baixas tensões de oxigênio atmosférico e

diferentes, de forma que vários fatores de risco podem

essa hipóxia também estimula aumento da produção de

ser listados: idade avançada (principalmente acima de 60

EPO e consequente policitemia. O mesmo raciocínio vale

anos), imobilismo, obesidade, tratamento hormonal com

para hemoglobinopatias de baixa afinidade pelo oxigênio.

estrógenos, traumas ou grandes cirurgias, neoplasias,

A meta-hemoglobinemia se refere à hemoglobina cujo

fatores genéticos raciais (por exemplo: afrodescendentes

átomo de ferro é oxidado de ferroso para férrico. Com

têm maior risco de trombose que os caucasianos) e fato­

isso, a hemoglobina fica com maior afinidade pelo oxigênio,

res genéticos individuais (por exemplo, fatorV de Leiden).

tendo menor liberação tecidual deste e, consequentemente,

A TVP é doença relacionada a maior mortalidade, che­

gando a 6 a 10% em um mês se associada a tromboem­

provocando hipóxia tecidual. As principais drogas que cau­ sam meta-hemoglobinemia são fenacetina, paracetamol,

bolia pulmonar (TEP). Mais preocupante é que, muitas

nitroprussiato, anestésicos locais, sulfonamidas. Por fim,

CAPÍTULO 66

sarcomas), infecções (abscessos, osteomielite, eumiceto­ ses) e outras condições como cisto de Backere artrites

CAPÍTULO 66

396 -

Doenças Hematológicas

causas mais raras de policitemia incluem tumores produ­ tores de EPO (especialmente tumores renais e hepáticos) e as policitemias familiares.

nemia devido à basofilia (lembrar que todas as séries estarão aumentadas).

Ao exame físico podemos notar pletora facial, esple­

nomegalia (70% das vezes, causada por congestão pelo excesso de sangue), hepatomegalia, ingurgitamento dos

vasos da retina, que podem até apresentar sangramentos, e eritrocianose de extremidades. Esses pacientes podem

sofrer de sangramentos gastrointestinais frequentes e ocultos. Nesses casos, a ferropenia resultante pode redu­

zir o hematócrito, trazendo-o para a faixa normal, mas

com microcitose. Deve-se tratara úlcera, mas não suple­ mentar ferro. O paciente ainda pode apresentar hiperuri­

Até agora, temos um paciente policitêmico (Hb >18,5,

cemia e pseudo-hipercalemia. “Pseudo” porque, na ver­

com pletora facial) e com trombose venosa que apresenta esplenomegalia ao exame físico e à ultrassonografia. Es­

dade, como há muitas células no tubo de sangue colhido para exame, o potássio liberado com o tempo de espera

plenomegalia é um sinal encontrado em um sem número de situações clínicas. Às vezes, um processo expansivo

na bancada do laboratório pode falsear o resultado. Entretanto, as maiores complicações da policitemia

iniciado no próprio baço pode ser sua causa (por exemplo, linfoma). Entretanto, muitas vezes ele será “vítima” de um

vera são os eventos trombóticos, como aconteceu com

processo sistêmico: hipertensão portal causando congestão, infiltração por neoplasias ou doenças de depósito, infec­ ções, entre outras. Uma terceira causa de que lembramos

nosso paciente, provavelmente justificados por hipervis­

cosidade e trombocitose. E esta pode ser arterial ou ve­ nosa, com quadros de acidente vascular cerebral, infarto agudo do miocárdio e TVP. Para o paciente, que é hiper­

pouco é o aumento reacional do baço a situações de ane­

tenso e tabagista, esses riscos são ainda maiores.

mia intensa, fazendo hematopoiese extramedular, como se o organismo estivesse reativando a função fetal de hemato­

Mas como fechar o diagnóstico? Até pouco tempo atrás, o diagnóstico era feito por critérios laboratoriais e

poiese que o baço possuía (por exemplo, em mielofibrose).

clínicos. Entretanto, uma importante descoberta mudou a

No paciente em questão, não parece que a policitemia

maneira como podemos diagnosticara policitemia vera.

seja secundária (gasometria, espirometria e EPO normais).

O receptor de EPO é ligado a uma proteína quinase de

A policitemia vera é uma doença clonal da célula-tronco

uma família conhecida como janus. Essa janus quinase é

hematopoiética, mas que tem diferenciação preferencial

ativada quando a EPO se liga ao seu receptor na célula

em hemácias independentemente da presença de EPO.

hematopoiética. Uma vez ativada, envia sinais ao núcleo

Esse conceito é fundamental para a compreensão da

celular, induzindo à multiplicação e diferenciação da

doença. Sendo uma doença de células-tronco, afeta todas

célula. Cerca de 95% dos pacientes com policitemia vera

as linhagens e não só a série vermelha. Assim, também

possuem mutação no gene que codifica essa quinase, de

haverá aumento de glóbulos brancos e de plaquetas. Os valores de plaquetas podem ser, inclusive, acima de 1.000.000/mm3 e confundem o diagnóstico com trombo­

maneira que ela se encontra constitucionalmente ativada.

citemia essencial. Além disso, sendo doença clonal, tem

propostos para o diagnóstico de policitemia vera pela

a capacidade de se perpetuare tendência a ocupar todo o

Organização Mundial da Saúde estão no Quadro 66.2. O

espaço da medula óssea, até todas as células precursoras

diagnóstico é feito com a presença dos dois critérios

serem derivadas do clone neoplásico.

maiores ou com um critério maior e dois menores.

A mutação mais comum é chamada JAK2V617F, mas há outras mutações da de JAK2. Os critérios atualmente

Sem qualquer intervenção externa, a tendência da

Hoje em dia, o número de plaquetas e de leucócitos e

doença é só aumentar o número de células e, portanto,

o tamanho do baço não são mais critérios diagnósticos

aumentar progressivamente a viscosidade sanguínea. Esta é a principal responsável pelos sintomas mais frequentes

como o foram por muitos anos. Vale ressaltar também que, antes da descoberta do JAK2 mutado, era fundamental

da doença: tonturas, cefaleia, alterações visuais e pares­

excluir causas secundárias, ou seja, se o paciente fosse

tesias. Fraqueza e perda ponderal podem ocorrer O au­

hipoxêmico crônico, o diagnóstico de policitemia vera na

mento da volemia também pode causar hipertensão e

presença de poliglobulia se tomava mais difícil. Será que

sobrecarga cardíaca. Um achado relativamente frequente

um paciente com DPOC grave não poderia ter também

é o prurido quando o paciente toma banho quente, cha­

policitemia vera? Com os critérios atuais propostos por

mado de prurido aquagênico, causado pela hiper-histami-

Tefferi e Vardiman, tal diferenciação fica mais fácil.

978-85-4120-074-5

Com objetivo de avaliar hipóxia e doenças pulmo­ nares como causa de policitemia, realizam-se radiogra­ fia de tórax, gasometria arterial e espirometria, as quais mostram resultados normais. A dosagem de EPO tem resultado normal, o que afasta tumores produtores de EPO, como tumores renais. A ultrassonografia de abdo­ me também está normal, exceto por esplenomegalia moderada e homogênea.

Policitemia - 397

QUADRO 65.2 - Critérios para diagnóstico de policitemia vera

978-85-4120-074-5

• Critérios menores 1) Proliferação das três linhagens na biópsia de medula óssea 2) Níveis baixos de eritropoietina 3) Positividade do ensaio de crescimento de colônias de eritrócitos

com objetivo de reduziro hematócrito para menos de 45,

em homens e 42, em mulheres. A flebotomia reduz os

sintomas da hiperviscosidade e melhora a qualidade de

vida do paciente, embora dados sobre redução na inci­ dência de trombose ao se mantero hematócrito nos níveis recomendados ainda não sejam claros. A eficácia do AAS foi comprovada em um estudo europeu de 2005 (ECLAP ‒ European Collaboration on Low-dose Aspirin in Polycythemia), em que se observou redução estatis­

ticamente significante na mortalidade geral e cardiovascular

em 46 e 59%, respectivamente. Pacientes com sangramen­ Opta-se pela pesquisa de mutação JAK2, bem como pela biópsia de medula óssea. Ambas confirmam poli­ citemia vera. Como já tinha EPO baixa, o paciente tem agora dois critérios maiores e dois menores. Assim, não foi realizado o ensaio de crescimento de eritrócitos que, em termos simples, é uma cultura in vitrode eritroblas­ tos para verse proliferam sem a EPO.

to digestivo não representam contraindicação eterna

ao AAS, mas sim indicação ao uso concomitante de ini­ bidores de bomba de prótons.

Pacientes com alto risco e aqueles que necessitam de flebotomias com grande frequência devem receber terapia mielossupressora. A principal droga usada é a hidroxiureia

(HU), em dose inicial de 15 a 20mg/kg/dia e com objetivo de reduziro hematócrito para menos de 45%. Há importan­

DIAGNÓSTICO FINAL

te redução do risco de trombose e dos sintomas. O me­

Policitemia vera.

sanguínea pela redução do hematócrito, provavelmente

canismo de ação, além da redução direta da viscosidade envolva mudanças qualitativas dos leucócitos, redução da

expressão de moléculas de adesão endoteliais e aumento

DISCUSSÃO

da produção de óxido nítrico. O principal efeito colate­

O tratamento da policitemia vera abrange duas interven­

ral da HU é a neutropenia e o ideal é não reduzir os leu­ cócitos para menos de 3.000/mm3. Portanto, o paciente deve

ções principais: prevenção da trombose e redução do

ser acompanhado com hemogramas periódicos, conforme

hematócrito. Infelizmente, ainda não há tratamento cura­

a necessidade. Outras drogas mielossupressoras são o

tivo, mas com essas medidas já aumentamos significati­

bussulfano e o fósforo radioativo mas, por seu potencial

vamente a sobrevida desses pacientes (de cerca de 1,5 a

leucemogênico, são usados mais em pacientes acima de

2 anos para mais de 10 a 15 anos), além de reduzira mor­

75 anos de idade com baixa tolerância à hidroxiureia.

Outra questão é o controverso efeito leucemogênico

bidade, principalmente no que diz respeito às complicações trombóticas arteriais e venosas. Para iniciarmos o trata­

da HU. Apesarde não ser confirmado quando usada como

mento, devemos antes estratificar o paciente conforme o

única terapia, parece que a HU aumenta o risco de leu­

seu risco de apresentar trombose. Essa estratificação é

cemia aguda em pacientes que já utilizaram algum outro

simples, conforme a Tabela 66.1.

agente quimioterápico no passado. Assim, em pacientes jovens, com menos de 40 anos de idade, pode-se consi­

deraro uso do interferon-alfa, pois também tem atividade TABELA 66.1 - Estratificação de risco para trombose em policitemia vera

mielossupressora. Seu maior inconveniente, além do

preço e de ser parenteral, são os efeitos colaterais gripais em quase todos os pacientes, além de cronicamente poder

Categoria de risco

Idade > 60 anos ou história de trombose

Fatores de risco cardiovascular*

Baixo

Não

Não

a melhor opção se a paciente tiver alto risco de trombose

Intermediário

Não

Sim

ou já tiver tido complicações em gestações anteriores,

Alto

Sim

Sim ou não

uma vez que há possível efeito teratogênico da hidroxiureia;

* Fatores: tabagismo, insuficiência cardíaca congestiva, diabetes mellitus, hipertensão e hipercolesterolemia.

causar mialgia e astenia. Entretanto, em grávidas, essa é

para grávidas de alto risco, introduzir também profilaxia de trombose com AAS e heparina e manter hematócrito

CAPÍTULO 66

• Critérios maiores 1) Hemoglobina > 18,5g/dL (homens) ou 16,5g/dL (mulheres) ou Hematócrito > percentil 99 para referencial local de altitude, idade e sexo ou Hemoglobina > 17 (homens) ou 15 (mulheres) se associada com aumento mantido de 2g/dL que não pode ser atribuído à reposição de ferro ou Aumento da massa de hemácias acima de 25% do valor de referência 2) Presença da mutação da JAK2

Os pacientes com risco baixo ou intermediário devem ser tratados com baixas doses de ácido acetilsalicílico (AAS) (aspirina), 100mg por dia, além de flebotomias

CAPÍTULO 66

398 - Doenças Hematológicas

abaixo de 45%. Paia grávidas de baixo risco, são reco­ mendados AAS, hematócrito inferior a 45% e heparina, mas agora apenas nas seis semanas pós-parto. A Figura

66.1 resume a estratégia terapêutica.

O paciente enquadra-se no grupo de alto risco, sendo então tratado com flebotomias, HU e AAS (100mg/dia), obtendo bom controle da doença e não apresentando mais episódios de TVP por oito anos, quando mudou de Estado e perdeu seguimento. Três anos depois, agora já com 11 anos de doença e 67 anos de idade, retoma ao pronto-socorro do serviço onde fez o diagnóstico de policitemia vera com queixa de astenia significativa há uma semana, epistaxe e febre há três dias. Ao exame físico de entrada apresenta frequência cardíaca de 125bpm, frequência respiratória de 32ipm, saturação de O2 de 92%, estertores crepitantes na base direita. A radiografia mostra infiltrado na base direita compatível com pneumonia. O hemograma mostra hemoglobina: 12; plaquetas: 30.000; e leucograma: 54.000, sendo 15% de blastos. Um mielograma demons­ trou 38% de blastos mieloides, caracterizando leucemia

mieloide aguda (LMA), o que foi confirmado pela ci­ tometria de fluxo. Colhido cariótipo dessa medula doente, que se mostrou complexo, com várias translo­ cações, além de marcadores (ou seja, pedaços de cromossomos que não se consegue identificar de qual parfaziam parte). Iniciadas terapêutica antimicrobiana com cefepima, 2g a cada 8h e terapia de indução para LMA. Apesarde melhora inicial do quadro pulmonar durante o período de neutropenia o paciente evolui com pneumonia por adenovírus, vindo a falecer23 dias após o início da quimioterapia. Com a melhora do tratamento da policitemia vera, os pacientes tiveram mortalidade por trombose e sangramen­ to reduzidos e a expectativa de vida aumentou. Com isso,

notou-se que depois de anos de doença eles podem evoluir

para mielofibrose ou leucemia aguda, sendo estas causas importantes de morte desses pacientes nos dias atuais. Acabam tendo prognóstico bastante reservado. O trata­

mento segue as diretrizes para LMA de outras etiologias, levando em conta que, muitas vezes, esses pacientes são idosos e não têm estado geral adequado para quimiotera­

pia agressiva, entrando então em protocolos paliativos.

BIBLIOGRAFIA

Figura 66.1 - Estratégia terapêutica para policitemia vera (PV). AAS = ácido acetilsalicílico; Ht = hematócrito;

HU = hidroxiureia; IFN-alfa = interferon-alfa; P = fósforo.

FINAZZI, G.; BARBUI, T. How I treat patients with polycythemia vera. Blαod, v. 109, p. 5004-5011, 2007. FINAZZI, G.; BARBUI, T. Risk-adapted therapy in essential thrombocythemia and polycythemia vera. Blcrri Reviews v. 19, p. 243-252, 2005. FINAZZI, G.; BARBUI, T. The treatment of polycythemia vera: an update in the JAK2 era. IrtenEmβ-gMβd., v. 2, p. 13-18, 2007. HILMAN, R.; AULT, K.; RINDER, H. Hβnífckg' inclirfcápractice 4. ed. New Yoik: McGraw-Hill Lange, 2005. HOFFMAN, R. et al. Hαnctíkg: baàc prirciplesard practice 4. ed. Philadelphia: Elsevier 2007. TEFFERI, A. Essential thrombocythemia, polycythemia vera, and myelofibrosis: cunent management and the prospect of taigeted therapy. Am. J. Hβnád., v. 83, p. 491-497, 2008. TEFFERI, A.; VARDIMAN, J. W. Classification and diagnosis of myeloproliferative neoplasms: the 2008 Woild Health Oiganization criteria and point-of-care diagnostic algorithms. Lα-fcαnia v. 22, p. 14-22, 2008.

SEÇÃO

Doenças Infecciosas

CAPITULO

Mialgia e Febre Vitor de Andrade Vahle • Carolina Castro Porto Silva Janovsky • Agessandro Abrahão

Um homem de 18 anos de idade chega ao pronto­ -socorro queixando-se de febre e dorportodo o corpo há dois dias. Afirma que estava completamente assin­ tomático até dois dias atrás, quando subitamente se iniciaram os sintomas atuais. Refere que a febre é con­ tínua, com temperatura em torno de 38,5°C e está associada à dor muscular difusa, além de cefaleia de moderada intensidade, náuseas e queda do estado geral. É estudante, procedente de São Paulo e nega doenças prévias. Não faz uso de nenhum tipo de medicamento ou drogas ilícitas e refere viagem recente à Serra do Mar para campeonato de canoagem.

O quadro clínico descrito é compatível com uma síndro­ me febril aguda. Febre pode ser definida como elevação da temperatura corporal acima de 37,8°C e constitui-se

em marcador útil de inflamação. Ao contrário do que muitos pensam, nem sempre um episódio febril estará associado a um processo infeccioso. A história da doença

queixas localizadas para a região acometida. O

paciente apresenta febre de início súbito, o que re­

força a hipótese de uma etiologia infecciosa para

esta. Os sintomas associados (dor generalizada, cefaleia e náuseas) são inespecíficos e devem ser

mais bem investigados ao exame físico. A tríade

febre, cefaleia e vômitos fala a favor de meningite, cuja suspeita clínica poderá ser confirmada por

exame físico e estudo do líquor. A fase aguda da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana

(HIV) deve ser lembrada no diagnóstico diferencial entre síndromes febris agudas e tem como sintomas

mais comuns febre, rash cutâneo, faringite, linfade­ nomegalia e úlceras orais. Desses sintomas, apenas a febre está presente no paciente. Doenças sexual­

mente transmissíveis não podem ser descartadas,

mesmo não havendo sintomas geniturinários.

em questão, os sinais e os sintomas adjacentes e um exa­

• Causas inflamatórias: as doenças do colágeno, como

me físico detalhado direcionarão a investigação da etio­

lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide (em

logia da síndrome febril, que pode englobar diversas

particular a doença de Still) e vasculites, podem

doenças (Tabela 67.1):

causar síndrome febril, contudo, esta tem início

insidioso e é acompanhada de manifestações osteo­ • Causas infecciosas: são as principais causas de febre

articulares e dermatológicas importantes que o pa­

na prática de clínica médica. Infecções do trato

ciente não possui, além de marcadores reumatoló­

respiratório (desde o resfriado comum até a pneu­

gicos (fator antinuclear fator reumatoide, anti-DNA,

monia) podem cursar com febre, porém, a ausência,

etc.) positivos. Também merecem destaque os pro­

no paciente em questão, de sinais como tosse, ex­

cessos granulomatosos, como sarcoidose e doença

pectoração e dor torácica toma distante este diag­

inflamatória intestinal, que podem acometer indiví­

nóstico. Infecções do trato urinário são causas

duos da mesma faixa etária do paciente, porém com

bastante comuns de febre, principalmente em mu­

curso clínico mais crônico e manifestações mais

lheres. Infecções de partes moles (abscessos, celu­

específicas, como eritema nodoso, hipercalcemia e

lite, etc.) causam febre de início recente, mas com

alterações do hábito intestinal.

402 -

Doenças Infecciosas

CAPÍTULO 67

• Doenças neoplásicas: leucemias e linfomas são as

principais neoplasias a serem lembradas em virtude da idade do paciente. Geralmente, causam síndromes

febris crônicas, com acometimento do estado geral e nutricional do paciente, bem como linfadenome­

colateral, teleangiectasias, eritema palmar ou gineco­ mastia. Não há linfonodos palpáveis, as extremidades estão bem perfundidas, sem edema. Exame neurológi­ co normal, com Glasgow de 15, Kernig e Brudzinski ausentes e sem rigidez nucal.

galia, hepatoesplenomegalia e manifestações hemor­ rágicas. O paciente exibe um quadro febril agudo e

era totalmente hígido até então, o que fala contra

um quadro neoplásico consumptivo. Neoplasias do sistema nervoso central também acometem bastante

os pacientes jovens, mas, a ausência de sintomas

neurológicos e de sinais localizatórios praticamente descarta tal possibilidade.

O exame físico traz dados importantes para o raciocí­ nio diagnóstico. Causas inflamatórias ou infecciosas do trato biliar devem fazer parte da investigação. A colecis­

tite aguda é causada por aumento da pressão dentro da vesícula biliar, devido à obstrução geralmente calculosa

do ducto cístico e cursa com dor em hipocôndrio direito e febre, porém com sinal de Murphy presente e icterícia

• Causas medicamentosas: sulfonamidas, penicilinas,

ausente. Já a colangite bacteriana aguda é causada por

barbitúricos e alguns laxativos podem causar febre em

infecção dos ductos biliares secundária à obstrução calcu­

quem faz uso dessas medicações. O paciente em

losa do trato biliar comum, sendo caracterizada pela tría­

questão nega utilizarqualquermedicamento.

de de Charcot (febre, icterícia e dor abdominal) e consti­ tui uma boa hipótese para o quadro do paciente, mesmo

Ao exame, o paciente está em regular estado geral, prostrado, com fácies dolorosa, ictérico (2+/4+) e hi­ pocorado (2+/4+). Temperatura de 39°C, pressão arterial de 110 × 68mmHg, frequência cardíaca de 116bpm e ausculta cardíaca com sopro sistólico panfo­ cal (+/4+). Está taquipneico (frequência respiratória de 22irpm) e a ausculta respiratória não encontra ruídos adventícios. Abdome bastante dolorido à palpação, principalmente em hipocôndrio direito, com fígado palpável a 3cm do rebordo costal direito e baço não palpável. Não há dorà descompressão brusca do abdo­ me e os ruídos hidroaéreos estão presentes. Não há sinais de insuficiência hepática crônica, como circulação

sem história de colelitíase pregressa. Abscesso hepático,

principalmente o amebiano, deve ser lembrado pela alta prevalência da população mundial colonizada por E. histolytica, todavia, raramente cursa com icterícia.

A hepatite aguda é um diagnóstico diferencial impor­

tante para este paciente. A intoxicação medicamentosa

(principalmente por acetaminofeno) é causa comum de hepatite aguda, mas pode ser excluída das possibilidades

diagnósticas, já que o paciente nega uso de medicamentos. Hepatites virais podem causar icterícia de instalação aguda, dor abdominal mais proeminente em hipocôndrio direito e

febre, além de elevação marcante das enzimas hepáticas

que, portanto, deverão ser investigadas laboratorialmente. Um novo conjunto de doenças infecciosas que podem TABELA 67.1 - Causas de febre

Causas

Patologias

Infecciosas

Abscessos (hepático, esplênico, pélvico, etc.) Doenças granulomatosas (tuberculose, micobacteriose atípica, micose profunda) Intravasculares (endocardite, meningococemia, infecção relacionada a cateter) Virais (citomegalovírus, mononucleose, vírus da imunodeficiência humana, hepatite, hantavírus, febre amarela, dengue) Bacterianas (meningite, pneumonia, infecção do trato urinário, faringite, leptospirose, colangite) Parasitárias (toxoplasmose, malária, estrongiloidíase)

Inflamatórias

Neoplásicas

Colagenoses (lúpus eritematoso sistêmico, doença de Still, vasculites) Doenças granulomatosas (sarcoidose, doença de Crohn)

Leucemias, linfomas, mixoma atrial, carcinomas (renal, pancreático, pulmonar, hepático), sistema nervoso central

causar síndrome febril ictérica aguda deve serconsidera­

do, especialmente pela epidemiologia do paciente (canoa­ gem em águas fluviais na mata atlântica). Febre amarela

poderia explicaros sintomas, porém seu curto período de incubação (três a seis dias) e ausência do sinal de Faget (bradicardia relativa e febre) são pontos contra este diag­ nóstico. Leptospirose seria um diagnóstico plausível

frente ao quadro clínico e, embora não haja relato de contato com ratos ou enchentes, somente a exposição a

águas fluviais dentro da mata já configura uma epidemio­

logia positiva. Febre maculosa brasileira, em suas formas graves, pode cursar com icterícia, edema de membros

inferiores, hepatoesplenomegalia, mas, na maioria das vezes, vem acompanhada de exantema maculopapular,

principalmente palmoplantar A dengue em estágios avan­

çados poderia causar icterícia à custa de bilirrubina indi­ reta por hemólise marcante e viria acompanhada de he­

Medicamentosas

Sulfonamidas, penicilinas, laxativos, barbitúricos

Factícias

Síndrome de Munchausen, troca de termômetros

moconcentração e manifestações hemorrágicas, as quais

o paciente não apresenta. A infecção aguda pelo HIV está

Mialgia e Febre - 403

O hemograma traz à tona uma anemia já esperada

recente de risco para tal, bem como inexistência de lin­

devido à palidez cutâneo-mucosa encontrada ao exame

fonodomegalia ao exame.

físico. O padrão microcítico é comum em anemias por

O sopro cardíaco encontrado deve ser mais bem inter­

deficiência de ferro, seja por uma dieta pobre neste mi­

pretado, em vista de ser um achado isolado no exame

neral, seja por perdas crônicas (sangramentos). Reticuló­

cardiopulmonar.A febre associada ao sopro traz à tona a

citos e DHL normais falam contra hemólise e a bilirrubi­

possibilidade de endocardite bacteriana, mas a ausência

na indireta elevada neste caso, poderia ser justificada por

de esplenomegalia e fatores de risco (malformações car­

insuficiência hepática aguda com redução da conjugação

diovasculares, uso de drogas endovenosas) fala contra este

biliarno fígado. Outros sinais sugestivos de falência he­

diagnóstico. Em contrapartida, o paciente encontrava-se

pática aguda são a albumina e a atividade de protrombina

em um estado hipercatabólico e com palidez cutâneo-

baixas. A leucocitose com desvio à esquerda direciona a

mucosa ao exame físico, o que sugere se tratar de sopro

investigação para quadros infecciosos agudos e estaria

funcional, provavelmente secundário à anemia. A ausência de baço e linfonodos palpáveis e a de ma­

nifestações hemorrágicas tornam distante o diagnóstico de leucemia e linfoma. A icterícia também não seria jus­

tificada por essas entidades. Tumores do sistema nervoso central causariam alteração do exame neurológico e jus­ tificariam icterícia e dor abdominal somente se houvesse

metástases para o fígado, o que descarta essa hipótese. A rigidez nucal e os sinais de Kernig e Brudzinski são

achados do exame físico que sugerem irritação meníngea e, se estivessem presentes juntamente com febre e sinais de hipertensão intracraniana (cefaleia, vômitos e alteração

do nível de consciência), seriam bastante sugestivos de infecção do sistema nervoso central.

presente tanto na colangite aguda quanto em infecções icterofebris (febre amarela, febre maculosa brasileira, leptospirose, hantavirose).

O exame de urina nos mostra hematúria e leucocitúria. Este achado, com proteinúria, sugere lesão glomerular, cuja etiologia (infecciosa, autoimune, etc.) deverá ser pesquisada.

A ultrassonografia de abdome é um exame bastante sensível para visualizar dilatação da árvore biliar e mos­

trou apenas hepatomegalia, sem sinais de dilatação ou cálculos, o que praticamente afasta a hipótese de colan­ gite e colecistite agudas. GGT e FA elevadas, ainda que moderadamente, sugerem colestase e devem-se procurar

outras causas para tal (infecção, doença hepática paren­ quimatosa), já que as obstrutivas foram afastadas. Os vírus das hepatites B ou C e da febre amarela podem

O paciente recebe suporte clínico inicial e é interna­ do para investigação diagnóstica. Os exames iniciais mostram: hemoglobina: 10,5; hematócrito: 29,8; volume corpuscular médio: 78; leucócitos: 17.800 com 15% de bastões; plaquetas: 130.000; ureia: 50; creatinina: 1,4; potássio: 3,8; sódio; 145; cálcio ionizado: 1,26; fósforo: 3,2; glicemia: 89; aspartato aminotransferase: 167; ala­ nina aminotransferase: 132; gama-glutamiltransferase (GGT): 226; fosfatase alcalina (FA): 493; bilirrubina total: 9,3; bilirrubina direta: 6,8; bilirrubina indireta: 2,5; amilase: 32; albumina: 2,9; atividade de protrombina: 54%; relação normalizada internacional (RNI): 2,3; re­ ticulócitos: 1,3; desidrogenase lática (DHL): 235; radiografia de tórax: normal; hemoculturas em andamen­ to; eletrocardiograma: alteração da repolarização em região anterior. Protoparasitológico de fezes negativo. Urina 1: proteína ++; 43 hemácias; 68 leucócitos; ausên­ cia de bactérias, presença de cilindros granulosos. Ultrassonografia abdominal exibe fígado com ecotextu­ ra homogênea e dimensões aumentadas, vesícula biliar normodistendida, sem cálculos no seu interior,ausência de dilatação de vias biliares. Baço homogêneo, de di­ mensões normais e presença de baço acessório. Colhidas sorologias para hepatites A, B e C, além de leptospirose, dengue, febre maculosa brasileira, febre amarela e HIV.

causar hepatite aguda fulminante, porém mostrariam uma elevação bem mais marcante das transaminases, com níveis

chegando a mais de 10 a 20 vezes os valores de referên­

cia. A febre hemorrágica da dengue poderia cursar com icterícia e elevação moderada das transaminases, porém,

a esta altura já haveria manifestações hemorrágicas signi­ ficativas e hemoconcentração, dados estes ausentes no

paciente em questão.

O achado de insuficiência renal aguda com potássio normal é bastante característico de algumas entidades que

acometem seletivamente o túbulo proximal do sistema coletor renal, dentre as quais a leptospirose merece des­

taque. A hantavirose mostraria sinais importantes de

acometimento cardiopulmonar, como hipoxemia grave e infiltrado intersticial, à radiografia de tórax. Febre macu­ losa brasileira pode cursar com icterícia em suas fases

mais graves e o exantema pode estar ausente, tomando-se

um diagnóstico diferencial importante para este quadro. Nos três dias seguintes, o paciente evolui com rá­ pida piora do estado geral, rebaixamento do nível de consciência, sufusões hemorrágicas pelo corpo, aumen­ to da icterícia, tosse com escarro hemoptoico e dispneia.

CAPÍTULO 67

praticamente descartada, devido à ausência de situação

CAPÍTULO 67

404 - Doenças Infecciosas

Hipotenso e oligúrico. Novos exames indicam: hemo­ globina = 8,7; hematócrito = 39%; plaquetas = 50.000; ureia = 126; creatinina = 3; potássio = 3,9; sódio = 147; flapping presente, edema de membros inferiores e ra­ diografia de tórax mostrando infiltrado peri-hilar bilateral em asa de borboleta (Fig. 67.1). A gasometria arterial traz uma relação pressão parcial de oxigênio/ fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2) de 150. Todas as sorologias colhidas inicialmente estão negativas, bem como as hemoculturas. Diante da gravidade do quadro, o paciente é transferido para a UTI, intubado, subme­ tido a hemodiálise e terapia empírica com doxiciclina e penicilina G cristalina. A associação entre febre, icterícia, manifestações

hemorrágicas e insuficiência renal aguda lembra a famo­

sa síndrome de Weil, que é uma forma de apresentação grave da leptospirose. Essa síndrome geralmente vem acompanhada de um estado inflamatório difuso dos capi­ lares sanguíneos (capilarite), responsável pelas diversas

manifestações típicas da doença. Por estarem inflamados, os capilares sanguíneos perdem a contiguidade de seu

endotélio, promovendo extravasamento de sangue e plas­

ma para o terceiro espaço e causando uma doença da microvasculatura esplâncnica que pode provocar disfunção

o do paciente, com instalação de insuficiência respiratória aguda e hipoxemia grave com infiltrado intersticial bila­

teral na radiografia de tórax.

Além da hantavirose e da síndrome de Weil, o apare­ cimento de manifestações hemorrágicas na vigência de febre reforça outras hipóteses que já estão em investigação, como a febre hemorrágica da dengue e a febre amarela.

Arenovirose (causada porarenovírus) seria outra etiologia, embora rara na América do Sul, de febre hemorrágica.

Esta última tem mortalidade elevada e associa-se a sinto­ mas neurológicos como meningite asséptica, encefalite

ou meningoencefalite. As sorologias negativas, nessa fase inicial, não afastam

as causas infecciosas em questão (leptospirose, hantavi­

rose e febre maculosa brasileira), pois irão se positivar

apenas cerca de uma a duas semanas após o início dos sintomas.

Rebaixamento do nível de consciência acompanhado de flapping e níveis elevados de ureia plasmática sugerem

uremia e, como a etiologia da insuficiência renal aguda ainda não foi confirmada, optou-se pela terapia renal substitutiva precoce com hemodiálise até a estabilização

do quadro.

de múltiplos órgãos. Nos pulmões, a capilarite leva ao

A radiografia de tórax demonstra um padrão típico de

extravasamento de sangue para os alvéolos, causando

SARA, o que foi confirmado pela relação PaO2/FiO2 (
65 anos, desnutrição grave, comorbidades, icterícia, fenômenos hemorrágicos (exceto epistaxe), anasarca, sinais de toxemia ou instabilidade

• Sinais de alerta para gravidade: idade entre 6 meses e 1 ano ou entre 50 e 65 anos, recidiva, diarreia/vômitos, infecção bacteriana suspeita ou febre há mais de 60 dias • Critérios laboratoriais: leucócitos < 1.000/mL ou neutrófilos < 500/mm3, plaquetas < 50.000/mL, hemoglobina < 7g/dL, albumina < 2,5mg/mL, atividade de protrombina < 70%, aumento de

nodos. Esse aspecto parece ser comum entre as diversas

bilirrubinas, enzimas hepáticas > 5 vezes o limite da normalidade,

formas de apresentação do calazar. Com a hepatoesple­

creatinina < 2 vezes o limite da normalidade, radiografia de tórax

nomegalia, o paciente pode referirdore distensão abdo­

suspeita para infecção ou edema pulmonar

minal. Anemia decorre do estado inflamatório persisten­

te, hiperesplenismo e, às vezes, sangramento. Pancitopenia e hipergamaglobulinemia (IgG) com hipoalbuminemia

são encontradas. A hiperpigmentação da pele, sinal que provavelmente tenha dado o nome à doença (kala-azar

policlonal também é encontrada, mas os testes disponíveis são pouco sensíveis e seu uso tem sido desencorajado. A visualização da forma amastigota do parasita, a

= “febre negra”), reserva-se a formas avançadas e não

microscopia, em aspirados de medula óssea, linfonodos

tratadas da leishmaniose visceral, sendo raramente ob­

ou baço é a maneira clássica de confirmação diagnóstica.

servada nos dias de hoje.

A especificidade é alta, já a sensibilidade varia de acordo

Infecções bacterianas secundárias (pneumonia, diarreia,

com o órgão estudado. O aspirado do baço tem maior

tuberculose) podem ocorrer dificultando o diagnóstico

sensibilidade (93 a 99%), mas o risco de sangramento

inicial e agravando as condições clínicas do paciente,

associado ao procedimento é muito alto (0,1%). O aspi­

representando sua principal causa de óbito.

rado de medula óssea tem sensibilidade variando entre 53

Durante, ou até após três anos, o tratamento, pode

haver o desenvolvimento da leishmaniose dérmica pós­

e 86%, sendo o procedimento de escolha para a maioria

dos pacientes, e o de linfonodo varia entre 53 e 65%.

-calazar, caracterizada por rash macular, maculopapular

A detecção do parasita em culturas do sangue ou

ou nodular.As lesões cutâneas contêm muitos parasitas e

outros órgãos ou por técnicas de proteína C-reativa é mais

possuem alto potencial infectivo, comportando-se como

sensível que o exame microscópico direto, sendo o recur­

reservatório e possibilitando o ciclo antroponótico de

so padrão-ouro para diagnóstico, mas elas são dispendio­

transmissão.

sas e ainda indisponíveis em muitos locais.

Em pacientes imunossuprimidos, principalmente na­

O diagnóstico sorológico encontra duas grandes limi­

queles com AIDS, descrevem-se manifestações clínicas

tações: não há negativação dos anticorpos após a cura,

não usuais como comprometimento de trato gastrointes­

impedindo detecção de recidivas ou reinfecções e indiví­

tinal, pulmão e pleura. Na coinfecção leishmaniose/HIV,

duos saudáveis podem ser sorologicamente positivos em

a recidiva é mais comum e a letalidade, maior.

decorrência de infecções assintomáticas curadas. Técnicas

Devido ao aumento da letalidade da leishmaniose e como

de imunofluorescência indireta, ELISA e western blot

parte da estratégia nacional de controle da doença, o Mi­

mostraram alta acurácia no diagnóstico do calazar.Outros

nistério da Saúde, em 2006, redigiu um manual de normas

dois testes ‒ aglutinação direta e o emprego do antígeno

e condutas para leishmaniose visceral grave (Quadro 68.2).

recombinante k39 em técnicas de imunocromatografia ‒

Em situações específicas, o diagnóstico pode serpre­

estão em fase de validação.

suntivo, principalmente em áreas endêmicas. No entanto,

A detecção de antígenos poderia discriminar entre

o diagnóstico comprobatório deve ser obtido sempre que

infecções pregressas e atuais e seria mais específica que

possível, pois o tratamento apresenta efeitos colaterais

a detecção de anticorpos (sorologias), além de monitorar

relevantes.

tratamento e cura. O teste de aglutinação no látex reali­

A pancitopenia é um achado muito específico (98%)

zado com amostras de urina mostra resultados promisso­

da leishmaniose visceral em pacientes com suspeita clí­

res, sendo ainda moderadamente sensível e de reproduti­

nica, porém pouco sensível (16%). Hipergamaglobulina

bilidade difícil.

CAPÍTULO 68

dois a seis meses, mas que pode variar de dez dias a

QUADRO 68.2 - Indicação de hospitalização a pacientes com calazar segundo o Manual de Normas e Condutas do Ministério da Saúde (2006)

CAPÍTULO 68

414 -

Doenças Infecciosas

O controle de vetores é a estratégia mais eficaz para

Os antimoniais foram os primeiros medicamentos usados para tratamento da leishmaniose visceral e ainda

doenças vetor-dependentes, porém, no caso da L. longi­

são muito empregados em diversas áreas, provavelmente

palpis, este controle é muito difícil, uma vez que seus

pelo baixo custo e boa efetividade. A anfotericina B é

criadouros têm distribuição rural e urbana e são difíceis

opção em locais onde a resistência aos antimoniais é

de rastrear. Inseticidas como o DDT continuam sendo

elevada. As formulações lipídicas da anfotericina B apre­

utilizados e são eficazes, mas certo grau de resistência é

sentam maior eficácia e menos efeitos colaterais. A anfo­

descrito em áreas de maior uso. Outra opção são coleiras

tericina B lipossomal é considerada droga de primeira

impregnadas de inseticidas (deltametrinas) nos cães de

linha na Europa e nos Estados Unidos, sendo limitação

áreas endêmicas.

para seu uso o alto custo.

A proteção individual, com telas protetoras em portas

Miltefosina, droga antineoplásica, é a única droga

e janelas e repelentes de insetos, também pode ser uma

administrada por via oral eficaz para tratamento da leish­

estratégia para diminuira chance da picada pelo vetor. O

maniose visceral (cura superiora 94%), mas a adesão

envolvimento e a educação da população no controle de

inadequada ao tratamento aumenta os índices de resistên­

criadouros são de suma importância.

cia. Paromomicina e sitamaquina também são medicações

Essas estratégias são aplicadas desde 1950, contudo

utilizadas. A terapia combinada parece ser o futuro do

não têm sido eficazes para controlara doença, reforçando

tratamento da leishmaniose visceral, promovendo maiores

a importância da leishmaniose visceral como problema

taxas de cura, em tempo reduzido, com menores efeitos

de saúde pública no Brasil. O diagnóstico e o tratamento

colaterais e menor indução de resistência. Sempre que houver suspeita de infecções bacterianas

precoces são passos importantes para o controle da doen­

secundárias, devem ser realizados coleta de culturas e

e da transmissão antroponótica, e se desenvolvem pesqui­

exames de rastreamento, assim como deve ser instituído o tratamento antibiótico empírico. Indica-se o uso profi­

sas na tentativa de produção de vacina eficaz.

lático de antibióticos aqueles pacientes com idade inferior a dois meses e para que apresentam 500 neutrófilos/mm3

ou menos. A hemoterapia constitui parte importante do tratamento, principalmente daqueles indivíduos com sinais

de gravidade, e segue os mesmos critérios e indicações para outras doenças clínicas.

O controle de cura da leishmaniose visceral é eminen­ temente clínico. Os sintomas entram em remissão depois tratamento e o estado geral do paciente melhora. A vis­

ceromegalia regride em alguns meses. O paciente deverá ser seguido ambulatorialmente durante um ano, com avaliações clínica e laboratorial (mensal nos primeiros seis meses e trimestral a partir do sexto mês). A recidiva é definida como o retorno de sinais e sintomas, com con­

firmação laboratorial ou devido à prova terapêutica posi­

tiva, no período de até 12 meses após resposta adequada ao tratamento anterior desde que eliminada a possibili­

dade de reinfecção. O Programa Brasileiro de Controle de Leishmanioses baseia-se em três principais estratégias: diagnóstico e tratamento precoces, rastreamento imunológico e busca

de reservatórios caninos, e aplicação de inseticidas contra

o mosquito flebótomo. O sacrifício de cães infectados tem impacto discutível sobre o controle da doença, além do alto custo e do con­

flito com as entidades responsáveis, e o tratamento dos

animais infectados não é medida recomendada, por não causas impacto sobre a incidência da doença.

ça, diminuindo a chance da contaminação de mosquitos

BIBLIOGRAFIA ANTINORI, S.; CASCIO, A.; PARRAVICINI, C.; BIANCHI, R.; CORBELLINO, M.. Leishmaniasis among oigan transplant recipients. LaxetlrfβEt Dis, v. 8, p. 191-99, 2008. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE - DEPARTAMENTO DE VIGILÂNCIA EPIDE­ MIOLÓGICA. LddinaicBeviscffei gae rrrmaseccrdu

tas Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006. CHAPPUIS, E; SUNDAR, S.; HAILU, A.; GHALIB, H.; RIJAL, S.; PEELING, R. W.; ALVAR, 1; BOELAERT, M. Visceral leish­ maniasis: what aie the needs fordiagnosis, treatment and control? N^LreRö'iövsMicrd»idcEj' (Natuie Publishing Group), v. 5, p. S7-S16. DANTAS-TORRES, E; BRANDÃO-FILHO, S. P. Visceral leishma­

niasis in Brazil: revisiting paradigms of epidemiology and control. Rcv. Irst Med. Trcp. S. Paiov. 48, n. 3, p. 151-156, MayJune, 2006. DEY, A.; SINGH, S. Transfusion transmitted leishmaniasis: a case iepoit and review of literatura. IrdiaiJ. Mal. Mkrcbkkg', v. 24, n. 3, p. 165-7.0, 2006. FIGUEIRA, F. MaT^dediaEjTsticodifffGTisiαn pαliítria Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. GOLDMAN, L; AUSIELLO, D. (oigs.). Ceeil- Tr^adodeMedfcr ralrtana Rio de Janeiro: Elseviec 2005. KISHORE, K.; KUMAR, V; KESARI, S.; DINESH, D. S.; KUMAR, A. L; DAS, P.; BHATTACHARYA, S. K. Vector control in leishmaniasis. IrdiaiJ. Med. Res, v. 123, p. 67-472, March 2006. MALLA, N.; MAHAJAN, R. C. Pathophysiology of visceral leish­ maniasis - some recent concepts. IrdiaiJ. Med. Res, v. 123, p. 267-274, March 2006.

Esplenomegalia e Febre - 415

AmcrraBdoEstaiodcSã)Paio São Paulo: Secretaria de Estado da Saúde. 2006. SINGH. R. K.: PANDEY. H. P.; SUNDAR. S. Visceral leishmaniasis (kala azai,: Challenges ahead. IrrifenJ. Mcd. Rcs. v. 123. p. 331-344. Mareh 2006. TIERNEY JR„ L M.; MCPHEE S. 1; PAPADAKIS. M. A. Curαt mcdicíidk^jiMsaii trαíniαt NewYoik: McGrawHill. 2006.

CAPÍTULO 68

MARTINS. H. S. (oig.). Prαtosjαro CαÉiíasdoHαpitídas Cfei^daFaiüaiedeMrffciiBdaUiwcrsdalcdeSá» Paio São Paulo: Manole. 2008. SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE SÀO PAULO; SUPE­ RINTENDÊNCIA DE CONTROLE DE ENDEMIAS (SUCEN); COORDENADORIA DE CONTROLE DE DOENÇAS (CCD|. Mairi dcV½^âTiaeCcTtrcicdaLdáinaicwV&crd

___________________________________

CAPÍTULO

69

Febre Intermitente Danyenne Rejane de Assis • Aline Pâmela Vieira de Oliveira • Ana Paula Jafet Ourives

Homem de 30 anos de idade, previamente hígido, vem ao serviço de pronto-socorro com queixa de mal­ -estargeral, cefaleia, mialgia e vômitos. Há cinco dias iniciou febre não aferida, intermitente, sem horário predominante, seguida de calafrios, sudorese e astenia significativa. Relata ainda dispneia progressiva, colo­ ração amarelada dos olhos há dois dias e diminuição do volume urinário. Procurou assistência médica há três dias, tendo sido feito diagnóstico de “virose” e prescri­ tos, sintomáticos, sem melhora significativa. Como antecedentes mórbidos, refere hipertensão arterial, em uso de hidroclorotiazida, 25mg/dia. Como hábitos de vida, é tabagista (10 anos/maço) e etilista social. Quan­ to à história epidemiológica, cita viagem à Amazônia há duas semanas, a passeio.

O paciente em questão apresenta quadro de síndrome febril, o qual deve ser avaliado de acordo com início, duração, intensidade e modo de evolução dos sinais e

sintomas. Deve-se considerar o histórico de viagem para área endêmica e direcionara investigação diagnóstica de

acordo com as doenças prevalentes na região. Durante a investigação de doença febril, é importante levarem conta os achados clínicos e as possíveis comor­

bidades que, como esplenectomia, alcoolismo, insuficiên­ cia hepática, uso de drogas endovenosas, imunodeficiên­

cias e tratamento quimioterápico para neoplasias. Essas

condições podem predispor a doenças específicas e/ou aumentara sua gravidade. O paciente deve ser questio­

nado sobre fatores que possam ajudara identificar um

foco infeccioso ou uma porta de entrada, tais como in­ fecção de vias aéreas superiores, varicela, trauma grave, quebra da barreira cutâneo-mucosa, queimaduras, cirurgias,

restrição ao leito e presença de corpos estranhos. Viagens

ou atividades ocupacionais que possam resultarem expo­

sição devem ser valorizadas. Devem-se pesquisar contato com indivíduos doentes, histórico vacinal e contato sexual.

Além disso, devemos interrogar sobre sintomas respira­ tórios, gastrointestinais e geniturinários. Feito isso, pros­

seguiremos a investigação. No caso descrito, o paciente apresenta algumas pecu­ liaridades em relação ao quadro febril. Características como intermitência da febre e associação com calafrios, esta última geralmente relacionada à elevação significa­ tiva da temperatura corporal, conduzem a alguns diagnós­ ticos que serão debatidos a seguir. Sintomas mais inespe­ cíficos, como mialgia, cefaleia e mal-estar podem estar incluídos na síndrome febril ou podem ser pródromos de uma doença infecciosa aguda. A febre é uma resposta de defesa do organismo a agressões específicas e é um dos achados mais frequentes na prática clínica. Pode estar presente em doenças de diversas origens. Dentre estas, destacam-se as infectoparasitárias, nas quais a febre ge­ ralmente é o primeiro sintoma. Indivíduos com febre intermitente e provenientes da Amazônia Legal podem apresentar determinadas moléstias como febre amarela, hepatites virais, febre tifoide, calazar e dengue. Devemos considerar ainda outros diagnósticos diferenciais para esse caso, como leptospirose, endocar­ dite bacteriana, tuberculose miliar e leucoses. As carac­ terísticas propedêuticas, se bem investigadas, são capazes de identificar diferenças existentes entre as principais possibilidades diagnósticas. A febre amarela deve ser considerada neste contexto. É caracterizada por apresentar quadro clínico bifásico.

Febre Intermitente - 417

Ao exame físico, nota-se nível de consciência pre­ servado, palidez cutâneo-mucosa, icterícia leve, ausência de lesões na pele, temperatura axilarde 39,5°C,

pressão arterial de 90 × 50mmHg, frequência respira­ tória de 30ipm, frequência cardíaca de 100bpm, saturação de O2 de 90% em ar ambiente. Apresenta ausculta pulmonar sem ruídos adventícios, ausculta cardíaca regular com sopro sistólico +/+4 em foco mitral e palpação abdominal com esplenomegalia, li­ geiramente abaixo do rebordo costal esquerdo, linha hemiclavicular. A avaliação do estado geral do paciente e dos sinais vitais e os exames dermatológico e neurológico são de

particularimportância. O paciente pode se mostra ansioso e agitado ou letárgico e apático. Pacientes idosos e imu­ nocomprometidos, como urêmicos e cirróticos, ou em uso de corticoides podem estar afebris mesmo na vigência de infecção grave. Os sinais vitais ajudam a determinaro grau de comprometimento hemodinâmico e metabólico. O diagnóstico etiológico pode ficar evidente por meio de exame dermatológico detalhado, observando-se rash, lesões de pele e dor focal ou difusa. O exame neurológico deve incluir avaliação do status mental à procura de sinais precoces de encefalopatia. Pacientes febris encontram-se em estado hiperdinâmi­ co, o que explica taquicardia e sopro sistólico. Existem algumas doenças, como febre amarela e febre tifoide, nas quais pode haver discordância entre a temperatura e o pulso, ou seja, a presença concomitante de hipertermia e bradicardia (sinal de Faget). Dentre os achados de exame físico, os doentes com malária caracterizam-se por palidez cutâneo-mucosa e hepatoesplenomegalia. Nos casos de hepatite, é mais frequente o quadro de icterícia cutâneo-mucosa e hepa­ tomegalia isolada. Fenômenos embólicos são observados em endocardite infecciosa, bem como sopro cardíaco e, em alguns casos, esplenomegalia. Em pacientes com calazar também se encontram palidez e hepatoespleno­ megalia importante, podendo cursar com aumento do volume abdominal. O exame físico do paciente com febre amarela geral­ mente revela prostração, sinais de desidratação, dor epi­ gástrica intensa que dificulta a palpação, hepatomegalia moderada, icterícia de grau variado, com congestão con­ juntival, podendo haver manifestações hemorrágicas. Já no indivíduo com malária, destaca-se a palidez cutâneomucosa e há menortendência a fenômenos hemorrágicos. Nos casos de dengue, o comprometimento do estado geral é importante. O paciente pode-se encontrar toxe­ miado e pode haver exantema; a forma hemorrágica apresenta-se de modo agressivo, com de sangramentos mucocutâneos. O paciente com tuberculose miliargeral­ mente está emagrecido, com comprometimento significa-

CAPÍTULO 69

As duas fases são separadas por curto período de remissão. Na primeira, quando ocorre a viremia, o quadro clínico é inespecífico e corresponde às formas leves e moderadas. Os sintomas iniciam-se de maneira abrupta, com febre alta, cefaleia intensa, dores musculares, náuseas e vômitos, prostração e, às vezes, calafrios. No terceiro ou quarto dia. há remissão da doença ou esta evolui para a forma grave, que se caracteriza por aumento da febre, diarreia e reaparecimento dos vômitos. Nessa fase, surgem mani­ festações hemorrágicas. A hepatite viral é um importante diagnóstico diferen­ cial de febre intermitente na região amazônica. Em por­ tadores de hepatite aguda, a febre costuma ser de leve a moderada intensidade e, muitas vezes, só aparece nos primeiros dois ou três dias de doença; ao contrário da malária, por exemplo. em que há persistência do quadro febril na medida em que a doença evolui. Sintomas di­ gestivos associados à colúria devem induzir à suspeita de hepatite durante a investigação diagnóstica. Na dengue, a mialgia é grave, a febre geralmente tem início súbito e a cefaleia é referida como retro-orbitária. Exantema e prurido podem estar presentes. Na leptospi­ rose e na febre tifoide, a dormusculartambém é intensa, sendo que na primeira é mais localizada na região lombar e nas panturrilhas. Com a febre tifoide, a temperatura corporal eleva-se gradativamente com a evolução da do­ ença, podendo atingir níveis de até 39 a 40°C, a partirda segunda semana. Além disso, observam-se petéquias na pele ou na mucosa, comumente presentes em ambas as doenças. Outras situações são associadas a rash cutâneo, corno a meningococemia, o exantema viral e reação a drogas. Em casos de malária, raramente há esse achado. Quando há icterícia, além das hepatites virais, deve-se pensarem sepse grave, mas, a existência de portas de entrada, a identificação de um foco infeccioso e a hemo­ cultura positiva fecham o diagnóstico de infecção bacte­ riana. O diagnóstico clínico de leishmaniose visceral (calazar), bem corno de leucoses, deve ser objeto de sus­ peita se houver febre e esplenomegalia com ou sem he­ patomegalia. Essas doenças podem ter apresentações clínicas muito variadas, porém, com curso mais insidioso. A febre costuma ser mais prolongada e, nos casos de calazar,o paciente pode referir diarreia e tosse sem com­ prometimento do estado geral. Na Tabela 69.1 estão os principais diagnósticos dife­ renciais para febre intermitente.

418 -

Doenças Infecciosas

CAPÍTULO 69

TABELA 69.1 - Principais diagnósticos diferenciais para febre intermitente

Período de incubação

Principais manifestações clínicas

Febre amarela

3-6 dias

Período de infecção: início abrupto; febre alta, às vezes acompanhada de bradicardia (sinal de Faget); calafrios, cefaleia intensa, dor lombossacral, mialgia generalizada Período de remissão: ocorre melhora dos sintomas e dura, em média, 24h Período de intoxicação: vômitos, epigastralgia, prostração, icterícia, diátese hemorrágica (hematêmese, melena, metrorragia, petéquias, equimoses, sangramento pelas mucosas)

Dengue

2-8 dias

Dengue clássica: início abrupto, febre alta, cefaleia intensa, dor retro-ocular, mialgia, artralgia, vômitos, anorexia. No terceiro ou quarto dia pode aparecer exantema significativo e, em alguns casos, fenômenos hemorrágicos discretos. A febre tem duração média de 6 dias Dengue hemorrágica: também se apresenta de forma aguda, com febre alta, náuseas, vômitos, mialgias, artralgias. A diátese hemorrágica geralmente se dá no segundo ou terceiro dia de doença, podendo evoluir para síndrome do choque da dengue

Hepatites virais agudas

VHA: 2-6 semanas VHB: 2-6 meses VHC: 2 semanas - 5 meses VHD: 2-6 meses VHE: 2-8 semanas

Fase pré-ictérica: pode estar presente em alguns casos. Cursa com anorexia, náuseas, diarreia, febre baixa, cefaleia, mal-estar, astenia e fadiga. O quadro pode durar de 3 a 10 dias Fase ictérica: inicia-se com icterícia. O paciente mostra hepatomegalia discreta e dolorosa; fezes claras e prurido cutâneo, urina escura. As hepatites A e C raramente cursam com icterícia; a hepatite B aguda apresenta-a em 30 a 50% das vezes. A hepatite D somente cursa com a hepatite B. A hepatite E somente cursa com icterícia em gestantes

Febre tifoide

1 - 3 semanas (em média 10 dias)

Período inicial: febre com aumento progressivo diário, dor abdominal, vômitos, anorexia, astenia, cefaleia Período de estado: segunda à terceira semana de infecção. A febre se estabiliza entre 39 e 40°C. Cursa com prostração, cefaleia constante e intensa, alteração do nível de consciência, desidratação grave, diarreia esverdeada ou constipação, "roséolas tíficas" na pele, bradicardia associada à febre (sinal de Faget); 60 a 70% dos casos cursam com hepatoesplenomegalia Período de declínio: diminuição da febre em lise, recuperação do nível de consciência e da sintomatologia geral Convalescença: como consequência da infecção, podem-se observar sinais de desnutrição, queda capilar, atrofia muscular Complicações: hemorragia maciça e perfuração intestinal

Leptospirose

1 - 24 dias

Forma anictérica: febre alta e remitente, calafrios, cefaleia intensa, mialgia (músculos paravertebrais, abdominais e panturrilhas), náuseas, vômitos, tosse seca ou produtiva, exantema macular Forma ictérica ou síndrome de Weil: trata-se da forma clínica mais frequente em nosso meio. Cursa com todos os sintomas anteriormente descritos, porém mais intensificados. Além de icterícia rubínica (avermelhada), observam-se disfunção renal, fenômenos hemorrágicos, urina escura, alterações pulmonares, hemodinâmicas e no nível de consciência, resultando em taxa de mortalidade elevada

Calazar

10 dias-24 meses

Trata-se de doença insidiosa, com febre irregular de longa duração (2 a 3 picos diários ou febre intermitente), emagrecimento significativo, palidez cutâneo-mucosa, hepatoesplenomegalia acentuada, anemia, leucopenia e trombocitopenia. Pode cursar, inicialmente, com tosse seca e diarreia

Endocardite infecciosa

Em média 2 semanas

Febre prolongada, < 39°C; astenia, fadiga, anorexia, perda de peso, sudorese noturna, sopro cardíaco, esplenomegalia (aparece mais tardiamente), lesões de Janeway (lesões planas, embólicas, vistas nas plantas dos pés e nas palmas das mãos), nódulos de Osler (localizados em quirodáctilos e pododáctilos); petéquias conjuntivais e em mãos e pés

Tuberculose miliar

Semanas a décadas

Febre, adinamia, perda de peso, cefaleia, dor abdominal. Se houver comprometimento pulmonar, pode cursar com dispneia progressiva e, às vezes, tosse seca. Sistema nervoso central acometido em 30% dos casos

Malária

P. vivax: 12-16 dias P. falciparum: 8-12 dias

P. vivax: febre diária que evolui para dias alternados (febre terçã) e que pode estar acompanhada de calafrios significativos, sudorese, náuseas, vômitos, cefaleia, palidez cutâneo-mucosa, icterícia, hepatoesplenomegalia P. falciparum: as infecções causadas por esse parasita são mais graves e podem cursar com a mesma sintomatologia da infecção pelo P vivax, porém, com maior chance de complicações

Doença de Chagas aguda

4-10 dias Obs.: transmissão por transfusão sanguínea, até 40 dias

Febre diária, às vezes acima de 39°C e que pode se elevar no decorrer do dia e tem duração prolongada de 1 a 2 meses. É acompanhada de prostração, mialgia, astenia,

cefaleia, linfonodomegalia generalizada, hepatoesplenomegalia, miocardite aguda; conjuntivite aguda com edema bipalpebral, unilateral e indolor (sinal de Romaña)

VHA, VHB, VHC, VHD e VHE = vírus das hepatites A, B, C, D e E, respectivamente.

Febre Intermitente - 419

tivo do estado geral. Havendo comprometimento pulmo­

intensa e plaquetopenia nos pacientes com malária. Con­

Devem-se obter exames como hemocultura, hemogra­

tagem baixa de plaquetas também é vistaem dengue e

ma com velocidade de hemossedimentação (VHS), ele­

febre amarela. Pancitopenia é característica de leishma­

trólitos, glicemia, funções renal e hepática. Havendo

niose visceral e leucoses. Nas hepatites virais, o aumento

suspeita de endocardite, recomenda-se a coleta de três

das aminotransferases chega a atingir níveis superiores a

pares de hemocultura de locais diferentes. Esfregaços de

1.000mg/dL. As bilirrubinas podem estar elevadas tanto

sangue de pacientes com risco de doença parasitária devem

em hepatites quanto em malária, porém nesta predomina

ser examinados para diagnóstico e quantificação da para­

a fração não conjugada, devido à hemólise. O aumento

sitemia. Pacientes com possível meningite devem ter o

de fosfatase alcalina e de gama-glutamiltransferase é in­

líquido cefalorraquidiano colhido antes da antibioticote­

dicativo de colestase hepática, ocorrendo pequena altera­

rapia, se possível. Exames de imagem devem ser obtidos

ção em hepatites virais e valores geralmente normais, em

de acordo com a suspeita diagnóstica. Em casos selecio­

malária.

nados, considerar análise de urina, ecocardiograma trans­

torácico ou transesofágico.

Diante da elevada incidência de malária na região amazônica, torna-se obrigatória a suspeição desse diag­

nóstico para qualquer doente febril procedente da locali­

Coletadas duas amostras de hemoculturas e exames gerais. Glicemia casual de 50mg/dL. Apresenta anemia normocítica e normocrômica (hemoglobina/hematócrito [Hb/Ht]: 9/27); plaquetas de 102.000; sódio sérico = 131; potássio = 3,7; ureia = 90; creatinina = 1,5; bilir­ rubina total = 4; indireta = 3; desidrogenase lática (DHL) = 600; aspartato aminotransferase = 70; alanina aminotransferase = 90; com enzimas canaliculares normais e VHS = 85. A hipoglicemia pode ser explicada pelo quadro de

anorexia que geralmente acompanha as doenças infecciosas agudas. A desidratação secundária à taquipneia, febre e

vômitos justifica o sódio sérico baixo e a elevação das escórias nitrogenadas, caracterizando insuficiência renal

dade. A multiplicidade de doenças que têm clínica seme­ lhante e a pouca familiaridade dos profissionais de saúde

pertencentes a regiões não endêmicas dificultam o diag­

nóstico da doença. O exame de gota espessa é primordial em qualquer suspeita. Realizada pesquisa de parasitas da malária pelo exame de sangue em gota espessa e esfregaço, resultan­ do negativa. Instituída antibioticoterapia empírica sem que houvesse melhora. Não houve crescimento bacte­ riano nas duas amostras de hemocultura e o paciente continua apresentando picos febris intermitentes Ao se consideraro quadro clínico e a procedência do paciente, insisti-se no diagnóstico de malária. Faz-se nova coleta de sangue da polpa digital durante a fase de calafrios, sendo visualizados os parasitas.

aguda (IRA) pré-renal. A lesão renal pode também ser secundária à necrose tubular aguda ocasionada por hipo­ volemia e alterações na microcirculação que eventualmen­

te possam estar presentes em algumas doenças infecciosas

DIAGNÓSTICO FINAL

febris. Os valores de Hb/Ht encontrados são compatíveis

Malária.

com achado de palidez cutâneo-mucosa ao exame físico.

Os índices hematimétricos são sugestivos de anemia de

doença crônica, perda sanguínea, ou hemólise. A icterícia

discreta ao exame físico é compatível com hiperbilirrubi­ nemia com predomínio da fração indireta que, associada

DISCUSSÃO

ao aumento de DHL, sugere hemólise. A plaquetopenia

Malária é uma protozoonose transmitida pela picada de mosquito Anopheles infectado. É uma das doenças parasi­

pode acompanhar doenças como febre amarela, dengue e

tárias mais importantes em humanos, com transmissão em

malária. A elevação das enzimas hepáticas é discreta, in­

107 países, acometendo cerca de 3 bilhões de pessoas e

dicando lesão dos hepatócitos não associada à colestase, já

causando óbito de 1 a 3 milhões de indivíduos a cada ano.

que não houve aumento de enzimas canaliculares. O acha­

O período de incubação varia de acordo com a espécie de

do de VHS elevado, apesarde inespecífico, indica proces­

plasmódio. Para o Plasmodium falciparum, de 8 a 12 dias;

so inflamatório ativo. Nos casos de febre amarela, a VHS

P. vivax, de 13 a 17 dias; e P. malariae, de 18 a 30 dias.

tende a zero. Com malária, há aumento discreto de transa­

O mosquito é infectado ao se alimentar do sangue de

minases, diferentemente da febre amarela e das hepatites

indivíduos com gametócitos circulantes. Os gametócitos

virais, em que a elevação é marcante.

surgem na corrente sanguínea em períodos que variam de

CAPÍTULO 69

nar, podemos notar sinais de insuficiência respiratória.

A avaliação dos valores hematimétricos mostra anemia

420 - Doenças Infecciosas

CAPÍTULO 69

48h, para P. vivax e de 7 a 12 dias, para P. falciparum. A

pessoa pode ser fonte de infecção para malária causada pelo P. falciparum por até um ano; pelo P. vivax, por até três anos e pelo P. malariae, por mais de três anos. A transmissão da malária no Brasil está concentrada

típica de 72h para P. malariae (quartã) e 48h para P. falciparum e P. vivax é pouco comum atualmente. É fre­

quente que infecções múltiplas em dias diferentes tomem a febre diária. Os quadros mais brandos costumam ser causados por

na Amazônia Legal, onde se registram 99,5% do total das

P. malariae e P. vivax e as formas clínicas mais graves se

ocorrências. Observa-se aumento nas notificações de casos

devem ao P. falciparum, em especial em adultos não imu­

da doença no segundo semestre do ano, provavelmente

nes, crianças e gestantes. A doença pode evoluir para

associado ao período pós-chuvas, pois estas propiciam

formas clínicas graves e complicadas, destacando-se forte

condições para maior proliferação do mosquito responsá­

cefaleia, hipertermia, vômitos, rebaixamento do nível de

vel pela transmissão da doença. Todo caso de malária é

consciência, convulsões e coma (malária cerebral); IRA,

de notificação obrigatória às autoridades legais na região

edema agudo pulmonar hipoglicemia, disfunção hepática,

extra-amazônica. A investigação epidemiológica do caso

hemoglobinúria (hemólise intravascular aguda e maciça)

suspeito deve ser realizada em até 48h depois da notifica­

e choque são complicações relatadas. A coagulação intra­

ção, para avaliara necessidade de adoção de medidas de

vascular disseminada e a síndrome do desconforto respi­

controle, e deverá ser encenada até 60 dias depois.

ratório agudo têm alta letalidade, mas, são de ocorrência

A malária é uma doença infecciosa febril aguda que

incomum no Brasil.

se caracteriza por febre alta acompanhada de calafrios,

A pesquisa dos protozoários da malária é realizada

sudorese e cefaleia, que ocorrem em padrões cíclicos a

pelo exame de sangue em esfregaços ou gotas espessas

depender da espécie do parasita infectante. Geralmente,

que devem ser coradas por quaisquer um dos processos

há uma fase sintomática inicial precedendo a febre clás­

derivados do método Romanowsky, sendo o Giemsa o

sica, com mal-estar, astenia, mialgia e dor de cabeça. A

método preferencial para confirmaro diagnóstico e quan­

febre é irregular no início, podendo atingir 40°C, asso­

tificara parasitemia.

ciada a taquicardia e delirium. O paroxismo febril inicia-

Ressalte-se que, nas síndromes febris agudas, é muito

se com temperatura corporal bastante elevada. Após um

importante a correlação clínico-epidemiológica para de­ finição do diagnóstico. É obrigatório levantara hipótese

período de 2 a 6h, há defervescência da febre, com sudo­ rese profusa e astenia intensa. Passada a fase inicial

descrita, a febre torna-se intermitente. A periodicidade

de malária para paciente febril procedente de áreas endêmi­ cas (Figs. 69.1 e 69.2), como Amazônia Legal, África

Figura 69.1 - Áreas de maior risco no mundo para transmissão da malária.

Febre Intermitente - 421

CAPÍTULO 69

Figura 69.2 - Áreas endêmicas de malária no Brasil. Subsaariana, Nova Guiné, Haiti e leste da Ásia. O início

lumefantrine (Coartem®). Não se deve associarprimaqui­

precoce da terapêutica pode definira evolução do pacien­

na como gametocida para P. falciparum, pois o tratamen­

te, e todo caso suspeito deve ser exaustivamente investi­

to com artemisinina e lumefantrine já proporcionará queda do número de gametócitos. Como segunda linha

gado e notificado.

Essa doença exige um tratamento que atue nas dife­ rentes fases do ciclo do Plasmodium e com isto evite

de tratamento, recomenda-se a associação entre quinino, doxiciclina e primaquina.

recidivas da infecção e elimine os gametócitos. Dentre os medicamentos, existem os esquizonticidas teciduais, que

BIBLIOGRAFIA

agem na forma pré-eritrocítica impedindo a invasão das

ALECRIM, M. G. C. et al. Malária. In: LACERDA, M. V. G.; MOURÃO, M. P. G.; TAVARES, A. M. Maui deRctradaFcn daçãodeMβdicinaTrqticei doAmacras 2. ed., Manaus: Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, 2003, p. 147-157. AMARAL, C. N. et al. A importância do perfil clínico-laboratorial no diagnóstico diferencial entre malária e hepatite aguda viral/Importance of clinicai and laboratoiy profiles forthe differential diagnosis of malaria and acute viral hepatitis. J. Pβdiár. (Rio J.), v. 79, n. 5, p. 429-434, set.-out. 2003. BADARÓ, R.; DUARTE, M. I. S. Leishmaniose visceral (calazar). In: YZ I odelrfαtdαâa 3. ed. VERONESI, R.; FOCACCIA, R. Traía! São Paulo: Atheneu; 2005, p. 1561-1589. BARLAM, T. E; KASPER, D. L. Approach to the acutely ill infected febrile patient. In: FAUCI, A. S. et al. (orgs.). HariscrisPrin ciplescf IγíhteI medicine New York: McGraw-Hill Medicai; 2008, p. 761-6. BOULOS, M. Tratamento (malária). In: VERONESI, R.; FOCACCIA, R. Tr^adodelrfβctric^a 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2005, p. 1625-1629. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Maruá deTcrapática da Maiáia 6. ed. Brasília: Assessoria de Comunicação e Educação em Saúde; 2001.

hemácias. São empregados fundamentalmente para P. vivax e P. ovale. Na Amazônia Brasileira utiliza-se pri­ maquina, 0,5mg/kg/dia (30mg para adultos), durante sete

dias seguidos, com o intuito de reduzir o tempo de uso e

evitar abandonos. Para agir na fase eritrocítica, os medi­

camentos mais empregados para P. vivax e P. ovale são cloroquina e amodiaquina. A cloroquina é utilizada du­ rante os três primeiros dias do tratamento, nas doses de

600mg (quatro comprimidos) no primeiro dia e 450mg

(três comprimidos) nos dois últimos dias, para adultos.

Para crianças, a dose é 10mg/kg no primeiro dia e 7,5mg/kg nos demais. O esquema mais usado é cloroquina nos

primeiros três dias e primaquina nos sete dias seguintes. Para parasitemias importantes, deve-se avaliar o uso de derivados de artemisinina em associação com primaquina.

O tratamento de primeira linha recomendado para P falciparum é a associação de derivados de artemisinina e

422 -

Doenças Infecciosas

CAPÍTULO 69

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de Vigilância Epide­

miológica de Febre Amarela. Brasília: Assessoria de Comuni­ cação e Educação em Saúde; 1999. BURATTINI, M. N. Malária. In: SALOMÃO, R.; PIGNATARI, A. C. C. Infectologia - Guias de Medicina Ambulatorial e Hospita­ lar UNIFESP/Escola Paulista de Medicina. 1. ed. São Paulo: Manole; 2004, p. 289-300. DIRETORIA TÉCNICO-CIENTÍFICA/FUNDAÇÃO DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO ESTADO DO AMAZONAS. Nota Técnica n.

05/2007/DITEC/FVS-AM - Terapêutica para malária pelo Plasmodium falciparum e malária mista, com uso da associação Lumefantrine + Arthemeter; Coartem®. FERREIRA, M. S. Patologia, fisiopatologia, quadro clínico e diagnós­ tico (malária). In: VERONESI, R.; FOCACCIA, R. Tratado de infectologia. 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2005, p. 1615-1624. FERREIRA, M. S. et al. Doença de Chagas. In: VERONESI, R.; FO­ CACCIA, R. Tratado de Infectologia. 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2005, p. 1487-1531. FIGUEIREDO, L. T. M.; FONSECA, B. A. L. Febre amarela. In: VERONESI, R.; FOCACCIA, R. Tratado de Infectologia. 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2005, p. 391-399. FOCACCIA, R. Hepatites virais - quadro clínico das formas agudas. In: VERONESI, R.; FOCACCIA, R. Tratado de Infectologia. 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2005, p. 427-429.

FONSECA, B. A. L.; FIGUEIREDO, L. T. M. Dengue. In: VERONE­ SI, R.; FOCACCIA, R. Tratado de Infectologia. 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2005, p. 345-358. GOMEZ, J. S.; FOCACCIA, R.; LIMA, V.P. Febres tifoide e paratifóide. In: VERONESI, R.; FOCACCIA, R. Tratado de Infectologia. 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2005, p. 921-933. KROGSTAD, D. J. Malária. In: GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. Cecil - Tratado de Medicina Interna. 22. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2004, p. 2421-2426. LOMAR, A. V. et al. Tratado de Infectologia. 3. ed. São Paulo: Athe­ neu; 2005, p. 1241-1257. MELO, F. A. F. et al Tuberculose extrapulmonar. In: VERONESI, R.; FOCACCIA, R. Tratado de Infectologia. 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2005, p. 1186-1192. ROSENTHAL, P. J. Artesunate for the treatment of severe falciparum malaria. NEJM, v. 358, n. 17, p. 1829-36, 2008. SOHSTEN, R. V.; KAYE, D. Endocardites infecciosas. In: VERONE­ SI, R.; FOCACCIA, R. Tratado de Infectologia. 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2005, p. 841-853. WHITE, N. J. et al. (orgs.). Harrison’s Principies of Internai Medi­ cine. New York: McGraw-Hill Medicai; 2008, p. 1280-93.

___________________________________

CAPÍTULO

70

Febre e Manchas na Pele Damiana Montes Santos • Laura de Sena Nogueira Maehara

Uma jovem de 21 anos de idade procura um pron­ to atendimento médico com quadro de manchas na face e no pescoço. Há três dias apresenta discreta diminuição do apetite e desânimo, dois episódios de sensação febril (temperatura não aferida), com melhora nas últimas 24h. Há um dia, eritema na face, não pruriginoso, não doloroso, sem descamação, sem outras lesões como vesículas ou úlceras, que se estendeu à região cervical nas últimas horas, sem outros sintomas associados. A paciente não possui história de doenças significativas anteriores e nem quadros semelhantes prévios. Não faz uso de quaisquer medicamentos ou drogas ilícitas. Não se lembra de contatos próximos que apresentassem os mesmos sinais ou sintomas. É estudante, procedente de São Paulo, sem história de viagens para outras regiões nos últimos meses.

prodrômico se tomam ainda piores, diferentemente

do que aconteceu no caso em tela. • Rubéola: causada por um vírus da família Togaviridae. Período prodrômico com duração de um a

cinco dias, sendo este mais comum em adolescentes e adultos do que em crianças. Esses sintomas consti­

tucionais se resolvem à medida que o rash surge em

direção craniocaudal. Geralmente, o exantema se re­ solve em três ou quatro dias, diferentemente do sa­ rampo, cujo rash pode persistirmais de uma semana.

• Escarlatina: infecção estreptocócica caracterizada por faringoamigdalite e exantema que também tem

início na face e no pescoço, se espalhando para tórax, axilas, abdome e membros. São observadas palidez perioral (sinal de Filatov) e estrias petequiais linea­ res nas regiões flexores (sinal de Pastia). Em segui­

A paciente iniciou quadro com rash cutâneo, febre e sintomas constitucionais, que pode ser definido como

da, ocorre descamação, mais pronunciada em palmas, plantas e nos lábios, desaparecendo dentro de sete

exantema. Esta é uma manifestação usual com doenças

dias. A paciente, no entanto, não possuía sintomas

infecciosas ou em reações adversas a drogas, sendo que

nas vias aéreas superiores.

o uso destas últimas é negado pela paciente. Os exantemas

• Exantema súbito: o herpes-vírus tipo 6 é o agente

são mais frequentes durante a infância do que na idade

responsável por esta infecção, que predomina em

adulta e as causas infecciosas clássicas são:

crianças entre três meses e quatro anos, sendo de muito baixa incidência em adultos. Em crianças, o

• Sarampo: a etiologia é um vírus do gênero Morbilli-

rash geralmente tem início na região cervical e es­

viras, família Paramyxoviridae. Apresenta período

palha-se para o tórax e os membros. Em adultos, as

prodrômico rico em sintomas, o que geralmente

manifestações são semelhantes às da mononucleose.

permite fazer diagnóstico diferencial entre outras

• Eritema infeccioso: manifestação clínica mais comum

doenças exantemáticas. O exantema tem distribuição

da infecção pelo parvovírus B19, predominante na

craniocaudal, porém, é precedido de febre com

infância. Inicialmente, surgem leves sintomas in­

elevadas temperaturas, tosse produtiva, secreções

fluenza-like durante a fase de parvoviremia. O pa­

nasais e oculares, conjuntivite, fotofobia. Após o

ciente permanece assintomático por cerca de uma

aparecimento do rash, todos os sintomas do período

semana quando, então, aparece o exantema. Cerca

Doenças Infecciosas

de duas a três semanas após a infecção inicial, quando já existem anticorpos antivirais circulantes,

rágicas, como epistaxe, petéquias e gengivorragia. Essa é uma possibilidade diagnóstica importante

surge um rash malar, com aspecto de “face esbofe-

para nossa paciente, pois no Brasil a presença do

teada”. O exantema progride com aspecto rendilha­

principal vetorda doença, o mosquito Aedes aegypti,

do e simétrico para o tronco e os membros inferio­

é significativa. Síndrome da mononucleose: caracterizada por febre,

res. Posteriormente, o rash desaparece, porém, pode

recorrer quando há exposição à luz, ao calor ou a exercícios. Em adultos, o rash é menos caracterís­

tico e pode não ser observado. No entanto, é nos

adultos, particularmente em mulheres de meia-idade, que a infecção pelo parvovírus B19 pode provocar significativa artropatia. É importante lembrar ainda que a infecção pelo parvovírus B19 também pode

causar crise aplásica eritrocitária transitória em pacientes que apresentam eritropoiese aumentada previamente (como em esferocitose hereditária) e anemia persistente em pacientes imunocomprome­

tidos. A paciente não relatou manifestações articu­ lares em sua entrevista inicial. •

Varicela: infecção pelo vírus varicela-zoster. O pe­ ríodo prodrômico é discreto e quase concomitante ao surgimento de um rash vesicular e muito pruri­

ginoso. Inicia-se com máculas que progridem para pápulas, vesículas e, finalmente, para crostas num curto período de tempo (24 a 48h). Essas lesões em

diferentes estágios de evolução (polimorfismo) são

observadas simultaneamente em todo o corpo. Têm distribuição centrípeta, sendo mais frequentes em

tronco e face do que em membros. As crostas tendem a desaparecerem uma a duas semanas, deixando

manchas hipopigmentadas que podem persistir meses

ou cicatrizes persistentes. O rash descrito pela jovem não é vesicular e nem pruriginoso.

Outras etiologias também devem ser consideradas em adultos com exantema: • Dengue: infecção causada pelo vírus da dengue com

seus quatro sorotipos (1, 2, 3, e 4). A dengue clás­

sica tem início abrupto, com febre alta, cefaleia, prostração, mialgia, artralgia e dor retro-orbitária; sintomas gastrointestinais também são possíveis.

Cerca de metade dos pacientes com dengue apre­ senta exantema classicamente descrito como macu­ lopapular intenso, que atinge inicialmente o tronco, podendo se espalhar para as extremidades ou para

a face; porém, a erupção considerada típica da den­

gue é um intenso eritema com ilhas de pele sã, durando dois a três dias. Após a fase aguda, pode haver prurido e descamação residual. No final do período febril podem surgir manifestações hemor­

linfonodomegalia e faringite em mais de 50% dos pacientes. Esplenomegalia, hepatomegalia e petéquias no palato surgem em mais de 10% deles. Manifes­ tações ainda menos comuns são anemia hemolítica, trombocitopenia, anemia aplásica, miocardite, he­ patite, úlceras genitais, ruptura esplênica, compli­ cações neurológicas (síndrome de Guillain-Barré, encefalite, meningite), rash cutâneo (mais comum após uso de ampicilina ou outros betalactâmicos). São várias as etiologias para essa síndrome: vírus Epstein-Barr,citomegalovírus, toxoplasmose, infec­ ção aguda pelo HIV, rubéola, hepatite A, infecção pelo herpes-vírus 6 e pelo adenovírus, brucelose, além de linfomas, leucemias e intoxicações por drogas que podem mimetizar o quadro. Sífilis: agente etiológico é o espiroqueta Treponema pallidum. É uma doença de transmissão sexual ou

vertical, sendo necessárias, portanto, mais informa­ ções sobre a atividade sexual dessa paciente. Há um período de incubação de 10 a 90 dias antes do sur­

gimento do cancro duro ou sífilis primária. Essa lesão se caracteriza por uma úlcera indolor, com base rasa e limpa, bordas elevadas e induradas, que surge no local da inoculação (genital ou oral), com linfonodomegalia regional. A lesão pode não ser notada pela paciente e se resolve em duas a seis semanas, sem tratamento. A sífilis secundária se desenvolve quatro a oito semanas depois do surgi­ mento do cancro; algumas vezes pode serconcomi­ tante à lesão primária, com os seguintes sintomas: febre, linfonodomegalia, cefaleia, adinamia, rash cutâneo. O exantema costuma ser maculopapular não pruriginoso, róseo, disseminado, envolvendo particularmente a genitália, a face, as regiões pal­

mares e plantares. Podem ainda ser observadas lesões nas mucosas, alopecia em clareira, alterações un­ gueais e manifestações também em outros órgãos. Enteroviroses: coxsackievírus e enterovírus podem determinara doença da mão, pé e boca. O exantema é mais frequente em mãos e pés, vesicular com pródromos febris e enantema na mucosa oral com

lesões ulcerativas. Síndrome do choque tóxico: agente etiológico Staphylococcus aureus. Instalação fulminante em indi­ víduos previamente sadios. O quadro se desenvolve com febre alta, exantema com subsequente desca-

978-85-4120-074-5

CAPÍTULO 70

424 -

mação, hipotensão, alteração do nível e/ou conteúdo

estas três enfermidades. Apesar dos leves sintomas pro­

de consciência, comprometimento multissistêmico.

drômicos e da ausência da queixa de mialgia, dengue

Associa-se quase sempre ao uso de tampões vaginais

ainda é uma importante hipótese a ser excluída, pela

hiperabsorventes durante o período menstrual. No

epidemiologia da paciente. Exantema, possíveis episódios

entanto, o número de casos sem relação com o pe­

febris e a linfonodomegalia revelada ao exame físico re­

ríodo menstrual vem crescendo. Estes são associados

forçam a ideia de uma síndrome de mononucleose num

a infecções locais e cirúrgicas. A gravidade desse

adulto jovem. A ausência de relações sexuais desprotegi­

quadro não corresponde ao que é descrito pela pa­

das toma menos possível uma doença sexualmente trans­

ciente.

missível como causa, porém, é importante a pesquisa com

exames laboratoriais (sífilis e AIDS). Devem ser destaca­ Não apresenta tosse, rinorreia, alterações oculares, perda ponderal, mialgia, alterações articulares, dor abdominal, diarreia ou quaisquer dados significativos recentes. Não possui mais seu cartão vacinal e não sabe in­ formarsobre vacinação prévia contra rubéola. Nega infecções cutâneas, traumas ou cirurgias re­ centes. Não está no período menstrual. Não são observadas alterações neurológicas. A paciente teve um único parceiro sexual nos últi­ mos dois anos e nega relações sexuais sem preservativos nesse período ou anteriormente. Não foram notadas lesões genitais nas últimas semanas. Não observou al­ terações em seu parceiro. Ao exame físico, a inspeção revela algumas mácu­ las róseas, pequenas na face e no pescoço, sem descamação. No tronco, observam-se máculas e pápu­ las, róseas, confluentes, formando quase um eritema difuso. Nos membros, poucas e esparsas máculas róse­ as, muito pequenas. Não há outras lesões cutâneas. Não se notam alterações nas conjuntivas ou secreções ocu­ lares. À palpação, percebe-se linfonodomegalia nas cadeias suboccipital, cervical posteriore retroauricular, não dolorida, móvel, linfonodos de aproximadamente 1cm de diâmetro, sem alterações em outras cadeias. Não há lesões na mucosa oral ou na orofaringe. A pressão arterial medida é 110 × 70mmHg; temperatura axilar37,2°C; frequência cardíaca de 84bpm; frequên­ cia respiratória de 16irpm; sem alterações às auscultas cardíaca e respiratória. O exame do abdome é indolor, sem esplenomegalia ou hepatomegalia. Não são encon­ tradas lesões genitais e nem linfonodomegalia inguinal. Não há sinais flogísticos articulares. A jovem conta que houve melhora significativa das lesões da face e do pescoço, porém as do tronco lhe parecem novas, não tendo sido notadas até o momento do exame.

dos os seguintes dados: linfonodomegalias retroauricula­

res, cervical posteriore suboccipital; rash com início na

face e que se distribui rapidamente para o tronco. Essas

são características muito comuns em rubéola, mas que

também podem ser observadas em infecções por parvo­ vírus B19 e por enterovírus.

Colhidos exames laboratoriais e a paciente retoma para casa com uma receita de analgésicos e antitérmicos, se necessário. Foi orientada a retomar para nova con­ sulta ambulatorial em três dias, porém deveria voltarao pronto atendimento se novas alterações fossem notadas antes. Houve melhora significativa das lesões cutâneas, sem novos episódios de febre, contudo, nas últimas horas, notou dore edema discretos nas articulações das mãos. Ao exame são observadas ainda esparsas mácu­ las no tronco, sem descamação, sem lesões na face ou cervicais ou em quaisquer outras regiões. A linfonodo­ megalia é palpável nas mesmas cadeias, sem modificações. Nas mãos, nota-se discreto edema, dolo­ roso nas articulações interfalângicas distais e proximais, simétrico, sem eritema, sem acometimento de outras articulações. Todas as hipóteses consideradas podem causar artro­ patias como complicações, mas, o parvovírus B19 e o

vírus da rubéola são os agentes que mais determinam esta evolução. O parvovírus B19 leva a um comprometimento articular simétrico, principalmente nas mãos, mas pode

afetar tornozelos, joelhos e punhos. O quadro pode ser confundido com o da artrite reumatoide, o fator reuma­

toide também pode ser positivo. As manifestações articu­ lares geralmente se resolvem em poucas semanas e,

mesmo que persistam meses ou anos, não há destruição A evolução desse exantema sem outros sintomas sig­

articularporinfecção pelo parvovírus B19. Na rubéola, a

nificativos associados toma menos prováveis infecções

artralgia ou uma artrite franca são incomuns na infância,

como sarampo e escarlatina. Acompanhara evolução

mas ocorrem em mais de 60% das mulheres após a pu­

desse rash, especialmente a duração (persiste maiortem­ po com sarampo) e o possível aparecimento de descama­

berdade. Estes sintomas persistem três a quatro dias e,

ção (muito frequente em escarlatina, pode também apa­

às vezes com um curso flutuante, surgindo quando o rash

recer com dengue), também será importante para excluir

já quase desapareceu.

ocasionalmente, podem durar até um mês ou mais tempo,

CAPÍTULO 70

978 85 4120 074-5

Febre e Manchas na Pele - 425

CAPÍTULO 70

426 - Doenças Infecciosas

Os resultados dos exames mostram: hemoglobina: 12,5; velocidade corpuscular média: 85; leucócitos: 4.500; neutrófilos: 2.025 (45%), sem desvio à esquerda; linfócitos: 1.890 (42%); linfócitos atípicos: 180 (4%); plaquetas: 260.000; VHS: 50; ureia: 10; creatinina: 0,6; sódio: 138; potássio; 3,7; aspartato aminotransferase: 25; alanina aminotransferase: 22; glicemia: 80; testes não treponêmicos para sífilis, VDRL e RPR: negativos; anti-HIV: não reagente; sorologias para vírus EpsteinBarr toxoplasmose, citomegalovírus, parvovírus B19, hepatite A: imunoglobulina M (IgM): negativa; sorolo­ gia para rubéola: IgM reagente.

• Uso de drogas antes do surgimento do rash? As

lesões se resolverão geralmente em dois ou três dias depois de interrompido o uso e, por fim, as sorolo­ gias para causas infecciosas serão negativas.

• Sintomas constitucionais antes das lesões? Relacio­ nados às infecções. Dentre estes, os mais comuns

são fadiga, cefaleia, dor de garganta, diarreia e dor

abdominal. • Há prurido? Mais intenso quando há reação adversa a drogas. Ao exame físico, algumas características ou a ausência

A leucopenia com linfocitose e os poucos linfócitos

atípicos são dados significativos para se pensar numa etio­

logia viral. As sorologias confirmaram a suspeita clínica.

destas serão sugestivas de determinada etiologia, como já

discutido. Nesta paciente, chamam atenção a linfonodo­ megalia cervical e a artropatia nas mãos após o exantema. A rubéola se propaga pela via respiratória e o vírus pode ser excretado por uma a duas semanas, às vezes até

DIAGNÓSTICO FINAL Rubéola.

por mais tempo, após o exantema (representado na Fig. 70.1), mas pode ser também encontrado no trato respira­ tório durante a semana que precede o quadro cutâneo. O

rash aparece quando a resposta imunológica humoral se

inicia e a viremia termina. A linfadenopatia pode persis­ tir semanas depois do exantema. A relação entre as evo­

DISCUSSÃO

luções clínica, virológica e sorológica da infecção pela rubéola é apresentada na Figura 70.2.

A investigação de um exantema deve começar pela sus­

A definição etiológica de um exantema é importante

peita de etiologia medicamentosa ou infecciosa para o

não só para o paciente, mas também para a comunidade

quadro. Alguns questionamentos serão úteis:

em que este vive, pois permite definir possível tempo de

Figura 70.1 - (A e B) Exantema causado pela rubéola. Imagens cedidas pelo Dr. Paulo Sérgio Emerich Nogueira.

Febre e Manchas na Pele - 427

CAPÍTULO 70

Figura 70.2 - Representação das evoluções clínica, virológica e imunológica em infecção por rubéola (Banatvala e Brown, 2004). IgG = imunoglobulina G; IgM = imunoglobulina M.

afastamento do doente de seu trabalho ou da escola, di­

recionarmetas de imunização, estimar riscos para gestan­ tes e pacientes imunocomprometidos. Decidir qual a etiologia mais provável nesses quadros não é fácil porque exige habilidades menos aperfeiçoadas e mais negligen­

ciadas pelo estudante e pelo médico.

Quase toda a descrição anterior do caso se constitui de dados relatados pela paciente e de impressões obtidas pelo examinador.Apenas no último parágrafo os resulta­

dos de exames laboratoriais surgem, porém, estes não são surpreendentes, porque o exame clínico já indicava o

diagnóstico mais provável. Diante de um quadro de exan­

tema, as habilidades de entrevista e exame clínico quase sempre serão capazes de nos permitir adotar condutas acertadas, mesmo ainda sem resultados do laboratório.

BIBLIOGRAFIA BANATVALA, J. E.; BROWN, D. W. G. Rubella. Laret v. 363, p. 1127-37, 2004. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE - SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE - DIRETORIA TÉCNICA DE GESTÃO. Dengue: diagnóstico e manejo clínico. 2. ed.

Brasília: Ministério da Saúde, 2005.

BRITO, C. A. A.; SILVA, N. L.; GOMES, P. Diferentes formas de apresentação de exantema em dengue. Rev. Sα. Bras Med. Trqj., v. 40, n. 3, p. 376-377, 2007. BURNS, T. et al. Rook’s Tstbcckcf Dβ-m^dcg'. 7. ed. WileyBlackwell, 2004. COHEN, J. I. Epstein-Barr viras infection. N. ErgJ. J. Med., v. 343, p. 481-492, 2000. CUTLER, P. CαnosdcrkrH’ prddβnasβn cMrica medica (des dadcsaodrâgxsticc). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. DRAGO, F. et al. Atypical exanthems: morphology and laboratory investigations may lead to an aetiological diagnosis in about 70% of cases. BritidiJ. Dβmá, v. 147, p. 255-260, 2002. DUKE, T; MGONE, C. S. Measles: not just anotherviral exanthema. Laret v. 361, p. 763-73, 2003. DYLEWSKI, J.; DUONG, M. The rash of secondary syphilis. CMAJ, v. 176, n. 1, p. 33-35, 2007. HEININGER, U.; SEWARD, J. F. Varicella. Laret v. 368, p. 1365-76, 2006. LUPI, O.; CARNEIRO, C. G.; COELHO, I. C. B. Manifestações mucocu­ tâneas da dengue. AnBras Dernád, v. 82, n. 4, p. 291-305,2007. SAMPAIO, S. A. R; RIVITTI, E. A. Dnmdri^a 3. ed. São Paulo: Artes Médicas, 2007. VERONESI, R.; FOCACCIA, R. TrétedodelrfβEtricga 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2005. VIVIER, A. Atlas de De mrtrJc^aC lírica 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier 2004. YOUNG, N. S.; BROWN, K. E. Parvovírus B19. N. Erg. J. Med., v. 350, p. 586-97, 2004.

___________________________________

CAPÍTULO

71

Febre e Icterícia

Uma jovem de 26 anos de idade procura o pronto­ -socorro queixando-se de febre, mal-estar geral e náuseas. Refere que os sintomas começaram há aproxi­ madamente quatro dias. Notou, então, que há dois dias estava “amarela”. A febre não cedeu, mesmo com duas doses de dipirona (500mg/dose) nas últimas 24h e a paciente procurou atendimento médico de urgência.

Após a degradação de hemoproteínas dá-se a formação

da bilirrubina por meio da ação das enzimas heme-oxi­

dase e biliverdina redutase. O produto bilirrubina é secre­

tado no plasma, no qual permanece ligado a proteínas

plasmáticas até ser captado pelos hepatócitos. No ambien­

te intracelular ocorre o processo de conjugação, realizado pela enzima uridina-difosfato glicuronil transferase. A bi­

O diagnóstico diferencial para pele amarela é limitado. Além da icterícia, inclui a carotenodermia e a exposição excessiva a fenóis. Carotenodermia é resultado do acú­ mulo de caroteno e surge em indivíduos sadios que con­ somem quantidades excessivas de vegetais e frutas que contêm a substância, como cenoura, mamão, laranjas e abóboras. Diferentemente da icterícia, a coloração da pele não é uniforme concentrando-se em palmas, plantas, fronte e pregas nasolabiais. Outra diferença importante é que poupa as escleras, o que não se dá com icterícia. A exposição a fenóis pode ser facilmente identificada du­ rante a anamnese. O termo icterícia refere-se à coloração amarelada da pele, das escleras e das mucosas, decorrente do acúmulo de bilirrubina. A bilirrubina é um pigmento resultante do metabolismo do heme. A destruição de eritrócitos senis é responsável pela produção de até 70% de toda a bilirru­ bina; o restante provém do metabolismo de outras hemo­ proteínas, como as enzimas do complexo citocromo P-450 e a mioglobina. Após a formação de bilirrubina, esta atinge o plasma, no qual permanece ligado à albumina. Posteriormente, é captada pelos hepatócitos, sofre o pro­ cesso de conjugação e é então secretada na bile e excre­ tada no intestino delgado. A maior parte da bilirrubina é eliminada pelas fezes e apenas uma pequena parte é ex­ cretada na urina. A Figura 71.1 ilustra as principais etapas do metabolismo da bilirrubina.

lirrubina conjugada é então secretada nos canalículos bi­ liares e excretada, pela bile, no intestino delgado. Ao atingir o íleo terminal e o cólon, bactérias da flora intes­

tinal hidrolisam a bilirrubina conjugada, e a transformam na forma não conjugada que é rapidamente transformada

em urobilinogênio por estas mesmas bactérias. Aproxima­ damente 90% dessa substância são excretados diretamen­

te nas fezes; os 10% restantes são absorvidos passivamen­ te e atingem a circulação entero-hepática. A maior parte é recaptada e excretada pelo fígado, mas uma pequena

parte, próximo de 2% de toda a bilirrubina produzida, é submetida à filtração glomerulare excretada na urina como

urobilinogênio.

O acúmulo de bilirrubina pode acontecerem qualquer etapa do seu metabolismo, ou seja, pode haver aumento da produção, diminuição da conjugação ou alterações na

excreção. Tanto em aumento da produção como nas alte­ rações de conjugação existe uma elevação predominante da dosagem sérica de bilirrubina não conjugada; é o caso

das anemias hemolíticas. Quando existe aumento da for­ ma conjugada, a alteração está relacionada ao transporte de bilirrubina para os canalículos biliares ou extravasa­

mento retrógrado do pigmento por impedimento da ex­ creção da bile. Dessa forma, a avaliação inicial do pacien­ te ictérico inclui, após anamnese e exame físico,

Febre e Icterícia - 429

CAPÍTULO 71

Figura 71.1 - Metabolismo da bilirrubina. UDP = uridina-difosfato. diferenciação dos padrões de hiperbilirrubinemia e anor­ malidade de outros exames, principalmente a bioquímica

hepática. A anamnese deve ser cuidadosa e verificar causas

diretas, como intoxicação por drogas, possíveis contami­

nações (parenterais, sexuais, alimentares), contato com pessoas ictéricas, viagens recentes, duração da icterícia e

sintomas associados. Ainda que febre, dor abdominal e perda de peso sejam sintomas inespecíficos, sua presen­

ça pode auxiliara identificação de outras etiologias. O Quadro 71.1 expõe alguns dados que devem serobjetiva­

mente identificados durante a anamnese e que auxiliam o

raciocínio diagnóstico.

QUADRO 71.1 - Informações que auxiliam a avaliação inicial da icterícia • Viagens recentes • Drogas ilícitas • Contato com pessoas ictéricas ou doentes • Promiscuidade sexual • Contato frequente com animais • Histórico vacinal • Comorbidades

• Uso de medicações (prescritas ou não) • Antecedente de hemotransfusão • Etilismo • Contato com crianças • Ocupação • Tatuagens • Alimentação

Todos os sintomas começaram há dois dias e antes deste período a paciente sentia-se perfeitamente bem. Há um dia, além da febre e do mal-estar notou dor abdominal leve no andar superior do abdome. Nega diarreia ou alteração no hábito intestinal; no entanto, percebeu que nas duas últimas evacuações suas fezes estavam mais claras; assim como sua urina parecia mais escura que o usual. Não percebeu lesões cutâneas e pequenos sangramentos. Nas últimas 24h o mal-estar piorou e a paciente começou a se queixar de dor em algumas articulações. A paciente era previamente hígida e nunca teve outros episódios de icterícia. Não relata nenhuma en­ fermidade crônica. A única medicação utilizada é um contraceptivo oral composto de estradiol e acetato de ciproterona. Não sabe fornecer informações precisas sobre as vacinas que tomou. Nunca usou nenhuma droga ilícita. Nega transfusões sanguíneas. Como ex­ posição parenteral tem uma tatuagem feita há seis anos em ambiente supostamente adequado. Mora com o esposo, seu parceiro fixo há quatro anos, e nega uso de preservativos às relações. Etilista social com duas a quatro doses a cada mês. Não tem filhos e seu animal doméstico é um peixe. Não teve contato com nenhuma pessoa ictérica ou sabidamente doente. No entanto, viajou para uma cidade praiana há duas semanas, onde permaneceu na casa da irmã e três sobrinhos, de três, cinco e seis anos, respectivamente. Nega ter ingerido

430 -

Doenças Infecciosas

CAPÍTULO 71

água de origem discutível, porém fez várias refeições em estabelecimentos locais. A distinção entre icterícia obstrutiva e hepatopatia

colestática constitui, em geral, um dos aspectos mais im­ portantes do diagnóstico diferencial. A paciente apresenta

um quadro agudo caracterizado por icterícia, febre, mal­ rúrgicas ou doenças biliares, como colecistopatia calculo­ sa, além de serjovem. Essa apresentação fala a favor de

hepatite aguda colestática, ao invés de icterícia obstrutiva.

O diagnóstico diferencial entre hepatites agudas está lis­ tado no Quadro 71.2. A febre, o mal-estar e a anorexia

ressaltam a possibilidade de uma doença infecciosa, como hepatites virais ou infecções bacterianas. Doenças autoi­

munes com acometimento hepático também podem cursar com icterícia e sintomas constitucionais, inclusive febre,

sendo mais frequentes em mulheres jovens. Analisando a

história referida pela paciente observamos alguns dados

que devem ser valorizados. Ela faz uso de contraceptivos

• Infecções bacterianas - Leptospirose - Febre tifoide - Sífilis secundária - Rickettsioses - Sepse grave • Infecções virais - Hepatites A, B, C, D e E - Febre amarela - Citomegalovirose - Herpes-vírus - Vírus Epstein-Barr • Hepatite alcoólica • Doença de Wilson • Reações a drogas - Acetaminofeno (paracetamol) - Isoniazida - Rifampicina - Contraceptivos orais - Anticonvulsivantes - Sulfa • Infecções por parasitas - Malária - Toxocaríase • Doenças autoimunes: - Hepatite autoimune - Lúpus eritematoso sistêmico

orais que podem cursar com trombose dos vasos hepáticos

(síndrome de Budd-Chiari) e sintomas de alteração hepá­ tica, além de poderem mediar diretamente uma hepatite

tóxica induzida por drogas. Não há antecedentes de práti­

cas sexuais de risco, porém, nega o uso de preservativos e pode, desta forma, estar exposta a doenças sexualmente

transmissíveis, como a hepatite B. Tatuagens ainda são

relacionadas com maior prevalência de hepatites virais, especialmente porvírus B e C. A paciente tem história de

alterações na propedêutica cardiovascular. Abdome pouco dolorido, com hepatomegalia a 3cm do rebordo costal direito. Não se constata esplenomegalia ou sinais de irritação abdominal. Não houve resposta à descom­ pressão brusca e o sinal de Murphy foi negativo. Exame neurológico normal, e não se encontrou nenhuma lesão cutânea à ectoscopia.

viagem recente e contato com crianças, que se mostraram, em alguns estudos, como fatores de risco para intoxicação

O exame físico confirma a icterícia e a febre. Além

alimentarporbactérias e vírus, incluindo o vírus da hepa­

dos sinais inespecíficos, deve-se estar atento para achados

tite A. Algumas áreas praianas do país, principalmente

próprios de doenças hepatobiliares. Não se observam

aquelas com mata atlântica, ainda têm índices significan­

massas abdominais, ou sinais de abordagens cirúrgicas,

tes de malária, protozoária que causa importante hemólise

o que sugere alguma alteração que possa cursar com

e, portanto, aumento das bilirrubinas. Ausência de morde­

obstrução. Tampouco são encontrados estigmas de doen­

duras de animais ou insetos toma menos prováveis leptos­

ça hepática crônica e insuficiência hepática, como eritema

pirose ou rickettsioses, mas também devem ser levadas em

palmar, telangiectasias e spiders, esplenomegalia, circu­

consideração. Os casos de icterícia obstrutiva, por sua vez,

lação colateral, além de ascite. A paciente é eutrófica, sem

estão amiúde relacionados à idade avançada. Febre e dor

sinais de perda ponderal que pudessem sugerir uma pos­

em hipocôndrio direito são observadas em colangite, porém,

sível neoplasia. A hepatomegalia levemente dolorosa

o padrão de febre costuma ser mais alto, com calafrios e

corrobora o diagnóstico sindrômico de hepatite aguda.

a dor abdominal é mais relevante. História prévia de cál­

culos ou cirurgia abdominal são importantes achados que a paciente não possui, mas podem sugerir obstrução nas

Solicitados exames laboratoriais, listados no Qua­ dro 71.3.

vias biliares.

A análise laboratorial é fundamental para o paciente

O exame físico revela icterícia, acometendo pele e escleras. Estado geral regular, temperatura axilar de 38,1°C e frequência cardíaca de 96bpm. Não se obser­ vam lesões na cavidade oral, adenomegalias ou

com icterícia e febre. São essenciais hemograma, provas hepáticas, incluindo aminotransferases, fosfatase alcalina

(FA), gama-glutamiltransferase (GGT), dosagem das bi­

lirrubinas e testes de função hepática. Outros exames

978-85-4120-074-5

-estare anorexia, sem história anterior de abordagens ci­

QUADRO 71.2 - Diagnóstico diferencial entre hepatites agudas

Febre e Icterícia - 431

978 85 4120 074

5

• • • •

• • • • • • • • • • • • • • •

• •

Hemoglobina: 14,3g/dL Hematócrito: 46% Plaquetas: 332.000 células/mm3 Leucócitos totais: 4.630 células/mm3: - Pró-mielócitos: 0 - Mielócitos: 0 - Metamielócitos: 0 Bastonetes: 2% (156 células/mm3) Segmentados: 68% (5.317 células/mm3) Eosinófilos: 2% (157 células/mm3) Basófilos: 1% (79 células/mm3) Linfócitos: 18% (1.408 células/mm3) - Linfócitos atípicos: 0 Monócitos: 9% (704 células/mm3) Velocidade de hemossedimentação: 29nm Proteína C-reativa: 37,6mg/dL Aspartato aminotransferase: 850UI/L Alanina aminotransferase: 1.077UI/L Gama-glutamiltransferase: 68UI/L Fosfatase alcalina: 259UI/L Creatinina: 0,67mg/dL Ureia: 19mg/dL Bilirrubinas totais: 3,9mg/dL: - Bilirrubinas indiretas: 0,6mg/dL - Bilirrubinas diretas: 3,3mg/dL Atividade de protrombina/relação normalizada internacional: 89%/1,13 Tempo de tromboplastina parcial ativada/relação normalizada: 19,4s/0,8

biliar que, na maioria das vezes, cursam com elevação leve a moderada das enzimas. As enzimas ditas colestá­ ticas, FA e GGT, estão presentes em diversos tecidos e

aumentam em inúmeras situações, inclusive nas alterações

hepatobiliares. Devido à sua presença nos canalículos biliares, esses marcadores se elevam com maior signifi­

cados nos processos que envolvem acometimento das vias biliares, como em icterícia obstrutiva. Podem ainda estar relacionados ao consumo de álcool e à lesão mediada por

medicamentos. Esse aumento costuma ser menos pronun­

ciado em doenças hepáticas propriamente ditas. São im­ portantes exames, visto que possuem excelente especifi­ cidade, porém sua sensibilidade é limitada. A elevação de bilirrubinas já era esperada, pois são necessários, em

média, níveis superiores a 3mg/dL para promovera pre­ sença de icterícia clínica, ou seja, acometimento de pele e escleras. Não se observa aumento na fração indireta, o que auxilia a excluir causas que cursam com anemia

hemolítica, como aquela secundária à malária. Os testes que avaliam a função hepática também são importantes ferramentas diagnósticas. A análise da atividade de pro­ trombina (AP) e do tempo de tromboplastina parcial

ativada (TTPa) reflete a função hepática, porque estão alteradas quando há diminuição da produção dos fatores de coagulação, que são todos sintetizados no fígado. Nos

podem ser importantes, como avaliação da função renal,

casos de icterícia obstrutiva costuma estar normais, ou

que pode estar alterada em algumas condições como lúpus,

podem estar discretamente alterados por diminuição da

leptospirose, febre amarela, sepse grave, entre outras.

absorção de gorduras e, consequentemente, de vitamina

O hemograma está normal, anemia ou leucocitose,

K, essencial para a produção dos fatores de coagulação.

fator importante a se considerarem suspeita de infecções

Assim a reposição de vitamina K é capaz de corrigir essas

bacterianas. Observa-se aumento das provas inflamatórias

alterações. Em hepatopatias, as alterações do TTPa e da

inespecíficas, como velocidade de hemossedimentação (VHS) e proteína C-reativa. Esses achados só confirmam

AP decorrem da incapacidade do fígado de produzir os

processo inflamatório agudo, mas são incapazes de dis­

K não altera o resultado do exame.

tinguir entre alterações autoimunes, infecciosas ou neo­ plásicas. Um novo marcador, a procalcitonina, pode ser

A apresentação clínica e o perfil laboratorial com elevados níveis das enzimas hepáticas, aumento modera­

útil para casos em que é necessária a diferenciação entre

do das enzimas colestáticas, hiperbilirrubinemia direta e

um processo infeccioso e outras etiologias. Notam-se

ainda importantes alterações no perfil hepático. Os níveis

discreta alteração das provas de função hepática implicam em que as causas mais frequentes de hepatite aguda devam

das aminotransferases estão muito acima do normal, su­

ser investigadas. Entre as causas mais comuns destacam­

gerindo intensa destruição dos hepatócitos, visto que

-se as infecciosas, principalmente hepatites virais, hepa­

geralmente valores acima de dez vezes os normais indicam

tite tóxica mediada por droga, hepatites autoimunes ou

necrose hepatocelular. Hepatite autoimune pode cursar

hepatite alcoólica. A fraca epidemiologia e a função renal

com intensa inflamação e destruição hepática, proporcio­

normal tomam menos prováveis os diagnósticos de lep­

nando níveis igualmente elevados. Hepatites virais também

tospirose e de febre amarela.

cursam com quadro agudo responsável por níveis de

fatores de coagulação; portanto, a reposição de vitamina

As hepatites virais agudas são doenças causadas por

elevação das aminotransferases, que vão desde 5 até 50

diferentes agentes etiológicos (vírus A, B, C, D e E) que

vezes os valores da normalidade. Já os casos de hepatite

apresentam características epidemiológicas, clínicas e

alcoólica não produzem padrões tão elevados das enzimas

laboratoriais muito semelhantes, exceto pela hepatite C,

hepáticas e geralmente ficam menores que cinco vezes os

que pode ser assintomática durante a infecção aguda. As

valores normais, o que também ocorre com obstrução

hepatites A e E têm ciclo de transmissão oral-fecal, com

CAPÍTULO 71

QUADRO 71.3 - Resultados dos exames laboratoriais solicitados

CAPÍTULO 71

432 -

Doenças Infecciosas

disseminação relacionada a condições de saneamento básico e práticas de higiene. A hepatite B é transmitida

-Chiari) até algumas neoplasias. Quando sob a forma de hepatite aguda, as lesões induzidas por drogas têm apre­

por via paraenteral e pela via sexual, sendo considerada

sentação semelhante às de hepatites virais, com aumento

uma doença sexualmente transmissível. A hepatite C é transmitida por via paraenteral. Os quadros clínicos agu­

importante das enzimas hepáticas. Um padrão colestático também pode ser observado, sendo um diagnóstico dife­

dos das hepatites virais são muito diversificados, varian­

rencial relevante entre os casos de icterícia obstrutiva.

do desde formas subclínicas ou oligossintomáticas até formas de insuficiência hepática aguda grave. A maioria

Fatores que sugerem hepatite tóxica incluem o fato de o paciente estar assintomático antes de ingerira medicação

dos casos cursa com predominância de fadiga, anorexia,

e ocorrer melhora dos sintomas com sua suspensão. No

náuseas, mal-estar geral e adinamia. Nos pacientes sinto­ máticos, o período de doença aguda pode se caracterizar

entanto, a relação entre a droga e a toxicidade nem sempre é clara e precisa. No presente caso, a paciente faz uso

por colúria, hipocolia fecal e icterícia. A grande parte dos

crônico de contraceptivos orais à base de estrógeno, medi­

casos de hepatite tem apresentação clínica sem icterícia, portanto, a ausência deste sintoma não justifica excluir

cação que pode cursar com hepatite tóxica. Como não há etiologia definida, a suspensão dos contraceptivos e a in­

hepatites virais como diagnóstico diferencial. As amino­

vestigação de trombose dos vasos hepáticos são justificáveis

transferases (ALT/TGP e AST/TGO) são marcadores sensíveis de lesão do parênquima hepático, porém, não

pelo quadro clínico e laboratorial. Uma investigação cuidadosa ainda incluiria exame de

são específicas para nenhum tipo de hepatite. A elevação

imagem capaz de avaliara hepatomegalia demonstrada

da alanina aminotransferase (ALT) geralmente é maior

ao exame físico. A ultrassonografia de abdome é um exa­ me simples, de baixo custo e com boa sensibilidade e

que a da aspartato aminotransferase (AST) e já é encon­

trada durante o período prodrômico. Níveis mais elevados de ALT não guardam correlação direta com a gravidade

especificidade para avaliação das vias biliares, fornecendo

ainda mais evidências para se excluir icterícia obstrutiva.

da doença. As aminotransferases, na fase mais aguda da

específicas para avaliação da suspeita de hepatite viral.

A ultrassonografia de abdome total mostra fígado com dimensões aumentadas, com parênquima com dis­ creta heterogenicidade, ausência de dilatações intra ou extra-hepáticas, vesícula biliar sem imagens ecogênicas e com paredes normais. Não se observa esplenomegalia. A análise do fluxo dos vasos hepáticos não demonstra sinal de obstrução, nem alterações do fluxo.

A hepatite autoimune é uma condição encontrada usualmente em mulheres jovens. É uma forma crônica e

Fígado aumentado e heterogêneo também é compatí­

seu diagnóstico é baseado em elevação das aminotrans­

vel com os quadros de hepatite aguda. O exame foi útil,

ferases, ausência de outras causas de hepatites crônicas e

pois evidenciou as vias biliares e não demonstrou sinais

agudas e presença de autoanticorpos específicos, hiperga­

de dilatação destas. A ausência de imagens na vesícula

maglobulinemia e achados histológicos próprios. O qua­

biliar ajuda a afastara hipótese de litíase biliar obstrutiva.

dro clínico pode ter apresentação variável, desde casos

No entanto, podem existir microcálculos não visualizados

assintomáticos até hepatite fulminante.

pelo método, mas que podem ser etiologias de processos

doença, podem-se elevar dez vezes acima do limite supe­

rior da normalidade. Também são encontradas outras al­

terações inespecíficas, como elevação de bilirrubinas, fosfatase alcalina e discreta linfocitose ‒ eventualmente

com atipia linfocitária. São fundamentais as sorologias

Hepatite alcoólica é resultado de toxicidade direta do

agudos, como pancreatites. Não há esplenomegalia, que

álcool e seus metabólitos nas células hepáticas. Além do

se desenvolve em processos crônicos secundários à hiper­

significativo consumo de álcool, observa-se um padrão

tensão portal, como em cirrose hepática, tampouco sinais

específico da relação entre AST e ALT. A relação AST/

de hipertensão portal identificáveis pelo método. O exame

ALT é de pelo menos 2:1 em hepatite alcoólica e os níveis de AST raramente ultrapassam 300UI/mL. A ausência de

também não demonstrou obstrução do fluxo nos vasos

hepáticos.

um padrão de etilismo evidente e os valores de AST e ALT apresentados pela paciente tomam esse diagnóstico muito pouco provável. As hepatites mediadas por drogas podem ter apresen­

tações muito variadas, assim como causas igualmente di­

Solicitam-se perfil sorológico de hepatites virais (A, B e C), marcadores imunológicos relacionados a hepatopatias. Os resultados dos exames estão dispostos no Quadro 71.4.

versas. As apresentações clínicas podem ir de quadros

assintomáticos, hepatites agudas, crônicas, síndrome coles­ táticas, doenças vasculares (por exemplo, síndrome Budd-

Os perfis de autoanticorpos se mostram todos negati­

vos, exceto pelo anticorpo antinuclear (ANA, FAN), que

Febre e Icterícia - 433

• • • • • • • • • • •

Anti-HAV (total): positivo Anti-HAV (IgM): positivo HBsAg: negativo Anti-HBsAg: positivo Anti-HBc (total): positivo Anti-HBc (IgM): negativo Anti-HCV: negativo Antimúsculo liso: negativo Anti-LMK1: negativo Anti-LC1: negativo ANA: 1:16

ANA = anticorpo antinuclear; HAV = vírus da hepatite A; HBc = antígeno core da hepatite B; HBsAg = antígeno de superfície do vírus da hepatite B; HCV = vírus da hepatite C; IgM = imunoglobulina M; LC1 = citosol hepático; LMK1 = microssomal de fíαado e rim.

crônicas, em que somente o anti-HBc total permanece positivo. O perfil sorológico apresentado é compatível

com uma infecção prévia e resolvida pelo vírus B.

Existe ainda a sorologia para hepatite A, resultado da dosagem dos anticorpos contra o vírus da hepatite A (anti-HAV) e da fração IgM destes. A presença de anti-

HAV IgM indica doença aguda pelo vírus da hepatite A. Quando o anti-HAV total é positivo sem anti-HAV IgM,

estamos diante de uma infecção pregressa. A ausência de ambos os anticorpos indica suscetibilidade à doença. Observa-se que no perfil sorológico da paciente, além da anterior infecção por hepatite B, existem marcadores

sorológicos para hepatite aguda pelo vírus A, que, soma­

dos aos quadros clínicos e laboratorial descritos, confirmam o diagnóstico de hepatite aguda pelo vírus A. foi fracamente positivo. Valores acima 1:80 são conside­ rados positivos. Isso tem uma importância ainda maior,

visto que os casos de hepatites autoimunes são confirma­

dos e classificados de acordo com o padrão de autoanti­ corpos encontrados em cada um. Presenças de FAN e de

antimúsculo liso são relacionadas à hepatite autoimune

A paciente é então internada para observação hos­ pitalare tratamento de suporte. Após 72h de internação, é liberada, com remissão da febre e dos sintomas clíni­ cos, exceto icterícia, e com queda dos níveis de AST e ALT e diminuição da hiperbilirrubinemia.

tipo 1, ao passo que anticorpo antimicrossomal de fígado

e rim tipo 1 (anti-LMK1) e anticorpo anticitosol hepático

(anti-LC1) caracterizam o tipo 2. Podem ainda ocorrer

DIAGNÓSTICO FINAL

formas sobrepostas de hepatites autoimunes com outras

etiologias, como cirrose biliar primária, o que altera estes

Hepatite A.

padrões de distribuição dos anticorpos.

O perfil sorológico de hepatites virais mostra anticor­ pos contra os vírus A e B, sendo negativo para vírus C.

Em infecção aguda sintomática pelo vírus C, os anticorpos

DISCUSSÃO

caso, para o diagnóstico de hepatite C aguda é necessário

A hepatite A é causada por um RNA-vírus que infecta somente primatas. É um vírus resistente, permanecendo

um exame que confirme a presença do vírus no corpo,

longos períodos como contaminante do solo e de fontes

como a reação em cadeia da polimerase (PCR) para o

RNA do vírus da hepatite C, além da ausência de anti­

de água. A infecção ocorre principalmente por inoculação oral dos vírus que são transmitidos pelas fezes de porta­

corpos para hepatites A ou B.

dores, seja por contaminação de água e alimentos, seja

podem demorar até seis semanas para se positivar. Nesse

A interpretação da sorologia para hepatite B inclui a

por transmissão direta, inclusive algumas práticas sexuais.

análise dos antígenos de superfície (HBsAg), core e do

O período de incubação vai de 15 até 50 dias, com a

antígeno “e”, este último útil para identificaras fases e

média entre 25 e 30 dias. A transmissibilidade do vírus

direcionar o tratamento de hepatite crônica. O HBsAg

vai de duas semanas antes dos sintomas clínicos, até três

é o marcador da infecção por vírus B e sua positividade

semanas depois. A presença de sintomas está intimamen­

por mais de seis meses indica a forma crônica da doença.

te relacionada com a idade. A icterícia é observada em

A presença do anticorpo contra o antígeno de superfície

até 70% dos adultos infectados, ao passo que somente

(anti-HBsAg) indica imunidade contra a infecção pelo

30% das crianças desenvolvem sintomas, o que auxilia a

vírus B, que pode decorrerde imunização ativa porvaci­ nação ou por clareamento espontâneo da doença, o que

perpetuara transmissão, já que mesmo assintomáticas elas

pode acontecerem 80 a 90% dos casos de hepatite B

Sua disseminação está relacionada a condições de

aguda. O anti-HBc é o marcador de exposição à doença e sua positividade indica doença pelo vírus B. A fração

sanitarismo básico e práticas adequadas de higiene, sendo

de imunoglobulina M (IgM) é positiva nos casos de in­

No Brasil, a prevalência de hepatite A em menores de dez

fecção aguda, ao passo que é negativa em infecções

anos de idade gira em tomo de 32%. A hepatite A repre­

transmitem o vírus.

mais prevalente nas áreas com maior déficit de recursos.

CAPÍTULO 71

QUADRO 71.4 - Resultados dos exames laboratoriais solicitados

CAPÍTULO 71

434 - Doenças Infecciosas

Figura 71.2 - Curso clínico e laboratorial da hepatite A. ALT = alanina aminotransferase; HAV = vírus da hepa­ tite A; IgA = imunoglobulina A; IgM = imunoglobulina M.

senta ainda uma importante causa de surtos de intoxicação

alimentar, consequência de manejo de alimentos por pessoas contaminadas ou por consumo de alimentos crus.

A hepatite A pode ser evitada por meio da administração da vacina, composta de vírus vivos atenuados. É altamente eficaz e de baixa reatogenicidade, com taxas de sorocon­

Os fatores de risco identificados são: contato íntimo

versão entre 94 e 100%. A proteção é de longa duração após

ou sexual com pessoa infectada, homem que mantém

a aplicação de duas doses. Não está disponível no calendá­

relações sexuais com homens, viagens recentes, exposição

rio vacinal de rotina, mas é indicada a hepatopatias crônicas,

a surtos alimentares e contato com crianças ou pessoas

coagulopatias, portadores do HIV, uso de drogas imunos­

que trabalham com crianças.

supressoras, candidatos a transplante e transplantados de

A apresentação clínica nos adultos se assemelha mui­

órgãos sólidos ou medula óssea.

to àquela descrita anteriormente. Pode existir uma fase

pré-ictérica com sintomas constitucionais que geralmente surge de três a sete dias antes da fase ictérica, que cursa

com aumento de bilirrubinas, icterícia podendo ter colú­

ria e acolia fecal associada. Essa fase pode durar de 4 a

30 dias. A Figura 71.2 ilustra o curso clínico e o período de transmissibilidade da doença.

Não há infecção crônica pelo vírus A, porém, alguns pacientes podem desenvolver uma forma prolongada ou

reativação da doença, mantendo o quadro clínico por até seis meses. Menos de 1% dos casos evoluem para hepa­

tite fulminante e estes são mais frequentes em pacientes

adultos, com idade avançada e comorbidades como hepa­

tite crônica. A fatalidade é rara em crianças, mas pode chegara 2% dos pacientes acima de 50 anos.

O tratamento consiste em suporte com hidratação adequada, repouso, dieta balanceada, sintomáticos e pri­ vação de exposição a hepatotoxinas como álcool e drogas

sabidamente hepatotóxicas (por exemplo, paracetamol). Cerca de 30% dos pacientes necessitam de internação por

complicações leves, como desidratação ou graves, como insuficiência hepática.

BIBLIOGRAFIA BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. GbiadeVi^lâriaEpidβnidq^ca 6. ed. Brasí­ lia: Ministério da Saúde, 2005. Disponível em: http://bvsms. saude.gov.bi/bvs/publicacoes/Guia_Vig_Epid_novo2.pdf. Acesso em 31/08/2009. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. Maiu≈idcsCelrcsdeRdeêTiapaalmtrD bidç^ccsE^ecicisICRIE). Brasília, 2006. Disponível em: http://www.infectologia.oig.br/anexos/MS_PNI_manual%20 CRIE%202006.pdf. Acesso em 31/08/2009. BRUNDAGE, S. C.; FITZPATRICK, A. N. Hepatitis A. Am. Fan. PLyáciaiv. 73, n. 12, p. 2162-8, 2006. CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Diíg iriisíiil niaigiiiGl 20% células); esterase não específica positiva

M6

5

Eritroleucemia aguda (eritroblastos)

Precursores eritroides megaloblásticos

M7

1

Leucemia megacariocítica aguda (megacarioblastos)

Megacarioblastos; fator de von Willebrand e Gptn IIb/Iia na membrana

CAPÍTULO 77

se valor. É importante avaliara neutropenia pela alta

CAPÍTULO 77

472 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

Por ser uma doença rapidamente progressiva e com manifestações clínicas de gravidade, a leucemia deve ser

aguda. A manutenção é a última fase do tratamento e im­

prontamente tratada (em geral, nas primeiras 48h do diag­

em base diária ou semanal, em ambulatório, por longos

nóstico). O foco do tratamento é erradicar o clone de célu­

períodos. Em portadores de leucemia mieloide aguda nos

las leucêmicas e restaurara hematopoiese normal na me­

quais não se consegue remissão inicial, ou naqueles com

dula óssea. Porém, muitas vezes esse tratamento específico

recidiva depois da quimioterapia, o transplante de medula

será adiado, tendo em vista as situações de emergência em

óssea (TMO) de irmão ou irmã com antígeno leucocitário

que se encontra o paciente, como hemorragias graves se­

humano (HLA) idêntico fornece a melhor chance de cura.

plica na administração de quimioterapia em baixas doses,

cundárias à plaquetopenia, infecções de difícil controle

secundárias a neutropenia, dentre outras. Nesses casos, deverá ser prestado todo o suporte necessário ao tratamen­

to das complicações em detrimento de um tratamento es­ pecífico contra a leucemia em si. Após a estabilização do

quadro clínico, então, o tratamento da leucemia mieloide

aguda deve ser iniciado visando à remissão da doença.

O tratamento específico da leucemia mieloide aguda é feito por várias fases. A primeira, chamada de indução, constitui-se de quimioterapia agressiva visando à remissão completa do clone leucêmico, o que é atingido em cerca de 60 a 80% dos pacientes. Após essa fase, é a vez da con­ solidação com vários ciclos curtos e repetidos de quimio­ terápicos, visando evitar recidiva da leucemia mieloide

BIBLIOGRAFIA BRITISH COMMITTEE FOR STANDARDS IN HAEMATOLOGY; et al. Guidelines on the management of acute myeloid leukaemia in adults. Br. J. Haanárl, v. 135, n. 4, p. 450-74, 2006. ESTEY, E.; DÖHNER, H. Acute myeloid leukaemia. Laret v. 368, n. 9550, p. 1894-907, 2006 Nov 25. FAUCI, A. S. eta al. HarisαisPrinciplescf Iγíste! Medicine 17. ed. New York: McGiaw-Hill Professional, 2008. FERRARA, F. Unanswered questions in acute myeloid leukaemia. LaretOncd., v. 5, n. 7, p. 443-50, 2004 Jul. GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. A. CailMedfcine 23. ed. Philadelphia: Elseviei; 2007. SMITH, M. et al. Adult acute myeloid leukaemia. Crit Rev. Orrd. Henífcl, v. 50, n. 3, p. 197-222, 2004.

___________________________________

CAPÍTULO

78

Fraqueza Carolina Castro Porto Silva Janovsky • Flávio Ferlin Arbex

Um senhor de 61 anos de idade, encaminhado de uma consulta de rotina no cardiologista, chega ao setor de emergência devido a fraqueza progressiva há seis meses. O paciente, que apresenta cardiomiopatia cha­ gásica conhecida em acompanhamento, vem com fra­ queza progressiva para realizar suas atividades habitu­ ais no barem que trabalha. O paciente refere estarto­ mando as medicações prescritas para insuficiência cardíaca corretamente ‒ captopril, espironolactona, furosemida, carvedilol, digoxina e varfarina sódica. Nega abuso de sal ou água no período. Refere também emagrecimento significativo nesse período. Como an­ tecedente pessoal, paciente natural do interiorde Minas Gerais, tinha diagnóstico de cardiomiopatia chagásica há cinco anos, em acompanhamento ambulatorial des­ de então. Relata tabagismo, cessado há 5 anos (aproxi­ madamente 30 anos-maço). Nega outras doenças. Na família, relata casos de Chagas em dois irmãos ‒ um com acometimento cardíaco e outro colônico ‒ e câncer do trato gastrointestinal em um primo. Estamos frente a um paciente com uma comorbidade que afeta sua qualidade de vida de modo relevante, porém, que parece estar compensada. A queixa que o leva ao pronto-socorro é basicamente fraqueza, diferentemente do cansaço basal que já apresentava, mas que nunca o impediu de trabalhar como caixa de bar

Fraqueza, na linguagem leiga, frequentemente confun­ de-se com astenia, fadiga ou dispneia. Nesse caso, o pa­ ciente nega falta de ar refere apenas “falta de forças” e mal-estar indefinido que só melhora com repouso. É comum menosprezar essa queixa, principalmente em pacientes com diversas comorbidades ou poliqueixo­ sos. É preciso saber que os pacientes dão a ela muita importância, pois, além da sensação desagradável, a fra­ queza impede a execução de atividades rotineiras.

Essa queixa, apesar de vaga, nos leva a pensarem alguns diagnósticos diferenciais (Quadro 78.1).

Ao exame físico, o paciente encontra-se conscien­ te, orientado, com palidez significativa de pele e mu­ cosas, hidratado, emagrecido, anictérico, acianótico e afebril, taquidispneico (frequência respiratória = 24irpm). Apresenta turgência jugular bilateral. Ausên­ cia de linfonodos palpáveis em cadeias cervicais, occi­ pitais ou supraclaviculares. À ausculta cardíaca, bulhas arrítmicas, normofonéticas, em três tempos, com sopro sistólico panfocal. Frequência cardíaca = 90bpm, apro­ ximadamente. Pressão arterial = 110 × 70mmHg. À ausculta pulmonar, murmúrios vesiculares presentes, sem ruídos adventícios, bilateralmente. Alguns sibilos em bases. Abdome plano, flácido, com fígado a 2cm do rebordo costal direito, indolor à palpação, baço não palpável e não percutível. Paciente refere dor à palpação

QUADRO 78.1 - Causas de fraqueza • • • • • • • • • • • • • • •

Miastenia gravis Doenças infecciosas e parasitárias Neoplasias Síndrome da imunodeficiência adquirida terminal Desidratação Hipoglicemia Artrite reumatoide Insuficiência cardíaca Doença pulmonar obstrutiva crônica Insuficiência renal Insuficiência suprarrenal Hipotireoidismo Insuficiência hepática Hipotensão arterial Utilização de medicamentos tranquilizantes por períodos prolongados • Depressão • Anemia grave • Polimiosite

CAPÍTULO 78

474 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

de epigástrio. Toque retal revela próstata aumentada para 30g, sem nodulações, ausência de sangramento ao dedo de luva. Os membros inferiores encontram-se com edema leve perimaleolar. Sem alterações no exame neurológico.

O exame físico relatado condiz com um paciente idoso, com insuficiência cardíaca compensada. O que chama a atenção é o achado do descoramento de pele e encontra-se com a frequência cardíaca elevada demais, o que poderia decorrer de anemia, pois esta costuma ser

acompanhada de ativação do sistema nervoso simpático,

aumentando o débito cardíaco, pelo aumento da frequên­ cia cardíaca. O sopro sistólico pode ser por estiramento

ventricular e consequente disfunção valvar ou pode cor­ roborara hipótese de anemia (cor anemico).

alterações em hemogramas anteriores, devemos buscaras causas por deficiência de ferro ou doença crônica. Sabe­

-se que pacientes que desenvolvem quadros carenciais de ferro são aqueles que apresentam perda sanguínea repe­

tida e crônica. Para o nosso paciente, poderia serjustifi­ cado por episódios hemorrágicos de pequena monta

(comumente gastrointestinais) e em verminoses como a

ancilostomíase. A deficiência de ferro no indivíduo adul­ to é quase sempre causada por sangramento. Deficiência

dietética e verminose raramente podem ser consideradas como causas primárias, podendo, no entanto, agravar o

problema ou interferirna terapêutica. Como já se sabe, a anemia ferropriva na maioria das

vezes não é o diagnóstico final. Por trás de um quadro anêmico sempre existe uma doença de base que deve ser

investigada.

A suspeita de anemia já ficou bem evidente com esse

exame, só restando a confirmação laboratorial.

Os exames, já solicitados pelo médico do ambula­ tório, revelavam: hemoglobina: 6,8mg/dL; hematócrito: 20,2%; volume corpuscular médio: 67fL; hemoglobina corpuscular média: 22pg; concentração de hemoglobi­ na corpuscular média: 28g/dL; leucograma: 12.000/ mm3 (sem desvio); plaquetas: 205.000/mm3; velocida­ de de hemossedimentação: 26mm; creatinina: 1,2mg/ dL; ureia: 64mg/dL; sódio: 139mEq/L; potássio: 4,9mEq/L; cálcio: 8,5mg/dL; glicemia: 96mg/dL; aspar­ tato aminotransferase: 11; alanina aminotransferase: 5; albumina: 2,3mg/dL; tempo de protrombina: 14,5s; atividade de protrombina: 71%; relação normalizada internacional (RNI): 1,22; tempo de tromboplastina parcial ativada = 29s e relação normalizada = 1,07. Radiografia de tórax com índice cardiotorácico aumentado, infiltrados pulmonares discretos bilaterais, sem sinais focais. Eletrocardiograma com ritmo de fibrilação atrial, padrão de bloqueio de ramo direito e alterações da re­ polarização.

Complementando o interrogatório do paciente, este nega dieta restrita em ferro, alimentando-se normal­ mente com carnes e verduras (exceto folhas verdes devido ao uso de varfarina). No contexto da alimenta­ ção, a família só ressaltou que, estranhamente, nos últimos meses o paciente está com o hábito de mastigar gelo, pelo menos uma vez ao dia. Quando questionado sobre sangramentos, ele nega exteriorização em tosse, vômitos ou fezes. Refere, entretanto, que há mais ou menos um mês e meio vem apresentando, esporadica­ mente, fezes mais escuras, com odor muito forte. Nega tontura, dispneia ou síncope ao evacuar. A perversão do apetite, representada pela pica, isto é,

desejo de comer alimentos de baixo valor nutricional como amido, gelo e terra, constitui um sintoma clássico de ane­

mia ferropriva.

A referência sobre fezes enegrecidas, ou em borra de

café, nos sugere presença de melena. Esta se caracteriza por sangue nas fezes, geralmente do trato digestório alto

(esôfago, estômago ou duodeno). Em geral, vem conco­

mitantemente com hematêmese, pois o sangue é irritativo Com esses resultados em mãos, fica como principal hipótese para a queixa de fraqueza a anemia.

Não havia relatos de anemia previamente. Como foi observado nos exames laboratoriais que se tratava de uma

para a mucosa gastrointestinal. Mas quando o sangramen­ to é crônico e de pequena monta, pode passardespercebi­

do pelo paciente, apenas como alteração devido ao hábi­ to alimentar.

anemia hipocrômica e microcítica, vale lembraras prin­ cipais etiologias desse tipo de anemia: • Anemia por deficiência de ferro. • Outras alterações no metabolismo do ferro: anemias

sideroblásticas. • Alterações na síntese de hemoglobina: talassemias. • Anemias da doença crônica.

Pensando em sangramento do trato gastrointestinal, foi solicitada pesquisa de sangue oculto nas fezes, além de perfil férrico. Realizados também exame protopara­ sitológico e coprocultura, que vieram negativos. Resultados dos exames demonstram: pesquisa de sangue oculto nas fezes positiva (três amostras); ferro: 19μcg/dL (49 a 175); ferritina: 37,8ng/mL (28 a 397); transferrina: 188mg/dL (200 a 400).

978-85-4120-074-5

mucosas. Além disso, para um paciente betabloqueado,

Considerando a idade do paciente e que nunca houve

Fraqueza - 475

• Primeiro estágio: ocorre diminuição da ferritina

sérica, elemento do sangue que está diretamente

relacionado às reservas de ferro. • Segundo estágio: a diminuição fica por conta da

concentração de ferro sérico e do aumento da capa­

978 85 4120 074-5

cidade de ligação do ferro. •

Terceiro estágio: restrição da síntese de hemoglobi­ na, instalando-se a anemia.

QUADRO 78.2 - Alterações na ferritina • Elevação - Infecções - Traumas - Múltiplas transfusões sanguíneas - Neoplasias - Hemocromatose - Anemia hemolítica, sideroblástica - Hepatite alcoólica • Redução - Hemorragias digestivas - Hemorroidas - Ulcerações digestivas - Diarreias - Gastrectomias - Neoplasias

O ferro sérico reflete principalmente a quantidade de ferro ligado à transferrina. O ferro é armazenado no tecido ligado a uma proteína chamada ferritina. A hemostasia do ferro é regulada principalmente pela absorção e não pela excreção. Nos estados patológicos, as elevações do

exceção da ligação com o cobre, não há significado fisio­ lógico. É responsável pelo transporte do ferro do seu

ferro sérico podem ser vistas em condições de maior destruição de eritrócitos (anemia hemolítica); formação

local de absorção, no nível intestinal ou nos locais de

sanguínea diminuída (envenenamento por chumbo ou

lulas vermelhas na medula óssea ou para os locais de

deficiência de piridoxina); maior liberação de ferro dos

estocagem de ferro no sistema reticuloendotelial na me­

armazenamentos do corpo (liberação de ferritina em ne­

dula óssea, no fígado e no baço.

catabolismo da hemoglobina, para os precursores de cé­

crose celular hepática aguda); armazenamento defeituoso de ferro (anemia perniciosa); e velocidade aumentada de absorção (hemocromatose e siderose transfusional). A diminuição de ferro sérico é consequência de su­

primento inadequado; aumento da demanda (gravidez, crianças até cinco anos); perda sanguínea; ou combinação

destes. Em condições como infecções e malignidade, o ferro também está reduzido. A ferritina só é dosada quando está ligada ao ferro.

Seu valor normal no sangue varia de 10 a 80μg/L. Um

grama de ferritina pode estocar até 8mg de ferro. A fer­ ritina é uma proteína de estocagem que sequestra o ferro e pode transformar o ferro bivalente em ferro trivalente

ativo. Proteína de maior importância no armazenamento

Devido ao quadro descrito até o momento, fez-se necessária uma investigação detalhada das causas de sangramento, principalmente pelo trato gastrointestinal, principal responsável por sangramentos ocultos, a fim de excluir possíveis lesões do trato gastrointestinal (benignas ou malignas).

O sangramento do trato gastrointestinal (TGI) pode se dividirem sangramento agudo do trato superior(proximal ao ligamento de Treitz), sangramento agudo do trato in­

ferior (distal ao ligamento de Treitz) ou como evidência de sangramento oculto por anemia ferropriva ou teste

fecal positivo para sangue. No caso, observamos perda de sangue oculta nas fezes,

de ferro, normalmente aparece em pequenas quantidades no soro. Em adultos sadios, os níveis séricos de ferritina

ou seja, detecção da perda assintomática de sangue pelo

são diretamente relacionados à quantidade de ferro dis­

TGI. A abordagem inicial deve ser feita por endoscopia

ponível armazenado no corpo e pode ser medida, com precisão, por radioimunoensaio.

digestiva, tanto baixa quanto alta. Recomenda-se iniciar

O valor da ferritina sérica (Quadro 78.2) pode ter

pela colonoscopia devido à maior incidência de afecções

colônicas nessa faixa etária.

aumento de duas a quatro vezes em infecções e processos inflamatórios, o que faz diminuiro seu valor diagnóstico.

Transferrina é uma proteína plasmática do sangue que

transporta o íon ferro, é uma proteína de transporte e carreia o ferro no plasma e no líquido extracelular para

suprir as necessidades teciduais. A ligação com o ferro é estável em condições fisiológicas, mas a dissociação pode ocorrerem meio ácido. É capaz de se ligara outros ele­

mentos, como cobre, zinco, cobalto e cálcio, mas, com

Realizados exame proctológico e colonoscopia, que não evidenciam qualquer alteração. Solicitada, então, endoscopia digestiva alta (Fig. 78.1). Visualizado esôfago com calibre, trajeto e dis­ tensibilidade normais. Mucosa íntegra em toda a extensão, sem alterações. Transição esofagogástrica coincidente com pinçamento diafragmático. Não há sinais de hérnia de hiato ou varizes. Estômago com lago mucoso em pequena quantidade, sem resíduos alimen-

CAPÍTULO 78

O déficit de ferro processa-se no organismo em três estágios:

CAPÍTULO 78

476 - Problemas Gerais em Clínica Médica

tares. Em pequena curvatura e parede posterior do corpo gástrico observa-se extensa lesão ulceroinfiltra­ tiva (Borrmann III), medindo cerca de 8cm, irregulare friável ao toque do aparelho (Fig. 78.1). Realizadas múltiplas biópsias. Mucosa de antro sem alterações. O hiato é ajustado ao aparelho quando observado em re­ trovisão. O piloro é centrado e pérvio, sem lesões. Duodeno possui primeira porção com forma preserva­ da e mucosa de aspecto normal e segunda porção sem alterações. Teste da urease para pesquisa de Helicobac­ terpylori positivo. Resultado da biópsia: adenocarcinoma tubular de estômago bem diferenciado (tipo intestinal).

Figura 78.2 - Borrmann I: lesão polipoide ou vege­ tante, bem delimitada.

O recurso endoscópico é importante para o diagnós­ tico e a avaliação do câncer gástrico.

O diagnóstico de acuidade da endoscopia digestiva

Figura 78.3 - Borrmann II: lesão ulcerada, bem deli­ mitada, de bordas elevadas.

alta com biópsia e citologia chega a 95 a 99% para câncer

gástrico. Uma úlcera maligna se caracteriza por massa em torno da lesão com pregas irregulares e base irregular.A

localização mais comum é na transição de corpo e antro,

na pequena curvatura (incisura angularis). A apresentação macroscópica do câncer gástrico avan­

çado é bastante variável. A classificação de Borrmann é

Figura 78.4 - Borrmann III: lesão ulcerada, infiltrati­

a mais utilizada entre os endoscopistas (Figs. 78.2 a 78.5).

va em parte ou em todas as suas bordas.

O estadiamento desse tipo de cânceré baseado na clas­ sificação tumor-linfonodo-metástase (TNM) ‒ Tabela 78.1. A partirda classificação TNM, define-se o estadiamen­ to dos tumores gástricos, procedimento essencial para se estabelecero prognóstico de cada paciente ‒ Tabela 78.2. Nos exames complementares para estadiamento, não foram localizadas metástases a distância.

Figura 78.5 - Borrmann IV: lesão difusamente infil­ trativa, não se notando limite entre o tumor e a mu­ cosa normal.

Solicitada avaliação da gastrocirurgia, que indicou tratamento cirúrgico após estabilização clínica.

A endoscopia já nos mostrou tamanho do tumor, lo­ calização, características macroscópicas e tipo histológi­

co. Uma tomografia computadorizada nos auxiliará na investigação da ressecabilidade da lesão, invasão de órgãos adjacentes e detecção de metástases. A tomografia heli­

coidal aumentou a acurácia da avaliação da invasão da

parede gástrica (T), que se encontra em torno de 77% com o método, e o índice de subestadiamento está em torno de 19%. Já a ultrassonografia endoscópica parece

sero método mais adequado para se avaliara profundi­ dade da lesão. Quando as lesões não são ulceradas, sua

acurácia é de 91% em tumores precoces. O método tam­ bém é de grande importância para avaliara ressecabili­

Figura 78.1 - Lesão uIceroinfiItrativa em corpo gástrico.

dade. O comprometimento linfonodal (N) pode serava-

Fraqueza - 477

Classificação

Descrição

T

Tumor primário (grau de penetração da parede gástrica)

T0

Sem evidências de tumor primário

Tis

Carcinoma in situ: tumores intraepiteliais sem invasão da lâmina própria

T1

Tumor invade lâmina própria ou submucosa

T2

Tumor afeta mucosa e submucosa, sem ultrapassar a serosa

Após duas semanas da internação, o paciente foi submetido à gastrectomia total, com reconstrução a Billroth 2 (gastrojejunoanastomose laterolateral). Evo­ luiu de modo estável. A remoção cirúrgica do tumor oferece a única chance de cura, que só é possível em 25 a 30% dos casos. Pode-se

realizar gastrectomia subtotal se o tumor estiver na parte

distal do estômago, com ressecção de linfonodos na porta hepatis e cabeça do pâncreas. Se o tumor for proximal,

Tumor ultrapassa serosa sem invasão de órgãos vizinhos

proceder à gastrectomia total para obter margem cirúrgica

T4

Tumor afeta toda a parede gástrica e invade estruturas adjacentes

e a esplenectomia podem ser feitas como parte desse

TX

Grau de invasão indeterminado

N

Gânglios linfáticos regionais

NO

Sem metástases para linfonodos

N1

Metástases para gânglios linfáticos perigástricos a < 3cm do tumor primário

N2

Metástases para gânglios linfáticos perigástricos a > 3cm do tumor primário ou linfáticos ao longo das artérias gástrica esquerda, esplênica, tronco celíaco e artéria hepática

T3

NX

Metástases ganglionares desconhecidas

M

Metástases a distância

MO

Sem metástases a distância

M1

Com evidências de metástases a distância (exceto por continuidade)

adequada e remover linfonodos. A pancreatectomia distal

procedimento.

DIAGNÓSTICO FINAL • Câncer gástrico. • Doença de Chagas (acometimento cardíaco). • Fibrilação atrial crônica. • Anemia ferropriva.

DISCUSSÃO Observamos um paciente sabidamente portador de car­

diomiopatia chagásica com insuficiência cardíaca, enca­ minhado ao pronto-socorro devido a quadro de fraqueza TABELA 78.2 - Estadiamento do câncer gástrico com base na classificação tumor-linfonodo-metástase (TNM)

Estádios evolutivos

Grupos TNM correspondentes

0

Tis, N0, M0

IA

T1, N0, M0

IB

T1, N1, M0 T2, N0, M0

II

T1, N2, M0 T2, N1, M0 T3, N0, M0

IIIA

IIIB

IV

T2, N2, M0 T3, N1, M0 T4, N0, M0 T3, N2, M0 T4, N1, M0 T4, N2, M0 Qualquer T, Qualquer N, M1

progressiva, sem sinais de descompensação aguda da doença de base. Nessa situação, é necessário investigar,

principalmente com história e exame físico, as prováveis causas de uma queixa tão inespecífica, como fraqueza, guiando-se assim a pesquisa com exames complementares.

Neste caso, foram excluídas as causas comuns de piora da classe funcional em pacientes com insuficiência car­ díaca. Abusos dietéticos e má adesão ao tratamento foram

excluídos apenas com a historia, e infecção, com exames

físico e subsidiários. Estes, no entanto, nos mostraram

anemia significativa sem causa aparente, tornando-se prioritária a busca pela etiologia, já que a anemia é apenas

um sintoma e não uma doença propriamente dita. Base­ ando-se nos índices hematimétricos, ficou clara a etiolo­ gia ferropriva da anemia. É sabido que, principalmente na faixa etária do paciente, sangramentos ocultos do

trato gastrointestinal estão relacionados à anemia, por liado pela tomografia computadorizada (acurácia de 25 a

causas malignas ou benignas, fazendo-se necessária a

51%) e pela ultrassonografia endoscópica (acurácia de 74

investigação detalhada desse sistema. Inicia-se com exa­

a 87%). A laparoscopia também é de grande importância

me abdominal e proctológico até exames subsidiários

para a avaliação do estádio do câncer gástrico, principal­

como pesquisa de sangue oculto nas fezes e imagens

mente em cânceres avançados.

(colonoscopia e endoscopia digestiva alta). Neste caso, a

CAPÍTULO 78

TABELA 78.1 - Classificação tumor-linfonodo-metástase (TNM) aplicada ao câncer gástrico

478 - Problemas Gerais em Clínica Médica

BIBLIOGRAFIA

GAMA-RODRIGUES, J.; LOURENÇO, L. G.; FORONES, N. M. Câra doestânagp Atiíiizaãitαipciika São Paulo: Artes Médicas, 2007. rei GOLDMAN, L; AUSIELLO, D. Cαil TiítakjdeMαliciralrta na 22. ed. São Paulo: Elsevier; 2005. KUDO, S. Eérk cdcrαtei caiff - dctoctkncf dqnc≠rd types cf cdcrectci cacirona Tóquio: Igaku-Shoin, 1996. MARINO, P. L. CcmpâdiodeUTI. 3. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2008. MARTINS, H. S.; SCALABRINI NETO, A.; VELASCO, I. T. Ema g^nciasclíricasbasGedasGir evidencias São Paulo: Atheneu, 2006. RASUL, I.; KANDEL, G. P. An approach to iron-deficiency anemia. CaiJ. Gastroated., v. 15, n. 11, p. 739-47, 2001. REYES LÓPEZ, A. et al. Iron-deficiency anemia due to chronic

COBAN, E; TIMURAGAOGLU, A.; MERIÇ, M. Iron deficiency anemia in the elderly: prevalence and endoscopic evaluation of the gastrointestinal tract in outpatients. ActaHaanád., v. 110, n. 1, p. 25-8, 2003. CUTLER, P. Conosdixicna prdrtβnasen ClíricaMédica 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Kogan, 1999.

gastrointestinal bleeding. Rev. Eqr. Erfam. Dig, v. 91, n. 5, p. 345-58, 1999. ROCKEY, D. C. Occult gastrointestinal bleeding. Gastroatod. Clin NcrthAm., v. 34, n. 4, p. 699-718, 2005. RYAN, J.; MURKIES, A. Diagnosis of upper gastrointestinal malignancy. Acet Fan. PFysciaiv. 35, n. 4, p. 200-1, 2006.

CAPÍTULO 78

endoscopia digestiva alta indicou lesão em região gástri­ ca que, o estudo anatomopatológico concluiu ser um adenocarcinoma tubular de estômago bem diferenciado

(tipo intestinal). A partir desse momento, é necessário fazer o primordial ao se diagnosticar qualquer neoplasia

maligna: estadiamento. Com ele em mãos estamos aptos para avaliara melhor forma de tratamento, curativo ou

paliativo. No caso, foi possível optar pela cirurgia, sendo esta a única possibilidade de tentativa de cura em câncer

gástrico.

Coma Marcelo Marinho de Figueiredo José Luiz Pedroso

Paciente do sexo feminino, 58 anos de idade, é le­ vada pelo filho ao setorde emergências, pois há cerca de 20min encontrou a mãe inconsciente no banheiro de sua casa. Como antecedentes, relata apenas depressão e hipertensão arterial. A lista de medicações utilizadas inclui: dipirona, diclofenaco, propranolol e amitriptili­ na. Foram encontrados comprimidos de propranolol e amitriptilina na pia do banheiro, mas os familiares não sabem especificar sobre ingestão da medicação.

O caso clínico relata sua paciente admitida em setorde emergências com quadro de rebaixamento do nível de consciência (RNC), coma, de etiologia a esclarecer. O

coma pode ser definido como um estado de irresponsivi­ dade, em que o paciente permanece com os olhos fecha­

dos e não pode ser despertado ao estímulo vigoroso; en­ tretanto, pode-se observar resposta motora inespecífica e

Patrícia Rocha de Figueiredo •

focais no início do quadro e relato de parada cardíaca. No caso em foco destacam-se a hipertensão arterial sistêmica, fatorde risco para diversas causas de coma mostradas no Quadro 79.1 e o antecedente de depressão associado à

existência de comprimidos no domicílio da paciente, sugerindo um quadro de intoxicação. Ao exame, a paciente está em coma: sem abertura ocular, não obedece aos comandos e sem resposta ao estímulo doloroso (escala de coma de Glasgow: 3). Frequência respiratória = 10ipm; frequência cardíaca = 40bpm; pressão arterial = 100 × 70mmHg; saturação de O2 = 94% aa; temperatura axilar= 37°C; glicemia capilarde 85mg/dL; pupilas isocóricas e fotorreagentes, sem sinais de irritação meníngea, sem desvio do olhar. Avaliação dos nervos cranianos normal. Não há altera­ ções à ausculta pulmonar ou cardíaca. O exame do abdome é normal. Não há sinais de trauma.

careta, sem, no entanto ter uma resposta defensiva direta

contra o estímulo. Trata-se de uma situação com extenso

O exame físico geral é uma importante fonte de infor­

diagnóstico diferencial (Quadro 79.1) e tempo limitado para ação, desafiando o médico que, rapidamente, deve

mações na investigação diagnóstica, devendo-se dar ên­ fase a alguns pontos fundamentais. Na avaliação dos sinais

iniciaras medidas para salvara vida e investigar se a

vitais, hipertensão pode sugerir encefalopatia hipertensi­

causa é metabólica ou estrutural.

Nessa situação, existe impossibilidade de fornecimen­

va, hipertensão intracraniana (HIC) quando associado à bradicardia, intoxicação (cocaína, anfetamina, anticoli­

to de informações pelo paciente, ganhando importância o

nérgicos) ou acidente vascular cerebral. Hipotensão surge

relato obtido de familiares, paramédicos, acompanhantes

ou policiais, tendo por objetivo principalmente esclarecer

em casos de sepse, cardiomiopatia ou intoxicação (anti­ hipertensivos, álcool, barbitúricos). Hipertermia usual­

a etiologia. Deve-se questionar sobre sintomas anteriores

mente significa infecção, mas intoxicação com anticoli­

ao RNC, forma de instalação do quadro (súbito ou insi­

nérgico é outra possibilidade. Deve-se seguir com a

dioso), presença de comorbidades (hipertensão, diabetes, epilepsia, depressão, tentativas de suicídio, uso de drogas,

busca por traumas, mordedura de língua (convulsão),

hepatopatia, nefropatia), medicações em uso, sintomas

petéquias (meningite bacteriana), alterações na coloração

alterações no hálito (por exemplo, etílico ou urêmico),

480 - Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 79

QUADRO 79.1 - Causas de coma • Simétrico não estrutural - Toxinas - Drogas - Distúrbios metabólicos ■ Hipóxia ■ Hipercapnia ■ Hiper ou hiponatremia ■ Hipoglicemia ■ Cetoacidose diabética ■ Hipotermia ■ Hipocalcemia ■ Hipermagnesemia - Encefalopatia hepática - Uremia - Hipotireoidismo - Encefalopatia de Wernicke - Acidose lática - Infecções do sistema nervoso central ou sistêmicas - Catatonia - Pós-ictal de crise convulsiva - Encefalopatia hipertensiva • Simétrica estrutural - Supratentorial ■ Oclusão carotídea bilateral ■ Trombose de seio sagital ■ Hemorragia subaracnóideo ■ Hemorragia talâmica ■ Trauma cranioencefálico ■ Hidrocefalia - Infratentorial ■ Oclusão basilar ■ Mielinólise pontina ■ Hemorragia pontina • Assimétrica estrutural - Supratentorial ■ Abscesso cerebral ■ Tumor unilateral com herniação ■ Embolia gordurosa ■ Hemorragia subdural ■ Hemorragia intraparenquimatosa ■ Acidente vascular cerebral isquêmico extenso ■ Endocardite bacteriana ■ Coagulação intravascular disseminada ■ Esclerose múltipla ■ Empiema subdural ■ Encefalomielite disseminada aguda - Infratentorial ■ Infarto de tronco cerebral ■ Hemorragia em tronco ■ Encefalite de tronco

• Pupilas médio-fixas (4 a 6mm): lesão mesencefálica. • Pupilas dilatadas fixas (maior que 8mm): lesões no mesencéfalo, no terceiro nervo craniano ou seu

núcleo bilateral, encefalopatia anóxica ou intoxica­ ção por atropina.

• Pupila dilatada e fixa (unilateral): lesão do terceiro nervo craniano ou seu núcleo unilateral.

• Pupila miótica com fotomotor preservado unilateral:

síndrome de Claude-Bernard-Horner (miose, ptose e enoftalmia), lesões da cadeia simpática ou tálamo

ipsilateral.

A posição ocular mostrando desvio horizontal do olhar

para um lado significa lesão do lobo frontal (desvio para

o lado da lesão), lesão pontina (desvio para o lado opos­ to à lesão) ou atividade epileptiforme (desvio do olhar

contralateralmente ao foco epileptogênico). Na avaliação

do olhar vertical, o desnivelamento dos olhos, skew de­ viation, sugere lesão no tronco encefálico e o desvio conjugado para baixo (sinal de Parinaud) indica lesão do teto mesencefálico. À movimentação podemos ter bobbing ocular(movimento rápido para baixo seguido por elevação

lenta) nas lesões pontinas e movimentação ocular em varredura (pingue-pongue) significando disfunção hemis­

férica bilateral. O fundo de olho pode mostrar papiledema

em HIC, meningite ou encefalopatia hipertensiva. Os reflexos de tronco podem ser avaliados no paciente co­

matoso.

O exame motor deve avaliar postura, reflexos osteo­ tendíneos, movimentação espontânea ou reflexa, tônus, reflexos cutâneo-plantar e cutâneo-abdominal. A postura

em decorticação se relaciona a distúrbio funcional dos

hemisférios cerebrais ou tálamo. Pode haver descerebra­ ção em lesões na ponte ou no diencéfalo.

A presença de sinais de irritação meníngea sugere

meningite, meningoencefalite ou hemorragia subaracnói­ dea. Mioclonias estão presentes principalmente na ence­ falopatia hipóxico-isquêmica, mas deve-se lembrar de

intoxicação por lítio, cefalosporinas ou pesticidas.

da pele (intoxicações), sinais de doença hepática crônica,

Na paciente citada, o exame físico confirma uma pa­

sudorese profusa (intoxicação colinérgica, síndrome se­

ciente comatosa, sem sinais focais ao exame neurológico,

rotoninérgica ou síndrome neuroléptica maligna) e alte­

afebril, sem sinais meníngeos, euglicêmica, bradicárdica

rações no padrão respiratório.

e hipotensa. Na ausência de sinais localizatórios ao exame

A avaliação neurológica é breve e direcionada para

neurológico, é menos provável ter uma causa estrutural

determinar se a causa é estrutural ou por disfunção me­

como etiologia para o quadro; entretanto, somente por

tabólica. O exame pupilar pode evidenciar:

meio da complementação com um exame de imagem esta

causa poderá ser descartada. As infecções do sistema • Pupilas mióticas com reflexo fotomotor: encefalopa­

nervoso central ainda não estão descartadas; numa menin­

tia metabólica ou intoxicação por opioides; se menores

gite bacteriana, não há rigidez de nuca em 70% dos pa­

que 2mm (puntiformes) indicam lesões pontinas.

cientes, porém, 94% deles apresentam febre à admissão.

Coma - 481

renal, eletrólitos, enzimas e função hepática, gasometria

arterial, testes toxicológicos e eletrocardiograma. Em pacientes febris devem-se coletar culturas. Após estabili­

Realizada intubação orotraqueal (com ventilação mecânica) devido ao rebaixamento significativo do nível de consciência. Paciente foi submetida à monito­ rização cardíaca e respiratória. Providenciado acesso venoso. Administrada tiamina por via venosa (300mg), sem melhora do nível de consciência.

dade hemodinâmica, pode-se aprofundara investigação com de tomografia do crânio.

Neste caso, a investigação inicial com eletrocardio­

grama mostrou bradiarritmia com instabilidade hemodi­ nâmica (BAV de terceiro grau com QRS alargado). A

terapia do BAV de terceiro grau de causa indefinida con­ A abordagem inicial ao paciente comatoso deve ser

siste em evitar medicações que diminuam a condução

feita com o ABC primário: manejo de vias aéreas (entu­ bação orotraqueal, se houver insuficiência respiratória ou

atrioventricular,uso de atropina para revertera diminuição

necessidade de proteção de vias aéreas), oxigenação su­

e implantação de marca-passo.

da condução atrioventricular induzida pela resposta vagal

plementar para manter saturação de oxigênio maior que

Diversas drogas podem causar bradicardia e hipoten­

90%, acesso venoso adequado com correção das alterações hemodinâmicas e monitorização cardíaca. A administração

são, entre elas bloqueadores dos canais de cálcio, beta­

bloqueadores, digoxina, clonidina e agentes colinérgicos.

de 25g de glicose a 50% (50mL) após acesso periférico estabelecido poderia ser realizada mesmo não havendo

hipoglicemia, juntamente com tiamina, 100mg (a admi­ nistração da glicose pode precipitar encefalopatia de

Wernicke), uma vez que o emprego de glicose num pa­ ciente comatoso previamente hiperglicêmico dificilmente

Enquanto se aguardava os exames, opta-se, em caráter de urgência, pela passagem de sonda nasogás­ trica e administração de carvão ativado, além de hidratação vigorosa. Nesse momento, um dos filhos relata que a mãe já havia tentado suicídio com ingestão de uma cartela de diazepam.

será prejudicial.

Neste momento, caso houvesse suspeita de intoxicação por opioides, poderia ser administrada empiricamente naloxona na dose de 0,4 a 2mg, por via endovenosa, em

3min, com manutenção de 0,8mg/kg/h, restaurando o nível de consciência rapidamente. O flumazenil (0,2mg, via intravenosa, em 1min, podendo-se repetira cada minuto

até dose máxima de 1mg) deveria ser administrado em suspeita de intoxicação por benzodiazepínicos, entretanto, não deve ser administrado em pacientes com história de

convulsões, que fazem uso de antidepressivos tricíclicos, ou com eletrocardiograma com alargamento de QRS.

Após as medidas do ABCD primário, podem-se tomar

medidas específicas. Diante de uma paciente em uso de antidepressivo, tendo sido encontrados comprimidos da medicação na pia, ao exame sem sinais localizatórios,

com arritmia, relato de tentativa anterior de suicídio, a intoxicação exógena é a principal hipótese diagnóstica e deve-se iniciar seu manejo. Procede-se à hidratação ve­

nosa vigorosa e ao uso do carvão ativado, uma vez que havia no mínimo 20min de instalação do quadro com possível tempo de ingestão menor que 1h.

Na vigência de sinais e sintomas de herniação cerebral

Havendo suspeita de intoxicação exógena é importan­

é necessário manejo urgente, mesmo sem imagem do

te solicitar auxílio do centro de referência em toxicologia

crânio, que inclui uso de manitol (0,5 a 1g/kg, via endo­ venosa) e hiperventilação.

responsável pela região. A administração de um antídoto,

Opta-se pela realização de eletrocardiograma, o qual revela bloqueio atrioventricular(BAV) de terceiro grau e alargamento do QRS. A paciente evolui com hipotensão (PA = 80 × 50mmHg). Iniciada expansão volêmica. Administrada atropina, 1mg a cada 5min até a dose de 0,03mg/kg, com resposta transitória. Opta-se pormarca-passo transcutâneo provisório, com estabi­ lização da FC em 70bpm e pressão arterial média de 80mmHg. Implantado acesso venoso central. Coletados exames gerais, incluindo perfil toxicológico. Simultaneamente ao manejo inicial devem sercoleta­ dos exames gerais como hemograma, glicose, função

quando disponível, pode ser crucial na evolução dos casos.

Os exames iniciais revelam: hemoglobina de 11,8; hematócrito de 35,4%; leucócitos: 7.500, sem desvio; plaquetas: 160.000; creatinina: 1,5; ureia: 50; eletrólitos sem alterações (sódio, magnésio, cálcio e fósforo), exceto potássio de 6,5 (eletrocardiograma sem sinais de hiperpotassemia). Alanina aminotransferase: 25; aspartato aminotransferase (AST): 32; gama-glutamil­ transferase: 100; fosfatase alcalina: 68; bilirrubinas totais: 1,5; atividade de protrombina: 90%; tempo de tromboplastina parcial ativada relação: 1,26; glicemia: 100; creatina quinase, CKMB e troponina nos limites da normalidade; urina I: cetonúria ausente. Gasometria arterial com fração inspirada de oxigênio 100%:

CAPÍTULO 79

As principais etiologias para o quadro são intoxicação exógena e distúrbio metabólico.

CAPÍTULO 79

482 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

pH = 7,35; pressão de dióxido de carbono = 30; pressão de oxigênio = 290; BIC = 18; BE - 5; saturação de O2 = 98%, lactato = 8. Tomografia computadorizada do crânio sem alterações.

alucinações, confusão, convulsões (antagonismo GABA) ou delirium, além de arritmias, atrasos de condução car­ díaca, hipotensão e efeitos anticolinérgicos (hipertermia,

flushing, midríase, pele e mucosas secas, taquicardia,

retenção urinária e constipação). Diante das etiologias possíveis para o paciente coma­

toso, os exames gerais podem ser decisivos na definição da causa e no diagnóstico das complicações. O leucogra­

ma sem alterações torna improvável uma causa infeccio­

sa e os eletrólitos (sódio, magnésio, cálcio e fósforo)

normais os excluem da etiologia. Hipercalemia e acidose metabólica são características da intoxicação porbetablo­

queador; a elevação discreta da creatinina poderia refletir

insuficiência renal crônica secundária à hipertensão; a euglicemia não é característica de intoxicação por beta­

bloqueador, que cursa com hipoglicemia; e a normalida­ de das enzimas cardíacas não exclui ainda lesão miocár­ dica, pois não houve tempo hábil para sua elevação. A

tomografia normal torna improvável o diagnóstico de

lesões estruturais, mas em casos de elevada suspeita devese solicitar ressonância nuclear magnética do crânio. Após uma semana de cuidados intensivos (UTI), a paciente foi extubada e liberada para o quarto. Depois de acordar revelou ter ingerido 20 comprimidos de amitriptilina e 10 comprimidos de propranolol.

A alteração eletrocardiográfica mais comum é o alar­

gamento do QRS, podendo-se observar taquicardia sinu­ sal pelo efeito anticolinérgico ou devido à instabilidade hemodinâmica. O tratamento específico é lavagem gástri­

ca na primeira hora, seguida de carvão ativado em múl­ tiplas doses e, havendo QRS alargado ou arritmia, deve-se infundir bicarbonato de sódio (850mL de soro glicosado

+ 150mEq de bicarbonato de sódio a 8,4%), 200 a 300mL/h, via endovenosa, e monitorizar o pH sérico (maior que 7,5). As arritmias ventriculares que não respondem à al­ calinização podem ser tratadas com lidocaína. Em pacien­

tes com convulsão, devem-se usar benzodiazepínicos. A diálise não é efetiva. Os vasopressores estão indicados à

hipotensão refratária à expansão volêmica e à terapia com bicarbonato. Os betabloqueadores são medicações usadas em

larga escala na população brasileira, pois são emprega­

dos no tratamento de hipertensão, insuficiência corona­ riana, arritmias, enxaqueca e tremor essencial, por

exemplo. O propranolol possui atividade estabilizadora da membrana do miocárdio (inibição dos canais rápidos de sódio) e pode causar alargamento do QRS e poten­

DIAGNÓSTICO FINAL

cializar outras arritmias. O quadro clínico é composto

Intoxicação exógena por antidepressivo tricíclico e beta­

potensão e, pela sua elevada solubilidade lipídica, cruza

bloqueador

a barreira hematoencefálica causando convulsões e de­

de náuseas, vômitos, pele fria e pálida, bradicardia, hi­

lirium. O eletrocardiograma pode demonstrar também BAV de primeiro, segundo e terceiro graus, bloqueios

DISCUSSÃO

de ramo ou assistolia. Na avaliação laboratorial observam­

A abordagem sistemática ao paciente comatoso na emer­

elevação de lactato.

-se hipercalemia, hipoglicemia e acidose metabólica com

gência é fundamental para melhor desfecho clínico e

O manejo específico consiste na descontaminação do

neurológico. A investigação da etiologia segue todas as

trato gastrointestinal com carvão ativado; a hipoglicemia,

etapas feitas para outras condições clínicas, entretanto, se

com reposição glicêmica e a hipotensão e a bradicardia

juntam ao manejo inicial e oferecem ao médico menor

são tratadas com atropina (1mg, via endovenosa, até três

tempo para ação.

doses), marca-passo e drogas vasoativas. As medicações

Os antidepressivos tricíclicos possuem boa absorção

relatadas podem não reverter totalmente os efeitos car­

pelo trato gastrointestinal e atingem pico sérico entre 2 e

diotóxicos, podendo-se utilizar seu antídoto, o glucagon

8h. A intoxicação afeta principalmente o sistema nervoso

(bolus de 5mg, via endovenosa; caso não haja resposta

central e cardiovascular, pois essas drogas têm ação an­

hemodinâmica após 10 a 15min, novo bolus; não haven­

ticolinérgica, bloqueia os canais de sódio cardíacos (quinidina-like), antagoniza os receptores de histamina

do boa resposta, manter infusão contínua de 1 a 5mg/h,

via endovenosa). Outras opções são solução polarizante

(H1), ácido gama-aminobutírico (GABA) e alfa-adrenér­

ou gliconato de cálcio a 10% (10mL = 1g, diluído em

gicos. O quadro clínico habitual é composto de RNC (efeito anti-histamínico), entretanto, podem-se observar

2min, podendo-se repetir quatro doses, seguido por ma­ nutenção com 0,2mL/kg/h, máximo de 10mL/h.

Coma - 483

BIBLIOGRAFIA

CAPÍTULO 79

KERR, G. W.; MCGUFFIE, A. C.; WILKIE, S. Tricyclic antidepressant oveidose: a review. Emαgrry MedieineJorrei v. 18, n. 4, p. 236-241, 2001. MARTINS, H. S. Em α^riasC líricas Abcrda^n Prática 4. ed., São Paulo: Manole, 2009. MOKHLESI, B.; LEIKEN, J. B. et ai. Adult toxicology in criticai care. Pari I: general approach to the intoxicated patient. Chestlorrei v. 123, p. 577-592, 2003.

MOKHLESI, B. et al. Adult toxicology in criticai care. Pari II: specific poisonings. Chest Jorrei v. 123, p. 897-922, 2003. NITRINI, R. A irir(k^aqii't÷i)cr São Paulo: Atheneu, 2008. THANACOODY, H. K. R.; THOMAS, S. H. L. Tricyclic antidepressant poisoning: cardiovasculartoxicity. Tαicdc^ceiReviews v. 24, n. 3, p. 205-214, 2005.

CAPÍTULO

80

Confusão Mental José Luiz Pedroso Quanto mais sofisticada a Medicina, maior a necessidade de clínicos gerais.

José Luiz Pedroso

Um homem branco de 66 anos de idade se apresen­ ta ao setor de emergência devido à sonolência e confu­ são mental. O paciente vem dizendo coisas desconexas há três dias, com alteração do ciclo sono-vigília (agita­ ção psicomotora durante a noite e sonolência diurna) e confundindo os nomes dos familiares. Chegou a chamar por pessoas da família que já morreram. A esposa rela­ ta que o encontrou extremamente sonolento, sem conseguir entender o que estava sendo dito e verbali­ zando menos, com rápida piora do nível de consciência. Nunca apresentou tais sintomas antes, sendo sempre muito ativo. É procedente de São Paulo e trabalha como alfaiate. Nega qualquer doenças ou uso de medicações diariamente. A esposa julga improvável qualquer tipo de intoxicação exógena e relata que o paciente não é usuário de drogas ilícitas.

• Intoxicação exógena: a intoxicação por drogas ou

fármacos como benzodiazepínicos, anticonvulsivan­ tes, antidepressivos e neurolépticos pode ser a

causa de delirium. O paciente em questão não usa medicações diariamente e essa hipótese torna-se

menos provável. O local onde o paciente mora e os bolsos devem ser examinados à procura de medica­

mentos ou outras drogas. A esposa nega uso de drogas ilícitas pelo paciente.

• Abstinência de drogas: os psicofármacos são drogas altamente passíveis de abstinência. Não há evidências

de uso ou abuso de psicofármacos, fato que toma

essa hipótese improvável.

• Infecções: pacientes com infecção do trato urinário, pneumonia ou outras infecções podem se apresentar

Os sintomas se encaixam em uma síndrome denominada

com delirium. A ausência de tosse, febre ou alterações

delirium, muitas vezes usada como sinônimo de confusão

mental. De forma característica, os pacientes com delirium

urinárias parece tornaressa hipótese pouco provável. • Distúrbios metabólicos: principalmente a hipogli­

apresentam distúrbios do pensamento, transtornos da

cemia, mas também a hiperglicemia (em especial

percepção, agitação psicomotora ou sonolência, com al­

em um contexto de estado hiperosmolar não cetóti­

teração do ciclo sono-vigília, e eventualmente, alucinações

co), pode cursar com delirium. Hipotireoidismo ou

visuais e auditivas. O diagnóstico diferencial de delirium

hipertireoidismo, hipóxia, entre outros, também

é extenso (Quadro 80.1) e deve englobaras seguintes

podem contribuir como causas. O paciente não tem

possibilidades:

história de diabetes e nem usa hipoglicemiantes orais, dados contra hipoglicemia. A hiperglicemia

• Distúrbios hidroeletrolíticos: os transtornos do sódio,

com estado hiperosmolar não cetótico não pode ser

tanto hiponatremia como hipernatremia, podem cur­

afastada e a dosagem de glicose será fundamental.

sarcom delirium, assim como distúrbios do cálcio.

As doenças hepáticas e as doenças renais podem

Confusão Mental - 485

QUADRO 80.1 - Causas de delirium Drogas Sedativos e hipnóticos Narcóticos Drogas anticolinérgicas Álcool ou abstinência alcoólica

• • • • • • • • •

Acidente vascular cerebral (hemorrágico ou isquêmico) Meningite ou encefalite Infecções (pneumonia, infecção urinária, etc.) Hipóxia Febre ou hipotermia Anemia Desidratação Desnutrição grave Transtornos metabólicos (hipoglicemia e hiperglicemia, hipo ou hipertireoidismo, doença hepática, encefalopatia urêmica) • Mudança no ambiente (hospitalização, unidade de terapia intensiva) • Doenças do coração (baixo fluxo cerebral por infarto agudo do miocárdio ou insuficiência cardíaca congestiva) • Abscesso cerebral ou tumores do cérebro

Esse paciente desenvolveu rebaixamento do nível de

consciência de rápida evolução e apresenta-se em estado de coma. Medidas de suporte iniciais como infusão de tiamina e glicose devem ser consideradas, além, é claro,

cursarcom alteração do nível de consciência (ence­ falopatia hepática e encefalopatia urêmica). Os exames

físicos e laboratoriais podem ser úteis para avaliar tais hipóteses, embora o paciente nem etilista e não

seja portadorde hipertensão arterial ou diabetes, que são os maiores fatores de risco para as doenças he­

pática e renal, respectivamente. •

de assistência ventilatória. Ascite, icterícia e rebaixamen­ to da consciência de evolução rápida, antes inexistentes, levam-nos a considerar seriamente a hipótese de hepatite

fulminante. O reflexo cutâneo-plantar em extensão bila­ teral e a forma rápida de evolução podem causar certa confusão e levantara possibilidade de um evento vascular

cerebral agudo, especialmente quadros de hemorragia.

Transtornos intracranianos: como acidente vascular

Embora acidente vascular cerebral seja uma hipótese a ser considerada, não justificaria a ascite e a icterícia. O

cerebral, tumores cerebrais, abscessos e meningites

sopro cardíaco pode simplesmente decorrer da anemia,

também podem ser causas de delirium, especialmen­

isto é, um sopro funcional, em especial na ausência de

te em um contexto de déficits focais. O paciente em questão não apresenta déficits focais, o que torna

outros achados. Um sopro cardíaco também levanta a possibilidade de endocardite bacteriana, contudo, esta

essa hipótese menos provável, embora uma infecção

hipótese torna-se menos provável na ausência de febre e

do sistema nervoso central não possa ser afastada.

esplenomegalia. Os quadros de encefalopatia metabólica (urêmica ou hepática) podem cursar com reflexo cutâneo-plantar em

• Doenças cardíacas: infarto agudo do miocárdio ou

insuficiência cardíaca congestiva podem contribuir para o desenvolvimento de delirium. Como não há história de dispneia ou dor precordial, essa hipótese

é improvável. • Pacientes idosos com modificação de ambiente, como

internação ou permanência em unidade de terapia

intensiva, podem desenvolver delirium. O paciente

não tem história de internações ou mudança de ambiente, o que afasta essa hipótese. Pacientes com alterações urinárias, como retenção urinária ou distúrbios da próstata, especialmente após ressecção

transuretral da próstata, estão sob alto risco de de­

senvolver delirium. Não há história de alterações urinárias ou da próstata em nosso paciente.

Já na inspeção, o exame físico revelou dados im­ portantes: presença de icterícia com distensão abdo­ minal, além de palidez cutâneo-mucosa. Pressão arterial

extensão bilateral. A icterícia associada a um quadro de delirium pode sugerir uma síndrome infecciosa como

colangite. Outras causas como as encefalites infecciosas (como por exemplo, herpes simples e citomegalovírus) também poderiam justificar o quadro neurológico, mas não a ascite e a icterícia, a não ser que o mesmo agente possa estar causando hepatite. Outras infecções, como

pulmonar e urinária, são improváveis. Distúrbios hidroeletrolíticos, principalmente alterações

no sódio e no cálcio, devem ser avaliados, contudo não justificariam os outros achados de exame físico. Alguns quadros neurológicos como infecções e hemorragias po­ dem cursar com síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético (ADH) e consequente hiponatremia com rebaixamento do nível de consciência. O paciente não tem história de abuso de álcool ou drogas, tornando

as possibilidades de cirrose alcoólica ou de abstinência

CAPÍTULO 80

• • • • •

de 130 × 80mmHg, com frequência cardíaca de 88bpm e sopro mesossistólico +/6 em rebordo esternal esquer­ do. A ausculta respiratória é normal, com frequência respiratória de 14irpm. O exame do abdome revela teste da macicez móvel com decúbito positivo, sugerin­ do ascite. O fígado é palpável a 3cm do rebordo costal e não há sinais de esplenomegalia. O exame neuroló­ gico apresenta alterações relevantes: abertura ocular espontânea, sem resposta à dore sem resposta verbal (Glasgow: 6), com sinal de Babinski bilateralmente, sem outros déficits focais. As pupilas são isocóricas e fotorreagentes. Não há sinais de hepatopatia crônica, como telangiectasias e aranhas vasculares, eritema palmarou ginecomastia.

486 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 80

pouco prováveis. Além disso, não há marcadores de do­

ença hepática crônica ao exame físico, o que nos leva a considerar que o paciente aparentemente está desenvol­ vendo uma doença hepática aguda e grave.

O paciente é então submetido à intubação orotra­ queal, para proteção de vias aéreas. Os exames de urgência revelam: hemoglobina = 8,9; volume corpus­ cularmédio = 88; leucócitos = 13.000, com diferencial normal; plaquetas = 412.000; velocidade de hemosse­ dimentação (VHS) = 85; creatinina = 1,2; ureia = 45; sódio = 132; potássio = 4,1; cálcio = 8,7; glicemia = 122; aspartato aminotransferase = 1.530; alanina ami­ notransferase = 1.780; gama-glutamiltransferase (GGT) = 850; fosfatase alcalina (FA) = 475; amilase = 65; atividade de protrombina (AP) menordo que 10%; re­ lação normalizada internacional (RNI) = 5,45; proteínas totais = 4,7; albumina = 2,6; bilirrubinas totais = 6,9; bilirrubina direta = 4,8; bilirrubina indireta = 2,1; reti­ culócitos = 1,7; desidrogenase lática =189; radiografia de tórax e eletrocardiograma normais. O paciente rece­ beu ceftriaxona endovenosa, lactulona e vitamina K.

ca, como neoplasias ou infecções. Reticulócitos e desi­ drogenase láctica (DHL) normais praticamente afastam a

hipótese de hemólise, tomando afecções como púrpura trombocitopênica trombótica e anemia hemolítica autoi­ mune pouco prováveis.

Medidas para encefalopatia hepática grau 4 foram tomadas, com infusão de plasma fresco congelado, lactu­ lona e manutenção dos padrões hemodinâmicos (pressão arterial e assistência ventilatória). A única opção terapêu­ tica definitiva é o transplante hepático. O paciente estava sendo considerado para o transplante enquanto a etiologia era identificada. A esposa do paciente acrescenta informações im­ portantes enquanto alguns exames são analisados com urgência: ele vinha apresentando cansaço aos esforços nos últimos dois meses, com perda de 8kg nesse perí­ odo. Queixava-se de dorlombarà direita, persistente, que prejudicava o sono e não melhorava com repouso. Os dados são importantes, pois cansaço aos esforços e emagrecimento significativo precedendo o quadro clí­

O paciente certamente não está na vigência de uremia.

nico do paciente devem despertara hipótese de doença crônica, como neoplasias, infecções crônicas, doenças

O sódio e o cálcio normais descartam um distúrbio hidro­

autoimunes (como as vasculites sistêmicas), pneumopatias

eletrolítico importante. A glicose normal afasta hipogli­ cemia. As enzimas hepáticas estão intensamente elevadas,

e cardiopatias. Quanto à dor lombar, a primeira questão a ser considerada é o sinal de alarme de lombalgia, que

sugerindo uma lesão hepatocelular aguda. FA e GGT

deve despertara possibilidade de doenças potencialmen­

elevadas de forma moderada são dados contra colestase,

embora esta hipótese não possa ser descartada. O diag­

te grave: febre, emagrecimento, dor que piora ao repouso, dor noturna, incontinência urinária, anestesia perineal,

nóstico de hepatite fulminante com encefalopatia hepáti­

irradiação para a face anteriorda coxa, VHS elevada e ane­

ca agora é praticamente certo. AP diminuída e RNI ele­ vada, associadas à hipoalbuminemia, são altamente

mia. O paciente em questão mostra emagrecimento, anemia, VHS elevada e dor persistente mesmo ao repou­

sugestivas de insuficiência hepática. A investigação da

so. Esses dados associados são altamente sugestivos de

causa da hepatite aguda agora é primordial. A causa mais

doença crônica. A possibilidade de neoplasias intra-abdo­ minais como tumores retroperitoneais, de rim, fígado e

comum de hepatite fulminante é o vírus da hepatite B, tornando a sorologia agora primordial para o diagnóstico, não só para o vírus B como também para A e C. Em

segundo lugar estão as hepatites medicamentosas, espe­

cialmente pelas seguintes drogas: paracetamol, halotano, isoniazida, rifampicina, anti-inflamatórios não esteroidais

(AINE), sulfonamidas, flutamida, valproato, carbamaze­ pina, ecstasy. Não há indícios de envenenamento ou uso

dessas drogas, o que toma a hipótese de hepatite medi­

pâncreas não pode ser afastada. Algumas neoplasias, es­

pecialmente o tumor renal, podem estar associadas à trombose de veias supra-hepáticas, tanto por trombofilia paraneoplásica como por invasão direta do tumor. Doen­ ças hematológicas também devem ser investigadas, espe­ cialmente mieloma múltiplo, já que o paciente tem anemia

normocítica, VHS aumentada, emagrecimento e dorlom­ bar. A dor óssea por fratura patológica devido a uma

camentosa bem improvável. Causas vasculares como

doença subjacente também deve ser considerada, como metástases ósseas, osteomielite ou tuberculose óssea (mal

trombose de veias supra-hepáticas ou veia porta (síndro­

de Pott), tomando o exame de imagem fundamental.

me de Budd-Chiari) também devem ser investigadas com

Exames de imagem do abdome, assim como sorologias, para os vírus da hepatite são agora essenciais.

urgência. A avaliação do líquido ascítico será fundamen­

tal para a diferenciação entre hipertensão portal e doenças peritoneais, como neoplasias e infecções. A VHS elevada

na vigência de anemia normocítica sugere doença crôni­

O paciente sempre viveu na área urbana da cidade de São Paulo e não frequentava áreas rurais. Não pare­

Confusão Mental - 487

cico evidencia massa vegetante de aspecto irregular em átrio direito. O paciente mantinha-se em coma após dois

dias de internação. As dosagens do fatorV de Leiden e do

gene de mutação da protrombina também foram normais.

A trombose de veia cava inferior associada à hepati­

te fulminante com padrão de hipertensão portal é alta­

mente sugestiva da síndrome de Budd-Chiari. O diagnós­ tico diferencial de massa intracardíaca inclui infecções e neoplasias, assim como trombos e anormalidades es­

truturais, como falsos tendões e ruptura de cordoalha A epidemiologia do paciente fala contra síndromes

tendínea. As causas infecciosas incluem endocardite

infecciosas como hepatite A, febre amarela ou dengue. A

bacteriana, abscesso miocárdico e endocardite por fungos.

avaliação oftalmológica normal (ausência do sinal de

A hemocultura negativa e a ausência de febre são dados

KayserFleicher) é um dado contra doença de Wilson. O

importantes contra o diagnóstico de endocardite infec­

gradiente soro-ascite define a causa da ascite como de­

ciosa ou abscesso miocárdico. Linfoma não Hodgkin e

corrente de hipertensão portal. Portanto, causas infeccio­

sarcoma de Kaposi são causas a considerarem imunos­

sas como tuberculose, peritonite bacteriana espontânea

suprimidos, especialmente em portadores de HIV, o que

ou neoplasias malignas infiltrando o peritônio se tornam

não é o caso desse paciente, pois o anti-HIV ELISA foi

improváveis. A celularidade baixa afasta a possibilidade

negativo.

de peritonite bacteriana espontânea. Como as sorologias

Como há evidências de trombose em veia cava inferior

para as hepatites virais são negativas, uma outra causa

é sensato pensar que a massa intracardíaca seja um trom­

deve ser investigada, embora as hepatites agudas possam

bo, embora devamos considerara hipótese de tumor in­

demorar semanas para desenvolverem sorologia positiva.

tracardíaco. Dentre as neoplasias que cursam com massa

O paciente certamente é portador de uma doença

intracardíaca, a causa mais prevalente é metástase para o

crônica que cursou com hepatite fulminante. Deve-se

coração, especialmente proveniente do rim ou do pâncreas.

atentar para causas vasculares, como a trombose de veias

Os tumores primários benignos como mixoma atrial tam­

supra-hepáticas ou de veia porta (síndrome de Budd-

bém devem ser incluídos no diferencial, mas não neste

Chiari). A síndrome de Budd-Chiari caracteriza-se por

caso, pois isso não justificaria os outros dados clínicos.

obstrução ao fluxo venoso em nível hepático. A tríade

Tendo em vista as manifestações clínicas desse paciente

clássica (dor em hipocôndrio direito, ascite e hepatome­

até agora, deveríamos considerar seriamente as hipóteses

galia) somente está presente em pequena parte dos casos.

de trombose paraneoplásica ou metástase intracardíaca.

As causas mais comuns da síndrome são as doenças mie­

Embora o fatorV de Leiden e o gene de mutação da pro­

loproliferativas, como policitemia vera e trombocitose

trombina tenham sido analisados, é pouco provável que

essencial. A ausência de eritrocitose descarta policitemia

um paciente de 66 anos de idade tenha uma trombofilia

vera e o nível de plaquetas elevado pode apenas decorrer

congênita sem qualquer história pregressa de trombose.

de doença crônica. Os quadros de trombofilias, tanto ad­

A tomografia computadorizada de abdome (Fig. 80.1)

quirida quanto congênita, são causas importantes. Na vi­

revela massa renal direita de 9cm, de formato irregular

gência de anemia normocítica, emagrecimento e VHS

com invasão de fígado e de veia cava inferior. O trans­

elevada, uma síndrome paraneoplásica cursando com

plante de fígado foi contraindicado. O paciente começou

hipercoagulabilidade deve ser considerada. Um exame de

a apresentar piora progressiva com hipotensão grave,

ultrassonografia com Doppler do abdome agora é funda­

pneumonia relacionada ao ventilador e choque séptico,

mental para avaliação do fluxo em veia porta e veias

evoluindo para óbito.

supra-hepáticas. Na vigência de hepatite fulminante, o único tratamento salvador é o transplante de fígado.

A tomografia do abdome foi fundamental para iden­ tificarum tumor renal, provavelmente carcinoma de célu­

de vasos portais, que revela: fígado de forma e dimensões

las renais (hipernefroma). À autópsia, evidenciou-se massa tumoral de 10 × 7 ×

normais, de ecotextura homogênea; ascite moderada;

4 cm em polo superiordo rim direito (Fig. 80.2), com

conteúdo ecogênico intraluminal em veia renal direita,

invasão de suprarrenal ipsilateral e trombose tumoral

com extensão para veia cava inferior até átrio direito,

da veia renal direita, ascendendo pela veia porta, cava

compatível com trombose. Um ecocardiograma transtorá­

inferior e chegando ao átrio direito. Foram observadas

Solicitada ultrassonografia de abdome com Doppler

CAPÍTULO 80

ce ter tido contato com pessoas doentes. Não há surtos de doenças na região. A análise do líquido ascítico re­ vela: proteína = 2,1; albumina = 0,9; glicose = 145; DHL = 287; adenosina desaminase (ADA) = 5,1; ami­ lase = 13; células = 210; neutrófilos = 72%; linfócitos = 10%; albumina sérica = 2,6. O gradiente soro-ascite é de 1,7; as sorologias para vírus A, B e C são negativas. Sorologia para HIV também negativa. Hemocultura e a urocultura foram negativas. A avaliação oftalmológi­ ca não revela qualquer alteração.

488 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 80

DISCUSSÃO Historicamente, o sintoma mais comum em pacientes com tumor renal é a hematúria: 60% dos pacientes com hiper­

nefroma apresentam-se com sintoma inicial caracterizado por sangramento na urina. A hematúria geralmente é

macroscópica e indolor.A tríade clássica descrita na lite­

ratura constitui-se de hematúria, dor em flanco e massa abdominal. Dor em flanco ou massa abdominal foram detectadas em apenas 30% dos pacientes com tumor renal.

A tríade completa foi vista em não mais do que 10%.

Dentre os tumores malignos primários do rim, o carcino­

ma de células renais corresponde a 86% dos casos, ao

passo que o tumor de Wilms corresponde a 12% e o sar­

Figura 80.1

- Tomografia computadorizada de abdo­ me revelando massa renal à direita.

coma de células renais, a 2%. O rim também pode ser acometido por metástases, principalmente do pulmão,

câncer de pele (melanoma) e mama.

áreas extensas de necrose e calcificações centrolobula­

res no fígado, compatíveis com insuficiência hepática.

O estudo anatomopatológico revelou carcinoma de cé­ lulas renais.

As síndromes paraneoplásicas não são incomuns em

pacientes com carcinoma de células renais. Eritrocitose, hipercalcemia, trombofilia, hipertensão arterial, febre,

anemia e alterações da função hepática são as mais comuns.

Outras situações mais raras, como neuromiopatia e ami­

loidose, também podem ocorrer. A VHS aumentada é

DIAGNÓSTICO FINAL • Carcinoma de células renais. • Síndrome de Budd-Chiari com hepatite fulminante,

insuficiência hepática aguda e encefalopatia hepáti­ ca grau 4. • Metástase para átrio direito.

achado comum em pacientes com carcinoma de células

renais. Dor óssea (por metástase para os ossos) e varico­

cele aguda também podem surgir. Devido à sua grande variedade na forma de apresentação clínica, o hipernefro­

ma recebeu a denominação de “o grande imitador’. No caso ora relatado, não havia uma apresentação

clássica do tumor renal, o que dificultou o diagnóstico. Dor lombar, anemia normocítica, VHS aumentada e trom­ bose de veias porta e supra-hepáticas foram os elementos

que sugeriam uma neoplasia intra-abdominal. Os exames de imagem, como a ultrassonografia e,

principalmente, a tomografia, são os principais elementos

diagnósticos complementares para a confirmação do diagnóstico.

A síndrome de Budd-Chiari caracteriza-se por trom­

bose das veias supra-hepáticas, veia cava inferior ou ambas. A tríade clássica, que pode não estar presente,

principalmente na forma aguda, caracteriza-se por dor

abdominal, ascite e hepatomegalia. Existem três formas de apresentação: aguda, subaguda e crônica. Na forma aguda e grave, pode ocorrer hepatite fulminante e insufi­

ciência hepática, como no caso em questão. As doenças mieloproliferativas, especialmente a poli­

citemia vera e a trombocitose essencial, são responsáveis por cerca de 50% dos casos da síndrome. As neoplasias

Figura 80.2

- Necropsia revelando massa renal com invasão da veia cava inferior e das veias hepáticas.

relacionadas à trombofilia e consequente trombose de veias supra-hepáticas e cava inferior são: carcinoma de células

Confusão Mental - 489

BIBLIOGRAFIA

síndrome de Budd-Chiari tanto por invasão direta como

BASTOS, R. R.; COSTA, M. B. O usuário frequente dos serviços de saúde: uma abordagem baseada em evidências. RevistaAPS, v. 5, p. 33-37, 2000. BECK, E. R. et al. Dia^rsticodifβ-αiiel Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1981. p. 275-287. CHUNG, R. T. et al. Case 15-2006: a 46-year-old woman with sudden onset of abdominal distention. N. ErgJ. J. Mβd., v. 354, p. 21662175, 2006. COHEN, H. T; MCGOVERN, F. J. Medicai progress: renal cell car­ cinoma. N. ErgJ. J. Mβd., v. 353, p. 2477-2490, 2005. CUTLER, P. CαnosdixicrH' prdrienasen clírica málica (deu dadcsaodiagxsticc). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. DUNCAN, B. B. et al. Mcdiciiiianbiiíícyki: cciTlciasdeííirção primáiabíwxilascm evid Avias Porto Alegre: Artes Médicas, 2004, p.132. HURST, L. W. What do good doctors try to do? Arch Irten Mβd., v. 163, p. 2681-2686, 2003. KAPLAN, L. D. et al. Case 31-2003: a 44-year-old man with HIV infection and a right atrial mass. N. Ergj. J. Mβd., v. 349, p. 1369-1377, 2003. MENOM, K. V N.; SHAH, V.; KAMATH, P. S. Current concepts: the Budd-Chiari syndrome. N. ErgJ. J. Mβd., v. 350, p. 578-585,2004. PEDROSO, J. L. A importância do raciocínio clínico e do diagnóstico diferencial: uma abordagem em atenção primária para “dor na pema”. RevistaAPS, v. 8, p. 199-206, 2005. RIORDAN, S. M.; WILLIAMS, R. Current concepts: treatment of hepatic encephalopathy. N. ErgJ. J. Mβd., v. 337, p. 473-479,1997.

por trombofilia. Outras causas menos comuns da síndro­

me de Budd-Chiari incluem: estados de hipercoagulabi­

lidade (como fator V de Leiden, gene de mutação da protrombina, deficiência de proteína S e proteína C, de­

ficiência de antitrombina III, síndrome do anticorpo an­

tifosfolipídico, hemoglobinúria paroxística noturna, entre outras), uso de contraceptivos orais, infecções hepáticas como abscessos e doença de Behçet. Cerca de 20% das

ocorrências não têm causa definida. A análise do líquido ascítico é importante como diagnós­

tico diferencial. O gradiente soro-ascite revela padrão de

hipertensão portal na síndrome de Budd-Chiari. A ultrasso­ nografia com Doppler é o exame de maior custo-benefício, com sensibilidade e especificidade de 85%, sendo um exce­

lente exame inicial quando há suspeita da síndrome. A tomo­

grafia e a ressonância nuclear magnética têm sensibilidade maior do que a ultrassonografia. O padrão-ouro para identi­

ficação da trombose na circulação hepática é a venografia. No presente caso, os dados de história e exame físico

foram elementos essenciais para a elaboração do raciocí­ nio clínico e a investigação do diagnóstico, posteriormen­ te confirmado pelos exames de imagem.

CAPÍTULO 80

renais e hepatocarcinoma. O tumor renal pode causara

CAPÍTULO

81

Dor Lombar Carlos Alberto Franchin Neto • José Luiz Pedroso

Paciente de 55 anos de idade, sexo feminino, bran­ ca, natural de Pernambuco, em São Paulo há 32 anos, procura o pronto-socorro referindo que há seis meses se iniciou quadro de dor lombar, contínua, piorando com esforço, melhorando com repouso, sem irradiação. Procurou outro serviço médico, recebendo anti-infla­ matórios, sendo posteriormente liberada para casa sem melhora dos sintomas. A lombalgia chega a afetar65 a 85% da população mun­

dial ao longo dos anos. As causas de lombalgia podem ser divididas em mecânicas, não mecânicas (inflamatória, infecciosa, neoplásica, metabólicas), ou psicogênicas1. A dorde caráter mecânico é intimamente relacionada às atividades físicas e posturais do indivíduo1. As causas

QUADRO 81.1 - Sinais de alerta de dor em coluna1 • • • • • • • • • • • • • • • • •

Febre/calafrios < 18 e > 55 anos de idade História de trauma violento Dor constante, progressiva e noturna História de câncer Corticosteroides sistêmicos Abuso de drogas HlV-positivo Perda de peso Doenças sistêmicas Restrição de mobilidade Deformidade estrutural Perda de controle dos esfíncteres Fraqueza muscular/atrofia associada Rigidez matinal Envolvimento articular periférico História familiar de doença reumatológica

mecânicas, em que há um substrato anatomopatológico,

abrangem as alterações discais, osseocartilaginosas ou

capsuloligamentares. Lombalgias secundárias normalmente apresentam sinais

de-se como fadiga a sensação de exaustão durante ou após atividades cotidianas1.

de alerta (Quadro 81.1), como febre por discite ou até pie­

A queixa de fadiga em pronto-socorro, além de comum,

lonefrite, história de câncer nos fazendo pensarem metás­

é muito pouco valorizada pelos médicos. Uma história de

tases ósseas, rigidez matinal, como ocorre em sacroileítes, entre outros1.

cansaço suficiente para gerar mudanças no estilo de vida

A descrição da nossa paciente nos faz pensarem uma

dor mecânica e são notórios alguns sinais de alerta, como idade e perda da mobilidade.

A paciente refere ainda cansaço e sono excessivo com início há um ano. Relata que há um ano se iniciou um quadro de astenia e fadiga intensa, sendo medicada por diversas vezes com polivitamínicos, sem melhora. Estima-se que até 30% dos pacientes que procuram serviços de saúde manifestem fadiga significativa. Enten-

confere importância clínica ao sintoma2. Apesar de inespecífica, essa queixa deve alertar o médico para uma série de causas, incluindo infecções,

doenças psiquiátricas, neuroendócrinas, hematológicas e

reumatológicas. Associadas à fadiga, cita dispneia aos grandes esforços e palpitações. Procurou serviço médico, em que foram solicitados exames gerais, sendo medicada com sulfato ferroso, transfusão de dois concentrados de glóbulos vermelhos, sem melhora. Refere ainda perda de 8kg, com inapetência, nesse período.

Dor Lombar - 491

Manifestações comuns em pacientes com anemia

ção do vigor, palpitações, dispneia aos esforços e vertigem postural3. Embora até o momento não tenham sido vistos o

exame físico e os exames laboratoriais, fica claro, pelos

sintomas (fadiga, dispneia, palpitações) e pela história de transfusões sanguíneas e uso de sulfato ferroso, que em

algum momento foi pensado no diagnóstico de anemia para nossa paciente.

O peso corporal de um indivíduo, influenciado porum componente genético, é o resultado do balanço entre in­ gesta de calorias, níveis de atividade e gastos metabólicos. A perda de peso é uma queixa comum, principalmente em idosos, cuja prevalência varia entre 10 e 20%1.

Definimos perda de peso clinicamente significativa como diminuição de ao menos 5kg, ou maior do que 5%

do peso de base, durante um período de 6 a 12 meses1. A perda de peso involuntária deve ser diferenciada em

causas com aumento do apetite das com diminuição do apetite.

Entre as causas com aumento do apetite incluem-se hipertireoidismo, diabetes mellitus, feocromocitoma, síndrome de má absorção e grande aumento de atividade

física. Nossa paciente apresentava perda de peso com dimi­ nuição do apetite, o que nos remete a diagnósticos dife­

O exame físico descrito nos confirma algumas hipó­ teses e nos alerta para definições importantes.

A perda de peso pode ser observada clinicamente pelo emagrecimento, muito embora o seguimento do peso

medido e o índice de massa corporal (IMC) sejam as

únicas maneiras objetivas de documentá-la.

renciais como neoplasias, doenças crônicas (doença

A síndrome anêmica também foi confirmada no exame

pulmonar obstrutiva crônica, insuficiência cardíaca con­

físico pela mucosa descorada, taquicardia em repouso e

gestiva, insuficiência renal crônica, infecções crônicas

sopro sistólico panfocal. Ausência de icterícia e espleno­

(HIV, tuberculose, endocardite, parasitoses), doença in­

megalia falam contra anemia hemolítica, mas é evidente

flamatória intestinal, depressão, distúrbio de ansiedade e

que é necessária uma abordagem laboratorial específica

outros.

para definir o tipo de anemia e suas prováveis etiologias.

A associação de anemia com a maioria dessas doenças

As áreas localizadas de hipersensibilidade nas vértebras

é clara e inquestionável. Além disso, a perda de peso com

lombares são motivos de grave preocupação. Embora

inapetência pode ser a causa da provável anemia.

possam ser causadas por osteoporose benigna com fratu­

Chama atenção o acréscimo de alguns sinais de alerta

ras compressivas das vértebras, áreas dolorosas localiza­

à queixa principal de lombalgia e destacam-se a perda de

das e isoladas sempre levantam a possibilidade de doen­ ça neoplásica maligna2.

peso e os sinais de doença associada a síndrome anêmica. A associação de síndrome anêmica com perda de peso

e dor lombar nos faz pensar em uma doença crônica

progressiva.

Os sintomas até aqui apresentados são inespecíficos e

não indicam órgão ou enfermidade em particular, entre­

tanto, está clara a presença de uma doença orgânica e que

adequada anamnese e exame físico se fazem necessários para seguimento do caso. Deu entrada no nosso serviço com os mesmos sintomas: fadiga, dispneia, perda de peso e dor lombar sem qualquer melhora após as medidas previamente adotadas.

Realizados exames gerais: hemoglobina = 4,4; hematócrito = 13,7%; volume corpuscular médio = 79; hemoglobina corpuscular média = 25,1; hemácias em rouleaux; ferro sérico = 45; saturação transferrina = 15%; ferritina sérica = 58; capacidade de fixação de ferro total (TIBC) = 202; reticulócitos corrigidos = 2%; bilirrubina total = 0,4; bilirrubina indireta = 0,2; desi­ drogenase lática (DHL) = 250; leucócitos = 4.030, com diferencial normal; plaquetas = 65.000; creatinina = 0,7; ureia = 72; sódio = 132; potássio = 3,9; cálcio iônico = 1,67; velocidade de hemossedimentação

CAPÍTULO 81

crônica consistem em fraqueza, fadiga, letargia, diminui­

Paciente nega antecedentes mórbidos, tabagismo, etilismo menopausa aos 40 anos de idade; nega uso de qualquer medicamento. Antecedentes familiares: pai e mãe falecidos aos 86 e 90 anos, respectivamente, de causa desconhecida, uma irmã com diabetes, uma filha hígida. Ao exame físico, encontra-se em bom estado geral, emagrecida, descorada +++/4+, hidratada, afebril, eupneica. Pressão arterial: 130 × 80mmHg; frequência cardíaca: 102bpm; frequência respiratória: 14ipm; satu­ ração de O2: 96% em arambiente; dextrose: 89mg/dL. Sem gânglios palpáveis, tireoide não palpável, sem estase jugular. Ausculta pulmonar com murmúrios vesiculares presentes sem ruídos adventícios, ausculta cardíaca com bulhas rítmicas normofonéticas em dois tempos, com sopro sistólico panfocal ++/4+. Apresenta abdome com ruídos hidroaéreo, plano, flácido, indolor,baço não percutível, fígado no rebordo costal direito. Sem dorà palpação de musculatura pa­ ravertebral, com relevante dorà palpação da coluna lombar nível L2-L3. Paciente vígil, orientada, sem déficits sensitivos ou motores, sem sinais meníngeos. Membros com boa perfusão periférica, pulsos simétricos, sem edemas.

CAPÍTULO 81

492 - Problemas Gerais em Clínica Médica

(VHS) = 148; hormônio estimulante da tireoide (TSH) = 4; proteínas totais = 10,2; albumina = 3,1; globulina = 7 (imunoglobulina G: 6.520; IgM: 4; IgA: 6). Soro­ logias e provas reumatológicas negativas; urina I: ausência de glicose ou proteínas, ausência de células ou bactérias. Radiografia de coluna lombar(Fig. 81.1) demonstra erosões e lesões líticas nos corpos vertebrais de L2 e L4.

afastam a hipótese de carência de ferro. Tais exames as­

sociados à grave queda dos níveis de hemoglobina com uma síndrome anêmica leve sugerem anemia de início

insidioso, o que favorece o diagnóstico de anemia de doença crônica. Anemia e plaquetopenia, sem sinais de hemólise ou consumo periférico, indicam falência medular2. A VHS

aumentada sugere doença maligna, infecciosa ou inflama­ Os exames confirmam a hipótese de anemia microcí­

tória ativa.

tica e hipocrômica. Dentro dos diagnósticos diferenciais

As hemácias em rouleaux são muito sugestivas de

nesse tipo de anemia estão anemia ferropriva, anemia de

aumento de paraproteínas, como ocorre em mieloma

doença crônica, anemia sideroblástica hereditária, anemia

múltiplo. As paraproteínas anulam as cargas negativas da

do hipertireoidismo e talassemia.

membrana das hemácias, levando a um “empilhamento

O TSH normal e a ausência de queixa clínica compa­

de hemácias” denominado rouleaux. Entretanto, esse fe­

tível afastam hipertireoidismo; anemia sideroblástica só

nômeno pode ser simplesmente um artefato do esfregaço

pode ser confirmada após exame da medula evidenciando sideroblastos em anel; para diagnosticar talassemia ne­

do sangue periférico.

cessita-se de uma eletroforese de hemoglobina. Reticuló­

responder à paraproteína do mieloma. Lesões líticas em

citos, bilirrubinas e DHL normais afastam hemólise, como

corpos vertebrais corrobora o diagnóstico de mieloma

previamente esperado.

múltiplo.

Os níveis muito elevados de globulina poderiam cor­

O perfil de ferro evidencia ferro sérico e saturação de transferrina baixos, encontrados em anemia ferropriva e doença crônica; entretanto, ferritina alta e TIBC baixa

Faz-se a hipótese diagnóstica de mieloma múltiplo e solicita eletroforese de proteínas no sangue (Fig. 81.2). Imunofixação: IgG com cadeias leves k. Mielogra­ ma evidenciou número aumentado de plasmócitos (> 10%) com displasia plasmocitária (plasmócitos bi­ nucleados). Proteinúria de Bence Jones: positiva. Beta-2 microglobulina: 5. A eletroforese de proteínas mostrou pico monoclonal de base estreita na região das gamaglobulinas. A imuno­ fixação definiu que se tratava de uma IgG com cadeias leves k. As anormalidades nas imunoglobulinas são a marca

registrada do mieloma múltiplo. Setenta e cinco porcen­ to dos pacientes apresentam pico de imunoglobulinas na eletroforese de proteínas2.

O mielograma da nossa paciente confirma essa hipó­ tese ao apresentar mais de 10% de plasmócitos na medu­

la, critério diagnóstico obrigatório. A radiografia de coluna justifica as dores relatadas e confirmadas ao exame físico. A proliferação plasmocitá­

ria do mieloma justifica as lesões ósseas, a hipercalcemia e a falência medular encontradas.

Em 80% dos casos de mieloma pode ser identificada a cadeia leve da imunoglobulina (proteína de Bence Jones) na urina. Porsertóxica aos túbulos pode causar insufici­

ência renal.

Figura 81.1 - Radiografia de coluna lombar em per­

Nossa paciente apresenta proteína de Bence Jones na

fil, demonstrando erosões e lesões líticas nos corpos vertebrais de L2 e L4.

urina, entretanto, sem alterações da função renal até o

momento. A ausência de proteínas no exame de urina

Dor Lombar - 493

osso adjacente produzindo extensa destruição do esque­

leto, com consequentes dor óssea, fraturas e hipercalcemia. A anemia, causada por ocupação medular e redução da eritropoiese, provoca fraqueza e fadiga, sendo a palidez

o achado mais frequente ao exame físico desses pacientes. Embora ausente no caso em questão, a insuficiência renal comumente acompanha os quadros de mieloma

múltiplo. Esta pode ser decorrente do depósito de cadeias leves (proteínas de Bence Jones), hipercalcemia (nefro­

calcinose) e raramente decorrente da amiloidose existen­

te em 10 a 15% dos casos. A imunoglobulina produzida não tem função fisioló­ gica, tomando os indivíduos suscetíveis à infecção, sendo a infecção bacteriana a maior causa de morte desses pacientes. Pode haver diátese hemorrágica portromboci­ topenia.

Com o achado de anemia e dor óssea e a consequente

suspeita clínica foi solicitada eletroforese de proteínas séricas, que evidenciou pico monoclonal, presente em 80%

dos pacientes com mieloma múltiplo. A quantificação

dessa paraproteína é fundamental para o diagnóstico (ge­ ralmente > 3g/dL) e nossa paciente mostrou 4,24g/dL.

Figura 81.2 - Eletroforese de proteínas evidenciando

A imunofixação é primordial para tipara paraproteína,

pico monoclonal de base estreita à custa de gamaglo­ bulinas.

no caso foi identificada a IgG, coincidente com a litera­ tura que indica IgG em 53% dos casos.

Na medula óssea dos pacientes com mieloma múltiplo, inicial deve-se à insensibilidade do teste rotineiro às cadeias leves de imunoglobulina2. Finalmente, a presença de beta-2 microglobulina ele­

vada, proteína secretada pelas células do mieloma, indicam mau prognóstico.

DIAGNÓSTICO FINAL Mieloma múltiplo.

os plasmócitos constituem habitualmente 10% ou mais das células nucleadas3. Esse critério é obrigatório para o

diagnóstico e estava claramente presente na paciente. As indicações para tratamento são desenvolvimento

de anemia significativa, hipercalcemia, insuficiência renal, lesões ósseas ou plasmocitomas extramedulares3.

Nossa paciente foi submetida a transplante de células autólogas após ciclo de quimioterapia com esquema VAD (vincristina, adriamicina, dexametasona). Em um estudo

prospectivo randomizado comparando transplante autólogo com a quimioterapia convencional, a sobrevida mediana foi maior com o transplante do que com a quimioterapia3.

DISCUSSÃO O mieloma múltiplo caracteriza-se pela proliferação neo­ plásica de um único clone de plasmócitos envolvidos na produção de uma imunoglobulina monoclonal, sendo responsável por 1% das neoplasias malignas e por mais de 10% das neoplasias malignas hematológicas3.

De etiologia incerta, o mieloma tem maior incidência em negros do sexo masculino com idade média de 65 anos3. Curiosamente, nossa paciente não se enquadra

nesse perfil epidemiológico.

O transplante alogênico tem a vantagem de o enxerto não conter células tumorais; entretanto, 95% dos pacientes não podem recebê-lo em razão de sua idade, da falta de

irmão com antígeno leucocitário humano compatível e de função renal, pulmonar ou cardíaca inadequada3. Pela presença de lesões ósseas ao diagnóstico, ela foi medicada com 90mg de pamidronato a cada quatro sema­ nas. Essa medicação é recomendada para pacientes por­ tadores de mieloma com comprometimento esquelético3.

O mieloma múltiplo tem evolução progressiva, com sobrevida mediana de cerca de três anos. O índice de

CAPÍTULO 81

Como observado no caso, o clone de plasmócitos se prolifera na medula óssea e, com frequência, invade o

CAPÍTULO 81

494 - Problemas Gerais em Clínica Médica

marcação de plasmócitos e os níveis de beta-2-microglobulina constituem os fatores prognósticos mais importan­ tes3. Nota-se que a paciente em questão apresenta prog­

REFERÊNCIAS 1.

nóstico reservado com alta massa tumoral. 2. 3.

CAVALCANTI, E. E A.; MARTINS, H. S. Clínica Médica dos sinais e sintomas ao diagnóstico e tratamento. São Paulo: Manole, 2007. CUTLER, P. Como solucionar problemas em clínica médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. GOLDMAN, L; AUSIELLO, D. Cecil - Tratado de medicina interna. 23. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009.

___________________________________

CAPÍTULO

82

Edema dos Membros Inferiores Ricardo Barbosa Cintra de Souza

R. B. S., sexo masculino, 53 anos de idade, procu­ ra o serviço de pronto-socorro queixando-se de edema em membros inferiores há cerca de três meses, que melhora parcialmente ao repouso e piora ao longo do dia. Relata que há cerca de 15 dias vem apresentando inchaço abdominal progressivo (atualmente de mode­ rada intensidade). Nega edema palpebral associado. Ao interrogatório sobre diversos aparelhos, relata apenas sintomas inespecíficos como astenia, perda de peso (de 70kg para 60kg) e de apetite há cerca de três a quatro anos, que não o incomodavam. Nega alteração no ciclo sono-vigília. Como antecedentes patológicos, nega fatores de risco para doença cardiovascular (hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, dislipidemia, tabagismo, infarto agudo do miocárdio/acidente vascular cerebral prévios), nega fatores de risco para hepatopatias (etilismo, hepatites, uso de medicamentos hepatotóxicos, compor­ tamento de risco para doenças sexualmente transmissíveis, uso de drogas endovenosas, transfusões sanguíneas) e doenças associadas às glomerulopatias (epidemiologia negativa para Chagas, esquistossomose, sífilis; nega hepatites, diabetes mellitus, faringoamigdalite ou infec­ ção de pele anteriores ao quadro); nega também qualquer outra doença. Refere não fazer acompanhamento médi­ co regular por se sentir saudável até então.

• Edema causados por aumento da pressão hidrostá­ tica no polo capilar venular: são, em geral, moles,

quentes e levemente cianóticos, como ocorre em

insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e trombo­ flebite (neste último caso, costuma haver edema assimétrico entre os membros). Causas relacionadas à hipervolemia/retenção hídrica cursam com edemas duros ou moles, vermelhos ou não, quentes.

• Edema por diminuição da pressão oncótica do plasma: são em geral moles, frios e pálidos, como

em hepatopatias, síndrome nefrótica, enteropatias perdedoras de proteínas, síndromes de má absorção, desnutrição, infecção prolongada, etc.

• Aumento da permeabilidade capilar: como em casos de inflamação, quando o edema vem acompanhado

dos demais sinais flogísticos. • Diminuição da drenagem linfática: linfedemas qua­ se sempre são volumosos, pálidos, moles e frios.

A Tabela 82.1 mostra as mais diversas causas de ede­

ma em membros inferiores, ressaltando-se que a ICC, as alterações renais (síndrome nefrótica, insuficiência renal e síndrome nefrítica) e a cirrose hepática são as causas

mais frequentes de edema simétrico em membros inferio­ Edema é o estado de excesso de líquido intersticial nos

res. Nessas causas sistêmicas, muitas vezes há retenção

tecidos, sendo necessário acúmulo de litros até que a detec­

hidrossalina por mecanismos que aumentam a água cor­

ção clínica seja possível, como no subcutâneo dos membros,

poral total, podendo caracterizar-se o estado de anasarca,

nas cavidades serosas e alveolares. O edema pode acarre­

às vezes observado nesses pacientes. Edemas assimétricos

tar diminuição da circulação venosa por meios mecânicos,

devem levantara suspeita das causas locais demonstradas na Tabela 82.1. É importante observar se o edema é de­

diminuição da nutrição tissular e da eficiência celular. As características semiológicas do edema guardam

pressível (cacifo +: interstício infiltrado de água que se

certa relação com a fisiopatologia do edema e devem ser

mobiliza à digitopressão, formando o cacifo) ou não, uma

sempre exploradas:

vez que edema não depressível denota grande quantidade

496 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 82

de proteínas misturadas com ácido hialurônico e coindroi­

tinossulfato (mixedema: tipicamente em região pré-tibial, pálpebras e dorsos de mãos e pés), ou exsudação de gran­ de quantidade de proteínas para espaços tissulares onde

percussão dos flancos e semicírculo e Skoda positivo, compatível com ascite de moderada intensidade, além de sinais de circulação colateral à inspeção. Extremidades: edema 2+/4, simétrico, depressível, mole, frio e pálido.

elas se coagulam (infecções, edema por obstrução linfáti­

ca), ou ainda edema celular.

Além disso, o tecido palpebral é frouxo e com pouca ro aparecimento nas pálpebras. Edema palpebral também é comum no mixedema e em processos alérgicos (urticá­

ria). A insuficiência venosa crônica é sugerida pelo acha­

do de edema gravitacional de longa data, melhora ao se deitar, podendo ser discretamente assimétrico, com veias varicosas e hiperpigmentação de pele (pela destruição crônica de hemácias no local). Algumas medicações podem causar edema em membros inferiores por vasoconstrição

renal (anti-inflamatórios não esteroidais, ciclosporina), por vasodilatação arteriolar (anti-hipertensivos vasodila­

tadores), por aumento da reabsorção renal de sódio (cor­ ticosteroides, hormônios sexuais) e por dano capilar (ci­

closporina). Pacientes com acidente vascular cerebral

podem apresentar aumento da pressão capilar por altera­ ção da vasomotricidade na hemiplegia e edema no mem­ bro acometido.

físico de um paciente com edema de membros inferiores é fundamental que se procurem elementos para o diag­

nóstico diferencial entre essas condições. Nesse caso, a ausência de fatores de risco para doen­ ça cardiovascular, a ausência de outros sinais e sintomas que sugiram insuficiência ventricular esquerda, a ausência

de estase jugular, a qual é um elemento clínico de valor

para se estimara pressão venosa central à beira do leito,

tomam este diagnóstico menos provável.

Em relação à síndrome nefrótica, o paciente negava condições ou fatores de risco para glomerulopatias secun­

dárias, apresentava idade avançada para glomerulopatias primárias (exceto pela glomerulonefrite membranosa),

negava edema palpebral, urina espumosa e alteração do

hábito urinário recente ou da corda urina recentes, o que torna este diagnóstico menos provável, mas difícil de ser

excluído clinicamente devido à apresentação frustra de

Ao exame físico, o paciente encontra-se em bom estado, levemente emagrecido (altura = 1,68m e 59kg, índice de massa corporal = 20,9kg/m²), lúcido e orien­ tado, anictérico; pulso = frequência cardíaca = 72bpm; frequência respiratória = 16irpm; saturação de O2 em arambiente = 97%; pressão arterial = 100 × 60mmHg; temperatura = 36,3°C; presença de telangiectasias em tronco. Neurológico: ausência de flapping ou outras alterações. Aparelho cardiovascular: bulhas rítmicas e normofonéticas, em dois tempos e sem sopros audíveis. Sem estase jugular a 30°. Ausculta respiratória: mur­ múrio vesicular presente em todos os campos e simétrico, sem ruídos adventícios. Abdome; fígado palpável a 2cm do rebordo costal direito, endurecido e com borda romba; baço percutível e palpável no rebor­ do costal esquerdo ao final da inspiração; macicez à

muitas condições associadas às glomerulonefrites e das próprias glomerulonefrites per se. Quanto à possível cirrose, o paciente apresenta algumas

alterações na história clínica que nos remetem mais a este diagnóstico, como fígado com consistência alterada, es­

plenomegalia, ascite, edema de membros inferiores, te­

langiectasia, apesarde, até o momento, não haver indícios da possível etiologia. Vale ressaltar que a hepatite crônica é uma condição

oligossintomática e sinais e sintomas aparecem em doen­ ça avançada. Os sinais e sintomas da doença hepática

decorrem, sobretudo, da insuficiência hepática (encefalo­ patia, icterícia, ascite, anemia, alteração da coagulação,

edema de membros inferiores e hiperestrogenismo, sendo que este último resulta em telangiectasia, alteração na distribuição de pelos, ginecomastia, eritema palmar e

atrofia testicular) ou por consequência da hipertensão TABELA 82.1 - Causas de edema generalizado e localizado

portal (varizes esofágicas e gástricas, esplenomegalia,

Edema

Causas

circulação colateral ‒ caput medusae, encefalopatia, as­

Edema generalizado cacifo +

Insuficiência cardíaca, insuficiência renal, síndrome nefrítica, síndrome nefrótica, estados hipoalbuminêmicos, medicações

cite e edema, citopenias por hiperesplenismo).

Edema generalizado cacifo -

Mixedema

Edema localizado cacifo +

Trombose venosa profunda, insuficiência venosa crônica

Edema localizado cacifo -

Linfedema, celulite, angioedema

Diante do quadro clínico, solicitam-se exames para confirmara provável doença hepática e para avaliar alterações renais ou evidências de insuficiência cardíaca que justifiquem o edema: hemoglobina/hematócrito = 11,2/32 (normocrômica e normocítica); leucograma = 6.400 (0 0 0 80); linfócitos = 10; monócitos = 8;

978-85-4120-074-5

resistência e o edema por doenças renais tem seu primei­

O edema é condição frequente em diversas condições clínicas, sobretudo em insuficiência cardíaca congestiva, alterações renais e hepatopatia. À anamnese e ao exame

978 85 4120 074

eosinófilos = 2; plaquetas = 120.000; alanina amino­ transferase (ALT) = 80; aspartato aminotransferase (AST) = 95; fosfatase alcalina = 146U/L; atividade de protrombina (AP) = 37%; relação normalizada interna­ cional (RNI) = 1,63; albumina = 3,1g/dL; bilirrubinas totais = 1,8 (direta = 1,1); creatinina = 0,8; ureia = 30; sódio = 137; potássio = 4,2. Radiografia de tórax (para avaliar evidências de insuficiência cardíaca congestiva): sem alterações do parênquima pulmonar,sem aumento da área cardíaca, sem alterações do mediastino e em partes moles. Eletrocardiograma (para avaliar evidências de in­ suficiência cardíaca): frequência cardíaca = 68bpm, ritmo sinusal, eixo cardíaco 30°, intervalos PR e QT sem alterações, sem alterações de repolarização, sem sinais de sobrecarga em câmeras cardíacas, sem sinais de área inativa. Ultrassonografia (para avaliar evidências de hepato­ patia crônica e sinais indiretos de hipertensão portal): fígado com discreto aumento de tamanho, alteração de ecogenicidade e contorno levemente irregular com nodu­ laridades discretas, sem nódulos parenquimatosos visíveis e aumento do lóbulo esquerdo, aumento do baço em cerca de duas vezes o seu tamanho e ascite moderada. Urina I para excluir glomerulopatias (que inclusive podem acompanhar algumas doenças hepáticas, como hepatites B e C): E = 3; L = 10; proteína: ausente, sem dismorfismo eritrocitário. Paracentese diagnóstica (excluir peritonite bacte­ riana espontânea e avaliar relação da ascite com hipertensão portal): líquido ascítico de aspecto citrino, cuja bioquímica evidenciou: 10 hemácias, 20 células nucleares por milímetro cúbico, albumina = l,2g/dL (gradiente de albumina sérica-ascite = 3,1 ‒ 1,2 = 1,9), Gram e cultura sem alterações.

to das aminotransferases) e da função hepática (alterações

de albumina, tempo de protrombina/RNI), além de cito­

penias que são importantes indícios de hipertensão portal, sobretudo quando há quedas em medidas seriadas. Vale recordar ainda que o aumento proporcionalmente maior

da AST em relação ao da ALT sugere etiologia alcoólica ou cirrose hepática já instalada. A ultrassonografia também

evidencia alterações no parênquima hepático, sugestivas de cirrose incipiente, com alterações no seu contorno,

alteração da ecogenicidade e sinais hipertensão portal incipiente, como aumento discreto do baço e ascite mo­

derada. Não há evidências de insuficiência cardíaca con­

gestiva ou de síndrome nefrótica associadas que justifiquem a queixa de edema.

Diante do quadro clínico apresentado e dos exames realizados, podemos sugerir estar diante de uma provável

cirrose descompensada com ascite, cuja etiologia ainda

precisa ser determinada. Ressalte-se aqui que, apesar de

o quadro clínico-laboratorial sugerir cirrose, o diagnósti­ co de cirrose hepática é histológico: presença de fibrose

com nódulos de regeneração. Até o momento, não há outros sinais de descompensação da provável cirrose, como encefalopatia (flapping ausente, sem alterações no

ciclo sono-vigília, sinal de Babinski negativo), síndrome

hepatorrenal (condição grave, caracterizada por oligúria depleção intravascular, ou sem resposta à administração empírica de albumina, e sem sódio urinário muito baixo,

em geral < 10meq/L) e sem sinais de hemorragia diges­ tiva alta por rupturas de varizes esofágicas ou de fundo

gástrico (melena ou hematêmese). Pela classificação de Child-Turcotte modificada por

Na avaliação laboratorial, observamos que o paciente

Pugh (Tabela 82.2), validada para avaliar prognóstico,

apresenta alterações sugestivas de lesão hepática (aumen­

classificamos o paciente como child B (7 pontos).

TABELA 82.2 - Classificação de Child-Turcotte modificada por Pugh

1 ponto

2 pontos

3 pontos

Ascite

Nenhum

Leve

Moderado/grave

Encefalopatia

Nenhum

Grau 1 - 2

Grau 3-4

Bilirrubina

3

Albumina

>3,5

2,8-3,5

50% 6 < 30% >2,3

Pontuação

Sobrevida em 1 ano %

Sobrevida em 2 anos %

Child A

5-6

100

85

Child B

7-9

80

60

Child C

10-15

45

35

AP = atividade de protrombina; RNI = relação normalizada internacional; TP = tempo de protrombina.

CAPÍTULO 82

5

Edema dos Membros Inferiores - 497

498 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 82

Sorologias para hepatite evidenciaram os seguintes

resultados:

de hepatite B crônica HBeAg-negativa diferenciam-se dos

estados de portador de HBsAg inativo pela presença de aminotransferases aumentadas, de HBeAg no fígado e

• Hepatite A: imune. Diagnóstico pela presença de

níveis mais elevados de DNA do HBV (Tabela 82.4).

anticorpo para vírus da hepatite A (anti-HAV) imu­

O paciente realizou pesquisa de carga viral (HBV-DNA

noglobulina M (IgM), que surge no início do quadro

pela técnica de reação em cadeia da polimerase que evi­

clínico e persiste por 4 a 12 meses; anti-HAV total

denciou 400.000.000 cópias/mL. Vale recordar que ensaios

é útil para avaliar imunização; profilaxia com vaci­

de hibridização convencional não detectam cargas virais

na (0 e 6 meses) para indivíduos suscetíveis, sobre­

menores que 500.000 cópias/mL, de forma que não de­

tudo idosos e portadores de hepatite crônica. Assim,

tectam carga viral em portadores inativos, podendo não

o paciente em questão não necessitará de vacina.

detectar carga viral em portadores assintomáticos da he­

• Hepatite C: não reagente (anti-HCV não reagente).

patite B (Tabela 82.4). Nesse momento, a biópsia hepática para fins diagnós­ ticos e terapêuticos teria indicação precisa. A biópsia pode ser indicada a pacientes com critérios de hepatite crônica,

Apresenta peculiaridades significativas quanto ao

diagnóstico: o anti-HCV não se desenvolve por semanas a meses após a enfermidade e as amino­

transferases, embora mais comumente elevadas, mostram curso flutuante e podem, inclusive, ser

normais, mesmo com viremia. Assim, anti-HCV na convalescença ou pesquisa de RNA-HCV são ne­ cessários para excluir hepatite C aguda em paciente

com marcadores sorológicos inicialmente negativos. • Hepatite B: antígeno de superfície do vírus da he­

patite B (HBsAg) positivo; anti-HBsAg negativo; anti-HBc total positivo (à custa de IgG); HBeAg negativo; anti-HBe positivo.

• Carga viral: 400.000.000 cópias/mL.

Vera seguir as possíveis interpretações para os resul­ tados de sorologias para hepatite B (Tabela 82.3).

Os resultados da sorologia indicam que o paciente tem

hepatite B crônica, uma vez que apresenta HbsAg posi­ tivo e não produziu anti-HBs. Ausência de antígeno e da

hepatite B (HBeAg) e presença de anti-HBeAg sugerem que o paciente saiu da fase replicativa e entrou na fase não replicativa da doença. Entretanto, o aumento de ami­

notransferases e a possível exacerbação clínica alertam para a possibilidade de mutação na região pré-core do

vírus, a qual é responsável pela síntese do HBeAg e do

HBeAg viral. Assim, podemos dizer que os portadores

isto é, HBsAg positivo por mais de seis meses, HBV DNA sérico > 100.000 cópias/mL, elevações persistentes ou intermitentes das aminotransferases (maior que duas vezes o valor normal de referência), mas é imperativa para aqueles que não preenchem estes critérios. Como já dito, o diagnóstico da cirrose hepática é histológico. O fígado normal mostra o lóbulo hepático (parênquima hepático), a placa limitante (linha imaginária que limita o espaço porta e o parênquima hepático) e o espaço porta (forma­ do por veia porta, artéria hepática, ducto biliar e tecido conjuntivo). Na hepatite aguda, há grande predomínio de

alterações lobulares e a inflamação portal é bem menos pronunciada. Na hepatite crônica, há predomínio de alte­ rações no espaço portal, podendo haver fibrose e alterações que sugiram cirrose hepática. No fígado normal, há apenas um tipo de colágeno (tipo IV), presente na membrana basal, entre sinusoides hepá­ ticos e hepatócitos (região chamada de espaço de Disse), permitindo a troca entre hepatócitos e sinusoides. Em cirrose, temos o depósito de colágeno tipos I e III e célu­ las inflamatórias no espaço de Disse, o que forma septos no meio do parênquima e prejudica a troca de substâncias entre hepatócitos e os sinusoides (provenientes da veia porta), fazendo com que o sangue chegue às veias centro­ lobulares (no centro do espaço porta) sem serem filtradas.

TABELA 82.3 - Diagnóstico sorológico para vírus da hepatite B (HBV)

HBsAg

HBeAg

Anti-HBc IgM

Anti-HBc IgG

Anti-HBs IgG

Anti-HBe

Aguda

+

+

+

-

-

-

Crônica ativa

+

+

-

+

-

-

Crônica inativa ou crônica HBeAg negativo (distinção na Tabela 82.4)

+

-

-

+

-

+

Curado

-

-

-

+

+

+

Pós-vacina

-

-

-

-

+

-

HBeAg = antígeno e da hepatite B; HBc = antígeno core da hepatite B; HBsAg = antígeno de superfície do vírus da hepatite B; Ig = imunoglobulina.

Edema dos Membros Inferiores - 499

TABELA 82.4 - Três formas de infecção crônica pelo vírus da hepatite B

HBsAg

HBeAg

DNA HBV

HBcAg no fígado

Hepatite crônica

Hepatite crônica típica

Positivo

Positivo

107-1.011

Positivo (nuclear)

Ativa

Hepatite B crônica HBeAg-negativa

Positivo

Negativo

105-109

Positivo (citoplasmático)

Ativa

Estado de portador de HBsAg inativo

Positivo

Negativo

101 -103

Negativo

Inativa

HBeAg = antígeno e da hepatite B; HBcAg = antígeno core da hepatite B; HBsAg = antígeno de superfície do vírus da hepatite B.

A biópsia hepática no paciente com hepatite crônica/ cirrose é de fundamental importância tanto para o diag­

até o momento, sugerindo que o paciente possa se bene­

nóstico quanto para estagiar o grau de fibrose e determi­

O acúmulo de substâncias vasoativas no território

nar se há áreas de infiltração e agressão inflamatória no

esplâncnico, devido à deficiente metabolização hepática,

espaço periportal (denominadas lesão em saca-bocado ao

leva a aumento do fluxo sanguíneo e da permeabilidade

microscópio), as quais denotam doença em atividade com

vascular no território esplâncnico, com redução subse­

agressão do parênquima adjacente e formação de novos

quente da volemia para as demais regiões do organismo.

septos no tecido hepático, além de determinar necrose e

Isso gera importante ativação do sistema nervoso simpá­

inflamação lobular. Vale recordar que hoje o sucesso te­

tico, hipoperfusão renal e consequente ativação do siste­

rapêutico no tratamento das hepatites B e C e imunolo­

ma renina-angiotensina-aldosterona, responsáveis pela

gicamente mediadas pode resultarem reversão da fibrose

grande retenção de sódio (Na) no túbulo distal e formação

hepática já instalada. Essas informações permitem ao médico mensurara proporção de tecido viável que se

ficiar do tratamento antiviral.

de edema e ascite nesses pacientes. Pacientes com excre­

ção de Na urinário > 80mEq/dia podem ser tratados ini-

beneficiará de tratamento e a atividade da doença, isto é, se a doença está ou não progredindo no momento do diagnóstico, além de avaliara resposta ao tratamento. Segundo a Sociedade Brasileira de Patologia, a classifi­

cação histopatológica da cirrose hepática deve seguir os critérios elencados na Tabela 82.5. A biópsia do paciente evidenciou HBcAg no tecido

porimuno-histoquímica, estadiamento grau 4 e atividade periportal grau 2 e portal grau 3.

O resultado sugere cirrose (Fig. 82.1) por hepatite B crônica com replicação viral (HBcAg tecidual) e progres­

Figura 82.1 - Biópsia hepática demonstrando cirrose,

são da doença em um fígado com bastante tecido viável

nesse caso, por vírus B.

TABELA 82.5 - Estadiamento histológico de cirrose hepática segundo a intensidade da fibrose portal e a atividade da doença

Grau ou atividade da doença (necroinflamação)

Fibrose portal (estadiamento) Atividade periportal

Atividade portal

Atividade lobular (parenquimatosa)

0: ausência de fibrose

0: ausente

0: ausente

0: ausente

1: fibrose portal

1: presença apenas de spill over ("extravasamento linfocitário")

1: discreta

1: tumefação, infiltrado linfocitário sinusoidal e ocasionais focos de necrose lítica hepatocitária

2: fibrose periportal

2: necrose em saca-bocados discreta ‒ focos ocasionais em alguns espaços porta

2: moderada

2: numerosos focos de necrose lítica hepatocitária

3: fibrose com septos porta-porta e porta-centro, esboçando formação de nódulos

3: necrose em saca-bocados moderada ‒ focos ocasionais em muitos espaços porta ou numerosos focos em poucos espaços porta

3: acentuada

3: áreas de necrose confluente ocasionais

4: Cirrose

4: necrose em saca-bocados acentuada ‒ numerosos focos em muitos espaços porta

4: muito acentuada

4: numerosas áreas de necrose confluente ou áreas de necrose pan-acinar

CAPÍTULO 82

Padrão

CAPÍTULO 82

500 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

cialmente apenas com restrição de Na dietético (até 2g de sal por dia). Caso o paciente apresente baixa excreção

histológicos avançados. O objetivo do tratamento é a

de Na, isso denota grande ativação neuro-humoral para a

so um ano após esta, o que ocorre em poucos casos. O

retenção de Na, de forma que esses pacientes se beneficiam

tratamento deve ser mantido em pacientes que conservarem

de diuréticos, sobretudo a espironolactona, a qual age no

supressão viral apesarde persistirem anti-HBeAg negativos.

túbulo distal renal. Em geral, inicia-se com dose de 50mg/

Os benefícios do tratamento prolongado estão claros em

dia, atingindo um máximo de 400mg/dia. Entretanto, do­

pacientes com doença avançada, mas são mais controver­

ses maiores que 200mg não costumam ser bem toleradas.

sos naqueles com doença leve, mesmo se HBeAg-positivos

Se preciso, pode-se associar diurético tiazídico, com uma

e/ou com altos níveis de HBV DNA, de forma que não estão

dose corrigida para a função renal do paciente. A diurese

indicados de rotina a este subgrupo.

HBeAg-soroconversão, podendo o tratamento sersuspen­

continuando inadequada, pode-se ainda associar o diuré­

Pacientes com HBeAgnegativo e hepatite crônica (ALT

tico de alça à espironolactona. Vale ressaltar que pacien­

maior que duas vezes o valor normal e HBV DNA maior

tes cirróticos apresentam menor resposta diurética aos

que 20.000IU/mL) devem iniciaro tratamento no momen­

diuréticos de alça que pacientes normais, por motivos

to do diagnóstico, uma vez que raramente ocorre remissão

ainda não claramente conhecidos. A resposta do paciente

sustentada sem ele. Importante ressaltaro curso flutuante

cirrótico grave pode sera excreção de 30mmol de sódio,

da hepatite B crônica nesses pacientes, de modo que é

ao passo que pacientes normais excretam até 250mmol.

necessário um seguimento próximo para diferenciá-los

O aumento da dose não traz muito benefício, a não ser

dos portadores crônicos inativos; então, muitas vezes

que haja insuficiência renal associada, o que acarreta me­

deve-se considerara biópsia em pacientes com mais de

nor aporte do diurético ao seu sítio de ação (alça espessa

2.000 cópias/mL e ALT normais ou pouco aumentadas

do túbulo renal). Porém, o número maior de tomadas ao dia e a associação com tiazídicos parecem ser efetivos.

para avaliarse o tratamento é aconselhável. O tratamento

No caso em foco, o paciente colheu urina de 24h, que

evidenciou proteinúria de 0,1g/L e Na urinário de 85mEq/

dia e recebeu apenas restrição de Na dietético com me­ lhora significativa do edema em membros inferiores e da

ascite, mensurado pelo controle do volume abdominal e pela perda de peso. Pacientes com edema em membros inferiores devem perder até 1kg/dia, ao passo que pacien­

tes sem edema devem perder até 500g/dia de peso.

Em relação ao tratamento antiviral para hepatite B,

vamos ressaltar alguns pontos importantes. Antes de tudo, é preciso compreender que o ciclo viral não é maléfico

aos hepatócitos per se. A lesão hepática deve-se sobretu­

do à agressão imunológica do organismo mediada por linfócitos T via apresentação de antígenos contra hepató­ citos infectados. Esse fato explica portadores crônicos

assintomáticos com mínima lesão hepática, apesarda gran­ de replicação viral intra-hepática.

O tratamento está indicado a pacientes com hepatite

pode ser descontinuado caso desapareça o HBsAg por dois meses, mas isto só se dá em menos de 5% dos pa­

cientes. Assim, mantém-se o tratamento por tempo inde­

terminado em pacientes com supressão virológica, lem­ brando que a retirada da medicação geralmente se associa

a recaídas. Da mesma forma que nos pacientes HBeAg-

positivos, os agentes orais por tempo prolongado devem

ser evitados em pacientes com doença leve. Os marcadores de sucesso terapêutico classicamente

são perda de HBeAg, soroconversão para anti-HBeAg, que em geral é acompanhada de exacerbação com aumen­ to das aminotransferases em até três vezes o valor basal

(sobretudo no tratamento com interferon, devido ao efei­ to imunomodulador desta droga, que por isso não deve

ser usada em casos de cirrose com descompensação pré­ via ou atual), coincidindo com queda súbita nos níveis de

DNA do HBV. Apesarde a cura completa, definida como

desaparecimento do HBsAg, o qual ocorre meses a anos

B crônica com HBsAg e DNA do HBV no soro (em

após perda do HBeAg, e da viremia, ser mais rara (menos

geral, > 20.000 cópias/mL) e elevações nos níveis séricos de aminotransferases, além dos pacientes com cirrose

de 10% dos pacientes), os marcadores de resposta descri­

descompensada e HBV DNA detectável pela PCR, inde­

histológicos e de forma sustentada, sendo incomum a

pendentemente dos níveis das aminotransferases.

reativação viral (retorno do HBeAG e aumento de títulos

Pacientes com HBeAgpositivo podem seracompanha­ dos de perto por três a seis meses, para avaliar possível

de DNA do HBV). São preditores de boa resposta ao

HBeAg-soroconversão espontânea. Também podem ser

ao início do tratamento, doença hepática ativa ao estudo

apenas observados caso apresentem ALT menor que duas

histológico, baixos níveis de replicação viral, aquisição

vezes o valor normal, iniciando-se o tratamento quando

da infecção em idade adulta, ausência de cirrose hepática

há aumentos da ALT, exacerbações recorrentes ou achados

estabelecida.

tos anteriormente estão associados à melhora dos achados

tratamento antiviral: níveis elevados de aminotransferases

Edema dos Membros Inferiores - 501

• Interferon-alfa: droga classicamente usada no trata­

venientes a sua posologia (5 milhões de unidades

adefovir nesses casos de resistência. Como pode

via subcutânea por dia, durante quatro a seis meses e por período superiora 12 meses nas formas com

fazer parte da terapia antirretroviral de alta eficácia para paciente com HIV, tem grande importância para

mutação pré-core e cargas virais acima de 10.000

os pacientes com coinfecção HIV e HBV.

cópias/mL) e seus efeitos colaterais diversos, que prejudicam o uso em pacientes com doença de base

grave, como febre, trombocitopenia, leucopenia,

• Adefovir ‒ dipivoxil: eficaz no tratamento da hepa­ tite B crônica tanto em pacientes com HBeAg po­ sitivos quanto negativos. É eficaz contra HBV re­

ritmias. Seu efeito imunomodulador é responsável

sistentes à lamivudina (principal papel desta droga no momento), sobretudo quando usado em associa­

pelas exacerbações observadas durante o início do

ção com a lamivudina (sem a retirada desta).

queda de cabelos, depressão, emagrecimento e ar­

droga a pacientes com descompensação da cirrose

• Entecavir: extremamente seletivo contra a HBV polimerase e não apresenta atividade contra o HIV.

hepática atual ou prévia (ascite, hemorragia digesti­

Apesar de raros casos de resistência em pacientes

va, encefalopatia ou icterícia) e a transplantados de órgãos sólidos. Interferon peguilado: semelhante ao

sem uso prévio de nucleosídeo, observa-se até 40% de resistência em pacientes refratários ao tratamen­

interferon-alfa, mas com a vantagem de poder ser

to com lamivudina. Vem se mostrando superior à

administrado uma vez por semana, por períodos de

24 meses, mostra melhores resultados que o inter­

lamivudina em pacientes virgens de tratamento com nucleosídeo para supressão virológica e melhora

feron convencional. Pacientes sem resposta ao in­

histológica, em HBeAg negativos ou positivos.

tratamento da lesão hepática, o que contraindica essa

terferon devem ser considerados para os agentes • Lamivudina e outros análogos do nucleotídeo: apre­

Como o paciente já apresentou uma descompensação da cirrose, optou-se pelo início do tratamento com lami­

sentam como alvo a transcriptase reversa, bloquean­

vudina e ele evoluiu com redução na carga viral em seis

do diretamente a replicação do genoma do HBV. A lamivudina é uma droga extremamente bem tolera­

meses de 4 log, melhora dos níveis de aminotransferases (ALT = 50; e AST = 60) e histológica (estrutural = grau

da e o início do tratamento está associado à queda

4; e atividade periportal = grau 1), mas, como era espera­

extremamente rápida de cerca de 4 a 6 log do DNA

do HBV nos primeiros três a seis meses de trata­

do em um paciente HBeAg-negativo, continua com HBsAgpositivo. Evoluiu com melhora do edema e da ascite com

mento. A maioria dos pacientes permanece HBeAg-

restrição de sal, atualmente discretos. Faz seguimento

positivo com o tratamento prolongado, mas com

clínico para acompanhar resposta ao antiviral e para vigi­ lância do hepatocarcinoma com ultrassonografia e alfa­

orais descritos adiante.

melhora nos níveis do DNA do HBV e das amino­

transferases, o que persiste mesmo quando o HBV desenvolve resistência ao agente, sugerindo que o HBV mutante seja menos patogênico e menos efi­ ciente na replicação que o HBV selvagem, de forma que muitos mantêm o tratamento prolongado nestes pacientes, desde que não haja evidências clínicas de

falha no tratamento (e muitos continuam a apresen­ tarsoroconversão após o desenvolvimento de cepas

fetoproteína a cada seis meses, lembrando-se que o risco para esta neoplasia persiste mesmo em portadores assin­ tomáticos (ou inativos), apesarde ser maior em cirróticos.

DIAGNÓSTICO FINAL Cirrose hepática pelo vírus da hepatite B.

mutantes). Pacientes com negativação do HBeAg e

soroconversão para o anti-HBeAg devem ter o tra­

BIBLIOGRAFIA

tamento descontinuado para evitar resistência à

ALASTAIR, J. J.; WOOD, M. D.; BRATER, D. C. Diuretic theiapy (review article). N. ErgJ. J. Med., v. 339, p. 387-395, 1998. AUSIELLO, D. A.; GOLDMAN, L. Cecü Medicine 23. ed. Philadelphia: Saundeis Elseviei; 2008, p. 1108-1116. BONI, C. et al. Transient restoiation of anti-viral T cell responses induced by lamivudine therapy in chronic hepatitis B. J. Hepád., v. 39, p. 595, 2003. CHANG, T. T. et al. Entecavir is superior to lamivudine for the treatment of HBeAg-positive chronic hepatitis B: results of phase III

medicação. Pacientes HBeAg-negativos têm melho­

ra histológica e nos níveis das aminotransferases em dois terços dos casos, mas recaídas após suspensão da medicação são frequentes; logo, costuma-se manter o tratamento prolongado com os agentes orais. O grande problema dessa droga é o desenvol­ vimento de resistência viral por mutação no amino­

CAPÍTULO 82

mento da hepatite B crônica, apresenta como incon­

ácido no gene da polimerase (YMDD), até 67% no quarto ano de tratamento. Hoje, muitos associam o

CAPÍTULO 82

502 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

study ETV-022 in nucleoside-naíve patients. Hqiddcg', v. 40, p. 193A, 2004. SHOUVAL, D. et al. Entecavir demonstiates superior histologic and virologic efficacy over lamivudine in nucleoside-naive HBeAgnegative chronic hepatitis B: results of phase III trial ETV-027. Hepatology, v. 40, p. 728A, 2004. Dl MARCO, V. et al. Clinicai outcome of HBeAg-negative chronic hepatitis B in relation to virological response to lamivudine. Hcpílíkg v. 40, p. 883, 2004. FONTANA, R. J.; LOK, A. S. Lamivudine treatment in patients with decompensated hepatitis B cinhosis: Forwhom and when? [edi­ torial]. J. Hcpád., v. 33, p. 329, 2000. GANEM, D. et al. Mechanisms of disease: hepatitis B viras infection - natural history and clinicai consequences (review article). N. Engl. J. Med., v. 350, p. 1118-29, 2004. HADZIYANNIS, S. J. et al. Long-teim therapy with adefovirdipivoxil forHBeAg-negative chronic hepatitis B forup to 5 yeais. Gas trciilrickg. v. 131, p. 1743, 2006. KUMAR, V.; ABBAS, A. K.; FAUSTO, N. Robbins e Cotran - Bases Patológicas das Doenças. Rio de Janeiro: Elseviei; 2005, p. 919. LAMPERTICO, P. et al. Three years of adefovirand lamivudine combination therapy minimizes the risk of genotypic resistance to adv and lam resistant patients (abstract). J. v. 46 (Suppl 1), p. S27, 2007. LAU, G. K. et al. Peginterferon alfa-2a monotherapy and in combination with lamivudine is more effective than lamivudine monotherapy in HBeAg-positive chronic hepatitis B: results from a large multinational study. N. ErjsJ. J. Med., v. 352, p. 2682-95, 2005.

CHAN, H. L. et al. Long-teim follow-up of peginterferon and lamivu­ dine combination treatment in HBeAg-positive chronic hepatitis B. Hepatology, v. 41, p. 1357-64, 2005. LEUNG, N. W. et al. The effect of longerduration of harbouring la­ mivudine-resistant hepatitis B viras (YMDD mutants) on liver histology during 3 yeais of lamivudine therapy in Chinese patients (abstract). Hqiílíkg, v. 34, p. 348A, 2001. LIAW, Y. F. et al. Lamivudine forpatients with chronic hepatitis B and advanced liverdisease. N. ErgJ. J. Med., v. 351, p. 1521, 2004. MANOLAKOPOULOS, S. et al. Clinicai couise of lamivudine mono­ therapy in patients with decompensated cinhosis due to HBeAg negative chronic HBV infection. Am. J. Gastroatod., v. 99, p. 57, 2004. MARCELLIN, P. et al. Long-term efficacy and safety of adefovir dipivoxil for the treatment of HBeAg-positive chronic hepatitis B patients (abstract). Hcpítíkg. v. 44, p. 548A, 2006. MARTINS, H. S.; DAMASCENO, M. C. T.; AWADA, S. B. Prcrto ■sjaro ccidcíasdoH •JL itddasClíricasdaFMUSP. 2. ed. Barueri: Manole, 2008. PETERS, M. G. et al. Adefovirdipivoxil alone orin combination with lamivudine in patients with lamivudine-resistant chronic hepatitis B. Gastroenterology, v. 126, p. 91, 2004. PRADO, F. P. C. et al. Atualização Terapêutica. 23. ed. São Paulo: Artes Médicas, 2007, p. 768-776. PRADO, F. P. C. et al. Atualização Terapêutica. 23. ed. São Paulo: Artes Médicas, 2007, p. 761-765. RAMOS JR, J. Semiotécnica da Observação Clínica. 4. ed. São Paulo: Sarvier; 1974, p. 17-19 e 310.

CAPÍTULO

83

Dorna Perna Kátia Emi Nakaema • José Luiz Pedroso A Medicina é a ciência da incerteza e

a arte da probabilidade. WlLLIAM OSLER

Paciente de 28 anos de idade, sexo masculino, procura ambulatório de Clínica Médica com dores nas pernas há seis meses. Doré uma experiência sensorial e emocional desagradável, uma manifestação subjetiva, variando sua apreciação de um indivíduo para outro e até em um mesmo indivíduo,

guindo mais trabalhar ou realizar suas atividades rotineiras. Nega qualquer antecedente de traumas, febre, inapetência ou emagrecimento. Fez uso de analgésicos comuns, sem obter melhora.

Neste caso, a dor na perna aparece como um sinal de alerta de que algo não está funcionando adequadamente

em circunstâncias, doenças ou causas externas distintas. A dor pode ser classificada em aguda ou crônica. A dor aguda é um importante sinal de alerta e em geral desaparece com a remoção do fator causal e a resolução do processo patológico ou, mesmo, com o envolvimento de outros mecanismos fisiopatológicos que levam à sua cronificação. A dor crônica é a que persiste por período

e chega a ser relevante a ponto de motivara procura por

superior àquele necessário para a cura de um processo mórbido, ou aquela associada a afecções crônicas (câncer, artrite reumatoide, osteoartrose, insuficiência vascular, aterosclerose de membros inferiores, neuropatia diabética). Este tipo de dordetermina acentuado estresse, sofrimen­ to e perda na qualidade de vida.

festações concomitantes.

serviço médico. A dor na perna é um sintoma que pode sercaracteri­

zado pelo tipo de dor sua localização anatômica e/ou sua irradiação. A evolução dessa dor pode ter fatores desen­

cadeantes e/ou agravantes e ainda atenuantes e/ou mani­ Inúmeras são as causas possíveis de dores em membros inferiores (Quadro 83.1): musculoesqueléticas e reuma­

tológicas, distúrbios periarticulares (ligamentos, tendões, bursas), causas traumáticas, neoplásicas, vasculares (dis­

túrbios venosos, arteriais e linfáticos), neurológicas, psico­

gênicas, endócrinas, metabólicas e infecciosas. Assim, são

O paciente conta que, inicialmente, a dor acometia somente os pés, ao final do dia e melhorava após repou­ sar. Relacionava a dor ao fato de seu novo emprego exigir que ficasse o dia todo em pé. Notou que passou a sentira dor cada vez mais cedo quanto ao horário e que ela foi subindo para tornozelos e panturrilhas, principalmente à deambulação. A dor reduzia a distân­ cia percorrida, ultimamente até 50m. Há uma semana, a dor passou a surgir mesmo em repouso, não conse­

diversas as causas em a se deve pensar para melhor abor­

dagem de um paciente com dor em membros inferiores.

O paciente conta que nasceu e sempre viveu na cida­ de de São Paulo, é solteiro, estudante de supletivo e trabalha há dois anos em uma lanchonete de fast-food. Nega qualquer doença prévia ou cirurgia. Refere serta­ bagista desde os 15 anos de idade, cerca de um maço por

CAPÍTULO 83

504 - Problemas Gerais em Clínica Médica

QUADRO 83.1 - Principais causas de dores em membros inferiores • Musculoesqueléticas - Articular não inflamatória ■ Osteoartrite - Articulares inflamatória ■ Artrite reumatoide ■ Lúpus eritematoso sistêmico ■ Febre reumática ■ Gota ■ Pseudogota ■ Artrite infecciosa ■ Espondiloartropatias soronegativas ■ Polimialgia reumática ■ Infecções virais e bacterianas - Distúrbios periarticulares ■ Lesões pós-traumáticas ■ Ligamentares • Bursite • Tendinite • Entesite • Neoplásicas - Osteossarcoma - Doença de Paget • Vasculares - Trombose venosa profunda - Insuficiência venosa crônica ■ Varizes ■ Flebites - Doença arterial periférica ■ Oclusão arterial crônica ■ Vasculites inflamatórias • Poliangiite microscópica • Poliarterite nodosa • Wegener - Tromboangiite obliterante - Embolia arterial - Displasia fibromuscular - Linfedema • Neurológicas - Neuropatia periférica ■ Diabética ■ Alcoólica - Radiculopatias ■ Hérnia de disco • Endócrinas e metabólicas - Diabetes mellitus - Erros inatos do metabolismo - Porfiria intermitente aguda - Hipotireoidismo • Afecções cutâneas - Celulite - Erisipela - Úlceras venosas, traumáticas - Eritema nodoso • Psicogênicas - Fibromialgia - Síndrome da fadiga crônica - Síndrome de dor miofascial ____________________________________________________________

Ao considerarmos os diagnósticos diferenciais de dor na perna, a osteoartrite torna-se improvável pelo fato de

esta doença acometer indivíduos mais idosos e estar lo­

calizada em articulações. Não há sintomas compatíveis com artrite reumatoide, como dor articular principalmen­

te de interfalangeanas proximais, metacarpofalangeanas e punho ou rigidez matinal. O paciente não preenche critérios para o diagnóstico de lúpus eritematoso, o que

torna esta doença improvável: não há artralgias, manifes­

tações cutâneas (eritema em “asa de borboleta”), lesões purpúreas, alopecia, úlceras nas pernas e vasculites.

Dentre as espondiloartropatias soronegativas, a espon­

dilite anquilosante afeta jovens e adultos, entre 15 e 40 anos, principalmente do sexo masculino. Manifesta-se como rigidez matinal e dor localizada na região lombar

pelo comprometimento das articulações sacroilíacas, podendo progredire comprometertoda a coluna vertebral

(coluna em bambu). Pode haver comprometimento de

articulações de membros inferiores como calcaneodinia, tendinite e artrite. A princípio, acomete as articulações

sacroilíacas, com piora ao repouso e melhora com ativi­ dade física. O paciente poderia, pela faixa etária, apre­ sentar esse comprometimento, porém, ao exame clínico não exibe nenhuma dessas características, sendo impor­

tante um exame físico osteoarticular cuidadoso. As varizes são causas muito frequentes de dores em

membros inferiores. A dor piora na posição ortostática e se alivia com o decúbito elevado das pernas. Embora

tenha história familiar, esse é um diagnóstico improvável, pois não há varizes presentes à inspeção dos membros. A

hipótese de trombose venosa profunda também é impro­ vável, pois tal doença possui classicamente envolvimento

assimétrico, associado a edema e calor do membro.

Doença arterial obstrutiva crônica tem como principal causa a aterosclerose. Os principais fatores de risco en­

volvidos são: diabetes mellitus, hipertensão arterial sistê­ mica, obesidade, dislipidemias. O paciente em questão não tem tais fatores de risco e é muito jovem para pen­ sarmos nessa doença.

Tromboangiite obliterante é um diagnóstico a ser considerado, pois o paciente é jovem e tabagista. As manifestações clínicas são isquemia leve até lesões ulce­ radas como gangrenas de extremidades, podendo ser

acompanhadas de fenômeno de Raynaud e tromboflebites. dia, e etilista social. Não é usuário de drogas e nega pro­ miscuidade sexual ou doenças sexualmente transmissíveis. Dos antecedentes familiares, o pai faleceu aos 56 anos por infarto agudo do miocárdio. A mãe é viva, tem 60 anos e diagnóstico de diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, obesidade e varizes de membros in­ feriores. O único irmão de 37 anos teve diagnóstico recente de gota.

Seu quadro clínico é de dor com características de clau­ dicação intermitente, a dor melhora com o membro pen­

dente e piora ao repouso elevado do membro. Existem outras vasculites que são acompanhadas por

sinais clínicos de púrpura, fenômeno de Raynaud e aco­

metem jovens. Uma delas é a doença de Takayasu, em que existe comprometimento de grandes vasos, o que pode

Dor na Perna - 505

como a angiografia, poderá mostrar alterações típicas da

sinais sistêmicos como febre, perda de peso ao exame

doença e diferenciá-la da doença aterosclerótica.

clínico e ausência de pulsos periféricos.

O diagnóstico de neuropatia periférica continua sendo

A poliarterite nodosa é uma vasculite inflamatória

possível, pois temos uma alteração da sensibilidade tátil,

crônica, acomete vasos de médios e pequenos calibres e

devendo-se investigar possíveis causas de neuropatia

pode cursar com claudicação. Acomete com mais frequên­

periférica de origem não vascular, como a neuropatia de

cia mulheres jovens.

causa alcoólica. O paciente também se encontra eutrófico,

Neuropatia periférica é uma síndrome que se caracte­

sem sinais de deficiência nutricional, por exemplo, de

riza por comprometimento do nervo periférico, podendo

vitaminas do complexo B (atrofias cutâneas, musculares,

causar sintomas sensitivos, como dore parestesias, sin­

gengivites, cabelos e unhas quebradiços).

tomas motores, como fraqueza musculare disautonômicos,

como sudorese e sensação de edema. As causas para neuropatia periférica são: medicamentos, diabetes melli­ tus, hipotireoidismo, etilismo crônico, doenças infecciosas (como coxsackie, hepatites virais) e vasculites sistêmicas.

Suspeita-se dela pelo comprometimento de dores em membros inferiores, simetria, associada ou não a pares­

tesias, iniciando-se em região plantar até joelhos (padrão em botas) e não tem relação com movimento ou repouso.

Ao exame físico, apresenta-se com pressão arterial de 128 × 86mmHg em membro superior direito, com frequência cardíaca de 78bpm, rítmico, frequência res­ piratória de 18irpm, com saturação de oxigênio em ar ambiente de 97%, e índice de massa corporal de 24. Encontra-se em bom estado geral, corado, acianótico, anictérico, hidratado e afebril. Não apresenta gânglios palpáveis. Sem sinais de estase jugular.Tireoide normo­ palpável. Aparelho cardiovascular: bulhas rítmicas, normofonéticas, em dois tempos, sem sopros, sem frê­ mitos e ictus normal. Propedêutica pulmonare abdominal sem alterações. Ao exame das extremidades: à inspeção, mostra rarefação de pelos na face anterior das pernas, coloração cianótica nos pés, sem edema. À palpação, diminuição de temperatura, pulsos pediosos e tibiais posteriores diminuídos (+/4+) e dorao toque do exame. Paciente sem sinais de varizes ou flebites. Panturrilhas livres. Propedêutica osteoarticular sem alterações.

O exame físico é compatível com doença arterial, devido ao achado de redução dos pulsos periféricos, dimi­

nuição de temperatura e cianose. A presença de tabagismo na história é fator predisponente para doença vascular.

Em pacientes jovens e tabagistas, com sinais de doença

Solicitados exames de sangue: hemograma ‒ hemoglobina/hematócrito = 16,5/50; leucócitos = 7.100/ mm3 (68% de neutrófilos e 22% de linfócitos); plaque­ tas = 249.000/mm3; ureia = 26mg/dL; creatinina = 0,7mg/dL; ácido úrico = 6mg/dL; albumina = 4,5; ati­ vidade de protrombina = 90%; glicemia de jejum = 81mg/dL; velocidade de hemossedimentação = 45mm; proteína C-reativa = 0,1; alfa-1 glicoproteína ácida = 60; colesterol de lipoproteína de baixa densidade = 85; colesterol de lipoproteína de alta densidade = 70; tri­ glicérides = 110; hormônio estimulante da tireoide = 3. Urina tipo 1 sem alterações. Posteriormente, os resul­ tados de sorologias foram para HIV, hepatites B e C e HTLV I e II não reagentes. Perfil de autoanticorpos: anti-DNA, fator antinuclear, anticorpo anticitoplasma de neutrófilo, fator reumatoide, anticorpo antifosfolipí­ dio e complemento sérico normais. A radiografia simples das pernas e pés não mostrou nenhum sinal de lesões osteoarticulares. Com esses exames, podemos ver que o paciente não

apresenta um quadro de vasculite sistêmica inflamatória ou de doenças de risco cardiovascular como diabetes mellitus e dislipidemias ou neuropatia metabólica, doen­

ças tumorais ou infecciosas.

Das outras causas menos frequentes de neuropatia, como as vasculites sistêmicas, podem ser afastadas com

estes exames infecção pelo HIV e pelo HTLV e doenças

autoimunes como lúpus, Wegenere poliarterite nodosa.

Em relação aos tumores, com osteossarcoma poderia haver deformidade óssea notável pela palpação e a radio­

grafia mostraria reação periosteal do tipo espiculado ou

arterial, deve-se pensar na possibilidade de uma vasculi­

em raios de sol e poderia acometer com aumento de par­

te, como a tromboangiite obliterante.

tes moles, o que não ocorreu neste caso, afastando tal

A semiologia é compatível com o diagnóstico de

hipótese diagnóstica.

tromboangiite obliterante, com pulsos diminuídos, alte­

O quadro é mais compatível com tromboangiite oblite­

ração de sensibilidade e temperatura. O diagnóstico pode

rante: o paciente é jovem, a história é de claudicação inter­

ser confirmado excluindo-se outras causas que possam

mitente crônica, tem antecedente de tabagismo e o exame

mimetizar seu quadro clínico. O exame complementar,

físico é compatível com sinais de obstrução arterial.

CAPÍTULO 83

levar à obstrução de seus ramos. O indivíduo apresenta

Tendo excluído diversas hipóteses diagnósticas por meio de anamnese, exame físico e exames complementa­ res, ficamos com a hipótese de tromboangiite obliterante. O paciente foi orientado a cessaro tabagismo com­ pletamente e encaminhado para grupos de apoio e orientado em relação a medidas de proteção do membro (sapatos confortáveis, proteção térmica, repouso). Foi solicitada arteriografia dos membros inferiores. O paciente retornou após duas semanas com o exame que mostrava artérias (tibial anterior, posterior, fibular) lisas com obstrução distal e com pouca circu­ lação colateral, enoveladas e de fino calibre (aspecto de saca-rolhas) e foi novamente orientado quanto à impor­ tância de cessar completamente o tabagismo e à proteção do membro.

DIAGNÓSTICO FINAL Tromboangiite obliterante.

DISCUSSÃO A tromboangiite obliterante ou doença de Buergeré uma

978-85-4120-074-5

CAPÍTULO 83

506 - Problemas Gerais em Clínica Médica

Figura 83.1 - Tromboangiite obliterante ou doença de Winiwarter-Buerger. Observa-se uma veia com trombose recente já iniciando o processo de organi­ zação. As fibras musculares lisas da camada média são arranjadas frouxamente e, entre elas, há infiltrado inflamatório crônico inespecífico, constituído princi­ palmente de linfócitos (portanto, flebite). Imagem cedida gentilmente pelo Professor Luciano Queiroz, do Departamento de Anatomia Patológica da Facul­ dade de Medicina da Universidade de Campinas.

doença inflamatória, não aterosclerótica, que acomete artérias e veias de pequeno e médio calibres e nervos das extremidades. Foi descrita em 1908 porLeo Buerger em

ção oclusiva do trombo com extensa recanalização deste,

Nova York, Estados Unidos.

com vascularização proeminente das camadas média e

Predomina em indivíduos de sexo masculino (4 a 9

adventícia e fibrose perivascular(Fig. 83.1).

homens ‒ 1 mulher), jovens (antes de 35 anos de idade)

Entre as manifestações clínicas, observa-se acometi­

e tem intensa relação com o hábito de fumar.A doença é

mento inicial de artérias distais, de médio e pequeno

mais prevalente nos países mediterrâneos, Oriente Médio e Ásia e vem apresentando declínio em sua prevalência

calibre, com obstrução das artérias digitais, plantares e

nos países ocidentais e no Japão, nas últimas décadas. A

mais avançados da doença. A lesão arterial apresenta-se

taxa de incidência na América do Norte é estimada em 8

com progressiva isquemia leve, com palidez, esfriamento

a 11,6 por 100.000 habitantes por ano.

e claudicação, no princípio no pé e no tornozelo, passan­

Diversas teorias a respeito de sua etiologia e patogê­

nese têm sido estudadas, porém, ainda se conhece muito pouco sobre os mecanismos da doença. O tabaco apresen­ ta forte associação com ela, incluindo o fumo mastigado, mas, não é o fator etiológico e, sim, o fator desencadean­

tibiais, ocorrendo lesão em femorais e ilíacas nos estágios

do para a panturrilha, até exibir isquemia grave, com

gangrena e perda da extremidade. Outros sinais e sintomas presentes no momento do diagnóstico foram descritos por

diversos trabalhos (Tabela 83.1).

O envolvimento de membros superiores (Fig. 83.2)

te da tromboangiite obliterante. Todas as artérias podem ser acometidas, comprometen­

pode ser observado, com a evolução da doença, em mais

do a vasodilatação endotélio-dependente até mesmo de

de 50% dos casos, havendo progressivamente lesões em

membros não afetados clinicamente pela doença. Na fase

digitais até a artéria subclávia.

aguda, ocorre hiperplasia da camada elástica, acompanha­

A literatura a respeito da doença de Buergernos mos­

da da formação de trombo intraluminal com infiltrado in­

tra diversos critérios diagnósticos (Tabela 83.1), porém

flamatório periférico de leucócitos polimorfonucleares e

com muita controvérsia. Os achados mais clássicos (Qua­

células gigantes, com aspecto de microabscessos. Na fase

dro 83.2) (sexo masculino, idade inferior a 35 anos, ta­

intermediária, há progressiva organização do trombo acom­

bagismo, claudicação intermitente de membros inferiores)

panhada de intensa infiltração celular por dentro do trom­

indicam que o diagnóstico clínico é correto. Papa e Adar

bo. O estágio final é caracterizado por completa organiza-

propuseram critérios diagnósticos utilizando pontuações

Dor na Perna - 507

Critérios Positivos

978 85 4120 074-5

Idade

< 30/30-40 anos

Pontos +2/+1

QUADRO 83.2 - Sinais e sintomas ao diagnóstico de tromboangiite obliterante • Dor ao repouso: 91 (81%) • Úlceras isquêmicas: 85 (76%) • • • • • • • •

Alterações sensoriais: 77 (69%) Claudicação intermitente: 70 (63%) Teste de Allen alterado: 71 (63%) Fenômeno de Raynaud: 49 (44%) Tromboflebite: 43 (38%) Extremidade inferior: 39 (46%) Extremidade superior: 24 (28%) Ambas as extremidades: 22 (26%)

Claudicação de membros inferiores

Presente/evolução

+2/+1

Acometimento de membros superiores

Sintomático/ assintomático

+2/+1

Tromboflebite superficial migratória

Presente/evolução somente

+2/+1

Fenômeno de Raynaud

Presente/evolução somente

+2/+1

Angiografia/biópsia

Ambos/apenas um

+2/+1

Os estudos angiográficos podem revelar alterações típicas da tromboangiite obliterante, porém não são pa­

Idade

45 - 50/>50 anos

-1/-2

Sexo/hábito de fumar

Feminino/não tabagista

-1/-2

tognomônicas. Encontram-se artérias (tibial anterior, posterior, fibular) lisas com obstrução distal e com pou­

Membro único/não acomete membros inferiores

-1/-2

Critérios Negativos

Localização

Ausência de pulsos

Braquial/femoral

ca circulação colateral, enovelada e de fino calibre. A circulação colateral em “saca-rolha” é o aspecto mais

típico, devendo ser observada no trajeto da artéria obs­ -1/-2

truída, formando-se talvez pela dilatação da vasa vasorum

dessa artéria. Arteriosclerose, diabetes, hipertensão, dislipidemia

Diagnosticados depois de 5 a 10 anos/2 a 5 anos

-1/-2

Em relação ao tratamento da tromboangiite obliteran­ te, várias terapias medicamentosas ou cirúrgicas já foram propostas, porém nenhuma delas foi satisfatória. A completa abstinência de fumo, em qualquerde suas

que incluem ou excluem a hipótese diagnóstica, com a

formas, permanece como a única maneira de impedira

vantagem de ser um critério que pode classificar objeti­

progressão da doença. Cooper et al. demonstraram que o

vamente os pacientes (Quadro 83.2). A certeza diagnós­

risco de amputação é eliminado após oito anos da cessa­

tica pode ser classificada como “certa” com 6 ou mais

ção do tabagismo.

pontos, “provável” com 4 a 5 pontos, “questionável” com

O tratamento do paciente com tromboangiite oblite­

2 a 3 pontos e “excluída”, com 0 a 1 ponto. Há testes laboratoriais não específicos que podem

rante inclui, além da cessação do tabagismo, o estímulo

para os pacientes com claudicação realizarem caminhadas,

ajudara excluir doenças que possam mimetizar a trom­

cuidados com os pés, tratamento de úlceras e de suas

boangiite obliterante: hemograma completo, função he­ pática, função renal, glicemia de jejum, análise de sedi­ mento urinário, provas inflamatórias de fase aguda,

infecções. Vasodilatação com bloqueadores de canais de

pesquisa de autoanticorpo como anticorpo antinuclear,

indicadas quando há risco de perda do membro compro­

ANCA, fator reumatoide, complemento sérico, provas de distúrbios da coagulação.

metido ou para delimitar melhor o local anatômico de

cálcio podem melhorar os sintomas. Revascularização distal ou simpatectomias lombares e cervicotorácicas são

amputação. E, como última escolha, a amputação. A tromboangiite obliterante completa 100 anos da sua primeira descrição e poucos foram os avanços em relação à etiologia, ao diagnóstico e ao tratamento da doença. É

um diagnóstico que não pode ser esquecido quando esta­ mos diante de um paciente com dor em membros, pois

somente poderemos estudar e tentar compreender esta doença e pensar melhores tratamentos se conseguirmos

diagnosticá-la. Quando estamos diante de um paciente que se queixa de dor na perna, uma infinidade de causas deve virà nos­

Figura 83.2 - Necrose em dedos, observada em pa­

sa mente para que possamos formarum raciocínio clínico

ciente com diagnóstico de tromboangiite obliterante.

coerente que direcionará anamnese, exame físico e exames

CAPÍTULO 83

TABELA 83.1 - Critérios diagnósticos para tromboangiite obliterante

CAPÍTULO 83

508 - Problemas Gerais em Clínica Médica

complementares. Assim, será possível pensar nos principais diagnósticos diferenciais para este sintoma tão frequente na prática médica e a melhor maneira de abordá-lo.

BIBLIOGRAFIA BURIHAN, E.; RAMOS, R. R. Ccrdttasβn cirtr^a São Paulo: Atheneu, 2001. KRÖGER, K. Bueigefs disease: what has the last decade taught us?

EuqiGaTJcuTricf IrterriMedicirev. 17, n. 4,227-234,2006. LAZARIDES, M. K. et al. Diagnostic criteria and treatment of Bueigefs disease: a review. Irluiiíimi Jclγγeí cf Lαvβ1 Extrenity Wαrds v. 5, n. 2, p. 89-95, 2006.

LOPES, A. C.; JOSÉ, F. E; LOPES, R. D. GdadecMrKamédfca São Paulo: Manole, 2007. NITRINI, R.; BACHESCHI, L. A. A rELrdc^aqvEtodomédico devesdje1. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2003. OLIN, J. W.; SHIH, A. Thromboangiitis obliterans (Buerguefs disease). Curαt OpiiicirinRliiiiuíckgj v. 18, p. 18-24, 2006. PORTO, C. C. Sαnidç^aniedka Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. PRADO, F. C.; RAMOS, O. L; ROTHSCHILD, H. A. AtLrüzeçãj taqjêLÍfca maxEi prátkodediq^áticoetrâanelo 22. ed. São Paulo: Artes Médicas, 2005. ROBBINS, S. L.; COTRAN, R. S.; KUMAR, V. P^dc^aestrttLrd efixricrd. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.

___________________________________

CAPÍTULO

Cervicobraquialgia Thiago Gonçalves Fukuda • Jamile Seixas Fukuda • José Luiz Pedroso Tenho a velha crença de que um bom observador significa,

na realidade, um bom teórico.

Charles Darwin

Mulher branca, 43 anos de idade, destra, natural de Pernambuco, procedente de São Paulo há 15 anos, costureira por20 anos, apresenta para consulta ambu­ latorial com queixa de que há cerca de sete meses se iniciou quadro de dor na mão direita, de caráter pro­ gressivo, estendendo-se até braço e antebraço, em queimação, moderada intensidade, sem variações du­ rante o dia ou irradiações perceptíveis. Refere que, apesarda dor nesse local, vem apresen­ tando diminuição de sensibilidade, inclusive com alguns ferimentos locais nesse período. Associada ao quadro inicial, queixa-se de dor cervical em peso, de leve a moderada intensidade, diária, com piora à tosse e à movimentação cervical, e não nota irradiação. Tem antecedente apenas de hipertensão arterial sistêmica controlada com 25mg de hidroclorotiazida. Nega taba­ gismo, etilismo ou uso de substâncias ilícitas.

ticos diferenciais, em cada topografia, encontra-se no Quadro 84.1. Quando estamos diante de um paciente dorno braço e em região do pescoço, o primeiro diagnóstico que nos

vem à mente é o de lesões de raízes nervosas, no entanto,

o quadro clínico clássico de uma radiculopatia é de dor cervical em choque ou queimação com irradiação para os membros superiores seguindo o trajeto de um ou mais

dermátomos radiculares específicos (Fig. 84.1), seja de­

vido a uma compressão foraminal ou radicular (maligna,

discal), seja por uma radiculite inflamatória ou infecciosa. A paciente não tem irradiação de dor típica, não sugerin­ do, a princípio, uma dor radicular. Ao pensarmos em lesões do plexo braquial, é impor­

tante citar algumas entidades clínicas como tumores apicais

de pulmão (tumor de Pancoust) ou linfomas torácicos, a Os sintomas apresentados pela paciente em questão são

síndrome do desfiladeiro torácico e a neurite braquial

compatíveis com uma síndrome de cervicobraquialgia. Os diagnósticos possíveis em um paciente com essa sintoma­

(síndrome de Parsonage-Turner). Nas entidades malignas

pulmonares, geralmente a história é acompanhada de

tologia são diversos, transpassando muitas vezes o campo

perda de peso significativa, tosse, dor torácica e relato de

clínico de múltiplas especialidades neurológicas, ortopé­

tabagismo prévio; em linfomas, febre e sudorese podem

dicas, reumatológicas e até psiquiátricas.

fazer parte do quadro clínico. A síndrome do desfiladeiro

Uma abordagem útil para esses casos é considerar o

torácico é uma entidade descrita em pacientes jovens com

problema com base nas estruturas dolorosas da região dos

sintomatologia de compressão neurovascular (plexo bra­

membros superiores e pescoço. As principais são a me­

quial e artéria ou veia subclávia), cervicobraquialgia, associa­

dula espinhal, as raízes nervosas sensitivas, os nervos

dos ou não a sinais de trombose ou gangrena digital, de

periféricos, o plexo braquial, partes articulares, ligamen­

etiologia variada que pode ser anatômica, traumática,

tos e músculos. Um esquema com os principais diagnós­

neoplásica e ocupacional. A síndrome de Parsonage-Turner

510 - Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 84

QUADRO 84.1 - Diagnóstico diferencial de cervicobraquialgia • Medula e raiz nervosa - Intramedular ■ Tumores (ependimomas, gliomas e linfomas) ■ Mielite cervical (inflamatória, desmielinizantes) ■ Siringomielia - Extramedular ■ Degeneração discal cervical ■ Hipertrofia de ligamentos espinhais ■ Osteófitos hipertróficos ■ Hérnia discal ■ Espondilose cervical ■ Tumores metastáticos ■ Tumores primários (schwannomas, meningiomas) ■ Abscesso epidural ■ Espondilodiscite ■ Hemorragia epidural medular ■ Radiculite • Nervos periféricos e plexo braquial - Plexo braquial ■ Neurite braquial (Parsonage-Turner) ■ Tumores torácicos (pulmão, linfomas) ■ Síndrome do desfiladeiro torácico ■ Encarceramento escapular ■ Traumatismo - Nervos periféricos ■ Síndrome túnel do carpo ■ Encarceramento do nervo ulnar ■ Síndrome do nervo radial e interósseo posterior ■ Distrofia simpática reflexa • Causas não neurológicas - Tenossinovite de Quervain - Epicondilite - Bursite - Fibromialgia - Síndrome miofascial - Polimialgia reumática

é uma afecção do plexo braquial acompanhada de dor

relevante que predomina no período noturno, de caráter agudo ou subagudo, mais frequente em homens jovens e

que pode ter origem inflamatória, autoimune, paraneoplá­ sica e hereditária. É importante lembrar que as plexopatias

podem vir acompanhadas de diminuição de força muscu-

lar, atrofia e fasciculação que não estavam presentes na história da paciente.

O histórico ocupacional é de fundamental importância para o raciocínio clínico em casos de cervicobraquialgia.

Para a paciente, que é costureira por 20 anos, dois diag­ nósticos podem ser aventados: síndrome do túnel do

carpo e tenossinovite de Quervain. O túnel do carpo é uma afecção de nervo periférico (nervo mediano) que se

caracteriza pordore parestesia na mão (primeiro, segun­

do e terceiro dedos), antebraço e algumas vezes até ombro, com predomínio noturno. A tenossinovite de Quervain, conhecida como “tendinite da lavadeira”, caracteriza-se por dor na extensão do punho e do primeiro quirodáctilo,

com irradiação para o braço e hipersensibilidade à palpa­

ção, devido à inflamação da bainha do abdutor longo e

extensor curto do polegar.

Ao exame físico, apresenta-se em bom estado geral, calma, orientada, corada, hidratada, acianótica, afebril. Pressão arterial: 140 × 90mmHg na posição sentada. Pulso regular, simétrico em ambos os membros, com frequência de 80bpm. Ausência de linfonodos palpáveis ou sopros carotídeos. Murmúrios vesiculares presentes e simétricos sem ruídos adventícios, as bulhas rítmicas em dois tempos sem sopros cardíacos. O abdome está flácido, sem visceromegalias, com ruídos presentes. Extremidades bem perfundidas e sem sinais de edema; sinal de lesão térmica recente em região palmar do primeiro quirodáctilo da mão direita não há dorà pal­ pação de musculatura cervical ou paravertebral, nem dorà abdução, extensão ou rotação de ombro. Sinais de Tinel, Phalen e Finkelstein ausentes. Ao exame neurológico, a paciente mostra-se vígil, sem alterações em funções corticais superiores, marcha e equilíbrio estático sem alterações, normotônica, força muscular5/5 em todos os grupamentos musculares, os reflexos tendinosos ++/4 globalmente, com exceção do tricipital, bicipital e estilorradial do membro superior direito, que são +/4. Há sinal de Babinski à direita. Sem alteração em provas cerebelares. Hipoestesia tátil, do­ lorosa e térmica em toda a mão direita, não poupando nenhuma região. As pupilas estão isocóricas, normor­ reativas sem alteração ao exame de outros nervos cranianos ou presença de sinais meníngeos.

O exame físico da paciente não sugere afecções arti­ culares ou mesmo tenossinovites, como a doença de Quervain, devido à ausência de dorà mobilização e sinal de Finkelstein ausente (consiste em dorà altura do pro­ cesso estiloide, quando é feito o desvio ulnar passivo da mão, enquanto o polegar está fletido e aduzido sobre a região palmar e sobre ele se fletem os demais dedos).

Figura 84.1 - Dermátomos radiculares cervicais.

Também não é sugestivo de doenças compressivas ao nível do túnel do carpo, pois não respeita a topografia da lesão

Cervicobraquialgia - 511

do nervo, inclusive com acometimento da face palmarda que passa fora do túnel do carpo, além da ausência dos

sinais de Tinel (é pesquisado com a percussão do punho, sendo positivo com dorou formigamento no polegare no

indicador ou entre os dedos médios) e de Phalen (pesqui­

sado com a flexão a 90° do punho; se os sintomas forem

reproduzidos em 60s, é considerado positivo).

Não foram achados sinais sugestivos de doenças ma­ lignas torácicas e síndrome do desfiladeiro torácico, pois a paciente tem ausculta pulmonar normal, não tem sinais

autonômicos simpáticos, e nenhuma alteração vascular

em extremidades de membro superior A possibilidade de lesões de plexo e as afecções radiculares isoladas também

ficam um pouco mais distantes devido à ausência de al­ teração típica de dermátomos radiculares e à existência

de um sinal de liberação piramidal (sinal de Babinski), apesarde assimetria nos reflexos que pode sugerir alguma

alteração de arco reflexo dos membros superiores.

O passo seguinte da investigação foi a realização de radiografia de coluna cervical em incidências posteroan­ terior de perfil e oblíqua, para afastar alterações ósseas significativas. Em seguida, foi solicitada ressonância nu­ clearmagnética de coluna cervical como exame de esco­ lha para investigação de doenças medulares. Exames complementares: radiografias de coluna cer­ vical em incidências posteroanterior de perfil e oblíqua não exibem anormalidades. Após da ressonância nuclear magnética com hipossinal

em T1 e hipersinal em T2 compatível com sinal do líquor e com dilatação intramedular foi fechado o diagnóstico de siringomielia (Figs. 84.2 e 84.3), não sendo necessário prosseguira investigação com estudo do líquorpra inves­ tigar doenças inflamatórias ou infecciosas, nem biópsia medularem de suspeita de doenças neoplásicas. A paciente foi então encaminhada ao serviço de neu­ rocirurgia para correção cirúrgica, evoluindo de modo estável após o procedimento e evitando, assim, a progres­ são dos sintomas apresentados.

DIAGNÓSTICO FINAL Siringomielia e malformação de Chiari tipo I.

Figura 84.2 - Ressonância nuclear magnética da co­ luna cervical ponderada em T2, em corte sagital, mostrando invaginação das tonsilas cerebelares para o canal vertebral - malformação de Arnold-Chiari (A) e grande dilatação do canal central da medula - sirin­ gomielia (B).

Figura 84.3 - Ressonância nuclear magnética de co­ luna cervical T2, corte axial, demonstrando hipersinal intramedular compatível com dilatação de preenchi­ mento de canal intramedular por líquor.

CAPÍTULO 84

mão, que é inervada pelo ramo externo do nervo mediano

Com sinais de acometimento de sistema nervoso cen­ tral fica mais provável um acometimento de medula espi­ nhal, que pode se devera uma lesão primária extra ou intramedular.As principais doenças extramedulares são os tumores primários ou metastáticos e as protrusões discais e intramedulares são as doenças inflamatórias/desmielinizantes, neoplásicas e siringomielia.

512 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 84

DISCUSSÃO Siringomielia é o desenvolvimento de uma cavidade ou sírinx dentro da medula espinhal. Essa cavidade pode se expandire alongarao longo do tempo, destruindo a medu­ la. Sua prevalência estimada é de 8,4 casos por 100.000 pessoas. A doença geralmente se manifesta na terceira ou quarta década de vida. Nenhuma diferença geográfica na prevalência é conhecida e afeta mais pacientes do sexo masculino. A siringomielia costuma ter evolução progres­ siva e lenta, porém, em alguns casos, pode ter evolução mais aguda, principalmente quando o tronco cerebral é afetado (siringobulbia). Na maioria das vezes, envolve a medula cervical. Os sintomas desenvolvidos dependem da localização da lesão. O paciente pode cursar com:

A malformação de Chiari tipo I é caracterizada por alongamento do cerebelo e deslocamento caudal das

amígdalas cerebelares através do forame magno, podendo

levara sintomas como cefaleia nucal, perda de força (principalmente nas mãos), dormência. É muito frequen­

te a associação com siringomielia e muitos acreditam que a presença do Chiari tipo I pode formar um bloqueio li­ quórico criando um fluxo anormal intramedular sendo parte da gênese da siringomielia.

O tratamento da siringomielia consiste na drenagem da cavidade por meio cirúrgico com a correção da condi­ ção-base que provocou o surgimento da sírinx, como

ressecção de uma neoplasia ou correção de uma malfor­

mação de Chiari.

O tratamento da malformação de Chiari tipo I consis­ • Perda sensitiva dissociada: o paciente cursa com re­ dução da sensibilidade à dore à temperatura devido à lesão na decussação das fibras espinotalâmicas (as quais medeiam a temperatura e a sensibilidade dolo­ rosa), enquanto sensibilidade vibratória, posicional e tato epicrítico são preservados. Quando a cavidade cresce e acomete o funículo posterior,o paciente pode cursar com alteração da sensibilidade profunda. • A disestesia referida pelos pacientes, geralmente, envolve o pescoço e os ombros, porém, pode ter uma distribuição radicular em braços e tronco. O paciente pode cursar com sintomas decorrentes de lesão de neurônio motor inferior quando a sírinx atinge o corno anterior da medula (como atrofia muscular, diminuição dos reflexos osteotendíneos no nível da lesão). • Sinais de tronco encefálico são comuns em pacientes que cursam com siringomielia associada à malfor­ mação de Chiari, que é um deslocamento das tonsi­ las cerebelares abaixo do forame magno e está rela­ cionado a 20 a 25% dos casos de siringomielia.

te essencialmente em remover o osso na região da her­ niação tonsilar (suboccipital) junto com a margem poste­ riordo forame magno e, geralmente, do anel posteriorda vértebra C1 e fechamento com um enxerto dural coloca­

do para aumentaro espaço entre as estruturas intradurais.

BIBLIOGRAFIA BATZDORF, U. Chiari I malformation with syringomyelia: evaluation of surgical therapy by magnetic iesonance imagine. J. Narcara v. 68, p. 726-30, 1988. BRADLEY, W. G. Nardcg' incliriceipractice 5. ed. Philadelphia: Elsevier 2008. CAMPBELL, W. W. DeJcrg- O ExaneNardq≠o 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2007. JONES JR, H. R. Nardq^adeNctta’. Porto Alegre: Artmed, 2006. ROWLAND, L. P. MaritfsNardcg'. 12. ed. Philadelphia: Lippincott. 2010. SAGASTEGUI-RODRÍGUES, J. A. Images in clinicai medicine - sy­ ringomyelia. NEJM, el, p. 346-1, 2002. SEROR, P. Symptoms of thoracic outlet syndrome in women with carpal tunnel syndrome. ClinNarcplysd., v. 116, p. 2324-9, 2005.

CAPÍTULO

85

Surdez Bruno Thieme Lima

Paciente de 68 anos de idade, do sexo feminino, com queixa de surdez. Refere que a surdez se iniciou há cinco anos, lentamente progressiva, bilateral, seme­ lhante em ambas as orelhas, constante, que piora em ambientes ruidosos. Relata dificuldade principalmente para compreendero que as pessoas falam.

As perdas auditivas podem ser divididas em conduti­

vas, neurossensoriais ou mistas. As alterações em orelhas

externa e média geralmente levam a perdas condutivas, ao passo que as alterações de orelha interna e vias audi­ tivas levam a perdas neurossensoriais.

A paciente em questão está na faixa etária em que se A surdez é uma queixa frequente na população, princi­

dá a maior prevalência de perdas auditivas. Essas perdas

palmente em idosos. Uma grande variedade de causas

podem decorrer de alguma doença específica ou, mais

pode levara esse sintoma, desde doenças da orelha ex­

frequentemente, de uma associação de fatores. O quadro

terna até doenças do sistema nervoso central (Quadro

insidioso apresentado pela paciente, com evolução por

. 85.1) Nos Estados Unidos, aproximadamente 10% da

anos, e o fato de acometeras orelhas simetricamente

população adulta apresenta algum tipo perda auditiva.

sugerem doença degenerativa ou sistêmica.

Essa incidência aumenta ainda mais na população idosa, chegando a 30% dos americanos com mais de 65 anos.

Um quadro que ocorre com relativa frequência em idosos e que pode ser prontamente excluído apenas pela

QUADRO 85.1 - Causas de perda auditiva Doenças da orelha externa - Cerume - Otite externa - Corpo estranho - Tumores do conduto auditivo externo Doenças da orelha média - Otite média aguda - Otite média serosa - Otite média crônica - Alterações da cadeia ossicular Congênitas e hereditárias - Síndrome de Alport - Síndrome de Usher - Síndrome do aqueduto vestibular alargado Infecciosas - Neurite viral - Sífilis terciária Medicamentosa - Aminoglicosídeos - Diuréticos de alça - Salicilatos

• Traumáticas - Barotrauma - Perda auditiva induzida pelo ruído - Traumas cranioencefálicos • Neurológicas - Esclerose múltipla • Vascular/hematológica - Migrânea - Crioglobulinemia • Imunológicas - Poliarterite nodosa - Lúpus eritematoso sistêmico • Alterações ósseas - Otosclerose - Doença de Paget • Degenerativas - Presbiacusia • Idiopáticas - Doença de Ménière • Neoplásicas - Schwannoma vestibular

CAPÍTULO 85

514 - Problemas Gerais em Clínica Médica

queixa de evolução insidiosa é o de surdez súbita. A

A queixa de tontura deve sempre ser investigada em

surdez súbita é uma entidade em que a perda auditiva,

pacientes com perdas auditivas, devido à íntima relação

geralmente unilateral, é de instalação súbita ou rapida­

da cóclea com o aparelho vestibular e pelo fato de que

mente progressiva. Pode ter causa identificável, porém a

diversas doenças afetam ambos, concomitantemente. Uma

grande maioria é idiopática. Normalmente, é atribuída a

doença prevalente que pode causarhipoacusia é a doença

infecção viral, distúrbios microcirculatórios da orelha

de Ménière, caracterizada pela tontura rotatória em crises

interna, processo autoimune, entre outros. Deve serpron­

associada à perda auditiva, a zumbido e plenitude aural

tamente identificada, pois o tratamento na fase inicial

(sensação de pressão em ouvidos). A hipoacusia é carac­

aumenta as chances de recuperação auditiva. O tratamen­

teristicamente flutuante, mas pode se tomar permanente

to consiste em corticosteroides em altas doses, associados

com a evolução do quadro. A doença de Ménière pode

a agentes hemorreológicos (porexemplo, pentoxifilina) e

ser afastada pela ausência de sintomas vestibulares.

antivirais.

A perda auditiva em idosos não se dá exclusivamente

A piora da hipoacusia em ambientes ruidosos é comum

pelo processo de envelhecimento celular.Diversos fatores

devido ao mascaramento dos sons pelo ruído ambiente.

característicos da idade podem funcionar como desenca­

Apenas em quadros de otosclerose pode havero fenôme­

deantes ou potencializadoras, como hipertensão arterial,

no inverso, pois o interlocutor precisa aumentara inten­

diabetes, dislipidemias, alterações vasculares e insufici­

sidade vocal. Além disso, a diminuição da inteligibilida­

ência renal, entre outras. Além disso, muitos desses pa­

de das palavras é característica no idoso com presbiacusia.

cientes utilizam medicações que podem ser ototóxicas.

Isso decorre da degeneração progressiva de células cilia­

As drogas mais empregadas na prática clínica que podem

das externas, de células ganglionares do nervo auditivo e

induzirototoxicidade são os antibióticos aminoglicosíde­

também de fatores centrais, como diminuição das funções

os, salicilatos, diuréticos de alça e drogas quimioterápicas

cognitivas.

(em especial, a cisplatina). Geralmente, a ototoxicidade

A otosclerose anteriormente citada também apresenta

se manifesta no início do tratamento, com piora gradual.

um quadro de hipoacusia lentamente progressiva, em geral bilateral e assimétrica. É uma doença óssea primária res­

Essa paciente não faz uso de drogas tipicamente ototóxi­

trita à cápsula ótica em que existe reabsorção e neoformação

tamento anti-hipertensivo.

cas e a hipoacusia instalou-se anos após o início do tra­

óssea de forma desorganizada. Esse processo tem predi­

A exposição a ruídos é outro fator que sempre deve

leção pela janela oval, levando à fixação da cadeia ossi­

serinvestigado. Os pacientes raramente referem esse dado

cular, o que resulta em perda auditiva condutiva, mas pode

por não valorizarem ou não relacionarem a exposição à

se estender à cóclea, provocando perda auditiva neuros­

causa da surdez. Exposição a sons com intensidade maior

sensorial. Costuma acometerindivíduos mais jovens, entre

que 85dB por longos períodos pode provocar perda audi­

20 e 45 anos.

tiva do tipo neurossensorial e evolução progressiva com a manutenção da exposição. Está relacionada a atividades

A paciente relata também quadro de zumbido bila­ teral, discreto, intermitente, tipo chiado, há cerca de um ano. Nega tontura ou plenitude aural. Apresenta hiper tensão arterial sistêmica há cerca de 15 anos, controlada, fazendo uso de hidroclorotiazida e captopril. Trabalha­ va como empregada doméstica, negando exposição ambiental a ruídos intensos. Nega casos familiares de surdez.

ocupacionais, principalmente em indústrias e atividades militares, mas pode decorrer de atividades de lazer

A história familiar também deve ser pesquisada. Casos de surdez na família sugerem etiologia genética. Diversas síndromes mostram a hipoacusia como uma de suas mani­

festações. Geralmente, a perda auditiva está presente ao nascimento, mas pode se manifestar numa fase mais tardia

(início da adolescência e idade adulta, raramente em idosos).

O zumbido é outra queixa frequente na população, atingindo cerca de 15% da população americana. Frequen­ temente está associado a perdas auditivas de diversas

etiologias. Pode estarpresente, de forma intermitente, em

Sabe-se que os fatores genéticos contribuem de forma

importante para a sensibilidade individual a fatores am­ bientais, sendo comum a ocorrência de presbiacusia de grau

acentuado em algumas famílias.

20 a 40% dos pacientes com presbiacusia. Manifesta-se

À otoscopia, observa-se conduto auditivo externo

também em pacientes com otosclerose, schwannoma

sem alterações e membrana timpânica íntegra, de co­ loração normal e triângulo luminoso presente. Não há alterações de outros pares cranianos.

vestibular e doença de Ménière, não sendo de grande valorpara indicaruma ou outra doença.

Surdez - 515

levara alterações de outros pares cranianos, em especial

de doenças de orelha externa e orelha média. Pode reve­

os nervos trigêmeo, abducente e facial, devido à sua re­

larcerume impactado, que é uma causa comum de hipo­

lação com o oitavo par craniano.

acusia, ou outras alterações que provocam diminuição do

Nesse caso em especial não se observam alterações à

seu lúmen (por exemplo, osteoma de conduto auditivo,

otoscopia, sugerindo não existir acometimento das orelhas

proliferação óssea benigna que acarreta estreitamento do

externa e média, com exceção da otosclerose (que aco­

meato acústico).

mete cadeia ossicular), em que a otoscopia geralmente

A otoscopia também pode revelar perfurações de

não apresenta alterações.

membrana timpânica devidos a processos infecciosos crô­ nicos da orelha média (otite média crônica) e perdas au­ ditivas condutivas em consequência. Porém, nesses casos, a perda auditiva geralmente é estável e está associada à

história de otorreia purulenta contínua ou de repetição. Opacidade ou retração da membrana timpânica ou

ainda nível líquido à otoscopia são sugestivos de otite

média serosa, em que há acúmulo de secreção na cavida­ de timpânica, também causando perdas auditivas condu­

tivas. Esse acúmulo de secreção decorre de uma disfunção

A audiometria (Fig. 85.1) mostra perda auditiva neurossensorial de leve a moderada, mais acentuada em frequências agudas, e simétrica. Apresenta índice de reconhecimento de fala de 80% à direita e 84% à es­ querda (Fig. 85.2). Curva timpanométrica tipo A bilateral, com reflexo estapediano presente, com recru­ tamento (Fig. 85.3). Os exames laboratoriais revelam hipercolesterolemia, sem alterações da função renal, curva glicêmica ou níveis de hormônio estimulante da tireoide e tetraiodotironina livre. VDRL negativo.

da tuba auditiva, por diversas razões, desde simples in­

fecções de vias aéreas superiores até tumores localizados em rinofaringe, ocluindo os óstios das tubas auditivas.

A avaliação da audição em um paciente com queixa de hipoacusia pode ser realizada clinicamente já no início

O exame neurológico, com a investigação de acome­

da anamnese, quando podemos verificar dificuldade na

timento de outros pares cranianos, pode revelar achados

comunicação, e por meio de diapasões e testes de acume­

que sugerem doenças que acometem o sistema nervoso

tria para determinara existência da perda auditiva e sua

central. Dentre as causas de hipoacusia estão doenças

natureza (condutiva ou neurossensorial). Porém, é impres­

desmielinizantes, como esclerose múltipla, em que pode­

cindível uma avaliação audiológico completa, com audio­

mos encontrar ataxia, redução de acuidade visual, oftal­

metria e imitanciometria. Desse modo, podemos avaliar

moplegia, disartria e outros achados. Tumores localizados

e determinar o tipo de perda auditiva e reunir indícios

no ângulo ponto-cerebelarou em tronco cerebral podem

topográficos do acometimento do aparelho auditivo.

Figura 85.1 - Audiometria. dB = decibéis; SDT = limiar de detectabilidade da fala; SRT = limiar de recepção da fala.

CAPÍTULO 85

A otoscopia é de grande importância para avaliação

CAPÍTULO 85

516 - Problemas Gerais em Clínica Médica

Figura 85.2 - Índice de reconhecimento de fala. dB = decibéis; OD = orelha direita; OE = orelha esquerda.

Figura 85.3 - Imitanciometria. OD = orelha direita; OE = orelha esquerda.

A audiometria é um exame em que se avalia subjeti­

e 8.000kHz) a uma intensidade de até 110dB, reduzindo­

vamente a audição (depende de respostas do examinado)

-se a intensidade progressivamente até se detectara mí­

por meio de tons puros e emissões vocais, avaliando-se

nima intensidade em que o examinado percebe o som,

tanto a via aérea (por fones de ouvido) quanto a via óssea

determinando seu limiar auditivo. Podemos então gradu­

(porvibradores ósseos). São expostos tons puros em di­ versas frequências (250, 500, 1.000, 2.000, 4.000, 6.000

aras perdas auditivas em: leves, de 25 a 40dB; moderadas, de 40 a 70dB; graves, de 70 a 90dB; e profundas, a par­

Surdez - 517

transdutor. É um exame de grande valor para avaliaras

to dos limiares tanto na via aérea (representados no grá­

três tipos de curva: a curva A, caracterizada porum pico

fico por O à direita e X à esquerda) quanto na via óssea

máximo entre +100 e -100daPa; curva B, em que a curva

(representados no gráfico por< à direita e > à esquerda),

se mostra inalterável (plana); e a curva C, em que o pico

na mesma intensidade; se há perda auditiva condutiva,

se encontra abaixo de -100daPa. A curva de tipo A carac­

quando existe aumento nos limiares da via aérea, man­

teriza uma orelha média normal. As curvas de tipos B e

tendo-se os limiares da via óssea dentro da normalidade;

C mostram um acometimento de orelha média e são en­

ou se a perda é mista, quando há aumento dos limiares

contradas, principalmente, nos quadros de disfunção tu­

nas duas vias com dissociação entre as curvas.

bária e otite média secretora. Essa paciente não tem in­

A audiometria da paciente revelou perda auditiva

condições funcionais da orelha média. Podemos encontrar

dícios de transtornos da orelha média.

neurossensorial bilateral, pior nas frequências agudas,

Outro dado importante da imitanciometria é a avalia­

simétrica, o que é um achado bastante sugestivo de pres­

ção do reflexo do músculo estapediano (tensordo estribo).

biacusia. Isso ocorre porque a doença afeta primeiramen­

Quando a orelha é exposta a sons intensos, ocorre a con­

te a região basal da cóclea (sua região mais sensível),

tração do músculo estapediano e o aumento da impedân­

responsável pela captação das frequências agudas. Esse

cia da cadeia ossicular com função de proteção por ate­

achado é sugestivo, mas não é exclusivo dessa doença.

nuar a transmissão do som à orelha interna. A contração

Diversas doenças podem apresentar o mesmo padrão,

do músculo estapediano pode ser avaliada indiretamente

como a ototoxicidade e a perda auditiva induzida pelo

pela imitanciometria. Esse reflexo normalmente é desen­

ruído. Numa fase mais tardia, a audiometria mostra perda

cadeado por sons com intensidade acima de 60dB dos

de intensidade semelhante nas diversas frequências (cur­ va plana). É sempre importante observar o caráter simé­

limiares auditivos. Quando esse reflexo é desencadeado com intensidades menores, está ocorrendo o fenômeno de

trico das duas orelhas. Perdas simétricas sugerem doenças

recrutamento. Esse achado indica lesão coclear sendo

sistêmicas, que afetam igualmente as duas orelhas, como

comum em pacientes com presbiacusia e outras perdas

as citadas anteriormente. Perdas auditivas neurossensoriais

neurossensoriais decorrentes de acometimento da orelha

assimétricas são mais preocupantes, devendo-se sempre

interna.

afastara possibilidade de tumores como o schwannoma

O quadro clínico, a idade da paciente e os achados ao

vestibular. Em otosclerose seria esperada perda auditiva

exame físico e à audiometria nos levam à confirmação do

condutiva ou mista, com a progressão da doença.

diagnóstico de presbiacusia. Os diagnósticos diferenciais

Na audiometria vocal são apresentadas palavras mono

principais para esse tipo de perda e com essa evolução

ou dissílabas, inicialmente em diferentes intensidades,

são ototoxicidade e perda auditiva induzida por ruído,

confirmando-se os limiares tonais e, em seguida, em uma

afastadas pela anamnese minuciosa, já que os achados ao

intensidade acima dos limiares do paciente, caracterizando o grau de reconhecimento de fala do examinado. É consi­

exame físico e audiométricos são semelhantes nessas

derado normal o índice de reconhecimento de fala acima de 90%. O índice de reconhecimento da fala representa o grau de compreensão do indivíduo em uma situação de

comunicação, podendo estar alterado devido à deficiência na aferência ou seu processamento no sistema nervoso

central. Espera-se que esteja alterado em perdas auditivas que comprometam principalmente as frequências da fala (250 a 1.000kHz). Entretanto, essa paciente demonstra limiares normais nessas frequências, mostrando uma dis­

cordância entre a discriminação vocal e a audiometria. Isso é comum em presbiacusia, que, como já citado, demonstra

doenças. Portanto, não são necessários exames adicionais. Poderiam ser realizados outros exames para avaliação

do aparelho auditivo, como as otoemissões acústicas e os potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (audio­ metria de tronco cerebral). A otoemissão acústica avalia a integridade das células ciliadas externas e os potenciais evocados auditivos de tronco encefálico avaliam a via au­

ditiva desde o nervo auditivo até os núcleos auditivos em tronco cerebral. Esses exames também se mostram altera­ dos em pacientes com presbiacusia, ajudando a topografar a lesão que costuma ser mista (tanto coclear quanto em vias auditivas), porém, essas alterações são inespecíficas e

o comprometimento da audição em idosos não apenas decorrente de alterações na orelha interna, mas também de

não acrescentam mais dados importantes para o diagnós­

outros fatores como as vias auditivas e funções cognitivas.

neste caso, só sendo justificados se existirem alterações

A imitanciometria é um exame em que se avalia o

neurológicas associadas, perdas auditivas assimétricas ou

grau de mobilidade da membrana timpânica por meio da

outros indícios de etiologia tumoral ou doenças do sistema

aplicação de pressão no meato acústico externo por um

nervoso central, como a esclerose múltipla.

tico. Os exames de imagem também não são necessários

CAPÍTULO 85

tirde 90dB. Por meio da audiometria podemos determinar se a perda auditiva é neurossensorial, na qual há aumen­

518 - Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 85

Foram solicitados exames laboratoriais para avaliação metabólica. Como já mencionado, pacientes idosos cos­

tumam apresentar associação de doenças, principalmente disfunções metabólicas, que podem atuar como fatores desencadeantes ou agravantes da presbiacusia. Esses fa­ tores devem ser adequadamente tratados, pois interferem na evolução da presbiacusia. É importante sempre realizar

a pesquisa de infecção por sífilis, pois sua forma terciária

pode cursar com perda auditiva neurossensorial de insta­

lação lenta e insidiosa, ou como surdez súbita. Iniciou-se tratamento com modificações na dieta para

dislipidemia e reabilitação auditiva com aparelho de am­

plificação sonora (prótese auditiva), para o qual a pacien­ te demonstrou boa adaptação.

DIAGNÓSTICO FINAL Presbiacusia.

de impacto na vida social do indivíduo. Afeta de forma relevante as atividades diárias e pode estar associada à depressão, principalmente quando ligada a outras alterações sensoriais, em especial da visão. Apresenta evolução lenta, acometendo as orelhas de forma simétrica, com perda auditiva neurossensorial que inicialmente é piorem frequências agudas e mostra com­ prometimento desproporcional do reconhecimento da fala. É importante ressaltar que essas alterações ocorrem sem

evidência de outras doenças ou fatores causais, como a

perda auditiva induzida pelo ruído. Pode serdiagnostica­ da por anamnese detalhada e por um simples estudo au­ diológico, sem necessidade de outros exames.

O tratamento desses pacientes envolve o controle dos fatores associados à presbiacusia na tentativa de retardar a progressão da perda auditiva, já que não há tratamento capaz de restabelecera audição normal do indivíduo.

Drogas que melhoram o metabolismo cerebral por meio de redução da hipóxia celular, características he­ morreológicas, de vasodilatação e ação antiagregante

plaquetária (como o Ginkgo biloba) e agentes antioxidan­ tes podem serutilizados, porém, sem comprovação cien­

DISCUSSÃO A presbiacusia é apontada como a principal causa de

perda auditiva na população idosa, podendo levara difi­

tífica de melhora ou redução na progressão do quadro. A principal medida a ser adotada para esses pacientes é a reabilitação auditiva com aparelhos de amplificação

culdades na comunicação e na interação social. Estudos

sonora. Essa reabilitação nem sempre é simples, pois a doença não afeta somente as vias auditivas, mas também

mostram que afeta o sexo masculino com maiorfrequên­ cia. É problema crescente em nosso país, devido ao au­

funções cognitivas e deve envolver uma terapia de reedu­ cação auditiva, e não apenas a protetização. Além das

mento da população idosa, que se estima alcançar 32

próteses individuais, podem ser utilizados aparelhos am­ plificadores adaptados ao telefone e a televisores, que são muito úteis para auxiliar o idoso em suas atividades. A

milhões de pessoas com mais de 60 anos em 2020.

Essa doença faz parte do processo natural do envelhe­ nada a alterações degenerativas. Estudos mostram que

cada dia surgem aparelhos mais modernos que facilitam essa adaptação.

nesses pacientes há perda de células sensoriais do órgão de

O implante coclear é uma outra modalidade de trata­

Corti, atrofia da estria vascular e redução na população

mento utilizada. Trata-se de um dispositivo eletrônico

de neurônios do nervo cocleare não ocorrem isoladamen­

implantado cirurgicamente para estimularo nervo auditi­

te na orelha interna e nas vias auditivas, estando relacio­

vo. Apresenta um papel crescente em pacientes com

nadas ao processo de envelhecimento cerebral total.

perdas auditivas graves e profundas, mas ainda com alto

cimento, sendo caracterizada pela perda auditiva relacio­

Os indícios da doença começam por volta da quarta

custo e restrito a centros de referência.

década de vida e diversos fatores contribuem para o pe­ ríodo de início e progressão. Está relacionada ao envelhe­

BIBLIOGRAFIA

cimento, mas apresenta uma etiologia multifatorial (fato­

CAMPOS, C. A. H.; COSTA, H. O. O. Tr^alodeOtarirdairgí lc^aSào Paulo: Roca, 2003, v. 2, p. 119-125; 148-167; 186-205; 338-345. CAPELLA-MCDONNALL, M. The effects of single and dual sensoiy loss on symptoms of depression in the elderiy. Irt J. Gffiár. P^cH^ry, v. 20, p. 855-861, 2005. CRUMMER, R. W.; HASSAN, G. A. Diagnostic approach to tinnitus. Am. Fan. Ptyáciaiv. 69, p. 120-7, 2004. CRUZ, O. L. M.; COSTA, S. S. OtdcgaClíricaeCirú-^ca Rio de Janeiro: Revinteç 2000. p. 371-384.

res genéticos, dieta, níveis de colesterol, pressão arterial,

tabagismo, exposição a ruídos e drogas ototóxicas). Já foi demonstrado que indivíduos com menor exposição a esses

fatores têm níveis de audição significativamente melhores que os mais expostos. A queixa de hipoacusia em pacientes idosos deve sempre ser avaliada e investigada, não apenas por estar associada a doenças potencialmente graves, mas pelo grau

Surdez - 519

LE, T.; KEITHLEY, E. M. Effects of antioxidants on the aging inner ear Hea-. Res, v. 226, p. 194-202, 2007. MUNHOZ, M. S. L. et al. A vdidctjaC lírica Rio de Janeiro: Atheneu, 2000. p. 49-73; 85-102. ORABI, A. A. et al. Cochlearimplant outcomes and quality of life in the elderty: Manchesterexperience overl3 yeais. Clin Otdayrgi, v. 31, n. 2, p. 116-22, 2006. VERAS, R. P.; MATTOS, L. C. Audiologia do envelhecimento: revisão da literatura e perspectivas atuais. Rev. Br as Otarirda-irgl, v. 73, n. 1, p. 128-134, 2007.

CAPÍTULO 85

GUO, X. et al. Hearing loss and cortical atrophy in a population-based study on non-demented women. AgpAgprg v. 37, n. 3, p. 3336, 2008. LAER, L. V. et al. The grainyhead-Iike 2 gene (GRHL2), alias TFCP2L3, is associated with age-related hearing impairment. Hun. Md. Gfret. v. 17, n. 2, p. 159-169, 2008. LALWANI, A. K. Diq^T8s& TrcdmetinOtdayrglcg' - Hced & NeekSrrgpy New York: Lange Medicai Books, 2004. p. 729-742.

___________________________________

CAPÍTULO

86

Zumbido Alessandra Billi Falcão • Mariana Gomes Adas • Karen de Carvalho Lopes

Mulher, branca, 50 anos de idade, chega ao pronto atendimento com queixa de zumbido associado a qua­ dro de tontura há 1h.

O zumbido é um sintoma que pode causar impacto sig­ nificativo na vida de um indivíduo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Associação Americana de Zumbido estima

que cerca de 50 milhões de pessoas apresentem zumbido crônico e para 12 milhões este é grave o suficiente para

interferir nas atividades diárias. Por isso, é de fundamen­ tal importância que saibamos o que é esse sintoma e o que pode ocasioná-lo, para que então possamos tomar

medidas adequadas para solucionar ou ao menos ameni­ zar esse problema.

O zumbido pode ser definido como uma sensação sonora não relacionada a uma fonte externa de estimula­ ção. A classificação mais empregada é a que divide os zumbidos em objetivos (identificados também pelo exa­ minador) e subjetivos idiopáticos (aqueles audíveis so­ mente pelos pacientes), sendo estes últimos divididos em otológicos e neuro-otológicos. Outra classificação fre­ quentemente utilizada é aquela que divide os zumbidos

QUADRO 86.1 - Causas de zumbidos de origem auditiva • Orelha externa - Rolha de cerume - Otites externas - Tumores do meato auditivo externo • Orelha interna - Trauma acústico - Disacusias metabólicas - Presbiacusia - Doença de Ménière - Otosclerose - Disacusias autoimunes - Anemias crônicas - Ototoxicidade - Doenças isquêmicas da orelha interna - Fístula perilinfática - Sequelas de fraturas de ossos temporais • Orelha média - Otites médias agudas e crônicas - Otosclerose - Disfunções tubárias - Disjunções de cadeia ossicular - Tumores da orelha média - Timpanosclerose • Vias auditivas - Schwannoma do acústico - Presbiacusia - Esclerose múltipla - Tumores do sistema nervoso central

em origem auditiva (Quadro 86.1) e para-auditiva (Quadro , 86.2) sendo os últimos de origem vascular ou muscular

(mioclônica). Essa divisão tem mais utilidade por ser paralela à anatomofisiologia das vias auditivas e por apresentar investigação diagnóstica e tratamento diferen­ tes para ambos os grupos. No caso em questão, apenas pelos dados fornecidos

A paciente, ao ser questionada, descreve o zumbido como sendo unilateral (apenas do lado direito), de tom baixo e que parece com um “ronco ”. A natureza do zumbido pode fornecer indícios diag­

nósticos quanto à sua origem. Um zumbido pulsátil ou de

ainda não há possibilidade de exclusão das causas citadas. São necessários mais dados da anamnese para que aven­

som abafado sugere distúrbio vasculare, nesses casos, os

temos uma hipótese mais consistente.

pacientes frequentemente descrevem aumento na frequência

Zumbido - 521

• Vasculares ou pulsáteis - Neoplasias vasculares ■ Tumores glômicos - Malformações arteriais ■ Trajeto aberrante da carótida ■ Estenose ou aneurisma da artéria braquiocefálica ■ Persistência da artéria estapediana - Malformações venosas ■ Bulbo jugular deiscente - Hum venoso (turbulência do fluxo da veia jugular) • Musculares - Mioclonia de músculos da orelha média - Mioclonia palatal

e na intensidade com o exercício físico e alguns até reco­

nhecem a relação com o pulso. Aqueles descritos como sons rápidos de estalidos, por sua vez, falam mais a favor

de disfunção neuromuscular. O zumbido de tom alto nor­

Frente aos antecedentes, causas traumáticas, cirúrgicas

malmente está associado a acometimento da cóclea, ner­

e ototóxicas (Quadro 86.3) podem ser excluídas. Causas

vo coclear ou distúrbio auditivo central, ao passo que o de tom baixo se associa com maior frequência, a alguma

centrais também se tomam menos prováveis, visto que a paciente não apresenta sintomas neurológicos.

afecção da orelha externa ou média, o que acarreta uma

Para auxiliarna elucidação da origem do zumbido, é

perda auditiva condutiva; exceção a isso é o zumbido

baixo em rugido classicamente associado à hidropsia

importante que se tenha conhecimento dos seis sintomas cardinais de disfunção otológica que fornecem evidências

endolinfática. O zumbido unilateral é um sinal de alerta,

de que o zumbido possa ser secundário a algum distúrbio

de forma que uma avaliação diagnóstica mais ampla deve ser realizada, especialmente pela possibilidade deste sin­

originado no ouvido ou nas vias auditivas. São eles: per­ da auditiva, vertigem, plenitude auricular,otalgia, otorreia

toma ser ocasionado por um tumor acústico. Por outro

e diplacusia. A paciente apresenta três desses sintomas,

lado, um zumbido que se inicia no meio da cabeça, dife­ rente do descrito pela paciente em questão, pode sugerir

distúrbio metabólico, tóxico ou degenerativo generalizado.

Pela natureza do zumbido informado pela paciente, uma hipótese que ganha força é de alguma afecção da

orelha externa ou média ou, ainda, de hidropsia endolin­ fática. Porém, outras hipóteses, como por exemplo, um tumor acústico, não podem ser afastadas apenas pela

descrição do zumbido fornecida pela paciente. Outro sinal de alerta que exige investigação mais

apurada é o de zumbido associado à vertigem, uma vez que neste caso as principais hipóteses seriam de hidropsia endolinfática ou de tumor acústico. É imperativo, portan­

to, que prossigamos a investigação. Paciente refere episódios de tontura e “ouvido en­ tupido” há aproximadamente cinco anos. Informa que os episódios de tontura são rotatórios (vertigem), de forte intensidade, com duração de cerca de 30min, sempre antecedidos por quadro de plenitude aural bi­ lateral, piorà direita. Relata também diminuição da acuidade auditiva na orelha direita (com piora durante as crises) e zumbido do mesmo lado. Não atribui ne­ nhum fator desencadeante para o início da crise. Diz, ainda, que os episódios são acompanhados de intenso

QUADRO 86.3 - Drogas que causam ou exacerbam o zumbido • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

Ácido valproico Aminoglicosídeos Antidepressivos tricíclicos Anti-inflamatórios não esteroidais Benzodiazepínicos Bismuto Bloqueadores do canal de cálcio Carbamazepina Ciclobenzaprina Cisplatina Claritromicina Clordiazepóxido Dapsona Diuréticos de alça Doxazosina Drogas antimaláricas (por exemplo, cloroquina) Fluoroquinolonas Inibidores da bomba de prótons Inibidores da ciclo-oxigenase 2 Inibidores da enzima conversora de angiotensina Isotretinoína Lidocaína e outros anestésicos locais Nitroprussiato Prazosina Quinidina Salicilatos Sertralina Sibutramina

CAPÍTULO 86

mal-estar geral e náuseas, obrigando-a a interromper suas atividades laborais. Já apresentou episódios isolados de quedas, sem perdera consciência, machucando-se em algumas oportunidades. Depois da crise, tem restabeleci­ mento parcial da normalidade após repouso, uma vez que a sensação de desequilíbrio perdura alguns dias. Essas crises ocorrem com intervalo aproximado de três meses, há cerca de cinco anos. A paciente é natural e procedente de São Paulo, é costureira há 30 anos e nega antecedentes de hiperten­ são arterial sistêmica, diabetes mellitus, dislipidemia, tireoidopatia, doenças neuropsiquiátricas, doença reu­ matológica ou autoimune/alérgica, doença infecciosa grave no passado, doenças oftalmológicas, trauma cranioencefálico, história de cirurgia otológica ou uso de medicações. Sobre os antecedentes familiares, rela­ ta somente mãe com diabetes tipo II.

QUADRO 86.2 - Causas de zumbidos de origem para-auditiva

522 - Problemas Gerais em Clínica Médica

tríade clássica é de zumbido, vertigem e hipoacusia, ob­

endolinfa no labirinto membranoso, e que é confirmada somente pelo estudo histopatológico do osso temporal. É

servados no caso em questão.

caracterizada por episódios recorrentes e espontâneos de

Porém, não estamos com o diagnóstico completamen­

vertigem, perda auditiva flutuante, do tipo neurossensorial,

te elucidado, visto que a hidropsia endolinfática, caracte­

zumbido e plenitude aural. De acordo com os critérios da

rizada pelo aumento da endolinfa no labirinto membra­

American Academy of Otolaringology - Head and Neck

noso, pode apresentar inúmeros diagnósticos diferenciais:

Surgery (AAO-HNS), indivíduos com dois ou mais epi­

idiopática (doença de Ménière) ou secundária (síndrome

sódios espontâneos de vertigem, com duração ou maior

de Ménière): sífilis otológica, hidropsia endolinfática

igual a 20min com perda auditiva documentada em pelo

tardia, doença de Cogan, vestibulopatia recorrente, autoi­

menos uma ocasião e presença de zumbido ou plenitude

mune, distúrbio tireoidiano, metabólico, alergia alimentar

aural são classificados clinicamente como portadores

e dislipidemia.

de doença da Ménière definida. O zumbido e a sensação de

Alergia alimentar pode ser excluída, pois a paciente

plenitude aural podem ser episódicos junto com as alte­

refere não ter quadros de alergia. Causas hormonais,

rações auditivas (podendo haver flutuação da audição),

metabólicas e autoimunes também são menos prováveis,

ocorrer antes ou depois das crises ou ser constantes. As

pelo fato de a paciente não apresentar comorbidades.

crises, principalmente em fase inicial, são acompanhadas

Porém, exames clínico e laboratorial poderiam fornecer

de náuseas e vômitos. Pode-se observar ainda nistagmo

melhores evidências sobre essas hipóteses.

horizontal ou horizonto-rotatório com olhos abertos (mais

intenso com os olhos fechados), como na paciente deste Ao exame físico, a paciente apresenta: pressão ar­ terial de 120 × 80mmHg (nos quatro membros em pé, deitada ou sentada); frequência cardíaca = pulso = 90bpm; frequência respiratória = 18irpm, sem altera­ ções ao exame clínico geral. Em relação ao exame otorrinolaringológico:

relato, com regressão juntamente com a resolução da

crise, porém, ainda presente por alguns dias com os olhos fechados. O desequilíbrio intenso sentido pelo paciente

resulta do nistagmo e da vertigem e vai diminuindo pro­

gressivamente, ainda podendo permanecer alguns dias após a crise.

• Rinoscopia: sem alterações. • Oroscopia: sem alterações. • Otoscopia: sem alterações bilateralmente.

Exame neurológico:

Dentre as causas secundárias de hidropsia endolinfá­

tica, tem-se a sífilis otológica, cujo diagnóstico é confir­ mado por testes sorológicos e, que por este motivo, é uma

hipótese que no momento ainda não pode ser desprezada,

embora a paciente não apresente antecedentes ou hábitos • Avaliação dos pares cranianos: sem alterações. • Provas cerebelares: sem dismetria e eudiadococi­ nesia. • Avaliação dos equilíbrios estático e dinâmico: sem alterações (testes de Romberg e UnterbergerFukuda negativos). • Nistagmo horizonto-rotatório, mais intenso com os olhos fechados. • Exame oftalmológico: sem alterações.

de vida que nos levem a pensar nela como uma das hipó­

teses mais prováveis. Outro diagnóstico diferencial seria

o de hidropsia endolinfática tardia, caracterizada por

crises de vertigem semelhantes às de Ménière, porém em pacientes que já apresentavam perda auditiva profunda,

uni ou bilateral, sendo que o tempo entre surdez e vertigem varia de 1 a 74 anos. Este não é o caso da paciente, visto

que a diminuição da acuidade auditiva foi percebida após

o início da vertigem. A síndrome de Cogan, por sua vez, Dentre as causas de hidropsia endolinfática, nossa

apresenta provável etiologia autoimune e é caracterizada

hipótese mais provável seria a de doença de Ménière

por ceratite intersticial não sifilítica, perda auditiva Mé-

(hidropsia endolinfática idiopática), uma das vestibulopa­

nière-like e sintomas vestibulares intensos, com VDRL e

tias mais frequentes, cujo diagnóstico é clínico, porém,

anticorpo treponêmico fluorescente (FTA) negativos. A

de exclusão. Por esse motivo, é necessário que causas

paciente não apresenta nenhum sinal de acometimento

secundárias de síndrome de Ménière, caracterizada pela

ocular nem na história nem ao exame oftalmológico, o

tríade de perda auditiva, zumbido e vertigem, sejam des­

que também toma esta hipótese menos provável. Já a

cartadas antes de se firmar tal diagnóstico.

vestibulopatia recorrente, outro diagnóstico a ser pensado,

A doença de Ménière é uma vestibulopatia de origem

também não se enquadra no quadro em questão, pois,

periférica de etiologia idiopática, cujo substrato fisiopa­

embora o quadro vertiginoso seja semelhante ao de Mé­

tológico é a hidropsia endolinfática, isto é, o aumento da

nière, não são encontrados sintomas auditivos. Quanto às

978-85-4120-074-5

CAPÍTULO 86

o que nos fala a favor de hidropsia endolinfática, cuja

Zumbido - 523

especial importância no diagnóstico de hidropsia endolin­

causas, mas exames laboratoriais seriam de grande valia

gerados no momento da transdução do estímulo sonoro.

para que as hipótese fossem descartadas com segurança.

Os potenciais mais utilizados para esta finalidade são o

fática. Consiste no registro dos potenciais endococleares,

978 85 4120-074

5

potencial de somação (SP) e o potencial de ação (AP). O

Solicitados hemograma completo com leucograma, coagulograma, glicemia de jejum, colesterol total e frações, triglicérides, TSH, VDRL, FTA-Abs, todos sem alterações.

SP reflete a atividade das células ciliadas e, consequente­

mente, os movimentos não lineares (assimetrias vibratórias) da membrana basilar. O AP retrata o somatório dos diver­

sos potenciais de ação das neurofibrilas, que constituem o Diante dos exames realizados, as hipóteses de sífilis otológica, dislipidemia, distúrbios tireoidianos, diabetes

ramo auditivo do oitavo par craniano.

O parâmetro de maior confiabilidade é a relação per­

e hipoglicemia podem ser descartadas.

centual entre a amplitude do potencial de somação e a

Assim, pela história clínica e pelo exame físico, tem­ -se agora a hipótese diagnóstica de doença de Ménière

amplitude do potencial de ação (relação SP/AP). Na do­

como a provável responsável pela sintomatologia da pa­

dades físicas da membrana basilar devido à distensão da

ciente. Assim, ela foi compensada do quadro de vertigem

escala média, provocam modificações nas respostas elé­

que a levou ao pronto-socorro e, em seguida, foi encami­

tricas desencadeadas pelos estímulos sonoros. Como re­

nhada para acompanhamento ambulatorial e realização de

sultado, a relação SP/AP se altera em função do aumento

investigação diagnóstica com um otorrinolaringologista,

da amplitude do SP. A relação está alterada quando valo­

quando foram realizadas as avaliações do sistema auditi­

res maiores que 30% são encontrados com o uso do

vo e vestibular

eletrodo transtimpânico. Assim, como podemos observar

ença de Ménière, as alterações nos mecanismos e proprie­

Quanto à avaliação do sistema auditivo, a Figura 86.1,

no caso da paciente, a relação é de 47%, sendo essa alte­

A mostra a configuração audiométrica mais frequente em

ração de relação percentual a tradução eletrofisiológica

doença de Ménière com perda auditiva neurossensorial

do quadro histológico da hidropsia endolinfática relatada

(via aérea e via óssea) unilateral nas frequências graves

anteriormente.

e curva de tipo ascendente. Na Figura 86.1, B, a orelha

Para avaliação do sistema vestibular utilizou-se o

esquerda apresenta-se dentro dos critérios de normalida­

exame vestibular (vectoeletronistagmografia), o qual

de do exame, o que é compatível com a queixa da pacien­

permite constatar alterações funcionais das vestibulopatias

te de redução da acuidade auditiva apenas à direita.

periféricas e centrais e localizar o lado acometido. No

A eletrococleografia (Fig. 86.2) é o teste de escolha

caso em questão, esse exame mostrou uma preponderân­

para o diagnóstico de hidropsia endolinfática, sendo ex­

cia labiríntica de 36% à esquerda, porém este achado não

tremamente eficaz em seu diagnóstico precoce. Reflete

é específico, já que na doença de Ménière a função do

principalmente o potencial de ação do nervo coclear com

labirinto vai variar de acordo com a fase da doença.

Figura 86.1 - (A e B) Audiometria. OD = orelha direita; OE = orelha esquerda.

CAPÍTULO 86

causas metabólicas e hormonais, não foi encontrado ne­ nhum dado no exame clínico que sugira alguma dessas

CAPÍTULO 86

524 - Problemas Gerais em Clínica Médica

Figura 86.2 - Eletrococleografia. AP = potencial de ação; BSL = linha de base; SP = potencial de somação.

Após conclusão diagnóstica, a paciente recebe orientações nutricionais para evitar alimentos ricos em cafeína, bebidas alcoólicas, alimentos ricos em carboi­ dratos de absorção rápida, jejum prolongado que supere 3h durante o dia e tabagismo. Além disso, reco­ mendou-se atividade física frequente.

anos de idade. Está entre as causas mais frequentes de

zumbido originário da orelha interna.

Trata-se de um caso frequentemente encontrado no atendimento em serviços de clínica médica. Inicialmente,

o clínico geral pode fazer a suspeita diagnóstica, porém, é necessária a complementação com exames específicos

O tratamento de escolha é a betaistina, droga que pode ser associada a outras medicações, a depender da sintoma­ tologia, como ao clonazepam e à medizina e, eventualmen­

te, a outros inibidores labirínticos como flunarizina e cina­ rizina. Exercícios de reabilitação vestibular também podem

ser recomendados para a doença, de forma que o controle

do equilíbrio possa ser restabelecido. Esse programa deve

da área de otorrinolaringologia. Dessa forma, a abordagem

à doença deve ter o auxílio do otorrinolaringologista e do fonoaudiólogo em complementação à participação do

clínico que atende o caso. Uma das principais dificuldades da abordagem ao

paciente com doença de Ménière tem sido estabelecer a correlação objetiva entre os sintomas clínicos, a evolução

ser individualizado para cada paciente e também de acordo

da doença e a eletrococleografia. Caracteristicamente, a

com os achados dos exames complementares.

doença manifesta-se por períodos de remissão e de exa­

O tratamento cirúrgico é reservado para casos de

cerbação com variações na frequência, na intensidade e

vertigem incapacitante e persistente, mesmo após trata­

na duração das crises vertiginosas. Os sintomas podem

mento medicamentoso e exercícios de reabilitação, com

estar presentes de maneira simultânea ou isolada, princi­

as opções de cirurgias conservadoras ou não conservado­ ras em relação à audição.

palmente nas fases iniciais da doença, retardando o diag­ nóstico e a terapêutica apropriada. Por outro lado, a

partir da segunda década de evolução dos sintomas, há estabilização da vertigem, com sensível diminuição da

DIAGNÓSTICO FINAL

periodicidade das crises, com progressão da perda audi­

Doença de Ménière.

graves, posteriormente as agudas e persiste após as crises

tiva, que atinge, num primeiro momento, as frequências de vertigem. Isso também ocorre com o zumbido. Quan­ to maior o tempo de evolução da doença, maior a preva­

DISCUSSÃO

lência de envolvimento bilateral e menor a percepção pelo

A doença de Ménière representa uma das vestibulopatias mais frequentes, com prevalência de 46 a 200 casos em

quentes. Além disso, o tempo de evolução parece estar

cada 100.000 indivíduos. Não há diferença na distribuição entre os sexos e manifesta-se geralmente a partir da quar­ ta década de vida, tipicamente iniciando-se entre 20 e 50

paciente do início da crise, tomando as quedas mais fre­ relacionado à gravidade dos sintomas, demonstrando que pacientes com desenvolvimento tardio têm perda auditiva e limitação física menos intensa que pacientes com início

mais precoce.

Zumbido - 525

• • • • • • • • • • • • • • •

Imunopatias e alergias Otossífilis Traumas otológicos Pós-caxumba Síndrome de Cogan Hiperinsulinemia Hipoglicemia Tumoração do ângulo ponto-cerebelar Hipoadrenalismo Hipotireoidismo Hipopituitarismo Distúrbios vasculares Osteodistrofia da cápsula ótica Deficiências nutricionais Estreitamento do meato acústico interno

Finalmente, é importante sempre lembrar dos diag­

nósticos diferenciais da doença de Ménière, uma vez que este é um diagnóstico de exclusão (Quadro 86.4).

BIBLIOGRAFIA CHAVES, A. G.; BOARI, L.; MUNHOZ, M. S. L. Evolução clínica de pacientes com doença de Ménière. Rev. Bras. Otorr., v. 73, n. 3, p. 346-50,2007.

COMMITTEE ON HEARING AND EQUILIBRIUM; AMERICAN ACADEMY OF OTOLARYNGOLOGY - HEAD AND NECK FOUNDATION. Guidelines for the diagnosis and evaluation of therapy in Meniere’s disease. Otolaryngol. Head Neck Surg., v. 113, p. 181,1995. FOLMER, R. L. et al. Tinnitus severity, loudness, and depression. Otolaryngol. Head Neck Surg., v. 121, p. 48,1999. FORTUNE, D. S.; HAYNES, D. S.; HALL, J. W. Tinnitus. Current eva­ luation and management. Med. Clin. North Am., v. 83, p. 153, 1999. L0CKW00D,A. H.; SALVI,R. J.; BURKARD,R. F. Current concepts: tinnitus. N. Engl. J. Med., v. 347, n. 12, p. 904-910,2002. MATTHEW, N. G. et al. Safety and patient experience with transtympanic electrocochleography. Laringoscope, v. 11, p. 792-5,2001. MENON, A. D. et al. Fórum sobre vertigem. Rev. Bras. Otorr., supl. 1, v. 69, n. 4, p. 1-36,2003. MINOR, L. B.; SCHESSEL, D. A.; CAREY, J. P. Ménière’s disease. Curr. Opin. Neural., v. 17, p. 9-16,2004. MUNHOZ, M. S. L. et al. Hydrops endolinfático e doença de Méniè­ re. In: SILVA, M. L. G. et al. Quadros Clínicos Otoneurológi­ cos mais Comuns. São Paulo: Atheneu; 2000. p. 21-35. ODABASI, O.; HODGES, A. V.; BALKANY,T. J. Electococheography: validity and utility. Curr. Opin. Otolaryngol. Head Neck Surg., v. 8, p. 375-9,2000. SASS, K. Sensitivity and specificity of transtympanic electrocochleo­ graphy in Ménière’s disease. Acta Otolaryngol. (Stockh.), v. 118, p.150-6,1998.

CAPÍTULO 86

QUADRO 86.4 - Diagnósticos diferenciais da doença de Ménière

CAPÍTULO

87

Perda Visual Ana Laura de Figueiredo Bersani • Emmanuel Casotti Duque de Bárbara • Paulo Mitsuru Imamura

Paciente do sexo masculino, 65 anos de idade, branco, vem ao pronto-socorro com queixa de perda súbita de visão no olho esquerdo, ao acordarhá 6h, sem piora ou melhora neste período. Notou dificuldade na visão central e embaçamento na região inferior do campo visual. Nega sintomas associados como dor ocular, cefaleia e fotopsias. Nega episódios anteriores de turvação visual ou perda transitória de visão. Nega claudicação da mandíbula, dores escapulares e articu­ lares, febrícula, déficits motores na face e nos membros superiores e inferiores. Nega uso de inibidores da fos­ fodiesterase 5 e nega traumatismo prévio. Relata diabetes mellitus, dislipidemia e síndrome coronariana prévia. Em uso de beta-bloqueador,inibidores da enzi­ ma conversora de angiotensina e estatina. Tabagista de 40 maços-ano até há dez anos. Nega traumatismo ou cirurgias oculares, glaucoma ou uveíte. Nega quaisquer doenças oculares nos parentes mais próximos. Mãe tem hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus des­ controlados.

O acidente vascular cerebral (AVC) e o ataque isquê­ mico transitório (AIT) são quadros patológicos que devem ser descartados em caráter de urgência, pelo fato de o

paciente ter apresentado um quadro abrupto de anormali­ dade neuro-oftalmológica. Poderíamos pensar num aco­

metimento da artéria carótida interna e, consequentemen­

te, da artéria oftálmica, resultando em baixa da acuidade

visual e perda de campo visual monoculares. Se o paciente tivesse história de traumatismo cranio­ encefálico, com lesão do nervo óptico (segundo nervo

craniano), poderia ocorrer cegueira unilateral completa ou diminuição importante da acuidade e do campo visuais.

Um episódio de hemorragia vítrea decorrente de reti­ nopatia diabética proliferativa é compatível com o sinto­

ma exibido por esse paciente e, dessa forma, o diagnós­ tico de diabetes deve ser confirmado. Glaucoma agudo cursa com baixa da acuidade visual,

porém, na maioria das vezes associada à hiperemia e dor

A redução da acuidade visual e a perda da parte inferior

ocular, a náuseas e vômitos, dados ausentes na história clínica relatada.

do campo visual no olho esquerdo são os sintomas prin­

O diagnóstico de neurite óptica idiopática torna-se

cipais desse paciente. Podem decorrer de opacidade de

pouco provável por ser uma perda visual indolor. Além

meios (córnea, humor aquoso, cristalino e humor vítreo),

disso, o paciente é do sexo masculino, tem mais de 60

que obstrui a passagem de luz até a retina, ou pelo com­

anos de idade e não tem outras queixas neurológicas.

prometimento da retina e da via óptica pré-quiasmática.

A neuropatia óptica isquêmica anterior arterítica,

O fato de o paciente ser idoso, declarar-se diabético

causada pela arterite de células gigantes, é pouco provável

e hipertenso arterial e apresentar quadro súbito de perda

pela história clínica (nega episódios anteriores de turvação

visual central e do campo visual inferior nos abre uma variedade de diagnósticos possíveis, decorrentes de doen­

visual e ausência de dores escapulares, febrícula, cefaleia, claudicação de mandíbula ou episódios de amaurose fugaz),

ças metabólicas, vasculares, cardíacas, neurológicas ou

porém, para ser excluída necessita de outros achados

oculares, que devem ser excluídas.

clínico-laboratoriais. Já a neuropatia óptica isquêmica

Perda Visual - 527

QUADRO 87.1 - Causas de perda súbita da visão em idosos

CAPÍTULO 87

• • • • • • • • • •

Acidente vascular cerebral/ataque isquêmico transitório Hipo/hiperglicemia Glaucoma agudo Oclusão da artéria central da retina Oclusão da veia central da retina Neuropatia óptica isquêmica anterior Hemorragia vítrea Trauma cranioencefálico Trauma ocular Neurite óptica idiopática

anterior não arterítica e outras alterações vasculares reti­

nianas devem ser mais bem investigadas pelos exames clínico e oftalmológico. Ver no Quadro 87.1, as principais causas de perda

visual súbita em idosos. Exame físico: bom aspecto geral, corado, hidratado, acianótico, anictérico, afebril; frequência cardíaca = 74bpm; frequência respiratória = 18irpm; pressão arte­ rial = 134 × 86mmHg; boa perfusão periférica, Dextro® = 150mg/dL; ausculta cardíaca e respiratória, além de exame abdominal sem alterações. Pulsos palpáveis em membros inferiores. Exame neurológico normal, exce­ to pelas alterações oculares. Exame oftalmológico de olho direito (OD), olho esquerdo (OE) e ambos os olhos (AO):

Figura 87.1 - Retinografia do olho esquerdo do pa­ ciente, demonstrando edema de disco óptico e hemorragia peridiscal em região nasal inferior.

pouco prováveis. Da mesma forma, pelo exame neuroló­ gico se toma improvável a esclerose múltipla e sua ma­ nifestação como neurite óptica devido à idade. Palidez do disco óptico, característica que o paciente

não possuía, fala contra arterite de células gigantes. Apesar de o paciente ser diabético e apresentar bor­

• Acuidade visual com correção, para longe (para

perto): OD: 20/20 (J1); OE: 20/70 (>J6). • Campo visual de confrontação: OD normal e OE

com déficit no hemicampo inferior • Reflexos pupilares fotomotores direto e consensual:

OD: normais: OE: reduzidos (defeito pupilar aferente).

À biomicroscopia observam-se em AO: nenhum sinal flogístico, córnea clara, câmara anterior profunda, ausência de reação de câmara anteriore cristalino com transparência própria da idade. A pressão intraocular está normal em AO: 12mmHg. A oftalmoscopia indireta revela ausência de turva­ ção vítrea, retina colada e mácula preservada em AO. Em OD, apenas uma relação escavação/disco pequena e sem alterações na retina. Em OE observa-se disco do nervo óptico com borramento da margem, discreta elevação, coloração um pouco avermelhada, hemorra­ gias peridiscais e sem exsudatos duros e algodonosos (Fig. 87.1).

ramento do disco óptico e hemorragias, não foram encon­

tradas alterações semelhantes no olho contralateral. Também não foram encontradas opacidade vítrea e alte­

rações maculares ou da retina periférica, o que toma improvável a retinopatia diabética com envolvimento do

disco óptico. A glicemia, dentro de limites toleráveis, praticamente

afasta hiperou hipoglicemia como responsáveis poralte­

rações neuro-oftalmológicas agudas, descartadas com glicemia de jejum e hemoglobina glicosilada normais.

O exame oftalmológico não mostrou características de oclusão dos vasos da retina, pois não encontramos áreas

de retina isquêmica ou mácula “em cereja”, que são sinais característicos da oclusão da artéria central da retina. Já na

oclusão da veia central da retina observamos grandes áreas de hemorragia nos quatro quadrantes da retina e o nosso

paciente não tem lesões com essa característica. A pressão intraocular normal e a ausência de outros

sinais descartam glaucoma agudo.

O exame cardiovascular, incluindo pressão arterial

O borramento e a discreta elevação do disco óptico e

normal, pulso rítmico, ausência de sopros cardíacos e

as hemorragias peridiscais são lesões características da

carótidas sem alterações, associado a um exame neuroló­ gico praticamente normal, com exceção do exame oftal­

neuropatia óptica isquêmica anterior que, quando acome­ tem o paciente diabético, geralmente cursam também com

mológico, são indícios iniciais de que AVC e AIT são

quadro de dilatação vascular e microtelangiectasia.

528 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 87

Dessa forma, como a hipótese mais provável era a

neuropatia óptica isquêmica anterior (NOIA) de causa não

devido ao aumento da pressão intraocularou a uma que­ da transitória na pressão arterial abaixo do nível crítico

arterítica, solicitamos o exame de campo visual, para

nesses vasos, o que, em indivíduos predispostos, pode

constatara perda detectada no exame de confrontação e

desencadeara neuropatia óptica isquêmica anterior.

uma ultrassonografia Dopplerde carótidas, para descartar

Dentre os fatores de risco sistêmicos mais importantes

a possibilidade de origem tromboembólica da lesão. Os

para o desenvolvimento dessa condição estão a hiperten­

resultados dos exames de velocidade de hemossedimen­

são arterial sistêmica, o diabetes mellitus, a hipercoleste­

tação (VHS) e da dosagem da proteína C-reativa foram

rolemia, o tabagismo e a hipotensão arterial noturna. Esta

esperados dentro dos limites da normalidade para se so­

última é ainda mais agravada pelo uso de beta-bloquea­

marem às nossas evidências de que a causa seria não

dores (por via oral ou colírio), inibidores da enzima

arterítica.

conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores do

VHS e proteína C-reativa normais tomam improvável

o diagnóstico de arterite de células gigantes.

Campo visual manual de boa confiabilidade mostrou,

no olho esquerdo, defeito altitudinal inferior típico da NOIA e coroa o nosso diagnóstico. A ultrassonografia Dopplerde carótidas não evidenciou

lesões ateromatosas, o que dispensa de antiagregantes

plaquetários para o paciente.

canal de cálcio, amitriptilina e outros, principalmente

quando ingeridos na hora de dormir. Isso faz de alguns casos de NOIA-NA uma doença iatrogênica. Dentre os fatores de risco locais, destacam-se a pres­

são intraocular aumentada, a pequena relação escavação-

disco e alterações vasculares locais.

O diagnóstico é clínico e inclui os seguintes dados: perda visual unilateral, súbita e indolor, borramento e dis­

Em razão disso, orientamos o nosso paciente quanto

creta elevação do disco óptico, de coloração levemente

à sua doença e seu caráter autolimitado, sobre a ausência

avermelhada, que se resolve deixando uma palidez no disco,

de tratamento específico eficaz e o bom prognóstico vi­

defeito de campo visual altitudinal, ausência de achados

sual da variante não arterítica.

sugestivos de outra desordem que possa estar causando os sintomas, exclusão de NOIA arterítica (NOIA-A) por his­

tória clínica, exame físico e exame laboratorial de VHS

DIAGNÓSTICO FINAL

e proteína C-reativa.

Neuropatia óptica isquêmica anterior de causa não arte­

NOIA-NA, visto que os pacientes podem mostrarAV ≥

rítica.

20/20 em 32% ou ≤ 20/20 em 23% das vezes.

O teste de acuidade visual (AV) não é sensível para

A perimetria ou exame de campo visual é o teste mais

importante para avaliara perda visual em NOIA. Carac­

DISCUSSÃO

teristicamente, apresenta um defeito altitudinal em campo nasal inferior ou em todo o hemicampo inferior.

A neuropatia óptica isquêmica anterior de causa não ar­

A oftalmoscopia revela borramento do disco óptico,

terítica (NOIA-NA) é a neuropatia óptica aguda mais

localizado ou generalizado, nos estágios iniciais. Também

comum em pacientes maiores de 50 anos de idade.

pode vir acompanhada de hemorragias na margem dele.

Acomete homens e mulheres sem distinção, em uma

incidência de 10,2/100.000 habitantes.

Essa entidade representa uma desordem isquêmica na circulação das artérias ciliares posteriores que suprem o

Em dois a três meses o edema dá lugar à palidez. A NOIA-NA não tem tratamento eficaz até o momen­ to. O uso de corticosteroides é sugerido por muitos auto­

res, mas, na maioria dos casos, não tem valor benéfico.

disco do nervo óptico, levando à perda visual unilateral

Os pacientes acometidos por essa doença têm sua

súbita e indolor acompanhada de alteração campimétrica,

visão estabilizada depois do desaparecimento do borra­

geralmente altitudinal, e defeito pupilar aferente no olho

mento do disco óptico e não há mudanças significativas

acometido.

na função visual após seis meses do evento inicial.

A variante de causa não arterítica engloba todas as

causas que não a arterite de células gigantes.

A chance de recorrência no mesmo olho é de 6% e de 25% de o evento ocorrerno olho contralateral.

Os mecanismos de desenvolvimento da NOIA-NA são basicamente três: trombose, embolia e perda transitória

BIBLIOGRAFIA

do fluxo sanguíneo nos vasos do disco do nervo óptico.

BALCER, L. J. Clinicai practice. Optic neuritis. N. ErgJ. J. Mel., v. 354, n. 12, p. 1273-80, 2006. Review.

Este é, de longe, o mecanismo comum e pode ocorrer

Perda Visual - 529

DUONG, D. K.; LEO, M. M.; MITCHELL, E. L. Neuro-ophthalmol-

Review. GIVRE, S.; STAVERN, G. P. V. Amaurosis fugax. Up tod 2mm, observada no local das micropunturas, 48h após sua aplicação, feita com agulha

estéril de calibre 20-22, penetrada obliquamente, em pelo avascular, com 5mm de profundidade * Aftas menores: atingem menos de 1cm de diâmetro, são recorrentes, mo­ deradamente dolorosas, afetando partes não queratinizadas da mucosa oral. Duram de 4 a 14 dias, não deixando cicatrizes, e aparecendo em nú­ mero de uma ou duas lesões.

** Aftas maiores: têm mais de 1cm de diâmetro, são muito dolorosas e epi­ telizam, deixando sequelas cicatriciais. Têm início com um nódulo mucoso profundo, eritema e edema e se ulceram, sendo a necrose maciça e profun­ da. Epitelizam, deixando sequelas cicatriciais, e, em geral, surgem apenas um ou dois elementos.

*** Ulcerações herpetiformes: são lesões ulcerosas pequenas, de 1 a 2mm de diâmetro, dolorosas, muito superficiais e não infiltradas.

dro 89.5. A doença ocular acomete até 95% dos homens e 70%

das mulheres, surgindo em média dois anos após o início

das ulcerações orais. Em 10% das vezes, há uveíte no início da doença. É pouco comum que as manifestações sistêmicas e oculares ocorram simultaneamente. Em geral, o acometimento ocular é bilateral, em apenas 6% dos

casos permanecendo unilateral. Além de quadro ocular articular e úlceras orogenitais, a doença pode causar tromboflebites, tromboses venosas profundas, oclusões

arteriais e aneurismas, alterações neurológicas e do trato gastrointestinal.

Apesardo diagnóstico feito com base em critérios clínicos, opta-se por iniciar o tratamento apenas com colírios de acetato de prednisolona a 1%, a cada 1h, e tropicamida a 1%, a cada 8h, aguardando o resultado do PPD (por segurança, devido à alta prevalência da

doença em nosso meio e à possibilidade de associação com a doença de Behçet) e do exame de fezes solicita­ do para início de corticoterapia. Após três dias, com PPD negativo e exame de fezes normal, administrou-se prednisona, 1mg/kg/dia, com programação de desma­ me, e ciclosporina, 5mg/kg/dia. Sorologias, provas reumatológicas e dosagem da enzima conversora de angiotensina tiveram resultados negativos.

A gravidade e o prognóstico da doença de Behçet são muito variáveis. Na maioria dos pacientes, apresenta-se

com períodos de exacerbação e remissão. O acometimen­ to ocular pode se tornar um importante risco à visão

(cerca de 20% dos olhos ficam cegos, a despeito do tra­ tamento). O acometimento vasculare do sistema nervoso

central constituem as manifestações de maior risco à vida

do paciente.

CAPÍTULO 89

normal e foi solicitado também um PPD, a ser realizado no

QUADRO 89.5 ‒ Critérios diagnósticos para doença de Behçet

542 - Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 89

BIBLIOGRAFIA ABREU, M. T. et al. Uveítes em São Paulo. Estudo epidemiológico, clínico e terapêutico. Arq. Bras Ofteimd., v. 43, p. 10-6,1980. GEHLEN, M. L. et al. Incidência e etiologia de uveítes em Curitiba. Arq. Bras Oftámd., v. 62, p. 622-6. 1999. HÖFLING-LIMA, A. L. et al. MaxEideCcrdttasβn Oftaimdc^a

UNIFESP - Instituto da Visão. São Paulo: Atheneu, 2008.

KANSKI, J. J. Cliricei OpLtíaeimdcg': A Sysbanic Apprcach 6. ed. Philadelphia: Elseviei; 2007. LEIBOWITZ, H. M. The red eye. N. Erg. J. Med„ v. 343, p. 345-351, 2000. ORÉFICE, F. et al. UvétEsecndç^aceLÍa‘. Rio de Janeiro: Gua­

nabara Koogan, 2008.

___________________________________

CAPÍTULO

90

Alargamento Mediastinal Fernanda Santos Lopes Teixeira • José Luiz Pedroso • Matheus Vescovi Gonçalves

Uma mulher de 30 anos de idade procura consulta médica para realizar um check-up. Encontra-se assinto­ mática. Nega história de cirurgia ou outras doenças. Ex-tabagista, 20 anos-maço (parou há cinco anos). Etilista social: duas latas de cerveja por semana. Pratica exercícios físicos regularmente (três vezes por semana). Pai portador de hipertensão arterial e mãe com enxaqueca. O exame físico é completamente normal: corada, hidratada, anictérica, acianótica. Não são palpados linfonodos. Tireoide de tamanho e consistência normais e sem nódulos. Auscultas cardíaca e respiratória sem alterações. Exame abdominal: ruídos hidroaéreos pre­

sentes, abdome flácido à palpação. Baço e fígado normais. Pulsos distais presentes e sem edemas. Devi­ do à história de tabagismo, solicita-se uma radiografia de tórax (Fig. 90.1).

Na cavidade torácica, as duas regiões pleuropulmonares são divididas pelo mediastino. O mediastino estende-se do esterno e das cartilagens costais à coluna vertebral

(faces anteriores das vértebras torácicas) e da raiz do pescoço ao diafragma. Abrange todas as vísceras torácicas, exceto pulmões e pleuras. É dividido em superiore infe-

Figura 90.1 - (A) Radiografia de tórax, posteroanterior, revelando massa mediastinal anterior esquerda. (B) Radiografia de tórax, em perfil, revelando obliteração do espaço retroesternal por massa mediastinal anterior.

544 - Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 90

riorporum plano imaginário que passa anteriormente pelo

ângulo esternal e posteriormente pela margem inferiorda IV vértebra torácica, localizando-se acima do pericárdio.

O mediastino inferioré limitado anteriormente pelo corpo do esterno e posteriormente pelas oito últimas vértebras torácicas. O mediastino pode ainda ser dividido em ante­

rior (entre o pericárdio e o esterno), médio e posterior

(entre o pericárdio e a coluna vertebral). Os principais órgãos contidos em cada setor são: • No mediastino anterior localizam-se o timo, a aorta

extrapericárdica e seus ramos, as grandes veias e

tecido linfático. • No mediastino médio localizam-se o coração, os

vasos intrapericárdicos, o pericárdio e a traqueia. • No mediastino posterior encontram-se o esôfago, o

QUADRO 90.1 - Causas de alargamento mediastinal • Teratoma* (benigno), outros tumores de células germinativas (malignos) • Timoma*, outras lesões tímicas (hiperplasia, carcinoide, timolipoma) • Aumento linfonodal - Linfoma* (Hodgkin ou não Hodgkin) - Metástases linfonodais - Infecções (tuberculose, paracoccidioidomicose, histoplasmose, outras) - Outras condições (silicose, amiloidose, doença de Castleman) • Tireoide ectópica ou bócio mergulhante* • Tumores de paratireoide • Mediastinite fibrosante • Aneurismas vasculares e dilatação de veias calibrosas • Tumores cardíacos • Tumores neurogênicos • Hérnia hiatal • Hérnia de Morgagni • Cisto pericárdico • Lipomas * Principais causas de aumento de mediastino anterior.

nervo vago, o ducto torácico, a cadeia simpática e

o sistema venoso ázigos.

no como lesão primária isolada surge em 5 a 10% dos

O alargamento mediastinal é um achado radiológico causado por aumento de qualquer região do mediastino, mas pode ter pouca correlação com exame físico. Tanto a ausculta como a percussão do mediastino são limitadas, pois já se trata de região sem grandes estruturas ocas.

Apenas em casos nos quais há um efeito de massa signi­ ficativo que a compressão das estruturas mediastinais pode revelar alguma suspeita diagnóstica, como estreitamento

de brônquio fonte, compressão do laríngeo recorrente e

síndrome de compressão da veia cava superior.

Dessa forma, as causas de alargamento mediastinal

envolvem duas etiologias básicas: aumento de uma estru­ tura do próprio mediastino ou invasão deste por órgão/ entidades de outra origem. Geralmente, os alargamentos são causados por aumento do compartimento anterior. É

casos. A maioria dos pacientes com linfoma exibe um dos

seguintes sintomas: febre, perda de peso e sudorese no­

turna, denominados sintomas B. Pode haver, como em todo caso de massa mediastínica, compressão traqueal ou brônquica. Embora a paciente esteja assintomática, doença

linfoproliferativa deve permanecer como hipótese diagnóstica importante, por se tratar de paciente jovem. A hipótese de timoma também deve ser considerada.

Em 50% dos casos o timoma se mostra como alteração na radiografia de tórax em pacientes assintomáticos. Pode se manifestar como síndrome paraneoplásica: síndrome

miastênica, aplasia eritroide pura ou hipogamaglobuline­ mia. Não há relatos de diplopia, ptose palpebral, fraque­

za muscular ou infecções de repetição, o que torna as síndromes paraneoplásicas do timoma improváveis.

Além disso, o teratoma também requer uma abordagem

importante notar que, para um aumento da área cardíaca

precoce, visto que, apesarde benigno, na maior parte dos

(por cardiomiopatia dilatada ou derrame pericárdico), não

casos tem uma chance de cerca de 25% de apresentarcé­

usamos o termo “alargamento mediastinal” na prática

lulas imaturas, tendo prognóstico mais reservado. Os tera­

clínica diária para descrever o achado, apesar de concei­

tomas benignos são vistos em adultos entre 20 e 40 anos

tualmente serum alargamento do mediastino. Reservamos

de idade, com distribuição igual entre os sexos, o que

a expressão para outros aumentos que não sejam nitida­

coincide com a faixa etária da paciente. Assim como acon­

mente relacionados ao coração. As principais causas de

tece no caso descrito, os teratomas geralmente são assin­

alargamento mediastinal estão descritas no Quadro 90.1.

tomáticos, sendo descobertos acidentalmente em exames

Uma dica importante é relembraras principais causas

solicitados por outras razões. Também podem surgirsinto­

de massa mediastinal por meio de um método mnemôni­

mas decorrentes de obstrução de estruturas adjacentes. Se

co caracterizado pelos quatro “T”: timoma, teratoma, ti­

a paciente apresentasse expectoração de cabelo ou debris

reoide e linfoma (“terrível linfoma”).

sebáceos, o diagnóstico estaria firmado, já que estes sinais

O linfoma corresponde a 10 a 20% das massas me­

são patognomônicos da doença, pois o teratoma é justa­

diastinais anteriores. Apesarde os pacientes com linfoma

mente formado por um mix de tecidos ectodérmicos, en­

em estágio avançado frequentemente apresentarem envol­

dodérmicos e mesodérmicos, podendo ser encontrados no

vimento mediastinal, a ocorrência de massa no mediasti-

seu interior dentes, osso, cabelo, gordura e outros. Alguns

Alargamento Mediastinal - 545

O surgimento de novos sintomas mostra progressão

que, além do alargamento de mediastino, pode conter

da doença. Como se trata de sintomas constitucionais e

calcificações em 26% das ocorrências.

com aumento linfonodal cervical, ficamos fortemente

Tireoide ectópica pode surgir através da extensão in­

inclinados a pensarem moléstias proliferativas ou infec­

tratorácica da tireoide ou de restos intratorácicos de ti­

ciosas antes mesmo de veras imagens. Chamam muita

reoide. Em ambos os casos, pode ser assintomático, sem

atenção as hipóteses de linfoma e tuberculose. Aneurismas,

evidências de atividade tireoidiana exacerbada ou reduzi­

lipomas e hérnias não causam sintomas constitucionais.

da. Também continua como causa possível.

Da mesma forma, estes não são frequentes em tumores

Conforme discutido anteriormente, os alargamentos

mediastinais são um grupo muito heterogêneo de doenças

do tipo carcinoma e as metástases destes tipos de tumor tendem a ter consistência pétrea, e não borrachosa.

e seu diagnóstico quase sempre é muito difícil apenas com

Apesar de a paciente não ter epidemiologia positiva

exame físico e radiografias que, apesar de poderem indi­

para infecções fúngicas ou tuberculose, estas podem serde

car um caminho, muitas vezes serão insuficientes. A in­

evolução caprichosa e, a depender da taxa de endemia da

vestigação posterior deve incluir um exame de imagem

região a que a paciente pertence, não devem ser excluídas.

mais acurado (tomografia computadorizada ou ressonân­

Ao olhara imagem, alguns dados podem falara favor

cia nuclear magnética), além de exames de sangue. Uma

de uma ou outra doença, ou até fechar o diagnóstico.

cintilografia eventualmente pode mostrar captação de iodo

Primeiramente, a própria localização da massa. A visua­

pela massa e sugerir lesão de origem tireoidiana, mas não

lização ectópica de órgãos intestinais já vai mostrar hérnias

costuma ser a primeira abordagem.

hiatais ou de Morgagni. Lesões podem ser brônquicas, linfonodais ou esofágicas, pode haver aneurisma aórtico

Foi então solicitada uma tomografia computadori­ zada tórax para mediastino com contraste, a qual a paciente realizou cerca de dois meses após a primeira consulta (Fig. 90.2). Hemograma e análises bioquímicas para função renal, enzimas hepáticas, hormônios tireoi­ dianos e hormônio estimulante da tireoide também foram solicitados e vieram normais. Houve aumento da desi­ drogenase lática (DHL), duas vezes maior que o valor de referência. No intervalo entre as duas consultas, a paciente refere episódios eventuais de febre baixa ves­ pertina (37,8 a 38°C). Ao exame físico, surgiram três linfonodos cervicais anteriores, móveis, indolores, bor­ rachosos, com cerca de 1,5cm cada.

ou dilatação da cava, ou até trombose desta. Se porven­

tura a lesão apresentasse densidades diferentes sugerindo gordura, material sebáceo ou cístico, a hipótese diagnós­ tica de teratoma se fortaleceria. No caso, não havia calcificação e a origem da massa

era de difícil determinação, mas possivelmente linfonodal.

Mesmo assim, ainda sobram hipóteses. Não existe um marcador sérico que determine com certeza o diagnóstico: uma biópsia se impõe. As biópsias de mediastino podem ser realizadas tanto

via toracoscopia ou a céu aberto, esta uma abordagem mais

agressiva. Entretanto, havendo possibilidade de biópsias de gânglios periféricos, estes podem ser analisados antes, porse tratarde conduta menos agressiva. Com biópsia por congelação, o resultado ‒ se o gânglio é ou não adequado

para diagnóstico ‒ pode ser dado em menos de 30min após

a sua exérese. Um ponto fundamental: quando houver suspeita de doença linfoproliferativa (linfoma) sempre se

deve tentar uma biópsia excisional (tirar todo o linfonodo)

ou, no mínimo, incisional (retirar parte do linfonodo). A punção aspirativa por agulha fina (PAAF) não é adequada e pode gerar atrasos adicionais desnecessários ao diagnós­

tico. Para diagnóstico de linfoma é fundamental estudara arquitetura do gânglio para vero padrão de infiltração:

folicularou difuso. A PAAF, como todo esfregaço citoló­ gico, obviamente não fornece este dado.

Figura 90.2 - Massa no mediastino anterior e, além disso, múltiplas adenomegalias e derrame pleural bi­ lateral.

A paciente é submetida à biópsia de gânglio cer­ vical sem intercorrências e o laudo do anatomopatológico é linfoma de Hodgkin do tipo esclerose nodular.O re­ sultado da lâmina pode ser conferido na Figura 90.3.

CAPÍTULO 90

sinais podem sugerira doenças na radiografia de tórax

546 - Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 90

muitas células de Reed Sternberg. Estádio geral­ mente avançado. Muito comum a concomitância com vírus Epstein-Barr(EBV). - Forma rica em linfócitos (5% dos casos): como o nome diz, é abundante em linfócitos. Compor­ tamento similar à forma de celularidade mista. - Forma nodular com predomínio linfocitário (5% dos casos): em contraste com as formas clássicas, a célula RS é difícil de encontrar. Em seu lugar

são vistas muitas células com núcleos que lembram

pipoca e são negativas para CD15 e CD30. • Não clássico: forma nodular com predomínio linfo­

Figura 90.3 - Célula de Reed Stemberg com "pano

citário.

de fundo" inflamatório. A doença tem um pico bimodal entre 15 e 30 anos e após os 50 anos de idade, sendo discretamente maior entre

DIAGNÓSTICO FINAL

os homens (em crianças, a diferença se acentua: 85%

Linfoma de Hodgkin.

pessoas/ano, com menor incidência em asiáticos. Em países

masculino). A incidência é de cerca de 2,8 casos por 100.000 em desenvolvimento, a incidência pode ser maior, espe­ cialmente da forma com celularidade mista e depleção

DISCUSSÃO

linfocitária, podendo refletira maior incidência de casos

relacionados à infecção por EBV.

O linfoma de Hodgkin é uma doença linfoproliferativa

Na verdade, a causa do linfoma de Hodgkin não é

potencialmente curável com características histológicas, clínicas e biológicas particulares, descrito inicialmente

conhecida, mas 50% dos casos apresentam DNA do EBV

porThomas Hodgkin em 1832. Histologicamente se caracteriza pelo achado das célu­ las de Reed-Sternberg (RS) em um pano de fundo de

subtipos com celularidade mista e menor no subtipo es­

infiltrado inflamatório. Na maioria das ocorrências de Hodgkin, a célula de Reed-Sternberg é originária do lin­

para EBV .

fócito B do centro germinativo e incapaz de produzir anticorpos, apesar de 1 a 2% dos casos apresentarem origem T possível. As células geralmente expressam os

de distribuição para linfonodos contíguos. Acometimento

marcadores de superfície CD30 e CD15. O linfoma tam­ bém é subdividido, pela Organização Mundial da Saúde

lia e o acometimento mediastinal à radiografia é frequen­

em cinco subtipos (quatro clássicos e um não clássico):

tação da doença. Podem ser grandes e mesmo assim não

associado à célula neoplásica. Essa proporção é maior nos clerose nodular. Quase 100% dos pacientes HIV-positivos

(em que a incidência de Hodgkin é maior) são positivos A doença se inicia nos linfonodos, tendo um padrão

extranodal pode ocorrer mas não é muito frequente. Os pacientes apresentam-se ao diagnóstico com adenomega­ te. Massas mediastinais são a segunda forma de apresen­ produzirem sintomas. Ocasionalmente, causam sintomas

• Clássicos: esclerose nodular, celularidade mista, depleção linfocitária, rico em linfócitos:

compressivos como dispneia, estridor, tosse. Podem pro­

- Esclerose nodular(60 a 80% dos casos): bandas de fibrose dividem o tumor dando um aspecto nodular. Mais frequente em adolescentes e qua­

associado não é incomum. O acometimento cervical é

se sempre envolve mediastino e locais supradia­ fragmáticos.

Cerca de 40% dos pacientes portam os sintomas B,

vocarsíndrome da veia cava superiore o derrame pleural comum (60 a 80% das vezes), mas axilas e regiões ingui­

nais são infrequentes (6 a 20% em ambas as regiões).

que incluem febre, suores noturnos e perda de peso. As­

- Celularidade mista (15 a 30% dos casos): infiltra­ do difuso; afeta locais intra-abdominais e baço. Em geral, apresenta-se em estádio avançado. É a

tenia e prurido, apesarde não serem sintomas B, costumam

forma mais encontrada em pacientes HIV-positivos. - Depleção linfocitária (menos de 1% dos casos):

com o tempo, acometendo cerca de 35% dos pacientes ao

infiltrado difuso e de aparência hipocelular com

incomum e se caracteriza por febre intermitente que re­

acompanhar o quadro.

A febre é mais comum à noite e se toma mais grave diagnóstico. A febre de Pel-Ebstein é característica, mas

Alargamento Mediastinal - 547

medula óssea é desigual e, por isso, a biópsia de

precedero diagnóstico por meses, apesarde não seroni­

mentara sensibilidade diagnóstica. Nos linfomas

presente. Surge em cerca de 15% dos pacientes, geral­

não Hodgkin, a biópsia é unilateral.

medula óssea deve ser bilateral (bicrista) para au­

mente generalizado e pode ser intenso o suficiente para

• Pacientes com sintomas B têm esta letra adicionada

provocar escoriações. Pode haver dor abdominal decor­

ao seu estadiamento porque a presença deles confe­

rente de esplenomegalia, adenomegalia retroperitoneal,

re prognóstico menos favorável. Se não houver

entre outros, e muito raramente pode haver colestase intra-

sintomas, denotamos a letra A. A letra X pode ser

hepática. Raramente pode haver dor nos locais acometidos

adicionada ao estadiamento em caso de doença bulky,

pela doença. Um sintoma curioso, presente em até 10%

ou seja, massas maiores que 10cm em seu maior

dos pacientes, é a dor nos locais acometidos pela doença

diâmetro. Envolvimento de locais extranodais por

após ingestão alcoólica.

contiguidade (por exemplo, acometimento do parên­

Pode haver lesões de pele dos mais variados tipos e

quima pulmonar direto por infiltração da massa

paraneoplasias provocando síndromes neurológicas como

mediastinal) não é considerado estádio IV, mas re­

coreia, encefalite límbica, síndrome de Guillain-Barré e

cebem o sufixo E, por exemplo, IIBSE.

síndrome nefrótica. O acometimento do sistema nervoso

No caso da paciente, o estadiamento será IIB.

central por células malignas é muito raro.

Outros sinais podem ser hipercalcemia, anemia nor­

Hoje em dia, a PET é considerada fundamental no

mocrômica e normocítica, eosinofilia, leucocitose, trom­

acompanhamento e seguimento da doença de Hodgkin. Além de alta sensibilidade no diagnóstico de locais de

bocitose, linfopenia e hipoalbuminemia. Por fim, pode haver aumento da DHL, que se relaciona com o tamanho da massa tumoral.

pequenas dimensões, é o método que melhor distingue

A paciente é então encaminhada para um onco­ -hematologista para iniciar acompanhamento. Além de exames rotineiros como hemograma, função renal, enzimas hepáticas e íons como sódio, potássio, cálcio e magnésio, solicitam-se sorologia para HIV, tomogra­ fias computadorizadas de tórax, abdome e pelve, tomografia por emissão de pósitrons (PET) e biópsia de medula óssea de ambas as cristas ilíacas.

terapia isolada ou radioterapia com quimioterapia com

focos cicatriciais de massas ativas após tratamento. O tratamento, dependendo do estágio, envolve radio­ diferentes esquemas. Havendo recidiva, pode-se tentar ainda nova quimioterapia ou transplante autólogo. Como a paciente não apresentou, no estadiamento,

outros locais acometidos, seu estádio foi IIB, já que tem sintomas B com acometimento cervical e mediastinal.

Neste caso, o tratamento tem uma chance de cura de cerca de 85%. O linfoma de Hodgkin hoje é considerado

além do subtipo histológico, do estadiamento que é dado

uma neoplasia com alta chance de cura. Na verdade, até em estádios avançados a curabilidade pode ser maior que

pelo sistema de Ann Harbor:

60%; portanto, o clínico deve estar atento para seu diag­

O tratamento e o prognóstico da doença dependem,

• No estádio I há acometimento de uma única cadeia linfonodal, ou estrutura linfoide, ou de um local extralinfático.

• No estádio II há acometimento de duas ou mais

cadeias linfonodais ou estruturas linfoides do mesmo lado do diafragma (acima ou abaixo), com ou sem

contiguidade com local extralinfático. • No estágio III há acometimento de cadeias linfono­ dais ou estruturas linfoides em ambos os lados do diafragma.

• No estádio IV há acometimento extranodal não

decorrente da extensão direta de local linfonodal acometido. Fígado e medula óssea denotam estádio

IV, se acometidos. Baço é considerado área nodal

e, se acometido, coloca-se um sufixo S após o esta­ diamento (por exemplo, IIBS). O acometimento da

nóstico precoce e deve sempre valorizar sintomas eventu­ almente inespecíficos, como sudorese ou febre arrastadas.

BIBLIOGRAFIA AMERICAN SOCIETY OF HEMATOLOGY. TheAmcricaiSαiety cf Hαiictrkg' EdiríticnBcik v. 2008, p. 320-339. AMERICAN SOCIETY OF HEMATOLOGY. TheAmeicaiSαiefy cf Hαiiêíckg' EdiríticnBcik v. 2009, p. 491-519. ATKINSON, K. et al. Alcohol pain in Hodgkin’s disease. Caie, v. 37, p. 895, 1976. BOHLE, A. et al, J. R. Primaiy orsecondaiy extragonadal geim cell tumois? J. Urd., v. 135, p. 939, 1986. DAVIS, R. D.; OLDHAM, H. N.; SABISTON, D. C. Primaiy cysts and neoplasms of the mediastinum: Recent changes in clinicai presentation, methods of diagnosis, management and results. Am Thcrac. Scrg, v. 44, p. 229, 1987. ERTURK, S. M.; VAN DEN ABBEELE, A. D. Role of PET/CT scanning in initial and post-treatment assessment of Hodgkin disease. J. Ndl Cαnpr. Cai. Netw., v. 6, n. 6, p. 623-32, 2008 Jul. Review.

CAPÍTULO 90

corre em intervalos variáveis de dias a semanas e dura uma ou duas semanas antes de desaparecer. Prurido pode

CAPÍTULO 90

548 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

GEREIN, A. N.; SRIVASTAVA, S. P.; BURGESS, J. Thymoma: a ten year review. Am. J. Sirg v. 136, p. 49, 1978. GRAEBER, G. M.; SHRIVER, C. D.; ALBUS, R. A. et al. The use of computertomography in the evaluation of mediastinal masses. J. Tlxrac. Cadkvas:. Sug, v. 91, p. 662, 1986. HOPPE, R. T. et al. Hodgkin disease/lymphoma. J. N^L Cαnpr. Cax. Netw., v. 6, n. 6, p. 594-622, Jul 2008. The NCCN Task Force. KAPLAN, H. S. Hcdgjdris disease 2. ed. Cambridge: Harvaid Univeisity Press, 1980. KAPLAN, H. S. On the natural history, treatment and prognosis of Hodgkin’s disease. In: Havq' Latires 190BGD New Yoik: Academic Press, 1970, p. 215. LEWIS, B. D. et al. Benign teratomas of the mediastinum. J. TFrra:. Cadkxasc. Strg v. 86, p. 727,1983. MAUCH, P. M. et al. Pattems of presentation of Hodgkin disease. Implications foretiology and pathogenesis [see comments]. Cara, v. 71, p. 2062, 1993. MOELLER, K. H.; ROSADO-DE-CHRISTENSON, M. L; TEMPLETON, P. A. Mediastinal mature teratoma: Imaging features. AJR Am. J. Roαlgni, v. 169, p. 985, 1997.

MULLEN, B.; RICHARDSON, J. D. Primaiy anterior mediastinal turno is in children and adults. AmThcrac. Sirg v. 42, p. 338, 1986. PETERS, M. V.; ALISON, R. E.; BUSH, R. S. Natural histoiy of Hodg­ kin^ disease as related to staging. Cara, v. 19, p. 308, 1966. PUGATCH, R. D. et al. CT diagnosis of benign mediastinal abnoimalities. AJR Am. J. Rαrtgni. v. 134, p. 685, 1980. ROSENBERG, S. A.; KAPLAN, H. S. Evidence foran orderiy piogression in the spread of Hodgkin’s disease. Cara Res, v. 26, p. 1225, 1966. SILVERMAN, N. A.; SABISTON, D. C. Mediastinal masses. Sirg CBn NcrthAm., v. 60, p. 757, 1980. STROLLO, D. C.; ROSADO-DE-CHRISTENSON, M. L; JETT, J. R. Primaiy mediastinal tumois. Pari 1. Turno is of the anterior me­ diastinum. Clxst v. 112, p. 511, 1997. SUGARBAKER, D. J. Thoracoscopy in the management of anterior mediastinal masses. AmThcra. Strg v. 56, p. 653, 1993. SWERDLOW, S. H. et al. (eds.). Wokl HedthOrgrizcticnClas .‘ãíciíkncf Tunαrscf Haαiictepdetic ad Lymphdd Tis sles Lyon: IARC Press, 2008.

___________________________________

CAPÍTULO

91

Nódulos no Pescoço Thiago Xavier Carneiro • Larissa Guedes da Fonte Andrade

Homem de 26 anos de idade é trazido para atendi­ mento no pronto-socorro com quadro clínico de um mês de evolução, caracterizado por agravamento progressivo de febre não aferida, diária, perda de peso (cerca de 7kg), dor epigástrica inespecífica, anorexia, astenia, associado ao surgimento de caroços em diversas regiões do corpo, sendo os maiores localizados no pescoço.

Um paciente jovem com quadro de febre e nódulos no cor­ po. Com um exame inicial, geralmente já é possível de­ terminar-se esses nódulos são, na verdade, linfonodos de tamanho aumentado. Em casos como este, é importante buscar, já em um primeiro momento, diferenciar adeno­

megalia generalizada de doença localizada. O quadro

generalizado usualmente decorre de processo inflamatório sistêmico infeccioso, autoimune, endócrino ou neoplásico.

Linfonodomegalias localizadas devem sempre ser inves­ tigadas de modo a avaliar o local de drenagem da cadeia acometida, tendo como causa mais comum um processo

infeccioso local, mas podendo também ser resultante de neoplasia com metástase para cadeia linfática adjacente. Essa diferenciação permite ordenar o direcionamento da anamnese e a formulação de adequadas hipóteses diag­

nósticas. É necessário lembrar, no entanto, que acometimento

O paciente nega desconforto ao deglutir, secreção nasal e tosse. Nega ainda lesões de pele na região da face, pavilhão auricularou pescoço. Causas óbvias devem sempre ser excluídas logo no primeiro momento. No caso de adenopatia cervical, cui­ dadoso exame de boca, orofaringe, cavidade nasal e pele da face e do pescoço deve ser realizado à procura de in­ fecção localizada nesses locais. De modo geral, essa é a causa mais comum de adenopatia cervical, devendo, portanto, ser exaustivamente investigada. O paciente, no entanto, não parece se encaixar neste perfil.

O paciente nega ainda alterações visuais ou auditi­ vas. Queixa-se de dor leve no pescoço. Refere não ter apresentado lesões cutâneas no resto do corpo. Alega não apresentar artralgias, mucosas secas ou lesões cutâneas após exposição solar. Refere não apresentar lesões em região genital no momento, ou antes. Diz ser previamente hígido, sem antecedentes de tratamentos médicos. Nunca esteve internado, ou fez tratamento crônico para outra doença. Residente em São Manuel, interiorde São Paulo, trabalha como me­ cânico em Botucatu, mas ajuda o pai na lavoura. É tabagista e etilista ocasional. Refere ser heterossexual, com várias parceiras, ocasionalmente mantendo rela­ ções sem o uso de preservativos.

localizado pode ter como causas processos sistêmicos em

fase ainda inicial, ou já em fase mais tardia. Por esse

motivo, alguns outros dados clínicos são essenciais para auxiliaro médico nessa diferenciação. No caso citado, os múltiplos nódulos e a febre são dados sugestivos de doen­

ça sistêmica. Entretanto, o predomínio de acometimento da região do pescoço pode sugerir doença mais localizada.

O interrogatório sintomatológico pode ser importante neste momento.

Aparentemente, o quadro pode ser descrito como de doença febril subaguda associada à linfadenopatia gene­ ralizada, com poucos dados clínicos adicionais, o que dificulta uma única possibilidade diagnóstica apenas com a história clínica inicial. No momento, apenas um ade­ quado domínio dos diagnósticos diferenciais permitirá ao médico realizar interrogatório sintomatológico ou de an­ tecedentes adequado e fundamental.

CAPÍTULO 91

550 - Problemas Gerais em Clínica Médica

Talvez, a principal causa da síndrome clínica caracte­ rizada por febre, linfadenopatia generalizada e apresen­

sendo importante ressaltara possibilidade de adenopatia difusa causada pela infecção por micobactérias, sendo

tação variável de rash cutâneo seja aquela amplamente

epidemiologicamente mais importante a infecção pelo

conhecida na literatura como “mononucleose-like”, tendo

Mycobacterium tuberculosis. A tuberculose ganglionar

como causas mais usuais a infecção pelo citomegalovírus,

possui evolução mais arrastada e linfonodos de maiores

herpes-vírus humano 6, adenovírus, vírus do herpes sim­

dimensões. Infecções fúngicas, como a paracoccidioidomi­

ples, vírus da rubéola, Toxoplasma gondii. Isso se toma

cose, a criptococose e a histoplasmose também devem ser

particularmente verdadeiro para pacientes mais jovens,

lembradas quando houver evolução mais prolongada,

como o citado. O aparecimento de rash cutâneo caracte­

devendo-se suspeitar delas sempre que houver história

rístico favoreceria muito esse diagnóstico, mas sua ausên­

epidemiológica sugestiva.

cia de modo algum o exclui. A apresentação clínica

Além das doenças infecciosas, algumas colagenoses

dessas infecções pode ser extremamente variável e muito

devem ser lembradas. O lúpus eritematoso sistêmico pode

semelhante, tornando esses diagnósticos quase exclusiva­

cursar com adenopatia generalizada, associada à febre,

mente laboratoriais. Nessa síndrome, os linfonodos são

sendo, devido à idade do paciente, outra hipótese possível.

caracteristicamente fibroelásticos, móveis, pequenos,

Devemos terem mente que, em síndrome de Sjögren e

múltiplos, não aderidos a planos profundos. Essas carac­

artrite reumatoide, a linfadenopatia difusa pode ser um

terísticas são consideradas benignas, pois usualmente

achado inicial.

estão associadas a doenças autolimitadas como as citadas.

Quadro semelhante ao citado pode ainda ser causado

A mononucleose infecciosa propriamente dita, causada

por medicações. O médico deve saber que principalmen­

pelo vírus Epstein-Barr, é frequente em pessoas jovens,

te a fenitoína, mas também a carbamazepina e a minoci­

acompanhada por febre elevada e sinais e sintomas exu­ berantes de faringite, aparentemente discretos no caso.

clina podem ser associadas a essas manifestações clínicas.

Caso nossa investigação clínica sugira esses diagnósticos,

pacientes com linfadenopatia febril é extremamente ampla,

a observação e o tratamento sintomático são as condutas

contemplando mais de 100 diagnósticos diferenciais em algumas revisões. É importante a procura de causas mais

mais aceitáveis.

Devemos terem mente que a lista de diagnósticos de

Causas infecciosas mais graves também podem ser

comuns e a exclusão de doenças mais graves. Outras

compatíveis com esse quadro. Em pacientes jovens, com

causas mais raras podem ser verdadeiros desafios diag­

vida sexual ativa, a infecção primária aguda sintomática

nósticos. No Quadro 91.1 estão listadas algumas causas

pelo vírus da imunodeficiência humana deve ser pensada

de linfadenopatia periférica.

e também pode cursar com adenomegalia generalizada

De modo geral, o aumento generalizado de linfonodos

em até 45% dos casos, coincidindo com o momento do

está associado à doença sistêmica. Caso uma investigação

surgimento de resposta imune específica contra o vírus.

clínica inicial não aponte para evidente diagnóstico e não

Algumas doenças infecciosas são menos comuns, mas

sejam verificados sinais de alarme para doenças mais

devem ser lembradas, pois têm tratamento específico. A

brucelose também cursa com adenopatia difusa e febre, mas apresenta um curso em geral mais arrastado, com

clínica menos exuberante. Classicamente, a ingestão de leite não pasteurizado é o principal fator de risco, mas o

simples contato com animais hospedeiros pode ser o suficiente. Outro diagnóstico possível seria doença de

Lyme, causada pela espiroqueta Borrelia burgdorferi, pois na fase inicial da doença a febre, o mal-estar e a adeno­ megalia difusa são os achados mais comuns. Entretanto, a ausência do característico eritema crônico migratório

toma a hipótese um pouco menos provável. A ausência

de lesões cutâneas também toma pouco provável o diag­

nóstico de sífilis secundária que também cursa com ade­ nomegalia difusa e febre baixa, mas usualmente quadro cutâneo polimorfo associado.

O tempo de duração do quadro febril em questão fa­ laria contra algumas das hipóteses citadas anteriormente,

QUADRO 91.1 - Causas de linfadenopatia periférica • Bacterianas - Localizadas: faringite estreptocócica; infecções de pele; tularemia; difteria; doença da arranhadura do gato - Generalizadas: brucelose; leptospirose; linfogranuloma venéreo; febre tifoide • Vírus: vírus da imunodeficiência humana; vírus Epstein-Barr; vírus do herpes simples; citomegalovírus; caxumba; catapora; rubéola; hepatite B; dengue; enteroviroses; tularemia • Micobactérias: Mycobacterium tuberculosis; micobacteriose atípica • Fungos: histoplasmose; paracoccidioidomicose; criptococose • Protozoários: toxoplasmose; leishmaniose • Espiroquetas: sífilis secundária; doença de Lyme • Câncer: carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço; linfomas; leucemias • Imunológicas: doença do soro; reações a drogas (fenitoína) • Endocrinopatias: hipotireoidismo; doença de Addison • Miscelânea: sarcoidose; amiloidose; histiocitose; doença de Castleman; doença de Kikuchi; doença de Rosai-Dorfman; doença de Kawasaki; lúpus eritematoso sistêmico; artrite reumatoide; doença de Still; síndrome de Churg-Strauss; hemofagocitose

Nódulos no Pescoço - 551

epitelial, doenças linfoproliferativas, doenças granuloma­

as doenças nas quais o diagnóstico é essencial para o

tosas e infecções por fungos ou micobactérias. É fundamental avaliar clinicamente a possibilidade de

tratamento, essa janela de tempo seria segura e evitaria

neoplasia epitelial de cabeça e pescoço, pois caso haja

procedimentos desnecessários.

forte suspeita, a investigação complementar se desenvol­ ve com algumas particularidades. Essas doenças estão

Ao exame físico, o paciente apresenta-se emagre­ cido, febril (temperatura axilar 37,9°C). Verificados linfonodos móveis, fibroelásticos, alguns dolorosos, não aderidos a planos profundos, localizados em ca­ deias inguinais, axilares, poplíteos e retroauriculares, possuindo em sua maioria cerca de 1cm, sendo os maiores localizados em região cervical, o maior com 5cm de diâmetro, podendo ser individualizados em cadeia cervical direita (Fig. 91.1). Não são observadas lesões cutâneas. Ao exame abdominal verifica-se baço palpável a 5cm do rebordo costal esquerdo e fígado a 6cm do rebordo costal direito, bordas rombas, com dor à palpação.

fundamentalmente associadas ao tabagismo de longa data. No caso em questão, a idade do paciente, a reduzida car­

ga tabágica e a apresentação com febre e hepatoespleno­

megalia são dados que contrariam essa hipótese.

O diagnóstico mais temeroso para esse caso, portanto, é o de doença linfoproliferativa. Esse diagnóstico é com­

patível com as mais diversas apresentações clínicas, sendo praticamente impossível distingui-lo de diversas

das afecções citadas anteriormente. Devemos terem

mente que os “sintomas B” característicos das doenças linfoides são a febre, a perda de 10% do peso nos últimos seis meses e a sudorese noturna. Portanto, esse diagnós­

Os achados de hepatoesplenomegalia e um linfonodo

tico é plausível para o caso em questão.

grande ao exame físico nos permitem descartar várias das hipóteses formuladas anteriormente. Nesse momento,

quadros virais e doenças reumatológicas podem segura­ mente ser deixados em segundo plano. O nódulo cervical

grande têm como causa um grupo mais limitado de doen­ ças que incluem, quase sempre, neoplasias de linhagem

Investigação laboratorial mostra: hemograma com hemoglobina de 14,3g/dL, leucócitos de 22.400/mL, eosinofilia de 18% (4.032/mL), plaquetometria de 448.000/mL, proteína C-reativa de 10mg/dL, velocida­ de de hemossedimentação de 51mm. VDRL negativo, sorologias para HIV, hepatite B e hepatite C negativas. Radiografia de tórax sem alterações. A investigação laboratorial do paciente com linfade­ nopatia generalizada deve ser orientada pela clínica e pelo

exame físico. Inicialmente, o hemograma e a radiografia de tórax são os exames essenciais. As doenças virais podem cursar com leucopenia; o achado de linfócitos com

morfologia atípica em número elevado, quando associado ao quadro clínico, pode sercompatível com mononucle­

ose infecciosa. Linfocitose com células anormais pode ser encontrada em doenças linfoproliferativas. As anemias

devem ser investigadas e tanto os achados de hemólise como os de doença crônica podem serde grande auxílio.

No caso apresentado, foi verificada eosinofilia significa­

tiva. O diagnóstico diferencial desse achado também é muito extenso e vai além do escopo deste capítulo, mas

classicamente está vinculado a doenças infecciosas. A

alteração é, no entanto, também compatível com doenças granulomatosas e linfoproliferativas, não sendo, portanto,

possível descartar estas entidades. A radiografia de tórax abre um importantíssimo leque de hipóteses mais relacionadas às doenças do parênquima

pulmonar e é o exame inicial para a descoberta de doen­

Figura 91.1 direita.

- Linfonodomegalias em região cervical

ça linfática hilarou mediastinal direcionando a investiga­ ção para sarcoidose ou linfomas, por exemplo.

C A P ÍT U L O 91

graves, a maioria dos autores considera segura a obser­ vação clínica por até quatro semanas, pois mesmo para

C A P ÍT U L O 91

552 - Problemas Gerais em Clínica Médica

No caso citado, faltam dados clínicos que sugiram doença reumatológica, o que torna possível adiar essa investigação para um segundo momento. Os testes imu­ nológicos para doenças virais devem sempre ser conside­ rados, principalmente nos casos agudos de curta duração e realizados de acordo com a disponibilidade. É necessá­

critérios que indiquem a investigação invasiva nessas si­ tuações. Até hoje, não há recomendação forte o suficien­

rio terem mente, ao se solicitar alguns exames, que pro­

as características citadas devem ser consideradas como

vavelmente não haverá conduta terapêutica para várias doenças autolimitadas. Não é possível descartar uma do­ ença sexualmente transmissível, portanto sorologia para o HIV e reação sorológica para sífilis são de extrema valia. Os exames de imagem que podem serutilizados neste momento são a ultrassonografia e a tomografia computa­ dorizada. A primeira é mais usada em serviços europeus,

indicações absolutas, mas devem pesar na decisão do

ao passo que a segunda faz parte do estudo inicial para alguns autores americanos. No entanto, nenhum estudo foi capaz demonstrara utilidade desses exames para investi­ gação diagnóstica de linfadenopatias. Apesar da melhor caracterização dos linfonodos acometidos, não há carac­ terísticas que possibilitem, com certeza, distinção entre essas doenças. Portanto, é necessário guardar o conceito de que esses exames são dispensáveis. As situações nas quais esses métodos se tomam fundamentais são suspeita de neoplasia epitelial ou após diagnóstico de linfomas, principalmente para estadiamento. O exame fundamental para o diagnóstico deste caso é a biópsia excisional do maior linfonodo. A análise morfológica e imuno-histoquímica é o melhor método para o diagnóstico de doenças linfoproliferativas. Além disso, o estudo histopatológico possibilita verificar o padrão granulomatoso da sarcoidose e da tuberculose, com a pesquisa de agentes infecciosos no tecido. Vários centros adotam, entretanto, uma sequência diagnóstica rígida de punção aspirativa por agulha fina (PAAF) precedendo a biópsia excisional. Essa conduta

objetiva evitara alteração anatômica da drenagem linfá­ tica causada pela excisão linfonodal, o que seria extrema­

mente prejudicial para posterior ressecção de um tumor de origem epitelial. A análise citológica após PAAF é um procedimento de elevada especificidade, mas de compro­

te para possibilitara criação de diretrizes para a investi­

gação da linfadenopatia. Existem, entretanto, alguns achados clínicos associados estatisticamente a doenças

mais graves, principalmente neoplasias. De modo algum

clínico em favorde uma abordagem mais agressiva, prin­ cipalmente se achadas em conjunto:

• Linfadenopatia maior que 2cm. • Linfadenopatia supraclavicular. • Prurido cutâneo. • Idade superiora 40 anos. • Linfonodos endurecidos, aderidos a planos profundos. • Ausência de história recente de infecção de vias aéreas.

• Radiografia de tórax com linfadenopatia ou aumen­ to de mediastino.

Realizada biópsia excisional do linfonodo. À mi­ croscopia, foram visualizadas células esféricas ou ovais de tamanhos variáveis, com paredes grossas, dupla membrana, com múltiplos brotos. Faz-se o diagnóstico de paracoccidioidomicose. Inicia-se tratamento com itraconazol. Paciente evolui com progressiva remissão da febre e redução do volume de linfonodos. Segue em acompanhamento ambulatorial.

DIAGNÓSTICO FINAL Paracoccidioidomicose.

DISCUSSÃO A paracoccidioidomicose, na sua forma aguda/subaguda, é responsável por 3 a 5% dos casos da doença, predomi­

metida sensibilidade. Havendo resultados inconclusivos, a biópsia não deve ser adiada por tempo prolongado.

nando em crianças e adolescentes, mas podendo, eventual­

Outros autores defendem que a PAAF pode ser feita de acordo com o julgamento clínico, já que, a exemplo do

forma clínica caracteriza-se por evolução mais rápida, em

caso em discussão, existem várias situações clínicas nas quais a possibilidade de tumor epitelial é bastante reduzida. Em determinado momento da investigação de um

4 e 12 semanas de instalação. As principais manifestações clínicas, ao contrário da forma crônica, consistem em

quadro de linfadenopatia generalizada, torna-se essencial diferenciar dois grandes grupos: aquele de causas autoli­

nomegalia, envolvimento osteoarticulare lesões cutâneas.

mitadas e aquele de causas mais graves, que requerem tratamento específico com rapidez ou apresentarão evo­

de risco a infecção são as profissões ou atividades rela­

lução ominosa. Diversos estudos já buscaram validar

como por exemplo, atividades agrícolas, terraplanagem,

mente, acometer indivíduos até os 35 anos de idade. Essa

que o paciente geralmente procura o serviço médico entre

linfadenomegalia, manifestações digestivas, hepatoesple­ A doença é endêmica no sudeste do país e o grande fator cionadas ao manejo do solo contaminado com o fungo,

Nódulos no Pescoço - 553

BIBLIOGRAFIA

dutos vegetais, entre outros.

FERRER, R. Lymphadenopathy: diffeiential diagnosis and evaluation. Am. Fan. PFyáciaiv. 58, p. 1313, 1998. HABERMANN, T. M.; STEENSMA, D. P. Lymphadenopathy. M^o Clin Pra., v. 75, p. 723, 2000. MOHAN, A. et ai. Aetiology of peripheral lymphadenopathy in adults: Analysis of 1724 cases seen at a tertiaiy care teaching hospital in southem índia. Nál Med. J. Irdia v. 20, p. 78, 2007. SHIKANAI-YASUDA, M. A. et ai. Consenso em paracoccidioidomi­ cose. Rcv. Ser. Bras Mal. Trcp. [criinj, v. 39, n. 3, p. 297-310, 2006. Disponível em: http://www.scielo.bi/scielo.php? script=sci_ aittext&pid=S0037-86822006000300017&lng=en&nrm=iso. Acesso em 18/04/2010. SLAP, G. B.; BROOKS, J. S.; SCHWARTZ, J. S. When to perfoim biopsies of enlaiged peripheral lymph nodes in young patients. JAMA, v. 252, p. 1321, 1984.

A abordagem a um paciente com linfadenopatia ge­

neralizada sem causa evidente pode ser extremamente

difícil. Entre os diversos diagnósticos diferenciais possíveis existem aqueles graves e potencialmente curáveis, justi­

ficando, portanto, abordagem diagnóstica agressiva. En­ tretanto, quadros autolimitados são comuns e não justifi­

cam procedimentos invasivos potencialmente iatrogênicos. Para adequada avaliação, é imprescindível terem mente os principais diagnósticos diferenciais, sendo possível

decidir,na maioria das vezes, a melhor abordagem apenas com detalhada anamnese e cuidadoso exame físico, antes

mesmo de qualquer avaliação complementar.

C A P ÍT U L O 91

preparo de solo, práticas de jardinagem, transporte de pro­

___________________________________

CAPÍTULO

92

Depressão Ana Beatriz Kinupe Abrahão • Agessandro Abrahão • Vivian Paz Leão Maia

Uma senhora de 71 anos de idade é trazida por sua filha ao ambulatório de Clínica Médica, onde faz acom­ panhamento por hipertensão arterial sistêmica, há dois anos. A paciente queixa-se de profunda tristeza e choro fácil há quatro meses. Diz que sua vida é “um vazio” e não tem vontade de fazer suas tarefas habituais em casa, a não seraguardar“a hora da morte”. Há cinco anos ficou viúva, passou por um longo período de tristeza, com ideações de morte, mas sem tentativas de suicídio, perda de apetite e emagrecimento. Recu­ perou-se, mas agora não sabe o motivo atual de tamanha tristeza. Nega outros episódios semelhantes. Nega episódio anterior de humor eufórico, incomumente alegre ou expansivo, com pensamento acelerado e ideias de grandeza. A filha relata que, no mesmo período, sua mãe vem apresentando dificuldade para “fixar na memória as coisas do dia a dia”. Ela era capaz de fazeras compras do supermercado sem necessidade de “listinha” e sem erros. Desde então, tem sido incapaz de realizar tal tarefa, com piora progressiva, sendo agora “incapaz de guardarna cabeça duas ou três coisas”.

A queixa de tristeza e choro fácil, referida pelo próprio

paciente como “depressão”, é comum nos consultórios de

Clínica Médica e Geriatria. Frente a essa queixa, o racio­ cínio clínico deve ser direcionado para um provável

transtorno do humor, com destaque para o transtorno depressivo ou bipolar em episódio atual depressivo. A depressão é uma síndrome que reflete alterações em

diversos domínios da função cerebral. Por definição, é caracterizada como humor diminuído, ou desinteresse, ou perda do prazer pelas atividades antes prazerosas (anedonia) por duas semanas ou mais.

A paciente relata que há cinco anos, após um evento

deflagrador (a perda do marido), apresentou um longo

período de tristeza, acompanhado de perda do apetite e emagrecimento, levantando a hipótese de um primeiro

episódio depressivo. Na história da doença atual, mostra novamente um quadro de tristeza aparentemente imotiva­ da e sem um evento deflagrador.

A American Psychiatric Association preconiza a clas­ sificação Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, atualmente na quarta revisão (DSM-IV-TR), para o diagnóstico dos transtornos psiquiátricos1. Os critérios

para episódio de depressão maior são mostrados a seguir e servirão como guias para o interrogatório complementar

da anamnese (Tabela 92.1).

Além da ferramenta diagnóstica proposta pelo DSM,

um importante método de rastreio de depressão em aten­ ção primária à saúde pode ser realizado por meio de uma

escala simplificada que inclui os seguintes itens: 1) dis­ túrbio do sono; 2) anedonia; 3) baixa autoestima; 4) di­

minuição do apetite. Na língua inglesa, estes são lembra­ dos pelo mnemônico SALSA: Sleep, Anhedonia, Low

Self-esteem, decreased Appetite.

O médico deve questionar sobre esses quatro sintomas no último mês e a presença de pelo menos dois pode indicar com boa acurácia, o diagnóstico de depressão.

Interrogatório complementar nega febre, tosse ou diarreia ao longo de toda a evolução. Refere insônia terminal (acorda por volta de quatro horas da manhã e não volta a dormir) há um mês. Nega alteração do há­ bito intestinal, exteriorização de sangramento ou perda de peso. Faz uso de hidroclorotiazida, 25mg, pela ma-

Depressão - 555

A. No mínimo cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiveram presentes concomitantemente durante período de duas semanas e representam uma alteração a partir do funcionamento anterior. Pelo menos um dos sintomas é: (1) Humor deprimido ou (2) Perda do interesse ou prazer Nota: não incluir sintomas nitidamente decorrentes de uma condição médica geral ou alucinações ou delírios incongruentes com o humor (1) Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo (por exemplo, sente-se triste ou vazio) ou observação feita por outros (por exemplo, chora muito). (2) Interesse ou prazer acentuadamente diminuídos por todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (indicado por relato subjetivo ou observação feita por outros) (3) Perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta (por exemplo, mais de 5% do peso corporal em um mês) ou diminuição ou aumento do apetite quase todos os dias Nota: em crianças, considerar falha em apresentar os ganhos de peso esperados (4) Insônia ou hipersonia quase todos os dias

(5) Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outros, não meramente sensações subjetivas de inquietação ou de estar mais lento) (6) Fadiga ou perda de energia quase todos os dias (7) Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada (que pode ser delirante), quase todos os dias (não meramente autorrecriminação ou culpa por estar doente) (8) Capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se ou ainda indecisão, quase todos os dias (por relato subjetivo ou observação feita por outros) (9) Pensamentos de morte recorrentes (não apenas medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio

B. Os sintomas não satisfazem os critérios para um episódio misto C. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo D. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de substâncias (abuso de drogas, medicações) ou condições médicas gerais (hipotireoidismo)

E. Os sintomas não são mais bem explicados por luto, ou seja, após a perda de um ente querido, os sintomas persistem por mais de dois meses ou são caracterizados por acentuado prejuízo funcional, preocupação mórbida com desvalia, ideação suicida, sintomas psicóticos ou retardo psicomotor

nhã, e enalapril, 5mg, duas vezes ao dia. Graduada em Serviço Social aos 25 anos de idade, dedicou-se à as­ sistência social hospitalar até se aposentarhá oito anos. Nega tabagismo e consumo de bebida alcoólica e dro­ gas ilícitas. Ao exame ‒ pressão arterial: 130 × 80mmHg; pulso: 76bpm; temperatura axilar 36,6°C; frequência respiratória: 14irpm. Tireoide impalpável. Mucosas coradas e hidratadas, acianótica. Exames cardiovascu­ lar e respiratório sem alterações. Abdome escavado, ruídos hidroaéreos audíveis, timpânico, indolore sem massas. Sem edemas de extremidades. Exame neurológico: o miniexame do estado mental está detalhado na Tabela 92.2 e a pontuação obtida foi de 20 em 30. A força musculare o tônus estão normais e simétricos, reflexos profundos normoativos, ausência de reflexos patológicos, coordenação e nervos cranianos sem alterações, sem sinais meníngeos. Exame psíquico: vígil, parcialmente desorientada no tempo e no espaço, apresentação algo inadequada (cabelo e unhas descuidados), atenção voluntária e espontânea sem alterações, memória de fixação preju­ dicada, humor deprimido, afeto sintônico ao humor, pensamento com curso lentificado, agregado, com ideias prevalentes de menos valia, psicomotricidade reduzida,

sensopercepção sem alterações, hipobulia e insight (critica sobre sua condição) prejudicado.

O exame físico geral não apresenta alterações dignas de nota.

O miniexame do estado mental (do inglês, mini men­ tal state examination, descrito porFolstein etal. em 1975) é uma forma prática de avaliação das funções corticais, permitindo avaliações qualitativas e quantitativas2. A

pontuação varia entre 0 e 30, sendo seu resultado influen­ ciado, dentre outros fatores, pelo grau de escolaridade do paciente.

A paciente em questão tem o ensino superiorcomple­ to e trabalhou ativamente até oito anos atrás. A pontuação

obtida foi de 20 (esperado acima de 24), com destaque

para desorientação temporal e espacial e incapacidade de

evocação da memória de curta duração (Tabela 92.2).

Ao ser questionada sobre sua “pouca memória”, a paciente refere que sempre foi “meio esquecida” e não percebeu nenhuma alteração. Ao contrário, sua filha informa que “o esquecimento tem sido tão grande” a ponto de ter motivado a contratação de uma acompa­

CAPÍTULO 92

TABELA 92.1 - Critérios para episódio depressivo maior, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quarta edição, texto revisado (DSM-IV-TR)1

556 - Problemas Gerais em Clínica Médica

Item

Erros

Pontuação

Obtido

Orientação temporal: ano - estação - mês - dia do mês - dia da semana

0-5

Dia do mês; dia da semana, mês

2

Orientação espacial: estado - rua - cidade - local -andar

0-5

Local; andar

3

Registro: nomear: pente - rua - caneta

0-3

Não obteve erros

3

Cálculo: subtrair 7 de 100-93-86-79-65

0-5

Obteve um erro

4

Evocação: três palavras anteriores: pente - rua - caneta

0-3

Não se lembrou de nenhuma palavra

0

Linguagem 1: nomear um relógio e uma caneta que são mostrados

0-2

Não obteve erros

2

Linguagem 2: repetir: nem aqui, nem ali, nem lá

0-2

Não obteve erros

2

Linguagem 3: siga o comando "pegue o papel com a mão direita, dobre-o ao meio, coloque-o em cima da mesa"

0-3

Não obteve erros

3

Linguagem 4: ler e obedecer: "feche os olhos"

0-1

1

Linguagem 5: escreva uma frase completa

0-1

1

Linguagem 6: copiar o desenho

0-1

1

30

20

TOTAL

nhante/cuidadora para a mãe. Entretanto, a paciente reforça as queixas de tristeza e diz ser este seu único problema. A filha também relata que a mãe anda “meio des­ cuidada”, pois sempre fora muito vaidosa e, atualmente, não se preocupa com a aparência.

Pacientes com depressão podem apresentarcomprome­

timento cognitivo, um fenômeno descrito como pseudode­

mência. Nessa condição, o comprometimento da memória é secundário ao déficit de atenção e à perda do interesse e/ou anedonia. O tratamento farmacológico do distúrbio

investigação de comorbidades clínicas associadas (item D dos critérios DSM-IV-TR). Agendado breve retorno breve com os exames e iniciado tratamento com inibidor seletivo da recaptação de serotonina. A paciente e a filha trazem os exames solicitados: hemograma, funções renal e hepática, eletrólitos (sódio, potássio, cloreto, cálcio), dosagem de vitamina B12 e ácido fólico, função tireoidiana (T4 livre e TSH) dentro da normalidade. VDRL não reagente.

Em tomo de 30% dos casos de demência resultam de doenças ou condições sistêmicas que, secundariamente,

de humor pode retomara função cognitiva, porém, isso

pode ocorrer de forma incompleta (Tabela 92.3). Entretanto, o exame psíquico e o miniexame do esta­

do mental apontam para um transtorno do humor, asso­

TABELA 92.3 - Diagnóstico diferencial entre déficit de memória em demência e em depressão (pseudodemência).

ciado à alteração acentuada da memória e à desorientação,

Demência

Pseudodemência

sem prejuízo significativa da atenção. Além disso, outros

Início gradual

Início mais rápido

dados desfavorecem a hipótese de pseudodemência: o

Humor: deprimido/não deprimido

Sempre deprimido

Ausência de desvalia e desesperança, mesmo se deprimido

Presença de desvalia e desesperança

ma, o diagnóstico diferencial entre demência e pseudode­

Dificuldades são minimizadas

Dificuldades são supervalorizadas

mência deve ser considerado, conforme a Tabela 92.3. Com base na hipótese de transtorno depressivo maior, associado a um déficit cognitivo (demência? pseudode­ mência?), foram solicitados exames complementares para

Insight diminuído

Insight aumentado

Engaja-se nas tarefas propostas na avaliação

Não se engaja nas tarefas propostas

insight reduzido sobre o déficit de memória (paciente não

percebe tal prejuízo) está comumente presente em demên­ cia, bem como o início gradual dos sintomas. Dessa for­

Adaptado de Bertolucci e Okamoto3

978-85-4120-074-5

CAPÍTULO 92

TABELA 92.2 - Miniexame do estado mental

978 85 4120 074

Outros exames laboratoriais devem ser solicitados

atingem o sistema nervoso central. A análise laboratorial na investigação inicial de uma síndrome demencial é impor­

quando houver indicações clínicas específicas como:

tante para excluir causas tratáveis ou interrompíveis, como

teste de HIV, dosagem de nível sérico de substâncias

as decorrentes de distúrbios metabólicos, endócrinos e

tóxicas/fármacos entre outros.

substâncias tóxicas. Uma dosagem de hormônio estimulan­

As condições metabólicas, endócrinas e tóxicas que po­

te da tireoide, por exemplo, para investigação de hipotireoi­

dem estar relacionadas à demência e a investigação diag­

dismo é fundamental na avaliação de pacientes com depres­

nóstica associada estão resumidas na Tabela 92.4.

são e/ou demência, especialmente em idosos. Além disso, é importante afastar alterações do estado mental induzidas

por fármacos, álcool e drogas ilícitas (negados anamnese).

Três meses após a última consulta, a filha refere melhora do humore do padrão de sono, mas com piora

TABELA 92.4 - Causas tratáveis de demência e investigação básica relacionada. Causas importantes

Investigação básica

Endocrinopatias Hipotireoidismo Hipertireoidismo Doença de Addison Síndrome de Cushing Hiperparatireoidismo Hipoparatireoidismo Hipopituitarismo

TSH, T4 livre Sódio, potássio Cálcio, fósforo Glicemia

Nefropatias Uremia Demência da diálise

Creatinina, ureia

Hematológicas Anemia Síndromes de hiperviscosidade

Hemograma, VHS

Hepatopatias Encefalopatia hepática Degeneração hepatocerebral crônica

Marcadores de lesão e função hepática

Deficiências Tiamina Niacina Cianocobalamina Ácido fólico

Dosagem de vitamina B12 e ácido fólico

Infecciosas Sífilis HIV

Reações sorológicas para sífilis e HIV

Cardiopatias Hipóxia grave transitória Insuficiência cardíaca congestiva Pneumopatias Doença pulmonar obstrutiva crônica

Álcool

Fármacos Ansiolíticos e hipnóticos Antidepressivos tricíclicos Neurolépticos Carbonato de lítio Anticonvulsivantes (fenobarbital, Anticolinérgicos Digitálicos Clonidina, alfa-metildopa Propranolol Antineoplásicos

Anamnese, exame físico, investigação específica, se necessário

hidantal, valproato)

Metais Pesados Chumbo, mercúrio, ouro e outros Adaptado de Nitrini4

HIV = vírus da imunodeficiência humana; T4 = tetraiodotironina; TSH = hormônio estimulante da tireoide; VHS = velocidade de hemossedimentação.

CAPÍTULO 92

5

Depressão - 557

558 - Problemas Gerais em Clínica Médica

forma aguda, com perturbação da consciência e/ou aten­

CAPÍTULO 92

ção e alteração da cognição que tende a oscilar durante o curso do dia. No delirium há evidência de que tais per­

turbações sejam causadas por uma condição orgânica.

Nesta óptica, devem ser afastados os transtornos am­ nésticos, como por exemplo, perda de memória causada

por traumatismo encefálico ou uso de substâncias, amné­

sia global transitória, síndrome de Korsakoff (deficiência de tiamina), entre outros. Contudo, os transtornos amnés­

ticos podem também estar relacionados a uma condição médica geral ou aos efeitos persistentes de uma substância. Ainda é importante fazer diagnóstico diferencial entre

doença de Alzheimere declínio cognitivo leve. Este aco­

mete idosos essencialmente com função cognitiva normal,

Figura 92.1 - Ressonância nuclear magnética do crâ­ nio em corte coronal ponderada em T1 mostrando atrofia cortical difusa.

mas com déficit de memória com queixa do próprio pa­

ciente ou de pessoas próximas. Tais pacientes, entretanto, não apresentam demência e não têm prejuízo em suas

atividades cotidianas. Portadores de declínio cognitivo leve possivelmente possuam maior risco de desenvolverem

da memória e da desorientação no tempo, com signifi­ cativo prejuízo no convívio social. Um novo teste do miniexame do estado mental pontuou 18 (houve piora da função executiva e de cálculo). Uma ressonância nuclear magnética do crânio foi solicitada e mostrou discreta atrofia cortical difusa (Fig. 92.1).

Nesta fase, estamos diante de uma idosa com hiper­

tensão arterial sistêmica controlada com síndrome depres­ siva e suspeita diagnóstica de demência, especificamente doença de Alzheimer. A neuroimagem, por tomografia computadorizada de

doença de Alzheimer. A perda progressiva de memória mostrada no caso,

associada a pelo menos uma alteração de outra função cognitiva (linguagem, gnosias, praxias ou função execu­

tiva), sugere doença de Alzheimer. Embora os sintomas e a evolução da paciente em

questão sejam sugestivos de doença de Alzheimer, deve­

-se sempre estar atento para os diagnósticos diferenciais

entre demências. A Tabela 92.5 revela achados de história e exame físico típicos de cada uma das demências primá­

rias. A presença desses sinais de alarme deve despertara

crânio ou ressonância nuclear magnética, sendo a última mais sensível, é indicada à grande maioria dos casos, como avaliação inicial para exclusão de lesões estruturais, como neoplasias, hemorragias ou acidente vascularcere­

bral. A atrofia de estruturas médias dos lobos temporais, como o hipocampo, pode ser encontrada em doença de Alzheimer. No entanto, a atrofia hipocampal não é espe­

cífica dessa doença, podendo ser encontrada em outras patologias do sistema nervoso central. A depressão pode ser considerada uma das alterações

mais precoces do comportamento em pacientes com do­ ença de Alzheimer, sendo observada em até 80% dos

pacientes. Deve-se suspeitar da depressão como sintoma de demência principalmente se o primeiro surto depres­ sivo ocorrerem pessoas com idade avançada e sem de

história familiar de depressão. Já os transtornos cognitivos representam um grupo heterogêneo de síndromes clínicas com alterações da

função cognitiva, como na memória. Dentre tais transtor­ nos é fundamental afastar delirium, que se apresenta de

TABELA 92.5 - Sinais de alarme em demências que apontam diagnósticos distintos da doença de Alzheimer. Sinal de alarme

Considerações diagnósticas

Início abrupto

Demência vascular

Deterioração cognitiva e piora "em degraus"

Demência vascular

Mudança comportamental proeminente

Demência frontotemporal

Apatia profunda

Demência frontotemporal

Afasia

Demência vascular Demência frontotemporal

Proeminente flutuação do nível de consciência e/ou labilidade cognitiva

Delirium Demência com corpos de Lewy

Alucinação

Delirium Demência com corpos de Lewy

Sinais extrapiramidais (rigidez, tremor, bradicinesia e outros sinais de parkinsonismo)

Síndromes parkinsonianas Demência vascular Demência com corpos de Lewy

Adaptado de Kawas5

Depressão - 559

possibilidade de outras causas de demência que não a

Nessa mesma consulta, iniciou-se uso de inibidor de acetilcolinesterase ‒ donepezila ‒ junto com o anta­ gonista do receptor de N-metil-D-aspartato (NMDA) ‒ memantina, uma vez que tal associação tem demons­ trado melhores resultados para a função cognitiva, comportamental e funcional comparada com o uso isolado de donepezila. Mantido o ISRS até a remissão completa do distúrbio de humor. O tratamento não farmacológico junto a uma equipe multidisciplinar ‒ terapeuta ocupacional, enfermeiro, nutricionista ‒ foi iniciado paralelamente.

CAPÍTULO 92

doença de Alzheimer.

Figura 92.2 - Estratégias de manejo da doença de Alzheimer. NMDA = N-metil-D-aspartato.

O tratamento da doença de Alzheimer visa retardara

DIAGNÓSTICO FINAL

progressão das perdas cognitivas, melhorara qualidade de

vida com o tratamento das alterações de humore compor­ tamento. A abordagem deve ser multidisciplinar, englo­

Doença de Alzheimer.

bando tratamento não farmacológico e farmacológico.

O tratamento não farmacológico tenta promover o

DISCUSSÃO A doença de Alzheimer caracteriza-se por um processo

degenerativo ‒ com depósito beta-amiloide, placas neu­

ríticas e substâncias neurofibrilares ‒ que acomete inicial­

mente a região hipocampal, com posterior acometimento de áreas corticais. Essa distribuição do processo patoló­

bem-estar emocional e social do paciente, respeitando sua individualidade. Médicos e outros profissionais devem

trabalharem conjunto com a família para obter melhores resultados. O tratamento visa tornar o ambiente mais se­

guro para evitar acidentes, assim como o estabelecimento de rotinas para estimulara execução de tarefas compatíveis com o grau de demência.

gico repercute em um quadro clínico com alterações

O tratamento farmacológico específico da doença de

cognitivas e comportamentais, com preservação do fun­

Alzheimer deve ser feito com inibidores de acetilcolines­

cionamento motore sensorial até as fases mais avançadas

terase e antagonistas do receptor de NMDA. Tais medi­

da doença. Esta se caracteriza marcadamente pela perda

camentos tendem a melhorara função cognitiva e retardar

insidiosa da memória, apesarde áreas cognitivas estarem

a progressão da doença, entretanto, é necessário expor

presentes durante o exame.

aos familiares que, embora haja melhora na qualidade de

Depressão é uma condição comum em pacientes com doença de Alzheimer,cuja prevalência de sintomas depres­

vida, não há cura, a fim de evitar falsas expectativas e frustrações (Fig. 92.2).

sivos depende da gravidade da demência existente. Assim, diagnosticar transtorno de humorem pacientes com doen­ ça de Alzheimer é fundamental, pois o tratamento pode

melhorar significativamente sua qualidade de vida.

REFERÊNCIAS 1.

Alguns sintomas são comuns em ambas as doenças, dificultando sua distinção, como perda de interesse por

2.

atividades (anedonia), retração social, dificuldade de con­ centração, insônia ou hipersonia e problemas de memória.

Além de distúrbios de humor, podem associar-se dis­ túrbios de comportamento. As alterações do comporta­

3.

mento variam desde um comportamento passivo até

acentuada hostilidade e agressividade. Até 50% dos pa­ cientes podem apresentar delírios paranoides, exteriori­

4.

zados principalmente como delírio de perseguição e acusação de roubo. Predominantemente, tais distúrbios

aparecem em fases avançadas da doença.

5.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Di^xstic ari St^isticciMaiEicf MβlziDiscrdffs 4. ed., Text Revision. Washington, DC: American Psychiatric Press, 2000. FOLSTEIN, M. E; FOLSTEIN, S. E.; MCHUGH, P. R. Mini­ mental state: a practical method forgiading the cognitive state of patients for the clinician. J. P^cH^r. Res, v. 12, n. 3, p. 189-98, 1975. BERTOLUCCI, P. H. E; OKAMOTO, I. H. MaxrideccraT ta- Doa^çadeAfahams- ecLirasdβnêrcias 1. ed., São Paulo: Lemos, 2003. NITRINI, R. Demências metabólicas. In: Melo-Souza, S. E. Tr^aneíodasDoa^asNardq^cas 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2008. KAWAS, C. H. Clinicai piactice. Early Alzheimeris disease. N. Erg. J. Mβd., v. 349, n. 11, p. 1056-63, 2003.

CAPÍTULO 92

560 - Problemas Gerais em Clínica Médica

LEITURA COMPLEMENTAR

MCKHANN, G. et al. Clinicai diagnosis of Alzheimefs disease:

AREOSA, A. S.; SHERRIFF, E; MCSHANE, R. Memantine fordementia. CαFraned^±aseSyst Rev. 2005; CD003154. BRODY, D. S. et al. Identifying patients with depression in the primaiy caie setting: a more efficient method. Arch Irton Mβd., v. 158, n. 22, p. 2469-75, 1998. COREY-BLOOM, I; YAARI, R.; WEISMAN, D. Managing paüents with Alzheimers disease. PracticáNβndcg', v. 6, p. 78-89, 2006.

report of the NINCDS-ADRDA Work Group underthe auspices of Depaitment of Health and Human Services Task Force on Alzheimefs Disease. Nardcg', v. 34, n. 7, p. 939-44, 1984. TARIOT, P. N. et al. Memantine treatment in patients with moderate to severe Alzheimer disease already receiving donepezil. A randomized controlled trial. JAMA, v. 291, p. 317-24, 2004.

___________________________________

CAPÍTULO

93

Velocidade de Hemossedimentação Aumentada Lauro Figueira Pinto • José Luiz Pedroso

Homem, idoso, branco, 74 anos de idade, trazido para consulta em pronto-socorro devido a alterações de exames laboratoriais de rotina solicitados por médico da família, em ambulatório. Dentre os exames, chama­ va atenção a velocidade de hemossedimentação (VHS) de 115mm/h. Os familiares, assustados com os resul­ tados, optaram por consulta de urgência. A VHS é um teste laboratorial simples, barato e ampla­

mente disponível. Nesse teste verifica-se a altura da cama­ da de hemácias sedimentadas de um tubo contendo sangue e anticoagulante colocado em repouso, após um dado pe­

ríodo de tempo (em geral, 1h). Seu principal uso é o de marcador de resposta infla­ matória. Embora suas sensibilidade e especificidade não

sejam elevadas, valores de VHS muito elevados suscitam a suspeita de doença sistêmica, e seu significado deverá

ser investigado de forma adequada.

Há vários fatores que alteram a agregação das hemá­ cias, o que, em última análise, determina a VHS. Dentre

Situações corriqueiras como menstruação, gestação,

obesidade e, em particular, idade avançada podem cursar com elevações da VHS. O valor máximo esperado para idade e sexo pode ser calculado pela fórmula mostrada na Tabela 93.1. As condições patológicas afetam a VHS de diversas formas, quer seja por hemodiluição (gerando anemia), quer

seja por redução da repulsão das hemácias (presença de proteínas de fase aguda no plasma), ou uma combinação

destes fatores. Algumas situações patológicas que classicamente aumentam a VHS são anemia, infecções (particularmente endocardite infecciosa e tuberculose), doenças reumato­ lógicas (lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide e outras vasculites sistêmicas) e neoplasias (em especial as

doenças linfoproliferativas e as gamopatias monoclonais). O Quadro 93.1 exemplifica algumas situações relaciona­ das ao aumento da VHS. Outras situações estão relacionadas à redução da VHS, dificultando sua análise. As mais frequentes são insufici­

ência cardíaca, insuficiência hepática, uso de medicações

esses, podemos citar volume e forma das hemácias, sua

(anti-inflamatórios e esteroides) e alterações hematológi­

diluição no plasma e o balanço entre cargas elétricas do

cas (poliglobulia, hemoglobinopatias, leucocitoses extre­

plasma e eritrócitos.

fibrinogênio, imunoglobulinas e proteínas de fase aguda

mas e hipofibrinogenemia hereditária ou por consumo). Como teste diagnóstico, a VHS é útil para avaliação da gravidade e da extensão de processos infecciosos, neoplásicos e inflamatórios. É especialmente importante

neutralizam essas cargas, reduzindo a repulsão e aumen­

para avaliação diagnóstica de casos de arterite temporal

tando a VHS.

e de polimialgia reumática.

As hemácias tendem a se afastar umas das outras devido a cargas elétricas na sua superfície. A presença de

CAPÍTULO 93

562 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

TABELA 93.1 - Fórmula para cálculo de valores máximos esperados e valores de referência para a velocidade de hemossedimentação, de acordo com idade e sexo Faixa etária (anos)

Sexo masculino

Sexo feminino

85

Até 30mm/h

Até 42mm/h

VHS ≤ idade (anos) + 10 (se sexo feminino) ÷ 2

Valores de VHS extremamente elevados têm um bom

Contudo, há evidência de que, em decorrência de sua

valor preditivo positivo para doença grave. Quando acima de 50 e, particularmente, acima de 100mm/h, se associam a um risco elevado para moléstia infecciosa, neoplásica

baixa especificidade e variação com processos fisiológicos, a VHS não deve ser solicitada como exame de rotina (scre­ ening) em pacientes assintomáticos. Seu uso como indica­

ou reumatológica grave. Em pacientes com câncer, a VHS nessa faixa em geral está associada à doença metastática.

dor de saúde ou doença de forma rotineira é equivocado. A entrevista médica adequada e o exame físico deta­ lhado são ferramentas essenciais para elaboração do ra­ ciocínio clínico e devem ser colocados como primeira

QUADRO 93.1 - Algumas condições associadas ao aumento da velocidade de hemossedimentação • Fisiológicas - Sexo feminino - Idade avançada - Menstruação - Gravidez - Obesidade • Patológicas - Doenças reumatológicas e autoimunes ■ Lúpus eritematoso sistêmico e outras vasculites ■ Arterite temporal ■ Polimialgia reumática ■ Artrite reumatoide ■ Esclerose sistêmica ■ Tireoidite e hepatite autoimune ■ Febre reumática ■ Artrite gotosa - Doenças infecciosas ■ Endocardite infecciosa ■ Osteomielite ■ Erisipela ■ Doença inflamatória pélvica ■ Sífilis ■ Tuberculose - Doenças neoplásicas ■ Tumores sólidos ■ Neoplasias hematológicas ■ Neoplasias metastáticas - Miscelânea ■ Alcoolismo ■ Hipo e hipertireoidismo ■ Diabetes mellitus ■ Anemias graves ■ Queimaduras graves ■ Politraumatismo ■ Infarto do miocárdio ■ Acidente vascular cerebral ■ Cirrose hepática ■ Insuficiência renal crônica • Medicamentosas: - Contraceptivos orais - Heparina • Relacionados ao método - Diluição incorreta - Temperatura inadequada - Tubo não verticalizado

etapa na abordagem diagnóstica, independentemente dos resultados laboratoriais. A história do paciente revela perda ponderal pro­ gressiva, não intencional, nos últimos três meses (pesava 73kg com 175cm de altura e hoje está com 67kg), havendo relato de alguns picos febris não ter­ mometrados. A família refere que o paciente era hígido e possuía vida ativa e independente. Nunca tomou nenhuma me­ dicação continuamente e somente usa analgésicos comuns para dor que vem apresentando com frequência. As dores no corpo se localizam principalmente ao longo do pescoço e da coluna, associadas a alguma li­ mitação do movimento pela manhã. São acompanhadas de cansaço, o qual ocorre o dia todo. Há cerca de duas semanas, o paciente passou a se queixarde dorde cabeça forte, pulsátil, à direita, sem fatores de piora ou melhora. Nega náuseas, vômitos ou outros fatores associados. Nega história de quedas ou trauma, ou ainda de cefaleia habitual prévia. A queixa de febre pelo paciente, apesar de ser um importante dado na história, é inespecífica, não ajudando na confirmação ou na exclusão de diagnósticos. A perda involuntária de mais de 5% do peso (síndro­ me consumptiva) em geral está associada a sérias doenças físicas ou psíquicas. As principais condições envolvidas são câncer (cerca de um terço dos casos), distúrbios gas­ trointestinais (15%), depressão e demência (outros 15%).

Outras causas frequentes são doenças infecciosas (como a tuberculose) e doenças inflamatórias (lúpus eritematoso sistêmico e outras vasculites sistêmicas). Queixas álgicas e astenia são comuns a várias entida­ des clínicas que variam muito quanto ao tipo e à gravi­

dade. Podem acompanhar infecções, neoplasias e doenças

Velocidade de Hemossedimentação Aumentada - 563

reumatológicas. Dentre as causas reumatológicas para dor se, fibromialgia e polimialgia reumática. A cefaleia, como sintoma, acompanha uma infinidade

de entidades nosológicas. Como doenças em si, as cefaleias

primárias (como enxaqueca, cefaleia do tipo tensional, cefaleia em salvas e outras cefaleias trigêmino-autonômicas) são as mais prevalentes em todas as faixas etárias. Entretanto, a chance de uma cefaleia ser secundária à alteração orgâ­

Cefaleia nova, pior da vida, ou mudança do padrão de cefaleia Início súbito, atingindo intensidade máxima no primeiro minuto Ocorrência durante exercício físico, atividade sexual ou tosse Início após os 50 anos de idade Ocorrência em indivíduos imunossuprimidos ou infectados pelo HIV Cefaleia com intensidade crescente, progressiva e que piora com o decúbito • Associada a febre, convulsões ou perda de peso • Associada a alterações do exame físico-neurológico (pressão muito alta, rigidez de nuca, sinais focais, confusão mental, alterações cognitivas ou comportamentais) • • • • • •

nica cresce progressivamente com a idade.

O simples achado de cefaleia nova em paciente com mais de 50 anos de idade indica investigação. A febre e a perda de peso também devem ser encaradas como sinais de

alarme, tomando necessário verificara hipótese de cefaleia secundária. O Quadro 93.2 enumera os principais sinais de

alarme a serem considerados em um paciente com cefaleia.

Há várias causas de cefaleia secundária em idosos, sendo as principais neoplasias, traumas, eventos vasculares,

doenças infecciosas e reumatológicas. No Quadro 93.3 as causas secundárias de cefaleia em idosos são subdivididas por grupo de doenças.

O paciente mostra-se descorado (++/4+), afebril, acianótico, anictérico, hidratado e sem edema de mem­ bros inferiores. Os dados vitais estão normais: pulso = 80bpm; pressão arterial = 130 × 80mmHg; frequência respiratória = 15irpm; temperatura = 37°C. Não se notam alterações a exame da pele ou à palpação de cadeias ganglionares. O exame da orofa­ ringe está normal, não evidenciando goteira pós-nasal. Não há anormalidades ao exame dos aparelhos cardio­ vasculare respiratório e do abdome. O paciente está vígil e orientado. Não há rigidez de nuca ou sinais meníngeos. O exame neurológico não alterações em linguagem, pares cranianos, força, refle­ xos, coordenação ou marcha. O fundo de olho não exibe papiledema e o paciente não se queixa de altera­ ções visuais. Os exames laboratoriais solicitados pelo médico da família estão listados na Tabela 93.2. Os exames apontaram, além da VHS elevada, anemia normocítica e normocrômica, componente clássico de doenças crônicas. Essas alterações são inespecíficas, podendo ocorrerem diversas doenças infecciosas, reuma­

tológicas e neoplásicas. Vale notar que até este momento possuímos uma série de dados inespecíficos que nos leva a crer que o paciente é portadorde uma doença crônica, a ponto de gerarane­ mia, e grave o suficiente para elevara VHS, gerando

sintomas sistêmicos e perda de peso. Abre-se um leque de doenças cuja apresentação pode

se manifestar com esse padrão. Cefaleia com sinais de

QUADRO 93.3 - Causas de cefaleia secundária em idosos, por grupo • Neoplásicas - Tumores primários - Metástases • Traumáticas - Trauma cranioencefálico - Trauma raquimedular • Vasculares - Hematoma subdural crônico - Acidente vascular cerebral - Hemorragia subaracnóidea • Infecciosas - Meningite e meningoencefalite - Infecções de vias aéreas superiores - Sinusopatias • Reumatológicas - Arterite temporal ____________________________________________________________

alarme desperta a atenção para o diagnóstico diferencial entre cefaleias secundárias em idosos, que agora será

analisado. As neoplasias do sistema nervoso central (primárias e metastáticas) provocam hipertensão intracraniana (HIC), a qual resulta em cefaleia lentamente progressiva e de intensidade variável, tipicamente mais forte pela manhã e que melhora com vômitos e piora com o decúbito. Podem surgir sinais sistêmicos como perda de peso e anemia. Apesar de o paciente não mostrar sinais de HIC, este diagnóstico não pode ser afastado, pois a apresentação clássica é rara. É prudente a realização de exame de ima­

gem para a exclusão de neoplasias. A ausência de história de trauma e a duração do qua­ dro excluem trauma cranioencefálico e trauma raquime­ dularcomo causas da dor.Contudo, o hematoma subdural crônico (HSC), afecção comum em idosos, pode se originar

de um trauma ocorrido meses antes do início dos sintomas. A maior prevalência do HSC em idosos é explicada pela atrofia cortical advinda com a idade. A atrofia faz com que as veias pontes, que drenam o córtex em direção aos seios durais, fiquem mais retificadas e estiradas, o que favorece sua ruptura em situações de trauma ou de aceleração-desa­

celeração da cabeça. A idade é um fator de risco indepen­ dente para o HSC. Outros fatores são uso de anticoagulan-

CAPÍTULO 93

e astenia nessa faixa etária, as mais frequentes são artro­

QUADRO 93.2 - Sinais de alarme para cefaleia secundária

564 - Problemas Gerais em Clínica Médica

Hemograma completo Eritrograma

Resultado

Referência

Eritrócitos

3,46M/uL

3,9-5

Hemoglobina

9,4g/dL

12-15,5

Hematócrito

28,4%

35-45

VCM

82,1fL

82-98

RDW

15,1%

11,9-15,5

HCM

27,2pg

26-34

CHCM

33,1g/dL

31-36

Leucócitos

6.640

3.500- 10.500

Bastonetes Neutrófilos Eosinófilos Basófilos Linfócitos Monócitos

0% 70,9% (4.708) 0,2% (13) 0,6% (40) 21,8% (1.448) 6,6% (438)

Até 840 1.700-8.000 50 - 500 0-100 900-2.900 300 - 900

Plaquetas

380.000

150.000-450.000

Item

Resultado

Referência

Creatinina

1,1mg/dL

0,6-1

Ureia

28mg/dL

10-50

Sódio

145mmol/L

137-148

Potássio

4,1mmol/dL

3,5-5

Magnésio

2,1mg/dL

1,8-2,5

Cálcio

1,2mmol/L

1,15-1,32

Ácido úrico

5,5mg/dL

2,4-6

Glicemia de jejum

85mg/dl

70-99

AST

28U/L

Até 32

ALT

25U/L

Até 31

VHS

115mm/h

Até 50

978-85-4120-074-5

CAPÍTULO 93

TABELA 93.2 - Exames laboratoriais

Bioquímica

Colesterol Item

Resultado

Colesterol total

159mg/dL

HDL

37mg/dL

LDL

86mg/dL

VLDL

36mg/dL

Triglicérides

178mg/dL

Referência Limítrofe: 200 - 239

Desejável: < 200

Alto: > 60

Baixo:< 40 Ótimo: > 100

Desejável: 100- 129

Elevado: > 239

Limítrofe: 130-159

Elevado: 160- 189

Muito elevado: >189

50 anos • Cefaleia localizada de início recente • Artéria temporal dolorida ao toque, ou diminuição do pulso na artéria temporal • Velocidade de hemossedimentação > 50 na primeira hora • Biópsia de artéria temporal diagnóstica**

* O achado de 3 dos 5 critérios foi associado à sensibilidade de 93,5% e à especificidade de 91,2% para o diagnóstico de arterite temporal.

** Arterite necrosante com predomínio de infiltrado inflamatório mononu­ clear ou processo αranulomatoso com células giαantes multinucleadas.

CAPÍTULO 93

nível de consciência, náuseas e vômitos, tontura e con­ vulsões. O exame neurológico pode mostrar rigidez de

CAPÍTULO 93

566 - Problemas Gerais em Clínica Médica

idade. Não havia sinais de hipertensão intracraniana, neoplasias ou sangramentos. A radiografia de tórax não mostrou nódulos, massas, ou cavernas. Não havia cardiomegalia. A radiografia de coluna não mostrou desalinhamento de vértebras, re­ dução de espaços discais, ou qualquer alteração que justificasse a dor lombar da paciente. O líquor apresentou pressão normal, sem pleocito­ se, hipoglicorraquia ou hiperproteinorraquia. A tomografia computadorizada de crânio normal pra­

ticamente exclui a possibilidade de sangramento ou neo­ plasia do sistema nervoso central. O líquor normal afasta a possibilidade de meningite.

Os sintomas do paciente (cefaleia, astenia, perda de peso, febre e dor no trajeto da artéria temporal), com tomografia e líquor normais e VHS > 50, corroboram o diagnóstico

clínico de arterite temporal. Iniciou-se pulsoterapia com metilprednisolona, 1.000mg/ dia, por três dias, a fim de prevenir amaurose e outras

consequências desfavoráveis.

Para confirmaro diagnóstico, foram solicitadas ultras­ sonografia Doppler e biópsia de artéria temporal.

DIAGNÓSTICO FINAL Arterite temporal.

DISCUSSÃO A ACG (também conhecida como arterite temporal e

arterite de Horton) é uma vasculite sistêmica que afeta vasos de médio e grande calibre, em particular os ramos da artéria carótida externa. Sua causa permanece desconhecida, a despeito de melhorias recentes na compreensão de sua fisiopatologia. É provável que a etiologia seja multifatorial, com envol­ vimento tanto do meio ambiente como da hereditariedade. A maior prevalência na população branca, em particular do norte da Europa, corrobora essa suspeita. A ACG é uma doença relativamente rara, com inci­ dência anual variando de 7 a 29 casos para cada grupo de 100.000 pessoas com mais de 50 anos. O pico de inci­ dência ocorre aos 72 anos e o acometimento de jovens é excepcional. É duas a três vezes mais prevalente em mu­

lheres do que em homens. Como na maior parte das doenças reumatológicas, o diagnóstico da ACG se faz por critérios (já expostos no Quadro 93.4). Contudo, estes não devem ser considerados estáticos. O achado de VHS em uma faixa normal fala contra a doença, mas não a exclui. Por outro lado, o uso de outras provas inflamatórias (como proteína C-reativa e interleucina-6) e da ultrassonografia de artéria temporal no diagnóstico é promissor. Há estudos demonstrando que claudicação de mandí­ bula e diplopia aumentam a chance de que a biópsia de artéria temporal seja positiva em suspeita de ACG. A inflamação da artéria temporal levando à cefaleia é frequente, mas não obrigatória. A ACG pode atingir várias partes do corpo e não causar cefaleia. Estudos de imagem têm demonstrado o acometimento de outras artérias como aorta, subclávias e coronárias, que podem causar febre de

origem indeterminada em idosos. Alguns autores defendem a angiorressonância magnética para diagnóstico diferencial

Figura 93.1 - Artéria temporal direita espessada. Fotografia gentilmente cedida pelo Dr. Alexandre Wagner Silva de Souza, da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina, e pela Dra. Lívia Almeida Dutra, da Dis­ ciplina de Neurologia da Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina.

nestes casos. As principais manifestações clínicas da arterite tem­ poral, segundo o sistema, são resumidas no Quadro 93.5.

Cerca de metade dos pacientes diagnosticados com

arterite temporal preenche o critério para polimialgia reumática e cerca de 10% daqueles com diagnóstico de

polimialgia reumática desenvolverão arterite temporal. Tal

Velocidade de Hemossedimentação Aumentada - 567

• Sistêmicas: febre, anorexia e perda de peso • Oftalmológicas: neuropatia óptica isquêmica anterior e posterior, oclusão de artéria central da retina, oclusão de artérias ciliares, amaurose fugaz e dor ocular • Neurológicas: cefaleia, diplopia, acidente vascular cerebral, mononeuropatia e polineuropatia • Grandes vasos: aneurisma de aorta torácica e abdominal, provocando claudicação de membros, infartos intestinais, isquemia coronariana e trombose da artéria pulmonar • Outros: dor em trajetos vasculares, claudicação de mandíbula, insuficiência renal, tosse, dor de garganta e amiloidose secundária

fato associado à fisiopatologia semelhante leva a crer que as duas entidades possam ser, na verdade, espectros da

mesma doença. Os objetivos principais do tratamento da ACG são:

suprimira atividade da doença, restaurara visão e evitar

o acometimento do olho contralateral nos casos de aco­ metimento oftalmológico. A baixa acuidade visual asso­

ciada à ACG é uma emergência oftalmológica que, se não

prontamente tratada, pode ocasionar perda visual.

O uso de corticoides está bem estabelecido em arte­ rite temporal. Contudo, dose e via de administração

ainda são fontes de debate. Em geral, utiliza-se um pul­ so de metilprednisolona (1g/dia, por três a cinco dias),

via endovenosa, seguido de manutenção com prednisona

oral nos casos mais graves, em especial os com acome­ timento oftalmológico. Os menos graves podem ser manejados com prednisona oral, com doses que variam

de 40 a 60mg/dia. A retirada da corticoterapia deve ser lenta e gradual,

a fim de evitar recidivas da doença (retirando-se 10mg a

cada duas semanas, por exemplo). Algumas vezes, é pre­ ciso utilizar poupadores de corticoide como metotrexato.

O emprego prolongado de esteroides em dose alta toma necessária a profilaxia para úlcera péptica, uso de vitamina D e reposição de cálcio. Recomendam bifosfo­ nados para pacientes com osteoporose.

A arterite temporal parece não afetara sobrevida dos

pacientes, contudo, é uma das principais emergências oftal­ mológicas, podendo levar à perda visual bilateral em mais

de um terço dos pacientes. Isso torna necessário o alto ín­ dice de suspeição para o diagnóstico, devendo ser lembrada como doença causadora de febre de origem indeterminada,

de cefaleia e de VHS elevada na população idosa.

BIBLIOGRAFIA BIRCHAL, G.; VIDIGAL, P. G. Recomendações para o uso da velo­ cidade de hemossedimentação. Rev. Med. MirBsGffás v. 14, p. 52-57, 2004. BRIDGEN, M. L. Clinicai Utility of the Erythrocyte Sedimentation Rate. Ame-icaiFanily PFysciai v. 60, n. 5, p. 1443, 1999. CALVO-ROMERO, J. M. Giant cell arteritis. Pcstgad. Med. Jorrei, v. 79, p. 511-515, 2003. CAMPBELL, W. W. Ddcrg O ExaneNardcgco 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. GABAY, C.; KUSHNER, I. Acute-phase proteins and othersystemic responses to inflammation. NEJM, v. 340, p. 448-454, 1999. HIGA, E. M. S.; ATALLAH, A. N. GuasdeMediciraAmbdáCTid MedicinadeUr^ria 1. ed. São Paulo: Manole, 2004. v. 1.683 p. LEE, C. H.; HAMMEL, J. M. Tonpoai ataitis Emedicine/ Medscape. Disponível em: http://emedicine.medscape.com/ article/809492-overview. MARTINS, H. S. et al. Cefaléia. In: Eme-^xiasClíricas Abcrdagpn Prática 2. ed. Barueri: Manole, 2006. MILLER, A.; GREEN, M.; ROB1NSON, D. Simple rale for calculating normal erythrocyte sedimentation rate. Br. Med. J. (Clin. Res. Ed.), v. 286, n. 6361, p. 266, 1983. NITRINI, R.; BACHESCHI, L. A. Cefaléias. In: A NardcgaqtE tadoIIlélicode^'esd)e•. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2003. SALVARANI, C. et al. Medicai progress: polymyalgia rheumatica and giant-cell arteritis. N. ErgJ. J. Med., v. 347, n. 4, p. 261-71,2002. SOUZA, J. A.; MOREIRA FILHO, P. F.; JEVOUX, C.C. Cefaléia em idosos. Eirstdn(Sãr)PaJc) v. 2, n. supl. 1, p. 80-86, 2004. WAGNER, A. D. et al. Standardised work-up programme forfeverof unknown origin and contribution of magnetic resonance imaging for the diagnosis of hidden systemic vasculitis. Am Rheun. Dis, v. 64, p. 105-110, 2005. WEYAND, C. M.; GORONZY, J. J. Médium- and large-vessel vascu­ litis. NEJM, v. 349, p. 160-169, 2003.

CAPÍTULO 93

QUADRO 93.5 - Sinais e sintomas associados à arterite de células gigantes

Alucinação Renato Antunes dos Santos • José Luiz Pedroso Nosso cérebro é o melhor brinquedo já criado; nele se

encontram todos os segredos, inclusive o da felicidade.

Charles Chaplin

Mulher de 36 anos de idade é levada ao setor de emergências do hospital pela unidade avançada de atendimento do corpo de bombeiros. Foi encontrada em um shopping center após discussão em uma loja. Há relatos de grande alteração do comportamento, caracterizada por gritos descontrolados, atitudes intem­ pestivas, como subir na mesa, cuspir no chão, fazer gestos com as mãos e observá-las atentamente como se algo saísse delas. Foi necessário ser contida e sedada, pois não queria ser levada ao hospital. Ao chegar ao pronto-socorro, o rosto da paciente parecia transfigura­ do. Falava sozinha e apresentava grande agitação psicomotora, além de maneirismos.

consumo de drogas ilícitas, alterações cardiovasculares e alterações da homeostase bioquímica, como cálcio, mag­ nésio, sódio, que também podem precipitara síndrome.

Não há evidência de nenhum dos elementos mencionados, embora uma história detalhada, exame físico e exames

laboratoriais sejam necessários para se chegara uma

conclusão diagnóstica. Outras hipóteses a considerar são epilepsia e tumores intracranianos (especialmente consi­ derando lesões do lobo frontal). Em epilepsia, sobretudo

do lobo temporal, são comuns os distúrbios do compor­ tamento. Nessa situação, as crises podem ser percebidas

por elementos muitas vezes negligenciados, como gesti­

culações, movimentos estereotipados e maneirismos. Uma Ao nos depararmos com uma paciente com distúrbio de

história mais apurada e o exame eletroencefalográfico

comportamento, devemos pensarem cinco diagnósticos

seriam fundamentais para a elucidação diagnóstica, em­

diferenciais principais: demência primária, demência

bora a ausência de história de crises convulsivas torne tal

secundária, delirium, distúrbios psicóticos e drogas.

hipótese improvável.

A demência se caracteriza por quadro clínico crônico

Além das causas orgânicas citadas, alterações agudas

e progressivo, o que não ocorre no caso em questão. Além

do comportamento, associadas a alucinações, podem ser

disso, a maioria das causas de demência acomete indiví­

duos da terceira idade. O delirium é uma síndrome que

sintomas de doença psiquiátrica, caracterizando as síndro­ mes psicóticas. Dentre as causas mais comuns, encontram-

se caracteriza por alterações do comportamento e confu­

se a esquizofrenia e o transtorno afetivo bipolar. Nesse

são mental de início agudo, tendo diversas etiologias, tais

momento, a história psiquiátrica prévia pode colaborarde

como infecções (vias urinárias, pneumonia, encefalites,

maneira significativa para o diagnóstico. O Quadro 94.1

meningites); distúrbios metabólicos (hipoglicemia ou

lista as principais causas das síndromes psicóticas.

hiperglicemia, alterações tireoidianas, alterações da função renal ou hepática), abstinência de drogas, uso de alguns

medicamentos (como corticosteroides, por exemplo),

Ao exame, a paciente encontra-se em prancha longa, sem colar cervical, sedada e contida mecanicamente. Não

Alucinação - 569

vel, mas não a exclui. Uma avaliação detalhada da história seria fundamental para determinação do diagnóstico. Nes­

• • • • •

se momento, o contato com familiares poderia ser revelador.

Encefalites Infecção urinária ou pneumonia em idosos (delirium) Lúpus eritematoso sistêmico Febre Drogas (cocaína, LSD, heroína, cannabis, sedativos e hipnóticos, drogas colinérgicas e dopaminérgicas, álcool, plantas tóxicas, solventes) • Epilepsia • Tumores do sistema nervoso central • Demências (demência por corpos de Lewy, doença de Alzheimer) • Transtorno afetivo bipolar (depressivo ou maníaco) • Transtorno delirante persistente • Transtorno de estresse pós-traumático • Alucinose • Transtorno esquizotípico • Transtorno esquizoafetivo • Transtorno psicótico agudo transitório • Transtorno depressivo • Transtorno dissociativo • Esquizofrenia ____________________________________________________________

Solicitados exames gerais: hemograma, eletrólitos, ureia, creatinina, transaminases (aspartato aminotransfe­ rase e alanina aminotransferase, glicemia, gama-glu­ tamiltransferase, bilirrubinas totais e frações direta e indireta, creatina quinase total e CKMB: todos sem alte­ rações. Radiografia de tórax e eletrocardiografia também normais. Tomografia computadorizada de crânio reali­ zada na urgência: sem sinais de traumatismo, edema, hemorragias ou massas intracranianas. Opta-se porco­ leta de líquido cefalorraquidiano (LCR): normal.

Pacientes com alterações agudas do comportamento, com exames laboratoriais e radiológicos normais, incluin­

do LCR, devem ser investigados para causas psiquiátricas. Nesse momento, merecem atenção especial as síndro­ mes psicóticas, que têm como maior representante a es­

foram encontradas medicações ou drogas em sua bolsa ou próximo ao local de origem. Corada, hidratada, acia­ nótica, eupneica (frequência respiratória = 14irpm), anictérica, afebril e nutrida. Não há sinais de trauma de crânio ou em coluna cervical. Bulhas cardíacas rítmicas, normofonéticas em dois tempos e sem sopros audíveis. Frequência cardíaca = 78bpm. À ausculta pulmonar, os murmúrios vesiculares estão presentes, sem ruídos ad­ ventícios. Pressão arterial = 140 × 80mmHg. Abdome globoso, flácido, indolor, sem visceromegalias e sem dor à palpação superficial ou profunda (paciente sedada), não havendo também sinal de irritação peritoneal. O enchi­ mento capilar não tem alterações. Não há linfonodos palpáveis ou sinais de trombose em membros inferiores. Pulsos palpáveis. Exame neurológico: sonolenta (devido à sedação), sem sinais meníngeos, sem déficits focais e sem alterações pupilares. Reflexos normoativos e cutâ­ neo-plantarem flexão bilateralmente.

quizofrenia. Essa doença tem prevalência semelhante entre os sexos. O início dos sintomas ocorre geralmente na adolescência, com pico para homens entre 10 e 25 anos de idade e mais tardia para as mulheres, entre 25 e 35

anos. As alterações psiquiátricas estão presentes princi­ palmente na esfera do pensamento. Nota-se alteração da forma do pensamento, muitas vezes com desagregação

deste. O conteúdo do pensamento também sofre alterações.

Em grande parte dos casos observam-se sintomas perse­

cutórios. As alucinações também são frequentes e podem

ser principalmente auditivas e/ou visuais. Eventualmente, pode haver apenas a sensação de uma alucinação (pacien­

te sente que há alguém atrás de si, mas não consegue ver ou ouvir), ou sensações mais complexas, como presença

de uma imagem que conversa com o paciente.

Uma das maneiras de obtero diagnóstico de esquizo­

frenia é pelos critérios de Kurt Schneider:

O exame físico geral não revelou alterações. Não havia evidência de doença hepática. A ausência de febre torna

• Critérios de primeira ordem:

uma infecção menos provável, embora as infecções do sistema nervoso central continuem como hipóteses diag­

- Pensamentos audíveis.

nósticas. As meningites bacterianas agudas e as meningo­

- Vozes que fazem comentários.

encefalites (especialmente a encefalite herpética) podem cursar com acometimento do nível de consciência e con­

- Experiência de passividade somática.

fusão mental, mesmo sem febre. O exame neurológico está

- Transmissão de pensamento.

prejudicado pela sedação, fato que comprometeu a avalia­ ção do nível de consciência, embora a ausência de déficits

- Percepções delirantes.

- Vozes que conversam ou discutem.

- Roubo ou influência do pensamento.

- Experiências envolvendo volição (vontade), afe­

focais e sinais meníngeos sejam, até certo ponto, tranqui­

tos e impulsos fabricados.

lizadores. Não havia evidências de intoxicação exógena, tanto por drogas ilícitas como por fármacos. A paciente poderia estarem estado pós-ictal (pós-convulsão). A au­ sência de abalos musculares torna essa hipótese imprová­

• Critérios de segunda ordem: - Outros transtornos da percepção. - Ideias delirantes súbitas. - Perplexidade.

CAPÍTULO 94

QUADRO 94.1 - Algumas das possíveis causas de síndromes psicóticas

CAPÍTULO 94

570 - Problemas Gerais em Clínica Médica

- Alterações do humor depressivas ou eufóricas. - Sentimentos de empobrecimento emocional.

O diagnóstico hoje abrange não apenas estes achados clássicos, mas também critérios apresentados pela Clas­ sificação Estatística Internacional de Doenças ‒ décima edição (CID-10) e pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quarta edição (DSM-IV). O transtorno é classificado pela CID-10 em: • Paranoide. • Residual. • Hebefrênica. • Catatônica. • Indiferenciada. • Simples.

Seu diagnóstico compreende pelo menos um dos sinais e sintomas seguintes por pelo menos um mês, na maior parte do tempo durante um episódio psicótico:

• Eco, bloqueio, inserção ou transmissão de pensa­

mento. • Delírios de controle, influência ou passividade. • Vozes que comentam entre si ou sobre o paciente. • Delírios de outros tipos culturalmente impróprios (controle da morte, conversa com alienígenas, con­ trole da gravidade). Ou pelo menos dois dos seguintes:

• Alucinações persistentes de qualquer modalidade. • Neologismos, quebra ou interpretação do curso do pensamento, resultando em incoerência. • Comportamento catatônico. • Apatia, pobreza de fala, embotamento, incongruên­

cia emocional da fala.

Em geral, notamos em esquizofrenia o empobreci­

mento do afeto ao longo do tratamento. No caso da nossa paciente não temos dados de exame psíquico, nem mesmo o histórico familiar para podermos identificar tal doença. Após a tomografia computadorizada notamos que a paciente está mais acordada, sendo possível estabe­ lecer um diálogo com ela, porém, ainda com alguma dificuldade, pois se encontra bastante agressiva e agi­ tada. Neste momento, sua irmã chega ao setor dizendo que ela havia fugido de casa há cerca de 1h. Conta também que a paciente estava, nas últimas duas sema­ nas, mais agitada, saindo muitas vezes para bares e festas, não sendo este o seu hábito. Discute com fre­ quência no trânsito e, apesarde aparentemente irritada,

diz sempre estar muito feliz, chegando a cantare dançar na rua há uma semana, para provar o quanto estava contente. História de dois episódios depressivos, sendo um não tratado e um medicado com fluoxetina, 20mg, porum ano, com remissão completa há mais ou menos 18 meses. Não possui vícios e a família é bastante reli­ giosa, sendo a paciente a mais fiel e praticante das normas de sua crença. Na família há uma tia materna com diagnóstico de depressão grave e um tio com diag­ nóstico de depressão, com períodos graves de mania. A paciente tem história clínica compatível com trans­ torno afetivo bipolar períodos de depressão e episódio de mania. Tal diagnóstico é reforçado pela história fami­ liar de transtorno afetivo bipolar que em alguns casos possui constituição genética. Os surtos de mania podem ter início espontâneo e pode ser difícil ou impossível determinar o que os precipitou, ou mesmo ser inexistente o fator precipitante; no entanto,

diversos trabalhos relacionam eventos estressores da vida (perda de ente querido, separação, demissão, etc.) como fatores relacionados (algumas vezes com certo intervalo, como três meses, do evento ao surto) à crise. Alguns fato­ res como privação de sono, uso de substância, com espe­ cial atenção às anfetaminas, e de medicamentos antide­ pressivos também podem desencadear uma crise de mania.

A paciente, já bem acordada e bastante agitada, grita com a equipe para ser retirada da maca. Quando iniciamos conversa ela se indigna por estar amarrada, afirmando sera deusa suprema de todos os seres. Con­ ta que os raios que saem de suas mãos são capazes de queimar todo aquele lugar bastando para isso que tenha vontade. Diz que não matará o médico interlocutor neste momento porque gostou dele e que dará a honra de abraçá-lo assim que retirar sua contenção mecânica. Não reconhece a irmã e se nega a datar o dia, pois o tempo não tem importância para ela. Fala palavras impróprias e começa a assoviar para os enfermeiros que passam e a gritar com as enfermeiras. Apresenta em sua fala uma velocidade impressionante, que por diversas vezes a toma ininteligível, e os assuntos se misturam. A equipe de psiquiatria é chamada e a paciente inter­ nada nesse setor.Recebes inicialmente haloperidol, 2mg ao dia, durante este período, e carbonato de lítio, cuja dose sérica foi ajustada para níveis terapêuticos em 300mg a cada 8h. Após um mês estava bem, assintomática e em tra­ tamento ambulatorial, em que permanecia apenas com o carbonato de lítio.

DIAGNÓSTICO FINAL Transtorno afetivo bipolar.

Alucinação - 571

DISCUSSÃO humore que muitas vezes acaba poratingiro pensamen­

to, a fala e a volição. A CID-10 caracteriza os seguintes critérios para o

diagnóstico de transtorno afetivo bipolar: transtorno ca­

racterizado por dois ou mais episódios nos quais o humor e o nível de atividade do sujeito estão profundamente

perturbados, consistindo este distúrbio, em algumas oca­

siões, em elevação do humore aumento da energia e da atividade (hipomania ou mania), e em outras, em rebai­

xamento do humore redução da energia e da atividade (depressão). Pacientes que sofrem somente de episódios

repetidos de hipomania ou mania são classificados como bipolares; ou seja, não é necessário identificaro episódio depressivo para o diagnóstico.

Já o DSM (classificação da Academia Americana de Psiquiatria) divide o transtorno bipolar em tipos I e II: o tipo I, com episódios maníacos (que podem ser isolados

ou não), e o tipo II, em que há variação entre depressão e hipomania, sem relatos de episódio maníaco.

No caso atual, o diagnóstico é estabelecido pelas ca­

racterísticas do delírio: humor exaltado e expandido, com

sentimentos de grandeza (a paciente é poderosa e possui “dons” sobrenaturais). Outras características do episódio

maníaco são a hipersexualidade e a irritação associada a

uma “alegria que não cabe dentro do paciente”. Há ainda aceleração da fala (pressão para falar) proveniente do

pensamento de curso demasiadamente acelerado e que chega a desagregara linearidade deste.

O tratamento do evento agudo deve ser com antipsicó­ ticos e estabilizadores de humor, sendo que os primeiros devem ser retirados assim que o paciente estiver estável.

BIBLIOGRAFIA AZORIN, J. M.; AKISKAL, H.; HANTOUCHE, E. The mood-instability hypothesis in the origin of mood-congnient versus moodincongruent psychotic distinction in mania: validation in a French National Study of 1090 patients. Jclγγeí cf Affative Dixrdffs v. 96, n. 3, p. 215-223, 2006. JONES JR, H. R. Neirdc^adeNetta’. Porto Alegre: Artmed, 2006. KECK JR, P. E. et al. Psychosis in bipolar disorder phenomenology and impact on morbidity and course of illness. Cαnpr. P^cTia try, v. 4, n. 44, p. 263-269, 2003. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. ClasHftaçãjEs½tica

Irta-rEcicrEideDGmçasePrcblαnasRdafcrEdcsàSaile Décima Revisão (CID-10). PORTO, C. C. et. al. SenidcgaMβdica- ExanePsqüârico Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2001. p. 1311-1335. SADOCK, B. J. et. al. Kaplan & Sadock - Compêndio de Psiquiatria. 9. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 572-611. VACHERON-TRYSTRAM, M. N. et al. UEncéphale. Artip^cho tiqtEsettrcLblesbipdares v. 30, n. 5, p. 417-24, 2004.

CAPÍTULO 94

O transtorno afetivo bipolaré uma alteração na esfera do

A preferência é pela monoterapia e utilização de es­ tabilizadores de humor (como carbonato de lítio, ou os anticonvulsivantes como ácido valproico ou carbamaze­ pina), ou mesmo alguns antipsicóticos atípicos que de­ monstraram poderde estabilização em diversos trabalhos. Deve-se ponderar o tempo de tratamento, os efeitos co­ laterais e os custos (para o paciente ou principalmente para o sistema de saúde) na escolha da droga. A prevalência do transtorno afetivo bipolar na popu­ lação em geral está em torno de 1%. Atualmente, há au­ mento no número de indivíduos diagnosticados com a doença, porém as discussões sobre mudanças nos critérios diagnósticos (tornando-os mais amplos), bem como a maior divulgação e o conhecimento geral sobre o trans­ torno, podem ter influenciado este aumento. Devemos analisar esses dados com parcimônia, bem como reavaliar nossos critérios diagnósticos, visando não superestimar ou mesmo subestimar o transtorno.

___________________________________

CAPÍTULO

95

Etilismo Edson Luis Costa Zaparoli • José Luiz Pedroso

Um homem de 55 anos de idade, moradorde rua e etilista, é levado por alguns amigos ao pronto-socorro, devido à “confusão mental”. Relatam que o paciente vem bebendo muito nos últimos meses e que já foi le­ vado várias vezes ao setorde emergência, com traumas, crises convulsivas e às vezes confusão mental, mas sempre era liberado. Há dois dias vem apresentando alucinações visuais, fala desconexa e desorientação. É etilista há mais de 25 anos. Hoje, seu consumo de ál­ cool gira em torno de 1L de destilados ao dia.

pacionais, grande demanda de tempo na obtenção, no

consumo e na recuperação do consumo e manutenção do consumo, apesar de doenças físicas e psicológicas rela­ cionadas ao álcool.

O consumo do álcool leva, inicialmente, à liberação de opioides endógenos. No entanto, o reforço no consumo cau­ sado por esses mediadores promove ativação de receptores

ácido gama-aminobutírico (GABA) A, que determinam, portanto, os sintomas sedativos relacionados ao álcool. As complicações neurológicas podem ser agudas ou

O consumo de álcool no Brasil é influenciado por inúmeros

crônicas, associadas diretamente à ação sedativa do álco­

fatores socioeconômicos e culturais. O consumo implica,

ol ou indiretamente, por meio da má absorção de alguns

no entanto, em um elevado custo para a produtividade do

elementos essenciais ao indivíduo. Estão listadas no Qua­

país, visto que o álcool está associado a absenteísmo no trabalho, aposentadoria por invalidez e/ou dependência,

dro 95.1 algumas complicações neurológicas e não neu­ rológicas relacionadas ao álcool.

acidentes de trânsito e violência interpessoal.

O consumo de álcool varia desde a experimentação e

Ao exame físico, está corado, levemente desidrata­ do, com auscultas cardíaca e respiratória normais, exceto pela frequência cardíaca de 125bpm. A pressão arterial no momento é 180 × l10mmHg. Observa-se

o uso eventual, passando por uso diário e abuso, até a dependência. O abuso é caracterizado como um padrão desadaptado de consumo que determine prejuízo ou alte­

ração clínica significativa, avaliado em 12 meses, como:

incapacidade de desenvolveras atividades habituais do trabalho, da casa ou da escola; consumo em situações

perigosas, continuação do uso não obstante os problemas sociais e pessoais relacionados ao álcool; e envolvimento em situações legais. A dependência também é caracteri­ zada como um padrão desadaptado de consumo que de­

termine prejuízo ou alteração clínica significativa, avalia­

do em 12 meses, desde que apresente três dos seguintes sintomas: tolerância, abstinência, desejo persistente ou falha na tentativa de cessar o uso, uso de doses maiores

ou por tempo maior que o planejado, deixar de realizar ou diminuiras atividades sociais, recreacionais ou ocu­

QUADRO 95.1 - Complicações do etilismo • • • • • • • • • • • •

Hepatite alcoólica Cirrose hepática Pancreatite Abstinência alcoólica (delirium tremens, crises convulsivas) Encefalopatia de Wernicke-Korsakoff Deficiência vitamínica (deficiência de vitamina B12 e ácido fólico, pelagra) Coagulopatia Insuficiência cardíaca (cardiomiopatia alcoólica) Degeneração cerebelar Alterações cognitivas Neuropatia Traumas frequentes

Etilismo - 573

A solicitação de exames complementares deve ser guiada pelo quadro clínico do paciente. O médico que

assiste um paciente com quadro clínico de síndrome de abstinência deve sempre considerar no seu raciocínio,

que esse paciente, em geral, teve algum fator que dificul­

tasse o acesso e/ou o consumo da substância. Logo, du­ rante o exame físico e a anamnese, deve sempre buscar

queixas, sinais ou sintomas que sugiram ou levantem A avaliação do paciente com quadro clínico sugestivo

suspeita do fator desencadeante daquele evento. Quadros

de intoxicação exógena e alteração do nível de consciên­

infecciosos, agravamento de condições psiquiátricas,

cia deve sempre ser conduzida de forma rigorosa, com

traumatismos e intoxicações por substâncias são exemplos

anamnese minuciosa e exame físico detalhado, preferen­

dessas situações relacionadas a seguir e os exames diag­

cialmente em sala de emergência, com obtenção imedia­

nósticos cabíveis sugeridos.

ta dos sinais vitais, oferta de oxigênio, se a saturação

O exame clínico é, além de guia para solicitação de

estiver inadequada; obtenção de acesso venoso para co­

exames, diagnóstico de algumas afecções. A tríade des­

leta de exames e administração de drogas, se necessário; além do teste de glicemia capilar. O emprego de soluções

crita anteriormente durante o exame (confusão mental,

para hidratação desses pacientes deve ser sempre caute­

de Wernicke. A encefalopatia de Wernicke decorre do

loso; em especial, soluções glicosadas em pacientes com

déficit de tiamina secundário ao déficit nutricional desses

quadros sugestivos de intoxicação alcoólica, pois, afora

pacientes. Esse quadro pode também evoluir com a psi­

a correção imediata de quadros hipoglicêmicos, estas

cose de Korsakoff, que tem como quadro clínico caracte­

soluções devem sempre ser precedidas da administração

rístico perda de memória e psicose confabulatória. Essas

de tiamina. Isso porque usuários crônicos de álcool apre­

duas afecções podem ser precipitadas, como já discutido,

sentam déficit dessa vitamina em consequência da inges­ tão inadequada. A síndrome de abstinência alcoólica é um quadro clínico frequentemente vivenciado pelo médico emergen­ cista. Os sintomas e sinais mais precoces são aqueles

nistagmo e ataxia) sugere o diagnóstico da encefalopatia

pelo uso inadvertido de soluções glicosadas sem a prévia

administração de tiamina para pacientes usuários crônicos de álcool nos locais de pronto atendimento.

tanto, causara sedação. O tratamento deve ser realizado,

Alguns exames solicitados: hemoglobina = 11,5; leucócitos = 7.560; plaquetas = 116.000; creatinina = 0,75; ureia = 38; sódio = 135; potássio = 3,9; aspartato aminotransferase = 93; alanina aminotransferase = 72; gama-glutamiltransferase = 369; fosfatase alcalina = 129; amilase = 178; bilirrubina direta = 1,2; bilirrubina indireta = 0,8; atividade de protrombina = 60%; albumi­ na = 2,9. Radiografia de tórax: normal. Eletrocardiografia: normal. Ultrassonografia de abdome revela fígado au­ mentado e heterogêneo.

preferencialmente, em ambiente tranquilo, com monito­ rização adequada do equilíbrio hidroeletrolítico e benzo­

A resposta hepática a agressões tóxicas é bastante

diazepínicos. O uso desses medicamentos deve ser de

ampla, mas limitada. A resposta inicial à agressão alcoó­

maneira titulada, de acordo com a avaliação clínica peri­ ódica e o nível de consciência, sendo preconizado diaze­

lica é a esteatose hepática, descrita histologicamente como

pam endovenoso com dose variando entre 5 e 10mg, até

quais se encontra a enzima de maior importância para o

a cada 1h. O controle adequado da síndrome de abstinência visa

metabolismo do álcool: a álcool-desidrogenase. Esta fase

não só ao controle dos sintomas, mas também evitar o

ainda pode ser totalmente revertida, se houver interrupção

desenvolvimento de quadros clínicos mais graves, como o delirium tremens. Esse quadro, além dos sintomas au­

do uso do álcool.

tonômicos, apresenta confusão mental, agitação e tremo­

álcool não for interrompido, é a hepatite alcoólica, carac­

res. Em geral, está relacionado a pacientes com comor­

terizada pela lesão e morte do hepatócito, levando à ne­

bidades clínicas mais graves.

crose focal, invasão de polimorfonucleares e fibrose do

relacionados à síndrome adrenérgica e incluem hiperten­ são, taquicardia e sintomas gastrointestinais, além de tremores e sudorese. Esses sinais e sintomas decorrem da adaptação ao consumo crônico de álcool, em que ocorre diminuição dos receptores GABA A e aumento dos re­

ceptores excitatórios. O tratamento da síndrome de abstinência deve ter como objetivo o controle dos sintomas do paciente sem, no en­

acúmulo de gordura nos hepatócitos perivenulares, nos

de agressão hepática, a despeito da distorção histológica,

O próximo estágio de agressão hepática, se o uso do

CAPÍTULO 95

sudorese profusa. Abdome com fígado levemente au­ mentado e dolorido à palpação. Membros e face mostram evidências de traumas prévios, devido várias cicatrizes. Ao exame neurológico, mostra-se confuso, desorientado no tempo e no espaço, com dificuldade de deambulação e base alargada, além de nistagmo bila­ teralmente. Aparente hemiparesia esquerda, mas de difícil definição.

574 -

Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 95

espaço de Disse perivenulare perissinusoidal. Este estágio

também pode ser revertido com a interrupção do uso do álcool; no entanto, a cirrose pode estar nesses pacientes, inviabilizando a reversão.

O último estágio da agressão é a cirrose hepática, caracterizada, inicialmente, por fibrose fina e difusa, com

perda uniforme de hepatócitos e nódulos regenerativos. Este quadro pode ainda evoluir para formação de cirrose

macronodular.

O paciente recebe hidratação, tiamina e diazepam. Após dois dias hospitalizado, houve melhora da hiper­ tensão, frequência cardíaca e sudorese. Permanece com discreta confusão mental. Porém, há dificuldade na deambulação, com sonolência excessiva e hemiparesia esquerda, agora mais evidente. Ainda durante a inter­ nação, apresentou crise convulsiva com duração de 3min, aparentemente generalizada. Recebeu diazepam endovenoso durante a crise e hidantal em seguida. Programada tomografia computadorizada de crânio.

Todos os estágios da agressão hepática podem ser

visualizados à ultrassonografia. Os achados variam do

Sinais focais ao exame clínico neurológico deve sem­

aumento difuso com aumento da ecogenicidade, passando

pre alertaro médico para a presença de lesões expansivas

por um fígado de características heterogêneas (hepatite/

intracranianas. Isso, portanto, determina que se realize,

cirrose micronodular), até os estágios terminais da cirro­

imediatamente, um exame de imagem. Devido à disponi­

se, em que macronódulos e extensas traves de fibrose,

bilidade, custo, tempo de realização e acessibilidade, a

além de sinais ultrassonográficos de aumento da pressão

tomografia computadorizada consagrou-se como método

da veia porta, podem ser visualizados.

de escolha para o diagnóstico inicial dessas lesões.

A lesão do hepatócito, além de alterações citoarqui­

No entanto, antes de solicitaro exame complementar

teturais, também leva a alterações enzimáticas e metabó­

o médico deve, com base na anamnese e no exame físico,

licas. A lesão do hepatócito eleva a dosagem sérica de

formular suas hipóteses diagnósticas. Considerando a

aspartato aminotransferase (AST) e de alanina amino­

anamnese em geral e, como no caso em discussão, que

transferase (ALT), em geral com relação AST/ALT > 1.

pacientes etilistas crônicos têm história de múltiplas que­

A GGT é uma enzima facilmente indutível, não sendo

das e traumatismos cranioencefálicos leves, associados à

específica para o álcool, estando elevada em todas as

redução volumétrica encefálica, consequentes da idade e

formas de esteatose hepática. As bilirrubinas se elevam

do alto consumo de álcool, leva a formulara primeira

em hepatite alcoólica; todavia, os valores de fosfatase

hipótese diagnóstica: hematoma subdural crônico. Ava­

alcalina podem estar discretamente alterados ou normais.

liando-se os exames complementares, o paciente com

Mais importante que as alterações enzimáticas séricas

quadro de cirrose hepática apresenta algum grau de coa­

decorrentes da lesão hepática é a disfunção metabólica

gulopatia, que associado a um quadro de síndrome de

do fígado. A falha na produção de fatores (proteínas) de

abstinência (hipertensão e taquicardia) pode nos guiara

coagulação dependentes de vitamina K reflete-se no pro­

uma segunda hipótese para o caso clínico em discussão:

longamento do tempo de protrombina. Além dos fatores

acidente vascular cerebral hemorrágico. Por último, doen­

de coagulação, existe uma falha na síntese de todas as

ças de ocorrência frequente também devem ser incluídas

proteínas hepáticas, o que se traduz na dosagem sérica

na lista de hipóteses diagnósticas, como acidente vascular

reduzida de albumina. Acredita-se que a hiperglobulinemia

cerebral isquêmico, neoplasias malignas e benignas e,

encontrada é secundária à estimulação inespecífica do

menos comuns, coleções infecciosas (abscessos fúngicos

sistema reticuloendotelial.

e bacterianos, por exemplo).

O álcool é descrito como importante fatorna etiogenia das lesões pancreáticas, traduzidas, laboratorialmente, como alterações séricas da amilase e da lipase. No entanto, o

mecanismo exato da lesão ainda não é bem elucidado. A anemia no paciente usuário crônico de álcool pode

ter várias etiogenias e mais de uma pode ocorrerno mes­

mo paciente. Dentre essas: as perdas gastrointestinais agudas e crônicas; a deficiência nutricional, acarretando déficit de ácido fólico e vitamina B12; o hiperesplenismo,

secundário à hipertensão portal; o efeito supressor do álcool sobre a medula; e a hemólise, provavelmente se­

cundária aos efeitos da hipercolesterolemia sobre a mem­

brana celular das hemácias (acantocitose).

As crises convulsivas em paciente etilista podem ter

várias etiologias. A mais comum é a abstinência alcoólica. As convulsões secundárias a quadros de abstinência alcoó­

lica são, geralmente, do tipo tônico-clônicas (ou “grande mal”), únicas, e incidem nas primeiras 48h (com pico entre 13 e 24h) após a suspensão ou redução do consumo

de álcool. A suspeita de lesões estruturais como hematoma subdural, hemorragias intraparenquimatosas e abscessos

deve ser considerada na vigência de crises parciais. Submetido à tomografia computadorizada de crânio, esta revelou hematoma subdural crônico extenso à direita (Fig. 95.1). Realizada drenagem cirúrgica, sem intercorrências.

Etilismo - 575

tionamento sobre o seu hábito de consumo de álcool pode

aplicação e apresenta boa especificidade e sensibilidade

no rastreamento de pacientes com consumo abusivo de álcool. A interpretação deve ser feita de forma individu­

alizada. Todavia, a resposta positiva a dois ou mais dos

questionamentos já deve alertar o médico para uma abor­

dagem mais específica do consumo, com a aplicação, por exemplo, do questionário AUDIT (alcohol use disorders

identification test) da Organização Mundial da Saúde. As consequências do consumo abusivo, agudo ou

crônico de álcool são vivenciadas diariamente nos servi­ ços de pronto atendimento de todo o país. Traumas auto­ mobilísticos, violência interpessoal, intoxicação/coma alcoólico, delirium, síndromes convulsivas, hepatites,

cirrose, hemorragia digestiva, etc. são situações diárias

nos serviços de emergência. Não raro, mais de uma com­

Figura 95.1 -Tomografia computadorizada de crânio,

plicação clínica associada a complicações cirúrgicas pode

revelando extenso hematoma subdural crônico à di­ reita, com compressão dos ventrículos laterais e desvio de linha média.

ser vista no mesmo paciente. Isso denota a importância da multidisciplinaridade na abordagem a esses pacientes

(clínica médica, neurologia, neurocirurgia, ortopedia,

cirurgia geral, gastroenterologia, psiquiatria, psicologia e Melhora completa da força musculare da sonolência. Rece­ beu alta com lorazepam e tiamina, além de encaminhamento psicológico.

assistência social). A abstinência alcoólica, em especial,

tem abordagem específica e complicações neurológicas

graves se não tratada adequadamente. O correto manejo dessa situação deve visar à evolução clínica sem intercor­

O paciente foi encaminhado para tratamento cirúrgico para drenagem do hematoma. Houve melhora completa

rências além de ser oportunidade para discussão de trata­

mento específico para o alcoolismo.

dos sinais e sintomas neurológicos. Recebeu alta hospi­

A anamnese e o exame físico são partes cruciais do

talar uma semana depois, em uso de tiamina, lorazepam

exame clínico de qualquer paciente, sobretudo de depen­

e fenitoína. Encaminhado para acompanhamento regular

dentes do álcool, que nem sempre possuem condições de

com grupo de apoio aos etilistas.

informar adequadamente, obrigando o médico a colher

sua história com familiares, amigos ou pessoas de conví­ vio próximo. Durante o exame físico, alguns sinais ou

DIAGNÓSTICO FINAL

sintomas devem sempre ser procurados de forma ativa

Etilismo, abstinência alcoólica, síndrome de Wernicke,

como sinais de hepatopatia, hematomas e escoriações em

hematoma subdural.

diversos estágios de evolução, déficits motores e pares

pelo médico, atentando-se para suas causas e complicações,

dos nervos cranianos e sangramentos. Lesões focais trau­

máticas agudas ou crônicas são frequentes nesses pacien­

DISCUSSÃO

tes, em princípio sintomáticas, devendo sempre se discu­ tira conduta junto à equipe neurocirúrgica.

O etilismo, como já discutido, é uma afecção de alto

A abordagem e o tratamento dos pacientes que apre­

custo social e elevada prevalência na população. Segundo

sentem consumo abusivo de álcool devem ser feitos de

dados do DATASUS, por meio de inquérito telefônico,

forma detalhada e contínua, buscando-se sempre detalhes

17,6% da população (IC 16,8 - 18,4) relataram consumo

de anamnese e exame físico que direcionem o raciocínio

abusivo de álcool.

clínico do médico para o correto diagnóstico e tratamen­

Dados como esses devem ser sempre lembrados no

atendimento a pacientes em geral, pois o simples ques­

to do paciente, visando sempre à evolução clínica favo­

rável e à interrupção definitiva do consumo.

CAPÍTULO 95

ser determinante para a abordagem terapêutica. O ques­ tionário CAGE (cut/annoyed/guilty/eye-opener) é de fácil

576 - Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 95

BIBLIOGRAFIA SURIANO, I. C.; BENITES, V. M. Traumatismo cranioencefálico. In: Neirdc^a- GiiasdeMαlicirEiAmbiiétryiai eHopitaki daUrifeç-EPM. 1. ed. São Paulo: Manole; 2011. p. 481-506.

VERNOOIJ, M. W. et al. Incidental findings on brain MRI in the general population. N. Engl. J. Med., v. 357, n. 18, p. 18218, 2007.

CAPÍTULO

96

Incontinência Urinária Bruno Teixeira Bernardes

Paciente com 40 anos de idade, sexo feminino, apresenta-se com queixa de perda urinária ao tossir, espirrar, dar risadas, há sete anos, com piora progressi­ va após a última gestação, comprometendo de forma significativa sua qualidade de vida, tendo que utilizar vários protetores higiênicos ao dia. Tem ainda urgência miccional (forte desejo de micção) sem horários pre­ determinados, além de esporádicos sintomas de disúria (ardência no canal uretral ao urinar), sensação de esva­ ziamento incompleto da bexiga, com aumento de frequência urinária e noctúria, sendo acordada durante o sono para urinar.

O primeiro passo na investigação em um quadro de in­ continência urinária é uma adequada anamnese, caracte­

rizando todos os sintomas da paciente, quantificando sua

perda urinária, horários e frequência, se urgência ou não, paridade, cirurgias vaginais anteriores, se é menopausada

ou não, tosse crônica, obesidade e se a perda urinária atrapalha sua vida diária.

QUADRO 96.1 - Causas de incontinência urinária • Transitória - Obstipação intestinal, fecaloma - Medicamentos - Infecção urinária - Vaginite atrófica - Distúrbios psicológicos - Dificuldade de locomoção - Ingestão de líquidos em excesso • Persistente - Urge-incontinência (bexiga hiperativa) - Incontinência associada ao esvaziamento vesical incompleto - Incontinência urinária de esforço com defeito esfincteriano

A história clínica mostra ainda que a paciente é hipertensa e diabética, tabagista (40 anos/maço), por­ tadora de doença pulmonar obstrutiva crônica, com menarca aos 12 anos, ciclos regulares de 28 dias e duração de cinco dias com fluxo normal, cinco partos por via vaginal, dos quais em dois foi necessário o auxílio de fórceps, sendo o último há três anos, com três dos recém-nascidos pesando acima de 4.000g.

Dentre os diagnósticos diferenciais de uma paciente com incontinência urinária (Quadro 96.1), devemos incluir

Epidemiologicamente, estudos já comprovaram que a

infecção urinária, obstipação intestinal, medicamentos,

incontinência urinária é mais incidente em pacientes com

atrofia vaginal, ingestão de líquido em excesso, distúrbios

partos vaginais em relação a partos cesarianos, com au­

psicológicos e dificuldade de locomoção, a qual se apre­

xílio de fórceps, em fetos macrossômicos, devido a lesões

senta com quadro agudo, ao passo que em quadros per­

do assoalho pélvico, e todos estes fatores foram apresen­

sistentes a bexiga hiperativa, o esvaziamento vesical

tados pela paciente em estudo. Prosseguindo a investiga­

inadequado e o defeito esfincteriano uretral são os prin­

ção clínica, devemos realizar diagnóstico diferencial das

cipais diagnósticos diferenciais, o primeiro com predo­

três principais doenças prováveis para o caso descrito, que

mínio dos sintomas de urge-incontinência, o segundo com

são a incontinência urinária de esforço, a mista e a bexi­

dificuldade de esvaziamento vesical com obstruções ao

ga hiperativa.

fluxo urinário e o último de incontinência aos médios e pequenos esforços.

A seguir, devemos fazer um detalhado exame físico,

verificando sua capacidade de locomoção e a presença de

CAPÍTULO 96

578 - Problemas Gerais em Clínica Médica

doenças sistêmicas, que predispõem à incontinência uri­

que aumentem a pressão intra-abdominal, pesando-se o

nária, como doenças pulmonares crônicas, neurológicas

absorvente antes e depois. Diferença de peso acima de 2g

e insuficiência cardíaca. Depois faz-se o exame gineco­

toma o teste positivo, comprovando a perda urinária.

lógico visando reproduziro quadro de incontinência, além

A avaliação neurológica do arco reflexo sacral demons­

de avaliara integridade do assoalho pélvico, verificando

tra a integridade do componente motordo nervo pudendo,

também sinais de hipoestrogenismo (mucosa fina e friável,

feita por meio dos testes de três reflexos: o bulbocaverno­

estenose dos fórnices vaginais e diminuição da rugosida­

so (estímulo clitoridiano leva à contração do músculo

de), o que pode acentuar o quadro clínico da paciente.

bulbocavernoso); da tosse, levando à contração da muscu­

A pesquisa da perda urinária é feita solicitando-se que

latura do assoalho pélvico; e o anocutâneo (estímulo da

a paciente realize uma manobra de Valsalva, aumentando a

pele próxima ao ânus leva à contração do esfíncter anal).

pressão intra-abdominal, verificando se haverá perda; se

Ao examinara contração musculardo assoalho pélvi­

houver, considerar como diagnóstico provável o defeito

co, caracteriza-se o funcionamento deste, que se classifi­

esfincteriano. A pesquisa de distopias urogenitais e rotu­

ca em: grau 0 (sem função perineal objetiva, nem mesmo

ra perineal é imprescindível, já que a incontinência pode

à palpação); grau 1 (função perineal objetiva e débil à

estar associada a distopias dos órgãos genitais, verifican­

palpação); grau 2 (função perineal objetiva débil, reco­

do a existência de prolapso uterino, de parede vaginal

nhecida à palpação); grau 3 (função perineal objetiva e

anteriore posterior, além de rotura perineal.

resistência opositora não mantida à palpação); grau 4

(função perineal objetiva e resistência opositora mantida

Ao exame físico, a paciente mostra perda urinária relevante à manobra de Valsalva com jato forte, teste do cotonete mostrando um ângulo de 40° e um padtest positivo com 12g, além de prolapso de parede vaginal anterior, atingindo o introito vaginal ao esforço (grau II), rotura perineal de segundo grau, avaliação funcional do assoalho pélvico grau 3, ausência de prolapso ute­ rino e de parede vaginal posteriore integridade do arco reflexo sacral. Não exibe lesões de colo uterino ao exame especular nem alterações sugestivas de hipoes­ trogenismo. Ao toque vaginal: útero intrapélvico, colo grosso, posterior, impérvio, de consistência fibroelás­ tica e anexos pequenos, palpáveis bilateralmente. A classificação dos prolapsos resumidamente se faz da

seguinte forma: quanto à uretrocistocele: grau I (procidên­

cia de parede vaginal anterior [PVA], sem atingir o introi­ to vaginal ao esforço); grau II (procidência de PVA que

atinge o introito ao esforço); grau III (PVA ultrapassa o introito ao esforço); grau IV (PVA ultrapassa o introito ao repouso). Já quanto ao prolapso uterino, classifica-se em:

grau I (o colo uterino, pinçado e tracionado, atinge o terço inferior da vagina); grau II (o colo e parte do corpo

uterino ultrapassam o introito vaginal); e grau III (todo o corpo uterino ultrapassa o introito vaginal). Por último,

quanto à rotura perineal: grau I (laceração atinge pele e

mucosa); grau II (até o plano músculo-aponeurótico); grau III (esfíncter anal e/ou reto e canal anal). No exame físico inclui-se o teste do cotonete, que visa

à palpação por mais de 5s).

Depois de adequados anamnese e exame físico, o

primeiro exame laboratorial a ser feito é de urina de ro­ tina com Gram de gota e urocultura, visando descartar o

diagnóstico de infecção do trato urinário (ITU), a qual pode gerar todos os sintomas relatados pela paciente. Para

o diagnóstico de ITU deve-se ter piúria na urianálise com mais de dez piócitos por campo, teste do nitrito positivo e, eventualmente, hematúria, a qual pode estar presente

em até 50% a casos. No entanto, o padrão-ouro para diagnóstico de ITU é a urocultura, que está indicada

principalmente nos casos de exames anteriores duvidosos ou de infecções recorrentes com clínica de infecção alta e tem como valor de referência 100.000UFC/mL para o

diagnóstico de infecção. Quanto à bacteriúria assintomá­ tica (urocultura com menos de 100.000UFC/mL, sem

sintomas), a maioria dos casos tem resolução espontânea sem tratamento com antibióticos, mas em gestantes o

tratamento é obrigatório, devido a potenciais complicações. Os antibióticos de escolha são quinolonas, sulfametoxazol-

trimetoprim e nitrofurantoína e os de segunda escolha, ampicilina e cefalosporinas, as últimas mais usadas em

gestantes. Uma urocultura positiva não afasta outras causas que seriam responsáveis pelos sintomas da paciente, mas essa infecção deve ser tratada primeiro, antes de se prosseguir a investigação. Já uma negativa afasta infecção urinária como responsável pela incontinência.

determinara mobilidade do colo vesical, caracterizando

hipermobilidade se a diferença dos ângulos entre repouso e após manobra de Valsalva superar 30°; o pad test, pelo

qual a paciente utiliza um absorvente e durante 1h é so­

licitada a ingerir líquidos, deambular, realizar manobras

A paciente tem exame de urina rotina com 5 piócitos/campo, 3 eritrócitos/campo, teste do nitrito negativo, urocultura sem crescimento de colônias bacterianas. Demais exames, como hemograma, ele-

Incontinência Urinária - 579

Os exames de urina 1 e urocultura normais afastam

uma infecção urinária vigente. O padrão-ouro para diagnóstico diferencial da incon­

detrusor, e cistite crônica intersticial, nos casos em que há baixa complacência (capacidade cistométrica < 350mL), urgência sensorial (sem associação com contrações detrusoras).

O tratamento da incontinência urinária é diversificado

tinência urinária como exame subsidiário é o estudo urodinâmico, que é composto basicamente de três etapas:

diante dos diferentes diagnósticos, dentre os quais desta­

a fluxometria, a cistometria e o estudo miccional. A fluxometria, realizada com volume acima de 150mL, analisa o fluxo urinário, o que avalia as características do

genuína, a bexiga hiperativa e a cistite crônica intersticial.

esvaziamento vesical, tendo como parâmetros normais: curva contínua, com fluxo máximo maior que 15mL/s,

tômica. As técnicas cirúrgicas utilizadas podem servia

camos como principais a incontinência urinária de esforço A incontinência urinária de esforço genuína tem o tratamento basicamente cirúrgico, pois sua causa é ana­

vaginal, endoscópicas, retropúbicas, slings e injeções

tempo total de micção superiora 20s, tempo para atingir o fluxo máximo menor que 10s e resíduo pós-miccional abaixo de 100mL.

periuretrais. Via vaginal inclui a cirurgia de Kelly-Ken­

A cistometria analisa a fase de armazenamento vesical, na qual ocorre a maioria dos distúrbios urinários. Verifica­

lizadas com uma sutura entre a fáscia vaginal e a aponeu­

-se a pressão e a complacência vesical e detectam-se con­ trações não inibidas do músculo detrusor. Os valores consi­

com maior taxa de recidivas em relação às retropúbicas,

derados normais nessa etapa incluem: urina residual < 50 mL; primeiro desejo miccional entre 150 e 200mL; forte desejo miccional entre 300 e 400 mL; capacidade máxima entre 400 e 600mL; ausência de dor, urgência, inconti­ nência e contrações involuntárias do detrusor. Realiza-se

o teste de pressão de perda de esforço: infundem-se 200mL de líquido e, com a paciente em pé, solicita-se que faça uma manobra de Valsalva, verificando-se qual a menor pressão em que ocorre a perda urinária; esta é a pressão de perda ao esforço (VLPP). Valores de VLPP abaixo de

60cmH2O sugerem deficiência esfincteriana intrínseca; acima de 90cmH2O, são associados à hipermobilidade do colo vesical.

O estudo miccional é a parte final do urodinâmico e avalia o esvaziamento vesical, o qual é importante para detecção de casos em que existe obstrução ao fluxo uri­ nário, registrando-se com a bexiga na sua capacidade

máxima a pressão de contração do detrusor e o fluxo máximo, tendo como valores normais, respectivamente, 50cmH2O e 15mL/s.

nedy, em desuso por baixas taxas de cura, mas ainda utilizada em casos de prolapso. As endoscópicas são rea­ rose do reto abdominal e apresentam curta durabilidade, que incluem as cirurgias de Burch e de Marshall-Mar­

chetti-Krantz, as quais se diferenciam pelo fato de a primeira unira fáscia vaginal ao ligamento de Coopere

a segunda, ao periósteo da sínfise púbica. Os slings são os preferidos atualmente, podendo ser de material autó­

logo, com a fáscia do músculo reto abdominal ou heteró­ logo, o mais usado, a faixa de prolene (TVT), tendo a função de sustentare alongara uretra, corrigindo o de­ feito esfincteriano. As injeções periuretrais são usadas em

casos com ausência de mobilidade do colo vesical para aumentara pressão uretral e podem ser feitas com Teflon®, colágeno e gordura autóloga. Atualmente, técnicas de

fisioterapia, as quais incluem cinesioterapia e eletroesti­ mulação, que visam à reeducação do assoalho pélvico, reaprendendo-se o reflexo de contração da musculatura

pélvica diante de um aumento da pressão abdominal, podem alcançar, em casos de incontinência leve, taxas de cura de até 90%, além de terem como vantagem a ausên­

cia de efeito colateral. A bexiga hiperativa tem seu tratamento essencialmen­

te clínico, pois a afecção é funcional e não anatômica, em

A paciente é submetida a estudo urodinâmico, e que não mostrou alterações na fluxometria e no estudo miccional (Fig. 96.1). No entanto, a cistometria de­ monstrou VLPP, com 200mL de líquido infundido, de 57cmH2O, ausência de contrações não inibidas do músculo detrusor, sendo então incontinência urinária aos esforços genuína. O diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente com bexiga hiperativa ou hi­ peratividade do detrusor, na qual apresenta contrações não inibidas no músculo detrusor com VLPP normal, incontinência urinária mista, se houver associadas perda urinária ao esforço e contrações não inibidas do

que a incontinência decorre de contrações não inibidas

do músculo detrusor, gerando uma pressão intravesical que supera a pressão uretral. As principais classes medi­

camentosas usadas para bexiga hiperativa são os anties­

pasmódicos (cloridrato de oxibutinina ‒ primeira escolha),

antidepressivos tricíclicos (cloridrato de amitriptilina ‒ segunda escolha), anticolinérgicos, bloqueadores de canal de cálcio e inibidores de canais de cálcio. Pode serasso­

ciado tratamento não medicamentoso, que inclui terapia comportamental, retreinamento vesical, biofeedback,

eletroestimulação, psicoterapia e hipnose.

CAPÍTULO 96

trólitos, funções hepática e renal, normais, assim como a velocidade de hemossedimentação.

CAPÍTULO 96

580 - Problemas Gerais em Clínica Médica

Figura 96.1 - Medida da pressão de perda. À manobra de Valsalva (linhas tracejadas), houve perda com pres­ são vesical (PV) de 57cmH2O, sugerindo defeito esfincteriano. PR = pressão abdominal; PV-PR = pressão do detrusor; VOL = volume infundido.

A cistite crônica intersticial, menos prevalente que a

incontinência urinária de esforço genuína e a bexiga hi­

perativa, é uma doença crônica com períodos de crise e

DISCUSSÃO

três parâmetros principais: diário miccional, pad test e

A incontinência urinária é mais prevalente em pacientes multíparas, com história de uso de fórceps e fetos ma­ crossômicos. Em sua avaliação, primeiramente deve ser feita uma detalhada história clínica, além de adequado exame físico, buscando evidenciar distopias genitais e existência de perda urinária à manobra de Valsalva. Os

questionário de qualidade de vida.

primeiros exames devem serurinanálise e urocultura para

acalmia e tem seu tratamento feito com drogas adstrin­

gentes (dimetilsulfóxido) e anti-histamínicos (hidroxizina), mas sua taxa de cura não supera os 70%. A avaliação do resultado do tratamento baseia-se em

descartaro diagnóstico de infecção do trato urinário, que

Tratamento proposto para a paciente em estudo: correção de prolapso vaginal anterior associada ao sling (TVT), com o uso de faixa de prolene, sem necessida­ de de abertura da parede abdominal, sustentando a uretra, sem tensão e não se fixando em nenhuma estru­ tura. Foi utilizada raquianestesia, no entanto; algumas equipes cirúrgicas têm proposto apenas anestesia local. Realizada cistoscopia, que não evidenciou lesões vesi­ cais. Após dois meses em reavaliação ambulatorial, a paciente não tinha queixas de incontinência urinária comprovada por meio do padteste ao exame físico não se evidenciou uretrocistocele, quadro que se manteve após um ano.

pode gerar o sintoma de perda ao esforço. Caso sejam

normais, faz-se teste de esforço diário para quantificara

perda urinária. O diagnóstico diferencial definitivo é feito por estudo urodinâmico e os principais são a incon­

tinência urinária de esforço pura, a hiperatividade do

detrusor, a incontinência urinária mista e a cistite crônica intersticial. O tratamento é diverso, sendo essencialmen­

te cirúrgico em incontinência urinária de esforço pura ou genuína, e clínico em hiperatividade do detrusor e em

cistite crônica intersticial. Já em incontinência urinária mista, pode ser clínico, cirúrgico ou ambos, dependendo

do componente mais prevalente. A avaliação de melhora ou cura é baseada no exame pad test, no questionário de

DIAGNÓSTICO FINAL Incontinência urinária de esforço com defeito esfincteriano.

qualidade de vida e no diário miccional. Diante de diferentes entidades clínicas possíveis com queixa de perda urinária ao esforço, é imprescindível o correto diagnóstico diferencial para que seja proposto o

Incontinência Urinária - 581

BIBLIOGRAFIA GIRÃO, M. J. B.; SARTORI, M. G. E; BARACAT, E. C. (eds.). Cr erga Vqs^rd eUrq^nadq^a 2. ed. São Paulo: Artes Médicas, 2002.

MORENO, A. L. Fisclíiqriaαn Girecdq^a São Paulo: Manole, 2000. RIBEIRO, M. R.; PINOTTI, R. P. (eds.). UrcgnxdcgaeCirLrga Va^rd 1. ed. São Paulo: Roca, 2001. ROCK, J. A.; THOMPSON, J. D. TeLinle- GirHckgacpCTdóia 8. ed. Rio de Janeiio: Guanabara Koogan, 1999. SOGIMIG. GirEcdq^ae Obstetrícia- Maiii pa-accrctrscs 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.

CAPÍTULO 96

adequado tratamento e, consequentemente, aumentem as chances de melhora ou até de cura dessa paciente.

SEÇÃO

Doenças Ginecológicas

Dor em Hipogastro Felipe Favorette Campanharo

Uma jovem de 22 anos comparece ao pronto-so­ corro com queixa de dorem hipogástrio e fossa ilíaca direita há quatro dias, caracterizada como “cólica menstrual diferente”. A doré progressiva, de intensi­ dade 8/10, e há um dia está impossibilitada de exercer suas atividades. Refere ainda febre e calafrios, acompanhados de mal-estar geral, astenia, inapetência, hiporexia e náu­ seas. Há dois dias notou alteração no hábito intestinal, com aumento no número de evacuações, negando, no entanto, diarreia. A dor abdominal constitui um desafio diagnóstico e tera­

pêutico, podendo caracterizar desde doenças benignas até

situações de risco iminente de morte, como nos diversos tipos de abdome agudo.

Fato que deve chamara atenção é o da paciente ca­

vagina (bartholinite?) ambulatorialmente, tendo sido prescrito um ciclo de antibióticos, dos quais não fez uso. Antecedentes ginecológicos: menarca aos 12 anos de idade, precedida de desenvolvimento adequado dos caracteres sexuais secundários. Ciclos de 30/30 dias e duração de 5 dias. Coitarca aos 14 anos de idade, oito parceiros sexuais. Nunca colheu citologia oncótica. Nega tensão pré-menstrual ou dismenorreia. Método anticoncepcional atual: dispositivo intrauterino (DIU) de cobre, inserido no puerpério (há dois anos). Pacien­ te admite relações sexuais desprotegidas atualmente e com parceiros anteriores. Antecedentes obstétricos: duas gestações (IIG), um parto (IP) e um aborto (IA), primeira gestação não plane­ jada, tendo evoluído com abortamento espontâneo (primeiro trimestre) e sendo submetida à curetagem ute­ rina. Segunda gravidez desejada, realizou pré-natal, evoluindo para parto normal de termo, sem intercorrências.

racterizar sua dor como “diferente da habitual” (a doré uma experiência subjetiva e sua mudança de padrão deve

As queixas mais comuns nos consultórios de gineco­

ser considerada como um sinal de alerta). As caracterís­

logia são sangramento uterino anormal, dor pélvica e

ticas da dore a intensidade dos sintomas associados

corrimento vaginal. Estariam a dor abdominal e o corri­

fornecem subsídios diagnósticos sobre as possíveis causas

mento vaginal associados?

envolvidas.

A dor abdominal em mulheres no menacma deve ser

sempre correlacionada às fases do ciclo menstrual, pois

Ao interrogatório sobre diversos aparelhos, a pa­ ciente refere corrimento amarelo-esverdeado, de longa data, sem odor.Disse estarno quarto dia do ciclo mens­ trual (ciclos estes regulares, com intervalo de aproximadamente 30 dias e duração de 5 dias). Sobre antecedentes patológicos, nega qualquer doença sistêmica, uso de medicamentos ou drogas. É tabagista (3 anos/maço). Apresenta apenas duas inter­ nações hospitalares prévias, sendo uma para curetagem uterina (há quatro anos) e a outra para parto. Há dois meses foi submetida a uma “drenagem” de tumor na

esta relação pode fornecer indícios da doença em questão. A dor abdominal na época da menstruação, com história

pregressa de dismenorreia progressiva sugere endometrio­ se. A ocorrência de dor na metade do ciclo pode revelar

alterações anexiais (ovulação ‒ dor do meio ‒ “cistos”

foliculares, hemorrágicos, etc.). Atraso menstrual asso­

ciado à dor abdominal numa paciente em idade fértil deve sempre aventar hipótese de gestação ectópica. Note ainda que a paciente em questão teve sua pri­ meira relação sexual aos 14 anos de idade (início preco-

CAPÍTULO 97

586 - Problemas Gerais em Clínica Médica

ce da atividade sexual), um abortamento há quatro anos (gravidez na adolescência), história de “drenagem” de um tumorna vagina (bartholinite ‒ doença sexualmente trans­ missível) e uso de DIU (método anticoncepcional sabida­ mente relacionado a algumas afecções) (Fig. 97.1).

Os achados do exame físico são indicativos de uma síndrome clínica conhecida como abdome agudo inflama­ tório (AAI).

Desde a história podemos observar aspectos como a

descrição da dor (localizada) sugestiva de afecção parie­ tal ‒ característica da peritonite ‒ a tendência à imobili­

Ao exame:

dade e a posição antálgica. Corrobora o diagnóstico o fato de o quadro clínico ser precedido de sensação vaga de

• Sinais vitais: pressão arterial de 106 × 60mmHg; frequência cardíaca de 92bpm; temperatura axilar de 37,6°C; frequência respiratória de 22irpm. • Paciente em posição antálgica com flexão das coxas sobre o tronco, fácies de dor, corada, desidratada ++/4, sem lesões de pele, ausência de edemas. • Os exames minuciosos dos aparelhos cardiovascu­ lar, respiratório e neurológico não revelaram anor­ malidades. • Abdome distendido +/4, atípico, em que não foram notados abaulamentos ou cicatrizes. Ruídos hidro­ aéreos diminuídos. Timpanismo leve à percussão. À palpação, nota-se contratura do quadrante inferior

desconforto, febre, mal-estar e náuseas.

direito, sinal de Blumberg e sinal do obturador presentes. • Ao exame ginecológico, os órgãos genitais externos não demonstram alteração. O exame especular evidencia conteúdo vaginal aumentado hemático (paciente menstruada!), sem sangramento ativo. O fio do DIU foi visualizado e, aparentemente, está normoinserido. Colo epitelizado sem lesões apa­ rentes. Ao toque, nota-se discreto aumento da temperatura vaginal. Colo impérvio, dolorido à mobilização lateral. Anexo direito dolorido e com volume duas vezes aumentado.

é um forte indício de peritonite. Quando há aumento da tensão muscular secundário a dor/desconforto, não sendo

Diagnósticos diferenciais: • Condições ginecológicas: cistos/endometriose. • Condições obstétricas: abortamento/gestação ectó­ pica.

• Afecções gastrointestinais: apendicite/diverticulite. • Afecções urinárias: cistite/pielonefrite/litíase. • Afecções musculoesqueléticas: psoíte/discopatias. A contratura involuntária da musculatura abdominal

esta constante, damos o nome de defesa, sendo esta, po­ rém, um ato voluntário.

Sinais descritos: • Blumberg. diz-se positivo quando há descompressão brusca dolorosa sobre o ponto de MacBurn. É indi­

cativo de peritonite, encontrando-se positivo em até 75% dos casos de apendicite.

• Obturador: pesquisa-se o sinal com a flexão máxima

das coxas sobre o tronco, seguida de sua rotação interna. Considera-se positivo se o paciente refere dorem região de hipogástrio, sendo indício de aco­

metimento das fáscias do músculo obturador, com­

ponente este do assoalho pélvico. E quanto ao exame ginecológico?

O conteúdo vaginal aumentado, hemático, prejudica a análise do corrimento, que é um achado negativo em 50% dos casos de doença inflamatória pélvica. O abaula­

mento do fundo de saco posterior é um indicativo de

coleção. O toque vaginal evidencia dorà mobilização do colo (que juntamente com a dor abdominal são os achados

mais encontrados em doença inflamatória pélvica) e um

anexo direito aumentado e dolorido (presente em 70%

Figura 97.1 - Causa comum de dor abdominal em mulheres no menacma. As setas apontam gestação ectópica rota. Em detalhe, cisto teca luteínico. Pacien­ te tratada com salpingectomia.

dos casos). Foi notado também aumento da temperatura vaginal, que pode ser encontrado em diversos processos

inflamatórios do abdome inferior, como apendicite, sal­ pingite, diverticulite e abscessos pélvicos.

Dor em Hipogastro - 587

Exames complementares: • Hemograma: hemoglobina: 13,2; hematócrito: 45;

Objetivo do tratamento

plaquetas: 262.000; leucócitos: 16.820 (9 bastões,

Estádio

Acometimento

76 segmentados, 10 linfócitos e 5 monócitos); cre­

I

Endometrite e salpingite

Tratar a infecção

II

Salpingite e peritonite

Preservar a função tubária

III

Abscesso tubário íntegro

Preservar o ovário

IV

Abscesso roto

Preservar a vida

atinina: 0,9; ureia: 49; função hepática, incluindo enzimas e bilirrubinas, normal; amilase: 68; veloci­

dade de hemossedimentação: 80; urina I: pH 6,

densidade de 1.024, eritrócitos de 45 (normal até 10) e leucócitos de 84 (normal até 10). Gonadotro­

fina coriônica humana beta: negativa. • Ultrassonografia transvaginal: tuba uterina direita dilatada, com limites imprecisos e borrados e com conteúdo líquido em seu interior (sugestiva de pios­ salpinge). Útero de aspecto normal. Líquido livre

em cavidade pélvica.

• Alteração da VHS e da proteína C-reativa. • Cultura + gonococo/clamídia. • Massa pélvica. • Hemograma infeccioso. • Mais de cinco leucócitos por campo ‒ imersão em

DIAGNÓSTICO Doença inflamatória pélvica.

secreção de endocérvice. Critérios elaborados: • Ultrassonografia compatível com abscesso de tubo ovariano.

DISCUSSÃO

• Evidência histopatológica de endometrite. • Achados laparoscópicos compatíveis.

A doença inflamatória pélvica é uma síndrome clínica

caracterizada pelo acometimento infeccioso do trato ge­

nital superior (acima do orifício interno do colo), poden­

Na Tabela 97.1, encontra-se a classificação e o trata­

mento da doença inflamatória pélvica.

do acometer desde o útero até os ovários/peritônio ‒ en­

Para todas as pacientes, independentemente do grau

dometrite, salpingite, salpingooforite e pelviperitonite ‒,

de acometimento, cabem medidas gerais que incluem

sendo estes espectros evolutivos de uma mesma doença.

repouso relativo, abstinência sexual e suporte sintomático,

A infecção em geral é polimicrobiana, porém, as bactérias

além de antibioticoterapia específica, a dependerdo grau

responsáveis pelo insulto inicial são, em geral, gonococo e Chlamydia.

de acometimento do trato genital.

Importante: a doença inflamatória pélvica é conside­

Para o diagnóstico dessa afecção são necessários os

rada uma DST, logo, o tratamento dos parceiros é obri­

três critérios maiores e pelo menos um critério menor ou

gatório! Opta-se por esquema oral em dose única (azitro­

elaborado.

micina, 1g + ofloxacino, 400mg) para melhor adesão ao tratamento.

Critérios maiores: • Dor abdominal infraumbilical. • Dorà mobilização de colo uterino. • Dorà palpação anexial.

Critérios menores: • Febre. • Secreção vaginal ou cervical anormal.

BIBLIOGRAFIA CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. SscrDy TiíiHiiittul DiscasEsTrcdnie±Gijde Clifton: CDC, 2002. HALBE, H. W. Tr^adodeGirEEdc^a Rio de Janeiro: Revinter; 1998. SOGIMIG. GirEEdc^aeObstEtrícia 4. ed. Rio de Janeiro: Guana­ bara Koogan, 2007. p. 267.

CAPÍTULO 97

TABELA 97.1 - Classificação e tratamento da doença inflamatória pélvica

___________________________________

CAPÍTULO

98

Amenorreia Margareth Chiharu Iwata • José Maria Soares Junior • Luciana Campanatti Crema

Paciente, 17 anos de idade, procurou a Unidade Básica de Saúde referindo não ter tido a primeira mens­ truação. Nega outra sintomatologia. Nascida de parto normal a termo, apresentou desenvolvimento neurop­ sicomotor normal, sem antecedentes de traumas ou cirurgias. Relata desenvolvimento de mamas a partir dos 10 anos e aparecimento de pelos pubianos aos 11 anos. Nega casos semelhantes na família. A amenorreia é definida como primária quando há ausên­

Ao exame físico, a paciente mostra estatura adequa­ da para a idade, envergadura menor que a estatura, eutró­ fica, com fenótipo feminino, sem estigmas turnerianos. O exame do campo visual é normal. Não são palpados nódulos em região inguinal. Estádio puberal (Tanner) M5 P5. À avaliação da genitália externa (tipicamente femini­ na), observa-se vagina encurtada (vaginometria de 4cm), sem outras alterações. Não foi realizado o toque vaginal, já que a paciente não havia iniciado a atividade sexual, nem o toque retal, pois a paciente não consentiu.

cia de menstruação aos 16 anos de idade em meninas que

apresentam o desenvolvimento de caracteres sexuais se­

O exame físico é de grande valia para avaliação da

cundários, ou aos 14 anos, quando estes estão ausentes;

amenorreia, sobretudo a primária. Envergadura maior que

é dita secundária quando não há menstruação por um

a estatura (padrão eunucoide) é comum em disgenesia

período superiora três ciclos menstruais prévios conse­

gonadal. A baixa estatura é frequente na síndrome de

cutivos ou a 180 dias, após a menarca. Dessa forma,

Turnere, nesta, encontram-se ainda estigmas como pes­

pode-se considerar que a paciente do caso clínico em

coço alado, linfedema ao nascimento, múltiplos nevos

questão apresenta um quadro de amenorreia primária.

pigmentados, cúbito valgo, tórax em escudo. O desenvol­

Para que haja fluxo menstrual normal é necessário um

vimento puberal normal com genitália não ambígua vai

endométrio adequadamente desenvolvido por ação de

contrariamente à hipótese de pseudo-hermafroditismo

estrogênio e progesterona secretados pelo ovário em

(forma completa de deficiência enzimática da suprarrenal

quantidades variáveis ao longo do ciclo, sob estímulo das

ou formas parciais de insensibilidade androgênica). Ain­

gonadotrofinas hipofisárias, as quais sofrem influência do

da, se a pilificação fosse escassa, poder-se-ia pensarem

hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) secretado

insensibilidade androgênica. O campo visual normal faz

em pulsos pelo hipotálamo. Assim, a ausência de mens­

diminuira chance de macroadenomas de hipófise, sem

truação pode ter como causa uma alteração em qualquer

descartaros microadenomas. Nódulos em região inguinal

ponto do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, além de uma

poderiam indicara localização de uma gônada ectópica,

alteração no trato genital que impeça a exteriorização do

nos casos de pseudo-hermafroditismo masculino. Com

fluxo. A sua investigação deve, portanto, abranger cada

exame dos genitais externos foi possível descartaro hímen

um destes pontos. O Quadro 98.1 cita as principais causas

imperfurado, mas não outras malformações como o septo

de amenorreia.

transverso. Nesta paciente, a alteração evidente é a vagina

Amenorreia - 589

QUADRO 98.1 - Causas de amenorreia1

dora de hormônios sexuais (SHBG) e assim aumenta o

estradiol plasmático e, consequentemente, os níveis de

hormônio luteinizante (LH), o que pode levar à anovula­

ção ou à amenorreia. O hipotireoidismo provoca amenor­ reia pela redução dos níveis de hormônios tireoidianos,

alterando a função ovariana, e também pela elevação secundária de hormônio liberador de tireotrofina (TRH), que estimula a produção de prolactina. Níveis altos de

prolactina alteram os pulsos de GnRH, causando desde

um defeito de fase lútea até amenorreia. Cerca de um terço das pacientes com hiperprolactinemia pode apresen­ tar galactorreia, ou seja, saída de secreção láctea bilateral e poliductal. O teste provocativo do endométrio visa

avaliar o trato genital, especificamente a resposta endo­ metrial. Quando o resultado é positivo, ou seja, ocorre

sangramento de qualquer volume dois a sete dias após o término da medicação, em geral existe deficiência na

produção de progesterona com produção estrogênica

suficiente (anovulação crônica). Também indica que o

sistema canalicular do trato genital permite a passagem

do sangue menstrual. Se não há sangramento (teste nega­ tivo), isto pode sugerir diminuição da produção estrogê­

nica (hipogonadismo) ‒ o que não parece ser o caso

desta paciente, já que ela tem caracteres sexuais secun­

dários ‒ ou uma alteração no trato genital que não está permitindo o fluxo. Nesses casos, recomenda-se o uso do

teste estroprogestativo ou avaliação do trato genital. A paciente retorna após 14 dias, relatando não ter apresentado sangramento após uso do acetato de me­ droxiprogesterona (AMP). Os exames indicam níveis de TSH e prolactina normais. Foram então ministrados estrogênios conjugados, 1,25mg/dia por21 dias, asso­ ciados com AMP, 10mg/dia, nos últimos dez dias, e a paciente retoma sem ter apresentado menstruação.

Não havendo sangramento após estímulo com estrogê­ nio e progestogênio, conclui-se que podem existiranorma­ curta, indicando possivelmente uma alteração no desen­ volvimento dos ductos de Müller que dão origem às tubas,

ao útero e os dois terços superiores da vagina. Ainda, que

houve estímulo estrogênico, pois há desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários.

A paciente é encaminhada para investigação com­ plementarem hospital terciário de referência. Enquanto aguardava a consulta, foram solicitadas dosagens de hormônio estimulante da tireoide e prolactina; e foram ministrados 10mg de acetato de medroxiprogesterona, via oral, por dez dias ‒ teste provocativo do endométrio.

lidades no trato genital ou no endométrio (síndrome da resposta estrogênica). Nesta paciente, adolescente e sem

vida sexual, além do exame físico, no qual é observado se há hímen imperfurado, septo transverso, agenesia de vagi­ na ou colo, é importante pesquisar antecedentes de doenças que levem à destruição endometrial, tais como tuberculose

pélvica e esquistossomose. Vagina encurtada é um achado que torna previsível uma resposta negativa ao teste de es­

trogênio e progestogênio nesta paciente, visto que em tais

casos pode haver agenesia de parte da vagina e/ou ausência de útero.

CAPÍTULO 98

• Hiperprolactinemia - Insuficiência hepática ou renal - Produção ectópica (tumores) - Amamentação - Estímulo mamário - Hipotireoidismo - Medicações (antidepressivos, antipsicóticos, pílulas contraceptivas, anti-hipertensivos, opioides) - Síndrome da sela vazia - Adenoma hipofisário • Hipogonadismo - Hipergonadotrófico ■ Disgenesia gonadal ■ Síndrome de Turner ■ Insuficiência ovariana (pós-menopausa ou prematura) ■ Quimioterapia/irradiação pélvica ■ Galactosemia ■ Deficiência da 21-hidroxilase ■ Caxumba - Hipogonadotrófico ■ Anorexia/bulimia ■ Tumor do sistema nervoso central ■ Atraso constitucional ■ Insuficiência renal ou hepática crônica ■ Diabetes, doença tireoidiana ■ Depressão grave ■ Imunodeficiência ■ Excesso de exercício ■ Perda de peso excessiva ou desnutrição ■ Lesão hipotalâmica ou hipofisária ■ Síndrome de Kallmann ■ Síndrome de Sheehan - Normogonadotrófico ■ Causas congênitas ■ Síndrome da insensibilidade androgênica ■ Agenesia mülleriana • Anovulação hiperandrogênica - Acromegalia - Tumor secretor de androgênio - Doença de Cushing - Androgênios exógenos - Deficiência enzimática da suprarrenal - Síndrome dos ovários policísticos - Doença tireoidiana • Obstrução da via de saída do trato genital - Síndrome de Asherman - Estenose cervical - Hímen imperfurado - Septo vaginal transverso - Gestação

O hipertireoidismo eleva os níveis de globulina liga­

CAPÍTULO 98

590 - Problemas Gerais em Clínica Médica

Caso a paciente tivesse apresentado sangramento após o estímulo, concluir-se-ia que não há estímulo estrogêni­

qual a gonadectomia profilática é postergada até a puberdade (entre 16 e 18 anos), pois permite um de­

co adequado, podendo este defeito serde origem ovaria­

senvolvimento mais adequado e a incidência de tu­

na (periférica), ou do eixo hipófise-hipotálamo (central).

mores aumenta significativamente após a puberdade.

Para essa diferenciação são dosados hormônio folículoestimulante (FSH) e LH. Gonadotrofinas elevadas indicam

Dentre as causas hipofisárias estão:

origem periférica (hipogonadismo hipergonadotrófico); diminuídas indicam origem central (hipogonadismo hipo­

• Adenomas de hipófise: os mais comuns são os pro­

Dentre as causas ovarianas estão:

lactinomas (50%) e os tumores não funcionantes (30 a 40%). São identificados pelos exames de imagem

do crânio, sendo a ressonância nuclear magnética a que apresenta maior sensibilidade.

• Disgenesias gonadais. são as causas mais comuns de amenorreia primária (30 a 40% dos casos), carac­

• Síndrome de Sheehan: infarto hipofisário em conse­

terizadas por gônadas em fita sem elementos ger­

quência de choque hemorrágico durante o parto,

minativos e sem produção hormonal. Cariótipo é variável, sendo 45,X responsável por50% das ocor­

levando ao hipopituitarismo. A primeira manifesta­

rências. As gônadas disgenéticas em pacientes com

axilares e pubianos e não retorno das menstruações

ção é a falha na amamentação; diminuição dos pelos são outros dados.

cariótipo XY devem ser retiradas, pelo risco de malignização. • Falência ovariana prematura: acomete 1% das mu­

• Síndrome da sela turca vazia: diafragma selar in­

lheres. Pode ocorrer secundariamente à quimiotera­ pia com agentes alquilantes e radioterapia, com maior

preenchida pela subaracnoide. A hipófise fica acha­ tada e separada do hipotálamo.

completo que permite que a fossa pituitária seja

efeito sobre a fertilidade quanto maior a idade na

época do tratamento. Nos demais casos, sua etiologia é desconhecida, podendo estar relacionada a proces­ sos autoimunes, anomalias cromossômicas numéricas (45,X; 47,XXY), estruturais, síndrome do X frágil (e esta última geralmente está relacionada a uma deficiência no desenvolvimento intelectual). • Síndrome de Savage: ou dos ovários resistentes, não responsivos às gonadotrofinas, caracteriza-se por

níveis altos de gonadotrofinas e biópsia de ovário mostrando folículos e ausência de infiltrado infla­

matório. • Insensibilidade androgênica: não é uma causa ova­

riana, porém leva a um aumento das gonadotrofinas. Caracteriza-se pela resistência parcial ou completa (síndrome de Morris) à ação dos androgênios na

periferia. Assim, as pacientes apresentam cariótipo

XY, mas são fenotipicamente femininas, com desen­ volvimento de mamas (com mamilos pequenos e

aréola pálida) e poucos pelos pubianos e axilares. Não desenvolvem útero e têm deficiência no desen­ volvimento da vagina (curta ou ausente), visto que

existe a ação normal do fator antimülleriano. Tal fatoré produzido pelas células de Sertoli logo após a diferenciação testicular, que se inicia entre a sex­

ta e a sétima semana de gestação, e é responsável

pela regressão ipsilateral dos ductos de Müllerou

paramesonéfricos que dariam origem ao útero e às tubas. A síndrome de Morris é a única situação na

Por fim, dentre as causas hipotalâmicas estão:

• Desnutrição grave: a privação alimentar acarreta aumento do neuropeptídeo Y e diminui a leptina,

causando inibição da pulsatilidade do GnRH. Além disso, a diminuição de tecido celular subcutâneo aumenta a conversão de estrógeno biologicamente

ativo para catecolestrogênios (inativos). Com base na relação entre amenorreia e distúrbios alimentares, deve-se atentar para o fato de que a prevalência de

transtornos alimentares precoces ou parciais é duas vezes maior que a síndrome propriamente dita (ano­ rexia) e a progressão dos sintomas pode ocorrer tão rápido quanto um a dois anos; com isso, deve-se

buscaro diagnóstico para uma intervenção precoce. • Exercícios exagerados ou extenuantes: aumentam a secreção noturna de melatonina, endorfinas e corti­ sol, que irão inibira pulsatilidade de GnRH.

• Estresse emocional, depressão, anorexia nervosa: aumentam o cortisol.

• Pós-pílula: deve ser investigada caso persista após 6 meses (para anticoncepcionais orais) e 12 meses (para acetato de medroxiprogesterona) de depósito da suspensão. • Síndrome de Kallman: amenorreia e anosmia que ocorrem por falha na migração de neurônios secre­ tores de GnRH e axônios olfatórios para o hipotála­ mo. O cariótipo é normal.

978-85-4120-074-5

gonadotrófico).

Amenorreia - 591

As Figuras 98.1 e 98.2 mostram algoritmos para in­

5

978 85 4120 074

Na primeira consulta no hospital terciário foram solicitados cariótipo, ultrassonografia pélvica transab­ dominal e ressonância nuclear magnética de abdome e pelve, cujos resultados foram: cariótipo XX, ultrasso­ nografia mostrando útero rudimentar com ovários normais e suspeita de rim ectópico (pélvico) à direita; ressonância nuclear magnética (Fig. 98.3) confirmando os achados da ultrassonografia, mostrando além deles ausência dos dois terços superiores da vagina.

Em resumo, trata-se de uma paciente com quadro de amenorreia primária com desenvolvimento normal dos

DIAGNÓSTICO FINAL Síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser.

Figura 98.1 - Algoritmo para avaliação de amenorreia primária1. FSH = hormônio folículo-estimulante; LH = hormônio luteinizante.

CAPÍTULO 98

vestigação de amenorreias primária e secundária.

caracteres sexuais secundários e vagina curta ao exame físico. Testes provocativos com progesterona isolada e depois combinada com estrogênio foram negativos, indi­ cando anormalidade na via de saída ou alteração endo­ metrial. Dosagens hormonais normais. Exames comple­ mentares mostraram cariótipo 46,XX, ovários normais e não desenvolvimento dos ductos de Müller representado por útero rudimentare agenesia dos dois terços superiores da vagina. O quadro sugere ser um caso de síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser.

Problemas Gerais em Clínica Médica

CAPÍTULO 98

592 -

Figura 98.2 - Algoritmo para avaliação de amenorreia secundária1. FSH = hormônio folículo-estimulante; LH = hormônio luteinizante; RNM = ressonância nuclear magnética; TSH = hormônio estimulante da tireoide.

Figura 98.3 - (A e

B) Ressonância nuclear magnética mostrando rim pélvico.

DISCUSSÃO

causa mais comum de amenorreia primária. Consideram-se

A síndrome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser está

20% de casos familiares. Nestes, é descrito um equivalente

relacionada a uma malformação inibitória dos ductos de

masculino chamado ARCS (azoospermia, renal anomalies,

Müller (paramesonéfricos), ocasionando um útero rudi­

cervicothoracicspine displasia). O padrão de herança é tido

mentar bipartido com uma vagina sólida. A incidência

como multifatorial/poligênico ou autossômico dominante com

está entre 1/4.000 e 1/5.000 nascimentos e é a segunda

grau de penetrância incompleta e expressividade variável.

os casos como esporádicos, porém há descrição de cerca de

Amenorreia - 593

CAPÍTULO 98

Figura 98.4 -

(A

e

B)

Radiografia da coluna cervical mostrando fusão vertebral em paciente com a síndrome.

As pacientes com a síndrome típica apresentam fenótipo feminino, cariótipo XX, telarca e pubarca normais e ame­ norreia primária. Ao exame físico e nos exames comple­ mentares são observados útero rudimentar e septado, aplasia da cérvix e dos dois terços superiores da vagina, tubas normais ou hipoplásicas, ovários normais.

Os ductos pronéfricos e o blastema dos somitos cer­ vicotorácicos têm uma relação espacial, justificando a associação com malformações renais e esqueléticas. Schmid-Tannwald e Hauser em 1977 e Duncan et al., em 1979 elaboraram uma classificação da síndrome de acor­ do com as malformações associadas: • Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser típica: sem mal­ formações associadas, com defeito na porção distal dos ductos de Müller. • Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser atípica: malfor­ mações nos ovários ou renais associadas. • MURCS (Müllerian duct aplasia, renal aplasia and cervicothoracic somite dysplasia): malformações esqueléticas (Fig. 98.4) e/ou cardíacas e renais, fraqueza muscular. É a forma mais grave.

Alguns autores2 dividem a síndrome em dois tipos: tipo 1, quando isolada, também chamada de sequência de Rokitansky; e tipo 2, quando há de outras malforma­ ções, considerando este como MURCS, conforme des­ crito anteriormente. A investigação mínima, portanto, requer dosagens hormonais, cariótipo, ressonância nuclear magnética de abdômen e pelve e avaliação do trato urinário.

O tratamento visa à confecção de uma neovagina em momento adequado, considerando sua maturidade para

realizar adequadamente o tratamento e para ter vida se­ xual ativa. Além disso, é necessário suporte psicológico

adequado que permita melhor aceitação e entendimento da paciente e de seus familiares sobre sua imagem física,

feminilidade e fertilidade.

REFERÊNCIAS 1.

2.

MASTER-HUNTER, T; HEIMAN, D. L. Amenonhea: evaluation and treatment. Am. Fan. PFysciai v. 73, n. 8, p. 1374-82,1387, 2006. MORCEL, K.; CAMBORIEUX, L. ; PROGRAMME DE RECHERCHES SUR LES APLASIES MÜLLERIENNES ; GUER-

RIER, D. Mayer-Rokitansky-Küster-Hausersyndrome. OrphanEt J. Ra^eDis, v. 2, p. 13, 2007.

LEITURA COMPLEMENTAR BARACAT, E. C. et al. Amenorréia. In: SHOR, N. (ed.). Giiasde MedkinaAmbiidrriai eHopitakr deGirEEdç^a São Paulo: Manole; 2005. p. 219-28. COSTA, A. M. M. et al. Malformações genitais. In: SHOR, N. (ed.). GtiasdeMαlfcirHAmbiictoisieHcqriteia’ deGirBedq^a São Paulo: Manole; 2005. p. 229-33. LEON, S.; FRITZ, M. A. Chricei GyrEedq^c Erriαrirricg' ad Irffftility. 7. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2005. p. 401-63. OPPELT, P. et al. Clinicai aspects of Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser syndrome: recomendations for clinicai diagnosis and staging. Hun. Rqjrcd., v. 3, p. 792-7, 2006.

CAPÍTULO

99

Infertilidade Bruno Teixeira Bernardes

Paciente do sexo feminino, 32 anos de idade, nuli­ gesta, e seu esposo com 35 anos, também sem filhos, apresentam-se no consultório do ginecologista com queixa de dificuldade pra engravidar desde o casamen­ to, ocorrido há dez anos, associada à significativa dor do tipo cólica ao menstruare às relações sexuais, além de intenso fluxo menstrual, com duração de sete dias, o que a faz perder vários dias de trabalho ao ano. Rela­ ta ainda esporádicos episódios de hematúria e dorà eliminação de gases. Infertilidade conjugal é definida como ausência de gravi­

dez após período de um ano sem uso de qualquer método

anticoncepcional, com relações sexuais frequentes e em diferentes períodos do ciclo menstrual. Durante a investigação inicial de infertilidade primária

deve-se realizar uma detalhada anamnese do casal. Nesta, verificam-se os antecedentes pessoais, dentre eles diabe­

tes, hipertensão arterial, hipotireoidismo; os menstruais, como idade da menarca e duração, regularidade, interva­

lo, quantidade e sintomas associados ao fluxo menstrual;

femininas, doenças ginecológicas, primárias ou secundárias, naturais ou adquiridas podem seras causas de tal incapa­ cidade de conseguir uma gestação de forma espontânea. Ver,no Quadro 99.1, as principais causas de infertilidade.

A paciente nega ser hipertensa, diabética ou ter distúrbios tireoidianos. Relata menarca aos nove anos de idade, com intenso fluxo e dor, associados a sintomas típicos de tensão pré-menstrual. Apresenta histórico de dois parceiros e o marido, quatro parceiras, mas sem infecções genitais como vaginose bacteriana, tricomo­ níase, sífilis ou gonorreia. Fez uso de anticoncepcionais no primeiro ano de casamento, durante o qual houve importante melhora dos sintomas menstruais, além da melhora do quadro doloroso às relações sexuais. A frequência de relações é de duas a três por semana e é nuligesta, negando abortos anteriores. Após a anamnese, um minucioso exame físico é rea­

lizado, com avaliação cardíaca, respiratória, abdominal e

genital do casal.

os sexuais, como infecções genitais, tanto masculina como feminina, resultados de citologias oncóticas anteriores e

tratamentos realizados, uso de métodos anticoncepcionais,

número de parceiros(as) anteriores e atuais e frequência de relações sexuais. Por fim, os obstétricos, sendo eles o

número de filhos com este e com parceiros(as) anteriores, características do parto (peso fetal, idade gestacional,

normal, ou cesariana), abortos, espontâneos ou provocados,

tendo sido realizadas curetagens ou não, e duração da amamentação.

Essa análise deve ser feita em busca de fatores que possam justificar a infertilidade do casal, já que essas comorbidades citadas, infecções prévias, masculinas ou

QUADRO 99.1 - Causas de infertilidade • Fatores femininos (30%) - Ovulatório - Tubo peritoneal - Endometriose - Uterino - Deficiência de fase lútea - Deficiência do muco • Fatores masculinos (30%) - Ausência total ou parcial de espermatozoides - Alteração na motilidade e na forma dos espermatozoides - Anticorpos antiespermáticos - Varicocele • Fatores masculinos e femininos (30%) • Idiopática (infertilidade sem causa aparente - 10%)

Infertilidade - 595

Os exames do casal mostram dosagens hormonais e sorologias normais para ambos. O espermograma demonstra volume seminal, concentração, motilidade, morfologia e vitalidade espermática adequados com reprodução espontânea. A ultrassonografia transvaginal mostra útero de volume normal, mediovertido, latera­ lizado à direita, anexo direito com imagem hipoecogênica com maior diâmetro de 4cm, com anexo esquerdo normal. A histerossalpingografia indica útero fixo à direita, tubas pouco permeáveis fixas, dilatadas, com passagem do contraste para a cavidade abdominal bastante reduzida. Diante da história clínica e dos exames laboratoriais apresentados pelo casal, a principal hipótese diagnóstica é de endometriose feminina. Os dados que reforçam tal

hipótese são o exame físico, discutido anteriormente, e, Até o momento, pouco se afasta em relação aos diag­ nósticos diferenciais. Um exame físico normal em relação a caracteres sexuais secundários femininos toma a função ovulatória pouco provável, mas todos os outros fatores permanecem como possíveis: tubo peritoneal (aderências por infecções prévias com oclusões tubárias), endome­ triose que já se impõe como a mais provável pelos nódu­ los palpáveis em fundo de saco vaginal e ao distúrbio menstrual, uterino (útero didelfo, bicorno), deficiências de fase lútea e de muco. Quanto a fatores masculinos como responsáveis pela infertilidade em estudo, a varico­ cele pelo exame físico foi afastada, mas exame físico normal não afasta as outras causas apontadas no Quadro 99.1 (alterações em número, forma e motilidade dos es­ permatozoides).

Assim, foram solicitados os exames iniciais para avaliação da infertilidade conjugal primária, já que nenhum dos cônjuges tem filhos. Os exames para ambos foram dosagens hormonais, como hormônio folículoestimulante (FSH), hormônio luteinizante (LH), prolactina e estradiol; sorologias (hepatite B e C, VDRL, HIV, rubéola, toxoplasmose). A esposa fez ultrassono­ grafia transvaginal e histerossalpingografia e o marido, espermograma.

agora, os exames laboratoriais, com a imagem ovariana sugerindo endometrioma, o que gera distúrbios ovulatórios e alterações à histerossalpingografia (útero fixo, tubas

pouco pérvias, fixas e dilatadas) típicas de endometriose

de tubo peritoneal.

A endometriose, atualmente, é uma das principais

causas de infertilidade conjugal e sua gênese ainda é alvo de diversas discussões. A primeira das teorias é a de trans-

porte/implantação, em que os implantes endometrióticos

seriam provenientes do refluxo menstrual retrógrado em que células endometriais provenientes da cavidade uterina alcançariam a cavidade pélvica e nela se implantariam. O

que contraria tal hipótese é a existência de raros casos de focos de endometriose fora da cavidade abdominal e pél­

vica. Outra teoria defendida é a de metaplasia celômica, na qual células peritoneais e ovarianas se transformariam

em células endometriais por metaplasia, mas é contrariada pelo fato de que endometriose acomete apenas pacientes

do sexo feminino, em idade reprodutiva e com endométrio funcionante. Essa doença acomete mulheres principalmen­

te de 20 a 40 anos de idade, tendo a menarca precoce e as

malformações uterinas como fatores predisponentes e gestação, lactação, uso prolongado de anticoncepcionais e obesidade como fatores protetores. Em relação aos fa­

Os exames solicitados são os principais nessa inves­ tigação que encontra a causa de cerca de 90% dos casos de infertilidade conjugal. As dosagens hormonais visam identificar o adequado funcionamento ovariano; as soro­ logias, para orientação pré-natal; a ultrassonografia trans­ vaginal mostra a morfologia uterina que identifica fatores

tores protetores, estes são justificados por ausência de

uterinos, a histerossalpingografia verifica permeabilidade tubária, aderências entre a tuba e outras estruturas pélvi­ cas, a chamada fixação tubária, e o espermograma permi­ te diagnosticar os principais fatores masculinos e suas alterações espermáticas.

endometriose no interiordo miométrio uterino denomina­

estímulo estrogênico na lactação, gestação e uso de anti­

concepcionais e da menor taxa de estrogênio nas obesas.

Quanto à localização, é mais frequente em ovários, septos retovaginal e vesicouterino, trompas, superfície

externa do útero, reto e bexiga. A presença de focos de

-se adenomiose, afecção com características particulares, que não serão discutidas no presente caso clínico.

O quadro clínico da endometriose é baseado em algia pélvica, dismenorreia, dispareunia e infertilidade. O qua-

CAPÍTULO 99

O exame físico do casal mostra-se sem alterações cardíacas, respiratórias e abdominais. O marido possui volume testicular normal com 20cm3 em ambos os testículos, ausência de varicocele, hidrocele e secreções penianas, sem dorà palpação dos testículos e epidídi­ mos. A esposa tem pilificação e formações vestibu­ lolabiais adequadas para idade e sexo, ausência de procidência de paredes vaginais, conteúdo vaginal fisio­ lógico, sem corrimentos ou sangramentos anormais, colo epitelizado e sem lesões visíveis. No entanto, significa­ tiva dor à mobilização do colo uterino, sendo este grosso, posteriorizado, impérvio, útero intrapélvico, tamanho normal, mediovertido, pouco móvel, anexo direito pouco aumentado de tamanho e anexo esquerdo sem alterações. Ao toque de fundo de saco vaginal no­ tam-se dois nódulos bastante dolorosos, endurecidos, também ocorrendo ao toque retal.

CAPÍTULO 99

596 - Problemas Gerais em Clínica Médica

dro álgico pode ser localizado ou difuso, de caráter pro­ gressivo, mais intenso durante o período menstrual, mas que pode aparecerem outros momentos do ciclo mens­ trual, além da dispareunia de profundidade. O exame fí­ sico pode mostrar dor de forte intensidade à mobilização do colo uterino, com nódulos dolorosos, mais frequente­ mente encontrados em fundo de saco posterior, aumento de volume ovariano, além de raros casos com hematúria e enterorragia por envolvimento vesical e retal. A infertilidade causada pela endometriose é multifa­ torial, já que promove alteração das funções tubária (hi­ drossalpinge, distúrbios de motilidade tubária), ovariana (distúrbios ovulatórios), espermática, fertilização e im­ plantação embrionária na cavidade uterina.

Figura 99.1 - Endometrioma.

O diagnóstico de endometriose pode ser feito porultras­ sonografia, na qual se visualizam endometriomas a partir de 5mm em seu maior diâmetro, sendo feito diagnóstico diferencial com cisto de corpo lúteo hemorrágico; resso­ nância nuclear magnética está dificultada devido ao seu alto custo. O padrão-ouro é a videolaparoscopia, em que há visualização direta dos implantes endometrióticos, grau de envolvimento pélvico, presença ou não de aderências pélvicas, correto estadiamento da doença e tratamento imediato das lesões. Com o surgimento da videolaparos­ copia percebeu-se que não há correlação direta entre o grau de envolvimento dos órgãos pélvicos e os sintomas apre­ sentados pela paciente. A dosagem de CA-125, por suas baixas especificidade e sensibilidade, não é usada para

diagnóstico de endometriose, sendo útil para seguimento, pesquisa de recidivas e verificação do sucesso terapêutico.

A paciente é submetida à videolaparoscopia, na qual foram visualizadas pequenas nodulações arroxeadas em reflexões reto e vesicouterina, além de grande número de aderências, o que mantinha o corpo uterino e as tubas uterinas pouco móveis às tentativas de manipulação. No ovário direito identificou-se endometrioma (Fig. 99.1) com cerca de 5cm em seu maior diâmetro, com cápsula íntegra, também de cor escurecida. Foram também identificados focos peritoneais (Fig. 99.2). Durante o procedimento já foi realizado o tratamento adequado, com eletrocauterização dos focos de endometriose em reflexões vesico e retouterina, sem envolvimento de reto e bexiga, lise das aderências pélvicas, o que melhorou tal mobilidade uterina. O endometrioma no ovário di­ reito foi ressecado, juntamente com sua cápsula, perma­ necendo nele o parênquima ovariano viável. Além do tratamento cirúrgico conservadora que foi submetida a paciente, existem outros tipos de tratamentos possíveis, tanto medicamentoso como cirúrgico radical.

O tratamento medicamentoso é útil para melhora dos sintomas, como pré-operatório para redução do tamanho

Figura 99.2 - Endometriose peritoneal.

dos focos, pós-operatório em que não foi possível a res­ secção completa dos focos e para prevenção de recidivas

pós-tratamento cirúrgico. Existem diversas linhas de me­ dicamentos utilizadas; a primeira delas é a dos anti-infla­ matórios não esteroidais para alívio da dor Os anticon­

cepcionais orais combinados podem ser usados de forma

contínua por seis meses a um ano, com o objetivo prin­ cipal de evitar recidivas, pois com o repouso ovariano não há estímulo hormonal para o desenvolvimento dos focos de endometriose.

Os progestagênios geram atrofia endometrial, podendo

ser usados na forma oral, contínua, ou intramuscular de depósito. Eles geram bom alívio dos sintomas, mas estudos mostram que não há grande melhora na fertilidade das

pacientes. Os análogos de hormônio liberador de gonado­ trofina (GnRH) têm sido amplamente utilizados como tra­ tamento pré-operatório para diminuir o tamanho dos im­ plantes e se tentar realizar cirurgias mais conservadoras. O

mecanismo de ação deles é baseado na supressão da pro­ dução de FSH, LH e esteroides sexuais por meio do bloqueio dos receptores de GnRH, o que faz com que os ovários não sejam estimulados, consequentemente com menor estímulo endometrial. O grande inconveniente dessa terapêutica é,

Infertilidade - 597

dismenorreia e dispareunia, especialmente de profundi­

sintomas, e principalmente a perda óssea, fato este que faz

do colo uterino, com corpo uterino fixo, e aumento de

com que seja recomendada a reposição de cálcio durante a terapêutica, além de pequenas doses de estrógenos.

volume ovariano devido a endometriomas, além da própria

O tratamento radical é indicado a estádios mais avan­

retal podem ocorrer hematúria e hemorragia intestinal.

çados, com grande implantação pélvica, principalmente nos casos com envolvimento vesical e retal, em pacientes

Há várias teorias para o surgimento, dentre as quais se

com prole definida e sem desejo reprodutivo. Pode ser

celômica. O diagnóstico pode ser sugerido a partir de

realizada, a dependerdo caso, histerectomia com ooforec­ tomia bilateral, além de ressecções vesicais e intestinais.

ultrassonografia transvaginal, histerossalpingografia, sen­

dade, podendo haverdorao toque vaginal na manipulação

infertilidade. Em raros casos de envolvimento vesical e

destacam a do transporte/implantação e a da metaplasia

do a videolaparoscopia o padrão-ouro em que se faz a

visualização direta dos focos de endometriose, podendo Após o tratamento cirúrgico ao qual foi submetida, a paciente aguardou dois meses para recuperação e assim foi proposto o tratamento para infertilidade. Como ela não deseja tentarde forma espontânea uma gestação pós-tratamento da endometriose, opta-se por técnicas de reprodução assistida. Devido à má permea­ bilidade tubária evidenciada à histerossalpingografia, foi contraindicada a inseminação intrauterina e reali­ zada fertilização in vitro (FIV). Com estímulo ovariano, a resposta foi satisfatória, sendo feita a coleta de oóci­ tos, realizada a FIV e transferidos, dois dias depois, três embriões para o interior da cavidade intrauterina de qualidade adequada. Decorridos 15 dias da transfe­ rência, foi feita a dosagem de gonadotrofina coriônica humana beta (beta-hCG), a qual se mostrou positiva. Foi mantido o acompanhamento no setorde infertili­ dade até se completarem 14 semanas de gestação, com o uso de progesterona via vaginal, ácido fólico e sul­ fato ferroso, sem sangramentos de primeiro trimestre ou outras intercorrências, recebendo alta para o setor de pré-natal. Decorridas 39 semanas de gestação, a paciente iniciou quadro de trabalho de parto, evoluin­ do para parto via vaginal, com recém-nascido pesando 3.350g, Apgar9/9, com puerpério sem complicações. Após um ano do nascimento do recém-nascido, per­ manece quadro de dor pélvica de leve intensidade, sendo feito o seguimento atualmente no ambulatório de algia pélvica crônica.

DIAGNÓSTICO FINAL Endometriose.

DISCUSSÃO A endometriose é uma das principais causas de infertili­

dade feminina. Seus sintomas são algia pélvica, incluindo

ser feita a cauterização imediata desses focos, além da lise de aderências possivelmente provocadas. Na investi­

gação do casal infértil é necessária a solicitação de dosa­ gens hormonais, sorologias, espermograma, ultrassono­

grafia transvaginal e histerossalpingografia. Em casos de endometriose podem ser vistas, à histerossalpingografia,

tubas dilatadas, com pouca dispersão do contraste para a cavidade abdominal com útero desviado. O diagnóstico

diferencial de histerossalpingografia com essas caracte­

rísticas deve ser feito principalmente com antecedentes de infecções anexiais, que levam a quadros recorrentes de inflamações de órgãos pélvicos com lesões tubárias, múl­

tiplas aderências e, consequentemente, infertilidade. O tratamento pode ser tanto medicamentoso quanto cirúrgi­

co, sendo o primeiro com anti-inflamatórios não esteroi­

dais, anticoncepcionais orais, progestagênios e análogos de GnRH, ao passo que o último compreende desde vi­

deolaparoscopia com eletrocauterização de focos endo­ metrióticos e lise de aderências até ressecções vesicais e

intestinais, em caso de envolvimento de reto e bexiga. Diante de quadros graves de endometriose feminina as­

sociados à infertilidade é necessário, na maioria das vezes,

o tratamento prévio da endometriose e, posteriormente, a utilização de métodos de reprodução assistida.

BIBLIOGRAFIA BARACAT, E. C.; LIMA, G. R. Giradc^a- GuasdeMβdkira Ambiictoial eHopitakr - UNIFESP-EscdaPaüstade Medfcira Sào Paulo: Manole, 1. ed., 2005. GIRÃO, M. J. B.; LIMA, G. R.; BARACAT, E. C. Giradcgade Ccraitódo São Paulo: Projetos Médicos, 2003. GIRIBELA, C. R. G.; GIRIBELA, A. H. G. Ccnkiasen Girado g£a São Paulo: Segmento Famia, 2008. SOGIMIG. Giradc^aeObstEírkia- MaiEipa-acαTcrsGS Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 4. ed., 2007.

CAPÍTULO 99

além do alto custo, a contraindicação ao seu uso prolonga­ do, pois causa uma menopausa artificial, com todos os seus

Índice remissivo A Abdome, 14 agudo algoritmo do diagnóstico, 164f classificação, 161q inflamatório, 586 dor, 147, 150, 161, 168, 169, 206q volume, aumento, 200 causas, 201q Abetalipoproteinemia, 181 Abortamento espontâneo, 162 Abortos, 82, 457 Abscessos, 159, 395, 401, 443, 574 críptico, 183 hepático, 402 amebiano, 159 miocárdico, 487 piogênicos, 329 pulmonar, 112 Acantocitose, 574 Acantose nigricans, 389 Acidente vascular cerebral, 147, 245, 255, 262, 352, 479, 526, 574 Ácidos acetilsalicílico, 33, 339 biliar, 150 fólico, 379 glicurônico, 211 hialurônico, 496 lisérgico, 257 valproico, 571 Acidose metabólica, 302, 322, 482 tubular renal, 334 Acolia, 434 Acúfenos, 231 Acuidade visual, 526, 536 Adenocarcinoma, 188, 216, 225 ductal de cabeça, pâncreas, 152 próstata, 309 tubular, 476 Adenomas, 60 adrenal, 59 hipofisários, 369, 590 paratireoide, 360 Adenomiose, 595 Adenopatia, 437 hilar, 324 bilateral, causas, 323q

Adenovírus, 424, 550 Adinamia, 293, 424, 432, 438 Adipsia, 357 Adrenalectomia, 59 Aedes aegypti, 424 Aerofagia, 35 Afecções anorretais, 196 Agressividade, 268, 361 Albumina, 150,211,214, 531 Alcalose metabólica, 334 Álcool, 257, 262

abuso e dependência, 572 Alcoolismo, 298, 416 Aldosterona, 60 Alergia alimentar, 522 atópica, 318 Alopecia, 362, 424, 438 Alucinações, 482, 568 Amaurose, 260, 565 Amenorreia, 361, 588, 590 causas, 589q primária, avaliação, algoritmo, 591f secundária, avaliação, algoritmo, 592f Amígdalas, 436 Amigdalite, 52 Amiloidose, 200, 288, 290, 293, 410, 488, 493, 533 Anafilaxia, 135 Anamnese, 8 Anasarca, 495, 530 Ancilostomíase, 474 Anedonia, 554, 559 Anel vascular, 227 Anemia, 51, 200, 232, 280, 286, 293, 324, 373, 379, 385, 403, 424, 439, 460, 474, 492, 493, 496, 547, 561, 574 aplásica, 392 de Cooley, 382 de Fanconi, 387, 470 falciforme, 205, 248 ferropriva, 181, 184, 226, 311, 381, 457, 474 hemolítica, 407, 410, 428 adquirida, causas, 374q autoimune, 374, 486 por anticorpos quentes, 376, 377 Anergia, 132 Aneurisma, 46, 191, 244, 545 aorta, 227 abdominal, 340 carotídeo, 360

As letras f, te qque se seguem aos números de páginas significam, respectivamente, figura, tabelae quadro.

Índice remissivo - 599

Aneurisma (cont.) micóticos, 248 ruptura, 248 Anfetaminas, 257, 350 Angiites necrosantes, 289 Angina, 373 de Plaut-Vicent, 437 de Prinzmetal, 48 herpética, 436, 437 mesentérica, 205 pectoris, 30 variante, 47 Angiodisplasias, 197, 198 Angioedema, 168 Angiografia, 249 Angioplastia transluminal coronária, 41q Anisopoiquilocitose, 383 Anopheles, 419 Anorexia, 93, 155, 156, 168, 293, 322, 324, 338, 430, 432, 439 nervosa, 151, 211, 335, 590 Anosmia, 590 Anovulação crônica, 589 Ansiedade, 57, 240, 268, 350, 354 Anticorpos antiplaquetários, 391 Antidepressivos, 257, 462 Antimoniais, 414 Antitireoglobulina, 346 Antitireoperoxidase, 346 Aorta, 80 abdominal, 340 aneurismas, 227, 340 coarctação, 58 dextroposição, 227 dissecção, 35, 46, 66 aguda, 44 Apendicite, 162, 586 Apetite, perversão, 474 Aplasia eritroide, 544 medular, 386 Apoplexia pituitária, 245 Aporte calórico, 467 Ar, falta, 462 Aracnoidite, 253 Arco aórtico, 36 duplo, 227 Arenovirose, 404 Arenovírus, 404 Arritmias, 21, 27, 35, 232, 322, 324, 332, 354, 482 ventriculares, 25 Artéria cervical, dissecção, 244 coronariana, 293 pulmonar, 80 Arterite coronariana, 305 de células gigantes, 235, 281, 526, 565 de Horton, 566 temporal, 566 critérios, 565q Artralgia, 289, 305, 324, 361, 392, 425, 436 manchas na pele, 295 Artrite, 52, 55, 289, 395, 425, 504 de Jaccoud, 291 gonocócica, 295 microcristalina, 284 reumatoide, 32, 92, 196, 279, 280, 289, 292, 296, 401, 410, 448, 451, 457, 504, 550, 561 sépticas, 284 Artropatia, 424 Artrose, 286, 563 Asbestose, 97, 324

Ascite, 72, 81, 131, 200, 201, 203, 361, 430, 485, 496, 499, 531 Asfixia, 81 Asma, 87, 94, 106, 137, 302, 305 Aspergillus, 111 Aspergiloma, 113 Assistolia, 42t Astenia, 93, 324, 385, 397, 420, 436, 438, 447, 546 Astrocitomas, 264 anaplásico, 265 Ataque isquêmico transitório, 255, 526 Ataxia, 231,262, 448,515 Atelectasia, 531 pulmonar, 78 Aterosclerose, 44, 257, 293, 504 Atetose, 266 Atresia, 147 Atrofia dentatorrubral-palidoluisiana, 266 testicular, 496 vaginal, 577 Audiometria, 516, 517 Aura, 256 Ausculta cardíaca, 13 cervical, 12 respiratória, 14 Autoanticorpos, 392

B Bacilo Calmette-Guérin, 320 Baço, 407 acessório, 393 Bacteremia, 450 Balão de Sengstaken-Blakemore, 228 intra-aórtico, 41 valvopatia, 53 Baqueteamento digital, 81 Barbitúricos, 479 Bastonete de Auer, 469 Bentiromida, 209 Beriliose, 97, 99 Betaistina, 524 Beta-talassemia, 382 Bexiga carcinoma, 309, 488 hiperativa, 577, 579 neurogênica, 314, 316 Bexigoma, 322 Bezoares, 147 Bicarbonato, 332 Bilirrubina, 150, 211, 428 Biomphalaria glabrata, 222 Biópsia hepática, 498 Blebs, 128 Blefarite, 538 Bloqueio atrioventricular, 334 cardíaco, 232 ramo esquerdo, 64 Bócio, 347, 362 multinodular, 353 tóxico, 351, 354 Bola fúngica, 113 Bolhas, 455 Borrelia burgdorferi, 550 Borreliose, 248, 296 Bradiarritmia, 481 Bradicardia, 334, 417, 481 Bridas, 147 Broncoaspiração, 225

600 - Índice remissivo

Broncoespasmo, 29, 135, 384 Broncoestase, 78 Broncopneumonia, 126 Bronquiectasias, 87, 110 Bronquiolite, 95 obliterante, 293 Bronquite, 87 crônica, 141, 142 Brucelose, 329, 409, 424, 443, 550 Bulhas, 14, 46 Bulimia, 335 Bursite, 280

c Cabelos, 380 queda, 361, 460 Cacifo, 495 Câimbras, 332, 361 Calafrios, 392, 416, 436 Calazar, 410, 411, 416, 442, 443 Calázio, 538 Calcaneodinia, 504 Calcificações, 339 Cálcio, 484, 568 Cálculos biliares, 147 Caliurese, 332 Caloria, gasto, 467 Câncer, 98, 448, 563 colorretal, 147, 188, 204 gástrico, 476 laringe, 122 pâncreas, 152 pulmão, 110 tireoide, 362 vesícula biliar, 215 Cancro, 424 Candidíase esofágica, 443 Cansaço, causas, 384q Capilarite, 404 pauci-imune, 111 pulmonar, 304 Capsaicina, 463 Cápsula de Tenon, 538 Caput medusae, 496 Caquexia, 361 Caquexina, 374 Carbamazepina, 571 Carboxiemoglobina, 389 Carcinoide, 175 brônquico, 114 Carcinoma, 60, 97, 195 broncogênico, 87 de células de Merkel, 103 renais, bexiga, 488 transicionais, bexiga, 309 papilífero, 364, 365 variante folicular, 363 renal, 448 urotelial, 312 Carcinomatose peritoneal, 204 Cardiomiopatia, 544 Cardiopatia chagásica, 25 congênita, 79 isquêmica crônica, 73 reumática crônica, 55 valvular reumática, 73 Cardite, 55 Carotenemia, 211 Carotenodermia, 428

Carotenos, 389 Carótida interna, dissecção, 258 Carvão ativado, 482 Cateterismo, 112 Caxumba, 284 Cefaleia, 57, 80, 233, 262, 271q, 296, 350, 373, 392, 396, 401, 416, 420, 424, 436, 438, 565 sentinela, 248 súbita, 244 causas, 246q Células de Kuppfer, 377 de Merkel, 103 de Reed-Sternberg, 546 de Sertoli, 590 M, 69 Celulite, 401 Ceratite, 539 Ceratoconjuntivite seca, 290, 293, 539 Ceratoderma blenorrágico, 285 Ceratopatia ulcerativa periférica, 293 Cervicobraquialgia, 509 Cetoacidose diabética, 38, 147, 168, 352 Chiado, 105 Chieira, 105 Choque, 46, 163, 420 hipovolêmico, 228, 303 tóxico, 424 Choro, 554 Chumbo, 168, 262 envenenamento, 475 Cianose, 136, 141, 505 dispneia, 135 Ciatalgia, 286 Ciclo sono-vigília, 326 Cifose, 227 Circulação colateral, 531 Cirrose, 141, 200, 201, 392, 407, 410, 443, 457, 496, 530, 574 alcoólica, 156, 190 biliar, 183 primária, 375 hepática, 131, 214, 326, 345, 432, 450, 495 estadiamento histológico, 499t Cirurgia de Puestow, 208 deWhipple, 153 Cisticerco, 253 Cistite, 314-316, 448 intersticial, 318 crônica, 580 Cisto, 360, 362, 395 coloide, 245 de Baker, 292, 293 sinovial, 292 Cistometria, 579 Cistoscopia, 317 Citocinas, 381, 385 Citologia, 316 Citomegalovirose, 437 Citomegalovírus, 253, 271, 329, 424, 437, 485, 550 Citometria de fluxo, 387 Citotoxina, 179 Classificação de Child-Turcotte modificada porPugh, 497t Claudicação, 506 Clônus, 12 Cloromas, 471 Clostridium perfringens, 166 Coagulação cascata, 389 distúrbios, 111 fatores, 214, 393 intravascular disseminada, 304, 381, 392, 420

Índice remissivo - 601

Coagulograma, 214 Coagulopatias, 119t, 339 Cocaína, 111, 248, 257, 350, 479 Coceira, 460 Coindroitinossulfato, 496 Colágeno, 223 doenças, 260, 392, 533 Colagenoses, 32, 134, 390, 407 Colangiografia endoscópica, 153 Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica, 209 Colangite, 161, 205, 443, 485 bacteriana aguda, 402 Cold test, 48 Colecistectomia, 166, 215 Colecistite, 35, 161, 205 aguda, 402 litiásica, 164 Colecistopatia calculosa, 148 Colecistoquinina, 162, 209 Coledocolitíase, 373 Colelitíase, 148 Cólera, 174 Colestase, 214, 324, 486 Colesterol, 162 Cólica, 168 biliar, 161, 205 Colite hemorrágica, 174 infecciosa, 195 isquêmica, 175 pseudomembranosa, 179 ulcerativa, 457 Cólon, 147 angiodisplasia, 197 divertículos, 195 irritável, 318 Coluna em bambu, 504 Colúria, 432, 434 Coma, 272, 420, 479 Complexo QRS, 63 Comportamento, distúrbios, 268 Comunicação interatrial, 79 interventricular, 79 não verbal, 6 Condrocalcinose, 285 Confusão mental, 328, 338, 484 Congestão pulmonar, 46, 385 Conjuntiva tarsal, folículos, 537f Conjuntivite, 285, 289, 423, 437, 438 adenoviral, 537 Consciência, rebaixamento, 485 Constipação, 322, 338, 361, 482 intestinal, 186 Contraceptivos orais, 162 Convulsões, 21, 420, 482 Cor anemico, 474 pulmonale, 65, 72, 137 Coração em bota, 138 em gota, 137 transição elétrica, 64 Cordas vocais, disfunção, 105 Cordocenteses, 391 Coreia, 266, 547 causas, 267q de Sydenham, 56 exames, 268q Coriza, 437, 438 Córnea, 526 Corpo estranho, 537

Corpúsculos de Howell-Jolly, 407 Corticoterapia, 282 Costocondrite, 35 Coxsackievírus, 424 Crioaglutininas, 377 Crioglobulinemia, 296, 298, 299 Crioprecipitado, 119 Criptococose, 328, 329, 550 Crises epilépticas, 251, 252q tireotóxica, 351, 353 Cristalino, 526 Curvas térmicas, 443

D Dactilite, 285 Dança de São Vito, 268 dos tendões, 234 Declínio cognitivo leve, 558 Delírios, 268 Delirium, 234, 322, 326, 420, 482, 484, 558, 568 tremens, 573 Demência, 267, 556, 568 causas tratáveis, 557/ Dengue, 402, 416, 424, 442, 443 Depressão, 268, 385, 448, 457, 479, 554, 558, 571, 590 Dermatite, 222 herpetiforme, 182 de Duhring, 457 Dermatopolimiosite, 289 Dermatoses bolhosas primárias, 455 Derrames, 384 pericárdico, 299, 544 pleural, 126, 130, 133, 340, 531 Descerebração, 480 Descompensação diabética, 36 Desconforto torácico, 66 Desdobramento invertido, 13 Desequilíbrio, 262 Desidratação, 36, 179, 350, 417, 434 Desmopressina, 358 Desnutrição, 411 grave, 590 Dessaturação, 80 Diabetes, 283, 455, 485 insipidus, 356 mellitus, 126, 151, 166, 170, 175, 208, 209, 211, 298, 355, 467, 491, 504, 528 Diagnóstico, 3 diferenciais, 6 Diálise, 32 Diário miccional, 319 Diarreia, 222, 290, 305, 326, 392, 467 aguda, 174 causas, 176t, 182q crônica, 181, 182q Diátese hemorrágica, 493 Difteria, 436, 437 Difusão pulmonar, 78 Diplacusia, 521 Diplopia, 231, 233, 544, 565 Disartria, 231, 515 Discinesia, 232 Discite, 490 Disdiadococinesia, 262, 448 Disfagia, 122, 225, 467 lusória, 227 Disfonia, 121 crônica, causas, 122 Disfunção ventricular, 14

602 - Índice remissivo

Disgenesias gonadais, 588, 590 Dislipidemia, 375, 504, 522 obesidade, 126 Dismenorreia, 585 Dismetria, 262 Dismorfismo eritrocitário, 310 Dispepsia, 44, 206 Dispneia, 27, 94, 106, 122, 135, 140, 245, 296, 324, 373, 384, 392, 485, 546 causas, 141 cianose, 135 crônica, causas, 95q dor torácica, 126 esforços, causas, 71q paroxística noturna, 72 sibilos, 105 súbita, 100 tosse, 94 Distonia, 266 Distúrbios coagulação, 111 comportamento, 268 hemostasia primária, 117q hidroeletrolíticos, 326 humor, 559 neurológicos paroxísticos, 251q psiquiátricos, 200 ventilatório obstrutivo, 106 vestibular, 231 visuais, 80 Disúria, 314 Diuréticos, 500 Diverticulite, 175 Divertículos, 197, 316 cólon, 195 de Kommerell, 227 Doenças arterial coronariana, 30 autoimunes, 392, 447 cardíaca estrutural, 72 cardiovasculares, fatores de risco, 35q celíaca, 181, 182, 184, 290, 455, 457 da mão, pé e boca, 424, 437 de Addison, 457 de Alzheimer, 267, 558, 559 de Basedow, 375 de Behçet, 112, 248, 296, 302, 489 de Buerger, 506 de Chagas, 26, 73, 227, 409, 438 de Cogan, 522 de Crohn, 147, 181, 183, 287, 289, 455 de Gaucher, 410 de Graves, 352 de hipersensibilização, 407 de Hodgkin, 443 de Huntington, 266, 268 de Kikuchi, 443 de Lyme, 550 -símile, 296, 298 de Ménière, 514, 522, 524 de Moyamoya, 248 de Paget, 565 de Parkinson, 240, 282 de Poncet, 285 de Still, 401 de Takayasu, 504 de von Hippel-Lindau, 264 de von Willebrand, 118 de Whipple, 181, 182, 289 de Wilson, 240, 266, 487 do colágeno, 260, 392, 533

Doenças (cont.) do refluxo, 35 gastroesofágico, 87, 94, 225 gastrointestinal, 206 do sono, 409 encefalovascular, 255 evolução afebril e febril habitual, 408t falciforme, 381 hepática, 381 inflamatória pélvica, 587 linfoproliferativas, 561 pulmonar obstrutiva crônica, 94, 135, 141, 142, 395 renal policística, 57 sexualmente transmissíveis, 315, 401, 432, 448 Dopamina, 366 Dor abdominal, 161 causas, 169, 206q icterícia, 150 intermitente, 168 vômitos, 147 aguda, peito, 35 corpo, 279 do meio, 585 epigástrica, 205 flanco, 337 garganta, 437 hipocôndrio direito, 155 lombar, 490 causas, 286q membros inferiores, causas, 504q óssea, 493 perna, 503 precordial, 30 retroesternal, 44 torácica, 30, 126 causas, 44q Drogas, 484 abstinência, 568 ilícitas, 447 reação de hipersensibilidade, 438 Drusas, 15 Ductos biliares, obstrução, causas, 150q de Müller, 590 Duodenite, 190

E Ecocardiografia Doppler, 14 Ecocardiograma, 112 Edema, 72, 81, 462, 495, 499, 504, 505, 530 agudo pulmonar, 420 de Reinke, 362 membros inferiores, 495 palpebral, 496 causas, 345q Efeito Berheim, 102 Wolff-Chaikoff, 354 Egofonia, 131 Eletrocardiograma, 63 Eletrococleografia, 523 Eletroestimulação, 579 Eliptocitose, 381 Emagrecimento, 93 Embolia, 528 pulmonar; 35, 135, 352 sépticas, 299 Embolização, 228 séptica, 299

Índice remissivo - 603

Empiema, 32, 130 pleural, 132 subdurais, 272 Encefalite, 272, 328, 404, 424, 439, 568 herpética, 329 límbica, 547 Encefalopatia, 232, 326, 417, 479, 485, 496 deWernicke, 481,573 hepática, 488 urêmica, 322 Endocardite, 52, 88, 111, 131, 235, 305, 443, 487 bacteriana, 284, 298, 403, 409, 416, 485 de Libman-Sachs, 300 infecciosa, critérios de Dukes modificados, 79, 81, 279, 298, 299, 448, 450, 451q, 561 Endocrinopatias, 447 Endolinfa, 522 Endometriose, 318, 585, 595 pulmonar, 114 Endometrite, 587 Endomiocardiofibrose, 73 Energia, alimentos, 467 Enfisema pulmonar, 31, 142 Entamoeba histolytica, 159, 402 Enterite, 141 Enterobacter, 166 Enterobacteriose, 409 Enterococcusspp, 451 Enterocolite, 174 Enterolitotomia, 149 Enterotoxina, 179 Enteroviroses, 424 Entesopatia, 285 Entrevista médica, 3, 5 Enxaqueca, 233 Enzimas cardíacas, 41t hepatocelulares, 214 pancreáticas, 209 Eosinofilia, 324, 547 Ependimomas, 264 Epífora, 539 Epilepsia, 181, 252, 326, 568 Episclerite, 288, 290, 293, 305, 538 Episódio depressivo maior, critérios, 555t Epistaxe, 116, 245, 424, 471 Equimoses, 471 Eritema, 288, 496 em “asa de borboleta”, 504 malar, 296 marginatum, 56 nodoso, 324, 401 palmar, 362 Eritrocianose, 396 Eritrocitose, 80 Eritropoiese ineficaz, 373, 379, 382 Eritropoietina, 373, 379, 395 Escarlatina, 423, 436, 437 Escherichia coli, 166, 301, 316, 392 Esclerite, 293, 305 Escleromalácia perfurante, 293 Esclerose múltipla, 256, 262, 515 sistêmica, 170, 226 progressiva, 289 Escore de Block, 54 deWells, 101, 102t Esferocitose, 381 hereditária, 424 Esfíncter de Oddi, 374

Esôfago de Barrett, 225 espasmo, 35 Esofagograma baritado, 227 Espaço de Disse, 498 Espectrofotometria, 249 Espirometria, 99, 142 Esplenectomia, 383, 393, 416 Esplenomegalia, 222, 362, 396, 407, 443, 471, 496 Espondilite anquilosante, 285, 287, 504 Espondiloartrites, 285, 287 Espondiloartropatias, 504 Espondilodiscite, 284 Espondilolisteses, 286 Espru celíaco, 184 tropical, 181 Esquistossomose, 200, 221, 407, 409, 589 Esquizofrenia, 568, 569 Estado mental, miniexame, 556t Estalido de abertura da mitral, 13 Estase biliar, 162 jugular, 496 Esteatorreia, 183, 209, 455 Esteatose hepática, 573, 574 Estenose, 147 aórtica, 232 mitral, 52, 55, 111 gravidade, 54/ Estercobilinogênio, 211 Estetoscópio, 12 Estímulo iatrotrópico, 8 Estômago em melancia, 191 Estomatite angular, 380 Estreptococo beta-hemolítico, 55 Estresse, 126, 156, 503 emocional, 70, 590 Estridor, 105, 546 Estrogênio, 588 Estrógenos, 395 Estudo eletrofisiológico, 25 miccional, 579 Etilismo, 122, 447, 575 complicações, 572q Eumicetoses, 395 Exame físico, 11 Exantema, 417, 423 maculopapular, 402 Exercícios físicos, 70 Exoftalmo, 362 Expectoração, 110 Exsudatos, 130, 132

F Fácies cushingoide, 57 pletórica, 395 Fadiga, 80, 321, 384, 432, 439, 457, 490 Fadigabilidade, 373 Falência ovariana prematura, 590 renal, 305 Faringite, 401, 424, 438, 439 Faringoamigdalite, 55, 423, 436 Faringolaringites, 121 Fatores de antiproliferação, 318 de von Willebrand, 118, 392 de coagulação, 393

604 - Índice remissivo

Fatores (cont.) reumatoide, 292q V de Leiden, 395 Febre, 93, 222, 244, 305, 392, 401, 407, 424, 430, 436, 438, 444t, 509 alta, 447 amarela silvestre, 402, 416, 442, 443 causas, 402/ de Pel-Ebstein, 443, 546 de origem indeterminada, 441 causas, 442/ familiar do Mediterrâneo, 168 icterícia, 428 intermitente, diagnósticos diferenciais, 416, 418/ linfoadenopatia, 436 maculosa brasileira, 402 manchas na pele, 423 negra, 413 reumática, 52, 289 critérios de Jones, 53q tifoide, 409,416, 443 Fecaloma, 203 Feixe de His, 65 Fenômeno de no reflow, 41 de Raynaud, 78, 504 de recrutamento, 517 Feocromocitoma, 57, 350, 491 Ferritina, 381, 475 Ferro, 474 deficiência, 379 quelação, 383 Ferropenia, 381, 396 Fibras de Purkinje, 64 Fibrilação, 334 arterial, 362 atrial, 27, 81, 351 Fibrina, 117 Fibromialgia, 279, 318, 448, 563 Fibrose, 220, 221 cística, 141 de Symmers, 221 hepática, 382 pulmonar, 78, 95, 304, 324 maciça, 97 Filariose, 395 Fístula, 148, 196 aortoesofágica, 228 Flebotomia, 397 Flictênulas, 538 Flushing, 482 Fluxometria, 579 Força muscular, perda, 255 Fotofobia, 423 Fotossensibilidade, 290, 296 Fraqueza, 321, 384, 473 muscular, 57, 505 Fungos, 441

G Galactorreia, 366 classificação, 367q Gamopatias monoclonais, 235, 561 Gangrenas, 163, 296, 504, 506, 509 Gasometria, 38 Gastrinoma, 181 Gastrite, 190, 197 Gastroenterite eosinofílica, 305 Gastroparesia diabética, 206 Gengivite, 439 Gengivorragia, 424, 471 Gestação ectópica, 585

Giardíase, 174 Giba de Hampton, 102 Ginecomastia, 362, 496 Ginkgo biloba, 518 Glaucoma, 526 agudo, 539 Glicemia capilar, 16 Glicosúria, 58 Globina, 382 síntese, 379 Glomerulações, 319 Glomerulonefrite, 290, 304, 305, 315, 345, 530 membranosa, 496 Glomerulopatia, 299, 304 Glossite, 226, 380 Glúten, 184, 457 Goma, 448 Gota, 289, 290, 395 Goteira pós-nasal, 565 Grandes vasos, dissecção, 126 Granuloma, 33, 191 Granulomatose critérios para classificação, 305q de Wegener, 112,196, 296, 298, 303, 304 Gravidez, 51, 316, 339 Gripe, 87

H Hábito intestinal, 186 Hálito, alterações, 479 Halitose, 437 Hanseníase, 170, 324 Hantavirose, 404 Haptoglobina, 383 Helicobacterpylori, 476 Hemácias em alvo, 383 em rouleaux, 492 Hemangioma, 360 Hematêmese, 110, 190, 193, 474 Hematoma renal, 339 retroclival, 245 subdural crônico, 564 Hematoquezia, 190, 193 Hematoscopia, 469 Hematúria, 299, 304, 309, 314, 339, 381 investigação, 311f Heme, 428 síntese, 379 Hemibalismo, 266 Hemocromatose, 347, 460, 475 eritropoiética, 382 Hemodiálise, 302, 323, 392, 404 Hemofilia, 119,316 Hemoglobina, 78, 135 eletroforese, 382 Hemoglobinopatia, 381, 562 Hemoglobinúria, 420 Hemólise, 379, 381 Hemoptise, 87, 93, 110, 296, 304 causas, 111\q Hemorragias alveolar, 112, 303 difusa, causas, 115q digestiva alta, 190 aguda, diagnóstico diferencial, 191q baixa, 195 aguda, diagnóstico diferencial, 196q gengival, 468

Índice remissivo - 605

Hemorragias (cont.) pulmonar, 304 subaracnóidea, 147, 244, 248, 256, 305, 480 subconjuntival, 538 vítrea, 526 Hemossedimentação, velocidade, 561 Hemostasia, 116 primária, distúrbios, 117q Hemoterapia, 414 Heparina, 391 Hepatite, 162, 203, 205, 284, 296, 302, 416, 424, 439, 533 A, vacina, 434 aguda, 402, 486 diagnóstico diferencial, 430q alcoólica, 573 autoimune, 432

B, vírus, 486 C, 130, 298 vírus, 132 crônica, 496 fulminante, 485, 488 granulomatosa, 443 Hepatocarcinoma, 156, 489, 501 Hepatoesplenomegalia, 382, 402, 413, 436 Hepatomegalia, 72, 81, 222, 443 causas, 219q Hérnias, 147, 545 de disco, 286 Herpangina, 437 Herpes, 329 simples, 455, 485, 550 vírus, 423 humano, 550 zóster, 35, 168, 337, 455 Hiato auscultatório, 12 Hidrocefalia, 253, 256, 263 Hidrodistensão, 319 Hidronefrose, 315 Hidropsia endolinfática, 521, 522 Higroma cístico, 362 Hímen imperfurado, 588 Hiperaldosteronismo, 57, 333, 334 paraneoplásico, 60 primário, 58 investigação e tratamento, 61f Hipercalcemia, 235, 286, 322, 324, 338, 356, 363, 401, 547 causas, 323q Hipercalciúria, 342 Hipercalemia, 302, 482 Hipercapnia, 96 Hipercoagulabilidade, 392 Hipercolesterolemia, 528 Hipercortisolismo, 57 Hiperdefecação, 361 Hiperemia, 537 Hiperesplenismo, 392, 413, 496 Hiperestrogenismo, 496 Hipergamaglobulinemia, 413 Hiperglicemia, 484, 568 Hiper-homocisteinemia, 246 Hipermenorreia, 381 Hipermetabolismo, 467 Hipernatremia, 326, 484 Hipernefroma, 487, 488 Hiperparatireoidismo, 338, 342, 363 primário, 341 Hiperplasia adrenal bilateral, 60 eritroide, 378 gengival, 449

Hiperplasia (cont.) prostática benigna, 310 Hiperprolactinemia, 366 etiologia, 368q manifestações clínicas, 369q Hiper-reninemia, 334 Hipersexualidade, 571 Hipersonia, 559 Hipertensão, 339, 350, 392, 479, 573, 574 arterial, 73, 126, 283, 485 sistêmica, 57, 504, 528 secundária, causas, 58q maligna, 334 portal, 190, 200, 224, 324, 375, 392, 432, 496 pulmonar, 54, 126, 384 Hipertermia, 417, 479 Hipertireoidismo, 151, 240, 342, 361, 362, 467, 484, 491 Hipertireoxinemia, 350 Hiperuricemia, 396 Hiperviscosidade, 80, 235, 397 Hipnose, 579 Hipoacusia, 231, 514 Hipoalbuminemia, 413, 531, 547 Hipoaldosteronismo, 333 Hipocalcemia, 341, 342 Hipocalemia, 58, 147, 179, 332, 356 causas, 333q investigação, 334 Hipocolia fecal, 432 Hipocortisolismo, 354 Hipocratismo digital, 95, 141 Hipocromia, 382 Hipodipsia, 357 Hipófise, 366, 590 Hipofosfatemia, 363 Hipofibrinogenemia hereditária, 562 Hipogamaglobulinemia, 544 Hipoglicemia, 232, 252 Hipogonadismo, 346, 366, 589, 590 Hipomania, 571 Hiponatremia, 147, 326, 330, 484 Hipoperfusão renal, 499 Hipópio, 540f Hiporreflexia, 338 Hiporrexia, 438 Hipotensão, 350, 479, 482 arterial noturna, 528 intracraniana, 245 postural, 232 Hipóteses diagnósticas, 3 Hipotireoidismo, 32, 211, 279, 327, 345, 346q, 361, 362, 373, 460, 484 causas, 347q Hipovitaminose, 298 Hipovolemia, 333 Hipoxemia, 96, 137, 303, 373, 404 Hipóxia, 96, 379, 395, 484 Histamina, 459 Histerectomia, 597 Histiocitose, 347 Histoplasmose, 329, 550 Hordéolo, 537, 538 Hormônio antidiurético, 326 do crescimento, 345 Humor, 571 aquoso, 526 distúrbios, 559 transtorno, 556 vítreo, 526 Huntingtina, 269

606 - Índice remissivo

I Icterícia, 150, 156, 205, 211, 373, 417, 428, 433, 485, 496 investigação, 212f obstrutiva, 430 Ictus cordis, 13, 52, 72, 81 Ianose, 78 Íleo biliar, 148 paralítico, 147 Ilhotas de Langerhans, 208 Imitanciometria, 517 Imobilismo, 395 Impetigo bolhoso, 455 Imunocromatografia, 413 Imunofenotipagem, 378 Imunofluorescência, 456 indireta, 413 Inapetência, 150, 436, 491 Incidentalomas, 360 Incontinência fecal, 175 urinária, 577 de esforço com defeito esfincteriano, 580 genuína, 579 Índice de massa corporal, 11 Infarto agudo do miocárdio, 30, 36t cerebral, 305 fase aguda, drogas, 39/ Infecção, 447 trato urinário, 315 urinária, 339, 450, 577 baixa, 314 vias aéreas superiores, 121, 565 Infertilidade, 457 conjugal, 594 Infradesnivelamento, 64 Insensibilidade androgênica, 590 Inseticidas, 414 Insônia, 257, 559 Instabilidade hemodinâmica, 27 Insuficiência adrenal, 326, 346 adrenocortical, 373 cardíaca, 105, 324, 326, 382 aguda, 247 congestiva, 135, 326, 345, 352, 385, 485, 495 esquerda, 72 fatores precipitantes e etiológicos, 73qt hepática, 252, 416, 434, 531 renal, 32, 247, 286, 305, 316, 324, 345, 482, 495 aguda, 179, 299, 419 dialítica, 304 tricúspide, 81 venosa periférica, 531 Insulina, 58, 208, 326, 345 resistência, 152 glucagon, 153 Interferon, 500 alfa, 397 Intervalos PR e QT, 64 Intestino delgado, 147 perfuração, 305 Intoxicação, 479, 484 alimentar, 174 chumbo, 168 digitálica, 75 exógena, 257 Intussuscepção, 147

Iodo, 353 radioativo, 347, 363 Irite, 288 Irritabilidade, 268 Isquemia, 256, 504, 506 cardíaca, 126 coronariana, probabilidade, 37/ mesentérica, 36, 162, 352 miocárdica, 30, 66

K Kernicterus, 213 Kiebsiella, 166

L Labirintopatias, 231 Lactose, 181 Laringocele, 360 Legionelose, 443 Leishmaniose, 200, 376, 443 visceral, 409, 417, 442 ciclo, 412 recidiva, 414 Leptomeninge, 253 Leptospira, 405 Leptospirose, 402, 404, 416, 430, 443 Lesão cavitárias, diagnóstico diferencial, 92q em saca-bocado, 499 focais, 272 hepatocelular, 213q pontina, 480 Letargia, 272, 338 Leucemias, 200, 316, 402, 424, 443, 448, 532 de grandes células granulares T, 387 linfoide, 410 crônica, 374 mieloide, 469 aguda, 470 Leucocitose, 395, 547, 562 Leucocitúria, 299, 315 Leucopenia, 324, 385 Leucoses, 416 Levodopa, 241 Licopenemia, 211 Ligamento de Treitz, 475 Light, critérios, 132 Linfadenomegalia, 401 Linfadenopatia, 290, 293, 549 periférica, causas, 550q Linfedema, 530 Linfomas, 132, 200, 293, 324, 329, 360, 362, 402, 424, 443, 448, 509, 551,544 de Hodgkin, 271, 410, 460, 462, 546 não Hodgkin, 131, 236, 377, 462, 487 esplênico, 376 Linfonodomegalias, 424, 471, 549 Linfonodos cervicais, drenagem, 123 Linfopenia, 547 Língua em framboesa, 437 Lipoma, 360, 362, 545 Lipotimia, 373 Líquido cefalorraquidiano, características, 329/ Líquor, 249, 272, 273 Litíase, 316 biliar, 339, 382 obstrutiva, 432 renal, 309 urinária, 337 vesicular, 215

Índice remissivo - 607

Lítio, 355 carbonato, 571 efeitos metabólicos adversos, 356çr Litotripsia, 149 extracorporal, 339 Leucoplaquia pilosa, 443 Lombalgia, 490 red flags, 286q Lúpus eritematoso, 504 discoide, 534f sistêmico, 92, 111, 170, 252, 266, 271, 289, 296, 298, 299, 375, 401, 410, 448, 457, 531, 532, 550, 561, 563 classificação, critérios, 300t diagnósticos, critérios, 532t pérnio, 324 Lutzmya longipalpis, 411

M Maconha, 442 Macroadenomas, 369 Macroglobulinemia de Waldenström, 410 Macroglossia, 361 Macroprolactinomas, 367 Máculas, 389 em cereja, 527 Madarose, 362 Magnésio, 568 Malária, 200, 376, 409, 419, 420f, 430, 442 áreas endêmicas, 421f Mal -estar, 430 de Meleda, 7 de Pott, 486 Malformação arteriovenosa, 256 de Chiari tipo I, 512 Manchas de Janeway, 298 de Koplick, 436, 437 Maneirismos, 568 Mania, 571 Manobra de Valsalva, 237, 538 Manometria, 227 Marca-passo, 340, 481 Marcha ébria, 234 subtipos, 263t transtornos, 262 talonante, 234 Mastectomia, 30 Mediastinite, 32 Mediastino, alargamento, 543 Medula, 253 óssea, 434 transplante, 383, 472 Meduloblastomas, 264 Megacólon tóxico, 179 Meibomite, 537 Melanina, 389 Melanoma, 216, 264, 488 Melena, 190, 193, 474 Memória, 556 perda, 573 Meningismo, 244 Meningite, 272, 296, 324, 401, 424, 480, 565, 568 asséptica, 404, 439 leucêmica, 471 tuberculosa, 443 Meningococemia, 417 Meningoencefalites, 252, 272, 274, 404, 480, 565

Mercúrio, 262 Meta-hemoglobina, 78 Meta-hemoglobinemia, 395 Metaplasia celômica, 595 Metástases, 35 ósseas, 490 Metimazol, 353 Metrorragia, 361 Mialgia, 305, 332, 397, 401, 416, 420, 436, 447 Micetoma, 113 Micoses, 227 Microadenomas, 369 Microcitose, 382 Microesferocitose, 378 Microprolactinomas, 367 Midríase, 482, 539 Mielofibrose, 376, 396, 410 Mielograma, 381, 410 Mieloma, 410 múltiplo, 235, 286, 298, 486, 492, 493 Mielotoxicidade, 392 Miocárdio infarto agudo, 30, 36/ não compactado, 75, 76 Miocardite, 35, 247, 305, 424, 439 chagásica, 26 Mioclonia, 266 Miopatias, 262 Miose, 260 Mixedema, 496, 530 Mixoma atrial, 487 Monoartrite, 284, 289 Monocitose, 324 Mononeurite, 293, 305 múltipla, 235 Mononucleose, 200, 271, 423, 424, 436, 437 -like, 550 Morfina, 139 Movimento anormais, 266 transtornos, 239 Mucosa nasal, 116 Mycobacterium tuberculosis, 317, 330, 550

N Nariz em sela, 304 Náuseas, 126, 322, 401 Necrose, 159, 437 tubular, 339 aguda, 419 Nefrite, 439 intersticial, 315, 338 lúpica, classificação, 534q Nefrocalcinose, 316, 323, 324, 338, 493 Nefrolitíase, 334, 338, 449 Nefrolitotripsia percutânea, 340 Nefropatia perdedora de proteína, 531 Neoplasia, 574 indolente de linfócitos B, 410 maligna, vesículas, 215 Neurite braquial, 509 óptica idiopática, 526 Neuroacantocitose, 266 Neurocisticercose intraparenquimatosa, 253 tratamento, 254/ Neurocriptococose, 274 Neurofibromatose, 57, 252 Neurolues, 274 Neuromiopatia, 488

608 - Índice remissivo

Neuromodulação sacral, 320 Neuropatia óptica isquêmica anterior, 528 periférica, 505 Neurossífilis, 329 Neurotoxoplasmose, 236, 328 Neurotuberculose, 330 Nistagmo, 231, 262 Nitrato, 48 Nitroglicerina, 48 Nocardiose, 329 Nódulos, 293 mamário, 30 pescoço, 549 tireoide, 360 algoritmo de conduta, 364f

O Obesidade, 162, 215, 340, 342, 395, 504 dislipidemia, 126 Obstipação intestinal, 577 Octreotida, 209 Odinofagia, 436, 437, 467 Oftalmoplegia, 515 Oftalmoscópio, 11 Ogiva de Hampton, 532 Olho seco, 539 vermelho, 536 Oligoemia, 532 Oligomenorreia, 361 Oligoryzomys nigripes, 404 Oligúria, 321 Onda P, 63 U, 64 Ooforectomia, 597 Opioides, 257 Organofosforados, 257 Orofaringe, cultura, 55 Oroscopia, 122 Ortopneia, 72 Oscilopsia, 231 Osteoartrite, 504 Osteoartrose, 262 Osteófitos, 286 Osteoma, 515 Osteomielite, 395, 486 Osteopenia, 293 Osteoporose, 181, 283, 342, 457, 567 Osteossarcoma, 394 Ostium, 79 Otalgia, 521 reflexa, 436 Otite média crônica, 515 Otoemissão acústica, 517 Otorreia, 515, 521 Otosclerose, 514, 515 Otoscopia, 11, 122 Ototoxicidade, 514 Oxiemoglobina, 389 Oximetria, 142

p Pad test, 578 Palidez, 46, 373 Palidotomia, 269 Palpitações, 27, 57, 80 Pancardite, 56 Pancitopenia, 376, 392, 413, 469, 532 causas, 386q

Pancreatectomia, 153 Pancreatite, 35, 155, 162, 181, 205, 432 Pancreatoduodenectomia, 152 Pancreatopatia crônica, 208 Paniculite lúpica, 296, 298 Pannus, 293 Papiledema, 244, 262, 480 Papilite renal, 315 Papilomatose laríngea, 123 Parábola de Damoiseau, 131 Paracentese, 202, 497 Paracoccidioidomicose, 123, 271, 361, 550, 552 Parada cardiorrespiratória, 41 Paraganglioma, 360, 362 Paralisia de Bell, 296 de Todd, 252, 256 Paraplegia, 114 Paraproteínas, 492 Paratireoidectomia, 341 Paratormônio, 340 Parestesias, 80, 332, 361, 396, 505 Parvovírus, 284, 423, 425 Pele hiperpigmentação, 290, 413 manchas, 389 artralgia, 295 febre, 423 tipos, 390q Pelviperitonite, 587 Penfigoides, 455 Pênfigos, 455 Penicilina benzatina, 55 Pêntade de Reynould, 156 Peptídeo natriurético cerebral, 140 Perda auditiva, 521 causas, 513q visual, 526 Perfusão pulmonare tecidual, 78 Periarterite nodosa, 316 Pericardiectomia, 34 Pericardite, 30, 44, 46, 126, 127, 293, 305, 439, 532 causas, 32q Perimetria, 528 Peristalse, 147 Peritonite, 162, 163, 165, 586 Persistência do canal arterial, 79 Peso ganho, 345 perda, 467, 491 causas, 469q Pesquisa de clone, 387 Pesticidas, 262 Petéquias, 424, 439, 468, 471 Pica, 474 Pielonefrite, 315, 337, 443, 448, 490 Pill-in-the-pocket treatment, 29 Pingueculite, 538 Pioderma, 288 gangrenoso, 293 Piúria, 315 Plaquetopenia, 119, 324, 385 causas, 391q Plaquetose, 395 Plasma de argônio, 199 Plasmaférese, 302, 392 Plasmodium falciparum, 419 Plenitude aural, 514 auricular, 521 Pletora facial, 395

Índice remissivo - 609

Pleurites, 126 Pleurodese, 129 Pneumoconioses, 87 Pneumonia, 32, 35, 78, 95, 353, 384, 385, 395, 401, 532, 568 eosinofílica, 305 pneumocócica, 443 Pneumonite de hipersensibilidade, 97 lúpica, 112 Pneumotórax, 35, 44, 46, 135, 340 espontâneo primário, 128 Podagra, 285 Polaciúria, 314 Poliangiite microscópica, 296, 298 Poliarterite nodosa, 196, 296, 505 Poliartralgia, 438 causas, 285q, 297 Poliartrite, 289 causas, 290q migratória, 295 Policitemia, 96, 394 vera, 266, 396, 397q, 410, 460, 487 Policondrite, 289 Policromatofilia, 377 Polidipsia, 58, 356 primária, 327 psicogênica, 355 Poliglobulia, 562 Polígono de Willis, 245 Polimialgia, 279 reumática, 281, 563, 565 diagnóstico diferencial, 282q Polimiosite, 279, 280 Polineuropatia, 170, 305 causas, 172q Pólipos adenomatosos, 195 Polipose adenomatosa familiar, 188 Polissulfato de pentosano sódico, 319 Poliúria, 58, 322, 332, 355 causas, 356q Pontilhado basofílico, 378 Ponto de Castell, 14 Porfiria, 168, 171, 477 plúmbica, 172 Porta hepatis, 477 Potássio, gradiente transtubular, 333 Prednisolona, 282 Prednisona, 282 Pregas vocais, 123 Prenhez tubária, 162 Presbiacusia, 513, 514, 517 Pressão arterial, 12 Primatas, 433 Procalcitonina, 431 Progesterona, 588 Prolactina, 366 Prolactinomas, 347 Prolapso uterino, 578 válvula mitral, 14 Propiltiouracila, 353 Proteína de Bence Jones, 492 eletroforese, 493 Proteinúria, 304 Próteses valvares, 381 Proteus, 166 Prurido, 222, 417, 459, 537, 546 aquagênico, 396, 460 senil, 460 Pseudodemência, 556 Pseudogota, 285, 289

Pseudo-hermafroditismo, 588 Pseudo-hipercalemia, 396 Pseudomembrana, 179, 538f Pseudo-obstrução colônica, 147 Pseudo-onda S, 28 Pseudoprolactinomas, 367 Pseudossíndrome de Bartter, 336 Psicose confabulatória e de Korsakoff, 573 Psitacose, 443 Pterígio e pinguécula, 538 Pterigite, 538 Ptose, 260 palpebral, 544 Pulso, 12 atividade elétrica sem, 42t jugular, 11 periféricos, 505 Punção aspirativa por agulha fina, 363 Púrpura, 296, 305, 389, 504 anafilactoide, 316 classificação e causas, 390q de Henoch-Schönlein, 297, 300, 302 trombocitopênica trombótica, 302, 392, 486

Q Queilose, 226 Queixa, 3 Quilotórax, 134 Quimioterapia, 392, 462

R Raciocínio, 3 Radioablação, 364 Radiodoterapia, 364 Rash cutâneo, 244, 417, 423, 438, 442, 550 malar, 290, 448 Reabilitação pulmonar, 142 Reação autoimune, 33 Reflexo bicipital e patelar, 12 Refluxo vesicoureteral, 316 Regurgitação, 225 aórtica e mitral, 56 Relação médico-paciente, 3 Reperfusão e revascularização, 40t Repolarização ventricular, 64 Resfriado, 87, 401 Reticulocitose, 378, 383 Retina, 526 Retinopatia diabética proliferativa, 526 hipertensiva, classificação, 58q Retocolite ulcerativa, 181, 195, 287, 289 Reumatismo palindrômico, 285 Rickettsioses, 430 Rigidez, 241 matinal, 284, 289 Rinite alérgica, 87 Rinoscopia, 122 Rinossinusite, 94 Rins policísticos, 315 RNA-vírus, 433 Roncos, 105 Roséolas sifilíticas, 437, 438 Rotação de Báràny, 237 Rotavírus, 175 Rotura esplênica, 206 perineal, 578 Rouquidão, 121, 360

610 - Índice remissivo

Rubéola, 253, 284, 295, 423, 438, 550 Ruído de ejeção aórtica, 13

s Sacroileítes, 490 Sacroiliite, 287 Salmonella typhi, 409, 444 Salpingite, 587 Salpingooforite, 587 Sangramento, profilaxia, 119 Sangue, viscosidade, 394, 396 Sarampo, 423, 436, 437 Sarcoidose, 92, 97, 134, 170, 200, 323, 324, 329, 342, 347, 357, 401, 443, 449, 457, 460, 551 Sarcomas, 395 de Kaposi, 114, 487 Saturnismo, 171, 172 Schistosoma mansoni, 222, 445 Schwannoma, 360, 362 vestibular, 517 Secretina, 209 Sede, 357 Sedentarismo, 342, 345 Senilidade, 346 Sepse, 32, 157, 158, 163, 247, 417, 448, 467, 479 Sequência de Rokitansky, 593 Serosites, 32, 204, 290 Shift cells, 376 Shigatoxina, 392 Shigella, 301 Shigelose, 175 Sibilância, causas, 105q Siderose transfusional, 475 Sífilis, 234, 273, 295, 298, 329, 409, 424, 437, 438, 448, 449, 451, 518, 533, 540, 550 otológica, 522 Sigmoidoscopia, 186 Silicose, 97, 111,324 atividades de risco, 99q pulmonar, 98 Sinais de Babinski, 15, 511 de Brudzinski, 272 de Faget, 402,417, 443 de Filatov, 423 de Finkelstein, 510 de KayserFleicher, 487 de Kehr, 206 de Lasègue, 286 de Lemos Torres, 131 de Levine, 46 de Murphy, 165, 205, 402 de Parinaud, 480 de Pastia, 423 de Pemberton, 361 de Peñalosa-Tranchesi, 75 de Phalen, 511 de Romberg, 234 de Tinel, 511 do sapo, 28, 232 Síncope, 19, 27, 65, 80, 251 causas, 20q neuromediada, 21 Síndrome antifosfolipídica, 246 antifosfolipídio, 266, 302 carcinoide, 175 cerebelar, 263 conversiva, 251 coronariana aguda, 36, 44, 66, 135, 246, 350 CREST, 226

Síndrome (cont.) da angústia respiratória aguda, 303, 384, 395, 404 da cauda equina, 286 da imunodeficiência adquirida, 182, 236 febre, 444t da mononucleose, 424, 437 da pele escaldada estafilocócica, 455 da resposta estrogênica, 589 inflamatória sistêmica, 163, 273 da sela turca vazia, 590 da veia cava superior, 462, 546 de abstinência alcoólica, 573 de Bartter, 334, 335 de Behçet, 541 de Boerhaave, 192 de Bouveret, 148 de Budd-Chiari, 203, 324, 407, 430, 486, 487, 488, 489 de Churg-Strauss, 296, 298, 306 de Cogan, 522 de Conn, 334 de Crigler-Najjar, 213, 373 de Cushing, 345 de Down, 470 de Dressler, 33 de Eisenmenger, 79, 80 de Felty, 200, 410 de Gilbert, 212, 373 de Gitelman, 334, 335 de Goodpasture, 111, 112, 302 de Guillain-Barré, 424, 439, 547 de Heerfordt-Waldenström, 324 de hiperventilação, 232 de hiperviscosidade, 235 de Horner, 231 de Kallman, 590 de Korsakoff, 558 de Liddle, 334 de Löefgren, 324 de Lynch, 188, 189 de má absorção, 491 de MacLeod, 266 de Mallory-Weiss, 193 de Marfam, 227 de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser, 591 de Ménière, 522 de Mirizzi, 165, 166 de Morris, 590 de obstrução intestinal, 147 de Ogilvie, 147 de Parsonage-Turner, 509 de Reiter, 289 de secreção inapropriada do hormônio antidiurético, 326, 485 de Sézary, 296 de Sheehan, 347, 590 de Sjögren, 290, 296, 539, 550 de Turner, 588 de vasoconstrição cerebral reversível, 245 deWeil, 272, 301, 404 de Werner-Morrison, 181 de Zollinger-Ellison, 456 disabsortivas, 467 do anticorpo fosfolipídio, 292, 531 do choque tóxico, 424 do cólon irritável, 318 do desconforto respiratório agudo, 420 do desfiladeiro torácico, 509 do intestino curto, 181 irritável, 169, 181, 206 critérios de Roma, 170q do pânico, 35, 240, 350

Índice remissivo - 611

Síndrome (cont.) do QT longo, 69 do túnel do carpo, 281, 362, 510 do X frágil, 590 edemigênica, 290 extrapiramidal, 232 febril, 416 hemolítico-urêmica, 301, 392 metabólica, 246 miastênica, 544 mielodisplásica, 386, 460 hipoplásica, 387 monolike, 437 nefrítica, 495 nefrótica, 204, 290, 345, 495, 496, 531, 533, 547 parkinsonianas, 241q pulmão-rim, 301t reumatoide, 296 urêmica, 32 Sinusite, 305, 565 bacteriana, 87 Siringobulbia, 512 Siringomielia, 511, 512 Sírinx, 512 Sistema renina-angiotensina-aldosterona, 332, 499 Skew deviation, 480 Slings, 579 Sobrecarga ventricular, 65 Sobrepeso, 215 Sódio, 568 Solventes, 262 Sonolência, 232, 328, 361 Sons de Korotkoff, 12 Sopro, 12 cardíaco, 51, 485 intensidade, 52 regurgitativo mitral, 46 Spiders, 430 Staphylococcus, 451 faecalis, 166 Steinstrasse, 340 Streptococcus, 166, 451 bovis, 449 Sudorese, 46, 57, 88, 126, 350, 354, 361, 392, 420, 480, 505, 509, 573 noturna, 93 Sufusão conjuntival, 471 Suicídio, 268 ideações, 257 Sulfa-hemoglobina, 78 Supradesnivelamento, 64 Surdez, 513

T Tabaco, 506 Tabagismo, 110, 122, 126, 152, 227, 509 Tabes dorsalis, 234, 448 Taenia solium, 253 Talassemia, 373, 380-382, 492 Talcose, 97 Tampão plaquetário, 117 Tamponamento, 305 cardíaco, 36, 135 pericárdico, 31 Taquicardia, 25, 334, 361, 362, 392, 417, 482, 573, 574 paroxística supraventricular, 29 ventricular, 69 Taquipneia, 46, 361 Telangiectasias, 430, 496, 531 Tempestade tireoidiana, 351 Tendinite, 280, 504 da lavadeira, 510

Tenossinovite, 281 de Quervain, 510 Terapia comportamental, 579 de reposição hormonal, 162 Teratoma, 544 Terçol, 537, 538 Termocoagulação, 194 Teste de Coombs, 378 de Ham, 387 de restrição hídrica, 355 do cotonete, 578 postural, 59 Tetania, 57 Tetralogia de Fallot, 79 Timoma, 544 Tiques, 266 Tireoide câncer, 362 carcinoma papilífero, 364, 365 ectópica, 545 nódulo, 360 algoritmo de conduta, 364f Tireoidectomia, 347, 364 Tireoidite, 362 de De Quervain, 235 de Hashimoto, 181, 346, 363 Tireotoxicose, 51, 175, 266, 342, 351, 353, 354 Tonsilite, 439 Tontura, 80, 231, 396, 514 causas, 237q tipos, 233t Toque retal, 162, 445 Toracocentese, 128, 129 Toracoscopia, 129 Toracotomia, 129 Torsades de pointes, 68 Tosse, 106, 110, 225, 296, 324, 437, 438, 462, 509, 538, 546 dispneia, 94 causas, 88q, 95q crônica, 87, 95q Toxemia, 361, 448 gravídica, 352 Toxina botulínica, 269 Toxoplasma gondii, 437, 550 Toxoplasmose, 253, 271, 329, 409, 424, 437, 540 Transferrina, 475 Transplante, 411, 434 Transtorno afetivo bipolar, 568, 571 amnésticos, 558 bipolares, 352 cognitivos, 558 conversivo, 44 humor, 556 marcha, 262 movimento, 239 somatoformes, 35 Transudatos, 130 Trauma, 35, 227, 316, 352 craniano, 244 Traumatismo cranioencefálico, 326, 526 Treinamento vesical, 319 Tremor, 239, 354, 573 medicamentoso, 240/ Treponema pallidum, 424, 438 Tríade de Charcot, 156, 205, 402 de Rigler, 149 de Virchow, 395 Tricoleucemia, 376

612 - Índice remissivo

Tripanossomíase africana, 409 Tristeza, 554 Trombo, 506 Tromboangiite obliterante, 504-506 Trombocitopatias, 119 Trombocitopenias, 391, 424, 439, 493 Trombocitose, 293, 547 essencial, 410, 487 Tromboembolia, 126, 288 pulmonar, 44, 247, 304, 384, 392, 532 Trombofilias, 246, 489 paraneoplásica, 486 Tromboflebites, 504 infecciosas, 272 Trombólise química, contraindicações, 40q risco, 36t Trombose, 81, 316, 407, 489, 509, 528 veia porta, 203 venosa, 292 profunda, 78, 304, 392, 395, 504, 531 Trypanossoma cruzi, 438 Tuberculina purificada, 317 Tuberculítides, 296 Tuberculoma, 329 Tuberculose, 33, 88, 92, 97, 123, 147, 151, 181, 296, 328, 329, 347, 360, 361, 409, 437, 442, 443, 449, 540, 545, 550, 561 ganglionar, 271 miliar, 416 óssea, 486 pélvica, 589 pleural, 133 pulmonar, 110 renal, 316 tratamento, 93q Tumor, 316 de Pancoust, 509 dermoides e papilomas, 264 marcadores, 152 polipoides, 147 Turgência jugular, 131, 450 Turvação visual, 537

u Úlceras, 538

de Dieulafoy, 196 de Hunner, 318, 319 orais, 401 péptica, 35, 190, 567 Unhas, 380 em vidro de relógio, 141 quebradiças, 361 Uremia, 147, 168, 252, 322, 404 Ureterem rosário, 317 Uretra, 316 Uretrite, 284, 289, 314-316 Uretrocistocele, 578

Urobilinogênio, 150,211,428 Urossepse, 339, 340 Uveíte, 285, 288, 305, 324 causas, 540q

V Vaginite, 314, 316 Valva mitral, 52 Valvopatia, 127 por balão, 53 Varicela, 416, 424 Varicocele, 488 Varizes, 496, 504 esofágicas, 224 Vasculite, 248, 253, 290, 293, 389, 401, 540, 561, 563 reumatoide, 296 Vasoconstrição, 78 Vectoeletronistagmografia, 523 Vegetação mitral, 299 Venografia, 489 Ventilação pulmonar, 78 Ventriculomegalia, 253 Vertigem, 231, 245, 373, 521 Vesículas, 455 em porcelana, 215 Vestibulopatia, 522 Vias biliares extra-hepáticas, obstrução, 213q Vírus da imunodeficiência humana, 401, 443, 550 sorologia, 273 Epstein-Barr, 271, 424, 437, 550 hepatite, 132, 486 herpes, 423, 550 Norwalk, 175 varicela-zoster, 424 Vitamina B12, 234, 379, 392 D,214,342, 567 K, 431,574 deficiência, 182 Vitiligo, 457 Volvo, 147 Vômitos, 147, 322, 401 Vulvovaginites, 318

w Warfarina, 392 Western blot, 413

X Xantelasmas, 375 Xerose cutânea, 460 Xerostomia, 290

z Zumbido, 373, 514, 520, 524