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Portuguese Pages [1661] Year 2019
Marçal~usten Filho
Comentários á Lei de Licitaçóes e Contratos Administrativos Lei 8.666/1993
18.° edição revista, atualizada e ampliada 2.° tiragem THOMSON REUTERS
REVISTA DOS TRIBUNAIST~
COMENTÁRIOS À LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS LEI 8.666/1993 MARÇAL JUSTEN FILHO 18.a edição revista, atualizada e ampliada 2.a tiragem Diagramação eletrônica: Linotec Fotocomposição e Fotolito Ltda., CNPJ 60.442.175/0001-80 Impressão e encadernação: Edelbra Indústria Gráfica e Editora Ltda., CNPJ 87.639.761/0001-76 © desta edição [20191 THOMSON REUTERS BRASIL CONTEÚDO E TECNOLOGIA LTDA. JULIANA MAYUMI ONO
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ISBN 978-85-5321-413-6
Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos
Diretora de Conteúdo e Operações Editoriais JULIANA MAYUMI ONO Gerente de Conteúdo MILISA CRISTINE ROMERA Editorial: Aline Marchesi da Silva, Diego Garcia Mendonça, Karolína de Albuquerque Araújo e Marcella Pâmela da Costa Silva Gerente de Conteúdo ToxVanessa Miranda de M. Pereira DireitosAutorais:Viviane M. C. Carmezim Assistente Editorial: Francisca Lucélia Carvalho de Sena Estagiária: Camilla Dantara Ventura Produção Editorial Coordenação ANDRÉIA R. SCHNEIDER NUNES CARVALHAES Especialistas Editoriais: Gabriele Lais Sant'Anna dos Santos e Maria Angélica Leite Analista de Projetos: Larissa Gonçalves de Moura Anolistosde 0peraçõesEditoriais: Caroline Vieira, Damares Regina Felício, Danielle Castro tle Morais, Felipe Augusto da Costa Souza, Mariana Plastino Andrade, Mayara Macioni Pinto e Patrícia Melhado Navarra Analistas deQualidodeEditoriol:Carina Xavier, Daniels Medeiros Gonçalves Melo, Leonardo Rocha e Rafael Ribeiro Estagiárias: Beatriz Fialho e Diene Ellen Copa:Andréa Cristina Pintolanardi Adaptação da Capa: Linotec Controle de Qualidade do Diagramação: Carla Lemos Equipe de Conteúdo Digital Coordenação MARCELLO ANTONIO MASrROROSA PEDRO Analistas: Ana Paula Cavalcanti, Jonatan Souza, Luciano Guimarães e Maria Cristina Lopes Araujo Administrativo e Produção Gráfica Coordenação MAURICIO ALVES MONTE Analista de Produção Gráfica: Aline Ferrarezi Regis
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Bibliografia.
)usten Filho, Marçal Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 8.666/1993 /Marçal Justen Filho. -- 18. ed. rev., atual. e ampl. -- São Paulo :Thomson Reuters Brasil, 2019. ISBN 978-85-5321-413-6 1. Contratos administrativos - Leis e legislação 2. Contratos administrativos - Leis e legislação Brasil 3. Licitações - Leis e legislação 4. Licitações - Leis e legislação -Brasil I. Título. 19-25834
CDU-351.712.2.032.3(81)(094.56)
Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Leis comentadas: Licitações e contratos administrativos: Direito administrativo 351.712.2.032.3(81)(094.56) 2. Leis: Licitações e contratos administrativos: Brasil: Direito administrativo 351.712.2.032.3(81)(094.56) Cibele Maria Dias -Bibliotecária - CRB-8/9427
Para Monica, sempre! Sentimento e sentido, permanência e eternidade, identidade e inspiração. Para Marçal Neto, Augusta, Lucas, Clara, Owen e Alice! Com os meus agradecimentos a Juliane Erthal de Carvalho.
SUMÁRIO
LEI 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993
Capítulo I -Das Disposições Gerais
Seção VI -Das Alienações
Seção I -Dos Princípios
Art. 17
374
Art. 18
403
Art. 19
404
Art. 1.°
13
Art. 2.° Art. 3.°
71 84
Art. 4.°
154
Art. 5.°
160
Seção I -Das Modalidades, Limites e Dispensa
Art. S.°-A
160
Art. 20
405
Art. 21
407
Art. 22
423
Art. 23
441
Seção II -Das Definições Art. 6.°
180
Seção III -Das Obras e Serviços
Capítulo II - Da Licitação
Art. 24
470
Art. 7.°
211
Art. 25
593
Art. 8.° Art. 9.° Art. 10. Art. 11. Art. 12.
257 261 276 276 278
Art. 26
644
Seção IV -Dos Serviços Técnicos Profissionais Especializados Art. 13
280
Seção V -Das Compras
Seção II - Da Habilitação Art. 27
663
Art. 28
681
Art. 29
693
Art. 30
712
Art. 31
790
Art. 32
818
Art. 33
832
Art. 14
287
Seção III -Dos Registros Cadastrais
Art. 15
293
Art. 34
851
Art. 16
372
Art. 35
856
COMENTÁRIOS À LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Art. 36
857
Art.37
859
Seção IV - Da Execução dos Contratos
Seção IV - Do Procedimento eJulgamento Art. 38
859
Art. 39
885
Art. 40
890
Art. 41
963
Art. 42
980
Art. 43
994
Art. 44
1031
Art. 45
1035
Art. 46
1044
Art. 47
1066
Art. 66
1361
Art. 66-A
1364
Art. 67
1365
Art. 68
1369
Art. 69
1370
Art. 70
1371
Art. 71
1372
Art. 72
1383
Art. 73
1392
Art. 74
1396
Art. 75
1397
Art. 76
1397
Art. 48
1067
Art. 49
1119
dos Contratos
Art. 50
1151
Art. 77
1398
Art. 51
1152
Art. 78
1400
Art. 52
1158
Art. 79
1436
Art. 53
1160
Art. 80
1446
Seção V - Da Inexecução e da Rescisão
Capítulo III -Dos Contratos
Capítulo IV -Das Sanções
Seção I -Disposições Preliminares
Administrativas e da Tutela Judicial
Art. 54
1163
Seçâo I -Disposições Gerais
Art. 55
1175
Art. 81
Art. 56
1190
Art. 82
1456
Art. 57
1198
Art. 83
1459
Art. 58
1226
Art. 84
1460
Art. 59
1233
Art. 85
1461
Seção II - Da Formalização dos Con-
1454
Seção II -Das Sanções Administrativas
tratos
Art. 86
1462
Art. 60
1253
Art. 87
1464
Art. 61
1255
Art. 88
1529
Art. 62
1260
Art. 63
1266
Seção III -Dos Crimes e das Penas
Art. 64
1267
Art. 89
1538
Art. 90
1548
Seção III - Da Alteração dos Contra-
Art. 91
1551
tos
Art. 92
1552
Art. 93
1554
Art. 65
1275 8
SUMÁRIO
Art. 94
1555
Capítulo VI -Disposições Finais
Art. 95
1556
e Transitórias
Art. 96
1557
Art. 97
1559
Art. 98
1560
Art. 99
1561
Art. 110
1581
Art.11l
1583
Art. 112
1584
Art. 113
1586
Seção IV - Do Processo e do Procedi-
Art. 114
1605
mento Judicial
Art. 11 S
1607
Art. 116
1608
Art. 117
1618
Art. 118
1619
Art. 119
1619
Art. 100
1561
Art. 101
1562
Art. 102
1562
Art. 103
1563
Art. 104
1563
Art. 105
1563
Art. 120
1619 1620
Art. 106
1563
Art. 121
Art. 107
1563
Art. 122
1622
Art. 108
1564
Art. 123
1622
Art. 124
1623
Art. 125
1624
Art. 126
1624
Capítulo V -Dos Recursos Administrativos Art. 109
1565
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1625
ÍNDICE ALFABÉTICO DE ASSUNTOS
1643
9
COVENTÁRIOS À LEI DE LICITAÇÕES ECO\TRATOS ADVI\ISTRATIVOS
LEI 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993
Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de1988, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Capítulo I -Das Disposições Gerais Seção I -Dos Princípios Art.1.° Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. COMENTÁRIOS 1) A disciplina constitucional do tema A CF/1988 contemplou diversos dispositivos sobre licitações e contratações administrativas. Mas a disciplina constitucional original sofreu modificações relevantes trazidas pela Emenda Constitucional 19/ 1998. 1.1) A comparação entre a redação original e a vigente A comparação dos dispositivos constitucionais pertinentes às licitações e contratações administrativas permite compreender a extensão das modificações introduzidas. No quadro abaixo, as diferenças mais relevantes foram objeto de destaque inexistente no original.
Art. 1.°
COMENTÁRIOS A LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Redação adotada pela EC 19!1998
Redação original da CF/1988 "Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: ( ) XXVII —normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle; (...)':
"Art.22.CompeteprivativamenteàUniãolegislarsobre: (•••) XXVII —normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da Uniâo, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art.173, § 1°,111; (...)':
"Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedeterá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: (...)':
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)"
Art. 37, "XXI —ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação públicaque assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificaçâo técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações':
sem alterações
Art.173,"§ 1° A empresa pública, asociedade deeconomiamista eoutras entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias':
Art.173,"§ 1°Alei estabelecerá o estatutojurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (...) III — licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienaçôes, observados os princípios da administraçãopública; (...)':
Como se observa, a CF/1988 atribuiu à União diversas competências relativamente à disciplina de licitações e contratações administrativas. Mas a sistemática vigente originalmente foi alterada de um modo muito peculiar, por meio da EC 19/1998. 7.2) 0 regime licitatório único e sua extinção A disciplina original da CF/1988 contemplava um regime licitatório único, aplicável uniformemente para todas as entidades integrantes da Administração Pública. O art. 37, inc. XXI, dispunha sobre os parâmetros a serem observados genericamente nas licitações e contrataçôes administrativas, sem diferenciação em vista das peculiaridades e características do sujeito administrativo. 14
MARÇALJUSTEN FILHO
Art. 1.°
A EC 19/1998 introduziu modificações relevantes, que não envolveram as licitações promovidas pelas entidades administrativas dotadas de personalidade jurídica de direito público. A inovação consistiu em excluir as sociedades estatais -titulares, portanto, de personalidade jurídica de direito privado - do regime geral das licitações. A EC 19/1998 eliminou o regime único e determinou a existência de dois regimes jurídicos diversos para as licitações administrativas. As inovações trazidas pela referida EC 19/1998 serão examinadas com maior profundidade adiante. 1.3) A ausência de regime único de contratação pública Licitação e contratação são dois institutos diversos e inconfundíveis. Na sua redação original, a CF/1988 previa um regime único e geral para as licitações das entidades integrantes da Administração Pública. Mas não previa um regime único de contratação administrativa. O art. 173 da CF/1988, na sua redação original anterior à EC 19/1998, estabelecia a vedação a aplicação em favor de sociedades estatais exploradoras de atividade econômica de benefícios não extensíveis ao setor privado. Essas sociedades estavam sujeitas ao regime jurídico da iniciativa privada. Então, o modelo normativo originalmente adotado pela CF/1988 padecia de um descompasso. Estava previsto um regime único e uniforme para todas as licitações, mas era vedada a aplicação do regime publicista dos contratos administrativos para as sociedades estatais exploradoras de atividade econômica. 2) A CF/1988 e a Lei 8.666 Essas circunstâncias são extremamente relevantes para a interpretação da Lei 8.666/1993, sob diversos aspectos. 2.1) O fundamento constitucional de validade da Lei 8.666/1993 A Lei 8.666/1993 foi editada antes da EC 19/1998 e se destinava a veicular as normas gerais sobre esse regime licitatório único. A interpretação da Lei 8.666/1993 refletiu, durante o período entre 1993 e 1998, a redação original da CF/1988. Ainda assim, prevalecia um equívoco, consistente em admitir que as sociedades estatais exploradoras de atividade econômica aplicassem as normas da Lei 8.666/1993 relativamente às contratações praticadas, mesmo com a previsão constitucional de regimes jurídicos diversos. 2.2) A eliminação da determinação constitucional do regime único Em 1998, houve a eliminação da previsão constitucional do regime licitatório único. No entanto, não houve a edição da lei referida no art. 173, § 1.°, da CF/1988 (com a redação da EC 19/1998). A referida lei somente foi editada em 2016 (Lei 13.303/2016). A inexistência da lei pertinente às licitações das sociedades estatais gerou uma série de problemas práticos. De modo genérico, prevaleceu o entendimento de que essas sociedades permaneciam subordinadas ao regime da Lei 8.666/1993. 2.3) A Lei 8.666/1993 e a entrada em vigor da Lei 13.303/2016 A partir da entrada em vigor das normas sobre licitações previstas na Lei 13.303/2016 para as sociedades estatais, consumou-se a reduçâo do âmbito de vigência da Lei 8.666/1993. A partir de então, a Lei 8.666/1993 passou a dispor somente sobre as licitações e contratações promovidas no âmbito das pessoas administrativas com personalidade jurídica de direito público. 15
Art. 1.°
COMENTÁRIOS À LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
3) A outra dimensão da redução da aplicabilidade da Lei 8.666/1993 Mas o fenômeno da redução da aplicabilidade da Lei 8.666/1993 já vinha ocorrendo muito antes da entrada em vigor da Lei 13.303/2016. Ao longo do tempo, houve a edição de diversas leis especiais, que versaram sobre temas específicos. Essas leis especiais não revogaram a Lei 8.666/1993, mas reduziram o seu âmbito de vigência (aplicabilidade). 3.1) A Lei 8.666/1993 como a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos Quando foi editada, a Lei 8.666/1993 era basicamente a única lei sobre licitações e contratos administrativos. Odiploma contempla as normas mais gerais sobre esses temas, o que justifica a sua qualificação como a Lei Geral de Licitações e Contrataçôes Administrativas. Com o passar do tempo, foram sendo editadas diversas outras leis com objeto específico. Essas leis não revogaram a Lei 8.666/1993, mas reduziram o âmbito de sua aplicação. É relevante fazer referência a algumas dessas leis especiais. 3.2) As Leis de Concessões de Serviço Público Os contratos administrativos podem ser classificados em dois grandes grupos, tal como exposto nos comentários ao art. 54, adiante. Há os contratos de colaboração, que compreendem basicamente as obras, os serviços, as compras e as alienações. Esses contratos são disciplinados especificamente (ainda que não exclusivamente) pela Lei 8.666/1993. E existem os contratos de delegação, tal como a concessão de serviço público. Em 1993, existiam apenas alguns dispositivos esparsos sobre esse tipo de contrataçâo. Como decorrência, havia a tendência a submeter as concessões e permissões de serviço público ao regime da Lei 8.666/1993. Foi editada, então, a Lei 8.987/1995, que consiste na Lei Geral de Concessões de Serviços Públicos. Posteriormente, surgiram diversas outras leis versando sobre concessões de serviço público em setores específicos. A Lei 8.666/1993 aplica-se de modo subsidiário a esses contratos, naquilo em que couber, tal como consta de seu art. 124. Rigorosamente, no entanto, as soluções previstas na Lei 8.666/1993 são incompatíveis com as características dos contratos de concessão de serviços públicos. 3.3) A Lei do Pregão (Lei 10.520/2002) A Lei 10.520/2002 resultou da conversão da MP 2.182/2001 (que havia sido antecedida da MP 2.026/2000). O pregão consiste numa modalidade específica de licitação, orientada essencialmente a contratações de objetos destituídos de peculiaridades, em que a seleçâo da proposta mais vantajosa se realiza pelo critério de menor preço. Verifica-se uma utilização crescente do pregão, o que significa a reduçâo da aplicação das modalidades licitatórias previstas na Lei 8.666/1993. No entanto, há uma pluralidade de temas atinentes ao pregão que continuam a ser disciplinados pela Lei 8.666/1993. 3.4) A Lei dos contratos de publicidade (Lei 12.232/2010) Os contratos governamentais de publicidade apresentam características diferenciadas, embora se configurem como contratos de colaboraçâo. Originalmente, submetiam-se à Lei 8.666/1993, tal corno expressamente determinado no art. 1.°, ora examinado. No entanto e especialmente em virtude do chamado "Escândalo do Mensalão'; foi editada a Lei 12.232/2010, destinada a dispor especificamente sobre tais contratos. 16
MARÇAL JUSTEN FILHO
Art. 1.°
3.5) A Lei do RDC (Lei 12.462/2011) O Regime Diferenciado de Contratações Públicas —RDC foi instituído pela MP 527/2011, convertida na Lei 12.462/2011. Em princípio, destinava-se a dispor sobre licitaçôes pertinentes aos grandes eventos esportivos de 2013 (Copa das Confederações), 2014 (Copado Mundo de Futebol) e 2016 (Olimpíada e Paraolimpíada do Rio de Janei~,o). Ao longo do tempo, diversos diplomas admitiram a utilização do RDC para outras contratações. A Lei do RDC remeteu, em diversas passagens, à aplicação das normas da Lei 8.666/1993. 3.6) A Lei das Estatais (Lei 13.303/2016) Como já referido, a Lei 13.303/2016 regulamentou o art. 173, § 1°, da CF/1988, dispondo sobre as licitações e contratações promovidas pelas sociedades estatais empresárias. Algumas matérias continuam a ser disciplinadas pela Lei 8.666/1993. 4) A competência da União para editar normas gerais A lei federal disciplina as licitações e contrataçôes administrativas em todas as esferas federativas porque o art. 22, XXVII, da CF/1988 atribuiu à União a competência legislativa privativa para veicular normas gerais sobre essas matérias. 4.1) As normas gerais As normas gerais são editadas pela União, vinculantes para as demais órbitas da Federação, impondo disciplina uniforme quanto a temas de relevância fundamental, segundo uma avaliação de conveniência da Uniâo, respeitada a autonomia essencial dos entes federados. O instituto das normas gerais é um mecanismo previsto constitucionalmente para a redução da autonomia dos entes federais, segundo padrões vinculados à dinâmica dos fatos sociais. As normas gerais sobre licitação e contratação administrativa são veiculadas por meio de lei ordinária federal. A União dispõe de competência para alterá-las a qualquer tempo. Os demais entes federativos encontram-se a elas vinculados. 4.2) A margem variável de autonomia federativa A CF/1988 consagrou critérios de discriminação de competências federativas que podem ser qualificados como estáticos. Esses critérios estáticos constam do próprio texto constitucional e se fundamentam em circunstâncias materiais, espaciais e pessoais. Assim, certas matérias são reservadas à competência privativa de certa órbita federativa, tal como se passa com a produção legislativa. A União é titular da competência legislativa privativa para direito civil, direito comercial etc. Trata-se de um critério material de competência. Em outros casos, a competência é distribuída entre os entes federativos em vista do local geográfico em que se desenvolve o fenômeno relevante. Assim se passa, usualmente, com as competências municipais. A CF/1988 vale-se, em outros casos, de critério pessoal. Alguma qualidade diferenciada de um sujeito envolvido é utilizada como fundamento para a atribuição da competência a uma órbita federativa. Podem ser encontrados exemplos no campo da competência jurisdicional penal. Nessas diversas hipóteses, a CF/1988 distribui as competências segundo critérios abstratos, que se encontram consolidados em nível constitucional. Mas esse modelo nem sempre é satisfatório. 17
Art. 1.°
COMENTÁRIOS À LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
O instituto da norma geral atribui à União a competência para, por meio de lei (no caso, ordinária), formular escolhas vinculantes para os demais entes federativos. A atribuição constitucional da competência para a Uniâo editar norma geral sobre licitação e contratação administrativa não foi acompanhada da determinação de limites precisos predeterminados. A CF/1988 investiu a União de autonomia para avaliar a conveniência quanto à extensão da vinculação a ser imposta às diversas órbitas federativas. Toda competência estatal apresenta limites e tal se passa também com o poder atribuído à União para editar normas gerais sobre licitação e contratação administrativa. 4.3) O primeiro aspecto da limitação: a ausência de competência privativa ilimitada
O primeiro aspecto do limite reside em que a CF/1988 não atribuiu à União a competência legislativa privativa para dispor ilimitadamente sobre licitação e contratação administrativa. A competência da Uniâo é restrita à edição de normas gerais. Não se trata de distinção irrelevante. O art. 22 da CF/1988 elenca as competências legislativas privativas da União. O elenco compreende, por exemplo, o direito civil, o direito comercial, o direito penal. Nessas matérias, a União foi investida do monopólio da competência legislativa. Os demais entes federativos não dispõem de qualquer competência legislativa. Mas o inc. XXVII do mesmo art. 22 da CF/1988 reservou à União a competência legislativa privativa para editar "normas gerais" em matéria de licitaçâo e contratação administrativa. Portanto, foi estabelecido um limite à competência legislativa privativa da União nessas matérias. Portanto, a União dispõe de competência legislativa para dispor sobre normas gerais, vinculantes de todas as esferas federativas. Ademais, cabe-lhe também a competência para editar normas específicas relativamente à sua própria órbita. Os demais entes federativos devem observar as normas gerais, mas são titulares do poder jurídico para editar as normas especiais relativamente às suas licitações e contratações. Apenas as "normas gerais"' são de obrigatória observância para as demais esferas de governo, que ficam liberadas para regular diversamente o restante, exercendo competência legislativa irredutívelpara dispor acerca das normas específicas. Não se contraponha que a CF/1988 não definiu o significado nem a extensão das normas gerais, atribuindo uma margem de autonomia para a União deliberar sobre esses temas. A autonomia da União não autoriza a modificação do modelo constitucionalmente adotado. A União não dispõe de competência para eliminar a competência legislativa dos demais entes. A fórmula adotada constitucionalmente significa a proteção de uma margem insuprimível de competência legislativa para os demais entes federativos. 4.4) O segundo aspecto da limitação: a autonomia federativa insuprimível
Portanto, há uma reserva de competência local, decorrente da estrutura federativa do Estado brasileiro, para dispor sobre licitações e contratos administrativos. Cada ente federal é titular de uma margem de autonomia mínima. Não haverá federação real e efetiva quando um ente for dotado de competência para interferir sobre os serviços e os interesses pertinentes a outro ente. A União não pode dispor acerca da estrutura organizacional interna e dos assuntos de peculiar interesse de Estados, Distrito Federal e Municípios. 1. Sobre o tema, confira-se o artigo de Alice Gonzales Borges,"Normas gerais nas licitações e contratos administrativos'; Revista de Direito Público 96/81-93. São Paulo: Ed. RT, out.-dez., 1990. 18
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É indefensável que a Constituição tenha consagrado inúmeras regras e princípios acerca da Federação e, simultaneamente, outorgue à União competência para interferência ilimitada nos assuntos internos dos outros entes federais. Aliás, se tal vontade constitucional existisse, exteriorizar-se-ia em disposições de grande relevo e relacionadas com a organizaçâo federal brasileira. Isso não ocorreu e a Constituição, ao dispor sobre Estados, Distrito Federal e Municípios, ressalvou de modo explícito sua autonomia em face da União. Portanto, o conceito de norma geral não é sobreponível ao de Federação. As competências locais derivadas da organização federal não podem ser limitadas através de lei da União, destinada a veicular normas gerais. Em termos ainda mais diretos: norma geral não é instrumento de restrição da autonomia federativa. Daí se extrai que todas as regras acerca de organizaçâo, funcionamento e competências dos organismos administrativos locais não se incluem no âmbito de normas gerais. A lei federal disciplina oprocedimento administrativo, mas não institui órgãos nem interfere sobre os assuntos de peculiar interesse local. Por exemplo, é inviável considerar como norma geral uma regra acerca da gestão de bens públicos de entes federativos. Do mesmo modo, a natureza federativa do Estado brasileiro impede que a Uniâo estabeleça regras acerca de doação de bens estaduais ou municipais. 4.5) Temas compreendidos no conceito de normas gerais A fórmula "normas gerais'; utilizada pela Constituiçâo no tocante a licitações e contratos administrativos, não permite uma interpretação de natureza "aritméticá: Ou seja, não existem critérios abstratos e gerais bastantes e suficientes para diferenciar normas gerais e nâo gerais. A distinção deve ser feita em vista das características da matéria disciplinada. Norma geral sobre licitação e contratação administrativa é um conceito jurídico indeterminado cujo núcleo de certeza positiva compreende a disciplina imposta pela União e de observância obrigatória por todos os entes federados, atinente à disciplina de: a) requisitos de validade da contratação administrativa; b) hipóteses de obrigatoriedade e de nâo obrigatoriedade de licitação; c) requisitos de participação em licitaçâo; d) modalidades de licitação; e) tipos de licitação; f) regime jurídico da contratação administrativa. 5) A Lei 8.666 e as normas gerais (nacionais) e especiais (federais) A Lei 8.666/1993 veicula normas gerais e normas não gerais (especiais) sobre licitações e contratos administrativos. As normas gerais são aquelas que vinculam a todos os entes federativos, enquanto as normas especiais são aquelas de observância obrigatória apenas na órbita da União. O grande problema reside na ausência de uma distinção formal explícita no texto da Lei 8.666/1993 entre as normas gerais (nacionais) e as federais (específicas da União). O reconhecimento da natureza não geral de uma determinada norma contida na Lei 8.666/1993 não significa a sua invalidade. Em tal hipótese, o dispositivo será vinculante exclusivamente para a órbita da União, sendo facultado aos demais entes federativos adotar disciplina diversa. 19
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6) A ausência de exaustão da competência legiferante federal A edição da Lei 8.666/1993 não produziu a "exaustâo" da competência legislativa federal para editar normas gerais sobre a matéria. Nada impede que a União edite outras leis, disciplinando 0 mesmo tema. A competência para produzir "normas gerais" não significa o dever de concentrar todas elas em um único diploma legislativo. Aliás, e como as normas gerais sobre licitações e contratações administrativas não demandam lei complementar, é descabido presumir que uma lei federal posterior encontraria algum obstáculo para disciplinar a mesma matéria. A Lei 8.666/1993 não é hierarquicamente superior a outra lei ordinária. Por isso, é perfeitamente constitucional que outra lei federal contenha normas gerais sobre a matéria. Se for incompatível com aquelas constantes da Lei 8.666/1993, aplicar-se-ão os princípios da posteridade (a lei posterior revoga a anterior, quando for com ela incompatível) e da especialidade (a lei especial não revoga a geral, nem vice-versa). No exercício dessa competência, a União editou novas leis veiculando normas gerais sobre licitações. Um exemplo é a Lei 10.520/2002, que dispôs sobre o pregão. 7) A questão prática A dificuldade inerente ao processo legislativo conduziu muitos entes federativos a não editarem normas próprias e a incorporarem automaticamente adisciplina adotada na órbita federal. Mas tem ocorrido a tendência à produçâo de leis locais pertinentes a licitações, introduzindo inovações relevantes. A questão mais conhecida envolveu a alteração da ordem procedimental prevista na Lei 8.666/1993. A primeira iniciativa nesse campo coube à Lei do Estado da Bahia,Z cuja inovação mais marcante residiu na previsão de que o julgamento da habilitação seria posterior à escolha da proposta vencedora (art. 78 da Lei 9.433/2005). Tal inovação também foi seguida na Lei 15.608/2007 do Estado do Paraná, na Lei 13.121/2008 do Estado de São Paulo e na legislação de outros entes federativos. Essa soluçâo foi reputada como válida pela maioria dos estudiosos e não foi declarada inválida pelo Poder Judiciário.3 8) A jurisprudência sobre o tema das normas gerais A disputa sobre o conceito de "normas gerais" no âmbito das contratações foi levada à apreciação do STF. Em diversas oportunidades, houve questionamento sobre a natureza de certos dispositivos legais. O STF não formulou uma solução ampla e satisfatória, aplicável a todos os casos. Lembre-se que negar a uma disposição da Lei 8.666/1993 a condição de "norma geral" não equivale anegar sua constitucionalidade. Odispositivo valerá como disposição específica no âmbito da União, liberando-se os demais entes federativos para disciplinar com autonomia a mesma matéria. A decisão mais antiga foi produzida na ADI 927/RS. O STF reputou constitucionais os arts. 1.° e 118 da Lei 8.666/1993 e a grande maioria dos dispositivos objeto de questionamento foi 2. Sobre o tema, confiram-se as obras de Edite Mesquita Hupsel e Leyla Bianca Correia Lima da Costa, Comentários àLei deLicitações eContratações do Estado da Bahia: Lei 9.433, de 01 de março de 2005, Belo Horizonte: Fórum, 2006; Edite Mesquita Hupsel, "A Lei Baiana de licitações e contratos administrativos —Lei 9.433/2005 frente às Normas Gerais da Lei 8.666/1993': Fórum de Contratação e Gestão Pública 46/6.168-6.172, Belo Horizonte,ano 4, out. 2005. 3. Até chegou a ser proposta a ADI 4.116 para se obter a declaração de inconstitucionalidade da legislação do Estado de São Paulo, relativamente à inversão das fases. No entanto, a ação teve seguimento negado por ilegitimidade daparte proponente (ADI 4.116/SP, rel. Min. Gilmar Mendes,j. em 20.07.2012, DJe de 06.08.2012). 20
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reconhecida como enquadrável no conceito de normas gerais. Mas entendeu que algumas disposições legais não eram normas gerais. Tais dispositivos foram reputados como normas exclusivamente federais. Ou seja, apenas apresentavam natureza vinculante no âmbito da União e de sua Administração direta e indireta. Jurisprudência do STF
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• "2. Somente a lei federal poderá, em âmbito geral, estabelecer desequiparações entre os concorrentes e assim restringir o direito de participar de licitações em condições de igualdade. Ao direito estadual (ou municipal) somente será legítimo inovar neste particular se tiver como objetivo estabelecer condições específicas, nomeadamente quando relacionadas a uma classe de objetos a serem contratados ou a peculiares circunstâncias de interesse local. 3. Ao inserir a Certidão de Violação aos Direitos do Consumidor no rol de documentos exigidos para a habilitação, o legislador estadual se arvorou na condição de intérprete primeiro do direito constitucional de acesso a licitações e criou uma presunção legal, de sentido e alcance amplíssimos, segundo a qual a existência de registros desabonadores nos cadastros públicos de proteção do con-
sumidor émotivo suficiente para justificar o impedimento de contratar com a Administração local. 4. Ao dispor nesse sentido, a Lei Estadual 3.041/05 se dissociou dos termos gerais do ordenamento nacional de licitações e contratos, e, com isso, usurpou a competência privativa da Uniâo de dispor sobre normas gerais na matéria (art. 22, XXVII, da CF)" (ADI 3.735/MS, Pleno, rel. Min. Teori Zavascki, j. em 08.09.2016, DJe de 31.07.2017). • "1. A competência legislativa do Estado-membro para dispor sobre licitações e contratos administrativos respalda a fixação por lei de preferência para a aquisição de softwares livres pela Administração Pública regional, sem que se configure usurpação da competência legislativa da União para fixar normas gerais sobre o tema (CRFB, art. 22, XXVII). 2. A matéria atinente às licitações e aos contratos administrativos não foi expressamente incluída no rol submetido à iniciativa legislativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo (CRFB, art. 61, § 1~, II), sendo, portanto, plenamente suscetível de regramento por lei oriunda de projeto iniciado por qualquer dos membros do Poder Legislativo. 3. A Lei 11.871/2002 do Estado do Rio Grande do Sul não engessou a Administração Pública regional, revelando-se compatível com o princípio da Separação dos Poderes (CRFB, art. 2°), uma vez que a regra de precedência abstrata em favor dos softwares livres pode ser afastada sempre que presentes razões tecnicamente justificadas. 4. A Lei 11.871/2002 do Estado do Rio Grande do Sul não exclui do universo de possíveis contratantes pelo Poder Público nenhum sujeito, sendo certo que todo fabricante de programas de computador poderá participar do certame, independentemente do seu produto, bastando que esteja disposto a celebrar licenciamento amplo desejado pela Administraçâo. 5.Os postulados constitucionais da efïciência e da economicidade (CRFB, arts. 37, caput e 70, caput) justificam a iniciativa do legislador estadual em estabelecer a preferência em favor de softwares livres a serem adquiridos pela Administração Pública. 6. Pedido dedeclaração de inconstitucionali-
dadejulgado Improcedente"(ADI 3.059/RS, Pleno, rel. Min. Ayres Britto, rel. p/acórdão Min. Luiz Fux, j. em 09.04.2015, DJ de 07.05.2015). • "(...) o constituinte estadual legislou em matéria reservada à União. 0 artigo 22, inciso XXVII, da Carta da República estabelece competir à lei federal a regulação de normas gerais sobre licitaçâo e contratação públicas. Consoante o artigo 175, inciso I, do Diploma Maior, cabe à legislação federal
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dispor sobre o regime das empresas concessionárias deserviço público, o caráter especial do contrato e da prorrogação bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão. Os preceitos concernentes ao término e às consequências do encerramento do contrato administrativo de concessão estão entre aqueles denominados gerais. Compõem o rol das regras destinadas a fixar diretrizes básicas que, homenageando os princípios norteadores da Administração Pública" (ADI 1.746/SP, Pleno, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 18.09.2014, DJe de 12.11.2014). • "0 Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Governador do Distrito Federal para declarar a inconstitucionalidade da Lei distrital 3.705/2005, que proíbe que firmem contrato com a administração pública direta e indireta do Distrito Federal as pessoasjurídicas de direito privado que discriminarem, na contratação de mão de obra, pessoas que estejam com o nome incluído nos serviços de proteção ao crédito (art. 1~), e estabelece providências a serem tomadas pela Delegacia Regional do Trabalho e por órgãos da administração distrital a fim de apurar e reprimir essa discriminação (arts. 2°, 3° e 4.°). Entendeu-se que o art. 1° da lei impugnada viola a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF/1988, art. 22, XXVII), bem como afronta o art. 37, XXI, da CF/1988, de observância obrigatória pelos Estados-membros, que estabelece que a disciplina legal das licitaçõesdeve assegurar igualdade de condições de todos os concorrentes, o que é incompatível com a proibição de licitar em função de um critério — o da discriminação de pessoas que estejam inscritas em cadastros restritivos decrédito —,que não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato objeto do concurso" (ADI 3.670/DF, Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 02.04.2007, DJ de 18.05.2007). • "0 Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República e declarou a constitucionalidade do art. 3°, e seus parágrafos, da Lei 9.262/1996, que autoriza a venda individual das áreas públicas ocupadas e localizadas nos limites da Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São Bartolomeu, no Distrito Federal, que sofreram processo de parcelamento reconhecido pela autoridade pública, dispensando os procedimentos exigidos pela Lei 8.666/1993. Entendeu-se que a lei impugnada reveste-se de razoabilidade e veio a solucionar situação excepcional —problema social crônico e notório vivido no Distrito Federal de ocupação sem controle dessas áreas —,gerada em função, inclusive, do histórico da implantação da capital da República. Considerou-se que a União, dentro dos limites de sua competência legislativa para tratar da matéria — CF/1988, art. 22, XXVII e art. 37, XXI, da CF/1988 —criou verdadeira hipótese de inexigibilidade de licitação, tendo em conta a inviabilidade de competição, porquanto o loteamentoserá regularizado exatamente com a venda para aquele que o ocupa (...).Aduziu-se, ademais, que o legislador demonstrou preocupação quanto a questão do plano urbanístico e ambiental, haja vista que o § 1° do seu art. 3°estabelece que as áreas só poderão se submeter ao processo de regularização sepassíveis de se transformarem em urbanas e depois de observadas as exigências da Lei 6.766/1979 —que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. Reportou-se, ainda, ao que decidido pela Corte no julgamento da ADI 1.330 MC/AP (DJ de 13.10.1995), em que as condições eram até muito mais favoráveis aos ocupantes, quase todos servidores públicos e aos quais se permitiu adquirir osimóveis sem licitação" (ADI 2.990/DF, Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, rel. p/ o ac. Min. Eros Grau,j. em 18.04.2007, DJ de 23.04.2007). • "0 art. 24 da CF/1988 compreende competência estadual concorrente não cumulativa ou suplementar (art. 24, § 2°) e competência estadual concorrente cumulativa (art. 24, § 3°). Na primeira hipótese, existente a lei federal de normas gerais (art. 24, § 1°), poderão os Estados e o DF, no uso da competência suplementar, preencher os vazios da lei federal de normas gerais, a fim de afeiçoá-la 22
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às peculiaridades locais (art. 24, § 2~); na segunda hipótese, poderão os Estados e o DF, inexistente a lei federal de normas gerais, exercer a competência legislativa plena `para atender a suas peculiaridades' (art. 24, § 3~). Sobrevindo a lei federal de normas gerais, suspende esta a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, § 4.~). A Lei 10.860, de 31.08.2001, do Estado de São Paulo foi além da competência estadual concorrente não cumulativa e cumulativa, pelo que afrontou a Constituição Federal, art. 22, XXIV, e art. 24, IX, § 2° e § 3°" (ADI 3.098/SP, rel. Min. Carlos Velloso, j. em 24.11.2005, DJ de 10.03.2006). Jurisprudência do TCU
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• "25.0 edital da concorrência definiu que a licitação seria realizada nos termos do Código de Licitações e Contratos do Estado do Maranhão (Lei 9.579/2012), com aplicação subsidiária da Lei 8.666/1993. 26. A utilização do código estadual, como visto no relatório que antecedeu este voto, ocasionou inversão na ordem de procedimentos, com análise da proposta de menor preço antes da verificação do atendimento das exigências de habilitação. 27. Tal fato ensejou ocorrências negativas, que seriam evitáveis se aplicado o diploma federal e que trouxeram prejuízos à Administração, tal como a anulação da concorrência, dada a impossibilidade de chamar a segunda colocada para continuar os serviços. 28. É importante ressaltar que, por se tratar de obra financiada com recursos da União, a utilização da legislação federal era inafastável" (Acórdão 2.205/2016, Plenário, rel. Min. Ana Arraes). • "(...) Município de São Paulo, ao editar a Lei Municipal 13.278/2012, que autoriza a prorrogação do prazo de vigência da ata de registro de preços por mais um ano, legislou concorrentemente, invadindo acompetência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitaçâo e contratação" (Acórdão 2.368/2013, Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler).
9) Regras extensíveis aos três Poderes A Lei 8.666/1993 aplica-se às três órbitas da Federação e vincula todos os Poderes dos entes políticos. A expressão `Administração Pública'; utilizada de modo generalizado, não significa "Poder Executivo". Os órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, do Tribunal de Contas e do Ministério Público desempenham atividade de natureza administrativa quando efetivam contratação com terceiros. Sujeitam-se, nessas hipóteses, aos princípios e regras atinentes à atividade administrativa do Estado. Portanto, estão subordinados à observância da Lei 8.666/1993. A questão foi objeto de interessante manifestação do TCU, em decisão atinente à autonomia da Câmara dos Deputados para dispor sobre as licitações e contratações administrativas em seu próprio âmbito. Na oportunidade, afirmou-se ser "Certo que aquela Casa do Legislativo detém a prerrogativa de organizar-se, respeitando os limites da Constituição e da lei; não pode, porém, haver uma extrapolação da competência autorizada pela Constituição. Cabe à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, a teor do art. 22, XXVII, obedecido o art. 37, XXI, da Carta Magna. Dessa forma, ao legislar internamente sobre matéria atinente à licitação em desacordo com a lei licitatória, a Câmara deixa de observar os citados mandamentos constitucionais" (Acórdão 430/2005, Plenário, rel. Min. Lincoln Magalhães da Rocha). A decisão não enfrentou uma questão relevante, relacionada à existência (ou não) de competência do TCU para apreciar a compatibilidade entre normas editadas pela Câmara dos Deputados e a Lei 8.666/1993. 23
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10) As licitações da Administração indireta Como exposto, a Lei 8.666/1993 originalmente disciplinava as licitações tanto da Administraçâo direta quanto da Administraçâo indireta. A Emenda Constitucional 19/1998 previu a edição de normas específicas para licitações e contratações por parte das sociedades estatais exploradoras de atividade econômica. Tais regras somente vieram a ser editadas por meio da Lei 13.303/2016. Essa situação gerou problemas com reflexos de longo prazo. 10.1) AAdministração direta A Administração direta é composta pelos entes políticos referidos na própria Constituição, que são dotados de personalidade jurídica de direito público. A Administração direta compreende a Uniâo, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Não cabe aludir a Territórios, eis que essa figura não apresenta aplicabilidade prática. A Administração direta se subordina às normas da Lei 8.666/1993 sobre licitação e contratação administrativa. 10.2) A Administração indireta A Constituição admite a criação de outros sujeitos administrativos, visando o exercício mais eficiente e apropriado das funções atribuídas aos sujeitos integrantes da Administração direta. Tais sujeitos não são dotados dos atributos próprios da Administração direta. A sua criação depende de previsão legislativa, a quem incumbe determinar a sua organização, as suas funções e a sua margem de autonomia. 10.3) Personalidade jurídica de direito público e privado A Administração indireta compreende pessoas jurídicas dotadas de personalidade jurídica de direito público e outras investidas de personalidade de direito privado. Encontram-se na primeira categoria as associações públicas, tais como as autarquias e os consórcios públicos com personalidade de direito público. Também podem ser referidas as fundações com natureza de direito público. Já a segunda categoria envolve as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as fundações públicas com personalidade de direito privado, os consórcios públicos de direito privado e outras entidades privadas sob controle direto ou indireto de uma pessoa estatal. 10.4) A previsão constitucional de tratamento diferenciado Como anteriormente exposto, o art. 22, XXVII, da CF/88 (com a redação da EC 19/1998) previu que a generalidade da Administração Pública se sujeitaria ao regime do art. 37, XXI. E determinou que as entidades estatais organizadas segundo modelo empresarial se subordinassem a urn tratamento diferenciado. 11) As autarquias em geral As autarquias subordinam-se ao regime jurídico de direito público atribuído à Administração direta. As normas sobre licitação e contratação administrativa que disciplinam a atuação das autarquias são as mesmas que dispõem sobre a atuação da Administração direta. No entanto, existem algumas peculiaridades que demandam algum aprofundamento, conforme exposto adiante. 24
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12) As agências reguladoras As agências reguladoras são autarquias sujeitas a regime especial, caracterizado pela autonomia reforçada quanto à sua gestão, assim como a titularidade de competências normativas diferenciadas. Estão sujeitas às normas da Lei 8.666/1993, que a elas reserva algumas regras diferenciadas —tal como, por exemplo, um limite mais elevado para a dispensa de licitação. O STF rejeitou o cabimento de a Lei atribuir à agência competência para inovar o regime de licitações e contratações administrativas. Otema foi examinado a propósito da Lei 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações —LGT), que havia previsto um regime jurídico próprio e específico para algumas das contratações promovidas pela Agência Nacional de Telecomunicações — ANATEL. No caso, o art. 22, II, da LGT atribuía ao Conselho Diretor da ANATEL "aprovar normas próprias de licitação e contratação': O STF examinou a questão e rejeitou a existência de competência normativa autônoma para a autarquia disciplinar matéria pertinente a contratos e licitações Reputou que a competência da agência apresentava natureza regulamentar, devendo respeitar a disciplina legislativa cabível. Foi deferida a liminar para adotar interpretação conforme no sentido de que tal competência é "submetida às normas gerais e específicas de licitação e contratação previstas nas respectivas leis de regência (...)': Por outro lado, foi suspensa a aplicação de expressões que, no art. 119, autorizavam a Anatel a instituir procedimentos simplificados de licitação para outorga de permissões. O STF reconheceu a submissão da ANATEL às disposições da Lei 8.666/1993. Jurisprudência do TCU ~ ~/
• "(...) não merece prosperar a assertiva (...) de que a lei de regência para a aquisição de bens e outros tipos de serviços pela Anatel é a LGT. Tal norma, de fato,'regeu os pregões da entidade até a publicação da Lei 10.520/2002, momento em que a Agência deveria ter passado a se submeter às normas gerais de contratação para a modalidade, conforme decidido liminarmente pelo SupremoTribunal Federal: 13. Portanto, no âmbito da Anatel, deve ser utilizada, como regra, a modalidade pregão, em sua forma eletrônica, para a contratação de bens e serviços comuns, empregando-se o pregão presencial exclusivamente quando inquestionável a excepcionalidade prevista no art. 4.°, § 1~, do Decreto Federal 5.450/2005, devidamentejustificada nos autos do processo licitatório. (...) 15. A propósito, para a contratação de objetos não caracterizados como comuns, não enquadráveis, portanto, no regimejurídico da Lei do Pregão, aplica-se, a teor do caput do art. 54 da LGT, no âmbito da Anatel, a própria Lei 8.666/1993, norma geral de licitações e contratos. 16. Já no que diz respeito à atividade finalística da Anatel prevista no art. 210 da LGT, esta é a própria lei de regência para a realização de licitações, não se lhes aplicando as disposições normativas da Lei 8.666/1993 ('Art. 210. As concessões, permissões e autorizações de serviço de telecomunicações e de uso de radiofrequência e as respectivas licitações regem-se exclusivamente por esta Lei, a elas não se aplicando as Leis 8.666/1993, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, 9.074, de 7 dejulho de 1995, e suas alterações'). Donde se conclui que somente nesse contexto pode o Conselho Diretor da Anatel submeter-se à própria Lei 9.472/1997 para o exercício de sua competênciafixada pelo art. 22, II, da LGT" (Acórdão 2.753/2011, Plenário, rel. Min. José Jorge). • "8.Os arts. 55 a 58 da LGT disciplinaram os procedimentos a serem observados quando da utilizaçãodessas duas modalidades licitatórias, ressaltando-seque elas somente poderiam ser utilizadas em certames destinados à contratação de bens e serviços (exceto de engenharia), haja vista que 25
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o capuz do dispositivo legal transcrito acima remete os casos de obras e serviços de engenharia à égide da Lei 8.666/1993. Não se pode olvidar que os arts. 55 a 58 da LGT foram regulamentados pela Resolução 5/1998 —Regulamento de Contratações da Anatel —,norma expedida pelo Conselho Diretor da Agência. (...) 20. Proponho, assim, dar ciência à Anatel de que esta se encontra subordinada à Lei 8.666/1993 para a contratação de objetos não caracterizados como comuns, não enquadráveis, portanto, no regime jurídico da Lei 10.520/2002" (Acórdão 3.151/2011, Plenário, rel. Min. José Jorge). 13) Os conselhos profissionais Outro tema de grande complexidade refere-se aos conselhos profissionais (OAB, Cl2M, Crea e assim por diante), tradicionalmente qualificados pela lei como autarquias especiais. 13.1) A colocação do problema Na sua quase totalidade, essas entidades foram constituídas como autarquias federais. O art. 58 da Lei federal 9.649/1998 eliminou o cunho autárquico dessas entidades. Mas o STF declarou ainconstitucionalidade do dispositivo no julgamento da ADI 1.717. Foi reconhecida a natureza de direito público dessas entidades. No entanto, é problemático reconduzir a atividade por elas desenvolvidas àquela atuação peculiar e própria do Estado, inclusive porque sua submissão aos postulados inerentes à organização administrativa poderia resultar na frustração de seus fins institucionais. Há interesse coletivo na sua atuação, mas muito mais na acepção de perseguição dos fins comuns a determinadas categorias. Exatamente por isso, essas entidades são geridas com total autonomia pelos integrantes da categoria, sendo incabível a intervenção estatal sobre a sua atuação. Jurisprudéncia do STF
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• "Direito Constitucional e Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade do art. 58 e seus parágrafos da Lei federal 9.649, de 27.05.1998, que tratam dos Serviços de Fiscalização de Profissões Regulamentadas.1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3~ do art.58 da Lei 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do caput e dos §§ 1°, 2°, 4.°, 5°, 6°, 7° e 8° do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos arts. 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da CF/1988, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, autua entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime" (ADI 1.717/DF, rel. Min. Sidney Sanches,j. em 7.11.2002, DJ de 28.03.2003).
13.2) A incidência do regime jurídico próprio das autarquias A qualificação do conselho profissional como autarquia acarreta a incidência de diversos dispositivos constitucionais pertinentes. Entre eles, está o art. 37, XXI, que impõe a observância da licitaçâo como requisito para as contratações realizadas. 26
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Art. 1,°
Jurisprudência do TCU
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• "0 achado 3 do relatório foi descrito como'insuficiência de atuação do Coren/MS em sua atividade fim, com aplicação de menos de 7% de suas receitas em fiscalização: É oportuno realçar que, no momento em que autorizei a realização dessa FOC (Fiscalis 549/2016), destaquei a importância de se avaliar também a dimensão do universo de profissionais sobjurisdição dessas autarquias, assim como obter informações sobre a quantidade de fiscalizações e apurações específicas (denúncias, representações) pertinentes ao cumprimento do bom exercício da profissão, quantidade de processos instaurados e respectivos resultados. Considerando a ausência de trabalhos sistêmicos desta Corte com relação àárea-fim dos conselhos, seria essa uma ótima oportunidade para obtenção de dados sobre a atividade finalística e o cumprimento dos objetivos institucionais estabelecidos em lei e para, posteriormente, avaliar, estudar, recomendar ou determinar a adoção de medidas que possam contribuir para o aperfeiçoamento institucional e o melhor exercício das finalidades que justificam a existência dessas autarquias" (Acórdão 692/2018, Plenário, rel. Min. Weder de Oliveira). • "4.1. A unidade técnica rebateu cada uma das alegações utilizando farta jurisprudência deste Tribunal, especialmente a que se refere à natureza autárquica dos conselhos das profissões regulamentadas — e como tal a necessária obediência às normas de direito público — e às situações onde há amparo legal para se admitir a contratação direta, seja por inexigibilidade, seja por dispensa de licitação com base em situação emergencial" (Acórdão 4.196/2011, 1.a Câm., rel. Min. Ubiratan Aguiar).
13.3) A posição diferenciada da OAB O STF consagrou uma discriminação questionável, assegurando à OAB um regime jurídico diferenciado e anômalo. Reconheceu que a referida entidade apresenta natureza autárquica, mas se configura como uma autarquia rui generis. A questão foi discutida a propósito do regime jurídico dos servidores. Mas o entendimento implica também a ausência de incidência do dever de licitar, tal como a inaplicabilidade do regime de contratação administrativa. Jurisprudência do STF
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• "3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como'autarquias especiais'parapretender-reafirmar equivocada independência das hoje chamadas'agências' 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não vinculação é formal e materialmente necessária. 6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça (art. 133 da CF/1988). É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. 27
Art. 1.°
COMENTÁRIOS A LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. 8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. 9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o art. 37, II, da Constituição do Brasil ao caput do art. 79 da Lei 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB. 10. Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabaIhistapela OAB. 11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade" (ADI 3.026/DF, rel. Min. Eros Grau, Pleno, j. em 08.06.2006, DJ de 29.09.2006). O STF entendeu que a OAB não integra a Administração Pública, o que afastou a sua submissão ao regime correspondente. Logo, as determinações constitucionais atinentes a concurso público para provimento de cargos e de licitação prévia para contrataçôes não alcançam a OAB. Reputa-se que a conclusão atingida é correta, mas se discorda do fundamento. A peculiaridade da OAB não reside propriamente em congregar advogados (qualificados pela Constituição como essenciais à administração da Justiça). O aspecto essencial consiste em que a OAB, como toda e qualquer entidade reguladora do exercício de profissões, constitui uma manifestação da autonomia privada e se encontra investida de competências tipicamente públicas. 13.4) A posição jurídica dos demais Conselhos de Profissões O STF rejeita a extensão do tratamento adotado quanto à OAB para os demais Conselhos Reguladores de profissôes, que são qualificados como autarquias comuns e subordinados ao regime correspondente. Jurisprudência do STF ~ ~%
• "1. Nos termos da jurisprudência do STF, os conselhos de fiscalização profissional têm naturezajurídica deautarquias uma vez que desenvolvem atividade típica de Estado, de modo que se revela inviável, sem a realização do procedimento administrativo prévio, a dispensa do servidor público concursado" (AgRg no ARE 1.124.653/DF, 2 a T., rel. Min. Edson Fachin, j. em 23.11.2018, DJe de 04.12.2018). • "(...) Ao afirmar não ser uma autarquia o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo, o Tribunal a quo divergiu do que assentado por este Supremo Tribunal. Conquanto haja discussão doutrinária quanto à classificação de autarquia propriamente dita, autarquia em regime especial e autarquia corporativa peculiar, este SupremoTribunal sedimentou o entendimento de que os conselhos regionais e os conselhos federais de profissão são autarquias. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 641, relator para o acórdão o Min. Marco Aurélio, DJ 12.3.1993, este Supremo Tribunal asseverou serem os Conselhos de fiscalizaçâo profissional autarquias inseridas na estrutura do Poder Executivo Federal (...). No julgamento do Mandado de Segurança 22.643, relator o Min. Moreira Alves, DJ 04.12.1998, mais uma vez este SupremoTribunal 28
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Art. 1.°
manifestou-se pela natureza jurídica de autarquia dos conselhos de profissão (...). Consta do voto condutor desse julgado: `Esses Conselhos - o Federal e os Regionais -foram, portanto, criados por lei, tendo cada um deles personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira. Ademais, exercem eles a atividade de fiscalização de exercício profissional que, como decorre do disposto nos arts. 5°,XIII, 21, XXIV, e 22, XVI, da CF/1988, é atividade tipicamente pública. Por preencherem, pois, os requisitos de autarquia, cada um deles é uma autarquia, embora a Lei que os criou declare que todos, em seu conjunto, constituem uma autarquia, quando, em realidade, pelas características que ela lhes dá, cada um deles é uma autarquia distinta..: Dessa forma, há que se considerar o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo uma autarquia (...)" (RE 559.814/SP, decisão monocrática, rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 17.09.2009, DJe de 28.09.2009). 13.5) 0 entendimento adotado A orientação adotada pelo STF reflete a concepção do monopólio estatal de todos os poderes públicos, negando-se a existência de atividade administrativa pública no âmbito dos particulares. Essa orientação não merece adesão. A evolução do ordenamento jurídico e da organização social evidencia a existência de entidades privadas investidas de competências públicas. E os Conselhos Profissionais são uma demonstração da procedência dessa asserção. São titulares de poderes de natureza pública, no âmbito de um segmento específico de sujeitos privados. Não existe fundamento para o STF restringir o seu entendimento apenas para a OAB. Existe uma contradição invencível no tratamento diferenciado entre a OAB e os demais Conselhos Profissionais. Adecisão do STF relativamente à OAB merece aplausos, ainda que se discorde da fundamentação adotada. No entanto, a orientação deveria ser estendida a todos os demais Conselhos Profissionais. 14) As fundações com personalidade de direito público Admite-se a existência de fundações com personalidade jurídica de direito público, que não se confundem com as fundações de direito público -que, embora criadas e mantidas com recursos públicos, são dotadas de personalidade de direito privado. As fundações com personalidade de direito público se subordinam, usualmente, ao regime jurídico próprio das autarquias, mas não existe impedimento a que a lei que instituir a fundação adote variações diferenciadas. No entanto e para fins de licitação e contratação pública, o regime das fundações com personalidade jurídica de direito público e das autarquias será similar. 15) Os consórcios públicos (Lei 11.107/2005) A Lei 11.107, de 6 de abril de 2005, regulamentou o art. 241 da CF/1988 e dispôs sobre os consórcios públicos. Essas entidades, que podem ser dotadas tanto de personalidade jurídica de direito público como de direito privado, destinam-se a ser instrumento de conjugação de esforços entre entes federativos distintos. Os consórcios públicos integram a Administração indireta de todos os entes que se associaram para a sua formação. Ditos consórcios públicos poderão firmar convênios com as pessoas públicas de seus associados eterão investidos no desempenho de competências próprias dos entes consorciados. Para os efeitos do art. 1.° da Lei 8.666/1993, os consórcios públicos, com personalidade jurídica de direito público ou de direito privado, estarão sujeitos à obrigatoriedade de licitação para 29
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promover as suas contratações. O art. 7.°, § 1.°, do Dec. 6.017, de 11 de janeiro de 2007, é claro no sentido de determinar a obrigatoriedade da observância das normas licitatórias de direito público ainda que o consórcio seja constituído com personalidade de direito privado.' 16) As sociedades estatais O art. 37, XIX e XX, da CF/1988 autoriza que os entes políticos constituam entidades organizadas sob forma societária e dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Essas entidades podem ser constituídas como empresas públicas, sociedades de economia mista ou sociedades subsidiárias. 16.1) As empresas públicas As empresas públicas são pessoas jurídicas de direito privado, cuja constituição é autorizada por lei e cujo capital se encontra na titularidade de uma ou mais pessoas estatais. Usualmente, essas entidades adotam a forma e o regime jurídico de sociedades anônimas. Não existe participação de capital privado em tais entidades. O art. 3.° da Lei 13.303/2016 conceitua empresa pública como "a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei e com patrimônio próprio, cujo capital é integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios': O parágrafo único do mesmo artigo admite que outras entidades estatais, inclusive integrantes da Administração indireta, participem da empresa pública, desde que a maioria do capital social votante permaneça na titularidade de uma pessoa política. A legislação não previu uma forma societária específica para a empresa pública. Em princípio, a empresa pública adotará forma de sociedade anônima. 16.2) As sociedades de economia mista As sociedades de economia mista são sociedades anônimas sujeitas a regime jurídico específico, cuja criação é autorizada por lei e cujo controle se encontra na titularidade de uma ou mais pessoas estatais, com a participação de sócios privados. Destinam-se a congregar o capital público e os recursos de investidores privados. Segundo o art. 4.° da Lei 13.303/2016, a sociedade de economias mista é "a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração indireta': 16.3) As sociedades subsidiárias A lei pode autorizar que as sociedades de economia mista e as empresas públicas criem sociedades privadas controladas, referidas como subsidiárias daquelas. 16.4) 0 tratamento constitucional dicotômico Como exposto anteriormente, o EC 19/1998 consagrou tratamento dicotômico para as licitações econtratações promovidas pelas entidades integrantes da Administração Pública. Os sujeitos administrativos com personalidade de direito público sujeitam-se à Lei 8.666/1993. As sociedades estatais empresárias subordinam-se à Lei 13.303/2016. 4. "§ 1° Os consórcios públicos, ainda que revestidos de personalidade jurídica de direito privado, observarão as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos, admissão de pessoal e à prestação de contas:' 30
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16.5) A configuração como sujeito integrante da Administração Pública As sociedades de economia mista e as empresas públicas são assim qualificadas do modo direto por uma lei, tal como determina o art. 37, XIX, da CF/1988. A Lei 13.303/2016 não definiu poder de controle, restringindo-se a aludir à sua presença como requisito para a configuração de uma sociedade estatal. O diploma determinou, no seu art. 1.°, 4 6.°, o seguinte: "Submete-se ao regime previsto nesta Lei a sociedade, inclusive a de propósito específico, que seja controlada por empresa pública ou sociedade de economia mista abrangidas no caput': O Dec. Fed. 8.945/2016 regulamentou a Lei das Estatais no plano da Uniâo e adotou uma solução aparentemente diversa. No seu art. 2.~, IV, fixou a definição a seguir transcrita: "IV —subsidiária —empresa estatal cuja maioria das ações com direito a voto pertença direta ou indiretamente a empresa pública ou a sociedade de economia mista;" O tema tem despertado controvérsias relevantes, que conduziram à manifestação do TCU, objeto de exposição adiante. 16.6) A disciplina do poder de controle na Lei 6.404/1976 (Lei das S.A.) Os critérios para identificar a existência de controle societário encontram-se no direito privado. O art. 116 da Lei 6.404/1976 (Lei das S.A.) estabelece o seguinte: "Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhiá O art. 243, 4 2.°, da mesma Lei de S.A. adota solução distinta, ao fixar que: "Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores': Há uma diferença marcante nas duas definições. O art. 116 exige o exercício efetivo do poder proveniente da maioria das ações com direito a voto, de modo a dirigir de modo efetivo as atividades sociais e a orientar o funcionamento dos órgâos da companhia. Essa exigência não está prevista no art. 243, § 2.~. Mas ambos os dispositivos exigem requisitos cumulativos. A configuração do controle envolve a titularidade da maioria de votos para obter não apenas a preponderância nas deliberações sociais, mas também para eleger a maioria dos administradores. E vice-versa. Portanto, não se considera como titular do controle o sujeito que dispõe de maioria de votos no tocante à aprovação das deliberações sociais, mas não para indicar a maioria dos administradores. Por igual, não se configura como titular do poder de controle o sócio a quem for assegurada a indicação da maioria dos administradores, mas não a preponderância nas deliberações sociais. Mesmo que a redação dos dois dispositivos não seja idêntica, ambos exigem uma situação de estabilidade e permanência, de modo a assegurar a preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. 37
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A situação de maioria eventual de votos não configura o sujeito como titular do controle. Assim, por exemplo, suponha-se a realização de assembleia geral a que não compareça uma parcela significativa dos sócios titulares de votos. Como decorrência, as deliberações serão tomadas por maioria de votos dos presentes. Essa maioria relativa não atribui ao sócio a condição de controlador, eis que não se configura uma condição permanente e estável. Idênticas ponderações se aplicam no caso em que as participações societárias se encontrem dispersas no mercado, não existindo um determinado sócio titular da maioria delas. Mesmo se ocorrer o absenteísmo dos sócios, não se configurará como controlador o acionista que detiver a maioria relativa dos votos. Nem mesmo a continuidade de uma situação fática dessa ordem configurará aexistência do poder de controle. Enfim, incide a mesma orientação relativamente à situação de aquisição de direito de voto pelos titulares de ações preferenciais, em virtude da ausência de distribuição de dividendos por três exercícios subsequentes (Lei 6.404/1976, art. 111, § 1.°). Essa é uma situação transitória, que não se destina a ter continuidade, nem permite que o acionista preferencial faça prevalecer a sua vontade em longo prazo. A qualquer momento, ocorrendo a distribuição de dividendos, voltará a prevalecer a regra da ausência do direito de voto. 16.7) A disciplina do poder de controle no Código Civil Por outro lado, o tema foi tratado de modo amplo pelo Código Civil de 2002, que veiculou normas aplicáveis genericamente a todos os tipos de sociedade. No seu art. 1.098, o diploma adota a seguinte definição: "É controlada: I - a sociedade de cujo capital outra sociedade possua a maioria dos votos nas deliberações dos quotistas ou da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores; II - a sociedade cujo controle, referido no inciso antecedente, esteja em poder de outra, mediante ações ou quotas possuídas por sociedades ou sociedades por esta já controladas". O dispositivo reitera a previsão da Lei das S.A., exigindo a presença de requisitos cumulativos para a configuração de sociedade controlada. É indispensável a maioria de votos e, ademais, o poder de eleger a maioria dos administradores. Embora o art. 1.098 do Código Civil não se refira à existência de situação permanente, afigura-se que esse requisito é indispensável. Até se poderia reputar que o sócio que preencha - de modo transitório, precário eeventual - os dois requisitos contemplados no dispositivo, estaria subordinado aos deveres e responsabilidades inerentes ao controle. No entanto, não seria cabível afirmar a existência de uma sociedade controlada por outra -para efeito de aplicar um regime jurídico diferenciado - sem a existência de um vínculo permanente e estável de controle. 16.8) A orientação do TCU anterior à vigência da Lei 13.303/2016 O tema foi apreciado pelo TCU em diversas oportunidades, ainda que a propósito de controvérsias de outra natureza. Houve várias decisões anteriores à vigência da Lei 13.303/2016, que refletiram a evolução da orientação predominante relativamente aos requisitos para configuração da existência de controle estatal sobre uma sociedade. 16.8.1) 0 Acórdão 1.895/2015 No Acórdão 1.895/2015, o TCU entendeu que o critério fundamental para determinara titularidade do controle estatal sobre uma sociedade era a titularidade de ações que assegurassem a maioria dos votos: 32
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"49. Somente o controle majoritário concede ao Estado autonomia absoluta de direção e comando sobre a sociedade e permite caracterizar uma sociedade como controlada para fins de licitação econtratação, já que a participação minoritária e o controle compartilhado não conferem segurança jurídica quanto à caracterização do controle estatal. (...) 51. Deste modo, reafirmo em caráter peremptório que, para fins de aplicação do art. 24, inciso XXIII, da Lei 8.666/1993, deve-se entender por `controlada' a empresa em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto, em analogia ao conceito insculpido no art. 165, § 5°, inciso II, da CF/1988, que baliza a noção de empresa controlada para fins de direito público no nível infraconstitucional" (Acórdão 1.895/2015, Plenário, rel. Min. Bruno Dantas). 16.8.2) 0 Acórdão 1.220/2016 e julgados posteriores Posteriormente, o TCU tornou mais precisas as suas orientações, ainda que a redação do dispositivo do acórdão induza um entendimento que pode gerar problemas práticos muito relevantes. Cabe examinar com mais profundidade o entendimento consagrado: "64. Entende-se por acionista controlador aquele que é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria de votos nas deliberações e o poder de eleger a maioria dos administradores, eque utiliza efetivamente os seus poderes para dirigir as atividades sociais. Um bloco de controle, constituído por um grupo de sócios, deve agir de forma coletiva como se fosse uma só pessoa para ser caracterizado como acionista controlador. Nas situações em que o acionista majoritário celebra um acordo de acionistas, mas mantem para si os atributos do controle (maioria de votos nas deliberações sociais e poder de eleger a maioria dos administradores), deve continuar sendo considerado o acionista controlador" (Acórdão 1.220/2016, Plenário, rel. Min. Bruno Dantas). Na primeira parte do trecho transcrito, a decisão incorporou as formulações tradicionais do direito positivo. Na sequência, realizou uma avaliação mais específica relativa à temática do controle compartilhado, produzido por meio de acordo de acionista. Reconheceu que a mera existência de um acordo de acionistas de que participe a entidade administrativa não acarreta o reconhecimento do controle na titularidade do Estado. Essa é uma orientação que se afigura como plenamente correta. Indo avante, é adotado entendimento mais flexível, sendo afirmado o seguinte: "67. Aplicando os critérios previstos no art. 116 da LSA (também usados na minuta da Nova Lei Orgânica da Administração), creio ser defensável o entendimento de que acionista controlador éaquele sócio titular de direitos que lhe asseguram a preponderância nas deliberações sociais (maioria de votos nas assembleias) ou o poder de eleger a maioria dos administradores. Em face da ausência de definição legal ou normativa, aliada à inexistência de consenso sobre o assunto, deixo de propor a aplicação do requisito da permanência': Esse trecho contempla uma aparente contradição com os fundamentos anteriormente adotados no próprio voto. Toda a legislação societária brasileira determina que a titularidade do poder de controle depende da presença de pelo menos dois requisitos, a serem verificados de modo cumulativo. Trata-se da titularidade de participações societárias que assegurem a preponderância nas deliberações societárias e o poder de eleger a maioria dos administradores. Esse entendimento foi afirmado no primeiro trecho acima reproduzido. Mas, nessa segunda passagem, os dois requisitos deixam de ser tratados como cumulativos, passando cada qual a ser tratado como bastante e suficiente por si só. Alude-se a maioria de votos ou poder para eleger a maioria dos administradores. 33
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Talvez tenha ocorrido um simples lapso, mas se trata de uma questão fundamental. Mais precisamente, essa é uma matéria sujeita à disciplina legislativa. Não é cabível adotar uma interpretação inovadora, contrária à determinação legislativa expressa, sobre um tema de tamanha relevância. Ou seja, deve prevalecer a regra legal, que estabelece a necessidade da presença cumulativa dos dois requisitos. Mais adiante, a decisão desenvolve considerações de grande relevo: "72. Se o Estado vier a ser caracterizado como o controlador de uma empresa público-privada, haverá duas possibilidades: 1) ou se transforma a empresa público-privada em sociedade de economia mista, mediante autorização legal específica para tanto e aquisição da maioria das ações com direito a voto, nos termos do art. 5.°, inciso III, do Decreto-Lei 200/1967; ou 2) o Estado deverá se desfazer das ações e/ou direitos que lhe garantem a preponderância do poder de controle na empresa. Parece-me plausível que o prazo para cumprimento da segunda condição, na ausência de implemento da primeira, seja o mesmo que o anteprojeto da Nova Lei Orgânica da Administração propõe para situações similares: ao fim do exercício subsequente ao da assunção do controle (arts. 15, § 2.°, e 18, § 3.°)': O primeiro entendimento adotado merece reparos. A configuração fática dos requisitos do controle não significa o surgimento de uma sociedade de economia mista de fato, mas de uma sociedade controlada (subsidiária). A distinção tornou-se muito mais clara em vista da sistemática legislativa contemplada na Lei 13.303/2016. Tal como acima exposto, a sociedade de economia mista nâo se confunde com uma sociedade subsidiária. Em termos práticos, há uma distinção fundamental, eis que a sociedade de economia mista somente pode ser constituída mediante prévia e específica autorização legislativa. Já a subsidiária pode ser constituída mediante uma autorização legislativa setorial. Portanto, a existência do controle estatal sobre uma sociedade privada impõe a adoção das formalidades necessárias à sua transformaçâo ou em uma sociedade de economia mista ou em uma sociedade controlada. Existem exigências formais distintas e peculiares a cada um dos casos. A fixaçâo de um prazo para a eliminação do controle é uma solução muito relevante, eis que não é incomum que os requisitos do controle surjam numa situação concreta, mas sem que a tanto corresponda uma vontade estatal preordenada a tanto. Um exemplo simples é o aumento de capital mediante emissâo de novas ações em que um sócio privado deixe de exercitar o direito de preferência. Numa situação dessa ordem, o resultado prático poderá ser a aquisição involuntária pelo sócio estatal da maioria do capital social votante. A orientação adotada pelo TCU evidencia que a sociedade não será submetida de modo automático ao regime jurídico próprio das subsidiárias, desde que sejam adotadas providências para eliminar essa situação num determinado prazo. Embora oTCU não tenha feito remissão específica ao tema, trata-se de aplicar a determinação legal de que somente se configura o poder de controle quando o domínio da vontade do sócio sobre a sociedade se desenvolve de um modo permanente. Jurisprudência do TCU • "(...) Por essa razão, a jurisprudência desta Corte tem se consolidado no sentido de que a participação de empresa estatal no bloco de controle de empresa privada da qual é acionista minoritária, mediante celebração de acordo com o acionista majoritário, conferindo à estatal parcela de controle compartilhado, não a torna controladora da empresa participada, devendo esta concorrer nas licitações em condições de igualdade com as demais empresas do setor privado, sendo indevida sua contratação direta pela estatal com base no art. 24, inciso XXlll, da Lei 8.666/1993 (e.g.1220/2016 —Plenário)"(Acórdão 2.472/2017, Plenário, rel. Min. Aroldo Cedraz).
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O TCU não teve oportunidade de apreciar a questão em face dos dispositivos da Lei 13.303/2016, que apresenta algumas peculiaridades específicas. Pode-se estimar que, na sua substância, será mantido oentendimento pretérito. 16.9) Síntese A qualificação da sociedade como estatal funda-se no reconhecimento do vínculo de controle exercitado por um sujeito estatal. O conceito de poder de controle é próprio do direito societário e se encontra definido na legislação própria. É necessário conjugar as normas da Lei 13.303/2016 (e de seu Regulamento) e a jurisprudência do TCU com disciplina legislativa específica sobre o poder de controle. Não basta a titularidade da maioria do capital votante. É também indispensável o poder de indicar a maioria dos administradores. Na maior parte dos casos, a titularidade da participação majoritária implica também o poder para indicar a maioria dos administradores. Mas essa não é uma solução necessária. Há hipóteses em que as regras estatutárias contemplam soluções diversas, de modo que o sócio titular da maioria dos votos não dispõe do poder para indicar a maioria dos administradores. 17) Os diversos regimes jurídicos das sociedades estatais Existem regimes jurídicos diversos para as licitações e contratações das sociedades estatais, tomando em vista critérios específicos. 17.1) A distinção fundada na atividade desenvolvida A CF/1988 diferenciou o tratamento das sociedades conforme se dedicassem à exploração de atividade econômica ou a prestação de serviços públicos. Assim, o Banco do Brasil S.A. é uma estatal exploradora de atividade econômica, enquanto a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeronáutica - Infraero destinava-se a ser uma estatal prestadora de serviços públicos. Existe um terceiro grupo de empresas públicas, integrado por aquelas criadas para a prestação de serviços e o fornecimento de bens exclusivamente para a própria Administração. Essas entidades não prestam serviço público em sentido próprio e nâo exercem atividade econômica propriamente dita. São unidades administrativas organizadas sob forma de pessoa jurídica de direito privado. Atuam, por exemplo, no desenvolvimento de serviços de informática, planejamento urbano, controle de tráfego. Tais figuras não apresentam autonomia conceituai. Subordinam-se a regime jurídico de serviço público, apresentando grande proximidade com as autarquias. Ainda que não caiba reconhecer-lhes natureza autárquica, o regime jurídico a elas aplicável é o pertinente ao das empresas estatais prestadoras de serviço público. Não haverá referência específica a essa categoria de empresas estatais adiante, ressalvadas as hipóteses em que for cabível um esclarecimento diferenciado. 17.2) A distinção fundada no modo de organização A Lei 13.303/2016 diferenciou as sociedades estatais conforme adotem ou não modelo empresarial de organização e funcionamento. Incorporou os critérios previstos no Código Civil (que diferencia entre sociedades simples e sociedades empresariais). 18) 0 regime jurídico fundado na atividade desenvolvida A CF/1988 adota uma diferenciação no tocante à intervenção do Estado no domínio econômico, conforme se configure a prestação de serviço público ou a exploração de atividade econômica. 35
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COMENTÁRIOS A LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
18.1) 0 art. 175 da CF/1988 O art. 175 da CF/1988 estabelece que incumbe ao Estado a prestação dos serviços públicos. A referida prestação pode ser realizada diretamente pelo próprio Estado ou ser delegada a um terceiro por meio de concessâo ou permissâo. A prestação direta do serviço público pode ser realizada pelo Estado em nome próprio ou por meio de entidades integrantes da sua Administração indireta. Nessa última hipótese, o Estado pode atribuir a prestação do serviço público a uma sociedade estatal. Em tal hipótese, a sociedade estatal desempenhará atividade própria do Estado, atuando de modo substitutivo a ele. 18.2) O art. 173 da CF/1988 O art. 173 da CF/1988 admite que o Estado aplique os seus recursos para atuar no domínio econômico propriamente dito, reservado à iniciativa privada. O dispositivo constitucional restringe as hipóteses de cabimento dessa intervenção e determina que o Estado deverá valer-se de sociedades de direito privado, sendo vedados privilégios ou tratamento diferencial nâo extensível aos agentes privados. Quando a atuação da sociedade estatal fundar-se na previsão do art. 173, incidirá o regime jurídico próprio do direito privado. Mas essas sociedades continuarão sujeitas a promover licitação prévia a suas contratações, ainda que sob um regime jurídico diferenciado, tal como determinou a EC 19/1998 já referida. Jurisprudência do STF • "3. As empresas públicas que exercem atividade econômica sujeitam-se ao regimejurídico das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias" (AgRg no RE 689.588/G0,1?T., rel. Min. Luiz Fux,j. em 27.11.2012, DJe de 08.02.2013). • "2. As sociedades de economia mista e as empresas públicas que explorem atividade econômica em sentido estrito estão sujeitas, nos termos do disposto no § 1° do art. 173 da Constituição do Brasil, ao regime jurídico próprio das empresas privadas. 3. Distinção entre empresas estatais que prestam serviço público e empresas estatais que empreendem atividade econômica em sentido estrito. 4.0 § 1~ do art. 173 da Constituição do Brasil não se aplica às empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades (estatais) que prestam serviço público. 5. A intromissão do Poder Legislativo no processo de provimento das diretorias das empresas estatais colide com o princípio da harmonia e interdependência entre os poderes. A escolha dos dirigentesdessas empresas é matéria inserida no âmbito do regime estrutural de cada uma delas" (ADI 1.642/MG, Pleno, rel. Min. Eros Grau, j. em 03.04.2008, DJe de 18.09.2008). • "1. À empresa Brasileira de Correios eTelégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei 509/69 enão-incidência da restrição contida no art. 173, § 1°, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigaçõestrabalhistas etributárias" (RE 220.906/DF, Pleno, rel. Min. Maurício Corrêa, j. em 16.11.2000, DJde 14.11.2002). 36
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Jurisprudência do STJ
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• "3. As empresas estatais podem atuar basicamente na exploração da atividade econômica ou na prestação de serviços públicos, e coordenação de obras públicas. 4.Tais empresas que exploram a atividade econômica —ainda que se submetam aos princípios da administração pública e recebam a incidência de algumas normas de direito público, como a obrigatoriedade derealizar concurso público ou de submeter a sua atividade-meio aoprocedimento licitatório — não podem ser agraciadas com nenhum beneplácito que não seja, igualmente, estendido às demais empresas privadas, nos termos do art.173, § 2° da CF, sob pena de inviabilizar a livre concorrência. (...) 6. Por outro lado, as empresas estatais que desempenham serviço público ou executam obras públicas recebem um influxo maior das normas de direito público. Quanto a elas, não incide a vedação constitucional do art. 173, § 2.°,justamente porque não atuam em região onde vige a livre concorrência, mas sim onde a natureza das atividades exige que elas sejam desempenhadas sob o regime de privilégios. 7. Pode-se dizer, sem receios, que o serviço público está para o estado, assim como a atividade econômica em sentido estrito está para a iniciativa privada. A prestação de serviço público é atividade essencialmenteestatal, motivo pelo qual, as empresas que a desempenham sujeitam-se a regramento só aplicáveis à Fazenda Pública. São exemplos deste entendimento as decisões da Suprema Corte que reconheceram o benefício da imunidade tributária recíproca àEmpresa deCorreios eTelégrafos — ECT, e à Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia — CAERD. (RE 407.099/R5 e AC 1.550-2). 8. Não é por outra razão que, nas demandas propostas contra as empresas estatais prestadoras de serviços públicos, deve-se aplicar a prescrição quinquenal prevista no Decreto 20.910/32. Precedentes: (REsp 1.196.158/SE, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.8.2010, DJe 30.8.2010), (AgRg no AgRg no REsp 1.075.264/RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 2.12.2008, DJe 10.12.2008)" (REsp 929.758/DF, 2.a T., rel. Min. Humberto Martins, j. em 07.12.2010, DJe de 14.12.2010).
18.3) 0 objeto da atividade e o regime jurídico diverso O art. 173 da CF/1988 determina em que as sociedades exploradoras de atividade econômica não podem fruir de qualquer benefício não adotado relativamente aos agentes privados e suas contratações subordinar-se-ão ao mesmo regime aplicado para a iniciativa privada. Mas nâo existe imposição constitucional equivalente quanto às sociedades estatais prestadoras de serviço público. Portanto, infere-se que é constitucionalmente admissível que essas sociedades estatais sejam subordinadas a regime jurídico diferenciado, a elas se aplicando as normas reservadas para a atuação das pessoas administrativas titulares de personalidade jurídica de direito público. 19) 0 regime jurídico das estatais exploradoras de atividade econômica A Constituiçâo previu dois regimes jurídicos diversos para as licitações no tocante à Administração Pública. Há o regime próprio da Administração Pública dotada de personalidade jurídica de direito público e existe aquele reservado para as entidades com personalidade de direitos privado, constituídas sob forma de empresa. 19.1) Ressalva essencial: a superação para o futuro A demora na edição da lei prevista no art. 173, § 1.°, II, da CF/1988 deu oportunidade a uma pluralidade de controvérsias, relacionadas com a aplicação da Lei 8.666/1993 a licitaçôes 37