Convite à Aventura [2 ed.] 9788571833494

Caminhar pelas montanhas, explorar sua beleza, alcançar cristas remotas e desvendar paisagens inéditas é uma aventura. C

115 59 16MB

Portuguese Pages 218 [226] Year 1997

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Convite à Aventura [2 ed.]
 9788571833494

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Convite à

Aventura

S.Beck

Half Dome Aqui você encontra os equipamentos

necessários para a sud'aventura, do básico ao espécifico: Planeje a sua próxima aventura consultando as nossas videoteca e biblioteca



Aire

mochilas, sacos de dormir,

barracas, Carregadores de bebês, Fogareiros, CANTIS, botas para caminhada, Lanternas, isolantes térmicos,

KELTY

7

TE

parkas e Agasalhos técnicos.

Foto: Paulo Cesar Batista

RUA DR. VILA NOVA, 321

01222-020 - S. PAULO - SP fone: 255 4331

- fax: 255

5783

www.halfdome.com.br

[email protected]

Half Dome Equipamentos para Aventura

OLA

15 FG

0D 6

2

Convite CU

Aventura uma introdução às caminhadas

e outros desafios pelo agreste

S. Beck

Edição do autor

2° Edição (revista e ampliada)

©1997

SÉRGIO BECK

Publicado originalmente pela Editora SUMMUS em 1989, sob o título

A AVENTURA DE CAMINHAR. O texto foi todo revisado, acrescentados dois

novos capítulos e um apêndice, inseridas novas figuras, e as figuras antigas restituidas a seu tamanho original (quando possível). No geral, é um livro ampliado e totalmente atualizado. Tanto que recebeu até um novo título... Este livro é um texto prático, escrito para orientar a garotada que quer se lançar

às suas próprias aventuras por aí, em trilha e montanha. Seria muita ingenuidade minha acreditar que um livro destes não será xerocado, transcrito, copiado e imitado. No entanto, procure, tanto quanto possível, respeitar os

direitos autorais, e em caso de transcrição para outro livro ou publicação, cite a fonte e autor

Se você cobiça o exemplar de algum amigo, não o xeroque. Em vez disso - a não ser que esta edição já esteja esgotada entre em contato com o autor pelo

telefone (011) 217-7137 e peça um exemplar para você. Não irá lhe custar mais do que uns 25 Reais (mais Correio), e você terá um exemplar novo e limpo, ao

invés de um maço de folhas de xerox, grampeadas ou encadernadas... E além de me estimular a continuar escrevendo livros sobre assuntos

relacionados a aventura, me ajudará a pagar as despesas desta edição (que não

foi barata), em vez de gastar seus trocados com o rapaz da Xerox, que em nada contribuiu para que este conhecimento chegasse às suas mãos... Não é justo?

Meus agradecimentos a antigos colegas que se encarregaram de ler e comentar a

1a edição deste livro (Prata, Maurício Cravo, Thereza, Roney, Tó, Alexandre,

Shinobe), bem como a novos colegas que me ofereceram mais dicas e comentários (Paulo Varela, Cristian, Huy Lam, Nilson, Justo, Silverio, Estevão,

Mariangela e outros que talvez não tenham sido convenientemente lembrados).. Incluindo o pequeno Davi.

Quero agradecer em especial à Half Dome, que se ofereceu para "patrocinar" esta edição, e sem cuja colaboração não teriamos conseguido imprimir o livro

que você tem em mãos...

Eu fui à floresta porque queria viver profundamente E sugar a essência da vida

Eliminar tudo que não era vida.

E não, ao morrer. descobrir que não vivi. Thoreau - Walden

INTRODUÇÃO

5

EQUIPAMENTO Botas

95 98

Mochilas

103 109

O DIA

11

Sacos de Dormir

Cuidados com os pés

19

Barracas

114

A Carga às Costas

21

Roupa

120

Manutenção

127

MAIS EQUIPAMENTO

129

Fogareiros

129

Mulheres na Trilha

26

Alongamentos

29

A NOITE

33

Panelas

132

Higiene Convivência

39

Lâminas

134

40

Cantil

135

Fogos e Fogueiras

41

Lanternas

138

Lixo

43

Comida

Água e Considerações

140

46

Primeiros Socorros

148

Caminhadas Noturnas

48

Os 10 Essenciais

151

Apreciando a Noite

49

Nós para o excursionista

50

MAPAS E BÚSSOLAS

154

PRIMEIROS PASSOS

53

Perdido

61

Números

64

Trilhas Difíceis

66

E O Que Vem Depois

67

PROBLEMAS

70

Cobras

Mau Tempo Hipotermia

Problemas pelo Calor Travessia de Rios Paredes e Penhascos

Manutenção de trilhas

Bússolas

159

Navegação Comprando sua Bússola

164

169

Aprendendo a Usar Mapas

171

Onde Conseguir Mapas

172

FOTOGRAFIA EM TRILHA

174

A PRÓXIMA GERAÇAO

188

73

SOBREVIVÊNCIA

75

Acidentes Resgate

NSF25 8 78

199

201 203

83

Reservas

89

REFLEXÕES

210

Apêndice..

.214

207

90

2.

... Talvez o Homem esteja perdendo sua liberdade de maneiras sutis. Ele está ficando cada vez mais dependente de outros homens. Parte desta dependência é necessária, já que o homem precisa contar com outros

para sua comida, e combustível e serviços essenciais. Mas ele também

se tornou dependente de outros para seu entretenimento e até para suas idéias. Ele conta com outras pessoas para encontrar sua redenção, ao invés de contar consigo mesmo e com a terra. Ele acabou fixando suas expectativas nas carrancas, sorrisos, ou palavras dos outros homens, não na força de seu próprio espírito, ou no nascer do sol, ou no cálido vento sul, ou no canto de um pássaro.

Quando o Homem se apoia tão pesadamente em outras pessoas, ele não é mais inteiramente livre para viver. Ele se torna então mal-humorado ao invés de autoconfiante. Ele se enche de tensões e dúvidas. Ele caminha

num mundo irreal, pois não conhece a terra, da qual veio e à qual voltará. Ele se torna um prisioneiro da civilização, em vez de um aventureiro que domina cada colina à frente pela emoção de descobrir

um novo mundo. Ele perdeu a sensação de sua própria força, o poder que sua própria alma tem, de dominar qualquer adversidade.

William Douglas - Of Men and Mountains. O homem que escreveu estas palavras passou parte de sua adolescência trilhando entre as montanhas do Noroeste dos Estados Unidos, e de lá saiu para acabar

tornando-se juiz na Suprema Corte. É interessante perceber como, em outras sociedades, pessoas de renome tiveram, como traço cultural em comum, este passado de familiaridade com as montanhas, de memórias do agreste, de aventuras

por trilhas e terras selvagens. Daí vem (eu imagino) a força, o caráter, e outros traços que permeiam a cultura da sociedade de outros países, supostamente mais "avançada". O contato com a terra, com ambientes selvagens, e com os ritmos do planeta, transmite ao homem valores que não são os mesmos dos de um garoto que

cresceu exclusivamente dentro da cidade. Há na natureza uma espécie de mágica,

que ilumina o homem e transcende sua mera educação. É como se a cidade, de certa forma, alienasse o homem de valores mais profundos, e o fechasse num círculo de urbanidades mesquinhas.

É interessante também tentar um paralelo com a sociedade de nosso

país, onde experiências pelo agreste são quase uma raridade, praticamente inexistentes entre nossa juventude, limitadas no máximo a um passado de tímidos

acampamentos na praia e pouco mais. Nossos juízes, professores, legisladores, médicos, escritores, políticos, empresários, poetas quantos passaram por aventuras nas chapadas e sertões do nosso Brasil?

Não há nenhuma lição de moral implícita, apenas pano para reflexão. E um convite a um mundo de aventura, a um universo no qual você pode entrar, se

juntar um mínimo de equipamento:uma mochila, um saco de dormir, uma barraquinha, um fogareiro e panela, bússola e mapas. E as dicas deste livro... 3

A primeira edição deste livro foi escrita em 1988, e publicada no ano seguinte. É

muito oportuno revisá-lo 9 anos depois. Muita coisa mudou. Além disso, quando

escrevi a 1a edição, eu achava que meus 20 anos de caminhada já representassem experiência suficiente. Admito que só os últimos 10 é que de fato contavam. Mas nove anos mais tarde, relendo o que escrevi, é de espantar que minha experiência

ainda fosse tão... provinciana. Parece que eu estava mal e mal entrando no assunto. E que só agora realmente tenho algo a dizer. Pois foi nestes nove últimos anos que eu expandi a técnica (que eu já tinha), com novos horizontes, com caminhadas pelas chapadas e serras Brasil afora. E depois com aventuras pelo Himalaia, que evoluiram para uma ascenção do Cho-Oyu (Nepal - 8201 m) e uma tentativa

frustrada de subir o Everest. Relembrando as experiências pelas quais passei bivaques a 5400 m, vendo o dia romper sobre o Makalu; acampamentos a 6400 m,

com ventos de mais de 100 Km/h me surrando por 4 dias; ou embalado pelo som de avalanches explodindo nas encostas ao redor; ou aqui no Brasil, explorando serras

inéditas, espiando o fundo de canyons praticamente desconhecidos, e caminhando através de campos e vales dos quais ninguém nunca me falou - não consigo deixar

de me maravilhar com as oportunidades desfrutadas - oportunidades que estão ao alcance de qualquer um de nós.

Isto é, de qualquer um que se esforce por buscar desafios autênticos, ee não ficar simplesmente fazendo de conta, se entregando a "aventuras virtuais"; brincando de Rambo ou Indiana Jones; ou mesmo navegando pela Internet. A aventura pode nos

conduzir a lugares incríveis, se nos deixarmos levar por nossos sonhos e nossa sede e fome de novas paisagens... Mas a introdução original, virando a página, ainda exprime o que eu gostaria de transmitir à garotada desavisada, que vive vidas urbanas de rotina e tédio, sentindo-se talvez como tigres engaiolados.

4

É ofício perigoso, Frodo, sair de sua porta. Você se lança

na estrada, e se não tiver cuidado com os pés, só Deus sabe onde eles poderão levá-lo. Você sabe, este é o caminho que atravessa Trevormata e, se você permitir, o conduzirá até à Montanha Solitária ou mesmo além, a lugares ainda piores. Tolkien -

O Senhor dos Anéis

1996 Trovejara a tarde toda, mas só agora, faltando meia hora para escurecer, é que a chuva realmente se animou a pingar. Parando um minuto para vestir meu poncho, logo recomecei a subir. Mas já então a chuva se abatia em grossos lençóis. E logo a água corria pelos sulcos da trilha, que eu procurava driblar para não molhar os pés. Preocupação inútil, pois a chuva escorria do poncho pelas pernas, e minhas botas logo ficaram empapadas. Ao menos eu já subira o suficiente, escapando dos piores trechos, onde o caminho passa por dentro de verdadeiras canaletas de mais de

metro de profundidade: ali é que não teria adiantado tentar escapar da água. Na escuridão crescente da noite que caia, meu único pensamento era alcançar um recanto onde (já fazia anos) eu sonhava pernoitar. O tempo corria, mas nada de chegar. Finalmente uma porteirinha, que passei quase sem fechar atrás de mim. E enfim, a trilha emergiu num degrau plano, com o platô de pinheiros à direita: dez ou doze Pinus esparramados num morrote de quatro por dez metros. Subindo ao

cocuruto coberto de palha, tirei o poncho, larguei a mochila no chão, e rapidamente saquei de dentro a barraca. Abrindo o velame, estiquei as varetas e as prendi nos cantos: puff, a barraca se armou. Joguei o sobre-teto por cima, prendendo-o às mesmas varetas. Em seguida orientei a barraca em relação à direção do vento, mas nem me preocupei em espequeá-la. Três minutos! Mas com a roupa agora molhada,

o frio já me fazia tiritar e os movimentos eram rígidos. Abrindo a barraca, primeiro estiquei por dentro o plástico de chão (não fosse a água tentar entrar pelas costuras, apesar do chão forrado de palha), e joguei por cima o saco de dormir, colchonete, roupa seca, panela, e enfim a própria mochila. Atirando-me pela porta, fechei o ziper do sobre-teto. Bem a tempo! Agora era tirar as botas, a bermuda e a

camiseta molhadas, e vestir roupa grossa e quente. Depois enfiar-me no saco. Lá fora o vento sacudia tudo, mas já escondido dentro do meu refúgio instantâneo, e a

salvo do pior que a noite pudesse me atirar às costas, o seu assobio, associado ao ranger de galhos e árvores, mais o trovejarda água sobre o nylon, resultavam numa sinfonia agradável de escutar. De repente apaguei. Quando acordei, eram dez e

meia, a chuva passara, e estrelas brilhavam ao Sul, acima das luzes das cidades no vale. Hora de providenciar uma janta... 5

(fevereiro de 96)

1988 Do platô em que estou acampado esta noite, vejo ao norte as luzes de vilarejos e

fazendas perdidas nas verdes colinas do Sul de Minas. Do lado oposto, nuvens mais baixas, represadas pela crista da Mantiqueira, encobrem cidades do vale do

Paraíba. Não fossem as nuvens, o vale brilharia com as luzes destacando casas e ruas quase dois mil metros abaixo de mim. Apagando-as, porém, a neblina empresta um ar remoto e selvagem à montanha em que pernoito, devolvendo-lhe o

clima de solidão e silêncio, tão natural nas regiões agrestes ao redor de nossas

cidades - um reino de luz e de vento, de grandes espaços e paz. Sinto-me grato, portanto, pelas nuvens que estendem esse manto sobre a civilização, preservando o

brilho das estrelas no céu claro acima de mim. E enquanto a brisa fresca me aponta o caminho para dentro do saco de dormir, repasso na memória os melhores momentos do dia: os goles de água gelada ao amanhecer, na bica ao fim da estrada;

aranhas retocando suas teias ornamentadas de gotículas; a trilha cada vez mais tortuosa através da floresta e do bambu, seguindo a direção geral sugerida pela intuição e pela bússola; os protestos indignados de um pássaro escondido nas

folhagens; o lanche, sentado a um tronco podre, com pererecas por companhia; e enfim subindo ladeiras de pedra rumo à revelação final de paisagens incríveis e largos horizontes - um típico dia de caminhada, repleto de pequenos eventos, em si isolados, mas no conjunto maravilhosos e cheios de significado, de liberdade e de aventura. E repleto de promessas de mais, amanhã. (Bucólico, não? Escrito em 1988)

Caminhar pelas montanhas, explorar suas picadas, sua beleza, alcançar cristas remotas e desvendar paisagens inéditas, isto é aventura - e como precisamos dela. Mas nas cidades adormecidas ao pé da montanha, muita gente que poderia estar compartilhando dessa mesma dose de desafios e aventura, fecha-se aos ritmos do

planeta e ao prazer do encontro com a natureza, acomodando-se aa vidas de tédio e

rotina - por falta de pique, por falta de imaginação, mas mais frequentemente por desconhecimento e falta de informação. Ou por medo! 6

O homem precisa da aventura, da busca de novos desafios, da incerteza do desfecho, da excitação de novas descobertas, da magia de revelar em si novas habilidades e forças de cuja existência ele nem suspeitaria. O homem precisa de contato com o agreste para renovar-lhe o contato com suas origens, para reavivar lhe a memória do que de melhor existe nele: sua inventividade, sua força, sua incrível gana de sobreviver e impor-se a um planeta outrora hostil.

Para muitos, no entanto, a idéia de aventura está associada a máquinas exóticos e muito dinheiro para gastar em esportes caros, a lugares distantes, cercados de carisma e mistério, ou a tremenda coragem, emoções fortes e outras qualidades que distinguem o super-homem dos mortais mais comuns. Puro engano,

possantes, a motocicletas vistosas e ágeis, a veículos off-road, a equipamentos

não é preciso ser tão destemido nem viajar muito longe para encontrar aventuras elas estão aqui mesmo, debaixo do nosso nariz. Por certo, os desertos, florestas e montanhas remotas da Ásia ou da África ainda lá estão (e talvez não tenham mudado muito desde o século passado), mas a duzentos quilômetros daqui, picadas

e cristas domésticas, diariamente trilhadas pelos caboclos da região, continuam

totalmente desconhecidas. Tão desconhecidas para mim ou para você quanto as

montanhas da Austrália ou o fundo do mar, e guardando também seus próprios mistérios. Sabe porquê? Porque você ainda não foi até lá. Explorar e descobrir nosso próprio sertão - a dez quilômetros do asfalto, mas dele tão remoto como se fosse outro mundo - é desafio que não pode ser desprezado. Caminhar por nossas trilhas é aventura, básica, essencial, barata, disponível todo fim de semana, aparentemente ao alcance de qualquer um que se disponha a sair por aí a pé, com um mínimo de equipamento às costas e os olhos cheios de visões, a se maravilhar com os tesouros com que o dia e as montanhas nos brindam.

Mas há o outro lado da questão - o preparo individual de cada um. Pois é preciso correr riscos, expor-se ao perigo, suportar tempestades - não há outra forma de

aprender a enfrentá-las. A aventura não é para qualquer um. Tem muita gente que, apesar de carregar mochila, barraca e mil outros trastes, sai para uma caminhada como quem vai "passear no bosque enquanto o seu lobo não vem" - sem a mínima idéia do que o aguarda, ou, em outras palavras, com uma idéia romântica, mas

totalmente descabida e irreal do que é uma trilha, do esforço envolvido para ir de um lugar a outro, ou do que se precisa para nela sobreviver. Em resumo, despreparados - por inexperiência, por desinformação, ou por ingenuidade. Há uma mística no ato de sair para as montanhas. Há poesia no sussurro do vento entre as árvores e no brilho da paisagem. O agreste é um mundo

incrivelmente belo,aomastempo pode-se(abrigo morrere calor), a um oupordoisfaltaquilômetros da estrada pore falta de proteção de orientação ( m apa bússola), por falta de energia (água e comida) e, finalmente, por falta de consciência do que se meteu a fazer (preparo físico e psicológico). Como se 7

preparar? O que levar? Que atributos adquirir e desenvolver? E principalmente, como saber quando enfiar o rabo entre as pernas e correr? )

Caminhar parece ser um esporte trivial, mas exige algum equipamento e técnica, dentro de um critério de compreensão e bom senso. Exige especialmente (além de um óbvio sentido de estética e de espírito de aventura) o delicado

equilíbrio entre perseverança ou arrojo - e não menos saudável cautela ou até mesmo medo. Para alguns isso é intuitivo, outros nunca o entenderão por completo.

E há também outro fator a considerar: o grau com que querem se entregar à

experiência da aventura, ou seja, a motivação básica que leva alguém a se atirar de encontro ao agreste - e que vai definir também o nivel de risco que aceita, e o grau

de prazer que extrai de cada experiência. Pois há excursionistas e excursionistas, e é bom conhecer-se antes, para ter uma idéia das suas pretensões e dos seus limites. Qual é o seu tipo?

Há os que buscam as montanhas pela beleza do cenário, pela pura

contemplação do dia e da paisagem, pelo prazer do exercício, da mudança de ares, da companhia dos amigos, das fotos que trarão para mostrar. Qualquer trilha fácil,

cênica e gostosa lhes serve - especialmente se houver uma cachoeira... Outros já exigem mais: movidos de jovial curiosidade, querem descobrir

novos lugares, explorar passagens escondidas e conhecer o que se esconde atrás daquelas montanhas misteriosas - ao menos misteriosas para eles. A mera repetição

de uma trilha conhecida já lhes aborrece um pouco: precisam de novidades, e de jornada em jornada buscam alargar seus horizontes.

Enfim, há aqueles para os quais o que importa é o grau de dificuldade da empresa a que se propõem. O domínio de alguma coisa "impossível" leva a uma maior sensação de realização, tanto maior quanto mais "impossível" a coisa lhes pareça. Preferem os grandes desafios (ainda mais quando envolvem certo risco, real ou imaginário), as caminhadas árduas, de sucesso duvidoso, através de terreno difícil. E encontram seus melhores momentos sob situações terríveis, de desfecho incerto, um sorriso no rosto. literalmente desafiando com o punho erguido o rugido da tormenta.

E há bençãos especiais para todos eles. Pois são estilos diferentes, mas

cada um encontra, a seu modo, a satisfação e o autoconhecimento que são o alvo principal da experiência a que se entregam. A uns, a trilha da coragem e segurança interior. A outros, humildade e sabedoria. E àqueles que têm olhos para ver, a

necessária dose de compreensão e amadurecimento como individuos. É isto (acho!) que faz da aventura algo tão especial, É triste, portanto, observar que a grande maioria se contenta com

um

excursionismo limido, com meros ensaios de caminhada; com um "turismo

ecológico" mediocre e insipido; com um "camping selvagem" que cai vários pontos aquém da aventura; com entidades que prometem mais do que oferecem, algumas S

vezes por comodismo ou falta de imaginação, mas principalmente por medo. Medo de se expor a perigos que não conhecem, geralmente mais imaginários do que reais - cobras, tempestades, perder-se! Isso é tão mais decepcionante quando se reflete que a aventura é uma experiência didática enriquecedora, e que seus resultados são tão mais profundos e duradouros, quanto mais intensa for a experiência.

A reflexão é até mais verdadeira para as moças, já de cedo inibidas de ousar maiores riscos, ou de assumir quaisquer papéis não-femininos. Levadas a reboque pela rapaziada, ou quando conseguem vencer o bloqueio cultural, as moças descobrem muitas vezes (se é que já não sabiam) que são tão capazes quanto, e às vezes até mais resistentes que os rapazes, à fadiga, aos desconfortos e ao stress da aventura, chegando muitas vezes a surpreender pelo seu desempenho nesses esportes. Para elas, a experiência da aventura pode trazer lições totalmente inesperadas, e recompensas muito maiores.

É preciso, portanto, conhecer e pesar os possíveis riscos; desenvolver técnica e bom senso; adestrar-se e aumentar a vivência, pelo hábito de sair regularmente a excursionar; aprender com os pequenos erros, para evitar as grandes tragédias; prever os problemas e preparar-se para enfrentá-los em segurança; e, no pior dos casos, dispor de suficiente reserva para safar-se dos contratempos e sobreviver. E é

claro, aceitar o fato de que, algumas vezes, alguns não sobrevivem. A aventura é

formidável mestra, mas não há garantias: é preciso sair das cascas e se expor. Sem falsos receios.

Este livro busca, pois, resgatar o saudável impulso de se aventurar pelas trilhas selvagens (ou não tão selvagens) de nossas montanhas. Trinta anos de caminhadas

não chegaram exatamente a me transformar em autoridade no assunto - estou sempre aprendendo alguma coisa nova. Mas me deram uma tremenda vivência, e

amadureceram um estilo de excursionismo que sinto uma compulsão em dividir com outros. Aqui está, portanto, um resumo das reflexões e valores (e até mesmo

de preconceitos e manias) sedimentados ao longo desses anos de caminhadas e

montanhismo. Mas não o considere um pacote rígido, a seguir sem discussão. Ao

contrário, alguns conselhos e dicas serão aceitos, outros rejeitados em favor de

opiniões pessoais. Leia o livro, porém, com os olhos (e a mente) bem abertos, questionando sempre a sensatez de cada parágrafo (ou o bom senso, afinal, dos

seus próprios hábitos). Seja cauteloso (para escapar vivo) mas não em excesso.

Seja arrojado e imaginativo, mas também sem exageros, para não ultrapassar seus limites e morrer (ou se arrebentar) antes de adquirir as bases práticas para se aventurar com segurança.

9

Sinius sinu 246

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Nkose, ouvimos falar de uma aventura e

nossos pés arderam. Ouvimos falar de uma jornada, e não pudemos dormir. Wilbur Smith - Quando o Leão Tem Fome

1 O Dia

Em nosso mundo, hoje excessivamente civilizado, parece existir às vezes certo

preconceito contra aventuras, como coisa pouco séria, um tanto juvenil e

irresponsável (e portanto pouco recomendável), próprio apenas da adolescência...

Nem sempre foi assim, claro. Em épocas passadas a aventura era parte involuntária da vida diária, um elemento essencial à exploração do mundo ainda desconhecido, à expansão de horizontes comerciais, à conquista de novas terras ou mares, ou ao menos à sobrevivência pela caça ou pesca. Não havia grande necessidade de procurá-la, nem de encontrar longas e tediosas explicações para justificá-la. Mas o planeta acabou sendo "conquistado", este tipo de aventuras acabou, ou sobrevive apenas na montagem de expedições científicas. Os homens, contudo, não mudaram muito - nem mudaram suas necessidades...

Vivemos, porém, em outra época maravilhosa. Livre de maiores

preocupações com a mera sobrevivência, dispomos de cada vez mais tempo para

dedicar ao lazer. Resolvidos os problemas originais de garantir para si abrigo e comida, e rodeado de um arsenal de novos brinquedos, o homem inventa novos esportes, novas maneiras de explorar seu planeta e reencontrar as fronteiras do desconhecido. Em pequenos veleiros, canoas, bicicletas ou a pé, o homem se lança a novos desafios. Com uma diferença fundamental: a aventura, que antes era um meio de alcançar certos propósitos - militares, comerciais ou científicos - agora

transformou-se num fim em si. Numa oportunidade de o homem continuar a desbravar seu mundo, não mais com a pretensão de domá-lo ou submetê-lo a seus intentos, mas simplesmente de descobri-lo, de apreciar sua beleza, variedade e

força - ou de alcançar determinado ponto do planeta e voltar vivo para casa. Por esporte! Sem necessidade de esboçar pretextos mais sérios, como conquista ou ciência.

Caminhadas são a forma mais mais básicaevoluidos de se aventurar por aí. Mesmo o pessoal que depois se dedica a esportes ou extremos espeleologia

alpinismo,

, bicicletadas, canoismo. ou se beneficia da experiência e prática- provavelmente adquiridas na passou trilha antes pela caminhada 11

Aparentemente, nada mais trivial do que caminhar. Jogar uma mochila às costas e

sair andando, ora. Mas quem já levou novatos a excursionar percebe que tem gente

que mal sabe andar e, colocados numa trilha, tropeçam em tudo que é pedra ou raiz, vacilam e se desequilibram a cada passo (apesar da mochila leve), perdendo o ritmo e se esgotando precocemente.

Caminhar - em trilha como na cidade - é arte que exige ritmo, uma passada regular, e equilíbrio para conservar energia e poder ir longe. Correta

colocação do pé exige firmeza e atenção às irregularidades do terreno, para que o deslocamento se transforme num movimento fluido e automático, permitindo então poder realmente prestar atenção à paisagem. Os olhos "caminham" sempre alguns

passos à frente, analisando os detalhes pelo chão, interpretando a forma e disposição dos apoios, pedras e degraus, de modo a usá-los da melhor maneira possível - ou, pelo menos, a não tropeçar neles. Se você já sabe como colocar um pé na frente do outro com firmeza, pode então se preocupar com o ritmo. Mas não existe um ritmo adequado para caminhar, porque há variações demais entre indivíduos e entre trilhas, para que

quaisquer regras tenham sentido. O ritmo depende do tipo de terreno, da inclinação da trilha, da paisagem a ser contemplada e da vontade de parar para um lanche ou gole d'água, da idade, forma física e disposição do andarilho, além de fatores

climáticos como sol, chuva, vento, hora do dia e época do ano. Uma mesma trilha pode acabar sendo percorrida em épocas diferentes, com diferentes estados de

espírito - e em diferentes tempos. É conveniente, porém, adotar um ritmo confortável (especialmente nas subidas) porque ele só poderá ser mantido, horas a fio, se for tolerável. Há gente que gosta de andar pela trilha como se estivesse batendo recordes. Mas o consenso

Ganenkes ha pedras... pedras emtodos caminhos...

Em todos Ha

OS

OS

‫امر‬

12

parece ser a favor de um ritmo lento, descansado e prazeroso, atento às belezas ao redor e aos imprevistos que o dia possa oferecer. De fato, existem duas boas

velocidades para se andar na trilha: devagar e mais devagar. E se você não consegue manter um papo com seus companheiros enquanto caminha, é provável

que já esteja indo rápido demais. Até descobrir seus limites, portanto, procure

manter uma passada rítmica e lenta, quase sem esforço. Alongue o comprimento da passada, tanto quanto for natural para você:

três passadas longas consomem menos energia do que quatro ou cinco passadas

curtas. À medida que sua experiência for aumentando, você perceberá que, de modo geral, a melhor forma de "devorar" os quilômetros não é correr, mas simplesmente continuar andando devagar, hora após hora, no mesmo ritmo despretensioso. Pernas, fôlego e olhos saboreando a paisagem serão então os

instrumentos mais adequados para ditar o ritmo. Mesmo assim, olhando para trás, em certas chapadas você ficará espantado como em duas horas uma serra recua para os limites do horizonte.

Passar do plano para uma subida geralmente significa manter o mesmo

ritmo tranquilo e reduzir o comprimento da passada. O seu esforço evidentemente aumenta, mas embora você tenha que diminuir a velocidade, o compasso familiar permanece, e ocasionalmente você pode até mesmo usá-lo para marcar passo com um pé, antes de mudar de direção ou de subir um degrau mais alto - e sem perder o ritmo.

Pessoas que costumam escorregar em trilhas deveriam observar um detalhe sutil,

que escapa a muita gente. Não é o pé mais à frente que se agarra ao terreno,

puxando-o para trás como uma garra. Ao contrário, o pé à frente fixa-se em

13

posição, como ponto de apoio, e é o impulso do pe mais atrás que impele o coi para cima ou para a frente, um instante antes de abandonar o chão. A simples compreensão deste detalhe básico pode evitar muito escorregão em terreno arenoso ou coberto de folhas, como também em lama ou pedra molhada.

Descer a montanha, por outro lado, embora represente menos trabalho

do que subir, não é tão isento de esforço quanto parece. Em teoria trata-se apenas

de liberar a energia potencial acumulada durante a subida. Na prática, certo esforço é gasto em cada passada, freiando a tendência que o corpo teria de continuar descendo como uma bola (inércia). E esse controle sobre a velocidade de descida solicita o uso de outros músculos, de cuja existência você nem teria suspeitado.

Haja perna! Joelhos em particular são submetidos a redobrado esforço, já que nos degraus maiores o peso do corpo se apoia numa única perna que se dobra

Equilíbrio, passada, e o mesmo velho ritmo continuam sendo tão importantes aqui quanto na subida. Mas a firmeza na colocação do pé é até mais crítica na descida, como você logo perceberá em qualquer trilha enlameada e escorregadia, que na

WI

14

subida não representava problema algum. Todo cuidado é pouco. Há também, a considerar, de queo apoios e degraus estão dos pés, nas na altura doso fatojoelhos, que a princípio dificultameioa metro corretaabaixo avaliação de ecomo melhor utilizá-los para neles colocar os pés - problemas vagamente comparáveis aos de uma escalada, mencionados na pág. 90. De fato, em trilhas muit) O

acidentadas, cheias de degraus pedregosos ou irregulares, é mais prático descer de

frente para a "parede", agarrando-se a galhos, raízes, ou o que você tiver à mão como apoio, olhando para baixo por entre as pernas para estudar o terreno e, apoiado no pé de cima, girando o corpo para um lado ou para o outro, conforme a

necessidade. E se vocé já tem mais prática, e gosta de descer "voando" pela trilha (fazendo curvas no ar, agarrando-se com uma mão às árvores) ou apostando corrida com os companheiros, cuidado, pois (mesmo sem um tropeção ou um tombo) é muito grande o risco de traumatizar os joelhos ou de torcer um pé - deixe para mostrar suas habilidades em outro lugar e hora.

É também

na descida que costumam desabrochar bolhas nos pés. Por isso, antes de descer qualquer longo desnivel, muitos costumam trocar meias suadas por outras secas, ou pelo menos acrescentar uma meia e reamarrar as botas. A primeira

sensação de atrito e queimação na sola dos pés ou nos dedos impõe imediata parada para inspeção e reparos. Membros de um grupo em geral caminham com velocidades diferentes.

Por isso, quando excursionando em grupo, é importante de alguma forma conciliari a velocidade dos mais rápidos ao ritmo dos mais lentos, para que estes não fiquem sempre para trás. É uma experiência miserável sentir-se sempre o último:o "lerdo" da turma, aquele que chega cansado, para ver os outros imediatamente retomando a

marcha; o único que não tem tempo de olhar ao redor, retomar o fôlego e apreciar o

panorama; que invariavelmente ser esperado nasbifurcações,e para quenão tomeaquelea direção errada.E que,temporquesentir-se assim desmoralizado com 15

Bom, vamos indo?

pouca reserva física e mental, é justamente o mais propenso a se perder, e o mais

vulnerável a acidentes e à hipotermia. Uma corrente tem apenas a força do seu elo mais fraco. É importante se preocupar em manter o grupo sempre coeso (boa razão e

para limitar seu grupo a um máximo de apenas 4 ou 6 pessoas). Em vez de a toda

hora parar para esperar os retardatários, é mais esperto diminuir o ritmo do grupo. Ou melhor ainda, colocar os mais lentos à frente de todos, como consenso

explícito de que ninguém os ultrapasse. Truque que também pode ser adotado por

duplas com ritmos incompatíveis: caminham os dois juntos, o de trás sempre esbarrando no da frente, mas sem que o mais lento se canse ou fique para trás. As paradas durante o dia são um detalhe que depende dos critérios

pessoais de cada um e do horário disponível - não existem regras rígidas. Paradas frequentes e irregulares, no entanto, são sinal de inexperiência ou, o mais comum,

de má forma física e cansaço prematuro. Nestas condições, por questão de segurança, o melhor é parar por um bom tempo, talvez até acampar no local, ou ao

menos descansar agasalhados um par de horas e restaurar as energias (e o moral)

com um lanche reforçado e boa hidratação. Em condições normais (e sem mochila), seria razoável poder continuar

I

num ritmo tranquilo hora após hora, sem a necessidade de parar a não ser para curtir a paisagem e tirar umas fotos. Já com uma mochila às costas, por mais confortável que seja sua mochila, e por melhor que seja sua forma física, paradas a intervalos regulares são mais que bem-vindas. Boas razões não faltarão. Há sempre

uma foto para tirar, um lanche a beliscar, o mapa a estudar, ou simplesmente

esticar-se ao sol e sentir a brisa e o calor. O intervalo aí varia conforme o gosto de

cada um, mas 40 ou 50 minutos de marcha parecem ser um bom tempo,

intercalados com 10 ou 20 minutos de descanso. Algumas pessoas acham que

pausas mais longas quebram a continuidade e esfriam os músculos, sendo mais

difícil depois retomar a caminhada. 16

Ao começo do dia, descansados, muitos gostam de dar um pique de duas ou três horas sem pausa, para render alguma quilometragem bem cedo. Uma parada

nacomeçar primeirabemmeia hora, no entanto, pode vir muito bem a calhar, não só para devagar, dando um tempo para que o corpo vá se aquecendo e

sacudindo a letargia de uma noite de sono ou das horas de viagem, como também para tarefas mais prosaicas como reamarrar as botas, tirar agasalhos, ajustar a suspensão da mochila, ou ir fazer um xixi... E tampouco é obrigatório limitar suas pausas a 15 minutos pelo relógio, só pela paranoia de "não deixar esfriar o corpo". Eu, pessoalmente, paro o tempo

que quiser, e não é raro descobrir, espantado, que fiquei divagando quase 30

minutos, geralmente conferindo o mapa e tentando identificar a paisagem ao redor. Nas horas matinais, com a jornada do dia ainda inteira por enfrentar, a tendência é permitir-se apenas descansos curtos, sem mesmo sentar. E a qualquer momento, durante uma longa e estafante subida, descansar um minuto ou dois apoiado sobre as pernas (ou com a mochila apoiada sobre uma grande pedra) permite que o fôlego 0

e o coração se recuperem o suficiente para continuar a caminhada num ritmo mais respeitável. Já ao fim da tarde, nas horas mortas de uma dura jornada, nossos heróis

geralmente desabam como árvores e descansam como pedras, até que o musgo comece a crescer sobre as botas. E ao fim de horas de longa subida não há mal

algum em parar meia hora ou mais, se a paisagem for realmente tão magnífica que não permita pausa mais curta. O corpo que esfrie! Se, por outro lado, a noite se aproxima e o alvo ainda está distante, ou se

negras nuvens começam a se acumular no horizonte, esqueça o prazer, jogue a mochila às costas, e pique a mula. E não há tampouco justificativa para ficar retido numa noite gelada e escura a meia altura p/ex. das Agulhas Negras, só porque você quis ficar apreciando o pór-do-sol até seu último momento. É preciso também usar o seu bom senso.

(ITP

COOL

17

É interessante perceber que (ao menos para mim) un bravo dia de trilha raramente consegue render mais do que 6 horas de caminhada - cronometradas!

Pára-se muito, num dia normal de trilha. As pausas em si não contribuem para avançar um grupo rumo a seu destino, mas são complemento tão importante de uma

caminhada, que deveriam ser planejadas com certo cuidado. Se está na hora de um descanso, não tem sentido acabar parando num charco cheio de mosquitos. Ou

debaixo de um sol de rachar. Melhor descansar um pouco antes, ou andar um pouco mais, até um riacho murmurante, uma vista espléndida, um campo de flores, ou uma sombra com brisa fresca - essas coisas que realmente tornam um dia de

caminhada algo tão gratificante.

Durante uma caminhada o lanche pode se estender pelo dia todo, distribuido em pequenos bocados ao longo das paradas, assegurando um fluxo constante de energia. Para isto nem mesmo é obrigatório parar de caminhar para comer. Sim, mas o que em geral acontece é ser o lanche relegado até o meio do dia, quando então o grupo pára para um looongo lanche. Não que haja mal em fazerem +

uma parada maior ao meio-dia. Mas a rigor, o lanche é uma refeição que começa

>

logo depois do café da manhã, e se estende pelo dia inteiro, até praticamente a hora de parar e acampar. Isto exige que a comida do lanche esteja facilmente acessível,

)

nos bolsos externos da mochila, para que procurá-los não se torne um pretexto para parar de andar e se esparramar pelo chão (antes da hora). E nem é preciso restringir-se apenas aos alimentos ditos "energéticos": chocolate, balas, doces e

torrones. Como o resto das refeições, o lanche deve ser variado e rico em sabores. 1

Frutas secas ou frescas, queijo, cenouras, sanduíches, salaminho e até suco de fruta

)

em caixinhas também têm seu lugar no lanche.

+

Existe por aí uma opinião muito difundida, de que, por ser o suor uma

sensação desagradável, deve-se evitar suar, procurando resistir ao máximo à

tentação de beber água quando se está com sede. Em nossa cultura tão limpa e

desodorizada, é tão arraigado o preconceito contra o suor, que as próprias funções

normais do corpo foram distorcidas e invertidas. O homem civilizado bebe menos

do que deveria, e seus hábitos acabam se refletindo no dia-a-dia na trilha. A

maioria das pessoas vive num estado de leve desidratação: elas não bebem água suficiente. A esse respeito voltamos a falar à pág. 85. Mas o corpo súa porque é sua maneira de liberar (por evaporação) quantidades maciças de calor, produzidas pelo

exercício. E beber é o mecanismo natural para repor a água perdida pelo suor. Agora, flagelar o corpo através de desidratação deliberada pode não colocar em

risco sua vida, mas com certeza diminui seu rendimento. E como! Mesmo uma

pessoa exercendo atividade leve precisa pelo menos de um e meio a dois litros de água por dia. Um excursionista subindo e descendo as montanhas vai consumir

pelo menos três a quatro litros (e até mais) para repor a água perdida.

O que não quer dizer que emborcar um cantil inteiro vá fazer algum bem ao

andarilho. Beber o suficiente, a intervalos frequentes, é o mais sensato. E é por isso

que os mais previdentes carregam sempre, no bolso da mochila, um cantil cheio, 18

quando poderiam literalmente sobreviver de uma bica à outra. (E em algumas caminhadas, ou pouco antes do anoitecer, até mesmo dois ou três litros -o suficiente para beber, cozinhar, e ainda sobrar alguma coisa para a noite e o amanhecer). Cada parada, por mais curta que seja, é pretexto para alguns goles. E nas

caminhadas mais longas e extenuantes muitos gostam de acrescentar à água um

pouco de pó para refresco, só para dar um gosto, e tornar as paradas ainda mais aprazíveis - ou para disfarçar o gosto de iodo, da água eventualmente tratada. CUIDADOS COM OS PÉS

A melhor maneira de lidar com bolhas, é não arranjar nenhuma. O cuidado com os pés começa com a escolha do sapato, nem muito pequeno e apertado, nem grande demais para que não fique solto no pé, favorecendo atritos. Muita gente prefere vestir dois pares de meias, uma meia mais fina e absorvente, usada por baixo de outra mais grossa e acolchoante. O conjunto reduz o atrito do calçado com o pé. Na trilha esta meia interna pode ser trocada sempre que necessário, duas ou três vezes ao dia, se for preciso. Aliás, não há nada que mais reanime os pés cansados do que uma troca de meias. Daí a importância de levar sempre alguns pares extras. Num dia quente, é uma delícia enfiar os pés na água gelada de

um

riacho, durante uma parada mais longa para o lanche ou pelo menos tirar os sapatos e meias, e deixá-los secando ao sol enquanto os pés ventilam. Mas não deixe os pés na água muito tempo: uma imersão prolongada deixa a pele branca e macerada, e o efeito será o oposto. Alguns veteranos recomendam esfregar álcool nos pés para refrescá-los e secá-los antes de cada troca de meias. Levar um a

al

so bo

doa go

M 19

M

mmmm

wu

frasquinho de álcool só para isso pode até parecer exagero, mas demonstra ao menos a importância de bem cuidar dos pés ao longo de uma caminhada.

Se você tem pés delicados e é particularmente suscetível a bolhas, os cuidados começam antes mesmo de pôr o pé na trilha. Kurotex é um tipo de

protetor adesivo encontrado em lojas de pedicure, e usado para prevenir a irritação

da pele nos locais de atrito. Cortado no tamanho desejado e aplicado precocemente nas áreas sensíveis e calosidades, impede a formação de bolhas. Muitos acham,

porém, que largas de esparadrapo fur ionam tão bem quanto.

Antes!

Depois...

Depois de formada uma bolha, é mais difícil remediar o mal, e ela pode mesmo

arruinar sua caminhada. Lembre-se de que uma bolha pode se formar em meia hora ou menos. Por isso, à menor sensação de desconforto ou queimação, pare

imediatamente para inspecionar o problema e dar uma solução antes que a bolha se forme. Não se intimide em fazer parar o grupo por isso: eles depois não resmungarão menos, quando você estiver atrasando todo mundo por mal conseguir

andar direito... devido às bolhas! Meias enrugadas, pedrinhas no sapato, ou mesmo um prego enfiado na sola, podem ser razões de irritação. Mas se não encontrar

nenhuma causa evidente, seque bem o pé (ao vento) e cubra a area com larga tira de esparadrapo ou Kurotex.

Se a bolha já se formou, mas ainda está inteira e assim se mantiver, tanto melhor. Mas às vezes é dificil mantê-la assim, e continuar andando. Se ela for

grande ou se você achar que acabara rebentando, é melhor drena-la, perfurando-a com uma agulha esteril, espremendo o liquido, e fazendo um curativo absorvente. O mesmo se ela já tiver rebentado, mas a coisa não devia ter chegado a tal ponto: uma bolha é sinal de negligência Trate bem seus pés, e eles o levarão longe.

20

A CARGA AS COSTAS

Finalmente - a mochila. Os anos acabam deixando os excursionistas sentimentais a respeito do fardo que carregam às costas, sua eterna companheira em dias de chuva ou sol, e nas noites solitárias em montanha; a um só tempo dormitório, cozinha e

guarda-roupa, e ainda travesseiro e recosto durante as paradas. Despojada de sua função como equipamento, a mochila passa a simbolizar a renúncia às complicações urbanas e ao frenético modo de vida, que por algumas horas ou dias deixamos para trás - mochileiros, graças a Deus! Mas da primeira vez que você carregar uma mochila, pode acontecer

que seus quadris e ombros fiquem até doloridos, e a pele meio machucada pelo atrito com a barrigueira e alças. Não exagere o peso em suas primeiras excursões:

vá aos poucos, aumentando a carga da mochila à medida que suas caminhadas forem se tornando mais longas e ousadas.

É óbvio que há limites entre o confortável, o meramente tolerável, e o

insuportável. Qual é o peso adequado para cada um? Com mochilas providas de barrigueira, que jogam a carga no quadril, aliviando o peso dos ombros, você pode calcular este limite em 1/3 do seu peso corporal. Para mim, que peso 78 Kg, uma

carga de 26 Kg pode ser carregada com razoável conforto por grandes distâncias.

Mas nas longas caminhadas, não é raro levar 35 Kg, dia após dia - é claro que as circunstâncias são excepcionais, mas acontece. Em caminhadas normais de fim de

semana, porém, usando seu bom senso para selecionar o que vai (e o que não vai) não há razão para que você chegue sequer perto deste limite.

Há duas maneiras razoáveis de vestir a mochila. A primeira é pegá-la

classicamente pelo pegador (a fita estrategicamente costurada entre as duas alças) e levantando-a do chão com um rápido impulso (e eventualmente apoiando-a no

quadril) enfiar um braço e o ombro na alça correspondente, e então deslizá-la para

29

21

as costas para conseguir vestir a outra alça. A segunda maneira é usada quando a

mochila está excessivamente pesada, ou quando por alguma razão se quer poupar a mochila - ou nossos braços. Com a mochila encostada a um tronco ou pedra, consiste em sentar-se encostado às costas da mochila, vestir as duas alças e então, encolhendo as pernas, pôr-se de pé. Para tirar a mochila é só inverter a sequência.

Ah, sim, existe uma terceira maneira, que consiste em agarrar a mochila à frente do corpo e, girando-a por cima da cabeça, deixá-la cair às costas, já

automáticamente enfiando os dois braços nas alças correspondentes: é muito elegante, mas só se consegue vesti-la assim quando se é forte como um cavalo, ou a mochila suficientemente leve.

Mas o que realmente importa explicar aqui, é a arrumação da mochila,

sua organização como equipamento de transporte. Pois a organização de uma mochila não se faz ao acaso. Ela implica, em primeiro lugar, na seleção de algumas dezenas de itens diferentes, para que nenhum item essencial seja esquecido, nem sejam levados itens supérfluos.

A primeira coisa a fazer, portanto, é elaborar uma lista. Extensa e

pessoal, ela pode ser baseada na lista oferecida logo adiante, mas terá que ser uma

versão essencialmente sua, com a sua própria seleção dos equipamentos essenciais,

e alguns não tão essenciais, mas ainda assim importantes. Importantes para você. E interessante agrupar diferentes itens por grupos. Por exemplo: abrigo e cama, cozinha, roupas, instrumentos e ferramentas, emergência e P.S., proteção e higiene pessoal...

Você pode até, com prática, habituar-se a excursionar sem checar seus equipamentos com uma lista. Basta p/ex. reunir todo o seu equipamento de caminhada sempre no mesmo armário, e dali selecionar tudo o que vai querer levar nesse fim de semana. Mas, como acontece comigo, vai descobrir também que sempre esquece alguma coisa. Por isso, a cada excursão arquive sua lista, junto

Faça uma lista!

4.44 SALLUVULLARI

600

PAUL MRANCH

22

com os adendos baseados na sua própria crítica do que faltou e do que sobrou. Alguns veteranos gostam de pesar cada item e anotar seu peso na lista. É uma atitude interessante, pois ajuda a visualizar criticamente onde está o grosso da carga, e onde as gramas podem ser cortadas - desde que inteligentemente.

Recentemente um amigo me confidenciou que só agora, depois de anos

excursionando é(anos que incluem uma expedição ao Aconcagua e uma temporada

na Antártica), é que está conseguindo escolher melhor seu material: ao invés de

encher sua mochila, prefere andar um pouco mais "sujo" e levar plex. apenas duas camisetas; ou deixar sua pesada Nikon em casa, e optar por uma câmera qualquer, mais leve e menos sofisticada. Paga-se um preço por querer ter sempre do melhor.

Mas para chegar a esta conclusão, pode ter sido preciso ir até um extremo, e depois voltar ao básico. (O mesmo vale na hora de comprar equipamento, como iremos enfatizar ao começo do cap. 5). Por isso, quando em dúvida a respeito da possível necessidade de

qualquer item, deixe em casa. Por exemplo, aquela terceira malha (280 g) vai ser realmente necessária? E aquela corda de 30 m (2,7 Kg) vai realmente encontrar algum uso? (Em dois anos você nunca precisou dela. Nem daquele facão)... Por

outro lado, se você excursiona sozinho, sua margem de segurança é mais estreita, e

há coisas cuja falta ninguém mais vai poder remediar. Nesse caso, talvez seja interessante inverter alguns critérios e, quando em dúvida, levar junto. Tudo dentro do bom senso, claro. Em seguida junte tudo num canto ou numa caixa. Embora manutenção e

reparos já devessem ter sido feitos antes (logo ao chegar de sua excursão anterior) inspecione o estado do seu equipamento. Agora selecione por compartimentos. Escolha o que vai nos bolsos da

mochila (e em quais bolsos) e o que vai no compartimento principal. Aquela legião de miudezas que se perderiam dentro da mochila, ou que é preciso ter à mão na hora certa - cantil, estojo de P.S., repelente e protetor solar, lanterna, canivete - vai para dentro dos bolsos, na ordem e disposição que você achar melhor. A prática de

embalar os itens restantes em diferentes saquinhos (de plástico, de nylon fino, ou mesmo de algodão) ajuda a identificar tudo e evitar a dispersão dos objetos quando remexendo no interior da mochila. Por exemplo: um saco para as camisetas, outro para o resto da roupa, dois ou três para a comida, outro juntando panela, fogareiro, isqueiro e os demais itens de cozinha, etc... Mas cuidado também para não exagerar na quantidade de saquinhos, e acabar enchendo sua mochila com litros (pregas e pregas) de espaço morto... Por

último, arrume tudo dentro da mochila. Nada nas mãos! E procure

colocar tudo realmente dentro da mochila, para evitar o aspecto inestético destas mochilas tipo árvore de natal coisa de vagabundo com mil quinquilharias penduradas pelo lado de fora (a começar pelo saco de dormir), que vão se prendendo commochila. risco de serem arrancados, ou de acabarem arrebentandoaosasgalhos presilhase bambus da própria 23

SUGESTÃO DE LISTA DE EQUIPAMENTO CAMA E ABRIGO

Abrigo (barraca, sobreteto, avancé, tenda-tubo, saco de bivaque) Plástico de chão

Colchonete

Saco de dormir, em seu saco plástico

Guarda-chuva

ROUPA

Botas e meias

Meias extras

Toalha

Roupa normal de caminhada Roupa extra, bermudas e camisetas

Abrigos de lã, ou de polar-plus (para frio) Luvas e gorro Anorak, poncho, calças impermeáveis (para chuva e vento) Chapéu, fita de testa, óculos de sol, luvas, roupa de banho. COZINHA

Fogareiro

Garrafas de combustível (álcool, benzina)

Cantil

Panelas, paneleiro, agarrador, frigideira, prato, caneca e talheres Isqueiro, fósforos, tocos de vela

Lanterna de velas

Bom-bril ou esponja, sabão ou detergente. FERRAMENTAS E INSTRUMENTOS

Mapas e bússola, altímetro, GPS, binóculo, lupa, Canivete

Lanterna de cabeça, pilhas extras, cheirozinha e carbureto Máquina fotográfica, filmes, filtros, flash, tripé ou monopé. Estojo de reparos, cordinha Caderneta e lápis ou caneta

PROTEÇÃO E ITENS PESSOAIS Repelente para insetos Protetor solar

Baton ou protetor labial

Escova de dentes, pasta dental, sabonete, papel higiênico Documentos, passagens e dinheiro extra

EMERGÊNCIA E P.S.

Estojo de primeiros socorros Provisões de emergência Fichas de telefone

Apito

Cobertor espacial ou um plástico no qual poder se enrolar. 24

...tou com tudo...

E' level!

om tudi

O ato de arrumar envolve argúcia e método, para que a mochila "cheia" não fique

parecendo uma corcova flácida oscilando para os lados. Naquelas que possuem fitas laterais para "encolher" o volume interno, a coisa é mais fácil. Mesmo assim,

cada item deve encontrar seu lugar próprio, diferentes

volumes

sendo

decididamente encaixados dentro da mochila como peças de um quebra-cabeças, para que o pacote fique compacto e firme às costas. Por isso mesmo, arrume sua

mochila com antecedência, não deixe tudo para a última hora. A disposição dos objetos dentro da mochila parece ser objeto de sérịa

controvérsia. Alguns argumentam que o centro de gravidade do pacote deve ser alto, e por isso objetos mais pesados, como lataria, fogareiro e ferragens devem ser

enfiados por último, no topo da mochila. Outros defendem exatamente o oposto, de modo que a discussão acaba sendo muito acadêmica. Particularmente sou de

opinião que as coisas a serem enfiadas primeiro na mochila são aquelas das quais

dificilmente iremos precisar durante o dia: sobre o plástico de chão ao fundo, jogamos o saco de dormir (embalado em saco plástico), seguido da barraca ou equipamento de bivaque, fogareiro e panelas. Depois, roupas e comida. Em cima

de tudo virão equipamento fotográfico, malhas para o frio, e o lanche do dia. O abrigo de chuva, gorro ou chapéu e outros itens de necessidade imediata encontram

seu lugar no bolso da tampa, se houver um. É claro que objetos sólidos ou

pontudos não devem ser colocados contra as costas. Nem contra qualquer outro lado da mochila onde possam puir, perfurar ou cortar o nylon pelo atrito contra outras superfícies duras. Objetos frágeis ou que amassem não devem ser colocados

ao fundo. Frascos de combustível não devem ser colocados junto com a comida: podem vazar e arruiná-la. Na realidade, é melhor colocá-los à parte, nos bolsos

externos. Outro detalhe a observar é a distribuição equilibrada de peso, para que a mochila não fique pendendo mais para um lado, solicitando uma alça (e um dos ombros) mais do que a outra.

25

Miudezas

Abrigos

Lanche

Comida

etc...

Coisas

mais leves Coisas

pesadas Saco de

dormir

Roupas

anela

Saco de dormir

Bar ca

Por último, a chuva. Não confie na impermeabilidade de mochila alguma, já que, por melhor que seja a marca, as perfurações das costuras deixam passar água mesmo, seja da chuva, seja dos bambus molhados lhe acariciando à passagem. Envolver a mochila num saco plástico irá apenas rasgá-lo nos bambus e

espinhos. Uma capa de mochila, feita em nylon, deixa escorrer água entre a mochila e suas costas. Um enorme saco plástico enfiado dentro da mochila irá lhe

roubar considerável parte do volume interno (as pregas!). É mais prático se

conformar que a mochila é apenas um sofisticado equipamento de transporte (mas não estanque) e enfiar nela, embalados em sacos plásticos menores, os objetos mais encharcáveis como roupa, saco de dormir, e equipamento fotográfico - de

preferência em sacos grossos, e não meros sacos de lixo subtraídos de casa, mais disponíveis e baratos, mas também finos demais ee inadequados. MULHERES NA TRILHA

Há muito a ser dito a respeito, para que as meninas também possam se soltar na trilha, sentir o mesmo vento no rosto, beber das mesmas fontes selvagens, e

descobrir sua própria força ao invés de ir apenas a reboque dos rapazes, e

compartilhar apenas das visões masculinas e da maneira masculina de praticar um

esporte e de se envolver em aventuras. Infelizmente eu não sou o cara certo para falar do assunto. O ideal é que vocês, meninas, ouvissem algo da boca de outras

mulheres. Pois existem outras diferenças entre homens e mulheres, do que apenas estatura, força, e desempenho.

É bastante sabido que as mulheres podem não ser tão fortes, mas têm

mais resistência física do que os homens. Isto quer dizer que elas aguentam longas

26

horas de esforço, os momentos de stress, e as dificuldades de "sobreviver", com

mais galhardia. É triste, porém, perceber que, por falta de oportunidade, ou principalmente por condicionamento social, elas raramente se expõem aos esportes de risco. As meninas que frequentam a trilha são a exceção. Seus números são

inexpressivos. A explicação talvez esteja na submissão a velhos papéis tradicionais da nossa sociedade, que ainda lembra as primitivas sociedades de caça, em que o a

homem é nômade e caçador, e a mulher não caça, fica cuidando da casa e criando a

prole. Papéis, aliás, que se repetem em qualquer acampamento convencional: são os rapazes que carregam o peso maior, decidem o rumo, e montam as barracas;as

mulheres se encarregam das refeições e das demais tarefas. Para quebrar esta

rotina, o ideal seria que as mulheres ao menos uma vez ou duas passassem pela > experiência de ir acampar sem os rapazes. Não estamos tentando segregar as

meninas, afastando-as da convivência com os "machos". Mas tentando fomentar a

oportunidade de que, longe dos "líderes naturais", elas possam aprender a tomar suas próprias decisões - decidir quanto tempo andar, onde parar para descansar ou

acampar, decidir onde estão e como encontrar seu próprio rumo, e até mesmo

resolver quais os seus objetivos (e como alcançá-los) em vez de compartilhar

sempre dos objetivos de outros. Pois as mulheres também precisam descobrir suas próprias razões para estar saindo a se aventurar por aí - e que podem não ser as mesmas dos rapazes. Mas em primeiro lugar elas também precisam tomar a

"

iniciativa de sair a trilhar o mundo. Aventura não é privilégio dos rapazes. Muitos mitos restringem a participação das meninas nos esportes de aventura. Alguns destes mitos foram criados simplesmente para dar suporte à tal superioridade masculina". Outros envolvem p/ex. a menstruação, tradicional fonte

de tabus nas sociedades primitivas. E que persistem em crendices ridículas:

mulheres menstruadas "cansam" mais facilmente; a perda de sangue as torna mais predispostas a se desidratarem; ou "naqueles dias" elas estão mais sujeitas ao ataque de quaisquer animais selvagens (que supostamente sentem de longe o cheiro de sangue). Pura bobagem! Claro que a menstruação, longe de casa, torna cuidados com a higiene mais problemáticos. Absorventes e tampões também precisam ser

levados de volta, junto com o lixo em geral (nunca enterrados por aí). Mas a idéia de que, devido à menstruação, as mulheres sofram de limitações a sua participação ‫ܕ‬

em caminhadas e aventuras, é absurda! As mulheres precisam aprender a conhecer seu próprio corpo, para não se sujeitarem a besteiras do tipo.

Diferenças anatômicas podem dificultar (um pouquinho só) encontrar equipamento mais confortável para elas. Bolas são um bom exemplo. A existência

de uma grade feminina de botas de caminhada é citada adiante: o pé feminino é um pouco mais fino do que o pé masculino, e não simplesmente uma versão menor do O

mesmo pé. Fôrmas de calçados para mulheres têm que levar isto em conta e, de fato, fabricantes no exterior com o assunto. a você procurar tais bolas (e checar, claro, jáse selhepreocupam servem melhor). Roupas Cabe também passam por 27

Mulheres! Bah!

OO problema idêntico. Não existe o que se convencionou chamar de unisex. Roupas unisex geralmente não passam de roupas masculinas menores. Você talvez perceba que as mangas unisex são um pouquinho mais compridas do que o necessário, a cintura um pouco mais larga, o quadril um pouco mais estreito do que deveria ser, etc. Mas as roupas até podem ser ligeiramente folgadas. E um abrigo de chuva com mangas mais compridas ou o pescoço mais largo não chega a lhe atrapalhar - não tanto, certamente, quanto um calçado fora de medida.

Fica difícil imaginar p/ex. uma barraca (ou um saco de dormir) específico para mulheres. Já é diferente quando consideramos uma mochila: não é suficiente apenas que a mochila seja menor (levando em consideração a óbvia diferença de envergadura). As mulheres não só têm o tronco mais curto, mas também os ombros mais estreitos e os quadris mais largos. Como resultado, as

alças das mochilas geralmente tendem a escapar dos ombros (o que até pode ser corrigido encurtando a fita peitoral, tracionando uma alça contra a outra). E a forma da barrigueira não se adapta tão bem ao quadril mais cônico das mulheres. Para começar, é preciso reduzir a altura do implante das alças, mas esta regulagem muitas mochilas têm. Em seguida é preciso que as alças sejam implantadas mais

juntas uma da outra, o que implica em colocar as próprias barras da armação interna mais próximas também. As alças também podem ser mais curtas, mais estreitas, e mais curvas, para que não fiquem roçando nas axilas ou contra o peito.

A forma de meia-lua formada pela barrigueira precisa ser mais pronunciada, para abraçar o quadril mais anatomicamente. O próprio acolchoamento da barrigueira 28

pode sersãomaismaisespesso, para melhor sequisermos conformarqueaosas mochilas Ossos do quadril, quenade mulher proeminentes. E se sejam quase volume equivalente, é preciso que estas mochilas compensem sua menor altura umfabricantes pouco mais dese preocupam largura. Tudocom bem, e daí? Mesmo "láparafora" são poucos os que já equipamento voltado a minoria feminina Mesmo que você não tenha tido problemas com as mochilas masculinas, é bom a com

menos conhecer tais diferenças, para não achar que "mochila é tudo igual". Na verdade, até sacos de dormir diferenciados começam a aparecer lá fora: sacos tipo múmia, com ombros mais estreitos (ou seja, a boca) e mais largos no meio (nos

quadris), já são oferecidos no exterior. Exagero? Lance de marketing? Pode ser. Mas também um excelente pretexto para juntar seu equipamento e ganhar a trilha em condições de igualdade com os rapazes... ALONGAMENTOS

Chega de papo furado. Estamos enfim prontos para jogar a mochila às costas, clipar a barrigueira, e tomar uma trilha. Mas espere! Antes de pôr a máquina a rodar, é interessante aquecer o motor com um exercício leve. Músculos aquecidos respondem bem melhor ao esforço de um dia de trilha. Exercícios de alongamento permitem justamente isto, um aquecimento suave dos músculos, além de propiciar maior elasticidade de articulações e tendões, e de reduzir qualquer tensão muscular.

Flexibilidade talvez seja aí mais importante do que "força" ou "boa forma". A flexibilidade de membros e coluna nos permite suportar os rigores do dia, evitando doresgeral ou micro-traumas. Flexibilidade é a habilidade de mover desimpedidamente qualquer parte do corpo. Relaxe p/ex. a cabeça e gire-a em círculo de um ombro ao outro e de volta ao primeiro. Consegue fazer isso facilmente? Ou há pontos em que você sente

dificuldade ou até dor? Repita este exercício por alguns dias, e o movimento se tornará dia mais fácil.Muitos dos estalos ecrepitações ocorrem falta deno uso doscada tendões e ligamentos envolvidos. E a falta de uso (pode jogarpora culpa

nosso modo de vida urbano) acaba levando à rigidez das articulações, coisa que muito atrapalha na prática de qualquer esporte - isto quando não chega a tirar a própria satisfação de praticá-lo. Quem está sempre se mexendo talvez nem sinta a

necessidade deiniciar exercícios extras. Mas exercícios de alongamento são sempre umaE boa forma de seu dia e ir preparando os músculos para a jornada à frente. caminhada pesada. também uma forma de relaxare dese auto-massagear depois de um dia de Excursionistas têm específicas(pois de alongamento. articulaçõesdo pé e perna são certas áreas denecessidades atençãopreferencial se movem o diaAs

inteiro, suportando o peso do corpo), bem comodacoluna, tanto ao nível dos 29

2

3

1

quadris, como ao nível dos ombros (em ambos os casos, ao contrário, por ficarem quase o dia todo relativamente inativos, apenas suportando a mochila). Existem alguns princípios básicos por trás da coisa. Ao contrário dos

; alongamentos "balísticos" usados em outras formas de ginástica, com seus arrancos bruscos e "elásticos", todos os exercícios de alongamento devem ser feitos len-ta 1

men-te, relaxadamente, com movimentos suaves e deliberados até o limite

I permitido pela articulação. Sem dor! O alongamento deve ser encarado mais como

uma forma de "espreguiçamento": respire com tranquilidade e se estique gostosamente ao fazer cada tipo de exercício. Mas não espere resultados imediatos. Nem é preciso exagerar na quantidade de exercícios: bastam uns 8 a 10 minutos todo dia, para começar a perceber (depois de algum tempo) como os movimentos a

passam a ser dia a dia mais amplos e fáceis. 1

Comece pelos pés: encostando as mãos a uma árvore, e levantando um pé, gire-o ao redor da articulação dos tornozelos em círculos. Faça o mesmo com o pescoço, girando a cabeça algumas vezes. Depois, ainda apoiado à árvore, agarre um pé com a mão e tracione-o para trás, de encontro à nádega. Conte até 10 e repita com a outra perna, umas 2 ou 3 vezes 2

Ainda de pé, e apoiado à árvore, com as mãos acima do nível dos olhos,

dê um passo atrás na ponta dos pés, e então estiique o tendão de aquiles até encostar o calcanhar no chão. Mantenha o alongamento por uns 10 segundos. 3

Agora, agachando-se, com uma mão apoiada ao chão de cada lado, extenda uma perna bem para trás, tanto quanto possível, e gradualmente transfira

algum peso à perna estendida, contando até cinco. Volte à posição original e faça o mesmo com a outra perna. Repita duas ou três vezes.

4

Coloque agora um pé sobre algum tronco ou pedra com à altura dos quadris. E estique a perna, de modo que ela fique paralela ao chão. Então, lentamente, curve a cabeça em direção ao joelho e traga os braços esticando-os, até tocar os dedos das mãos nos dedos do pé, Conte até 10 e então repita com a outra perna. Ou então, se este for difícil para você, sente-se com as pernas afastadas 30

MI

pad 4.

5

pouco mais de um palmo (ou dobre uma das pernas, plantando a sola do pé na face interna da outra coxa) e tente novamente tocar os dedos dos pés com as pontas dos dedos das mãos. E traga a cabeça aos joelhos, tanto quanto puder. Lentamente! não dê nenhum impulso no sentido de tentar alcançar as pontas dos pés. Faça qualquer um destes exercícios umas 5 vezes, bem devagar. 5

Agora cuide dos braços: fique de pé e estique-os para os lados, rodando

os no sentido horário umas 5 ou 10 vezes. Então mude de direção, e gire-os no sentido oposto, descrevendo um círculo de mais ou movimentando bastante os ombros. 6

menos

uns 60 cm, e

Em seguida, com os pés afastados uns 70 cm, e os braços afastados para

os lados, como acima, incline o tronco tanto quanto puder para a direita, conte até cinco, e então incline-o agora para a esquerda. Repita umas 5 vezes. 7

Ainda com as pernas afastadas, junte as mãos atrás da cabeça e incline

se para a frente, dirigindo a cabeça em direção ao pé direito, então ao chão entre as pernas, e vezes por fim ao pé esquerdo. Lembre-se de fazê-lo sempre lentamente. Repita algumas

TO

o de 6

31

7

8

Por fim, agarrando uma mão com a outra, por trás da cabeça, puxe um

braço para cima tanto quanto puder, conte até cinco, e então reverta o movimento,

puxando o outro braço para o outro lado. Repita umas 5 vezes. Ou então agarre um cotovelo com a outra mão, por trás das costas e puxe-o até onde puder, antes de repetir com o outro braço.

Estes aí são apenas alguns exemplos. Existem muitos outros exercícios. envolvendo os ombros e a região lombar. Você mesmo pode inventar alguns, ou

consultar um livro de alongamentos para acrescentar aos exercícios acima, outros mais do seu agrado. Nem mesmo é importante ser bem sucedido, conseguindo fazer os exercícios como foi descrito. O importante é fazê-los, complementando o exercício natural das pernas com uma rotina diária de alongamentos. E aumentando aos poucos sua elasticidade. Uma palavra a respeito de boa forma: há muito de psicológico neste papo todo a respeito de forma física. E na ênfase em malhar X horas por dia em busca de um corpo esbelto, sempre em forma, etc. Depois de uma caminhada pesada, muitos

percebem, desanimados, que não estão com aquela bola toda, que as pernas e o fôlego deixaram um tanto a desejar, que precisam treinar um pouco. Veteranos, porém, sabem que, ainda que não estejam sempre em plena forma, são capazes, a qualquer momento, de sair por aí e enfrentar caminhadas, em pé de igualdade com

qualquer um. Uma das razões disto é que eles sabem economizar suas energias, não se consumindo de uma só vez. Mas eu acho que o que lhes dá condições de fazer

qualquer caminhada numa boa (ou ao menos marginalmente em forma, mesmo sem qualquer aviso prévio), não é um programa de forma física ou o número de horas que passam dentro de uma academia, mas principalmente um modo de vida mais energético e mais saudável. Livrar-se do carro ou ao menos diminuir a

dependência dele, até para ir à padaria a três quarteirões; pegar a bicicleta de vez em quando, para um passeio de uma ou duas horas; usar a escada (e subir de três

em três degraus) ao invés de esperar pelo elevador para subir meia dúzia de

andares; subir as escadas rolantes, em vez de se deixar levar, preguiçosamente; enfim, não se furtar aos pequenos esforços cotidianos - tudo isto ajuda. Mas exige também uma reorientação no seu modo de enfrentar o dia-a-dia. Isto aqui não é nenhuma fórmula rápida para chegar ao nirvana, está aqui apenas como material de reflexão, para meditar em casa...

Mas vamos ao que intessa. O motor agora está aquecido. A aventura nos espera...

32

Mas o dia é apenas metade do mundo da trilha. O ato de erguer a mochila às costas possui grande importância simbólica, pois

2

representa a aceitação da outra metade, a noite. Harvey Manning - Excursionando, Passo a Passo

A Noite Em janeiro de 1980, descendo a crista do Aconcagua, após termos acampado praticamente no topo, a 6900 m, encontramos pouco abaixo do cume

três argentinos subindo. Sem barraca, haviam bivacado a 6400 m, para naquele dia, com mochilas leves, subirem ao topo. Entreolhando-nos discretamente, cumprimentamos os três por sua tranquila ousadia. Subir o Glaciar Polaco com um

mínimo de equipamento e comida, ainda vai. Mas, sem barraca - que imprudência! E os sinais eram nítidos: uma tormenta se aproximava. O que lhes sobrava em

audácia, provavelmente lhes faltava em equipamento. Mas deixando os argentinos entregues à sua própria competência, voltamos a descer através da neve e do mau

tempo que chegava, para tentar alcançar um lugar seguro e acampar bem mais abaixo, a 5800 m..

Um ano depois - outro tempo, outro lugar. Debaixo do sol morno e do

céu azul da Califórnia, durante quase um mês caminhei pelas trilhas de Yosemite, pernoitando nos platôs expostos ao vento e à luz das estrelas. Dispensando a barraquinha (permanentemente montada no camping ao fundo do vale) nas minhas

caminhadas pelas montanhas só levava a comida, água, um colchonete e saco de dormir. Não era necessário um teto - naquele mês só choveu uma tarde, e por meia

hora. E assim fui introduzido à simpática arte do bivaque - mas para isto foi preciso

(também da minha parte) uma reformulação radical das minhas técnicas e da minha

atitude mental. Depois disso, nas minhas explorações pela Mantiqueira não me

preocupei mais por não levar barraca. Debaixo de chuva torrencial, de vento com neblina, ou do céu repleto de estrelas, passei a dormir ao relento na crista das

montanhas. Ou, na pior das hipóteses, enfiado no meu impermeável saco de bivaque. Não tão confortavelmente, claro, mas quase sempre seco e quentinho. E a um custo e peso mínimos. Quando escrevi isto na primeira edição deste livro, minha intenção era demonstrar

que você não precisa de uma barraca para excursionar. Na ocasião eu enfatizei (acho que até demais) as possibilidades de usar apenas um saco de vaque para 33

BIVAK!

Trhand

acampar aparentemente em detrimento das barracas. O texto refletia minha

técnica de então: eu caminhava muito, sózinho, e geralmente de fim-de-semana. E

não possuía qualquer barraca, mas nem por isso deixava de ir e acampar pelas montanhas. Mas não havia qualquer preconceito contra barracas de modo geral.

Tanto que hoje, dono de uma pequena barraca para dois, eu sempre a levo na minha mochila. O que não quer dizer que sempre a monte. Quando a noite será obviamente limpa e sem qualquer ameaça de chuva, simplesmente estendo um plástico de chão, jogo em cima meu saco de dormir, e durmo debaixo das estrelas.

E isto é um bivaque, sem qualquer outra proteção. Com bom tempo, bivacar

debaixo do imenso céu estrelado é uma das maneiras mais poéticas de passar uma noite no alto das montanhas. De fato, mesmo nos últimos anos, tenho simplesmente esticado meu saco de dormir sobre um plástico e dormido em lugares incríveis, até mesmo

no

Himalaia...

Mas

convenhamos, dormir

num

saco

(ainda

que

impermeável) debaixo de chuva, é rudimentar e desconfortável: não há onde ou como acender um fogareiro e preparar uma refeição quente. Geralmente não há

nem mesmo lugar para trocar de roupa, se esticar e fazer qualquer outra coisa - ler um livro, brincar com seu mini-game, ou escrever seu diário. O saco de bivaque, com neblina ou chuva, e na falta de uma barraca, é um meio de escapar a mal

maior. De fato, em circunstâncias extremas, bivaque é sinônimo de sobrevivência...

A barraca tem muitas vantagens: mantem sua privacidade, numa praia ou qualquer outro lugar de acampamento. Também conserva à distância mosquitos e borrachudos. Mas na crista das montanhas os mosquitos são escassos. Além

disso, nos melhores lugares de nossas montanhas e sertões pode não ser fácil encontrar espaço adequado para montar uma barraquinha exatamente onde se quer. 34

Ou pode ser uma agressão cortar arbustos apenas para se instalar. Sem falar na esquisitice de, com bom tempo, ter que levantar um teto entre você e um céu repleto de estrelas - por pura obrigação. Por outro lado, a condensação (do vapor -

que se desprende do seu corpo através do saco de dormir e se condensa sobre qualquer superfície fria) também é um problema menor numa barraca, do que num

saco de bivaque, onde o saco de dormir amanhece quase sempre molhado por fora. Nada que uma toalha seca e quinze minutos ao sol não resolvam, mas sem dúvida um aborrecimento.

Com bom tempo, porém, a técnica de bivaque é o modo mais simples de

acampar: em um minuto ou dois estamos abrigados. Atende às necessidades de

qualquer excursionista sozinho. Mesmo em grupos, é bem mais fácil providenciar espaço para quatro ou seis pessoas - uma aqui, outra ali, sem cortar qualquer

arbusto - do que para uma ou duas barracas. Acrescente-se a isso a economia de peso e volume mínimos, carregados na mochila para uma única noite. Mas a

principal vantagem do bivaque é poder pernoitar em lugares incríveis, onde uma

barraca não teria vez. E a satisfação de não colocar barreiras entre você e a

experiência de uma noite nas montanhas. Para quem excursiona sem barraca, o agreste oferece dezenas de lugares deliciosos onde se pode simplesmente jogar o

esqueleto e dormir debaixo das estrelas, sem ser incomodado (e geralmente até

mesmo sem ser percebido) por moradores locais e transeuntes. Aqui, entre dois arbustos num pasto abandonado; ali, um penhasco plano no alto de morro, de onde se pode apreciar a larga vista, contemplar a marcha das constelações, e

compartilhar com os antigos da ilusão de ter o nosso saco de dormir como o centro 0

do universo. Um bivaque permite pernoitar em locais que deixariam um campista embasbacado. E são esses lugares exóticos os que deixam lembranças mais

marcadas, por sua localização ímpar, por sua agradável simplicidade, e por seu impacto ambiental, que é mínimo. 35

A maioria certamente não deixará de acampar (mais confortavelmente) em suas barracas, apenas por ter ouvido falar de outra alternativa - e estão no seu -

direito! A técnica do bivaque está aqui apenas como um exemplo. Um exemplo de como a simplicidade dos meios pode nos ajudar a atingir certos objetivos com

menos esforço. De como a reformulação mental em nossas técnicas - abandonando práticas tradicionais e restritivas em troca de maior liberdade e espírito de aventura pode nos ajudar a ir mais longe e mais leves, a ousar mais, a conhecer lugares

mais remotos e paisagens de outra formą inacessíveis. De como a dispensa de uma barraca (e de outros itens supérfluos) pode aliviar o peso de nossas mochilas sem

obrigatoriamente comprometer a "segurança" que é sobretudo uma reserva interior! E, como será discutido adiante, de como técnicas mais responsáveis e valores mais profundos podem manter a pureza de nossas trilhas, e intocado o clima selvagem de nossas reservas naturais.

Instalar-se para passar a noite fica bem mais fácil quando se está em pequenos grupos. Ou sozinho. Um grupo grande precisa descobrir ou providenciar

mais espaço, além de se organizar e distribuir tarefas. Com um grupo menor tudo é

mais fácil, não há nenhuma destas formalidades. Razão pela qual sair em grupos de no máximo 4 ou 6 pessoas acaba sendo a norma entre excursionistas.

A hora ideal para começar a tratar de acampar depende da sua disposição. Quando o terreno é favorável e o tempo está bom, não há nada demais

em caminhar até quase escurecer, e então parar e montar acampamento. E se o esquema for simplesmente ajeitar um improvisado bivaque, em minutos estão todos

acomodados e prontos para tratar da refeição da noite. Mas com mau tempo, montar acampamento à luz de lanternas pode ser um saco. Parar mais cedo permite

escolher melhor o lugar, montar a barraca (ou ajeitar os sacos de bivaque) do modo mais confortável, relaxar e cozinhar.

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1

Se você carrega saco de bivaque e fogareiro, e só precisa de um lugar para pernoitar, pode jogar suas coisas praticamente em qualquer canto em que a escuridão o encontre - desde que não esteja empoçado, ou que não haja formigas!

Já se você depende da barraca, vai ter que procurar um pouco mais por um lugar mais conveniente (o que tampouco é muito difícil). E se você depende de lenha

para o fogo, ou de água para cozinhar, sua gama de opções será ainda mais estreita. E será preciso começar a procurar mais cedo, para garantir ao anoitecer um lugar que reuna todas estas condições.

A escolha de um lugar para dormir, seja acampamento ou bivaque, pode

acabar sendo um compromisso entre necessidades geralmente conflitantes. Por um lado, é conveniente que o lugar seja plano, com solo fofo e bem drenado, abrigado

do vento, perto da água, perto da trilha, e com facilidades para a higiene (ou seja, novamente, perto da água). Conforto e conveniência são geralmente os fatores que acabam determinando a escolha do lugar. Mas excursionistas mais tarimbados, por outro lado, já estão habituados a graus menores de conforto, e não vêem nada de

mais em carregar seu próprio combustível, ou em se abastecer de água suficiente, horas antes do anoitecer. Ou em instalar suas barracas em praticamente qualquer

lugar plano e desimpedido, perto de alguns arbustos que lhes ofereçam paravento natural. Afinal, a grande conquista do moderno equipamento de camping foi

justamente permitir esse conforto mínimo com o mínimo de peso - suplementado por grandes doses de espírito esportivo e determinação...

Mas isto são apenas divagações técnicas. Há também considerações éticas a ventilar. Pois não podemos ignorar a obrigação de preservar uma paisagem

estupenda, a obrigação de não deixar traços, de acampar com o mínimo de impacto sobre o ambiente. Não há como conciliar sempre todos estes fatores. Mas a

preservação da paisagem tem prioridade absoluta, pois ninguém gosta de deixar

para trás (ou encontrar pela frente) uma área arruinada, despojada de sua beleza natural. Por exemplo, áreas de vegetação rala à beira d'água são muito bonitas nas fotos, mas também muito sensíveis ao pisoteamento e à devastação - às vezes após

8 Q 37

um único acampamento. E como (por comodidade) a quase totalidade dos pernoites tende a se concentrar a menos de 50 metros do cruzamento da trilha com um riacho, essas áreas são as mais massacradas. Por isso mesmo, procure

religiosamente evitá-las. Acampe afastado da trilha e dos riachos, de preferência dentro da mata se houver uma clareira entre as árvores, ou num degrau da encosta

de pasto. Ou em áreas pedregosas, onde o impacto de sucessivos acampamentos já não deixará maiores marcas. A grande inovação das técnicas mais recentes (que estamos aqui tentando enfatizar) é justamente nos libertar dessas limitações, de termos que nos instalar perto da água ou da trilha. E ao contrário, poder pernoitar em áreas onde nosso impacto seja menor - com suficiente conforto, e com a consciência tranquila.

Mas existem, é claro, outras considerações mais práticas a analisar. Nas montanhas, dormir exatamente na crista pode ser muito frio, devido ao vento - em

compensação, a paisagem pode ser maravilhosa. Um platô alguns metros abaixo da crista pode oferecer um lugar já mais quente, fora do trajeto do vento, mas aí vai-se a paisagem. Questão de opção. O vento, por outro lado, pode afastar os mosquitos. Que são especialmente inconvenientes quando acampamos na várzea, perto de um

charco (mas aí podemos usar espirais de inseticida para afastá-los; isto se a barraca já não for provida de paredes de tela, que mantém os mosquitos lá fora). Acampar

no fundo dos vales permite água abundante, mas pode ser mais frio do que acampar nas encostas, não por causa do vento, mas porque o ar mais frio da noite acaba se acumulando (por convecção) nos pontos mais baixos. Se houver considerável umidade, um saco de dormir ao relento pode amanhecer molhado de orvalho. A

condensação será menor sob as árvores e, é claro, quase nula dentro de uma barraca.

Outra coisa a levar em conta é a possibilidade de uma mudança de tempo durante a noite: um pico alto e de maravilhosa paisagem pode tornar-se uma armadilha, no caso de uma trovoada com raios. Um córrego seco ou um vale estreito podem inundar, transformando-se de repente no escoadouro de uma enxurrada. Até mesmo uma praia estreita pode desaparecer na maré cheia... Existe

alguma opção já esboçada para estratégica retirada? Montar acampamento em si, é muito fácil - é apenas a falta de hábito que pode transformar coisa tão trivial num bicho de sete cabeças... Escolhido o lugar, em primeiro lugar limpe o chão dos locos e pedras maiores (e algumas não

tão maiores) para que as irregularidades do terreno não perturbem o sono ou irritem

o corpo cansado. Faça um teste esticando-se sobre o plástico de chão, para checar se o terreno é suficientemente plano, ou se não sobrou alguma incômoda raiz. Se a

área não oferece uma clareira ampla o suficiente para a barraca, será preciso cortar

alguns arbustos rasteiros - mas limite-se ao mínimo. Um toldo grande esticado entre as árvores, e plásticos de chão individuais, poderiam evitar muitas vezes o sacrifício e toda a mão-de-obra. 38

Uma barraca exige chão quase plano e de preferência seco, ou pelo menos não encharcado, com boa drenagem natural. Se houver vento, é importante que a entrada da barraca fique voltada para o lado oposto. A maneira de montar sua

barraca é coisa que você com certeza já ensaiou em casa, para evitar confusão no

escuro. Pode-se apenas acrescentar que na areia muito fofa da praia, é preciso usar espeques mais longos. Em solo muito duro ou em terreno rochoso, em que os espeques simplesmente não entram, ancorar as cordinhas da barraca a pedras

distribuídas ao redor pode ser o mais fácil.

Engenharia mateira é a única coisa de que não precisamos, ao montar um acampamento. Algumas vozes se levantarão em favor da habilidade escoteira de

construir abrigos improvisados com galhos e folhas. A velha arte da pioneiria, de com paus e cordinha levantar acampamentos com cozinha e refeitório, torres e pontes, pode ser muito útil em acampamentos didáticos. Mas além de destoar da

pureza e simplicidade do encontro com a natureza, consome um tempo (dias!) que não será dedicado à contemplação. Ou à aventura. Será, pelo contrário, um tempo de confronto, dedicado a "conquistar" a natureza, homens submetendo o agreste com suas ferramentas e sua rústica engenharia. Pioneiria é uma bela arte, gostosa de aprender e praticar, mas hoje em total assintonia com o estado de espírito associado à nossa integração com as montanhas e florestas. O ideal dos novos

excursionistas não é construir miniaturas de forte-apache como exercício de sua

habilidade manual, mas, ao contrário, pernoitar com tanta simplicidade que seja difícil descobrir depois qualquer sinal de sua passagem. Cortar galhos e troncos é uma atrocidade, ainda que para a montagem de um mero tapiri. Para quê? Para uma noite ou duas de sono? Para justificar a posse de um facão? Não! A era das pioneirias está morta!

Morta porque excursionistas com sensibilidade têm

prazeres mais profundos do que cortar árvores e montar estruturas, que depois serão derrubadas e vergonhosamente escondidas atrás do mato. Morta porque equipamentos modernos e técnicas mais puras e simples tornaram tais engenharias obsoletas. E no entanto, elas ainda são ensinadas, praticadas, e justificadas por

entidades que já deveriame ter se atualizado com novos tempos e novos valores... HIGIENE

Um outro detalhe merece atenção ao acampar: o das providências sanitárias. Um

grupo grande pode justificar a escavação de uma pequena latrina, em ponto afastado do acampamento, da água, e da própria trilha. Isto se permanecer na área mais do que um pernoite. Um grupo pequeno nunca carregará uma pá, e suas

necessidades sanitárias também serão muito discretas: qualquer buraco no chão entre os arbustos serve. E cobrir os dejetos (leia-se: o coco) com uma pedra, um

tronco, ou pelo menos folhas ou casca, completa o rviço. Mas algumas regras de 39

higiene ou recomendações estéticas devem ser consideradas: não use áreas abertas, evacue bem dentro do mato. Evite as valetas de riachos, ou terrenos baixos, quer haja água correndo, quer não. De fato, suba a encosta e se afaste umas dezenas de

metros: mais uma razão para não pernoitar perto dos riachos. Esconda as evidências: isso inclui o papel. Leve em consideração as sensibilidades do próximo a se aventurar atrás da mesma moita. Afaste-se também da trilha, e não polua possíveis áreas de bivaque.

Alguns puristas pregam que se queime o papel (com um isqueiro), para eliminar quaisquer vestígios do seu uso. Eu não seria tão radical: o papel higiênico já é de difícil combustão. Molhado ou sujo de excremento, então, deve ser

impossível queimá-lo a ponto de fazê-lo desaparecer. Por isso, faz mais sentido concentrar-se em enterrá-lo (é pouca coisa), que seus restos serão bio-degradados

em poucas semanas... Ou enfiá-lo num saquinho de lixo e levá-lo de volta. CONVIVENCIA E por fim, a cortesia. Excursionistas procuram as montanhas na expectativa do silêncio, pelo prazer da solidão, pela necessidade de privacidade, ainda que em grupos. Em trilhas ou áreas mais frequentadas, é de bom tom compreender esta necessidade, e respeitar a privacidade dos outros. Grupos que se encontram na trilha ou no acampamento cumprimentam-se cordialmente, batem um bom papo, trocam informações - e depois geralmente se separam e vão pernoitar cada grupo no seu canto. Procure, pois, bivacar fora de vista, e mantenha o clima de respeito

com níveis adequados de silêncio. Apitos, uivos e gritos, bem como cantoria e batucada são um modo garantido de destruir a tranquilidade, e conquistar o repúdio de seus vizinhos.

É característico de certo tipo de pessoal levar pinga e achar que

B

40

acampamento é sinônimo de encher a cara - aliás, o que é que tem a ver? Ou achar que o seu som é do agrado de todos. Em certas áreas de intenso "camping selvagem" é preciso então entender que será impossível conquistar a tranquilidade desejada. Numa época em que não faltam aparelhos de som individuais (tipo Walkman), ainda tem gente que traz nas costas um conjunto de som (nada portátil, ainda que a pilhas) e, totalmente inconsciente de que pode haver outras opiniões, acha que sua obrigação é transmitir sua euforia a todo mundo ao redor. Tem gente a

que realmente não sabe se comportar longe de casa, e se julga no direito de entrar

noite adentro bebendo e batucando. Impossível também fazê-los compreender seu e

ponto de vista, a não ser partindo para o confronto puro e simples (e às vezes até

dá, se o grupo perturbador é menor que o seu, ou menos decidido). Tudo tem um

limite. Mas o melhor é ter se informado com antecedência, e acampar afastado do local, ainda que desrespeitando eventuais regulamentos ou proibições da área (p/ex. num Parque Nacional).

FOGOS E FOGUEIRAS

Chega, enfim, a hora da refeição. Que implica em acender um fogo e preparar comida. Muitos excursionistas carregam barracas das quais realmente não precisam

- ao menos em noites límpidas. Mas estranhamente, nem todo o mundo tem o

hábito de carregar um fogareiro, artigo aparentemente considerado luxo ou opcional. Parece ser obrigação da natureza nos abastecer de lenha...

Não há como negar as delícias de uma fogueira. Ela oferece calor, um

brilho nos olhos, um sentimento de fraternidade ao fim do dia, um crepitar

agradável e reconfortante no frio da noite, espécie de selvagem herança de tempos mais primitivos. No íntimo, como nossos antepassados, ainda somos adoradores do fogo... E no entanto, a fogueira está lentamente caindo fora de sintonia. Numa

praia, restos de fogueira até podem ser facilmente eliminados pela maré, ou

re

Regale BS

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046

escondidos na areia. Não nas montanhas! Uma fogueira deixa um pérfido anel de carvõezinhos, onde antes só havia o solo da floresta. Sem dizer que muitas

fogueiras são acesas mais por obrigação do que por necessidade, por gente que nem sabe direito acender um fogo, e só fica fuçando com paus secos e jornal, muitas vezes até com lenha verde.

Ocasionalmente você se verá acampando numa crista a quilômetros da picada mais próxima, num sítio tão remoto e belo que você poderia se imaginar ser o primeiro a pisar ali. Parece importante, portanto (talvez até mesmo além do

razoável) não deixar tal lugar de nenhum modo diminuido em sua pureza original. O mesmo sentimento se aplica a muitos lugares bem mais trilhados, e tão belos quanto. Você acabará (como eu) torcendo o nariz até para restos de fogueira em plena estrada de terra, no meio de um reflorestamento - um insulto à estética.

Principalmente porque, quando neles tropeçamos, percebemos que tais anéis são desnecessários, inconvenientes, e indesejados. Por outro lado, não há tampouco como negar o potencial salva-vidas de

uma fogueira, quando p/ex. face a face com uma situação de hipotermia. Por isso mesmo, é obrigatório levar os instrumentos mínimos para acender fogo: fósforos

secos ou isqueiro, um loco de vela ou um frasquinho de álcool ou gazolina - e não

hesitar em acender uma fogueira em situações de sobrevivência. Mas tais situações

são raras, e montar uma fogueira debaixo de condições inclementes é arte que exige prática, nem sempre recompensada com o devido sucesso - como qualquer mateiro

vivido pode confirmar por experiência própria. Arte ou não, acender e manter acesa uma fogueira para cozinhar, catando lenha ee controlando seu calor, é uma tarefa

enfadonha que leva horas - horas que teriam sido melhor empregadas apreciando o cenário. 42

O fogareiro oferece alternativa. Você pode, ou não, acender uma fogueira. Pode, aliás, ir mais longe e nem se preocupar com o assunto, levando sua comida já pronta (p/ex. num fim de semana). E relegar fogueiras, fogareiros e panelas às caminhadas mais longas, ou às montanhas mais altas, ou às épocas mais frias. Alguns fazem exatamente isto, e de fato, por que não? Por que não simplificar

a técnica ao extremo, e cortar também esse peso supérfluo, como já fizemos com a barraca? Poucos são, porém, capazes de dispensar seu chá quente ou uma refeição

morna, e ir dormir em paz depois de uma marmita de comida fria ou de dois sanduíches.

Um, fogareiro é, portanto, uma opção mais tranquila, mais garantida, e menos penosa para todos. Aprenda os segredos do manuseio do seu fogareiro em casa, para não se ver numa situação crítica sem saber usá-lo. Os fogareiros a gás ou a álcool são de uma simplicidade explícita, ao passo que os de benzina ou

querosene têm um comportamento temperamental, e exigem malícia e instruções específicas para seu pré-aquecimento e uso. Qualquer que seja o tipo de fogareiro, não o use dentro da barraca. Isto pode ser bastante inconveniente em dias de chuva,

mas uma chama ou vazamento que escapem ao controle podem transformar o

fogareiro numa tocha, propagando o fogo à barraca, com você dentro - uma armadilha mortal! O nylon de nossas barracas não é retardante à chama, como de

lei em outros países. Além disso, monóxido de carbono e outros gases tóxicos liberados pela combustão não recomendam seu uso em ambientes fechados. Daí a

vantagem de um espaço à porta, coberto por um avancê, ou mesmo de um toldo à parte, cobrindo uma área especificamente destinada à cozinha.

Outro cuidado é não enterrar o fogareiro no chão nem ancorá-lo com

pedras ao redor, para que não tombe; providências que podem superaquecer º

tanque de combustível (pelo calor refletido pela panela), levando-o a estourar a

válvula de segurança - ou explodir. Um fogareiro deve ser colocado sobre uma pedra chata e estável, ou simplesmente no chão. Quase todos os fogareiros pequenos são vulneráveis ao vento. O problema, porém, pode ser resolvido com

uma folha de alumínio fino, levada dentro do seu kit de panelas especificamente para isso, e montada ao redor do fogareiro. Ou com um pára-vento improvisado

com pedras chatas. LIXO

Num destes feriados de Carnaval, eu e um amigo emergimos de quatro dias de caminhada ao redor da Ilhabela

uma jornada pela costa c pelas montanhas.

fazendo a peregrinação das praias da ilha. Quando em casa pesamos nosso lixo. chegamos ao surpreendente total de 950 gramas. Isso incluia umas três ou quatro

latas, papéis de bala, embalagens vazias, locos de cigarro, sacos de papel e de plástico, pilhas gastas, stos de carbureto e até um tubo vazio de repelente, jogado 43

no meio da trilha por excursionistas menos conscienciosos, e por nós recolhido por razões filosóficas.

De outra vez, numa caminhada domingueira ao Pico do Jaraguá (montes de farofeiros) tentei chamar a atenção de um rapaz que, depois de tomar seu litro de iugurte, simplesmente jogou a embalagem ali mesmo, no capim. Olhando em volta,

ele argumentou que não havia nenhum lugar onde jogar o lixo. Ao que eu respondi que ele tampouco havia encontrado a garrafa cheia por ali. Infelizmente, porém, ele

não entendeu a sutileza, e o frasco continuou no chão, entre tantos outros papéis e

plásticos espalhados... Uma palavra, portanto, a respeito de lixo... Nesta época de descaso, de embalagens e cartuchos descartáveis, de crescente poluição do ar, água e solo, que

tal lembrar de tratar com mais carinho da nossa velha espaçonave, a vagar pelo

universo estrelado? É a Terra também um planeta descartável? São nossas trilhas e regiões selvagens, artigos de consumo para usufruir e depois jogar fora?

Não escapamos da cidade buscando o contato purificador das montanhas, para lá espalhar nossos refugos. O privilégio de desfrutarmos das

nossas reservas naturais exige, em contrapartida, sabedoria para zelar por elas. Dai o lema, transformado em bandeira pelos conservacionistas: "Não tire nada, a não ser fotografias; não deixe nada, a não ser pegadas; não mate nada, a não ser o tempo".

Traduzido em miúdos, isso significa: leve seu lixo de volta com você!

Amassar, queimar e enterrar pode ter sido um progresso em relação à turma do "ah jogue-no-mato-e-esqueça", cujos representantes ainda pululam por aí. Estes hábitos, contudo, exigem novamente uma reformulação total. Pois as observações

mostram que, em condições normais, latas e cartuchos (mesmo queimados) não se deterioram tão rapidamente quanto se julgava. Nas montanhas, uma lata é capaz de levar dezenas de anos para se reduzir aos componentes do solo. Vidros, plásticos e embalagens aluminizadas são eternos, claro, pelo menos pelos padrões humanos. E abrir valetas para enterrar o lixo altera o solo, e tem uma conotação estética muito e

desagradável, mesmo com pouco lixo, e mesmo quando já não está mais visível.

Quem se

importa?.. G

OD

44

Até mesmo lixo considerado bio-degradável, como cascas de ovos ou de laranja, jogadas no mato, não desaparecem de vista tão rapidamente como gostaríamos. Nas

áreas mais densamente trilhadas isso acaba produzindo uma deterioração visual, tão desagradável quanto os montes de lixo abandonados nos terrenos baldios de nossas

cidades. É o que já acontece nas trilhas mais populares, nas paradas perto dos riachos plex, mesmo em áreas a um dia ou dois do asfalto -mas quem se importa? Para quem pensava que nossas áreas selvagens poderiam ser sempre intocadas e puras, é uma decepção descobrir que elas não são, afinal, imunes ao descaso ou à falta de valores.

Gente que concorda com tudo isto, não vê, porém, nada de anormal em jogar na trilha o papel higiênico que usaram para assoar o nariz. Tanto no Brasil como em outras partes do mundo, é desagradável encontrar, presas aos arbustos. estas pequenas bandeiras anunciando o descaso total de certas pessoas com a

paisagem que vieram conhecer. Você é responsável pelo seu lixo! Daí as novas

regras, em resposta a novos problemas. Leve seu lixo embora significa mesmo LEVE TUDO EMBORA COM VOCÊ! Na trilha, enfie nos bolsos o lixo miúdo

como papéis de bala e tocos de cigarro. Cascas de laranja, restos de comida,

mesmo ossos de galinha e cascas de ovo, poderiam ser discretamente escondidos

ou enterrados a boa distância da trilha. Mas se você os carregou até ali, sua mochila não vai ficar mais pesada nem mais volumosa por devolver os restos à marmita onde vieram. Ou juntá-los ao resto do lixo, amassado e queimado (ou lavado, para

não criar mau cheiro) e enfiado em saco plástico à parte, que é carregado de volta à cidade. Papéis e embalagens poderiam ser queimados, mas acho que dá menos trabalho simplesmente trazê-los de volta. E, por curiosidade, ao chegar, pese seu

lixo. Você vai se espantar de ver que pesa menos do que imaginava, nunca mais de um quilo por pessoa, mesmo em longas caminhadas. A hesitação em trazê-lo de volta é mais por preguiça mental, do que pelo esforço físico em carregá-lo.

o loque supremo consiste em inspecionar os arredores de um acampamento, e gastar uns minutos recolhendo restos de lixo (inclusive de turmas anteriores) para trazer de volta, deixando o local ainda mais limpo do que quando

45

chegou. Isso já é feito por alguns grupos organizados, nas trilhas mais populares. Já há anos clubes excursionistas por aí vêm dedicando um fim de semana ao ano, para

limpar suas trilhas preferidas, recolhendo toneladas de lixo acumulado. Não sabemos se o exemplo cala fundo nos frequentadores que testemunham tais

mutirões (Operação Montanhas Limpas) mas é evidente que há gente que se importa. Se você se vir envolvido em esforço semelhante, em Itatiaia, na Serra dos

Órgãos ou no Marumbi, não tire o corpo fora - como já vimos acontecer até com grupos de

escoteiros. Limpe as montanhas. Abra sua mochila e participe,

carregando parte do lixo, num esforço por trilhas mais limpas. No interim, traga seu próprio lixo de volta, traga todo o seu lixo de volta.

ÁGUA E SUAS CONSIDERAÇÕES

Quando estivermos excursionando ao pé das montanhas, especialmente em região de pastagens ou áreas poluídas pelo gado, é óbvio que qualquer água é suspeita e deve ser tratada como tal, quer fervendo-a, quer misturando-lhe compostos

clorados como Hidrosteril (mas tintura de iodo é mais eficiente), quer finalmente filtrando-a. Mesmo a água de certas bicas, com todos os sinais de uso para bebida, deve ser inspecionada com cuidado, não importa quão gelada, cristalina ou borbulhante seja. E quando em dúvida, tratada. Em nossos dias corremos também o

risco de que a água que desce de lavouras venha carregada com sua dose de agro tóxicos...

A água que nasce de matas, bosques ou pequenas capoeiras acima das

pastagens, porém, geralmente pode ser bebida sem receios. Água que nasce de pequenos lagos e charcos naturais, claramente não contaminados por bosta, tampouco justifica qualquer receio. Em nossas trilhas e montanhas mais altas, a maior parte dos cursos d'água ainda não foi contaminada pelo homem ou gado, e se

os devidos cuidados de higiene forem tomados, é possível que assim permaneçam.

No entanto, um riacho largo ou fundo o suficiente para um banho, já não pode ser considerado potável.

Como se faz com o lixo, a poluição de nossas águas, mesmo em áreas garantidamente selvagens, como nos riachos das cristas, pode ser prevenida, bastando seguir à risca algumas regras simples, Como já foi mencionado, cuide da sua higiene longe dos cursos d'água. Instale acampamentos ou bivaques a pelo menos 50 ou 100 metros da margem de lagos ou charcos, do banco de rios, riachos e fontes d'água. Procure não se banhar em águas que quase certamente serão usadas para beber. Mesmo cuidados prosaicos como escovar os dentes merecem atenção: não cuspa de volta ou sequer escove os dentes à beira do riacho. Em vez disso, use

o cantil e se afaste uns metros, cuspindo em pleno capim. Da mesma forma, em vez de lavar panelas e pratos no rio ou lago, ali descarregando restos de comida e detergente (ainda que bio-degradável), carregue cantis ou vasilhas cheias d'água até 46

Não polua o'rio...

o mato, e lave ali a louça. Por último, quando perceber outros excursionistas

poluindo a água (por desinformação) explique com calma e cortesia como agir mais

acertadamente. Isto é importante, pois afeta a todos nós. Só assim evitaremos que

riachos e fontes se transformem em focos de contaminação humana - como já aconteceu nas últimas décadas em todas (todas!) as trilhas mais populares do hemisfério Norte.

Inevitavelmente este capítulo acaba recheado de noções aborrecidas do tipo "não faça" ou "evite". Já se foi o tempo em que se via o mundo selvagem como

"limpo", e a natureza como um sistema auto-renovável. Essa noção meio que desmoronou nos últimos anos e, ao contrário, agora percebemos que matase montanhas formam um sistema frágil, se a pressão do uso for muito grande, e se se mantiver o atual descaso por suas regras simples e naturais. Hoje somos poucos,

mas à medida que o esporte se populariza, aumenta o impacto que mais e mais excursionistas imporão às nossas reservas naturais - e suas consequências. Como práticas excursionistas corretas muitas vezes contrariam a inércia dos costumes, um esforço brutal acaba sendo necessário para inverter antigos maus hábitos. Mas uma vez entendidos e assimilados os seus porquês, os novos hábitos são automáticos, e o excursionista volta a se sentir livre para desfrutar das montanhas com a consciência limpa e a reconfortante sensação de poder legar a

seus sucessores a mesma trilha, o mesmo riacho, a mesma paisagem, preservada daqui a alguns anos, como o era antes de ele mesmo passar por aqui. Isto não é muito difícil: é só excursionar como se dependesse de você, que daqui a vinte anos o seu filho possa voltar, e encontrar intocada a mesma e maravilhosa paisagem. 47

CAMINHADAS NOTURNAS O excursionista com equipamento completo às costas dispõe de opções que não estão ao alcance do andarilho comum - plex, a de descansar durante o calor da

tarde, e aproveitar a frescura do anoitecer para subir uma estafante trilha montanha acima. A razão mais comum para andar à noite é geralmente ter perdido a hora, e

acabar tendo que esticar a caminhada noite adentro, para alcançar um alvo pré determinado. Mas a caminhada noturna pode ser um fim em si, tanto para aumentar

seu raio de alcance, como para encaixar uma jornada longa demais num apertado fim de semana. Ou para desvendar um universo diferente, à luz das estrelas. Em certos "desertos" do interior do Brasil, como Raso da Catarina ou o

Jalapão, caminhar à noite e descansar de dia pode ser a única tática razoável para se deslocar com um mínimo de conforto (calor extremo!) mas uma técnica peculiar terá então que ser desenvolvida.

De qualquer modo, caminhadas noturnas são uma experiência única apenas aborrecida, ocasionalmente, em regiões rurais, por estúpidos cães que, estridentes, podem denunciar nossa passagem de modo atrevido. A noite confere à

jornada uma qualidade irreal, mesmo atravessando paisagens já conhecidas.

Caminhar através da noite estrelada por longa praia deserta, é daquelas aventuras a que ninguém deveria se furtar. Já o luar ofusca a noite e empalidece as estrelas, mas

pode iluminar palidamente horizontes distantes, oferecendo novas perspectivas de vales e cristas - como você poderá descobrir ao bivacar no topo das montanhas, em noites enluaradas. Imagine só, portanto, andar pelos campos à luz da lua, até mesmo em quarto crescente ou minguante. Ou por uma trilha por dentro de uma floresta rala, com a lua cheia...

Uma lanterna é praticamente obrigatória, mas você não precisa

necessariamente acendê-la. Pode preservar o clima de mistério, só recorrendo a ela para consultar o mapa, ou escolher uma direção - basta então uma "headlight" ou uma pequena lanterna de bolso. Se uma lanterna mais potente for de fato

necessária, uma compacta lanterninha de carbureto é quase sempre a melhor opção, já que sua luz é mais forte, e a carga mais econômica do que a de uma grande

lanterna de pilhas. É mais fácil cometer erros de itinerário, já que se torna mais fácil perder a saída de uma trilha lateral, ou a referência de uma cerca ou estrada a vinte metros

ou mais, na penumbra, fora do alcance da lanterna. A navegação por alvos distantes

também fica mais difícil (mesmo com lua), já que o reconhecimento de silhuetas à vaga luz dos astros fica prejudicado, e duvidosa uma identificação de certeza contra um horizonte uniforme, sem perspectivas claras ou distâncias definíveis. É preciso ser navegador com certa experiência no uso de mapas e navegação estimada -- ou então ater-se a trilhas de fácil identificação. Talvez por isso mesmo, embora quase sempre mais lentas, caminhadas noturnas são também os mais 48

significativos, oferecendo uma forma nova de contemplação, ou um ponto de partida para novas maneiras de enxergar o mesmo agreste. APRECIANDO A NOITE

Contemplar o Universo à noite, e identificar as constelações presentes é outra forma de explorar o desconhecido - e por isto mesmo fiz questão de incluir neste

livro alguns mapas, que haviam sido inexplicavelmente cortados da primeira edição. Observar o céu têm um fascínio todo especial, especialmente quando algum

ajuntamento inespecífico de estrelas subitamente se transfigura numa constelação já consagrada pelos antigos, e com nome próprio. Mesmo em noites muito frias e

limpas, não conseguimos ver mais do que 2000 estrelas. Parece muito? 0 movimento anual de translação da Terra ao redor do Sol traz, ao longo do ano,

diferentes perspectivas do universo. A impressão é de que a cada noite as estrelas nascem 4 minutos mais cedo, ou de que as constelações vão assim rodando º

surgindo do Leste, para desaparecer, meses depois, à Oeste, junto com o Sol poente. Para mim, após 30 anos de caminhadas, é um prazer, todos os anos, ver reaparecer certas constelações acima do horizonte, num reencontro com velhas

companheiras de aventura. Cada estação traz seu próprio cortejo de estrelas: há

Orion, anunciando o verão; o Leão, no Outono; o Escorpião, no Inverno; e Pégaso,

na Primavera. Constelações do Zodíaco podem ter um significado especial, para aqueles nascidos em algum mês em particular. Algumas destas realmente têm

alguma forma fácil de identificar: Leão e Escorpião, já citados, o Touro, Gêmeos. 49

A Virgem é representada apenas por Spica, sua estrela mais brilhante. Mas há constelações tão amorfas, que nem compensa querer ver grande coisa

e até

surpreende que os sumérios as vissem como qualquer coisa especial (Aries, Capricórnio, Libra, Sagitário, Aquário, Cancer). Certas constelações podem nos orientar à noite: o Cruzeiro do Sul é o exemplo clássico. Outras têm um significado simplesmente mitológico: o Cisne (a grande Cruz do Norte), a pequena Aguia (só 3 estrelas), a Lira, e o simpático Corvo. A Grande Ursa nos contempla do Norte nas

noites de abril. Outras constelações boreais se escondem atrás do horizonte, e não conseguem ser vistas do Sul do Brasil. Mas Orion traz a seus pés os dois Cães: 0

Maior, identificado por Sirius, a estrela mais brilhante do céu; e o Menor, por

Procion, outra estrela de 1° magnitude. E de dezembro a julho, o Navio roda pelos céus austrais, com Canopus a nos servir de referência. Isto quando não ficamos

horas a contemplar o rio de estrelas que é nossa própria galáxia, a Via Láctea, e suas pequenas galáxias-satélites, as Nuvens de Magalhães. Ou a tentar distinguir

dentre as estrelas fixas, os planetas visíveis, Marte, Júpiter, Saturno. E Vênus, que ora aparece pela madrugada, ora à tardinha.

NOS PARA O EXCURSIONISTA

1

j

O excursionista não tem a mesma necessidade (que tem o escalador ou cavernista) de conhecer meia dúzia de nós para sua segurança e para manobras com a corda. Mesmo assim, alguns nós sempre ajudam quando se trata de amarrar alguma coisa a outra.

Para começar, esqueça o famoso nó direito. Em sua "enciclopédia” de nós, Ashley afirma que ..."o nó direito é provavelmente responsável por mais mortes e lesões causadas por falha (do nó) do que todos os outros nós reunidos". Eu mesmo já passei (em caverna) pelo constrangimento de ver cair em cima de mim uma mochila amarrada a uma corda que havia sido conectada a outra por um nó direito. A única coisa simpática do nó, é que é plano e simétrico. Pode ser usado para aplicações sem risco algum, como fechar pacotes ou amarrar ataduras. E só!

Nó direito

Bonito e inútil... Um nó muito bom para amarrar a corda plex. a uma árvore é o volta do fiel. Da família dos nós de amarração, é o mais rápido de fazer, e muito fácil de desmanchar, mesmo depois de submetido a fortes sobrecargas. Fazê-lo no ar e 50

epo

Volta do fiel

depois enfiá-lo por cima da ponta de um toco é bem mais fácil do que fazê-lo diretamente num tronco. Razão pela qual muitos preferem, em seu lugar, usar uma volta redonda com dois cotes, que tem a mesma função (mas já não é tão fácil de desmanchar). Uma variante é arrematar o último cote com uma laçada de correr, ou

seja, em vez de enfiar a ponta da corda, enfia-se uma ponta dobrada, que pode escapar bem mais facilmente, se puxarmos a ponta certa.

Volta redonda com 2 cotes

an

Para amarrar uma corda a outra, alguns preferem o nó de escota, que permite juntar cordas de diferentes diâmetros. O nó de escota é o nó que merece a

reputação de que goza o nó direito. O escota duplo é mais aconselhável quando há possibilidade de qualquer das cordas deslizar.

nó de escota

escata duplo

DS

51

YAMAHA pescador simples

pescador duplo

Mas o nó clássico para estas situações é o nó de pescador, em que cada corda forma um nó ao redor do pescoço da outra. E o pescador duplo é ainda mais resistente a deslizamentos. u

} Para amarrar uma cordinha à ponta de um toldo sem ilhoses, o mais fácil é simplesmente jogar uma pedrinha numa dobra do tecido, e amarrar ao redor deste

uma laçada constritora qualquer. Este "nó de toldo" nem nome tem, mas é muito

prático. Outro truque com cordas, agora extraido da vivência de caminhoneiros, é o O

"nó carioca", uma laçada multiplicadora de forças, geralmente usada para "tensionar" alguma corda na hora de amarrar uma carga à carrosseria de uma perua.

E que em acampamentos pode ser usado em muitas situações...

O repertório de nós e laçadas poderia cobrir páginas mas estes poucos já devem quebrar qualquer galho na maioria das situações encontradas pelo excursionista.

52

Era preciso vencer o medo; e o grande medo. meu maior medo na viagem, eu vencera ali,

naquele mesmo instante, em meio à desordem

3

dos elementos e à bagunça daquela situação Era o medo de nunca partir

Amyr Klink - Cem Dias Entre Céu e Mar

Primeiros Passos E como iniciar-se nas caminhadas? Muitos começam participando destas aventuras

organizadas por pequenas agências de turismo ecológico - uma nova opção que explodiu nos últimos anos. Algumas oferecem possibilidades mais aventurescas que outras, portanto é só questão de escolher qual o esquema que mais lhe agrada

Caminhadas de um dia só, ou de dois dias, grupos grandes e ruidosos, ou pequenos e discretos, pacotes mais turísticos e confortáveis, ou esquemas mais selvagens e

excitantes - há de tudo. Estas agências acabam, porém, criando uma dependência delas próprias para planejar o passeio e se aventurar por aí. Claro, elas precisam em primeiro lugar agradar aos clientes, e todos gostam de se sentir seguros e confortáveis. O que também é um pouco decepcionante, pois a aventura não é nada

disto. Além disso, a dependência é como o peixe que se aceita (ou compra) em vez de aprender a pescar. Por outro lado, mais cedo ou mais tarde você acabará

esgotando as possibilidades oferecidas por estas agências, e então talvez sinta

vontade de partir para caminhadas (enfim) por conta própria, sozinho, ou com amigos também descobertos nestes primeiros passeios. E então estará no caminho certo. Se a livre iniciativa traz sua dose de incertezas e riscos, são também maiores

as recompensas e satisfações. Pois é quando você começa a esboçar seus próprios

objetivos e traçar seus próprios planos, que a aventura realmente começa. E um mundo de novas e excitantes opções se abre para você. Mas geralmente o maior problema é - para onde ir?

A maioria dos planos começa com a menção de algum lugar. Em geral é uma dica de alguém que já foi lá, um nome sussurrado por aí, com referências a sua

beleza e isolamento. A aventura não está muito longe. Perto das grandes cidades há sempre lugares selvagens ou montanhosos, suficientemente elogiados pelos excursionistas locais. Curitiba tem a região do Marumbi; Rio de Janeiro tem a Serra e

dos Órgãos e outras cadeias próximas; Belo Horizonte tem a Serra do Cipó e o Espinhaço estendendo-se mais para o Norte; e São Paulo tem imensa a

Mantiqueira, que não se restringe a Itatiaia e Pedra do Baú. Os Parques Nacionais são outra fonte de rmação de lazer. Apesar de sub-desenvolvidos e carentes 53

de verbas (ou de imaginação), e muitas vezes voltados para atender apenas à massa de turistas, parques nacionais e estaduais oferecem, apesar de tudo, um sistema de 7

trilhas que vale a pena explorar e descobrir. As melhores trilhas geralmente começam exatamente onde a turistada pára, achando que já foi longe demais...

1

Revistas de aventura também oferecem dicas de lugares exóticos - é questão de avaliar espertamente, para descartar aquelas que são apenas mais uma opção turística. As próprias lojas de caminhada são centros onde informações de todos os

cantos "pingam" - uma triagem pode selecionar lugares que realmente valha a pena

visitar. Roteiros de caminhada também começam a ser publicados, junto com os respectivos mapas - eu mesmo estou publicando um livro com descrições de

caminhadas "clássicas" ou seja, aquelas trilhas de que qualquer um já ouviu ou deveria ter ouvido falar.

Não se limite, porém, às informações conseguidas. Muito excursionista de peso acaba conhecendo apenas meia dúzia de caminhadas clássicas, que são sempre repetidas num ciclo monótono e sem imaginação. Mas, a cinco ou dez

quilômetros destas trilhas clássicas, novas cristas e passeios ainda mais incríveis (e totalmente desconhecidos) esperam por excursionistas com a suficiente dose de

arrojo, iniciativa e capacidade. É aa acomodação aos caminhos já conhecidos que mata o espírito de aventura. Por isso, já nas primeiras trilhas que você percorrer, abra os olhos: olhe ao redor, descobrindo outros picos, cristas e lugares que você

gostaria de visitar - ou que você ache que valeria a pena alcançar. Identifique-os no mapa. E depois descubra como chegar lá.

De posse de um nome ou local, tente reunir informações mais

detalhadas. Muita gente gosta de se enfiar no agreste às cegas, sem uma idéia preconcebida do que possa encontrar. Mas esse me parece um método infantil ou

preguiçoso. É preciso fazer sua lição de casa. Pesquise! Analise! Quanto mais você planejar, mais prazer acabará extraindo do seu tempo e esforço, e mais opções terá para escolher.

Um ponto de partida é começar estudando um mapa da região. Cartas topográficas de quase qualquer região interessante são publicados por algum órgão

e troquei a suspensão mas

acotação lugar perfeito... Serra do.

chegamos meu analista disse...ii a investir...

55% ao ano...

absolutamente " fantástico

54

do governo - IBGE, DSG, Sudene - dependendo da região escolhida. E não é difícil

consegui-las (veja à pág. 172). As cartas são geralmente apresentadas numa escala

de 1/50.000 (ou de 1/100.000) - e representam áreas de 25 x 25 Km (ou de 50 x 50 Km). Uma grade de quadrículas (geralmente de 4 cm de lado) nos serve de orientação e referência, e oferece também uma escala de fácil visualização cobrindo a carta por inteiro. A carta nos mostra a proximidade de estradas, e nos

permite escolher o melhor acesso à região em estudo. Riachos e rios também estão ali representados, e até mesmo trilhas e estradinhas bem secundárias que podem

fornecer o caminho mais interessante através da região - mas cujo traçado e existência também pode ter se alterado desde a publicação do mapa. Nova

estradas podem ter sido abertas; velhos caminhos, desativados - mas muitas vezes ainda lá estarão, à disposição. A principal informação, porém, é o relevo, a altura disposição das montanhas, cristas e vales. Isto não muda! O estudo demorado i minucioso de um mapa nos permite conhecer razoavelmente a região, sem nunci ter ido lá. E possibilita avaliar o que nos espera. Informações sobre a cobertura vegetal, porém,podem se revelar ambíguas, pois elas podem ter se alterado desde a época de levantamento do mapa. Um pasto pode ter sido reflorestado, e umz floresta de 20 anos atrás, posta ao chão. Além disso, campo, cerrado ou mata são

palavras vagas, que não definem a dificuldade ou facilidade em atravessar um

terreno: existem campos obstruídos de cerradas samambaias, e matas de livre

trânsito. É preciso investigar pessoalmente, no local, para descobrir algum carreiro

que possa nos conduzir através dos obstáculos. Pois embora os mapas geralmente

sejam bons, não se pode confiar neles cegamente. E afinal de contas, um explorador é o que você é agora, um viajante curioso lançado numa terra estranha. sujeito a surpresas boas ou más.

Agora planeje sua rota através do mapa, com um trajeto que, de

preferência, não repita na volta o caminho de ida. Trajetos de uma localidade a outra, ou que descrevam um circuito de volta ao ponto de partida, são mais

variados e estimulantes. Mas pode ser preciso quebrar a cabeça para montar um roteiro assim. As horas passadas sobre um mapa são então das mais divertidas.

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Habitue-se a "caminhar" sobre o mapa, sentindo as variações do terreno: aqui, andando por longa crista; ali, descendo até um selado; mais adiante,

caminhando pelo fundo de um vale (água!) e contornando lentamente a montanha à direita. Por último, calcule a distância percorrida. Com um fio de linha, ou somando rapidamente os quilômetros de 2 em 2 centímetros (se a escala for de

1/50.000) estime um total aproximado, dando mais um ou dois quilômetros de lambuja, nos trechos de difícil avaliação, onde o caminho ziguezagueia montanha acima.

Mas saiba que das informações sobre uma caminhada, a quilometragem é a que menos importa, pois nos diz muito pouco. Existem caminhadas de 20 Km (pela crista das montanhas p/ex.) que batem de longe uma de 50 Km (pela estrada no fundo do vale) em tempo de percurso e dificuldade. Quilometragem é coisa de carro. Numa caminhada ela precisa ser associada a outras informações, como tipo de caminho, terreno, e desnível por vencer, para dar uma idéia do tempo estimado de marcha. Como calcular esse tempo? Calcule sua velocidade em 3 Km/H (para estrada), ou 2 Km/H (trilha batida), ou até mesmo 1 Km/H ou menos (em picadas

meio fechadas ou trechos de passagem problemática). Em seguida some uma hora

para cada 500 m de desnível por subir. O resultado oferece uma aproximação grosseira, não contados os descansos prolongados nem os atrasos por inau tempo, falta de forma, ou mochilas muito pesadas - acrescente meia hora por cada um

destes fatores. O método serve, é claro, apenas de base para uma estimativa

razoável. O mais importante é depois comparar esses números com o tempo gasto, para ter sempre uma idéia de como seus cálculos se ajustam com a realidade.

Seus preparativos se encerram com o planejamento de sua ida e volta. Se, como eu, você não dispõe de carro, terá que tomar um ônibus (horários

disponíveis? tempo de viagem?) e nas estradas secundárias pôr-se a andar, ou eventualmente pegar uma carona. Se você tem um carro, a coisa pode ficar mais 56

12 km de estrada 3 hs =

18km=4hs

forte vento contra=/zh

fraca forma física=12h

00

6km de Trilha

-3hs

750 m de desnivel=1 yahs 250 m

8/2hs

500m

18km

fácil, mas como voltar ao ponto de partida? Com dois carros e uma turma maior, pode-se providenciar as coisas de modo a deixar um carro em cada extremidade do

roteiro - a solução mais prática para regiões em que o transporte público é escasso ou restrito a horários incompatíveis. Mas não se sinta diminuido por ter que viajar de ônibus; às vezes ainda é a coisa mais prática a fazer, mesmo que você não salte exatamente ao começo da trilha pretendida.

E antes de sair, um cuidado extra: deixe sempre, por escrito, um aviso

com informações essenciais do seu roteiro, e data e horário prováveis de retorno.

Esse cuidado simples já salvou muita gente retida nas montanhas, permitindo que amigos ou parentes pudessem acudi-lo ou providenciar uma busca. Ao especificar um horário de retorno, porém, alguns excursionistas preferem que nenhum alarme

seja acionado senão depois de decorrido um bom retardo, digamos pelo menos 24 ou 36 horas. Isso lhes dá certa tolerância para inevitáveis atrasos sem maior gravidade, ou mesmo para programas alternativos não previstos, como voltar por um caminho mais longo. Ou simplesmente conceder-se mais um dia andando por regiões de irresistível beleza. Um pecado compreensível...

ఆచారం peterson Fomos pa Serra dos

Aratás (eu, Pepê,Cleo, Edgar e Monica. Acho

queestamos de volta

52

sónaterça ou quarta de no máximo. [(vire)manhã, a Zeca

Mas enfim na trilha... A exploração de áreas selvagens ou travessias fora

de trilha é uma habilidade avançada, que exige certa experiência e completo domínio do uso de mapas. Geralmente, porém, os principiantes se limitam às trilhas

mais conhecidas, tradicionais, bem estabelecidas, onde de fato se pode adquirir a necessária vivência correndo pouco risco. Na maioria dos casos não há muita hesitação em seguir uma trilha. Ela se abre à frente, nítida e desimpedida, e com exceção da ordem das bifurcações e

outras referências (que memorizamos para uso futuro) é preciso apenas de vez em

quando checar a direção em que estamos indo - pela bússola ou pelo sol - para garantir que possamos voltar pelo mesmo caminho. Às vezes, no entanto, a picada desaparece da nossa frente, ou porque atravessa uma várzea mais úmida e com

vegetação mais exuberante, ou porque a trilha realmente se fechou por falta de uso.

Se já não nos extraviamos no mato e se a trilha é antiga e foi muito usada, é até possível rastrear o sulco compactado do trilho original, por baixo dos arbustos. Uma operação de "limpeza" pode então ser muito oportuna, justificando o uso de

um facão. Ou às vezes foi uma árvore que desabou sobre a trilha, sepultando dez ou vinte metros dela com sua galhada, e exigindo que se descubra a trilha mais adiante.

É possível, na volta por um caminho que já foi trilhado em sentido contrário no dia anterior, acontecer de esbarrar num trecho pelo qual você juraria nunca antes ter passado. Cruzamentos de riachos são alvos frequentes de tal confusão. Não entre em pânico, já aconteceu algumas vezes até comigo: é muito perturbador, pois se não é essa a trilha, onde foi que dela nos desviamos? E no

hoa

58

Perdeu-se! o

Achou! entanto, não há desvios nem outra trilha: cinco ou dez minutos adiante ou atrás,

"

você encontrará sinais inconfundíveis dos quais lembra de ter visto no dia anterior portanto é a mesma trilha. O caboclo lhe dirá que é muito simples: foi a Caipora que lhe pegou... Como evitar tais instantes de terrível incerteza? Habituando-se, na ida, a virar para trás a intervalos frequentes ou nos pontos mais óbvios, e memorizar" a trilha como ela será vista na volta - como depois de cruzar um riachinho, ou após ultrapassar grandes pedras, árvores inconfundíveis, ou mesmo uma clareira. (Ou então a carregar sempre um pouco de de fumo e alho, para oferecer à Caipora - e afugentá-la...) É muito comum descobrir-se de repente andando por uma trilha de vaca. São muito comuns em certas áreas; às vezes, aliás, as únicas trilhas existentes, com

magníficas possibilidades para quem souber aproveitá-las. Têm o único

inconveniente de às vezes serem muito estreitas para os nossos pés. E de ficarem se entrecruzando com outras trilhas idênticas (o que pode confundir, embora todas sigam na mesma direção). Neste caso, quando encontramos muitas trilhas paralelas, o melhor (numa encosta) é acompanhar a mais alta, para não perder de vista qualquer desvio importante que qualquer uma delas possa fazer, para um lado ou para o outro. Também acontece de, esbarrando numa cerca, as trilhas se afastarem da direção que nos era conveniente. É questão, então, de nos orientarmos pelo mapa e bússola, e prosseguirmos mesmo sem trilha, se possível. Mas às vezes é

justamente o encontro de uma trilha de vacas que nos mostra o caminho mais lógico (são bichos muito esclarecidos), afastando-se para o lado um pouco antes da bordatrajeto de ummaispenhasco ainda não havíamos percebido) para descer ou subir pelo seguro (qe ue descansado. Na

crista das montanhas e nos platos rochosos as trilhas costumam

receber alguma sinalização por parte de frequentadores habituais. Às vezes são setas pintadas nos rochedos, às vezes marcos de pedras empilhadas, que variam

59

desde "capelas" com lajotas de quase um metro de altura, a pilhas pequenas com três ou quatro pedras - o mínimo para se perceber que se trata de um montinho

artificial, e não de um ajuntamento natural de pedras. Mas mesmo encontrando tais

marcos, não confie neles cegamente; eles podem ser apenas sinal de que "alguém esteve aqui", nada mais. Cheque a direção em que apontam, para ver se coincide com seu rumo pretendido, e em caso de dúvida, siga naquela direção apenas alguns

minutos, retrocedendo se perceber que ela não tem futuro, ou se não leva à direção que você acha que deveria seguir. Nesse caso procure marcos ou indícios que apontem para a direção correta. Alguns destes marcos às vezes seguem direções enganosas, colocados por excursionistas desorientados, que os foram deixando para sua própria orientação. E por não terem sido posteriormente derrubados, por ali ficaram, agora desorientando excursionistas não familiarizados com a área. Seria

aconselhável tirá-los de circulação, para que não continuem iludindo grupos extraviados. Mas a rigor essa tarefa deve ser deixada para quem conheça a fundo a

região. Afinal, eles podem, por outro lado, estar de fato apontando, não a trilha

principal, mas outra trilha secundária, conhecida e frequentada apenas pelos excursionistas locais.

Se nos descampados rochosos tais marcos oferecem sinalização permanente, dentro da mata ou do cerrado a situação é mais confusa. Galhos

cortados a facão ou nítidas marcas na casca das árvores também são apenas sinais de que alguém passou por ali (ao menos isso!), mas não comprovam a existência de

qualquer trilha. Fitas coloridas de algodão ou de plástico, penduradas à altura dos olhos, são um sistema melhor, cada cor identificando a uma trilha diferente, se

houver mais de uma trilha, ou trilhas secundárias mas isto é sinalização geralmente mantida por quem habitualmente caminha por ali. Ou por quem abre uma nova trilha para seus colegas aventureiros... 60

Calma, calma,

Fique frio...

ago

PERDIDO!

Chega, no entanto, um dia em que você se vê sem rumo. A linha que o une ao mundo dos homens se partiu. Se você vinha acompanhando seu trajeto com mapa e bússola, a situação ainda é das mais risonhas: você não está perdido, está apenas desorientado. Perder-se é um estado de espírito: pânico! Se você puder retroceder até sua última posição de certeza (cinco minutos atrás, meia hora atrás), a situação

é das mais simples. Mas se a neblina fechou, se a noite caiu, se você se embrenhou

na mata numa direção determinada, esperando encontrar um alvo, ou enfim, se você não dispõe de mapa ou de bússola, a situação exige certa reflexão. De qualquer modo, não se precipite em diferentes direções tentando

atrapalhadamente encontrar algum sinal. Isso só leva ao pânico e faz você se desorientar ainda mais. Pare! Se você estiver com uma turma, reagrupem - e não se

separem mais. São muitocomuns os casos de grupos que se perderam mas depois foram encontrados. Todos - menos aquele que saiu para buscar ajuda. Descansem!

Aproveitem para lanchar, beber, e então discutam a situação. Se você estiver sozinho, tire o mapa, lembre-se de todos os detalhes da última meia hora, e reflita.

Com o mapa na mão, analise os detalhes do relevo e veja como se encaixam com o

terreno que você atravessou. Em terreno aberto isso é mais fácil, pois você observou cristas e vales vizinhos. Dentro da mata, estimar sua deriva já é mais

difícil, pois o relevo ſica escondido pela vegetação. E até mesmo sua avaliação da distância percorrida é uma pálida aproximação da distância exata. Trilhas na mata 61

ainda permitem uma velocidade de 1 a 2 Km/H, mas obstáculos como barreiras de bambu ou emaranhados de cipó, arbustos e samambaias diminuem tão

barbaramente a velocidade, que lhe tiram completamente a capacidade de avaliação da distância percorrida. Velocidades de apenas 100 ou 150 metros por hora em mato fechado não são incomuns, mas a ilusão é de ter percorrido (pelo menos, pô!) 500 metros ou mais, na última hora. Portanto, cautela nestas estimativas. Outros dados podem ajudá-lo mais: se o trajeto foi ao longo de uma crista, ou descendo um riacho (mas qual? no mapa há tantos!), ou mesmo contornando a montanha em

curva de nível (em quê direção, ou com a montanha de que lado?). De posse de

todos estes dados, tente colocar no mapa um ponto que represente sua provável localização. Repasse e confirme.

Trace então uma estratégia. Se você achar que um alvo (trilha, cerca ou casa) não está muito longe, pode tentar achá-lo, investigando em direções radiais, a partir de um centro imaginário: a sua própria posição atual. Ajustando sua bússola para determinada direção, avance alguns minutos ou a distância que você achar

razoável. Se nada encontrar, retroceda até sua posição anterior e tente novamente

20° ou 30°para o lado. Se você estiver sozinho, não abandone sua mochila: o mais

provável é que acabe não a encontrando mais, e estará então em situação pior. Se estiver em grupo, mantenha a turma no centro e mande duas pessoas juntas (nunca alguém sozinho) a investigar em determinada direção. É bom não se afastarem demais, para não se perderem da turma: no máximo 300 ou 500 metros, dependendo do terreno, no limite do alcance de sons, gritos ou apitos.

Se nada tiver sido encontrado, você ainda tem duas opções. A primeira é

ficar onde está. Se você sabe que está perto de alguma trilha popular e bastante

frequentada, pode tentar atrair a atenção de qualquer grupo que passe. Grite por

socorro. Ou em vez de enrouquecer rapidamente, use um apito. Tres apitos são um sinal universal de dificuldades, e a resposta correta são dois apitos, que significam "captamos você" ou "alguém já te ouviu". Continue apitando até ser encontrado. A outra opção é voltar a analisar o mapa, e imaginar qual a direção

correta mais provável para encontrar um alvo, qualquer alvo grande: uma fazenda,

Perdeu-se

4

--*8

0 o

Achou! 62

uma estrada não excessivamente distante - mesmo que leve um dia ou dois. Evite decisões simplistas do tipo "descer o riacho", "subir a montanha" ou "seguir para o Sul" sem antes refletir. Riachos descem a montanha em direção a terrenos mais

baixos, o que não quer dizer que levem necessariamente a fazendas ou a qualquer

lugar civilizado. Na Serra do Mar p/ex, podem até mesmo levar a mangues, de

onde será mais difícil escapar - a não ser que você tenha certeza de la contar com uma estradinha de fuga. E mesmo que levem a algum lugar (p/ex. através de maçarocas de bambu entrelaçado, ou andando sobre galhos, suspenso metros acima

de uma canaleta rochosa, com a água correndo lá em baixo - não dê risada, já passei por isso!) quem pode lhe garantir quanto tempo levará? Pode ser mais prático e mais rápido subir a encosta e descer do outro lado da montanha. Ou escapar por alguma crista. Pense! E não saia do lugar enquanto não tiver traçado uma estratégia inteligente.

Se você está perto de lugar algum, e não sabe para onde se virar (ou está impedido de fazê-lo por qualquer razão, como um acidente), então está realmente perdido. Sua única esperança é ser encontrado - isso se e quando alguém der pela

sua falta e vier atrás, sabendo sua provável localização. O que pode depender exclusivamente do recado que você deixou em casa ou com os amigos, indicando

seu destino, trajetória e data de retorno. De qualquer modo, não se desespere, saindo desatinado pelo mato, a buscar sei-la-o-quê. Concentre-se não em achar o caminho, mas em ser achado, ou seja, em permitir que os socorristas possam encontrar você (a tempo). Os casos difíceis são aqueles nos quais o excursionista

perdido sai por aí, conseguindo escapar da área que está sendo vasculhada por algum grupo de busca, como que intencionalmente tentando ludibriar os socorristas, até por fim sucumbir à fome, à sede, ao frio ou a algum acidente.

Por isso, se você não tiver uma idéia clara do que fazer ou para onde ir, fique onde está. Se você está com seu equipamento completo, sua situação imediata

até que é das mais confortáveis. Se não está com todo seu equipamento mas carrega consigo os "Dez Essenciais“ (veja Equipamento, pg 151), suas chances ainda são excelentes. Ponha-se confortável. Prepare um bivaque com bastante antecedência,

aproveitando as horas de luz. Concentre-se nas prioridades. Sua primeira prioridade

é calor e abrigo. Monte uin toldo ou enrole-se num plástico. E se você não dispõe

de saco de dormir ou colchonete, não hesite em cortar maços de capim ou folhas de

samambaia, para com elas forrar o chão (e se cobrir). Sua segunda prioridade e água - comida pode esperar. (Depois de um dia ou dois reclamando de fome, o

estômago se acostuma à falta de comida ee o corpo passa a consumir as reservas de gordura estocadas. E a pessoa se sente melhor e suficientemente disposta, mesmo sem ter comido grande coisa). Mas água é essencial! Geralmente numa encosta de mata, fios d'água não são difíceis de encontrar, mas cuidado com a decisão de abandonar suas coisas para sair a procurar água. Se não houver um riacho nas

imediações, grandes bromélias e gravatás (de solo ou nas árvores mais baixas)

geralmente acumulam água entre as folhas. É água que pode estar cheia de insetos, 63

20

Di

N

larvas, restos de folhas, mas que pode ser bebida sem medo. Meu amigo Marcos

me explicava que é preciso antes dar um tapa na bromélia - para "espantar a

aranha". Uma mangueirinha de plástico flexível (levada na sua mochila justamente para isto) pode ajudar a sorver a água sem desperdícios. Acima de tudo, mantenha

a calma e o otimismo (isto é mais fácil, se você já passou antes por situações

semelhantes). E lembre-se que o dia seguinte pode lhe trazer novas perspectivas ou mesmo uma solução mais esperta.

NÚMEROS

Como foi dito, um grupo perdido ou desorientado deve se agrupar e permanccer

unido. Qualquer separação deve ser objeto de séria reflexão. No entanto, sendo

imperativo um reconhecimento em alguma direção, não é preciso que vá o grupo todo, com armas e bagagens. É suficiente mandar duas (ou três) pessoas - nunca uma só, para que não se extravie esta, ficando o grupo sem saber onde agora se

enfiou ela, ou o que possa ter lhe acontecido. Há segurança nos números, o

membros de um grupo se reconfortam uns aos outros, mantendo o Otimismo e a

confiança. É o excursionista solitário (e novato) que sucumbe ao pânico, por não ter mais ninguém com quem contar.

o mesmo pode ser dito se acontecer um acidente. É imprescindível que parte do grupo permaneça com a vítima - pelo menos um, enquanto pelo menos dois se afastam para ir buscar ajuda. De preferência dois elementos com suficiente

competência para ir, providenciar ajuda, informar com segurança e precisão, e finalmente voltar ao grupo ou guiar o socorro até as vítimas. Grupos com quatro elementos ou mais, têm, portanto, maior margem de segurança do que grupos de dois ou três. Existe lógica nisso, não?

O que não quer dizer que estejam errados, ou que se deva censurar grupos menores

por se atreverem a desafiar o agreste. Não deve haver paranoia a respeito de

64

segurança. Sua margem de segurança é menor, só isso. Reconhecido o fato com humildade, grupos de dois ou três podem sair e andar pelas montanhas com a

mesma tranquilidade dos grupos maiores. Segurança é uma reserva interior - foi o que me ensinaram os três argentinos mencionados ao começo do Cap. 2. E o que dizer então do excursionista solitário? Este cortou sua margem

de segurança a zero. Se alguma coisa lhe acontecer, ele não dispõe de reservas, de quem o reconforte, ou de quem possa ir buscar socorro. Muito tempo se passará até que alguém levante o alarme e alguma ajuda lhe chegue de fora.

E no entanto há pessoas (como eu) que se aventuram sozinhas pelas montanhas, geralmente abandonando os caminhos batidos e se embrenhando pela mata com a maior naturalidade, ano após ano, sem que nada lhes aconteça. E têm

boas razões para isso. O que quer que o mundo selvagem lhe ofereça em troca, o excursionista solitário parece receber um quinhão maior que o dos outros. Sozinho

diante do agreste, imerso em seus pensamentos e dispensando a alegre algazarra dos companheiros, sua atenção acaba se voltando totalmente para a mágica que embebe o universo ao redor - luz e sombra, o grito de um pássaro, o silencioso encontro com um bando de quatis, o ruído poderoso do vento, ver nascer a Lua, e sentir os demais ritmos do planeta. Sua sensibilidade cresce, sua percepção se

aguça, e ele descobre segredos que aos outros se mantêm ocultos. É preciso também maior auto-confiança para assim se arriscar, mas o agreste lhe retribui com dupla dose de sabedoria e força.

Poderíamos dizer que excursionar sozinho constitui um estágio avançado de aprendizado. Aos novatos recomenda-se que se agarrem a todas as regras de segurança, que caminhem em grupos, que levem equipamento completo, etc. Mas à medida que progridem, seu entendimento vai se apurando, aumenta sua

65

vivência, e amadurece seu bom senso na tomada de decisões - a ponto de por fim poderem se "arriscar" a caminhar sozinhos (se assim o desejarem). Com poucos recursos, mas em completa segurança. Na verdade, não estão mais se "arriscando", estão apenas exercitando seus dons de auto-confiança e determinação, valores

individuais desenvolvidos pelo exercício da sua força anterior. Por isso, se você sentir o impulso de partir sozinho, não se reprima. Vá! Mas vá consciente de suas

limitações, da sua diminuta margem, do pouco que sabe, ou do muito que tem por aprender, e de que o maior risco é o excesso de confiança, não temperado por

suficiente experiência.

TRILHAS DIFICEIS

Faço caminhadas há tantos anos, que fica difícil responder, quando me perguntam, se determinada trilha é "difícil" ou "pesada". Minha impressão é de que não

existem caminhadas difíceis: é só ir devagar e sempre. São as pessoas que transformam uma caminhada numa coisa difícil. Como? Tentando fazê-la num tempo curto demais. Não se dando tempo suficiente para descansar. Carregando equipamento demais. Ou (claro) tentando algo sem a necessária forma fisica. Ou

sem a necessária familiaridade com o esporte, outro fator muito comum. É tentador dizer que uma caminhada estava acima das forças de alguém, mas eu reluto em conceder uma desculpa tão fácil. Uma pessoa pode estar em fraca forma física, mas me parece tão fácil manter um programa mínimo de condicionamento, que .

desculpa não cola. Andar por aí (ainda que carregando uma mochila) não exercício tão pesado (se você adotar um ritmo razoável e uma carga razoável) - que

possa acabar com você. O que muitas vezes acontece, é que pessoas sem a menor condição se atrevem a encarar uma trilha - com resultados penosos. Se você é do

tipo que não sai do carro a não ser para comer e dormir, não há como corresponder às expectativas. Outras vezes o problema pode ser uma questão de motivação. É preciso certa motivação para sair pelo agreste, e se você está na trilha apenas para corresponder às expectativas dos outros, para não fazer feio, ou porque prometeu que iria, algo está errado - e você acabará se arrependendo de ter saído de casa.

Acontece muito com casais, quando um adora fazer uma trilha, e o outro vai apenas para fazer companhia. Uma caminhada pode deixar qualquer um de astral alto, mas

exige também uma disposição positiva. Se não, melhor não ter ido. Mesmo para

pessoas que habitualmente curtem a trilha, haverá ocasiões em que subitamente

descobrem que preferiam ter ficado em casa. Ou que acabaram encarando um

programa longo ou chato demais. Simplesmente não era um bom dia para sair saco cheio, chuva, sol, ou qualquer outra razão. Não hesite em abortar sua aventura, e adiá-la para outro dia melhor. Mas procure fazer de suas próximas

caminhadas, eventos positivos e bem sucedidos. Você merece! 66

E O QUE VEM DEPOIS? Mesmo no Brasil, há trilhas e lugares que merecem uma saída de vários dias. A

grande travessia dos Aparados da Serra, trilhando a borda da Serra Geral em Santa Catarina, é um bom exemplo: mais de 200 Km, num total de 16 dias contínuos, se

você se dispuser a fazê-la toda, de uma só tacada. Melhor, porém, desmembrá-la em 4 trechos, e fazer um de cada vez, em jornadas de 3 a 5 dias. Mas existem áreas

mais remotas, que exigem uma longa viagem de aproximação, o levantamento das informações disponíveis e mapas da região, o planejamento da aventura, e ſinalmente sua execução. Num rasgo de entusiasmo, caracterizamos tais aventuras como uma "expedição". E muitas vezes não estamos muito longe disso, mesmo que

não seja uma aventura ao outro lado do planeta. Não há muito mistério em organizar uma expedição. O grande pré-requisito é experiência. Experiência em escolher um objetivo razoável, em selecionar o equipamento (mínimo), em calcular

a comida (suficiente) e organizá-la em pacotes, em bolar um programa prazeroso. E

experiência só se consegue acumulando horas de vôo, em diferentes ambientes, climas, épocas do ano e objetivos. Currículo! E não só em caminhadas, mas também alguma vivência em outros esportes (bicicletadas, escalada, canoísmo,

espeleologia, qualquer coisa). Tudo acaba enriquecendo seu currículo, e lhe preparando para grandes aventuras. Depois de algumas temporadas você percebe como o acúmulo destas lhe permite organizar projetos que tempos antes lhe teriam

parecido muito ambiciosos. E ser bem sucedido. Bem, nem sempre... Mas isto também não importa muito. O fracasso sempre deixa o ego um pouco machucado,

mas o importante não é alcançar aquele objetivo pré-fixado e mostrar sua "tremenda" competência. E sim exercitar sua predisposição em se atirar a um

empreendimento novo, a uma nova aventura. Importante é trabalhar sua iniciativa e extrair dos seus projetos, diversão suficiente e algumas lições, que lhe ajudem a

montar algum projeto seguinte. Mas é preciso dizer mais umas palavras a respeito de outro assunto. Aventuras não significam (necessariamente) arrastar baterias para ficar ligado a satélites, ou plugado à Internet - aliás, o que é que tem a ver? Isto na verdade é

geralmente puro "circo", uma encenação montada para acrescentar outras atrações

ao espetáculo, mero pretexto para que a coisa apareça na mídia e garanta ibope. Aventuras nem mesmo signiſicam a necessidade de patrocinadores

ou

de

justificativas "sérias", como "documentação fotográfica" ou a "pesquisa científica". Não-caia no ridículo! A aventura não é uma coisa séria, é mais uma brincadeira,

uma atividade lúdica, ainda que executada de forma séria. A aventura se justifica

por si mesma,e é uma forma de celebrar nossa própria força e determinação, não a força de um patrocinador. Já fui duas vezes ao Nepal, em tentativas de encarar o

Everest, e não achei que precisasse de "patrocinador" para uma aventura tão 67

pessoal. E não me passou pela cabeça a idéia de me fantasiar de piloto de Fórmula 1, cheio de adesivos espalhados pelo macacão, só para descolar uma grana. Mas há

gente que sempre acha mais fácil procurar alguém para lhe pagar o feriado. Há alguns anos recebi p/ex. uma carta, solicitando alguma forma de patrocínio para um grupo que, de Santa Catarina, queria ir ao Pico da Bandeira (pra quem não sabe, é logo ali, na divisa de Minas com Espírito Santo, a 1400 Km!), acenando com justificativas do tipo "documentação", "divulgação", etc.

Um toque, portanto, a respeito de patrocínio e de patrocinadores. Existe

uma alegre ingenuidade na pretensão de pegar uma idéia que pode ser o ponto de partida para uma aventura genial, transformá-la num projeto, e tentar vendê-la a

alguma empresa, supostamente sedenta por ver seu logotipo afixado às suas mochilas, macacões, capacetes, barracas, canoas, e espalhado pela mídia. Também

é a sua oportunidade de aparecer na imprensa ou na televisão, e faturar algumas entrevistas e a fama à qual você acha que tem direito. A verdade anda bem longe

disto. A maioria das grandes empresas já está saturada de receber pedidos de patrocínio - em alguma delas, à média de um pedido por dia. É muito patrocinio! Claro que alguns destes projetos até podem interessar às empresas en perspectiva.

Elas querem um retorno, um retorno institucional, na forma de espaço na mídia,

que vincule o nome da empresa a algum empreendimento inédito, acrescentando algo positivo à imagem da empresa. Mas um projeto precisa ser muito bom para convencer cépticos empresários de que eles terão qualquer retorno. Enquanto isso você vai tomar muito chá de cadeira, ou ter que engolir as desculpas de secretárias

lamentando que o chefe não está, está em reunião, ou saiu de viagem e só volta

ludo isto no mesmo dia. Depois, vai perceber também que a idéia original que você teve, inocente, pura e genial, vai ter que ser retocada. distorcida, maquilada, para conseguir vendê-la à mídia - a ponto de não mais semana que vem

conseguir reconhecê-la como sua. Há, portanto, um toque de prostituição em tudo

isto. Tudo por dinheiro! E perceberá ao final (se conseguir chegar ao final) que a sua idéia fantástica, inédita e única, vai ganhar da mídia meio minuto da atenção, e um comentário de 8 linhas. Com sorte! (Já vi isso acontecer com muita gente boa, e suas aventuras incríveis)...

Patrocínio implica sempre em trabalho, embora em outra área. Se você acha que consegue alguma coisa de graça, medir depois o suor gasto batendo perna por aí, pode lhe dar uma perspectiva diferente... É muito trabalho para tão pouco retorno pessoal - especialmente na volta, com entrevistas, compromissos,

frustrações em relação ao que você conseguiu fazer, mal-entendidos entre você e a mídia, ou entre você e seus patrocinadores (porventura insatisfeitos com o que você

acabou não conseguindo fazer). E talvez uma frustração pessoal sua, em perceber que sua aventura não convenceu muito (mas ela não precisa convencer ninguém, a não ser você), ou teve que ser toda maquilada para aparecer por aí. Eu acho que a aventura também merece uma certa ética pessoal: você está querendo se divertir, ou

está querendo aparecer? É melhor ser feliz com simplicidade, do que ficar

68

batalhando por uma idéia (grandiosa, para você e seus amigos), mas de antemão fadada à indiferença do público e ao fracasso de audiência. Por isso, a não ser que você seja um profissional, com sua própria assessoria de imprensa, e possuidor de uma enorme lista de contatos comerciais e de sólida experiência promocional: fique na sua, reavalie seu projeto, reduza sua gula, reconstrua sua idéia para torná-la

viável com bem m menos verba, e então trabalhe duro para conseguir a grana e torná la possível. E quando o conseguir, vá se divertir sem dores de cabeça, que é o que

você de fato merece. O patrocínio nem sempre é o caminho mais fácil. E o fato de que você vê por aí gente patrocinada, não invalida meu ponto de vista. Lembre que também tem gente por aí que ganha na loteria, não é?

Estrelas ao Leste 801 ol

em janeiro

TOURO

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Aldebaran

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Canopusa

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Betelgeuse

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75

90

105

Planēlās prováveis 69

120

Tendemos a viver muito limitados, dentro de

limites que nos impomos a nós mesmos. Henry Thoreau

Nunca podemos estar certos da nossa coragem antes de nos termos encontrado com o perigo. La Rochefoucauld

4. Problemas

Das preocupações que afligem o excursionista novato, a primeira é sem dúvida a ameaça de animais - ferozes, desconhecidos, ee imprevisíveis. As estonas de

caboclos, que adoram assustar os ingênuos com suas lorotas a respeito de enormes cobras ou de onças encontradas na floresta logo adiante, em nada contribuem para

tranquilizá-lo. A realidade é bem mais reconfortante do que a ficção, c as "onças“ podem realmente existir, em serras distantes ou em matas virgens. Nas florestas mais próximas, contudo, a única onça que sobrou foram no máximo pequenos gatos e jaguatiricas, que não têm a mínima intenção de se acercar de nós enquanto

dormimos, e que durante o dia fugirão ad menor ruído, com muito mais medo de

nós, do que o que possamos sentir deles. Por isso, não há necessidade de levarmos armas de caça quando entramos na selva. Para que? Para proteção? A possível

presença de animais ao redor não implica, portanto, na necessidade de, avistando qualquer bicho, retribuir sua visita com fogo e chumbo. O mais provável é acabar

disparando sua arma acidentalmente, como aconteceu com um "excursionista" que conseguiu dar um tiro no próprio pé, numa trilha da Serra do Mar, à época em que

cu estava acabando de revisar este livro. O encontro com animais, aliás, é uma

oportunidade de partilhar um momento mágico com estes "irmãos da selva". pare e

aprecie-os em silêncio, pois é quase certo que, se caminham perto de nós, é porque

não perceberam nossa presença. Acautele-se também contra fantasias de idílica convivência com os animais da floresta. Qualquer animal encontrado à trilha,

apresentando ou não comportamento estranho, deve ser deixado em paz Pode estar contaminado por raiva ou qualquer outra doença - não os apanhe nem chegue perto,

a não ser que tenha uma razão muito boa para isto. Mas é claro, nem sempre

conseguimos fugir ao ataque dos bichos: vinte anos atrás, num acampamento na

praia, em Ilhabela, um companheiro acordou no meio da noite depois de mordido e lambido por algum morcego, hematófago, claro. Qualquer contato suspeito ou

mordida de animal selvagem (como este) deve ser tratada de volta à cidade. vacinando-se contra a raiva. Simpáticos, mas inoportunos camondongos podem abrir um buraco na sua mochila (ou na barraca) em busca de comida E em certas 70

20 ano apoleo TANT

kuat Benvindo & Selva! Respeite nossa lei!

matas (no Centro-Oeste e Norte) também podemos ser surpreendidos pela passagem de uma vara de agressivos catetos, perigosos devido ao número mas,

alertado pelo ruído, suba numa árvore e espere que passem... Cobras, é claro, serão ocasionalmente vistas (e delas já falaremos), mas aqui, como na densa Amazônia, as "feras" são realmente os insetos. E o inseto mais perigoso é

quase com certeza a abelha selvagem, reunida em enxame, e provocada p/ex. por alguma ameaça à colméia - ainda que esta ameaça tenha sido involuntária, e que em geral nem mesmo tenhamos percebido a colméia. Embora a abelha seja menos

impressionante e menos citada do que a pobre serpente, um ataque maciço de abelhas pode ser, de longe, mais perigoso do que uma mordida de cobra (e mais

frequente). Pessoas sensíveis a uma única picada de abelha correm, é claro, o enorme risco de um choque anafilático, mas mesmo pessoas fortes podem sucumbir ao efeito de centenas de picadas, por choque pela toxina do inseto. De fato, eu

havia acabado de publicar meu livro Primeiros Socorros em Montanha e Trilha,

quando ouvi falar do acidente com um grupo em Niterói, em que duas pessoas morreram após um ataque de abelhas: como não reapareceram após o ataque, foram chamados os bombeiros, que encontraram seus corpos na mata, no dia seguinte. A

maneira de lidar com esse acidente é pelo tratamento com vaso-pressores e anti

histamínicos (injetáveis), além de analgésicos e sedativos. Mas vale a pena carregar

tais drogas na mochila, anos a fio, pela remota possibilidade de se defrontar com tal ataque? Minha opinião é de que não, de que se trata de peso morto na bagagem, para eventualidade tão improvável. 71

Muito mais comuns são picadas de borrachudos e mosquitos, estes sim, uma praga

em praia, selva, a até mesmo em montanha. Em certas áreas alguns mosquitos podem transmitir malária. Fora isso, estes insetos não passam de um aborrecimento, que pode ser remediado (mas dependendo da quantidade desses vilões, nunca

totalmente evitado) pelo uso de roupa, chapéus com mosquiteiro e é claro. repelente para inseto. Algumas pessoas preferem repelentes caseiros à base de citronela, um óleo natural. Os repelentes encontrados comercialmente geralmente

contêm dietil-meta-toluamida, substância que interfere com o sistema de localização (por calor) do inseto, que pode passar a um palmo de você sem percebê-lo. Claro que em áreas infestadas (ou em certas horas, quando se levantam

aos bandos) muitos insetos simplesmente se chocam ao acaso com a pele, à qual então se agarram, com o resultado já sabido. Mesmo assim, aplicado na pele (ou na

roupa, se não for muito oleoso), o repelente sempre ajuda. E no acampamento, espirais de inseticida (das que desprendem fumaça) são uma opção interessante.

Carrapatinhos podem infestar pastos velhos e outras áreas arbustivas,

causando aborrecidas descobertas horas depois ou no dia seguinte - nada que um

exame cuidadoso e pronta remoção não resolvam. Ocasionalmente você também pode ser objeto de atenções por parte de uma mosca-de-berne, e descobrir dias

depois, um verme enterrado no seu couro - o que exigirá a remoção do indesejada

hóspede. Já as formigas são mais óbvias, se despercebidamente você pisar num formigueiro, ou estender seu saco de dormir (já no escuro) do lado de um tronco podre - com a surpresa de se ver acordado durante a noite por centenas de pequenas mandíbulas. Aranhas e escorpiões podem entrar nas suas botas durante a noite, exigindo que, ao amanhecer, você se lembre de virá-las e sacudi-las antes de vesti las. E bivacando numa toca natural, abrigo de ovelhas e cavalos velhos, já me aconteceu também de ser acordado no meio da noite pelas mordidas de uma dezena ou duas de nojentos e enormes carrapatos saídos da areia (do tamanho de grãos-de bico, acredite), que entravam no meu saco de dormir. Tais são os riscos que

corremos, por parte do simpático mundo animal. a

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72

COBRAS!

Todo ano cerca de 20 mil pessoas (no Brasil) são picadas por cobras

- um número

impressionante, mas até relativamente modesto, considerando que milhões de lavradores, boiadeiros, lenhadores e mateiros vivem e trabalham num sertão

supostamente infestado delas. A mordida de uma cobra venenosa é sem dúvida um

acidente sério, potencialmente fatal (especialmente para crianças) mas rara e extremamente improvável. É mais comum encontrar cobras em fazendas e sítios, perto de paióis (onde é maior a concentração de ratos, um alimento favorito das

cobras) do que na floresta ou no campo. De fato, pode-se excursionar meses a fio sem dar de cara com uma única cobra. E a gente não ouve falar de excursionistas

mordidos por cobras. Apesar disso, o número de ataques por cobras e o perigo de suas mordidas continuam a ser enormemente exagerados por seu conteúdo dramático em relatos e estórias.

Cobras justificam um saudável respeito, mas não pânico. Diferentes espécies de cobras variam quanto à agressividade (e ao efeito do veneno) mas nenhuma delas está aí afim de morder ninguém. Cobras não ficam à espreita na trilha, prontas a atacar. Nem entram no seu saco de dormir à noite. As cobras têm medo do homem

e, tendo chance, fugirão da sua presença. Acuadas, contudo, elas contra-atacam, e

cabe a você não ser por elas interpretado como uma ameaça. Fala-se muito sobre o

tratamento de mordidas de cobra, ou sobre sua identificação em venenosas e não venenosas, mas pouco se diz sobre as maneiras de evitar sua mordida:

Quando estiver andando na mata, seria recomendável usar calças longas

e botas de cano alto ou meio cano - ao menos para se despreocupar com o assunto. Proteja-se! Os pés e pernas são os alvos mais prováveis (85%) de uma mordida, seguidos das mãos.

Olhe bem onde põe os pés e mãos. Mesmo cobras adormecidas atacarão se você pisar ao lado delas (ou nelas!). Olhe para os galhos antes de agarrá-los, Cuidado ao

apanhar braçadas de lenha. Seja especialmente cuidadoso ao subir por terraços de pedra ou encostas rochosas: nunca jogue a mão por cima de um degrau alto. tentando agarrar um apoio oculto. Olhe sempre!

Se ouvir o guizo de uma cascavel, pare! - até ver onde ela está. Se você

vir uma cobra, pare! - e deixe-a decidir para onde quer ir. Então afaste-se dela ou do seu caminho. Nunca pule por cima de uma cobra. Ela con

certeza estará ainda mais assustada que você, mas se você escorregar e cair por cima dela, pode levar uma bela mordida.

73

Nunca presuma que uma cobra não seja venenosa. Nunca pegue numa cobra não identificada. Na verdade, não pegue nem tente capturar cobra alguma - para quê?

Não se arrisque! Muita mordida já resultou de imprudência deste tipo. Não é

preciso ter medo de cobras, mas também não as subestime. E tampouco saia por aí matando tudo que é cobra que apareça, por paranoia. Viva e deixe viver. A distinção (na trilha) entre cobras venenosas ou não, bem como entre os tipos de cobras venenosas, é assunto sem a menor importância, a não ser para quem se

interessa pelas serpentes ou para quem foi mordido por uma, o que, como já demos a entender, é sinal de negligência. Os primeiros socorros corretos para

acidentes com cobra são a aplicação de soro anti-ofídico específico. No Brasil você já encontra aqueles "kits para cobra", importados, vendidos aos milhares nos EUA,

e contendo, além de diferentes adaptadores de sucção, uma seringa extratora (para "extrair" o veneno da picada). Com um kit destes, qualquer um deve se sentir em

condições de sair para a trilha despreocupado. E só isto mesmo, pois como qualquer médico do Butantã pode lhe dizer, são uma tre-men-da bobagem. Mais um exemplo de "marketing" jogado em cima do ingênuo e desinformado público.

Existem antitoxinas específicas para cascavéis, para corais, e para jararacas e urutus. Mas vale a pena levar seringa impolas de soro na mochila?

Como já discuti o assunto em meu livro de Primeiros Socorros, minha opinião é de que o risco de mordida é tão remoto, que não justifica a despesa e os cuidados em

carregar um estojo tão volumoso e frágil. Há coisas muito mais importantes com que se preocupar. E tem mais: além do conhecimento da técnica (dosagem e modo

de aplicação), a decisão de usar o soro é complicada ainda mais pela possibilidade

de choque anafilático (e morte) por alergia da vítima ao soro de cavalo - um resultado catastrófico nas mãos de socorrista mal informado ou insuficientemente

COBRA

?

74

adestrado. Teste de hipersensibilidade ao soro e técnicas de dessensibilização da

vítima (eventualmente alérgica) são práticas que exigem experiência prévia até mesmo de médicos e pessoal de enfermagem. E E que escapam, portanto, ao contexto dos primeiros socorros. Em resumo, seja prudente e não se deixe morder. MAU TEMPO

Este sim, é um assunto importante. A hora de se preocupar com o tempo não é ao

ver as primeiras nuvens negras se espreguiçando atrás da montanha, mas antes mesmo de sair de casa. Previsões do tempo são apresentadas todos os dias nos principais jornais, acompanhadas de mapas meteorológicos e imagens de satélites.

Mas pouca gente sabe interpretar um mapa meteorológico, que aliás, só será melhor entendido quando associado aos dos últimos dias. Tempo é uma coisa dinâmica. As imagens de satélites são mais fáceis de serem visualizadas, já que mostram áreas cobertas de nuvens, de significado óbvio. Mas as informações oferecidas pelos jornais são geralmente do dia anterior, trazendo um atraso de 16 horas ou mais, o

que serve de base para previsões um tanto vagas. Os boletins apresentados na TV à

noite, trazem dados mais recentes e numa linguagem mais acessível. Mas é raro

trazerem imagens meteorológicas. Outras fontes de informação são o próprio

Serviço Meteorológico ou, nas principais capitais, um boletim gravado, oferecido

pela companhia telefônica, e atualizado várias vezes ao dia. Geralmente, porém, a informação liberada é insuficiente para "montar" uma idéia melhor do tempo que

está se armando para os próximos dias. Quem navega na Internet tem como acessar imagens recentes de satélite através dos "sites" da Unicamp ou de notícias (CNN

plex). Ou buscandoem "Yahoo", consultando: News →Yahoo Weather_PhotoCenter (para quem está plugado, nem é preciso dizer muito). No e

apêndice ao final do livro, apresentamos alguma coisa a respeito de meteorologia, Mas como já disse, o tempo é um elemento dinâmico. Para melhor avaliar qual poderá ser o tempo nos próximos dois dias, é interessante começar a acompanhar os boletins 36 ou 48 horas antes de sair, para entender plex, como se

comporta aquela massa polar que pode nos trazer frio, ou a que velocidade (e em que direção) evolui uma frente qualquer, com sua carga de instabilidades, chuvas e

trovoadas. O hábito de acompanhar todo dia tais boletins, associado à observação das imagens de satélite, traz também sua própria habilidade em prever o tempo

e

"chutar" quais as suas chances no próximo fim de semana.

As montanhas, no entanto, também estão sujeitas ao seu próprio micro clima, independente do que aconteça ao redor. Muitas vezes picos e cristas se

encontram enterrados em nevoeiro e tormenta, enquanto nos vales, a poucos

quilómetros, e mil metros abaixo, o sol brilha o dia inteiro num céu limpo e azul Sempre há, portanto, o imprevisto, o mau tempo que parecia tão improvável, 75

ou a

LUTUS

tempestade que surge inesperadamente, por uma completa reviravolta nas condições anteriores, Bom tempo ou mau tempo, muitas vezes você ficará indeciso com o

quadro que tem pela frente. Se você for, pode ser que pegue mau tempo, se não for, pode ser que perca um magnífico fim de semana. E difícil acertar sempre, e no entanto, a não ser que você não esteja mesmo muito afim, é preferível em geral

ousar e apostar, mesmo correndo o risco de enfrentar tempestades e frio. Não é

possível viver sempre com medo, especialmente de uma tempestade que ainda não caiu, E quem não arrisca, não petisca. Mas (como sempre) é questão de saber o

que se está fazendo, e no que se está se enfiando. De qualquer modo, em qualquer tempo é sempre aconselhável levar equipamento para chuva.

Pois as montanhas também têm segredos que só se revelam sob neblina e chuva - se você tiver olhos e ouvidos abertos. Uma estrondosa trovoada espalha

pelo agreste sua mensagem de força e poder. A tempestade e o vento envolvem as

montanhas com um manto de mistério e beleza. E caminhar debaixo de chuva pode ter seu próprio encantamento, se você dispuser do equipamento apropriado (abrigo

impermeável para você e sua mochila) - embora invariavelmente os pés acabem sempre se molhando. Apesar do relativo desconforto, a chuva só atrapalha mesmo ao anoitecer, quando chega a hora de tirar as coisas da mochila, montar uma barraca e jogar tudo para dentro antes que se molhem. (Volte à pág 5 e leia aquele texto à introdução).

Quando se percebe que o mau tempo é apenas uma trovoada de curta

duração, o mais prático é parar, abrigar-se debaixo de um loldo ou de um abrigo

natural, ou se envolver no próprio plástico de chão - e esperar que a chuva passe. É 76

melhor do que continuar se molhando debaixo do aguaceiro, embora numa trilha estreita o efeito às vezes acabe sendo o mesmo, já que a carícia da vegetação molhada acaba nos deixando igualmente empapados. A chuva realmente detestável é aquela que dura o dia inteiro, aquela chuva fininha, que faz desejar ter ficado em casa. Que encharca o mato, molhando-o (e a nós) por todos os lados. Que satura o solo, enlameia a trilha e corta a visibilidade - e muitas vezes nossas possibilidades

de voltar atrás e escapar em segurança. Mas o mau tempo e chuva trazem dois outros riscos, bem mais sérios: o dos raios e o da hipotermia.

Os raios são uma ameaça espetacular e mais fácil de compreender, e também mais fácil de evitar. Em primeiro lugar, raios não caem em qualquer lugar. Eles são

atraídos por objetos proeminentes, como o pico de uma montanha ou uma árvore alta e isolada. Por isso é perigoso procurar abrigo debaixo ou próximo de tais

pontos. Escolha um bosque, onde qualquer uma das árvores poderia atrair um raio, e não obrigatoriamente aquela debaixo da qual você está. Afaste-se dos picos e da crista da serra.

Mas uma descarga elétrica caindo sobre um alvo também se espalha pelas imediações, e pode causar um choque perigoso mesmo a metros do ponto de

impacto. Em terreno rochoso, mesmo abaixo da crista, a dissipação de tais correntes elétricas se dá pela superfície molhada das pedras, ou pelas canaletas e fissuras úmidas, Uma toca pequena entre lajotas molhadas ou mesmo uma valeta ou degrau próximos ao ponto de impacto podem ser lugares extremamente perigosos para buscar refúgio, já que a corrente pode acabar pulando pelo trajeto mais curto entre duas superfícies rochosas - através de você, usando seu corpo como "ponte" Nesse caso, é preferível enfrentar a tempestade sentado em cima de uma pedra mais baixa, enrolado no seu impermeável, e afastado de pontos prováveis de impacto. O lugar mais seguro durante uma tempestade elétrica é o chão do vale, abrigado

‫لانه‬ NÃO

E459

zona de Segurança

SIM NAO 77

pimpactos diretos

dentro da mata, entre árvores de altura uniforme. Mas se você se vir surpreendido no topo da montanha, sem tempo para escapar, ao menos afaste-se dos pontos mais altos e óbvios, bem como da borda de penhascos, dos quais você possa cair, se levar um choque, ainda que fraco. (Foi mais ou menos o que aconteceu com o

grupo que ia descendo a Pedra do Baú no Carnaval de 94, e que resultou na morte de uma menina)...

Quando em grupo, espalhem-se para que o bom Deus tenha uma chance de escolher, e não atinja a todo com o mesmo raio. E se algum dos companheiros for atingido por uma descarga, primeiros socorros imediatos (reanimação cárdio

pulmonar, ou ao menos a posição de coma, se ela estiver respirando) podem salvar

lhe a vida. É bom saber como prestá-los.

HIPOTERMIA O outro risco trazido pelo mau tempo é oo da hipotermia - insidioso colapso físico em que o corpo molhado e com frio simplesmente perde calor mais rapidamente do que consegue produzir, e acaba não conseguindo manter sua temperatura normal

Em geral acompanhado de sinais de cansaço e sono, e de fato confundido com pura e total exaustão, esse colapso apresenta, porém, incontroláveis calafrios, uma

canhestra tentativa de produzir calor adicional para um corpo cujas reservas estão sendo "sugadas" pelo vento, pela chuva, ou por roupas molhadas. Como

desequilíbrio na conservação de calor, começa a cair a temperatura dos órgãos vitais, que comandam a mecânica do corpo - cérebro e coração,

A água (da chuva ou de roupas molhadas) chupa o calor do corpo

dezenas de vezes mais rapidamente do que o ar à mesma temperatura. Mesmo só o vento, sem chuva, sem roupas molhadas, e nem mesmo muito úmido, sequestra bárbaras quantidades de calor do excursionista inadequadamente vestido, efeito que é o mesmo de uma exposição ao ar parado, mas muitos graus mais frio. Para efeito de exemplo, um vento de 35 Km/H a 10°C (não muito frio, concorda?) tem o

mesmo efeito que o ar parado a 0°C. Um vento de 65 Km/H a 10°C (positivos) tem

o mesmo efeito que o ar parado a - 4°C! Nada que possa realmente congelar os dedos ou a ponta do nariz, mas o frio pode esgotar um andarilho rapidamente. E a

combinação de vento e chuva pode eventualmente matá-lo, se ele não se proteger com agasalhos adicionais (secos) ou buscar abrigo da tempestade.

Os primeiros sinais de hipotermia são vagos: cansaço, tremores de frio, ligeira irritação. Seguem-se calafrios intensos, sinal de que a temperatura do cérebro já caiu um grau ou dois abaixo do normal (37°C). Não são mais tremores comuns: é uma tremedeira compulsiva, que aumenta se o corpo continuar exposto

às condições de resfriamento. Logo em seguida começam a falhar os mecanismos

que dependem da função cerebral - nosso computador está sendo afetado pelo frio!

Está armado o palco para incidentes por incoordenação motora, como deixar 78

1111III

Falta Falla

Ρουκο..

(Frio)

Cansaço

pouco..

BE

(Fome...)

100

escapar das mãos um instrumento vital, ou espalhar pelo chão os últimos fósforos, ou não conseguir mais desamarrar um nó ou acender o isqueiro. Ou por erros de

conduta, como pequenos enganos no itinerário, confusão mental, distrações e esquecimentos inocentes, que podem logo ter graves repercussões. O raciocínio

tende a perder a lógica, a fala se torna arrastada e pastosa, o comportamento pode se tornar irritadiço, ou violento. O corpo entorpecido começa a vacilar e tropeçar

seguidamente. E contudo, se a vítima ou seus companheiros não reconhecem os sinais, vêem-se impelidos a tocar em frente, enganosamente convencidos de que

estão apenas exaustos, quando deveriam parar, buscar abrigo, e se reaquecer. Finalmente chega a hora em que até os calafrios cessam. Se a vítima

senta, não consegue mais se levantar. O cérebro está frio demais até para comandar alguma ação e, rígidos, os músculos não respondem mais à vontade. Com a parada

da atividade muscular cessa qualquer produção de calor (exercício!) e a situação evolui para o coma. Não resta muito tempo. Todos os mecanismos para a conservação ou produção de calor foram usados. Todos falharam. O fim é rápido e indolor.

Na realidade, é bastante improvável que, em longas caminhadas, alguém sucumba à hipotermia, já que as pessoas carregam consigo sua proteção ao mau tempo; abrigos impermeáveis, roupas secas, barraca. O perigo está com os

excursionistas novatos ou insuficientemente equipados, com grupos que saíram para um dia de sol, com lanche e pouca coisa mais, sendo surpreendidos pela chuva longe de qualquer abrigo. Muita gente pensa que a hipotermia só ataca às óbvias

temperaturas abaixo de zero. Mas a maior parte dos casos acontece, ao contrário, com ventos fracos de 40 Km/H ou menos, e a temperaturas não tão baixas assini,

entre 5º e 10°C positivos. Como já se viu, o efeito é o mesmo. A combinação de

roupa (de algodão) molhada e vento, então, é particularmente letal. Por isso, o

mínimo a levar é uma malha de lã ou "soft", e um abrigo para chuva -que pode

ser

p/ex. um mero plástico, grande o suficiente para envolvê-lo. Ou um "cobertor espacial", do qual falaremos mais adiante. 79

Exemplo típico das "emergências lentas" mencionadas à pág. 202, a hipotermia pode ser totalmente prevenida se a situação for controlada antes mesmo

que evolua, ou seja, assim que se manifestem os primeiros calafrios. E a melhor

proteção é sair precocemente da chuva e do vento, antes que a coisa fique ainda mais-preta. Pois o homem é, na realidade, um animal de clima quente, que sobrevive nas regiões temperadas e árticas mais por sua adaptação tecnológica (roupas, abrigos, fogo) do que por suas condições fisiológicas. Parece incrível, portanto, que a hipotermia continue matando gente, a

maioria pessoas desavisadas, que insistem em continuar caminhando, expostos à chuva e ao vento, arrostando a tempestade para cumprir um programa que já caducou, ou para alcançar um destino a cada minuto mais inatingível. É um caso lípico de tragédia em que seus figurantes "aceitam riscos sem mesmo saber que estão se arriscando", ingenuamente, descuidadamente, imprudentemente - ou às

vezes simplesmente pela idéia fixa de estar de volta à hora prometida. E é por isso que a hipotermia é conhecida como a assassina dos desavisados. Com razão.

Se os sinais de hipotermia forem reconhecidos (ainda bem!), a vítima deve ser imediatamente reaquecida. Nunca a force a prosseguir andando isso pode acabar por esgotá-la. Pare, reagrupe, monte um abrigo. Acenda uma fogueira, se for

possível - ou ponha o fogareiro a funcionar e prepare umas bebidas quentes. Uma

vítima de hipotermia raramente está só: seus companheiros estão passando pelas mesmas condições de vento e chuva, e só não começaram a apresentar os mesmos sinais porque ainda não perderam calor suficiente - mas perderão! Por isso, o sinal para parar e tratar de reaquecer um dos elementos do grupo vale para todos. Tire a

vítima do vento, e remova suas roupas molhadas, trocando-as por roupas secas. Ou simplesmente enfie-a num saco de dormir, isolando-a do chão com um colchonele.

Condução

(Roupas molhadas) Radiação 18 Conducão X2

(Pedra fria) Condução

(água)

Convecção (vento)

Convecção (agua corrente) BO

। ਹੈ

voue

Se o caso é sério, um companheiro mais aquecido deve tirar a roupa e enfiar-se no saco de dormir junto com a vítima, reaquecendo-a por contato direto sem

hesitações, piadas maliciosas ou falsos pudores, já que é a vida dela que pode estar em jogo. Este recurso decisivo já trouxe gente de volta quase no último momento. Assim que a vítima se recuperar o suficiente para poder beber alguma coisa, dê-lhe sopa quente ou bebidas quentes e açucaradas. Bebidas alcoólicas são totalmente contra-indicadas. O álcool pode oferecer uma enganosa sensação de calor, mas o

que faz na realidade é abrir a circulação sanguínea à periferia (pele e músculos frios), acelerando ainda mais a perda das poucas reservas de calor ainda estocadas,

e apressando a morte.

Embora a recuperação seja rápida e espetacular, muito cuidado: a vítima raramente está fora de perigo, ainda que aparentemente esteja muito bem. Não a

apresse as coisas, pondo-a novamente a andar. Uma recaída na trilha pode ser ainda mais desastrosa. Por isso, vencido o primeiro perigo, deixe passar algumas horas

antes de considerá-la plenamente recuperada. E só então voltar para casa, de

preferência sob melhores condições meteorológicas. Uma das coisas mais frustrantes em trilha, é ter seu programa cancelado pelo mau

lempo, Mais frustrante ainda, é quando visibilidade nula, e chuva e vento ferozes The cortam a retirada, tornando impossível encontrar a trilha - para frente ou para

trás! Estas coisas acontecem!.. É preferível, em alguns casos, apenas manter-se em

posição, acampar, esquecer que você tem prazo para estar de volta (ou que falou

para seus pais que voliava até o domingo), e manter-se vivo. Mais um exemplo do

velho condito entre tentar enfrentar a tempestade para cumprir vagas promessas, ou P1

mostrar-se medroso e ficar vivo para lutar outro dia. É pura e simples questão de sobrevivência: mantenha-se seco e quente, monte sua barraca, enfie-se no saco de

dormir, arranje água, aperte o cinto, racione sua comida, e SOBREVIVA! Ter se preparado para este momento pode fazer muita diferença: o equipamento

apropriado (que você trouxe), um pouco de comida extra, e principalmente a flexibilidade mental. Um pouco de conforto também ajuda a passar acampado (um ou dois) dias enormes e inúteis, e tirar um pouco da tensão de se saber numa possível enrascada - ou melhor ainda, de se saber estar justamente escapando de

enrascada ainda pior. Nesta categoria de "confortos" incluimos até um pequeno livro ou um mini-game, ou mesmo um joguinho com o qual se entreter em grupo.

Pode ser um baralho, jogo de xadrez, ou o que mais cair no gosto da turma O mais difícil é justamente tomar a decisão de não avançar mais um passo, nem voltar um

metro de terreno hostil, mas segurar-se à posição e escapar vivo. (Este parágrafo foi escrito depois de 2 dias em condições exatamente assim, na Serra Fina. E quando a tempestade passou e voltamos (em 6 horas), sob bem melhores condições,

ficamos, é claro, com caras de pato, sem saber se tinha valido a pena termos sido tão cautelosos e esperado por um dia sem vento, neblina ee chuva, - ou se não devíamos ter tentado encontrar nosso caminho no dia anterior (mas sob condições terríveis). Ou se, ao contrário, não nos teria acontecido qualquer coisa na tentativa

de voltar com tempo tão ruim... Erro de itinerário, um penhasco imprevisto, o vento (e um escorregão), horas perdidos na chuva (e a hipotermia), a noite caindo antes

de encontrar outro lugar decente para acampar - nunca se sabe o que poderia ter acontecido, mas é sempre preferível jogar pelo lado da segurança e da cautela.)

Veja! Agora abriu...

Ja dá para voltar para a minha barraca

82

PROBLEMAS PELO CALOR

Mas não é só com hipotermia e frio que o excursionista precisa se preocupar. O

calor também pode causar problemas, se não se tomar cuidado. No Brasil, porém, é raro falar de problemas pelo calor, talvez por já ser um país quente, e porque a

maior parte das pessoas parece já estar aclimatada ao calor. Ou pelo menos era isso que eu achava, que problemas pelo calor só aconteciam no deserto, ou com gringos

não aclimatados. Até que, num Carnaval em Ilha Grande, depois de horas de sobe e desce (dentro da mata, praticamente sem vento, e suando muito), passei mal e só

melhorei depois de repouso e de uns 4 guaranás gelados. Desidratação? Não, um começo de intermação... Portanto, nem é preciso ir muito longe para se sentir mal com o calor.

O corpo tem duas formas principais de perder calor para continuar mantendo sua temperatura normal: pelo suor que evapora (especialmente ao vento), ou pelo contato com a água ou rochas frias. Ambos os processos roubam bárbaras quantidades de calor - só que aqui, ao contrário da hipotermia, precisamos perder este calor para não cairmos no extremo oposto: uma situação de desequilíbrio em que a temperatura comece a subir acima dos 37° C, pondo em risco o

funcionamento normal do cérebro. Basta, portanto, descuidar dos sinais e continuar

andando ao sol do meio-dia, ou suando litros e se desidratando pelo exercício, sem cuidar de repor o líquido perdido - para entrar em desequilíbrio e sofrer de algum e

mal. (Outra razão para perda brutal de líquidos poderia ser uma diarréia). O

engraçado éé que geralmente basta diminuir o ritmo e cair na água (se houver uma praia ou rio) ou procurar uma sombra e descansar algumas horas até que o calor do dia arrefeça, para furtar-se a qualquer perigo. E principalmente beber muito, ainda que apelando ao truque de misturar à água um pouco de pó para refresco, para

torná-la um pouco mais apetecível. Em condições de muito calor, você pode estar suando (não se espante!) mais do que 1 litro por hora - e terá que repor a água na mesma proporção, para não acabar se desidratando, o que exigirá um tratamento mais intensivo. Uma desidratação brutal pode ser tratada com uma solução de 1/4 de colher (chá) de sal (daí para menos), mais 2 colheres (sopa) de açúcar, por litro

d'água (mas litros e litros!) - uma forma caseira de repor o sal e a água. Ou

simplesmente com uma gostosa sopa, das de pacotinho mesmo. Além da desidratação (e até de câimbras pelo calor, por falta de

reposição de água e sais), dois são os males que podem ocorrer. Na intermação o corpo súa tanto, e é tão grande a quantidade de sangue desviada para a pele (num

esforço de irradiar a qualquer custo o excesso de calor), que a coisa evolui para uma situação comparável à de um desmaio: cabeça leve, confusão mental, náuseas

c mal estar, e a pele coberta de suor. Geralmente a umidade é alta, ou o vento é 83

pouco, insuficiente para fazer evaporar o suor e resfriar o corpo. A temperatura do

corpo, no entanto, pode estar quase normal. Sentimo-nos mal, mas o cérebro ainda não foi muito afetado. Compressas frias, repouso à sombra, e muito líquido

resolvem o problema. Mas geralmente a própria vítima acaba diminuindo o ritmo (por se sentir mal) e a situação se resolve espontaneamente, sem evoluir para um estágio mais perigoso. O outro problema é bem mais sério e pode matar: na insolação o que acontece é um colapso dos mecanismos de refrigeração. Normalmente, a produção

de suor ao longo das horas vai diminuindo, mas o corpo continua sempre suando um pouquinho, o suficiente para continuar resfriando a pele, mesmo depois de

horas de exercício. Em alguns casos, porém, o mecanismo do suor simplesmente falha, e as glândulas de suor de repente param de produzi-lo, como que por súbito esgotamento. Isto é perigoso porque, a não ser que haja outra forma de resfriar a

vítima (água na qual imergi-la, mais eficiente do que o mero vento, por forte que seja) a temperatura começa a subir, como uma febre sem controle. E ela pode morrer rapidamente. A crise é rápida: a vítima estava consciente, e de repente

torna-se confusa, entra em delírio e.rapidamente perde a consciência. A pele está vermelha, quente e seca - sinal de perigo! Se houver condições, o melhor é jogá-la

na água - sim, mas em geral a pergunta será: água, onde? Deite-a na sombra, desaperte-lhe as roupas, abane-a, molhe suas roupas ou aplique compressas molhadas. Sacrifique sua água de beber, se não houver outra. Massageie os membros, para ajudar o retorno de sangue já resfriado, ao cérebro. Estas medidas podem salvar-lhe a vida, mas o mais sensato teria sido diminuir o ritmo bem antes, para não deixar que a situação evoluisse tanto. Pois tais problemas não surgem do

nada. Eles surgem do descaso em relação aos sinais de desconforto pelo calor. E são geralmente resolvidos horas antes, usando seu bom senso e fugindo ao calor do dia.

Mas faltou falar um pouco mais a respeito da hidratação. A maioria das pessoas vive num estado de leve desidratação: por incrível que pareça, elas não bebem água suficiente - apenas mais um dos males crônicos da nossa vida urbana.

84

A água do seu corpo, o líquido que lhe mantem vivo e ativo, pode ser perdido num

ritmo alarmante. Num dia normal uma pessoa pode perder de 3 a 6 litros de água; um ou dois litros pela urina; mais um litro pela respiração, isto se o ar estiver

úmido; com ar seco a perda é maior. Diarréia intensa pode acarretar uma perda de um litro por hora, mas como o normal é não ter diarréia, deixe este detalhe para outra hora. O exercício (e o suor) também provocam perda normal de um ou dois litros por dia; mas que pode chegar a um litro por hora, se o esforço for grande, e

se a tarde estiver quente e úmida. E o pior é que o seu mecanismo de sede não reage a não ser quando você já perdeu um litro e meio ou mais. Por esta altura seu rendimento já caiu cerca de 20% sem que você tenha sequer percebido. Especialmente em clima seco (como em alta-montanha) é muito comum sentir-se "sem gás", sem saber porquê. Pura falta d'água...

Como saber se está lhe faltando água no sistema? Você pode até sentir leve dor de cabeça mas, principalmente, você se sente cansado e sem energia (mas

não por falta de comida), a boca começa a ficar seca (daí a sede). E a sua urina começa a ficar mais escura (mas quem é que fica controlando a cor da sua urina?) O corpo consegue absorver apenas um tanto de água por hora, e a ingestão de água deveria acompanhar, tanto quanto possível, a taxa de absorção -ou seja, não adianta beber uma lagoa de vez! E depois ficar com a água toda retida no estômago. De qualquer modo, independente se o dia está quente ou seco, se o

exercício (de andar com a mochila às costas) for pesado, é conveniente já começar

pela manhã, bebendo meio litro ou mais, antes mesmo de dar o primeiro passo. E

continuar bebendo algo como 1/4 de litro a cada 15 minutos. Um litro por hora

parece demais? Em certas situações (com o corpo todo suado) você perceberá que mal consegue pôr a água prá dentro na mesma proporção em que a está perdendo.

De qualquer modo, como enfatizamos mais adiante, é praticamente impossível

conseguir tomar mais água do que o necessário. Portanto, se a água for abundante, vá bebendo tanto quanto possa, mesmo sem sentir sede... TRAVESSIA DE RIOS

Quando andamos por trilhas bastante frequentadas, é raro chegarmos a um riacho

desprovido de providencial ponte ou pinguela para cruzá-lo. No entanto, se sairmos dos caminhos habituais e nos aventurarmos a andar por onde nos levem os pés e

nossa curiosidade, chega a hora em que topamos com um rio que terá que ser

transposto por nossos próprios meios. Uma massa d'água larga e caudalosa pode ser cntão um obstáculo realmente formidável a atravessar.

Rios calmos e profundos até que não oferecem grande problema: podem ser cruzados a nado, levando-se a mochila a flutuar sobre uma câmara de ar, ou

sobre uma pequena jangada improvisada na hora (pelo menos em teoria). Mas embale suas coisas em sacos plásticos fechados. Um riacho impetuoso, com água es

Não! Correnteza forte e valeta

Sim! trecho

Onde cruzar

reto e largo

ha curva!

Um no

Nao. Barrance do outro lado!

Nao

Nao

Não!

Sim,se não for muito

Filtradora! •Melhor

31です

fundo... < Não! Corredeira aloaixo...

aqui! Cuidado! Trecho estretto

erápido...

pelos joelhos, também não atrapalha muito: pode ser cruzado devagar e com cuidado, firmando cada pé entre as pedras do fundo antes de arriscar o passo seguinte. O obstáculo realmente crítico são os rios no meio termo, rápidos e

lamacentos, com água pelas coxas ou pela cintura, engrossados por chuva recente massa d'água cuja violência e perigo você não consegue avaliar, e que são

geralmente subestimados - até o instante em que você se vê subitamente atirado trinta metros rio abaixo - e que por isso mesmo devem ser encarados com duplo cuidado. Vale a pena cruzá-los? Ou é mais sensato retroceder e procurar outro caminho?

Se você tiver que atravessar, considere primeiro o que poderia acontecer se você

perdesse o pé e fosse jogado rio abaixo. Existem gargantas ou quedas d'água, rumo às quais você seria arrastado sem apelação? As margens são paredes verticais ou

bancos altos, com escassas possibilidades de subir e escapar? Outra coisa a observar é a presença de "filtradoras": árvores tombadas, cuja galhada submersa deixa passar a água, mas que retem os "náufragos", prendendo-os nos galhos e raízes e afogando-os. Se assim for, o rio é uma armadilha líquida, e é mais sensato

explorar a margem centenas de metros a montante (onde o rio em geral é mais

estreito) até encontrar um ponto mais seguro para cruzá-lo. Acima das cachoeiras as águas podem ser calmas, mas é justamente nestes pontos que muita gente é arrastada mesmo assim, e morre afogada nos saltos abaixo. Abaixo das cachoeiras o rio também é calmo, mas pode esconder poços profundos. 86

음 De modo geral, é mais fácil e seguro atravessar um riacho raso, onde a

água salta sobre as pedras submersas, do que (paradoxalmente) um trecho mais

fundo e mais calmo, mas no qual a pressão da água, agindo sobre uma área maior do seu corpo, pode arrancá-lo do lugar. Um trecho reto (e de fundo provavelmente

uniforme) também é mais conveniente do que uma curva do rio onde a velocidade da água é maior, e escava, do lado de fora da curva, valetas mais profundas, nas quais você pode de repente perder o pé.

Se você estiver só, um bastão ajuda apreciavelmente, transformando-o

de inseguro bípede num trípede mais confiante. O bastão também ajuda a "palpar" o fundo e checar a profundidade, descobrindo buracos e valetas nos quais você

teria caído. Antes de cruzar o rio, embale as coisas molháveis (saco de dormir,

câmera fotográfica e roupas secas) dentro de um ou dois bons sacos plásticos. Então desclipe a barrigueira, de modo a poder pelo menos se livrar da mochila se

você tombar na água - ou tirá-la das costas e, ainda agarrado a uma das alças, tentar

alcançar uma pedra ou praia rio abaixo. Agora cruze a correnteza passo a passo, olhando rio acima, e usando o bastão para se equilibrar contra a pressão da água. Com os pés bem afastados, dê passos curtos, sempre testando o fundo antes de

confiar seu peso ao pé. Cuidado para não entalar o pé entre duas pedras ou em alguma fenda do

87

Mnohuulho

leito do rio - muita gente já se afogou em meio metro d'água, empurrada pela força

da correnteza: impossível levantar-se nestas condições. Se você perder pé e for arrastado, tampouco tente se pôr de pé novamente, se a água for mais profunda que seus joelhos. Role de costas, tire a mochila das costas (mas não a solte ainda) e,

semi-sentado com os pés apontando rio abaixo, busque a margem ou um remanso

atrás de uma pedra, nadando meio de lado ou de costas.

Os sapatos não só protegem os pés de pedras cortantes no leito do rio, como também permitem colocar o pé com mais firmeza e confiança. Infelizmente é

melhor molhar as botas do que cruzar descalço. E do outro lado apenas trocar as

meias molhadas por outras secas. Alguns preferem então usar seus tênis extras (ou melhor ainda, uma destas sandálias esportivas) para cruzar o rio, voltando a vestir

suas botas secas do outro lado. Mas nunca jogue botas ou roupa por cima do

riacho, por preguiça de enfiá-los na mochila antes da travessia. Eles podem acabar

caindo na água. Ou você mesmo é que pode acabar não chegando à outra margem,

tendo que retroceder - enquanto seus sapatos não terão outra alternativa senão ir embora sozinhos. É melhor guardar tudo dentro da mochila, de modo a não dar chance de se separar do seu equipamento.

E procure nunca cruzar rios durante inundação: o nível do rio está aumentado e a água é capaz de arrastar qualquer coisa com força três vezes maior do que o normal. Além disso, a água barrenta geralmente o impede de ver o fundo, escondendo passagens que geralmente eram cruzadas a vau. O rio pode muito bem trazer árvores e galhos tombados (quando não animais mortos) que podem lhe

"atropelar" durante a travessia. Nestes casos vale mais a pena acampar e esperar e

algumas horas ou um dia inteiro, até que o nível das águas baixe quase ao normal.

Um grupo pode cruzar a água dando-se os braços num círculo. Ou em linha, alinhados com a margem do rio e olhando rio acima, agarrando cada um a

cintura do outro, e deslocando-se um de cada vez - ou dando todos um pequeno passo para o lado ao mesmo tempo.

88

Usando uma corda para cruzar o rio, e recolhendo-a.

Dando segurança

com duas cordas. O uso de uma corda ajuda, oferecendo segurança da margem, como se

faz em escalada? Eu diria que sim, se você souber usá-la. Pois se o companheiro

assegurado pela corda perder o equilíbrio e cair, há o risco de que a pressão da

água o empurre para o fundo (como uma pipa empinada ao contrário) afogando-o.

Neste caso, a única coisa a fazer seria soltar a corda, para que o companheiro se salve. De modo geral, técnicas com corda são mais especializadas do que parece, e

a inexperiência ou falta de familiaridade com os métodos trazem riscos graves, se

as coisas não correrem exatamente como o esperado. O melhor então é assegurá-lo com duas cordas, uma rio acima, dando-lhe suporte e permitindo-lhe equilibrar-se contra a pressão da água; outra rio abaixo, dando-lhe segurança. Se ele cair, solta se a corda de cima (ou é ele mesmo que a solta) para poder puxá-lo de volta com a corda de baixo, sem risco à vida dele. Outra solução é passar o meio da corda por trás de uma ancoragem

(p/ex. o tronco de uma árvore) e nos servirmos das duas pontas, de igual comprimento, segurando-a com firmeza e usando-a para nos dar suporte na travessia (em diagonal) de um rio mais turbulento. O único risco deste método é

soltarmos a corda (pela pressão da água, sem querer) e sermos arrastados rio

abaixo. Chegando à outra margem, separamos as duas pontas de corda (podem estar trançadas uma na outra) e, puxando uma ponta, recolhemos a corda inteira.

PAREDES E PENHASCOS

O mesmo comentário em relação à falta de familiaridade com algum tipo de técnica

ou terreno, pode ser estendido à improvisação diante de problemas verticais

encontrados em montanha - como a segurança com corda ao escalar uma face

rochosa potencialmente perigosa, ou a descida de um penhasco de 10 ou 15 metros 89

usando a corda passada por uma ancoragem no topo. Muita coisa errada pode

acontecer. É mais sensato aprender tais técnicas com montanhistas experientes. E usar o equipamento certo (cordas de nylon, nunca de sisal). Ou então esquecer os

métodos com cordas e, encontrando tais obstáculos, retroceder e procurar uma via mais segura. Como este é um livro sobre caminhadas, não há espaço para nos aprofundarmos em tais técnicas - mas se você estiver interessado, há outro livro meu, Com Unhas ee Dentes, que aborda o assunto em detalhes.

Mas inevitavelmente haverá ocasiões em que, com corda ou sem corda, um excursionista mais ousado, afastando-se dos caminhos habituais, acabará tendo que se envolver com pequenos obstáculos rochosos. Nesse caso, aqui vai o básico:

mantenha-se ereto, com o corpo sempre na vertical (e não colado à rocha), seu peso

descansando nos pés. As mãos são usadas apenas para equilibrar o corpo, poupando a força dos braços. Ao subir, mantenha sempre 3 pontos de apoio na parede, ou seja, dois pés e uma mão, ou um pé e duas mãos, enquanto move o

quarto apoio. Antes de descarregar seu peso num apoio, teste sempre a solidez

deste. Planeje sempre a subida, "escalando" com os olhos já alguns metros à frente,

e desloque o corpo com movimentos suaves, não aos arrancos e saltos. É conveniente lembrar ainda que nosso corpo, com seus olhos e braços dispostos na extremidade superior, tem mais facilidade para subir, do que para

descer paredes rochosas. Essa única e simples limitação, de não termos olhos

também nos joelhos, é razão pela qual muito novato, impossibilitado de completar a subida, percebe então que tampouco consegue descer. Com sua retirada subitamente cortada, o escalador se assusta, braços e pernas travados logo se

cansam e começam a tremer, e a gravidade se encarrega do resto. É aconselhável então que os lances de rocha não sejam muito longos, mantendo os riscos na devida proporção...

MANUTENÇÀO DE TRILHAS Trilhas bem conservadas diminuem a erosão do solo e protegem a beleza de

qualquer área selvagem, confinando o tráfego a uma estreita passarela. Claro que,

para atingir este objetivo, estas trilhas precisam receber certos cuidados de conservação, geralmente por parte das entidades responsáveis pela área - plex, a

Administração de um Parque Nacional ou Estadual. Na ausência, porém, de qualquer esforço oficial pela manutenção das trilhas - e geralmente na ausência sequer da compreensão, por parte destas Administrações, da importância destas trilhas - cabe a nós, excursionistas, lutar por sua preservação. A primeira forma de

manter uma trilha é usá-la, para que não caia no esquecimento, não feche por falta

de uso, etc. Mas há o problema inverso, o do excesso de uso de uma trilha muito popular, com os problemas consequentes: a compactação e desagregação do solo (pelo simples impacto de milhares de botas), e sua posterior erosão pela água que 90

(durante uma chuvarada) corre ao longo da trilha, removendo terra e cavando uma

canaleta cada vez mais profunda. Tais casos exigem um toque de engenharia e equipes de conservação - gente empenhada em manter a trilha em condições. No

exterior do país (E.U.A. p/ex), nada mais fácil: os efetivos normais de um Parque Nacional são engrossados, todo verão, por uma legião de voluntários determinados a ajudar a conservar as "suas" trilhas. Tudo que os Parques Nacionais precisam, é provê-los das ferramentas necessárias, e orientá-los, dando-lhes tarefas específicas, como pavimentar com lajotas de pedra certo trecho de trilha através daquele

charco, construir uma pequena pinguela sobre tal riachinho, ou mesmo apenas "limpar" a trilha dos arbustos que invadiram a passarela entre uma temporada e a

outra. Mas no Brasil, mesmo que voluntários se apresentassem, seriam dispensados pelos Parques Nacionais, cujas Administrações ainda não estão preparadas para

dividir a autoridade sobre seus feudos com "estranhos" saídos sabe-se-la-de-onde, e

vindos sabe-se-la-com-que-intenções. De modo que, por falta de visão, os Parques Nacionais dispensam a ajuda dos que seriam seus mais bem intencionados e fiéis colaboradores -- 0 os amigos das trilhas. Os Parques Nacionais, na verdade, acho que

nem suspeitam que poderiam ter a colaboração de voluntários - a idéia deve lhes parecer estranha e absurda.

O uso pesado de uma trilha impõe, portanto, problemas de manutenção. Problemas que na verdade são geralmente problemas de controle do fluxo d'água,

que escava o sulco, carregando a terra que foi pulverizada pelo uso. A maneira mais fácil de controlar este problema é canalizar a água (da chuva) para fora do

sulco o mais precocemente, colocando, a intervalos, canaletas de drenagem, que

desviam a água, impedindo que continue correndo pela trilha e escavando mais e

mais. A engenharia oferece métodos próprios: p/ex. diques (de pedra ou mesmo de tronco) atravessados na diagonal por sobre a trilha. Onde uma trilha zigue-zagueia encosta abaixo, degraus colocados nos cantos cumprem a mesma função. O

joyporMwasthebed agua mawili dique 91

BE

‫ارسالمقاله‬ dobumabayaran dahkenalyn utine

agua

excursionista descendo a trilha, sobe o degrau para tomar o zig-zag seguinte, mas a O

água é desviada para fora. Em trilhas com pouca manutenção, porém, algumas medidas improvisadas não exigem ferramentas, e estão ao alcance de qualquer grupo que disponha de um tempo para dar uma mão e ajudar a conservar nossos caminhos selvagens. Como p/ex. escavar na terra uma simples canaleta, com um toco ou às vezes até com o calcanhar da bota. Ou desobstruir canaletas já existentes, que por acaso estejam atulhadas de terra e folhas caídas.

Construir canaletas para drenar um charco também é um recurso de engenharia que pode resolver o problema de secções encharcadas, onde a trilha vai se alargando pouco a pouco, numa tentativa por parte dos excursionistas, de pisar nas bordas ainda secas da trilha para escapar à água e lama - a vegetação acaba

sendo pisoteada cada vez mais para os lados, e como resultado, forma-se uma única e vasta pocilga. O outro remédio seria lajotar uma passagem através do charco,

deitando pedras chatas ao longo do caminho original, e mais outras por cima das

primeiras, até que a "trilha" pare de afundar no charco. Mas muitas vezes o

problema é bem mais simples, se um grupo perceber que é apenas a canaleta de passagem de um fio d'água a atravessar a trilha que se encontra obstruída pelo

acúmulo de folhas e terra: cinco minutos de mão de obra podem limpar a canaleta e resolver o problema. E não me digam que "o problema não é nosso". Da mesma forma que o acúmulo de lixo (Operação Montanhas Limpas), na ausência de

qualquer atitude oficial, a manutenção de trilhas também é um problema que compete a nós, excursionistas envolvidos. Ecologia não é só lutar pela preservação das baleias, ou contra as explosões atômicas no Pacífico.

Os zigue-zagues são um recurso de engenharia para traçar, encosta acima,

um caminho com o menor aclive possível, que cruze o menor número de riachos

(tradicionais focos de erosão e de problemas de manutenção), ou que não de origem a vossorocas e canaletas pela ação da água. O problema é que zigue

zaguear encosta acima (ou abaixo) aparentemente deixa o trajeto "longo demais".

Muitos perdem a paciência e acabam "fabricando" sua própria trilha, que desce a encosta direto, atalhando através dos zigue-zagues. Tudo bem, mas estes atalhos também se tornam focos de erosão, com a água criando canaletas que escapam ao

controle, assumem vida própria, e começam a "engulir" a encosta - justamente o que pretendíamos evitar. Apenas recomendar que não se use tais atalhos é pouco: o certo seria fechá-los sumariamente, entulhando suas entradas com pedras e galhos secos, para desencorajar seu uso por excursionistas inconscientes dos problemas acarretados pelo atalho. Não estou delirando. Infelizmente, só grupos organizados de manutenção é que iriam tomar tal atitude, o que joga a favor da erosão e da

deterioração da trilha, já que no Brasil tais grupos ainda não existem. Lembre-se que uma trilha também está ali para proteger a paisagem ao redor, não para a conveniência do excursionista. Se você entendeu o problema, abstenha-se de tomar tais atalhos, e explique a outros o porquê desta atitude mais ecológica, mas (com o atalho dando sopa...) aparentemente contraditória.

92

Água...

DiNDOADONO Mais um alaho...

Salaho

dique

Um caminho que tenha se transformado em incômoda vossoroca pode

exigir uma ação drástica, como relocar a trilha para o lado, transformá-la num zigue-zague com melhor controle da erosão, ou então repavimentá-la com degraus de pedra; ou de terra, escorados com troncos - mas aí já temos engenharia de fato, especialidade que escapa ao alcance deste texto.

Outro problema surge quando árvores ou pedras enormes desabam na

trilha, obrigando os excursionistas a contornar o obstáculo através da mata, e

encontrar o rabo da trilha do outro lado. O uso judicioso do facão cria em minutos uma nova trilha, de preferência contornando a árvore ou pedra caída pelo lado de cima - é sempre mais fácil perder-se encosta abaixo. Se houver alguma autoridade

responsável pela trilha (plex, a Administração do Parque) comunique-lhe o fato, juntamente com sua localização - se achar que valha a pena. É desalentador, mas às vezes nem vale a pena dar-se ao trabalho, pois em certos Parques nenhuma atitude a

será tomada! Mas deixe cuidados como cortar uma árvore ou deslocar uma pedra

para profissionais, que possuem experiência no assunto e equipamento apropriado. Geralmente, porém, o problema mais simples e mais encontrado por aí,

é a mera obstrução de uma trilha dentro da mata, pela própria vegetação. Sinal de

abandono, mas o quê fazer? A atitude mais lógica seria limpá-la, claro. E o pessoal com um facão realmente acaba reabrindo uma picada, sufic para passar. Mas 93

se a trilha é antiga e tradicional, um trabalho mais completo deveria abrir mais do que uma mera passagem, na qual excursionistas seguintes poderiam novamente se perder. Muito importante é a "impressão visual" de uma passagem, a sensação de conduto pelo meio da mata, mesmo que arbustos rasteiros impeçam a visão da passarela pelo chão. Para criar esta impressão, muitas vezes é preciso limpar a vegetação também dos dois lados da picada, digamos um metro para cada lado.

Tocos (especialmente escondidos pela vegetação rasteira) devem ser cortados ao

nível do chão, para não provocar tropeços, nem apresentar risco (de empalamento)

a quem tropeça na trilha. E não esquecer de limpar os cipós e bambus acima da cabeça, até uns dois metros de altura, para que ninguém precise se abaixar e

mergulhar (com a mochila) por baixo das maçarocas de vegetação suspensa. A limpeza de uma trilha, na mata como fora dela, além de impedir que as equipes se

percam, também facilita a travessia, e evita excessiva molhação das roupas pelas folhas molhadas em dias de chuva.

09

00

-Corredor

Perigo

Passarela 94

Esta é a terra de que tanto falavam? - gritara

5

ele numa alegria expansiva. James Michener - A Fonte Quem é o dono desta floresta?

Todo aquele que ande por ela. Lawrence Elliot

Equipamento Equipamento é, compreensivelmente, uma das prioridades mais importantes para

quem quer se iniciar na aventura. Em primeiro lugar, porque de fato precisamos de

um mínimo de coisas para sair a caminhar. É aqui, então, que as pessoas se preocupam em saber do que é que realmente precisam. E é bom mesmo estudar o assunto a fundo e conhecer suas opções, já que equipamento pode ser sinônimo de conforto ee até mesmo de sobrevivência. Por outro lado é irônico constatar que

quase todo mundo acaba gastando mais do que precisa, comprando equipamentos com mais detalhes (mais bolsos, mais ziperes, mais acolchoamento, mais fitas, mais

visual, ou mais tecnologia) do que realmente precisa. A maioria das pessoas realmente pode pagar por tudo isto. E paga! Resta saber se o retorno se justifica. Pouca gente se preocupa em identificar o que é essencial ou ao menos

"importante" - e o que é francamente dispensável ou pode esperar mais um pouco. Por isso, antes de puxar seu talão de cheques, pare ee pense. Pois o equipamento também tem um apelo psicológico muito forte em todos nós: leia-se, consumismo! Possuir equipamento deixa quase todo mundo feliz (mesmo que não estejam ainda

precisando daquilo). E pode ser até que lhes sirva para alguma coisa no futuro.

Escolher coisas também funciona como uma compensação pelas frustrações da vida, inclusive pelo fato de estarmos parados, sem poder excursionar. Comprar

equipamento é um derivativo para a inércia, para a falta de ação - qualquer que seja a razão que no momento nos impede de sair por aí. Sublimamos nossas frustrações

com fantasias a respeito do equipamento para nossas próximas aventuras, com fantasias a respeito dos lugares para onde iremos, e do que este equipmento fará por nós, assim que conseguirmos pôr o pé fora de casa.

Também é muito mais fácil ler a respeito de equipamento do que absorver a técnica - é algo mais palpável, menos teórico. É mais fácil comprar algo, do que se preocupar em ruminar a respeito do que fazer no agreste, nas situações difíceis. É verdade que o equipamento certo pode levá-lo longe - se você

tiver o mágico espírito de aventura. É verdade também que tem gente que só se

sente garantida e em condições de enfrentar o agreste, se dispuser do 95

rsenal

completo. Mais equipamento pode lhe quebrar altos galhos, mas equipamento não é, por si só, substituto para vivência, técnica e sagacidade. Tem gente, no entanto. que quer se garantir na base do equipamento. Há também a fascinação pelas

novidades, por equipamentos novos e "modernos". Tem gente que está sempre

atrás do que é novo, de equipamentos que prometem avanços dramáticos em matéria de peso, de conforto, de versatilidade sob condições extremas - mas tudo

isto também representa um custo extra. E é preciso comprovar as reais vantagens de tais equipamentos: nem sempre a realidade corresponde às promessas. Pois, como em qualquer fatia do mercado, existem as novidades que são apenas cosméticas, para destacar-se da concorrência, sem grande beneficio real ao consumidor.

Por outro lado, arrotar equipamento sofisticado ee caro também é um

truque clássico para esconder a mediocridade de muitos. É muito fácil substituir com equipamento, o arrojo ou espírito de aventura que lhes faltam. Outros se preocupam apenas com o status que o equipamento possa lhes conferir. E só compram coisa fina, coisa importada, prá impressionar! Por isso, não fique todo

bobo quando vir gente usando aquilo que você acabou de ver no último catálogo da

REI ou da L.Bean, gente equipada com a última moda em matéria de abrigos, botas, barracas...

Pois os equipamentos mais importantes para sair a excursionar são

realmente um bom cérebro, e é claro, um espírito saudável e um par de pernas vigorosas. Tirando isto, pode-se começar com muito pouco: um par de tênis, uma mochila qualquer, dois cobertores, um plástico grande (sem furos) ee uma garrafa

d'água. “A medida que seus projetos forem se tornando mais ousados, que sua experiência for crescendo, e que o gosto pela coisa passar a justificar maiores

000

96

investimentos com o material, aí sim, equipamentos novos, mais modernos e mais confortáveis podem ser incorporados aos poucos. E essa é a melhor estratégia: ir

adquirindo seu material aos poucos, um item de cada vez, à medida que forem se fazendo necessários.

Por quê toda esta preocupação em torno do assunto? Para

lembrar que, em vez de torrar já o seu dinheiro em equipamento, é mais sábio investi-lo numa caminhada, na aventura do próximo fim de semana, ou reservá-lo

para "aquela" viagem, no feriadão que vem aí. Invista nas suas aventuras, não em

equipamento! Sempre haverá novas chances de comprar aquele abrigo de Goretex, ou aquela barraca pesando dois quilos menos, no outro mês. Mas os fins de semana não voltam mais.

O cquipamento que você leva, define seu estilo de caminhada. Se você pretende ir mais longe, os gramas que você puder cortar certamente só irão ajudá-lo a ir mais

leve - desde que cortados inteligentemente. Mas também não é preciso se

neurotizar com o assunto, e ficar andando por aí com uma balança no bolso. A durabilidade do equipamento é preocupação que vem logo a seguir. Resistência e longa vida útil são características que geralmente devem acompanhar conforto e

versatilidade. Pelo mesmo raciocínio, preço é um critério que deve vir quase em último lugar na lista de prioridades. É preferível pagar quase o dobro por um equipamento não-descartável, que não precise ser reposto no ano que vem, que não o deixe na mão, que não lhe cause aborrecimentos ou contratempos, nem ponha sua

vida em perigo. Mas é importante pesar também se você precisa pagar aquela

grana loda - como já dissemos, nem sempre o0 equipamento acaba depois lhe

correspondendo na mesma medida. Aí estão incluídas aquela mochila em cores lindas, e com acolchoamento rebuscado, que lhe dá um visual sofisticadíssimo; ou

que pesa 100 g menos que as outras (mas custa três vezes mais); o saco de dormir com zíper acoplável e outros luxos dos quais você realmente não precisa. Ou os artigos em Gore-tex, que discutiremos adiante. Simplifique, simplifique! Cuidado

lambém com equipamentos que "fazem tudo": o poncho que vira barraca, plástico de chão, asa-delta e para-quedas, é uma piada clássica entre excursionistas veteranos. Versatilidade excessiva geralmente quer dizer apenas que o equipamento

não é grande coisa em nenhuma das categorias. O melhor lugar para comprar equipamento não são as grandes lojas de

departamentos ou de camping-caça-pesca. Estas lojas pouco entendem do assunto,

e geralmente vendem apenas generalidades e artigos de consumo, raras vezes a melhor opção para você. Alguns itens até podem lá ser encontrados, mas no Brasil

já temos pequenas lojas especializadas, que vendem material de camping leve eе de escalada, e que oferecem a excelente produção de artesãos-montanhistas e de

pequenas indústrias de material de montanha - além de aconselhamento para saber

escolher o melhor, dicas técnicas, sugestões de onde encontrar o que lhe falta, e até

recomendações de lugares a visitar. O esporte está se expandindo, mas de modo 92

geral, com exceção dos próprios montanhistas que fabricam equipamento, ainda existe pouca oferta de material específico, razão pela qual alguns dos itens usados são na verdade emprestados de outras atividades como camping, caça & pesca, ou artigos militares. Mas com a recente liberação de importações, muito equipamento

importado começa a aparecer - o que é ótimo, já que preenche uma lacuna de artigos essenciais que simplesmente não existiam no mercado. Só não se fie de que tudo seja de qualidade. Como em qualquer campo, aqui também temos muita

bobagem, muito equipamento vagabundo entrando no país como se fosse coisa de primeira. Alguns artigos, de bela aparência, são inferiores aos já produzidos pelos

pequenos fabricantes do setor. É preciso escolher com sabedoria. Há exceções, contudo,e barracas leves, botas específicas, abrigos de chuva, peças especializadas

de vestuário (além do óbvio equipamento específico para escalada e caverna), são coisas que o mercado nacional desconhecia por completo, e das quais temos uma absoluta carência...

BOTAS DE CAMINHADA

Calçados específicos para caminhada são bem um exemplo disso. A ausência de

um mercado significativo no país explica porque nenhuma indústria de calçados havia se preocupado em lançar uma bota específica para trilha. Na ausência de algo

melhor, usávamos tênis acolchoados, de basquete ou de corrida. No exterior os sapatos pesados e botas inteiramente de couro das décadas passadas deram lugar às

botas mais leves, de couro e Cordura, descendentes mais reforçados justamente dos tênis de maratona. E são estas botas (fabricadas na China ou na Tailândia, mas de

marcas americanas e canadenses - Merrell, Hi-Tec e outras que ainda não deram o ar da sua graça - bem como a Snake, nacional) que estão revolucionando os pés da garotada que se aventura na trilha. São botas leves, de meio cano, mas muito

sofisticadas por dentro. A grande vantagem de escolher uma destas botas é saber que, mesmo lá fora, são o que há de melhor para caminhar. Milhões de

excursionistas as usam c (até que entim) no Brasil estamos conseguindo nos cquipar tão bem equipados eles.

Tão importante quanto saber o que usar, é saber o que não usar.

Sapatos comuns, sandálias e alpargatas, bem como sapatos de salto alto são obviamente inadequados, Coturnos militares, botas de selva, e botas de moto-cross são exatamente isto, e na trilha podem oferecer um visual muito macho, mas um desempenho apenas medíocre. E temos também botinhas lipo "outdoor" (ale mesmo das marcas citadas acima, pois são um bom filão no ramo de calçados), que nada mais são do que tênis comuns imitando botas de caminhada, com todo aquele "look" de aventura, e nada mais. Mas o que vai medir o desempenho de um calçado na trilha é o conforto dos pés ao final da caminhada, e não seu visual. E o indicador

mais confiável de bom desempenho não é sua hipotética "proteção contra cobras", 38

Sandália esportiva (tipo papeete)

doa

palmilha entre-sola ATTIVITET

lâmina de reforço sola

mas um pé em bom estado, sem bolhas nem machucados ao

fim

do dia

Excursionistas precavidos gostam de levar um calçado extra, mais leve e mais compacto (como um tênis comum) para usar em volta do acampamento, ou para

poupar as botas na hora de atravessar algum rio. Eu disse que sandálias são "inadequadas" para caminhada, mas uma sandália esportiva (aquela com fitas e

velcros) pode muito bem servir para estas horas. Muita gente também usa estas sandálias para andar pelo leito dos rios, na prática do canyoning: os modelos importados têm fivelas no lugar dos velcros, e são calçados mais especializados e reforçados do que parece a primeira vista... A maioria das pessoas considera botas de caminhada como mais unia peça de vestuário. Não são! Em caminhada, as botas são o alicerce do andarilho, (e

é por isso que falo delas em primeiro lugar) e precisam ser escolhidas com o mesmo cuidado com que você escolherá depois a sua mochila, ou saco de dormir. ou barraca. A melhor maneira de escolher uma bota de caminhada (e não levar gato

por lebre, escolhendo uma bota com mero visual "outdoor") é ir comprá-la, como

já disse, numa loja especializada em esportes de montanha. Ao comprar sua bola. não precisa ficar se preocupando muito com o relevo do solado. O desenho da sola

pode variar de marca para marca, mas todas têm solado anti-derrapante que

funciona muito bem - sc o espaço entre as travas não estiver cheio de lama, claro.

Uma bota de caminhada tem outras características muito mais importantes. Entre i

sola (de material mais duro e resistente ao atrito) e a palmilha (interna, já em

contato com seu pé) temos uma entre-sola de espuma de poliuretano, material que absorve o impacto do pé ao chão. Quase todos os modelos (exceto os muito

básicos) apresentam, dentro do solado, uma lâmina de aço ou de fibra, reforço 99

interno que dá certa rigidez ao calçado, e mais firmeza aos pés. Elas ainda dispõem de farto acolchoamento interno, para se ajustar às peculiaridades da forma do seu pé (mais fino ou mais largo). E no cano, ao invés de ilhoses ou argolas, muitas dispõem de ganchinhos, que agilizam a operação de amarrar os cadarços. Um reforço no calcanhar confere mais firmeza ao pé, mas como o cano da bota não tem a rigidez das clássicas botas alpinas de couro, não oferece muita resistência à torção do pé. Em terreno acidentado, pessoas com maior propensão às torceduras precisam adquirir o hábito de prestar atenç e pisar com cuidado. Ou então optar por botas um pouco mais reforçadas, inteiramente de couro, para uso mais pesado mas também mais caras.

Pois existem diferentes categorias de botas, e uma bota não serve para todo e qualquer tipo de terreno. Quanto mais couro a bota tiver em sua estruturu.

mais pesada e firme ela será - destinada a terrenos progressivamente mais árduos, e com cargas maiores. Existem botas para trilha leve e caminhadas de um dia, com

mochila leve (com o corpo praticamente só de lona de nylon, sem a lâmina interna

de aço, pouco mais que um tênis); e também botas para trilha mais pesada,

caminhadas de vários dias, com equipamento completo (exatamente as de que estamos tratando, um pouco mais pesadas, com o corpo em nylon e couro); c finalmente botas tipo cross-country, inteiramente de couro e ainda mais pesadas. justamente as mais adequadas ao pessoal que torce o pé com facilidade. E já que estamos no assunto, temos ainda as botas de montanha (pesadas mesmo, de couro

grosso) e botas duplas (de plástico, para neve e gelo), ambas das quais escapam ao nosso contexto. Isto só para lhe dar um panorama completo. Claro que, com

cuidado, qualquer bota pode lhe servir para qualquer tipo de terreno, mesmo as

mais leves, mas cada tipo lhe dá mais conforto e segurança no tipo de terreno para

o qual foi projetada. Qual é a bota para você?

Os principais requisitos para uma bota de caminhada são conforto e

firmeza. Isto vai depender, fundamentalmente, de como a bota se ajusta ao pé.

Claro que tudo começa pelas fôrmas, ou seja, pelos modelos (para cada tamanho de

pé) que foram adotados pelo fabricante como ponto de partida para seus calçados

que explica plex. que uma marca possa ter uma bota 41 exatamente no tamanho

do seu pé, enquanto outras (do mesmo tamanho) ficam um pouquinho mais folgadas ou um pouquinho mais apertadas na largura, etc. O que não quer dizer que

haja algo errado com a bota - ou com seu pé. De qualquer modo, também não

adianta ficar se neurotizando atrás da fôrma perfeita. Basta que você encontre uma bota com a qual seu pé se sinta confortável e firme. Peculiaridades restantes serão

absorvidas pela interação entre o acolchoamento da bola e a quantidade de meias

que você vestir. A melhor maneira de escolher uma bota é experimentando-a na loja, de preferência à tardinha (quando geralmente seus pés estão um pouco mais

inchados) e já com o número de meias que pretende usar depois. Encomendar uma

bota pelo correio, ou pedir que outra pessoa passe pela loja e apanhe p/ex, um par número 41, é comprar no escuro (apesar de que você sempre pode trocá-la depois). 100

Andando pela loja, suba e desça uma escada, pule, ajoelhe-se, levante-se e ande

mais um pouco, para ver se o tamanho está certo. Botas deste tipo dificilmente laceiam depois, de modo que é melhor escolher o tamanho certo. É fácil perceber

quando o calçado está justo demais, mas tampouco éé preciso que ele fique tão

folgado no pé, que possa depois causar a formação de bolhas. É conveniente que, ainda sem apertar os cadarços, a bola fique "um pouquinho" folgada (mas não demais, o suficiente para passar um dedo atrás do calcanhar), e que, depois de

apertados os cadarços, sobre na biqueira espaço suficiente para mexer os dedos. Para as meninas, é bom saber que algumas marcas também oferecem uma grade feminina, em que a proporção entre largura e comprimento do pé é diferente detalhe que lhes permite encontrar uma bota melhor, ajustada ao formato peculiar dos seus pés. Que ao contrário do que muita gente pensa, não são apenas "versões menores" do pé masculino. Na verdade, além de não ser tão "bicudo" quanto o pé

dos rapazes, o pé feminino é um pouco mais fino atrás, no calcanhar, e o arco do pé é mais alto, detalhes que causam problemas de ajuste ou de falta de firmeza, quando usando uma bota masculina (ou "unisex"). Ou a necessidade de apertar um

pouco mais os cadarços (e de pôr uma meia extra para encher o espaço vazio), com o risco de acabar desenvolvendo bolhas - ou de acabar ficando com o pé meio solto dentro da bota.

Em terreno arenoso ou com pedrinhas, estas podem saltar e cair dentro da bota, acabando por irritar o pé. A solução é usar uma polaina ou um stop-tout, espécie de gola de nylon fino, colocada ao redor do cano da bota, e provida de elástico que abraça a perna, impedindo a entrada de objetos estranhos. O stop-tout dificilmente fica no lugar: é preciso provê-lo de outro elástico (chato), que é

passado por dentro da bota, mas sem machucar o pé. Ou de uma cordinha passada por baixo da própria bota, nesse caso sujeita, é claro, a desgaste e ruptura.

Muita gente se preocupa com a impermeabilidade da bota

uma

preocupação razoável. Daí a existência de botas de Cordura tratado com Goretex,

uma resinagem impermeável e ainda assim, supostamente "respirável" - mas bem

mais caras! Uma bota destas pode ser uma opção muito boa para andar num dia de chuva, ou através de capinzal molhado. Mas a resinagem com o tempo vai se desgastando, e acaba antes mesmo das botas. Couro também é muito usado para

garantir a impermeabilidade, e pode se comportar de duas formas: se o lado liso está virado para fora, a bota é mais impermeável - mas risca mais facilmente. Já se

o lado da raspa do couro é voltado para fora, a superfície é mais resistente ao atrito, mas a bola é menos impermeável.

O pé também sua muito (50 ml por dia ou mais), suor que acaba sendo

absorvido pelas meias. Especialmente se a bota for inteiramente construída em couro - boa razão para preferir as botas mixtas, de couro e Cordura, ou de Gorelex.

Mas perceba também que basta enfiar o pé numa poça mais funda (p/ex. andando

através de um charco ou pelo capinzal, sem conseguir ver bem onde pisa) e, se a 101

água escorrer por cima do cano, lá se foi tanta "impermeabilidade". Para quem só anda em trilhas bem comportadas, uma bota toda de couro ou de Goretex encontra

alguma justificativa. Mas para quem, como eu, enfrenta qualquer tipo de terreno, com poça ou sem poça, o melhor é uma bora mais barata, confortável, mas sem

tantos atributos. E algumas meias secas de reserva... Mais importante do que usar uma bota impermeável, é saber que meias

usar. Uma combinação que já se tornou clássica, é usar dois pares de meias: uma meia grossa de lã por fora, quente, acolchoante, mas que não empape (algodão, nunca!); e uma meia fina por baixo, em tecido sintético, como polipropileno (ou

poliamida). O tecido sintético não absorve umidade, e o suor passa rapidamente à meia mais grossa, que se encarrega de dispersar a umidade: o pé assim se conserva

seco, e o conjunto das duas meias reduz o atrito do pé com o calçado, tornando o andar mais agradável e descansado. Os cuidados com as botas ao final da caminhada também são muito importante: elas devem ser limpas do barro ou lama. Botas molhadas devem ser

deixadas a secar, mas nunca ao calor do fogo ou mesmo ao sol, que ressecam o couro e deterioram o calçado. Nestes casos, o melhor é rechear as botas com bolas

de jornal, que absorvem a umidade, trocando-as de início a cada 2 ou 3 horas, até que saiam secas (ou, em casa, colocando-as atrás da geladeira durante umas horas truque manjado, mas ainda muito eficiente). Botas de couro devem ser protegidas

com uma aplicação periódica de cera, não necessariamente "cera de sapato", mas cera para couro, obtida em selarias. Costuras sobre o couro são vulneráveis, e

podem ser protegidas p/ex. por um fino filete de borracha de silicone, aplicada por cima e impregnada na costura com os dedos (mas poucos se darão aa esse trabalho).

Costuras rompidas devem ser imediatamente refeitas, até mesmo em casa, plex com uma agulha e linha. Se você tratar sua bota com carinho, pode estar certo de

que ela lhe servirá por centenas de quilômetros. Cuidados com as meias também lhe garantem maior conforto durante a caminhada. Meias sujas não absorvem tão bem o suor do pé, por isso lave-as com frequência, mesmo na trilha; nem é preciso usar sabão. Enxague-as na água,

csfregue-as um pouco, e ponha a secar às costas da sua mochila. Em casa, use um pouquinho de amaciador de tecidos. A cada meia dúzia de lavadas (meias de lă) acrescente à água uma "tampinha" de óleo de oliva. Isto age como substituto da

lanolina, o óleo natural das ovelhas, e retarda o envelhecimento. Nunca seque as meias ao calor de um fogo; seque-as penduradas a uma cordinha ou à mochila. Bastões de caminhada podem lhe ajudar a se equilibrar na travessia de um rio, ou

na descida por uma trilha escorregadia: geralmente um varapau cortado (com a serrinha do seu canivete suiço) a partir de um galho reto, ou de um comprido bambu. O bastão também serve para bater a vegetação à frente, abrindo 0o capinzal

e expondo o sulco da trilha. Ou para escorar a mochila em pé, no chão, durante as paradas. Eventualmente pode até servir para "armar" o toldo durante um bivaque 102

ou ao sol do meio-dia. Mas o problema é onde enfiá-lo durante a viagem. Esquecê

lo no bagageiro, ao saltar do ônibus, é outro problema frequente. Além disso, o

bastão não é necessário o tempo todo. Ele acaba, aliás, até cansando, mero

apêndice balançado para frente e para trás ao ritmo da marcha, ou simplesmente carregado na mão, sem uso boa parte do tempo. Chazam! Chegou o bastão de alumínio (importado, claro), em que dois ou três tubos se encaixam um dentro dos

outros, criando um bastão telescópico, curto o suficiente para clipar à lateral da

mochila. E forte o suficiente para lhe suportar o peso quando esticado e travado. A idéia é tão boa que eu mesmo trouxe um para mim, do exterior. O único senão é que ele geralmente é encontrado aos pares, transformando seus adeptos em

perplexos quadrúpedes na trilha. Um único bastão é suficiente. Se você não tiver outra opção que comprar dois, guarde um para si mesmo, e venda o outro para algum colega. Ou empreste para a sua namorada. EU

vou

MOCHILAS

Depois das botas, o equipamento seguinte a ser adquirido é uma mochila. Uma boa mochila! Há um mundo de diferença entre a primeira mochila que usei, de lona e

alças de couro, na década de 60, e as modernas mochilas técnicas, que abaixo

descrevemos - e não é apenas o intervalo de 35 anos entre uma e outras... Mas aqui

você terá novamente que procurar distinguir entre "lebres" e "gatos". Não que não haja atualmente muitas boas marcas de mochila, mas há também muita porcaria. e

Novamente, o melhor lugar onde achar coisa boa, são as lojas especializadas -

dificilmente elas lhe darão mau conselho. Existem até algumas boas marcas importadas, o que é um tanto redundante, pois não faltam mochilas nacionais de

confiança. Pelo menos meia dúzia de montanhistas produz em suas oficinas, mochilas artesanais ou não tão artesanais, de alta qualidade. 103

Começamos falando da mochila de armação externa, de tubo de

alumínio. Ao contrário do que muitos pensam, elas não estão obsoletas, apesar de

estarem perdendo terreno para as de armação interna, das quais já trataremos. Imbatíveis para grandes cargas, e mais práticas para terreno aberto ou trilhas desimpedidas, no mato fechado ou trilhas obstruidas elas sofrem do inconveniente de se engancharem aos cipós e galhos mais baixos. A principal razão pela qual temos tão pouco a falar delas, é que no Brasil não há nenhuma marca de qualidade. As armações são medíocres, as mochilas são mal costuradas, de tecido vagabundo, e nenhuma dispõe de barrigueira não confunda barrigueira com aquelas cinturinhas de fita de 25 mm, sem qualquer utilidade ou função. São mochilas "baratas", produzidas para quebrar logo, e fazer você voltar para comprar outra. Esqueça!

A alternativa acaba sendo a mochila de armação interna, um pouco mais

cara, geralmente porque de fabricação semi-industrial. E também porque uma boa mochila de armação interna é de construção mais sofisticada. Diferentes das antigas mochilas sem armação, por serem mais delgadas e altas, elas apresentam duas

barras semi-rígidas, enfiadas em envelope próprio - a armação, que pode até passar despercebida. Quer de alumínio, quer de plástico injetado, estas barras são ligeiramente curvas, para se acomodarem ao formato das costas. E sua função

transmitir eficientemente o peso da mochila à barrigueira, sem que se precise socar tudo dentro da mochila para compactá-la num pacote rígido. A barrigueira, largo

cinturão acolchoado, descarrega o peso na cintura, aliviando os ombros e quase eliminando a fadiga de transportar enormes pesos por dias a fio. Sim, estas mochilas funcionam como as "pochetes" de cintura, só que são pochetes tão altas e volumosas, que precisam de um par de alças para não cair para trás! As mochilas de armação interna geralmente exibem uma assustadora quantidade de fitas, fivelas e reguladores, suficiente para intimidar qualquer um. Alguns minutos fuçando nestes reguladores lhe permitem personalizar o sistema de suspensão, para que a mochila se ajuste às peculiaridades da sua anatomia. Pois para começar, um sistema de regulagem nas costas permite que as alças possam ser implantadas em várias alturas diferentes. Isto permite variar a altura entre barrigueira e alças, para se ajustar à sua estatura, qualquer que seja, possibilitando que, com a barrigueira corretamente fechada na cintura, as alças estejam sempre na altura dos ombros. Bem reguladas, as alças dos ombros não descarregam neles pressão alguma, pelo menos não de cima para baixo. Pode-se sacudir os ombros sem neles sentir o peso da mochila. A única pressão é exercida de frente para trás, impedindo que, presa pela barrigueira, a mochila tombe para trás. Os ombros ficam livres, tanto que se pode passar um dedo entre alça e ombro. Um dos erros mais

comuns cometidos pelo iniciante é puxar as fitas que conectam as alças ao topo da mochila - as fitas estabilizadoras. A função destas fitas é manter nas alças apenas uma tração mínima, não repuxá-las para cima ou trazer o topo da mochila para baixo, contra o pescoço ou a cabeça...

104

оооо ”

60000

no Um efeito adicional do sistema, é que a armação realmente não roça nas

costas nem "machuca" - preocupação inicial de quem nunca antes usou uma destas mochilas. Aliás, como a mochila pende da cintura para trás, cria-se um espaço entre

o corpo e a mochila, o que permite ventilar as costas (suadas ou não). Alguns modelos enchem este espaço com almofadas acolchoantes, mas isto só é necessário de fato em mochilas mal desenhadas, que não funcionam direito: como já expliquei, se a mochila funcionar corretamente, ela não roça nas costas, não precisando portanto de acolchoamento adicional (mais um exemplo da redundância citada no início do capítulo, geralmente apenas para se destacar da concorrência)...

O que em geral precisa ser entendido, é que a barrigueira não funciona se estiver meio solta. É preciso ajustá-la com firmeza. Alguns reclamam que, com a barrigueira assim "apertada", não conseguem respirar direito. Na minha opinião, falta de hábito. Ou pura frescura! Ou então precisam aprender a respirar com o

tórax, e não só com o abdomem. (Mas tem gente que, de fato, nem sabe respirar direito. E alguns também precisariam emagrecer um pouco). Com uma barrigueira

bem ajustada, cargas de cerca de 1/3 do seu peso podem ser levadas

tranquilamente. Mas com um pouco de hábito, não é difícil carregar 25 ou 30 Kg (e até mais), com razoável conforto, e por qualquer distância.

Agora vêm os detalhes. As melhores mochilas apresentam, no rodape.

um ziper que permite o acesso ao fundo do saco - uma solução inteligente para retirar p/ex, uma malha esquecida lá no fundo, ou o saco de dormir, na hora de deitar, sem ter que esparramar todo o conteúdo da mochila pelo chão. Quase todas

têm um bolso na tampa, e geralmente mais um ou dois bolsos nas laterais. E apesar 105

bolso pl bússola

fitas laterais

pochette

lateral

de haver gente que gostaria que suas mochilas tivessem quatro ou cinco bolsos espalhados ao redor, eu acho que dois ou três são suficientes. Em alguns modelos

tais bolsos são destacáveis, o que à primeira vista parece uma vantagem, pois

permite retirá-los quando se achar que não serão necessários. Mas na minha opinião, os bolsos são sempre necessários, para guardar uma coleção de miudezas

que você não quer perder dentro da mochila: lanterna, estojo de P.S., canul, mapas,

lanche, máquina fotográfica e filmes. E é melhor então que sejam de fato solidamente costurados à mochila. Mas a presença de bolsos destacáveis permite plex. substituir o bolso normal por um bolso maior (enorme), para carregar,

digamos, um par de pés-de-pato. Nada mau, né? Zíperes longitudinais oferecem acesso mais amplo do que zíperes transversais. Tudo isto é questão de design,

claro, mas os montanhistas que fabricam tais mochilas (e testam seus modelos em suas próprias aventuras), estão sempre procurando aperfeiçoá-las, introduzindo

idéias que só aumentam a versatilidade da mochila. O que resulta sempre em

produtos mais sofisticados, ainda que no Brasil não disponhamos de certas opções high-tech das quais mochilas importadas fazem tanto alarde: fibras de carbono, espumas de dupla densidade, é um monte de outros detalhes redundantes (marketing, entende?). Muito mais importante são zíperes a prova de bomba - 0 YKK é o único em que eu confio (além do C&C, americano)...

Alguns modelos apresentam pequenos bolsos laterais clipados às orelhas imediato: repelente para insetos, protetor solar, canivete, um chocolate, documentos, Outro detalhe que você mesmo pode acrescentar em casa, se não encontrar por aí, são pequenos bolsos pendurados às alças (justamente pelas fitas da barrigueira, de fácil acesso e destinados a guardar miudezas de uso mais

106

estabilizadoras mencionadas acima), saquinhos abertos destinados a carregar

bússola e mapa. Eu mesmo uso dois, um para a caderneta de campo (quando estou

rabiscando dados para meus roteiros de trilha) e o outro para meus óculos de sol.

O volume de uma mochila geralmente é medido em litros, para maior

objetividade. O grande problema é que entre diferentes fabricantes, parece não haver muito consenso em relação ao tamanho do litro de cada um, e você acaba encontrando mochilas de 80 L de uma marca, que são menores que as de 70 L de outra marca... (Parece piada, né?) De modo geral, é mais sensato escolher uma

mochila que a longo prazo acabe não se revelando limitada demais. Uma mochila de 50 L na minha opinião é muito pequena, a não ser para as meninas, mais leves e

de menor estatura. Ou para trekking leve e sem grandes compromissos. Se você vai acampar, e tem que levar barraca, saco de dormir e trem de cozinha, compre logo

uma de, digamos, 65 L para mais. Algo como 70 ou 80 litros, se as suas ambições

forem muito ousadas. De qualquer modo, quase todas apresentam um sistema de fitas laterais, que permite "emagrecê-la", encolhendo seu volume drasticamente de 70 L para 30 L, se você quiser usá-la para uma caminhada domingueira, com um mínimo de material. Ou seja, a mesma mochila pode acabar servindo quase tão bem

para caminhadas mais curtas, quanto para suas mini-aventuras de quase uma semana. Mochilas maiores, de 100 L ou mais, geralmente não passam de mochilas de 70 L acrescidas de um extensor na boca, que permite socar mais carga. Mas o

centro de gravidade acaba então ficando muito alto, desequilibrando-as. Claro que há boas mochilas de 90 ou 100L, bem balanceadas e de dimensões proporcionais, mas mesmo estas já começam a apresentar as restrições do excesso: são mochilas

enooorrmes, verdadeiros monstros destinados apenas a expedições, e no dia-a-dia resultam em pacotes difíceis de manipular, de vestir, de enfiar no bagageiro do ônibus, etc...

Muita gente indaga da impermeabilidade de uma mochila. Tire o cavalo da chuva! Ninguém é besta de produzir uma mochila com nylon não resinado, que deixe passar água. Mas daí a dizer que a mochila é impermeável, é fantasia. Qualquer mochila, mesmo a melhor marca importada, acabará deixando passar água pelas costuras (as perfurações da agulha, percebe?). E não adianta querer

tapar estas perfurações com um spray impermeabilizante, ou resina e pincel: é

desperdício de tempo e de material, pois algumas costuras estão em posições tão inacessíveis, que você não conseguirá alcançá-las. Claro que sob chuvisco leve ou garoa, a água não entra. Mas debaixo de um daqueles torós tipo arca-de-noé, ou caminhando o dia inteiro por entre bambuzinhos molhados, a água passará pelas

costuras e molhará sua roupa e seu saco de dormir. Alguns preferem cobrir a mochila com um saco plástico (que se rasgará nos espinhos), ou com uma capa de

mochila, espécie de toucão anfiado por cima, (e que na minha opinião também não adianta muito, pois a água continuará escorrendo entre a mochila e as costas,

penetrando pelas costuras ainda expostas). Conforme-se que sua mochila é um

equipamento de transporte, não uma câmara estanque. Objetos encharcáveis devem 107

ser embalados em sacos plásticos, de preferência grossos, para que não perfurem

acidentalmente. Sacos de lixo podem ser fáceis de surrupiar da cozinha, mas são também frágeis demais.

Mas há outras coisas mais importantes a observar: hoje, qualquer mochila é construida em sólida lona sintética. A vantagem dos tecidos sintéticos é

resistirem ao mofo. Lona comum de algodão com o tempo apodrece e se rompe. Nos últimos anos o Cordura estreou no Brasil, e todo mundo o acha um material

sensacional - a lona das mochilas e botas americanas é sempre de Cordura. Cordura é na verdade o nome de um fio de nylon da Du Pont, um fio industrial, muito forte

sem dúvida, usado p/ex. em pneus, onde resistência de fato é importante. Mas apesar de todo o marketing alardeado, eu acho que no caso das mochilas, qualquer fio grosso (de nylon comum ou de Cordura) produzirá tecidos igualmente grossos e convenientes, e o que vai condicionar sua escolha não é a superioridade do fio, mas sua "simpatia" pelo tecido usado na mochila. Acontece que, na total ausência de lonas sintéticas em grosso fio de nylon (coisas típicas do mercado brasileiro), o Cordura veio preencher um nicho vazio, oferecendo um tecido de aspecto sólido, áspero ao toque (como um brim grosso), de cores foscas e simpáticas, e que está agradando ao consumidor - gosto que não se discute.

A qualidade da mochila vai depender também do grau de capricho do fabricante ao construí-la. Investigue as costuras. Uma costura com pontos miúdos

(3 a 4 por centímetro) é mais forte do que aquelas com pontos largões. Costuras rebatidas e re-pespontadas são ainda melhores. Procure reforços nos pontos de implante de fitas e alças. Repare no acabamento interno (viés ou overloque são

boas soluções ao desfiamento, mas também encarecem o produto). Escolha uma cor que lhe seja agradável, mas não se iluda de que uma mochila vermelha ou laranja

p/ex. seja mais "segura" por permitir que você seja avistado de longe, se se perder

ou se acidentar. Não há dúvida de que, numa emergência, um saco de bivaque ou um painel de cores chamativas pode atrair a atenção. Mas achar que uma mochila vá fazer isso por você, e lhe salvar a vida, é muita ingenuidade. A tendência, aliás, é no sentido oposto: cores que se mesclem com o fundo (cinza, areia, verdes

discretos mas sem chegar na cafonice dos camuflados), permitindo que as

mochilas não destoem do ambiente, e que a presença de um grupo não “ofusque" os olhos, por mais numerosos que sejam. A conservação de uma mochila não exige muitos cuidados: no máximo uma discreta lavada com água e esponja para tirar a lama, deixando-a secar à

sombra. Mais cuidados exigirá ela durante as viagens, já que o pessoal dos bagageiros de ônibus, não sabendo senão lidar com malas, vai pegar sua sofisticada mochila pela primeira fita que lhes cair à mão - com resultados óbvios. Preserve-a da

pesada mão dos "homens" colocando-a e retirando-a pessoalmente dos

bagageiros (e ignorando majestosamente as caras zangadas). Ou no mínimo

clipando as fivelas da barrigueira e da fita peitoral. O cuidado extra sempre

compensa. Afinal, é ocê mesmo que vai ter que providenciar depois o conserto. 108

Uma medida muito interessante é levar uma segunda mochila, na verdade uma mochilinha acessória, de 15 ou 20 litros, onde você possa jogar um

lanche e cantil, abrigo de chuva e câmera fotográfica, toalha e calção de banho, lanterna e repelente, quando quiser se separar da mochilona por algumas horas, a caminho de um passeio secundário. Enfiada num canto qualquer da mochilona até a

hora de precisar dela, não é preciso nem que as alças sejam acolchoadas. Basta-lhe que tenha alças de fita larga, para ocupar o menor volume possível. Mas pouca

gente consegue se contentar com equipamento tão despojado, e acabam exigindo mochilinhas com alças com espuma, muitos bolsos, fitas para todos os lados, e outros "crocotós" igualmente dispensáveis, que só aumentam o volume e peso de um acessório que deveria ser minimalista.

Um dos riscos desta mochilinha acessória é o de acabar usando-a para carregar mais coisa, por preguiça de selecionar impiedosamente o que dá para enfiar na mochilona, e o que não dá, ou é dispensável e deveria ficar em casa,

ponto final! O que em geral acontece então, éé que a tal mochilinha acaba sendo levada por fora, geralmente à frente, acrescentando peso e desequilibrando o andar.

E as pessoas ficam imaginando que deveriam ter comprado uma mochila maior.

Acontece até comigo (e que raiva me dá!) - mas na pressa da arrumação acabo

jogando meia dúzia de itens, mais a comida do primeiro dia, na mochilinha levada ao ombro. "Não pesa muito" e "Amanhã estou livre dela" são os argumentos mais

comuns, mas a verdade é que o arranjo, tão inocente, enche o saco.

ZZZ ZZZZ

SACOS DE DORMIR

Para qualquer empresa mais ousada que uma caminhada domingueira, um pernoite

será obrigatório. Qualquer que seja seu abrigo (barraca, saco de bivaque, ou um mero plástico de chão) um saco de dormir será sempre imprescindível para criar ao redor do corpo uma camada isolante, durante a noite. Uma barraca não é substituto

para o saco de dormir - aliás, não tem nada a ver. Mas já ouvi muita gente afirmar que não precisa de um saco de dormir porque já está levando a barraca... Tem gente 109

também que usa o termo colchonete para designar o saco de dormir: como se verá.

são duas coisas diferentes. Um novato pode a princípio usar dois cobertores, na falta de um saco de dormir, mas logo perceberá que cobertores são pesados e oferecem uma camada isolante muito fina, às vezes insuficiente. Pois o que isola

você do frio lá fora é o ar. Ar morno, confinado ao redor do seu corpo, e que não seja removido pelo vento, ou resfriado em contato com o chão, ou pela água que porventura tenha molhado seu saco de dormir. E quanto mais espessa esta camada

de ar morno (em centímetros de espessura), mais aquecido você se sentirá. Toda a tecnologia envolvida nos sacos de dormir consiste, pois, em criar

uma camada mais espessa, com o menor peso possível. Evidentemente o peso não é o do ar, mas da manta usada para criar essa camada de ar- o aglomerado de fibras que recheia um saco de dormir. Uma camada de bom-bril ou de palha plex. aqueceria tão bem quanto qualquer outra da mesma espessura -mas é claro, pesaria muito e seria difícil de enrolar e guardar... Levando tudo em conta, um saco de dormir não deveria pesar mais do que 1,5 Kg nem ocupar volume maior do que 40 cm por 25 cm de diâmetro - mesmo os de inverno... -

Sacos de dormir de camping, usam pasta de algodão - baratos, mas muito pesados. E são enormes, verdadeiros bujões de gás. Alguns sacos importados usam pluma de aves, flocos de pena praticamente sem haste: são sacos leves, bastante quentes em relação ao peso, mas muito caros. Ambos sofrem do

inconveniente de, encharcados, não aquecerem. O algodão, porque absorve muita água (litros) que acabam tendo que ser aquecidos pelo corpo. As penas, por já desabarem com apenas um pouco de água, perdendo-se assim a camada de ar que antes conseguiam criar.

Entre os dois, criou-se uma família de fibras sintéticas que tentam

chegar ao compromisso de aquecer sem o peso do algodão, e sem o alto preço das plumas. E tampouco sem a vulnerabilidade de ambos à água. No Brasil temos a fibra de poliester, com a qual se produz uma manta, usada para modernos sacos de

dormir. Este plumante não tem a longa vida das penas: com alguns anos de uso (ou meses, se você não tiver cuidado) vai se compactando e diminue de espessura. Quais os cuidados a tomar então? Ao guardá-lo em casa, desenrole-o e guarde-o

solto, só o empacotando quando for novamente sair a caminhar. Socado dentro do seu saquinho de transporte (e com o plumante amarrotado semanas ou meses a fio), o saco perde sua expansibilidade, e vai ficando cada vez mais surrado e

insuficiente. Isso acontece naturalmente, mas pode ser retardado, com o devido

cuidado. Em vez de guardá-lo solto numa prateleira, alguns preferem deixá-lo pendurado por cima da porta. Qualquer dos métodos é bom.

Mas não basta apenas costurar entre dois panos uma grossa camada de

plumante. Há outras variáveis a serem consideradas no saco: sua forma, número de camadas de manta, e como são dispostas, a presença ou não de zíper, capuz, colar cervical, etc. A forma do saco já começa a influir nas suas características técnicas.

O saco mais simples é o retangular, tipo amping. Mas seu grande volume interno 110

tipo...

múmia

\múmia Com

zíper

tipo

camping consome quantidade proporcional de calor para aquecer um espaço morto. Isto no

verão (ou na praia) não tem maior importância, mas nas montanhas (e no inverno) a

situação muda de figura. Um saco de dormir tipo múmia se amolda melhor ao corpo, eliminando os espaços de ar frio por aquecer - mas para algumas pessoas que gostam de se refestelar dentro do saco, este pode se revelar apertado demais.

A forma do saco não é, contudo, o único detalhe importante. O número

de camadas de plumante e a disposição de suas costuras é outro. Se o saco tem

apenas uma camada de manta, as costuras obviamente são trespassadas, varando toda a espessura de lado a lado. É o que se chama de costura fria, pois ao longo da costura a manta é comprimida e não chega a oferecer grande camada isolante. Novamente, tudo bem se for um saco para a praia, mas no inverno... É preferível em vez disso usar duas camadas, que podem até ser ligeiramente mais finas, costurando uma delas ao revestimento externo do saco, outra ao forro interno, de

modo que as costuras se intercalem, não coincidindo: as de um lado p/ex, dispostas

nas posições pares; com as do outro, nas posições impares. São as chamadas

costuras quentes, que diminuem a fuga de calor pelas costuras, muito apropriadas aos sacos mais quentes ou mais especializados,

Se um saco de dormir dispõe de zíper, considerações similares impõem

a colocação de um tubo extra de enchimento, por dentro do ziper, impedindo perdas de calor ao longo do fecho. Zíperes podem, então, ser até um acréscimo positivo, permitindo o controle da temperatura num saco quente em pleno verão: a 0

presença de dois cursores correndo em sentidos opostos, permite p/ex. fechar o ziper em cima, na direção do pescoço, e abri-lo no pé do saco, para ventilação

Outra boa idéia para tornar ainda mais quente o seu saco, é a introdução de um 11

costura fria costura

quente colar cervical, espécie de gola cheia de plumante que se fecha ao redor do pescoço, impedindo a fuga de ar aquecido do interior do saco, ainda mais eficientemente do

que a cordinha na boca do capuz. É claro que zíper e colar cervical, se permitem

mais controle da temperatura, deixando o saco mais versátil e especializado,

também tornam sua confecção mais cara e complexa. O que é mais irônico é saber que quase ninguém realmente precisa de um zíper no seu saco de dormir. Afinal, é

tão fácil enfiar-se pela boca do saco, em vez de ficar brigando com um ziper que, ao fechar, está sempre engripando nas pregas do tecido. Os sacos seriam então bem

mais simples e mais leves. Mas, como já insinuei ao começo do capítulo, as pessoas

podem pagar por equipamentos mais sofisticados. E pagarn, sem mesmo perceber que não precisam daquilo tudo... Como resultado os fabricantes se vêem

compelidos a oferecer sacos mais complexos e mais caros, para clientes semi

informados, que acham que precisam do tal ziper ou de sacos de dormir acopláveis...

Um saco de dormir não é impermeável. Ao contrário, ele tem que respirar, tem que permitir que a quantidade de vapor que você libera durante a

noite atravesse a manta e se perca na atmosfera. Por isso, infelizmente o saco pode se encharcar, se cair na água ou pegar chuva. Certos cuidados devem ser tomados, não o amarrando fora da mochila, mas pondo-o dentro, envolto em um ou dous

sacos plásticos. Se acontecer, porém, de o saco se molhar por acidente, basta pendurá-lo ao sol, para que seque rapidamente. E se estiver encharcado, espreme-ho até que a água pare de pingar. Mas mesmo encharcado e depois espremido, um saco de dormir sintético absorve pouca água e conserva bastante bem o seu calor (o

que não aconteceria com um de penas), podendo salvar sua vida em condições dramáticas - e isso é o mais importante. A condensação que se acumula sobre o nylon externo durante os bivaques pode ser seca com uma toalha, ou deixando o saco uns minutos ao sol antes de ensacá-lo para guardar na mochila

Evidentemente não é aconselhável ticar sempre lavando o saco, por isso

não o estique direto no chão. Leve sempre algum plástico de chão, se você não for 11

"Colari

.

cervical

dormir em barraca ou saco de bivaque. Outra coisa: o peso do corpo deitado dentro do saco comprime a manta, anulando ali qualquer isolamento entre o corpo e o chão, já que ali não se consegue reter ar algum. Muita gente acaba sentindo o frio do chão. Por isso, exceto na areia da praia (que também contém muito ar) mais e mais excursionistas estão usando colchonetes por baixo do saco de dormir:

colchonetes finos, de espuma de células fechadas, que restituem a camada de ar roubada pela compressão do plumante, e que resistem à compressão melhor do que as espumas de célula aberta, tipo espuma de colchão. Fabricadas na espessura de 6 a 10 mm, essas espumas só isolam, não chegam a "acolchoar" ou disfarçar irregularidades no terreno. Apesar de sua relativa leveza (150 a 300 g) o rolinho pode ficar volumoso (50 x 15 cm), e na falta de espaço disponível dentro da mochila, pode ser mais prático amarrá-lo por fora, ainda que com o risco de enroscar ou ser dilacerado por espinhos e pontas. E o que dizer de colchonetes infláveis? Os colchões infláveis comuns

são pesados e volumosos (mesmo vazios, claro), mas os modernos Therma-rests

(importados) são justamente isso: colchonetes infláveis. Construídos com duas folhas de lona plástica soldada ao redor de uma placa de espuma comum (células

abertas) que lhes dá espessura uniforme, estes colchonetes podem ser esvaziados e enrolados para guardar na mochila, ficando bem compactos. Claro que, como qualquer inflável, são vulneráveis a punções e cortes, daí sendo recomendável (em longas incursões) levar um tubo de cola e alguns remendos. Os Therma-rests são encontrados nas espessuras de 25 a 40 mm (sendo bem mais "acolchoantes" que um colchonete comum), mas também pesam mais, de 500 g a 1 Kg! Uma opção bem confortável, mas não tão leve... Para terminar, (assim como perguntam se a mochila é impermeável),

outra pergunta que sempre fazem é: que temperatura aguenta tal saco de dormir?. É

difícil responder honestamente, pois é difícil chegar a algum número - zero graus, menos dez... Isto depende da umidade do ar, do uso de um colchonete por baixo do saco, e principalmente da sensibilidade de cada um ao frio, que é algo muito 113

1

pessoal e depende do metabolismo de cada um. Qualquer saco aguenta temperaturas muito mais baixas em clima seco (neve, alta montanha), do que no

frio úmido de Itatiaia, plex.

A "temperatura" de um saco serve apenas para

comparar sacos de um mesmo fabricante (nem mesmo entre sacos de fabricantes

diferentes): uns serão mais quentes, outros mais frios. Mas afirmar que tal são é capaz de suportar -15° ou -5° é um tanto engraçado - como foi que o fabricante chegou a número tão "certinho”? Cuidado, portanto, ao escolher seu saco de dormir. Pois os números não dizem muito.

BARRACAS E OUTROS ABRIGOS Saco de dormir ee colchonete vão muito bem nas nossas noites calmas e estreladas, mesmo nas nossas mais altas cristas, e no frio do inverno - depende da espessura do seu saco. Eu já bivaquei nestas condições a 5400 m (e até mesmo a 7100 m.

embora involuntariamente). Mas basta que se levante o vento, que chegue a neblina, ou comece a chover, e uma proteção extra passa a ser desejável.

Num dos extremos temos o saco de bivaque, um tubo impermeável, espécie de capa para o saco de dormir. Um saco de nylon acaba servindo apenas para cortar o vento ou proteger o saco de dormir da neblina ou chuvisco leve. Mas

debaixo de pesado aguaceiro, como já foi dito, o nylon acaba deixando vazar água

pelas costuras. O melhor, portanto, é usar material realmente impermeável, tipo lona plástica fina, reforçada com fios de poliéster, e bem resistente a atrito e perfurações. Apesar de mais pesada que um mero plástico liso, destes pretos, usados em construção, a lona plástica tem uma vida útil mais longa, e pode ser colada em casa, com cola para PVC flexível, tipo Brascopren PK, da Brascola, na forma ou diâmetro desejados, criando um tubo sob medida. Sacos plásticos (enormes) também servem, e há plásticos grossos que já são vendidos em lubo, ou

seja, vêm em rolo, como largas mangueiras de 1 metro de largura, e você compra o comprimento desejado, digamos 2,5 metros. Mas é preciso cuidar para que não

114

canadense

tubular

furem ou rasguem

- o que em geral só será percebido ao uso, debaixo da primeira

chuva...

Não é mau que o saco de bivaque seja bem folgado, mais largo que o

saco de dormir. Se agora ele for aberto nas duas pontas (com sobra suficiente, em cima, para que a água não penetre por qualquer das pontas, inundando-o), pode-se p/ex. passar por dentro uma cordinha amarrada a dois arbustos, transformando-o

numa tenda-tubo. Esse sistema favorece a ventilação do espaço interno e diminui drasticamente o problema da condensação.

No outro extremo temos obviamente as barracas, desde as canadenses, com polos retos de alumínio, passando pelas tubulares, sustentadas por arcos de fibra de vidro

ou de alumínio, às iglus e geodésicas mais modernas, auto-portantes (o que quer

dizer que ficam de pé sozinhas) e muito estáveis no vento. Mais importante que tudo, uma barraca para caminhada tem que ser leve e compacta, para que possa ser

carregada na mochila, independente do resto que se queira levar. Se ela pesar mais do que 1 a 1,5 Kg por pessoa, ou ocupar um volume maior do que o de um saco de dormir, já é uma barraca de camping, pouco adequada para o fim que pretendemos.

Hoje em dia encontramos muitas formas de barracas. As clássicas canadenses,

triangulares, são as mais baratas mas são também reconhecidamente ultrapassadas

seu volume interno éé pequeno (compare plex. um triângulo com um semi-círculo), e sofrem também do inconveniente de terem que ser esticadas com espeques, para

ficarem armadas e melhor protegerem o espaço da chuva. As tubulares também sofrem deste inconveniente mas oferecem volume interno maior. Seu perfil pode e

115

Iglu Geodésica

ser homogêneo (ou seja, igual de ponta a ponta) ou, em modelos mais recentes para duas ou três pessoas, mais altas na frente (onde os ocupantes podem ficar sentados) e mais baixas atrás, onde só precisamos enfiar as pernas. Qual a vantagem? Criar um abrigo mínimo, mais compacto, com menor peso. Afinal, barracas para caminhada não têm a intenção de oferecer espaaaaço para lazer, mas apenas uma

área de proteção à chuva ou ao sol, onde também se possa dormir. Já as modernas

iglus oferecem a vantagem adicional de ficarem armadas sem precisar esticá-las. elas já se armam automaticamente, e o tecido esticado garante maior impermeabilidade à chuva, que escorre sem encontrar pregas ou bolsões por onde penetrar. Por último temos as barracas geodésicas, iglus estilizadas, em que as varetas se entrecruzam em vários sentidos, criando uma estrutura mais resistente à pressão dos ventos, o que pode ser muito conveniente quando acampando no tempo mais inclemente, Tanto iglus como geodésicas não precisam (necessariamente) ser espequeadas - a não ser para evitar que o vento as leve embora... Também podem ser recolocadas ou reorientadas em segundos, um pouco as

as

mais para lá ou para cá, de acordo com o espaço disponível, ou para oferecer a menor resistência ao vento.

Quanto à armação, as antigas varetas de fibra de vidro, claramente

obsoletas, estão sendo abandonadas em favor de varetas de alumínio. O problema é

que no Brasil a indústria ainda não tem suficiente demanda para justificar a produção de tubos de liga 7075 (a famosa liga 7000, mais dura e resistente, usada no exterior). Daí que nas barracas nacionais temos que nos contentar com tubos de alumínio 6061 (quase tão bom quanto). Estamos um passo atrás das barracas importadas, apenas isso. E é conveniente, quase essencial, que as varetas sejam

116

conectadas entre si por um cabo elástico correndo por dentro, o que além de agilizar a montagem dos arcos, também garante maior pressão no encaixe entre os tubos individuais.

Qualquer que seja o modelo, é quase certo que a barraca vem em duas partes: o corpo, que constitui a bolha onde nos refugiamos, e o sobreteto, de nylon

resinado, que é a camada que retem a chuva. O corpo da barraca propriamente dito pode ser de algodão fino, de nylon, ou de malha aberta de nylon (tipo mosquiteiro), que retem os insetos e impede que os sacos de dormir toquem no sobreteto - o que é importante quando estiver chovendo, claro. Pois o que acontece em barracas de um pano só, sem sobreteto, ou em barracas com um sobre-teto minúsculo, disposto como uma boina sobre uma clarabóia de tela no topo da barraca (truque interessante, usado para economizar peso) é que, ao toque com o nylon, pode se romper a tensão superficial da água que escorre por fora, e ela passa a vazar para

dentro, molhando-o. Isso acontece mais cedo ou mais tarde, por melhor que seja a resinagem. Barracas totalmente de nylon (ou de nylon e malha de poliamida) são resistentes ao mofo e à deterioração, e mais leves do que barracas de algodão. Uma barraca com grandes painéis de tela (ou mesmo inteiramente construída em malha aberta) ventila bem, o que é muito conveniente em praias e clima quente. Se no

entanto você pretende usar uma barraca em clima frio (p/ex. caminhando pela Patagonia) é melhor que ela não tenha tanta ventilação e seja mais "térmica". É aconselhável também que o sobreteto seja daqueles que chegam até o chão, para

impedir que os ventos passem entre barraca e sobre-teto, roubando-lhe o calor da casa...

Quando você monta uma barraca de montanha, transforma a pequena

trouxa de nylon num abrigo instantâneo. Mas não espere milagres de sua barraca. A

maioria das pessoas parece esperar que a barraca (assim como a mochila) se comporte como mini-submarino. E ficam indignadas p/ex. quando a água começa a vazar pelas costuras do chão. Claro que é aconselhável escolher bem o lugar onde montá-las: um lugar plano, que não seja uma canaleta óbvia; com solo permeável,

NNN

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or plástico de chão 117

3

‫مس‬

para que a água não escorra pelo chão justamente para dentro da sua barraca, etc. As modernas barracas de caminhada são de fato compactas bolhas de nylon. projetadas para garantir seu conforto no agreste com um peso mínimo. E protegê-lo dos mosquitos, do vento e da chuva. Mas não são infalíveis. Nem estanques. Claro também que algumas barracas importadas têm suas costuras mais importantes seladas, teoricamente assegurando a impermeabilidade. Mas mesmo assim acontecem problemas. E não só aqui no Brasil, com "equipamento nacional". Alguns livros americanos recomendam que o plástico de chão (usado em teoria para proteger o fino nylon do chão) seja colocado não debaixo da barraca (o que faria sentido), mas dentro dela, com as bordas viradas para cima -ou seja, como

uma banheira, resguardando seus ocupantes da água que porventura entrasse pelas

costuras. O que sugere que os problemas ocorram até mesmo nas modernas barracas importadas "high-tech". Na verdade, se tomarmos cuidados óbvios, como limpar o chão dos tocos e pedregulhos, o desgaste do nylon do chão é bem menor

do que se imagina, e nem se justificaria a necessidade de um "plástico de chão". a

1

que também significa peso extra, nunca levado em conta quando se cantam as

vantagens e a leveza das barracas de caminhada. A função deste plástico extra é, ao contrário, criar dentro da barraca uma verdadeira piscina invertida, garantidamente seca para o conforto de seus ocupantes...

Tem gente que reclama justamente do contrário: dos problemas de condensação no interior da barraca. O vapor d'água (do seu suor, e também produzido pela água fervendo na panela) condensa-se nas paredes, escorrendo pelo nylon e molhando sacos de dormir. A única forma de se livrar do problema é

permitindo que sua barraca ventile durante a noite. Numa barraca de verão isto não é problema, mas nas barracas de inverno, com pouca ou nenhuma tela, o problema é crônico. O único consolo é que numa barraca, mesmo pouco ventilada, o

problema ainda é mínimo: a coisa é muito pior com sacos de bivaque. Mas é claro, tem gente que é muito exigente, ou faz tempestade num copo d'água.

Um simples Toldo...

SID IIB

Por último podemos usar apenas um sobre-teto avulso, sem barraca. Debaixo de chuva, sem vento, um toldo cria em instantes uma larga área, debaixo da qual muita gente pode se abrigar às pressas. Esticado entre arbustos, cria sombra para todos ao sol do meio dia, ou uma larga área coletiva sob a qual podem compartilhar uma

refeição antes de se recolherem aos seus respectivos abrigos individuais ou

barracas. E um toldo pode ser útil até mesmo para um grupo acampado em suas

barracas, criando uma area comum de refeitório onde todos podem se reunir e bater Como abrigo para a noite, o toldo pode ser montado em раро. como uma barraca, ou simplesmente como um plano inclinado

criando um tapiri, que protege melhor do vento. Dobrado e enfiado dentro da mochila de alguém, um toldo de nylon fino, de três por quatro, ou quatro por cinco

metros, ocupa um volume mínimo e pesa quase nada. Um toldo assim pode até ser

costurado em casa, providenciando na sua borda inúmeros ilhoses ou presilhas que permitirão amarrá-lo onde e do jeito que for mais conveniente.

Uma menção deve ser feita à rede de selva, abrigo individual, com ou sem cobertura, muito ao gosto dos militares - equipamento com o qual não tenho,

porém, a menor familiaridade. Mas que me parece um tanto limitada, já que depende de árvores para sua montagem, só podendo, pois, ser usada em floresta. Tem, no entanto, suas vantagens em pântanos, alagadiços, e outros terrenos encharcados. De resto, acho dormir pendurado muito desconfortável...

Essas são as opções. As mais simples, porém, (o bivaque ou o toldo), são muito práticas e leves, especialmente quando pernoitando em lugares inacessíveis e selvagens, com o mínimo de mão de obra e o máximo de satisfação. E com bom tempo! Filosoficamente falando, dormir debaixo das estrelas, sem quaisquer

barreiras entre você e a noite, ainda é uma das experiências mais profundas ao

excursionar, e furtar-se a esse tipo de experiência é um ato de miopia. É claro que ninguém é idiota de querer passar uma noite desconfortável, molhado, debaixo de

chuva. Mas às vezes somos precavidos demais, cautelosos demais, covardes demais. Existe, afinal de contas, um medo visceral da noite selvagem, um medo

enraigado por milênios se escondendo em apertadas tocas, cabanas, castelos, casas ou... barracas. Não é fácil romper condicionamentos antigos. Mas com nossa indolência em fazê-lo podemos perder parte do encanto de sair a passear pelas montanhas.

Um pequeno detalhe que nada tem a ver com barracas, mas que aumenta seu conforto durante a noite, é trazer na sua mochila um "papagaio" ou seja, uma

pequena garrafa (plástica, de cerca de meio litro) apenas para urinar à noite, evitando precisar se levantar para ir lá fora. Sair do saco de dormir quando está gelado é um aborrecimento óbvio, e a idéia deste "pinico" realmente vem das expedições himalaianas. Mas pode fazer sentido também acampando por aqui, dependendo das circunstâncias. Eu uso um faz anos. É bom que a garrafa tenha uma boca relativamente larga (a mais larga que você possa encontrar, com tampa 119

de pressão). E sua utilidade não se restringe apenas aos rapazes, mas também às meninas - urinar dentro, sem sequer sair do saco de dormir, e sem molhar tudo, é apenas questão de prática. E de tomar o devido cuidado - pelo menos até conseguir -

fechar a tampa de pressão...

ROUPA

Quando se pensa em roupas para caminhada, são dois os riscos em que podemos

incorrer: o primeiro é o de levar roupa de menos. O segundo, quase tão sério

quanto, é o de levar roupa demais (peso inútil). As roupas que você veste (e ainda

mais importante, as reservas na mochila) são sua principal garantia de conforto e segurança. As roupas são sua proteção diurna ao frio e ao vento, à chuva e ao

excesso de sol, aos mosquitos, aos espinhos. E contudo, considerando a importância do tema, roupas também são um assunto muito simples. Não há muita

necessidade de roupas especiais para sair a caminhar. Seguramente você já deve ter

quase tudo de que precisa.

Mas não há uma lista padrão de roupas que se deva ter. E cuidado lambém com roupas estilo aventura, cheias de bolsos espalhados pelas pernas e peito e outros "crocotós". Algumas pessoas escolhem roupas só pelo visual. Pelo "look". É tudo que elas desejam. E é tudo o que acabam levando. Literalmente. As pessoas têm gostos diferentes, e cada um usa as combinações que

achar mais práticas para si. O próprio agreste varia ainda mais, de quente a frio, di seco a molhado, de calmo a tempestuoso. A roupa ideal para excursionar é função do clima que se encontra. Mas prevendo mudanças drásticas no tempo, a maioria

dos excursionistas também carrega na mochila roupas de reserva para as piores

condições possíveis - frio, vento e chuva (ou neve).

Em nossas regiões subtropicais o recomendável são roupas leves, bem

120

M ventiladas, que absorvam o suor. Bermuda e camiseta são um traje padrão para dias ensolarados e quentes. Já no mato fechado, onde espinhos e arbustos arranham as

pernas, calças compridas são uma opção melhor. Geralmente de brim, embora alguns prefiram moleton (um pouco mais vulneráveis aos espinhos).

Para se

proteger dos mosquitos e do sol forte, camisas ou camisetas de mangas compridas são uma boa pedida, as mangas podendo ser enroladas sempre que se quiser. Mas

há um senão: quando se molham, os jeans, moletons, e quaisquer roupas de algodão são um perigo, pois absorvem muita água, roubando do corpo enormes quantidades de calor no esforço de manter a temperatura corporal (já vimos o perigo no capítulo de hipotermia). Usá-las, portanto, em neblina ou debaixo de

chuva (sein qualquer outra opção) pode ser extremamente perigoso, senão mortal! Um chapéu de aba mole protege os olhos e a nuca do sol (mas a aba deve ser razoavelmente larga). Um lenço ou faixa de pano de toalha absorvem o

suor da tesla, evitando que pingue nos olhos - uma praga para aqueles que suam muito. Mas se o suor é tanto que a faixa fica eternamente empapada, pode irritar a pele, e é melhor então levar uma pequena toalha amarrada numa cordinha, usando

a para secar o suor sempre que quiser. Alguns pares de meias e roupa de baixo extra, uma camiseta extra ou duas (no máximo), toalha e calção de banho

completam o básico, uma combinação de peças usadas sem muita variação o ano todo.

Já na virada do tempo, a temperatura pode cair aos 10°C ou 5°C, e em

questão de horas as montanhas nos jogam à cara um clima quase ártico - mesmo no verão. Falta de previsão pode no mínimo ser desconfortável,às vezes fatal. É aí que

entram as reservas. Sempre carregadas na mochila, e talvez raramente usadas. E é 121

claro, se você desce dos Estados do Norte para caminhar em Santa Catarina ou Paraná, as tais roupas quentes serão sua roupa normal, especialmente pela manhã.

ou quando o tempo esfriar à tardinha - nunca se esqueça delas...

O primeiro item é uma malha de lā, de mangas compridas e gola role para abrigar também o pescoço. Duas malhas finas permitem um ajuste melhor (da proteção de que realmente se precisa) do que uma única malha grossa Ao contrário

do algodão, a lã absorve pouca água. Mesmo molhada, ela ainda retem ar suficiente

para aquecê-lo - velho truque de pescadores e marinheiros. Alguns veteranos carregam também uma ceroula de malha de lā, das encontradas em casas de artigos de balê, e que vestida por baixo das calças conserva o calor mesmo ao atravessar capim molhado ou arbustos em dia de chuva. Eu falo lā, mas estou me referindo a acrílico, à lã sintética mesmo, tão eficiente quanto a lā natural (esta muito mais cara e difícil de conseguir). Um gorro de motoqueiro, de malha, com viseira para os olhos, completa o arranjo - com boa razão, já que em tempo frio um terço do calor perdido escapa pela cabeça. Tecidos sintéticos são uma escolha inteligente. Outra opção, bem moderna, encontrada por aí, são os casacos de sofi-brush (ou simplesmente soft, que alguns chamam de tecido polar ou polar-plus), recentemente introduzidos como moda jovem, e geralmente estampados: o tecido é grosso e realmente protege bem

do frio. Mas a maior vantagem é que, pelo fato de ser sintético, o material também não absorve quase nenhuma água, e seca rapidamente quando molhado. Fechados ou com ziper frontal, estes abrigos são razoavelmente ventilados quando o tempo

está fresco (ou seja, não abafam). É surpreendente, levando em conta a popularidade destes abrigos, que seja quase impossível encontrar calças do mesmo material. Uma combinação de calça e casaco de soft seria quase a roupa ideal para dias frescos de vento e chuva. É claro que,

embora continuem protegendo contra o frio mesino

20

122

n

molhados, debaixo de chuva ou expostos ao vento forte, tanto a lã como o

polarplus devem ser considerados apenas como uma segunda camada de proteção,

complementada de preferência por uma capa impermeável vestida por cima. Mas a chuva na trilha impõe dois problemas antagônicos: primeiro, a própria água que cai

e encharca a roupa toda, roubando-lhe o calor, e obrigando-o a se cobrir com uma camada impermeável. Segundo, a sua própria atividade física, que gera calor e,

com a consequente transpiração, a necessidade de ventilação, para que o suor não acabe empapando toda a roupa, até então mantida seca por baixo da capa. Como

conciliar os dois problemas? - e aqui entra toda uma moderna tecnologia que,

apesar de todos os esforços de marketing, ainda não resolveu o problema... Se a chuva é uma trovoada de verão, que vem e logo passa, pode-se

esperar uma hora enrolado num plástico (de chão, p/ex.), sem se exercitar e sem

suar - e é isso mesmo que muitos fazem. Mas a chuva também pode ser daquelas que duram o dia todo ou mais, e então é preciso vestir um impermeável e continuar andando. Ou considerar o uso de um guarda-chuva. Não dê risada! Você pode

achar que guarda-chuva é artigo puramente urbano. Mas se a chuva é daquelas chuvas calmas, sem vento, ainda que torrencial, e a trilha é larga, um sólido guarda chuva, do tipo inteiro, não desmontável (antes amarrado à lateral da mochila) pode

ser uma solução muito prática. Já um impermeável tem que ser bem ventilado - e é isso mesmo que o

poncho é. Os ponchos geralmente podem ser jogados sobre o topo da mochila,

protegendo-a também. O poncho (com capuz, ou associado a um chapéu de largas

abas) é ótimo em trilhas desimpedidas e sem vento. Mas em trilhas fechadas as pontas soltas do poncho podem se prender aos galhos, espinhos e bambuzinhos. E

na crista das montanhas o vento reinante pode jogar as pontas do poncho para o

alto e em todas as direções, deixando de oferecer grande proteção à água. 123

As opções se voltam então para os casacos impermeáveis, sempre providos também de capuz para a cabeça, mas geralmente pouco ventilados. O remédio é andar devagar, desenvolvendo pouco calor e suando quase nada. Você

consegue? Nem eu. Tais abrigos, genéricamente conhecidos como ánoraks, podem oferecer ampla ventilação às costas (o que, com a mochila vestida, não adianta muito) ou debaixo das axilas (o que já é bem mais eficiente). Dependendo da atividade física, esta ventilação (às vezes provida mesmo de um zíper nas axilas)

pode ou não ser suficiente. Mas debaixo de marcha forçada o problema se revela insolúvel - a despeito de todos os truques de engenharia que já explicaremos. O ideal é obviamente que tais abrigos sejam bem folgados e tenham

ventilação tão ampla quanto possível. Mangas abertas tipo poncho, com ampla cava nas axilas, são altamente indicadas, ainda que, com ventos espertos, as mangas da

roupa por baixo possam se molhar. Nylon resinado é o primeiro material cogitado: resistente ao vento, atrito e espinhos, pode acabar vazando pela propria trama (sc a resinagem não for boa, ou se desgastou ao longo do tempo) e com certeza pelas costuras. Melhor do que nada, porém, e talvez a pouca água que atravesse as

costuras possa até ser ignorada. Capas de plástico comum são muito frágeis. O mesmo comentário para o algodão emborrachado, que rasga à toa. Mas abrigos de

PVC (como os usados por operários de construção em dias de chuva) não deveriam ser olhados com desdém. Apesar de todos os abrigos sofisticados mencionados

she 빵

124

abaixo, alguns autores ainda os recomendam como uma opção barata e eficiente,

ainda que sejam um pouco volumosos de carregar na mochila e incômodos de vestir (mas mais incômodos que uma chuva?) E se estes abrigos não têm capuz, use

um chapéu, que na chuva (sem vento) pode ser até mais prático. Uma calça de chuva, espécie de sobrecalça de nylon ou de PVC, evita que se molhem as pernas,

especialmente por roçar nos arbustos molhados. Outra idéia válida (e de fabricação caseira) são duas pernas de nylon, com seu canto superior passado pelo cinto ou amarrado às passadeiras da calça -desde que a capa de chuva desça abaixo da cintura, cobrindo-os parcialmente.

Mas até agora não mencionamos a gama de abrigos importados, a que

agora passamos a ter acesso. Gore-tex (o mais famoso), REI Elements, Triple Point - qualquer que seja o nome de fantasia, são sempre abrigos (muito bons)

feitos de nylon resinado com uma substância especial (p/ex. um tipo de Teflon) que

dá ao tecido impermeabilidade, sem perder a capacidade de "respirar" ou seja, não

abafa. A explicação é simples: esta resinagem oferece poros de tamanho tal que não deixam passar qualquer gotícula de água, mas permitem a passagem do vapor d'água. E como geralmente a água vem do lado de fora, e o vapor d'água se

concentra no interior do abrigo (o seu suor, antes de se condensar e começar a escorrer pela pele) chega-se à fórmula perfeita: um abrigo que permite que o suor

escape, mas não deixa a chuva penetrar. A teoria é ótima e funciona - sim, quando

não se está desenvolvendo grande atividade física. Há mais de 40 anos (muito antes de aparecer o famoso Gore-tex) os engenheiros lançam novos tipos de tecidos que tentam chegar a este resultado, mas a verdade é que, embora abrigos de Gore-tex

sejam "melhores" que abrigos em nylon resinado comum (com resina de poliuretano ou acrilada), os resultados ainda deixam a desejar. Em primeiro lugar,

não é possível regular os poros (como persianas) para que deixem passar mais vapor na hora do sufoco, e o resultado é que o suor acaba de fato escorrendo, e molhando a roupa por baixo do abrigo impermeável. De modo que nestas horas a questão volta a depender dos esquemas normais de ventilação: ziperes axilares, ziper frontal, etc. Além disso, tais abrigos são caros. Bem caros, e não apenas por serem importados.

Vento

Forro

Chuva

125

Nylon com Gore-tex.

Perspiração

i

O consumidor no exterior geralmente não hesita em pagar por toda esta

tecnologia, ainda que seus argumentos sejam apenas boa demonstração de marketing, e pouco mais. Mas aqui entre nós, vale a pena investir tanto, para

resultados tão... discutíveis? Eu não saberia dizer. Quem vai gastar num abrigo "respirável" é você. O que se pode dizer de positivo, é que qualquer abrigo importado (seja de Gore-tex, seja meramente resinado) é de bem melhor qualidade do que os equivalentes nacionais. Principalmente porque o consumidor lá fora é mais exigente, e as costuras são seladas (à prova d'água) geralmente pela aplicação

de uma fita selante, vulcanizada sobre a linha de costura - é o fino da tecnologia,

não? Mas voltando à discussão a respeito dos abrigos "respiráveis", mesmo lá fora a questão está longe de ter sido resolvida. Tanto que que, como já disse, um bom livro de camping, publicado recentemente, ainda recomenda o uso de sólidos abrigos de PVC, iguais aos usados por varredores de rua ou operários de construção. A ênfase é de que, de qualquer modo, é difícil manter-se ativo e manter-se seco dentro de um abrigo de chuva. Ponchos ou abrigos improvisados a

partir de grandes sacos plásticos (de preferência grossos) também são alternativas válidas numa emergência. Abrigos de chuva geralmente oferecem proteção ao vento (que também rouba

incríveis quantidades de calor) tornando redundante nova discussão sobre o assunto. Apenas reconfira, para ver se o seu abrigo (improvisado, nacional, ou importado) também protege contra vento. A combinação de chuva e vento pode ser,

como já vimos, particularmente perigosa. Abrigos de Gore-tex e outros respiráveis são até mais eficientes no vento (sem chuva) do que apenas como impermeáveis. Mesmo nas nossas montanhas mais altas o inverno raramente traz frios extremos. O termômetro poucas vezes mergulha abaixo de zero, mas é quase sempre frio úmido, que penetra até os ossos e gela mais do que a presença de neve a

Č

o

O

126

nos picos. Uma malha e luvas extras geralmente bastam. Os mais afortunados podem carregar consigo um casaco estofado, com enchimento de plumante, como o dos sacos de dormir. É interessante, e pode mesmo ser muito reconfortante numa noite fria em Itatiaia p/ex, ou nos Estados do Sul, mas pouco prático de dia, na trilha. A razão é simples: camadas mais finas, como sucessivas malhas de lã,

podem ser somadas, criando um isolamento na espessura desejada, ajustável ao frio que se sente, e às variações climáticas que se vai encontrando ao passar do sol à

sombra, ou do bom tempo à tormenta. Num casaco acolchoado o plumante não pode ser subtraído, ou sua espessura reduzida à metade ou dois terços. Mais, não é necessariamente melhor. O que não quer dizer que não se justifique trazer tal agasalho, especialmente se você é do tipo friorento. Traga-o, se houver espaço na mochila, mas consciente das suas limitações: um abrigo a ser usado gostosamente

ao fim do dia. Ou como imensa reserva nas emergências dramáticas; ou na

conservação de calor sob condições extremas (desde que seja mantido seco); ou ainda nas caminhadas em clima ainda mais frio do que o encontrado pelo Brasil -

plex, nos Andes ou na Patagonia... Cortes tipo colete, porém (e com gola) permitem que se proteja as áreas vitais (tórax e pescoço) sem o desajeitado peso e volume das

mangas, relativamente supérfluas quando caminhando e produzindo quantidades suficientes de calor.

Ajustes na quantidade de proteção aos elementos devem ser feitos às vezes a intervalos curtos, à medida que variam as condições climáticas. Quando você caminha, gasta muita energia e gera quantidades fabulosas de calor. Ao mesmo tempo esse calor está sendo perdido, a maior parte transferida para o ar. Para permanecer confortável, você tem que alcançar certo equilíbrio entre o calor

gerado e o calor retido. Retenha muito e você se sentirá miseravelmente quente. Perca demais e você se sentirá miseravelmente frio. Em ambas as direções existe

desconforto. E o que é pior, as condições na trilha podem variar drasticamente, do frio na sombra, ao calor debaixo do sol, e daí a pouco novamente ao frio, ao atingir

uma crista, com poderoso vento. Quanto mais simples os ajustes, enrolando ou desenrolando as mangas, abrindo ou fechando um ziper frontal, vestindo ou tirando uma malha, maior será seu conforto na trilha. A versatilidade que sua vestimenta

consegue oferecer às variações climáticas é fator que você precisa levar em alta consideração ao escolher roupas para uma caminhada. MANUTENÇÃO

As instruções de lavagem (a seco, com sabão neutro, ou apenas com água) e de secagem (na máquina, com calor ou sem calor, ou apenas àà sombra, e sem sequer torcer) são coisas às quais você tem que prestar atenção, para não detonar seu

equipamento - especialmente com equipamento importado: abrigos de Gore-tex p/ex. As instruções cruciais geralmente vem afixadas em etiquetas internas, ou em 127

>

folhetos que acompanham o produto - leia-os e guarde-os para o caso de qualquer dúvida. Outras medidas que prolongam a vida útil dos abrigos high-tech, você aprende lendo revistas especializadas, ou conversando com o balconista na loja onde você os comprou. Passar um selante nas costuras da barraca p/ex, é coisa que

você tem que fazer de vez em quando. Ou reforçar a repelência à água na superfície externa do seu caríssimo abrigo de chuva, dando uma mão de spray impermeabilizante, como o Scotchgard da 3M - mas primeiro confirme com alguém, para ver se está técnicamente correto. Passar no couro das suas botas uma cera especial (comprada em lojas de artigos de selaria) é outra medida inteligente.

Só cuidar dos zíperes da barraca (para que não entre areia p/ex) às vezes não é suficiente: pode ser aconselhável limpá-los com uma escova de dentes e de vez em quando lubrificá-los com parafina, passando de leve a ponta de uma vela. Zíperes de nylon podem com o tempo começar a se abrir, mesmo os YKK, que são os

melhores que há. A providência mais óbvia seria trocá-los, mas isso nem sempre é de fato imperativo. Muitas vezes o que acontece é que o "rabo“ do cursor está ligeiramente folgado e as duas molas do ziper acabam não sendo bem encaixadas uma à outra. Um macete caseiro para remediar o mal, é submeter o cursor a uma pancadinha (com chave de fenda e martelo), reapertando-o ligeiramente - mas não exagere na força da pancada, para que o ziper não fique agora muito duro. Estrelas ao Norte

Regulus

em Abril

O

LEAD

O

Polux GEMEOS

Castor O O

O

GRANDE URSA

COCHEIRO

300

o

330

345

15

Arcturus

30

Capella O

BOIADEIRO

128

Este foi um grande e venturoso dia. Plantas, animais, pássaros, rochas, jardins, magníficas nuvens, chuva, granizo - todos, todos mme abençoaram.

6

John Muir

Mais Equipamento FOGAREIROS

Quando tentamos escolher um fogareiro para a trilha, percebemos que as opções

são bem escassas. De cara descartamos o fogareiro de camping, com seu bujão de 2

Kg de gaz, ótimo para quem vai acampar de carro, mas pesado e volumoso demais para merecer um espaço dentro de uma mochila.

Começamos pelos conhecidos fogareiros com cartucho de butano. Quando foram lançados, por volta de 1984, aplaudi (de pé) sua chegada no

mercado, porque para nós, mochileiros, não havia outra opção. Hoje suas limitações são bem evidentes: a qualidade dos fogareiros deixa a desejar, é difícil encontrar por aí os cartuchos (que além disso são um tanto caros pelas 200 g de gás oferecidas), a potência do fogo é baixa (mas isto poderia ser facilmente resolvido

com um para-vento, coisa que ninguém se preocupa em improvisar ou fazer em casa). Sem falar nas estórias sussurradas a meia-voz, de fogareiros (provavelmente com os cartuchos mal encaixados) que "explodiram" - acidentes cujas circunstâncias ou veracidade é difícil de confirmar. Além disso, tais fogareiros

geraram um problema ecológico, pelo abandono de cartuchos vazios por aí, largados por excursionistas sem nenhuma consciência ambiental... De modo que, apesar de práticos, leves e compactos, eu hoje descartaria os fogareiros a cartucho.

Passamos então à vulgar e humilde espiriteira a álcool. Na primeira

edição deste livro, eu simplesmente ignorei desdenhosamente o álcool como

combustível, me concentrando na benzina, querosene, ou butano em cartuchos. Um

erro do qual depois me arrependi. No ano seguinte, um amigo me mostrou uma pequena espiriteira sueca, fabricada em latão, com tampa de rosca, da qual dei uma grande risada - mas tive que prestar atenção quando ele me disse que a havia usado no Aconcagua, a 6000 m. E acabei virando fã do pequeno fogareiro, e agora (ao

menos nas minhas caminhadas pelo Brasil) não uso outra coisa - tanto que acabei desenvolvendo minha própria versão, de capacidade um pouco maior e, como o

original, também em latão: compacta, leve e barata. O álcool pode até ser 129

00 considerado um combustível fraco, mas (como o querosene) é encontrado em

qualquer boteco de interior, o que não acontece com a benzina ou com cartuchos de butano. Usado nesta espiriteira, equipada com um paravento, o álcool oferece

uma boa chama, suficiente para cozinhar qualquer coisa em acampamento. Eu já a usei em temperaturas abaixo de zero sem o menor problema. Seus únicos "inconvenientes" são a possibilidade de espalhar álcool em chamas (se você

acidentalmente chutar a espiriteira - um acidente potencialmente grave), e o tempo que ela leva para "decolar" (coisa de 5 minutos, que é o que demora para que o fogareiro se aqueça e comece a soltar vapor de álcool pelos furinhos do queimador - mas isto também acontece com o MSR, citado abaixo). A espiriteira não tem

como regular a chama (e daí?) mas tampouco tem como pifar ou engripar - é fogo instantâneo. Basta enchê-la e acender o álcool no orifício central. Para apagá-lo é preciso cobrir a chama com um abafador, ou com a própria tampa, removendo antes a borracha de vedação para que o calor não a destrua. A tampa de rosca permite levar o fogareiro já cheio, pronto para uma primeira refeição. O combustível para as refeições seguintes terá que ser levado numa garrafa de plástico, de preferência uma garrafinha mais resistente do que estas embalagens comuns nas quais você compra o álcool. O para-vento não passa de uma folha de

latão ou de alumínio, disposta em ferradura ao redor da espiriteira, coisa simples, que você mesmo pode fazer em casa, p/ex. arrancando os tampos de uma lata de Neston...

Aqueles que preferem escolher equipamento importado, agora dispõem dos fogareiros MSR (Internationale 600), de muito boa qualidade, que funcionam

tanto com benzina como com querosene - é só trocar o bico de injeção colocado dentro do queimador. O fogareiro em si não tem tanque, é preciso comprar também ao menos uma garrafa de alumínio, que também serve para transporte do

combustível. E que, acoplada à bombinha, é deitada ao lado e conectada à 130

MSR

mangueira do fogareiro. Estas garrafas vermelhas são encontradas em 3 tamanhos (de 300, 600 e de 900 ml) de modo que você escolhe a capacidade que quiser para

seu tanquinho. A bombinha é muito eficiente, o sistema todo muito prático. Eu já o

usei, tanto no Brasil como principalmente no exterior (com querosene). A benzina é um tipo de gasolina branca sem aditivos, encontrada em lojas de produtos químicos

e em farmácias. Não é muito cara, mas obtê-la em volumes razoáveis é que é o problema, pois pelo fato de poder ser usada como veículo para entorpecentes por

inalação, sua obtenção em quantidades significativas é restringida pelos "órgãos reguladores"... Tem gente que então usa gasolina comum, uma opção barata, mas os aditivos tendem a se acumular no bico de injeção, deixando uma goma que acaba por obstruí-lo. E é preciso cuidar de usá-lo em lugar ventilado, evitando

respirar os vapores do combustível - mas este é um cuidado a ser tomado em qualquer caso... Já o querosene é encontrado praticamente em qualquer lugar, em latas de 1 litro. É um combustível mais seguro que a benzina ou o álcool, por ser bem

menos volátil. Na verdade, precisamos quase persuadi-lo a se inflamar - o que só acontece quando o pressurizamos e vaporizamos. Que é justamente o que o fogareiro faz: o querozene sai do tanque sob pressão, passa por um tubinho de latão

por cima do queimador (onde é vaporizado),e só então chega ao bico de injeção, de onde sai como um jato de gás, espalhando-se pelos orifícios do queimador e

produzindo uma chama poderosa. Para acender o fogareiro, porém, é preciso pré

aquecê-lo, o que se faz queimando pequena quantidade de álcool ou benzina levados justamente para isto, e derramados na conchinha debaixo do queimador. 131

Mas há outras coisas que você precisa levar em conta: o querosene é um combustível desagradavelmente "seboso" ao tato. Quando derramado, não evapora facilmente como a benzina, acumulando-se plex. no chão da sua barraca. Além disso, é fuliginoso demais, sujando de preto o fundo das panelas. E tem gente que

não lhe suporta o cheiro... Em compensação, dos combustíveis é o de maior poder calórico. Nos fogareiros a querosene básicos, o controle da chama é dado pela

pressão no tanque, ou seja, bombando manualmente. Não há um botão regulador, como nos fogareiros a gás ou benzina. Para diminuir a chama (ou mesmo apagá-la)

abrimos um pouquinho a tampa do tanque, permitindo que a pressão escape: 0

querosene é seguro o suficiente para permitir fazer isso sem transformar o fogareiro

num lança-chamas (tentar o mesmo num fogareiro a benzina seria um convite ao

desastre). Já o MSR é diferente, pois foi projetado para ser usado tanto com

benzina como com querosene. E portanto tem um botão regulador, que reduz a chama sem diminuir a pressão do tanquinho-garrafa. Uma providencial mecha de tela de amianto na conchinha debaixo do queimador permite usar o próprio querosene para pré-aquecê-lo. Cuidados com manutenção do seu MSR consistem

em desmontar a bomba e o tubo de combustível, remover qualquer sujeira, verificar os anéis de vedação e O-rings para ver se não estão ressecados, lubrificá-los (p/ex. com uma gota de óleo de oliva) para prolongar sua vida útil, e eventualmente trocá

los, se o fogareiro começar a apresentar problemas. Isto exige que você tenha o kit

de reparos para seu fogareiro, que é vendido separadamente - aliás ter sempre o kit de reparos do seu fogareiro, qualquer que seja o modelo, é uma medida obrigatória

para não se dar mal...

E antes de passar a outro assunto (ao menos para não dizer que não falei deles), uma dica: esqueça os fogareiros do Exército, ou qualquer outra bobagem a

combustível sólido, bem como álcool-gel e outros combustíveis sem qualquer outro atrativo, e difíceis de conseguir por aí, para reposição... PANELAS

Para começar, qualquer leiteira serve, ou uma pequena caçarola de alumínio (de

preferência sem cabo, que só atrapalha na arrumação da mochila). O volume da

panela pode ser aproveitado para colocar o próprio fogareiro e temperos, que de

qualquer forma ocupariam espaço na mochila. Se você ainda é dos que cozinham em fogueira (bah! tchê, mas que atraso) passar um pouco de sabão do lado de fora da panela antes de colocá-la ao fogo economiza tempo e esforço na limpeza da fuligem depois. Se você quiser sofisticar seu equipamento, pode querer comprar um paneleiro de camping. Que trambolho! Em primeiro lugar, são geralmente grandes demais. Em segundo, oferecem peças demais para as necessidades simples do homem na trilha. 132

Um paneleiro para mochileiros não precisa ter mais que 3 litros de capacidade isto para 3 ou 4 pessoas. Se for para apenas 2 pessoas, pode ser ainda menor, digamos de 2,5 litros. E como geralmente usamos apenas uma boca de fogareiro, bastam 2 panelas (no máximo), uma ou duas tampas, um agarrador. E só. Pratos e

canecas é por conta de cada um. A tampa também pode servir de frigideira (quando

houver alguma coisa a fritar) ou como uma travessa rasa para salada. O detalhe essencial é o cabo do conjunto, não um cabo de encaixe, que na hora de virar a

panela (p/ex. para escorrer o macarrão), acaba derrubando tudo, pondo a comida a

perder. O melhor é um cabo-agarrador, espécie de pinça em L, que agarra a panela

pela borda, dispensando quaisquer encaixes, e permitindo qualquer manobra com a panela, frigideira, ou até pratos, sem o mínimo risco para a refeição ou para seus dedos (ui!). Uma concha, uma escumadeira (e às vezes uma espátula, plex. de bambu) podem completar o conjunto, mas estão longe de ser essenciais. Geralmente cada um se serve mesmo com sua própria colher... Conjuntos de panelas são tradicionalmente feitos em alumínio, e por isso

mesmo, leves. É interessante que as panelas tenham paredes grossas, ainda que o peso aumente um pouco, para que resistam às pressões dentro da mochila.

Paneleiros em aço-inox, importados, apareceram ultimamente no mercado: são muito bonitos еe resistentes, mas também bem mais caros do que um de alumínio.

Talheres também precisam ser levados, e vários conjuntos de faca,

colher e garfo podem ser encontrados por aí, em lojas de camping ou de caça &

pesca. Os talheres se dobram ou se encaixam de alguma forma, deixando o

conjunto bem compacto. Ter um conjunto destes, porém, é dispensável, pois o

único talher realmente essencial é a colher. Um canivete substitui a faca mais eficientemente, e quanto ao garfo, pouca gente sente falta dele. Mas lembre-se de levar a colher; pois muitas vezes até isso é esquecido. 133

LAMINAS

Quase todo mundo carrega algum canivete para uso avulso. Sempre útil, pois as facas dos conjuntos de talheres raramente são afiadas para uma série de

necessidades, p/ex. descascar fruta e cortar de verdade. Canivetes suiços são de alta qualidade e agora facilmente encontrados por aí (cuidado, porém, com as imitações chinesas, pff...). E precavenha-se contra aquelas enciclopédias de lâminas, com 20 acessórios que nunca serão usados, a não ser para impressionar. Uma lâmina (ou duas), abridor de latas, chave de fenda, eventualmente a serra, tesoura e chave Phillips (para quem anda de bicicleta) são acessórios úteis, o resto é bobagem.

Simplifique suas necessidades, para não cair no ridículo. Tem gente que acha pequenas, as lâminas dos canivetes normais, de 8,5 cm. Eu concordo, tanto que costumava carregar um segundo canivete, com uma única lâmina, maior. Mas

acabei encontrando um canivete suiço maior, de 11 cm, com lâminas também mais longas. E é interessante passar pelo canivete uma cordinha que lhe permita

pendurá-lo ao pescoço, para que não caia e se perca enquanto estiver usando. Evita também que aconteça o que aconteceu com uma amiga, muitos anos atrás,

descascando uma maçã na encosta de uma montanha, que ao atirar as cascas fora (ainda segurando o canivete) descobriu-se subitamente a olhar para as cascas na mão, enquanto seu canivete é que voava... em direção à mata lá embaixo. Também

é mais fácil encontrar seu canivete batendo os olhos, na cordinha (pelo chão, ou dentro da barraca).

O canivete pelo menos é bem mais seguro que essas facas de churrasco, vaidosamente trazidas à cintura, para perigo e ridículo de seus proprietários - coisa

de novato. Ridículo, porque na trilha uma faca destas raramente será usada para outra coisa que comer, e nesse caso não necessitam ser exibidas à cintura. Perigo,

porque as bainhas de couro muitas vezes são frágeis demais para proteger seu dono de levar uma espetada da própria faca, no caso de uma queda. Se você optar por

levar uma faca, leve-a discretamente, num bolso da mochila. Facas à cintura

geralmente servem apenas às necessidades de "rambos" - o que nós não somos. As

caríssimas facas de para-quedista ou de "sobrevivência" então, são mais ridículas

ainda, com mil acessórios inúteis, como se alguém de fato precisasse de todo aquele arsenal à cintura para se defrontar com algum perigo surgido da selva Pura ostentação! Viva o seguro, humilde e prestativo canivete!

mory

134

3 Na categoria de ferramentas de mato, o facão é a primeira que nos ocorre, embora geralmente dispensável. Um facão serve para abrir caminho (se você se perdeu) ou

para limpar uma picada, em vias de se obstruir, dos galhos e bambus mais

atrevidos. Para isso, no entanto, o facão deve ser longo, pesado, e muito bem afiado. E é claro, pode também ser transportado com sua bainha dentro da mochila até a hora de ser usado.

Mas se o trabalho de limpeza na trilha vai ser intenso, minha preferência se volta então para a foice de mateiro, instrumento menos conhecido, de lâmina em J, exigindo um envelope especial para ser transportada dentro da mochila. O cabo de madeira pode ser levado à parte, e montado na hora, sendo a lâmina travada com um parafuso. Bem mais pesada que um facão, e exigindo mais força e experiência para usá-la, essa foice é, contudo, poderoso abre-te-sésamo em macegas de bambu ou qualquer mato denso, em que a leve lâmina do facão ricocheteia e pula de volta. Geralmente, porém, foice ou facão só representam peso morto na mochila...

CANTIL

Mesmo que a água seja farta, um cantil é sempre aconselhado; eu diria mesmo,

obrigatório. Tem gente que adora os conjuntos cantil-canecão militares, mas o

canecão é peso morto, raramente utilizado, quer para substituir uma panela, quer

como caneca mesmo. Outros gostam de carregá-lo à cintura, mas quando se usa uma mochila moderna, com sua providencial e confortável barrigueira, não há mais

lugar à cintura para o cantil. Alguns o carregam a tiracolo, mas o atrito da fita ao

pescoço e o constante jogo do cantil batendo no corpo tornam o sistema desconfortável. O melhor lugar para o cantil é realmente no bolso da mochila, mas a idéia parece decididamente assustar os mais sedentos, obrigados a tê-lo ao

alcance da mão para um gole de cinco em cinco minutos. Água é importante, e beber é bom, mas não é preciso exagerar.

Alguns excursionistas gostam de cantis térmicos, para manter a água fresca por mais horas. Mas o volume de água que consegue ser carregado num

cantil destes é pequeno, para o grande espaço ocupado dentro da mochila. En suma, uma frescura... Esqueça também o debate sobre qual cantil esquenta mais 135

rapidamente: o de metal ou o de plástico. O que importa é carregar água!Às vezes, muita água! E se você não quiser que esquente rapidamente, enfie os cantis maiores dentro da mochila, envoltos em roupa, temporariamente a salvo do calor do dia ou dos efeitos do sol sobre a mochila.

Os cantis mais encontrados por aí são de alumínio, e amassam com facilidade. Esqueça-os! Cantis com rolhas são mais sujeitos a vazar, ou a soltar-se a rolha dentro da mochila, com desagradáveis consequências. Os melhores cantis parecem ser os de plástico grosso, fabricados para o Exército, com tampa de rosca, que raramente vaza, e resistentes a ponto de se poder pisar em cima

uma

surpreendente exceção em termos de equipamento militar. Seu único defeito é serem pequenos, com um volume de pouco mais de 900 ml - mas eu geralmente

carregava dois destes. Quando a necessidade de água é ainda mais drástica, prefiro

carregar dentro da mochila um garrafão de plástico grosso, com a adequada forma

cilíndrica e cinco litros de capacidade, suficientes para dois dias sem precisar reabastecer (sem cozinhar, claro).

Tem gente que gosta de usar caramanholas, as garrafinhas encaixadas no

quadro de bicicletas. Porquê, eu não sei; não consigo ver vantagem alguma, a não ser talvez o fato de que já estavam sobrando em casa. Uma opção bem mais barata

e eficiente é usar garrafas descartáveis de refrigerante (Guaraná ou Coca-Cola), de 1 ou 2 litros, que funcionam otimamente como cantis: a tampa é de rosca, veda bem, a garrafa pode ser amassada (algumas vezes) para guardar vazia na mochila. E

se o "cantil" não tem por isso uma vida útil muito longa, tampouco é difícil substitui-los por garrafas mais novas (cheias, e de preferência geladas!)... Nos últimos anos também apareceram no mercado os Dromedários,

importados. São na verdade odres plásticos pretos, com tampa de rosca, de 2 ou 4 litros de capacidade, que podem ser dobrados vazios, e enfiados em qualquer lugar. Muito práticos, seriam a melhor opção, não fosse o preço, um pouco salgado. Mas se você não precisa do status de um Dromedário, fique com as garrafas descartáveis mesmo...

Ocasionalmente sentimos a necessidade de tomar um pouco d'água sem necessariamente termos que tirar a mochila das costas para pegar o cantil - plex, ao passar por alguma bica providencial... Improvisar com as mãos uma cuia para apanhar a água é a primeira idéia que nos vem à cabeça. Mas às vezes a água está

em posição um pouco fora de mão. Ou numa poca meio fora do alcance. Deitar-se de comprido à beira de um riacho é outra boa idéia - mas 0o peso da mochila às vezes pode estar tentando nos afogar em 5 cm d'água. Sem contar que acabamos

levantando totalmente empoeirados, ou com a roupa cheia de picão... Ou às vezes a água não passa de um fio de gotinhas escorrendo por cima do musgo, e o ideal seria ter à mão uma caneca, para colocar e esperar un minuto - mas sem precisar tirar a

mochila das costas!

Quantas vezes passei por isso, especialmente ao caminhar

sozinho, sem ninguém para me passar o cantil do bolso da mochila! Foi então que me acudiu à lembrança uma caneca rasa que havia visto em catálogos, e que até 136

então eu classificara como mais uma daquelas bobagens de gringo, cheios de engenhocas penduradas... Mandei vir uma, e nunca mais deixei de usá-la. A diferença entre esta e qualquer outra caneca pendurada à mochila por uma cordinha, é que ela tem um cabo em forma de gancho, em arame de aço inox, muito prático para pendurar a qualquer fita da mochila, e sempre ao alcance, quando dela precisamos. Além de ser rasa, permitindo enfiá-la em poças e apanhar a pouca água disponível. Eu a uso como caneca mesmo, ou ainda como concha, na hora de servir as porções à refeição.

Outra novidade que temos por aí são os Camel-bags, espécie de odres de plástico grosso, pendurados à lateral da mochila ou enfiados dentro do bolso, e que dispõem, na extremidade inferior, de uma mangueirinha comprida, que sobe, passa por cima do ombro, e acaba à altura do peito. Provida de uma pequena pinça

plástica, para que a água não vaze, esta mangueirinha lhe permite "mamar" do cantil toda a vez que desejar. Tem gente que desaprova a idéia, alegando que acabaria bebendo demais e esgotando precocemente a água. Claro que a água

acabaria antes do previsto, forçando-o a se preocupar em reabastecer antes da hora. Mas não acredito que, pela maior oferta do líquido, se possa forçar alguém a beber

mais do que seria necessário. Acho que é apenas mais um exemplo do preconceito,

já anteriormente mencionado à pág. 18, contra beber em excesso...

Mas se você gostou da idéia e não tem um Camel-bag, nada mais fácil

do que improvisá-lo, a partir das mesmas garrafas descartáveis de refrigerante: passando uma mangueirinha de plástico flexível por dentro de uma rolha de borracha (destas de laboratório, com um orifício no centro), descemos uma ponta da mangueirinha ao fundo da garrafa, que é arrolhada e colocada num bolso externo ou dentro da mochila. Se você não confiar em apenas arrolhar a garrafa, pode fixar a rolha em posição com a própria tampa de rosca original, também devidamente furada no meio. A outra extremidade da mangueirinha passa por cima

do ombro e pode ser fixada à alça, para que esteja sempre ali, disponível. E na falta 137

O O

©

Camel

Bag

list

Dromedário

de uma pinça plástica, podemos clipar à ponta da mangueirinha um grampo metálico, destes usados para prender papéis, encontrado em papelarias.

No Brasil ainda não apareceram, mas no exterior são muito usados pequenos filtros manuais para água. Além do filtro de cerâmica propriamente dito, alguns ainda dispõem de barreiras de resina à base de prata ou de iodo (para inibir ou de

fato acabar com as bactérias), ou carvão ativado (para remover gostos ou cheiros estranhos,

e

possivelmente

também

resíduos de agro-tóxicos).

Projetados

originalmente para eliminar da água as bactérias e Giardia (pequeno protozoário

que causa diarréia, verdadeira praga nas trilhas do hemisfério norte), estes filtros ficaram sofisticados e diz-se agora que retêm também alguns virus, etc. Você pode

ir se preparando, que logo, logo, também estarão por aí, e todo mundo começará a sentir necessidade deles... A alternativa, quando quiser purificar a água, é fervê-la

por uns minutos, ou tratá-la p/ex. com algumas gotas de Tintura de lodo a 2%, desta que você compra em farmácia, mesmo: jogue 5 gotas por litro de água suspeita (10 gotas, se a água for turva ou muito "suspeita") e depois espere uns 20 ou 30 minutos para agir...

LANTERNAS

A lanterna é outro instrumento obrigatório na mochila, e nem precisa ser muito volumosa nem potente, mas de preferência à prova d'água, como as pequenas

lanternas de mergulho. A maioria das necessidades pode ser coberta por uma

lanterna de bolso, com duas pilhas (de preferência alcalinas, que duram mais). 138

Lanternas de cabeça também podem ser uma opção muito prática, deixando as mãos livres para pegar água ou comer, levantar tampas ou abrir zíperes sem

precisar pôr a lanterna na boca. Geralmente serão usadas apenas para investigar a origem de algum ruído no mato, encontrar alguma coisa dentro da mochila ou da barraca, ver se a água está fervendo ou se a comida já está pronta, ou para andar algumas dezenas de metros até o riacho ou até um "matinho" - raramente para iluminar antas pulando o rio, a 70 metros. Por isso mesmo não precisamos daquelas lanternas enormes de camping (tipo Laser), com 4 pilhas D. Mas pilhas extras e até mesmo lâmpadas sobressalentes também devem ser trazidas. Agora, se a necessidade for de uma fonte de luz ambiente, para iluminar a barraca e os arredores, não faz sentido trazer na mochila um lampião de gás,

ainda que seja um daqueles pequenos, de cartucho de butano. Uma vela dentro de

uma latinha vazia de atum (com a tampa dobrada para cima, como refletor) pode ser a solução mais prática. E uma lanterna de vela (importada), coisa melhor ainda:

são pequenos cilindros contendo uma vela grossa, com um vidro retrátil e uma alça para pendurá-la plex. à barraca ou a algum galho. O vidro protege a chama, e a vela vai montada dentro de um pistão, com uma mola que a mantém em posição à medida que vai se consumindo. Quanto a pendurá-la dentro da barraca, use uma correntinha metálica (de uns 20 ou 30 cm) para aumentar a distância entre a vela e o teto da barraca, não vá o calor danificar o tecido... E se você não dispõe, no interior da barraca, de alguma alça de fita à qual prender esta lanterna, fixe na

ponta da correntinha uma pequena agarra-jacaré (encontrada em loja de componentes eletrônicos), que pode ser pinçada a uma prega do próprio tecido da barraca, no lugar que você preferir...

139

Antigamente havia por aí pequenas lanternas a carbureto, outra boa opção para iluminar o acampamento ou usar na trilha à noite. Tais lanternas, de latão, têm

funcionamento relativamente simples: consistem de dois tanquinhos acoplados um em cima do outro, sob pressão. O tanque de cima é cheio d'água, que goteja no caneco de baixo, que contem carbureto. Em contato com a água que cai, o

carbureto reage, gerando acetileno, um gás que escapa sob pressão através de um

bico, onde é queimado dando uma chama clara e brilhante. Um refletor projeta a luz para a frente com um facho que ilumina até 15 ou 20 metros. O consumo de

carbureto é irrisório, muito mais econômico que as pilhas. Pena que seja tão difícil hoje encontrar-se lais "cheirosinhas" por aí. COMIDA

Poucos assuntos oferecem chance de se falar tanto (e de ouvir tanta tolice) quanto alimentação - exceto cobras, claro. De um lado porque cada um tem seus gostos

pessoais e suas próprias teorias sobre o que é bom ou "adequado" para se comer, e o que "não presta" - mas algumas teorias são um tanto miopes, pelo menos quando tentam justificar com belos argumentos (e muita "ciência") um cardápio na verdade monótono e sem imaginação. De outro lado, porque existem também os "fanaticos por calorias" de tudo o que comem, sempre preocupados em levar (e aconselhar) opções suficientemente "energéticas" para a trilha.

140

É fora de dúvida que caminhar, subir montanhas e vagabundear por aí consome energia - calorias, centenas de calorias, não importa quantas. O suficiente para provocar uma fome saudável, mais estimulante do que depois de um dia no escritório. Sem um suprimento razoavelmente constante de calorias o corpo perde o ritmo, enfraquece, vacila e tropeça, a mente tende a cometer lapsos de decisão, e o sistema perde sua resistência ao frio (que, em suma, depende dos músculos ativos gerando calor). Um excursionista deve, portanto, procurar manter sempre um nível de ingestão de calorias, para repor as que vão sendo consumidas - ao menos por razões de segurança. Mas para isto bastam umas bolachas com queijo de vez em quando, um sanduíche ou um pedaço de doce de tantas em lantas horas, ou uma fruta na parada ao fim de longa subida (e sempre muita água).

Alguns, porém, se preocupam demais com a energética dos alimentos

que levam, como se em algum ponto da caminhada a energia pudesse faltar, apagando-os como pilhas gastas. Os novatos, em particular, incidem em três tipos de erro. O primeiro é simplesmente o de acabar levando comida demais - o dobro do que conseguem comer, e quatro vezes mais do que realmente precisam - um erro de cálculo. O segundo, como já foi insinuado, é o de acabar levando "energéticos" O

demais, em detrimento de outros itens que, sem deixar de fornecer energia, enchem o estômago mais satisfatoriamente - um erro de escolha. O terceiro é o de ficar se

preocupando com proporções corretas de proteínas-gorduras-carbohidratos da sua

dieta, ou com as quantidades mínimas de vitaminas, minerais ou fibras não percebendo que numa caminhada de dois dias, ou mesmo de duas semanas, as

únicas necessidades fisiológicas serão de fato as calorias a repor um erro por desinformação.

A verdade é que qualquer dieta gostosa, farta e variada fornece não só os minerais, vitaminas e calorias, como também os carbohidratos, proteínas e

gorduras suficientes para os mais ativos esforços desempenhados na trilha - com

sobras. Sua mãe poderia ter lhe dito a mesma coisa: por quase 20 anos você se serviu da comida dela (Coma isso aí; tem vitaminas!), sem jamais ouvir falar de

carbohidratos, calorias, ou minerais. Tampouco existem alimentos mágicos: isto inclui mel, Gatorade, banana liofilizada, Power-bars, ou a panacéia do momento.

Você não precisa ser um nutricionista formado, mas também não seja ingênuo. Alimentos "energéticos" são assim chamados porque liberam energia que é

rapidamente absorvida, o que pode ser útil na emergência, mas sem a menor

importância num dia normal de caminhada, se o lanche for distribuído pelas paradas ao longo da jornada. Um lanche p/ex. à base de chocolate, torrone,

castanhas, mel e Power-bars não é nem mais energético nem mais balanceado do que sanduíches, cenouras, maçãs e laranjas, queijo com goiabada, salame e ovos cozidos. Numa era tão "informatizada" e tão "científica", muitas vezes nos

esquecemos de usar nossa própria intuição e bom senso. O corpo também dispõe de

um regulador que, com precisão e sem qualquer tabela, mede a ingestão correta de calorias suficientes para repor o que foi gasto pelo sistema -chama-se fome. E 141

funciona! Nossos ancestrais que o digam... Mas matar aa fome não significa só

comer arroz integral ou miojo suficiente para repor suas calorias. É preciso também escolher pratos que satisfaçam ao paladar, alegrem as paradas, e façam brilhar os olhos quando se abrem os pacotes do lanche.

Mas o que levar então? - volta a pergunta. Existem mil respostas, e todas estão corretas. Como já foi dito, a escolha é feita quase totalmente com base ein

preferências e preconceitos pessoais, que mudam com a idade e vivência. Para caminhadas de fim de semana, com ranqueza, você nem mesmo precisa levar fogareiro e panela: pode levar marmitas plásticas com comida já pronta, além dos inevitáveis sanduíches, bolachas, salame, queijo, doce e frutas.

Considere, no entanto, que comer é um ato de prazer; que um cardápio deve ser farto e variado; e que é lícito levar o que você quiser. Por isso, dê asas à

imaginação, misture o trivial com um pouco de luxo - dentro das possibilidades. claro. De tudo um pouco, mas sem exageros, para não enjoar, não pesar demais na sua mochila, nem sobrecarregar seu orçamento. Planejar um cardápio variado não

significa gastar muito, mas combinar opções gostosas e imaginativas (ainda que em pequenas porções) num brinde a si mesmo, e à alegria de estar aí, brinde a ser desfrutado num belo lugar, em circunstâncias memoráveis, em agradável companhia.

Sanduíches p/ex. são presença garantida no lanche de qualquer excursionista. Leve sanduíches, mas varie os recheios. Queijo, presunto, ovo mexido, copa (hum!), com maionese, requeijão cremoso, um toque de mostarda). E faça-os também com pãozinho comum em vez de só com pão de forma! Melhor ainda, tendo um pouco de tempo, faça seus próprios pães na trilha. No meu Livro

de Cozinha do Excursionista Faminto há receitas de chapatis, panquecas e outros "pães", que podem ser assados na frigideira e ao fogareiro.

E não esqueça dos

polenguinhos avulsos, ou do salaminho para ser mordiscado nas paradas mais

curtas (tipo italiano, milanês ou hamburguês, o que você preferir). Leve chocolate

Sim! Um brinde...

00

ou torrone, mas não despreze aqueles amendoins cobertos, que podem ter parecido pura bobagem ao passar pelo super-mercado, mas que irão arregalar os olhos da turma na hora de abrir e dividir. Leve maçãs e laranjas (ou mexericas) mas não esqueça que passas, ameixas e outras frutas secas (ou cristalizadas) também acrescentam variedade e sabor, mesmo que seja apenas um punhado para cada um. Fartura é uma sensação oferecida mais pelos olhos deslumbrados, do que medida pelos quilos de comida que você enfiou na mochila, ou pelo dinheiro que você gastou no super-mercado.

Amendoim e passas (o famoso GORP - ou qualquer outra combinação de frutas secas com castanhas, ao qual você também pode misturar chocolate de cobertura, picado) são uma opção clássica para lanches rápidos, algo muito

energético, carregado a tiracolo e comido aos punhados, sem mesmo parar de caminhar. Já as sopas de pacotinho, tão populares e fáceis de preparar ao jantar, são um embuste. Seu valor nutritivo se restringe à quantidade de pó seco que vem no pacote, e que mal enche uma colher. Quantas calorias tem uma colher de pó?

Visto por outro ângulo, porém, sopas hidratam e são indicadas ao fim de dias secos ou muito quentes, quando se sua muito e é preciso repor não só a água mas também

o sal. São também uma desculpa para misturar várias verduras, arroz, massinhas, batata e mandioquinha num prato forte e gostoso - um sopão. Mas para isto você não precisa de pacotinhos... Produtos tipo Água & Pronto, ou outra linha qualquer de cozinha rápida - risotos, pudins e mingaus p/ex. - nada oferecem que outros produtos de super-mercado já não oferecessem antes. O arroz p/ex. cozinha normalmente em 12 minutos, depois de fervida a água. É importante, por isso,

analisar quaisquer novidades com senso crítico, e pesá-las sem qualquer deslumbramento ou modismo.

Nas refeições quentes ao anoitecer, não se restrinja apenas ao eterno miojo, macarrão, e até mesmo arroz. Há batatas, mandioca, polenta. Para quem

gosta de carne, uma opção fácil de carregar (e que não estraga) é trazer charque ou carne seca (encontrada em casas de frios): é preciso apenas deixá-la de molho por uma meia hora, para dessalgá-la. Veja o que dá para fazer com carne seca, para

acompanhar um arroz, ou mesmo um macarrão simples, isto é, sem molho: STROGONOFF

1 colher (sopa) de óleo, gordura ou manteiga

I cebola grande, picuda 300 g de curne seca, já limpa e dessalgada 3 ou 4 colheres (sopa) de conhaque (oh!)

3/4 xícara de cogumelos, em fatias (125 g) I colher (sopa) de mostarda e

3 colheres (sopa) de ketchup I pacote de creme de leite (200 g)

143

Aqueça numa panela pequena a gordura, e frite аa cebola até dourar - uns 5 minutos.

Então jogue a carne, (picada em cubinhos, e já devidamente dessalgada e espremida) e frite mais 2 ou 3 minutos. Não é preciso adicionar mais sal. Agora jogue um pouco de conhaque e deixe ferver. Você pode até inclinar a panela e deixar o conhaque inflamar-se. Junte então os cogumelos, e a mostarda e ketchup

(que podem ser de pacotinho, do tipo que você pega no McDonald's). Se preciso,

jogue um pouquinho mais d'água, só para não queimar. Por fim, depois de ferver mais alguns minutos, tire do fogo, derrame o creme de leite (creme de leite nunca

se leva ao fogo!), misture bem e sirva com o arroz. Dá para 2 pessoas. Se você quiser que dê para 4, aumente a carne para 1/2 kg, e os temperos na mesma proporção.

Linguiça curada é outra opção que se conserva bem fora da geladeira. Se

você gosta de preparar alguma coisa na frigideira: ao invés de trazer óleo (que pode vazar do vasilhame), alguns preferem trazer um bom pedaço de bacon ou toucinho,

que vai sendo derretido na própria panela (e que deixa a comida com um sabor especial). Queijo ralado, muzarela, azeitonas e cebola, molhos especiais (rose,

tártaro...) podem ser explorados, dando um toque de classe a qualquer jantar simples. Claro que vai ser preciso carregar tudo na mochila - por isso, não exagere na "criatividade"! Verduras cozidas, como repolho ou couve, ou mesmo oyashi (brotos de feijão) com maionese (ou um pouquinho de mostarda) plex, podem

acrescentar variedade a um cardápio de outra forma um tanto sem graça. Repolho em especial, é uma "verdura" muito prática de carregar na mochila durante dias. E quanto ao macarrão, acho o macarrão comprido, tipo talharim ou espaguete, um

saco para carregar. Prefiro macarrão parafuso, que já vem "quebrado", pode ser enfiado em qualquer canto da mochila, e é mais fácil de dosar (aos punhados) na

hora de preparar.

Macarrão de acampamento em geral é misturado com sardinha de lata. Ou então com atum. E não sai disto. Dureza, não? Macarrão cozinha tudo igual,

com bastante água fervendo, à qual acrescentamos 1 colher de óleo ou azeite, e sal a gosto. A diferença está no molho que se mistura a ele, após o cozimento - e ai entra sua criatividade. Por exemplo, molho de pacote, jogado por cima, junto com

um pouco de queijo ralado. Ou algumas colheres de requeijão cremoso - mas mesmo assim, é muito pouco. É sempre interessante acrescentar algo mais, como carne seca, linguiça, ou queijo em cubinhos. E vegetais... Meu macarrão favorito não dá muito trabalho. Cozinho umas folhas de repolho em

tiras, ou mesmo finas fatias de cenoura, ou às vezes um pedaço de abóbora cortada em cubinhos. Ou tudo isto ao mesmo tempo, deixando os vegetais fervendo por uns

5 ou 10 minutos, antes de jogar o macarrão. Então cozinho mais 7 minutos, não esquecendo de acrescentar no último minuto uma cebola picada (e I pimentão, se quiser). Escorrido o macarrão, derramo por cima 1 xícara de mussarela em

cubinhos c 3 colheres de maionese, e misturo bem, antes que esfrie.

144

Você pode usar sardinha ou atum. O que não pode é estereotipar suas refeições, preparando o macarrão sempre da mesma maneira, sem imaginação. Outra variação, só para tomar o jeito da coisa: OUTRO

MACARRÃO

2 colheres (sopa) de azeite I dente de alho, esmigalhado

1 lata grande de sardinhas 1 pacote de massa de tomate 1 xícara de azeitonas, sem caroço, picadas 1 cebola picada, se quiser

500 g de macarrão sal & pimenta a gosto

1/2 xícara de cebolinha verde, picada

Misture na panela os seis primeiros ingredientes, e deixe cozinhar por uns 5 minutos. Você também pode engrossar este molho (ou qualquer outro) com 1 colher (sopa) de maisena, préviamente dissolvida em um pouco d'água. Então reserve, e cozinhe agora o macarrão al dente, ou seja, por 7 ou 8 minutos. Escorra, misture com o molho, e polvilhe por cima a cebolinha verde (ou salsinha desidratada) e pimenta do reino (se quiser - nenhum ingrediente é obrigatório). Se você tiver peixe fresco, no lugar da sardinha de lata, pode simplesmente cozinhá-lo no azeite por uns minutos, até que se desmanche. Então acrescente a massa de tomate e prossiga com a receita. Agora, uma receita com um toque oriental: 2 colheres (sopa) de óleo

I pimentão verde e I vermelho, em tirinhas 1 cebola grande, em rodelas

2 xícaras de salsão, em rodelas finas 1/3 xícara de amendoim (opcional)

2 colheres (sopa) de shoyu (molho de soja) 2 colheres (sopa) de maisena

Frite rapidamente a cebola, os pimentões e o salsão numa panela pequena, sempre mexendo. Se precisar, junte mais uma colher de óleo. Então acrescente o amendoim. Numa xícara à parte, misture o shoyu e a maisena, dissolvendo-a. Junte

esta mistura à panelinha e deixe aquecer bem, mexendo por alguns minutos até que engrosse. Se perceber que o molho gruda ao fundo da panela, acrescente mais água,

digamos 1/4 de xícara. Mexa mais um pouco, reserve, e quando o macarrão ficar pronto, jogue o molho por cima, misture e sirva. Um dos pecados capitais é cozinhar demais o macarrão, ou seja,

esquecê-lo na panela ao fogo. Eu chego a ajustar o cronômetro do meu relógio, para que toque aos 7 minutos. Então retiro do fogo e escorro. O pacote de 500 g dá 145

para quatro pessoas. Dependendo das pessoas, para mais. Já com o arroz. é bom 0

calcular 1 xícara de arroz por pessoa - a não ser que você seja do tipo que come pouco. Receitas de uma panela só são sempre mais práticas - o que explica a -

enorme popularidade do macarrão, em contraste com a do arroz. O arroz normal se ſaz sempre com duas medidas d'água para uma de arroz. Receitas que já misturem

numa só panela o arroz com outros ingredientes, são por isso mais práticas. Como um

risoto,

pondo

a cozinhar junto com o arroz, cubinhos de cenoura,

mandioquinha, abóbora, xuxu. Ou então acrescentando carne seca ou linguiça curada, bem como milho ou ervilhas de lata. UM RISOTO

50 g de toucinho defumado, picado 250 g de linguiça, sem pele, em rodelas

1 cebola picada 2 xícaras de arroz

I cubo de caldo (de carne ou de galinha) I pimentão verde, em tiras 1 lata de milho verde

1 colher (sopa) de manteiga ou margarina 1 colher (sopa) de massa de tomate (opc.) Frite o toucinho com a linguiça. Junte 1 xícara de água e cozinhe até secar,

Acrescente então a cebola e o arroz (frite mais um pouquinho, se quiser), e em seguida, 5 xícaras de água. Quando ferver, dissolva o cubo de caldo, junte o pimentão e massa de tomate (que é só para dar um pouco de cor). Prove para ver se

está bom de sal, e se precisar, acrescente mais um pouco. Aliás, cuidado sempre quando usar cubos de caldo, que já são um tanto salgados. Agora cozinhe em fogo

baixo, com a panela semi-tampada por 15 minutos, até ficar macio. Junte a margarina, o milho de lata, escorrido (e se quiser, um tanto de queijo ralado), misture bem e sirva. Dá para duas pessoas (talvez três). Se você quiser, também pode levar uma espiga de milho verde e usar 1 xícara de grãos cortados, no lugar

do milho de lata: cozinha no mesmo tempo do arroz.

Muito popular nas estradas deste nosso país, o arroz de carreteiro leva muita água, pois deve ser servido bem úmido. Sua receita é relativamente simples, mas você pode depois melhorá-la, juntando ingredientes de sua própria escolha: ARROZ DE CARRETEIRO

2 colheres (sopa) de óleo ou gordura 112 colheres (sopa) de cebola picada 200 g de linguiça calabresa ou charque 1 colher (sopa) de massa de tomate 2 xícaras de arroz

7 xícaras d'água sal, salsa e manjerona a gosto 146

Jogue a gordura numa panela, e acrescente a linguiça picada, massa de tomate,

cebola, sal e o arroz. Frite tudo, mexendo bem, até secar. Então despeje aos poucos

a água - bem mais do que você usaria para um arroz normal. Deixe ferver e, se for necessário, junte um pouco mais d'água, durante o cozimento, para encharcar o arroz. Quando estiver quase pronto, jogue por cima a salsa (desidratada) e a manjerona e dê uma boa mexida.

Talvez você se impressione com a manjerona citada acima. Lembre-se

de que o melhor tempêro é a fome, e de que, no acampamento, não é uma pilada de manjerona ou de tomilho a menos, ou de estragão (estragão?!) a mais, que fará

qualquer diferença entre uma refeição elogiada e um prato jogado fora. Sucesso ou

fracasso se devem mais ao uso judicioso de água, sal, tempo de cozimento e quantidade de calor. Usar 6 ou 7 tempêros (por muito espertamente que tenham

sido escolhidos) não irá salvar sua refeição, se você abusou do sal, se usou de fogo

muito forte e ressecou o prato, ou se deixou cozinhar por tempo excessivo. Preocupe-se, portanto, com a técnica, com os tempos, com a quantidade de água, e

deixe de lado as masturbações mentais com temperos. Estes são, aliás, sempre

opcionais, e não é porque na receita está escrito que leva pimenta p/ex. que você precisa incluí-la no preparo do seu prato. Assim como não é preciso que a receita mencione o pimentão ou cebola, para que você invente de acrescentá-lo, por sua livre e espontânea vontade, melhorando o sabor do seu prato. Estamos entendidos? Se você achar difícil preparar tudo na única boca do fogareiro, pode trazer de casa alguma coisa já cozida (desde que seja consumida antes que se

estrague). Veja que eu não tenho relutância em usar enlatados (ervilha, milho verde, feijão) apesar do peso da lata e da água. Trazer só latarias pode ser falta de imaginação, mas o peso extra de uma lata ou duas (carregadas ida e volta) não é tão grande que faça grande diferença.

É justamente aí que verduras desidratadas começam a ganhar a atenção

de muitos: repolho, cenoura, vagens e ervilhas desidratadas são realmente uma

contribuição de peso - quando conseguimos encontrá-las. Na falta delas, poucos teriam saco de desidratá-las em casa, mesmo que soubessem como. De modo que,

como já falei no "Livro de Cozinha", geralmente acabamos por nos satisfazer com

o que conseguimos encontrar no super-mercado, na feira, ou em lojas de produtos sírios ou japoneses.

Uma providência para evitar levar comida demais, é fazer sempre uma

reunião do grupo, e decidir com antecedência o quê será levado, quantidades, e quem vai levar o quê - e depuis agarrar-se ao que foi planejado e não levar mais nada (exceto alguma guloseima ocasional ou um pacote da sua bolacha preſerida). Isto evita a duplicação de ingredientes: duas vezes a quantidade necessária de macarrão, ou de arroz, ou de frutas, etc..

Em caminhadas longas (ou mesmo expedições) há a preocupação de

como separar a comida a ser levada. Há dois métodos: um deles é embalar juntos 142

todos os gêneros e ingredientes para café-da-manhā; noutro pacote, todos os lanches; e num último, todas as jantas. É um método prático, que permite compartimentalizar cada refeição - e saber qual o pacotão a abrir. O outro método & o de embalar as refeições por dia: cada dia um pacote diferente, cada pacole

contendo o café, o lanche, e a janta para todos. Este método tem a vantagem de podermos consumir a cada dia um pacote por inteiro, sem medo de "invadir" a refeição dos dias seguintes e acabar com a comida antes do fim da caminhada

PRIMEIROS SOCORROS

Você mesmo deve montar um estojo de primeiros socorros. Mas o que viria a ser um estojo de P.S.? Em 1972 um companheiro cortou fundo o pé num caco de garrafa num riacho na Serra do Mar. Impressionado (e na época quartanista de Medicina), montei um estojo de sutura, com instrumentos, fios, agulhas e até

anestésico local. E é claro, nunca mais precisei dele, até doze anos depois, quando então o estojo já havia sido retirado da mochila e repousava fazia anos na prateleira empoeirada...

Se fôssemos levar em conta toda a emergência possível e imaginável, o estojo acabaria sendo maior que a mochila. abarrotado de coisas que nunca serão

usadas. Um estojo coletivo, para expedições a lugares distantes, é realmente

obrigado a contar com possibilidades remotas. Para nós, contudo, o que importa são os acidentes mais comuns, passíveis de ocorrer a um ou dois dias da estrada

mais próxima. Antibióticos, talas e outros itens automaticamente caem fora

(inclusive soro anti-ofídico e quaisquer outras drogas injetáveis, como já vimos antes), e o estojo ſica reduzido a dimensões e expectativas bastante razoáveis.

Um estojo do P.S. deve ser individual, cada excursionista carregando o seu, adequado às suas necessidades individuais, e pronto a juntar seu estoque ao

dos outros nas emergências maiores. Simples e compacto (com 12 x 8 x 6 cm ou pouco mais) um estojo individual deve atender às necessidades mais comuns

corles, escoriações, bolhas, uma ocasional torção do pé, e os pequenos mal estares da trilha - diarréia, cólicas, febre e dores. A montagem de um estojo e a escolha do

que levar (ou do que deixar fora) são melhor deixadas a imaginação e bom senso de cada um. Além de evitar os estojos estereotipados que se vendem por aí, montar

seu próprio estojo lhe dá certeza do que você está levando e porque. Uma lista de sugestões, porém, sempre ajuda: Band-Aids ou Kura-cortes - uma dúzia ou duas, de vários formatos.

Antisséptico - que não precisa necessariamente ser o mertiolate, embora este seja o mais conhecido. Um sabão antisséptico (ou na verdade, qualquer bom

sabão) é uma opção muito melhor e menos "agressiva" em relação aos tecidos do ferimento... 13

- Esparadrapo - de preferência largo (5 cm), embora o mais usual sejam os rolinhos de 2.5 cm.

- Compressas de gaze - quadradas, de 7,5 x 7,5 cm, já cortadas e embaladas estéreis em pacotinhos com 5 ou 10 unidades - 4 ou 5 pacotes.

- Atadura elástica - de 8 cm de largura (ou mais) para curativos compressivos.

Alguns cotonetes - num saquinho plástico; úteis para a remoção de objetos estranhos dos olhos.

Uma pinça pequena - para remover espinhos. - Uma pequena tesoura - afiada, para cortar esparadrapo, roupa, etc...

- Uma agulha de injeção - descartável, em sua embalagem estéril, para drenar bolhas; útil também para remover espinhos mais rebeldes. - Lápis e caderneta - para anotações e mensagens.

- Medicamentos - podem incluir aspirina (para febre, como analgésico, e ainda anti inflamatório), um anti-diarréico, um anti-espasmódico (em gotas, para cólicas), um anti-histamínico oral (para reações alérgicas p/ex. a

insetos), um anti-ácido (para azia e perturbações gástricas). E já é muito! Discuta com um médico amigo seu, quais as melhores indicações e como usar tais medicamentos (e quaisquer outros que ele possa sugerir) e conheça suas limitações

e eventuais contra-indicações. Veja também a data de validade de cada medicamento e, na dúvida, a cada um ou dois anos jogue todos fora e reponha com novos. Outros itens úteis poderiam ser:

Uma compressinha cirúrgica, em embalagem estéril - sensacional! (se você tiver o -

azar de se defrontar com uma hemorragia intensa) mas muito volumosa. Você terá que carregá-la anos a fio sem usá-la. Uma camiseta

limpa ou um absorvente feminino (embora não "estéreis") também resolvem o problema.

Comprimidos ou gotas de codeína, para acessos de tosse irritativa ou espasmódica. Geralmente dispensável, contudo.

Um tubo pequeno de vaselina estéril para curativos de queimaduras ou esfoladuras extensas. Também raramente usada.

Uma loção anti-pruriginosa, tipo Caladryl, na hipersensibilidade a insetos. acidentes com urtigas, ou mesmo extensas queimaduras de sol. Os asmáticos não devem jamais esquecer sua própria medicação, que pode consisur tão somente da bombinha de descongestionante. A falta desta

em crises asmáticas pode até revelar-se fatal.

E é só. Analisado com cuidado, percebe-se que um estojo de P.S. é de fato algo muito simples. (Na verdade, primeiros socorros são aquelas sólidas noções do que fazer na emergência, e que você carrega na cabeça, não num estojo enfiado na sua mochila). Anubióticos e outras drogas só serão importantes se nos afastarmos mais 119

que uma semana da civilização, o que só acontece nas expedições mais longas, a regiões remotas, na Amazonia ou nos Andes. De cobras, mosquitos e repelente já falamos, e por isso damos o assunto por encerrado. As queimaduras de sol devem ser prevenidas com um protetor solar. Especialmente nas montanhas, o sol forte deixa suas marcas plex. na nuca desprotegida das pessoas mais sensíveis. Os bronzeadores e moderadores solares

são graduados de acordo com a relativa proteção que oferecem aos raios

ultravioleta. Uma graduação em torno de 4 ou 8 pode servir para a maioria, mas os

mais sensíveis podem acabar descobrindo que é necessária uma proteção maior. quando andando o dia todo pela crista das montanhas. O Episol mais forte

disponível tem a graduação de 45. É questão de experimentar para descobrir qual o grau de proteção de que você precisa.

Em tempo frio, um protetor para os lábios vai evitar que se ressequem e rachem. Um batom de manteiga de cacau ou outros batons especiais então encontram espaço no bolso da mochila. Aqueles muito sensíveis apreciarão uma proteção labial melhor, sob forma de creme (Episol) ou pomada (Noscote). Papel higiênico em embalagem à prova d'água, pente e sabonete, escova e pasta dental,

também fazem parte dos itens de higiene. Alguns não esquecerão o espelho, desodorante e outras bobagens - mas o restrito espaço da mochila é seu, para levar o que couber...

O TESOURO...

Isqueiros descartáveis, guardados em embalagem àવે prova d'água (melhor do que

fósforos, ainda que guardados com suas lixas) também fazem parte do equipamento de caminhada. Junto com outros itens pequenos, eles podem ser guardados num

frasco de boca larga ou estojo estanque o chamado "tesouro", onde ficam disponíveis para emergências.

Um pequeno estojo de reparos, com agulhas de vários tamanhos, linhas, alfinetes de segurança e botões, um fio de arame, remendos de nylon e cola (p/ex. Super-bond) pode ser encaixado neste tesouro, para os eventuais incidentes com

mochila e roupa. Um artigo muito versátil que você já encontra por aí (em casas de caça-e-pesca) é "silver-tape", uma fita adesiva prateada, com 5 cm de largura, extremamente resistente, e que serve para reparos na lona da mochila, no tecido da barraca, para vedar furos no seu colchonete inflável ou prender qualquer coisa na

outra... O rolo inteiro pode ser demais, mas você pode levar um fim de rolo,

encaixando os demais artigos para reparos dentro do miolo, e enfiando o conjunto

num saquinho fechado. Se você usa um fogareiro importado, não pode esquecer de

levar o kit de reparos (O-rings, bicos extras e pecinhas avulsas) que é vendido separadamente: uma pane no seu MSR pode não lhe trazer graves inconvenientes num fim de semana normal, mas numa mini-expedição ou numa caminhada de 150

vários dias, a coisa pode ser diferente. Um apito, bússola e mapa completam o

equipamento, que agora será discutido em seus aspectos essenciais e de emergência.

OS DEZ ESSENCIAIS

Um excursionista que sai levando equipamento completo geralmente está

preparado para qualquer contingência nas montanhas - pelo menos do ponto de visla material. Mas às vezes não se justifica levar tudo para uma caminhada curta, de um dia só, ou para um passeio secundário a partir de um ponto no meio da trilha. Os problemas, porém, seguem certos padrões definidos, e as estatísticas mostram que pessoas carregando certos itens essenciais têm praticamente 100% de chance

de se safarem de qualquer situação possível. Esses itens devem ser levados, p/ex. dentro de uma mochilinha menor, sempre que você se afastar mais do que (digamos) uma ou duas horas da mochila ou do acampamento. Quais são esses itens essenciais?

Roupa extra - já discutimos isso no equipamento, mas é bom re-enfatizar que uma malha extra de lã e um abrigo para chuva vento (um ánorak, ou ao menos um

plástico grande com que se cobrir e se refugiar dos elementos) podem salvar sua vida.

Cantil - água não é apenas um conforto em qualquer trilha: é também essencial poder levar com você uma reserva (mínimo - 1 litro). Até mais do que comida

extra. Quantas vezes você terá passado sede (e quase morrido) por pura falta de um vasilhame, de uma mera garrafa descartável, cheia do precioso líquido? E se você é do tipo que esvazia um cantil sem mesmo perceber, é bom andar atento, para repor

a água na primeira bica disponível. Lembre-se de que água (e calor) são

obrigatoriamente suas duas primeiras prioridades em caso de sobrevivência. Comida extra em situações de sobrevivência, o lanche do dia pode ter que ser

esticado para um jantar e mais o dia seguinte, enquanto a trilha perdida é

reencontrada ou se espera por socorro. Daí a importância de sempre carregar uma barra de doce, um pacote fechado de frutas secas, ou uma lata de atum, algo que

não faça parte do lanche normal, e ao qual ninguém se lembre de recorrer - a não ser (honestamente) numa emergência, Faca - um canivele grande ou mesmo uma faca (guardada em sua bainha dentro da

mochilinha) podem ajudar a abrir uma lata, descascar lenha úmida para um fogo de emergência, ou qualquer uso óbvio. 151

E agora Você... Você carrega as 10 Essenciais?

Isqueiro ou fósforos - isqueiros descartáveis tipo Cricket ou Bic são o que há de prático. E para conseguir acender um fogo em condições adversas é bom contar também com uns tocos de vela e até mesmo um frasquinho de álcool ou benzina Não está em jogo sua habilidade de fazer fogo com dois fósforos, e sim a sua

sobrevivência ou a de um companheiro. Estojo de P.S. - já foi discutido, mas o que não foi mencionado é a conveniência a

de se fazer um curso de primeiros socorros. Mesmo um bom manual não substitui a experiência que pode ser adquirida num curso (sim, mas onde? Plex, na Cruz Vermelha), ou no mínimo a reflexão sobre o assunto, como é visto no Cap. 10.

Lanterna - carregada na mochila para poder prosseguir no escuro, apesar de ser

surpreendido pela noite, uma lanterna de cabeça deve contar também com pilhas extras (de preferência alcalinas) e até mesmo com uma lâmpada sobressalente, enfiada no tesouro ou no estojo de P.S. Se não aconteceu com você, de quebrar a

lâmpada numa "noite escura e tempestuosa", já aconteceu comigo. Bússola - de nada adianta saber se orientar pelo sol ou pelas estrelas (apesar da

relativa imprecisão do método) se os astros estiverem escondidos pelas nuvens ou pela copa das árvores. Uma bússola de qualquer tipo liberta voce da boa vontade dos astros e lhe garante um rumo (mas o melhor é escolher uma boa bússola, e disto tratamos ao final do próximo capítulo).

Mapa - a bússola de pouco lhe servirá, porém, se você não conhecer o terreno ao redor, e não puder decidir qual a melhor ou mais curta direção a lomar. Detalhes de

como usar bússola e mapa serão vistos logo adiante. ‫ܐ ܐ‬ ‫ܪ‬

Apito - quando tudo mais falhar e você tiver que parar e aguardar socorro ou

resgate, um apito é mais estridente que um berro. É também muito mais econômico - quantas horas você aguenta gritando, sem ficar rouco? -

Especialistas em sobrevivência chegaram à conclusão de que se reduzíssemos a lista a apenas 3 essenciais, estes itens seriam uma faca, um isqueiro (seco), e um grande saco de lixo (ou dois). Isto mesmo, com um grande saco plástico você pode improvisar um saco de bivaque, ou um abrigo de chuva (cortando os cantos para enfiar os braços, e mais um rasgo para o pescoço), ou até mesmo enchê-lo de capim

ou folhas, entrar nele, e improvisar uma espécie de abrigo recheado o suficiente para dormir a temperaturas baixas - é bom que seja um saco enorme...

O que me lembra os famosos "cobertores espaciais" vendidos em qualquer loja de montanha. São plásticos aluminizados (dourados de um lado, e prateados do outro). A película prateada dá um aspecto sofisticado a um plástico barato, que de outra forma passaria despercebido. Não se iluda: carregar com você um plástico grande, pode lhe salvar a vida em circunstâncias adversas, mas não por causa da película prateada, que o rótulo afirma cortar as perdas de calor por radiação (e daí?). O a

grande perigo numa situação de vida e morte é o calor roubado pela chuva e pelo vento, e qualquer plástico grande pode protegê-lo - se você apelar para o plástico a tempo, e cuidar de sair da chuva e do vento. O "cobertor espacial" é um bom exemplo de marketing esperto, mas carece de qualquer mágica - mais um destes produtos que tentam jogar areia nos olhos de consumidores semi-informados... (como os "Kits de Cobra" já citados antes, etc...)

153

Eu fico até engasgado, de me descobrir numa região sem bons mapas - disse Chouinard. - Afinal, quantos lugares restaram na Terra, em que você ainda possa se perder? Rick Ridgeway - Aqui Há Dragões

7

Orientação e Mapas Como já enfatizamos, antes mesmo de arrumar a mochila, comprar comida, ou sequer juntar o seu equipamento, estude os mapas. A maioria das pessoas, contudo, acha que mapas topográficos (com suas curvas de nível) são uma coisa misteriosa e

obscura (e dispensável), o que cria um círculo vicioso em que de fato acabam nunca

recorrendo a eles. E com isso não aprendem mesmo a usá-los.

Frequentemente alguém me pergunta se eu não saberia onde arranjar mapas "mais simples", porque não consegue entender o amontoado de linhas jogadas sobre o

papel - muito complicado! Mas qualquer coisa mais simples do que um mapa topográfico é um mero croquis, para uso pessoal, e de alcance limitado. Algumas pessoas, contudo, parecem querer mapinhas simples (como os guias rodoviários da

Quatro Rodas) por preguiça de aprender a estudá-los. Pois é, preguiça! Ninguém nasceu sabendo ler mapas, nem mesmo eu. Mas é aí que entra o cérebro

mencionado na pág. 96. Não há mistério nenhum em ler mapas, mas também não há atalhos. Cursos de orientação (se você souber de algum) podem ajudar, mas o

que realmente conta é seu interesse em desvendar os "mistérios" do uso de mapas e bússola...

Os mapas não servem apenas para encontrar seu caminho ou lhe dizer onde é que você deveria estar. Usados na trilha ou no malo, eles fornecem informações a respeito do terreno ao redor, descortinando um sem-número de

detalhes invisíveis aos olhos, e que não teriam sido percebidos de outra forma, permitindo plex. descobrir água, um possível lugar para bivaque, um caminho alternativo, ou simplesmente matar a curiosidade sobre o que se esconde "atrás

daquelas montanhas". Com isso, eles podem aguçar seu interesse, enriquecer seu conhecimento da região, e mesmo conduzi-lo a cenários inesperados ou levá-lo a explorar novos rumos, dando-lhe a liberdade de saltar para o desconhecido, ao

abandonar p/ex. a trilha já tão batida - e depois voltar por onde bem desejar. Mapas também servem para planejar uma jornada, e para depois descrevê-la a outros interessados. E são também documentos, e podendo às vezes mostrar alguma trilha

ou estrada antiga ou fechada (que teria passado despercebida) e que pode acabar 150

Norte Nordeste

Noroeste 0°

3150

360°

45°

90°

270°C

Oeste

225°

180°

Leste

1359 Sudeste

Sudoeste Sul

The dando outras opções de acesso ou de fuga, da qual você não teria suspeitado sem eles. Como verdadeiros passaportes, os mapas oferecem vantagens que nada

têm a ver com eficiência na trilha, e seu único investimento é aprender a usá-los e brincar com sua curiosidade. A muitos de nós, na verdade, os mapas chegam

mesmo a fascinar - por seus riachos sinuosos, pelas pequenas montanhas dispostas

em cadeia como contas de um colar, pela harmonia e mistério das curvas de nível.

De fato, não se concebe que um excursionista saia a caminhar sem um mapa na

mão. São, porém, o uso e a familiaridade que levam ao hábito de sempre consultá los, em casa como na trilha.

Mapas são representações planas do que se encontra no terreno. Para oferecer isto, um mapa reune três tipos básicos de informações: uma escala, um

conjunto de convenções gráficas representando acidentes geográficos do terreno, e um sistema de coordenadas que já fornece também sua orientação em relação ao Norte. Para os mais desavisados, é bom esclarecer que o Norte é sempre o lado de

cima do mapa, correndo as legendas (nomes de localidades p/ex) sempre da esquerda (Oeste) para a direita (Leste). Para quem já esqueceu da relação entre os

pontos cardeais, apresentamos acima uma rosa-dos-ventos. A primeira informação, portanto, é a escala. Nos mapas oficiais que

geralmente usamos (IBGE) a escala é de 1/50.000. Isso significa que cidades, montanhas, rios e distâncias são representadas 50 mil vezes menores do que o são no terreno real. Um centímetro representa um comprimento real de 500 metros

entre dois pontos quaisquer do terreno. Parece muito?

Em regiões mais remotas

do Brasil, os mapas topográficos, apresentam a escala de 1/100.000 o que dá um quilômetro por centímetro. 155

7468 Esh

382 ROSEIRA

Campe

Euc

Chachof

área plana

trista longa

live

Fabrupta

7466

654

Santana mo

7464 468

470

716 472

A segunda informação são as convenções gráficas ou símbolos usados para representar cidades e estradas, rios, praias e montanhas, e até mesmo casas isoladas como seriam vistas do alto. Todas estas convenções se encontram no

rodapé de um mapa, e são de interpretação fácil, lógica, e até óbvia. Uma convenção, porém, que não é tão óbvia nem parece fácil de entender - e é aqui que

as pessoas têm dificuldade são as curvas de nível, recurso utilizado para

representar o relevo das montanhas e vales, ou seja, seu volume: forma, inclinação de suas encostas, e altura em relação a outras montanhas e ao mar. Por definição, as curvas de nível são linhas unindo todos os pontos com a mesma altitude. Para

padronizar as coisas, essas altitudes são mantidas a intervalos bem regulares, de 20 em 20 metros (em alguns mapas, de 40 em 40 metros). Isso significa que temos

linhas unindo pontos p/ex, a 1080 m, a 1100 m, a 1120 m, e assim por diante, com linhas reforçadas a cada 100 metros para facilitar a visualização do relevo. É como

se retalhássemos montanhas e vales em fatias horizontais de 20 metros de

espessura, e depois olhássemos do alto o resultado. Quais as consequências? Montanhas são representadas como anéis concêntricos, como uma cebola cortada. Mas não é só isso. Uma montanha em forma de ovo será representada por linhas ovóides. Uma montanha em forma de 156

Em

x718

estrela aparecerá como várias estrelas concêntricas, seus braços ou cristas irradiando-se em várias direções, as linhas mais afastadas representando a base da

montanha, as linhas mais altas convergindo para o centro, onde eventualmente podemos encontrar um número que nos diz a altitude do pico - altitude em relação a

ao nível do mar, claro. A forma das linhas e sua disposição nos revelam, portanto, a forma da montanha.

A forma de vales e cristas pode ser reconhecida pela disposição de

sucessivos Vês que os representam, mas como distinguir entre um vale e uma

crista? Os vales geralmente apresentam uma linha azul unindo seus vértices,

representação de um riacho correndo pelo fundo, descendo para se juntar a outros

riachos e rios maiores. As cristas carecem dessa linha. Os números associados às curvas de nível também ajudam a observar se o terreno está subindo ou descendo.

...e um vale,com

Uma crista...1600

seu riacho

-1700

-1600 1700

Outra consequência das curvas de nível é mostrar a inclinação do

terreno. Onde tais curvas se afastam uma da outra, a inclinação é suave. Quando

clas se juntam, é sinal de declive abruplo. A quase ausência de curvas de nível significa um terreno quase plano. Quando elas se apertam umas às outras, temos às vezes um penhasco, uma parede quase vertical. Mesmo variações ao longo de um declive são traduzidas pelo afastamento ou ajuntamento das linhas. Observe o 157

degrau na crista ao lado. As implicações práticas são imediatas: o mero estudo das

curvas de nível permite escolher o lado menos íngrime para contornar ou subir uma

montanha, ou um ombro na encosta, onde seja possível acampar A terceira informação oferecida pelo mapa é o sistema de coordenadas,

representando uma malha de quadrículas, ou seja, de quadrados com 1 quilômetro

de lado. Traçadas de 2 em 2 Km (ou seja, a cada 4 cm, para evitar excesso de linhas nos mapas), as quadrículas não só fornecem várias linhas de Norte (verticais) espalhadas por toda a folha, para uso com a bússola, como também permiten "endereçar" alguma informação rumo a determinado ponto do mapa, com um sistema decimal, direto e lógico - como num gráfico.

Claro, existe o sistema de latitude e longitude, mas convenhamos que este sistema, válido para localizar um ponto na superfície extensa do planeta, não é

o mais adequado quando se está trabalhando com um único e simples mapa - ou com um pedaço deste, xerocado. Observe na borda de um mapa os números associados às linhas de

quadrícula. Na borda horizontal eles progridem (por convenção) da esquerda para a

direita, do º00 a 00, coincidindo este 500 sempre com um meridiano importante, como 42°, 45°, ou 48° de longitude. Na borda vertical progridem de baixo para

cima (também por convenção) do 00000 ao 10.000, coincidindo este último com a linha do Equador. Desprezando as centenas e milhares de quilômetros, ficamos apenas com os dois últimos dígitos de cada coordenada, formando com estes um número que só se repetirá daqui a 100 Km, em outra folha de mapa São estas duas

coordenadas (cada uma com dois algarismos, p/ex. 71 e 65 na figura adiante) que

irão isolar um único quadradinho no nosso mapa, para onde converge então nossa atenção.

Mas queremos ainda mais: é preciso apontar nosso alvo com precisão dentro dessa quadrícula. Acrescentamos então a cada número mais um algarismo, representando o intervalo decimal entre essa quadrícula e a próxima. Cada número passa a ter, portanto, três algarismos, o último deles representando as centenas de

metros que é preciso andar a partir da última linha - sempre da esquerda para a 15a

710

66

Faz.

Santana:

654 65

650

64 716 70

71

72

74

direita, e depois de baixo para cima - até alcançar nosso alvo. Os dois grupos de algarismos são agora integrados num número de seis dígitos, no qual os três

primeiros representam a coordenada horizontal (como se estivéssemos procurando o número de um prédio ao longo de uma rua) e os três últimos a coordenada vertical (como se agora subíssemos ao apartamento desejado). Este sistema de seis algarismos é muito usado sempre que queremos indicar a alguém a exata localização, no mapa, de um ponto qualquer - plex. 716654 no mapa acima.

Temos o mapa. O que nos falta para nos orientarmos? Um rumo! Um norte! Uma maneira de alinhar o mapa com os detalhes do terreno e nos revelar onde estamos,

para onde vamos, e que montanha é aquela. Uma bússola. Uma bússola de orientação!

Antigamente se poderia lamentar que a dificuldade de encontrar boas bússolas de orientação virtualmente inibia excursionistas, escoteiros e andarilhos de fazer do uso de mapas e bússolas uma prática rotineira em suas caminhadas. Hoje estas bússolas são fáceis de encontrar, embora ainda não sejam muito baratas - o que não serve de desculpa, pois quanto vale sua segurança no agreste? As bússolas mais

comuns, de lata ou de plástico, dispõem apenas de uma agulha imantada e de um e

mostrador com uma rosa dos ventos, a ser alinhada com a direção apontada pela

agulha - mas isto não constitui grande orientação... Certas bússolas importadas (algumas até com caixa líquida, que

amortece as oscilações da agulha) dispõem de um sistema de fenda e retículo que permite tirar uma visada, e com isto obter a direção de um alvo qualquer - ilha,

montanha ou uma aldeia distante - ou seja, o ângulo entre essa direção e o Norte

magnético. Nessas bússolas, a agulha é substituída por um disco graduado de 0 a 360 graus, que gira dentro da caixa, já fornecendo diretamente a direção da visada 159

Norte 78°

e se tivermos um transferidor para transpor essa informação ao mapa, já podemos começar a nos orientar.

Mas a bússola de orientação é aquela que já possui incorporado o

transferidor. Consiste de uma agulha imantada flutuando dentro de uma cápsula circular cheia de líquido, que por sua vez gira livremente, encaixada numa régua que fornece a direção. A cápsula é graduada na sua borda (de 0 a 360 graus), e

ambas, cápsula e régua, são de acrílico transparente, o que permite seu uso sobre o mapa. A rotação da cápsula graduada, em relação à régua do instrumento (apontada para um alvo) permite medir diretamente quaisquer ângulos, não apenas entre o

Norte magnético e a direção pretendida (o que a bússola anterior já fazia) como

também no papel, entre o Norte do mapa e qualquer direção traçada no papel. Para cumprir esta função, porém, dois cuidados devem ser tomados. A

régua vai sempre apontar na direção do alvo, tanto no terreno real como no mapa com o qual se está trabalhando. E a cápsula da bússola é que vai gırar, até apontar na direção do Norte. Para isso ela dispõe de linhas paralelas no fundo, que devem coincidir com a direção apontada pela agulha (justamente o Norte magnético),

•320

• Norte

Kl.12

160

9

112

115

18

21

24 26

-Polo Norte

verdadeiro

Norte a magnético

Jou-

ANorte Verdadeiro Declinacao

18

poeste

24

21

15 12

19

girando-se a cápsula sem deixar de apontar a régua na direção do alvo. A direção

obtida será lida na escala da borda da cápsula, na linha central da régua. Já se estamos usando o instrumento sobre o mapa, ignoramos a agulha, e colocando a

régua sobre o papel (apontada para o alvo), giramos a cápsula até que as linhas no seu fundo coincidam com a direção Norte, fornecida pelas linhas de quadrícula que enchem o papel. Na verdade, agora estamos usando o instrumento apenas como transferidor, ignorando completamente a presença ou função da agulha dentro da саіха.

Orientação consiste exatamente em passar informações do papel para o

terreno ou vice-versa, para com essas informações tomar decisões e navegar. A

transposição direta de informações da bússola para o papel esbarra, contudo, num

detalhe: a existência de dois Nortes, Norte magnético e Norte verdadeiro. O

Norte magnético, aquele para o qual a agulha aponta, não coincide com a direção a

do Norte verdadeiro ou geográfico, o do cixo de rotação do planeta. Entre ambos

existe acentuada diferença, chamada declinação magnética, que varia de lugar para lugar (veja mapa acima), e o que é pior, aumenta de frações de grau a cada ano que passa. Os mapas geralmente indicam em cada região tanto a declinação 161

para o ano de sua publicação, bem como sua variação anual. Para a região de Santa

Catarina ou Rio Grande do Sul, a declinação varia entre 12 e 16 graus: para o Leste da Bahia, já é de 25 graus. Para Rio de Janeiro ou São Paulo, a declinação é de cerca de 19 a 21 graus Oeste um grau a mais ou a menos não nos fará muita

diferença. Isto quer dizer que a agulha da bússola aponta cerca de 19 graus à esquerda (Oeste) do verdadeiro Norte. Ou seja, direções contadas (no sentido

horário) a partir do Norte magnético (o da agulha) são sempre 19 graus maiores que direções contadas a partir do Norte verdadeiro (o do mapa). Se sua bússola aponta a direção de uma montanha como sendo de 98°, descobriremos no mapa que a direção do ponto onde você está à mesma montanha é de apenas 80° E o que é a variação anual mencionada acima? Isto também é colocado

no rodapé do mapa. Significa que no ano de 1968 (quando o mapa foi traçado) a

declinação era p/ex. de 15° Oeste. E a variação era um aumento anual de 8 minutos de grau. Bom, agora estamos em... 1998. Trinta anos se passaram, e a declinação agora é de 30 x 8 = 240 minutos ou 4 graus completos. Portanto temos hoje uma =

declinação de 19 graus Oeste (em São Paulo, p/ex).

simples.

Fácil, não?

Entendido isso, o uso da bússola para orientação passa a ser bastante Ou não? Temos à nossa frente uma montanha, cuja posição no mapa

queremos identificar. Apontando a régua para ela, giramos a cápsula até seu Norte

coincidir com a agulha, e lemos na linha de visada a direção - p/ex. 256° Um rápido cálculo mental nos subtrai os 19° dos 256° medidos. Temos então 237º.

Esquecendo agora a agulha e reajustando a cápsula para esta "nova" direção,

colocamos o instrumento sobre o mapa. Com a borda da régua sobre o ponto que

sabemos ser nossa posição atual, rodamos o instrumento todo até que alguma das

linhas do fundo da cápsula coincida com alguma linha Norte das quadrículas. Ao longo da régua traçamos uma reta que nos levará até à montanha procurada. Vejam,

era o... Pico Agudo, a dez quilômetros (vinte centímetros) daqui.

Norte Verdadeiro

Norte

Magnetico



Sua Posicao

256

III 237

(

237

(1

Pico

Aguado 162

n

leitura direla 233

Agulha apontada para o 341°da escala, e não ra para

o Zero.

Processo inverso deve ser executado - somando os 19 graus ao ângulo

descoberto no mapa - se quisermos agora identificar no terreno uma montanha cuja posição determinamos primeiro no mapa.

Mas se você estiver achando tudo isto muito complicado, eis outro truque:

apontando a bússola em direção ao alvo, gire a cápsula, alinhando a ponta da agulha diretamente aos 340° da escala (341° se você quiser ser tão exato, ou

qualquer outro valor à esquerda do 360°, conforme a declinação local). E pronto,

terá uma leitura direta (os 237° no exemplo acima) da visada pretendida. Em geral, porém, o problema mais simples se resume em alinhar o mapa com o Norle verdadeiro, para então comparar o relevo do terreno com sua

representação gráfica no papel e encontrar algum alívio na correspondência de ambos (ou não). Graduando a cápsula da bússola em 19° (aqui, para S. Paulo, ou o valor local da declinação magnética), orientamos então o instrumento até que a

agulha coincida com a seta no fundo, e sua extremidade pintada aponte para o zero Norte

Norte

Verdadeiro

Magnetico

sc

163

Norte do mapa

da escala. Encontrado o Norte verdadeiro - 19° à direita do Norte magnético -

basta alinhar o Norte do mapa nesta direção, ou deslizá-lo por baixo da bússola e orientá-lo para que alguma das linhas de Norte (verticais) coincida com a borda mais longa da régua.

Já é outro o problema, quando não sabemos no mapa qual é a nossa posição atual. Se pelo menos nos encontramos ao longo de uma linha definida. como uma crista montanhosa, um rio, ou uma estrada de fácil idenuficação no

mapa, basta identificar um alvo (p/ex. o Pico Agudo mencionado acima) no mapa e no terreno real, de preferência em posição perpendicular à nossa linha, para,

traçando dele uma direção, interceptar na crista, rio, ou estrada, nossa posição

verdadeira no mapa. Se porém estivermos verdadeiramente desorientados, dependemos da intersecção de duas visadas para achar nossa posição. A este processo chamams

triangulação. O maior problema consiste, então, em descobrir dois acidentes geográficos que possam ser facilmente identificados no terreno: dois picos, ou uni pico e um selado, ou um entroncamento de estradas e uma capelinha, de preferência dois alvos que estejam entre 60° e 120° um do outro. Problemas de orientação podem então ser bem complexos (como geralmente são) e vão depender nesse caso de muita prática e de outros fatores como navegação estimada, intuição e lógica.

170°

222

7203 15519

la posição Y Norte

Mas intuição e lógica são coisas difíceis de serem colocadas no papel. Navegação estimada exige que se saiba em que direção se andou (atento o tempo todo, enquanto se caminha, às direções dadas pela bussola) e quanto se andou, para ter uma idéia aproximada de onde se está - e isso exige experiência. Pois como já foi mencionado, as condições do caminho interferem drasticamente na sua velocidade média. Em estradas e trilhas desimpedidas, 3 ou 4 Km/hora (com

164

mochila) são bastante razoáveis. Mas basta que a trilha penetre na mata p/ex, ou

comece a subir e ziguezaguear, para que sua velocidade caia para 1 ou 2 Km/hora -

nada mau em certos terrenos. E se você ainda precisa enfrentar a vegetação, atravessando um cerrado de samambaias ou o emaranhado de cipós, ou de bambus debaixo do teto da floresta, claramente fora de trilha, sua velocidade cai ainda mais, para 200 ou 300 metros/hora. Quando muito! A mera consciência de tais limites já ajudará você a não exagerar seu progresso, impedindo-o de achar que já deveria estar num ponto ao qual de fato ainda não chegou...

Mas de início a preocupação principal será reconhecer as formas do mapa num terreno aparentemente confuso e desprovido de feições relevantes. Isto

vem com a prática, com o hábito de estar sempre usando o mapa para reconhecer o relevo ao redor. Não se iluda: em terrenos desconhecidos, mesmo sabendo

exatamente onde estou, eu chego muitas vezes a gastar 5 ou 10 minutos, quase de

hora em hora, para comparar o mapa com o terreno ao redor, tentando relacionar

cada montanha adjacente com suas correspondentes curvas de nivel no mapa, numa

espécie de quebra-cabeças mental cuja função é identificar no papel a maioria dos

detalhes visíveis do relevo. Por pura curiosidade! Navegação é então uma das mais fascinantes habilidades a desenvolver no contato com o agreste - e uma das

mais importantes! Decisões são feitas de minuto a minuto, com seus resultados

pesando na balança tanto a curto como a longo prazo. O caminho mais fácil até aquele selado é subindo direto aquela encosta, ou contornando-a? O trajeto mais conveniente é pelo fundo do vale (com sombra e água), ou pela crista, evitando perder altura que depois terá que ser recuperada? É melhor passar à direita, ou à esquerda daquela grande pedra no topo da montanha? Tais decisões podem não ter nada a ver com mapas e seu uso, mas junto com eles formam a trama do dia-a-dia quando caminhamos fora da trilha - ou mesmo pela trilha, evitando tomar direções inesperadas ou indesejadas.

Perceba então que a navegação ao longo de uma caminhada, é um jogo que envolve em primeiro lugar saber de onde se saiu - se você não sabe nem

apontar no mapa esta posição, você já se perdeu antes de dar o primeiro passo! Daí você terá que decidir para onde quer ir (e que distância, ou quanto tempo). Ou

saber quanto andou antes de alcançar um segundo ponto notável (que você também

deve poder apontar no mapa), e assim por diante. Sua linha de navegação no mapa acaba sendo composta de uma sequência de pequenos trajetos emendados,

pequenas retas ou curvas, de 50 metros ou de 3 quilômetros de comprimento, atingindo pequenos alvos sucessivos: um morrote; um ponto na crista, 200 m a

Leste de um selado; andando ao longo de um riacho, por mais ou menos 500

metros; tocando o canto de um bosque, deixado à direita; ou o pé de uma encosta, agora à esquerda, etc, todos identificados no papel. E cada um, se possível, dentro

do alcance visual do ponto anterior. A falha em estabelecer sua posição de quando

em quando, pode significar certa desorientação, pelo menos enquanto você não conseguir atingir outro alvo de certeza. 165

350 passos 90° goº

1350

90%) 10 minutos

90°

10 minutos

(190°

350 passos

Navegar às claras, em terreno aberto e à luz do dia, até que é fácil, pois

alvos e referências são detalhes visíveis no terreno, mesmo que a quilômetros de distância. Já se você estiver andando meio às cegas, dentro da mata ou sob neblina,

quanto mais longe estes alvos estiverem, maiores os erros possíveis. Por isso é melhor que seu itinerário seja dividido então em segmentos tão curtos quanto possível, para que erros e incertezas também sejam pequenos. Eu confesso que navegar dentro de neblina p/ex. é difícil até para mim. Em alguns terrenos muilo acidentados, é mesmo impossível, pelo menos com os mapas 1150.000. Mas em circunstâncias menos drásticas, alguns métodos podem ser usados para, com a

bússola pendurada ao pescoço, alcançar um alvo sem majores preocupações, até mesmo dentro da mata, quando detalhes do relevo passam despercebidos, ou com

mau tempo, que encobre as impressões ao redor. O primeiro destes métodos é obviamente escolher uma direção e nela se

fixar, caminhando pela bússola. É difícil manter-se numa reta perfeita, mas os desvios menores são compensados procurando manter um número equivalente de zigues e de zagues ao redor dos obstáculos - sempre de olho na bússola. Se porém

você tiver que contornar um obstáculo maior, não o faça às cegas. Adote uma direção alternativa, a 45° ou 90° da direção original, e contando os passos ou estimando mentalmente a distância que o afasta do trajeto original. Ultrapassado o obstáculo, volte a ele tão geométricamente quanto possível.

O segundo método é simplesmente apontar para uma linha de destino. Já

que é quase impossível acertar o alvo na mosca, você tenta alcançar uma linha na qual está certo de encontrar o alvo. Esta linha pode novamente ser uma crista, um riacho tortuoso, uma estrada. Ou até mesmo uma linha de visada de bússola a um marco bem reconhecível (se você puder avistá-lo). Plex. a linha que marca a visada de 260° ao Pico Agudo. Alcançada a linha, é de se supor que o problema esteja

resolvido. Ou pelo menos resolvido em parte, se você agora tiver que decidir 166

xх 340° ao

Pico Agudo Carro

Leste

)

Erro

deliberado

apenas se é preciso se voltar para a direita ou para a esquerda. Se você continua

sem maiores referências para guiá-lo ao longo da linha de destino alé seu alvo uma bifurcação na trilha, a confluência de dois riachos, um determinado ponto na crista - a idéia de um erro deliberado pode ajudá-lo a resolver o problema. -

a

Embora a sugestão possa a princípio parecer esquisita, o erro deliberado pode ser a

maneira mais simples de se proteger de qualquer confusão. Em vez de tentar alcançar o alvo pela via mais direta, você deliberadamente desvia para um dos

lados, cometendo um erro conhecido, plex. para a direita, que depois será

compensado dobrando à esquerda quando atingir a linha de destino. As implicações são óbvias e imediatas, permitindo achar o ponto certo ao longo de uma linha, sem

precisar explorá-la primeiro numa direção, depois noutra...

Como esses, há uma porção de pequenos truques para se orientar e

chegar ao destino, alguns dos quais você mesmo irá descobrir ou inventar ao longo dos anos.

Um destes truques p/ex, é marcar na bússola uma direção determinada

para progredir ao longo do terreno, e depois simplesmente inverter a agulha na caixa para descobrir a direção de volta ao ponto de partida - mas isto é tão óbvio que você já deve ter deduzido por conta própria, não é? Outro truque é verificar o ângulo do seu rumo em relação à sua sombra

(ou seja, em relação à posição do sol) para evitar que você tenha que checar seu rumo pela bússola a todo instante. Por 15 ou 20 minutos, antes que o sol mude muito de posição, podemos confiar neste rumo pelo ângulo com a sombra, poupando-nos constantes verificações, e apressando a marcha. O que nos traz a este tópico controvertido que é a navegação pelo sol.

Arte muito valorizada pela tradição e pelos velhos mateiros, a orientação pelo sol é 167

Verão

Inverno

Norte este

Oeste Sul imprecisa e pode confundir os mais inexperientes, dando-lhes uma direção errada e

uma falsa sensação de segurança ao apelar para método tão grosseiro. Isso quando o sol se dispuser a ajudar, não se escondendo atrás das nuvens ou acima da cerrada

copa das árvores.

É claro que o sol nasce a Leste, ao meio-dia paira ao Norte, e à tarde

põe-se a Oeste, mas isso são considerações gerais. O "leste" dado pela posição do sol ao nascer pode variar de 52 graus, do inverno para o verão e vice-versa - isso para a latitude de São Paulo. No equador a variação é de 46 graus, e no extremo sul do país é de 56 graus. No inverno o sol pode nascer entre 62° e 67º, conforme a

latitude. Ou seja, bem ao Norte do verdadeiro Leste. E no verão pode nascer entre 113° e 118°, ou seja, de 23 a 28 graus ao Sul do Leste verdadeiro. Ao meio-dia o sol estará realmente ao Norte - no inverno. No início do verão estará exatamente sobre nossas cabeças, se estivermos na latitude de São Paulo. Se estivermos no

equador, estará bem para o Sul. É claro! É esse deslocamento aparente do sol que marca as estações. As únicas épocas em que o sol nasce exatamente a Leste (90°) e se põe exatamente a Oeste (270°) são no início da primavera e do outono.

Uma variação tão ampla não ajuda muito a se orientar com segurança -a não ser que você disponha de uma tabela astronômica apropriada e saiba usá-la. É

bem mais fácil carregar uma boa bússola. Quando navegamos, precisamos de direções bem definidas, e não é raro ter que identificar um alvo de certeza entre

duas possibilidades separadas entre si de apenas 10 ou 15 graus. Precisamos também depender um método que possa ser usado a qualquer hora do dia, e não 16

ao sabor da disposição do nosso sol. A orientação pelo sol pode servir

grosseiramente, numa emergência, se você perdeu a bússola. Fora isto, é mais um

mito a ser esquecido junto com métodos arcaicos usando o relógio e outras bobagens...

COMPRANDO SUA BÚSSOLA - E OUTROS INSTRUMENTOS Falamos da bússola, mas não dissemos o que procurar ao comprar este instrumento. As bússolas de orientação são, sem exceção, importadas: Silva, Suunto, Brunton e Recta são as marcas mais conhecidas; e também a YCM, japonesa. Mas você não precisa comprar necessariamente um modelo dos mais caros. Para começar, não precisa de uma bússola com clinômetro; raramente se servirá deste acessório. Depois, tampouco precisará de um espelho: o espelho garante mais precisão na visada, claro, mas para o nosso objetivo a "imprecisão" de apontar a régua na direção do alvo (na mão) não é tão grande que você precise do espelho. Existem bússolas que oferecem um sistema de ajuste para a declinação magnética: um pequeno parafuso roda a seta central da cápsula para a esquerda ou para a direita, até ajustá-la aos 19 graus necessários ao desvio da agulha (sem mexer nas outras

linhas paralelas que são usadas para alinhá-la às quadrículas). É um recurso muito

conveniente, (eu mesmo tenho uma destas), mas de modo algum essencial. Como já expliquei antes, na hora de tomar uma direção magnética, em vez de alinhar a agulha magnética para o zero/360° da escala, você pode orientá-la diretamente para o 340° da escala (ou na verdade, girar a cápsula até que o 340° da escala coincida com a ponta da agulha) - e pronto! Eliminamos o processo do "desconto mental" de 20° para a esquerda, e o zero da cápsula estará apontado corretamente em direção ao Norte verdadeiro. Truque esperto, não? Com isso você pode limitar suas opções de compra aos modelos mais baratos, que consistem simplesmente da cápsula líquida (contendo a agulha) encravada numa das extremidades da régua (esta

apresentando várias escalas impressas nas suas bordas, a maioria delas inúteis para a

nós), eventualmente deixando a outra extremidade disponível para uma pequena

lupa, que pode ajudar a decifrar os detalhes miúdos do mapa. Tais réguas são

resistentes, mas não indestrutíveis: cuidado ao colocá-la num bolso, para não se sentar sobre ela e estilhaçar sua bússola. O aparecimento ocasional de uma bolha dentro do líquido da cápsula pode atrapalhar um pouco a estabilização da agulha, mas não é defeito do aparelho: geralmente ela desaparece ao sol ou no dia seguinte, não se preocupe com isso, Um instrumento que pode ter alguma utilidade é o altímetro. A rigor ele

poderia lhe ajudar a determinar sua posição, dando-lhe sua altitude. De posse desta informação (que é um tanto relativa), você poderia estimar sua posição, reduzindo suas opções à curva de nível daquele valor. Mas para dizer a verdade, não acredito

que a coisa funcione de forma tão simples, se você já não conseguiu usar a bússola 169

e sua cabeça... E falando francamente, eu nunca usei um altímetro com essa finalidade - a não ser para saber se o topo ou a crista ainda estão muito longe... Também é muito bom consultar o altímetro para saber quanto já subimos ou descemos - uma curiosidade para passar o tempo.

Antigamente eu usava um altímetro aneróide de bolso, até o dia em que

a mochila caiu de um barranco, e ele se quebrou. Agora tenho um relógio Casio (Alti-Depth) com altímetro digital incluído, excelente complemento para as minhas descrições de trilha, já que permite incluir o desnível vencido ou perdido junto com o tempo de caminhada, para animar os andarilhos vacilantes. "Mil e duzentos metros já subidos em 2 horas!... uau, esta trilha realmente sobe, cara! (leia-se.

"Estamos exaustos. Pausa para um lanche!)" Ou então, "agora vamos ter que descer 580 metros até a estradinha, ou até o rio, ou até a praia. (leia-se: "Falta muito?") O altímetro pode então ser um grande consolo. O altímetro deste relógio

Casio vai até 4.000 metros, o que para Brasil é suficiente. Outra opção é o Avocet (mais caro!) que pode ir até 12.200 metros de altitude: suficiente até para o Himalaia, não? Mesmo assim, qualquer destes relógios é mais barato que os

clássicos (e exatíssimos, mas frágeis) altímetros mecânicos Thommen e similares (com mancais de rubis, etc...

Recentemente o Casio Alti-Depth for substituido

pelo Casio Pathfinder, mais caro ainda que o Avocet, mas agora dispondo também

de bússola incorporada, 5 alarmes, etc. Um instrumento completo para navegação falta só usar o seu computador pessoal, guardado na cachola! E já que estamos falando de relógios, há outras funções úteis: o cronômetro me ajuda a saber o tempo total de marcha, até um total de 24 horas (o que representa varios dias de

caminhada). O cronômetro regressivo toca um alarme quando o tempo se esgota:

além de me alertar para a passagem de um certo tempo definido (plex, uma volta de 15 minutos até um ponto onde eu acho que errei a trilha) serve também para

controlar o tempo de cozimento de uma refeição (p/ex. 7 minutos para cozinhar os macarrão al dente). Bom, não?

Eu digo acima que a altitude dada por um altímetro é um tanto relativa, porque ela

raramente é exata, já que depende da pressão atmosférica (que varia ao sabor das flutuações meteorológicas). De modo que a altitude dada pelo seu instrumento pode ser um pouco mais baixa ou um pouco mais alta do que sua altitude real, dada pelo mapa: seria preciso então calibrar sua leitura pela altitude dada no mapa, bem mais confiável - se você souber onde está! E mesmo esta informação pode já não valer

daqui a algumas horas, se a pressão atmosférica já mudou. Você perceberá, aliás,

que mesmo sem sair do lugar, a "altitude" muda ao longo das horas, plex do anoitecer até a manhā seguinte. O que pode trazer ao altimeiro outra utilidade, que é saber quanto a pressão atmosférica mudou durante a noite, e se um centro de

baixa pressão se aproxima (com sua instabilidade e mau tempo) ou se, ao contrário, estamos sob a influência de um centro de alta pressão (que traz condições mas

estáveis e melhor tempo). Se a pressão em milibares sobe (o

a altitude diminui) é

porque um centro de alta pressão se aproxima. Se a pressão em milibares diminui

(ou a altitude começa a subir) temos um centro de baixa pressão e mau tempo se avizinhando (Que droga!)

Um instrumento de orientação que está se tornando relativamente comum, é o GPS - Sistema de Posicionamento por Satélites, que utiliza um mínimo de 3 (de um total de 24 satélites em órbita ao redor do planeta), para lhe dar a latitude, longitude e até altitude. O aparelho é caro (centenas de dólares), mas pequeno e portátil (para ser usado na mão), e pode fácilmente plotar sua posição no mapa, com cerca de 100 metros de precisão. Fantástico! - não fosse por um pequeno detalhe: a precisão

dos mapas 1/50.000 no Brasil não corresponde ainda às possibilidades do GPS. Mas não se impaciente, isto não é exclusividade nossa: mesmo nos EUA os mapas

locais estão sendo redesenhados (aos poucos) à base de GPS. Outra limitação mais fácil de perceber, é estar no fundo de um vale ou canyon, ou com cerrada cobertura de floresta acima da cabeça, de modo que o sinal não consegue ser recebido (precisamos de três satélites). Maravilha tecnológica, o GPS só dá a posição, cabe-lhe saber o que fazer com esta informação. Saber onde se está pode ser muito bom, mas o aparelho não lhe diz para onde ir. Alguns modelos recentes podem até The dar uma direção reta, o que não adianta muito se houver obstáculos à frente. Para navegar, você ainda depende do seu computador de bordo, ou seja, precisa usar seu cérebro, bússola e mapa, para decidir sua melhor direção.

Outro aparelho que muitos gostariam de levar para a trilha é um rádio. De fato, os pequenos rádios VHF, operando na faixa de 2 metros, têm um alcance bastante grande, mas somente na linha de visão. Paredes e montanhas podem criar obstáculos à comunicação. Mas geralmente o maior problema, numa emergência,

pode ser a falta de alguém ao alcance do seu sinal. Nas vastas chapadas, pode não

haver ninguém com quem falar. Nas áreas mais privilegiadas ao redor das grandes cidades e principais estradas existem estações repetidoras que podem transportar o seu sinal por distâncias maiores, driblando os obstáculos naturais do terreno. Mas nestas áreas, carregar um telefone celular pode ser muito mais prático, mais rápido... e talvez até mais barato. É questão de experimentar e saber.

APRENDENDO A USAR MAPAS E BÚSSOLA Não, eu não dou cursos. Tampouco sei onde há cursos de orientação

exceto

talvez como parte da programação dos próprios centros excursionistas. Mas você mesmo pode dar rapidamente um mini-curso para seu próprio grupo, bastando ter um mapa da sua área e uma bússola. Como eu disse, não há atalhos, é preciso sair e aprender. É mais ou menos como aprender a andar de bicicleta: não há livro que lhe explique como. Para começar, suba ao alto de algum morrote com boa visão do 171

mundo inteiro ao redor. Então tire a bússola do bolso e descubra onde fica o Norte magnético: fácil, é a direção na qual a agulha aponta. A seguir descubra onde fica o Norte verdadeiro: é (aqui na Mantiqueira) algo como 20 graus à direita do Norte magnético. Agora alinhe o mapa de acordo com esta direção, enfiando-o por baixo da bússola. Muito bem! Aqui começa realmente a diversão. Primeiro escolha na paisagem algum ponto notável (outra montanha, um vilarejo, uma capelinha ou encruzilhada). Usando a bússola (e sabendo no mapa onde você está), tire uma visada e descubra no mapa onde fica, ou identifique o nome da montanha ou da

localidade. Você também pode se fazer de bobo: escolhendo no terreno um alvo já conhecido, tire a visada e procure a partir deste, descobrir no mapa a sua atual

posição (como se já não soubesse). Depois, o contrário: escolha no mapa um alvo qualquer, determine com o transferidor a sua direção até lá e, apontando agora a

bússola nesta direção, procure encontrar no terreno o seu alvo. Repita esta brincadeira várias vezes, com diferentes alvos, a diferentes distâncias. Por último,

determine no mapa o trajeto por onde vocês subiram até aqui, e por onde descerão de volta. E, durante a volta, pare algumas vezes e procure determinar, por triangulação, sua posição em relação a dois alvos quaisquer, que você possa

localizar sem sombra de dúvida, no terreno e no mapa. Qualquer procedimento que você possa realizar daqui para a frente, em

suas caminhadas, será uma mera repetição dos exercícios descritos acima. Mesmo que os resultados não tenham sido exatamente o que você esperava (êrros de 10 ou

20 graus para um lado ou outro) se você compreendeu os principios por trás dos exercícios, alguma coisa foi aprendida com este "mini-curso". O resto é apenas confiança no método. Leve sempre um mapa em suas caminhadas, o se acostume a repetir os exercícios em qualquer parada onde você tenha uma boa vista dos

arredores. Eu repito: não há segredos, mas também não há atalhos. É apenas (como sempre) questão de insistir...

ONDE CONSEGUIR MAPAS

De acordo com a região do Brasil,existem diferentes agências onde conseguir seus mapas. Geralmente é bom saber de antemão o nome da carta que você quer obter.

Se você precisa de mapas da Região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande

do Sul) pode consultar as livrarias do IBGE nas capitais. Mas se isto não funcionar,

contacte a DSG - Diretoria de Serviço Geográfico (o Serviço de Levantamento de Mapas do Exército) em Porto Alegre, que cobre a região Sul do país (1“ DL

Divisão de Levantamento, Rua Cleveland, 250 Morro Menino Deus, fone (051) 233-5802 ou 233-5920 fax). Mapas do Estado de São Paulo podem ser obtidos no

IBGE à Rua Urussuí, 93 Itaim Bibi, fone (011) 822-0077 PBX, ou mformações à Biblioteca, fone (011) 822-5252. Mapas do Rio de Janeiro, no IBGE do Rio à Av. Beira-Mar, 435 15° And, fone (021) 297-3911 PBX (e aí pedir a Biblioteca) ou

(021) 254-7793 - Informações. Mapas de Minas Gerais, no IBGE de Belo

Horizonte à Rua Oliveira, 523 Bairro Cruzeiro, Fone (031) 223-0554 PBX. Mapas do Estado de Goiás ou Mato Grosso (1/100.000), na DSG de Brasília, 29 DL

(agora CeCaCoEx - Centro de Cartografia Computadorizada do Exército, Estrada

Parque do Contorno s/n Km 4,5 - Sobradinho, fones (061) 591-6399 ou 591-7008 r. 30 Mapoteca, ou 591-6180 fax). Mapas da Bahia ou do Nordeste (também 1/100.000) podem ser solicitados à SUDENE em Recife (Divisão de

Documentação - Praça Superintendente João Gonçalves de Souza, Edif. Sudene s/n

- Cidade Universitária fone (081) 271-1044 ou fax (081) 271-3843). Na região

Nordeste existem folhas que pertencem à jurisdição do IBGE de cada Estado, ou à

DSG da Região (34 DL, em Olinda, fone (081) 439-3033 ou 439-3334 fax), mas os

mapas relativos à Chapada Diamantina ou Raso da Catarina são obtidos, de fato, na

Sudene. Com esta lista de fontes, eu tenho a impressão de que você pode conseguir qualquer mapa frequentemente...

se ele não estiver esgotado, claro -coisa que

acontece

Pessoalmente nunca levo mapas originais para a trilha. Só xerox. O fato de não serem a cores não me atrapalha - rios em azul p/ex, ou áreas verdes de mato. E se

as linhas se confundem, faço meu trabalho de casa, riscando om um lápis de cor

(ou uma esferográfica azul) por cima dos rios e riachos. E às vezes com um risco (em marrom) para destacar sistemas de crista ou, especialmente nos campos

rupestres (em vermelho) possíveis trajetos por onde eu gostaria de trilhar. Os xerox

não precisam ser protegidos. O que eu faço é, no máximo, guardá-los num saco plástico ou Ziploc (aqueles com um fecho de pressão na boca). Mapas originais, se precisarem ser levados, podem ser protegidos da mesma forma. Ou plastificados.

Há também o recurso de "plastificá-los" em casa, com Contact transparente

(comprado em papelaria). A única limitação é que o Contact tem apenas 45 cm de largura.

173

Não importa quão devagar você vai, contanto que não pare. Confúcio

8 Fotografia na Trilha Bater fotos dos lugares onde se esteve é uma forma de trazer recordações sem nada

tirar de lá. É um passatempo saudável e gostoso, mas cuidado: o hábito pode se transformar em mania, se a obsessão em gravar suas impressões em filme (ou em a

vídeo) começar a se tornar mais importante do que sentar, apreciar a paisagem e ver. A compulsão de trazer fotos de nível profissional pode tomar conta da aventura e fazê-lo esquecer que existem razões melhores para deixar para trás o frenesi urbano. Pouca gente se dá conta de que ver e sentir é mais importante do

que trazer imagens (algumas delas, muito bonitas) que serão exibidas mas rapidamente esquecidas.

Nas minhas primeiras aventuras já tirei muita foto - e ficava doido da vida, quando os resultados não correspondiam às minhas expectativas. Hoje em dia, levo minha câmera carregada, mas acontece de voltar (3 ou 4 dias depois) tendo

batido apenas duas ou três fotos. Até sinto leve complexo de culpa por percorrer chapadas e sertões e trazer de volta tão pouca documentação. Mas ao menos não ha nenhuma obsessão em ficar gastando filme, ou em ficar revoando ao redor de uma flor (ou qualquer outro motivo), e dali sair sem meia dúzia de fotos batidas. Um

minuto ou dois contemplando o tema tem muito mais valor Às vezes ate compensa. de fato, tirar a câmera da bolsa e arriscar uma foto ou duas.

Dito isto, vamos a um pouco de equipamento. A primeira coisa a discutir é a escolha da câmera. Antigamente, qualquer fotógralo com alguma

pretensão sonhava em possuir uma câmera reflex, aquelas onde se pode ver a composição através da própria lente. Quer manuais (que permitem melhor controle

da exposição desejada), quer automáticas (mais fáceis de usar), tais câmeras possibilitam observar exatamente o enquadramento dado pela lente (ou objetiva).

Outra vantagem é que elas dispõem de objetivas diferentes, intercambiáveis, o que permite alterar a perspectiva desejada, desde as grande-angulares (de visão mais

aberta, boas para as fotos panorâmicas) até às tele-objetivas. Consequentemente,

câmeras mais baratas, com visor lateral, objetiva fixa, c menos recursos, eram

vistas com certo desprezo e relegadas aos "amadores". 174

Isto mudou bastante. As novas câmeras para amadores apresentam hoje

recursos que eram privilégio apenas das antigas câmeras "profissionais" - e por um preço geralmente inferior ao daquelas: um motor para transporte do filme, controle

manual ou automático da exposição, objetivas com "zoom", que alteram o grau de perspectiva oferecido, para atender a diferentes enquadramentos sem sair do lugar, etc. E não podemos deixar de mencionar a existência de algumas câmeras subaquáticas baratas (ou ao menos à prova d'água), uma opção perfeita para dias chuvosos ou ambientes molhados. Claro que, quanto mais recursos a câmera

oferecer, mais cara é. O único senão é aa total dependência de pilhas para operar

muitas destas câmeras: se por qualquer razão suas pilhas acabarem, sua câmera

"morre" com elas. Razão pela qual muita gente já familiarizada com as câmeras modernas ainda prefere às vezes câmeras totalmente mecânicas. Mas não se preocupe muito em possuir "a" câmera para suas caminhadas: boas fotografias ainda são uma questão de sensibilidade e visão. E não são modernas câmeras computadorizadas ou zooms de grande alcance, que irão substituir o olho do fotógrafo. No fundo, no fundo, não é a câmera que faz a foto, e praticamente qualquer câmera serve para trazer deliciosas imagens... Estas modernas câmeras eletrônicas possibilitam que o fotógrafo tire

boas fotos sem sequer saber como determinar a melhor exposição. A câmera faz

isto por ele. Basta enquadrar e disparar. Já nas câmeras de controle manual, ou semi-automáticas, mais sofisticadas, é preciso saber o que se está fazendo, ainda

que elas disponham de um fotômetro (apresentado no visor) que mede a luz disponível. Mas elas permitem mais recursos, claro. Para aqueles que querem

realmente saber o que controla a exposição (sensibilidade do filme, velocidade de exposição, e abertura do diafragma) ou entender as vantagens de uma grande

angular ou as limitações de uma tele-objetiva, o assunto será abordado adiante, de forma um tanto sumária, para podermos nos concentrar primeiro na fotografia.

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A

275

XY

A primeira preocupação ao olhar através do visor de uma câmera, é saber compor a foto. Boas fotografias são criadas, não caem do céu. Composição

é, basicamente, a arte de dispor os elementos de uma cena, de modo a criar um quadro agradável de ver. O modo mais simples de começar a visualizar a estrutura de uma boa composição, é dividir o quadro em três fatias verticais iguais, assim como em três horizontais, formando nove retângulos. Onde as linhas divisoras se cruzam, temos quatro pontos de referência, que são usados para a colocação de

algum ponto notável: o olho de um animal, ou um sol poente. As próprias linhas

divisoras são usadas para a colocação de horizontes, pessoas, árvores, etc. Dê atenção especial à maneira mais poderosa de colocar um objeto. Ao

colocar pessoas numa foto, deixe sempre mais espaço à frente delas (ou na direção na qual a ação se desenvolve) do que atrás. Um erro comum é colocar o objeto bem

no centro do quadro. O mesmo cuidado deve ser tomado em relação à linha do

horizonte: nunca no centro da foto (mas um pouco para cima ou para baixo), e é

claro, nunca inclinado. E tampouco se limite a compor apenas fotos horizontais,

rodar a câmera 90° muitas vezes oferece um enquadramento melhor, se o objeto é mais alto do que largo - isto inclui paisagens: uma praia pode ficar muito bem,

fotografada na horizontal; mas um farol, um grupo de árvores, um canyon ou uma girafa podem merecer um enquadramento vertical.

Outro cuidado é evitar incluir sua sombra na composição. E tampouco se limite a bater todas as suas fotos sempre de pé (ou no tripé). É preciso se

preocupar em ver não apenas as pessoas em primeiro plano, mas capturar tambem a

paisagem ao fundo, em segundo plano. Agachar-se um pouco, ou subir em cima de uma pedra ou barranco, assim como afastar-se para a esquerda ou para a direita, as vezes produz um enquadramento mais rico. É isso que fotógrafos profissionais

estão sempre fazendo: procurando pontos de onde possam extrair imagens mais poderosas. E se deitar-se no chão for a forma de encontrar um ponto de vista invulgar, porquê não?

A2898 Melhor aindad

2008 LGRED Pobre

| LARRA

Melhor

4989 rar

98 50 mm 28mm

135mm 200 mm

Objetivas diferentes oferecem enquadramentos e perspectivas diferentes do assunto à frente. As objetivas normais (45 a 60 mm) são exatamente isto, boas para fotos convencionais, como de pessoas p/ex. As grande-angulares (de valores menores

que 50 mm, p/ex. 35 ou 28 mm ou menos) conseguem abraçar um cenário maior, mais largo. Na outra ponta temos as tele-objetivas (de valores maiores que 70 mm,

plex. 125 ou 200 mm ou mais), que funcionam como lunetas, boas para "chegar

perto" e trazer detalhes distantes ao quadro da foto. O grande filão das grande-angulares são fotos de paisagens: vastos espaços onde o olho pode divagar para um lado ou para o outro, largos horizontes, vales profundos, pores-de-sol (mas cuidado para não abusar do tema). E é sempre mais gostoso encher uma foto (mesmo de paisagem) com gente. Além de oferecer um elemento de escala, a figura humana empresta um ſoco de interesse sobre uma

paisagem, de outra forma vazia. E em certos ambientes, por demais ásperos e

selvagens, algumas pessoas em primeiro plano quebram um pouco a possível sensação de monotonia ou de fria solidão. Nestas fotos será preciso pedir às

pessoas que se coloquem em determinado ponto. O único cuidado é retratá-las à vontade, não congeladas em dura postura, como nos retratos estereotipados de

antigamente. Uma piada ou um comentário alegre na hora de bater a foto, podem desmascarar os figurantes, devolvendo-lhes a espontaneidade. Alguns dirão que

hoje ninguém fica olhando fixo para a câmera, mas algumas vezes, para bater um verdadeiro "instantâneo" do grupo, bem espontâneo e vivo, o melhor é ajustar a 177

câmera sem que ninguém perceba, levantá-la e, sem hesitar, bater a foto desejada

Estas são geralmente as imagens mais gostosas e mais lembradas, sempre com uma estória por contar. Boa razão para manter a câmera sempre à mão e ajustada, pronta a disparar. E melhor razão ainda para usar as câmeras automáticas, que batem fotos sem precisar se preocupar em ajustar a exposição do filme...

Outra vantagem das câmeras automáticas mais baratas, é que dispõem geralmente de uma objetiva meio grande-angular (p/ex. 35 mm), com foco fixo e boa profundidade de campo. Nem há como focar, mas praticamente tudo, de 1,5

metro até infinito, está em foco. (Isto vale, aliás, para as objetivas grande-angulares em geral). Já em câmeras com uma objetiva normal, um cuidado maior com o foco

será necessário. E nas fotos com tele-objetivas, correspondentes a uma luneta, os

cuidados com o foco serão então cruciais. Já voltaremos ao assunto, para explicar o

que é a profundidade de campo. Uma câmera tem, contudo, outras coisas a controlar: a quantidade de exposição, que é função tanto da abertura do diafragma, quanto do tempo de exposição do filme. Claro que tudo isto depende da sensibilidade deste, mas para uma determinada sensibilidade (100 ASA pler)

haverá uma exposição correta. Ou combinações corretas para a exposição.

O diafragma tem uma escala, geralmente de f22 a f2.8 ou menos 12 ou f1.4 se a objetiva for muito luminosa), cada diminuição do número de diafragma

correspondendo a um aumento de duas vezes na quantidade de luz que passa pela objetiva. Uma objetiva ajustada em f8 está deixando passar o dobro da luz que passa quando em f1l. Os tempos de exposição também aumentam de duas em duas

vezes, ou diminuem à metade da exposição anterior. É meio óbvio perceber que 1/8 seg. dará a metade da exposição de 1/4 seg. E que 1/250 seg, terá 1/4 da exposição a

admitida por 1/60 seg. Trabalhando com o diafragma e a velocidade (numa

máquina de controle manual ou semi-automática) podemos obter a mesma

exposição, com combinações diferentes. Nestas câmeras, o fotômetro geralmente

apresenta no visor uma agulha, que aponta se a exposição está correta, sub-exposta (a foto sairá escura demais) ou super-exposta (foto clara demais).

YA %8 %

Y Yo Yo %25 Boo 500sea 60

mais luz

mais luz

0000000 flot! 68 15,6 4

mesma exposição

f2872

1500

7500

f1A

|f2.8 15

f16

Y seg 22

Pode-se bater uma foto com o diafragma mais fechado, mas mantendo o filme exposto mais tempo. Ou abrir o diafragma, e diminuir o tempo de exposição. Os

resultados podem ser totalmente diferentes, mas a foto estará bem exposta (o que é

confirmado pelo fotômetro no visor). Uma alta velocidade de exposição (p/ex. 1/500 ou 1/1000 de segundo) congela uma ação na foto: em compensação será preciso abrir mais o diafragma, ou dispor de uma objetiva mais luminosa. Uma velocidade baixa (1/2 segundo, ou mesmo 1 segundo inteiro ou mais) fechando o

diafragma ao extremo, pode produzir imagens mais borradas, mas de agradável efeito estético. Vamos dar como exemplo a água de um cachoeirinha: uma foto com

1/250 seg (e diafragma em f1.4) pode congelar a água no ar, como gotas de vidro;

já a foto com 1 seg (e o diafragma em f32) irá borrar a água em movimento, fazendo-a parecer uma massa leitosa e fluida, como gelatina branca escorrendo sobre as pedras. O mesmo efeito pode ser conseguido plex. com um canoista passando pela foto: podemos congelá-lo no ar. Ou batendo uma foto com longa exposição, (e "acompanhando-o" com a objetiva) fazendo-o parecer um borrão luminoso, em que apenas o torso e a cabeça se conseguem distinguir. Se a câmera permite exposições longas (B no seletor de velocidades),

use e abuse do recurso. Você pode imobilizá-la num tripé, fechar o diafragma e

travar o disparador aberto por minutos ou horas (com um cabo de disparo), para fotografar... raios, durante uma escura tempestade; ou folos noturnas, com as estrelas traçando suas trajetórias no filme, e sua luz fraca iluminando as árvores ao 179

redor e revelando a própria forma das montanhas mais atrás. São exemplos perfeitos de "foto-grafia" - escrevendo ou desenhando com a luz.

Nas situações acima será preciso "chutar" a melhor exposição. Mas o0 fotômetro instalado dentro da câmera geralmente ajuda você a obter a exposição correta. Você pode determinar que quer uma exposição longa (ou ao contrário, dependendo do efeito desejado, uma exposição curta), e então girar o anel de ajuste de diafragma, até que o fotômetro lhe diga que a exposição está certa. Ou

inversamente, fixar o anel do diafragma num certo valor, e agora brincar com o seletor de velocidades, até encontrar a que corresponde à exposição correta. Mas porquê é que você iria fixar o diafragma? Porque o diafragma também interfere na qualidade da imagem, permitindo que mais (ou menos) coisas saiam em foco perfeito. Se você fecha o diafragma (p/ex. em f16) mais coisas

também ficarão em foco, à frente e atrás do seu objeto. Se você abre o diafragma

(p/ex. f2) menos coisas ficarão em foco. A esta faixa de objetos em foco, do

primeiro, à frente do objeto, ao último, lá atrás, chamamos profundidade de campo. Em situações de foco crítico, você pode querer ampliar a profundidade de campo,

permitindo que mais coisas saiam bem focadas. Ou ao contrário, borrando-as e permitindo que apenas o objeto escolhido fique no foco, dominando a atenção na

foto final - p/ex uma única flor perfeitamente focada, num cenário dominado por -

borrões difusos.

Outra forma de colocar o problema (ou de lhe dar uma dica) é dizer que

você não precisa sempre focar a câmera no infinito, para ter as montanhas ao fundo

perfeitamente focadas: pode valer-se da profundidade de campo para focar a máquina mais para a frente, em 3 ou 5 metros e, dependendo da objetiva e do

diafragma escolhido, ter também não só as montanhas, mas flores rasteiras a 1 ou 2

metros em perfeito foco!

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Ui!

Diferentes objetivas também variam quanto àà profundidade de campo

oferecida: tele-objetivas são sempre críticas, a profundidade de campo é estreita, menos objetos estarão focados à frente ou atrás da distância de foco e, como já dissemos, é preciso prestar total atenção. Já as objetivas grande-angulares são

generosas, permitindo uma profundidade de campo mais ampla, e perdoando quaisquer distrações do fotógrafo em relação ao foco. É por isso que as câmeras para amadores, citadas acima, são geralmente equipadas com grande-angulares.

Nestas câmeras automáticas, contudo, não temos muito controle sobre os

elementos de exposição. A câmera faz tudo, o que quer dizer que você não controla

nem o diafragma nem o tempo de exposição. Geralmente a câmera dispõe da objetiva (grande-angular) com o diafragma pré-fixado (p/ex. em f8, para dar razoável profundidade de campo) e o controle da exposição é feito variando automaticamente a velocidade de exposição. As fotos geralmente saem ótimas, sem que você precise saber como é que a câmera chegou a este resultado... o que, como já foi dito, é perfeito para levantá-la e bater fotos bem espontâneas. Mas você não

tem os recursos de brincar com tempos de exposição, ou com o diafragma, para criar uma foto diferente.

(E daí? - dirão muitos).

O único senão é quando as condições são escuras demais para a câmera

(com aquele filme que você escolheu). Neste caso, acende-se uma luzinha de aviso, e você pode ligar o flashinho embutido, cujo alcance, é claro, não vai muito longe, iluminando apenas as pessoas a 3, no máximo 4 metros de você. Em certas câmeras

mais modernas, até isto é feito automáticamente: se as condições de luz são

insuficientes, o próprio fotômetro aciona automaticamente o flashinho. Outra 181

solução teria sido colocar um filme mais sensível - de ASA 400 ou 1000, ao invés

de apenas 100. Mas na maior parte das ocasiões (à luz do dia) um filme de 100

ASA é suficiente. O flashinho também pode ter a função de "encher as sombras".

ou seja, desfazer o excesso de contraste numa foto com iluminação muito forte.

como aquela sob o sol direto do meio-dia, que deixa partes (do rosto e do corpo das pessoas) iluminadas, e outras totalmente escuras. O que nos leva a outras considerações:

Há boas e más horas para fotografar. O meio-dia é geralmente uma hora ingrata, pois as cores saem chapadas, com áreas de sombra e luz altamente

contrastadas. As melhores horas são pela manhã, ou à tarde, quando o contraste e menor, e o tema fica mais gostosamente iluminado. E tampouco tenha medo de

fotografar quando o tempo estiver nublado ou francamente chuvoso: aa luz é mais

fraca, e pode exigir filmes mais sensíveis, objetivas mais luminosas, ou maior exposição do filme. Mas as cores resultam ainda mais saturadas, e as fotos podem sair incrivelmente belas - é apenas questão de proteger a câmera da água, plex, para começar, com um guarda-chuva. Ou com um saco plástico. Ou ainda, se você

quiser sofisticar, com um saco estanque próprio, provido de janela especial (um vidro translúcido, como o dos filtros de proteção) onde a objetiva é encaixada.

O sol também impõe outros problemas, se você apontar a câmera em sua direção: além de atrapalhar na avaliação da exposição (produzindo fotos na verdade escuras), a luz incidente é refletida para frente e para trás entre os

elementos da objetiva, produzindo imagens fantasmas do diafragma. O efeito pode

até enriquecer uma foto, mas em geral os bortões de luz apenas a estragam.

Atarrachar um para-sol na frente da objetiva pode resolver o problema, mas há casos em que o sol está bem na frente, e simplesmente não pode ser removido da composição - nestes casos batemos a foto e esperamos pelo melhor. Como toda a regra, esta também tem suas exceções. Por isso não se prenda excessivamente às regras. Ao contrário, tente e experimente. Há grandes fotos, que foram obtidas justamente contrariando as regras, com resultados soberbos. Mas geralmente é aconselhável não fotografar contra o sol.

Se a sua câmera não for automática, não é preciso que a exposição seja exatamente aquela que o fotômetro diz. O fotômetro tira a média entre areas de luz e áreas de sombra. Mas se a câmera não é automática, você tem controle sobre a

exposição e, baseado na sua experiência, cabe a você escolher qual a exposição mais adequada. Ou a que você quer. Muitas vezes o melhor resultado pode ser obtido com o diafragma fechado um ponto (ou dois), dando leve sub-exposição o

cores mais saturadas. Ou ao contrário, abrindo o diafragma um ponto ou dois, para que pessoas e objetos fiquem adequadamente expostos, ainda que o fundo acabe estourado de tanta luz. Isto é especialmente verdadeiro quando o fundo está claro

demais, como numa praia ao meio dia, ou num campo de neve. Nos casos de dúvida, bater fotos extras com várias aberturas do diafragma, abrindo ou fechando

un ou dois pontos em relação ao indicado fotômetro (ou pelo "chutômetro" do 182.

fotógrafo), e deixando para escolher a melhor foto depois de reveladas. Um truque para avaliar a correta exposição frente a áreas de muita luz e sombras contrastantes, é fotometrar um objeto neutro, como a sua própria mão enchendo o campo diante da objetiva.

Um recurso muito valioso em qualquer câmera, é a presença de um

disparador automático, que produz um retardo no disparo, permitindo que o próprio fotógrafo apareça na foto. Mecânico ou eletrônico, o retardo chega a ser de até 10 segundos, tempo suficiente para correr e se colocar à frente da câmera. O disparador é especialmente útil quando o fotógrafo está sozinho: mostrar só paisagens, ou fotos de todo mundo (exceto dele mesmo) é muito frustrante. Nestes casos a câmera precisa geralmente ser colocada em cima de algum tipo de suporte. A primeira idéia é usar um tripé, e é exatamente o que um fotógrafo profissional

faria. Mas levar na mochila um tripé, ainda que compacto, é quase sempre um

aborrecimento. Geralmente não faltam pedras ou tocos sobre os quais colocar sua câmera. O difícil é equilibrá-la exatamente onde se quer, orientada na direção pretendida, etc, etc. Um acessório muito prático e fácil de levar, é um pequeno saco de pano (15 x 12 x 4 cm), semi-cheio de feijões, sobre o qual a câmera pode ser

socada, e que a mantem orientada e imóvel sobre o toco escolhido. Uma meia grande, cheia de areia grossa, também serve.

Uma especialidade muito valorizada é a de fotos em macro, ou seja,

fotos de detalhe: flores, cristais, musgo e líquens, insetos, gotas nas folhas, cores e

texturas na casca de árvores, ou na areia do rio, ou na superfície de uma pedra tudo isto é macro-fotografia. Algumas câmeras mais baratas até oferecem recursos para "começar" a entrar nos domínios da macro-fotografia, mas geralmente é preciso uma câmera reflex, para ver o que se está tentando enquadrar. Para melhores resultados é preciso também usar objetivas especiais (macro), em que as aberrações ópticas (inevitáveis em qualquer objetiva) foram corrigidas para oferecer os melhores resultados para fotos de perto e não, como nas objetivas comuns, para fotos no infinito. Mas para começar, você pode usar qualquer

objetiva. Geralmente será preciso usar lentes de aproximação, ou anéis de extensão, ou um fole para aumentar a distância entre a objetiva e o plano do filme, permitindo grandes ampliações da imagem pretendida. Com isto, a quantidade de luz que atinge o filme também diminui, o que obriga a usar ſilmes mais sensíveis, tempos mais longos de exposição, ou ſlashes acessórios. Só a abertura do diafragma é que não tem como contribuir para uma melhor exposição, pois como o

foco geralmente já é crítico, o fotógrafo procura ganhar a máxima profundidade de

campo, fechando o diafragma o quanto puder. E o uso de flashes, se ajuda a trazer mais luz, obriga o fotógrafo a "chutar" a exposição, complicando consideravelmente a arte de bem expor o tema. É sempre mais simples trabalhar com a luz natural (medida pelo fotômetro interno da câmera), aproveitando-se do sol ao meio do dia, e de espelhos acessórios, qu de meros rebatedores da luz existente, improvisados p/ex. com papel ou cartolina branca. E nesse caso, o uso de 163

Paisagem Animais

Ação Macro

um tripé é quase obrigatório. De qualquer modo, macro-fotografia é uma

especialidade que, além de equipamento próprio, exige também progressiva familiaridade com o assunto, para obter resultados cada vez melhores.

Mas o mesmo pode ser dito de qualquer outra especialidade. Fotos de animais p/ex: arte que exige o uso de tele-objetivas, esconderijos, muita paciência e, é claro, conhecer os hábitos do bicho que você quer fotografar: seus nichos prediletos, seus horários de atividade, ou a hora em que sai para beber, etc. Fotos de paisagem exigem bom conhecimento da qualidade de luz que cai sobre o tema, e a escolha da hora em que a luz fica perfeita para a foto que se almeja, etc. Não estamos falando de exposição do filme: para isto basta o recurso de abrir ou fechar o diafragma alguns pontos. Estamos falando de qualidade de luz: do efeito que a poeira, as nuvens, a neblina, ou o próprio céu aberto possam ter sobre a luz que cai sobre o tema; ou da cor da luz, que vai mudando durante o dia, desde o0 dourado do

amanhecer, até os avermelhados e roxos do anoitecer, passando, claro, pela luz

branca (a que estamos acostumados) durante quase todo o dia - nuances que modificam as próprias cores do tema e fazem da fotografia de natureza uma arte complexa e muito gratificante.

Mesmo fotos de ação exigem que se antecipe o que pode acontecer, e se coloque em posição no melhor lugar para capturá-la em filme. E então esperar o instante exato em que a ação acontece, para, com a câmera já preparada (lente

focada, a luz já medida, e escolhida a combinação diafragma/velocidade mais adequada), disparar em segundos meia dúzia de fotos com o assunto. Fotos de ação

geralmente também podem pedir uma tele-objetiva, e muitas vezes exigem que se 184

movimente a câmera, acompanhando a ação com movimento panorâmico para manter o alvo dentro do enquadramento.

Mas ainda não falamos de filmes ou de filtros. Num texto sucinto como este, não

há muito o que dizer. Escolher entre filmes para papel ou filmes para slide é questão de preferência pessoal. As fotos em papel podem ser melhores para juntar num album e mostrar aos seus amigos, ou para ampliar para algum quadro na parede. O filme para slides é mais prático quando se planeja mostrar as imagens para uma platéia. E obrigatório, se a intenção é usá-los (os "cromos") para algum

artigo de revista. É preciso dizer ainda que existem filmes para profissionais (que

se recomenda manter na geladeira, e mandar para a revelação logo que usados), e

filmes para amadores (que podem ser mantidos na câmera por meses, para serem

usados aos pouquinhos). Claro que os filmes profissionais, de "envelhecimento" mais rápido, oferecem cores mais gostosas e resultados mais... profissionais. "

Já os filtros podem dar muito pano prá manga, especialmente filtros coloridos com filmes preto-e-branco, usados para eliminar o efeito da neblina ou

ressaltar as cores da mata, etc. Mas neste caso, é melhor ir estudar o assunto num bom livro. A esmagadora maioria fotografa em cores, e os únicos filtros que podem

interessar são os filtros polarizadores, que escurecem o céu e cortam o reflexo da imagem na superfície de um lago ou rio. Ou os filtros de proteção (Skylight 1A),

que além de também escurecerem (muito levemente) o céu, são obrigatórios para

proteger a objetiva de impactos frontais ou arranhões na lente. Filtros coloridos modificam as cores resultantes numa foto, mas isto é tão óbvio e previsível, que nem vem ao caso - resta saber se é isso que você quer: distorcer as cores da foto em

direção ao vermelho, ou deixar sua foto predominantemente azulada, ou amarelada,

etc? Filtros de densidade neutra (ND) cortam a luz que passa através da objetiva, e são úteis em situacões nas quais você quer alongar o tempo de exposição, sem mexer no diafragma plex,

Existem mais algumas coisas a comentar. Uma delas é a respeito de transporte do

equipamento. Se você carrega apenas uma câmera automática, ou uma câmera

reflex com uma única lente, basta enfiá-la numa bolsa que pode estar pendurada à

alça ou a alguma fita da mochila, sempre à mão. Mas se você dispõe de duas ou mais objetivas (p/ex. uma grande angular, uma normal-macro, c uma tele-objetiva ou zoom 70-200 mm), as múltiplas opções podem atrapalhar sua vida, e sua obsessão em usar todas (para as muitas e diferentes oportunidades que aparecerem

à sua frente) vai lhe obrigar a parar a todo instante para trocar de objetiva, tornando sua vida na trilha um inferno - a não ser que você tenha saído apenas para

fotografar. Neste caso você sentirá necessidade de algum tipo de bolsa grande com divisões (e muitos bolsinhos) de onde possa tirar a qualquer momento os diferentes acessórios de que precisar. O problema é que uma bolsa especializada ocupa muito lugar dentro da mochila - e além disso o melhor seria carregá-la a tiracolo, com 185

tudo à mão. Mas a tiracolo ela também atrapalha o próprio andar. Qual a melhor solução? O pessoal que carrega muito equipamento fotográfico parece preferir levar tudo numa bolsa de cintura, clipada acima da barrigueira, e com o volume voltado para a frente, sobre a barriga; posição em que é possível abrir o ziper lee ler

acesso ao acessório que se quiser. Eu acho a solução horrenda, por interferir com o equilíbrio e com a própria função da barrigueira. Mas sou obrigado a reconhecer que, se você "precisa" ter tudo aquilo à mão, é a solução mais inteligente. Ou então simplificar seus objetivos e levar quase tudo na mochila (e também mais protegido

da chuva), deixando à mão apenas a câmera com a objetiva de uso mais provável (a grande-angular ou a macro, dependendo do que você mais gosta de fotografar)

Entre os acessórios, mais importante do que filtros (que você usará apenas ocasionalmente), é bom mencionar um pincel grosso, para remover o pó da câmera; cotonetes para limpar pontos menos acessíveis: papel especial, para limpar a

objetiva ou o visor; um cabo de disparo, se você estiver trabalhando com tripe, um ou dois pacotes de sílica-gel (para absorver a umidade dentro de estojos, bolsas e sacos estanques); pilhas extras; o saquinho de feijões (ou um tripé); um pano ou toalha pequena para limpar as mãos; uma tampa extra para as objetivas, uma pequena chave de fenda e uma Phillips, para apertar algum parafuso solto, ou mesmo abrir a câmera e efetuar algum reparo simples (se você tiver suficiente conhecimento e achar que dá para fazê-lo em campo); loco de lápis de borracha,

para limpar terminais elétricos das pilhas, em caso de oxidação, 2 ou 3 sacos

plásticos grossos, para muitos usos, especialmente para envolver a câmera ein dias de chuva; um saco plástico preto, improvisando uma "câmara-escura" para poder abrir a câmera e remover um filme travado, sem vela-lo; fila isolante ou adesiva,

para reparos provisórios ou para fechar algum saco plástico; e até mesmo um tubo de cola tipo Super-Bond ou Araldite, também para reparos.. A lista vai longe, coni itens dos quais você mesmo já terá sentido necessidade em alguma ocasião Entre cuidados a tomar com a câmera, estão em primeiro lugar nunca esquece la do

sol (e especialmente não deixá-la no porta-luva do carro, onde o calor logo danifica o filme). Outro cuidado, agora ao bater a2 foto, é não usar velocidades muilo baixas, pelo risco de "tremer" durante o disparo, obtendo uma imagem tremida ou borrada

Como regra básica, é bom nunca bater (na mão) uma foto com velocidade inferior à objetiva que se está usando com uma grande-angular (28 mm) podemos usar uma

velocidade de até 1/30 seg; com uma normal (50 mm) podemos bater a foto com

1/60 seg; e com uma tele-objetiva (135 mm) não podemos usas velocidades abarro de 1/125 seg. Para exposições mais longas do que isso, e bom usar sempre um

tripé, e até o cabo de disparo já mencionado. A regra não se aplica, claro, a situações em que estamos fotografando alguma ação, e precisamos "acompanhar" a

passagem de um alvo com o movimento da câmera - p/ex uma canoa em alta velocidade, ou um pássaro ou outro animal que passa correndo pelo cenário

intenção é justamente uma exposição mais longa para "borrar" partes da foto e dar a exata impressão de movimento...

Um último cuidado é ao carregar sua câmera com filme. Não é só a

possibilidade de esquecer totalmente de colocar o filme na câmera, mas também a

chance de não prender corretamente a ponta do filme, que escapa, deixando sua câmera fotografando "a seco". As câmeras modernas evitam o problema puxando o filme com seu motor. Algumas até mesmo puxam o filme inteiro, e depois o

rebobinam quadro a quadro, à medida que você vai batendo as fotos. Mas nas câmeras antigas, de avanço manual, a melhor forma de se garantir é, depois de fechada a câmera, rebobinar de leve a folga de filme no cartucho, e observar depois a alavanca de rebobinamento, para ver se roda à medida que você avança o filme um ou dois quadros até à posição da primeira foto. Se a alavanca roda, é quase

certo que a ponta do filme não escapou. E você pode continuar fotografando tranquilo até acabar o rolo...

AGUIA Altair

Estrelas ao Norte em Outubro

CISNE

LIRATI

0

PEGASO

Deneb

Vega

0

COROA

BOREAL 315

800

187

330

oo

345

30

O

45 60

Meu pai considerava uma caminhada pelas montanhas, o equivalente a ir à Igreja. Aldous Huxley

9 A Próxima Geração Uma namorada. Então um emprego. E uma família. Quase todos nós acabamos passando por isso. E quando a família começa a crescer, a impressão que se tem, é a de que os anos de caminhada e de aventura ficaram definitivamente para trás. Mas você está esquecendo, é claro, do que é que os moleques mais gostam de fazer.

Sair a excursionar com os pais (ou com qualquer adulto) ainda em tenra

idade, é uma aventura incrível para uma criança. E ser introduzido a experiências

selvagens quando ainda criança, é algo quase mágico. Bosques são lugares onde uma criança pode catar do chão algumas sementes, erguer os olhos para uma

árvore, e perceber (ainda que vagamente) como uma coisa dá lugar à outra. O

agreste é uma enciclopédia que explica à criança de onde viemos e para onde podemos ir. Um lugar onde é possível compreender os elos espirituais entre

homens, terra e animais. Um lugar onde uma criança pode sentir a passagem de

uma violenta tempestade, que deixa atrás de si um arco-íris e um rastro de cheiros frescos de terra, folhas e chuva. E também um lugar onde ela pode aprender que

lugares selvagens, mais do que apenas oportunidades de laser, são um santuário a ser estimado e preservado. Não é preciso tentar incutir numa criança uma

consciência ecológica. Exposta à natureza, e com o estímulo certo, um sentimento

de admiração e respeito se desenvolve naturalmente. O seu grande desafio é ensiná la a se maravilhar com o que vê.

Excursionar com crianças também pode acabar sendo uma experiência

que desafia as forças, a paciência, a boa vontade, e até o sentido de humor de qualquer adulto. Pais que antes excursionavam fanaticamente, acabam abrindo mão

deste prazer assim que as crianças começam a chegar: "Excursionar com crianças é muito complicado". "Elas ainda são tão pequenas". "O agreste é muito perigoso". "

Submetê-las ao dia-a-dia da trilha seria muito penoso para as crianças" e "Assim

que elas crescerem mais um pouco, vamos voltar a caminhar" - são as desculpas mais frequentes para se furtar a levá-las para a trilha. E é claro, os mesmos medos dos adultos, de cobras e outros grilos, podem ser usados como desculpa para deixá 188

las em casa. Desculpas sempre bem-intencionadas, mas que lhe roubam (a você, não a eles) a oportunidade de redescobrir o planeta através dos olhos de seus filhos. Para começar, as crianças são bichinhos muito mais resistentes do que

os pais imaginam. É claro que elas não conseguirão andar 20 quilômetros como você, nem enfrentar 5 horas de caminhada por dia. Também não é preciso carregá

las o tempo todo aos ombros, montadas sobre as mochilas - haja pescoço! Mas se os objetivos forem adequadamente dimensionados para as perninhas curtas das crianças, elas o surpreenderão por seu entusiasmo e curiosidade ao longo do dia, até capotarem exaustas (mas ainda animadas) dentro da barraca à tardinha. É preciso arregimentar entusiasmo na mesma proporção, usar de psicologia para

manter vivo o interesse, e inventar programas que as ajudem a encher de novidades (mas com moderação!) o longo dia na trilha...

Existe também o problema inverso. Pais que adoram excursionar provavelmente insistirão em levar suas crianças consigo, assim que elas possam pôr uma

mochilinha nas costas. Mas cuidado: será preciso readaptar-se a novas realidades e

esquecer os objetivos com os quais você estava acostumado. Dosar aquilo que suas crianças podem fazer é questão de (muito) bom senso. Cada idade tem seus próprios interesses, e é capaz de determinado esforço. E forçá-las a excederem aquele limite pode induzi-las (futuramente) a detestarem tudo aquilo -o que é

exatamente o oposto do que queríamos. Outra possibilidade é até acabar provocando algum tipo de trauma (torções, tendinites, etc.) por overdose. Adultos podem apreciar uma caminhada por sua dificuldade, pela distância percorrida, pela paisagem oferecida, ou simplesmente por nos levar de um lugar A até outro lugar B. Mas os objetivos numa trilha são objetivos de adultos, um tanto fora do alcance da compreensão das crianças. Mentalize que, para elas, o ponto alto do dia pode ser simplesmente brincar numa caixa de areia. Com crianças temos que planejar uma

caminhada em função da diversão que possa lhes proporcionar - e muitas vezes é

difícil olhar o mundo com olhos de criança. Mas vamos por idades: Há pais (muito raros) que não hesitarão em levar seus bebês com 1 mês

para a trilha - não há nada de errado com isto. Mas pode ser melhor esperar que

tenham no mínimo uns 5 ou 6 meses de idade. Nesta fase um bebê já consegue ficar

sentado, tem um padrão de sono mais regular, c chora menos. Esta é, aliás, a idade mais tranquila para levá-lo, porque ainda não está rastejando, e pode ser simplesmente acomodado sobre um saco de dormir enquanto papai e mamãe montam a barraca (depois que começa a rastejar, um dos pais terá que ficar sempre de olho). Tudo o que se precisa é carregá-lo. Um sólido porta-nenê é essencial (de

preferência aqueles importados, com armação de alumínio), permitindo que o nenê

possa ser carregado sentado, possa olhar em volta, e possa também dormir quando

quiser. Mantê-lo hidratado no calor, com frequentes mamadas, quer ao peito, quer na mamadeira (água, sucos), é razão suficiente para paradas seguidas de

reavaliação, troca de fraldas, brincadeiras, etc... Já voltaremos ao assunto. 189

A criança de 2 a 4 anos, que já está aprendendo a andar, ainda não desenvolveu o equilíbrio como as crianças mais velhas. A melhor forma de levá-las a curtir

ambiente é acampar em algum lugar (de carro), e então levá-las a piqueniques, em curtas caminhadas ao redor. É essencial escolher uma trilha fácil e larga. não muito

inclinada, onde ela consiga colocar os pés sem hesitação. A criança não consegue se concentrar no que está fazendo por muito tempo - ela anda e pára, anda e para. Por isso varie o programa e crie (ou encontre) alguma coisa nova para fazer

a

cada 15 ou 20 minutos para uma de 2 anos, ou a cada hora para uma de 4 anos Planejamento é essencial em qualquer caminhada, mas é de especial importância ac sair com crianças. Planeje diversão, não algum objetivo específico como chegar ao

alto do Pico Pirolito. "Brincadeira" é o nome do programa catar pedrinhas,

colecionar folhas, observar insetos ou formigas trabalhando, mexer nas pocas d'água e descobrir rastros e pegadas, escutar o vento ou as cigarras. ou mesino parar para um recreio e tirar da sacolinha os brinquedos levados. Sim, não esqueça de levar o Pipo, ou qualquer brinquedo ou bichinho favorito. Vocês não irão longe

neste ritmo, mas quem disse que o objetivo era quilometragem? De qualquer forma, é importante já ter desenvolvido algum condicionamento fisico o gosto por

caminhar, ao redor de casa mesmo, em passeios de 2 ou 3 Km pelo próprio bairro mas qual é a criança de prédio que chega a desfrutar desta oportunidade?

Crianças em idade pré-escolar (5 a 7 anos) já mostram mais equilibrio e dominio

das pernas. Mas ainda não exagere nas pretensões - antes dos 6 anos, elas parecem não entender a necessidade de alcançar um local específico antes de escurecet

quilometragem pode ser aumentada, mas agarre-se ainda a trilhas fáceis, onde o jogo de pés não exija muito da criança. Ela já pode carregar uma mochila leve, com seu lanche, cantil, agasalho e (talvez) saco de dormir

25% do peso dela é um

limite razoável. Caminhadas de um dia são mais recomendadas, corsa de 8 a 10

Km, mas não há razão para se limitar a isto, e excluir um acampamento leve No entanto, como elas raramente têm uma idéia clara de o que acampar envvive, o interessante antes "brincar" de acampar, montando a barraca no quintal de cadou no sítio) e deixando-as tirarem uma soneca lá à tarde, dando-lhes a. chance de se familiarizar com barraca e saco de dormir, de modo que depois ndo tenhain mats medo de dormir num lugar estranho.. Esta é, alias, uma boa ideia até para tinguts

mais velhas (ou mais novas), que nunca tenham acampado.

Crianças de 8 ou 9 anos já conseguem encarar caminhadas de 15 km, e yuentan um dia inteiro de marcha, desde que o ritmo seja leve. Desta idade em diante, clas

começarão a topar coisas cada vez mais ambiciosas, por isso é importante já lhes a

ter dado um condicionamento físico gradual (caminhadas mais curtas), para evitar

lesões por overdose. Crianças mais velhas já conseguem entender o objetivo de um dia de caminhada e já têm motivação suficiente para apreciar a quilometragem

desenvolvida. Já podem ser introduzidas ao uso de bússola e mapas, e adorarão L'

Do

manter algum tipo de registro das caminhadas realizadas. Mas seu sentido de equilíbrio ainda não está totalmente desenvolvido, por isso fique pronto a ajudá-las,

se a trilha estiver escorregadia ou for demasiado íngrime ou cheia de raízes e

degraus. Aliás, não há como deixar de perceber isso: de início talvez você fique até aborrecido com os constantes pedidos de "e aqui, pai, como é que eu desço?" ou

"onde é que eu me seguro?" ou o invariável "mãe, me ajuda..." Parece até que seu filho não sabe mais andar, ee de fato, ele está reaprendendo a usar pernas e pés num

ambiente novo e cheio de obstáculos: galhos e troncos, lama e degraus, riachinhos e pedras cobertas de limo. Tudo aquilo que para você é automático, para ele é novo e difícil. Ele simplesmente não encherga aquela ponta de galho no chão, que vai lhe

prender a perna no passo seguinte. E vai tropeçar, e escorregar, e cair (e chorar),

em lugares que você não teria suspeitado. Não perca a paciência. Nem o bom

humor. Mas tampouco tire um baralo da cara dele, nem seja sarcástico. Mesmo que

por dentro você esteja surpreendido com tanta falta de jeito. Uma surpresa para muito pai desavisado (já passei por isso) é a reação

da criança (mesmo uma de 10 anos, não estou falando de uma de 4) a novidades

desagradáveis que para você passam totalmente despercebidas. Até um mero mede

palmo andando sobre o braço (do pai) pode provocar uma reação de "que nojento!"

mesmo que ela já tenha visto tais "bichos" no ambiente mais familiar do parquinho perto de casa. Um opilião (com suas longas pernas) andando por cima das folhas pode ser motivo de pânico. Uma teia de aranha na cara pode provocar uma crise de choro. Espetar-se na ponta das folhas de uma bromélia pode disparar

lamúrias a respeito dos "espinhos". A criança vê a floresta ao redor com olhos muito diferentes, e muita coisa pode trazer à tona medos inacreditáveis. 191

Pois

acredite! E tenha muita paciência! Muita criança a princípio pode até hesitar em agarrar os galhos cobertos de musgo (por nojo!), e consequentemente não sabera então onde se agarrar. Acostumada ao ambiente asséptico de sua casa ou

apartamento, ela pode relutar em pôr as mãos em galhos "podres", raízes retorcidas e pedras "cabeludas". Claro que é preciso ensiná-la logo a reconhecer e evitar os troncos ou folhas de uma palmeira-de-espinhos (para evitar problemas obvios). Mas quanto ao resto, pode ser quase preciso uma re-educação para lhe devolver a

sensação de maravilhamento que você contava ser tão óbvia e natural (Vou repetir passei por isso)...

Em qualquer idade, encorajamento é aa atitude certa. Aceitar o nimo das crianças, e seu próprio interesse (ou a falta deste) e não forçar nada, uma medida

inteligente - isto exige apenas sensibilidade e bom senso Forçá-la a acompanhar os pais numa caminhada é um tanto difícil: nenhuma criança aceita participar de

qualquer coisa em que não esteja interessada - birra e choro são as reações normars Mas de modo geral, a criança também tem uma vontade incrível de agradar, o fará

qualquer coisa ao seu alcance, para corresponder à expectativa dos pais

- se for

adequadamente motivada. O segredo, portanto, é conseguir se manter entre estes

dois extremos: motivá-la sem exceder as limitações, físicas ou psicologicas, clogs la por seus sucessos, reforçando sua satisfação em sair para caminhar; e respeitar sua vontade de parar e divagar em torno das novidades, dando-lhe muito tempo para brincar e perder-se em contemplações,

Uma coisa que os pais precisam fazer (em qualquer idade), e prestar atenção ao clima (frio ou calor), agasalhá-la na justa medida e hidratá-la abundantemente; prestar atenção aos mosquitos, e usar prodigamente de repelentes,

especialmente de repelentes naturais, que não irritem a pele delicada das crianças (entra aí a preferência de alguns pela Citronela); atender a quaisquer queixas, para que um sapato apertado ou qualquer irritação localizada não se transtorme numa

bolha. Ou que

a fadiga ou uma overdose de trilha não resultem em traumas

ortopédicos. Toda a queixa é sempre importante! Mas isto e lào obvio, que não precisa ser repisado...

BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS

A grande hesitação de pais que gostariam de levar seus filhos numa caminhada parece ser na hora de levar nenês com menos de um ano Claro que terão que ser

carregados o tempo todo, junto com fraldas, água extra para lavar a bunda, els

Claro que os objetivos não precisam ser escolhidos em função da criança, que de qualquer modo não terá muito a discutir a escolha, e os acompanhará apenas como

"bagagem" - mas para começar, é bom moderar a quilometragem E bom lambém escolher um lugar ou temporada em que mosquitos e borrachudos estejam praticamente ausentes. E e imperativo selecionar impiedosamente o equipamento o

comida a serem levados, para reduzir o peso ao essencial, sem um grama inútil. O volume de coisas a serem carregados em função do nenê (fraldas, óleo, comida, roupa extra, e até mesmo mais água) já parecerá suficientemente assustador, mesmo sem acrescentarmos os sacos de dormir, barraca, apetrechos de cozinha e comida para os adultos. É imprescindível fazer uma enorme) lista antes, pois é muito fácil esquecer um monte de pequenos utensílios, que em casa estão sempre à mão.

E é claro, nem mesmo pense em levar seu nenê para a trilha, se você já

não for um excursionista competente, já tendo passado por algumas situações

difíceis (currículo!). Estamos falando agora de trilhas selvagens, não de acampar

com as crianças em Ubatuba ou Florianópolis. Suas decisões devem ser extra seguras, uma vez que é muito grande a responsabilidade de levar crianças pequenas para tais ambientes. Não assuma grandes riscos. Não se justifica partir com mau

tempo (ou sequer com a hipótese de mau tempo), nem escolher uma trilha difícil, e

muito menos perder-se na trilha ou tomar a trilha errada. E se o mau tempo o surpreender, não enfrente a chuva: é mais seguro desistir e voltar imediatamente para casa. Partir com criança (de qualquer idade) que esteja "meio" doente ou

sequer com um começo de resfriado também pode ser um convite a problemas, e coisa a evitar.

Para deixar o nené à vontade num porta-nenê, já se acostume a levá-lo

nele quando sair p/ex. para o shopping center ou super-mercado. Ou mesmo em

casa. Já na trilha, se o tempo estiver fresco (para não dizer frio) cuide de agasalhá lo e mantê-lo aquecido. Acostume-se a checar sua temperatura: pegue nas mãos ou

palpe o nariz para ver se não está sentindo frio. Além do óbvio casaquinho de lã com capuz, vista-lhe uma meia (de adulto) por cima da perna (cobrindo sapato e tudo o mais), prendendo-a ao macacãozinho com um alfinete de segurança. Mas

193

cuidado também para não hiper-agasalhá-lo: palpe a nuca ou as costas para ver se

não está suando. Pare de hora em hora e tire-o do porta-nenê para uma troca de fralda, um suco, ou uma esticada. Colocá-lo de volta no porta-nenê pode ser razão para choro e manha, por mais que ele goste de ser carregado. Cante uma cançãozinha ou sacuda um chocalho para distraí-lo, e siga em frente. Uma vez a caminho, ele logo parará de fazer bico.

A melhor roupa para o nenê é um macacãozinho (de uma só peça) com

pézinhos, de preferência em poliester, embora algodão seja mais confortável. Traga

dois tamanhos, o menor como uma roupa de baixo, e o maior e mais grosso para vestir por cima, se houver necessidade. Por baixo do macacão, uma camisetinha de

algodão flanelado, se estiver frio. Mas num dia quente de verão, tudo o que se precisa é de uma fralda e uma camiseta de manguinha curta. Um chapéuzinho de abas largas o protege do sol, mas não se esqueça do protetor solar. E é claro, um

casaquinho de lã ou de nylon, com capuz, de reserva, para usar no vento. Como, em teoria, você não sairia com crianças na hipótese de pegar chuva, não há necessidade

de ficar se mortificando por vestí-las com roupas de algodão - o perigo destas,

quando molhadas, já ficou bem claro. No seco, o algodão é sem dúvida mais

confortável, especialmente para as crianças. Mas cuidado com qualquer ameaça de mau tempo: o risco de hipotermia é ainda maior com elas, que não têm como se defender do perigo...

Mas há nenes que não aceitam o chapéuzinho. Clipe um guarda-chuva retrátil ao porta-nenê, para protegê-lo do sol e de eventual chuvisco O adulto que

não estiver carregando o nenê (e as fraldas, e talvez mais alguma coisa) acaba carregando a maior parte do equipamento: sacos de dormir para os três, roupa para três, comida para três, mais a barraca, água (para beber, cozinhar, e ainda para lavar o bum-bum). Está percebendo? Sua mochila acaba pesando muito. Ir sozinho

com um nenê é tão massacrante que simplesmente não compensa. Dai a quase obrigatoriedade de dois adultos para conseguir ir acampar com seu nenê Leve sempre um anti-térmico (consulte seu pediatra) e um termômetro infantil no seu

estojo de P.S.

Ah, sim, o problema das fraldas... Fraldas de algodão, molhadas, podem

ser deixadas a secar durante a noite, para diminuir o peso. Durante o dia, uma fralda ou duas podem ser presas com prendedores, fora da mochila, onde secam rapidamente. Por razões ambientais (as mesmas já ventiladas à pág 46), raros serão

os rios ou riachos onde se pode lavá-las com a consciência tranquila. Se tiver que lavar fraldas (onde? numa bacia improvisada com um plástico de chão') e

imperativo fazê-lo longe do riacho, trazendo a água em cantis e despejando a água usada na terra, Fraldas sujas de cocô podem ser lavadas assim, mas se a caminhada é de apenas dois dias, é mais fácil simplesmente guardá-las num saco plástico (para

não espalhar o cheiro) e cuidar delas em casa. E se você preferir usar fraldas descartáveis, elas devem ser todas levadas de volta - sem discussão! 194

Simplifique as coisas: nada de longas jornadas ou de trilhas longe da

"civilização". Planeje acampar cedo, umas duas horas antes de escurecer. Ou mais.

Há um limite para o tempo que um bebê aguenta a ser carregado. Depois disso, seu

bom humor desaba. Por outro lado, o balanço suave o embala, e ele dorme durante a caminhada: dorme até demais, e pode acabar custando para dormir à noite. Ou dormindo pouco e acordando no meio da noite. Não há muito que se possa fazer a

respeito, a não ser ir dormir junto, para tirar algumas horas de sono. E se houver outros campistas por perto, procurar acampar afastado deles, para resguardá-los do inevitável choro nas horas mortas da noite...

Quando você planejar sair com crianças um pouquinho mais velhas, que já estejam aprendendo a andar, não espere andar mais do que um quilômetro por hora.

Mantenha a quilometragem total baixa. Comece de preferência com caminhadas fáceis de um dia, antes de passar a caminhadas maiores, que exijam pernoite. Assim

você saberá que tipos de terreno sua criança é capaz de encarar, como responde a mudanças de tempo, quanto equipamento você precisa carregar. E com a vivência, aquelas idéias espertas que lhe servirão para qualquer jornada futura pipocarão na sua cabeça... Você pode simplesmente começar com uma caminhada de apenas 3 ou 4 Km, e então acampar. Se exagerar na quilometragem, maiores serão as chances de acabar tendo que carregar sua mochila e seu filho. Mas, de qualquer modo, conte em carregá-lo parte do caminho. Especialmente porque as crianças

parecem perder o gás justamente no final da jornada. Assim como os adultos, as crianças renovam suas forças com pequenos lanches durante o dia. Frutas secas ou uma mexirica, um Polenguinho ou um sanduiche levantam o moral e as mantém andando. As crianças parecem se

desgastar cobrindo uma quilometragem maior do que os adultos, especialmente

porque (sem mochilas) estão sempre pulando e correndo para espiar a trilha à frente è voltando para contar as novidades. Por isso mesmo, não esqueça de ficar lhes dando muita água e sucos, para que não desidratem. Não existe uma roupa

específica para levar crianças a caminhar, de modo que você terá que usar seu bom senso e experiência para adaptar a roupa já existente às necessidades da trilha. O que em geral quer dizer: roupa de briga, ou seja, a mesma que usariam no parquinho. No verão, vista-os com roupas de algodão. Tecidos mixtos de

poliester/algodão são mais quentes, menos absorventes, e menos confortáveis, Cores chamativas permitem que você os localize mais facilmente, se saírem de perto. Claro que é conveniente ensiná-las a "não ir muito longe", mas as crianças

não conseguem avaliar a distância percorrida, portanto, fique de olho - ou "de ouvido". Um apito pendurado ao pescoço é uma idéia genial, para ela lhe chamar se se perder ao redor do acampamento. As crianças não conseguem resistir a um apito,

soprando-o a todo momento e acusando sua posição. Levá-las na companhia de outras crianças (e de outros pais) é outra boa

idéia para criar programa (ou para diluir medos e outros problemas mencionados 195

quatro páginas atrás: elas podem então perceber que seus problemas não são só delas). Crianças mais velhas mantém outras crianças menores ocupadas, deixando

que os adultos se preocupem com as tarefas de montar acampamento, etc. Mas não transfira a responsabilidade para outras crianças: é justamente nestas horas que uma delas se afasta e sai por aí, para desespero dos pais. Um truque interessante, então, é lhes ensinar que, se se perderem (ou se se assustarem, ou se perderem de vista o

acampamento), abracem sua melhor amiga: uma árvore. E ali fiquem esperando,

enqua sopram o apito. A mensagem implícita é: não se afastem ainda mais, que

papai (ou mamãe) já vem. Pais mais experientes preferem estabelecer limites para "exploração": não é para ir além daquele riacho, ou para lá daquele bosque, ou daquelas pedras, etc. Também é conveniente lhes ensinarem a não mexerem com

bicho algum que encontrem, por muito fascinantes que sejam - mas o fundamental mesmo é ficar sempre de olho.

CRIANÇAS MAIORES Crianças maiores já curtem os próprios preparativos para a caminhada. Se a sua já souber ler, dê-lhe uma lista de coisas a juntar, e estimule-a a arrumar sua própria

mochila. Isto incute sentido de responsabilidade e de participação antes mesmo da jornada. Quando ela tiver acabado, sente com ela e repasse a lista, encorajando-a a deixar de lado os itens supérfluos - e explicando-lhe porque não serão necessários

Crianças mais velhas já começam a gostar da idéia de ter uma pequena barraca só para elas - e porquê não?

Encontrar locais aos quais levá-las é que exige muita imaginação e sua

vivência anterior de trilha. Quais são os lugares onde você já esteve, e onde poderia

agora voltar com suas crianças, para programas mais suaves? O melhor e pesquisar

29

2

19

ao redor de áreas reconhecidamente turísticas, mas ir um pouco além de onde a

turistada costuma chegar. Itatiaia e Visconde de Mauá, Ilhabela, Ilha Grande e

quaisquer praias, Parques Nacionais em geral, são escolhas óbvias. Na verdade,

lugares não faltam, pois a aventura está nos olhos das crianças, na magia de descobrir...

Ao escolher uma trilha, leve sempre em conta os desníveis a subir ou

descer. Mas evite trilhas com muito sobe e desce. Nada desgasta as perninhas mais

rápido do que isso. Escolha também trilhas bem marcadas: uma trilha bem óbvia evita a frustração de ter que voltar atrás, e oferece à criança pequena a

oportunidade de, de vez em quando, brincar de guia. Trilhas e locais que envolvam água (praias e rios) são um sucesso garantido, pois oferecem às crianças muito lugar para brincar. Evite áreas (ou épocas) de mosquitos ou borrachudos.

Quilometragem não é tão importante quanto divertir-se e voltar com a impressão de ter tido um bom dia na trilha.

O mesmo pode ser dito em relação a "programas": não é preciso transformar o dia numa maratona de atividades, como acontece em algumas destas colônias de férias tão na moda: vá com calma, e use mais a sua imaginação do que

uma lista de tarefas. Como em tudo, moderação! O melhor é deixar que as próprias

crianças descubram suas brincadeiras. Que em geral incluirão brincar com terra e folhas, com água e galhos, etc. - novamente a identificação com a caixa de areia do

E essa, agora! Cadê as crianças?

co

197

parquinho, mencionada ao começo do capítulo. Mas as atividades também podem incluir: descobrir pegadas e fazer moldes de gesso, levar papel e lápis de cor e

fazer desenhos, procurar insetos, olhar e tentar identificar pássaros ou flores. Um

pequeno binóculo ou uma lupa podem ser brinquedos fascinantes. Já é mais difícil

achar o que fazer em dias chuvosos: jogos para dentro da barraca, ler um livro, desenhar num caderno (tudo isto levado especialmente para a ocasião, junto com os lápis de cor)... Mas em acampamentos com crianças, é sempre preferível evitar qualquer chance de pegar chuva.

As crianças mais velhas geralmente gostam de participar das tarefas do acampamento: montar a barraca, buscar água, lavar panelas e pratos, organizar as mochilas para o dia. Se acender uma fogueira for praticável (ou ao menos não

desaconselhável), não hesite: crianças adoram uma fogueira.

Pois a regra n°1 é: seja flexível. Horários rígidos não combinam com crianças. Elas andam num passo mais lento, cansam facilmente, estão geralmente com fome, e dão passadas mais curtinhas. Elas também precisam de muita comida. Muitos lanches. Nada que normalmente elas já não comam em casa. Com elas é

preciso acampar perto de água. Ter à mão uma garrafa térmica com água quente, para fazer um chocolate ou sopa instantânea. Tratar a água em caso de necessidade.

E sobretudo, escolher uma barraca grande: não acredite que barracas de 4 sejam realmente suficientes para 2 adultos e duas crianças pequenas - mas é o máximo

que se consegue levar. As crianças precisam sempre de muito mais espaço do que você teria imaginado: leve também um toldo para armar em frente da barraca e

criar espaço extra. E um grande plástico de chão...

198

Um brinde, pois, ao homem na trilha. Que não The falte comida, que seus cães se aguentem

nas pernas, e que seus fósforos nunca falhem.

Jack London - Contos

10 Sobrevivência! Os adeptos da volta à natureza devem se guardar contra certa fantasia muito interessante, mas falsa: a ilusão de sobreviver do que possam encontrar na mata. Há

uma inocente simplicidade na idéia de sair por aí, e viver do que a terra oferece ou do que dela possa ser arrancado. Na minha adolescência também me interessei

em agarrar e ler qualquer informação útil a respeito de sobrevivência: manuais, dicas, artigos em revistas. E tem gente que fatura uma nota com "cursos de sobrevivência". Não há por que criticar. Tais cursos ao menos tiram a garotada da

cidade e os jogam na trilha ou no mato, dando-lhes uma vivência positiva e uma

introdução à aventura. A preocupação com assuntos de sobrevivência revela uma

saudável vontade de se tornar auto-suficiente, a vontade de tornar-se uma criatura

mais auto-confiante e habilitada (em muitos sentidos), ao invés de continuar sendo

apenas mais um boboca urbano - algo, portanto, muito positivo. Mas cuidado com

essa imagem que promete transformar qualquer garoto - com uma roupa camuflada

e uma inútil faca de sobrevivência a tiracolo - num rambo instantâneo. Passar fome

um dia ou dois pode até ser uma brincadeira divertida. E conhecer meia dúzia de

plantas comestíveis não é mau negócio. Mas conhecimentos de sobrevivência só

The terão utilidade se você cair de avião na Amazônia, ou algo assim. Numa

caminhada a coisa tropeça em dois problemas práticos. Primeiro: é tarefa que ocupa o dia todo, não lhe sobrando tempo ou energia para caminhar e sentir um

progresso (de A a B), ou para descansar e contemplar a paisagem, apreciar um pouco da beleza, ou refletir nos valores mais profundos que (acho cu) são a

motivação primeira para você sair a excursionar. Segundo: as coisas podem parecer fáceis é bonitas nos manuais de sobrevivência, com suas figuras perfeitas de armadilhas, plantas comestíveis e outros truques. Na prática, porém, a teoria é outra, e o lema na verdade é tudo o que anda, pula ou rasteja serve para comer. O

que significa cavocar raízes e retalhar plantas (como fazem nossos primos primatas), devorar larvas e insetos (gostosos, prove um!) e outras atitudes

desprovidas de qualquer elegância. É comer ou cuspir. Pássaros e outros animaizinhos não irão correr para dentro das suas armadilhas (que você levou 199

horas para construir). Você vai precisar ficar à espera por dias, como uma aranha esperando pelas moscas. Nem plantas comestíveis pularão na sua frente gritando "coma-me". Aliás, muito cuidado com o que você põe na boca. se não estiver

habituado a ingeri-las, algumas plantas (mesmo comestíveis ou medicinais), podem

até lhe provocar vômitos, que são uma maneira pouco inteligente de se desidratar. Não ponha tanta fé em manuais de sobrevivência. É melhor levar sua própria comida. Sobreviver é arte difícil, que além de habilidades técnicas de longo

aprendizado, exige muita sorte, um perfil psicológico especialmente decidido e agressivo, um corpo pequeno e magro, razoavelmente fácil de manter do ponto de vista energético, e uma grande área de mata, capaz de sustentar as necessidades de um único indivíduo - e mesmo assim não garante um estômago cheio, mas apenas a

reposição (parcial) do investimento de energia e proteínas dispendidas. Muito

trabalho para tão pouca comida! Nem mesmo o índio sobrevive da mata, já que depende também de sua primitiva agricultura. Apesar de dispor de uma técnica de

fazer inveja a todos nós, ele só vai à mata para complementar sua dieta com um peixe ou uma caça. Por isso deixe de lado a utopia e reveja suas motivações, para

não confundir meios com fins. Aprecie aquelas amoras maduras encontradas na trilha, mas não conte com elas a não ser como uma dádiva, uma bem-vinda surpresa.

Anh Her MA

Visto por outro ângulo, porém, sobreviver pode não ser saber o que

comer, mas como enfrentar o agreste. Como se adaptar ao ambiente. Saber como se conduzir com segurança no agreste, evitando erros ingênuos e acidentes tolos,

orientando-se para não perder o rumo, economizando suas energias, conhecendo as maneiras de se safar das emergências - estas sim, as prioridades corretas para não se deixar arrastar (por ignorância) à armadilha fácil do pânico. Sob este ponto de vista, há realmente muito por aprender, e sobrevivência só é o assunto deste livro,

da primeira à última página. Na verdade, este livro está repleto de dicas e técnicas 200

de sobrevivência. Mas não basta ler o livro, é preciso vivê-lo. É preciso viver as montanhas, acumular dezenas de fins-de-semana caminhando pela mata e por um sem-número de trilhas em diferentes épocas do ano, para acumular experiência e

conhecer o agreste a fundo. Ou mais humildemente, reconhecer o quanto falta conhecer. Essa vivência é a diferença que pode acabar decidindo o desfecho de uma aventura nas montanhas - ou que pode, por outro lado, ajudar você a escapar de uma situação de real sobrevivência, evitando muitas vezes um drama de vida ou morte. Pois as pessoas geralmente se metem em apuros porque acabam, irrefletidamente (às vezes quase gulosamente) abocanhando um osso maior do que conseguem roer. E algumas vezes, portanto, elas não sobrevivem... O mundo "selvagem" não é tão selvagem nem tão ameaçador quanto o

pintam. É simplesmente indiferente à sua presença e ao que lhe possa acontecer. Matas e montanhas não são mais perigosas do que as ruas de nossas cidades. Muito pelo contrário! Mas por serem desconhecidas, nos parecem muito mais ameaçadoras. Cobras, penhascos, tormentas - os perigos são muitos, mas é preciso encará-los na sua devida proporção. É claro, há acidentes, mas a imprensa empresta certo exagero às histórias de tragédias nas montanhas. O agreste não implacável, mas lá você está entregue à sua própria sorte e competência - 'e competência é função de tempo e experiência. Independente de sua competência, no entanto, as

pessoas querem garantias. Garantias de que tudo vá sair bem, de que a caminhada

transcorra em paz e tranquilidade, e de que a volta para casa seja coroada de

sucesso e de bem-estar. Nem sempre é assim. Condutas seguras, bom senso e familiaridade ajudam a evitar os erros mais comuns, que provocam acidentes,

principalmente por imprudência, por desinformação (e por porra-loquice). A glória consiste justamente em conhecer os riscos que você pode vir a correr, e saber-se capaz de safar-se de cada um deles, Mas não há garantias. Nem mesmo para mim, que já escapei de boas... ACIDENTES

Quanto mais você se expuser aos ventos da montanha, maior a chance de se defrontar com um acidente. Talvez não com você, nem com seu grupo, mas com

outros. Estar preparado e saber o que fazer - este é o segredo da competência. Que exige muita reflexão prévia, na cidade, a quilômetros da trilha. Quando a situação explode à nossa frente, não há mais tempo de recorrer ao texto ou de aprender a lição que se deixou de fazer em casa. É chegada a hora de agir. A melhor maneira de evitar problemas é prevê-los. É imaginá-los todos, sem medo nem hipocondria. É conhecê-los na intimidade e refletir com antecedência a respeito deles, e da conduta mais adequada a tomar quando eles finalmente surgirem à frente. É planejar sua resposta às emergências muito antes de se defrontar com elas, de modo que a reação venha espontânea e sem esforço, a

201

Quando se pensa nos perigos da trilha, logo nos vem à mente o golpe súbito.

repentino - o raio que cai do céu, a cobra que ataca, a árvore que despenca, o degrau que cede, precipitando-nos no abismo. E esses perigos são reais.

Mas há outro tipo de ameaças, não tão dramáticas quanto essas, mas até mais mortais. Nós as chamamos de emergências lentas. Elas não se desencadeiam

subitamente. Em vez disso, se arrastam até você, evoluindo imperceptivelmente, insidiosamente. Em geral são acompanhadas de mau tempo e cansaço. A estes se somam fome e sede. Uma emergência lenta se desenvolve a partir da soma de

muitos pequenos erros, de pequenos incidentes, de pequenos azares. E seria

incorreto dizer que ela finalmente ataca. Em vez disso chega o momento em que, com súbito arrepio de reconhecimento, você percebe que está realmente numa fria.

Se há uma maneira de evitar uma emergência lenta é. agarre-a logo, antes que evolua e escape ao controle. Se as condições físicas de alguém começam

a fraquejar ou o moral do grupo começa a vacilar, é hora de dar meia-volta. Ou de bivacar precocemente, antes que os azares comecem a se acumular numa aposta

alta, cujo preço pode ser amargo demais. Se o resto do grupo estiver a fim de tocar em frente a lerro e fogo, não hesite em protestar: eles podem estar terrivelmente errados. Uma situação, já desconfortável, pode simplesmente ficar cada vez pior. E então subitamente o acidente "acontece", completando a tragédia. Pessoas mortas em acidentes no agreste, geralmente ganham no seu

atestado de óbito, causas de morte como: parada cardíaca por "hipotermia", "queda de penhasco", ou "afogamento". O que muitas vezes deveria estar escrito, na verdade, é: morte por estupidez! 202

Pois como você talvez já esteja começando a perceber, a maior parte dos acidentes não "acontece". Eles acabam quase sendo persuadidos a acontecer, provocados por uma série de atitudes inconsequentes. Por descuido, por

negligência, por arrogância. Por pressa! Por maior que seja sua experiência, portanto, um pouco de humildade sempre vai bem. Não desafie as montanhas de graça - elas são sempre mais poderosas! Não saia mal equipado. Não penetre no

agreste mal informado. E na trilha, tenha sempre um olho voltado para o possível perigo: a pedra lisa, de cujo topo um escorregão pode ser fatal; a tempestade, surgindo por sobre a montanha; o tronco podre, no qual um passo em falso pode torcer o pé; a cobra dormindo satisfeita no meio da trilha; o rio engurgitado pela chuva, desfilando inocentemente sua força líquida, impetuosa e mortal. Se pelo menos você estiver consciente dos riscos, tudo bem. Pois a maioria dos acidentes

parece acontecer aos patetas, que apostam suas vidas sem mesmo saber que estão

se arriscando - ingenuamente, descuidadamente, imprudentemente. E na trilha não há lugar para patetas - pelo menos não por muito tempo... RESGATE

Alguns acidentes podem matar na hora, outros não. Mas é raro alguém morrer durante um resgate. Assim, se a sorte lhe sorrir, se você souber prestar os socorros com eficiência, e se a vítima puder rapidamente ser transportada de volta à civilização (horas? dias?), as chances são favoráveis.

Espera-se que pelo menos um integrante do grupo entenda alguma coisa de primeiros socorros. O ideal é que cada um tenha feito um curso de P.S. (sim, mas onde? - plex. na Cruz Vermelha) ou pelo menos lido (e depois praticado)

alguma coisa a respeito. Bons livros de P.S. no entanto são raros - e ainda mais a respeito de P.S. em lugares remotos. Além disso, estes livros enfatizam apenas o

ratamento às lesões traumáticas, como ferimentos e fraturas. É bom lembrar que alguns dos problemas em trilha não são bem desse tipo. É o caso p/ex. da hipotermia e da insolação.

De qualquer modo, é incrível o que um excursionista treinado pode fazer num acidente no agreste, mesmo sem recursos médicos. A condula de P.S. tem o objetivo, primeiro, de salvar vidas; segundo, o de dar conforto à vítima; e terceiro, sem agravar mais suas lesões, o de removê-la para um hospital onde possa receber tratamento médico. Há, portanto, três fases na abordagem de um acidente: Primeira Fase - Salvando Vidas

Esta fase pode ser a mais crítica, a das respostas rápidas e decisivas. A vítima só deve ser removida do exato local do acidente se houver risco imediato, risco de cair, ou de queda de pedras, de se afogar, ou de ser arrastada pela correnteza do rio. 203



Não se apavore com fraturas p/ex. Fraturas não matam - a não ser pela quantidade de

sangue perdida. O que realmente mata são asfixia, parada cardíaca,

sangramentos, e inconsciência (geralmente por asfixia). Por isso, no próprio local

do acidente verifique: se a vítima respira; se seu coração bate; se apresenta algum sangramento importante; se está inconsciente. E logo preste socorros apropriados a) respiração artificial; b) reanimação cárdio-pulmonar completa; c) controle de

qualquer hemorragia pela compressão direta onde sangra; d) posição de coma, de brucos, meio de lado e com as vias aéreas livres. Estes quatro problemas são os que matam mais rapidamente, e a resposta a eles, já há muito ensinada (num curso de P.S.) deve agora ser automática. Segunda Fase - Estabilização

Por esta altura, o objetivo é dar conforto à vítima, aliviar a dor e os riscos de suas lesões e, é claro, evitando traumatizá-la ainda mais por manuseio inadequado. O perigo agora é o choque, um estado de colapso na circulação sanguínea, que faz

com que a pressão arterial caia, e que pode, por si só, ser razão de morte. A pressão pode cair por causa de sangramentos, pela reação emocional (como um desmaio). pela dor, ou pela combinação destes e de outros fatores. Sede intensa e olhar de ansiedade são alguns dos sinais. Pele fria e palidez, outro, mas o choque deve ser

tratado precocemente, quer já haja sinais, quer não. Desaperte as roupas. Mantenha a vítima aquecida deitando-a num saco de dormir e isolando-a do chão com um

colchonete, ou pelo menos envolvendo-a com agasalhos secos, pois, reduzido à imobilidade, o corpo perde sua capacidade de gerar calor pelo exercício muscular, 204

Se for o caso, enfie-a num saco de dormir junto com outra pessoa - um doador de calor, como já foi mencionado em Hipotermia. A não ser que a vítima tenha sofrido lesões graves na cabeça ou no

tronco, eleve-lhe as pernas, repousando-as sobre algumas mochilas, e com isso aumentando o volume de sangue disponível para o coração e cérebro, numa espécie de auto-transfusão - isso em sangramentos importantes, claro. Se estiver consciente,

fale com ela: converse, acalme-a, reconforte-a. Isto é muito importante, removendo

o elemento ansiedade-medo, muitas vezes responsável por grande parte do estado

de choque. Se ela puder beber e não estiver vomitando, dê-lhe pequenos goles de fraca solução salina - como uma sopa quente. Mas nunca force uma vítima

inconsciente ou semi-consciente a beber qualquer coisa. Nestes casos, coloque-a na posição de coma, bem agasalhada, e fique de olho para garantir que ela continue respirando, e que vômito, sangramentos nasais ou orais escorram para fora e não sejam reaspirados.

4 Posição de coma... 205

Enquanto trata o choque, faça um exame mais minucioso. Olhe, apalpe e ouça. Procure descobrir ferimentos (com ou sem sangramento), fraturas e luxações, e

e trate de acordo. Cubra ferimentos e queimaduras com um curativo. Imobilize

fraturas, para que ao movimento não causem mal maior: novas lesões e dor. Ou seja, previna maiores complicações. Saiba o que fazer e por quê fazê-lo.

Ao mesmo tempo vá pensando o que vai acontecer a seguir. O que pode significar apenas buscar ajuda, enviando (se possível) duas pessoas com uma mensagem escrita, resumindo o que aconteceu, onde, quando, com quem, e que espécie de ajuda é necessária. Na excitação do acidente, não se esqueça do resto do

grupo. Providências terão que ser tomadas, e entre outras coisas é importante montar um pequeno e confortável acampamento para todos. Aqui mesmo, ou a uma distância mais segura do local do acidente.

Terceira Fase - Evacuação

Na maioria das nossas áreas de caminhada não há muita dificuldade em realizar um

resgate rápido (um ou dois dias), pelo menos com bom tempo. A maior dificuldade

206

talvez seja mobilizar gente suficiente, o que pode levar outro tanto. Se houver gente

suficiente, uma maca pode ser improvisada com troncos e corda, e manobrada ao longo da trilha. Mas são necessárias de 6 a 8 pessoas para carregá-la, com mais algumas disponíveis à frente, às quais ir passando a maca por sobre obstruções e valetas. Sem contar as reservas para substituições, pois é trabalho pesado. Por isso, a não ser que o caso seja muito grave, que o terreno seja fácil, ou sejam inúteis as esperanças de contar com mais gente, espere primeiro reunir de 15 a 20 pessoas,

para que a evacuação seja rápida e contínua. Do ponto de vista da logística, será preciso preocupar-se também com alimentação e acomodações para toda essa gente embora se espere que os socorristas tenham sido suficientemente espertos a ponto de trazerem sua própria comida e equipamento.

É mais fácil (claro) quando o acidentado consegue sair dali andando,

mesmo que com ajuda. Uma das lesões mais comuns é p/ex. um pé torcido, que

apesar da dor forte, pode melhorar dramaticamente com repouso e enfaixamento, permitindo que um dia depois a vítima possa sair andando, sem carga e apoiada ao ombro de um companheiro. Mas bem devagar e sem machismos. A dor ainda é o melhor indicador. Se ela achar que não dá, opte por uma evacuação em maca ou cadeirinha.

Mas tudo isso são considerações gerais, é claro, pois primeiros socorros,

a resposta a um acidente, e principalmente resgate e evacuação, são assuntos complexos, que dependem das circunstâncias e do local, e difíceis de abordar de forma tão sucinta num livro que prelende ser apenas uma introdução às caminhadas e à aventura. Em Primeiros Socorros em Montanha & Trilha, meu outro livro, eu me aprofundo bem mais no assunto. Leia-o, reflita a respeito, e se prepare para o que você possa ter que enfrentar um dia. RESERVAS

Em muitas situações somos levados ao limite de nossas forças por circunstâncias adversas, pelo acúmulo de fatores que julgamos muito acima de nossa capacidade de enfrentar. (Para quem ainda não percebeu, estamos novamente falando de sobrevivência)...

O que muita gente não desconfia, é que dispomos de reservas, de um

"segundo fôlego" com sobras de energia, força e resistência acumuladas em nossa mente, às quais raramente apelamos, e das quais geralmente nem temos conhecimento. E por não conhecê-las, não temos como mobilizar na emergência, e sobreviver p/ex. a uma noite tempestuosa, atravessando a noite toda a nos arrastar, para emergir vivo pela manhã, enquanto outros teriam sucumbido. Claro, você poderia dizer que isso exige apenas forma física

e forma

física é uma dessas reservas, já discutida rapidamente à pág. 32. Uma pessoa em 207

boa forma se cansa muito menos, se machuca menos, suporta melhor o frio e o

desconforto -- e com isso está muito mais apta a extrair de qualquer experiência muito mais prazer e sabedoria. Para se manter em forma, nada melhor que andar, correr, nadar, pedalar com regularidade. Um programa de condicionamento, mesmo que de apenas 15 minutos ao dia, só ajuda a construir reservas físicas. Mas

como já dissemos, um modo de vida saudável é mais decisivo do que tanta

malhação. É inacreditável: as pessoas gastam fortunas em academias, mas continuam congestionando a calçada num esforço de estacionar o carro a dez

metros da academia. Ou pegando seus carros para ir ao super-mercado ou à

padaria, a 2 quarteirões de casa. É preciso viver mais saudávelmente, não hesitando em caminhar estes quarteirões, em subir escadas em vez de esperar pelo elevador. em andar com determinação ao invés de simplesmente se deixar levar

Mas a despeito das verdades acima, a qualidade mais importante em

situações de sobrevivência não é sua resistência física - é calma É bom senso

Muitas pessoas morrem, todos os anos, em pleno gozo de sua excelente forma física, ou equipadas com o que há de melhor em equipamento, simplesmente porque não sabem usar seu computador de bordo, e sucumbem ao pânico, Independente da forma física, portanto, existe também o fator vontade -

a vontade de sobreviver, a vontade de resistir toda uma noite (e mais o dia seguinte, ou o tempo que for preciso, uma hora de cada vez) ao sono, ao stress, al

incerteza e ao cansaço

e triunfar sobre os azares da fortuna O que queremos

enfatizar aqui, portanto, são as reservas emocionais, reservas mentais que

permitem a pessoas aparentemente comuns (mas de inabalável vontade) enfrontar

desafios aparentemente muito acima de suas forças, e se dar bem São pessoas que no limite de suas possibilidades conseguem perseverar, encarar um alvo e dar mais cinquenta passos, andar mais meia hora, resistir outro tanto, e depois mais um pouco, e no final das contas superar-se, enquanto outros fracassam. Isso não se laz

ao acaso. Consciente ou inconscientemente, tais pessoas tèm exercitado sua

vontade ao longo de anos de pequenos ou grandes desafios, até aprenderem a

construir e mobilizar suas reservas, muitas vezes surpreendendo os companheiros esgotados. Como tudo o mais, é questão de treino, mas o simples fato de saber que elas existem, que você é capaz de muito mais do que imagina, pode ajuda-lo a descobrir suas próprias reservas, numa noite escura e tempestuosa. E então nunca mais terá medo de tentar coisa alguma.

Pois isto também já é bastante sabido pessoas que já passaram por situações de sobrevivência, têm chances muito maiores de sobreviver em ocasiões futuras. Colocando de outra forma, quem já passou por uma daquelas noiles

terríveis, descendo p/ex. a montanha debaixo de chuva e vento, ou sobrevivendo àquela tempestade no mar, ao velejar com um amigo, ou perdendo a trilha quase no final, sendo obrigado a varar bambuzal fechado por dois dias (sem comida), sabe muito bem como sobreviver da próxima vez! Justamente porque, além de bom senso e vontade de sobreviver, já arregimentou na sua bagagem outras 209

qualidades importantes: o otimismo, mesmo em situações aparentemente

desesperadoras; a "capacidade de tolerar experiências bizarras", que é outro nome para a habilidade de se manter calmo em situações de emergência, de não entrar em parafuso quando qualquer coisa sai do normal. Tudo isto é sobrevivência. Mas, como você já percebeu, não tem nada a ver com aqueles truques bobos dos manuais do ramo...

E tendo feito tudo,

no sétimo dia

saiu a excursionar...

casc

E viu 209

que

Tudo o que Tinha criado

era bomood

Nunca se deveria perguntar: Porque é que um homem faz isto? A pergunta mais pertinente seria: Se um homem encontra

tanto prazer num determinado ato, porquê faria outras coisas

além dessa?

James Michener - Os Rebeldes Porque faço isto realmente?

Estou sendo sincero?

E afinal de contas, quem se importa? Jacques Cousteau - Planeta Aquático

Reflexões.. Caminhar pelas chapadas e descobrir paisagens distantes, apreciar o pôr-de-sol nas montanhas e a noite que chega, cobrindo o agreste com seu silêncio e estrelas -

caminhadas são apenas o começo da aventura. Dominados os rudimentos, existem outras opções para canalizar suas energias, cada uma delas uma especialidade

excitante: bicicletar por estradinhas e trilhas nas montanhas, escalar suas paredes 'rochosas, descer os rios em infláveis ou sair para o mar em pequenos caiaques, penetrar nos subterrâneos da Terra e visitar suas cavernas. Para alguns, lais aventuras permanecerão sempre como uma forma de lazer, divertida, leve, e sem

compromissos. Quase dispensável. Para outros se transformará em verdadeira

obsessão, e até motivo de preocupações e conflitos. Se você é um destes, talvez encontre aqui alguma resposta a suas indagações.

Pois invariavelmente chega o momento em que você se pergunta, sério "O que é que eu estou fazendo aqui?" Ou com certa dose de humor "Por que é que eu não sou um cara normal, e não curto futebol e novela, como todo mundo'" É

claro, nunca será nos instantes idílicos, como ao amanhecer, quando as estrelas se apagam dando lugar às tintas da aurora, ou quando a neblina se abre à cardinha,

revelando à frente picos e cristas ainda mais altos, envoltos em brancas nuvens. Ao

1

contrário, será sempre nos instantes difíceis, de perigo ou desconforto, de confusão

ou desespero - atolado p/ex, na lama da trilha, no extremo de suas reservas lisicas, tentando adivinhar no escuro o rumo a tomar Ou imobilizado debaixo de chuva

torrencial, com o frio e o medo a lhe apertarem a carne, e tendo que suportar com

indiferença situações aparentemento intoleráveis. De volta ao conforto e valor da cidade, as lembranças desagradáveis de trio, lama e medo logo desaparecem,

cedendo lugar às lembranças de beleza e encantamento

mas sempre fica a

indagação: porque somos impelidos a tais situações? Pois é evidente que más

lembranças não o impedirão de procurar novamente as montanhas. E vez por outra, ao longo dos anos, você se verá novamente exposto as mesmas situações, com dúvidas íntimas a respeito da sua própria saúde mental, ou de suas inexplicáveis 21.0

0

que

é?..

Mas o que é mesmo que eu estou

fazendo aqui?..

AED

tendências a uma refinada forma de masoquismo, às vezes nos limites da auto preservação.

É então que começamos a buscar (ao menos para nós mesmos) uma explicação para o que fazemos, ou porquê precisamos tão avidamente de aventuras.

Pois é evidente que, pelo menos para alguns de nós, a aventura parece ser algo de

que precisamos, tão compulsivamente como uma droga. Fala-se muito em coragem, mas a coragem em si não justifica a compulsão de nos atirarmos rumo ao desconhecido. Coragem pode ser um ingrediente, uma condição inerente à aventura

(e aventureiros se distinguirão pela maior ou menor coragem - ou pelo grau de autenticidade com que se entregam à aventura), mas não explica o porquê, a força

motriz por trás de nossos impulsos. O exercício traz benefícios, claro, e caminhadas

e outras atividades similares poderiam ser consideradas apenas esportes como

outros quaisquer. Mas há um denominador comum, indeſinível, sutil, presente em

todas as formas de aventura, que é o risco - risco de vida, risco à nossa integridade física, maior ou menor conforme a forma de esporte e a maneira como a ele nos

entregamos. Mas de qualquer modo sempre um risco - avaliado, aceito, enfrentado.

E dominado - por força de nossa experiência, coragem, e às vezes um toque de sorte. Temos necessidade do risco, ou da sensação de risco, assim como de sal em nossas vidas.

Pouca gente aceita o risco como coisa racional, como uma coisa

desejável, ou sequer como uma coisa boa. E muito menos como uma coisa útil.

Recentemente, porém, psicólogos e fisiologistas começaram a se debruçar sobre esta faceta do comportamento humano, procurando resgatar uma razão mais

plausível do que as mais óbvias (e tolas) explicações: fuga da realidade, mania de

se provar, de se testar, ou até mesmo (ai!) um impulso doentio de auto-destruição. E descobriram coisas positivas a respeito. Descobriram em primeiro lugar que tais pessoas não são suicidas nem buscam o terror, p/ex. de se ver imersas numa 211

experiência sobre a qual não têm nenhum controle (como os brinquedos de horror em parques de diversões). Ao contrário, elas escolhem um esporte, e se ajustam a um nível calculado de risco, que se encaixe na exata proporção de suas habilidades - nem muito abaixo, para não cair no tédio; nem um milímetro acima, para que o prazer não se transforme em medo. E à medida que sua competência, calma e habilidade crescem, à medida que aumenta sua capacidade de enfrentar o desafio, e

elas reajustam automaticamente o nível de risco, para que o esporte mantenha sempre o sabor de conquista, e elas continuem desfrutando sempre da mesma e sutil sensação de auto-realização. "Brinco, portanto existo!" Isso, no entanto, poderia se aplicar a qualquer esporte.

Mas os psicólogos descobriram também que o risco desperta em nós uma "resposta". Praticados adequadamente, ou seja, levados às suas últimas possibilidades, para se defrontar com o risco máximo que conseguimos controlar, tais esportes retribuem com poderosa resposta cerebral, com uma sensação de

libertação dos sentidos e da destreza. Com um estado em que intensa excitação das

percepções se junta à sensação de máximo desempenho do seu potencial físico e

mental (com formidável exibição de habilidade pessoal, como se ao toque do perigo o corpo todo se mobilizasse para dar o máximo de si - o que realmente

acontece), culminando numa inebriante consciência de harmonia entre corpo e mente, numa quase mágica sensação de maestria, de dominio das circunstâncias. E

nos casos mais intensos, com uma percepção mais profunda da realidade ao redor, e uma compreensão mais rica de si mesmo e do seu potencial - uma experiência psíquica que transcende a mera realização esportiva. Quanto mais alto o risco e a

capacidade de controlá-lo, mais intensa e duradoura é a resposta - e maiores o

prazer, a consciência e sabedoria atingidos. Mas o risco é lâmina de dois gumes é preciso cuidar que os riscos não ultrapassem a capacidade de controlá-los, do

contrário a única resposta será o terror. É o que acontece p/ex. com os novatos em qualquer nível, antes de construirem competência suficiente para controlar ao menos um mínimo de risco.

Mais do que pura euforia de haver sobrevivido a um conjunto de desafios, da experiência da aventura emergimos nos sentindo tão "vivos”, que outros aspectos da existência nos parecem pálida sombra do que a vida poderia ser, Este é o aspecto sedutor da aventura: as pessoas não se entregam a perigosos desafios porque querem morrer ou se alienar, mas porque querem viver mais intensamente. Como mínimo, elas podem aí encontrar um antídoto à impressão de mesinice de suas existências, à monótona rotina de um mundo cada vez mais homogêneo e estereotipado. Na trilha, na face das montanhas, ou nas fendas do planeta, totalmente entregues a si mesmas, sentem-se (ao menos por horas ou dias)

senhores do seu próprio destino. Esta experiência pode até mudar nossa maneira de pensar ou de encarar a vida, e a sensação de enriquecida percepção aumenta nossa

auto-estima, nossa coragem e auto-confiança, e nossa própria percepção de valores.

Inteligentemente compreendido e aproveitado, esse impulso pode ser usado de

212

forma criativa, para enriquecer nossas vidas, revelando nosso potencial, e estimulando nossos dotes intelectuais ou artísticos. Tal é a contribuição dos esportes de risco, e se o assunto escapa à discussão sobre caminhadas (já que nestas o risco é pequeno, embora nem por isto uma fraca resposta deixe de existir) ao menos traz uma visão positiva e um conforto àqueles que se preocupam com seus

impulsos tão inexplicados, e aparentemente tão insanos mas no fundo, tão normais...

Eu também, por muito tempo, procurei compreender esse tipo de

impulso e encontrar uma explicação para a sede de aventuras que sinto dentro de

mim. No entanto, para mim a aventura, na sua essência, é uma experiência mais filosófica do que física. Assim como a função da arte p/ex. é reafirmar alguma coisa a respeito das visões do homem, a função da aventura é reafirmar algo a

respeito do espírito do homem, dos seus limites. Ou talvez justamente da ausência

de limites ao que o homem pode fazer. Da ausência de limites ao esforço que o homem pode exigir de si mesmo. Mais do que mera questão de afirmação pessoal, a aventura no meu caso parece ser antes uma necessidade de expressão espiritual, assim como outros têm necessidade de se exprimir através da música, de matemática, ou de linguagens abstratas, como forma de realização individual. E se não disponho de nenhuma explicação tão "científica", ao longo dos anos acabei

chegando a uma teoria pessoal, que pelo menos me reconforta e me satisfaz plenamente, por seu conteúdo mais filosófico: Somos portadores de "gens irriquietos". Assim como certas pessoas

abrigam em si dons especiais como a habilidade artística, a inspiração religiosa, o dom de curar, ou o gênio científico - dons com certeza presentes em qualquer um, -

diluidos no interior de nossas células, e nestas pessoas finalmente revelados por alguma misteriosa combinação genética

também alguns de nós

fomos

“agraciados” com obscura herança genética que nos impele ao desconhecido, ao agreste, rumo às estrelas, a expandir os limites do mundo conhecido. Adormecidos e talvez até socialmente inúteis, mas presentes em cada um de nós, em algumas

pessoas esses gens desabrocham como um dom, e se revelam então como uma força viva, que não encontra outra expressão visível senão a do anseio por fronteiras a desbravar. É um dom do qual se orgulhar. Somos os portadores do fogo, e embora as fronteiras há muito tenham desaparecido, continuamos a carregar vivos dentro de nós a mesma herança genética que há um ou dois milhões de anos

impeliu alguns antropóides pelados sob o céu da África a se erguerem da savana e partirem rumo à conquista da Terra.

213

1

Um Apêndice sobre Meteorologia Durante anos venho tentando resumir (ainda que para mim mesmo) algumas noções básicas de

meteorologia, que pudessem ser repassadas de forma rápida a leigos (como você e eu), e que pudessem nos ajudar a olhar para cima e ruminar alguma previsão para os próximos dias. Algo de prático, que não exigisse profundos conhecimentos que só interessam de fato a quem está estudando meteorologia

Mas acho que não consegui. Pois é difícil resumir em poucas páginas algo tão complexo e rico como o

clima. Para começar, teriamos que falar de massas de ar; de centros de alta e de baixa pressão, e de como tais centros determinam as direções de ventos; de ventos típicos e do que podem trazer; de frentes frias e quentes, e de como o encontro destas pode mudar o tempo, da evolução das condições tempo,

e de como prever estas mudanças a partir de mapas do tempo: ou dos tipos de nuvens e, finalmente, de

como, a parur da observação destas, podemos igualmente deduzir, em campo, as mesmas mudanças nas condições climáticas, etc. Isto supondo primeiro que, em linhas gerais, você conhecesse alguma coisa do ciclo da água, ou como se comportam massas de ar quentes ou frias, ou até mesmo que saiba o que é alta ou baixa pressão - isto já é física elementar! E mesmo depois de tudo dito, o seu único lucro prático, a única coisa de que você poderia realmente se gabar, seria poder prever a chegada de uma

frente qualquer (com suas instabilidades e precipitações), a partir da observação das nuvens, e do seu

comportamento nos últimos dias. Nada que seu radinho de pilha também já não lhe pudesse ter informado bem antes

Vamos começar pelas nuvens. Nuvens são, é claro, o resultado visível da condensação da água, quando

esta, escapando da superfície sob forma de vapor, sobe na atmosfera, resfria-se e se condensa - ai

aparecem as nuvens - e acaba voltando a se precipitar como chuva ou neve. (Isto, muito rapidamente, c o ciclo da água) Uma classificação antiga, mas muito didática, dividia as nuvens simplesmente em cirros, estratos, cúmulos e nimbos Os cirros seriam nuvens altas e diáfanas; a palavra estrato definiria nuvens que se

apresentam em camadas, qualquer que seja sua altitude; os cúmulos seriam as nuvens encasteladas de bom tempo, e os nimbos seriam as nuvens escuras de chuva Os meteorologistas conseguem complicar as coisas, e dividir as nuvens em 10 tipos diferentes, mas vamos ficar com nossa classificação simples,

Identificar as nuvens pode ser divertido Mas exceto pelos nimbos, de significado óbvio (chuva') saber que tipo de nuvens temos agora no céu não importa muito. O que importa é observar como o padrão de

nuvens evolui, de un tipo de nuvem para outro, ao longo das horas ou dias - plex. dos curtos para estratos cada vez mais baixos, até desaguar nos nimbos, com chuva Ou dos cúmulos de bom tempo,

que podem ir se aglutinando, até formar nimbos (ou crescer até o estágio de uma gigantesca cúmulo nimbo), novamente com chuva. Já voltaremos a isto. Primeiro ternos que explicar alguma coisa a respeito de massas de ar. De fato, o que nós entendemos por tempo firme ou estável, são as condições, relativamente uniforines, encontradas debaixo de uma ou outra das massas (de alta pressão) que abaixo inencionamos 215

Cirros

Nimbos

Estratos

Cúmulo nimbos

COM Cine Sanges Cúmulos

A dinâmica de forças provocadas pela rotação do planeta faz com que o ar se acumule em certos lugares como massas ou centros de alta pressão Tente imagina-los como grandes montanhas de ar

debaixo das quais o peso deste ar exerce uma pressão que é maior do que ao redor (nos mapas meteorológicos, estes centros de alta pressão tanibém são representados com "curvas de nivel" concêntricas, como as montanhas dos nossos mapas topográficos) Essas massas de ar adquirem características próprias, ao estagnarem durante algum tempo (dias) per sobre um oceano (umido), ou sobre um deserto (seco e quente), ou sobre uma area gelada. Os ventos que das fluein para fora

carregarão junto ar quente ou frio, úmido ou seco, caracteristico desta massa ou centro de alta pressão O que é importante é que massas de ar de diferentes ongens ou trajetónas não se misturam de boa vontade. Onde elas se tocam existe uma divisa, conhecida coino frente. As frentes são limites entre massas de ar de diferentes densidades, e também têm nos mapas meteorológicos uma representação gráfica. Os mais importantes padrões de tempo são o resultado justamente da confrontação entre duas massas de ar, especialmente una massa mais tria (ou menos quente) e outra mais quente (ou menos fria, e geralmente mais carregada de umidade) Essas massas se roçam ao longo da trente, geralmente de centenas de quilômetros de comprimento, caracterizada por nuvens c precipitação, mudanças de temperatura e um núcleo de baixa pressão que você pode tentar visualizar como um ponto onde a frente se quebra, formando como que uma gigantesca bacia, com pouco ar dentro, dar a menor pressão A pressão (observada plex num barómetro ou altimetro) cai à medida que a frente se aproxima, e volla

a subir depois que a frente passat

Se é uma massa de ar quente que avança sobre outra mais fria (ou menos quente), temos uma frente quente Se é o contrario, com o ar quente recuando em relação ao ar frio, temos uma frente fria Até al

tudo bem. O ar quente, mais leve, tende a subir por cima do ar mais ino e mais pesado Em contrapartida, o ar mais frio e mais pesado pode ser imaginado como uma cunha enfiada por baixo du

ar quente, recuando ou avançando De qualquer modo, a superficie que separa as duas massas ile ar não é vertical, inas inclinada, com o ar quente em cima e oa fro embaixo. No caso de uma frente quente a inclinação é longa, mais ou menos ao redor de 17100 No caso das frentes fras e mais curta, digamos

da ordem de 1/50

216

ar quente

cirrus

Frente Tria

estratos musicais vui

ar

frio

ar

frio

ar quente

sonucu

nimbos Frente Quente

Na frente quente o ar quente e úmido é empurrado para cima, subindo ao longo da cunha de contato entre as duas massas de ar. E o resultado é o resfriamento e condensação do vapor d'água, com a

formação de nuvens, claro. Cerca de 800 Km à frente da "frente", e a digamos 8 Km de altura,

começam então a aparecer delicados cirros. Mas à medida que a cunha desliza por cima de nós, as

nuvens começam a se espessar e a baixar de altitude, apresentando a sequência clássica de estratos cada

vez mais baixos, e finalmente chuvas. (E aqui temos, portanto, uma dica de como a observação de

mudanças no padrão de nuvens pode ajudar você a perceber antecipadamente uma deterioração no tempo). Esta faixa de chuva diante da frente pode ter entre 300 e 500 Km de largura. A chuva mais pesada ocorre, é claro, ao final, onde a frente passa ao nível do solo. Mas logo a temperatura começa a se elevar, a chuva diminui, a camada de nuvens diminue de espessura e desaparece, e daí a alguns dias (quantos?) voltamos a ter bom tempo.

Numa frente fria acontece quase a mesma coisa, só que ao inverso. Como a inclinação da cunha é

maior, as mudanças são mais rápidas e mais violentas. É mais difícil perceber uma evolução. Chuvas pesadas ocorrem durante a passagem da frente, com a entrada de cúmulo-nimbos escuras e

ameaçadoras. A sequência de estratos baixos a cirros ocorre numa faixa estreita por trás da frente, e em muitos casos o céu depois limpa-se rapidamente, com lempo frio e limpo por uns dias. Mas nem

sempre. Às vezes o ar frio é instável e cúmulo-nimbos de bordas baixas e esfarrapadas se desenvolvem facilmente, resultando em tempo frio com chuvas. Imagina-se que as frentes frias venham geralmente do Sul, e que as frentes quentes desçam do Norte,

mas isto são apenas generalidades. Nas latitudes entre 20 e 30º Sul (justamente entre o Rio Gran do Sul e o sul de Minas Gerais) o tempo tem características relativamente instáveis, por ser a zona de contato entre massas polares e equatoriais, ou seja, a faixa de transição, onde frentes frias vindas da Argentina se dissipam, trazendo mau tempo e tornando mais difícil quaisquer previsões. Já acuna

destas latitudes, a presença de centros estáveis de alta pressão traz tempo mais firme, dia após dia, diminuindo as preocupações quanto ao tempo que fará amanhã

Isto não ajuda muito ao excursionista imerso em mau tempo nos ombros da serra, ou esperando que a neblina de convecção vá-se embora, empurrada por ventos contrários Tanto quanto poder prever o mau tempo que se aproxima, muitos desejarão saber quando é que o mau tempo irá embora

para

decidir se é melhor desistir e bater em retirada, ou esperar para continuar sua jornada sob melhores condições amanhã ou daqui a algumas horas. O que sobrou de concreto depois de todo este blá-blá-blá?

Muito pouco, acho. Não é só de frentes e nuvens que vive a previsão do tempo Há detalhes que todos gostariam de poder prever, plex se de fato vai ou não chover, se a chuva vai demorar pouco ou muito a

passar, se v dia promete chuva ou bom tempo Marinheiros e o povo do sertão têm seus próprios sinais, 217

baseado na observação de animais, do orvalho, do jeitão da fumaça a subir. da Lua das cores do ceu. ou dos ventos a rondar.

A tradição popular juntou sua experiência em versos, cantando-os em amas que foram recolhidas pelo folclore. Empírica como possa parecer, existe neles muita sabedoria, ainda que meteorogistas possam se atrapalhar um pouco para conseguir uma explicação lógica e científica, invocando fatores como a poeira em suspensão no ar, a pressão atmosférica mais alta ou mais baixa, etc Rosado sol posto

Vermelha alvorada Vem mal encarada

Cariz bem disposto

são dois versos bem conhecidos a respeito do tempo. Canz é o aspecto do céu Cerração baixa é sol que racha

Depois da chuva, nevoeiro,

Tens bom tempo mannheiro

Se vem chuva e depois vento,

Horizonte puro

Põe-le em guarda e toma tento!

com fuzas brilhando

Se tens vento e depois água,

com calor seguro

Tersis dia brando

Deixa andar, que não faz mágua.

Decore estes versos, e procure aplicá-los a situações práticas, em Iniha Voce logo perceberá que a

cerração da madrugada muitas vezes da lugar a tempo bom com sol quente pelo meio da manhà - undo ser que você esteja numa posição em que massas umidas trazidas pelo vento se condensam ao contato com as encostas das montanhas, como na crista das serrus ( reflexo de relâmpagos no céu escuro (os

fuzis brilhando), que às vezes nos enche de receio durante noites estreladas, nada mais são do que as

flashadas de cúmulo-nimbos descarregando suas trovoadas sobre planícies distantes mas o tempo

geralmente se mantem firme e ensolarado no dia seguinte. O espaço aqui e pequeno deras para continuar recitando rimas populares sobre o tempo, que geralmente esbarra das particularidades do micro-clima regional, mas guarde esta última que condensa perfeitamente a perplexidade do homem diante do tempo que o surpreende - bom ou ruim

Quando quiseres menur, Fala do tempo que ha de vir

218

POST-SCRIPTUM COMENTÁRIOS QUE EU ESQUECI DE INCLUIR NO TEXTO ANTES DE FECHAR A EDIÇÃO Vacinar-se contra o tétano é atitude sensata. Se você já se vacinou alguma vez, revacine se a cada 10 anos.

Não se entusiasme muito com aquelas tampas de mochila destacáveis, que

viram pochettes - no caso de você precisar levar pouca coisa para algum outro lugar,

digamos, uma caminhada alternativa. Alguém inventou esta bobagem para se destacar da concorrência - e foi universalmente imitado. Mas basta que você perca sua pochette, e -

e

perceberá os problemas para arranjar outra tampa para a sua mochila. Se você acha que pode precisar de uma pochette (ao invés da mochilinha acessória, já mencionada) compre uma pochette avulsa, tão grande quanto queira, e enfie na sua mochila...

Outra coisa que acho que não expliquei bem, é a função da armação da mochila. Uma mochila não precisa de uma armação. Eu mesmo tenho duas boas

mochilas americanas sem armação. Mas é preciso empacotar suas coisas dentro dela socando-as bem, para que no uso, depois de horas, a mochila não vá se dobrando (como

uma banana mole) e acabe tocando nos ombros, descarregando ali algum peso. A armação da rigidez ao pacote, e evita este problema, sem que você precise se preocupar em encaixar tudo dentro, como um quebra-cabeças espacial...

A respeito de barracas para caminhada, é uma queixa universal o fato de que seus avancês são ridiculamente pequenos, servindo apenas para guardar as mochilas boa coisa, pois pelo menos elas não se cobrem de sereno durante a noite, embora

deixando-as sempre no caminho quando se quer entrar ou sair da barraca. Nem para cozinhar debaixo de chuva estes avancês servem. Este é um problema que você acaba

tendo que aceitar, ao comprar um abrigo tão leve e minimalista. As barracas de caminhada (já falei) são abrigos compactos, sem espaços extras. Para expandir a frente

da sua casa, e lhe permitir cozinhar sob chuva, você precisa realmente de um toldinho extra, de nylon fino, parcialmente jogado por cima da barraca, e sustentado por duas varetinhas avulsas, esticada por 2 cordinhas no chão à frente.

Quanto à quantidade de comida, não tenha medo de levar um pouco menos do que o necessário: Em nossa vida urbana já nos tratamos melhor do que precisamos, e a maioria das pessoas até faria bem em perder alguns quilinhos. Um pouco de fome, portanto, não fará muito mal... mas é claro que poucos concordarão com isso

A respeito de calçados, creio que poucos são bestas de andar descalços por aí. Não que não seja possível, claro, é apenas idiota! Mas existem alguns urbanóides ingênuos, adeptos de um naturismo mal orientado, que ainda insistem em descalçar os

sapatos ao chegar à trilha, arrebentando a fina sola dos seus pés - ao ponto de, no dia seguinte, não conseguirem nem andar mais (com sapatos ou sem eles)...Não caia nesta!

Uma dica de roupa para condições frescas ou dias quentes (sem apelar para as de algodão), são as calças de Supplex (fio sintético, da DuPont, usado para tecidos não

absorventes e muito resistentes) fabricadas p/ex. pela BY (fone 011-288-2805). Usei e gostei

Mais uma dica para consultar imagens meteorológicas na Internet: o site do

INMET - Instituto Nacional de Meteorologia, imagens do satélite GOES...

E a despeito da camiseta empapada, das dores nas pernas, e dos medos que você carrega, não se esqueça de se maravilhar com a forma e textura das nuvens à tardinha, com a Lua levantando-se sobre o horizonte, com o céu negro repleto de estrelas. A vida é curta, e é preciso um tempo para isso, para ver, para apreciar. E talvez para tentar compreender

BARRACA KB2

SH

29

OCHILA

ARPI

PROJETO XPDS

MEU LIVRO DE

TRILHAS

MKANTS

AC Numa época em que tudo é planejado de olho da mídia, em que sucesso é medido por números e faturamento, S.Beck parece estar trafegando na contra mão. Não é que ele não queira também faturar. Mas o que o Beck prefere mesmo, é brincar com as mãos, produzindo equipamentos para outros

aventureiros. Costa do que faz. É um perfeccionista, trabalha com carinho. Um

exemplo são estes seus livros, que levam "anos" para sair do computador. Não

está preocupado com números. Qualidade é mais importante. Aliás, sua oficina, que nos bons tempos chegou a ter várias costureiras, não deu certo. Fechou! Por

falta de uma mentalidade mais industrial. Ele agora prefere trabalhar sozinho, em casa. E vender diretamente a quem o procurar- o que, no frenético marketing de hoje, é um disparate. Mas S. Beck sabe que sua arte não é para muitos.

Suspira, desanimado, quando percebe que alguém comprou porcaria (é o leito dele). E vibra quando consegue vender uma de suas mochilas ou barracas, porque sabe que o cliente levou praticamente o melhor que existe. E a um preço razoável. Compartilhar é a palavra chave. S. Beck gosta de compartilhar: seus produtos, suas idéias, seu espírito de aventura.

Quando você precisar de uma mochila ou de uma barraca, ligue

BECKPACK - (011) 217-7137

Mas a intenção aqui não é só jogar confefe em cima do Beck Há mais gente esforçada, concorrentes amigos seus, que ele também gostaria de promover.

Fica difícil convencer alguém a comprar coisa boa, quando tudo o que querem é apenas um equipamento vistoso qualquer, para viajar nos fins de semana. Caminhadas e aventuras já exigem equipamento diferenciado. Mas não é preciso comprar mochilas e sacos de dormit importados, a não ser que suas necessidades sejam especiais (ir à Antartica, Himalaia ou Patagonia). O que se faz por aqui é muito bom. Todo mundo

citado abaixo fabrica mochilas melhores do que as Ferrino (italianas, mas es que se vê por aí, tão baratas,são de segunda). Quase todos fabricam também sacos de dormir muito bohs, Mont Blanc em especial. Muitos fabricam também anoraks e abrigos de chuva. . Milton Snake e Acampar fabricam botas de caminhada. Você também não precisa necessariamente de barracas da Walrus (americanas, muito boas). BeckPack fabrica barraquinhas razoáveis Quem disse que santo de casa não faz milagres? Vamos, pois, dar home gos bois e fornecer os telefones de todo mundo:

MONT BLANC (041) 222-9508 ACAMPAR (041) 232-9807 (011) 884-9694 MANASLU (041) 369-1551 SNAKE BOTAS (041) 346-5556 SEM DESTINO (011) 6919-8495

EQUINOX (021) 255-1899 Existem também boas lojas, que não fabricam nada, mas que fazemos questão de

recomendar, para ampliar suas opções. Com certeza existem outras. Lojas novas,

pequenas, e entusiasmadas estão sempre aparecendo, especialmente nas cidades onde

ainda não havia nenhuma. Mas estas que aqui estão são velhas conhecidas, já que há muito tempo vendem também os livros do Beck...

(011) 289-6623 PÉ NA TRILHA

(011) 255-4331 255-5783 HALF DOME (011) 573-6249 ALPIMONTE (011) 852-6994 K2 (019) 239-4529 234-9446 GRADE VI

(019) 253-0039 TOCA DA MONTANHA (021) 286-9564 537-2594 CASA DO ALPINISTA (031) 227-6670 DAS PEDRAS (041)

222-0922 (011) 289-6290 CASA do MONTANHISTA (051) 337-1094 BIG WALL (061) 349-8855 SCALATTA

Há pessoas cuja idéia de aventura é ficar em casa, como grandes pudins, com o molho da televisão despejando-se sobre elas. Para outras, a idéia do

paraíso é passarem o dia deitadas numa praia deserta. Ou debaixo de uma cacho eira, deixando a água (e o tempo) rolar. Mas se você ainda não se esqueceu para

que servem as pernas, nem se deixou tapear pelas tolices urbanas vendidas como

aventura, talvez já esteja pronto para se entregar a aventuras de verdade - em vez de continuar sendo apenas mais um espectador das proezas alheias. Aqui está este Convite à Aventura.

Aventuras são uma forma de dar vazão ao seu lado selvagem. São uma maneira de sair da rotina, de se libertar da mesmice do dia-a-dia, e descobrir suas melhores qualidades no contato com o agreste. Muita gente gostaria de

viver verdadeiras aventuras, mas não sabe nem para onde se voltar. Tudo que lhe oferecem são corridas de carro, rally dos sertões, RPG, video-games (cada vez

mais sensacionais), paint-ball e outras fantasias. Até Internet e programas de rádio FM são hoje vendidos como aventura. Em nossa sociedade há marketing

para toda sorte de bobagens. E nem todo mundo tem a perspicácia para separar uma coisa da outra, e buscar desafios autênticos e emoções reais. Para encontrá

los é preciso sair da cidade e procurar aventuras. Aventuras verdadeiras! Que

podem começar por jogar uma mochila às costas, tomar uma trilha pelas monta nhas, e ir acampar longe de tudo, cada noite num canto diferente. Claro que sair pelo mundo é coisa que dá certo medo na maioria das pessoas. No contato com o agreste, nem tudo é encantamento e beleza. A aventura tem sua mística, mas também tem sua técnica e seus riscos. Geralmente, porém, o obstáculo não é nem a tão discutida falta de coragem. Um pouco de coragem, de fato, é sempre necessário - e

coragem é outra coisa que lhe será devolvida em dose dupla - algo que um video-game jamais fará por você. Mas o que muitos não sabem mesmo, é como dar o primeiro passo. Este livro explica, portanto, como fazê-lo. Como jogar suas coisas numa

mochila, renunciando (ainda que apenas por algumas horas ou dias) às compli

cações urbanas e ao frenético modo de vida de nossa sociedade mecanizada - e

sair por aí, para um fim de semana ou feriadão na trilha. Como se entregar à aventura básica e essencial. E voltar vivo para contar a história.

Sérgio Beck é considerado quase uma lenda no mundo da aventura.

Montanhista e espeleólogo há 25 anos, com um currículo que vai das chapadas

pelo interior do Brasil a ascenções no Himalaia, começou suas atividades em 1972 com o CEU - Centro Excursionista Universitário. Ultimamente tem se

dedicado a descobrir (a pé ou de bicicleta) novas caminhadas e trilhas pelas serras e chapadas do Brasil. Já foi dono de pequena loja de equipamentos de

caminhada. Hoje prefere trabalhar em casa, produzindo suas excelentes mochi

las e pequenas barracas. Mas pouco a pouco vai se tornando mais conhecido no meio excursionista por seus livros, que além deste (originalmente publicado com

o título A AVENTURA DE CAMINHAR), incluem PRIMEIROS SOCORROS

EM MONTANHA E TRILHA, O LIVRO DE COZINHA DO EXCURSIONIS TA FAMINTO, COM UNHAS E DENTES, RATOS DE CAVERNA e seu

esperado livro de roteiros CAMINHOS DA AVENTURA Este livro tem o apoio da

Half Dome Equipamentos para Aventura