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Portuguese Pages 97 Year 1995
EM NOME DA SEGURANÇA NACIONAL
Do golpe de 64 ao início da abertura Paes
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A. o.
9: EDIÇÃO
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Maria Helena Simoes
PARTE
1
Uns sonhos morrem. Outros se realizam
Muitos tempos, muitas memórias
á trinta anos, em abril de 1964, o presidente João
Goulart era deposto e os militares assumiam o poder no Brasil. Começou assim a ditadura militar que durou 21 anos, terminando com a posse do presidente José Sarney, em 1985. Olhando para trás, esse período parece tão próximo e ao mesmo tempo tão distante. Foi noutro dia mesmo que nos organizamos para reivindicar melhores condições de ensino
nas escolas e universidades. Que enfrentamos a polícia em tantas cidades do país aos brados de “abaixo a repressão”. Que tomamos a avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, na “Passeata dos 100 mil” gritando “abaixo a ditadura”. Que sofremos as consequências da grande repressão desencadeada a partir do golpe de 1964, perdendo amigos e companheiros assassinados ou desaparecidos pelas forças policiais militares. Que cantamos Tropicália com Caetano, Caminhando com Vandré e Apesar de você com Chico Buarque. Que pensamos estar fazendo a revolução. Esse tempo parece próximo porque ainda se reivindicam melhores condições de ensino; porque a repressão e a tortura continuam fazendo vítimas nas ruas e nas prisões deste país; porque ainda cantamos com Chico e Caetano; porque ainda sonhamos com uma sociedade mais justa. No entanto, esses fatos parecem tão distantes. Já não se lêem nos jornais referências ao imperialismo americano ou ao perigo soviético. Os estudantes já não gritam abaixo a ditadura. A polícia já não mata presos políticos. À imprensa é diferente não só na linguagem escrita, mas também na
linguagem visual.
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Como este livro trata de uma época cronologicam ente próxima, muitos de nós vivemos os acontecimentos e partilhamos os mesmos sentimentos aqui colocados. Mas as lembranças e os olhares são muitos. Entre outras coisas porque
eles dependem do lugar de onde se olha e para onde se olha.
Esta obra trata dos primeiros dez anos da ditadura militar no Brasil, abrangendo os governos do general Castelo
Branco (1964-67), do general Costa e Silva (1967-69), da Junta Militar (1969) e do general Médici (1969-74). A partir de
1974, de acordo com o discurso dos militares, teve início o
que ficou conhecido como abertura: um movimento lento e gradual — mas não total — de desmontagem do sistema político fechado que caracterizou a ditadura militar. De algum modo, este livro difere de outros que tratam do mesmo período. Esta primeira parte apresenta um quadro geral do mundo no pós-guerra e nos anos anteriores ao golpe de 64, que derrubou o presidente João Goulart. A segunda parte, ao tratar dos primeiros dez anos da ditadura militar, traz uma série de registros (documentos) produzidos naquela época. Dessa maneira, o leitor entrará em contato com os aconteci-
mentos, mas também com a forma como as pessoas de diver-
sos segmentos sociais viveram, sentiram e interpretaram o acontecido. O mundo depois da Segunda Guerra: a Guerra Fria Para compreendermos, pelo menos em parte, os acontecimentos anteriores e posteriores a 1964, é preciso olhar a
situação internacional que se criou após a Segunda Guerra Mundial
(193945).
Nos anos que se seguiram a 1945, aproveitando o poten-
cial bélico do período da guerra, tanto os EUA quanto a URSS desenvolveram um tal poderio atômico que um enfrentamento entre as duas superpotências poderia levar a destruição do planeta, numa guerra nuclear. Aliás, podese entender que os EUA iniciaram essa guerra ao lançarem, em 1945, suas bombas sobre Hiroxima e Nagasáqui, no Japão.
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Contudo,
a tentativa de evitar esse confronto
levou ao
que se chamou de Guerra Fria: uma disputa entre os EUA e à URSS pela hegemonia mundial. Essa disputa mostrava muttas faces. Uma corrida armamentista — com as indústrias de material bélico produzindo a todo o vapor — justificada por ambas as potências pela ameaça que a outra representava. Uma corrida espacial cujo auge foi a chegada dos americanos à Lua em 1969. Uma política externa expansionista na qual as duas diplomacias tentavam, sob diversas maneiras, alargar a sua área de influência, estendendo-a a outras nações que passavam a ser consideradas aliadas. Os filmes de espionagem da época, muitas vezes caricaturando ou reduzindo as situações, mostram a guerra surda que se travava por trás das diplomacias. Entretanto, essa disputa aparecia, antes de tudo, como um conflito ideológico, no qual os EUA apresentavam-se como defensores do capitalismo*, a URSS defensora do socialismo* e os ataques partiam de ambos os lados. Os EUA e seus aliados afirmavam que Moscou — o perigo vermelho — arquitetava um plano de dominação mundial, infiltrando no
Ocidente os chamados agitadores profissionais, cuja missão era estimular a subversão conquistando as mentes para a defesa do totalitarismo soviético. Por subversão, os defensores do capitalismo entendiam as greves, os movimentos sindicais e quaisquer outras manifestações reivindicatórias ou de protesto. Para o bloco liderado pela URSS, os EUA e seus aliados —
— também prechamados de imperialismo ianque e seus lacaios
tendiam dominar o planeta, explorando economicamente os outros países e submetendo-os aos seus interesses, o que resultava na submissão de suas populações às injustiças do capitalismo. O mundo viu-se então dividido e os países efetivamente obrigados a tomar partido entre uma das duas superpotências. Essa partição do mundo,
ção da OTAN
estampada na organiza-
(Organização do Tratado do Atlântico Nor-
te) e do Pacto de Varsóvia, fragmentou a Europa em dois campos inimigos: a Europa do Oeste e a do Leste, cuja * As palavras com asterisco são definidas no Vocabulário, no final do livro,
"i
marca visível foi o muro
de Berlim, levantado
em 1961.
Dividiu também internamente os países sob a hegemonia
dos EUA. Nesses países, pelo menos aqueles setores sociais que tinham algum tipo de envolvimento ou opinião
política viam-se pressionados a optar pela direita — os que defendiam o sistema capitalista e a manutenção da ordem estabelecida sob o domínio da burguesia — ou pela esquerda — aqueles que pretendiam através de uma revolu-
ção estabelecer o socialismo, criando uma sociedade igualitária sob a liderança da classe operária. Pelo menos desde a Revolução Russa de 1917, em nível
mundial, estavam em jogo duas concepções antagônicas sobre a organização da sociedade: o capitalismo e o socialismo. Porém, durante a Guerra Fria, essa disputa foi tão aguda que parecia uma luta de vida ou morte: a vitória de uma dessas concepções significaria a derrota da outra. Querendo ou não, optando ou não por uma dessas correntes, as pessoas favoreciam a vitória de uma ou de outra. Quem enxergava efetivamente o conflito, diante dele se posicionava. De fato, durante a maior parte deste século a humanidade viveu a possibilidade de escolher um desses dois caminhos. Com a derrocada dos projetos que pretenderam chegar ao socialismo, a possibilidade de alcançar transformações sociais ganha novos contornos. Mas essa discussão não cabe na proposta deste livro.
A expansão multinacional ou o avanço do imperialismo No pós-guerra, historicamente associado à Guerra Fria, e pelo menos até o início dos anos 70, o mundo viveu um período de crescimento econômico e industrial e de acentuado avanço tecnológico, tanto no mundo
capitalista quanto
no mundo dito socialista. Na área capitalista, esse crescimento esteve associado a uma enorme expansão das empresas multinacionais*, sobretudo americanas, que se estenderam
inicialmente pelo Primeiro Mundo* e em seguida pelo Terceiro Mundo, controlando a economia mundial e acentuando a internacionalização da economia capitalista.
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A expansão dessas empresas, que muitos economistas pre-
ferem denominar transnacionais, realizava mais uma fase da
internacionalização do capitalismo: a internacionalização da
produção, com as multinacionais montando suas fábricas no Primeiro e no Terceiro Mundo. Isso quer dizer que, do ponto
de vista econômico, as fronteiras nacionais eram de algum modo invadidas ou invalidadas. Assim, quando uma dessas múltis monta suas fábricas em outros países, as decisões sobre a sua produção e administração obedecem aos interesses globais da empresa e muitas dessas decisões podem entrar em choque com os interesses de setores sociais dos países onde ela está instalada. Ou também podem ser conflitantes com as metas ou programas de um determinado governo. Conflitos desse tipo ocorreram durante o pós-guerra em vários países nos quais as multinacionais se estabeleciam: na Indonésia do presidente Sukarno, no Brasil de Getúlio Vargas e Goulart, no Chile de Salvador Allende, na Argentina de Perón. Esse processo de internacionalização da produção é acompanhado do que se chamou distribuição de renda ao contránio. Isto é, as multinacionais levavam
para suas matrizes, através
de uma série de procedimentos, uma quantidade de dólares muito superior à quantidade investida nos países em que se
instalavam. Assim, pelas multinacionais, operava-se uma trans-
ferência de capitais dos países pobres para os países ricos. No
entanto, naquele contexto de polarização ideológica, admitir
essa realidade da “distribuição de renda ao contrário” parecia ser exclusividade das esquerdas e dos nacionalistas. Imperialismo não é hoje uma palavra corriqueira. No entanto é um conceito-chave para entender muitos dos conflitos do pós-guerra. Para a maior parte das esquerdas, essa expansão das multinacionais foi entendida como uma relação de exploração entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos. Dizendo de outro modo, os países ricos chamados imperialistas exploravam os países pobres mantendo-os econômica e politicamente dependentes. Assim, essa concepção do imperialismo como algo absolutamen-
te externo aos países subdesenvolvidos alimentava à ideologia nacionalista identificando externamente O principal inimigo: um país ou os países imperialistas.
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vam
Naquele momento,
poucos setores das esquerdas avalia-
que a entrada do capital estrangeiro estruturava, em
cada país, poderosos setores burgueses multinacionais asso-
ciados a uma burguesia local, que se enriquecia e se fortale-
cia com essa associação. Burguesia que era, portanto, favorável à entrada desses capitais. Visto por esse ângulo, o imperialismo não era algo tão externo assim.
Aidéia da revolução socialista O ideal de uma sociedade socialista, perseguido pelas esquerdas desde o século passado, foi alimentado no começo deste século pela Revolução Russa de 1917. No mundo do pós-guerra esse ideal manteve-se vivo pela vitória da revolução na China em 1949, comandada por Mao Tsétung, pela Revolução Cubana, liderada por Fidel Castro em
1959-60,
Vietna em
e, sem
1965-75.
dúvida
nenhuma,
pela
Guerra
do
Para grande parte das correntes de esquerda, no mundo capitalista, pelo menos no início dos anos 60, o projeto de uma revolução socialista, pacífica ou armada, previa duas etapas. A primeira — definida em geral como nacional e democrática — seria desencadeada por uma frente única antimperialista, que uniria vários setores sociais, inclusive as chamadas burguesias nacionais, tendo por objetivo a expulsão do imperialismo. A segunda etapa — liderada pela classe operária — empreenderia a construção de uma sociedade socialista, Evidentemente, essas teorias ditas etapistas decorriam, entre outras coisas, da concepção que se tinha de im-
perialismo. Uma das teorias etapistas que tinha inúmeros seguidores em todo o mundo era o modelo chinês da Guer-
ra Popular Revolucionária (GPR), que priorizava a ação re-
volucionária na área rural através da guerrilha. Ou seja, uma sucessão de pequenos ataques e recuos, de vários grupos revolucionários, em diversos lugares ao mesmo tempo, grupos esses que contavam com efetivo apoio da população local. Isso diferia bastante da idéia de um confronto aberto entre revolucionários e defensores do sistema.
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Contudo,
a Revolução
Cubana
trouxe ao cenário mun-
dial uma outra teoria revolucionária que conquistou setores das esquerdas, sobretudo na América Latina. A teoria cubana do foco guerrilheiro, defendida por Fidel Castro e Che Guevara, ministro cubano, não aceitava a revolução em duas
etapas nem a frente antiimperialista, mas propunha a passagem direta ao socialismo.
Guerra Fria e expansão multinacional No continente americano, a Guerra Fria ganhou novo im-
pulso com a Revolução Cubana (1959-60), a primeira revolução socialista na América. O clima tornou-se tenso sobretudo
quando, em 1962, os EUA descobriram bases soviéticas para lançamentos de mísseis instaladas em Cuba. Depois desse fato, a enorme pressão que já se fazia sobre Cuba culminou com a sua expulsão da OEA (Organização dos Estados Americanos), surgida no pós-guerra justamente para alinhar os países americanos ao lado dos EUA. Na esteira dessa luta, as diplomacias americanas fixaram diretrizes para reger as relações continentais. Por um lado, estruturou-se a política de defesa integrada do continente, que deixava de lado os princípios de não-intervenção e de soberania das nações. Essa política justificou, sem dúvida nenhuma,
a invasão da República Dominicana,
em
1965, por tropas militares de vários países americanos, inclusive do Brasil, comandadas por um general brasileiro. A invasão era apresentada como uma ação defensiva dos países do continente contra o perigo vermelho. Outras formas de intervenção dos EUA recebiam ainda o rótulo de missões técnicas ou
missões de cooperação.
Por outro lado,
consagrou-se o lema
segurança e desenvolvimento. Isto é, O crescimento econômico
era visto como uma arma para evitar a expansão do comunismo* nos países americanos. Com essa política justificavam-se as cooperações técnicas e a entrada das multinacionais: o objetivo explicitado era promover o crescimento econômico. Dessa forma, a expansão das multinacionais nos países do continente esteve associada à Guerra Fria, a um clima de
conflitos e ao surgimento de ditaduras militares. Muitas ve-
SA NEN
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zes, à luta das multinacionais e das burguesias locais a associadas desenvolveu-se lado a lado às ações oficiais EUA, reprimindo os movimentos e afastando governos cionalistas que resistiam à entrada do capital estrangeiro.
elas dos naEn-
tre alguns exemplos temos: a deposição de Goulart em 1964 no Brasil e, em 1978, no Chile, a derrubada do presidente
Salvador Allende. De fato, essa associação entre a Guerra Fria
e a expansão multinacional ocorreu ainda em outros conti-
nentes nesse mesmo período.
O Brasil no pós-guerra Nesse quadro internacional do pós-guerra, entendido como os quase trinta anos que se seguiram a 1945, o Brasil situou-se como aliado dos EUA, tendo mantido, no entanto,
posições ambíguas em vários momentos. A penetração eco-
nômica norte-americana no país, embora datando de décadas anteriores, consolidou-se durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-60). Quanto à presença cultural americana, que lançara as suas bases definitivas nos anos 40, com as missões de cooperação, permaneceu ativa durante as décadas
seguintes, quando novas missões e intercâmbios se registraram. Poderia ser percebida tanto nos hábitos de comer hot-
dog, beber Coca-Cola ou ouvir prioritariamente música norte-americana, manifestações dos padrões de vida e comportamento do american way of hife*. Também no pós-guerra estruturou-se no país a chamada democracia populista: uma fórmula que tentava conciliar diversos setores das classes dominantes e manter uma mobilização controlada das classes dominadas. Durante o segundo gover-
no de Getúlio Vargas (1950-54), a democracia populista ga-
nhou também um modelo econômico em bases nacionalistas. Nesse contexto, frutificou no território brasileiro um movimento nacionalista com a participação das esquerdas, que levantava a bandeira do controle sobre o capital estrangeiro ou, para os mais radicais, a da expulsão do imperialismo.
Para a maioria das esquerdas que participavam desse mo-
vimento, sob a hegemonia do Partido Comunista Brasileiro
(PCB), a meta era naturalmente a revolução pacífica e em
duas etapas, sendo que a primeira etapa seria liderada por
uma frente única antiimperialista composta pelos setores ditos
progressistas da sociedade, mas sob o beneplácito do Estado. Os setores considerados progressistas eram aqueles não comprometidos com o imperialismo e o latifúndio: as classes trabalhadoras, setores das classes médias e ainda os setores nacionalistas do Exército e a chamada burguesia nacional (que não se aliaria ao capital estrangeiro). Em oposição às forças nacionalistas e de esquerda, ainda nos anos 50, consolidou-se na Escola Superior de Guerra (ESG) a Doutrina de Segurança Nacional (DSN). Essa dou-
trina partia da bipolaridade mundial estabelecida pela Guerra Fria e considerava que a manutenção da ordem dependia da eliminação da subversão instigada pelo comunismo internacional. Ou seja, a doutrina previa a eliminação das oposições, uma vez que entendia oposição como subversão. A DSN
passou a inspirar a ação de certos grupos dentro das Forças Armadas, justamente aqueles agrupamentos que seriam os responsáveis pela articulação entre a ESG e os setores burgueses aliados ao capital multinacional. Criticando a prática política e o nacionalismo* populista, essas forças de direita pensavam para o Brasil um capitalismo assentado na forte presença do capital estrangeiro e um regime político sem as alianças com as classes dominadas, características da demo-
t
ea
TT
cracia populista. já Ao final dos anos 50, a polarização esquerda—direita era marcante e acentuou-se nos primeiros anos da década seguinte, especialmente no governo de Goulart: de um lado os militares da ESG e os setores burgueses a eles aliados, e de outro, as esquerdas e os nacionalistas.
Caminhos truncados João Goulart (1961-64), que assumiu a presidência com a renúncia de Jânio Quadros, tomou posse e governou sob
constante ameaça de golpe. Desde o início, enfrentou um
processo chamado de desestabilização, organizado pela lideA
11
rança dos setores burgueses aliados ao capital intern acional
e por oficiais da ESG, e contando com o apoio do governo dos EUA.
O governo Goulart foi chamado de nacional reformista
justamente porque acenava com a bandeira do nacionalismo, propondo controlar o capital estrangeiro, e a bandeira
das reformas de base, que apontavam na ampliação dos direitos de cidadania para as classes trabalhadoras. Esse governo propunha principalmente três reformas: educacional, eleitoral e agrária. À reforma educacional possibilitou efetiva-
mente a mobilização de milhares de pessoas que entendiam a educação como uma via para a conscientização. A reforma eleitoral pretendia estender o voto aos analfabetos e a reforma agrária previa expropriação de terras, tocando, portan-
to, na propriedade privada. Nesse contexto, ampliou-se o movimento nacionalista e a politização dos movimentos sociais, que passaram a envolver a cada dia novos segmentos da sociedade. Cresciam as ações reivindicatórias das classes trabalhadoras urbanas
e rurais, registrando-se a elevação do número de greves, algumas lutando por exigências extra-sindicais, como, por exemplo, a greve que pressionou pela posse de Goulart, em 1961.
Na área cultural, onde as propostas do PCB eram
hegemônicas, sobressaía o conceito de arte engajada, isto É, a arte entendida como instrumento de propaganda políti-
ca. Essa concepção de arte, ao lado do nacionalismo, resultava na valorização quase exclusiva da chamada cultura popular, tida como a autêntica cultura nacional. Surgiram,
na época, inúmeros movimentos de cultura popular que procuravam — através de diversas formas artísticas, como o teatro, e também por intermédio de cursos de alfabetização de adultos — levar às classes trabalhadoras a temática
das suas condições de vida como uma via para despertar a
conscientização: consciência de que poderiam lutar por direitos que representassem uma vida mais digna. Nesses movimentos envolveu-se boa parte dos estudantes, dos artistas e intelectuais e os militantes de esquerda. Essa intensa mobilização, até então inusitada no país, não
atingia, porém, níveis de organização suficientes para
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estruturar uma revolução. Entretanto, ela foi entendida como
uma revolução. As esquerdas e os nacionalistas avaliavam que a revolução que expulsaria o imperialismo e abriria caminho o fora desencadeada e era irreversível. As para o socialismjá forças de direita viam aquela mobilização como a guerra revolucionária que implantaria o comunismo no Brasil. O confronto então estabelecido foi radicalizado pelas forças de direita, sobretudo
desestabilização do governo,
pela liderança
do
processo
de
com o apoio maciço da grande
imprensa. Esse confronto foi resolvido em 1964 com o golpe que depôs o presidente João Goulart. Os militares assumiram o poder alegando salvar o país da baderna e do comunismo, em nome da segurança nacional. Chegava ao fim um período da história brasileira, o da chamada democracia populista. As esquerdas colheram uma amarga derrota. Muitos brasileiros viram suas esperanças
perdidas, seus sonhos não realizados, seus caminhos trunca-
a
dos. Outros, porém, saíram às ruas para comemorar a vitória. Muitos desses deram novos rumos ao país.
13
PARTE
H
Olhares e significados: visões da ditadura militar
DS
E
falou, tá falado
não tem discussão, não
a minha gente hoje anda falando de lado e olhando pro chão e você que inventou esse estado inventou de inventar toda escuridão
você que inventou o pecado
esqueceu de inventar o perdão Apesar de você amanhã há de ser outro dia
Apesar de você, Chico Buarque.
mem
Hoje você é quem manda
CAPÍTULO
1
Abril de 64: múltiplos significados e alguém consultar os vários registros dos acontecimentos de abril de 1964 encontrará os múltiplos significados a eles atribuídos pelos diversos segmentos ou atores sociais. Todavia, chama a atenção a polarização esquerda—direita, que aparece claramente nas interpretações daqueles acontecimentos.
Golpe ou revolução* A deposição do presidente João Goulart, em abril de 1964,
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foi na época e ainda hoje é vista como um golpe de Estado, mas também como uma revolução. Mas o que é um golpe de Estado e uma revolução? Qual o significado desses termos na atualidade?
De acordo com o historiador Norberto Bobbio, golpe de
Estado refere-se “às mudanças no Governo feitas na base da
violação da Constituição legal do Estado, normalmente de forma violenta, por parte dos próprios detentores do poder s político”. Ou seja, por elementos que pertencem as elite dirigentes e às classes dominantes. Na maioria dos golpes golmais recentes, “quem toma o poder político através de es da pe de Estado são os titulares de um dos setores-chav à ex burocracia estatal: os chefes militares”. Por isso usa-se pressão golpe militar. Uma
revolução é o desencadeamento de ações violentas
levadas adiante por setores da sociedade que não pertencem as elites dirigentes ou às classes dominantes e que pretendem rea-
17 1
“oh
lzar mudanças
profundas na política, na estrutura SÓcio-eco-
nômica da sociedade e também
nas leis, afastando do poder
aqueles que o controlavam. Como exemplo, temos a Revo lução Francesa de 1789 e a Revolução Russa de 1917 . Bobbio ainda diz que uma revolução “se disingue do golpe de Esta do,
porque este se configura apenas como uma tentativa de substituição das autoridades políticas existentes[...] sem nada ou quase
nada mudar dos mecanismos políticos e sócio-econômicos”. O jornal O Estado de S. Paulo, que apoiara entusiasticamente a derrubada de Goulart, afirma em editorial:
[...] A revolução foi obra da coletividade brasileira na sua totalidade, e o que a torna um dos momentos mais altos da
nossa História é exatamente ela ter sido uma determinação
imperativa da consciência nacional.
(O Estado de S. Paulo, 14/4/64, p. 3.)
Os militares também enxergavam uma revolução, como fica claro no discurso de posse de Castelo Branco, como presidente da República: [...] Farei, enquanto em minhas mãos estiver, para que se consolidem os ideais do movimento cívico da Nação Brasilei-
ra, nestes dias memoráveis de abril, quando se levantou unida, esplêndida de coragem e decisão, para restaurar a democracia e libertá-la de quantas fraudes e distorções a tornam irreconhecivel.
Não através de um golpe de Estado. Mas com uma revo-
lução que, nascida nos lares, ampliada na opinião pública e nas instituições e decisivamente apoiada nas Forças Arma-
das, traduziu a firmeza das nossas convicções e profundidade das nossas concepções de vida, [...]. (O Estado de S. Paulo, 16/4/64, p. 68.)
Pode-se observar ainda que nos registros acima a revolução é vista como obra do “povo brasileiro”, da “coletividade brasileira”, da “Nação Brasileira”. Ou seja, uma ação unâni-
18
me de toda a sociedade tratada como um todo unitário, sem diferenças de interesses ou de classes.
No entanto, para outros atores e setores sociais, aqueles
que foram derrotados e que tiveram truncado o caminho que percorriam, o que aconteceu em abril de 64 foi um golpe. Darcy Ribeiro, na época ministro da Educação, narra o seguinte: A última cena do golpe de Estado se dá a 2 de abril no palácio do Congresso. Moura Andrade, senador paulista,
líder latifundiário, abre a sessão extraordinária às onze ho-
ras da noite, declarando vacante a presidência contra a evi-
dência da presença do presidente da República em território nacional [...]. Faz votar ilegalmente a vacância e declara
que a presidência cabe a Mazzilli [presidente da Câmara].
A seguir encerra a sessão, manda apagar as luzes e sai,
esquivando-se, com medo. [...]
(In Aos trancos e harrancos: como o Brasil deu no que
deu, verbete nº 1803.)
O PCB, em documento de 1965, afirmava: Assinala-se nesse período, como acontecimento marcante,
o golpe militar reacionário de 1º de abril do ano passado, com a consegiiente deposição do presidente João Goulart e a instauração,
no País, de uma
ditadura reacionária e
entreguista. [...] (Resolução política do Comité Central do Partido
Comunista Brasileiro, in Edgard Carone, O PCB (1964-1982), p. 15.)
José Serra, presidente da UNE quando Goulart foi deposto, comenta:
De fato, toda a mobilização para o golpe da direita era feita com o pretexto de defender a democracia. Grande parte das classes médias, hoje tão insatisfeita com o regime
sã,
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autoritário,
compareceu
com Deus pela Liberdade,
em
1964 à Marcha ou algo assim,
da Família
convocada pela
direita e que em São Paulo juntou umas 500 mil pessoas.
O Auro de Moura Andrade, que era presidente do Senado, dizia para os participantes da Marcha, na Praça da Sé:
“reformas sim, mas dentro da Constituição, senão, não”. Veja só que ironia, essa marcha foi crucial para a
mobilização em torno do golpe. Defender a Constituição!
As bases sociais do golpe acreditavam que estavam defendendo a democracia e a Constituição. [...] (História da UNE, v. 1., p. 42.)
Portanto, para os derrotados, o movimento de 64 é visto
como um golpe realizado não pelo “povo brasileiro”, mas por segmentos sociais que são nomeados: Darcy Ribeiro quando se refere ao presidente do Senado indica sua condição de classe e José Serra fala em um “golpe da direita” e no apoio de “grande parte das classes médias”.
Revolução nacionalista ou golpe entreguista? A questão do nacionalismo estava posta, em 1964, tanto
para a direita quanto para as esquerdas. Os derrotados — as esquerdas e os nacionalistas — entendiam que os opositores de Goulart que tomaram o poder com o golpe de 64 eram antinacionalistas. O Partido Comunista, no documen-
to citado anteriormente, fala numa ditadura reacionária e entreguista. O termo reacionário era e ainda é empregado para indicar comportamentos que impedem a democratização do poder político e a diminuição das diferenças sociais. E entreguista foi um termo amplamente usado naquela época para indicar a ação daqueles setores sociais aliados ao capital entrangeiro, que “entregavam” o país à ação do imperialismo americano. Ou seja, propiciavam a submissão da nação a outro país, no caso os EUA. Portanto, tratava-se de uma ação antipatriótica e antinacionalista. Para as for-
ças da direita, antinacionais eram as esquerdas defensoras do socialismo.
20
rega
A ADP (Ação Democrática Parlamentar), uma entidade anticomunista criada no Rio de Janeiro em fins dos anos 30 e que desempenhara
um papel de articulador da ação con-
tra Goulart, numa nota oficial emitida logo depois da deposição de Goulart, afirmava:
A Ação Democrática Parlamentar, a primeira organiza-
ção a instituir-se no País, na esfera política, para esclarecimento da Nação em face das atividades subversivas do comunismo
internacional, esteve hoje reunida no exame acurado dos úliimos acontecimentos [...]. Em primeiro lugar, ressalta a significação, no processo da
chamada guerra fria, da ação revolucionária de nossas gloriosas Forças Armadas, eliminando rápida e inesperadamente os núcleos essenciais da ação antinacional que se realizava
meticulosamente em todos os quadrantes da sociedade brasilerra, sob os estímulos do próprio ex-chefe da Nação e de seus ministros auxiliares imediatos.
Na verdade, a submissão de nosso País ao bloco de
povos escravizados ao bolchevismo era um dos objetivos fundamentais desse processo. A imediata consegiiência seria, sem dúvida, a bolchevização de toda a América Latina [... J.
No último instante, no exato momento em que o desespero já povoava os lares cristãos de nossa Pátria, operou-se o milagre: entraram em ação as Forças Armadas, num gesto
que o historiador do futuro destacará com as insígnias do
idealismo heróico e da lucidez política. [...]
(O Estado de S. Paulo, 10/4/64, p. 6.)
Não
enxergava
só a ADP
uma
ação
nacionalista no
golpe militar de 64. Na verdade, as classes médias que se
mobilizaram contra o governo de João Goulart enxerga-
vam, no próprio governo, no PCB, nas mobilizações tra-
balhistas e em toda a mobilização pelas reformas de base,
uma ação do poder soviético que estaria ameaçando a nação. E, em suas múltiplas facetas, a ação contra Goulart
foi propagandeada e vivida como uma ação patriótica, que visava defender a pátria em perigo. z
21
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GA a b o at
5
nd
Ditadura Com
ou democracia?
relação ao tipo de regime instaurado em 04, as vi-
sões são igualmente opostas: para uns tratava-se de ditadura, para outros de democracia.
Mas o que é uma ditadura e o
que é uma democracia? O termo democracia, de complexa definição, pode hoje ser entendido, segundo Bobbio, como “um conjunto de regras de
procedimento para a constituição de um Governo e para a formação das decisões políticas (ou seja, das decisões que abrangem toda a comunidade)”. Esse conjunto de regras pode ser assim resumido: os que ocupam o Poder Legislativo devem ser eleitos pelo povo; os que ocupam os cargos dirigentes locais ou o chefe de Estado também devem ser eleitos; todos os cidadãos com maioridade devem ser eleitores: todos os eleitores
devem ter voto igual; todos os eleitores devem ser livres para votar e livres para formar sua opinião política; a liberdade para votar exige que se tenham alternativas; para as várias eleições deve prevalecer o princípio da maioria numérica; nenhuma decisão da maioria pode eliminar os direitos das minorias. Ditadura, ainda de acordo com Bobbio, são “regimes políticos não democráticos, modernos”,
que se caracterizam:
pela concentração de poder seja em uma pessoa, seja num
grupo; pelo governo que não é limitado pelas leis, mas coloca-se acima delas, transformando-as de acordo com seus interesses. Muitas vezes os governos ditatoriais mantêm as leis sem contudo respeitá-las. No caso do Brasil, como apontam os documentos antes citados, o PCB e os demais partidos de esquerda diziam que se tratava de um regime ditatorial. O mesmo parecia ao movimento estudantil: À União Nacional dos Estudantes, hoje cada vez mais perseguida por representar o pensamento dos estudantes, ao Se recusar a compactuar com a traição à democracia praticada continuamente pelo Governo Federal, manifesta a sua posição repudiando as recentes manobras da ditadura.
(Manifesto da UNE, 17/12/65. História da UNE, v. 1, p. 356.) 22
Até o Correio da Manhã, que apoiara efusivamente o golpe, apontava em seu editorial de 12 de abril de 1964: [...] é claro, evidente, que não será viável coexistirem a autoridade sem limites de uma Junta Militar e o mecanismo de um sistema liberal-democrata.
[...] Ou a Nação consegue
restaurar sua ordem democrática ou terá que sofrer o jugo de uma ditadura que já se delineia.[...] (“A face e o braço". Correio da Manha, 12/4/64, p. 6.)
No entanto, os vitoriosos festejavam a vitória da liberda-
de e da democracia
e a derrota do comunismo
totalitário,
conforme anunciava a manchete de O Estado de S. Paulo em
3/4/64: “Democratas dominam toda a nação”. Ou ainda no
noticiário do dia seguinte:
Centenas de novas mensagens de solidariedade à causa democrática [...] foram expedidas ontem por entidades representativas dos mais diversos setores da vida paulista. O espaço de que dispomos permite a divulgação de apenas pequena parte dessas mensagens, todas elas de júbilo que se apossou da população paulistana após a vitória das armas libertadoras e o início do processo de redemocratização do País. [...]
(O Estado de S. Paulo, 4/4/64, p. 11.)
Abril de 64 no noticiário internacional O jornal La Prensa, de Buenos Aires, em um de seus editoriais dizia:
A queda do presidente [...] põe fim a uma ameaça
que se prolongou durante vários anos, perturbando a soli-
dariedade continental e oferecendo um vasto flanco a penetração do castrismo.
(O Estado de $. Paulo, 5/4/64, p. 5.) A Rã 1 h
o?
23 a
Para o embaixador da Costa Rica, Gonzalo Facio, em
visita ao Instituto Cubano da Democracia, que reunia
em
Miami a oposição a Fidel Castro organizada por exilados: [...] com a deposição de Goulart, a Organização dos Estados
Americanos contará com votos suficientes para estabelecer san-
ções contra o regime de Castro.
(O Estado de 5. Paulo, 7/4/64, p. 2.)
Em editorial, o jornal New York Times mostrava uma posição no mínimo ambígua:
No Brasil o regime inepto e sem esperança de João Goulart foi derrocado por uma revolução pacífica. Nenhum golpe de Estado no qual seja derrocado um governo constitucional — inclusive sem derramamento de sangue — pode ser origem de satisfação.
Contudo, é certo que não havia outra solução,
além de derrubar Goulart, do que o caos para o Brasil. As relações de cooperação que se estabeleceram no presente entre Washington e Brasília devem tornar possível uma expansão dos investimentos públicos e particulares e uma assistência técnica necessária para um maior desenvolvimento e uma melhor distribuição de recursos no Brasil [...].
(O Estado de S. Paulo, 7/4/64, p. 2.)
Em Moscou, o jornal Pravda, do Partido Comunista, dizia que: [...] os inimigos externos e internos do Brasil empreenderam
uma ofensiva aberta contra o governo do presidente Goulart,
contra as massas populares do país e sua vitória. (O Estado de S. Paulo, 3/4/64, p.10.)
A Rádio de Moscou, declarava:
[...] essa tentativa de golpe de Estado dos elementos de extrema direita tem por objetivo manter seus privilégios ante as reivindicações das massas populares. (O Estado de 8. Paulo, 3/4/64, p. 10.)
24
Também na China de Mao Tsé-tung, um jornal comunis-
ta denunciava à presença dos EUA por trás do golpe militar
no Brasil. Num quadro internacional em que dois campos opos-
tos estavam ideologicamente delimitados, os defensores do
governo nacional reformista de Goulart estavam de um lado,
e os seus opositores, de outro, sem intermediação possível. E a deposição de Goulart revelava tanto a guerra que se travava internamente no país quanto a Guerra Fria que marcava o cenário da política internacional.
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CAPÍTULO 2
Os primeiros dias de abril Apoios e comemorações
m abril de 1964, consideraram-se vitoriosos todos aqueles que, de uma forma ou de outra, haviam combatido o governo Goulart ou tramado a sua derrubada. Logo no dia 2 de abril, os vitoriosos saíram às ruas, no Rio de Janeiro, numa das maiores comemorações então ocorreram.
que
Num ambiente de intensa euforia e sob uma chuva de papel picado, mais de 500 000 pessoas participaram da “Marcha da Vitória com Deus pela Liberdade”. (O Estado de S. Paulo, 3/4/64, p. 30.)
Com
o título “Vitória”, dizia o editorial do Correio da Ma-
nhã do Rio de Janeiro:
A Nação saiu vitoriosa com o afastamento do sr. João
Goulart da Presidência da República.[...] Todavia, estamos
em nossos postos, prontos para defender a Constituição, o Congresso Nacional, a democracia, a liberdade.
O afastamento
do governo do sr. João Goulart não justifica de modo algum um vegime de exceção. Não justifica violências nem crimes cometidos contra a liberdade individual e coletiva. [...] Não admitimos — e o fazemos com autoridade e isenção — que para se restaurar a disciplina se restabeleça o arbitrio de quem quer que seja.
Não podemos consentir que levemente se restrinjam
as liberdades de imprensa, a liberdade de reunião, a liber-
26
dade sindical, a liberdade partidária, ou melhor; que sofra
o menor arranhão a livre manifestação das idéias. [...]
O CORREIO
DA MANHA
desfraldou a bandeira da
legalidade, da defesa das instituições. E saiu vitorioso, Esta
vitória é da democracia e da nação brasileira. (Correio da Manhã, 2/4/6064, p. 1.)
O apoio ao movimento setores sociais:
militar viria, então, de muitos
Às Congregações dos Institutos de ensino superior e os Centros Acadêmicos que congregam a juventude universitána continuam vindo a público a fim de reiterar a sua fé nos postulados democráticos e oferecer irrestrito apoio aos líderes do movimento libertador, ora empenhado na gigantesca tarefa de redemocratização do País [...] (O Estado de S. Paulo, 12/4/68, p. 23.)
Seguem-se manifestos dos professores da Faculdade de Farmácia e Bioquímica da USP, dos alunos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae, do Grêmio da Politécnica da USP, do Centro do Professorado Paulista.
A hierarquia da Igreja manifestou-se através de uma nota oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), noticiada com esta manchete em O Estado de 8. Paulo, de
3/4/64, p. 32: “Bispos: as forças armadas livraram o país do comunismo”. Os empresários manifestaram-se publicamente assim que
Raphael Noschese, assim se pronunciou perante as diretorias das entidades: A Federação e o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, neste momento em que se consolida a recuperação cris-
28
a Tm
(Ciesp),
mm
do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo
O
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e
e
Paulo com as Forças Armadas. Na ocasião, o presidente da
e
receberam um ofício do comandante do II Exército, que agradecia a colaboração dos industriais do Estado de São
tã e democrática da Nação, congratulam-se com todas as for-
ças civis e militares que repeliram, no movimento de 31 de março, a ditadura comunista que se instalaria no País, com data marcada para o próximo mês. [...]
(O Estado de S. Paulo, 9/4/64, p. 5.)
A violência como comemoração
A deposição de Goulart foi marcada por muitas ações
violentas:
O prédio da UNE, na praia do Flamengo, foi incendiado
por populares. Cerca das 17 horas (do dia 1/4), um grupo de pessoas, em frente à UNE, deu início a uma manifestação pela vitória das forças democráticas, e os mais exaltados iniciaram o apedrejamento da sede dos estudantes. [...] o povo acompanhado dos estudantes invadiu a entidade, Móveis, cartazes e papéis foram atirados pelas janelas e, depois incendiados, devolvidos em chamas para o interior do edificio. O fogo rapidamente tomou conta de todas as dependências da entidade estudantil. O povo cantava o Hino Nacional e dava gritos pela democracia, pela constituição e pela liberdade. ps (O Estado de S. Paulo, 2/4/64, p. 4.)
A Última Hora, jornal nacionalista de penetração popular desde o segundo governo Vargas (1951-54), único diário da grande imprensa que não apoiou o movimento contra Goulart, foi também alvo da violência das forças vitoriosas.
O prédio onde funciona o jornal “Última Hora” ( no Rio
de Janeiro) foi invadido pelos ocupantes de cinco peruas, hoje à tarde (1/4), quando ali se encontravam alguns repórteres e o osão redaç ri ria. As máquinas, mesas e armáda portal da oa pess foram completamente inutilizados. Em seguida, os invasores rumaram para as oficinas e danificaram os linotapos e outras
ostade repor máquinas. Da garagem do prédio retiraram os carr
frente emdos gem e da distribuição do jornal, que foram agrupa uidas. ém foram destr do prédio eincendiados. Três motonetas tamb
29
Os bombeiros tentaram evitar que os veículos fossem destruídos, porém, dezessete viaturas fraram completamente inu-
tilizadas. [...]
O diretor do jornal “Ultima Hora”, st Samuel Waine;
asilou-se na Embaixada do Chile e se encontra na residência do
embaixador Marcelo Ruiz Solar.
(O Estado de S. Paulo, 2/4/64, p. 9.)
As disputas pelo poder Embora tivessem no anticomunismo um denominador co-
mum, os vitoriosos formavam um agrupamento heterogêneo, e desde os primeiros dias apareceram os conflitos e as disputas pelo poder, tanto no interior das Forças Armadas quanto entre os grupos civis que haviam participado e liderado a derrubada de João Goulart. Porém, a questão mais significativa para Os rumos que o sistema veio a tomar foi o conflito intramilitar, com a luta política que se instalou no interior das Forças Armadas. Entre os militares, pelo menos três tendências poderiam ser identificadas. O grupo da ESG, chamado de castelista ou
ou esguiano,
ainda Sorbonne
(numa
alusão à intelec-
tualização do grupo), articulado com a liderança burguesa
do movimento de 64, contava com nomes como os generais
Castelo Branco e Emesto Geisel. Autores da Doutrina de Segurança Nacional, eram tidos como moderados em comparação com os chamados duros. A segunda tendência, cujo portavoz foi o general Costa e Silva, ficou conhecida como “linha
dura” por defender e constantemente pressionar por um maior fechamento político e por um combate mais efetivo aos comunistas. Uma terceira tendência não se constituiu propriamente num grupo e seria percebida através das manifestações públicas de alguns generais que, tendo participado do movimento, posteriormente discordaram de seus rumos, como
os generais Peri Bevilacqua e Mourão Filho. No meio civil, os dois agrupamentos mais destacados durante o processo de desestabilização do governo Goulart eram os setores burgueses ligados à ESG e à União Demo30
a
nstitife
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crática Nacional (UDN). O Partido Social Democrata (PSD)
c o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), responsáveis pela eleição de Goulart para a vice-presidência em
1960, estive-
ram divididos, mas a grande maioria de seus parlamentares
apoiou o golpe militar. Nos primeiros dias de abril, tão logo o Congresso Nacio-
nal consumou a deposição de Goulart, com o presidente ainda em território brasileiro, os conflitos entre os vitoriosos
tornaram-se visíveis. Imediatamente o general Costa e Silva, representante da linha dura, autonomeou-se ministro da Guer-
ra (Exército), nomeando ainda os dois outros ministros mili-
tares. E, enquanto o Congresso pensava em fazer uma emenda na Constituição para tornar constitucional a nova situação
política, os três ministros militares editaram, em 9 de abril, o
primeiro Ato Institucional (um instrumento usado pelos mil tares para decretar medidas de exceção que se sobrepunham à Constituição). Essa disputa intramilitar cresceu até 68, quando pôde ser afastada com os recursos do AF-S. Fortalecendo o Executivo O primeiro Ato, deixando
evidente que poderes cabe-
riam daí para a frente ao Executivo e ao Legislativo, estabe-
lecia entre outras coisas: que o Congresso deveria eleger o novo presidente e vice-presidente da República; que cabia ao Executivo suspender os direitos políticos de qualquer cidadão, cassar mandatos legislativos em todos os níveis sem nenhuma aprovação judicial; que o presidente poderia realizar reformas na Constituição, com a aprovação da maioria do Congresso; que o presidente poderia ainda decretar O
estado de sítio sem a autorização do Congresso Nacional;
que somente ao presidente cabia apresentar projetos de lei sobre as despesas, ficando o Congresso impedido de alterar
os gastos do governo. Finalmente, o Ato estabelecia para
1965 a data das próximas eleições para presidente da República, o que significava que os militares pretendiam em breve retornar aos quartéis. À vigência desse Ato deveria terminar em 15/6/64.
31 0
nt
Na “proclamação à nação” que acompanhava o Ato, ficava definido:
[...] O Ato Institucional que é hoje editado [...] se destina a
assegurar ao novo governo a ser instituído os meios indispen-
sáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil [...]. Fica, assim, bem claro, que a revolução não procura le-
gitimar-se através do Congresso; este é que recebe deste ato institucional, [...Ja sua legitimação.
(O Estado de S. Paulo, 10/4/64, p. 1.)
As respostas da grande imprensa ao Ato Institucional po-
dem ser tomadas como indicadores de como reagiam os vencedores.
O Estado de S. Paulo afirmava:
[...] analisando o Ato Institucional, ao mesmo tempo que o aplaudimos, manifestamos a nossa divergência em relação ao seu artigo 3º, aquele em que seus ideadores conferiram ao presidente da República autoridade bastante para tomar a iniciativa de propor emendas à Constituição. A inserção dessa prerrogativa no texto do Ato Institucional parece-nos profundamente
infeliz, pois indo frontalmente contra o espírito e a tradição do
Direito Constitucional brasileiro, coloca esse instrumento em choque com a Constituição de 1946. [...] (O Estado de8. Paulo, 14/4/64, p. 3.)
O Correio da Manhã criticava o Ato Institucional num edi-
torial sugestivamente intitulado “Adeus ao Congresso:
Que faz ainda de portas abertas o edifício em que até ontem funcionava o Congresso Nacional em Brasília? Que palavras ininteligíveis sussurram no salão do plenário e nas salas das comissões técnicas os antigos deputados e senadores? Que pequeninas idéias perpassarão em suas mentes, a refletir-se no olhar fugidio de uns, na fisionomia assustada de outros, até no pranto de uns tantos outros e
32
no comportamento geral de apatia e resignação com que fa recebida ali a decretação de sua morte civil?
[...] Dessa forma for o Congresso transformado em mera assembléia consultiva da Junta Militar, em mais um de seus
órgãos auxiliares, [...] talvez útil somente como chancela para
facilitar, ante as nações democráticas, a tramitação dos atos
internacionais do novo Governo.
Ff... JA Nação exige de seus antigos representantes que não se agachem nem disfarcem uma situação de fato,
que não procurem salvar a bolsa ou a pele, mas a sua dignidade.
Que eles próprios fechem, portanto, o Congresso, e entreguem a chave ao soldado de plantão. Ou esperam que 0 soldado vá fechá-lo? (Correio da Manhã, 11/4/64, p. 6.)
O general Castelo Branco, chefe militar da conspiração,
foi indicado para a presidência da República por inúmeros
s governadores, setores da sociedade civil e setores militare
—e a isa
ligados à ESG. Foi “eleito” pelo Congresso no dia 11 de abril. Para o Correio da Manhã tratava-se de: Eleição tutelada o sa
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Manchete do Correio da
Manhã,
12/4/64, p. 1.
33
A vassoura como herança Alguns dias antes de o Primeiro Ato Institucional ser as-
smado, O Estado de 8. Paulojá apregoava a “necessidade de
erradicação total”:
[...JSupõe a maioria que basta uma varredura mais enérgica nas posições de maior evidência da administração, para que esteja afastado o perigo bolchevista em nossa terra. [...] Enquanto não se concluir a erradicação do comunismo, não se poderá dizer que tenhamos voltado à normalidade legal e à tranquilidade e segurança da vida democrática. [...] (O Estado de 8. Paulo, 4/4/64, p: 3.)
Na verdade, a idéia da “erradicação” como sinônimo da
“varredura” — herança do governo Jânio Quadros — vinha
ao encontro do autoritarismo da sociedade brasileira, conforme fica evidente nas palavras de O Estado de S. Paulo e em milhares de outras manifestações. O desejo da “varredura”, representado naquele momento pelo afastamento dos comunistas ou bolcheviques, tornou-se possível pelos poderes excepcionais atribuídos ao Executivo e às forças militares. Desejo que se concretizou, entre outros procedimentos, pelos Inquéritos Policiais Militares (IPMs), que condenaram milhares
de pessoas, pelas “operações limpeza” ou “operações arrastão” realizadas por órgãos estaduais como o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e Polícias Militares (PM),
ou ainda pelos órgãos de informações das três Armas — cujos principais foram o CEI do Exército e o Cenimar da Marinha — que faziam prisões indiscriminadas em cada Estado. O aparato de “informação” ou de inteligência” passou a ser comandado no campo federal pelo Serviço Nacional de Informação (SNI), organizado logo depois do golpe pelo ge-
neral Golbery do Couto e Silva, um dos ideólogos da DSN, ligado ao grupo esguiano. O arquivo inicial do SNI, contendo fichas de 400 cidadãos, foi montado durante o processo de
“desestabilização” de Goulart, sob as ordens do próprio Golbery. 34
PAS Did
Como resultado, foram aposentados centenas de funciopúblicos, inclusive militares; centenas de estudantes
de artistas. jornalistas foram parar na prisão; as sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais foram presas e, em seu lugar, colocados interventores nomeados pelo Mi-
nistério do Trabalho. Os setores mais atingidos pela repres são foram as classes trabalhadoras. Também logo nos primeiros dias de abril a ditadura cortou a ligação dos setores intelectualizados das classes médias com as classes trabalhadoras, desmobilizando os movimentos de cultura popular que alfabetizavam adultos e faziam arte política por todo o país. À partir de então, a cultura de esquerda passaria a ser produzida para o consumo das classes médias. já Assim, alguns traços que caracterizariam a ditadura militar estavam presentes desde os primeiros dias de abril: a concentração de poder no Executivo Federal e a centralização de poder nas Forças Armadas com a consequente perda de poder da sociedade civil, de acordo com Eliézer Oliveira. Recorrendo à repressão, ao estímulo à delação, à censura, à tortura e à morte dos que tentaram se opor ao regime, os militares criaram desde logo o terror. Isto é, a eliminação das oposições, que no clima da Guerra Fria eram consideradas comunistas e inimigas da pátna.
=
nários
CAPÍTULO 3
Fechamento político e resistência: do primeiro Ato ao ALS
o ponto
de vista das instituições, o fechamen-
to político que caracterizou o regime
militar
não se consolidou em 64, mas em 68 com o AÉS,
concomitantemente com a organização das forças de repressão. A idéia deste capítulo é olhar alguns momentos que, de 64 a 68, marcaram o caminho desse fechamento do regime militar, observando
os conflitos entre os vitoriosos, a resis-
tência da sociedade civil e as posições de dois jornais da grande imprensa, talvez os de maior destaque naquele momento, pois representavam importantes segmentos da sociedade ou, pelo menos, parcelas que influíam na opinião pública. O Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, que foi o único jornal da grande imprensa que fez oposição ao regime militar, e O Estado de S. Paulo, que, apesar de certas restrições, foi defen-
sor do regime militar.
A prorrogação do mandato de Castelo Uma idéia generalizada nos primeiros dias pós-golpe era que os militares iriam em breve voltar aos quartéis, tanto assim que o Ato Institucional manteve
a eleição
presidencial em 1965, quando terminaria o mandato de Jânio-Goulart. No entanto, logo no mês de maio e começo de junho de 64, diversos setores civis, além da cha-
36
mada “linha dura” militar,
pressionaram o presidente
para que aceitasse tanto a prorrogação do seu mandato
quanto
a do prazo para cassações. Em vários edito-
riais, O Estado de S. Paulo argumentava em favor das prorrogações,
como
em
'O Ato
Institucional
e o interesse
nacional:
[...] Ninguém que tenha uma leve noção do que se passa supõe que estejamos em condições de refazer o que foi destruído,
no curto espaço de tempo concedido ao atual Governo pelo Ato Institucional, nem muito menos que essa reconstrução
possa ser levada a cabo sem que previamente se proceda a uma limpeza geral do terreno e a um expurgo ngoroso nos quadros do Estado brasileiro. [...]
(O Estado de S. Paulo, 6/6/64, p. 3.) O governador Carlos Lacerda, um dos líderes civis do movimento que derrubou Goulart, era contrário à prorrogação do mandato de Castelo, mas apoiava uma “limpeza” mais efetiva do que a realizada. Uma emenda constitucional “votada” pelo Congresso transferiu a eleição do presidente da República para 1966, prorrogando o mandato de Castelo até 15 de marco de 1967 e também o período de cassações e atos de exceção. Para os analistas políticos, era a primeira vitória da “linha dura”. O início da resistência
Desde abril de 64, alguns jornalistas passaram a criticar o regime militar. No entanto, o espaço para essas críticas e denúncias era bastante restrito, uma vez que a gran esde imprensa participou ativamente do processo de “des
tabilização” do governo Goulart e apoiava à ditadura mili de Janeitar. Uma exceção foi o Correio da Manhã, do Rio
ro, que, apesar de ter apoiado o golpe, passou imediata-
mente a fazer oposição aos militares, o que lhe custou mui-
tas ameaças.
O então jornalista Márcio Moreira Alves, em sua coluna
no Correio da Manhã, denunciava perseguições e torturas;
[...] aqueles que procuraram viver a doutrina social da Igre-
Ja, os que trabalharam no Movimento de Educação de Base, os que procuraram influir na vida sindical urbana ou na sindicalização rural através dos instrumentos de ação patro-
cinados pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil estão na lista negra. l...]. Cosme, membro da direção da JEC desde 1957, [...] foi torturado na sala secreta do CENIMAR, pelo agente do DOPS Sergio Alex Toledo[...] (COjoio e o trigo”, Correio da Manhã, 3/10/64, p. 6.)
Carlos Heitor Cony, também do Correio, denunciava: De todas as violências e ilegalidades postas em prática
pela quartelada de 1º de abril, a mais repugnante, a mais abjeta é a oficialização e a santificação da delação [...]
Perde-se assim a sensibilidade moral. Delatar um cole-
ga de trabalho, apontá-lo aos algozes de hoje porque ele pensa diferente de nós — não é um ato digno de um homem, e muito menos de um democrata. À oficialização da delação é arma predileta e inseparável dos regimes de força. Quem melhor se utilizou dela foram nomes recentes para o nosso repúdio: Hitler, Mussolini, Stalin. Mas é preciso que haja resistência. Os inguisidores irão embora, a inquisição passará. Mas ninguém esquecerá o delator, ninguém perdoará a delação. Lembro o símbolo univer-
sal da Traição: Judas. [...]
(Judas — O dedo-duro'. Correio da Manha. 64, p. 1.)
14/5/
De uma forma geral, porém, o espaço de liberdade reduzia-se; então, os jornalistas encontraram no humorismo um dos refúgios da denúncia à ditadura. A outra possibilidade veio através do que se chamou de imprensa alternativa, como a revista Pif
Paf, criada por Millôr Fernandes em maio de 64, contando com a participação dos humoristas Claudius e Fortuna.
38
A
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Eu só gritei “Olha o DROPS!” Claudius na Pif-Paf. (Pif-Paf, nº 1, maio de 1964.)
Com vida curta, a revista foi fechada logo depois de seu oitavo número, em razão de haver publicado a seguinte 'Advertência: Quem avisa, amigo é: se o governo continuar deixando que certos jornalistas falem em eleições; se o governo
continuar deixando que determinados jornais façam restrições à sua política financeira; se o governo continuar
deixando que alguns políticos teimem em manter suas candidaturas; se o governo continuar deixando que algumas
pessoas pensem por sua própria cabeça; e, sobretudo, se O governo continuar deixando que circule esta revista, com toda sua irreverência e crítica, dentro em breve estaremos
caindo numa democracia.
(“Advertência'. PifPaf nº 8, 27/8/64.)
O humor e a ironia do jornalista Sérgio Porto, sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, produziram, em 64, o Pn-
39
meiro festival de besteiras que assola o pais: Febeapá, livro no qual
ridicularizava a “redentora”, palavra usada para nomear o
golpe de 64, sob a concepção de que os próprios vencedores atribuíam ao movimento de abril: “revolução salvadora”, No
Febeapá, Stanislaw registrou algumas “jóias” da ação policialmilitar:
Foi então que estreou no Teatro Municipal de São Paulo
a peça clássica Electra, tendo comparecido ao local alguns agentes do DOPS para prender Sófocles, autor da peça e acu-
sado de subversão, mas já falecido em 406 a.C. [...]
O novo chefe do Serviço de Censura, sr. Romero Lago, enviava telegrama a todas as delegacias do Departamento Federal de Segurança Pública ordenando que impedissem cineastas estrangeiros de filmarem no Brasil “a fim de evitar que distorcessem a realidade nacional”. (Stanislaw Ponte Preta. Primeiro festival de besteiras que assola o país: Febeapá, p. 12-29.)
Entre os setores artísticos de esquerda atingidos pela
repressão,
o primeiro a se manifestar foi o teatro. Com
alguns elementos do CPC da UNE, formou-se no Rio de Janeiro o grupo Opinião, que se tornou um marco na chamada arte de resistência. O grupo estreou em dezembro de 64, no Rio, o musical Opinião. Devido à censura, nada podia ser muito explícito e as crítica à ditadura vinham veladas e carregadas de simbolismo. Com o mesmo espírito, em 1965, o grupo montou um outro show, Liberdade, Liberdade, e o Arena de São Paulo encenou o Arena conta Zumbi.
A partir de 1965, muitas das músicas vencedoras nos fa-
mosos festivais de MPB também engrossaram a resistência
na medida em que a idéia era mostrar a realidade das classes
populares, a opressão, e fazer um chamamento para mudar
essa realidade. Entre essas músicas: Disparada, de Geraldo Vandré; Ensaio geral, de Gilberto Gil; Travessia, de Milton
Nascimento; Roda viva, de Chico Buarque. 4()
| dit
Outubro de 65: 0 voto é uma ameaça Um
momento de sério confronto no interior das For-
ças Armadas,
talvez o mais tenso antes de 68, ocorreu em
1965. Em 3 de outubro realizaram-se eleições para governadores de onze Estados, inclusive Minas e Guanabara, onde até então governavam dois importantes líderes civis do movimento contra Goulart: Magalhães Pinto e Carlos Lacerda.
As eleições eram temidas tanto por setores civis quanto pelos “duros”, que viam uma chance para a volta dos que eles chamavam de subversivos. Castelo e os esguianos também temeram essas eleições, tanto assim que o Executivo Federal baixou uma série de normas controlando de tal modo o processo eleitoral que deixou a oposição praticamente sem nenhuma margem de atuação. Apesar desse controle, na área militar, certos grupos pensaram em impedir as eleições ou impedir a posse dos eleitos. À resposta de Castelo, antes do pleito, foi afirmar enfaticamente que os eleitos seriam empossados, o que decepcionou amplos setores, inclusive O Estado de S. Paulo. Dois dias depois das eleições, a imprensa anunciava: A oposição vence na maioria dos Estados”, e os militares se sentiram derrotados. Na verdade, consideraram grande derrota as vitórias de Israel Pinheiro, em Minas Gerais, e de Negrão de Lima, na Guanabara, ambos da coligação PSD-PTB, que elegera JK e Goulart. E, pior ainda, apoiados pelo PCB e por Juscelino Kubitschek, já então cassado. Ou seja, era tudo O que os setores burgueses ligados ao capital internacional e os militares abominavam. A reação foi, porém, imediata:
Rio, 4 — Todos os comandantes das unidades da Vila
Militar estiveram hoje com o general Octacílio Terra Ururahy,
comandante do 1 Exército, para manifestar seu descontentamento pelos resultados das eleições e, também, para transmi-
tir a irritação demonstrada pelos jovens oficiais de suas unidades sobre o assunto, admitindo mesmo, a possibiidade de manifestações isoladas de grupos mais exacerbadosl...] (O Estado de $. Paulo, 5/10/65.)
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41
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a!
qalago
tá
As agitações militares ocorreram
nas áreas do Le do IV
Exércitos (em Recife), c em Brasília enormes pichações por
toda a cidade e em frente do Ministério da Guerra amcaça-
vam:
“Eles não voltarão”.
Exército,
Enquanto
as tropas chegaram
isso, ao menos
a ficar de
confirmava, na visão do alto comando
das rebeliões dos jovens oficiais.
prontidão,
no 1
o que
militar, o potencial
Atos 2 e 3: fechando o sistema A essa altura, o governo militar jogava em duas frentes. Por um lado, preparava um novo ato institucional; por outro, tentava a via legalista, enviando ao Congresso um anteprojeto
de reforma da Constituição transferindo mais poderes para o Executivo Federal e para as Forças Armadas, e um Estatuto dos Cassados restringindo ainda mais a sua atuação. O Congresso não aprovou tais emendas. Então, Castelo Branco lançou mão do Ato Institucional nº 2, estabelecendo,
entre outras coisas, que o presidente, o vice-presidente da República e os governadores seriam eleitos indiretamente pelo Congresso e pelas assembléias estaduais; os cidadãos acusados
de crimes considerados contra a segurança nacional seriam jul-
gados pela Justiça Militar; o presidente poderia novamente cas-
sar mandatos e suspender direitos políticos; os partidos políticos existentes ficavam extintos.
tra, achamo-las oportunissimas e acertadas. Aquilo a que
fazemos objeção é a inserção delas no texto constitucional,
uma vez que o precedente pode desencadear no futuro toda
uma série de emendas e reformas que acabará por desfigurar totalmente o atual aspecto jurídico e institucional do regime [...] Seremos mais exatos, se dissermos que experimentamos
42
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[...] Fazemos questão de frisar que não são as medidas em si que nos merecem objeção. Essas, com exceção de uma ou ou-
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Além do apoio militar, o Al-2 teve também o apoio de setores da sociedade civil, como o daqueles ligados a O Estado de S. Paulo:
algum. temor: — o temor de quem conhece por experiência que
a extinção dos agrupamentos partidários é medida preliminar à instituição de todas as ditaduras. (O Estado de S. Paulo, 29/10/65, p. 3.)
Em novembro, por um Ato Complementar, o presidente estabelecia as regras para a formação de dois partidos. Dias depois, surgiram a Arena — Aliança Renovadora Nacional —, partido do governo, e o MDB — Movimento Democrático Brasileiro —, partido de oposição. O processo de fechamento político do regime teve um outro avanço em fevereiro de 1966, com o Ato Institucional
nº 3, estabelecendo que os prefeitos das capitais seriam no-
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dores. Sobre as eleições indiretas o humorista Fortuna ironizava:
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meados pelos governadores de Estado (que já eram escolhidos pelas Assembléias), assim como os dos municípios constderados áreas de segurança nacional. O Ato também fixava as datas das próximas eleições: 3 de setembro para governador de Estado, 3 de outubro para presidente da República e 15 de novembro para deputados estaduais, federais e sena-
— As eleições indiretas acabaram com a injustiça contra os analfabetos: agora não são só eles que não votam.
iretas (Correio da Manha, ind es içõ ele as re sob a tun For de Charge 17/4/66, p. 6.) a
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Em 3 de setembro, nos doze Estados onde houve elei-
ção, os candidatos a governador apoiados pelo governo
federal foram os mais votados nas Assembléias Estaduais.
Para o Correio da Manhã, os novos governadores eram:
[...] 12 interventores federais nomeados através de um processo
inteiramente contrário as tradições democráticas e, até mesmo,
às normas mais comezinhas de compostura política [...]. (Correio da Manhã, 3/9/1966, p. 3.)
No dia 3 de outubro, o marechal Costa e Silva, “candida-
to” da Arena, aliás o único “candidato” à presidência da República, foi “eleito” pelo Congresso Nacional.
Temendo, mais uma vez, o resultado das urnas, o presi-
dente Castelo Branco lançou mão dos poderes que lhe conferia o Al-2 para controlar as eleições parlamentares de 15 de novembro;
em meados de outubro, cassou os mandatos
de 2 deputados estaduais e de 6 deputados federais.
Manifestação de
apoio a M.M. Alves
na imprensa.
(Correio da Manhã, 12/11/66, p. 7.)
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As eleições de 1966: “vitória” da Arena
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O presidente da Câmara dos Deputados, Adauto Lúcio afirCardoso, negou-se à aceitar a decisão do presidente as mando que só reconheceria as cassações se fossem votad
pela maioria dos membros da Câmara. Castelo Branco, no
dia 20 de outubro, por outro Ato Complementar, decretou o recesso do Congresso, até 22 de novembro. Ficava, porera tanto, evidente que o avanço do poder dos militares da sociedade r pode de perda à onal orci prop diretamente civil. Contudo, houve ainda brechas para a resistência, como
mostrou a campanha do candidato a deputado federal pelo Estado da Guanabara, Márcio Moreira Alves.
A Constituição de 67 e outras leis Talvez, apenas para manter o que Carlos Lacerda cha-
mou a “máscara da legalidade”,
por intermédio do AI4, de
6/12/66, Castelo Branco convocou o Congresso para “aprovar” uma nova Constituição, o que aconteceu em 10 de Janeiro de 1967. O Congresso, renovado pelas eleições de 15 de novembro, não acrescentou uma vírgula sequer ao texto constitucional encomendado pelo governo a juristas de sua escolha, cuja tarefa fora adaptar a Constituição ao espírito dos atos institucionais anteriormente baixados. Nos primeiros meses de 1967, num afã legislativo, o governo Castelo completou o arcabouço jurídico do regime, inspirado na Doutrina de Segurança Nacional. Os analistas políticos afirmavam que, dessa forma, o grupo esguiano pensava garantir os princípios da DSN, deixando pouca margem de atuação para o governo Costa € Silva. Entre as medidas mais significativas daqueles meses estão a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional. A Lei de Imprensa, cerceando ainda mais as liberdades, foi alvo de protesto de toda a imprensa e, com algumas modificações, foi votada pelo Congresso. Contudo, a Lei de Segurança Nacional foi imposta por Castelo Branco através de um decreto-lei. O decreto responsabilizava todo cidadão pela segurança nacional: proibia a divulgação de qualquer publicação contrária à DSN; condenava
à prisão por 6 meses a 2 anos pessoas que fizessem ruídos em reuniões legislativas ou jurídicas; caracterizava como
subversiva a publicação de notícias sobre comícios, passeatas, reuniões; e determinava que todos os crimes enquadrados na lei seriam julgados pela Justiça Militar. Os acusados, mesmo antes de culpa formada, ficariam suspensos do emprego e os empregadores que não respeitassem essa suspensão seriam multados. A lei nada mencionava sobre o direito de defesa e sobre a incomunicabilidade dos presos e permitia ao presidente da República decretar intervenção
Nacional.
nos Estados sem
a autorização
do Congresso
Num editorial, “Último ato , a crítica do Correio da Manhã:
À nova Lei de Segurança Nacional consolida no Brasil um regime totalitário, onde a oposição passa a inexistir em qualquer forma válida, desde a luta partidária, ao simples protesto de um manifesto. Tudo é passível de prisão, variando apenas as penalidades aos infratores. [...] Se os esbirros
do DOPS e oficiais atrabiliários já usavam e abusavam da incomunicabilidade, pode-se imaginar o que farão agora que obtiveram a sanção legal para suas violências[...] (Correio da Manhã, 14/3/67, p. 6.)
O então presidente da Associação Interamericana de Imprensa e diretor-proprietário de O Estado de S. Paulo, Júlio de
Mesquita Filho, um dos vitoriosos de 64, também se opunha à LSN.
O presidente da Associação Interamericana de Imprensa var submeter ao Conselho do órgão, na reunião a ser realizada na Jamaica, a aprovação da moção de pro-
testo contra aquelas leis [...]. Esclareceu, porém, o Dr.
Júlio de Mesquita Filho que essa iniciativa não significava a existência de nenhum sentimento de desconfiança
com relação ao governo do marechal Costa e Silva. (O Estado deS. Paulo, 19/3/67, p. 1.)
46
se psi
Outra instituição que apoiara Associação Brasileira de Imprensa manifesto de protesto. Até mesmo que deu início à movimentação de de Goulart,
agora
nomeado
o golpe militar, a ABI — —, também divulgou seu Mourão Filho, o militar tropas para a derrubada
por Costa
e Silva presidente
do STM — Superior Tribunal Militar —, pronunciou-se contra essa lei:
L..Ja extensão da Justiça Militar para o julgamento de civis em todos os crimes definidos na Lei de Segurança transforma o País num vasto pátio de quartel. Não se sabe de um outro Código no mundo que permita um tamanho atentado contra a liberdade do cidadão por parte da autoridade administrativa [...].
(O Estado de 8. Paulo, 18/3/67, p. 5.)
Antes de deixar o governo, Castelo completou a reforma administrativa, que consolidava a dupla centralização no Executivo Federal e nas Forças Armadas. A militarização
e o
poder dos serviços de inteligência evidenciavam sua força na composição da presidência da República: SNI, EMFA —
— e alto comando das ForEstado-Maior das Forças Armadas cas Armadas. Em março de 67, ao passar a presidência a Costa e Silva, Castelo Branco deixava o sistema praticamente
estruturado.
As divergências entre o grupo esguiano, ligado a Castelo Branco, e a chamada “linha dura”, articulada a Costa e Silva, permitiram que muitos dos opositores de Castelo esperassem mudanças de rumo com o novo presidente. Provavelmente essas expectativas foram reforçadas pelas promessas que Costa e Silva fez ao percorrer o país, comportando-se, dessa forma, como se fosse de fato um candidato, e pelas
diretrizes que anunciou para o seu governo, entre as quais o respeito ao Legislativo como instância de representação po-
lítica dos cidadãos. O MDB, porém, desempenhando o seu papel de oposição,
lançaria um manifesto denunciando
o regime mi-
litar:
47
No momento em que a Nação brasileira [...] vai assistir
a posse do novo presidente escolhido em pleito indireto, sem a
participação do povo, o Movimento Democrático Brasileiro,
como partido oposicionista, fiel ao princípio de que todo o
poder emana do povo e em seu nome é exercido, reafirma sua
posição de luta pelo fortalecimento da democracia representativa e da Federação, dentro do respeito à soberania populas;
através do voto direto, universal e secreto. Procurará tornar efetivo o princípio da harmonia e in-
dependência dos poderes, reagindo contra a intervenção do
Executivo nas prerrogativas especificas do Legislativo, essenciais ao regime democrático [...]
Lutará pela plena liberdade de expressão e manifestação do pensamento, condições básicas do exercício democrático, escormando a Lei de Imprensa de todas as suas caracteristicas ditatoriais [...].
(O Estado de S. Paulo, 14/3/67, p. 7.)
Depois de alguns meses da posse de Costa e Silva, os que esperavam mudanças de rumo por causa dos conflitos do presidente com a ESG e os que acreditaram nas promessas de democracia e de prestígio do Congresso estavam descrentes. Carlos Lacerda, desiludido, buscou o apoio de JK e de Jango para formar uma frente ampla que pretendia restabelecer o regime democrático, elaborar uma política de desenvolvimento econômico independente e maior justiça social e constituir um terceiro partido político.
Amplia-se a resistência
Desde 1966, a resistência à ditadura ampliava-se e mo-
dificava-se, deixando de estar apenas nos jornais, no tea-
tro ou no interior das universidades. Em 1966, sob a orientação da UNE, que já se reorganizara, o movimento estudantil voltou às ruas reivindicando mais verbas, condenando a privatização do ensino universitário pretendida pelo
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48
mer
MEG (Ministério de Educação e Cultura), criticando os acordos MEC-Usaid que previam reformas no ensino ins-
piradas em modelos e aplicadas por técnicos dos EUA. Também naquele ano, uma maior repressão atingiu os estudantes, com destaque para o episódio que ficou conhecido como “massacre da Praia Vermelha”, quando a PM do Rio e o DOPS invadiram a Faculdade de Medicina da UFRJ e expulsaram os estudantes, obrigando-os a passar por um “corredor polonês”, nome que se dá a um corredor formado por tropas policiais que espancam os que por ele passam. Sem desistir, os estudantes retomaram suas lutas em
março
do ano
seguinte,
quando
Fortuna,
mais uma
vez,
jrronizava:
— Começou
o ano letivo