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Portuguese Pages 291 Year 1976
DEZ ANOS DE PARECERES
FICHA CATALOGRÃFICA (Preparada pelo Centro de Catalogação-na-fonte, CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP)
P858d
Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti, 1892, Dez anos de pareceres. Rio de Janeiro, Francisco Alves, V. 8 1976 V.
1. Pareceres jurídicos I .
Título.
74-0693
CDU - 340.141
lndices para catálogo sistemático: 1. Pareceres Direito 340-141 2. Pareceres Jurídicos 340-141
PONTES DE MIRANDA
DEZ ANOS DE PARECERES (volume 8)
LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S. A.
direitos reservados à ©Todos os S A Alves Editora . . . Livraria Francisco
Capa de GERALDO M. MENDES VIANNA
1976 LIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORAS. A. 20.000 -
Rua Barão de Lucena, 43
Rio de Janeiro -
RJ
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS N. 199 - Parecer sobre prazo fixado em negocio jurídico, irretroatividade de resoluções permissivas de dilatação e direitos de empresa que foi vítima de frustração dos pressupostos para haver aprovação de projeto e indenização (11 de janeiro de 1970) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 N. 200 - Parecer sobre pedido ilegal e sentença violadora de regras jurídicas do Decreto-lei n. 3. 855, de 21 de novembro de 1941, proferida em ação de decretação de abertura de falência (17 de janeiro de 1970) . . . . . . . . . . . . 19 N. 201 - Parecer sobre compra-e-venda de ações de banco e responsabilidade contratualmente assumida, em termos explícitos e restritos, pelo vendedor e atos ilícitos de outrem (19 de janeiro de 1970) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 N. 202 - Parecer sobre prazo fixado em negócio jurídico, irretroatividade de resoluções permissivas de dilatação e direitos de empresa que foi vítima de frustração dos pressupostos para haver aprovação de projeto e indenização (4 de março de 1970) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 N. 203 - Parecer sobre registo de bem imóvel em virtude de sentença de usucapião, trânsita em julgado, alienação pelo adquirente e ação rescisória da sentença de usucapião, seguida de ação de nulidade do registo do bem imóvel e de reivindicação (31 de março de 1970) . . . . . . . . 67 N. 204 - Parecer sobre inaplicabilidade de regras jurídicas excepcionais sobre bens de brasileiros domiciliados no estrangeiro durante a última guerra (2 de maio de 1970) 78
N.. 205 - Parecer sobre exploração de publicidade em catálogos telefônicos e recusa das empresas telefônicas a fornecer a empresa de publicidade os dados indispensáveis às alterações atualizadoras das listas (5 de maio de 1970) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 N. 206 - Parecer sobre ofensa à lei e a direitos de acionistas, por meio de transformações de sociedades e de aumentos de capitais, e ação de invalidade (18 de maio de 1970) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 N. 207 - Parecer sobre direito sucessório de filhos naturais, princípio de isonomia e cláusula testamentária referencial (mista) de distribuição da herança (1 de junho de 1970) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 N. 208 - Parecer sobre prorrogação e renovação de contrato de locação, ofertas de renovação e vedação de pedido para o mesmo ramo de comércio ou indústria (15 de junho de 1970) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 N. 209 - Parecer sobre nulidade de arrematação, prazo preclusivo para a ação e inatingibilidade dos direitos do arrematante (10 de julho de 1970) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
N. 210 - Parecer sobre contratos de compra-e-venda e de serviço para instalação de terminais telefônicos, e cláusula penal com compensatoriedade (substitutividade) (14 de julho de 1970) .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 160 N. 211 - Parecer sobre resilição de contrato e extensão da sua eficácia desconstitutiva (27 de julho de 1970) 171 N. 212 - Parecer sobre não incidir o art. 9. 0 , parágrafo único, do Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, em se tratanto de sociedade por ações de capital autorizado ou de capital aberto (14 de setembro de 1970) . . . . . . 180 N. 213 - Parecer sobre regime matrimonial de comunhão universal de bens se houve o inventário e a dação de partilha (15 de setembro de 1970) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194 N. 214 - Parecer sobre interpretação do Estatuto· do Montepio da Família Militar (Porto Alegre), incidente a partir de 15 de maio de 1966, arts. 19, 21 e 31, § 9. 0 (21 de setembro de 1970) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206 N. 215 - Parecer sobre incorporação e distribuição de quotas, superveniência de graves dificuldades não-previstas e solução, com respeito ao princípio de igualdade por todos os quotistas (29 de setembro de 1970) . . . . . . . . . . . . 215
N. 216 - Parecer sobre cláusula contratual sobre pedágio e validade da inserção perante o Direito Constitucional (Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 17 de outubro de 1969) (29 de setembro de 1970) . . . . . . . . . . . . 223 N. 217 - Parecer sobre limitação inconstitucional ao conteúdo do direito de propriedade e desapropriação ilegal e inconstitucional (11 de outubro de 1970) . . . . . . . . 235 N. 218 - Parecer sobre percentual de comissão de profissão liberal e mudança subjetiva e objetiva de entidades que o percebiam (19 de outubro de 1970) . . . . . . . . . . . . . . 246 N. 219 - Parecer sobre ci:áusula de financiamento inserta em contrato de construção e pressuposto de aprovação, sem ser causa de resolução ou de resilição (20 de outubro de 1970) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 252 N. 220 - Parecer sobre impertinente alegação de fraude à lei por ser estranha ao assunto a lei que se diz violada (21 de dezembro de 1970) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 268
PARECER N. 199 SOBRE PRAZO FIXADO EM NEGÓCIO JURIDICO, IRRETROATIVIDADE DE RESOLUÇÕES PERMISSIVAS DE DILATAÇÃO E DIREITOS DE EMPRESA QUE FOI VÍTIMA DE FRUSTRAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS PARA HAVER APROVAÇÃO DE PROJETO E INDENIZAÇÃO I
OS FATOS (a) A Lei n. 3.692, de 15 de dezembro de 1959, criou a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, SUDENE. Com a Lei n. 3.995, de 14 de dezembro de 1961, art. 34, facultou-se o regime dos incentivos para estimular as atividades industriais na área da SUDENE. A Companhia Antárctica Paulista destinou 50% do seu imposto de renda para a aplicação de que cogita o art. 34, durante anos. A 3 de setembro de 1963, a Companhia Antárctica Paulista foi convidada a subscrever com a importância ações da Usina Siderúrgica da Bahia. A Companhia Antárctica Paulista apresentou projeto para a cidade de Olinda. A 8 de agosto de 1965, foi reconhecido como de interesse para o desenvolvimento econômico do Nordeste e, a 11 de maio de 1966, unanimemente aprovado pelo Conselho Deliberativo da SUDENE. Foi executado o projeto dentro do prazo. 1
Com a formação do Núcleo Industrial de Aratu, em Salvador, propiciou-se abertura de concorrência, para que o Estado da Bahia tivesse produção suficiente de cervejas para consumo do Nordeste. Em março de 1967 foi a Companhia Antárctica Paulista convidada pelo Governo da Bahia para construir uma fábrica de bebidas, convite confirmado pelo Governador empossado depois. A empresa adquiriu área com os requisitos necessários. Com o projeto, que fora precedido de Carta-Consulta acolhida pela SUDENE, a contribuZção da SUDENE seria de 50%, cobertos pelas contribuições anuais do imposto de renda, depositado no Banco do Nordeste do Brasil. O projeto teve entrada na SUDENE a 20 de julho de 1967. A Companhia Antárctica Paulista veio a saber que havia outros dois projetos, um da Companhia de Bebidas da Bahia e outro da Companhia Baiana de Alimentos. As duas empresas eram e são ligadas a firmas estrangeiras ("Carlsberg Breweries", da Dinamarca; e "Guiness Overseas", da Inglaterra). Ambas não tinham os depósitos previstos na lei. Uma das empresas apontou o processo de fabricação, patente do Doutor Wellhoener, que implicaria evasão de divisas do Brasil para "royalties". A Companhia Antárctica Paulista já conhecia o processo e os seus técni'cos o haviam repelido, por inconveniência econômica e por inferioridade de qualidade. Aliás, a Companhia Antárctica Paulista era a única empresa concorrente com os meios para a construção na Bahia. A Companhia Antárctica Paulista estava certa de que a sua cooperação, julgada de interesse para o desenvolvimento do Nordeste, no empreendimento de Olinda, fosse também reconhecida para o novo empreendimento da Bahi'a, tanto mais quanto por ter sido oficialmente convidada pelo Governo estadual. O projeto da Companhia Antárctica Paulista foi similar ao de Olinda, já aprovado pelo Conselho Deliberativo da SUDENE em 11 de maio de 1966. A Secretaria Executiva da SUDENE desclassificou, previamente, o projeto da Companhia Antárctica Paulista. 2
A Companhia Antárctica Paulista, pela sua reconhecida experiência no ramo, pela longa tradição de, então, 76 anos de atividades no país e pelo reconhecimento da SUDENE, quanto ao seu projeto de Olinda, como de interesse para o desenvolvimento do Nordeste, bem como pela sua posição de uma das maiores contribuintes do Erário Público, e, conseqüentemente, do Banco do Nordeste do Brasil, estava plenamente convencida de que obteria classificação, uma vez que as demais concorrentes eram firmas constituídas por pessoas respeitáveis, mas que não tinham qualquer experiência no ramo, seja na produção, seja na administração, seja na comercialização, além de não possuírem depósitos no Banco do Nordeste do Brasil. (b) No dia 7 de dezembro de 1967, a Companhia Antárctica Paulista recebeu telegrama do Diretor do Departamento de Industrialização da SUDENE em que se solicitou o "compareci'mento de pessoa credenciada", a fim de esclarecer "encaminhamento" de "projeto indeferido" pelo Conselho Deliberativo da SUDENE. Antecipava-se assim informação sobre deliberação que somente podia ocorrer a partir do dia 20 de dezembro quando foram apresentados ao Conselho Deliberativo da SUDENE os pareceres sobre três projetos apresentados, um da Companhia Antárctica Paulista, outro da Companhia de Bebidas da Bahia e outro da Companhia Baiana de Alimentos. A 20 de dezembro de 1967, a Companhia Antárctica Paulista pediu reexame dos pareceres sobre os três projetos, com as razões expostas no Memorial protocolado na SUDENE a 19 de dezembro. Mas o Superintendente da SUDENE não o apresentou ao Conselho Deliberativo, manifestando-se contra o reexame. A Companhia Antárctica Paulista, ao aproximar-se o termo final dos prazos para as duas empresas beneficiadas, que não cumpriram o prometido, explicara que a execução não se daria. E não se deu. Dirigiu ela nova Representação à SUDENE, a 15 de setembro de 1969, para que fosse reexaminado o caso. Frise-se que a Companhia Antárctica Paulista empregaria, em maior proporção, equ~amentos nacionais, ao passo que as outras con3
correntes recorreriam a maiores importações, com despesas cm divisas do país, contra a orientação da política de incentivos aos setores privados, constante da Resolução n. 846/63, da SUDENE, que considera aspecto negativo "o aumento do consumo de matérias-primas ou insumos importados do estrangeiro, salvo quando se verificar a impraticabilidade da substituição dos mesmos, por bens produzidos no país". Quanto aos índices, de que se valeu a Secretaria Executiva, foi flagrante a arbitrariedade. O projeto da Companhia Antárctica Paulista mais atendia a Resolução n. 846/63 da SUDENE, do que qualquer dos dois outros. (c) Nenhuma das duas empresas terminou seus projetos nos prazos marcados ( 30 de agosto e 30 de setembro de 1969). Na reunião de 20 de dezembro de 1967, como consta da certidão da ata fornecida pela SUDENE, a Companhia Antárctica Paulista teve postergado o seu projeto, pois a declaração daquela Superintendência, de que havia resolvido, para a concorrência em exame, adotar um critério seletivo para aprovação de apenas dois projetos, não encontrou a esperada repercussão no trabalho da Equipe Analista do Departamento de Industrialização da SUDENE, que, diante do caráter pluriforme dos projetos, não conseguiu, antes das suas conclusões, a prévia e imprescindível "homogeneização" deles. Disso resultou, como conseqüência, a diversificação na aplicação dos critérios adotados, em prejuízo do projeto da Companhia Antárctica Paulista, não obstante a própria Secretaria Executiva da SUDENE havê-lo declarado viável. A Companhia Antárctica Paulista, embora tivesse verificado, logo no início da mencionada reunião de 20 de dezembro de 1967, que o seu pedido de reexame dos pareceres (não obstante o farto material oferecido com o seu Memorial "Elucidação Imprescindível") fora indeferido, a despeito de ter sido devidamente protocolado, estando, pois, ao alcance dos competentes órgãos da SUDENE, preferiu ao tomar conhecimento das exigências feitas e impostas pelo Conselho Deliberativo da SUDENE às duas firmas classificadas - aguardar 4
o transcurso dos prazos estabelecidos pela SUDENE, até 31 de agosto de 1969, para "Cibeb", e até 30 de setembro de 1969, para a "Ciquine". Para essa atitude contribuiu especialmente o fato de a Companhia Antárctica Paulista estar convencida de que as empresas não estavam em condições de cumprir as cláusulas, a cuja observância se obrigaram, oficialmente. A Companhia Antárctica Paulista, que sempre pretendeu e pretende colaborar com o Governo Federal, e, assim, com a SUDENE, órgão subordinado à Presidência da República, procedeu acertadamente, pois já antes do término dos prazos estabelecidos, e acima indicados, fora documentalmente apurado que nenhuma dessas firmas havia respeitado as obrigações estipuladas pelo Conselho Deliberativo. Diante do inadimplemento pelas concorrentes, a Companhia Antárctica Paulista, como co-participante daquela concorrência e para salvaguarda dos direitos de seus acionistas, entre os quais a Fundação Antonio e Helena Zerrenner, Institutição N adonal de Beneficência, com 58,74% do capital da Companhia Antárctica Paulista, viu-se, assim, obrigada a retornar à presença do Superintendente da SUDENE, pleiteando, em representação de 12 de agosto de 1969, o reconhecimento do seu direito "à execução do projeto apresentado a essa digna Superintendência com o nosso ofício de 18 de julho de 1967, a que se refere o processo SUDENE n. 1.253/67 e o Parecer DI-555/67, com os incentivos dos arts. 34-18, através dos recursos por ela mesma sempre depositados nas épocas próprias, no Banco do Nordeste do Brasil, à ordem dessa Superintendência, e dos que, de futuro, venha a realizar" . Sempre empenhada em esclarecer bem as razões do seu pleito, e em virtude das observações que lhe foram feitas pelo Diretor do Departamento de Industrialização, na audiência de 20 de agosto de 1969, a Companhia Antárctica Paulista voltou à presença do Superintendente, com a exposição complementar de 29 do mesmo mês. Não tendo recebido resposta, julgou necessário encaminhar nova exposição, em 15 de setembro, na qual invocou, especialmente, as condições acima refe5
ridas, por terem sido exigidas pela própria Secretaria Executiva e aprovadas na aludida reunião de 20 de dezembro de 1967, que haviam fixado, peremptoriamente, as normas imperativas de execução dos projetos das duas concorrentes, a saber: "executar o Projeto dentro do Calendário de Inversões e Mobilizações de Recursos, aprovados, sob pena de perda total dos incentivos ora concedidos; a participação societária, no que se refere ao aporte de recursos próprios que servirão de contrapartida aos recursos do art. 18, não poderá ser realizada por pessoas físicas ou jurídicas estranhas ao grupo que detém as ações do atual capital social da empresa, sem a devida anuência da SUDENE, quando representar mais de 5 % do capital social; não aumentar a capacidade da produção instalada, mesmo com recursos próprios, sem a anuência da SUDENE; não pleitear novos financiamentos governamentais, inclusive os previstos na Resolução n. 1.162, do Conselho Deliberativo da SUDENE". Não é demais assinalar que a Companhia Antárctica Paulista entendeu que seus direitos, já feridos pela desclassificação de seu projeto, seriam ainda mais afetados por qualquer nova concessão de prazo aos projetos da Cibeb e Ciquine, pois as exigências estabelecidas pelo Conselho Deliberativo atribuíam a esses prazos caráter de improrrogabilidade. As esperanças da Companhia Antárctica Paulista de ver reconhecida a justiça de seu pleito não se concretizaram, pois, surpreendentemente, chegou às suas mãos, em 29 de outubro, ofício da SUDENE, datado de 27 de outubro de 1969, do seguinte teor: "Em atenção às correspondências dirigidas por essa empresa à SUDENE, especialmente as de 29 de agosto e 15 de setembro do ano em curso, informo que a matéria, objeto daquelas representações, foi submetida ao exame dos órgãos técnicos desta Superintendência, que concluíram, em pronunciamento que aprovo, pela aplicação aos projetos da Ciquine e da Cibeb, da Resolução n. 3.615, de 29 de fevereiro de 1968, do Conselho Deliberativo, na parte que permite retardamento do ~~razo. final fixado para ultimação de projetos, como reflexo da política fixada pela SUDENE para administração dos incentivos fis6
cais na área de sua atuação. Nestas condições, encontram-se, ainda em pleno vigor, os incentivos concedidos àquelas empresas, os quais têm validade, nos termos da Resolução n. 3.615, até oito meses após os prazos para a conclusão dos empreendimentos, previstos nos respectivos calendários". Pela leitura dessa resposta verificou-se que não foram consideradas pela SUDENE as conseqüências resultantes das normas imperativas da concorrência estabelecida em 20 de dezembro de 1967 pela SUDENE, para a seleção de dois dos três projetos apresentados para a Bahia. Assim, dessa resposta da SUDENE, a Companhia Antáctica Paulista não poderfa tirar outras conclusões a não ser a de que a sua reclamação teria sido interpretada como visando a coartar, em seu próprio benefício, os incentivos concedidos, naquele julgamento, às duas concorrentes. Ora, a Companhia Antárctica Paulista somente partida do fato incontestável de ter sido proferida pelo Egrégio Conselho Deliberativo da SUDENE, órgão subordfaado à Presidência da República, decisão que seria, como consta da respectiva ata, imperativa para o futuro. Logo, se isso prevalecesse, é óbvio que o projeto da Campanhia Antárctica Paulista, julgado viável e somente afastado em virtude do mercado comportar apenas a aprovação de dois projetos, deveria, diante do aumento do mercado de consumo, ser admitido, para que ela pudesse executá-lo no Estado da Bahia. Como já dissemos, a Companhia Antárctica Paulista partiu do conteúdo da Deliberação do Conselho Deliberativo, de 20 de dezembro de 1967, que tem força imperativa, segundo declaração do próprio e então Superintendente da SUDENE, verbis: "Diz, ainda, que todos os elementos que a Secretaria Executiva selecionou para estabelecimento do critério, em termos comparativos e inexistentes anteriormente, foram tornados obrigatórios para os três projetos". Assim, as condições peremptórias, fixadas na Resolução de 20 de dezembro de 1967, deveriam ser rigorosamente observadas, máxime porque quando teve por base concorrência adotada pela SUDENE,
diante da previa "pesquisa do mercado", invocada na Deliberação que, segundo constou da ata daquela reunião, só admitia a aprovação de dois projetos. A c:áusula de prazo de implantação foi qualificada inalterável. Outro, porém, parece ter sido o resultado do exame a que procederam os órgãos técnicos da SUDENE, aos quais a matéria objeto das representações da Companhia Antárctica Paulista foi submetida, pois concluíram pela "aplicação aos projetos da Ciquine e da Cibeb, da Resolução n. 3.615, de 29 de fevereiro de 1968, do Conselho Deliberativo, na parte que permite retardamento no prazo final fixado pela ultimação de projetos, como reflexo da política fixada pela SUDENE para administração dos incentivos fiscais na área de sua atuação". O ofício termina sua exposição declarando que ". . . encontram-se, ainda em pleno vigor, os incentivos concedidos àquelas empresas, os quais têm validade, nos termos da Resolução n. 3. 615, até oito meses após os prazos para a conclusão dos empreendimentos, previstos nos respectivos calendários". Com isso ficou examinada apenas uma das explicações da Companhia Antárctica Paulista. Quanto à resolução do Conselho Deliberativo, tomada em sessão do dia 29 de fevereiro de 1968, os termos são desconhecidos. Apenas se tem notícia do Parecer DI 34/68 de 23 de janeiro de 1968, do então Superintendente General Euler Bentes Monteiro, dirigido aos membros do Conselho Deliberativo da SUDENE, cuja redação leva à conclusão de que o objetivo dessa manifestação do General Euler Bentes Monteiro visava justamente o contrário, pois diz: "Os projetos até dezembro de 1967, seja pelo vulto dos investimentos previstos, seja pelos efeitos na economia regional, forçam a SUDENE a procurar evitar o retardamento injustificado da implantação e a inexecução dos empreendimentos. Esse cuidado visa a que se evite a existência de comprometimento de áreas de mercado reservadas por longo tempo e que impedem o acesso de empresários realmente interessados na implantação de unidades produtivas industriais e agrícolas. Os maléficos efeitos dos projetos aprovados e com execução retardada ou não realizada
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devem ser considerados não somente pelas repercussões negativas na Região, como ainda pelos obstáculos que causam à política do Governo, que, renunciando, cm favor do Nordeste, e recursos aplicáveis em outros setores, exige imediata utilização, inclusive para evitar os efeitos inflacionários sobre esses recursos. O intenso fluxo de projetos verificados nos anos anteriores, sobretudo em 1966 e 1967, vem limitando o número de oportunidades para novos empreendimentos nos setores de atividades tradicionais. Não se justificaria, pois, qualquer indefinição ou demora para execução dos projetos aprovados pela SUDENE". No último pedido da Ciquine, que constou da pauta da reunião de 22 de outubro de 1969, a empresa "solicita isenção do imposto de importação (NCr$ 67 4.4 7 8,00) e recursos dos "Arts. 34 e 18" no montante de NCr$ 6.901.713,00"; mas o pedido foi retirado pela própria Secretaria Executiva para ser novamente incluído para a reunião de 26 de novembro, já agora como reformulação financeira, pois na ata se lê: "Parecer DI 271/69 - CIQUINE - CIA. BAIANA DE ALIMENTOS, Salvador-Ba. Reformulação financeira do projeto. Solicita isenção do imposto de importação (NCr$ 674.478,00) f: recursos dos "arts. 34 e 18" no montante de NCr$ 6.901.713,00"; mas inalterado ficou o Parecer DI 271/69, de 7 de outubro de 1969. Verifica-se, portanto, que, quanto ao prazo de implantação, a Resolução do Conselho Deliberativo, de 20 de dezembro de 1967, não estatuiu qualquer possibilidade de prorrogação. Logo, qualquer mutação nas estipulações impostas por essa decisão do Conselho Deliberativo redundaria em prejuízo da Companhia Antárctica Paulista, que participou da concorrência assim realizada, no julgamento da qual o prazo de implantação foi fator decisivo para a desclassificação do projeto da Companhia Antárctica Paulista, principalmente tendo-se em conta, ainda, que foi tomada em sessão pública, com a presença de todos os concorrentes, constando da respectiva ata da reunião, da qual a Companhia Antárctica Paulista requereu certidão oficial da SUDENE. óbvio que a Companhia Antárctica Paulista não poderia se conformar com a alteração posterior, à sua revelia e sem as mesmas:. 9
formalidades legais, em favor de uma das concorrentes favorecidas pela decisão de 20 de dezembro de 1967. Ora, houve e há graves prejuízos, quer pelos danos econômicos, quer pelos danos morais, para a Companhia Antártica Paulista, empresa nitidamente nacional, cuja maior acionista é uma Instituição Nacional de Beneficência, e uma das maiores contribuintes do Erário Público e maior colaboradora no desenvolvimento do mercado brasileiro. Por isso, teve que estudar as medidas destinadas a obter, do Conselho Deliberativo, que já em 18 de julho de 1965, pela Resolução u. 1.663 e em 11 de maio de 1966, pela Resolução n. 2.272, reconheceu que a colaboração da Companhia Antárctica Paulista era de interesse para o desenvolvimento da área de atuação da SUDENE, a imprescindível reparação a que, indubitavelmente, faz jus. De passagem, observemos que, em resposta à dúvida que levantara o Governador do Estado da Paraíba, o Superintendente da SUDENE, a 20 de dezembro de 1967, disse que "a empresa assina um compromisso do qual não se pode desviar sem risco de ter cortados, imediatamente, todos os incentivos oficiais". II OS PRINCÍPIOS 0
(a) Quando, no art. 150, § 3. 0 , hoje art. 153, § 3. , da Constituição de 1967, como em todas as anteriores (Constituição Política do Império do Brasil, art. 179, 3. 0 ; Constituição de 1891, art. 11, § 3. 0 ; Constituição de 1934, art. 113, 3. 0 ; Constituição de 1946, art. 141, § 3.º), se fala de lei, para se dizer que não pode ser retroativa ("prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada"), "lei" está em sentido amplíssimo. Nenhum decreto-lei, nenhuma lei delegada, nenhum decreto, nenhuma resolução, nenhum regulamento, nenhum aviso, ou portaria, pode ter retroeficácia. Seria absurdo que o princípio vedativo da ida ao passado, para ferir direito adquirido, ato jurídico per-
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feito, ou coisa julgada, somente se referisse à "lei', em sentido estrito, que é a elaborada ou aprovada pelo Poder Legislativo. Se a lei, em sentido estrito, não pode retroagir, com mais forte razão, qualquer fonte de direito que não seja lei. (b) Sempre que há seleção, ou concorrência, ou limite para número de aprovações, ou pressupostos para aprovação, os requisitos exigidos têm de ser determinados antes dos atos seletivos, ou de escolha, ou aprovativos. Ou constam de lei, ou de outro ato de fonte de direito, ou de edital, ou de afixos. A anterioridade é elemento necessário, para que haja respeito à igualdade no tratamento. Demos um exemplo, que está em nossa obra Questões Forenses, tomo III, p. 527: "A matéria dos concursos suscita a criação de direitos adquiridos, pretensões e ações, desde a publicação dos editais e abertura dos concursos até o provimento no cargo, para o qual foram abertos". Nos Comentários à Constituição de 1967, tomo III, 456 s., escrevemos: "Desde o momento em que se faz a promessa unilateral, com a chamada de candidatos, o direito, a pretensão e a ação de cada um já são para o cumprimento do prometido, quer se baseiem em lei, quer apenas em cláusulas explícitas ou implícitas da declaração unilateral de vontade. A matéria dos concursos suscita a criação de direitos adquiridos, pretensões e ações, desde a publicação dos editais e abertura dos concursos até ao provimento no cargo, para o qual foram abertos. Se o cargo, que deverá ser provido por concurso, não o foi, qualquer pessoa, que poderia concorrer ao concurso, tem legitimação ativa para argüir a inconstitucionalidade do ato administrativo de provimento. Inclusive em pedido de mandado de segurança. Se a lei não permitiu revogação da inscrição, ou se, permitindo-o a lei, a abertura não foi com essa ressalva, tem de entender-se que é irrevogável e do ato de inscrição irradiam-se direitos, pretensões e ações". Quando alguma entidade estatal, paraestatal, ou mesmo entidade de direito privado, faz depender de aprovação algum serviço, obra ou trabalho, e a invitação é a duas ou mais pessoas, com os elementos que se apresentam como pressupostos, com tratamento igual, o que se exige há de constar de enunciados prévios, de modo que não se 11
crie discriminação inesperada. Quando se trata de oferta ao público ou de invitação ao público, cresce de muito a relevância do trato igual e da previedade dos pressupostos. Para que se afaste aquilo que se exigia, é preciso que ainda não se haja iniciado relação jurídica entre o oferente ou invitante e a pessoa que atende à oferta ou à invitação. Critérios discriminatórios têm de ser conhecidos de todos os interessados e anteriores à relação jurídica de que resulta a decisão estatal, paraestatal, ou mesmo de particular. ( c) Quando se estabelecce prazo com improrrogabilidade, não há outro meio para se fixar outro prazo do que aquele que resulte de novo negócio jurídico. Nem se pode prorrogar, mesmo se a prorrogação é permitida, se o prazo se extinguiu, porque só há prorrogação antes de extinção de prazo. Nas concorrências em que se fez improrrogável o prazo, o negócio jurídico fica resolvido, automaticamente, com a expiração do prazo. Se há interessados em que fique assente que o concorrente não adimpliu dentro do tempo marcado, qualquer prorrogação é ilegal e há ato ilícito gerador de responsabilidade civil.
III A CONSULTA E AS RESPOSTAS (1)
Pergunta-se: - A decisão do Conselho Deliberativo da SUDENE tinha de ser atendida, pela vinculação dos interessados e pela assunção dos deveres, dentro do prazo estabelecido? Respondo:
-:: ~s duas e~~resas favorecidas não estavam em situação de expe.nencia e ~e pratica para o adimplemento dentro dos prazos respectivamente fixados para cada uma.
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Os prazos foram concebidos como improrrogáveis, pois que tinham de "executar o projeto dentro do Calendário de Inversões e Mobilizações de Recursos aprovados, sob pena de perda total dos incentivos ora concedidos". Uma das empresas tinha de acabar o que prometera a 31 de agosto de 1969, e, a outra, a 30 de setembro de 1969. Não o conseguiram. A "lei" que regeu a fixação dos prazos, os negocios jurídicos entre a SUDENE e as duas empresas, foi a lei da data em que se concluíram os negócios jurídicos. Todas as declarações de vontade se subordinam ao direito existente. A despeito de tudo isso, invocou-se a Resolução n. 3.615, de 29 de fevereiro de 1968, do Conselho Deliberativo, para se retardar o prazo para a ultimação dos projetos. O que se estabeleceu na reunião do Conselho Deliberativo da SUDENE, a 20 de dezembro de 1967, firmou as normas para a concorrência das três empresas, e fundou-se em "critério para que a Secretaria Executiva aprovasse apenas dois dos projetos", critério esse baseado nas conveniências do Governo Federal, tais como a aceleração do investimento, menor disponibilidade de recursos governamentais ou maior captação de recursos próprios, além das condições técnicas, "alertando os Senhores Conselheiros para o fato de que da discussão dos três projetos fossem tiradas normas a serem seguidas no futuro". O critério foi aprovado pelo Conselho Deliberativo, subordinado advirta-se - à Presidência da República, através do Ministério do Interior. O que consta da ata da reunião do Conselho Deliberativo da SUDENE vinculou a SUDENE, o Ministério do Interior e a Presidênccia da República. O critério foi atingido pelo que inseriu, depois, a Equipe Analista, do que resultou a ofensa aos direitos da Companhia Antárctica Paulista. Havia a vinculação negocial (com a abertura da concorrência), de acordo com as normas (regras jurídicas administrativas) que, a 20 de dezembro de 1967, o Conselho Deliberativo da SUDENE havia estabelecido. A Resolução n. 3.615, de 29 de fevereiro de 1968, já
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não podia ter eficácia contra o que se havia estatuído a 20 de dezembro de 1967. Seria eficácia retroativa. Ora, nenhuma entidade estatal, ou órgão de entidade estatal, ou paraestatal, pode lançar resolução que atinja ato jurídico perfeito, direito adquirido, ou coisa julgada. Se a própria lei, em senso estrito, não o poderia fazer, a fortiori não o podem os decretos, os regulamentos, as resoluções, os avisos e as portarias. O ato jurídico foi perfeito a 20 de dezembro de 1967, e dele consta a improrrogabilidade do prazo. O próprio Superintendente da SUDENE, em 20 de dezembro de 1967, em resposta à dúvida do Governador do Estado da Paraíba, no tocante a sanções às empresas retardatárias, declarou, frisantemente, "que a empresa assina um compromisso do qual não se pode desviar sem risco de ter cortados, imediatamente, todos os incentivos oficiais". (2)
Pergunta-se: - Podia a Secretaria Executiva da SUDENE, conhecendo os termos da deliberação do Conselho Deliberativo, em sessão de 20 de dezembro de 1967, invocar a Resolução n. 3.615, de 29 de fevereiro de 1968, para a prorrogação dos prazos? Respondo: - De modo nenhum. A Resolução n. 3.615, de 29 de fevereiro de 1968, foi lançada dois meses e nove dias após a aprovação daqueles projetos. A Resolução n. 3.615, de 29 de fevereiro de 1968, no art. 39, disse que "os projetos industriais, agrícolas e de telecomunicações já aprovados pela SUDENE serão regidos, no que couber, pelas normas fixadas pela Resolução n. 2.870/67".
Mas a Resolução n. 2.870, no art. 19, frisou a perda do direito aos. incentivos, sem qualquer permissão de dilatação: "Para fins de validade dos incentivos deferidos pela SUDENE, na forma de projetos aprovados pelo seu Conselho Deliberativo, o atraso de mais de oito
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meses na execução do empreendimento implicará a perda do direito aos incentivos que lhes tenham sido concedidos". Quanto à Resolução n. 3.615, posterior à aprovação dos projetos, não podia ter eficácia retroativa, pois violaria o art. 150, § 3. 0 , hoje - art. 153, § 39, da Constituição de 1967; nem ela mesma permitiria que se lhe atribuísse retroeficácia, uma vez que foi explícita no art. 19: "As empresas industriais, agrícolas e de telecomunicações que venham a ter projeto aprovado pela SUDENE deverão realizar a primeira etapa de seu cronograma de execução, de conformidade com o calendário constante do respectivo parecer, admitindo-se eventual prorrogação de quatro meses, contados a partir da data originariamente prevista para a conclusão dessa etapa". (3)
Pergunta-se: - Não tendo as empresas classificadas ultimado seus projetos dentro do prazo fixado pelo Conselho Deliberativo, houve infração das normas estabelecidas pela SUDENE e aprovadas pelo Conselho Deliberativo? Respondo: - As empresas deixaram de adimplir aquilo que mais importava para a SUDENE: "executar o Projeto dentro do Calendário de Inversões e Mobilizações de Recursos aprovados, sob pena de perda total dos incentivos ora concedidos". Uma vez que as empresas não uitünaram a execução dentro dos prazos fixados, improrrogáveis, houve infração das normas da concorrência. A invocação da Resolução n. 3.615, de 29 de fevereiro de 1968, é sem qualquer pertinência jurídica. Nem o Ministro do Interior, nem o Presidente da República, nem, a fortiori, a SUDENE, o podia fazer. (4)
Pergunta-se: - Tendo aumentado as possibilidades do mercado da Bahia e de Sergipe, de 20 de dezembro de 1967 para cá, e sendo exigido, pelas
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normas da concorrência, que a Cibeb e a Ciquine não possam ter capacidade para produzir mais do que 350 mil hectolitros de cervejas por ano, é justo que se autorize a Companhia Antárctica Paulista a realizar o seu projeto, já reconhecido "viável" pela própria Secretaria Executiva da SUDENE? Respondo: - A Companhia Antárctica Paulista, no ramo de que se trata, tem experiência de oitenta anos e o seu projeto de Olinda foi tido como de interesse para o desenvolvimento do Nordeste e é uma das maiores contribuintes para a Fazenda Pública, portanto - para o Banco do Nordeste do Brasil, e de modo nenhum se justifica, diante dos princípios constitucionais ( e.g., Constituição de 1967, arts. 160, I e V, e 153, § 19), que se lhe dê autorização.
(5) Pergunta-se: - Uma vez que se prejudicou o projeto da Companhia Antárctica Paulista e que as duas empresas que não adimpliram aquilo a que se vincularam, sem ser invocável a Resolução n. 3.615, nem a Resolução n. 2.870, tem a Secretaria Executiva de levar em consideração e preservar os direitos da Companhia Antárctica Paulista? Respondo: - A exposição dos fatos, com os documentos apresentados, mostra a injustiça de que foi vítima, através de inescusáveis violações de princípios, pela Secretaria Executiva da SUDENE, a Companhia Antárctica Paulista. O caso é de investigação porque se violam interesses de segurança nacional. O que se teve por fito foi beneficiar quem não concorreu com suficiente percentual do imposto, e a importação do estrangeiro, com divisas do país. A Companhia Antárctica Paulista vinha cooperando e já tinha muito do seu passado no estabelecimento que se queria, com plena aprovação do projeto executado. Quem teve bom êxito em Pernambuco tê-lo-ia na Bahia.
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A Companhia Antárctica Paulista tem direito ao que se pretende executar na Bahia, e vem de longe a aprovação dos seus critérios de projeto. A aprovação de projetos, mesmo que se não intercale o elemento de concorrência, depende da satisfação de pressupostos prefixados, Há promessa unilateral de vontade que se rege por princípios rígidos, quer se dirija ao público, ou a parte do público, ou a grupo limitado, ou mesmo a uma só pessoa. Não há aprovação a líbito das autoridades públicas, ou dos encarregados de exame. Quem vai aprovar está vinculado, posto que não se saiba quem é a pessoa em favor de quem se irradiou a vinculação. A Companhia Antárctica Paulista foi considerada "essencial à segurança do país", acumulou seus depósitos no Banco do Nordeste. O seu projeto para a cidade de Olinda, em Pernambuco, em 8 de agosto de 1965, com a Resolução n. 1.663, foi considerado de interesse para o desenvolvimento econômico do Nordeste, e aprovado, unanimemente, a 11 de maio de 1966 (Resolução n. 2.271). A execução foi perfeita. Depoi's houve contactos com a SUDENE, para a realização do empreendimento na Bahia e a Carta-Consulta a que antes aludíramos foi de grande relevância. A SUDENE é "diretamente subordinada ao Presidente da Repúplica". Cabe-lhe estudar e propor diretrizes para o desenvolvimento do Nordeste, ·supervisionar, coordenar e controlar a elaboração e execução de projetos relativos ao desenvolvimento do Nordeste que lhe forem atribuídos nos termos da legislação em vigor (Lei n. 3.692, de 15 de dezembro de 1959, art. 29). O Superintendente é "responsável pela execução das resoluções do Conselho Deliberativo" ( art. 39). A Secretaria Executiva tem de submeter ao Conselho Deliberativo o projeto de plano diretor e os atos de revisão anual do mesmo (art. 14, a); mas o Conselho Deliberativo tem de aprovar e encaminhar ao Presidente da República o projeto de plano diretor e os atos das respectivas revisões (art. 13, b). No art. 13, i), frisa-se que
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cabe ao Conselho Deliberativo "propor ao Presidente da República, aos Mt'nistros de Estado e aos dirigentes dos órgãos ministeriais subordinados ao Presidente da República a adoção de medidas tendentes a facilitar ou acelerar a execução de programas, projetos e obras relacionados com o desenvolvimento do Nordeste, bem como a fixação de normas para a sua elaboração".
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Pergunta-se: - Diante do inadimplemento, dentro dos prazos, pelas empresas Cibeb e Ciquine, e do aumento de mercado, tem a Companhia Antárctica Paulista direito de executar o projeto, tal como requerera em suas Representações de 12 e 29 de agosto de 1969, e 15 de setembro de 1969? Respondo: - Quanto à aprovação dos dois projetos, excluindo-se o da Companhia Antárctica Paulista, foi evidente a postergação. Não se respeitaram os princípios, nem as regras jurídicas concernentes às atribuições da SUDENE e do seu Conselho Deliberativo. Admitindose que valesse, mas tendo decorrido os prazos para execução, que não podiam ser prorrogados, nem reabertos, e havendo aumento de mercado, tem de ser acolhido o projeto da Companhia Antárctica Paulista que satifez todos os requisitos para a aprovação, e é de empresa que não está ligada a grupos estrangeiros, e tem depósito suficiente para a execução do projeto. Não se pode deixar de respeitar a indústria brasileira, no caso a mais eficiente. Tem-se de reconhecer o direito da Companhia Antárctica Paulista. O projeto ainda pode ser executado e, mais do que isso, precisa ser executado, para atender-se ao aumento de mercado. Este é o meu parecer. Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 1970.
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PARECER N. 200 SOBRE PEDIDO ILEGAL E SENTENÇA VIOLADORA DE REGRAS JUR1DICAS DO DECRETO-LEI N. 3.855, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1941, PROFERIDA EM AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE ABERTURA DE FALÊNCIA I
OS FATOS (a) O Juízo de Pirajuí, Estado de São Paulo, a 6 de outubro de 1966, decretou a abertura da falência da Sociedade Anônima Agrícola e Industrial Usina Miranda, que tem sede na mesma comarca. O pedido baseou-se na apresentação de nota promissória rural, concernente à compra de canas, que havia sido protestada sem se efetuar o pagamento, porém sem observância do Decreto-lei n. 3.855, de 21 de novembro de 1941, artigos 107-110. O valor era de cinco milhões de cruzeiros e correspondente ao fornecimento, no ano de 1965, de cana para fabricação de açúcar, conforme consta do contexto da cártula. A data da emissão - aliás, da subscrição e, provavelmente também da emissão - foi a 30 de maio de 1966 e a do ven' cimento a 30 de agosto de 1966. Invocou o demandante, Adernar Albano Russi, o art. 19, combinado com o art. 11, do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945. Na ação de decretação de abertura de falência, a demandada não se defendeu.
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O demandante foi titular da (nota) promissória rural como fornecedor de cana, conforme se registrou no Instituto do Açúcar e do Álcool, e do registro consta como um dos que fazem provisões de cana da usina que seria a emitente do título. Na (nota) promissória rural está explícito que se fez "em pagamento do fornecimento no ano de 1965". (b) A (nota) promissória rural, que se apresentou para o pedido de decretação de abertura da falência, não foi assinada por órgãos da empresa emitente, nem por alguém que os representasse. Nenhum dos dois signatári'os era diretor. Na Assembléia Geral Ordinária de 2 7 de abril de 1963, nenhum dos dois foi eleito diretor. Foram-no antes, e deixaram de o ser. II
OS PRINC1PIOS (a) Lê-se no Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 19: "Considera-se falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título que legitime a ação executiva". Adiante, no art. 11: "Para requerer a falência do devedor com fundamento no art. 19, as pessoas mencionadas no art. 99 devem instruir o pedido com a prova da sua qualidade e com a certidão do protesto que caracteriza a impontualidade do devedor". O título que basta à propositura da ação executiva é suficiente à ação de decretação de abertura da falência; mas, para isso, é necessário que se tenham satisfeito todos os pressupostos de direito privado e de direito público que se estabeleceram, em lei geral ou em lei especial, para a executividade (e . g. , o devido protesto) e para o próprio exercício da pretensão à tutela jurídica perante o Poder Judiciário. Se há regra jurídica cogente quanto à tutela jurídica perante o Poder Judiciário, nenhuma ação pode ser intentada antes de se haver respei-
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tado o que a lei impôs; portanto, nem a ação executiva, nem a ação de decretação de abertura de falência. No art. 49, VIII, do Decreto-lei n. 7.661, diz-se claramente que a falência não será decretada (lá se fala de "declarada", o que é erro) se "a pessoa contra quem for requerida prova qualquer motivo que extinga ou suspenda o cumprimento da obrigação ou exclua o devedor do processo da falência". (b) No Decreto-lei n. 3.855, de 21 de novembro de 1941 (Estatuto da Lavoura Canavieira), o art. 107 estatui: "Os litígios entre fornecedores e recebedores, derivados do fornecimento, que não forem compostos, mediante conciliação, pelas Comissões de Conciliação, serão dirimidos, privativamente, pela Comissão Executiva ou por uma das suas Turmas, nos termos deste Estatuto". No parágrafo único acrescenta-se: "Serão também dirimidos pela Comissão Executiva, ou por uma das suas Turmas, os conflitos a que se refere a Seção 2.ª do Título V". No art. 108 está dito: "Nos litígios a que se refere o artigo anterior, nenhuma das partes poderá recorrer à justiça ordinária, sem esgotar, preliminarmente, os recursos administrativos instituídos neste Estatuto". E no parágrafo único: "Será indeferida pelo juiz a petição inicial que não vier desde logo instruída com a prova da circunstância a que alude este artigo". Entenda-se: sem a prova de terem sido esgotados, preliminarmente, todos os recursos administrativos que o Decreto-lei n. 3.855 regulou. Ainda no art. 109 insiste o Decreto-lei n. 3.855: "A justiça ordinária não poderá conhecer de qualquer dos litígios referidos no art. 107, enquanto não for anulada judicialmente a decisão proferida, sobre o mesmo, pelas Turmas de Julgamento ou pela Comissão Executiva". O que se pretendeu exprimir, em má terminologia ("anulada"), é ser indispensável, para qualquer cognição judiciária, que o julgamento final pela Tumrn ou pela Comissão Executiva tenha sido contra um dos litigantes e haja dado provimento ao recurso administrativo, desconstitutivamente (decretação de nulidade do julgado, ou de nulidade ou anulação de algum título ou documento, ou de declaração de ineficácia). Enfim, enquanto não haja a coisa julgada administrativa.
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De maneira nenhuma se permite que a justiça ordinária, o Poder Judiciário, tenha cognição de algum litígio que não foi, antes, conhecido e julgado, definitivamente, por alguma Turma ou pela Comissão Executiva. (c) Examinemos os textos da Lei n. 3.253, de 27 de agosto de 1957, relativos à (nota) promissória rural. Lê-se no art. 15: ''As vendas a prazo de quaisquer bens de natureza agrícola ou pastoril, quando efetuadas diretamente por produtores ou proprietários rurais, serão documentadas pela promissória rural, nos termos desta lei"-:- E no art. 16: "A promissória rural constitui promessa de pagamento em dinheiro, assegurado pela consignação dos bens ou do seu equivalente em espécie". Acrescenta o parágrafo único: "Em caso de desaparecimento dos bens ou do seu equivalente em espécie, gozará a promissória rural dos privilégios enumerados no art. 1.563 do Código Civil". Lê-se, ainda, no art. 17: "A promissória rural, que goza das garantias da letra de câmbio, conterá os seguintes requisitos, lançados por extenso, no seu contexto: I. A data do pagamento. II. A denominação "promissória rural". III . O nome do vendedor a quem deve ser paga e a cláusula à ordem. N. A praça do pagamento. V. A soma a pagar em dinheiro, com indicação da taxa de juros, se houver, e dos bens objeto da compra e venda. VI. A data e o lugar da em1ssao. VII. A assinatura de próprio punho do comprador emitente ou de mandatário especial". E no parágrafo único: "A promissória rural, sujeita ao selo proporcional, pago por verba, observará o modelo anexo a esta lei". Finalmente, está no art. 18: "Cabe ação executiva para a cobrança da promissória rural". No parágrafo 1.º: "Em qualquer hipótese, será também citado o comprador para os fins da consignação pervista pelo artigo 16". No parágrafo 29: "Se houver consignação, a venda dos bens se fará nos termos previstos no art. 19 e seus parágrafos, assegurada ao credor a multa a que se refere o art. 22". A (nota) promissória rural de comprador (Lei n. 3.253, arts. 15-18) é título de solução de dívida oriunda de compra-e-venda ou de outro negócio jurídico de aquisição de produtos agrícolas ou pecuá-
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rios. O comprador ou adquirente paga com o título. Desde o momento em que o vendedor recebe o título de que consta o seu nome como tomador, e não só desde aquele em que endossa o título do comprador de gêneros agrícolas ou pecuári'os, começa a abstração -danota promissória rural. A nota promissória do agricultor, ou do pecuarista, como a nota promissória rural do comprador, é título formal. A literalidade é-lhe essencial. Também o é a cornpletitude de dizeres. O exclusivismo formal que se proclamou, a respeito da letra de câmbio e da nota promissória, também se observa quanto à nota promissórí'a do agricultor, ou do pecuarista, como quanto à nota promissória rural do comprador. Quod non est in titulo non est in mundo. Tudo que é indispensável para que o título seja tido como nota promissória do agricultor, ou do pecuarista, ou nota promissória rural do comprador, há de estar na nota promissória do agricultor, ou do pecuarista, ou em nota promissória rural do comprador, posto que nem tudo que nela se ache tenha efeitos peculiares à nota promissória do agricultor, ou do pecuarista, ou à nota promissória rural do comprador. Sem a forma, não surge a obrigação cambiariforme ongmana, nem surgem as obrigações cambiariformes sucessivas. O que o emitente prometeu está no título; somente prometeu isso, e não prometeu mais do que isso. A sua promessa é incondicionada. Criada a nota promissória do agricultor, ou do pecuarista, ou a nota promissória rural do comprador, e posta em contacto com a generalidade (não se confunda esse contacto com a emissão, de que não se cogita), surge-lhe a obrigação. A responsabilidade dele é em virtude do regresso, perante o obrigado de regresso, que pagou, ou perante o avalista. A responsabilidade entre co-emitentes é estranha ao direito cambiariforme. Em princípio, quando se está diante de ato, positivo ou negativo, de alguma autoridade da administração pública, só se há de propor ação contra a entidade estatal, ou paraestatal, depois de indeferimento, total ou parcial, por parte do agente (pedido de reconsideração), ou de alguma autoridade superior, para a qual se possa interpor recurso.
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Esse julgamento preliminar, além de cvitm que não se pré-examine a questão, faz responsável pelo ato ou pela omissão quem está cm maior altura nas funções administrativas, e afasta a presentação da entidade estatal, ou paraestatal, por pessoas que são apenas elementos do órgão presentativo. Os expedientes preliminares das interpretações, dos requerimentos prévios, ou das conciliações, não bastariam. Quando há vínculo entre as pessoas que iriam litigar compreende-se que se exijam as conciliações, como se dá entre cônjuges em caso de desquite e como se tem acolhido e cada vez mais se há de acolher no tocante a assuntos entre produtores e adquirentes, ou produtores e industriais, se o interesse social levou à intervenção econômica. Na própria esfera penal, tenta o Poder Judiciário a reconciliação entre os injuriantes e os injuriados e mesmo entre os caluniantes e os caluniados. Tenta-se o entendimento. A (nota) promissória rural é título cambiarforme, com as eficâcias (ditas, no art. 18 da Lei n. 3.253, de 27 agosto de 1957, "garantias"), mas, se está ligada à política administrativa da cana-de-açúcar, há regras jurídicas especiais. Uma das soluções, em técnica legislativa, é a de só se permitir o exercíci'o da pretensão à tutela jurídica perante o Poder Judiciário depois de ser exercida perante as autoridades administrativas. Em muitos setores exige-se que só se vá à justiça ordinária depois de se ter tido, na justiça administrativa, decisão desfavorável, com trânsito em julgado. (d) O processo da falência não é numa só relação jurídica processual. a) Há a relação jurídica processual que se forma com a decretação da abertura da falência e acaba com o encerramento da falência, relação jurídica processual que é a estrada larga, que a universalidade subjetiva e objeiiva da falência obrigou a abrir-se. Semelhante à estrada que se estende em toda relação jurídica processual de execução forçada, singular ou coletiva; porém mais larga, pela dupla universalidade que a caracteriza. b) Há as relações jurídicas processuais que caminham para ela, a começar pela relação jurídica 24
processual da verificação de contas (Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, art. 19, § 19), que precede à relação jurídica processual da falência, e as re:ações jurídicas processuais, que partem de dentro da relação jurídica processual da falência. Os procedimentos para admissão dos credores sao cumo portas que se recortam para que os credores fiquem, em suas classes e com as indicações das importâncias dos seus créditos, na estrada larga processual. Algumas relações jurídi'cas processuais que avançam de dentro da estrada larga descem, por bem dizer-se, ao passado, como a ação declaratória de ineficácia relativa (Decreto-lei n. 7 .661, art. 52) e a ação revocatória falencial (artigo 53). A ação do credor retardatário (art. 98) colima entrar na estrada larga quando já percorrida pelos outros credores em grande extensão. A ação rescisória falencial (art. 99) tem por fito pôr fora da estrada larga algum credor, diminuir-lhe a bagagem, ou i'mpor-lhe caminho diferente daquele que se lhe traçara e por onde ia. A sentença que decreta a falência é sentença inicial, em relação ao processo falencial. A ação a que ela se refere, e o pedido, que ela defere, não são a ação, ou o pedido ou pedidos que se vão processar, a partir dela. De modo que é indispensável distinguirem-se a ação pré-falencial, que leva à sentença de decretação de falência, e a ação concursai falencial, propriamente dita. Prius é aquela. O que vem depois é ação executiva coletiva, o concurso falencial de credores. Temos, primeiro, de indagar qual a natureza da ação e da sentença de decretação de falência. Toda confusão com o concurso falencial de credores seria nociva à investigação e, de regra, os juristas incidem nesse grave erro. Trazem ao pré-falencial o que é elemento característico de processo de falência propriamente dito. Daí pensar-se em ser executiva (Francesco Carnelutti, Lezioni, V, 32; Caratteri e limiti, Rivista di Diritto Processuale Civile, VI, Parte II, 234; Caratteri della sentenza di fallimento, VIII, Parte II, 159; Ancora sulla natura della sentenza di fallimento, XIII, Parte I, 260).. Outros há que vêem na ação e na sentença ação cautelar e medida cautelar, com fim de execução (M. T. ZANZl,JCCHI, Diritto PrQces2s·
sua/e Civile, Milano, 1916, I, 2é.l ed., 284 s.; Le Domande in separazione, Milano, 1916, 88 e 229 s.). Outros, simplesmente decisão
cautelar (AURELIO CANDIAN, Il Processo di Fallimento, Padova, 1934, 58; PIERO CALAMANDREI, lntroduzione a/lo studio sistematico dei provvedimenti cautelari, Padova, 1936, 113 s.). Outros: decisão de cognição sumária (A. BRUNETTI, Diritto f allimentare italiano, Roma, 1932, 155; mas em Lezioni di Diritto concorsuale, Padova, 1943, 41, prestou atenção ao elemento constitutivo; U. NAVARRINI, Trattato di Diritto Fallimentare, Bologna, 1934, I, 121); provimento de jurisdição voluntária, similar da pronúncia, em direito processual penal (ENRICO REDENTI, Corso de procedura civile, Bologna, 1932, 224 s.); provimento administrativo (LUIGI LORD!, II Fallimento, Napoli, 1946, 118). O problema, em verdade, cifra-se em se assentar se a sentença é preponderantemente declarativa, ou constitutiva, ou executiva, pois dificilmente se poderia sustentar ser preponderantemente condenatória ou mandamental. Como a respeito de toda categoria jurídica, que se quer classificar, dizer-se que a sentença de falência é sui generis nada adianta. A constitutividade da sentença de decretação da abertura de falência é preponderante. Após ela, há estado jurídico que antes não existia. E está aberta a estrada executiva, a estrada larga, a que aludimos. Sabendo-se que a sentença decretativa de abertura de falência é constitutiva e tem eficácia executiva imediata, facilita-se o entendimento do instituto do concurso de credores, em todas as ações de que se compõem. Pode dar-se que seja nula a sentença que decretou a abertura da falência, ou que apenas seja rescindível. · A sentença decretativa da abertura da falência pode ser desconstituída: A) antes do trânsito em julgado, (a) no próprio juízo falencial de primeira instância, a) em decisão ao falar no recurso de agravo de instrumento (Decreto-lei n. 7. 661, art. 17), ou b) ao julgar os embargos do art. 18 do Decreto-lei n. 7.661, ou e) ao falar no agravo de petição (art. 18, § 39; Código de Processo Civil, art. 847, 2~·parte), ou (b) em instância superior, a) no julgamento do recurso
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de agravo de instrumen:o ( art. 17), ou b) do agravo de petição (art. 18, § 39), ou e) dos embargos remetidos de que cogita o art. 18, § 59, do Decreto-lei n. 7.661, ou d) em recurso de revista (Código de Processo Civil, arts. 853-861), ou e) em recurso extraordinário (Constituição de 1946, art. 101, III; Código de Processo Civil, arts. 863-881); B) após o trânsito em julgado, por meio de ação rescisória (Código de Processo Civil, arts. 798-801). Conforme se vê, há nove espécies da chamada reforma de sentença decretativa da abertura da falência, todas com a restituição ao prístino estado, apenas ressalvados os direitos dos credores que foram, no intervalo, legitimamente pagos e dos terceiros de boa fé. Lêse no Decreto-lei n. 7. 661, art. 21: "Reformada a sentença declaratória, será tudo restituído ao antigo estado, ressalvados, porém, os direitos dos credores legitimamente pagos e dos terceiros de boa fé". (e) Os diretores têm funções internas à sociedade e externas. As nomeações e promoções de empregados, as instruções de serviço e os contactos com os que trabalham na empresa são atos de funções internas. Nas relações com terceiros, como órgão da sociedade por ações, a diretoria, ou algum, ou alguns dos diretores exercem, como órgão, funções externas. Nas funções externas, não se pode dizer que a Diretoria seja representante legal, ou tenha a posição de representante legal. Não é representante: como órgão, nas relações internas, administra, dirige, gere; nas relações externas, presenta. Não se pode equiparar a essa posição jurídica a do pai, do tutor ou do curador, que representa a pessoa absolutamente incapaz; a fortiori, a de quem apenas assiste ao relativamente incapaz. Entre a sociedade por ações e o diretor ou os diretores, não há, tampouco, relação jurídka de contrato de trabalho ou de locação de serviços. Na missão de organizar a sociedade por ações, a assembléia geral, que é órgão da sociedade por ações, cria a Diretoria, que também é órgão. As funções dos diretores ou são em comum, colegialmente exercidas por todos (funções da Diretoria), ou de alguns diretores (que
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têm de deliberar ou deliberar e assinar), ou de cada um.
Ali, o ór-
gão é colegial; aqui, não. Se não houve discriminação das funções, nem se estabe!eceu a colegialidade, o que se há de entender é que todos têm os mesmos poderes (Código Civil, art. 1.384; Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, art. 116, § 29). Se houve discriminação de funções, sem qualquer alusão, explícita ou implícita, à colegialidade, o art. 116, § 29, do Decreto-lei n. 2.627 não é invocável. Podem os estatutos exigir para alguns atos o parecer prev10 ou a aprovação pelo Conselho Fiscal, ou outro órgão que eles hajam criado. No tocante à presentação da sociedade por ações - quer ativa, quer passivamente, quer em juízo, quer fora de juízo - ou nada se atribuiu a algum ou a alguns dos diretores, e todos têm tal poder, ou só de algum ou de alguns se cogitou e temos a discriminação, ou a deliberação ou o exercício, ou a deliberação e o exercício dependem de todos, co~egialmente. Se os atos hão de ser praticados por um ou alguns, mas deliberados por todos, separaram-se os poderes de deliberação e os de prática, inclusive, se é o caso, de presentação. Tais diretores, que só deliberam, têm o dever de velar pela prática daquilo que foi deliberado. Se os estatutos, na espécie, distribuíram, completamente, as funções, de modo que o diretor delibere e pratique os atos, positivos ou negativos, a responsabili'dade é só dele. Quem presenta alguma pessoa jurídica, ou quem a representa, está em situação prevista no art. 46 da Lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908. Lê-s.e no art. 46: "Aquele que assina a declaração cambial, corno mandatário ou representante legal de outrem, sem estar devidamente autorizado, fica, por ela, pessoalmente obrigado". Também assim estatui a Lei uniforme, art. 8: "Quiconque appose sa signature sur une lettre de change, comme représentant d'une personne pour laquelle il n'avait pas le pouvoir d'agir, est obligé lui-même en vertu de la lettre et, s'il a payé, a les mêmes droits qu'aurait eu le prétendu représenté. 11 en est de même du représentant qui a dépassé ses pouvoirs".
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A palavra "representante" está em sentido larguíssimo. Abrange o presentante (órgão de pessoa jurídica), o representante, o assistente de quem, para o ato, precisava ser assistido. Também o que se diz mandatário, sem o ser, se obriga cambiariamente, sem atingir o pretendido mandante. Daí termos dito, explicitamente (Tratado de Direito Privado, tomo XXXIV, § 3.843, 2): " ... "representante", no art. 46 da Lei n. 2.044, "réprésentant'', no art. 89 da Lei uniforme, está em sentido larguíssimo: abrange quem representa, quem assiste, quem se diz autorizado, ou com permissão, e quem é órgão". Adiante: "Cumpre ainda observar-se que a responsabilidade do representante, do assistente, ou do órgão existe mesmo se se acreditava investido dos poderes de representante, de assistente, ou de órgão. Não cabe, aqui, qualquer indagação sobre a culpa. A responsabilidade que se estabelece no art. 46 da Lei n. 2.044 (Lei uniforme, art. 8) nada tem com a culpa, a negligência, ou a imprudência. É responsabilidade mesmo sem culpa. O que é preciso é que o portador, que apresenta o título, estivesse de boa fé, isto é, ao tomar posse do título cambiário desconhecesse ou pudesse desconhecer a falta de poderes. Não é portador de boa fé quem tinha de conhecer a falta de poderes. Quanto ao ônus da prova, se consta - como ex hypothesi - do título cambiário a assinatura do representante, assistente ou órgão, não tem o portador de provar o ato do demandado. A esse incumbe alegar e provar que tinha poderes se a-peS"soa representada, assistida ou presentada alega que tais poderes não existiam. Nada obsta a que o portador proponha a ação contra o declarante cambiário e, di'ante da alegação de falta de poderes, chame à autoria o representante, assistente ou órgão ( cf. Código de Processo Civil, artigo 9 5). Igual direito tem o demandado". Quando se exerce ação rescisória de sentença que decretou a abertura da falência, não é preciso que se pense em qualquer situação jurídica ou relação jurídica de ação concursai falencial. O que importa é que se trate de sentença decretativa de abertura de falência, trânsita em julgado. (f)
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Cabe ação rescisória de sentença, se os pressupostos estão satisfeitos, contra a decisão que decreta, como contra a que denega a abertura da falência (Tribunal de Justiça de São Paulo, 14 de junho de 1918, R. dos T., 26, 479; Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Apelação do Distrito Federal, 27 de dezembro de 1945, A. J., 78, 174, e 28 de março de 1947, 87, 419; Tribunal de Justiça do Ceará, 17 de março de 1948, R. F., 119, 188; Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 22 de março de 1950, 142, 324; sem razão, as Câmaras Reunidas da Corte de Apelação do Distrito Federal, a 23 de maio de 1912 e a 7 de janeiro de 1915, R. de D., 27, 326, e 3ó, 90-98). A ação rescisória é ação constitutiva negativa. A eficácia é total, ou parcial, conforme o julgado. A sentença decretativa há de ser totalmente rescindida. Então, o que resultara da sentença rescindida fica cindido, desfeito por cisão (Tratado da Ação Rescisória, § 40). Não se pode argumentar contra isso, empregando-se proposições concernentes às sentenças declarativas (e. g., Câmaras Cíveis Reunidas do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 27 de dezembro de 1945, A. J., 78, 174). Exatamente para se afastar o inconveniente eventual da integral restituição foi que se redigiu o art. 21 do Decreto-lei n. 7.661, na parte que pomos em letra grifa: "Reformada a sentença declaratória, será tudo restituído ao antigo estado, ressalvados, porém, os direitos dos credores legitimamente pagos e dos terceiros de boa fé".
III A CONSULTA E AS RESPOSTAS (1)
Pergunta-se: - Uma vez que a promissória rural, em que se baseou a sentença que decretou a abertura da falência da Sociedade Anônima Agrícola e Industrial Usina Miranda, assinada por pessoa que não era da empresa, nem tinha poderes para isso, é evidentemente procedente a ação rescisória da sentença?
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Respondo: - O primeiro passo que havia de dar o JUIZ, uma vez que se !ratava de (nota) promissória rural, por fornecimento de cana e os interessados eram ligados ao Instituto do Açúcar e do Álcool, seria o de indeferir a petição, por ter faltado o procedimento administrativo. A Lei n. 3.253, de 27 de agosto de 1957, lex generalis, não derrogou os arts. 107-110 do Decreto-lei n. 3.855, de 21 de novembro de 1941. O art. 109 tinha de ser respeitado: "A justiça ordinária não poderá conhecer de qualquer dos litígios referidos no art. 107, enquanto não for anulada judicialmente a decisão proferida, sobre o mesmo, pelas Turmas de Julgamento ou pela Comissão Executiva". O segundo passo havia de ser - se aquele foi ilegalmente omitidc, - o de exigir a prova dos poderes de presentação ou de representação por parte dos subscritores da (nota) promissória rural, que não eram diretores da empresa. A empresa não se defendeu, pois não havia sido citada. fora pessoa que não era Diretor.
Citada
Perante a lei geral e a lei especial, tudo fora em evidente violação da lei. (2)
Pergunta-se: - Tendo-se o título abstrato, dito (nota) promissóri'a rural, como título com eficácia executiva (Lei n. 3.253, de 27 de outubro de 1957, art. 18), a regra jurídica, que lhe atribuiu a executividade, derrogou os arts. 107, 108 e parágrafo único, bem como o art. 109 do Decreto-lei n. 3.855, de 21 de novembro de 1941? Respondo: - Não. Os arts. 107-110 continuaram em plena incidência. Não há qualquer argumento em que se possa fundar alegação de ter sido inconstitucional o que se estatuiu no Decreto-lei n. 3.855, de 21 de novembro de 1941, ou de que a Lei n. 3.253, de 27 de agosto de 1957, o derrogara.
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A (nota) promissória rural, a despeito de ser título cambiariforme e de dívida certa e líquida, não permite, se o conteúdo do negócio jurídico subjacente foi fornecimento de cana, que se peça a execução, ou a decretação da abertura da falência, ou outra tutela jurídica, sem que se haja começado pela justiça administrativa. Os arts. 108-110 do Decreto-lei n. 3.855, de 21 de novembro de 1941, de modo nenhum se chocam com o art. 153, § 49, da Constituição de 1967 (após a Emenda n. 1), nem se chocaram com o art. 150, § 49, do texto de 1967, nem com o art. 141, § 49, da Constituição de 1946. O Decreto-lei n. 3.855 não pré-excluiu a apreciação pelo Poder Judiciário; apenas regulou o procedimento administrativo, e fez necessário, antes de qualquer exercício da pretensão à tutela jurídica perante o Poder Judiciário, o que é exigido como medida de política econômica, na ala administrativa. Os requisitos para os títulos formais, principalmente quando criados por ocasião de intervenção estatal na economia, são pressupostos de lex specialis. É o que acontece com o que se estabeleceu nos arts. 107, 108 e parágrafo único e 109 do Decreto-lei n. 3.855, de 21 de novembro de 1941. Tais regras jurídí'cas são de direito público, e não de direito privado, porque contêm discriminação competencial interna e são vedativas de cognição judiciária antes que se atenda ao que se assenta quanto ao processo administrativo. O art. 108, parágrafo único, dirige-se aos membros do Poder Judiciário, como conseqüência do que se fez cogente nos arts. 107, 108 e 109. No fundo, tudo que se regulou foi a cognição administrativa necessana. Sem essa preliminar, de direito administrativo, não pode haver deferimento da petição inicial pelo juiz ( art. 108, parágrafo único), de jeito que a cognição pelo Poder Judiciário fica dependente de se terem esgotado os recursos administrativos. Para que se possa exercer a ação executiva, para a cobrança da (nota) promissória rural (Lei n. 3.253, de 27 de agosto de 1957, art. 18), é preciso que o título esteja com os pressupostos da lei, que são os da lei sobre a constituição e a eficácia da cédula, tal como se exige na Lei n. 3.253, de 27 de agosto de 1957, arts. 15-18, e os
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da [ex specialis, concernentes à produção e à indústria da cana (Decreto-lei n. 3.855, de 21 de novembro de 1941, arts. 107-109). O juiz tinha de indeferir, de início, o pedido de decretação da abertura da falência. Houve indisfarçável violação das leis. Este é o meu parecer. Rio de Janei'ro, 17 de janeiro de 1970.
PARECER N. 201 SOBRE COMPRA-E-VENDA DE A:ÇõES DE BANCO E RESPONSABILIDADE CONTRATUALMENTE ASSUMIDA, EM TERMOS EXPL1CITOS E RESTRITOS, PELO VENDEDOR E ATOS IL1CITOS DE OUTREM I
OS FATOS (a) Em contrato datado de 6 de agosto de 1968, Alfonso Martin Escudero vendeu ao Banco do Estado do Paraná S. A. duzentas e vinte e nove mil e sete ações do Banco Alfomares S.A., pelo preço de vinte e sete milhões de cruzeiros novos. Na cláusula III está dito: "O pagamento do preço da presente compra-e-venda de ações, que constituem o capital do Banco Alfomares S. A., representa também o pagamento de tudo quanto o primeiro contratante tiver a receber, reclamar, pletear ou reptir a qualquer título e até o dia de hoje, do Banco Alfomares S. A., inclusive dividendos, bonificações e eventuais vantagens que a ele possa caber como acionista, ficando excetuados apenas os seus saldos em conta-corrente e eventuais títulos em cobrança". Na cláusula IV lê-se: "O segundo contratante, dando-se por satisfeito com a situação e o estado do Banco Alfomares S. A. , como efetivamente se dá, entrega aos diretores deste, ainda neste ato, carta
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na qual dá por prestadas, boas e quitadas todas as contas e atos de suas respectivas gestões até hoje". Noutra cláusula, a c:áusula VI, os contraentes estabeleceram: "Constitui única responsabilidade do primeiro contratante, concernente a este negóci'o, a boa liquidação dos créditos do Banco Alfomares S . A. , existentes na data de hoje, resultantes das aplicações do giro normal ou de qualquer outra causa, de acordo com as seguintes cláusulas e condições: 1. Apurar-se-á o montante de todos os sobreditos créditos existentes na data de hoje e 0 próprio Banco Alfomares S. A. responderá pelos créditos não pagos até 2 % (dois por cento) desse montante, ficando obrigado o mesmo estabelecimento de crédito a empregar os meios prescritos em lei para a sua cobrança; 2. Atingido esse limite de 2 % (dois por cento) e desde que o Banco Alfomares S. A. esteja cumprindo a obrigação supra assumida, passará o vendedor a responder daí por diante pelos créditos vencidos que, cobrados pelos meios bancários e pelo protesto dos respectivos títulos, não tenham sido pagos em 30 (trinta) dias da data do seu vencimento; 3. A obrigação do vendedor estipulada no inciso anterior operar-se-á pelo débito do crédito não pago em sua conta-corrente de prazo fixo na Matriz do Banco Alfomares S. A. (certificado de depósito n