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Portuguese Pages 357 [184] Year 1991
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« O Ateneu
Retórica e paixão Ley la Perrone Moyses (org.) Capítulos de Literatura Colonial
Sergio Buarque de Holanda Conversas com Vargas LI osa
T.S.
Rumor da Língua
Sade, Fourier e Loyola
Roland Barth es Os Sertões
Discurso sobre a Poesia Dramática
Coleção Primeiros Passos O que é Língua
Fernando Pessoa
Antônio Houaiss
Um detetive-leitor e muitas pistas Salete de Almeida Cara
O que é Literatura
Rosenfield
Tradução e Prólogo: Ivan Junqueira
Edição crítica Walnice N. Galvão
A História e o Conceito na Literatura Medieval Katharina Holzermayr-
DE POESIA E POETAS
Roland Banhes
Ricardo A. Setti
Denis Diderot
ELIOT
Marisa La^olo O que e Poesia
Fernando Paixão O que é Comunicação Poética Décio Pignatari
Introdução à Literatura Negra
Zilá Bernd Literatura como Missáo
Tensões sociais e criação cultural na Primeira República Nicolau Sevcenko Obras Escolhidas
Vols. /, II e III Walter Benjamin
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editora brasiliense
Copyright © by Faber and Faber Limited, 1988 Título original: On Poetry and Poets Copyright © da tradução: Editora Brasiliense S.A. Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.
ISBN: 85-11-22032-1 Primeira edição, 1991
Indicação editorial: Paulo Cesar Souza Preparação de originais: Cássio Arantes Leite Revisão: Ana Célia de M. Goda. Irati Antonio e Ana Maria M. Barbosa índice Onomástico: Claudia Beck Abehng Capa: Ettore Bottini
IP
Rua da Consolação, 2697 01416 São Paulo SP Fone (OU) 881-3066 - Fax 881-9980 Telex: (11) 33271 DB LM BR
IMPRESSO NO BRASIL
Para Va/erte
SUMÁRIO
Prefácio Prólogo
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DE POESIA A função social da poesia (1945) A música da poesia (1942) O que é poesia menor? (1944) O que é um clássico? (1944) Poesia e drama (1951) As três vozes da poesia (1953) As fronteiras da crítica (1956)
25 38 56 76 100 122 140
II DE POETAS Virgílio e o mundo cristão (1951) Sir John Davies (1926) Milton I (1936) Milton II (1947) Johnson como crítico e poeta (1944) Byron (1937) Goethe, o sábio (1955) Rudyard Kipling (1941) Yeats (1940)
163 178 187 197 216 257 277 303 335
índice onomástico
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PREFÁCIO
Com u m a única exceção, 1 todos os ensaios incluídos neste livro são posteriores aos q u e integram meus Selected essays (Ensaios escolhidos).2 A maioria deles foi escrita nos últimos dezesseis anos. Meus Ensaios escolhidos eram u m a miscelânea; este livro, como o título indica, restringe-se aos ensaios relativos a poetas ou à poesia. A presente coletânea difere de meus Ensaios escolhidos em outro aspecto. Somente um ensaio nesse volume — o estudo sobre Charles Whibley — foi escrito para ser lido diante de u m a platéia; todos os demais foram escritos para publicação em periódicos. Dos dezesseis ensaios que constituem o presente volume, dez foram originalmente escritos para serem lidos junto ao público; um décimo primeiro, o que escrevi sobre Virgílio, era u m a palestra radiofónica. Ao publicar agora tais conferências, não tentei transformá-las naquilo em q u e poderiam ter sido se destinadas originalmente aos olhos, e não aos ouvidos; nem me ocupei de fazer alterações, a não ser omitir os comentários preliminares a "Poesia e d r a m a " , além de algumas daque-
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1 O ensaio sobrr Sir J o h n Davies, q u e apareceu em The Times Literary Supple ment em 1926, foi resgatado do esquecimento e recomendado para ser aqui incluído pelo Sr. J o h n Hayward. (N A.) 2. Selected essjys 1917 1932. Fáber and Fáber. Londres, and C o m p a n y , Nova York, 1932. ( N . T . )
1932; e Harcourt, Brate
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T. S. ELIOT
las observações preambulares e gracejos incidentais q u e , t e n d o sido concebidos para seduzir o ouvinte, poderiam apenas irritar o leitor. Tampouco me pareceu correto, ao preparar para a publicação em um volume de ensaios escritos em épocas distintas e em diversas ocasiões, remover passagens q u e repetem afirmações feiras alhures, ou tentar suprimir discrepâncias e reconciliar contradições. Cada item é substancialmente idêntico ao da época de sua leitura para o público ou primeira publicação. Ao reler algum tempo depois certos ensaios e palestras, classificados por data e assunto para inclusão, decidi rejeitá-los por não os considerar bons o bastante. Pretendi poder considerar dignas de inclusão duas conferências pronunciadas na Universidade de Edimburgo, anteriores à Segunda Guerra Mundial, sobre "O desenvolvimento do verso shakespeariano", pois o que eu estava tentando dizer parecia-me digno de ser dito. Tais conferências, porém, deram-me a impressão de estar mal escritas, e seria necessário uma revisão completa — tarefa q u e adiei para algum f u t u r o longínquo. Lamento menos a omissão, entretanto, uma vez que tomei desse c o n j u n t o de conferências uma de suas melhores passagens — uma análise da primeira cena do Hamlet — para incorporá-la a u m a outra palestra, " P o esia e d r a m a " . Assim, já que furtara u m a conferência em benefício de outra, aduzo agora a Poesia e drama outro breve extrato da mesma conferência de Edimburgo, um comentário
à cena do balcão em Romeu e Julieta. Meus reconhecimentos aparecem sob a forma de notas de pé de página aos diversos ensaios. Elas me p e r m i t e m expressar as gratas lembranças da hospitalidade com q u e me acolheram em várias cidades, como Glasgow, Swansea, Minneapolis, Bangor (Gales do Norte) e Dublin. As dívidas de gratidão são por demais numerosas para particularizá-las; mas como meu ensaio sobre Goethe* foi lido na ocasião em que recebi da Liga Hanscática o Prêmio Goethe, gostaria de expressar meu apreço à hospitalidade da Stiftung F. V. S. (a fundação que concede o prêmio), ao reitor da universidade e ao burgomestre e ao Senado da cidade de Hamburgo. T. S. Eliot O u t u b r o de 1956 " G o e t h e as the s a g e " , aqui traduzido como " G o e t h e , o s á b i o " . ( N . T . )
ELIOT ENSAÍSTA
Faz um q u a r t o de século q u e T h o m a s Stearns Eliot morreu em Londres, com setenta e seis anos de i d a d e , a 4 de janeiro de 1965. Ocioso dizer aqui q u e sua obra — o vasto e complexo legado desse tríplice talento de p o e t a , ensaísta e d r a m a t u r g o , " u m devoto d a tradição q u e q u e b r o u o s moldes tradicionais para dar novas formas à poesia i n g l e s a " , c o m o dele disse Brand Blanshard — continua viva, talvez até mais viva do q u e na época em q u e foi escrita. Antes de mais n a d a , c u m p r e e n t e n d ê - l o , e n q u a n t o crítico e ensaísta, n a q u e l e sentido cm q u e Baudelaire e n t e n d i a o poeta q u a n d o e n t r e g u e à sua eventual atividade de prosador: " S ê sempre poeta, m e s m o em p r o s a " . Ou a i n d a , s e g u n d o o m e s m o Baudelaire, d e n t r o d a q u e l e ideal de q u e " t o d o s os grandes poetas se fazem natur a l m e n t e , f a t a l m e n t e , críticos". O u a i n d a , afinal, d e n t r o d o p e n s a m e n t o de Alceu Amoroso Lima, para q u e m " t o d o g r a n d e poeta ( . . . ) é um g r a n d e crítico, ao menos na perspectiva ( . . . ) , c o m o t o d o g r a n d e crítico é um poeta, ou em perspectiva ou em a ç ã o " . Q u e m tentar e n t e n d e r - l h e o ensaísmo ou a crítica literária fora do contexto de sua concepção poética, ou seja, de sua perspectiva ou de sua ação, corre o risco de passar ao largo não apenas de seus propósitos e formulações estéticas, mas de seu próprio p e n s a m e n t o como h o m e m e como artista.
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PRÓLOGO
O que aqui se p r e t e n d e configurar como o p e n s a m e n t o de Eliot se esgalha em muitas vertentes e direções, mercê de seus compromissos não apenas poéticos, mas t a m b é m filosóficos e religiosos, ou até mesmo políticos. Um ano após adotar em 1927 a cidadania britânica, Eliot se d e f i n i u , em sua célebre tríplice declaração, como " u m algo-católico em religião, um classicista em literatura e um monarquista em p o l í t i c a " . Na verdade, como herdeiro de uma elite de emigrantes ingleses q u e , em meados do século XVIII, se estabeleceram em Massachusetts, na Nova Inglaterra — entre os quais se incluía o reverendo William Greenleaf Eliot (1811-1887), avô do poeta e f u n d a d o r da Igreja Unitária de St. Louis e da Universidade de Washington —, não é de surpreender que Eliot haja chegado às conclusões filosóficas, religiosas e políticas a q u e chegou, as quais tangenciam não raro um extremo reacionarismo. Acrescente-se a isso não apenas o fato de q u e seus ancestrais mais próximos pertenciam à sociedade mercantilista em Boston, mas t a m b é m a circunstância de que tal condição lhe iria favorecer u m a formação intelectual esmerada cm academias de primeira linha em St. Louis e Massachusetts e, depois, na Universidade de Harvard, em Boston, estudos esses q u e o poeta concluiu na Sorbonne, em Paris, o n d e fez os cursos de língua e literatura francesas e de filosofia contemporânea, e no Merton College, em Oxford, onde durante o ano de 1914, pouco antes de eclodir a Primeira Guerra Mundial, dedicou-se, na q u a l i d a d e de Lector, às pesquisas filosóficas sobre os prc-socráticos. Esse perfil de exigente e sofisticado scholar pode não dizer m u i t o , sobretudo q u a n d o se pensa nos destinos q u e tomou a vida de Eliot, mas afinal sempre diz alguma coisa, pois é ele, queiram ou não, a matriz de suas futuras convicções. Embora tenha Eliot recusado a vida acadêmica, como era desejo do pai, sua formação universitária só poderia m e s m o têlo conduzido àquilo que, do ponto de vista intelectual, entendia ele como um sistema mental cujos corolários eram a o r d e m , a disciplina, a coerência e a tradição. Para além daquela formação, todavia, são múltiplas as influências q u e atuaram sobre o espírito de Eliot, e é possível reconstituí-las em certa ordem, considerando-se não apenas a relação entre o esteticismo e o pessimismo, como também a relação entre pessimismo e deter-
PRÓLOGO
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minadas atitudes religiosas e políticas. Podem explicar-se assim as influências dos simbolistas franceses, cm particular a de Jules Laforgue, as de T. H. H u l m e e Ezra P o u n d , a do pessimismo splcngeriano, as analogias com as dos humanistas norte-americanos, entre os quais George Santayana e Irving Babbit, o resgate de D o n n e e de toda a poesia metafísica inglesa,do século XVII, a exumação de Dryden e Pope como poetas da inteligência, e daí, afinal, o tortuoso c a m i n h o rumo ao m o d e r n i s m o , ao seu modernismo sui generis, um modernismo passadista e reacionário, pois o q u e de fato interessava a Eliot era o fim da literatura romântica e da democracia do século XIX. Eliot destrói a métrica e a sintaxe como um vanguardista parisiense e engendra visões apocalípticas como um expressionista alemão, mas é, ao m e s m o t e m p o , um saudosista da antigüidade clássica q u e , graças à sua m o n u m e n t a l cultura literária, mobiliza (ou "eliotiz a " ) Ésquilo, Sófocles, Aristófanes, Empédocles, Heráclito, Virgílio, D a n t e , Arnault Daniel c os provençais, Santo Agostinho, São João da Cruz, Juliana de Norwich, Pascal, Baudelaire, Mallarmé — e n f i m , todas as literaturas de todas as épocas e países, pois, como um estrangeiro dentro da literatura européia, ignora quaisquer fronteiras nacionais. Em 1914, a civilização européia ia acabar m u i t o simplesmente porque os europeus se recusavam a ser o q u e Eliot apregoava ser: anglo-católico, classicista e monarquista. Era a hora dos exilados norte-americanos no Velho M u n d o . A hora de Eliot e de P o u n d . Eliot e P o u n d tornam-se assim os norte-americanos q u e d o m i n a m t o d o o passado da civilização européia, interpretando as catástrofes políticas, espirituais e morais da Europa através do a b a n d o n o , pelos europeus, de suas grandes c vivificantes tradições. São ambos como q u e cristãos novos q u e vieram para ensinar os cristãos velhos, os quais eles consideram apóstatas já condenados. É esse, sem dúvida, o espírito q u e impregna
cada um dos versos de The waste land (A terra desolada — 1922), sem a leitura dos quais n i n g u é m poderá e n t e n d e r seu ensaísmo ou sua crítica literária. Criador de u m a desconcertante " m ú s i c a de idéias" , Eliot é, na verdade, o ú l t i m o dos metaphysical poets q u e ele próprio exumou e, talvez, o mais a m b í g u o poeta de u m a época em t u d o e por t u d o a m b í g u a , a época rentre deux guerres, como ele m e s m o a define n u m a das
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PRÓLOGO
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passagens de seus Four quartets (Quatro quartetos —
1943).
Por isso mesmo, como já dissemos, sua primeira visão do m u n d o é essencialmente pessimista e apocalíptica, sugerindo-nos u m a árida "terra desolada" na qual se arrastam e agonizam os homens ocos". É esse o cenário purgatorial q u e nos descortina o mais terrível poema de toda a literatura ocidental c o n t e m p o r â nea, The waste landy insólita c o m u n h ã o de sátira e desespero, de pensamento e emoção, de caducidade e transcendência, de liturgia e perversão, de náusea profana e êxtase religioso, de discurso oratório e balada metafísica. Embora convertido ao catolicismo anglicano, a impressão q u e se tem é a de q u e Eliot jamais conseguiria desvencilhar-se desses estigma s espirituais, pois, se era inabalável a sua fé no pecado original, o m e s m o já não se pode dizer de sua esperança na redenção h u m a n a . De sua obra como poeta e ensaísta quase t u d o se poderá dizer ou argüir, menos q u e seja gratuita, pois o q u e aí se encena é o drama daquele h o m e m arcaico, antigo, medieval, renascentista e moderno, o h o m e m do qual todos descendemos. Embora solidário com a reação desencadeada pelo New Criticism contra a crítica histórica e psicológica no sentido de focalizar os aspectos formais da obra literária, Eliot não chegou propriamente a filiar-se àquele m o v i m e n t o , t e n d o inclusive lhe denunciado u m a série de abusos, como se p o d e 1er sobretudo em De poesia e de poetas (1957). Não obstante, é ele considerado um dos fundadores dessa importante vertente crítica angloamericana, ao lado de J o h n Crowe Ransom, Cleanth Brooks, Ivor Armstrong Richards, William Empson, K e n n e t h Burke, Richard Blackmur, Allen Tate e alguns outros. Mas o New Criticism estava longe de constituir um bloco h o m o g ê n e o , abrigando tendências das mais divergentes, embora todas revelem um ponto comum: a origem na contribuição crítica de Samuel Taylor Coleridge, a partir de cuja Biographia literaria (1817) reaparece como exigência basilar a necessidade de se 1er, cada vez mais exatamente, as "palavras na p á g i n a " , o q u e se prestou até para pesquisas estatísticas sobre a freqüência de certas expressões e imagens em determinado poeta. Ε o close reading, princípio do qual Eliot foi ortodoxo adepto. De acordo com a lição de Coleridge, deve ser dispensada a mesma atenção à estrutura do conjunto de palavras e à técnica de sua organização
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em estruturas poéticas. Assim, a crítica literária passa a ser entendida como uma ciência autônoma que se dedica ao estudo dessa técnica, sem n e n h u m a preocupação com os elementos biográficos, psicológicos ou históricos. Exigia-se t a m b é m do close reading q u e tivesse um f u n d a m e n t o filosófico, da mesma forma como filosófica foi a técnica exegética de Coleridge, o q u e de certo m o d o deixava Eliot m u i t o à vontade graças ao seu p r o f u n d o conhecimento da filosofia ocidental e mesmo dos corpos de doutrina do Oriente. Nesse caso, entretanto, os new critics voltavam a recorrer à psicanálise, à antropologia, à sociologia ou até m e s m o à execrada biografia do autor como ciências auxiliares do close reading, q u e deixou então de ser estritamente lingüístico. Mais importante do que essa base filosófica, porém, foi a distinção, proposta por Ramson e incorporada por Eliot, entre a " e s t r u t u r a " do p o e m a e sua " t e x t u r a " , ou seja, a lógica poética de acordo com a qual os detalhes se subordinam ao c o n j u n t o e se relacionam entre si, o q u e reflete um conceito tipicamente coleridgiano. E a partir dessa distinção, aliás, q u e Cleant Brooks irá propor os "símbolos d e t e r m i n a n t e s " , ou symbolic patterns, q u e caracterizam a obra literária e constituem a chave para sua interpretação. Sempre q u e necessário ou o p o r t u n o , esses patterns são explicados à maneira psicanalítica e, a partir daí, praticamente se a b a n d o n a o ideal do close reading no que se refere à interpretação p u r a m e n t e formal e estética da obra literária. O m é t o d o dos symbolic patterns acabou assim por transformar a obra estudada n u m a alegoria que o crítico decifrava como bem lhe aprouvesse. Os abusos foram inevitáveis, o q u e levou Helen Gardner a denunciá-los, no q u e foi seguida pelo próprio Eliot poucos anos depois. O curioso na formação de Eliot como crítico e ensaísta é q u e esta, pelo menos no início, nos dá a nítida impressão de ser mais francesa do que inglesa, razão pela qual, em um de seus primeiros ensaios, Hamlet, datado de 1919, ousa o autor manifestar sérias dúvidas q u a n t o à perfeição dramática e à prof u n d i d a d e filosófica daquela tragédia shakespeariana. Um ano depois, em The sacred wood, Eliot aconselha aos críticos ingleses o estudo de Rémy de G o u r m o n t , que lhe fora revelado por Pound. É que, nessa cpoca, o p o n t o de partida de Eliot se frag-
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mentava em premissas p u r a m e n t e estéticas. Em sua crítica afloram certos critérios cientificamente definidos, como o objective
Houaiss, q u e , e n q u a n t o poeta, Eliot " s e h u m i l h o u quase à condição de um n ã o - e u " , para assim — e somente assim — " a t i n gir a condição de p a n - p o e t a " . E seu ensaísmo, assim como sua crítica literária, deve t u d o não apenas a essa formação, mas sobretudo à sua convicção de q u e a literatura ocidental nada mais é do que um continuum q u e se estende desde H o m e r o até a m o d e r n i d a d e , o q u e lhe confere aquela revitalizante condição de f e n ô m e n o de cultura , sobre a qual ele tanto insistiu. Ao longo dos dezesseis ensaios aqui reunidos pode-se observar a extraordinária e cerrada coerência com q u e Eliot expõe e d e f e n d e seus pontos de vista, os quais, como ele próprio a d m i t e cm diversas passagens, pouco se modificaram d u r a n t e o período de trinta e três anos em q u e foram escritos esses textos sobre poesia c poetas, seara fora da qual — à exceção da dramaturgia em verso pouco se arriscou o autor, sob a alegação de q u e , para além de certos limites, se diluiria sua competência. É de fato notável, entretanto, a naturalidade com q u e Eliot se move no â m b i t o da estética, da filosofia, do pensamento religioso, da história, e, não raro, da psicologia e da política. É q u e , como herdeiro direto do ensaísmo de Coleridge e como um dos principais demiurgos do New Criticism, não podia ele compreender a análise do texto literário sem um sólido e coeso entourage cultural. Q u e m lê os textos críticos de Eliot percebe de imediato q u e os f u n d a m e n t a m não apenas u m a formação acadêmico-erudita, mas sobretudo uma harmônica, c o n q u a n t o dilacerante, visão do m u n d o c um ideário estètico-filosofico q u e confere à sua crítica uma condição de obra do pensamento, embora jamais se deva esquecer, como anteriormente dissemos, q u e ela não pode ser e n t e n d i d a senão e n q u a n t o vinculada à sua atividade de poeta e dramaturgo.
correlative, a auditory imagination ou a dissociation of sensibility. os quais, todavia, nada têm em c o m u m com as pretensões "científicas" de alguns críticos da vertente norte-americana do New Criticism. O próprio Eliot, aliás, julgava q u e o valor de sua crítica estava diretamente ligado às suas próprias experiências como poeta. E foi isso, sem dúvida, q u e lhe permitiu descobrir não só a p r o f u n d i d a d e poética dos dramaturgos elisabetanos, mas t a m b é m "a poesia metafísica" de J o h n D o n n e , Andrew MarvelI, George Herbert, Richard Crashaw ou Henry King e a poesia da " i n t e l i g ê n c i a " de J o h n Dryden e Alexander Pope. Mas tais descobertas não seriam possíveis se não o guiasse, t a m b é m , o agudo senso do f u n d o moral da obra desses autores, o mesmo senso moral e religioso q u e o levou, anos mais tarde, a rejeitar o agnosticismo dos vitorianos e de todos os liberais e o pelagianismo de T h o m a s Hardy e D. H. Lawrence, aos quais opõe o dogma do pecado original e a perversão (logo, a existência) dos valores morais dos católicos transviados Baudelaire e Joyce. Revela-se em Eliot, portanto, aquela previsível consciência de alguém que fora herdeiro de gerações e gerações de puritanos anglo-saxónicos. E como se, ao final, o esteta cedesse lugar ao moralista. Ainda assim é preferível q u e se e n t e n d a Eliot, para além de seus fundos e inequívocos compromissos éticos e religiosos, como um poeta de poetas e um crítico de poetas, c o m o o autor de uma obra que, a um t e m p o clássica e m o d e r n a , révolue ionária e reacionária, realista e metafísica, está na própria raiz q u e informa e conforma a mentalidade poética de nossos dias, t e n d o exercido fecunda e duradoura influência sobre todas as gerações que se fizeram a partir de 1930. Isso se explica pelo fato de que Eliot resume e absorve, nos complexos c heterodoxos estratos do mosaico intertextual de sua atividade criadora, toda a herança poética legada por aqueles q u e o precederam, desde o remoto passado oriental sanscrito e as difusas inervações grecolatinas ou mesmo hebraicas até a m u l t i f o r m e floração da poesia ocidental. Em decorrência dessa inumerável e mimètica assimilação literária, que alguns críticos passaram a designar de "eliotização", pode-se afirmar, como o faz lucidamente Antônio
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Tais virtudes p o d e m ser melhor apreciadas em determinados ensaios, particularmente em "O que é um clássico?" e em seu d e s d o b r a m e n t o apendicular, "Virgílio e o m u n d o crist ã o " , nos quais ele nos convence, a partir de premissas literárias m u i t o sugestivas e dentro de parâmetros histórico-filosófícos e lingüísticos irretorquíveis, de q u e Virgílio é o único clássico da literatura ocidental, se a entendermos como aquele continuum q u e se estratifica e amadurece a partir do advento da era cristã c de t u d o aquilo com q u e ela impregnou a alma do
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PRÓLOGO
homem do Ocidente. Virgílio seria o único clássico ocidental porque, ao escrever a sua Eneida, o fez n u m m o m e n t o histórico em q u e se consumava a m a t u r i d a d e de u m a língua — a latina —, de u m a literatura — a greco-latina, s o b r e t u d o porque Virgílio reinventa e revigora o m o d e l o helénico —, e de uma civilização — a romana, da qual somos herdeiros diretos em todos os campos do saber e do p e n s a m e n t o . E q u e , e m b o r a mais criativo e poderoso, o espírito grego só nos chega através de Roma e, mais do q u e isso, modificado e interpretado por Roma. E no caso de Eliot se observa, além disso, um o u t r o aspecto f u n d a m e n t a l : o de sua p r o f u n d a filiação ao cristianismo; e seria ocioso recordar q u e o m u n d o cristão e m e r g e precisamente das ruínas do Império Romano, logo após conhecido, aliás, como o Sacro Império Romano do O c i d e n t e . Em dois outros ensaios, "Poesia e d r a m a e As três vozes da poesia", Eliot se debruça sobre a questão do e m p r e g o do verso na dramaturgia, f a z e n d o aí, paralelamente, u m a análise de sua própria obra como d r a m a t u r g o . A preocupação do autor nesses ensaios é com a recuperação do d r a m a em verso no cenário do teatro contemporâneo, pouquíssimo interessado, aliás, em recorrer a esse expediente estilístico do qual t a n t o se serviram os tragediógrafos gregos e latinos e quase todos os d r a m a turgos elisabetanos, a começar por Shakespeare, Marlowe e Ben Johnson, entre vários outros. U m a das teses aqui sustentadas por Eliot é a de q u e a platéia não deve estar, d u r a n t e o espetáculo, consciente do recurso dramático do verso, pois isso a desviaria tanto da ação q u a n t o da intriga cénicas, colocando-a em permanente sobressalto nos momentos de transirão entre as partes em verso e cm prosa de uma peça em q u e ambas sc misturem. Eliot alude aqui, quase à exaustão, ao vasto cxcmplário do drama shakespeariano, que, talvez como n e n h u m outro, conseguiu superar esse impasse por meio de u m a arte teatral em cuja tessitura tais transições são praticamente imperceptíveis porque atendem, acima de tudo, a exigência de caráter estritamente dramático. Em Shakespeare, como assinala Eliot, as três vozes da poesia — a do poeta que fala consigo m e s m o , a do poeta que se dirige a u m a platéia e a do poeta q u a n d o tenta criar uma personagem dramática q u e fala em verso — soam como que cm uníssono, daí resultando a grandeza e a absoluta
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pertinência de sua linguagem teatral. Segundo Eliot, Shakespeare seria aquele q u e criou um m u n d o dramático " n o qual o criador está presente em toda parte, e em toda parte o c u l t o " . No ensaio O q u e é poesia m e n o r ? " , o autor nos delineia os critérios de q u e nos devemos servir para estabelecer as possíveis fronteiras entre o q u e seja poesia maior e poesia menor, descartando de saída aquela concepção maniqueísta e necrosada de q u e o autor de poemas curtos seria necessariamente um poeta menor, e n q u a n t o o autor de poemas longos seria obrigatoriamente um poeta maior. Ao examinar o problema com base na produção de alguns dos chamados "poetas metafísicos", o autor consegue nos esclarecer um pouco mais sobre o assunto q u a n d o , a partir dos poemas curtos de George Herbert, sublinha q u e eles têm não apenas um significado em si, e n q u a n t o unidades poemáticas definidas, mas t a m b é m um sentido de c o m p l e t u d e q u a n d o examinados à luz do conjunto a q u e pertencem no plano global da obra do poeta. E seria inadmissível, pelo menos para o autor, considerar Herbert como um poeta menor, "pois não é de alguns poemas prediletos que me recordo ao pensar nele, mas de toda a sua o b r a " . Eliot aproveita a ocasião para pôr o d e d o na mais p r o f u n d a ferida poética do século XIX, q u a n d o a literatura, especialmente a inglesa e a francesa — com perniciosas repercussões pelo m u n d o afora, inclusive aqui m e s m o , entre nós —, viu-se assolada pela praga do poema longo, q u e levou a própria poesia a um impasse somente ultrapassado com o advento do modernismo em princípios de nosso século, e justamente com a publicação, em 1922, de um poema longo escrito por Eliot, The waste land, q u e revolucionou a m e n t a l i d a d e poética contemporânea. Outra peça importante na ensaística eliotiana é a "A música da p o e s i a " , o n d e o autor examina em p r o f u n d i d a d e a questão da métrica e da versificação, assim como a da utilização do verso branco e do verso livre, na poesia inglesa. Muito particularmente, Eliot esmiuça o problema representado pelo terreno movediço q u e é a fronteira a ser imposta entre a poesia e a música. Essa " m ú s i c a da poesia" se nutre de uma estrutura verbal e sintática q u e não pode ser c o n f u n d i d a com a trama específica de u m a partitura musical, sob o risco de u m a inevitável diluição da linguagem poética. Apesar disso, Eliot admite que, em
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determinadas instâncias, caiba ao poeta recorrer a certas propriedades da música que lhe poderão interessar m u i t o de perto, como a noção de ritmo e de estrutura. E vai ainda mais longe o ensaísta q u a n d o nos sugere q u e "seria possível para um poeta trabalhar muito intimamente com analogias musicais", já q u e o ritmo pode conduzir ao nascimento da ideia e da i m a g e m . Pouco adiante observa o autor q u e há no verso possibilidades que comportam certa analogia com o desenvolvimento de um tema por diferentes grupos de instrumentos e q u e " h á n u m poema possibilidades de transições comparáveis aos distintos movimentos de uma sinfonia ou de um q u a r t e t o " . Ao leitor habituado aos textos poéticos de Eliot, tais considerações não chegam a surpreender, pois não foi exatamente isso o q u e ele fez q u a n d o recorreu ao esquema da sonata-forma para escrever
os seus Four quartets? Em dois outros ensaios, 44A f u n ç ã o social da p o e s i a " e "As fronteiras da crítica Eliot aborda mais especificamente o problema da poesia no contexto social em q u e é p r o d u z i d a e a delicada questão dos limites além dos quais, n u m a certa direção, a crítica literária deixa de ser literária e. n u m a outra, deixa de ser crítica. A função social da poesia, e m b o r a esteja ela mais ou menos difusa em toda grande poesia p r o d u z i d a até hoje, constitui uma questão diante da qual Eliot nos dá a impressão de um ceticismo algo desolado, t a n t o assim q u e , logo de início, observa: "Mas me parece q u e se a poesia — e refiro-me a toda grande poesia — não exerceu n e n h u m a f u n ç ã o social no passado, não é provável que venha a fazê-lo no f u t u r o " . Pouco interessa, como salienta o ensaísta, q u e o poeta utilize sua poesia para defender ou atacar d e t e r m i n a d a a t i t u d e social. Todos sabemos que o mau verso p o d e alcançar prestígio temporário q u a n d o o poeta reflete u m a a t i t u d e p o p u l a r do momento, mas a verdadeira poesia, adverte o autor, "sobrevive não apenas à mudança da opinião pública como t a m b é m à completa extinção do interesse pelas questões com as quais o poeta esteve apaixonadamente envolvido". Q u a n t o à questão das fronteiras da crítica, alerta o ensaísta para o fato de q u e , em muitos casos, certa crítica "explicativa" das origens do p o e m a conduziu antes a um vazio exegético, pois, em seu afã de espremer todas as gotas do significado de um texto, esqueceu-se de
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que a função do crítico é f u n d a m e n t a l m e n t e a de ajudar seus leitores a compreender e a sentir o prazer que nos pode proporcionar esse mesmo texto, e não, como a m i ú d e se fez em n o m e de sabe-se lá que estapafúrdios objetivos, de dissecá-lo ao nível da prospecção cadavérica, impedindo às vezes tais leitores de fruírem o poema apenas e n q u a n t o poesia. O grande crítico, conclui Eliot, é aquele q u e consegue fazer com que vejamos algo q u e jamais havíamos visto anteriormente, ou que havíamos entrevisto apenas "com os olhos enevoados pelo preconceito". O u , em outras palavras, aquele que nos coloca face a face com u m a nova realidade e, desse modo, nos deixa sozinhos com ela. A segunda parte do volume está toda ela dedicada ao exame específico de sete poetas, além do já citado Virgílio, alguns de importância secundária, como J o h n Davies e Rudyard Kipling, outros de alta significação, entre os quais Milton, Byron, Goethe e Yeats. Dois desses ensaios c h a m a m atenção particular: " J o h n s o n como crítico e p o e t a " e " G o e t h e , o s á b i o " , este ú l t i m o talvez a peça maior dessa segunda parte do volume e na qual a u n i d a d e criadora reflete admiravelmente as preocupações literárias do escritor. O caso de Johnson é particularmente curioso e parece decorrer, pelo menos até certo ponto, da própria concepção eliotiana de q u e muitas vezes admiramos alguns escritores mesmo q u e deles não gostemos. Não é bem o caso das relações entre Eliot e J o h n s o n , mas observe-se q u e o próprio Eliot se confessa muito mais à vontade como herdeiro de
Coleridge do que do autor do Dictionary of the English language. C o m o se sabe, ao longo da ditadura intelectual e literária q u e exerceu durante quase toda a segunda metade do século XVIII, J o h n s o n tornou-se o responsável direto pelo esquecim e n t o de D o n n e c de todos os demais "poetas metafísicos" do século XVII até a segunda década do presente século, quando Eliot os resgatou do limbo no memorável ensaio " T h e metaphysical p o e t s " , escrito cm 1921 e publicado originalmente em Homage to John Dry den (1924). E é t a m b é m o mesmo Eliot q u e , como já o fizera com Dryden e Pope, por ele reabilitados como poetas da " i n t e l i g ê n c i a " , resgata o prestígio de Johnson não apenas como poeta, mas t a m b é m como crítico e ensaísta, sobretudo graças a The lives of the English poets, que o autor publicara cm 1791.
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Não creio que seja pertinente, como t a m p o u c o razoável, alongar-me aqui mais d e t a l h a d a m e n t e sobre a matéria de q u e consiste De poesia e de poetas. Seria como q u e antecipar a fruição do leitor em seu contato direto com o texto eliotiano o u , o que é pior, correr o risco de perturbar-lhe c até m e s m o frustrar-lhe tal fruição. Q u e ele possa, assim c o m o nós, degustar a elegância, a erudição, a inteligência e a luz invisível" desses admiráveis e f u n d a m e n t a i s ensaios, desse lúcido e instigante testemunho literário de um poeta maior e de um sábio para quem A única sabedoria que podemos aspirar E a sabedoria da humildade a humildade é infinita. Ivan Junqueira Rio, 9 de fevereiro de 1990
I
DE POESIA
A FUNÇÃO SOCIAL DA POESIA'
É de tal m o d o provável que o título deste ensaio sugira coisas diíerentes a diferentes pessoas q u e posso desculpar-me por explicar de início o q u e ele não significa, antes de tentar esclarecer o q u e significa. Q u a n d o aludimos à " f u n ç ã o " de qualquer coisa, provavelmente estamos pensando naquilo q u e essa coisa deve produzir em vez daquilo que ela produz ou haja prod u z i d o . Trata-se de u m a importante distinção, pois não pret e n d o falar sobre aquilo q u e julgo que a poesia deva produzir. Pessoas q u e nos disseram o que a poesia deve produzir, sobret u d o se são poetas, tem habitualmente em mira a espécie particular de poesia que gostariam de escrever. E sempre possível, n a t u r a l m e n t e , q u e a poesia possa desempenhar no f u t u r o um papel distinto daquele d e s e m p e n h a d o no passado; mas, ainda assim, vale a pena decidir primeiro qual a função por ela exercida no passado, seja n u m a ou noutra época, seja nesse ou naquele idioma, e de um p o n t o de vista universal. Poderia escrever facilmente sobre o que eu próprio faço com a poesia, ou o q u e gostaria de fazer, e então tentar persuadir alguém de q u e isso é exatamente o que todos os bons poetas têm ten-
1. Palestra p r o n u n c i a d a no I n s t i t u t o Británico-Norueguès cm 1943 e posteriorm e n t e desenvolvida para ser a p r e s e n t a d a ao p u h l i c o parisiense em 1945. Esse texto apareceu d e p o i s em The AJelphi. ( N . A . )
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tado fazer, ou devem ter feito, no passado — só q u e não o lograram de todo, embora talvez não por sua culpa. Mas me parece provável q u e se a poesia — e refiro-me a toda grande poesia — não exerceu n e n h u m a função social no passado, não é provável que venha a fazê-lo no f u t u r o . Q u a n d o digo toda grande poesia, p r e t e n d o abster-me de outro meio através do qual possa ocupar-me do assunto. Alguém poderia estudar as diversas espécies de poesia, u m a após outra, e discutir a função social de cada u m a delas sucessivamente sem tangenciar a questão geral de qual é a f u n ç ã o da poesia c o m o poesia. Desejo distinguir entre as funções gerais e particulares, de m o d o que saibamos do q u e estamos f a l a n d o . A poesia pode ter um deliberado e consciente propósito social. Em suas mais primitivas formas, esse propósito é a m i ú d e absolutamente claro. Há, por exemplo, antigas runas- e cantos, alguns dos quais revelam propósitos mágicos verdadeiramente práticos, destinados a esconjurar o mau-olhado, a curar certas doenças ou a obter as boas graças de algum d e m ô n i o . A poesia era utilizada primitivamente em rituais religiosos e, q u a n d o e n t o a m o s um hino, estamos ainda utilizando-a com um d e t e r m i n a d o propósito social. As primitivas formas do gênero épico e a saga p o d e m ter transmitido aquilo q u e sustentamos c o m o história antes de se tornar apenas u m a diversão comunitária, e antes do uso da linguagem escrita, u m a forma de verso regular deve ter sido extremamente proveitosa à memória — e a memória dos primitivos bardos, dos contadores de histórias e dos sábios deve ter sido prodigiosa. Nas sociedades mais evoluídas, tal c o m o a da Grécia antiga, as funções sociais reconhecidas da poesia são também bastante conspícuas. O drama grego se desenvolve a partir dos ritos religiosos, e permanece como cerimónia pública formal associada às tradicionais celebrações religiosas; a ode pindàrica se desenvolve em relação com u m a d e t e r m i n a d a ocasião social. Certamente, tais usos definidos da poesia deram a ela uma estrutura que tornou possível alcançar a perfeição em gêneros particulares.
Algumas dessas formas persistem na poesia mais recente, como é o caso dos hinos religiosos a q u e me referi. O significado da expressão didática, para poesia, passou por algumas transformações. Didático pode significar "transmissão de informação ', ou significar "administração de instrução m o r a l " , ou pode equivaler a algo q u e abrange ambas as coisas. As Geórgicas de Virgílio, por exemplo, são poesia belíssima e contêm considerável dose de informação sobre a boa agricultura. Mas pareceria impossível, nos dias de hoje, u m a obra atualizada sobre a agricultura q u e pudesse t a m b é m ser poesia refinada: de um lado, o próprio assunto tornou-se m u i t o mais complexo e científico; de outro, pode ser mais facilmente desenvolvido cm prosa. N e m poderíamos, como o fizeram os romanos, escrever tratados astronómicos e cosmológicos em verso. O p o e m a , cujo objetivo ostensivo é transmitir informações, foi s u p l a n t a d o pela prosa. A poesia didática tornou-se aos poucos restrita à poesia de exortação moral, ou poesia que pretende persuadir o leitor a aceitar o p o n t o de vista do autor sobre alguma coisa. Por conseguinte, ela inclui em boa parte aquilo q u e se pode chamar de sàtira, embora esta se c o n f u n d a com o burlesco e a paródia, cujo propósito é, f u n d a m e n t a l m e n t e , causar hilariedade. Alguns dos poemas de Dryden, no século XVII, são sátiras na m e d i d a cm q u e têm em mira ridicularizar os objetos contra os quais a p o n t a m , e são t a m b é m didáticos q u a n d o objetivam persuadir o leitor a aceitar determinado ponto de vista político ou religioso; e, ao cumprir esse desígnio, eles se utilizam do m é t o d o alegórico, q u e apresenta a realidade como ficção: The hind and the panther, q u e se propõe a persuadir o leitor de que a razão estava do lado da Igreja de Roma, contra a Igreja da Inglaterra, é seu mais notável poema desse gênero. No século XIX, boa parte da poesia de Shelley inspirou-se n u m entusiasmo pelas reformas políticas e sociais.
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2. Nome dado aos caracteres dos mais antigos alfabetos germânicos. A escrita rùnica de que se serviam alguns povos, inclusive os escandinavos, e q u e se gravava em rochedos e vasos de madeira. Por extensão, poemas escritos com esses caracteres (Ν Τ )
Q u a n t o à poesia dramática, que hoje tem uma função social peculiar, pois e n q u a n t o a maior parte da poesia atual é escrita para ser lida em solidão, ou em voz alta em pequenos grupos, o verso dramático tem em si a f u n ç ã o de provocar u m a impressão imediata e coletiva sobre um a m p l o n ú m e r o de pessoas reunidas para assistir a um episódio imaginário encenado n u m palco. A poesia dramática é diferente de qualquer outra,
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mas, como suas leis específicas são as do d r a m a , sua f u n ç ã o em geral se f u n d e à do drama, e não me refiro aqui à f u n ç ã o social específica do drama. No que se refere à função particular da poesia filosófica, implicaria esta u m a análise e u m a explicação de certa amplitude. Penso que já mencionei bastantes gêneros de poesia para deixar claro que a função específica de cada um deles se relaciona com alguma çutra função: a poesia dramática, com o drama; a poesia didática informativa, com a f u n ç ã o de seu assunto; a poesia didática filosófica, ou religiosa, ou política, ou moral, com a função de tais temáticas. Podemos considerar a função de quaisquer desses gêneros poéticos e, ainda assim, deixar intocado o problema da f u n ç ã o da poesia, pois todas essas coisas podem ser abordadas na prosa. Mas, antes de prosseguir, q u e r o descartar u m a objeção q u e pode ser levantada. As pessoas suspeitam às vezes de q u a l q u e r poesia com um propósito particular, isto é, a poesia em q u e o poeta defende conceitos sociais, morais, políticos ou religiosos, assim como outras pessoas julgam a m i ú d e q u e determinada poesia seja autêntica só p o r q u e exprime um p o n t o de vista que lhes apraz. Eu gostaria de dizer q u e a questão relativa ao fato de o poeta estar utilizando sua poesia para d e f e n der ou atacar determinada atitude social não interessa. O m a u verso pode obter fama temporária q u a n d o o poeta reflete u m a atitude popular do m o m e n t o ; mas a verdadeira poesia sobrevive não apenas à mudança da opinião pública c o m o t a m b é m \ à completa extinção do interesse pelas questões com as quais o poeta esteve apaixonadamente envolvido. Os poemas de Lucrécio não perderam sua grandeza, embora suas noções de física e de astronomia hajam caído em descrédito; os de Dryden também, embora as controvérsias do século XVII há m u i t o já não nos digam mais respeito; da mesma forma, um grande p o e m a do passado ainda nos agrada, mesmo q u e seu assunto seja um daqueles que deveríamos hoje abordar em prosa. Mas se estamos à procura da função social essencial da poesia, precisamos olhar primeiro para suas funções mais óbvias, aquelas que precisam ser cumpridas, se é q u e algum poema o faz. O principal, suponho, é que possamos nos assegurar de que essa poesia nos dê prazer. Se alguém perguntar qual o
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gênero de prazer, só poderei responder: o gênero de prazer q u e a poesia proporciona; simplesmente porque qualquer outra resposta nos levaria a nos perdermos em divagações estéticas e na questão geral na natureza da arte. S u p o n h o q u e se deva concordar com o fato de q u e qualquer poeta, haja sido ele grande ou não, tem algo a nos proporcionar além do prazer, pois se for apenas isso, o próprio prazer pode não ser da mais alta espécie. Para além de q u a l q u e r intenção específica que a poesia possa ter, tal como foi por m i m exemplificado nas várias espécies de poesia, há sempre comunicação de alguma nova experiência, ou u m a nova compreensão do familiar, ou a expressão de algo que experimentamos e para lo q u e não temos palavras o que amplia nossa consciência ou apura nossa sensibilidade. Mas não é com esse benefício individual extraído à poesia, nem tampouco com a qualidade do prazer individual, que este ensaio se relaciona, l odos compreendemos, creio eu, tanto a espécie de prazer q u e a poesia p o d e proporcionar, q u a n t o a diferença que, para além do prazer, ela pode oferecer às nossas vidas. Caso não se o b t e n h a m esses dois resultados, simplesmente não há poesia. Podemos reconhecer isso, mas ao m e s m o t e m p o fazer vista grossa para algo q u e isso faz por nós coletivamente, e n q u a n t o sociedade. E falo no mais a m p l o sentido, pois creio ser importante q u e cada povo deva ter sua própria poesia, não apenas por causa daqueles q u e gostam de poesia — tal pessoa poderia sempre aprender outras línguas e apreciar a poesia delas —, mas t a m b é m porque isso estabelece de fato u m a diferença para a sociedade como um todo, ou seja, para pessoas que não gostam de poesia. Incluo até m e s m o aqueles q u e ignoram os nomes de se us próprios poetas nacionais. Eis o verdadeiro assunto deste ensaio. Observa-se q u e a poesia difere de qualquer outra arte por ter um valor para o povo da mesma raça e língua do poeta, q u e não p o d e ter para n e n h u m outro. E verdade que até a música e a pintura têm um caráter local e racial; mas decerto as dificuldades de apreciação dessas artes, para um estrangeiro, são muito menores. É verdade, por outro lado, que os textos em prosa têm um significado em suas próprias línguas que se perde na tradução; mas todos sentimos que perdemos muito menos ao lermos u m a novela traduzida do q u e um poema ver-
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tido de outro idioma; e na tradução de alguns gêneros de obra científica a perda pode ser virtualmente nula. O fato de q u e a poesia é muito mais local do q u e a prosa p o d e ser comprovado na história das línguas europeias. Ao longo de toda a Idade Média e no curso dos cinco séculos seguintes, o latim p e r m a n e ceu como a língua da filosofia, da teologia e da ciência. O impulso concernente ao uso literário das linguagens dos povos começa com a poesia. E isso parece a b s o l u t a m e n t e natural q u a n d o percebemos q u e a poesia tem a ver f u n d a m e n t a l m e n t e com a expressão do s e n t i m e n t o e da emoção; e esse s e n t i m e n t o e emoção são particulares, ao passo q u e o p e n s a m e n t o é geral. É mais fácil pensar do q u e sentir n u m a língua estrangeira. Por isso, n e n h u m a arte é mais visceralmente nacional do q u e a poesia. Um povo pode ter sua língua trasladada para longe de si, abolida, e u m a outra língua imposta nas escolas; mas a menos que alguém ensine esse povo a sentir n u m a nova língua, ninguém conseguirá erradicar o idioma antigo, e ele reaparecerá na poesia, que é o veículo do sentimento. Eu disse precisamente "sentir n u m a nova língua ", e pretendi dizer algo mais do q u e apenas "expressar seus sentimentos n u m a nova língua ". Um pensamento expresso n u m a língua diversa p o d e ser praticamente o mesmo pensamento, mas um s e n t i m e n t o ou u m a emoção expressos n u m a língua diferente não são o m e s m o sentimento nem a mesma emoção. U m a das razões para q u e aprendamos bem pelo menos u m a língua estrangeira é q u e isso nos permite adquirir u m a espécie de personalidade s u p l e m e n t a r ; uma das razões para não adquirirmos u m a nova língua em lugar de nossa própria é que a maioria de nós não deseja tornar-se u m a pessoa diferente. Uma língua superior raramente p o d e ser exterminada, a menos que se extermine o povo q u e a fala. Q u a n d o u m a língua suplanta outra, isso acontece habitualmente porque essa língua tem vantagens q u e a r e c o m e n d a m — e que oferecem não u m a mera diferença, mas um espectro mais amplo c refinado, não só para o pensamento, mas t a m b é m para sentir — preferencialmente à língua mais primitiva. A emoção e o sentimento são, portanto, melhor expressos na língua comum do povo, isto é, na língua c o m u m a todas as classes: a estrutura, o ritmo, o som, o m o d o de falar de u m a língua expressam a personalidade do povo que a utiliza. Q u a n d o
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afirmo que a poesia, mais do q u e a prosa, diga respeito à expressão da emoção e do sentimento, não pretendo dizer q u e a poesia necessite estar desprovida de conteúdo intelectual ou significado, ou que a grande poesia não contenha mais esse significado do que a poesia menor. Mas para levar adiante essa invesr tigação cu teria que me afastar de meu propósito imediaio. Admitirei como aceito o fato de que as pessoas encontram a expressão mais consciente de seus sentimentos mais p r o f u n d o s antes na poesia de sua própria língua do q u e em qualquer outra arte ou na poesia escrita em outros idiomas, isso não significa, é claro, que a verdadeira poesia esteja restrita a sentimentos que cada um possa identificar c compreender; não devemos restringir poesia a poesia popular. Basta q u e , n u m povo homogêneo, os sentimentos dos mais refinados c complexos t e n h a m algo em c o m u m com os dos mais simples e grosseiros, algo q u e eles não têm em c o m u m com as pessoas de seu próprio nível ao falar outra língua. E, q u a n d o se trata de u m a civilização sadia, o grande poeta terá algo a dizer a seu compatriota em qualquer nível de educação. Podemos dizer que a tarefa do poeta, como poeta, é apenas indireta com relação ao seu povo: sua tarefa direta é com sua língua, primeiro para preservá-la, segundo para distendêla e aperfeiçoá-la. Ao exprimir o q u e outras pessoas s e n t e m , t a m b é m ele está modificando seu sentimento ao torná-lo mais consciente; ele está tornando as pessoas mais conscientes daquilo q u e já sentem e, por conseguinte, ensinando-lhes algo sobre si próprias. Mas o poeta não é apenas uma pessoa mais consciente do q u e as outras; é t a m b é m individualmente distinto de outra pessoa, assim como de outros poetas, e pode fazer com que seus leitores partilhem conscicntcmente de novos sentimentos que ainda não haviam experimentado. Essa é a diferença entre o escritor q u e é apenas excêntrico ou louco c o autêntico poeta. Aquele primeiro pode ter sentimentos q u e são únicos, mas q u e não p o d e m ser partilhados, e que por isso são inúteis; o último descobre novas variantes da sensibilidade das quais os outros podem se apropriar. E, ao expressá-las, desenvolve e enriquece a língua q u e fala. Já disse absolutamente o bastante sobre as impalpáveis diferenças de sentimento entre um povo e outro, diferenças que
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se afirmam e se desenvolvem através de sua s diferentes línguas. Mas as pessoas não sentem o m u n d o apenas d i f e r e n t e m e n t e em diferentes lugares; elas o sentem d i s t i n t a m e n t e em t e m p o s distintos Na verdade, nossa sensibilidade está c o n s t a n t e m e n t e se transformando, assim como o m u n d o q u e nos rodeia se transforma; o que sentimos não é o m e s m o q u e sente o chinês ou o hindu, mas t a m b é m não é o mesmo q u e sentiam nossos ancestrais vários séculos atrás. Não é o m e s m o q u e nossos pais; e, finalmente, nós próprios já somos t o t a l m e n t e diferentes do q u e éramos há um ano. Isso é óbvio; mas o q u e não é tão óbvio é que esta constitui a razão pela qual não p o d e m o s nos dar o luxo de pararmos de escrever poesia. As pessoas mais educadas têm um certo orgulho dos grandes autores de sua língua, ainda que nunca os tenham lido, da mesma f o r m a c o m o se o r g u l h a m de qualquer outra qualidade q u e distinga seu país: alguns autores tornam-se amiúde celebrados o bastante para serem citados ocasionalmente em discursos políticos. Mas a maioria das pessoas não percebe q u e isso não é o bastante; q u e a menos q u e se continue a produzir grandes autores, e particularmente grandes poetas, sua língua apodrecerá, sua cultura se deteriorará e talvez venha a ser absorvida por outra mais poderosa. Uma coisa é absolutamente certa: se não dispusermos de uma literatura viva, nos tornaremos cada vez mais alienados da literatura do passado; a menos q u e m a n t e n h a m o s continuidade, nossa literatura do passado tornar-se-á mais e mais distante de nós até nos parecer tão estranha q u a n t o a literatura de um povo estrangeiro. E q u e nossa língua está se transformando; nossa maneira de viver t a m b é m m u d a , sob a pressão das transformações materiais de toda ordem em nosso meio; e a menos que disponhamos daqueles poucos h o m e n s q u e associam a uma excepcional sensibilidade um excepcional poder sobre as palavras, nossa própria capacidade, não apenas de nos expressar, mas até mesmo de sentir q u a l q u e r emoção, exceto as mais grosseiras, se degenerará. Pouco importa q u e um poeta haja alcançado u m a a m p l a repercussão cm sua própria época. O q u e importa é q u e possa ter sempre existido, pelo menos, um p e q u e n o interesse por ele em cada geração. Entretanto, o que acabo de dizer sugere q u e sua importância se relaciona à sua própria época, ou q u e os
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poetas mortos deixam de ter qualquer utilidade para nós, a menos que tenhamos t a m b é m poetas vivos. Eu poderia até impor meu primeiro ponto de vista e dizer q u e se um poeta a l c a n a um grande público muito r a p i d a m e n t e , isso constitui antes uma circunstância suspeita, pois nos leva a desconfiar de que ele não esteja realmente p r o d u z i n d o algo de novo, q u e esteja apenas proporcionando às pessoas aquilo a q u e estas já estão habituadas e, por conseguinte, o q u e já receberam dos poetas de gerações anteriores. Mas se couber a um poeta tal regalia, um p e q u e n o público em sua época / i m p o r t a n t e . Haveria sempre ali uma vanguarda de pessoas, apreciadoras de poesia, que são independentes e estão algo adiante de seu t e m p o , ou prontas para assimilar mais rapidamente a novidade. Desenvolvimento da cultura não significa trazer todo m u n d o para compor a linha de frente, o q u e equivale apenas a fazer com q u e todos m a n t e n h a m a marcha: significa a m a n u t e n ç ã o de u m a tal élite, com a massa principal e acomodada de leitores distante não mais do q u e cerca de u m a geração para trás. As m u d a n ç a s e os desdobramentos da sensibilidade q u e afloram de início em alguns começarão a insinuar-se g r a d u a l m e n t e na língua, através de sua influência sobre outros, e mais facilmente sobre autores populares; e com o t e m p o tornam-se bem definidas, exigindo assim um novo avanço. Ademais, é através dos autores vivos q u e os mortos permanecem vivos. Um poeta como Shakespeare influenciou p r o f u n d a m e n t e a língua inglesa, e não apenas pela influência que exerceu sobre seus sucessores imediatos. Pois os poetas de maior estatura têm aspectos q u e não se revelam de imediato; e ao exercerem u m a influência direta sobre outros poetas séculos mais tarde, continuam a afetar a língua viva. Na verdade, se um poeta inglês aprende a usar palavras em nosso tempo, deve dedicar-se ao rigoroso estudo daqueles que melhor as utilizaram em sua época, daqueles q u e , em seus próprios dias, reinventaram a língua. Até agora apenas sugeri o ponto extremo até o qual, creio eu, pode-se dizer que se estende a influência da poesia; e isso pode ser melhor expresso pela afirmação de que, no decurso do tempo, ela produz uma diferença na fala, na sensibilidade, nas vidas de todos os integrantes de u m a sociedade, de todos os membros de uma c o m u n i d a d e , de todo o povo, independen-
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temente de que leiam e apreciem poesia ou não, ou até mesmo, na verdade, de q u e saibam ou não os nomes de seus maiores poetas. A influência da poesia, na mais distante periferia, é naturalmente muito difusa, muito indireta e muito difícil de ser comprovada. É como acompanhar o trajeto de um pássaro ou de um avião num céu luminoso: se alguém os percebeu q u a n d o estavam muito próximos, e os manteve sob a vista q u a n d o se afastavam cada vez mais, poderá vê-los a u m a grande distância, a uma distância na qual o olho de outra pessoa, de q u e m se tenta chamar a atenção para o fato, será incapaz de percebê-los: Assim, se rastrearmos a influência da poesia através dos leitores mais afetados por ela às pessoas q u e jamais leram nada, a encontraremos presente em toda parte. Pelo menos a encontraremos se a cultura nacional estiver viva e sadia, pois n u m a sociedade saudável há uma influência recíproca e u m a interação contínuas de uma parte sobre as outras. E isso é o q u e eu e n t e n d o como a função social da poesia em seu mais a m p l o sentido: é isso o que, proporcionalmente à sua existência e vigor, afeta a fala e a sensibilidade de toda a nação. Ninguém deve imaginar q u e estou d i z e n d o ser a língua que falamos exclusivamente d e t e r m i n a d a por nossos poetas. A estrutura da cultura é muito mais complexa do q u e isso. A rigor, é igualmente verdadeiro que a q u a l i d a d e de nossa poesia depende do m o d o como o povo utiliza sua língua: pois um poeta deve tomar como matéria-prima sua própria língua, da maneira como de fato ela é falada à volta dele. Se a língua se aprimora, ele se beneficiará; se entra em declínio, deverá tirar daí o melhor proveito. Até certo p o n t o , a poesia p o d e preservar, e mesmo restaurar, a beleza de u m a língua; ela pode e deve ajudá-la a se desenvolver, a tornar-se tão sutil e precisa nas mais adversas condições e para os cambiantes propósitos da vida moderna, q u a n t o o foi n u m a época menos complexa. Mas a poesia, como qualquer outro e l e m e n t o solitário nessa misteriosa personalidade social a q u e chamamos nossa 4 'cultur a " , deve permanecer d e p e n d e n t e de muitíssimas circunstâncias que escapam ao seu controle. Isso me conduz a algumas reflexões posteriores de natureza mais geral. Minha ênfase nesse ponto tem sido sobre a f u n ç ã o local c nacional da poesia, e isso deve ser explicado. Não desejo
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dar a impressão de que a função da poesia é distinguir entre um povo e outro, pois não creio que as culturas dos diversos povos da Europa possam florescer isoladas u m a das outras. Não resta dúvida de que houve no passado altas civilizações q u e produziram grande arte, pensamento e literatura, e q u e se desenvolveram sozinhas. Não posso falar disso com segurança, pois algumas delas podem não ter sido tão isoladas q u a n t o inicialmente parece. Mas na história da Europa não tem sido assim. Até mesmo a Grécia antiga deveu muito ao Egito, e algo às suas fronteiras asiáticas; e nas relações dos Estados gregos entre si, com seus diferentes dialetos e seus diferentes costumes, podemos encontrar uma influência recíproca e estímulos análogos aos q u e os países europeus exerciam uns sobre os outros. Mas a história da literatura européia não indica q u e q u a l q u e r literatura tenha sido i n d e p e n d e n t e das outras, revelando antes um movimento constante de dat e receber, e q u e cada u m a delas, sucessivamente, vem sendo revitalizada por estímulos externos. Uma autarquia geral na cultura simplesmente não f u n cionará: a esperança de perpetuar a cultura de q u a l q u e r país repousa na comunicação com as demais. Mas se a separação de culturas dentro da unidade européia é um perigo, t a m b é m o seria uma unificação q u e levasse à uniformidade. A variedade é tão essencial q u a n t o a unidade. Por exemplo, há m u i t o a ser dito, para certos propósitos limitados, de u m a língua franca universal como o esperanto ou o inglês básico. Mas s u p o n d o que toda a comunicação entre as nações fosse conduzida por uma língua artificial, quão imperfeita ela seria! Ou antes, seria absolutamente adequada em alguns aspectos, e apresentaria u m a completa falha de comunicação em outros. A poesia é uma constante advertência a t u d o aquilo q u e só pode ser dito em u m a língua, e que é intraduzível. A comunicação espiritual entre um povo e outro não pode ser levada adiante sem indivíduos q u e assumam o desafio de aprender pelo menos u m a língua estrangeira tão bem q u a n t o é possível aprender qualquer língua que não a sua própria, conseqüentemente, q u e estejam capacitados em maior ou menor grau, a sentire m outra língua tão bem q u a n t o na sua. E a compreensão de outro povo por parte de qualquer pessoa necessita, dessa forma, ser complementada pela compreensão daqueles indivíduos dentre esse povo que se esforçaram para aprender a sua própria língua.
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Pode ocorrer q u e o estudo da poesia de um o u t r o povo seja particularmente instrutivo. Eu disse q u e há qualidades poéticas em cada língua q u e só p o d e m ser e n t e n d i d a s por aqueles q u e dela são nativos. Mas há t a m b é m um outro lado da questão. Descobri algumas vezes, ao tentar 1er u m a língua q u e não conhecia muito bem, que não conseguia c o m p r e e n d e r um texto cm prosa senão na m e d i d a em q u e o digeria c o n f o r m e os padrões do professor: ou seja, eu estava seguro q u a n t o ao significado de cada palavra, dominava a gramática e a sintaxe, e podia então decifrar a passagem em inglês. Mas descobri t a m b é m algumas vezes q u e um texto poético, q u e eu não conseguia traduzir, incluindo muitas palavras q u e não me eram familiares e orações q u e eu não conseguia interpretar, c o m u n i c a v a - m e algo vívido e imediato, q u e era único, distinto de q u a l q u e r coisa em inglês — algo q u e eu não podia transcrever em palavras e, não obstante, sentia q u e c o m p r e e n d e r a . E ao a p r e n d e r melhor aquela língua, descobri q u e essa impressão não era ilusória, ou algo que eu imaginasse existir na poesia, mas algo que estava de fato ali. De m o d o q u e . em poesia, vez por outra alguém pode penetrar em outro país, por assim dizer, antes que seu passaporte seja expedido ou q u e seu bilhete de viagem seja comprado. Toda a questão do relacionamento entre países de línguas diferentes, mas que possuem afinidades culturais, no â m b i t o europeu, é por conseguinte aquela à qual somos conduzidos, talvez inesperadamente, pela investigação relativa à função social da poesia. E claro que não pretendo passar desse p o n t o para questões estritamente políticas; mas gostaria q u e aqueles q u e se ocupam das questões políticas pudessem mais a m i ú d e cruzar a fronteira que conduz aos problemas q u e acabo de examinar, pois são estes que conferem ao aspecto espiritual das questões o aspecto material de que se ocupa a política. Do lado em q u e me encontro na fronteira, u m a dessas questões se relaciona com as coisas vivas que têm suas próprias leis de crescimento, as quais nem sempre razoáveis, mas que somente devem ser aceitas pela razão; coisas que não podem ser caprichosamente planejadas e postas em ordem da mesma forma q u e não p o d e m ser disciplinados os ventos, as chuvas e as estações.
A F U N Ç Ã O SOCIAL DA POESIA
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Finalmente, se eu estiver certo de q u e a poesia tem u m a " f u n ç ã o social" para o conjunto das pessoas da língua do poeta, estejam elas conscientes ou não de sua existência, conclui-se que interessa a cada povo da Europa que os demais devam continuar a ter sua poesia. Não posso 1er a poesia norueguesa, mas, se fosse dito que não mais está sendo escrita q u a l q u e r poesia em língua norueguesa, eu sentiria um sobressalto q u e seria muito mais do q u e uma generosa simpatia. Eu o veria como um indício de doença que provavelmente estaria d i f u n d i d a por todo o continente, como o início de um declínio significando que os povos de toda parte houvessem deixado de estar aptos a expressar, e conseqüentemente a sentir, as emoções dos seres civilizados. Isso, é claro, poderia ocorrer. Muito já se falou em toda parte sobre o declínio da crença religiosa; não tanto q u a n t o se observa relativamente ao declínio da sensibilidade religiosa. O problema da idade moderna não se resume apenas à incapacidade de acreditar cm certas coisas em relação a Deus e ao h o m e m em que nossos antepassados acreditavam, mas à incapacidade de sentir Deus e o h o m e m como eles o fizeram. Uma crença na qual ninguém mais deposita sua fé constitui algo que, até certo ponto, alguém ainda p o d e entender; mas q u a n d o desaparece o sentimento religioso, as palavras com as quais os homens lutaram para expressá-lo perdem o sentido. É verdade que o sentimento religioso varia naturalmente de país para país e de época para época, da mesma forma como ocorre com o sentimento poético; o sentimento varia, mesmo q u a n d o a crença e a doutrina não se modificam. Mas essa é u m a condição da vida h u m a n a , e o que me deixa apreensivo é a morte. É igualmente possível que o sentimento pela poesia, e os sentimentos que constituem a matéria-prima da poesia, possam desaparecer em toda parte: o q u e talvez pudesse favorecer aquela unificação do m u n d o que alguns povos consideram cm si desejável.
Α MÚSICA DA POESIA
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O poeta, q u a n d o fala ou escreve sobre poesia, revela qualificações e limitações peculiares: se admitirmos estas, p o d e r e m o s apreciar melhor aquelas — trata-se de u m a prudência q u e recom e n d o tanto aos próprios poetas q u a n t o aos leitores acerca do que ambos dizem sobre poesia. Jamais releio q u a l q u e r de meus próprios textos sem um a g u d o desconforto: esquivo-me à tarefa, e conseqüentemente posso desconsiderar todas as acusações que, nessa ou naquela época, fiz a m i m m e s m o ; posso amiúde repetir o que já dissera, e posso com freqüência me contradizer. Mas creio que os textos críticos dos poetas, dos quais no passado há alguns autênticos exemplos ilustres, devem grande parte de seu interesse ao fato de q u e o poeta, no f u n d o de sua mente, q u a n d o não com o propósito confesso, está sempre tentando defender o gênero de poesia q u e escreve, ou formular o gênero que deseja escrever. Especialmente q u a n d o jovem, e ativamente comprometido na luta pelo gênero de poesia que pratica, ele vê a poesia do passado em relação à sua, e sua gratidão com aqueles poetas mortos com os quais a p r e n d e u , bem como sua indiferença por aqueles cujos objetivos são estranhos aos seus, pode ser exagerada. Ele é antes um advogado 1. Terreira conferência a memória de W. P. Kcr, pronunciada na Universidade de Glasgow cm 1942 e publicada pela Glasgow University Press no m e s m o ano. ( Ν . Α . )
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do que um juiz. Seu conhecimento tende mesmo a ser parcial, pois seus estudos o levarão a concentrar-se em certos autores em detrimento de outros. Q u a n d o teoriza sobre criação poética, provavelmente generaliza um tipo de experiência; q u a n d o se aventura à estética, provavelmente será menos, em vez de mais competente do que um filósofo; e simplesmente faria m e l h o r se relatasse, para a informação do filósofo, os dados de sua própria introspecção. O q u e ele escreve sobre poesia, em s u m a , deve ser avaliado em relação à poesia q u e escreve. Convém voltarmos ao erudito para averiguar os fatos, e ao crítico mais desinteressado para um julgamento imparcial. O crítico, certamente, deveria ter algo de um erudito, e o erudito algo de um crítico. Ker, 2 cuja atenção se concentrou sobretudo na literatura do passado e nos problemas de relacionamento histórico, deve ser incluído na categoria dos eruditos; mas tinha ele em alto grau o sentido do valor, o bom gosto, a compreensão dos padrões críticos e a capacidade de aplicá-los sem o q u e a contribuição do erudito não pode ser senão indireta. Há um outro aspecto mais particular em q u e diferem o conhecimento do erudito e do poeta no que se refere à versificação. Aqui, talvez, eu devesse ser cauteloso ao falar apenas de mim mesmo. Nunca fui capaz de memorizar os nomes de pés e versos, ou de guardar o devido respeito às regras consagradas da escansão. Na escola, gostava muito de recitar H o m e r o ou Virgílio à minha própria maneira. Talvez tivesse alguma suspeita instintiva de q u e ninguém sabia de fato como o grego deveria ser pronunciado, ou o q u e , entretecendo os ritmos gregos e latinos, pudesse o ouvido romano apreciar cm Virgílio; talvez fosse meu ócio que instintivamente me protegesse. Mas certamente, q u a n d o esse ouvido conseguia aplicar as regras da escansão ao verso inglês, com seus diversos acentos diferentes e valores silábicos variáveis, eu queria saber por q u e um verso era bom e outro ruim; e isso a escansão não podia me explicar. O
2. Ker. William Patton. Escritor inglês (Glasgow, 1853 Mac u g n a ga, Alpes. 1925). Professor de história e literatura inglesas em Cardiff (1883), de literatura inglesa na Universidade de Londres (1889-1922) c de poesia em Oxford (1922); suas principais obras versam sobre literatura medieval, como, entre outras. Epic
and romance (1897), The dark ager (1904), Essays on medieval literature (1903) e The art of poetry (1923).
(N.T.)
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único meio de aprender a manipular q u a l q u e r espécie de verso inglês me pareceu ser o da assimilação e da imitação, das quais resulta um envolvimento tal com a obra de um d e t e r m i n a d o poeta que se torna possível produzir um derivado reconhecível. Isso não significa que eu considere o estudo analítico da métrica, das formas abstratas q u e soam tão extraordinariamente distintas quando manuseadas por diferentes poetas, c o m o total perda de tempo. O que ocorre apenas é q u e o estudo da a n a t o m i a não lhes pode ensinar o q u e é preciso para fazer u m a galinha botar ovos. Desaconselho qualquer outro c a m i n h o para começar o estudo dos versos grego e latino q u e não seja o da a j u d a dessas regras de escansão q u e foram estabelecidas pelos gramáticos com base na maior parte da poèsia q u e se escreveu até agora; mas, se pudéssemos reviver essas línguas a p o n t o de nos tornarmos capazes de falá-las e ouvi-las c o m o o fizeram os autores que nelas se exprimiram, poderíamos encarar tais regras com indiferença. Aprendemos as línguas mortas por meio de um método artificial, e nossos métodos de ensino t ê m sido aplicados a alunos que, em sua maioria, têm apenas um modesto dom para as línguas. Mesmo ao abordarmos a poesia de nossa língua, podemos descobrir a classificação de metros, de versos com diferentes números de sílabas e acentos cm lugares distintos, úteis n u m estágio preliminar, como o m a p a simplificado de um complexo território; mas é apenas o estudo, não da poesia, mas de poemas, que será capaz de educar nosso ouvido. Não é a partir das regras, ou pela fria imitação do estilo, q u e aprendemos a escrever: aprendemos graças à imitação, é verdade, mas por meio de u m a imitação mais p r o f u n d a do q u e aquela que se adquire pela análise do estilo. Q u a n d o imitamos Shelley, não foi tanto por um desejo de escrever como ele o fazia, mas porque nosso eu adolescente estava s u b j u g a d o por Shelley, e isso tornou o estilo de Shelley, naquela época, a única forma de que dispúnhamos para nos expressar. Não há dúvida de q u e a prática de versificação inglesa tem sido afetada pela consciência das regras da métrica: a avaliação da influência do latim sobre os inovadores W y a t t 3
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c Surrey 4 é assunto para o erudito especializado em história. O grande gramático O t t o Jespersen 5 sustentou q u e a estrutura da gramática inglesa tem sido mal interpretada em nossas tentativas de torná-la a d e q u a d a às categorias do latim, c o m o no suposto " s u b j u n t i v o " . Na história da versificação não se cogita da questão relativa ao fato de que os poetas h a j a m e n t e n d i d o mal os ritmos da língua ao imitar modelos estrangeiros; devemos aceitar as práticas dos grandes poetas do passado por serem práticas com relação às quais nosso ouvido foi treinado e deve ser treinado. Acredito que um certo n ú m e r o de influências vindas de fora haja enriquecido o espectro e a variedade do verso inglês. Alguns eruditos clássicos sustentaram o conceito — este é um assunto q u e transcende m i n h a competência — de q u e a m e d i d a original da poesia latina foi mais rítmica do q u e silábica, de q u e foi eclipsada pela influência de u m a língua m u i t o diferente — o grego — e de que regrediu a algo próximo de sua forma primitiva em poemas como o Pervigilium Venens (Vigília de Vénus) e os primeiros hinos cristãos. Nesse caso, não podemos deixar de suspeitar q u e , para o público cultivado da época de Virgílio, parte do prazer da poesia provém da presença, na poesia, de dois esquemas métricos n u m a espécie de contraponto, ainda q u e esse público não fosse necessariamente capaz de analisar a experiência. De m o d o semelhante, é possível que a beleza de certa poesia inglesa seja devida à presença de mais de u m a estrutura métrica. São em regra m u i t o frias as tentativas deliberadas de estruturar metros ingleses com base em modelos latinos. Entre os q u e obtiveram maior êxito incluem-se alguns exercícios de C a m p i o n , 6 em seu breve mas pouquíssimo lido tratado de métrica; entre os mais notáveis malogros, em m i n h a opinião, estão as experiências de Robert 4. Surrey, Henry Howard (conde de). Político e poeta inglês (c. 1519 — Londres, 1547). autor de Songs and sonnets (1557), publicados com os poemas de T h o m a s Wyatt. A ele se deve a forma do soneto inglês. ( N . T . ) 5. Jespersen (Jens O i t o Harry). Lingüista d i n a m a r q u ê s (Randers, 1860 Copenhague. 1943), autor de obras de lingüística geral, como Language, its nature, develop-
ment and origin (1922). (N.T.) y Wyatt. Sir Thomas. Poeta inglês (Allington Castle. K e n t . c. 1303 - S h e r b o r n e , Dorset, 1542), responsável pela introdução do soneto na literatura inglesa. Seus poemas foram reunidos na To t tei's miscellany (1557). ( N . T . )
6. C a m p i o n . Thomas. Poeta inglês (Londres, 1567 — id. 1619), talvez o mais melodioso dos poetas elisabetanos. Figura em quase todas as antologias inglesas graças aos poemas reunidos em A book of Ayres (1601). ( N . T . )
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Bridges 7 — eu trocaria todas as sua s engenhosas invenções por seus primeiros versos líricos, mais tradicionais. Mas q u a n d o um poeta assimila tão intensamente a poesia latina a p o n t o de essa absorção estruturar-lhe o verso sem q u a l q u e r artifício deliberado — como no caso de Milton e em alguns poemas de Tennyson —, o resultado pode ser incluído entre as grandes conquistas da versificação inglesa. O que suponho possuirmos na poesia inglesa é u m a espécie de amálgama de sistemas de diversas fontes ( e m b o r a não me agrade usar a palavra " s i s t e m a " , pois ela implica antes uma sugestão de invenção consciente do q u e de crescimento espontâneo): um amálgama semelhante ao c a l d e a m e n t o de raças, e de fato parcialmente devido a origens raciais. Os ritmos dos anglo-saxões, celtas, franceses n o r m a n d o s , ingleses medievais e escoceses deixaram todos a sua marca na poesia inglesa, juntamente com os ritmos latinos e, em diversos períodos, os franceses, italianos e espanhóis. C o m o os seres h u m a nos constituem uma raça compósita, e diferentes tendências podem ser dominantes em diferentes indivíduos, inclusive cm membros de uma mesma família, do m e s m o m o d o q u e um ou outro elemento no composto poético p o d e ser mais congenial para um ou outro poeta ou para um ou o u t r o período. A espécie de poesia que criamos é d e t e r m i n a d a , de t e m p o s em tempos, pela influência de u m a ou outra literatura c o n t e m p o rânea em língua estrangeira, ou por circunstâncias q u e t o r n a m um período de nosso passado mais simpático do q u e o u t r o , ou pela ênfase que prevalece na educação. Mas há u m a lei da natureza mais poderosa do q u e quaisquer tendências variadas, ou influências vindas de fora ou do passado: a lei é de q u e a poesia não deve se afastar demasiado da língua c o m u m de cada dia que usamos e ouvimos. Seja a poesia rítmica ou silábica, rimada ou não rimada, formal ou livre, ela não p o d e darse ao luxo de perder o contato com a linguagem m u t a n t e da conversação ordinária.
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Pode parecer estranho que, q u a n d o admito estar escrevendo sobre a " m ú s i c a " da poesia, p o n h a eu tanta ênfase na palestra. Mas gostaria de lembrar-lhes, antes de mais nada, q u e a música da poesia não é algo que exista à margem do significado. Do contrário, poderíamos ter poesia de grande beleza musical q u e não fizesse sentido, e jamais me deparei com tal poesia. As aparentes exceções revelam apenas u m a diferença de grau: há poemas nos quais somos inebriados pela música e a d m i t i m o s o sentido como correto, assim como há poemas nos quais prestamos atenção ao sentido e somos envolvidos pela música sem q u e disso nos apercebamos. Consideremos um exemplo aparent e m e n t e extremo: o do verso absurdo de Edward Lear. 8 Sua falta de sentido não implica vacuidade de sentido: é u m a paródia do sentido, e esse é o seu sentido. The jumblies é um poema de aventuras, e de nostalgia pelo romance de viagem ao estran-
geiro e de exploração; The yong-'>ongy bo e The donq with a luminous nose são poemas de paixão não correspondida — na verdade blues. Apreciamos a música, que é de alta q u a l i d a d e , c o sentimento de irresponsabilidade para com o sentido. Ou tomemos um poema de outro tipo, o Blue closet, de William Morris." Trata-se de um delicioso poema, embora eu não possa explicar o que significa, e duvido q u e o autor t a m b é m o possa. Há um efeito algo semelhante ao de u m a runa ou de um sortilégio, mas as runas e os sortilégios têm fórmulas práticas destinadas a produzir resultados definidos, como tirar u m a vaca de um atoleiro. Mas sua intenção óbvia (e creio q u e o autor a realizou) é produzir o efeito de um sonho. Não é necessário, para apreciar o poema, saber o que o sonho significa; mas os seres humanos cultivam uma crença inabalável de q u e os sonhos significam alguma coisa: era costume acreditar — e muitos ainda acreditam — que os sonhos revelem os segredos do f u t u r o ; a 8. Lear. Edward. Poeta, artista plástico e humorista inglês (Londres, 1812 — San Remo, Itália, 1888), autor das ilustrações de boa parte das obras de Tennyson. Deixou, entre outros, Views of Rome and its environs (1841), A book of nonsense
(1846), Nonsense songs, stones, botany and alphabets (1871) e Teapots and quails (ed. pósi., 1953). ( N . T . ) L π Λ '
*Cymour
CrítIto c
inglês ( W a l m e r . ilha d e T h a n e t , 1844
Sla SC ,ns ,ra n a rosódia //o,, Çí? P P (1876) C The U S t a m e n t beau
S Γ η o s t 'u m a Λ °í ' y P dos poemas d e Gerard Manley Hopkins
« . m o o atestam The Ε o responsável pela edi(NT)
9. Morris, William Robert Poeta, pintor e historiador de arte inglês (Elm House, Walthampstow, Essex. 1834 — Londres. 1896). Escreveu poemas narrativos de inspirarão pos-romântica e medievalista, como The life and death of Jason (1867) e The earthly paradise (1868-1870). Deixou belas traduções da ilíada e da Odisseia. ( N . T . )
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fé ortodoxa moderna é de q u e eles desvelem os segredos — ou pelo menos os mais horrendos segredos — do passado. E um lugar-comum observar q u e o significado de um p o e m a escapa à possibilidade de parafraseá-lo. Não é a b s o l u t a m e n t e tão comum salientar que o significado de um p o e m a p o d e ser algo mais amplo do que conscientemente o pretendeu seu autor, e algo distante de suas origens. Um dos mais obscuros poetas modernos foi o escritor francês S t é p h a n e Mallarmé, cuja linguagem os próprios franceses dizem ser tão peculiar q u e só p o d e ser entendida pelos estrangeiros. O recém-falecido Roger Fry 10 e seu amigo Charles Mauron publicaram u m a tradução inglesa com notas destinadas a esclarecer os significados: q u a n d o ouço dizer que um soneto difícil foi inspirado pela visão de u m a pintura sobre o teto refletido a partir do t a m p o polido de u m a mesa, ou pela visão da luz refletida a partir da e s p u m a de um copo de cerveja, só posso dizer q u e se trata possivelmente de uma embriologia precisa, mas não de um significado. Se nos sensibilizarmos com um poema, isso significa algo, talvez importante, para nós; caso contrário, será então, e n q u a n t o poesia, sem sentido. Podemos nos excitar ao ouvir a declamação de um poema n u m a língua da qual não c o m p r e e n d e m o s u m a só palavra; mas se nos disserem q u e o p o e m a é e s t a p a f ú r d i o e não tem qualquer significado, nos consideraremos logrados — não se trataria de n e n h u m poema, mas simplesmente u m a imitação de música instrumental. Se, já q u e estamos conscientes, apenas uma parte do significado puder ser transmitida por u m a paráfrase, é porque o poeta está às voltas com as fronteiras da consciência, além das quais as palavras d e f i n h a m , e m b o r a os significados continuem a existir. Um poema p o d e dar a impressão de significar coisas muito distintas a diferentes leitores, e todos esses significados podem ser diferentes daquilo q u e o autor imaginou expressar. Por exemplo, o autor p o d e ter descrito a l g u m a experiência pessoal peculiar q u e considerou a b s o l u t a m e n t e dissociada de qualquer coisa exterior; para o leitor, todavia, o poema pode tornar-se a expressão de u m a situação geral, bem
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como de alguma experiência particular dele m e s m o . A interpretação do leitor pode diferir e ser igualmente válida. E pode até ser melhor. Pode existir n u m poema muito mais do q u e aquilo que o autor ali julgava existir. As diferentes interpretações p o d e m todas constituir formulações parciais de u m a coisa; as ambigüidades podem ser devidas ao fato de q u e um p o e m a significa mais, e não menos, do q u e a língua ordinária é capaz de comunicar. Assim, embora a poesia tente transmitir algo além do q u e pode ser transmitido pelos ritmos da prosa, ela permanece, não obstante, como u m a pessoa falando com outra; e isso é igualmente verdadeiro se você a canta, pois cantar é outro m o d o de falar. A relação íntima entre a poesia e a conversação não constitui um assunto sobre o qual possamos formular leis exatas. Cada revolução na poesia pode tornar-se, e às vezes assim se proclama, um retorno à fala c o m u m . Essa foi a revolução que Wordsworth anunciou em seus prefácios, e ele estava certo; mas a mesma revolução foi conduzida um século antes por O l d h a m , 1 1 Waller, 1 2 D e n h a m 1 5 e Dryden; e a mesma revolução deveria ocorrer de novo cerca de um século depois. Os seguidores de uma revolução desenvolvem a nova linguagem poética em uma ou outra direção, polindo-a e aperfeiçoando-a; entretanto, a língua falada vai m u d a n d o e o idioma poético envelhecendo. Talvez não consigamos conceber q u ã o natural deve ter sido a linguagem de Dryden aos mais sensíveis de seus contemporâneos. N e n h u m a poesia, é claro, constitui sempre a mesma linguagem q u e o poeta fala e ouve, mas ela precisa estar de tal m o d o relacionada à linguagem de sua época q u e o ouvinte ou leitor possa dizer "assim e que eu falaria se pudesse falar em verso". Essa é a razão pela qual a melhor poesia contemporâ11. O l d h a m , J o h n . Satirista inglês (Shipton Moyne. perto de T e t b u r y , Gloucestershire, 1653 - Holme-Pierrcpoint, perto de N o t t i n g h a m , 1683), cuja principal obra, Satires on the Jesuits (1681). foi m u i t o elogiada por Dryden. 12. Waller, E d m u n d . Poeta inglês (Coleshill, 1606 — Hall Barn, 1687). Primo de Cromwell, foi m e m b r o do Parlamento, mas depois passou para o lado de Carlos 1. Deixou um Panegyrical (1655), o n d e celebra os feitos do primo. Sua obra anuncia o classicismo inglês. ( N . T . ) 13 D e n h a m , Sir J o h n . Poeta e arquiteto inglês ( D u b l i n , 1615 — Londres, 1669), autor do poema didático-descritivo Cooper s hill, publicado em 1642. ( N . T . )
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nca podc nos dar um sentimento de excitação e um sentido de plenitude distinto de qualquer outro s e n t i m e n t o provocado até mesmo por uma poesia verdadeiramente maior de u m a época anterior. A música da poesia deve ser, portanto, a música latente na fala comum de sua época. E isso significa t a m b é m q u e ela deve estar latente na fala c o m u m da região do poeta. N ã o seria meu presente propósito censurar a u b i q ü i d a d e do inglês padronizado ou daquele que se fala na BBC. Sc todos viermos a falar do mesmo modo, não estaremos m u i t o longe do p o n t o em q u e passaremos a escrever da mesma maneira; mas até chegar esse tempo — e espero q u e ele chegue o mais tarde possível — é tarefa do poeta utilizar a língua falada à sua volta, aquela com a qual está mais familiarizado. Lembrarei sempre a impressão que me causou W. B. Yeats ao 1er seus poemas em voz alta. Ouvi-lo 1er suas próprias obras foi o m e s m o q u e reconhecer quanto o acento irlandês é necessário para apreciarmos as belezas da poesia irlandesa: ouvir Yeats lendo W illiam Blake foi uma experiência de um gênero diferente e q u e me causou mais surpresa do que satisfação. Não desejamos, é claro, q u e o poeta simplesmente reproduza com exatidão sua linguagem coloquial, ou a de sua família, de seus amigos e de seu distrito particular, mas o que se encontra aí é a matéria a partir da qual deverá ser feita sua poesia. Como o escultor, ele deve manter-se fiel à matéria em que trabalha; é a partir dos sons q u e percebe q u e o poeta deve constituir sua melodia e sua h a r m o n i a . Seria um erro, entretanto, admitir q u e toda poesia deva ser melodiosa, ou que a melodia seja mais q u e um dos c o m p o nentes da música das palavras. Há um tipo de poesia q u e se destina a ser cantada; a maior parte da poesia dos t e m p o s modernos destina-se a ser falada — e há muitas outras coisas a serem ditas além do zumbido de incontáveis abelhas ou do arrulho dos pombos nos olmos imemoriais. A dissonância, e m e s m o a cacofonia, têm seu lugar: assim, n u m p o e m a de certa extensão, deve haver transições entre passagens de maior ou m e n o r intensidade, a fim de que se o b t e n h a um ritmo de emoção flutuante essencial à estrutura musical do c o n j u n t o ; e as passagens de menor intensidade serão, com relação ao nível sobre o qual todo o poema opera, prosaicas — ou seja, no sentido q u e o con-
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texto implica, poder-sc-ia dizer que n e n h u m poeta será capaz de escrever um poema longo a menos q u e seja um mestre do prosaico. 14 O que importa, em suma, é o c o n j u n t o poemático; e se esse conjunto não precisa ser — e a m i ú d e não deveria sê-lo — totalmente melodioso, deduz-se q u e o poema não é feito apenas de "palavras belas". Duvido q u e , do p o n t o de vista estritamente fonetico, uma palavra seja mais ou menos bela do q u e outra dentro de sua própria língua, pois a questão relativa à possibilidade de certas línguas não serem tão belas q u a n t o outras é, a rigor, um outro problema. As palavras feias são aquelas que não se adaptam à companhia em q u e elas próprias se encontram; há palavras q u e são feias devido à sua crueza ou ao seu anacronismo; há palavras q u e t a m b é m o são devido à sua estranheza ou rudeza (p. ex. televisão); mas não creio q u e n e n h u m a palavra de uso corrente em sua própria língua seja bela ou feia. A música de u m a palavra está, por assim dizer, num ponto de intersecção: ela emerge de sua relação, primeiro, com as palavras que imediatamente a antecedem e a ela se seguem, e indefinidamente com o restante do contexto; e de outra relação, a de seu imediato significado nesse contexto com todos os demais significados q u e haja possuído em outros contextos, com sua maior ou menor riqueza de associação. N e m todas as palavras, é óbvio, são igualmente ricas e bem aparentadas: é parte da tarefa do poeta dispor as mais ricas entre as mais pobres, nos lugares corretos, e não podemos nos permitir sobrecarregar demasiadamente um poema com aquelas primeiras, pois apenas em certos m o m e n t o s é q u e a palavra pode ser disposta para insinuar a história global de u m a língua e de uma civilização. Trata-se de uma " a l u s i v i d a d e " q u e não corresponde à maneira ou à excentricidade de um tipo peculiar de poesia; mas de u m a alusividade q u e está na natureza das palavras, e que é t a m b é m a preocupação de cada tipo de poeta. Meu propósito aqui é insistir em q u e um " p o e m a musical" é um poema q u e tem um modelo musical de som e um modelo 14 Trata-se da doutrina c o m p l e m e n t a r à do verso ou da passagem tidos como " p e dra de toque por Matthew Arnold: esse· teste para aferir a grandeza de um poeta é o m o d o c o m o ele escreve suas passagens menos intensas, ainda q u e vitais do p o n t o de vista estrutural. (N A.)
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musical de significados secundários das palavras q u e o c o m p õ e m , e também cm que esses dois modelos sào indissolúveis e únicos. E se alguém objetar que se trata apenas do som puro, divorciado do sentido, ao qual o adjetivo "musical' p o d e ser corretamente aplicado, só me cabe repetir o q u e já disse antes, ou seja, q u e o som de um poema é tanto u m a abstração do p o e m a q u a n t o do sentido. A história do verso branco ilustra dois pontos interessantes e relacionados: a dependência da linguagem e a s u r p r e e n d e n t e diferença, embora metricamente a forma seja a mesma entre o verso branco dramático e o verso branco utilizado com propósitos épicos, filosóficos, reflexivos e idílicos. A d e p e n d ê n c i a do verso em relação à linguagem é m u i t o mais direta na poesia dramática do que em qualquer outra. Na maioria dos gêneros poéticos, a necessidade que tem ela de continuar para nós idêntica à linguagem contemporânea está reduzida pela latitude que leva em conta a idiossincrasia pessoal: um p o e m a de Gerard Hopkins, 1 ^ por exemplo, pode soar razoavelmente distante do modo pelo qual eu e vocês nos expressamos — ou m e l h o r , do modo como nossos pais e avós se expressaram; mas H o p k i n s dá a impressão de que sua poesia tem a necessária fidelidade à sua maneira de pensar e conversar consigo m e s m o . Mas no verso dramático o poeta está falando em n o m e de u m a personagem após outra, por intermédio de u m a c o m p a n h i a de atores ensaiados por um diretor, e de diferentes atores em épocas diferentes: seu idioma deve abranger todas as vozes, mas precisa estar presente num nível mais p r o f u n d o do q u e o necessário q u a n d o o poeta fala somente para si mesmo. Alguns dos últimos versos de Shakespeare são muito elaborados c peculiares; no e n t a n t o , a língua subsiste, não a de u m a pessoa, mas a de um universo de pessoas. Ela toma por base a língua de três séculos atrás, mas, quando a ouvimos bem interpretada, p o d e m o s esquecer
15. Hopkins, Gerard Manley. Poeta inglês (Stratford. Essex, 1844 - D u b l i n . 1889). Membro da Companhia de Jesus, nada publicou em vida. Seus Poemi apareceram apenas em 1918 e pouco tem em c o m u m com t u d o o q u e se escreveu na poesia vitoriana de seu tempo: sào intelectualistas e gravemente trágicos, distinguindo-se pelo ineditismo métrico do sprung rhythm, q u e nos remete à poesia metafísica de Donne e outros auiores ingleses do século XVII. H o p k i n s influenciou toda a geração de Eliot. (N.T.)
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a distância que dela nos separa — como nos foi d e m o n s t r a d o mais claramente cm u m a daquelas peças, das quais Hamlet é a principal, que podem ser a d e q u a d a m e n t e produzidas com roupagem moderna. A época de Otway, 1 6 o verso branco dramático torna-se artificial e, na melhor das hipóteses, reminiscente; e q u a n d o chegamos às peças em verso dos poetas do século XIX, das quais a maior é provavelmente The Cenci}1 é difícil guardar qualquer ilusão de realidade. Quase todos os poetas do século passado puseram à prova sua habilidade ao escrever peças em verso. Essas peças, que algumas pessoas leram mais de uma vez, são respeitosamente consideradas alta poesia, e sua insipidez é habitualmente atribuída ao fato de q u e os autores, embora grandes poetas, eram amadores em teatro. Mas mesmo q u e os poetas houvessem tido maiores dons para o teatro, ou houvessem mourejado para adquirir alguma destreza, suas peças poderiam ter sido ineficazes, a menos q u e seu talento teatral e sua experiência lhes demonstrassem a necessidade de um gênero distinto de versificação. Não é primordialmente a falta de intriga, ou a falta de ação e de suspense, ou a inexistência de t u d o o q u e chamamos de 4 ' t e a t r o " , q u e torna tais peças tão apáticas: é que, acima de t u d o , seu ritmo de linguagem constitui algo q u e não podemos associar a n e n h u m ser h u m a n o , exceto a um declamador de poesia. Mesmo sob a poderosa manipulação de Dryden, o verso branco dramático revela u m a grave deterioração. Há esplêndidas passagens em All for love}8 todavia, as personagens de Dryden falam às vezes mais naturalmente nas peças heróicas q u e ele escreveu em dísticos rimados do que o fazem naquilo que poderia sugerir a mais espontànea das formas de verso branco, embora com menos naturalidade do que as personagens de Corneille e Racine em francês. As causas dessa ascensão e queda 16. Otway, Thomas D r a m a t u r g o inglês (Trotten, perro de Midhurst, Sussex. 1652 Londres, 1685), último descendente da dramaturgia elisabetana e já discípulo do teatro clássico francês. Sua obra-prima é Venice preservi(1682), de inequívoca influência shakespeariana. ( N . T . ) 17 Drama em cinco atos (1819) do poeta romàntico ingles Percy Bysshe Shelley (Field Place, perto de Horsham, Sussex, 1792 — La Spezia, 1882). ( N . T . ) 18 Escrita cm 1677. é talvez a melhor das peças de J o h n Dryden (Aldwinkle, Northamptonshire, 1631 — Londres. 1700), na qual o autor explora o tema de Antônio e Cleópatra, de Shakespeare. ( N . T . )
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de qualquer-forma de arte são sempre complexas, e p o d e m o s registrar diversos fatores q u e para isso contribuíram, ao m e s m o tempo em que parece subsistir alguma causa mais p r o f u n d a incapaz de ser formulada: eu não anteciparia n e n h u m a das razões pelas quais a prosa acabou por suplantar o verso no teatro. Mas estou certo de que uma razão pela qual o verso branco não pode agora ser utilizado no drama é q u e muita poesia não dramática, e de alta qualidade, tem sido escrita em verso branco nestes últimos três séculos. Nossa m e n t e está saturada dessas obras não dramáticas nas quais existe formalmente a mesma espécie de verso. Se pudermos conceber, com um vôo de imaginação, Milton precedendo Shakespeare, este teria tido de descobrir um meio bastante diferente daquele q u e utilizou e aperfeiçoou. Milton lidou com o verso branco de u m a maneira c o m o ninguém jamais o trabalhou ou jamais o trabalhará; e, assim fazendo, realizou mais do que q u a l q u e r o u t r o ou q u a l q u e r outra coisa por torná-lo impossível para o d r a m a , e m b o r a possamos também acreditar q u e o verso branco dramático haja esgotado seus recursos, e não tenha n e n h u m f u t u r o em q u a l q u e r caso. A rigor, Milton por pouco não tornou o verso branco impraticável para qualquer propósito por duas gerações. Foram os precursores de Wordsworth — T h o m p s o n , 1 ' Y o u n g , 2 0 Cowper — que empobreceram os primeiros esforços para resgatá-lo da degradação a q u e o reduziram no século XIX os imitadores de Milton. Há muito e variado verso branco no século XIX: o mais próximo da linguagem coloquial é o de Browning, conquanto, significativamente, mais em seus monólogos do q u e em suas peças. Tal generalização não implica n e n h u m j u l g a m e n t o q u a n t o à relativa estatura dos poetas. Simplesmente adverte para a prof u n d a diferença entre o gênero dramático e as demais espécies de verso: uma diferença na música, que é u m a diferença na telaio. T h o m p s o n , Francis. Escritor inglês (Preston. 1839 - Londres.
1907). Além
de crítico (Essay on Shelley. 1909), tornou-se conhecido c o m o poeta lírico e de ins-
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ção com a língua falada corrente. Isso conduz à minha próxima questão, ou seja, a de que a tarefa do poeta diferirá não apenas segundo sua constituição pessoal, mas t a m b é m de acordo com o período ao qual ele pertence. Em certos períodos, essa tarefa consiste em explorar as possibilidades musicais de u m a convenção estabelecida na relação entre o idioma do verso e da fala; em outros períodos, a tarefa se destina a a c o m p a n h a r as mudanças na linguagem coloquial, que são f u n d a m e n t a l m e n t e mudanças no pensamento e na sensibilidade. Esse movim e n t o (íclico exerce t a m b é m uma enorme influência sobre nosso julgamento crítico. N u m a época como a nossa, um revigoramento da dicção poética semelhante àquele q u e foi instaurado por Wordsworth (quer tenha sido ele satisfatoriamente realizado ou não) exigiu q u e nos mantivéssemos predispostos, em nossos julgamentos sobre o passado, a exagerar a importância dos inovadores à custa da reputação dos q u e a f o m e n t a v a m . Já falei o bastante, suponho, para deixar claro q u e não acredito que a tarefa do poeta seja sempre e primordialmente a de promover u m a revolução na linguagem. Não seria desejável, mesmo q u e isso fosse possível, viver n u m estado de perpétua revolução: o anseio pela p e r m a n e n t e novidade da dicção e da métrica é tão pernicioso q u a n t o u m a obstinada aderência à língua de nossos avós. Há tempos em q u e se explora e tempos em que se cultiva o território conquistado. O poeta q u e mais fez pela língua inglesa foi Shakespeare; e ele e m p r e e n d e u , cm sua breve existência, a tarefa de dois poetas. Posso apenas dizer aqui, em suma, que o desenvolvimento do verso shakespeariano pode ser dividido, grosso modo, em dois períodos. D u r a n t e o primeiro ele foi lentamente a d a p t a n d o sua forma à linguagem coloquial: assim, à época cm que escreveu Antônio e Cleopatra concebeu um meio-termo graças ao qual t u d o o q u e houvesse a ser dito por qualquer personagem flramática, quer elevado ou rasteiro, quer "poético' ou prosaico ', pudesse ser dito com beleza e naturalidade. Após atingir esse ponto, começou a elaborar. O primeiro período do poeta que principiou com
piração mistico-religiosa, como o atesta The hound of heaven (1893). ( N . T . )
Vénus e Adônis, mas que já havia, em Love's labour s lost,
20. Y o u n g , Edward
começado a perceber o que havia por ser feito vai do artificialismo à simplicidade, da rigidez à flexibilidade. As peças posteriores caminham da simplicidade para a elaboração. O
Poeta inglês (Winchester, Hants, 1683 — W e l w y n . O x f o r d -
shire, 1763). Além de d r a m a t u r g o , deixou o longo poema Nights (1742-1745), u m a meditação gravemente melancólica sobre a morte, a noite e os t ú m u l o s , de imensa influência na Europa pré-romântica. ( Ν . Ί )
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Shakespeare dos últimos t e m p o s está o c u p a d o com outras tarefas do poeta — a da experimentação para ver q u ã o e l a b o r a d a e complexa poderia se tornar a música sem p e r d e r i n t e i r a m e n t e o contato com a linguagem coloquial, e sem q u e suas p e r s o n a gens deixassem de se c o m p o r t a r c o m o seres h u m a n o s . Ε o poeta
de Cy m beline,
The Winters tale, Pericles e A tempestade.
Milton é o mestre s u p r e m o d e n t r e todos aqueles q u e se envered a m exclusivamente nessa direção. P o d e m o s s u p o r q u e Milton, ao explorar a música orquestral da língua, deixa às vezes por completo de falar um idioma social; p o d e m o s i m a g i n a r q u e Wordsworth, ao tentar redimir o i d i o m a social, ultrapassou às vezes o limite e tornou-se prosaico. Mas é q u a s e s e m p r e verd a d e q u e apenas ao irmos m u i t o longe p o d e r e m o s descobrir q u ã o longe ainda p o d e m o s ir, e m b o r a se t e n h a q u e ser de f a t o um grande poeta para q u e tais aventuras se j u s t i f i q u e m . Até aqui falei apenas da versificação, e n ã o da e s t r u t u r a poética; é t e m p o de advertir q u e a música do verso n ã o constitui um assunto passível de ser t r a t a d o verso a verso, mas u m a questão q u e se refere à totalidade do p o e m a . A p e n a s com isso em m e n t e é q u e p o d e m o s abordar a controversa q u e s t ã o do modelo formal e do verso livre. Nas peças de Shakespeare p o d e se perceber um esboço musical em cenas isoladas, esboço q u e se manifesta como um todo em suas peças mais acabadas. E uma música t a n t o de imagens q u a n t o de sons: em sua análise de diversas peças de Shakespeare, Wilson K n i g h t 2 1 d e m o n s t r o u q u a n t o o emprego de imagens recorrentes e d o m i n a n t e s , do começo ao fim de u m a peça, tem a ver com o resultado global. Uma peça de Shakespeare é u m a estrutura musical extremamente complexa; a estrutura mais facilmente assimilada é a de tormas como as do soneto, da o d e tradicional, da b a l a d a , da villanelle,J: do rondeau25 ou da sextina. 2 4 A d m i t i u - s e às vezes 21. Crítico inglcs contemporâneo q u e se consagrou ao e s t u d o dos símbolos e d a s imagens nas peças de Shakespeare. (N.T.) 22. Em port., vilanela: na França do se'eulo XVI, canção pastoril ou p o p u l a r . (Ν Τ ) 23 F.m port., rondò: composição poética com estribilho constante q u e inclui o rondò simples, com duas rimas e f o r m a d o por três estrofes, e o r o n d ò dobrado. também com duas rimas e constituído de seis q u a d r a s sobre d u a s rimas. (N T ) 24. Poema de forma fixa, geralmente em decassílabos, composto de seis sextilhas e. quase invariavelmente, um terceto, no qual cada uma das últimas palavras dos versos da primeira sextilha (não r.mados, c o m o os demais) se repete no final dos versos das estrofes seguintes, m u d a n d o , p o r e m , d e posição d e n t r o d e u m processo. (N.T.)
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q u e a poesia m o d e r n a aboliu formas como essas. T e n h o percebido indícios de q u e elas voltaram a ser utilizadas; e, na verd a d e , creio q u e a tendência ao retorno a tais modelos, inclusive aos mais complexos, é p e r m a n e n t e , assim como p e r m a n e n t e é a necessidade de um refrão ou de um coro n u m a canção p o p u lar. Algumas formas são mais apropriadas a certas línguas do que a outras, e q u a l q u e r forma pode ser mais a d e q u a d a a determinados períodos do q u e a outros. Em outro estágio, a estrofe constitui u m a formalização correta e natural da linguagem n u m modelo. Mas a estrofe — e q u a n t o mais elaborada ela for, q u a n t o mais regras forem observadas em sua correta estruturação, tanto mais s e g u r a m e n t e isso acontece —, t e n d e a tornarse regular para o idioma no m o m e n t o de sua perfeição. Ela perde r a p i d a m e n t e o contato com a linguagem coloquial flut u a n t e , sendo d o m i n a d a pela perspectiva mental de u m a geração passada; cai em descrédito q u a n d o utilizada de forma solene por escritores q u e , não t e n d o em si n e n h u m instinto para desenvolver u m a f o r m a , a ela recorrem para verter seus s e n t i m e n t o s liquefeitos n u m m o l d e pré-fabricado n o qual p r e t e n d e m e m vão introduzi-los. O q u e admiramos n u m soneto perfeito não é tanto a habilidade do autor em adaptar-se ao m o d e l o , mas a perícia e a força através das quais h a r m o n i z a tal m o d e l o àquilo que p r e t e n d e dizer. Sem essa adequação, q u e d e p e n d e t a n t o da época q u a n t o do génio individual, o restante se resume, na melhor das hipóteses, ao virtuosismo; e o n d e o e l e m e n t o musical é o único e l e m e n t o , ele t a m b é m desaparece. As formas elaboradas retornam, mas há períodos d u r a n t e os quais elas são deixadas de lado. Q u a n t o ao "verso livre", expressei meu p o n t o de vista há vinte e cinco anos ao dizer q u e n e n h u m verso é livre para alguém q u e deseja executar bem seu ofício. N i n g u é m m e l h o r do q u e cu tem razões para saber q u e boa parte da má prosa foi escrita sob a d e n o m i n a ç ã o de verso livre, e m b o r a me pareça indiferente q u e seus autores h a j a m escrito má prosa ou m a u verso, ou mau verso nesse ou naquele estilo. Mas s o m e n t e um mau poeta poderia acolher o verso livre e n q u a n t o libertação da forma. Houve u m a rebelião contra a forma morta, e u m a preparação para a nova forma ou para u m a renovação da antiga; trata-se de u m a insistência sobre a u n i d a d e interior q u e é única
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para cada poema, contra a u n i d a d e exterior q u e é característica. O poema surge anteriormente à forma, no sentido de q u e a forma emerge da tentativa de alguém dizer algo, precisamente como um sistema de métrica constitui apenas a formulação das identidades nos ritmos de u m a sucessão de poetas influenciados uns pelos outros. As formas existem para serem destruídas e refeitas; mas creio que qualquer língua, desde q u e permaneça a m e s m a , impõe suas leis e restrições e concede sua própria autorização, ditando seus ritmos próprios de linguagem e padrões fônicos. E uma língua está sempre se t r a n s f o r m a n d o ; seus desenvolvimentos vocabulares, sintáticos, de pronúncia e de acentuação — e até mesmo, ao longo dos tempos, sua deterioração — devem ser aceitos e aproveitados pelo poeta. Ele t e m , por sua vez, o privilégio de contribuir para o desenvolvimento e a m a n u tenção da qualidade, a aptidão lingüística para expressar um amplo espectro (e uma sutil gradação) do s e n t i m e n t o e da emoção; sua tarefa é, a um só t e m p o , reagir à m u d a n ç a e torná-la consciente, e lutar contra a degradação abaixo dos padrões q u e recebeu no passado. As liberdades q u e ele p o d e tomar as t o m a por amor à ordem. Q u a n t o ao estágio contemporâneo em q u e o próprio verso se encontra, devo deixar q u e vocês o julguem por si mesmos. Suponho estarmos de acordo em q u e as obras dos últimos vinte e cinco anos merecem de algum m o d o ser classificadas, e sê-lo-ão como algo que pertence a um período de busca por u m a adequada linguagem coloquial moderna. l e m o s ainda um longo caminho a percorrer no que se refere à invenção de um verso apropriado ao teatro, um instrumento graças ao qual nos tornemos capazes de ouvir a linguagem dos seres h u m a n o s contemporâneos, graças ao qual as personagens dramáticas possam expressar a mais pura poesia sem retórica e graças ao qual possam transmitir a mensagem mais trivial sem n e n h u m absurdo. Mas quando alcançamos um ponto no qual o idioma poético pode ser estabilizado, é possível que advenha então um período de elaboração musical. Penso que um poeta pode lucrar m u i t o com o estudo da música: não sei q u a n t o de conhecimento técnico da forma musical é desejável adquirir, pois não d i s p o n h o desse conhecimento. Mas creio que as propriedades da música
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que mais interessam ao poeta são as da noção de ritmo e de estrutura. Julgo que seria possível para um poeta trabalhar muito intimamente com analogias musicais: o resultado poderia ser um produto artificial, mas sei que um p o e m a , ou u m a passagem de um poema, pode tender a definir-se inicialmente como um ritmo particular antes de alcançar sua expressão verbal, e que esse ritmo pode levar ao nascimento da idéia e da imagem; e não creio que essa seja u m a experiência restrita a mim mesmo. O uso de temas recorrentes é natural tanto na poesia q u a n t o na música. Há no verso possibilidades q u e comportam certa analogia com o desenvolvimento de um tema por diferentes grupos de instrumentos: há n u m poema possibilidades de transições comparáveis aos distintos movimentos de uma sinfonia ou de um quarteto; há possibilidades de arranjo contrapontístico com relação ao tema.2** E n u m a sala de concerto, mais do que n u m a casa de ópera, que a matriz de um poema pode ganhar vida. Não posso dizer mais do q u e isso, mas convém deixar aqui o assunto aberto àqueles q u e tiveram u m a iniciação musical. Entretanto, caberia recordar-lhes ainda duas tarefas da poesia, as duas direções em q u e a língua deve ser trabalhada em tempos distintos: assim, por mais q u e se possa levar adiante a elaboração musical, devemos aguardar algum t e m p o até que a poesia seja outra vez chamada de volta à linguagem. Os mesmos problemas se apresentam, e sempre sob novas formas; e a poesia tem sempre diante de si, como dizia F. S. Oliver~'6 da política, u m a "aventura infinita' a cumprir.
25. C u m p r e lembrar aqui que uma das maiores, senào a maior, dentre todas as criações poéticas de Eliot, Four quartets (Quatro quartetos, 1943), recorre, em sua estrutura, ao esquema da sonata-forma, rigidamente distribuída em cinco movimenros ( N . T . ) 2í>. Oliver, F S H o m e m ile negócios e pensador ingles (1864-1934) que se dedicou ao estudo dos problemas políticos. Deixou u m a obra sobre Horace W a l p o l e ìht endless adventure e cartas sobre a Primeira Guerra Mundial (The anvil of war (N.T.)
O Q U E F POESIA M E N O R ?
o QUE É POESIA MENOR? 1
Não me disponho a oferecer, n e m no princípio n e m no fim uma definição de 44 poesia m e n o r " . O perigo de u m a delinição como essa e que ela poderia nos levar à expectativa de que chegássemos a um acordo definitivo sobre quais são os poetas " m a i o r e s " e os poetas " m e n o r e s " . Portanto, se tentássemos estabelecer duas listas, uma de poetas maiores e outra de poetas menores da literatura inglesa, descobriríamos estar de acordo com relação a alguns poucos poetas, q u e ali haveria mais n o m e s acerca dos quais discordaríamos e q u e duas pessoas jamais elaborariam a mesma lista: e qual seria e n t ã o a utilidade de nossa definição? O que julgo podermos fazer, todavia, e nos inteirarmos do fato de que, q u a n d o definimos um poeta c o m o m e n o r , estamos dizendo coisas distintas em épocas distintas; p o d e m o s clarear um pouco nossa mente sobre o q u e significam tais distinções, e evitar assim a confusão e o m a l - e n t e n d i d o . C o n t i n u a r e mos certamente a conceituar várias coisas com o m e s m o t e r m o , de modo que devemos, como no caso de muitas outras palavras, tirar daí o melhor partido, e não tentar introduzir coisa alguma à força numa definição. O q u e me c o m p e t e é descartar
1. Conferência pronunciada diante da Associação dos Letrados de Swansea e do Oeste do País de Gales em Swansea, em s e t e m b r o de 1944. Posteriormente publi-
cada em The Sewanee Review. ( N A . )
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qualquer associação depreciativa vinculada à expressão "poesia m e n o r " , j u n t a m e n t e com a sugestão de q u e a poesia menor é mais fácil de 1er, ou vale menos a pena ser lida, do q u e a " p o esia m a i o r " . A pergunta é simples: quais são os gêneros de poesia menor, e por q u e deveríamos lê-los? A abordagem mais direta, s u p o n h o , é considerar os diversos gêneros de antologias poéticas, pois u m a associação da expressão poesia menor faz com que esta signifique "a espécie de poemas que só lemos em antologias". E, casualmente, sinto-me satisfeito com a oportunidade de dizer algo sobre os usos das antologias, pois, se os compreendermos, poderemos t a m b é m nos precaver contra seus perigos, u m a vez q u e existem amantes de poesia que p o d e m ser definidos como viciados em antologias e que não conseguem 1er poesia a não ser desse modo. Naturalmente, o valor primordial das antologias, como de toda poesia, repousa no fato de serem elas capazes de proporcionar prazer, mas, além disso, deveriam servir a diversos propósitos. Uma espécie de antologia, que se justifica por si m e s m a , é aquela que inclui poemas de autores jovens, aqueles q u e permanecem inéditos ou cujos livros não são ainda suficientemente conhecidos. Tais coletâneas têm um valor particular tanto para poetas q u a n t o para leitores, ou porque apresentam a obra de um grupo de poetas q u e possuem algo em c o m u m , ou porque a única u n i d a d e de seu conteúdo corresponde àquela q u e é dada pelo tato de todos os poetas pertencerem à mesma geração literária. Para um poeta jovem é desejável ter vários estágios de publicidade antes de ter um p e q u e n o volume todo para si. Primeiro, os periódicos: não os que são bem conhecidos e circulam em âmbito nacional — a única vantagem, para o poeta jovem, de neles figurar é o provável guinéu (ou guinéus) q u e poderá receber pela publicação —, mas as pequenas revistas, dedicadas ao verso contemporâneo e lançadas por jovens editores. Essas pequenas revistas parecem a m i ú d e circular apenas entre os colaboradores c os pretensos colaboradores; com uma circulação habitualmente precária, aparecem a intervalos irregulares, e sua existência é efêmera, embora sua importância coletiva seja totalmente desproporcional à obscuridade em que lutam para sobreviver. Além do benefício q u e p o d e m trazer,
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ensejando experiência aos futuros editores literários e bons editores literários têm um i m p o r t a n t e papel a d e s e m p e n h a r numa literatura saudável —, tais publicações d ã o ao poeta a vantagem de ver sua obra impressa, de compará-la com a de seus também obscuros (ou ligeiramente mais conhecidos) contemporâneos e de mobilizar a atenção e a crítica daqueles q u e mais provavelmente despertam simpatia graças a seu estilo de escrever Pois um poeta deve conquistar um espaço para si mesmo entre seus pares e no seio de sua própria geração antes de atrair um público mais a m p l o e mais velho. Para as pessoas que estão interessadas em publicar poesia, essas p e q u e n a s revistas proporcionam t a m b é m um meio de m a n t e r sob os olhos aqueles que se iniciam e acompanhar de perto seus progressos. ( omo passo seguinte, um g r u p i n h o de jovens escritores, com certas afinidades ou recíprocas simpatias regionais, p o d e j u n t o produzir um volume, l ais grupos f r e q ü e n t e m e n t e se a g l u t i n a m graças à formulação de um c o n j u n t o de regras ou princípios, aos quais em geral ninguém adere; com o correr do t e m p o , os grupos se desfazem, os integrantes mais fracos desaparecem e os mais fortes desenvolvem seu estilo pessoal. Mas o g r u p o , e o grupo da antologia atendem a um propósito proveitoso: os poetas jovens normalmente não despertam m u i t a atenção — e na verdade é melhor que não a t e n h a m do público em geral, mas necessitam de apoio e de avaliação crítica recíprocas, e de algumas outras pessoas. E, par último, há antologias mais abrangentes do verso novo, quase sempre compiladas pelos mais eminentes editores jovens; têm elas t a m b é m o mérito de dar ao leitor de poesia uma noção do q u e se está f a z e n d o , u m a oportunidade de estudar as mudanças na temática e no estilo, sem que haja a necessidade de recorrer a um grande n ú m e r o de periódicos ou volumes isolados; e servem para dirigir, mais adiante, a atenção desses leitores para a evolução de alguns poetas que lhes podem parecer promissores. Mas m e s m o tais coletâneas não atingem o leitor em geral, q u e , via de regra, não ouvirá talar de n e n h u m desses poetas até q u e estes p r o d u z a m vários volumes e, conseqüentemente, passem a ser incluídos em outras antologias que cubram um maior lapso de t e m p o . Quando o leitor dá uma olhada n u m desses livros, pode julgálo pelos padrões que não deveriam ser aplicados: considera
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uma promessa como se fosse uma realização madura, e julga a antologia, não pelos poucos poemas mais dignos nela incluídos, mas, na melhor das hipóteses, pela média. As antologias q u e dispõem de mais ampla circulação são
naturalmente aquelas que, como o Oxford book of English verse J abrangem a totalidade da literatura inglesa até a geração mais recente; ou aquelas que se especializam n u m d e t e r m i n a d o período do passado; ou, ainda, as que abrangem a história de alguma parte da poesia inglesa, ou, afinal, as q u e se restringem à poesia moderna' das duas ou três últimas gerações, incluindo poetas vivos q u e já conquistaram certa reputação. Estas últimas, é claro, atendem t a m b é m a algumas das exigências da antologia estritamente contemporânea. Mas, limitando-nos à conveniência dessas antologias q u e incluem apenas a obra de poetas mortos, cabe-nos perguntar quais os propósitos q u e p r e t e n d e m elas alcançar para atender a seus leitores.
Não há dúvida de que The golden treasury3 ou o Oxford book proporcionaram a muita gente o acesso a Milton, a Wordsworth ou a Shelley (não a Shakespeare, mas não esperemos adquirir conhecimento sobre um poeta dramático através de antologias). Não me caberia afirmar, entretanto, q u e q u e m quer q u e haja lido, e apreciado, tais poetas, ou meia dúzia de outros, n u m a antologia, e não tenha ainda a curiosidade e o apetite de devorar suas obras completas, ou pelo menos por elas ter corrido os olhos para ver o q u e de outro m o d o poderia gostar não me caberia afirmar, repito, q u e essa pessoa seja verdadeiramente um a m a n t e de poesia. O mérito das antologias ao nos introduzir à obra dos maiores poetas é m u i t o efêmero; e n e n h u m de nós irá consultar antologias em busca de seleções desses poetas, embora elas continuem a ser úteis. A antologia t a m b é m nos ajuda a descobrir se não há alguns poetas menores cuja obra nos caberia conhecer melhor — poetas
2 Publicada cm 1900 c 1939. esta antologia, organizada por Sir Arthur QuillerCouch, é notável q u a n t o à sua abrangência relativamente a períodos histórico-literários e à sua organic idade como obra de consulta. ( N . T . ) 3. O título completo desta coletânea é Golden treasure of English songs ami lyrics (1861), de Francis Turner Palgrave Trata-se de u m a antologia-padrão da poesia lirica do período vitoriano e, embora reúna várias gerações de autores, está dividida em volumes por assunto. ( N . T . )
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nue não figurem tão conspicuamente em n e n h u m a história da literatura que possam não ter influenciado o curso da literatura poetas cuja obra não é f u n d a m e n t a l para n e n h u m esquema abstrato de educação literária, mas q u e p o d e m ter um forte apelo pessoal para certos leitores. Na verdade, eu tenderia a duvidar da autenticidade do amor à poesia por parte de qualquer leitor que não tivesse uma ou mais predileções pessoais pela obra de algum poeta sem grande importância histórica: caber-me-ia suspeitar de que a pessoa q u e só gostasse de poetas que os livros de história concordam em indicar c o m o os mais importantes não passasse de um e s t u d a n t e consciencioso, participando com muito pouco de si m e s m o em suas apreciações. Esse poeta pode não ser muito importante, diriam vexes dcsatiadoramente, mas sua obra é boa para mim. Trata-se em boa parte de uma questão de q u a n d o e c o m o a l g u é m a d q u i r e o conhecimento de tal poesia. N u m a biblioteca familiar p o d e se encontrar um livro q u e ninguém adquiriu à época em q u e foi publicado, porque dele muito se falou, e q u e n i n g u é m leu. Foi assim que me deparei, q u a n d o criança, com um p o e m a pelo qual nutri uma fervorosa afeição: The light of Asta, de Sir Edwin Arnold. 4 Trata-se de um longo p o e m a épico sobre a vida de Buda; devo ter alimentado u m a simpatia latente pelo tema, pois o li com prazer do principio ao f i m , e mais de u m a vez. Nunca tive a curiosidade de saber nada sobre o autor, mas ainda hoje me parece um bom p o e m a , e q u a n d o conheço q u e m quer que o haja lido e apreciado, sinto-me atraído por essa pessoa. Via de regra, não mais se encontram nas antologias extratos de epopéias esquecidas; não obstante, é sempre possível que numa antologia seja alguém surpreendido por a l g u m a composição de um autor obscuro, capaz de levar a um íntimo conhecimento da obra de algum poeta de q u e n i n g u é m mais parece gostar, ou que ninguém mais lê. Assim como a antologia pode nos dar a conhecer poetas de pouca importância, mas de cuja obra alguém talvez possa gostar, é certo que uma boa antologia pode nos trazer um pro-
4. Este poema, cujo título completo é lhe light of Aua, or the great renunciation (Mahabhishkramana), foi escrito em 1879 pelo poeta e jornalista inglês Sir Edwin Arnold (1832-1904). tendo gozado de extraordinário prestígio em sua época. ( N . T . )
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ve i toso conhecimento de outros poetas de grande importância, mas de q u e m não gostamos. Há somente duas razões para ler-
mos em sua totalidade The faery queen** ou Prelude, de Wordsworth. 6 Uma delas é q u e gostamos de lê-los: c gostarmos de ambos os poemas é um ótimo sinal. Mas se não gostarmos, a única solução é nos tornarmos um professor de literatura ou um crítico literário, e sermos obrigados a conhecer esses poemas. Todavia, Spenser e Wordsworth são ambos m u i t o importantes na história da literatura inglesa porque toda a outra poesia que compreendemos melhor resulta do fato de conhecê-los, de m o d o q u e todos devemos saber algo sobre eles. Não existem muitas antologias que forneçam trechos substanciais de poemas longos; é muito útil, entretanto, a que foi compilada por Charles Williams, q u e teve a singular peculiaridade de realmente apreciar toda sorte de poemas longos q u e ninguém mais lê. Mas até mesmo uma boa antologia constituída de peças curtas pode proporcionar algum conhecimento, que vale a pena adquirir, acerca daqueles poetas de que não gostamos. E da mesma forma que todos devem ter seu gosto pessoal por certa poesia à qual outras pessoas não dão valor, assim t a m b é m , desconfio, todos têm um ponto cego relativamente à obra de um ou mais poetas que devem ser reconhecidos como grandes. Uma outra utilidade da antologia é aquela que só pode ser proporcionada caso o organizador não seja apenas alguém de muita leitura, mas um h o m e m de gosto muito sensível. Há vários poetas que são em geral enfadonhos, mas que têm iluminações ocasionais. A maioria de nós não dispõe de t e m p o para 1er do princípio ao fim as obras de competentes e ilustres poetas enfadonhos, especialmente os de outra época, para pinçar os bons trechinhos que nos interessam; c raramente isso valeria a pena, mesmo q u e dispuséssemos de tempo. Há um século ou mais, todo amante de poesia devorava um novo livro de 5 E a obra-prima de E d m u n d Spenser, poeta inglês (Londres, c. 1552 — id. 1599). Escrita entre 1590 e 1596. essa epopeia, a m b i e n t a d a na Irlanda e prevista para doze livros, ficou incompleta, dela restando apenas seis livros e dois cantos do sétimo. O poema é todo alegórico, revelando visível influência de Virgílio. Ariosto e Tasso. (N.T.) 6 Longo p o e m a , escrito entre 1799 e 1805. do poeta inglês William Wordsworth ( C o c k e r m o u t h , C u m b e r l a n d , 1770 — Grasmere. 1850J, em q u e este aborda a sua infância, e q u e só foi publicado após a morte do autor. ( N . T . )
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Tom Moore - tão logo era este publicado: q u e m nos dias de hoje terá lido inteiro sequer Lalla Rookbi Southey* foi poeta laureado e, conseqüentemente, escreveu epopéias: duvido que alguém haja lido Thalaba, ou mesmo The curse of Kehavia, q u a n d o criança, e g u a r d a d o por eles algo da estima que tenho por The light of Asia. Q u e r o saber quantas pessoas chegaram a 1er Gebir\ e no e n t a n t o Landor, 9 o autor desse nobre poema longo, foi na verdade um habílimo poeta. Há muitos poemas longos, entretanto, q u e parecem ter sido legíveis q u a n d o publicados pela primeira vez, mas q u e agora ninguém lê — embora eu desconfie de q u e , hoje em dia, q u a n d o a prosa de ficção supre a necessidade que era preenchida, para muitos leitores, pelos romances em verso de Scott, Byron e Moore, algumas pessoas ainda leiam um poema m u i t o longo mesmo que seja recém-saído do prelo. Assim, as antologias e seletas são proveitosas, pois ninguém dispõe de t e m p o para 1er t u d o e porque há poemas dos quais apenas algumas passagens continuam vivas. A antologia pode ter u m a outra utilidade q u e , de acordo com a linha de pensamento que estou seguindo, poderíamos aqui examinar. Essa utilidade se relaciona ao interesse da comparação, da habilidade em estabelecer, n u m espaço exíguo, u m a sinopse da evolução da poesia; e se é m u i t o o q u e podemos aprender com a leitura de toda a obra de um poeta, é muito o que aprendemos ao passar de um poeta para outro. Transitar de um lado para o outro entre u m a balada fronteiriça, uma lírica elisabetana, um poema lírico de Blake ou de Shelley e um monólogo de Browning é ser capaz de ter experiências emocionais, bem como temas para reflexão, q u e a concentração da atenção sobre um poeta não pode proporcionar. Assim como num jantar bem organizado o que se aprecia não é pro-
priamente a q u a n t i d a d e de iguarias, mas a combinação de coisas boas, há também prazeres poéticos a serem degustados; e vários poemas muito diferentes, de autores de t e m p e r a m e n t o s distintos e de distintas épocas, q u a n d o lidos juntos, p o d e m proporcionar o sabor peculiar que lhes é recíproco, ganhando-se em um deles o que se perde nos outros. Para fruir esse prazer precisamos não apenas de uma boa antologia, mas t a m b é m de alguma prática de como utilizá-la. Voltarei agora à questão da qual p o d e m vocês imaginar que me extraviei. Embora não sejam apenas os poetas menores os q u e se encontram incluídos em antologias, cabe-nos julgar como poetas menores os que somente lemos cm antologias, l ive de fazer uma advertência com relação a isso, assegurando que para cada leitor de poesia deveriam existir alguns poetas menores q u e lhe justificassem o esforço de lê-los por completo. Mas além desse caso, encontramos mais de um tipo de poeta menor. Há, é claro, poetas q u e escreveram exatamente um ou apenas alguns bons poemas, de m o d o que parece não haver razão para que ninguém vá além dos limites da antologia. Ε o caso, por exemplo, de Arthur O'Shaughnessy, 1 0 cujo poema que começa com o verso Somos os criadores da m ú s i c a " não figura em n e n h u m a antologia que inclua as produções poéticas do fim do século XIX. T a m b é m será o caso, para alguns leitores, embora não todos, de Ernest Dowson 1 1 ou de J o h n Davidson. 1 2 Mas é de fato muito reduzido o n ú m e r o de poetas dos quais podemos dizer ser verdade para todos os leitores que hajam deixado apenas um ou dois poemas particulares dignos de ser lidos: as probabilidades são de que se um poeta houvesse escrito um bom poema, este constituiria, no conjunto de sua obra, algo digno de ser lido por, pelo menos, algumas pessoas. Deixando de lado esses poucos leitores, descobrimos que quase sem-
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7. Moore, Thomas. Poeta irlandês ( D u b l i n . 1779 — Sloperton. 1852). autor de Irish melodies (1808-1834) e do longo p o e m a orientalista Lallj Rookh (1817) Foi grande amigo de Byron na Itália. ( N . T . )
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O'Shaughnessy. Arthur. Poeta inglês (1844-1881) amigo de D a n t e Gabriel
Rossetti. Autor maneirista, mais atento à melodia do verso. ( N . T . )
8. Southey, Robert. Poeta e historiador inglês (Bristol, 1^-4 Kerwick, 184 5). que formou com Wordsworth e Coleridge o g r u p o dos l^ike Poets Os p o e m a v n a r rativas Thalaba e The curse of Kehama foram publicados, respectivamente, em 1801 e 1810. ( N . T . )
11. Dowson. Einest. Poeta inglês (Lee. K e n t , 1867 — Cat f o r d , Lcwisham. 1900). Influenciado por Verlaine e Swinburne, deixou dois volumes de poemas: Verses (1896) e Decora/ions (1899). ( N . T . )
9. Landor. Walter Savage. Escritor inglês (Warwick. F 7 5 Florença. 1864) q u e permaneceu fiel ao classicismo em pleno período romântico, c o m o se pode ver em suas Imaginary conversations (1824-1846). Gehn data de 1798 (N I )
12 Davidson, J o h n . Poeta escocês (Barrhead. 1857 Pezance, C o r n u a l h a , 1909). Celebrizou-se pelo poema anarquista Fleet street eclogues (1893), escrito em métrica tradicional. ( N . T . )
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pre julgamos o poeta menor como aquele q u e só escreveu poemas curtos. Mas poderíamos às vezes falar igualmente de Southey e Landor, e de um p u n h a d o de escritores dos séculos XVIII C XIX, t a m b é m como poetas menores, embora t e n h a m estes deixado poemas de dimensões mais grandiosas; c penso que hoje em dia sejam poucos, pelo menos entre os leitores mais jovens, os que considerariam D o n n e um poeta m e n o r , mesmo q u e ele jamais houvesse escrito sátiras e epístolas, ou Blake como de idêntica estirpe, ainda que nunca houvesse escrito seus Livros Proféticos. Assim devemos julgar como poetas menores, até certo ponto, alguns autores cuja reputação, tal como se afigura, se deve a poemas muito longos; e como poetas maiores, aqueles q u e escreveram somente poemas curtos. Pareceria mais simples à primeira vista considerar os autores menores de epopéias como secundários. ou ainda, mais rigorosamente, como grandes poetas malogrados. Eles fracassaram, sem dúvida, no sentido em q u e n i n g u é m mais lê seus poemas longos; são eles secundários na m e d i d a em q u e julgamos os poemas longos de acordo com padrões m u i t o elevados. Não sentimos que um poema longo valha o esforço de ser lido a menos q u e seja, em seu gênero, tão bom q u a n t o The faery queen, O
menor. O q u e dizer sobre as Seasons de T h o m s o n 1 6 e a Task de Cowpcr? 1 7 São ambos poemas longos q u e , se o interesse do leitor se orienta em outras direções, esse mesmo leitor p o d e ficar satisfeito ao conhecê-lo apenas por meio de extratos; mas eu não admitiria que são poemas menores, ou q u e n e n h u m a parte, de um ou de outro, seja tão boa q u a n t o o c o n j u n t o . O q u e dizer de Aurora Leigh,18 da senhora Browning, ou d a q u e l e longo poema de George Eliot cujo título não me recordo? 1 9 Sc tivermos dificuldade em separar os autores de poemas longos em poetas maiores e menores, não nos caberá n e n h u m a decisão mais fácil no que se refere a autores de poemas curtos. Um caso muito interessante é o de George Herbert. 2 0 Todos nós conhecemos alguns de seus poemas, que aparecem cada vez mais em antologias, mas q u a n d o percorremos seus poemas reunidos, surpreendemo-nos ao descobrir que esses poemas nos comovem tanto q u a n t o aqueles que encontramos nas antologias. Mas The temple é algo mais do que um acervo de poemas religiosos escritos por um autor: ele é, como o título nos leva a supor, um livro construído segundo um plano; e q u a n d o começamos a conhecer melhor os poemas de Herbert, chegamos à conclusão de que há algo que extraímos do livro como um todo, que é mais do que a soma de suas partes. Aquilo q u e , à primeira vista, tem a aparência de uma sucessão de belos mas isolados poemas líricos acaba por manifestar-se como u m a contínua
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Paraíso perdido,13 Prelude, Don JuanM ou Hyperion.1
além
de outros poemas longos do mesmo nível. Todavia, consideramos que alguns desses poemas secundários sejam capazes de ser lidos por certas pessoas. Ademais, advertimos q u e não podemos simplesmente dividir os poemas longos em um pequeno número de obras-primas e um grande n ú m e r o daqueles com os quais não precisamos nos aborrecer. Entre esses poemas aos quais acabo de me referir, e u m a estimável obra menor como The light of Asia, há toda sorte de poemas longos de gêneros diferentes c de vários graus de importância, de m o d o q u e não podemos traçar n e n h u m a linha definitiva entre o maior e o 13. A obra-prima do poeta inglcs J o h n Milton (Londres, 1608 id. 1674), publicada em 1667 e à qual se segue, q u a t r o anos depois, Paraíso reconquistado Tratase do maior poema épico da literatura inglesa. (N 1 ) 14. Poema do poeta inglês George G o r d o n Byron (Londres, 1788 1824), publicado em 1819. ( N . T . ) 15. Poema do poeta inglês J o h n Keats (Londres. 1795 cm 1820. ( N . T . )
- Missolonghi,
Roma. 1821). publicado
16. Este longo p o e m a descritivo, escrito entre 1726 e 1730. é da autoria do poera inglês J a m e s T h o m s o n ( E d n a m . Roxburgh. 1700 — Kew, perro de Londres, 1748). um dos discípulos de Alexander Pope. A obra pertence à literatura pré-romântica e toi traduzida na época em quase toda a Europa. (Ν T.) 17 Trata-se da mais conhecida dentre todas as obras do poeta inglês William Cowpcr (Great Bcrkhampstead, Hertfordshire. 1731 — Eats D e r e h a m , Norfolk. 1800). É um poema descritivo em estilo classicista, com versos de acentuada eloqüência. (N.T.) 18. Longo poema da poetisa e ficcionista inglesa Elizabeth Barret Browning (Coxhoc Hall, D u r h a m . 1806 Florença. 1861). casada com Robert Browning. A obra foi publicada em 1857 (N.T.) 19. Muito provavelmente. Eliot alude aqui a The legend of Jubat (1874), da romancista inglesa George Eliot (Arbury Farm. 1819 — Londres, 1880), p s e u d ó n i m o de Mary Evans. ( N . T . ) 20. Herbert, George. Poeta inglês (Castelo de Montgomery, 1593 — Bemerton, perto de Salisbury, 1633). Embora tenha pertencido ao g r u p o dos " p o e t a s metafísicos' , jamais sacrificou sua poesia aos abusos metafóricos do barroco. O p o e m a The temple (1633) é considerado u m a das obras-primas da poesia inglesa. Devese sua reabilitação, assim como a dos demais " m e t a f í s i c o s " , a T. S. Eliot. ( N . T . )
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meditação religiosa dentro de uma estrutura intelectual; e o livro como um todo nos revela o espírito devoto anglicano da primeira metade do século XVII. E mais: começamos a compreender melhor Herbert, e sentimo-nos recompensados pelo esforço, se conhecermos algo sobre os escritores teológicos ingleses dessa época; e alguma coisa sobre os escritores místicos ingleses do século XIV; e qualquer coisa de alguns outros poetas q u e lhe foram contemporâneos — D o n n e , 2 1 Vaughan, 2 2 Trahcrne J —, e se viermos a perceber algo em c o m u m entre eles e sua origem e formação galesa; e, finalmente, se conhecermos alguma coisa sobre Herbert cm comparação com a típica devoção anglicana que ele expressa, com o mais continental, e romano, sentimento religioso de seu contemporâneo Richard Crashaw. 2 4 Assim, ao final, não posso, de minha parte, admitir q u e Herbert seja chamado de " p o e t a m e n o r " , pois não é de alguns poemas prediletos que me recordo ao pensar nele, mas de toda a sua obra. Ora, compare-se Herbert a dois outros poetas, um algo mais velho do que ele e outro de u m a geração anterior, mas ambos ilustríssimos autores de poemas líricos. Dos poemas de Robert Herrick,^ ainda um clérigo anglicano, mas h o m e m de 21. D o n n e . J o h n rado o maior de c o m o "o primeiro tes dos reis J a i m e tra as convenções
Poeta e orador sacro inglês (Londres. 15^2 id. 1631 ), considetodos os " p o e t a s metafísico* e reconhecido por Ben J o h n s o n poeta do m u n d o em certos aspectos Pregador favorito das corI e Carlos I, D o n n e foi um notável inovador q u e se rebelou conpoéticas do renascimento petrarqui^ta D e n t r e suas m u i t a s obras,
lembrem-se Elegia, songs and soneti. Poems e Divine poems, todas reeditadas no século X X . ( N . T . ) 22 Vaughan. Henry Poeta inglês ( N e w t o n Saint Briget. Bretknochshire. 1622 — Seethrog. 1695) Sob influência de Herbert, escreveu p o e m a s de f u n d a inspiração religiosa e acentuados traços "metafísicos , c o m o se pode ver em Sílex suntil lans (1650 e 1655). ( N . T . ) 23. Trahcrne. Thomas. Poeta inglês (Herefordshire. 1637? T e d d m g t o n , Middlesex, 1674), pertencente ao g r u p o dos 'metafísicos' . Publicou Roman forgeries (1673) e Christian ethics (1675). ( N . T . ) 24. Crashaw. Richard Poeta inglês (Londres, c. 1613 Loretto. Itália, 1649). Após converter-se ao catolicismo, passou a viver na Itália, o n d e publicou poemas religiosos que se incluem entre os melhores da poesia "metafísica . em estilo barroco extremamente o r n a m e n t a d o e e l o q ü e n t e , c o m o é o caso do p o e m a " l h e flaming h e a r t " . Seus poemas a b r a n g e m duas edições: Steps to the temple e Carmen Deo nostro. A edição definitiva, sob o título de Poems, é de 1957. ( Ν . Τ ) 25. Herrick, Robert. Poeta inglês (Londres, 1591 Dean Prior, Devonshire, 1674), pertencente ao g r u p o dos "metafísicos e considerado o maior anacreóntico da poesia inglesa. Seus poemas estão reunidos em Hespendes (1648), c arac ter izando-se pela perfeição da forma e do estilo, bem como por sua extrema musicalidade. ( N . T . )
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temperamento muito diferente, extraímos t a m b é m o sentimento de uma personalidade uniforme, e acabamos por conhecer melhor essa personalidade graças à leitura de todos os seus poemas — e ao lermos todos os seus poemas deleitamo-nos sobret u d o com aqueles de q u e mais gostamos. Mas, cm primeiro lugar, não há semelhante propósito consciente contínuo nos poemas de Herrick; trata-se de um h o m e m mais estritamente espomâneo e inconsciente, q u e escreve seus poemas q u a n d o a imaginação dele se apodera; e, em segundo lugar, a personalidade que neles se manifesta é menos i n c o m u m : na verdade, seu encanto reside cm sua mediania. Relativamente, gostamos muito mais dele a partir de um poema do que de Herbert, se nos restringirmos t a m b é m à leitura de um único poema deste; e mais: há algo mais no conjunto do q u e nas partes q u e o constituem. Consideremos em seguida Thomas C a m p i o n , o autor elisabetano de canções. Caberia dizer que, dentro de seus limites, não existe artesão mais competente do q u e C a m p i o n em toda a poesia inglesa. Admito que, para compreender integralmente seus poemas, há certas coisas q u e se deveriam saber: Campion foi um músico e escreveu suas canções para serem cantadas. Apreciamos melhor seus poemas se possuirmos algum conhecimento da música da época dos Tudor e dos instrumentos para os quais ela foi composta; gostamos mais deles se gostarmos dessa música; e não desejamos apenas lê-los, mas ouvirmos alguns deles cantados, e cantados com a própria música de Campion. Mas não precisamos igualmente conhecer algumas das coisas que, no caso de George Herbert, nos a j u d e m a compreende-lo c estimá-lo melhor; não precisamos nos preocupar com o que ele pensa, ou com os livros q u e leu, ou com suas raízes étnicas ou sua personalidade. O q u e sentimos, ao transitarmos daqueles seus poemas que lemos nas antologias para suas obras completas, é um prazer repetido, um júbilo diante de novas belezas e novas variações técnicas, mas não uma impressão global. Não podemos dizer, em seu caso, que o conjunto é mais do que a soma das partes. Não digo que até mesmo esse teste — que, de qualquer modo, alguém deve aplicar a si próprio, com resultados diversos , caso o conjunto constitua mais do que a soma das partes, seja em si um critério satisfatório para distinguir entre um
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O QUE É POESIA MENOR?
poeta maior e um poeta m e n o r . Nada é tão simples assim; e embora não percebamos, após a leitura de C a m p i o n , q u e compreendemos o h o m e m C a m p i o n , como o sentimos após 1er Herrick, ainda que em outros níveis, porque ele é acima de t u d o o mais notável artesão, eu, de m i n h a parte, julgaria C a m p i o n como um poeta mais importante do q u e Herrick, embora m u i t o abaixo de Herbert. T u d o o q u e afirmei é q u e uma obra q u e consiste em um acervo de poemas curtos — mesmo em se tratando de poemas q u e , considerados isoladamente, seriam capazes de parecer algo ligeiros — poderia, se tivesse u m a u n i d a d e de modelo f u n d a m e n t a l , constituir o equivalente de um p o e m a longo de primeira ordem ao estabelecer a pretensão de um autor a ser um poeta " m a i o r " . Essa pretensão poderia ser, é claro, estabelecida por um único p o e m a longo, e q u a n d o esse p o e m a longo é suficientemente b o m , q u a n d o inclui em si a u n i d a d e e a variedade adequadas, não precisamos conhecer — ou, se conhecemos, não precisamos valorizar intensamente — as demais obras do poeta. De m i n h a parte, eu definiria Samuel Johnson como um poeta maior graças ao simples testemunho de The vanity of human wishes, e Goldsmith pelo de
alguém pode fazer semelhante reivindicação são m u i t o poucos. Alguém pode subir na vida sem ter lido todos os últimos poemas de Browning ou Swinburne; não me caberia afirmar com segurança que alguém devesse 1er t u d o de Dryden ou de Pope; e certamente não compete a mim dizer q u e não haja partes
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The deserted village. Até aqui, parece termos chegado à conclusão provisória de que, qualquer que fosse um poeta menor, um poeta maior é aquele cuja obra devemos 1er em sua totalidade, a fim de q u e apreciemos plenamente cada u m a de suas partes; mas já modificamos um pouco essa afirmação extrema ao admitir qualquer poeta que haja escrito equilibradamente um poema longo q u e combine suficiente variedade e unidade. Mas há decerto m u i t o poucos poetas na Inglaterra de cuja obra alguém pode dizer que deva ser lida em sua totalidade. Shakespeare, é claro, e Milton; e como no caso de Milton alguém pode advertir para o fato de q u e seus diversos poemas longos — O Paraíso per-
dido, O Paraíso reconquistado e Sansão Agonista — deveriam ser lidos inteiros devido a sua própria finalidade, necessitamos lê-los todos, assim como precisamos 1er todas as peças de Shakespeare, a fim de compreendermos plenamente cada uma delas; e a menos que leiamos t a m b é m os sonetos de Shakespeare e os poemas menores de Milton, há algo do q u e lemos q u e se perde em nossa apreciação. Mas os poetas em relação aos quais
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de Prelude ou de The excursion que não possam admitir um salto. Muito pouca gente se dispõe a conceder seu t e m p o aos primeiros poemas longos de Shelley, The revolt o} Islam e Queen Mab, embora as notas a este último p o e m a mereçam ser lidas. De m o d o q u e seremos obrigados a dizer q u e um poeta maior é aquele de cuja obra temos de 1er u m a boa parte, mas não necessariamente toda a obra. E além de f o r m u l a r a pergunta De q u e poetas vale a pena 1er t u d o ? " , devemos t a m b é m perguntar: " Q u e poeta vale para mim o esforço de 1er toda a sua o b r a ? " . A primeira p e r g u n t a significa q u e devemos sempre tentar aprimorar nosso gosto; a s e g u n d a , q u e devemos ser sinceros com relação ao gosto q u e temos. Assim, de um lado, não é praxe percorrer com atenção tanto Shakespeare q u a n t o Milton da primeira à última página, a menos q u e alguém ali se depare com algo de q u e goste i m e d i a t a m e n t e : é apenas esse prazer imediato que pode dar a alguém seja a força motriz para 1er tudo, seja a expectativa de algum proveito assim pretendido. E ali poderiam existir, ou na verdade deveriam existir — como eu já disse — alguns poetas q u e lhes falassem tão de perto a ponto de levá-los a 1er toda a sua obra, embora não tivessem eles o mesmo valor para a maioria das outras pessoas. E essa espécie de vínculo não se refere apenas a um estágio em seu desenvolvimento de gosto q u e vocês ultrapassarão, mas poderia indicar t a m b é m alguma afinidade entre vocês mesmos e um determinado autor q u e persistirá pela vida afora; poderia até ocorrer que vocês estivessem peculiarmente habilitados a apreciar um poeta de q u e m pouquíssimas outras pessoas fossem capazes de gostar. Eu diria então que há u m a espécie de ortodoxia q u a n t o à relativa grandeza e importância de nossos poetas, embora haja muito poucas reputações que permanecem inteiramente inalteradas de u m a geração para outra. N e n h u m a reputação poética jamais permanece exatamente no mesmo lugar: trata-se de u m a bolsa de valores em constante flutuação. Há os nomes consagra-
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dos que só f l u t u a m , por assim dizer, d e n t r o de u m a estreita faixa de pontos: se Milton sobe hoje para 104 e cai a m a n h ã para 97 1/4, não importa. Há outras reputações, como as de D o n n e ou Tennyson, q u e variam m u i t o mais intensamente, de m o d o q u e alguém tem de julgar seu mérito por u m a média tomada durante um longo t e m p o ; há ainda autores que permanecem muito estáveis em sua extensa trajetória abaixo daquele par e que persistem como bons investimentos graças àquele preço. E há certos poetas q u e constituem bons investimentos para algumas pessoas, embora sem preço algum de cotação no mercado, e a mercadoria poderia não ser convidativa ( t e n h o m e d o de que a comparação com a bolsa de valores provavelmente se dilua nesse ponto). Mas eu diria q u e . c o n q u a n t o haja um objetivo ideal de gosto ortodoxo em poesia, n e n h u m leitor pode ser, ou deveria tentar ser, inteiramente ortodoxo. Há decerto alguns poetas, q u e muitas gerações de pessoas inteligentes, sensíveis e de considerável leitura apreciaram, q u e (se gostarmos de qualquer poesia) mereceram de nossa parte um esforço no sentido de tentar descobrir por q u e tais pessoas os apreciaram, e se t a m b é m não é o caso de podermos apreciá-los. D e n tre os poetas de menor estatura, há certamente alguns sobre os quais, após u m a amostragem, p o d e m o s agradavelmente e sem risco considerar a opinião costumeira de q u e estão de todo a d e q u a d a m e n t e representados por dois ou três poemas, pois, como já disse, ninguém dispõe de t e m p o para descobrir t u d o por si mesmo, e devemos aceitar algumas coisas sobre a convicção dos outros.
tudo, constituem admiráveis janelas. Acho q u e George Crabbe 26 foi um excelente poeta, mas ninguém dele se aproxima pela mágica: se alguém gosta de relatos realistas sobre a vida de aldeia em Suffolk há cento c vinte anos, em versos tão bem escritos que nos convencem de q u e o mesmo não poderia ser dito em prosa, é possível então que goste de Crabbe. Crabbe c um poeta que tem de ser lido em grandes porções, se é q u e se deve lê-lo; dc m o d o que se alguém o considerar tedioso, deve apenas dar-lhe uma olhadela e seguir em frente. Mas vale a pena conhecer-lhe a existência, caso ela possa ser de seu agrado, c t a m b é m porque lhe contará algo sobre as pessoas q u e o apreciaram. As principais questões que até aqui tenho tentado situar são, creio eu, as seguintes: a diferença entre poetas maiores e menores nada tem a ver com o fato dc terem eles escrito poemas longos ou poemas curtos, embora os verdadeiros grandes poetas, que são numericamente poucos, hajam tido todos algo a dizer que só poderia ser dito n u m poema longo. A diferença importante é se um conhecimento da totalidade, ou pelo menos de uma parte m u i t o extensa, da obra de um poeta faz com que alguém desfrute mais intensamente, porque o leva a compreender melhor qualquer um de seus poemas. Isso implica uma significativa unidade em toda a sua obra. N i n g u é m pode pór inteiramente em palavras essa compreensão ampliada: cu não poderia dizer com exatidão por que penso q u e compree n d o c me deleito mais intensamente com Com us 2 por haver lido O Paraíso perdido, ou mais intensamente com este por haver lido Sar/são Agonista, mas estou convencido de q u e é assim. Nem sempre posso dizer por q u e , graças ao conhecimento de uma pessoa cm situações distintas, c observando seu comportamento n u m a diversidade dc situações, sinto q u e compreendo melhor seu c o m p o r t a m e n t o ou sua conduta n u m a determinada ocasião; mas nos esquecemos dc q u e essa pessoa é uma unidade, apesar de sua conduta inconsistente, e de q u e
A maioria dos poetas menores, entretanto — daqueles q u e não preservam em absoluto n e n h u m a reputação —, está constituída de poetas dos quais todo leitor de poesia deveria conhecer algo, mas apenas alguns deles chegam a ser bem conhecidos por raros leitores. Alguns nos atraem graças a u m a congenialidade peculiar de caráter; outros devido à sua temática; outros, ainda, em razão de u m a qualidade particular, de espírito ou compaixão, por exemplo. Q u a n d o falamos sobre Poesia, com maiúscula, podemos julgar apenas a mais intensa emoção ou a mais fantástica expressão; todavia, há muitos e grandes caixilhos em poesia q u e nada têm de mágicos e q u e não se abrem sobre a espuma de mares perigosos, mas q u e , apesar de
26 Crabbe, George Poeta inglês ( A l d e b u r g h , Suffolk, 1754 Trowbridge, 1832). Suas obras crii rigoroso estilo clássico, descrevem com simpatia e realismo a vida miserável dos pescadores e camponeses, como em The village, o n d e d e n u n c i a a falsa concepção idílica da vida campesina. ( N . T . ) 2
Peça pastoril de J o h n Milton, escrita em 1634. ( N . T . )
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essa comunicação com ela d u r a n t e um lapso de t e m p o a torna mais inteligível. Finalmente, condicionei essa discriminação objetiva entre os poetas maiores e menores ao atribuí-la anteriormente a cada leitor em particular. N e n h u m grande poeta terá talvez inteiramente a mesma significação para dois leitores, não importa q u a n t o estejam eles de acordo no q u e respeita à sua estatura: é mais provável, portanto, q u e o modelo de poesia inglesa jamais seja exatamente o m e s m o para duas pessoas, de m o d o que, no caso de dois leitores igualmente capazes, determinado poeta poderia ser, para um deles, de maior importância e, para o outro, de menor envergadura. Há u m a reflexão final a ser feita, q u a n d o passamos a considerar a poesia contemporânea. Encontramos às vezes críticas presunçosamente sentenciosas em seu primeiro contato com a obra de um novo poeta, da qual afirmam ser poesia " m a i o r " ou " m e n o r " . Ignorando a possibilidade de q u e aquilo q u e o crítico está louvando ou reconhecendo possa ou não ser efetivamente poesia (pois às vezes alguém p o d e dizer: liSe isso fosse poesia, seria poesia maior, mas não é .), não julgo aconselhável tomar u m a decisão tão r a p i d a m e n t e . O máximo a q u e eu me arriscaria, do p o n t o de vista do compromisso crítico, sobre a obra de um poeta vivo, ao deparar-me com ela pela primeira vez, seria averiguar se se trata de poesia autêntica ou não. Esse poeta tem algo a dizer, pouco diferente do q u e um outro disse antes, e descobriu, não apenas uma maneira diferente de dizelo, mas a maneira diferente de dizé-lo q u e expressa a diferença no que está dizendo? Mesmo q u a n d o me c o m p r o m e t o até esse ponto, sei que poderia estar correndo um risco especulativo. Eu poderia estar impressionado por aquilo q u e esse poeta está tentando dizer c negligenciar o fato de q u e ele não descobriu a nova maneira de dizê-lo, ou de q u e a forma peculiar da linguagem, que de início dá a impressão de q u e o autor tem algo de próprio a dizer, poderia constituir apenas um artifício ou um maneirismo que dissimula u m a visão inteiramente convencional. Para q u e m lê, como cu, um bom n ú m e r o de manuscritos, c manuscritos de escritores dos quais se pode não ter visto antes obra alguma, as armadilhas são ainda mais perigosas: se um conjunto de poemas for muito melhor do q u e quaisquer outros que acabo de 1er, posso enganar-me e confundir meu
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m o m e n t â n e o sentimento de alívio com o reconhecimento de que se trata de algum notável talento. Muitas pessoas ou se satisfazem com o que encontram em antologias — e, m e s m o q u a n d o são atraídas por um poema, p o d e m não se dar conta do fato ou, se isso ocorre, p o d e m não reparar no n o m e do autor —, ou aguardam até que se torne evidente q u e determinado poeta, após escrever diversos livros (c isso em si m e s m o revela certa garantia), haja sido aceito pelos resenhadores (e o q u e mais nos impressiona não é o que estes dizem ao escrever sobre um poeta, mas suas alusões àquele poeta q u a n d o escrevem sobre algum outro poeta). O primeiro m é t o d o não nos leva m u i t o longe; o s e g u n d o não é muito seguro. Em primeiro lugar, somos todos propensos a ficar na defensiva de nossa própria época. Agrada-nos perceber que ela pode produzir uma grande arte, sobretudo porque queríamos ter uma velada suspeita de q u e não o possa; e percebemos em parte que, se pudéssemos acreditar q u e dispomos de um grande poeta, isso de algum m o d o nos tranqüilizaria e nos daria autoconfiança. Trata-se de um desejo patético, mas que t a m b é m perturba o julgamento crítico, pois poderíamos chegar à conclusão de que alguém é um grande poeta sem sê-lo; ou poderíamos, com absoluta injustiça, menosprezar um bom poeta por não ser este um grande poeta. E no caso de nossos contemporâneos, não devemos estar tão interessados no fato de que sejam grandes ou não; devemos insistir na pergunta: " S ã o eles autênticos"*". E deixar a questão de q u e sejam grandes para o único tribunal capaz de decidir: o tempo. Em nossa própria época há, na verdade, um considerável público para a poesia contemporânea; há, talvez, mais curiosidade e mais expectativa com relação à poesia contemporânea do que havia uma geração antes. Por outro lado, há o perigo de formar um público leitor que nada saiba sobre qualquer poeta mais antigo do que, digamos, Gerard Manley Hopkins, e que não disponha de uma cultura necessária à apreciação crítica. Há t a m b é m o perigo de que as pessoas esperem para 1er um poeta até que sua reputação contemporânea esteja estabelecida; e a angústia, para aqueles dentre nós que estão no negócio, de. após outra geração ter escolhido seus poetas, nós, que lhes somos ainda contemporâneos, não mais sermos lidos. O
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perigo para o leitor e d u p l o : o de q u e ele jamais disporá de nada totalmente fresco e o de q u e jamais voltará a 1er o q u e sempre permanece fresco. Há, por conseguinte, u m a proporção a ser observada entre nossa leitura da poesia antiga e da poesia moderna. Eu não confiaria no gosto de n i n g u é m q u e jamais leu alguma poesia contemporânea, e certamente não confiaria no gosto de alguém que não leu nada além disso. Mas até m e s m o muita gente q u e lê poesia contemporânea não desfruta o prazer, e o benefício, de descobrir de algum m o d o algo para si. Q u a n d o vocês lêem poesia nova, poesia de alguém cujo n o m e ainda não é amplamente conhecido, alguém a q u e m os resenhadores ainda não criticaram, vocês estão exercendo, ou deveriam tazê-lo, seu próprio gosto. Não há outro no qual se fiar. O problema não é, como parece para muitos leitores, o de tentar gostar de alguma coisa de que vocês não gostam, mas de deixar sua sensibilidade livre para reagir naturalmente. De m i n h a parte considero isso bastante difícil, pois q u a n d o vocês estão lendo um poeta novo com o deliberado propósito de vir a fazer u m a escolha, esse propósito pode interferir e obscurecer a consciência d a q u i l o q u e vocês sentem. É difícil responder ao m e s m o t e m p o a duas perguntas: "É b o m , quer eu goste ou não? e " E u gosto d i s s o ? " . E amiúde descubro q u e o melhor teste é q u a n d o alguma frase, ou imagem, ou verso fora de um poema novo, acorre à m i n h a m e n t e sem q u e o tenha desejado. Acho t a m b é m proveitoso para mim dar uma espiada em poemas novos publicados em revistas de poesia e em seletas de autores novos nas antologias contemporâneas, pois, ao lê-los, não me preocupo em perguntar: " D e v o me esforçar para que tais poemas sejam publicad o s ? " . Julgo que ocorra aí algo semelhante à m i n h a experiência: q u a n d o ouço pela primeira vez u m a nova composição musical, ou q u a n d o vejo u m a nova exposição de quadros, prefiro fazê-lo sozinho. Pois, se estou sozinho, não há ninguém a q u e m eu esteja obrigado a formular imediatamente u m a opinião. Não é que eu precise de t e m p o para articular a m i n h a m e n t e : preciso de t e m p o para saber o que realmente senti naquele m o m e n t o . E esse sentimento não constitui u m a avaliação de grandeza ou de importância — é u m a percepção de autenticidade. Assim, ao lermos um poeta contemporâneo, não estamos
de fato interessados em saber se é um poeta " m a i o r " ou " m e n o r " . Mas se lermos um poema, c se reagirmos a ele, deveremos querer 1er mais do mesmo autor, e q u a n d o houvermos lido o bastante, deveremos estar aptos a responder a pergunta: "É somente algo mais da mesma coisa?" — é, em outras palavras, apenas a mesma coisa, ou algo diferente, sem q u e nada haja sido acrescentado, ou é uma relação entre os poemas q u e nos leva a ver um pouco mais em cada um deles? Isso ocorre porque, com a mesma reserva que observamos em relação à obra de poetas mortos, devemos 1er não apenas poemas isolados, como o fazemos em antologias, mas a obra inteira de um poeta.
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O Q U E É UM CLASSICO?
O QUE É UM CLÁSSICO?'
O assunto do qual me dispus a falar resume-se apenas a esta pergunta: "O q u e é um clássico? . Não é u m a pergunta nova. Há, por exemplo, um célebre ensaio de Sainte-Beuve com esse mesmo título. A pertinência de fazer essa pergunta, t e n d o em vista particularmente Virgílio, é óbvia: qualquer q u e seja a definição a q u e cheguemos, ela não p o d e excluir Virgílio — poderíamos dizer com toda a segurança q u e ela deve ser u m a das q u e expressamente o levarão em conta. Mas, antes de prosseguir, gostaria de descartar alguns preconceitos e antecipar certos equívocos. Não pretendo substituir, ou proscrever, qualquer uso da palavra "clássico' que u m a utilização anterior haja tornado permissível. A palavra tem, e continuará a ter, diversos significados em diversos contextos: interesso-me por um unico significado em um único contexto. Ao definir o termo nesse sentido, não me comprometo, daqui cm diante, a não utilizar o termo em n e n h u m dos outros sentidos em q u e ele tem sido empregado. Se, por exemplo, eu concluir q u e , em alguma f u t u r a ocasião, ao escrever, em discurso público ou n u m a palestra, que devo utilizar a palavra "clássico' apenas para reconhecer um " a u t o r modelar " em qualquer língua — 1. Discurso presidencial à Virgil Society em 1944. Publicado pela Faber & Faber em 1945. ( Ν . A . )
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empregando-a simplesmente como indicação da m a g n i t u d e , ou da permanência e da importância, de um escritor em seu próprio campo de atividade, como q u a n d o falamos de The f i f t h form at St. Dominic's como um clássico da ficção entre os estudantes, ou do Handley cross como um clássico no c a m p o da caça —, ninguém deverá esperar que o esteja elogiando. E há um livro muito interessante intitulado A guide ίο the classics, q u e ensina como ganhar a disputa do Derby. Em outras ocasiões, permitir-me-ei considerar " o s clássicos" — quer os das literaturas grega e latina in toto, quer os maiores autores q u e se expressaram nessas línguas — conforme o contexto. E, finalmente, julgo q u e a avaliação do clássico q u e me p r o p o n h o a fornecer aqui possa deslocá-la daquele terreno antitètico entre "clássico" e " r o m â n t i c o " — u m a d u p l a de termos q u e pertence à política literária e que, por essa razão, insufla os ventos da paixão, os quais peço a Eolo, 2 nessa o p o r t u n i d a d e , q u e guarde na sacola. Isso me conduz à próxima consideração. Segundo os termos da controvérsia classico-romàntica, considerar qualquer obra de arte "clássica implica ou o mais alto elogio, ou o mais desdenhoso abuso, conforme a parte a que pertença. Isso implica certos méritos ou defeitos particulares: seja a perfeição da forma, seja o zero absoluto da frigidez. Mas desejo definir u m a espécie de arte, e não me interessa que cia seja absolutam e n t e e em cada aspecto melhor ou pior do q u e qualquer outra. Enumerarei certas qualidades q u e presumiria fosse o clássico capaz de manifestar. Mas não afirmo q u e , se u m a literatura for u m a grande literatura, deva ter algum autor, ou algum período, em que todas essas qualidades se manifestem. Se, como suponho, todas elas se encontram em Virgílio, com relação ao qual não cabe assegurar que seja o maior poeta de todos os tempos — tal afirmação acerca de qualquer poeta me parece espatafúrdia —, não é decerto correto afirmar que a literatura latina seja maior do que qualquer outra. Não devemos considerar como defeito de n e n h u m a literatura se n e n h u m autor, ou n e n h u m período, for rigorosamente clássico; ou se, como ocorre na literatura inglesa, o período que mais se ajusta à definição 2.
Do gr. Aiolos, pelo lat. Aeolus. Na mitologia grega, o deus dos ventos. ( N . T . )
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clássica não é o maior. Penso q u e essas literaturas, das quais a inglesa é uma das mais ilustres, na qual as virtudes clássicas se acham dispersas entre vários autores e diversos períodos, poderiam ser perfeitamente as mais ricas. Cada língua tem seus próprios recursos e suas próprias limitações. As condições de u m a língua e as condições da história do povo q u e a fala poderiam colocar fora de questão a expectativa de um período clássico, ou de um autor clássico. Esse não é em si m e s m o senão um assunto mais para tristeza do q u e para congratulação. Ocorre que a história de Roma foi tão grande, o caráter da língua latina tão poderoso, q u e , em d e t e r m i n a d o m o m e n t o , um único poeta estritamente clássico tornou-se possível, embora devêssemos nos lembrar de que isso exigiu que tal poeta, e toda u m a vida de trabalho da parte desse poeta, extraísse a obra clássica a partir da matéria de q u e d i s p u n h a . E, n a t u r a l m e n t e , Virgílio não pôde saber q u e aquilo era o q u e ele estava fazendo. Ele foi, se algum poeta chegou a sê-lo um dia, a g u d a m e n t e consciente do que estava t e n t a n d o fazer; a única coisa q u e não p ô d e almejar, ou não sabia q u e estava fazendo, toi escrever u m a obra clássica, pois é somente graças a u m a compreensão tardia, e em perspectiva histórica, que um clássico p o d e ser reconhecido como tal. Se houvesse u m a palavra cm q u e pudéssemos nos fixar, capaz de sugerir o máximo do que pretendo dizer com a expressão " u m clássico esta seria maturidade. Distinguirei entre o clássico universal, como Virgílio, e o clássico que permanece como tal apenas em relação à literatura de sua própria língua, de acordo com a concepção de vida de um determinado período. Um clássico só pode aparecer q u a n d o u m a civilização estiver madura, q u a n d o u m a língua e u m a literatura estiverem m a d u ras; e deve constituir a obra de u m a m e n t e m a d u r a . E a importância dessa civilização e dessa língua, bem como a abrangência da mente do poeta individual, q u e proporcionam a universalidade. Definir maturidade sem admitir que o ouvinte já saiba o q u e isso significa é quase impossível. Permitam-nos dizer, portanto, que, se estivermos a d e q u a d a m e n t e maduros e formos pessoas educadas, poderemos reconhecer a maturidade n u m a civilização e n u m a literatura, do mesmo m o d o como fazemos em relação aos outros seres h u m a n o s q u e encontramos. Tornar
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o significado da maturidade realmente compreensível — na verdade, até mesmo torná-lo aceitável — para o imaturo é talvez impossível. Mas se formos maduros, reconheceremos de imediato a maturidade, ou viremos a reconhecê-la graças a um relacionamento mais íntimo. N e n h u m leitor de Shakespeare, por exemplo, pode se enganar ao reconhecer, progressivamente e n q u a n t o ele próprio cresce, o gradual a m a d u r e c i m e n t o da mente shakespeariana: até mesmo o mais medíocre leitor p o d e perceber o rápido desenvolvimento da literatura c do drama elisabetanos como um todo, da primitiva crueza Tudor às peças de Shakespeare, e captar um declínio na obra dos sucessores deste último. Podemos t a m b é m observar, a partir de uma epidérmica familiaridade, que as peças de Christopher Marlowe revelam uma maturidade mental e estilística superior à das peças que Shakespeare escreveu na mesma época: é i m p o r t a n t e especular que, se Marlowe tivesse vivido tanto q u a n t o Shakespeare, seu desenvolvimento poderia ter continuado no m e s m o ritmo. Mas não o creio, pois observamos que certas mentes amadurecem antes de outras, da mesma forma como verificamos que aquelas que amadurecem muito cedo nem sempre vão muito longe. Suscito essa questão como um lembrete: primeiro, porque o mérito da maturidade d e p e n d e do mérito daquele que amadurece; segundo, porque saberíamos q u a n d o estivéssemos preocupados com a maturidade de determinados escritores e com a relativa maturidade de períodos literários. Um escritor que tenha individualmente um espírito mais maduro poderá pertencer a um período menos maduro de que outro, de m o d o que, desse ponto de vista, sua obra será menos madura. A maturidade de uma literatura é um reflexo da sociedade dentro da qual ela se manifesta: um autor individual — especialmente Shakespeare e Virgílio — pode fazer m u i t o para desenvolver sua língua, mas não pode conduzir essa língua à maturidade a menos que a obra de seus antecessores a tenha preparado para seu retoque final. Por conseguinte, uma literatura amadurecida tem u m a história atrás de si uma história que não é apenas uma crònica, um acúmulo de manuscritos e textos dessa espécie, mas uma ordenada, embora inconsciente, evolução de u m a língua capaz de realizar suas próprias potencialidades dentro de suas próprias limitações.
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C u m p r e observar q u e u m a sociedade e u m a literatura, do mesmo m o d o que um ser h u m a n o como indivíduo, não a m a d u recem necessariamente de maneira idèntica e corrente em cada um de seus aspectos. A criança precoce é quase sempre, em alguns óbvios sentidos, tola para a sua idade cm comparação com as crianças comuns. Há algum, período da literatura inglesa que possamos qualificar de p l e n a m e n t e m a d u r o em sua abrangência e em equilíbrio? Não penso assim — e, c o m o repetirei mais tarde, espero q u e não seja assim. N ã o posso dizer q u e algum poeta na língua inglesa haja se tornado, no curso de sua vida, um h o m e m mais m a d u r o do q u e Shakespeare; não podemos sequer dizer q u e algum poeta tenha feito tanto para tornar a língua inglesa capaz de exprimir o mais sutil p e n s a m e n t o ou as mais refinadas nuanças de s e n t i m e n t o . Todavia, não podemos senão sentir q u e u m a peça como Way of the world, de Congreve,· é, em certo sentido, mais m a d u r a do q u e qualquer das peças de Shakespeare, mas apenas q u a n t o a esse aspecto, já q u e ela reflete u m a sociedade mais m a d u r a , ou seja, u m a maior m a t u r i d a d e de costumes. A sociedade para a qual Congreve escreveu era, do nosso p o n t o de vista, vulgar e bastante grosseira; no entanto, ela está mais próxima de nós do que a sociedade dos Tudor; talvez por essa razão a julguemos com maior severidade. Não obstante, era u m a sociedade mais polida e menos provinciana: sua m e n t a l i d a d e era mais superficial, sua sensibilidade mais tacanha; descumpriu algumas promessas de maturidade, mas realizou outras. Assim, à maturidade da mente devemos acrescentar a m a t u r i d a d e dos costumes. O avanço em direção à m a t u r i d a d e da língua é, creio cu, mais facilmente reconhecido e mais r a p i d a m e n t e apreciado no desenvolvimento da prosa do q u e no da poesia. Ao considerarmos a prosa, perturbam-nos menos as diferenças individuais de grandeza, e inclinamo-nos antes a buscar u m a aproximação com um padrão c o m u m , um vocabulário c o m u m e u m a estru3. Congreve. William. D r a m a t u r g o inglês (Bardsley, perto de Leeds, 1670 — Londres, 1729), considerado por Voltaire o Molière da Inglaterra. É o m e l h o r c o m e d i ó grafo da época da Restauração, destacando-se pela habilidade técnica. a graça dos diálogos e, sobretudo, por um cinismo epigramático e c o m e d i d o , e m b o r a às vezes obsceno. Além de Way of the world, escrita em 1700, deixou The old bachelor
(1693), The double dealer (1694) e Love for love (1695) (Ν T.)
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tura fraseologica c o m u m — na verdade, é a prosa q u e , com maior freqüência, se distancia mais desses padrões comuns, q u e é individual ao extremo, dc m o d o q u e somos capazes de admitir uma "prosa poetica". N u m a época em q u e a Inglaterra já realizara milagres em poesia, sua prosa era relativamente imatura, desenvolvida o bastante para certos propósitos, mas não para outros: nessa mesma época, q u a n d o a língua francesa já oferecera pequenas promessas de poesia tão grandes q u a n t o as que se descortinavam em inglês, a prosa francesa era m u i t o mais madura do q u e a inglesa. Só dispomos de um ou outro escritor Tudor para compará-los a Montaigne — e o próprio Montaigne, como estilista, é apenas um precursor, e seu estilo não amadureceu o bastante para atender às exigências francesas do q u e fosse um clássico. Nossa prosa estava pronta para algumas tarefas antes que pudesse competir com outras: um Malory poderia aparcccr m u i t o antes de um Hooker, 4 e um Hooker antes de um Hobbes, e um Hobbes antes de um Addison. Quaisquer que sejam as dificuldades que tenhamos ao aplicar tais padrões à poesia, é possível observar que o desenvolvimento dc u m a prosa clássica é o desenvolvimento em direção a um estilo comum. Por isso, não pretendo dizer q u e os melhores escritores sejam indistinguíveis entre si. As diferenças c características essenciais permanecem: não é que as diferenças sejam menores, mas se tornam mais sutis e refinadas. Para um paladar sensível, a diferença entre a prosa dc Addison e a de Swift será registrada como a diferença entre duas safras de vinho por um connoisseur. N u m período de prosa clássica, o q u e encontramos não é uma simples convenção c o m u m de escrita, como o estilo c o m u m dos que redigem os artigos dc f u n d o dos jornais, mas uma c o m u n i d a d c do gosto. A época que precede uma época clássica poderá revelar tanto a excentricidade q u a n t o a monotonia: monotonia porque os recursos da língua não foram ainda explorados, e excentricidade porque ainda não há n e n h u m padrão genericamente aceito, caso seja verdade que se possa 4 Hooker, Richard. Teòlogo e jurista inglês (Heaviiree, perto dc Exeter, 1554 — Bishopsbourne, 1600) Processado como herege por suas idéias contrárias ao puritanismo, escreveu uma obra m o n u m e n t a l , em cinco volumes, sob o título de Of the laws of ecclesiastical policy (1594-1597), notável por sua elegância estilística. ( N . T . )
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chamar de excêntrico aquilo q u e não está no centro. Seus textos poderão ser, ao mesmo t e m p o , pedantes e licenciosos. A época q u e se segue a u m a época clássica p o d e t a m b é m revelar excentricidade e monotonia porque os recursos da língua, pelo menos para aquele t e m p o , foram esgotados, e excentricidade porque a originalidade se torna mais valorizada do q u e a correção. Mas a época na qual encontramos um estilo c o m u m será uma época em q u e a sociedade já cristalizou um m o m e n t o de ordem c de estabilidade, de equilíbrio e de h a r m o n i a , assim como a época que manifesta os maiores extremos de estilo individual será uma época de imaturidade ou de senilidade. Pode-se presumir q u e a m a t u r i d a d e da língua a c o m p a n h e a maturidade da m e n t e e dos costumes. Podemos admitir q u e a língua tangencia a m a t u r i d a d e no m o m e n t o em q u e os homens adquiram um sentido crítico do passado, u m a confiança no presente e n e n h u m a dúvida q u a n t o ao f u t u r o . Em literatura, isso significa que o poeta está consciente de seus antecessores, c que estamos conscientes dos antecessores q u e pulsam por detrás de sua obra, assim como p o d e m o s estar conscientes dos traços ancestrais n u m a pessoa q u e é, ao m e s m o t e m p o , única c individual. Os antecessores deveriam ser eles próprios grandes e dignos, mas suas realizações devem ser de tal ordem q u e sugiram recursos ainda não desenvolvidos da língua, não de m o d o a intimidar os escritores mais jovens com o temor de q u e t u d o o que possa ser feito já foi feito em sua língua. O poeta, é claro, n u m a época madura, pode ainda obter estímulo a partir da esperança de que esteja fazendo algo q u e seus antecessores não fizeram; pode até mesmo rebelar-se contra estes, como um adolescente promissor pode insurgir-se contra as cienças, os hábitos e as maneiras de seus pais, mas, retrospectivamente, p o d e m o s observar que ele é o herdeiro de suas tradições, o q u e preserva as características familiares, c que sua diferença de comportam e n t o é u m a diferença dentro das circunstâncias de u m a outra época. E, por outro lado, assim como observamos às vezes certos homens cujas vidas foram eclipsadas pela fama dos pais ou dos avós, homens dos quais qualquer realização de q u e foram capazes parecem comparativamente insignificantes, t a m b é m uma época tardia da poesia pode ser conscientemente incapaz de competir com sua ilustre ancestralidade. Encontramos poe-
tas dessa estirpe no final de qualquer época, poetas com u m a noção apenas do passado ou, alternativamente, poetas cuja esperança no f u t u r o repousa na tentativa de renunciar ao passado. A persistência da criatividade em qualquer povo consiste, conseqüentemente, na manutenção de um equilíbrio coletivo entre a tradição no sentido mais amplo — a personalidade coletiva, por assim dizer, consubstanciada na literatura do passado e a originalidade da geração que se encontra viva.
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Não podemos considerar a literatura da era elisabetana, em q u e pese a sua grandeza, inteiramente m a d u r a ; não podemos considerá-la clássica. N e n h u m íntimo paralelismo pode ser traçado entre o desenvolvimento das literaturas grega e latina, pois esta tinha aquela atrás de si; tampouco podemos esboçar um paralelismo entre ambas e qualquer literatura m o d e r n a , pois as literaturas modernas têm tanto a latina q u a n t o a grega em suas origens. Na Renascença há uma precoce aparência de maturidade que foi herdada da Antigüidade. Estamos cônscios de u m a aproximação mais íntima da maturidade com Milton. Milton se encontrava n u m a posição mais favorável para desenvolver um sentido crítico do passado — do passado na literatura inglesa - do que seus grandes antecessores. Ler Milton é confirmar o respeito pelo gênio de Spenser, e a gratidão a Spenser por haver contribuído para que o verso de Milton se tornasse possível. Todavia, o estilo de Milton não é um estilo clássico: é o estilo de uma língua ainda cm formação, o estilo de um escritor cujos mestres não foram ingleses, mas latinos e, em menor escala, gregos. Isso, creio eu, parafraseando o que disseram J o h n son e depois Landor q u a n d o se queixaram de que o estilo de Milton não era inteiramente inglês. Permitam-nos modificar esse julgamento dizendo desde já que Milton fez muito para desenvolver a língua. Um dos indícios do avanço em direção a um estilo clássico é um desenvolvimento q u e tem cm mira a maior complexidade da frase e da estrutura da oração. Tal desenvolvimento é visível em uma única obra de Shakespeare, q u a n d o rastreamos seu estilo das primeiras às últimas peças: podemos mesmo dizer que, em suas derradeiras peças, ele vai tão longe quanto possível rumo à complexidade dentro dos limites do verso dramático, os quais são mais restritos do que os de outros gêneros. Mas a complexidade, para seu próprio bem,
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não constitui um objetivo a d e q u a d o ; seu propósito deve ser, antes de mais nada, a expressão concisa das mais delicadas nuanças da emoção e do pensamento; e, em s e g u n d o lugar, a introdução de maior apuro e variedade musicais. Q u a n d o um autor parece haver perdido, em seu amor à estrutura elaborada, a capacidade de dizer q u a l q u e r coisa de m o d o simples, q u a n d o seu apego ao modelo torna-se tal q u e ele diz coisas a f e t a d a m e n t e no m o m e n t o em que o melhor seria dizê-las com simplicidade, limitando assim seu espectro de expressão, o processo de complexidade deixa de ser inteiramente b e n i g n o , e o escritor começa a perder o contato com a linguagem falada. N ã o obstante, como o verso se desenvolve, nas mãos de um poeta após outro, ele transita da m o n o t o n i a à variedade, da simplicidade à complexidade; e, q u a n d o declina, caminha outra vez em direção à monotonia, embora possa p e r p e t u a r a estrutura formal à qual o gênio dá vida e significado. Vocês julgarão por si mesmos até q u e p o n t o essa generalização é aplicável aos antecessores e seguidores de Virgílio: p o d e m o s todos observar essa m o n o tonia secundária nos imitadores de Milton d u r a n t e o século XVIII ele mesmo nunca é m o n ó t o n o . E aí chega um t e m p o em que u m a nova simplicidade, até m e s m o u m a relativa crueza, poderá ser a única alternativa. Vocês anteciparão a conclusão em direção à qual estou caminhando: que as virtudes do clássico q u e até agora mencionei — maturidade mental, de costumes, de língua e perfeição do estilo c o m u m — são mais fáceis de serem comprovadas na literatura inglesa do século XVIII; e, na poesia, mais na poesia de Pope. Se isso fosse t u d o o q u e eu tivesse a dizer sobre o assunto, decerto não seria novo, e nem valeria a pena dizê-lo. Consistiria apenas em propor u m a escolha entre dois erros à qual os homens já chegaram: u m , o de q u e o século XVIII é o mais refinado período da literatura inglesa; outro, o de q u e a idéia clássica deveria estar inteiramente desacreditada. Minha opinião pessoal é a de q u e não possuímos, na língua inglesa, n e n h u m a época clássica nem qualquer poeta clássico; de q u e , q u a n d o observamos por q u e a situação é essa, não temos a mais leve razão para nos aborrecermos; mas q u e , apesar disso, devemos manter o ideal clássico diante de nossos olhos. Porque nos cumpre mantê-lo, e porque o gênio inglês da língua tem
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tido outras coisas a fazer do que realizá-lo, não podemos nos dar o luxo nem de rejeitar nem de superestimar a época de Pope; não podemos encarar a literatura inglesa como um todo, ou visar corretamente o f u t u r o , sem uma apreciação crítica do nível cm que as virtudes clássicas estão exemplificadas na obra de Pope; e isso significa que, a menos que estejamos aptos a desfrutar a obra de Pope, não podemos chegar a compreender plenamente a poesia inglesa. E absolutamente óbvio que a cristalização das virtudes clássicas em Pope só foi obtida por alto preço, ou seja, m e d i a n t e a exclusão de algumas das maiores potencialidades do verso inglês. Mas, cm certa medida, o sacrifício de algumas potencialidades para consubstanciar outras é u m a condição da criação artística, como é uma condição da vida em geral. O h o m e m que em vida se recusa a sacrificar algo para ganhar outra coisa em troca, acaba na mediocridade ou no fracasso, e m b o r a , por outro lado, haja o especialista que sacrificou muito por quase nada, ou aquele que tem tolerado a tal ponto o especialista q u e nada tem a sacrificar. Mas na Inglaterra do século XVIII temos motivo para perceber que m u i t o mais se perdeu. Criouse uma mentalidade madura, mas estreita. A sociedade e as letras inglesas não foram provincianas no sentido de q u e não se encontravam isoladas das melhores sociedades e letras européias, nem tampouco na retaguarda delas, ainda q u e a própria época fosse, por assim dizer, u m a época provinciana. Q u a n d o alguém pensa num Shakespeare, n u m Jeremy Taylor 5 ou n u m Milton, na Inglaterra — ou num Racine, num Molière, num Pascal, na França —, durante o século XVII, mostra-se inclinado a dizer que o século XVIII manteve perfeito o seu jardim convencional, restringindo apenas a área cultivada. Concluímos que, se o clássico e dc fato um ideal digno, deve ser ele capaz de revelar u m a amplitude, uma catolicidade, as quais o século XVIII não pode reivindicar para si; qualidades que estão visi5. Taylor, Jeremy. Teólogo e religioso inglês ( C a m b r i d g e , 1613 — Lisburn, 1667), um dos maiores representantes da Igreja anglicana no período da guerra civil. G r a n d e poeta em prosa e mestre da retórica, foi o maior orador sacro inglês depois de J o h n D o n n e . Deixou, entre outros, The liberty of prophesyng (1647) e The minister's duty in life and doctrine ( 1661 ). ( N . T . )
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veis em alguns grandes autores, como Chaucer, 6 que não p o d e m , a meu ver, ser olhados como clássicos da literatura inglesa, e que se encontram presentes de corpo e alma na m e n t e medieval de Dante. Pois cm A divina comedia, possivelmente em qualquer de suas passagens, encontramos o clássico n u m a língua europeia moderna. D u r a n t e o século XV11I estamos sufocados por um espectro restrito da sensibilidade, especialmente no plano do sentimento religioso. N ã o é q u e a poesia, pelo menos na Inglaterra, não fosse cristã, como tampouco até mesmo os poetas não fossem cristãos devotos, pois um m o d e l o de ortodoxia de princípios, c dc sincera religiosidade de sentimentos, poderão ser vislumbrados m u i t o antes q u e nos deparemos com um poeta mais autêntico do q u e Samuel J o h n s o n . Todavia, há evidências de u m a sensibilidade religiosa mais p r o f u n d a na poesia de Shakespeare, cuja fé e prática p o d e m ser apenas u m a questão dc conjectura, E essa limitação da sensibilidade religiosa produz ela mesma u m a espécie de regionalismo (embora devamos acrescentar q u e , nesse sentido, o século XIX foi ainda mais provinciano): o regionalismo q u e indica a desintegração da cristandade, a decadência da crença e da cultura c o m u n s . Pareceria, portanto, que o nosso século XVIII, apesar de sua proeza clássica — u m a proeza, creio e u . q u e tem ainda grande importância como um exemplo para o f u t u r o —, estava perdendo ccrta condição q u e possibilita a criação de um verdadeiro clássico. Para descobrir o q u e seja tal condição, devemos voltar a Virgílio. Em primeiro lugar, gostaria de insistir sobre as características que já atribui ao clássico, aplicando-as especialmente a Virgílio, à sua língua, à sua civilização e ao m o m e n t o particular da história dessa língua e dessa civilização a q u e ele chegou. Maturidade da mente: isso implica a história, e a consciência da história. Essa consciência não pode estar plenamente desperta, a não ser que haja outra história além da história do próprio 6. Chauccr, Geoffrey Poeta e ficcionista inglês (Londres? c 1340 id. 14(H)). estudioso das obras de Ovídio, Virgílio e Boécio, de q u e m traduziu De comolatione philosophie ($23-524). Influenciado por D a n t e . Peitaria e a literatura francesa, traduziu L· roman dt' la rose, de G u i l l a u m e de Loris e J e a n de Meung O b r a s princi-
pais: The hook of the duchess (1369). Troylus and Cnseyd (c. 1385) c. acima de todas, os Canterbury tales. (Ν T.)
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povo do poeta; precisamos disso para ver nosso próprio lugar na história. Devemos conhecer a história de pelo menos outro povo altamente civilizado, e a de um povo cuja civilização é suficientemente aparentada para ter influenciado e penetrado a nossa própria história. Essa foi u m a consciência q u e os romanos tiveram, e que os gregos, por mais q u e possamos estimar cm alto grau sua proeza — e, na verdade, c u m p r e respeitá-los acima de t u d o por isso —, não possuíram. Foi u m a consciência que certamente o próprio Virgílio se e m p e n h o u bastante em desenvolver. Desde o começo, Virgílio, como seus contemporâneos e antecessores imediatos, foi c o n t i n u a m e n t e a d a p t a n d o e utilizando as descobertas, as tradições e as invenções da poesia grega; utilizar uma literatura estrangeira nesse sentido assinala um estágio ulterior de civilização que suplanta aquele em q u e apenas se utilizam os primitivos estágios da sua própria, embora eu julgue ser possível dizermos que n e n h u m poeta jamais revelou um senso de proporção mais aguçado que o de Virgílio q u a n t o à utilização que ele faz dos poetas gregos e da primitiva poesia latina. E esse desenvolvimento de u m a literatura, ou de u m a civilização, relativamente à outra, q u e confere u m a significação peculiar à temática da épica virgiliana. Em Homero, o conflito entre gregos e troianos é acentuadamente mais a m p l o em alcance do que u m a disputa entre uma cidade-estado grega e u m a coalizão de outras cidades-cstados: atrás da história de Enéias^ está a consciência da mais radical distinção, u m a distinção que é, ao mesmo tempo, u m a declaração de parentesco entre duas grandes culturas e, afinal, de sua reconciliação sob um destino totalmente entrelaçado. A maturidade da mente de Virgílio, e a m a t u r i d a d e de sua época, estão manifestas nessa consciência da história. Relacionei a maturidade da mente à maturidade das maneiras e à ausência de provincianismo. S u p o n h o que, para um europeu moderno subitamente imerso no passado, o c o m p o r t a m e n t o social dos romanos e dos atenienses poderia parecer indiferentemente grosseiro, bárbaro e agressivo. Mas se o poeta puder retra7. Eni lai. Aeneas, cm gr. Aíneias. Príncipe troiano, herói de u m a lenda grega retomada e ampliada por Virgílio na Eneida Essa lenda supõe a origem asiática de certos povos italianos, provavelmente os etruscos. De acordo com a lenda, Roma teria sido f u n d a d a pelos descendentes de Enéias. ( N . T . )
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tar algo superior à prática contemporânea, não o fará no sentido de antecipar algum tardio, e absolutamente distinto, código de conduta, mas por meio de u m a percepção (insight) na qual a conduta de seu próprio povo em sua própria epoca poderia ser o melhor de t u d o isso. As reuniões festivas das classes abastadas na Inglaterra eduardiana não foram exatamente o q u e lemos nas páginas de Henry J a m e s ; 8 a sociedade de J a m e s foi u m a idealização (de qualidade inferior) dessa sociedade, e não a antecipação de n e n h u m a outra. S u p o n h o q u e estejamos conscientes, mais em Virgílio do q u e em qualquer outro poeta latino — pois, se comparados a ele, Catulo 9 e Propércio 1 0 parecem rufiões, e Horácio um tanto plebeu —, de um r e f i n a m e n t o de maneiras que brota de u m a sensibilidade delicada, e particularmente nesse teste de maneiras, u m a c o n d u t a pública e privada entre os sexos. Não me c o m p e t e , n u m a reunião de pessoas, as quais todas p o d e m ser mais eruditas do q u e eu, recapitular a história de Enéias e Dido. 1 1 Mas sempre imaginei o encontro entre Enéias e a sombra de D i d o , no livro IV da Eneida, não apenas u m a das mais pungentes, mas t a m b é m u m a das mais civilizadas passagens em verso. Ela é complexa q u a n t o ao significado e económica do ponto de vista da expressão, pois não nos informa apenas sobre a atitude de D i d o , mas t a m b é m — o que é ainda mais importante — sobre a atitude de Enéias. 8. James, Henry. Romancista e contista norte-americano (Nova York, 1843 — Londres, 1916), irmào do filósofo pragmatista William J a m e s Passou a maior parte da vida na Europa e naturalizou-se cidadão inglês em 1916. Seu tema quase obsessivo é o conflito moral entre a m e n t a l i d a d e norte-americana e a européia, c o m o se pode ver em The Bostonian (1886), The turn of the screw (1898) ( n o Brasil. A
outra volta do parafuso ou Os inocentes). The wings of the dove (1902) e The gol den howl( 1914).
(N.T.)
9. Catulo, Caio Valério (em lat. Caius Valerius Catullus) Poeta latino (Verona, c. 87 — Roma, c. 54 a . C . ) . cuja breve existência foi preenchida pelos prazeres m u n danos e pela paixão por Lésbia. Dele sobrevivem cento e dezesseis p o e m a s , imitados dos poetas alexandrinos. ( N . T . )
10. Em lat. Sextus Aurelius Propertius. Poeta latino (Umbria, c 47 ? c. 15 a . C . ) que dedicou seus poemas à m u l h e r q u e celebrizou sob o n o m e de Cíntia. Suas elegias se inspiram nas dos alexandrinos, mas distinguem-se de simples imitações pela autêntica paixão erótica. Foram m u i t o traduzidas na Renascença. ( N . T . ) 11. Segundo a lenda, após várias peregrinações, Enéias, q u e escapara de Tróia q u a n d o da t o m a d a da cidade pelos gregos, foi a m a d o em Cartago pela rainha Dido, chegando depois à Itália, o n d e o rei do Lácio lhe deu a filha Lavinia em casamento. Os amores de Enéias e D i d o foram eternizados por Virgílio na Eneida. ( N . T . )
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O comportamento de Dido nos dá a impressão de ser quase uma projeção da própria consciência de Enéias, e percebemos que es se é o meio através do qual a consciência de Enéias poderia esperar que Dido se comportasse em relação a ele. A questão, me parece, não é a de que Dido se mostre inexorável, embora seja importante que, cm vez de zangar-se com ele, cia simplesmente o censura — talvez a mais eficiente censura em toda a poesia; o que importa sobretudo é que Enéias não se esqueça de si mesmo — e isso, significativamente, a despeito do (ato de que ele esteja bastante consciente dc q u e t u d o aquilo que fez, o fez de acordo com o destino, ou em conseqüência das intrigas dos deuses que são eles próprios, percebemo-lo, apenas instrumentos de um poder inescrutável superior. Aqui, o que seleciono como um exemplo de maneiras civilizadas continua a testemunhar uma consciência e u m a percepção civilizadas, mas todos os níveis em q u e podemos considerar um episódio isolado pcrtencem a um conjunto. Podcr-se-á observar, finalmente, que o comportamento das personagens de Virgílio (eu poderia excetuar Turnus, o h o m e m sem destino) jamais parece estar de acordo com algum código de conduta estritamente local ou tribal: ele pertence a seu t e m p o , tanto romano q u a n t o europeu. No plano dos costumes, Virgílio não é decerto um provinciano. Tentar demonstrar a maturidade da língua e do estilo virgilianos é, na presente ocasião, uma tarefa supérflua: muitos dc vocês poderiam se portar melhor do que cu, e imagino q u e todos deveríamos estar de acordo. Mas vale a pena repetir q u e o estilo dc Virgílio não teria sido possível sem que houvesse uma literatura a sua retaguarda, e sem que houvesse de sua parte um conhecimento muito íntimo dessa literatura, de m o d o que, cm certo sentido, ele estava reescrevendo a poesia latina, como nos casos cm que toma dc empréstimo uma frase ou uma invenção de um antecessor e as aperfeiçoa. Virgílio foi um autor culto, para o qual toda a erudição era relevante à sua tarefa; e teve à sua disposição, em termos de literatura, apenas o bastante atrás de si, e não mais do que isso. Q u a n t o à maturidade dc estilo, não creio que n e n h u m poeta tenha jamais desenvolvido um domínio maior da complexa estrutura tanto de sentido q u a n t o de som, sem perder o recurso da simplicidade direta, concisa e
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surpreendente q u a n d o a ocasião o exigia. Desnecessário alongar-me sobre isso, mas imagino q u e valha a pena dizer u m a palavra mais sobre o estilo comum, pois se trata de algo q u e não podemos ilustrar p e r f e i t a m e n t e a partir da poesia inglesa e para o qual somos capazes de tributar menos respeito do q u e o suficiente. Na m o d e r n a literatura européia, as mais íntimas aproximações com o ideal de um estilo c o m u m são provavelmente encontradas em Dante e Racine; q u e m dele mais se aproxima na poesia inglesa é Pope, e o estilo c o m u m de Pope é um estilo que, em comparação, revela um alcance m u i t o estreito. O estilo c o m u m é aquele q u e nos leva a exclamar, não este é um h o m e m de gênio no uso da l í n g u a " , mas este realiza o gênio da l í n g u a " . Não afirmamos isso ao 1er Pope, p o r q u e conhecemos muito bem todos os recursos da língua inglesa dos quais ele se serviu; p o d e m o s no m á x i m o dizer este realiza o gênio da língua inglesa n u m a d e t e r m i n a d a é p o c a " . Não afirmamos isso ao 1er Shakespeare e Milton, p o r q u e estamos sempre conscientes da grandeza do h o m e m e dos milagres q u e ele está realizando com a língua; estamos mais próximos talvez de Chaucer, mas é q u e Chaucer está utilizando, do nosso p o n t o de vista, u m a língua diferente e mais grosseira. Shakespeare e Milton, como demonstra a história mais recente, deixaram abertas muitas possibilidades para outros empregos do inglês na poesia, ao passo q u e , após Virgílio, é mais verdadeiro dizer que não se registrou n e n h u m desenvolvimento até a língua latina tornar-se algo diferente. A esta altura, gostaria de voltar à questão q u e anteriormente propus, isto é: se o aparecimento de um clássico, no sentido em que tenho utilizado o termo em todos os aspectos, constitui inteiramente, para o povo e a língua de sua origem, u m a pura bênção — ainda que isso seja indiscutivelmente um motivo de orgulho. Suscitar essa questão na m e n t e de alguém é quase tão simples q u a n t o meditar sobre a poesia latina depois de Virgílio e considerar cm que extensão os poetas q u e se lhe seguiram viveram e trabalharam à sombra de sua grandeza, de m o d o que os louvamos ou não, dc acordo com os padrões q u e ele estabeleceu, ou os admiramos, às vezes, pela descoberta dc alguma variação que era nova, ou mesmo apenas pela recombinação de modelos vocabulares destinados a proporcionar uma
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lembrança agradavelmente vaga do distante original. Mas a poesia inglesa c t a m b é m a francesa podem ser consideradas b e m sucedidas sob este aspecto: o de que os maiores poetas esgotaram apenas determinadas áreas. Não podemos dizer q u e , desde a época de Shakespeare, e respectivamente desde os tempos de Racine, tenha-se escrito algum drama poético realmente de primeira grandeza na Inglaterra ou na França; desde Milton não tivemos n e n h u m grande poema épico, embora t e n h a m sido estritos poemas longos de grande qualidade. E verdade que cada supremo poeta, clássico ou não, tende a esgotar o solo que cultiva, de modo que este, após a produção dc u m a colheita reduzida, deve afinal ser deixado sem cultivo por algumas gerações. Pode-se aqui objetar que o efeito sobre a literatura por mim atribuído ao clássico resulte não no caráter clássico dessa obra, mas simplesmente de sua grandeza, pois tenho negado a Shakespeare e a Milton a condição de clássicos no sentido em q u e estou utilizando o termo de forma cabal, c ainda q u e não haja admitido que n e n h u m a poesia superlativamente grande do mesmo gênero tenha sido desde então escrita. E incontestável o fato de que cada grande obra de poesia tende a tornar impossível a produção de obras igualmente expressivas da mesma espécie. A razão para isso pode ser parcialmente exposta em termos de propósito consciente: n e n h u m poeta de primeira ordem tentaria fazer novamente o que já foi feito tão bem q u a n t o p ô d e tê-lo sido em sua língua. Somente após ter sido a língua mais ainda a sua cadência do q u e o vocabulário e a sintaxe — modificada o bastante, com o correr do tempo e das transformações sociais, é que outro poeta dramático tão grande q u a n t o Shakespeare, ou outro poeta épico tão grande q u a n t o Milton, pode torná-lo possível. Não unicamente todo grande poeta, mas todo poeta autêntico, mesmo que poeta menor, satisfaz alguma possibilidade da língua, deixando então u m a possibilidade a menos para seus sucessores. O veio q u e ele esgotou pode ser muito p e q u e n o , ou pode representar alguma forma maior dc poesia, épica ou dramática. Mas o que o grande poeta esgotou foi apenas uma forma, c não a totalidade da língua. Q u a n d o o grande poeta é t a m b é m um grande clássico, ele esgota não apenas uma forma, mas t a m b é m a língua de sua
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época; e a língua de sua época, como ele a utilizou, será a língua em sua perfeição. De m o d o q u e não é o poeta sozinho que temos de levar em conta, mas a língua em q u e ele escreveu: não se trata simplesmente do fato de q u e um poeta clássico esgota a língua, mas de q u e u m a língua esgotável constitui a variedade lingüística q u e produz um poeta clássico. Podemos estar propensos a perguntar, p o r t a n t o , se não somos afortunados por dispor de u m a língua q u e , em vez de ter produzido um clássico, pode orgulhar-se de u m a rica variedade no passado e, além disso, da possibilidade de algo novo no f u t u r o . Mas e n q u a n t o estivermos dentro de u m a literatura, e n q u a n t o falarmos a mesma língua e tivermos f u n d a m e n t a l mente a mesma cultura q u e produziu a literatura do passado, desejaremos conservar duas coisas: o o r g u l h o de q u e nossa literatura já se cumpriu e a crença de q u e p o d e ainda cumprir-se no futuro. Se deixássemos de acreditar no f u t u r o , o passado deixaria de ser p l e n a m e n t e o nosso passado: tornar-se-ia o passado de uma civilização morta. E essa consideração deve atuar de forma particularmente irrefutável sobre a m e n t e daqueles que se comprometeram com a tentativa de contribuir para ampliar o repertório da literatura inglesa. Não há n e n h u m clássico na língua inglesa; por conseguinte, n e n h u m poeta vivo pode dizer q u e não resta ainda a esperança de q u e eu — e os que vierem depois de m i m , pois n i n g u é m p o d e encarar com serenidade, u m a vez q u e c o m p r e e n d e o q u e está implícito, a idéia de ser o derradeiro poeta — possa ser capaz de escrever algo que valerá a pena preservar. Mas do p o n t o de vista da eternidade, esse interesse pelo f u t u r o nada significa: q u a n d o duas línguas são ambas línguas mortas, não p o d e m o s dizer q u e u m a delas seja maior devido ao n ú m e r o e à diversidade de seus poetas, ou que a outra possa sê-lo p o r q u e seu gênio está mais cabalmente expresso na obra de um poeta. O q u e desejo afirmar, a um só e mesmo t e m p o , é isto: q u e , pelo fato de ser o inglês u m a língua viva e a língua na qual vivemos, p o d e m o s nos dar por satisfeitos de que ela jamais se realizou inteiramente em si na obra de um poeta clássico, mas q u e , por outro lado, o critério clássico é de importância vital para nós. Ele é indispensável para julgarmos nossos poetas em separado, embora nos recusemos a julgar nossa literatura como um todo em com-
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paração com aquela que produziu um clássico. Se a literatura culminasse n u m clássico, isso seria uma questão de sorte. Tratase a m p l a m e n t e , suponho, de uma questão relativa ao grau de fusão dos elementos dentro dessa língua, de m o d o que as línguas laiinas podem se aproximar mais i n t i m a m e n t e do clássico, não apenas porque são latinas, mas porque são mais homogêneas do que o inglês e, por conseguinte, t e n d e m mais naturalmente ao esti/o comum, enquanto o inglês, por ser a mais diversificada das grandes línguas no que se refere a seus elementos constitutivos, tende mais à variedade do que à perfeição, carece de um t e m p o maior para cristalizar sua potencialidade e contém ainda, talvez, possibilidades mais inexploradas. Ele tem, provavelmente, a maior capacidade para m u d a r e, não obstante, permanecer a mesma língua. Abordarei agora a distinção entre o clássico relativo e o clássico absoluto, a distinção entre a literatura q u e podemos chamar de clássica em relação a sua própria língua e aquela q u e é clássica em relação a u m a série de outras línguas. Antes de mais nada, porém, desejo registrar mais u m a característica do clássico, alénrdas q u e já enumerei, a qual nos ajudará a estabelecer essa distinção e sublinhar a diferença entre um clássico como Pope e outro como Virgílio. Convém aqui recapitular certas afirmações que fiz anteriormente. Logo de início sugeri que uma freqüente, senão universal, característica do amadurecimento dos indivíduos pode ser um processo de seleção (não de todo consciente), de desenvolvim e n t o de algumas potencialidades em detrimento de outras; e que a semelhança pode ser encontrada no desenvolvimento da língua e da literatura. Sc assim fosse, deveríamos esperar ser possível que n u m a literatura clássica menor, tal como a nossa no fim do século XVII e no século XVIII, os elementos excluídos, para atingir a maturidade, fossem mais numerosos e mais sérios, c que a satisfação diante do resultado fosse sempre qualificada por nossa consciência q u a n t o às possibilidades da língua, reveladas nas obras dc autores mais antigos, q u e haviam sido ignorados. A era clássica da literatura inglesa não é representativa do gênio total da raça; como insinuei, não podemos dizer que esse gênio esteja cabalmente consumado em n e n h u m período, resultando daí que podemos ainda, com referência a
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um ou outro período do passado, imaginar possibilidades para o futuro. A língua inglesa oferece um a m p l o espectro para legítimas divergências de estilo, q u e parece ser tal q u e n e n h u m a época, c certamente n e n h u m escritor, p u d e r a m estabelecer u m a norma. A língua francesa parece ter permanecido mais intimamente apegada a um estilo normal; todavia, mesmo em francês, embora a língua dê a impressão de q u e sc estabeleceu, definitivamente, no século XVII, hâ um sprit gaulois, um elemento de riqueza presente em Rabelais e em Villon, a consciência de que ele pode alterar nosso j u l g a m e n t o q u a n t o à totalidade de Racine ou Molière, pois sentimos q u e esta se acha não apenas irretratada, mas t a m b é m irrcconciliada. Podemos concluir, portanto, q u e o perfeito clássico deve ser aquele cm q u e todo o gênio de um povo esteja latente, senão de todo revelado; e que ele só pode se manifestar n u m a língua se t o d o o seu gênio puder estar presente de u m a vez. Devemos assim acrescentar, à nossa lista de características do clássico, a da comp letude. Dentro de suas limitações formais, o clássico deve expressar o máximo possível da gama total de s e n t i m e n t o q u e representa o caráter do povo q u e fala essa língua. Representá-lo-á o melhor que puder, e exercerá t a m b é m o mais a m p l o fascínio: junto ao povo a q u e pertence encontrará sua resposta entre todas as classes e condições h u m a n a s .
ção, pretender encontrar a semelhança aproximada com o clássico cm nenhuma língua moderna. E necessário remontar às duas línguas mortas; é importante que elas estejam mortas, pois graças à sua morte é que podemos penetrar cm sua herança (o fato de que estejam mortas não lhes daria n e n h u m mérito, a não ser a circunstância de que todos os povos da Europa são seus beneficiários). E de todos os grandes poetas gregos e romanos, julgo ser a Virgílio aquele a quem mais devemos pelo estabelecimento de nosso padrão do que seja um clássico, o q u e , volto a insistir, não é o mesmo que pretendê-lo como o maior de todos, ou aquele com o qual, de qualquer m o d o , mais estamos em dívida — é de uma dívida particular que falo. Sua completude, sua singular espécic de completude, é devida à situação única, em nossa história, do Império Romano c da língua latina — uma situação com cujo destino se p o d e dizer estar de acordo. Esse sentido de destino vem à consciência na Eneida. Enéias é cm si, do princípio ao fim, um " h o m e m com destino' , um h o m e m que não é nem um aventureiro nem um intrigante, nem um vagabundo nem um carreirista, mas um homem obediente ao seu destino, não por compulsão ou decreto arbitrário, e não certamente por qualquer desejo dc glória, por submeter sua vontade a um poder superior ao dos deuses q u e o frustrariam ou o dirigiriam. Ele teria preferido ficar em Tróia, mas optou pelo exílio, e por algo maior e mais significativo do que qualquer exílio: exilou-se por um propósito maior do que poderia imaginar, mas que reconhecia; c não é, n u m sentido h u m a n o , um homem feliz ou bem-sucedido. Mas é o símbolo de Roma; e assim como Enéias está para Roma, a antiga Roma está para a Europa. Assim, Virgílio adquire a centralidade do único clássico; ele está. no centro da civilização européia, n u m a situação que n e n h u m outro poeta pode usurpar-lhe ou dividir com ele. O Império Romano e a língua latina não constituíram um império qualquer nem uma língua qualquer, mas um império e uma língua com um destino único em relação a nós mesmos; e o poeta em cuja consciência e expressão cs se império e essa língua vieram à tona é um poeta de destino único.
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Q u a n d o u m a obra literária, além dessa c o m p l e t u d e relativamente a sua própria língua, revela idêntica significância em relação a várias outras literaturas, p o d e m o s dizer q u e possui t a m b é m universalidade. Podemos falar, por exemplo, merecid a m e n t e o bastante da poesia dc G o e t h e como constituindo um clássico, devido ao lugar q u e ela ocupa em sua própria língua e literatura. Mas, devido, ainda, a sua parcialidade, à impermanência de alguns de seus conteúdos, e ao germanismo da sensibilidade, por G o e t h e se revelar, para um olhar estrangeiro, limitado por sua época, por sua língua e por sua cultura, de m o d o a não ser representativo de u m a tradição européia global — e, como nossos autores do século XIX, um pouco provinciano — „ n ã o podemos considerá-lo um clássico universal. É ele um autor universal no sentido de que é um autor com cujas obras todo europeu viu-se obrigado a se familiarizar, mas isso é outra coisa. Não podemos tampouco, n u m a ou noutra avalia-
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Se Virgílio é, pois, a consciência de Roma e a suprema voz de sua língua, deve ter uma significação para nós que não
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pode ser expressa inteiramente em termos de apreciação literária e de crítica. Todavia, m a n t e n d o - n o s fiéis aos problemas de literatura, ou aos termos literários q u a n d o a b o r d a m o s a vida, podemos nos permitir ir além do q u e afirmamos. Em termos literários, o mérito de Virgílio reside para nós no fato de q u e ele nos proporciona um critério. Podemos, c o m o já disse, ter motivos para nos alegrar com a circunstância de q u e esse critério é fornecido por um poeta q u e escreve n u m a língua diferente da nossa, mas esta não constitui u m a razão para rejeitar o critério. Preservar o padrão clássico, e avaliar por meio dele cada obra literária individual, é comprovar q u e , e n q u a n t o nossa literatura em c o n j u n t o pode abarcar t u d o , cada u m a de suas obras pode ser imperfeita em algum p o r m e n o r . Pode se tratar de uma imperfeição necessária, de u m a imperfeição sem a qual certa qualidade nela presente se perderia, mas devemos vê-la como u m a imperfeição e ao m e s m o t e m p o c o m o u m a necessidade. À falta desse padrão a q u e me refiro, um padrão q u e podemos manter claramente diante de nós se confiarmos apenas em nossa própria literatura, nos inclinaremos, acima de tudo, a admirar obras de génios por motivos erróneos, como louvamos Blake por sua filosofia e Hopkins por seu estilo, e daí caminharemos para um erro maior, ao nivelarmos u m a categoria de primeira grandeza a u m a de segunda o r d e m . Em suma, sem a contínua aplicação da medida clássica, q u e devemos mais a Virgílio do que a qualquer outro poeta, tenderemos a nos tornar provincianos. Por "provinciano' e n t e n d o aqui algo mais do q u e encontro nas acepções dicionárias. Pretendo dizer mais, por exemplo, do que " n ã o possuir a cultura ou o requinte da capital·', embora, é claro, Virgílio fosse da capital, n u m a escala q u e torna qualquer poeta mais recente de igual estatura semelhante a um p e q u e n o regionalista; e p r e t e n d o dizer mais do q u e estreito no pensamento, na cultura, no c r e d o " — u m a definição traiçoeira, aliás, pois, de um ponto de vista liberal m o d e r n o , Dante foi " l i m i t a d o no p e n s a m e n t o , na cultura, no c r e d o " , embora, como m e m b r o da Igreja, fosse mais liberal do q u e conservador, q u e é o mais provinciano. Refiro-me t a m b é m a u m a distorção de valores, à exclusão de alguns, ao exagero de outros, que resultam, não de u m a falta de ampla circunscrição geográ-
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fica, mas da aplicação de padrões adquiridos dentro de u m a área restrita, para a totalidade da experiência h u m a n a , q u e conf u n d e m o contingente com o essencial, o efêmero com o permanente. Em nossa época, q u a n d o os homens parecem mais do que propensos a confundir sabedoria com conhecimento, e conhecimento com informação, e a tentar resolver problemas da vida em termos de engenharia, começa a emergir na existência uma nova espécie de provincianismo que talvez mereça um novo nome. E um provincianismo, não de espaço, mas de tempo, aquele para o qual a história é simplesmente a crónica dos projetos humanos que têm estado a serviço de suas reviravoltas e q u e foram reduzidos à sucata, aquele para o qual o m u n d o constitui a propriedade exclusiva dos vivos, a propriedade da qual os mortos não partilham. A ameaça dessa espécie de provincianismo é que podemos todos, todos os povos do m u n d o , ser provincianos juntos; e aqueles que não estiverem . satisfeitos em ser provincianos podem apenas tornar-se eremitas. Se essa espécie de provincianismo conduzir a uma tolerância maior, n u m sentido de indulgência, poderia haver mais a ser dito sobre ela; parece mais provável, contudo, que ela nos leve a nos tornar indiferentes a assuntos cm relação aos quais somos obrigados a manter um dogma ou um padrão característico, e a nos tornar intolerantes em assuntos que poderiam ser deixados à preferência local ou pessoal. Podemos ter quantas variedades de religião nos aprouver, desde que todos enviemos nossas crianças às mesmas escolas. Mas minha preocupação aqui é apenas com o corretivo para o provincianismo em literatura. Precisamos lembrar a nós mesmos q u e , como a Europa é um todo (c mais: cm sua gradual mutilação c desfiguração, o organismo fora do qual n e n h u m a harmonia mundial superior deve se desenvolver), assim também a literatura européia é um todo, cujos diversos membros não podem florescer se a mesma corrente sangüínea não circular por todas as partes do corpo. A corrente sangüínea da literatura européia é latina e grega, não como dois sisicmas dc circulação, mas um só, pois c através de Roma que nosso parentesco deve ser delineado na Grécia. Q u e unidade comum dc excelência temos nós na literatura, entre nossas várias línguas, senão a unidade clássica? Q u e inteligibilidade recíproca podemos pretender preservar, a não ser a de
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nossa herança c o m u m de p e n s a m e n t o e de sensibilidade naquelas duas línguas, para a compreensão de q u e n e n h u m povo europeu está em situação de vantagem com relação a q u a l q u e r outro? N e n h u m a língua moderna poderia aspirar à universalidade do latim, ainda q u e viesse a ser falada por milhões de pessoas a mais do q u e aquelas q u e talaram o latim e m e s m o que se tornasse o veículo de comunicação para os povos de todas as línguas e culturas. N e n h u m a língua m o d e r n a p o d e pretender produzir um clássico no sentido em q u e considero Virgílio um clássico. O nosso clássico, o clássico de toda a Europa, é Virgílio. Em nossas diversas literaturas temos m u i t a opulência da qual nos gabar para q u e a literatura latina seja c o m p a r a d a a quaisquer delas; mas toda literatura tem sua grandeza, não isoladamente, c sim graças ao lugar q u e ocupa n u m m o d e l o mais vasto, um modelo q u e se estabelece em Roma. Já talei da nova seriedade — poderia dizer gravidade , da nova percepção histórica, ilustrada pela devoção de Eneias a Roma, a um f u t u r o muito alem de sua realização viva. Sua recompensa foi pouco mais do q u e u m a estreita cabeça-de-praia e um casamento político n u m a extenuada meia-idade: sua j u v e n t u d e foi sepultada, a sombra dela se m o v e n d o com as trevas do o u t r o lado de Cumae. 1 2 De fato, disse e u , alguém intuiu o destino da Roma antiga. Assim podemos imaginar a literatura romana: à primeira vista, u m a literatura de alcance limitado, com um modesto repertório dc grandes nomes, ainda q u e tão universal q u a n t o n e n h u m a outra literatura conseguiu sê-lo; u m a literatura inconscientemente sacrificial, de acordo com seu destino na Europa, com a opulência e a variedade das línguas mais recentes, destinada a produzir, para nós, o clássico. Bastaria q u e esse p a d r ã o fosse estabelecido em definitivo; não cabe realizar n o v a m e n t e a tarefa. Mas a m a n u t e n ç ã o do padrão é o preço de nossa liberdade, a defesa da liberdade contra o caos. Podemos nos recordar dessa obrigação através de nossa prática anual de compaixão para com o grande espectro que guiou a peregrinação de Dante: aquele q u e , qualquer q u e fosse sua f u n ç ã o ao conduzir Dante rumo a u m a visão da qual jamais ele próprio poderia 12. Segundo Estrabão, a mais antiga (721 a . C . ) das colônias gregas no c o n t i n e n t e .
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desfrutar, conduziu a Europa para a civilização cristã q u e ele nunca poderia conhecer; e aquele que, ao pronunciar suas derradeiras palavras na nova língua italiana, disse ao se despedir: il temporal foco e l'eterno veduto hai, figlio, e sei venuto in parte dov Ίο per me più oltre non di scemo.1 s Meu filho, ο fogo eterno e o temporal já contemplaste, e eis-me chegado à parte que ultrapassar não posso, por rneu mal.14
13. Dante Alighieri. L· divina comme Ju, Purgatorio, Canto XXVII, 127-129. ( N . T . ) 1·ί. Ί rad. dc Cristiano Martins, A divina comedia. vol. 2, Itatiaia, Belo Horizonte. Editora da USP, São Paulo, 1979. ( N . T . )
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Revendo minha produção crítica destes últimos estranhos trinta anos, surpreendi-me ao perceber q u a n t o voltei insistentemente ao drama, quer por meio da análise da obra dos c o n t e m porâneos de Shakespeare, quer m e d i a n t e a reflexão sobre as possibilidades do f u t u r o . E possível até q u e as pessoas estejam cansadas de me ouvir falar sobre o assunto. Mas, do m e s m o modo como descubro q u e t e n h o escrito variações sobre o t e m a durante toda a minha vida, minhas concepções tem sido continuamente modificadas e renovadas pelo a c ú m u l o de experiências, de maneira q u e sou levado a fazer um novo balanço da situação a cada etapa de minha própria experimentação. C o m o tenho gradualmente a p r e n d i d o mais sobre os problemas do drama poético e sobre as exigências q u e ele deve satisfazer para se justificar, passei a me esclarecer um pouco não apenas no q u e se refere às m i n h a s próprias razões q u a n t o à ambição de escrever nessa forma, mas t a m b é m no q u e respeita às razões gerais que me levam a pretender vê-lo recolocado em seu lugar. E considero q u e , q u a n d o digo alguma coisa sobre tais problemas e condições, isso deveria tornar mais claro 1. Primeira das conferencias à memória de T h e o d o r Spencer, p r o n u n c i a d a na Universidade de Harvard e publicada pela Fáber & Faber e pela Harvard University Press em 1951. ( N . A . )
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para outras pessoas, se for o caso, por que o drama poético tem potencialmente algo a oferecer aos que freqüentam teatro q u e o drama em prosa não tem. Sc partirmos do pressuposto de que a poesia é apenas um ornamento, um enfeite q u e se acrescenta, que simplesmente proporciona às pessoas de gosto literário o prazer de ouvir poesia ao mesmo t e m p o cm que assistem a uma peça, então ela é supérflua. A poesia deve justificar a si mesma dramaticamente, e não apenas apresentar-se como esplêndida poesia adaptada a uma forma dramática. Concluise daí que n e n h u m a peça para a qual a prosa é dramaticamente adequada deveria ser escrita em verso. E daí sc conclui, novamente, que o público, com seu interesse mobilizado pela ação dramática, com suas emoções excitadas pela tensão entre as personagens, deveria permanecer p r o f u n d a m e n t e atento à peça para adquirir plena consciência dos recursos utilizados. Se usarmos no palco a prosa ou o verso, ambos constituirão apenas meios destinados a um fim. De certo ponto de vista, a diferença não é tão grande q u a n t o possamos imaginar. Nas peças em prosa que ainda sobrevivem, e que são lidas e encenadas por gerações mais recentes, a prosa que as personagens talam está tão distante, no melhor dos casos, do vocabulário, da sintaxe e do ritmo de uma linguagem c o m u m — com suas hesitações vocabulares, seus constantes recursos de aproximação, sua desordem e suas frases intermináveis — q u a n t o está o verso. Assim como o verso, essa prosa tem sido escrita e reescrita. Nossos dois maiores estilistas da prosa dramática — além de Shakespeare e de outros elisabetanos que misturaram prosa c verso na mesma peça — são, creio eu. Congreve c Bernard Shaw. A fala dc uma personagem de Congreve ou de Shaw tem embora as personagens possam estar claramente diferenciadas aquele inequívoco ritmo pessoal que constitui a marca de um estilo em prosa, do qual somente os mais consumados conversadores que, no que diz respeito ao assunto, são habitualmente criadores de monólogos — revelam algum indício em sua linguagem. Todos já ouvimos (e quão amiúde!) a personagem de Molière que exprime surpresa ao declarar que ele fala em prosa. Mas monsieur Jourdain é que estava certo, e não seu mentor ou seu criador: ele não falou em prosa, apenas conversou. E por isso que pretendo esboçar uma tripla distinção: entre
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a prosa e o verso e nossa linguagem c o m u m q u e está mais abaixo do nível tanto do verso q u a n t o da prosa. Assim, se vocês a encararem nesse sentido, parecerá q u e a prosa, no palco, é tão artificial q u a n t o o verso; ou, a l t e r n a d a m e n t e , q u e o verso pode ser tão natural q u a n t o a prosa. Mas e n q u a n t o o espectador sensível da plateia percebe, ao ouvir uma excelente prosa falada n u m a peça, q u e ela é algo melhor do q u e u m a conversa c o m u m , ele não a considera c o m o uma língua inteiramente distinta d a q u e l a q u e ele próprio fala, pois isso ergueria u m a barreira entre ele e as personagens imaginárias no palco. Por outro lado. muitíssimas pessoas aproximam-se de u m a peça q u e sabem estar escrita em verso conscientes da diferença. E u m a lástima q u a n d o são repelidas pelo verso, mas pode ser t a m b é m deplorável q u a n d o são atraídas por ele, caso isso signifique q u e estejam preparadas para desfrutar da peça e sua linguagem como duas coisas distintas. O principal efeito do estilo e do ritmo na linguagem dramática, quer em prosa, quer em verso, deveria ser inconsciente. Conclui-se daí que a mistura da prosa e do verso na m e s m a peça deve ser evitada, pois cada transição torna o espectador consciente, através de um sobressalto, do recurso utilizado. Podemos dizer q u e isso é justificável q u a n d o o autor deseja produzir tal sobressalto, isto é, q u a n d o p r e t e n d e deslocar violentamente a platéia de um plano da realidade para outro. Suspeito que essa espécie de transição fosse facilmente aceita por u m a platéia elisabetana, a cujos ouvidos t a n t o a prosa q u a n t o o verso chegavam naturalmente; por q u e m apreciava a comédia rasteira e bombástica na mesma peça; e a q u e m parecia talvez apropriado que as mais humildes e rústicas personagens devessem falar u m a linguagem chula, e n q u a n t o as de nível mais elevado deveriam se expressar em verso. Mas m e s m o nas peças de Shakespeare algumas das passagens em prosa parecem ter sido esboçadas para produzir um efeito de contraste q u e , q u a n d o o b t i d o , é algo que jamais se torna anacrónico. As batidas no portão em Mache//? são um exemplo q u e vem à m e n t e de q u a l q u e r u m ; mas por muito t e m p o me pareceu q u e a alternância das cenas cm prosa e em verso de Hennc/ue IV indicava um contraste irónico entre o m u n d o da alta política e o m u n d o da vida c o m u m . A platéia provavelmente imaginou que estes esti-
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vessem lhe proporcionando uma peça de crónica social costumeira com cenas divertidas da vida pobre; todavia, as cenas em prosa tanto da primeira parte q u a n t o da segunda desferem uma crítica sardónica às ruidosas ambições dos líderes dos partidos que se envolveram na insurreição dos Percy. 2 Hoje, todavia, devido às dificuldades q u e enfrenta o drama em verso, creio que o drama cm prosa deveria a rigor ser utilizado mais parcimoniosamente, que deveríamos almejar u m a forma de verso na qual tudo pudesse ser dito e q u e , q u a n d o encontrássemos alguma situação à qual o verso não se adaptasse, isso ocorreria apenas porque nossa forma de verso seria inelástica. E se f icasse provado haver cenas que não pudéssemos colocar em verso, deveríamos ou aprimorar nosso verso, ou evitar introduzir tais cenas, pois temos que acostumar nossas platéias ao verso até o ponto em q u e estas deixem de perceber que ele existe; e introduzir diálogos em prosa equivaleria apenas a desviar sua atenção da própria peça para o veículo por meio do qual ela se exprime. Mas se nosso verso for tão distenso a ponto de tornar-se incapaz de dizer o que hã para ser dito, concluise que não será poesia" durante todo o tempo. Só será " p o e sia' q u a n d o a situação dramática atingir tal ponto de intensidade que a poesia se torne elocução natural, porque então é a única linguagem na qual as emoções podem ser cabalmente expressas. E de fato necessário para qualquer poema longo, se desejarmos escapar à monotonia, ser capaz de exprimir coisas simples sem efeitos patéticos, bem como empreender os mais altos vôos sem abusiva sonoridade. E isso é ainda mais importante n u m a peça, especialmente se ela aborda a vida contemporânea. A razão para escrever até as partes mais prosaicas de uma peça em verso utilizando o verso em lugar da prosa, não é, todavia, apenas evitar chamar a atenção da platéia para o fato de que, em outros momentos, ela está ouvindo poesia. E que o verso rítmico t a m b é m deveria produzir seus efeitos nos ouvintes, sem que estes estivessem conscientes disso. Uma rápida análise de 2. Sene de revoltas ocorridas entre 1-103 e 1108. d u r a n t e o reinado de Henrique IV, inspiradas pela família Percy, n o t a d a m e n t e Henry Percy (1364-1403). c h a m a d o Hotspur, e seu tio T h o m a s Percy (13 11-1103). ( N . T . )
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uma peça de Shakespeare pode ilustrar esse aspecto. A cena de abertura de Hamlet — tâo bem construída quanto jamais o foi uma cena dc abertura dc qualquer peça já escrita até hoje — tem a vantagem de ser uma daquelas que todos conhecem. O que não percebemos, quando assistimos a essa cena no teatro, é a grande variação de estilo. Nada é supérfluo, e não há um único verso que não se justifique por seu mérito dramático. Os primeiros vinte e dois versos estão construídos com as mais simples palavras na linguagem mais trivial. Shakespeare trabalhou por longo tempo no teatro e escreveu um bom número dc peças antes dc atingir o ponto em que conscguiu escrever aqueles vinte e dois versos. Nada existe de absolutamente tão simples e seguro em seu trabalho anterior. Ele desenvolveu de início o verso familiar, coloquial, no monólogo da parte que pertence à personagem: Faulconbridgc, no Ret João, e posteriormente a ama em Romeu e Julieta Trata-se de um passo adiante para conduzi-lo discretamente ao diálogo de respostas curtas. N e n h u m poeta pode tornar-se um mestre do verso dramático até que consiga escrever versos que, como estes de Hamlet, sejam transparentes. Vocês estão conscientemente à espera, não da poesia, mas do significado da poesia. Se ouvirem Hamlet pela primeira vez, sem conhecerem nada da peça, não julgo que possa ocorrer a vocês perguntar se os interlocutores estão falando em verso ou em prosa. O verso destina-se a exercer sobre nós um efeito diferente da prosa, mas, no m o m e n t o , o que temos é a consciência da noite gelada, dos soldados q u e estão de guarda nas ameias e do presságio de uma ação trágica. Não digo que não haja nenhum lugar destinado à situação em que parte do prazer de alguém consista no regozijo de ouvir bela poesia, contanto que o autor proporcione, naquele lugar, a fatalidade dramática. E, naturalmente, quando não só assistimos por diversas vezes a uma peça, mas também a lemos entre as encenações, começamos a analisar os recursos graças aos quais o autor produziu seus efeitos. Mas no instante do impacto imediato dessa cena ignoramos os meios de que ele se valeu para expressar-se. Das curtas e bruscas exclamações no princípio, adequadas a situação e â índole dos guardas - mas que não expressam
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mais caráter do que o exige sua função na peça —, o verso desliza num movimento mais vagaroso ante a chegada dos cortesãos Horácio e Marcelo. Hora t io says 'tis but our fantasy. c o movimento m u d a novamente diante da aparição dc Majestade, o espectro do rei, com o solene e sonoro What art thou, that usurp'st this time of night. (...)4 (e observem, a propósito, essa antecipação da intriga transmitida pelo emprego do verbo usurpar)\ e a majestade é sugerida n u m a alusão q u e nos recorda q u e o fantasma é este: So frowndd he once. when, in an angry parle, He smote the sle de d Polac ks on the ice Há u m a mudança abrupta para stacatto nas palavras q u e Horácio dirige ao Espectro em sua segunda aparição; esse ritmo m u d a novamente com as palavras We do it wrong, being so majestic il, To offer it the show of violence: For it is, as the air, invulnerable, And our vain blows malicious mockery} A cena chega a uma decisão com as palavras de Marcelo: It faded on the crowing of the cock. Some say that ever gainst that season comes Wrhe re in our Saviour's birth is celebrated, The bird oj dawning singe t h all night long; (...)' \ " D i / Horácio q u e t u d o não passa de nossa imaginação.' I. ( N . T . ) ι
" Q u e m és tu, q u e usurpas esta hora da noite.
Hamlet, Ato I, Cena
Hjm/et, Ato I. Cena I. ( N . T . )
V "Ele franzia os sobrolhos do m e s m o m o d o , q u a n d o , n u m a entrevista confusa, / Derrubou de seus trenós os poloneses sobre o gelo.' Hamlet. Ato I, Cena I ( N . T . ) 6. "Fizemos mal, perante tanta majestade. / Oferecendo-lhe um espetáculo de violência, ' Porque e. c o m o o ar, invulnerável, / E nossos golpes vãos, u m a brincadeira c r u e l ! " Hamlet, Aro I, Cena I. ( N . T . ) 7. "Dissipou-se com o canto do galo. / Dizem q u e . q u a n d o está próximo o t e m p o / Da celebração do nascimento de nosso Salvador. / A ave da alvorada canta d u r a n t e a noite inteira. Hamlet, Ato I, Cena I. ( N . T . )
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e com a resposta de Horácio: have I heard and do in part believe it. But, look, the morn, in russet mantle clad\ Walks o 'er the dew of yon high eastern bill. Break we our watch up.s Isso é grande poesia, e é dramático; mas, além de poético e dramático, é algo mais. Ai allora, quando analisamos, uma especie de esboço também musical que reforça o movimento dramático e a ele se ajusta, retardando e acelerando o pulso de nossa emoção sem que disso nos apercebamos. Observem q u e nestas ultimas palavras de Marcelo há uma breve aparição do poético na consciência. Q u a n d o ouvimos os versos But, look, the morn, is russet mantle clad. Walks o *er the dew of yon high eastern hill somos afastados por um m o m e n t o para além da personagem, mas não com o sentido de inadequação das palavras q u e nos chegam, precisamente nesse m o m e n t o , dos lábios de Horácio. As transições cênicas obedecem às leis da música da poesia dramática. Reparem que os dois versos da fala de Horácio q u e citei por duas vezes estão precedidos por um verso de linguagem mais simples e que poderia estar tanto cm verso quanto em prosa: So have I heard and do in part believe it.10 e que ele os conclui de forma abrupta com um semiverso q u e provavelmente nada mais é que uma rubrica: Break we our watch up.u Seria interessante rastrear, por meio de uma análise semelhante, esse problema de duplo modelo no grande drama poético o modelo que pode ser examinado do ponto de vista da montagem de peças teatrais ou da música. Mas imagino que o exame 8. "Ε o que tenho ouvido e em que acredito em parte. / Mas, vede. a aurora, num manto avermelhado. / Caminha sobre o orvalho daquela alta colina ao Oriente. / Rendamos nossa g u a r d a . " Hamlet, Ato 1, C ena 1. ( N . T ) 9. Trata-se do segundo e terceiro versos traduzidos na nota 8. 10. 1 rata-se do primeiro verso traduzido na nota 8 11. Trata-se do último verso traduzido na nota 8.
dessa única cena baste para nos mostrar que o verso não constitui simplesmente uma formalização, ou um enfeite que se acrescenta, mas algo que intensifica o drama. Isso indicaria t a m b é m a importância do efeito inconsciente do verso sobre nós. E, finalmente, não julgo que esse efeito seja sentido apenas pelos integrantes de uma platéia que "gosta de poesia", mas t a m b é m por aqueles que desfrutam de uma peça sozinhos. Por pessoas que não gostam de poesia e n t e n d o aquelas que não conseguem se sentar com um livro de poesia e se satisfazer com sua leitura; t a m b é m essas pessoas, q u a n d o assistem a uma peça em verso, deveriam ser tocadas pela poesia. E são elas q u e constituem a plateia que o escritor de tais peças deve ter em m e n t e . A esta altura, eu poderia dizer u m a palavra sobre aquelas peças que t h a m a m o s de poéticas, embora estejam escritas em prosa. As peças de J o h n Millington Synge 12 são antes um caso especial, pois se baseiam no idioma de uma população rural cuja linguagem é naturalmente poética tanto no q u e se refere às imagens q u a n t o no que concerne ao ritmo. Creio q u e o autor chegou mesmo a incorporar frases que ouviu dessa população interiorana da Irlanda. A linguagem de Synge não é compreensível senão nas peças encenadas para essa mesma platéia. Podemos tirar conclusões mais genéricas a partir das peças em prosa (tão estimadas cm minha juventude, mas q u e agora dificilmente são lidas) de Maeterlinck, l a i s peças estão, n u m sentido distinto, limitadas por sua temática; e dizer q u e nelas a caracterização é obscura constitui u m a interpretação incompleta. Não nego que elas tenham certa qualidade poética. Mas para ser poético cm prosa, um dramaturgo tem dc ser tão consistentemente poético que seu alcance se torna muito restrito. Synge escreveu peças sobre personagens cujas réplicas vivas conversavam poeticamente, dc m o d o que pôde fazê-las dialogar em verso e permanecer como pessoas reais. O dramaturgo que escreve em prosa poética sem dispor desse privilégio tende a ser extremamente poético. O drama poético cm prosa está mais limi12. Synge, J o h n Millington. D r a m a t u r g o irlandês ( R a t h f a r n h a m , 1909), autor de peças "célticas" e altamente poéticas, como ( 1901) e The well o) the saints (1905), mas sua obra-prima é. sem boy of the U estern world (1907). Escreveu t a m b é m a tragedia que ficou inacabada ( N . T . )
1871 — D u b l i n . Ridden to the sea dúvida, The playsombria Dei rd re.
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tado pela convenção poética ou por nossas convenções, q u a n d o sua temática é poética, do que o drama poético em verso. Lm autêntico verso dramático pode ser utilizado, como o laz Shakespeare, para dizer as coisas mais corriqueiras. Yeats é um caso muito distinto dos de Maeterlinck ou Synge. Um estudo de sua evolução como dramaturgo revelaria, creio eu, a grande distância que os separa e o êxito de suas ultimas peças. Em seu primeiro período, ele escreveu peças em verso sobre temas convencionalmente adaptados como o exigia o verso, numa métrica que — embora denuncie, nesse primeiro estágio, o ritmo pessoal dc Yeats - não constitui a rigor u m a forma de linguagem inteiramente adequada a ninguém, à exceção de reis e rainhas míticos. As Plays for dancers do período intermediário são muito bonitas, mas não solucionam n e n h u m problema do dramaturgo com o verso: são peças em prosa poética com expressivos intcrlúdios em verso. Apenas em sua última peça. Purgatory, é que ele resolveu seu problema com a linguagem em verso, legando a todos os seus sucessores uma dívida para com ele.
comunicação, daquilo que o leitor dela irá receber, não é o primordial: se seu poema estiver correto para vocês, vocês só podem esperar q u e os leitores venham eventualmente a aceitá-lo. O poema pode aguardar um pouco; a aprovação dc alguns críticos simpáticos e criteriosos é o bastante para começar; e serve para que os futuros leitores entrem em contato com o poeta além da metade do caminho. Mas no teatro o problema da comunicação se apresenta de imediato. Vocês estão intencionalmente escrevendo verso para outras vozes, não para a sua, e não sabem que vozes serão essas. Vocês estão planejando escrever versos que tenham um efeito imediato sobre u m a platéia desconhecida e despreparada, a serem interpretados para essa platéia por atores desconhecidos ensaiados por um diretor desconhecido. E não cabe esperar que essa platéia desconhecida demonstre qualquer indulgência para com o poeta. O poeta não pode se permitir escrever sua peça simplesmente para seus admiradores, para aqueles que conhecem sua obra não-dramática e estão dispostos a receber favoravelmente t u d o aquilo em que puser seu nome. Ele deve escrever tendo em vista u m a platéia que tudo ignora e que não está absolutamente interessada cm qualquer antecipado sucesso que possa ter alcançado antes dc se aventurar ao teatro. Conseqüentemente, conclui-se q u e muitas das coisas que se gosta de fazer, c que se sabe como fazer, são inoportunas; e que qualquer verso deve ser julgado por uma nova lei, a da relevância dramática.
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Arriscar-me-ia a fazer agora algumas observações baseadas em minha própria experiência, o que me levará a comentar minhas intenções, malogros e êxitos parciais. Faço isso na suposição de que qualquer explorador ou experimentador em novo território pode, com base nos registros de uma espécie de diário de suas explorações, dizer algo de útil àqueles que o acompanham a certas regiões e àqueles que talvez possam ir mais longe. A primeira coisa de alguma importância que descobri foi que um escritor que trabalhou por muitos anos, e adquiriu certo sucesso ao escrever outros tipos de verso, tem que se aproximar do texto de uma peça em verso com uma estrutura menta! diferente daquela a que se habituou cm seu trabalho anterior. Ao escrever outro tipo de verso, julgo que se esteja escrevendo, por assim dizer, nas condições da própria voz: a maneira como ela soa quando vocês o lêem para si mesmos é o teste, porque são vocês mesmos que estão falando. O problema da
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Q u a n d o escrevi Murder m the cathedral13 eu tinha a vantagem, para um principiante, de uma ocasião que requeria um assunto geralmente admitido como apropriado ao verso. As peças em verso, como se havia em geral sustentado, deveriam tirar sua temática ou de alguma mitologia, ou, do contrário, de algum distante período histórico, afastado o bastante do presente para que as personagens não precisassem ser rcconhccíveis como seres humanos e, por conseguinte, estivessem autorizadas a dialogar em verso. Períodos pitorescos costumam tornar o verso muito mais aceitável. Alem disso, minha peça foi escrita com o objetivo de ser encenada para um tipo de platéia algo 13. É a primeira tias cinco peças escritas por Eliot, publicada em 1933. Alguns de seus fragmentos toram aprovei ι ados pelo autor em burnt Norton. o primeiro dos Four quartets, sob a forma de temas recorrentes. (Ν Γ )
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especial - uma platéia constituída por essas pessoas serias que freqüentam "festivais" e esperam edificar-se pela poesia embora talvez, nessa ocasião, algumas delas não estivessem em absoluto preparadas para aquilo a que iam assistir, h atinai era uma peça religiosa, e as pessoas que deliberadamente assistem a uma peça religiosa num festival religioso esperam ser pacientemente toleradas e se satisfazer com o sentimento de que cumpriram algo meritório. Assim, o c a m i n h o foi percorrido facilmente. Só q u a n d o pus minha cabeça para pensar no tipo de peça que pretendia escrever em seguida é que cheguei à conclusão de que, em Murder in the cathedral, eu não resolvera n e n h u m problema geral, mas, do meu ponto de vista, a peça não tinha saída. Em primeiro lugar, o problema de linguagem que essa peça me criou era especial. Felizmente, não tive de escrevê-la na língua do século XII, pois essa língua, ainda que eu conhecesse o francês normando e o anglo-saxão, teria sido ininteligível. Mas o vocabulário e o estilo não podiam ser exatamente os da conversação moderna — como em algumas peças modernas francesas que recorrem à intriga e às personagens do drama grego — porque eu não havia considerado minha platéia voltada para um acontecimento histórico; o fato, porém, é que eles não podiam dar-se o luxo de serem arcaicos: primeiro, porque o arcaísmo teria apenas sugerido o período errôneo; segundo, porque eu queria colocar a platéia a par da relevância contemporânea da situação. Por isso. o estilo tinha de ser neutro, não comprometido nem com o presente nem com o passado. Q u a n t o à versificação, eu só estava consciente àquela época de que o essencial era evitar qualquer imitação de Shakespeare, pois me convencera de que o malogro fundamental dos poetas do século XIX ao escreverem para o teatro (e a maioria dos maiores poetas ingleses se aventurou ao drama) não pode ser atribuído à sua técnica teatral, mas à sua linguagem dramática; e de que isso se devia em grande parte à sua limitação a um estrito verso branco que, após um abusivo emprego na poesia não-dramática, perdera a flexibilidade que o verso branco deveter caso pretenda proporcionar o efeito da conversação. O ritmo do verso branco regular tornara-se muito distante do movimento da linguagem moderna. Por conseguinte, o que eu tinha em
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m e n t e era a versificação de Everyman," na esperança de q u e qualquer raridade fonica aí incluída pudesse ser, no c o n j u n t o , proveitosa. Uma fuga do verso excessivamente iâmbico, certo emprego da aliteração e ocasionais rimas inesperadas ajudaram a distinguir a versificação daquela que se utilizou no século XIX.
A versificação do diálogo em Murder in the cathedral tem, por isso mesmo, em minha opinião, apenas um p o n t o negativo: ela foi bem-sucedida ao evitar o que tinha de ser evitado, mas isso não levou a n e n h u m a novidade positiva; em suma, na medida em q u e isso resolveu o problema da linguagem em verso para um texto de hoje, somente o resolveu para essa peça, não me fornecendo n e n h u m a chave para o verso que eu utilizaria em outro gênero de peça. Aqui, portanto, dois problemas ficaram sem solução: o da língua e o da métrica (na verdade são um mesmo problema), para uso geral em qualquer peça que eu desejasse escrever no futuro. Tornei-me em seguida conscio de minhas razões por ter permanecido, nessa peça, tão intensamente subordinado à ajuda do coro. Havia dois motivos para isso que, circunstancialmente, o justificavam. O primeiro era 0 de que a ação essencial da peça — tanto os fatos históricos q u a n t o o assunto que inventei — fosse algo limitada. Um h o m e m chega em casa prevendo que será assassinado, e o crime se consuma. Não pretendi aumentar o n ú m e r o de personagens nem escrever uma crônica sobre a política do século XII, como tampouco adulterar inescrupulosamente a situação com escassos registros históricos, como o fez Tennyson ao introduzir a bela Rosamunda e ao sugerir que Becket tenha sido infeliz no amor durante a primeira juventude. 1 5 Preferi fixar-me na morte e no martírio. A introdução de um coro de mulheres excitadas e algo histéricas, refletindo em sua emoção a relevância da ação, ajudou maravilhosamente. O segundo motivo foi este: o de que um poeta, ao escrever pela primeira vez para o palco, está 1 » Truta st* talvez do mais consumado exemplo entre as antigas moralidades inglesas (c 1529), coni passagens decerto destinadas a revitalizar o ensino específico de Roma. Escritas d u r a n t e os reinados de H e n r i q u e VI e H e n r i q u e VII, essas moralidades h a b i t u a l m e n t e alegorizam o conflito entre o bem e o mal, sem n e n h u m propósito de controvérsia religiosa. ( N . T . ) η Eliot alude aqui à tragédia Bei kel, q u e I cniivson escreveu em 188 i e q u e , após a morte do autor, alcançou extraordinário sucesso em quase todos os palcos ingleso. ( N . T . )
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muito mais à vontade no verso coral do que no diálogo dramático. Isso, sinto-o seguramente, era algo que eu podia lazer, e talvez a fragilidade dramática fosse um pouco neutralizada pelos gritos das mulheres. O emprego de um coro fortaleceu o poder e dissimulou as falhas de minha tecnica teatral. Por essa razão decidi que da próxima vez tentaria fazer com que o COTO se integrasse mais intimamente à peça. Pretendi descobrir também se aprenderia a dispensar inteiramente o uso da prosa. As duas passagens cm prosa de Mur der in the cathedral não podiam ter sido escritas em verso. E claro que, devido ao tipo de diálogo em verso que utilizei nessa peça, a platéia ficaria desconfortavclmente conscia de que era verso o que estava ouvindo. Um sermão protendo em verso constitui uma experiência bastante incomum até mesmo para o mais assíduo fiel: ninguém poderia em absoluto reagir a ele como a um sermão. E nas falas dos cavaleiros, que estão absolutamente cônscios de que se dirigem a uma platéia surda, o uso da prosa tribunícia destinou-se, é claro, a produzir um efeito especial: o de arrancar a platéia dc sua satisfação. Mas isso é uma espécie de truque, ou seja, um artifício cabível apenas em uma peça e inútil cm qualquer outra. Que eu saiba, admito ter sido ligeiramente influenciado por Saint Joan.16 Não desejo dar-lhes a impressão de que eu expurgaria da poesia dramática estas três coisas: a temática histórica ou mitológica, o coro e o tradicional verso branco. Não desejo formular nenhuma lei segundo a qual as personagens e as situações da vida moderna são as únicas adequadas, ou de acordo com a qual a peça cm verso consistisse apenas de diálogos, ou conforme a qual a versificação inteiramente nova fosse necessária. Estou apenas esboçando o roteiro de investigação de um escritor, e o meu. Se o drama poético quiser reconquistar seu lugar, deve, em minha opinião, entrar em franca competição com o drama em prosa. Como já disse, as pessoas estão dispostas a edificar-se com o verso que sai dos lábios de personagens vestidas com os figurinos de alguma época distante; conseqüentemente, deveriam elas estar preparadas para ouvi-lo das pessoas que se vestem como nós, que vivem em casas e apartamentos 16. Uma das mais conhecidas peças de George Bernard Shaw, escrita em 1923 (N T )
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como os nossos, e que usam telefones, automóveis c aparelhos de rádio. As platéias estão dispostas a aceitar a poesia recitada por um coro, porque se trata de uma espécie de recital de poesia que as leva a crer que se divertirão. E as platéias (aquelas constituídas de pessoas que se dispõem a assistir a uma peça em verso porque ela está escrita em verso) esperam que a poesia esteja composta em ritmos que perderam contato com a linguagem coloquial. O cjue temos de fazer é levar a poesia ao m u n d o em que essa platéia vive c ao qual retorna q u a n d o sai do teatro; mas não transportar a platéia para algum universo imaginário inteiramente alheio ao seu, um m u n d o irreal em que a poesia é tolerada. O que espero que possa ser realizado, por uma geração de dramaturgos que têm o privilégio de nossa experiência, é fazer a platéia descobrir, no instante em que se conscientiza de que está ouvindo poesia, que está dizendo para si mesma: Eu também poderia conversar em verso!". Logo, não deveríamos ser transportados para um m u n d o artificial; pelo contrário, nosso próprio m u n d o sórdido, cotidianamcnte sombrio, poderia ser de súbito iluminado e transfigurado. Por essa razão, em minha peça seguinte resolvi abordar um tema da vida contemporânea, com personagens do nosso tempo vivendo cm nosso m u n d o . O resultado foi The family reunion.1 Aqui, meu primeiro interesse foi com o problema da versificação, no sentido de encontrar o ritmo adequado à linguagem contemporânea, no qual aò sílabas tónicas podiam ser distribuídas de modo a descobrirmos onde naturalmente deveríamos colocá-las ao articularmos a frase particular na situação particular. O que decidi foi substancialmente o que já vinha utilizando: um verso de duração flutuante e de variado número de sílabas, com uma cesura e três acentos tônicos. A cesura e as sílabas tônicas podem ser dispostas em pontos diferentes, praticamente em qualquer lugar no verso; as sílabas tônicas podem estar muito próximas ou bastante afastadas por sílabas leves; a única regra é a de que uma sílaba tônica deve estar dc um lado da cesura e duas do outro. Em resumo, logo percebi que havia dirigido minha atenção para a versificação à custa da intriga e da personagem. Na verdade, eu conseguira algum progresso 1 " É a segunda peça de Eliot, publicada em 1939. C o m o a anterior, esta t a m b é m antecipa alguns dos temas recorrentes que iremos encontrar nos Four quartets. ( N . T . )
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ao prescindir do coro, mas o artifício de utilizar quatro das S personagens secundárias para representar a Família, às vezes Μ I como partes da personagem individual e às vezes coletivamenW t e como coro, não m e pareceu muito satisfatório. E m primeiro j· lugar, a transição imediata da parte individual, caracterizada, para a do integrante de um coro é exigir demais dos atores: ^B trata-se de uma transição muito difícil de realizar. Segundo, fll isso me pareceu um outro truque, aquele que, embora bemsucedido, poderia não ser aplicável em outra peça. Além disso, eu utilizara em duas passagens o artifício de um d u e t o lírico posteriormente retirado do resto do diálogo por estar escrito em versos mais curtos com apenas duas sílabas tônicas. Em certo sentido, tais passagens estão "além da personagem' e os interlocutores têm que ser apresentados como se estivessem mergulhados num estado semelhante ao transe para talar de si mesmos. Mas elas estão de tal modo distantes da necessidade da ação que dificilmente constituem mais do q u e trechos poéticos que não poderiam ser falados por ninguém; essas passagens se assemelham muito mais a árias operísticas. O espectador da platéia, se gosta desse tipo de coisa, entra em êxtase com a interrupção da ação dramática e passa a fruir de u m a fantasia poética; tais passagens estão a rigor menos associadas à ação do
que os coros em Murder in the cathedral. Observei que, quando Shakespeare, em uma dc suas peças maduras, introduz o que poderia parecer um verso ou trecho puramente poético, ele nunca interrompe a ação ou revela-se alheio à personagem, mas, pelo contrário, de algum m o d o misterioso fortalece tanto a ação quanto a personagem. Q u a n d o Macbeth diz suas tão freqüentemente citadas palavras To-morrow and to morrow and to morrow,18 ou quando Otelo, confrontado à noite com o sogro e os amigo s indignados, pronuncia o belo verso Keep up your bright swords, for the dew will rust them. 18. " A m a n h ã c amanhã c a m a n h ã . ' Macbeth. Aio V. Cena V. (Ν T . ) 19 " G u a r d a i vossas brilhantes espadas, pois o orvalho as e n f e r r u j a r á . " Otello. Ato I. Cena II. ( N . T . )
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não percebemos que Shakespeare haja concebido versos que expressam bela poesia e deseje ajustá-los de algum m o d o , ou que haja, por um instante, chegado ao fim de sua inspiração dramática e retornado à poesia para com ela preencher o vazio. Os versos são inesperados e, no entanto, se a d a p t a m à personagem; ou então somos levados a ajustar nossa concepção da personagem de tal m o d o que os versos se tornam a d e q u a d o s a esta. Os versos ditos por Macbeth revelam a fadiga do h o m e m fraco que foi obrigado por sua esposa a realizar seus próprios desejos timoratos e suas ambições e que, com sua morte, perde a razão para continuar. O verso de Otelo expressa ironia, dignidade e destemor; e incidentalmente nos recorda a noite em q u e a cena se desenrola. Somente a poesia poderia fazê-lo, mas é poesia dramática, ou seja, não interrompe, mas intensifica, a situação dramática. Não foi apenas graças à introdução de passagens q u e despertaram a atenção como poesia, e que não podiam se justificar dramaticamente, que considerei The family reunion defeituosa: havia duas fraquezas que viriam a me afligir como ainda mais graves. A primeira era que eu ultrapassara em muito o t e m p o estritamente limitado que se concede a um d r a m a t u r g o para q u e exponha uma situação, e não me concedi o t e m p o suficiente, ou não me abasteci com material bastante, para desenvolvê-la na ação. Eu havia escrito o que constituía, cm conjunto, um bom primeiro ato, muito embora ele fosse, para um primeiro ato, demasiado longo. Q u a n d o o pano subiu novamente, a platéia estava aguardando, como lhe compete aguardar, que algo fosse acontecer. Na verdade, ela se considera convidada a uma exploração que a conduza para além do f u n d o de cena: em outras palavras, àquilo que lhe deveria ter sido anunciado muito antes, se é que o foi. O início do segundo ato apresenta, na maioria das vezes, o mais difícil desafio para o diretor e o elenco, pois a atenção da platéia começa a se diluir. E então, após o que parece a essa platéia um interminável t e m p o de preparação, o desfecho chega tão a b r u p t a m e n t e q u e nos encontramos, afinal de contas, «despreparados para ele. Essa foi uma falha elementar na estrutura mecânica da peça. A mais aguda de todas as talhas, porém, ocorreu devido a um malogro na adaptação do episódio grego à situação moderna.
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Eu deveria, ou ter me apegado mais intimamente a Esquilo, " ou então tomado em boa parte mais liberdade com seu mito. Prova disso é a aparição daquelas desgraçadas figuras, as Fúrias. 21 Elas devem, no futuro, ser omitidas do elenco e se tornar visíveis apenas para algumas de minhas personagens, e não para o público. Tentamos todas as maneiras possíveis de representálas. Pusemo-las no palco, e elas se assemelhavam a hóspedes indesejados que perambulavam num baile à fantasia. Ocultamolas sob gazes, e elas nos deram a impressão de que haviam saído de um filme de Walt Disney. Tornamo-las mais sombrias, e elas pareciam moitas que se moviam do lado de tora da janela. Vi outros expedientes serem tentados: percebi-as fazendo sinais atrave's do jardim, ou enxameando no palco como um time de futebol, e jamais estavam corretas. Jamais funcionaram quer como deusas gregas, quer como fantamasgorias modernas. Mas seu malogro foi simplesmente um sintoma do fracasso em adaptar o antigo ao moderno. Uma evidência mais grave é a de que somos a b a n d o n a d o s numa estrutura mental dividida, ignorando se consideramos a peça como a tragédia da mãe ou como a salvação do filho. As duas situações não se reconciliam. Encontrei a confirmação disso no fato de que minhas simpatias se dirigem agora todas para a mãe, que me parece, não fosse talvez pelo motorista, o único ser humano completo na peça; e meu herói assalta-me agora como um intolerável gatuno. Bem, eu fizera algum progresso aprendendo como escrever o primeiro ato de uma peça, e — a unica coisa de q u e me sentia seguro — boa parte desse progresso fora obtida q u a n d o encontrei a forma de versificação e a linguagem q u e atenderiam a todos os meus propósitos, sem recorrer à prosa ou a transições descontínuas entre a mais intensa das falas e o mais frouxo diálogo. Vocês poderão compreender, após essas críticas q u e faço a The family reunion, alguns dos erros que me esforcei 20. Em gr. Aiskhylos. Poeta tràgico grego (Eleusis, perto de Atenas, c. 525 a . C . Gela, Sicília, 426 a.C.). pertencente a uma família da antiga nobreza ateniense. Escreveu mais de noventa tragédias, das quais sete chegaram completas até nossos dias. entre elas As suplicantes, Os sete contra Tebas, Prometeu acorrentado e a trilogia Ores tia Segundo Aristóteles, foi o criador da tragédia grega. ( N T ) 21. Na mitologia grega, divindades infernais. ( N . T . )
por evitar no projeto de The cocktail party.11 Para começar, nem coro nem fantasmas. Eu estava ainda inclinado a recorrer a um dramaturgo grego para urdir o meu tema, mas decidi fazêlo apenas como um p o m o de partida e para dissimular tão bem as origens de modo que ninguém pudesse identificá-las até q u e eu as revelasse por mim mesmo. Nisso, pelo menos, fui bemsuccdido, pois ninguém de minhas relações (e n e n h u m crítico teatral) reconheceu que a matriz de minha história era Alceste de Eurípedes. 2 3 Na verdade, tive dc descer a uma explicação detalhada para convencê-los — refiro-me, é claro, àqueles q u e estavam familiarizados com a trama dessa peça — da autenticidade da inspiração. Mas os que estavam inicialmente perturbados com o comportamento excêntrico de meu convidado desconhecido, ou com seus hábitos aparentemente destemperados e sua tendência a explodir n u m a canção, encontraram certo consolo ao ter sua atenção despertada para o c o m p o r t a m e n t o de Heracles na peça de Eurípedes. Em segundo lugar, impus-mc a regra ascética dc evitar qualquer poesia q u e não pudesse resistir ao teste da estrita utilidade dramática: com tamanho êxito, aliás, que talvez seja uma questão aberta não haver em absoluto qualquer poesia na peça. E, afinal, busquei ter em m e n t e q u e n u m a peça, de vez em quando, algo deveria acontecer, que a platéia deveria manter-se na constante expectativa de que algo vai acontecer e que, q u a n d o acontece, deveria ser diferente, mas não muito diferente, daquilo que o público fora induzido a esperar. Ainda não cheguei ao fim dc minha investigação q u a n t o às fraquezas dessa peça, mas espero e presumo descobrir mais do que aquelas de que já estou consciente. Digo espero" porque, assim como ninguém jamais repete um sucesso — e, por conseguinte, deve sempre tentar descobrir algo de diferente, ainda que menos popular, para fazer —, t a m b é m o desejo de escrever alguma coisa que esteja livre das falhas da última obra 22. É a terceira das peças de Eliot, publicada em 1949. ( N . T . ) 23 Em gr. Euripídés Poeta trágico grego (Salamina, c »85 a.C. Pela. Macedònia. 406 a.C ). considerado por Aristóteles o mais trágico d e n t r e todos os tragediógrafos de seu t e m p o . A obra a que Eliot se refere data de -1.38 a.C. Além dessa, c u m p r e lembrar A\ bacantes. Medeia, As troianas, Electra, Andrômaca, Efigênia em Tá uri da, lie/ena e Orestes. ( Ν . Τ )
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de alguém constitui um poderosíssimo e proveitoso incentivo. Estou ciente de que o último ato de minha peça somente escapa, se de fato escapa, à acusação de que não é um último ato, e sim um epílogo; e decidi fazer algo diferente, se o p u d e r , a esse respeito. E creio também que, assim como a auto-educação de um poeta que tenta escrever para o teatro parece exigir um longo período destinado a disciplinar sua poesia — e a submetê-la, por assim dizer, a uma severa dieta para adaptá-la às necessidades do palco —, ele pode, por outro lado, descobrir que mais tarde, quando (e se) o conhecimento da técnica teatral se tornar uma segunda natureza, será capaz de atrever-se a fazer um uso mais liberal da poesia e tomar maiores liberdades no que se refere à linguagem coloquial ordinária. F u n d a m e n t o essa crença na evolução de Shakespeare e em algum estudo da linguagem de suas últimas peças. Ao dedicar tanto tempo ao exame de minhas próprias peças, fui movido a fazê-lo, suponho, por um motivo maior do q u e o egoísmo. Parece-me que, se nos cabe ter um d r a m a poético, é mais provável que ele nos venha de poetas q u e a p r e n d e r a m como escrever peças do que de talentosos dramaturgos em prosa que aprenderam a escrever poesia. Q u e certos poetas sejam capazes de aprender como escrever peças, e boas peças, p o d e ser apenas uma esperança, mas não creio q u e se trate de u m a esperança absurda; mas que alguém que começou escrevendo peças em prosa de sucesso seja capaz de aprender como escrever boa poesia parece-me extremamente improvável. E, nas presentes condições, e até que a peça em verso seja reconhecida por um público mais numeroso como possível fonte de e n t r e t e n i m e n t o , o poeta provavelmente só terá sua o p o r t u n i d a d e de trabalhar para o palco após adquirir alguma espécie de notoriedade para si mesmo como autor de outros tipos de verso. Por isso foi m e u desejo registrar, já que pode ser valioso para outros, certa avaliação das dificuldades que tenho encontrado, dos equívocos em que tenho incorrido e das fraquezas que me sinto i n d u z i d o a tentar superar. Eu não gostaria de concluir sem tentar estabelecer para vocês, embora apenas em vagas linhas gerais, o ideal pelo qual o drama poético deveria pugnar. É um ideal inatingível:
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eis por q u e ele me interessa, porque fornece um estímulo às futuras experiências e explorações a partir de qualquer objetivo que alimente a expectativa de atingi-lo. E atributo de toda arte nos proporcionar certa percepção de u m a ordem na vida ao impor u m a ordem sobre ela. O pintor trabalha por meio da seleção, da combinação e da ênfase entre os elementos do m u n d o visível; o músico, no m u n d o do som. Parece-me q u e , para além das emoções e motivos reconhecíveis e classificáveis de nossa vida consciente q u a n d o orientada para a ação — a parte da vida que o drama em prosa é cabalmente capaz de expressar —, há uma franja de extensão indefinida, de sentim e n t o que só podemos vislumbrar, por assim dizer, com o canto do olho e q u e jamais podemos focalizar c o m p l e t a m e n t e ; de sentimento do qual só nos tornamos conscientes graças a u m a espécie de distanciamento da ação. Há grandes d r a m a t u r gos em prosa — como Ibsen e Tchékhov — q u e realizaram às vezes coisas das quais eu não imaginaria que a prosa fosse capaz, mas que me parecem, apesar de seu sucesso, ter sido prejudicados no q u e se refere à expressão por escreverem em prosa. Esse alcance peculiar da sensibilidade pode ser expresso pela poesia dramática em seus momentos de maior intensidade. Nesses momentos tangenciamos a fímbria daqueles sentimentos q u e apenas a música pode exprimir. Não podemos jamais competir com a música, pois chegar à condição de música equivaleria à extinção da poesia, especialmente da poesia dramática. Não obstante, t e n h o diante dos olhos u m a espécie de miragem da ação h u m a n a e das palavras, tal como apresentar de imediato os dois aspectos da ordem dramática e da ordem musical. Parece-me que Shakespeare a materializou pelo menos em algumas cenas — inclusive algo p r e m a t u r a m e n t e , pois há a cena do balcão de Romeu e Julieta —, e isso era o q u e ele estava se esforçando por obter em suas últimas peças. Ir tão longe q u a n t o possível nessa direção, sem perder aquele contato com o m u n d o ordinário cotidiano ao qual o drama deve se adaptar, parece-me o objetivo a d e q u a d o da poesia dramática. Por isso, afinal de contas, é função da arte, ao impor u m a ordem digna de crédito sobre a realidade ordinária — e, desse modo, trazer à superfície certa percepção de u m a ordem na realidade —, nos proporcionar uma condição de serenidade,
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de repouso e de reconciliação; e então nos deixar, como Virgílio deixou Dante, seguir para uma região cm que esse guia não poderá mais nos ser útil. NOTA A "POESIA E DRAMA" Como expliquei em meu Prefácio, a passagem nesse ensaio 1 que analisa a primeira cena de Hamlet foi extraída de uma conferência pronunciada alguns anos antes na Universidade de Edimburgo. Dessa mesma conferência de Edimburgo extraí a seguinte nota sobre a cena do balcão em Romeu e Julieta: Na primeira fala de Romeu ainda há certo artificialismo: Two of the fairest stars in all the heaven, Having some business, do intreat her eyes To twinkle in their sphers till they return.
E à Julieta cabe t a m b é m a palavra-chave " r e l â m p a g o " , q u e ocorre novamente na peça e que é sintomática da súbita e desastrosa intensidade de sua paixão, q u a n d o ela diz Tis like the lightning, which doth cease to be Ere one can say Ίί lightens '.1 Nessa cena, Shakespeare realiza uma perfeição dc verso que. sendo perfeição, nem ele nem ninguém mais pôde superálo no que se refere a esse propósito particular. A dureza, o artifitialismo, a ornamentação de seu verso inicial cede lugar, atinai, a uma simplificação da linguagem da fala natural, e essa linguagem de conversação ascende outra vez à grande poesia, à grande poesia que é essencialmente dramática, pois a cena possui u m a estrutura da qual cada verso é uma parte essencial.
Pois parece improvável que alguém situado abaixo, no nível do jardim, mesmo sob o intenso brilho do luar, pudesse perceber os olhos da amada cintilando tão luminosamente q u e fosse capaz de justificar tal comparação. Todavia, tem-se consciência dc q u e , desde o início dessa cena, há um modelo musical q u e se aproxima, tão inesperado cm seu gênero quanto aquele que se encontra nas primeiras obras de Beethoven. O arranjo de vozes — a Julieta cabem três únicos versos, seguidos por três, quatro e cinco de Romeu, aos quais se segue a mais longa das falas da heroína — é de fato notável. Nesse modelo percebe-se que cabe à voz de Julieta a parte principal; atribui-se à sua voz a frase dominante de todo o dueto: My bounty is as boundless as the sea, My love as deep: the more I give to thee The more I have, for both are infinite.26 24 Esse ensaio apareceu em sua forma primitiva como prefácio à tradução de The cocktail party, Aux Éditions du Seuil, Paris, 1952. ( N I ) 25. " D u a s das mais luminosas estrelas de todo o céu. / l e n d o alguma ocupação, suplicaram aos olhos dela / Q u e brilhassem em suas esferas até que elas voltass e m . " Romeu e Julieta, Ato II Cena II ( N T ) 26. " M i n h a bondade é tão ilimitada q u a n t o o mar, / E tão p r o f u n d o q u a n t o este é o meu amor: q u a n t o mais te dou / Mais tenho para dar-te, pois são ambos infinitos. Idem, ibidem. ( N . T . )
" M u i t o semelhante ao relâmpago que sc extingue / Antes q u e possamos d i z e r Esta r e l a m p e j a n d o ! ' " Idem. ibidem. (N T )
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Há pelo menos duas pessoas que poderiam ter discordado de mim nesse ponto: o Sr. e a Sra. Robert Browning. No poema O n e word m o r e " , escrito como epílogo a Men and women2 dirigido à Sra. Browning, o marido faz um surpreendente julgamento de valor: Rafael made a century of sonnets, Wade and wrote them in a certain volume, Dr η ted with the silver-pointed pencil Else he only used to draw Madonnas: These, the world might view but one. the volume. Who that one, you ask? Your heart instructs you... You and I would rather read that volume... Would we not? than wonder at Madonnas...
A primeira voz é a voz do poeta que fala consigo mesmo — ou com ninguém. A segunda voz é a voz do poeta ao dirigir-se a uma platéia, seja grande, seja p e q u e n a . A terceira é a voz do poeta quando tenta criar uma personagem dramática que fala em verso, quanto está dizendo, não o q u e diria à sua própria pessoa, mas apenas o que pode dizer dentro dos limites de uma personagem imaginária que se dirige a u m a outra personagem imaginária. A distinção entre a primeira e a segunda voz, entre o poeta que fala consigo mesmo e o poeta q u e fala com outra pessoa, conduz ao problema da comunicação poética; a distinção entre o poeta que se dirige a outra pessoa seja com sua própria voz, seja com uma voz hipotética, e o poeta q u e cria uma linguagem na qual personagens imaginárias falam entre si, aponta para o problema da diferença entre os versos dramático, quase dramático e nào-dramático. Desejo antecipar uma questão que alguns de vocês poderiam perfeitamente suscitar. Não pode um poema ser escrito para o ouvido, ou para o olho, de uma única pessoa? Poderiam vocês dizer simplesmente: " N ã o será a poesia de amor, às vezes, uma forma de comunicação entre uma pessoa e outra, sem nenhuma possibilidade de uma outra platéia?". 1. Decima primeira conferênua anual da Liga National do Livro, pronunciada em 1953 e publicada para essa instituirão pela Cambridge University Press. (N A )
Dante once prepared to paint an angel: Whom to please? You whisper 'Beatrice'... You and I would rather see that angel, Pat η ted by the tenderness of Dante. Would we not ? — than read a fresh Inferno.3 Concordo que um Inferno. ainda que escrito por D a n t e , é o que basta; e talvez não precisemos lamentar muito q u e Rafael não multiplicasse suas Madonas, mas só posso dizer q u e não sinto n e n h u m a curiosidade por quaisquer dos sonetos de Rafael ou dos anjos de Dante. Se Rafael escrevesse, e D a n t e pintasse, para os olhos de uma única pessoa, que sua privacidade fosse respeitada! Sabemos que o Sr. e a Sra. Browning gostavam de escrever poemas um para o outro porque os publicavam, e alguns deles eram bons. Sabemos que Rossetti 4 s u p u n h a estar 2
Coletânea publicada em 1855. ( N . T . )
3. "Rafael fez uma teniúria de sonetos, / Fê-los e escreveu-os n u m certo volume. / Gravados com o lápis de ponta de prata / Q u e usava apenas para desenhar Madonas: II Esi .is, ofertas ao m u n d o mas o volume, a uma só pessoa. ! Q u e m , perguntaria você? Seu coração lhe diz. . . / Você e eu bem q u e gostaríamos de 1er esse volume... / Não poderíamos? mais do q u e admirar Madonas... // D a n t e se preparou outrora para pintar um anjo: I Para agradar a q u e m ? A Beatriz, sussurrou você... / Você e eu bem q u e poderíamos ver esse anjo, I Pintado pela ternura de D a n t e , / Não poderíamos? em vez de 1er um novo I n f e r n o . " ( N . T . ) •1 Rossetti, Dante Gabriel Poeta e pintor inglês (Londres. I82H - Birchington, Kent. 1882), f u n d a d o r da Confraria Pre-Rafaelita q u e . cm 1847, se insurgiu contra a arte oficial Herdeira do csteticismo de Keats e Poe, sua poesia antecipa de certa forma o simbolismo. A obra citada por Eliot constitui um ciclo de sonetos, alguns dos quais figuram entre os mais belos da língua inglesa. ( N . T . )
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escrevendo os sonetos de sua House of life para uma única pessoa e que somente os exumou q u a n d o persuadido por seus amigos. Ora, não nego que um poema possa ser dirigido a u m a pessoa: há u m a forma conhecidíssima, nem sempre erótica no conteúdo, chamada A Epístola. Não teremos jamais u m a evidência conclusiva, pois o testemunho dc poetas sobre o q u e julgavam estar fazendo q u a n d o escreviam um poema não pode ser tomado em absoluto por moeda corrente. Mas m i n h a opinião é a de que um bom poema de amor, ainda que seja dirigido a uma pessoa, está sempre destinado a ser ouvido secretamente por outra. Seguramente, a linguagem a d e q u a d a do a m o r _ ou seja, da comunicação do ser a m a d o com q u e m quer que seja — é a prosa. Após rejeitar como ilusória a voz do poeta que fala apenas para uma pessoa, julgo que a melhor maneira para m i m , no que se refere à tentativa de tornar minhas três vozes audíveis, é delinear a gênese da distinção em minha própria m e n t e . O escritor em cujo espírito mais provavelmente ocorre a distinção é, sem dúvida, um escritor como eu. q u e passou um bom número de anos escrevendo poesia antes de tentar escrever para o palco. E possível, como tenho lido, que haja um e l e m e n t o dramático em muitas de minhas primeiras obras. E possível que, desde o início, eu aspirasse ao teatro — ou, como poderiam dizer alguns críticos hostis —, à Shaftesbury Avenue c à Broadway.' Todavia, cheguei aos poucos a conclusão de q u e , ao escrever versos para o palco, tanto o processo q u a n t o o resultado foram muito distintos do que o são q u a n d o se escrevem versos para serem lidos ou declamados. Há vinte anos fui encarregado de escrever uma peça pageant6 que deveria intitular-se The rock? O convite para escrever as palavras desse espetáculo — à epoca de um apelo destinado a angariar fundos para a construção de igrejas em novas áreas residenciais — chegou n u m V Equivalentes ingleses do teatro de bulevar. ( N . T . ) 6. Representação teatral de grandes proporções. de caráter alegórico, religioso ou lendário, q u e remonta às próprias origens do teatro inglês e q u e permaneceu em voga ate' o fim do século XVI. ( N . T . )
7. Publicado em 1934. Nos Collected poems 1909-1933 (1936) aparece com o m u l o dc Choruses from "The rock ' Eliot recorre aqu, as matrizes da herança biblica do Livro de Neemias. mais precisamente à construção do s e g u n d o T e m p l o de Nc.cmias. (Ν. Γ.)
m o m e n t o em que me pareciam esgotados meus escassos dons poéticos c q u a n d o eu nada mais tinha a dizer. Ser incumbido, n u m m o m e n t o desses, de escrever algo que, bom ou m a u , deve estar concluído em dcierrninada data, pode ter às vezes o mesmo efeito que tem um violento giro de manivela sobre um motor de automóvel q u a n d o a bateria está descarregada. A tarefa estava nitidamente delineada: eu tinha apenas de escrever as palavras do diálogo em prosa para as cenas do modelo habitual de pageant histórico, para o qual me haviam fornecido o cenário. Tinha também de providenciar um certo número de passagens corais em verso, cujo conteúdo foi deixado à minha própria imaginação, exceto q u a n t o à razoável determinação de que todos os coros mantivessem alguma relação com o objeto do pageant c de que cada coro ocupasse um certo n ú m e r o dc minutos do tempo de duração do espetáculo. Mas, ao realizar essa segunda parte de minha incumbência, nada havia q u e me despertasse a atenção para a terceira, ou voz dramática: era a segunda voz, a do poeta que se dirige a uma platéia — ou, a rigor, que arenga com ela —, a que mais distintamente se ouvia. Afora o óbvio fato de que escrever sob encomenda não significa o mesmo que fazê-lo para satisfazer-se a si próprio, aprendi apenas que o verso a ser dito por um coro deveria ser diferente do verso a ser dito por uma única pessoa; e q u e q u a n t o mais vozes houver num coro, mais simples e diretos devem ser o vocabulário, a sintaxe e o conteúdo dos versos. Esse coro de The rock não era uma voz dramática; embora muitos versos fossem distribuídos, as personagens não estavam individualizadas. Seus integrantes estavam falando para mim, c não articulando palavras que, na verdade, representassem qualquer personagem que eles s u p u n h a m ser. O coro em Murder in the cathedral representa, creio cu, algum avanço no desenvolvimento dramático, o que vale dizer: atribuí a mim mesmo a tarefa de escrever versos, não para um coro anónimo, mas para um coro de mulheres de Cantuária (alguém poderia quase dizer, faxineiras de Cantuária). Eu tinha de fazer algum esforço para me identificar com tais mulheres, cm vez dc simplesmente identificá-las comigo. Mas q u a n t o ao diálogo da peça, a intriga tinha o inconveniente (do ponto de vista de minha própria formação dramática) de apresentar ape-
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nas uma personagem dominante; e o conflito ocorria dentro do espírito dessa personagem. A terceira voz, ou voz dramática, não se tornou audível para mim senão q u a n d o abordei o problema de apresentar duas (ou mais) personagens envolvidas em alguma espécie de conflito, vítimas de um mal-entendido, ou que se empenhavam cm compreender-se m u t u a m e n t e , personagens com cada uma das quais eu tentava me identificar enquanto escrevia as palavras que eu ou elas deveríamos pronunciar. Vocês poderão se lembrar de que a Sra. Cluppins, no processo que opôs Bardei! a Pickwick, testemunhou q u e ' as vozes eram muito estridentes, senhor, e ecoavam em meu ouvid o " . 44 Bem, Sra. C l u p p i n s " , disse o sargento Buzfuz, 'você não escutava, mas ouviu as vozes. 8 Foi em 1938, portanto, que a terceira voz começou a ecoar em meu ouvido. A esta altura posso imaginar o leitor m u r m u r a n d o : Estou certo de que ele já disse tudo isso \ Recorrerei à memória suprindo a referência. Na conferência 4 Poesia e drama proferida exatamente há três anos e posteriormente publicada, eu disse: Ao escrever outro tipo de verso (isto é, o verso não-dramático), julgo que se esteja escrevendo, por assim dizer, nas condições da própria voz: a maneira como ela soa q u a n d o vocês o lêem para si mesmos é o teste, porque são vocês mesmos q u e estão falando. O problema da comunicação, daquilo q u e o leitor dela irá receber, não é primordial ( . . . ) " . Há certa contusão de pronomes nessa passagem, mas creio que o significado é claro, tão claro que ilumina o óbvio. Nesse ponto percebi apenas a diferença entre falar para si próprio e falar para uma personagem imaginária; e passei a outras considerações sobre a natureza do drama poético. Comecei por tomar consciência da diferença entre a primeira e a terceira voz, mas negligenciei a segunda voz, sobre a qual me alongarei mais em breve. Tentarei agora penetrar um pouco mais no â m a g o da questão. Assim, antes de começar a refletir sobre as outras vozes, quero alinhavar algumas palavras sobre as complexidades da terceira voz. 8 Esse diálogo pertence ao romance burlesco Pickwick papers (1836-1837) do e s m tor ingles Charles Dickens ( L a n d p o n , Portsmouth, 1812 Gadshill Rochester 1870). O episódio da injusta condenação imposta a Pickwick satiriza o sistema judiciário ingles. (N I )
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N u m a peça em verso, vocês provavelmente terão de encontrar palavras para diversas personagens que diferem imensamente umas das outras q u a n t o ao substrato h u m a n o , ao temperamento, à educação e à inteligência. Vocês não p o d e m se permitir identificar n e n h u m a dessas personagens com vocês mesmos e atribuir-lhe (a ela ou a ele) toda a " p o e s i a " a ser dita. A poesia (ou seja, a linguagem nesses momentos dramáticos em q u e ela atinge sua intensidade) deve estar tão d i f u s a m e n t e distribuída q u a n t o o permita a natureza das personagens; e cada u m a das personagens — q u a n d o há falas a dizer que são poesia, e não simplesmente versos —, deve ser contemplada com versos adequados a si própria. Q u a n d o a poesia aflora, a personagem no palco não deve dar a impressão de que é apenas um porta-voz do autor. Conseqüentemente, o autor está limitado pelo gênero de poesia e pelo grau de intensidade nesse gênero, que pode ser plausivelmente atribuído a cada personagem de sua peça. E essas passagens poéticas em verso devem t a m b é m justificar-se pela maneira como fazem evoluir a situação cm que são elas pronunciadas. Mesmo que uma explosão de esplêndida poesia esteja adequada o bastante à personagem à qual se destina, ainda assim é preciso que ela nos convença de que é necessária à ação dramática, que ajude a extrair a máxima intensidade emocional da situação. O poeta que escreve para o teatro pode, como o percebi, cometer dois erros: o de atribuir a u m a personagem passagens poéticas em verso impróprias a serem ditas por essa personagem, e o de atribuir versos que, embora adequados à personagem, não conseguem fazer progredir a ação da peça. Em alguns dos dramaturgos clisabetanos menores há passagens de magnífica poesia que estão cm ambos os aspectos fora de lugar, passagens suficientemente belas para que a peça sobreviva para sempre como obra literária, mas ainda assim incapazes dc fazer com que a peça se torne uma obra-prima dramática. Os exemplos mais conhecidos estão no 'Γα τη burlarne de Marlowe." 9 Marlowe, Christopher. Poeta e d r a m a t u r g o ford, perto de Londres, 159^). A tragèdia em duas partes, respectivamente publicadas em escreveu, entre outras, a hamous tragedy o) the
inglês (Canterbury. 1564 DeptTamburinine the Great está dividida 1590 e 1593. Alem desta, Marlowe neh jew of Malta (c. 1592, impressa
em 163 5) e The tragical history of doctor Pausi us (public. 1604), que Eliot define ι omo u m a "farsa trágica". ( Ν . Τ )
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Como os maiores poetas dramáticos — Sófoclcs, 1 Shakespeare ou Racine — enfrentaram essa dificuldade? Esse é, naturalmente, um problema que interessa a toda a ficção imaginativa — romances e peças em prosa — na qual se pode dizer que as personagens estão vivas. No que me concerne, não vejo como fazer uma personagem ganhar vida se não se nutre por ela u m a profunda simpatia. Idealmente, um dramaturgo, que tem habitualmente de manipular muito menos personagens do que um romancista — e que dispõe apenas de duas horas dc vida, ou pouco mais, para lhes conceder —, deveria simpatizar prof u n d a m e n t e com todas as suas personagens; mas isso é como aconselhar a perfeição, pois a intriga de uma peça até mesmo com um modestíssimo elenco pode exigir a presença de uma ou mais personagens cuja realidade, caso desconsideremos sua contribuição à ação dramática, não nos interessa. Pergunto-me, todavia, se é possível tornar inteiramente real uma personagem de todo abominável — dessas pelas quais nem o autor nem ninguém pode sentir senão antipatia. Precisamos misturar fraqueza espiritual com virtude heróica ou vilania satânica para tornar plausível a personagem. Iago me assusta mais do que Ricardo
III; tenho dúvidas de que Parolles, em All's well that ends well, me perturbe mais do que Iago. (E estou absolutamente certo de que Rosamund Vincy, em Middle march,11 me atemoriza muito mais do que Goneril ou Regan. 12 ) Parecc-me que o que ocorre, quando um autor cria uma personagem vital, é uma espécie de intercâmbio. O autor pode colocar nessa personagem, além de outros atributos, algum traço que lhe pertence, alguma força ou fraqueza, alguma tendência à brutalidade ou à indecisão, ou mesmo alguma excentricidade que descobriu em si próprio. Algo que talvez jamais realizou em sua própria vida, algo que aqueles que melhor o conhecem podem ignorar, algo cuja transmissão não se restringe às personagens do mesmo 10. Em gr. Sophokles. Dramaturgo grego (Atenas, c. 495 a.C. — id. 406 a . C . ) . Segundo a tradição, escreveu cerca de cento e vinte peças, sete das quais se preser-
varam até nossos dias, entre elas Antífona, Édipo rei, Electra. As Iraq ut mas e Édipo em Colonos. Foi homenageado e festejado, a part.r de 468 a . C . , como o maior poeta trágico da Grécia. ( N . l )
11. M iddlemarch a ttudy of provincial life (1871-1872) é a obra-prima da romancista inglesa George Eliot. ( N . T . ) 12. Os dois filhos ingratos do Rei Lear, de Shakespeare. ( N . T . )
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temperamento, da mesma idade e, menos ainda, do m e s m o sexo. Cada parcela de si q u e o autor concede a uma personagem pode constituir o germe a partir do qual a vida dessa personagem se desenvolve. Por outro lado, u m a personagem q u e consegue interessar o autor pode fazer aflorar potencialidades latentes que nele se encontravam adormecidas. Creio q u e o autor transmite algo em si às suas personagens, mas creio também que ele é influenciado pelas personagens q u e cria. Seria muito fácil perder-se num labirinto de especulações sobre o processo pelo qual uma personagem imaginária pode tornarse tão real para nós q u a n t o alguém q u e conhecemos. Só penetrei tão a f u n d o nesse labirinto para indicar as dificuldades, as limitações e o fascínio, para um poeta que se acostumou a escrever poesia em seu próprio nome, do problema q u e é fazer com q u e as personagens imaginárias falem em termos de poesia; e para caracterizar a diferença abismal q u e existe entre escrever para a primeira e a terceira vozes. A singularidade de minha terceira voz, a voz do drama poético, manifesta-se de uma outra maneira pela comparação dela com a voz do poeta na poesia não-dramática que tem em si um elemento dramático — e, acima de tudo, no monólogo dramático. N u m m o m e n t o de distração crítica. Browning dirigia-se a si mesmo nos seguintes termos: 4 Robert Browning, tu, escritor de peças . Quantos dentre nós leram u m a peça deBrowning mais de uma vez? E, se chegaram a fazê-lo, teriam sido contemplados com o prazer que esperavam? Q u e personagem, n u m a peça de Browning, permanece viva em nossa mente? Por outro lado, quem pode esquecer Fra Lippo Lippi, ou Andrea del Sarto, ou o bispo Blougram, ou aquele outro bispo que encomenda um túmulo? 1 3 Pareceria, sem precisar ir mais longe, que, a partir da mestria de Browning no trato com o monólogo dramático, e de sua contribuição mais modesta ao drama, as duas formas devem ser essencialmente distintas. Há, talvez, uma outra voz que não foi possível escutar, a voz do poeta dramático cujas virtudes dramáticas são mais bem cxerci-
13 Todas essas personagens pertencem à coletânea de poemas Men and women. de Browning, já mencionada na nota 2. ( N . T . )
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das fora do teatro. E, certamente, se alguma poesia, não esenta para o palco, merece ser caracterizada como "dramática , esta seria a de Browning. N u m a peça, como já disse, um autor deve estar dividido entre lealdades; deve simpatizar com personagens q u e p o d e m de algum modo não ser simpáticas umas às outras. E deve distribuir a " p o e s i a " tão largamente quanto o permitam as limitações de cada personagem imaginária. Essa necessidade de dividir a poesia implica certa variação do estilo poético de acordo com a personagem à qual ela é atribuída. O fato de q u e certo número de personagens numa peça tenha direitos sobre o autor quanto à distribuição de falas poéticas obriga-o a tentar extrair a poesia da personagem em vez de impor-lhe sua poesia. Ora, n u m monólogo dramático não enfrentamos tal obstáculo. O autor pode tanto identificar perfeitamente a personagem consigo mesmo quanto identificar-se t o m ela, pois o obstáculo que o impediria de ir adiante não existe mais — e esse obstáculo é a necessidade de se identificar com qualquer outra personagem que responda em primeiro. Na verdade, o q u e normalmente ouvimos num monólogo dramático é a voz do poeta, q u e passa a usar o traje e a máscara, seja de alguma personagem histórica, seja de outra que não pertença à ficção. Sua personagem deve estar identificada para nós — t a n t o como indivíduo quanto, pelo menos, como tipo — antes q u e comece a falar. Se, como freqüentemente ocorre em Browning, o poeta estiver falando no papel de uma personagem histórica, c o m o Lippo Lippi, ou no papel de uma personagem conhecida da ficção, como Caliban, ele se apodera dessa personagem. E a diferença é mais evidente em seu "Caliban upon S e t e b o s " . Em The tempest é Caliban q u e m fala; em " C a l i b a n u p o n Setebos" é a voz de Browning que ouvimos. Browning falando em voz alta pela boca de Caliban. Foi o maior discípulo de Browning, o Sr. Ezra Pound, que adotou o termo persona para indicar as diversas personagens históricas por meio das quais ele fala. E o termo é correto. Arrisco-me também à generalização — que pode, a rigor, ser muito vasta — de que o monólogo dramático não pode criar uma personagem, pois esta é concebida e materializada somente numa ação, numa comunicação entre pessoas imaginárias. Não
é sem razão que, q u a n d o o monólogo dramático não é colocado na boca dc alguma personagem já conhecida do leitor — da história ou da ficção —, provavelmente façamos a pergunta: " Q u e m era o original?". Com relação ao bispo Blougram, as pessoas se mostram sempre inclinadas a perguntar: em q u e medida se pretendia um retrato do cardeal Manning ou de algum outro religioso? Q u a n d o , como o faz Browning, o poeta fala com sua própria voz, ele não pode dar vida a uma personagem; pode apenas imitar uma personagem de algum m o d o por nós conhecida. Mas a essência da imitação não reside no fato de que reconhecemos a pessoa imitada e no relativo malogro da ilusão? Devemos estar conscientes de q u e a imitação e a pessoa imitada são pessoas distintas: se formos dc fato iludidos, a imitação se torna uma impostura. Q u a n d o ouvimos u m a peça de Shakespeare, não ouvimos Shakespeare, mas suas personagens; q u a n d o lemos um monólogo dramático de Browning, não podemos supor que estejamos ouvindo qualquer outra voz que não seja a dele. No monólogo dramático, portanto, é seguramente a segunda voz, a voz do poeta que fala com outra pessoa, que predomina. O simples fato de que ele assume um papel, de que está falando por meio de uma máscara, implica a presença de u m a platéia: por que deveria alguém usar máscara e fantasia para falar consigo mesmo? A segunda voz é, na verdade, a voz mais freqüente c claramente ouvida na poesia que não pertence ao teatro; cm toda poesia, é claro, há um propósito social consciente — poesia que pretende divertir ou instruir, poesia que conta uma história, poesia que prega ou sugere uma moral, ou u m a sátira que é uma forma dc doutrinação. Pois onde estaria o sentido de uma história sem uma platéia, ou de um sermão sem u m a congregação? A voz do poeta que se dirige a outra pessoa é a voz dominante da poesia épica, embora não a única voz. Em Homero, por exemplo, ouve-se t a m b é m , vez por outra, a voz dramática: há momentos em que ouvimos, não Homero a nos contar o que disse um herói, mas a voz do próprio herói. A divina comedia não é, no sentido estrito, uma poema épico, mas nela também ouvimos homens e mulheres que falam conosco. E não temos n e n h u m a razão para supor que a simpa-
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tia de Milton por Satã fosse tão exclusiva que ele tivesse parte com o Demônio. Mas o poema epico é essencialmente uma história que se conta para um público, enquanto o drama é essencialmente uma ação que se expõe diante de uma platéia. Ora, o que dizer da poesia da primeira voz — aquela que não é primordialmente uma tentativa cabal para nos comunicarmos com alguém? Devo salientar que essa poesia não é, a rigor, o que chamamos vagamente de "poesia lírica". O termo lírico é em si insatisfatório. Consideramos inicialmente o verso escrito para ser cantado — das canções de Campion, Shakespeare e Burns 1 1 às árias dc W. S. Gilbert, 1 5 ou às palavras dos últimos números de music-hall. Mas o aplicamos também à poesia que jamais foi composta para um quadro musical, ou que dissociamos dc sua música; falamos do "verso lírico' dos poetas metafísicos, de Vaughan e Marvell, 16 assim como de D o n n e e Herbert. A verdadeira definição de "lírico" no Dicionário de Oxford revela que a palavra não pode ser satisfatoriamente definida:
these yellow s a n d s " , 1 7 ou " H a r k ! Hark! the lark!" I H são versos líricos não é mesmo? , mas que sentido existe em dizer que eles expressam diretamente os pensamentos e as emoções do poeta? London, The vanity of human wishes,19 The deserted village20 são poemas que parecem expressar os pensamentos c as emoções do poeta, mas será que porventura consideramos tais poemas como líricos"? Eles decerto não são curtos. Todos os poemas que acabo de mencionar parecem não poder ser qualificados como líricos, bem como os Srs. Daddy Longless e Floppy Fly21 não puderam ser considerados palacianos:
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Lírico: Palavra que designa atualmente poemas curtos, geralmente divididos em estâncias ou estrofes, e que exprimem diretamente os pensamentos e as emoções do poeta. Quão curto deve ser um poema para ser chamado de lírico"? A ênfase sobre a brevidade e a sugestão da divisão em estâncias parecem ser tudo o que resta da associação da voz com a música. Mas não há necessariamente uma relação entre a brevidade e a expressão dos pensamentos e emoções do poeta. " C o m e u n t o
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One never more can go to court. Because his legs have grown too short; The other cannot sing a song, Because his legs have grown too long!22 E obviamente lírico no sentido de um poema q u e "expressa os pensamentos e as emoções do p o e t a " , e não no sentido desconexo de um poema curto destinado a ser posto em música, que se relaciona à minha primeira voz — a voz do poeta q u e fala consigo mesmo, ou com ninguém. É nesse sentido q u e o poeta alemão Gottfried Benn, 2 3 n u m a conferência dc fato interessante intitulada " P r o b l e m e der Lyrik" ( " O problema do poema lírico"), considera o poema lírico como a poesia da primeira voz: ele inclui aí, estou certo, poemas como as Elegias 17. " V e m para essas areias amarelas. Primeiro verso de uma canção de Ariel em A tempestade, Ato 1, Cena II. de Shakespeare. ( N . T . ) 18. "Escuta! Escuta! A cotovia!" (N T.) 19. Dois poemas de Samuel J o h n s o n . ( N . T . )
14. Burns. Robert Poeta escocês (Allowcy, Ayrshire. 1759 Dumfries, 1796), segundo o qual a poesia e a música eram a linguagem do amor Considerado o
poeta nacional da Escócia, escreveu Poems, chiefly m the Scottish dialect (1786) e resgatou as canções do folclore escocês nos cinco volumes de The Scotch musical museum (1787-1797). ( N . T . ) 15. Gilbert, William Schwenck. Poeta e dramaturgo inglês (1836-1911). famoso por sua colaboração com o compositor Sir Arthur Sullivan particularmente no que se refere à produção de numerosas óperas cômicas. ( N . T . ) 16. Marvell. Andrew. Poeta e pregador inglês (Winestead. 1621 Londres, 1678). Amigo de Milton e D o n n e , seus textos estão impregnados de um classicismo obscuro, à exceção do extraordinário e transparente " T o his coy mistress", em que renova o tema do carpe diem horaciano. Suas obras poéticas foram publicadas sob o título d t Miscelaneous poems (1681). ( N . T . )
20. Poema de Oliver Goldsmith, poeta, romancista e d r a m a t u r g o inglês (Pallsmore, Longford, Irlanda, c 1730 Londres, 17 7 4). Além do poema citado por Eliot, que data de 1~*70. c u m p r e lembrar The traveller {MM), bem como o romance The
vicar of Wakefield (1766) e a comedia The stoops to conquer (1771). (N.T.) 21 Personagens de Edward Lear que se encontram n u m livro para crianças americanas. ( N . T . ) 22. " U m jamais poderá ir à corte, / Porque suas pernas cresceram m u i t o pouco; / O outro não pode cantar uma canção. / Porque suas pernas cresceram demais!" ( N . T . ) 23. Benn. Gottfried. Poeta alemão (Mansfeld. 1886 Berlim. 1956). Foi sempre um anarquista e, por desespero, mergulhou no niilismo. Sua obra está repleta de metáforas violentas e brutais, como em Morgue (1912). Fleisch (Carne, 1917),
Schutt (Escombros, 1919), Statische Gedichte (Poemai estáticos, 1948) ou Der Ptoiernaer (O Ptolomeu, 1949). (N.T.)
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T. S. ELIOT
de Duino, de Rilke, e La jeune Parque (A jovem Parca), de Valéry. O n d e ele fala de "poesia lírica", portanto, eu preferiria dizer "verso meditativo". Pelo quê, pergunta Herr Benn nessa conferência, começa o escritor de um poema " q u e não se dirige a n i n g u é m " ? Antes de mais nada, diz ele, há um embrião inerte ou " g e r m e criati-
vo" (ein dumpfer schöpferischer Keim24) e, por outro lado, a
linguagem, os recursos verbais à disposição do poeta. Há alguma coisa que nele germina para a qual ele precisa encontrar palavras, mas ele não sabe de que palavras necessita até q u e as descubra; não sabe identificar esse embrião até que este seja transformado numa combinação de palavras justas n u m a ordem correta. Quando vocês encontram as palavras, a coisa" para a qual estas têm de ser encontradas desapareceu, e eis que um poema as substituiu. O ponto do qual vocês partiram não tem sequer a clareza de uma emoção, em qualquer sentido ordinário do termo; é decerto algo menos que uma idéia; é — para adaptar dois versos de Beddoes 2