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Portuguese Pages 98 [50] Year 2020
Conservadorismo é amor Conservadorismo é amor
Marcelo Hipólito
Conservadorismo é amor Conservadorismo é amor
Título Original Conservadorismo é amor Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD H667c Hipólito, Marcelo Conservadorismo é amor / Marcelo Hipólito. - São Paulo : Giostri, 2019. 96 p. ; 14cm x 21cm. Inclui bibliografia e índice. ISBN: 978-85-516-0378-9 1. Teoria do conhecimento. 2. Conservadorismo. 3. Amor. I. Título.
2019-574
CDD 120 CDU 165 Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 Índice para catálogo sistemático: 1. Teoria do conhecimento 120 2. Teoria do conhecimento 165 Editor Responsável Auxiliar Editorial Arte de capa e diagramação Revisão final de texto
Alex Giostri Isabela Delambert André Ximenes Giostri Editora Ltda.
Marcelo Hipólito Conservadorismo é amor 1ª Ed. São Paulo: GIOSTRI, 2019 1 - Teoria do conhecimento 2 - Conservadorsimo 1ª Edição Giostri Editora LTDA.
Giostri Editora
Rua Sud Menucci, 71 - Casa 1 Vila Mariana - SP Tel.: (11) 2537-2764 São Paulo • SP • CEP: 04017-080 [email protected]
giostrieditora.com.br /giostrieditora GiostriTV @giostrieditora giostrieditora.blogspot.com.br
Aos meus tesouros, Felipe e Gustavo, amores do papai.
SUMÁRIO
SUMÁRIO
Eu e Eles
Eu e Eles. 9 Eu e Nós
Eu e Nós. 17 A ordem do amor
A ordem do amor. 24 A resistência do amor. 40
A resistência do amor
A essência do amor. 48 A essência do amor
As obrigações do amor. 64 As obrigações A domor amor próprio e fecundidade. 76
Amor ao Brasil. 85
Amor próprio e fecundidade
REFERÊNCIAS CITADAS. 94 Amor ao Brasil
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BIBLIOGRAFIA
Eu e Eles “Tenho espírito justiceiro e entendo que o amor deve seguir estes graus de preferência: Deus, humanidade, pátria, família e indivíduo”. D. Pedro II, Imperador do Brasil
Quando me perguntam por que sou um conservador, quase como se esta palavra fosse uma obscenidade, vilipendiada por décadas de hegemonia esquerdista nas artes, mídia e academia brasileiras até se tornar sinônimo de opressão, regressão, ou qualquer outra bobagem do gênero, respiro fundo, ciente de que esse tipo de questionamento costuma embutir uma insidiosa acusação. Como os conservadores ousam desconfiar dos agentes do progresso e seus projetos destinados a refazer o Brasil numa versão melhorada de si mesmo? O que haveria a conservar num país atrasado, violento e corrupto? Exatamente por ser um conservador, minha resposta tende a surpreender ao confrontar os anseios utópicos do interlocutor. Na verdade, minha mais básica preocupação se revela modesta demais às sensibilidades liberais e socialistas, chocante mesmo ao seu pós-modernismo. Afinal, aquilo que, desesperadamente, todo conservador aspira resguardar é, antes de tudo, a integridade física e moral da sua família, mantendo-as a salvo da violência inerente aos movimentos revolucionários (liberais, positivistas, fascistas ou socialistas). 9
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Essa lógica pueril desafia as mentes incautas, impregnadas pelas “certezas” cientificistas da contemporaneidade, com suas almas conspurcadas pelo individualismo irresponsável e egoísta dos liberais ou o coletivismo totalitário e messiânico dos socialistas. A atitude aparentemente simplista do conservador abrange, na verdade, uma gama estonteante de desafios, existentes sob uma infinidade de interações humanas, fé religiosa e amor cristão e comunitário, impossíveis de serem abarcadas pelas soluções prontas, padronizadas, homogeneizadas, oferecidas pelas convicções inabaláveis da mentalidade revolucionária. A Revolução é propositiva por excelência, representa um projeto de transformação da sociedade, uma ação política de substituição disruptiva da realidade, trocando um futuro construído sob as inúmeras interações espontâneas praticadas pelos membros de uma nação em prol de um projeto de poder e reengenharia social promovido por uma elite restrita, militante e ambiciosa. Daí o conservadorismo despontar não como uma força transformadora, mas sim, reativa. Sua essência é, portanto, reacionária por excelência, na melhor qualidade do termo, buscando refrear as forças transformadoras que ameaçam seu modo de vida; estimado, testado, seguro no curso de décadas ou séculos. O conservador reage por aversão a teorias e práticas radicais, jamais em nome de um pretenso futuro paradisíaco, incerto e violento sustentado por promessas não comprovadas que pretendem destroçar um presente estável e familiar. Mais do que a defesa da liberdade econômica – um benefício comprovado da ideologia liberal, desde que administrado mediante doses salutares de prudência e moralidade –, o conservador 10
desconfia da influência do liberalismo sobre o comportamento humano, da difusão doentia do seu hedonismo crescente. Fruto da prevalência do indivíduo sobre o restante da sociedade, do Eu sobre o Nós, da liberdade sobre o dever, da paixão sobre a civilização, do conforto sobre o sacrifício, do conveniente sobre a moral, do prazer sobre a dor, do Sim sobre o Não. Esse é o mundo liberal, onde o indivíduo ama a si mesmo acima de tudo, da sua pátria, cidade, rua, família. Na verdade, não é difícil a um liberal se render ao ateísmo, consciente ou não da necessidade de renegar a moral cristã para abraçar seu niilismo egocêntrico, já que esta atua como uma barreira natural à sua gana pelos vícios e paixões da liberdade irrestrita e inconsequente. Para o liberal, mesmo a vida em comunidade pode se tornar um estorvo. Quando muito tolera seus vizinhos, ainda que prefira ignorá-los por completo. Uma pessoa tombada na rua lhe parecerá um incômodo, indigno da sua atenção ou caridade. O liberal reduz as relações humanas aos seus aspectos econômicos mais comezinhos, de conveniência e interesse. Sua vida pertence somente a si mesmo. A satisfação de seus prazeres e ambições vem sempre em primeiro lugar. Seus filhos são dispendiosos, intempestivos ou inconvenientes? Aborte-os. Seus pais idosos dão muito trabalho? Meta-os num asilo ou arrume-lhes um cuidador. Seu cônjuge o chateia? Divorcie-se. Que se danem esposa e filhos! Para isso existe pensão alimentícia; basta pagá-la... ou não.
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Para o liberal, os laços de amor que nos unem como sociedade são menos importantes do que a eficiência das relações de mercado. De fato, são até irrelevantes para o progresso social. Ao se valorizar, acima de tudo, a própria liberdade, qual importância resta para os fatores que criaram a própria civilização ocidental (justamente aquela que permitiu o surgimento do capitalismo liberal)? A ideologia liberal e sua utopia mercadológica dão pouca ou nenhuma relevância às obras das gerações anteriores; muito menos ao futuro dos que ainda estão por nascer. Tudo mais esvaece diante da prevalência dos próprios prazeres e apetites, fronteiras últimas da sua visão de mundo. Se o mundo fosse liberal, existiríamos numa bolha insana de interesses individuais atolados em permanente conflito. A guerra de todos contra todos; do Eu contra Eu. Uma massa materialista empenhada somente em satisfazer as próprias ambições. Nada menos do que o fim da civilização e a glória da barbárie.
socialismo científico, materialista, marxista. A ideologia do ódio e extermínio de classes. O fracasso retumbante do socialismo real, prenunciado pelas falhas gritantes dos seus próprios pressupostos teóricos, revelouse uma tragédia sangrenta de incompetência, irracionalidade e perversão. Sua disfuncionalidade econômica, exemplificada pela sua incapacidade crônica de estabelecer um mecanismo mínimo de preços comparativos, indispensável ao funcionamento de qualquer economia moderna, atesta a impossibilidade de realização da utopia socialista. Em essência, diante do malogro, ao socialismo restaram somente os dogmas da guerra de classes: a pregação pela eliminação física do inimigo da Revolução no moedor de carne e ossos da predestinação histórica. A guerra de classes é o grande motor do socialismo.
Vislumbres dessa realidade sombria e maligna assombram as sociedades modernas, ameaçando destruí-las por dentro.
Uma vez deflagrada, leva ao aprisionamento e ao extermínio de toda uma parcela da sociedade, empregando a tirania e violência necessárias à ascensão máxima do Grande Líder, o general indispensável a uma guerra permanente.
Não é à toa que vivemos sob as doentias narrativas de liberação das drogas, do aborto e das perversões sexuais; um tempo em que os males da depressão, isolamento e solidão se tornam cada vez mais endêmicos, no qual a psiquiatria se afirma como a única saída possível a centenas de milhões de pessoas, mergulhadas num caldo sufocante de ateísmo, cultos bizarros e falsas doutrinas.
Sem um desfecho comprovado, o socialismo exibe sua verdadeira e pavorosa face, uma teoria materialista dependente de um monumental salto de fé por parte da sua manada de seguidores, abraçando, loucamente, a falsa promessa de um amanhã efêmero e feliz. Pelo menos, essa é a cegueira requerida da militância revolucionária.
Esse é o terreno fértil para a metástase da segunda força contemporânea de destruição civilizatória, fértil nesses dias tormentosos, uma onda assassina que já colheu as vidas, as esperanças e os sonhos de milhões de vítimas: o sádico e implacável
Da liderança socialista, por sua vez, não se espera ingenuidade ou estupidez, visto que se compõe de canalhas ambiciosos e amorais, focados no seu real objetivo: a tomada do controle absoluto da sociedade pelo Partido, agremiação revolucionária
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mantida em estado de guerra constante, portanto, subordinada a uma liderança política imbuída da lógica marcial, mesmo que, eventualmente, disfarçada em roupas civis. De caráter centralizador, suas ordens se asseveram inquestionáveis como as de um chefe militar, no campo de batalha. Para tanto, o líder perpetua uma imagem de infalibilidade em prol da sustentação do regime e do moral das suas tropas, as quais se encarregam das mais cruéis, insanas e inumanas missões. O socialismo impõe o Eu do Grande Líder, em tudo superior às vontades, liberdades e desejos da massa anônima e escravizada. Nenhuma ideia ou instituição escapa à sua autoridade. Ele é o pai da nação; severo; onisciente e onipresente (a face “pessoal” do Estado), revestido de qualidades sobre-humanas e atemporais. Essa divinização do líder socialista ressoa mesmo no Brasil, a despeito de, até agora, nenhum regime socialista ter atingido plena implantação em terras nativas. A maior liderança da extrema esquerda no país, referência mundial em seu campo político, Luis Inácio Lula da Silva, costuma receber tratamento messiânico por parte dos seus seguidores: “(...) O Lula é um Deus!”1 Mesmo aliados não ideológicos reconhecem o Grande Líder como um ente superior, inatingível e incomparável perante os reles mortais, dos quais se espera gratidão e reconhecimento da grandeza mítica e histórica do comandante inimputável. Nas palavras do célebre pecuarista e cacique político goiano Iris Rezende: 1 Maria Lima. Marta diz que Lula é um deus e trio vai levantar campanha petista em SP. https://extra.globo.com/noticias/brasil/marta-diz-que-lula-umdeus-trio-vai-levantar-campanha-petista-em-sp-6074190.html. Acesso em 23 de Outubro de 2017.
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“Francamente eu não sei se o presidente Lula, depois de tanto serviço que ele prestou a este país, um homem que saiu de operário e chegou à presidência da República, recebesse ao final de sua vida uma sentença dessa natureza. Quem não erra, ou nunca errou? Acho que o Lula estava a merecer da nação um perdão pelos possíveis erros que ele cometeu, porque eu não vi erros tão graves, diante de tantos bilhões que noticiam toda hora, dia e semana. O Lula é porque falam lá de um apartamento. Eu acho que ele estava a merecer uma consideração maior, por tudo o que ele já fez de positivo para o Brasil, e o que ele já fez de mal, a balança pesa bem positivamente”.2
No socialismo, o líder é o Eu fundamental, o único Eu possível, mito e referência. Simbolicamente, a Revolução confunde, propositadamente, a legitimidade do líder com a do Estado e do Partido, fundindo-os num só flagelo, a submeter o povo ao poder monolítico e falsamente impessoal do socialismo. Uma engrenagem que se vende como sólida e perfeita, porém, paranoica em esmagar qualquer sombra ou sussurro de anseio popular contrarrevolucionário. Essa é a Trindade Profana do ateísmo messiânico socialista: Líder, Estado e Partido. Como todo movimento revolucionário, o socialismo também se alimenta de ódio. A liderança radical define o alvo a ser eliminado, e suas milícias se encarregam do trabalho sujo e sangrento dessa “destruição criativa”. O mundo novo da Revolução é, invariavelmente, construído sobre os cadáveres dos adversários, restos macabros da ação trans2 Johann Germano e Giuliane Alves. Iris defende permanência de Temer e diz que Lula merece perdão. http://portal730.com.br/noticias/politica-ecidades/72784-iris-defende-permanencia-de-temer-e-diz-que-lula-merecer-perdao. Acesso em 23 de Outubro de 2017.
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formadora; são o Eles, o obstáculo artificialmente selecionado a sucumbir perante a marcha irrefreável da História, do prometido Éden socialista. São o Eles que desafiam – pelo mero motivo de se pretenderem independentes da vontade do Partido – a sentença justa e implacável do Eu revolucionário: o Grande Líder, a personificação da suposta infalibilidade do Estado. Depois de consolidada, a Revolução, invariavelmente, – conforme o registro histórico atesta repetidas vezes, – descamba nos implacáveis expurgos internos, em que a luta pelo poder no submundo do Partido explode em ondas variáveis de matança, ora voltadas ao extermínio dos seus elementos mais radicais, ora daqueles menos celerados. Fenômeno verificado, por exemplo, nas decapitações desfechadas pelas guilhotinas revolucionárias francesas, nas perseguições implacáveis de Stalin, nas trocas sangrentas de comando na Coréia do Norte, na loucura cruenta do Khmer Vermelho, dentre tantos crimes macabros. Destarte, o próprio conceito de Eles se altera oportuna e permanentemente durante o curso assassino da Revolução, adaptando-se segundo as conveniências identificadas pela sua liderança, detentora dos meios de ação do Partido e do Estado. Em contraposição ao Eu bárbaro e niilista dos liberais e ao Eu tirânico e carniceiro dos socialistas, existe o Nós cristão, tradicional, comunal, fraterno, amoroso dos conservadores. O Nós oriundo da atitude conservadora e cristã, seu anseio em manter vivo, saudável e próspero tudo que se ama. Esse Nós, sobre o qual se assentam os fundamentos da civilização ocidental, destaca-se no capítulo seguinte.
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Eu e Nós “São os caminhos invisíveis do amor que libertam o homem”. Saint-Exupéry
A civilização ocidental se ergueu sobre o pensamento judaicocristão. Seja você um indivíduo cioso da sua fé, ou um pobre coitado afastado de Deus, quem vive no Ocidente se encontra sob a influência, em alguma medida, dessa estrutura moral, lógica e cultural. Mesmo aqueles que se esforçam em negá-la, como os servos do ódio revolucionário, acham-se também submetidos a essa herança civilizatória comum. G. K. Chesterton enxergava no cristianismo o avesso da solidão, uma congregação de indivíduos que formam uma comunidade reunida em torno do sacramento do batismo. Uma representação, ao mesmo tempo, divina e cotidiana, de uma tradição intergeracional, materializada na entrega da criança à Fé pela vontade dos pais, tornando-a um novo membro da comunidade cristã, num gesto de amor comunal dos congregados, acolhida sob a Santa Igreja, na Graça de Deus. Essa é essência da cosmovisão ocidental, aquela que abriga com ternura e generosidade, impondo-se pela verdadeira caridade: “não é bom que o homem esteja só” (Gênesis 2:18).
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Na simplicidade dessa afirmação, reside o Nós conservador e cristão, herança dos nossos ancestrais, um sentimento de integração e pertencimento, fundado no amor a Deus e ao próximo.
Essa é a diferença essencial do “Eu” das teorias revolucionárias para aquele gestado pelo amor típico das pessoas comuns, nutrido no seio das famílias.
O amor a se quem se deseja estar junto, neste mundo e no seguinte. Da família que anseia permanecer para sempre unida, na eternidade dos mortos. Da família de sangue e da família de espírito. Do amor paternal e filial, do homem pela mulher, entre os membros de uma mesma comunidade. Do amor pela Santa Igreja. Um sentimento inerente à alma humana. Um amor sagrado, inexistente no Estado por conta da sua natureza burocrática e técnica, bem como ausente na ciência, no direito, no materialismo, no hedonismo, no socialismo ou no liberalismo. Trata-se do amor pelo belo e o verdadeiro, que nos aproxima como seres humanos – mesmo se renegado por muitos, para sua própria desgraça e infelicidade, numa preferência infrutífera pelas coisas mundanas e transitórias – como bem lembra Simone Weil: “(...) bem longe de ter qualquer aspecto em comum com o direito ou com o natural, era simplesmente o amor extremo, absurdo, que empurrou o Cristo à cruz”.3
Na prancheta dos intelectuais, o indivíduo é moldado segundo as regras e os interesses arbitrários do movimento revolucionário, sob a égide do relativismo moral, ajustado conforme as circunstâncias políticas mais favoráveis ao seu projeto político. Não há contraste maior em relação ao amor inato e genuíno da família, que acolhe o filho recém-nascido sob os princípios da responsabilidade e autoridade comprovados por nossos antepassados, fruto de incontáveis interações, de tentativas, experiências, acertos e fracassos, vivenciados pelas gerações precedentes: aquilo que se firma como tradição.
O homem comum se aferra a esse amor numa atitude conservadora por excelência, em tudo contrária ao delírio materialista forjado nos círculos intelectuais, nos tribunais, nos laboratórios, na academia, na imprensa e no desamor ateu. Ele se identifica nas tradições, crenças e senso comum herdados das gerações anteriores. Temente a Deus, em vez de amaldiçoar o mundo, o homem comum vê-se como parte deste todo, preocupado com a segurança e felicidade da sua família, do seu lar, do seu entorno. 3 Simone Weil. Pela supressão dos partidos políticos. Belo Horizonte: Editora Âyiné, 2016.
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O amor e a tradição levam à defesa da propriedade privada e ao direito de herança, que fornecem os alicerces dessa construção humana básica, rara, preciosa e delicada, a família cristã. Reno Martins se refere a dois aspectos centrais do conceito de família “propositalmente suprimidos do debate político pelos esquerdistas: o social-civilizacional e o político”.4 Ambos são fundamentais para se compreender o papel civilizacional singular dessa entidade social nuclear chamada família: “O aspecto social-civilizacional se expressa no aforisma “a família é a célula da sociedade”. Como “célula”, entende-se a unidade mínima, a menor parcela possível. Em outras palavras, caso ocorresse um cataclismo – como uma hecatombe nuclear, uma praga devastadora ou um novo Dilúvio – a sobrevivência de uma única família, como a de Adão ou Noé, seria suficiente para o restabelecimento de toda a sociedade. 4 Reno Martins. Família e sociedade. Em: Marcelo Hipólito e Reno Martins. Espírito Conservador – Volume II. Brasíllia: Conservadores do Brasil, 2017.
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(...) O aspecto político da família se expressa no fato de ela ter uma estrutura hierárquica definida, independente de agentes externos. Os filhos submetem-se aos pais, e os pais relacionam-se entre si, conforme um arranjo particular de preponderância, dado o assunto e o momento. A família, em seu próprio círculo, é plenamente soberana: legisla, executa, julga, defende-se. Cada família, assim, é naturalmente um “pequeno estado”, um contraponto físico e psicológico contra a tirania externa, um núcleo natural de resistência ao totalitarismo”.5
Todos nascem numa família, sem a chance ou o direito de opinar sobre seus membros e posses. Destarte, o Eu conservador se enxerga como parte de um Nós (a família) imposto pela própria ordem natural da condição humana. Um tópico detestado pelos revolucionários, ainda que inexorável, parte de uma realidade concreta e inescapável. “Diferentemente, o conservador tem na família em Deus o centro do seu cuidado e atenção. A família é o núcleo do exercício dos valores, no qual o respeito e o amor são ensinados e vividos espontaneamente. Ela é a escola natural a agregar de modo justo as gerações, em que os mais novos não estão condenados a repetir os erros já provados pelos mais velhos.
As relações de hierarquia e autoridade emanam da família, transmitidas dos pais aos filhos, ainda que possam também emanar de outros parentes, na lógica interna da primazia afetiva perante a responsabilidade de cuidar da criança e encaminhar o seu futuro.
Para o conservador, cada família em crise é um país que soçobra; cada família destruída, uma nação que tomba. Basta se esquecer das suas obrigações em relação ao próximo para que se permita o individualismo doentio prosperar.
De fato, a criança aprende suas primeiras noções de limites e permissões no âmbito da convivência familiar, quando os pais definem as regras de responsabilidade e comportamento dos filhos. O amor paterno e filial encontra paralelos também nas interações da criança com irmãos, avós, primos. Seus deveres e direitos tornam-se óbvios para si como um dia foram evidentes aos seus antecessores. Deveres que precedem direitos. Obrigações fundadas no amor. Em geral, o homem e a mulher ocidentais detém o livre-arbítrio para escolher seu cônjuge, apaixonar-se e constituir família. Afinal, o amor fértil é o sentido maior das famílias. Contudo, a natureza não concede aos filhos a prerrogativa de selecionar seus progenitores. 5
Ibidem.
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Uma família saudável se sustenta pelo dever sagrado dos seus membros de se amar uns aos outros. Todos os direitos subsequentes em pertencer a uma família brotam dessa condição inicial: de subsistência, proteção, auxílio, educação, integridade, abrigo, propriedade e herança”.6
Desse amor primário, desdobram-se nosso apego e afeto por nossa comunidade, nação e, por extensão, o restante da humanidade. Quem é cioso do seu dever para com seus dependentes, não aborta filhos, segrega idosos a asilos, nem trata parentes e vizinhos como fardos, mas sim, tende a reconhecê-los como dádivas em potencial capazes de enriquecer nossas vidas, contrabalançando suas qualidades e defeitos, tipicamente humanos. 6
Ibidem.
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“Os laços de sangue, com a graça de Deus, permitem ao amor superar todos os caprichos do temperamento humano. Sob os laços sagrados do matrimônio, pela espontânea devoção paternal e filial, a família se aceita e convive com todas as virtudes e defeitos de cada um de seus integrantes. (...) A família é algo muito mais poderoso do que um mero ajuntamento de amigos. Ela não é passível de “escolha” como os reformadores querem nos convencer. Em sua santa soberania, uma família pode abraçar novos membros – por matrimônio ou adoção –, mas se desvincular dela não é uma opção disponível. Os laços familiares legítimos são perenes e indestrutíveis”.7
Este é o Nós capaz de dar à luz os próximos membros produtivos da comunidade, filhos aptos a reconhecerem e valorizarem o legado dos seus antecessores. De fato, o direito à propriedade, herança, prosperidade e paz, fundados nas obrigações do amor, inexistem apartados do cumprimento dos nossos deveres e responsabilidades para com as próximas gerações, perpetuadoras da espécie, sucessoras dos alicerces benignos do Ocidente.
A família representa a concretização da máxima cristã “ame teu próximo como a ti mesmo”; ou seja, ela nos ensina, entre tantos benefícios, a amar as próximas gerações, buscando legarlhes um mundo sólido, seguro e próspero. Os membros das famílias atuais, caso atuem de forma responsável, resguardam o presente em prol de um futuro no qual já não estarão mais aqui, substituídos, depois da sua morte, pelos seus filhos e netos. Esta é a ágape dos cristãos, sustentada pelas afeições locais e a convivência familiar, as bases primordiais da felicidade humana, sustentáculos do Eu conservador e cristão, um Eu ponderado pelo amor ao Nós comunal, que jamais se rende ao Nós da manada socialista, escravizada sob o ódio de classe do Eu revolucionário. O amor cristão é doce e generoso, abriga-nos quando recémnascidos, garante nossa sobrevivência na tenra infância, preparanos a uma vida civilizada proveitosa, uma postura indispensável à fase adulta, para o cumprimento das responsabilidades inerentes ao matrimônio e à constituição de uma família fértil. 7
Ibidem.
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A ordem do amor “A paz exige quatro condições essenciais: verdade, justiça, amor e liberdade”. Papa João Paulo II
O amor familiar e conservador é o amor de Abraão, o patriarca das três grandes religiões monoteístas: judaísmo, cristianismo e islamismo. É o amor entre Deus e a humanidade, pai e filho, criador e criatura, dos laços compartilhados pelos membros da família, universo primário de existência humana. São os laços de convivência e tolerância sob os quais se ergue a estrutura de regras e relações de autoridade da sociedade ocidental, fundada no âmbito da moralidade religiosa judaico-cristã. Nessa perspectiva, os Dez Mandamentos, ditados por Deus a Moisés, constituem-se num exemplo vivo de uma herança milenar; ao mesmo tempo, divina e intergeracional. Mesmo aos ateus, liberais ou socialistas, essa verdade é inescapável (ainda que eles, muitas vezes, execrem-na), a visão de mundo ocidental e cristão – da qual brotam a democracia, filosofia, moralidade, artes, cultura, direito, justiça – é uma construção divina e um legado forjado por incontáveis gerações. Mesmo o sangrento Iluminismo – a matriz intelectual de tantas revoluções e mortes (da guilhotina aos pelotões de fuzilamento, da guerra total aos campos de concentração) – provou-se incapaz de eliminar a mais importante herança humana.
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Ironicamente, até as concepções celeradas dos revolucionários não conseguem escapar a esse legado, cientes da alternativa: o caos ingovernável da humanidade mergulhada em estado de selvageria plena. Não há como governar sem regras mínimas de autoridade e convivência social. Por isso, o marxismo, filhote assassino da demência revolucionária francesa, recorre a interlúdios de transição e amortecimento em sua marcha destruidora. Daí, a construção da utopia revolucionária ser temida até pelos radicais mais tresloucados se desprovida de uma liderança forte e centralizadora, autoritária e implacável. Conservar certos legados impõe-se como uma necessidade mesmo à práxis revolucionária. A vitória da Revolução consiste em preservar, ainda que de forma distorcida, as relações de autoridade forjadas no curso da evolução política e social de uma nação, substituindo, porém, a liderança tradicional pela tirania radical. A Revolução busca a derrocada da ordem do amor em prol da do ódio, em que se eliminam (ou esmagam) resistências, sonhos e esperanças da sua população. No século XX, contam-se às centenas de milhões os cadáveres produzidos pelo ódio revolucionário, além das incontáveis famílias arruinadas pela devastação da ordem do amor, arduamente erigida por nossos ancestrais no curso de milênios de edificação civilizatória. Quando Abraão se viu comandado por Deus a matar Isaque, seu filho legítimo, aquele que mais amava em vida, num sacrifício destinado a provar a supremacia do seu amor pelo Criador, o patriarca não hesitou em sacar sua adaga, sendo então contido por um Anjo.
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Nesta intervenção divina, Deus reiterou o papel do amor filial, não em concorrência ao sagrado, mas sim, como complementação; ambos em sustentação à humanidade, de tudo que é bom, justo, belo, verdadeiro. Sobre essas colunas de afeto e devoção, as gerações de Abraão e seus sucessores ergueram Israel, berço da aliança do homem com Deus, de fundação do próprio Ocidente: uma sociedade livre, moral e fraterna, ainda que humana e, portanto, imperfeita. A civilização ocidental só viria a ser desafiada, séculos depois, pela corrupção islâmica. Ao contrário do Torá e da Bíblia, livros do outro mundo, definidos pelo amor a Deus e ao próximo, o Corão surgiu para imiscuir o mundano no divino, ressoando ora como código civil, ora como escritura sagrada. Essa mistura confusa de leis propõe uma sociedade muito diversa da ocidental. Nesta, a cultura do debate público é uma característica indissociável da relação entre Deus e o povo cristão, de uma fé derivada da verdade interior do crente, das suas angústias, incertezas e expectativas. Já o Islã é a religião das aparências, do comportamento explícito, e não da relação interior com Deus. O bom mulçumano não é aquele que interioriza a Fé, mas sim, o praticante ferrenho das ações prescritas pelo Corão na vida em sociedade. O bom mulçumano é aquele que se ajoelha três vezes por dia em direção a Meca, professa sua fé em público, comparece rigorosamente à Mesquita nos termos esperados pela comunidade, ainda que, em seu coração, possa ser um ateu convicto, desde que mantido em segredo.
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Enquanto os cristãos debatem até as suas heresias em público, capazes de renegá-las se convencidos do seu erro, o mulçumano não é julgado pela verdade da sua fé; ao menos, não em termos ocidentais, uma vez que sua verdade não é individual, mas sim, aquela reforçada e imposta pelo grupo. Daí, o fenômeno esotérico da Tarica, uma válvula de escape ao debate intelectual e teológico, submetido a severas restrições. Ao mulçumano, não é permitida a interlocução religiosa franca, exceto em espaços fechados, as Taricas, congregações que podem envolver ateus, budistas, cristãos, judeus, desde que suas discussões não escapem aos seus membros. As Taricas explicam, em parte, o fracasso das sociedades islâmicas em abraçar, por si mesmas, as complexidades da moderna sociedade da informação e do conhecimento. Sua cultura tende a sufocar o debate público, engessando-o sob a tradição antidemocrática do Islã. Nesse mundo de aparências, cada indivíduo é uma ilha isolada e o debate se limita, muitas vezes, à mera repetição de argumentos empoeirados, tímidos e indigentes. Não é à toa que uma filosofia rica, complexa e diversa como a Escolástica, a última grande escola do pensamento humano, tenha sido capaz de florescer no ocidente medieval, enquanto as sociedades árabes definhavam moral e intelectualmente, à medida que sua herança pré-islâmica sucumbia ao tacão de Maomé. “Mas não há absolutamente nada liberal ou semelhante a uma reforma na substituição da Trindade pelo puro monoteísmo. O Deus complexo do símbolo atanasiano talvez seja um enigma para o intelecto. Mas é muito menos provável que esse Deus acumule o mistério e a crueldade de um sultão do que o deus solitário de 27
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Ornar ou Maomé. O deus que é uma simples terrível unidade não é apenas um rei, é um rei oriental”.8
Acima de tudo, o conservador percebe o tamanho do esforço e sacrifício empreendidos pelas gerações passadas na criação do mundo presente.
Ainda hoje, a ação de Abraão contra o próprio filho parece confrontar, na aparência, um princípio basilar do conservadorismo, afeto ao senso comum, um sentimento central à natureza humana, presente na maioria dos indivíduos: a vontade de conservar os membros da sua família vivos, seguros e prósperos.
Nossas obrigações e responsabilidades em relação aos nossos filhos despontam desse legado intergeracional, contra a arrogância, autoengano, egoísmo e prepotência de nós mesmos, os viventes, perante o futuro da nossa descendência. Combate-se a corrupção da autoindulgência narcísica e niilista de se imaginar a geração “iluminada” simplesmente por estar andando e respirando no mundo, neste momento.
Esse é o amor da conservação, da proteção, do resguardo. Por isso, o conservadorismo ocidental é uma atitude, um estado mental e espiritual; jamais uma ideologia. Ele é reacionário no sentido de expressar uma reação protetiva contra as ameaças reais e percebidas, imediatas ou futuras, em andamento ou proclamadas, pelas hostes revolucionárias: violentas e disruptivas.
Não se pode abandonar a prudência dos pais para com a segurança e a prosperidade dos filhos; a prudência que nos impede de tocar fogo na própria casa, por mais imperfeita que esta se revele, diante da importância de preservá-la como herança aos filhos.
Em essência, o conservador evita se envolver com a política partidária ou amplos projetos de reformulação social, ciente das graves imperfeições do mundo, porém, grato por sua existência em uma sociedade civilizada. Seu foco é na sua família e comunidade (vizinhança), na moral cristã, gentileza, caridade e amor: “Amarás teu próximo como a ti mesmo” (Mateus 22:39).
Daí, o conservador não incendiar a sociedade, ansiando, ao contrário, por ordem, paz e estabilidade como a forma mais prudente de proporcionar à sua prole as oportunidades de um futuro promissor.
Ao constituir uma nova família, o conservador abandona os devaneios juvenis em prol das responsabilidades da paternidade, de uma vida adulta sadia. Seus filhos tornam-se seu maior legado, verdadeira contribuição ao perpetuamento da civilização humana, da própria espécie, garantindo a continuidade do seu modo de vida.
Se não existissem radicais, não haveria razão para conservadores. Se não existissem incendiários, os pais poderiam se concentrar na educação e devoção amorosa aos seus filhos; em outras palavras, recolher-se-iam a cuidar dos seus jardins e das suas comunidades.
O conservador lamenta as imperfeições da sociedade, porém, reconhece-as como inevitáveis, uma vez que derivadas dos vícios e defeitos inerentes à humanidade, por si mesma uma Criação imperfeita. 8
A visão de mundo do conservador desponta dessa verdade universal: o amor dos pais pelos filhos.
Contudo, radicais e malfeitores existem; são uma triste, dolorosa e maligna realidade. Razão do engajamento a contragosto dos conservadores no embate político e da sua enfática defesa civilizatória das conquistas humanas.
G. K. Chesterton. Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.
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A autoridade do amor repousa na prerrogativa e no dever dos pais em resguardar seus filhos – o Estado e os educadores apenas complementam e jamais se igualam ou sobrepõem ao poder pátrio – e na submissão dos filhos à hierarquia familiar, cujo comando é ocupado pelos pais, num papel irrevogável.
“Uma tempestade que se abate sobre uma paisagem e destrói a vista favorita, a morte de amigos, uma amizade que perde a força, o desaparecimento de hábitos de comportamento, a aposentadoria do palhaço favorito, exílio involuntário, virada na sorte a perda de habilidade e com ela a substituição na profissão – tudo isso é mudança, e, mesmo que venham com suas devidas compensações, o homem de temperamento conservador invariavelmente não se contentará.
A lei de Deus, base da conduta moral e do direito no Ocidente, expressa essa verdade divina e humana em seu quarto mandamento: “Honrar Pai e Mãe”. Para a maioria das pessoas, este é um comportamento atinente ao senso comum, tão natural como a passagem do dia e da noite. Um mandamento que prescreve o respeito aos pais, a obediência e o diálogo, alicerces da família cristã, junto ao amor pelo Altíssimo (o mandamento inicial, do qual se desdobram os demais: “Amar a Deus sobre todas as coisas”). O amor se desenrola, naturalmente, da prudência, da acomodação e da responsabilidade. Deus concede ao casal longos meses de espera antes da chegada do filho. A evolução parcimoniosa e gradual da gravidez, de uma notícia arrebatadora a um processo de readaptação das rotinas familiares no acolhimento do seu novo membro se dá pela morosidade do dia a dia, no ritmo das mudanças lentas e progressivas, tanto no corpo da mãe quanto na rotina da casa. Nesse meio tempo, o amor dos pais frutifica num crescendo, em um misto de antecipação calorosa e curiosidade sadia. Toda essa preparação torna a chegada do bebê uma celebração da vida, em vez de uma disfunção social. A atitude conservadora nada mais é do que se render à solenidade do amor e aos preceitos da vida familiar, conhecida, esperada.
(...) A bem da verdade, algumas mudanças realmente não lhe causam nenhum mal; porém, repito, não é devido ao fato de elas serem a manifestação de algo melhor que entrou no lugar do que se fez obsoleto, e sim porque elas eram facilmente assimiláveis: as mudanças das estações são dadas por sua recorrência e o crescimento das crianças por sua continuidade”.9
O amor aos filhos forja no conservador uma atitude mais serena diante da morte; não o isenta, obviamente, de temores e incertezas, contudo, ajusta a sua visão de mundo: sua prole se estabelece como a grande realização da sua vida. Em outras palavras, o amor pelos filhos supera os sonhos de autopromoção dos pais, sobrepondo-se, inclusive, ao seu próprio instinto de autopreservação. Dita o senso comum que os filhos enterram os pais. O contrário soa antinatural, trágico, inesperado, na maioria das vezes. Essa precedência da sobrevivência dos filhos sobre os pais contraria o hedonismo liberal, bem como o voluntarismo socialista. Para a satisfação dos seus prazeres e conveniências, o liberal é capaz de reduzir um filho a um detalhe menor no quadro amplo da sua vida, em vez de ocupar seu lugar natural como o centro prioritário das suas obrigações e deveres. 9
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Oakeshott, M. Conservadorismo. Belo Horizonte: Âyiné, 2016.
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Quem orbita em torno do próprio ego tende a resumir sua vida a um apanhado medíocre de direitos desprovidos de responsabilidades em relação ao restante da sociedade, inclusive seus filhos. Já o militante socialista tem a causa revolucionária, o Partido e sua liderança como o horizonte dos seus afetos, uma desumanização que endurece seu coração. No limite, torna-se capaz de sacrificar sua família e amigos, porém, jamais a Revolução. Um exemplo deu-se na recomposição política do comunista Luís Carlos Prestes com o tirano Getúlio Vargas, cujo regime despachara ao extermínio nazista sua esposa grávida Olga Benário. Qual espírito sadio pode aceitar a loucura marxista da Cortina de Ferro, tal qual na Alemanha Oriental, cujas forças de segurança forçavam familiares a se espionarem mutuamente, lançando pais contra filhos, reduzindo lares a autênticos infernos? Exercitado em sua plenitude, o amor contradiz a narrativa da guerra de classes. Uma mãe operária não se volta contra o filho burguês, assim como o marido proletário prioriza sua esposa capitalista em detrimento dos radicais. A realidade humana é muito mais rica do que as palavrasde-ordem e os chavões revolucionários. Nenhuma reeducação em massa ou engenharia social persistente conseguiu eliminar o papel das famílias submetidas aos regimes cruéis do Pacto de Varsóvia. No seu colapso final, a despeito dos seus mais terríveis esforços, o fracasso marxista ressoou retumbante, falhando em destruir a maioria dos lares. A espécie humana – e, por consequência, a própria sociedade – reproduz-se no âmbito da família. Relações estéreis como as 32
homossexuais não dispõem dessa prerrogativa, uma realidade inescapável. Os soviéticos controlavam com mão severa e de forma ampla e irrestrita a mídia, as salas de aula, a literatura e a propaganda, durante as longas e trevosas décadas do seu poder implacável. Ainda assim, suas tentativas de doutrinar por completo a população fracassaram miseravelmente. Nem mesmo a fé cristã, os carrascos vermelhos lograram varrer do Leste Europeu. A Nova Esquerda, especialmente a partir dos idos de 1960, debruçou-se sobre esse fenômeno, concluindo que a família cristã funciona como uma linha defesa natural contra o avanço revolucionário e a escravização total do homem. Em seu seio, a família preserva e transmite à sua descendência as tradições, crenças e valores legados dos seus antepassados. Ao fazê-lo, esvazia a autoridade do Partido e do Estado. Por exemplo, o amor de uma avó pelos netos, reforçado por sua sabedoria e experiência, supera, em muito, qualquer discurso ou apelo tecnocrático de políticos e militantes. O próprio Stalin reconheceu essa realidade quando ordenou seus comissários a motivarem as tropas do exército vermelho contra os nazistas, na Segunda Guerra Mundial (ou Grande Guerra Patriótica, conforme designação russa), invocando seu amor à Pátria Mãe (uma tradição czarista) e às suas próprias famílias, em detrimento da ideologia marxista, fria e indistinta à maioria da população. Diante desse quadro desolador para o movimento radical (e do fracasso da Revolução em expandir-se pelas democracias ocidentais durante a Guerra Fria), a Nova Esquerda virou suas baterias contra a família, abraçando temas que soariam estranhos aos marxistas do século XIX: a liberação das drogas; a descri33
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minalização do aborto; a defesa dos direitos dos criminosos; a apologia do sexo livre, da bestialidade e da pedofilia. Tornou-se necessário degradar a família ocidental para substituí-la pela tutela do Estado, o qual deveria tomar para si a educação das crianças. Deslocar a guerra de classes para o ambiente familiar, instilando o ódio entre seus membros, virou o projeto basilar das esquerdas para o século XXI, contando com a adesão de parte dos liberais, seduzidos pelo canto da sereia da liberdade irresponsável: um mundo doentio de adultos infantilizados e crianças submetidas ao radicalismo cultural espraiado pela mídia, academia e baixa cultura. As divergências entre liberais e socialistas, ao menos em teoria, concentrar-se-iam na função da propriedade privada, fundamental também à perspectiva conservadora pela sua importância na promoção da segurança e prosperidade das famílias. Mais do que uma questão econômica, sem dúvida importante, o conservador enxerga a propriedade privada pelo seu viés civilizatório, defendendo o papel essencial da propriedade privada para o funcionamento ordeiro da sociedade, considerando-a central às relações de posse, herança e negociação reconhecidas pelos membros produtivos da comunidade. O direito de propriedade delimita o espaço privado de cada família e indivíduo, dotando-o dos conceitos de privacidade e de inviolabilidade do lar pelo poder estatal, exceto nos casos flagrantes de proteção à vida ou aos bens da comunidade, tal qual na permissão dos bombeiros de entrarem, sem ordem judicial, numa residência em caso de incêndio.
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Decorre deste raciocínio como o princípio conservador se aplica ao direito de propriedade, refratário à permissividade do direito (quase) absoluto que o radicalismo liberal confere ao privado sobre as necessidades do restante da comunidade. O conservadorismo não se dobra a qualquer ingenuidade teórica do tipo “contrato social”, mas sim reafirma a relevância das infinitas interações testadas e comprovadas por nossos ancestrais, o estoque civilizatório da tradição, no que tange ao funcionamento das relações humanas. Enfim, o direito de um indivíduo ou família termina nas fronteiras das obrigações devidas aos seus vizinhos. Um princípio emanado do moral religiosa existente na “Regra de Ouro”, em que se deve “fazer ao outro somente aquilo que deseja para si mesmo”. Destarte, a propriedade privada não é um direito absoluto. Se um cidadão se torna um criminoso ou mesmo um estorvo à sua vizinhança, por exemplo, ao converter sua residência num bordel ou uma boca de fumo, este se torna passível de ter sua propriedade confiscada em prol da garantia da paz social. Já um liberal entende que o indivíduo pode fazer o que lhe cabe na privacidade do seu lar. O conservadorismo contrapõe-se a essa perversão, ciente de que o direito da vizinhança se sobrepõe ao do indivíduo quando existe ameaça à boa convivência moral ou à segurança dos seus membros. Em nome da liberdade imponderada, uma comunidade não deve se sujeitar à convivência com um traficante ou um depravado moral, arriscando a integridade da sua família (esposa, pais, filhos, entre outros). 35
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A ordem social, portanto, é um imperativo essencial ao conservadorismo, determinadora inclusive das prerrogativas e dos limites possíveis da propriedade privada. Ainda que, respeitadas a tradição e os costumes populares, a propriedade privada tenha sua inviolabilidade assegurada. Nesse caso, seu papel é essencial, configurando-se como o espaço seguro no qual cada família se estabelece, finca raízes e integra-se em uma comunidade vivenciada em um contexto sadio de respeito e afetos recíprocos. Dentro dessa perspectiva, cada comunidade forma um todo maior, o município. A propriedade privada fomenta, portanto, benefícios fundamentais à garantia da paz e prosperidade das famílias, em torna dos quais se forma o nexo da vida humana em sociedade. Ela forja os laços com a terra onde moramos, trabalhamos e criamos nossos filhos. Além disso, integra cada família à sua respectiva vizinhança, delimitando o espaço de privacidade no qual reúne e acumula seus ganhos para posteriormente usufrui-los de acordo com sua conveniência e oportunidade, exercendo a soberania interna mencionada por Reno Martins10, uma soberania hierarquizada, em que reinam os pais, aos quais se submetem os filhos. Destarte, da família emanam as relações primárias de autoridade sob as quais se assenta a própria sociedade, conservam-se as tradições e se firmam as convenções sociais constituídas pelas incontáveis interações experimentadas por nossos ancestrais.
10 Reno Martins. Família e sociedade. Em: Marcelo Hipólito e Reno Martins. Espírito Conservador – Volume II. Brasíllia: Conservadores do Brasil, 2017.
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Em meu ensaio “Contra o Direito à Felicidade”11, abordo a lógica de obrigações, direitos e responsabilidades emanadas da privacidade familiar e da convivência em comunidade: “Ao se definir os parâmetros de formação dos casais possíveis numa sociedade, estabelecem-se as bases do conceito de família: a quem se permite iniciá-la e sob quais condições. A família se assume então como o principal núcleo de interesse, defesa e propagação das tradições, da religião e dos costumes comuns repassados às gerações seguintes. Esse movimento virtuoso extrapola sua lógica intrínseca às demais obrigações indispensáveis à preservação de uma sociedade. De fato, nossos deveres constituem-se no alicerce às lealdades e expectativas compartilhadas entre seus membros, garantindo a paz social do presente e as oportunidades a um futuro melhor, acolhendo sob suas benesses mesmo algum nível de proteção moral destinada aos mais fracos, pobres e desvalidos. O rei possui a obrigação de defender seus súditos, assim como estes têm o dever de servir e proteger o reino. Esse tipo de arranjo garante a vida, a liberdade, a segurança e a prosperidade de toda a sociedade. Destarte, uma mera declaração de direitos, desconectada dessa teia de deveres, jamais substituirá a força agregadora de obrigações reconhecidas e aceitas pelo povo, pois este é próprio óleo que faz girar as engrenagens internas de uma nação. A prosperidade e a riqueza proporcionadas pela democracia e o capitalismo, numa escala histórica antes impensável, gestaram em contraposição forças reativas determinadas a pilhar esses mesmo ganhos de produtividade, empregando a violência, a farsa e o autoritarismo para concentrá-los em suas mãos, almejando financiar um modelo de Estado gigantesco, policialesco e tirânico para se perpetuar no poder”.12 11 Marcelo Hipólito. Contra o Direito à Felicidade. Em: Marcelo Hipólito e Reno Martins. Espírito Conservador – Volume I. Brasília: Conservadores do Brasil, 2016. 12 Ibidem.
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Contra a família, os costumes e as tradições do homem comum, erguem-se as forças entrópicas da Revolução, cuja vanguarda sombria se encontra nas ideias malignas dos pensadores da Nova Esquerda e nas ações temerárias dos seus militantes, prisioneiros da linguagem abjeta de conflito e ódio do marxismo, um discurso que se revela inútil quando confrontado com a linguagem do amor. Afinal, o amor de um pai por um filho jamais é dominação, mas sim, uma forma de obrigação, de responsabilidade, enfim de um privilégio em si mesmo. Uma lógica incompatível à lógica incompatível e doentia da Revolução, não importa se socialista ou liberal. “Se fosse acidental o fato de os seres humanos crescerem para amar, necessitar e depender uns dos outros; se fosse acidental o fato de as crianças se sentirem ligadas a seus pais e os pais a suas crianças por meio de vínculos inexoráveis que circunscrevem as possibilidades do prazer e da dor posteriores; se fosse acidental o fato de a vida doméstica ser até hoje (exceto no caso de uma minoria) tão difícil quanto no passado, então talvez a “crítica radical” tivesse alguma força”.13
Daí, toda revolução já estar condenada, desde o princípio, ao fracasso, pois carrega em si mesma as sementes da sua própria destruição; um destino final pavoroso, ruinoso e inescapável. A autoridade pode ser tomada pela força; delimitada ou não pelas convenções sociais, morais e jurídicas; inspirada ou não na tradição; contudo, independente da forma da sua conquista, a autoridade torna-se perene somente na estrita medida da sua legitimidade. A legitimidade dos pais só existe pelo reconhecimento dos filhos, ou não seria possível. Um valor reforçado pela tradição e os costumes populares, bem como refletido numa ordem social e religiosa saudável. A Revolução tenta usurpar essa autoridade, submetendo-a ao poder do Estado corrompido ou alienando-a em prol do hedonismo individual. Porém, fracassará, sempre, enquanto as relações originais de hierarquia da sociedade persistirem, sustentadas sobre as bases do amor familiar e intergeracional.
A Revolução é materialista, logo seu racional só se aplica às relações materialistas. Esse é o grande fracasso, a terrível mentira da promessa revolucionária. Seu ódio só suplanta o amor se destruir os frutos deste. O radicalismo deve matar e suplantar os papéis de pai, mãe e filhos para sobreviver. O temor e a paranoia da contrarrevolução exige nada menos da práxis revolucionária.
13 R. Scruton. As vantagens do pessimismo: e o perigo da falsa esperança. São Paulo: É Realizações, 2015. p.71.
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A resistência do amor “Todas as grandes coisas são simples. E muitas podem ser expressas numa só palavra: liberdade; justiça; honra; dever; piedade; esperança”. Winston Churchill
E a autoridade local e nacional? Esta seria também uma autoridade baseada no amor? A legitimidade da autoridade pública é concedida pelos seus súditos, conforme o interesse de cada um na garantia e manutenção da ordem social vigente. Contudo, mesmo envolvidas com essas considerações práticas e, de fato, bem razoáveis, indiretamente elas também se relacionam com o amor. Por óbvio, não propriamente o amor a Deus ou a um filho; porém, o amor por sua comunidade e pela pátria. “Para as pessoas comuns, que vivem em livre associação com seus semelhantes, “nação” significa simplesmente a identidade histórica e a lealdade que as une no corpo político. Trata-se da primeira pessoal do plural da comunidade. Sentimentos de identidade nacional podem ser inflamados pela guerra, comoção civil e ideologia, e essa excitação comporta vários graus. No estado normal, entretanto, esses sentimentos não são apenas pacíficos em si mesmos, mas uma espécie de paz entre vizinhos”.14
Essa paz é fruto de um sentimento de pertencimento comum daqueles que se enxergam como membros de uma mesma comunidade a nível local, ou de um só país na esfera nacional. 14
R. Scruton. Como ser um conservador. Rio de Janeiro: Record, 2015. p.57.
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“O patriotismo é uma forma de reverência que tem apoio na tradição. É um sentimento raro hoje, de respeito pelos antepassados. É um modo peculiar, racional e afetivo, de ver no chão de uma terra o sinal de pés antigos”.15
No Brasil, esse sentimento é perceptível no esporte nacional, encarnado na camisa “canarinho” da seleção de futebol masculino, sob cujo fascínio os brasileiros se enxergam como irmãos, cada qual integrante de algo maior do que si mesmos. De fato, nada mais comum do que desconhecidos se abraçarem em celebração a uma vitória do escrete brasileiro, ou se consolarem, às lágrimas, nas suas derrotas. Todos imanados pelo sentimento de pertencimento ao mesmo país. Contudo, fora da arena esportiva, a inspiração patriótica não resiste à baixa autoestima em geral do brasileiro, à falta de engajamento emocional dos nossos concidadãos perante os verdadeiros símbolos nacionais: uma infeliz consequência da nossa orfandade monárquica e do respectivo fracasso do nosso precário modelo republicano, frutos do golpe de Estado de 1889, que lançou a nação no abismo institucional, político e moral de onde jamais logramos nos reerguer.16 De fato, o patriotismo brasileiro sobrevive numa atitude abalada de pertencimento comum à mesma terra, povo e língua, sob um anseio coletivo por paz social, justiça e prosperidade. “Uma família é um todo bem definido e perfeitamente destacado de outra família; uma cidade é bem definida e distinta de outra cidade; um 15 G. Corção. Patriotismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Editora Presença, 1968. p.27. 16 Marcelo Hipólito. Monarquia e Conservadorismo. Excepcionalismo Brasileiro. São Paulo: Giostri, 2017.
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país é uma realidade que tem fronteiras nítidas; fronteiras geográficas, linguísticas, históricas e culturais. (...) O patriota deseja a nitidez de suas fronteiras; cultiva-a, exalta-a”.17
Thomas Hobbes defendia a Salus Populi (a segurança do povo)18 como o objetivo precípuo do Estado. Em verdade, um objetivo que se confunde com o da própria nação, onde o Estado é uma ferramenta à consecução desta que é a responsabilidade maior de uma liderança institucional. “(...) as razões para uma pessoa não desejar que estrangeiros governem seu país é muito semelhante às razões pelas quais não quer que sua casa seja incendiada; pois ele “seria incapaz de começar” a enumerar as coisas das quais sentiria falta”.19
Contudo, o conceito de segurança vai além do professado por Hobbes, ao menos, em uma democracia. O estabelecimento de uma sociedade segura não prescinde da preocupação com a liberdade responsável; do contrário, abremse às portas à tirania e opressão. A liberdade responsável, garantida sob as regras democráticas de instituições justas e sólidas, conserva o melhor antídoto contra a barbárie e a anarquia que o próprio Hobbes chamava “a guerra de todos contra todos”20, motivada pela primeira lei 17 G. Corção. Patriotismo e nacionalismo. op. cit. pp.22-23. 18 Thomas Hobbes. Leviatã: ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002. 19 C. S. Lewis. Os quatro amores. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. 20 Thomas Hobbes. op. cit.
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natural do homem, o impulso primitivo da autopreservação, que continua presente, ainda que sob as camadas da cultura hegemônica progressista, no cidadão ocidental, polido e civilizado do século XXI. Essa pré-condição humana indispensável ao controle da barbárie repousa nas relações de autoridade, obediência e tradição persistentes nas sociedades modernas do Ocidente. A liderança dos pais e a submissão dos filhos são um ingrediente fundamental dessa lógica civilizacional, um regramento milenar, inerente à preservação e evolução da nossa espécie, nas lutas de vida e morte de cada família por sobrevivência contra as intempéries, doenças e outros grupamentos humanos potencialmente hostis. Os filhos reconhecem a legitimidade da autoridade paterna devido ao seu instinto de autopreservação. Os pais são a garantia ou, ao menos, a promessa de alimento, abrigo e segurança. O dever pátrio de proteger sua prole e garantir-lhe a sobrevivência a qualquer custo é uma obrigação que não prospera num vazio social, já que brota, precisamente, do amor dos pais pelos filhos. Ao reconhecerem o afeto e o esforço dos seus progenitores em mantê-los vivos, os filhos aprendem também a amar, em primeiro lugar os próprios pais, depois outras pessoas, tais como amigos e vizinhos, que cooperam com a autoridade paterna pela sua sobrevivência. Concomitantemente, legitimam o poder pátrio, oferecendo-lhes sua submissão, cientes de que os pais exercem a autoridade em seu benefício. Essa lição de hierarquia e legitimidade, vivenciada no seio familiar, de forma intergeracional, representa a própria sabedoria da tradição, emanada dos mortos, os nossos antepassados.
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“Primeiramente, devemos entender que as novas gerações são um patrimônio, e não um encargo. Claro que nos dão responsabilidade e trabalho. Mas são um patrimônio intelectual, afetivo, amoroso, criativo. No entanto, essa nova geração precisa ter pontos de conexão com as gerações anteriores. Isso exige que cada família se organize e crie tempos de convivência, que fará com que as vivências de cada um possam ser permutadas, partilhadas”.21
A autoridade do amor reside no aprendizado daquilo que comprovadamente funciona pela simples constatação de que a espécie humana sobreviveu até o presente, reproduzindo-se e prosperando. A geração vivente é somente a guardiã momentânea dessa herança intergeracional, cabendo-lhe constituir suas próprias famílias e instruir seus filhos na sabedoria testada e comprovada por nossos pais e avós, sob a qual persevera a sabedoria capaz de discernir, em meio às mudanças inerentes à realidade humana e natural, aquelas que se coadunam com a continuidade do bem-estar social. Deve-se evitar o canto da sereia do radicalismo com suas promessas de amanhãs repentinos e radiantes, porém, sem resultados positivos no mundo real. Afinal, mesmo uma condição precária é preferível à ação imprudente, de alto potencial destrutivo. A atitude conservadora conforma-se com os limites impostos pelo real e o possível, submetendo-se a eles. O pessimismo e a prudência implicam em considerar todas as opções e riscos antes de apostar o futuro das próximas gerações em utopias incertas. 21 M. S. Cortella. Família em tempos de crise. Correio Braziliense, 4 de junho de 2017.
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Já o insensato substitui o comedimento pela ousadia, arriscando a própria vida e as do restante da sociedade sob um projeto de poder revolucionário. O tolo talvez sobreviva incólume por um tempo, contudo, a Revolução tende a engolir até seus mais fieis membros, tragados por suas incontidas espirais de violência, caos e destruição. A ordem do amor, por sua vez, somente resiste e prospera sob o exercício da liberdade responsável, da autodisciplina, do amor próprio e do respeito aos semelhantes. É a ordem da obediência a um bem maior, da contenção das paixões; da deferência aos direitos e deveres da sociedade e aos seus membros como um todo. “A liberdade não é oposta à disciplina, mas solidária com ela. O homem só é livre na medida em que é disciplinado. (...) Não se dá liberdade desenfreada e, sim, uma liberdade consciente, controlada, que forma, eleva o homem e o torna consciente e responsável por seus atos. (...) Não é a autoridade da professora, a imposição, o esmagamento, que se faz mister no plano educacional e sim, a autoridade branda, amorosa, velada pelo respeito à cultura humana e às diferenças individuais”.22 Destarte, a ordem do amor implica na liberdade com propósito, fundada naquilo que nos une, em vez de preferir aquilo que nos contrapõe, buscando a promoção do bem comum e a difusão da responsabilidade conjugada. A autoridade legitimada 22 Associação Educacional Carmelitana Maria Montessori. Liberdade, Responsabilidade, Autoridade, Disciplina. Panfleto escolar, Brasília, 2017.
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sob a ordem do amor se submete às instituições e leis em que se assentam a civilização e suas inter-relações indispensáveis à manutenção da paz social. “A liberdade é genuína somente quando limitada pelas leis e instituições que nos tornam responsáveis uns pelos outros, que nos obrigam a reconhecer a liberdade dos outros e também a tratar os outros com respeito”.23
A autoridade se legitima ao exercer suas obrigações e cumprir suas responsabilidades sob a tutela legal de instituições eficazes na garantia da ordem social. No exercício da tradição, tem-se, por exemplo, o caso da autoridade da parteira, ainda reconhecida em muitas comunidades: uma mulher geralmente de origem humilde, porém, a qual se reveste, no momento de conduzir um nascimento, de grande legitimidade já que domina um ofício transmitido por gerações. Essa é a essência da legitimidade popular. Já a legitimidade estatal funda-se na lei. A autoridade de um servidor do Estado emana das instituições formais e do poder estatal sob os quais desempenha seu ofício. Contudo, há uma autoridade maior, que não pertence a este mundo.
Uma autoridade legitimada pela ordem do amor, entre Criador e criatura. Eliminada a legitimação do amor, resta somente o poder opressor do Estado, sob o qual o coração humano sangra esmagado pela tirania direcionada à satisfação dos extremistas, beneficiários do terror exercido sobre o homem comum, o qual sobrevive em alienação ou revolta permanente sob a coerção estatal. O tipo de desumanidade que abateu milhões de almas, submetidas ao inferno vermelho permanente da Cortina de Ferro, durante a Guerra Fria. Infelizmente, as tragédias pavorosas causadas pelo ódio revolucionário não se limitam ao Leste Europeu, destacando-se, em meio a tantos casos registrados pela História: os campos de extermínio comunistas do Khmer Vermelho, a fome e a miséria chavistas, as guilhotinas sangrentas dos jacobinos, os incansáveis pelotões de fuzilamento do regime de Fidel Castro e Che Guevara. Distinta da ordem do amor, a do ódio se opõem a Deus, família, tradição, comunidade, pátria e conservadores. Em desafio à Revolução, o conservadorismo persevera de forma inflexível e determinada, contrapondo-se à matança indiscriminada e à opressão promovida pelos radicais, respondendo aos anseios populares por paz e vida, na defesa de Deus, família e propriedade.
A autoridade de Deus, personificada na Santa Igreja, Seu representante na Terra, cujos clérigos dispõem de uma legitimidade divina no mundo mortal, materializada na liturgia sagrada, na celebração dos ritos, na remissão dos pecados, no exorcismo dos demônios, na extrema-unção dos moribundos. 23
R. Scruton. As vantagens do pessimismo: e o perigo da falsa esperança.
São Paulo: É Realizações, 2015.
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A essência do amor “Papai, eu amo você”. Felipe, meu filho mais velho
Este livro é fruto do meu amor pelos meus filhos: Felipe e Gustavo. Um amor que me assoberba desde as suas gestações, das primeiras imagens de ultrassom do ventre materno, do choro infantil no parto, de embalá-los nos meus braços, de vê-los adormecidos em seus bercinhos: serenos, doces, mergulhados em seus sonhos infantis. Tornar-se pai é uma das poucas experiências verdadeiramente transformadoras na vida. Quem você era e aquele em que se converte com a paternidade revela-se uma jornada da qual se emerge inteiro e incerto, feliz e assustado, realizado e comprometido. A chegada do meu primogênito causou-me tamanho impacto na alma que até as minhas memórias anteriores à paternidade se esvaeceram, reduzidas da sua importância. O nascimento do meu segundo filho só veio a reforçar esse estado emocional, em que o bem-estar dos meus rebentos se sobrepõe a considerações mesmo sobre a minha própria sobrevivência. “O amor humano funciona de várias maneiras. Em sua forma mais elevada, vem como uma dádiva, oferecida livremente para outras pessoas com a promessa de apoio. Mas tal amor não vem de graça. Há sempre um custo para o sujeito, bem como para o objeto.
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(...) O amor é um desafio moral com o qual nem sempre deparamos, na busca por ele, procurarmos nos desenvolver e viver corretamente”.24
Mas, afinal, que amor é esse? Como funciona este vínculo de sangue, espírito e afeto, perene e inquebrável, entre pais e filhos? A razão aristotélica nos fornece algumas pistas: “O amor não é bom em si mesmo: é bom enquanto virtude e ruim enquanto vício. Nesse caso, temos que ouvir Aristóteles, que diz que o bom não é amar, mas amar o objeto certo, na ocasião certa e no grau certo. Aprender como amar e que isso faz parte do crescimento. O amor, assim como qualquer emoção, tem de ser disciplinado para que não caia no sentimentalismo ou na dominação”.25
Esses são os pressupostos de um amor saudável, abnegado a sacrifícios em prol da felicidade alheia; no caso, da felicidade dos seus filhos, portanto, sereno e profundo, ausente de radicalismos. C. S. Lewis enxergava com gravidade a falta da prudência no exercício do amor. “Isso, é claro, pode ser afirmado de outra maneira: “o amor torna-se um demônio no momento em que se torna um deus”. Esse equilíbrio parece-me indispensável. Se o ignorarmos, a verdade de que Deus é amor poderá traiçoeiramente vir a significar para nós o inverso, isto é, que o amor é Deus”.26 24 R. Scruton. Confissões de um herético. Belo Horizonte, MG: Âyiné, 2017. p.59. 25 Idem. pp. 48-49. 26 C. S. Lewis. Os quatro amores. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.
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Destarte, a responsabilidade e a moderação são indispensáveis ao bom exercício amor, como aos demais aspectos da existência humana. O radicalismo é um vício que tudo arruína ao potencializar emoções vis e paixões arredias, levando, inevitavelmente, à violência moral, psicológica e física. Gustavo Corção analisou o amor à nação também sob a perspectiva aristotélica, chamando-o patriotismo quando virtuoso e nacionalismo se distorcido. Corção não se apegava à diferença entre esses conceitos por mera gradação, em que o nacionalismo “variasse” como uma versão odiosa do patriotismo, sendo o nacionalista um tipo de patriota “exaltado”. “(...) não se pode dizer que o nacionalismo seja simplesmente um exagero de patriotismo. Ao contrário, há entre os dois capítulos uma oposição. No patriotismo, como veremos melhor, há uma reta conformidade com um justo critério; no nacionalismo uma oblíqua disformidade causado por um injusto critério. Poderíamos dizer, num paralelo que me parece perfeito, que o nacionalismo se opõe ao patriotismo como a superstição que é um vício se opõe à religião que é uma virtude”.27
O raciocínio elegante de Corção se vale da deflagração da Segunda Guerra Mundial na Europa como ilustração prática. Para ele, a invasão cruel e descabida da Polônia é fruto do nacionalismo alemão (nacional-socialismo), enquanto sua defesa heroica e desesperada provém do patriotismo polonês.28 27 G. Corção. Patriotismo e nacionalismo. Rio de Janeiro: Editora Presença, 1968. p.17. 28 Idem. p.13.
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Num mundo em que sangram a tradição e o amor ao próximo, justamente aquilo que nos faz irmãos – membros voluntários (pela graça do livre-arbítrio e da remissão dos pecados) da comunidade das criaturas de Deus –, muitos não mais se enxergam como a criação suprema do universo, mas sim, seres desprovidos de propósito, incapazes de transcender a condição mundana. Fomos reduzidos, pela retórica da modernidade humanista, a bestas fadadas a vagar pela Terra, limitados a cumprir suas necessidades mortais básicas: comer, beber, dormir, defecar, urinar, copular e morrer. Nesse mundo melancólico e depressivo, resta pouco ou nenhum espaço ao amor verdadeiro, trocado por relações materialistas de perda e ganho, drogas antidepressivas, tédio e hedonismo desenfreado. Da fraternidade do amor, decaímos à busca enganosa e frustrante pelas perversões da igualdade de recursos e da pronta satisfação dos desejos, um estado de absoluta miséria existencial, fruto do desafio à religião pelos ateísmos liberal e socialista. Este é o mundo dos credos seculares com suas promessas de paraíso terrestre, focados na igualdade material (socialismo) ou na satisfação autoindulgente (liberalismo). “Somos tentados e viver segundo o interesse racional, julgando tudo – inclusive o ato sexual – em termos de custo e benefício. O homo economicus, que troca o dever pelo prazer e o valor pelo preço, parece-nos ter-se livrado da culpa. Mas, se fez isso, como percebemos, foi porque também se livrou do amor”.29
29 R. Scruton. Coração devotado à morte: o sexo e o sagrado em Tristão e Isolda, de Wagner. São Paulo: É Realizações, 2010. pp. 19-20.
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Ao definir a si mesmo como um indivíduo racional, moderno e esclarecido que “meramente” rejeita a existência de Deus, o ateu abraça a própria destruição moral e espiritual. Sua renúncia à aliança com o Criador contribui para o aprofundamento do mundo depressivo de nossos dias, solapando, cada vez mais, o tecido cultural e social que forjou a grandeza e a prosperidade da sociedade ocidental. Não se cria um ambiente promíscuo de tolerância ao barbarismo (liberação de entorpecentes, aborto, hedonismo, egocentrismo e niilismo) sem abalar o restante da sociedade, enfraquecendo a luta mesmo daqueles que se contrapõem a essa grave doença civilizacional. Ninguém existe apartado do seu ambiente social. Assim, mesmo cristãos padecerão sob os males da modernidade: remédios psiquiátricos, divórcios, drogas, filhos perdidos e famílias destroçadas. Para os tementes a Cristo, a definição mais elementar de Mal é a ausência de Deus. De fato, os anjos caídos escolheram se tornarem demônios justamente quando se afastaram do Criador.
Ao relativizar o amor a Deus, os materialistas empalideceram nossa própria humanidade. A proliferação descontrolada do fenômeno da mãe solteira, muitas vezes uma adolescente despreparada diante das responsabilidades e agruras da vida adulta, representa tanto uma consequência desse fenômeno em particular quanto da defesa irresponsável da insensatez sexual. Incontáveis jovens, condenadas a reproduzirem o ciclo da pobreza dos pais, forçadas a criarem seus filhos, muitas vezes, sob as mais severas dificuldades econômicas e afetivas. Essas crianças tornam-se vítimas de homens irresponsáveis, alheios ao destino daquelas que seduziram e engravidaram na busca pelo prazer, indiferentes aos deveres e valores cristãos, indispensáveis à promoção da dignidade familiar. Os socialistas, inimigos determinados da família, são também os maiores aproveitadores desses desvalidos, recolhidos às fileiras da sua militância, para integrarem, em meio à miséria, desamparo e desamor, seus currais eleitorais, fadados a perpetuarem, politica e culturalmente, essa lógica maligna e viciada.
Ao disseminarem seu ideário nefasto, os ateus não somente conspurcam a dádiva do amor de Deus para com a humanidade, mas também a necessidade espiritual, inerente ao ser humano, de amarmos o Criador, de estarmos próximos da Sua graça.
“As pessoas modernas acreditam que são animais, partes da ordem natural, submetidas a leis que as atam às forças materiais que tudo governam. Elas creem que os deuses foram inventados por elas, e que a morte é exatamente o que parece. Seu mundo foi desencantado, e suas ilusões, destruídas”.30
Se esse estrago imenso não fosse o bastante, o ateísmo ainda corrói e subverte outras formas e expressões de amor. Afinal, ao nos supormos meros animais, passamos a agir de acordo. Na verdade, piores, uma vez que, ao liberamos nossa bestialidade das amarras da moral religiosa, o materialismo ateu nos alça a níveis de depravação e crueldade sem paralelos na natureza. 52
Contudo, para o cristão, existe a Eucaristia a nos resgatar da nossa própria mortalidade, diferenciando-nos dos animais. 30
Idem. p.21.
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Somos, enfim, os eleitos da Criação, acima até dos anjos, pelo livre-arbítrio e a redenção dos pecados, no amor do Senhor. Ao pecarem, não há salvação aos anjos, restando-lhes somente a condenação eterna no Abismo. Já a humanidade possui uma benção além de qualquer obra do Senhor. O amor de Deus redime nossos pecados, pela graça do batismo e da confissão, apoiado pelo afeto dos nossos pais, quando no levam à Igreja para nos tornar cristãos, membros de uma comunidade sagrada.
Esses são amores humanos básicos, desdobramentos do amor maior, expresso no primeiro mandamento da cosmovisão ocidental, judaico-cristã. Afeições intergeracionais vivenciadas sob um mesmo teto sustentam a felicidade familiar. Afeições locais promovidas numa mesma região forjam a felicidade comunal. São formas de amor que inexistem separadamente; ao contrário, acham-se interligadas, intercomunicantes e interdependentes. “Não é pois fora de propósito dizer que o patriotismo começa pela reverência dos pais, esses elos vivos, esses nós entre dois mundos. (...) Patriotismo deriva de uma lei natural que foi elevada à dignidade de mandamento divino: honrar pai e mãe”.32
Nenhum outro ser da Criação tem essa prerrogativa. Nossa graça e redenção derivam de uma condição humana primordial: nossa mortalidade. “(...) a liberdade do que desfrutamos depende de nossa mortalidade. A morte está no coração da comunidade moral, e o amor é uma relação entre coisas que morrem. Mas o amor também inclui, em sua forma mais elevada, o reconhecimento e a aceitação da morte. Portanto, a redenção, para os deuses e para nós, está no amor e na aceitação exaltada da morte que o amor possibilita”.31
Retoma-se aqui a verdade fundamental contida na Palavra de Deus, outrora mencionada: “Não é bom que o homem esteja só” (Gênesis 2:18). De fato, o homem não foi criado para a solidão.
Dentre as formas de felicidade virtuosa e verdadeira, tem-se a conjugal, oriunda do amor erótico. Ainda que, obviamente, não limitada aos casais férteis, esse é o amor garantidor da reprodução e, por conseguinte, da sobrevivência da própria espécie. Logo, uma forma de afeto de suma importância. Contudo, dependente, originariamente, do amor próprio, uma condição indispensável que capacita o indivíduo ao amor erótico e a uma vida conjugal saudável. O amor próprio é o amor da autovalorização, de se saber um filho amado do Criador, e não um mero macaco rendido às suas paixões bestiais.
Os filhos são nosso legado ao mundo, o consolo das nossas almas e a realização de uma vida plena, feliz e realizada.
Somente um ser humano que respeita e ama a si mesmo, no seio de uma família saudável, torna-se verdadeiramente capaz de respeitar e amar o seu próximo, com desdobramentos óbvios sobre as demais formas de amor, aquilo que Chesterton chamava, muito sagazmente, “fraternidade dos homens”, um elo que supera as diferenças entre as gerações, as eras e os mais remotos lugares.
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Ao nascermos, somos acolhidos por nossos pais; durante a vida, o amor erótico nos conduz à formação de uma nova família, unidade básica da civilização, soberana em seu próprio âmago.
Idem. p. 22.
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G. Corção, op. cit. pp. 27-28.
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Chesterton ilustrou a “fraternidade dos homens” com seu relato singelo e preciso sobre um menino admirado ao descobrir as pinturas rupestres de um homem pré-histórico. A despeito dos milênios de diferença entre ambos, a humanidade do menino lhe permitiu se conectar com aquela criação esquecida, milenar, ancestral, conferindo-lhe uma empatia estética capaz de apreciar e dialogar com a sensibilidade artística do homem das cavernas. “O homem havia desenhado um cervo adulto exatamente como o menino havia desenhado um cavalo: porque era divertido. O homem havia desenhado o cervo de cabeça virada como o menino havia desenhado um porco de olhos fechados: porque era difícil”.33
O amor a Deus é o amor às virtudes mais sublimes do espírito humano. Seu contrário repousa na servidão aos vícios. Um homem decaído, servo dos próprios anseios, não possui autoestima, nem amor próprio, afasta-se da graça de Deus, condenando-se a uma vida desgraçada nos recantos mais sombrios da danação: entorpecentes, criminalidade, fanatismo revolucionário, suicídio. Já o cristianismo é o caminho da luz, da alegria e da paz. Todo homem sente a necessidade de construir sua vida sobre algo sólido e estável. Daí, buscarmos um sentido para a nossa existência.
“Aqui estamos todos nós, comendo e bebendo para preservar nossa preciosa existência, e realmente não há nada, nada, absolutamente nenhuma razão para existir”.34
Não existe significado para a existência humana no materialismo ou no ateísmo, o que só faria sentido se o anseio por esse sentido fosse ausente na natureza humana, em vez de nos acompanhar desde a aurora dos tempos. Essa negação sentencia a humanidade a uma vida inútil e depressiva. A vontade de viver e o amor próprio derivam, entre outros aspectos, de se permitir um sentido à própria existência capaz de justificar sua presença neste mundo. Uma vida justificada pela mera acumulação de riquezas, na busca vazia pelo prazer, no niilismo ou no egocentrismo descamba, em geral, numa existência de perplexidade, insegurança e crise. A ruptura mental do Ocidente em direção ao materialismo e ateísmo, acelerada a partir da segunda metade do século XX, assistiu, respectivamente, à explosão da psiquiatria e das drogas comportamentais, culminando num século XXI prenunciado como a Era da Depressão. A força do cristianismo, por sua vez, a despeito do avanço da mentalidade liberal e socialista, não se resume a uma proposição teórica sobre o sentido à vida.
Ao negar essa realidade inerente à experiência humana, condenamo-nos ao vazio materialista, reduzindo-nos à depressão existencial de um Sartre:
O cristianismo é a única cosmovisão coerente a satisfazer a sensibilidade e o intelecto humano, provendo uma compreensão adequada e lógica da realidade que atende, ao mesmo tempo, a busca por sentido e a necessidade espiritual inerente à nossa natureza.
33 2013.
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G. K. Chesterton. O homem eterno. São Paulo: Editora Mundo Cristão,
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J. P. Sartre. A náusea. São Paulo: Saraiva , 1964.
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Para Chesterton, essas são justamente as qualidades de uma teoria sólida, que nos possibilita compreender a realidade de uma forma racional e coerente, lançando luzes tanto sobre o nosso mundo exterior, como o interior. “Com essa ideia dentro de nossa cabeça, um milhão de coisas se tornam transparentes como se uma lâmpada acendesse detrás delas. (...) O fenômeno não prova a religião, mas a religião explica o fenômeno”.35
Um dos elementos centrais dessa cosmovisão destaca que o homem não é desse mundo – aqui sua existência é temporária –, mas sim, pertencente a outro destino, o espiritual, o Paraíso, a companhia eterna do Senhor. Essa explicação contempla o sentimento humano básico de que integramos algo maior do que nós mesmos, que o mundo material não nos basta por si só. A fé cristã não foi erigida para explicar essa condição humana, ainda assim permanece como a única estrutura intelectual que a explica satisfatoriamente. No islamismo, diferentemente, o Corão se propõe a atuar como a regra suprema de vivência neste mundo; e também no próximo. O cristianismo, porém, ainda que abarque o mundo mortal, conserva seu foco na vida após a morte. Por isso, jamais existirá uma Sharia cristã ou a Bíblia equivalerá a um código civil voltado ao mundo mortal. No cristianismo, a salvação dá-se pela verdade interior, o comportamento público do crente resta como consequência. Já o Islã trata o comportamento em público como o caminho 35
G. K. Chesterton. The Return of the Angels. Daily News, 1903.
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da salvação, relegando a mero detalhe a coerência interior em relação à fé. O cristianismo lança uma luz moral sobre o universo, permitindo enxergá-lo sob uma perspectiva na qual o próprio homem se acha inserido; o mundo físico se assume, portanto, como um reflexo de uma realidade espiritual abrangente e sincera. Destarte, é a moralidade de Cristo, vivenciada intimamente, que se leva à vida familiar comunitária, quando se ama o próximo, sob os auspícios da graça divina. A falta que sentimos da proximidade de Deus nunca termina “nem neste mundo nem em qualquer outro. Mas a nossa consciência dessa necessidade pode desvanecer”.36 Se isso acontece, a necessidade “também se esvai”37. C. S. Lewis alerta sobre essa grave e perene responsabilidade, que nos abençoa ou amaldiçoa pela eternidade, relembrandonos da excepcionalidade humana e do valor intrínseco da vida de cada um de nós: “A carga, ou peso, ou fardo de glória do meu vizinho deve descansar diariamente em minhas costas (...) Não existem pessoas comuns. Você nunca falou com um simples mortal. (...) são imortais aqueles com quem brincamos, com quem trabalhamos, casamos, a quem desprezamos e exploramos – horrores imortais ou esplendores eternos. (...) Ao lado do próprio Santíssimo Sacramento, seu vizinho é o objeto mais sagrado apresentado aos seus sentidos”.38
36 C. S. Lewis. Os quatro amores , op. cit. 37 Ibidem. 38 C. S. Lewis. O peso da glória. São Paulo: Vida, 2011.
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Esse é um princípio conservador por excelência: inexiste benefício ou salvação sem o atendimento da obrigação ou responsabilidade correspondente, por vezes pesada de se suportar nos ombros.
amigos online – que não reconheceríamos se os encontrássemos no mundo real – e cada vez menos pessoas com os quais realmente compartilhamos nossas vidas.
De fato, nesta verdade singular reside o preço do livre-arbítrio: não temos como transferir a Deus as consequências das nossas ações, uma vez que estas dependem somente de nós mesmos, da nossa fé e amor ao próximo, inclusive aos nossos vizinhos.
De fato, depende da atitude e das prioridades de cada um a melhora dessa realidade. Contudo, não resta dúvida de que o ritmo acelerado das metrópoles modernas impacta fortemente nossa capacidade de cultivarmos relações de afeto que nos façam mais completos e felizes.
A afeição pelos vizinhos é parte da afeição do enraizamento, aquela que congrega o apego humano à rotina e ao familiar. São elementos contínuos da nossa vida que nos dão estabilidade emocional, racional e psicológica. Tudo aquilo que chamamos “nosso”, mesmo quando não está ligado à noção de propriedade, mas sim, de pertencimento: lar, família, vizinhança, comunidade... Nossos vizinhos dão-nos bom dia a cada manhã e boa noite a cada pôr-do-sol. Ajudam-nos nas dificuldades, celebram conosco as alegrias e compartilham do fardo de conservar a comunidade; eles são como as ruas, árvores, gramados, montanhas ou rios que enxergamos através das janelas de casa. Nas grandes cidades modernas, espremidos em apartamentos de edifícios impessoais, muitas vezes mal conhecemos nossos vizinhos, sequer sabemos seus nomes. Nesse caso, infelizmente, eles deixam de integrar nossa rotina, renegados às margens do nosso afeto. Efeito similar pode se verificar em relação ao círculo de amizades do homem moderno. Nossa rotina apressada reduz o tempo dedicado à afeição pelo outro. Substituímos amizades verdadeiras pelos cliques superficiais das redes sociais. Ironicamente, temos centenas de 60
Não é uma condenação aos tempos atuais.
Confesso que tenho um círculo de amizades mais estreito do que gostaria, porém, procuro remediar esse problema investindo em poucos e excelentes amigos, dentre os quais se acha o também escritor Reno Martins, coautor na Coleção Espírito Conservador, uma coletânea de ensaios político-filosóficos. Um dueto de mentes irmanadas por uma visão similar de mundo e de valores compartilhados, muito caros e especiais. Uma amizade que extrapola o universo criativo e autoral. Reno e sua esposa são também os padrinhos de batizado do meu filho mais novo, Gustavo. Nesse meu singelo e singular exemplo, materializo um aspecto relevante da amizade. Amigos são importantes durante toda a nossa vida. Eles integram nossas experiências na escola, na juventude, no trabalho, no lazer, na comunidade, na velhice e mesmo na morte. Uma vida bem vivida muitas vezes se mede pela quantidade de amigos que comparecerão ao seu funeral, com sinceridade e dor. Evidentemente, amigos surgirão e partirão, não devido à perda da afeição, mas pelas próprias contingências da vida. Contudo, a presença da amizade sincera e verdadeira será sempre marcante, dando-nos ensinamentos, apoio, estabilidade e boas memórias. 61
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Ela se assenta sob o mútuo respeito e o bem querer, não em ambições de ganho pessoal, pois, do contrário, deixaria de ser amizade, corrompida em vil interesse como se o critério de escolha do seu cônjuge não fosse o amor, mas sim, o peso da sua conta bancária. Aos verdadeiros amigos, confiamos, inclusive, nossos maiores tesouros. Quando convidei Reno – o qual me honrou ao aceitar a responsabilidade de ser padrinho do meu filho caçula –, considerei seu caráter impecável e sua sólida fé cristã para desempenhar o papel mais importante de um padrinho: o encaminhamento espiritual do meu filho na Santa Igreja, em caso de ausência involuntária dos pais, com vistas à preservação da alma de Gustavo nos caminhos de Cristo. Essa é uma confiança nascida do afeto e das semelhanças, as quais, se sadias, aproximam-nos.
Diferentemente, o amor deturpado deixa de ser amor para se tornar moléstia. Envenena a alma com as dores do ciúme, ódio e violência. É o inferno da posse desafiada, do orgulho ferido, do afeto não correspondido, da depravação da mente e do espírito. Uma alma saudável controlará seus piores instintos; já um indivíduo conspurcado se entregará a eles, cometendo os crimes mais abjetos: violência contra a mulher, abuso infantil, assassinato, fanatismo, assédio moral e/ou sexual, dentre outras aberrações. Nada disso é amor, aquele sentimento sagrado que nos faz desejar ao outro o que de melhor aspiramos a nós mesmos. O ato de amar é sempre belo, generoso, radiante e leve. Seu contrário revela-se doentio, pegajoso, sombrio e pesado, uma enfermidade d´alma, que destrói seu dono, arrastando-o, numa espiral colérica, para a danação e a incerteza.
Diferenças também podem aproximar, quando complementares. Como tudo na vida, a chave para uma amizade frutífera está em seu potencial virtuoso. Caso contrário, deixaria de ser uma forma de amor para se tornar um tipo de doença, obsessão ou repulsa. Um verdadeiro amigo desperta o melhor em você. Seu anseio é pela felicidade, paz e prosperidade do outro. Um bom amigo pode ser um porto seguro tanto quanto um irmão. Irmãos de espírito, ainda que não de sangue. Esse elo espiritual pode valer tanto, ou mais, do que as próprias relações consanguíneas, especialmente na velhice, quando nossos pais já deixaram esta vida e nossos filhos partiram deste mundo para construírem seus próprios lares: a ordem natural da existência. 62
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As obrigações do amor “A melhor vida é aquela que nos é imposta por decisão irrecorrível da consciência”. Joaquim Nabuco
A Reforma Protestante permanece o fenômeno revolucionário e entrópico original que inaugurou a sanha por mudanças disruptivas profundas, típica dos tempos modernos.
termos vazios de significado real: “igualdade”, “fraternidade”, ou qualquer desculpa oca, empregada conforme as conveniências do movimento revolucionário. “Quando um sistema religioso é estilhaçado (como foi estilhaçado o cristianismo na Reforma), não são apenas os vícios que são liberados. Os vícios são, de fato, liberados, e eles circulam e causam dano. Mas as virtudes também são liberadas; e as virtudes circulam muito mais loucamente, elas causam um dano mais terrível. O mundo moderno está cheio de velhas virtudes cristãs enlouquecidas. As virtudes enlouqueceram porque foram isoladas uma da outra e estão circulando sozinhas.
De fato, essa primeira revolução subverteria a doutrina cristã e abriria a caixa de Pandora que corromperia as virtudes cristãs, reduzindo-as a “virtudes” humanistas, ou, mais precisamente, a vícios liberados pelo mundo sob a mentalidade do desafio.
Assim alguns cientistas se preocupam com a verdade, e a verdade deles é impiedosa. Assim alguns humanitários se preocupam apenas com a piedade, e a piedade deles (lamento dizê-lo) é muitas vezes falsa”.40
No caso da Reforma, desafiou-se a autoridade do Trono de Pedro, a própria hierarquia legada por Cristo aos seus discípulos, sobre a qual se erigiu a igreja cristã primitiva, aquela que floresceria pelo mundo, impondo-se, enfim, ao próprio Império Romano.
No mundo moderno, o discurso pela busca da verdade se subverteu num vício hediondo, embutido de falsidades e charlatanismo ideológico, extremista, cínico e carreirista. Os intelectuais modernos se tornaram parte do problema que eles mesmos criaram ao fazer o homem duvidar de si próprio, bem como da sua herança, representada pela sabedoria da tradição, menosprezando o aprendizado das gerações passadas.
“O amor perdoa o imperdoável, senão deixa de ser virtude. A esperança não desiste, mesmo em face do desespero, senão deixa de ser virtude. E a fé acredita no inacreditável, senão deixa de ser virtude”.39
As virtudes cristãs enlouquecidas, desprovidas da sabedoria atemporal da doutrina católica, disseminaram-se pela modernidade como vícios assassinos, justificando, em seu nome e em prol do seu avanço, as maiores atrocidades, sob a proliferação de belos 39
G. K. Chesterton. Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.
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O presente torna-se incerto e assustador à medida que se assume cada vez mais desconectado do passado, fazendo-nos mais inseguros em relação à capacidade de construção do nosso próprio futuro. Vazio de convicções, o homem moderno se descobre uma presa fácil das falsas promessas de intelectuais oportunistas e da cultura revolucionária de tiranos em potencial, fomentada pela academia, as artes, a mídia, o Estado, sistematicamente infiltrados 40 Ibidem.
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e, por fim, dominados pela ideologia radical e seu relativismo moral materialista. Angustiado e desprovido da âncora moral e espiritual provida pelo cristianismo, o homem comum sucumbe à depressão, entregue aos cuidados de psicólogos e psiquiatras, afastado de Deus. Convencido pelos ateístas de que nada mais é do que um mero macaco, jamais uma criatura excepcional, eterna e divina, senhor do mundo mortal pela graça de Deus, destinado à felicidade suprema no Reino dos Céus, sente-se perdido, o significado da sua existência reduzida a pó pelo materialismo depressivo. Subitamente, a mesma ciência ocidental forjada pela mentalidade cristã, assentada na busca persistente da verdade sobre o mundo criado por Deus e o papel da humanidade nesta grande obra, viu-se afastada da fé pela ambição e a mesquinharia ideológica materialista. No que a ciência deu às costas a Deus e à racionalidade cristã que a originou, terminou por condenar o homem moderno ao único arremedo capaz de dirimir o vazio existencial provocado pela militância intelectual do ateísmo e dos movimentos revolucionários correlacionados: as drogas psiquiátricas. A miséria da alma passou a ser anestesiada pela medicina da angústia. Afinal, substituído o propósito divino humano pelo desterro materialista, o mundo se tornou insuportável, incerto e sombrio, restando às drogas preencherem esse vácuo insuportável de uma sociedade condenada ao sofrimento e à gula crescente do hedonismo e do consumismo. Uma autoestima individual sadia tem dificuldade de resistir, por uma vida inteira, ao deserto existencial da mediocridade. 66
Deus, a Igreja e a fé são as únicas fontes de propósito possíveis, já que sustentáculos imprescindíveis da Verdade. Desprovido destes, resta ao homem moderno recorrer a psiquiatras e psicólogos para enfrentar sua agonia de macaco sem alma, objetivo ou esperança. A ausência da esperança é a morte. A explosão de suicídios nas sociedades infectadas pelo materialismo não desperta, portanto, grande surpresa. Apartada das virtudes de Deus, os ateus impõem à sociedade a crença una na ciência moderna, com um fervor ironicamente religioso, alheios ao fato de que esta detém uma ínfima parcela de conhecimento real sobre o universo. Ou seja, suas convicções se revelam ainda mais efêmeras do que as eventuais certezas providas pela fé religiosa. O paradoxo moderno, portanto, reside na supremacia da ignorância materialista sobre a sabedoria acumulada por incontáveis gerações, desprezada como “superstição” ou “atraso”: a mesma sabedoria que manteve a humanidade viva e próspera nos milênios anteriores. Só existe uma forma de se evitar esse paradoxo insano: o caminho do amor. Amar a Deus é negar o materialismo. Amar a família é se render à sabedoria intergeracional oriunda de nossos pais e avós. Além disso, não se deve esquecer a superioridade do amor ao Senhor perante os amores terrenos, pois aquele dispensa substituto ou rival, como no “sacrifício” de Isaque por Abraão. A falta do amor ao divino converte-se no ódio irracional à religião praticado pelos ateus, ao desbotado de vidas desprovidas de um sentido íntegro e autêntico. 67
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Amar a Deus implica o desejo de também ser amado por Ele. Na verdade, este é um dos mais profundos anseios humanos, aquele que sacia a nossa mais elementar necessidade. Contrariamente, aqueles com amor-próprio devastado acreditam-se indignos de afeição, incapazes de enxergar em si mesmos quaisquer qualidades redentoras. Por não se amarem, supõem que outros também não possam fazê-lo. Destarte, o ateu combate a mais poderosa das verdades: Deus ama a todos, incondicionalmente, não importando se alto ou baixo, feio ou belo, pobre ou abastado. O único pré-requisito é a disposição de aceitar Seu amor puro e contagiante. O ato de receber Deus no coração é a garantia de jamais se sentir só ou esquecido. O amor de Deus é o esteio do amor-próprio, fonte suprema ao cultivo de uma autoestima sadia, distante dos males da dúvida, ansiedade e depressão. Essa é a diferença do martírio dos cristãos. Ainda que possa existir em outras cosmovisões a perspectiva da purificação humana para o Paraíso, aqueles que morrem por Cristo não o fazem por uma recompensa mundana transferida ao outro mundo (um harém de virgens, por exemplo). De fato, além da própria salvação, os cristãos se rendem também em nome de um amor que sustenta a integridade do seu próprio Eu, daquilo que chamamos consciência, virtude ou alma. Por isso, não existem homens-bomba cristãos. Cristo não exige dos seus filhos indignidade e injustiça, exatamente por ser feito de puro amor, em tudo distinto, por exemplo,
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dos fundamentos do Islã, cujos seguidores são meras ferramentas, meios a um fim: conquistar territórios no mundo material para se erigir um califado supremo, a nível planetário, fundado sob a opressão férrea e fanática da Sharia. Diferentemente, os filhos do Deus cristão são um fim em si mesmo: amados sob a promessa da salvação eterna. Cristo renega a espada em prol da resignação e do calvário, portador dos instrumentos do seu próprio martírio, a Cruz pesada sobre os ombros e a pavorosa coroa de espinhos à testa. Maomé, por sua vez, simboliza numa vida confortável, mundana e materialista, alçando-se aos Céus por uma escada de ouro. Cristo não é ostentação material, mas sim, modéstia e humildade: o messias que chega ao mundo mortal numa manjedoura. Não é o negociante ou o conquistador, mas o carpinteiro. Jesus morre por nossos pecados na Cruz, ascendendo ao Paraíso pela dor, igualando-se a todos nós no momento da morte. Maomé é o profeta da exuberância. Cristo é o messias do espírito, não da carne; o pregador da moderação e do recato. Jesus é a salvação, enquanto seu adversário invoca a revolução tribal, unificadora e violenta, a jihad. Os destroços da mitra papal, causados pela Reforma, restam como a salva inicial do radicalismo anticatólico contra a autoridade divina oriunda de Cristo e Pedro. Seguir-se-iam os banhos de sangue das revoluções francesa, russa, chinesa, cubana, bolivariana, as ditaduras africanas, o fascismo de Mussolini e o nacional-socialismo de Hitler.
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Para conter os radicais dentro de suas próprias fronteiras, as democracias ocidentais se entregaram, gradativamente, a concessões socialistas, soçobrando as tradições, os costumes e o senso comum da população, permitindo o avanço de pautas extremistas.
Sua escatologia peculiar propõe consumir o mundo real na fogueira das suas ideologias de estimação, propondo utopias sobre as ruínas de incontáveis vidas e esperanças singelas, desprezando a prudência popular e o senso comum.
A licenciosidade com o aborto, a liberação das drogas, a valorização do lumpesinato, a glorificação do Islã, o desarmamento da população civil, a proliferação indiscriminada de direitos desprovidos de obrigações, a erotização infantil, o discurso de normalização da pedofilia, a frouxidão na repressão ao ecoterrorismo. A lista é interminável, atordoante, maligna.
O projeto extremista luta pela supressão da contenção moral exercida pelo cristianismo sobre as paixões humanas, substituindo-o pelo culto às teorias fracassadas do materialismo ateu e do relativismo revolucionário.
Contra ela, erguem-se os esforços do conservadorismo ocidental, peculiar a cada nação, porém, dotado de uma meta comum: a defesa dos valores morais e religiosos do povo cristão. Contudo, não se deve subestimar a grave ameaça civilizacional representada pelos movimentos revolucionários e ateístas. G. K. Chesterton já alertava no século XIX: “Quando um homem já não crê em Deus, não é que ele não acredite em mais nada: ele acredita em tudo”.41 Ao lutar pela remoção de Deus do cotidiano humano, o movimento revolucionário avança no coração da sociedade como uma pandemia, buscando corrompê-la por dentro com seu discurso relativista, mirando seu cerne moral com o propósito último de substituir Deus pelo hedonismo e o mercado (liberais) ou pelo Partido e o Estado (socialistas). Ambos os movimentos almejam a transformação e a submissão do homem comum a modelos mentais pré-ordenados (o “homem -econômico” do liberalismo; ou “homem novo” do socialismo), engendrados pela maior das pragas: a casta arrogante e autoindulgente dos intelectuais.
A religião civil da Revolução, sua ideologia, busca suplantar a fé em Cristo, fundadora da sociedade e da democracia ocidentais, trocar o amor a Deus pela veneração aos próprios intelectuais, suas pretensões egoísticas, suas ambições inomináveis e suas obras mundanas. O Estado laico ou ateu, seja liberal ou socialista, resta como um fim em si mesmo. Desprovido das amarras morais do cristianismo, desponta como um instrumento potencial de tirania, engenharia social e perseguição religiosa. Não é à toa, por exemplo, o ódio presente nos movimentos revolucionários contra o Estado judeu, já que Israel representa um bastião da fé do seu povo, das suas convicções, da sua cultura: o judaísmo, esteio das tradições, crenças, leis e moral sob o qual se erguem o cristianismo e o conjunto de nações chamado Ocidente. Novamente, perante essas temeridades, levantam-se os estandartes conservadores. Ambições intelectuais e fanatismo radical não devem prosperar em detrimento da sabedoria popular, prudência, humildade e comedimento. Devem-se enfrentar os falsos caminhos não sancionados pela doutrina católica.
41 Ibidem.
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Do contrário, escancaram-se as porteiras da civilização aos perigos da desumanidade materialista, aos horrores da modernidade: os campos de extermínio e trabalhos forçados de Hitler e Stalin, a sanguinolência da revolução cultural maoísta, os milhões de mortos nas duas guerras mundiais, as incontáveis vitimas dos regimes ateístas de Pyongyang, Havana, Caracas, entre outros. Desconfie dos caminhos não endossados por Roma, dos autoproclamados donos da razão, afinal ideias têm consequências, e estas se contam em cadáveres, miséria, servidão e sonhos arruinados. Quando o flagelo ateísta se insurge contra Deus, o homem se evade do julgamento de Deus. Negar a existência do Senhor é o caminho mais fácil para se solapar a moralidade do homem comum, de nossos antepassados, da comunidade onde nascemos, crescemos e morremos. A comunidade forja suas regras morais através das gerações, estabelecendo limites de convivência entre os indivíduos, famílias e grupos, promovendo a cooperação mútua indispensável à sobrevivência e êxito da vida em sociedade. Nossa moralidade é o que nos separa dos animais, da barbárie, do abismo. No Ocidente, essa moralidade, felizmente, é judaico-cristã. Ao desafiar Deus, o ateu não busca apenas se evadir das Suas regras, mas também, avocar para si o direito a um código de conduta precedente sobre a moralidade coletiva, o que seria a vitória da liberdade irresponsável ou do controle estatal impessoal. Esse é o mundo amoral e relativista ao qual anseiam condenar a raça humana, suprimindo as regras garantidoras da paz social e os comportamentos testados pela experiência dos séculos, que
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têm permitido ao homem comum criar seus filhos e prosperar independentemente dos desígnios e das vontades professadas por uma casta de “iluminados”. “Nas palavras de Edmund Burke, os conservadores conservam aquilo que resistiu aos testes do tempo. E o modelo econômico que sobreviveu aos testes do tempo é o modelo econômico que privilegia as trocas voluntárias regidas por uma cultura moralmente elevada. Resistiu em detrimento de um modelo econômico em que o Estado proíbe totalmente o comércio (comunismo) e um modelo econômico de trocas imorais, dissociadas de um arcabouço culturalmente elevado (liberalismo/libertarianismo. Este último nunca existiu de tão utópico que é). A Escola de Salamanca, nas figuras de Francisco de Vitoria, Domingo de Soto, Francisco Suárez e Tomás de Mercado, já alertava sobre a importância do mercado estar atrelado a valores morais desde o século XVI, antes mesmo de Adam Smith sonhar em nascer. O que liberais e libertários fizeram a seguir foi remover essa necessidade intrínseca entre mercado e moralidade e a coisa foi piorando com o passar do tempo”.42
Se a esquerda viceja e prolifera no caos, os liberais não são muito diferentes ao pretenderem estilhaçar as comunidades humanas, convertendo-as em campos de batalha permanente, mergulhadas na competição implacável e desumana pela supremacia individual e o consumo amoral dos recursos disponíveis. Ambos os projetos são danosos e inconsequentes, expressões de ideologias insanas, dos delírios da predação civilizatória. O cristianismo é o oposto da desordem revolucionária, uma vez que pacifica e congrega a comunidade, em vez de balcanizá-la. 42 P. H. Medeiros. Por que não sou um “liberal-conservador”. http:// midiasemmascara.org/artigos/o-tal-liberal-conservador-e-tres-tipicas-acusacoescontra-jair-bolsonaro/. Acesso em 15 de janeiro de 2018.
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De fato, pela Eucaristia, o cristão comunga com Deus e seus semelhantes. Esse amor fomenta uma relação pessoal com o Criador, em que as orações ampliam os sentimentos de proximidade e afeto. A fé é a essência desse relacionamento de confiança entre seres livres, ainda que reconhecidamente desiguais. Criador e criatura. Um Deus soberano na Sua própria existência. Uma humanidade dotada do livre-arbítrio concedido pela graça divina.
Nada de bom pode advir da destruição da ordem vigente, do conflito e da loucura da Revolução: solução extremista, fanática e temerária, destinada a solapar o legado de infindáveis gerações. Destarte, nada é mais irresponsável, cruel e desumano do que o pensamento revolucionário.
A liberdade responsável é uma escolha compartilhada com a comunidade que acolhe e integra sob a consagração dos ritos sagrados e do amor infinito de Deus. Destarte, o princípio conservador da defesa da comunidade entrelaça-se ao da defesa da fé, de forma racional, inseparável, interdependente. Não é à toa a atitude conservadora que trata como indissociável a salvaguarda do cristianismo em relação à defesa ferrenha e inegociável das tradições e dos costumes populares, assumindo a responsabilidade de assegurar sua transmissão às futuras gerações. Assim, a preocupação do conservador não é derivada de uma nostalgia infundada pelo passado, mas sim, do esforço de resguardar o presente, erigido sob o sangue, o suor e as lágrimas dos nossos antepassados. De fato, é uma escolha, a única possível: as ambições da geração vivente devem se deter em prol de um futuro estável e próspero aos nossos filhos dependentes da manutenção das bases funcionais da sociedade atual para prosseguirem na construção do desenvolvimento humano. Daí, a rejeição absoluta do conservadorismo ao caos revolucionário. 74
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Amor próprio e fecundidade
sobre o restante da Criação. Essa é a única igualdade possível, a encontrada na fraternidade sagrada e divina.
“Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor”. (I João 4:8)
É possível a um ser humano amar seu semelhante se for incapaz de amar a si mesmo? O amor do bem-querer e da acomodação pacífica é um amor impossível de existir afastado da presença de Deus e dos seus preceitos morais. Já o amor ateu ou materialista resta como uma sombra pálida do amor verdadeiro, impregnado pelas paixões transitórias e doentias. Sua chama arde tão intensa e vigorosa quanto se prova fugaz e enganosa. É o casamento que se desfaz de forma inconsequente, a obsessão como enfermidade da alma, o consumismo incapaz de amenizar o vazio existencial, o egoísmo em diferentes graus de assédio e violência, a falsa caridade que mata em prol do humanismo fanático. Enfim, é um sentimento torto e corrompido, refém do imediatismo, dos temores e das ansiedades mais nocivas. Por sua vez, o ser humano que recusa para si o status materialista de cadáver adiado – consequência óbvia do ateísmo militante – encontra em Deus a esperança de uma existência muito mais ampla e satisfatória. Aquele que aceita o amor de Deus reconhece cada um de nós como especial, uma visão que nos posiciona como espécie 76
Somos todos filhos de Deus, feitos à Sua imagem e semelhança, agraciados com o livre-arbítrio para a mais importante e perene das decisões: a escolha de vivermos próximos ou afastados do Senhor. Aquele que verdadeiramente se ama escolhe o único caminho possível: uma eternidade de amor junto a Deus; afinal, Deus é amor. Essa é a fundação sobre a qual se forjam e se desenvolvem as relações sociais sadias, prósperas e duradouras. O amor a Deus nos prepara a amar nós mesmos, nossos familiares, vizinhos e amigos, com os quais sonhamos partilhar a eternidade no Paraíso. “Porque pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um” (Romanos 12:3).
O amor verdadeiro nos leva a desejar o melhor para nós, bem como aos nossos amados. Para quem aspira ao Paraíso, nada mais lógico e consequente do que desejar o mesmo ao nosso semelhante. Essa é a essência da atitude cristã. Sua simplicidade revela-se estonteante: se Deus me ama e ao meu semelhante, agir segundo Seu exemplo implica em exercitar o amor próprio, bem como ao próximo. Amar a si mesmo reside na busca constante por esses sentimentos elevados.
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Por sua vez, quem escolhe afastar-se de Deus, a fonte de todo amor, o sustentáculo civilizatório do Ocidente, submetese, obrigatoriamente, de forma consciente ou não, ao deserto moral da Revolução, seja esta liberal, socialista ou uma mistura confusa e infernal de ambas.
O dogma liberal é o dos múltiplos códigos de conduta individuais, um processo entrópico e conflituoso, incapaz de abarcar a complexidade do comportamento humano, suas contradições e idiossincrasias; baseia-se num princípio inumano a que todos precisam aderir como pré-condição ao seu pleno funcionamento.
O único desfecho possível torna-se, portanto, a crueldade e o caos.
A dura realidade dos fatos é que sempre existirão opositores à utopia liberal, os quais, no limite, pegarão em armas para resgatarem uma ordem moral comum mínima, capaz de preservar algum grau de paz social, ainda que precário.
Ao abandonar a moralidade cristã, o materialista retira também do ser humano sua condição de criatura privilegiada da Criação, solapando a fé de que cada pessoa detém uma alma eterna, promissora e indestrutível. Nesse contexto, praticar o mal a outrem ou a si mesmo implica uma escolha racional, jamais moral, não no sentido civilizacional. No mundo materialista, matar alguém se reduz a uma escolha relativista, fria e, por vezes, burocrática, baseada em critérios cínicos de custo e benefício. Por isso, as revoluções matam tanto e as guerras modernas são tão devastadoras. O pudor em relação ao extermínio em massa de civis perdeu-se, com muita naturalidade, depois da Era das Luzes, do século XVIII. Não é à toa que a modernidade assistiu em horror ao surgimento e proliferação dos campos de concentração, dos genocídios, da eugenia. Afinal, a vida de um macaco evoluído vale pouco, muito menos do que a de uma criatura sagrada, um filho de Deus. O ódio revolucionário às tradições e aos costumes populares fez brotar dogmas enlouquecidos, desvinculados de freios morais, perdidos em devaneios de aperfeiçoamento ideológico da sociedade e de projetos de poder utópicos e radicais.
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O dogma socialista, por sua vez, reside no papel central do Estado opressor, que substitui a utopia do mercado pelo Estado monopolizador como motor de acomodação social e resolução dos conflitos humanos, regido sob a autoridade tirânica do partido revolucionário. Nem o Procon43 nem a repressão socialista solucionam ou pacificam a infinidade de interações humanas naturalmente praticadas em sociedade. Essa tarefa hercúlea é possível somente ao código moral sob o qual se desenvolveu a civilização e suas relações de autoridade, subordinação e convivência. No Ocidente, este papel cabe à Lei de Deus, ao judaico-cristianismo. Para o homem ocidental, sanidade e civilização significam cristianismo, enquanto ateísmo e materialismo representam entropia, depressão, extremismo e morte.
43 Procon é a sigla do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor, fundação responsável por ajudar a mediar os conflitos entre os consumidores e os fornecedores de produtos e serviços.
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Para os cristãos, não se deve temer a morte, ainda que os escolásticos possam debater se a vontade individual se retém atomizada ou universal. Ainda que seja incerto o que se estende além dos portais do Paraíso, a morte representa o fim somente da criatura humana (em que a alma integra o corpo) para se tornar somente alma e, portanto, apartada de forma permanente de uma condição apenas momentânea, quando presentes no mundo material. Essa compreensão cimenta a importância da nossa passagem pela Terra e das suas repercussões à eternidade. Somos carne e espírito, em outras palavras, somos humanos no sentido mundano apenas enquanto seres vivos. Depois da morte, somos reduzidos a almas e, ao mesmo tempo, engrandecidos pela proximidade com Deus. Nesse contexto, transcendemos a condição humana para o âmbito da salvação – ou danação – definida conforme nossas próprias escolhas e afinidades. Essa é a benção e também o fardo do livre-arbítrio. O amor próprio sucumbe ou se afirma diante dessa verdade inexorável, garantindo-nos, em caso positivo, a sanidade necessária à formação de uma família saudável, indispensável ao cumprimento da mais sagrada missão humana: a perpetuação da nossa espécie. Se o livre-arbítrio é racional, assim também se apresenta o amor civilizatório da fecundidade, fomentador das próximas gerações, mantenedor da vida: o chamado amor erótico. “O amor é visto não como expressão de um desejo animal, mas como escolha racional, cujo objeto é alguém digno dele. Essa escolha é uma marca distinta da nossa condição, uma vez que somos feitos à imagem Dele”. (...)
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Assim como o homem deve ser educado para passar da animalidade à racionalidade, também o sexo deve ser educado para que passe de desejo a amor. Entendido assim, o amor erótico não é um instinto que compartilhamos com os animais, mas um ato de escolha livre, em que os indivíduos se unem pela eternidade”.44
O cristianismo sacralizou o amor erótico e a fertilidade humana (a própria sobrevivência da espécie) nos laços abençoados do matrimônio. No Ocidente, a paixão é submetida ao amor pela potência da moralidade cristã, que a ordena, define e controla com o intuito de assegurar a organicidade da família, a criação dos filhos e a transmissão intergeracional das tradições. O sucesso da civilização ocidental deriva desse bem-sucedido processo milenar, só desafiado muito recentemente, nos últimos séculos, pela erupção da perniciosa e abjeta mentalidade revolucionária, materialista, relativista, emotiva, niilista e desumana. Ao atacar o cristianismo, a modernidade volta suas baterias contra as suas instituições mais vitais: sacerdócio, família, casamento. Curiosamente, quanto mais infelizes e perdidas as pessoas se tornam pelo materialismo e o relativismo, mais se afundam neles, deteriorando suas relações e esvaziando suas vidas e esperanças. À medida que o amor erótico se vulgariza, sob o peso ideológico da moralidade fluída ou irresponsável, menos significativo permanece na vida das pessoas, mais fugaz e insatisfatório se torna, aproximando-se, cada vez mais, da bestialidade animal, reduzido a mero desejo, descaracterizado como amor. 44 R. Scruton. Coração devotado à morte: o sexo e o sagrado em Tristão e Isolda, de Wagner, op. cit. p. 33.
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“Em vez de haver mais pessoas atingindo mais vezes os elevados padrões do amor, esses padrões foram baixados. Como resultado, o conjunto de experiências às quais nos referimos com a palavra amor expandiu-se muito. Noites avulsas de sexo são referidas pelo codinome de “fazer amor””.45
Não existem elevados padrões sem uma elevada moral correspondente. Quanto mais o relativismo se incrusta na sociedade, arrasando a moralidade cristã, lançando a humanidade no vazio existencial depressivo, mais os padrões humanos são rebaixados. Aqueles que acusam essa derrocada civilizacional, promovida em nome do humanismo, são tachados de retrógados por progressistas e modernosos, entre outros “xingamentos” que atestam sua incapacidade de refutar a razão conservadora. De fato, o amor erótico em seu aspecto mais sublime se assenta sobre a mítica cristã do sacrifício como expiação dos pecados carnais, transcendido pela rendição final à morte, a única saída possível dos amantes para a eternidade. Esse é o universo de Romeu e Julieta ou da releitura cristã de Tristão e Isolda. “O mito nos apresenta de forma alegórica uma verdade sobre nossa condição, mas uma verdade coberta de mistério. Por meio do mito compreendemos tanto a coisa a que aspiramos quanto as forças que nos impedem de obtê-la. E compreendemos essas coisas não teoricamente, mas vivendo-as na imaginação e com simpatia”.46 45 Z. Bauman. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora Ltda, 2017. p. 19. 46 R. Scruton. Coração devotado à morte: o sexo e o sagrado em Tristão e Isolda, de Wagner, op. cit. p. 20.
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Esse é o poder dos contos de fadas, magnificamente descrito por Chesterton. Nesse contexto, recordo meu ensaio “Simbolismo e Tradição nos Contos de Fadas”, em que destaco a importância do mito para a formação moral do indivíduo, sua relevância à transmissão da tradição às novas gerações, no âmbito de uma sociedade sustentada por valores cristãos. “Os contos de fadas derivam dos valores morais compartilhados pela maioria da sociedade. Eles educam nossas crianças sobre as recompensas do bom senso e a respeito das punições esperadas por comportamentos reprováveis. Eles valorizam a coragem, a prudência, o altruísmo, a amizade, a família, a compaixão; ao mesmo tempo em que condenam o egoísmo, a raiva, a covardia, a impiedade, a selvageria, a voracidade. (...) Os contos de fadas são uma ferramenta social relevante à formação moral de cidadãos responsáveis, conjuntamente com a família, religião, escola. O fantástico integra o arsenal das boas armas da sociedade para constituírem crianças em adultos íntegros, capazes de diferenciar o certo do errado e atuarem com prudência e sabedoria na preservação das instituições e da paz social”.47
O mito sacrificial do amor erótico se materializa na perspectiva de redenção pelo casamento. Trocam-se, em nome do amor e do sagrado, os anseios bestiais por múltiplos parceiros sexuais pelo reconforto da monogamia, indispensável à formação de uma família sadia no âmbito do cristianismo. 47 Marcelo Hipólito. Simbolismo e tradição nos contos de fadas. Em: Marcelo Hipólito e Reno Martins. Espírito Conservador – Volume I. Brasília: Conservadores do Brasil, 2016.
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“Até que a morte nos separe” torna-se um compromisso, não apenas entre o casal, mas também para com Deus, os familiares e a comunidade, pela consecução do ritual abençoado do matrimônio. Destarte, o ritual religioso reforça o poder do mito, reafirmando as duas colunas centrais de sustentabilidade da civilização ocidental: a família fértil e a moral cristã. “O mito, por meio de sua encenação, dá forma a nossas emoções, incentiva-nos a viver como se fôssemos capazes de atingir aquele estado excelso a que o deus promete nos elevar. Por isso, no coração de todo mito há um ritual – um mistério em que participamos e que excita e canaliza nossas necessidades comunais e pré-pessoais”.48
Amor ao Brasil “Abracemo-nos para marcharmos não peito a peito, mas ombro a ombro, em defesa da pátria, que é nossa mãe comum”. Duque de Caxias
O amor ao mundo é inerente ao homem, associa-se ao nosso afeto pela comunidade onde estabelecemos nosso lar e criamos nossa família, da qual dispomos dos seus recursos, fauna, flora e belezas geográficas, conforme comandado pelas Escrituras. “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra” (Gênesis 1:26).
Ao abandonar a vida nômade das caçadas e se estabelecer em áreas de cultivo e pastoreio, o homem primitivo lançou as bases da civilização, trocando o relento por uma vida sedentária e a promessa de uma dieta regular advinda da colheita e do pastoreio. Esses primeiros assentamentos forjaram as relações comunitárias primitivas, ocasionando uma mudança profunda na psique humana.
48 R. Scruton. Coração devotado à morte: o sexo e o sagrado em Tristão e Isolda, de Wagner, op. cit. pp. 20-21.
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Ao deixar de vagar pelo mundo em prol da adoção de uma residência fixa, nossos ancestrais detiveram sua marcha até então natural para, pela primeira vez, apreciar as redondezas, descobrir seus segredos e encantos, desvendar seus tesouros e debelar seus perigos. Uma sabedoria transmitida, acumulada e aperfeiçoada pelas gerações seguintes. 85
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Essa familiaridade produziu um apreço civilizacional que culminaria na concepção da ideia de lar. Tal fenômeno, porém, cobraria um preço. Ao contrário de um nômade, que pode consumir, indiscriminadamente, os recursos por onde passa, um assentamento precisa conservar os recursos naturalmente escassos da região em que se instala. De fato, a sobrevivência de uma comunidade depende inteiramente disso. O abuso do ambiente nativo pode ocasionar danos às fontes de recursos das quais o assentamento extrai seu indispensável sustento. No curso das décadas e dos séculos seguintes, as comunidades bem-sucedidas compreenderam essa lição básica: o consumo imprudente dos recursos locais levava à destruição do próprio meio de vida dos seus habitantes. Destarte, nossos ancestrais aprenderam a respeitar a natureza como uma questão de bom senso. Ainda assim, tratava-se de uma época de pequenas e esparsas comunidades, quando o homem podia se permitir certo desleixo no manejo dos recursos ambientais, desde que seus níveis não comprometessem sua sobrevivência e o futuro das gerações subsequentes. Desafortunadamente, essa realidade mudaria com a introdução da lógica da produção em massa e do consumo em larga escala, frutos da Revolução Industrial. Nessa nova realidade, o conservadorismo se impõe como a força de preservação por excelência, refletindo as mais caras preocupações comunais, muitas vezes se provando a última linha de defesa do que a deve proteger no longo prazo. 86
A questão ambiental é, portanto, inata do movimento conservador ocidental, identificando-se com a salvaguarda dos recursos naturais preservados por nossos ancestrais para o usufruto no presente e também a assegurar a prosperidade futura dos nossos sucessores. Este é o cerne da distinção profunda entre o conservadorismo e os movimentos ambientalistas radicais: a necessidade de conservação em prol da humanidade, e não em função de uma natureza a permanecer intocada pelo homem, como um santuário utópico. Ao contrário do ambientalismo extremista, anticapitalista e antiocidental, o conservadorismo não oferece uma agenda ideológica irrealista, mas sim representa um esforço lógico de manutenção dos arranjos ambientais locais, no âmbito e em conformidade com a realidade de cada comunidade. Nenhum intelectual engajado ou burocrata talentoso compreende melhor as circunstâncias locais do que seus próprios moradores, responsáveis finais sobre seus próprios destinos. Soluções locais pertencem ao conjunto da comunidade, atentando-se às suas tradições e interesses inalienáveis. “Não existe ferramenta superior à democracia dos locais, sobrepondose inclusive à democracia das massas distantes, a quem as autoridades centralmente eleitas podem somente oferecer propostas amplas e rasas, destinadas, portanto, a um inevitável desfecho de fracasso total ou parcial. Daí, a indisposição do ambientalismo conservador a soluções internacionalistas, centralistas ou globalizantes, e sua aversão a proposições de cunho exclusivamente economicista, passíveis de comprometer o futuro dos ainda virão a nascer sob o peso da ganância dos vivos. (...)
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Diante das imensas riquezas naturais do Brasil, nossos conservadores têm o dever de tomar para si a causa do ambientalismo, alienando implacavelmente o discurso dos radicais verdes e liberais.
Enfim, o conservadorismo é o sentimento fraterno pelo que conhecemos e valorizamos neste mundo, aquilo com o qual convivemos no nosso dia a dia: Deus, família, comunidade, pátria.
O conservadorismo brasileiro pode se destacar numa arena em que outros movimentos conservadores pelo mundo se mostram hesitantes ou equivocados. A solução ambientalista conservadora no Brasil deve integrar um esforço maior do conservadorismo como um todo: a valorização das comunidades locais, seus habitantes e instituições no encaminhamento de suas próprias soluções no âmbito político, social, cultural, educacional, econômico e ambiental.
Conservar o presente é lutar pela transmissão de um futuro de paz e esperança.
A construção de um país melhor passa por um projeto conservador que promova menos tutela e centralismo em Brasília e mais autonomia e confiança nas comunidades onde vivem os brasileiros, uma gente moralmente capacitada a discernir o que é melhor para si e suas famílias. Cabe ao Estado e às leis se ajustarem a essa realidade inexorável. Uma missão capaz de ser muito bem encaminhada pelos conservadores da nossa nação”.49
Contra a paz no presente, erguem-se os revolucionários; sua ideologia e práxis de destruição criativa, exercida em nome da utopia de ocasião, favorecida por uma elite intelectual, acadêmica, empresarial e cultural que viceja no jardim de horrores de propostas daninhas, direcionadas ao redesenho moral e político da sociedade. O conservadorismo origina-se de um sentimento muito humano, o anseio por uma vida previsível, em que sua família prospere a salvo de perigos e incertezas desnecessárias, temerárias e irresponsáveis. “O conservadorismo é a filosofia do vínculo afetivo. Estamos sentimentalmente ligados às coisas que amamos e que desejamos proteger contra a decadência. Sabemos, contudo, que tais coisas não podem durar para sempre. Enquanto isso, devemos estudar os modos pelos quais podemos conservá-las durante todas as mudanças pelas quais devem inevitavelmente passar, de modo que nossas vidas continuem sendo vividas em um espírito de boa vontade e de gratidão”.50
Esse amor ao mundo nos conecta diretamente à nossa pátria. O amor pelo país é tanto causa como consequência do nosso afeto pela criação de Deus. Portanto, nada mais natural do que amar e defender a pátria, extensão maior da comunidade onde o cidadão nasce, vive, trabalha e morre. Ao contrário das mentiras propaladas pelos revolucionários, o conservador não restringe sua visão ao passado, mas sim se preocupa com o familiar. Seu coração se aferra firmemente ao presente, ainda que não renegue jamais suas responsabilidades para com o futuro dos seus filhos e netos. 49 Marcelo Hipólito. O ambientalismo conservador. Em: Marcelo Hipólito e Reno Martins. Espírito Conservador – Volume II . Brasília: Conservadores do Brasil, 2017.
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A natureza humana é inerentemente falha. Os conservadores reconhecem esse fato, cientes de sua imutabilidade, um fardo que nos acompanhará como espécie até o final dos tempos.
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R. Scruton. Como ser um conservador. Rio de Janeiro: Record, 2105. p. 53.
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Realistas em relação aos vícios e defeitos humanos, ainda que também às suas qualidades, o conservadorismo não ambiciona forjar nenhum tipo humano “evoluído”: seja o “homem econômico” dos liberais ou o “homem novo” dos socialistas. O conservador não teme encarar a humanidade de frente, sem subterfúgios, como ela é, em toda sua feiura e beleza. Essa atitude realista compreende as mudanças sociais como o resultado das incontáveis interações humanas advinda dos nossos ancestrais e promovidas por nós no presente. Já o revolucionário odeia o mundo e ama a Revolução. A lealdade e o afeto do radical não são para com sua nação nem seu povo, mas sim, à sua utopia, por mais alucinada e assassina que se revele aos opositores do seu projeto político. O conservador, por sua vez, ama seu país e sua população, mesmo diante das suas flagrantes imperfeições, consciente de significarem, na atualidade, os melhores legados possíveis dos nossos antepassados. Um esforço difícil, atabalhoado e, na maioria das vezes, bem intencionado, se guiado pela tradição e a moral cristã. Destarte, não é possível compactuar com eventuais ambições temerárias dos viventes, independente de suas alegadas boas intenções, se representarem risco a essa árdua herança civilizacional. Estar vivo e respirando não é razão suficiente para ameaçar as penosas conquistas dos mortos, fundamentais à sobrevivência e prosperidade das gerações futuras. A responsabilidade do conservador reside, portanto, em assegurar o futuro da civilização humana, preservá-la no presente em benefício dos nossos descendentes.
Amar o Brasil é, portanto, mais do que tudo, preservá-lo aos futuros brasileirinhos. Dessa forma, o conservadorismo atua como força de contenção aos potenciais radicalismos do presente, buscando, quando possível, também a restauração do que de vital tenha se perdido na passagem de uma geração a outra, afirmando-se como um guardião da ordem social estabelecida, preservando-a para o futuro. A mentalidade conservadora, portanto, resiste às tentações irresponsáveis, suspeitando do que possam representar de temeridade à preservação das boas obras humanas, opondo-se aos potenciais exageros e imprudências dos radicais. O Brasil é um país merecedor do nosso amor, admiração e profundo respeito, pois, a despeito de suas falhas e idiossincrasias, acha-se dotado de um excepcionalismo invejável. “No século XIX, os EUA – um dos países adotado como modelo pelos golpistas de 1889 – era uma república com um projeto de império (imperialismo expansionista). Já no Brasil tínhamos um império com um projeto de nação (uma única nação, a América Portuguesa, unida sob uma mesma língua, povo, religião e forma de governo). O projeto imperial brasileiro era voltado para o interior das suas fronteiras, e não à conquista externa; um regime, portanto, prudente, moderado, não imperialista e não expansionista, que recorria à violência apenas quando se achava em risco sua soberania e unidade nacional. (...) O excepcionalismo brasileiro obedece a uma natureza distinta; pacífico, moderado, contido em si mesmo, fruto da sabedoria do rei lusitano João VI, o qual legou ao seu herdeiro os destinos da imensa colônia que calorosamente acolhera sua família, quando da invasão napoleônica de Portugal. (...)
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Nesse sentido, o sucesso da monarquia portuguesa, ao liderar a emancipação brasileira sob a instauração imperial, revela-se um dos mais exitosos projetos conservadores da história. Afinal, a luta maior do conservadorismo, seu dever irrevogável e inegociável, reside justamente na defesa da sociedade quando acossada por fortes mudanças ou ameaças. O brilhantismo dessa obra de dimensões continentais merece figurar no panteão das grandes realizações humanas e deveria orgulhar todos os brasileiros. Um feito sem precedentes de coragem, astúcia e ousadia da família real lusitana e dos nossos antepassados. Uma proeza repetidamente vilipendiada – quando não esquecida – pela República”.51
A instituição da tirania marxista de partido único, totalitário e revolucionário depende fortemente do achincalhamento da alma brasileira. Diante desse desafio, o amor pelo Brasil demanda dos conservadores uma só resposta e desafio: a oposição ferrenha, corajosa e determinada ao flagelo revolucionário, independente da sua concepção ideológica, afinal positivismo, socialismo ou liberalismo não se distinguem quanto aos resultados destrutivos em relação às nossas conquistas civilizatórias; aos costumes, à religiosidade e às tradições do povo brasileiro.
Os revolucionários dominam ou influenciam, com suas ideologias nefastas, em particular o marxismo (o ideário fracassado, odioso e reprovável da guerra de classes), as ciências humanas nacionais. A historiografia brasileira se encontra eivada de deturpações socialistas, demonstrando um menosprezo sistemático às conquistas pátrias que se mostrem inconvenientes ao avanço da agenda esquerdista. Seja o processo de independência nacional, os sucessos do Império do Brasil, a popularidade das tradições cristãs, tudo merece reprovação e achincalho. Depois de décadas de propaganda revolucionária, a autoestima do povo brasileiro encontra-se gravemente solapada. Esse esmagamento do orgulho nacional não se dá no vazio das intenções; na verdade, é indispensável ao avanço da Revolução. Desprezar o Brasil – e o que ele representa – é fundamental à legitimação do projeto radical direcionado ao redesenho ultrarradical da pátria, nos termos ambicionados pelos socialistas. 51 Marcelo Hipólito. Monarquia e Conservadorismo – Excepcionalismo Brasileiro. São Paulo: Giostri, 2017.
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